Gestão pública na contenção do avanço do mar CURSO DE

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Gestão pública na contenção do avanço do mar CURSO DE
Gestão pública na contenção do avanço do mar
CURSO DE ADMINISTRAÇÃO
GEYZA PAULA RODRIGUES DO AMARAL
GESTÃO PÚBLICA NA CONTENÇÃO
DO AVANÇO DO MAR
RECIFE
2010
GEYZA PAULA RODRIGUES DO AMARAL
GESTÃO PÚBLICA NA CONTENÇÃO DO AVANÇO DO MAR
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Administração, da
Faculdade São Miguel, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Administração.
ORIENTADORA
MARIA LÚCIA FREIRE DA CUNHA
RECIFE
2010
Trabalho julgado adequado e aprovado com conceito A em 23 / 02 / 2011.
Banca Examinadora
___________________________________________________
Marco Antônio Araújo – Faculdade São Miguel
___________________________________________________
Valéria Cristina de Andrade Barros – Faculdade São Miguel
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À minha família, ao corpo docente da Faculdade São Miguel, a professora Maria Lúcia Freire da Cunha, e, em especial, ao meu marido,
pois sem eles não seria possível realizar o presente estudo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, à minha família e aos professores da Faculdade São Miguel
do curso de administração com habilitação em Comércio Exterior.
RESUMO
Este projeto tem por finalidade estudar as causas do avanço do mar na área
costeira da Região Metropolitana do Recife, pesquisar os principais estudos
sobre o assunto e os prejuízos causados por este fenômeno de origem mista,
natural e antropogênica. Além disso, o estudo visa discutir o papel do gestor
público na gestão e contenção do avanço do mar, através do estudo da legislação vigente, bem como as medidas necessárias para a correção do danos
oriundos do mesmo. Trata-se de um estudo bibliográfico que teve origem na
constatação das transformações existentes na faixa litorânea do Estado, bem
como na iminência de grandes mudanças ambientais das cidades que a compõem.
Palavras-Chave
Avanço do mar. Danos. Gestor Público. Contenção. Região Metropolitana do
Recife.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................31
1. As Causas do Avanço do Mar.............................................................33
1.1. O Aquecimento Global....................................................................33
1.2. Construções em Áreas Costeiras......................................................35
2. Consequências do Avanço do Mar na Região Metropolitana do Recife......36
3. Responsabilidade do GestorPúblico na Gestão e Contenção do avanço
do mar...............................................................................................38
3.1. A Constituição Federal e o Meio Ambiente.........................................39
3.2. A Constituição Estadual...................................................................40
3.3. Código Ambiental da Cidade do Recife..............................................41
3.4. O Ministério Público e o Monitoramento Ambiental.............................42
3.5. O Gestor Público e o Meio Ambiente.................................................42
4. Medidas de Contenção do Avanço do Mar............................................43
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INTRODUÇÃO
O mar bate à porta. O avanço do mar é, hoje, uma realidade em muitas
cidades costeiras do mundo. O descaso com o meio ambiente vem mudando
ao longo dos anos o comportamento dos oceanos. Mapas estão sendo alterados. Ruas, cidades, ilhas e até países inteiros ameaçam desaparecer. A proteção e recuperação das áreas litorâneas são hoje uma preocupação em escala
mundial, tendo como objetivo a recuperação do perfil natural da praia, impedir
o recuo da linha de costa marítima e restabelecer a morfologia original.
As mudanças climáticas são fenômenos oriundos da dinâmica de nosso
planeta. Elas acompanham toda a história geológica da terra. De acordo com
Miller (2007) durante os últimos 4,7 bilhões de anos, o clima vem sendo modificado por fenômenos naturais, tais como: emissões vulcânicas, mudanças na
intensidade solar, movimento dos continentes em função do deslocamento das
placas tectônicas, choque com meteoros entre outros fatores.
A produção dos gases do efeito estufa é outro destes fenômenos naturais, que tem por função manter o planeta aquecido. Segundo Miller (2007), a
temperatura média da troposfera passou por longos períodos de resfriamento
e aquecimento durante os últimos 900 mil anos. Contudo, a participação do
homem neste processo provoca o aumento destes gases na atmosfera, que
ficam retidos nesta região, causando uma gradual elevação da temperatura no
globo terrestre (SIMOM, 1992). Essa emissão vem se intensificando desde a
época da revolução industrial. A queima excessiva de combustíveis fósseis produzem o dióxido de carbonico (CO2), o óxido nitroso (N2O), o metano (CH4)
e os clorofluorcarbonetos (CFC’s). Estes são os gases do efeito estufa (SANTILLI, 2007). Aliados a produção indiscriminada destes gases está o consumo
desenfreado dos meios naturais e a produção excessiva de lixo. Estes fatores
fazem com que a temperatura do planeta aumente desproporcionalmente. É o
chamado aquecimento global. Este aquecimento vem derretendo a camada de
gelo dos polos, elevando o nível dos oceanos, fazendo com que estes avancem
sobre a costa. A camada de gelo também é responsável por refletir parte dos
raios solares. Com o derretimento, a superfície refletora diminui a cada dia.
Consequentemente a capacidade de refração do calor solar também diminui
o que contribui para o aumento da temperatura dos oceanos, causando mais
derretimento e consequentemente a elevação do nível dos oceanos.
Em face da iminente necessidade de modificação do comportamento
humano, a preocupação com a educação ambiental passou a ser objeto de discussão dos líderes mundiais na Conferência da Organização das Nações Unidas
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CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................46
REFERÊNCIAS......................................................................................47
ANEXOS..............................................................................................48
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(ONU), realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972, resultando na criação do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Promovido pela
Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (UNESCO),
em Belgrado na Iugoslávia, durante o Encontro Internacional de Educação Ambiental, criou-se o Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA), que
tem por base a Educação Ambiental continuada e multidisciplinar, integrada às
diferenças regionais e voltada aos interesses nacionais.
