Trabalho completo para

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Trabalho completo para
Ciência e Saúde Coletiva
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
[email protected]
ISSN (Versión impresa): 1413-8123
BRASIL
2005
Maria Helena Machado
DEBATENDO O ATO MÉDICO
Ciência e Saúde Coletiva, setembro-dezembro, año/vol. 10, número suplemento
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
Rio de Janeiro, Brasil
pp. 18-20
Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal
Universidad Autónoma del Estado de México
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Deb a tendo o ato médico
Debating the medical act
Ma ria Hel ena Ma chado 1
O pre s en te arti go aponta para um importante
debate no setor, uma vez que as profissões de
s a ú de , de um modo geral, têm paut ado e priorizado em suas agendas políticas o debate sobre o ato médico. Também con s i dero corajoso
e de s a f i ador tratar do assunto com a clareza e
competência com que os autores desenvolveram no arti go. Então, vamos ao deb a te .
Mas como se dá o processo reg u l a t ó rio das
prof i s s õ e s ?
Moran & Wood (1993) def i n em o modelo
de regulação como mecanismo uti l i z ado para
guiar a incorporação dos médicos graduados
no merc ado de serviços de saúde a fim de qu e
ponham em prática seus con h ecimen tos de
acordo com a definição de certos padrões técnicos e ad m i n i s tra tivo s . E s tes autores con s i deram que o modelo de regulação é composto
dos seg u i n tes el em en tos: a) os mecanismos de
en trada no merc ado, i n cluindo licen c i a m en to e
certificação; b) o con trole da competição profissional; c) a estrutura do merc ado de trabalho e; d) o mecanismo remu n era t ó rio.
Con trole do merc a do
E s te aspecto assinala a forma pela qual se
regula a entrada no merc ado dos indiv í duos
habilitados para exercer a profissão médica.
Devido à alta complexidade que corre s ponde
ao trabalho de um médico, os mecanismos de
en trada no merc ado acabam sen do sofisti c ados
no que se refere à definição de qu em e sobre
quais circunstâncias é exercida a medicina. A
e s tra t é gia mais comum para con trolar a en trada no merc ado é o estabelecimento de mecanismos de licen c i a m en to no qual o Estado outorga a autorização legal, depois de cumprir
com certos requ i s i tos tais como esco l a ridade,
filiação a en ti d ades prof i s s i on a i s , en tre outros.
Regulação de práticas
de competição prof i s s i onal
Os aspectos da regulação podem estar rel ac i on ados à com petição que outros gru pos prof i s s i onais estabelecem com os médico s . O fato
de que os médicos podem ter um monopólio
virtual do con h ec i m en to é aplicado na produção de serviços de saúde ; o acesso de s te con h e-
cimento a outros grupos pode ser regulado t a nto nos aspectos educativos como na produção
dos serviços de saúde . As s i m , existem mec a n i smos legais ou ideo l ó gi cos para regular a competição de outros modelos da prática médica
tais como a hom eop a ti a , a ac u p u n tu ra, etc. A
competi ç ã o, en tretanto, também pode ser reg u l ada entre os próprios membros da profissão: por exem p l o, em alguns países ex i s tem reg u l a m entações específicas sobre a proi bição ou
perm i s s ividade no uso de propaganda para a
promoção dos serviços que outor gam aos prati c a n te s .
E s trutura do merc a do de trabalho
Há distintas formas de os médicos se integra rem ao merc ado de trabalho para produzir
serviços. Em países on de o setor públ i co é forte
e muito pre s ente, como é o caso do Brasil, os
m é d i cos acabam por ingressar no setor públ ico, torn a n do-se assalari ados. Por outro lado, o
setor privado tem cre s c i doe assu m i do boa parte da produção de serviços médicos, o que produz, no interior da corpora ç ã o, um elevado
contingen te de profissionais dependen tes da
contratação pelos empre s á rios da saúde, qu e
quase sem pre estabel ecem regras e acordos com erciais vi s a n doreduzir seus custos de operação. Entretanto, pela natu reza da prof i s s ã o, a
atividade liberal continua sen do uma prática
comum em qu a l quer merc ado de tra b a l h o.
