ebook: tudo sobre o impeachment de dilma
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ebook: tudo sobre o impeachment de dilma
EBOOK: EBOOK: TUDO SOBRE O IMPEACHMENT DE DILMA Politize! 1 INTRO DUÇÃO Olá, bem-vindo ao e-book do impeachment do Politize! O processo de impeachment de Dilma Rousseff tem movimentado muito a política brasileira em 2016. O Politize entende que é seu papel trazer todos os esclarecimentos possíveis sobre esse processo, que é decisivo para a nação. Neste e-book, você • Aprenderá, entre outras coisas, o passo a passo do julgamento desde a formulação do pedido ao presidente da Câmara até seu julgamento no Senado Federal; • Entenderá as origens do instituto do impeachment em democracias modernas, e mais especificamente no Brasil; • Revisitará o único caso em que o impeachment foi acionado em nosso país, em 1992; • Entenderá quais seriam as razões para o impeachment de Dilma; • E ficará por dentro do debate existente em torno da ideia de que o impeachment de Dilma é equivalente a um golpe de Estado. Com isso, você terá todas as condições para fazer o melhor juízo em relação ao impeachment da presidente. Vamos lá? Politize! 1 2 IMPEACHMENT: O PASSO A PASSO QUEM PODE SER SUJEITO A UM PROCESSO DE IMPEACHMENT? Antes de mais nada, vamos conhecer melhor o processo de impeachment e tirar aquelas pequenas dúvidas que surgem na cabeça de todo mundo: em que casos pode acontecer um processo de impeachment? Como funciona o processo? Se Dilma sai, quem assume? Haverá novas eleições ou o segundo colocado das últimas eleições a substitui? Qualquer pessoa com uma função pública no Poder Executivo pode sofrer um impeachment: presidente, governador, ministros e secretários. Os vices também podem ser submetidos a esse processo. O QUE É O IMPEACHMENT? QUEM PODE FAZER UM PEDIDO DE IMPEACHMENT? É um processo político, votado por uma Casa legislativa, que julga se uma pessoa com função pública cometeu um crime de responsabilidade política, ou então um crime comum. No caso do presidente, ele pode ser condenado por oito diferentes crimes de responsabilidade. Qualquer cidadão pode fazer um pedido de impeachment. Basta entregar uma denúncia contra uma pessoa com função pública à Câmara dos Deputados. É claro que, para ela ser acatada, ela tem que estar acompanhada de provas do suposto crime cometido pela pessoa acusada. Outros critérios para que a denúncia seja aceita são conter uma lista de pelo menos cinco testemunhas e ter uma assinatura com firma reconhecida. Politize! 3 CASO UM PEDIDO DE IMPEACHMENT SEJA ACEITO, O QUE ACONTECE EM SEGUIDA? 1. Se o presidente da Câmara considerar que a denúncia é válida, ele tem de apresentá-la no plenário da Câmara. 2. Em seguida, ela é encaminhada para uma comissão formada especialmente para analisar o caso. 3. Se for acolhida pela comissão, o presidente tem de apresentar sua defesa. Prazo: 10 sessões da Câmara. 4. Depois da defesa do Presidente, a Câmara apresenta um parecer sobre o caso. Prazo: 5 sessões. 5. Em 48 horas depois da apresentação do parecer, documento deve ser incluído na ordem do dia e ser votado pelos deputados (513, ao todo). São necessários 2/3 dos votos (342) para o processo de impeachment começar (sim, ele só começa a partir deste ponto). 6. Aprovado o pedido de abertura do processo, ele é passado para o Senado, que é responsável pelo julgamento propriamente dito. O Senado deve decidir em plenário, por maioria simples (41 votos), se abre ou não o processo. 7. Se os 41 votos forem alcançados, o Senado instaura o processo e o Presidente é automaticamente afastado de suas funções. Dois terços dos senadores precisam ser a favor do impeachment para que ele seja condenado. O prazo para finalizar o processo: 180 dias. Se passar desse prazo, o Presidente volta às suas funções, mas se for considerado culpado, será novamente afastado. 8. O político condenado em processo de impeachment pode, além de perder o cargo, ficar inelegível por até oito anos. Politize! 