O Doping no Esporte: questão de ética
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O Doping no Esporte: questão de ética
O Doping no Esporte: questão de ética As notícias sensacionalistas sobre o doping no esporte de alto rendimento, têm feito com que o fato seja conhecido por todos. Os grandes ídolos flagrados, os casos de mortes precoces bem como os inesperados relatos e publicações de ex-esportistas, fazem com que muitos treinadores, pedagogos e professores de educação física preocupem-se com a abrangência do fato. Já em 1990 a publicação “Desporto, Ética, Sociedade” (BENTO & MARQUES, 1990), relata em vários de seus artigos os diversos problemas e conseqüências do uso de substâncias químicas utilizadas por competidores. Por outro lado, o artigo intitulado “As dimensões inumanas do esporte de rendimento” (KUNZ, 1994), qualifica como inaceitáveis o uso de substâncias proibidas como também desqualifica o treinamento especializado precoce. A questão ética, prende-se ao fato comprovado que o doping provoca uma vantagem tão grande daqueles que utilizam sobre os que não fazem uso, que dificilmente um talento natural, por melhor que seja, conseguirá destacar-se no alto nível. Nesta perspectiva, poderíamos discutir a questão das medalhas conquistadas sob suspeita de doping. A Revista Veja publicou em janeiro de 1998 um artigo intitulado “Medalhas sujas”, onde questiona muitos resultados alcançados em olimpíadas e campeonatos mundiais, pela extinta Alemanha Oriental: são 103 casos no atletismo e 86 na natação (masculino e feminino). A pergunta é: como ficam os recordes obtidos nestas competições? Diga-se de passagem, que alguns destes recordes ainda estão em vigor. E os atletas que competiram estritamente dentro do regulamento, e poderiam ter vencido (ou legalmente venceram) estas provas, como ficam? A questão é absolutamente ÉTICA. O que preocupa é o fato de que cada vez mais os atletas de diversas modalidades têm se valido de meios ilícitos para auferir vantagens nas diversas competições, e assim atendendo interesses de forma escusa. Algumas substâncias são controladas nos exames antidoping, contudo cada vez mais surgem estudos que desenvolvem mecanismos para mascarar e dificultar a possibilidade de identificar o uso de substâncias proibidas, que favoreçam durante a competição e que posteriormente pode produzir tremendos prejuízos a saúde dos atletas. Podemos citar algumas substâncias proibidas e os riscos do doping decorrentes para a saúde. A EPO (eritropoietina) produz crescimento dos órgãos internos, sendo que nas mulheres produz aumento dos pêlos da face e com uso contínuo pode levar a pressão alta; Betabloqueadores (Acebutolol, Alprenolol, nadolol, oxprenolol, propanolol e sotalol) dificuldade de respiração; Esteróides Corticóides (dexametasona e hidrocortisona) produzem diabetes, glaucoma e problemas musculares; Analgésicos (buprenorfina, heroína, dextromoramida, metadona, morfina, pentazocina e petidina) causam problemas respiratórios, náusea e dependência; Diuréticos (acetazolamida, bumetanida e clortalidona) como riscos a saúde, causam desidratação, falência do fígado e cãibras; Estimulantes (anfetamina, cafeína, cocaína, efedrina e salbutamol) podem causar queda da pressão, batimento cardíaco irregular e dependência e os Esteróides Anabólicos (nandrolona, testosterona, estanozolol e mesterolona) o seu uso vem se tornando cada vez mais freqüente pelos jovens em academias de musculação e por atletas em todo o mundo, apesar de todas as recomendações médicas em contrário e do rigor das leis de controle de dopagem. Essas substâncias são derivadas da testosterona, um hormônio sexual masculino que é fabricado pelos testículos. No homem, é produzido durante a vida inteira, mas principalmente por volta dos 11 a 13 anos, tendo como funções principais: a descida dos testículos para dentro dos escrotos, o crescimento dos testículos e do pênis, a distribuição dos pêlos, participação no crescimento ósseo, desenvolvimento da musculatura após a puberdade. Daí a definição de esteróides anabólicos (crescimento e desenvolvimento) e androgênicos (caracteres sexuais masculinos). Os medicamentos sintéticos à base de testosterona aumentam as propriedades anabólicas e reduzem as propriedades androgênicas. Por causa desse efeito anabólico os atletas passaram a usá-lo para aumentar a massa muscular, o que leva a um aumento da força. Os atletas interessados nesse ganho rápido de força muscular aumentam a quantidade de proteínas na alimentação e realizam um super treinamento. Assim, os músculos retêm uma quantidade maior de proteína, hipertrofiam e, portanto, ficam mais fortes. Esse aumento da massa muscular diminui a massa de gordura e o peso do indivíduo aumenta, porque o músculo pesa mais que a gordura. Entretanto, os atletas