Análise sobre o uso da Norma Técnica P4

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Análise sobre o uso da Norma Técnica P4
Análise sobre o uso da Norma Técnica P4.231 da CETESB como
preventiva aos impactos ambientais causados pela vinhaça.
Flávio Bordino Klein a, Homero Fonseca Filho b, Paulo Almeida c
a Graduando em Gestão Ambiental pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
USP. Bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq desde 2008 na área de Saneamento
Ecológico. [email protected]
b Docente do curso de Bacharelado em Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências
e Humanidades da USP. [email protected]
c Docente do curso de Bacharelado em Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências
e Humanidades da USP. [email protected]
Palavras chave: passivo ambiental; resíduos da produção sucroalcooleira; poluição
hídrica; poluição dos solos.
Título abreviado: Norma Técnica P4.231 da CETESB
Resumo: o presente trabalho teve como objetivo analisar o potencial de prevenção aos
impactos ambientais causados pela vinhaça a partir do uso da Norma Técnica P4.231 da
CETESB, criada em 2005. Para tal análise, analisou-se os principais critérios e
procedimentos estabelecidos pela CETESB em 1986 e sua evolução, do ponto de vista
ambiental, pela divulgação da referida Norma P4.231. Também foram realizadas
analises em estudos de caso e jurisprudências que demonstraram impactos ambientais
causados pela vinhaça, permitindo verificar se o uso da Norma P4.231 teria evitado tais
impactos. Os resultados revelaram que os critérios estabelecidos por tal Norma são
preventivos para os impactos ambientais às águas subterrâneas e no solo porém possui
pouca eficiência em relação à prevenção aos impactos nas águas de superfície.
Abstract: the present study had the objective to analyze the potential for prevention of
environmental impacts caused by stillage from the use of Standard Technique P4.231
of CETESB, created in 2005. For this analysis, considered the main criteria and
procedures established by CETESB in 1986 and its evolution, from an environmental
point of view, by divulgation of the mentioned Standard P4.231. Analysis were also
performed on case studies and jurisprudence that demonstrated environmental impacts
caused by stillage, allowing to check if the use of standard P4.231 would have avoided
such impacts. The results revealed that the criteria established by this Standard are
preventive environmental impacts to groundwater and to soil but has little efficiency in
relation to the prevention of impacts in surface waters.
1. INTRODUÇÃO
Durante o processo de produção de álcool etílico são gerados, para cada litro de
álcool produzido, de 10 a 14 litros de vinhaça. Este produto é o resíduo final, “sobra”,
resultante deste processo de produção de álcool. Após a moagem da cana-de-açúcar é
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que produzida a garapa e após a sua fermentação e destilação gera o álcool etílico. As
descobertas do alto teor de matéria orgânica fizeram desse resíduo um fertilizante
altamente empregado no cultivo da cana-de-açúcar (Piacente, 2006) o que permitiu a
eliminação das técnicas que até então eram praticadas, as quais baseavam-se nas áreas
de sacrifício ( Santos, 2000).
Em virtude das suas características físico-químicas (efluente de alto poder
poluente, sendo aproximadamente cem vezes maior que o do esgoto doméstico; alta
riqueza em matéria orgânica; baixo pH; elevada corrosividade e altos índices de
demanda bioquímica de oxigênio (DBO), variando de 20.000 a 35.000 mg/L) a vinhaça
é considerada altamente nociva à fauna, flora, microfauna e microflora das águas doces
(Freire & Cortez, 2000).
Ao longo da expansão da produção sucroalcooleira no Brasil e, em especial, em
São Paulo, existem indícios de contaminação de águas subterrâneas devido ao uso
indiscriminado da vinhaça como fertilizante (Ludovice, 1997). Nesse sentido, há uma
necessidade indubitável de que o Poder Público utilize-se de instrumentos de comando e
controle como o estabelecimento de padrões e normas, licenças e zoneamento como
forma de limitar e disciplinar o uso do solo (Sirvinskas, 2008).
