ebook: tudo sobre o impeachment de dilma

Transcrição

ebook: tudo sobre o impeachment de dilma
EBOOK:
EBOOK:
TUDO SOBRE O
IMPEACHMENT
DE DILMA
Politize!
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INTRO
DUÇÃO
Olá, bem-vindo ao e-book do impeachment do Politize! O processo de
impeachment de Dilma Rousseff tem movimentado muito a política
brasileira em 2016. O Politize entende que é seu papel trazer todos os
esclarecimentos possíveis sobre esse processo, que é decisivo para a
nação. Neste e-book, você
• Aprenderá, entre outras coisas, o passo a passo do julgamento desde a formulação do pedido ao presidente da Câmara até seu julgamento no Senado Federal;
• Entenderá as origens do instituto do impeachment em democracias
modernas, e mais especificamente no Brasil;
• Revisitará o único caso em que o impeachment foi acionado em
nosso país, em 1992;
• Entenderá quais seriam as razões para o impeachment de Dilma;
• E ficará por dentro do debate existente em torno da ideia de que o
impeachment de Dilma é equivalente a um golpe de Estado.
Com isso, você terá todas as condições para fazer o melhor juízo em
relação ao impeachment da presidente. Vamos lá?
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IMPEACHMENT: O PASSO A PASSO
QUEM PODE SER SUJEITO A UM
PROCESSO DE IMPEACHMENT?
Antes de mais nada, vamos conhecer melhor o processo de impeachment e tirar aquelas pequenas
dúvidas que surgem na cabeça de todo mundo: em
que casos pode acontecer um processo de impeachment? Como funciona o processo? Se Dilma sai,
quem assume? Haverá novas eleições ou o segundo
colocado das últimas eleições a substitui?
Qualquer pessoa com uma função pública no Poder
Executivo pode sofrer um impeachment: presidente,
governador, ministros e secretários. Os vices
também podem ser submetidos a esse processo.
O QUE É O IMPEACHMENT?
QUEM PODE FAZER UM PEDIDO DE
IMPEACHMENT?
É um processo político, votado por uma Casa legislativa, que julga se uma pessoa com função pública
cometeu um crime de responsabilidade política, ou
então um crime comum. No caso do presidente, ele
pode ser condenado por oito diferentes crimes de
responsabilidade.
Qualquer cidadão pode fazer um pedido de impeachment. Basta entregar uma denúncia contra uma
pessoa com função pública à Câmara dos Deputados.
É claro que, para ela ser acatada, ela tem que estar
acompanhada de provas do suposto crime cometido
pela pessoa acusada. Outros critérios para que a
denúncia seja aceita são conter uma lista de pelo
menos cinco testemunhas e ter uma assinatura com
firma reconhecida.
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CASO UM PEDIDO DE IMPEACHMENT SEJA ACEITO, O QUE ACONTECE EM SEGUIDA?
1. Se o presidente da Câmara considerar que a
denúncia é válida, ele tem de apresentá-la no
plenário da Câmara.
2. Em seguida, ela é encaminhada para uma comissão
formada especialmente para analisar o caso.
3. Se for acolhida pela comissão, o presidente tem de
apresentar sua defesa. Prazo: 10 sessões da Câmara.
4. Depois da defesa do Presidente, a Câmara apresenta um parecer sobre o caso. Prazo: 5 sessões.
5. Em 48 horas depois da apresentação do parecer,
documento deve ser incluído na ordem do dia e ser
votado pelos deputados (513, ao todo). São
necessários 2/3 dos votos (342) para o processo de
impeachment começar (sim, ele só começa a partir
deste ponto).
6. Aprovado o pedido de abertura do processo, ele é
passado para o Senado, que é responsável pelo julgamento propriamente dito. O Senado deve decidir em
plenário, por maioria simples (41 votos), se abre ou
não o processo.
7. Se os 41 votos forem alcançados, o Senado instaura o processo e o Presidente é automaticamente
afastado de suas funções. Dois terços dos senadores
precisam ser a favor do impeachment para que ele
seja condenado. O prazo para finalizar o processo:
180 dias. Se passar desse prazo, o Presidente volta
às suas funções, mas se for considerado culpado,
será novamente afastado.
8. O político condenado em processo de impeachment pode, além de perder o cargo, ficar inelegível
por até oito anos.