no desespero de melhora rápida da massa e da força, e na incessante luta por melhorar seus recordes, acabam por usar doses elevadas, algumas vezes com exagero e sem sentido. Em certos casos, as doses são tão altas que os músculos acabam ficando refratários a qualquer hipertrofia. Os riscos ocasionados são a impotência, problemas no fígado, descontrole hormonal masculino, e na mulher descontrole menstrual. KUNZ (1994) relata casos da antiga Alemanha Oriental onde se aconselhava doses anuais de até 1000 mg em atletas adultos, porém haviam competidores que chegaram a ultrapassar 3000 mg/ano. Um caso assustador é da atleta arremessadora de peso Haidi Krieger, que com 18 anos chegou a ingerir 2590 mg/ano (p. 17). Devemos considerar que na mulher, o uso é muito perigoso, principalmente antes e durante a puberdade, pois produz parada de crescimento, aspecto masculino, engrossamento da voz, aumento da distribuição dos pêlos e aumento do clitóris. No homem, os efeitos secundários são: Aumento das lesões traumatológicas dos tendões e dos ligamentos, porque o desenvolvimento dos músculos não é acompanhado do desenvolvimento dessas estruturas; diminuição da estatura; lesões do fígado, como hepatite e câncer; redução do tamanho dos testículos, redução na produção dos espermatozóides e lesões graves da próstata. A reversibilidade de qualquer desses efeitos negativos depende da quantidade usada, do tempo de uso, de características metabólicas individuais e da extensão das lesões. As modalidades que mais têm utilizado desse método são o halterofilismo, lutas, remo, atletismo e ciclismo. Considerações Finais Ao finalizar este ensaio, quero expor que o estudo não pretende apontar preceitos definitivos, mas indicar caminhos e reflexões para agir-se eticamente nas práticas esportivas. O tema que abordamos gera muita controvérsia no mundo esportivo; as posições normalmente encontradas são antagônicas. De um lado, dirigentes esportivos, empresários e industriais do esporte e alguns técnicos, não demonstram qualquer tipo de preocupação com os aspectos éticos e morais abordados anteriormente. Entretanto, existem profissionais, quase sempre com formação acadêmica, que divergem e criticam os mecanismos e os processos utilizados por instituições e pela mídia em relação ao esporte de alto rendimento. Em razão disso, esperamos ter contribuído e estimulado a outros profissionais a investir em pesquisas e estudos nesta área que no momento necessita maior profundidade, discussões e reflexões. Referências Bibliográficas ARAÚJO, L. Ética, sociedade contemporânea e desporto. 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Ética é simplesmente o conjunto de atitudes e sentimentos interrelacionados, partindo do respeito ao ser humano e natureza em sua forma mais ampla, passando pela fidelidade aos objetivos cientificamente traçados para a vida profissional e culminando nos princípios morais para a convivência social dentre outros; os quais contribuem definitivamente para que o homem alcance o equilíbrio entre a natureza e o seu próprio eu. A falta ética no meio esportivo é facilmente identificada por meio de ações tais como: manipulação de resultados esportivos, das falcatruas financeiras, das incitações e agressões físicas e verbais ou mesmo, do exercício de cargos por pessoas não habilitadas. Finalmente o uso de substâncias ilícitas que visam a quebra de recordes ou vitórias sobre os oponentes, fecha com chave de ouro a má fé e a conduta anti-ética de tal praticante. A atitude acima citada, pode ser o início do câncer sócio competitivo chamado doping. O doping gera desigualdade entre os atletas e equipes esportivas, pelos resultados irreais obtidos por atletas drogados. Os resultados dos recordes astronômicos, são muitas vezes motivo de incentivo aos jovens atletas, por despertarem interesse por serem os recordistas, admirados e endeusados por tais façanhas. O jovem deve se levado a entender que há um preço a ser pago pelo uso de drogas. O preço inclusive pode ser a própria morte. Visando melhorar o rendimento ou a performance física, treinadores e atletas juntam seus conceitos imorais sobre competitividade, e formam a corrente que ajuda a crescer o comércio de tais substâncias. A seguir citamos alguns exemplos de ascensão e queda de alguns atletas. • Nunca esquecemos a vida e a carreira falida do atleta Ben Johnson que nunca mais conseguiu chegar, nem perto do recorde por ele estabelecido nos 100 metros rasos em Seul 1988, sob o efeito da droga de nome comercial Winstrol. Por ironia do destino, Ben Johnson não conseguiu alcançar uma cigana que roubou-lhe a carteira em Roma, no mês de julho de 2000; (revista época, ano III, n.