No que concerne ao uso da vinhaça como fertilizante na produção
sucroalcooleira, a CETESB definira, em 1986, alguns critérios relacionados ao uso da
vinhaça dentre os quais, o limite de aplicação deste produto no solo seria em torno de
400 Kg de K2O ha-1ano-1. Entretanto, tais critérios não consideravam aspectos
intrínsecos do local como, por exemplo, a formação geológica, a pedologia e a
hidrogeologia (Santos, 2000).
Em 2005 a CETESB divulgou uma Norma Técnica, uma norma inovadora que
altera e acrescenta diversos pontos pelas legislações anteriores: trata-se da Norma
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Técnica P 4.231 -Vinhaça - Critérios e Procedimentos para Aplicação no Solo
Agrícola. A norma considera, amplamente, a necessidade de organizar o
armazenamento, o transporte e a aplicação no solo da vinhaça gerada no processamento
da cana-de-açúcar no estado para evitar a ocorrência de poluição, passando a considerar
um conjunto amplo de diretrizes que devem ser respeitadas à aplicação da vinhaça em
solos agrícolas (CETESB, 2005).
A partir do exposto, o presente trabalho teve como objetivo analisar o potencial
de prevenção aos impactos ambientais causados pela vinhaça a partir do uso da Norma
Técnica P4.231. Também foram realizadas analises em estudos de caso e
jurisprudências que demonstraram impactos ambientais causados pela vinhaça,
permitindo verificar se o uso da referida Norma teria evitado-os.
2. METODOLOGIA
2.1 Análises das propostas feitas pela CETESB em 1986: levantou-se os critérios e
procedimentos no que concerne à aplicação, armazenamento e gerenciamento da
vinhaça no solo agrícola. Posteriormente, apontaram-se aspectos pertinentes à aplicação
correta da vinhaça que não eram contemplados. Estas propostas foram obtidas mediante
levantamento bibliográfico.
2.2 Análise da Norma da CETESB P4.231 de 2005: o método de análise desta norma
considerou os principais avanços advindos da referida norma em relação a proposta
anterior, os quais tangenciam diversos parâmetros inerentes à aplicação, armazenamento
e gerenciamento da vinhaça a ser aplicada no solo, os aspectos físicos e químicos do
solo que receberá a vinhaça, os aspectos em relação às águas de superfície e
subterrâneas, os aspectos ambientais como distância em relação às APP e à Reserva
Legal, plano de manejo, dosagem máxima a ser aplicada no solo, entre outros.
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2.3 Análise de alguns estudos de caso e jurisprudências devido aos impactos
ambientais causados pela vinhaça: nesta terceira etapa metodológica foram
observados como foram gerados os impactos e se a aplicação da Norma da CETESB
P4.231 teria evitado-os. Para tal análise comparativa foram utilizadas pesquisas
bibliográficas nos estudos de caso e foi pesquisado o site do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo para o acesso às jurisprudências.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Propostas feitas pela CETESB em 1986
A CETESB avaliou no ano de 1986 o potencial poluidor da agroindústria
Sucroalcooleira nas Sub-bacias dos rios Pardo, Mogi-Guaçu, Grande-Sapucaí e Sapucaí,
sob vários aspectos dentre os quais, o gerenciamento da agroindústria canavieira.
Segundo Santos (2000), a partir de 1986, foram especificados três subitens relacionados
à vinhaça pela CETESB:
Não será admitida a disposição de vinhaça, pelo método denominado “áreas de sacrifício”
com embasamento nos art. 51 e 521 do regulamento da Lei 997/76;
Os tanques de armazenamento de vinhaça deverão ser construídos de forma a eliminar os
riscos de contaminação da rede hídrica, do lençol freático e os freqüentes problemas de odor
e proliferação de insetos. O volume total deverá ser suficiente para armazenar, no mínimo, a
vinhaça gerada pela produção correspondente a 5 dias de operação;
A taxa de aplicação de vinhaça como fertilizante, não poderá ultrapassar o equivalente a
400 Kg de K20 ha-1ano-1, sendo que taxas superiores só serão admitidas mediante aprovação
de projeto técnico específico que justifique a operação.