O gestor público tem papel de elevada relevância nessas agressões à
natureza, por permitir que aconteçam em detrimento do bem estar geral da
população, bem como no processo de recuperação dos danos. A abolição de
velhos hábitos que impactam o meio ambiente, como por exemplo; a pesca
predatória e o desmatamento, abolir tais hábitos se faz necessário. Grandes
países, como EUA, evitam comprometer-se com o desenvolvimento sustentável, negando-se a assinar acordos a nível mundial para a redução da poluição, como o Tratado Internacional do Protocolo de Quioto, com compromissos rígidos para a redução da emissão dos gases que agravam o efeito estufa,
considerados, de acordo com a maioria das investigações científicas, como
causa antropogênica do aquecimento global. O protocolo também prevê outras ações que buscam a preservação e a recuperação dos ambientes nativos.
O comportamento destas Nações se dá por motivações economicas, já que o
cumprimento destas medidas afetam diretamente a produção industrial destes
países, grandes consumidores de combustível fóssil.
Além de contribuir com o aumento da temperatura, os seres humanos
também constroem de maneira desmedida nas regiões litorâneas. São construções de infraestrutura como portos e rodovias, além de moradias, que
estão cada vez mais próximas do mar, invadindo a faixa de praia que é responsável por amortecer o impacto das ondas. Assim, toda a energia do impacto
das ondas que seria absorvida pela areia, é direcionada para as construções na
orla, causando destruição e prejuízos.
No Brasil, cuja exploração dos recursos ambientais dá-se desde a ocupação, as ações de degradação do meio ambiente se intensificaram nestes
510 anos. Áreas enormes de florestas são desmatadas para a plantação de
pasto. Grandes biomas já estão praticamente extintos, como a Mata Atlântica.
Além disso, existe o desrespeito à condição dinâmica dos oceanos, através de
construções muito próximas à área de praia. São moradias, estradas e áreas
públicas voltadas ao lazer, como calçadões e quadras, que constituem uma
agressão permanente e externa a falta de conhecimento, preocupação e respeito à natureza.
Novamente o papel do gestor público é posto à prova. O planejamento
consciente, visando a realização de obras de infraestrutura, aplicando-se preferencialmente soluções com emprego de tecnologias pouco agressivas e de reduzido impacto, bem como a criação e aplicação de leis que inibam construções
próximas as áreas de praia e o desenvolvimento de uma cultura voltada a
proteção ambiental, através de programas educacionais e a inclusão deste
assunto em matérias escolares do ensino público e privado, são medidas que
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1.
1.1.
As Causas do Avanço do Mar
O Aquecimento Global
O Sol é a fonte primária de energia da Terra. Ele emite uma radiação
eletromagnética conhecida como radiação de ondas curtas (ROC). A maior
parte dessa radiação passa pela atmosfera e a superfície terrestre absorve
grande parte dela, se aquecendo. Segundo a lei de Stefan-Boltzmann, um
corpo aquecido emite radiação infravermelha térmica proporcionalmente a
quarta potencia de sua temperatura absoluta. Essa radiação é conhecida como
radiação de ondas longas (ROL). A superfície do planeta aquecida emite a ROL
em direção à atmosfera. Parte da radiação, então, é absorvida pelos gases
constituintes como o dióxido de carbônico (CO2), o óxido nitroso (N2O), o
metano (CH4) e os clorofluorcarbonetos (CFCs), que por sua vez emitem a ROL
novamente à superfície criando o efeito estufa. Essa condição permite que, na
superfície, a temperatura média seja de 15º C. Caso contrário, a temperatura
média seria de 18º C negativos, o que inviabilizaria a vida no planeta como a
conhecemos. Contudo o efeito estufa cria uma condição bem simples: quanto
maior for a quantidade destes gases presentes na atmosfera, maior será o
“aprisionamento” da radiação de ondas longas (ROL) e por consequência, mais
alta será a temperatura do planeta.
Essa característica de equilíbrio no efeito estufa vinha se mantendo em
condições normais até a revolução industrial. Nesta época passou-se a consumir combustíveis fósseis para as mais diversas finalidades. A queima desses
combustíveis resulta na produção do gás de maior influência sobre o efeito
estufa, o dióxido de carbono (CO2). A produção de CO2 nos últimos 150 anos
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fazem parte de uma extensa lista de ações que devem ser empregadas pelo
gestor público.
A Região Metropolitana do Recife, composta pelos municípios de Recife,
Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista, convive com a ação direta do mar.
Na região de Jaboatão dos Guararapes, a água já compromete a estrutura dos
edifícios. Em Recife, em épocas de chuva os poços dos elevadores de alguns
prédios da Avenida Boa Viagem ficam cheios de água em função do aumento
do nível do mar. Em Olinda boa parte da orla é protegida por barreiras de pedras na tentativa de que a via não seja tomada pelo mar. Em Paulista, mais
especificamente em Pau Amarelo, o mar já ameaça as construções feitas entre
o forte e a praia. Estas modificações trazem dificuldades para as populações
diretamente atingidas.
Qual a responsabilidade do Gestor Público na geração e contenção do
avanço do mar na orla marítima do Recife? Que mudanças devem ser feitas?
Essa é uma temática das mais preocupantes para a população local. A iminência de grandes modificações nestas áreas motivou a produção dessa pesquisa.
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aumentou em cerca de 35%, o que causou um aumento da temperatura média em torno de 0,7º C. Contudo não podemos apenas realçar a face negativa
deste evento histórico, escondendo os benefícios que produziu. Outras ações
humanas também foram responsáveis por desequilíbrios ecológicos e trouxeram, quase na mesma proporção, vantagens e prejuízos.
