Revista da

Transcrição

Revista da
I S S N
Revista da
1 5 1 6 - 1 2 3 4
FAE
v.1 6 , n .1 , j a n . / j u n . 2 0 1 3
Dos 19 cursos da FAE avaliados pelo MEC, 17 receberam a nota 5*, ou
seja, a nota máxima. Os outros 2 cursos tiveram nota 4, o que
também representa uma avaliação bastante favorável e atesta sua
qualidade de ensino. Com isso, a FAE fica, pelo quinto ano
consecutivo, posicionada como a melhor instituição universitária
privada de Curitiba, incluindo neste cenário todos os centros
universitários e universidades locais.
www.fae.edu
*Nota que vai de 1 a 5
FAE, a melhor porque tem os melhores cursos.
Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus
Cleonice Bastos Pompermayer
Ciências Econômicas
Daniele Cristine Nickel
Psicologia
Eduardo Saldanha
Direito
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Ciências Contábeis
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Filosofia
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Comunicação Social: Publicidade e Propaganda
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Letras
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Tecnologia em Logística
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Tecnologia em Gestão Comercial
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(FAE); Josete Florencio dos Santos , Dra. (UFPE); Josmar Gilberto Cappa, PhD. (PUC-MG); Luis Fernando Hor-Meyll Alvares, Dr. (PUC-RIO); Marinalva da Silva, Dra. (UNICAP);
Mario Luiz Soares , Dr. (UNINOVE, UNIVEL, UNIOESTE); Maura Ribeiro Sardinha, Dra. (UFRJ); Miguel Luiz Contani, PhD. (UEL); Míriam de Aguiar Barbosa, PhD. (UFRRJ); Nadia
Kassouf Pizzinatto, Dra. (UNIMEP); Sérgio Luiz do Amaral Moretti, Dr. (UNINOVE); Tomas Jose Jane, Dr. (ESJ, ISRI).
Revista da FAE, n. 1/2, jan./dez. 1998 –
Curitiba, 1998 –
v.
ilust.
28cm.
Semestral
ISSN 1516-1234
Substitui ADECON: Revista da Faculdade Católica
Administração e Economia
1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento.I.
FAE Centro Universitário. Núcleo de Pesquisa Acadêmica.
CDD – 001
Os artigos publicados na Revista da FAE são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões
neles emitidas não representam, necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitário.
A Revista da FAE tem periodicidade semestral e está disponível em www.fae.edu.
Endereço para correspondência:
FAE Centro Universitário - Núcleo de Pesquisa Acadêmica
Rua 24 de Maio, 135 - 80230-080 - Curitiba-PR
Tel.: (41) 2105-4093 - e-mail: [email protected]
Sumário
Summary
A contabilidade e a ordem social: uma abordagem das
teorias semióticas e da comunicação
José Maria Dias Filho
06
Accounting and social order: a semiotic and communication
theories approach
José Maria Dias Filho
Contribuições das ciências sociais e humanas no estudo do
consumidor
André Francisco Alcântara Fagundes, Caissa Veloso e
Sousa, Danilo de Oliveira Sampaio, Marlusa Gosling
18
Contributions of social sciences and humanities to
consumer study
André Francisco Alcântara Fagundes, Caissa Veloso e Sousa,
Danilo de Oliveira Sampaio, Marlusa Gosling
36
Relationship marketing: a case study in civil construction
Aline Nadalin Velter, Daniel Arenhardt, Clandia Maffini
Gomes, Jordana Marques Kneipp, Luciana Flores Battistella,
Márcia Zampieri Grohmann
Motivos de compra de produtos de marca própria: estudo
com consumidores de Curitiba — PR
Barbara Regina Lopes Costa, Dennys Robson Girardi, Gisele
Borges Silva Cândido, Michelle Vecchietti Camargo
60
Reasons for buying private labeled products: study with
consumers in Curitiba — Paraná
Barbara Regina Lopes Costa, Dennys Robson Girardi, Gisele
Borges Silva Cândido, Michelle Vecchietti Camargo
O consumo ecológico dos universitários: uma análise
de clusters
Elizandra da Silva, Geysler Rogis Flor Bertolini, Loreni
Teresinha Brandalise
78
University students’ ecological consumption: a cluster
analysis
Elizandra da Silva, Geysler Rogis Flor Bertolini, Loreni
Teresinha Brandalise,
Comércio eletrônico: identificação do perfil do
e-consumidor
Dayana Carla de Macedo, João Luiz Kovaleski, Mathias Talevi
Betim, Simone Nasser Matos
90
E-commerce: identification of the e-consumer profile
Dayana Carla de Macedo, João Luiz Kovaleski, Mathias Talevi
Betim, Simone Nasser Matos
Difusão de demanda por recursos de fomento a empresas:
uma aplicação do modelo de Bass
Alex da Silva Alves, José Antônio Pimenta-Bueno, Thaisa de
Freitas
104
Demand diffusion for public financial resources for firms: an
application of Bass model
Alex da Silva Alves, José Antônio Pimenta-Bueno, Thaisa de
Freitas
O processo de terceirização nas relações organizacionais
Alfredo Rodrigues Leite da Silva, Andreza Sampaio de Mello,
Simone de Souza
126
The outsourcing process in organizational relationships
Alfredo Rodrigues Leite da Silva, Andreza Sampaio de Mello,
Simone de Souza
Seleção de fornecedores em ambiente de inovação em
produtos: um estudo de caso em Bio-Manguinhos/Fiocruz
Deyves Mendes Paraguassu, Marcelo Alvaro da Silva Macedo
142
Suppliers selection in product innovation environment: a
case study in Bio-Manguinhos/Fiocruz
Deyves Mendes Paraguassu, Marcelo Alvaro da Silva Macedo
A agroindústria familiar na microrregião de Francisco
Beltrão _ PR
Fernanda Giraldello, Jaime Antonio Stoffe, Jandir Ferrera de
Lima, Vanderleia Loff Lavall
162
Family agribusiness in the microregion of Francisco Beltrão
(State of Paraná)
Fernanda Giraldello, Jaime Antonio Stoffe, Jandir Ferrera de
Lima, Vanderleia Loff Lavall
Impairment nas companhias aéreas internacionais durante a
crise financeira mundial de 2008
Jocelino Donizetti Teodoro, Luciano Marcio Scherer
178
Impairment in international airlines companies during the
2008 global financial crisis
Jocelino Donizetti Teodoro, Luciano Marcio Scherer
Lealdade e retenção no ensino superior: percepções
teóricas sobre construtos
Gérson Tontini, Silvana Anita Walter
190
Loyalty and retention in higher education: theoretical
perceptions on constructs
Gérson Tontini, Silvana Anita Walter
Marketing de relacionamento: um estudo de caso na
construção civil
Aline Nadalin Velter, Daniel Arenhardt, Clandia Maffini
Gomes, Jordana Marques Kneipp, Luciana Flores Battistella,
Márcia Zampieri Grohmann
FA E
Cen t ro
U n i ver s i t ár i o
Apresentação
Prezados leitores
Consciente da função do ensino superior na transformação e evolução da sociedade
por meio da disseminação do conhecimento, a FAE Centro Universitário apresenta à
comunidade acadêmica mais uma edição da Revista da FAE.
Nesta edição, de cunho multidisciplinar, são trazidos à reflexão e à discussão
temas relacionados à cultura e gestão organizacional, desenvolvimento local, inovação,
marketing, comportamento do consumidor e educação.
Cada um dos artigos apresenta uma contribuição sob a luz das áreas do
conhecimento, instigando o leitor no sentido da melhoria da gestão dos processos
produtivos e da sua interação com a sociedade.
Iniciamos a leitura com um estudo sobre Contabilidade, apoiado nos conceitos da
Semiótica e da Teoria da Comunicação. Na sequência, conceitos extraídos de diferentes
campos teóricos, tais como Antropologia, Sociologia, História e Psicologia, resultam
numa importante discussão sobre o comportamento do consumidor.
Permeando os estudos sobre o marketing e o comportamento do consumidor,
apresentamos um estudo de caso na construção civil, que defende o marketing de
relacionamento como um importante instrumento para a obtenção de satisfação dos
consumidores e dos parceiros na cadeia de valor. Também, um estudo com consumidores
de Curitiba, Paraná, sobre os motivos de opção de compra de produtos de marca
própria e os fatores que impulsionaram o crescimento comercial deste segmento. Ainda
voltados para pesquisas sobre o consumo, trazemos uma análise de clusters a fim de
caracterizar o consumo ecológico entre estudantes universitários. Encerrando esta
temática, apresentamos um estudo a respeito do comércio eletrônico, que identifica e
traça o perfil do e-consumidor.
Contemplando as contribuições na área de gestão de negócios, encontraremos
uma discussão sobre cultura organizacional e processo de terceirização nas empresas.
Na sequência, contamos com dois artigos cujo principal foco é a inovação. No
primeiro, uma aplicação do Modelo de Bass propicia a previsão de demanda e do
comportamento de adoção de um programa público de fomento à inovação em
empresas brasileiras. E no segundo, o objetivo é identificar e hierarquizar os critérios
relevantes para a seleção de fornecedores de produtos, a fim de desenvolver parcerias
para a produção de novos produtos.
Diversificando os temas tratados até então, contamos com um artigo que traça um
panorama da agroindústria familiar, como geradora de emprego e renda, nos municípios
pertencentes à microrregião de Francisco Beltrão, no Paraná, seguido de um artigo cujo
objetivo foi detectar possíveis diferenças quanto ao reconhecimento de perdas com
a redução ao valor recuperável de ativos nos anos de 2007 a 2009, nas companhias
aéreas, em função da crise financeira mundial.
Concluindo esta edição, uma análise sobre as variáveis operacionais que garantam
a retenção e a lealdade de estudantes nas Instituições de Ensino Superior não públicas.
Fazemos votos de que a leitura desses artigos, cada um à sua maneira, atinja seu
real objetivo primordial, ou seja, contribuir para uma reflexão individual somada às ideias
dos autores, como meio de difusão do conhecimento.
Boa leitura!
Paz e Bem!
Frei Nelson José Hillesheim, ofm
Editor
A contabilidade e a ordem social:
uma abordagem das teorias
semióticas e da comunicação
Accounting and social order: a semiotic and communication
theories approach
A contabilidade e a ordem social: uma abordagem das teorias semióticas e da comunicação
Accounting and social order: a semiotic and communication theories approach
José Maria Dias Filho1
Resumo
Este trabalho procura demonstrar que a informação contábil, apoiada em conceitos
da semiótica e da teoria da comunicação, pode desempenhar papel de grande
importância na construção e manutenção da ordem social. Parte-se do pressuposto
de que a finalidade básica da Contabilidade não se resume ao fornecimento de
informações destinadas a otimizar decisões de caráter econômico, mas que deve
contribuir também para promover o diálogo entre a empresa e os diversos agentes
que se relacionam com essa área, estimulando, assim, o exercício da cidadania.
Destaca-se que, sob o enfoque sociológico, a Contabilidade é chamada a pôr ordem
onde reina o caos, procurando desenvolver e consolidar uma cultura empresarial
que privilegie a transparência e permita à sociedade conhecer e avaliar ações
que ajudem a conciliar sucesso econômico com os ideais de justiça. Finalmente,
entende-se que as teorias semióticas e da comunicação podem contribuir para
melhorar as funções da Contabilidade como instrumento de apoio à ordem social,
uma vez que essas teorias fornecem metodologias úteis para avaliar a eficácia do
ato comunicativo e facilitam a apresentação de informações significativas para os
diversos públicos que se envolvem com a empresa.
Palavras-chave: Informação Contábil. Semiótica. Teoria da Comunicação.
Abstract
This paper demonstrates that the accounting information, based on concepts
of semiotics and communication theory, can play a major role in building and
maintaining social order. It is assumed that the basic purpose of accounting is
not limited to the provision of information to optimize economic decisions, but
that it should also help to promote the dialogue between the company and the
various agents that are related to it, thus stimulating the exercise of citizenship.
It is noteworthy that, under the sociological approach, accounting is called upon
to set order where chaos reigns, seeking to develop and consolidate a business
culture that favors transparency and allows society to understand and evaluate the
actions that help to reconcile economic success with the ideal justice. Finally, it was
understood that the semiotic and communication theories can help to improve the
functions of accounting as a tool to support the social order, since they provide
useful methodologies for evaluating the effectiveness of the communicative act
and facilitate the presentation of meaningful information to the various stakeholders
who are involved with the company.
Keywords: Accounting Information. Semiotics. Communication Theory.
1
Doutor em Ciências Contábeis pela FEA/USP. Professor da Universidade Federal da Bahia.
E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 6 - 17, jan./jun. 2013
7
Introdução
O presente trabalho tem por objetivo
estimular reflexões sobre possíveis contribuições
que as teorias semióticas e da comunicação têm
a oferecer à Contabilidade para que ela possa
atuar de forma mais ampla como instrumento
de apoio à construção e manutenção da ordem
social. Parte-se do entendimento de que, assim
como as ordens econômica e jurídica, a contábil
também pode contribuir para promover a ordem
social, até porque o direito à informação é um dos
pressupostos básicos da cidadania.
Que a informação é ingrediente de funda­
mental importância em qualquer processo
decisório parece ser fato amplamente aceito. Sob
o aspecto econômico, por exemplo, entende-se
que ela deve contribuir para permitir a melhor
alocação de recursos visando à otimização de
resultados. Nesse sentido, seu objetivo é agregar
valor às decisões de forma a diminuir a distância
entre os resultados planejados e os realizados.
No caso de informações contábeis, em
particular, considera-se que seu principal objetivo é
facilitar decisões de investimentos, créditos, entre
outras semelhantes. Sob esse prisma, os agentes
que recorrem a informações dessa natureza o fazem
esperando encontrar nelas sinais que lhes permitam
avaliar riscos, prever fluxos de caixa, elaborar e
ajustar planos, entre outras medidas necessárias
ao bom desempenho das organizações. Esse tem
sido o entendimento predominante quanto aos
objetivos básicos da Contabilidade.
Apesar disso, pode-se considerar que
essa disciplina não deve contribuir apenas para
a maximização da riqueza, mas também para
satisfazer interesses sociais mais amplos, pelo
menos sob a ótica do conceito de accountability.
Isso nos leva a questionar que tipo de informação
contábil deve ser fornecida em uma sociedade
que precisa resgatar valores éticos e morais, a
quem deve ser fornecida e sob quais conceitos
de evidenciação, ou ainda que tipo de linguagem
deve ser adotada para permitir melhor diálogo
entre as organizações e os diversos agentes que
com ela se relacionam.
8
1
Inter-relações entre
Contabilidade, Semiótica e
Teoria da Comunicação
A interface entre Contabilidade, Semiótica
e Teoria da Comunicação deriva do fato de que
a primeira se caracteriza como um pro­
cesso de
identificação, mensuração e comunicação de
informações. Além disso, assenta-se na ideia de
que é um tipo de linguagem que serve para unir
o mundo da empresa a diversos elementos, tais
como clientes, fornecedores, acionistas, governo,
sindicatos e entidades ambientalistas. Em tese,
todos desejam obter informações que lhes
permitam conhecer a empresa, avaliar sua atuação
e com ela interagir de forma eficaz.
Como a Semiótica se ocupa do estudo
de todos os tipos de linguagem e a Teoria da
Comunicação define parâmetros para avaliar o
ato comunicativo, sugere-se que tais disciplinas
podem contribuir para aumentar a eficácia da
evidenciação contábil.
Para facilitar a assimilação desse raciocínio,
apresenta-se, a seguir, uma rápida visão da Con­
tabilidade como linguagem e também como pro­
cesso de comunicação. Na sequência, formula-se uma resumida caracterização da Semiótica,
destacando-se alguns conceitos fundamentais.
1.1 A Contabilidade como Linguagem
de Negócios
A percepção da Contabilidade como
linguagem resulta do entendimento de que a
comunicação é função básica dessa disciplina,
haja vista que se as informações contábeis não
atingirem seus destinatários tempestivamente
e sob forma compreensível, de maneira alguma
poderão surtir o efeito desejado.
O uso de palavras e técnicas específicas
na composição das mensagens contábeis é outro
Como linguagem de
negócios, o papel da
Contabilidade é facilitar
a percepção das carac­
terísticas relevantes de certos
eventos econômicos, levando
aos usuários das informações
contábeis conhecimentos
necessários à otimização de
suas decisões.
motivo em que se fundamenta a ideia de que a
Contabilidade é uma espécie de linguagem. Essa,
pelo menos, tem sido a avaliação de autores que,
como Ijiri (1975, p. 14), afirmam textualmente que
a Contabilidade tem muito em comum com outros
tipos de linguagem, principalmente no que se refere
a regras sintáticas, semânticas e pragmáticas. Nessa
mesma linha de raciocínio, encontram-se Chambers
Esse autor esclarece que a resposta a cada
uma dessas perguntas faz parte do estudo de uma
linguagem. A primeira questão se relaciona com
a pragmática, que estuda o efeito da linguagem
sobre os indivíduos; a segunda, com a semântica,
que estuda o significado das palavras; e a terceira
se relaciona com a sintaxe, que estuda as conexões
lógicas entre as palavras e frases.
Como linguagem de negócios, o papel da
Contabilidade é facilitar a percepção das carac­
terísticas relevantes de certos eventos econômicos,
levando aos usuários das informações contábeis
conhecimentos necessários à otimização de suas
decisões. Idealmente, por meio dessa linguagem,
os usuários devem ser motivados a adotar as
mesmas decisões que adotariam caso estivessem
observando os referidos eventos diretamente.
Essa desejada reação depende, entre outros
fatores, do grau de acurácia com que os símbolos
alfanuméricos utilizados na evidenciação contábil
representarão os eventos econômicos. De acordo
com o Financial Accounting Standards Board _
FASB (SFAC 2), isso depende da fidelidade de
representação, que é definida por esse Conselho
como a correspondência ou concordância entre
uma medida ou descrição e o fenômeno que ela
busca representar.
(1966), Belkaoui (2000), Horngren (1974) e Anthony
(1975), entre outros.
Explorando esse enfoque, Hendriksen (1999,
p. 29) confirma que uma das possíveis classificações
1.2 A Contabilidade como Processo de
Comunicação
da teoria contábil se apoia no entendimento de que
a Contabilidade é uma linguagem, considerada por
muitos como linguagem de negócios. Esse autor
acrescenta que, sob esse prisma, é possível efetuar
os seguintes questionamentos sobre as palavras e
frases que compõem a linguagem contábil:
1Que efeito as palavras utilizadas pela
Contabilidade terão sobre os usuários
das informações contábeis?
2
Que significado tais palavras terão pa­
ra eles, se houver algum?
3
As palavras se conectam em sentido
lógico?
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Há muito tempo, o conceito de Contabili­
da­
de como processo de comunicação tem
desper­
tado o interesse de diversos autores.
Chambers (1966), por exemplo, visualiza-a
como um processo de comunicação que, como
qualquer outro do gênero, deve observar regras
sintáticas, semânticas e pragmáticas. De forma
semelhante, Littleton e Zimmerman (1962) des­
ta­cam que a Contabilidade tem no processo de
comunicação um meio fundamental ao cum­
primento de seus objetivos.
Na mesma linha de raciocínio, Most (1982)
considera que a Contabilidade é um processo de
v. 16, n. 1, p. 6 - 17, jan./jun. 2013
9
comunicação no qual os contadores têm o papel
de observar eventos econômicos, mensurar seus
atributos e comunicá-los a diversos estratos
de usuários por meio de relatórios contábeis.
Esse autor sugere que os princípios da Teoria da
Comunicação fornecem subsídios relevantes para
identificar e corrigir problemas que prejudicam a
comunicação contábil.
Iudícibus (1997, p. 26) faz referência à
Contabilidade como processo de comunicação,
utilizando os seguintes termos: “Este processo
de comunicação implica o reconhecimento dos
tipos de informação necessária para cada principal
usuário da informação contábil e a avaliação
da habilidade dos usuários em interpretar a
informação adequadamente”. Na mesma obra, o
autor considera que esse enfoque parece ser uma
base profícua para a Contabilidade, haja vista que
essa área realmente “pode ser conceituada como
um método de identificar, mensurar e comunicar
informação econômica, financeira, física e social, a
fim de permitir decisões e julgamentos adequados
por parte dos usuários da informação”.
Em regra, os autores que assim se manifes­
tam consideram que a Teoria da Comunicação
fornece metodologia para aprimorar a evidenciação
contábil, tendo em vista as semelhanças existen­tes
Este processo de
comunicação implica o
reconhecimento dos tipos
de informação necessária
para cada principal
usuário da informação
contábil e a avaliação da
habilidade dos usuários em
interpretar a informação
adequadamente.
10
entre o processo geral de comunicação e o processo
contábil. Sinteticamente, a referida teoria estabelece
que o modelo de comunicação é constituído dos
seguintes elementos: fonte, emissor, mensagem,
canal e receptor. A fonte produz as mensagens a
serem comunicadas; a mensagem é o instrumento
que une o receptor ao emissor por meio de um
sistema de códigos; o canal é o veículo utilizado
para transportar as mensagens; e o receptor é o
elemento a quem se destina a mensagem.
De acordo com Bierman e Drebin (1979), os
componentes do modelo geral de comunicação
podem ser visualizados num sistema contábil da
seguinte forma: os eventos econômicos constituem
a fonte básica da informação, o contador atua
como transmissor, após observar tais eventos e
codificá-los para formar os relatórios contábeis, os
quais, por sua vez, representam o canal desse tipo
de comunicação.
Essa abordagem nos ajuda a compreender
que a evidenciação contábil deve ser considerada
de forma sistêmica, desde o emissor, a quem
cabe identificar, interpretar e codificar os eventos
econômicos, até o usuário das mensagens con­
tábeis. Quando se trata de avaliar a eficácia do
ato comunicativo, torna-se necessário considerar
todos os fatores que, em cada componente
do processo de comunicação, concorrem para
aumentar ou reduzir a fidelidade da comunicação.
Porém, nesse processo, o usuário da in­
for­
mação sempre será o parâmetro de maior
importância. Suas características e necessidades
devem ser consideradas com muita atenção
quando se trata de definir o conteúdo das
mensagens, o código utilizado em sua composição,
o tipo de canal, entre outras variáveis igualmente
importantes. Afinal, é a ele que se dirigem os
relatórios contábeis. Em última instância, o usuário
é a própria razão da Contabilidade. Daí a afirmação
de que ela é uma disciplina essencialmente
utilitária. De fato, por mais esmerada que seja a
informação, ela não terá qualquer serventia se não
for capaz de contribuir para melhorar as decisões
de seus destinatários.
1.3 A Interação entre Semiótica e
Contabilidade
Assumindo a Contabilidade como um pro­
cesso de identificação, mensuração e comunicação
e que se desenvolve com o apoio de uma linguagem
específica, podem-se aproveitar conceitos da semi­
ótica para melhorar a qualidade da informação
contábil. Isso é o que sugerem diversos autores,
como Chambers (1966), Mason e Swanson (1981),
Etheridge (1991) e Nakagawa (2000).
Para melhor entendimento de como se
manifesta a relação entre a Contabilidade e a Se­
miótica, é preciso observar alguns passos fun­
damentais. O primeiro passo consiste em enten­
der que a Semiótica é uma ciência que se dedica
ao estudo de todas as linguagens, contribuindo
para avaliar suas funções sintáticas, semânticas
e pragmáticas. De acordo com Morris (1976), a
Semiótica funciona como instrumento de todas
as ciências, uma vez que fornece uma linguagem
geral aplicável a qualquer processo de descrição
das propriedades de eventos e objetos. Como a
mensuração contábil, em si mesma, nada mais é
do que um processo de atribuição de números
e palavras a certas propriedades de objetos e
eventos econômicos, tem-se aí um ponto de
interseção entre as duas disciplinas.
O segundo aspecto em que a Semiótica
pode contribuir para aprimorar a evidenciação
contábil diz respeito à descrição do processo pelo
qual as pessoas percebem as características dos
eventos e objetos que tocam a sua consciência.
Com a Semiótica, aprende-se que os significados
não são propriedades das palavras utilizadas para
representar os fenômenos que nos cercam, mas
elementos que residem em nossa consciência e
que nela se instalam em função de determinados
referenciais cognitivos, do contexto em que atua­
mos etc. Por isso, pessoas diferentes podem ter
percepções bem distintas de um mesmo objeto
ou evento. A Semiótica nos ajuda a compreender
que a percepção das características relevantes
dos eventos econômicos, e sua subsequente
Rev.
FA E ,
C uritiba,
A qualidade da informação
pode ficar seriamente
comprometida quando os
indivíduos encarregados da
identificação e interpretação
dos eventos econômicos
não conseguem perceber
suas características
relevantes.
representação por meio de números e palavras,
é influenciada pelas habilidades cognitivas de
cada indivíduo, pelas características do contex­
to, pelos níveis de experiência, entre ou­
tros
elementos. Esse é um fato que precisa ser devi­
damente considerado, sobretudo na fase de
coleta dos dados que alimentam os sistemas
contábeis. A qualidade da informação pode ficar
seriamente comprometida quando os indivíduos
encarregados da identificação e interpretação dos
eventos econômicos não conseguem perceber
suas características relevantes.
Discutindo o problema da percepção no
contexto das teorias semióticas, Santaella (1998, p.
66) afirma que nossa vida, em qualquer instante,
por mais corriqueiro que seja, está repleta de
exemplos de situações em que nossa percepção
falha. Julgamos ter visto uma coisa, mas, logo
depois, verificamos que incorremos em erro, ou
seja, constatamos que não era o que pensávamos
ter visto. Essa autora explica que os julgamentos
de percepção são inferências lógicas, elementos
generalizantes que dependem de esquemas
interpretativos variáveis. Baseando-se em estu­
dos empreendidos por Peirce, pai da Se­
mi­ótica
Moderna, Santaella (1998) explica que todo
pensamento lógico e toda a cognição é adquirida
por meio da percepção.
No âmbito da Contabilidade, os produ­
tores das informações contábeis focalizam deter­
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11
minados eventos econômicos, abstraem cer­
tas características a eles associadas e procuram
representá-las por meio de símbolos alfanuméricos.
A correta percepção dos eventos e de suas ca­
racterísticas relevantes depende também da
inter­pretação de conceitos e normas contábeis.
Sobre o problema da percepção, Beladouni (1966,
p. 215-25) assim se manifesta:
Perception of accounting events obviously calls for
the identification of their discriminable features. In our
attempt to identify the discriminable features of an
event, we need not and do not try to obtain an exhaustive
description of that event. As in the perception of all
events, we select only certain features that are critical
for the cognitive act.2
A Semiótica pode contribui ainda para
reforçar o entendimento de que a interpretação
dos eventos retratados nos relatórios contábeis
de­pende do grau de acurácia com que os códigos
utilizados na evidenciação contábil despertarão no
re­ceptor os significados pretendidos pelo emissor.
A teoria dos signos, com sua lógica rigorosa, nos per­
mite entender por que algo significa o que significa.
2
O Papel da Ordem Contábil
na Busca da Ordem Social
2.1 A Contabilidade sob o Enfoque
Sociológico
A proposta de utilizar conceitos da Semiótica
e da Teoria da Comunicação para aumentar o poder
de evidenciação das demonstrações contábeis
encontra no enfoque sociológico da teoria contábil
uma de suas principais justificativas. A razão é que,
sob essa abordagem, a Contabilidade não deve
contemplar apenas os interesses dos acionistas,
2
12
mas também os de outros agentes que se
relacionam com a empresa e que podem exercer
influência sobre o seu desenvolvimento.
Esse fato nos leva a considerar, por exemplo,
se a linguagem empregada na evidenciação
contábil está articulada sob um conjunto de signos
que possam ser compartilhados por clientes,
empregados, associações de proteção ao meio
ambiente, sindicatos, instituições de pesquisa, entre
outros atores. Afinal, potencialmente, todos podem
precisar de informações contábeis para avaliar a
atuação das organizações sob o ponto de vista
social. De igual forma, pode-se considerar também
a necessidade de outros recursos mais adequados
à comunicação das informações contábeis.
Hendriksen (1999, p. 26) adverte que a visão
microeconômica da Contabilidade não abrange,
necessariamente, todos os efeitos que as empresas
exercem na sociedade. Em sua avaliação, fica uma
lacuna a ser preenchida com informações relativas
a custos da poluição ambiental, do desemprego, de
condições insalubres de trabalho, entre outros fatores
de interesse social. Destaca-se que, nesse sentido, a
Contabilidade tradicional, com sua ên­fa­se nos acio­
nistas, pode ser considerada um subconjunto da
Contabilidade social, que busca alcançar interesses
de um leque mais amplo de indivíduos.
Segundo Iudícibus (1997, p. 25), sob a
abordagem sociológica, a Contabilidade é julgada
pelos efeitos que os procedimentos contábeis
e os relatórios dela emanados exercem sobre
a sociedade. Trata-se, pois, de verificar se tais
relatórios atendem a finalidades sociais mais
amplas, fornecendo informações que permitam,
por exemplo, julgamentos acerca do desempenho
das empresas e de suas relações com a sociedade.
Parte-se do entendimento de que o acionista não é
o único destinatário dos resultados das empresas
e que a própria continuidade dos negócios não
depende apenas dessa categoria de usuários das
informações contábeis.
Seguindo o mesmo raciocínio, Belkaoui
(2000) afirma que, sob a referida abordagem,
A percepção de eventos contábeis, obviamente, exige a identificação de suas características discrimináveis. Em nossa tentativa de identificar
as características discrimináveis de um evento, não necessitamos nem tentamos obter uma descrição exaustiva desse evento. Como na
percepção de todos os eventos, selecionamos apenas alguns recursos que são críticos para o ato cognitivo. (N.E. tradução literal)
espera-se que os dados contábeis possam contri­
buir para a promoção do bem-estar social. Esse
autor destaca que tal expectativa presume a
existência de valores sociais estabelecidos que
sejam utilizados como critério na determinação
da teoria contábil. Nesse sentido, a sociedade
como um todo poderia ser vista como usuário
da informação contábil. Kam (1990) manifesta
idêntico entendimento, alegando que cada
componente da sociedade, de uma forma ou de
outra, é afetado por informações dessa natureza.
Por isso, esse autor defende a ideia de que pelo
menos as empresas de maior porte deveriam
publicar informações de cunho social, visto que
suas ações tendem a provocar maior impacto
sobre a vida dos indivíduos.
2.2 A Responsabilidade Social
das Empresas
Com o fortalecimento das democracias,
aliado às novas tecnologias da informação, é
provável que, de fato, a sociedade passe a exercer
maior pressão sobre as organizações, a fim de
que elas ampliem evidenciações de interesse
social divulgando dados, tais como: volume de
demissões, contratações, contribuições tributárias,
investimentos em programas de preservação do
meio ambiente, nível de satisfação dos clientes,
insalubridade e segurança no trabalho.
Nesse sentido, a evidenciação contábil
deve contribuir para desenvolver e consolidar uma
cultura empresarial que privilegie a transparência
e permita à sociedade conhecer e valorizar
esforços tendentes a conciliar sucesso econômico
com impactos sociais e ambientais. Para tanto,
a Contabilidade deverá usar recursos de eviden­
ciação que facilitem o diálogo da empresa com
diferentes públicos envolvidos com suas atividades.
Algumas manifestações dessa natureza já
se encontram em curso, a exemplo da proposta de
Balanço Social articulada pelo sociólogo Herbert
de Souza (1935-1997). Tais iniciativas partem do
princípio de que o progresso tecnológico e o lucro
não asseguram a construção de uma sociedade
justa e sustentável a longo prazo. De igual forma,
Rev.
FA E ,
C uritiba,
baseiam-se na premissa de que as condições físicas
do Planeta não suportam o enorme impacto de um
crescimento econômico desordenado. Isso significa
que a lógica do lucro deve encontrar na função
social da propriedade uma linha delimitadora.
Naturalmente, tudo isso deve exercer
reflexos sobre conceitos e diretrizes que norteiam
a produção das informações contábeis. Porém,
como conhecimento de natureza social, cabe à
Contabilidade procurar se ajustar para atender
às novas demandas que deverão surgir. A
propósito, Hendriksen (1999, p. 165) salienta que
a política contábil de um país não pode ficar
atrelada a interesses de grupos específicos, tais
como investidores individuais, administradores e
contadores. Esse autor acrescenta que, por maior
que seja a dificuldade de admitir tal fato, a política
contábil nacional deve levar em conta o bem-estar
social em sentido mais amplo.
Santos (1999) também faz referência ao
papel que a Contabilidade deve desempenhar no
contexto social, explicando que essa disciplina é
chamada a colaborar na construção de relações
mais saudáveis entre empresa e sociedade. Esse
autor considera que, para tanto, um dos possíveis
instrumentos de evidenciação pode ser o chamado
Balanço Social.
A evidenciação
contábil deve contribuir
para desenvolver e
consolidar uma cultura
empresarial que privilegie
a transparência e permita
à sociedade conhecer e
valorizar esforços tendentes
a conciliar sucesso
econômico com impactos
sociais e ambientais.
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13
Referindo-se à nova relação da Contabilidade
com a sociedade, Santos (1999, p. 8) acrescenta as
seguintes considerações:
Hoje em dia, não se pode mais admitir que a Contabili­
dade esteja sendo preparada para uso exclusivo dos
mesmos usuários de 4 ou 5 décadas atrás. A Contabilida­
de passou a ter relevância no cenário econômico como
um todo, deixando de ser instrumento importante apenas
no auxílio prestado no cálculo e identificação dos valores
que servem como base para recolhimento de impostos,
análise para concessão de crédito ou pagamento de
dividendos, e com isso começa a ocupar espaço bastante
importante nas relações sociais.
Quanto ao Balanço Social, entre as principais
informações que podem ser apresentadas nesse
re­latório contábil, destacam-se: nível de emprego,
re­
lações profissionais, formação profissional,
con­
dições de higiene e segurança, medidas de
proteção ao meio ambiente e distribuição da ri­
que­za gerada pela empresa. Não se trata de uma
sim­
ples peça de marketing empresarial, mas de
um autêntico instrumento de apoio à cidadania, na
medida em que contribui para a democratização
das informações contábeis. Com esse relatório,
potencialmente, tanto um investidor sofisticado
quan­to o mais singelo empregado podem encontrar
na Contabilidade meios de exercitar sua cidadania.
Segundo De Luca (1998, p. 26), um dos
aspectos de maior relevância a ser evidenciado no
Balanço Social diz respeito a projetos da empresa
relacionados à preservação do meio ambiente.
A título de exemplo, essa autora destaca que
a avaliação do passivo ambiental pode exercer
impactos significativos no valor econômico da
empresa. Isso deriva da consciência de que não
se pode admitir progresso econômico à custa da
degradação ambiental. Assim, não é difícil prever
que empresas que apresentem risco potencial
ao meio ambiente deverão enfrentar grandes
dificuldades de sobrevivência em futuro próximo.
A Demonstração do Valor Adicionado (DVA)
é outro relatório por meio do qual a Contabilidade
pode oferecer relevante contribuição à ordem
social. Seu principal objetivo é demonstrar como se
deu a distribuição da riqueza gerada pela entidade
entre os diversos agentes que concorrem para a
sua obtenção: acionistas, empregados, governo e
financiadores.
Conforme De Luca (1998), a DVA está in­
ti­
mamente associada ao conceito de res­
pon­
sabili­
14
dade social e surgiu para atender às necessidades
de informações dos usuários so­bre o valor da ri­
queza criada pela empresa e sua utilização. A
autora explica que “o valor adicio­
nado de uma
empresa representa o quando de valor ela agrega
aos insumos que adquire num determinado
período e é obtido, de forma geral, pela diferença
entre as vendas ou produção e o total dos insumos
adquiridos de terceiros” (DE LUCA, 1998, p. 32).
Discorrendo sobre as vantagens da DVA
como instrumento de equilíbrio das rela­
ções
sociais, Santos (1999) salienta que essa demons­
tração contábil pode servir, inclusive, para auxiliar
no cálculo do PIB e definir outros indicadores
sociais de grande importância. Iden­
tificação
da carga tributária por setores da economia,
informações sobre remuneração de pessoal por
segmento econômico ou por regiões e políticas
de remuneração de capital de terceiros são alguns
exemplos de dados relevantes que podem ser
extraídos da referida demonstração.
2.3Contabilidade e a Transparência da
Gestão Fiscal
No que se refere às organizações públicas,
observa-se que o ordenamento jurídico do País
também põe em destaque o papel da Contabilidade
como instrumento de apoio à construção da
ordem social. Um dos exemplos mais recentes
pode ser encontrado na Lei de Responsabilidade
Fiscal. Ao tratar da transparência da gestão fiscal,
essa Lei estabelece que se dê ampla divulgação a
instrumentos de evidenciação, tais como planos,
orçamentos, leis de diretrizes orçamentárias,
pareceres de prestações de contas e relatórios de
gestão fiscal.
Quanto aos sistemas de informações
contábeis, destaca-se a necessidade de a Admi­
nistração Pública manter sistema de custos que
permita a avaliação e o acompanhamento da
gestão orçamentária, financeira e patrimonial. De
igual modo, salienta-se a necessidade de divulgar
com clareza todos os eventos de interesse contábil,
principalmente os relacionados a compromissos
assumidos junto a terceiros.
Como se observa, a Lei de Responsabilidade
Fiscal contribui para consagrar o relacionamento
entre o governo, o público e a informação contábil.
Isso se torna mais evidente quando se conside­
ra que a referida Lei determina, em seu art. 49,
que as contas apresentadas pelo chefe do Poder
Executivo deverão ficar disponíveis, durante todo
o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no
órgão técnico responsável por sua elaboração, para
consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições
da sociedade. Com isso, a sociedade é guindada à
condição de usuário privilegia­do das informações
contábeis, e estas, por sua vez, assumem claramente
o status de instrumento de cidadania.
Conclusões
Sob a abordagem sociológica, a teoria
contábil considera que o papel da Contabilidade
não deve se limitar ao fornecimento de informações
necessárias à otimização de decisões de caráter
econômico, mas sim contemplar os interesses da
sociedade de forma mais ampla. Desse modo, o
bem-estar social passa a ser o critério básico de
avaliação dos procedimentos contábeis adotados
em determinado ambiente.
Um dos meios que a Contabilidade pode
utilizar para ajudar a promover o bem-estar social
é o chamado Balanço Social, haja vista que nesse
tipo de relatório a empresa se abre ao diálogo com
os diversos agentes que, direta ou indiretamente,
contribuem para o sucesso dos negócios. De modo
específico, o referido Balanço pode: contribuir
para estimular posturas éticas e transparentes
no âmbito corporativo, divulgar a contribuição
que a empresa presta ao desenvolvimento de
pesquisas e tecnologias, subsidiar negociações
com empregados, contribuir para democratizar
as relações com os públicos interno e externo,
fortalecer as bases de confiança e transparência
entre a empresa e os stakeholders e ainda permitir
acompanhamento da evolução do processo de
responsabilidade social da empresa.
das informações que se pretende veicular. Nesse
sentido, recomenda-se evitar o uso de termos
excessivamente técnicos e considerar a necessidade
de recorrer a outros recursos de evidenciação, tais
como gráficos, tabelas etc. Além disso, a Teoria
da Comunicação fornece metodologia útil para
avaliar a eficácia do ato comunicativo, uma vez
que permite identificar os fatores que influenciam a
fidelidade da comunicação. Ela possibilita entender
como se desenvolve o processo de comunicação e
facilita a identificação dos elementos críticos para o
êxito do ato comunicativo.
No que se refere à Semiótica, sua principal
contribuição se expressa nas teorias que evidenciam
o processo de construção dos significados.
Uma delas é a Teoria dos Signos, segundo a
qual os significados não são propriedades das
palavras, mas faculdades mentais dependentes
do contexto e de outros referenciais cognitivos.
Outra importante contribuição da Semiótica é
fornecida pela chamada Teoria da Percepção. Com
essa teoria, pode-se entender, por exemplo, que as
informações contábeis só poderão ser aproveitadas
pelos diversos estratos de usuários quando eles se
tornam conscientes de sua relevância. Isso exige,
por parte da empresa, amplo conhecimento das
expectativas e necessidades dos diversos agentes
que com ela se relacionam.
Dada a influência que a Contabilidade
pode exercer em relação ao desenvolvimento e à
manutenção da ordem social, recomenda-se que
os órgãos de classe e instituições responsáveis pelo
desenvolvimento e divulgação do saber contábil
continuem estimulando a publicação de relatórios
que contemplem informações de natureza social.
Além disso, recomenda-se que estudos sejam
realizados no sentido de verificar até que ponto as
demonstrações contábeis fornecem informações
dessa natureza e se são compreensíveis aos diver­
sos públicos a que se destinam.
A contribuição que a Semiótica e a Teoria da
Comunicação podem oferecer para potencializar
o papel da Contabilidade como instrumento de
construção da ordem social pode se manifestar em
diversos aspectos. Um dos principais diz respeito
à clareza necessária à informação. A variedade
de públicos que poderão fazer uso do Balanço
Social, por exemplo, exige que ele seja elaborado
com muita clareza, para facilitar o entendimento
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FA E ,
C uritiba,
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•
Recebido em: 14/02/2012
•
Aprovado em: 23/05/2012
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
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17
Contribuições das ciências sociais e
humanas no estudo do consumidor
Contributions of social sciences and humanities to consumer study
Contribuições das ciências sociais e humanas no estudo do consumidor
Contributions of social sciences and humanities to consumer study
André Francisco Alcântara Fagundes1
Caissa Veloso e Sousa2
Danilo de Oliveira Sampaio3
Marlusa Gosling4
Resumo
O objetivo desta pesquisa é trazer à tona uma discussão teórica acerca do tema comportamento
do consumidor, considerando as contribuições de diferentes áreas para o seu estudo. Nesse
sentido, abordaram-se campos teóricos distintos, como Antropologia, Sociologia, História e
Psicologia. As contribuições da Psicologia relacionam fatores individuais, sociais e de informação
como pré-requisitos para as atitudes que influenciam o comportamento do consumidor. De forma
diferenciada, a Sociologia considera o comportamento do consumidor como um fenômeno social,
além da perspectiva da racionalidade econômica de maximização da produção por meio da destruição
da utilidade. Ressalta-se, nesse aspecto, que o consumo constitui um assunto complexo, envolvendo
indivíduos e organizações. Na perspectiva da História, o prazer de possuir a mercadoria transforma a
vida das pessoas e proporciona percepções diferenciadas de status em relação a outros indivíduos. Se
considerada a perspectiva da Antropologia, consumo e comportamento são fatores influenciadores
da cultura, entendida como um modo próprio de ser do homem em coletividade, o que, vis-à-vis,
constitui os estudos de marketing. Esta pesquisa procurou apresentar uma reflexão em termos de
reforço teórico, a partir de autores seminais e contemporâneos. Nesse sentido, entende-se que
o conhecimento no marketing tem recebido contribuições de diversas áreas, além de seu próprio
desenvolvimento como campo de estudo. Porém, dada a necessidade de delimitação de um escopo
de pesquisa, o presente trabalho se limitou a analisar suas interações e interconexões com a Psicologia,
a Antropologia, a Sociologia e a História.
Palavras-chave: Comportamento do Consumidor. Sociologia. Antropologia. História. Psicologia.
Abstract
The objective of this study was to elicit a theoretical discussion on the topic of consumer behavior,
considering the contributions of different areas for that topic. With regard to that, we dealt with
different theoretical fields such as anthropology, sociology, history and psychology. The contributions
of psychology consider individual, social and information factors as prerequisite to the attitudes
that influence consumer behavior. Differently, sociology considers consumer behavior as a social
phenomenon, beyond the perspective of economic rationality to maximize production through the
destruction of utility. In this respect, it is noteworthy that consumption is a complex issue, involving
individuals and organizations. From the perspective of history, the pleasure of owning goods
transforms people’s lives and provides different perceptions of status in relation to other individuals.
If we take the perspective of anthropology, consumption and behavior are factors that influence the
culture, understood as a distinct way of being in society, which constitutes the marketing studies for
the homogeneous social groups. This research sought to present a reflection in terms of enhancing
theoretical discussion, based on seminal and contemporary authors. In this sense, it is understood
that knowledge in marketing has received contributions from several areas throughout its own
development as a field of study. However, given the need for defining a scope of research, this
study was limited to analyzing its interactions and interconnections with psychology, anthropology,
sociology and history.
Keywords: Consumer Behavior. Sociology. Anthropology. History. Psychology.
Doutorando em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (CEPEAD/UFMG).
Professor da Faculdade de Gestão e Negócios da Universidade Federal de Uberlândia (FAGEN/UFU).
E-mail: [email protected].
2
Doutora em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (CEPEAD/UFMG). Professora da Faculdade
Novos Horizontes, BH-MG. E-mail: [email protected].
3
Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (CEPEAD/UFMG). Professor da
Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da Universidade Federal de Juiz de Fora (FACC/UFJF).
E-mail: [email protected].
4
Doutora em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (CEPEAD/UFMG). Professora da Faculdade de
Ciências Econômicas (FACE) da UFMG/CEPEAD. E-mail: [email protected].
1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
19
Introdução
Ao falar de consumo, algumas questões
podem ser levantadas: o cenário atual da sociedade
em relação à demanda de bens e serviços, o incentivo
financeiro disponível via crédito bancário, fatores
influenciadores da ação do consumidor, influências
conscientes e inconscientes do consumo, aspectos
simbólicos que permeiam as relações de consumo,
diferenças entre valor de uso e valor de troca dos
bens, existência de bens substitutos, entre outros.
Sob o retrato econômico, o fato é que
a sociedade brasileira atravessa um momento
oportuno para o consumo das famílias e das
empresas. O contexto macroeconômico e as
políticas sociais, fiscais e econômicas do Estado
têm possibilitado maior poder de compra para a
população. Como resultado, presencia-se no Brasil
elevação do volume de vendas, principalmente
no varejo, que, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2012), apresentou
aumento de 0,8% no volume de vendas e 0,6% na
receita nominal se comparado o mês de abril de
2012 com o mesmo mês do ano anterior.
Outros fatos econômicos que merecem
destaque no caso do Brasil são os investimentos
produtivos, o comércio interno mais forte e a
solidez do sistema bancário, mesmo diante da
crise que assola a Europa. Segundo relatório de
evolução do crédito, divulgado pelo Banco Central
do Brasil (BACEN), o saldo em empréstimos totais,
em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), vem
apresentando crescimento contínuo, saindo de
30,2% em 2006 para 46,4% em 2010 (TAB. 1)
(BACEN, 2008, 2010).
Tendo em vista a evolução do crédito total,
segundo o BACEN (2008, 2010), justificam-se, por
parte das organizações, pesquisas que procuram
compreender como o consumidor se comporta
em relação às compras, em especial no segmento
das classes emergentes, que recentemente aumen­
tou sua demanda por bens e serviços (PRAHALAD,
2010). Nesse con­texto, ressalta-se que entender e
pesquisar o comportamento dos con­
sumidores
exige esforço além do entendimento econômico,
que, por ora, não faz parte do escopo deste trabalho.
Compreender como a cultura interage de
forma variada em diferentes locais, descobrir como
o indivíduo compra bens e serviços quando está só
ou em grupos e entender melhor o comportamento
dos consumidores antes da compra (planejamento
consciente ou inconsciente), durante a compra
(processo de experimentação) e após a compra
(resposta, recompra e descarte dos produtos)
são preocupações importantes para acadêmicos
e gestores de marketing (Engel; Blackwell;
Miniard, 2000; ZALTMAN, 2003, 2008).
A microeconomia, em específico o campo
de estudo do comportamento do consumidor,
que discute “como os consumidores tomam suas
decisões de compra e como eles enfrentam os tradeoffs e as mudanças no seu ambiente” (CARVALHO,
2009, p. 27), apresenta contribuições fundamentais
para o marketing, que permeiam tanto seus estudos
seminais quanto as abordagens contemporâneas
(DAMODARAN, 2009; HUNT, 2003, 2011; PINDYCK;
RUBINFELD, 2004; PINTO; LARA, 2007, 2010;
SHETH; GARDNER; GARRET, 1988).
TABELA 1 — Evolução do crédito total
Variação (%)
Discriminação
2006
2007
2008
2009
2010
R$ (bilhões)
t-1
t-5
Total
732,6
936,0
1227,3
1.414,30
1.705,80
20,6
133,0
Recursos livres
498,3
660,8
871,2
954,50
1.116,00
16,9
124,0
Recursos direcionados
234,3
275,2
356,1
459,80
589,80
28,3
152,0
Total PIB
30,2
34,2
41,3
44,4
46,4
Recursos livres/PIB
20,6
24,1
29,3
30,0
30,4
Recursos direcionados/PIB
9,7
10,1
12,0
14,4
16,0
Participação (%)
FONTE: Banco Central do Brasil (2008, 2010)
20
A cultura tem a sua
própria lógica e dá ao
homem características de
comportamento que vão
além do comportamento
animal. O pensar referente
à cultura é articular
uma compreensão do
mundo por meio da
linguagem, individual ou
coletivamente.
Outro campo do conhecimento que tem
apresentado contribuições para os estudos
sobre comportamento do consumidor é a
Neurociência, que, por meio de experiências
inovadoras utilizando técnicas não evasivas de
neuroimagem e neurofisiologia central e periférica,
demonstra ser possível monitorar quais áreas do
cérebro se mostram mais excitadas diante de
uma marca, sabor ou conjunto de atributos de um
produto (ZALTMAN, 2003). Esse novo campo do
conhecimento é denominado Neuromarketing.
Ainda, o próprio marketing apresentou
avanços importantes na construção do conhe­
cimento, especialmente na segunda metade do
século XX e início do século XXI (HUNT, 2003,
2011; GUMMERSSON, 2010; SHETH; GARDNER;
GARRET, 1988). Contudo, dada a necessidade
de delimitar o escopo do estudo, optou-se por
apresentar uma interconexão considerando a
contribuição das seguintes áreas do conhecimento
para o marketing: Psicologia, Antropologia, Socio­
logia e História.
O estudo do comportamento do consu­
mi­dor é uma das escolas de marketing mais tra­
dicionais e academicamente sedimentadas na
área de Administração. Contudo, o seu estudo tem
despertado interesse de pesquisadores oriundos
de outras áreas acadêmicas, como Sociologia,
Psicologia e História, entre outras, o que acaba por
estabelecer uma multidisciplinaridade do tema e,
Rev.
FA E ,
C uritiba,
por consequência, traz diferenças em visões e po­
sicionamentos (SHETH; GARDNER; GARRETT, 1988).
Holbrook (1987, p. 131) discute o significado
ontológico da pesquisa do consumidor e chega
à conclusão de que ele representa o “[...] estudo
dos processos onde há aquisição, uso e disposição
de todos os tipos de produtos que têm valor para
aquilo que o homem deseja”. O autor comenta
que a vida é um contínuo consumo e que envolve
atividades que visam a algum objetivo, satisfação
de necessidades e desejos.
Como forma de contribuir para melhor
entendimento da evolução do estudo do
comportamento do consumidor, o presente
trabalho teve como objetivo explorar diferentes
correntes teóricas nas Ciências Sociais e Huma­
nas como forma de fornecer subsídios e infor­
mações que sejam relevantes aos estudiosos e
pesquisadores da área. Após a apresentação das
contribuições da Antropologia, História, Socio­
logia e Psicologia, nas considerações finais, são
apontados os pontos-chave da pesquisa biblio­
gráfica empreendida.
Em relação à metodologia, quanto aos
fins, esta pesquisa se caracteriza como descritiva,
uma vez que procura interpretar a realidade sem
nela interferir (CHURCHILL JR., 1987). Quanto aos
meios, a pesquisa se classifica como bibliográfica,
a partir do levantamento de obras que trataram
do tema em questão, a partir da abordagem de
distintas áreas do conhecimento.
1
Contribuições da
Antropologia para o Estudo
do Comportamento do
Consumidor
A Antropologia enquanto ciência, ao
contrário da Psicologia, geralmente é utilizada
com menor intensidade em estudos sobre o
comportamento do consumidor, contudo dispõe
de pressupostos teóricos importantes para esse
tipo de pesquisa. Um desses pressupostos é o
conceito de cultura:
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
21
[...] cultura é o modo próprio de ser do homem em
coletividade, que se realiza em parte consciente, em
parte inconsciente, constituindo um sistema mais ou
menos coerente de pensar, agir, fazer, relaciona-se,
posicionar-se perante o Absoluto, e, enfim reproduzir-se
(GOMES, 2008, p. 36).
Para Gomes (2008), a cultura tem a sua
própria lógica e dá ao homem características de
comportamento que vão além do comportamento
animal. O pensar referente à cultura é articular uma
compreensão do mundo por meio da linguagem,
individual ou coletivamente.
Na Antropologia, reconhece-se a existência
de sociedades nas quais o nível social dos indivíduos,
incluindo bens materiais e simbólicos, é desigual,
caracterizado pelo capitalismo comoclasse social.
Para a pesquisa do consumidor, sig­
nifica que as
diferenças entre comportamentos de indivíduos
de classes sociais diferentes devem ser tratadas de
maneira específica.
mais complexa que passam a governar” (ROCHA;
BARROS, 2004, p. 1).
A antropologia do consumo emerge como um
novo braço da Antropologia a partir da década de
1970, com os estudos de André Leroi-Gouham e os
de Mary Douglas e Edward Hall (PINTO; LARA, 2010).
Nessa perspectiva, destaca-se a afirmação
de Douglas e Ishewood (2009, p. 149), de que “o
homem é um ser social. Nunca poderemos explicar
a demanda olhando apenas para as propriedades
físicas dos bens. O homem precisa de bens para se
comunicar com os outros e para entender o que
se passa à sua volta”. Assim, pode-se considerar,
tratando-se de consumo, um comportamento não
racional em algumas situações. Corroborando
com esse pensamento, Featherstone (1997, p.
31) afirma que “é importante focalizar a questão
da proeminência cada vez maior da ‘cultura’ de
consumo, e não simplesmente considerar que o
consumo deriva inequivocamente da produção”.
Tal fato se derivaria dos modos socialmente
estruturados de usar bens para demarcar as
relações sociais, que o autor chama de “lógica do
consumo”, situação análoga à “lógica do capital”,
derivada da produção.
Para a Antropologia, o valor do capital não
é primordial no comportamento do consumidor,
há algo além que influencia e motiva a compra.
“O consumo só se reduz a um fato econômico,
algo capaz de equalizar a todos pela via da posse
do dinheiro, até à fronteira do preço de entrada,
pois a partir daí são diferenças de uma ordem
Nos estudos relacionados à Antropologia na
área de comportamento do consumidor, propagou-se o método etnográfico. Elliott e Jankel-Elliott
(2003) apontam que a etnografia trouxe interesse
de acadêmicos de marketing por ter a facilidade
de aproximar o pesquisador do consumidor, enten­
dendo este como um ser social. Rocha e Barros
Veblen (1965) foi um dos responsáveis por
inserir o consumo como parte integrante da cultura,
e não apenas considerá-lo uma consequência da
produção, como ditam os economistas. Migueles
(2007), ao estudar as ligações entre Antropologia,
Sociologia e Marketing, relata a importância da
primeira para os estudos de comportamento do
consumidor:
A antropologia do consumo nos permite compreender
não apenas os atos de compra, mas toda a sociabilidade
contemporânea, a motivação do homem no trabalho, os
significados que ele cria para a sua vida, a forma como
percebe as ameaças à sua família [...] e até mesmo como
se manifesta politicamente (MIGUELES, 2007, p. 10).
22
O consumo só se reduz
a um fato econômico,
algo capaz de equalizar a
todos pela via da posse
do dinheiro, até à fronteira
do preço de entrada, pois
a partir daí são diferenças
de uma ordem mais
complexa que passam
a governar.
(2004, p. 14) reforçam a etnografia enquanto
método, pois, para os autores, “permite conhecer
as formas pelas quais os grupos sociais atribuem
significados aos produtos e serviços, dando-lhes
sentido diferenciado, incluindo-os ou excluindo-os
de suas vidas”.
2
Contribuições da
História para o Estudo
do Comportamento do
Consumidor
Antes de adentrar na abordagem acerca
das contribuições da História para o estudo do
comportamento do consumidor, é importante
justificar sua pertinência. Segundo a Associação
Brasileira do Ensino da História (ABEH, 2012),
a História é um campo do conhecimento que
extrapola o saber histórico, enveredando em um
campo epistemológico mais complexo, envolvendo
culturas, saberes, relações de poder, tradições,
entre outros aspectos.
Barros (2004) argumenta que nas últimas
três décadas, percebe-se uma fragmentação
do estudo da História, a partir de dimensões e
abordagens distintas, representando uma invasão
de fronteiras, com afinidades e interconexões
possíveis. Nessa perspectiva, alguns estudiosos da
História adentram em campos do conhecimento
como a Sociologia e a Economia.
O consumo, interesse deste trabalho, não
é privilégio da sociedade contemporânea. Sob
o ponto de vista histórico, ele é um aspecto
que contribuiu para uma verdadeira mudança
social, principalmente a partir do século XVII
(MCCRACKEN, 2003). Entretanto, o autor considera que a área acadêmica não deu a devida
aten­ção ao desenvolvimento do consumo, pois a
concentração teórica ficou mais nas análises das
revoluções legal, econômica e industrial. Nesse
sen­tido, pode-se considerar que o consumo não
pos­
sui, de fato, uma história determinada, mas
sim uma história recente, possivelmente pré-paradigmática, de acordo com Kuhn (1987).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
McKendrick Brever e Plumb (1982) apontam o surgimento da revolução do consumo na
Inglaterra do século XVIII. O consumo era visto
como um mal necessário nessa época, em que os
nobres compravam por luxo, e os pobres, para a
sobrevivência. Williams (1982) diz que o consumo
iniciou na França do século XIX, enquanto
Mukerji (1983) destaca o consumo na Inglaterra
dos séculos XV e XVI. Esses pesquisadores,
independentemente das opiniões formadas a
respeito de datas, mostram a importância do
consumo frente às mudanças sociais, contribuindo
para o entendimento do que venha a ser o
consumo moderno.
Tendo em vista uma visão histórica mais
delineada da revolução do consumo, optou-se em
seguir aquilo que McCracken (2003, p. 30) chama
de “três momentos da história do consumo”,
sendo eles: (i) o boom do consumo na Inglaterra
do século XVII; (ii) o consumo no século XVIII; e
(iii) o consumo no século XIX.
No consumo inglês do século XVII, de acordo
com McCracken (2003), a nobreza inglesa gastava
em alta escala, nos jantares, no vestuário e nas
residências, principalmente motivada pela Rainha
Elizabeth I, a qual simpatizava com aqueles que
demonstravam lealdade por meio de transferência
de recursos. Os nobres ingleses apresentavam
um excessivo consumo nas viagens à corte como
manutenção de status quo. O fundamental era
ostentar o luxo, enquanto o trabalho ficava para as
classes inferiores. O objetivo desse novo padrão
de despesa era fazer da corte, nas palavras de
McCracken (2003, p. 30-31):
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
Uma espécie de desfile, de espetáculo teatral... e,
com luxúria, um meio de governar. Confrontada por
extraordinárias dificuldades dentro e fora do reino,
Elizabeth explorou o poder hegemônico expressivo
das coisas que foi usado pelos governantes ingleses
desde sempre. Os objetos, especialmente no contexto
de uma corte fortemente cerimonial, podem se prestar
a comunicar a legitimidade do monarca para governar,
aspirações para o governo, qualidades de poder e de
majestade e, finalmente, um status divino conforme um
indivíduo é visto progressivamente em termos míticos,
religiosos e literários. O simbolismo supercarregado
da corte monárquica, da hospitalidade e do vestuário
converteu-se na oportunidade para a persuasão e a
instrução políticas.
23
McCracken (2003) aponta ainda que a
nobreza se viu obrigada a consumir bens como
símbolo de status e poder, o que a tornou escrava
do consumo. Campbell (1983) aponta o consumo
voltado para uma definição considerada romântica
do self. Assim, o indivíduo é visto como consumidor
voraz, e não apenas como aquele integrante que
consome aquilo que a família está disposta a ter.
A transformação do consumo, de acordo
com McKendrick et al. (1982), ocorreu a partir
no século XVIII, no qual o autor destaca o
nascimento da sociedade do consumo, iniciando,
assim, a cultura de consumo moderno. No século
XVIII, a competição social foi determinante
na Inglaterra, pois a nobreza queria ter uma
mobilidade social vertical por meio do consumo
e do gasto (SIMMEL, 1904; VEBLEN, 1912). Para
esses autores, o consumo e a cultura no ocidente
estavam intrinsecamente ligados.
McKendrick et al. (1982) observaram um
desenvolvimento do marketing devido ao despertar
do consumo individualizado, no qual a moda era
ajustada e interpretada às classes inferiores, tendo
na alta nobreza sua inspiração simbólica.As revistas
de moda, os mascates escoce-ses e o comércio
varejista de Londres incentivaram o acesso a novos
produtos e informações às províncias, segundo
McKendrick et al. (1982). Já ocorria a ligação do
O objetivo simbólico da
estética do século XIX
era demonstrar tudo
distante do comum, e
assim se observava a arte,
a comunicação e a estética
tentando passar um mundo
de sonhos, o que repercutia
na criação de uma nova
organização de vida social,
antes inimaginável.
24
comportamento do consumidor com o simbolismo,
os burgueses das províncias se vestiam como os
nobres das grandes cidades, o que lhes conferia
status, glamour e poder. O número maior de
pessoas aptas a serem consumidoras foi também
uma causa do consumo maior no século XVIII, daí a
expressão “consumo de massa”.
McCracken (2003) destaca no século
XVIII mudanças nas propriedades simbólicas dos
bens de consumo, assumindo os significados de
mobilidade social. O bem de consumo passa a ser
nessa época um objeto de moda, o qual, por sua
vez, migrou para a categoria de design. Quanto
mais o indivíduo possuísse bens de consumo com
design, mais ele seria hierarquicamente encaixado
em uma classe social elevada.
Chegando a revolução e a transformação
do consumo ao século XIX, este foi visto como
algo já estruturado na vida social. Sociedade e
consumo viram-se interligadas no século XIX,
conforme destaca McCracken (2003). O boom
de consumo dá lugar a uma relação dinâmica, na
qual uma mudança social implica uma mudança
de consumo, e vice-versa. O consumo moderno é
dado em diferentes tipos de arenas, derivados dos
diferentes estilos de vida dos indivíduos. Williams
(1982) mostra essa transformação do consumo na
França, onde ele migrou da nobreza para locais
públicos; alfaiates que apenas atendiam os nobres
passaram a ter suas lojas próprias em ambientes
públicos, e o mesmo ocorreu com os chefs, que
abriram seus restaurantes nas cidades.
Para Williams (1982), o objetivo simbólico
da estética do século XIX era demonstrar tudo
distante do comum, e assim se observava a arte,
a comunicação e a estética tentando passar um
mundo de sonhos, o que repercutia na criação
de uma nova organização de vida social, antes
inimaginável. McCracken (2003) destaca a posse do
meio de comunicação, pois, com essa ferramenta,
a linguagem do consumo de massa seria uma
técnica-alvo para dar aos consumidores um
mundo de sonhos, com as lojas de departamento,
as exposições e o cinema como mídias exploradas
na França do século XIX.
As mídias exploravam estímulos persuasivos
e informativos, o que provocava, segundo Williams
(1982), um desejo de participação, e não apenas
de compra imediata de bens. O autor traz atenção
especial às lojas de departamento na França, que
convidam os consumidores a um novo padrão de
interação, inclusive com a introdução do crédito, pelo
qual o consumidor poderia comprar em prestações
aquilo que antes não era possível, realizando um
verdadeiro sonho de consumo. Interessante esse
fato, pois hoje no Brasil observam-se as classes
de menor poder aquisitivo nesse movimento de
consumo devido ao crédito mais fácil, conforme
visto na introdução deste artigo.