Neste contexto a Lei 6.938/81 que estabeleceu a Política Nacional do Meio
Ambiente conferiu ao CONAMA, órgão consultivo e deliberativo federal competência
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De acordo com o Decreto n. 8468/76, afirma-se nos art. 51 e 52:
Art. 51 - Não é permitido depositar, dispor, descarregar, enterrar, infiltrar ou acumular no solo resíduos, em
qualquer estado da matéria, desde que poluentes, na forma estabelecida no artigo 3º deste Regulamento.
Art. 52 - 0 solo somente poderá ser utilizado para destino final de resíduos de qualquer natureza, desde que
sua disposição seja feita de forma adequada, estabelecida em projetos específicos de transporte e destino final,
ficando vedada a simples descarga ou depósito, seja em propriedade pública ou particular.
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para definição das normas de padrões e proteção ambiental. A partir desta lógica
normativa, as secretarias estaduais de meio ambiente pelos seus órgãos colegiados
estabeleceram e delinearam as competências e atribuições.
A CETESB como órgão integrante do SEAQUA –Sistema Estadual de
Administração da Qualidade Ambiental, Proteção, Controle e Desenvolvimento do
Meio Ambiente e Uso Adequado dos Recursos Naturais - através da Lei 9.509 de
20/3/1997 ficou com a atribuição da fiscalização e padronagem sobre degradação
ambiental no Estado de São Paulo, inclusive a vinhaça.
Pelo exposto, notam-se vários avanços propostos no intuito de definir critérios
no uso e disposição da vinhaça nos solos destinados à agricultura. Porém, ainda
deixavam a desejar em diversos aspectos. Por exemplo, a taxa de aplicação proposta de
400 Kg de K20 ha-1ano-1 não considerava as características intrínsecas do solo como a
formação e origem geológicas, as característica física, químicas, pedológicas e
edafológicas, e a hidrogeologia. Enfim, não foi considerada a capacidade do solo de
receber essa dosagem, nem foram levadas em conta as variações naturais que ocorrem
nos solos. Conforme estudos e simulações realizados por Santos (2000), essa
desconsideração pode ter ocasionado aplicações de vinhaça em subdosagens para alguns
tipos de solos e superdosagens para outros. Este fato levou o referido autor a incentivar
a CETESB a aprimorar os critérios da proposta de 1986. Também, os programas de
monitoramento não incluíam um plano de manejo com uma escala adequada; as análises
não eram feitas periodicamente; e não havia menção sobre a distância mínima de
aplicação da vinhaça em relação aos corpos hídricos.
3.2 Norma Técnica P4.231 - Vinhaça - Critérios e Procedimentos para Aplicação
no Solo Agrícola
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Em janeiro de 2005, a CETESB publicara a Norma Técnica P4.231, a qual
possui um conjunto de critérios e procedimentos, os quais norteiam a aplicação da
vinhaça no solo agrícola. Dentre os principais critérios e procedimentos estabelecidos
pela referida norma, a área a ser utilizada para a aplicação de vinhaça no solo deve
atender as seguintes condições: não estar contida no domínio das Áreas de Preservação
Permanente - APP ou de Reserva Legal, definidas no Código Florestal (item 5.1.1); não
estar contida no domínio de área de proteção de poços (item 5.1.4); a profundidade do
nível d'água do aqüífero livre, no momento de aplicação de vinhaça deve ser, no
mínimo, de 1,50m (item 5.1.8); estar afastada, no mínimo, 1.000 (um mil) metros dos
núcleos populacionais compreendidos na área do perímetro urbano (item 5.1.6); estar
afastada, no mínimo, 50 (cinqüenta) metros das Áreas de Proteção Permanente - APP, e
com proteção por terraços de segurança (item 5.1.7); no caso de áreas com declividade
superior a 15%, deverão ser adotadas medidas de segurança adequadas à preservação de
erosão (item 5.1.9); nas áreas com declividade superior a 15%, além das práticas
conservacionistas, deverá ser efetuada a escarificação do solo(item 5.1.10); deverá ser
imediatamente suspensa a prática de armazenamento e/ou disposição de vinhaça ou lodo
em áreas de sacrifício (item 5.2); os tanques de armazenamento de vinhaça deverão ser
impermeabilizados com geomembrana impermeabilizante ou outra técnica de igual ou
superior efeito (item 5.3); os canais mestres ou primários de uso permanente para
distribuição de vinhaça durante o período da safra deverão ser impermeabilizados com
geomembrana impermeabilizante ou outra técnica de igual ou superior (item 5.5) ;
deverão ser instalados nas áreas dos tanques, uma quantidade mínima de 04 (quatro)
poços de monitoramento (item 5.4); na água coletada dos poços de monitoramento,
deverão ser determinados parâmetros como: pH; dureza; sulfato; manganês; alumínio;
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ferro; nitrogênio nitrato; potássio, entre outros (item 5.4.1); anualmente deverá ser
realizado ou atualizado o Plano de Aplicação de Vinhaça (item 5.7).
