HABITAT O corpo e o espaço na dança e escultura contemporânea

Transcrição

HABITAT O corpo e o espaço na dança e escultura contemporânea
HABITAT
O corpo e o espaço na dança e escultura contemporânea – uma aproximação
Relatório e reflexão teórica do projecto
Autor: Volker Schnüttgen
HABITAT
O corpo e o espaço na dança e escultura contemporânea – uma aproximação
Relatório e reflexão teórica do projecto
Autor: Volker Schnüttgen
Projecto e Relatório submetidos para satisfação parcial dos requisitos do grau de Mestre em Arte
Multimédia
Projecto e Relatório realizados sob a supervisão da Professora Maria Beatriz Gentil Penha Ferreira
Professora Associada do Departamento de Design da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do
Porto
2
Dedicado a toda equipa envolvida na criação desta obra:
Arthur Stäldi, Constantin Popp, Eugénia Rufino, Fernando Almeida, Frieder Weiss, Joana Pires, Martin
Bellardi e Renate Graziadei.
Agradecimentos:
Professora Beatriz Gentil, minha orientadora, pelo apoio desde o primeiro momento até ao fim do
projecto;
O Espaço do Tempo que nos acolheu e prestou todo o apoio possível para a realização;
Galeria Arthobler pela organização da exposição;
Kirchhoff Automotive pelo seu apoio logístico.
Um abraço especial aos MausHabitos, Raffaela Galdi e Serafina Graziadei.
3
Resumo
Habitat, Volker Schnüttgen, LaborGras & Guests;
O Espaço do Tempo, Montemor-o-Novo; 2008
HABITAT é um projecto transdisciplinar entre a dança e a
escultura contemporânea concebido em cooperação com o
colectivo de dança LaborGras de Berlim. É planeado para ser
tanto uma performance como uma instalação escultural. Um
environment de objectos tridimensionais ocupa o espaço da
actuação. Cada um desses objectos esculturais tem o seu
espaço interior íntimo, que está equipado com um monitor. Estes
monitores são uma continuação virtual do espaço real das
esculturas e formam palcos virtuais para a coreografia. O espaço
virtual permite ao contrário da escultura materializada a
dinamização do espaço, alterando e modelando as perspectivas,
proporções e pontos da vista. A bailarina actua numa área
espacialmente reservada ao lado da zona da ocupação
escultural. Os temas da coreografia são os espaços
arquitectónicos do environment, tanto do real como do virtual.
Apesar da performer actuar fora destes espaços têm consciência
das características e limitações deles. A transmissão por vídeo
em tempo real ou com um certo atraso (que permite à bailarina
um encontro com o seu próprio passado recente) coloca o seu
corpo dentro da instalação escultural. Numa certa forma povoa os
lugares da instalação com a múltipla clonagem das suas
actuações. O espectador pode circular livremente no
environment, descobrindo os espaços íntimos dos ‘povoamentos’,
ou aproximar-se da performance. Não existe uma distância de um
palco entre público e performer. O processo da criação torna-se
transparente.
4
Abstract
Habitat, Volker Schnüttgen, LaborGras & Guests;
O Espaço do Tempo, Montemor-o-Novo; 2008
HABITAT is a trans-disciplinary project involving dance and
contemporary sculpture. The concept was developed in
collaboration with the dance collective LaborGras - Berlin. It has
been designed to be as well a performance or a sculpture
installation. An environment of three dimension objects fills the
performing space. Each sculpture has its small intimate interior
space which is equipped with a monitor. These monitors are a
virtual extent of the sculptures real space, and form virtual stages
for the choreography. Unlike the materialized sculptures, the
virtual space allows a different special dynamics, altering and
shaping perspectives, proportions and points of view. The dancer
perform in a determinate area next to the one occupied by the
sculptures. The architectonic environment, real and virtual,
becomes the theme of the choreography. The performer acts out
of these spaces nevertheless she is conscious of their
characteristics and limitations. By transmission of video in real
time or with a certain delay (who allows the dancer to
communicate with her recent past) her body occupies the
sculpture installation. In a certain way she inhabits the localities
by multiple clones of her performing. The audience can move
freely through the environment, discovering the intimacy of the
spaces of ‘settlements’ or getting closer to the performance.
There isn’t a gap between a stage, the audience and the
performer. The artistic process becomes transparent.
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Índice
1. Introdução
2. Transdisciplinaridade nas artes
2.1 Introdução de novas tecnologias nas artes performativas
2.2. Do “Gesamtkunstwerk” até à Multimédia
2.3. Film-Dance / Video-Dance
2.4. Multimédia nas artes performativas contemporâneas
3. Exposição do Projecto
3.1. Environment – Performance
3.2. A Coreografia
4. Realização do Projecto
4.1. Preparação do projecto
4.2. Elaboração do conceito artístico
4.3. Execução do environment escultórico
4.4. Criação do espaço virtual
4.5. Ensaios da interligação da coreografia, escultura e vídeo
4.5.1 Setup áudio
4.5.2. Montagem da instalação escultórica
4.5.3. Setup vídeo
5. Conclusão
6. Anexo
6.1. Glossário de adaptações informáticas ao espaço virtual e à
coreografia
6.1.1. Keying em tempo real
6.1.2. Máscaras activas por controlo do z-buffer
6.1.3. Organização das layers em função de uma perspectiva
correcta
6.1.4. Delay variável
6.2. Calendarização do projecto
6.3. Notas
6.4. Bibliografia
6.5. Links
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HABITAT
O corpo e o espaço na dança e escultura contemporânea – uma aproximação
Relatório e reflexão teórica do projecto
1. Introdução
O meu interesse para a dança nasceu no início dos anos 80,
quando estudava na Universidade de Artes em Bremen. Foi uma
época da grande fama do Tanztheater alemão, e o Bremer
Tanztheater dirigido pela coreografa Reinhild Hoffmann foi um
dos lugares mais inovadoras na dança contemporânea.
Kontakthof, Pina Bausch – Tanztheater Wuppertal
1978
Quando vi a peça “Kontakthof” (estreia 1978) de Pina Bausch (na.
1940) percebi a proximidade entre a escultura e a dança. Este
trabalho de Pina Bausch está caracterizado por cenas muito
estatuárias, uma preocupação de definir o espaço pela colocação
de corpos, muitas vezes parados ou com movimentos muito
lentos. Comparando com a escultura figurativa da mesma época
encontra-se facilmente afinidades: Os environments do artista
inglês John Davis (na. 1946) pareciam cenografias cristalizadas
no tempo, actores parados de um teatro do silêncio.
Entre estas marcas culturais da época comecei os meus estudos
de escultura, numa escola onde o corpo humano ainda estava no
centro das atenções. Partindo de uma fragmentação do corpo
desenvolvi uma articulação cada vez mais reduzida e construtiva.
Modelando o aspecto arquitectónico da escultura, criei uma
linguagem lapidar no sentido da origem da palavra (= que diz
respeito a lápide), esculpido nitidamente na pedra, à procura da
clareza.
Sem titulo, John Davies, 1974-77
Tive o privilégio de ter aulas de desenho durante os ensaios do
Bremer Tanztheater. Nesta altura conheci Arthur Stäldi que era
bailarino desta companhia. Arthur evidenciava-se dos seus
colegas por um profundo interesse e conhecimento das artes
plásticas. A nossa amizade baseou-se no nosso interesse de
ultrapassar as margens das nossas disciplinas.
Em 1989 fundou com a bailarina Rica Blunck a companhia de
dança COAX em Hamburgo. Cinco anos mais tarde criou com
Renate Graziadei, que vinha da Companhia S.O.A.P. (Frankfurt)
de Rui Horta, o Colectivo LaborGras. Em 2000 instalaram um
estúdio próprio em Berlim.
“Desde a fundação do colectivo os dois trabalham no sentido de
um laboratório onde interagem com representantes de outras
artes no campo experimental da dança. O interesse do
LaborGras é, investigar a dança como uma forma e linguagem de
arte própria, e localizar permanentemente novas posições entre a
tradição e a contemporaneidade. O seu trabalho concentra-se na
7
pesquisa do movimento, apostando na intuição do corpo, i.e. uma
dança que fala por si própria, que vive do momento, esquecendo
o seu passado, mas consciente da sua modelação. Para quebrar
os limites preconceituosos entre a dança e outros géneros das
artes, o LaborGras procura a colaboração com outros artistas.
Esta transição de limites pretende não ficar presa à própria
estética ou estilo, mas graças a esta confrontação, abrir novos ou
outros caminhos. O corpo do bailarino e o seu espaço tornam se
um lugar de um intercambio interactivo inovador.” (1)
Este pequeno texto programático mostra o conceito
transdisciplinar na obra de LaborGras. Consequentemente
experimentaram as novas tecnologias nas suas criações sem
perder o tema central do seu trabalho: o movimento do corpo no
espaço (veja 2.4. Multimédia nas artes performativas
contemporâneas)
A minha aproximação às novas tecnologias está ligada a um
acidente pessoal ocorrido no ano 1999, que me imobilizou
durante nove meses. Incapaz de criar esculturas materializadas
comecei experimentar ferramentas digitais – sobretudo
programas 3D – para a criação de objectos espaciais. A
capacidade de animar estas esculturas virtuais foi para mim a
primeira tentativa de introduzir o aspecto de movimento no meu
trabalho.
Drei Stelen für Bertolucci, Volker Schnüttgen, 1988
Escultura virtual, Volker Schnüttgen, 1999
O projecto HABITAT nasceu de uma longa troca de ideias e
conceitos entre LaborGras e o meu trabalho artístico. O espírito
experimental do colectivo cruzou-se com o meu impulso – depois
de vinte anos de actividade profissional sobretudo na área da
escultura – de desenvolver as minhas primeiras experiências nas
novas tecnologias como um novo campo da expressão artística.
Em 2004, sendo bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian,
participei numa formação na área de vídeo digital e tecnologia 3D
na Akademie CIMDATA em Berlim. Neste contexto criei o
videoclip “Three pieces in April” (Berlim 2004) a base de uma
peça de dança de LaborGras. Depois deste projecto surgiu
definitivamente a ideia de desenvolver uma criação comum. A
minha decisão de entrar no curso do Mestrado de Arte Multimédia
na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto fez parte
deste projecto pois achava necessário aprofundar os meus
conhecimentos na área das novas tecnologias, fundamental para
concretizar este trabalho.
