A REPRESENTAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS NO POLIAMOR Ana
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A REPRESENTAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS NO POLIAMOR Ana
“A MONOGAMIA É UMA INVENÇÃO SOCIAL”: A REPRESENTAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS NO POLIAMOR Ana Carolina de Almeida MARQUES (UFSJ)1 Introdução2 Este trabalho pretende, sob a perspectiva da Análise Crítica do Discurso, analisar a representação dos atores sociais no texto Redes sociais aproximam brasileiros adeptos do ‘poliamor’, publicado pelo site BBC Brasil. Nesse texto, aborda-se uma temática pouco convencional, pois apresenta relacionamentos que não se adaptam ao modelo socialmente compartilhado de relações amorosas no nosso país, relacionamentos não-monogâmicos. As bases teóricas dessa discussão se constituem, mais especificamente, pelos escritos de Pilão & Goldenberg (2012) e de Marcuschi (2007). Quanto à nossa metodologia utilizada, ela se compõe pelas categorias de análise da representação de atores sociais de van Leeuwen (1997). 1. Referencial Teórico 1.1. Categorização e a construção do mobiliário do mundo No livro Cognição, linguagem e práticas interacionais (2007), Luiz Antônio Marcuschi observa que a maior parte, ou mesmo boa parte das habilidades cognitivas da espécie humana, não são resultado de uma herança exclusivamente biológica, mas de uma variedade de processos sociais, históricos e ontogenéticos. Para ele, a cultura é o nosso “nicho” ontogenético. É através dela que nós elaboramos nossa cognição, tornando-nos seres sociais. Cultura, sociedade e cognição estão, para o autor, na base de toda a capacidade do ser humano de pensar e dizer o mundo (MARCUSCHI, 2007, p. 83). Além disso, Marcuschi afirma que não existem categorias naturais, já que não existe um mundo naturalmente categorizado. Para o autor, “as coisas ditas são Aluna do Programa de Mestrado em Letras, Teoria Literária e Crítica da Cultura da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), vinculada à linha de pesquisa Discurso e Representação Social. 2 Agradeço a leitura e sugestões de meu orientador, professor doutor Antônio Luiz Assunção (Delac/PROMEL/UFSJ). UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página 1 1 discursivamente construídas e a maioria de nossos referentes são objetos do discurso” (MARCUSCHI, 2007, p. 89). O mundo em que se dá a experiência sensorial não possui uma face externa que seja diretamente palpável aos nossos sentidos ou às nossas teorias. Toda e qualquer expressão do mundo articula-se inferencialmente na base de categorias e conceitos. Marcuschi partilha das ideias de Kant (anti-realistas), as quais afirmam que não é possível representar uma realidade que seja independente de nós. É preciso que ocorra a nossa participação cognitiva, pois, sem ela, não conseguiríamos atingir a coisa em si, não havendo, então, representação da realidade nem acesso à ela. (MARCUSCHI, 2007, p.90) Sendo assim, toda a nossa atuação sobre o mundo requer uma participação cognitiva. A maneira como nós dizemos as coisas aos outros é consequência da nossa atuação linguística sobre o mundo. As categorias, por exemplo, são construídas pelos sujeitos em suas práticas discursivas sob a base de processos cognitivos que podemos considerar sociais e culturalmente situados. Elas não são dadas nem naturais, mas construídas discursivamente. As categorias pretendem algo impossível, ou seja, mapear as estruturas do real num conjunto limitado e econômico de índices. Contudo, as categorias não podem ser tomadas como estruturas invariantes capazes de agruparem a realidade extramente de modo culturalmente insensível. Categorias não são entidades naturais. (MARCUSCHI, 2007, p. 99) Mais adiante, o autor defende quatro importantes teses. Para ele, a mente não é um museu mobiliado a priori; o mundo não é um museu mobiliado a priori; a linguagem não é um sistema ontológico nem classificatório; todos os objetos do conhecimento são objetos do discurso. (MARCUSCHI, 2007, p. 129) A mente, mais pontualmente, não é um mítico museu que é mobiliado a priori com entidades mentais como, por exemplo, as ideias platônicas, e nem o mundo está mobiliado pronto para receber etiquetas. Não existe algo como um museu mental ou como um museu mundano que operam como deterministas para as nossas significações discursivas. Ao levantar as quatro teses, o teórico aponta para “o problema da construção das categorias numa língua e numa