4 QUEM ASSUME SE O PRESIDENTE SOFRER IMPEACHMENT? O substituto imediato do Presidente é o seu vice. Ou seja: se Dilma não pudesse mais governar hoje, Michel Temer seria o novo presidente . Mas se o vice também não puder exercer o cargo, seja por cassação, renúncia ou até mesmo novo impeachment, quem assume em um primeiro momento é o Presidente da Câmara dos Deputados (hoje Eduardo Cunha). Mas ele não fica por muito tempo no cargo: será necessário convocar novas eleições para a escolha de um novo representante. Um pequeno detalhe importante nesse caso. 1. Se o impeachment ocorrer nos primeiros dois anos de mandato da Presidente: novas eleições diretas são convocadas. Prazo: 90 dias. 2. Se o impeachment ocorrer nos últimos dois anos de mandato: escolha indireta, por votação do Congresso. Prazo: 30 dias. Um último detalhe: a pessoa que assumir o cargo apenas cumprirá o mandato de quem o antecedeu. Portanto, tem um mandato mais curto do que normalmente um Presidente teria. Politize! 2 5 IMPEACHMENT NA HISTÓRIA: O CASO DE COLLOR Vamos relembrar o único caso de impeachment já vivido no nosso país? Aconteceu lá em 1992, com o então presidente Fernando Collor. Fonte: Agência O Globo Marcelo Carnaval – 15/03/1990 Politize! 6 UM POUCO DE CONTEXTO Fernando Collor de Melo foi eleito para presidente nas eleições de 1989, as primeiras eleições diretas para presidente desde 1960. Ele derrotou candidatos como Luiz Inácio Lula da Silva, Leonel Brizola e Mário Covas. Seu partido, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN), era um “nanico” frente a diversos outros surgidos com a redemocratização do país, como o PMDB, o PT, o PSDB e o PDS. O governo Collor foi iniciado em março de 1990. Logo de cara estabeleceu medidas econômicas radicais para tentar combater um dos principais problemas da economia do país: a inflação, que na época chegava a surreais 1700% ao ano (para efeito de comparação, nos últimos anos ela não passou dos 7% ao ano). A principal dessas medidas foi o confisco das poupanças por um período de 18 meses, medida estabelecida por meio de medida provisória. A ideia era diminuir a quantidade de moeda em circulação e, desse modo, preservar seu poder de compra. A estratégia não deu certo, já que a inflação continuou um problema ao longo de todo o governo, o que, claro, deixou a população completamente insatisfeita. Ainda por cima, já em 1991 surgiram denúncias de corrupção envolvendo pessoas próximas a Collor, como a sua esposa, Rosane Collor. Em maio de 1992 estourou a denúncia que levaria o governo Collor a um fim prematuro. O irmão do presidente, Pedro Collor, concedeu entrevista à revista Veja acusando-o de manter uma sociedade com o empresário Paulo César Farias, tesoureiro de campanha de Collor. Segundo Pedro, o tesoureiro seria “testa de ferro” do presidente em negociações espúrias, ou seja, aquela pessoa que faz a intermediação de transações financeiras fraudulentas, a fim de ocultar a identidade de quem realmente as contrata. Em junho de 1992, o Congresso instaurou uma CPI só para tratar das atividades de PC Farias. Com o desenrolar dos trabalhos da comissão, as acusações de Pedro Collor foram ganhando substância, com muitas provas de transações ilícitas ligando PC Farias a Collor. Politize! 7 CARAS-PINTADAS Uma das manifestações mais marcantes ocorreu no dia 16 de agosto daquele ano, dois dias depois de Collor aparecer em cadeia nacional para pedir que o povo fosse às ruas de verde e amarelo para defender seu governo. Não colou: os manifestantes apareceram de preto, em sinal de luto pelos escândalos de corrupção do governo. Foi nesse contexto que surgiram os caras-pintadas, um movimento essencialmente estudantil, promovido principalmente pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e pela União Brasileira dos Secundaristas (UBES). O movimento tinha um objetivo bem claro: remover o presidente do poder. Em agosto de 1992, começam a ser feitas grandes passeatas, reunindo inicialmente 10 mil pessoas, depois 30 mil, até chegar à marca de 400 mil pessoas em uma passeata em São Paulo, no dia 25 de Agosto. O movimento foi marcado pelo apartidarismo, demonstrando que os partidos existentes não davam conta de atender às reivindicações da população. As manifestações continuaram a crescer no mês de setembro, quando um pedido de impeachment foi elaborado e entregue à Câmara dos Deputados. No dia 29 de setembro, a Câmara aprovou o pedido por ampla maioria e o processo foi aberto. Naquele dia, estima-se que milhões de pessoas haviam aderido ao movimento dos caras-pintadas, saindo às ruas com o rosto pintado de verde e amarelo para pedir a saída do presidente. Politize! 