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QUEM ASSUME SE O PRESIDENTE SOFRER IMPEACHMENT?
O substituto imediato do Presidente é o seu vice. Ou
seja: se Dilma não pudesse mais governar hoje,
Michel Temer seria o novo presidente
.
Mas se o vice também não puder exercer o cargo,
seja por cassação, renúncia ou até mesmo novo
impeachment, quem assume em um primeiro momento é o Presidente da Câmara dos Deputados
(hoje Eduardo Cunha). Mas ele não fica por muito
tempo no cargo: será necessário convocar novas
eleições para a escolha de um novo representante.
Um pequeno detalhe importante nesse caso.
1. Se o impeachment ocorrer nos primeiros dois anos
de mandato da Presidente: novas eleições diretas
são convocadas. Prazo: 90 dias.
2. Se o impeachment ocorrer nos últimos dois anos
de mandato: escolha indireta, por votação do Congresso. Prazo: 30 dias.
Um último detalhe: a pessoa que assumir o cargo
apenas cumprirá o mandato de quem o antecedeu.
Portanto, tem um mandato mais curto do que normalmente um Presidente teria.
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IMPEACHMENT NA HISTÓRIA:
O CASO DE COLLOR
Vamos relembrar o único caso de
impeachment já vivido no nosso
país? Aconteceu lá em 1992, com o
então presidente Fernando Collor.
Fonte: Agência O Globo Marcelo Carnaval – 15/03/1990
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UM POUCO DE CONTEXTO
Fernando Collor de Melo foi eleito para presidente nas eleições de 1989, as primeiras
eleições diretas para presidente desde 1960. Ele
derrotou candidatos como Luiz Inácio Lula da
Silva, Leonel Brizola e Mário Covas. Seu partido,
o Partido da Reconstrução Nacional (PRN), era
um “nanico” frente a diversos outros surgidos
com a redemocratização do país, como o PMDB,
o PT, o PSDB e o PDS.
O governo Collor foi iniciado em março de 1990.
Logo de cara estabeleceu medidas econômicas
radicais para tentar combater um dos principais
problemas da economia do país: a inflação, que
na época chegava a surreais 1700% ao ano (para
efeito de comparação, nos últimos anos ela não
passou dos 7% ao ano). A principal dessas medidas foi o confisco das poupanças por um período
de 18 meses, medida estabelecida por meio de
medida provisória. A ideia era diminuir a quantidade de moeda em circulação e, desse modo,
preservar seu poder de compra.
A estratégia não deu certo, já que a inflação continuou um
problema ao longo de todo o governo, o que, claro, deixou
a população completamente insatisfeita. Ainda por cima,
já em 1991 surgiram denúncias de corrupção envolvendo
pessoas próximas a Collor, como a sua esposa, Rosane
Collor.
Em maio de 1992 estourou a denúncia que levaria o governo Collor a um fim prematuro. O irmão do presidente,
Pedro Collor, concedeu entrevista à revista Veja acusando-o de manter uma sociedade com o empresário Paulo
César Farias, tesoureiro de campanha de Collor.
Segundo Pedro, o tesoureiro seria “testa de ferro” do
presidente em negociações espúrias, ou seja, aquela
pessoa que faz a intermediação de transações financeiras
fraudulentas, a fim de ocultar a identidade de quem realmente as contrata. Em junho de 1992, o Congresso
instaurou uma CPI só para tratar das atividades de PC
Farias. Com o desenrolar dos trabalhos da comissão, as
acusações de Pedro Collor foram ganhando substância,
com muitas provas de transações ilícitas ligando PC Farias
a Collor.
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CARAS-PINTADAS
Uma das manifestações mais marcantes ocorreu no
dia 16 de agosto daquele ano, dois dias depois de
Collor aparecer em cadeia nacional para pedir que o
povo fosse às ruas de verde e amarelo para defender
seu governo. Não colou: os manifestantes apareceram de preto, em sinal de luto pelos escândalos de
corrupção do governo.
Foi nesse contexto que surgiram os caras-pintadas,
um movimento essencialmente estudantil, promovido principalmente pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e pela União Brasileira dos Secundaristas (UBES). O movimento tinha um objetivo bem
claro: remover o presidente do poder. Em agosto de
1992, começam a ser feitas grandes passeatas,
reunindo inicialmente 10 mil pessoas, depois 30 mil,
até chegar à marca de 400 mil pessoas em uma passeata em São Paulo, no dia 25 de Agosto.
