Debate: Temas polêmicos na literatura

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Debate: Temas polêmicos na literatura
SUMÁRIO
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LITERATURA
PROPOSTA PEDAGÓGICA ................................................................................................................... 03
Nilma Lacerda
PGM 1 – O OLHAR DA CRÍTICA LITERÁRIA ........................................................................................ 16
Raízes populares, força simbólica e envolvimento com o contemporâneo
na literatura brasileira para crianças e jovens
Laura Sandroni
PGM 2 – A PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO .......................................................................................... 32
Leitores relutantes, professores resistentes
Maria da Glória Bordini
PGM 3 – O RECORTE MULTIFOCAL .................................................................................................... 38
Livros, literatura e censura: caminhos da liberdade
Cynthia Campelo Rodrigues
PGM 4 – O DESAFIO DO ACESSO ....................................................................................................... 46
“Que leituras daremos às crianças deste século?”
Daniele Cajueiro e Izabel Aleixo
PGM 5 – OS ARTISTAS...... .................................................................................................................... 53
Para atravessar o território desconhecido, a caminho do amanhã
Nilma Lacerda
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
2.
PROPOSTA PEDAGÓGICA
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LITERATURA
Nilma Lacerda1
Conceituação e justificativa
São múltiplos os fatores que fazem da literatura para crianças e jovens uma presença cada vez
mais forte na sala de aula: a qualidade das obras, reconhecida mundialmente; a aplicação de
organismos públicos e privados na divulgação de títulos e autores; as políticas públicas
preocupadas com a formação do leitor; as recomendações de práticas de leitura em todos os
níveis de ensino, nos Parâmetros Curriculares Nacionais; e, ainda, o próprio empenho de
inúmeros educadores em levar a leitura para suas práticas docentes.
O consenso sobre a presença do texto literário no ambiente escolar impulsionou o
desenvolvimento editorial da produção voltada a esse segmento consumidor. Verificase, no entanto, que apesar de muitas professoras e muitos professores, em todo o país,
buscarem formas significativas de dialogar com a literatura, a maior parte das leituras
indicadas em sala, muitas vezes, acaba se voltando para a chamada literatura de
entretenimento, cujos objetivos essenciais – a função de coadjuvante pedagógico e a
oferta de diversão ao leitor – passa pela simplificação de conflitos e pelo investimento
em temáticas e estruturas que costumam reforçar expectativas e código de valores
prévios. A própria qualificação dessa produção, por parte das editoras, como obras
paradidáticas demonstra a distância que as separa da literatura enquanto processo
estético, que tem como característica fundamental o investimento na perplexidade do
ser humano frente à vida.
Questões fundamentais da existência atingem crianças e jovens com intensidade semelhante à
que atinge os adultos, mas os temas que expressam a angústia frente a essas questões são
considerados polêmicos, e obras que tratem do mal, da morte, da violência na escola, da
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3.
sexualidade, do homoerotismo são, em geral, consideradas ousadas, perigosas, inadequadas
pelos docentes, e costumam passar longe da sala de aula, quando se sabe que nelas reside a
possibilidade de, por meio da ficção, reconhecer e discutir os enigmas da existência humana e
a problemática das relações sociais e, ainda, alcançar a construção de respostas existenciais
necessárias aos projetos pessoais e coletivos.
A consciência da necessária visibilidade para esta produção literária e da fundamentação
teórica adequada2 foram as razões para a proposta de realização desta série no Salto para o
Futuro, a qual visa permitir a ampliação, em nível nacional, de um aspecto fundamental na
formação do docente do Ensino Fundamental e do Ensino Médio: o contato com a produção e
com o referencial teórico, para que a leitura de temas polêmicos em literatura brasileira para
crianças e jovens não continue pouco presente nas salas e bibliotecas escolares.
Literatura é, em primeiro lugar, comunicação, e, respeitados os limites de suas sensibilidades,
crianças e jovens precisam ter acesso a essa experiência de forma integral, na compreensão da
complexidade da condição humana. Em sala de aula, a presença da leitura literária deve estar
para além do que pregam os manuais, do que dizem as propagandas editoriais e do que
evidenciam as necessidades do fazer pedagógico contemporâneo. Como experiência humana e
estética que propicia o reconhecimento do que nos faz humanos, os temas vistos como
polêmicos são exatamente os que mais se ocupam de nossa humanidade e podem ofertar aos
leitores infantis e juvenis vias essenciais para a discussão do que os inquieta.
Objetivos
Com o objetivo primordial de fundamentar professoras e professores na abordagem de temas
polêmicos na literatura junto a seus alunos e a suas alunas, a partir da contribuição de
especialistas e de um olhar multifocal, a série pretende, ainda, propiciar a compreensão da
literatura como experiência essencial de comunicação; abordar a experiência da negatividade
na história humana; propiciar conhecimento e discussão de textos para leitores infantis e
juvenis que problematizem a realidade, atestando maturidade e vigor estéticos; contribuir com
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4.
reflexões teóricas para os estudos de literatura juvenil brasileira; fomentar experiências de
leitura que apontem para necessidades existenciais de docentes e discentes.
Fundamentação teórica
Os contos e as fábulas que estão na base de uma literatura voltada para a criança são
construções de caráter e alcance popular, fruto de muitas vozes anônimas, que foram deixando
seu olhar sobre o mundo em narrativas que assegurassem a vitória do bem e a derrota do mal.
Em um universo no qual os pobres careciam de toda espécie de bens e não tinham acesso,
senão muito remoto, aos benefícios que a civilização ia criando, era preciso que as narrativas
afirmassem o valor de quem era bom e heróico, trabalhador e sincero, e que os ouvintes e
leitores encontrassem na inteligência uma arma legítima para quem não dispunha de poder ou
de riquezas.
Nessas narrativas, aquele que é pequeno e menosprezado é quem vai salvar o grande e
poderoso. Na célebre fábula de La Fontaine, o ratinho pode roer as malhas da rede que o leão,
com toda sua fúria, não consegue romper. No conto de Perrault, o rapaz que parece
prejudicado pela parte que toca a ele na herança do pai acaba se casando com a filha do rei,
por artes de um gato de botas. A bondade e outros valores semelhantes são premiados, a
maldade e as más palavras são castigadas, como naquela história em que a irmã boa recebe da
fada o dom de expelir flores e jóias ao falar, enquanto a irmã má vai cuspir cobras e lagartos,
ao abrir a boca.
Por meio das narrativas, é moldado um mundo justo, em que bem e mal ficam separados e,
presentes no caráter humano, são partes irreconciliáveis e excludentes. Quem é mau, é mau;
quem é bom, é bom, conferindo aos contos um caráter nitidamente pedagógico, voltado ao
exemplo e à correção dos costumes.
Essa perspectiva vai se alterando, à medida que acontecem as mudanças na sociedade, em
decorrência das conquistas sociais e científicas. O surgimento da psicologia, no final do
século XIX, e logo em seguida o advento da psicanálise vêm mostrar que o ser humano é uma
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5.
mistura de “partes boas e ruins”, às vezes com prevalência de algumas delas, às vezes em tal
mistura que é impossível chegar a uma conclusão sobre a qualidade do caráter da pessoa. No
século XX, estudos de várias naturezas procuram conhecer melhor o ser humano,
relativizando os conceitos absolutos de outras épocas. O ser humano surge como um enigma
constante, mistura de partes que nem sempre podem ser conhecidas em profundidade, e essas
descobertas e estudos terão considerável influência na produção de narrativas.
A literatura para crianças e jovens vê seu caráter pedagógico se modificar para investir
naquilo que caracteriza a produção literária para adultos: as perguntas sobre nossa própria
humanidade.
Para Denis Rosenfield, filósofo que formula o conceito de vontade maligna, é imperioso
considerar o mal como uma escolha que produz um tipo de ação na história, e construir um
conceito que “interrogue o modo mesmo do ser humano”, para ele, “um esboço inacabado,
talvez para sempre incompleto” (Rosenfield, 1988, p. 150).
A questão do mal, que já ocupara pensadores como Georges Bataille, tem na literatura um dos
espaços mais convidativos à discussão, pois, sendo comunicação, é nela que se deve
estabelecer um canal fundamental com o leitor, através do qual se pode acompanhar o jogo da
transgressão da lei. "A literatura é o essencial ou não é nada", defende Bataille (1989, p. 9),
na medida em que, sem compromisso de ordem a criar, é a literatura que deve acompanhar o
homem nos abismos em que mergulha, nos pactos em que se envolve na desordem do próprio
ser.
O mal-estar na cultura, apontado por Sigmund Freud no ensaio de 1930, tem-se confirmado a
partir de então, e de forma cada vez mais incômoda; as casas do homem são tomadas de
assalto, na constatação do pensador francês Félix Guattari, que propõe, em As Três Ecologias
(1989), a modificação e reinvenção dos paradigmas da civilização, deslocando-os da
determinação científica para a instalação no seio da ética e da estética.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
6.
Mal-estar, modificação e reinvenção dos paradigmas da civilização estão presentes no projeto
que Monteiro Lobato começa a traçar, em 1921, com a publicação de A Menina do Narizinho
Arrebitado, abrindo na literatura brasileira uma vertente que se empenha em permitir à
criança e ao jovem o acesso à participação na configuração do mundo, por meio de uma
produção literária ao alcance de sua sensibilidade e que não despreza sua inteligência.
Reconhecido o caráter utópico e otimista de Monteiro Lobato, o autor não deixa de
reconhecer que apresentar o mundo sem mal às crianças, ou apresentá-lo na perspectiva
maniqueísta, é falseá-lo. Algumas obras na ficção para crianças de Lobato prestam-se, de
forma singular, a essa análise, em que também se encontra presente um pensamento crítico da
realidade universal, expresso em artigos para a imprensa e em sua correspondência particular.
Décadas mais tarde, ao apontar a direção de novas vozes em circulação no Brasil para um
público feito de novos leitores e uma platéia jovem, Silviano Santiago (Jornal do Brasil.
Idéias, 22 de fevereiro de 1997. p. 5) expressa a convicção de que os valores da educação são
determinantes na constituição de uma nação, e o acesso à leitura literária está entre esses
valores. Considera visionários aqueles que se definem como escritores num país como o
nosso (Santiago, 2004, p. 72), cuja realidade de desigualdade social e mentiras políticas
demanda consciência aguda para transformação. A partir dessa perspectiva, investimos em
uma prática pedagógica na qual os temas que causam incômodo precisam estar presentes na
literatura lida por crianças e jovens, e temos trabalhado no sentido sinalizado por Ana Lúcia
Miranda Pereira, professora de sala de leitura da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro:
“(...) precisamos mais do que nunca falar dos temas polêmicos e saber como (fazê-lo)”.
Como parte do projeto que busca investir na formação da biblioteca pessoal, estamos, nesta
série, enfatizando as leituras, com a presença de autoras e autores envolvidos, lendo
fragmentos de suas obras e opinando sobre a temática em estudo, além de múltiplas cenas de
leitura, em que variados mediadores lêem para crianças ou jovens, no ambiente da biblioteca.
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7.
Temas da série Debate: Temas polêmicos na literatura, que será apresentada no
Salto para o Futuro/TV Escola/SEED/MEC, de 25 a 29 de junho de 2007:
PGM 1: O olhar da crítica literária
O primeiro programa contempla a formação da literatura para crianças, as fontes que a
alimentaram, os olhares que a foram determinando e transformando até a contemporaneidade,
em que as perspectivas maniqueístas usuais cedem lugar à participação da criança como
protagonista em uma realidade submetida à crítica e à intervenção. Um panorama do Brasil
permite acompanhar os projetos pedagógicos de Monteiro Lobato e Cecília Meireles para a
leitura de literatura pelas crianças brasileiras, devidamente observada a relação entre ética e
estética.
PGM 2: A perspectiva da educação
O segundo programa tem por objetivo a conceituação de literatura de entretenimento e
literatura de criação; almeja discutir o espaço que a escola deve ocupar no acesso de crianças
e jovens à literatura de criação, e volta-se para a experiência em sala de aula, considerados os
docentes e os formadores de docentes. O programa quer ainda discutir conceitos como os de
leitura guiada e leitura compartilhada na formação de leitoras e de leitores, e abrir debate
sobre a biblioteca dos temas polêmicos, na sala de aula e na escola.
PGM 3: O recorte multifocal
O terceiro programa traz o olhar de outros campos das ciências humanas e sociais para os
temas polêmicos na literatura produzida para crianças e jovens. Psicanálise, antropologia e
filosofia emprestam suas abordagens específicas ao nosso tema, que compreende a atração
exercida pelo mal e a forma como outras culturas e outras épocas trabalharam e trabalham a
questão do mal com suas crianças e seus jovens. No amplo leque que deve se abrir, mal-estar
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8.
e cultura, violência, sexualidade, morte e gravidez precoce são abordados no contexto da
sociedade contemporânea.
PGM 4: O desafio do acesso
O quarto programa vai colocar em discussão a problemática do trabalho com a literatura de
temas polêmicos; a preparação de professoras e professores para lidar com as inquietações
que essas obras provocam e o suporte necessário ao debate salutar que devem gerar.
Indagações costumeiras sobre como lidar com as inúmeras representações do mal-estar
contemporâneo devem chamar a atenção para outros itens, como a posição editorial, o papel
institucional e a responsabilidade da Fundação Biblioteca Nacional no que se considera um
direito a ser garantido à criança e ao jovem, ou seja, o acesso a uma produção literária que
busque discutir a condição humana, em seus problemas mais tocantes.
PGM 5: Os artistas
O quinto programa recebe a visita de três artistas, e serão discutidas três obras literárias: Nós
três, de Lygia Bojunga, Cartão-postal, de Luiz Raul Machado e Chapeuzinho Vermelho e
outros contos por imagem, de Rui de Oliveira. Esse encontro deve propiciar a discussão, na
literatura para crianças e jovens, de situações que envolvam dilemas éticos dos personagens,
numa reflexão sobre o exercício radical da liberdade humana. Como lidaram esses artistas
com a problemática das obras escolhidas? Na necessidade do olhar crítico sobre os lugares
comuns maniqueístas, em narrativas cujos leitores privilegiados sejam crianças ou jovens, as
relações entre ética e estética encontram seu lugar no debate, que abriga também as relações
entre a literatura e o mal, as questões essenciais do ser humano e suas representações na
literatura.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
9.