8 O IMPEACHMENT Com a abertura do processo de impeachment, Collor foi imediatamente afastado do cargo, algo que explicamos no nosso post sobre esse processo. Nesse meio tempo, assumiu o vice-presidente, Itamar Franco, enquanto o Senado apurava se Collor havia cometido um crime de responsabilidade. O processo correu até o final do ano (lembrando que ele dura até 180 dias com o presidente afastado, ou até mais tempo, com o presidente de volta ao cargo). Com a condenação iminente no Senado, Collor resolve renunciar ao cargo, no dia 29 de dezembro, para evitar ficar inelegível nos oito anos seguintes. Mesmo com a renúncia, o Congresso votou a favor da perda dos direitos politicos do ex-presidente, afastando-o de cargos políticos pelo resto da década de 1990. Politize! 9 CONCLUINDO… O impeachment de Collor teve como início um escândalo de corrupção que estava diretamente ligado ao nome do presidente. Mas o pano de fundo dessa história teve como ingredientes indispensáveis a fraca sustentação política do governo, com poucos partidos de peso apoiando o presidente, além da profunda crise econômica do país, que havia apenas piorado com as medidas controversas adotadas pelo próprio governo Collor. Tudo isso causou grande insatisfação popular e também causou. Esses são típicos elementos que podem levar ao impeachment de uma figura pública. Politize! 2 10 DILMA X COLLOR: A COMPARAÇÃO DOS IMPEACHMENTS SITUAÇÃO ECONÔMICA DO PAÍS O andamento do processo de impeachment de Dilma nos faz lembrar quase que automaticamente do episódio do impeachment de Collor, afinal esse foi o único caso em que esse instrumento constitucional foi usado na história do nosso país. As semelhanças e diferenças entre os casos desses dois presidentes podem nos ajudar a entender como Dilma pode ou não se livrar do afastamento do cargo. Vamos ver alguns fatores muito importantes para o impeachment de Collor. Governo Collor: O Brasil começou a década de 90 ainda sem ter superado as inúmeras crises da década anterior (conhecida como década perdida), quando alcançamos níveis estratosféricos de inflação, mesmo em meio à estagnação econômica, além de problemas enormes com a dívida externa. Os planos econômicos criados para tentar frear a inflação e trazer estabilidade à moeda fracassaram. Assumindo a presidência com a imagem de um líder jovem e forte, Collor resolveu arriscar para atacar a questão inflacionária. Para isso, tomou uma decisão que muito provavelmente selou seu destino: confiscou a poupança de praticamente toda a população. Esse ato ousado revelou-se completamente ineficaz, já que a inflação continuou a subir da mesma maneira - com a diferença de que agora o povo não tinha acesso a suas economias. Governo Dilma: A presidente Dilma não tomou nenhum ato que tenha chocado os brasileiros da mesma forma que o confisco da poupança por Collor. Mas isso não significa que a economia brasileira tenha ido bem durante seu governo. Muitas medidas de Dilma foram duramente criticadas - como manter taxas de juros artificialmente baixas, a redução das tarifas de energia, a política de desoneração das indústrias -, todas medidas que pressionaram as contas públicas, levando à necessidade de criar um ajuste fiscal e retirando a confiança dos investidores e consumidores no país. Como resultado, estamos em recessão, encarando alta inflação, dólar nas alturas, sem conseguir garantir superávits primários.A fraca gestão econômica de Collor pesou definitivamente contra ele. Esse fator também pesa contra Dilma. Politize! 