Segundo Marcovitch (2006), a Junta Coordenadora da Avaliação Ecossistêmica do Milênio, em seu relatório Vivendo além dos Nossos Meios, divulgado em maio de 2005, destaca duas mensagens-chave que ilustram esses
efeitos ambivalentes:
[...] Os seres humanos causaram alterações sem precedentes nos ecossistemas nas últimas décadas, para atender a crescentes demandas por
alimentos, água, fibras e energia. [...] Estas alterações ajudaram a melhorar a vida de bilhões de pessoas, mas, ao mesmo tempo, enfraqueceram
a capacidade da natureza de prover outros serviços fundamentais, como
a purificação do ar e da água, proteção contra catástrofes naturais (ONU,
2005 apud MARCOVITCH, 2006 p. 30).
O desmatamento e as queimadas também colaboram para o aquecimento. A natureza mantém um ciclo que alterna quantidades de carbono em
oceanos, plantas, terra e atmosfera. Além de absorver o dióxido de carbono
durante a fotossíntese, o que diminui a incidência deste gás na atmosfera, a
cobertura vegetal do planeta também é responsável por diminuir a reflexão e
a absorção do calor. Portanto, em áreas devastadas, as radiações atingem diretamente o solo irradiando mais calor para a atmosfera.
Ainda, segundo Marcovitch (2006), o que se combate é a intensificação artificial do estoque de gases por emissões resultantes de um desenvolvimento não
sustentável.
O NASA Goddard Space Flight Center (Estados Unidos), em pesquisa
liderada pelo cientista chefe James Hansen, comprovou recentemente a hipótese de que o nosso planeta recebe do Sol mais calor do que pode emitir para
o espaço. Ficou evidenciado que o excesso de gases de efeito estufa na atmosfera, em decorrência de atividades humanas, responde por este desequilíbrio,
que pode ocasionar um aumento do nível do mar ainda neste século. Seriam
afetadas cidades costeiras, como o Rio de Janeiro, e estiagens prolongadas
multiplicariam secas e doenças tropicais. (MARCHOVITCH, 2006, p. 35).
Com o aumento da temperatura, uma das principais consequências é o
derretimento das calotas polares. As calotas polares são formações constituídas de gelo sob áreas de terra em ambos os polos. Estas geleiras são o maior
reservatório de água doce do planeta e perde em volume total de água apenas
para os oceanos. Com o derretimento, parte deste estoque de água doce, item
cada vez mais raro, é despejado nos mares. Além disso, este calor enfraquece
as grandes geleiras criando rachaduras e, por conseguinte a quebra do gelo
que vem se desprendendo das grandes geleiras e caindo nos oceanos. A estes
enormes pedaços de gelo, alguns maiores que grandes edifícios, dá-se o nome
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1.2. Construções em Áreas Costeiras
Outro fator de importante e direta influência sobre o avanço do mar são
as construções em áreas costeiras. Com o crescimento populacional e o desenvolvimento econômico, a necessidade da construção de obras de infraestrutura
torna-se ainda mais evidente. Contudo, por diversas vezes, o impacto ambiental originado por estas obras é negligenciado em seus projetos. O resultado
são mudanças na maneira como a natureza interage com o homem.
Os alertas dos pesquisadores são tratados por uns como “visões românticas de ecólogos sonhadores” e por outros como pessimismo ou “intriga da
oposição” fazendo com que a real importância do estudo dos impactos ambientais causados por estas mega obras sejam subestimadas.
Especificamente na Região Metropolitana do Recife, a influência da construção do Porto de Recife e do Porto de Suape é evidente. O molhe do Porto
de Recife, estrutura construída para proteger o porto dos ventos, causou a
alteração do fluxo das correntes e da areia por ela arrastada, imprimindo velocidade exagerada a essas correntes, que vieram a se chocar contra os bairros
costeiros de Olinda.
A construção do Porto de Suape já começa a alterar a paisagem. Lá o
problema é novo, teve início a aproximadamente seis anos. Na praia de Suape,
a erosão já fez com que alguns moradores, cerca de 150 pescadores da região,
tivessem que recuar suas casas.
Os problemas decorrentes do avanço do mar devem agravar-se caso
nenhuma providência seja tomada. A tendência da erosão é atingir as praias
próximas do Porto de Suape. Podendo, em um futuro próximo, chegar às praias
da Região Metropolitana do Recife.
O avanço do mar na Praia de Suape é causado pela construção do Complexo Industrial Portuário local. Uma série de obras já prontas como o molhe
do porto, o aterro de mangues e o aterro de dois rios que desaguavam na área
do complexo, provocou profundas mudanças do meio ambiente, causando a
erosão.
Além destas mega obras, existem as obras pontuais de infraestrutura,
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de Icebergs, que para flutuarem deslocam um volume de água igual ao próprio peso. Em função dessa quantidade de água e gelo que se incorporam aos
oceanos ocorre o aumento do nível do mar. De acordo com o EPA (Agência de
Proteção Ambiental dos EUA), o nível do mar elevou-se em cerca de 15 a 20
centímetros.
Contudo existe outro sintoma do aumento da temperatura terrestre que
pode estar influenciando o nível dos mares: a elevação da temperatura da
água nos oceanos. A água atinge sua densidade máxima à temperatura de 4º
Celsius. Acima desta temperatura a densidade da água diminui, o que significa
que o mesmo peso de água passa a ocupar um espaço maior. Portanto, conforme a temperatura média da água aumenta, ela, naturalmente, se expande
elevando o nível dos mares.
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tais como calçadões, ciclovias e avenidas que aprisionam o estoque de areia
das praias, engessando a área costeira. Sendo assim, quando o mar avança
em função do aumento do nível dos oceanos, ele não encontra mais a areia da
praia para amortecer o impacto das ondas
Segundo a ECOGEO (2003), empresa de consultoria geoambiental, no
Estudo de Impacto Ambiental das Obras de Proteção à Praia de Boa Viagem,
encomendado pela Companhia Pernambucana de Meio Ambiente (CPRH), as
construções destas obras de contenção não devem ser apenas pontuais e
emergenciais, pois assim, não conseguiriam erradicar o problema. Muito pelo
contrário, podem apenas transferir os impactos causados pelo avanço do mar
para as praias nas extremidades da contemplada pela construção. Muitas destas obras não produzem areia para a manutenção da largura da praia e assim
exercer uma efetiva proteção da costa; elas simplesmente redistribuem a areia
disponível no sistema. Portanto a engorda de uma faixa de praia é compensada
pela erosão em outra a menos que areia adicional seja introduzida na área do
projeto.