cultura por uma comunidade de mentes sociais e elas sistemas de cognição e não contextos de inserção fixos. E ainda, a produção de UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página formas de representação do mundo. Para ele, as categorias estão ligadas à cultura, sendo 2 históricas”. (MARCUSCHI, 2007, p. 129) Marcuschi não entende as categorias como categorias pode ser vista como uma atividade sociocognitiva que se situa em contextos culturais específicos na tentativa de construção de conhecimento. (MARCUSCHI, 2007, p. 136) Por fim, para o autor, o sistema categorial de uma língua é fluido, o que pode ser visto como o efeito do princípio de simbolização. As categorias são mais modelos socioculturais do que mentais, sempre que designamos eventos, fatos ou indivíduos, fazemos com nomes que são, no geral, partilhados por uma comunidade que os usa. 1.3. A representação dos atores sociais O trabalho de Theo van Leeuwen (1997), A representação dos actores sociais, apresenta, logo em seu início, a questão geral à qual o autor pretende responder ao longo de seu texto: “quais são os diversos modos pelos quais os atores sociais podem ser representados no discurso inglês? Que escolhas nos apresenta a língua inglesa para nos referirmos às pessoas?” (VAN LEEUWEN, 1997, p. 169) De acordo com ele, essa questão é gramatical e, apoiando-se em Halliday, vê a gramática como sendo um potencial de significados – o que pode ser dito – em vez de um conjunto de regras – o que deve ser dito. Contrariamente a muitas outras formas de Análise Crítica do Discurso, orientadas em termos linguísticos, o autor procura delinear um inventário sócio-semântico dos modos pelos quais se pode dar a representação dos atores sociais e estabelecer a relevância sociológica e crítica de suas categorias antes de se dedicar à questão de como é que se realizam linguisticamente. De acordo com van Leeuwen, não há uma co-referência exata entre as categorias sociológicas e linguísticas e, se a Análise Crítica do Discurso se restringir demais a operações ou categorias linguísticas ao analisar um determinado tipo de representação, muitos exemplos podem ser desconsiderados. (VAN LEEUWEN, 1997, p. 170) Em seguida, o teórico expõe categorias, de forma clara e detalhada, para a análise da representação dos atores sociais. A primeira categoria apresentada é a exclusão. Nessa categoria, “as representações incluem ou excluem actores sociais para servir os seus interesses e propósitos em relação aos leitores a quem se dirigem” (VAN LEEUWEN, sociais. Já, ao se colocar em segundo plano, os atores sociais são não mencionados em UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página em segundo plano. Na supressão, não há referência, em qualquer parte do texto, aos atores 3 1997, p. 180) A exclusão pode acontecer de duas formas, através da supressão e do colocar relação a uma certa atividade, mas são mencionados em partes distintas do texto e podemos inferir com alguma certeza quem eles são. A segunda categoria apresentada por van Leeuwen (1997) é a distribuição de papéis. Para ele, “quem é representado como agente (Actor), e como paciente (Finalidade) no que diz respeito a uma dada acção?” (VAN LEEUWEN, 1997, p. 186) De acordo com o autor, não é necessário que exista uma coerência entre os papéis que os atores sociais desempenham nas práticas sociais e os papéis gramaticais que lhes são imputados nos textos. As representações podem caracterizar os atores, então, com papéis ativos ou com papéis passivos (ou beneficiários). A associação é uma maneira pela qual os atores sociais podem ser representados como grupos. Sendo assim, “consiste em grupos formados por actores sociais e/ou grupos de actores (referidos quer genérica quer espeficicamente) que nunca são classificados nos textos (embora os actores ou grupos que integram a associação possam, naturalmente, ser nomeados e/ou categorizados)”. (VAN LEEUWEN, 1997, p. 197) A forma mais comum de realização da associação é através da parataxe, na qual a representação de um grupo é dada como uma aliança existindo apenas em relação a uma atividade específica ou a um conjunto de atividades. Por fim, é apresentada a categoria de identificação. (VAN LEEUWEN, 1997, p. 202) Essa categoria ocorre quando os atores sociais são definidos com relação àquilo que, mais ou menos permanente, ou, de certa forma, inevitavelmente, são. Van Leeuwen (1997) distingue três tipos: classificação, identificação relacional e identificação física. A