11 POPULARIDADE Governo Collor: as medidas econômicas impopulares (e também visivelmente fracassadas) que tomou foram suficientes para que o apoio expressado nas urnas se dissipasse. O presidente viu crescer sua rejeição entre eleitores ao longo de seu mandato e em 1992, ano em que foi cassado no Congresso, encarou megaprotestos no Brasil inteiro, sem que houvesse uma contrapartida de apoiadores. As manifestações populares apenas ajudaram a aumentar a sensação de que Collor não tinha como continuar no poder. Em seu pior momento, Collor era aprovado por apenas 9% da população, enquanto era reprovado por 68%, segundo o Instituto Datafolha. Governo Dilma: também convive com manifestações contra o seu governo desde o início do segundo mandato. Os protestos do último 13 de março já entraram para a história como as maiores já registradas no país (maiores até do que os da Diretas Já, nos anos 1980). As pesquisas de aprovação também registram resultados extremamente negativos, piores até que os de Dilma chegou a ser rejeitada por 71% da população, enquanto era aprovada por apenas 8% (novamente, dados do Datafolha). A grande diferença em relação ao caso de Collor, porém, é que Dilma recebeu um apoio significativo das ruas. Poucos dias após os protestos de 13 de março, foi a vez de manifestações pró-governo reunir centenas de milhares de pessoas. Fenômeno semelhante não foi observado no governo Collor. O que se mostra aqui é que a saída de Dilma não é uma unanimidade entre os eleitores, como foi no caso de Collor, o que é um ponto a favor para Dilma. . Politize! 12 APOIO PARTIDÁRIO E DO CONGRESSO Governo Collor: governou com pouco apoio do Congresso. No início, até tinha aliados dentro de partidos importantes, como PFL, PDS, PTB e PL. Mas quando a ideia de seu impeachment surgiu, em meio à comoção popular causada pela revelação de fatos comprometedores, poucos parlamentares se opuseram: as únicas lideranças expressivas que ficaram ao seu lado foram Leonel Brizola e Antônio Carlos Magalhães. Governo Dilma: a presidente conta (ou pelo menos contava até pouco tempo atrás) com uma ampla base aliada no Congresso, que segundo estimativas incluía mais de 300 deputados na Câmara. Seu partido ainda possui a segunda maior bancada do Congresso. Por outro lado, esse apoio diminuiu com a saída de partidos como o PMDB - que tem o maior número de representantes no Congresso. O fato é que Dilma tem uma margem de manobra maior do que Collor nesse sentido: o governo ainda tem a possibilidade negociar com partidos como PSD e PR, que juntos somam mais de 100 deputados capital político que tornaria possível barrar o impeachment no plenário da Câmara. . Politize! 13 SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA Governo Collor: gmais um sinal do isolamento político de Fernando Collor quando estava na presidência, a sociedade civil organizada (movimentos sociais, movimentos estudantis, sindicatos e entidades de classe) viraram as costas para o presidente nos momentos decisivos daquele processo. Os grandes protestos contra o então presidente realizados em 1992 foram organizados pela União Nacional dos Estudantes (UNE). Governo Dilma: possui maior respaldo dos movimentos sociais. Se na época de Collor a UNE se colocou contra o presidente, pedindo seu impeachment, desta vez ela e outras entidades importantes, como a Central Única de Trabalhadores (CUT) se articularam para defender o governo nas ruas. .AS ACUSAÇÕES Governo Collor: em maio de 1992, o então presidente foi surpreendido por uma reportagem da revista Veja, em que seu próprio irmão revelava a participação do ex-presidente em um esquema que contava com a ajuda de PC Farias, seu tesoureiro de campanha. A Comissão Parlamentar de Inquérito que investigava o caso também comprovou que um Fiat Elba havia sido comprado à ex-primeira dama com um cheque de uma conta fantasma de PC Farias. Tais acusações apenas aceleraram a saída de Collor do poder, que teve a abertura do processo de impeachment aceita pela Câmara em setembro de 1992. Governo Dilma: ao contrário de Collor, Dilma não está implicada diretamente em nenhuma denúncia de corrupção. Os crimes de responsabilidade que constam em seu pedido de impeachment são de natureza administrativa, como as famigeradas pedaladas fiscais e os decretos que abrem crédito suplementar (em tese, acusa-se, deveriam ter tido aprovação prévia do Congresso). Como já vimos em outro post, no entanto, os crimes de responsabilidade são vários e bastante amplos, e não necessariamente precisam envolver o favorecimento pessoal do presidente. . Politize! 