SOUZA, Luciano de.

Transcrição

SOUZA, Luciano de.
 UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO – UNIVASF
CAMPUS SERRA DA CAPIVARA - PI
CURSO DE ARQUEOLOGIA E PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL
____________________________________________________________
CARACTERIZAÇÃO DAS CENAS DE GUERRA DA SUBTRADIÇÃO VÁRZEA GRANDE NA
ÁREA ARQUEOLÓGICA DA SERRA DA CAPIVARA - PI
Luciano de Souza
Orientadora: Profa. Dra. Daniela Cisneiros
Monografia de Trabalho de Conclusão de Curso – TCC (01)
SÃO RAIMUNDO NONATO – PI, 2009.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO – UNIVASF
CAMPUS SERRA DA CAPIVARA - PI
CURSO DE ARQUEOLOGIA E PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL
______________________________________________________________
CARACTERIZAÇÃO DAS CENAS DE GUERRA DA SUBTRADIÇÃO VÁRZEA GRANDE NA
ÁREA ARQUEOLÓGICA DA SERRA DA CAPIVARA - PI
Trabalho de conclusão do curso Arqueologia e
Preservação Patrimonial da Universidade Federal
do Vale do São Francisco, apresentado pelo aluno
Luciano de Souza Silva, para a obtenção do
título de bacharel em Arqueologia, sob orientação
da professora Dra. Daniela Cisneiros.
Monografia de Trabalho de Conclusão de Curso – TCC (01)
SÃO RAIMUNDO NONATO – PI, 2009.
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou
eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
São Raimundo Nonato - PI, 02 de fevereiro de 2009.
Luciano Souza Silva
e-mail: [email protected]
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema Integrado de Bibliotecas - UNIVASF
S725c
Souza, Luciano de.
Caracterização das cenas de guerra da Subtradição Várzea Grande na
área arqueológica da serra da capivara - PI / Luciano de Souza. – – São
Raimundo Nonato, 2009.
xi, 79 f. : il. ; 29 cm.
Trabalho apresentado à Universidade Federal do Vale do São
Francisco - UNIVASF, Campus Serra da Capivara para graduação em
Arqueologia, 2009.
Orientador: Daniela Cisneiros Silva
Banca examinadora: Daniela Cisneiros Silva, Celito Kestering,
Demétrio Mutzenberg
Bibliografia
Anexos
1. Arqueologia - Piauí. 2. Grafismo Rupestre – Guerra 3. Serra da
Capivara. I. Título. II. São Raimundo Nonato - Colegiado de Arqueologia
e Preservação Patrimonial.
CDD 930.108122
TERMO DE APROVAÇÃO
Cada sociedade possui padrões éticos próprios de relações com estranhos,
nascidos e desenvolvidos em função de condições reais de existência
social, aos quais se vinculam ideais coletivos de guerra e paz (Fernandes
1970, p. 40).
AGRADECIMENTOS
A monografia de final de curso é uma etapa da formação teórica, metodológica e
existencial de um individuo em um ambiente social e acadêmico. Esta etapa terminou,
mas acredito que outras tantas vão começar é o que espero para vida;
Nesse campo da graduação e da arqueologia em que estou envolvido, quero
agradecer uma pessoa muito especial, a quem tenho grande admiração. Ela fez com que
eu tivesse mais interesse por arqueologia, em particular a do Nordeste. A sua orientação
bastante valiosa, para ampliação e inquietação no campo do conhecimento, por isso que
agradeço muito a professora Drª Daniela Cisneiros;
A todos os professores que contribuíram para minha formação na graduação, Carlos
Fabiano, Celito Kestering e Mauro Fárias, pela atenção e conversas; as professoras Beth
Medeiros e Fatima Barbosa; ao professor Guilherme Medeiros pelas discussões;
Ao professor Demétrio Mützenberg coordenador do laboratório de fotogrametria,
pelas conversas e orientações para minha formação acadêmica e profissional. Ao novo
grande amigo Dimas Mützenberg;