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DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
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www.ufrgs.br/cerlij
http://www.unicamp.br/iel/memoria
Notas:
Doutora em Letras, com pós-doutorado em História Cultural. Professora da Faculdade de
Educação e da Especialização em literatura infantil e juvenil da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Colaboradora da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ),
seção brasileira do International Board on Books for Young People (IBBY). Autora de Manual
de Tapeçaria, Cartas do São Francisco: conversas com Rilke à beira do Rio; Estrela-de-rabo e
outras histórias doidas; Pena de Ganso, dentre outras obras. Consultora desta série.
2
Essa temática vem mobilizando a consultora, que realizou, como bolsista recém-doutora,
duas pesquisas para o CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e
Científico – junto à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o que permitiu produção
científica, participação em eventos e a realização de cursos, o último dos quais em novembro
de 2006, na Casa da Leitura, sede nacional do Programa Nacional de Incentivo à Leitura
(PROLER) da Fundação Biblioteca Nacional.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
15 .
PROGRAMA 1
O OLHAR DA CRÍTICA LITERÁRIA
Raízes populares, força simbólica e envolvimento com o contemporâneo na
literatura brasileira para crianças e jovens
Laura Sandroni1
Resumo: O texto contempla a formação da literatura para crianças, as fontes que a
alimentaram, os olhares que a foram determinando e transformando até a
contemporaneidade, em que as perspectivas maniqueístas usuais cedem lugar à
participação da criança como protagonista, em uma realidade submetida à crítica e
à intervenção. Acompanha, no Brasil, os projetos pedagógicos de Monteiro Lobato e
Cecília Meireles para a leitura de literatura pelas crianças brasileiras, e, em
adequado panorama histórico, focaliza a irrupção de uma produção renovada, a
partir da década de 1970. Palavras-chave: origens da literatura infantil, projeto
para formação de leitores, ética e estética.
1.
A permanência do conto de fadas explicada por diferentes disciplinas e estudos
literários
Uma das fontes inspiradoras da literatura universal nos tempos modernos tem sido o imenso
acervo formado pelos mitos, lendas, fábulas e contos que compõem o chamado mundo da
fantasia. Esse interesse, recorrente através dos séculos, tem levado estudiosos de diferentes
áreas do saber a se debruçarem sobre o legado de narrativas ancestrais, na tentativa de
descobrir os motivos de sua permanência, não apenas como apelo à imaginação e forma de
entretenimento, mas também como transmissoras de comportamentos e valores que as
diferentes culturas desejavam preservar.
No início do século XVII, em plena corte francesa de Luiz XIV, deu-se a redescoberta das
histórias que acompanharam o desenvolvimento da humanidade, contadas ao pé do fogo,
indistintamente, para adultos e crianças. Entre vários textos dessa época, dois nomes avultam
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16 .
pela importância de sua obra: Jean de La Fontaine e Charles Perrault. Nascido em 1621, La
Fontaine viveu protegido pela nobreza, o que lhe permitiu dedicar-se inteiramente à criação
literária, escolhendo as fábulas como seu gênero preferido. Escreveu narrativas alegóricas,
geralmente em verso, das quais se extrai uma lição de moral, e criou o gênero, cujas raízes
remontam à Antigüidade greco-romana, com Esopo e Fedro. La Fontaine retomou histórias
quase esquecidas desses mestres e popularizou-as.
Com espírito irreverente e poesia de alta qualidade, em linguagem de fácil compreensão,
caracterizava em animais situações facilmente encontradas nas relações humanas, para
mostrar seus vícios e virtudes. Assim denunciava as injustiças que ocorriam na vida da corte
ou entre o povo, tornando-se amado pelas camadas mais pobres da sociedade, ao mesmo
tempo em que tinha seu talento reconhecido pela Academia Francesa. Sua obra desperta até
hoje interesse e foram feitas sucessivas traduções em todo o mundo ocidental.
Nascido em Paris em 1628, Charles Perrault, poeta, membro da Academia Francesa,
advogado de prestígio na corte de Luiz XIV, e já famoso por seu envolvimento na “Querela
dos antigos e modernos” – na qual defendeu a língua francesa como expressão literária, em
oposição ao latim então valorizado –, volta-se para a arte popular em busca de renovação e
publica, aos setenta anos de idade, o livro Contos da mamãe Gansa (Contes de ma mère
l’Oye), reunindo oito histórias das mais populares na França, que inauguram o gênero
chamado de Literatura Infantil. O volume continha alguns dos mais conhecidos contos
tradicionais: “A bela adormecida no bosque”, “Chapeuzinho Vermelho”, “O Barba Azul”, “O
gato de botas”, “As fadas”, “Cinderela” ou “A gata borralheira”, “Henrique do topete” e “O
pequeno polegar”.
Recriação literária das histórias que ele próprio ouviu na infância, os seus contos, em
linguagem poética, enquanto documentam a situação social das classes populares, tecem uma
atmosfera em que o humor e a fantasia estão sempre presentes e os heróis sobrepujam as
dificuldades através de objetos mágicos. As narrativas revelam a concepção pedagógica do
autor sobre a literatura destinada a crianças, através das moralidades, sempre em versos
rimados, que insere ao final de cada conto.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
17 .
Pouco depois, em 1704, Antoine Galland publica a versão francesa de As mil e uma noites,
contos maravilhosos de origem árabe, que constituem um dos maiores tesouros da literatura
universal e que, trazidos por mercadores e marinheiros e espalhadas pelos contadores de
histórias por todo o continente, desde a Idade Média permeavam as narrativas populares na
Europa. Essa primeira versão em língua ocidental excluiu os aspectos mais eróticos e
violentos do texto sírio do século XIV, e é a mais difundida até nossos dias.
O interesse dos adultos pelos contos maravilhosos e pelos contos de fadas perdura até os fins
do século XVIII, na medida em que mulheres da nobreza dedicavam-se a publicar romances e
contos inspirados na tradição. Os primeiros, de raízes orientais, tematizam a busca da riqueza,
a conquista do poder, a realização individual na sociedade. Já o conto de fadas de raízes celtas
expressa a realização interior do indivíduo, os rituais de passagem e seus obstáculos e a
importância do amor como impulsionador da existência. Um século mais tarde, os irmãos
Jacob e Wilhelm Grimm, nascidos em Hanau, Alemanha, em 1785 e 1786 respectivamente,
dedicavam-se a estudos filológicos e antropológicos para estabelecer a norma culta da língua
alemã em meio aos muitos dialetos existentes. Eles escreveram uma gramática e um
dicionário, obras monumentais, resultado de muito trabalho, persistência e erudição. Para
tanto, ouviram narrativas ancestrais contadas por pessoas do povo e perceberam a sua
importância, que ia muito além do mero entretenimento. Com base em tais histórias,
publicaram em 1812 o volume Contos para crianças e para o lar, obra que lhes permitiu
alcançar a fama universal e chegar à posteridade. Os Irmãos Grimm continuaram a pesquisa e
escreveram 211 histórias recolhidas da tradição oral de camponeses, pastores e viajantes, que
nas horas de folga seduziam seus ouvintes, em volta das fogueiras e lareiras, com sonhos de
um mundo melhor e mais justo.
O acervo da Literatura Infantil, hoje chamada clássica, completou-se já no início do
romantismo, com a obra do dinamarquês Hans Christian Andersen. Com 168 contos
publicados entre 1835 e 1877, ele se tornou um autor querido e festejado nos países europeus,
e seus contos foram traduzidos rapidamente e logo alcançaram todo o mundo ocidental. Ao
utilizar elementos das narrativas tradicionais de seu país, Andersen introduziu em suas
histórias questões ligadas à realidade social de seu tempo, denunciando as profundas
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
18 .
desigualdades existentes em textos plenos de emoção. Pela importância de sua obra, ele é hoje
o Patrono da Literatura Infantil.
Como nos lembra Teresa Colomer, professora catalã estudiosa do tema, embora a literatura de
tradição oral não fosse especialmente dirigida a crianças em sua origem, desde o início de sua
fixação escrita houve vontade explícita de apelar a estes ouvintes. Os autores citados são
exemplos disso. Foi precisamente seu extravasamento para essa nova audiência – a infância –
que estabeleceu sua presença no imaginário coletivo das sociedades contemporâneas. O
folclore como forma literária está enraizado na literatura infantil.
Os estudos literários voltados para a reflexão sobre o renascimento e o desenvolvimento da
literatura para crianças tiveram início na Grã-Bretanha do século XIX, com autores como
Coleridge, Dickens, Tolkien, Chesterton e Stevenson. No século XX surgiram estudos mais
aprofundados abordando os contos de fadas sob diferentes aspectos do conhecimento.
Já na década de 30, Carl Jung, psicólogo e filósofo suíço, estabelece o conceito de
inconsciente coletivo, ao perceber que os mitos, as lendas e os contos de fadas têm origem nas
camadas profundas do inconsciente comuns a todos os homens. Por isso, seus temas aparecem
nos países e nas épocas mais distantes e diferentes, com pequenas variações.
Eles narram a experiência vital da cultura que os gerou e expressam suas crenças e sua
maneira de pensar. Sua transmissão dá-se no momento mágico de “contar histórias”,
assumido sistematicamente pelos homens e mulheres mais velhos em sua tarefa de transmitir
o conhecimento. Os mitos pertencem à esfera do sagrado, enquanto os arquétipos são as
forças vitais que se manifestam na esfera do humano. Ambos expressam os processos do
inconsciente através da linguagem simbólica, mediadora entre o espaço do imaginário e o
espaço do real.
A importância dos contos de fadas na área da psicanálise foi evidenciada em obras como a de
Bruno Bettelheim, que estudou seu significado fundamental para crianças, depois de anos em
que foram depreciados pela pedagogia como descrição de um mundo arcaico, expressão de
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
19 .
uma ideologia retrógrada e, ainda, por seus aspectos de violência. Em A psicanálise dos
contos de fadas (1975), Bettelheim trata de maneira clara e profunda dos significados dessas
narrativas tradicionais, em nível do inconsciente, mostrando que elas ajudam a encontrar o
sentido da existência e a alcançar a maturidade psicológica. Nelas as crianças captam lições
implícitas de confiança em si próprias através da empatia estabelecida de início com o herói,
na maior parte das vezes também criança. E ainda descobrem, no universo simbólico ali
exposto, todos os conflitos humanos trabalhados pela fantasia, linguagem que lhes é
particularmente adequada.
A obra de Bettelheim teve um efeito decisivo para a mudança de orientação dos pressupostos
educativos sobre a Literatura Infantil, mostrando que os contos de fadas contribuem para o
desenvolvimento pessoal das crianças, bem como para o enriquecimento de sua imaginação.
Eles ajudam na organização da vida interior e reforçam a crença de que, crescendo e
trabalhando duramente, elas atingirão a maturidade e sairão vitoriosas.
As características positivas dessa análise levaram à enunciação de critérios para avaliação das
obras para crianças: a simplicidade das situações descritas, a distinção clara entre o bem e o
mal, a facilidade de identificação com o herói, o desenlace feliz da história e, ainda, a
descoberta da potencialidade simbólica da linguagem.
A Literatura Infantil, tal como existe em nossos dias, nasceu da evolução dos contos de fadas,
que substituíram os textos didáticos moralizantes escritos em épocas anteriores. Esses textos,
consideradas, historicamente, antecessores do gênero, negavam-lhes, no entanto, a qualidade
de textos literários, que a fantasia dos contos tradicionais contribuiu, decisivamente, para lhes
acrescentar.
É Jung quem nos lembra, em sua obra, que o conhecimento científico diminui o grau de
humanização do nosso mundo. O homem sente-se hoje isolado no cosmos porque já não
estando envolvido com a natureza, perdeu a sua identificação emocional, inconsciente, com os
fenômenos naturais. E esses fenômenos, por sua vez, perderam aos poucos suas implicações
simbólicas – a profunda energia emocional que esta conexão alimentava. Esses símbolos, no
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
20 .
entanto, permanecem através da pintura, da literatura e das religiões, representando conceitos
que não podemos definir ou compreender integralmente.
Assim, os contos de fadas, longe de serem vistos como algo superado e de interesse apenas
para a infância, estão sendo redescobertos como fonte de conhecimento, já que a natureza
humana permanece a mesma. Vemos na literatura a volta do “maravilhoso” sob as mais
diversas formas, pois ao referir-se a sentimentos recônditos existentes em todos os homens, o
faz de modo altamente poético. Convergem, aí, ética e estética, busca permanente da cultura.
As edições dos contos tradicionais de Perrault, dos Irmãos Grimm e de Andersen se sucedem
em volumes belamente ilustrados, publicados nos mais diversos idiomas. Livros como As
brumas de Avalon, O senhor dos anéis ou Harry Potter e mesmo o realismo mágico fazem
extraordinário sucesso, sem esquecer os filmes e as séries de TV neles inspirados.
Os contos de fadas ressurgem como paródias que subvertem as antigas mensagens de seus
personagens tradicionais, substituindo-as por valores mais consentâneos à nossa época. Ou
são fontes de inspiração para novas criações que utilizam os mesmos elementos e funções, em
narrativas que já fazem uso das ferramentas da psicanálise. A idéia é simples: tomar
elementos do conto tradicional e modificá-los. Assim, os diversos temas contemporâneos são
abordados em textos nos quais a graça e a crítica são constantes. A linguagem coloquial e
inventiva sublinha a ironia subjacente, ou é poética quando a trama o exige, ao mesmo tempo
em que está aberta às mais diversas interpretações.
2.
A literatura brasileira para crianças e jovens – o projeto pedagógico de Lobato e
Cecília Meireles
O livro Contos da Carochinha, do fluminense Figueiredo Pimentel, publicado em 1896 pela
Livraria Quaresma, é o marco inicial da produção editorial brasileira para crianças. O autor
dedicou-se à tradução de contos clássicos europeus, mas acrescentou histórias recolhidas da
tradição oral da nossa terra. A preocupação “educativa” do volume está explícita na
dedicatória:
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
21 .
“São histórias para crianças, mas todas têm um fundo moral, muito proveitoso,
ensinando que a única felicidade está na virtude, e que a alegria só vem de uma vida
honesta e serena.”
Já nos primeiros anos do século XX, a professora mineira Alexina de Magalhães Pinto,
pioneira no uso da linguagem oral e de outras formas de cultura popular na pedagogia,
começa a publicar títulos sempre baseados em pesquisa realizada em todo o país, contendo
histórias do folclore, além de cantigas infantis, brinquedos, provérbios e danças populares.
