a cultura da cana-de-açúcar em plantio direto

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a cultura da cana-de-açúcar em plantio direto
A CULTURA DA CANA-DE-AÇÚCAR EM PLANTIO DIRETO
SPM (sistema de preparo mínimo) – versão do SPD em cana-de-açúcar.
José Tadeu Coleti eng.agr.
1. Práticas historicamente usadas no preparo de solo em cana-de-açúcar.
Num retrospecto histórico sobre as práticas adotadas no macro-sistema de produção da
cana-de-açúcar, abrangendo os últimos 30 anos,
vamos nos deparar com a
intensificação mecanicista no trato do solo , onde foi dominante o uso de implementos
cada vez mais pesados, demandando, por conseqüência, máquinas de maior potência.
Com o ingresso definitivo da cultura no ritmo de “plantation”, com a incorporação de
extensos plantios, tudo foi direcionado para maiores rendimentos, robustez, eficiência, e
alto desempenho. A grande preocupação com o desempenho foi a marca registrada de
toda uma geração de técnicos e empreendedores do Setor. Algumas crises, como a do
petróleo nos anos 80, motivaram alguma alteração , direcionando novas experiências
com vistas à redução de custos na atividade como um todo. Desta época são as
primeiras experiências com o SPD (sistema plantio direto) em cana-de-açúcar,
capitaneadas pela COPERSUCAR, de cujos estudos (Perticarrari & Ide,1986) brotaram
implementos como o sulcador com rotativa acoplada (Figura 1), o sulcador/subsolador
com uma ponteira alada abaixo das asas do sulcador .
Figura 1 - Projeto COPERSUCAR de sulcador c/ rotativa frontal.
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Figura 2 – Projeto COPERSUCAR do eliminador mecânico de soca.
Também desta época remonta o primeiro desenho do erradicador de socas (Figura 2),
cujo objetivo seria eliminar superficialmente as cepas da soca anterior e substituir a
eliminação química via glifosato, cujos custos inviabilizavam seu uso em larga escala.
Observações de campo e trabalhos experimentais atestaram a viabilidade agronômica e
econômica de tais práticas. Perticarrari & Ide (1986) , a partir de ensaios plantados sob
o sistema convencional (SC) versus sistema de plantio direto (SPD), conduzidos nas
safras 84/85 e 85/86 não encontraram diferenças significativas para produtividade
agrícola no 1º. corte , concluindo que o SPD, então denominado “cultivo mínimo”,
apresentou-se vantajoso tanto em solo arenoso como em argiloso , quando se analisou o
seu efeito sobre a produtividade das socas: menor decréscimo de produção no solo
arenoso e acréscimo de produção no solo argiloso. Demattê (1988) , numa das primeiras
e mais abrangente resenha histórica sobre o tema, já apontava áreas onde somente o
SPM poderia viabilizar sua recuperação: solos arenosos empobrecidos por problemas de
erosão, áreas infestadas por plantas daninhas perenes de difícil controle, solos com
pouca agregação. O Eng.Agr. Fernando Penteado Cardoso , citado por Montezuma
(2008) , acompanhou em sua propriedade 10 colheitas sucessivas de cana-de-açúcar a
partir de plantio , feito em 1995, sobre palhada de Brachiaria decumbens , sem qualquer
preparo do solo e os resultados obtidos demonstram a excelência e viabilidade do SPD
(tabela 1).
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Tabela 1 - Resultados de produtividade registrados em canavial implantado sobre palhada de
Brachiaria decumbens, ao longo de 10 safras.
Ano
t.ha-1
Média
Cortes
1996
156,1
-----
1o
1997
132,7
144,4
2o
1998
123,2
137,3
3o
1999
76,7
122,2
4o
2000
96,0
116,9
5o
2001
85,0
111,6
6o
2002
101,0
110,1
7o
2003
77,6
106,0
8o
2004
81,0
103,2
9o
2005
79,2
100,8
10o
Apesar da substancial alteração de cenário, com a introdução em larga escala da colheita
mecânica na sua modalidade cana crua, sem uso da limpeza via fogo, muita dúvida vem
surgindo sobre qual sistema produtivo adotar, no que tange ao manejo do solo para
plantio e manutenção das socas.
