1 México, um país de contrastes Henrique Santos Educador de

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1 México, um país de contrastes Henrique Santos Educador de
México, um país de contrastes
Henrique Santos
Educador de Infância
Por ocasião do 3º Congresso de Leitura e Escrita,
organizado na cidade de Morelia, no Estado de
Michoácan, entre 24 e 27 de Março de 2006, pela
Associação Mundial de Educadores de Infância
(AMEI), um grupo de especialistas internacionais,
integrados no programa do congresso como
conferencistas, levou a cabo uma visita
profissional a centros escolares e jardins de
infância (guarderias) na zona 109 da Cidade do
México.
Como tem vindo a ser hábito nas actividades
realizadas pela AMEI, esta visita pretendeu dar a
conhecer a realidade educativa do país, designadamente do nível pré-escolar,
através do programa de visita de um dia a instituições escolares. Neste caso, o
conjunto de cerca de trinta educadores ou técnicos especialistas de educação,
oriundos dos mais diversos pontos do globo, tiveram a oportunidade de contactar
directamente com as realidades dos centros escolares e com os profissionais em
actividade, bem como puderam ainda assistir a sessões onde foram apresentadas
as principais linhas de intervenção educativa, bem com a legislação mais
representativa do quadro legal do país, no que concerne à educação de infância.
Dada a complexidade e grandiosidade da cidade do México (importa referir, é
habitada por cerca de 23 milhões de pessoas!), foi escolhida uma zona
representativa da multidiversidade educativa e social, quer no que concerne à oferta
existente (pública e privada), quer no que diz respeito à especificidade dos graus de
ensino leccionados e às populações abrangidas.
Para se efectuar as visitas aos vários centros, procedeu-se à divisão do grupo de
especialistas internacionais, tendo sido formados oito grupos mais reduzidos, que
visitaram dois centros educativos cada. Antes dessas visitas, foram apresentadas
pela Sub-Directora local de educação, as linhas gerais de organização e gestão dos
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centros a visitar, bem como a organização da Zona de Supervisão Pedagógica
(ZSP), e o seu funcionamento.
As actividades desenvolvidas pela ZSP situam-se, fundamentalmente na supervisão
pedagógica das actividades dos centros, e também na gestão e administração das
subvenções públicas (quer as municipais, quer as estatais) de apoio aos centros.
Nesta zona da Cidade do México estão situados trinta e dois centros educativos,
dois quais sete são públicos, doze de iniciativa privada e os restantes de iniciativa
cooperativa ou associativa.
Mesmo os centros públicos emergem das actividades desenvolvidas desde há anos
por grupos populares ou empresariais e cooperativos, que foram recentemente
integrados na rede pública. Destes, a maior parte são centros de actividades
iniciados por professores ou outros profissionais da educação, que promoveram,
independentemente ou autonomamente, o esforço de organizar actividades lúdicas e
pedagógicas em regiões não cobertas, de todo, pelo esforço governativo, como
aliás, é o caso desta zona 109, que se assemelha a um enorme bairro de lata, ou,
mais especificamente, a uma “favela”, tal como as conhecemos dos meios de
comunicação social
É importante compreender a base de organização do novo quadro legislativo do
México, no qual as actividades de exploração, estudo e consulta para a reforma da
educação pré-escolar se iniciaram no ano 2002. A partir de Outubro de 2003
começou a análise da proposta inicial do novo programa, com a difusão do
documento denominado “Fundamentos e características de uma nova proposta
curricular para a educação pré-escolar”.
Também é importante compreender as mudanças sociais e económicas (entre elas,
o crescimento e a distribuição da população, a extensão da pobreza e a crescente
desigualdade social), assim como as mudanças culturais que tornaram necessário o
fortalecimento das instituições sociais de cuidado e educação dos mais pequenos.
Durante as três últimas décadas do século XX ocorreram no México um conjunto de
mudanças sociais e culturais de alto impacto na vida da população infantil. Por um
lado, o processo de urbanização, que implicou a emigração de milhões de pessoas
do campo para a cidade ou de umas cidades para outras, o crescimento da
densidade populacional, a construção de unidades habitacionais, além do
crescimento da insegurança e da violência. Este fenómeno repercutiu-se na redução
dos espaços para brincar e para o convívio com outras crianças ou com familiares e
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vizinhos, assim como as menores possibilidades de exploração do meio natural e
social. Também as mudanças nas estruturas familiar e a incorporação das mulheres
no mercado laboral, fenómeno que, no país é relativamente recente, em virtude de
hábitos culturais muito antigos, e a pobreza e a desigualdade crescente, mantêm
uma enorme proporção de crianças em graves situações de carência.
Estas mudanças obrigaram a instituição escolar a exercer, ao longo dos últimos
anos, um papel fundamentalmente de apoio social, mais que escolar. Por tal,
chegam à escola, e especificamente à educação pré-escolar, crianças de uma muito
diversa procedência social, particularmente de sectores de população rural e
indígena e urbana marginada.