Nesse sentido, pode-se citar Bourdieu
(1984) no que se refere ao mundo social, no
qual o indivíduo está enquanto consumidor
representado na forma de espaço, ou seja, na
loja de departamento, a qual possui um campo
de forças, em que consumidor e varejo definem
suas posições. No século XIX na França, a posição
do consumidor era vista em desvantagem com
relação à barganha com o varejista.
Para McCracken (2003), outro fato im­
portante no século XIX foi observar que os bens
vendidos pelas lojas de departamento davam
expressão material a valores da burguesia,
fornecendo aos consumidores das classes
inferiores uma realidade simbólica. Para o autor,
a loja de departamento tornou-se um locus físico
e um lar institucional. Remete-se aqui ao que
Durkheim (2000) alegava, ou seja, a sociedade leva
os indivíduos para um lugar antes inimaginável. No
caso do consumo moderno, visto sob o ângulo
deste artigo, o lugar a que se refere Durkheim
(2000) pode ser interpretado como as lojas de
departamento e shopping centers, verdadeiras
apoteoses do consumo. A afirmação “compro,
logo existo (socialmente)” é compreensível do
ponto de vista que o autor nos coloca.
A partir da metade do século XX, a pós-modernidade vem com o discurso da superação
da modernidade, frente às mudanças de caráter
tecnológico advindas com a globalização dos
mercados e ideias, que fizeram o repensar da
Rev.
FA E ,
C uritiba,
sociedade como um todo. Para Bauman (1999,
2001), a realidade passa a ser ambígua sob várias
formatações. O indivíduo torna-se autônomo e livre
em uma sociedade fragmentada e na consequente
fragmentação do consumo. Surge um novo varejo,
o varejo eletrônico, que é “virtual”. Com relação
ao consumo pós-moderno, a ele é dado valor por
meio da Antropologia do consumo, que, segundo
Cova (1997), permite uma ampliação do conceito
de conexão de valores – ou link value.
Keen (2009) faz uma crítica ao consumo da
atualidade, em que o consumidor internauta busca
na Web 2.0 (uso da internet de alta velocidade
em banda larga que torna e legitima o anonimato
total do usuário) relacionamentos, informações e
produtos a qualquer custo, independentemente do
conteúdo verídico ou não de tais informações. A
internet deixou de ser uma ferramenta de geração
de conhecimento para ser uma propaganda
individual, pela qual os próprios usuários se
vangloriam em blogs particulares ou redes sociais,
divulgando suas habilidades, notícias e “cultura”.
O mesmo autor cita os “cleptomaníacos
intelectuais”, ou seja, aqueles que recortam e
colam ou copiam e colam de tudo na internet e
transformam essas colagens em algo particular,
próprio. Para o autor, o culto do amador (amador
enquanto consumidor que adquire qualquer
produto, mesmo sendo este um produto ilícito)
desperta na sociedade uma nova categoria pós-moderna de consumidor.
3
Contribuições da
Sociologia para o Estudo
do Comportamento
do Consumidor
As pessoas vivem em sociedade e mantêm
relações entre si baseadas nos valores sociais.
O convívio com colegas de trabalho, parentes e
vizinhos é uma forma de contato que estabelece
experiências cotidianas. No momento da interação
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
25
interpessoal, são estabelecidos papéis e posições
sociais de cada indivíduo, que, dependendo do
relacionamento, vão estabelecer a formação de um
novo grupo com valores específicos. Nesse sentido,
Rocha (2009, p. 41) considera que “valores sociais
são crenças amplas e duradouras desejáveis para a
formação de atitudes e a adoção de estilos de vida
com impacto no comportamento”.
Rocha (2009, p. 42) sinaliza para o medo
da desaprovação social, a qual “faz com que os
consumidores se orientem pelas preferências,
gostos e tendências aprendidos no convívio
social e disseminados pela mídia, que alargou
seus círculos sociais para além da família e classe
social”. Com a socialização, o marketing tem que
apoiar suas estratégias no grupo, e não somente
no indivíduo, uma vez que as pessoas consomem
porque outros consomem, sendo os valores do
grupo e dos outros o motivo de sua compra. A
escravização do consumo é um fato preocupante,
a mídia e o mercado funcionam como forças
maiores, forçando o consumo daquilo que não é
desejado individualmente, mas sim coletivamente
(ROCHA, 1985).
Para Bauman (2008, p. 20), “na sociedade
de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito
sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode
manter segura sua subjetividade sem reanimar
[...] as capacidades esperadas e exigidas de uma
mercadoria vendável”. A vida para o consumo
transforma as pessoas em mercadorias. O
indivíduo necessita e é estimulado pela sociedade
a sair da monotonia e integrar-se a um grupo.
Nesse contexto, sugere-se que a pesquisa de
comportamento do consumidor, mais uma vez,
apresente um olhar especial às tendências de
grupos sociais e aos objetos e desejo desses grupos.
A participação dos indivíduos em grupos
sociais que dividem universos simbólicos comuns,
conforme apontado por Berger e Luckmann (2002),
remete as pessoas a uma visão do consu­mo pós-moderno, no qual as “tribos”, enquanto novas formas
de grupos, são alvos de pesquisas de marketing.
Quando alguém compra determinado produto em
companhia de outro, este não se vê comprando
26
O estilo de vida de
personagens de
programas de televisão,
novelas, filmes e
comerciais aliena as
pessoas e formata um
consumo baseado
na “hiper-realidade”
e na “sociedade do
espetáculo”.
aquele mesmo produto, mas com o intercâmbio
contínuo entre os dois indivíduos, o outro, que não
tinha interesse na compra, pode passar a tê-lo. Nos
jovens, é mais fácil verificar esse compartilhamento
social, resultando na compra e no uso dos mesmos
tipos de confecções e marcas de celulares e demais
bens que identificam um grupo.
De acordo com Baudrillard (1968, 2008),
o interesse pelo consumo de bens materiais
tem dado lugar ao consumo de representações
na sociedade contemporânea. O estilo de vida
de personagens de programas de televisão,
novelas, filmes e comerciais aliena as pessoas
e formata um consumo baseado na “hiperrealidade” e na “sociedade do espetáculo”.
A cultura pós-moderna é representada pelos
signos, confirmando a desmaterialização das
mercadorias. Assim, mar­
cas globais ditam o
padrão de escolha dos consumidores.
Levy (1959) aponta que o consumidor
compra símbolos, e não apenas um produto ou
serviço. Para o autor, o valor simbólico é avaliado
pelo consumidor como aquilo que o representa
perante a sociedade.
O prazer do consumo coloca o indivíduo
em um mundo significativo, no qual o grupo social
o reveste de simbolismos. Dessa forma, o “habitus
socialmente constituído”, ao qual Bourdieu (1974) se
referiu, é plenamente aceito e utilizado com interesses
mercadológicos pelas organizações. O habitus,
nesse contexto, é o ambiente em que o indivíduo
interage com o grupo social e no qual emergem
sentimentos e expectativas entre as pessoas. Todos
4 Contribuições da
Psicologia para o Estudo
do Comportamento
do Consumidor
os atores envolvidos no habitus possuem tendência
de adquirir os mesmos bens e serviços. Na visão
mais pontual do comportamento do consumidor, a
dimensão social é entendida quando se segmentam
os indivíduos em classes sociais.
Sheth, Mittal e Newman (2001) ampliam
o escopo do comportamento do consumidor ao
referirem que as organizações devem buscar a
criação do valor para o consumidor por meio de
administração da lealdade e notoriedade de marca.
Nesse caso, observa-se na sociedade o signo como
sendo a própria marca, a qual traz como valor de
troca simbólica aquilo que ela representa para o
consumidor. Para Lipovetsky (2005), isso pode
se comparar à abordagem de Max Weber aos
tipos de legitimidade: racional-legal (representada
pelas
organizações,
burocracia),
tradicional
e
carismática. Nesse aspecto, a legitimidade das
marcas estaria ancorada na legitimidade tradicional
(representando a tradição destas) e na legitimidade
carismática (a partir de sua criação).
Concomitantemente
à
abordagem
de
Lipovetsky (2005), Barbosa e Cambell (2006)
argumentam que Weber favorecia em sua teoria o
consumo como algo frugal, respectivo ao conforto
básico, e não aquele associado a luxos e desejos,
uma vez que, para o sociólogo, o consumo
evidenciava um perfil negativo, ameaçador à ética
capitalista protestante.
Assim, reforça-se novamente a importância
da
Sociologia
como
fonte
importante
para
acadêmicos que pesquisam o consumidor, pois
é na sociedade que o consumo ocorre, por meio
de grupos e espaços sociais, os quais formam
estereótipos e simbolismos que, ao final, podem
refletir em toda cadeia produtiva.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
A contribuição da Psicologia é frequente
nos estudos sobre comportamento do consumidor.
Calder e Tybout (1987) destacam três tipos de
conhecimentos que devem ser entendidos sobre
os consumidores nas pesquisas: (i) conhecimento
diário; (ii) conhecimento científico; e (iii)
conhecimento interpretativo.
O conhecimento diário a respeito do
consumidor implica o estudo da sua vida social,
tanto na convivência com a família quanto com
amigos e outros grupos (procura-se por dados).
O conhecimento científico envolve a metodologia
falsificacionista, conforme visto em Lakatos (1970)
e Popper (1959), no qual a observação empírica
induz a determinada teoria (dados levam à teoria).
Por sua vez, o conhecimento interpretativo implica
a metodologia relativista no âmbito social, que,
no caso do comportamento do consumidor,
pode ser apreciado em contribuições relativas a
diversas áreas do conhecimento, como Psicologia,
Antropologia, História, Economia, entre outras. O
conhecimento interpretativo estuda a semiótica
e o simbolismo (dados levam a argumentos)
(CALDER; TYBOUT, 1987).
Na Psicologia, são estudadas as intenções
de compras conscientes e as inconscientes
(LINDISTROM, 2007, 2008, 2009; ZALTMAN,
2003). Bargh (2002) acredita que muito do
julgamento social e comportamental ocorre sem
intenção ou deliberação consciente. Para o autor,
há duas formas de influência inconsciente no
comportamento: (1) forma subliminar: quando
não existe consciência da compra; e (2) forma
supraliminar: quando existe consciência da compra,
mas não consciência do potencial de influência.
No modelo de comportamento do consu­
midor de Howard e Sheth (1969), são vistas cinco
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
27
relações _ (i) estímulos: de marketing, simbólicos,
sociais; (ii) esquemas perceptuais: atenção e viés
perceptual; (iii) esquemas de aprendizado: motivos,
atitudes, intenção; (iv) compra; e (v) satisfação.
Os autores apontam como momento inicial do
comportamento do consumidor os estímulos sim­
bólicos e sociais, os quais vão dar início ao processo
de tomada de decisão de compra. Destaca-se
que, no marketing, o simbolismo é visto como um
elemento emocional associado ao produto.
Além do conhecimento, a Psicologia desen­
volveu estudos relativos sobre a influência das
atitudes humanas no comportamento. Para Ajzen e
Fishbein (2005), as pessoas agem de acordo com
as suas atitudes, destacando-se: (a) atitudes gerais
— ocorrem sobre objetos físicos, raciais, étnicos,
grupos específicos, instituições, políticas e eventos;
e (b) atitudes de comportamentos específicos —
ocorrem de acordo com ocasiões, como numa visita
a um parque ecológico.
A Psicologia social entende que as atitu­des
influenciam o comportamento individual, con­
tudo, consideram pouco em relação à busca de
informações sobre produtos e serviços. Ao pro­
curar maiores informações sobre o produto a ser
adquirido, o consumidor tende a interagir com
ou­­tros indivíduos, nesse contexto, as opiniões po­
dem levar a um entendimento único promovido
por uma cognição social. O comportamento do
consumidor se daria em relação às suas atitudes,
mas também em relação ao seu envolvimento
com dada sociedade (ENGEL; BLACKWELL;
MINIARD, 2000).
Ajzen (1991) desenvolveu a Teoria do Com­
portamento Planejado (TCP) ao encontro com
a Teoria da Ação Racional (TAR) de Fishbein e
Ajzen (1975) para entender melhor o consumidor
e seu comportamento. O autor apresentou um
modelo fundamentado em quatro pressupostos:
(i) a intenção é o antecedente imediato do
comportamento; (ii) a intenção é determinada pe­
la atitude em relação ao comportamento, norma
subjetiva e controle comportamental percebido;
(iii) esses determinantes são funções de crenças
comportamentais, normativas e de controle; e
(iv) tais crenças comportamentais, normativas
e de controle ocorrem em função de uma gama
de fatores. O modelo que aglutina a TAR e a TCP
estrutura-se nas crenças individuais, normativas e
de controle (Fig. 1).
FIGURA 1 — As teorias da ação racional e do comportamento planejado e fatores de background
FONTE: Ajzen e Fishbein (2005, p. 194)
28
Ajzen (1991) e Ajzen e Fishbein (2005) ligam
fatores individuais, sociais e de informação como
pré-requisitos para as atitudes que influenciarão
o comportamento humano. Na TCP, as pesquisas
de comportamento do consumidor conseguem
ter boa condição de previsão de resultados
comportamentais, pois as crenças e atitudes
passadas são ajustadas ao comportamento atual.
Tomando como base que a maioria dos
comportamentos é condicionada a objetivos,
Perugini e Conner (2000) desenvolveram e
testaram o Modelo de Comportamento Objetivo
Dirigido (MOD). Esse modelo, segundo os autores,
serve como uma extensão da TCP de Ajzen (1991).
O MOD complementa a TCP para chegar ao
comportamento desejado, contudo, incorpora as
emoções negativas e positivas antecipadas e o
comportamento passado.
Os psicólogos Werth e Deutsch (2006)
descreveram o modelo do sistema dual (refletivo _
impulsivo) como determinante do comportamento
do consumidor. Os autores supõem que todo
comportamento humano é uma função de meca­
nismos refletivos e impulsivos, os quais possuem
diferentes princípios de operação que contribuem
para o ato da compra.
[...] a relativa contribuição do processo refletivo e
impulsivo depende do contexto pessoal e circunstancial
[...] e a operação e interação do sistema tem diferentes
estágios de processamento de informação e são
descritos e aplicados na dinâmica do comportamento
do consumidor, com especial ênfase na compra por
impulso (WERTH; DEUTSCH, 2006, p. 205).
Assim, considera-se que o consumidor é
influenciado pelos grupos sociais e familiares.
Para Werth e Deutsch (2006), em cada um desses
grupos, os indivíduos apresentam diferentes níveis
de influência. Há sujeitos que influenciam mais
que outros e que ocupam papéis de destaque no
espaço social no qual o consumidor está presente.
Para estabelecer uma ligação entre as
pesquisas de comportamento do consumidor
originadas da Psicologia com as pesquisas na
Administração, tendo em vista o marketing, o
Quadro 1 apresenta conceitos relativos ao tema,
a partir de autores que transitam seus estudos e
pesquisas entre esses campos do conhecimento.
QUADRO 1 — Algumas definições de comportamento e pesquisa do consumidor
Definições de comportamento e pesquisa do consumidor
Autores
“Comportamento do consumidor é a interação entre afeto e cognição, comportamento e
ambiente por meio da qual os seres humanos conduzem na vida atitudes relacionadas à
troca”. Mesmo conceito da American Marketing Association (AMA).
Peter e Olson (2009, p. 5)
“Comportamento do consumidor é definido como atividades com que as pessoas se
ocupam quando obtêm, consomem e dispõem de produtos e serviços”.
Limeira (2008, p. 8)
“Comportamento do consumidor é definido como atividades com que as pessoas se
ocupam quando obtêm, consomem e dispõem de produtos e serviços”.
Blackwell, Miniard e Engel
(2005, p. 6)
“Comportamento do consumidor é definido como o estudo das unidades compradoras e dos
processos de troca envolvidos na aquisição, no consumo e na disposição de mercadorias,
serviços, experiências e idéias”.
Mowen e Minor (2003,
p. 3)
“Comportamento do consumidor é o estudo dos processos envolvidos quando indivíduos
ou grupos selecionam, compram, usam ou dispõem de produtos, serviços, idéias ou
experiências para satisfazer necessidades e desejos”.
Solomom (2002, p. 24)
“Comportamento do consumidor consiste nos processos psicológicos e sociais das pessoas
em submeter-se a aquisição, utilização e eliminação dos produtos (p. ex., automóveis),
serviços (p. ex., uso de lavanderia externa), idéias (p. ex., crenças espirituais) e práticas (p.
ex., auto-exames regulares)”.
Bagozzi, Gürhan-Canli e
Priester (2002, p. 1)
“Comportamento do consumidor é o estudo dos processos onde há aquisição, uso e
disposição de todos os tipos de produtos que têm valor para aquilo que o homem deseja”.
Holbrook (1987, p. 131)
“Ligam fatores individuais, sociais e de informação como pré-requisito para as atitudes que
vão influenciar o comportamento do consumidor”.
Ajzen (1991) e
Ajzen e Fishbein (2005)
FONTE: Os autores (2012)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
29
Outro tema explorado na pesquisa
do consumidor é a cultura, que na área de
Administração aponta para uma definição em
forma de processo. Para Peter e Olson (2009, p.
287), “[...] o modelo de processo cultural em uma
sociedade de consumo altamente desenvolvida
[...] mostra que o significado cultural está
presente em três lugares: no ambiente social e
físico, nos produtos e serviços, e em cada um dos
consumidores”. Para os autores, os rituais movem
os significados do produto para o consumidor,
sendo que tais rituais são considerados aspectos
comuns da vida cotidiana, podendo ser elencados
em cinco tipos: ritual de aquisição, posse, troca,
embelezamento e despojamento.
A cultura é entendida por meio de três defi­
nições, segundo Mowen e Minor (2003, p. 293-294),
que podem ser sintetizadas como “cultura é um
modo de vida [...] composta de idéias e valores [...]
representando simbolicamente uma sociedade”. Os
autores admitem a dificuldade de definir cultura,
tendo em vista uma compreensão total. Com a in­
fluência da sua formação acadêmica em Psicologia,
Solomon (2002) destaca a cultura como:
[...] um conceito crucial para o entendimento do
comportamento do consumidor, e pode ser vista
como a personalidade de uma sociedade. Inclui tanto
idéias abstratas, como valores e ética, quanto serviços
e objetos materiais [...] produzidos ou valorizados por
uma sociedade (SOLOMON, 2002, p. 371).
O autor completa afirmando que “a cultura
é a acumulução de significados, rituais, normas
e tradições compartilhados entre os membros
de uma organização ou sociedade” (SOLOMON,
2002, p. 371).
Blackwell, Miniard e Engel (2005) veem
a cultura, a etnia e a classe social como fatores
ambientais que influenciam o consumidor. Os
autores são também influenciados pela Psicologia
como Solomon (2002) e Mowen e Minor (2003).
“Cultura refere-se a um conjunto de valores, idéias,
artefatos e outros símbolos significativos que
ajudam os indivíduos a se comunicar, a interpretar
e a avaliar como membros de uma sociedade”
(BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2005, p. 326).
30
Ao abordar o consumidor brasileiro
emergente, Limeira (2008, p. 304) passa pelo
conceito de cultura, referindo-o “ao comportamento
aprendido, em oposição àquele fornecido pela
biologia. A noção de cultura designa tudo o que
é produzido pelo ser humano (hábitos, crenças,
valores, símbolos, artes e artefatos) e transmitido
de uma geração à outra”. A autora apresenta o
significado das subculturas no Brasil, destacando
as diferenças geográficas, religiosas, aspectos
étnicos, entre outros, corroborando com autores
que tratam do comportamento do consumidor
no marketing (ENGEL; BLACKWELL; MINIARD,
2005; FISHBEIN; AJZEN, 1975; HOLBROOK, 1987;
HOWARD, 1969; SOLOMON, 2002).
Limeira
(2008) apresenta em sua pesquisa características
culturais, sociais e demográicas, reforçando que o
ato da compra de artigos pessoais é a maior fonte
de prazer para o consumidor emergente brasileiro.
Considerações Finais
O consumidor e a sociedade são complexos.
Não há um caminho teórico único por meio de
determinada área da ciência que possa definir
e/ou delimitar o estudo do comportamento do
consumidor. Portanto, na presente pesquisa, optou-se por destacar a importância de considerar o
estudo do comportamento não só como um campo
multidisciplinar, mas também transdisciplinar, a
partir das diversas áreas de conhecimento aqui
analisadas (Psicologia, Sociologia, Antropologia e
História). Com o resultado desse compartilhamento
de conhecimentos científicos, espera-se levar à
administração e ao marketing dados e informações
importantes a respeito do consumo, do indivíduo
e da sociedade.
Quando considerada a perspectiva do
marketing, e mais especificamente do estudo do
comportamento do consumidor, percebem-se
contribuições da Psicologia quando ela se propõe
a verificar como o consumo ocorre em relação à
personalidade ou à influência de outras pessoas no
processo de compra. Dado que os seres humanos
estão imbuídos de influências culturais tanto nas
suas ações individuais quanto nas sociais, ressalta-se a importância da disciplina de Antropologia,
ao propiciar ao pesquisador de marketing uma
imersão no conhecimento relativo ao processo de
formação de crenças e valores de dada sociedade.
Nesse aspecto, acredita-se ser indissociável
a contribuição da Sociologia, destacando-se o
argumento de Douglas e Ishewood (2009, p. 149)
de que “[...] o homem é um ser social. Nunca
poderemos explicar a demanda olhando apenas para
as propriedades físicas dos bens. O homem precisa
de bens para se comunicar com os outros e para
entender o que se passa à sua volta”, enfatizando a
importância da dimensão cultural no consumo.
Não obstante, e de forma compartilhada,
identificar aspectos relativos à evolução do
consumo em diversos momentos da humanidade,
como proporcionado pelos trabalhos no campo
da História, pode constituir parte da compreensão
do comportamento do consumidor, especialmente
quando provido de pesquisas longitudinais.
Pela complexidade dos indivíduos, e diante
das contribuições apresentadas pelo presente
trabalho, é possível inferir que o estudo do
comportamento do consumidor deve abordar um
amplo campo do conhecimento, bem como tratar
dos mais variados temas de forma compartilhada.
Acredita-se que a imersão em abordagens oriundas
da Psicologia, Antropologia, Sociologia e História
venha a qualificar as pesquisas de comportamento
do consumidor.
Dado o escopo do trabalho delimitado pe­
los pesquisadores, este artigo apresenta como
limitação a não abordagem de outros campos do
conhecimento, possivelmente não menos impor­
tantes para a compreensão do comportamento do
consumidor, tais como: Economia, Filosofia, Direito e,
mais recentemente, Neurociências. Por­tan­to, como
sugestão para estudos futuros que possibilitem
uma evolução desta pesquisa, acredita-se que uma
abordagem ampla acerca dessas outras áreas e suas
implicações nas relações de consumo seja passível
de agregar novos conhecimentos e possibilidades.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
•
Recebido em: 14/02/2012
•
Aprovado em: 23/05/2012
31
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Rev.
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v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
35
Marketing de relacionamento: um
estudo de caso na construção civil
Relationship marketing: a case study in civil construction
Marketing de relacionamento: um estudo de caso na construção civil
Relationship marketing: a case study in civil construction
Aline Nadalin Velter1
Clandia Maffini Gomes2
Daniel Arenhardt3
Jordana Marques Kneipp4
Luciana Flores Battistella 5
Márcia Zampieri Grohmann6
Resumo
O marketing de relacionamento apresenta-se como um importante instrumento para a obtenção de satisfação
dos consumidores e dos parceiros na cadeia de valor. Este trabalho teve como objetivo identificar a construção
de relacionamentos entre uma empresa fornecedora de argamassa industrializada e os seus principais clientes.
O estudo caracteriza-se como descritivo, de natureza qualitativa e utiliza como delineamento o estudo de
caso. O universo do estudo corresponde aos principais clientes de uma empresa fornecedora de argamassa
industrializada localizada na cidade de Caçapava do Sul (RS). O instrumento utilizado para a coleta de dados
junto à empresa fornecedora e aos principais clientes foi baseado no roteiro desenvolvido por Toni (2004),
a partir da escala de Wilson e Vlosky (1997) e da tradução reversa da escala elaborada por Viana (1999).
A partir da análise das respostas da empresa e dos principais clientes e tendo em vista os seis construtos
propostos por Wilson e Vlosky (1997), observa-se que a empresa fornecedora possui um relacionamento
bastante sólido e promissor junto aos seus principais clientes. A construção desse relacionamento ocorre
principalmente em relação à troca de informações, à confiança e ao comprometimento. Assim, constatou-se que a empresa fornecedora analisada consegue construir e manter um bom relacionamento com seus
principais clientes, o que confirma o conceito de marketing de relacionamento como um processo de criação
de valor, de cooperação, de comprometimento e de confiança entre os parceiros.
Palavras-chave: Marketing de Relacionamento. Construção Civil. Fornecedores. Principais Clientes.
Abstract
The relationship marketing is presented as an important tool for achieving the consumers and their partners’
satisfaction in the value chain. The aim of this study is to identify rapport built between a mortar supplier
and its main customers. This study is characterized as descriptive and has a qualitative nature and the
case study method was used. The total study population was limited to the main customers of a supplier
of industrialized mortar in the town of Caçapava do Sul - RS. The data collection with the supplier and the
main customers was based on the script developed by Toni (2004) based on the scale of Vlosky & Wilson
(1997) and on the reverse translation of the scale developed by Viana (1999). From the analysis of the
company and its main customers responses and in view of the six constructs proposed by Wilson & Vlosky
(1997), it was noticed that the supplier has a very strong and promising relationship with its main customers.
This relationship between the main customers and the supplier company is built on information exchange,
trust and commitment. Thus, it was found that the company supplier being analyzed can build and maintain
a good relationship with its main customers, which confirms the concept of Relationship Marketing as a
process of value creation, cooperation, commitment and trust amidst partners.
Keywords: Relationship Marketing. Building. Suppliers. Main Customers.
Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected].
Doutora em Administração pela Universidade de São Paulo. Professora Adjunta do Departamento de Ciências
Administrativas. E-mail: [email protected].
3
Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected].
4
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Santa Maria.
E-mail: [email protected].
5
Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora Adjunta do
Departamento de Ciências Administrativas da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected].
6
Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora Adjunta do
Departamento de Ciências Administrativas da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected].
1
2
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
37
Introdução
A busca por relacionamentos sólidos e
duradouros diante de um ambiente empresarial
competitivo consiste em uma forte tendência,
devido à aceleração e abertura dos mercados, às
novas tecnologias, às exigências dos stakeholders
e à concorrência cada vez mais acirrada.
No momento atual, as organizações come­
çam a retomar conceitos praticados em épocas
pas­
sadas, nas quais o volume de negócios era
subs­
tancialmente menor, os limites espaciais
eram fronteiras intransponíveis e a variável tempo
não se apresentava tão acelerada (Parvatiyar;
Sheth, 2000).
A fim de que as organizações obtenham
maior vantagem nas condições de competitividade
da atualidade, a satisfação dos consumidores
e dos parceiros na cadeia de valor, por meio do
marketing de relacionamento, apresenta-se como
um importante instrumento para a retenção e a
fidelização não somente de consumidores finais,
mas de clientes intermediários (Nickels; Wood,
1999; Crescitelli; Ikeda, 2006).
Este estudo teve como objetivo iden­
tificar a construção de relacionamentos entre
uma empresa fornecedora de argamassa indus­
trializada e os seus principais clientes. Optou-se por esse segmento tendo em vista a sua
relevância econômica, uma vez que, segundo
a Fundacentro (2009), o ramo da construção
civil no Brasil responde por 11,9% do PIB e 7,6
milhões de trabalhadores empregados. Diante da
representatividade e do crescimento desse setor,
pesquisar e descrever as variáveis representativas
das suas práticas de marketing de relacionamento
torna este estudo relevante para a prática
gerencial das empresas do segmento e da região
e se mostra importante na medida em que busca
um nicho de estudo.
Este artigo está organizado da seguinte
forma: inicialmente, serão abordadas as principais
teorias que sustentam o estudo. Após, seguem
o método utilizado e a análise e discussão dos
resultados. Por fim, apresentam-se as consi­
de­
rações finais.
38
1
O Marketing de
Relacionamento
O desenvolvimento de relacionamentos
com os clientes possui antecedentes históricos
que remontam à era pré-industrial, na interação
entre os produtores agrícolas e seus consumidores,
e também por parte dos artesãos, que muitas
vezes desenvolviam produtos personalizados para
cada cliente. As primeiras contribuições teóricas
relativas à cooperação e interdependência entre os
atores de marketing foram realizadas por McGarry
no início da década de 1950 e, posteriormente,
por Adler, nos anos 1960, abordando a existência
de relacionamentos simbióticos entre empresas,
além dos tradicionais relacionamentos com os
intermediários (SHETH; PARVATIYAR, 1995;
Parvatiyar; Sheth, 2000).
No entanto, a atenção dos teóricos aumen­
tou a partir de meados da década de 1980
devido ao relacionamento entre vendedores e
compradores em decorrência do sucesso das
empresas japonesas nos mercados internacionais
e em resposta às mudanças no comportamento
do consumidor ocidental. Os desenvolvimentos
teóricos seguintes acompanharam e estimularam
as preocupações das empresas quanto à melhoria
das relações com os clientes, em busca de maior
competitividade, e, em meados da década de 1990,
consolida-se o reconhecimento do estudo sobre
marketing de relacionamento com publicação
de edições especiais de revistas científicas de
marketing sobre o tema (Rocha; Luce, 2006).
O termo marketing de relacionamento
surgiu simultaneamente no business-to-business
e no marketing de serviços. Leonard Berry, um
estudioso da Escola Nórdica, usou o termo
em um paper em uma conferência em 1983,
exclusivamente para serviços. Bárbara Bund
Jackson também utilizou o termo em seu projeto
sobre business-to-business, como o oposto de
marketing de transação, no começo dos anos de
1980, publicado em um livro inovador e em um
artigo da Hardward Business Review, ambos em
1985 (Gummeson, 2005).
As definições de marketing de relacio­
namento partem de uma abordagem que enfatiza
somente as relações entre comprador e vendedor
para uma visão mais ampla, que considera todos
os relacionamentos com os parceiros da cadeia
de valor que possam influenciar na satisfação dos
clientes, isto é, relacionamentos com fornecedores,
concorrentes, funcionários e clientes (Berry, 1995;
Evans; Laskin, 1994; Morgan; Hunt, 1994;
Grönroos, 1994; Parvatiyar; Sheth, 2000).
Segundo Berry (1995), o marketing de rela­
cionamento consiste na atração, manutenção e, no
caso de organizações multisserviços, no aumento
dos relacionamentos com os clientes. Para Evans
e Laskin (1994), marketing de rela­
cionamento é
o processo pelo qual a empresa constrói alianças
de longo prazo com clientes atuais e potenciais
de modo que vendedor e comprador busquem
um conjunto específico de objetivos comuns.
Para Morgan e Hunt (1994), a visão do marketing
de relacionamento é mais ampla e deve abranger
todas as atividades de marketing direcionadas para
o estabelecimento, desenvolvimento e manutenção
de trocas rela­
cionais bem-sucedidas. Grönroos
(1994) descreve o marketing de relacionamento
baseado em trocas mutuamente benéficas e a partir
do cumprimento de promessas por ambas as partes
em uma série de interações, enquanto perdurar
o relacionamento. Parvatiyar e Sheth (2000)
definem o marketing de relacionamento como um
processo contínuo de envolvimento em atividades
e programas cooperativos e colaborativos com
clientes imediatos e finais para criar ou aumentar o
valor econômico mútuo a um custo reduzido.
Dessa forma, percebe-se que existem inú­
meras variações nas definições e na abordagem
de marketing de relacionamento. Alguns conceitos
consideram apenas o relacionamento entre cliente
e fornecedor; outros ampliam a visão e incluem os
demais atores da cadeia de valor, porém o marketing
de relacionamento sempre possui como premissa a
criação de valor para as partes envolvidas.
Dentro desse contexto, o marketing de rela­
cionamento tem se tornado cada vez mais relevante,
com as empresas buscando uma orientação de lon­
Rev.
FA E ,
C uritiba,
go prazo. As relações se esta­belecem sob uma gama
de aspectos nem sempre tangíveis, como interesses
e convicções comuns, aspectos corporativos, níveis
de serviços, grau de colaboração, buscando uma
relação do tipo “ganha-ganha”, na qual os parceiros
se beneficiam (Groff, 2001).
Corroborando com essa temática, Gummesson
(2002) procura inserir o marketing de rela­
cionamento no contexto da Nova Economia,
que, segundo a sua visão, envolve diversos
fenômenos, tais como a sociedade em rede,
o foco nos serviços, o novo papel do cliente, as
tecnologias da informação, a globalização, a
desregulamentação dos sistemas financeiros e o
surgimento dos blocos econômicos. O autor cria
a expressão marketing de relacionamento total,
baseado em relacionamentos, redes e interações,
e incorporado na gestão total das redes de vendas
da organização, do mercado e da sociedade.
Assim, para Gummesson (2002), o marketing
de relacionamento total engloba relações com
fornecedores, clientes, intermediários, concorrentes,
autoridades públicas, meios de comu­­nicação e outras
entidades da sociedade que exercem influência sobre
o comportamento do mercado.
O marketing de
relacionamento se insere no
contexto da Nova Economia,
que envolve diversos fenômenos,
como a sociedade em rede,
o foco nos serviços, o novo
papel do cliente, as tecnologias
da informação, a globalização,
a desregulamentação dos
sistemas financeiros e o
surgimento dos blocos
econômicos.
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
39
De modo geral, os estudos sobre marketing
de relacionamento podem ser classificados
em duas subáreas: (a) o relacionamento entre
organizações e clientes individuais; e (b) o rela­
cionamento entre duas ou mais organizações,
incluídos nesse último o relacionamento en­
tre membros de canais de dis­tribuição e o rela­
cionamento entre empresas no marketing
business-to-business (Rocha; Luce, 2006).
As trocas estabelecidas em qualquer tipo de
relacionamento, seja entre organizações e clientes
individuais ou somente entre organizações, podem
ser classificadas em trocas discretas e trocas
relacionais. As trocas discretas são caracterizadas por
uma transação puramente econômica, produzindo
a permuta de dinheiro por uma mercadoria ou
serviço, sem qualquer tipo de elemento relacional
entre as partes. As trocas relacionais, ao contrário,
vão além da simples compra de um produto, são
influenciadas pelas trocas passadas e influenciam
as trocas futuras, originam trocas mais pessoais e
complexas, satisfação não só econômica e também
comprometimento (Dwyer; Schurr; Oh, 1987).
As relações ainda podem ser classificadas
como de longo ou de curto prazo. Jackson
(1985) apresenta dois modelos de compra
distintos, visualizados por meio de um continuum,
apresentado na FIG. 1. Em um extremo, a posição
denominada always-a-share (baixos custos de
mudança) refere-se às transações efetuadas
no curto prazo, nas quais, geralmente, não há
envolvimento das partes, o exercício do poder
torna-se atenuado e o comportamento oportunista
ganha espaço, além de a comunicação ser limitada
à transação específica. No outro extremo do
continuum, a posição lost-for-good (altos custos
de mudança) ilustra as relações de longo prazo, que
transcendem a simples troca, havendo contínuas
interações entre as partes, as quais possuem maior
predisposição a estabelecer relações de longo
prazo, com vínculos mais sólidos e duradouros. Os
altos custos de mudança dificultam o abandono
da relação, e elementos como interdependência
e ganhos mútuos, advindos da parceria de longo
prazo, comunicação intensa e confiança entre as
partes tornam-se fundamentais.
FIGURA 1 — Continuum do comportamento relacional entre organizações
Longo Prazo
Curto Prazo
Lost-for-good
(Altos custos de mudança)
Always-a-share
(Baixos custos de mudança)
Substanciais
investimentos específicos
Baixos investimentos
específicos
Margens de risco
elevadas
Margens de risco
reduzidas
Marketing de
relacionamento
Marketing
transacional
FONTE: Jackson (1985)
40
Para Morgan e Hunt (1994), entender o marketing de relacionamento requer diferenciar uma transação
discreta de uma troca relacional. Para tanto, propõem dez tipos de trocas relacionais, envolvendo: 1) parceria
entre fornecedores e produtores; 2) trocas relacionais com prestadores de serviços; 3) alianças estratégicas
entre firmas e seus concorrentes; 4) alianças entre firmas e organizações não lucrativas; 5) parcerias para
pesquisa e desenvolvimento entre firmas e o governo; 6) trocas de longo prazo entre firmas e clientes finais;
7) trocas relacionais entre firmas e seus intermediários; 8) trocas com departamentos funcionais; 9) trocas
entre firmas e seus empregados; e 10) trocas internas, ocorridas entre a firma e suas unidades de negócio
ou divisões. A FIG. 2 demonstra a proposta de Morgan e Hunt (1994).
FIGURA 2 — Trocas relacionais em marketing de relacionamento
Parceiros Fornecedores
Fornecedores
de Bens
Fornecedores
de Serviços
Parceiros Laterais
Unidades
de Negócios
Competidores
Empregados
Empresas
Organizações
sem fins Lucrativos
Departamentos
Funcionais
Governo
Parceiros Internos
Cliente Intermediário
Cliente Final
Parceiros Compradores
FONTE: Morgan e Hunt (1994)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
41
Assim, percebe-se que são inúmeras as
tentativas a fim de classificar os relacionamentos,
estabelecendo características que sejam comuns
a cada tipo de troca relacional. Algumas teorias
que auxiliam na análise de relacionamentos entre
clientes e fornecedores serão apresentadas no
próximo tópico.
1.1 Abordagens de Relacionamentos entre
Clientes e Fornecedores
Muitas teorias, geralmente advindas de
outras disciplinas, têm sido adaptadas e apli­
cadas ao estudo dos relacionamentos entre
compradores e vendedores, sendo que o marketing
de relacionamento representa a confluência de
várias tradições de pesquisa (Cannon, 1992 apud
Pereira; Luce, 2009; Spekman; Carraway,
2006). Assim, de acordo com Pereira e Luce
(2009), as variáveis relacionais têm sido definidas
a partir de ampla variedade de domínios teóricos,
tais como: Teoria dos Custos de Transação, Teoria
de Contrato Relacional, Teoria da Dependência de
Recursos, Teoria de Redes, Paradigma Político-Econômico e Administração Transcultural (no caso
de relacionamentos internacionais).
A seguir, serão apresentadas as teorias que
possuem relevância para este estudo, bem como
suas principais características.
—— Teoria dos Custos de Transação (TCT):
consiste na combinação de econo­
mia institucional e análises legal e
organizacional. Explica os motivos para
a existência de diferentes formas de
organizar as transações no mercado,
as quais levam a diferentes formas de
governança pela empresa, explorandose, assim, a troca econômica como um
problema de estabelecimento de relações
de contrato eficientes (Heide; John,
1992 apud Pereira; Luce, 2009).
—— Teoria de Troca Relacional: caracte­riza-se
como descritiva, foca as ca­racterísticas
42
A abordagem de redes
vem se destacando, uma
vez que a associação entre
parceiros da cadeia de
valor representa uma forma
concreta para sobrevivência
e desenvolvimento
empresarial para muitas
organizações, que
encontram estra­tégias
para solucionar problemas
estruturais e conjunturais,
buscando vantagens em
ações coletivas.
situacionais e de processo que variam
en­
tre formas de troca relacionais e
discretas (Cannon, 1992 apud Pereira;
Luce, 2009). A forma discreta apro­
xima-se do conceito de mercado da
Teoria dos Custos de Transação, abor­
dando os benefícios econômicos e o
comportamento dos atores orientados
para o curto prazo. A forma relacional, ao
contrário, observa a troca como fenôme­
no orientado por fatores que extrapolam
a visão estritamente econômica. Assim,
evidencia-se a existência de normas so­
ciais como diretrizes de ação para os
atores envolvidos (Pereira; Luce, 2009).
—— Teoria de Troca Social: de acordo com
Pereira e Luce (2009), essa teoria
considera que, além das condições
econômicas estabelecidas, as normas
sociais desenvolvidas pelas partes
influenciam o relacionamento. Isso
denota que o ponto focal para facilitar
e manter as trocas relacionais são
os fatores sociais e psicológicos dos
atores individuais. Assim, tais fatores
não devem ser negligenciados na aná­
lise do comportamento dos atores
envolvidos em uma relação, bem como
as expectativas dos indivíduos ou orga­
nizações, quanto aos resultados da outra
parte em jogo.
—— Teoria da Dependência de Recursos e
Paradigma Político-Econômico: essa
teo­ria, segundo Pereira e Luce (2009),
fun­
damenta o argumento de que as
organizações possuem graus variados
de dependência em entidades externas,
particularmente para os recursos que
elas requerem para operar.
—— Abordagem de Redes: os relacio­
na­
mentos são formados entre várias uni­
dades corporativas, organizações in­
de­pendentes e empreendedores, que
necessitam de vínculos de alto nível
de qualidade com parceiros e cli­
entes, caracterizados por confiança,
comprometimento, interdependência e
satisfação (Pereira; Luce, 2009).
Atualmente, a abordagem de redes vem
se destacando, uma vez que a associação entre
parceiros da cadeia de valor representa uma forma
concreta para sobrevivência e desenvolvimento
empresarial para muitas organizações, que
encontram nessas relações de parceria estra­tégias
para solucionar problemas estruturais e conjunturais,
buscando vantagens em ações coletivas. Para
desenvolvimento deste estudo, será considerada a
abordagem de redes, a fim de identificar a construção
de relacionamentos entre os atores analisados.
A partir deste aporte teórico para o en­
tendimento do marketing de relacionamento,
convém apresentar fatores relevantes para a
sua identificação.
1.2 Fatores de Identificação do Marketing
de Relacionamento
O conceito de marketing de relacionamento
tem sido validado pela comunidade científica
por meio de diversos construtos/dimensões que
Rev.
FA E ,
C uritiba,
indicam maior ou menor orientação empresarial
para manutenção de trocas relacionais, os quais
constituem indicadores latentes de marketing de
relacionamento e são, por sua vez, mensurados a
partir de escalas que contêm variáveis que podem
ser diretamente observadas (Fontenot et al.,
1998; Viana, 1999).
Nesse sentido, Wilson e Vlosky (1997),
baseados em detalhada revisão bibliográfica sobre
os atributos de marketing de relacionamento e em
dados da indústria madeireira e seus derivados
dos EUA, propuseram um modelo que, por meio
de avaliações quantitativas, estabelece o grau de
relacionamento entre comprador e fornecedor,
sendo desenvolvido a partir de um conjunto de seis
variáveis latentes, mensuradas a partir de 30 itens,
numa escala de concordância de cinco pontos,
originalmente em língua inglesa. As variáveis
analisadas são: dependência, nível de comparação
de alternativas, investimentos específicos no
relacionamento, troca de informações, confiança e
comprometimento.
Os autores verificaram que os construtos
desenvolvidos eram consistentes com a literatura,
e a análise dos resultados indicou que quanto
mais intensos os atributos, maior o nível de
relacionamento estabelecido entre os parceiros.
Esse modelo apresentou bons índices de
consistência interna, tornando-se um construto
válido e aplicável para mensurar o relacionamento
entre firmas parceiras (Meurer, 2007). No Brasil,
essa mesma escala foi aplicada inicialmente por
Viana (1999) no setor metal mecânico gaúcho,
sendo realizada a tradução da escala pelo
método de tradução reversa. A partir daí, esse
modelo vem sendo utilizado por muitos autores
nos mais diversos segmentos econômicos.
Toni (2004) desenvolveu um roteiro para
diagnóstico do relacionamento dos produtores de
vinho com uma vinícola, composto por um conjunto
de 28 questões adaptadas e desenvolvido a partir
da escala de Wilson e Vlosky (1997) e da tradução
reversa da escala elaborada por Viana (1999). Esse
roteiro será utilizado como base para analisar o
relacionamento neste estudo.
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
43
2
Método de Estudo
Este estudo caracteriza-se como des­critivo
e adotou a abordagem qualitativa. De acordo com
Richardson (1999), geralmente, as investigações
de natureza qualitativa possuem como objeto
situações complexas ou estritamente particulares,
como é o caso da construção de relacionamentos
entre as empresas a serem analisadas.
Utilizou-se como delineamento o estudo
de caso, que para Yin (2001) é uma estratégia de
pesquisa empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de um contexto da vida real,
quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não
é claramente evidente e múltiplas fontes de evidência
são utilizadas. A preferência por esse método devese ao fato de ser o mais adequado ao problema de
pesquisa que envolve estudos organizacionais e
gerenciais, possibilitan­do uma análise aprofundada
levando-se em conta o contexto.
O universo do estudo foi delimitado aos
principais clientes de uma empresa fornecedora
de argamassa industrializada localizada no
Rio Grande do Sul, denominada, para fins do
estudo, como Alpha. A Alpha atua no ramo do
agronegó­
cio e construção civil e oferece os
seguintes produtos: argamassa, cal, calcário,
rejunte. A seleção da amostra dos entrevistados
foi intencional e por conveniência, adotando
critérios de disponibilidade de fornecimento das
informações, acessibilidade e disponibilidade de
tempo dos executivos.
2.1 Instrumento de Coleta de Dados
O instrumento utilizado para coleta de
dados junto à empresa fornecedora e aos principais
clientes, apresentado no Anexo A, foi desenvolvido
a partir da adaptação do roteiro utilizado por Toni
(2004) para diagnóstico do relacionamento dos
produtores de vinho com uma vinícola, composto
por um conjunto de 28 questões.
44
O presente estudo procurou analisar tanto a
visão da empresa fornecedora como a dos principais
clientes, para que se pudesse obter melhor análise
dos dados. A Fig. 3 apresenta o modelo conceitual
para desenvolvimento do estudo.
FIGURA 3 — Modelo conceitual do estudo
Marketing de relacionamento
Fornecedor
Fornecedor
• Dependência dos
principais clientes
• Dependência do
fornecedor
• Nível de comparação
com clientes
alternativos
• Nível de comparação
com fornecedores
alternativos
• Investimentos no
relacionamento
• Investimentos no
relacionamento
• Troca de informações
• Troca de informações
• Confiança
• Confiança
• Comprometimento
• Comprometimento
FONTE: Adaptado de Toni (2004)
Nesse sentido, para avaliar como a empresa
fornecedora se relaciona com os principais
clientes, adaptaram-se as questões para que os
clientes fossem o foco, o que constituiu a primeira
etapa da pesquisa. A segunda etapa analisa como
os principais clientes se relacionam com a empresa
fornecedora Alpha.
2.2 Coleta e Análise dos Dados
Os dados foram coletados no mês de janeiro de 2010. Para a coleta de dados na empresa
Alpha, foi realizada uma entrevista semiestruturada
com um dos diretores da empresa, a qual foi
gravada e, posteriormente, transcrita. Optou-se
por direcionar a análise do relacionamento com
os principais clientes de um único produto da
empresa: a argamassa industrializada.
Na realização da entrevista com a empresa
fornecedora, solicitou-se o fornecimento dos cinco
principais clientes do produto argamassa que se
relacionam com a empresa em um período superior
a cinco anos. Os clientes foram contatados a fim
de solicitar a participação na pesquisa, apenas
um não atendeu à solicitação. Dessa forma, os
principais clientes participantes da pesquisa serão
caracterizados a seguir:
——
Cliente A: construtora fundada em
1995, localizada na cidade de Santa
Maria (RS), empresa de pequeno porte.
——
Cliente B: empresa de engenharia e
empreendimentos imobiliários, atua
no ramo da construção civil, fundada
em 15 de abril de 1980, estabelecida
no município de São Leopoldo (RS),
caracteriza-se como de médio porte.
——
——
Cliente C: empresa fundada em 7 de
julho de 1986, localizada na cidade de
Novo Hamburgo (RS), possui como
foco principal a incorporação e a
construção de edifícios residenciais e
comerciais de alto padrão, caracteriza-se como de médio porte.
Cliente D: construtora fundada em 27
de novembro de 1981, localizada na
cidade de Porto Alegre (RS), atua no
ramo da construção civil, caracte­riza-se como de porte médio.
3
Análise e Discussão
dos Resultados
Neste tópico será apresentada inicialmente
a visão do fornecedor Alpha, a partir de entrevista
realizada com um dos diretores da empresa. A
seguir, expõe-se a visão dos principais clientes
entrevistados. Por fim, serão discutidos os
resultados.
3.1 Visão do Fornecedor Alpha Referente
ao Relacionamento com os Principais
Clientes de Argamassa Industrializada
O resumo das principais evidências no
que se refere à visão do fornecedor Alpha acerca
do relacionamento com os principais clientes
de argamassa industrializada é apresentado no
Quadro 1.
Na coleta de dados com os principais clientes,
foram realizadas entrevistas semiestruturadas.
As entrevistas com os clientes A e B foram
realizadas pessoalmente, as quais foram gravadas
e, posteriormente, trans­
critas. Os clientes C e D
responderam ao roteiro de entrevista por e-mail.
Para análise dos dados, foi utilizado o
método de análise de conteúdo, que, segundo
as proposições de Bardin (2002), trata-se do
desvendamento de significações de diferentes
tipos de discursos, baseando-se na inferência ou
dedução, mas que, simultaneamente, respeita
critérios específicos propiciadores de dados em
frequência, em estruturas temáticas, entre outros.
Dessa forma, a partir das questões definidas a
priori serão analisadas as entrevistas, buscando a
sua melhor compreensão.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
45
QUADRO 1 — Visão do fornecedor Alpha no que se refere ao relacionamento com os principais clientes
continua
Questões
Evidências – Diretor da Empresa Alpha
Dependência do cliente
1. Os principais clientes sentem-se
dependentes da empresa?
“No ramo da argamassa industrializada, existe essa dependência,
porque quando o cliente começa uma obra, deve existir uma
confiabilidade muito grande, devido à garantia que tem que se dar para
qualquer problema.”
2. A empresa é estrategicamente
importante para os principais clientes?
“A argamassa industrializada está na mão de grandes grupos, e
estrategicamente somos uma empresa menor, que está realmente
fazendo o que o cliente quer em termos de produto.”
3. Seria difícil para os principais clientes
obter as vendas e os lucros sem a empresa?
“Não, porque existem alternativas.”
4. Seria difícil para os principais clientes
substituir os produtos gerados pela
empresa?
“Dificilmente esses principais clientes vão trocar de empresa, em função
do serviço que estamos fazendo, nós procuramos diferenciar bastante e
acrescentar outras coisas que o mercado não fazia.”
5. A empresa acredita que tem uma
parceria equilibrada com os principais
clientes?
“Sim, com certeza.”
Nível de comparação com clientes/fornecedores alternativos
6. Há muitos clientes alternativos para
os produtos que a empresa vende aos
principais clientes?
“Tem nichos, nós nos especializamos muito no consumidor direto, nós
fomos direto nas construtoras.”
7. O melhor substituto para os principais
clientes teria o mesmo valor para a
empresa?
“Esse é o nicho que a empresa poderia atingir e dificilmente substituiria.”
8. Comparado com outros clientes, o
relacionamento da empresa com os
principais clientes é melhor?
“Existe um trabalho muito técnico, pois tem que haver um
acompanhamento constante [...]. Assim, em muitos produtos que
desenvolvemos, vimos a necessidade in loco, nós questionávamos por
que o cliente estava fazendo aquele produto diferenciado, e trouxemos
e industrializamos esse produto.”
9. Há muitos clientes alternativos que têm o
mesmo valor para a empresa?
“Sempre o cliente para nós é muito importante.”
Investimentos no relacionamento
46
10. Seria um transtorno para as operações
da empresa encerrar o relacionamento
comercial com esses clientes?
“A dependência é grande, mas nós procuramos focar em três
segmentos para não ter a dependência de nenhum.”
11. O investimento que a empresa tem feito
para implementar uma parceria com os
principais clientes é significativo?
“É muito significativo, montamos uma estrutura grande e significativa
em termos de recursos.”
12. O custo total de mudança para clientes
alternativos seria muito grande?
“Se esse segmento das construtoras, porventura desenvolvesse
produtos alternativos, [...] nós teríamos como migrar para outro
segmento, mas seria uma revolução, nós estaríamos atentos para todas
as mudanças.”
13. Os mecanismos que a empresa
estabelece para este relacionamento
comercial tornariam difícil encerrar o
relacionamento com estes clientes?
“Sim, é bastante difícil, tendo em vista que o trabalho desenvolvido é
muito bom. A empresa acreditou nesse mercado e se especializou, e
muito com o feedback direto dos clientes.”
QUADRO 1 — Visão do fornecedor Alpha no que se refere ao relacionamento com os principais clientes
conclusão
Questões
Evidências – Diretor da Empresa Alpha
Troca de informações
14. Como é a comunicação com os
principais clientes?
“[...] existem contatos periódicos com a visita dos vendedores, existe o
contato por e-mail, no site temos um canal.”
15. A empresa troca muitas informações
com os principais clientes?
“Nós estamos permanentemente em contato com os clientes, e esse
segmento requer isso.”
16. A empresa compartilha mais
informações com os principais clientes do
que com outros clientes?
“Sim, porque esses principais clientes são o principal mercado nosso
[...].”
Confiança
17. A empresa se preocupa com os
interesses dos principais clientes?
“[...] Esse foi um dos motivos que nos fez crescer, foi uma das vantagens
de termos acompanhado e escutado muito, o primeiro cliente que
levantou isso foi na Europa e viu esse sistema, ele trouxe [...] e
conseguimos realizar.”
18. Os negócios com os principais clientes
não precisam ser supervisionados
detalhadamente?
“Requer uma atenção muito especial, nesse ramo requer.”
19. A empresa tem plena confiança na
veracidade das informações que recebe dos
principais clientes?
“Sim, temos.”
20. A empresa entrega produtos a esses
clientes sem conferir a precisão das
quantidades?
“A empresa investiu muito em automação e também em conferência
desses dados [...].”
21. Esses clientes têm merecido a confiança
da empresa?
“Nossa inadimplência é praticamente zero, é um mercado em que existe
muita seriedade”.
Comprometimento
22. A empresa espera que o relacionamento
com esses clientes continue por longo
tempo?
“A empresa não trabalha com curto prazo, está sempre atenta, [...]
buscando novas tecnologias, sempre atenta ao que está acontecendo,
mas sempre buscando relacionamentos a longo tempo [...].”
23. A empresa espera que o relacionamento
com esses clientes se fortifique ao longo do
tempo?
“Sim, com certeza.”
24. A empresa espera aumentar as vendas
junto a esses clientes no futuro?
“É isso que a empresa está fazendo para esses clientes, está reservando
a capacidade de produção que ainda resta da fábrica.”
25. A empresa dispõe de um considerável
esforço e investimento no fortalecimento
do relacionamento comercial com esses
clientes?
“[...] Tem feito bastante, atualmente ampliou um Centro de Distribuição
em Porto Alegre, adquiriu mais caminhões para entrega e dobrou
a área, tudo isso para atender melhor, na hora certa. [...] A empresa
automatizou [...].”
26. A empresa tem se empenhado muito no
relacionamento com estes clientes?
“Muito.”
27. A empresa está comprometida com os
principais clientes?
“Sim, é um comprometimento muito grande.”
28. O relacionamento comercial com os
principais clientes poderia ser descrito
como sendo uma parceria?
“Nesse segmento existe a palavra parceria, [...] é um comprometimento
muito grande, [...] vendemos o produto, mas se dá um problema, [...]
eles chamam a nós [...]”.
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
Rev.
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v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
47
Evidenciou-se na visão do diretor que os
principais clientes no ramo de argamassa in­
dustrializada se sentem dependentes da empresa
Alpha. O diretor considera que a empresa é muito
importante estrategicamente para os principais
clientes. Por outro lado, acredita que não seria
difícil para os principais clientes obter as vendas
e os lucros sem a empresa Alpha, porque existem
alternativas. Contudo, devido ao sistema oferecido
pela empresa e por todo o serviço prestado, seria
difícil para os principais clientes substituir os
produtos da Alpha. Assim, o diretor entende que
a empresa Alpha possui uma parceria equilibrada
com os principais clientes.
permanentemente em contato com os clientes e
que a Alpha compartilha mais informações com os
principais clientes do que com os demais.
Quando analisou o nível de comparação
com clientes alternativos, o diretor explica que
para esse segmento existem nichos, e a Alpha se
especializou nas grandes construtoras, enquanto
muitas empresas comercializam para a rede
varejista. No tocante ao relacionamento da
empresa com os principais clientes comparado
aos demais, o diretor acredita que a Alpha se
especializou bastante em atender às necessidades e
particularidades de cada um. Quando questionado
acerca da existência de clientes alternativos com o
mesmo valor para a empresa, o diretor afirma que
o cliente é sempre muito importante para a Alpha.
A empresa Alpha espera que o rela­
cio­
namento com os principais clientes continue por
longo tempo e se fortifique com o passar dos anos.
Também pretende aumentar as vendas junto aos
principais clientes no futuro e acredita que tem
disposto considerável esforço e investimento no
fortalecimento do relacionamento comercial com
esses clientes. O diretor afirma que a Alpha está
comprometida e tem se empenhado muito no
relacionamento com os principais clientes, que
pode ser descrito como uma parceria.
Avaliando os investimentos que o forne­
cedor Alpha tem feito no que se refere ao
relacionamento com os principais clientes, o
diretor coloca que nessa área a dependência é
grande, porém a empresa atua em três segmentos,
para não haver a dependência de nenhum. Afirma
também que o investimento que a empresa tem
feito para implementar uma parceria com os
principais clientes é muito significativo. Porém, o
custo total de mudança para clientes alternativos
não seria muito grande. Os mecanismos que a Alpha
estabelece para o relacionamento comercial com os
principais clientes tornam bastante difícil que estes
encerrem o relacionamento com a empresa.
Analisando a troca de informações do
fornecedor Alpha com os principais clientes,
o diretor explica que a comunicação é feita
pessoalmente por meio dos vendedores, por
e-mail e pelo site. Salienta que a empresa está
48
Ao avaliar a confiança existente no rela­
cionamento com os principais clientes, o dire­
tor acredita que a empresa se preocupa com os
interesses dos clientes. Ressalta que os negócios
com os principais clientes requerem atenção
especial e a empresa tem plena confiança na
veracidade das informações que recebe. Enfatiza
que conferir a precisão das quantidades na
entrega dos produtos é uma questão de honra. E,
ainda, destaca que esses principais clientes têm
merecido a confiança da Alpha.
Tais fatos demonstram que a empresa
se empenha bastante para construir um rela­
cio­
namento sólido com os principais cli­
entes de argamassa industrializada, buscando
relacionamentos de longo prazo, oferecendo
um serviço diferenciado, produtos de qualidade,
estando sempre atenta às necessidades dos
clientes. No próximo tópico, será exposta a visão
dos principais clientes entrevistados referente ao
relacionamento com a empresa Alpha.
3.2 Visão dos Principais Clientes sobre
o Relacionamento com a Empresa
Fornecedora Alpha
A partir das entrevistas com os principais
clientes, foram extraídas as evidências apresentadas
a seguir, considerando as seis dimensões da escala
de Wilson e Vlosky (1997).
3.2.1
Dependência do fornecedor
O Quadro 2 resume as principais evi­dências no que se refere à visão dos principais clientes de
argamassa industrializada na dimensão dependência do fornecedor.
QUADRO 2 — Visão dos principais clientes no que se refere à dependência do fornecedor
Clientes
Evidências
Dependência do fornecedor
1. Nós nos sentimos dependentes desse fornecedor?
Cliente A
“Não.”
Cliente B
“[...] temos uma relação de fornecimento, mas não dependemos. O que estabelece a relação é a capacidade
que esse fornecedor tem de nos atender, a qualidade. Ele está atento sempre aos problemas decorrentes
desse fornecimento, isso faz com que nos vinculemos a ele, não necessariamente somos dependentes,
podemos deixar de comprar dele e passar a comprar de outro fornecedor que tenha as mesmas
características.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Não, pois existem similares.”
2. Este fornecedor é estrategicamente importante para a empresa?
Cliente A
“O produto deles, o sistema de entrega e o relacionamento são muito bons.”
Cliente B
“Com certeza, porque eles possuem produtos que atendem e têm uma variedade de produtos bons
também.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Sim, pois nos entrega o produto dentro do prazo e nos locais das obras.”
3. Seria difícil para a empresa gerar vendas e lucros sem esse fornecedor?
Cliente A
“Não.”
Cliente B
“Não.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Não.”
4. Seria difícil para a empresa substituir os produtos fornecidos por esse fornecedor?
Cliente A
“Não seria difícil. O produto deles é bom e a parceria é legal, mas se eles deixassem de existir nós não
iríamos deixar de continuar com nossos negócios.”
Cliente B
“Há vários fornecedores, eu acho que não teríamos problemas.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Não.”
5. A empresa acredita que tem uma parceria equilibrada com esse fornecedor?
Cliente A
“Acredita.”
Cliente B
“Uma coisa neles é extremamente importante, a preocupação com o cliente. Estão atentos à nossa
necessidade e em busca sempre de uma melhoria, isso faz com tenhamos essa relação boa, isso é o
diferencial deles.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Acreditamos que sim”.
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
49
Analisando a dependência dos principais
clientes em relação ao fornecedor Alpha, evidenciou-se que em sua maioria os entrevistados não se
sentem dependentes da empresa. Apenas o cliente C
afirmou ser dependente do fornecedor Alpha. Todos
os principais clientes avaliaram o fornecedor Alpha
como estrategicamente importante. Também não
seria difícil gerar vendas e lucros sem o fornecedor
Alpha ou substituir os produtos fornecidos pela
empresa. Todos os clientes acreditam que possuem
uma parceria equilibrada com o fornecedor Alpha.
Assim, constata-se que a maior parte dos
clientes não se sente dependente da empresa Alpha,
porém ela é estrategicamente importante, devido
aos produtos e serviços oferecidos.
3.2.2 Nível de comparação com
fornecedores alternativos
O Quadro 3 resume as principais evi­
dências no que se refere à visão dos principais
clientes de argamassa industrializada na dimen­
são nível de comparação com fornecedo­res
alternativos.
QUADRO 3 — Visão dos principais clientes no que se refere ao nível de comparação com fornecedores alternativos
Clientes
Evidências
Nível de comparação com fornecedores alternativos
1. Há muitos fornecedores alternativos para os produtos que a empresa compra desse fornecedor?
Cliente A
“Muitos, não.”
Cliente B
“Sim, mas não com o mesmo nível.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Sim.”
2. O melhor fornecedor substituto teria o mesmo valor para a empresa?
Cliente A
Cliente B
“Não, para nós o melhor fornecedor é o fornecedor Alpha.”
“Teria dificuldade de trocar, porque temos uma relação muito forte. Mas acho que existem outras
empresas no mercado que atendem.”
Cliente C
“Sim, teria o mesmo valor.”
Cliente D
“Depende, pois compro exclusivamente desse fornecedor.”
3. Comparado com outros fornecedores, o relacionamento da empresa com esse fornecedor é melhor?
Cliente A
“É uma das melhores.”
Cliente B
“Não, a gente tem vários fornecedores com o mesmo perfil.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Atualmente acreditamos que sim.”
4. Há muitos fornecedores alternativos que têm o mesmo valor para nossa empresa?
Cliente A
“Alguns existem, mas não teriam o mesmo valor, porque a Alpha tem a questão do relacionamento, que
é muito boa.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Não diria muitos, pois tem que se avaliar a qualidade, prazo de pagamentos e prazo de entrega.”
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
50
atribuem à empresa Alpha, os clientes A e B
afirmam que até existem, mas não com o mesmo
valor, e os clientes C e D asseveram que não
existem muitos.
Quando os principais clientes comparam o
fornecedor Alpha com fornecedores alternativos,
a maioria afirma que existem muitos fornecedores
alternativos para os produtos que a empresa
Alpha oferece. E quando questionados se o
melhor fornecedor substituto teria o mesmo valor,
a maioria dos clientes acredita que encontraria
dificuldades em encontrar um fornecedor com o
mesmo valor.
Assim, constata-se que, embora existam
fornecedores alternativos no mercado, a empresa
Alpha possui um valor considerável para a maioria
dos entrevistados.