º 116). • Acredita-se na morte prematura de Florence Griffith Joyner aos 38 anos, ter sido provocada por reações advindas do uso indiscriminado de drogas anabolizantes. • O jogador Maradona, o qual almejava obter o título conquistado por nosso Pelé, o de maior jogador de futebol de todos os tempos, foi dezenas de vezes noticiado pela mídia mundial, por seus envolvimentos em cenas constrangedoras justamente pelo uso de drogas em sua vida comum. Na sua vida esportiva foi punido pelo uso de efedrina em uma copa do mundo. • Assim como obteve o titulo de atleta do século, Pelé merece destaque e admiração de nossa parte, por sua conduta ética, pessoal e esportiva em todos os tempos. • A lamentável morte da heptatleta Birgit Dressel em 10 de abril de 1987, por complicações orgânicas generalizadas, além de carregar consigo uma dezena de lesões e deformidades graves, a sua morte foi impressionantemente dolorosa e sofrida. • A nadadora alemã oriental Catherine Menschner esta condenada a viver com um colete especial para manter-se com a coluna cervical ereta, ela também foi vitima de abuso de esteróides anabólicos e hormônios masculinos durante sua vida esportiva. Final Já que não há como o governo resolver sozinho o problema das drogas anabólicas, estimulantes, alucinógenas e outras que surgem em nosso país, desde o tráfico, comércio e uso principalmente por jovens; cabe aos representantes das unidades sanitárias, das instituições de atividades físicas, aos pais ou responsáveis, juntamente com os profissionais de saúde e da educação física, tentar excluir qualquer forma de incentivo ao doping. As drogas anabolizantes estão cada dia mais, sendo usadas e relacionadas com o objetivo de elevar o rendimento físico no treinamento e ou visando padrões estéticos, do que para fins terapêuticos. As drogas só devem ser usadas ou administradas sob estrita recomendação pela classe médica competente e para tratamento de enfermidades. O treinador que faz uso de drogas para o treinamento de seus educandos, não merece respeito de nenhum de nós. Deve ser banido das suas atribuições o quanto antes possível. Profissionais bem graduados e sérios não utilizam em hipótese alguma o doping para atingir o alto rendimento nos seus alunos. Uma atitude contrária por parte de um treinador, comprova o total despreparo e desconhecimento, no desenvolvimento das atribuições educacionais a que foi destinado. Uma conduta estimulativa ao doping, constitui total e grave falta ética, por este motivo qualquer profissional deve ser afastado de suas atribuições. Quando constatada apologia ao consumo de drogas, deve-se denunciar imediatamente aos órgãos de repressão policial, visto que constitui transgressão da lei. Código mundial antidoping: ética e fair play no esporte Álvaro Ribeiro OAB/SC, CEVLEIS [email protected] Alberto Puga Prof.Dr., CEVLEIS, UFAM [email protected] Introdução A nova ordem internacional no combate e prevenção ao doping, com o advento do Código1 (World Anti-Doping Agency, 2003), é reflexo do recente salto evolutivo dado pelo homem no domínio de novas tecnologias e da crescente tomada de consciência ética para o respeito aos Princípios Fundamentais da Carta Olímpica, ou seja, um posicionamento sobre a relação do doping com valores tais como o esforço próprio, o valor educativo do bom exemplo, o respeito aos princípios éticos fundamentais e o fair play. Este ensaio tem por objetivo abordar a ética e o fair play à luz do Código, da Agência Mundial Antidoping (AMA/WADA) do Comitê Olímpico Internacional (COI), e sua relação com a eqüidade e os princípios fundamentais da Carta Olímpica a partir da premissa de que é a "atitude ética, antes de tudo, um dever-ser no mundus sportivus, sem necessitar exacerbar distinções, diferenciações ou discriminações" (Puga, 2002). Sendo o doping fundamentalmente contrário ao espírito esportivo, pois não leva em conta os interesses de todos os que forem por ele afetados, sua ocorrência gera desigualdade. Destarte, o Código visa a proteção do direito fundamental dos atletas de participar de atividades esportivas isentas de doping e garantir a eqüidade e a igualdade de oportunidades no esporte e a preservação da saúde dos atletas. Com o escopo de consolidar o direito ao esporte sem doping e considerando-se que a razão de ser do esporte somente é respeitada quando todos os atores do esporte são responsavelmente solidários pelo fair play, o que pressupõe a consciência desta realidade, conclui-se que a formação de todos os atores do esporte deve fundamentalmente compreender e projetar todos os aspectos educacionais que encontrem fulcro na tecnologia da 'ética esportiva'. A iniciativa do ensaio se justifica porquanto a complexidade do tema aliada às novidades introduzidas pelo Código podem efetivamente representar aos atores do mundo esportivo o risco de violação de regra antidoping por falta de informação. Por outro lado, visa-se através desta proposta buscar a redução da incidência de atitudes que retirem do Esporte sua credibilidade, com todas as repercussões de ordem moral e econômica decorrentes. 