Guia de estudos CDJ - Eventos - UNI-RN

Transcrição

Guia de estudos CDJ - Eventos - UNI-RN
Lívia Vieira Almeida (Secretária Acadêmica)
Maria Luísa Machado Dantas de Sena (Diretora Acadêmica)
Aline Pinheiro de Albuquerque (Diretora Assistente)
Lívia da Nóbrega Siqueira Silva (Diretora Assistente)
Luana Maria Figueiredo de Lima Caldas (Diretora Assistente)
Victor Maciel Ramalho Pessoa (Diretor Assistente)
Ygor Rafael Cassiano de Araújo (Diretor Assistente)
CORTE DISTRITAL DE JERUSALÉM
Caso: Adolf EichmannVs. Estado de Israel
Guia de Estudo apresentado ao Projeto de Extensão
UNISIM-RN – Simulação Intermundi, do Centro
Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN), a ser
realizado na data de 10 a 13 de agosto de 2016.
Orientadora Geral:
Vânia
Vaz Barbosa
Orientador Adjunto: Samuel Max Gabbay
Natal/RN
01/05/2016
Cela
Lívia Vieira, Secretária Acadêmica da Corte Distrital de Jerusalém que cursa o
5º período de Direito no UNI-RN, possui uma conduta flexível que se adequa a todas
as opiniões e ocasiões necessárias. Com postura de uma profissional de primeira
linha, responde mensagens instantaneamente 24 horas por dia, sete dias por
semana, além de amar reuniões. Para poder estar presente em todos os encontros,
responder as mensagens, escrever seus artigos, estudar para a faculdade e resolver
os assuntos relacionados à UniSim, reza a lenda que se multiplica em tantas
necessárias até tornar-se onipresente e só assim conseguir cumprir com suas
diversas obrigações.
Maria Luísa Machado, vulgo Malu, com as suas 25 primaveras já é formada
em Publicidade e Propaganda, mas largou tudo para encarar o curso de Direito.
Cursando o 5º período no UNI-RN, com ela não tem tempo ruim, pois apesar de
sempre ter muitas tarefas da faculdade, nunca nega uma saidinha para curtir a vida,
fazendo jus a caicoense nata que é! Alegre, espontânea, prática, bastante sincera e
engraçada, Malu é daquelas que paga “mico” e sai rindo de si própria, porque
vergonha não é o seu forte. Entretanto, se um dia estiver bebendo café ao lado dela,
aconselho que ofereça, do contrário ganhará uma grande inimizade, já que café é o
seu grande companheiro e vício do dia a dia.
Aline Albuquerque não é a Inês Brasil, mas se você pensa em simulação, e
pensa em resenha, você vai ouvir dela um "demorô lá lálá ô, me chama que eu
vô". Nossa menina cursa o 3º período de direito no UNI-RN, e se engana quem
pensa que ela é só uma "lindinha". Além de despejar carisma por aí, daquelas que
distribui abraços e carinhos a todos, ela tem o pulso firme de quem quer vai se tornar
promotora (talvez de eventos) muito bem sucedida. Com ela não tem essa história
de "tá tranquilo e favorável". Educada desde cedo com todas as influências culturais,
Aline abusa de uma versatilidade que deve ser explorada por vocês. É por isso que,
em 1961, na pacata cidade de Jerusalém, essa jovem de 20 aninhos será uma
mulher à frente do seu tempo.
Cursando o 3° período de Direito na UNI-RN, Luana não brilha apenas por
sempre estar usando roupas maravilhosas, mas principalmente pelo seu jeito
atencioso, educado e compromissado de ser. De índole admirável, ela é essa
menina que mesmo em semana de provas, eventos em família e um Victor (Sim!
Nosso diretor) para amar, vai lutar para se fazer presente nas reuniões que forem
necessárias e honrar com suas atribuições. Cheia de ideias e soluções, não é de
muitos rodeios ao dizer o que pensa ser melhor para o grupo, e quase sempre
acerta no que concerne à logística do projeto e à missão do nosso comitê. No mais,
falando por experiência própria, deixo aqui meu conselho: se você precisar de
alguma coisa, qualquer coisa, não hesite em procurar a loirinha que veste 36; ela vai
superar as expectativas!
Lívia Siqueira cursa o 3° período de Direito no UNI-RN, com sua postura
séria, é competente em tudo que faz. Pode até meter medo pelo seu semblante
rígido e pela sua altura, é uma morena que chama atenção por suas atribuições
físicas. Com toda sua capacidade, trabalha brilhantemente e expõe seus
pensamentos e ideias como ninguém, mostrando-se uma mulher com futuro
brilhante, que faz o necessário para dar o seu melhor, mas ao marcar uma reunião...
Deve-se ter cuidado para que ela não confunda o lugar e vá bater do outro lado da
cidade.
Era uma vez um menino pacato, de sorriso aberto e relativamente fácil, cuja
inteligência surpreendia a cada vez que abria a boca para falar. Ainda bem que era
só uma vez, porque certamente não saberíamos lidar com duas pessoas como
Victor num único Comitê. Ele cursa o 5º período de direito no UNI-RN e, assim como
bom aluno, se mostra um excelente diretor e um menino de ouro. Se você pensa que
uma frase ou texto pode ter apenas um ou dois sentidos, desista. Victor está aqui
para mostrar que a interpretação do ser humano não tem limites, sempre indicando
qual é a melhor forma de dizer e escrever o que se quer. Além disso, acompanhado
da sua fiel escudeira Luana, os dois formam um casal digno de se colocar em
potinhos. Embora o mel não escorra durante as reuniões, reza a lenda que o casal
está proibido de acabar. Como pode-se imaginar, eles são, definitivamente, os
queridinhos do Comitê.
Ygor Rafael, 21 primaveras com a carinha de 15. DJ nas horas vagas, ele tem
uma playlist no Spotify (ygorrafael) de fazer inveja, eclético, vai das divas do pop ao
axé baiano, afinal, é Presidente do Fã Clube Oficial de Cláudia Leite em Natal. Você
pode se perguntar o que ele está fazendo aqui com essa cara de C&T ou mecânica,
mas acreditem, ele é um estudante de Direito e será o secretário da CDJ. Aquele
cara que você vai querer atirar pedras quando ele impugnar suas provas. Ygor
estuda na UFRN e se vira nos trinta para dar conta de tantos afazeres.
LISTA DE ABREVIATURA
CDJ Corte Distrital de Jerusalém
CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas
KAPO Kameradanpolizei
LEI Nº 64 Lei Punitiva dos Nazistas e Colaboradores dos Nazistas
NSDAP Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães
ODESSA Organização clandestina de veteranos da SS
ONU Organização das Nações Unidas
SA Tropas de Assalto, organização paramilitar
SD Serviço de Inteligência da SS
SS Esquadra de Proteção, organização paramilitar
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
UNISIM Simulação Intermundi do UNI-RN
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
2 CONTEXTO HISTÓRICO....................................................................................... 10
2.1 Segunda guerra mundial: Precedentes e desfecho ......................................... 10
2.2 Ascaracterísticas dopartido nazista e aperseguição aos judeus ...................... 14
2.3 O final dasegunda grandeguerra e suas implicações ...................................... 18
3 ADOLF OTTO EICHMANN .................................................................................... 20
3.1 Vida .................................................................................................................. 20
3.2 Atuação na Alemanha Nazista ......................................................................... 22
3.3 A solução final .................................................................................................. 23
3.4 Decadência e sua consequente fuga ............................................................... 25
3.5 Trajetória da Argentina e sua captura .............................................................. 29
3.6 Litígio entre Israel e Argentina ......................................................................... 32
4 SISTEMA JUDICIÁRIO ISRAELENSE .................................................................. 34
4.1 A criação do Estado de Israel .......................................................................... 34
4.2 Judiciário: Estrutura e funcionamento .............................................................. 36
5 LEI DOS NAZISTAS E SEUS COLABORADORES .............................................. 39
5.2 Seções ............................................................................................................. 41
5.3 Dos crimes imputados à Adolf Eichmann ......................................................... 42
6 COMPETÊNCIA DA CORTE DISTRITAL DE JERUSALÉM ................................. 43
6.1 Questões contrárias ......................................................................................... 43
6.1.1 Julgamento baseado em lei retroativa ....................................................... 43
6.1.2 O rapto ....................................................................................................... 45
6.1.3 “Crimes contra o povo judeu” e “Crimes contra a humanidade” ................ 46
6.2 A defesa apresentada pela Corte..................................................................... 47
6.2.1 Princípio da Jurisdição Universal ............................................................... 47
6.2.2 Princípio da Personalidade Passiva........................................................... 48
6.2.3 Princípio Territorial ..................................................................................... 49
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 53
ANEXOS ................................................................................................................... 58
8
1 INTRODUÇÃO
É com muita satisfação que neste ano, a UniSim – Simulação Intermundi,
projeto de extensão do Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN),
celebra sua décima edição e traz, em meio aos comitês políticos, a simulação de um
julgamento histórico realizado pela Corte Distrital de Jerusalém, em 1961. Em se
tratando de um comitê jurídico, a Corte possui procedimentos próprios, tendo sido
simulada, aos nossos conhecimentos, apenas uma vez no Brasil.
De maneira geral, o projeto promove debates sobre os mais variados
segmentos,
ampliando
os
conhecimentos
acadêmicos
por
meio
da
interdisciplinaridade com fatos históricos e as temáticas atuais. Outrossim, embora
diversas medidas tenham sido implementadas para o progresso da humanidade,
após 70 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, ainda nos vemos diante de um
cenário de intolerância, seja ela de cunho político ou não.
Nesse diapasão, a fim de incitar reflexões e agregar conhecimentos sobre os
trâmites legais, a Corte simulará o julgamento do nazista Adolf Otto Eichmann,
acusado de 15 crimes relacionados ao extermínio do povo judeu durante o
holocausto nazista. Este comitê proporcionará o crescimento intelectual e acadêmico
por ter como eixo questões recorrentes e debatidas na seara internacional.
Para a compreensão desse processo, é de fundamental importância entender
o sistema jurídico israelense, bem como qual o papel da Corte Distrital de Jerusalém
em seu funcionamento. Ressalte-se ainda que o contexto histórico em que ocorreu o
fato, as atividades relacionadas ao acusado e a sua biografia também devem ser
apreendidas pelos participantes, visando uma simulação o mais fiel possível à
realidade.
Saliente-se que todo o conteúdo aqui exposto deve ser visto apenas como
uma orientação, cabendo a cada participante pesquisar a fundo sobre o
assunto,conforme as funções que lhe forem direcionadas. Não será permitida a
9
utilização deste documento durante o julgamento, sob quaisquer condições, uma vez
que este configura-se somente como elemento norteador.
Esclarecidas as questões sobre o caso a ser simulado, desejamos a todos
bons estudos e que seja uma experiência enriquecedora. Ademais, lembremos: hoje
incorporamos papéis que não são nossos, mas amanhã seremos os próprios
protagonistas. Uma excelente simulação a todos!
10
2CONTEXTO HISTÓRICO
Para
entender
o
caso
Adolf
Eichmann,
faz-se
necessário
uma
contextualização quanto ao momento histórico em que ocorreram seus supostos
crimes. Sendo assim, este capítulo traz um breve relato sobre o desenvolvimento da
Segunda Guerra Mundial, com destaque para o partido Nazista e suas principais
características, uma vez que este atuou como um dos protagonistas do conflito,
juntamente com seu líder Adolf Hitler, bem como as consequências da guerra a nível
mundial.
2.1 SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: PRECEDENTES E DESFECHO
Para compreendermos como foi desencadeada a Segunda Guerra Mundial, é
fundamental remeter ao final do conflito anterior. Após a Primeira Guerra, foi
assinado em 28 de junho de 1919, na cidade de Versalhes, um tratado de paz que
consolidou o fim do confronto entre os países.
Além da paz entre as nações envolvidas, tal tratado estabeleceu que a
Alemanha deveria pagar indenizações e submeter-se a punições severas, uma vez
que os países da Tríplice Entente, lê-se, Inglaterra, França e Rússia, a viam como
grande responsável pelo conflito. Entre as punições, destacam-se a perda de parte
do território e a redução do exército alemão. Além disso, a economia alemã foi
bastante atingida pelo pós-guerra, desencadeando uma hiperinflação, na qual
exigia-se muito dinheiro e comprava-se pouco pão. A população da Alemanha
estava desesperançosa e foi sob esse prisma que, aos poucos, o nacionalismo de
Hitler ganhou espaço, rompendo com as regras do Tratado de Versalhes.
Nos anos 20, o partido Nazista era a agrupação mais virulenta da extremadireita alemã, bem como uma das menos expressivas. Em 1928, o partido conseguiu
apenas 12 cadeiras (ou 3% dos votos) no Parlamento (Reichstag). Nada obstante,
em 1930, o quadro sofreu uma intensa modificação, fazendo com que os nazistas
11
conquistassem 107 cadeiras e 6,5 milhões de votos, tornando-se o segundo maior
partido do país, atrás somente dos sociais-democratas. Dois anos depois, o
aumento da popularidade trouxe resultados ainda melhores para o partido,
alcançando 230 assentos no Parlamento e 13,4 milhões de votos (37%).1
No que concerne a esse aumento significativo de eleitores simpatizantes do
Partido Nazista, o historiador britânico Richard J. Evans2 afirma que “entre os
milhões que votaram em Hitler, havia muitos, talvez a maioria, que não votaram pelo
pacote da ideologia nazista [...]. O voto de 1932 foi acima de tudo um voto-protesto.”