A maioria dos entrevistados afirma que o
relacionamento que mantém com a empresa Alpha
é melhor do que com outros fornecedores, apenas
o cliente B coloca que possui vários fornecedores
com o mesmo perfil.
3.2.3 Investimentos no relacionamento
O Quadro 4 resume as principais evi­
dências no que se refere à visão dos principais
clientes de argamassa industrializada na dimensão
investimentos no relacionamento.
Quando questionados sobre a existência
de clientes alternativos com o mesmo valor que
QUADRO 4 — Visão dos principais clientes no que se refere aos investimentos no relacionamento
Clientes
Evidências
Investimentos no relacionamento
1. Seria um transtorno para as operações da empresa encerrar o relacionamento comercial com
esse fornecedor?
Cliente A
“Não, mas não gostaríamos.”
Cliente B
“Não.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Com obras em andamento sim, iniciando, não.”
2. O investimento que esse fornecedor tem feito para implementar uma parceria é significativo?
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Mas é claro que sim.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Diria que sim.”
3. O custo total de mudança para outro fornecedor seria muito grande?
Cliente A
“Não teria custo.”
Cliente B
“Não.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Considerando obras em andamento e com orçamento de custo feito em valores utilizados por
esse fornecedor, complicaria.”
4. Os mecanismos que o fornecedor estabelece para esse relacionamento comercial tornariam
difícil encerrar o relacionamento com ele?
Cliente A
“Não gostaríamos, mas se ocorrer buscaremos alternativas.”
Cliente B
“Sim, pela parceria estabelecida.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Não acredito.”
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
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seja finalizado. E o cliente D acredita que os
Avaliando os investimentos que a empresa
Alpha tem feito no relacionamento, a maior parte
dos clientes entrevistados diz que não seria um
transtorno encerrar o relacionamento comercial
com o fornecedor Alpha. Os clientes A, B e D
concordam que o investimento que o fornecedor
Alpha tem feito para implementar uma parceria
é significativo, e apenas o fornecedor C diz não
ser significativo. Quando avaliam se o custo total
de mudança para outro fornecedor seria muito
grande, os clientes A, B e C consideram que não. O
cliente D coloca que deveria ser levado em conta
se há obras em andamento.
mecanismos estabelecidos não tornam difícil
encerrar o relacionamento.
Dessa forma, essa dimensão deve servir
de alerta para o fornecedor Alpha, já que as
opiniões divergiram bastante, e para a maioria dos
principais clientes não seria um transtorno encerrar
o relacionamento comercial com a empresa e o
custo total de mudança não seria muito grande.
3.2.4 Troca de informações
Avaliando se os mecanismos que o fornecedor Alpha estabelece para o relacionamento
comercial tornariam difícil encerrá-lo, os clientes B
e C avaliam que sim. Já o cliente A enfatiza que teria
que encontrar alternativas caso o relacionamento
O Quadro 5 resume as principais evidên­
cias no que se refere à visão dos principais clientes
de argamassa industrializada na dimensão troca
de informações.
QUADRO 5 — Visão dos principais clientes no que se refere à troca de informações
Clientes
Evidências
Troca de informações
1. Como é a comunicação com esse fornecedor?
Cliente A
“É muito boa.”
Cliente B
“Por meio de reuniões, telefone, e-mail.”
Cliente C
“Boa.”
Cliente D
“Ótima.”
2. A empresa troca muitas informações com esse fornecedor?
Cliente A
“Troca.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Não, somente o indispensável.”
Cliente D
“Sim.”
3. A empresa compartilha mais informações com esse fornecedor do que com outros?
Cliente A
“Trocamos bastante.”
Cliente B
“É lógico, pela relação.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Não, pois a empresa mantém um padrão.”
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
52
Analisando a troca de informações com o
fornecedor Alpha, no que se refere à comunicação
com a empresa, o cliente A avalia como muito boa,
o cliente B diz que ocorre por meio de reuniões
comerciais, por telefone, e-mail, o cliente C analisa
como boa, e o D, como ótima.
troca em virtude da relação mantida, os clientes D
e E asseveram que a troca de informações não é
maior com a empresa Alpha.
Assim, constata-se que a troca de infor­
mações é avaliada como eficiente pela maioria dos
principais clientes.
A maioria dos principais clientes diz que
troca muitas informações com o fornecedor Alpha,
3.2.5 Confiança
apenas o cliente C diz que não. Quando avaliam
se o compartilhamento de informações com esse
fornecedor é maior que com os demais, o cliente
A afirma que troca muitas informações com o
fornecedor Alpha, o cliente B diz que ocorre essa
O Quadro 6 resume as principais evidên­ci­
as no que se refere à visão dos principais clientes de
argamassa industrializada na dimen­são confiança.
QUADRO 6 — Visão dos principais clientes no que se refere à confiança
Clientes
Evidências
Confiança
1. A empresa sente que esse fornecedor se preocupa com seus interesses?
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Sim, existe a preocupação.”
2. Os negócios com esse fornecedor não precisam ser supervisionados detalhadamente?
Cliente A
“Não precisam.”
Cliente B
“Não precisam, eles estão preocupados em atender bem o cliente.”
Cliente C
“Não precisam.”
Cliente D
“Pela parceria eu diria que não.”
3. A empresa tem plena confiança na veracidade das informações que recebe desse fornecedor?
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Atualmente, sim.”
4. A empresa aceitaria produtos desse fornecedor sem conferir a precisão das quantidades?
Cliente A
“Sim, confiamos que o saco de 40 kg tem 40 kg.”
Cliente B
“Não. Isso é uma coisa natural que tem que ser feita.”
Cliente C
“Não. Indiferentemente do fornecedor.”
Cliente D
“Sim, mas como é norma, conferimos.”
5. Esse fornecedor tem merecido a confiança da empresa?
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Sim.”
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
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v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
53
Quando analisam o nível de confiança que mantêm com o fornecedor Alpha, todos os clientes sentem
que essa empresa se preocupa com seus interesses. Afirmam que, pela parceria estabelecida, os negócios
com a Alpha não precisam ser supervisionados detalhadamente e todos dizem possuir plena confiança na
veracidade das informações que recebem desse fornecedor.
Quando questionados se aceitariam pro­dutos desse fornecedor sem conferir a precisão das quantidades,
a maioria dos clientes, por norma da empresa, diz que realiza a conferência. Por fim, todos os clientes afirmam
que o fornecedor Alpha tem merecido a sua confiança.
Dessa maneira, percebe-se que o nível de confiança estabelecido é bastante elevado, uma vez que
todos os clientes sentem que a empresa Alpha se preocupa com seus interesses.
3.2.6 Comprometimento
O Quadro 7 resume as principais evi­dências no que se refere à visão dos principais clientes de
argamassa industrializada na dimensão comprometimento.
QUADRO 7 — Visão dos principais clientes no que se refere ao comprometimento
Clientes
continua
Evidências
Comprometimento
1. A empresa espera que o relacionamento com esse fornecedor continue por longo tempo?
Cliente A
“Claro.”
Cliente B
“Claro, tem o maior interesse.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Esperamos que sim, o produto é bom.”
2. A empresa espera que o relacionamento com esse fornecedor se fortifique ao longo do tempo?
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Depende muito do que o mercado vier a oferecer.”
3. A empresa espera aumentar as compras junto a esse fornecedor no futuro?
Cliente A
“Sim, se aumentarem as obras.”
Cliente B
“Com certeza.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Depende do mercado.”
4. A empresa está disposta a despender um considerável esforço e investimento no fortalecimento do
relacionamento comercial com este fornecedor?
54
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Também, por tudo que nós já falamos.”
Cliente C
“Não. Esperamos que o fornecedor faça esses esforços e investimentos.”
Cliente D
“Na atual circunstância, sim.”
QUADRO 7 — Visão dos principais clientes no que se refere ao comprometimento
Clientes
conclusão
Evidências
Comprometimento
5. A empresa tem se empenhado muito no relacionamento com esse fornecedor?
Cliente A
“Eu acho que normal.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Dado o bom relacionamento que temos, não precisamos nos empenhar tanto.”
6. A empresa está comprometida com esse fornecedor?
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Não existe o comprometimento, existe sim o bom relacionamento.”
7. O relacionamento comercial com esse fornecedor poderia ser descrito como sendo uma parceria?
Cliente A
“Sim, eles têm um produto que nos satisfaz, a entrega deles é boa, o atendimento deles é bom.”
Cliente B
“[...] Existe uma satisfação com esse fornecedor, pelo que vem apresentando. Temos fornecedores com
um relacionamento mais estreito, especificamente esse é um parceiro nosso.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Sim, certamente é uma parceria.”
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
Ao analisar o comprometimento existente
no relacionamento com o fornecedor Alpha, todos
os clientes esperam que esse relacionamento
continue por longo do tempo. A maioria espera
que o relacionamento se fortifique ao longo do
tempo, apenas o cliente D avalia que a fortificação
da relação depende muito do mercado.
relacionamento por parte do fornecedor Alpha. A
maioria dos clientes afirma estar com­prometida com
o fornecedor Alpha, com exce­ção do cliente D, que
diz que existe apenas o bom relacionamento.
Os clientes A, B e C esperam aumentar
as compras com esse fornecedor no futuro. E o
cliente D é mais cauteloso, dizendo que a questão
depende do mercado.
Por fim, ao avaliar se o relacionamento
comercial com o fornecedor Alpha poderia ser
descrito como uma parceria, todos os clientes
afirmaram que sim. Então, constata-se que existe
compro­
metimento no relacionamento entre os
principais clientes e a empresa Alpha, uma vez que
todos avaliam o relacionamento como uma parceria.
Quando questionados se disporiam de
um considerável esforço e investimento no for­
talecimento do relacionamento comercial com a
empresa Alpha, os clientes A, B e D afirmam que sim,
apenas o cliente C salienta que não, pois espera que
o fornecedor faça esses esforços e investimentos.
Apenas o cliente B acredita que há empenho no
A partir da análise das respostas da empre­
sa e dos principais clientes e tendo em vista os seis
construtos propostos por Wilson e Vlosky (1997),
pode-se constatar que, com relação ao construto
dependência, a empresa acredita que os principais
clientes se sentem dependentes dela, porém apenas
um cliente afirma isso. O fornecedor também
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
55
acredita que seria difícil para os principais clientes
substituir os produtos gerados pela empresa em
virtude do sistema desenvolvido, porém todos os
clientes demonstram que não seria, mas eles todos
os clientes concordam que a empresa fornecedora
Alpha é estrategicamente importante e acreditam
ter uma parceria equilibrada, o que vai ao encontro
da visão da empresa.
Quanto à comparação com clientes alter­
nativos, a empresa Alpha enfatiza que esse foi o
nicho de mercado em que optou por trabalhar e
que todos os clientes são muito importantes; se,
porventura, precisasse migrar para outro segmento
de mercado, isso seria possível, mas seria uma
grande revolução. Quando os clientes comparam o
fornecedor Alpha com fornecedores alternativos,
demonstram que existem fornecedores alter­
nativos para os produtos oferecidos pela empresa
Alpha, porém não teriam o mesmo valor em
decorrência do nível de serviço oferecido pelo
fornecedor Alpha. Destaca-se também que
todos os clientes avaliaram que mantêm um dos
melhores relacionamentos com a empresa Alpha,
se comparado com os demais fornecedores.
Em relação ao construto investimento no
relacionamento, a empresa fornecedora Alpha
demonstra que possui uma dependência grande
desses principais clientes, mas optou por atuar em
três segmentos, a fim de garantir melhores condições
de sobrevivência. Considera que tem feito um
investimento significativo para implementar uma
parceria com esses clientes e que os mecanismos
desenvolvidos contribuem para que seja mais difícil
encerrar o relacionamento estabelecido, tendo
em vista o nível de especialização da empresa
e a atenção para as necessidades dos clientes.
A maioria dos clientes entrevistados confirma
a visão da empresa, de que o investimento que
esse fornecedor tem feito para implementar uma
parceria é significativo, e também considera que
os mecanismos desenvolvidos pelo fornecedor
tornam difícil encerrar o relacionamento.
A empresa fornecedora Alpha acredita
que troca muitas informações com os principais
clientes e que está permanentemente em contato
56
com eles. A maioria dos clientes entrevistados
também avalia como positiva a troca de informa­
ções com a empresa.
Todos os entrevistados avaliam que o
fornecedor Alpha tem merecido a sua confiança e
se preocupa com os seus interesses, eles confiam
plenamente nas informações recebidas do fornecedor. Isso corrobora o colocado pelo diretor da
empresa Alpha, que afirma que a preocupação
com o interesse dos clientes foi um dos fatores-chave para o sucesso da empresa.
Quanto ao comprometimento, a maioria
dos clientes espera que o relacionamento continue
e se fortifique ao longo do tempo, também
espera aumentar as compras junto ao fornecedor
caso o mercado permita, e também possui
disposição para investir no fortalecimento desse
relacionamento. Todos veem o relacionamento
com o fornecedor Alpha como uma parceria,
destacando a preocupação deste em atender e
satisfazer às necessidades do cliente. Quando a
empresa fornecedora Alpha avalia esse construto,
confirma que está bastante comprometida com
os principais clientes. Essa visão de ambos os
atores confirma a ideia de Groff (2001), ou seja,
de que o marketing de relacionamento tem
ocupado posição cada vez mais relevante, com
as empresas buscando uma orientação de longo
prazo. As relações se estabelecem sob uma gama
de aspectos, como interesses e convicções comuns,
aspectos corporativos, níveis de serviços inclusos
no fornecimento, grau de colaboração, de forma
que o objetivo é buscar uma relação do tipo “ganha-ganha”, na qual ambos os parceiros se beneficiam.
Considerações Finais
Diante do ambiente complexo e instável
da atualidade, as organizações têm buscado
estar à frente de seus concorrentes. Para isso,
estabelecer relações de parceria com seus clientes,
fornecedores e demais atores da cadeia de valor,
por meio de um relacionamento sólido e de longo
prazo, apresenta-se como um fator promissor e
diferencial no mundo dos negócios.
Este trabalho, que procurou identificar a
construção de relacionamentos entre uma empresa
fornecedora de argamassa industrializada e seus
principais clientes, constatou que o fornecedor
analisado consegue construir e manter um bom
relacionamento com seus principais clientes.
Tendo em vista os seis construtos propostos por
Wilson e Vlosky (1997), pode-se constatar que,
com relação ao construto dependência, todos os
clientes concordam que a empresa fornecedora
Alpha é estrategicamente importante e acreditam
ter uma parceria equilibrada com ela, o que
corrobora com a visão da empresa.
Os clientes demonstram que existem for­
necedores alternativos para os produtos oferecidos
pela empresa Alpha, porém não teriam o mesmo
valor em decorrência do nível de serviço oferecido
pela empresa. E mais, todos os clientes avaliaram
o relacionamento com a Alpha como um dos
melhores relacionamentos que mantêm comparado
aos demais fornecedores.
fortifique ao longo do tempo, considerando-o uma
parceria. A empresa fornecedora Alpha também
demonstra estar bastante comprometida com os
principais clientes.
Essa visão de ambos os atores confirma o
conceito de marketing de relacionamento como
um processo de criação de valor, de cooperação,
de comprometimento e de confiança entre os
parceiros (Grönroos, 2000; Parvatiyar,
2000; Tinsley, 2002; Berry, 2002).
Dessa forma, constata-se que a empresa
fornecedora Alpha possui um relacionamento
bastante sólido e promissor junto aos seus principais
clientes. A construção desse relacionamento ocorre
principalmente em relação à troca de informações,
confiança e comprometimento.
Como limitação deste estudo, ressalta-se
o fato de que, devido à distância física, algumas
entrevistas foram realizadas por e-mail, o que pode
limitar as possibilidades de maior aprofundamento
na análise. Sugere-se, para trabalhos futuros, que
esta temática seja abordada em outros setores.
Em relação ao construto investimento no
relacionamento, a empresa Alpha demonstra que
os mecanismos desenvolvidos para atender às
necessidades dos clientes dificultam o término
do relacionamento estabelecido, tendo em vista
o nível de especialização da Alpha e a atenção
para as necessidades dos clientes. A maioria
dos clientes entrevistados confirma a visão da
empresa, ao avaliar que o investimento feito por
esse fornecedor para estabelecer uma parceria é
significativo e que os mecanismos desenvolvidos
dificultam o encerramento do relacionamento.
A troca de informações é avaliada de
forma positiva tanto pela empresa fornecedora
Alpha como pelos principais clientes. Além disso,
todos os entrevistados avaliam que o fornecedor
tem merecido confiança. Isso corrobora a visão
da Alpha, ao afirmar que a preocupação com o
interesse dos clientes consiste em um dos fatores-chave para o sucesso da empresa.
•
Recebido em: 21/09/2012
•
Aprovado em: 01/10/2012
Quanto ao comprometimento, a maioria dos
clientes espera que o relacionamento continue e se
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
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58
Anexo
Categorias
de análise
Fornecedor
Dependência do
cliente/fornecedor
Nível de comparação
com clientes/
fornecedores
alternativos
Investimentos no
relacionamento
Troca de informações
Confiança
Comprometimento
Rev.
FA E ,
1. Os principais clientes sentem-se dependentes da
empresa?
2. A empresa é estrategicamente importante para
os principais clientes?
3. Seria difícil para os principais clientes obter as
vendas e lucros sem a empresa?
4. Seria difícil para os principais clientes substituir
os produtos gerados pela empresa?
5. A empresa acredita que tem uma parceria
equilibrada com os principais clientes?
6. Há muitos clientes alternativos para os produtos
que a empresa vende aos principais clientes?
7. O melhor substituto para os principais clientes
teria o mesmo valor para a empresa?
8. Comparado com outros clientes, o
relacionamento da empresa com os principais
clientes é melhor?
9. Há muitos clientes alternativos que têm o
mesmo valor para a empresa?
10. Seria um transtorno para as operações da
empresa encerrar o relacionamento comercial com
estes clientes?
11. O investimento que a empresa tem feito para
implementar uma parceria com os principais
clientes é significativo?
12. O custo total de mudança para outros clientes
alternativos seria muito grande?
13. Os mecanismos que a empresa estabelece para
este relacionamento comercial tornariam difícil
encerrar o relacionamento com estes clientes?
14. Como é a comunicação com os principais
clientes?
15. A empresa troca muitas informações com os
principais clientes?
16. A empresa compartilha mais informações com
os principais clientes do que com outros clientes?
17. A empresa se preocupa com os interesses dos
principais clientes?
18. Os negócios com os principais clientes não
precisam ser supervisionados detalhadamente?
19. A empresa tem plena confiança na veracidade
das informações que recebe dos principais
clientes?
20. A empresa entrega produtos a estes clientes
sem conferir a precisão das quantidades?
21. Estes clientes tem merecido a confiança da
empresa?
22. A empresa espera que o relacionamento com
estes clientes continue por longo tempo?
23. A empresa espera que o relacionamento com
estes clientes se fortifique ao longo do tempo?
24. A empresa espera aumentar as vendas junto a
estes clientes no futuro?
25. A empresa dispõe um considerável esforço e
investimento no fortalecimento do relacionamento
comercial com estes clientes?
26. A empresa tem se empenhado muito no
relacionamento com estes clientes?
27. A empresa está comprometida com os
principais clientes?
28. O relacionamento comercial com os principais
clientes poderia ser descrito como sendo uma
parceria?
C uritiba,
Clientes
1. Nós nos sentimos dependentes deste fornecedor?
2. Este fornecedor é estrategicamente importante para a
empresa?
3. Seria difícil para a empresa gerar vendas e lucros sem este
fornecedor?
4. Seria difícil para a empresa substituir os produtos fornecidos
por este fornecedor?
5. A empresa acredita que tem uma parceria equilibrada com
este fornecedor?
6. Há muitos fornecedores alternativos para os produtos que a
empresa compra deste fornecedor?
7. O melhor fornecedor substituto teria o mesmo valor para a
empresa?
8. Comparado com outros fornecedores, o relacionamento da
empresa com este fornecedor é melhor?
9. Há muitos fornecedores alternativos que têm o mesmo valor
para nossa empresa?
10. Seria um transtorno para as operações da empresa encerrar
o relacionamento comercial com este fornecedor?
11. O investimento que este fornecedor tem feito para
implementar uma parceria é significativo?
12. O custo total de mudança para outro fornecedor seria muito
grande?
13. Os mecanismos que o fornecedor estabelece para
este relacionamento comercial tornariam difícil encerrar o
relacionamento com o mesmo?
14. Como é a comunicação com este fornecedor?
15. A empresa troca muitas informações com este fornecedor?
16. A empresa compartilha mais informações com este
fornecedor do que com outros?
17. A empresa sente que este fornecedor se preocupa com seus
interesses?
18. Os negócios com este fornecedor não precisam ser
supervisionados detalhadamente?
19. A empresa tem plena confiança na veracidade das
informações que recebe deste fornecedor?
20. A empresa aceitaria produtos deste fornecedor sem conferir
a precisão das quantidades?
21. Este fornecedor tem merecido a confiança da empresa?
22. A empresa espera que o relacionamento com este
fornecedor continue por longo tempo?
23. A empresa espera que o relacionamento com este
fornecedor se fortifique ao longo do tempo?
24. A empresa espera aumentar as compras junto a este
fornecedor no futuro?
25. A empresa dispõe um considerável esforço e investimento
no fortalecimento do relacionamento comercial com este
fornecedor?
26. A empresa tem se empenhado muito no relacionamento com
este fornecedor?
27. A empresa está comprometida com este fornecedor?
28. O relacionamento comercial com este fornecedor poderia
ser descrito como sendo uma parceria?
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
59
Motivos de compra de produtos
de marca própria: estudo com
consumidores de Curitiba _ PR
Reasons for buying private labeled products: study with consumers in
Curitiba — Paraná
Motivos de compra de produtos de marca própria: estudo com consumidores de
Curitiba — PR
Reasons for buying private labeled products: study with consumers in Curitiba — Paraná
Barbara Regina Lopes Costa1
Dennys Robson Girardi2
Gisele Borges Silva Cândido3
Michelle Vecchietti Camargo4
Resumo
O presente estudo apresenta uma visão geral dos produtos de marca própria, considerando
o histórico, os fatores que impulsionaram seu crescimento comercial, os motivos de
decisão de compra e o comportamento de consumidores desses produtos. O trabalho foi
desenvolvido com o objetivo de mensurar os padrões de atratividade dos produtos com
marca própria no ramo alimentício das redes supermercadistas para os consumidores
curitibanos. Para essa avaliação descritiva, foi realizado um levantamento de campo,
por meio da aplicação de questionários quantitativos, a uma amostra representativa,
averiguando alguns comportamentos desse público consumidor. Entre esses indicadores,
a pesquisa relevou que a grande maioria dos consumidores de Curitiba-PR conhece os
produtos de marca própria, entretanto, um dos principais motivos que os levam a não
consumir tais produtos é a falta de conhecimento sobre a sua procedência. Por outro
lado, aqueles que os adquirem tendem a justificar a inclinação ao consumo de congêneres
com base no preço mais acessível em relação aos produtos de marcas reconhecidas e se
declaram satisfeitos com os produtos de marca própria das redes supermercadistas.
Verificou-se, ainda, que as marcas próprias são mais facilmente identificadas pelos
consumidores quando carregam consigo o nome da rede supermercadista.
Palavras-chave: Produtos de Marca Própria. Comportamento do Consumidor Curi­
tibano.
Marketing de Varejo. Redes Supermercadistas. Fatores de Decisão de Compra.
Abstract
This study presents an overview of a company´s own labeled products, taking into
consideration the company history, the factors that have boosted its commercial growth,
and the reasons which led the consumers to purchase these products and their behavior
towards them. The study was developed in order to verify what are the reasons that
attract consumers from Curitiba to buy a company´s own labeled products in supermarket
chains. For this descriptive evaluation, a field survey of a random sample was conducted
by using quantitative questionnaires, which showed that the vast majority of consumers
from Curitiba know labeled products. However, one of the main reasons that lead them
not to consume these labeled products is the lack of knowledge of their origin. In contrast,
consumers of private labeled products justify their purchasing based on the lower price
of these products compared to well-known brands and they were satisfied with the
private label products from supermarket chains. In addition, Private Labels are more easily
identified by consumers when they carry the name of the supermarket with them.
pio3 /Shutterstock.com
Keywords: Private Labels. Behavior Characteristics of Curitiba’s Consumers.
Supermarket Chains.
3
4
1
2
Doutoranda em Administração pela Universidad de la Empresa (UDE) _ Uruguai. E-mail: [email protected].
Mestre em Tecnologia em Saúde pela PUC-PR. E-mail: [email protected].
Pós-Graduada em desenvolvimento gerencial pela FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
Pós-Graduada em Gestão em Mercado Financeiro pela FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
61
Introdução
Dada a diversidade das profundas
trans­formações de modelo social, cultural e
comportamental, além daquelas mudanças
tomadas pelos meios que gerem a política e o
acesso ao mercado da tecnologia, enlaçando
com eles todo um padrão de vida econômica,
é natural que se observe agora uma afetação
maciça nos hábitos de consumo da sociedade
contemporânea.
Para Costa et al. (2009), a crescente
exposição dos consumidores a certo contexto
de informações e a uma infinita variedade de
bens e serviços disponíveis torna-os cada vez
mais exigentes em suas escolhas, consagrando
o poder de decisão na mão do consumidor. Em
parte, esse foi o resultado de um processo extenso
de emancipação do indivíduo consumidor, livre
dos constrangimentos anteriores do acesso à
mercadoria graças ao processo chamado de
autosserviço, que inaugura uma era de consumo
completamente singular (LIPOVETSKY, 2007)5.
E isso mesmo sem esquecer a reserva que deve
ser dada à identificação desse poder de decisão,
evidentemente idealizado na perspectiva de um
consumidor que, em verdade, deve muito aos
esquemas de receptividade mercadológica, ali
onde está o fetiche da marca e o motor de todo
ideal capitalista. No mesmo lugar em que aparece
o “hedonismo consumidor”, vislumbrado por
Gilles Lipovetsky, também surge o mito do sujeito
autônomo situado pelo individualismo liberal.
Da perspectiva de quem cria essas ne­
cessidades, surgem algumas regras importantes
para que se conheçam as formas mais eficientes de
estimular um público consumidor em crescimento.
Aqui é necessário considerar algum diferencial
As redes supermercadistas
perceberam nos produtos
de marca própria a
possibilidade de reduzir seus
custos, pois não precisam
fazer uso de suas estruturas
para produzir determinados
produtos.
competitivo que permita se sustentar no mercado,
e é nesse ponto que a marca exerce seu papel de
diferenciação, ou seja, a marca será aquela que
promoverá a distinção de uma empresa em relação
a outras que apresentam o mesmo portfólio
de produtos em determinado segmento (seja
alimentício, eletrônicos, têxtil etc.). Hoje, mais do
que nunca, a marca se tornou a identificação visual
das empresas modernas, sendo algumas vezes a
grande responsável pelo sucesso do negócio,
como oferecimento de uma sinonimização de
qualidade, segurança e estilo de vida.
É a partir dessa nova concepção que surgem
os produtos de marca própria. As empresas de
diversos segmentos também oferecem em suas
lojas os produtos com suas próprias embalagens
e com o seu nome/marca designado, tornando-se, enfim, novas concorrentes para marcas
tradicionais e prestigiadas. No ramo varejista,
principalmente, isso acaba se mostrando como
estratégia destinada a manter e/ou ampliar a
Na definição feita pelo autor, o autosserviço passa a conjugar todo “o processo de despersonalização da relação comercial iniciado pelos
grandes magazines. Mas não é menos verdade que, com o auto-serviço, uma nova estratégia de sedução foi ativada pela grande distribuição,
uma sedução baseada não mais na mise-en-scène feérica dos produtos e do local de venda, mas na autonomia do consumidor. A sedução
da fase II não se limita ao mito eufórico do consumo, ao espetáculo da profusão, à ambiência de prodigalidade festiva e de solicitude
cercando as mercadorias [lembrando que esta fase II coincidiria com o advento da produção fordista e um novo marco nos próprios hábitos
de consumo], depende também de dispositivos que, ao eliminar diversos constrangimentos comerciais, abriram o espaço da independência
e da mobilidade individuais. Pelo auto-serviço, a grande distribuição tornou possíveis práticas e um imaginário de liberdade individual, um
universo de compra marcado pelo princípio de livre disposição de si; ela não apenas funcionou como um agente de democratização do
consumo, mas também contribuiu, em seu nível, para a individualização das práticas de compra, dos gostos e das exigências”. LIPOVETSKY,
2007, p. 101-102.
5
62
competitividade da empresa, fortalecendo
sentido de identificação pela marca.
o
As redes supermercadistas perceberam
nos produtos de marca própria a possibilidade de
reduzir seus custos, pois não precisam fazer uso
de suas estruturas para produzir determinados
produtos. Ao mesmo tempo, esse mecanismo
de adoção da marca própria não mais as torna
reféns dos preços impostos pelas fabricantes
das marcas reconhecidas e detentoras de alto
poder de barganha nas negociações, podendo
ainda oferecer ao consumidor um produto de boa
qualidade e com valor de aquisição mais atraente.
Com essa iniciativa, as redes supermercadistas
oferecem maior opção de escolha aos seus
clientes e acabam por conquistar maior espaço no
mercado setorial.
A fim de conhecer um pouco mais do perfil
do consumidor, e diante das inferências, indaga-se:
quais são os motivos que atraem os consumidores
a adquirir produtos de marca própria das redes
supermercadistas?
Por razões operacionais, a abordagem deste
estudo terá foco nos consumidores de produtos
alimentícios da cidade de Curitiba, capital do
Paraná, já que nela se podem encontrar os exemplos
das grandes redes supermercadistas e uma linha
de consumidores já definidos, conforme padrão de
alta exigência — segundo os levantamentos feitos
pelo Procon-PR (2001) e por Menshhein (2007),
Ávila (2009) e Colombo (2009). O sujeito da
pesquisa é o consumidor curitibano, ou seja, aquele
que efetivamente compra e reside nessa cidade,
indiferentemente de sua naturalidade. Desse modo,
toma-se o referencial metodológico apontado por
Blackwell (2005), que compreende o comprador
como aquele agente que atua indo à loja, ligando
para fornecedores, preenchendo cheques, trazendo
produtos para casa, consumindo, e assim por diante.
Ao final, este estudo pretende propiciar
referências para aqueles que se interessarem
pelo assunto ou que desejarem implantar marca
própria em suas lojas, mas que não dispõem de
conhecimento especializado sobre o assunto.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
1
Trajetória das Marcas
Para entender o papel desempenhado pela
marca própria, é necessário conhecer um pouco
mais sobre a trajetória das marcas ao longo do
tempo, embora o conceito de marca registrada
seja tão antigo quanto a ideia de comércio.
Segundo Oliveira (2005), foi somente na
Baixa Idade Média que as sociedades comerciais
passaram a utilizar um primeiro formato das
marcas registradas, de modo a oferecer aos
consumidores um diferencial frente aos diversos
genéricos espalhados pelas feiras livres. Desse
momento em diante é que se ajuízam as primeiras
marcas registradas, chamadas trademarks (TM).
No entanto, oficialmente, a marca foi reconhecida
como um sinal distintivo apenas no final do século
XIX, na convenção de Paris de 1883, em que foi
instituída a União da Propriedade Intelectual.
Mesmo assim, há até pouco tempo, por volta
da metade do século XX, muitos produtores e
intermediários ainda vendiam seus produtos
embalados sem qualquer tipo de identificação.
Os compradores dependiam da honestidade do
vendedor, pois nem sempre existia a garantia de
qualidade do que estavam comprando. Apenas
mais tarde, com o incremento capitalista do pós-Segunda Guerra, a crescente competitividade dos
setores industriais tornaria a presença da marca
fator indispensável do mercado concorrencial:
daí em diante, não é mais no vendedor que se fia
o consumidor, mas na marca, sendo a garantia e a
qualidade dos produtos transferidas para o fabricante
[...] julgando os produtos a partir de seu nome mais que
a partir de sua composição, comprando uma assinatura
no lugar de uma coisa (LIPOVETSKY, 2007, p. 30).
Costa e Jensen (2010) observam que
atualmente, com raras exceções, a maioria dos
produtos tem uma marca que os distingue dos
demais. A cabo, a marca é tratada como elemento
exclusivo de diferenciação (PINHO, 1996).
O Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (INPI, 2011) define marca como “todo sinal
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
63
distintivo, visualmente perceptível, que identifica e
distingue produtos e serviços de outros análogos,
de procedência diversa, bem como certifica a
conformidade dos mesmos com determinadas
normas ou especificações técnicas”. Para Kotler
e Keller (2006), uma marca é essencialmente
uma promessa da empresa de fornecer uma série
específica de atributos, benefícios e serviços
uniformes aos compradores. Além disso, eles
complementam dizendo que uma marca é um
símbolo de relativa complexidade, pois carrega
significados intrínsecos que são percebidos pe­
los consumidores.
Outro conceito correlato ao tema é o de
patrimônio de marca (brand equity), que nada
mais é do que o valor atribuído à marca. O conceito
de brand equity lida com o valor, normalmente
definido em termos econômicos, e para determiná-lo, todos os atributos da organização e da marca
são considerados, tanto os tangíveis como os
intangíveis, isto é, tudo que está por trás da marca:
vendas, atendimento, qualidade do produto ou
do serviço, facilidade de compra etc. (COSTA;
JENSEN, 2010). Assim, todo esse valor atribuído
à marca tem alguma influência na forma como o
Uma marca é
essencialmente uma
promessa da empresa de
fornecer uma série específica
de atributos, benefícios
e serviços uniformes aos
compradores. Além disso,
é um símbolo de relativa
complexidade, pois carrega
significados intrínsecos
que são percebidos pelos
consumidores.
64
consumidor pensa, sente e age em relação a ela,
bem como dele se espera proceder na demarcação
dos preços, na parcela de mercado (market share)
e na lucratividade proporcionada pela marca às
empresas que o controlam.
2
Marca Própria
Os produtos de marca própria surgiram
quando os donos das mercearias adquiriram
produtos em grande quantidade ou em largo
volume, rompendo sua embalagem original e
fracionando o conteúdo que era colocado em
outros recipientes, com uma etiqueta colada, a
qual levava o nome da loja. Esses produtos não
davam nenhum tipo de garantia de qualidade para
os seus consumidores, pois não existia uma origem
definida e nada que averiguasse os processos de
qualidade contidos em sua fabricação. Foi na Europa,
na década de 50 do século XX, o momento em que
varejistas começaram a vislumbrar oportunidades
estratégicas para mudar a percepção dos
consumidores com relação à credibilidade desses
produtos. Contudo, houve, ainda, grande resistência,
pois as pessoas continuavam a desconfiar de que
fossem sobras dos produtos originais e que ali não
houvesse as mesmas garantias dessa procedência
(RABELO, 2005).
Conforme Rabelo (2005), a segunda
geração dos produtos de marca própria ficou
marcada como aqueles produtos de primeiro
preço ou alternativa econômica. Não possuíam
a mesma qualidade que as marcas líderes, mas
atendiam aos tabelamentos das legislações em
vigor. Na sequência, é com a terceira geração, ou
geração do “me too”, que os produtos de marca
própria tentavam “clonar” a qualidade das marcas
líderes. Surge então a possibilidade de sucesso no
negócio devido, principalmente, aos investimentos
na melhoria da qualidade e da padronização dos
produtos de marca própria. Atualmente, é possível
encontrar esses produtos mais diferenciados,
os quais receberiam investimentos maciços em
qualidade e padronização da produção. Mas é a
partir da quarta geração que alguns fabricantes
proporiam uma superação dos níveis de qualidade
das marcas líderes atacando diretamente os
produtos ditos premium.
Acompanhando o fenômeno de hoje, per­
cebe-se o quanto os varejistas vêm trans­formando
a essência de suas marcas, antes vistas como
itens depreciados pela falta de qualidade, para
convertê-las em sinônimo de preço baixo e alto
valor de atração. Essa transformação está fazendo
com que os fabricantes de marcas reconhecidas
passem a disputar espaço nas prateleiras com
os produtos de marca própria. Segundo Kumar
e Steenkamp (2008, p. 70), mais da metade dos
consumidores mundiais já considera a marca
própria de supermercado uma boa opção de
compra. “A transformação da Marca Própria não
passou despercebida pelos consumidores. O
aprimoramento das marcas de loja fez delas uma
alternativa de compra aceitável para grandes
grupos de consumidores”.
Assim, tem-se clara remodelação da ideia
tradicional de marca própria:
A marca própria caracteriza-se por ser um produto
vendido ou comercializado exclusivamente pela orga­
nização que detém o controle (registro) da marca e que,
normalmente, não possui unidade produtora. Uma marca
própria pode levar o nome da empresa ou utilizar uma
outra marca não associada ao nome da organização.
Possuem identidade própria, sendo fornecidos sob
encomenda e atendendo especificações definidas pelo
detentor da marca (OLIVEIRA, 2005, p. 7).
Para os varejistas, os produtos de marca
própria apresentam vantagens, visíveis pela maior
promoção da sua forma-marca — o que acresce na
possibilidade de recorrência do público à marca
(share of mind) —, pela fidelização do cliente e
sua lucratividade, também pela oferta de mais
opções de escolha ao cliente, diferenciando-se da
concorrência, que possui apenas os produtos de
marcas reconhecidas. A existência de produtos
com marca própria faz com que o varejista
tenha melhores condições de negociar junto
aos fabricantes das marcas reconhecidas. Em
contrapartida, os varejistas devem ter cuidado ao
gerir um portfólio com uma variedade de produtos
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Mais da metade dos
consumidores mundiais
já considera a marca
própria de supermercado
uma boa opção de
compra. O aprimoramento
das marcas de loja fez
delas uma alternativa
de compra aceitável
para grandes grupos de
consumidores.
de marca própria, pois um fracasso em um único
produto da linha pode afetar toda a imagem do
varejista (KUMAR; STEENKAMP, 2008). Desse
modo, as redes varejistas devem decidir se o
produto receberá o nome da rede ou se terá
uma nova marca, especialmente desenvolvida
para ele (TOLEDO; GIRALDI; PRADO, 2007).
Afinal, seguindo a observação já destacada por
Kotler e Keller (2006, p. 515), “muitas categorias
de produtos não são praticáveis ou atraentes se
oferecidas em marca própria”.
Em face da crescente participação de
produtos com marca própria, os fabricantes das
marcas reconhecidas são tentados a se tornar
também produtores de marca própria, uma vez que
a capacidade de produção exclusiva de itens das
marcas reconhecidas viria a se tornar um segmento
ocioso. Kumar e Steenkamp (2008) defendem que
um fabricante de marca reconhecida também pode
se engajar na produção de marca própria para
dominar a categoria. A produção de marca própria
por um fabricante de marca reconhecida também
pode ser usada como uma ferramenta competitiva
para manter ou conquistar mercado, ou ainda para
gerenciar a qualidade da marca própria e assegurar
que ela não prejudique suas marcas já reconhecidas.
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
65
Avaliando o presente cenário consumidor,
seria ainda de se esperar que as redes varejistas
pudessem optar por fabricar e vender seus
produtos de marca própria ou apenas por
vender esses produtos, adquirindo-os de outros
fabricantes, que os venderiam com a embalagem
e a marca da rede supermercadista.
É inegável que, para os consumidores
comprarem produtos de marca própria, é
necessário que haja uma economia real na hora
da compra, logo, quanto maior for a diferença de
preço entre um produto de marca reconhecida e
um produto de marca própria, maior tenderá a ser
o sucesso do produto dessa última marca.
2.1 Marca Própria no Brasil
Hoje, os produtos de marca própria estão
dividindo espaço com os itens das marcas
reconhecidas, a trazer consigo, muitas vezes, o
mesmo nome da rede varejista. Percorre-se, a seguir,
essa progressão no cenário mercadista brasileiro.
No Brasil, a marca própria surgiu na década
de 1960 com os supermercados Sendas e Paes
Mendonça e, mais tarde, na década de 1970, com
as redes Bom Preço, Pão de Açúcar e Carrefour
O mercado brasileiro conta
com mais de 65 mil itens
de marca própria, incluindo
diversos segmentos, dos
quais se contam aqueles
com maior participação
entre os setores de
alimentos, higiene e limpeza,
bebidas, eletrônicos,
têxtil e bazar.
66
(MARCELINO; MESTRINER, 2007). Segundo
Rabelo (2005), em meados de 1975, o Carrefour
trouxe da França o conceito de segunda geração da
marca própria, e mais tarde outras redes copiariam
o modelo europeu. Devido à maior exigência do
mercado, logo as redes começavam a migrar
para a terceira geração. Atualmente, existem
algumas redes que já se encontram na quarta
geração, mas nada que possa ser tomado como
exemplo muito representativo. Pode-se dizer que
nos últimos anos o conceito de marca própria
foi redesenhado, mas sua transformação não foi
apenas de imagem, uma vez que as principais
redes varejistas iniciariam um movimento de
lançar novos produtos em diversas categorias.
De acordo com Nielsen (2010), o consumo
de produtos de marca própria vem crescendo
anualmente, confirmando a sua aceitabilidade
por parte dos consumidores. Esse crescimento
só é possível pelo fato de que tais produtos têm
apresentado o conhecido binômio de exigências
— “bom e barato” — recorrente entre o grande
público. Assim, atento a essa crescente, o mercado
brasileiro conta com mais de 65 mil itens de marca
própria, incluindo diversos segmentos, dos quais
se contam aqueles com maior participação entre
os setores de alimentos, higiene e limpeza, bebidas,
eletrônicos, têxtil e bazar.
Considerando
essas
informações,
os
varejistas brasileiros geralmente posicionam os
produtos de marca própria entre os produtos
líderes e as marcas de desconto. Outro fator a
considerar quando se delineiam as características
do mercado brasileiro de marca própria é a
concorrência, muito disso se dá por conta da
alta competitividade de todo o setor varejista de
alimentos. Em resposta, nos últimos anos, surgiram
grandes conglomerados, a partir da fusão de
supermercados menores ou mesmo da compra
destes por grandes redes estrangeiras, dispostas a
aumentar sua participação no mercado brasileiro.
Embora tenha ocorrido uma redução no número
de participantes, existe hoje uma tendência de criar
novos produtos e expandir as linhas já existentes,
estimulando o surgimento de novos fornecedores
dispostos a criar novos produtos de marca própria
no setor varejista (SPINELLI; GIRALDI, 2004).
2.2 O Comércio Supermercadista
Curitibano e a Marca Própria
Apesar de os produtos de marca própria
serem ofertados pelo setor supermercadista há
mais de cinco décadas, ainda é possível manter a
expectativa de novos negócios para a aplicação da
marca própria. Como apontam Lima e Dalla Costa
(2005), o setor supermercadista de Curitiba só
teve sua expansão a partir da década de 1990.
Entre as empresas que ingressaram nesse
mercado (marca própria) em Curitiba, destacam-se:
O Grupo Sonae Distribuição Brasil, de ori­
gem portuguesa. Ele chegou ao Brasil em 1990,
quando se associou com a empresa rio-grandense Josapar, originando a Companhia Real de
Distribuição. De 1997 a 1999, o grupo adquiriu
várias redes de supermercados, entre elas, as regionais Mercadorama e Coletão (LIMA; DALLA
COSTA, 2005). Assim, o Sonae deu início a um
processo de concentração jamais visto antes na
cidade de Curitiba, culminando com a criação do
supermercado Big.
No Paraná, em 2005, o grupo Sonae tinha
36 unidades: 9 lojas Big, 24 lojas Mercadorama,
2 lojas Maxxi Atacado e 1 centro de distribuição,
empregando, com isso, cerca de 8 mil pessoas
(SAIKI, 2005).
Já o grupo estadunidense Walmart, grande
rede de varejo supermercadista do mundo, iniciou
suas atividades na década 1960 e começou o
processo de internacionalização nos anos 1990. A
empresa, que atua hoje em países da América do
Norte, América do Sul, Europa e Ásia, chegou ao
Brasil no ano de 1995, instalando lojas no estado de
São Paulo. Em Curitiba, no ano de 1998, inaugurou o
Sam’s Club Atuba e o Walmart Supercenter Torres.
O primeiro produto de marca própria da
rede foi lançado em 1991. Great Value, a marca
própria de maior destaque da rede, foi criada
em 1993. Atualmente, a rede possui oito marcas
próprias e mais de 1.500 produtos.
Em 2004, adquiriu a rede Bompreço
(MUNDO DAS MARCAS, 2010). Com a aquisição
Rev.
FA E ,
C uritiba,
do Sonae Distribuição Brasil, uma das empresas
que ingressaram no mercado de marca própria
nos anos 1990, o grupo se tornou maior no setor
de varejo supermercadista de Curitiba (SAIKI,
2005). A empresa possui as seguintes bandeiras
em todo Brasil: Walmart Supercenter, Sam’s Club,
Todo Dia, Bompreço, Hiper Bompreço, Nacional,
Mercadorama, Hipermercado Big e Maxxi Atacado.
Outro grupo importante é a Companhia
Brasileira de Distribuição, conhecida como Grupo
Pão de Açúcar, e que também fez frente a todo
esse processo. O grupo iniciou suas atividades
como supermercado no ano de 1959, quando
inaugurou o primeiro supermercado Pão de
Açúcar, na cidade de São Paulo. Ao longo desses
últimos anos, ele foi crescendo e diversificando
suas atividades em vários ramos. Durante a década
1970, foi o responsável pela abertura dos primeiros
hipermercados no Brasil. Foi baseado nesse
modelo que o grupo chegou a Curitiba, em 1972,
inaugurando o primeiro hipermercado da cidade,
o Jumbo. Em 1977, ele recebeu o Prêmio Clio, pela
embalagem do Palmito Pap’s, um dos produtos
de sua linha de marca própria. Diversas aquisições
de outras redes supermercadistas aconteceram
na trajetória do Pão de Açúcar. Entre as marcas
próprias do grupo destacam-se: a Taeq, criada
em 2006, e a Qualitá, lançada em 2008, ambas
possuindo produtos com qualidade superior, que
podem ser encontrados nas lojas das bandeiras Pão
de Açúcar, Extra, CompreBem, ABC CompreBem e
Sendas (GRUPO PÃO DE AÇUCAR, 2011).
O Carrefour, grupo francês que chegou ao
Brasil em 1975, foi um dos pioneiros a comercializar
produtos com marca própria nos supermercados
brasileiros. Sua primeira marca foi a Produits
Libres, lançada em 1976, mas as marcas mais
conhecidas da rede, no Brasil, são a Garantia
de Origem, a linha Viver e a própria Carrefour
(MUNDO DAS MARCAS, 2010). Segundo os dados
divulgados pelo grupo Carrefour, “atualmente
são mais de 14 mil produtos distribuídos entre
onze Marcas Próprias Carrefour”, sendo “líderes
de marca própria alimentar no Brasil (Nielsen)
com mais de 40% de market share”. No Brasil, o
grupo também possui o supermercado Dia% e o
atacadista Atacadão.
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
67
O Supermercado Condor Ltda, fundado em
1974, é natural de Curitiba. Atualmente, o Condor
Super Center é formado por 29 lojas, sendo 12
hipermercados e 17 supermercados distribuídos
pelo estado do Paraná. Seus produtos de marca
própria recebem o mesmo nome da rede Condor.
Segundo Pesch (2002), duas grandes redes
regionais entraram no mercado curitibano no ano
de 2002, o Super Muffato, que nasceu em 1970,
em Cascavel, interior do Paraná, e a catarinense
Angeloni. O Super Muffato, assim como o Condor,
emprega seu nome - Muffato - em seus produtos
de marca própria. As marcas próprias do Angeloni
são Dona Helena e Super A.
Esses e outros dados reforçam o elevado
potencial de atração que o mercado curitibano
representa no setor. Para a Associação Paranaense
de Supermercado (Apras apud Pesch, 2002),
a expansão do comércio supermercadista em
Curitiba se deu pela aposta no crescimento
demográfico da capital paranaense. Em vista dessa
atratividade, o estudo ganha níveis interessantes
para uma análise do mercado consumidor
contemporâneo, com o que apresenta a seguir,
dando ênfase agora ao perfil do consumidor e sua
interação com a marca própria.
3
Decisão de Compra do
Consumidor
Desde a infância, as pessoas começam a
demonstrar suas preferências, seus desejos e seus
gostos. Seja por uma marca de cereais ou por um
brinquedo, cuja publicidade lhe tenha chamado a
atenção ou por meio de uma cor ou sabor que se
tomou como predileto. São diversas variáveis que
influenciam a tomada de decisão, atuando mediante
as motivações, a personalidade ou mesmo pelas
percepções, experiências anteriores, opiniões de
outras pessoas ou ainda havendo experiências
negativas, a forma como o problema foi ou não
solucionado. Para Gade (1998), o comportamento
do consumidor se reflete nas atividades físicas,
mentais e emocionais realizadas pelo ato de
68
seleção, compra e uso dos produtos e serviços para
satisfação de suas necessidades e desejos.
Algumas variáveis possuem grande in­
fluência na tomada de decisão dos consumidores
no momento da compra, por exemplo, aquelas de
afinidade social, cultural ou de sentido meramente
individual. Para Costa (2010), um indivíduo é
influenciado pelos vários grupos com os quais
interage. Dessa forma, o comportamento de
uma pessoa (consumidor) é a resultante da
interação social, das influências recebidas de
outras pessoas e também de pequenos grupos
existentes dentro da sociedade. Bem colocado,
isso justificaria o fato de que algumas pessoas
usam apenas deter­minadas marcas, com as quais
se identificam mais, sem arriscar uma experiência
utilizando outra marca de produto similar. Quanto
às variáveis culturais, elas podem justificar a
resistência de alguns consumidores em adquirir
itens de marca própria, uma vez que tais produtos
são demasiado desconhecidos para o conjunto
de valores que orientam a noção de consumo
vulgar. A apreciação da nova marca deverá ser
submetida a mediações de gosto, assim como a
uma internalização de fatores estéticos que fazem
do novo aceitável ao ajuste social. Segundo Kotler
e Keller (2006), entre os fatores psicológicos,
a motivação, a percepção, a aprendizagem e a
memória influenciam na reação dos consumidores
aos vários estímulos trazidos pelos canais de mídia
projetados nas campanhas de marketing. Ainda,
segundo os autores, o marketing enquanto efeito
pode ser visto como processo que garante aos
consumidores a experiência do produto e do ser­
viço apropriados, para que as estruturas de certas
marcas sejam criadas e mantidas em sua memória.
Isso tudo se ajusta a fatores mais concretos
na percepção daquele que consome. Entre os
fatores pessoais (idade, estágio no ciclo de vida,
ocupação, circunstâncias econômicas, estilo de
vida, valores, personalidade e autoimagem), a
principal vantagem oferecida pelos produtos de
marca própria — a vantagem do preço — se torna
relevante para a decisão de compra. Karsaklian
(2000) explica que cada pessoa tem a sua própria
imagem de mundo, derivada do somatório de
variáveis próprias e exclusivas do indivíduo, como
sua história passada, o ambiente em que vive
(físico e social), sua personalidade, sua estrutura
fisiológica e psicológica, seus valores e crenças.
Acrescenta-se a isso a avaliação de Cobra (2009),
quando observa que cada consumidor reage
de forma diferente sob estímulos iguais. Cada
consumidor possui um perfil diferente, e são essas
diferenças que identificarão as necessidades e
servirão como fatores decisivos no ato da compra.
Por isso, qualquer atuação no varejo só pode ser
feita após a definição de quem é o consumidor,
sua realidade, sua situação, seu comportamento,
suas expectativas e seus valores.
Nesse contexto, é preciso notar que o
consumidor brasileiro está mudando seu padrão
de consumo devido a diversos fatores, como
o conhecimento de seus direitos, o acesso às
mídias, a prática do consumerismo, a estabilidade
econômica, a grande possibilidade de escolhas de
produtos e serviços, entre outros. Diante desse
cenário, a marca própria de varejistas é mais
uma opção de escolha que vem se apresentando
ao mercado. Qualquer estratégia de varejo deve
incluir a compreensão de como o consumidor
processa informações e efetua suas compras. Além
disso, é necessário, antes de qualquer decisão, que
seja conhecido o que cada consumidor busca no
mercado para a satisfação de suas necessidades.
O consumidor, cada vez mais exigente e atento
às mudanças, demanda que os varejistas desen­
volvam produtos com atrativos a mais, como
embalagens atraentes e ergonômicas, preços
acessíveis, funcionalidade e que ainda detenham
reconhecido padrão de qualidade.
populacional realizado pelo IBGE (2010), são
1.746.896 habitantes no município de Curitiba—
PR. Devido a um grande número de habitantes, e
para a viabilização da pesquisa, foi utilizada uma
margem de erro de +/- 8%. Com isso, passa-se ao
tratamento quantitativo apropriado, em que se tem
o cálculo para a definição da amostra utilizando
a fórmula proposta por Barbetta (2003):
n0 =
n0 =
1 , em que:
(E0)2
1
= 156
N = Tamanho da população
E0 = Erro amostral
n0 = Primeira aproximação do
tamanho da amostra
n = Tamanho da amostra
(0,08)2
n = N x no n = 1746896 x 156
n= 155,98
1746896 + 156
N + no
A amostra foi estipulada em 156 entre­
vistados. Para a coleta de dados, utilizou-se
como instrumento o questionário estruturado,
no
qual
se
facultava
ao
respondente
a
possibilidade de manter-se anônimo. Quando
rigorosamente selecionada, a amostra resulta
em levantamentos bastante parecidos com
os que seriam obtidos caso fosse possível
pesquisar todos os elementos do universo (GIL,
2009). Também vale ressaltar que não foi adotado
nenhum outro critério de seleção que considere
classe social, local de moradia, sexo etc. Dessa
forma, as demais características inerentes ao perfil
dos entrevistados foram levantadas após a análise
4Procedimentos
Metodológicos
dos dados, a partir das informações coletadas.
Os entrevistados foram obtidos em locais
de fluxo intenso de público: Praça Tiradentes, o
Marco Zero da cidade, e Praça Rui Barbosa, que
Em termos metodológicos, este estudo
tem caráter descritivo e apresenta um plano para
definir a amostra consultada.
possui o terminal central dos ônibus do município.
Antes de proceder à amostragem, é ne­
cessário adotar alguns números relevantes para
a ilustração deste estudo. Seguindo o censo
Em cada praça, 26 pessoas foram entrevistas a
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Em ambos os pontos centrais transitam indivíduos
de todos os segmentos da população curitibana.
cada período (manhã, tarde e noite), no dia 14 de
março de 2011.
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
69
5
Análise e Discussão dos
Resultados
Para conhecer um pouco mais do perfil dos
consumidores e responder à questão acerca dos
motivos que atraem os consumidores de Curitiba —
PR a adquirir os itens de marca própria das redes
supermercadistas, tornou-se necessário um levan­
tamento de campo. Com base nos resultados obtidos por esta pesquisa, foi possível realizar uma
comparação dos aspectos teóricos levantados nas
referências bibliográficas.
Os resultados da pesquisa de campo se
dividem em duas etapas. A primeira etapa da
análise considerou o total de entrevistados, 156
pessoas. Na segunda etapa, a análise considerou
apenas os entrevistados que consomem produtos
de marca própria das redes supermercadistas, 80
pessoas, ou seja, 51% do total dos entrevistados.
5.1 Perfil dos Clientes das Redes
Supermercadistas de Curitiba
A amostra quantitativa, conforme previsto
na metodologia, constituiu-se de 156 pessoas
avaliadas com os seguintes aspectos: 62% são
do sexo feminino, sendo 63% solteiras, com idade
entre 22 a 35 anos (57%), sem filhos (76%) e
possuem grau de instrução em ensino superior,
incompleto ou cursando (76%). A razão de mais
mulheres terem respondido ao questionário,
mesmo com uma amostragem obtida por tráfego,
em local onde transitam todos os segmentos
da população curitibana, faz convergir às
constatações feitas pelos estudos do IBGE
(2004), nos quais se aponta que:
As proporções entre a população masculina e feminina
vêm diminuindo paulatinamente no Brasil. Em 1980,
havia 98,7 homens para cada cem mulheres, proporção
que caiu para 97% em 2000 e será de 95% em 2050. Em
números absolutos, o excedente feminino, que era de 2,5
milhões em 2000, chegará a seis milhões em 2050.
Quando questionados sobre o número
de pessoas residentes em sua casa, apenas 4%
70
indicaram viver sozinhos e 24% do contingente
entrevistado disseram viver em duas pessoas na
residência, 30% moram em três pessoas, 28% em
quatro pessoas, e 14% em cinco ou mais pessoas.
Segundo o IBGE (2011), a média brasileira é de 3,3
moradores por residência.
A classificação econômica da amostra se deu
por meio do sistema de codificação e pontuação
recomendado pela Associação Brasileira de
Empresas de Pesquisa (ABEP, 2011). Utilizando
esse método e considerando isoladamente a renda
média familiar, as classes sociais predominantes
foram A1 e A2, com 30% da amostra, e B1, com 29%
dos entrevistados. Em contrapartida, com base
nas quantidades dos itens que os consumidores
possuem em casa e no grau de instrução do chefe
da família, constatou-se que 45% dos entrevistados
pertencem à classe C1, 34% pertencem à classe B2
e 12% pertencem à classe B1. Apesar da divergência
identificada entre as propostas existentes de
classificação econômica para um mesmo grupo
de pessoas, tais dados se assemelham à pesquisa
realizada pelo Instituto Ethos em parceria com
o Jornal Gazeta do Povo, em 2009 (SÁnchez,
2009), que apontou mais de 50% da população de
Curitiba ser pertencente à classe C.
Do total de entrevistados, 57% são naturais de
Curitiba; dos 43% que não são, 41% são paranaenses,
o que demonstra que a migração dentro do estado
é bastante significativa. Um resultado próximo ao
das pesquisas feitas pelo Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes)
(Carvalho, 2007) constatou que 47,7% dos
habitantes de Curitiba não são naturais da cidade,
enquanto o Instituto Ethos e a Gazeta do Povo
(Albuquerque, 2009) mostraram que 55% da
população de Curitiba nasceu em outra cidade do
Paraná ou em outro estado.
Quando questionados sobre os hábitos de
compras nas redes supermercadistas, os resultados
obtidos foram os seguintes: 35% dos entrevistados
costumam frequentar o supermercado uma vez
por semana, e 22% preferem ir às compras de
duas a três vezes por semana. A maioria (57%)
realiza suas compras aos finais de semana, sempre
acompanhada por familiares. Os períodos da noite (46%) e da tarde (36%) são mais apontados para a
realização de compras em supermercado.
GRÁFICO 1 — Frequência ao supermercado
FONTE: Os autores (2012)
Sobre as redes supermercadistas escolhidas pelos consumidores, observa-se a maior preferência, por parte
dos moradores de Curitiba, pelas redes supermercadistas paranaenses. As regionais Condor (27%) e Mercadorama
(17%) estão entre as preferidas.
GRÁFICO 2 — Supermercado preferido
FONTE: Os autores (2012)
Entre os motivos que levam os consumidores a frequentar um supermercado, conta bastante a
proximidade à sua casa e/ou ao seu local de trabalho, além da facilidade de acesso e da disponibilidade das
marcas procuradas pelos entrevistados, e, por fim, o diferencial de oferecer promoções. Os principais motivos
que fazem com que os consumidores não frequentem determinadas redes supermercadistas podem ser
elencados: a distância de sua casa e/ou local de trabalho, acessos dificultados por filas demoradas, ambiente
muito cheio e ausência das marcas buscadas pelos consumidores, além das dificuldades apontadas com o
trânsito, que obstrui a chegada ao estabelecimento.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
71
GRÁFICOS PARALELOS 3 e 4 — Motivos para não frequentar um supermercado e motivos para frequentar um supermercado
FONTE: Os autores (2012)
Da amostra, 54% afirmaram conhecer
produtos de marca própria das redes super­
mercadistas. Quando solicitado para relacionar os
supermercados com suas marcas próprias, a mais
lembrada nesse quesito foi a rede Walmart, com
suas marcas Equate e Great Value.
5.2 Perfil dos Consumidores Curitibanos
que Adquirem Produtos de Marca
Própria das Redes Supermercadistas
Da amostra de 156 entrevistados, 51%
costumam adquirir produtos de marca própria e
apresentam o seguinte perfil: jovens entre 22 a
35 anos (30%) e do sexo feminino (64%); mais da
metade se declara solteiro (62,5%) e possui ensino
superior incompleto ou em curso (74%). Residem
com familiares, dos quais 21% dividem a moradia
com outra pessoa, 34% com outras duas, e somente
23% com outras três. Desse contingente, apenas
72
13% possuem filhos. A maioria é paranaense e 56%
são naturais de Curitiba.
Utilizando a classificação econômica da
ABEP (2011), aponta-se um número expressivo de
consumidores curitibanos que adquirem produtos
de marca própria pertencentes às classes B1 (23%),
B2 (33%) e C1 (29%), contestando a ideia de que
esses análogos sejam majoritariamente destinados
aos consumidores de baixa renda. Esse resultado
mostra que os consumidores não compram produtos
de marca própria exclusivamente pelo seu preço
baixo, e sim por outros benefícios que oferecem.
Observando o perfil identificado pelo
estudo realizado por Nielsen (2010) — concentrado
no estado de São Paulo —, definiu-se um padrão
de consumidores com nível socioeconômico alto,
faixa etária entre 41 e 50 anos, residentes em
lares com quatro a cinco pessoas. Embora seja
possível identificar com ele algumas semelhanças,
ainda é preciso distinguir os estudos realizados no
território nacional com a análise pontual de apenas
um município do porte de Curitiba e com suas
particularidades de configuração socioeconômica.
Em relação aos hábitos de compras nas
redes supermercadistas, envolvendo questões
como frequência, dia da semana e horários de
preferência de compra, pessoas que acompanham
nas compras, entre outros dados, os resultados
obtidos com as 80 pessoas que adquirem produtos
de marca própria se assemelham ao resultado
do total da amostra (156 pessoas). Entre aqueles
que adquirem produtos de marca própria, 36%
costumam frequentar os supermercados uma vez
por semana, e dentro desse percentual, a maioria
prefere realizar suas compras nos finais de semana
(57%), no horário da noite (47%) e acompanhada
da família (53%). A preferência pelas redes
supermercadistas paranaenses é ainda maior pelos
compradores de marca própria.
GRÁFICO 5 — Supermercado preferido pelos
consumidores de marca própria
atentar a marcas e apenas 23% afirmam que
reconheceriam um produto de marca própria
sem o nome fantasia da rede supermercadista.
Isso demonstra que as pessoas, de modo geral,
associam ainda a marca própria com o nome da
rede supermercadista que a oferece, o que também
pode ser um indicador de que as pessoas podem
estar consumindo diversos produtos de marca
própria sem saber, pelo simples fato de não saber
identificá-las quando não estão com embalagens
contendo o nome da rede supermercadista. Tal
desconhecimento pode ocorrer pela ausência de
divulgação desses produtos por parte das redes
supermercadistas.
Outro resultado semelhante ao obtido com
o total de entrevistados foi quanto à questão de
relacionar os supermercados com suas marcas
próprias. Walmart, com suas marcas Equate e
Great Value, mais uma vez demonstrou ser a
mais reconhecida quando não possui em suas
embalagens o nome da rede.
5.3Motivos que Atraem os Consumidores a
Adquirir Produtos de Marca Própria das
Redes Supermercadistas
FONTE: Os autores (2012)
Entre os motivos que levam os consumidores
a optar por um supermercado, somente um quesito
difere. Os entrevistados que totalizam a amostra
(156) dão maior preferência ao estabelecimento
que possui estacionamento em vez da facilidade
de encontrar os produtos nas gôndolas/prateleiras
indicado pelos consumidores de produtos de
Marca Própria (80). Os mesmos motivos para
não frequentar uma rede supermercadista foram
citados por ambos os grupos de consumidores.
Os 80 entrevistados que declararam
comprar produtos de marca própria afirmaram
que os motivos predominantes dessa atitude
foram,
respectivamente,
preço,
qualidade,
curiosidade e confiança/credibilidade da marca.