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2. Transdisciplinaridade nas artes
2.1 Introdução de novas tecnologias nas artes performativas
A descoberta da fotografia, do vídeo e das tecnologias digitais
não só mudou radicalmente as artes plásticas como também as
artes performativas. Com o desenvolvimento das tecnologias
cinematográficas, da realidade virtual e da capacidade da edição
e manipulação do vídeo em tempo real, as novas tecnologias
ganham cada vez mais importância na encenação coreográfica. A
intervenção das ferramentas digitais não se limita só à utilização
de vídeo. Mercê Cunningham (na. 1919), bailarino e coreógrafo
americano foi um dos protagonistas na utilização de novas
tecnologias nas suas criações coreográficas. A obra “Variations
V” do ano 1965, do compositor John Cage (1912 - 1992), e de
Mercê Cunningham, em cooperação com muitos mais artistas
tornou-se a primeira obra performativa com todos as
características multimédia mesmo antes da era digital. Hoje em
dia quase não se pode ver um espectáculo de dança
contemporânea sem presença das novas tecnologias.
Flying Pelican, Etienne-Jules Marey, ca. 1882
“De facto podemos constatar, que o teatro sempre foi um assunto
de técnica e tecnologia. Foi um “médium” no sentido de uma
tecnologia específica da representação. Assim as novíssimas
tecnologias da média não são mais do que um capítulo novo. O
teatro nunca mostrou numa forma ingénua “O Homem” sem
aplicar as artes técnicas. Desde a “mechané” da antiguidade até
ao teatro da alta tecnologia o prazer do teatro significou também
um prazer da mecânica (…). Por esta razão o teatro absorveu
sempre imediatamente todas as técnicas e tecnologias – desde a
perspectiva até à Internet.” (2)
Neste sentido não surpreende nada que o desenvolvimento das
artes performativas e especificamente da dança sempre
estivesse ligado ás novas invenções e ao pensamento da altura.
Já o ballet romântico do século dezanove se aproveitou das
novidades da iluminação com luzes a gás e óleo e a utilização de
reflectores e filtros para criar as atmosferas luminosas
pretendidas.
Flying Woman walking downstairs,
Eadweard Muybridge, fim do século 19
Nos anos quarenta utilizou-se a fotografia para a dança, primeiro
meramente para retratos dos actores, mas muito rapidamente
também como meio de documentação. Com os estudos
cronofotográficos do movimento do corpo de Etienne-Jules Marey
(1830 – 1904) e Eadweard Muybridge (1830 – 1904) a dança
também entrou no centro do interesse. Já na passagem para o
século XX a dança foi objecto dos primeiros trabalhos
cinematográficos: os primeiros criadores do cinema perceberam
logo a afinidade da sua arte – uma nova tecnologia em pleno
crescimento no princípio do século XX - com o dinamismo da
dança. Mas o interesse existia também vice versa: inovações nas
técnicas da iluminação como projecções de filmes foram
utilizadas para criar novos cenários no palco. Neste contexto Loie
9
Fuller (1862 - 1928), bailarina e coreografa de origem americana,
foi uma das personagens mais inovadoras. Ela não foi só ícone
da Art Nouveau e protagonista da dança moderna como também
a “mágica da luz”. Ela utilizou projecções de luz eléctrica com
filtros coloridos, substâncias fluorescentes e panos gigantescos
de veludo como meio de reflexão para criar ambientes luminosos
ainda não conhecidos. Em 1906 produziu, realizou e representou
a curta-metragem “Fire Dance” (França), onde simulou fogo
através de luz vermelha, projectada por baixo de vidros no chão.
Em 1917 Filippo Tommaso Marinetti (1876 – 1944) escreveu no
seu “Manifesto da dança futurista”: “Nós Futuristas preferimos
Loie Fuller e os cakewalk dos negros porque utilizam luz eléctrica
e mecanismo”.
O futurismo é sem duvidas o movimento artístico que juntou mais
a dança – corpos em movimentos – com as novas invenções
tecnológicas da altura. Movimento, dinamismo e velocidade são
os valores proclamados. Um credo absoluto num mundo
mecanizado, um triunfo da tecnologia. O papel do Homem
segundo o Ideal Futurista é a “identificação do Homem com a
máquina” (3).
Numa forma revolucionária declaram a máquina como
protagonista do teatro, substituindo o conceito antropocêntrico.
Inspiraram-se no varieté e no music-hall, lugares fora do mundo
burguês. Estes foram os sítios dos efeitos técnicos, da luz
eléctrica e de um público que não receava intervir activamente no
espectáculo. As peças futuristas viviam da simultaneidade da
acção e claramente da provocação. O teatro futurista foi o
primeiro a apelar à interactividade do público e acabou com a
narrativa linear.
Numa forma mais formalista Kurt Schmidt, aluno do Bauhaus,
pretende no seu "Mechanische Ballett" (1923) criar imagens
geométricas em movimento. A função dos bailarinos foi
simplesmente mover objectos construtivistas no palco, sendo eles
próprios invisíveis para o público. Schmidt planeou substituir esta
função por máquinas, que na sua ideia tinham mais
potencialidades que actores humanos.
Mas já na altura a radicalização na mecanização do ballet e do
próprio ser humano teve movimentos contrários, a procura de
uma dança de expressão, em harmonia com o corpo humano.
As obras cinematográficos de René Clair “A nous la liberté”
(França, 1932) com a sua famosa cena do tapete continuo e
“Modern Times” (USA, 1932 -1935) de Charlie Chaplin, que se
apropriou desta mesma cena, também podem ser interpretadas
como crítica ou pelo menos ironia ao dogma da máquina dos
futuristas.
10
Mas voltando à tecnologia de filme introduzida na dança: A peça “
Relaché” (1924) do Ballet Suédois, conceituado por Francis
Picábia (1879 – 1953) e com música de Eric Satie (1866 – 1925)
foi talvez a primeira peça onde coreografia e cinema funcionaram
lado ao lado. A dança e o filme são compostos por fragmentos,
quase de uma forma estroboscópica, que mostra que as técnicas
cinematográficas da altura, princípios de corte, colagem e
montagem, entraram na dramaturgia do ballet.
Estas fortes inovações na área de ballet ou numa forma mais
geral no teatro nas primeiras décadas do século XX foram muitas
vezes provocadas por artistas plásticos. A continuidade deste
desenvolvimento, que teve o seu lugar sobretudo em Paris, mas
também na Alemanha, Itália (no caso do futurismo) e na Rússia,
foi interrompida de uma forma abrupta pelo aparecimento do
fascismo e totalitarismo na Europa e em consequência pela
segunda guerra mundial.
No próximo capítulo pretendemos mostrar que, paralelamente ás
invenções técnicas, já nasceu desde o romantismo a ideia de
multimédia – décadas antes da era digital. Mas antes vamos
referir uma tecnologia desenvolvida na segunda parte do século
XX, que considero importantíssima para a dança moderna: A
captação do movimento e a sua manipulação digital (motion
capture)
O objectivo da motion capture é criar um banco de dados sobre o
movimento natural de um corpo humano ou animal para a sua
posterior edição. O processo é o de marcar todos os pontos das
articulações que tem importância no movimento do corpo (p.e.
por pontos brancos, luzes ou sensores) e que são filmados de
várias perspectivas com o mesmo código de tempo. Softwares
especializados calculam através destas imagens as coordenadas
espaciais (x,y,z) ao longo do tempo de cada articulação. Estes
dados podem ser editados em software 3D de animação como
3DS Max, Maia, Poser etc. para criar movimentos naturais de
caracteres virtuais. Esta tecnologia é muito utilizada nos jogos
digitais (p.e. Half-Life 2, 2004; Lara Croft Tomb Rider-Legend,
2006) , filmes de animação (p.e. Madagáscar), 2005, e no cinema
(p.e. The Lords of the Rings 2001-3; King-Kong, 2005).
A origem pode-se encontrar no trabalho fotográfico de Eadweard
Muybridge, especialmente nas suas fotografias em série do
movimento de um cavalo em galope. Os settings das câmaras –
uma quantidade enorme – 50 instaladas paralelamente ao longo
do percurso do cavalo e disparadas pelos seus próprios cascos
através de fios – é muito similar com os settings de um estúdio de
motion capture hoje em dia.
Horses in motion,
Eadweard Muybridge, 1878
Desenvolveu-se um software especializado para a criação
coreográfica: “Lifeforms” (hoje “Danceforms”). Pode-se ver motion
capture como uma forma de sampling na música. O coreografo
pode criar o seu próprio arquivo de movimentos e editá-los em
11
Lifeforms. Mercê Cunningham já trabalha com Lifeforms desde
1989 e influenciou muito a adaptação desta tecnologia à dança.
2.2. Do “Gesamtkunstwerk” até à Multimédia
Existe a história das tecnologias, que influenciaram as artes. Mas
antes de mais existe uma história de ideias, pensamentos e
visões. Sem duvida algumas invenções na tecnologia mudaram o
mundo. Mas muitas novas tecnologias resultavam da existência
de uma utopia (4). Neste capítulo quero mostrar, que ao contrário
da opinião comum, o desenvolvimento da tecnologia não mudou
tanto os conceitos artísticos. Eles já existiam antes. Muitas das
ideias avantgardistas não foram concretizadas, ou só de uma
forma rudimentar, por falta de ferramentas e tecnologias
adequadas.
Pode-se criticar a adoração total da máquina pelos futuristas.
Mas na época da realidade virtual e de uma sociedade
cibernética (5) vivemos hoje quase um século depois as visões
futuristas.
Na introdução já se falou da obra “Variations V” de
Cunningham/Cage, realizada umas décadas antes da era digital,
que
consideramos
absolutamente
decisivo
para
o
desenvolvimento das artes performativas. Escolhemos mais
alguns exemplos desde o romantismo do século dezanove até
hoje, apesar de se poder começar já na antiguidade ou talvez na
pré-história. Os exemplos apresentados são uma escolha
incompleta e subjectiva.