A mudança de cenário , com a implementação da cana crua e o avanço do plano de
eliminação de queima deverá acelerar também a validação daquilo que se vem
propugnando como alternativa de manejo por muitos técnicos e estudiosos do Setor. E
no bojo dessa nova abordagem na condução da lavoura canavieira situa-se uma
profunda mudança de paradigmas. Iniciamos uma “revolução verde” distinta daquela
nobelizada na década de 60, onde se privilegiou o ajuste do solo às exigências da planta,
considerando o solo como mero meio de produção e negligenciando as funções
ecológicas do sistema solo-planta. Estamos migrando para uma nova agrotecnologia
focada
em uma produção sustentada, onde o cultivo mínimo, seja na versão SPD
(sistema plantio direto) ou na versão SPM (sistema preparo mínimo), entra como uma
das principais bases para a otimização da eficiência biológica , contemplando a interrelação fertilidade, biologia do solo e nutrição de plantas.
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2. O SISTEMA DE PREPARO MÍNIMO (SPM) EM CANA-DE-AÇÚCAR
Os pioneiros do sistema de plantio direto (SPD) na área de grãos já estão deixando um
rico legado de informações sobre esse manejo do solo, sugerindo uma adaptação de
resultados já consolidados que poderiam ser validados em cana-de-açúcar , até com
algum ganho de tempo na prospecção, no que tange aos impactos na microbiota
residente junto ao sistema radicular das plantas cultivadas. De qualquer forma,
diferentes desafios podem ser levantados na implementação do SPD em cana-de-açúcar
e sobre eles devemos refletir.
2.1- Os desafios do SPD em cana-de-açúcar.
2.1.1- O equipamento ideal para a operação. O SPD “legítimo”, onde somente se
abriria sulco na entre-linha da antiga cultura, dificilmente pode ser aplicado em socas
velhas, onde imperava o sistema de colheita manual com despalha a fogo, geralmente
em espaçamentos mais estreitos, com talhões curtos e alinhamento da sulcação
incompatível com o melhor rendimento das colhedoras. Daí porque ser pertinente falar
em SPM (sistema de preparo mínimo) como a mais adequada forma de se obter as
vantagens do SPD para a cultura da cana-de-açúcar, já consolidadas na cultura de
grãos. O grande objetivo do SPD sempre foi o mínimo revolvimento do solo e isto se
obtém com a técnica do SPM . Para tanto entra em cena o equipamento chave (Figura 3)
para a efetivação do SPM – o subsolador/destorroador , um equipamento de hastes
(cinco ou sete), conjugado a discos frontais individuais para corte da palhada e rolos
traseiros flutuantes, para nivelamento da superfície do solo (Figura 4).
Figura 3 – Detalhe de hastes e rolo destorroador do equipamento chave para o SPM.
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Figura 4 – Detalhe dos discos frontais para corte da palhada .
Tanto os discos como o rolo nivelador permitem a regulagem das pressões aplicadas
sobre o solo, através de molas helicoidais cujas vibrações são transmitidas às hastes,
possibilitando uma subsolagem vibratória que resulta mais efetiva (Figura 5).
Figura 5 – Detalhe das hastes subsoladoras dotadas de molas helicoidais de pressão.
Este equipamento pode ser considerado o ideal para o sistema de preparo mínimo
(Gazon,2007) , porque com seu emprego se obtém a necessária descompactação do solo
sem o agravante da desestruturação do mesmo, pois opera até uma profundidade de 55
cm e o espaçamento entre hastes aletadas é da ordem 50 a 60 cm. Assim viabilizado, o
SPM foi recebendo , nos últimos anos, uma série de combinações, seja no consórcio
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com leguminosas de incorporação , seja na rotação econômica com grãos do tipo soja
ou amendoim.