O movimento foi marcado pelo apartidarismo,
demonstrando que os partidos existentes não davam
conta de atender às reivindicações da população. As
manifestações continuaram a crescer no mês de
setembro, quando um pedido de impeachment foi
elaborado e entregue à Câmara dos Deputados. No
dia 29 de setembro, a Câmara aprovou o pedido por
ampla maioria e o processo foi aberto. Naquele dia,
estima-se que milhões de pessoas haviam aderido ao
movimento dos caras-pintadas, saindo às ruas com o
rosto pintado de verde e amarelo para pedir a saída
do presidente.
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O IMPEACHMENT
Com a abertura do processo de impeachment,
Collor foi imediatamente afastado do cargo,
algo que explicamos no nosso post sobre esse
processo. Nesse meio tempo, assumiu o
vice-presidente, Itamar Franco, enquanto o
Senado apurava se Collor havia cometido um
crime de responsabilidade.
O processo correu até o final do ano (lembrando
que ele dura até 180 dias com o presidente
afastado, ou até mais tempo, com o presidente
de volta ao cargo). Com a condenação iminente
no Senado, Collor resolve renunciar ao cargo, no
dia 29 de dezembro, para evitar ficar inelegível
nos oito anos seguintes. Mesmo com a renúncia,
o Congresso votou a favor da perda dos direitos
politicos do ex-presidente, afastando-o de
cargos políticos pelo resto da década de 1990.
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CONCLUINDO…
O impeachment de Collor teve como início um
escândalo de corrupção que estava diretamente
ligado ao nome do presidente. Mas o pano de fundo
dessa história teve como ingredientes indispensáveis a fraca sustentação política do governo,
com poucos partidos de peso apoiando o presidente,
além da profunda crise econômica do país, que havia
apenas piorado com as medidas controversas adotadas pelo próprio governo Collor. Tudo isso causou
grande insatisfação popular e também causou. Esses
são típicos elementos que podem levar ao impeachment de uma figura pública.
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DILMA X COLLOR:
A COMPARAÇÃO DOS IMPEACHMENTS
SITUAÇÃO ECONÔMICA DO PAÍS
O andamento do processo de impeachment de
Dilma nos faz lembrar quase que automaticamente do episódio do impeachment de Collor,
afinal esse foi o único caso em que esse instrumento constitucional foi usado na história do
nosso país. As semelhanças e diferenças entre
os casos desses dois presidentes podem nos
ajudar a entender como Dilma pode ou não se
livrar do afastamento do cargo. Vamos ver
alguns fatores muito importantes para o
impeachment de Collor.
Governo Collor: O Brasil começou a década de 90 ainda
sem ter superado as inúmeras crises da década anterior
(conhecida como década perdida), quando alcançamos
níveis estratosféricos de inflação, mesmo em meio à
estagnação econômica, além de problemas enormes com
a dívida externa. Os planos econômicos criados para
tentar frear a inflação e trazer estabilidade à moeda fracassaram.
Assumindo a presidência com a imagem de um líder jovem
e forte, Collor resolveu arriscar para atacar a questão
inflacionária. Para isso, tomou uma decisão que muito
provavelmente selou seu destino: confiscou a poupança
de praticamente toda a população. Esse ato ousado revelou-se completamente ineficaz, já que a inflação continuou a subir da mesma maneira - com a diferença de que
agora o povo não tinha acesso a suas economias.
Governo Dilma: A presidente Dilma não tomou nenhum
ato que tenha chocado os brasileiros da mesma forma que
o confisco da poupança por Collor. Mas isso não significa
que a economia brasileira tenha ido bem durante seu governo. Muitas medidas de Dilma foram duramente criticadas - como manter taxas de juros artificialmente baixas, a
redução das tarifas de energia, a política de desoneração
das indústrias -, todas medidas que pressionaram as
contas públicas, levando à necessidade de criar um ajuste
fiscal e retirando a confiança dos investidores e consumidores no país. Como resultado, estamos em recessão, encarando alta inflação, dólar nas alturas, sem conseguir
garantir superávits primários.A fraca gestão econômica de
Collor pesou definitivamente contra ele. Esse fator
também pesa contra Dilma.