O termo Gesamtkunstwerk (6) foi utilizado pela primeira vez pelo
escritor e filosofo Eusebius Trahndorff na sua publicação
"Ästhetik oder Lehre von der Weltanschauung und Kunst” (A
Estética ou Teoria da Filosofia e Arte) de 1827. Em 1849 aparece
este termo novamente na publicação "Die Kunst und die
Revolution" (A Arte e a Revolução) do compositor Richard
Wagner (1813 – 1883). Richard Wagner pretende no seu
Musikdrama (drama musical) unir toda as artes, fala da
“colectividade” de todos os artistas.
“O grande Gesamtkunstwerk, que envolve todos os géneros da
arte, que consume de certo modo cada um dos géneros como
recurso, destruindo-os a favor da concretização do objectivo
principal, a representação directa e absoluta da natureza humana
perfeita, – este grande Gesamtkunstwerk não é realizado como
obra arbitrária de um individuo, mas antes, mais como, obra
consequente do pensamento do Homem do futuro.” (7)
Das Rheingold, Richard Wagner, Bayreuth, 1976
Wagner acreditou na fusão de todas artes como um produto
colectivo, onde cada artista entrava, em função de uma obra
geral que nasce de uma utopia colectiva, o Gesamtkunstwerk.
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Em 1876 Richard Wagner abriu o Festspielhaus (casa festival)
em Bayreuth, com uma ideia de surround-sound, com um palco
inspirado pelos anfiteatros gregos, que permitia a atenção
máxima da audiência ao palco. Com este conceito aproximou-se
da sensação da realidade virtual imersa.
O conceito romântico do Gesamtkunstwerk de Wagner encontra o
seu equivalente modernista na Bauhaus. A Bauhaus, com os
seus representantes, defendeu igualmente uma síntese das
artes. Wassily Kandinsky (1866 – 1944) tentou com o seu teatro
das sensações, “criar um resultado impressionante ao reforçar
um determinado timbre de uma arte com o timbre de uma outra
arte.” (8)
Mais longe foi László Moholy-Nagy (1895 – 1946): “ O Teatro da
Totalidade com as suas múltiplas complexidades como luz,
espaço, planos, formas, movimento, som, recurso humano tem
de ser um ORGANISMO.” Ele acabou radicalmente com um
pretexto literário para criar um cenário, a sua utopia do teatro
eram “construções cinéticas, sistemas de movimento com
funções lúdicas e de transporte”. Ele pretendeu acabar com a
fronteira entre o actor e o espectador. Inspirou-se igualmente –
como os futuristas – nos carrosséis e montanhas russas das
feiras populares.
Teatro de Bauhaus, 1924
Uma nova arquitectura do teatro procurou Anton Weininger, um
aluno da Bauhaus, com o seu Teatro Esférico (1926), que tentou
acabar com a frontalidade do espaço de um teatro tradicional.
Com este projecto procurou uma imersão do espectador no
espectáculo. As suas ideais só se encontraram realizadas
(aproximadamente) no presente com projecções esféricas
cinematográficas. Até os encenadores contemporâneos estão à
procura de resoluções espaciais/arquitectónicas (p.e. Rui Horta)
que permitam uma maior imersão do público no espectáculo.
Apesar do conceito do Gesamtkunstwerk se encontrar em outras
culturas, p.e. na obra da Sagrada Família do Antoni Gaudi (1852 1926), sempre teve uma grande vertente alemã; de artistas como
o Dadaista Kurt Schwitters (1987 -1948) com seu Merzbau, até o
escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962) com seu romance
“Das Glasperlenspiel”, editado 1943 na Suiça, ou o artista mais
influente da Alemanha pós-guerra Josef Beuys (1921-1986)
representaram esta tendência. Curiosamente até os próprios
Nazis, apesar de terem liquidado a Bauhaus e toda a arte
moderna, adoptaram a ideia do Gesamtkunstwerk. A obra
cinematográfica de Leni Riefenstahl (1902 - 2003) “Olympia”
(1936/38), pode-se interpretar como uma forma antecipada do
Filme-Dance. Porém o seu conteúdo é claramente propaganda
de uma ideologia fascista.
A obra completa que cumpria todos os atributos de um
Gesamtkunstwerk, do Teatro da Totalidade e de uma
performance multimédia com todas as características duma
13
produção da actualidade foi conseguida em Julho dia 23, 1965 na
Philharmonic Hall no Lincoln Centre, New York City:
Variations V
Instrumentação: Qualquer numero de músicos com células
fotoeléctricas e pelo menos 13 fontes de som electronicamente
amplificadas
Duração:
não determinado
Performers:
John Cage, David Tudor, Malcolm Goldstein,
Frederick Lieberman e James Tenny (músicos); Robert Moog
(equipamento electrónico); Stan VanDerBeek (filmes); Nam June
Paik (imagens de televisão destorcidas); Beverly Emmons (luz);
Merce Cunningham, Carolyn Brown, Barbara Lloyd, Sandra
Neels, Albert Reid, Peter Saul and Gus Solomons Jr. (bailarinos);
Billy Klüver (consultor técnico).
Variations V, New York, 1965
Dedicado a:
Mary Sisler
Coreografia:
Mercê Cunningham
Publicação:
Edition Peters 6799 © 1965 by Henmar Press
Manuscrito:
Partitura (documento escrito a mão, assinado,
em tinta - 4 p.); realização, partitura (documento escrito à mão em
tinta azul e preta e alguns lápis. 2 p. + 3 cartões de índex com os
instruções e timing para as acções; esboços e notas (documento
escrito a mão em tinta azul e preta e alguns lápis - 80 p.) todo na
New York Public Library.
A partitura de Variations V foi feita depois da primeira
performance e continha 37 notas sobre performance áudio visual,
inclusivamente uma lista dos participantes. A primeira
performance foi coreograficamente dirigida por Mercê
Cunningham, o sistema de som era desenhado por David Tudor,
equipamento da percussão electrónica por Robert Moog,
equipamento fotoeléctrico por Billy Klüver, imagens de televisão
destorcidas por Nam June Paik, filmagens por Stan VanDerBeek,
mistura por Max Mathews, gravação da banda sonora por John
Cage, luz por Beverly Emmons, rádios de banda curta e a sua
colocação por Billy Klüver e Frederic Liebermann.
As fontes da primeira performance foram rádios de banda curta e
cassetes com sons gravados como p.ex. do esgoto da cozinha
(gravados por John Cage). Fotocelulas reagindo ao movimento
dos bailarinos, interruptores por trigger, que ligavam e desligavam
o áudio. Max Mathews desenhou a mesa da mistura para
controlar o volume, timbre e a distribuição do som entre as seis
colunas na sala.
Em 1966 a televisão Norddeutscher Rundfunk Hamburg e
Sveriges Radio Television produziram a versão para a televisão,
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com Arne Arnbom como director. A duração do filme é de
cinquenta minutos. (9)
Depois da sua estreia passou a ser apresentado na Europa.
“Variations V” foi no sentido wagneriano uma fusão das artes,
uma obra perfeitamente colectiva. Partindo da filosofia do
happening a linha entre vida e arte foi dissolvida.
O som foi controlado pelo movimento dos performers através de
um sistema de triggers e células fotoeléctricas que ligaram e
desligaram os rádios de banda curta e as cassetes com
gravações de ruídos, fragmentos do mundo vulgar. Várias
projecções de iluminação e de filmes como televisões no fundo
do palco criaram visualmente múltiplas camadas, no meio das
quais os bailarinos dançaram. Eles actuaram dentro de um certo
plano de actuação mas com liberdade de improvisação. Não
existiam hierarquias, o que também não correspondia ao espírito
anárquico do Cage e Cunningham. Cada espectáculo foi diferente
conforme a filosofia fluxus. Juntou as personalidades mais
criativas da época. Foi uma obra musical, visual, performativa,
com tecnologia da época, simplesmente uma produção
multimédia.
2.3. Film-Dance / Video-Dance
Variations V, New York, 1965
Em 1966 com a colaboração do realizador Stan Van Der Beek
produziu-se uma versão da Variation V para a televisão.
Cunningham percebeu logo que é uma forma diferente trabalhar
em frente de uma câmara ou num palco. Ele descobriu as
características específicas do filme e percebeu a câmara como
ferramenta criativa. Actuar ao vivo é trabalhar coreograficamente
o espaço do palco em relação ao público, i.e. para múltiplos
pontos da vista; em frente de uma câmara a coreografia
encontra-se limitada a um plano só da filmagem, o corpo do
bailarino e o seu movimento estão reduzidos a uma projecção
meramente de 2D. Em compensação a câmara graças à sua
mobilidade e capacidade do zoom, permite aproximações e
perspectivas radicalmente diferentes.
Nasceu o primeiro filme dance da historia.
Vídeo dança, ou filme dança, procura definir-se como um género
próprio de arte. A ideia não é de documentar uma coreografia no
palco, mas sim criar a coreografia em função da obra
cinematográfica e com o movimento da câmara tendo um papel
integrante na coreografia. Os movimentos da Dança e da câmara
juntam-se, à linguagem cinematográfica (cortes, stills etc.) e
finalizam a obra de arte.
Alguns dos trabalhos mais radicais criados para a telvisão na
área das artes performativas são da autoria de Samuel Beckett:
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“Eh Joe” (1968), “Ghost Trio” (1977), “but the clouds...” (1977),
“Quad I + II” (1981), “Nacht und Träume” (1982), “Was wo”
(1986). Estas chamadas tele-peças foram especialmente escritas
e encenadas para a televisão alemão Süddeutscher Rundfunk
(SDR) e a British Broadcasting Cooperation (BBC).