Além das obras de infraestrutura, um outro tipo de construção contribui
sobremaneira para a diminuição da área de praia e consequentemente com o
avanço do mar. Segundo a reportagem do Fantástico (2010) o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), afirma que um em cada quatro brasileiros vive no litoral. Ao todo são quarenta e cinco milhões de pessoas. Os
resultados preliminares de um estudo da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) mostraram que o estado tem a maior concentração demográfica do litoral brasileiro. São 924 habitantes por quilômetro quadrado. Com a economia
do país em alta e o acesso da classe C a financiamentos mais baratos de imóveis a tendência é de que esse número cresça. Estas moradias isoladamente
não possuem o vulto de uma obra estrutural, o que dificulta a correta fiscalização por parte dos gestores públicos. Sendo assim, muitas são construídas de
maneira irregular, e em conjunto, afetam drasticamente o ambiente onde se
encontram situadas.
A pesquisa da UFPE revela ainda que a ocupação de áreas de praia na
Região Metropolitana do Recife é a principal causa da erosão costeira. Portanto
a ação do homem tem prejudicado a capacidade natural das praias de se adaptar e de se acomodar na medida em que é indisponibilizado o acesso do mar
aos estoques de areia das praias.
2.
Consequências do Avanço do Mar na Região Metropolitana do
Recife
A Região Metropolitana do Recife é uma das áreas mais vulneráveis ao
avanço do mar no litoral brasileiro. Mais de 82% das casas, prédios e construções ficam a menos de 30 metros da faixa litorânea. Além disso, as cidades
que compõem a região, Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista,
possuem um fator de risco a mais que é a sua posição geográfica, situadas a
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apenas quatro metros acima do nível do mar, todas, banhadas por rios.
Em Olinda o impacto do avanço do mar é evidente. Os primeiros estragos
começaram a aparecer em 1925 quando quarteirões inteiros de bairros como
Milagres, Farol, Carmo e São Francisco foram tragados pelo mar. Muitos dos
terrenos de marinha nem existem mais na cidade. Com os constantes avanços do mar essa faixa foi invadida e encontra-se hoje a aproximadamente 500
metros da praia, no fundo do mar. Boa parte da orla necessita da proteção dos
diques de pedra, conhecidos como quebra mar. Na praia dos milagres, o mar
já derrubou uma série de moradias, além de uma avenida. O prejuízo para os
moradores da região é grande. A cidade perdeu cerca de 59% de sua faixa de
praia, o que influenciou, inclusive, a forma como é trabalhado o apelo turístico
da cidade, que hoje, é quase que totalmente voltado à questão cultural. Para
uma cidade onde o turismo é a principal atividade econômica, perder outra
forma de explorá-lo é altamente prejudicial.
Na Praia do Janga, em Paulista, há trechos de rua que estão comprometidos. Os buracos nas calçadas abertos pela erosão são um perigo para
quem passa. Parte do calçadão foi completamente destruído. A faixa de areia
diminuiu, e por consequência, as opções de lazer também, espantando os turistas. Em frente ao Forte de Pau Amarelo, a faixa de areia vem sendo reduzida
e o mar já destruiu bares inteiros. Cansados de esperar pelo poder público, os
comerciantes da área começaram a fazer barreiras improvisadas com troncos
de coqueiros, dificultando o acesso aos bares. Isto faz com que os comerciantes amarguem prejuízos, influenciando a economia local.
Em Jaboatão dos Guararapes muitos moradores perderam as entradas
principais de seus edifícios, restando apenas a entrada da rua de trás. Na praia
de Piedade a faixa de areia foi praticamente extinta. Hoje em seu lugar existem paredões de rochas, medidas paliativas que em muitos casos só agravam
o problema. A prefeitura já decretou situação de emergência neste trecho,
onde seis edifícios já sofreram avarias. Em um deles, o Ancoradouro, o muro
de proteção foi derrubado e parte da piscina cedeu. O avanço do mar já derrubou quarenta metros do muro do Conjunto Residencial Candeias I e está na
iminência de fazer o mesmo com diversos outros edifícios. A maioria dos prédios fazem obras de proteção por conta própria, como colocação de manilhas
de concreto na base dos muros. Esse custo obviamente é repartido entre os
condôminos. Tal condição vem criando um fenômeno indesejado, na medida
em que o mar avança o valor dos imóveis recua.
Em Recife o prejuízo pode ser dramático. Do ponto de vista da perda
de riqueza patrimonial, o caso de Recife é alarmante. Há um grande nível de
verticalização nas construções encontradas na zona sul. A densidade populacional é enorme. Segundo ele, houve uma ocupação irregular na localidade,
com o aterramento de mangues que são áreas muito baixas em relação ao
nível do mar. Essa condição facilitaria o acesso do mar à área, caso este permaneça avançando. Parte da praia de Boa Viagem simplesmente desapareceu
nos últimos 14 anos. Em agosto de 1994, em função de um violento ataque das
ondas, o trecho compreendido entre os números 5215 e 6338 da Avenida Boa
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Viagem foi severamente atingido, causando a destruição de parte do calçadão.
Hoje, nos trechos próximos à pracinha de Boa Viagem, a força do mar arrancou
bancos e, também, partes do calçadão e ameaça até os quiosques localizados
na orla. Alguns já apresentam rachaduras. No trecho próximo ao Parque Dona
Lindu, é comum observar funcionários da prefeitura reposicionando as placas
de concreto arrastadas pelo mar. Esses transtornos reduzem as áreas de lazer
e causa insegurança em função de acidentes ocasionados por calçadas quebradas, afastando os moradores da cidade e os turistas, o que prejudica a rede
hoteleira e os comerciantes locais, desvalorizando os imóveis.
