ponencia GT10A_Mongelos Facunda

Transcrição

ponencia GT10A_Mongelos Facunda
Josefina Plá: O silêncio de Severina
Facunda Concepcion Mongelos Silva
Graduada em Letras (Português/Espanhol) pela Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul – Campos Campo Grande e mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos
de Linguagens UFMS/Campus Campo Grande
Resumo
Esta proposta de comunicação pretende apresentar uma análise acerca do conto “La
Pierna de Severina”, da escritora paraguaia (por adoção) Josefina Plá, enfocando o desejo
de ser “Filha de Maria”, o sofrimento da personagem Severina, regidas pela humilhação,
dor, sofrimento e submissão. Dessa maneira, Plá, retrata por meio dessa narrativa, a
importância da figura feminina paraguaia para constituição do discurso da nação e,
consequentemente, para as artes e para a cultura local.
A originalidade da obra de Josefina Plá reside em sua capacidade de dialogar com culturas
muito diversas. Esse diálogo nivela as diferenças sociais e políticas, religiosas e nacionais,
éticas e estéticas, engendram a figura feminina no gênero literário conto, conferindo às
personagens uma tensão dramática. Esta pesquisa fundamenta-se na teoria literária e está
interrelacionada aos estudos culturais.
A partir de um olhar feminino da escritora Josefina Plá, sua personagem é delineada de
acordo com o que ela mesma viveu no Paraguai, ou seja, uma mulher em meio a outras
mulheres, traçando uma trajetória que, desde o período colonial, traz a marca da
espoliação de si, sobressaindo imagens femininas que se perpetuam, sob uma visão
histórico-patriarcal, como sujeitos histórico-culturais. Assim, Severina, personagem
presente nesse conto representa a população pobre, deficiente físico, analfabeta, das
margens, isto é, os excluídos. Severina na tentativa de adquirir a prótese, para realizar o
sonho em ser “Filha de Maria”, tal tentativa foi uma tragédia, pois foi estuprada por
homens moradores de rua e, ao retornar à sua cidade, cala-se, cujo silêncio é decorrência
da sociedade opressora regida ainda pelo modelo dominante do patriarcalismo.
Palavras-chave: Palavras-chave: Josefina Plá. Conto. La Pierna de Severina. Severina
Resumen
Esta propuesta de comunicación pretende presentar un análisis acerca del cuento “La
Pierna de Severina”, de la escritora paraguaya (por adopción) Josefina Plá, enfocando el
deseo de ser “Hija de María”, el sufrimiento del personaje Severina, regidas por
humillación, dolor, sufrimiento y sumisión. De esta manera, Plá, retrata por medio de esa
narrativa, la importancia de la figura femenina paraguaya para la constitución del discurso
de la nación y, consecuentemente, para las artes y para la cultura local.
La originalidad de la obra de Josefina Plá reside en su capacidad de dialogar con culturas
muy diversas. Ese diálogo nivela las diferencias sociales y políticas, religiosas y nacionales,
éticas y estéticas, engendran la figura femenina en el género literario cuento, confiriendo a
los personajes una tensión dramática. Esta investigación esta fundamentada en la teoría
literaria interrelacionada a los estudios culturales.
A partir de una visión femenina de la escritora Josefina Plá, su personaje es delineada de
acuerdo con lo que ella misma vivió en Paraguay, es decir, una mujer en medio a otras
mujeres, trazando un trayecto que, desde el período colonial, trae la marca de la
expoliación de sí, sobresaliendo imágenes femeninas que se perpetúan, bajo una visión
histórico-patriarcal, como sujetos histórico-culturales. Así, Severina, personaje presente en
ese cuento representa la populación pobre, discapacitados, analfabeta, de los marginados,
o sea, los excluidos. Severina al intentar adquirir la pierna artificial, para realizar el sueño
de ser “Hija de María”, tal intento fue una tragedia, pues fue violada por un grupo de
hombres que viven en la calle y, al volver a su pueblo, se calla, tal silencio es el transcurso
de la sociedad opresora regida aún por el sistema dominante del patriarcado.