“De acordo com Voigts-Virchow (1998:228-33), Beckett explorou
os potenciais estéticos do meio audiovisual e, principalmente,
desenvolveu uma estética minimalista. O tempo de duração das
tele-peças, o uso de locações internas, a diminuição dos objectos
de cena e a fragmentação do corpo dos personagens foram
importantes para a diminuição gradual de elementos que
caracterizam a estética minimalista de suas peças.” (10)
Quad II, Samuel Beckett, 1981
Especialmente o trabalho “Quad 1+2”, uma peça em duas
variações para “quatro performers, luz e percussão”, esta no
centro do nosso interesse. Quatro actores vestidos com hábitos
nas quatro cores, vermelhos, verde, azul e branco (“Quad 1”),
entram sucessivamente na área de actuação, um quadrado com
o centro marcado. A coreografia está baseada num sistema
geométrico / triangular à volta do centro, que é cumprido pelos
quatro performers com um rigor matemático. A variação “Quad 2”
tem os mesmos settings, mas foi filmado em preto e branco; os
quatro hábitos são do mesmo tom cinzento.
Apesar da coreografia do HABITAT não ter nada haver com a
geometrização na tele-peça “Quad 1+2”, este trabalho para mim
foi paradigmático para o nosso projecto. Definir um espaço
concreto (concreto só na virtualidade) mas invisível na realidade
do palco meramente pelo movimento do corpo foi o grande
desafio da nossa coreografia.
O vídeo dança recebeu impulsos importantes da França,
Inglaterra e Alemanha nos anos oitenta, onde as televisões
públicas apoiaram produções do novo género.
2.4. Multimédia nas artes performativas contemporâneas
Tristan und Isolde. Nicht berühren
Jo Fabian, 2001
Como referimos antes quase já não existem espectáculos de
dança sem projecções de vídeo e/ou elementos multimédia. O
enorme desenvolvimento do hardware – aumento da velocidade
do processamento, grande capacidade de memoria e
armazenamento de dados – como do software – cada vez mais
específico e eficaz – em conjunto com os preços cada vez mais
acessíveis, são uma grande razão da popularidade nas artes
performativas.
Para
muitos,
especialmente
pequenas
companhias, um cenário virtual é muito mais económico e versátil
do que um cenário físico. Mas, além das razões pragmáticas,
existe uma discussão mais profunda sobre a utilização das
tecnologias nos espectáculos. Existem os eufóricos, com uma
adoração na boa tradição futurista, os realistas e os cépticos.
16
As aplicações são múltiplas e é difícil categoriza-las. A forma
mais simples é a projecção de um vídeo num plano de fundo,
como fez Clara Andermatt no seu duo “Silêncio” (Festival Temps
d´Image, Centro Cultural de Belém, 2006). No mesmo festival a
coreografa alemã Stephanie Thiersch (1970) mostrou o solo
“Beautiful Me”, onde projectou imagens sobre um objecto
escultórico, mudando e alterando assim a leitura da forma e
materialidade do objecto e integrando nele o corpo da própria
bailarina.
Muito diferentes são os settings da peça “Tristan und Isolde. Nicht
berühren” (Tristan e Isolde. Não toque) de Jo Fabian (1960). Ele
utiliza os computadores como meio de comunicação entre os
bailarinos e o público. Fabian desenvolveu a partir de um sistema
de movimentos, um alfabeto coreográfico, o seu “Alphasystem”.
Ele descreve a sua peça “Ausstellungstück” (peça de exposição),
i.e. convida o público não para uma encenação mas para uma
exposição. A sua instalação é um cubo de vidro e um teclado.
Aqui o espectador pode escrever as suas associações, notas ou
perguntas. As palavras aparecem num vídeo-screen enquanto o
bailarino responde através do “Alphasystem” em dança. Fica em
aberto se através deste sistema se instala uma verdadeira
comunicação entre espectador e performer.
A capacidade de captação, edição e projecção de vídeo em
tempo real abriu novos caminhos de aplicação em espectáculos.
A instalação “Telematic dreaming“ (1992) de Paul Sermon (1966),
artista multimédia, introduziu settings telemáticos (11) nas artes
performativas. Os settings da instalação são os seguintes: Uma
câmara instalada por cima de uma cama onde está deitada uma
pessoa, manda as imagens para um projector instalado por cima
de uma outra cama com uma segunda pessoa numa localização
diferente da primeira. Esta projecção por cima da segunda é
novamente filmada e projectada para a primeira. Assim cada
cama está ocupada por um performer e pela projecção do outro.
Telematic Dreaming, Paul Sermon, 1992
I, me and myself again, LaborGras, Interpretação
Romeu Runa, Akademie der Künste, Berlin, 2006
O primeiro projecto do colectivo LaborGras a investigar novos
caminhos da dança em colaboração com artistas multimédia foi a
peça “melting point” (2002). Alterando os settings telemáticos de
Paulo Serman os bailarinos comunicaram e improvisaram, em
diferentes locais geográficos, em conjunto através da Internet.
A produção “I, me, and myself again” (2006, Akademie der
Künste, Berlim) teve a ideia de uma improvisação com a
projecção da própria actuação. O bailarino actuava num espaço
pentagonal onde também se encontrava o público. Um dos cinco
planos que era monocromo (escuro) servia como fundo da
filmagem do performer. As imagens foram projectadas nos
restantes quatro planos do pentágono. As particularidades do
software permitiam limpar o fundo destas imagens através de
chroma-keying em tempo real e projectá-las não só em tempo
real mas também com um atraso de até 20 minutos. Foi ainda
possível reproduzir várias layers por cima do mesmo plano com
17
atrasos diferentes. Isso permitia ao bailarino improvisar com a
sua própria clonagem em tempo real e com os seus múltiplos
passados.
Watchout, Workshop com Rui Horta, Aveiro 2006
Uma das personalidades mais emblemáticas na aplicação de
multimédia na coreografia é Rui Horta (na. 1958). Coreografo
português, estudou e trabalhou nos anos oitenta como bailarino
em Nova Iorque. Em 1991 radicou-se em Frankfurt/Main, onde
fundou o seu próprio grupo de dança S.O.A.P., que ganhou
reputação internacional. Em 2000 voltou para Portugal e criou em
Montemor-o-Novo o centro de arte multidisciplinar “O Espaço do
Tempo”. Ali iniciou em 2001 o worhshop “Colina”, onde não só
convidou criadores e interpretes das artes performativas, como
também da multimédia, artes plásticas, literatura etc. Esta
iniciativa ganhou tanto dinamismo, que depois de Montemor-oNovo já foi repetida em Düsseldorf, Newcastle, e Talin. No
workshop “Watchout” (12) de Rui Horta (Aveiro, 2006) tive
oportunidade de conhecer o seu método de trabalho. Rui Horta
trabalha tanto com filmagem em tempo real como com vídeo préproduzido, mas procura uma ligação directa entre os bailarinos e
as imagens projectadas. O software utilizado com o nome
“Watchout” tem a capacidade de uma múltipla projecção, que
permite criar um cenário espacial, e numa certa forma a imersão
do público dentro do espaço do espectáculo. Desenvolve a sua
narrativa como uma colagem de cenas coreográficas com
fragmentos de imagens do real e até de elementos de banda
desenhada. Entende a dança como movimento do corpo no
espaço, mas também viaja pelo espaço do corpo. O corpo é
projectado mas também utilizado como plano da projecção.
Tentámos com alguns exemplos históricos e actuais desenhar a
aplicação de multimédia nas artes performativas. A sua aplicação
é múltipla: cenários virtuais com a ideia de imersão do público, o
dialogo do performer, com a sua clonagem, tecnologia digital
como meio de comunicação entre o espectador e performer. Com
o desenvolvimento da tecnologia, do espaço virtual, cyberspace,
world-wide-web etc. vai haver novos settings com novos e
surpreendentes resultados.
Existem muitos projectos que estão a trabalhar as novas
tecnologias, reflectindo o actor como espectador na nova era
digital, mas penso que futuramente a arte digital vai ser vista e
utilizada mais como uma ferramenta útil para responder a novos
conteúdos com novas imagens.
De uma certa forma os futuristas tiveram uma visão a longo
prazo, numa outra forma enganaram-se. As artes performativas
ganharam um alto grau tecnológico – HighTechTheatre –, mas o
corpo humano continua presente como sempre: nu e cru.
18
3. Exposição do Projecto
Desde o modernismo o espaço não é só para o arquitecto o
elemento principal na sua criação, mas também para o escultor e
para o coreografo. Já no início do século XX este fundamento foi
ponto de partida para projectos comuns (p.e. Oskar Schlemmer).
Consciente destas afinidades artísticas dos dois géneros – dança
contemporânea e escultura contemporânea – o projecto
HABITAT pretende investigar tanto a corporeidade escultural e
coreográfica como a sua transmissão à tecnologia digital. Pela
aplicação desta tecnologia em tempo real consegue-se
estabelecer uma ligação entre o espaço real da performance e os
espaços das esculturas. O objectivo é no sentido do conceito
plástico criar um prolongamento do espaço escultural pelo
espaço virtual criando palcos digitais para a dança.
3.1. Environment – Performance
HABITAT, um projecto interdisciplinar entre a dança e a escultura
contemporânea, apresenta-se tanto como um environment
escultural como uma performance de dança.
A nossa vivência tem o seu lugar em caixinhas (casas, quartos,
carros…), nas quais existem caixinhas mais pequenas (televisão,
telefone, computador) que nos ligam ao exterior. A representação
do mundo de fora é cada vez mais perfeita. Graças a uma
tecnologia digital e a um processamento de dados cada vez mais
rápido recebemos imagens em tempo real. A discrepância entre a
realidade e a sua imitação ou ilusão desaparece, na mesma
forma altera-se o nosso espaço vital.
O environment é constituído por um conjunto plástico de formas
arquitectónicas, estruturando e interpretando o espaço da
actuação de uma forma nova. O conjunto de esculturas será
colocado como padrões, elementos de uma ocupação plástica.
Cada objecto guarda o seu espaço interior, refúgio íntimo,
‘habitats’ (onde são implantados pequenos monitores). Nestes
monitores prolonga-se o espaço real virtualmente. O carácter
virtual suspende o peso da escultura materializada e permite
modular o espaço, as perspectivas e as proporções
dinamicamente.