Embora citados de forma sucinta, não há dúvidas de que os critérios e
procedimentos acima citados são inovadores pois consideram diversos aspectos como as
águas subterrâneas, as APP e Reserva Legal, a distância mínima em relação à população
no entorno, a profundidade do lençol freático, a fertilidade do solo (principalmente no
que tange a capacidade de troca catiônica), as áreas com declividade, os poços de
monitoramento, os parâmetros que devem ser avaliados para se averiguar a qualidade
das águas subterrâneas, entre outros.
No que concerne ao plano de aplicação no uso da vinhaça, a Norma define que
tal plano será constituído baseado numa planta na escala de 1:20.000, ou superior,
contendo as taxas indicativas de dosagem a serem aplicadas, em m3/ha, diferenciadas
em cores, com intervalos de aplicação a cada 150m3. Em tal planta deverá constar, entre
outros atributos, a localização dos tanques de armazenamento e dos canais mestres ou
primários de uso permanente de distribuição; a localização dos cursos d'água; poços
utilizados para abastecimento; dados de geologia e hidrogeologia local; resultados
analíticos dos solos; as áreas de interesse ambiental; e forma e dosagem de aplicação de
vinhaça (item 6 da Norma). Nota-se que tal plano de aplicação ou manejo é bem
abrangente e inclui diversos critérios que até então não eram considerados pelos
produtores de cana-de-açúcar, tampouco pelas propostas feitas pela CETESB em 1986.
Uma das maiores inovações advindas pela Norma trata-se do uso da equação
citada no item 6.1.3, a qual permite determinar a dosagem da vinhaça a ser aplicada no
solo. A equação seria:
m³ de vinhaça/ha = [(0,05 x CTC - ks) x 3744 + 185] / kvi
onde:
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
0,05 = 5% da CTC

CTC = Capacidade de Troca Catiônica, expressa em cmolc /dm3 a pH
7,0; dada pela análise de fertilidade do solo.

ks = concentração de potássio no solo, expresso em cmolc /dm3 , à
profundidade de 0,80 metros, dada pela análise de fertilidade do solo.

3744 = constante para transformar os resultados da análise de fertilidade,
expressos em cmolc/dm3 ou meq /100cm3 , para kg de potássio em um
volume de um hectare por 0,80 metros de profundidade.

185 = kg de K2O extraído pela cultura por ha, por corte.

Kvi = concentração de potássio na vinhaça, expressa em kg de K2O /m3
Observando-se a equação acima, nota-se que a dosagem para a aplicação de
vinhaça para enriquecimento do solo agrícola passa a ser calculada considerando a
profundidade e a fertilidade do solo, a concentração de potássio na vinhaça e a extração
média desse elemento pela cultura, em consonância com o item 5.8 da referida Norma.