Outro problema causado pelo avanço do mar aparece quando a maré
cheia coincide com chuvas fortes. O mar bloqueia o escoamento da água das
chuvas fazendo com que ela fique retida na cidade. Assim a inundação causada
pela chuva custa a baixar, deixando uma série de desabrigados. O acúmulo de
água proporciona a condição ideal para a proliferação das mais diversas doenças, superlotando os postos de saúde e hospitais. Além disso, danos são causados às estruturas das construções, as bases das estradas cedem, estragando
o pavimento. O trânsito, seja de pessoas ou veículos, fica comprometido, atrapalhando a transferência de enfermos, a perda de carregamentos perecíveis,
além de causar acidentes. Este quadro é visto em toda Região Metropolitana do
Recife e, à medida que o nível do mar sobe, a tendência é que ele só se agrave.
Em suma, muitas das consequências dos impactos causados pelo avanço do
mar, são comuns a todas as cidades da Região Metropolitana. Na questão social, há a perda de espaços públicos de lazer e a insegurança decorrente da
vulnerabilidade das construções no local. Em termos ambientais há o desequilíbrio ecológico, a destruição do patrimônio ambiental e a redução do ambiente
praial, com perda da paisagem. No tocante a questão econômica ocorre a
destruição do patrimônio público, o prejuízo econômico dos imóveis privados,
prejuízos para atividades turísticas e a priorização da utilização de elevados
recursos em obras emergenciais de controle da erosão costeira e contenção
dos impactos das ondas sobre as construções, em detrimento de outras áreas
de grande interesse social.
3.
Responsabilidade do Gestor Público na Gestão e Contenção do
Avanço do Mar
Identificadas as causas, é determinante a contribuição do gestor público,
em todas as esferas de governo, para as causas antropogênicas do avanço do
mar. Bem como é imprescindível sua atuação na contenção do referido fenômeno. A revolta do mar é, hoje, reflexo das agressões feitas ao meio ambiente
desde tempos remotos, quando ainda não dispúnhamos de instrumentos para
dimensionar os prejuízos que a utilização desregrada dos recursos naturais
poderia proporcionar. O início das atividades predatórias no Brasil coincide com
a chegada dos portugueses e o consumo desmedido do pau brasil. Segundo
Arruda e Piletti (1995):
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E essa maneira desregrada de consumo foi repassada geração após geração. A preocupação dos gestores públicos brasileiros com o meio ambiente
e com os possíveis reflexos advindos desta maneira irracional de consumo,
evidenciou-se em meados do ano de 1920, quando, na iminência da extinção
do pau-brasil, o presidente Epitácio Pessoa, constatou que, dentre os países
detentores de grandes florestas, o Brasil era o único que não possuía o código
florestal.
3.1. A Constituição Federal e o Meio Ambiente
De acordo com Martins e Amorim (2005), a Constituição Brasileira de
1934, em razão de suas veias revolucionárias e democráticas, favoreceu o
surgimento de diversos instrumentos legais de proteção aos recursos naturais,
tais como o Código Florestal e o Código das Águas. Foram estes os passos
pioneiros do atual movimento ambientalista nacional, o início da responsabilização do gestor público perante os impactos causados ao meio ambiente
originados por seus atos.
Segundo Barros (2008):
A Constituição Federal é a fonte principal do direito ambiental brasileiro. O
artigo 225 é seu fundamento que reflete em todas as demais fontes quando
diz:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações;
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o
manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
[...] IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo
prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
[...] § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais
e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o
Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua
utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a
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Esse “modelo” de exploração seria logo depois aplicado em relação a outros
recursos – humanos, minerais, vegetais e animais. Em decorrência disso,
grandes áreas do território brasileiro seriam devastadas e muitas espécies
animais e vegetais, extintas. (p.226)
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preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. (p. 34; 35).
3.2. A Constituição Estadual
Além da Constituição Federal, as constituições estaduais também são
fontes do direito ambiental. Dentro de sua competência, cada Estado pode
legislar sobre direito ambiental.
A Constituição do Estado de Pernambuco regrou nos artigos 204 e
seguintes sobre a proteção ao meio ambiente e, portanto, sobre o direito ambiental, de onde se destaca:
Art. 204 - O desenvolvimento deve conciliar-se com a proteção ao meio
ambiente, obedecidos aos seguintes princípios:
I - preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais;
[...] III - proibição de alterações físicas, químicas ou biológicas, direta ou
indiretamente nocivas à saúde, à segurança e ao bem-estar da comunidade;
IV - proibição de danos à fauna, à flora, às águas, ao solo e à atmosfera.
Art. 205 - Compete ao Estado e aos Municípios, em consonância com a
União, nos termos da lei, proteger áreas de interesse cultural e ambiental,
especialmente os arrecifes, os mananciais de interesse público e suas bacias, os locais de pouso, alimentação e/ou reprodução da fauna, bem como
áreas de ocorrência de endemismos e raros bancos genéticos e as habitadas por organismos raros, vulneráveis, ameaçados ou em via de extinção.
[...] Art. 209 - A Política Estadual de Meio Ambiente tem por objetivo garantir a qualidade ambiental propícia à vida e será aprovada por lei, a partir
de proposta encaminhada pelo Poder Executivo, com revisão periódica, atendendo aos seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente
assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
[...] III - proteção dos ecossistemas, com a preservação das áreas representativas;
[...] VII - recuperação das áreas degradadas;
VIII - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
[...] Art. 210 - O Plano Estadual de Meio Ambiente, a ser disciplinado por
lei, será o instrumento de implementação da política estadual e preverá
a adoção de medidas indispensáveis à utilização racional da natureza e
redução da poluição resultante das atividades humanas, inclusive visando
a:
I -proteger as praias marítimas e fluviais, as zonas estuarinas e manguezais, as matas de restinga e os resquícios da mata atlântica e a realização
de estudos de balneabilidade, com ampla divulgação para a comunidade;
[...] Art. 215 - Para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, será exigido estudo prévio de
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3.3. Código Ambiental da Cidade do Recife
Em Recife, no ano de 1996, foi publicado no Diário Oficial do Município (D.O.M.),
o Código do Meio Ambiente e do Equilíbrio Ecológico da Cidade do Recife. Deste
código ressalta-se:
Art. 1º - A Política do Meio Ambiente da Cidade do Recife, prevista na Lei
Orgânica do Município do Recife (LOMR) e no Plano Diretor de Desenvolvimento da Cidade do Recife (PDCR), tem por pressuposto o direito do povo
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum
essencial à sadia qualidade de vida da população.