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POPULARIDADE
Governo Collor: as medidas econômicas impopulares (e também visivelmente fracassadas) que tomou
foram suficientes para que o apoio expressado nas urnas se dissipasse. O presidente viu crescer sua
rejeição entre eleitores ao longo de seu mandato e em 1992, ano em que foi cassado no Congresso, encarou megaprotestos no Brasil inteiro, sem que houvesse uma contrapartida de apoiadores. As manifestações populares apenas ajudaram a aumentar a sensação de que Collor não tinha como continuar
no poder. Em seu pior momento, Collor era aprovado por apenas 9% da população, enquanto era
reprovado por 68%, segundo o Instituto Datafolha.
Governo Dilma: também convive com manifestações contra o seu governo desde o início do segundo
mandato. Os protestos do último 13 de março já entraram para a história como as maiores já registradas no país (maiores até do que os da Diretas Já, nos anos 1980). As pesquisas de aprovação também
registram resultados extremamente negativos, piores até que os de Dilma chegou a ser rejeitada por
71% da população, enquanto era aprovada por apenas 8% (novamente, dados do Datafolha).
A grande diferença em relação ao caso de Collor, porém, é que Dilma recebeu um apoio significativo das
ruas. Poucos dias após os protestos de 13 de março, foi a vez de manifestações pró-governo reunir centenas de milhares de pessoas. Fenômeno semelhante não foi observado no governo Collor. O que se
mostra aqui é que a saída de Dilma não é uma unanimidade entre os eleitores, como foi no caso de
Collor, o que é um ponto a favor para Dilma.
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APOIO PARTIDÁRIO E DO CONGRESSO
Governo Collor: governou com pouco apoio do Congresso. No início, até tinha aliados dentro de partidos importantes, como PFL, PDS, PTB e PL. Mas quando a ideia de seu impeachment surgiu, em meio à
comoção popular causada pela revelação de fatos comprometedores, poucos parlamentares se opuseram: as únicas lideranças expressivas que ficaram ao seu lado foram Leonel Brizola e Antônio Carlos
Magalhães.
Governo Dilma: a presidente conta (ou pelo menos contava até pouco tempo atrás) com uma ampla
base aliada no Congresso, que segundo estimativas incluía mais de 300 deputados na Câmara. Seu partido ainda possui a segunda maior bancada do Congresso. Por outro lado, esse apoio diminuiu com a
saída de partidos como o PMDB - que tem o maior número de representantes no Congresso.
O fato é que Dilma tem uma margem de manobra maior do que Collor nesse sentido: o governo ainda
tem a possibilidade negociar com partidos como PSD e PR, que juntos somam mais de 100 deputados capital político que tornaria possível barrar o impeachment no plenário da Câmara.
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SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA
Governo Collor: gmais um sinal do isolamento político de Fernando Collor quando estava na presidência, a sociedade civil organizada (movimentos sociais, movimentos estudantis, sindicatos e entidades de classe) viraram as
costas para o presidente nos momentos decisivos daquele processo. Os grandes protestos contra o então presidente realizados em 1992 foram organizados pela União Nacional dos Estudantes (UNE).
Governo Dilma: possui maior respaldo dos movimentos sociais. Se na época de Collor a UNE se colocou contra o
presidente, pedindo seu impeachment, desta vez ela e outras entidades importantes, como a Central Única de Trabalhadores (CUT) se articularam para defender o governo nas ruas.
.AS ACUSAÇÕES
Governo Collor: em maio de 1992, o então presidente foi surpreendido por uma reportagem da revista Veja, em
que seu próprio irmão revelava a participação do ex-presidente em um esquema que contava com a ajuda de PC
Farias, seu tesoureiro de campanha. A Comissão Parlamentar de Inquérito que investigava o caso também comprovou que um Fiat Elba havia sido comprado à ex-primeira dama com um cheque de uma conta fantasma de PC Farias.
Tais acusações apenas aceleraram a saída de Collor do poder, que teve a abertura do processo de impeachment
aceita pela Câmara em setembro de 1992.
Governo Dilma: ao contrário de Collor, Dilma não está implicada diretamente em nenhuma denúncia de corrupção.