Por fim, o item 7 da Norma estabelece a caracterização do solo que receberá
aplicação de vinhaça, onde define-se a quantidade e como as amostras deverão ser
coletadas, bem como a profundidade a ser colhido (item 7.1.1). Os parâmetros a serem
avaliados, como o potássio e a CTC, encontram-se no item 7.1.2 da Norma.
Ainda, segundo a Norma, antes da aplicação da vinhaça no solo, o empreendedor
deve consultar a legislação federal e estadual conforme o item 2.1 e 2.2,
respectivamente.
3.3. Análise sobre alguns estudos de caso e jurisprudências sobre os impactos
ambientais causados pela vinhaça: se a Norma Técnica P4.231 tivesse sido criada e
utilizada antes de tais impactos, teria evitado-os?
3.3.1 Estudos de caso
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A autora Ludovice (1997) em estudo realizado na Destilaria São João, localizada
no Município de São João da Boa Vista, no Estado de São Paulo, analisou o sistema de
aplicação de vinhaça adotado pela referida destilaria. Segundo a autora, havia um canal
condutor principal que transportava o efluente para canais secundários e terciários onde
era realizada a fertirrigação do solo por aspersão. Tal modelo de aplicação da vinhaça
vinha sendo feito pela destilaria há treze anos e, segundo a autora, não havia nenhum
material impermeabilizante nos canais condutores, tampouco algum controle na
quantidade de vinhaça conduzida por tais canais.
As análises realizadas pela autora indicaram que:

o poder de remoção do solo estava sendo comprometido em decorrência do
longo período de operação dos canais, havendo uma grande possibilidade do
efluente atingir o lençol freático;

as concentrações de nitrogênio na solução do solo e na água de percolação entre
0,50 a 1,50 m estavam acima dos padrões de potabilidade, indicando a poluição
das águas nestas profundidades e, consequentemente, haveria possibilidades de
atingir o lençol freático;

os canais condutores deveriam ser revestidos de material adequado, o que
impediria a percolação contínua e pontual do efluente.
Neste caso, a aplicação da Norma P4.231 teria evitado o risco de contaminação do
lençol freático pois o item 5.5 menciona sobre a necessidade de revestimento dos canais
de primários de uso permanente. Além disso, o item 7 da referida norma obriga o
empreendedor a realizar uma análise sobre a qualidade do solo que receberá a vinhaça, a
qual inclui diversos parâmetros a serem analisados. A freqüência destas análises deve
ser feita anualmente, pois contempla o Plano de Aplicação da Vinhaça estabelecido no
item 5.7.
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Lyra et al. (2003), fizeram um experimento numa usina localizada no Município
de Ipojuca, PE2. A vinhaça fertigada na área experimental foi produzida pela Usina
Salgado e era conduzida através de um canal principal até a lagoa de distribuição de
onde era retirada para fertirrigação por conjuntos aspersores, aplicada após o corte da
cana-de-açúcar e distribuída a uma taxa de 300 m3 ha-1ano-1. Os parâmetros analisados
para se mensurar a qualidade das águas subterrâneas pelos autores foram DQO, DBO,
CE e SDT. A aplicação de vinhaça na fertirrigação de canaviais, apesar de minimizar
seu potencial poluidor, segundo Lyra et al. (2003), não garantia o atendimento a todos
os parâmetros de qualidade exigidos pelo CONAMA para rios Classe 2, afetando a
qualidade da água do lençol freático, para uma taxa de aplicação de 300 m3 ha-1ano-1
nas condições do estudo.
