MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos. Rio de Janeiro

Transcrição

MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos. Rio de Janeiro
‘ Se a existência perdura, é que os homens preferem-na à morte’
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1998
Douglas Calixto*
No livro O Tempo das Tribos, o sociólogo Michel Maffesoli apresenta uma
reflexão sobre o novo tipo organização social que se arranja na pós-modernidade. O
trabalho gira em torno do que o autor chama de desindividualização, ou seja, um
processo de esgotamento do individualismo - que se apoia em uma identidade fechada
em torno de si mesma. Como resultado, emerge a época das tribos, onde os sujeitos
históricos se arranjam na alteridade, buscando conexões de afetividade e interesse
comum com o outro.
Como tribo, Maffesoli entende grupos sociais que se deslocam dentro do
processo de massificação da sociedade moderna, não sendo estáticas, pelo contrário, em
constante transformação. E se a sociedade é maleável, afirma, é porque é composta por
seres humanos, que têm motivações diversas, são instáveis e podem de deslocar para
contextos diferentes. Para destrinchar essa reflexão, o autor divide a obra em seis
capítulos: Comunidade emocional, A Potência Subterrânea, A Sociedade contra o
Social, O Tribalismo, O Policulturalismo e Da Proxemia.
1. Comunidade emocional
Neste capítulo Maffesoli discorre sobre o sentimento comum que integra as
pessoas. Citando autores como Durkhein e Gilbert Durand, explica como a identidade
dos indivíduos é mutável para se inserir ao todo, pois as pessoas utilizam ‘máscaras’
que podem ser maleáveis e “que se integram sobretudo numa variedade de cenas e de
situações que só valem porque representadas em conjunto”, diz Maffesoli (1998, pg.
20). Assim, o individualismo é substituído pela necessidade de identificação com um
grupo. Nessa perspectiva, na pós-modernidade as massas que se diluem em tribos, ou
nas tribos que se agregam em massas, esse reencantamento tem como cimento principal
uma emoção ou uma sensibilidade vivida em comum. A esse movimento o nome de
Comunidade emocional.
Portanto, os indivíduos na sociedade atual se entrelaçam naquilo que o autor
chama de emoção coletiva. No entanto, destaca Maffesoli, uma vez que essa
comunidade emocional está condicionada ao sentimento do atores sociais, ela está
propensa a mudanças, efêmeras. O ser humano busca a proximidade com “daqueles que
pensam e sentem como nós”. Citando ‘A obra de arte na era da reprodutibilidade
técnica’ de Walter Benjamin, o autor afirma que existe uma espécie de aura sobre esse
sentimento que cria as comunidades emocionais. Como regulador desse emaranhado de
sentimentos está a ética, que, para Maffesoli (1998, pg. 29), é “cimento que fará com
que diversos elementos de um conjunto dado formem um todo”.
2. A Potência Subterrânea
Maffesoli abre o capítulo citando Durkhein para explicar a existência de uma
força coletiva, também exemplificada como “uma capacidade de se indignar em
comum”. “Se a existência perdura, é que, em geral, os homens preferem-na à morte”,
diz Durkhein (Maffesoli, 1998, pg 48). A citação é feita para discorrer justamente sobre
essa força que move os indivíduos e os organiza em grupos de interesse comum. A isso
o autor chama de “vitalismo”, que nada mais é uma potência que move as pessoas para
viver em conjunto, compartilhar sentimentos e experimentar a vida em sociedade.
A conexão entre pessoas, através desse sentimento que os une, constitui
comunidades locais, tribos, e a união dessas, gera aquilo que o autor chama de “aldeias
na cidade”.
O autor também discorre sobre aquilo que há anterior à potência subterrânea e a
capacidade de manifestação. Antes de lutar por direitos ou por um sentimento em
comum, os atores sociais se relacionam entre si de forma mais interpessoal, ou seja, em
conversas, brincadeiras, zombarias, ironias, etc. Maffesoli: “o riso e a ironia são
explosões de vida, ainda que e sobretudo quando esta é explorada e dominada”.
Maffesoli cita Bataille, onde este afirma que o vitalismo natural do povo e o aspecto