[...] Art. 9º - Para efeito deste Código, o meio ambiente físico urbano compreende os substratos água, ar, solo e subsolo, cuja preservação é essencial à sobrevivência e à manutenção da qualidade de vida da comunidade.
Parágrafo Único - Esses substratos são sujeitos a transformações naturais
ou artificiais, cabendo ao Poder Público a responsabilidade de adotar medidas que visem a evitar prejuízos à qualidade de vida da comunidade, em
decorrência dessa transformação.
Art. 10 - As alterações do meio ambiente que acarretem impactos ambientais serão prevenidas ou reprimidas pelo Poder Executivo, através de medidas que visem à preservação ou manutenção das condições de qualidade
ambiental sadia em benefício da comunidade recifense.
§1º - São indispensáveis para o exercício das atribuições previstas no
“caput” deste Artigo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de
Impacto Ambiental (RIMA), os quais obedecerão às disposições da Resolução nº 01, de 23 de janeiro de 1986, do CONAMA e demais normas legais
e regulamentares pertinentes.
[...] Art. 25 - Para quaisquer movimentos de terras deverão ser previstos
mecanismos de manutenção da estabilidade de taludes, rampas e platôs,
de modo a impedir a erosão e suas consequências.
§ 1º - O solo natural retirado pela movimentação de terras deverá ser cuidadosamente reservado para posterior reposição.
§ 2º - O aterro ou desaterro deverá ser seguido da reposição, ou recomposição do solo, bem como do replantio da cobertura vegetal, para assegurar a contenção do carregamento pluvial dos sólidos.
[...] Art. 71 - É obrigação do Poder Público e dever da população proteger
e conservar o meio ambiente sadio e o equilíbrio ecossistêmico visando à
qualidade de vida individual e coletiva.
[...] Art. 101 - Os usos e atividades potencialmente geradores dos impactos ambientais previstos neste Código ou aqueles capazes, sob qualquer
forma, de causar degradação ambiental, dependerão de licença ambiental
da SEPLAM, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis pelo Município.
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impacto ambiental, a que se dará publicidade e, na forma da lei, submetido
à audiência pública. (PERNAMBUCO, 1989, p. 104; 105; 106).
Revista Conceito A | Revista dos Trabalhos de Conclusão de Curso
Art. 102 - Para obtenção da licença a que se refere o Artigo anterior, a SEPLAM exigirá, conforme o caso:
I. Estudo de Impacto Ambiental - EIA; Relatório de Impacto Ambiental RIMA;
II.Estudo das Alternativas Minimizadoras do Impacto Ambiental e de Vizinhança. (RECIFE, 1996, p. 3; 9; 17; 28; 36).
3.4. O Ministério Público e o Monitoramento Ambiental
As medidas para a contenção do mar, se tomadas isoladamente, podem
vir a transferir o problema para as praias adjacentes. Na tentativa de proporcionar uma ação integrada e definitiva para o avanço do mar, o Ministério Público Federal, juntamente com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA)
e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), criou o MAI, Monitoramento
Ambiental Integrado.
Este projeto tem por objetivo o monitoramento integral e sistemático
dos processos de erosão costeira do litoral de Pernambuco. O projeto engloba
em um primeiro momento os municípios de Paulista, Olinda, Recife e Jaboatão
dos Guararapes. Entretanto poderá estender-se, posteriormente, a toda costa
pernambucana.
O Ministério Público espera ao término do projeto a obtenção de ferramentas, produtos e serviços - como, por exemplo: cartografias temáticas
específicas tais como de vulnerabilidade e riscos, banco de dados e SIG das
áreas costeiras da região abrangida, entre outros, que forneçam, de forma
sistematizada e automatizada, a identificação dos processos costeiros, a indicação de medidas de prevenção e controle, e soluções viáveis para minimizar,
ou até eliminar, os efeitos e impactos dos processos erosivos instalados, bem
como a operacionalização efetiva do programa de monitoramento ambiental
integrado.
3.5. O Gestor Público e o Meio Ambiente
As competências do gestor público, em qualquer nível, seja federal, estadual ou municipal, tornam-se evidentes após o estudo das legislações vigentes. Sendo assim, a responsabilidade do gestor público na administração
do avanço do mar é clara, em função da não aplicação eficiente da legislação
existente. É sabido que, mundialmente, a preocupação efetiva com o meio ambiente é uma temática relativamente nova. Contudo, o que se percebe, é que
anos e anos de agressões ao meio ambiente se sucederam, não só por falta de
conhecimento teórico, mas também por falta da aplicação enérgica e precisa
da lei.
Grandes áreas de vegetação são devastadas para a criação de pastos
e plantações com fins comerciais. A preocupação com o meio ambiente, por
muitas vezes, foi substituída pela preocupação econômica. A ausência de fiscalização eficiente é uma constante e a destruição da vegetação continua.
O incentivo para o desenvolvimento e a utilização de formas mais efi-
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4.
Medidas de Contenção do Avanço do Mar
Os prejuízos causados pelo avanço do mar foram muitos. Edifícios com
estruturas comprometidas, perda das áreas de lazer, risco de acidentes nas
calçadas quebradas, afastamento dos turistas, desvalorização dos imóveis e
prejuízos financeiros para os comerciantes locais. Entretanto este quadro pode
se agravar, e muito. Por isso medidas de contenção devem ser adotadas pelos
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cientes e limpas de geração de energia é quase inexistente. O consumo de
combustíveis fósseis é exagerado e não se tem perspectiva de mudança em
curto prazo. Os veículos, grandes consumidores desse tipo de combustível e
responsáveis por boa parte da poluição nas grandes cidades, não são fiscalizados com eficiência em relação à correta quantidade de emissão. É fácil encontrar veículos velhos, despejando uma fumaça negra, circulando pelos grandes
centros.