Os alemães culparam os políticos por aceitarem as condições impostas pelo Tratado
de Versalhes. Em virtude desse acordo, a Alemanha perdeu:
13% do território e 10% da população, todas as colônias, 75% das reservas
de ferro e 26% das de carvão. O país teve que destruir 15 mil aviões e 6
milhões de fuzis. A força aérea foi abolida, o Estado-Maior, dissolvido e o
Exército reduzido a 100 mil homens. (SZKLARZ, E. A sedução da barbárie:
como o Terceiro Reich nasceu... [Ed. Abril]. Revista Aventuras na História,
n. 124, p. 28-37, nov.2013)
Provocados pelo ressentimento de terem que pagar reparações pelos danos
ainda relacionados à Primeira Guerra Mundial, os alemães permaneciam indignados
com a situação do país. A inflação havia disparado, sendo agravada pelo “crack” da
bolsa de Nova Iorque, em 1929. Com um solo já fertilizado pelos acontecimentos
socioeconômicos da época, a figura carismática de Hitler surgiu para lançar as
primeiras sementes do que viria a ser a ditadura do 3º Reich, permeada pelas ideias
de antissemitismo, expansionismo, higiene racial e hostilidade à democracia e à
cultura moderna.
Em 1932, apesar da derrota nas eleições, os nazistas continuaram
representando a principal força do Parlamento. Iludido pela ideia de que seria mais
fácil controlar o expansionismo de Hitler tendo-o por perto, o presidente Paul von
Hindenburg nomeou Adolf Hitler chanceler, em janeiro de 1933. Em decorrência
desse evento, Hitler aproximou-se do Exército e dos grandes industriais de tal
maneira que, em março do mesmo ano, graças a uma aliança com os nacionalistas,
obteve o aval do Parlamento para governar com plenos poderes. E foi assim, por
1SZKLARZ,
E. A sedução da barbárie: como o Terceiro Reich nasceu... [Ed. Abril]. Revista Aventuras
na História, n. 124, p. 28-37, nov.2013.
2Idem.
12
meio de atos constitucionais, que o líder conseguiu dissolver os outros partidos e
instalar uma ditadura, sendo seu golpe selado em 1933,com o incêndio do
Parlamento. Após esse ocorrido, Hitler pressionou o presidente para a abolição de
todas as liberdades fundamentais da República, propiciando a prisão de muitos dos
adversários nazistas.
Com a ascensão de Hitler ao poder, o expansionismo alemão tomava forma e
o governo passou a demonstrar firmeza na retomada dos territórios perdidos, uma
atitude vedada pelo Tratado de Versalhes. O Führertambém retomava o
desenvolvimento
armamentista,
contrariando
a
proibição
de
remilitarização
estabelecida pelo Tratado. Outrossim, enquanto os oponentes se decidiam sobre a
novidade, os soldados alemães invadiam a região fronteiriça com a França, a
Renânia. Paralelamente, a Itália buscava novos territórios, aproximando cada vez
mais o fascismo italiano e o regime hitlerista, cujas similaridades acabaram por dar
origem ao Eixo Roma-Berlim.3
Um pouco depois, o Japão, com seu imperialismo ditatorial, também foi
incorporado ao Eixo. Segundo o historiador ANTONIO PEDRO (1992), "a relação
entre as três potências ficou consolidada com a assinatura do Pacto Anti-Kominter,
isto é, um pacto contra o movimento internacional comunista que tinha endereço
certo: a União Soviética." Enquanto isso, França e Inglaterra enfrentavam mudanças
internas que impediam um posicionamento em relação aos avanços do Eixo.
Interessada na expansão alemã, a União Soviética (URSS) tentava uma
aproximação com o governo alemão ao mesmo tempo em que negociava com
outros países uma aliança antinazista. Destarte, em agosto de 1939, foi assinado o
famoso pacto de não agressão nazi-soviético.
No entanto, entre os dois países havia a Polônia, cujo território também
possuía habitantes alemães. Sob esse pretexto, Adolf Hitler decidiu ocupar o país,
dando início à invasão da Polônia no dia 1 de setembro de 1939. Por conseguinte,
França e Inglaterra se manifestaram contra, porém foram ignoradas e, dois dias
depois, a aliança anglo-francesa declarou guerra à Alemanha.
Mesmo diante da ajuda do exército inglês, no dia 14 de junho, as tropas
nazistas já se encontravam em Paris. Com áreas da França e da Bélgica
3Nome
pelo qual ficaram conhecidas as potências fascistas durante a Segunda Guerra.
13
devidamente ocupadas, Hitler agora conseguiria alcançar uma parte da GrãBretanha, haja vista que o alvo principal era a tradicional e bem sucedida Londres.
Contudo, para surpresa do Führer, a Inglaterra resistiu. Com a atuação da Real
Força Aérea Britânica, a Luftwaffe (força aérea alemã) não só foi atingida, como
também Berlim foi bombardeada.
O próximo alvo seriam os Balcãs, cuja proximidade ao território russo tornaria
a ocupação alemã cada vez mais possível. Sendo assim, em junho de 1941, as 150
divisões do exército alemão iniciaram a invasão. Embora os russos tenham resistido,
a força do Wehrmacht era implacável, chegando rapidamente às portas de Moscou.
Apesar disso, os russos lutaram bravamente em defesa da cidade. Os generais
alemães mostraram-se surpresos diante da eficácia dos tanques soviéticos,
pesadamente blindados, de forma que as granadas dos canhões antitanques se
tornavam ineficazes contra eles. Desta feita, o exército nazista começava a ser
vencido.
Enquanto isso, a luta pelo domínio do Pacífico avançava entre os Estados
Unidos e o Japão. O primeiro estava cada vez mais perto da Inglaterra, ao passo
que o segundo alinhava-se lado a lado com a Alemanha. Com suas rivalidades
definidas, no dia 7 de dezembro de 1941, a base americana de Pearl Harbor (Havaí)
foi fortemente atacada pela marinha e aviação japonesas, tornando o ataque
decisivo.
A partir daí, a Guerra passou a ter proporções mundiais, não mais europeias.
Consolidou-se, assim, um intenso conflito entre os países do Eixo, representados
pela Alemanha, Itália e Japão, e os países Aliados, representados pelos Estados
Unidos, União Soviética e Inglaterra.
Com a libertação da França, Bélgica e Holanda do domínio nazista, realizada
pelo Alto Comando dos Aliados, estes últimos estavam cada vez mais focados em
derrubar o Reich. Dessa forma, depois de muito diálogo entre os países, preparouse o ataque final à Alemanha. A alta cúpula nazista se via encurralada em Berlim,
enfurnada nos porões da chancelaria, também conhecida como Bunker, em razão
de suas fortificações subterrâneas. Ainda houve uma última tentativa dos nazistas
de fazer acordo com os ocidentais, mas a União Soviética interveio e exigiu
14
presença nas negociações, impedindo que elas se firmassem. Por conseguinte, não
havia mais impedimentos para a vitória dos Aliados.
No dia 28 de abril, a chancelaria foi acordada com a notícia de que o cerco de
defesa de Berlim havia sido rompido em quase todos os pontos e os russos
dominavam quase toda a cidade. No dia 30 de abril, Hitler suicidara-se com um tiro e
Eva Braun com veneno. Após a morte de Adolf Hitler, os alemães ainda tentaram
fazer acordos, mas não obtiveram sucesso. Sem escapatória, a rendição
incondicional foi aceita a pedido do general Weidling e, no dia 7 de maio, a última
resistência nazista foi controlada.
2.2 AS CARACTERISTICAS DO PARTIDO NAZISTA E A PERSEGUIÇÃO
AOS JUDEUS
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, conforme já explanado, o povo
alemão vivia em constante descontentamento quanto à sua situação política, social
e econômica. Os alemães não aquiesciam às imposições do Tratado de Versalhes e
a República de Weimar não estava proporcionando o avanço esperado.
Desta forma, a situação clamava por um novo líder que conseguisse
reestabelecer a ordem no país, recuperar a economia e acabar com as penalidades
às quais a Alemanha estava submetida. Aos poucos, esse clamor foi atendido por
um ex-combatente da Primeira Guerra, a quem seus superiores incumbiram a
missão de doutrinar os colegas militares.4 Destacava-se, assim, a figura de Adolf
Hitler.
O ex-soldado inflamava seus ouvintes com a ideia de que a então conjuntura
da Alemanha devia-se a judeus e comunistas, pois estes haviam traído os interesses
patrióticos.5 De acordo com Celso Miranda:
E o que ele dizia era que duas sombras pairavam sobre a Alemanha. Os
judeus, que tinham tanto lucrado com a guerra quanto manipulado a
rendição do país em benefício próprio, e os bolcheviques, que se
4
MIRANDA, C. Os amores de Hitler. 10 anos de Aventuras na História: as reportagens fundamentais.
São Paulo: Ed. Abril, p. 62-68, 2013.
5Idem.
15
organizavam no caos econômico e pregavam a submissão do país a uma
ideologia alienígena. (MIRANDA, C. Os amores de Hitler. 10 anos de
Aventuras na História: as reportagens fundamentais. São Paulo: Ed. Abril, p.
62-68, 2013)
Os discursos de Hitler tornaram-se famosos ao longo do tempo, ganhando
cada vez mais adeptos, deixando claro que o grande objetivo era resgatar a
dignidade política alemã e recuperar o passado glorioso dos dois impérios
anteriores, embasando o que viria a ser o Terceiro Reich.6 Sendo assim, nascia, na
década de 1920, o Partido Trabalhista Alemão, que em seguida passou a se chamar
Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), também
conhecido como Partido Nazista.
Já em 1923, os nazistas articularam um golpe no estado da Baviera, todavia,
acabaram presos e condenados. Foi durante o período em que esteve preso, que
Hitler escreveu o livro base da ideologia nazista: MeinKampf(Minha Luta). A obra
contém seus pensamentos sobre antissemitismo, racismo, eugenia e nacionalismo.
Ainda na clausura, o futuro Führerdeixava claro seu projeto para uma nova
Alemanha, sendo esta livre de judeus, estrangeiros, negros, doentes mentais,
homossexuais ou qualquer outro que não se enquadre-se no seu ideal da raça
ariana, cujos traços genéticos deveriam dominar a terra.
Os discursos de Hitler sempre culpavam os judeus quanto à situação alemã,
alegando que eles e os demais “incuráveis” eram responsáveis por todas as
desgraças. Suas falas começavam sempre com profundo pessimismo e terminavam
em efusiva redenção, um final feliz triunfal.7
Em seu livro, o ditador relata a
importância do uso da violência como forma de repressão. Eis algumas de suas
palavras: “[...] só há possibilidade de êxito no combate a uma doutrina quando se
empregam métodos de repressão uniformes e sem solução de continuidade.”8
Nesse diapasão, foram criadas duas milícias, a SS9 e a SA, que tinham a
missão de intimidar toda e qualquer concorrência, dissolvendo no pugilato as
6
Disponível em: <http://historiadomundo.uol.com.br/idade-contemporanea/nazismo.htm> Acessado
em: 13/03/2016.
7 REES, L. O obscuro carisma de Adolf Hitler. Revista BBC History Brasil, São Paulo: Ed. Escala, Ano
1, n. 1, p. 16-22, 2014.
8 CLARET, M. Hitler por ele mesmo. Livro-Clipping. São Paulo: Editora Martin Claret, 2006. 191p.
9 Vide anexo A.
16
manifestações comunistas, depredando casas e comércios de judeus, bem como os
jornais que iam de encontro ao nazismo.10
Por outro lado, Hitler também acreditava que apenas atitudes violentas não
eram suficientes, havendo a necessidade de uma “base espiritual” bem construída,
numa forma eufêmica de dizer que sua ideologia deveria ser absorvida por
completo. Desse modo, preleciona:
Toda força que não provém de uma firme base espiritual torna-se indecisa e
vaga. A ela faltará a estabilidade que só poderá repousar em certo
fanatismo. [...] pode se estabelecer o seguinte: toda tentativa de combater
pelas armas um princípio universal tem de ser mal-sucedida, enquanto a
luta não tomar rigorosamente forma de ofensa por novas ideias. É somente
na luta de dois princípios universais que a força bruta, empregada
persistente e decididamente, pode provocar a decisão favorável ao lado por
ela sustentado. (CLARET, M. Hitler por ele mesmo. Livro-Clipping. São
Paulo: Editora Martin Claret, 2006, p.115)
Neste bordo, o Führerreconhecia tanto a importância do uso da força, para
que outros ideais não obtivessem lugar ou voz, quanto a necessidade de sua
ideologia ser disseminada abundantemente, de maneira a conquistar a mente dos
alemães. Para tanto, os nazistas contaram com a efetiva atuação de Joseph
Goebbels, ministro da propaganda, cuja função era construir a imagem de Hitler
como grande líder e redentor, ao passo que mostrava a imensidão de crentes na sua
política. Com fulcro em tais objetivos, os desfiles de rua foram multiplicados, assim
como sua pompa. Neles, os militantes levavam bandeiras e faziam a saudação Heil
Hitler, típica dos nazistas e simpatizantes.11
Além da imagem de seu líder, um dos símbolos mais utilizados pelo nazismo
foi a suástica, uma espécie de cruz com braços virados em sentido horário. A
palavra “suástica” vem do sânscrito svastika e significa “condutora do bem-estar”12.