risível do poder, podem ser resumidos pelo termo “dispêndio”.
3. A Socialidade contra o social
Neste capítulo, Maffesoli discorre sobre o poder de mobilização que os
indivíduos têm quando inserido em um todo. Da potência subterrânea explicada
anteriormente, o autor discorre sobre como os atores sociais tem uma potencialidade
para se reunir e lutar por um sentimento em comum. As manifestações, motins, lutas por
condições de trabalho são exemplos desse ‘desejo’ explicado pelo autor.
Maffesoli (1998, p. 89) “o povo enquanto massa tem como responsabilidade
essencial triunfar sobre a morte todos os dias”. De acordo com o autor, “o poder pode e
deve se ocupar da gestão da vida, a potência é responsável pela sobrevivência”. Como
não sabemos se vamos estar vivos amanhã, o que importa é lutar por nossa
sobrevivência hoje, o que importa é o concreto mais extremo: presente (presenteísmo).
Essa busca pela sobrevivência da espécie é o que une as diferentes tribos, os diferentes
grupos, configurando-se assim, a massa.
Essa massa constitui-se de uma “alma coletiva, na qual as atitudes, as
identidades e as individualidades se apagam”, segundo Maffesoli (1998, p. 93), que
afirma ainda que “a massa é feita por ‘nós’ e de proximidade”. O indivíduo transcende a
si, e assim, liga-se a um grupo, de forma real ou fantasmática, e adquirindo, por isso,
valor.
4. O Tribalismo
Neste capítulo Maffesoli aprofunda a reflexão sobre como o coletivo interfere
sobre as relações individuais. Para o autor, “o estar junto é fundamental” e a interação
entre indivíduos interdependem de uma formação discursiva já existente no coletivo
antes de ser individualizadas. Ou seja, nossas percepções e nossa opiniões sobre a
realidade são anteriores a nós mesmos, tendo origem ao grupo no qual pertencemos.
A socialidade do qual o autor trata é, portanto, sentimentos, motivações compartilhadas,
compartilhadas, o vitalismo que estão no consciente dos indivíduos e que se manifestam
manifestam no coletivo. Maffesoli (1998, p. 107) diz que os atores em sociedade são
como “uma constelação cujos diversos elementos se ajustam sob forma de sistema sem
sem que a vontade ou a consciência tenham nisso alguma importância”.
Para o autor, essa socialidade, manifestada em nossos sentimentos, é escolhida
de acordo com o nosso desejo, que pode escolher o que queremos próximo e o que
queremos distantes. Ou seja, compartilhamos hábitos, costumes, ideologias, etc a partir
de um sentimento que nos aproxima um dos outros. E, assim, podemos nos organizar,
protestas e nos defender daqueles que atentam contra esse sentimento compartilhado.
Nessa perspectiva, na pós-modernidade, os indivíduos se entrelaçam e interagem
naquilo que o autor chama de “declínio do individualismo”, pois agora operam em
grupos. Esse movimento se manifesta em ambientes comunicacionais, onde os locais
são desterritorializados, oferecendo várias ferramentas de colaboração e dinâmica de
compartilhamento de opiniões.
5. Policulturalismo
O autor discute neste capítulo a diversidade das tribos estabelecidas na pósmodernidade. São a partir delas que nos movemos e nos ajustamos em torno de um
todo. que nos configura, nos ajusta e nos faz ajustar-nos uns aos outros. Antes de termos
uma posição ou atitude sobre um determinado assuntos, os indivíduos são acima de tudo
um conjunto de diversos fatores, ou seja, policultural.
6. Proxemia
Neste capítulo Maffesoli (1998, p. 173) discorre da apropriação do conceito de
tribo pelos meios de comunicação. Para o autor, esses dispositivos utilizam o conceito
de ‘público alvo’ para direcionar campanhas, utilizando linguagem e símbolos para se
aproximar dos códigos estabelecidos dessa tribo. Nos meios de comunicação viés da
imagem, do corpo, do território, valorizamos o espaço, sendo também “a causa e o
efeito de superação do indivíduo num conjunto mais amplo” (MAFFESOLI, 1998, p.
192). Sendo que esse território não necessita ser geográfico, pode ser um território
simbólico.

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