classificação inclui dados como a “idade, sexo, origem, classe social, riqueza, raça, etnicidade, religião, orientação sexual etc”. (VAN LEEUWEN, 1997, p. 202) A identificação relacional, de acordo com o autor, possui um papel menos importante do que o da classificação. A identificação relacional representa os atores sociais através das relações pessoais, de parentesco ou de trabalho que existem entre si, sendo realizada pelos substantivos que denotam essas relações. A identificação física é a categoria que representa os atores sociais em termos de características físicas que possam identificá-los de forma singular num determinado contexto. termo “poliamor”, que teria aparecido em dois momentos distintos da década de 1990. UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página Pilão e Goldenberg (2012), ao citar Cardoso (2010), apresentam o surgimento do 4 1.4. Poliamor Primeiro, em um evento público em Berkeley (Califórnia), em agosto de 1990, composto por “neopagãos” pertencentes à “Igreja de todos os mundos”, que se destinava a criar um “Glossário de Terminologia Relacional”. Essa foi considerada por Cardoso (2010), como afirmamos autores, a primeira vertente poliamorista, com bases espiritualistas e pagãs. No entanto, não houve uma grande circulação do termo, o que acabou favorecendo um segundo surgimento, com um viés mais cosmopolita e menos transcendentalista, que pretendia ajudar a solucionar problemas práticos dos relacionamentos. Em maio de 1992, Jennifer Wesp utilizou o termo como sinônimo da não monogamia em um grupo de discussões pela internet, criando, em seguida, o primeiro grupo de e-mails que tinha como objetivo discutir o “poliamor”, o alt.polyamory. (PILÃO & GOLDENBERG, 2012, p. 63) Os autores afirmam que o termo poliamor, tomado como uma alternativa ao de “não monogamia”, é explicativo para que se possa compreender a relação entre poliamor e monogamia. Pois, de acordo com Pilão e Goldenberg, o termo depende de seu oposto para que o seu sentido seja constituído. Mesmo que essa afirmação se mostre pouco sustentável devido à existência de outros modelos de relacionamento não monogâmicos, os pesquisadores citam a poligamia, o swing e o relacionamento aberto. Os sociólogos apresentam os resultados de entrevistas feitas com “poliamoristas”. Para os entrevistados, ainda a respeito de outros modelos de relacionamento não monogâmico,“(...) a poligamia pressupõe assimetria de gênero, ou seja, há um único polígamo em cada relação. Já no poliamor, é indispensável que a possibilidade de mais de um relacionamento simultâneo seja tanto de homens quanto de mulheres.” (PILÃO& GOLDENBERG, 2012, p. 64). Já a respeito do swing e do relacionamento aberto: O swing e o ‘relacionamento aberto’ (RA) seriam outras formas de ‘não monogamia’ uma vez que prevêem relações sexuais com mais de uma pessoa. No entanto, como mostra, Von der Weid (2008), do ponto de vista amoroso, os ‘swinguers’ afirmam-se monogâmicos. O mesmo é observável entre praticantes de relacionamento aberto’, em que, em geral, há um único amor possível. (PILÃO, 2012, p. 64) Como afirmam os autores do texto, alguns pesquisadores, ao enfatizarem a percepção hierárquica das identidades, os modelos de relacionamento amoroso da envolvimento de ciúme, competição, controle, posse e mentira. O poliamor, por sua vez, apresenta-se no ponto máximo da escala, pois se aproximada liberdade, igualdade, UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página escala evolutiva. A monogamia está, dessa forma, no estágio menos desenvolvido, pelo 5 monogamia, swing, relacionamento aberto e poliamor podem ser vistos a partir de uma cooperação, compersão3 e honestidade. Funda-se, então, um binarismo identitário, de acordo com o autor, em que a monogamia é o “outro absoluto” do poliamor e o relacionamento aberto e o swing, o “entre lugar”. (PILÃO& GOLDENBERG, 2012, p. 65) 2. Contextualização A seguir, analisar-se-á uma publicação4 do dia 08 de dezembro de 2014 feita pelo site BBC Brasil. Essa publicação se constitui por um texto multimodal, assinado por Ricardo Senra, cujo nome é acompanhado pelas informações Da BBC Brasil em São Paulo. O texto pode ser acessado através da seção presente no topo da página inicial do site intitulada #SalaSocial. A publicação em questão possui o título #SalaSocial: Redes Sociais aproximam brasileiros adeptos do ‘poliamor’, estruturando-se em cinco pequenos textos, cada um sendo identificado enquanto tal pelo seu subtítulo, “A monogamia é uma invenção social.”, Famílias, ‘Amar é natural’, Encontros, Jurisprudência. 