A professora Janaina, pela amizade e disponibilidade em ajudar; a professora Vivian
que chegou ao colegiado de Arqueologia aos 45 minutos do segundo tempo de minha
formação acadêmica, com suas aulas e conversas particulares sobre questões de vida e
da arqueologia; as professoras associadas ao curso de arqueologia, Drª. Anne-Marie
Pessis, Drª; Gabriela Martin, Drª. Niède Guidon;
A todos os funcionários do Campus Serra da Capivara e da FUMDHAM;
A todos da primeira turma de Arqueologia e Preservação Patrimonial. Aos amigos
Claudeilson, Jarrier, Luzia, Shirlene, Rômulo e sua família, aos meus vizinhos
(barulhentos) do bairro Umbelina e Gavião e a todas as amizades de São Raimundo;
As minhas amigas Indíra, Raquel, Luana com quem compartilhei as primeiras
atividades e angústias da arqueologia (tenho grande sentimento);
Tainã e Carol, com quem compartilhei experiências e estiveram presente em todas
as fases da vida em São Raimundo;
Agradecimento muito especial a Elinha (Elen) uma pessoa maravilhosa que esteve
sempre comigo;
Ao Bernardo Grillo pela sua amizade e cumplicidade nas discussões;
Aos professores que me ajudaram a tomar a decisão importante de fazer
Arqueologia, professor Roberto (UPE) e Ana Lúcia (CEFET);
Agradeço muito a minha família pelo apoio e cumplicidade nos sentimentos: minha
mãe Maria do Carmo, meu pai Anísio, minha irmãzinha Maria de Fátima com quem
compartilho as questões de existência, minha Irmã Shyrlene e meu cunhado Josivan, e
ao meu irmão Marcos;
RESUMO
SOUZA, Luciano. Caracterização das cenas de guerra da Subtradição Várzea Grande na
área arqueológica da Serra da capivara – PI. Monografia, 79 f. São Raimundo Nonato,
2009.
O presente trabalho tem por objetivo caracterizar as cenas de guerra nos painéis de
pintura rupestre da Subtradição Várzea Grande (Tradição Nordeste) da área arqueológica
do Parque Nacional Serra da Capivara - PI. A pesquisa foi desenvolvida a partir da
revisão bibliográfica sobre os grafismos rupestres da região Nordeste, prospecções de
sitos arqueológicos com preenchimento de protocolos e análise imagética. Os sítios
escolhidos foram: Toca do Conflito, Toca da Extrema II, Toca do João Arsena e Toca do
Vento, localizados na região da Serra Branca. Nas representações de guerra identificadas
no interior das manchas gráficas desses sítios, foram analisados os aspectos relativos ao
movimento e a morfologia dos elementos primários (cabeça, tronco e membros) e
secundários (adornos, armas, falo) dos antropomorfos (guerreiros) na construção de
cada cena.
Palavras - chave: Grafismos rupestres, Cenas de guerra, Serra da Capivara – PI. ABSTRACT
SOUZA, Luciano. Caracterização das cenas de guerra da Subtradição Várzea Grande na
área arqueológica da Serra da capivara – PI. Monografia, 79 f. São Raimundo Nonato,
2009.
The present work objectives to characterize the scenes of war in painels of rock pictures
Subtradição Várzea Grande (Tradição Nordeste) of Serra da Capivara National Park - PI.
The research was developed starting from the bibliographical revision about rock-art of
the Northeast area, prospection of archeological sites fulfiling protocols and analysis of
the images. The selected archaeological sites were: Toca do Conflito, Toca da Extrema II,
Toca do João Arsena and Toca do Vento, located in the region Serra Branca. In the war
representations identified inside the graphic spots of those sites were analysed relatives
aspects of movement and morphology of the primary elements (head, trunk and
members) and secondary (decorations, weapons, phallus) of the anthropomorphous
(warriors) in the construction of each scene.