Palabras-clave: Josefina Plá. Cuento. La Pierna de Severina. Severina
Este artigo é um recorte do meu objeto de estudo que pretende apresentar uma análise
acerca do conto “La Pierna de Severina”, da escritora paraguaia (por adoção) Josefina Plá,
enfocando o desejo de ser “Filha de Maria”, o sofrimento da personagem Severina, regida
pela humilhação, dor, sofrimento e submissão. Dessa maneira, Plá, retrata por meio dessa
narrativa, a importância da figura feminina paraguaia para a constituição do discurso da
nação e, consequentemente, para as artes e para a cultura local.
A originalidade da obra de Josefina Plá reside em sua capacidade de dialogar com culturas
muito diversas. Esse diálogo nivela as diferenças sociais e políticas, religiosas e nacionais,
éticas e estéticas, que engendram a figura feminina no gênero literário conto, conferindo
às personagens uma tensão dramática. Esta pesquisa fundamenta-se na teoria literária e
está interrelacionada aos estudos culturais.
A partir de um olhar feminino da escritora Josefina Plá, sua personagem é delineada de
acordo com o que ela mesma viveu no Paraguai, ou seja, uma mulher em meio a outras
mulheres, traçando uma trajetória que, desde o período colonial, traz a marca da
espoliação de si, sobressaindo imagens femininas que se perpetuam, sob uma visão
histórico-patriarcal, como sujeitos histórico-culturais. Assim, Severina, personagem
presente nesse conto, representa a população pobre, os deficientes físicos, analfabetos, das
margens, isto é, os excluídos. Severina, parte de uma pequena cidade no interior paraguaio
para a capital do país, Assunção, na tentativa de adquirir uma prótese para a perna
deficiente, e assim realizar o sonho de ser “Filha de Maria”. Tal tentativa foi uma tragédia,
pois foi estuprada por homens moradores de rua e, ao retornar à sua cidade, cala-se. Seu
silêncio é decorrência da sociedade opressora regida ainda pelo modelo dominante do
patriarcalismo.
Na década de 1920, chega ao Paraguai, a escritora espanhola Josefina Plá, casada com o
ceramista paraguaio, Andrés Cervera Campos, conhecido como Julián de la Herrería. Plá
adota o país de seu marido para viver. Ela contribui muito com o desenvolvimento
cultural do Paraguai, foi de extrema importância, pois, a autora possui obras desde poesia,
narrativa, ensaio, peça teatral, também atuou como crítica, jornalista, radialista e nas artes
plásticas, enfim, atuou em todas as áreas artísticas do Paraguai.
Em 1940, Plá integra o grupo literário Vy’a raity, que em português significa “Lugar de
alegria”. Esse grupo era composto por homens, entre eles: Augusto Roa Bastos, Elvio
Romero, Hugo Rodríguez-Alcalá e Héribe Campos Cervera. Ela foi a única mulher
componente do grupo, em atitude muito vanguardista para aquela época no Paraguai.1
Plá, em uma entrevista concedida à escritora paraguaia Marylin Gogoi, comenta a respeito
disso. De acordo com a fala da autora só a aceitaram no âmbito da literatura por ser
estrangeira, permitiram-lhe a liberdade de expressão, por meio de seus poemas e de suas
narrativas.
Considera que ha sido demasiado moderna para su época, pues se ha permitido una libertad expresiva en su
poesía que podía haber sido, a su criterio, de “alta graduación”, Por ser extranjera, asegura, le perdonaron su
libertad. Sin embargo, no pudo evitar que chocara su trabajo con el periodismo que la hacía relacionar casi
con excluisividad con hombres..2
1
Cf. BARCO, José Vicente; RODRÍGUEZ-ALCALÁ. Narradoras Paraguayas: antologías. Disponível no
site: http://www.lluisvives.com acessado no dia: 22 de jul de 2011 às 20:00h
2 PLÁ, Josefina. In: GODOI, MArylin. Josefina Plá. Asunción: Editorial Don Bosco, 1999, p.6.
A partir do que foi citado acima, podemos caracterizar Plá como uma escritora
contemporânea, tendo por base o conceito de contemporâneo proposto por Agambem3
que em segunda definição de contemporaneidade afirma que “contemporâneo é aquele
que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”.