Pela mesma época, destaca-se outro autor considerado pioneiro nesse gênero de literatura, o
consagrado poeta Olavo Bilac. “Guardião das virtudes cívicas”, como o denomina a
professora Marisa Lajolo, e educador, ele decide escrever para crianças livros que visavam,
em primeiro lugar, transmitir conhecimentos e comportamentos exemplares, segundo os
valores da ideologia dominante. Os objetivos moralizantes eram, à época, muito mais
importantes do que os da Literatura enquanto Arte: deflagrar a emoção, o sentimento estético,
o prazer, a fruição.
Apesar de seguir o mesmo caminho dos demais autores em sua viagem pedagógica, Bilac o
faz com inegável talento. Usa a mesma retórica tradicional, mas a ela adiciona os recursos
estilísticos que fizeram dele um poeta festejado por seus contemporâneos e que conferem à
sua obra para crianças um valor que a diferencia das demais.
Com a publicação de A Menina do Narizinho Arrebitado em 1921, José Bento Monteiro
Lobato inicia o que se convencionou chamar de fase literária da produção brasileira destinada
a crianças e jovens. Sua obra foi um salto qualitativo, se comparada aos outros que o
precederam, já que é permeada do ânimo de debates sobre temas públicos contemporâneos,
que o autor problematiza de modo a ser compreendido por crianças e expressa em linguagem
original e criativa, na qual sobressai a busca do coloquial brasileiro, antecipatória do
modernismo.
Desiludido com os adultos, acredita que só as crianças poderão modificar o mundo, tornandoas suas interlocutoras privilegiadas. Por isso, trata em sua obra de temas sérios e complexos
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
22 .
que até então não eram considerados apropriados à infância, como: guerras, burocracia,
ciência, petróleo. Os problemas são apresentados de maneira simples e clara, de modo
adequado à compreensão do leitor. A simplicidade da linguagem, marcada pelo coloquialismo
e por “brasileirismos” inovadores, visa tornar agradável a leitura.
Monteiro Lobato foi o primeiro escritor brasileiro a acreditar na inteligência da criança, na sua
curiosidade intelectual e na sua capacidade de compreensão. Seus textos estão cheios de
citações e alusões que remetem a outros personagens, a outras épocas históricas e seus
protagonistas. Ele foi um autor engajado, comprometido com os problemas do seu tempo.
Tinha um projeto definido: influir na formação de um Brasil melhor através das crianças. A
partir dele, no Brasil, a Literatura Infantil perde uma de suas principais características: a de
ser um instrumento de dominação do adulto e de uma classe, modelo de estruturas que devem
ser reproduzidas. Passa a ser fonte de reflexão, questionamento e crítica.
A poeta carioca Cecília Meireles, criadora do belo e nunca esquecido Ou isto ou aquilo
(1964), um clássico da lírica infantil, com versos nos quais as aliterações e rimas encantam
crianças e adultos com a redescoberta da beleza das coisas simples, também tinha, como
Lobato, um projeto pedagógico para a leitura literária.
Seu livro Problemas da literatura infantil, pioneiro no campo da teoria sobre o tema no Brasil
e sempre reeditado, resultou de conferências pronunciadas a convite da Secretaria de
Educação do Estado de Minas Gerais em 1951, por ela refundidas e ampliadas, visando a darlhes organicidade para publicação em livro.
Iniciando com um panorama histórico da literatura infantil, que remonta à tradição oral,
estabelece comparações entre obras escritas especialmente para crianças e aquelas por elas
“adotadas”, e chega a algumas conclusões de como deve ser um livro para agradar e, ao
mesmo tempo, transmitir elementos formadores ao jovem leitor.
Vendo adiante do seu tempo, Cecília Meireles percebeu a importância da biblioteca infantil
como melhor meio para a criação do hábito de leitura e, aplicando na prática suas idéias,
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
23 .
criou, no Rio de Janeiro, a primeira biblioteca infantil, destruída na ditadura de Getúlio
Vargas, como tantas outras iniciativas culturais em nosso país.
3.
A década de 70: sua revolução e continuidade. Realismo e fantasia; ética e
estética
É na década de 1970, no entanto, que por motivos diversos se dá uma renovação marcante da
Literatura Infantil e Juvenil, com o aparecimento de autores que, voltando às raízes
lobatianas, têm produzido obras que, sem perder de vista o lúdico, o imaginário, o humor, a
linguagem inovadora e poética, tematizam os atuais problemas do país, levando o pequeno e o
jovem leitor à reflexão e à crítica.
Como assinalou o autor inglês A. Chambers em texto de 1982, estes autores trabalham usando
como instrumentos as profundas transformações ocorridas na área do conhecimento científico
no século XX sobre o conceito e a visão do homem.
A primeira dessas grandes transformações derivou da teoria de Einstein, sobre a relatividade,
que revolucionou todas as noções filosóficas e físicas sobre espaço e tempo. A partir da idéia
de relatividade, o conceito de narrativa – “o que aconteceu?, a quem aconteceu?, por que
aconteceu?” – incorpora alguns elementos novos: “onde aconteceu? quando?” E
principalmente, “visto por quem?” Está aberto aí o campo para os diferentes pontos de vista
expressos numa narrativa, uma das características da moderna literatura. O momento histórico
e o lugar onde se encontra o autor importam tanto a partir daí quanto o momento e o local
onde se desenrolam os acontecimentos narrados. Não se pode hoje analisar um texto sem
levar em conta esses dados. Por outro lado, sabemos que a história é contada pelo autor que a
escreve, mas também pelo personagem que narra e pelo próprio leitor, pois ele também dela
participa.
A significação que atribuímos a um texto se modifica quando voltamos a lê-lo. Essa
pluralidade de interpretações é hoje uma das características principais da linguagem literária.
O uso de tempos diferentes numa mesma narrativa pode torná-la mais densa e interessante do
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
24 .
que narrar os acontecimentos numa seqüência lógica, como faziam os clássicos. O herói
moderno, com suas características de anti-herói, é outra aplicação da teoria da relatividade.
Vemos, pois, como ela interfere na narrativa, através dos múltiplos narradores, da
simultaneidade de pontos de vista e da multipresença do tempo.
Outra grande transformação, decorrente já da teoria de Einstein, é a aventura espacial. As
viagens à lua e demais incursões do homem fora da órbita terrestre evidentemente
influenciaram a compreensão do homem a respeito de si mesmo e das possibilidades futuras
de vida extraterrena. Ninguém pode escrever histórias hoje sem levar em conta que o homem
não está mais preso aos limites da Terra. Cada vez mais estamos integrados ao universo,
temos plena consciência de que vivemos numa pequena partícula dele, de que não somos os
senhores da criação, nem o centro da natureza. Podemos imaginar o homem deixando este
planeta em busca de outras moradas.
Essa noção dos limites do homem – e agora abordando seus limites internos – foi modificada,
também neste século, por outro grande homem, Sigmund Freud. A teoria psicanalítica
possibilita-nos a exploração consciente de nosso espaço interior e muitos autores se
aventuram nessa viagem em profundidade. Permite-nos, ainda, a compreensão dos contos
tradicionais e dos mitos folclóricos. O marxismo, com sua visão econômica da história e a
ênfase na luta de classes, na justiça social, também influenciou decisivamente o pensamento
nas últimas décadas do século XX e, portanto, também a literatura.
Outra modificação das últimas décadas do século XX e do início do século XXI diz respeito à
evolução dos costumes, especialmente dos padrões sexuais. Nenhum escritor pode ignorar
hoje o fato de masculino e feminino conviverem em cada ser humano e que a preponderância
de um e de outro define o gênero. Aqui também a relatividade está presente. Na literatura
destinada a crianças, essas modificações são ainda mais claras, pois o gênero, antigamente,
distinguia a literatura para meninos e a literatura para meninas. As boas histórias hoje
interessam a ambos os sexos.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
25 .
A importância cada vez maior da ilustração nos livros para as crianças é outro tema
importante para o olhar crítico desse gênero de literatura. O aparecimento do livro “sem
texto” ou “de imagem”, que no Brasil se deu com Ida e volta, de Juarez Machado, em 1976, e
a que Eva Furnari deu continuidade com sua deliciosa “bruxinha”, seguida por vários
ilustradores, proporcionou a “leitura” direta da narrativa (ou linguagem pictórica). Por outro
lado, tornou-se mais valorizada a qualidade do desenho e sua inter-relação com o texto que
aborda, já que lhe permite ser mais complexo, pois pode colaborar, através da imagem, para
sua compreensão.
Os meios audiovisuais de comunicação seriam mais uma das grandes influências sofridas pela
literatura. O cinema, a história em quadrinhos e a televisão são responsáveis por algumas
importantes modificações nos textos literários. Basta lembrar a preponderância do diálogo
sobre as descrições, os capítulos curtos, a rapidez e a predominância da ação, a linguagem
coloquial, os cortes abruptos. Na literatura infantil, a imagem tem importância cada vez maior
e muitas vezes há interação texto-imagem, própria dos quadrinhos. O videotexto já é uma
realidade e ainda não sabemos que perspectivas se abrem para o escritor. Outro aspecto ainda
a ser considerado com relação à tevê: ela acabou com a divisão adulto/criança. As crianças
assistem tranqüilamente aos programas destinados, teoricamente, a adultos. Esse fato, sem
dúvida, altera o gosto e a compreensão infantis, modificando o conceito de faixa etária e,
conseqüentemente, dos textos escritos para esse público.
Na Literatura Brasileira contemporânea destinada a crianças e jovens encontramos muitos
títulos que poderiam ser classificados como realistas, ou seja, obras que buscam dar uma
imagem exata da natureza e dos homens, pela anotação dos pormenores comuns da existência
e pela reprodução da linguagem coloquial. Como escola, o realismo surgiu em reação aos
excessos de lirismo do romantismo e teve em Balzac e Flaubert seus expoentes. No Brasil,
encontram-se traços no romance Memórias de um sargento de milícias, de Manoel Antônio de
Almeida, de 1855, mas não se constituiu como movimento. O Ateneu, de Raul Pompéia,
publicado em 1888, aprofunda a tendência que muitos críticos vêem continuada na obra de
Machado de Assis.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
26 .
Essa representação da realidade surge na literatura infantil brasileira em Cazuza, de Viriato
Correia, datado de 1928, que narra a vida de um garoto, desde os bancos escolares no interior
do Rio Grande do Norte, numa denúncia dos métodos educacionais da época. Há na obra a
influência iluminista, na medida em que o autor vê na educação a possibilidade da ascensão
social.
Nessa linha podemos citar Cabra das rocas (1966), de Homero Homem, Justino, o retirante
(1970), de Odete Barros Mott (que incorpora a seca nordestina aos temas tratados pela
moderna literatura para jovens), as obras de Carlos Marigny, Lando das ruas (1975),
Detetives por acaso (1976), e de Eliane Ganem, Coisas de menino.
Nos fins dos anos 1970 surgem, com a Coleção do Pinto, da Editora Comunicação de Belo
Horizonte, obras filiadas à corrente naturalista, que teve no francês Emile Zola seu teórico e
praticante mais famoso. No Brasil, Aluísio de Azevedo se tornaria a figura mais importante
do movimento, que trataria das faces mais escondidas da realidade, como em O mulato, de
1881, e O cortiço.
Essa tendência realista, que aparece na literatura “para adultos” no final dos anos 70, tem
também um sentido político e ideológico, na medida em que denuncia as questões mais
prementes de uma sociedade que se torna urbana e que apresenta terríveis desigualdades
econômicas e culturais. A linguagem coloquial é cada vez mais assumida e tem a gíria urbana
como importante componente, já que integra personagens das camadas mais pobres da
sociedade. A criança, enquanto leitora, é chamada a vivenciar os problemas que envolvem
também os adultos e que, problematizados pela literatura, podem, muitas vezes, possibilitar a
construção de respostas pessoais aos conflitos vividos, abrindo perspectivas diversas para a
existência coletiva.
Outra linha seguida por alguns dos nossos melhores autores é aquela em que a fantasia e a
realidade se interpenetram na discussão de temas relevantes, como é o caso de Ruth Rocha
com O reizinho mandão (1978) e os dois outros títulos da chamada “Trilogia dos reis”, que
abordam o autoritarismo, escritos em plena ditadura. É o caso também de um trabalho anterior
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
27 .
realizado por um dos nossos principais ilustradores, Eliardo França, com o premiado Rei de
quase tudo, de 1974. Nessas obras, como em História meio ao contrário (1978), de Ana
Maria Machado, os elementos dos contos de fadas são decompostos e reconstruídos,
invertendo-se as relações do poder.
Ainda em relação aos contos de fadas, temos a obra de Marina Colasanti, inaugurada pelo
belo Uma idéia toda azul, de 1979. Nela encontramos muito presente a influência do
conhecimento psicanalítico, enriquecendo e atualizando o gênero. A fantasia iluminadora da
realidade está presente em toda a obra de Lygia Bojunga Nunes, de quem o júri que lhe
concedeu o Prêmio Hans Christian Andersen, em 1982, afirmou:
“A riqueza de suas metáforas é espantosa, bem como seu domínio técnico na
elaboração da narrativa e na perfeita fusão do individual e do social. Ainda que
profundamente fiel às fontes brasileiras, tem ressonância universal. Vai ser um
clássico mundial.”
A revalorização da cultura popular, a busca das origens através da tradição oral – uma das
vertentes do modernismo – é retomada na década de 1970. Surge Ziraldo, com sua Turma do
Pererê (1972-73), que realiza a simbiose de traço e palavra através da linguagem dos
quadrinhos, trazendo a problemática rural para este moderno meio de comunicação de massa.
Joel Rufino dos Santos, em muitos de seus livros, reelabora contos folclóricos ou se inspira
nessa matéria para criar obras originais. A redescoberta do indígena, agora não mais
idealizado como no período romântico, mas visto como marginalizado na sociedade moderna,
dá-se em Apenas um Curumim, de Werner Zotz e na obra de Antônio Hohfeldt, entre outros.