Em contrapartida, os 49% de entrevistados
que não costumam adquirir produtos de marca
própria apresentaram a seguinte justificativa:
falta de conhecimento da procedência, falta de
confiança na marca e sentimento de qualidade
inferior se comparados com produtos de marcas
reconhecidas.
Quando questionado aos que adquirem
produtos de marca própria se, em um
supermercado, saberiam reconhecer um produto
de marca própria caso ele não contivesse o
nome fantasia do mercado, 47% disseram que
não saberiam, 30% declaram que não costumam
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
73
GRÁFICOS PARALELOS 6 e 7 — Motivos para não comprar produtos de marca própria e motivos para comprar produtos
de marca própria
FONTE: Os autores (2012)
Os gêneros de produtos de marca própria adquiridos pelos consumidores são laticínios e panificação
(43%), produtos de higiene e limpeza (37%), enlatados (19%), chocolates e bolachas (1%). Sua compra não
acontece regularmente, já que 39% adquirem produtos de marca própria esporadicamente, e 35% adquirem-nos somente algumas vezes em que vão ao supermercado.
GRÁFICO 8 — Frequência de compra de produtos de marca própria
FONTE: Os autores (2012)
Os benefícios esperados pelos entrevistados que adquirem esses produtos são: encontrar a mesma
qualidade que um produto de marca reconhecida e economia em relação ao preço. Diante da expressiva
satisfação (78%) dos consumidores quanto aos produtos de marca própria ofertados pelas redes
supermercadistas, torna-se claro que tais expectativas vêm sendo atendidas.
A pesquisa ainda buscou sugestões de melhoria para os produtos de marca própria, e os consumidores
dos análogos apontaram: maior quantidade de opções/variedade de produtos, de oferta de degustação para
os clientes e melhor divulgação.
74
designados produtos de marca própria. E tendo
Conclusões
em vista o seu potencial de expansão, ainda há
um vasto filão de mercado a ser explorado nessa
O levantamento de campo corrobora com
a literatura, apontando que o principal motivo do
consumidor para adquirir um produto de marca
própria é o preço, contudo, esses congêneres
precisam oferecer outros atributos além de um
preço baixo. A carência de qualidade na hora
da compra pode ser decisivamente negativa na
opinião do cliente, levando até a comprometer
a credibilidade da rede supermercadista e dos
demais produtos da linha.
Considerando todo o exposto, este estudo
permite concluir que os produtos das redes super­
mercadistas oferecem uma razão custo/benefício
capaz de melhor atender às necessidades e aos
desejos de seus consumidores, já que 78% dos
entrevistados que adquirem esses produtos
afirmaram sentir-se satisfeitos com seu consumo.
Outro resultado importante identificado foi a
preferência feminina aos análogos.
Este estudo, assim como outros que o
nortearam, aponta que há consumidores de todas
as classes sociais propensos à aquisição dos
Rev.
FA E ,
C uritiba,
linha, de modo a conectar-se mais eficientemente
com seu público-alvo. Já os indivíduos não
consumidores declararam manter receio sobre a
procedência de tais produtos e não reconhecem
um produto de marca própria, a menos que ele
apresente em sua embalagem o nome da rede
supermercadista. Aqui, surge a necessidade de
fazer um reparo importante: um dos motivos que
pode justificar o desconhecimento e o receio da
procedência é a falta de divulgação, que também
foi
mencionada
nas
sugestões
de
melhoria
para os produtos de marca própria. Eliminado
o desconhecimento, a reação tende a ser mais
satisfatória e receptiva.
As redes supermercadistas precisam, en­
fim, estar atentas, pois essa nova estratégia mer­
cadológica modifica o relacionamento entre os
fabricantes e os varejistas e também delega aos
varejistas a responsabilidade de divulgar seus
produtos, o que é diferente de uma simples in­
termediação comercial de um produto entre
fabricante e consumidor final.
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
•
Recebido em: 03/04/2012
•
Aprovado em: 19/06/2012
75
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
77
O consumo ecológico dos
universitários: uma análise de clusters
University students’ ecological consumption: a cluster analysis
O consumo ecológico dos universitários: uma análise de clusters
University students’ ecological consumption: a cluster analysis
Elizandra da Silva1
Geysler Rogis Flor Bertolini2
Loreni Teresinha Brandalise3
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar uma categorização dos principais grupos
que caracterizam o consumo ecológico entre estudantes universitários
utilizando a análise de clusters (agrupamentos). Para a realização dessa análise,
utilizou-se o software SPSS 16.0. Como base de dados, foram utilizados os
dados inicialmente coletados por Brandalise (2008) como parte de sua tese de
doutorado, que consiste em uma população de 575 concluintes de graduação
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), sendo a amostra
definida em 224 estudantes dos 15 cursos do campus de Cascavel, em 2006.
A conclusão da análise aponta a existência de três principais grupos, os quais,
pelas características que apresentam em relação ao consumo consciente, foram
denominados Consumidores Não Conscientes, Consumidores Conscientes
e Consumidores Econômicos Pouco Conscientes. Verificou-se que o último
grupo indica um perfil diferente dos tradicionais, em que os consumidores
se preocupam com as questões ambientais especialmente quando trazem
economia de recursos próprios.
Palavras-chave: Consumo Ecológico. Universitários. Análise de Clusters.
Abstract
The aim of this paper is to categorize the main groups which characterize the
ecological consumption amidst university students by using the cluster analysis.
For this analysis, the SPSS 16.0 software was used, and as data base was used the
data initially collected by Brandalise (2008) as part of its-her-his doctoral thesis.
The data was collected from 575 graduating students of the State University of
West of Paraná and the sample being defined in 224 students from 15 courses
in the city of Cascavel — PR, in 2006. The conclusion of this analysis indicates
the existence of three main groups, which by its characteristics in relation
to conscious consumption were identified as ‘Non-Conscious Consumer’,
‘Conscious Consumer’ and ‘Little Conscious Economical Consumers’. It was
found that the last group shows a different profile from the traditional, where
these consumers are concerned about environmental issues especially when
using their own personal savings.
Keywords: Ecological Consumption. University Students. Cluster Analysis.
Doutoranda em Administração pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Docente
Assistente do curso de Administração da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).
E-mail: [email protected].
2
Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente
Adjunto do curso de Administração da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).
E-mail: [email protected].
3
Doutora em Engenharia de Produção (UFSC). Docente Adjunta do curso de Administração da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). E-mail: [email protected].
1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 78 - 89, jan./jun. 2013
79
Introdução
A conscientização das pessoas quanto aos
problemas ambientais é um fator determinante
para que haja sensibilização e, consequentemente,
um comportamento ecológico, fazendo com
que elas prefiram os produtos considerados
ecologicamente corretos. Essa escolha, como
afirmam Garcia et al. (2003), torna os indivíduos
consumidores ecológicos.
O consumidor ecológico
tem a atitude de
selecionar os produtos
que compra e usa em
casa, preferindo os que
menos contaminam e
privilegiando as empresas
que investem na
preservação ambiental.
tadas à disseminação do consumo ecológico.
O consumidor ecológico, de acordo com
Raposo (2003), tem a atitude de selecionar os
produtos que compra e usa em casa, preferindo
os que menos contaminam e privilegiando as
empresas que investem na preservação ambiental.
Esse consumo ecológico pode ser fo­
mentado pelas universidades mediante a dis­
cussão de valores de sustentabilidade com a
comunidade interna, a pesquisa de tecnologias
e saberes sustentáveis e a disseminação para a
comunidade externa, com a extensão, de práticas
que contribuam para a conscientização da socie­
dade em relação à susten­tabilidade ambiental e ao
consumo consciente.
Jacobi, Raufflet e Arruda (2011) reforçam
o papel da educação superior num momento em
que se observa um aumento da preocupação
dessas instituições em formar estudantes com
conhecimentos e habilidades necessários para co­
locar a sustentabilidade no cen­tro de suas futuras
atividades.
Em razão disso, considerando o importante
papel das universidades na formação de indivíduos
com esse perfil de consumo, este estudo objetiva
analisar a existência de diferentes perfis de consumo
ecológico entre os estudantes universitários, sendo,
para tal, apresentada uma categorização realizada
com a técnica de análise de clusters (agrupamentos),
bastante útil para identificar os subgrupos mais
significativos e que naturalmente se destacam em
dado conjunto de respondentes.
O conhecimento dessas diferentes catego­
rias é útil para um possível direcionamento de
ações futuras das universidades para a cons­
cientização de cada grupo identificado, bem como
para o desenvolvimento de políticas públicas vol­
80
Para realização da análise, inicialmente,
é apresentada uma revisão teórica sobre
consumo ecológico, seguida dos procedimentos
metodológicos utilizados, culminando com os
resultados encontrados e a conclusão.
1
Consumo Ecológico:
Revisão Teórica
Com o resultado da redefinição da crise
ambiental como um problema de estilo de vida e
consumo e com o surgimento de expressões como
consumo verde, consumo ecológico e consumo
sustentável, verificam-se pesquisas que associam
a análise da sociedade de consumo aos estudos
ambientais.
Consumir de forma consciente é satisfazer
as necessidades individuais sem perder de vista a
preservação do meio ambiente e a promoção do
desenvolvimento humano. O consumidor cons­
ciente busca informações para fazer suas escolhas,
informando-se sobre o impacto da produção,
uso e descarte de produtos e serviços sobre
a sociedade e o meio ambiente. Dessa forma,
valoriza o papel determinante que tem na cadeia
de consumo e transforma o ato de consumo em
um ato de cidadania, o que é tanto mais verdade
quanto mais a sociedade assimila e respalda
esse comportamento em toda a comunidade
(INSTITUTO AKATU, 2002, p. 1).
De acordo com Mourão (2005), um
consumidor é considerado consciente quando:
valoriza e divulga empresas socialmente res­
ponsáveis; preocupa-se com o impacto ambiental
gerado pela produção e consumo; atua junto
às empresas para que estas aprimorem seus
processos e suas relações com a sociedade;
e mobiliza outras pessoas para a prática do
consumo consciente. Isso remete à afirmação
de Layrargues (2000), de que o simples ato da
compra determina uma atitude de predação ou
de preservação ambiental, transferindo o ônus
da responsabilidade à sociedade, e não mais ao
mercado ou ao Estado.
É necessário que o consumidor desenvolva
uma consciência sobre a interdependência como
atributo do sistema econômico, social e ambiental,
que o leve a ser protagonista — em seus atos de
compra, uso e descarte de produtos — de uma
atitude individual de consumo e de mobilização
de outros consumidores que influencie sobre a
sustentabilidade do Planeta. Ao mesmo tempo em
que dão forma aos problemas atuais, suas ações
cotidianas de escolha de consumo podem conter
a semente de sua solução, desde que busquem o
menor impacto negativo sobre o meio ambiente dos
processos de produção e consumo (MATTAR, 2001).
Nas palavras da gerente de mobilização
social do Instituto Akatu (2002, p. 1), Maluh
Barciotte, o
Instituto é o maior representante do movimento pelo
consumo consciente e trabalha na linha de ‘pequenos
gestos, grandes transformações’, [...] buscando mostrar
para as pessoas que elas são protagonistas. Uma ação
pequena feita durante muito tempo por alguém já tem
um efeito fantástico.
Quando é feito por muitas pessoas, o
impacto é maior ainda. De acordo com Mantovani
(2005, p. 1), “todos os dias fazemos escolhas ao
comprar um produto ou serviço e ao decidir a forma
de usá-lo ou descartá-lo temos responsabilidades.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
O consumidor consciente
valoriza o papel
determinante que tem
na cadeia de consumo
e transforma o ato de
consumo em um ato de
cidadania, o que é tanto
mais verdade quanto
mais a sociedade assimila
e respalda esse com­
portamento em toda a
comunidade.
até o fim. Para isso, precisamos de informação
séria e fundamentada”.
O caminho ideal para reduzir os impactos
ambientais do consumo seria consumir menos,
entretanto, Bentley (2004) aponta como alternativa
consumir de maneira diferente, reutilizando, reci­
clando, adquirindo produtos fabricados com
consideração ambiental. A relação de produção e
consumo considerando o meio ambiente deveria ser
interligada, interconexa e transparente. Indivíduos
que têm considerações ambientais no consumo
são aqueles que se comportam com a intenção
de produzir resultados ambientalmente favoráveis,
independentemente de produzirem ou não esses
resultados (HALKIER, 1999).
Indivíduos que modificam seu consumo para
não prejudicar o meio ambiente voluntariamente
e por sua própria iniciativa, devido às suas
crenças éticas, são considerados consumidores
conscientes. Se as escolhas de consumo têm um
efeito significativo no meio ambiente, têm no
mínimo um potencial para remediar problemas
ambientais (PAAVOLA, 2001).
Há, portanto, a necessidade de uma
mudança mais expressiva da consciência do con­
sumidor no sentido de valorizar empresas que
v. 16, n. 1, p. 78 - 89, jan./jun. 2013
81
tenham um padrão de produção sustentável e
de alteração de seu próprio padrão de consumo
(LASZLO, 2001).
Segundo Roberts (1996), entende-se como
conscientização ambiental a mudança de com­
portamento dos indivíduos em relação ao meio
ambiente, a qual se dá por meio da educação
ambiental e da percepção individual. Possuir cons­
ciência ambiental é utilizar os recursos naturais sem
prejudicar o ambiente para as gerações futuras
(DIAS, 1994), e essa consciência é demonstrada
pelo comportamento de compra e consumo.
É preciso informar, sensibilizar, instrumentar,
mobilizar e animar o consumidor para que mudanças
de comportamentos se estabeleçam. Segundo
Laszlo (2001), isso é possível com a educação para
o consumo consciente, envolvendo a capacitação e
a instrumentação de líderes comunitários, os quais
são multiplicadores em suas comunidades. A United
Nations, Human Development, Poverty Report
(UNDP, 2000) recomenda a inclusão do consumo
consciente como tema nas escolas. É preciso ainda,
conforme Mattar (2001), um forte envolvimento
das mídias para a divulgação de resultados das
experiências comunitárias e para um processo de
educação e exemplaridade do consumo consciente
ou consumo responsável.
Igualmente importantes são as pressões
exercidas pelos consumidores sobre a comuni­
dade empresarial. “O consumo responsável
trata da responsabilidade do ato do consumo
e, por conseguinte, das pessoas na condição de
consumidores” (ASHLEY, 2000, p. 32). O movi­
mento em que os consumidores e outros agentes
da sociedade utilizam seu poder de compra para
garantir seus direitos e equilibrar forças com as
empresas fornecedoras de produtos e serviços
é chamado de consumerismo. Tal movimento
tentou ampliar o direito em suas relações de troca
com qualquer tipo de organização, por meio de
políticas e atividades traçadas.
Na definição de Assael (1992), consumerismo
são determinadas atividades de organizações de
consumidores independentes e ativistas designados a proteger o consumidor, inicialmente
82
O movimento do
consumerismo fortaleceu-se
a partir da década de 1960,
quando o presidente dos
EUA, John Kennedy, formulou
os direitos do consumidor,
que devem garantir: o direito
de escolher livremente;
o direito de ser informado;
o direito de ser ouvido;
e o direito de
estar seguro.
concebido para assegurar que o direito do
consumidor no processo de intercâmbio seja
protegido. É a ação social destinada a proteger os
consumidores, exercendo pressões legais, morais
e econômicas sobre a comunidade empresarial.
O movimento do consumerismo fortaleceu-se a partir da década de 1960, quando o presidente
dos EUA, John Kennedy, em 1962, formulou os
direitos do consumidor, que devem garantir: o
direito de escolher livremente; o direito de ser
informado (sobre o produto); o direito de ser
ouvido; e o direito de estar seguro. Ralph Nader
foi um grande influenciador na defesa dos direitos
do consumidor, buscando elevar seu nível de
conscientização (CHURCHILL; PETER, 2000).
O consumerismo pode ser visto como um
credo econômico e social que encoraja a aspiração
do consumo, acena Ashley (2000), que classifica o
consumerismo em verde e ético. O consumerismo
verde induz ao consumo de bens ou serviços
não agressivos ao meio ambiente, enquanto o
consumerismo ético considera questões mais
amplas, monitorando o comportamento das orga­
nizações em relação a apoio a regimes opressores,
exploração nas relações de trabalho, corrupção e
comércio de armas.
Para a autora, a cultura do consumerismo
é hegemônica em nosso cotidiano, configurando
uma mercantilização das relações sociais presentes
e futuras dos seres humanos, inserida onde o
cidadão interage e constrói seus espaços sociais,
seja na família, nas escolas, nos espaços de lazer, nas
empresas, nas políticas públicas, nos programas de
auditório, nas agências de viagem e nas funerárias.
Às vezes, o consumidor pode não ser
adequadamente informado, ou induzido, ou ter
escolha restrita de alternativas, ou ainda, ter oferta
de produtos inseguros, e ter poucos caminhos
para reparar-se desses enganos (ASSAEL, 1992).
Tais enganos são a exceção em vez de regra, mas
eles ocorrem com bastante regularidade a fim de
promover o que se conhece como consumerismo,
ou seja, ações de grupos de consumidores, agên­
cias governamentais e até organizações empre­
sariais para proteger os consumidores. Três tipos
de organizações constituem o movimento de
consumidores: grupos de consumidores orien­
tados com crescente consciência de consumo e
provimento de informações para melhorar suas
bases de escolha; governo, mediante legislação e
regulação; e empresas, por meio de competição e
autorregulação.
Para Engel, Blackwele e Miniard (2000,
p. 9), “[...] os direitos são absolutos, invioláveis
e inegociáveis”. A baixa qualidade de produto,
a falta de resposta a queixas legítimas, poluição
e outros atos nada mais são do que violação de
direitos legítimos e devem ser vistos como tal.
Houve uma mudança na consciência das
pessoas, levando ao aumento de exigências de
comportamento moral e ético nos negócios,
profissões e política. As indústrias enfrentam cada
vez mais protestos quando suas ações vão contra o
consenso social. O consumerismo tem promovido
certas questões, como o ambientalmente limpo, e
esse aumento de consciência ambiental tem levado
muitas empresas a ser mais conscientes dos efeitos
de suas ações no ambiente. Como resultado,
Assael (1992) lembra que empresas começaram
a usar plástico reciclado nas embalagens de seus
produtos e investiram na redução de poluentes e
na busca de soluções pela preservação ambiental
— a ecoeficiência.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
No universo escolar, Serrano (2003) afirma
que o problema ambiental é visto como um desequilíbrio produzido pelo estilo de vida da sociedade atual. As razões analisadas sob o ângulo do
tipo de desenvolvimento econômico e do tipo de
racionalidade envolvida remetem à necessidade da
construção de outro estilo de vida e de uma nova
racionalidade. Essa nova racionalidade implicaria
nova ética de respeito à diversidade bio­lógica e cultural, que estaria na base da sociedade sustentável.
Para a autora, a ênfase nas ações educativas
justifica-se pela necessidade de formar um cida­
dão com novas perspectivas da sua inserção na
natureza. Diante desse panorama, constata-se a
crescente necessidade de mudanças não apenas
nas estruturas econômica e política, mas também
nos fundamentos socioculturais que sustentam
essas relações dominantes. Uma das expectativas
quanto à efetividade da educação ambiental
é a adoção do consumerismo ambiental pelos
educan­dos. No entanto, a educação ambiental
concorre com os apelos ao consumo veiculados
pelos meios de comunicação de massa, em que
prevalece o apelo ao consumismo, embora tam­
bém veiculem campanhas ambientalistas. Por essa
razão, é necessário conhecer como o jovem se
posiciona, enquanto consumidor, diante dos dife­
rentes discursos e o que ele considera ao escolher
determinado produto ou marca.
A ênfase nas ações
educativas justifica-se pela
necessidade de formar um
cidadão com novas perspectivas
da sua inserção na natureza.
Assim, constata-se a crescente
necessidade de mudanças não
apenas nas estruturas econômica
e política, mas também nos
fundamentos socioculturais
que sustentam essas relações
dominantes.
v. 16, n. 1, p. 78 - 89, jan./jun. 2013
83
Sem uma mudança de valores e atitudes,
adequando-os ao consumerismo ambiental, os indi­
víduos, em geral, não se comprometem com os
objetivos comportamentais da educação ambiental,
o que resulta em um consumo de produtos ambien­
talmente incorretos, comprovando a existência de
um descompasso entre teoria e prática.
Para Serrano (2005), a variável ambiental
possui influência irrelevante na decisão de compra
e consumo, quando comparada a outras variáveis.
As principais justificativas para a não adoção do
consumerismo ambiental são o desconhecimento
sobre as principais questões ambientais e a
propaganda, que exerce influência no padrão de
consumo. Dessa forma, esses jovens que também
são formadores de opinião e podem contribuir
para minimizar a poluição ambiental mudando seu
comportamento de compra não incorporaram a
questão ambiental ao seu cotidiano.
Diante disso, é marcante a necessidade de
orientação e incentivo aos jovens, em especial
a estudantes universitários, que podem atuar
como formadores de opinião nos meios familiar e
comunitário em que vivem, de maneira a promover
o consumo ecológico e, por conseguinte, a
participação ativa nas mudanças necessárias no
contexto ambiental da sociedade moderna.
2Procedimentos
Metodológicos
Os dados foram originalmente coletados
em 2006 e publicados por Brandalise (2008)
como parte de um modelo elaborado em sua
tese de doutorado, que visou identificar o grau de
percepção do consumidor a respeito da variável
ambiental na cadeia produtiva, na ótica da redução,
reutilização e reciclabilidade dos recursos.
Conforme apresentado por Brandalise
(2008), a população foi constituída de univer­
sitários dos 15 cursos da Universidade Estadual
do Oeste do Paraná (Unioeste) campus Cascavel,
matriculados no quarto ano, totalizando 575
84
elementos. O parâmetro estimado para o nível
de confiança foi 95%, admitindo uma margem
de erro máxima de 5% para mais ou para menos
sobre o resultado total da amostra, e o tamanho
de amostra foi de 224 elementos.
Em cada uma das questões, as respostas
apontavam a intensidade de preocupação do res­
pondente com os aspectos relacionados à Per­cepção
Ambiental, ao Consumo Ecológico e às Etapas da
Análise do Ciclo de Vida do Produto (ACV).
Para os objetivos dessa análise, foram
consideradas apenas as questões relacionadas ao
Consumo Ecológico.
A escala de resposta consistiu em cinco
níveis de intensidade de preocupação com a
variável ambiental: 1 — forte preocupação, 2 —
frequente preocupação, 3 — média preocupação, 4
— fraca preocupação, 5 — nenhuma preocupação.
A partir dessa base de dados, a análise foi
realizada usando a técnica de análise multivariada
denominada análise de agrupamentos. A análise de
agrupamentos, ou análise de clusters (do original em
inglês), é uma das técnicas de análise multivariada
de dados, pois possui “múltiplas variáveis em um
único relacionamento ou conjunto de relações”
(HAIR JR. et al., 2005, p. 23), e é utilizada para
“desenvolver subgrupos significativos de indivíduos
ou objetos” (Ibid., p. 33).
Assim, o objetivo da análise é classificar uma
amostra de indivíduos em um pequeno número de
grupos que sejam mutuamente excludentes, o que
é feito a partir das similaridades identificadas entre
os indivíduos que compõem cada grupo. Nessa
análise, os grupos não são predefinidos e surgem
como resultado da utilização da técnica.
Logo, essa técnica de análise é útil por permitir que se reconheçam os diferentes grupos que
compõem a população pesquisada, tratando-se
de consumo consciente, apresentando especificidades que possam ser utilizadas para incentivar
comportamentos ambientalmente sustentáveis
em conformidade com cada diferente perfil de
público-alvo.
Assim, a análise tomou por base as
orientações contidas na obra de Hair Jr. et al.
(2005), que sugerem para a realização da análise
de agrupamentos os seguintes passos essenciais:
a confiabilidade com base na consistência interna
dos dados, indicando que o conjunto de itens
utilizados para a medição de um dado conteúdo
está medindo um mesmo conceito/atributo.
a) Medir alguma forma de similaridade
ou associação entre as entidades ou
os indivíduos para que se determinem
quantos grupos existem de fato na
amostra pesquisada;
Como resultado, para todos os 33 itens
referentes à Percepção Ambiental, ao Consumo
Ecológico e às Etapas da Análise do Ciclo de Vida
do Produto (ACV), apresentou-se um coeficiente
de 0,909, indicando que esses componentes estão
suficientemente integrados para a avaliação do
conceito medido. Para o Consumo Ecológico, foco
deste estudo, o coeficiente foi de 0,827, também
considerado suficiente.
b) Realizar o processo de agrupamento,
nos quais as entidades ou os indivíduos
são divididos em grupos;
c) A partir dos grupos encontrados,
estabelecer o perfil que caracteriza sua
composição.
3Resultados
Para a execução da análise de agrupamentos,
foram seguidas as etapas sugeridas por Hair Jr. et
al. (2005), conforme descrito em procedimentos
metodológicos.
Na primeira etapa, como medida de simi­
laridade, foram utilizadas as características de
consumo ecológico coletadas em 2006 por
Brandalise (2008). Inicialmente foi realizada uma
revisão da base de dados na busca de erros, por meio
da opção de Lista de Estatística Descritiva do SPSS
16.0, que apresentou como resultado dois dados
de respostas fora dos limites máximo e mínimo
dos padrões de resposta, os quais foram excluídos
totalmente da base de dados por não ser possível
identificar a resposta correta assinalada (não havia
dis­ponibilidade dos questionários respondidos).
Dessa forma, a base de dados passou a ter 222
questionários, sendo válidos apenas 202, que não
possuem nenhum valor faltando (missing cases).
Posteriormente, foi realizado o processo
de agrupamento, sendo os dados tratados com
a utilização do SPSS 16.0. Foram simulados
agrupamentos em números de dois a seis, e, a
partir deles, realizou-se a análise de frequência para
identificar o número adequado de grupos a ser
considerado, utilizando da Tabela de Frequência
dos Agrupamentos geradas pelo software.
Dessa análise, resultou como mais adequado
o número de três agrupamentos, em que cada
um representa de forma equivalente um terço do
conjunto de respostas (cluster 1 — 31,7%, cluster 2
— 35,6%, cluster 3 — 32,7%), e observa-se nessa
divisão que as similaridades presentes em cada
grupo os caracterizam como diferentes entre si.
Na última etapa, buscou-se estabelecer
o perfil que caracteriza a composição de cada
grupo. Para identificar as características dos três
agrupamentos definidos, utilizou-se a Análise de
Variância — One-Way ANOVA, considerando o
comportamento de médias dos grupos em cada
uma das variáveis analisadas.
O primeiro cluster, identificado como grupo
1, apresentou as médias de grupo expostas na
TAB. 1.
Em seguida, verificou-se a confiabilidade
de construto da escala, utilizando-se para tal o
coeficiente Alpha de Cronbach, que, segundo
Ledesma, Ibañez e Morantre (2002), é um dos
mais aplicados pelos investigadores para estimar
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 78 - 89, jan./jun. 2013
85
TABELA 1 — Médias do grupo 1
Variáveis analisadas
TABELA 2 — Médias do grupo 2
Médias
24
Mudaria a marca pela preservação do
ambiente
1,92
21
Verifica consumo de energia na compra
2,00
25
Pagaria mais por caderno reciclado
2,03
18
Valoriza o fabricante ecológico
2,08
20
Compra produtos reciclados ou
recicláveis
2,52
22
Compra produtos biodegradáveis
23
Dispõe a pagar mais por ecológicos
Variáveis analisadas
Compra produtos biodegradáveis
3,41
24
Mudaria a marca pela preservação do
ambiente
3,45
16
Influência da propaganda, amigos e
família
3,47
21
Verifica consumo de energia na compra
3,53
25
Pagaria mais por caderno reciclado
3,95
2,58
15
Variável ambiental na compra
3,97
2,72
18
Valoriza o fabricante ecológico
3,99
15
Variável ambiental na compra
2,78
23
Dispõe a pagar mais por ecológicos
4,14
19
Verifica rótulo se é ecológico
2,98
20
4,15
16
Influência da propaganda, amigos e
família
3,17
Compra produtos reciclados ou
recicláveis
19
Verifica rótulo se é ecológico
4,38
17
Pesquisa ações do fabricante
3,42
17
Pesquisa ações do fabricante
4,48
FONTE: Os autores (2011)
FONTE: Os autores (2011)
Observa-se que a maior parte das variáveis
está no nível de frequente ou média preocupação
(entre 2 e 3). São aspectos marcantes as quatro
variáveis de maior preocupação do grupo: mudariam
de marca em benefício do meio ambiente, verificam o
consumo de energia quando realizam suas compras,
pagariam mais um caderno reciclado (produto
objeto da pesquisa) e valorizam o fabricante que
pratica ações ambientais.
Esse grupo apresenta na maior parte das
variáveis pesquisadas médias superiores a 3,4 ou
4, sendo que todas indicam menor preocupação
que os demais grupos, aproximando-se mais de
uma postura de fraca ou de nenhuma preocupação
com o consumo consciente.
As variáveis que se apresentaram no nível
de média preocupação foram a influência de propaganda, amigos ou família na decisão de compra
e a pesquisa das ações ambientais do fabricante, o
que pode indicar que a decisão de consumir com
responsabilidade ambiental é postura do consumidor, não ocorrendo em razão do que os fabricantes divulgam ou do que os outros fazem, mas sim
em função da análise que ele faz do produto em si.
Sob essa perspectiva, o grupo 1 pode ser
identificado como grupo dos Consumidores
Conscientes.
O segundo cluster, identificado como
grupo 2, apresentou as médias de grupo expostas
na TAB. 2.
O grupo 2, então, pode ser identificado como
o grupo dos Consumidores Não Conscientes.
O terceiro cluster, identificado como grupo 3,
apresentou as médias de grupo expostas na TAB. 3.
TABELA 3 — Médias do grupo 3
Variáveis analisadas
Médias
21
Verifica consumo de energia na compra
1,76
24
Mudaria a marca pela preservação do
ambiente
2,58
22
Compra produtos biodegradáveis
2,67
25
Pagaria mais por caderno reciclado
2,99
16
Influência da propaganda, amigos e
família
3,19
18
Valoriza o fabricante ecológico
3,36
23
Dispõe a pagar mais por ecológicos
3,40
20
Compra produtos reciclados ou
recicláveis
3,43
15
Variável ambiental na compra
3,55
19
Verifica rótulo se é ecológico
3,75
17
Pesquisa ações do fabricante
4,03
FONTE: Os autores (2011)
86
Médias
22
Esse grupo apresenta a maioria das
variáveis entre média e fraca preocupação, porém,
uma variável que se destaca é a da verificação do
consumo de energia do produto quando da sua
compra, que atingiu um nível entre frequente e
forte preocupação, o melhor entre os três grupos.
A preocupação do grupo com os aspectos
ambientais pode ser classificada como pequena,
e o único aspecto de maior preocupação que
se apresenta tem relação com um interesse de
recursos próprios, uma vez que o consumo de
energia acarreta custos diretos ao consumidor.
Dessa forma, pode-se identificar esse grupo como o
dos Consumidores Econômicos Pouco Conscientes.
Conclusões
A literatura que fundamenta o consumo
ecológico ou consciente caracteriza os consu­
midores como possuidores ou não dessa pos­
tura. Na prática, porém, entre esses extremos,
apresentam-se gradações que poderiam apontar
posturas intermediárias voltadas mais para uma ou
outra característica do consumo ecológico.
Isso pôde ser identificado neste estudo,
uma vez que, entre os estudantes concluintes de
graduação da universidade pesquisada, os níveis
de preocupação com o consumo ecológico apresentam características diferentes do binômio ser
ou não ser consumidor ecológico.
tem inserido a preocupação com a sustentabilidade
nos planos pedagógicos dos diversos cursos,
possibilitando direcionamentos que favoreçam a
disseminação dessas práticas.
Além disso, a análise de clusters foi útil para
identificar um comportamento representativo de
cada grupo, que pode ser utilizado, por exemplo,
como base para direcionamento de divulgação de
ações ou práticas ambientais: os Consumidores
Conscientes são mais suscetíveis à essência da
preservação ambiental; os Não Conscientes são
mais resistentes, e para estes o esclarecimento
poderia focar a educação am­
biental para
desenvolver os primeiros passos; enquanto para
os Econômicos Pouco Conscientes, a edu­
cação
ambiental deveria focar os resultados em termos
de economia para todas as formas de ações
ambientais, possibilitando uma ampliação da
preocupação com os demais aspectos.
Assim, as atividades de ensino, pesquisa e
extensão das universidades que tenham foco a
sustentabilidade podem ser direcionadas levando-se em conta também essa nova perspectiva.
Como sugestão de estudos futuros, diversas
análises poderiam ser realizadas, identificando ou­
tras características marcantes em cada grupo, tais
como gênero, idade, curso ou renda, entre outras.
A principal contribuição da análise feita em
relação aos estudos já existentes aponta para o
perfil do grupo 3, dos Consumidores Econômicos
Pouco Conscientes, característica que indica um
perfil diferente dos tradicionais, em que os consumidores se preocupam com as questões ambientais quando estão ligadas à economia de recursos próprios.
Embora este estudo não tenha por objetivo
identificar qualquer relação de causa e efeito
entre os esforços da universidade e o perfil dos
estudantes, o resultado aponta para avaliações
necessárias quanto à forma como a universidade
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 78 - 89, jan./jun. 2013
•
Recebido em: 06/05/2011
•
Aprovado em: 25/06/2012
87
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 78 - 89, jan./jun. 2013
89
Comércio eletrônico: identificação
do perfil do e-consumidor
E-commerce: identification of the e-consumer profile
Comércio eletrônico: identificação do perfil do e-consumidor
E-commerce: identification of the e-consumer profile
Dayana Carla de Macedo1
João Luiz Kovaleski2
Mathias Talevi Betim3
Simone Nasser Matos4
Resumo
Esta pesquisa foi realizada objetivando identificar o perfil do e-consumidor entre os acadêmicos
de Administração da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no estado do Paraná. Em
um mercado de acelerada competição e de consumidores cada vez mais exigentes, traçar o perfil
do consumidor para adotar melhores estratégias de negociação pode fazer toda a diferença, na
medida em que aumenta a satisfação do cliente. A internet faz parte do cotidiano das pessoas,
logo, as organizações devem adotar melhores estratégias de negociação para oferecer produtos e
serviços a um nível distinto, de acordo com as necessidades e desejos dos e-consumidores. Nesse
contexto, realizou-se a pesquisa bibliográfica acerca do tema, e para a pesquisa de campo utilizou-se questionário. Ao analisar os dados, verificou-se que, dos entrevistados, 65,34% já efetuaram
compras na internet, e 34,65% ainda não. Dos compradores, a maior parcela possui renda entre R$
260,00 e R$ 1.300,00, e idade entre 16 e 25 anos, estando diariamente na internet de 1 a 6 horas,
com o objetivo de obter informações pessoais, pesquisa e diversão. Os itens mais consumidos
foram livros, eletrônicos e produtos de informática. O critério de mais relevância na decisão de
compra foi o preço, seguido da confiança dos compradores em relação ao sítio de compra. Com
relação aos problemas indesejáveis ao acessar um sítio, os entrevistados que efetuaram compras
apontaram a falta de clareza do processo de compra e a ausência de uma ferramenta de busca.
Dos acadêmicos que não efetuaram compra, verificou-se que os maiores fatores impeditivos são
a insegurança e a visualização da qualidade do produto.
Palavras-chave: Comércio eletrônico. E-consumidor. Marketing. Perfil.
Abstract
This study was conducted in order to gain knowledge of the e-consumer profile of the attendants
of the State University of Ponta Grossa, Paraná. In a market of accelerated competition and
demanding customers, tracing the customer profile helps improving negotiation strategies,
which can make a big difference, while increasing customer satisfaction. The Internet is part of
everyday life, in which knowledge is seen as an emerging factor of production, so organizations
must adopt better strategies in order to offer products and services of distinct level, according
to the needs and desires of e-consumers. In this context, theoretical review was performed on
the subject, as well as a survey (field research using a questionnaire). By analyzing the data,
we found that 65.34% of respondents have already made purchases on the internet whereas
34.65% have not. Most buyers have income ranging from R$ 260.00 to R$ 1,300.00, and are
aged between 16 and 25. They use the Internet every day for 1 to 6 hours, in order to obtain
personal information, do research and have fun. The items which were consumed more often
are books, electronics and computer/technology products. The most important criterion for
the decision to purchase was the price, followed by the confidence of buyers in relation to
the site. In relation to problems to access sites, buyers have pointed out that the purchasing
process can be confusing and the lack of a search tool. As for the university attendants who
have not made any purchase, we found that insecurity and difficulty in viewing product quality
were the most hindering factors.
Keywords: E-commerce. Knowledge Management. Customer Profile.
Doutoranda em Engenharia de Produção. E-mail: [email protected].
Doutor em Instrumentação Industrial pela Universite de Grenoble I (Scientifique Et Medicale — Joseph Fourier).
E-mail: [email protected].
3
Mestre em Engenharia de Produção. E-mail: [email protected].
4
Doutora em Ciências pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. E-mail: [email protected].
1
2
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
91
Introdução
Atualmente, a internet faz parte do cotidiano
das pessoas, tornando-se uma ferramenta potencial
para a área de marketing das empresas. Segundo
Pinheiro e Bittencourt (2009), as organizações que
sabem utilizar essa ferramenta de maneira correta
podem obter frutos. Contudo, há necessidade do
conhecimento do perfil do consumidor virtual e
entendimento do mercado.
Em um mercado de acelerada competição
e de consumidores cada vez mais exigentes, traçar
o perfil do consumidor para adotar melhores
estratégias de negociação pode fazer toda a
diferença, na medida em que aumenta a satisfação
do cliente. Logo, as organizações devem procurar
entender quais são os desejos, as necessidades e
as expectativas de seus clientes em relação aos
seus produtos. Então, a partir do conhecimento
do perfil do consumidor, as organizações podem
efetuar um atendimento estratégico, oferecendo
produtos e serviços a um nível distinto de acordo
com as necessidades e os desejos dos clientes.
O objetivo deste artigo é identificar o perfil
do e-consumidor dos acadêmicos de Administração
da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG),
no estado do Paraná, bem como efetuar o aporte
teórico da temática comércio eletrônico. A partir
de uma pesquisa de campo, entre 240 alunos do
curso, a amostra calculada foi de 101 alunos. Ou seja,
esse foi o montante que respondeu ao questionário
abordando essa temática.
Nesse contexto, a presente pesquisa abor­
dará a temática no aporte teórico, tanto quanto
a literatura a respeito do comércio eletrônico, do
relacionamento com o e-consumidor, e a questão
do alinhamento estratégico com o marketing, a
fim de aprofundar esses temas para melhores
correlações com os resultados apresentados entre
a teoria e a prática.
A seguir, na primeira seção, será apresentada
uma abordagem sobre o comércio eletrônico,
na segunda seção, é discutida a questão do
relacionamento com o e-consumidor, e a terceira
seção trata de uma abordagem com relação
ao alinhamento estratégico e o marketing. As
92
seções quarta e quinta retratam a metodologia de
pesquisa utilizada para o desenvolvimento deste
trabalho e analisam os resultados dos dados. Por
fim, a última seção reporta as considerações finais
deste trabalho.
1
Comércio Eletrônico
O comércio eletrônico é um sistema
que inclui transações de compra e venda de
bens e serviços com o intuito de gerar receitas,
transações que se referem ao suporte voltado
à geração de receitas, bem como a questão de
geração de demanda desses bens e serviços, a
oferta de suporte de vendas e serviço ao cliente
e a facilidade de comunicação entre negócios e
parceiros (KOSIUR, 1997).
Já para Martin (1999), o comércio eletrônico
é o processo de compra e venda de produtos,
serviços e informações pela internet, na qual a
questão do comércio on-line possui características
de trocas entre os vendedores e compradores,
sendo a estrutura da rede um fator de existência.
Na visão de Cabral e Yoneyama (2001), a
expressão comércio eletrônico é o processo de
utilização de meios eletrônicos para efetuar a
realização de trocas. Assim, para o acesso a esse
tipo de comércio, é necessário o uso da internet,
sendo uma ferramenta de relacionamento entre os
envolvidos nesse processo, ou seja, os proprietários
dos sítios que efetuam o comércio eletrônico e
seus consumidores. Segundo Reichheld e Schefter
(2000, p. 113):
a internet é uma poderosa ferramenta para fortalecer os
relacionamentos, mas as leis básicas e as recompensas
de se construir lealdade não se alteram. Ao encorajar
compras repetitivas entre um núcleo de clientes
lucrativos, as empresas podem iniciar uma espiral de
vantagens econômicas. Este efeito da lealdade lhes
permite compensar seus empregados de maneira mais
generosa, prover aos investidores maiores fluxos de
caixa e reinvestir mais agressivamente para aprimorar
ainda mais o valor entregue aos clientes.
A expressão comércio
eletrônico é o processo
de utilização de meios
eletrônicos para
efetuar a realização
de trocas.
Segundo Porter (2001), a tecnologia
de internet deve ser utilizada mais como um
complemento do que como uma forma de
canibalismo dos meios de competição. Nesse
contexto, há três dimensões básicas para o
comércio eletrônico, segundo Choi, Whinston e
Stahl (1997):
1.
Produto: os profissionais de marketing
necessitam do entendimento que o seu
produto pode ser negociado também
na forma digital.
2. Loja: estabelecimento ou lugar onde
o cliente pode adquirir o produto ou
serviço. A loja pode ser virtual, hos­
pedada em um computador conectado
à internet em qualquer lugar do mundo.
3. Entrega do bem adquirido: na forma
tradicional, a entrega é feita dentro
da loja ou na residência do cliente. De
acordo com a natureza do produto
ou serviço, há possibilidade de fazer a
entrega digital, a exemplo do envio de
um arquivo pela internet.
Dessa forma, para firmar um relacionamento
entre o e-consumidor e o respectivo estabe­
lecimento, devem ser consideradas essas três
dimensões. Além disso, a conveniência oferecida
nesse tipo de comércio emerge uma solução para
o varejo virtual.
melhor qualidade e preços. Takahashi (2000)
enumera que para o comércio eletrônico obter
sucesso, deve seguir alguns fatores:
——
Massa crítica: aumento do número de
internautas e de empresas que oferecem
seus serviços e produtos na rede.
——
Segurança, confiabilidade e velocidade:
relacionados à questão de transmissão
de dados e processo de entrega rápido.
——
Autorregulamentação: refere-se a ques­
tões como validações de transações
eletrônicas, proteção da privacidade
de pessoas e instituições, adoção de
padrões para os serviços eletrônicos e
regulamentação referente à arrecadação
de transações eletrônicas.
Assim, o detentor de um comércio eletrônico
precisa atentar a aspectos como o crescimento de
acessibilidade por parte das pessoas, questões
relacionadas à confiabilidade, velocidade e
credibilidade do sítio a ser acessado, e também à
autorregulamentação. É evidente o crescimento
da acessibilidade da internet na maior parte das
regiões do Brasil, mas ainda algumas questões são
relevantes a esse assunto.
Para Balboni (2008), há fatores socioeco­
nômicos e regionais com relação ao acesso à
internet. Em 2007, cerca de 17% do total de domi­
cílios brasileiros já tinham acesso à internet;
habitualmente, 45 milhões de pessoas utilizam a
internet, impactando 34% da população. Ainda,
segundo o autor, houve um crescimento de compras
pela internet, contando com 45% dos brasileiros
que utilizam a internet para pesquisas de preços.
Segundo Yamashita (2008), há perspectivas
animadoras para o e-commerce, em face da
inclusão social, do aumento do número de lares
com acesso à internet e do crescimento no volume
de compras eletrônicas.
Segundo Ladeira (2000), a oferta da con­
veniência vem como uma solução do varejo virtual,
no qual possui maior número de informações,
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
93
O detentor de um
comércio eletrônico
precisa atentar a aspectos
como o crescimento
de acessibilidade por
parte das pessoas,
questões relacionadas à
confiabilidade, velocidade
e credibilidade do sítio a
ser acessado, e também à
autorregulamentação.
2 Relacionamento com o
E-consumidor
Com a manutenção de relacionamentos
lucrativos e duradouros, as empresas têm
como principal intuitivo a aplicação de muitas
abordagens para aproximar e manter seus clientes
(YAMASHITA, 2003). A chave para atingir um valor
excepcional perante os clientes é um alto nível de
qualidade percebida pelos consumidores.
Logo, muito se discute acerca do valor
oferecido ao cliente on-line, segundo Venetianer
(2001), e levantam-se alguns aspectos sobre a
questão do valor para esses clientes:
——
——
94
Preço: nem sempre o fator decisivo de
compra é o preço, todavia, comodidade,
segurança na transação, variedade de
escolha, rapidez na execução e serviços
on-line também têm relevância na
decisão de compra de um consumidor
on-line.
O consumidor on-line: a compra realiza-se somente quando há a percepção
do real valor na oferta, embora essa
questão seja óbvia, nem sempre é
trabalhada pelas organizações.
——
Branding (marca): é um dos fatores
mais importantes, até mais que o
preço, pois há muitas empresas de
reputação discutível na internet.
Os ambientes virtuais com a inserção
de comércio eletrônico iniciam o processo de
criação de valor, em que os aspectos apon­
tados anteriormente são considerados por
seus detentores. Com a criação de valor para
o e-consumidor, o comportamento, ou a modi­
ficação, deste ocorre com a aquisição de expe­
riência. Para Yamashita (2003), a modificação
do comportamento na web ou internet ocorre à
medida que os consumidores adquirem expe­
riência. Para os compradores on-line, os benefícios
das compras pela internet podem ser classificados
em três categorias: menores preços, conveniência
e personalização.
Segundo Reichheld e Schefter (2000), os
e-consumidores têm desejo de efetuar negócios
com um local ou ambiente digital que torne suas
vidas fáceis, pois a maioria dos clientes bus­
ca prioritariamente conveniência, não preço. A
atração de determinados tipos de cliente tem
relação com a forma de projeção e inserção do
meio digital no mercado, pois aqueles clientes que
procuram lealdade normalmente chegam a esses
sítios por meio de indicação. Contudo, clientes
que procuram preço geralmente são atraídos por
descontos promocionais ou propagandas. Logo,
organizações que despendem tempo com banners
e com cupons on-line, mas não focam em criações
de comunidades e promoções de indicações,
poderão sofrer danos sobre o relacionamento com
seus clientes em longo prazo.
Para Martin (1999), o processo de utilização
de serviços mais complexos inicia-se com o
acesso à internet, pois o comportamento do con­
sumidor não muda da noite para o dia, envolve a
familiaridade do indivíduo com a internet. Dessa
forma, faz-se necessário o uso e o alinhamento de
estratégias para promover e alavancar as vendas
desses ambientes digitais comerciais, criando rela­
cionamento de credibilidade e de longo prazo.
Para os compradores
on-line, os benefícios
das compras pela
internet podem ser
classificados em três
categorias: menores
preços, conveniência e
personalização.
3
Alinhamento Estratégico x
Marketing
Segundo Rodrigues e Fernandez (2006),
a competitividade global está obrigando as or­
ganizações a reavaliar constantemente suas es­
tratégias de atuação, com o intuito de garantir me­
lhores resultados, sejam eles financeiros ou pela
participação de mercado.
Para Churchill e Peter (2000), a internet é
útil em todo o processo de marketing, pois per­
mite acesso a uma grande quantidade de dados
demográficos e outras informações referentes aos
ambientes interno e externo da empresa. Além disso,
é um poderoso meio de comunicação com clientes
existentes e potenciais, no qual há possibilidade de
as organizações oferecerem informações sobre si
e seus produtos, a fim de cultivar relacionamentos
comerciais de longo prazo.
Um serviço considerado bem-sucedido
pelo cliente necessita que a organização olhe para
os produtos, empresa e métodos de serviço de
acordo com os olhos do cliente (STERNE, 2000).
Para o cliente, não interessa se a organização
está estruturada por unidades de negócios,
linhas de produtos ou esferas de influência
política, ele apenas deseja que suas questões
sejam respondidas, e seus problemas, resolvidos.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Para Boone e Kurtz (2001), a internet oferece as
atividades de marketing para facilitar a compra de
bens e serviços, ampliação do mercado e redução
de custos.
Quando a questão se refere aos clientes,
o foco é estabelecer relacionamentos baseados
no aprendizado de suas necessidades e desejos,
oferecendo produtos certos e manutenção dessa
relação ao longo do tempo para a obtenção da
identificação com a marca e garantia da lealdade
por parte dos clientes (GAVA et al., 2005). Existe
também a necessidade de que ocorra um alinha­
mento entre as estratégias da organização e a
tecnologia da internet para que ela se mantenha
competitiva. Atualmente, o posicionamento de
mercado exige estratégias baseadas em co­
nhecimento, o qual constitui uma vantagem com­
petitiva (EDWARD et al., 2003). A vantagem
competitiva é a posição pela qual a empresa se
faz competitiva no mercado em que está inserida,
assim, essa questão deve ser mantida no nível
operacional e no posicionamento estratégico.
A competitividade
global está obrigando as
organizações a reavaliar
constantemente suas
estratégias de atuação,
com o intuito de garantir
melhores resultados, sejam
eles financeiros ou pela
participação de mercado.
Segundo Yamashita (2003), a escassez de
foco no sítio resulta em uma dificuldade para o
desenvolvimento da manutenção do consumidor,
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
95
pois quanto maior a quantidade de clientes que
uma organização tenta servir, maior é a dificuldade
com relação à adequação e à veiculação desse
sítio para que atenda às expectativas de todos.
Para que ocorra esse alinhamento estratégico, segundo Pinheiro e Bittencourt (2009), os
profissionais de marketing possuem como tarefa
colocar ordem no processo, em que a definição de
estratégica de marketing eletrônico deve estar de
acordo com os 4 Ps de Marketing (Produto, Preço,
Promoção e Praça).
Nesse contexto, há alguns atributos básicos
com relação à forma com que os sítios são
executados (GIANFORTE, 2001; FORBES, 2002):
1. Certificar-se de que o sítio possa
perceber mensagens explícitas e im­
plícitas dos e-consumidores.
2. Oferecer aos e-consumidores o que
eles desejam, de forma rápida.
3.
Facilitar a localização de recursos de
serviços eletrônicos.
4.
Oferecer múltiplos canais de contato.
5.
Possuir apoio interno forte.
6.
Manter e automatizar a base de dados.
A organização necessita atentar a esses as­
pectos relacionados à forma com que seus am­bien­
tes digitais estão sendo construídos e/ou modela­
dos, para que os e-consumidores os interpretem
de maneira correta e ocorra o processo de criação
de valor. Nesse contexto, há um papel importante
de alinhamento estratégico, bem como das ações
promocionais que envolvem o marketing da
empresa.
Para Vilha e Di Agustini (2002), a orga­
nização deve possuir o entendimento de práticas
de marketing para que possa construí-las de
forma correta, efetuando a adequação do
planejamento da utilização do canal internet às
necessidades dos consumidores, com o intuito
de estabelecer objetivos, determinar segmentos
de mercado a serem atendidos e identificar
alternativas de comunicação.
96
Os profissionais de marketing
possuem como tarefa
colocar ordem no processo,
em que a definição de
estratégica de marketing
eletrônico deve estar de
acordo com os 4 Ps de
Marketing (Produto, Preço,
Promoção
e Praça).
4Metodologia
O objetivo principal deste trabalho foi
identificar o perfil do e-consumidor dos acadê­
micos de Administração da UEPG (Paraná). A me­
todologia utilizada para desenvolver este trabalho
teve a finalidade de descrever as técnicas utilizadas
para a realização do aporte teórico, bem como a
pesquisa prática.
Inicialmente, realizou-se um estudo biblio­
gráfico da temática abordada na presente pesquisa,
para que, posteriormente, o estudo prático pudesse
ser realizado. A revisão bibliográfica é um apanhado
geral dos principais trabalhos relevantes e capazes
de fornecer dados rela­cionados ao tema escolhido.
A pesquisa prática, por sua vez, enquadra-se em
uma pesquisa de campo, na qual o pesquisador
define os seus objetivos, as hipóteses, o meio de
coleta de dados, o tamanho da amostra e como
os dados serão tabulados e analisados (MARCONI;
LAKATOS, 1996).
A pesquisa foi aplicada nas turmas do curso
de Administração da UEPG, totalizando 240 alunos.
A primeira etapa foi a elaboração do questionário
composto de 13 questões abertas e fechadas, em
que se utilizou uma linguagem simples e clara,
com breve apresentação do tema, com o intuito
de obter as informações para traçar o perfil dos
alunos. O questionário encontra-se disponível ao
fim do artigo.
Para definir a amostra correta para a pesquisa dessa população, a seguinte fórmula foi utilizada
(BARBETTA, 2002):
n0 =
1
E02
n=
N . n0
N+ n0
Em que n0 é a primeira aproximação da amostra, E0 é o erro amostral tolerável, N é número de elementos
da população e n é o tamanho da amostra.
A partir da população de 240 alunos, com um erro amostral de 7,6% e com o uso de três casas decimais,
obtivemos uma amostra n igual a 100 alunos (100,576).
5
Análise e Resultados
O questionário foi respondido por 101 acadêmicos do curso de Administração. Do total de entrevistados,
65,34% já efetuaram compras na internet, e 34,65% nunca utilizaram a internet para tal fim. Nesse contexto,
será efetuada a análise de dados para identificar o perfil dos acadêmicos que já efetuaram compras na internet.
Do total dos acadêmicos entrevistados que já efetuaram compras na internet, é possível observar no
GrAf. 1 os percentuais em relação à idade e renda. A partir daí, obteve-se como resultado que as maiores
porcentagens de compra estão na menor faixa etária e com as menores rendas.
GRÁFICO 1 — Acadêmicos que efetuam compras na internet X Renda e idade
FONTE: Os autores (2011)
Do total de compradores, 42% efetuam compras anualmente; 27%, trimestralmente; 23%, somente
quando há necessidade de comprar um produto; e 8% compram mensalmente.
Nesse sentido, identificou-se que a compra rotineira na internet é uma cultura a ser desenvolvida, pois
do total dos compradores, a maior parcela efetua compras anualmente ou somente quando há necessidade.
Dos meios de pagamentos, verificou-se que 65% utilizaram cartão de crédito; 24% utilizaram boleto;
9%, depósito; e 2%, reembolso, ou seja, o meio mais utilizado pelos acadêmicos de Administração é o cartão
de crédito.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
97
Questionados sobre qual foi o critério de decisão para efetuar as compras em um sítio, é possível
verificar (GrAF. 2) que os mais impactantes foram: preço (59%), confiança (36%) e formas de pagamento
(18%). Assim, verifica-se que os acadêmicos levam em consideração o preço dos produtos para decidir se
efetuam a compra ou não. Dos compradores, 9% responderam como critério de decisão outros, em que todos
alegaram comprar nesse sítio porque era o único local para aquisição de determinado produto.
GRÁFICO 2 — Critérios de decisão de compra
Preço
Confiança
Prazo de entrega
Forma de pagamento
Visualização do produto
Frete
Outros
FONTE: Os autores (2011)
Segundo Venetianer (2001), um dos aspectos levantados com relação à questão do valor para os
e-consumidores foi o preço, sendo que muitas vezes o preço não é fator decisivo. Porém, pelos dados obtidos,
observa-se que o preço foi um dos critérios decisivos seguido da confiança, ou seja, refere-se à marca, outro
aspecto apontado pelo autor, visto que há muitas empresas de reputação discutível na internet.
Os produtos mais consumidos pelos acadêmicos que efetuaram compras na internet são: livros, eletrônicos
e produtos de informática, conforme ilustra o GrAF. 3. A questão dos produtos consumidos ficou aberta aos
entrevistados, pois há a possibilidade de que eles tenham comprado mais de um item na internet.
GRÁFICO 3 — Produtos consumidos
Artigos
Livros
Prod. Informática
Eletrônicos
Roupas
Outros
FONTE: Os autores (2011)
A partir dos dados acima, foi verificado que, com relação aos produtos consumidos, os mais susceptíveis
à venda são livros (48%), eletrônicos (38%) e produtos de informática (33%). Logo, os profissionais de
marketing devem atentar a esse nicho de mercado e minimizar os problemas que os respondentes apontaram
ser os mais impactantes na pesquisa.
98
Posteriormente ao assunto dos principais produtos consumidos, os alunos foram questionados sobre
os objetivos de uso da internet. Dos acadêmicos que efetuam compras na internet, foi verificado que a maior
parcela utiliza a internet com o intuito de obter informações pessoais, pesquisa e diversão. Com base nos
resultados obtidos, pode-se afirmar que 59,09% dos compradores utilizam a internet com o objetivo de obter
informações pessoais, pesquisa e diversão. O GrAF. 4 ilustra as porcentagens com relação ao objetivo de uso
da internet dos compradores.
GRÁFICO 4 — Objetivos de uso da internet
Obter informações pessoais
Procurar livros e artigos
Pesquisa
Ler jornais e revistas
Diversão
Comunicação/amigos
FONTE: Os autores (2011)
Com relação ao total do tempo diário dedicado à internet, dos acadêmicos que a utilizam para fins de
compra, foi identificado que 30% gastam de 1 a 2 horas; 29%, de 2 a 4 horas; 23%, de 4 a 6 horas; e os demais,
de 6 a 10 horas na internet. Ou seja, é possível perceber que a maioria desses acadêmicos usa a internet
diariamente de 1 a 6 horas, sendo que, desse tempo, a maior parte é destinada a obter informações pessoais,
pesquisa e diversão.
Quanto aos problemas que os acadêmicos não gostariam de encontrar ao acessar um sítio, verificase que a maior parcela deles aponta a dificuldade do processo de compra, quando não é simples (64%), a
falta de uma ferramenta de busca de produtos (58%), as animações e propagandas desnecessárias (45%).
Dessa forma, os profissionais de marketing devem atentar para tais aspectos ao desenvolver um sítio com
o intuito de minimizar esses problemas. O GrAF. 5 ilustra os percentuais dos problemas que os acadêmicos
compradores não gostariam de encontrar ao acessar um sítio.
GRÁFICO 5 — Problemas que os compradores não gostariam de encontrar ao acessar um sítio
Layout
Estrutura do site não é simples
Falta de uma ferramenta de busca
Não aceita pagamento com cartão de crédito
Processo de compra não é simples
Não há facilidade em abandonar um processo de
compra
Não há facilidade em cancelar um processo de compra
Site não apresenta mecanismos de segurança (SSL)
Animações e propagandas desnecessárias
FONTE: Os autores (2011)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
99
Do total de acadêmicos de Administração, observou-se que 34,65% não efetuaram compras, sendo
que os principais motivos de inibição foram fatores relacionados com insegurança e visualização da qualidade
do produto. No GrAF. 6, podem ser identificados os percentuais dos motivos de inibição de compra dos
acadêmicos respondentes que não efetuaram compras na internet.
GRÁFICO 6 — Motivos de inibição de compra
Insegurança
Formas de pagamento
Falta de conhecimento
Viabilidade
Tempo de envio
Visualização de qualidade
Outros
FONTE: Os autores (2011)
Com base nos dados levantados para
estimular os e-consumidores que não efetuam
compras na internet, os profissionais de marketing
devem trabalhar a questão da insegurança (57%)
e visualização da qualidade dos produtos (31%).
Devem adotar estratégias para minimizar esse
impacto de insegurança e disponibilizar nos
sítios uma melhor visualização da qualidade dos
produtos oferecidos.
De acordo com os principais pontos
levantados no aporte teórico, foram encontradas
algumas correlações entre a teoria e o resultado
obtido. Na teoria, abordou-se que o comércio
eletrônico gera receitas a partir de bens e serviços
oferecidos entre vendedores e compradores.
Porém, as leis básicas de construir lealdade não
se alteram, fato evidenciado nos resultados, pois
um dos critérios mais impactantes na decisão de
compras usando o meio digital foi a confiança. O
consumo on-line ocorre quando há percepção real
do valor da oferta, levando-se em consideração
critérios como a confiança e/ou a credibilidade
em um sítio.
Outro fato que retrata esse assunto é a
questão da insegurança ao realizar compras pela
internet. Dos alunos que não efetuam compras, os
resultados evidenciam que os principais motivos
100
são a insegurança em um sítio e a visualização da
qualidade. Também é importante salientar que não
é do perfil dos alunos efetuar compras rotineiras,
de acordo com os resultados. Dessa forma, para
reverter essa realidade, a construção de valor
e lealdade para com os clientes necessita levar
em consideração as três dimensões abordadas
na teoria, sendo: produto, loja e entrega do
bem adquirido. Além da oferta de conveniência,
os detentores dos sítios precisam trabalhar
questões relacionadas à segurança, confiabilidade,
velocidade.
É necessário ressaltar que os principais
problemas encontrados no processo de compra
são: quando o processo não é simples, falta de uma
ferramenta de busca, animações e propagandas
desnecessárias. Esse fato evidencia o que a teoria
aborda: a construção do sítio deve observar
a importância de o processo de compra ser
efetuado com facilidade. A questão da velocidade
igualmente precisa ser considerada nesse processo,
além da localização de recursos eletrônicos. A falta
de ferramenta de busca também foi apontada
como indesejável.
A partir dos resultados obtidos, foi possível
identificar uma divergência entre a teoria e o
resultado. A teoria aborda o preço como não sendo
um fator decisivo de compra, mas nesta pesquisa
o fator mais impactante como critério adotado na
realização da compra foi o preço.
Considerações Finais
Por meio desta pesquisa, foi possível
obter o entendimento do funcionamento do
comércio eletrônico, bem como as relações entre
a organização e o e-consumidor, destacando a
relevância do alinhamento estratégico. Quando se
faz referência a e-consumidores, é necessário focar
para estabelecer relacionamentos duradouros
calcados no conhecimento desses clientes para
satisfazer suas necessidades e seus desejos.
A partir dos resultados obtidos com a
pesquisa, identificou-se que a faixa etária dos
acadêmicos de Administração da UEPG que
efetuam compras na internet se enquadra entre
16 e 25 anos, e a renda, entre R$ 260,00 e R$
1.300,00. A maior parte deles efetua compras
anualmente ou somente quando há a necessidade
de uso do cartão de crédito.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Os produtos mais consumidos são livros,
eletrônicos e produtos de informática. Dos compradores, a maior parcela utiliza a internet entre
1 e 6 horas diárias, com o objetivo de obter
informações pessoais, pesquisa e diversão. O
critério mais decisivo na compra foi o preço,
contradizendo o que foi abordado no referencial
teórico de que muitas vezes os e-consumidores
não levam em consideração o preço.
Com relação aos problemas indesejados
ao acessar um sítio, verificou-se que o processo
de compra que não é simples, a ausência de uma
ferramenta de busca e animações e propagandas
desnecessárias são os mais impactantes. Dos
acadêmicos que não compram na internet,
identificou-se que os motivos de inibição de compra
estão relacionados a fatores como insegurança e
visualização da qualidade do produto.
Logo, os profissionais de marketing que
atuam no comércio eletrônico devem atentar ao
perfil de compra dos e-consumidores e alinhar suas
estratégias. Dessa forma, será possível estabelecer
e manter relações de lealdade e de longo prazo.
•
Recebido em: 11/08/2011
•
Aprovado em: 18/07/2012
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
101
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
103
Difusão de demanda por recursos
de fomento a empresas: uma
aplicação do modelo de Bass
Demand diffusion for public financial resources for firms: an application
of Bass model
Difusão de demanda por recursos de fomento a empresas: uma aplicação do modelo de Bass
Demand diffusion for public financial resources for firms: an application of Bass model
Alex da Silva Alves1
José Antônio Pimenta-Bueno2
Thaisa de Freitas3
Resumo
Experiências adquiridas do estudo de inovações mostram que a difusão de um
novo conceito ou método no mercado pode ser, aproximadamente, caracterizada
pela fórmula de Bass, a qual descreve o processo de adoção de uma novidade
como uma interação entre usuários e potenciais usuários. Neste trabalho, aplica-se o modelo de difusão elaborado por Frank Bass no estudo da previsão de
demanda e do comportamento de adoção de um programa público de fomento à
inovação em empresas brasileiras. A maior dificuldade em estimar os coeficientes
do modelo de Bass é superada por meio da adoção da metodologia trazida
por Daisuke Satoh e de dados provenientes da Pintec, os quais permitem uma
análise do cenário de adoção do programa até 2015, assim como a antecipação
de soluções estratégicas que, a partir da análise elaborada neste trabalho, julgam-se necessárias para a sua continuidade. A análise realizada é trazida tanto numa
perspectiva nacional do programa de fomento quanto por região geográfica.