(2009, p. 62). Ainda segundo Agambem, “pode-se dizer contemporâneo apenas quem não
se deixa cegar pelas luzes do século e consegue entrever nessas, a parte de sombras, de
íntima obscuridade”. (2009, p. 63). Pode-se perceber a partir desta leitura a que nos
propomos entrever o contemporâneo nas curtas narrativas de Plá a tentativa de romper
com os paradigmas de uma literatura patriarcal, feita por homens para ser pensada por
homens. É assim que a mulher passa a ganhar destaque, e não o destaque a que até então
era submetida, como objeto decorativo ou propriedade de um homem, mas como ser
humano maltratado e subjugado pela “lei do mais forte”.
Plá, assim como as precursoras dos movimentos feministas, preocupa-se com a situação
da mulher da sociedade paraguaia. Por isso, nas suas narrativas, por meio de suas
personagens, faz duras críticas e denúncias da situação humilhante e dolorosa, das
desvantagens da maternidade com uma paternidade irresponsável, só para citar alguns
exemplos. Situações humilhantes consideradas culturais para a sociedade paraguaia
ganham voz, ou seja, Plá faz denúncia da sociedade patriarcal, modelo dominante não só
nos países periféricos, como o Paraguai, mas no mundo ocidental.
Dessa maneira, nas narrativas de Plá, segundo os estudos subalternos, do teórico Beverley,4
esses estudos tratam do poder, propondo uma nova maneira de produzir conhecimento,
como também cuida da dificuldade de representar o subalterno nos discursos disciplinares
dos intelectuais. Beverley partilha da opinião de Spivak5 para definir o conceito de
subalterno “se o subalterno pudesse falar, isto é, falar de uma forma que realmente nos
indague, então, ele deixaria de ser subalterno”, pois a partir do momento que sujeito
produz práticas discursivas, o sujeito deixa de ser subalterno”. Assim, mulheres
“subalternas” da sociedade paraguaia, mulheres marginalizadas, todas elas em situação de
dor e de sofrimento, ou seja, mulher pobre, analfabeta, índia, deficiente física, mulher fora
da beleza padrão, da periferia, elas precisam de um porta voz. Para assim, conquistar um
espaço de enunciação, garantir um lugar de discurso, isto é, posicionar seu “locus cultural”
ou “locus de enunciação” Para Beverley,essas mulheres precisam de alguém que as
representem, que fale por elas. Desta maneira, a narrativa de Plá, é a porta voz dessas
mulheres. Segue um trecho de Sisé, para constatar o silencio da minoria, sem voz, na
narrativa a protagonista é uma índia, adolescente, abusada sexualmente, pelo dono da
fazenda, ninguém toma uma atitude para defender a pequena índia, “subalterna”.
De acordo com Aristóteles6, a tragédia define-se como:
A tragédia é a imitação de uma ação elevada e completa, dotada de extensão, numa linguagem embelezada
por formas diferentes em cada uma de suas partes, que se serve da ação e não da narração e que, por meio
da compaixão (eleos) e do temor (phobos), provoca a purificação (katharsis) de tais paixões.
Dessa maneira, pode-se dizer que a tragédia não é a imitação dos homens, mas sim das
ações praticadas pelo homem e na sua vida, assim, tanto a felicidade como a infelicidade
3
AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? e outros ensaios. Trad. HONESKO, Vinícius Nicastro.
Chapeço: Argos, 2009, p. 59.
4 Cf. BVERLEY, John. Al lector latioamericano: Introducción. In: Subaltenidad y representación. Madrid:
Iberoamericano, 2004, p. 23.
5 SPIVAK, Gayatri. In: BEVERLEY, John. Al lector latioamericano: Introducción. In: Subaltenidad y
representación. Madrid: Iberoamericano, 2004, p.23.
6 ARISTÓTELES, Poética. Trad. de VALENTE, Ana Maria. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004,
p. 12
estão na ação. Desse modo, a tragédia mais perfeita não deve ser simples, mas sim
complexa, ou seja, deve imitar fatos que causem temor e compaixão, ou melhor, “terror e
piedade”.