3. Análise 3.1. Metodologia de análise Para este trabalho, serão utilizadas as categorias e subcategorias de representação dos atores sociais de van Leeuwen (1997), inclusão, exclusão, distribuição de papéis, associação e identificação. Através dessas categorias, os modos pelos quais os atores sociais são representados no discurso podem ser identificados e analisados para se determinar os efeitos de sentido dessas escolhas linguísticas. Para que a análise possa ser realizada de forma mais didática, foram utilizados seis tipos de símbolos para a indicação das categorias e subcategorias encontradas em cada recorte (neste trabalho, refere-se ao subtítulo e o texto apresentado abaixo desse). Sendo assim, tem-se, quando um ator social for incluído, o símbolo seta () para indicá-lo. No entanto, quando a inclusão acontecer por associação, ela será indicada pelo uso do sublinhado (associação). Considerando-se os papéis que são dados aos atores, eles serão 3 Sentimento explicado como o oposto dos ciúmes. (Site Poliamor Brasil) Último acesso em 10 de dezembro de 2014 às 14h 22 minutos. 4 UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página 6 marcados na publicação pelo uso do negrito seguido por passivo ou ativo entre parênteses. A subcategoria de inclusão, funcionalização, será demarcada pelo uso das chaves {funcionalização}, a classificação entre barras //classificação// e a identificação relacional entre colchetes [identificação relacional]. 3.2. Redes sociais aproximam brasileiros adeptos do ‘poliamor’ Para este trabalho, a publicação do site BBC Brasil será dividida em recortes e esses analisados para que as categorias e subcategorias de representação de atores sociais de van Leeuwen (1997) possam ser localizadas e consideradas. 1 -“A monogamia é uma invenção social." (a) Se por muito tempo a opinião dos chamados poliamoristas foi compartilhada(PASSIVO)à boca pequena, em reuniões íntimas ou mesas discretas de fundo de bar, agora a banda toca diferente: com ajuda das redes sociais, o poliamor "saiu do armário". (b) Em grupos secretos ou fechados no Facebook, milhares de "trisais"("casais" formados por três indivíduos), "quatrilhos" (quatro pessoas), grupos e curiososdefendem(ATIVO)a possibilidade de múltiplos relacionamentos amorosos simultâneos, sempre com o consentimento de todos os envolvidos. (c) Nas redes, compartilham (ATIVO)suas fotos, dúvidas e experiências. Discutem(ATIVO)ciúme, fidelidade e regras para relacionamentos "poli". Detalham(ATIVO) diferentes modelos de relações. Trocam (ATIVO) dicas para a discussão do tema em família etomam(ATIVO)coragem para se assumirem publicamente. (d) Também, claro, aproveitam (ATIVO) o espaço para flerte e para encontrar novos pares. O uso, em (a), do léxico “poliamoristas” e, depois, em (b), dos léxicos "trisais", "quatrilhos", grupos e curiosos associam atores sociais em relação a uma atividade específica, neste caso, na prática do poliamor. A associação dos atores também acontece, de maneira mais abrangente, através da conjunção aditiva, em (b), e que coordena quatro grupos nominais. Esses atores são incluídos novamente no trecho, através das desinências dos verbos “compartilham”, “discutem”, “detalham”, “trocam” e “tomam” em (c); e, em (d), “aproveitam”. A inclusão dos atores sociais é representada, nos recortes analisados, por uma seta. Em seguida, pode-se observar, através dos processos verbais, em negrito, que os atores sociais recebem papéis, podendo esses serem ativos ou passivos. Em (a), há um Página como se estivessem se submetendo a essa ação. Já em (b), (c) e (d), por outro lado, todos 7 papel passivo, distanciando os atores da ação de compartilhar suas opiniões, representados UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. que foram incluídos aparecem como atores do processo material, representados com forças ativas e dinâmicas nas atividades abordadas. 2 –Famílias (e) "Sou casada no papel com Joviano há 12 anos. Conhecemos (ATIVO)Daiane há sete. Há dois, moramos(ATIVO)todos juntos. Dois [filhos] são biologicamente meus e dois são dela. No coração, eles são [filhos] dos três", conta(ATIVO)a {dona de casa} Juliana Cabral, de 30 anos, ao #SalaSocial. (f) Ao lado de Daiane, Joviano e dos quatro[filhos], ela diz(ATIVO)viver uma experiência familar poliamorosa "bem-sucedida". (g) Os [filhos] hoje aceitam(ATIVO)bem o modelo não-convencional. "Eles dizem (ATIVO) para os amiguinhos que têm duas mães", conta (ATIVO), orgulhosa. (h) Mas nem sempre foi assim. "Foi difícil para o mais velho. Ele perguntou (ATIVO): 'você é //sapatão//, [mãe]?'