Palavras-chave: Modelo de Bass. Modelo de Satoh. Previsão de Demanda. Difusão
de Inovação em Empresas.
Abstract
This paper applies the Frank Bass demand diffusion model in the study and
prediction of the adoption of financial resources from a public program to boost
innovation in Brazilian companies. The main difficulty in estimating the coefficients
of the Bass model are overcome by adopting the methodology brought by Daisuke
Satoh and on data from PINTEC, a Brazilian innovation survey, which allows both
a scenario analysis of adoption of the program until 2015 and the anticipation of
strategic solutions believed to be necessary for its continuation. The analysis brings
about both national and geographical perspectives of the development program.
Keywords: Bass Model. Satoh Model. Demand Forecasting. Innovation Diffusion in
sempre Companies.
Doutor pela Università di Milano-Bicocca. Professor do Departamento de Engenharia da Universidade
Federal Fluminense (UFF) — Campus de Rio das Ostras (RJ). Professor dos cursos de Pós-graduação
Lato Sensu do Laboratório de Tecnologia, Gestão de Negócios e Meio Ambiente (LATEC) da UFF e do
Programa de Mestrado em Sistemas de Gestão do Departamento de Engenharia de Produção da UFF.
E-mail: [email protected].
2
Mestre em Industrial Engineering e em Engineering-Economic Systems pela Stanford University.
Professor do Departamento de Engenharia Industrial da PUC-Rio. E-mail: [email protected].
3
Graduanda em Engenharia de Produção pela Universidade Federal Fluminense (UFF) — Campus de
Rio das Ostras (RJ). E-mail: [email protected].
1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
105
Introdução
O estudo da inovação não é recente. Desde
os trabalhos pioneiros de Schumpeter (1934),
Solow (1979) e Denison (1962), entre outros,
inovações tecnológicas são, reconhecidamente,
vistas como um importante insumo no processo
de crescimento econômico. No entanto, tal
reconhecimento não é uniforme entre as mais
importantes escolas do pensamento econômico.
Na abordagem neoclássica, a inovação tecnológica
é considerada um fator exógeno ao processo
de crescimento, sendo trabalho e capital os
fatores endógenos explicativos dos modelos de
crescimento segundo essa visão. Tal abordagem
começou a sofrer duras críticas, sobretudo a partir
do surgimento da chamada escola evolucionária.
Os “evolucionistas” mudaram o foco de análise da
esfera macro para a microeconômica, atribuindo
um caráter endógeno ao fenômeno da inovação
por meio de seus modelos econométricos
(AGHION; HOWITT, 1998; NELSON; WINTER, 1982;
ROMER, 1986).
Uma teoria endógena do crescimento
econômico, portanto, leva em consideração o
processo de aprendizagem, de acumulação e de
disseminação de conhecimento novo. A criação
e a difusão da inovação em um sistema social
resultam de externalidades positivas (ANTONELLI,
2001), mostrando-se condição essencial para o
crescimento econômico. Assim, o conhecimento
da trajetória e dos estágios de absorção de
inovações por seus potenciais “adotantes”, ou
usuários, apresenta benefícios consideráveis
para os agentes do mercado — os quais, junto
a universidades e centros de pesquisas, são os
maiores geradores de inovações — em termos
da avaliação de sua efetividade, assim como das
instituições que estabelecem o arcabouço legal
e institucional para os sistemas de inovação cujo
foco é a promoção e a difusão de conhecimento
novo no tecido econômico e social de uma cidade,
região geográfica e até mesmo de um país.
Partindo desses pressupostos, os quais
atribuem caráter essencial aos determinantes da
inovação segundo a perspectiva evolucionista,
a inovação e a velocidade de lançamento de
106
novos produtos no mercado tornam-se fatores
fundamentais para a competitividade das
empresas. Entretanto, é importante salientar que
o simples fato de lançar produtos novos não se
traduz em garantia de sucesso e competitividade
no mercado (CROUCH et al., 2004), é também
necessário que as empresas sejam capazes de
traçar estratégias bem definidas para acompanhar
o desenvolvimento de seus novos produtos
(ANTONELLI, 2001).
Para traçar estratégias eficazes, as orga­
nizações devem ter conhecimento inicial sobre
o ciclo de vida de seus produtos — conceito
vastamente utilizado em marketing. Segundo Wind
(1982), o ciclo de vida do produto é caracterizado
por estágios de lançamento, crescimento, matu­
ridade e declínio, assemelhando-se ao ciclo de
vida de um organismo biológico.
Mahajan, Muller e Bass (1990) afirmam
que é fundamental que as organizações tenham
conhecimento de seu mercado de atuação, sendo
estritamente indispensável traçar estratégias de
marketing, visando conhecer melhor o mercado
em que atuam.
Dada a relevância de conhecer o com­
portamento das vendas de determinado produto,
as empresas desenvolvem, cada vez mais,
estudos de planejamento de demanda baseados
em diversos modelos de difusão existentes.
Segundo Mahajan e Muller (1979), o objetivo de
um modelo de difusão da demanda é retratar o
comportamento de adoção de um produto, dado
o potencial do mercado. Para esses autores, prever
o desenvolvimento de um processo de difusão já é,
por si, um importante progresso. Assim, a difusão
se destaca como importante ferramenta no
auxílio da definição de estratégias visando prever
adequadamente a demanda de novos produtos
(MAHAJAN; MULLER, 1979).
A difusão da inovação é definida por Rogers
(2003) como o processo pelo qual uma inovação
é compartilhada por meio de certos canais de
comunicação entre os membros de um sistema
social. É constituída por quatro elementos centrais:
a inovação, os canais de comunicação, o tempo e
o sistema social.
Shaikh, Rangaswamy e Balakrishnan (2005)
observam que a adequada modelagem da difusão
de um novo produto é importante tanto para
as empresas que introduzem novos produtos
como para as empresas que oferecem produtos
complementares ou substitutos. Por exemplo,
conhecer o tempo de adoção de um aparelho
de video game é importante para a empresa
fabricante, para as empresas concorrentes e
também para as empresas produtoras de bens
complementares, como os jogos eletrônicos.
Um dos modelos de difusão da demanda
mais utilizados é o proposto por Frank Bass (1969),
o qual considera aspectos como a propaganda de
massa, a propaganda de seus usuários e o tamanho
do mercado na previsão de novos produtos.
Como será visto adiante, esse modelo tem sido o
mais utilizado na análise da difusão de produtos
inovadores.
Assim como novos produtos, programas
públicos de fomento à inovação em empresas
também podem ser uma novidade para as
empresas demandantes dos recursos financeiros,
uma vez que a decisão por parte de uma empresa
de apresentar uma primeira proposta para atender
aos requisitos de um edital é análoga à decisão da
primeira compra de um produto novo. Dessa forma,
surge o problema para o formulador de política
de como planejar adequadamente a distribuição
desses recursos escassos, sendo de fundamental
importância
conhecer
antecipadamente
o
comportamento
dessa
demanda,
e
seus
determinantes, para melhor planejar o uso e a
alocação dos recursos de fomento.
O objetivo deste estudo é, portanto,
apresentar uma abordagem para a avaliação da
difusão da demanda por recursos de fomento à
inovação utilizando o modelo de Bass e avaliar
a projeção do ingresso de novos usuários
(demandantes) no programa. Isto é, o trabalho
prevê como o uso do programa poderá difundir-se
entre novos usuários que tomarem conhecimento
Rev.
FA E ,
C uritiba,
de sua existência — por verem outras empresas
participarem ou pela mídia — e se dispuserem a
apresentar uma primeira proposta.
O trabalho é divido em cinco seções. A primeira,
esta introdução, traz um resumo das principais
questões relacionadas à difusão da inovação. A
próxima seção mostra o modelo proposto por Bass
utilizado para previsão de demanda. A terceira traz
uma breve apresentação do modelo proposto por
Satoh para estimação dos coeficientes requeridos
no modelo. Na quarta, caracteriza-se o programa de
fomento, objeto do estudo, e aplica-se o modelo para
a previsão da difusão de seus demandantes. Por fim, a
última seção dedica-se às considerações finais.
1
O Modelo de Frank Bass
Os primeiros estudos realizados sobre
difusão de inovação remontam do início da
década de 1960 e foram introduzidos por Fourt e
Woodlock (1960), os quais consideravam que as
oscilações de demanda por novos produtos eram
induzidas somente pela ação da propaganda.
Posteriormente, Mansfield (1961) identificou que a
principal influência no processo era a comunicação
interpessoal, popularmente conhecida como
“boca a boca”. Partindo de ambas as premissas,
Frank Bass desenvolveu um modelo de difusão
considerando as duas concepções propostas
por Fourt e Woodlock (1960) e por Mansfield
(1961), ponderando que os consumidores
potenciais de novos produtos são influenciados
por dois aspectos: a comunicação de massa e a
comunicação interpessoal. O impacto do modelo
desenvolvido por Bass foi tão significativo que
seu uso se estendeu por diversas áreas, passando
pelo estudo da difusão de novos bens ou serviços
em tecnologia industrial, agricultura, educação,
indústria farmacêutica, mercado consumidor
de bens duráveis, entre outros (MAZZON;
GUAGLIARDI; FONSECA, 1983).
vem
O modelo de Bass (BASS, 1969) também
sendo bastante difundido no Brasil.
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
107
Alguns exemplos de sua aplicação no País são
apresentados, por exemplo, no trabalho de Scarpel
e Rocha (2007), em que se mostra uma aplicação
à indústria automobilística, e no de Figueiredo
(2011), que o aplicou à indústria de motocicletas.
Um aspecto marcante do modelo está no
comportamento de seus resultados, os quais se
mostram, até os dias atuais, bastante consistentes
com diversos estudos no campo das ciências
sociais, como atestam Wright e Chariett (1995).
Como mencionado anteriormente, o modelo
de Bass considera dois aspectos, os quais formam
dois grupos de consumidores. O primeiro grupo diz
respeito aos inovadores, que adotam o produto,
motivados por fontes externas, como a propaganda.
O segundo é constituído pelos imitadores, influ­
enciados pelo relacionamento interpessoal. Com
base nesses dois aspectos, o modelo de Bass
reflete todos os esforços de comunicação vindos
da organização interessada.
O modelo parte da premissa de que a
probabilidade de um cliente efetuar a primeira
compra, em determinado instante t, é função linear
do total de usuários que já adotaram o produto,
representada pela seguinte expressão:
(1)
108
m, que é o Potencial do Mercado; p, representando
o Coeficiente de Inovação; e, finalmente, q,
refletindo o Coeficiente de Imitação. O coeficiente
de inovação (p) é também chamado de influência
externa ou efeito propaganda. O coeficiente de
imitação (q), por sua vez, é também conhecido
por influência interna ou efeito “boca a boca”.
Como N(t) representa o total de compradores
no instante t, então, sua derivada, dN(t)/d(t),
representa a taxa de novos consumidores a cada
instante, ou seja:
(2)
Concordando a equação (1) com a equação
(2) e substituindo m-N(t) por U(t), teremos:
(3)
A solução da equação (3) representa uma
curva em formato de S, na qual a assíntota do
gráfico gerado a partir da equação é a capacidade
máxima do mercado, ou seja: o parâmetro m, o
potencial do mercado.
Substituindo N(t)/m por Z(t), chega-se à
representação mais conhecida do modelo de Bass,
que é uma equação diferencial de primeira ordem:
N(t) representa o total de adotantes no
instante t, e m representa o total de possíveis
consumidores no mercado. Dado que o modelo
leva em consideração a propagação do novo
produto desde a realização da primeira compra,
considera-se o tempo t = 0, em que se tem N(0) =
0, visto que ainda não existem adotantes. Portanto,
P(0) = p, o que indica a probabilidade da primeira
compra. O valor de p considera a iniciativa dos
primeiros compradores. Por outro lado, q aumenta
à medida que o número de pessoas já adotantes do
produto aumenta, representando a força na difusão
exercida pela imitação.
Uma das vantagens associadas ao modelo
de Bass é a capacidade de explicar o início do
processo de difusão da inovação por considerar
o grupo dos pioneiros, os quais adotam a
inovação assim que é lançada. Tais pioneiros,
reconhecidamente, desempenham um importante
papel na difusão de inovações, como salientam
Rogers (2003), que chama esse grupo de primeiros
adotantes, e Lazarsfeld e Katz (1995), os chamam
de “líderes de opinião”.
Fundamentalmente, como mostrado na
expressão (1), são três os parâmetros que definem
a aparência da curva do modelo de difusão de Bass:
O aspecto subjacente à lógica do modelo
de Bass reflete-se na crença de que a comunicação
eficaz contribui para a difusão de uma inovação.
(4)
Ou seja, o modelo leva em consideração a
contribuição do sistema social no processo de
difusão. Esse princípio é muito usado, por exemplo,
por epidemiologistas na previsão da difusão de
epidemias, uma vez que os processos endêmicos
ocorrem mediante contágio interpessoal. Vale
ressaltar que o processo de difusão da ino­
vação também é fortemente influenciado pelo
comportamento da imitação. Trata-se, obviamente,
de um assunto que não é novo. Autores como Tarde
(1890) já haviam considerado tais aspectos há
mais de cem anos. A maior novidade trazida pelo
modelo de Bass foi a formalização matemática das
considerações de que uma inovação é uma condição
necessária para a mudança, mas a mudança real só
ocorre quando um grande número de pessoas inicia
o processo de adoção de determinado produto.
Tal aspecto é reforçado por vários autores, como
Wright e Chariett (1995).
Resumindo, o sucesso de uma inovação
é impactado tanto por fatores externos quanto
internos à organização responsável pelo lan­
çamento de um novo produto, e o modelo de Bass
nos permite estudar tais impactos previamente
ao seu lançamento no mercado. Tal consideração
possibilita aos gestores traçar estratégias eficazes
para suprir as necessidades do mercado com certa
antecedência, o que, como aponta Guseo (2004),
faz do modelo um importante aliado das empresas
no contexto da inovação.
No entanto, apesar de sua efetividade, o
sucesso da implementação do modelo está atrelado
a uma correta estimativa dos efeitos “propaganda”
e “boca a boca”, assim como do tamanho do
mercado, apresentados na expressão (1). Ou seja,
o uso apropriado do modelo depende de estimar
adequadamente os coeficientes p, q e m.
Segundo Bernhardt e MacKenzie (1972), os
modelos de difusão funcionam bem em alguns
casos, mas em outros os resultados não são
satisfatórios. Esses autores sugerem que o sucesso
pode ser resultante da escolha tendenciosa da
inovação, da população, da situação e do tempo.
Mahajan, Mason e Srinivasan (1985) apontaram que
uma possível razão poderia estar no procedimento
Rev.
FA E ,
C uritiba,
utilizado para estimar os parâmetros dos modelos
de difusão.
Segundo Mahajan, Muller e Bass (1990),
o levantamento dos parâmetros é altamente
influenciado pela quantidade de dados disponíveis.
Diversos estudos comprovam que quando os
dados disponíveis abrangem o período de pico, as
estimativas são mais confiáveis.
Mahajan, Mason e Srinivasan (1985) com­
pararam três procedimentos de estimação:
estimativa dos mí­
nimos quadrados ordinários
(OLS), estimativa de máxima verossimilhança
(MLE), estimativa dos mínimos quadrados
não lineares (NLS). Eles concluíram que o
procedimento NLS proporciona melhor estimativa
para os parâmetros. Entretanto, esse método é
mais sofisticado que os demais, não sendo de fácil
aplicação. Vale ressaltar também que o método
OLS, apesar de ser mais simples, pode apresentar
deficiências, como a multicolinearidade e a
produção de parâmetros de sinal negativo.
Dadas tais dificuldades, muitas vezes são
utilizados parâmetros obtidos em fontes externas.
Segundo Sultan, Farley e Lehmann (1990), p e
q assumem valores médios próximos de 0,03
(geralmente menores que 0,01) e 0,38 (geralmente
O sucesso de uma inovação
é impactado tanto por fatores
externos quanto internos
à organização responsável
pelo lançamento de um novo
produto, e o modelo de Bass
nos permite estudar tais
impactos previamente ao seu
lançamento no mercado.
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
109
entre 0,30 e 0,50), respectivamente. Entretanto,
quando se trata de um produto ou serviço
inovador, não se pode escapar da estimativa
desses parâmetros, recomendando-se usar novas
estimativas em vez de valores já disponibilizados.
2
A Proposta de
Daisuke Satoh
Praticamente, uma medida fácil e rápida de
estimar parâmetros no modelo de Bass não existe.
Isso acontece porque, como se nota nas expressões
(1), (2) e (3), o modelo de Bass é um método em
tempo contínuo. Para efeitos de estimação dos
parâmetros do modelo, isso pode trazer algumas
dificuldades, pois os dados históricos necessários
para a estimação são essencialmente discretos.
Uma solução para esse problema foi proposta
por Satoh (2001), o qual apresentou um modelo
discreto que mantém as propriedades do modelo
contínuo de Bass.
O modelo de Satoh (2001) é descrito por
uma equação diferencial que tem solução exata.
Os resultados apresentados são equivalentes aos
resultados obtidos a partir do modelo de Bass
quando o intervalo de tempo se aproxima de zero,
sendo a solução pelo modelo de Satoh uma boa
aproximação da solução pelo modelo de Bass
convencional quando o intervalo de tempo é
suficientemente pequeno. Assim, pode-se utilizar
o modelo de Satoh para estimar os parâmetros
por meio de uma equação de regressão, conforme
sugerida pelo autor.
Satoh desenvolveu um método para estimar
os parâmetros baseando-se tanto no método
dos mínimos quadrados ordinários (OLS) quanto
no método dos mínimos quadrados não lineares
(NLS), chegando à conclusão de que o melhor
método é o NLS. Segundo o autor, isso se dá
devido a algumas falhas no método OLS, incluindo
a mencionada tendência para produzir parâmetros
com sinal negativo, ou seja, probabilidades
negativas. O método utilizado neste trabalho foi
110
o NLS, no qual se estimaram os parâmetros p e q
tanto no âmbito nacional do programa de fomento
quanto no regional. Os resultados dos parâmetros
são apresentados ao longo das próximas seções.
A derivação do modelo de Satoh é demasiado
complexa e não se enquadra no escopo deste
trabalho, devendo o leitor interessado acompanhar
as etapas de derivação dos parâmetros no trabalho
de Satoh (2001). Aqui nos limitaremos a mostrar a
proposta do autor para a estimação dos parâmetros
p e q a partir do método NLS, a qual consiste
na estimativa dos parâmetros p e q utilizando o
seguinte conjunto de expressões para o número de
adotantes Xn no tempo n:
Em que:
µn representa um componente de erro,
normalmente distribuído;
δ é uma constante relativa à diferença entre
um instante de tempo e outro. No modelo discreto
de Satoh, δ pode assumir valores como 1, 2, 3...
Neste trabalho, utilizou-se δ = 1, pois os períodos
são anuais, variando de um ano para outro.
Supondo n e m conhecidos, têm-se, resol­
vendo as expressões (5) e (6), conforme proposta
de Satoh (2001), os seguintes resultados para os
parâmetros de interesse:
Os valores de p e q assumidos neste trabalho
foram obtidos a partir das expressões (7) e (8).
O método proposto por Daisuke Satoh
não sugere um mecanismo para estimativa
do parâmetro m, que é considerado um fator
exógeno. A proposta desenvolvida pelos autores
deste trabalho para estimação do parâmetro m é
apresentada na próxima seção.
3
Evolução e Projeção do
Programa de Fomento à
Inovação
O trabalho que motivou o desenvolvimento
deste artigo dá sequência aos estudos promovidos
pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
(CGEE), sob encomenda da Financiadora de Es­
tudos e Projetos (Finep), a respeito do uso do
novo instrumento de fomento à inovação no
ambiente empresarial, conhecido por Programa de
Subvenção Econômica à Inovação. A modalidade
de apoio financeiro, que caracteriza o programa,
permite a aplicação de recursos públicos não
reembolsáveis diretamente nas empresas.
Nesta seção, dividida em duas partes, apre­
sentamos a caracterização do referido programa
para, em seguida, explicar como o modelo de Bass
se aplica à estratégia de previsão de sua evolução.
3.1 Caracterização do Programa de Fomento
O programa, que tem seu marco legal na
Lei da Inovação, iniciou com a chamada de 2006
(CH06), a qual foi objeto do primeiro estudo rea­
lizado pelos autores.4
O presente estudo trata das chamadas
2007 e 2008 (CH07 e CH08) do programa, que
tentaram inovar certos procedimentos de sub­
missão e análise de propostas de modo a fazer
frente ao grande volume de propostas atraí­
das pela iniciativa pública de fomento (CGEE,
2009). Mais importante entre essas tentativas
foi o experimento com os conceitos de proposta
simplificada e proposta detalhada, que dividiram o
processo seletivo em duas fases sequenciais.
A cobertura de análise das chamadas,
entretanto, não foi uniforme devido às restrições
na disponibilidade de dados da chamada de
2008. Em que pesem essas restrições, o estudo
atual apresentou novas linhas de análise que
alargaram o espectro de apreciações feitas sobre
o instrumento governamental, relativamente ao
estudo anterior.
As duas chamadas aqui contempladas
foram muito semelhantes entre si, mas distintas da
anterior. Os recursos orçados foram 50% maiores,
as áreas temáticas prioritárias foram diferentes e
houve inovações no processo de apresentação de
propostas, tendo em vista o expressivo número de
propostas esperadas, resultante do processo de
difusão do programa na comunidade empresarial.
Nas chamadas de 2007 e 2008, o programa
destinou R$ 1,1 bilhão a projetos de 441 proponentes
(empresas) distintos, frente a uma demanda de
4.125 proponentes (distintos), uma mesma empresa
poderia participar de mais de uma proposta. A
Tab. 1 apresenta estatísticas básicas do programa,
em termos dos recursos envolvidos, das propostas
apresentadas e de sua tramitação pelo processo
seletivo e dos proponentes novos e recorrentes.
No que diz respeito às áreas temáticas, a
principal mudança foi a eliminação do chamado
Tema Geral, que dava guarida às prioridades dos
próprios proponentes. A experiência colhida na
CH06 mostrou que o instrumento de subvenção
adotado não acomodava adequadamente esse
grau de flexibilidade; para o atendimento desses
propósitos, por exemplo, seria mais eficiente um
instrumento de apoio mais automático, como os
incentivos fiscais.
Se o tema genérico não se adéqua ao
instrumento, o tema muito específico também não.
Isso porque, em várias áreas tecnológicas, o tema
Apreciação da Chamada 2006 do Programa de Subvenção Econômica à Inovação. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2007.
4
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
111
permite a identificação, ex ante, dos proponentes
ou de um grupo muito restrito deles. Nesses casos,
instrumentos como encomendas poderiam ser
mais coerentes às necessidades dessas empresas.
Temas muito específicos ensejam um
trade-off do tipo concentração versus dispersão:
de um lado, orientam a subvenção para conquistas
tecnológicas importantes; de outro, restringem o
seu impacto sobre a capacitação para inovação
das empresas para apenas algumas delas. Por
exemplo, como mencionado, o universo até
agora atingido pelo R$ 1,1 bilhão alocado pelo
programa nas três chamadas limita-se a 441
proponentes (distintos), entre os 4.125 (distintos)
que apresentaram propostas.
TABELA 1 — Proponentes e propostas por chamada
do Programa de Subvenção Econômica à
Inovação — chamadas 2006, 2007 e 2008
(*) Contém a Finep como proponente (teste), com sete
propostas apenas em 2007.
(**) Contém duplicidade, já que o proponente pode aparecer
com proposta em mais de uma categoria.
(***) Não inclui resultados dos pedidos de recurso à decisão da
Diretoria.
FONTE: Os autores, com base em dados fornecidos pela Finep (2012)
112
Os dois estudos mencionados dividiram-se em três frentes: análise da con­
sulta direta
promovi-da pelo CGEE junto aos par­
ticipantes
das chamadas, de modo a conhecer a opinião dos
clientes sobre uma série de questões operacionais
de interesse da agência de fomento à inovação;
apreciação dos deman­dantes pelo apoio público,
buscando conhecer sua origem geográfica,
seu porte e os aspectos da sua localização que
possam influir no seu desempenho; apreciação
pormenorizada do pro­cesso seletivo em si. Este
artigo foi elaborado a partir de considerações
advindas do segundo aspecto do estudo referente
às chamadas de 2007 e 2008.
3.2Aplicação do Modelo de Bass na
Previsão de Demanda por Recursos de
Fomento à Inovação
A teoria econômica e a de gestão
empresarial trazem um espectro considerável de
abordagens visando definir, de modo coerente
e funcional, o conceito de inovação (DRUCKER,
2003; FREEMAN et al., 1982; KOTLER et al., 2000;
SCHUMPETER, 1942). A definição mais conhecida,
e popular, sobretudo no âmbito das políticas
públicas — e de certa forma também derivada das
anteriormente citadas —, é a da OCDE, segundo a
qual inovação é a implementação de produto (bem
ou serviço) novo ou significativamente melhorado,
ou processo, ou um novo método organizacional,
de marketing, ou até mesmo novas práticas de
gestão das empresas e das relações com atores
externos, como fornecedores (OECD, 2004). Essa
definição, calcada no ponto de vista do produtor,
salienta os aspectos mais prementes da inovação,
i.e., o aspecto de novidade e o componente da
mudança na característica dos processos, produtos
e métodos organizacionais. Ampliando esse ponto
de vista para incorporar também a perspectiva
do consumidor, inovação pode significar qualquer
produto, serviço ou ideia percebido por alguém
como uma novidade (KOTLER, et. al., 2000). Esse
último aspecto, a perspectiva do consumidor
ou usuário, apresenta-se como o elemento de
interesse para o estudo objeto deste trabalho.
Inovação é a implementação
de produto novo ou
significativamente melhorado,
ou processo, ou um novo
método organizacional, de
marketing, ou até mesmo
novas práticas de gestão
das empresas e das relações
com atores externos, como
fornecedores.
de proponentes. Esses novos entrantes tomam
conhecimento do programa (inovação) por meio
de fontes externas (a mídia) ou internas (usuários).
Os três parâmetros de interesse, explicitados nas
expressões (1), (2), (3) e (4) e contextualizados
para aplicação em programas de fomento, são os
seguintes:
m = potencial do mercado ou, no caso,
público-alvo do programa;
p = coeficiente de influência externa, isto é,
a probabilidade de uma empresa ainda não usuária
vir a tornar-se usuária por efeito externo, como,
cobertura da mídia ou efeito de propaganda;
q = coeficiente de influência interna, isto é,
a probabilidade de uma empresa não usuária vir a
tornar-se usuária pela influência de algum usuário
(efeito imitação ou transmissão oral).
O Programa de Subvenção Econômica à
Inovação é uma novidade para muitas empresas.
Tendo como base as definições apresentadas no
parágrafo anterior, pode-se dizer que sua inserção
no tecido empresarial já é, por si, uma inovação.
De fato, a decisão por parte de uma empresa de
apresentar uma primeira proposta para atender
aos requisitos de um edital no âmbito do programa
de fomento (ingressar no programa) é análoga à
decisão da primeira compra de um produto novo.
Afinal, a apresentação de uma primeira proposta
tem custos e riscos. Os custos não são pequenos,
eles decorrem da aquisição do know-how para
elaborar uma boa proposta, da contrapartida
requerida e dos custos de adequação às regras
do jogo da subvenção pública (relatórios,
visitas técnicas etc.). Os riscos, por conseguinte,
estão mais associados à incerteza jurídica que
acompanha uma nova ação governamental. Logo,
pode ser apropriado, por parte do órgão de
fomento que promove a ação, tratar da difusão
do programa utilizando as mesmas ferramentas
empregadas para prever a difusão de inovações
em geral.
A difusão do programa de fomento se
dá pelo ingresso de novas empresas à sua lista
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Nesta seção do estudo, portanto, objetiva-se prever a evolução da entrada de novos usuários
no programa da subvenção, de modo a antecipar a
evolução da população atraída pela iniciativa gover­
namental de apoio à inovação. Busca-se, ainda,
conhecer as regiões geográficas mais demandantes
do programa.
Com as duas novas chamadas, nos anos de
2007 e 2008, surge uma nova figura de interesse
que não estava presente na primeira chamada do
programa, ocorrida em 2006 (CH06): a figura do
proponente recorrente aos recursos do programa.
Do ponto de vista da política pública, interessa
conhecer o grau de difusão do programa, bem como
seu grau de atratividade. Conhecer essa dimensão
de novos e recorrentes é importante, porque,
conforme apresentado a seguir, a competição entre
esses proponentes pelos recursos do programa não
é igual.
Os coeficientes relativos aos proponentes
recorrentes (q) e aos novos (p) foram estimados
seguindo o protocolo sugerido por Satoh (2001).
O potencial de mercado (m) foi o parâmetro
mais crítico para estimar devido à dificuldade de
identificar o grupo de empresas potencialmente
alvo do programa.
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
113
Tal parâmetro é crítico pela sua influência
no modelo de previsão, sendo de difícil estimação
por conta do problema de explicitar o público-alvo
do programa. Esse público-alvo não identifica as
empresas por seu segmento industrial, nem por seu
porte ou outro atributo objetivo, mas pela disposição
de inovar em determinadas áreas temáticas ditas
prioritárias pelo Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT) e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indús­
tria e Comércio Exterior (MDIC).
A dificuldade em delimitar o público-alvo
é agravada por dois fatores: primeiro, pelo fato de
que, dentro das áreas prioritárias, há, ainda, temas
prioritários, alguns bem específicos. O segundo agra­
vante é derivado do objeto que está sendo apoiado,
segundo a política de fomento do programa.
Alguns exemplos de propostas submetidas
na chamada de 2007 ilustram essas dificuldades:
——
——
Desenvolvimento de sistema de
navegação e controle para satélite de
monitoramento da região amazônica,
estabilizado em três eixos, incluindo
hardware completo do computador de
bordo (com interfaces para os sensores
e atuadores), sistema operacional de
tempo real, software de navegação e
software de gerenciamento do sistema
de controle.
Desenvolvimento, implementação e tes­
tes de terminais de acesso (set-top-box
e receptores) com implementação do
middleware GINGA para TV digital (compatíveis com as especificações estabelecidas para o Sistema Brasileiro de TV
Digital (SBTVD)) e para outras aplicações
de vídeo digital.
Na interpretação da agência executora, no
âmbito desse programa de fomento, a atividade
inovadora objeto do apoio é a atividade de P&D
associada à inovação, e não a inovação em si.
Isto é, a subvenção dirige-se ao custeio da P&D
necessária para alcançar o novo produto ou
processo, e não ao custeio do esforço de inserção
do novo produto/processo no mercado. Assim,
além de interesses muito específicos, o público-alvo deve apresentar interesse e capacidade de
inovar a partir de atividades próprias de P&D.
114
Visando contornar tais dificuldades, o número
potencial de participantes foi extraído a partir de
uma análise realizada sobre dados da Pesquisa de
Inovação Tecnológica (Pintec) 2003/2005, ajustado
para as áreas temáticas abrangidas pelo programa.
O GrAf. 1 ajuda a visualizar os balizamentos pro­
postos. Realizou-se um extrato da população da
Pintec, em que foram retirados setores industriais
que, à primeira vista, pareciam menos afetos às áreas
prioritárias do programa. Essa extração, a princípio,
não necessita de critérios mais aprofundados, pois
a intenção principal foi estabelecer um limite inferior
para o público-alvo. Os GrAf. 2 e GrAf. 3 formam
um extrato da população da Pintec, em que foram
retirados setores industriais que, à primeira vista,
pareciam menos afetos às áreas prioritárias do
programa. Como exemplos de tais setores, podemos
mencionar a fabricação de produtos de fumo, de
madeira, de couro e calçados, de borracha e plástico.
O GrAf. 1 mostra o número de empresas
que desenvolveram atividades inovadoras em diferentes graus de especificidade, segundo a metodologia da Pintec, as quais apresentam as seguintes
características:
——
Empresas que implementaram ativi­
dades inovadoras;
——
Subconjunto do item anterior, segre­
gando as empresas que logram im­
plementar inovação de produto ou
processo;
——
Subconjunto do item anterior, segre­
gando as empresas que realizaram dis­
pêndios em atividades inovadoras;
——
Subconjunto do item anterior, segregando as empresas que realizaram dispêndios com atividades de P&D próprio.
O gráfico mostra ainda o número de empresas
que desenvolveram atividades inova­
doras em di­
ferentes graus de especificidade, fornecendo dois
números balizadores do público-alvo do programa:
o número de empresas da população da Pintec, visto
como limite (bem) superior, e o número de empresas
do recorte feito para refletir as áreas industriais mais
afetas ao programa, visto como limite inferior.
Cabe notar que a diferença percentual entre esses dois balizadores decresce rapidamente com o aumento
da especificidade — isto é, no final da cadeia, a população do recorte é quase igual à população da Pintec.
GRÁFICO 1 — Público-alvo do programa de balizamentos da Pintec
FONTE: Os autores, com base em dados da Pintec (IBGE, 2005)
Com isso, parece claro que, impondo a restrição mais forte de haver feito gasto com P&D próprio no ano,
o limite inferior do público-alvo, em 2005, seria próximo de 6 mil empresas. A fixação do limite superior é mais
controversa. Com o incentivo da subvenção, algumas empresas que desenvolveram atividades inovativas, sem
gastos com P&D próprio, poderiam passar a realizar a atividade de P&D próprio com recursos da subvenção.
Isto é, se o incentivo for eficaz, o número de empresas praticantes da atividade de P&D se elevaria.
Como o programa teve início somente em 2006, pode-se afirmar que as estatísticas da Pintec 2003/05 não
refletem, ainda, os efeitos do programa. Logo, deve-se admitir que o público-alvo do programa se espalhe para
a categoria anterior, das empresas que, em geral, realizaram dispêndio em atividades inovativas.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
115
TABELA 2 — Estimativa de demanda potencial do programa (2001-2003)
Pintec 2001 - 2003
Atividades selecionadas da indústria e dos
serviços
Implementaram
atividades
inovativas
Implementaram
Iinovações
de produto /
processo
Realizaram
dispêndios em
ativ. inovativos
Realizaram
dispêndios em
P&D próprio
61.323
28.036
20.599
4.941
Indústrias extrativas
1.008
415
325
76
Indústrias de transformação
60.315
27.621
20.274
4.865
-
-
-
-
27.542
14.047
10.977
3.685
45%
50%
53%
75%
-
-
-
-
27.542
14.047
10.977
3.685
Fabricação de produtos alimentícios e bebidas
7.210
3.563
2.560
479
Fabricação de produtos têxteis
2.434
1.111
727
163
Fabricação de papel, embalagens e artefatos de
papel
1.195
482
364
113
Petróleo, elaboração de combustíveis nucleares
e produção
137
64
51
16
Fabricação de produtos químicos
2.710
1.529
1.292
646
Fabricação de produtos de metal
5.163
2.453
2.010
460
Fabricação de máquinas e equipamentos
4.094
2.354
1.834
695
Escritório e equipamentos de informática
175
143
141
130
Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais
elétricos
1.381
699
598
274
de aparelhos e equipamentos de comunicação
513
348
307
165
Instrumentação médico-hospitalar, instrumentos
de precisão e ópticos
704
384
299
202
Fabricação e montagem de veículos
automotores, reboques e carrocerias
1.419
772
671
277
Fabricação de outros equipamentos de
transporte
408
145
122
64
-
-
-
-
Telecomunicações
-
-
-
-
Atividades de informática
-
-
-
-
Pesquisa e desenvolvimento
-
-
-
-
(Fonte: Tabela 1.1.1 da Pintec 2005)
Total Pintec
Serviços
TOTAL ÁREAS DE SUBV. ECON.
% da Amostra da Pintec
Indústrias extrativas
Indústrias de transformação
Serviços
FONTE: Os autores, com base em dados da Pintec (IBGE, 2005)
116
TABELA 3 — Estimativa de demanda potencial do programa (2003-2005)
Pintec 2001 - 2003
Atividades selecionadas da indústria e dos
serviços
(Fonte: Tabela 1.1.1 da Pintec 2005)
Implementaram
atividades
inovativas
Implementaram
inovações
de produto /
processo
Realizaram
dispêndios em
ativ. inovativos
Realizaram
dispêndios em
P&D próprio
69.399
32.796
21.966
6.168
1.083
427
330
18
Indústrias de transformação
65.287
29.951
19.621
5.028
Serviços
3.028
2.418
2015
1122
35.135
18.103
12.890
5.120
51%
55%
59%
83%
-
-
-
-
30.889
15.685
10.875
3.998
Fabricação de produtos alimentícios e bebidas
7.923
3.771
2.412
449
Fabricação de produtos têxteis
3.164
1.382
807
164
Fabricação de papel, embalagens e artefatos de
papel
1.277
551
287
50
Petróleo, elaboração de combustíveis nucleares
e produção
163
103
68
29
Fabricação de produtos químicos
3.030
1.900
1.383
964
Fabricação de produtos de metal
5.712
2.668
1.873
390
Fabricação de máquinas e equipamentos
4.611
2.282
1.790
767
Escritório e equipamentos de informática
199
146
115
60
Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais
elétricos
1.491
865
608
362
Fabricação de aparelhos e equipamentos de
comunicação
523
367
307
181
Instrumentação médico-hospitalar, instrumentos
de precisão e ópticos
878
627
488
319
Fabricação e montagem de veículos
automotores, reboques e carrocerias
1.547
819
559
189
372
205
176
74
4.246
2.418
2.015
1.122
334
180
146
66
2.652
2.197
1.829
1.015
42
41
41
41
Total Pintec
Indústrias extrativas
TOTAL ÁREAS DE SUBV. ECON.
% da Amostra da Pintec
Indústrias extrativas
Indústrias de transformação
Fabricação de outros equipamentos de
transporte
Serviços
Telecomunicações
Atividades de informática
Pesquisa e desenvolvimento
FONTE: Os autores, com base em dados da Pintec (IBGE, 2005)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
117
Admitindo, portanto, que o limite superior esteja nessa categoria de empresas, o teto do programa
estaria entre 12 mil e 22 mil empresas, se o incentivo fosse eficaz com todas. Tal margem de erro na estimativa
do limite superior (e inferior) pode ser reduzida pela observação da representação gráfica da curva de difusão,
mostrada no GrAf. 2, utilizando os dados históricos das quatro primeiras chamadas realizadas nos anos de
2006 a 2009.
GRÁFICO 2 — Evolução e previsão do número de proponentes novos com base no modelo de difusão de Bass
FONTE: Os autores (2012)
O GrAf. 2 apresenta a evolução e a previsão dos novos usuários do programa até 2015, utilizando o
modelo de Bass, com parâmetros estimados com base nos dados históricos do programa. As previsões seguem
três hipóteses sobre o tamanho do público-alvo potencial no ano 2010:
a) O limite inferior a 7.600 empresas: que resulta da atualização do limite de 6 mil identificado na
Pintec (2005) pela taxa anual de crescimento observada na população que realiza dispêndio com
P&D próprio;
b) Um valor intermediário de 8.500 empresas: que reproduz, em 2010, o mesmo número de novos
proponentes de 2009;
c) Um limite superior a 10 mil empresas: de natureza mais provocativa, visando observar suas
possíveis implicações.
Os elementos acima sugerem que, ao continuar a política vigente de fomento do programa, de cunho
mais restritivo, parece improvável alcançar um limite superior a 10 mil empresas. De fato, esse limite inverteria
a concavidade da curva no ano 2010 e, como consequência, promoveria uma inversão numa tendência que se
observa desde 2007, isto é, o decréscimo sistemático do número de novas empresas que aderem ao programa.
Essa inversão seria consistente apenas com uma mudança expressiva na política de fomento.
Por sua vez, o limite inferior a 7,6 mil parece promover um decréscimo um pouco mais acelerado. Sua
probabilidade de ocorrência se eleva à medida que a política de fomento continua a enfatizar a atividade de
P&D em detrimento das demais atividades inovativas (da Pintec) e, ainda, eleva a exigência de contrapartida.
118
Portanto, a leitura dos dados da Pintec sugere o teto de 7,6 mil proponentes, a se manter três premissas
básicas dessa estimativa: primeira, a manutenção da política de apoio à inovação em áreas temáticas restritivas;
segunda, a política de fomento a innovation research, e não ao conjunto das atividades potencialmente
inovadoras; e, terceira, a nítida preferência ao apoio às empresas que já realizam dispêndios com P&D próprio.
Com essas premissas, o ingresso de novos proponentes deve acompanhar, a partir de 2010, a curva do GrAf. 3.
GRÁFICO 3 — Evolução e projeção da difusão do programa em uma perspectiva nacional
FONTE: Os autores (2012)
Em tal hipótese, o programa já terá atendido, em 2009, cerca da metade da demanda potencial, embora
só tenha até então contemplado 441 (6%) proponentes com a subvenção econômica.
3.3 Evolução e Projeção do Programa por Região
O estudo traz ainda uma primeira tentativa de projetar a difusão do programa nas diferentes regiões do
País para os próximos cinco anos. Para tanto, utilizou-se o modelo de difusão de Bass em cada região, o que
exigiu estimar os parâmetros regionais. O GrAf. 4 traz os resultados desse esforço.
Por esses resultados, as regiões Sudeste (SE) e Nordeste (NE) se assemelham em termos das
propriedades de difusão, enquanto as demais exibem características mais singulares. Por exemplo, a difusão
no Centro-Oeste (CO) parece ser mais influenciada pelo “boca a boca” do que pela mídia, e o oposto parece
ocorrer na região Sul (S).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
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119
GRÁFICO 4 — Parâmetros de difusão regional do programa
FONTE: Os autores (2012)
Um exemplo do efeito desses parâmetros sobre cada região é ilustrado no GrAf. 5 para o caso do
Nordeste (NE). Observa-se, primeiro, a evolução do número de novos proponentes nas diferentes chamadas
até 2009; em seguida, observa-se a previsão feita pela função de Bass, cobrindo o período 2010 a 2015. Essa
previsão fundamenta-se, claramente, na manutenção das mesmas políticas do Programa de Subvenção que
vigoraram até 2009.
GRÁFICO 5 — Evolução e projeção da difusão do programa na perspectiva da região Nordeste
FONTE: Os autores (2012)
120
Agregando-se as projeções feitas para cada região, obtém-se o GrAf. 6, o qual aponta as participações
regionais finais previstas pelo modelo.
GRÁFICO 6 — Evolução e projeção da difusão do programa por região geográfica
FONTE: Os autores (2012)
Como se pode observar no GrAf. 6, há poucas mudanças no período, mesmo com a desagregação dos
usuários por região, conforme se nota detalhadamente na Tab. 4.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
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121
TABELA 4 — Estimativa da difusão do programa por região geográfica
(1) Estimativa feita com base nos valores históricos, utilizando método proposto por: SATOH,
Daisuke, A discrete Bass model and its parameter estimation, Journal of the Operations
Research Society of Japan, v. 44, n. 1, mar. 2001.
FONTE: Os autores (2012)
Pelos dados apresentados, há uma tendência de que, nos próximos três anos a partir de 2010, haveria
redução no número de proponentes novos, o que aconteceria em todas as regiões.
122
Conclusão
Baseando-se nas análises realizadas neste
trabalho, em que se traçou a evolução de um
importante programa nacional de fomento até 2015,
acredita-se que um maior esforço de divulgação do
programa, sobretudo em regiões como a CentroOeste, pode contribuir com o aumento do potencial
de demandantes qualificados. Maior esforço
de divulgação (propaganda) pode atrair novos
entrantes e aumentar a intensidade do esforço
daqueles que lançaram propostas sem ainda ter
logrado êxito na aprovação. Como observado neste
trabalho, tal aspecto pode reverter a tendência de
queda do número de proponentes novos.
Com base em tais aspectos, deve-se
examinar a conveniência de adotar chamadas
distintas para proponentes novos e recorrentes,
uma vez que os recorrentes podem beneficiar-se do forte efeito de aprendizado, o qual
aumenta as chances de propostas aprovadas nas
chamadas sucessivas do programa. Seguindo
experiências amplamente difundidas na Europa
para qualificação dos demandantes de recursos
de fomento dos chamados Programa-Quadro
(Framework Programmes) da Comissão Europeia,
é importante pensar na estruturação de esforços
de treinamento em formulação de propostas
dirigidas para a massa de proponentes que
desistem do programa por não lograrem qualificar
suas propostas.
Como proposta para trabalhos futuros,
sugere-se uma análise mais aprofundada dos
efeitos da difusão do programa em cada região
específica, levantando-se estudos sobre a geografia
da inovação no País. Igualmente, uma vez que o
mercado potencial das empresas aqui considerado
foi estimado a partir de dados da Pintec 2006,
sugere-se a confrontação dos resultados deste
trabalho com a Pintec 2008, visando verificar se a
introdução do Programa de Subvenção Econômica
à Inovação contribuiu com o aumento do esforço
de P&D próprio das empresas.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
A liberação dos dados das chamadas de 2010
e de 2011, por parte da agência executora, ajudaria
na avaliação da efetividade do modelo de previsão,
uma vez que poderiam ser comparados os dados
previstos e realizados para esses respectivos anos.
Nesse âmbito, uma vez disponibilizados os dados,
seria possível verificar se a tendência de redução
de proponentes novos nos três anos subsequentes
a 2010 estaria de fato se materializando.
Por fim, o trabalho buscou salientar a
importância e as principais dificuldades de
modelos matemáticos para descrever o ciclo
de vida de um produto inovador no mercado,
como pode ser o caso da introdução de um novo
programa de fomento à inovação destinado a
empresas usuárias do recurso de fomento. As
maiores dificuldades verificadas no modelo
utilizado dizem respeito ao dimensionado do
mercado e à estimativa dos demais coeficientes
necessários. Esses últimos, em particular, têm sua
efetividade fortemente dependente de uma série
histórica atualizada. Conforme o programa evolui,
acredita-se que os novos dados obtidos — caso
sejam disponibilizados pela agência executora —
possam contribuir para um entendimento mais
amplo da sua efetividade, de modo a subsidiar a
continuidade de propostas de ações estratégicas
para correção de problemas encontrados.
•
Recebido em: 14/02/2012
•
Aprovado em: 06/05/2012
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
123
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FA E ,
C uritiba,
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125
O processo de terceirização nas
relações organizacionais
The outsourcing process in organizational relationships
O processo de terceirização nas relações organizacionais
The outsourcing process in organizational relationships
Alfredo Rodrigues Leite da Silva1
Andreza Sampaio de Mello2
Simone de Souza3
Resumo
Nesta pesquisa objetivou-se discutir como o processo de terceirização é
contextualizado nas culturas, nas relações de poder e no clima organizacional das
empresas. As questões culturais, as relações de poder e o clima organizacional
são fatores ligados a diferentes níveis de desempenho e estão presentes nas
relações cotidianas das organizações. Para legitimar empiricamente essa
discussão, os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas
aplicadas aos funcionários de uma empresa líder na produção de papel e
celulose. Foi possível concluir que os aspectos culturais, as relações de poder
e o clima organizacional estão relacionados à forma como os funcionários
encaram as mudanças trazidas pela terceirização. O processo de mudança
desencadeado pelas terceirizações pode ser facilitado ou dificultado em
função de como são tratadas as questões ligadas à cultura, ao poder e ao
clima organizacional.
Palavras-chave: Cultura Organizacional. Relações de Poder. Clima. Terceirização.
Papel e Celulose.
Abstract
This paper discusses how the process of outsourcing is contextualized in
different cultures, in power relations and in organizational climate of companies.
Cultural issues, power relations and the organizational climate factors are linked
to different levels of performance and are present in everyday relationships in
organizations. To legitimize this discussion empirically the data were gathered
from semi-structured interviews with employees of a leading company in
the production of pulp and paper. The results suggest that cultural aspects,
power relations and organizational climate are related to the way employees
face the changes brought by outsourcing. The process of change caused by
outsourcing can be facilitated or hampered according to the way matters are
linked to culture; power and organizational climate are treated.
Keywords: Organizational Culture. Power Relations. Business Climate.
Outsourcing. Pulp and Paper.
Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor Adjunto
do Departamento de Administração da UFES e pesquisador do NEOS/UFMG e do NETES/UFES.
E-mail: [email protected].
2
Doutoranda em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (bolsista
pela Capes). E-mail: [email protected].
3
Mestre em Administração de Empresas pela Fundação Instituto Capixaba de Pesquisa em
Contabilidade, Economia e Finanças (fucape). Professora — Campus Guarapari, coordenadora
do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão Estratégica de Negócios e Diretora de
Pesquisa e Pós-Graduação no IFES. E-mail: [email protected].
1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
127
Introdução
A terceirização de atividades empresariais
é caracterizada como o processo de deixar de
produzir internamente um bem ou serviço para
adquiri-lo de outra empresa (PINHEIRO, 1999;
REZENDE, 1997). O processo de terceirização
pode gerar vantagens, como a redução de custos
e a possibilidade de manter o foco no seu core
business (atividade-fim), mas também pode
gerar desvantagens, como a insegurança quanto
ao suprimento de produtos e a perda de sinergia
interna (PINHEIRO, 1999; REZENDE, 1997).
O certo é que esse processo trará mudanças
para a organização, e a maioria dessas mudanças
refletirá na redução de pessoal e nas novas relações
que surgem com as empresas que prestam os
serviços terceirizados. Cabe, então, dizer que as
mudanças trazidas pela terceirização podem afetar
diretamente as pessoas ligadas à or­ganização
e as relações existentes entre elas. Portanto, os
impactos causados pelo processo de terceirização
podem estar conectados a fatores como cultura
e clima organizacional, e também às relações de
poder existentes.
Autores como Fleury e Sampaio (2002) e
Santos (1999) defendem que as questões culturais,
as relações de poder e o clima organizacional são
fatores ligados a diferentes níveis de desempenho
das organizações. Ao recuperar a ideia de Schein
(1985), ouseja, a de que não existe uma cultura ideal,
e que cada empresa cria a sua própria cultura, é
válido pensar que os impactos de qualquer mudança
irão variar de organização para organização,
dependendo da cultura desenvolvida em cada uma.
Além da cultura, as relações de poder instituídas
em cada organização podem vir a determinar
o comportamento dos indivíduos em face dos
processos organizacionais (BERTERO, 1996).
Outro aspecto que deve ser considerado ao
analisar mudanças organizacionais causadas pela
terceirização, ou por qualquer outro processo, é
o clima organizacional presente na empresa. O
clima organizacional não pode ser confundido
com cultura da organização, pois a cultura está
relacionada às origens da organização e aos seus
valores, ao passo que o clima reflete uma situação
128
O clima organizacional não
pode ser confundido com
cultura da organização, pois
a cultura está relacionada
às origens da organização e
aos seus valores, ao passo
que o clima reflete uma
situação momentânea, que
pode inclusive ser alterada,
vivida entre a pessoa
e a empresa.
momentânea, que pode inclusive ser alterada,
vivida entre a pessoa e a empresa (FLEURY;
SAMPAIO, 2002).
Diante da complexidade dos temas
relacionados com cultura, poder e clima, e suas
relações com os processos de mudanças por que
passam as organizações, são válidas as tentativas
para melhor compreender essas situações tão
presentes no cotidiano das empresas. Nesse
contexto, apresenta-se o objetivo do presente
artigo, que é discutir como o processo de
terceirização é contextualizado nas culturas, nas
relações de poder e no clima organizacional das
empresas. O estudo faz parte de uma pesquisa
mais ampla sobre a contextualização de diversos
aspectos organizacionais na ótica da cultura, do
clima e das relações de poder. Em relação ao foco
deste artigo, buscou-se desenvolver um referencial
teórico considerando diferentes visões sobre os
temas cultura, poder e clima nas organizações e
sobre o processo de terceirização.
A parte empírica da discussão foi realizada
por meio de um estudo de caso na empresa
Papelório (nome fictício adotado a fim de preservar
o nome da empresa), uma empresa líder mundial na
produção de celulose. Na coleta dos dados, foram
realizadas entrevistas semiestruturadas, apoiadas
num roteiro estabelecido a priori, aplicadas aos
funcionários dos níveis gerencial e operacional.
As entrevistas foram transcritas, e, logo após, as
falas foram agrupadas em categorias predefinidas,
de acordo com a técnica de Análise do Conteúdo
(BARDIN, 1977) em uma abordagem temática.
Para desenvolver a discussão, este artigo
está organizado em sete tópicos: o primeiro é
esta introdução; o segundo trata da articulação
entre cultura, poder e clima nas organizações; o
terceiro discute o processo de terceirização e sua
contextualização nas empresas; o quarto apresenta
o percurso metodológico do estudo de caso; o
quinto é um breve histórico da empresa investigada
no estudo de caso; o sexto corresponde à análise
dos dados; e o sétimo apresenta as considerações
finais do artigo.
1
Cultura, Poder e Clima nas
Organizações
O termo cultura, no sentido antropológico,
foi definido por Tylor (1958, p. 1, tradução nossa)
como “[...] um conjunto complexo que inclui
conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes
e qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos
pelo homem como um membro de uma sociedade”.
Hofstede (1997) corrobora essa ideia ao afirmar
que cultura é adquirida e não herdada, que é um
fenômeno coletivo, vivenciado por pessoas de um
mesmo ambiente social. Esse autor afirma que ela é
distinta da natureza humana e da personalidade. Por
divergir em muitos aspectos com Hofstede (1997),
Aktouf (1994) também afirma que não existe cultura
sem que os atores sociais sejam identificados seus
pares e com locais de socialização reconhecidos.
É comum aos autores a visão de cultura
antropológica como algo socializado entre indivíduos de um mesmo ambiente, assim a polêmica
está na possibilidade de gerenciar ou não esse
processo e em como fazer isso (AKTOUF, 1994).
Nessa concepção, cabe dizer que as organizações
também constituem ambientes nos quais nascem
Rev.
FA E ,
C uritiba,
e se consolidam as culturas organizacionais, ou
seja, as culturas vivenciadas nas empresas. Dessa
forma, vários pesquisadores começaram a estudar
a cultura organizacional. Surge, então, a definição
de Schein (1985, p. 4), que traz um corte funcionalista de cultura organizacional, ao defini-la como
“um conjunto de pressupostos básicos que um
grupo inventou, descobriu ou desenvolveu [...] e
que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros”.
Para o autor, não existe um tipo certo de cultura
que seja melhor ou pior, uma vez que cada empresa tem a sua própria cultura que pode ser administrada pelos gestores de acordo com os interesses
da organização. Aktouf (1994), por sua vez, critica
a visão de cultura organizacional como a suposta
capacidade dos gestores, utilizando ritos, cerimônias, símbolos e mitos, de despertar, reforçar ou alterar valores, atitudes e crenças, ditas apropriadas
para os membros da organização.
Sobre essas críticas, o próprio Aktouf (1994)
reconhece que a abordagem funcionalista tende
a ser predominada em seu viés gerencialista,
com classificações específicas para facilitar o ma­
peamento cultural. Um exemplo disso é o trabalho
de Trompenaars (1994) sobre cultura organizacional,
no qual o autor propõe um modelo com dimensões
que permitem definir quatro tipos de culturas
empresariais, que variam de empresa para empresa:
1. A família: um tipo de cultura voltado para o poder;
2. A Torre Eiffel: um tipo de cultura voltado para
função; 3. O míssil guiado: um tipo de cultura voltado
para o projeto; 4. A incubadora: uma cultura voltada
à satisfação.
Ao discutir cultura organizacional, é necessário
também considerar os valores organizacionais.
Tamayo (1997) argumenta que pode haver uma dis­
crepância entre os valores da alta administração,
chamados de valores organizacionais, e os valores
dos indivíduos que nela trabalham. A respeito desse
argumento, Junquilho e Leite-da-Silva (2004, p. 150)
sugerem que, em vez dos valores organizacionais, o
que existe, na verdade, são os valores na organização,
pois esses valores são “construídos socialmente — e
não, a priori, pelos desejos da alta administração”.
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
129
Afastando-se do viés funcionalista para uma
visão mais crítica, deve-se considerar que a cultura
nas organizações está associada, ainda, às relações
de poder que permeiam as atividades orga­
nizacionais. As relações de poder são expressas a
todo o momento no dia a dia das empresas, seja de
forma explícita ou embutida nas atitudes cotidianas
das pessoas envolvidas nos processos.
Trabalhos sobre o poder nas organizações
têm gerado uma variedade de conceitos dentro
de diversas abordagens. Hardy e Clegg (2001)
resgataram os trabalhos de Marx e Weber que
enfocaram o poder por meio da propriedade,
meios de produção e estruturas organizacionais
e exploraram a linha funcionalista e crítica acer­
ca do tema. Apesar de o poder ser visto por di­
ferentes ângulos, os autores acreditam que o
estudo do poder é direcionado para um foco com­
portamental, mas ele deve ser entendido na sua
diversidade de visões.
Entre essas diferentes visões, Foucault
(2003) investigou os mecanismos do poder com
um triângulo: poder, direito e verdade; de um lado,
as regras de direito delimitando o poder, e, do outro,
a produção da verdade que esse poder produz.
Analisando a matéria sob outra perspectiva,
surge o estudo de Galbraith (1989), que questiona o
uso da palavra poder. Para o autor, o poder tem um
significado ligado ao senso comum de submissão a
algum tipo de autoridade. Nessa ótica, ele buscou
conhecer o que diferencia os que exercem o poder
daqueles que são submetidos a essa autoridade,
analisando três fontes de poder: personalidade,
propriedade e organização.
Tendo como foco a perspectiva organizacional,
Bertero (1996), por exemplo, explora as dimensões
poder e cultura. O autor analisa o poder, a priori,
centrado na figura do proprietário, em seguida,
explica o desdobramento desse poder por meio dos
influenciadores internos, defendendo que o poder
é um elemento modelador, podendo influenciar no
comportamento e nos processos organizacionais.
Os trabalhos sobre poder nas organizações
influenciaram estudos específicos dentro de
130
determinadas áreas da organização. Nesse
contexto, Pagés, Bonatti, Degaulejac et al. (1987)
analisam as práticas de poder na gestão dos
recursos humanos. Os autores mostram como o
poder é exercido por meio de vários procedimentos
utilizados nas políticas de recursos humanos,
os quais ele denomina de dispositivos, além de
demonstrar os diversos símbolos utilizados nesses
processos para disfarçar as práticas do poder.
No entanto, não é apenas na área de recursos
humanos que se observam as relações de poder
existentes em uma organização. Damasceno e
Carvalho (2004) analisaram as mudanças nas
relações de poder por meio da implementação
dos sistemas Enterprise Resource Planning (ERP)
e descreveram que o poder organizacional está
intrínseco em princípios, como cultura, ideologia,
valores e crenças, e que tais princípios influenciam
o poder nas relações sociais.
Outro aspecto que deve ser levado em consideração, quando se quer abordar o impacto de
certas mudanças nas organizações, é o clima organizacional. As pesquisas de clima organizacional
são práticas comuns nas organizações, por serem
meios para o monitoramento do comportamento
humano e para analisar as percepções das pessoas sobre o ambiente de trabalho. Nesse sentido,
têm-se elaborado instrumentos para as análises
de dados. Porém, Santos (1999) critica alguns especialistas no assunto, por não criarem medidas
de clima organizacional que demonstrem um significante grau de confiabilidade e validade. Veloso,
Nakata, Fischer et al. (2007) enfatizam que, para
um instrumento de pesquisa ser confiável, é extremamente importante um embasamento teórico
sólido e atualizado em gestão de pessoas.
Fleury e Sampaio (2002) atentam para
a diferenciação entre conceito de cultura como
sinônimo de clima organizacional, pois o aspecto
cultural remete às origens das organizações, à
definição de seus valores e ao enquadramento
dos padrões culturais. Em contrapartida, o clima
organizacional remete a uma fase momentânea,
da percepção e interação entre a pessoa e a
empresa, podendo ser alterado. Nesse sentido,
Denison (1996) defende que, a despeito de
existirem elementos comuns aos conceitos
de clima e cultura em organizações, eles não
devem ser tratados nem como sinônimos nem
como elementos indissociáveis. Para o autor,
há uma contribuição para o campo dos estudos
organizacionais ao assumir os dois conceitos
como complementares, em uma relação entre
compreensão aprofundada (cultura) e mensuração
ampla (clima). A ideia também defendida neste
artigo é ultrapassar o embate entre abordagens
qualitativas e quantitativas e oferecer espaços
para articular diferentes visões existentes dentro
dos campos de estudo da cultura e do clima em
organizações.
Dentro dessa diversidade no campo dos
estudos sobre clima em organizações, Santos
(1999) compreende o clima por meio de duas
unidades de análise, uma sobre o atributo do
indivíduo e a outra sobre o atributo da organização.
Para a autora, existem dois tipos de medidas
organizacionais que orientam pesquisas em clima:
as medidas objetivas, em que o indivíduo é apenas
um informante do instrumento apresentado; e as
medidas subjetivas, em que o participante é o
respondente de afirmações. Porém, é importante
ressaltar que, dependendo dos interesses e
objetivos da pesquisa, essas medidas podem ser
uma o complemento da outra.
Portanto, percebe-se que para uma
pesquisa de clima organizacional ser eficaz, ela
deve ser objetivada por conceitos, embasada
teoricamente e utilizar um poderoso instrumento
metodológico, além de ter um caráter sistêmico e
contínuo (SANTOS; BEDANI, 2004).
Diante de todas as abordagens sobre cultura,
poder e clima nas organizações apresentadas
neste artigo, percebe-se que tais temas fazem
parte do dia a dia das organizações. Essas rela­
ções são intrínsecas ao ser humano, e sendo as
organizações compostas por seres humanos, é
válido dizer que esses temas também são intrín­
secos a qualquer organização. Os aspectos
culturais, de poder e de clima nas organizações
produzem efeitos sobre, praticamente, todas as
Rev.
FA E ,
C uritiba,
medidas adotadas nas empresas. No entanto,
talvez eles sejam mais explícitos quando rela­
cionados às mudanças organizacionais, ou seja,
às mudanças que eventualmente ocorrem nas
organizações, seja por decisões estratégicas ou
por circunstâncias de mercado.
A mudança organizacional adotada como
objeto de estudo deste artigo é a terceirização,
processo pelo qual a empresa deixa de produzir
internamente um bem ou serviço para adquiri-lo
de um fornecedor externo. Como será mostrado,
na visão de diversos autores, a terceirização é um
processo que apresenta vantagens e desvantagens
para a empresa, as quais possuem, muitas vezes,
relação direta com a cultura, as relações de poder
e o clima predominante na empresa.
2
O Processo de
Terceirização e sua
Contextualização nas
Empresas
Rezende (1997) defende que a terceirização é
uma opção que pode resolver uma série de situações
enfrentadas pelas empresas, caracterizando-se
como o processo de deixar de produzir internamente
um bem ou serviço para adquiri-lo de terceiros.
Bernstorff (1999) complementa esse entendimento
ao afirmar que a terceirização é uma alternativa que
oferece para as empresas a formalidade. Segundo
o autor, nos contratos são especificados todos os
detalhes da negociação, ao mesmo tempo, eles
permitem flexibilidade ao processo, pois possuem
prazos estabelecidos, em que podem ser incluídas
cláusulas sobre renovação e reajustes, por exemplo.
Valença e Barbosa (2002) destacam os
propósitos que devem ter as empresas que deci­
dem terceirizar, são eles: a minimização dos custos
diretos e indiretos; a melhor eficiência na exe­
cução da atividade terceirizada, visto que esta é
uma empresa especialista no assunto; e um nível
aceitável de lealdade à empresa.