Os crimes de responsabilidade que constam em seu pedido de impeachment são de natureza administrativa, como
as famigeradas pedaladas fiscais e os decretos que abrem crédito suplementar (em tese, acusa-se, deveriam ter tido
aprovação prévia do Congresso). Como já vimos em outro post, no entanto, os crimes de responsabilidade são vários
e bastante amplos, e não necessariamente precisam envolver o favorecimento pessoal do presidente.
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CONCLUINDO…
Os cenários dos impeachments de Dilma e Collor são distintos, apesar de algumas semelhanças. O enfrentamento de uma crise econômica e de uma forte impopularidade é um fator
comum aos dois governantes. Entretanto, enquanto Collor teve de enfrentar o processo
praticamente isolado, Dilma ainda conta com forte apoio de movimentos sociais, historicamente ligados ao PT, além de parte da classe artística e intelectual, bem como uma parcela do
eleitorado. No Congresso, Dilma ainda conta com o apoio de aliados e briga para manter
alguns partidos importantes sob sua influência.
Isso será suficiente para evitar a abertura do processo de impeachment no Senado (o que
pode acontecer já na próxima semana)? Isso ainda teremos de descobrir. Mas a resistência
desta vez é maior que em 1992.
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POR QUE UM IMPEACHMENT
CONTRA DILMA? VEJA OS ARGUMENTOS
DECRETOS ORÇAMENTÁRIOS SUPLEMENTARES
A saída de dilma da presidência da
república é desejado por muitos
brasileiros. Mas para que um
impeachment aconteça, é preciso
muito mais do que a insatisfação
popular. O impeachment, em que
pese seu caráter político (é todo
julgado pelo Congresso), precisa
ter um embasamento jurídico:
deve ser provado que o presidente, no exercício das suas funções,
cometeu um crime de responsabilidade. Vamos entender quais os
crimes que Dilma é acusada de
cometer?
A acusação: Dilma editou uma série de decretos em 2014 e 2015 para
abertura de crédito suplementar, sem a aprovação do Congresso, de
modo a garantir que as metas de superávit do orçamento fossem atingidas. A abertura de créditos suplementares não é em si um problema;
pelo contrário, é um instrumento feito para lidar com gastos imprevistos. O crime de responsabilidade estaria em dois aspectos principais: (1)
a meta fiscal estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foi
desconsiderada, e a presidente estaria gastando bem mais do que o
aprovado pelo Congresso e (2) o crédito suplementar foi emitido sem
aprovação parlamentar, em violação ao processo de definição do orçamento.
A defesa: A ação orçamentária e financeira tem características diferentes. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) tem uma finalidade de
orientação e planejamento e nunca é capaz de dar conta da realidade
fiscal. Queda na arrecadação e despesas imprevistas podem pedir por
uma mudança na estratégia financeira. Não haveria descumprimento do
orçamento, mas uma adaptação à realidade.
Para corroborar com o argumento de que esse tipo de ação não é atípico, ficou comprovado o uso semelhante de créditos suplementares por
governos municipais e até mesmo pelo Governo Federal em outros
anos (inclusive anteriores aos mandatos de Dilma).
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PEDALADAS FISCAIS
A acusação: O principal crime de responsabilidade de que Dilma é acusada é relacionado à
gestão fiscal do governo. O nome “pedaladas
fiscais” se refere a práticas contábeis reprováveis
e que poderiam ser inclusive interpretadas como
fraude, já que o superávit primário era inflado
artificialmente (ou seja, era maior do que na realidade seria).
Mas afinal, o que são essas tais pedaladas? Não é
tão fácil explicar, pois é uma questão bastante
técnica. Mas vamos explicar de um jeito bem simples: o governo, através do Tesouro Nacional,
precisa fazer várias remessas de recursos a
bancos e instituições afins, para que eles possam
executar vários programas sociais do governo.
Entre esses programas estão o Bolsa Família, o
Minha Casa Minha Vida, além de vários direitos
assegurados ao trabalhador.
Ok, mas o que o governo fez de errado? É comprovado que entre 2013 e 2014, ainda no primeiro mandato de Dilma, várias dessas transferências de recursos para os bancos foram
atrasadas ou nem sequer realizadas, obrigando
essas instituições a tirar de seu próprio orçamento os recursos para garantir a continuidade
dos programas mencionados acima. A suspeita
é que o governo reteve esses recursos para que
pudesse cumprir outras obrigações orçamentárias, principalmente o superávit primário
– que nada mais é do que manter a conta do
governo no positivo, como forma de sinalizar o
equilíbrio nas contas públicas a investidores.