Para construir, sejam residências ou grandes obras, faz-se necessário
a obtenção da aprovação do projeto pelas prefeituras municipais e órgãos estaduais. Para aprová-lo, há que se constatar a ausência de quaisquer tipos de
irregularidade que pudesse vir a agredir o meio ambiente. Está previsto em
lei. Mesmo assim, grandes edifícios são construídos muito próximos ao mar,
como em Jaboatão do Guararapes. Os calçadões são ampliados em direção à
praia, como em Boa viagem. Grandes diques de contenção são construídos em
Olinda, mesmo cientes de que não é uma solução eficaz. E ainda, os impactos
ambientais de grande obras não são devidamente mensurados, como no caso
de Suape.
Da mesma forma que a legislação responsabiliza o gestor público, ela
também impõe que este corrija os danos causados. É papel deste, elaborar e
avaliar, monitorar e acompanhar as medidas necessárias para que o prejuízo
causado ao meio ambiente seja restaurado. Contudo esta obrigação vem sendo negligenciada ao longo dos anos.
Além disso, o consumo exagerado dos meios naturais, as derrubadas
e queimadas de vegetação para criação de pasto, as construções irregulares
de moradias em áreas costeiras não mostram apenas o descontrole do poder
público sobre as ações da população. Mostram, também, uma cultura de depredação da natureza em detrimento do enriquecimento fácil, mesmo que imoral.
Da individualidade ante o bem estar da coletividade. Do jeitinho brasileiro, que
nada mais é do que achar que a lei deve apenas ser aplicada para os outros.
Além de restaurar os ambientes afetados, o gestor público tem por obrigação
elaborar e empregar de maneira severa uma legislação voltada ao desenvolvimento da conscientização ambiental e educação moral. Caso não seja feito,
a capacidade do gestor de restaurar o ambiente afetado será sempre menor
que a degradação causada pela população. O poder público deve mostrar ao
cidadão que o papel de cada indivíduo é essencial para que o resultado final
seja satisfatório.
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gestores públicos no intuito inicial de conter o avanço e, futuramente, restaurar
o ambiente perdido.
Conforme a ECOGEO (2003), em seu Estudo de Impacto Ambiental
(EIA), essas medidas devem ser tomadas em conjunto. A aplicação de algumas medidas de contenção isoladamente apenas afastam os sintomas de maneira pontual. O local beneficiado pelas obras de contenção apenas transfere o
problema para os locais em suas extremidades. Por isso as medidas devem ser
tomadas de maneira integrada entre as cidades que compõem a região metropolitana, no intuito de resolver o problema e não apenas repassá-lo adiante.
As obras de proteção, de modo geral, têm como objetivos primários a recuperação da área de praia, buscando compensar o desequilíbrio ecológico do litoral.
Existem vários tipos de proteção de praia contra os riscos costeiros que podem
ser usados individualmente ou de forma associada para aumentar a eficiência.
O revestimento, ou enrocamento aderente, é uma proteção de superfície que
é posicionada em uma praia inclinada ou no leito de um banco de areia para
proteger a zona adjacente contra a erosão causada pelas correntes e ondas.
O revestimento reflete e desvia as ondas sobre sua face inclinada e dissipam
parte de sua energia. Todavia, o revestimento reflete as ondas para as suas
extremidades o que contribuiria para a aceleração da erosão nas praias situadas em suas extremidades.
Os espigões constituem o tipo mais comum de estrutura de estabilização de praia. São, geralmente, construídos perpendicularmente à praia para
interromper o transporte normal de areia pela deriva litorânea. São usados em
conjunto de vários espigões espaçados e paralelos ao longo do trecho de praia
que se quer estabilizar. Se corretamente projetados, os espigões são eficientes
na estabilização das praias onde a areia está sendo perdida pelo transporte
litorâneo. Essas estruturas possuem uma grande vantagem que é funcionar
independentemente da direção das correntes marítimas. Os espigões podem
gerar correntes de retorno, o que constitui um perigo aos banhistas durante os
períodos de nível alto das ondas ou durante ressacas. Eles também transferem
a erosão para a área circundante da estrutura, pondo em risco a estabilidade
da praia.
Os quebra-mares são uma das mais efetivas estruturas de estabilização,
pois controlam o transporte longitudinal e transversal de sedimentos, sendo
efetivo para o controle de ambos os meios de transporte São construídos paralelamente a praia, o que reduz significativamente a altura das ondas e ressacas que alcançam a linha de costa. A sua distância em relação à praia é
mensurada em função da necessidade do projeto, pois se construídas muito
próxima a praia podem induzir a formação de pontas ou flecha de areia que
se desenvolvem da praia em direção ao quebra mar, conhecidas como tômbolos. A principal desvantagem do quebra mar está em seu elevado custo de
construção e de manutenção em relação aos demais. Além disso, se mal projetado, pode diminuir a circulação da água na área compreendida entre a praia
e a estrutura, o que poderia causar alterações na qualidade da mesma.
Atualmente, um dos métodos de proteção mais utilizados no mundo, é
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a regeneração da praia através do aporte de areia associado a obras rígidas,
conhecido como engordamento de praia. O engordamento foi utilizado com
sucesso na praia de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, na década de
1950, quando as ressacas eram constantes e as ondas alcançavam o calçadão.
Hoje, a faixa de praia de Copacabana comporta mega shows, para mais de um
milhão de pessoas, bem como competições esportivas.
