Arquitectura da Participação, Lições urbanas de territórios

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Arquitectura da Participação, Lições urbanas de territórios
Arquitectura da Participação,
Lições urbanas de territórios
emergentes
O debate chileno sobre a Légua de
Emergência
EURAU’12
ABSTRACT. This paper intends to provide an articulation of ideologies and urban
participation theories, with the purpose of finding conceptions that can help us get
through the adversities of the Portuguese cities, which are currently increasing
thanks to the economic crisis and big cities continuous growth.
As a collaborator of an architecture office settled in Santiago de Chile, that offered
to help the Chilean government solving a dramatic problem of urban violence in the
neighborhood of “La Legua”, I have had the opportunity of learning about an
attitude and operational method which are more pro-active and participated, than
the ones I knew from Portugal.
Supported by this practical experience and the ideological legacy of the Latin
American 1960-decade, rich in new theories and different ways of intervention, that
is still in the genesis of the actual south-american architect, I try to identify the
main problems of Legua de Emergencia and to understand how this spontaneous
neighborhood consolidated into one of the major problems of the Chilean
metropolis. Finally, I conclude some methodological lessons that could be useful
solving some current Portuguese cities' problems.
KEYWORDS. participation, infrastructure, public space, social equity, Légua de
Emergência.
Vitório Vasconcelos Leite
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto – Mobil Arquitectos
[email protected]
1. Introdução
Chegamos a um importante momento, crítico e simbólico, onde pela primeira vez o
número dos habitantes das cidades é maior que o número de habitantes nas áreas
rurais. Simultaneamente, a crise do subprime de 2006 propaga-se, deixando no
mundo um rastro de grandes incertezas, enfatizado pela recessão económica e pela
escassez de recursos.
Estas novas realidades reflectem-se no discurso arquitectónico e urbanístico de
forma evidente. De novo, arquitectos e pensadores reagem a esta situação
mediatizando e discutindo sobre práticas com incidência em preocupações politicas,
económicas e sociais. Parece estar a perfilar-se um renascer de certas reflexões,
talvez menos ideológica e politicamente pouco assumidas, mas que valorizam a
postura ética do arquitecto e a participação do habitante na construção do seu
entorno.
“Para os arquitectos, a descoberta do seu declínio como ideólogos activos, a
constatação das enormes possibilidades tecnológicas utilizáveis para racionalizar as
cidades e os territórios, juntamente com a constatação diária da sua dissipação, o
envelhecimento dos métodos específicos do projectar, mesmo antes de poder
verificar as suas hipóteses na realidade, geram um clima de ansiedade que deixa
entrever no horizonte um panorama muito concreto e temido como o pior dos
males: o declínio do “profissionalismo” do arquitecto e a sua inserção, já sem
obstáculos tardo-humanísticos, em programas onde o papel ideológico da
arquitectura é mínimo.” (TAFURI, 1985. 115)
Ao contrario do que se passou na Europa e nos EUA, onde os arquitectos,
influenciados pelo espírito consumista e pop se tornaram cada vez socialmente
menos preponderantes, no contexto latino-americano, desde a década de 1960, a
atitude pró-activa de arquitectos e urbanistas permanece relevante e a crítica
arquitectónica e o activismo académico estendem-se dos campos artísticos e
estéticos para o ético, o politico e o económico.
Esta forma de pensar a arquitectura está na base da criação de escritorios/grupos
de arquitectos actuais, como o “do-tank” Elemental ou o colectivo Supersudaka, e
está na génese do arquitecto latino-americano, que se apoia no legado ideológico
de teorias e formas de intervir, como o trabalho teórico de John F.C. Turner ou as
intervenções urbanas de Carlos Nelson dos Santos.