O humor como instrumento de desmistificação e de reflexão crítica sobre dados do contexto
histórico e social perpassa toda a obra de Sylvia Orthof e João Carlos Marinho, sem esquecer
Edy Lima, a precursora do gênero, com sua série A vaca voadora, enquanto Bartolomeu
Campos Queirós e Luiz Raul Machado preferem a prosa poética com sua ambigüidade, para
estimular a imaginação criadora do leitor, ao tratar temas intimistas.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
28 .
A qualidade do desenho volta a crescer nessa fase. Criado o prêmio Instituto Nacional do
Livro, Gian Calvi ganha-o ilustrando o texto de Os colegas, de Lygia Bojunga Nunes, que
vencera a fase inicial do concurso, em 1972. Ele e Regina Yolanda seriam os primeiros
artistas plásticos a pensar a questão da ilustração, publicando inúmeros artigos no Boletim
Informativo, da FNLIJ. Pouco mais tarde surge Rui de Oliveira, que como Eliardo França,
continua a produzir hoje, renovando-se em cada nova obra.
A dramaturgia para crianças também deu um grande salto de qualidade com Maria Clara
Machado e seu grupo O Tablado, fundado em 1951. A originalidade temática, a graça da
linguagem, o capricho da encenação foram lições que influenciaram as gerações posteriores.
Sua obra tem em Pluft, o fantasminha e O cavalinho azul seu ponto mais alto.
Na poesia, destacam-se a sensibilidade, o lirismo e a exploração lúdica da língua que marcam
as obras daqueles que se dedicaram a escrever para o público infantil, desde os pioneiros
Cecília Meireles com Ou isto ou aquilo, de 1964, e Vinícius de Moraes com Arca de Noé, de
1971, até Roseana Murray, Sérgio Caparelli, Elias José e José Paulo Paes, com numerosos
títulos que encantam adultos e crianças.
Nessa rápida visão da literatura brasileira para crianças e jovens, vimos que as lições dos
pioneiros, principalmente de Monteiro Lobato, foram absorvidas por alguns autores
contemporâneos que levaram adiante suas propostas mais ousadas. Desde a década de 1970, a
criança tornou-se protagonista das narrativas; ela rompe padrões de comportamento e carrega
a bandeira da esperança por uma sociedade melhor e mais justa.
O maravilhoso e a fantasia estão presentes e em perfeita fusão com a realidade, os temas
apresentados são muitos e o que importa é a forma de abordá-los. A linguagem,
marcadamente coloquial, faz uso dos jogos de palavras, das aliterações, dos neologismos, é
simples e bem-humorada. As estruturas narrativas diferenciadas representam outro dado
enriquecedor. Podemos encontrar a história dentro da história, diversos pontos de vista sobre
um mesmo fato, citação de outras narrativas ou de seus protagonistas, enfim, todas as técnicas
metalingüísticas da literatura contemporânea.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
29 .
Vemos também com satisfação que muitos dos escritores citados continuam trabalhando e são
hoje conhecidos não apenas no Brasil, mas traduzidos em diversos idiomas.
Por outro lado, valores mais recentes se firmam como Nilma Lacerda, Leo Cunha, Luciana
Sandroni, Rosa Amanda Strausz, Luiz Antônio Aguiar, e outros surgem a cada ano, além dos
muitos ilustradores talentosos e editoras que produzem livros cada vez mais bonitos. Há ainda
de verdadeiramente novo os livros escritos por índios, mostrando sua cultura, seus mitos, sua
visão de mundo. Destaca-se, entre eles, o premiado Daniel Munduruku.
O desejo de alcançar o belo através da palavra escrita tem marcado a literatura através dos
séculos, tornando-se a preocupação estética uma das suas características essenciais. Ocorre
que as mudanças sociais e políticas por que passa a humanidade trazem com elas novas
formas de pensamento e sensibilidade, modificando o conceito de beleza pelos tempos afora.
Permanece o fato de que a literatura nos ajuda a descobrir a multiplicidade dos sentimentos
humanos e as transformações pelas quais passamos em toda a vida.
Sem medo de errar, podemos dizer que em nosso país não existem diferenças, do ponto de
vista estético, entre a obra literária destinada a adultos e aquela escrita para crianças e jovens.
Bibliografia sugerida:
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e Terra,
1978.
CAMARGO, Luis. Ilustração do Livro Infantil e Juvenil. Belo Horizonte: Lê, 1995.
COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário. Trad. Laura Sandroni. São Paulo:
Global, 2003.
MEIRELES, Cecília. Problemas da Literatura Infantil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1984.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
30 .
SANDRONI, Laura. Ao longo do caminho. São Paulo: Moderna, 2003.
______. De Lobato a Bojunga, as reinações renovadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir,
2005.
SERRA, Elizabeth (org.). Ética, estética e afeto na literatura para crianças e jovens.
São Paulo: Global, 2001.
WERNECK, Regina Yolanda. Literatura infantil na escola: leituras do texto e da
imagem. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 2001.
Nota:
Membro do Conselho Curador da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) –
seção brasileira do International Board on Books for Young People (IBBY). Mestra em
Literatura Brasileira (UFRJ) com especialização em literatura Infantil. Autora de livros e
ensaios, dentre os quais Ao longo do caminho e De Lobato a Bojunga, as reinações
renovadas. Membro honorário do IBBY, é uma das fundadoras de nossa seção nacional.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
31 .
PROGRAMA 2
A PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO
Leitores relutantes, professores resistentes
Maria da Glória Bordini1
Resumo: A questão da leitura e da leitura da literatura vai além da obra, para
atingir toda uma mentalidade da sociedade brasileira. Na escola, à qual a tarefa de
formação de leitores tem sido entregue cada vez mais, o papel de mobilização do
leitor enfrenta dificuldades conjunturais que exigem medidas por vezes fora do
alcance do professor, mas que podem ser contornadas com algumas estratégias de
luta contra a inanidade. Palavras-chave: importância da leitura; formação do leitor
na escola; literatura emancipatória e resistência cultural.
Se pensarmos que, hoje em dia, a escola substituiu as funções da família na formação cultural
das crianças e dos jovens, a leitura escolar se torna um dos instrumentos educativos
imprescindíveis. Ao lado dos recursos informáticos, também estimulantes do ato de ler, seja
no MSN Messenger, no e-mail ou nos sites e blogs da Internet, o livro conta com algumas
vantagens. Além de ser portátil e mais acessível que um computador, e não precisar de
eletricidade, podendo ser aberto em qualquer lugar – salvo no escuro... – guarda em suas
páginas o prazer da descoberta, seja lá do que for, sempre ali, fixado nas letras e ilustrações, e
geralmente com mais exatidão do que em outros veículos.
O ideal de uma escola com biblioteca, abastecida de livros significativos, acolhendo os alunos
não só para empréstimos, mas para atividades de discussão de leituras, ainda está longe de ser
alcançado no país. Não se pode negar que há e houve esforços do Ministério da Educação no
sentido de dotar as bibliotecas escolares e até as dos próprios alunos de acervos interessantes e
bem escolhidos. Entretanto, no plano escolar e no da comunidade, a repercussão não tem sido
a esperada. Ou as bibliotecas não funcionam, transformadas em meros depósitos de livros, ou
as crianças são depreciadas como usuárias de direito dessas coleções a elas destinadas e que a
elas nem chegam. O estatuto de menoridade da criança tende a levar o adulto não só a decidir
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
32 .
por ela como a rebaixá-la enquanto ser pensante e afetivo. Além disso, de vez que a família
não mais se constitui como a instância onde se forma o caráter, o pequeno leitor, ou o leitor
adolescente, não evidenciam a disciplina mental e emocional requeridas pelo ato de ler.
O professor, diante de inúmeras turmas, mal pago e sobrecarregado de tarefas, mal consegue
se fazer ouvir, quanto mais se fazer respeitar. Os alunos, de um modo geral, não aceitam
normas e muitas vezes recorrem à violência. Isso acontece tanto nas classes populares como
entre as elites, e o professor não pode, sozinho, modificar um contexto social de anomia, por
mais que tente. Os maus exemplos vêm de cima e os jovens são particularmente sensíveis a
contradições entre fala e conduta. Assim, lecionar atualmente é um trabalho de Hércules –
sem as forças do herói grego.
O professor de Língua Portuguesa, a quem cabe a missão de promover a leitura, encontra-se
em situação equivalentemente precária. Os cursos de habilitação ao magistério não contam
com horas suficientes para o ensino de literatura para a formação dos que irão trabalhar no
ensino básico. Os cursos de Letras, que deveriam formar os profissionais para o ensino
básico, têm resultados pouco animadores. De uma turma de trinta alunos universitários,
apenas cinco são de fato leitores. Estes, diplomados, nem sempre encontram nas escolas
estímulo para exercerem suas tarefas de difusores da leitura, porque ler é um ato de
compreensão e de interpretação não só do texto, mas da realidade a que ele aponta. E
contestação é o que as direções, os supervisores e os pais não querem.
Chega-se, então, ao problema mais controverso: num país em que a produção editorial é boa,
em relação ao público leitor estimado, os livros não atingem níveis de leitura compatíveis com
o mercado visado. Há um descompasso entre a oferta das editoras e a leitura efetiva do livro.
Alguns dirão que a dificuldade é econômica: o livro é um objeto caro e a maioria da
população não tem renda suficiente para adquiri-lo. Todavia, o mercado de música também
propõe CDs caros e estes circulam entre a juventude satisfatoriamente. O tratamento do livro
pela sociedade é que é a questão: o Brasil não estima o livro, não foi colonizado para ler, nem
se tornou independente da metrópole para prezar a palavra impressa – em especial quando a
letra não corresponde ao espírito e o vício bacharelesco da nossa formação histórica toma
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
33 .
conta e torce o discurso para garantir interesses. Entre produtos culturais oferecidos aos
cidadãos, o livro certamente não ocupa o primeiro lugar nos sonhos de consumo, a não ser de
uma parcela vista como estranha ou “cê-dê-efe”.
A leitura, entretanto, é o caminho não só para o conhecimento, mas igualmente para o
crescimento moral e estético do indivíduo. Dentre todas as suas possibilidades, a leitura
literária – por simular o mundo através da linguagem, um bem de todos nós – é a que mais
conquista adeptos, quando eles podem alcançá-la. A literatura consegue o feito de discutir a
verdade provocando prazer, o que nem sempre outras formas de discurso fazem. O texto
ficcional expressa as ânsias humanas, captura o mundo na rede das palavras, expõe sua beleza
e horror, critica idéias e crenças, proporcionando ao mesmo tempo ao leitor a oportunidade de
projetar-se no outro, assumir aquela voz que lhe fala nas linhas impressas, sair de seus limites
pessoais e virtualmente estar fundido com realidades conhecidas e desconhecidas, recebendo
e aceitando ou negando pensamentos alheios, que dificilmente é acionada por outros modos
de conhecer e de sentir.
Às crianças e aos jovens, a leitura da literatura é a porta de entrada para outros textos não
ficcionais, pois ao mesmo tempo em que agrada imaginariamente os sentidos, aguça a
racionalidade e move os ânimos. Essas características a tornam, porém, uma ameaça para as
instituições que desejam mascarar a realidade para manter seu poder sobre o povo. Ler – e ler
literatura, sobretudo – é desvendar ações humanas, descobrir motivações, entender desejos,
repudiar falsidades. Não é surpresa que as comunidades não contem com livros, que as
bibliotecas não se abram, que as escolas não incentivem os leitores. Não é teoria
conspiratória: os que detêm poderes não apreciam pessoas capazes de pensar diferente, que
possam abalar sua autoridade.
Daí que a leitura de literatura na escola constitui um dos bastiões de resistência a uma
organização social iníqua como a brasileira, em que os desníveis econômicos são enormes e a
falta de ética e de senso de cidadania percorre todas as camadas, esmagando aqueles que
ainda mantêm a luta pela própria dignidade, em meio a tanta miséria e descalabro. Importa,
todavia, saber o que se considera leitura literária e de que literatura se fala, porque os próprios
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
34 .
professores estão perdidos entre obras que apelam às sensações fortes e obras que provocam
efeitos emancipatórios.
Há certamente dois tipos de literatura, sobrepostos aos dos gêneros conhecidos, como o
romance, o conto, o poema, a peça teatral, a crônica, as memórias. De um lado, temos a
literatura feita apenas para entreter, para passar o tempo sem ter de refletir ou sem ser abalado
por emoções ou idéias. De outro, há a literatura que nos fornece modelos do mundo e do
homem como eles são ou desejaríamos que fossem, que perturba crenças e idéias arraigadas,
que comove, repugna, enleva, defende pontos de vista, mas permite incerteza e discordância.
Essa é a literatura que a escola precisa ensinar a ler. Nem sempre sua leitura é fácil: o tema
pode impor barreiras à própria capacidade da linguagem de dizê-lo. Ela está em geral, mas
nem sempre, abrigada nos clássicos da língua de um país – que se fizeram clássicos
justamente porque as classes escolares viram neles algo que a leitura por mero passatempo
não possuía.
Nesse reduto dos textos que a sociedade considera artísticos sobremaneira, em que o impacto
sobre os leitores pode ser arrasador – pela forma difícil, pela distância no tempo, pela
liberdade de idéias e crenças – o papel do professor é essencial. Existem clássicos para
crianças e jovens, assim como os há para adultos. Há também obras-primas para adultos que
crianças e adolescentes podem ler, desde que aquele que as entrega saiba como conduzir sua
leitura. Que jovem ou criança já não se sentiu atraído pelos livros proibidos pelos pais ou
execrados pelos professores ou bibliotecários? Quantas turmas rejeitam à primeira vista
determinadas obras de arte literária apenas por sua fama canônica e depois de bem orientadas
se rendem ao seu fascínio?
A culpa pela leitura deficiente ou pela não-leitura se distribui entre a família, que, quando
pode, não dá exemplos de boa leitura, à escola, despreparada para a tarefa de ensinar
literatura, e à sociedade, que entroniza as obras-primas como inatingíveis pelo homem
comum. Mudar essas atitudes não acontece de repente ou por decreto. A reforma moral das
classes governantes, a expansão do emprego, a remuneração digna, o combate à criminalidade
em todos os níveis são pré-requisitos para uma ordem social mais justa, em que a cultura e a
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
35 .
educação sejam não um adorno, mas uma necessidade de espírito, uma meta que os cidadãos
procurem porque precisam delas não como mero espetáculo, mas como parte de uma vida
boa.