14 CONCLUINDO… Os cenários dos impeachments de Dilma e Collor são distintos, apesar de algumas semelhanças. O enfrentamento de uma crise econômica e de uma forte impopularidade é um fator comum aos dois governantes. Entretanto, enquanto Collor teve de enfrentar o processo praticamente isolado, Dilma ainda conta com forte apoio de movimentos sociais, historicamente ligados ao PT, além de parte da classe artística e intelectual, bem como uma parcela do eleitorado. No Congresso, Dilma ainda conta com o apoio de aliados e briga para manter alguns partidos importantes sob sua influência. Isso será suficiente para evitar a abertura do processo de impeachment no Senado (o que pode acontecer já na próxima semana)? Isso ainda teremos de descobrir. Mas a resistência desta vez é maior que em 1992. Politize! 3 15 POR QUE UM IMPEACHMENT CONTRA DILMA? VEJA OS ARGUMENTOS DECRETOS ORÇAMENTÁRIOS SUPLEMENTARES A saída de dilma da presidência da república é desejado por muitos brasileiros. Mas para que um impeachment aconteça, é preciso muito mais do que a insatisfação popular. O impeachment, em que pese seu caráter político (é todo julgado pelo Congresso), precisa ter um embasamento jurídico: deve ser provado que o presidente, no exercício das suas funções, cometeu um crime de responsabilidade. Vamos entender quais os crimes que Dilma é acusada de cometer? A acusação: Dilma editou uma série de decretos em 2014 e 2015 para abertura de crédito suplementar, sem a aprovação do Congresso, de modo a garantir que as metas de superávit do orçamento fossem atingidas. A abertura de créditos suplementares não é em si um problema; pelo contrário, é um instrumento feito para lidar com gastos imprevistos. O crime de responsabilidade estaria em dois aspectos principais: (1) a meta fiscal estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foi desconsiderada, e a presidente estaria gastando bem mais do que o aprovado pelo Congresso e (2) o crédito suplementar foi emitido sem aprovação parlamentar, em violação ao processo de definição do orçamento. A defesa: A ação orçamentária e financeira tem características diferentes. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) tem uma finalidade de orientação e planejamento e nunca é capaz de dar conta da realidade fiscal. Queda na arrecadação e despesas imprevistas podem pedir por uma mudança na estratégia financeira. Não haveria descumprimento do orçamento, mas uma adaptação à realidade. Para corroborar com o argumento de que esse tipo de ação não é atípico, ficou comprovado o uso semelhante de créditos suplementares por governos municipais e até mesmo pelo Governo Federal em outros anos (inclusive anteriores aos mandatos de Dilma). Politize! 16 PEDALADAS FISCAIS A acusação: O principal crime de responsabilidade de que Dilma é acusada é relacionado à gestão fiscal do governo. O nome “pedaladas fiscais” se refere a práticas contábeis reprováveis e que poderiam ser inclusive interpretadas como fraude, já que o superávit primário era inflado artificialmente (ou seja, era maior do que na realidade seria). Mas afinal, o que são essas tais pedaladas? Não é tão fácil explicar, pois é uma questão bastante técnica. Mas vamos explicar de um jeito bem simples: o governo, através do Tesouro Nacional, precisa fazer várias remessas de recursos a bancos e instituições afins, para que eles possam executar vários programas sociais do governo. Entre esses programas estão o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, além de vários direitos assegurados ao trabalhador. Ok, mas o que o governo fez de errado? É comprovado que entre 2013 e 2014, ainda no primeiro mandato de Dilma, várias dessas transferências de recursos para os bancos foram atrasadas ou nem sequer realizadas, obrigando essas instituições a tirar de seu próprio orçamento os recursos para garantir a continuidade dos programas mencionados acima. A suspeita é que o governo reteve esses recursos para que pudesse cumprir outras obrigações orçamentárias, principalmente o superávit primário – que nada mais é do que manter a conta do governo no positivo, como forma de sinalizar o equilíbrio nas contas públicas a investidores. Com isso, o governo pode maquiar o estado das suas finanças, ludibriando todos os interessados nessas informações (eleitores, investidores, agências de rating, governos de outros países, mercado financeiro, etc). Politize! 