Como colaborador de uma empresa de arquitectura em Santiago do Chile, que se
propôs ajudar o governo chileno na resposta a uma reacção popular que se vem
intensificando no bairro La Legua, formalizada no pedido de ajuda do pároco local,
Gerado Ouisse, tive a oportunidade de conhecer uma postura disciplinar e um
método de actuação mais pró-activo, politizado e participado, do que aquele que se
foi observando em Portugal nos últimos anos.
Partindo desta experiência prática que vivi, e apoiado no legado ideológico
mencionado, tento identificar os principais problemas da Légua, procurando ainda
perceber como se consolidou este bairro, de natureza espontânea, na malha de
Santiago, e como se tornou um dos principais problemas da urbe chilena.
Sustentado neste diagnóstico, tento elaborar algumas premissas metodológicas,
que poderiam auxiliar na resolução do problema específico da Légua de
Emergência, e tirar algumas lições e concepções que poderiam ajudar a superar as
adversidades das cidades portuguesas, que são hoje enfatizadas pela crise e pelo
contínuo crescimento das cidades.
2. História e Antecedentes
O bairro da “Legua”, que se estabeleceu em 1931, com a chegada de trabalhadores
provenientes das salitreiras do norte do Chile, foi o resultado de um processo
natural de ocupação de solos agrícolas, que se transformavam em zonas
habitacionais. O paralelismo e alguma conectividade com a malha existente revela
alguma planificação desta primeira fase de ocupação heterodoxa, que segundo o
historiador Mário Garcés é a mais antiga do Chile. (GARCÉS, 2005)
A segunda fase da ocupação só aconteceu já na década de 1940 com a chegada de
vários grupos provenientes de tomasi antigas e outras ocupações informais de
Santiago, que formaram a Légua Nova e deram ao bairro uma maior organização,
permitindo a confirmação de um lugar urbano definitivo.
A terceira fase inicia-se em 1951 com um loteamento da Caja de Habitación,ii que
seria inicialmente uma ocupação provisória de habitação de emergência. Mais
tarde, o provisório transformou-se em definitivo e este assentamento tornou-se no
que hoje é vulgarmente apelidado de La Légua de Emergência, o sector mais
problemático do bairro.
Fig|1
Nesta etapa chegaram grupos de identidades muito distintas, compostos por dois
estratos: 200 famílias provenientes de um antigo bairro operário configurado por
conventillosiii muito degradados, que se fixavam a oriente de Santiago; E um
segundo grupo de famílias das ocupações callampas,iv da zona norte. Uma
organização que ainda hoje se percebe nas disputas pelo domínio territorial, entre
as famílias que habitam o bairro.
“A una “legua del centro de la ciudad, esta población ubicada en el sector de Santa
Rosa y San Joaquín, detrás de los grandes depósitos de la Coca Cola, fue escenario
de uno de los mayores combates del 11 de septiembre.” (GARCÉS, 200. 5)
Mais tarde, já nos anos 1970, a comunidade “legúina” destacou-se politicamente
por uma força maioritariamente de esquerda, que em Setembro de 1973, durante o
golpe militar, fez frente as forças de segurança pública, tornando a Legua num dos
bairros mais reprimidos pelo regime militar dos anos 70 e 80.
Segundo o sociólogo Rodrigo Ganter, esta situação contextual transformou a Légua
num enclave isolado com uma vasta e potente rede de organizações sociais,
culturais, económicas, de direitos humanos, politicas e religiosas, que lhe
permitiram criar estratégias para sobreviver à fome, ao desemprego e à repressão
e opressão do estado.
Simultânea e paralelamente a este desenvolvimento social interno, a história oral e
testemunhal também identifica a Légua como uma ocupação de choros,v que
inscrevem a contra-cultura urbana “legúina” no campo do delito a uma escala
urbana e internacional. Uma prática latente no tecido comunitário, muito
marginalizado e estigmatizado.