Crê-se que, por essa razão, a mesma foi adotada como emblema principal do
nazismo, a fim de transmitir a ideia de que aquele partido, ou aqueles que
10
MIRANDA, C. Os amores de Hitler. 10 anos de Aventuras na História: as reportagens
fundamentais. São Paulo: Ed. Abril, p. 62-68, 2013.
11SZKLARZ,
E. A sedução da barbárie: como o Terceiro Reich nasceu... Revista Aventuras na
História, São Paulo: Ed. Abril, n. 124, p. 28-37, nov.2013
12 Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-e-a-origem-da-suastica-o-simbolonazista> Acessado em: 13/03/2016.
17
abraçassem seus pilares, viriam a reerguer a Alemanha e recuperar o bem-estar de
toda a população.
Mister salientar que o nazismo ganhou força não apenas por conquistar os
cidadãos comuns, mas, principalmente, por obter a adesão de intelectuais, entre
outras pessoas influentes. Conforme se lê na reportagem de Eduardo Szklarz:
Também o regime cooptou artistas, filósofos, professores e repórteres. “Os
nazistas não precisaram silenciá-los. Apenas disseram: ‘Vocês podem
continuar trabalhando, só não escrevam nada crítico sobre nós.’”, diz o
historiador. Os profissionais da saúde foram seduzidos com uma sandice
em voga na época, a eugenia, que buscava aprimorar a raça humana
através da genética. Um exército de médicos e enfermeiras esterilizou 400
mil pessoas entre 1933 e 1938, entre elas deficientes físicos e mentais,
epiléticos e alcoólatras. Em cada bairro, o nazismo motivou os alemães a
construir uma sociedade policial.” (SZKLARZ, E. A sedução da barbárie:
como o Terceiro Reich nasceu... Revista Aventuras na História, São Paulo:
Ed. Abril, n. 124, p. 28-37, nov.2013)
Desta feita, diante de um crescimento cada dia mais assíduo, quando a
Alemanha deflagrou a Segunda Guerra em 1939, os ideais nazistas foram
disseminados. Programas de esterilização deram lugar à eutanásia em massa,
dizimando deficientes, esquizofrênicos ou qualquer pessoa considerada “indigna de
viver”. Os centros de eliminação dessas pessoas ficavam em hospitais, sendo os
médicos responsáveis pelos atestados de óbito com suas causas e datas
falsificadas.
Assevera-se ainda que, juntamente ao termo “Solução Final”, a perseguição e
o assassinato dos judeus possuía diversos codinomes, entre eles: “evacuação”
(Aussiedlung) e“tratamento especial” (Sonderbehandlung). Já a deportação – a
menos que envolvesse judeus enviados para Theresienstadt, o “gueto dos velhos”
para judeus privilegiados, caso em que se usava “mudança de residência” – recebia
os
nomes
de
“reassentamento”
(Umsiedlung)
e
“trabalho
no
Leste”
(ArbeitseinsatzimOsten). O uso destes últimos nomes, por sua vez, prendia-se ao
fato de os judeus serem muitas vezes reassentados temporariamente em guetos,
onde alguns eram comumente usados para trabalhos forçados13 e mortos quando
não apresentavam mais serventia.
13
ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo:
Companhia das Letras, 18ª Ed, 2015, p. 100.
18
O nazismo ostentou seu poderio até a batalha de Stalingrado, quando seu
exército começou a ser derrotado em território russo e as terras antes conquistadas
passaram a ser ocupadas pelos Aliados. A ideologia que disseminou o
antissemitismo, expansionismo, higiene racial e hostilidade à democracia e à cultura
moderna finalmente chegava ao abismo.
2.3 O FINAL DA SEGUNDA GRANDE GUERRA E SUAS IMPLICAÇÕES
Com o suicídio de Hitler em 30 de abril de 1945, chegava ao fim à guerra para
os nazistas. Porém, foi somente após tentativas de acordos que, no dia 7 de maio de
1945, a última resistência nazista deu-se por vencida. Embora a Alemanha já se
encontrasse desestabilizada, Japão e Estados Unidos ainda se mantinham em
conflito. Sendo assim, em 6 de agosto de 1945 aviões americanos bombardearam
as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Essa investida foi determinante para que, no
mês de setembro do mesmo ano, o Japão também se rendesse e o conflito tivesse
um fim.
No contexto pós-guerra, Estados Unidos e União Soviética passaram de
aliados a beligerantes. Sob influência dessas grandes potências econômicas, o
mundo dividiu-se em capitalistas e socialistas, marcando um período chamado de
“Guerra Fria”. Os dois países disputavam a hegemonia econômica e militar no
mundo, ao passo que se enfrentavam no campo ideológico, não havendo confrontos
com as armas, já que suas populações e domínios ainda se recuperavam da
destruição da guerra.
Um dos principais efeitos da Guerra Fria foi a divisão da Alemanha em
Alemanha Ocidental (República Federal da Alemanha), que aderiu ao regime
capitalista, e Alemanha Oriental (República Democrática Alemã), cuja adesão se deu
ao socialismo, sendo oficialmente separadas pelo muro de Berlim, em 1960. Um
lado vivia sob a influência da cultura ocidental americana, enquanto o outro se
desenvolvia sob a égide do socialismo soviético.
19
Além da concorrência no âmbito armamentista, havia uma competição no
campo tecnológico, de maneira que cada potência buscava a melhor formação no
campo da atualidade, a fim de tornar ainda mais eficaz o arsenal de armas
nucleares.
Entre as consequências da Segunda Guerra também está a criação da ONU
(Organização das Nações Unidas), em 24 de outubro de 1945, visando a
manutenção da paz entre as nações. A Carta das Nações Unidas foi assinada por
50 países, em São Francisco, nos Estados Unidos, criando uma organização
internacional com o objetivo de estimular a cooperação entre os países, bem como o
progresso social e defesa dos direitos humanos.
Posteriormente, a organização também aprovou a Declaração dos Direitos do
Homem, em 1948. Apesar de tais medidas, regimes políticos radicais ainda surgiram
no pós-guerra, estabelecendo uma guerra fria em todo o mundo.
Nesse interim, os nazistas que foram capturados enfrentaram o Tribunal de
Nuremberg, sendo esta uma das implicações mais importantes do fim do conflito. Os
julgamentos do Tribunal ocorreram entre os dias 20 de novembro de 1945 e 1 de
outubro de 1946, desencadeando diversas condenações à morte, prisões perpétuas,
anos de prisão e até mesmo absolvições.
De um ponto de vista geral, os países derrotados sofreram um enorme
prejuízo, já que milhões de pessoas foram mortas e feridas, muitas cidadesforam
destruídas e as dívidas se prolongaram ao longo dos anos. O racismo, o
antissemitismo e todo o culto cego à raça ariana foram os grandes responsáveis
pela pior das perdas: a vida de todos aqueles que não se encaixavam.
20
3 ADOLF OTTO EICHMANN
Neste capítulo, traz-se à baila o contexto em que Adolf Eichmann viveu até
lograr os altos cargos na Alemanha Nazista.Será ainda objeto de análise a sua fuga
e consequente rapto, bem como a altercação entre Israel e Argentina.
3.1 VIDA
Em Solingen, cidade alemã do estado da Renânia Norte-Vestfália, no dia 19
de Março de 1906, nascia Adolf Otto Eichmann. Com mais 4 irmãos, filho de Adolf
Karl Eichmann e Maria Schefferling, Adolf Eichmann era o primogênito da família.
Ainda menino, aos 8 anos, precisou enfrentar as dificuldades decorrentes de
uma mudança de país. Em 1913, seu pai assumiu a gerência comercial de uma
empresa de carros elétricos (ou bondes) na cidade de Linz, Áustria, onde um ano
depois sua família assumiu a missão de acompanhar o patriarca na nova
empreitada.
Testemunhando o cenário de Primeira Guerra Mundial, em 1916, aos 10
anos, Eichmann perdeu sua mãe. Viúvo, Karl Eichmann engatou um novo
casamento com Maria Zawrgel, apenas alguns meses após o falecimento de sua
esposa. Zawrgel era uma devota protestante, mãe de 2 filhos, de temperamento
autoritário e conduta disciplinar muito ativa,já que um elemento cultural da época era
o viés positivista, ou seja, as leis deveriam ser cumpridas sem qualquer óbice; fato
que ajuda a reconhecer uma relevante máxima que acompanhou Adolf pelo resto de
21
sua vida: a importância do cumprimento de regras.
Na escola primária, Eichmann demonstrou dificuldades em matérias como
literatura e artes, circunstância que sugeriu ao seu pai um possível indício de que
seu filho poderia ser incentivado futuramente a aprofundar estudos técnicos que
exigissem noções de engenharia e matemática. Antes do desfecho da guerra, foi
matriculado na mesma escola secundária que Adolf Hitler estudara há 17 anos.
Eichmann e Hitler, inclusive, tiveram o mesmo professor de história, Dr.
LeopoldPoetsch, conhecido principalmente por seu nacionalismo e visão racista.
Visivelmente desmotivado e sem grandes objetivos traçados para sua vida,
Eichmann desistiu da escola secundária e seu pai o matriculou em uma escola
técnica; neste momento, mesmo sem diploma, o jovem alemão iniciou sua trajetória
de empregos que antecederam sua carreira de tenente-coronel da SS.
Enquanto se identificava com movimentos político-ideológicos ligados ao
pangermanismo, atuou como balconista de uma empresa de rádio e vendedor
viajante de uma companhia americana de petróleo, a VacuumOilCompany.
Aos 26 anos, seguindo o conselho de um amigo e membro da SS, Eichmann
ingressou no ramo austríaco do NSDAP e 7 meses depois teve sua participação na
SS confirmada. Em Linz, já tendo trabalhado na atividade de segurança da sede
partidária, bem como dos oradores em comício e com seu retorno para a Alemanha,
o recém-membro passou por diversos treinamentos e ficou encarregado de
inúmeras atividades para orientar austríacos nacional-socialistas.
Já totalmente desligado dos antigos empregos, em 1934, Eichmann solicitou
transferência para o serviço de inteligência da SS, mais conhecido como SD ou
Sicherheitsdienst, onde desenvolveu um trabalho mais burocrático e administrativo.
Pouco tempo depois, em razão dos seus estudos sobre obras referentes ao
Sionismo14, foi convidado a juntar-se ao Departamento de Judeus, ambiente
determinante para seu destaque como articulador da Solução Final, no qual
14"Movimento
político que defende o direito à autodeterminação do povo judeu em um Estado judaico.
Ganhou força no fim do século 19, impulsionado pelo avanço do antissemitismo e desenvolveu-se
simultaneamente a outros movimentos nacionalistas, como o de unificação de países como a Itália e
a Alemanha. O nome sionismo deriva de Sion, um importante monte nas cercanias da cidade velha
de Jerusalém, e representa o desejo milenar dos judeus de, após o exílio forçado, retornar à terra dos
seus ancestrais bíblicos." Glossário da Confederação Israelita do Brasil - CONIB.
22
especializou-se durante os 10 anos seguintes.
Ao notar a importância da formação e consolidação de um laço familiar para
promoções dentro da SS, casou-se com VeronikaLiebl com quem tinha um
relacionamento de 3 anos, mas somente após aprovação de um dos mais
importantes chefes da instituição, Heinrich Himmler.
3.2ATUAÇÃO NA ALEMANHA NAZISTA
A política expansionista e o objetivo de homogeneização da raça ariana
semeados pelo ultranacionalismo do Partido Nazista, só tendiam ao forte
crescimento durante a Alemanha das décadas de 30 e 40. Promessas de melhorias
na esfera econômica e doutrinas defendidas por Adolf Hitler ajudaram a caracterizar
o perfil persuasivo da propaganda do partido, justificando o destaque que o Nazismo
ganhou entre os alemães - jovens, soldados e agricultores - que se filiavam em
razão de compatibilidade com as estratégias do líder. A Tropa de Assalto (SA), a
Esquadra de Proteção (SS) e a Gestapo (Polícia Secreta) funcionavam como órgãos
oficiais para consolidação de uma política repreensiva contra possíveis opositores
aos ideais nazistas, bem como prática do plano-diretor de exterminação da
população não-germânica.
As chamadas Tropas de Choque realizaram diversas ocupações a escritórios
de sindicatos com o intuito de aterrorizar ativistas e sindicalistas, promovendo o
confisco de valorosas documentações e bens das associações dos trabalhadores.
Configurado como um partido de extrema-direita, o NSDAP ajustou-se como único
partido do Estado, fato que extinguiu toda e qualquer possibilidade de criação e
atuação de outro grupo organizado, instaurando um regime ditatorial comum ao tipo
de ideal que conduzia os nazistas.
Foi diante de um contexto de perseguição a grupos étnicos, religiosos,
pacifistas e de oposição política, que a chamada "questão judaica" entrou em pauta.
A direção tomada pelo NSDAP mirava, inicialmente, em reduzir a influência judaica
na Alemanha, estimulando a emigração de diversos judeus. Para tanto, utilizaram-se
23
das inúmeras leis promulgadas a partir de 1933 e que possuíam caráter limitador,
estreitando direitos políticos e econômicos dos judeus por meio de cotas máximas.