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
131
A terceirização é uma
opção que pode resolver
uma série de situações
enfrentadas pelas empresas,
caracterizando-se como
o processo de deixar de
produzir internamente
um bem ou serviço para
adquiri-lo de terceiros.
Para Bernstorff (1999), as empresas que
buscam os possíveis propósitos da terceirização
podem ter qualquer tipo de estrutura, pois o
processo teria a capacidade de se moldar às
estruturas empresariais, sejam elas burocráticas
ou orgânicas. Para o autor, a terceirização constitui
uma forma de gestão capaz de congregar e
permite às organizações ganhar eficiência com a
estrutura, ou, até mesmo, com a estratégia oposta.
Outra vantagem da terceirização, na visão
de Valença e Barbosa (2002), é a possibilidade de
a empresa centrar os seus esforços no seu core
business (atividade-fim) para alcançar melhores
resultados. Essa visão é corroborada por Pinheiro
(1999, p. 145), ao afirmar que “as demais atividades,
não integrantes da sua core competence
(competência essencial), devem ser externalizadas
para as empresas cuja razão de ser seja a busca
da excelência sobre tais competências”. Leite
(1997) confirma essa posição, ao constatar em sua
pesquisa realizada com 125 empresas no Brasil, em
1995, que, entre os principais resultados alcançados
com a terceirização, em 80% das empresas
estudadas houve focalização dos esforços em
atividades-fim, em 62% houve previsibilidade dos
gastos, em 58% houve objetividade na análise,
em 58% houve agilidade na implementação de
soluções, em 55% houve objetividade na definição
de prioridades, em 52% houve redução de custos,
e em 38% houve previsibilidade de prazos.
132
Porém, se existem fatores favoráveis à
terceirização, existem também os desfavoráveis.
O processo de deixar de integrar a empresa ver­
ticalmente e optar pela terceirização pode trazer
desvantagens. Nesse aspecto, Rezende (1997)
destaca algumas vantagens que a integração
vertical pode ter sobre a terceirização: a segurança
quanto ao suprimento e escoamento, a redução
de custos, a apropriação do lucro, a proximidade
com o cliente, a sinergia interna, a simplificação
tecnológica, os laços técnicos e econômicos, a
complementaridade e a falta de opção. Todos
esses fatores, segundo ele, motivam a integração
vertical em detrimento da terceirização.
Valença e Barbosa (2002) ressaltam
ainda que a terceirização impacta na cultura
organizacional das empresas, afetando os valores
organizacionais. Como todo processo de mudança
organizacional, ela tende a gerar conflitos, re­
sistências e articulações de poder em torno de
determinados interesses. Essa visão pode ser
confirmada observando-se outros resultados
da pesquisa realizada por Leite (1997). O autor
constatou que os principais problemas enfrentados
no processo estão relacionados com aspectos
culturais, quais sejam: em 42% das empresas
estudadas, houve resistência interna do pessoal
técnico; em 32%, os funcionários não sabiam
lidar com os terceiros; em 31%, houve resistência
interna dos usuários dos serviços terceirizados;
A terceirização,
como todo processo de
mudança organizacional,
tende a gerar conflitos, re­
sistências e articulações
de poder em torno de
determinados interesses.
e em 27%, a cultura do parceiro não se adaptou
à cultura da organização. É possível notar por
meio dos números da pesquisa que, em primeiro
lugar, estão os fatores interpessoais, ou seja, os
problemas seriam originados, em sua maioria, nas
equipes internas da contratante e da contratada.
Isso reforça a ideia de que é difícil esperar uma
previsibilidade do comportamento humano dos
internos e dos externos, esses últimos com um
distanciamento ainda maior, pois não se inserem
na típica relação empresa-empregado.
Para compreender melhor essas implicações
do comportamento humano no processo de
terceirização, este artigo buscou pesquisar as
relações envolvendo cultura, poder e clima em
uma organização submetida a esse processo.
3
Percurso Metodológico
O presente estudo é orientado por uma
abordagem interpretativista. O interpretativismo
surge como um paradigma alternativo e ques­
tionador da doutrina funcionalista, pois para
os interpretacionistas “as organizações são
processos de representações, interpretações, in­
terações, de visão compartilhada dos aspectos
objetivos e subjetivos que compõem a realidade
das pessoas” (VERGARA; CALDAS, 2007, p. 230).
Além disso, Fine (2007) ressalta que a abordagem
interpretativista pretende desenvolver uma ciência
de conduta humana, com uma abordagem da
realidade social e fundamentada em critérios
científicos naturais.
Nesse sentido, o processo de coleta de dados se deu por meio de entrevistas semiestruturadas, apoiadas em um roteiro prévio composto
por 12 itens para o nível operacional e 16 itens para
o nível gerencial. As entrevistas foram gravadas,
posteriormente transcritas e, por fim, tabuladas
numa grade de categorias. Segundo Veloso, et al.
(2007), o uso de categorias é uma tendência identificada na literatura contemporânea, pois norteia
a elaboração do instrumento, facilitando a análise
dos dados.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Após a conclusão das entrevistas, os dados
foram tratados por meio da Análise do Conteúdo
(BARDIN, 1977), na abordagem temática. Para
tanto, foi definida uma grade fechada para
organizar os temas oriundos das entrevistas de
acordo com os critérios de recorrência e coerência
entre os temas. A grade foi composta por 13 temas
em formato de categorias, que são:
1) Aprendizagem/preparação profissional;
2) Contratação/socialização de novos membros
orga­nizacionais; 3) Implantação e monitoramento
de mudanças por parte da organização; 4)
Relações informais das pessoas com as mudanças;
5) Valores desejados pela empresa e por seus
membros; 6) Gestão da cultura na organização;
7) Controles da empresa sobre o funcionário;
8) Qualidade de vida no trabalho; 9) União
dos funcionários com a empresa; 10) Conflitos
organizacionais; 11) Relações hierárquicas e de
liderança; 12) Relações de gênero na organização;
13) Aspectos organizacionais valorizados pelas
pessoas.
A organização dos dados foi facilitada pela
divisão das entrevistas em categorias, permitindo,
assim, uma análise mais complexa dos temas desejados nas considerações feitas pelos respondentes da pesquisa. Esse procedimento propiciou a
abordagem dos aspectos relevantes para a pesquisa e a análise dos resultados que serão apresentados com o intuito de alcançar o objetivo do
estudo proposto.
A investigação delimitou-se pela análise de
dois níveis: operacional e gerencial; o nível operacional abrange os analistas, especialistas, assistentes e
operadores, e o nível gerencial engloba os gerentes
e coordenadores. Portanto, o foco nos diferentes
níveis, em distintas áreas, não prejudicou a delimitação da pesquisa, ao contrário, proporcionou uma
visão ampla da organização. Os grupos de sujeitos
foram assim organizados: 1) Gerencial: 12 entrevistados e 2) Operacional: 52 entrevistados. Os sujeitos
serão identificados no texto mediante codificação:
Gerencial 01 até o Gerencial 12 e Operacional 01 até
o Operacional 52.
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133
4 Papelório — Breve
Histórico
identidade com a empresa você pode sair, a empresa
pode dispensar, porque não adianta. É gostar de fazer
o que faz e querer fazer também o que gosta. Isso aí é
fundamental. Não adianta você falar que está legal, [...]
tem que ser prazeroso [...].
A Papelório é uma empresa líder mundial
na produção de celulose branqueada de eucalipto.
Responde por 27% da oferta global do produto,
destinado à fabricação de papéis de imprimir e
escrever, papéis sanitários e papéis especiais de
alto valor agregado. Sua capacidade nominal de
produção é de, aproximadamente, 3,2 milhões de
toneladas anuais de celulose branqueada de fibra
curta de eucalipto.
A empresa opera um complexo industrial
constituído de três fábricas de celulose, totalmente
integrado aos plantios e a um porto privativo especializado, por meio do qual exporta grande parte da
sua produção de 2,3 milhões de toneladas anuais.
A empresa é uma grande geradora de empregos
e responsável pelo desenvolvimento econômico de
toda a região onde está inserida. Com relação aos
aspectos ambientais que envolvem as suas atividades, o controle ambiental das fábricas é assegurado por modernos sistemas de tratamento de
emissões, efluentes e resíduos sólidos.
5
A Contextualização da
Terceirização na Papelório
A investigação das questões relacionadas
à cultura, relações de poder e clima na
Papelório revelou, a princípio, uma cultura de
comprometimento muito forte. O Gerencial 10
destaca essa cultura ao dizer que “a coisa tem
que ser íntegra, clara, o pessoal aqui é muito
comprometido, tem que vir final de semana, no
carnaval, não se discute, não se dá desculpa para
não vir, a pessoa vem”. O Operacional 40 também
destaca aspectos que, de certa maneira, remetem
a esse valor cultural, ao afirmar:
[...] a empresa mostra o caminho que ela quer a essa
rapaziada nova que está chegando [...] é vestir a camisa,
realmente se dedicar a empresa, se você não tiver
134
O aspecto da transmissão dos valores e
da cultura organizacional, no qual a “empresa
mostra o caminho”, destacado pelo Operacional
40, é convergente com o conceito de Schein
(1985, p. 4) de que cultura é “um conjunto de
pressupostos básicos que um grupo inventou,
descobriu ou desenvolveu [...] e que funcionaram
bem o suficiente para serem considerados válidos
e ensinados a novos membros”. No entanto, deve-se destacar que o entendimento do autor de que
a empresa, a partir dos gestores, gerencia a cultura
dos seus funcionários, nesse caso, remete a um
questionamento em torno do fato de que alguns
são “dispensados”.
Os “dispensados”, supostamente, são
“imunes” ao gerenciamento cultural, ou não
seria necessário afastá-los definitivamente. Isso
revela os limites do gerenciamento da cultura
das pessoas por parte da organização. Ainda
dentro dessa ótica, é possível perceber, por meio
de outras falas dos entrevistados discutidas mais
à frente, que, além dos valores que a empresa
espera de seus funcionários, existem outros, que
eles manifestam e defendem no cotidiano. Nesse
contexto, confirmam-se os estudos de Junquilho
e Leite-da-Silva (2004), os quais asseveram ser
mais coerente dizer que existem nas empresas
as “Cartas de Intenções” em vez das “Cartas de
Valores”, visto que os valores expostos nas “Cartas”
refletem o posicionamento da organização e das
suas intenções em termos de valores, e não dos
funcionários como um todo homogêneo.
Dentro dessa visão de que as organizações
têm intenções culturais, uma característica da
Papelório diz respeito às mudanças organizacionais,
ilustrada na fala do Operacional 15: “a empresa nos
incentiva ao enfrentamento de nossos paradigmas
e também a criação de novos pontos de vista
que nos permitam melhor e maior adaptabilidade
às mudanças que acontecerão”. Dessa forma, é
possível perceber que a empresa entende que a
adaptação às mudanças é um processo cultural
que deve ser trabalhado junto aos funcionários.
A percepção dos respondentes sobre o
resultado desse processo fica evidenciada na fala
do Operacional 10: “é natural que nos momentos de
mudança as pessoas fiquem com receio do ‘novo’,
e no primeiro momento a reação é de dúvida,
tensão, insegurança. Com o tempo as pessoas se
acostumam, os ânimos se acalmam, o clima volta
ao normal”.
Nesse contexto de mudanças, a Papelório,
em determinado momento, decidiu pela ter­
ceirização de algumas atividades, até então
realizadas internamente. Esse processo gera
mudança na organização, e, como qualquer outra
mudança organizacional, pode não ser aceita por
questões culturais dos que já estão na empresa.
De acordo com o relato dos entrevistados, ini­
cialmente, todas as atividades de manutenção
(elétrica, mecânica, instrumental, civil) foram
terceirizadas, ficando a cargo dos funcionários
internos as atividades operacionais de produção.
Atualmente, a terceirização foi estendida para
outras áreas da empresa, conforme o seguinte
relato: “a Papelório tem hoje em média 50
empresas que prestam serviços permanentes na
empresa, em todas as áreas. Só na área industrial a
produção não é terceirizada” (Gerencial 01).
O processo de terceirização na Papelório,
de acordo com os entrevistados em todos os níveis
hierárquicos, foi um processo “doloroso”, mas que
se consolidou de acordo com o esperado pela
direção. Porém, antes de o processo se consolidar,
é possível perceber o impacto negativo que
causou nos funcionários, reproduzindo as palavras
do Gerencial 02: “na época eu era funcionário
da manutenção, e nós víamos o processo de
terceirização como um vírus”.
Os principais problemas relatados pelos
níveis operacionais foram as demissões ocasionadas
pela terceirização. Muitos funcionários que
exerciam internamente as atividades que entraram
na lista de terceirização foram absorvidos pelas
Rev.
FA E ,
C uritiba,
empresas terceirizadas, mas, ainda assim, uma
grande quantidade foi demitida, gerando um clima
de insegurança, conforme relata o Operacional
20: “na época da terceirização o processo de
demissão era barra, porque chegava de tarde, final
do dia, às vezes no final de semana, chamava o
funcionário da sala do gestor pra ser comunicado
da demissão”.
De acordo com as falas de diversos
entrevistados do nível Operacional, a empresa
não os preparou adequadamente para a
transformação que ocorreria no quadro de pessoal
em função da terceirização. Embora as questões
relativas às mudanças organizacionais sejam bem
trabalhadas na Papelório, conforme relatado por
alguns entrevistados, o aspecto das demissões
que iriam ocorrer em função das terceirizações
não foi comunicado de forma adequada, seja em
relação aos setores que mais seriam afetados ou
em termos de quantidades. Assim, é possível dizer
que, se a empresa comunicasse aos funcionários,
antecipadamente, o que iria ocorrer, poderia
ter evitado alguns dos problemas no seu clima
organizacional. Sobre esse aspecto, é importante
destacar que, dentro da cultura na organização,
ficou evidente o valor da estabilidade.
De diferentes maneiras, os entrevistados
afirmaram que era muito difícil sair da empresa
e atualmente eles retomaram esse discurso.
Entretanto, na época em que a terceirização se
disseminava, como mencionado, as demissões
eram corriqueiras e sem preparação prévia, o que
entra em confronto com esse valor, provocando
questionamentos, insatisfações e tendência de
queda nos indicadores de clima organizacional.
No entanto, na visão dos níveis gerenciais,
os problemas gerados pelo processo de
terceirização são outros. Em relação à cultura na
organização, esse grupo enfatizou, nas entrevistas,
o valor da qualidade do trabalho do funcionário e
revelou que o seu grande temor é com relação à
manutenção da qualidade dos profissionais, agora
não mais treinados, preparados e controlados
pela Papelório, mas sim pelas terceirizadas. Esse
aspecto se caracteriza na fala do Gerencial 01:
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
135
[...] no nosso trabalho aqui, a terceirização impacta
acredito que essa parte de terceirização não tenha sido
bastante,
formas
tão complicada assim aqui na empresa, pelo fato de
de trabalhar com um universo muito grande de
muitos funcionários, ex-funcionários terem aberto as
colaboradores. Uma coisa é trabalhar com 15.000
próprias empresas, nesse momento que foi terceirizado,
funcionários próprios da Papelório que você tem acesso
e retornaram para dentro da empresa prestando
e supervisão direta, pode treinar, colocar numa sala de
serviços. Então, você tem funcionários parceiros que
aula, conversar com o gestor, tirar da sala de aula. Outra
você já conhece. Aqui na empresa tem um quadro de
coisa é você trabalhar com 10.000 terceiros, o controle é
funcionários, bastante antigo, e isso proporciona uma
muito mais complexo [...].
integração melhor, porque além de ser um profissional
porque
temos
que
desenvolver
Um aspecto a se destacar é o alinhamento
das proposições de Schein (1985) com a con­
cepção dos gestores de que eles, por meio de
determinadas práticas de gestão sobre seus
funcionários, disseminariam a qualidade na
empresa. Um processo, segundo os mesmos
gerentes, dificultado na medida em que os fun­
cionários que atuam na empresa agora não são
mais “deles”, mas dos terceirizados.
Outro aspecto observado é que as
mudanças geram percepções diferentes nos níveis
hierárquicos da empresa. Essa diferença de per­
cepções entre os níveis operacional e gerencial
pode estar relacionada ao fato de que a maioria
das demissões ocorreu nos setores operacionais, o
que levou os gerentes a não questionarem o valor
da estabilidade, também reforçado por esse grupo.
Por outro lado, esse mesmo valor se associa ao da
qualidade, na medida em que a estabilidade pode
ser vista como uma consequência da qualidade
com a qual o funcionário atua.
Ao analisar que os níveis gerenciais foram
preservados durante as demissões, observam-se
as relações de poder existentes na Papelório. É
possível notar que nos níveis gerenciais a fala dos
entrevistados é solidária com os problemas vividos
pelos funcionários do mesmo nível hierárquico
que eles. No entanto, os funcionários dos níveis
gerenciais não manifestaram em suas falas terem
dado grande importância às demissões, mas
priorizam questões que afetam dire­tamente as suas
atividades administrativas.
que você já conhece os serviços, para eles o fato de ser
parceiro, ou de ser funcionário da empresa, não vai fazer
muita diferença pelo serviço que está prestando.
Talvez a melhor tradução dos impactos da
terceirização na Papelório tenha sido dada pelo
Gerencial 08, ao relatar que “as mudanças causaram
reações negativas para aqueles empregados que
foram demitidos devido à terceirização e muito
positivas para aqueles que ficaram na empresa,
que puderam e podem participar do crescimento
da Papelório”.
O Gerencial 03 abordou o processo de
terceirização por outro prisma, considerando os
impactos internos e externos, positivos e negativos
que ela trouxe. Pode-se notar ainda, na fala dele, a
preocupação explícita com o clima organizacional,
até então não abordado dessa maneira por outros
entrevistados.
Esse processo de terceirização chacoalha a empresa
no sentido de que era uma companhia que tinha oito
mil funcionários, e reduz pra três mil funcionários no
período de um ano a um ano e meio. No momento que
a terceirização da empresa privilegiou as atividades
que nós tínhamos, e que não estavam diretamente
relacionados para os nossos negócios, cada uma dessas
atividades foram avaliadas. A gente, por exemplo, na
área industrial terceirizou cem por cento da manutenção,
terceirizou cem por cento do insumo principal, cem
por cento do transporte deste e assim por diante. Essa
terceirização teve um impacto com a sociedade, no
entorno, muito grande. Primeiro o impacto da redução,
segundo impacto que parte dessas pessoas que foram
demitidas serem aproveitadas pelos terceiros. Troca de
camisa. Ficou um clima muito difícil de ser administrado
dentro da companhia.
Apesar dos problemas causados pela
terceirização, que afetam os níveis operacionais
ou gerenciais, reproduzindo a fala do Operacional
26, é possível notar que a terceirização também foi
vista como um processo positivo:
136
Os três últimos fragmentos de entrevista e
o apresentado a seguir corroboram com autores
como Valença e Barbosa (2002), Pinheiro (1999),
Rezende (1997), pois revelam que as percepções
internas sobre a terceirização podem ser positivas
ou negativas, assim como o próprio processo de
terceirizar atividades também possui vantagens e
desvantagens. Na Papelório, essa última premissa
se confirma na fala do Operacional 37:
A terceirização é um modelo interessante, em alguns casos
ela deixa a desejar, nós temos problemas com manutenção
que eram menores antes da terceirização, mas ela serve
bem aos propósitos da Papelório de se manter focada no
seu próprio negócio, que é produzir celulose.
Ainda em relação aos problemas causados
pela terceirização, o Gerencial 02 ressalta a falta
de comprometimento dos terceiros em relação
aos funcionários e também as diferenças culturais:
“nós tivemos sim um impacto forte no início pela
questão cultural que é diferente. O terceiro em
relação aos empregados, o comprometimento
principalmente no início era muito menor”.
A existência desses problemas causados
pela terceirização confirma-se quando alguns
respondentes em nível operacional indicam que
a empresa tomou medidas com o objetivo de
minimizá-los:
A primeira terceirização ocorreu com a parte de
mecânica — instrumentação e elétrica — manutenção.
No começo houve muitas dificuldades em termos de
adaptação e relacionamentos, pois as pessoas não
sabiam como agir com os parceiros, em situação de
emergência no sentido de saber a quem procurar. Isso foi
se adequando, através de treinamentos e direcionando
melhor as atividades e hoje somos exemplos em
terceirização em algumas áreas. No começo também
houve problema de comprometimento por parte dos
parceiros, para resolver isso a empresa passou a oferecer
benefícios quando atingiam as metas. Isso fez melhorar
o comprometimento deles (Operacional 28).
Todavia, apesar dos problemas relatados sobre as diferenças entre o trabalho dos funcionários
e dos terceiros, a pesquisa de clima realizada na Papelório, nos anos 2005 e 2007, ou seja, logo após
o processo de terceirização, revela que existe alto
índice de favorabilidade no indicador que contempla a relação de cooperação entre os funcionários
próprios e os terceiros. No entanto, é válido considerar que, se a pesquisa de clima fosse realizada
durante o processo de terceirização, os problemas
Rev.
FA E ,
C uritiba,
gerados por ela poderiam ser percebidos nos resultados, pois, de acordo com Fleury e Sampaio
(2002), o clima organizacional reflete uma fase
momentânea da vida da organização. Pode-se concluir, portanto, com a análise dos dados coletados,
que a Papelório conseguiu implantar o processo de
terceirização, embora tenha enfrentado problemas.
Alguns deles poderiam ter sido evitados com a
adoção de estratégias de comunicação interna.
Porém, no geral, a cultura de comprometimento e
envolvimento dos funcionários com a organização
facilitou todo o processo, uma vez que souberam
encarar aquele momento como algo importante
para o crescimento da empresa.
Considerações Finais
O objetivo deste artigo foi discutir como
o processo de terceirização é contextualizado
nas culturas, nas relações de poder e no clima
organizacional das empresas. Nesse sentido, foi
possível observar que, como qualquer mudança, a
terceirização gera impactos nas pessoas envolvidas
no processo e na organização como um todo.
Esses impactos podem ser positivos ou negativos,
dependendo do momento em que se faça a análise
e também das pessoas envolvidas. A variação das
percepções pessoais observadas nesta pesquisa
sobre a terceirização ocorreu de acordo com o nível
hierárquico que ocupam na organização.
Também foi possível identificar que, no início
do processo de terceirização, os funcionários não
estavam preparados para isso. Entretanto, surgiram
evidências de que atualmente a organização
prepara-os continuamente para adaptação às
mudanças que podem vir a acontecer no dia a
dia, o que foi apontado como um fator positivo
para a continuidade do processo. Isso remete à
disseminação de valores mais convergentes com
esse processo, porém, fica o questionamento de
como o valor da estabilidade vai se configurar em
relação a essa nova lógica. O que se observou,
conforme relatado por alguns funcionários,
é que atualmente eles sempre esperam por
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
137
mudanças, uma vez que a empresa prega a ideia
de inovações constantes. Dessa forma, como
contribuição, cabe destacar a aparente coerência
em preparar antecipadamente os funcionários
para as mudanças, em termos de valores
culturais e de disponibilidade de informações e
conhecimentos. Tal concepção deveria orientar as
ações dos gestores de organizações submetidas a
mudanças, como o processo de terceirização. Ou
seja, no caso estudado, a estratégia de trabalhar
continuamente os funcionários na direção de uma
cultura predisposta às mudanças contribuiu para a
aceitação do processo da terceirização, após um
início mais problemático.
Pôde-se perceber também que as relações
de poder não sofreram grandes impactos em
função da terceirização. Ao analisar as falas dos
entrevistados, ficou claro que a ordem estabelecida
em torno da hierarquia organizacional foi
preservada sem questionamentos. O único ponto
ao qual se deu atenção por parte dos entrevistados
foi a “liberdade” que os terceirizados têm em
relação aos funcionários da empresa, ao não
serem submetidos às mesmas práticas de gestão
de pessoas do que esses últimos. Tal aspecto
foi destacado apenas pelos níveis gerenciais,
que o apresentam como um problema capaz de
dificultar, por exemplo, a disseminação do valor da
qualidade do trabalho.
Foi possível observar ainda que as preocupações e inseguranças em relação à terceirização
são bem distintas entre os níveis operacionais e
gerenciais. Os últimos possuem preocupações sobre como gerenciar o processo e suas implicações,
enquanto aqueles demonstraram insegurança em
relação à manutenção do seu emprego, principalmente no início do processo de terceirização.
Com relação ao clima organizacional que
existe na Papelório, foi possível perceber, nas falas
dos entrevistados, que ele sofreu um impacto
negativo no início do processo, em função da
insegurança gerada pelas ameaças de demissões,
mas voltou ao normal assim que o processo foi
sendo consolidado. Dessa forma, pode-se notar que
existe, de acordo com o relatado nas entrevistas,
138
um grande sentimento de comprometimento dos
funcionários em relação à empresa, o que gera
um clima favorável o suficiente para vencer os
problemas causados pela mudança. Dessa forma,
é possível colocar o clima favorável existente na
Papelório como um facilitador no processo de
terceirização.
Entretanto, deve ficar claro que há aqui uma
relação de dualidade entre o clima e a cultura na
organização. Caso exista uma cultura receptiva
à mudança, a empresa tenderia a um clima mais
favorável do que em uma cultura oposta à mudança.
Por sua vez, um clima mais favorável contribuiria
para o processo de implantação da mudança e
reforçaria a cultura. Há, portanto, uma relevância
distinta para o elo inicial, a contextualização cultural.
A partir dele cabe gerenciar o clima organizacional.
Esse entendimento oferece as bases para
que os gestores voltem suas ações à construção de
um clima organizacional favorável, complementando a pesquisa de clima com o entendimento da contextualização cultural dos membros organizacionais. A partir dessa contextualização, aumenta-se
a relevância dos próprios resultados da pesquisa
de clima, pois podem ser confrontados com uma
compreensão aprofundada da organização, ao
mesmo tempo em que oferecem uma visão ampla
da percepção de todo o universo de funcionários
sobre determinados aspectos organizacionais. Essa
preocupação com a contextualização tende a contribuir para que o processo de gestão das pessoas
na organização não tenha os indicadores do clima
como um fim em si mesmo, mas uma parte da abordagem que o pesquisador ou gestor deve assumir
para compreender diferentes aspectos obtidos de
abordagens distintas na organização.
Como contribuição deste artigo, fica o
melhor entendimento das relações cotidianas exis­
tentes entre as culturas, as relações de poder, o
clima organizacional e o processo de terceirização.
As evidências da relação entre a cultura e o clima
organizacionais na composição de um contexto
propício à terceirização corroboram com esse
entendimento. Cabe então aos gestores mediação
desses contextos por meio do seu processo
gerencial, para que eles atendam às necessidades
da organização.
É preciso ressaltar que este estudo se limita
a uma análise de caso específico, realizada em
uma única empresa. Dessa forma, as conclusões
não são generalizadas, ou seja, não são aplicadas
a qualquer empresa que tenha passado por um
processo de terceirização.
Como sugestão para futuras pesquisas, cabe
estender este trabalho para outras empresas, a fim
de aumentar o conhecimento sobre terceirização
e relações organizacionais. Nesse sentido, sugerese que sejam investigadas questões relacionadas a
cultura, clima, relações de poder da organização;
ques­tionamentos sobre os processos de mudanças
e seus impactos; e, principalmente, questões sobre
o processo de terceirização na organização. Cabe
também estudar de que maneira outros tipos de
mudanças são contextualizados nas culturas, nas
relações de poder e no clima organizacional das
empresas, tendo em vista que este artigo estudou
apenas as mudanças relacionadas ao processo de
terceirização.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
•
Recebido em: 18/05/2012
•
Aprovado em: 19/06/2012
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
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FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
141
Seleção de fornecedores em
ambiente de inovação em
produtos: um estudo de caso em
Bio-Manguinhos/Fiocruz
Suppliers selection in product innovation environment: a case
study in Bio-Manguinhos/Fiocruz
Seleção de fornecedores em ambiente de inovação em produtos: um estudo de caso em
Bio-Manguinhos/Fiocruz
Suppliers selection in product innovation environment: a case study in Bio-Manguinhos/
Fiocruz
Deyves Mendes Paraguassu1
Marcelo Alvaro da Silva Macedo2
Resumo
Com o aumento do acesso a informações, tecnologias e mercados, as opções de
fornecimento são ampliadas, tornando necessária a seleção de um fornecedor
que melhor contribua para o sucesso organizacional. Nesse sentido, selecionar
o fornecedor certo pode significar a diferença entre o sucesso e o insucesso.
Este trabalho tem por objetivo identificar e hierarquizar os critérios relevantes
para a seleção de fornecedores com o intuito de auxiliar Bio-Manguinhos no
desenvolvimento de parcerias para produção de novos produtos. Para tanto, foram
realizadas duas etapas de entrevistas com a diretoria de Bio-Manguinhos: a primeira
com os vice-diretores, em que foram identificados os critérios relevantes para a
seleção de fornecedores para novos produtos; a segunda etapa foi realizada com o
diretor, na qual os critérios da primeira etapa foram confirmados, sendo utilizado
um método de análise multicriterial, Análise Hierárquica (AHP), para atribuir pesos
a tais critérios. Os resultados mostram que os critérios relevantes e sua ordem
são os seguintes: nível de desenvolvimento do produto, compatibilidade com o
parque industrial, cumprimento de exigências regulatórias, rendimento do produto,
solidez da empresa e custo. Isso mostra que critérios mais próximos à estratégia
organizacional possuem uma representatividade maior.
Palavras-chave: Seleção de Fornecedores. Inovação. Parceria. Desenvolvimento de
Novos Produtos. AHP.
Abstract
With the increased access to information, technologies and markets, the supply
options are magnified making the selection of a supplier which best contributes to
the organizational success necessary. Therefore, selecting the right supplier may lead
a company to succeed or fail. This work aims to identify and hierarchize the relevant
criteria for the suppliers selection for the purpose of assisting Bio-Manguinhos in
partnerships developing new products. For this, two stages of interviews were
conducted with the Bio-Manguinhos board: the first with the vice-directors, in
which the relevant criteria were identified in order to select the right suppliers for
new products; the second stage was conducted with the director, where the criteria
identified by the vice-directors were confirmed and a multicriteria analysis method,
AHP was used — Analytic Hierarchy Process, to assign weights to these criteria.
The results show that the relevant criteria and their order are: level of product
development, compatibility with the industrial park, compliance with regulatory
requirements, product performance, company solvency and cost. This shows that
the criteria closest to organizational strategy have a greater representation.
Keywords: Supplier Selection. Innovation. Partnership. New Products
Development. AHP.
Mestre em Gestão e Estratégia em Negócios — PPGA/MPGE/UFRuralRJ.
E-mail: [email protected].
2
Pós-Doutor em Controladoria e Contabilidade. Professor do Mestrado em Ciências Contábeis da FACC/
UFRJ. E-mail: [email protected].
1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
143
Introdução
É cada vez mais importante para as
organizações o rápido desenvolvimento de
competências em áreas diversas, criando um
contexto propício para a formação de alianças
e parcerias de longo prazo. Assim, no caso de
ambientes de inovação com o desenvolvimento de
novos produtos, a inserção de outras organizações
nesse processo passa a ser um grande desafio,
pois a obtenção da complementaridade das
competências entre os participantes é fun­
damental; caso contrário, essa parceria tende ao
insucesso a longo prazo.
Nesse contexto, o presente estudo faz uma
análise do processo de seleção de fornecedores de
uma instituição pública: Bio-Manguinhos/Fiocruz.
A instituição foi criada com o objetivo de ofertar
produtos para prevenção, identificação e tratamento
de doenças, por meio de vacinas, reativos para
diagnóstico e biofármacos.
Bio-Manguinhos é uma instituição total­
mente voltada para a inovação, pois atua
constantemente no desenvolvimento de novos
produtos. Contudo, desenvolver um produto dessa
magnitude pode levar, em diversos casos, mais
de 20 anos, requerendo alto volume de recursos
financeiros, recursos humanos capacitados e
tecnologia disponível.
Diante desse cenário, a busca por parcerias
para minimizar o tempo de desenvolvimento de um
produto e compartilhar os custos de investimento
se mostra interessante, visto que o Brasil possui
pouca capacidade de investimento em pesquisa
e desenvolvimento de produtos e plataformas
tecnológicas capazes de atender à demanda da
população do País. Aliados ao baixo investimento
em pesquisa e desenvolvimento do país, o alto custo,
o tempo requerido para desenvolver um produto e
as progressivas mudanças no ambiente de negócios
desafiam continuamente a gestão da empresa.
Em virtude dessa maior complexidade e
dinamismo do ambiente externo, Bio-Manguinhos
enfrenta situações muitas vezes incertas e busca, de
maneira intensiva, meios para reagir e se adequar às
constantes mudanças. Nessa perspectiva, uma das
144
formas de acelerar o processo de desenvolvimento
de novos produtos é ter fornecedores capazes de
contribuir com esse desenvolvimento, transferindo
conhecimento e tecnologia suficientes para atender
às necessidades de Bio-Manguinhos e do País.
Todavia, quando existem diversos forne­
cedores para um mesmo produto, a seleção se torna
complexa, pois aspectos além dos comumente
utilizados devem ser levados em consideração.
Aspectos tecnológicos, grau de inovação, possi­
bi­­lidade de novos produtos, facilidade de apren­
dizado, custo do produto, investimento requerido,
uso de tecnologia existente, entre outros, terão
de ser avaliados para selecionar o fornecedor que
melhor atenda a esse conjunto de objetivos. Em
face de toda essa complexidade, tem-se o seguinte
problema de pesquisa: como Bio-Manguinhos
selecionará seus fornecedores para lhe apoiar na
introdução de novos produtos?
Este artigo tem como objetivo identificar e
hierarquizar, com a utilização da AHP, os critérios
relevantes para a seleção de fornecedores
com o intuito de auxiliar Bio-Manguinhos no
desenvolvimento de parcerias para a produção
de novos produtos. Isso é feito tendo como base
as características estratégicas da instituição
sob análise, que é voltada para pesquisa,
desenvolvimento e inovação em produtos volta­
dos ao mercado de prevenção, diagnóstico e
tratamento de doenças.
1
Seleção de Fornecedores
para o Desenvolvimento de
Novos Produtos
1.1 Inovação e Desenvolvimento de
Novos Produtos
Concorrência, mudanças de demanda,
aumento do acesso à tecnologia e a informações
têm obrigado as organizações a desenvolver
capacitações para o desenvolvimento de produtos
capazes de atender às novas necessidades
(URDAN; OSAKU, 2005).
De acordo com Drehmer, Cruz e Medeiros
(2005),
a
competência
em
desenvolver
produtos constantemente define o futuro de
uma organização. Consideram que a primeira
organização a ofertar determinado produto ao
mercado terá grande vantagem competitiva. Esse
fato obriga as demais organizações a desenvolver
produtos melhores e com menores custos na
tentativa de atrair os consumidores.
O ciclo de vida de um
produto — lançamento,
crescimento, maturidade
e declínio — obriga as
organizações a aumentar
sua carteira de produtos e a
substituir os produtos que
estão na fase de declínio,
evitando a obsolescência.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Segundo Slack, Chambers e Johnston
(1999), o próprio ciclo de vida de um produto —
lançamento, crescimento, maturidade e declínio —
obriga as organizações a aumentar sua carteira de
produtos e a substituir os produtos que estão na
fase de declínio, evitando a obsolescência. Nesse
sentido, se desejarem sobreviver no mercado, elas
devem desenvolver continuamente novos produtos.
Para Kotler (1991), as organizações que não
desenvolvem novos produtos estão se colocando
em grande risco. Os produtos estão vulneráveis às
mudanças de necessidades, a novas tecnologias, a
menores ciclos de vida e a maiores concorrências.
Para Pereira (2002), o fato de a
organização possuir novos produtos lhe traz
vantagem competitiva, pois apresenta aos
clientes a diferenciação da organização em
relação aos concorrentes.
Segundo Cardoso (1995), as pessoas adqui­
rem produtos com o objetivo de resolver problemas,
nesse sentido, o autor considera que são ferramentas
de resolução. Dessa forma, um novo produto deveria
ser capaz de solucionar problemas existentes.
Toni e Boehe (2006) acrescentam que a
sustentabilidade organizacional está associada
à capacidade em desenvolver novos produtos,
mantendo a organização competitiva e rentável.
Como resultado do esforço organizacional,
em que a sobrevivência depende da geração de
receitas, Kotler (1991) considera que “produto é algo
que pode ser oferecido a um mercado, para sua
apreciação, aquisição, uso ou consumo, que pode
satisfazer um desejo ou uma necessidade”.
Para Toni e Boehe (2006 e Crawford, 1997),
existem seis categorias de novos produtos em
termos de novidade para a organização e para o
mercado:
• Produtos novos para o mercado:
produtos que criam um mercado
totalmente novo;
•
Novas linhas de produtos: produtos
que levam a organização a entrar em
uma nova categoria para si, mas não
para o mercado;
•
Acréscimos às linhas de produtos já
existentes;
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
145
•
Melhorias de produtos existentes: produtos que são aperfeiçoados e criam um novo produto;
•
Reposicionamento: produtos existentes que são colocados em um novo mercado e implicam novo
uso ou aplicação; e
•
Reduções de custo: novos produtos que apresentam desempenho semelhante a produtos já
existentes a custos mais baixos.
Drehmer, Cruz e Medeiros (2005) apud Kotler (1991) acrescentam que um fator fundamental para
o sucesso de um novo produto é a existência de estruturas eficientes para gerenciar o seu processo de
desenvolvimento. Essas estruturas devem abrigar conhecimentos e tecnologias de engenharia, marketing,
pesquisa e desenvolvimento, fabris, entre outros capazes de gerar uma visão sistêmica e integrada sobre um
novo produto e seus impactos na organização.
Para Liboni e Takahashi (2003), o processo de desenvolvimento de um produto consiste em um fluxo
de atividades que, em conjunto, são capazes de transformar uma ideia em um produto a ser comercializado,
o produto final. O processo se inicia com a criação do conceito, ou seja, a ideia do que se quer produzir para
satisfazer determinada demanda; a próxima etapa é o plano do produto, o qual identifica as funções e os pré-requisitos que o produto deve possuir; em seguida, são realizados os projetos tanto do produto quanto do
processo, definindo-se o protótipo do produto e o processo produtivo necessário para industrializá-lo; após, é
realizado o processo de produção do produto para ser ofertado ao mercado, conforme FIG. 1.
FIGURA 1 _ Desenvolvimento de produtos
FONTE: Adaptado de Liboni e Takahashi (2003)
Para Toni, Boehe e Milan (2007), a interação
entre as pessoas e as áreas envolvidas no processo
de desenvolvimento de um novo produto aumenta
a possibilidade de sucesso. Essa possibilidade
de sucesso pode ser ainda maior quando existe
a participação de outras organizações, pois
serão somadas e compartilhadas experiências,
tecnologias, conhecimento e visões sobre o
produto que será desenvolvido.
Urdan e Osaku (2005) consideram que a
definição clara dos objetivos, a disseminação das
informações a todos os níveis da organização e
a rapidez na resolução de conflitos contribuem
de forma efetiva para o desenvolvimento de um
novo produto.
Para Assumpção (2003), quanto mais cedo
for estabelecida a interação entre as organizações
no desenvolvimento de um novo produto, mais
efetiva será a redução do tempo necessário ao
desenvolvimento e nos custos associados.
146
Liboni, Takahashi e Mauad (2004) acre­
ditam que a inserção de outras organizações no
desenvolvimento de um produto é um grande
desafio, pois a obtenção da complementaridade das
competências entre os participantes é fundamental.
Quando alcançada essa complementaridade
entre as organizações, há benefícios mútuos;
caso contrário, essa parceria tende ao insucesso
a longo prazo.A complementaridade implica
a possibilidade de existência de diferenças
significativas em tecnologia, mercado, produto,
estrutura e objetivos das organizações. Segundo
os autores citados acima, essas seriam as grandes
dificuldades na introdução de outras organizações
no desenvolvimento de um novo produto. Para que
haja sucesso, deve existir compatibilidade entre as
organizações.
Para Assumpção (2003), um mecanismo
para elevar a possibilidade de sucesso das
organizações envolvidas no desenvolvimento
de um novo produto é a existência de uma
estrutura capaz de gerir as responsabilidades de
cada uma e as mudanças tecnológicas que esse
desenvolvimento trará a elas.
Toni, Boehe e Milan (2007) salientam que as
incertezas mercadológicas e tecnológicas acom­
panham o processo de desenvolvimento de novos
produtos, devendo a organização criar mecanismos
para avaliar continuamente a viabilidade técnico-econômica de seus projetos. Diversas variáveis
podem ser alteradas durante o desenvolvimento
de um novo produto, como o surgimento de
novos conhecimentos, lançamento de produtos
pela concorrência, alteração das necessidades do
consumidor, entre outras. Essas variáveis deveriam
ser avaliadas pela organização para decidir sobre a
continuidade, alteração ou interrupção do produto
que está sendo desenvolvido.
A introdução de um novo produto
exige que a organização se prepare de forma
a disponibilizá-lo ao mercado. Nesse sentido,
é necessário o alinhamento entre a estratégia
organizacional, suas campanhas de marketing e
suas operações, pois o produto deve representar a
estratégia organizacional, atender às necessidades
do mercado e ainda ser tanto técnico quanto
economicamente viável de ser produzido.
A introdução de um novo
produto exige que a
organização se prepare de
forma a disponibilizá-lo ao
mercado. Nesse sentido, é
necessário o alinhamento
entre a estratégia
organizacional, suas
campanhas de marketing
e suas operações.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Toni, Boehe e Milan (2007) acrescentam
ainda que a dimensão mercadológica busca a
criação de algo novo, diferente do que é ofertado
pela concorrência aos clientes; a dimensão
estratégica busca a integração entre os recursos,
habilidades e competências da organização; e
a dimensão organizacional busca a melhoria do
processo de desenvolvimento de novos produtos,
tornando esse processo mais efetivo.
Por fim, Toni e Boehe (2006) destacam que
o esforço organizacional para a introdução de um
novo produto é medido pela melhora nos índices
de lucratividade, retorno sobre o investimento,
geração de caixa, receita, participação de mercado,
e outros. A análise deve ser feita levando-se em
conta não apenas o produto que foi introduzido,
mas toda a organização, pois considera que esta é
um conjunto de produtos.
1.2 Desenvolvimento de Parcerias
e Seleção de Fornecedores
em Ambiente de Inovação e
Desenvolvimento de Novos Produtos
De acordo com Furtado (2005), a ne­
cessidade do desenvolvimento de competências
em áreas diversas a prazos cada vez menores
leva as organizações a se unir e formar alianças e
parcerias de longo prazo.
Assim, segundo Braga (2003), quando
os objetivos de selecionar fornecedores estão
alinhados à estratégia organizacional, há obten­
ção de vantagens, como redução de custo,
desenvolvimento de tecnologia e redução do
tempo de introdução de um novo produto.
Nesse sentido, Lambert, Emmelhainz e
Gardner (1996) introduzem e definem o termo
parceria como sendo um relacionamento de
negócios que tem por objetivo melhorar a
competitividade e o desempenho organizacional,
com base em confiança mútua, compartilhamento
de riscos e recompensas, sendo maiores dos que
as alcançadas individualmente.
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
147
Também se destaca a importância do
fornecedores variam em função da estratégia, há
processo de seleção de fornecedores. Fornecedo­
necessidade de desenvolver métodos flexíveis de
res impróprios às finalidades estratégicas das
seleção que reflitam as estratégias corporativas,
or­ga­nizações pode ter como consequência a
considerem as restrições de compradores e
necessidade de futura substituição, o que implica
fornecedores e envolvam variáveis tangíveis e
custos de mudança (AMARAL; DEMARI, 2006).
intangíveis (GHODSYPOUR; O’BRIEN, 1998 apud
Aymard e Brito (2003 apud Furtado, 2005)
FURTADO, 2005).
detalharam alguns desses custos de mudança,
relacionando-os em categorias, como recursos
humanos (custos de treinamento, desgaste com o
pessoal da empresa e gerenciamento da mudança),
recursos
(custos
físicos,
de
econômicos
novos
e
equipamentos,
tecnológicos
perdas
de
sinergia e estabelecimento de novos arranjos
logísticos), percepção de risco (familiaridade de
marca, confiança e economias de comunicação),
garantias contratuais e perdas de clientes.
Para que a etapa de seleção de fornecedores
seja eficaz, originando uma parceria de sucesso
entre comprador e fornecedor, é necessário
determinar os critérios de seleção a serem
considerados em cada processo (MOTWANI et al.,
1999). Como as políticas de relacionamento com
Os critérios de seleção irão determinar
quais pontos devem ser confrontados entre os
fornecedores interessados na parceria ofertada.
Embora exista uma diferença de critérios de
seleção a serem considerados em cada atividade,
as empresas devem se basear em critérios
corporativos, válidos para todas as atividades, de
modo a criar uma identidade junto ao mercado
de fornecedores e tornar claras suas prioridades e
exigências (LIU; DING; LALL, 2000).
Na
seleção
de
fornecedores,
não
se
consideram mais apenas critérios básico, ou seja,
o preço pelo qual o fornecedor oferece o produto,
a qualidade do produto, que deveria atender à
especificação mínima requerida pela empresa, e a
velocidade de entrega do produto pelo fornecedor.
O custo total de aquisição, que leva em conta todos
os custos associados à aquisição do produto; a
qualidade total oferecida pelo fornecedor (não
somente a qualidade mínima necessária); o serviço
Como as políticas de
relacionamento com
fornecedores variam em
função da estratégia, há
necessidade de desenvolver
métodos flexíveis de seleção
que reflitam as estratégias
corporativas, considerem as
restrições de compradores
e fornecedores e envolvam
variáveis tangíveis e
intangíveis.
148
prestado pelo fornecedor, que além da velocidade
de entrega passou a considerar a confiabilidade, o
custo de transporte, a consistência e frequência de
entregas; e a flexibilidade do fornecedor estão entre
os novos critérios tomados como indispensáveis
(GOFFIN et al., 1997 apud MARTINS, 2005).
Furtado (2005) e Faria e Vanalle (2006)
acrescentam que além dos critérios básicos listados
anteriormente, a capacidade de desenvolvimento
de novos produtos, a capacidade tecnológica, a
performance econômica, as políticas de garantia e
de serviços pós-venda, o atendimento à legislação, a
compatibilidade gerencial e outros aspectos relativos
à segurança e ao meio ambiente são outros fatores a
serem avaliados na seleção de um fornecedor.
2Metodologia
declaram
que
a
análise
da
distribuição
de
frequência é a maneira mais simples de entender
a distribuição empírica da variável. Além disso,
Segundo Yin (2001), o estudo de caso é uma
também detecta a presença de valores extremos
pesquisa empírica que investiga um determinado
ou atípicos. Em síntese, uma distribuição de
fenômeno dentro de seu contexto real. No entanto,
frequência é uma forma conveniente de analisar
deve considerar o desenvolvimento prévio de
os diferentes “valores ou possibilidades” de uma
proposições teóricas para conduzir a coleta e a
variável ou pergunta.
análise de dados.
Para a análise dos resultados do segundo
Murakami e Almeida (2003) afirmam que
instrumento, utilizou-se um método de análise
o estudo de caso necessita de julgamentos sobre
multicritério,
o que assistir e o seu significado. Nesse sentido,
Process ou Análise Hierárquica (AHP), que se
as capacidades de interpretação e julgamento do
fundamenta na comparação de alternativas de
pesquisador são de extrema importância, bem
escolhas, duas a duas, em que o decisor realiza
como suas percepções sobre o significado do
pares de comparações relativas a duas alternativas
fenômeno pesquisado.
da estrutura de decisão, questionando qual
Neste trabalho, o estudo de caso teve como
foco entrevistas realizadas com o diretor e com
os vice-diretores de Bio-Manguinhos (totalizando
cinco
participantes),
buscando
identificar
os
pontos ou critérios importantes para a seleção de
fornecedores, como custo, grau de tecnologia etc.
Segundo Oppenheim (apud Roesch, 1995),
como a entrevista é um processo social em que
existe contato, é essencial planejar as questões que
serão abordadas e realizar um estudo piloto para
verificar tanto o instrumento quanto a habilidade
do pesquisador.
denominado
Analitic
Hierarquic
elemento satisfaz mais e quanto mais (ABREU;
CAMPOS, 2007).
Saaty (1990) argumenta que a grande
vantagem do AHP é permitir aos seus usuários
atribuir pesos relativos para múltiplos atributos,
ou múltiplas alternativas para um dado atributo,
ao mesmo tempo em que realiza uma comparação
par a par entre eles.
Segundo Belderrain e Silva (2005), o mé­
todo AHP, após a divisão do problema em níveis
hierárquicos, é determinado por meio da síntese dos
valores dados pelos agentes de decisão, uma medida
Para a coleta dos dados, foram desen­
global para cada uma das alternativas, priorizando-
volvidos dois instrumentos. O primeiro possui
-as ou classificando-as ao final do método.Para os
o objetivo de identificar os critérios relevantes à
autores, logo após a construção da hierarquia,
seleção de fornecedores para novos produtos;
cada decisor deve fazer uma comparação, par a
o segundo instrumento pretende atribuir pesos
par, de cada elemento em um nível hierárquico
a esses critérios por meio de uma comparação
dado, criando-se uma matriz de decisão quadrada.
par a par entre eles. Tanto o primeiro roteiro de
Nessa matriz, o decisor representará, a partir de
entrevista, que foi aplicado aos quatro vice-
uma escala definida, sua preferência entre os
-diretores, quanto o segundo, aplicado ao diretor,
encontram-se nos anexos.
elementos comparados, sob o enfoque do nível
imediatamente superior. A comparação par a par
Para examinar as respostas do primeiro
das alternativas é utilizada realizando uma escala
instrumento, utiliza-se a análise de frequência.
que varia de 1 a 9, a qual é denominada Escala
Nesse sentido, Aaker, Kumar e Day (2004)
Fundamental de Saaty (Quadro 1).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
149
QUADRO 1 — Escala de Saaty
Pesos
Descrição
1 - Igual importância
Duas atividades contribuem igualmente com o objetivo.
3 - Importância moderada
Experiência e julgamento favorecem levemente uma atividade sobre a outra.
5 - Forte importância ou
importância essencial
7 - Importância demonstrada
9 - Importância absoluta
Experiência e julgamento favorecem fortemente uma atividade sobre a outra.
Uma atividade é fortemente favorecida e sua dominância é demonstrada na prática.
Há evidência que favorece uma das atividades sobre a outra, é clara e
inquestionável.
2, 4, 6 e 8 - valores intermediários
FONTE: Adaptado de Saaty (1990)
Chan, Kwok e Duffy (2004) destacam
que na parte final da AHP é importante testar
a consistência dos julgamentos; se não for
satisfatória, deve-se refazê-los. Segundo Saaty
(1991), o teste de consistência tem que ser de tal
ordem que se possa testar ao mesmo tempo não
só a violação de transitividade (A é preferível a B;
B é preferível a C; logo, A tem de ser preferível a C)
como também a de proporcionalidade (A é duas
vezes preferível a B; B é três vezes preferível a C;
logo, A tem de ser seis vezes preferível a C).
A mesma estratégia foi usada na década de
1980, em que foi transferida de uma universidade
japonesa para Bio-Manguinhos a tecnologia para
produção da vacina contra o Sarampo e a Poliomielite.
De acordo com Saaty (1990), o benefício do
método é que, como os valores dos julgamentos
das comparações paritárias são baseados em
experiência, intuição e também em dados físicos,
a AHP pode lidar com aspectos qualitativos e
quantitativos de um problema de decisão. Contudo,
é preciso reconhecer as suas limitações. Uma delas
é a sua aplicação inadequada, isto é, em ambientes
desfavoráveis, nos quais a aplicação é percebida
como simplificação excessiva ou desperdício de
tempo (GRANDZOL, 2005).
Após um período de crescimento, ao final
da década de 1980 e início da década de 1990,
que permitiu a projeção de uma imagem tanto
nacional quanto internacional de uma instituição
capaz de grandes realizações, Bio-Manguinhos
passa a enfrentar grandes dificuldades de ordens
econômica, financeira e gerencial, explicadas pela
estrutura rígida e limitada de administração, que a
levou a permanecer em uma posição muito aquém
de suas expectativas e potencial.
3
Apresentação do Caso
Quando de sua criação, em 4 de maio de
1976, Bio-Manguinhos herdou as instalações de
produção de vacinas existentes na Fiocruz. Ainda
nesse ano, por intermédio de um instituto francês,
obteve a tecnologia para produção da vacina contra
a Meningite Meningocócica para os sorotipos A e C,
de acordo com a necessidade da época.
150
De acordo com Leal (2004), esses proces­
sos de transferência de tecnologia com acesso
toda a tecnologia necessária para a nacionaliza­
ção de produção de uma vacina possibilitaram
a Bio-Manguinhos criar competências indispen­
sáveis ao processo de desenvolvimento de uma
nova vacina.
Esse contexto gerou a falta de motivação, a
redução do quadro de pessoal e a obsolescência
do parque industrial. A lógica de distribuição
do orçamento da Fiocruz não considerava as
necessidades de uma unidade fabril, na qual os
recursos destinados eram insuficientes e não
permitiam a manutenção adequada das instalações
e dos equipamentos.
Em decorrência dos frequentes atrasos no
repasse dos recursos e da inflação, que corroía os
recursos disponíveis, a situação se agravava ainda
mais. Por maiores que tenham sido os esforços
na tentativa de recompor o quadro de pessoal e
Essa busca se dá, principalmente, por inter­
médio de acordos de transferência de tecnologia.
Esses processos de transferência de tecnologia de
vacinas mais modernas e com maior valor agregado
demonstram mais uma vez a capacidade técnica
do Instituto, pois, segundo Gadelha (1990), eles
constituem uma importante ferramenta para diminuir
a defasagem tecnológica entre instituições, mas
também uma aposta com alto risco inerente. Se não
houver esforço para a absorção e implantação da
tecnologia, existe a possibilidade de que a fronteira
do conhecimento já tenha se deslocado, retornando
à situação de dependência.
estabelecer um planejamento estratégico, a crise
atinge seu auge em 1996.
Diante desse cenário, um grupo formado
por profissionais de Bio-Manguinhos e da Fiocruz
elaboraram uma proposta de um novo modelo
de gestão para Bio-Manguinhos diferenciado
do restante da Fiocruz, tendo como base o
estabelecimento de contratos de gestão para busca
da autossustentabilidade, e o Instituto teria seu
orçamento formado a partir dos produtos vendidos
ao governo brasileiro e da exportação do excedente
de produção. Esse modelo é aprovado e implantado
em 1997 (GADELHA, 1997).
Para Guimarães, Araujo e Erever (1985), a
transferência de tecnologia pode ser um importante
instrumento de aprendizado, desde que articulado
com algum grau de investimento em pesquisa e
desenvolvimento interno. Não é a importação de
tecnologia que caracteriza a dependência, e sim
o não aprendizado interno. Dessa forma, é preciso
avaliar se a instituição está preparada para receber
determinada tecnologia. O fato de optar por
transferência de tecnologia, desenvolvida e testada
por alguém, torna maior a possibilidade de sucesso.
A base filosófica desse modelo foi que as
atividades produtivas seriam geridas e sustenta­
das com os resultados do Instituto. Desde então,
Bio-Manguinhos funciona por esse modelo. A
sua criação gerou um ganho significativo para
os demais institutos da Fiocruz, pois a parcela
destinada a Bio-Manguinhos foi distribuída entre
esses institutos.
Após adoção do novo modelo de gestão,
Bio-Manguinhos busca a ampliação de sua car­
teira de produtos, com vacinas mais modernas
e com valor agregado maior, garantindo sua
sustentabilidade e a possibilidade de inves­
timentos em pesquisa e desenvolvimento interno
(LEAL, 2004).
A trajetória e história de Bio-Manguinhos são
marcadas por diversas parcerias, mostrando que os
parceiros escolhidos lhe trouxeram grande sucesso.
Essas parcerias são demonstradas na figura a seguir.
FIGURA 2 — Histórico de parcerias para produção de novos produtos
Teste Rápido HIV 1/2:
Chembio
Meningite A e C
Polissacarídica:
Poliomielite:
Instituto
1976
JPRI
1984
Mèrieux
1937
1982
Alfainterferona 2b
Rotavírus:
DTP + Hib:
Humano Recombinante:
Glaxo Smithkline
Instituto
Heber Biotec
2002
2004
Butantan
1999
Alfaepoetina Humana 2007
2003
2008
DPP Leishmaniose,
Leptospirose e HIV:
2009
Vacina contra a
Sarampo:
Hib:
ChembioPneumococos,
Meningite A e C
Sarampo,
Dengue:
Recombinante:
Febre Amarela:
Instituto
Glaxo
Caxumba e
Cimab
Polissacarídica:
Glaxo Smithkline
Fundação
Biken
Smithkline
Rubéola:
Finlay
NAT: Qiagen
Glaxo
Instituto
Imunoblot HIV:
Rockefeller
FONTE:
Bio-Manguinhos (2008)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
151
O crescimento de Bio-Manguinhos é resultado de esforços em ampliação e qualificação tanto de
funcionários quanto de seu parque produtivo. Entre 2003 e 2008, o número de funcionários aumentou de 580
para 1.102, demonstrando um incremento de 90%. Se analisado de forma individual de cada grau de qualificação
será visualizado um aumento de 114% de doutores, 171% de mestres, 91% com especialização lato sensu, 85% com
nível superior e 79% com segundo grau. Nesse mesmo período, a área construída saiu de 21.193 m para 51.787
m, demonstrando um incremento de 144%. Todo esse esforço também é refletido na evolução da receita, tendo
como incremento de 179%, como demonstra o gráfico a seguir.
GRÁFICO 1 — Evolução da Receita (em reais)
FONTE: Bio-Manguinhos (2008)
Para sustentar esse crescimento, a estrutura de Bio-Manguinhos está divida conforme a FIG 3. Cabe a
cada vice-diretor apoiar ao diretor na tomada de decisão, cada qual dentro de sua especialidade. Dessa forma,
a coleta de dados será com os vice-diretores e com o diretor.
FIGURA 3 — Estrutura de Bio-Manguinhos
Diretora
Vice-diretoria de
Desenvolvimento
Tecnológico
Vice-diretoria de
Gestão e Mercado
Vice-diretoria de
Qualidade
Vice-diretoria de
Produção
FONTE: Bio-Manguinhos (2008)
Atualmente, Bio-Manguinhos conta com uma carteira de 29 produtos disponíveis para venda e 33
projetos para desenvolvimento de novos produtos. Como missão, busca contribuir para a melhoria dos padrões
da saúde pública brasileira, por meio da pesquisa e produção de imunobiológicos, para atender às demandas
geradas pelo quadro epidemiológico nacional e mundial (BIO-MANGUINHOS, 2008). Sua visão é fazer parte
da base tecnológica do Estado brasileiro para apoiar as políticas públicas, ofertando produtos de interesse
epidemiológico e sanitário, mediante parcerias e pesquisa e desenvolvimento (BIO-MANGUINHOS, 2008).
152
4 Análise dos Resultados
de exigências regulatórias; custo; nível de desenvolvimento do produto; e solidez da empresa. A
vice-diretora de qualidade elencou estes: compatibilidade com o parque industrial; cumprimento
de exigências regulatórias; custo; nível de desenvolvimento do produto; e solidez da empresa. Por
sua vez, o vice-diretor de produção elencou tais
critérios: cumprimento de exigências regulatórias;
custo; nível de desenvolvimento do produto; registro do produto no país de origem; e uso da plataforma em outros produtos. Por fim, a vice-diretora
de gestão e mercado elencou os critérios a seguir:
custo; histórico de parcerias; nível de desenvolvi­
mento do produto; rendimento do produto; e solidez da empresa.
Na busca pelos critérios mais relevantes à
seleção de determinado fornecedor para novos
produtos, a coleta de dados foi dividida em três
etapas. A primeira examina quais são os critérios
relevantes para a seleção de um fornecedor, a
segunda busca selecionar os cinco critérios mais
relevantes e, por fim, a terceira pretende uma
hierarquização entre eles, ou seja, demonstrar o
grau de importância dos cinco critérios, do maior
ao menor.
O vice-diretor de desenvolvimento tec­
no­­
lógico elencou os seguintes critérios re­
le­­
van­
tes
para a seleção de um fornecedor: com­
petência
em transferência de tecnologia; cum­­pri­mento
Baseado nos critérios apontados como os
mais importantes pelos respondentes, obteve-se
dez critérios distintos, conforme Quadro 2.
QUADRO 2 — Dez critérios para seleção de fornecedores
Critérios
Compatibilidade com o parque industrial
Nível de desenvolvimento do produto
Competência em transferência de tecnologia
Registro do produto no país de origem
Cumprimento de exigências regulatórias
Rendimento do produto
Custo
Solidez da empresa
Histórico de parcerias
Uso da plataforma em outros produtos
FONTE: Os autores(2011)
Para reduzir essa quantidade para cinco critérios, objetivo dessa coleta de dados, realizaram-se três
análises: 1) análise de frequência simples, considerando o critério independente da hierarquia apontada pelos
respondentes; 2) frequência com que os critérios aparecem em primeiro; e 3) frequência com que os critérios
aparecem em segundo lugar, conforme a tabela a seguir.
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C uritiba,
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153
TABELA 1 — Análise de frequência dos dez critérios para seleção de fornecedores
Critérios
Frequência simples
Frequência como
Frequência como 2º
1º critério
critério
Compatibilidade com o parque industrial
1
0
1
Competência em transferência de tecnologia
1
0
0
Cumprimento de exigências regulatórias
3
0
1
Custo
4
0
1
Histórico de parcerias
1
0
0
Nível de desenvolvimento do produto
4
4
0
Registro do produto no país de origem
1
0
0
Rendimento do produto
1
0
1
Solidez da empresa
3
0
0
Uso da plataforma em outros produtos
1
0
0
FONTE: Os autores (2011)
Diante da tabela acima, é possível verificar que quatro critérios aparecem com frequência simples
superior a um; foi unânime o apontamento do critério mais importante; e com frequência considerada como
segundo critério mais importante, aparecem quatro critérios. No entanto, como são análises distintas, os
critérios aparecem em mais de uma análise de frequência. Ao consolidar os critérios apontados por cada
análise de frequência, obtêm-se nível de desenvolvimento do produto, custo, cumprimento de exigências
regulatórias, solidez da empresa, compatibilidade com o parque industrial e rendimento do produto como os
critérios mais relevantes para a seleção de um fornecedor, conforme quadro a seguir.
QUADRO 3 — Seleção dos seis critérios mais relevantes para a seleção de fornecedores
Frequência simples
Nível de desenvolvimento do produto
Custo
Cumprimento de exigências regulatórias
Solidez da empresa
Frequência como 1º critério
Nível de desenvolvimento do produto
Frequência como 2º critério
Compatibilidade com o parque industrial
Cumprimento de exigências regulatórias
Critérios
Nível de desenvolvimento do produto
Custo
Cumprimento de exigências regulatórias
Solidez da empresa
Compatibilidade com o parque industrial
Custo
Rendimento do produto
Rendimento do produto
FONTE: Os autores (2011)
Pode-se notar que foram evidenciados seis critérios, e não cinco, como o esperado inicialmente. Isso
aconteceu em virtude de haver um empate entre dois critérios na listagem dos cinco mais importantes. Por
conta disto, serão utilizados esses seis critérios, apresentados a seguir:
—— Nível de desenvolvimento do produto: é relacionado ao nível de desenvolvimento tecnológico tanto do
produto quanto da plataforma de produção, e ao selecionar um fornecedor que detenha um produto
com maior grau de desenvolvimento, esperam aprender a partir de uma tecnologia mais moderna.
154
do produto é relevante, pois é afetado diretamente
pelo processo de produção adotado, e não ne­
cessariamente pelo tamanho dos equipamentos, dessa
forma, não adianta possuir grandes equipamentos
se o processo não reproduzir con­dições ideais para
crescimento e reprodução desses organismos.
—— Custo: não é apenas o custo de aquisição,
mas todos os custos envolvidos, de
compra, transporte, processamento,
implantação, treinamento etc.