17 PEDALADAS FISCAIS A defesa: O governo não nega a existência dessa prática, mas pontua vários fatores que relativizam a gravidade do fato. Um fato é que presidentes anteriores (como Itamar, FHC e Lula) fizeram pedaladas também. Vários governadores, muitos deles ainda em exercício de seus mandatos hoje, também se utilizaram desses recursos. Se Dilma for condenada pelas pedaladas, abre-se no mínimo um precedente para a queda de boa parte dos mandantes no nível estadual. Caso isso aconteça, haverá uma incoerência. Existe uma grande discussão se fatos de mandatos anteriores podem servir como alegação para remover um presidente em um mandato posterior Outra questão importante nessa acusação é de ordem temporal. Dilma “pedalou” em 2013 e 2014, ainda em seu primeiro mandato. Além disso, sustenta a defesa, as pedaladas não configuram qualquer tipo de favorecimento pessoal da presidente, que não poderia ser acusada de corrupta por esse motivo. Por saber dessa controvérsia, o presidente da Câmara Eduardo Cunha recomendou que o impeachment não fosse sustentado com base nas pedaladas – mas os elaboradores do pedido de impeachment em análise na Câmara voltaram a mencionar essa acusação na comissão do impeachment. Politize! 18 NÃO REGISTRO DE VALORES A acusação: O governo teria deixado de registrar dívidas com o BNDES, para o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e com Banco do Brasil pelo Minha Casa Minha Vida. A ausência desse registro nos cálculos fiscais teria acarretado em uma avaliação equivocada da situação e, consequentemente, a metas irreais de superávit. Legalmente, essa falta de transparência violaria a Lei Orçamentária, constituindo crime de responsabilidade. A defesa: A Presidente não é diretamente responsável pela metodologia fiscal, que fica a cargo do Banco Central. Seria impossível, nesse caso, comprovar ação ou omissão deliberada da presidente em relação ao não registro dos valores. Politize! 19 CRIMES CONTRA A PROBIDADE ADMINISTRATIVA A acusação: Essa denúncia é diferente das anteriores, pois não faz referência a crimes contra a lei orçamentária. O principal argumento se baseia no art. 9 n.3, segundo o qual é crime “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”. Para os denunciantes, Dilma não seria só culpada por ter sido descuidada com a supervisão dos assuntos da Petrobrás, como a compra superfaturada da refinaria em Pasadena ou os ilícitos da Lava Jato de uma forma geral, mas por ter deliberadamente omitido informações. Em primeiro lugar, Dilma era Presidente do Conselho de Administração da Petrobrás na época da compra da refinaria e, alega a acusação, deveria saber do superfaturamento. Em segundo lugar, foi citada na delação premiada de Alberto Youssef como alguém que sabia dos ilícitos. Por fim, pessoas próximas à presidente como o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto e o ex-dirigente da Petrobrás Nestor Cerveró estariam diretamente envolvidas nos esquemas, o que torna suspeita a omissão da presidente. A defesa: Uma grande parte da argumentação dos denunciantes se sustenta em informações anteriores ao mandato da presidente, e não serviriam a respaldar qualquer denúncia de crime de responsabilidade. Além disso, não há provas além das delações premiadas, que são questionáveis, que demonstrem categoricamente que a presidente sabia dos esquemas de corrupção. Politize! 4 20 IMPEACHMENT É GOLPE? VEJA OS ARGUMENTOS A FAVOR E CONTRA O atual momento político brasileiro é de grande polarização e instabilidade. Nesta situação, o medo de que aconteça um golpe de Estado aumenta. A Presidente Dilma insiste em afirmar que o processo de impeachment em curso é uma tentativa de derrubá-la ilegalmente e também afirma que os grampos divulgados por Sérgio Moro são ilegais. Mas o que pode e o que não pode ser considerado um golpe? Vamos entender. GOLPE DE ESTADO: CONCEITO Um golpe de Estado acontece quando um governo estabelecido por meios democráticos e constitucionais é derrubado de maneira ilegal – portanto, de uma forma que desrespeita esses processos democráticos (eleições diretas, por exemplo) e as leis de um país. Um golpe não necessariamente acontece com o uso da força, apesar de que são comuns na história do Brasil e de outros países da América Latina a ocorrência de golpes militares – ou seja, a ameaça do uso da força é usada para remover o poder constituído Outras formas de golpe também são possíveis, como pelo uso indevido da Justiça para incriminar pessoas no poder – ou seja, a Justiça agindo ela mesma de maneira ilegal. Essa é uma forma de golpe mais sutil, mas que produz os mesmos resultados: a deposição de um governo eleito democraticamente por vias que extrapolam as regras de um Estado Democrático de Direito.. Politize! 