3. A emergência da Légua de Emergência
Apesar de se encontrar apenas a uma légua do sul do centro “santiaguino”, o bairro
da Légua tem uma qualidade de vida muito distinta da maior parte dos outros
bairros que se encontram à mesma distancia, apresentando problemas de
isolamento, descontinuidade urbana e ausência de espaço público de qualidade.
Factores que provocam a violência urbana, a falta de apropriação espacial e a falta
de um sentido comunitário.
Hoje em dia, a Légua é um bairro com cerca de 14000 habitantesvi e, a Légua de
Emergência, com cerca de 3000 habitantes, é o seu segmento mais marcado pelo
deterioro de redes associativas, tanto de sobrevivência, como de acção politica, o
que transformou o bairro numa comunidade fragmentada e debilitada nas suas
capacidades de produzir novas redes sociais e sociabilidades.
SANTIAGO CENTRO
LÉGUA
Fig|2
3.1. Segregação Urbana
A Légua de Emergência tem uma morfologia urbana muito particular caracterizada
por um perímetro fortemente delimitado, um “carácter encajonado” (GANTER,
2007), resultado de uma situação geográfica marcada por grandes avenidas e a
preponderância da malha industrial, que conforma o alçado dessas avenidas,
isolando a malha habitacional e provocando algumas características muito
complicadas e perigosas para alguns sectores do bairro, como as ruas sem saída,
as extensas fachadas não habitadas ou zonas muito ruidosas.
O tema dos terrenos industriais é um dos paradigmas mais complexos do território
“legúino”. Se por um lado se sustenta que estes territórios devem ser expropriados
para dar continuidade às ruas sem saída e criar menores sectores mono funcionais,
por outro lado deve entender-se que a indústria é um importante gerador de
fundos para o governo local e de trabalho para os moradores.
Para além deste problema físico, existe hoje em dia, um problema de
estigmatização, devido aos antecedentes sociais e aos acontecimentos mais
recentes, que resultaram em incidentes entre facções/famílias que lutam pela
hegemonia do tráfico de droga e as consequentes intervenções policiais.
Apesar de este estigma, construído por uma retórica social e institucional, os
habitantes na sua maioria tem vidas cheias de grandes lutas e sacrifícios, que
geraram a construção de algumas infra-estruturas básicas necessárias, e criaram
uma trama de afectos e inteligências colectivas que agora se articulam em novos
projectos de luta contra a exclusão social e as diferentes formas de violência
impostas.
Alguns colectivos como a Fúria Legúina,vii a OLEviii e eventos como o Carnaval de La
Legua,ix criam a ideia de que começam a existir alguns sinais de um “querer”mudar
a realidade actual.
3.2. Qualidade do espaço público
“ (…) nos encontramos en presencia de un territorio donde funciona un espacio
público que difícilmente se puede asociar con aquel lugar ideal de encuentro e
intercambio social multi-identitario, operando más bien como un espacio de
conflicto urbano entre fuerzas sociales de diverso linaje;” (GANTER, 2007)
Fig|3
Como nos esclarece Rodrigo Ganter, o espaço público da Légua é, hoje, um espaço
de disputa quase militar, de onde se pode observar uma guerra constante entre
moradores, Estado, policia e crime organizado.
Esta disputa, pela hegemonia cultural e urbana, contribui para a degradação de
todo o espaço público do bairro, o que por sua vez colabora para a degradação das
relações sociais e para a crescente dificuldade de apropriação espacial por parte
dos habitantes.
Como consequência, deixam-se as ruas ao abandono, quando estas poderiam ser o
ponto de encontro fundamental para dar força aos movimentos de reacção e
superação das dificuldades inerentes a todos os habitantes.
Esta realidade deve-se ao pouco investimento das instituições públicas, mas
fundamentalmente, à não apropriação espacial, que motivou o mau trato e o
abandono de tudo o que existe fora das suas casas.
Por estes motivos, agora, os habitantes tentam a pacificação do dito espaço,
através de alguns eventos culturais e manifestações criativas, no entanto, a
segregação urbana e a falta de qualidade do espaço público continuam a provocar a
sensação de estar longe de tudo, apesar da localização cêntrica.