Com isso, o governo pode maquiar o estado das
suas finanças, ludibriando todos os interessados nessas informações (eleitores, investidores,
agências de rating, governos de outros países,
mercado financeiro, etc).
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PEDALADAS FISCAIS
A defesa: O governo não nega a existência dessa
prática, mas pontua vários fatores que relativizam a gravidade do fato. Um fato é que presidentes anteriores (como Itamar, FHC e Lula)
fizeram pedaladas também. Vários governadores,
muitos deles ainda em exercício de seus mandatos hoje, também se utilizaram desses recursos.
Se Dilma for condenada pelas pedaladas, abre-se
no mínimo um precedente para a queda de boa
parte dos mandantes no nível estadual. Caso isso
aconteça, haverá uma incoerência.
Existe uma grande discussão se fatos de mandatos anteriores podem servir como alegação
para remover um presidente em um mandato
posterior
Outra questão importante nessa acusação é de
ordem temporal. Dilma “pedalou” em 2013 e
2014, ainda em seu primeiro mandato.
Além disso, sustenta a defesa, as pedaladas não
configuram qualquer tipo de favorecimento
pessoal da presidente, que não poderia ser acusada de corrupta por esse motivo.
Por saber dessa controvérsia, o presidente da
Câmara Eduardo Cunha recomendou que o
impeachment não fosse sustentado com base
nas pedaladas – mas os elaboradores do pedido
de impeachment em análise na Câmara voltaram a mencionar essa acusação na comissão
do impeachment.
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NÃO REGISTRO DE VALORES
A acusação: O governo teria deixado de registrar
dívidas com o BNDES, para o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e com Banco do
Brasil pelo Minha Casa Minha Vida. A ausência
desse registro nos cálculos fiscais teria acarretado em uma avaliação equivocada da situação e,
consequentemente, a metas irreais de superávit.
Legalmente, essa falta de transparência violaria a
Lei Orçamentária, constituindo crime de
responsabilidade.
A defesa: A Presidente não é diretamente
responsável pela metodologia fiscal, que fica a
cargo do Banco Central. Seria impossível, nesse
caso, comprovar ação ou omissão deliberada da
presidente em relação ao não registro dos
valores.
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CRIMES CONTRA A PROBIDADE ADMINISTRATIVA
A acusação: Essa denúncia é diferente das anteriores, pois não faz referência a crimes contra a
lei orçamentária. O principal argumento se
baseia no art. 9 n.3, segundo o qual é crime “não
tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais
ou na prática de atos contrários à Constituição”.
Para os denunciantes, Dilma não seria só culpada
por ter sido descuidada com a supervisão dos
assuntos da Petrobrás, como a compra superfaturada da refinaria em Pasadena ou os ilícitos
da Lava Jato de uma forma geral, mas por ter deliberadamente omitido informações.
Em primeiro lugar, Dilma era Presidente do Conselho de Administração da Petrobrás na época da
compra da refinaria e, alega a acusação, deveria
saber do superfaturamento. Em segundo lugar,
foi citada na delação premiada de Alberto
Youssef como alguém que sabia dos ilícitos.
Por fim, pessoas próximas à presidente como o
ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto e o
ex-dirigente da Petrobrás Nestor Cerveró
estariam diretamente envolvidas nos esquemas, o que torna suspeita a omissão da presidente.
A defesa: Uma grande parte da argumentação
dos denunciantes se sustenta em informações
anteriores ao mandato da presidente, e não serviriam a respaldar qualquer denúncia de crime
de responsabilidade. Além disso, não há provas
além das delações premiadas, que são questionáveis, que demonstrem categoricamente
que a presidente sabia dos esquemas de corrupção.
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IMPEACHMENT É GOLPE? VEJA OS
ARGUMENTOS A FAVOR E CONTRA
O atual momento político brasileiro é de grande polarização e
instabilidade. Nesta situação, o
medo de que aconteça um golpe
de Estado aumenta. A Presidente
Dilma insiste em afirmar que o
processo de impeachment em
curso é uma tentativa de derrubá-la ilegalmente e também
afirma que os grampos divulgados por Sérgio Moro são ilegais.
Mas o que pode e o que não pode
ser considerado um golpe?
Vamos entender.