Environment - Performance
Aqui a dança entra no cenário: Numa área espacialmente
separada das esculturas actua a bailarina, observada por três
câmaras de vídeo. A transmissão para os monitores das
esculturas, em tempo real, coloca o corpo da bailarina dentro da
instalação escultural. O software utilizado permite a clonagem
das imagens tanto em tempo real como com um certo atraso (que
provoca um encontro da bailarina com o seu próprio passado
recente). Assim mantêm-se a interpretação coreográfica como
registo digital no interior das esculturas, num certo sentido a
19
actriz povoa os habitats da instalação, sem sequer se colocar
neles fisicamente, criando uma unidade entre dança e escultura.
3.2. A Coreografia
O espaço escultural condiciona a coreografia. A bailarina, apesar
de se encontrar num espaço visualmente separado do
environment, actua em consciência do seu habitat: o espaço
limitado das esculturas. O seu raio de acção esta condicionado
pelo meio do vídeo e pelas condições espaciais das esculturas.
Esta limitação exige uma reacção específica ao movimento do
corpo do bailarino. A ambivalência do espaço e o seus atributos
antagonistas como estreito – largo, vazio – cheio, limitado –
amplo, ou real – virtual ou espaço espiritual – espaço físico são
temas inerentes da coreografia. Assim o corpo da bailarina ocupa
o espaço do ecrã dentro do corpo da escultura – solitário ou em
múltiplas clonagens da sua imagem. Ele desenha linhas pela sua
presença e seu movimento dentro do espaço predefinido pelas
esculturas.
Ensaios em frente da câmara
O aspecto principal durante a concretização do HABITAT vai ser
na discussão da dança em confrontação com a tecnologia de
vídeo e do espaço virtualmente aumentado da escultura. A vista
pontual da câmara, a limitação do ecrã dentro de um espaço
escultórico serve como um guião no movimento do corpo. Ele
começa a partir destas condições predefinidas do espaço e
investiga as possibilidades da percepção e mobilidade com meios
coreográficos. As composições da dança são definidas e
elaboradas pelas capacidades da câmara e do setting
tecnológico. Eles são desenvolvidos em função da representação
fragmentária dentro dos monitores, mas também fazem parte da
composição total. O observador tem a possibilidade de recepção
da dança real (ao vivo) como também do seu registo fragmentário
no espaço artificial. O objectivo não é uma coreografia
estruturada mas antes eventos do corpo.
A tecnologia de vídeo separa a imagem do corpo do seu original,
imaterializa a sua presença e permite a sua clonagem ao longo
do tempo. Sentir o tempo, a ocorrência, permanência e
simultaneidade é o tema central na modulação do espaço, corpo
e imagem.
Queremos em colaboração com todos os artistas participantes
desenvolver a criação artística e coreográfica através da
aplicação da tecnologia digital na produção, reprodução e
recepção e da percepção. Porém a tecnologia não é o tema
predominante.
20
4. Realização do Projecto
Este projecto como já foi referido anteriormente nasceu de uma
vontade comum para a experimentação de uma produção
colectiva. Depois de ter discutido varias ideias conceptuais
cristalizou-se um plano estratégico.
Podem-se distinguir cinco fases de realização:
1. Preparação do projecto
2. Elaboração do conceito artístico
3. Execução do environment escultórico
4. Criação do espaço virtual
5. Ensaios da interligação da coreografia, escultura e vídeo
4.1. Preparação do projecto
Nesta primeira fase de projecto foi necessário definir os membros
da equipa, os parceiros na produção, apoios etc. Conseguimos o
apoio do centro nacional de artes transdisciplinares O ESPAÇO
DO TEMPO em Montemor-o-Novo, onde tivemos duas
residências artísticas, ateliers, estúdio de ensaio, assistência
técnica e de produção. Candidatamo-nos a um subsídio do
Instituto da Artes, que só não conseguimos por uma razão
geográfica (como tenho a minha residência permanente em
Sintra, o projecto estava inscrito na zona de grande Lisboa, assim
ficando em decimo oitavo na classificação nacional entre dezoito
projectos aprovados, fomos penalizados pela localização
geográfica não sendo seleccionado em detrimento de outros
vindos de outras zonas do país). Mesmo sem as verbas
esperadas conseguimos criar uma equipa de “voluntários” de 9
membros:
Projecto de Volker Schnüttgen em cooperação com LaborGras &
Guests
Escultura, Interiores Virtuais, Edição Vídeo – Volker Schnüttgen,
Sintra
Coreografia, Interpretação – Renate Graziadei, Arthur Stäldi,
Berlim
Multimédia / Vídeo interactivo – Frieder Weiss, Nuremberga;
Martin Bellardi, Weimar
Composição Musical – Constantin Popp, Weimar
Assistência Artística – Fernando Almeida, Porto
Documentação Vídeo – Joana Pires, Montemor-o-Novo
Fotografia – Eugénia Rufino, Sintra
Um problema fundamental num projecto deste tamanho foi
conseguir calendarizar as nossas residências e a estreia de uma
forma aceitável para todos os participantes e para o próprio O
ESPAÇO DO TEMPO. Como se pode imaginar isso provocou
alguns quebra-cabeças e constantes alterações.
21
4.2. Elaboração do conceito artístico
Paralelamente à organização logística discuti com LaborGras
problemas conceptuais do projecto. Desde o início que
estávamos conscientes da sua forma híbrida: performance e
exposição. Este facto levantou várias questões: Como se
consegue unir meios tão distintas como dança e escultura? Como
se trabalha o espaço físico do evento? O conceito das artes
plásticas sobre o espaço ideal é radicalmente o oposto aos
conceitos das artes performativas. Nas artes plásticas o ideal é o
white cube, nas artes performativas é a black box. O papel da luz
é igualmente fundamental. Num teatro praticamente não existem
fontes de luz natural. A luz é trabalhada a partir da escuridão e
faz parte inerente da dramaturgia de uma coreografia, é
trabalhada
de
uma
forma
extremamente
dinâmica.
Completamente ao contrário está a situação museológica. Apesar
de existirem resoluções altamente sofisticadas da iluminação
para galerias e museus a luz natural continua a ter um peso
fundamental na arquitectura contemporânea de museus. A
iluminação perfeita existe quase de uma forma discreta, onde a
obra aparece na sua presença perfeita sem sentir a existência da
fonte da luz. Este pequeno exemplo mostra as divergências que
existem entre uma obra teatral e uma obra plástica.
Outra pergunta que se colocou seria a forma de conduzir o
público num espaço tão ambíguo. A par das características de
um projecto transdisciplinar procuramos um público amplo,
juntando espectadores das artes plásticas e das artes cénicas
que segundo as nossas experiências são muito distintos. Num
espectáculo tradicional o público não se levanta do seu local, um
código social que quase sempre é cumprido. O seu papel é muito
passivo. O visitante de uma galeria desloca-se livremente, pode
comunicar as suas impressões a outros espontaneamente.
Curiosamente o papel dos artistas é o inverso: o artista plástico
tem o seu processo criativo terminado e cede o terreno ao
espectador. O performer, apesar de ter a sua actuação ensaiada
tem de reagir ao público presente com todo o risco do imprevisto,
criando um acontecimento efémero com espaço para a
improvisação e interacção.
Entendemos o projecto HABITAT como uma instalação aberta.
Os monitores no environment escultural são como janelas, que
mostram os seus habitantes. O espectador pode mover-se
livremente na instalação e escolher o seu ponto da vista. Pode
decidir entre os fragmentos da projecção ou ver a performance da
dança ao vivo. Assim define ele próprio a sua posição no habitat,
observando o espectáculo como um evento efémero, ou
descobrindo os espaços íntimos e escondidos, os habitats das
esculturas – até o público participa na povoação do ambiente.
22
Não há barreira de um palco. O processo criativo está
transparente. Não existe uma narrativa linear ou a representação
de uma história, nem existe início ou fim. A leitura é associativa,
de acontecimentos de corpos humanos, actos físicos mas
fragmentados, corpos que ocupam espaços.
As experiências que tivemos posteriormente às duas noites de
espectáculo na BlackBox em Montemor-o-Novo mostraram bem
as diferenças no público na recepção da peça. Na primeira noite
o público foi na grande maioria ligado aos espectáculos e artes
performativas. A bailarina (Renate Graziadei) não teve problemas
nenhuns em ganhar a sua atenção até o fim da performance. Na
segunda noite a situação mudou radicalmente. Um público mais
ligado às artes plásticas entendeu a noite como uma
“inauguração”, moveu-se muito mais livre, deu muito mais
atenção as obras escultóricas, e a performer tinha de “lutar”
(comentário do coreografo Arthur Stäldi) pela sua presença.
4.3. Execução do environment escultórico
No dia 31 de Julho 2007 carreguei 16 troncos de carvalho em
Sellenrade, numa aldeia serrana na Alemanha que chegarem
uma semana depois ao meu atelier em Sintra. Consciente da
matéria prima disponível comecei trabalhar as maquetas dos
elementos
escultóricos.
Houve
várias
preocupações
predominantes neste processo:
Matéria prima: troncos de carvalho
Environment: primeira montagem
1. Desenvolver os elementos escultóricos/arquitectónicos que
modulam o espaço da BlackBox; integrar tanto a zona reservada
para a performance (palco) como o próprio público dentro do
environment escultórico. Sempre entendi que as esculturas
deviam ter uma escala que recolhesse os espectadores de forma
a que se sentissem dentro da instalação, dentro do seu “habitat”.
2. Criar espaços interiores apesar de serem de uma escala
reduzida mas com capacidade de criar uma coreografia
complexa, dando espaço à interpretação da bailarina. Procurei
soluções diversas com perspectivas distintas, que obrigam o
público que se desloca durante o espectáculo à procura do
acontecimento no mundo virtual das esculturas.
3. Apesar de ter elementos escultóricos muito individualizados,
procurei uma “grande forma plástica”, isso significa uma unidade
do conjunto das formas.
4. Tive uma grande preocupação no tratamento do carvalho e do
seu acabamento. Decidi modelar e acabar as peças unicamente
com a moto-serra. Procurei a integração da alta tecnologia nas
esculturas pelo contraste: uma linguagem “primitiva” e “bruta” na
articulação das esculturas, que pretende explicitamente fugir do
design tecnocrata da alta tecnologia. Procurei uma interpretação
do tema HABITAT numa forma rudimentar e arcaica.