Para a escola, enquanto tudo isso não acontece, resta a tarefa difícil, como nos contos de
fadas, de vencer os obstáculos corriqueiros: oposição das instâncias diretivas e dos pais diante
de obras contestadoras, falta de livros de boa qualidade, métodos ineficazes de tratamento do
texto, arrogância ou indiferença do alunado. Tarefas difíceis, dizem-nos os contos, não são
impossíveis. Algumas soluções existem à mão. Uma delas é, no plano da administração, dar
ao professor bem intencionado, aquele que evidencia preocupação com seu aluno, espaço para
desenvolver seus projetos de leitura em liberdade, explicando às famílias o sentido das
escolhas de títulos que estas possam achar questionáveis ou inúteis. E incentivar o professor
despreparado a mudar, dando-lhe tempo e recursos. Outra é qualificar melhor os professores
nos cursos de Letras, de modo que eles conheçam o legado literário de seu país e de outros –
porque ficar em roda do próprio umbigo não dá a ninguém o conhecimento do outro que nos
espelha e nos faz ver quem somos – e saibam movimentar-se dentro da estrutura das obras,
avaliando-lhes o impacto crítico e liberador (o que não significa escolher textos escandalosos
ou apelativos). E a mais simples é ler com, não contra, os alunos, discutindo temas e formas,
contextualizando-os historicamente, a fim de que tenham acesso a toda essa vasta e infindável
experiência de como ser humano que as obras literárias oferecem. Para isso, são necessários
diversos fatores, como mais horas de leitura nas grades curriculares, mais autoridade
concedida ao professor em sala de aula, alunos mais disciplinados e culturalmente dispostos a
ler, mais campanhas de aquisição e de divulgação de livros. O que nos leva de volta a uma
mudança estrutural das comunidades em relação à leitura, que exige uma outra ordem social.
Bibliografia recomendada:
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paulo:
Ática, 1996.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
36 .
ZILBERMAN, Regina. Como e porque ler a literatura infantil brasileira. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2005.
LAJOLO, Marisa. Literatura: Leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2001.
LAJOLO, Marisa. Como e porque ler o romance brasileiro. Rio de Janeiro: Objetiva,
2004.
CHARTIER, Roger (org.) Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.
Nota:
Doutora em Letras, professora aposentada da UFRGS e ex-professor titular da PUCRS.
Atualmente exerce o cargo de professora colaboradora convidada da UFRGS. Curadora do
acervo de Erico Veríssimo, tem vasta experiência na área de Letras, com ênfase em Teoria da
Literatura. Autora de inúmeros artigos científicos, é pesquisadora respeitada nacional e
internacionalmente.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
37 .
PROGRAMA 3
O RECORTE MULTIFOCAL
Livros, literatura e censura: caminhos da liberdade
Cynthia Campelo Rodrigues1
Resumo: O olhar da história para a compreensão dos chamados temas polêmicos
na literatura produzida para crianças e jovens evidencia o controle exercido sobre a
leitura, sobretudo a partir da modernidade, época de proliferação de material
impresso. A censura se estende de forma particularmente intensa sobre a literatura,
que sofre na contemporaneidade a sutileza de mecanismos censórios diversos.
Palavras-chave: história do livro e da leitura, livros proibidos, censura, literatura.
Ao pensarmos em temas polêmicos na literatura, várias abordagens poderiam ser feitas sob o
ponto de vista histórico. Por isso mesmo, alguns questionamentos são possíveis: por que
determinados assuntos são polêmicos? Quem diz que este ou aquele tema é ou não polêmico?
Por que alguns temas permanecem polêmicos ao longo da história? Foi pensando nessas
perguntas que este texto foi construído.
A polêmica é fruto da discussão do que deve ou não ser lido. Uma reflexão possível para
questionamentos iniciais diz respeito ao papel da censura aos livros de um modo geral e à
literatura em particular. Literatura que sempre nos traz uma gama enorme de possibilidades,
de potencialidades, que aumenta a liberdade de cada um e, com isso, foi alvo de atos
arbitrários de censura ao longo da História do Brasil. A literatura tem seus perigos, ela nos
mostra um universo bem maior do que aquele em que vivemos e é aí que reside sua riqueza.
Não é à-toa que, ao longo da história, a censura tenha se mostrado sempre tão implacável.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
38 .
No Brasil, a censura foi exercida ora pelo Estado, ora pela Igreja, em várias ocasiões de forma
conjunta, e influenciou direta e indiretamente a circulação de idéias no país.
Um dos pioneiros da pesquisa sobre a História do Livro e da Leitura é Roger Chartier. Ele
afirma que:
(....) a cultura escrita é inseparável dos gestos violentos que a reprimem. Antes mesmo que
fosse reconhecido o direito do autor sobre sua obra, a primeira afirmação de sua
identidade esteve ligada à censura e à interdição dos textos tidos como subversivos pelas
autoridades religiosas e políticas (Chartier, 1999).
Apesar da censura ao texto escrito existir desde a Antigüidade, é na época moderna que ela
começa a ser exercida com maior rigor. Foi a partir do século XVI que a preocupação com a
censura prévia se fez mais forte e as medidas repressivas foram muito mais contundentes.
Até a invenção da imprensa, as idéias eram transmitidas oralmente e as histórias eram
passadas de geração em geração. Poucas pessoas tinham acesso ao texto escrito, geralmente
restrito aos conventos e a algumas bibliotecas reais. Dessa forma, era fácil o controle do que
as pessoas deveriam ler, do que deveriam pensar. No entanto, logo após a invenção da prensa
de tipos móveis, em meados do século XV, é que idéias e histórias puderam circular entre um
número maior de pessoas. Isso despertou a curiosidade de alguns e muita preocupação de
outros. Foi necessário cuidar do que era lido. Poucos sabiam ler, mas estes poucos eram
formadores de opinião e poderiam influenciar muitas pessoas.
Em Portugal, a passagem para a modernidade trouxe o estabelecimento dos Tribunais do
Santo Ofício da Inquisição e o recrudescimento da censura aos textos escritos. Os livros
publicados deveriam possuir a aprovação da Inquisição para serem impressos, sobretudo
aqueles cuja temática religiosa prevalecia. A impressão e a distribuição de livros fora do
controle institucional da Inquisição foram as razões para o aparecimento da censura a
posteriori e para o controle da atividade livreira.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
39 .
Ao final desse mesmo século, o Concílio de Trento nomeou uma comissão de bispos, com o
objetivo de publicar o Index Librorum Prohibitorum, ou seja, o Índice dos Livros Proibidos.
O Index estabeleceu que os governos católicos europeus deveriam seguir suas orientações
para censura e só foi oficialmente abolido em 1966.
O século XVIII fez surgir, ainda, um outro tipo de censura. Acreditava-se que a leitura fazia
mal para a saúde, pois o esforço para ler e entender o que fora lido traria danos para os olhos,
estômago, nervos e cérebro (Abreu, 2003). Algumas leituras poderiam apresentar perigo para
a alma, e, essas sim, precisavam de maior atenção, pois colocavam em risco a moral e os bons
costumes. Segundo os censores, os livros poderiam disseminar
(....) idéias falsas e, capazes de parecerem verdadeiras, estimulando a imaginação e
combatendo o pudor e a honestidade. E a mais: ler, escrever e contar eram ações
perniciosas aos pobres, que deviam permanecer e terminar seus dias na fatigante e árdua
batalha da vida... (Sapaterra e Martino, 2006).
Com a ascensão do marquês de Pombal ao cargo de primeiro-ministro do rei D. José, as
relações com a Santa Sé foram rompidas e abriu-se espaço para a implementação do
Reformismo Ilustrado em Portugal e nas Colônias. Isso acabou modificando o panorama da
censura na metade final do século XVIII. Os dirigentes portugueses, preocupados com a
diversidade sócio-religiosa e, sobretudo, com a propagação européia de filosofias
consideradas prejudiciais, necessitavam cada vez mais exercer o controle efetivo dos
mecanismos de difusão de idéias no país.
Em abril de 1768, foi criada a Real Mesa Censória, que teria, entre outras atribuições, a
"Jurisdição privativa, e exclusiva em tudo o que pertence ao exame, aprovação e reprovação
dos Livros, e Papéis, que já se acham introduzidos nestes Reinos, e seus domínios" 2 ou que
neles pretendessem entrar. A instituição estava incumbida de autorizar a posse e a leitura de
livros proibidos em Portugal e tinha a seu encargo a reforma do índice expurgatório dos livros
(Serrão, 1985). Eram proibidas obras que defendessem idéias contra a fé católica, que
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
40 .
descrevessem cenas obscenas, magia, quiromancia e astrologia, ou que se manifestassem
negativamente com relação ao governo e seu soberano.
No entanto, os episódios das Devassas em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e na Bahia
mostram que as idéias próprias do período da Ilustração estavam sendo debatidas e que,
apesar da censura, letrados, comerciantes, militares e religiosos participavam de encontros
que acabavam por disseminá-las, principalmente nos maiores centros urbanos. As listagens de
livros proibidos serviam de referência de leitura a intelectuais e estudantes e isso contribuiu
de maneira decisiva para a disseminação das Luzes em Portugal e no Brasil.
Depois da queda de Pombal, a rainha D. Maria I criou a Comissão Geral para o exame e a
Censura dos Livros, cuja incumbência era bem semelhante à da Real Mesa Censória. No
período da regência de D. João VI, a censura voltou a ser exercida pelas três instâncias: a
Inquisição, o Ordinário e a Mesa do Desembargo do Paço.
Durante o século XIX, a cultura brasileira continuou a ser tutelada pelo Estado e pela Igreja.
Com a vinda da família real para o Brasil em 1808, foi criada a Imprensa Régia, que,
inicialmente, publicava apenas atos legislativos e papéis diplomáticos. Um pouco mais tarde,
começou a publicar outros títulos e assuntos, até que, finalmente, demais tipografias se
instalaram no Brasil.
Nesse período, os livros ficavam retidos na alfândega à espera da licença para serem
liberados. Mariano José Pereira da Fonseca, censor régio, deu seu parecer sobre livros vindos
da Inglaterra, entre eles Contes de La Fontaine (Contos de La Fontaine). O livro foi
censurado, pois foi considerado obsceno.
Em 1821, as Cortes de Lisboa proclamaram a liberdade de imprensa e, aqui no Brasil, D.
Pedro I seguiu o mesmo princípio. No entanto, as penas para quem abusasse dessa liberdade
continuavam as mesmas. O Código Criminal de 1830 regulou o dispositivo da Constituição de
1824 que dizia que “todos podem comunicar os seus pensamentos, por palavras, escritos e
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
41 .
publicá-los pela Imprensa, sem dependência da censura” (artigo 179, inciso IV), mas era
preciso cuidado, pois a mesma lei criminalizava os abusos.
Sem a censura oficial, a segunda metade do século XIX viu surgir a censura dissimulada, tão
problemática quanto a primeira. José de Alencar parece que foi preterido no Ministério por
cultivar as “belas letras”; Raimundo Correa foi aconselhado a deixar de escrever caso quisesse
seguir a carreira da magistratura. No entanto, nossos muitos bacharéis não se faziam de
rogados. Fundavam gabinetes de leitura, traziam diversos livros em suas bagagens das
viagens à Europa e disseminavam idéias liberais, abolicionistas e republicanas. Sem dúvida, a
leitura de certos livros ajudou a minar as bases de nossa Monarquia.
Entramos no século XX, passado sob longos períodos de censura. A censura do Estado Novo
e, já na segunda metade do século, a censura da ditadura militar foram extremamente cruéis.
Além da violência simbólica, os ditadores adotaram a violência física. Intelectuais brasileiros
foram presos, torturados e alguns foram barbaramente assassinados nos cárceres brasileiros.
Milhares de livros foram queimados em verdadeiros autos de fé inquisitoriais, outros tantos
foram censurados. Durante o Estado Novo, o livro Tarzan foi proibido, pois em um trecho o
protagonista chamava outro personagem de camarada.
Ainda nesse período, na década de 1940, a adaptação de Peter Pan feita por Monteiro Lobato
foi também proibida. O livro foi procurado em todo o estado de São Paulo a pedido do
Tribunal de Segurança Nacional. Livrarias, escolas, bibliotecas públicas e particulares
sofreram verdadeira devassa (Camargos e Sacchetta, 2002). O parecer do censor considerava
o texto perigoso, pois incutia nas crianças brasileiras uma noção de inferioridade em relação
às crianças inglesas, o que poderia causar um grande mal e deformar as nossas crianças.
Não podemos esquecer, por outro lado, que até cerca de quarenta anos atrás, Lobato era autor
proibido em colégios religiosos, por ser considerado comunista.
Com esse espírito de controle sobre as leituras realizadas, o número de censores do Governo
Federal aumentou de 16 para 240, durante a década de 1970, mas mesmo assim eles não
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
42 .
davam conta de verificar todos os livros editados no país. Em média, quase 10.000 títulos
saíam das editoras por ano e o controle sobre eles era muito difícil e, por isso, grande parte da
atividade censória era feita por meio de denúncias. Qualquer pessoa podia fazer uma
denúncia; mas, felizmente, olhares menos atentos deixaram passar Flicts, de Ziraldo,
publicado em 1969, meses depois do famigerado AI-5.
Flicts, a história da diferença e da resistência, passou incólume aos olhos dos censores, talvez
por ser “uma história para crianças”. Por sorte nossa, a censura também não viu a Revista
Recreio, e a década de 1970 assistiu ao “nascimento” de dois verdadeiros ícones da literatura
para crianças no Brasil: Ana Maria Machado e Ruth Rocha. Foi na década de 1970 que Lygia
Bojunga, Bartolomeu Campos de Queirós, Joel Rufino dos Santos, Marina Colasanti
começaram a escrever histórias infantis e, entre os fatores propícios ao crescimento dessa
produção autoral e do mercado editorial correspondente, podemos destacar o extremo controle
exercido sobre as publicações para adultos.
Na década de 70 e início dos anos 80, a censura aos livros considerados pornográficos ou com
mensagem contra o Governo continuava em pleno vapor. Mudam os soberanos, mas os temas
proibidos continuam os mesmo do século XVIII.
Hoje, a censura persiste de outra maneira. É sutil, dissimulada. Não temos mais a censura
oficial, institucionalizada, que atravessou a história do país dos tempos coloniais à República,
mas ainda convivemos com seqüelas impostas pelos tempos ditatoriais; há, nas entrelinhas do
dia-a-dia, uma censura disfarçada. Isso sem falar no mercado editorial, que determina o que
deve ou não ser publicado.