Segundo Aristóteles, o enredo deve ser muito bem estruturado, de tal maneira que quem
ouvir a seqüência dos acontecimentos, mesmo sem os ver, se arrepie de temor e sinta
compaixão pelo que aconteceu; isto sentirá quem ouvir o enredo de “La Pierna de
Severina”, pois, tais situações inspiram temor e compaixão, isto é, “terror e piedade”, na
passagem onde a protagonista sofre o estupro, por exemplo. Severina foi violentada por
vários homens, moradores de rua, dentro de um lugar que para ela era considerado
sagrado, a Igreja.
Manoteando em espontánea defensa, Severina pudo notar que uno de esos hombres era manco: um duro
muñón caliente lê rozaba la sien. Sintió arcadas. Después ya no pudo más darse cuenta exacta de nada. Todo
7
tan brutal, y tan subitáneo. Aquel rebullir espeso de machos hediendo a sudor agrio y mugre antigua.
Nessa passagem a situação da personagem inspira terror e piedade, tem-se o efeito
catártico, que, de acordo com a teoria da tragédia, é aquilo que faz com que o público
sinta junto com os personagens ou por efeito de suas ações, terror ou piedade.
Kierkergaard8 afirma que a tragédia moderna, a situação é diferente da tragédia clássica.
Para ele, na tragédia moderna a subjetividade tornou-se auto-reflexiva, e a personagem
fundamental da tragédia, o herói trágico, já não é paciente, mas sim agente, e é
exclusivamente em suas ações que devemos encontrar as razões de sua inclinação, ou
melhor, de sua queda. Assim, a debilidade da tragédia moderna deriva do excesso de
importância que se empresta à subjetividade, sobretudo quando considerada em seu
aspecto moral.
Resumo do enredo
A protagonista sofreu um acidente aos onze anos de idade, a perna da moça foi esmagada
pela roda de uma carroça de boi, por isso, uma parte de sua perna foi mutilada. Essa
mutilação, ou seja, a falta da perna, a impediu de frequentar as aulas nos primeiros anos na
escola, então, atrasou-se na alfabetização, logo, não fez a primeira comunhão, um
Sacramento Sagrado da Igreja Católica. Assim, percebe que a moça sofre preconceito,
exclusão social desde cedo.
A moça mora numa cidade pequena, nas proximidades da capital paraguaia, cuidava de
uma tia idosa e acamada, fazia “ñandutí”, um tipo de bordado artesanal do Paraguai para o
seu sustento e de sua tia; muito religiosa, porém, só ia à igreja aos domingos pela manhã
bem cedo, ou nos dias da semana e aos sábados à noite, para que as pessoas não a vejam.
Severina sentia vergonha pela falta da perna, cuja vergonha era motivada pela sociedade
que a rejeitava pela sua deficiência física, assim, a excluiu da vida escolar, da vida religiosa..
Severina tinha um sonho, ser “Filha de Maria”, no entanto, a moça não poderia ser,
porque para ser “Filha de Maria”, ela precisaria das duas pernas para seguir nas procissões,
carregar a Santa, subir e descer escadas, assim, a falta da perna a impedia de exercer tais
movimentos.Um dia, ela viu uma moça que se locomovia muito devagar e, que tal lentidão
era por causa de uma perna artificial. Desde que ela soube da tal “perna artificial”, não
parou de pensar na possibilidade de conseguir, também para ela. Então, procurou saber
mais a respeito disso e, foi ao encontro do padre Ranulfo. O padre explicou para a moça
que uma perna artificial custava muito caro, mas que ela poderia conseguir coma a
primeira dama da Argentina. No entanto, a moça precisaria ir até a capital do Paraguai, em
Assunção, para pedir ajuda através da embaixada argentina.. Então, Severina empenhou-se
7
8
PLÁ, Josefina. In: PLÁ, Josefina. LA Pierna de Severina. Asunción: El Lector, 2006, p. 22.
KIERKEGAARD apud BORNHEIN, 2007, P. 82-83.
para ir até Assunção, todavia, ela não consegue ser atendida na embaixada, foi uma grande
decepção para a moça pobre, semi-analfabeta, do interior, além de ser deficiente física,
houve muitas humilhações, gozações. À tarde, formou-se um temporal, a moça refugia-se
na Igreja, um lugar sagrado e seguro. Assim como Severina, outros refugiaram-se na Igreja
“San Roque”, estes eram homens, moradores de rua. A moça foi surpreendida por esses
homens, que abusaram dela sexualmente, isto é, ela foi estuprada por todos, não recebeu
nenhuma ajuda, após o abuso, ela sai sangrando e com dores. A moça sai andando pela
rua, até que encontra uma casa com portão aberto, onde o casal, morador da casa a
recebe, passando a cuidar da moça até recuperar-se e a embarca para sua cidade. E ao
retornar para casa, cala-se, não conta nada, por vergonha.