2.1.2- Dimensionar a real importância da compactação: O SPD já se consolidou na
cultura de grãos, com sucessivas culturas e por muitos anos , e o fenômeno da
compactação não foi limitante no processo. Se é verdade que se trata de culturas
distintas, também é verdade que se trata de culturas que convivem com elevado tráfego
de máquinas , do plantio à colheita, mas principalmente na colheita. E o efeito
compactação existe em ambas, se bem que na cultura da cana-de-açúcar este efeito pode
impactar todo um ciclo. Estamos diante de culturas anuais (grãos em geral) versus uma
cultura semi-perene. Tudo o que se estudou sobre os efeitos da compactação na cultura
da cana-de-açúcar continua válido, mas é bom lembrar que tais estudos foram gerados,
na sua imensa maioria, sob o regime de cana queimada. A atual adoção do “tráfego
controlado” (Mello,2007) na colheita mecânica , com a “canteirização” das linhas de
cana (Figura 6), já prenuncia uma sensível redução dos efeitos deletérios da
compactação sobre a longevidade da cana soca.
Figura 6 – Controle do tráfego: “canteirização”do canavial .
De outro lado, a superposição da matéria seca durante um ciclo de 5 ou mais cortes
sucessivos, sob regime controlado de tráfego , constitui-se num verdadeiro colchão
redutor do efeito compactação (Figura 7). Vale lembrar ainda que por sua concepção e
desenho, o subsolador/destorroador consegue atingir a zona tradicionalmente
mencionada como crítica, ou seja, até os 45 cm de profundidade, como o demonstrou
Gazon (2007) , em trincheira aberta após a operação com tal equipamento (Figura 8).
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Figura 7 – Colchão de palha formado pela colheita mecânica de cana crua.
Figura 8 – Solo trabalhado no sistema preparo mínimo. Foto: Gazon, 2007
2.1.3- Controlar pragas de solo ( migdolus, sphenophorus, cigarrinha). Sob este
aspecto o SPM poderá sofrer alguma limitação, mas é bom lembrar que Migdolus e
Sphenophorus
se apresentam em reboleiras e não de forma generalizada.
A
determinação prévia de pontos críticos na grande lavoura poderá direcionar o controle
de tais pragas, reservando as demais áreas , que na prática sempre serão maiores, para o
SPM. No caso particular da cigarrinha da raiz espera-se que o controle biológico , via
Metharrizium , em socas sucessivas, deverá estar integrado ao sistema e não havendo
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fogo e revolvimento excessivo do solo , seus efeitos benéficos podem seguir com o
novo plantio.
`2.1.4- Uso de corretivos . Talvez aqui resida a maior dúvida de técnicos e produtores:
a aplicação superficial de corretivos. Dos pioneiros do SPD em grãos há um trabalho
conduzido por Sá (1999), onde o autor estudou, numa sequência de cultivos de inverno
(aveia preta e trigo) e de verão (soja e milho), de 1991 a 1995, tratamentos com
aplicação superficial de calcário versus incorporação com arado de aiveca e de discos,
seguidos de grade niveladora. Sua conclusão: a) a aplicação em superfície restringiu-se à
camada de 0-10 cm de profundidade, porém o rendimento de grãos náo diferiu estatísticamente
dos tratamentos com incorporação; b) apesar da melhoria da fertilidade no perfil com a
incorporação do corretivo até 25-30 cm, o maior retorno econômico, após sete cultivos de
grãos, foi obtido com a aplicação do calcário em superfície.
E este mesmo autor aventa
hipóteses sobre a ação do corretivo aplicado em superfície: a) a porosidade contínua no
SPD, devido a canalículos de raízes de culturas anteriores; galerias de organismos do solo e
planos de fraqueza do solo podem favorecer o deslocamento de partículas finas de calcário
mediante o movimento descendente de água, promovendo a correção da acidez em outras
camadas do perfil, melhorando o ambiente radicular; b) a mineralização lenta e gradual dos
resíduos culturais depositados na superfície, liberando, entre os diversos compostos, ácidos
orgânicos que podem formar complexos estáveis com o Al3+ ou compostos com o Ca2+,
deslocando-o no perfil, ou mesmo liberar NO3-
e SO42-
, que poderiam atuar como íon
acompanhante do Ca2+.; c) a mistura de partículas de calcário com resíduos culturais pela
ação da fauna , podendo ser transportadas ao longo do perfil, formando sítios de matéria
orgânica enriquecidos com Ca2+ e Mg2+, proporcionando aumento do teor disponível desses
nutrientes para as raízes. Mais recentemente, Nicolodi et al. (2008) confirmam trabalhos
anteriores indicando menor influência da acidez na produtividade das culturas no SPD
consolidado (mais de cinco anos neste sistema), quando sugerem que as alterações no solo são
qualitativas e nem sempre podem ser verificadas pelos métodos tradicionais de avaliação da
fertilidade do solo, concluindo não haver diferença entre o uso das informações obtidas na
camada de 0-10 cm ou 0-20 cm de profundidade.