—— Cumprimento de exigências regu­
latórias: relacionado com o aten­dimento
das normas regulatórias brasileiras ou
de países com normas semelhantes à
brasileira.
De acordo com a literatura utilizada neste
trabalho, os critérios elencados pelos vice-diretores,
em sua essência, não são novos, já foram mencionados
anteriormente por outros pesquisadores. Dessa
forma, as variáveis existem. No entanto, cabe a cada
organização selecionar um conjunto dessas variáveis
que lhe auxilie na tomada de decisão.
—— Solidez da empresa: é um critério
relevante, pois, como as parcerias são
de longo prazo, superiores a 15 anos,
é importante que a empresa parceira
mantenha os objetivos da parceria e
que principalmente sobreviva durante
esse período.
Com base nas variáveis, e nos critérios
identificados pelos vice-diretores, foi solicitado que
o diretor fizesse comparações par a par atribuindo
relações entre esses critérios, de acordo com a
escala de nove níveis de Saaty.
—— Compatibilidade com o parque industri­
al: relacionado à utilização do parque
industrial atual, apesar de buscar novas
tecnologias, também são essenciais tec­
nologias que possam ser incorporadas
ao parque industrial, e não que sugiram
descartar o parque atual para criação
de outro.
Antes de realizar as comparações par a par
dos critérios, o diretor confirmou que os critérios iden­
tificados pelos vices são os realmente importantes
para a seleção de um fornecedor para novo produto.
Conforme orientação para comparação par
a par, foi respondido primeiro qual o critério mais
importante e depois atribuído peso conforme escala
Como a empresa trabalha com produtos
biológicos e organismos vivos, o critério rendimento
de Saaty. Os dados são demonstrados na Tab. 2.
TABELA 2 — Resultado para comparação par a par
Critérios
Coluna 1
Nível de desenvolvimento
do produto
Custo
Cumprimento de
exigências regulatórias
Solidez da empresa
Compatibilidade com o
parque industrial
Coluna 2
Critério mais
importante
(Coluna ?)
Escala
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Custo
Cumprimento de exigências regulatórias
Solidez da empresa
Compatibilidade com o parque industrial
Rendimento do produto
Cumprimento de exigências regulatórias
Solidez da empresa
Compatibilidade com o parque industrial
Rendimento do produto
Solidez da empresa
Compatibilidade com o parque industrial
Rendimento do produto
Compatibilidade com o parque industrial
Rendimento do produto
1
1
1
1
1
2
2
2
2
1
2
1
2
2
9
4
6
3
5
5
2
6
4
4
3
3
5
3
X
Rendimento do produto
1
4
FONTE: Os autores (2011)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
155
De acordo com a metodologia AHP, os dados foram transcritos em uma matriz seis por seis, sendo
preenchidas também as relações contrárias correspondentes, ou seja, quando foi respondido que o critério 1 é
mais importante que o 2 e atribuído peso 3, a relação contrária correspondente é 1/3, ou seja, o critério 2 em
relação ao 1. Em outras palavras, quando é dado peso 3 à relação de importância entre os critérios 1 e 2, ou
seja, o critério 1 é moderadamente mais importante que o critério 2, é dado o peso 1/3 para a importância do
critério 2 em relação ao critério 1.
Cabe ressaltar que a partir desses resultados foi realizada a análise de consistência considerando Índice
Randon (IR) de 1,24, valor de referência para seis variáveis, e o resultado obtido foi dentro do limite aceitável
(a razão de consistência obtida foi de 0,059, sendo menor que 0,10, que é considerado como valor limite para
consistência), demonstrando que o julgamento foi coerente em seu conjunto.
Após a aplicação da metodologia AHP, foi obtida a hierarquia entre os critérios e principalmente o grau
de importância de cada critério. Ao mesmo tempo em que reflete o que Bio-Manguinhos considera importante
para selecionar determinado fornecedor, gera uma ferramenta de análise para a tomada de decisão. Os pesos
e os critérios são demonstrados a seguir (Tab. 3).
TABELA 3 — Estatísticas descritivas das principais variáveis da pesquisa
Critério
Peso
Hierarquia
Nível de desenvolvimento do produto
0,42596
1
Compatibilidade com o parque industrial
0,24640
2
Cumprimento de exigências regulatórias
0,15228
3
Rendimento do produto
0,09352
4
Solidez da empresa
0,04994
5
Custo
0,03191
6
Total
1,00000
FONTE: Os autores (2011)
Como é observado, a representatividade
de cada critério é bem distinta, alguns possuem
grande representatividade, e outros, pequena.
O critério mais relevante representa quase a
metade do total dos pesos representados na
tabela acima. Ao somar a representatividade
dos três critérios mais relevantes, obtém-se uma
representatividade de 82% do total, enquanto os
três últimos critérios representam apenas 18%.
Dessa forma, as empresas que desejarem
fornecer a Bio-Manguinhos devem possuir, princi­
palmente, bons índices nos três primeiros critérios,
visto que são 4,5 vezes mais importantes que os
outros três critérios.
Os critérios identificados vão ao encontro
de Braga (2003), Resende, Mendonça e Araújo
156
(2005) e Pereira, Tontini e Silveira (2004), quando
afirmam que a seleção de fornecedores deixa de
avaliar apenas custos para se tornar uma área que
apoia a estratégia da organização.
Conforme a hierarquia e os pesos dos critérios considerados relevantes por Bio-Manguinhos,
critérios mais próximos da estratégia organizacional possuem uma representatividade maior que
custos, como é o caso do nível de desenvolvimento que o produto possui e do atendimento a
exigências regulatórias.
Ao considerar o critério solidez da empresa,
Bio-Manguinhos busca se resguardar de futuras
substituições prematuras de um fornecedor,
dificultando a implantação da estratégia deter­
minada. Esse fato está relacionado com Amaral
e Demari (2006), quando dizem que a seleção
de fornecedores impróprios às finalidades
estratégicas da organização gerará a necessidade
de substituição desse fornecedor.
Considerações Finais
O aumento do portfólio de produtos e,
consequentemente, de suas vendas é o objeto de
busca de muitas organizações. No entanto, para
que a organização consiga cumprir esse papel,
é necessário que possua produtos capazes de
atender às necessidades de seus clientes.
Nos últimos anos, Bio-Manguinhos vivencia
esse cenário, necessitando então desenvolver
continuamente novos produtos para sustentar
esse crescimento. Porém, no mercado em que
atua, o tempo necessário ao desenvolvimento de
um produto é, em muitos casos, superior a 20
anos, requerendo grande volume de investimento,
não somente financeiro, mas em áreas físicas com
tecnologia que atenda às demandas, recursos
humanos capacitados, rede de fornecimento que
oferte produtos de boa qualidade etc.
Bio-Manguinhos, visando amenizar os pro­
blemas com a sua sustentabilidade financeira,
elaborou um mecanismo diferenciado de rela­
cionamento com o governo brasileiro, que é seu
principal cliente, em que sua receita é formada
com base na comercialização de seus produtos,
não mais dependendo apenas de repasse desse
governo.
Apesar desse novo modelo de rela­
cio­
namento com o governo, Bio-Manguinhos ainda
compartilha com o restante da máquina pública
dificuldades em investir o volume necessário ao
seu crescimento desejado.
são os critérios relevantes para selecionar determinado fornecedor em detrimento de outros.
Bio-Manguinhos elegeu nível de desen­
volvimento do produto, compatibilidade com o
parque industrial, cumprimento de exigências
regulatórias, rendimento do produto, solidez da
empresa e custo como seus critérios relevantes
para comparar os fornecedores e, por fim,
selecionar apenas um, e cada critério mencionado
possui uma representatividade diferenciada.
­
Os critérios identificados por Bio-Man­
guinhos, em sua essência, não são novos, mas
conhecidos e mencionados por outros pes­
quisadores. No entanto, como em toda tomada
de decisão, especialmente as multicriteriais, cada
organização busca identificar as variáveis/os
critérios importantes para determinada tomada
de decisão, e essa escolha não necessariamente é
a melhor para outras organizações. Além de cada
organização identificar suas variáveis ou critérios
relevantes para a tomada de decisão, o grau de
importância de cada critério ou variável pode
também ser diferente entre as organizações.
Desde 1937, Bio-Manguinhos utiliza par­cei­
ros para lançar novos produtos. Esses fornecedores
realmente contribuem para o sucesso, o que
demonstra que o processo de escolha desses
fornecedores tem sido bem sucedido.
Como não foi objeto deste estudo testar os
resultados obtidos, ou seja, os critérios relevantes
com seus respectivos pesos, sugere-se que
trabalhos futuros verifiquem se os resultados de
decisões tomadas no passado seriam os mesmos
ao utilizar os pesos e os critérios identificados neste
trabalho como base para a tomada de decisão.
Associando o fato do elevado tempo ne­
cessário ao desenvolvimento de um produto com
a capacidade restrita de financiamento, Bio-Manguinhos busca parceiros capazes de minimi­
zar
essa dificuldade. Com base nesse contexto, a presente pesquisa teve o objetivo de identificar quais
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
•
Recebido em: 08/12/2011
•
Aprovado em: 23/05/2012
157
Referências
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160
Anexo
Primeiro instrumento:
Bio-Manguinhos possui vocação científica e industrial para prevenir, identificar e tratar doenças por
meio de vacinas, reativos para diagnóstico e biofármacos. Contudo, desenvolver um produto dessa magnitude
pode levar, em diversos casos, mais de 20 anos, requerendo alto volume de recursos financeiros, recursos
humanos capacitados e tecnologia disponível. Por ser uma instituição pública, compartilha com o restante
da máquina pública toda a dificuldade em obter recursos, e, quando obtém, em sua maioria são insuficientes.
Diante desse cenário, a busca por parcerias externas tem se mostrado interessante, visto que
o Brasil possui pouca capacidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e
consequentemente de novas plataformas tecnológicas capazes de suportar não só a produção de novos
produtos mas atender à demanda da população do país.
Ao buscar parcerias, Bio-Manguinhos pode se deparar com situações em que existam mais de um
fornecedor para o mesmo produto, fazendo com que selecione um em detrimento de outro. O presente
estudo vem ao encontro dessa questão, visando contribuir para a seleção desse fornecedor.
Com base nisso, responda: na busca por parcerias para geração de um novo produto, quais os cinco
fatores/critérios mais importantes para selecionar um entre vários fornecedores?
Segundo instrumento:
A MESMA INTRODUÇÃO DO ROTEIRO DE ENTREVISTA ANTERIOR...
Foi feita uma entrevista com cada vice-diretor e identificado quais seriam os critérios relevantes para
seleção de um fornecedor.
Diante dos critérios apontados pelos vice-diretores, atribua relações e compare-os par a par utilizando
a tabela de nove níveis de Saaty. Para realizar essa comparação par a par, primeiro responda qual dos dois
critérios é mais importante e depois atribua o grau de importância de acordo com a escala de nove níveis.
Foram apresentados, então, o quadro com os critérios listados ao final da análise do primeiro instrumento e
o quadro com a escala de Saaty.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
161
A agroindústria familiar na
microrregião de Francisco
Beltrão (PR)
Family agribusiness in the microregion of Francisco Beltrão (State of
Paraná)
A agroindústria familiar na microrregião de Francisco Beltrão (PR)
Family agribusiness in the microregion of Francisco Beltrão (State of Paraná)
Fernanda Giraldello1
Jaime Antonio Stoffe2
Jandir Ferrera de Lima3
Vanderleia Loff Lavall4
Resumo
Este estudo traça um panorama da agroindústria familiar nos municípios
pertencentes à microrregião de Francisco Beltrão — sudoeste do Paraná.
Essa atividade contribui na geração de emprego e renda, como também
na melhoria das condições de vida das famílias. Os resultados evidenciam
a importância da agregação de valor aos produtos agrícolas por meio
das agroindústrias familiares que, consequentemente, impulsionam o
desenvolvimento local.
Palavras-chave: Agroindústria Familiar. Desenvolvimento Local. Êxodo Rural.
Economia Rural.
Abstract
This study presents an overview of agribusiness in the counties belonging
to the microregion of Francisco Beltrão, in the southwest of Paraná. This
activity contributes to the generation of employment and income, but also in
improving the living conditions of families. The results show the importance
of adding value to agricultural products through family agribusiness, which
consequently boosts the local development.
Keywords: Family Agribusiness. Local Development. Rural Exodus.
Rural Economy.
Bacharel em Ciências Econômicas pela Unioeste/Campus de Francisco Beltrão _ PR.
E-mail: [email protected].
2
Doutorando em Desenvolvimento Regional e Agronegócio pela Unioeste/Campus Toledo _
PR. Professor-assistente no curso de Ciências Econômicas, Unioeste/Campus de Francisco
Beltrão _ PR. E-mail: [email protected].
3
Ph.D. em Desenvolvimento Regional pela Université du Québec. Professor Adjunto do
Colegiado do curso de Ciências Econômicas e do Mestrado/Doutorado em Desenvolvimento
Regional e Agronegócio da Unioeste/Campus Toledo _ PR. E-mail: [email protected].
4
Bacharel em Ciências Econômicas pela Unioeste/Campus de Francisco Beltrão _ PR _
1
Professora Colaboradora no Curso de Ciências Econômicas, Unioeste/Campus de Francisco
Beltrão _ PR. E-mail: [email protected].
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
163
Introdução
O final do século XX, particularmente os
últimos 30 anos, foi um período significativo
no que diz respeito a transformações so­
cioeconômicas em todo o Sul do Brasil, que
acabaram marcando as economias regionais.
A rapidez das modificações tecnológicas e a
aceleração do processo de inovação, associadas à
flexibilização das formas de produção, alteraram a
distribuição das atividades econômicas no espaço
dos territórios tornando uns mais dinâmicos
que outros e, consequentemente, desiguais na
acumulação de capital e nos indicadores sociais
(ALVES; FERRERA DE LIMA; PIFFER, 2009).
Desse modo, as diferentes formas de
desenvolvimento da agricultura no Brasil
levaram à formação de distintos modelos da
pequena produção agrícola familiar nos mais
diversos segmentos produtivos agrícolas e
regiões do País. Esse desenvolvimento teve
desdobramentos significativos a partir da década
de 1960, principalmente como consequência
do processo de modernização das atividades
agropecuárias. Assim, no Sul do Brasil, em boa
parte das microrregiões, ocorreu uma considerável
integração vertical com as agroindústrias e o
desenvolvimento de uma pequena produção
agrícola familiar altamente tecnificada e mercantil.
Contudo, com o desenvolvimento da
dernização na agricultura, a relativa homo­
mo­­
A necessidade de
exploração intensiva das
propriedades rurais exigiu
a modificação das técnicas
de produção, baseadas
até então na rotação de
culturas e em períodos de
pousio das terras.
164
geneidade social que predominava entre a
pequena produção agrícola familiar no Sul do
Brasil entrou em crise. O aumento da demanda por
produtos agrícolas e os novos papéis da agricultura
no mercado e nas políticas governamentais
estimularam a diversificação das suas formas de
organização produtiva. Ou seja, a necessidade de
exploração intensiva das propriedades rurais exigiu
a modificação das técnicas de produção, baseadas
até então na rotação de culturas e em períodos de
pousio das terras (STOFFEL, 2004).
Tudo isso afetou a pequena produção
agrícola familiar. Até então, produziam-se, na
maior parte das propriedades rurais, além dos
bens de consumo, os instrumentos de produção
e os insumos intermediários, tais como rações,
sementes, fertilizantes e parte dos implementos
necessários. Além disso, o conhecimento técnico
aplicado à agricultura campesina era resultado de
experiência local, acumulada durante gerações
(JOHNSTON; KILBY, 1975).
Em decorrência dessas várias mudanças
no cenário das localidades e propriedades rurais,
além das exigências cada vez maiores no que
tange à prática da agricultura, uma parcela
significativa da população rural, em especial, os
pequenos agricultores e trabalhadores rurais,
sentiu-se estimulada a trocar o meio rural pelos
centros urbanos, caracterizando o êxodo rural
(OLTRAMARI, 2005).
É nesse contexto que surge a necessidade
de alternativas de emprego e renda para esses
pequenos produtores que compõem a agricultura
familiar. Entre as opções, a agregação de valor
aos produtos agrícolas, por meio da implantação
de pequenas agroindústrias familiares, é um
instrumento para aumentar a renda das pro­
priedades, mantendo, dessa forma, essas famílias
no campo, e, consequentemente, participando do
processo de desenvolvimento local nos municípios
que comportam essas atividades.
Para tal, fez-se um estudo junto aos
municípios do sudoeste do Paraná, em particular
na microrregião de Francisco Beltrão. Os pro­
cedimentos metodológicos são explicados na
sequência, bem como os resultados e as discussões.
1
Procedimento Metodológico,
Fonte de Dados e Carac­teri­zação
da Área de Estudo
O presente estudo tomou como base a pesquisa de campo, viabilizada por meio da formulação e
aplicação de questionários junto aos proprietários de agroindústrias rurais nos municípios que abrangem a
microrregião de Francisco Beltrão, pertencente à mesorregião Sudoeste do Paraná. A figura a seguir mostra a
localização da microrregião de Francisco Beltrão, foco deste estudo.
FIGURA 1 — Mapa de mesorregiões do Paraná e microrregião de Francisco Beltrão
FONTE: Ipardes (2012) — Base cartográfica, IBGE (2010)
Procurou-se identificar, por meio das
abordagens realizadas com os produtores, se a
prática agroindustrial nos municípios abrangidos
pela pesquisa está de alguma forma impedindo o
abandono dos moradores do campo em direção
à zona urbana, bem como analisar a realidade da
agroindústria familiar, as principais dificuldades
enfrentadas e o papel socioeconômico que
desempenha na vida das famílias agricultoras.
Dados relevantes sobre o número de
agroindústrias existentes nos municípios (conforme
Quadro 1) foram coletados junto às Secretarias
Municipais de Meio Ambiente e Agricultura de
cada município. Outras importantes informações
Rev.
FA E ,
C uritiba,
a respeito da atividade agroindustrial exercida na
região foram buscadas em várias entidades locais,
como na Agência de Desenvolvimento Regional do
Sudoeste do Paraná (Agência) e na Cooperativa
de Comercialização da Agricultura Familiar
Integrada do Sudoeste (Coopafi), e no Projeto
de Extensão Tecnológica Empresarial, intitulado
“Desenvolvimento de inovações tecnológicas
dos produtos alimentícios e agroecológicos da
pequena agroindústria familiar”, do programa
Universidade sem Fronteiras, financiado pela
Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia (SETI)
e executado pela Universidade Estadual do Oeste
do Paraná (Unioeste).
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
165
QUADRO 1 — Número de agroindústrias familiares por município na microrregião de Francisco Beltrão – Paraná
Município
Barracão
Boa Esperança do Iguaçu
Bom Jesus do Sul
Cruzeiro do Iguaçu
Dois Vizinhos
Enéas Marques
Flor da Serra do Sul
Francisco Beltrão
Manfrinópolis
Marmeleiro
Nova Esperança do Sudoeste
Nova Prata do Iguaçu
Pinhal de São Bento
Renascença
Salgado Filho
Número de Agroindústrias Familiares
4 unidades agroindustriais
Nenhuma unidade agroindustrial
5 unidades agroindustriais
1 unidade agroindustrial
26 unidades agroindustriais
2 unidades agroindustriais
1 unidade agroindustrial
54 unidades agroindustriais
1 unidade agroindustrial
8 unidades agroindustriais
Nenhuma unidade agroindustrial
5 unidades agroindustriais
1 unidade agroindustrial
Nenhuma unidade agroindustrial
25 unidades agroindustriais
Salto do Lontra
2 unidades agroindustriais
Santo Antonio do Sudoeste
11 unidades agroindustriais
São Jorge d’Oeste
11 unidades agroindustriais
Verê
10 unidades agroindustriais
Total
167 unidades agroindustriais
FONTE: Dados primários, Giraldello (2010)
1.1 Caracterização da Região Sudoeste
do Paraná
A região sudoeste do
Paraná é constituída por
42 municípios, os quais
demonstram ter entre si
características bastante
comuns, de ordens
econômica, social e
cultural, caracterizando-se
basicamente por proprie­
dades rurais de pequeno
porte voltadas para a
agricultura familiar.
166
Conforme dados do Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), a
mesorregião do sudoeste do Paraná está localizada
no Terceiro Planalto Paranaense e abrange uma
área de 17.060,444 km, correspondendo a 8,6%
do território do estado do Paraná. Faz divisa
ao sul com o oeste catarinense, a oeste com a
Argentina, a leste com a mesorregião centro-sul
paranaense, e a norte, sua principal fronteira é
com o Rio Iguaçu.
Historicamente, apesar de o movimento
da população do Sudoeste ser marcado por um
processo de expansão seguida de retração, a
população continua dispersa no espaço regional,
marcada pela agricultura familiar e um número
significativo de pequenas cidades (FERRERA DE
LIMA, 2009).
Atualmente, a região sudoeste do Paraná é constituída por 42 municípios, os quais demonstram ter entre
si características bastante comuns, de ordens econômica, social e cultural. A região caracteriza-se basicamente
por propriedades rurais de pequeno porte voltadas para a agricultura familiar, cuja renda tem papel significativo
para a economia local. Tal fato se justifica pelo relevo acidentado, dificultando a mecanização da agricultura em
grande escala, dando lugar, dessa forma, à agricultura manual e familiar.
Conforme dados da Tab. 1, pode-se observar que a quantidade de estabelecimentos rurais, nos quais o
processo de produção está ancorado na agricultura familiar, é superior ao número de estabelecimentos rurais
não familiares.
TABELA 1 — Estabelecimento e área da agricultura familiar, segundo as unidades da Federação, mesorregiões, microrregiões
e municípios
Municípios
Agricultura familiar
Estabelecimentos
Não familiar
Área (ha)
Estabelecimentos
Área (ha)
Barracão
666
8.622
56
6.881
Boa Esp.do Iguaçu
525
8.833
67
4.767
Bom Jesus do Sul
703
9.491
47
7.464
Cruzeiro do Iguaçu
416
6.255
71
7.719
Dois Vizinhos
1.616
20.811
318
11.669
Enéas Marques
843
11.586
108
4.090
Flor da Serra do Sul
640
11.324
67
6.873
16.652
Francisco Beltrão
2.805
37.481
373
Manfrinópolis
643
9.396
65
12.225
Marmeleiro
1.215
19.979
189
15.567
Nova Esp.do Sud.
970
15.078
87
4.575
Nova Prata do Iguaçu
1.196
17.927
139
9.557
Pinhal de São Bento
353
5.354
26
3.190
Renascença
777
13.174
145
19.076
Salgado Filho
617
9.770
121
6.642
13.571
Salto do Lontra
1.557
19.786
204
St. Antônio do Sudoeste
1.894
20.557
238
8.975
São Jorge d’Oeste
964
13.591
178
20.157
Verê
1.188
18.855
113
9.097
19.588
277.870
2.612
188.747
Total microrregião
FONTE: IBGE _ Censo Agropecuário (2006)
Nota-se que na maioria dos municípios a
agricultura familiar representa mais de 50% do
total da área ocupada pelos estabelecimentos
rurais, chegando próximo a 90% da área em
alguns municípios analisados. Francisco Beltrão,
Marmeleiro, Verê, Dois Vizinhos, Nova Prata
do Iguaçu, Salto do Lontra e Santo Antônio do
Sudoeste
destacam-se
pelo
número
elevado
(acima de mil) de propriedades que fazem parte
da agricultura familiar.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Outro fato relevante que pode ser
constatado nos dados da Tab. 1 é o tamanho
médio das propriedades que fazem parte da
agricultura familiar (14,19 ha), bem como a área total
utilizada (277.870 ha) por esses estabelecimentos
rurais, justificando o predomínio das pequenas
propriedades agrícolas na microrregião de
Francisco Beltrão.
Dessa maneira, ainda de acordo com dados
da Tab. 1, verifica-se que a produção agrícola da
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
167
região sudoeste do Paraná, mais especificamente
a microrregião de Francisco Beltrão, mantém a sua
base produtiva ligada à produção familiar.
2
Caracterização da
Agroindústria Familiar
Inicialmente, no período de colonização,
a produção de alimentos estava principalmente
destinada para o consumo das famílias. Os
agricultores
familiares
enfrentavam
sérios
problemas em relação à deficiência de transportes
e estradas adequadas para distribuição, bem
como à ausência de um comércio eficiente para
comercialização dos excedentes (TASCHETTO;
WALKOWICZ, 2007). A fim de assegurar o sustento
e a sobrevivência da unidade familiar, as famílias
passaram a praticar, juntamente com os trabalhos
diários da propriedade rural, determinada espécie
de indústria caseira, transformando os excedentes,
mesmo de forma rudimentar, para prolongar
sua vida útil. Dessa forma, deu-se origem às
agroindústrias familiares.
Baseado em Bonamigo e Schneider (2007),
é possível traçar algumas características comuns
na maioria das unidades agroindustriais.
168
•
As agroindústrias utilizam pouco espaço
físico para a fabricação dos produtos.
•
A produção das unidades agroartesa­
nais está direcionada, sobretudo, a
mercados locais.
•
Os membros da família, na maioria dos
casos, estão envolvidos na produção,
mostrando que a mão de obra geral­
mente é familiar.
•
Os fatores de produção são baseados
na prática agropecuária.
•
Os conhecimentos agroartesanais fo­
ram adquiridos mediante expe­riên­cias
e práticas deixadas pelos an­te­passa­
dos, transmitidos e aper­
feiçoados a
cada nova geração.
Com o passar dos anos, o trabalho na
agroindústria passou a ser encarado como alternativa
de incremento de renda, possibilitando melhorias
nas condições de vida, ou seja, “para o agricultor
familiar o artesanato produzido auxiliava no trabalho
agrícola e, muitas vezes, significava renda extra”
(TASCHETTO; WALKOWICZ, 2007, p. 27).
Há dois fatores que levaram ao surgimento
da agroindústria familiar: o primeiro é de ordem
econômica, o qual busca agregar valor aos produtos
por meio da sua transformação, geralmente de
forma artesanal ou semiartesanal, quando não
é cabível ao produtor comercializá-los in natura.
O segundo fator é de ordem social, pois está
associado ao desejo do produtor de permanecer
no campo junto aos familiares, buscando o
envolvimento de todos os membros da família na
produção, até mesmo das donas de casa, as quais
desempenham um importante papel dentro desse
tipo de agroindústrias (RUIZ et al., 2010).
A agroindústria familiar rural é uma forma de
organização na qual a família rural produz, processa
e/ou transforma parte de sua produção agrícola
e/ou pecuária, visando, sobretudo, à produção de
valor de troca que se realiza na comercialização. A
agroindústria familiar rural constitui um novo espaço
e em um novo empreendimento social e econômico
de desenvolvimento local e de integração regional
(MIOR, 2008).
A agroindústria familiar
rural é uma forma de
organização na qual
a família rural produz,
processa e/ou transforma
parte de sua produção
agrícola e/ou pecuária,
visando à produção de
valor de troca que se realiza
na comercialização.
Em relação ao desenvolvimento local,
muitas áreas rurais têm reforçado suas ligações
e coerência, focalizando seus projetos de
desenvolvimento nos elementos de identidade
local. Buscam identificar algo que as torne únicas,
o que acaba contribuindo também para modificar
a forma como os próprios habitantes enxergam
a sua própria região. Além disso, o fato de se
apoiarem no poder da identidade local torna os
produtos dessas regiões mais desejáveis no
mercado (BEDUSCHI FILHO; ABRAMOVAY, 2004).
A identidade local torna-se uma das bases
centrais da economia da qualidade, capaz de
projetar internacionalmente produtos regionais,
conhecidos e apreciados por reunirem características
objetivas (paladar, padrão estético) com traços
organizacionais que lhe são sempre associados. A
identidade de uma área é, portanto, composta de
todas as percepções coletivas do passado dos seus
habitantes, de suas tradições e seu know-how, sua
estrutura de produção, sua herança cultural, seus
recursos materiais, enfim, seu futuro. Essa identidade
plural não é estática; ao contrário, ela pode mudar,
tornar-se mais forte, modernizar-se (BEDUSCHI
FILHO; ABRAMOVAY, 2004).
A discussão da integração como elemento
importante no processo de desenvolvimento
regional, de acordo com Ferrera de Lima (2010),
exige reflexões sobre dois prismas: a primeira,
a integração intrarregional, ou seja, os fatores e
as mudanças econômicas e sociais que ocorrem
internamente na região e fortalecem a sua coesão
territorial; a segunda, a integração inter-regional, ou
seja, os fatores e as mudanças econômicas e sociais
que ocorrem na posição geopolítica e econômica da
região em relação aos territórios vizinhos ou além
das suas fronteiras. Como ambos estão atrelados
a questões sociais e econômicas, eles podem ser
conduzidos de forma conjunta, pois esses prismas
têm importância crucial na mudança do perfil do
desenvolvimento regional.
Nesse sentido, a agricultura familiar exerce
papel importante, principalmente por meio
das agroindústrias familiares, no uso de seus
conhecimentos adquiridos com seus antepassados
para a produção/fabricação de produtos que
mantenham as características locais e a identidade
Rev.
FA E ,
C uritiba,
regional. A importância da dinamicidade da
agricultura familiar não está associada apenas à
produção de fibras e alimentos, também possui
outras importantes funções, as quais estão
associadas à segurança alimentar, aos papéis
socioeconômico e ambiental e de desenvolvimento
local que ela desempenha.
Além disso, de acordo com Olalde (2010),
a agricultura familiar está associada à dimensão
espacial do desenvolvimento, por permitir uma
distribuição populacional mais equilibrada no
território. Essa distribuição privilegia a reprodução
de um modo de vida local, com raízes históricas e
culturais, que respeita e valoriza as necessidades
da família, os relacionamentos locais, o meio
ambiente, a cooperação e a criatividade.
De acordo com Ruiz et al. (2010), as unidades
agroindustriais englobam desde micro a pequenos
produtores, sobretudo de alimentos (moinhos,
embutidos, destilados, fermentados, panificação,
confeitos) de origem animal e/ou vegetal, e,
em alguns casos, atividades artesanais (cestos,
bordados, calçados, acolchoados, ferramentas).
Esses produtos apresentam pouca sofisticação
tecnológica, estão intimamente arraigados à
cultura local e se destinam a diversos tipos de
consumidores (RUIZ et al., 2010; TASCHETTO;
WALKOWICZ, 2007).
Reforçando a ideia dos produtos carac­
terísticos das agroindústrias familiares, Batalha
(1997, p. 51) afirma que eles demonstram ser “[...]
essencialmente bens de primeira necessidade e de
baixo valor unitário”, por esse fato, pode-se dizer
que a demanda por esse tipo de produto reflete
pequena variação quando o seu preço sofre um
aumento, por exemplo.
São as experiências de transformação e
agregação de valor aos produtos, envolvendo um
número significativo de agricultores familiares,
que estão na origem das chamadas agroindústrias
familiares na região sudoeste do estado do Paraná,
principalmente a partir de 1990. Nesse período,
a agroindústria familiar rural teve que vencer
vários obstáculos para se firmar como uma forma
de organização da produção, processamento e
industrialização de alimentos na região sudoeste.
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
169
Nesse contexto, as agroindústrias familiares
despontam como uma alternativa importante
na participação do desenvolvimento local, por
meio da geração de emprego e renda para os
agricultores familiares envolvidos nesse processo.
2.1 As Agroindústrias Familiares no
Sudoeste
O ramo de agroindústrias familiares na
região sudoeste do Paraná é praticado geralmente
por descendentes de poloneses, alemães e italianos
e está profundamente atrelado ao processo de
ocupação desses povos durante a colonização da
região, bem como à fixação das culturas e hábitos
dos respectivos povos colonizadores ao longo dos
anos (SAQUET; SANTOS, 2010).
Com referência à modalidade das agroindústrias, existem as unidades de fabricação de
produtos de origem animal, as quais compreendem
as agroindústrias de beneficiamento do leite, as
fábricas de queijo, os abatedouros e as indústrias
de embutidos, os abatedouros de frangos e suínos,
as granjas de ovos, as unidades de fabricação
de mel e os estabelecimentos de filetagem de
peixe (de acordo com informações da Prefeitura
Municipal de Francisco Beltrão, 2010).
Outras unidades de produção elaboram a
transformação de produtos de origem vegetal
e podem ser definidas como fábricas de açúcar
mascavo e/ou melado e rapadura, vinícolas/cantinas, unidades produtoras de doces e/ou geleias,
unidades fabricantes de cachaça artesanal e estabelecimentos que trabalham com polpa de frutas.
Existem ainda as unidades ligadas à panificação,
as quais englobam as agroindústrias de bolachas,
biscoitos, pães e massas (PREFEITURA..., 2010).
Para operar dentro das normas higiênico-sanitárias legais, as agroindústrias produtoras de
alimentos de origem animal precisam ser constantemente inspecionadas e fiscalizadas por
técnicos capacitados, que trabalham geralmente
junto às prefeituras municipais ou ao Instituto
Paranaense de Assistência Técnica e Extensão
Rural (Emater). A fim de que os estabelecimentos
170
agroin­
dustriais de produtos de origem animal
pudessem passar por essas vistorias, garantindo
ao consumidor um produto que siga um padrão de
normas necessárias e que não ofereça riscos à sua
saúde, foi criado o Selo de Inspeção Municipal (SIM).
Segundo Saquet e Santos (2010), as
unidades produtivas cadastradas no SIM são
delimitadas a comercializar seus produtos a
nível municipal. Porém, o cadastro junto ao SIM
protege as agroindústrias da concorrência das
que trabalham sem o registro e, ao mesmo tempo,
valoriza os produtos das unidades que possuem o
selo de inspeção no momento da comercialização.
Nesse caso, são considerados clandestinos os
estabelecimentos agroindustriais que trabalham
com produtos de origem animal e não possuem
cadastro no SIM, os quais estão sujeitos a multas e
recolhimento dos seus respectivos produtos.
A instituição do SIM/POA surgiu da necessidade de garantir ao consumidor que a fabricação dos produtos coloniais, muito apreciados e
consumidos, cumprisse todas as normas sanitárias
adequadas, visto que antes da criação do SIM era
grande a quantidade de produtores que fabricavam
e vendiam seus produtos sem controle algum,
colocando em risco a saúde dos compradores.
Portanto, torna-se necessário que os órgãos
competentes efetuem um trabalho de fiscalização
e ao mesmo tempo deem orientação às unidades
artesanais, para que elas possam se enquadrar nas
normas sanitárias, a fim de que a produção e a
comercialização de seus produtos sejam realizadas
da maneira correta.
2.2 Agroindústrias Familiares e
Desenvolvimento Local
O grande desafio colocado em pauta no
mundo contemporâneo é buscar alternativas
capazes de enfrentar os problemas econômicos,
sociais e ambientais da atualidade frente à
sobrevivência da humanidade no Planeta.
Diante desse desafio, é preciso que se
busquem ou se formulem novas concepções
É necessário que um
projeto de desenvolvimento
seja baseado no princípio
da sustentabilidade.
Entende-se que esta “deve
compreender, no mínimo
cinco dimensões: a físico-natural, a social, a cultural,
a científico-tecnológica e a
econômica”.
a produção de bens e serviços que atendam às
reais necessidades humanas; e a sustentabilidade
econômica implica crescimento econômico.
de desenvolvimento procurando assegurar a
permanência e a continuidade, a médio e a longo
prazo, dos avanços e melhorias na qualidade de
vida, na organização econômica e na conservação
do meio ambiente. Isso se dá mediante uma
proposta de desenvolvimento sustentável, voltado
para dentro da região (endógeno), focando
principalmente o desenvolvimento humano e
criando oportunidades locais de desenvolvimento.
Com isso, cada região ou município deve
procurar espaços de competitividade de acordo
com suas condições e potencialidades, levando
em consideração, principalmente, o seu entorno,
e investir nos setores em que a capacidade e a
vantagem locacional sejam comparativamente
melhores. Ou seja, investe-se no potencial das
aptidões de cada região ou município.
Nesse sentido, Dallabrida (2000, p. 49)
traz algumas contribuições com a finalidade de
apontar aspectos do desenvolvimento regional, no
sentido de sustentabilidade e de endogenização.
Segundo ele, é necessário que um projeto de
desenvolvimento seja baseado no princípio da
sustentabilidade. Entende-se que esse princípio
“deve compreender, no mínimo, cinco dimensões:
a físico-natural, a social, a cultural, a científico-tecnológica e a econômica”.
A sustentabilidade físico-natural implica a
manutenção do nosso suporte de vida; a social
manterem e incrementa a qualidade de vida de
toda a população, assim como contribui para
a eliminação da pobreza e das desigualdades
sociais; a cultural implica respeito às diferenças
étnicas e culturais; a científico-tecnológica envolve
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Dallabrida (2000) e Buarque (2002)
acreditam que alavancar o desenvolvimento
de uma região, com base nos princípios da sus­
tentabilidade e da endogenização, talvez seja a
única oportunidade possível de potencializar os
recursos humanos, materiais e não materiais.
O empreendedorismo endógeno e local
demanda certa organização e mobilização da
sociedade, a fim de buscar e explorar as suas
capacidades e potencialidades próprias, cami­
nhando para um processo autossustentável, con­
sorciando seus conhecimentos com os recursos
naturais existentes, de modo a criar raízes efetivas
na matriz socioeconômica e cultural da localidade
(BUARQUE, 2002).
Assim, a partir da década de 1990, desen­
cadearam-se na região sudoeste paranaense
iniciativas voltadas à constituição de agroindústrias
familiares rurais como diversificação da economia
agrícola e promoção do desenvolvimento local.
Nesse cenário, conforme Tomasetto, Ferreira
de Lima e Shikida (2009), destaca-se a união de
forças e recursos em novos arranjos com o objetivo
de criar empregos e impulsionar o desenvolvimento
local. Isso ocorre porque os produtores recebem
assis­tência de diversas entidades governamentais
e não governamentais, e essa parceria se tornou
indispensável para proporcionar aos produtores
maior competitividade na comercialização dos
produtos, além de fomentar o desenvolvimento da
agricultura, o desenvolvimento local sustentável e
a promoção da cidadania e da qualidade de vida
dos produtores rurais.
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
171
3
Resultados e Análise
dos Dados
Nas agroindústrias familiares pesquisadas, notou-se a predominância de algumas modalidades,
como é o caso das unidades de fabricação de queijos e das agroindústrias de açúcar mascavo, melado
e outros derivados da cana-de-açúcar, uma vez que cada uma representa 19,23% em relação ao total das
agroindústrias entrevistadas. Em seguida, as indústrias de panificação aparecem com 15,38%, demonstrando
também a forte presença da modalidade na atividade agroindustrial da microrregião.
As unidades de fabricação de embutidos e defumados, bem como as indústrias de transformação
de doces e geleias, também estão entre as modalidades agroindustriais que mais se destacam no setor
agroindustrial regional, representando 11,54% cada. As demais modalidades alcançaram menos de 8% cada,
demonstrando, portanto, menor predominância dentro do cenário abordado.
A Tab. 2 apresenta o percentual de participação das principais atividades desenvolvidas pelas
agroindústrias familiares na microrregião de Francisco Beltrão.
TABELA 2 — Principais modalidades de agroindústria familiar na microrregião de Francisco Beltrão — Paraná
Principais modalidades de agroindústrias familiares
Agroindústria de leite e queijo
Porcentagem
19,23%
Agroindústria de açúcar mascavo; melado; rapadura; garapa
19,23%
Agroindústria de panificação (biscoitos/bolachas e/ou pães e massas)
15,38%
Agroindústria de embutidos e defumados
11,54%
Agroindústria de doces e geleias
11,54%
Agroindústria de vinho e/ou vinagre
7,69%
Agroindústria de mel
7,69%
Agroindústria de cachaça
3,85%
Outros (Agroindústria de filetagem de peixes)
3,85%
Total
100,00%
FONTE: Dados primários, Giraldello (2010)
Os dados da pesquisa também revelam os principais obstáculos encontrados quando da implantação
das agroindústrias familiares. Destacam-se, por parte dos entrevistados, como principais fatores a baixa
disponibilidade de recursos financeiros (27%), a ausência de mão de obra (15%), as exigências em se enquadrar
nos padrões higiênicos sanitários exigidos, a formação de mercado consumidor, bem como a burocracia no
momento de constituição e implantação da agroindústria (9%), a falta de experiência no ramo de fabricação
de produtos agroartesanais, as dificuldades técnicas no processo produtivo, além da inexperiência em
administração de empresas (6%). Para 18% dos entrevistados, nenhuma dificuldade relevante no começo dos
trabalhos na unidade de produção foi encontrada.
172
TABELA 3 — Principais dificuldades encontradas pelas agroindústrias familiares da microrregião de Francisco Beltrão quanto
à administração e sobrevivência no mercado
Principais dificuldades das agroindústrias
Porcentagem
Falta de mão de obra
43,33%
Clima ou entressafra
13,33%
Concorrência e/ou concorrência desleal
10,00%
Falta e alto custo de equipamentos direcionados para a pequena produção/transformação
6,67%
Falta de capital de giro
6,67%
Pouco acesso ao crédito (custeio/investimento)
6,67%
Ausência de assistência técnica profissionalizada
3,33%
Espaço físico
3,33%
Impostos
3,33%
Nenhuma dificuldade
3,33%
Total
100,00%
FONTE: Dados primários, Giraldello (2010)
De acordo com os dados apresentados na
Tab. 3, 13,33% dos entrevistados afirmaram serem
os fatores climáticos e a entressafra dos produtos
agrícolas as maiores dificuldades enfrentadas
diariamente pela agroindústria familiar.
Quanto aos fatores climáticos, as agroindús­
trias de fabricação de queijos, por exemplo, de
acordo com relatos dos proprietários, afirmam
que, no inverno, as vacas produzem menos leite,
principal matéria-prima para geração do produto,
fazendo com que a produção e os rendimentos
diminuam. A falta de pastos ocasionada pelos
períodos de seca faz com que os animais tenham
que ser alimentados com vários tipos de sais
e rações, tornando mais elevado o preço dos
insumos. Esse aumento é repassado para a
produção e para o produto final.
As safras e entressafras também são
caracterizadas como forte elemento que merece
atenção dentro da agricultura e, consequentemente,
da transformação e comercialização dos produtos
agroindustriais, uma vez que a safra dos produtos
agrícolas acontece em determinados períodos do
ano, épocas em que os preços são mais baixos.
Nas entressafras, ocorre exatamente o contrário,
ou seja, por serem menos acessíveis, os produtos
agrícolas tornam-se mais caros, elevando o custo
da aquisição de matérias-primas por parte das
unidades agroindustriais. As unidades artesanais
Rev.
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C uritiba,
de transformação de frutas em doces e geleias são
exemplos dessa sazonalidade.
A concorrência e/ou a concorrência
desleal, a falta de capital de giro e o pouco
acesso ao crédito, além dos elevados custos dos
equipamentos, são apontados como algumas das
principais dificuldades encontradas pelas unidades
agroindustriais.
Mas, para 43,33% dos entrevistados,
a principal dificuldade que as agroindústrias
familiares enfrentam no dia a dia está relacionada
à ausência de mão de obra. De fato, a falta de
pessoas disponíveis para trabalhar nas unidades
tem se tornado o principal obstáculo enfrentado
pelas agroindústrias, as quais ficam subordinadas
a produzir determinada quantidade, sendo que, se
possuíssem mais funcionários, poderiam aumentar
a produção e os rendimentos.
Outro importante fator para o desen­
volvimento da agroindústria familiar é a análise
do mercado consumidor. Para Batalha (1997,
p. 54), “conciliar uma demanda relativamente
estável com uma oferta agrícola que flutua
sazonal e aleatoriamente é o principal desafio da
comercialização de produtos agroindustriais”.
Os principais canais de comercialização dos
produtos advindos das agroindústrias familiares na
área de análise são as feiras livres, os supermercados
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173
(destacando-se como o principal canal de comercialização, conforme dados da pesquisa), a venda direta
ao consumidor de porta em porta ou na própria propriedade e nas cooperativas que representam o setor.
Na Tab. 4, estão contidas as principais vantagens atribuídas pelos entrevistados em relação à
implantação das agroindústrias familiares.
TABELA 4 — Principais vantagens atribuídas à implantação da agroindústria familiar na microrregião de Francisco
Beltrão — Paraná
Principais vantagens atribuídas à implantação da agroindústria
Porcentagem
Aumento da renda familiar e consequente melhoria das condições de vida da família no campo
44%
Possibilitou obter, com a venda diária ou semanal dos produtos, um acesso mais frequente aos
23%
recursos financeiros
15%
Tornou o trabalho no campo mais leve e animador
13%
Obter uma profissão satisfatória pela abertura do próprio negócio
5%
Possibilitou que a família permanecesse junta por várias gerações
Total
100%
FONTE: Dados primários, Giraldello (2010)
O estabelecimento da agroindústria familiar dentro das propriedades rurais não tem contribuído apenas
para o aumento da renda das famílias no campo. A agroindústria tem proporcionado às famílias proprietárias
melhor qualidade de vida. Atualmente, graças às inovações tecnológicas e aos rendimentos alcançados, os
moradores do campo possuem um padrão de vida semelhante ao de muitas famílias que moram na zona
urbana dos municípios.
174
Conclusão
A implantação de agroindústrias familiares
na região sudoeste do Paraná, em especial na
microrregião de Francisco Beltrão, tem se tornado
uma prática cada vez mais frequente, visto que
os pequenos agricultores buscam, por meio da
agregação de valor aos produtos de origem agrícola,
fontes alternativas de renda para suas famílias.
Observou-se que em todas as famílias
entrevistadas houve aumento dos rendimentos
após a instalação das agroindústrias familiares
no estabelecimento rural. De acordo com os
entrevistados, ocorreram melhoras não só no campo
econômico, mas também nos aspectos físicos e
sociais da família, por exemplo, a possibilidade de
reformar ou mesmo construir uma nova residência,
a fim de se acomodar confortavelmente, comprar
um novo automóvel ou adquirir novas áreas de
terras para a propriedade.
Por outro lado, pode-se deduzir que mesmo
a atividade agroindustrial familiar proporcionando
inúmeras vantagens às famílias agricultoras não
pode ser caracterizada como principal elemento de
entrave ao êxodo rural nos municípios abordados
pela pesquisa, haja vista que 76% dos entrevistados
afirmaram que permaneceriam no campo, mesmo
com a ausência da agroindústria familiar na
propriedade. Isso se dá pelo fato de a maioria
dessas famílias exercer outras atividades, além da
prática agroindustrial, em seus estabelecimentos,
como, no caso, o cultivo de lavouras de grãos, a
pecuária, a bovinocultura leiteira, a produção de
hortaliças, entre outras.
Por fim, é preciso que haja um empenho
contínuo por parte dos órgãos representativos do
setor na busca de novos programas de políticas
públicas nas diferentes esferas governamentais,
não só no que tange ao incentivo à produção
nas agroindústrias familiares, mas também nas
infraestruturas básicas, como escolas, transporte,
serviços, que possam motivar os produtores
agroindustriais a permanecer nas suas regiões e
contribuir efetivamente para que o desenvolvimento
local sustentável a médio e longo prazo.
•
Recebido em: 01/03/2012
•
Aprovado em: 16/08/2012
Dessa forma, percebe-se que a instalação
de agroindústrias familiares na microrregião
de Francisco Beltrão está contribuindo para
maior interação entre os meios rural e urbano,
corroborando, nesse sentido, o desenvolvimento
local, evidenciando os valores regionais e
mantendo a identidade da população, por meio
da aplicação de seus conhecimentos passados de
geração a geração, na confecção dos produtos
agroartesanais.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
175
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
177
Impairment nas companhias aéreas
internacionais durante a crise
financeira mundial de 2008
Impairment in international airlines companies during the 2008 global
financial crisis
Impairment nas companhias aéreas internacionais durante a crise financeira mundial de 2008
Impairment in international airlines companies during the 2008 global financial crisis
Jocelino Donizetti Teodoro1
Luciano Marcio Scherer2
Resumo
Este estudo tem como objetivo detectar possíveis diferenças quanto ao
reconhecimento de perdas com a redução ao valor recuperável de ativos
(impairment) nos anos de 2007 a 2009, em função da crise financeira mundial
ocorrida nesse período. Para tanto, foi realizada pesquisa descritiva com
abordagem quantitativa do problema. A amostra é composta por 66 companhias
aéreas de abrangência internacional. O setor foi selecionado por ter sofrido maiores
impactos com a crise financeira mundial. Os resultados da pesquisa permitem
concluir que houve o reconhecimento de perdas com impairment nas companhias
aéreas internacionais de forma mais intensa em 2008, em relação a 2007 e a 2009,
fato explicado pelo ápice da crise financeira. Concluiu-se que o reconhecimento
de perdas por impairment efetivamente ocorreu com maior intensidade nos
momentos em que se fez necessário, sugerindo que o reconhecimento do ajuste
a valor recuperável é utilizado conforme as condições e expectativas do ambiente
econômico. Ou seja, o ambiente econômico influenciou a prática contábil.
Palavras-chave: Crise Financeira Mundial. Redução ao Valor Recuperável de Ativos.
Companhias Aéreas Internacionais.
Abstract
This study aims to detect possible differences in the recognition of losses on
impairment of assets from 2007 to 2009, due to the global financial crisis which
occurred in this period. For this purpose, a descriptive research with quantitative
approach was performed. The sample consists of 66 international airlines. The
sector was selected on the assumption that it suffered major impacts from
the global financial crisis, and also due to data availability. The research results
allow to conclude that the recognition of impairment losses in the international
airlines companies was more intense in 2008 compared to 2007 and 2009, a
fact explained by the climax of the financial crisis. The conclusions are that the
recognition of impairment losses actually occurred with greater intensity at times
when it was necessary, suggesting that the recognition of adjustment to the
recoverable value is used according to the conditions and expectations of the
economic environment. This means that the economic environment influenced
the accounting practice.
Keywords: Global Financial Crisis. Impairment. International Airlines Companies.
1
Mestre em Contabilidade pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected].
Doutor em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do
Mestrado em Contabilidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Coordenador do curso de
graduação em Ciências Contábeis da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected].
2
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 178 - 189, jan./jun. 2013
179
Introdução
Nos anos de 2008 e 2009, diversas nações
sofreram os impactos da crise financeira iniciada
a partir do desequilíbrio do sistema financeiro
dos Estados Unidos, que ocasionou a quebra
de tradicionais bancos norte-americanos e,
posteriormente, a instabilidade do ambiente
econômico mundial.
Como resultado da crise financeira, bem
como da recessão que atingiu muitos países,
observou-se um cenário de desemprego
crescente e crédito restringido, o que impactou
consideravelmente as expectativas econômicas de
várias empresas, limitando a realização de novos
investimentos e comprometendo a expectativa de
real recuperação quanto aos valores que já haviam
sido investidos.
Os impactos da crise foram significativos
no setor de aviação civil. As expectativas para
o setor para o ano de 2008 indicavam perdas
previstas de US$ 5 bilhões para as companhias
aéreas norte-americanas e uma queda nos
lucros de US$ 1,8 bilhão entre 2007 e 2008 nas
companhias europeias. Para as companhias aéreas
latino-americanas, a expectativa era de perdas
totais de US$ 300 milhões. Adicionalmente,
dados da International Air Transport Association
(IATA) projetavam queda na demanda de 1,9%
acompanhada de um aumento de capacidade de
3,8% para 2008 (GLOBAL financial..., 2008).
De acordo com Harvey e Turnbull (2009), o
setor de aviação civil é um dos mais importantes
da economia mundial, representando direta e
indiretamente cerca de 7,5% do PIB mundial.
Um ambiente recessivo e as expectativas
daí advindas podem impactar diretamente a
prática contábil, especialmente em relação
à mensuração de ativos de longo prazo, que
estão mais sujeitos a mudanças no ambiente
econômico em que operam. Esses ativos têm
sua mensuração normalmente baseada no custo
ou no valor recuperável, dos dois o menor,
sendo este último apurado a partir do teste de
recuperabilidade de valor (impairment test),
conforme disposto na International Accounting
180
O principal objetivo
do impairment test é
garantir que os ativos,
principalmente os de
longo prazo, não sejam
mensurados por um valor
maior do que aquele
passível de recuperação.
Standards (IAS) 36, emitida pelo International
Accounting Standards Board (IASB). No Brasil, o
teste de recuperabilidade de valor foi instituído
pelo pronunciamento técnico CPC 01 do Comitê
de Pronunciamentos Contábeis (CPC).
O principal objetivo do impairment test é
garantir que os ativos, principalmente os de longo
prazo, não sejam mensurados por um valor maior
do que aquele passível de recuperação. Entre
outros fatores, a apuração do valor recuperável
deve levar em conta os riscos inerentes ao ambiente
econômico. Assim, presume-se que em ambientes
econômicos recessivos, tal como o vivenciado
nos anos de 2008 e 2009, o ajuste para redução
ao valor recuperável dos ativos, principalmente
aqueles de longo prazo, seja significativamente
maior em comparação aos períodos cujo ambiente
econômico encontra-se, no mínimo, estável.
Como o valor a ser testado está relacionado
diretamente a dois elementos, o mercado e as
expectativas de retorno em função do uso do ativo,
é indispensável que as condições e expectativas
do ambiente econômico sejam levadas em
consideração na apuração do valor recuperável.
Considerando os ambientes econômicos
de 2007, 2008 e 2009, caracterizados, res­
pectivamente, pelos indícios de início da crise, seu
ápice e sua desaceleração, surge a seguinte questão
de pesquisa: existe diferença no reconhecimento de
perdas decorrentes de redução ao valor recuperável
de ativos por parte das companhias aéreas
internacionais entre os períodos de 2007 a 2009?
O presente estudo tem por objetivo analisar
se houve diferença estatisticamente significativa
no reconhecimento de perdas decorrentes de
redução ao valor recuperável de ativos por parte
das companhias aéreas internacionais nos anos
de 2007, 2008 e 2009. Mais especificamente, com
base no histórico da crise, objetiva-se analisar se,
em 2008, o reconhecimento de perdas decorrentes
de redução ao valor recuperável de ativos foi maior
do que em 2007, e se em 2009 essas mesmas
perdas foram menores em comparação a 2008.
Ademais, este estudo pretende destacar
a importância do reconhecimento de perdas
decorrentes da redução ao valor recuperável de
ativos, promovendo seu maior entendimento no
ambiente contábil brasileiro. Por fim, permite
atestar a importância percebida pelas empresas
quanto ao emprego do impairment test, uma vez
que, considerando que esse procedimento reflete
as expectativas de recuperabilidade do valor de
investimentos em ativos, a fim de resguardar o
usuário de informações enganosas, oscilações
no ambiente econômico devem refletir-se em
oscilações no valor dos ativos, sob pena de não
atender plenamente aos objetivos da contabilidade.
Resultados e constatações desta pesquisa
podem inspirar estudos posteriores em outros
setores da economia, bem como despertar o interesse
em relação ao tema impairment, possibilitando o
aumento de estudos e do conhecimento acerca
desse procedimento, consideravelmente importante
quando da necessidade de sua utilização.
1
A Crise Financeira Mundial
A crise financeira mundial, cujo ápice se deu
entre os anos de 2008 e 2009, apresentou seus
primeiros traços já no final do ano de 2007, com
base na desestruturação do mercado imobiliário e
do sistema financeiro dos Estados Unidos.
Segundo Shomberg (2008), nos primeiros
meses de 2008, além de expectativas negativas
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Apenas no segundo
semestre de 2009 surgiram
informações positivas em
relação à recuperação do
crescimento econômico
de algumas nações,
principalmente nos países
emergentes.
por parte do Banco Mundial a respeito do cenário
econômico dos Estados Unidos, prevendo o
risco de uma recessão em função da restrição no
mercado de crédito, os países europeus também
começaram a sofrer desequilíbrios em seus
mercados financeiros, com quedas acentuadas em
suas bolsas de valores. Na Europa, o desemprego
britânico havia subido para 5,7%, o maior em oito
anos, e as previsões de crescimento da economia
alemã eram praticamente zero (PARSONS, 2008).
No mês de novembro, falava-se em recessão
em alguns países, a exemplo do Japão, seguido
de outras grandes economias da zona do euro
(KIHARA, 2008). O ano de 2008 encerrou-se com
a economia global significativamente deteriorada e
com expectativas econômicas consideravelmente
pessimistas para o ano seguinte.
Apenas no segundo semestre de 2009
sur­giram informações positivas em relação à
recuperação do crescimento econômico de algumas
nações, principalmente nos países emergentes
(GUIMARÃES; LEITE, 2009).
No setor de aviação civil, as previsões
para 2008 eram sombrias. As expectativas
iniciais eram de perdas de US$ 5,2 bilhões para
o setor, particularmente em função do aumento
dos custos com combustível. Também havia
expectativa de queda na demanda de 1,9% para
2008, combinada com um aumento na oferta
global de assentos de 3,8%. Mesmo para o
mercado chinês, em 2008, a previsão era de uma
v. 16, n. 1, p. 178 - 189, jan./jun. 2013
181
queda na demanda de 0,5% comparativamente a
2007 (GLOBAL Financial..., 2008).
Entretanto, os dados de 2008 foram piores
do que as expectativas iniciais. O prejuízo somado
das 150 maiores companhias aéreas do mundo em
2008 foi de US$ 15 bilhões, contra um lucro de US$
29 bilhões em 2007 (HARVEY; TURNBULL, 2009).
Em relatório de setembro de 2009, a IATA
projetou as perdas totais das companhias aéreas
para o ano de 2009 em US$ 11 bilhões, com uma
redução de US$ 80 bilhões nas receitas em relação
a 2008, o que equivaleria a uma queda de 15%
(IATA, 2009).
A partir de 2010, entretanto, fatores como
o aumento no número de passageiros nos países
emergentes, a diminuição da oferta global de
assentos e o aumento do preço das passagens
fizeram com que houvesse uma recuperação
no setor, especialmente nas companhias aéreas
asiáticas e da América Latina. Em março de 2010, a
IATA reviu suas previsões quanto ao desempenho
do setor aéreo para o ano de 2009, diminuindo as
estimativas de perdas de US$ 11 bilhões para US$
9,4 bilhões. Também as projeções de perdas para
o ano de 2010 foram revistas, passando de US$ 5,6
bilhões para US$ 2,8 bilhões. Apesar desse cenário
de recuperação no início de 2010, a IATA acredita
A partir de 2010,
fatores como o aumento
no número de passageiros
nos países emergentes, a
diminuição da oferta global
de assentos e o aumento
do preço das passagens
fizeram com que houvesse
uma recuperação no setor.
182
que o setor necessitará de dois a três anos para
se recuperar totalmente dos efeitos da crise
(PLIMMER, 2010).
Além de prejuízos, a crise trouxe o
fechamento de empresas e o corte de vagas de
trabalho. Nos Estados Unidos, apenas em 2008,
13 companhias aéreas foram à falência. Entre
maio de 2008 e maio de 2009, foram cortados
22.500 postos de trabalho nas seis maiores
companhias aéreas dos Estados Unidos. Também
na Europa várias companhias aéreas cessaram
suas atividades, como a britânica XL Airways e a
russa Dalavia. As companhias aéreas Aer Lingus,
da Irlanda, a franco-holandesa AirFrance-KLM e
a Scandinavian Air Services (SAS) anunciaram
cortes de 1,5 mil, 3 mil e 9 mil postos de trabalho,
respectivamente. Já a australiana Qantas demitiu
1.750 colaboradores (HARVEY; TURNBULL, 2009).
2
O Teste de Recuperabidade
de Valor — Impairment Test
A Norma Internacional de Contabilidade
(IAS) 36 trata dos ajustes de valor de ativos, para
que não fiquem registrados por valor superior
àquele passível de recuperação pelo seu uso nas
operações ou pelo valor por que poderiam ser
vendidos. No Brasil, o pronunciamento técnico que
trata desse tema é o CPC 01 — redução ao valor
recuperável de ativos.
Santos, Schmidt e Fernandes (2006, p. 207)
afirmam que “[...] o teste de Impairment consiste na
comparação entre o valor contábil do ativo e o seu
valor recuperável”. Embora a IAS 36 e o CPC 01 tratem
de todos os ativos de longo prazo, com critérios
específicos de definição quanto à sua aplicabilidade,
a literatura tem destacado principalmente a aplicação
desse teste em relação ao goodwill, em função da
obrigatoriedade de realização anual do teste para
esse intangível específico.
O pronunciamento técnico CPC 01 determina
que o valor recuperável dos ativos de longo prazo
pode ser obtido a partir de seus respectivos valores
de venda, líquido dos custos inerentes a esse
processo, ou a partir do valor em uso, dos dois, o
maior. Se o valor recuperável de um ativo for inferior
ao seu valor contábil, a entidade deverá contabilizar
o ajuste decorrente da redução ao valor recuperável.
Os critérios para aplicação do teste, bem
como os critérios de apuração do valor em uso
e valor líquido de venda, são apresentados nas
próximas seções.
2.1 Critérios de Mensuração do
Valor Recuperável
O pronunciamento técnico CPC 01 aborda
os critérios de mensuração do valor recuperável
de ativos entre os itens 17 e 22. O pronunciamento
determina que “[...] as entidades devem avaliar
pelo menos ao final de cada exercício social se
existe alguma indicação de que um ativo tenha
perdido valor.” (IUDÍCIBUS et al., 2010, p. 235).
Essa observação deve ser realizada levando em
consideração, além dos fatores internos à empresa,
fatores externos, tais como variações do valor
de mercado dos ativos; mudanças relativas ao
ambiente tecnológico, de mercado, econômico ou
legal em que a entidade ou o ativo operam; taxas
de juros praticadas no mercado e variações dessas
taxas (MAGALHÃES; Santos; COSTA, 2010, p.
349).Utilizando tais critérios, se houver indicação
de que o ativo possa ter apresentado perda quanto
ao valor registrado, o teste de impairment deve
ser empregado; se confirmada a perda de valor, o
valor contábil do ativo deverá ser ajustado ao valor
efetivamente recuperável (IUDÍCIBUS et al., 2010).
Além dessa determinação geral, existem
três situações em que o teste deve ser realizado,
no mínimo, anualmente, independentemente de
existência de expectativa de perda de valor: ativos
intangíveis de vida útil indefinida; ativos intangíveis
ainda não disponíveis para uso; ágio gerado por
uma combinação de negócios, cujo fundamento
econômico seja a expectativa de rentabilidade futura
(goodwill) (MAGALHÃES; SANTOS; COSTA, 2010).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
2.2 Valor Líquido de Venda e Valor
em Uso do Ativo
Os valores que devem ser apurados para
a realização do teste de impairment são o valor
líquido de venda e o valor em uso do ativo. O
primeiro diz respeito à diferença entre o valor
pelo qual o ativo poderia ser vendido menos as
despesas necessárias para tal venda, enquanto o
segundo diz respeito ao valor presente dos fluxos
de caixa esperados decorrente de seu emprego ou
uso nas operações (IUDÍCIBUS et al., 2010).
De acordo com Magalhães, Santos e
Costa (2010, p. 350): “A melhor evidência de um
valor líquido de venda é um contrato de venda
firmado entre partes independentes, menos os
custos diretos atribuídos à venda”. Não havendo
contrato de venda firme entre as partes, porém
sendo o ativo negociado em mercado ativo, o CPC
01 define o preço de mercado do ativo menos
as despesas que ocorrem com a venda como a
melhor alternativa.
O cálculo do valor em uso do ativo envolve
a estimação do valor presente dos fluxos de caixa
futuros por ele gerados até o fim de sua vida útil.
Nesse caso, a taxa de desconto a ser utilizada deve
refletir, além do valor do dinheiro no tempo, as
incertezas do ambiente macroeconômico em que
a entidade opera.
A melhor evidência
de um valor líquido de
venda é um contrato de
venda firmado entre partes
independentes, menos os
custos diretos atribuídos à
venda.
v. 16, n. 1, p. 178 - 189, jan./jun. 2013
183
3Metodologia
Este estudo tem como objetivo analisar
se houve diferenças no reconhecimento de per­
das decorrentes de redução ao valor recuperável
de ativos por parte das companhias aéreas
internacionais de 2007, a 2009. Mais especificamente,
pretende-se testar a possível existência de dife­
rença estatisticamente significativa entre 2007
e 2008, período intermediário entre o início e a
consolidação da crise, e nos anos de 2008 e 2009,
períodos intermediários entre o ponto principal da
crise e sua desaceleração.