Depois de uma fase de trabalhos preparatórios no meu atelier em
Sintra (Setembro/ Outubro) consegui executar as esculturas com
23
a ajuda do meu assistente artístico Fernando Almeida durante a
primeira residência criativa em O ESPAÇO DO TEMPO,
Convento da Saudação Montemor-o-Novo (19.11-13.12.2007).
4.4. Criação do espaço virtual
No dia 16 de Janeiro começou a minha segunda residência em
Montemor-o-Novo. Foi uma fase de trabalhos preparatórios.
Consciente que uma residência criativa de apenas duas semanas
com a equipa completa (O colectivo de Dança LaborGras
chegaram em Montemor-o-Novo 15 dias antes da estreia do
HABITAT) obrigou à optimização de todos os trabalhos, que
podia executar sozinho. Transformei os monitores TFT, tipo
Samsung de 15 polegadas, monitores de segunda mão, em
monitores open frame, quer dizer que desmontei tudo o que era
plástico.
A minha tarefa principal foi a criação dos espaços virtuais. Como
já falei anteriormente houve várias condicionantes para cumprir.
Em primeiro lugar tinha de escolher a tecnologia na modulação
virtual. Originalmente pensei em espaços 3D. Porém percebi que
para os fins da coreografia era mais fácil trabalhar com layers,
praticamente como os cenários no teatro, que só sugerissem uma
tridimensionalidade a partir do ponto de vista do espectador.
Muito ao contrário de um espaço 3D, que apesar de existir
meramente na virtualidade, está constituído por objectos com
expansão espacial dentro de um espaço dos três eixos x, y, z.
Esta decisão, como se verificou mais tarde, facilitou muito o
nosso trabalho, na criação dos espaços, na aplicação do nosso
software em tempo real e na orientação da performer no palco
em frente da câmara vídeo. Criei os meus cenários por
fotografias digitais de pormenores das esculturas, pela sua
fragmentação em layers por máscaras e a sua nova composição.
Manipulei o cromado (desaturação e inversão da luminosidade) à
procura dum resultado que se aproximasse mais a um desenho a
lápis ou carvão do que propriamente a uma imagem fotorealista.
O que me preocupou foi a modulação da luz na continuação do
espaço real da escultura. Sabia que a tecnologia utilizada – a
projecção do vídeo em tempo real – e as limitações tecnológicos
(sobretudo em termos do hardware) não permitiam uma
projecção cinematográfica ao estilo Matrix. Mas nós também não
desejávamos isso. Pretendíamos mais uma linguagem parecida
com a banda desenhada, animação ou jogo de computador. Uma
representação realista não se integrava no “habitat” arcaico dos
troncos de carvalho.
Espaços virtuais
Outra questão para resolver foi a da perspectiva dos espaços
virtuais. Criei para cada escultura individualizada um ponto de
perspectiva que corresponde aproximadamente ao ponto da vista
do observador. Na altura faltou-me ainda a experiência da
projecção do vídeo da coreografia para dentro do espaço virtual
da escultura. Infelizmente não consegui discutir as minhas ideias
24
nem com a minha equipa coreográfica nem com a técnica.
Encontravam-se num festival de dança em Antuérpia
preocupados com outros assuntos. Decidi resolver o problema
criando várias alternativas para cada escultura.
Mais uma incógnita do projecto foi a introdução da música, ou
melhor do som dentro do cenário. A minha experiência de
aplicação de som em instalações escultóricas limitava-se ao
KickVox, uma instalação sonora interactiva (com Sandra Carneiro
e Ricardo Raimundo, Maus Hábitos, Porto 2006). Mas no caso do
HABITAT o problema foi muito diferente, um problema espacial.
Queria que cada escultura modulasse o seu espaço de som, mas
ao mesmo tempo precisávamos de um som que comunicasse
com a performer no palco. Imaginei para este projecto uma
composição de música concreta. Num workshop em Weimar
LaborGras conheceu o jovem compositor Constantin Popp. O seu
interesse pela música concreta e composições espaciais foi a
razão do convite para o HABITAT.
4.5. Ensaios da interligação da coreografia, escultura e vídeo
No dia 27 de Janeiro chegaram Renate Graziadei, Arthur Stäldi
(coreografia, performance), e Martin Bellardi, exaustos de uma
semana de viagens e espectáculos na Antuérpia e Constantin
Popp (composição musical), que vinha de Berlim. Ficamos com
menos de duas semanas para desenvolver e montar uma
instalação multimédia e criar e ensaiar uma coreografia para os
meus espaços virtuais. E faltava o nosso programador que ainda
se encontrava na Austrália na produção de um espectáculo para
a Opera de Sydney. Nesta fase tive grandes dúvidas de
conseguir realizar o HABITAT até à estreia no dia 8 de Fevereiro.
4.5.1 Setup áudio
Decidimos de organizar o som na seguinte maneira:
Circuito 1: Para os altifalantes das cinco esculturas o Constantin
criou uma composição de som permanente e reproduzido em
loop, a partir de samplers que ele gravou tocando nas próprias
esculturas e troncos de madeira. Criou uma biblioteca de
amostras, que com a utilização do software Reaktor 5
transformou numa malha acústica criando um espaço sonoro
dentro da instalação. As próprias esculturas através dos
altifalantes incorporadas tornaram-se caixas de ressonância.
Fontes sonoras
Apesar de ter dois circuitos áudio diferentes o hard– e software
utilizado é comum. A composição préproduzida de cinco canais
(suround sound (5+1)) foi gravada no disco rígido e reproduzida
pela RME Multiface sound card via amplificador para os cinco
altifalantes das esculturas (o canal +1 não foi utilizado). O som foi
25
26
controlado pela faderbox, que controlava os parâmetros do
software Reaktor 5 através do protocolo MIDI. A vantagem da
utilização da faderbox está no manuseamento. Os seus sliders
permitem ao operador um controle mais intuitivo e espontâneo do
que a interface do programa através do rato.
Circuito 2: O segundo circuito áudio servia para o acto musical
em tempo real. Além da malha sonora permanente queríamos
uma actuação ao vivo que reagia ao acto da performance no
palco. Obviamente tinha um carácter de improvisação, parecido
com a coreografia. Apesar de existirem espaços esculturais muito
determinados a performer sempre manteve a liberdade duma
nova interpretação respondendo à situação em diálogo com o
público. Com este fim montámos dois microfones direccionáveis
na régie (onde operava o Constantin) que serviam como fonte
sonora. Ele utilizou vários objectos e matérias, como cubos de
calçada, madeira, objectos metálicos etc. para produzir uma
gama de sons, que captou pelos microfones, amplificada pela
mesa da mistura, transformada e modulada com o seu software
Reaktor 5, controlado pela faderbox, passando via RME Multiface
sound card, via mesa de mistura e amplificada pelas 4 colunas
activas (PA active speakers) penduradas nos cantos da
BlackBox.
O facto de ter escolhido um compositor de música concreta
mostrou-se correcto. A complexidade do som, a sua
sobreposição por 9 layers áudio e o improviso de uma actuação
em tempo real em diálogo com a coreografia não permitiam uma
composição consonante no sentido convencional. Procuramos
mais uma malha sonora com uma extensão espacial produzida
por várias fontes acústicas. Samplers pré-produzidos entraram
num balanço com o acto improvisado do músico durante o
espectáculo.
4.5.2. Montagem da instalação escultórica
No dia 31 de Janeiro mudei as esculturas do Armazém T (atelier
disponibilizado por O Espaço do Tempo para a realizar as
esculturas) para a BlackBox. A BlackBox serve para O Espaço do
Tempo como um estúdio-teatro. Está equipada por um rigging
que cobre uma área de 12 x 9 metros numa altura de 4,50
metros. Pedimos para retirar as bancadas e ganhamos um
espaço útil para a instalação e perfomance de aproximado 15 x
10 metros. No fundo da sala existia uma mezzanine, onde
montamos a régie. As paredes e o piso inferior da mezzanine
foram cobertas por cortinas pretas. Numa zona de 6 x 6 foram
montados plataformas tipo Kleu, cobertas com tapete de dança
para criar a área da performance em condições adequadas.
Instalação escultórica
Como o Armazém T tinha uma escala quase igual à da BlackBox
tive oportunidade de experimentar a instalação antecipadamente
27
28
o que facilitou imenso a montagem definitiva. Coloquei o objecto
maior (escultura 1), uma grande construção de vigas de carvalho
(2,4 x 2,4 x 2,4) na entrada, quase como um “obstáculo”. A
função foi separar o espaço exterior do interior. Depois de ter
passado este obstáculo, o visitante sentiu-se como habitante da
instalação, acolhido pela forma arquitectónica. Outra peça sem
aplicação de alta tecnologia foi a escultura 2, plasticamente a
forma mais complexa e dinâmica, elemento complementar da
peça 1, reforçando o aspecto sugestivo da instalação. Seguiram
as esculturas 5 até 7, peças com implantação de monitores TFT
open frame e altifalantes. Colocamos e direccionamos as
esculturas para criar um percurso, propositadamente de forma a
que não se vissem todos os monitores ao mesmo tempo. Pois
queríamos obrigar o público a deslocar-se dentro do environment.
4.5.3. Setup vídeo
Um dos grandes desafios foi a instalação do setup vídeo. Até
hoje a edição de vídeo é uma aplicação que exige todas às
capacidades do processamento e da memória de um
computador. A edição de vídeo em tempo real vai rapidamente ao
limite tecnológico da actualidade. Nós tivemos consciência da
limitação do hardware disponível. Juntamos material nosso (cada
um trouxe os suas próprias ferramentas digitais), aproveitamos o
material da casa (O Espaço do Tempo disponibilizou-nos todo o
hardware que possuía), pedimos algum material emprestado e
mesmo assim tínhamos muito para adquirir.
Régie vídeo
O nosso projecto baseava-se muito na experiência do LaborGras
em espectáculos com aplicação de multimédia. A sua primeira
performance de multimédia foi Melting Point (2002) com a
utilização da Internet (veja 1.4. As artes performativas
contemporâneas). I, Me, and Myself again” (2006, Akademie der
Künste, Berlim) foi o primeiro projecto com a colaboração do
Frieder Weiss e a utilização do seu software Kalypso, seguido
pelo Spiel der Spiele – Play the Game (Berlim 2008), onde entrou
Martin Bellardi como operador de multimédia.