Em cana-de-açúcar , Cerqueira Luz (2006), citado por Montezuma (2008), mostra um trabalho
de Sistema de Plantio Direto, onde se testaram tratamentos com calcário superficial , antes ou
depois da sulcação, com e sem leguminosa e sua conclusão é muita parecida com a de Sá
(1999): não há diferenças significativas entre os tratamentos (Tabela 2) , apenas uma tendência
de melhor resposta para tratamentos com leguminosa, principalmente no convencional. Morelli
et al.(1987) verificaram que a associação de calcário e gesso no plantio da cana-de-açúcar
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contribuiu significativamente na elevação dos níveis de saturação por bases no perfil do solo,
indicando mais uma alternativa para o uso adequado de corretivos no SPM.
Tabela 2 - Comparativo de Tratamentos com e sem leguminosa no sistema plantio direto (SPD)
e distintas formas de distribuição do calcário (superficial e incorporado). Argissolo Eutrófico e
Latossolo Distrófico. Usina São João – Araras SP . Fonte: Cerqueira Luz, 2006
Tratamentos
Argissolo eutrófico
Latossolo distrófico
-1
Média de 4 cortes (t.ha )
Média de 4 cortes (t.ha-1)
P.D. Cal.Sup.Antes Sulc S/L.
92,9 a
92,7 a
P.D. Cal.Sup.Antes Sulc C/L.
98,6 a
92,1 a
P.D. Cal.Sup. Depois Sulc S/L.
101,3 a
88,4 a
P.D. Cal.Sup. Depois Sulc C/L.
100,2 a
91,6 a
P.Convencional sem Legumin.
96,3 a
86,1 a
P.Convencional com Legumin.
101,5 a
98,0 a
3- AS PRINCIPAIS VANTAGENS DO SPM (sistema de preparo mínimo)
Nicolodi et al. (2008) , resumindo diversos trabalhos sobre o tema, salientam que os
efeitos da mudança do sistema de cultivo (do SC para o SPD) são evidentes, com
melhor desenvolvimento das plantas, devido ao aumento dos teores de matéria orgânica
(MO) e de nutrientes, a diminuição da toxidez do Al 3+ às plantas, a melhoria da
estrutura e da capacidade de retenção de água do solo e a preservação das relações
construídas
com o tempo de cultivo, principalmente pelo não-revolvimento e
conseqüente manutenção dos resíduos das culturas na superfície. No caso específico da
cana-de-açúcar podemos eleger as principais, cujo peso vai orientar e cada vez mais
justificar sua implementação.
3.1- Provimento de água e redução de processos erosivos. Numa perspectiva de
variações climáticas cada vez mais acentuadas , o cuidado no sentido de preservar a
água do solo faz parte da nova agrotecnologia na condução da lavoura canavieira. Uma
das críticas ao SC diz respeito à perda de água do solo, fortemente patrocinada pelas
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práticas de excessiva mecanização no preparo do mesmo. Lombardi Neto(1990) , citado
por Montezuma (2008), registrou perdas significativas entre os diferentes sistemas de
preparo (Tabela 3) . Um dos objetivos do SPM (sistema de preparo mínimo) consiste
exatamente neste provimento de água à cultura via mínimo revolvimento do solo, de tal
forma que se combine a operação mecânica com o período que antecede as grandes
chuvas de verão, possibilitando a captação de tais águas e sua retenção no solo, para o
plantio futuro.
Tabela 3 – Perdas de solo (t.ha-1) e água (mm) em diferentes sistemas de preparo, em
Latossolo Roxo e Argissolo.
