Cultura Religiosa - Ismar Dias de Matos
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Cultura Religiosa - Ismar Dias de Matos
Voltar Instituto de Filosofia e Teologia Dom João Resende Costa Cultura Religiosa 1º Semestre de 2007 Prof. Ismar Dias de Matos Ano 2007 no calendário cristão - ocidental, mas... Ano 5768 para os judeus. Ano 1428 para os muçulmanos. RELIGIÃO: OBJETO DE CULTURA Como um fenômeno humano, a religião é estudada pela Teologia, pela Filosofia, pela História, pela Psicologia, pela Fenomenologia, pela Psicanálise, pela Sociologia... Não se sabe com exatidão quando o pensamento religioso surgiu na espécie humana. “Funerais em que os mortos eram sepultados com flores ou amuletos são indícios claros de manifestações religiosas, talvez as mais antigas na história da humanidade”, diz o historiador Walter Burkert, da Universidade de Zurique (Suíça), autor do livro A criação do sagrado. Os sepultamentos mais antigos de que se tem notícia datam de 30 mil anos. Falase de descobertas arqueológicas de 60 mil anos, que mostram sinais de sepultamentos com indícios de ritos religiosos. “Encontram-se no passado, e se encontram até hoje, sociedades que não possuem ciência, nem artes, nem filosofia. Mas nunca existiu sociedade sem religião”. (Henri Bergson, As duas fontes da moral e da religião. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 85). HOMO RELIGIOSUS: • Além de ser homo sapiens, homo ludens, homo faber, homo politicus...é também homo religiosus. • “O homem é animal religioso. A prova é que não cessou de inventar deuses. Mas se trata de invenção ou da descoberta de verdade que a ele se impôs no curso dos séculos e em todas as civilizações?” (Albert Samuel , As religiões hoje. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2003, p. 5). O HOMO RELIGIOSUS SE SENTE PEQUENO DIANTE DA NATUREZA, DO MYSTERIUM TREMENDUM, MYSTERIUM FASCINANS. ELE SE SENTE “CINZA E PÓ” (Gn 18, 27). PERCEPÇÃO DO MISTÉRIO: AO CONTEMPLAR A ABÓBODA CELESTE, O MAR, OS VENTOS, AS TEMPESTADES, OS TROVÕES, OS RAIOS... Serra da Piedade O SAGRADO SE MANIFESTA DIFERENTE DO PROFANO: HIEROFANIA. A ÁRVORE NÃO É MAIS PEDRA... O COSMOS TORNA-SE (Tire as sandálias dos pés, é um lugar sagrado [Ex. 3,5]) PARA O HOMO RELIGIOSUS MAS CHEIO DE RUPTURAS. AO HOMEM: É ALGO TOTALMENTE ÁRVORE, A PEDRA NÃO É MAIS SAGRADO porque o lugar onde você está pisando O ESPAÇO NÃO É HOMOGÊNEO, Serra da Piedade ESPAÇO DES-SACRALIZADO É ALGO MODERNO: ESPAÇO HOMOGÊNEO, NEUTRO, MENSURÁVEL ... NÃO-HOMOGENEIDADE DO ESPAÇO: EXPERIÊNCIA PRIMORDIAL, ALGO COMO UMA “FUNDAÇÃO DO MUNDO”. HIEROFANIA: FUNDA ONTOLOGICAMENTE O MUNDO. FIXA-SE UM CENTRO PARA O MUNDO. O UNIVERSO ORIGINA-SE A PARTIR DE UM CENTRO. TOMADA DE POSSE DE UM LUGAR: construção de um altar (recriação). Fixação de uma bandeira. (A bandeira da Ordem de Cristo fincada no Brasil, Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz). Recriação: “Porque pelo Cristo as coisas velhas passaram; eis que todas as coisas se tornaram novas (2 Cor 5, 17). Capela do Unileste-MG Religião: uma característica essencialmente humana. “A religião assenta na diferença essencial que existe entre o homem e o animal, pois os animais não têm nenhuma religião”. Ludwig Feuerbach: A essência do cristianismo • Sentimento religioso ou religião? Inclinação para o mistério. • Experiência religiosa: encontro com um deus. Imanência e transcendência. • Crença e fé. • Crença é uma aposta individual. É um possuir sem se ter certeza. • A fé é mais do que simples crença. É adesão, fidelidade, comprometimento com uma comunidade de fiéis. • Indiferença religiosa. Homem unidimensional (apenas horizontal). • Esvaziamento