Basicamente tínhamos de distribuir as imagens captadas pelas
câmaras de vídeo para os cinco computadores que alimentaram
os cinco monitores embutidos nas esculturas. Faltavam ainda as
ferramentas de controlo para o operador na régie e os monitores
de controlo visual no palco para a performer.
Montamos três câmaras de vídeo, uma lateral à área da dança
em cima de um tripé com pouca altura, uma segunda frontal com
altura media – ambas as câmaras eram semi profissionais com
três chips de captação, a terceira foi montada no rigging por cima
do palco. Infelizmente esta era só uma consumer câmara, com
um único chip para a representação das três cores RGB. A
função deste dispositivo, além da captação das imagens para a
escultura 5 (“o poço”), foi o controle da posição da bailarina no
29
30
palco (z-buffer). Devido à sua pior qualidade, sobretudo um
aumento de ruído, tivemos alguns problemas (veja 6.1.1. Keying
em tempo real).
A distribuição das imagens para os computadores resolvemos
com uma matrix (8in/8out de ligações vídeo composto). A matrix
permitia a ligação da qualquer dos três sinais de vídeo para
qualquer dos nossos cinco PCs, uma peça chave no nosso setup.
Em todos os computadores instalamos Kalypso, o software da
exclusiva autoria de Frieder Weiss. Kalypso é um programa de
aplicação de vídeo em tempo real programado em Delphi, um
Pascal para Windows. Frieder desenvolveu o seu programa ao
longo dos anos da sua actividade professional especificamente
para performance e instalações interactivas. O seu conceito é
criar uma ferramenta “leve”, que permite que aplicações tão
complexas e pesadas como a edição de vídeo em tempo real
corram em consumer-PCs. Consequentemente a sua maior
preocupação como programador é ter um data flow optimizado
para o maior rendimento do processamento.
No nosso caso específico carregamos um still – os meus espaços
virtuais – como imagem do fundo em cada computador e
colocamos o vídeostream das câmaras na layer superior. O fundo
destas imagens foi tirado através dum processo de keying. As
layers foram renderizadas e através de cabos VGA mandados
para os monitores TFT.
No início da performance cada monitor mostrava as still images
dos espaços virtuais. Entretanto a performer ocupava cada
escultura, uma por uma. Nós decidimos que depois da ocupação
da primeira, que esta cena continuava a ser projectada como
vídeo gravado em loop dentro da escultura. Consequentemente
pouco a pouco todas esculturas ficavam “habitadas”. Com esta
premissa criamos mais uma complicação para o processamento:
isso significava tecnicamente que além do processamento da
imagem os computadores tinham de gravar os vídeos num
ficheiro no disco rígido (inclusivé do calculo do codec para a
leitura do loop logo a seguir); tudo em tempo real.
Logo nos primeiros ensaios percebemos que a nossa performer,
Renate Graziadei, precisava um controle visual da sua actuação
no palco. Cada computador teve uma placa gráfica com duas
saídas: uma saída VGA e uma DVI-A. Aproveitamos a saída VGA
para a reprodução nos ecrãs das esculturas. A segunda tinha de
servir tanto para a supervisão da bailarina no palco como para o
controle de todo o sistema pelo operador na régie. Obrigou-nos,
com mais dois splitters e mais dois switches, a dividir o sinal
vídeo para os dois monitores da régie e os dois monitores no
palco.
Faltava apenas criar condições viáveis para o nosso operador.
Era completamente impossível controlar um espectáculo a
31
32
manobrar cinco computadores através de cinco teclados e cinco
ratos. Por esta razão Martin Bellardi criou uma interface própria
para a instalação através do MAX/MSP num computador master.
Criou um sistema de rede (LAN) que conseguiu manipular
centralizando todos os parâmetros necessários para conduzir o
espectáculo através de um computador só.
O setup estava montado. Faltava “só” adaptar o Kalypso ás
exigências da performance e dos espaços virtuais.
Antes de trabalhar para a área de espectáculos Frieder Weiss,
formado em engenharia electrónica elaborou sistema de controlo
de qualidade automatizado através de análise de imagens de
vídeo. Aplicou esta experiência ao mundo das artes visuais e
performance. O desafio deste projecto foi a confrontação com a
terceira dimensão. Até esta altura as suas intervenções eram
meramente bidimensionais.
Quando percebi que a nossa performer Renate Graziadei e o
nosso coreografo Arthur Stäldi entendiam a problemática dos
espaços em função da coreografia e software compreendi que o
projecto avançava na direcção certa. Renate – com a experiência
dos últimos projectos realizados – criou uma grande segurança
de trabalhar em frente a uma câmara, sabia comunicar com seu
próprio clone e conhecia as capacidades do software. Faltava
adaptar o Kalypso à tridimensionalidade.
4.5.5. Ensaio coreográfico
“There needs to be a special balance between the pre-recorded
image and the live performance." (Frieder Weiss)
Encontrar este equilíbrio foi o desafio do nosso projecto,
encontrar a sintonia entre a escultura, a imagem preproduzida
(dos espaços virtuais) e uma performance ao vivo.
Nos
primeiros
ensaios
Renate tentou
perceber as
particularidades dos espaços virtuais, as possibilidades e
limitações, acertando os settings das câmaras e do software. O
setting das câmaras foi adaptado ao espaço da BlackBox, tive de
remodelar alguns espaços virtuais para dar mais liberdade à
coreografia. Limitamos a área de performance a seis por seis
metros para não interferir demasiado na instalação. Mas mesmo
com a grande angular das câmaras foi difícil enquadrar o corpo
inteiro da Renate o que significou mais uma condicionante.
Dentro destes parâmetros cristalizaram-se ao longo dos ensaios
cinco coreografias individualizadas para as cinco esculturas.
Encontrar o equilíbrio entre coreografia, escultura e
vídeo
Pelo conhecimento dos processos do movimento (repetição,
memorização e abstracção) desenvolveu-se uma ‘elasticidade’ da
coreografia, a elaboração de estruturas, que permitiam uma
interpretação individual e espontânea do tema, seja em forma
33
singular, duplicada ou triplicada. O objectivo foi uma interpretação
intuitiva dos espaços predefinidos dos elementos escultóricos,
desenvolvendo uma linguagem do corpo em vez de verbal. A sua
aprendizagem deu a liberdade da improvisação à bailarina sem
perder o contexto dos padrões da instalação.
A problemática da performance estava na sua dupla presença, no
real e virtual. Ao contrário dos projectos anteriores de LaborGras
(“I, me, and myself again” und “Play the play”) onde a imagem
real do performer se fundiu com a imagem projectada, tivemos no
HABITAT uma real no palco e outra projectada no ecrã da
escultura, separada da primeira. A performance só tinha leitura
para o público se a Renate conseguisse sugerir pela sua
actuação a existência de um espaço – invisível mas claramente
definido – dentro do vazio do palco.
Penso que este foi o principal desafio coreográfico deste projecto.
34
5. Conclusão
Conseguimos realizar duas apresentações públicas na BlackBox
de O Espaço do Tempo em Montemor-o-Novo (dia 8 e 9 de
Fevereio), ambas as vezes esgotadas. Para todos os
participantes o projecto pelo seu carácter transdisciplinar foi uma
experiência radicalmente nova.
Apesar de O Espaço de Tempo ter declarada a primeira
apresentação como estreia, o processo criativo para nós ainda
não está terminada. LaborGras fala no seu site como “HABITAT 1st research period”. Entendemos desde sempre que o HABITAT
– como é um projecto itinerante – é um projecto progressivo e
dinâmico.
Pretendemos mostrar o trabalho em mais lugares, ocupar novos
espaços e ganhar novos públicos. Novos espaços exigem uma
nova adaptação do environment em termos de escala e
composição. Uma área de performance maior dá mais liberdade
nos settings das câmaras. Queremos aperfeiçoar a iluminação
para ganhar mais qualidade na captação da imagem. Esperamos
um reforço no nosso equipamento.
Um dos meus objectivos do curso do mestrado foi a
aprendizagem na aplicação de multimédia no meu trabalho
artístico, uma aprendizagem tanto tecnológico como conceptual.
Espero que com esta experiência possa abrir novos caminhos.
Apesar desta nova “virtude virtual” na minha obra o desenho a
lápis não deixar de ser a forma mais directa na expressão do
pensamento do artista. Continua a mesma regra de sempre: a
eficiência dos meios. Só conseguimos desviar as limitações
tecnológicas e financeiras do nosso projecto com a concentração
no essencial da produção artística: a simplicidade.
A situação do artista plástica é tradicionalmente muito
individualista e solitária, muito influenciada pelo mecanismo do
mercado da arte. A arte vende-se pelo nome do artista. Este
modelo do artista em tempos da arte multimédia torna-se
anacronista, pois um projecto multimédia e transdisciplinar é
sempre resultado de uma equipa. O conceito de uma criação
colectiva é completamente aceite nas artes performativas, nas
artes plásticas é excepção. Espero que este processo colectivo, a
criação por sinergias de áreas diversas, se repita nos meus
futuros projectos.
35
6. Anexo
6.1. Glossário de adaptações informáticas ao espaço virtual e à
coreografia
6.1.1. Keying em tempo real
A tecnologia do chroma key foi já desenvolvida nos velhos
tempos do celulóide. A ideia é basicamente filmar uma cena em
frente de um fundo monocromo, normalmente azul ou verde.
Através de filtros elimina-se a cor padrão e o fundo tornando-se
transparente permite colocar um novo fundo – background layer.
O método também chamado bluescreen ou greenscreen foi
inventado por Larry Butler nos anos 30 para o filme The Thief of
Bagdad (Academy Award for Special Effects, 1940). No tempo
digital a tecnologia do chroma key avançou com força e é uma
ferramenta estandarte em qualquer software de edição de vídeo.
O problema continuava a ser um algoritmo “pesado” que exigia
altas capacidade de CPU, o que complica a aplicação em tempo
real.