Sistemas de
Latossolo
Latossolo
preparo
Roxo
Roxo
Argissolo
Argissolo
Solo (t.ha-1) Água (mm) Solo (t.ha-1) Água (mm)
Plantio direto
1,0
15,2
--
--
Escarificador
3,3
30,4
22,5
121,1
Grade pesada
4,4
42,2
56,2
222,6
Arado Discos
6,5
58,1
49,8
211,6
3.2 - Preservação e incremento da microbiota . Durante muito tempo, dentro de uma
visão mecanicista, preocupada com reduzir os efeitos da compactação, repetidas vezes
citada como vilã das baixas produtividades, tanto pesquisadores como técnicos de
campo descuidaram de um importante elo do ciclo da sustentabilidade: as atividades
biológicas no interior do solo , numa simbiose mutualística, onde a planta supre o fungo
com energia para crescimento e manutenção via produtos fotossintéticos, enquanto o
fungo provê a planta com nutrientes e água. A sustentabilidade da produção agrícola
está ligada aos efeitos benéficos das micorrizas sobre a nutrição de plantas,
principalmente em relação à absorção de P. Segundo J.L.Harley, citado por Berbara et
al (2006) “plantas não têm raízes, elas têm micorrizas”... Segundo Siqueira & Franco
(1988) , citado por Berbara et al (2006), a associação de micorrizas arbusculares
(FMA), a mais abundante nos sistemas agrícolas, representando 50% da massa
microbiana, é também a mais importante .Estudando o sistema radicular em cana-deaçúcar, Vasconcelos (2002) demonstrou que a população de fungos micorrízicos
arbusculares (FMAs) apresentou variação crescente
no número de esporos por 100
cm3 de solo, com 106 esp/cm3 em janeiro e 258 esp/cm3 em maio , salientando que o
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maior aumento esteve em sintonia com a fase de pleno desenvolvimento vegetal,
quando há grande demanda de nutrientes, o que provavelmente estimulou a formação
de hifas extra-radiculares, para aumentar a absorção dos nutrientes , e de hifas intraradiculares, para aumentar a superfície de troca. Ainda Vasconcelos (2002) constatou
que na faixa de colheita mecânica sem despalha a fogo, a quantidade de esporos foi
significativamente maior que na colheita manual , queimada. Constatações deste tipo
podem induzir a uma inferência sobre o que um ciclo de manejo em cana crua,
geralmente acima de 6-7 anos, vai estar agregando de FMAs aos solos cultivados.
Figura 9 – Hifas extra-radiculares e sua interação com a planta.
E aí nos reportamos a Berbara et al (2006) que propõe estratégias de manejo visando
incrementar não apenas a diversidade de FMAs, mas em especial hifas extra-radiculares
(Figura 9) , o que se consegue, entre outras práticas, com a supressão da mecanização
excessiva no preparo de solo – o sistema de preparo mínimo!
4. CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA CONVENCIONAL(SC) EM CANA-DE-AÇÚCAR
Antes de se mencionarem variações do SPM é conveniente caracterizar o chamado
preparo convencional para o plantio da cana-de-açúcar. Distinguindo implantação de
canavial em zona de expansão e reforma de canavial pré-existente, devemos citar as
seguintes operações:
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3.1-
em zona de expansão
: Desmatamento e limpeza, dessecação química,
construção de terraços, 1a. grade pesada ou intermediária (dependendo da vegetação),
aplicação de corretivos (calcário, gesso, fosfato), 2a. grade pesada ou arado de aiveca,
grade intermediária, pousio de 3 meses aproximadamente, grade niveladora ou
intermediária (dependendo do período do pousio), sulcação e plantio.
3.2 - em área de reforma de canavial pré-existente (Figura 10) : recuperação ou novo
desenho de terraços, correção de defeitos no terreno (erosões, ravinas), aplicação de
corretivos (calcário, gesso, fosfato), destruição de soca com grade pesada logo após o
corte ou até 30 dias ( até três gradagens pesadas em caso de palhada) e no caso de atraso
da operação anterior usa-se dessecação e a seguir grade pesada para eliminação da
matéria seca, arado de aiveca , grade intermediária, subsolador tradicional (se houver
indicações de compactação severa), pousio, grade niveladora ou intermediária
(dependendo do período do pousio), sulcação e plantio.
Figura 10 – Uma área de preparo convencional.
O aspecto de um preparo convencional , onde não existiu preocupação com a época da
realização, poderá ser o da Figura 11, onde são ainda visíveis os remanescentes depois
de duas operações de gradagens, surgindo também os efeitos erosivos da época ou o
desenvolvimento de plantas daninhas , cujo resultado é nada interessante e pode ainda
onerar a introdução do novo canavial com um banco de sementes bastante elevado.