21 Também é importante entender que um golpe de Estado pode ter apoio da maioria ou de uma minoria. O apoio popular é, na verdade, um ingrediente bastante presente em diversos golpes. A COMPARAÇÃO DO MOMENTO ATUAL COM O GOLPE DE 64 Um golpe também pode ser realizado pelo próprio governo, que se recusa a ceder o seu poder em situações previstas em lei. Por exemplo: um governo que continua no poder quando deveria ter permitido novas eleições diretas. A história do Brasil é marcada por diversos episódios de golpe. O mais recente deles tem sido muito mencionado por quem sustenta que estamos presenciando um golpe. Vamos relembrar esse momento? Politize! 22 Muito se tem falado a respeito das semelhanças entre os cenário políticos do Brasil de 1964 e do Brasil de 2016. Por isso, é interessante resgatar um pouco do que foi aquele momento da vida nacional. 52 anos atrás, o Brasil tinha como presidente João Goulart, o Jango. O presidente não era muito bem visto por uma boa parte da imprensa e da classe média, pois apresentava inclinações políticas à esquerda (antes de virar presidente, ele foi ministro de Getúlio Vargas, quando aumentou o salário mínimo em 100%; enquanto chefe de governo, defendia reformas de base com viés popular). Goulart tinha alcançado o poder após o estranho episódio da renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Jango era vice de Quadros e assumiria a presidência já naquela época, mas foi impedido de assumir o cargo, sob a ameaça de uma intervenção militar e o início de uma guerra civil. O país passou então por uma rápida experiência de parlamentarismo, em que os poderes de Goulart eram bastante limitados (você pode aprender mais sobre sistemas de governo aqui!). Mas após um plebiscito, o país voltou ao presidencialismo e Goulart finalmente virou o presidente com plenos poderes. O período de Goulart como presidente foi bastante breve e agitado, com muitas greves, protestos e comícios marcantes. A polarização política crescia enquanto a imprensa pedia pela saída do presidente (fosse por impeachment ou por renúncia). As justificativas para esse pedido são bastante familiares para nós, mesmo depois de meio século. Naquela época, o confronto da Guerra Fria basicamente dividia o mundo entre comunistas e capitalistas. A presença de um governo de esquerda inclinado a ampliar direitos sociais tornava mais simples colar a ideia de que havia uma ameaça comunista no país. Outro motivo alegado para a deposição de Goulart, como em outros momentos na história do país, foi a corrupção, que teria se tornado um problema sério naquele momento, acusava-se. Lembra muito alguma coisa, não? Aqui, a semelhança de 1964 e 2016 se torna bastante evidente. Com o ambiente instável e uma grande convulsão social no país – mais uma vez, parecido com o que aconteceu neste ano no país-, grandes protestos foram realizados no Rio de Janeiro e outras grandes cidades, contra e a favor do governo. Em meio ao cenário turbulento, os militares intervieram no dia 31 de março de 1964. João Goulart foi mandado para o exílio no Uruguai. Todas as forças favoráveis ao governo, seja nos meios militares ou políticos, não foram capazes de reagir. O golpe estava dado. Politize! 23 E HOJE? 52 anos depois do golpe de 64, o país vive mais uma vez momentos difíceis e que nos fazem perguntar: é possível acontecer um novo golpe de Estado por aqui, em pleno 2016? O lema “não vai ter golpe” virou grito de guerra de grupos que ou apoiam o governo da presidente Dilma (ou então se declaram a favor da ordem democrática, não necessariamente a favor do governo). A própria presidente usou essa expressão em discurso. Do outro lado, os opositores negam qualquer tentativa de golpe de sua parte e que o governo é que estaria dando um golpe na população. Nessa guerra semântica, quem tem a razão? Vamos checar alguns argumentos: Politize! 