Os nazistas cooperavam declaradamente com organizações sionistas15. É
perante tal circunstância que se inseriu a figura de Adolf Eichmann; diretor da
"Repartição Central para a Emigração Judaica" e encarregado de atuar na logística
das operações de emigração. No entanto, em Junho de 1940, Reinhard Heydrich,
um dos líderes da Central do Reich para Emigração Judaica, escreveu ao Ministro
das Relações Exteriores, Joachim Ribbentrop, constatando a ineficiência da
atividade emigratória e propondo uma solução final territorial.
Iniciou-se, portanto, um trabalho de deportação e transporte de judeus para
os denominados campos de concentração. As câmaras de gás, preparadas nesses
campos, era o método mais disseminado, tendo surgido inicialmente para exterminar
os doentes mentais na Alemanha, desde 1935. Em seguida, passou a ser vista
como um possível mecanismo adotado para a população judaica, a partir da eclosão
da Segunda Grande Guerra, em 1939, por meio da Chancelaria do Führer.
Devido ao seu conhecimento relacionado à emigração e ao próprio Sionismo,
bem como a sua experiência até então, Eichmann foi designado para a evacuação
forçada dos judeus até os campos de concentração. Cabia a ele informar quantos
judeus seriam necessários para encher cada trem e os Conselhos de Anciãos
Judeus elaboravam as listas de deportados. Dessa forma, o sistema fluía com a
colaboração do próprio povo judeu, enquanto o governo nazista se utilizava dos
mais elaborados meios para não revelar o destino final.
3.3A SOLUÇÃO FINAL
O partido Nazista adotou uma solução para resolver a questão judaica, tendo
em vista que o sistema de emigração produzido e conduzido por eles já não lograva
êxito. Por conseguinte, a solução final possuiria natureza territorial. Analisou-se,
15
Holocausto
Judeu:
o
que
aconteceu
realmente.
Disponível
em:
<http://inacreditavel.com.br/wp/holocausto-judeu-o-que-aconteceu-realmente/> Acessado em: 12 de
maio de 2016.
24
inicialmente, a possibilidade de concretizar o que previa o plano Madagascar, isto é,
transportar os judeus europeus para a ilha africana de Madagascar. No entanto, com
o controle britânico das vias marítimas e o número insuficiente de navios, a cúpula
nacional-socialista desistiu do referido.
Determinaram, em seguida, o deslocamento dos judeus para regiões
soviéticas ocupadas pelo partido, localizadas ao Leste e através do Governo
Central. A nova alternativa que articulava a evacuação dos judeus para o Leste foi
comunicada aos quadros mais elevados do partido durante a Conferência de
Wannsee, em janeiro de 1942.
Frisa-se que a comunidade judaica havia declarado guerra à Alemanha desde
1933, portanto, toda e qualquer atuação em defesa ao Terceiro Reich, realizada por
Adolf Eichmann, foi amparada pelo fato de que seria um combate aos inimigos do
império alemão e não uma perseguição aos judeus. Sendo assim, as primeiras
vítimas dos campos de concentração foram comunistas, sociais-democratas e
sindicalistas.
Dando continuidade, a partir de 1935, o grupo dos chamados associais
passou a ser perseguido. Nesse interim, houve internação e tratamento de acordo
com o que era ditado como punição para o tipo de comportamento rejeitado pelos
nazistas e praticado por ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová,
desempregados, prostitutas, e alguns opositores políticos cristãos e protestantes.
Paralelo ao sistema de deportação, a estratégia nazista objetivava a
exploração da força de trabalho judaica. Havia, sobretudo, um universo
concentracionário, definido pela repressão política. Toma-se como nota que, na
prática, alguns judeus não foram diretamente deslocados para o Leste, mas sim
transferidos para os campos transitórios de Chelmno, Belzec, SobiboreTreblinka,
equipados com instalações de banho, desinfecção e barracas. Sabe-se também que
Auschwitz, designado para campo de trabalho e internamento, serviu, mesmo que
temporariamente, como campo de transição.Mister se faz salientar que os campos
de
Sobibor
e
Treblinka,
iniciaram-se
como
instalações
posteriormente tornaram-se expoentes de campos cruéis.
transitórias,
mas
25
A partir de 1941, o pesticida Zyklon B, usado na eutanásia, foi adaptado para
os campos de concentração, culminando no extermínio de 6 milhões de
judeus.16Além do baixo custo, o pesticida não causava maiores transtornos às
tropas, ao contrário dos fuzilamentos, que acabavam por deixa-las abatidas.
Este programa ordenado por Hitler e embasado nas mortes por gás foi
essencial para a implementação da “Solução Final”, nome dado ao assassinato de
milhões de judeus em razão de sua etnia e suposta culpa pelo fracasso alemão.
Sendo assim, era preciso trazê-los para os campos de concentração, para que
pudessem ser finalmente eliminados, momento esse em que Adolf Eichmann tornouse um encarregado.
Os judeus eram mortos em caminhões e/ou pavilhões de gás, salas de
execução disfarçadas como salas de duchas e banhos. Havia ainda o grupo que
trabalhava na retaguarda do Exército, eliminando não só judeus, como também
guerrilheiros, funcionários russos, ciganos, associais e doentes mentais, todos
assassinados por fuzilamento.17
Desse modo, observa-se toda uma trajetória percorrida quanto aos
dispositivos utilizados durante a solução final. Foi na logística desse processo,
principalmente no que tange os transportes e instalações, que Adolf Eichmann teve
seu nome citado. Todas essas medidas e planejamentos logísticos foram pensados,
discutidos, geridos e aplicados, em geral, sob o olhar de Eichmann, indicando-o,
assim, como um dos responsáveis em meio às articulações nazistas.
3.4 DECADÊNCIA E SUA CONSEQUENTE FUGA
Com o ingresso dos Estados Unidos da América na guerra e a invasão do
exército Russo em Berlim, a crença na vitória da Alemanha crivelmente havia
chegado ao fim. O exército da União Soviética, nos últimos dias da guerra, chegou
16SZKLARZ,
E. A sedução da barbárie: como o Terceiro Reich nasceu... Revista Aventuras na
História, São Paulo: Ed. Abril, n. 124, p. 28-37, nov.2013.
17
ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo:
Companhia das Letras, 18ª Ed, 2015, p. 123.
26
ao coração da capital alemã com grande porte de fogo. Diversos bombardeios foram
realizados, os prédios suspeitos de abrigarem soldados alemães foram destruídos,
bem como os porões foram explodidos e utilizados lança-chamas para que os
soldados escondidos no subsolo tivessem que sair.
Mesmo com a límpida derrota, Hitler não cogitava uma fuga, embora alguns
de seus funcionários mais íntimos tenham optado por fugir. Além disso, importantes
nazistas traíram sua confiança e passaram a negociar tratados de paz.
Com o desfecho da guerra e temeroso quanto ao seu fim, Adolf Eichmann
reuniu alguns ex-soldados e juntos seguiram para a aldeia de Blaa-Alm, situada no
alto dos Alpes de Altaussee. Entretanto, o esconderijo não durou muito tempo, tendo
em vista que descobriram a chegada de americanos na área. Por conseguinte,
partiram para Rettenbach-Alm, onde se instalaram em cabanas pela montanha.
Todavia, na ausência de Eichmann, seus companheiros resolveram entre si que não
queriam ser encontrados juntos com ele, visto que, ao contrário deste, não eram
procurados por crimes de guerra.
Compreendendo a escolha de seus colegas, Adolf seguiu viagem com Rudolf
Jänisch, o único que se voluntariou para acompanhá-lo, trajando as roupas da
Luftwaffe18 que traziam consigo.
Com destino a Salzburgo, Eichmann e Rudolf passaram dias viajando e
escapando de tropas aliadas, até que, próximos ao destino almejado, foram
avistados e parados por uma tropa americana. Adolf Eichmannmentiu sobre sua
identidade apresentando o nome falso de Adolf Barth, cabo da Luftwaffe, porém o
disfarce não deu certo. Eles foram capturados e levados até um campo com pouca
estrutura de segurança, colaborando para uma posterior fuga sem dificuldades até
Salzburgo.
Traçando as estratégias, Eichmann chegou à conclusão que na Alemanha
estaria mais seguro que na Áustria, onde havia passado a maior parte da sua vida.
Contudo, era cediço o quão seria difícil essa travessia de chegada. Desse modo,
foram levados até os americanos, recrutados por uma enfermeira, sob a alegação de
serem apenas cabos da Luftwaffe a fim de retornar ao seu país de origem. Em
consequência disso, acabaram obtendo a passagem pelos guardas.
18Força
Aérea Alemã.
27
Neste diapasão, com o intuito de cruzar a fronteira alemã, tentaram seguir um
cortejo fúnebre que cruzava a fronteira, porém foram pegos pelos soldados
americanos. Ao serem examinados e revistados pelos soldados, a tatuagem no
braço de Eichmann, que o identificava como membro da SS, foi descoberta.
Percebendo que os oficiais alemães recebiam melhor tratamento que os soldados,
Eichmann decidiu criar uma nova identidade: SS –Untersturmfuhrer19Otto Ekcmann.
Durante o período que passou sob a guarda dos americanos, Eichmann agiu
de forma cautelosa e não escreveu para sua mulher e filhos, residentes em Linz, que
passaram a crer em seu falecimento. Desta forma, a família de Eichmann passou a
sustentar sua esposa e sua prole.
Em meio a várias transferências entre campos provisórios, Adolf Eichmann e
Rudolf foram levados para um campo em Weiden, que possuía um forte sistema de
segurança. Adolf respondeu a diversos interrogatórios, contudo, nada foi descoberto
em relação a sua verdadeira identidade.
Após uma longa vivência entre Eichmann e Jänisch, chegara o dia em que os
dois seguiriam rumos distintos. Transferidos para campos diferentes, Adolf foi para
um campo em Ober-Dachstetten, onde se juntou a diversos ex-oficiais da SS,
embora não conhecessem sua identidade.
Durante o período que ficou em Ober-Dachstetten, foram realizadas sessões
de reconhecimento dos ex-nazistas. Seu cuidado em não se exibir publicamente e
evitar fotos durante o período do regime foi algo crucial, a julgar pelo não
reconhecimento dele pelos sobreviventes.
Neste bordo, deu-se início o julgamento do Tribunal de Nuremberg, no qual
Eichmann foi citado diversas vezes e, devido a sua fuga e consequente ausência,
tentaram culpá-lo como único responsável dos acontecimentos durante a guerra. Um
ex-amigo e padrinho de um de seus filhos, Wisliceny, “apareceu como testemunha
da acusação e entregou provas danosas[...]“20no Tribunal sobre o envolvimento de
Eichmann na “Solução Final”, através de um depoimento pessoal, além de oferecerse, quando já estava preso, para ajudar os americanos a encontrar Adolf Eichmann.
19Classificação
20ARENDT,
equivalente a “secondlieutenant“, Segundo Tenente.
1999, p. 257
28
Ainda em Ober-Dachstetten, no começo de 1946, Eichmann soube do
depoimento que fora proferido e arquitetou uma outra fuga, tendo em vista seu
apontamento como peça fundamental da Solução Final. Ademais, a preocupação
tornou-se ainda maior com a possibilidade de possuírem fotos suas ou que fosse
traído pelo seu companheiro Jänisch, que conhecia suas duas identidades.
Decidido a fugir do campo, Eichmann se reuniu com alguns ex-oficiais da SS
que o ajudaram a falsificar documentos. Doravante, sua nova identidade seria Otto
Heninger. Kurt Bauer, o aconselhou a ir para Prien, onde vivia sua irmã que poderia
ajudá-lo com a viagem, bem como escondê-lo. Com um plano já traçado, Eichmann
conseguiu um novo casaco e pintou suas calças da Luftwaffe, tornando-a
semelhante às vestes de um caçador, quando saísse pela floresta.
Com tudo planejado, Eichmann escalou a cerca de arames farpados durante
a noite, fora da vista dos guardas. Já do outro lado, adentrou-se na floresta e
caminhou até uma estação abandonada da ferrovia, pegando um trem com destino a
Prien ao amanhecer.
Após encontrar a irmã do oficial Bauer, a viúva NellieKrawietz, Adolf foi
abrigado em um quarto, numa fazenda situada nos arredores da cidade. Nellie não
conhecia a sua verdadeira identidade, até que, cada vez mais preocupado com a
crescente presença de soldados americanos na cidade, Eichmann a pediu que
comprasse passagens para Hamburgo e que fingissem ser um casal durante a
viagem. Na ida, ela sugeriu que ele se entregasse em um tribunal de desnazificação,
no entanto, Adolf revelou sua identidade para justificar o porquê de não poder se
apresentar.
Chegando em Hamburgo, caminhou até Eversen e encontrou o irmão do
oficial Feiersleben, que o conseguiu um emprego de lenhador, no qual trabalhou por
dois anos. Passados esses dois anos, a madeireira faliu e ele perdeu o emprego,
morando mais alguns anos na região, embora com grande temor de ser pego. Não
mais querendo viver naquela localidade, decidiu sair do país.
Em 1950, entrou em contato com a ODESSA 21, conseguindo permissão para
ir até a Itália, onde a Igreja Católica proporcionava abrigose a Cruz Vermelha
fornecia documentos como uma forma de auxílio a quem necessitava. Eichmann
21
“[…] uma organização clandestina de veteranos da SS[…]” ARENDT, 1999, p. 258
29
conseguiu, com a ajuda de um padre franciscano conhecedor de sua identidade,
atravessar a fronteira entre a Áustria e a Itália, sob um passaporte de refugiado com
o nome de Richard Klement. Com este documento em mãos, o consulado argentino
situado em Gênova o concedeu visto de entrada e, em 14 de julho de 1950, após
cruzar o Atlântico rumo à América do Sul, desembarcou em Buenos Aires Adolf
Eichmann, utilizando o nome Ricardo Klement.