1. Ética, Fair play e Educação Em que pese a necessidade da referência a conceitos relacionados à ética e à ética esportiva, não constitui objetivo deste ensaio o aprofundamento da discussão sobre esta que é uma das mais vastas áreas do conhecimento. Destarte, abordar-se-á o tema com as definições a seguir descritas. De todas as abordagens da Ética, para Singer (1993, p. 19) o que elas têm em comum é mais importante que suas divergências. Assim, "a ética se fundamenta num ponto de vista universal, o que não significa que um juízo ético particular deva ser universalmente aplicável", mas que, ao emitir-se juízos éticos, deve-se extrapolar eventuais preferências ou aversões para que se possa chegar ao juízo universalizável, "ao ponto de vista do espectador imparcial". E isto pressupõe a consideração eqüitativa de todos os interesses relevantes afetados por determinada decisão (ibid, pp. 19/20), ou, nas palavras de Kant (1991, pp. 84/85), "que possa ser tal máxima uma lei universal e, portanto, que a vontade, pela sua máxima, possa considerar-se a si própria ao mesmo tempo como universalmente legisladora". A ética esportiva, ou fair play, é, por seu turno, influenciada por duas grandes tradições: as da ética e as do esporte. Isto porque o esporte tem tradições éticas próprias, uma lógica de competição própria e valores próprios aos quais os juízos éticos se relacionam de modo também particular (Wada, 2003). O fair play, enquanto elemento de Educação Olímpica e valor central do Olimpismo, pode também ser "referido como espírito esportivo, jogo limpo, legal, honesto, correto, propõe-se como uma estratégia de educação de valores éticos e morais" (Constantino, 2001. p. 261). Nesta ordem de idéias é possível compreender o fair play como algo que, muito além do respeitar das regras, "cobre as noções de amizade, de respeito pelo outro, e de espírito esportivo". É necessário entendê-lo como um "modo de pensar, e não simplesmente um comportamento" pois o desporto é uma "atividade sócio-cultural que enriquece a sociedade e a amizade entre as nações" sendo também considerado como uma atividade que, quando exercida de maneira leal, permite ao indivíduo conhecerse melhor, exprimir-se e realizar-se; desenvolver-se plenamente, adquirir uma arte e demonstrar as suas capacidades. O desporto permite uma "interação social, é fonte de prazer e proporciona bem-estar e saúde, além de contribuir para o desenvolvimento da sensibilidade para com o meio ambiente" (Código de Ética do Conselho da Europa, 1992). No que tange ao Olimpismo, o artigo 2 dos Princípios Fundamentais do texto fundador do Movimento Olímpico indica que ele "est une philosophie de la vie, exaltant et combinant en un ensemble équilibré les qualités du corps, de la volonté et de l'esprit. Alliant le sport à la culture et à l'éducation, l'Olympisme se veut créateur d'un style de vie fondé sur la joie dans l'effort, la valeur éducative du bon exemple et le respect des principes éthiques fondamentaux universels." (Charte Olympique, 2003, p. 9). Assim, parece irrefragável que a postura ética no esporte, e mais precisamente no Esporte Olímpico, por ter que ponderar sobre os interesses relevantes que serão afetados por cada atitude, não é inata, bem ao contrário, é adquirida. Com efeito, o ator do mundo esportivo deixado ao seu livre arbítrio e sem prévios condicionamentos culturais, educacionais e éticos, tende a agir pautado pelo respeito aos seus próprios interesses, estes sim influenciados, não raramente, pela compreensão deformada do ideário do esporte e pela supervalorização da vitória e, é claro, por eventuais interesses econômicos em jogo. Fato, aliás, que não se lhe deve recriminar com exclusividade, a partir do momento em que ele apenas reproduz um paradigma que reflete a distorção do juízo ético no Esporte Olímpico. Neste sentido, Todt (2001, p. 261) sustenta que os atletas do mundo inteiro "desconhecem o real sentido dos Jogos Olímpicos. A falta de referencial prático para uma outra postura dos atletas e a desinformação cultural sobre essa temática com certeza contribuem para isto". A postura ética no esporte passa, logo, pela abordagem educacional e cultural dos valores e princípios fundamentais do esporte, dos princípios éticos fundamentais e do fair play, na formação de todos os atores do esporte. 