Fig|4
4. (Re)solução urbana
4.1. Uma metodologia participativa
Nestas difíceis realidades, não existe uma receita que permita uma intervenção
simples e imediata e não se deve voltar a cair no errante legado moderno da tabula
rasa e da simples expropriação – construção, porque o foco problemático irá
trasladar-se para qualquer outro local. Estes bairros são um problema social e
urbano complexo, que deviam ser tratados dessa mesma forma, sendo
fundamental a participação efectiva da população. Não uma participação
dogmática, ou apenas uma busca de opiniões, mas uma co-produção no desenho e
na toma de decisões.
Tal como defende o arquitecto John F.C. Turner, é nas zonas urbanas mais
complexas que importa desenvolver uma participação mais profunda no desenho do
espaço urbano e da habitação própria, e não, como acontece normalmente, uma
mera recolha de dados e opiniões que funcione como um teste de modelos
estabelecidos ou um esclarecimento de algumas dúvidas mais funcionais.
Segundo Jorge Jáuregui, arquitecto do programa Favela Bairro,x não se deve falar
de uma resposta directa do arquitecto em relação as demandas dos habitantes,
mas sim de uma interpretação das necessidades e exigências que se devem
traduzir de uma forma coerentes no desenho final, criando assim uma maior
relação entre o especialista, o objecto de estudo e o produto final. (Jáuregui, 2011)
Só assim, fará sentido falar de sustentabilidade, ecologia urbana, cidadania e
sentimento de apropriação.
“Personal and local resources are imagination, initiative, commitment and
responsibility, skill and muscle-power; the capability for using specific and often
irregular areas of land or locally available materials and tools; the ability to
organize enterprises and local institutions; constructive competitiveness and the
capacity to co-operate. None of these resources can be used by exogenous or
supra-local powers against the will of the people.” (TURNER, 1976. 48)
Um projecto que tenha uma efectiva participação, seja na escolha de soluções e
materiais, na ajuda de definição de processos de desenho ou mesmo na construção
e decoração da obra, poderá provocar a assimilação de novos conceitos
contextuais. Um projecto em que a participação da população passe apenas pela
validação ou aprovação, dificilmente vai proporcionar um desenho de qualidades
sociais e arquitectónicas que levam as pessoas a apropriar-se dos espaços que
habitam.
Turner acreditava que esta liberalização e responsabilização poderiam mesmo criar
dinâmicas produtivas e racionais que levassem a uma transformação social. Uma
ensinança para outras liberações e emancipações, não estritamente relacionadas
com a melhora dos espaços que habitam, mas que poderia resultar na superação
de contextos adversos.
4.2. Integração urbana
Hoje, integrar a Légua na cidade de Santiago é um projecto urgente.
Apesar do contexto complicado, deverá apostar-se numa inteligente negociação
territorial entre habitantes, indústrias envolvidas e autoridades.
“Do jogo entre esses princípios espera-se o desempenho de uma infinidade de
discursos mais ou menos simples, mas sempre abertos, carregados de
possibilidades de eficiência funcional e poética. Desde o início, todos os agentes
produtores/moradores terão domínio das cartas que estarão jogando. Poderão
sentar-se à mesa sem muito medo. Ficará por sua conta providenciar jogadas cada
vez mais complexas.” (NELSON DOS SANTOS, 1988.67)
É, por isso, fundamental integrar o habitante na decisão e co-produção do projecto
e ganhar a sua confiança. Como defende Carlos Nelson dos Santos, existem alguns
aspectos vitais para que isso aconteça: ter bons informadores, visitar
recorrentemente o local de intervenção, apresentar as propostas de forma clara,
propor a participação e trabalho dos habitantes na obra e ajudar na manutenção e
no pós-obra.