Con tu do, em mu i tos casos e cada vez mais comu m , os médicos acabam por se assoc i a rem à
pr á tica assalariada pública e privad a , bem como à liberal. Nos últimos anos, as instituições
têm posto em pr á tica diversos mecanismos regulatórios, assegurando que a produção tenha
s eus custos reduzidos ao incrementar os seus
n í veis de eficiência e qualidade dos serviços
pre s t ado s .
Mecanismo remu n eratório
Em boa parte e, trad i c i onalmen te , a forma
mais comum de os médicos obterem sua ren d a
é por meio do pagamen to direto dos serviços
pre s t ado s . Entret a n to, c re s ce no mu n do intei ro
o assalari a m en to, como forma fundamental de
i n s erção dos médicos no mercado de tra b a l h o.
1 Fiocruz e Dep a rt a m en to de Gestão da Regulação
e do Trabalho em Sa ú de , Mi n i s t é rio da Sa ú de .
mach ado @ s a u de . gov.br
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Em alguns países, porém, a profissão tem dem on s trado capac i d ade de fazer valer suas preferências sobre a forma com que devem perceber
sua remu n eração pelos serviços prestados. Em
outros casos, o Estado ou mesmo as instituições têm tido maior controle sobre esta qu e s t ã o.
O conju n to destes qu a tro aspectos con s titui o modelo de regulação. Para Moran & Wood
ex i s tem três modelos reg u l a t ó riosprincipais. O
pri m ei ro, refere-se à auto - reg u l ac ã o, ou seja, os
pr ó prios prof i s s i onais def i n em os mecanismos
de en trada no merc ado e de com petição prof i ssional. O seg u n do, den omina-se regulação com
sanção estatal caracterizada por aqu elas entid ades e/ou insti tuições en c a rregadas de formular e implem entar os mecanismos de reg u l a ç ã o,
com con s en ti m en to e apoio do Estado. No terceiro, a regulação direta do Estado é exerc i d a
por instituições públicas especializadas nesta
função.
Os merc ados prof i s s i onais ex i s ten tes atu a lmen te no mu n do em er gi ram ao meio das tra n sformações advindas da Revo lução In du s trial e
da consolidação do sistema capitalista. Tais fatos perm i tiram o su r gi m en to de práticas e novas funções soc i a i s , torn a n do-se cre s cente a nece s s i d ade de prof i s s i onalismo em toda a soc i edade indu s tri a l i z ada (Lars on , 1977). A insti tucionalização desse merc ado impôs a definição e
a adoção de novas estra t é gias políticas, tais como, a nece s s i d ade de geração de expert s – o qu e
seria fei to por meio de um trei n a m en to espec ífico; a nece s s i d ade de se ofertar prof i s s i onais e
s erviços pad ronizados que diferen c i a s s emsua
iden tidade e perm i tisse sua conexão com os
consumidore s ; e, f i n a l m en te , a determinação
por parte do Estado na con dução e de s envo lvim en to de s te proce s s o. Pa ra isso foi fundamental que o Estado assumisse uma ação direta e
positiva em relação à obrigatoriedade da educação formal e ga ra n tisse os mon opólios de competência, já que ambos se apre s en t avam com o
variáveis cruciais no desenvolvimento do projeto prof i s s i on a l . Configurava-se uma situação
em que os gru po s prof i ss i onais estavam co m pel idos a sol i citar projeção estatal e penalidades estatais contra competidores não licenciados (Larson,
1977).
A constituição do merc ado de trabalho é
uma das bases do proj eto prof i s s i onal da med icina. Pa ra isso ela con s ti tu iu ao lon go dos tempos um merc ado de serviços com p l exo, exclus ivo, com forte cred i bi l i d ade social. O merc ado
de serviços de saúde, espec i a l m en te o merc ado
de trabalho médico, en con tra-se em con s onân-
cia com esta perspectiva de prof i s s i on a l i s m o,
apre s en t a n douma oferta de serviços altamen te
espec i a l i z ados (Mach ado, 1996).