2.1. A questão do doping Hoje é pacífico que o doping acarreta problemas de ordem médica e ética. Já em 1967, por ocasião de sua chegada à presidência da Comissão Médica do COI, Alexandre de Mérode (Prince de Mérode) (apud Lapouble, 1999, p. 121) enumerara os princípios de base da luta antidoping, a saber: "défense de l'Ethique Sportive, protection de la santé des athlètes et mantien des chances égales pour tous". Poderíamos acrescentar, hoje, que além da ética esportiva, da proteção da saúde dos atletas e da igualdade de oportunidades, deve-se considerar os reflexos de ordem social que apresentam as condutas aditivas no esporte. Por outro lado, a dificuldade na identificação de novas substâncias, a evolução dos métodos, a banalização do consumo de medicamentos no esporte e a 'Lei do Silêncio' (Escande, 2003)2 que vigora no "mundo do doping", conjugados entre si, têm sido historicamente apontados por boa parte da doutrina como causas da sistemática defasagem dos exames antidoping. Aliada a este retardo tecnológico, a exigência da auto-superação pode levar o atleta de alto rendimento a querer ser melhor do que realmente ele poderia pelo uso de doping. Sua existência sendo muitas vezes subordinada à hiper-valorização da vitória, ele se torna refém de um sistema no qual, pensa, é excluído quem não ganha. Ignora que, se no sentido estrito da palavra o esporte produz muito mais perdedores, num sentido mais amplo, quem pratica o esporte lealmente é sempre vencedor. O fracasso do atleta confrontado a seus limites, à impossibilidade de atingir o topo, enquanto outros chegam lá, é raramente levado em conta e não é objeto de um acompanhamento psicológico particular. O término da carreira esportiva é vivido por certos atletas como uma espécie de morte (Laure, 1995), o que coloca em evidência a imprescindibilidade da abordagem ética no mundo esportivo através da educação e formação dos atores do esporte. A Agência Mundial Antidoping e o Código. Em 5 de março de 2003, ao termo da Conferência Mundial sobre o doping no esporte, em Copenhague, o Conselho de Fundação da AMA/WADA adotou o Código após duas revisões realizadas a partir das observações feitas pelos signatários. Em junho de 2003 o Comitê Executivo da AMA/WADA adotou os Padrões Internacionais de laboratórios e de exames e, em setembro, os Padrões Internacionais de uso para fins terapêuticos e da Lista Proibida. Em 1º de janeiro de 2004 todos os Padrões Internacionais aplicáveis serão finalizados. Antes de agosto de 2004 (Jogos Olímpicos de Atenas) o Código e os Padrões Internacionais deverão ser adotados pelas Federações Internacionais na forma prevista em seus estatutos. Antes de fevereiro de 2006 o Código e os Padrões Internacionais deverão ser adotados pelos governos segundo seus processos legislativos internos. De Rose (2001), observa que na história da luta contra o doping, foram poucas as vezes em que modificações tão marcantes foram observadas em espaço de tempo tão curto. O autor preconiza, ainda, que a conjugação de esforços de governos e autoridades esportivas é imprescindível para o êxito daquela luta e que um desafio se impõe no tocante aos Estudos Olímpicos: "observar o problema do doping em novas perspectivas culturais, sociais, educacionais e legais". Efetivamente, o Código Mundial Antidoping é o mais rigoroso e abrangente instrumento de que se tenha notícia para a preservação e restauração do espírito esportivo quando da ocorrência de violação à regra antidoping. Se por um lado o Código propicia certa flexibilidade em relação a alguns procedimentos, à condição que seus princípios sejam respeitados, outras disposições devem ser recepcionadas ipsis literis (verbatim, no texto em inglês) por cada organização antidoping, a saber os artigos 1 (definição de doping), 2 (violação das regras antidoping), 3 (prova do doping), 9 (anulação automática dos resultados individuais), 10 (sanções individuais), 11 (conseqüência para as equipes) 13 (apelação, à exceção do item 13.2.2) e as definições. Em decorrência de sua adoção, modificações foram introduzidas na Carta Olímpica (alterações de 4 de julho de 2003), notadamente o artigo 45 (Código de Admissão), cuja redação determina que, para serem admitidos nos Jogos Olímpicos, os atores do esporte devem se adaptar à Carta Olímpica assim como às regras da Federação Internacional respectiva e, notadamente, respeitar o espírito de fair play e de não-violência, comportando-se de acordo com este entendimento, e respeitar o Código Mundial Antidoping, conformando-se a todos os seus aspectos. 