das grandes religiões. Religião e Ideologia: • A religião nasce, propaga-se e se desenvolve em sociedade. A sociedade vive de uma cultura e de uma ideologia. • A religião veicula, voluntariamente ou não, as concepções sociais e os valores morais sobre os quais repousa o sistema político. Definição de Religião: Há várias etimologias. Cícero afirma que a palavra vem de RE-LEGERE (RE-LER): considerar o que pertence ao culto divino, ler de novo, ou então reunir; Lactâncio fala em RE-LIGARE (re-ligar): ligar o homem de novo a Deus. O homem vai a Deus e Deus vai ao homem; Agostinho fala em REELIGERE (re-eleger): tornar a escolher Deus, perdido pelo pecado. Batista Mondin define religião como “um conjunto de conhecimentos, de ações e de estruturas com que o homem exprime reconhecimento, dependência, veneração em relação ao Sagrado” (O homem, que é ele? São Paulo: Paulinas, p. 242). Rubem Alves afirma que “a linguagem científica pretende descrever o mundo. A linguagem religiosa exprime como o homem vive, em relação ao mundo... A religião não é uma hipótese acerca da questão filosófica da existência dos deuses. O ego não se propõe tal questão, no início de suas operações. O que importa é a ‘paixão infinita’... Separemos, portanto, de uma vez por todas, a questão da existência de Deus – que é uma questão filosófica – da experiência religiosa. A primeira é uma hipótese acerca do objeto. A outra é uma paixão subjetiva. (O enigma da religião, Campinas: Papirus, p. 53-54). Religião em dois sentidos: z z Em sentido real objetivo, religião é o conjunto de crenças, leis e ritos que visam um poder que o homem, atualmente, considera supremo, do qual se julga dependente, com o qual pode entrar em relação pessoal e do qual pode obter favores. Em sentido real subjetivo: religião é o reconhecimento pelo homem de sua dependência de um ser supremo pessoal, pela aceitação de várias crenças e observância de várias leis e ritos atinentes a este ser. Elementos constitutivos da religião: 1 – DOUTRINA (crença, dogma): toda religião tem sua doutrina, que fala sobre a origem de tudo: sentido da vida, da dor, da matéria, do além. Para as religiões primitivas (animismo, fetichismo, politeísmo, etc) a fonte da tradição repousa nos antepassados. Para as religiões sapienciais (hinduísmo, budismo, jainismo, etc) e para as atitudes filosóficas (yoga, seicho-no-iê, teosofia, etc), a fonte é a palavra de sábios iluminados (hinduísmo, budismo, xintoísmo, confucionismo, taoismo). Para as religiões proféticas (judaísmo, cristianismo, islamismo), a fonte é a palavra de Deus revelada pelos profetas. 2 – RITOS (cerimônias): o homem não vive sem símbolos, sem ritos, sem estruturas visíveis. Os ritos unem os homens de uma determinada comunidade religiosa. 3 – ÉTICA (leis): cada religião traz consigo as conseqüências de sua doutrina, ensinando o que é certo e o que é errado, dentro de sua cosmovisão. Os preceitos mais importantes são: lei da natureza, lei do amor e a lei do bom senso. 4 – COMUNIDADE: toda religião tende a formar uma comunidade, tende a manifestar sua fé junto de outros. Não se trata de um sentimento individualista. 5 – ATITUDE EU – TU: é a relação da pessoa humana com um diferente, um Tu mais elevado, superior. Toda religião, antes de possuir ritos, doutrinas, é uma relação pessoal com Deus. SETE FORMAS RELIGIOSAS 1 – Teísmo: o sujeito dos atributos divinos é distinto dos outros seres e pertence à ordem transcendental. Esse ser é o criador do mundo e sua causa vivificante. Opõese ao Ateísmo, que afirma que Deus não existe. O Teísmo pode-se dividir em Monoteísmo (há um só Deus), Politeísmo (há vários deuses) e Henoteísmo (que propõe a veneração de um Deus supremo, mas não nega a existência de outros deuses). 