GOLPE DE ESTADO: CONCEITO
Um golpe de Estado acontece quando um governo estabelecido por
meios democráticos e constitucionais é derrubado de maneira ilegal –
portanto, de uma forma que desrespeita esses processos democráticos
(eleições diretas, por exemplo) e as leis de um país. Um golpe não necessariamente acontece com o uso da força, apesar de que são comuns na
história do Brasil e de outros países da América Latina a ocorrência de
golpes militares – ou seja, a ameaça do uso da força é usada para remover o poder constituído
Outras formas de golpe também são possíveis, como pelo uso indevido
da Justiça para incriminar pessoas no poder – ou seja, a Justiça agindo
ela mesma de maneira ilegal. Essa é uma forma de golpe mais sutil, mas
que produz os mesmos resultados: a deposição de um governo eleito
democraticamente por vias que extrapolam as regras de um Estado
Democrático de Direito..
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Também é importante entender que um
golpe de Estado pode ter apoio da maioria
ou de uma minoria. O apoio popular é, na
verdade, um ingrediente bastante presente
em diversos golpes.
A COMPARAÇÃO DO
MOMENTO ATUAL
COM O GOLPE DE 64
Um golpe também pode ser realizado pelo
próprio governo, que se recusa a ceder o
seu poder em situações previstas em lei.
Por exemplo: um governo que continua no
poder quando deveria ter permitido novas
eleições diretas.
A história do Brasil é marcada por diversos
episódios de golpe. O mais recente deles
tem sido muito mencionado por quem sustenta que estamos presenciando um golpe.
Vamos relembrar esse momento?
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Muito se tem falado a respeito das semelhanças entre os
cenário políticos do Brasil de 1964 e do Brasil de 2016.
Por isso, é interessante resgatar um pouco do que foi
aquele momento da vida nacional.
52 anos atrás, o Brasil tinha como presidente João Goulart, o Jango. O presidente não era muito bem visto por
uma boa parte da imprensa e da classe média, pois apresentava inclinações políticas à esquerda (antes de virar
presidente, ele foi ministro de Getúlio Vargas, quando
aumentou o salário mínimo em 100%; enquanto chefe de
governo, defendia reformas de base com viés popular).
Goulart tinha alcançado o poder após o estranho episódio
da renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Jango era vice de
Quadros e assumiria a presidência já naquela época, mas
foi impedido de assumir o cargo, sob a ameaça de uma
intervenção militar e o início de uma guerra civil. O país
passou então por uma rápida experiência de parlamentarismo, em que os poderes de Goulart eram bastante limitados (você pode aprender mais sobre sistemas de governo
aqui!). Mas após um plebiscito, o país voltou ao presidencialismo e Goulart finalmente virou o presidente com
plenos poderes.
O período de Goulart como presidente foi bastante breve
e agitado, com muitas greves, protestos e
comícios marcantes. A polarização política crescia
enquanto a imprensa pedia pela saída do presidente
(fosse por impeachment ou por renúncia). As justificativas para esse pedido são bastante familiares para
nós, mesmo depois de meio século. Naquela época, o
confronto da Guerra Fria basicamente dividia o mundo
entre comunistas e capitalistas. A presença de um governo de esquerda inclinado a ampliar direitos sociais
tornava mais simples colar a ideia de que havia uma
ameaça comunista no país.
Outro motivo alegado para a deposição de Goulart,
como em outros momentos na história do país, foi a
corrupção, que teria se tornado um problema sério
naquele momento, acusava-se. Lembra muito alguma
coisa, não? Aqui, a semelhança de 1964 e 2016 se
torna bastante evidente.
Com o ambiente instável e uma grande convulsão
social no país – mais uma vez, parecido com o que
aconteceu neste ano no país-, grandes protestos foram
realizados no Rio de Janeiro e outras grandes cidades,
contra e a favor do governo. Em meio ao cenário turbulento, os militares intervieram no dia 31 de março de
1964. João Goulart foi mandado para o exílio no Uruguai. Todas as forças favoráveis ao governo, seja nos
meios militares ou políticos, não foram capazes de
reagir. O golpe estava dado.
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E HOJE?