Para atender a esse objetivo, foi desenvolvida
pesquisa descritiva com abordagem quantitativa
do problema, empregando técnicas de estatística
descritiva, a fim de apresentar os aspectos e
as características dos elementos envolvidos na
pesquisa, bem como de estatística inferencial,
para atestar se a diferença entre os períodos é
estatisticamente significativa.
A redução ao valor recuperável de um
ativo origina-se da diferença entre o seu valor
recuperável e seu o valor contábil, quando este
é maior. Sendo o valor recuperável diretamente
relacionado às expectativas inerentes ao ambiente
econômico em que a entidade opera, ele tende a
ser menor em períodos recessivos, apresentando
muitas vezes valor inferior ao valor contábil,
exigindo da empresa o ajuste do valor do ativo,
cuja contrapartida é uma despesa reconhecida
no período do ajuste. Assim, as hipóteses deste
estudo são as seguintes:
1º Teste:
H0 As perdas decorrentes de redução ao
valor recuperável dos ativos no ano
de 2008 foram iguais em comparação
com as de 2007
H1 As perdas decorrentes de redução ao
valor recuperável dos ativos no ano de
2008 foram significativamente maiores
em comparação com as de 2007.
184
2º Teste:
H0 As perdas decorrentes de redução ao
valor recuperável dos ativos no ano
de 2009 foram iguais em comparação
com as de 2008;
H1 As perdas decorrentes de redução ao
valor recuperável dos ativos no ano de
2009 foram significativamente maiores
em comparação com as de 2008.
3.1 Variável em Análise
A variável a ser analisada consiste no quociente entre a despesa com perdas decorrentes
de redução ao valor recuperável de ativos de um
período t em relação à receita operacional desse
mesmo período t:
QI jt =
I jt
RO jt
(1)
Em que:
Qljt representa o quociente entre a despesa
com perdas decorrentes de redução
ao valor recuperável de ativos de uma
empresa j no período t em relação à
receita operacional dessa empresa j no
período t;
ljt
representa a perda decorrente de
redução ao valor recuperável de ativos
de uma empresa j no período t;
ROjtrepresenta a receita operacional de
uma empresa j no período t.
3.2 Critérios de Amostragem
A amostra de empresas deste estudo foi
obtida por meio de procedimento de amostragem
por conveniência, portanto, amostragem não
probabilística. Como a formação da amostra
estava condicionada à acessibilidade dos dados,
optou-se pelo setor de aviação civil, que, dadas as suas características, apresentou impactos sig­nificativos
por conta da crise financeira mundial.
Assim, foram selecionadas para compor a amostra de estudo companhias aéreas internacionais que
operam o transporte de passageiros e/ou cargas, sendo observados três critérios.
O primeiro critério consistiu em selecionar as companhias aéreas que fazem parte das três alianças
aéreas internacionais, a saber: Star Alliance, Sky Team e Oneworld. O segundo critério foi a seleção das maiores
companhias aéreas por continente, desde que não selecionadas no primeiro critério. O terceiro critério consistiu
na seleção das maiores companhias aéreas que operam exclusivamente no transporte de cargas.
3.3Estatística-Teste
Para selecionar o teste estatístico que melhor reflita a possível existência de diferença significativa entre
os períodos, foi necessário realizar testes que revelam a existência ou não dos pressupostos que permitem a
aplicação de testes paramétricos. Os testes utilizados foram o Kolmogorov-Smirnov (K-S), a fim de atestar a
normalidade de distribuição dos dados da amostra, e a Estatística de Levene, a fim de atestar a homogeneidade
de variância. Os resultados do primeiro teste podem ser observados na Tab. 1:
TABELA 1 — Teste de normalidade de distribuição dos dados
Kolmogorov-Smirnov
Ano
Estatística
Graus de Liberdade
Significância
2007
0,372
66,000
0,000
2008
0,358
66,000
0,000
2009
0,351
66,000
0,000
FONTE: Os autores (2011)
Os resultados do teste indicam que a significância obtida no teste K-S foi consideravelmente menor que a
significância aceitável, para que não fosse rejeitada a hipótese de normalidade, ou seja, o valor indica um desvio
de normalidade.
Para atestar se esse foi o único pressuposto violado com relação aos dados da amostra, foi realizado o
teste de homogeneidade das variâncias, apresentado na Tab. 2:
TABELA 2 — Teste de homogeneidade das variâncias
Critério
Com base na média
Levene
Estatística
11,763
Graus de Liberdade 1
Graus de Liberdade 2
2,000
195,000
Significância
0,000
Com base na mediana
4,099
2,000
195,000
0,018
Com base na mediana com
4,099
2,000
88,434
0,020
6,597
2,000
195,000
0,002
Grau de liberdade ajustado
Com base na média ajustada
FONTE: Os autores (2011)
Os resultados apontam que a variância entre os períodos é significativamente distinta, o que, por fim,
determina a possibilidade de imprecisão nos resultados caso seja aplicado algum teste paramétrico.
Dessa forma, pela impossibilidade quanto à aplicação de um teste paramétrico, a estatística considerada
adequada para atestar a possível diferença significativa entre os períodos analisados foi o Teste não Paramétrico
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 178 - 189, jan./jun. 2013
185
de Wilcoxon, em função de ser “[...] utilizado
em situações em que existem dois conjuntos de
escores a serem comparados, [...] provenientes
dos mesmos participantes” (FIELD, 2009, p. 484).
4 Resultados da Pesquisa
As estatísticas descritivas em relação à
variável QIjt, ou seja, o quociente entre a despesa
com perdas decorrentes de redução ao valor
recuperável de ativos de um período t em relação
à receita operacional desse mesmo período t,
podem ser visualizadas na Tab. 5:
TABELA 5 — Estatísticas descritivas da variável QIjt
Descrição/
Ano
Média
4.1 Perfil da Amostra
Variância
Desvio
A amostra para a realização do estudo
foi inicialmente formada por 97 companhias
aéreas internacionais, reduzidas a 66 em função
da acessibilidade aos dados, com distribuição
geográfica apresentada na Tab. 3:
TABELA 3 — Distribuição da amostra por continente
Continente
Quantidade
Percentual
Ásia
22
33%
Europa
20
30%
América do Norte
14
21%
África
4
6%
América do Sul
3
5%
Oceania
Total
3
5%
66
100%
FONTE: Os autores (2011)
Além da distribuição entre os continentes,
outra característica importante a ser destacada
consiste na distribuição das companhias aéreas
em relação aos critérios de seleção dos elementos
da amostra, conforme apresentados na Tab. 4:
Padrão
2007
2008
2009
0,0027780
0,0169256
0,0068718
0,000725
0,0021758
0,0003224
0,0085124
0,0466457
0,0179565
FONTE: Os autores (2011)
Considerando esses dados, é possível
observar que, entre os três anos, aquele que
apresentou maior média da variável QIjt foi 2008,
enquanto o ano de 2007 apresentou a menor média,
confirmando que 2008 foi, de fato, o ano de pior
desempenho durante a crise financeira mundial.
Entretanto, resta saber se a existência de
uma média superior no ano de 2008, indicando
um crescimento na prática de reconhecimento de
perdas por impairment, é de fato estatisticamente
significativa ou se possivelmente surgiu em função
de oscilações normais entre os períodos ou
advindas do processo de amostragem.
Outro aspecto apresentado na Tab. 5 é a
existência de um desvio padrão consideravelmente
superior à média, fato indicativo de que a amostra
não segue uma distribuição normal, conforme
comprovado anteriormente pela realização dos
testes estatísticos de Kolmogorov-Smirnov e Levene.
TABELA 4 — Distribuição da amostra em função dos
critérios de seleção
Critério
Maiores compahias aéreas
Alianças
Percentual
25
38%
Star Alliance
18
27%
Oneworld
11
17%
Sky Team
9
14%
3
5%
66
5%
Cargas exclusivamente
Total
FONTE: Os autores (2011)
186
4.2 Análise dos Dados
Quantidade
Para a realização do teste de Wilcoxon,
com a finalidade de verificação do primeiro teste
de hipóteses, inicialmente foram extraídas as
diferenças quanto às observações da variável
QIjt entre os anos de 2008 e 2007, sendo tais
diferenças organizadas em ordem crescente,
independentemente do sinal, e numeradas em
função de seu posicionamento entre os dados
ordenados (1º, 2º, 3º...).
A seguir, foi efetuado o somatório dos
números atribuídos ao posicionamento das
diferenças, de forma segregada entre as diferenças
positivas ou negativas. Esses resultados, bem
como a aplicação das demais etapas do teste de
Wilcoxon, podem ser observados na Tab. 6:
TABELA 6 — Resultado do teste: 2007-2008
Somatório
Pontos Positivos
Pontos Negativos
781
165
Tmínimo
165,000
µT
σT
473,000
82,826
-3,72
Zcalculado
FONTE: Os autores (2011)
Considerando que a diferença entre os
postos é obtida entre o período mais recente e o
período anterior (QI2008 — QI2007), um somatório
maior observado na coluna de Postos Positivos
indica maior intensidade do quociente entre a
despesa com perdas decorrentes de redução ao
valor recuperável de ativos em relação à receita
operacional no período mais recente, ou seja, 2008.
Com base na aplicação da fórmula para a
obtenção de Zcalculado, chegou-se ao valor de 3,72.
Considerando que Ztabelado é 1,96, rejeita-se, em
relação ao primeiro teste, H0, ou seja, as perdas
decorrentes de redução ao valor recuperável de
ativos em 2008 não foram estatisticamente iguais
às de 2007, o que leva à aceitação de H1.
Em relação ao segundo teste de hipóteses,
seguindo os mesmos passos para aplicação do
teste de Wilcoxon entre os anos de 2009 e 2008,
chegou-se aos seguintes resultados:
TABELA 7 — Resultado do teste: 2008-2009
Somatório
Pontos Positivos
Pontos Negativos
464
699
Tmínimo
464,000
µT
σT
588,000
97,499
-1,27
Zcalculado
FONTE: Os autores (2011)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Nesse caso, os Postos Positivos apre­
sentaram somatório inferior aos Postos Negativos,
apontando que no período anterior (2008) o
quociente entre a despesa com perdas decorrentes
de redução ao valor recuperável de ativos em
relação à receita operacional foi superior ao
período mais recente (2009).
Contudo, considerando que Zcalculado de
1,27 é inferior a Ztabelado de 1,96, não se pode
afirmar a existência de diferença estatisticamente
significativa entre os períodos de 2008 e 2009,
não se rejeitando, dessa forma, H0.
Esses resultados indicam que, em relação
às companhias aéreas internacionais, nos períodos
analisados neste estudo, o reconhecimento
de perdas decorrentes de redução ao valor
recuperável de ativos seguiu as expectativas do
ambiente econômico vivenciado nos respectivos
momentos, sugerindo que, em períodos recessivos,
as empresas realmente tendem a reconhecer
maiores perdas relacionadas ao valor recuperável
de seus ativos. Em suma, o ambiente econômico
vivenciado nos respectivos períodos influenciou a
prática contábil.
Conclusões e Recomendações
A redução ao valor recuperável de ativos,
também conhecida como impairment, é uma
ferramenta contábil que busca resguardar o
usuário da informação de valores de ativos
registrados a maior do que o verdadeiro potencial
de benefícios futuros a ele associados. Em suma,
trata-se do ajuste do valor contábil de um ativo ao
seu valor recuperável.
Sendo, pois, uma ferramenta que busca
proteger o usuário de informações incoerentes, é
de suma importância que nos momentos em que a
expectativa do ambiente econômico seja negativa,
os ativos afetados significativamente sejam
ajustados, a fim de atestar a preocupação e a
responsabilidade com a evidenciação (disclosure)
para com seus stakeholders.
v. 16, n. 1, p. 178 - 189, jan./jun. 2013
187
Com base nos resultados obtidos a partir
da análise da diferença entre os períodos de 2007,
2008 e 2009, relativa à razão entre a perda com
impairment e a receita operacional, é possível
observar que em 2008 foram reconhecidas
perdas em maior escala, comparativamente a
2007 e 2009. Observando-se o histórico da crise
financeira mundial, em 2007, embora houvesse
acentuado desequilíbrio no ambiente financeiro
norte-americano, a crise financeira ainda não
havia se instalado em termos globais, o que pode
explicar a diferença significativamente das perdas
com impairment em relação ao ano de 2008. Por
sua vez, o fato de, principalmente nos últimos
meses de 2009, a economia mundial apresentar
relativa melhora e reestruturação, porém ainda
limitada, provavelmente explica o menor nível de
impairment em relação ao ano de 2008, que, no
entanto, não foi estatisticamente significativo.
Sempre existe o receio de que, embora
disponíveis, as ferramentas que garantem
o atendimento dos principais objetivos da
contabilidade não sejam utilizadas na prática, a
exemplo do impairment, permanecendo apenas na
teoria e não contribuindo para a reflexão da essência
econômica dos fatos contábeis. A presente pesquisa,
porém, traz indícios de que o reconhecimento de
perdas por impairment efetivamente ocorreu com
maior intensidade nos momentos em que se fez
necessário, sugerindo que o reconhecimento do
ajuste a valor recuperável é utilizado conforme as
condições e expectativas do ambiente econômico
em que a empresa está inserida.
Por fim, cabe destacar que os resultados
obtidos podem ser atribuídos aos elementos
do segmento específico utilizado na pesquisa,
selecionado em função das condições mencionadas.
Dessa forma, é interessante o desenvolvimento
desta pesquisa em outros setores da economia
que também tenham sido afetados de forma
significativa pela crise financeira mundial, a fim de
atestar se nestes também estão sendo devidamente
praticados conceitos que visam garantir a
transparência e a relevância das informações
contábeis para seus usuários.
188
•
Recebido em: 17/08/2011
•
Aprovado em: 27/03/2012
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Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 178 - 189, jan./jun. 2013
189
Lealdade e retenção no ensino
superior: percepções teóricas
sobre construtos
Loyalty and retention in higher education: theoretical perceptions on
constructs
Lealdade e retenção no ensino superior: percepções teóricas sobre construtos
Loyalty and retention in higher education: theoretical perceptions on constructs
Gérson Tontini1
Silvana Anita Walter2
Resumo
Retenção e lealdade de estudantes são fundamentais para a sobrevivência das
Instituições de ensino superior (IES) não públicas. Assim, este estudo objetivou
verificar, por meio da análise de suas variáveis operacionais, a validade de
conteúdo desses construtos, bem como propor definições operacionais para
eles. Para tal, realizou-se uma pesquisa bibliográfica com 19 pesquisas nacionais
e internacionais. Os resultados apontam que a retenção é mensurada pelas
intenções de permanência e por índices reais em um período de tempo e que a
lealdade é mensurada por meio de variáveis, como recomendação, escolha da
IES para outros serviços, recompra e retenção. Conclui-se que há uma ausência
de definições claras para esses construtos na literatura. Propõem-se, portanto,
definições operacionais para os conceitos retenção e lealdade e sugerem-se
questões para sua mensuração em estudos futuros.
Palavras-chave: Lealdade. Retenção. Instituições de Ensino Superior.
Abstract
Retention and loyalty of students are crucial to the non-public Higher
Education Institutions survival (HEI). Thus, this study aims to verify through
its operational variables analysis these constructs content validity, as well as
to propose operational definitions for them. For that, a bibliographic research
with 19 national and international researches was performed. The results point
out that the retention is measured by the students´ intentions to remain in
a HEI and real rates over a period of time and that loyalty is measured by
variables such as recommendation, HEI choice for other services, re-purchase
and retention. It is concluded that there is a lack of clear definitions for these
constructs in the literature. Therefore, operational definitions are proposed for
both concept of retention and concept of loyalty and ways to measure them
in future studies.
Keywords: Loyalty. Retention. Higher Education Institutions.
Pós-doutor em Administração. Professor visitante na California State University. Professor Titular
da Universidade Regional de Blumenau (FURB). E-mail: [email protected].
2
Doutora em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professora do Programa de Pós-Graduação em
Administração da Universidade Regional de Blumenau (FURB). E-mail: [email protected].
1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
191
Introdução
Retenção e lealdade de estudantes no ensino
superior, por serem determinantes fundamentais
de sobrevivência, têm ganhado cada vez mais a
atenção das instituições de ensino superior (IES)
não públicas. Não obstante o exposto, dados
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que,
no período de 1994 a 2004, apenas 59,97% dos
alunos matriculados em IES brasileiras se formaram
(INEP, 2004), revelando que 40,03% de todos os
alunos que ingressaram em IES deixaram o ensino
superior antes de colar grau.
Os percentuais apresentados permitem
afirmar que, com os alunos que deixaram o ensino
superior antes de colar grau, as instituições não
conseguiram estabelecer uma relação duradoura,
deixando, consequentemente, de serem ampla­
mente beneficiadas com essa retenção e lealdade.
Entre os benefícios dessa relação, podem-se citar
a permanência na instituição (LIU; LIU, 2000;
LEPPEL, 2005; LOHFINK; PAULSEN, 2005; KREIE;
HEADRICK; STEINER, 2007; LEPPEL, 2001),
a colaboração (HENNIG-THURAU; LANGER;
HANSEN, 2001), o comprometimento (RODIE;
KLEINE, 2000) e o retorno à instituição para
atualização de conhecimentos (MARZO-NAVARRO;
PEDRAJA-IGLESIAS; RIVERA-TORRES, 2005).
Não obstante a relevância apontada
sobre a retenção e a lealdade de estudantes no
ensino superior, não há um consenso quanto à
definição de ambas e às variáveis que podem
ser empregadas em sua mensuração (NGUYEN;
LEBLANC, 2001). Dessa forma, observa-se
uma lacuna teórica nas pesquisas da área no
tocante à definição operacional dos construtos
de lealdade e retenção. Nesse sentido, Freire
(2005) destaca que, apesar de muitos trabalhos
utilizarem os termos lealdade e retenção como
sinônimos, existe uma distinção conceitual entre
eles. Por essa razão, esses termos no ensino
superior necessitam ser definidos e diferenciados
sistematicamente, visto que a ausência dessa
definição e distinção pode dificultar a realização
de pesquisas, a elaboração adequada de
instrumentos para mensuração da retenção e
192
da lealdade de estudantes no ensino superior,
bem como gerar resultados divergentes entre
estudos sobre esses construtos. Isso representa
um possível obstáculo para o desenvolvimento do
tema e para a definição dos antecedentes e de
estratégias que as instituições podem utilizar para
obter um índice maior de lealdade e de retenção
entre seus alunos.
Diante do contexto exposto, o estudo
apresentado procurou responder à seguinte
pergunta: quais as definições operacionais dos
construtos lealdade e retenção de alunos em
IES? Assim, o objetivo é verificar, por meio da
análise de suas variáveis operacionais, a validade
de conteúdo desses construtos, bem como propor
definições específicas para a sua mensuração.
Para tal, realizou-se uma revisão teórica sobre
como ocorre a mensuração desses dois conceitos
em pesquisas da área de ensino aplicadas a IES.
Assim, este trabalho poderá contribuir com a área
por apresentar um estudo teórico que forneça
subsídios a futuras pesquisas, visto que se observa
uma carência de estudos desse tipo no Brasil.
Cabe ressaltar que se empregaram os
termos retenção e persistência como sinônimos, em
virtude de ambos os construtos serem utilizados
com essa terminologia na literatura revisada para
mensurar o mesmo conceito (DOWN; COURY,
2006; EVANS, 2007; JOHN, 2000; LEPPEL, 2001,
2005; LIU; LIU, 2000; LOHFINK; PAULSEN, 2005;
MAYO; HELMS; CODJOE, 2004; TITUS, 2004).
Quanto à organização, este estudo, sem ter
a pretensão de esgotar o assunto, se apresenta
da seguinte forma: na segunda seção, faz-se uma
síntese dos principais resultados encontrados
na literatura sobre a retenção e a lealdade
de estudantes em IES; na terceira, descrevese a metodologia utilizada para obtenção dos
resultados; na quarta seção, realizam-se as análises
sobre os modos de mensuração da retenção
e da lealdade; e, na quinta seção, tecem-se as
considerações finais, bem como se apresentam
uma proposição de definição constitutiva e as
sugestões para futuras pesquisas.
1
Revisão de Literatura
Um construto é um conceito geral que não
pode ser observado ou mensurado diretamente,
sendo sua definição descrita a partir de um
embasamento teórico (ASENDORPF, 2004). Assim,
nesta seção, apresenta-se a literatura revisada
sobre a retenção e a lealdade de estudantes em
IES para elaboração de uma definição operacional
para os dois construtos.
1.1Retenção
A literatura revisada indica que a retenção
é influenciada positivamente pela integração
acadêmica (LIU; LIU, 2000), pelo contexto
institucional (características semelhantes entre os
estudantes, estrutura institucional e clima) (TITUS,
2004), pelo desejo de fazer uma pós-graduação
(TITUS, 2004), pela satisfação geral com a
instituição (LIU; LIU, 2000), pela aprendizagem
em equipe (KREIE; HEADRICK; STEINER, 2007),
pela escolha ou tamanho da IES — em virtude,
possivelmente, do valor da mensalidade e do
convívio com os demais alunos (TITUS, 2004) —,
ao menos para estudantes de primeira geração,
A retenção é influenciada
positivamente pela
integração acadêmica,
pelo contexto institucional,
pela satisfação geral
com a instituição, pela
aprendizagem em equipe,
pela escolha ou tamanho da
IES e pelo envolvimento e
compromisso institucional.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
aqueles cujos pais não possuem ensino superior
(LOHFINK; PAULSEN, 2005), e pelo envolvimento
e compromisso institucional (intenção de se formar
na instituição) (TITUS, 2004).
Além dos antecedentes de impacto
mencionados, desempenho acadêmico também
é apontado como um influenciador positivo da
retenção de estudantes em IES (DOWD; COURY,
2006; LIU; LIU, 2000; TITUS, 2004). No entanto,
contrariando esse resultado, Leppel (2001)
encontrou índices de persistência mais baixos
em cursos nos quais os estudantes tiveram
melhor desempenho, denotando que o motivo da
desistência poderia ser outro.
Ainda a respeito da influência positiva sobre
a retenção, apesar de Liu e Liu (2000) indicarem
que a integração social não impacta a retenção
dos estudantes em IES, Lohfink e Paulsen (2005)
afirmam que a participação frequente em clubes
escolares é significante positivamente para a
persistência dos estudantes de segunda geração,
ou seja, estudantes cujo pai e/ou a mãe possui
ensino superior.
Quanto aos antecedentes que afetam
negativamente a retenção dos estudantes, en­
contra-se a indecisão do aluno em relação à
escolha do curso, às suas habilidades ou à sua
vocação (DOWD; COURY, 2006; LEPPEL, 2001),
o que, para Leppel (2001), é consequência de um
menor compromisso desses estudantes com sua
educação. A importância da afinidade com o curso
supera, inclusive, o desejo do sucesso financeiro,
visto que, segundo Leppel (2005), estudantes que
consideram muito importante ser financeiramente
bem-sucedidos apresentam menores índices
de persistência, porque, ao escolher um curso
motivados pela possibilidade de obtenção de
sucesso financeiro, acabam por considerar o curso
não apropriado em virtude de outros fatores, como
afinidade ou motivação.
Outro fator apontado como influenciador
negativo da retenção dos estudantes em IES são os
assuntos familiares (DOWD; COURY, 2006; MAYO;
HELMS; CODJOE, 2004). Também como influência
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
193
negativa sobre a retenção de estudantes em IES,
estudos apontam assuntos financeiros (DOWD;
COURY, 2006; MAYO; HELMS; CODJOE, 2004), tanto
que estudantes dependentes financeiramente têm
maior probabilidade de obtenção de grau (DOWD;
COURY, 2006). Esse resultado igualmente pode
estar relacionado ao apontado por Mayo, Helms e
Codjoe (2004), isto é, de que responsabilidades,
que, no caso, poderiam ser financeiras, afetam
negativamente a retenção dos estudantes.
Tratando-se, ainda, de aspectos financeiros,
estudos indicam que os auxílios financeiros
exercem influência positiva sobre a retenção dos
estudantes (EVANS, 2007; JOHN, 2000; TITUS,
2004) — ao menos para os de primeira geração
(LOHFINK; PAULSEN, 2005) —, diferentemente
dos empréstimos, que apresentam influência
negativa sobre a retenção (DOWD; COURY, 2006;
NORA; BARLOW; CRISP, 2006), principalmente
em estudantes com rendas mais baixas (DOWD;
COURY, 2006). Essa distinção entre a influência
dos auxílios financeiros e a dos empréstimos sobre
a retenção dos estudantes deve-se ao fato de que
os empréstimos necessitam ser reembolsados
após a formatura, situação que causa insegurança
nos estudantes diante da incerteza da obtenção
do grau (DOWD; COURY, 2006), visto que menos
de 40% dos alunos conseguem obtê-lo no tempo
normal do curso (DOWD; COURY, 2006; NORA;
BARLOW; CRISP, 2006) e que os salários futuros
podem não garantir essa devolução (DOWD;
COURY, 2006; NORA; BARLOW; CRISP, 2006).
Nesse sentido, Nora, Barlow e Crisp (2006)
ressaltam que as mulheres e os estudantes de
primeira geração são os que confiam mais na
possibilidade de obtenção de recursos financeiros
para devolver seus empréstimos após a formatura.
Outro aspecto influenciador da retenção de
estudantes em IES evidenciado em alguns estudos
se refere ao gênero, à idade e à etnia. Nessa direção,
enquanto Liu e Liu (2000) apontam que gênero,
idade e etnia não impactam a retenção, Dowd e
Coury (2006) indicam que mulheres persistem
mais do que homens do primeiro para o segundo
ano e que estudantes mais velhos têm maior
194
probabilidade de obtenção de grau. Além disso,
Leppel (2001) destaca que homens e mulheres
apresentam diferenças em relação ao tipo de curso
no qual mais persistem e que mudança em atitude
pessoal impacta a probabilidade de a mulher deixar
a faculdade ou de persistir, fato que não ocorre
com os homens. Também nesse sentido, Lohfink
e Paulsen (2005) ressaltam que estudantes de
primeira geração possuem menor persistência se
forem hispânicos ou do sexo feminino, bem como
se possuírem renda mais baixa.
Lohfink e Paulsen (2005) igualmente des­
tacam a existência de diferenças entre estudantes
de primeira e de segunda geração no que se
refere à persistência, aos comportamentos e às
experiências, sendo que os estudantes de segunda
geração persistiram mais. Os mesmos autores
também apontam que estudantes de primeira
geração se conectam mais aos ingredientes e
aspectos ambientais locais, diferentemente dos
estudantes de segunda geração, que apresentam
uma visão mais cosmopolita da faculdade. Os
autores realizaram essa observação com base nos
motivos indicados pelos estudantes para a escolha
da IES: reputação da instituição e possibilidade de
viver em casa, razões apontadas pelos estudantes
de primeira geração; reputação da instituição e
nível de instrução, mencionados pelos estudantes
de segunda geração.
Estudantes de primeira
geração se conectam
mais aos ingredientes
e aspectos ambientais
locais, diferentemente dos
estudantes de segunda
geração, que apresentam
uma visão mais cosmopolita
da faculdade.
A revisão de literatura apresentada nesta
seção permitiu verificar que muitos estudos
apresentam resultados em comum no que se
refere à retenção de estudantes em IES, da mesma
forma que existem várias divergências em relação
aos resultados encontrados. Essas divergências
podem não estar somente relacionadas às
diferentes amostras estudadas, mas também à
falta de consenso no que concerne à definição de
retenção e à forma de mensurá-la, ou seja, que
o construto retenção esteja sendo mensurado
de maneira equivocada, acarretando possíveis
resultados contraditórios.
por Nguyen Leblanc (2001), Anjos Neto e Moura
(2004) e Walter (2006) não constataram, em seus
estudos, que a confiança seja uma influenciadora da
lealdade de estudantes em IES.
1.2Lealdade
Como variáveis de impacto negativo
na lealdade de estudantes em IES, a literatura
apresentou o compromisso cognitivo (uso da razão)
(HENNIG-THURAU; LANGER; HANSEN, 2001) e
a insatisfação (LIN; TSAI, 2006). O apontamento
da insatisfação como antecedente de impacto
negativo na lealdade de estudantes corrobora o
resultado de Alves (2003), Gonçalves Filho, Guerra
e Moura (2003), Helgensen e Nesset (2007) e de
Walter (2006), que indicaram a satisfação como
uma variável com impacto positivo na lealdade.
A revisão de literatura apresentou como
influenciadores positivos da lealdade de estudantes
em IES os benefícios da marca (ANJOS NETO;
MOURA, 2004), o comprometimento do aluno
com a IES (ANJOS NETO; MOURA, 2004), o
compromisso dos alunos com suas próprias
metas (HENNIG-THURAU; LANGER; HANSEN,
2001), o compromisso emocional dos alunos
com a instituição (HENNIG-THURAU; LANGER;
HANSEN, 2001; WALTER, 2006), a confiança dos
estudantes na instituição (HENNIG-THURAU;
LANGER; HANSEN, 2001), a imagem institucional
(NGUYEN; LEBLANC, 2001), a qualidade dos
serviços de ensino (HENNIG-THURAU; LANGER;
HANSEN, 2001; LIN; TSAI, 2006; WALTER, 2006),
a reputação da instituição (HELGENSEN; NESSET,
2007; NGUYEN; LEBLANC, 2001), a retenção dos
alunos com a IES (LIN; TSAI, 2006) e a satisfação
do aluno com o curso ou com a instituição (ALVES,
2003; GONÇALVES FILHO; GUERRA; MOURA,
2003; HELGENSEN; NESSET, 2007; WALTER, 2006).
Apesar de Nguyen e Leblanc (2001) indicarem
que a imagem institucional consiste em um
antecedente positivo da lealdade de estudantes em
IES, verificou-se que o estudo de Walter (2006) não
observou a influência da imagem sobre a lealdade
dos estudantes. Contrariando outro resultado obtido
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Outro resultado contraditório ao obtido
por Nguyen Leblanc (2001) se refere à qualidade
dos serviços de ensino, conforme destacado por
Hennig-Thurau, Langer e Hansen (2001), Lin e Tsai
(2006) e Walter (2006), que apontam a qualidade
como um antecedente da lealdade de estudantes
em IES. Cabe ressaltar, porém, que, no estudo
de Anjos Neto e Moura (2004), a hipótese sobre
o impacto positivo da qualidade do serviço edu­
cacional na lealdade dos estudantes foi rejeitada.
Cabe ressaltar que a retenção de estudantes
em IES e a lealdade apresentam-se como
conceitos altamente relacionados, uma vez que,
como destacado, Lin e Tsai (2006) apontam a
retenção como influenciadora da lealdade, além de
afirmarem que, se o estudante tiver um alto nível de
lealdade, é possível que se retenha na instituição,
indique-a para outras pessoas e fale bem dela.
Outro estudo que também avalia conjuntamente
a retenção e a lealdade de estudantes em IES é o
de Nguyen e Leblanc (2001). Eles apontam, como
já destacado, a imagem institucional e a reputação
como antecedentes da lealdade e características
extrínsecas do serviço, como preço, contato com
o departamento pessoal e ambiente físico, como
influenciadoras da decisão de retenção do cliente.
Outra constatação que se fez, por meio da
revisão de literatura, foi que os estudantes sofrem
influência de outros estudantes e de pessoas
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
195
quanto à sua retenção e lealdade. Nesse sentido,
Lin e Tsai (2006) assinalam que os estudantes
leais à instituição sofrem influência de outros
estudantes para que sejam leais, bem como que
a percepção dos outros a respeito da retenção é
um fator que determina o fenômeno da imitação
na sociedade (chamada de teoria das cascatas),
fazendo com que a saída de muitos estudantes da
instituição acarrete um modismo de desistência
(LIN; TSAI, 2006).
Foi possível constatar que, assim como
verificado nos estudos sobre retenção, tanto
existem consonâncias de resultados quanto
divergências entre os estudos revisados sobre
lealdade dos estudantes em IES. Isso mostra
a importância de deixar clara a definição de
lealdade, da mesma maneira que a de retenção,
bem como sua forma de mensuração, na tentativa
de minimizar possíveis diferenças observadas
entre os resultados dos estudos, ocasionadas
pela utilização desses construtos de forma
equivocada. Outra constatação efetuada foi que
alguns estudos avaliam tanto a lealdade quanto a
retenção dos estudantes em IES, confirmando que
essas definições estão fortemente atreladas.
Os estudantes leais à
instituição sofrem influência
de outros estudantes
para que sejam leais, e a
percepção dos outros a
respeito da retenção é
um fator que determina o
fenômeno da imitação na
sociedade, fazendo com que
a saída de muitos estudantes
da instituição acarrete um
modismo de desistência.
196
2
Metodo da Pesquisa
Para alcançar o objetivo proposto, optou-se pela realização de uma pesquisa bibliográfica.
Segundo Jung (2004, p. 160), o estudo biblio­
grá­fico objetiva “conhecer as diversas formas de
contribuições científicas existentes que fo­
ram rea­
lizadas sobre determinado assunto ou fenômeno”.
Para a seleção dos trabalhos revisados,
efe­
tuaram-se buscas de trabalhos publicados
no período de 2000 a 2007 nas bases de dados
Blackwell, Emerald, Ebsco, ProQuest e Science
Direct Online e nos CD-ROMs do Encontro da
Associação Nacional de Programas de Pós-Gra­
duação em Administração (EnANPAD).
As palavras-chave utilizadas nas buscas
nas bases de dados foram: student loyalty, loyalty,
student retention, retention, persistence, higher
education, university, college, lealdade, retenção,
ensino superior, universidades, faculdades e
estudantes. Na sequência, fez-se a leitura de 98
artigos que contemplavam as palavras-chave
utilizadas, dos quais 19 foram selecionados, que
tratavam, especificamente, de retenção e de
lealdade em instituições de ensino superior.
Após a leitura dos estudos revisados,
realizou-se a análise para verificar se os trabalhos
revisados apresentavam validade de conteúdo,
a qual, segundo Hair Jr. et al. (2005), consiste
na avaliação sistemática da capacidade de os
itens da escala medirem o construto ou conceito.
Para tanto, consultaram-se as variáveis utilizadas
para medir a lealdade e a retenção nos estudos
revisados e comparados entre si. Com a intenção
de averiguar a frequência das ocorrências,
procedeu-se, com o auxílio do software Atlas.ti 5.0,
à análise de conteúdo de tais variáveis. Para Hair
Jr. et al. (2005), a análise de conteúdo consiste na
observação e na análise da frequência de temas
e palavras presentes em textos escritos. Por sua
vez, para Moraes (1999), por meio da análise de
conteúdo técnica, podem-se categorizar as frases
e descrever a estrutura lógica das expressões.
3
Análises da Revisão
de Literatura
Nesta seção, realizam-se as análises a respeito da forma por meio da qual a retenção e a lealdade foram
mensuradas nos artigos revisados.
3.1Retenção
A revisão de literatura a respeito da retenção de estudantes em instituições de ensino superior identificou,
entre os 19 estudos selecionados, 12, que utilizaram, basicamente, duas formas para mensurar a retenção. A
maioria dos estudos avaliou a efetiva retenção ou não retenção de estudantes enas IES em um período de
tempo por meio de dados das próprias instituições, de bancos de dados ou de pesquisas realizadas a esse
respeito. A minoria das pesquisas avaliou a intenção de estudantes de permanecer ou não na instituição e os
motivos que os levariam a tal por meio de consulta direta a eles, utilizando questionários de pesquisa.
No Quadro 1, apresentam-se as variáveis utilizadas nos estudos para mensuração da retenção dos
alunos nas instituições de ensino superior.
QUADRO 1 — Variáveis e critérios para mensuração da retenção
Autores
Variáveis e critérios empregados para mensuração da retenção
- Considerar a permanência como melhor decisão quanto à transferência
Lin e Tsai (2006)
- Considerar a permanência como boa opção
- Considerar a continuação dos estudos na instituição como decisão inteligente
- Considerar a transferência como decisão adequada
Liu e Liu (2000)
- Permanência dos alunos na instituição após o primeiro trimestre
Leppel (2005)
- Permanência do estudante na mesma instituição do primeiro para o segundo ano
Lohfink e Paulsen (2005)
- Permanência do aluno do primeiro para o segundo ano na mesma instituição
Kreie, Headrick e Steiner (2007)
Leppel (2001)
- Permanência dos estudantes no curso durante os dois semestres de realização
do estudo
- Permanência dos calouros na faculdade no segundo ano
- Estar matriculado ou ter completado um programa universitário de curta duração
Titus (2004)
depois de três anos, antes de se matricular na mesma instituição em um programa
de quatro anos
Dowd e Coury (2006)
- Rematrícula do estudante no segundo ano (1990)
- Obtenção do grau pela conclusão do curso até 1994
Nora, Barlow e Crisp (2006)
- Rematrícula dos estudantes para os anos seguintes
Mayo, Helms e Codjoe (2004)
- Não persistência: motivos que fariam com que o estudante deixasse a instituição
John (2000)
- Revisão de literatura sem determinação de um conceito
- Apesar de se propor a avaliar um possível antecedente da retenção, não mede
Evans (2007)
a retenção de alunos por meio de instrumento de coleta de dados ou índices de
permanência, por exemplo
FONTE: Os autores (2011)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
197
Dois dos estudos destacados no Quadro 1 mensuraram a retenção por meio de consulta direta aos
alunos: o de Lin e Tsai (2006), realizado mediante quatro variáveis relacionadas à intenção de permanecer, e o
de Mayo, Helms e Codjoe (2004), que, por meio de uma pergunta semiestruturada, verificou os fatores que, na
opinião dos estudantes, fariam com que eles deixassem a instituição. Nota-se que os demais estudos verificaram
a efetiva permanência de estudantes na instituição ou no curso em um período de tempo.
No GrAf. 1, apresentam-se os dados do Quadro 1 com a frequência das variáveis.
GRÁFICO 1 — Frequência das variáveis de mensuração da retenção
6
5
4
4
3
3
2
2
1
1
1
1
1
1
1
0
a
b
c
d
e
f
g
h
i
Legenda:
a. Permanência após o primeiro trimestre na IES
f. Matrícula em anos subsequentes
b. Permanência durante dois semestres no curso
g. Obtenção do grau pela conclusão do curso.
c. Permanência do primeiro para o segundo ano
h. Intenção de transferência para outra IES (*)
d. Permanência no curso após três anos
i. Motivos de não persistência (**)
e. Intenção de permanência
(*) Questões com escala inversa
(**) Questionário semiestruturado.
FONTE: Os autores (2011)
Verifica-se, no GrÁf. 1, que a variável mais
utilizada para a mensuração da retenção foi a
permanência do primeiro para o segundo ano, com
quatro indicações, que correspondem a 26,7%,
seguida de variáveis a respeito de intenções de
permanência, com três indicações (20%), e do
critério de obtenção de grau pela conclusão do
curso, com duas indicações (13,3%). As demais
seis variáveis apresentaram uma indicação, o que
corresponde a 6,7% cada. Ressalta-se que todas as
198
variáveis de intenção de permanência são oriundas
do estudo de Lin e Tsai (2006).
Observa-se, também, a ocorrência de
diferentes períodos de tempo — que vão de três
meses a três anos — como critério para constatação
da permanência. Outro aspecto a ser indicado é que,
no estudo de Lin e Tsai (2006), a variável intenção
de transferência para outra instituição é utilizada
em ordem inversa para mensurar a retenção.
Em resumo, nota-se, por meio da análise das formas de mensuração da retenção, que a maioria dos
estudos verifica a real permanência dos estudantes durante um período de tempo, mas que, contudo, esses
períodos variam bastante, sendo o mais utilizado o de permanência do primeiro para o segundo ano.
3.2Lealdade
Os estudos revisados sobre lealdade somam oito. A pesquisa de Nguyen e LeBlanc (2001), apesar de se
propor a avaliar a retenção, foi incluída entre as análises de lealdade em virtude da constatação, por meio da
análise da validade de conteúdo, de que avalia lealdade de estudantes no ensino superior.
Apresentam-se, no Quadro 2, as variáveis utilizadas nos estudos para mensuração da lealdade dos
alunos nas instituições de ensino superior.
QUADRO 2 — Variáveis e critérios para mensuração da retenção
continua
Autores
Variáveis e critérios empregados para mensuração da retenção
- Recomendação do curso
- Recomendação da universidade
Hennig-Thurau, Langer e Hansen (2001)
- Manutenção do contato com a universidade
- Reescolha do curso
- Reescolha da universidade
- Tornar-se membro de uma associação de bacharéis da universidade
Lealdade:
- Reescolha da universidade
- Escolha de uma pós-graduação da universidade
Alves (2003)
- Intenção de não transferência da universidade
Recomendação:
- Orgulho da universidade
- Recomendação da universidade
- Propensão à matrícula em um novo curso da instituição
- Propensão à divulgação de imagem positiva da instituição e de seus cursos
Gonçalves Filho, Guerra e Moura (2003)
- Propensão à recomendação da instituição
- Propensão à matrícula em um curso de graduação ou pós-graduação da
instituição
- Propensão à matrícula em cursos de outra instituição
- Falar positivamente da instituição
- Recomendação da instituição a quem solicita opinião
Lin e Tsai (2006)
- Indicação da instituição a amigos e parentes
- Intenção de permanência na instituição
- Intenção de transferência da instituição
- Reescolha do curso
- Escolha de outro curso da instituição
Walter (2006)
- Escolha da instituição para um curso de pós-graduação
- Recomendação do curso
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
199
QUADRO 2 — Variáveis e critérios para mensuração da retenção
conclusão
Variáveis e critérios empregados para mensuração da retenção
conclusão
Autores
- Recomendação da faculdade a amigos ou conhecidos
Helgensen e Nesset (2007)
- Escolha da mesma faculdade, no caso de iniciar o curso novamente
- Realização de um novo curso ou formação complementar na mesma instituição
Apesar de se propor a avaliar retenção, o questionário utilizado avalia
lealdade:
- Considerar a faculdade como primeira opção na área de educação
Nguyen e LeBlanc (2001)
- Intenção de continuar na faculdade
- Recomendação da instituição a amigos e parentes
- Recomendação como a melhor instituição na área
Anjos Neto e Moura (2004)
Reaplicação do questionário de Hennig-Thurau, Langer e Hansen (2001)
FONTE: Os autores (2011)
O Quadro 2 permite observar que, para mensuração da lealdade de estudantes em ensino superior,
os autores utilizaram diferentes variáveis. Outra verificação possível diz respeito às variáveis utilizadas para
mensuração da lealdade: consiste no fato de que Alves (2003) separou os construtos lealdade e retenção. No
estudo de Alves (2003), em virtude da análise da validade de conteúdo, tomar-se-á a recomendação como
integrante do construto lealdade, como ocorre nos demais estudos aqui revisados.
Apresentam-se, no GrÁf. 2, os dados do Quadro 2, categorizados a partir da análise de conteúdo,
com a frequência das variáveis ou critérios. Ressalta-se que as variáveis do questionário de Hennig-Thurau,
Langer e Hansen (2001) foram citadas duas vezes no GrÁf. 2 em virtude de sua reaplicação no estudo de
Anjos Neto e Moura (2004).
GRÁFICO 2 — Frequência das variáveis de mensuração da lealdade
10
9
9
8
7
6
5
4
3
3
2
2
1
1
200
3
3
3
0
4
4
a
b
c
1
1
d
2
e
f
g
h
1
i
j
k
l
2
1
m
1
n
o
p
Legenda:
a. Recomendação da IES
j. Intenção de filiação a uma associação de bacharéis da IES
b. Recomendação do curso
c. Recomendação a quem solicita opinião
k. Intenção de permanência na IES
d. Divulgação da imagem positiva da IES e de seus cursos
e. Reescolha da IES
l. Intenção de transferência (*)
m. Matrícula em cursos de outra IES (*)
n. Considerar a IES como primeira opção na área de
educação
f. Reescolha do curso
g. Escolha de uma pós-graduação da IES
o. Orgulho da IES
FONTE: Os autores (2011)
Nota-se, por meio do GrÁf. 2, que, entre as variáveis utilizadas para mensuração da lealdade de
estudantes no ensino superior, destaca-se a recomendação da instituição. Agruparam-se as variáveis utilizadas
nos estudos revisados em quatro dimensões: as variáveis que se referem à recomendação e divulgação
da instituição ou do curso somam 14 indicações, correspondendo a 34,1%; as variáveis sobre a escolha da
instituição para obtenção de outro serviço de ensino ficam na segunda colocação, com 10 indicações (24,4%);
em seguida, encontra-se a reescolha da instituição ou curso, com 7 indicações (17,1%); e, finalmente, têm-se as
duas variáveis das intenções de permanência em escala inversa (transferência e matrícula em outra IES), com
5 indicações (12,2%). Três variáveis não foram agrupadas em dimensões, correspondendo a 5 indicações, ou
seja, 12,2%.
A análise dos modos de mensuração da lealdade de estudantes no ensino superior per­mitiu verificar
que recomendação e divulgação, escolha ou intenção de escolha da instituição para obtenção de outro serviço
de ensino, reescolha e retenção foram as principais variáveis utilizadas para esse fim. Observa-se, assim, que
o conceito de retenção, discutido anteriormente, foi tomado como um dos indicadores da lealdade dos estu­
dantes no ensino superior.
Considerações Finais
Por meio da revisão de 19 estudos, nacionais
e internacionais, que versam sobre a retenção e
a lealdade de estudantes do ensino superior, foi
possível verificar a forma pela qual estão sendo
mensurados esses dois conceitos.
Uma das possíveis explicações para as
divergências encontradas nos resultados dos
estudos revisados sobre a retenção e a lealdade
de estudantes é o fato de que esses dois
construtos podem estar sendo mensurados de
forma equivocada, acarretando tais resultados
contraditórios.
Essa
constatação
aponta
a
importância da definição do conceito e sua forma
de mensuração para IES e seus cursos.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
O fato de o estudo de Nguyen e LeBlanc
(2001) se propor a avaliar a retenção e medir a
lealdade, como foi observado, atentando-se aos
critérios de validade de conteúdo, comprova a
ausência e também a necessidade de definição dos
conceitos retenção e lealdade e de distinção entre
eles. A separação entre os construtos lealdade e
recomendação, realizada por Alves (2003), indica,
também, a ausência de uma definição clara sobre
o conceito lealdade.
A revisão dos estudos sobre a retenção
permitiu constatar que ela pode ser mensurada de
duas maneiras: por índices reais de persistência e
por consulta aos estudantes sobre suas intenções
de permanência e sobre fatores influenciadores da
permanência. O número restrito de estudos, entre
os aqui analisados, que medem a retenção pelo
segundo modo indica uma área a ser desenvolvida
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
201
e uma oportunidade para realização de pesquisas.
Consultar os alunos anteriormente à sua saída da
instituição poderá possibilitar a identificação dos
antecedentes da permanência e da não permanência.
Outro resultado se relaciona à divergência
referente ao período de permanência do
estudante na instituição para mensuração da
retenção: encontraram-se, nas pesquisas, desde
períodos de três meses até períodos de três anos
e, ainda, até a obtenção de grau. Esse fato indica
a falta de um consenso a esse respeito. Sugere-se a possibilidade de se considerar a existência
de retenção em períodos menores de tempo.
Contudo, ressalta-se a importância de observar
a retenção até a obtenção de grau para que as
instituições encontrem ferramentas para manter
um número considerável de alunos, inclusive no
último ano do curso. Ressalta-se, igualmente, o
reduzido número de estudos sobre a retenção em
longo prazo durante o curso, o que se considera
indicativo de outra opção para pesquisas.
A análise das variáveis utilizadas para
mensuração da lealdade permitiu constatar que
a retenção é uma das medidas utilizadas para
avaliar lealdade de estudantes no ensino superior.
Esse resultado pode explicar, em parte, o motivo
da confusão estabelecida entre as definições de
retenção e de lealdade.
Recomenda-se cuidado em relação às
pesquisas, principalmente sobre a lealdade de
estudantes de ensino superior, pois se verificou
que alguns estudos utilizam tanto variáveis
relacionadas ao curso quanto relacionadas à
instituição. Esse processo pode gerar um problema
de validade, caso ambas as variáveis sejam
utilizadas para mensurar a lealdade de estudantes
com a instituição ou com o curso, uma vez que
um mesmo estudante pode se sentir propenso a
recomendar somente seu curso ou somente sua
instituição, por exemplo.
Conclui-se, por meio deste estudo, que os
conceitos retenção e lealdade são distintos. Essa
diferença ocorre tanto pela forma de mensuração
— a retenção pode ser medida por índices reais
de persistência, enquanto a lealdade não —
202
quanto pelas variáveis utilizadas para mensuração
desses conceitos, visto que a lealdade pode ser
considerada um construto mais abrangente que
envolve variáveis não utilizadas para mensuração
da retenção.
Diante das variáveis encontradas como as
principais para a mensuração da lealdade, pode-se propor uma definição operacional da lealdade
de estudantes no ensino superior, qual seja: a
lealdade de estudantes no ensino superior abarca
a retenção/permanência de alunos, bem como
a recomendação e divulgação da instituição ou
do curso, a escolha ou intenção de escolha da
instituição para obtenção de outro serviço de
ensino e a reescolha da instituição ou do curso.
Se for tomada a definição operacional men­
cionada como representativa, observar-se-á que
todos os estudos revisados avaliaram recomendação
ou divulgação; que Lin e Tsai (2006) e Nguyen
e LeBlanc (2001) não mensuraram escolha da
instituição para obtenção de outros serviços de
ensino; que Gonçalves Filho, Guerra e Moura (2003),
Lin e Tsai (2006) e Nguyen e LeBlanc (2001)
não utilizaram a reescolha; e que Walter (2006)
e Helgensen e Nesset (2007) não mensuraram a
retenção.
Diante dessas observações e com base
na literatura revisada sobre o tema, considera-se importante sugerir algumas questões que
poderiam ser utilizadas para mensuração da
lealdade de estudantes no ensino superior
alinhadas à definição constitutiva proposta neste
estudo. Na TaB. 1, apresenta-se um exemplo
de questionário que pode ser utilizado para
mensuração da lealdade de estudantes com a IES.
TABELA 1 — Sugestão de questionário para mensuração da lealdade com a instituição
Discordo
totalmente
Lealdade de estudantes com o curso
Concordo
totalmente
Não sei
avaliar
Eu recomendaria a instituição X para outras pessoas que
desejam fazer uma graduação.
1
2
3
4
5
6
7
0
Eu divulgo uma imagem positiva da instituição X para as
pessoas com quem convivo.
1
2
3
4
5
6
7
0
Eu escolheria a instituição X para realizar outro curso
de graduação.
1
2
3
4
5
6
7
0
Eu escolheria a instituição X para realizar uma pós-graduação
ou outro curso de formação complementar.
1
2
3
4
5
6
7
0
Se eu fosse recomeçar o curso de graduação hoje, escolheria
a instituição X.
1
2
3
4
5
6
7
0
Eu pretendo continuar estudando durante este ano (ou
semestre) na instituição X.
1
2
3
4
5
6
7
0
Eu pretendo me formar na instituição X.
1
2
3
4
5
6
7
0
FONTE: Os autores (2011)
Visto que a maioria das afirmativas sugeridas para lealdade com a instituição também pode ser
utilizada para mensuração da lealdade dos estudantes com o curso, apresenta-se, na Tab. 2, um exemplo de
questionário que poderia ser utilizado para a mensuração da lealdade com o curso, caso esse seja um objetivo
da pesquisa a ser realizada.
TABELA 2 — Sugestão de questionário para mensuração da lealdade com o curso
Discordo
totalmente
Lealdade de estudantes com a instituição
Eu recomendaria a instituição (ou o curso) X para outras
pessoas que desejam fazer uma graduação.
Eu divulgo uma imagem positiva da instituição (ou do curso)
X para as pessoas com quem convivo.
Se eu fosse recomeçar o curso de graduação hoje, escolheria
a instituição (ou o curso) X.
Eu pretendo continuar estudando durante este ano (ou neste
semestre) na instituição (ou no curso) X.
Eu pretendo me formar na instituição (ou no curso) X.
Concordo
totalmente
Não sei
avaliar
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
3
4
5
6
7
0
FONTE: Os autores (2011)
As duas últimas perguntas dos questionários apresentados na Tab. 2 e Tab. 3 podem ser utilizadas
para mensuração da retenção. Assim, na Tab. 3, apresenta-se uma sugestão de questionário para mensuração
da retenção de estudantes no ensino superior com o acréscimo de uma afirmativa. Esse questionário pode ser
empregado para a mensuração da retenção com a instituição e com o curso, dependendo do objetivo da pesquisa.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
203
TABELA 3 — Sugestão de questionário para mensuração da retenção
Discordo
Totalmente
Retenção
Eu pretendo continuar estudando na instituição X durante
este ano (ou este semestre).
Eu pretendo continuar estudando na instituição X no próximo
ano (ou no próximo semestre).
Eu pretendo me formar na instituição X.
Concordo
Totalmente
Não sei
avaliar
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
3
4
5
6
7
0
FONTE: Os autores (2011)
A partir do exposto, a definição operacional
do construto retenção pode ser apresentada
como: desejo de permanecer na IES durante um
período de tempo ou até a formatura. Ressalta-se
que esse construto também pode ser mensurado
por índices reais de evasão e permanência.
Nas sugestões de questionários para
mensuração da lealdade e da retenção apre­
sentadas nas Tab. 1, Tab. 2 e Tab. 3, a lealdade e
a retenção são avaliadas por meio de afirmativas
com as quais os respondentes podem concordar
ou discordar em uma escala de 1 a 7, bem como
com a opção “Não sei avaliar”. Ressalta-se que
os questionários expostos são sugestões e que
a escala é ilustrativa, podendo ser alterada para
a realização do estudo. Outra possibilidade é
a adaptação das afirmativas para perguntas
semiestruturadas ou para utilização de perguntas
em escala inversa, por exemplo.
validade de construto das definições constitutivas
empregadas na retenção e na lealdade de
estudantes do ensino superior.
Outra sugestão para pesquisas a serem
realizadas, tanto sobre a retenção e a lealdade
quanto sobre outros temas, é que apresentem,
como a maioria dos artigos analisados encontrados
nas bases de dados estrangeiras, as perguntas
utilizadas nos questionários ou que incluam uma
descrição sistemática do método de mensuração
dos construtos, incluindo as variáveis utilizadas.
Isso porque se encontrou, neste estudo, difi­
culdade para identificar as variáveis utilizadas nos
estudos para mensuração dos construtos.
Sugere-se que as questões indicadas
nas Tab. 1, Tab. 2 e Tab. 3 sejam avaliadas em­
pi­ricamente em estudos sobre a lealdade e a
retenção de estudantes no ensino superior, pois se
encontram alinhadas à literatura da área e refletem
os conceitos lealdade e retenção nela identificados
por meio deste estudo.
Para futuras pesquisas, sugere-se ampliar o
número de artigos revisados, desenvolver estudos
sobre a retenção que realizem consulta direta
aos estudantes, bem como realizar pesquisas
longitudinais sobre a retenção por períodos
maiores de tempo durante o curso e análise da
204
•
Recebido em: 21/10/2011
•
Aprovado em: 04/06/2012
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ST. JOHN, E. P. The impact of student aid on recruitment and retention: what the research indicates. New
directions for student services, San Francisco, n. 89, p. 61-75, sep. 2000.
TITUS, M. A. An examination of the influence of institutional context on student persistence at 4-year
colleges and universities: a multilevel approach. Research in Higher Education, New York, v. 45, n. 7,
p. 673-699, nov. 2004.
WALTER, S. A. Antecedentes da satisfação e da lealdade de alunos de uma instituição de ensino superior.
2006. 167 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Regional de Blumenau, Centro de
Ciências Sociais Aplicadas, Blumenau, 2006.
206
Orientações aos
Colaboradores da Revista da FAE
Histórico e Missão
A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço
para divulgação da produção científica e acadêmica de temas
multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de Ad­
ministração, Contabilidade, Economia, Direito, Engenharia, Edu­
cação, Sistemas de Informação, Psicologia e Filosofia, com o
intuito de discutir o posicionamento das organizações e o de­
senvolvimento local.
Por sua missão ser a de fomentar a produção e a dis­
seminação de conhecimento em áreas correlatas à discussão
sobre a gestão de negócios e o posicionamento das orga­
nizações no processo de desenvolvimento local, entre nossos
leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e pós-graduação, consultores, empresários e profissionais de empre­
sas públicas e privadas.
Já com o tema organizações e desenvolvimento, o ob­
jetivo é analisar o papel e a interação da organização, qualquer
que seja sua origem ou situação societária, no processo de
sustentabilidade econômica, social, ambiental e política.
Além de trabalhos puramente teóricos, serão acei­
tos para apreciação artigos resultantes de estudos de casos
ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam ex­
periências fundamentadas teoricamente e que contribuam
com o debate estimulado pelo objetivo da revista.
Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem
as normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores,
especialmente as referentes ao limite de tamanho. Os
trabalhos serão publicados de acordo com a ordem de
aprovação, porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar
do debate.
Todos os artigos estão disponíveis para download, ex­
ceto a última edição.
Objetivo
Focos
O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação
de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das
organizações no processo de desenvolvimento local.
A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus
leitores a compreender o papel das organizações no processo
de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão de temas
atuais e relevantes para definição estratégica e ope­racional das
organizações.
Assim, será dada prioridade à publicação de artigos
que, além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem
sobre o papel das organizações no desenvolvimento local e
discutam temas contemporâneos da gestão de negócios.
O principal requisito para publicação na Revista da
FAE consiste em que o artigo represente, de fato, uma con­
tribuição científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos
seguintes tópicos:
•
O tema tratado deve ser relevante e pertinente
ao contexto e ao momento e, preferencialmente,
pertencer à orientação editorial.
•
O referencial teórico-conceitual deve refletir o
estado da arte do conhecimento na área.
•
O desenvolvimento do artigo deve ser consis­
tente, com princípios de construção científica
do conhecimento.
•
A conclusão deve ser clara e concisa e apon­
tar implicações do trabalho para a teoria e/ou
para a prática administrativa.
Orientação Editorial
Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão
aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, ou
seja, que se refiram a ferramentas técnicas e teorias relacio­
nadas à gestão de negócios e à função das organizações no
processo de desenvolvimento local.
Com o tema gestão de negócios, visa-se contri­
buir com o debate sobre sistemas de gestão de produção
e gestão econômica de sistemas produtivos, com o intuito
de discutir o processo de desenvolvimento da organização.
Trata-se de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a
partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de Ciên­
cias Sociais Aplicadas (Administração, Contábeis e Econo­
mia), Jurídica (Direito) e Exatas (Engenharias).
208
Espera-se, também, que os artigos publicados na
Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas esta­
belecidas com perspectivas provocativas e inovadoras.
Escopo
A Revista da FAE tem interesse na publicação de
artigos de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos.
referências bibliográficas completas deverão
ser apresentadas em ordem alfabética no final
do texto, de acordo com as normas da ABNT
(NBR-6023).
•
Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser
sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem
propor novos modelos e interpretações para fenômenos
relevantes com relação à gestão de negócios e à interação
das organizações no desenvolvimento local.
Os trabalhos empíricos devem trazer avanços ao
conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologi­
camente bem fundamentadas, criteriosamente conduzida, e
adequadamente analisadas.
Diagramas, quadros, figuras e tabelas devem
ser numerados sequencialmente, apresentar
título e fonte, bem como ser referenciados no
corpo do artigo.
Permuta
A Revista da FAE faz permuta com as principais
faculdades e universidades do País.
Notas para Colaboradores
Assinatura
A Revista da FAE está aberta a colaborações
do Brasil e do exterior. A pluralidade de abordagens e
perspectivas é incentivada.
Podem ser publicados artigos de desenvolvimento
teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5 mil
a 8 mil palavras).
A aceitação e publicação dos textos implicam a
transferência de direitos do autor para a Revista. Não são
pagos direitos autorais.
Periodicidade: Anual
Valor: R$ 65,00
•
Para assinar, favor entrar em contato pelo
telefone (41) 2105-4093 ou [email protected].
Envio de Artigos
Os textos enviados para publicação são apreciados
por pareceristas pelo sistema blind review.
Os artigos deverão ser encaminhados para o
Núcleo de Pesquisa Acadêmica (NPA) com as seguintes
características:
•
Rev.
Na folha de rosto deverão constar o título
do trabalho, o(s) nome(s) completo(s) do(s)
autor(es), acompanhado(s) de um breve cur­
rículo, relatando experiência profissional e/ou
acadêmica, endereço, números do telefone e
do fax e e-mail.
•
A primeira página do artigo deve conter o tí­
tulo (máximo de dez palavras), o resumo em
português (máximo de 250 palavras) e as pa­
lavras-chave (máximo de cinco), assim como
os mesmos tópicos vertidos para o inglês (title,
abstract, keywords).
•
A formatação do artigo deve ser: tamanho A4,
editor de texto Word for Windows, margens 2,5
cm, fonte times new roman 13 e/ou arial 12 e
espaçamento 1,5 linha.
•
As referências bibliográficas devem ser citadas
no corpo do texto pelo sistema autor-data. As
FA E ,
Curitiba,
Os artigos deverão ser encaminhados para:
FAE Centro Universitário
Núcleo de Pesquisa Acadêmica
Rua 24 de Maio, 135
80230-080 Curitiba/PR
E-mail: [email protected]
Fone: (41) 2105-4093 - Fax (41) 2105-4195
Agradecemos o seu interesse pela Revista da FAE e espera­
mos tê-lo(a) como colaborador(a) frequente.
v. 16, n. 1, p. 207 - 210, jan./jun. 2013
209
210
I S S N
Revista da
1 5 1 6 - 1 2 3 4
FAE
v.1 6 , n .1 , j a n . / j u n . 2 0 1 3
Dos 19 cursos da FAE avaliados pelo MEC, 17 receberam a nota 5*, ou
seja, a nota máxima. Os outros 2 cursos tiveram nota 4, o que
também representa uma avaliação bastante favorável e atesta sua
qualidade de ensino. Com isso, a FAE fica, pelo quinto ano
consecutivo, posicionada como a melhor instituição universitária
privada de Curitiba, incluindo neste cenário todos os centros
universitários e universidades locais.
www.fae.edu
*Nota que vai de 1 a 5
FAE, a melhor porque tem os melhores cursos.
Para enfrentar com êxito a gestão de empresas, é
necessária uma perspectiva global e internacional.
A ESADE e a FAE Business School oferecem uma moderna e exclusiva proposta de
educação empresarial voltada a executivos que sabem que não podem superestimar
os próprios conhecimentos ou subestimar a imprevisibilidade do mercado.
A parceria da FAE, uma das principais escolas de negócios do país, com a ESADE, a
melhor escola de negócios da Europa e uma das melhores do mundo, disponibiliza e
facilita aos executivos brasileiros a mesma formação utilizada pelos principais CEOs
das mais importantes empresas do mundo.
Um dos principais programas de Educação Executiva direcionado
para a gestão empresarial, que prioriza o intercâmbio, a troca de
experiências e a discussão dos novos cenários da economia global.
Oferece um conhecimento global e integrado sobre os processos da gestão
moderna de vendas, além das principais técnicas, ferramentas e
metodologias que são aplicadas pelas companhias e empresas líderes.
Voltado para executivos de marketing, vendas, comercial ou relação
com o cliente, para atuar em diversas vertentes que o conduzem com
sucesso ao lançamento de iniciativas 2.0.
N ú c l e o d e P e s q u i s a A c a d ê m i c a / N PA
Rua 24 de Maio, 135 Cep 80230 - 080
Curitiba / PR
Caixa Postal 1447
Fone 41 2105 - 4093
F a x 4 1 2 1 0 5 - 4 0 8 0 w w w. f a e . e d u