Para Spivak9, o subalterno não pode falar, e que a posição da mulher subalterna é ainda
mais grave, assim, a narrativa retrata o preconceito vivenciado pela personagem, na
sociedade paraguaia, o descaso do Estado, da falta de assistência da saúde pública. Essa
denúncia de PLá, ainda é muito presente no País, pois os deficientes físicos, não são
assistidos, isso, é constatado facilmente, pois em Assunção, a capital do país, as ruas não
possuem rampas de acesso, nem banheiros adequados nos lugares públicos, muito
frequentado, como a rodoviária da cidade, os ônibus não possuem portas para receber o
usuário “cadeirante”, segundo a teoria dos subalternos, os deficientes físicos são excluídos
como os demais marginalizados pela sociedade opressora, dominante, no caso do
Paraguai, ainda é resquício do sistema patriarcal, e por isso, são sujeitos que não
produzem discursos ouvíveis, ou seja, carecem de um porta-voz, como a narrativa de Plá.
Dessa maneira, na narrativa de Plá, segundo os estudos subalternos, do teórico Beverley,10
esses estudos tratam do poder, propondo uma nova maneira de produzir conhecimento,
como também cuida da dificuldade de representar o subalterno nos discursos disciplinares
dos intelectuais. Beverley partilha com Spivak11 para definir o conceito subalterno “se o
subalterno pudesse falar, isto é, falar de uma forma que realmente nos indague, então, ele
deixaria de ser subalterno”, pois a partir do momento que sujeito produz práticas
discursivas, o sujeito deixa de ser subalterno”. Assim, a protagonista, uma mulher
subalternas, da sociedade paraguaia, marginalizada, em situação de dor e de sofrimento,
ou seja, mulher pobre, analfabeta, da periferia, ela precisa de um representante, um portavoz. Para assim, conquistar um espaço de enunciação, garantir um lugar de discurso, isto
é, posicionar seu “locus cultural” ou “locus de enunciação” Para Beverley, mulher
subalterna precisa de alguém que a represente, que fale por ela.
Estrutura da narrativa
De acordo com a teoria do Propp12, a narrativa de Plá, é um conto tradicional, pois é
narrativa sequencial, linear. Seguindo o modelo tradicional, a ação e o conflito passam
pelo desenvolvimento até o desfecho, com crise e resolução final.
Dessa maneira, a narrativa é constituída pelo discurso em terceira pessoa, com algumas
passagens, em discurso direto, indireto e indireto livre. Neste tipo de passagem funde-se a
fala do narrador com a da personagem. Assim, de acordo com Reis13, o narrador é
heterodiégetico e extradiegético, pois só relata a história. Não participa da história, porém
sabe tudo o que vai acontecer com a personagem.
9
SPIVAK, Gayatri. In: BEVERLEY John. Al lector latioamericano: Introducción. In: Subaltenidad y
representación. Madrid: Iberoamericano, 2004, p.23.
10 Cf. BVERLEY, John. Al lector latioamericano: Introducción. In: Subaltenidad y representación. Madrid:
Iberoamericano, 2004, p. 23.
11 SPIVAK, Gayatri. In: BEVERLEY, John. Al lector latioamericano: Introducción. In: Subaltenidad y
representación. Madrid: Iberoamericano, 2004, p.23.
12 Cf.. PROOP, Vlademir. In: GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do Conto. São Paulo: Ática, 1998, p. 29.
13 13 Cf. REIS, Carlos. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos literário. Coimbra: Almedina,
2001, p.370.
Linguagem literária
A linguagem da personagem é a linguagem do povo, há uma mistura de espanhol com
guarani, denominada “yopará”. Cabe relembrar que o Paraguai é um país bilíngue, isto é,
no país fala-se espanhol e guarani, e esta marca está bastante presente na narrativa de Plá.