Os processos de censura à literatura nos mostram, desde o período colonial, como as
interpretações são arbitrárias e como dependem da visão de mundo de quem as lê. Os temas a
serem proibidos mudaram pouco, na verdade, foram se adaptando aos novos tempos. A
censura abateu muitos corações, mas também muitas mentes. Mesmo não concordando com
ela, muitos de nós deixamos de lidar com este ou aquele assunto, por considerá-lo impróprio,
ou seja, a censura foi implacável, mesmo quando deixou de ser oficial. Quantas vezes nos
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
43 .
perguntamos se devemos ler ou não determinado livro, tendo em vista os temas neles
abordados? Quantas vezes optamos por uma literatura “de perfumaria”, para não enfrentar
uma literatura que nos confronta com nossos (pre)conceitos?
Que impropriedade é esta que nos faz viver sem conhecer Tarzan, que nos impede de viver
aventuras na Terra do Nunca e conhecer Peter Pan, de não poder encontrar a Menina do
Narizinho Arrebitado? Que impropriedade é esta que nos impede de sonhar?
Literatura é fantasia, é sonho e, mesmo que mostre todas as nossas mazelas, temos direito a
ela. Fantasia e sonho são fundamentais para o pensamento humano e, por isso mesmo, a
literatura foi tão combatida. Tanto os homens do poder quanto intelectuais e literatos sabem
da força que a palavra tem. As idéias contidas nas palavras circulam e seduzem, redefinem
valores e geram novas formas de pensar e agir. Cabe a cada um de nós criarmos as condições
para que elas caminhem entre mais e mais brasileiros.
Bibliografia
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP,
1999. p. 23.
ABREU, Márcia. Os caminhos dos livros. Campinas: Mercado de Letras, ALB: São
Paulo: FAPESP, 2003. p. 268.
MARTINO, Agnaldo e SAPATERRA, Ana Paula. A censura no Brasil – do século XVI
ao século XIX. In: Estudos Lingüísticos XXXV, 2006, p. 143-234.
SERRÃO, Joel (dir.). Dicionário de História de Portugal. Porto: Figueirinhas, 1985,
vol. V, p. 277.
CAMARGOS, Márcia Mascarenhas e SACCHETTA, Vladimir. Procura-se Peter Pan.
In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Minorias Silenciadas: História da censura
no Brasil. São Paulo: FAPESP; EDUSP, 2002.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
44 .
Notas:
Historiadora, doutoranda em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com
pesquisa sobre a Real Mesa Censória. Dirigiu o Programa Nacional de Incentivo à Leitura
(PROLER) da Fundação Biblioteca Nacional. Especialista em literatura para crianças e jovens,
trabalha na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) – seção brasileira do
International Board on Books for Young People (IBBY) – e é leitora-votante do Prêmio FNLIJ:
2
Alvará Régio de 1768, que cria a Real Mesa Censória.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
45 .
PROGRAMA 4
O DESAFIO DO ACESSO
“Que leituras daremos às crianças deste século?” 1
Daniele Cajueiro1
Izabel Aleixo3
Resumo: O texto discute, do ponto de vista editorial, a problemática do trabalho
com a literatura que aborda os temas polêmicos; reflete sobre a necessidade de
preparação de professoras e professores para lidar com as inquietações da
literatura e propõe a presença, em sala de aula, de temas que abordem as
representações do mal-estar contemporâneo. Considera a importância do papel
institucional no apoio a educadores e editores, para que seja garantido à criança e
ao jovem o direito de acesso a uma produção literária que busque discutir a
condição humana, em toda sua complexidade. Palavras-chave: leitura para
crianças, papel do professor, mercado editorial, responsabilidade institucional.
Esta já era uma inquietação de Cecília Meireles, no início da década de 1950, ao perceber a
complexidade daqueles tempos de um “caótico mundo” 4, como dizia a escritora. Hoje, quase
sessenta anos depois, essa ainda é uma das principais questões da literatura infantil, sobretudo
porque a realidade deste século XXI é, inclusive, mais angustiosa e trágica para os adultos e
as crianças.
A cada dia, nós nos fazemos a mesma pergunta de Cecília Meireles. Essa aflição persegue
tanto os profissionais da área — atuantes no processo de criação, produção, divulgação,
comercialização — quanto os professores, grandes responsáveis pela educação e pela tarefa
não menos difícil de despertar em seus alunos o gosto pela leitura.
Geralmente, o acesso das crianças e dos jovens à literatura se dá na escola, e para tal
acontecimento é fundamental o papel do professor. Como importante mediador desse
processo, e ao mesmo tempo cidadão integrante de uma sociedade com códigos e valores
rigidamente estabelecidos, o profissional da educação muitas vezes não pondera o motivo de
certos assuntos serem considerados inadequados para seus alunos e acaba repetindo a prática
em voga, sem reflexão. Isso ocorre também porque a formação dos professores carece de
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
46 .
elementos e condições que lhes permitam conhecer a literatura ou refletir sobre esse conjunto
de livros considerados polêmicos.
Soma-se a isso um outro aspecto. Quando se fala de literatura às crianças sem ponderar o livro
em questão, seu tema, seu autor, sua época — em suma, quando não há entusiasmo por parte
do mediador —, elas reagem com desprezo ou indiferença ao livro. Sobretudo se há restrições
temáticas e o que chega até esses leitores em potencial é algo fora de contexto, desatualizado,
que não suscita reflexões. Se, como afirmava Cecília Meireles, já em 1951, não “está mais
separado o mundo dos adultos do das crianças”, não se pode mais distinguir qual a temática
da literatura infantil. A autora continua: “Acabou-se o tempo em que os parentes
interrompiam a conversa, na presença de uma criança, quando a julgavam indiscreta aos seus
ouvidos. Todos os fatos se comentam em voz alta, com a mais rude linguagem e as mais
arriscadas conclusões5.”
Na verdade, são as crianças que determinam o âmbito infantil da literatura, de acordo com
suas preferências. Sobre isso, Cecília Meireles esclarece, na mesma obra: “Costuma-se
classificar como literatura infantil o que para elas se escreve. Seria mais acertado, talvez,
assim classificar o que elas lêem com utilidade e prazer. Não haveria, pois, uma literatura
infantil a priori, mas a posteriori” 6.
Então, o que é a literatura infantil? “Que leituras daremos às crianças deste século?” Como
aliar expressão artística de qualidade à possibilidade de diversão? Quais os livros de literatura
capazes de suscitar debates e reflexões que permitam alcançar respostas existenciais? De que
maneira a literatura seria parte integrante da experiência humana e estética das crianças e dos
jovens?
Estas são algumas das questões que norteiam nossa posição editorial. Como editoras,
acreditamos no papel social da nossa profissão e nos dedicamos ao ofício de selecionar livros
infantis e juvenis para publicação, almejando a formação de novos leitores e o
desenvolvimento da literatura em nosso país. Portanto, procuramos avaliar os originais ou
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
47 .
buscar novos títulos tendo como base, sobretudo, o caráter estético do texto, que o caracteriza
como obra literária.
Acreditando no poder transformador da arte, objetivamos possibilitar o encontro da criança e
do jovem com a literatura através de livros bem escritos, com ilustrações bem-feitas e
imaginativas, editados com cuidado e impressos como um produto à altura de seu público,
seres exigentes e questionadores. Uma vez constatada a qualidade literária do original, não há,
por nossa parte, nenhuma espécie de crivo temático, pelo qual não passariam textos que
abordem assuntos considerados por muitos “impróprios” para a criança, de acordo com regras
e padrões de valores repetidos pela sociedade7 .
Essas obras são tidas, pelo senso comum, como inadequadas para as crianças porque nelas são
tratados alguns assuntos considerados “para adultos”. No entanto, ao excluir das leituras para
as crianças e para os adolescentes certos temas considerados polêmicos, deixa de ser
contemplada a angústia dos pequenos e jovens leitores diante de um universo de enigmas,
tabus e questões existenciais, sobre o qual nem sempre há explicações,. Além disso, evita-se
falar da violência à qual a infância e a juventude são submetidas e expostas no dia-a-dia das
grandes cidades. Nem mesmo a realidade atual é considerada, como outras formas de
sexualidade e união, que fogem do que se consagrou como “tradicional”. Por que, então, a
literatura infantil precisaria tratar apenas de temas considerados “adequados” às crianças? A
sociedade define o que é “adequado”, mas por que seriam alguns temas seriam considerados
polêmicos, se estão todos presentes em nosso mundo? Por que seriam assuntos não indicados
para a infância e a juventude se também influenciam suas vidas, se fazem parte de seus
questionamentos e de suas aflições? Por que não considerar a literatura como uma grande
possibilidade de compreensão desses enigmas da existência?
Apesar de não haver, essencialmente, uma barreira quanto à temática do livro infantil8, é
importante esclarecer que outros fatores envolvem a avaliação para a publicação de um livro,
mesmo quando há qualidade literária, pertinência no desenvolvimento do tema, na estrutura
sintática e na linguagem adotada. Antes de editar um novo título, a editora precisa conjeturar
o potencial de venda daquela obra, o público-alvo e, no caso do livro para crianças e jovens, a
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
48 .
aceitação pelos professores e a possibilidade de adoção pelas escolas. É claro que essas
últimas análises são suposições, baseadas na experiência que se adquire ao longo do tempo.
Nesse campo não existem certezas.
Nosso mercado editorial é absolutamente restrito. Para ser rentável e, portanto, gerar lucro às
editoras (e não podemos esquecer que são empresas com fins lucrativos e que precisam pagar
suas contas), o livro infanto-juvenil depende das adoções escolares e das compras
governamentais, estabelecidas por editais rígidos de seleção. Dessa forma, no panorama do
mercado brasileiro, o livro infantil, na grande maioria dos casos, só produz lucro à editora
quando adquirido em altas tiragens, já que envolve um expressivo custo de produção editorial
e gráfica, além de necessitar da indicação da escola para conquistar boa parcela do mercado
consumidor.
Geralmente, a primeira edição de um livro infantil tem seu preço de capa financiado pela
editora, ou seja, não se cobra, por cada exemplar, o suficiente para cobrir os custos de
produção, o pagamento de direitos autorais, os descontos fornecidos ao livreiro e o fator
multiplicador que garante a margem financeira da empresa. Dessa forma, esse tipo de livro só
se torna lucrativo depois da segunda ou terceira edição. E seu nível de dependência em
relação ao público escolar é enorme.
A análise editorial de um original para crianças e jovens abarca, dessa forma, vários fatores, e
não se restringe essencialmente aos aspectos literários e temáticos, detendo-se também em
previsões orçamentárias e avaliações de custos. Em alguns casos, muitas editoras preferem
adotar posturas mais conservadoras e não ousam publicar um livro cujo tema possa vir a ser
considerado polêmico por boa parte dos professores e colégios, evitando correr o risco de
terem seu público-alvo reduzido.
As instituições públicas, por sua vez, poderiam instigar o debate sobre a abordagem de temas
polêmicos na literatura infantil e juvenil e fomentar atividades e programas de formação dos
professores também quanto a esse aspecto. Dessa forma, seria possível reduzir a polêmica e
ampliar a discussão sobre temas constitutivos da nossa existência, desde a infância. Assim, as
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
49 .
editoras se sentiriam respaldadas por um forte apoio, que ajudaria a legitimação do papel
social que desejam cumprir, sem prejuízo financeiro e riscos empresariais.
Vale ressaltar, também, que não são muitos os textos que recebemos que abordam temas
polêmicos. Talvez porque essa seja uma atitude mais recente de alguns escritores, que
acreditam no poder da arte, da literatura, e vêem no livro infanto-juvenil uma maneira
interessante de impulsionar crianças e jovens para a construção das suas próprias respostas.
Seguindo nossas premissas editoriais, não encomendamos textos aos escritores e os deixamos
totalmente livres quanto à temática, ao público, ao tamanho do texto. Dessa forma, não
interferimos no processo de concepção do texto.
No entanto, já constatamos que, de fato, muitos professores consideram esses textos que
tratam de morte, sexualidade e violência como inadequados, ousados, impróprios para o
universo infantil. Acabam, assim, escolhendo livros que não contemplam a complexidade de
angústias e questionamentos das crianças e dos jovens e/ou os que podem lhes parecer
ingênuos demais. Dessa forma, é imprescindível que os professores leiam e indiquem a seus
alunos a leitura de livros de qualidade e de temas os mais diversos, enriquecendo o repertório
cultural da criança e do jovem, preparando-os, através da arte, para a vida. Sobre isso, afirma
Ana Maria Machado:
É necessário que uma sociedade que se quer democrática seja capaz de garantir a
todos o acesso aos primeiros livros de literatura. E, em seguida, mostrar o caminho
para que o leitor possa seguir sozinho com as leituras que irão acompanhá-lo por
toda a vida. Só livro didático ou leitura de aprimoramento profissional e informação
sobre o mundo são absolutamente insuficientes. Nem ao menos são prioritários. É
preciso ler literatura, em dieta variada, incluindo livros diferentes, de autores
diversos, de estilos variados, de muitas épocas. Nada se compara a ela a esse
respeito 9.
Dada a importância da mediação do professor na formação de leitores e cidadãos, é
fundamental que ele receba informação e conhecimentos suficientes para conduzir a
experiência de leitura de seus alunos, oferecendo livros e temas em “dieta variada”. Dessa
forma, amplia-se o público leitor, reduzem-se os preconceitos e tabus sobre a literatura
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
50 .
infantil e impulsionam-se a criação e a publicação de textos mais conscientes, críticos e
fundadores de uma sociedade democrática, justa e capaz de bem equacionar seus conflitos.
Referências bibliográficas
MACHADO, Ana Maria. Balaio: livros e leituras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
_______________. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2002.
______________. Ilhas no tempo: algumas leituras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2004.
MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1984.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
Notas:
Este título retoma a pergunta de Cecília Meireles, feita em Problemas da literatura infantil, p.
135.
2
Graduada em jornalismo pela UFRJ e pós-graduada em literatura brasileira pela UERJ.
Trabalha há sete anos na Editora Nova Fronteira, onde atua como editora de literatura infantil
e juvenil. Em 2005, foi selecionada, como única representante brasileira, para participar de um
encontro de editores latino-americanos de literatura para crianças e jovens, organizado pela
Unesco e pelo CERLALC, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.