. Eu disse (ATIVO) que não. Contei (ATIVO) queamo (ATIVO) estas duas pessoas igualmente, independente de gênero. Aí ele começou a relaxar." (i) A dificuldade não residia só dentro da casa simples onde vivem (ATIVO), na cidade goiana de Aporé, cuja população não chega a quatro mil pessoas. (j) "Minha [mãe]deixou(ATIVO)de falar comigo. Meu [pai] não toca (ATIVO) no assunto. Às vezes, {professoras} nos chamam para entender como são as coisas. Tudo bem, vou (ATIVO) e explico (ATIVO). Já aconteceu de uma delas, //evangélica//, proibir as crianças de tocarem no assunto. 'Era pecado'. Então, mudamos(ATIVO)de escola." Os sujeitos incluídos pela publicação são representados pelas setas. Essa inclusão aconteceu através do uso dos nomes do atores, Jovino, Daiane, Juliana Cabral e através de pronomes possessivos, meus, dela em (f). Os atores sociais são incluídos também em termos de suas ocupações ou funções, como se pode ver nas palavras entre chaves em (f) e (l), “dona de casa” e “professora”, correspondendo à subcategoria funcionalização. Em (i) e (l), as palavras “sapatão” e “evangélica” são utilizadas para fazer referência aos atores sociais pelas categorias ou instituições que diferenciam classes de pessoas. Dessa maneira, têm-se exemplos da subcategoria identificação, a classificação. A identificação relacional, outra categoria da identificação, também pode ser encontrada. Em (f), (g), (h), (i) e (l), têm-se os atores sociais sendo representados através de relações pessoais de parentesco, como pode ser notado pelos substantivos entre colchetes. A associação também é encontrada em 2. Em (g), o uso das conjunções ao lado de e e associa o ator social Juliana UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página (relacionamento poliamoroso) que eles vivem. 8 aos outros grupos nominais, Jovino, Daiane, quatro filhos com relação ao tipo de atividade A exclusão é outra categoria que pode ser identificada no recorte anterior. Através do colocar em segundo plano ou do encobrimento, os atores sociais Daiane e Joviano são secundarizados na publicação, seus papéis são reduzidos. Em (f) os atores são apresentados, mas somente retomados depois em (i), pela desinência do verbo “vivem”, e, em (l), pela desinência verbal “mudamos”. Juliana, ao contrário dos outros dois, é o ator social mais incluído, pois a publicação representa, através de entrevista, seus pontos de vista. Pode-se apontar também o encobrimento de três dos quatro filhos do ‘trisal’, pois somente o filho mais velho tem uma de suas falas representada. No recorte 2, observa-se que os papéis distribuídos aos atores sociais foram de agentes. Os atores sociais são representados com forças ativas e dinâmicas, o que pode ser percebido pelos verbos em negrito. 3 -‘Amar é natural' (k) A principal das barreiras a se enfrentar, diz(ATIVO) Juliana, era ela própria. (l) "Atédescobrir o grupo, eu me sentia pessoa errada. Lá quedescobri (ATIVO) que amar é natural. Então procuramos (ATIVO) ajuda psicológica e só confirmamos(ATIVO)isso. Se dá para amar seis filhos, por que não amar seis maridos ou esposas? O que impede a gente? Aprendi (ATIVO) a resposta: a sociedade." (m) O grupo a que Juliana se refere (ATIVO) está no Facebook, chama-se Poliamor e reúne mais de 5 mil interessados. "A internet me ajudou (ATIVO) muito, moço. No começo eu tinha (ATIVO) vergonha de dizer que era casada com um homem e uma mulher. Vendo (ATIVO) os depoimentos, vi(ATIVO)muita gente como eu. E era gente feliz." (n) Com a ajuda dos desconhecidos da rede, vergonha se tornou orgulho. (o) "Ponho (ATIVO) foto no Facebook. Faço (ATIVO) declarações. Todo mundo sabe. Nos queremos (ATIVO) bem, não fazemos (ATIVO) mal a ninguém e precisamos (ATIVO) ser respeitados. Poliamor não é suruba ou safadeza. Poliamor é amor." Neste recorte, novamente, os atores sociais são representados, unicamente, por ações com forças ativas. Constituem-se, assim, papéis ativos. Observa-se isso pelos processos em negrito, seguidos pela sua classificação entre parênteses. Com relação à categoria de inclusão, o ator social Juliana é incluído, em (m) e em (o), através de seu nome e, através das desinências dos verbos “descobri”, “aprendi” em Página incluído também através do pronome oblíquo “me”. Os outros atores sociais participantes 9 (n), “tinha”, “vi” em (o) e, em (q), “ponho”, “faço”. Em (n) e (o), esse ator social é UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. do ‘trisal’, Daiane e Joviano são incluídos através das desinências dos verbos “procuramos”, “confirmamos” em (n), “queremos”, “não fazemos” e “precisamos” em (q). Ao se considerar a recorrência com que o ator social Juliana é incluído, e, mais uma vez, Jovino e Daiane são colocados em secundo plano, podemos afirmar, dessa forma, que a representação dos últimos é reduzida na publicação. As categorias de associação e de identificação não foram encontradas em 3. 