Porém, a narradora não faz uso dessa mistura, e sim do espanhol.”Aquella mitá cuña, sin
embargo, qué linda es. Iporaitépa”. “Pero yo veo que tiene dos piernas, catú – objeto
Severina”. “Son pierna que parecen de vearité luego”
A constituição da personagem
Na narrativa de Plá, a protagonista “Severina” representa a mulher paraguaia, na sociedade
paraguaia em que visa o direito do homem, subtraindo a todos que não fazem parte do
meio. A mulher na época da repressão era representada como submissa, sem voz, sem
escolha, sem direitos e sem opiniões, ou seja, submissão total, ainda resquício do sistema
patriarcal.
Assim, Plá retrata por meio de sua obra o que a literatura, e outras artes e a própria
história não souberam retratar com tanta propriedade: a importância da figura feminina
paraguaia para a constituição do discurso da nação e, consequentemente, para as artes e
para a cultura local.
Segundo Reis, no conto analisado, sua protagonista é do tipo plana, porque sua
característica não causa nenhum estranhamento, não surpreende o leitor, pois não há
habilidade nas suas ações. Assim a protagonista da narrativa de Plá, mantém sua
característica até a morte, pois Severina, era pobre, deficiente física, continua deficiente
física, não adquiriu a perna artificial, não houve ascensão social, nenhum sonho da moça
realizou-se, assim não houve alteração na sua característica.
De acordo com Spivaki14, o subalterno carece necessariamente de um representante por
sua própria condição de silenciado. No momento em que o subalterno se entrega, tão
somente, às mediações da representação de sua condição, torna-se um objeto nas mãos de
seu procurador no circuito econômico e de poder e com isso não se subjetiva plenamente.
Assim, percebe-se que há divisão, de um lado, entre a sociedade capitalista regida pela lei
imperialista, por outro, a incapacidade de representação daqueles que estão à margem ou
outros centros silenciados. Dessa forma, o silêncio de Severina, é ocasionada pela
sociedade opressora do Paraguai, ainda resquício do patriarcalismo, como também pela
Igreja Católica. Como a moça não pertencia à sociedade da elite do país, então, Plá, por
meio de sua narrativa, dá a voz a figuras subalternas e marginais, ou seja, aos excluídos da
sociedade e da cultura dominante.
A perspectiva da protagonista é otimista, com o desejo de adquirir a perna artificial, ou
seja, a prótese, só acaba quando sua ida até Assunção, foi uma catástrofe, pois ela, nem
sequer conseguiu falar na embaixada com alguém que pudesse pelo menos dar alguma
informação a respeito disso. Assim, tendo percebido que seu sonho não passava de uma
ilusão, e ao retornar à sua cidade, cala-se por vergonha, ou seja, é silenciada pela sociedade
opressora e pela Igreja. Dessa forma, chega ao fim o seu sonho, ou melhor, o destino de
Severina é servir à Santa de outra maneira, não como “Filha de Maria”, mas fazendo
manta.
Assim, Severina se constitui como sujeito subalterno quando se conforma em fazer
bordados para a Santa, aparece um trabalho peito em “Ñandutí” doado anonimamente
para a Igreja, nessa passagem constata-se orientação , imposta pela Igreja, de que ela não
pode ser “Filha de Maria”, pela falta da perna, porém pode fazer mantas para a Santa, ou
14
Cf. BEVERLEY, John. Subaltenidad y representación. Madrid: Iberoamericano, 2004, p. 23.
seja, trabalhos manuais que ela pode executar sentada, não há necessidade da perna.
Assim, a protagonista aceita essa imposição da Igreja.
Representação do espaço
De acordo com Brandão15, o método abordado no conto, a representação do espaço no
texto literário, assim para o teórico esse espaço, é dado como categoria existente no
âmbito extratextual. Que ocorrem nas tendências naturalizantes, as quais atribuem ao
espaço características físicas, concretas, espaço como cenário. Assim, no conto “La pierna
de Severina”, é representado, pelo quarto da personagem, onde Severina se locomove
lentamente com a ajuda da mulata, desse espaço, ela observa a rua e o mundo por detrás
da grade de sua janela, espaço como lugar da enunciação “. Severina muito religiosa, a
igreja para ela era um lugar sagrado, mas segundo Brandão, esse lugar sagrado foi
“desconstruído”, no momento do estupro.