3.5 TRAJETÓRIA NA ARGENTINA E SUA CAPTURA
Orientado por Carlos Fuldner, coordenador da rota de fuga argentina,
Eichmann sentiu-se confortável em Buenos Aires pela quantidade de nazistas
refugiados e por algumas comunidades ainda cultivarem o sentimento antissemita.
Fuldner conseguiu o seu documento de identidade argentino, passando a chama-lo
legalmente de Ricardo Klement, morador permanente e apto para trabalhar.
Contratado por Fuldner, Eichmannadquiriu o cargo de engenheiro-topógrafo em uma
nova empresa criada pelo governo, denominada CAPRI.
Ainda em 1950, Eichmann entrou em contato com sua mulher, assinando
como “tio” e afirmando por “códigos” que estava vivo e bem. Posteriormente, outros
contatos foram feitos e, a partir disso, deram-se as instruções para que viajassem
rumo a Argentina. Em 1952, Vera e seus filhos embarcaram em Gênova com destino
a Buenos Aires.
Já nas novas terras, Klaus Eichmann, o filho mais velho de Adolf, iniciou um
relacionamento com Sylvia Hermann. Ao conversar com a família de Sylvia, Klaus
comentou ser descendente de um grande oficial da Wehrmacht que havia
representado muito bem seu país, afirmando também que os alemães deveriam ter
prosseguido com o extermínio. Contudo, o primogênito de Eichmann desconhecia a
nacionalidade judaica do pai de Sylvia, Lothar, que não se manifestou haja vista ter
vindo para a Argentina fugido da dizimação que ocorrera.
Neste diapasão, ao tomar conhecimento do julgamento de crimes de guerra
que citava o nome de Adolf Eichmann como um fugitivo oficial da SS, responsável
pela supervisão da solução final, e ao traçar um paralelo com o sobrenome de
30
Klaus, Lothar entrou em contato com os promotores de Frankfurt, dizendo acreditar
que Eichmann estava vivendo na Argentina com sua família.
Algumas semanas posteriores, Fritz Bauer reuniu diversas informações sobre
Eichmann, como a descrição física, fotos, atividades durante a guerra, entre outras
que pudessem ajudar a encontrá-lo. Destarte, enviou essas informações para
Lothar, e pediu para queeste descobrisse o endereço onde vivia a família Eichmann.
Com o endereço dado por Sylvia, as informações foram enviadas para o promotor
Bauer, que procedeu com as investigações.
Não obstante, Bauer enviou todas as informações obtidas para o Ministério
das Relações Exteriores de Israel. Walter Eytan, o Diretor Geral do Ministério,
marcou um encontro com o diretor do serviço secreto israelense. Muito embora
Israel fosse uma nova nação, ela já possuía um serviço de inteligência qualificado,
denominado Mossad. Primordialmente, este havia sido criado para rastrear os
inimigos do Estado, mas dedicou suas primeiras décadas à captura de terroristas e
criminosos de guerra.
O chefe do Mossad reuniu uma equipe composta por cerca de 30 agentes, a
fim de auxiliar na operação. Dentre eles, também havia sobreviventes do
Holocausto, contudo, ninguém deveria assassinar Eichmann, mas sim trazê-lo vivo
para ser julgado. Os israelensestinham conhecimento de que uma extradição
diplomática seria demasiadamente difícil de obter, já que muitos simpatizantes
nazistas encontraram refúgio na América do Sul durante a guerra. Desta feita,
optaram por uma altercação com a Argentina, sequestrando clandestinamente Adolf
Eichmann.
ZviAharoni, agente israelense do Mossad, chegou a Buenos Aires portando
documentos falsos, no dia 1º de março de 1960, com a missão de identificar e
preparar a captura de Eichmann. Aharoni foi até a casa de Eichmann com dois dos
seus voluntários e os instruiu para que tentassem envolver Adolf na conversa,
enquanto ele fotografava do jardim. Com as fotografias em mãos e a certeza de que
tinha achado o homem certo, Aharoni voltou àIsrael para dar as informações.
Em 24 de abril, Aharonie outros três agentes do Mossadchegaram à
Argentina. Na quinzena seguinte, mais agentes do Mossad desembarcaram com o
objetivo de alugar as casas para os esconderijos e os carros para sequestro.
31
RafiEitan era chefe da missão; IsserHarel, o diretor do Mossad; havia também um
médico encarregado de manter o prisioneiro saudável e, por último, Shalom Dany,
perito em documentos falsos.
Inicialmente, a equipe mantinha a casa de Eichmannsob vigilância, para que
estabelecessem o padrão diário de movimentos dele. De acordo com as
observações, eles foram capazes de estabelecer o horário que Eichmann saía de
casa e o horário do seu retorno. O sequestro aconteceria no dia 10 de maio, pois o
transporte para Israel seria em um voo de volta de um avião comercial da El Al22,
que traria o ministro do exterior israelense Abba Eban para a comemoração dos 150
anos de independência da Argentina. A princípio,o ministro chegaria em 12 de maio
e a aeronave retornaria a Israel no dia seguinte. Contudo, a data foi modificada e o
avião só chegaria no dia 19 de maio, fazendo o grupo adiar a operação.
No dia 11 de maio de 1960, a força-tarefa tomou suas posições ao redor da
casa de Eichmann. Os carros estavam à espera: a limusine na rua Garibald,
enquanto o outro estava estacionado nas proximidades, parcialmente escondido por
uma ponte ferroviária. Eichmann desceu do veículo e seguiu em direção a sua casa.
Quando estava chegando perto do carro estacionado, um dos agentes fingiu ter um
problema no motor e levantou o capô do carro. Um outro agente chamou por
Eichmann e perguntou-lhe algo, todavia, devido a sua reação de medo, o agente se
lançou sobre ele, presumindo que o mesmo estivesse armado. A luta se seguiu até o
momento em que Eichmann foi colocado no chão da parte traseira do carro.
Ao chegar ao local preparado para esconder Eichmann, o médico examinou
todo o seu corpo em busca de cápsulas de veneno. Vestiram-no com pijamas e a
perna esquerda foi algemada à cama. Após alguns questionamentos, o agente
perguntou ao prisioneiro qual era o seu verdadeiro nome. Entre hesitações e
mentiras, Eichmann enfim admitiu sua identidade.
No dia 20 de maio de 1960, Eichmann foi drogado pelo médico e conduzido
para o Aeroporto de Ezeiza, sendo apoiado por dois agentes doMossad e trajado
com roupa semelhante à da tripulação. Com a droga, ele ficaria impedido de falar,
mas conseguiria andar bem. O carro parou perto do ônibus da companhia e foi
22Companhia
aérea nacional de Israel.
32
dispensado pela segurança, de maneira que os agentes do Mossad, vestindo
uniforme da tripulação de voo, não despertaram suspeitas.
A aeronave Bristol Britannia decolou no dia 20 de maio de 1960. O médico
ficou com uma seringa espetada no braço de Eichmannaté a hora da decolagem.
Após uma parada em Dakar para reabastecimento de combustível, no dia 22 de
maio de 1960, Adolf Eichmann entrou em território israelense.
3.6 LITÍGIO ENTRE ISRAEL E ARGENTINA
Realizou-se no Parlamento israelense uma assembleia com jornalistas e seus
parlamentares, onde o primeiro ministro Ben-Gurion realizou um discurso
anunciando que Eichmann estava preso em território israelense e que lá seria
julgado.
Muitas foram as divergências acerca de quem detinha a competência para
julgar o prisioneiro,se a Argentina, a Alemanha Ocidental ou Israel. O chefe do
governo israelense defendia que o julgamento deveria acontecer em seu país por
um dever de respeito aos mortos e por serem herdeiros dos 6 milhões de judeus
assassinados.
O governo argentino, ao saber do sequestro realizado dentro de suas terras,
foi pressionado pelos admiradores do nazismo e dos nacionalistas de direita que
residiam no país, para que protestassem contra Israel.
O ministro do exterior argentino, Diógenes Taboada, solicitou ao embaixador
israelense, AryehLevavi, que este explicasse oficialmente o ocorrido e que
determinasse o retorno de Eichmann. Posteriormente, o governo de Israel
esclareceu através de uma carta escrita por Ben-Gurion, que o sequestro havia sido
realizado por um grupo voluntário formado por judeus, dentre estes alguns
israelenses, que tinham se comunicado com Eichmann e recebido sua autorização
para que fosse levado até Israel. Também justificou-se através do argumento de que
os voluntários estavam amparados por um “bem moral maior” e isso sustentava a
violação das leis argentinas.
33
Mesmo diante da comunicação feita por Israel, a Argentina requereu mais
uma vez o retorno de Adolf e a punição dos responsáveis pelo sequestro, haja vista
os argentinos não acreditarem no que havia sido alegado pelo primeiro ministro. Em
meio ao conflito diplomático, membros do governo argentino clamavam por medidas
mais exigentes, até que o embaixador argentino das Nações Unidas defendeu
veementemente o retorno de Eichmann e o voto de condenação da Organização das
Nações Unidas a Israel.
Em razão disso, houve uma convocação emergencial do Conselho de
Segurança das Nações Unidas, doravante CSNU, para discutir a reivindicação feita
pelo embaixador da Argentina. A Resolução 138 emitida pelo CSNU,órgão máximo
da democracia e representação da comunhão entre os países que o compõem,
respondeu ao acontecido deliberando que:
1- Atos como os que estavam sendo levados em consideração, que afetam
a soberania de um Estado-Membro, e que portanto causam conflitos
internacionais, se repetidos, colocarão em perigo a paz e a segurança
internacional; 2- Requer que o governo de Israel faça a reparação
apropriada de acordo com a Carta das Nações Unidas e das regras das leis
internacionais; 3- Expressa a esperança de que as relações
tradicionalmente amigáveis entre a Argentina e Israel avançassem.23
23
The
Eichmann
Case.
Disponível
em:
http://www.ajcarchives.org/ajc_data/files/1961_7_international.pdf. Acesso em: 08 de abril de 2016.
34
4 SISTEMA JUDICIÁRIO ISRAELENSE
De forma a nortear e garantir uma melhor compreensão da Corte Distrital de
Jerusalém, importa que haja uma explanação sobre o funcionamento do sistema
israelense. Abordar-se-ão a criação do Estado de Israel, bem como suas instâncias,
competências e atribuições.
4.1 A CRIAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL
Em 586 a.C tem-se o primeiro exilio que os judeus foram obrigados a cumprir,
em decorrência da invasão do imperador Nabucodonosor em Jerusalém. A diáspora
foi o processo de dispersão dos judeus e a formação de comunidades fora da
Palestina. Contudo, tem-se queesta dispersão se iniciou em 722 a.C., quando o
reino de Israel foi destruído pelos Assírios e as dez tribos de Israel foram levadas
como cativas. Com a excessiva onda de invasões, a palestina acabou por acumular
influências de diversas potências, fomentando uma diversidade cultural e religiosa
que seria característica do seu povo.
A segunda diáspora aconteceu por volta do ano 70 d.C quando os romanos
destruíram Jerusalém, forçando os judeus airem para os países da Ásia Menor,
África ou sul da Europa. Com o advento do século XV, houve o crescimento do
cristianismo fazendo com que estes migrassem para os Países baixos. Destarte,
reverbera a noção de uma dispersão forçada que durou séculos.
Com a consequente dispersão dos judeus pelo mundo, o movimento sionista
foi ganhando espaço e pregando a busca pela terra prometida, as organizações
sionistas mundiais compravam terrenos desérticos, visando estabelecer os judeus
vindos da Europa. Uma grande quantidade de judeus migrou em massa com direção
a Palestina, então habitados por árabes. Os judeus reivindicaram essa região por ter
sido ocupada por eles até o momento dadiáspora. Apartir do incentivo do sionismo,
por volta do ano 1820, eles começaram a retornar.
35
Em 1844, sob o comando do Império Turco-Otomano, os judeus já eram
maioria, de forma que através da expansão do movimento sionista, judeus de outras
localidades do mundo migraram para a chamada Terra Prometida e passaram a
exigir um Estado Judeu alicerçado em sua própria cultura e seu significado histórico.
Com a cessação da Primeira Guerra Mundial, a Grã-Bretanha pactuou com os
judeus a construção de um lar eminentemente judaico, contudo, a revolta dos países
árabes em 1920 fez com que o comprometimento fosse esquecido e surgissem
limitações à imigração judaica. Nada obstante, com a ascensão do nazismo, iniciouse uma perseguição aos judeus por toda a Europa. Ademais, com a restrição feita
pelos árabes no tocante à entrada de judeus na Palestina, estes foram forçados a
divagar.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, ainda que disseminado o que ocorrera
com milhares de judeus nos campos de concentração, a política de restrição imposta
pelos árabes perpetuou-se. O sionismo, de forma clandestina, infiltrava os judeus no
território, sendo contrário a toda limitação mandatória.