Keywords: Rock-art, War Scenes, Serra da Capivara – PI.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Localização do Parque Nacional Serra da Capivara – PI .................................... 16
Figura 2 - Mapa do Parque Nacional Serra da Capivara – PI ............................................ 18
Figura 3 - Tradição Nordeste (Sítio Entrada do Pajaú) . ................................................... 24
Figura 4 - Tradição Agreste (Sítio Entrada do Baixão da Vaca) ......................................... 25
Figura 6 - Estilo Serra da Capivara (Sítio Toca da Entrada do Baixão da Vaca) . ................. 27
Figura 7 - Estilo Serra da Capivara (Detalhe Sítio Toca da Entrada do Pajaú) ..................... 27
Figura 8 - Estilo Serra Branca (Sítio Toca do Salitre) . ..................................................... 28
Figura 9 - Estilo Serra Branca (Sítio Toca do Salitre).. ..................................................... 28
Figura 10 - Complexo Serra Talhada (Sítio [1] Boqueirão da Pedra Furada, sítio [2] Toca da
Invenção, sítio [3] Toca do Baixão das Mulheres) .......................................... 29
Figura 11 - Complexo Serra Talhada (Sítio [1] Boqueirão da Pedra Furada, sítio [2] Toca do
Caldeirão dos Rodrigues I) .......................................................................... 29
Figura 12 - Grafismos Levantino, combate de arqueiros (Ares Del Maestre, Castellón). ....... 35
Figura 13 - Cena de confronto entre os Danis da Nova – Guiné do inicio dos anos 60 do século
XX. .......................................................................................................... 35
Figura 14 – Representações da guerra entre indígenas no período colonial do Brasil (15341611). ...................................................................................................... 36
Figura 15 - Mancha gráfica (Direita) e painel de análise da cena de guerra (Esquerda), sítio
Toca da Extrema II ................................................................................... 40
Figura 16 - Tratamento de imagem - etapa [1] duplicação de imagem, etapa [2] coleta de
pixels, sítio Toca da Extrema II .................................................................. 41
Figura 17 - Tratamento de imagem - etapa [3] imagem selecionada, etapa [4] identificação
dos motivos gráficos da cenografia, sítio Toca da Extrema II .......................... 41
Figura 18 - Tratamento de imagem - etapa [5] [6] identificação dos antropomorfos e dos
objetos usados, sítio Toca da Extrema II ..................................................... 41
Figura 19 - Tratamento de imagem - etapa [7] [8] destaque da cena de guerra em cor preta
em fase do plano final, Sítio Toca da Extrema II ........................................... 42
Figura 20 - Quadro de procedimentos de análises ........................................................... 42
Figura 21 - Plano final da identificação da cena de guerra caracterizada por diversos
antropomorfos em respectivos movimentos, segregada em cor preta, sítio Toca da
Extrema II ............................................................................................... 43
Figura 22 - Mapa de localização dos sítios, Parque Nacional Serra da Capivara – PI. ........... 44
Figura 23 – Imagem da cena de guerra do sítio Toca do Conflito ..................................... 46
Figura 24 – Imagem da cena de guerra do sítio Toca do Conflito ..................................... 46
Figura 25 – Tipos de antropomorfos (guerreiros) identificados na cena de guerra do Sítio Toca
do Conflito ............................................................................................... 47
Figura 26 – Tipos morfológicos de cabeças e adornos do Sítio Toca do Conflito ................. 47
Figura 27 – Tipos de armas do Sítio Toca do Conflito ..................................................... 47
Figura 28 – Imagem trabalhada da cena de guerra do Sítio Toca da Extrema II ................ 51
Figura 30 – Tipos de antropomorfos (guerreiros) identificados na cena de guerra do Sítio Toca
da Extrema II ........................................................................................... 52
Figura 31 – Tipos morfológicos de cabeças e adornos do Sítio Toca da Extrema II ............. 52
Figura 32 – Tipos de armas do Sítio Toca da Extrema II ................................................. 52
Figura 33 – Imagem do painel da cena de guerra do Sítio Toca do João Arsena ................. 57
Figura 34 – Imagem segregada da cena de guerra (diferenciação da sobreposição) do Sítio
Toca do João Arsena .................................................................................. 57
Figura 35 – Primeiro plano: Cena de guerra do Sítio Toca do João Arsena ......................... 58
Figura 36 – Detalhe do processo de identificação do segundo plano, Sítio Toca do João Arsena
............................................................................................................... 58
Figura 37 – Segundo plano: Cena de guerra do Sítio Toca do João Arsena ......................... 58
Figura 38 – Terceiro plano: Sobreposições da cena de guerra do Sítio Toca do João Arsena . 59
Figura 39 – Tipos de antropomorfos (guerreiros) identificados na cena de guerra, Sítio Toca
do João Arsena .......................................................................................... 59
Figura 40 – Tipos morfológicos de cabeças e adornos do Sítio Toca do João Arsena ............ 59