Kalypso trabalha com uma difference key. A ideia é simples.
Compara-se todas as frames com uma frame padrão, no nosso
caso uma imagem tirada do palco vazio antes da performance.
Esta imagem é subtraída da frame actual, com o resultado de que
só restam os pixeis que sofreram uma alteração em relação á
frame padrão. No caso concreto só resta a imagem da bailarina.
A vantagem desta tecnologia é que se pode trabalhar com um
fundo simplesmente escuro, e pequenas diferenças no grau de
obscuridade do palco também não interferem no resultado. As
dificuldades encontram-se nas sombras e partes escuras do
corpo, com a tendência de tornar estas partes também
transparentes, zonas que são da mesma luminosidade da
imagem padrão (i.e. falta de alteração no valor do pixel). Como a
nossa bailarina tinha um cabelo castanho muito escuro, este em
algumas situações tornou-se transparente.
Outra limitação existe na iluminação do palco. Qualquer alteração
exige uma nova imagem padrão, o que é impossível de tirar
enquanto a performer se encontra no palco. Isso significava que
não podiam existir alterações da iluminação durante o
espectáculo.
Processo de difference key:
Imagem 3 é resultado da subtracção de imagem 1
por imagem 2
Um meio eficaz para melhorar o processo é criar uma máscara
através do filtro threshold antes da execução da própria key. O
threshold não é mais do que dividir uma imagem em pixeis
brancos e pretos através de um valor prédefinido. Como
trabalhamos com um fundo negro, estávamos interessados nos
pixeis claros. O cálculo da key limita-se á zona de pixeis brancos.
Os pixeis pretos ficam automaticamente fora o que acelera
extremamente o processamento da key. O valor do threshold tem
36
de ser bem escolhido, um valor demasiado baixo faz pouco
efeito, um valor alto tira bem ruídos da câmara – pequenas
alterações nos valores na captação da luz pela câmara – mas
também tira pormenores do corpo, que se tornam transparentes.
O threshold tornou-se muito importante para a nossa top câmara.
Como era só de um chip de captação as imagens tinham muito
ruído. Com um valor bastante alto do threshold conseguimos
limpar as imagens. O efeito não desejado de partes transparentes
no corpo foi compensado por uma luz mais directa com pouca
sombra.
Filtro threshold 32
Valor equilibrado para esta imagem.
Problema no cabelo, torna-se transparente
6.1.2. Máscaras activas por controlo do z-buffer
Mais um desafio para o nosso programador foi a introdução da
terceira dimensão no Kalypso. Queríamos uma passagem
espacialmente correcta da performer nos espaços virtuais. Para
este fim ligamos uma máscara congruente ás paredes da
arquitectura virtual à real time layer: quando a performer se
encontrava no fundo do palco, longe da câmara, a máscara era
activada; pelo contrário, perto da câmara a máscara ficava
desligada. Para medir a distância entre a bailarina e a câmara
(eixo z) utilizamos a top câmara. Através da aplicação do
threshold conseguia-se calcular o centro de gravidade dos pixeis
brancos, que dava a posição da performer. Este valor foi
associado a cada frame da real time layer (z-buffer). Definimos
um valor correspondente à situação do espaço virtual como limite
da activação/desactivação da máscara. Com este processo
conseguimos criar a ilusão de um espaço 3D.
Mas todo este setup não funcionava sem a capacidade de
orientação da Renate. Ela memorizou os espaços virtualmente
predefinidos mas inexistentes no palco. O único controlo foram os
dois monitores no palco, muitas vezes fora do alcance visual.
6.1.3. Organização das layers em função de uma perspectiva
correcta
Organização das layers em função de uma
perspectiva correcta: na primeira imagem a real
time layer sobrepõe-se ás outras, na segunda a
ordem das layers corresponde a uma sobreposição
correcta
Uma grande virtude do Kalypso è a sua capacidade de multiplicar
a real time layer e reproduzir estes clones com um atraso
variável. Os limites tanto no delay como na quantidade das layers
é dado pela memória do computador. Nos projectos anteriores do
LaborGras utilizou-se já a triplicação da real time layer. Porém
nestes trabalhos anteriores não houve a preocupação da
sobreposição das layers ser perspectivamente correcta. Nas duas
imagens vê-se esta situação: Na primeira a real time layer que
representa a figura mais pequena sobrepõe-se ás figuras maiores
das outras layers. Para resolver este problema precisava-se uma
organização dinâmica na hierarquia das layers em função da
distância z da performer em relação à câmara. A solução foi
novamente o z-buffer, associadas ás frames das layers. A ordem
37
das layers foi definida através dos valores z do buffer, frame por
frame que corresponde a uma sobreposição correcta.
Mais uma vez esta tecnologia só deu um resultado desejado com
o máximo controlo da bailarina. Ela tinha de respeitar tanto os
limites dos espaços virtuais como evitar cruzar-se com os seus
próprios clones. Isso funcionou apenas com uma memorização
máxima da coreografia do presente e do passado.
6.1.4. Delay variável
Kalypso não consegue apenas representar layers duplicadas com
atraso, mas também alterar este atraso dinamicamente.
Utilizamos esta capacidade para a escultura 3. Renate começa a
comunicar com o seu clone, projectado em espelho, no início sem
atraso nenhum. Ao longo da performance a layer duplicada
começa a atrasar-se, e de repente nota-se uma diferença
significativa nos gestos do original e do clone. Este efeito,
tecnicamente simples, funciona subtilmente permitindo a Renate
– com um grande repertório de gestos – explorá-lo de uma forma
surpreendente.
Delay variável: na primeira imagem a layer
duplicada não tem atraso em relação à layer
original; ao longo da performance aumentamos o
atraso sucessivamente, como se vê na segunda
imagem
38
6.2. Calendarização do projecto
Janeiro – Julho 2007: Elaboração do conceito artístico,
constituição da equipa, pedido de um apoio ao Instituto das Artes
(IA)
31 de Julho 2007: Carregamento de 16 troncos de carvalho em
Alemanha
Agosto: Execução da maqueta do projecto
Setembro / Outubro Trabalhos preparatórios na matéria prima
19 de Novembro – 13 de Dezembro: Execução do environment
escultórico (1. residência no Espaço do Tempo, Convento da
Saudação, Montemor-o-Novo)
16 de Janeiro – 25 de Janeiro: Criação dos espaços virtuais (2.
residência no Espaço do Tempo, Convento da Saudação,
Montemor-o-Novo)
27 de Janeiro – 10 de Fevereiro: Fase final da realização (3.
residência no Espaço do Tempo, Convento da Saudação,
Montemor-o-Novo)
8/9 de Fevereiro: Apresentação publica na BlackBox, Montemoro-Novo
19 de Abril – 20 de Maio: Exposição da instalação do HABITAT
na Galeria Arthobler, Porto
Bilhete da estreia
39
6.3.Notas
1. Ver: http://www.laborgras.com/english/laborgras/laborgras.htm
2. Hans Thies Lehmann: Postdramatisches Theater
Frankfurt Main, 1999, p. 413
3. Filippo Tommaso Marinetti: O Homem multiplicado e o império
da máquina, 1912 (?)
4. Ver: Utopia, romance de Thomas Morus (1478 – 1535), utilizou
o termo para um país imaginário
5. Norbert Wiener (1894 – 1964) definiu Cibernetics como ciência
da transmissão de mensagens entre homem e máquina ou entre
máquina e máquina
6. Gesamtkunstwerk, um termo que significa “obra de arte total”.
O termo representa um conceito fortemente ligado á cultura
alemã e não existe uma forma adequada de tradução,
consequentemente utilizo o termo na forma alemã.
Ver também a exposição da curadoria de Harald Szeemann: Der
Hang zum Gesamtkunstwerk (1983)
7. Richard Wagner, Das Kunstwerk der Zukunft, 1849, Kap.5
8. Wassily Kandinsky, Über Bühnenkomposition, em: Der Blaue
Reiter, 1912
9. Fontes: Paul van Emmerik: Thema's en Variaties; New York
Public Library on-line catalog; William Fetterman: John Cage's
theatre pieces: Notations and performances; David Revill: The
Roaring Silence
10. citado através Gabriela Borges “En-Quadrando a tele-peça
Quad, de Samuel Beckett “, Universidade Mackenzie e Faculdade
Faap. CAPES/ MEC. Este artigo foi publicado na revista
electrónica AV da Universidade Unisinos, Ano 1, N°1, Nov. 2003,
37-43
11. Telemática, o termo é constituído por telecomunicação e
informática e significa a transmissão de imagens digitalizadas por
sistemas e redes de comunicação
12. Watchout é o nome do software utilizado por Rui Horta. Com
o mesmo nome organizou um workshop na Fábrica – Centro
Ciência Viva, Aveiro (2006)
40
6.4.Bibliografia
Söke Dinkla / Martina Leeker: Dance and Technology – Moving
towards Media Production, Alexander Verlag Berlin, 2002
Dieter Krusche: Reclams Filmführer, Philipp Reclam jun.,
Stuttgart, 1973/1987
James Mónaco: Film verstehen, Rowohlt Taschenbuchverlag,
Hamburg, 2004
Randall Packer / Ken Jordan: Multimedia: From Wagner to Virtual
Reality, W.W. Norton, New York, 2002
Barbara Lesák: Die Vereinigung der Künste in den
Theatervisionen der frühen Moderne:Vom synästhetischen
Theater Kandinskys zur mechanischen Schaumaschinerie von El
Lissitzky, catalogo: Kunst der Scene, Ars Elektronica Center
6.5.Links
Homepage do projecto HABITAT:
http://www.volker-schnuettgen.com/habitat/index.html
Membros da equipa
http://www.frieder-weiss.de/
http://www.laborgras.com/
http://www.popup-studios.de/
http://www.volker-schnuettgen.com/
Co-produção
http://www.oespacodotempo.pt/
http://www.arthobler.com/
Patrocinador
http://www.kirchhoff-gruppe.de/
Links relacionados ao projecto
http://www.charactermotion.com/danceforms/
http://www.deutsches-tanzfilminstitut.de/
http://www.medienkunstnetz.de/
http://www.merce.org/
http://www.aec.at/en/index.asp
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