52 anos depois do golpe de 64, o país vive mais uma
vez momentos difíceis e que nos fazem perguntar: é
possível acontecer um novo golpe de Estado por
aqui, em pleno 2016? O lema “não vai ter golpe” virou
grito de guerra de grupos que ou apoiam o governo
da presidente Dilma (ou então se declaram a favor da
ordem democrática, não necessariamente a favor do
governo). A própria presidente usou essa expressão
em discurso. Do outro lado, os opositores negam
qualquer tentativa de golpe de sua parte e que o governo é que estaria dando um golpe na população.
Nessa guerra semântica, quem tem a razão? Vamos
checar alguns argumentos:
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Sim, Dilma está sofrendo um golpe
Veja por que muita gente entende que as diferentes tentativas de levar à saída da presidente Dilma do governo são uma espécie de golpe de Estado:
• O processo de impeachment que a presidente está sofrendo é injustificado, já que Dilma não tem nada que
possa ser comprovado contra ela (e um impeachment depende da comprovação de um crime de responsabilidade). Já o processo de cassação de Dilma e Temer por cometer crimes eleitorais, que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não está concluído e não comprovou qualquer uso de dinheiro ilícito nas campanhas.
• Já as manifestações populares realizadas contra o governo, alegam seus defensores, também não são suficientes para depor um presidente. Mesmo que algo entre 2 e 6 milhões de pessoas tenham ido às ruas no último
dia 13/03, argumenta-se que a presidente chegou ao poder pelo voto de 54 milhões de pessoas, e isso deve
ser respeitado. Em 2018, haverá novas eleições, mais uma chance de eleger alguém que não seja do Partido
dos Trabalhadores. As regras democráticas devem ser respeitadas.
• O Poder Judiciário tem sido um ator importante do golpe, ao investigar de maneira seletiva o governo,
agindo voluntariamente em prol de sua derrubada. Os rumos recentes da Operação Lava Jato mostram isso:
o grupo político do PT tem sido duramente atacado (inclusive com medidas ilegais). O destaque vai para medidas tomadas contra o ex-presidente Lula, que passou por condução coercitiva, pedido de prisão preventiva e
finalmente teve gravações de conversas telefônicas suas reveladas à imprensa (esta também acusada de
colaborar com o golpe).
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Não, Dilma não está sofrendo golpe
A oposição nega veementemente que exista qualquer golpe em curso.
• Todas as medidas contra o governo petista estão dentro da legalidade e fazem parte do jogo democrático. O
processo de impeachment é previsto na Constituição Federal como um mecanismo para remover governos
corruptos e incompetentes – é o que se acusa o governo Dilma de ser. O processo no TSE, se acabar na cassação da presidente, também será legal.
• A crise que levou milhares de pessoas às ruas é resultado de uma sucessão de erros do governo que
causaram uma grande insatisfação popular, e não de uma grande conspiração anti-democrática da oposição.
• A Operação Lava Jato e os trabalhos da Justiça, defendem os oposicionistas, estão dentro da normalidade –
não foi comprovada nenhuma ilegalidade nos atos do juiz Sérgio Moro, por exemplo, que está à frente da Lava
Jato, apesar das controvérsias da condução coercitiva e da divulgação dos grampos de Lula.
• O golpe, apontam os oposicionistas, estaria sendo dado pelo próprio governo, que ao nomear o ex-presidente Lula para o importante ministério da Casa Civil o colocou, na prática, na condição de chefe de Estado – ao
mesmo tempo em que estaria protegendo Lula dos trabalhos da Justiça, ao concedê-lo o foro privilegiado
(Lula deixa de ser investigado por Moro e passa a responder apenas ao STF – isso se ele realmente se tornar
ministro).
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Como você pode ver, a questão é bastante complexa. A experiência de 1964 mostra que o combate
à corrupção já foi uma bandeira usada para derrubar governos no Brasil. Semelhanças à parte,
porém, não há sinal de que o Brasil passará por um
golpe de Estado aos moldes de 1964, com tanques
de guerra nas ruas e exílios forçados de líderes
políticos. A acusação é de que o golpe agora estaria
acontecendo pelo
Poder Judiciário, que tem se excedido em sua função
de julgar (a possível ilegalidade da divulgação dos
grampos de Lula é o principal argumento). Mas é igualmente difícil afirmar que o Judiciário esteja trabalhando para derrubar o governo, e não simplesmente exercendo seu papel de julgar os fatos, mesmo que às vezes
cometendo erros controversos.
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comprometidas com a ideia de levar educação
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