Desta forma, a definição dos atos e ativi d ades perti n entes por exclu s ividade e/ou compartilhamen to representa uma fase bastante import a n tepara aqueles que exec utam essas atividades bem como uma segurança para os qu e
recebem seus serviços. Vejamos como a prof i ssão se con s ti tu iu ao lon go dos tem pos.
No Brasil, dura n te um lon go período, impunha-se uma distinção en tre os físicos e ciru rgiões, s en do que os pri m ei ros goz avam de m a i or
pre s t í gio social. Os primeiros praticantes da
medicina no Brasil (boticários, cirurgiões ou
f í s i cos) nece s s i t avam apenas do domínio de alguma técnica para instalar-se como prof i s s i onal. À qu ela époc a , podia-se ob s ervar no Bra s i l ,
com p a ra tiva m en te aos outros países, uma certa anarquia da pr á tica prof i s s i onal e, con s eq ü entem en te , do merc ado de trabalho, s em el h a n teà
dos demais países. Sendo pou cos os prof i s s i o n a i s
e mu i to vasta a extensão terri to rial, juntamente
com esses pra ti c avam a med i cina ainda os boticários e seus apren d i ze s , os apren d i zes de ba rbeiros, os “a n a t ô m i co s”, os “algebri s t a s” os “c u ra ndei ro s”, os en ten d i d o s , “curiosos” e ou tros que tais
(Sa n tos Filho, 1991). Enfim, todos aqueles que
dominavam alguma técnica podiam instalar- se
como profissional. Tornar-se “médico” no Bra s i l
Colônia era mu i to mais uma questão de vontade
e habilidade pe s soais do que de capacitação por
destreza e conhecimento técn i co (Machado, 1996).
Em estudos re a l i z ados sobre a história da
m edicina bra s i l ei ra , verificou-se que “m é d i co s”
e “c i ru r gi õ e s” se instalavam comu m en te em sobrados comerciais e, por vezes, tinham como
auxiliar, escravos, não só para aplicar ven to s a s ,
cataplasmas, lavagens e clisteres, como fazer
sangri a s , c u ra tivos etc. Sa be-se qu e , v á rios de sses escravo s - en ferm ei ros se torn avam pra ti c a ntes da medicina, qu e , ao com pra rem sua liberdade , con s eguiam a Ca rta de Ci ru r gi ã o - Ba rbeiro que lhes garantiam o direito de fazer concorrência ao anti go sen h or.
Ao lon go do tem po, evi den tem en te, a atividade médica tornou-se uma sólida, re s peitada
e pre s ti giosa profissão no Brasil, à sem el h a n ç a
do que acon teceu em outros países. Ao cumpri r
o ri tual e o processo de prof i s s i on a l i z a ç ã o, descri to pelos autores no artigo em paut a , o of í c i o
da medicina é hoje uma das profissões com
maior regulação de seu merc ado de tra b a l h o,
seu processo de formação, bem como do pr óprio exercício prof i s s i on a l .
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Mas o que está em discussão nesta tão antiga e estruturada profissão? Ca be, nesta altura
do campeon a to, d i s c utir ato médico?
Sociologicamen te , n ã o, mas juridicamente, sim.
Faz sentido e é necessário, se estamos foc a ndo os aspectos legais, uma vez que toda prof i ssão precisa ter sua lei de regulamentação profissional, que assegure ju ri d i c a m en teprerrogativas, privi l é gios e direi tos exclu s ivo s , e s pec i a lmente para aquelas profissões que estão em
processo de profissionalização, necessitando
f i rm a r-se no merc ado de trabalho.