Diante dos inúmeros conflitos envolvendo os árabes e os judeus, a GrãBretanha renunciou o poder sobre a Palestina, entregando-a sob os auspícios da
ONU. Por consequência, no ano de 1947, em Assembleia Geral, foi decidido que a
Palestina seria dividida em dois Estados, sendo um judeu e um árabe, unidos quanto
à economia.O critério para tal divisão, de acordo com as Nações Unidas, baseou-se
na repartição geográfica da população das duas comunidades.Logicamente houve
regiões que a maioria da população judaica ficava dentro do Estado árabe,
ocorrendo o contrário em outras regiões, sendo estas populações incentivadas a
migrar. Sendo assim, a criação do Estado de Israel não se deu a partir de uma mera
determinação da ONU, na realidade foi uma “criação de dentro para fora”, que veio a
ser reconhecido em 1947.
Ainda que a decisão tenha sido aceita pela maioria dos judeus, a Liga Árabe
se recusou a aquiescer com a decisão, gerando a primeira guerra entre os judeus e
árabes, denominada de Guerra da Independência.
Todavia, em 1948, foi assinada a Independência do Estado de Israel,
comandada por David Ben-Gurion, líder da agência judaica e primeiro chefe do
36
governo de Israel. No ano seguinte, Israel tornou-se o 59º membro das Nações
Unidas e ocorreram as primeiras eleições, nas quais foram criadas leis para
assegurar os direitos básicos. Além disso, os portões foram abertos para a entrada
dos judeus, cujas cidadanias finalmente poderiam ser adquiridas.
4.2 JUDICIÁRIO: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO
O Estado de Israel está enraizado sob os princípios e instituições das leis
básicas,como o princípio da separação entre o poder legislativo, o executivo, e
o sistema judicial, ao qual a instituição de controle estatal foi adicionada. Devido às
diferentes influências relacionadas à colonização do Estado de Israel, seu sistema
jurídico consiste em um sistema híbrido de Common Law eCivil Law.
Possui a forma de governo alicerçada em uma democracia parlamentarista,
chefiada pelo presidente, cujo papel é praticamente simbólico e representativo. A
rigor, é dirigido por três autoridades: a autoridade legislativa (a Knesset), a
autoridade executiva (o governo) e o judiciário. O Knesset decreta leis, toma
decisões políticas, escolhe o presidente e o governo, e supervisiona as atividades
governamentais. Com relação a autoridade executiva em Israel, esta é responsável
por executar as leis decretadas pelo Knesset e pela própria administração do
Estado.
No que tange ao sistema judiciário em Israel, este se organiza a partir do
próprio Ministério da Justiça israelense. De forma independente, encontra-se
alicerçada toda a estrutura de organização e funcionamento dos tribunais do poder
judiciário da nação, os quais atuam sob a incumbência de um Juiz indicado pelo
ministro da justiça para coordenar o funcionamento do poder judicial em suas
diferentes instâncias.
Desse modo, o presidente da Suprema Corte e o ministro da justiça integram
o comando do sistema judiciário que está disposto em diversas instâncias, dividindose em: Suprema Corte; Cortes Distritais;Tribunais dos Magistrados; Cortes
Trabalhistas.
37
A) Suprema Corte
Localizada em Jerusalém, possui jurisdição sobre todo o território nacional e é
a mais alta instância da organização judiciária em Israel. A composição de juízes da
Suprema Corte é determinada por uma resolução emitida pelo Knesset, respeitando
uma ordem hierárquica de Presidente e Vice-Presidente.
A Suprema Corte é um tribunal de apelação que considera casos em sede de
recurso em juízos e outras decisões das Cortes Distritais, podendo ser cíveis ou
criminais. Considera também apelações sobre decisões judiciais e quase-judiciais,
verbia gratia, legalidade das eleições do Knesset e detenção administrativa. É
importante ressaltar o caráter vinculante das decisões, pois em razão do sistema
misto da Common Law e da Civil Law, há uma forte presença da jurisprudência da
Suprema Corte sobre as outras instâncias, configurando o fenômeno do
staredecisis24.
B) Cortes Distritais
As Cortes dos Distritosfuncionam como um tribunal de primeira instância e,
como um tribunal de apelação sobre os julgamentos de Tribunal dos Magistrados.
Elas também apreciam apelações sobre as decisões judiciais e para-judiciais de
tribunais administrativos e outros organismos diferentes, em virtude dos poderes
conferidos especificamente por lei.
Como um tribunal de primeira instância, a Corte Distrital tem uma
competência residual, abrangendo qualquer assunto que não adentre a jurisdição do
Tribunal de Magistrados e que não seja da exclusiva competência de outro tribunal.
Seu âmbito em matéria penal é, essencialmente, os casos de crimes graves,
em que a pena para o delito é a pena de morte ou prisão por um período de mais de
sete anos. Já em matéria cível, sãocompetentes para recepção de causas de valor
acima de US $ 300.000 dólares americanos.
24
É caracterizado pelo fato de uma decisão de um órgão judicial gerar vinculação para futuras
deliberações.
38
A decisão prevista pela Corte Distrital serve como precedente persuasivo ou
orientação aos Tribunais de Magistrados. O Tribunal Distrital se organiza com um
painel de um único magistrado, porém pode ter composição tríplice 25 nas seguintes
probabilidades: a) crimes com pena a partir de dez anos de prisão; b) quando a
Corte Distrital receber um apelo de julgamento do Tribunal de Magistrados; ou c) por
determinação expressa do Presidente ou do Vice-presidente da Corte Distrital.
Outrossim, vale destacar que Israel possui seis Cortes Distritais: Jerusalém, TelAviv-Jaffa, Petah-Tikva, Haifa, Beersheva e Nazaré.
C) Tribunais dos Magistrados
Em Israel, há vinte e nove Tribunais dos Magistrados, cujas competências se
estendem sobre o distrito que estão situados, havendo geralmente um único juiz por
Tribunal. Este último forma a instância básica do judiciário e seu alcance é em
matéria penal e cível, de maneira limitada.Os casos de matéria penal são
relacionados a crimes puníveis com pena de prisão não superior a sete anos. Esse
Tribunal pode apreciar casos de crimes puníveis com pena de prisão superior a sete
anos, com a decisão de um promotor público, mas não pode impor uma pena
superior a sete anos. Com relação à matéria cível, recepcionam causas que não
ultrapassem o valor de US $ 300.000,00 dólares americanos.
D) Cortes Trabalhistas
Compreendem cinco Cortes Regionais trabalhistas que atuam como primeira
instância e uma Corte Nacional trabalhista em Jerusalém que atua como instância
recursal e primeira instância para alguns casos de relevância nacional.
25
Para um melhor funcionamento da simulação, a Corte Distrital de Jerusalém da UniSim 2016
funcionará com cinco magistrados.
39
5 LEI DOS NAZISTAS E SEUS COLABORADORES
A Lei Punitiva dos Nazistas e Colaboradores dos Nazistas, promulgada em
1950, contém 17 seções que tratam de crimes de guerra, crimes contra os Judeus,
contra toda a humanidade e aqueles relacionados ao envolvimento com os nazistas
e sua ideologia. Foi exatamente essa lei que fundamentou todo o julgamento de
Adolf Eichmann.
5.1HISTÓRIA DA LEI
A Lei Punitiva dos Nazistas e Colaboradores dos Nazistas foi publicada em
1950 com um objetivo inicial mas que posteriormente abarcou a possibilidade de
Israel julgar Nazistas, seus associados e seus colaboradores por assassinato do
povo judeu e por crimes contra a humanidade como um todo.
A tipificação desses crimes estão dispostos em 17 seções, dentre elas: crimes
contra a humanidade, crimes de guerra e crimes contra o povo judeu (seção 1);
crimes contra a perseguição de pessoas (seção 2); fazer parte de organização
inimiga (seção 3); ofensas em locais de confinamento (seção 4); entregar pessoa
perseguida para organização inimiga (seção 5); chantagear pessoas perseguidas
(seção 6); incitar o ódio aos judeus (seção 7); e isenção de pena e circunstâncias
atenuantes para os crimes das seções 2 a 6 (seções 10 e 11).
Essa lei foi a base do julgamento de Adolf Eichmann e sua criação acarretou
inúmeras críticas, uma vez que ela havia sido criada como resposta à presença dos
“Kapos”26, derivado de “capo”, palavra italiana que significa "chefe".
Ocorre que, tais “comandantes” eram prisioneiros do regime nazista e foram
recrutados com o fito de ajudar a manter a ordem dentro dos campos de
concentração e exercer os trabalhos que lhe fossem designados. Alguns dos ofícios,
26Abreviação
de kameradanpolizei ou Katzet-Polizei que significa cabeça, chefes de equipe.
40
por sua vez, consistiam em atividades desvalorizadas como a cozinha, enfermarias
ou acampamentos, podendo-se galgar à chefia dos quartéis, onde tinham uma
supervisão do governo alemão.
A maioria desses prisioneiros escolhidos eram judeus que trabalhavam em
câmaras compostas apenas pelo seu próprio povo e, devido ao cargo, realizavam as
mesmas funções dos guardas, possuindo o condão de supervisionar, bem como
suscitar a morte dos que ali estavam. Não obstante, era dessa atividade que os
“kapos” retiravam uma esperança de vida para si e seus familiares, assim como
conseguiam melhores roupas e comidas, em troca de completa obediência aos
membros da SS27.
Isto posto, após a guerra, os judeus identificados como “kapos” na Europa
eram agredidos e segregados, e muitas vezes mortos. Com a criação do Estado de
Israel, os sobreviventes do Holocausto nazista pleitearam ante a justiça israelense
uma punição para aqueles que atuaram lado a lado com os membros do partido.
A premência da lei foi apontada quando os sobreviventes relataram em suas
denúncias que os “kapos” judeus eram demasiadamente cruéis, até mesmo quando
comparados aos próprios alemães. Todavia, o Estado de Israel alegou que não
poderia tomar nenhuma providência pela inexistência de lei.
Com efeito, o Ministério da Justiça de Israel trouxe à baila o “Ato Contra
Judeus Criminosos de Guerra”, em 1949, confiado por muitos como uma forma de
punição específica para os judeus colaboradores do nazismo, embora não tenha
sido promulgada de imediato. Passados dez meses, em 1 de agosto de 1950, o
projeto ganhou aprovação do Knesset,e em 9 de agosto do mesmo ano, se tornou
lei e teve seu nome transmutado para Lei Punitiva dos Nazistas e Colaboradores
dos Nazistas. Sendo assim, tornou-se crível o aumento do seu alcance, punindo não
só os nazistas, mas também os seus colaboradores.
27
Schutzstaffel(em português “Esquadra de Proteção”)
41
5.2SEÇÕES
Seção 1: Crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes contra
o povo judeu
Os crimes contra a humanidade são citados na Lei número 64 guardando
semelhança com a definição especificada na Carta de Nuremberg. São enumeradas
nessa lei: “assassinato, extermínio, escravidão, deportação e fome ou outros atos
desumanos cometidos contra qualquer população civil, e perseguição por motivos
nacionais, raciais, religiosos ou políticos.”
Do mesmo modo, os crimes de guerra também foram baseados na Carta de
Nuremberg, porém sofreram alterações
substanciais que os tornaram mais
restritivos. São eles: “assassinato, maus tratos ou deportação para trabalho forçado
ou para qualquer outra finalidade, de população civil ou em territórios ocupados;
assassinato ou maus tratos de prisioneiros de guerra ou pessoas nos mares;
matando de reféns; pilhagem de propriedade pública ou privada; destruição arbitrária
de cidades, vilas ou aldeias; e devastação não justificada por necessidade militar.”
Os crimes contra o povo judeu foram característicos do Estado de Israel, haja
vista não haver precedentes, encontrando nesta tipificação a possibilidade de
proteção a qualquer judeu no mundo. A descrição dessa infração guarda
similaridade com a definição de Genocídio elaborada em 1948, em uma Convenção
para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, feita pela Organização das
Nações Unidas, diferenciando-se em sua aplicação em virtude da restrição ao povo
judeu e ao período nazista.
A Lei nº 64 traz um rol taxativo no qual especifica os crimes contra o povo
judeu, sendo eles: “(1) matar judeus; (2) causar sérios danos físicos ou mentais para
os judeus; (3) colocar os judeus em condições de vida calculadas para provocar a
42
sua destruição física; (4) instituir medidas destinadas a impedir nascimentos entre os
judeus; (5) promover a transferência forçada de crianças judias para outro grupo
nacional ou religioso; (6) destruir ou profanar bens ou valores culturais ou religiosos
judaicos; e (7) incitar o ódio aos judeus.” Todos os crimes dessa seção são punidos
com pena de morte.
Seções 2-17: Outros Crimes
Além dos crimes anteriormente citados, nas seções 2-6, a Lei traz alguns
crimes puníveis com menos severidade. São eles: crimes contra a perseguição de
pessoas; fazer parte de organização inimiga; ofensas em locais de confinamento;
entregar pessoa perseguida para organização inimiga; e chantagear pessoas
perseguidas.As seções enumeradas de 7 a 17 tratam de normas que explicam a
interpretação da lei, diminuição de pena, prescrição, entre outros dispositivos.