A educação Infantil no México passou a fazer parte da estratégia de
desenvolvimento sustentado definido pelo Governo Mexicano, com base nos
documentos apresentados em diversos momentos pela Organização de Estados
Americanos e pela OECD. Após a aceitação destas recomendações, que
constituíram uma vitória importante para os quase dois milhões de técnicos e
profissionais de educação do estado, a estrutura educativa deste nível de ensino
passou a ser constituída por dois anos de frequência facultativa (1º e 2º grado – ¾
anos) e por um ano de frequência obrigatória (3º grado) equivalente aos 5 anos de
idade das crianças.
A Cidade do México (Distrito Federal) assume-se como um mosaico de culturas e
especificamente como um “melting pot” de pessoas com origens variadas, sendo
que a maior parte dos seus habitantes é oriundo de outros estados do país, com
uma maioria de cidadãos oriundos dos estados do sul, mais pobres, de onde se
destaca o estado de Chiapas.
Tendo em conta a origem de muitos dos habitantes da cidade, torna-se fundamental
tentar compreender o esforço feito pelo governo do distrito federal na definição de
orientações específicas para a educação de infância, nomeadamente no que
concerne a programas de apoio à integração e ao desenvolvimento multicultural.
No ano de 2003, ano em, como já vimos, foram definidas orientações legais para a
Educação infantil (apesar de existirem centros educativos para os níveis etários 0-3
e 3-6 desde há largos anos) assistiu-se ao início de um processo de organização
estatal da oferta existente, mas que, em função da sua actualidade, permite
observar ainda a existência de centros educativos que não cumprem as mais
elementares normas de funcionamento definidas por este novo quadro legal, e, por
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outro lado, a deficiente estrutura funcional dos centros e a ainda incipiente
organização administrativa e de supervisão para os novos normativos legais. No
conjunto, a panorâmica global parece, aos olhos de um qualquer observador
europeu, extremamente atrasada, nunca se imaginando tal coisa num país cuja
economia o situa no conjunto dos 20 países mais ricos do mundo.
Como já referido, a novidade da legislação orienta o olhar para a realidade existente
com um desejo de efectividade, e de resolução de problemas, mas, e segundo
algumas opiniões recolhidas, a legislação transformou, na maior parte das vezes,
para pior, as realidades que se encontravam já em funcionamento. A hipótese, agora
garantida, de designar por escola ou
centro educativo um qualquer espaço em
que se oferecem “classes” a crianças
permitiu o surgimento de um conjunto
enorme de locais sem condições básicas,
nomeadamente de origem cooperativa e
associativa, apenas com o objectivo de
“oferecer” um serviço, que nem sequer é
“educativo”.
Alguns dos centros recentemente abertos compõem-se de quatro paredes cobertas
por um telhado de adobe ou chapas de zinco, sem água, sem electricidade, em
alguns casos sem qualquer tipo de equipamento, maioritariamente, geridos por
associações políticas que assim asseguram uma presença nos bairros pobres das
imediações da capital. No caso da visita presenciada, uma das escolas era
constituída por um edifício em tijolo, com telhado em zinco, com duas salas de
actividades, nas quais as crianças desenvolviam actividades em mesas de madeira,
manufacturadas, sob um chão de terra (ver fotos). O restante equipamento
disponível limitava-se a uma cadeira e uma mesa para o docente, e nem um armário
era visível.
Localizando-se num bairro desordenado, sem saneamento básico, sem condições
de higiene e salubridade, a escola reflecte essas condições.
As actividades dirigidas pelos docentes são suportadas por materiais totalmente
reciclados ou reaproveitados e já bastante usados. As orientações pedagógicas
definidas no modelo de educação de infância (3-5 anos) são fundamentalmente
orientações “pré-escolares”, ou seja, de preparação para a escolaridade obrigatória,
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que começa aos seis anos, em virtude dos actuais elevados índices de
analfabetismo e de insucesso escolar.
Apesar da actividade lectiva ser assegurada por docentes com preparação
específica (Maestros, com
dois anos de formação
específica a seguir ao
ensino secundário,
Educadores, com três anos
de formação específica em
áreas da Educação Infantil e
Licenciados, com quatro
anos de curso superior),
cujo salário é assegurado
pelo estado, e que se
reúnem no âmbito da zona pedagógica, a partir da qual são colocados, com as
condições disponíveis, é fácil imaginar que possam não ter sucesso na missão que
decidiram ter.
Apesar dos pequenos grupos de especialistas apenas terem visitado dois centros
cada, a reflexão posterior, entre todos, permitiu a constatação de que o nível médio
de condições e equipamento existente é o mesmo nos vários espaços visitados.
Em alguns casos, como amplamente referenciado pelos participantes, o conceito
“espaço escolar” no México não se aplicará, de todo, ao conceito europeu.
Não obstante, nos olhos e nas atitudes das crianças e mesmo dos professores,
encontra-se uma vontade e uma resiliência que nos permitem ter uma ideia de que,
com as bases legais agora criadas e com o início de um processo de acreditação e
investimento neste nível educativo, que de resto parece estar a acontecer, segundo
os relatos dos vários professores e técnicos mexicanos que acompanharam as
visitas, o México estará, dentro de pouco tempo, numa situação completamente
diferente e mais confortável. Ou como diria um dos participantes: “a situação está
tão mal que só pode melhorar!”
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