Neste segundo caso, caso o empreendedor fizesse uso da Norma P4.231, é bem
provável que os parâmetros de qualidade que levaram à degradação da água do lençol
freático teriam sido evitados. Como frisado por Lyra et al. (2003), a taxa de aplicação de
300 m3 ha-1ano-1 era feita constantemente, sem critérios pré-estabelecidos que
contemplassem as características intrínsecas do local. O item 6.1.3 da Norma P4.231
propõe uma equação, a partir da qual permite-se estimar a quantidade máxima de
vinhaça a ser aplicada no solo, considerando-se as características da vinhaça e do solo,
além de outros fatores como a profundidade do lençol freático, declividade, entre outros
aspectos. Além disso, o item 5.8 menciona acerca da dosagem para a aplicação de
vinhaça para enriquecimento do solo agrícola, dosagem que passa a ser calculada
considerando a profundidade e a fertilidade do solo, a concentração de potássio na
vinhaça e a extração média desse elemento pela cultura. Logo, caso o empreendedor da
Usina Salgado fizesse uso dos item 6.3.1 e 5.8, a dosagem máxima de vinhaça a ser
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Embora a Norma da CETESB aplica-se apenas no Estado de São Paulo, utilizamos este estudo
de caso para ilustrarmos nossa análise.
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aplicada no solo seria provavelmente muito menor do que os valores praticados no
referido estudo de caso.
3.3.2 Jurisprudências
A Destilaria Santa Fani foi multada pela CETESB mediante auto de infração,
lavrado em 01/10/2004, por infração descrita nos artigos 51, 52, 81, II, 84, III, 86 e 94
do Regulamento da Lei n° 997/76, em virtude de dispor de forma inadequada no solo
resíduos (vinhaça) proveniente de processo produtivo (São Paulo, 2008).
Neste primeiro caso, embora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
(2008) não afirma exatamente como os resíduos estavam sendo dispostos de forma
inadequada, é provável que se o empreendedor tivesse contemplado os itens 5.2 e 5.3 da
Norma P4.231, dificilmente teria sido autuado pelas infrações acima mencionadas. Tais
itens referem-se a proibição das áreas de sacrifício e a obrigatoriedade de
impermeabilizar os tanques de armazenamento da vinhaça, respectivamente.
A Usina Açucareira Furlan S.A. Foi autuada e multada em 25 de novembro de
1999 com fundamento no art. 2º, 3º, inciso 5º e art. 11, inciso 1º, alíneas a e c e inciso 4º
do Decreto Estadual n° 8 468/76 por lançar efluentes líquidos (vinhoto) em corpo d'água
classe 2, afluente do Ribeirão Alamban. O acidente ocorreu em 9/10/1999 por ocasião
da manutenção imprópria da tubulação do vinhoto, conforme atestado pelo agente
ambiental da CETESB (São Paulo, 2008).
No dia 29 de setembro de 2003, a empresa Usina da Pedra, localizada em
Serrana, Estado de São Paulo, deixou vazar grande quantidade de melaço3 de cana-deaçúcar no rio Pardo. Esse acidente ocasionou a morte de 208 toneladas de peixes, um
desastre ambiental sem precedentes. Pescadores ficaram sem trabalhar no rio Grande
pois o melaço percorreu 150 km do rio Pardo até desaguar no rio grande. O IBAMA
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Segundo Santos (2000), o melaço é um sub-produto da produção de açúcar, o qual após a sua fermentação
produzirá, dentre outros produtos, o álcool e a vinhaça. Portanto, é a partir do melaço que é gerada a vinhaça.
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multou a empresa em R$ 10 milhões, mas a usina recorreu e ainda não pagou. A
CETESB aplicou duas multas que somam R$ 137 mil e já foram pagas (Sirvinskas,
2008).
Nestas duas últimas jurisprudências citadas, os impactos ambientais causados
pela vinhaça (e melaço no último caso), foram caracterizados como acidentes
ambientais. Nestes casos, não há como determinar se as empresas autuadas pelos
impactos causados teriam evitado-os com o uso da Norma P4.231 pois, nestes casos, os
impactos ocorreram devido ao vazamento da vinhaça e melaço das tubulações que
conduziam tais produtos. Na verdade, a Norma P4. 231 não afirma sobre a necessidade
e periodicidade que devem ser feitas a manutenção dos equipamentos pois isso deve
ficar a cargo do empreendedor. Portanto, pode-se concluir que os acidentes causados e
analisados nestas duas jurisprudências ocorreram por negligência das empresas, pela
falta de manutenção ou manutenção incorreta dos equipamentos. Lembremos de que a
Norma P4.231 orienta o empreendedor a aplicar e armazenar a vinhaça de forma
correta, em locais propícios ao armazenamento, disposição e aplicação da mesma.