Figura 41 – Tipos de armas do Sítio Toca do João Arsena ................................................ 59
Figura 42 – Imagem do painel da cena de guerra do Sítio Toca do Vento .......................... 63
Figura 43 – Imagem segregada, cena de guerra do sítio Toca do Vento............................. 63
Figura 44 – Tipo de antropomorfo adorno, Sítio Toca do Vento......................................... 64
Figura 45 – Tipos de armas do Sítio Toca do Vento ......................................................... 64
Figura 46 – Postura do corpo e posicionamento das pernas dos antropomorfos, Sítio Toca do
Conflito, Extrema II e João Arsena ............................................................... 66
Figura 47 – Luta direta (corpo a corpo), Sítio Toca da Extrema II e João Arsena ................ 70
Figura 48: Vista geral do Sítio Toca da Extrema II .......................................................... 78
Figura 49: Vista geral do Sítio Toca do João Arsena ....................................................... 79
Figura 50: Vista geral do Sítio Toca do Vento ................................................................ 79
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Quadro de datação do Sítio Boqueirão da Pedra Furada - Fonte: Martin, 2005. ... 19
Tabela 2 – Tradição de Pinturas e gravura do Nordeste ................................................... 24
Tabela 3 - Micro – análise dos antropomorfos do Sítio Toca do Conflito ............................. 48
Tabela 4 – Quantidade de marcadores Sociais dos antropomorfos do Sítio Toca do Conflito . 48
Tabela 5 – Áreas dos antropomorfos atingidos do Sítio Toca do Conflito ............................ 49
Tabela 6 – Micro – análise dos antropomorfos (representação dos guerreiros) do Sítio Toca da
Extrema II ................................................................................................ 53
Tabela 7 – Quantidade dos marcadores sociais dos antropomorfos ................................... 53
Tabela 8 - Áreas dos antropomorfos atingidos do Sítio Toca da Extrema II ........................ 55
Tabela 9 – Micro – análise dos antropomorfos (representação dos guerreiros) do Sítio Toca do
João Arsena .............................................................................................. 60
Tabela 10 – Quantidade dos marcadores sociais dos antropomorfos do Sítio Toca do João
Arsena ..................................................................................................... 61
Tabela 11 – Antropomorfos atingidos do Sítio Toca do João Arsena................................... 61
Tabela 12 – Micro – análise dos antropomorfos (representação dos guerreiros) do Sítio Toca
do Vento................................................................................................... 64
Tabela 13 - Tabela – Quantidade dos marcadores sociais dos antropomorfos do Sítio Toca do
Vento ....................................................................................................... 65
Tabela 14 – Antropomorfos atingidos do Sítio Toca do Vento ........................................... 65
Tabela 15 – Tipos de antropomorfos (guerreiros) dos sítios analisados .............................. 67
Tabela 16 – Repertório dos marcadores sociais similares e diferentes dos sítios analisados .. 67
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Análise quantitativa dos tipos de cabeça dos antropomorfos dos sítios pesquisados
............................................................................................................... 68
Gráfico 2 – Análise quantitativa dos tipos de adornos dos antropomorfos dos sítios
pesquisados .............................................................................................. 68
Gráfico 3 – Análise quantitativa dos tipos de armas e outro objetos de mão de cada sítio
pesquisado ............................................................................................... 69
Gráfico 4 – Análise quantitativa dos tipos de armas e outros objetos de mão dos sítios
pesquisados .............................................................................................. 69
Gráfico 5 – Análise quantitativa dos Tipos de armas que atingem os antropomorfos dos sítios
pesquisados .............................................................................................. 69
Gráfico 6 – Análise quantitativa das áreas do corpo dos antropomorfos atingidos dos sítios
pesquisados .............................................................................................. 70
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 13
CAPITULO 1: PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA ........................................... 16
1.1
Localização e caracterização ......................................................................... 16
1.2
Pesquisas Arqueológicas .............................................................................. 18
CAPITULO 2: REGISTRO RUPESTRE....................................................................... 21
2.1 Histórico das pesquisas .................................................................................. 21
2.2
Categoria de Análise em Pinturas Rupestres.................................................... 22
2.2.1
Análise preliminar................................................................................... 22
2.2.2