Só considerando estes aspectos se poderão conhecer as principais necessidades da
população e traduzi-las num desenho coerente, que ajude a criar uma maior
relação entre especialista, objecto de estudo e o produto final.
Segundo Jorge Jáuregui, este desenho deverá iniciar-se por obras de confiança: o
melhoramento dos principais espaços públicos e a reabilitação das zonas mais
perigosas, para que o projecto se torne perceptível, tanto para os habitantes, como
para o exterior.
Fig|5
No caso da Légua, o eixo Jorge Canning/Comandante Riesle e a praça S. Allende
são os espaços mais visitados que podem, mais rapidamente, enriquecer a autoestima e o orgulho comunitário no espaço público do bairro.
Mais tarde, poderá pensar-se uma proposta de “expropriação cirúrgica” das
indústrias envolventes, que permita a permanência destas e que possibilite ao
mesmo tempo a conexão do bairro com as ruas importantes e avenidas próximas,
através de ruas de “fachadas habitadas”, da inserção da rede de transportes
públicos e a organização e reabilitação dos equipamentos culturais ou produtivos
importantes que contribuem para o desenvolvimento de economias locais.
“Ou seja, procurou-se intervir no sentido de suprir carências objectivas quanto aos
serviços e equipamentos necessários ao viver contemporâneo sem a imposição de
modelos preconcebidos, substituídos então pela preservação de valores e espaços
reconhecidos pela comunidade.” (CONDE, MAGALHÃES, 2004. 63)
Como defende Jorge Jáuregui,xi a localização e o carácter dos equipamentos que
são pensados para esta zonas são um tema muito complexo. E que deveriam
sempre mostrarem-se visíveis, centrais e capazes de criar novos pólos reunião, e
que não se encerrem por detrás de muros e redes, como acontece hoje em dia com
maioria dos equipamentos presentes no bairro.
Tal como acontece em casos actuais paradigmáticos,xii na Légua também se
poderiam propor equipamentos, ou outras soluções ou intervenções, que se
fixassem nas zonas mais perigosas, como o cruzamento de Pedro Alarcón com
Santa Rosa ou a passagem Mário Lanza. O novo espaço de recreação, que já está
programado realizar-se, o Raipillán,xiii poderia ser uma boa oportunidade para
ensaiar esta alternativa.
Nestes contextos, onde o espaço público é uma extensão da própria casa, é por
isso vital aliar à estratégia territorial um plano de uma rede de espaços públicos
bem articulados, que partilhem uma mesma linguagem, demonstrem um carácter
confortável e que se adaptem aos antigos costumes dos habitantes, como as feiras
livres,xiv os jogos, os estendais ou as parrillasxv e às mais específicas manifestações
artísticas, culturais ou religiosas, como os murais e os pequenos memoriais.
Uma estratégia que englobe todas estas premissas poderá não alterar de um dia
para o outro sociabilidades e realidades demasiado enraizadas no bairro, todavia
poderiam resultar num mecanismo importante para a revitalização da história, da
identidade e da auto-estima do bairro, que ajudasse a uma melhor e efectiva
integração social e espacial.
5. Lições e Conclusões
Os conceitos de cidade densa e integracionista e os princípios de arquitectura
participada parecem desvanecer-se, mas como nos explica o pensador urbano
François Ascher (ASCHER, 2001. 59), cada vez mais a cidade é determinada pelos
desejos e vontades dos habitantes. Esta espontaneidade urbana, que é a resposta
natural ao quotidiano das cidades, manifesta-se mais notoriamente nos bairros
estudados e trabalhados pelos arquitectos mencionados no artigo.
Na Légua, ao contrário do que acontece em outras zonas problemáticas das
grandes urbes latino-americanas, parecem já existir alguns elementos
fundamentais para a integração urbana e social, como trabalho, espaços para
desporto e um projecto de construção de um espaço cultural influente.