O momento do estupro, é um momento de maior tensão, momento de horror, pois a
moça sente-se apavorada com aqueles homens sujos, cheirando a vinagre, ela abrigou-se
na igreja por causa da chuva, aparentemente, um lugar seguro, acolhedor, para a religiosa,
lugar mais sagrado que a igreja, não poderia existir. No entanto, esse lugar sagrado, foi
desconstruído.
Tempo cronológico
Tempo cronológico é o tempo dos acontecimentos, que firma o sistema de calendários,
marcando as datas a partir de acontecimentos qualificados e de outros, que se situam
anterior ou posteriormente a esses. Como exemplo, o nascimento de Cristo, que é o eixo
de referência de todo o calendário ocidental. Assim, para Nunes16, o tempo dos contos é
cronológico, pois o tempo fictício sucede na ordem natural dos fatos dos enredos, ou seja,
os acontecimentos se sucederam uns aos outros organizadamente. Chama-se cronológico,
pois está baseado em movimentos naturais recorrentes e, é mensurável.
Na narrativa do conto, há marcas de tempos cronológicos como: a moça usa uma muleta
há quinze anos; com onze anos de idade, sofre o acidente; os dias da semana e horas que
vai à igreja, idade da moça, vinte e seis anos, dia da semana que não conseguiu dormir,
uma madrugada, após uma semana.
Considerações finais
Assim, a escrita de Josefina Plá, por meio da narrativa que aborda a situação da mulher
paraguaia, sofrida, e dos excluídos, dos marginalizados está impregnada de elementos que
retratam a tensão da sociedade paraguaia patriarcal. Dessa forma Plá, posicionou-se como
intelectual, e também reconhecer a sua contribuição no desenvolvimento cultural do
Paraguai, pela inovação da narrativa paraguaia.
Referências
AGAMBEN, Giorgio. O que contemporâneo? e outros ensaios. Trad. de
HONESKO, Vinícius Nicastro. Chapecó: Argos, 2009.
ARISTÓTELES, Poética. Trad. de VALENTE, Ana Maria. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2004.
BARCO, José Vicente; RODRÍGUEZ-ALCALÁ. Narradoras Paraguayas: antologías.
Disponível no site: http://www.lluisvives.com acessado no dia: 22 de jul de 2011 às
20:00h
15
Cf. BRANDÃO, Luia Alberto. Teorias do Espaço: Espaços Literários e suas expansões. Disponível em:
http://www.letras.ufmg.gov/poslit Acesso em 12 de jun de 2011 às 8h
16 Cf. NUNES, Benedito. O tempo na narrativa. São oaulo: Ática, 1988, p. 21.
BEVERLEY, John. Subaltenidad y representación. Madrid: Iberoamericano, 2004.
BORNHEIM, Gerard. O sentido e a máscara. São Paulo: Perspectiva, 2007.
BRANDÃO, Luiz Alberto. Teorias do Espaço: Espaços Literários e suas expansões.
Disponível em: http://www.letras.ufmg.gov/poslit Acesso em 12 de jun de 2011 às 8h
MÉNDEZ-FAITH, Teresa. Antologia de la Literatura Paraguaya. Asunción: El
Lector. 3ª ed., 2004.
NUNES, Benedito. O tempo na narrativa. São Paulo: Ática, 1988.
SPIVAK, Gayatri. In: BEVERLEY, John. Subaltenidad y representación. Madrid:
Iberoamericano, 2004.
PLÁ, Josefina. La Pierna de Severina. In: PLÁ, Josefina. La Pierna de Severina.
Asunción: El Lector, 2006.
PLÁ, Josefina. In: GODOI, Marylin. Josefina Plá. Asunción: Editorial Don Bosco, 1999.
PROOP, Vlademir. In: GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do Conto. São Paulo: Ática,
1998.
REIS, Carlos. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos literário. Coimbra:
Almedina, 2001.
ZOLIN, Lúcia Osana. Crítica Feminista. In: BONNICI, Thomas. Resistência e
intervenção nas literaturas pós-coloniais (Org.). Maringá: Eduem, 2009, p. 328-329.

Documentos relacionados