2.2. Princípios Fundamentais e conceitos elementares O Código e o Programa Mundial Antidoping visam "proteger o direito fundamental dos atletas de participar de atividades esportivas isentas de doping, promover a saúde e garantir assim aos atletas do mundo inteiro a eqüidade e a igualdade no esporte" além de "velar pela harmonização, coordenação e eficácia dos programas nacionais e internacionais Antidoping em matéria de detecção, dissuasão e prevenção ao doping" (Intróito do Código). Neste sentido, todos os programas antidoping, nos termos do Código devem preservar o valor intrínseco do esporte, comumente qualificado de espírito esportivo, pois que este é a essência do Olimpismo, exortando todos os atores ao jogo franco, limpo. "O espírito esportivo valoriza a inteligência, o corpo e o espírito do homem, se distinguindo pelos seguintes valores: ética, fair play e honestidade; saúde; excelência no rendimento; caráter e educação; diversão e alegria; trabalho de equipe; dedicação e engajamento; respeito pelas regras e leis; respeito por si e pelos outros participantes; coragem; comunidade e solidariedade". Para o Código (Princípios Fundamentais), "o doping é fundamentalmente contrário ao espírito esportivo". Da mesma forma, "as regras antidoping, assim como as regras da competição, são regras do esporte e definem as condições para que cada modalidade esportiva possa ser praticada" (Comentários à Introdução). 2.3. Violações das regras Antidoping no Código O doping no Código é definido como "a ocorrência de uma ou mais violações das regras Antidoping, tais como enunciadas do artigo 2.1 ao artigo 2.8 do Código". Como ver-se-á a seguir, esta definição remissiva é ampla e procura ir além das inúmeras definições existentes atualmente. Isto porque, na leitura dos artigos 2.1 a 2.8 do Código, constitui violação das regras Antidoping: a) A presença de Substância Proibida, de seus Metabólitos ou seus Marcadores em uma amostra corpórea do atleta; "Para a questão das violações das regras antidoping que implicam a presença de uma substância proibida (de seus metabólitos ou marcadores), o Código utiliza a regra da responsabilidade objetiva inserta no CMAD e na grande maioria dos regulamentos antidoping existentes. Segundo este princípio, uma violação das regras antidoping ocorre quando uma substância proibida é encontrada em uma amostra corporal do atleta. Há violação uma vez que o atleta, intencionalmente ou não, fez uso de uma substância proibida ou dá prova de negligência ou de outro descumprimento às regras antidoping. Assim que um teste positivo é detectado em competição, os resultados do atleta são automaticamente anulados (artigo 9, Anulação dos resultados do atleta)". "Entretanto, é possível para o atleta ver anuladas ou abrandadas as sanções que lhe serão impostas se ele for capaz de demonstrar que ele não cometeu falta alguma ou, ao menos, falta significativa (artigos 10.5. Anulação do período de suspensão na ausência de uma falta do atleta e 10.6. Abrandamento do período de suspensão na ausência de falta significativa do atleta)". "A regra da responsabilidade objetiva por ocasião da descoberta de uma substância proibida em uma amostra fornecida pelo atleta, em harmonia com a possibilidade de modificações das sanções em função dos critérios enunciados, assegura um justo equilíbrio entre a aplicação efetiva das regras antidoping no interesse de todos os atletas em conformidade com o Código e a eqüidade, quando circunstâncias extraordinárias fizeram com que uma substância tenha sido encontrada no organismo de um atleta sem que tenha havido negligência ou descumprimento de regra de sua parte. É importante ressaltar que, se a determinação de uma infração a uma regra antidoping repousa sobre a regra da responsabilidade objetiva (strict liability, no texto em inglês), a decisão de impor sanções, ela, não repousa sobre esta regra. O fundamento da regra da responsabilidade objetiva foi bem explicada pelo Tribunal Arbitral do Esporte no 'Caso Quigley vs. UIT'". "É verdade que a regra da responsabilidade objetiva pode se verificar injusta em um caso particular, como o de Q., no qual um atleta pode ter tomado um medicamento em razão de informações incompletas da bula ou de um conselho médico errôneo, pelo qual ele não é responsável, notadamente em razão de uma doença súbita em um país estrangeiro. Mas, se revela de um certo ponto de vista, também injusto que o atleta sofra uma intoxicação alimentar às vésperas de uma importante competição. Ora, num caso como no outro, as regras da competição não são modificadas para remediar esta injustiça. Ao mesmo título que uma competição não será adiada no aguardo do restabelecimento de um atleta, a proibição que incide sobre uma substância não será levantada em razão da acidentalidade de sua absorção. A competição, como a vida, comporta vicissitudes que dão lugar a várias formas de injustiça, sejam elas acidentais ou resultado de negligência de pessoas irresponsáveis, vicissitudes estas que a lei não pode corrigir". "Por outro lado, parece louvável adotar como princípio de política antidoping a não reparação de uma injustiça acidental para com um indivíduo, criando-se uma injustiça proposital para com o conjunto dos concorrentes. É o que aconteceria se as substâncias que melhoram o rendimento esportivo fossem toleradas quando absorvidas por