3
Graduada em jornalismo pela UFRJ e pós-graduada em literatura brasileira pela PUC-Rio.
Trabalha há oito anos na Editora Nova Fronteira, onde é gerente editorial. Participou de
importantes projetos editoriais, como a reedição da obra completa de João Guimarães Rosa, a
criação da Coleção Novas Seletas e a coordenação de coleções selecionadas pelo Programa
Nacional Biblioteca da Escola.
4
MEIRELES, C. (1984), p. 135.
5
MEIRELES, C. (1984) p. 135.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
51 .
6
7
Idem, p. 20.
Na Nova Fronteira não existe censura para temas ora considerados proibitivos para a
infância, como o mal, a morte, a violência , a sexualidade, o homoerotismo, etc.
8
Estamos nos reportando, especificamente, à editora Nova Fronteira.
9
MACHADO, Ana Maria (2006). p. 176.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
52 .
PROGRAMA 5
OS ARTISTAS
Para atravessar o território desconhecido, a caminho do amanhã
Nilma Lacerda1
Não há como não se autoclassificar de visionário se você é escritor num país como o Brasil.
Visionário significa que você tem visões – no caso literárias e políticas –, que significam que a
situação socioeconômica e educacional do país não será para sempre a mesma. Ela pode e vai
melhorar (Silviano Santiago, 2004, p. 72).
Resumo: Em três obras voltadas a situações que envolvam dilemas éticos dos
personagens, o texto discute o exercício da liberdade e a exposição do lado escuro
do ser humano. A leitura analítica de Nós três, de Lygia Bojunga, Cartão-postal, de
Luiz Raul Machado e Chapeuzinho Vermelho e outros contos por imagem, de Rui
de Oliveira, evidencia, sem maniqueísmos, as relações entre ética e estética, entre a
literatura e o mal, voltando-se, especificamente, às questões essenciais do ser
humano e suas representações na literatura que também as crianças e jovens podem
ler. Palavras-chave: literatura para crianças e jovens e a problemática do mal,
liberdade humana, leitura analítica, construção do futuro.
1. A vida, e o suporte para a vida
“A arte, para mim, é a condição necessária à vida – sem a escrita, penso que
jamais teria suportado a vida” (Virginie Lou, 2005).
Esse é um depoimento da escritora francesa Virginie Lou, semelhante ao de muitos escritores
em várias partes do mundo. É forte o conceito que expressa, pois suportar é ter sobre ou
contra si (algo) e não ceder ao seu peso ou à sua força. A etimologia informa que o vocábulo
vem do latim supporto,as,ávi,átum,áre 'levar de baixo para cima; transportar subindo,
acarretar; suster, servir de apoio, ter em mão', de sub- + portáre 'levar, portar (Houaiss, 2001).
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
53 .
Se procurarmos, no mesmo dicionário, o verbo sustentar, um dos sinônimos de suportar,
vamos encontrar os significados de “ser capaz de segurar ou carregar (certo peso)” e o
exemplo apresentado é <o burro suporta muita carga>; resistir à ação enérgica de, fazer face
a, ser firme diante de; experimentar as conseqüências de <s. a dor>; experimentar, sofrer
(algo penoso) <s. o frio>; experimentar com resignação (um sofrimento moral); sofrer com
paciência <s. as misérias da vida> <s. humilhações>.
Nem o mais perfeito dos otimistas pode deixar de admitir que há momentos na vida em que
ela é suportada; ou que é preciso sustentar a vida, como os pilares de uma casa são capazes de
mantê-la de pé, “levando-a” de baixo do solo, onde não pode ser vista, para cima, onde se
torna visível.
Podemos pensar na escrita e, conseqüentemente, na leitura, como pilares da existência? O que
oferecem uma e outra à espécie humana?
Ao final de sua autobiografia, As Palavras (1990), Sartre diz:
(...) escrevo sempre. Que outra coisa fazer? (....) faço e farei livros; são
necessários; sempre servem, apesar de tudo. A cultura não salva nada nem
ninguém, ela não justifica. Mas é um produto do homem: ele se projeta, se
reconhece nela; só este espelho crítico lhe oferece a própria imagem (p.182).
No balanço de sua vida, marcada bem cedo pela experiência de que dentro de um livro estão
as palavras capazes de narrar tudo aquilo que somos, as transformações mais radicais do ser
humano, o escritor francês resume a sua própria existência. É momento de uma revelação
fulgurante aquele em que toma para si, das mãos de sua mãe, sem uma palavra, o livro que
continha a história de As Fadas e sai do aposento em que estavam para uma vida de leitura e
de escrita.
Em outra autobiografia de escritor, dessa vez se resumindo ao período da infância, Graciliano
Ramos (1986) narra como, ao ter contato pela primeira vez com um livro de ficção, em seus
nove anos de algumas leituras desastradas e de resistência quanto à alfabetização, faz a opção
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
54 .
definitiva de seu caminho: “Eu, pobre de mim, não desvendaria os segredos do céu. Preso à
terra, sensibilizar-me-ia com histórias tristes, em que há homens perseguidos, mulheres e
crianças abandonadas, escuridão e animais ferozes (...)” (p. 204).
2. A literatura, face do humano
Ler e escrever são atos que nos fazem humanos. Atividades muito sofisticadas da cultura, por
meio delas se gravam os relatos, única atividade que nos acompanha, de forma incessante,
desde que aprendemos a expressão verbal até que a perdemos, com a morte, ou com algumas
das mazelas presentes em um tempo em que a humanidade começa, como um todo, a viver
muito.
Em toda a arte é a face do humano que buscamos, e talvez esteja na literatura, pela
particularidade de se realizar por meio daquilo que mais humanos nos faz – a linguagem
simbólica –, a face do humano vista de forma mais completa. São muitos também os
escritores que depõem sobre o encontro com o humano propiciado pela literatura.
Na literatura, encontramos uma promessa de caminhar ao lado desse humano que somos e que
não sabemos, ou que sabemos e tememos, o humano que será, o humano que é, em seus
acertos e seus desacertos.
“Ao representar a descontinuidade caótica da existência por um fluxo regular de palavras,
a literatura permite a troca simbólica que sustenta o humano. Investida dessa função, oferta
aos leitores e ouvintes o caminho de personagens em confronto com as questões da
existência. Ao lado desse Outro feito de palavras, e tão humano, abre-se ao leitor a
perspectiva de realizar as escolhas internas que vão orientar a convivência com o enigma
da existência e o sentido a imprimir a ele. Seres humanos, lemos para reconhecer a face do
desespero, lemos para fugir a essa face” (Lacerda, 2006).
Essa comunicação, estabelecida entre autor e leitor de literatura, conforme reconhece o
pensador francês Georges Bataille (1989), e que não costuma sofrer contestação se o leitor é
adulto, acaba encontrando limites se o leitor for uma criança ou um jovem. Em artigo recente
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
55 .
para a revista Nós da escola, da MultiRio, Bartolomeu Campos de Queirós, diz que:
Não quero, no entanto, negar aos jovens leitores as minhas dúvidas, minhas inquietações,
meus desassossegos. (...) Mas tenho como crença que é o meu conceito de criança – e cada
criança merece um conceito – o que vai dar norte à minha produção. Não penso a infância
sem associá-la ao futuro. Presenteamos a criança com o mundo que construímos. (...)
Por assim pensar, desprezo uma educação repetidora, que ignora a força da fantasia
infantil, que nega espaço para que a liberdade alimente o sonho, que desconhece a
precariedade do real e esquece que a vida só é possível reinventada.
Oferecemos à criança o presente da vida para que ela atravesse o território desconhecido que a
leva ao amanhã. Ao chegar lá, terá deixado para trás a criança, e a qualidade da estrada por
onde andou terá importância decisiva nesse outro adulto formado. Deveríamos, em meio a
nossas melhores expectativas, oferecer à criança e ao jovem apenas os melhores sentimentos,
as mais nobres experiências? Mas se a face humana é um misto de bons e de maus
sentimentos, de atos sublimes e de atos abjetos, como colocar dentro do presente apenas a
porção positiva dessa face? Não estaríamos, assim, falseando o mundo apresentado a eles?
3. Travessias
Escritores como Lygia Bojunga, Luiz Raul Machado e ilustradores como Rui de Oliveira
escolhem mostrar o humano naquilo que tem de contraditório, de escuro, impenetrável, por
vezes, e o fazem com delicadeza, sem escândalo, em comunicação íntima com a criança
leitora. A primeira ganhadora brasileira do Prêmio Andersen, do IBBY, constrói em Nós Três
(1987) uma narrativa magistral, lançando a menina Rafaela no olho de um furacão, ao
testemunhar um assassinato cometido por uma amiga, Mariana, a quem amava e cuja perícia
de artista admirava.
A Mariana se levanta: a cara, o vestido, a mão, tá tudo sujo de sangue. Dá um ou dois
passos feito coisa que tá tonta; se agarra na mesa. Fica assim um tempo. Depois olha pra
janela; meio que se apruma. Abre a porta dos fundos e sai.
A Rafaela toma coragem e vem vindo pra junto do Davi.
Vem vindo.
O olho andando pelo sangue na camisa, pela faca no chão, pela maçã que caiu do bolso. Se
ajoelha:
– Davi?
Espera uma resposta.
Do canto da boca dele também saiu um fio de sangue. Ou está saindo? E a Rafaela toca na
boca pra ver. Mas o sangue já parou de andar, está grudado na cara.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
56 .
– Davi?
Que fria que é a pele dele, a mão! O sangue manchou a manga do blusão que tem dentro só
um pedaço de braço porque o resto o cação-anjo levou.
A Rafaela encosta a mão na boca. Parece que é pra tapar a fala, o choro. Mas não é não: é
pra sentir o calorzinho da respiração dela. Depois de sentir bem, ela bota a mão na boca do
Davi pra sentir também. Mas lá ela não sente nada (Bojunga, 1987, p. 51-2).
Rafaela estava passando férias na praia com Mariana, amiga da mãe dela. Um dia, a menina
encontra um homem na praia, o Davi, e conversa vai, conversa vem, ela o leva pra conhecer
Mariana, e os dois se apaixonam. Rafaela assiste a essa paixão, que é também a paixão dela,
menina crescendo, por esse novo amigo encantador; e também a paixão dela pelo ofício de
Mariana, escultora, capaz de dar vida a materiais inanimados. Rafaela vai conhecer, ao
mesmo tempo, os segredos do amor e da morte, faces de um mesmo enigma, afinal. O segredo
do amor é simples: Mariana conta baixinho para a orelha do Davi sendo esculpido na pedra.
Do segredo da morte ela tenta se proteger como pode: entra no quarto, tranca a porta, sonha,
elabora no plano onírico a morte do amigo e o castigo a ser dado a Mariana. Sozinha em uma
noite que devora todas as tarefas que inventa sem que raie a madrugada, Rafaela sofre com a
morte de Davi e com a morte de seu próprio segredo: o embrulho vermelho na asa do caçãoanjo, que talvez o guardasse, ficou no fundo do mar.
Nesse processo, ela se defronta com o Cação-Anjo que havia comido parte de um braço de
Davi. Ele se dissocia: um lado Peixe, um lado Anjo, e ambos os lados travam com Rafaela
uma discussão sobre o castigo a ser dado à Mariana, cuja mão, dotada de força para a criação,
acaba se convertendo em mão que mata. Os leitores têm acesso, de forma simples e cabal, ao
conceito mesmo de arte:
O Peixe gostou:
– Ah, é: isso é melhor. A mão dela não vai mais parar de trabalhar, mas vai emburrecer,
vai desaprender de criar.
– Só vai saber repetir?
– Só vai saber repetir.
– Vai ficar que nem máquina, fazendo sempre igual a mesma coisa, é isso? – E a Rafaela
abraçou os dois.
– Isso, isso!
Estreitaram o abraço.
– A essa hora ela já desaprendeu de inventar. Quando ela for trabalhar só vai sair o mesmo
risco...
– O cabelo do Davi.
– Isso.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
57 .
– A Rafaela olhou pro Peixe. De repente achou gostoso o risinho que morava no olho dele:
copiou. Olhou pro Anjo: agora ele ia poder ver como é que o outro olho dele ria. O Anjo
copiou. E pela primeira vez o Cação-Anjo olhou combinado.
– Pronto, então o castigo estava resolvido (Bojunga, 1987, p. 72-3).
A chegada inesperada do pai, completamente benfazeja e ocasional, oferece à menina o abrigo
de que necessita para poder continuar a travessia da experiência radical a que foi submetida.
Na volta para casa, Rafaela embala em uma cantiga que aprendeu com Davi as lembranças
que vão acompanhá-la para sempre.
A mestria de Lygia dá aos três personagens desta narrativa um mesmo estatuto, de plenitude
em relação aos sentimentos contraditórios que experimentam. Entre ir e ficar, liberar e
prender, compreender e castigar, eles se debatem e se os dois primeiros conflitos se resolvem
de forma trágica, no conflito interno da criança a ética encontra o seu lugar, com o castigo
aplicado à Mariana. Um castigo, que – Rafaela intui – vem, também, de dentro da própria
Mariana, ferida na ética de artista.
Essa integração entre ética e estética pode ser encontrada de forma alegórica na dualidade
percebida por Rafaela na figura do cação-anjo. Como anjo, se cação? Como cação, se anjo?
Rejeitando inicialmente o Peixe para ficar só com o Anjo, Rafaela termina por perceber que
costumamos ter um outro em nós, e que a integridade vem da junção de uma e de outra, ou
das várias partes possíveis e coexistentes dentro de nós: “(...) agora ele ia poder ver como é
que o outro olho dele ria. O Anjo copiou. E pela primeira vez o Cação-Anjo olhou
combinado” (Bojunga, 1987, p. 73).
Olhar combinado era aquilo de que necessitavam Fada e Menino, os dois personagens de
Cartão-postal (1996), de Luiz Raul Machado. Mais o Menino do que a Fada, pela própria
natureza dos meninos. Nessa obra-prima sobre a solidão infantil, o autor ousa referir-se ao seu
personagem como um menino triste. “Esse menino não era feliz. Nem pergunte por que,
porque é muito triste escarafunchar motivos de infelicidade de menino. Basta saber que ele
não era feliz e pronto” (Machado, 1996, p. 13).
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
58 .