O engordamento consiste na introdução artificial de areia colocada sobre a praia, por meio mecânico ou hidráulico, tendo por efeito imediato o aumento da largura da praia seca. Esse método é menos agressivo por ter sua
forma modelada pelas ondas, sendo classificado como estrutura flexível.
Este método permaneceu esquecido e desprezado por diversos anos,
em função da dificuldade prática de localizar, obter e transportar os volumes
necessários de areia, e até mesmo pela imagem negativa que este método
possuía perante a opinião pública. Contudo, em função do avanço tecnológico
na manipulação de areias e a impopularidade alcançada pelos outros sistemas
de defesa, espigões e enrocamentos, em função de seus muitos fracassos,
motivaram a ampla utilização desta técnica.
Outro caso de sucesso se encontra mais próximo da Região Metropolitana do Recife, mais precisamente em Alagoas. Há 15 anos a prefeitura de Maceió vem utilizando algumas alternativas construtivas de proteção para conter
o avanço do mar na Praia de Ponta Verde. Lá a técnica utilizada é o dissipador
de energia Bagwall. O Bagwall consiste na utilização de geoformas de concreto
e argamassa para a construção de uma estrutura em forma de escada. O procedimento mostrou-se eficaz na contenção de efeito de subpressão das marés,
promovendo a engorda natural da praia e facilitando o acesso dos banhistas,
em função de sua forma de escada, além de ser esteticamente harmonioso,
pois o material usado na composição da argamassa é obtido em jazidas locais,
o que também minimiza o custo. O Bagwall também mostrou sua eficácia em
uma área de proteção ambiental, fora do perímetro urbano, num trecho de
falésias na Praia de Japaratinga, enfrentando a relutância de ambientalistas.
Segundo o estudo do CPRH, no caso específico da Região Metropolitana
do Recife, como a ação das ondas é frontal, a melhor opção seria um sistema
misto, formado por um quebra mar contínuo, semi-submerso, associado a uma
regeneração da praia através de aterro hidráulico. Em simulações realizadas
durante o estudo, na maré baixa, a estrutura mostra-se eficiente quanto à
redução das ondas, favorecendo o aparecimento de uma área calma entre o
quebra mar e a linha de praia. Em situação de preamar, ou maré alta, e maré
de sizígia, tipo de maré de maior amplitude, quando o sol e a lua influenciam
de maneira conjunta o comportamento do oceano, gerando a maior maré alta
e a menor maré baixa, a estrutura mista continua eficiente na redução da energia das ondas. Portanto esta deve ser a estrutura adotada de maneira conjunta nas praias da Região Metropolitana.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A praia é um bioma dinâmico. Está sempre mudando de maneira natural. Contudo a maneira como a raça humana interage com a natureza tem mudado o comportamento dos oceanos. As causas antropogênicas são as responsáveis diretas pelo avanço do mar. O desmatamento da cobertura vegetal, a
produção de gases poluentes e construções muito próximas à área costeira são
agressões feitas ao meio ambiente que responde despejando sua fúria através
da força das ondas.
Os prejuízos causados pelo avanço do mar na Região Metropolitana do
Recife são os mais diversos. A destruição de ruas e calçadas, a diminuição das
áreas de lazer públicas, o comprometimento da estrutura de edifícios, a desvalorização dos imóveis, o afastamento dos turistas e os prejuízos financeiros
amargados pelos comerciantes do litoral são alguns dos problemas causados
por este fenômeno.
Os prejuízos que hoje sustentamos são muito poucos perante a previsão
do que possa vir a acontecer. Não há mais como deixar a discussão deste tema
para mais adiante. A tecnologia para a correção destes maus hábitos já é acessível. Se medidas corretivas drásticas não forem tomadas agora, muitos dos
danos serão irreversíveis.
É de responsabilidade do gestor público, em todas as esferas do poder
público, impedir que novas agressões aconteçam, fazendo cumprir de maneira
eficiente a legislação, e reparar os danos causados ao meio ambiente, bem
como expandir a educação ambiental evitando que, por falta de orientação,
novas agressões aconteçam.
Sentindo na pele os efeitos da degradação ambiental, percebe-se o
surgimento de uma mobilização social no sentido de difundir o pensamento
ecológico e praticar atitudes que colaborem com a prevenção das agressões
e a recuperação dos ambientes afetados. Além disso, a pressão sob o poder
público para que este tome medidas mais eficazes que visem a propagação
da educação ambiental, a contenção dos danos e a restauração do que já está
prejudicado, é vista nas urnas. O apelo ambiental foi decisivo no resultado do
primeiro turno da eleição para presidente da república deste ano. Essa pressão
vem se mostrando eficaz, pois apesar da candidata que apresentou propostas voltadas para as questões ambientais não ter ido para o segundo turno,
ela recebeu uma votação expressiva. Por isso, o apelo ecológico passou a ser
temática de ambos os candidatos que seguiram no 2º turno da eleição.
Os sintomas das agressões ao meio ambiente, desta febre planetária,
não podem ser tratados como uma realidade distante ou simplesmente como
oportunismo dos ecologistas. O socorro à natureza deve ser imediato e enérgico. As consequências do negligenciamento desta súplica do nosso planeta
serão extremamente negativas. Se nada for feito, futuramente poderemos estar visitando a orla costeira da Região Metropolitana do Recife com equipamento de mergulho, entre a fauna e flora marinhas.
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REFERÊNCIAS
Revista Conceito A | Revista dos Trabalhos de Conclusão de Curso
ANEXOS
ANEXO A
TERMO DE COMPROMISSO DO PROJETO DE PESQUISA PARA O TCC
1. Nome do Aluno (a):
GEYZA PAULA RODRIGUES DO AMARAL
2. Título do TCC:
GESTÃO PÚBLICA NA CONTENÇÃO DO AVANÇO DO MAR
4. Professor Orientador:
MARIA LÚCIA FREIRE DA CUNHA
Recife, ____/_____/_______.
Confirmo aceitação do projeto acima por mim revisado.
___________________________________________________
Maria Lúcia Freire da Cunha – Professor (a) orientador (a)
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