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Figura 11 – Efeitos erosivos e existência de plantas daninhas no pousio de preparo
convencional de solo na reforma de canaviais.
4. VARIAÇÕES DO SPM (Sistema de preparo mínimo) EM CANA-DEAÇÚCAR.
Entre as variações do SPM
em cana-de-açúcar, podemos elencar os
seguintes cenários:
4.1 - sobre canavial pré-existente (Figura 12). Eliminação química de soca ou
eliminação mecânica de soca (erradicador de duas linhas), retificação de traçado e
eventual correção de defeitos no solo, aplicação de corretivos, subsolagem com
destorroador e discos frontais, sulcação e plantio.
Figura 12 – Dessecação em canavial pré-existente.
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4.2 - sobre pastagem (aqui se supõe uma pastagem agronomicamente bem conduzida , no histórico
anterior)
(Figura 13):
estrutura
dessecação química da pastagem, demarcação e construção da
conservacionista
(terraços
e
caminhos),
aplicação
de
corretivos,
subsolador/destorroador, sulcação e plantio.
Figura 13 – Plantio direto sobre pastagem . Foto: Gazon, 2007.
4.3 - Associação com leguminosas para formação de matéria seca : dessecação
química do canavial anterior, correção e/ou adequação da estrutura conservacionista,
aplicação de corretivos, semeadura a lanço de leguminosas (crotalária juncea, crotalária
spectabilis, feijão guandu),subsolador/destorroador , pousio no verão, incorporação da
massa , preferencialmente, com rolo-faca (Figura 14),
aguardar a secagem da massa
verde, sulcação e plantio.
Figura 14 – Rotação com crotalária juncea e rolo faca na incorporação. Foto: Nicula, 2007
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4.4 - rotação de cultura com grãos
MODALIDADE 1 : dessecação da soca velha , distribuição de corretivos,
incorporação com subsolador/destorroador, plantio da cultura eleita para a rotação (soja
ou amendoim).
MODALIDADE 2 : distribuição de corretivos logo após o corte,
subsolador/destorroador a seguir, plantio de soja RR(resistente a glifosato) , que permite
a dessecação gradual de remanescentes de soca, pousio no verão, colheita do grão no
outono, sulcação direta e plantio.
MODALIDADE 3 : o “legítimo SPD” acontece já em regiões tradicionais
de cana-de-açúcar do Estado de São Paulo, como Jaboticabal, Sertãozinho, Ribeirão
Preto, Guariba e outras onde se consolidou a colheita mecânica de cana crua , e consiste
na semeadura de amendoim ou soja logo após a dessecação do canavial, sem uso de
prévia subsolagem (Figura 15).
Figura 15 – Plantio direto sobre soca de cana dessecada com glifosato.
Foto: Montezuma, 2008
Neste caso se utilizam plantadoras desenvolvidas para o plantio direto,
dotadas de discos cortadores de palha e , preferencialmente, realiza-se a semeadura em
ângulo de 45o em relação à cultura anterior( Figura 16) ,visando a maior eliminação da
palhada para facilitar o ingresso futuro da colhedora de grãos.
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Figura 16 – Plantio de amendoim em ângulo de 45o . Foto: Montezuma,2008
Esta experiência tem sido ampliada e os produtores confirmam seu sucesso
(Figura 17) .
Figura 17 – Nascimento da soja em plantio direto sobre soca da cana .
Foto: Montezuma,2008
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CONCLUSÃO
Gamero & Lanças (1999) , relatando a experiência da Usina São Martinho (SP),
apontaram as vantagens concretas do SPM : eliminação das grades, readequação dos
demais equipamentos, redução de custos, maior flexibilidade para executar a operação
de preparo, menor demanda de máquinas, manutenção da palhada em superfície,
maiores facilidades para a sistematização da colheita mecanizada , redução ou até
eliminação de terraços (abaixo de 5 m - DV) sem vestígios de erosão. Outra grande
vantagem do sistema diz respeito à eliminação do embuchamento da
palhada
(12
a 18 t.ha-1 de massa seca) com o uso dos discos cortantes do equipamento. Segundo os
mesmos autores, foi realizado comparativo de custos entre os dois sistemas (SC x SPM)
e o segundo apresentou uma redução da ordem de 22 % . Segundo Gazon (2007) este
diferencial de custos , favorável ao SPM, pode chegar a 33 % .