No entanto, o que pareceu escassear num certo momento foi o apoio para que
acontecesse o fenómeno integrador que identifica Ascher, ou seja, que se envolva a
população nas principais obras, para que finalmente se integre o bairro na cidade
envolvente e se chegue a um plano claro, que consiga reunir todos os agentes e se
inicie um processo que melhore a relação dos habitantes com o espaço público, que
mude de uma vez a imagem negativa que o bairro tem hoje.
Tal como aparenta ter sucedido durante a elaboração do plano da Légua de
Emergência, as instituições governativas deveriam deixar de vez as propostas top
down de soluções habitacionais obsoletas, ainda regularmente planeadas e
construídas pelo MINVU (Ministério de Vivienda y Urbanismo) quase sempre na
periferia de Santiago; E os planos reguladores, que, segundo o urbanista chileno
Ivan Poduje (PODUJE, 2011), parecem apenas funcionar como meros gestores de
edificação. Devendo antes, estar mais abertas a opções bottom-up, de maior
complexidade e adaptação contextual. Só assim, conseguirão criar intervenções
menos incipientes e se poderá criar uma consciência urbana colectiva que ajude as
cidades a crescer sustentadamente.
Tal como antecipa o sociólogo Alain Bourdin, o urbanismo renovar-se-á apenas
quando repensar as suas certezas. Nesse momento poderá começar a compreender
e organizar a sua ignorância em relação aos mosaicos das relações sociais e às
distintas paisagens culturais que formam a cidade. É, portanto, a partir de uma
postura pedagógica e com um carácter mais contextualista, que se poderá fazer
com que as intervenções urbanas e arquitectónicas contribuam para que a
cidadania crie uma consciência urbana e a cidade deixe de ser apenas um objecto
de especialistas.
A arquitectura e o urbanismo poderão não ser, nem oferecer, a solução para o
problema da Légua de Emergência, mas hoje, o facto de se não considerar estas
disciplinas de uma forma válida é também um dos motivos para este problema.
Este bairro em particular, por não ter sido pensado, nem tratado como parte da
cidade, levou a que se agravassem todos os problemas que já lhe seriam inerentes.
A existência de uma estratégia clara e coordenada segundo um desenho conjunto
entre habitantes, projectistas e autoridades, poderá levar a uma possível mudança
da imagem do bairro e alterar drasticamente a qualidade das ruas, praças e,
consequentemente, a vida das pessoas.
Na incerteza dos tempos actuais poderá sugerir um repensar e reinventar da nossa
postura e dos nossos métodos de trabalho, enquanto arquitectos ou urbanistas.
Neste contexto, talvez seja possível voltar a aprender com exemplos vindos de
outras realidades, que cada vez se assemelham mais à nossa, mas que
demonstram a importância de um postura mais pró-activa e política do arquitecto,
enquanto mediador e actor urbano, que procura estabelecer alguma equidade
social e ajudar na melhoria das cidades e da qualidade de vida das pessoas.
Talvez assim, se volte a acreditar numa arquitectura com um carácter mais social e
na importância de um método mais participativo, como forma de conseguir
alcançar novos limites para os processos arquitectónicos e urbanísticos e, quem
sabe, criar quotidianos mais humanistas e colectivos.
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i
Tomas são ocupações informais de terrenos agrícolas em volta de Santiago,
motivadas pela falta de habitação urbana, que fora provocado, segundo o sociólogo
Manuel Castells, pela crise das minas e do artesanato provinciano, pelo êxodo rural,
pela concentração administrativa e de serviços, pela busca por uma oportunidade
na industrializada capital.