2 – Deísmo: o sujeito dos atributos divinos é um Deus sem atributos morais e intelectuais, é um Deus que não intervém na criação. Não há revelação sobrenatural. 3 – Panteísmo: tudo é Deus – o universo, a natureza e Deus são idênticos. Não há nenhuma diferença quanto ao ser. 4 – Animismo: é mais uma crença, uma mentalidade, uma idéia, do que uma doutrina elaborada. Enxerga, por trás dos objetos sensíveis, uma vida-alma, psique ou espírito capaz de se relacionar diretamente, em certos casos e sob certas condições com o ser humano. Não é, propriamente, uma religião, mas uma tentativa de explicar os fenômenos da natureza. Se levar o homem a uma atitude de adoração ou culto será considerada uma religião. 5 – Magismo: crença numa determinada força ou poder oculto, mas impessoal, que excede às forças naturais; crença de que certos homens podem se apropriar de forças especiais e, assim, realizar efeitos extraordinários. Divide-se em Magia branca (aquela que procura obter o bem para as pessoas) e Magia negra (aquela usada para prejudicar as pessoas). 6 – Manismo: culto às almas dos defuntos, como oferecimento de sacrifícios. Os deuses nada mais são do que homens divinizados. Fala-se também de Euhemerismo (Euhemero, filósofo grego). 7 – Totemismo: Crê-se que há um parentesco entre um clã e uma espécie animal e vegetal. Julgam-se, por exemplo, descendentes da união de um urso e uma mulher. Então, o nome de seu totém vai ser urso, que torna-se um animal sagrado, e não se pode matá-lo, a não ser em condições especiais, em que se come a sua carne e se bebe o seu sangue para ganhar a força, a inteligência ou a agilidade daquele animal (totém). O INVENTOR Anthony de Mello, SJ. Depois de muitos anos de trabalho, um inventor descobriu a arte de fazer fogo. Levou as ferramentas às regiões do norte cobertas de neve e ensinou a uma tribo a arte – e as vantagens – de se fazer fogo. As pessoas ficaram tão absortas nessa novidade que não se lembraram de agradecer ao inventor, que foi embora de mansinho. Sendo um daqueles raros seres humanos dotados de nobreza, não tinha nenhum desejo de ser lembrado ou reverenciado; tudo o que queria era a satisfação de saber que alguém se beneficiaria com sua descoberta. A tribo seguinte que ele procurou estava tão ansiosa para aprender quanto a primeira. Mas os sacerdotes locais, com inveja da influência do estranho sobre o povo, mandaram assassiná-lo. Para refrear qualquer suspeita de crime, entronizaram um retrato do Grande Inventor no altar-mor do templo; e organizaram uma liturgia destinada a reverenciar e a manter viva sua memória. Tomaram o máximo cuidado para que nem um só preceito litúrgico fosse alterado ou omitido. As ferramentas para fazer fogo foram guardadas em um relicário e dizia-se que curavam todos aqueles que as tocavam com fé. O próprio Sumo Sacerdote realizou a tarefa de compilar uma Vida do Inventor, que se tornou o livro sagrado onde sua extremosa bondade era oferecida como exemplo a ser seguido por todos e seus feitos eram elogiados, sua natureza sobre-humana transformada em artigo de fé. Os sacerdotes cuidaram para que o livro fosse transmitido às futuras gerações, enquanto, com autoridade, interpretaram o sentido das palavras dele e o significado de sua vida e morte virtuosa. E implacavelmente puniam com morte ou excomunhão qualquer um que se afastasse da doutrina deles. Ocupado com essas tarefas religiosas, o povo esqueceu completamente a arte de fazer fogo. (*Anthony de Mello, SJ. O enigma do iluminado, v.I, São Paulo: Loyola, 1996, p.19) Voltar