5.3 DOS CRIMES IMPUTADOS À ADOLF EICHMANN
Dentro das seções presentes na Lei de Punição aos Nazistas e
Colaboradores dos Nazistas, estavam os quinze delitos que foram imputados a
Eichmann. São eles: (1) provocar o assassinato contra milhões de judeus; (2) levar
milhões de judeus a condições que poderiam levar a destruição física; (3) causar
sérios danos físicos e mentais; (4) determinar que fossem proibidos os nascimentos
e interrompidas as gestações de mulheres judias; (5) ele causou escravidão, fome e
deportação de milhares de judeus; (6) perseguição aos judeus por motivos raciais,
religiosos e políticos; (7) tratava de pilhagem28 de propriedade ligada ao assassinato
desses judeus; (8) crimes de guerra; (9) expulsão de centenas de milhares de
poloneses de suas casas; (10) “expulsão de 14000 eslovenos”da Iugoslávia; (11)
28A
pilhagem, também chamada de saque, é o furto ou roubo indiscriminado de bens alheios como
parte de uma vitória política ou militar, ou no decorrer de uma catástrofe ou tumulto, como numa
guerra ou num desastre natural.
43
deportação de “milhares de ciganos” para Auschwitz29 (12) deportação de noventa e
três crianças para as aldeias Tchecas (13) acusação de ser membro da SS30; (14)
acusação de ser membro da SD31; (15) acusação de ser membro da Gestapo.
6COMPETÊNCIA DA CORTE DISTRITAL DE JERUSALÉM
Diversas questões foram levantadas a respeito da competência legal da Corte
para julgar Adolf Eichmann, esses levantamentos são provenientes da comunidade
internacional e de setores sociais. Em contrapartida a Corte expôs sua defesa às
matérias abordadas acerca de sua competência e que cercam o direito internacional.
6.1 QUESTÕES CONTRÁRIAS
6.1.1 Julgamento baseado em lei retroativa
As objeções trazidas contra o julgamento de Eichmann foram de três
espécies, sendo uma delas a lei retroativa com base na qual o acusado estava
sendo julgado. A Lei nº 64 previa pena de morte a quem cometesse os tipos de
crimes pelos quais ele era acusado, provocando a polêmica quanto a possível
violação do princípio nullumcrimen, nullapoenasine lege, no qual se afirma que não
há crime nem pena sem lei. Entretanto, o fato mais criticado não residia, apenas, na
retroatividade da lei, mas também na sua adequação e aplicação a crimes antes
desconhecidos.
Hannah Arendt, em seu livro "Eichmann em Jerusalém", explica que a
violação do princípio é de caráter formal, já que descumpre um regramento deveras
importante de um processo. Entretanto, não viola substancialmente, tendo em vista
que a Corte carecia de uma lei para o julgamento ter o seu devido trâmite e poder
29Auschwitz
é o nome de uma rede de campos de concentração localizados no sul
da Polônia operados pelo Terceiro Reich nas áreas polonesas anexadas pela Alemanha Nazista,
maior símbolo do Holocausto.
30 Schutzstaffel (em português" Tropa de Proteção").
31Sicherheitsdienst (Serviço de Segurança em português), melhor conhecida por SD era o setor
primário do serviço de inteligência da Schutzstaffel e do Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores Alemães.
44
chegar a uma decisão. Sendo assim, a lei de 1950 foi a mais adequada, já que na
época, foi feita especialmente para indivíduos que praticaram crimes no período
Nazista. Eis, in verbis, um trecho de sua obra:
"...Sua retroatividade, pode-se acrescentar, viola apenas formalmente, não
substancialmente, o princípio de nullumcrimen, nullapoenasine lege, uma
vez que este se aplica significativamente apenas a atos conhecidos pelo
legislador; se um crime antes desconhecido, como o genocídio,
repentinamente aparece, a própria justiça exige julgamento segundo uma
nova lei; no caso Nuremberg, essa nova lei foi a Carta (o Acordo de Londres
de 1945); no caso de Israel, a Lei de 1950. (ARENDT, Hannah. Eichmann
em Jerusalém, um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de José
Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 276-277)
As respostas da Corte às primeiras objeções foram diretas, alegando que a
Lei que Eichmann havia sido julgado tem como precedente outros julgamentos do
pós-guerra ocorridos em tribunais nacionais europeus, visando a punição de
criminosos nazistas. Esses tribunais, assim como a Corte Distrital de Jerusalém,
tiveram por precedente os julgamentos de Nuremberg. A não aceitação dos
magistrados israelenses em relação à argumentação sobre a retroatividade da lei
baseou-se, por um lado, na evidência de que os nazistas tentaram dar fim às provas
de seus crimes quando sua derrota estava iminente e, por outro, no apelo de que a
Lei da Punição dos Nazistas e seus colaboradores fora extraída do coração das
regras que compõem a justiça natural e elementar32.
Por derradeiro, para muitos o Julgamento de Nuremberg pode ser
considerado um progresso do Direito Internacional, para outros (os revisionistas 33 e
neonazistas34) este não passou de um tribunal improvisado e arbitrário, onde
observou-se a negação de elementares postulados do Direito Penal tradicional.
H. Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Cia das
Letras, 2015, p. 299.
33A palavra “Revisionismo” deriva do Latim “revidere”, que significa ver novamente.
34 O neonazismo está associado ao resgate do nazismo, ideologia política propagada por Adolf Hitler,
a partir do começo da década de 1920.
32ARENDT,
45
6.1.2 O rapto
A fim de ser levado à Corte Distrital de Jerusalém para ser julgado pelos
crimes acusados durante o Terceiro Reich35, Adolf Eichmann foi raptado na
Argentina, onde vivia exilado, a mando do primeiro-ministro de Israel, pelo Mossad,36
em 11 de maio de 1960. O fato de usar um nome falso (Ricardo Klement) enquanto
viveu em Buenos Aires, o fez perder a tutela por parte da Argentina e Alemanha, já
que foi considerado apátrida de facto, perdendo seu direito à costumeira proteção
aos cidadãos alemães no exterior.
Outrossim, a Alemanha não aceitou o pedido feito por Eichmann para
extradição, alegando que ele não era um cidadão do país, o que mostra certa
irregularidade na decisão. Sua família em nenhum momento renunciou à cidadania
alemã quando se mudaram para a Áustria, dando o direito a Eichmann de ter suas
condições de cidadão. Segundo um trecho do livro "Eichmann em Jerusalém", de
Hannah Arendt:
"O dr.Servatius37 tinha pedido ao governo da Alemanha Ocidental que
extraditasse o acusado e, no caso de uma negativa, que pagasse as
despesas da defesa, e Bonn38 recusou, afirmando que Eichmann não era
cidadão alemão, o que era uma mentira patente. (ARENDT, Hannah.
Eichmann em Jerusalém, um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de
José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 46.)"
Esses aspectos do julgamento foram alvos de muitas críticas levantadas por
estudiosos, bem como questionamentos sobre tal afronta à lei internacional vigente,
surgindo dúvidas sobre a legalidade da Corte em processá-lo. Em 3 de agosto de
1960, foi pronunciada a declaração conjunta dos Estados de Israel e Argentina,
esclarecendo que resolviam dar por encerrado o incidente surgido com a captura de
35
Nome que se dá ao período do governo que se estabeleceu na Alemanha entre 1933 e 1945,
enquanto era liderada por Adolf Hitler e o Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores
(NSDAP).
36Polícia secreta de Israel.
37
38
Advogado de defesa.
Cidade alemã, situada no estado de Renânia.
46
Eichmann, sanando o argumento em que acusava uma desobediência por parte dos
governos.
6.1.3 “Crimes contra o povo judeu” e “Crimes contra a
humanidade”
Na época do seu julgamento, Adolf Eichmann foi acusado de ter praticado
"crimes contra o povo judeu", sendo essa imputação alvo de diversas críticas, já que
tal ato também é considerado por muitos "crimes contra a humanidade", tendo em
vista o grande número de mortes sem a motivação de uma guerra, a princípio. Por
conseguinte, a Corte Distrital de Jerusalém não seria legítima para pronunciar o
veredicto, sendo competência de uma corte de justiça que representasse a
humanidade.
Eichmann poderia ser julgado por expulsão, definido como o ato
administrativo que obriga o estrangeiro a sair do território, proibindo dele retornar,
sem entrega-lo às autoridades do outro Estado, e também pelo genocídio, crime
caracterizado pelo extermínio de uma população ou povo (condutas essas tipificadas
como crimes contra a humanidade).
No entanto, a Corte não interpretou o aniquilamento físico do povo judeu
como crimes internacionais, deixando em esquecimento, segundo vários críticos, as
sequelas perpetradas no povo judeu e em toda a história. Ademais, houve
argumentos contra Israel, afirmando que a Corte não teria levado em consideração a
diferença entre os crimes supracitados, pois se assim feito, teria julgado como
crimes contra a humanidade.
À vista disso, todas as questões colocadas não se tratam de defender
uma função retributiva pelo crime praticado, mas uma reflexão acerca do acontecido,
diante do passado e das consequências produzidas durante o tempo. É nesse
aspecto que segue o pensamento de Hannah Arendt, no seu livro "Eichmann em
Jerusalém", quando afirma que nenhuma punição possui – e jamais possuirá – o
poder para impedir a perpetração de novos crimes similares.
47
6.2 A DEFESA APRESENTADA PELA CORTE
6.2.1 Princípio da Jurisdição Universal
Finalmente, a Corte alegou em sua defesa o princípio da Jurisdição Universal.
Este princípio parte da concepção de que a jurisdição de um Estado existe sem nexo
necessário com o local onde a infração foi cometida, bem como com a nacionalidade
do autor e a ofensa propriamente dita.
A principal característica do princípio da universalidade diz respeito a sua
aplicação. Esta ocorre a partir de crimes onerosos para todos os Estados, ou seja,
que gerem um risco universal, além de se aplicar a crimes específicos.
Essa aplicação é reconhecida, verbia gratia, em casos de tráfico de escravos,
comércio de crianças, drogas perigosas e pirataria39. Em geral, trata-se de crimes
discutidos em acordos internacionais. Por conseguinte, como há um ônus universal,
o Estado pode invocar tal princípio para justificar o pedido de jurisdição sobre
determinada questão.
Outrossim, recentemente houve uma tendência de ampliação do princípio da
universalidade,estendendo sua área de atuação para além do âmbito dos interesses
acima referidos e legalmente protegidos, alcançando também crimes de guerra e
crimes contra a humanidade. Essa abrangência se dá sob o alicerce de que aquele
que comete crimes de guerra ou crimes contra a humanidade acaba por tornar-se
inimigo comum de toda a humanidade, podendo ser julgado por todos.
39
THE Nizkor Project: Remembering the Holocaust (Shoah): The Trial of Adolf Eichmann Defence
Submission 1 (Part 5 of 8). 2012. Disponível em: <http://www.nizkor.org/hweb/people/e/eichmannadolf/transcripts/Sessions/Defence-Submission-01-05.html>. Acessoem: 23 defevereirode 2016.
(TraduçãoNossa).
48
6.2.2 Princípio da Personalidade Passiva
Outro princípio levantado pela Corte Distrital de Jerusalém em sua defesa foi
o princípio da personalidade passiva. No direito internacional, temos os conceitos de
personalidade ativa e passiva.A título de conhecimento, apesar de não ter sido
utilizada pela Corte, a personalidade ativa consiste em permitir a punição do infrator
por um tribunal de seu próprio Estado de origem, em virtude de infrações cometidas
por ele no Exterior.
Por outro lado, o pilar sobre o qual a Corte fundou sua competência para o
julgamento foi o princípio da personalidade passiva, elucidando que um Estado tem
direito de reivindicar jurisdição sobre um estrangeiro, se este agredir um de seus
nacionais e tal agressão ocorrer no exterior, fora do território estatal. O princípio da
personalidade passiva também está sujeito a condições restritivas.
Desta feita, Israel invocou tal princípio sob a alegação de que Eichmann
atingira diretamente seus nacionais, mesmo que os atos compelidos por ele não
tenham sido diretamente no território Israelense.
O argumento basilar desse princípio é o fato de Israel se declarar “lar
internacional do povo judeu”. O ponto legal da relação com o princípio da
personalidade passiva pode ser encontrado na Declaração de Independência de 14
de maio de 1948, bem como no art. 3º do Projeto de Constituição do Estado de
Israel, no qual o país é chamado de "lar nacional do povo judeu"40.
Outro ponto argumentado pela Corte israelense consiste no documento
assinado em 10 de setembro de 1952, em conjunto com a República Federal da
Alemanha, a qual pertencia o acusado. O documento, conhecido como o Acordo de
Reparações, reconhecia Israel como representante de todo o “Povo Judeu”, isto é, o
total de pessoas pertencentes à raça judia. Dessa forma, conclui-se que, como
representante de tal povo e em virtude de a nacionalidade das “vítimas” estar ligada
40
THE Nizkor Project: Remembering the Holocaust (Shoah): The Trial of Adolf Eichmann Defence
Submission 1 (Part 5 of 8). 2012. Disponível em: <http://www.nizkor.org/hweb/people/e/eichmannadolf/transcripts/Sessions/Defence-Submission-01-05.html>.
Acesso
em:
23
fev.
2016.
(TraduçãoNossa).
49
ao Estado judeu, a fundamentação da Corte aferiu que só Israel teria o direito de
falar em seus nomes e, levando o acusado a julgamento.
Israel tem o direito de representar os judeus que não têm nacionalidade ou
que foram vítimas de opressão nazista - uma reivindicação que tem sido
reconhecido pela República Federal da Alemanha (Acordo entre Israel e a
República Federal da Alemanha, 10 de setembro 1952)41.