4 –Encontros (p) A principal dificuldade relatada nos grupos pelos novatos (PASSIVO)é identificarem qual categoria poliamorosa se encaixam (ATIVA). (q) Mais comum, o termo poligamia é rechaçado pela maioria dos poliamoristas(PASSIVO). "A poligamia sempre foi associadaaos haréns, a relações machistas entre homens e várias mulheres. Aqui os direitos são iguais e mulheres têm direito(ATIVO) de ter quantos homens desejarem",explicam. (r) O cardápio é vasto, e incluitriângulos abertos (por exemplo, uma mulher casada com dois homens que não se relacionam(ATIVO) entre si), triângulos fechados (trios em que todos os membros se relacionam)(ATIVO) a grupos em que os quatro integrantes se relacionam(ATIVO). (s)Nuno*, Lucas* e Rômulo* formam(ATIVO) um triângulo fechado. "Esse é meu{marido}e esse é meu{namorado}", diz(ATIVO) o primeiro, apontando (ATIVO) para a foto em que aparece abraçado a dois rapazes - um, com quem se casou(ATIVO) no papel no ano passado e outro, com quem ambos se relacionam (ATIVO) (e vivem(ATIVO) juntos) há dois meses. (t) Ele conta(ATIVO) que, uma vez juntos, precisaram(ATIVO) conversar para definir as regras da relação para driblar o ciúme e possíveis frustrações. (u) "O 'contrato' padrão dos namoros e casamentos por aí é normativo: 'eu não traio(ATIVO) e você não me trai(ATIVO)'. Quando fugimos(ATIVO) desse padrão, precisamos(ATIVO)colocar parâmetros: Seremos só nós três? Podemos fazer com mais gente? Sempre todos juntos ou pode separado? Tem que avisar antes ou não tem?". (v) As regras, diga-se, ainda são obscuras na legislação. Em 4, como se pode atentar, são incluídos novos atores sociais e retomados outros. Poliamoristas, em (q), aparecem novamente incluídos pela publicação. Em (p), tem-se a inclusão dos novatos e, em (s), dos participantes do ‘trisal’, Nuno, Lucas e Rômulo. Podese observar ainda, que o ator social Nuno, é incluído, sozinho, através do uso de pronomes possessivos e do pronome oblíquo me em (u). pela conjunção coordenada aditiva e na construção Nuno, Lucas e Rômulo, que funciona 10 associando esses nomes. Além da conjunção, a preposição com também pode ser Página A categoria associação é encontrada, em (s), pelo uso da parataxe, caracterizada UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. considerada como a representação de uma ligação ou aliança dos atores sociais em relação a uma atividade específica. É necessário notar, ainda em (s), que a identificação relacional se faz presente. São utilizados os substantivos marido e namorado para representar os atores sociais em termos de relações pessoais. Pode-se afirmar, da mesma forma que se fez no trecho 3, que um ator social é mais incluído pela publicação do que os outros, sendo esses colocados em segundo plano. Apesar dos três serem apresentados pelos nomes em (s), é Nuno quem é incluído através dos pronomes possessivos e oblíquo, da identificação relacional e das desinências dos verbos diz, se casou, conta, traio. Um dos atores participantes do ‘trisal’, Lucas ou Rômulo, é incluído pelas desinências dos verbos relacionam, vivem, precisaram. Por essas desinências, é possível constatar que estão incluídos Nuno e o seu marido, mas, como a publicação não se expressa claramente a esse respeito, não se pode afirmar se esse é Lucas ou Rômulo. Em (u), por outro lado, pode-se dizer que os três participantes da relação são incluídos pelas desinências de fugimos, precisamos, seremos, podemos. Além disso, vale destacar que os nomes dos participantes são seguidos por asterisco, o que nos leva a uma informação apresentada no final da página: os nomes são fictícios a pedido dos entrevistados. Isso nos permite afirmar, considerando um dos possíveis efeitos de sentido dessa escolha, que os entrevistados buscaram se proteger, preocupados com a repercussão de se assumir homossexual e poliamorista em seus meios familiares, sociais e profissional. Para considerarmos a última categoria presente neste recorte, é preciso se ater à