A “Caja de habitación popular” é uma organização criada pelo governo chileno
para ajudar a conseguir créditos para a construção de habitação social.
iii
Conventillo é um tipo de habitação colectiva urbana, semelhante aos cortiços
brasileiros, em que famílias inteiras ou grupos de homens dividem quartos.
iv
“Población Callampa”, em português “bairro seta”, é o nome porque são
conhecidos alguns assentamentos informais chilenos, devido à rapidez com que se
multiplicaram nas décadas de 1960 e 1970.
v
A definição inicial para Choros, no Chile, é delinquentes com fama de valentes.
vi
Segundo Rodrigo Ganter (GANTER, 2007), a Légua tem una população total de
14.011 habitantes, 6.218 na parte mais antiga - Légua Vieja, 4.915 na parte mais
recente - Nueva Legua y o resto na Légua de Emergência.
vii
A Furia Legüina é um grupo de jovens que praticam a batucada, uma banda que
actua principalmente durante o Carnaval da Légua.
viii
OLE, rede de Organizaciones Sociales de La Legua de Emergencia, é formada por
várias organizações que operam no território, como os Amigos pela Paz, uma
organização que tem como objectivo acabar com o medo de usar o espaço público,
gerado pelas tiroteios e pelos grupos de narcotraficantes.
ix
O Carnaval dos 500 tambores pela Paz y a vida do bairro Légua, é um evento
muto participado, que, pelo menos durante 1 dia inteiro, volta a oferecer a rua aos
habitantes.
x
Favela bairro é um programa brasileiro de recuperação de favelas, naturalmente
descendente das intervenções de Carlos Nelson dos Santos no Rio de Janeiro.
xi
Comunicação pessoal com Jorge Mário Jáuregui, 1 de Setembro de 2011.
xii
O exemplo do Favela Bairro, em que Jáuregui trabalhou, é o exemplo mais
paradigmático destas inserções cirúrgicas. Servindo como exemplo para outras
estratégias que se seguiram por toda a América do Sul, como o plano de Medellín,
que levou a que esta cidade da Colômbia, outrora uma das mais perigosas do
mundo, começasse a ser um exemplo de como se poderia transformar radical e
positivamente um território urbano dominado pela violência e o crime organizado.
xiii
Raipillán é um grupo do bairro da Légua de folclore chileno.
xiv
Ferias libres ou Persas, são feiras que se organizam por todo o Santiago em
vários dias de semana, onde qualquer pessoa pode vender qualquer tipo de
produtos. Estas feiras são hoje mais de 200 e representam um parte importante da
economia urbana da cidade.
xv
Parrilla é o utensílio ou local onde se fazem os assados, refeições/comemorações
populares, que no Chile têm particular importância devido ao carácter mais
domestico e familiar dos hábitos lúdicos da população chilena.
ii
Legendas de imagens
Fig|1 Planta inicial da ocupação Légua de Emergência. In GANTER, Rodrigo (2010).
Fig|2 Planta de Santiago. Marcado o centro (negro) e o bairro da Légua (vermelho).
Fig|3 Fotografias de ruas sem saída. Esq: Mário Lanza; Dir: Rua Santa Catalina.
(Fotografias cedidas por Carole Gurdon, Mobil arquitectos).
Fig|4 Diagrama de diagnóstico. Planta do bairro da Légua.
Fig|5 Diagrama das premissas metodológicas. Planta do bairro da Légua.
Vitório Vasconcelos Leite is an architect, graduated in Faculdade de Arquitectura da
Universidade do Porto.
In 2010, he presented his master degree thesis, which was named: Architecture of
Participation, the debate about the participated habitat between the first and the
third world, 1960-2010.
During the developing of his master degree, he took part in the organization of
conferences and contests about Oporto’s historic centre, he participated in urban
intervention groups and he wrote some articles about urban intervention and
participation of inhabitants and Oporto city.
In November of 2011, he presented an article at Universidad Federico Santa Maria,
during the seminary “Megacities, the classic informal phenomenon in the LatinAmerican megacities.”
Between March of 2011 and august of 2012 he labored in a young office in
Santiago, Chile, “Mobil Arquitectos”, working mainly in the area of urban planning
and housing.

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