Por outro lado, a questão sobre a distância dos locais de armazenamento da
vinhaça em relação às águas superficiais não é contemplada pela Norma P4.231. Isso é
um ponto importante pois os casos em que ocorreram acidentes ambientais pela Usina
Açucareira Furlan S.A e pela Usina da Pedra, ambos acidentes ambientais causaram
impactos ambientais nas águas de superfície. Em ambos os casos, é provável que a
magnitude dos acidentes provocados poderiam ter sido reduzidos se a distância das
tubulações que conduzem a vinhaça fossem afastadas das águas de superfície.
Ainda sobre esta questão, o item 2.1 da Norma relaciona algumas leis e portarias
federais que devem ser consultadas previamente antes da aplicação da vinhaça do solo.
Dentre as portarias, convém destacarmos a Portaria do Ministério do Interior nº 124, de
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20 de agosto de 1980, a qual refere-se às normas para localização e construção de
instalações que armazenem substâncias que possam causar poluição hídrica. O inciso 1º
da referida portaria explicita que “ Quaisquer indústrias potencialmente poluidoras,
bem como as construções ou estruturas que armazenam substâncias capazes de causar
poluição hídrica, devem ficar localizadas a uma distância mínima de 200 (duzentos)
metros das coleções hídricas ou cursos d’água mais próximos”.
O inciso da supracitada portaria considera apenas 200 metros a distância
mínima de quaisquer estruturas que armazenem ou conduzam substâncias com potencial
de causar poluição hídrica. Porém, não contempla alguns aspectos intrínsecos do local
como, por exemplo, a declividade, o tipo de solo e a necessidade de fazer escarifações,
entre outros aspectos. Nesse sentido, a Norma P4.231, da mesma forma que estabelece
critérios sobre a distância mínima para a aplicação da vinhaça em relação aos núcleos
urbanos e às APPs, deveria estabelecer também critérios em relação a distância mínima
das estruturas que armazenam e conduzem a vinhaça porém de forma mais rigorosa do
que estabelecidos pelo inciso 1º da Portaria nº 124/1980.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a expansão do setor sucroalcooleiro, o descarte e a destinação adequada da
à vinhaça tornou-se fundamental. O gerenciamento e manejo dos solos, bem como a
infra-estrutura e a logística de distribuição e aplicação da vinhaça precisam passar por
um processo de reengenharia com foco no aprimoramento da Gestão Ambiental.
As propostas da CETESB, em 1986, tiveram um papel fundamental na época em que
foram lançadas, pois tiveram impacto positivo no ambiente. Entretanto, com o passar
dos tempos, muitos aspectos inerentes ao uso e aplicação da vinhaça se mostraram
ineficazes e/ou insuficientes, requerendo uma série de inovações.
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A eclosão da Norma P4. 231 da CETESB incluem um conjunto de normas e
diretrizes que permitem orientar os produtores na aplicação da vinhaça nos solos de
forma mais adequada e correta, no que tange a prevenção de impactos ambientais e a
proteção ambiental, em especial, em relação às águas subterrâneas, ao solo, às APP,
Reserva Legal e aos núcleos urbanos próximos ao local.
Os impactos ambientais analisados nos estudos de caso e nas jurisprudências
revelam que boa parte poderiam ter sido evitados caso a Norma P4.231 tivesse sido
implementada antes da geração de tais passivos.
Por outro lado, tal Norma não contempla a questão da distância das destilarias,
dos tanques e tubulações que armazenam e conduzem a vinhaça em relação às águas de
superfície de forma mais rigorosa do que os 200 metros estabelecidos pela Portaria
124/80. Tudo indica, portanto, que os critérios estabelecidos por tal Norma, no que
concerne aos corpos hídricos, evitariam impactos ambientais às águas subterrâneas
porém, o mesmo não se pode afirmar em relação à prevenção aos impactos nas águas de
superfície.