distribuição de papéis. Em (p) e (q), têm-se, aos atores sociais, atribuídos papéis passivos. Os atores são representados como se estivessem submetidos às ações, faltando-lhes forças ativas. Nos outros processos presentes em 4, os papéis representados pelos atores são ativos, representados com forças dinâmicas. Como parece ser comprovado por esse e pelos outros recortes da publicação, é predominante a representação dos atores sociais, na publicação em questão, com papéis ativos, com formas dinâmicas. cidade de Tupã, interior de São Paulo. Uma escritura pública de União Afetiva uniuoficialmente duas mulheres e um homem que viviam(ATIVO) na mesma casa há três anos. UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página (w) A principal experiência de oficialização de relações poliafetivas no Brasil foi registrada em 2012, na 11 5 –Jurisprudência (x) Em entrevista à BBC Brasil na época, a {tabeliã} Claudia do Nascimento Domingues, que lavrou(ATIVO) a união, defendeu(ATIVO) que nada na Constituição brasileira impedia mais de duas pessoas de viverem(ATIVO) como família. (y) "O modelo descrito na lei é de duas pessoas. Mas em nenhum lugar está dizendo que é crime constituir uma família com mais de dois. E é com isso que eu trabalho(ATIVO), com a legalidade. Sendo assim o documento me pareceu bastante tranquilo. Trata-se de um contrato declaratório, não estou casando(ATIVO) ninguém", afirmou(ATIVO) Claudia na oportunidade. (z) Nuno*, o rapaz que vive(ATIVO)com outros dois apresentado (PASSIVO) nesta reportagem, reclama (ATIVO): (a) "Estes documentos de cartório funcionam como uma declaração de sociedade. Aí tudo é gerenciado como se fosse uma empresa, para efeito de partilha de bens. Não é a mesma coisa (que uma relação reconhecida no papel)." No recorte anterior, é possível identificar a inclusão do ator social Claudia do Nascimento Domingues em (x). A sua inclusão aconteceu através da funcionalização, sendo representada como tabeliã (entre chaves no trecho). Nuno, o ator social apresentado em 4, é retomado em (z). Ele, novamente, é associado, através da preposição com, aos outros membros do trisal do qual faz parte, mas, os outros membros do trisal são colocados em segundo plano, pois não são incluídos através de desinências verbais ou pronomes. São somente associados a Nuno, enquanto esse é representado pela construção o rapaz que vive, apresentado e pela desinência do verbo reclama. Os papéis distribuídos em 5, são, em sua maioria, de atores sociais ativos. Os atores são representados como se participassem efetivamente das ações, com forças dinâmicas. Foi encontrado, em (z), o único papel passivo representado no trecho. O processo em questão caracteriza o ator social como se esse estivesse se submetendo a atividade de sua apresentação. 3.3. A representação do atores sociais no poliamor Outra forma de apreciar as categorias analisadas anteriormente é apresentada, a seguir, em um gráfico que demonstra o número de ocorrências de cada categoria. O maior número de dados encontrados é referente aos papéis atribuídos aos atores sociais. Em 61 das ocorrências, os atores são representados com forças ativas e dinâmicas, apresentadas buscam representar os poliamoristas a partir de seus pontos de vista. Quanto aos papéis passivos, em somente 3 das ocorrências foram atribuídos esses papéis.Pode-se UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página representação que a publicação faz dos atores em questão, pois as construções linguísticas 12 como participantes efetivos das ações. Esse fato pode se relacionar ao tipo de notar, em 1(a), que o uso da passivação representa o distanciamento dos atores e da ação propriamente dita, como, se devido à obscuridade que envolvia esse tipo de relacionamento, pudesse-se submeter os atores à prática. Nos outros casos de atribuição de papéis passivos, nota-se, já que os atores não são representados com forças dinâmicas, que os seus papéis perdem a força e, consequentemente, aquilo que “relatam”, em 4 (p), e que “rechaçam” em 4 (q). Representação dos atores sociais Associação Papéis Ativos Papéis Passivos Funcionalização Identificação Relacional Classificação Gráfico – Representação dos atores sociais na publicação analisada Em 11 das ocorrências, a categoria associação foi utilizada para a representação dos atores sociais. A própria escolha do tema, poliamor, pode ser vista como uma forma de associar os atores, já que, ao se discorrer sobre o tema, praticantes desse tipo de relacionamento