inadvertência. Aliás, em tal circunstância, é provável que os casos de abuso intencionais escapariam de qualquer forma de sanção por falta de prova da intenção de culpa. E é certo que a demonstração desta intenção implicaria em procedimentos dispendiosos que paralisariam as Federações, notadamente aquelas que têm recursos limitados para sua luta antidoping" (Comentários ao artigo 2.1.1 do Código WADA, 2003). b) Uso ou Tentativa de Uso de uma Substância ou Método Proibidos: "A proibição do uso foi expandida a partir do conteúdo do CMAD, para que nele se incluíssem tanto as substâncias quanto os métodos proibidos" (Comentário ao artigo 2.3 do Código). c) A recusa ou o não-comparecimento, sem justificação válida, a uma sessão de coleta de amostras após notificação conforme aos regulamentos Antidoping em vigor ou, ainda, o fato de evitar a coleta de amostra. d) A violação das exigências em vigor sobre disponibilidade do atleta para os controles fora-decompetição, incluindo o não-fornecimento de informações exigidas sobre sua localização e o nãocomparecimento aos exames marcados; "Os controles fora-de-competição são essenciais para um Programa Antidoping eficaz. Sem informações precisas sobre a localização do atleta, tais controles são ineficazes e às vezes impossíveis. Este artigo, não encontrado na maioria dos regulamentos antidoping em vigor, exige que os atletas sujeitos aos controles fora-de-competição prestem e atualizem informações sobre seu paradeiro para que possam ser localizados sem aviso prévio para os controles fora-de-competição. As 'exigências em vigor' (applicable requirements) são definidas pela Federação Internacional a que pertencer o atleta e pela Organização Nacional Antidoping a fim de proporcionar certa flexibilidade em função de circunstâncias variáveis de acordo com o esporte e o país. A violação deste artigo pode ser fundada tanto na conduta dolosa como culposa pelo atleta". e) A adulteração ou falsificação ou a tentativa de adulteração ou falsificação de qualquer elemento em qualquer fase do Exame Antidoping. f) O porte ou a posse de Substância ou Métodos Proibidos. g) O tráfico7 e de qualquer Substância ou Método Proibidos. h) Administrar, tentar administrar, encorajar, incitar ou instigar, assistir ou de qualquer maneira ajudar ou dissimular a administração de Substância ou Método Proibidos a qualquer atleta, ou praticar qualquer outra forma de cumplicidade que implique em violação ou tentativa de violação de qualquer regra antidoping. 2.4. Critérios de Inclusão de substância ou método na Lista Proibida e monitoramento de outras substâncias Nos moldes dos artigos 4 e seguintes do Código, a inclusão de substância ou método na Lista Proibida deverá ser considerada se a Agência Mundial Antidoping entender que a utilização da substância ou método responde à pelo menos dois dos três critérios seguintes: a) melhora ou tem o potencial de melhorar o rendimento esportivo, segundo prova médica ou outra prova científica, efeito ou experiência farmacológicos, b) representa um risco real ou potencial para a saúde do atleta, segundo prova médica ou outra prova científica, efeito ou experiência farmacológicos, c) é contrária ao espírito esportivo, tal como descrito na Introdução do Código, por determinação da Agência Mundial Antidoping. A outra possibilidade de inclusão de uma substância ou método na Lista Proibida se dá quando a Agência Mundial Antidoping entender que, segundo prova médica ou outra prova científica, efeito ou experiência farmacológicos, a substância ou método tem o potencial de mascarar o uso de outras Substâncias e Métodos Proibidos. Cumpre ressaltar que "nenhum dos três critérios é, sozinho, suficiente para determinar a inclusão da substância na Lista Proibida. Utilizar, a melhora potencial como critério exclusivo incluiria, por exemplo, o treinamento físico e mental, a carne vermelha, a superdosagem de carne vermelha e o treinamento na altitude. O risco para saúde incluiria o tabagismo. Exigir os três critérios também não seria satisfatório. Por exemplo, o recurso à tecnologia de transferência genética com o objetivo de incrementar sensivelmente o rendimento esportivo deve ser proibido por ser contrário ao espírito esportivo, ainda que não seja nocivo. Da mesma forma, o abuso potencialmente prejudicial de certas substâncias sem justificativa médica, em razão da crença equivocada de que elas possam melhorar o rendimento esportivo, é certamente contrário ao espírito esportivo, quer esta esperança seja realista ou não" (Comentário ao artigo 4.3 do Código). 