Finalmente, cabe expressar que com a criação da Norma P4.231 abre-se um
grande espaço para pesquisa científica para avaliar sua eficiência e seu suposto impacto
positivo na preservação ambiental. Também há espaço para o desenvolvimento de
sistemas de gestão e desenvolvimento de modelos e de ferramentas de Cartografia e
Geoprocessamento para aprimorar a produção de Planos de Aplicação de Vinhaça.
5. REFERÊNCIAS
Brasil. PORTARIA MINTER Nº 124, de 20 de agosto de 1980. Estabelece normas para a
localização de indústrias potencialmente poluidoras junto à coleções hídricas.
http://www.ima.al.gov.br/legislacao/portariasministeriais/Portaria%20nb0%20124.80.pdf.
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CETESB (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental). 2005. Norma Técnica
- P4.231 – Vinhaça Critérios e Procedimentos para Aplicação no Solo Agrícola.
http://www.udop.com.br/download/legislacao_vinhaca.pdf.
Freire, W. J. & Cortez, L.B. 2000. Vinhaça de cana de açúcar. Guaíba-RS. Livraria e
Editora Agropecuária.
Lyra, Marília R. C. C. et al. 2003. Toposseqüência de solos fertigados com vinhaça:
contribuição para a qualidade das águas do lençol freático. Revista Brasileira de
Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, PB, DEAg/UFCG, v.7, n.3, p.525532. http://www.scielo.br/pdf/rbeaa/v7n3/v7n3a20.pdf.
Ludovice, M.T.F. 1997. Estudo do efeito da vinhaça infiltrada em canal condutor de
terra sobre o lençol freático. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) Faculdade
de Engenharia Civil - Universidade de Campinas. Campinas, 110 f.
Piacente, E.A. 2006. Perspectivas do Brasil no mercado internacional de etanol.
Dissertação (Mestrado em Planejamento em Sistemas Energéticos) – Faculdade de
Engenharia Mecânica - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 173f.
Santos, Marcos Bravin dos. 2000. Proposta metodológica para o planejamento do uso
agrícola da vinhaça, considerando os seus aspectos ambientais, por meio de sistema de
informações geográficas.. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) – Escola
de Engenharia de São Carlos – Universidade de São Paulo. São Carlos, 237f.
São Paulo. 1976. Decreto nº 8.468, de 8 de setembro de 1976. Aprova o Regulamento
da Lei nº 997, de 31 de maio de 1976, que dispõe sobre a Prevenção e o Controle da
Poluição do Meio Ambiente.
http://www.cetesb.sp.gov.br/Servicos/licenciamento/postos/legislacao/Decreto_Estadual
_8468_76.pdf
_______. 1976. Lei nº 997, de 31 de maio de 1976. Dispõe sobre o controle da poluição
do meio ambiente.
http://www.cetesb.sp.gov.br/licenciamentoo/legislacao/estadual/leis/1976_Lei_Est_997.
pdf.
__________. 2008. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. APELAÇÃO CÍVEL
SEM REVISÃO n° 408.989-5/5-00, da Comarca de SANTA BARBARA DOESTE, em
que é apelante USINA AÇUCAREIRA FURLAN S.A sendo apelada FAZENDA DO
ESTADO DE SÃO PAULO. http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/resultadoCompleta.do.
___________. 2008. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. APELAÇÃO CÍVEL
SEM REVISÃO n° 795.094-5/0-00, da Comarca de REGENTE FEIJÓ, em que é
apelante DESTILARIA SANTA FANY sendo apelados FAZENDA DO ESTADO DE
SÃO PAULO. http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/resultadoCompleta.do.
Sirvinskas, Luís Paulo de. 2008. Manual de Direito Ambiental. 6. ed. Ver., atual. e
ampl. São Paulo: Saraiva.
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