Em oposição a tais ideias, a perspectiva internacional não atribui a Israel a
qualidade de representante de “todos os judeus, independentemente de sua
nacionalidade”. Contudo, confere representatividade apenas no que tange os
cidadãos de Israel.
Ademais, outra crítica levantada aos argumentos da Corte, no que se refere
ao princípio da personalidade passiva, é que os crimes atribuídos a Eichmann foram
cometidos no período do Reich, quando ainda não existia o Estado de Israel. À vista
disso, a personalidade passiva, como motivo legal por si só, não teria fundamento,
pois que inexistem infrações ao Estado de Israel, em virtude da inexistência deste.
6.2.3 Princípio Territorial
Este princípio configura-se na noção de que o território é um elemento
fundamental na determinação da personalidade jurídica de um Estado perante os
demais estados, no âmbito internacional. A territorialidade permite tanto sua
localização geográfica na ordem internacional, o que garante sua identificação com
relação aos outros sujeitos estatais, quanto permite ao Estado um direito de agir em
razão de sua mera existência.42 É a partir dessa base delimitada que o Estado
exerce seu poder com vistas a dirigir o grupo social, a fim de assegurar a eficácia do
poder e a estabilidade da ordem.43
41
ALEMANHA. BUNDESGESETZBLATT JAHRGANG. . Convention on the Rights of Persons with
Disabilities. 2008. Disponível em: <http://www.un.org/depts/german/uebereinkommen/ar61106dbgbl.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2016
42BICHARA, Jahyr-philippe. DIREITO INTERNACIONAL. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 394.
43BENICIO,
Claudiana. A COMPETÊNCIA JURISDICIONAL DO TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL FACE AO PRINCÍPIO DA SOBERANIA. 2013. Disponível em:
<https://juridicocorrespondentes.com.br/adv/claudianabenicio/artigos/a-competencia-jurisdicional-dotribunal-penal-internacional-face-ao-principio-da-soberania-145>. Acesso em: 24 fev. 2016.
50
Pormenorizando, a competência territorial possui duas características
clássicas: a sua plenitude e a exclusividade. Plenitude diz respeito à independência
quanto à parte do globo que abrange seu território, tendo o direito de nela exercer,
excluído de qualquer outro Estado, as funções estatais44. Nesse território específico,
o Estado pode adotar atos de qualquer natureza, seja constitucional, legislativa ou
administrativa. Tal posicionamento é defendido pelo Magistrado Max Huber, célebre
no caso da Ilha de Palmas (1928), que aponta tais funções estatais como
“potencialmente ilimitadas”45.
No tocante à exclusividade, o princípio territorial aponta que o Estado é
soberano sobre seu território e que essa soberania é exclusiva, impedindo que outro
exerça o mínimo ato de autoridade no território daquele. A Corte Internacional de
Justiça, no ano de 1949, no caso do estreito de Corfu, que opôs a Grã-Bretanha à
Albânia, confirmou o ponto de vista de que “entre Estados independentes o respeito
da soberania territorial é uma das bases essenciais das relações internacionais”
Isto posto, a regulamentação de um Estado estrangeiro, via de regra, não é
aplicável a outro Estado. Em regra geral, aplica-se o princípio que as leis nacionais
não possuem efeito extraterritorial, indicando que a sua validade esbarra no limite do
território sobre o qual o Estado exerce sua jurisdição e suas competências.
A partir desse contexto de territorialidade no direito internacional, em 1960, o
Mossad, serviço secreto do governo de Israel, raptou Adolf Eichmann em solo
argentino e o conduziu até Israel, para ser julgado pela Corte Distrital de Jerusalém.
Em contraponto a tal rapto, a Argentina protestou perante o CSNU contra a violação
de sua soberania internacional pelos agentes israelenses, com base no princípio da
territorialidade acima exposto.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas emitiu a Resolução de número
138, aprovada em 23 de junho de 1960, com 8 votos e duas abstenções, declarando
que tal ato, se repetido, pode colocar em risco a paz e a segurança internacional, de
forma que Israel deveria fazer a reparação adequada, em conformidade com a Carta
das Nações Unidas e as regras do direito internacional.
44BICHARA,
45BICHARA,
Jahyr-philippe. DIREITO INTERNACIONAL. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p.397.
Jahyr-philippe. DIREITO INTERNACIONAL. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 397.
51
Em contrapartida, o argumento explicitado pelo Estado de Israel para
fundamentar a competência da Corte Distrital ao julgar o caso Eichmann parte da
interpretação do princípio da territorialidade em concomitância com os princípios da
personalidade passiva e o princípio da jurisdição universal, sob a ótica das violações
dos direitos humanos cometidas pelo nazista. Quanto ao rapto do acusado, Israel
defendeu-se alegando que o assunto foi além da competência do Conselho e deve
ser resolvido, em vez disso, através de negociações bilaterais diretas com a
Argentina. Nada obstante, Eichmann não foi devolvido ao país latino, que optou por
não proceder com a altercação.
A interpretação feita pelo Estado de Israel com relação a esse princípio tem
origem na noção de que território é um conceito político e legal, não apenas um
termo geográfico. Assim, a abrangência do território remete não somente aos
aspectos físicos e geográficos, mas também diz respeito aos indivíduos e suas
relações. Logo, o conceito de território estaria ligado a todos os tipos de relações,
baseadas em língua comum, religião, história, costumes e leis. É crível que, para
eles, são as relações que constituem o território, não o espaço geográfico.
52
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao simular a Corte Distrital de Jerusalém, as tarefas desempenhadas pelos
participantes do comitê serão o mais fidedigno possível condizendo com a realidade
do Tribunal: os Juízes, Representantes do Estado de Israel e Advogados de
defesaexercerão suas funções de acordo com a prática da própria Corte, agindo em
respeito ao seu Estatuto.
Como já explanado no decorrer do presente texto, o Guia de Estudos se
caracteriza como uma apresentação do órgão jurisdicional e do caso a ser simulado,
norteando a pesquisa dos participantes, que não devem ficar restritos a este – tendo
em vista que nenhuma referência ou menção ao mesmo poderá ser feita durante a
simulação, em respeito à verossimilhança da mesma. O julgamento seguirá regras
próprias
estabelecidas
no
Regulamento
da
Corte
a
ser
disponibilizado
posteriormente pela Diretoria deste Comitê, em momento oportuno. Toda
comunicação dos participantes deverá ser realizada através do contato direto com
seus respectivos mentores.
Uma vez recebida a confirmação de participação na Corte Distrital, cada
participante receberá as instruções necessárias à sua atuação na simulação, de
acordo com a designação do papel a ser desempenhado pelos mentores. Os
mentores são diretores do próprio comitê designados de modo a auxiliar na
construção das estratégias de litígio e nos demais esclarecimentos necessários para
a preparação dos participantes.
À vista disso, espera-se que a Corte Distrital de Jerusalém marque a história
da UniSimde forma positiva e que as atividades logrem os melhores resultados
possíveis, marcados pela excelência.
53
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WILLIAMSON, G. A polícia secreta de Hitler: A formação da SS e seu papel na
Alemanha nazista. Ed. Escala. 2009.
58
ANEXO A – ORGANIZAÇÕES PARAMILITARES DO TERCEIRO REICH
A Sturmabteilung ou SA (Tropas de Assalto) formou-se durante a ascensão
do Partido Nazista, a fim de proteger seus oradores, após a criação de uma espécie
de seção de Esportes e Ginástica no partido, na qual estavam presentes seus
membros mais firmes a agressivos. Esses membros viriam a ser os seguranças dos
oradores, formando o núcleo inicial das tropas de assalto que tanto atraíam exsoldados da I Guerra Mundial.
Como muitos componentes da SA eram soldados das Freikorps 46,
acostumados a dedicar sua lealdade pessoal apenas ao comandante da unidade,
ainda que Hitler estivesse na liderança do partido e, consequentemente, da SA,
havia um receio quanto à dedicação incondicional desses recrutas. Sendo assim, o
Führer decidiu, em maio de 1923, montar uma guarda especial que garantisse a sua
proteção e segurança, recrutando membros confiáveis da SA, que pudessem
oferecer sua lealdade inquestionável. Nascia, assim, a SchutzStaffel (Esquadra de
Proteção), doravante SS.
A SS foi composta inicialmente por apenas oito homens, apresentando um
aumento dos seus recrutas de forma desenfreada47 somente após a purgação dos
elementos indesejáveis da SA (Tropas de Assalto), tendo como principal executado
o seu comandante Ernst Röhm. Os homens da SS eram selecionados com base
numa série de critérios, conforme relata Gordon Williamson:
[...] somente aqueles com hábitos sóbrios, entre 25 e 35 anos, de boa
reputação, sem registros criminais, com boa saúde e físico robusto seriam
levados em consideração. Mais importante, porém, é que cada recruta da
SS deveria prestar sua lealdade incondicional não ao Partido Nazista, mas
pessoalmente a Adolf Hitler. (WILLIAMSON, G. A polícia secreta de Hitler.
Vol. 1. São Paulo: Ed. Escala, p. 22, 2009)
É importante ressaltar que, a princípio, a SS estava sob o comando da SA,
porém ainda havia um certo conflito entre os dois grupos. Os soldados da SA eram
ressentidos pelo elitismo atribuído à SS, ao passo que os membros desta última
46Freikorps
eram grupos paramilitares que surgiram em toda a Alemanha, logo após a derrota da I
Guerra Mundial. Grande parte dos seus componentes eram veteranos da guerra inconformados com
o retorno à vida civil.
47 Estima-se que, até o fim de 1933, a SS possuía mais de 200 mil membros.
59
eram descontentes pelo tratamento indiferente que recebiam dos comandantes
supremos da primeira.
O crescimento da SS se deu principalmente sob o comando de Heinrich
Himmler, que se filiou ao Partido Nazista por indicação de Ernst Röhm, em 1923.
Quando Heiden se afastou do comando da SS em 1929, Himmler foi indicado ao
cargo de Reichsführer-SS, tornando o seu destino e o desenvolvimento da Esquadra
de Proteção intrinsecamente ligados.
Em virtude de seu interesse pelas lendas medievais de cavalaria teutônica,
Himmler possuía uma visão romântica da história das raças germânicas, fazendo
com que tal crença influenciasse até mesmo nas regras de aceitação da SS. Era
exigido, por exemplo, que todo eventual membro comprovasse sua linhagem,
remontando a mais de três gerações, a fim de que ficasse provada a sua raça
ariana. Somente o melhor do puro sangue alemão era aceito. Além disso, as antigas
runas eram amplamente utilizadas pela SS em sua heráldica particular.
No final de 1930, o trabalho de Himmler começou a surtir efeitos e Hitler
tornou a SS independente da SA. Agora os grupos paramilitares não estavam numa
relação de hierarquia, mas sim num status de igualdade. Conforme Williamson, a SS
recebeu “seus uniformes formais, incluindo quepe preto adornado com uma caveira,
calças pretas, gravata preta e braçadeira preta com a suástica.” Desse modo,
ostentavam mais uma diferença para com as tropas de assalto, que vestiam camisas
pardas em seu uniforme.
Agravando ainda mais o conflito entre os dois grupos, o alto índice de
desemprego na Alemanha fez com que muitos homens encontrassem seus objetivos
na SA, incluindo-se aí os criminosos, que acabaram transformando a polícia num
grupo extremamente indisciplinado e corrupto, porém poderoso. Enquanto a SA era
desleal, a SS havia se mostrado leal e confiável. Como recompensa, esta foi eleita o
principal órgão de segurança do Partido Nazista.
Além de Himmler, entre os recrutas selecionados para a SS, estava Reinhard
Heydrich, um ex-oficial da marinha que impressionou seu superior com a
apresentação de um plano para o serviço de segurança do Estado. A partir daí,
nascia o serviço de segurança e inteligência da SS, a Sicherheitsdienst (SD), cuja
espionagem estendia os tentáculos da SS em cada segmento da vida dos alemães.
60
A lealdade devotada à Hitler pelos membros da SS não era à toa. O lema do
grupo era “Minha honra se chama lealdade” e estava gravado na adaga que fazia
parte da mística impregnada por Himmler. Ademais, isso também era demonstrado
no juramento da SS, feito após o treinamento militar básico, sempre no dia 20 de
abril, aniversário de Hitler. Eis os dizeres:
Juro ao senhor, Adolf Hitler
Como Führer e Chanceler do
Reich Alemão
Lealdade e coragem,
Faço um voto ao senhor e a meus superiores
Que o senhor designar
Obediência até a morte.
Por isso peço que Deus me ajude.
(WILLIAMSON, G. A polícia secreta de Hitler. Vol. 1. São Paulo: Ed. Escala,
p. 34, 2009)
Em 5 de junho de 1934, devido aos conflitos e à desconfiança de Hitler
quanto a SA, o Führer convocou Röhm para uma longa conferência, deixando-o
ciente de que a SA estava dispensada. Enquanto isso, o líder do Partido Nazista,
juntamente com Himmler, Heydrich, Göring, Lutze, entre outros, elencaram todos os
líderes da SA que deveriam ser executados, dia que ficou conhecido como “Noite
das Facas Longas”, culminando com a morte de Ernst Röhm com um tiro na cabeça.
Em consequência dessas execuções, a SS consolidou o seu poder, tornandose o exército particular do Partido Nazista, com seus milhares de adeptos treinados
e selecionados com base nos traços da raça ariana, também conhecidos como
“soldados da destruição”.