24 Sim, Dilma está sofrendo um golpe Veja por que muita gente entende que as diferentes tentativas de levar à saída da presidente Dilma do governo são uma espécie de golpe de Estado: • O processo de impeachment que a presidente está sofrendo é injustificado, já que Dilma não tem nada que possa ser comprovado contra ela (e um impeachment depende da comprovação de um crime de responsabilidade). Já o processo de cassação de Dilma e Temer por cometer crimes eleitorais, que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não está concluído e não comprovou qualquer uso de dinheiro ilícito nas campanhas. • Já as manifestações populares realizadas contra o governo, alegam seus defensores, também não são suficientes para depor um presidente. Mesmo que algo entre 2 e 6 milhões de pessoas tenham ido às ruas no último dia 13/03, argumenta-se que a presidente chegou ao poder pelo voto de 54 milhões de pessoas, e isso deve ser respeitado. Em 2018, haverá novas eleições, mais uma chance de eleger alguém que não seja do Partido dos Trabalhadores. As regras democráticas devem ser respeitadas. • O Poder Judiciário tem sido um ator importante do golpe, ao investigar de maneira seletiva o governo, agindo voluntariamente em prol de sua derrubada. Os rumos recentes da Operação Lava Jato mostram isso: o grupo político do PT tem sido duramente atacado (inclusive com medidas ilegais). O destaque vai para medidas tomadas contra o ex-presidente Lula, que passou por condução coercitiva, pedido de prisão preventiva e finalmente teve gravações de conversas telefônicas suas reveladas à imprensa (esta também acusada de colaborar com o golpe). Politize! 25 Não, Dilma não está sofrendo golpe A oposição nega veementemente que exista qualquer golpe em curso. • Todas as medidas contra o governo petista estão dentro da legalidade e fazem parte do jogo democrático. O processo de impeachment é previsto na Constituição Federal como um mecanismo para remover governos corruptos e incompetentes – é o que se acusa o governo Dilma de ser. O processo no TSE, se acabar na cassação da presidente, também será legal. • A crise que levou milhares de pessoas às ruas é resultado de uma sucessão de erros do governo que causaram uma grande insatisfação popular, e não de uma grande conspiração anti-democrática da oposição. • A Operação Lava Jato e os trabalhos da Justiça, defendem os oposicionistas, estão dentro da normalidade – não foi comprovada nenhuma ilegalidade nos atos do juiz Sérgio Moro, por exemplo, que está à frente da Lava Jato, apesar das controvérsias da condução coercitiva e da divulgação dos grampos de Lula. • O golpe, apontam os oposicionistas, estaria sendo dado pelo próprio governo, que ao nomear o ex-presidente Lula para o importante ministério da Casa Civil o colocou, na prática, na condição de chefe de Estado – ao mesmo tempo em que estaria protegendo Lula dos trabalhos da Justiça, ao concedê-lo o foro privilegiado (Lula deixa de ser investigado por Moro e passa a responder apenas ao STF – isso se ele realmente se tornar ministro). Politize! 26 Como você pode ver, a questão é bastante complexa. A experiência de 1964 mostra que o combate à corrupção já foi uma bandeira usada para derrubar governos no Brasil. Semelhanças à parte, porém, não há sinal de que o Brasil passará por um golpe de Estado aos moldes de 1964, com tanques de guerra nas ruas e exílios forçados de líderes políticos. A acusação é de que o golpe agora estaria acontecendo pelo Poder Judiciário, que tem se excedido em sua função de julgar (a possível ilegalidade da divulgação dos grampos de Lula é o principal argumento). Mas é igualmente difícil afirmar que o Judiciário esteja trabalhando para derrubar o governo, e não simplesmente exercendo seu papel de julgar os fatos, mesmo que às vezes cometendo erros controversos. Politize! Politize! Somos uma rede de pessoas e organizações comprometidas com a ideia de levar educação política para cidadãos de todo o Brasil. Acreditamos que a tecnologia é uma grande aliada na difusão de conhecimento e que podemos fazer a diferença proporcionando conteúdo educativo sobre política de forma fácil, divertida e sem vinculações político-partidárias.