E Montezuma (2008) acrescenta outras vantagens ao SPM :
reduz compactação do solo, maior rendimento operacional,
otimização do tempo disponível ,
reduz perdas de umidade,
favorece atividade biológica ,
evita assoreamento de sulco,
maior eficiência na destruição de soqueira,
favorece o controle de plantas daninhas perenes,
possibilita plantio em período chuvoso,
cultivo de cereais na rotação,
maior produtividade e longevidade da soca.
O ingresso definitivo da cana-de-açúcar na linha de uma agrotecnologia sustentada
passa necessariamente pelo cuidado com a inter-relação fertilidade, biologia do solo e
nutrição das plantas e esta mudança de paradigma se inicia no preparo do solo : o
mínimo revolvimento do solo deve ser perseguido !
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SÁ, J.C. de M. Manejo da Fertilidade do solo no sistema plantio direto. In : “Interrelação fertilidade, biologia do solo e nutrição de plantas”, Editores/ Siqueira,
Moreira, Lopes, Guilherme, Faquin, Furtini Neto, Carvalho. Sociedade Brasileira de
Ciência do Solo, Univ.Federal de Lavras, Depto de Ciência do Solo. Lavras – MG,
1999.
GAMERO, C.A. & LANÇAS, K.P. Por um cultivo que preserve o solo. A Granja, p.2224, maio, 1999.
DEMATTÊ, J.L.I. Cultivo mínimo na cultura da cana-de-açúcar. Revista ADEALQ,
ESALQ-USP, Piracicaba , SP , no.9, p.12-17, 1988.
MORELLI, J.L., NELLI, E.J., DEMATTÊ, J.L.I. Efeito do gesso e do calcário nas
propriedades químicas de solos arenosos álicos e na produção de cana-de-açúcar.
Revista STAB-Açúcar, Álcool e Subprodutos, v.6 , 1987.
PERTICARRARI, J.G. & IDE, B.Y. Cultivo mínimo . III Seminário de Tecnologia
Agronômica . Centro Tecn.COPERSUCAR – pag.387-409, Piracicaba SP, 1986.
RELAÇÃO DOS TÍTULOS DAS FIGURAS
Figura 1 – Sulcador com rotativa acoplada (Perticarrari & Ide, 1986)
Figura 2 - Desenho do eliminador mecânico de soca (Perticarrari & Ide, 1986)
Figura 3 - Equipamento chave para o SPM : subsolador com hastes parabólicas, discos
frontais de palha e rolo traseiro para nivelamento do solo.
Figura 4 – Operação de preparo de solo com o subsolador/destorroador (Gazon, 2007)
Figura 5 - Detalhe da haste e molas helicoidais .
Figura 6 - Controle de tráfego na colheita mecânica e “canteirização”das linhas de cana
(Mello, 2007)
Figura 7 – Colchão de palha após a colheita mecânica de cana crua.
Figura 8 Qualidade do preparo de solo obtido com a passagem do
subsolador/destorroador (Gazon, 2007)
Figura 9 – Hifas internas e externas no sistema raiz-solo (Berbara et al.,2006)
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Jose Tadeu Coleti – Manejo do Solo para um novo plantio...
Figura 10- Preparo sob sistema convencional em reforma de canavial.
Figura 11 – Efeitos deletérios sobre o solo no SC e pousio a solo descoberto durante o
verão.
Figura 12 – Canavial dessecado com glifosato pronto para receber o SPM.
Figura 13 - Pastagem dessecada com glifosato, predisposta à introdução do SPM para
plantio imediato de cana.
Figura 14 – Rolo-faca: equipamento importante na conclusão do SPM em área de
Crotalária juncea.
Figura 15 – Semeadura de amendoim ou soja logo após a dessecação do canavial
(Montezuma, 2008)
Figura 16 – Semeadura de amendoim em ângulo de 45o em relação ao traçado do
canavial anterior.
Figura 17 – Soja em desenvolvimento sobre a palhada de canavial dessecado.
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