são pontuados. Além disso, busca-se representar, na publicação, vários pontos de vista de atores que se relacionam ao poliamor de uma forma ou outra, sendo assim, os atores acabam sendo associados. Com relação às 3 ocorrências de funcionalização, entende-se que o uso dessa categoria se deva a uma razão: legitimação. Como pode ser observado quando as funções tabeliã, professoras e dona de casa foram citadas. Em 2 (j), professoras são representadas para a legitimação da relação entre os filhos do ‘trisal’ e as profissionais de uma instituição frequentada por eles. Ao se pensar numa relação etnográfica de poder, o professor é aquele que pode corrigir e avaliar o seu aluno. Justificando-se, assim, a atitude de Juliana quando essa disse ter mudado os filhos de escola quando uma das professoras não os permitia tocar trecho de subtítulo Jurisprudência. A sua profissão foi citada para a legitimação de sua 13 fala, como se tivesse sido utilizado um argumento de autoridade. Em 2(e), quando Juliana Página no tipo de relacionamento vivido pelos seus pais. A profissão tabeliã foi representada no UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. é citada como dona de casa, a publicação a representa como uma mulher não diferente de outras, que se dedica em tempo integral à cuidar de sua casa e família. A categoria identificação relacional, também pode ser associada à legitimação, pois os substantivos utilizados relacionam-se a relações de parentesco, que constituem uma família. Mais uma vez demonstrando, dessa forma, que o relacionamento vivido por Juliana e seus parceiros e filhos, apesar de um pouco diferenciado, constitui uma família assim como qualquer relacionamento monogâmico. Em 4(s), quando a publicação aborda a relação de Nuno, Lucas e Rômulo, pode-se identificar também uma aproximação à família, pelo uso do substantivo marido. No entanto, em seguida, o substantivo marido é associado ao substantivo namorado através da conjunção coordenativa aditiva e, o que representa uma característica dessa família. Por fim, é necessário apontar que alguns atores sociais podem ser considerados mais incluídos que outros, como é o caso de Juliana e Nuno. A publicação representa o ponto de vista desses atores sociais poliamoristas, percebidos através do uso de aspas nos recortes 2, 3 e 4. No entanto, os outros atores sociais participantes dos relacionamentos são colocados em segundo plano, como acontece com Daiane, Jovino e com Lucas e Rômulo. Considerações Finais A análise da representação dos atores sociais na publicação da BBC Brasil demonstrou que os praticantes do poliamor foram incluídos em todas as partes do texto. Foram utilizadas diversas formas de incluí-los, como associação, funcionalização, classificação e identificação relacional. Os atores, em sua maioria, foram representados com papéis ativos. No entanto, apesar disso, pode-se perceber que não são representados todos os atores sociais envolvidos num relacionamento poliamoroso. Na publicação estudada, para cada relacionamento, somente uma das pessoas é representada, as outras são incluídas, mas em segundo plano. Essas características de representação podem estar relacionadas à visão ainda preconceituosa a respeito de relações amorosas diferentes da convencional que, no Brasil, é que recorrem a argumentos ligados à moral e aos bons costumes. UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página como correta pelos preceitos religiosos e por parcelas mais conservadoras da sociedade, 14 exemplificada pelo relacionamento monogâmico. Essa forma de relacionamento é vista Diante disso, representações do poliamor na mídia se fazem, a cada dia, mais necessárias para que essa forma de relacionamento possa ser conhecida, derrubando-se falsas assunções que a relacionam a posturas de indecência e imoralidade. Referências Bibliográficas MARCUSCHI, L. A. Cognição, linguagem e práticas interacionais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. (Capítulos 4 e 6). VAN LEEUWEN, T. A representação dos actores sociais. In: PEDRO, E. R. (Org.).Análise Crítica do Discurso: uma perspectiva sociopolítica e funcional. Lisboa: Editorial Caminho, 1997. p. 169-221. PILÃO, A. C.; GOLDENBERG, M. Poliamor e monogamia: construindo diferenças e hierarquias. In: Revista Ártemis, Edição V. 13; jan-jul, 2012. pp. 62-71. Referência do material de análise Página 15 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141206_salasocial_poliamor_rs UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>.