Mas também a Fada não era feliz, por sentir-se prisioneira dentro do lago. Se ao menino
faltava alegria, a ela faltava liberdade, e ambos acreditavam que liberdade de menino e alegria
de fada seriam capazes de resolver os limites que afligiam em separado cada um deles. Como
a fada não pode sair do lago, ela usa seus poderes mágicos e vai transformando o menino, mas
feito sapo ou sapato, permanece para ele impossível alcançá-la, e quebrar assim a solidão que
aflige a ambos. Pensam em outras soluções, e nenhuma delas parecia solucionar o problema.
Então, “Um dia, o menino contou pra fada uma história linda e antiga de um boneco de pau
que virou gente” (Idem, p. 20).
Na transformação de Menino em boneco de pau, num trajeto inverso ao de Pinóquio, é que o
personagem resolve seu enigma, alcançando a alegria de morar na casa da fada, dentro do
lago no cartão-postal. A ficção age como fermento para o caminho de si mesmo, nesse final
de alta densidade simbólica. O menino se suicidou, ou entrou em alienação total, ao
mergulhar no lago? É então um caso de autismo, caso de alguma outra síndrome que
signifique a prisão dentro de uma paisagem, e a inenarrável solidão? Ninguém tem o direito
ou o poder de dizer: “Esta é a chave.” Tantas as chaves que abrem caminhos de leitura, e a
certeza que nos dá, aqui, o narrador de terceira pessoa, é a da felicidade por fim alcançada. Na
ficção, Fada e Menino se encontraram: “Tudo muito quieto naquele quarto. Ninguém
adivinharia ali corações cheios de felicidade. Agitação alegre na quietude do lago. Arco-íris,
rebuliço” (Idem, p. 21).
De forma corajosa e sem perder a suavidade, Luiz Raul apresenta a felicidade infantil como
uma possibilidade, e não como verdade. A infância carrega males comuns ao ser humano e
não apenas à vida adulta, o que desmistifica conceitos estratificados. O autor cria uma fada
prisioneira das circunstâncias, um menino prisioneiro de si, e como escritor dá a ambos, fada
e menino, o direito de escolher e de agir para modificar a própria condição, se é isso o que
querem. O desejo infantil é respeitado, por mais que isso possa assustar os adultos leitores. O
autor presenteia seus leitores com um futuro alcançável por meio da ficção, e entramos, assim,
em um claro processo metalingüístico. Podemos ir a uma das Cartas do São Francisco:
conversas com Rilke à beira do rio (Lacerda, 2003):
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
59 .
Se, adultos, podemos nos dar ao direito do desencanto, da melancolia e do enfado
permanente, enquanto infantes acreditamos que aos enigmas cabem bem as respostas
brincalhonas, especulares. Se tivesse optado por este caminho, Édipo mostraria um espelho
à Esfinge, deixando-a às voltas com seu próprio enigma. Ela devoraria, então, a si mesma,
ele estaria livre para inventar o destino do homem (p. 23).
Mas Édipo é um personagem trágico, não pode escapar a seu destino. É a possibilidade de
escapar ao destino, de escrevê-lo, que a literatura para crianças e jovens reclama como um de
seus pressupostos essenciais. Poder escrever o destino não é encontrar tão-somente paragens
celestiais pelo caminho, e sim atravessar os caminhos mais obscuros com a cumplicidade da
palavra; atravessar, como Rafaela fez, aquela noite comprida, tecendo no sonho, com
palavras, a possibilidade de reverter a morte para Davi; impossível, ela se dá conta, e busca
então, no castigo para Mariana, elaborar o lado escuro que convive no claro da amiga.
Processo semelhante, embora de uma outra natureza, acontece com o Menino de Cartãopostal, que tem na história de Pinóquio o alento da vida que acredita existir nos bonecos de
pau.
Em nosso trajeto, uma outra cumplicidade. É Rui de Oliveira, um de nossos mais talentosos e
ousados ilustradores, com seu Chapeuzinho Vermelho e outros contos por imagens (2002).
Rui retoma o conto popular, compilado por Perrault, e o recria por meio de riscos negros,
cinza e espaços brancos. A recriação do artista explicita a via alegórica da narrativa clássica,
ao humanizar o Lobo, e colabora para explicitar a face do sexo presente no devoramento da
menina, avivada também pelo convite feito a Chapeuzinho para que se deite na cama. A
menina precisa, para isso, despir-se e meter-se debaixo das cobertas com a pretensa avó, cuja
nudez a horroriza. O original de Perrault (1993) é claro: “Chapeuzinho Vermelho tira as
roupas e vai para a cama, onde ficou muito espantada ao ver como era a avó, quando estava
nua.” (Perrault, 1993, p.111). A adaptação do conto por Luciana Sandroni mantém a mesma
idéia: “Chapeuzinho se despiu e, ao se deitar, ficou muito admirada de ver como a avó
estava diferente.” (Oliveira, 2002, p. 33) Seguem-se as perguntas sobre o corpo tão
inesperado da avó, as respostas bem conhecidas até o final assustador, em que a avó e a
menina são devoradas, sem lenhador ou caçador que apareça para salvá-las.
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
60 .
Rui ilumina as cenas conflituosas com a expressividade do carvão, Chapeuzinho sempre no
traço claro, o Lobo emergindo em profusão de riscos que destacam o corpo dele em relação ao
espaço obscuro da floresta ou da casa da avó.
O preto, o branco e as escalas de cinza permitem ao leitor o percurso pelo terror dessa
narrativa que fala do mais fatal dentre tantos perigos presentes à vida das crianças: a atração
do mal, que Perrault não ousa deixar clara.
Chapeuzinho desconfiou da voz da avó, e, no entanto, entrou na casa assim mesmo. Espantase com o corpo que devia ser da avó e, em vez de fugir imediatamente, faz perguntas, cada
vez mais perigosas até chegar à morte. Contra esse deixar-se arrastar para o mal, são
impotentes todos os conselhos dos mais velhos. Só a narrativa, repetida um sem número de
vezes, até a exaustão, é que pode, pelo terror que infunde, dissuadir a criança de lançar-se na
boca do mal. Roland Barthes, em Aula (s/d), pode colaborar para nossa compreensão.
A ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos
importa. Por outro lado, o saber que ela mobiliza nunca é inteiro nem derradeiro; a
literatura não diz que sabe alguma coisa, mas sabe de alguma coisa; ou melhor: que ela
sabe algo das coisas – que sabe muito sobre os homens (Barthes, s/d, p. 19).
A literatura sabe e partilha o que sabe; ela é cumplicidade e confiança, mesmo e
principalmente, nos desvios que conduzem à perdição do humano. Ela não deixa o leitor
desamparado pelos caminhos em que vai pisando.
4. Literatura polêmica, pensar autônomo
Na autêntica escola que foi para mim a experiência de leitora-votante do prêmio outorgado
pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ – seção brasileira do International
Board on Book for Young People – IBBY), convivi com especialistas como Regina Yolanda
e Laura Sandroni, de quem guardei muitas lições, que contribuíram para firmar alguns
conceitos fundamentais em meu percurso crítico. De Laura guardo até hoje a afirmação de
que não pode haver desesperança na literatura destinada a crianças e jovens; reconhecida a
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
61 .
necessidade de representar os sofrimentos, as angústias e situações-limite, é preciso acenar
com a construção positiva ao conflito das personagens.
Que criança não experimentou a morte de um ser querido? Que criança, na sociedade
contemporânea, fica afastada de um noticiário em que a morte é página banal, ou de uma
diversão em que a violência dá a cartada inicial? E os desejos imperiosos que não distinguem
idade para se instalar? O desejo de matar um irmão, a vontade de fazer algo terrivelmente
proibido?
Desde que foi percebida como etapa diversa da existência, diferenciada da vida adulta (Ariès,
1981), a infância é uma das utopias da sociedade ocidental; e se o caráter de utopia nela se
desconstitui conforme certos desvendamentos científicos e sociais entram em ação, crescem
os conceitos de responsabilidade em relação a ela, conceitos alicerçados nos cuidados
exemplares e na educação. Se a experiência avassaladora frente à criança que vai ser devorada
precisa ser representada como uma das respostas à atração pelo mal, a minimização do terror
foi acontecendo em sucessivas atenuações do final cruento, sem que fosse abandonada a
travessia do medo capaz de assegurar à criança, ouvinte ou leitora, a salvação que todos –
mesmo os desobedientes ou temerários – merecem manter como expectativa. A literatura para
esses leitores fica, assim, como negociadora entre as experiências radicais do abismo e a
existência em que o futuro seja um tempo a ser vivido.
Leitores recentes de O Praça Quinze (1981), de Paula Saldanha, recusam-se a ver o
personagem como um perdedor. Inventam um futuro para ele, depois de tentar transformar o
passado, com as múltiplas opções que se abrem em oposição ao abandono da mãe. Está vivo o
Praça Quinze, e construiu a vida escapando ao destino do crime e da morte precoce. Não é
essa a melhor declaração da crença no futuro a que toda criança e todo jovem são impelidos,
apesar dos lobos postos em seu encalço?
Pensar que pode ser diferente, que as respostas não estão dadas previamente, como diz a seus
alunos Márcia Caetano, professora da Maré, uma das regiões mais violentas da cidade do Rio
de Janeiro. “Não estamos condenados a nada que não queiramos”, Márcia diz, no esforço de
DEBATE: TEMAS POLÊMICOS NA LEITURA
62 .
que a subjetividade de seus alunos entre em cena e assuma as decisões sobre os verbos futuros
que eles precisam aprender.
Ao não se esquivar dos temas polêmicos, a literatura que também as crianças e jovens podem
ler exerce esse papel vigoroso que reclamam o escritor e crítico, Silviano Santiago, na
epígrafe deste artigo, e Virginie Lou, autora francesa premiada e responsável por conceituado
trabalho interativo com seus leitores, por meio de oficinas de escrita, cujo pensamento vai
encerrando este trabalho:
Defendo então, e de forma cada vez mais vigorosa à medida que avança um sistema que faz
o mundo se organizar exclusivamente a partir do dinheiro, uma literatura que incomode.
Uma literatura que subverta os padrões existentes. Uma literatura mal-educada.
Sabemos estar ameaçados pela norma, por uma falsa literatura moldada por jogos
televisivos, pelos reality shows, pelos episódios em série... em suma, ameaçados pelos
slogans comerciais memorizados exaustivamente junto aos cérebros que nada mais incita à
revolta, e, portanto, a um pensar autônomo (LOU, 2005).
Discordo, então, de meu amigo Bartolomeu, cujo pensamento exposto mais acima, continua
em: “Eu me nego a atribuir aos mais jovens o trabalho de ‘remendar’ uma história feita de
injustiças, violências, guerras, fomes” (Queirós, 2007).
Só a coragem de uma literatura em diálogo com os chamados temas polêmicos permite
atravessar as zonas menos iluminadas da psique humana, a possibilidade de interrogar o mal,
o esclarecimento sobre outras possibilidades de realização erótica, para além do estabelecido
por convenções; a convivência com pessoas que fogem, por esse ou aquele aspecto, ao que se
tem como normalidade; a indagação que permita esvaziar os conteúdos que alimentam os
vários preconceitos, a postulação adequada das perguntas sobre o que está na raiz das
gestações precoces, o mergulho no coração do sentido da existência, só essas travessias
poderão permitir, como Bartolomeu deseja: “Que elas (as crianças) sejam construtoras de um
tempo em que a soberania dos homens se sobreponha a outros valores” (Queirós, 2007).
Para isso, a literatura, seus pilares e sua casa de palavras.
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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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França, pronunciada dia 7 de janeiro de 1977. Trad. e posfácio Leyla PerroneMoisés. São Paulo: Cultrix, s/d.
HOUAISS, Antonio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 1.0. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001.
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do rio. 3. ed. São Paulo: Global, 2003.
LACERDA, Nilma Gonçalves, SIQUEIRA, Vera Helena Ferraz de. Relações entre
Saúde e Leitura – do Século XVIII à Contemporaneidade. In: ABRASCO. 11º
Congresso Mundial de Saúde Pública, 8º Congresso Brasileiro de Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, 2006. Resumo nos Anais em CD-ROM.
LOU, Virginie. Lugar do escritor no processo de educação para leitura. Colóquio Roger
Chartier: Apropriações de um pensamento no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ /
PUC, out. 2005 (original em francês).
MACHADO, Luiz Raul. Cartão-postal. Il. Anna Göbel. Belo Horizonte: Formato,
1996.
NUNES, Lygia Bojunga. Nós três. Ilust. Regina Yolanda. Rio de Janeiro: Agir, 1987.
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contos Luciana Sandroni. Pref. Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia
das Letrinhas, 2002.
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PERRAULT, Charles. Contos de Perrault. 4 ed. Trad. Regina Regis Junqueira. Belo
Horizonte: Vila Rica, 1994.
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da escola. Rio de Janeiro: MultiRio, ano 4, n° 46, 2007.
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Rio de Janeiro: Record, 1986.
SALDANHA, Paula. O Praça Quinze. Ilust. da autora. Rio de Janeiro: José Olympio,
1981.
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Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
SARTRE, Jean-Paul. As palavras. 4. ed. Trad. J. Guinsburg. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1990.
Nota:
Doutora em Letras, com pós-doutorado em História Cultural. Professora da Faculdade de
Educação e da Especialização em literatura infantil e juvenil da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Colaboradora da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ),
seção brasileira do International Board on Books for Young People – (IBBY). Autora de Manual
de Tapeçaria, Cartas do São Francisco: conversas com Rilke à beira do rio; Estrela-de-rabo e
outras histórias doidas; Pena de Ganso, dentre outras obras. Consultora desta série.
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Presidente da República
Luís Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário de Educação a Distância
Carlos Eduardo Bielschowsky
TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO
Diretora do Departamento de Produção e Capacitação em Educação a Distância
Leila Lopes de Medeiros
Coordenadora Geral de Produção e Programação
Viviane de Paula Viana
Supervisora Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Acompanhamento Pedagógico
Ana Maria Miguel
Coordenação de Utilização e Avaliação
Carla Inerelli
Mônica Mufarrej
Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins
Diagramação e Editoração
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TVE Brasil
Gerência de Criação e Produção de Arte
Consultora especialmente convidada
Nilma Lacerda
E-mail: [email protected]
Home page: www.tvebrasil.com.br/salto
Rua da Relação, 18, 4o andar - Centro.
CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)
Junho 2007
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