Por outro lado, e s te deb a te está, em term o s
sociológicos, fora de foco e po l i ti c a m ente incorreto por alguns motivo s . Pri m ei ro, porque
não é a lei do ato médico e sim a lei de reg u l amentação da profissão que vai regular toda a
pr á tica co ti d i a n a . O termo “a to médico” é, além
de incorreto, provocativo e discriminatório
qu a n toàs demais profissões. Seg u n do, p a rauma
profissão tão antiga e sólida qu a n to a medicina
não cabia tra n s formar este ato ju r í d i coem um
a to po l í ti co e por que não provoc a tivo med i a nte às demais profissões da saúde. Terceiro, a
reação em cadeia das demais profissões não é
compreen s í vel e acei t á vel, uma vez que todas
el a s , s em exce ç ã o, têm sua lei que regulamenta
a profissão e con fere exclu s ividade de determ in ados atos prof i s s i on a i s .
Sendo assim, por que tanto polêmica em
torno da questão?
A re s posta é, certamen te , política e ideológica, corre s ponden do mu i to mais a velhas disp utas jurisdicionais do qu e , de fato, aos term o s
da legalidade que aplica a lei de regulamentação
da profissão médica, denominada “ato médico”.
Referências bibl i ográficas
L a rs on MS 1977. The ri se of profe s s i o n a l i s m. A soc i o l ogical analysis. Univers i ty of Ca l i fornia Pre s s , Berkel ey,
Los Angeles e Lon don .
Mach ado MH 1 996. Os médicos e sua pr á tica profissional:
as metamorfo ses de uma prof i s s ã o. Tese de do utorado.
Iu per j, Rio de Ja n ei ro.
Moran M & Wood B 1993. States, reg u l a ti on and the medical profession. Open University Press, Buckingham.
Sa n tos Filho LC 1991. Hi st ória geral da med i cina brasileira. 2 vo l s . Hucitec - E du s p, São Paulo.
Ato médico e a formação médica
p a ra aten der as nece s s i d a des de saúde
da sociedade
The “medical act” and medical edu c a tion
to attend the health interests of the soc i ety
Jadete Barbosa Lampert 2
O artigo nos brinda com um escl a recimen to
importante e relevante sobre o processo de prof i s s i onalização e as profissões do pon to de vista
sociológi co, permiti n do um maior entendimen to das com p l exas ações que estão em torn o
dos en c a m i n h a m en tos para a reg u l a m entação
do ato médico no Brasil. O trabalho reúne informações, analisa, discute e chama a atenção
p a ra questões ainda não re s pon d i d a s , em especial no olhar mais abra n gen te, que esteja voltado e, re a l m en te , preoc u p ado com as nece s s i d ades e a qu a l i d ade da assistência em saúde pre st ada à pop u l a ç ã o / s oc i edade bras i l eira em um
con tex to que busca a integralidade e o acesso
univers a l . Di a n te das questões não re s pon d i d a s
percebe-se a complexidade e a atualidade do
tema abordado, assim como a carência de ampliação nos estu dos.
O com en t á rio que se faz está mais ligado à
vivência docente em uma escola médica e à militância na educação médica ju n to da As s ociação Brasileira de Educação Médica (ABEM),
em especial referen te à avaliação das mu d a n ç a s
preconizadas para a formação deste prof i s s i onal médico, e a va l orização do docen te form ador dos prof i s s i onais da saúde e ge s tor da escola. Ten do como pano de fundo a história recente do século findo, que con textualiza o momento atual, tenta-se trazer alguns aspectos
que fazem parte de s te conju n to da identidade
profissional e estão muito submersos nos deb a tes das mudanças no mu n do do trabalho e,
en f i m , da reg u l a m entação do ato médico.
E n ten de-se que o ato médico na qu a l i d ade
de um ato profissional, como o artigo bem escl a rece, é acei to como uma ação que a legislação
reg u l a d o ra de uma profissão atri bui aos agen te s
de uma categoria prof i s s i o n a l , seja ele excl u s ivo
ou co m pa rtilhado com ou tras profissões e que deva ser realizado por pe s soa habilitada, no ex erc ício legal de sua prof i s s ã o.
2 Dep a rtamento de Clínica Médica, Un ivers i d ade Federal
de Santa Ma ri a . dc m . ccs@bo l . com.br e [email protected] . br

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