2.5. Gestão de resultados No sentido de preservar o atleta, o Código estabelece alguns princípios que deverão ser observados no que diz respeito à gestão dos testes positivos detectados. Assim, "Cada organização antidoping responsável pela gestão dos resultados deverá dotar-se de um procedimento com vistas à instrução preliminar (pre-hearing) nos casos de potenciais violações das regras antidoping, de acordo com os princípios insculpidos nos artigos 7 e seguintes do Código. Destaque para o artigo 7.5, que estabelece Princípios Aplicáveis às Suspensões Provisórias, como a seguir descrito e caracterizado: A suspensão provisória somente poderá ser aplicada se for concedida ao atleta: a) a possibilidade de uma audiência prévia antes da imposição da suspensão provisória; ou b) a possibilidade de uma audiência preliminar nos termos do artigo 8, logo após a imposição da suspensão provisória. Se a suspensão provisória for imposta com base no resultado adverso da Amostra A e a Amostra B subseqüente não confirmar este resultado, o atleta não estará sujeito à nenhuma medida disciplinar e toda sanção que lhe tiver sido previamente imposta deverá ser revogada. Quando o atleta ou sua equipe tiverem sido excluídos da competição e a análise da Amostra B (Contraprova) não confirmar o resultado da Amostra A (Prova), o atleta poderá ser reintegrado à competição, se isto não comprometer o prosseguimento da competição. 2.6. Direito à audiência justa Os princípios a serem adotados em relação à audiência prevista no artigo 8 do Código, asseguram a toda Pessoa acusada de violação às regras Antidoping, entre outros: a) a realização da audiência em prazo razoável e por um tribunal justo e imparcial; b) o direito de ser representada por pessoa, ou conselho, de notório saber na matéria, às suas expensas, c) o direito de produzir provas, inclusive de requerer a intimação e o interrogatório de testemunhas por telefone, cujo deferimento ficará a critério da instância responsável pela realização da audiência; d) o direito a um intérprete e; e) o direito a uma decisão por escrito, motivada e em prazo razoável. 2.7. Educação e Pesquisa 2.7.1. Princípio Básico e Objetivo Primordial O princípio básico para os programas de educação e informação, nos termos do artigo 18.1, é o de preservar o espírito esportivo tal como descrito na Introdução do Código, a fim de evitar seu desvirtuamento pela ocorrência de doping e assim implementar políticas de dissuasão dos atletas quanto ao uso de Substâncias e Métodos Proibidos. 2.7.2. Programa e Atividades Toda Organização Antidoping deve, segundo o artigo 18.2, planejar, implementar e monitorar programas de informação e educação. Os programas devem prestar aos Participantes10 informações precisas e atualizadas sobre os seguintes pontos, ao menos: a) Substâncias e Métodos da Lista Proibida; b) Conseqüências do doping para a saúde; c) Procedimentos dos Exames Antidoping e e) Direitos e responsabilidades dos atletas Ademais, os programas devem promover o espírito esportivo, com o objetivo de estabelecer um ambiente livre de dopagem e que influencie positivamente todos os atores do esporte. A comissão técnica deve educar e aconselhar o atleta sobre as políticas e regras Antidoping adotadas em conformidade ao Código. Considerações finais Buscou-se demonstrar que é desejável, para a preservação e restauração do fair play, a disseminação a todos os atores do esporte dos valores protegidos pelo Código, bem como a assimilação dos instrumentos que representam a garantia do direito ao esporte sem doping. O intuito de conservar a credibilidade do esporte, "gangrenada pela dopagem" (Zermatten apud Bento, 2001, p. 49) representa, além do objetivo precípuo de tornar viável o Espírito Esportivo, ou exatamente por aí, uma atitude racional visando à manutenção do mundus sportivus ele mesmo, quer sob o ponto de vista da perpetuação do círculo virtuoso do esporte, quer pela não cessação dos efeitos econômicos e sociais de si decorrentes. Para tanto, aponta Bento (2001, p. 48) que a educação com todos os seus meios e instrumentos "carecem de ser repensados sob o primado de uma ética apostada em ampliar os círculos da solidariedade em diminuir as bandas da ignorância moral e do egoísmo". Isto porque "o desporto só o é por ser idealista, por perseguir ideais justificados no contexto ético e cultural" (id. p. 50). Neste contexto, cabe-nos questionar se qualquer compreensão do desporto ou das regras e normas a ele aplicáveis, que se afaste daquela noção, pode representar, efetivamente, a abertura a um processo de aviltamento paulatino dos valores intrínsecos ao Esporte Olímpico? Referências BENTO, Jorge Olímpio Ética e Desporto - Tradições e Contradições. In Estudos Olímpicos 2001: Coletânea de textos. Editores Marcio Turini e Lamartine DaCosta. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 2001. BREILLAT, Jean-Cristophe, LAGARDE, Franck e KARAQUILLO, Jean-Pierre. Code du Sport, deuxième édition. Paris: Dalloz, 2001. 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