Categorias de Análise: Tradição, Subtradição e Estilo................................... 23
2.3
2.3.1
Tradição Nordeste ....................................................................................... 25
A Subtradição Várzea Grande ................................................................... 26
CAPITULO 3: ABORDAGEM TEÓRICA E METODOLÓGICA ........................................... 31
3.1
3.1.1
3.1
Abordagem Teórica ..................................................................................... 31
A Guerra Como Fator Social ..................................................................... 33
Abordagem Metodológica ............................................................................. 38
CAPITULO 4: ANÁLISE DAS CENAS DE GUERRA ...................................................... 44
4.1 Sítio Toca do Conflito..................................................................................... 45
4.1.1 Pinturas rupestres do Sítio ........................................................................... 45
4.1.2 Cena de Guerra ......................................................................................... 45
4.2
Sítio Toca da Extrema II .............................................................................. 50
4.2.1
Pinturas rupestres do Sítio ....................................................................... 50
4.2.2
Cena de guerra ...................................................................................... 50
4.3
4.3.1
Sítio Toca do João Arsena ............................................................................ 55
Pinturas rupestres do Sítio ....................................................................... 55
4.3.2
4.4
Cena de guerra ...................................................................................... 55
Sítio Toca do Vento ..................................................................................... 62
4.4.1
Pinturas rupestres do Sítio ....................................................................... 62
4.4.2
Cena de guerra ...................................................................................... 62
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 66
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 72
ANEXOS
INTRODUÇÃO
As pesquisas arqueológicas na área da Serra da Capivara, localizada no sudeste do
estado do Piauí, tiveram início na década de 1970. Por ausência de um contexto
arqueológico definido, os trabalhos de campo buscaram identificar os sítios com pinturas
e gravuras rupestres. Estes foram os primeiros vestígios pré-históricos estudados para
região. Com o desenvolvimentos das pesquisas foram afinadas as classificações e as
cronologias dos grafismos rupestres.
Os grafismos rupestres, como objetos da pesquisa arqueológica, apresentam
informações das populações que habitaram a área na pré-história. Eles são testemunho
dos comportamentos culturais de seus autores e servem de base para compreensão da
dinâmica sócio-cultural dos grupos, dentro de uma visão simbólica e cognitiva.
Nas pesquisas que se realizam no Parque Nacional Serra da Capivara trabalham se os grafismos rupestres como forma de comunicação. Os grafismos como um sistema
de códigos de linguagem, trazem informações sobre as transformações e representações
sociais do mundo sensível dos grupos humanos. Para Pessis (2003) “mesmo que um
significado não seja compreendido, a obra rupestre pré-histórica permite inferir a
diferentes culturas”.
Na região Nordeste do Brasil os registros rupestres foram analisados e classificados
em categorias. A categoria inicial é a Tradição que envolve padrões gráficos de forma
mais geral. Segue - se a Subtradição que é caracterizada por traços temáticos e de
apresentação em uma área geográfica específica. Dentro da Subtradição pode ser
definida a classe de Estilo, que corresponde a mudanças técnicas e temáticas.
Na presente pesquisa enfatizou-se a Tradição Nordeste, Subtradição Várzea
Grande, realizado no período de 12000 a 6000 anos AP. As temáticas são geralmente
representações de aspectos reconhecíveis, como as figuras humanas, animais, plantas, e
não reconhecíveis, como as figuras geométricas.
As representações reconhecíveis possuem diferentes atributos, adornos e tipos
morfológicos. Os temas que se poderia chamar de solidários dentro de cada comunidade
são o mais freqüentes: cena da família, lúdica, da colheita e da caça, aparecendo
também cenas de luta e agressão (MARTIN, 1984).
As pinturas da Subtradição Várzea Grande possuem representações do cotidiano. A
temática de guerra é uma forma de representação de parte desse cotidiano e da
complexidade dos indivíduos. Ela representa a vida social do grupo, caracterizada por
marcadores sociais particulares que podem ser identificados na cenografia.
14 A arqueologia pré-histórica fornece informações sobre os padrões comportamentais
das populações humanas. Tratando-se de comportamento agressivo, Pessis argumenta
que:
Descobertas etno – arqueológicas sugerem que o comportamento
agressivo é inerente à espécie humana. Agressividade e violência
eram necessárias para uma subsistência bem sucedida. Nas
pinturas rupestres pré-históricas são numerosos os exemplos de
figuras humanas caçando com armas, propulsores e arcos,
representações de combates coletivos e modalidades de agressão
entre duas figuras humanas (PESSIS, 2005, p. 16).
Para o desenvolvimento da pesquisa partiu-se do seguinte questionamento: Se
existem cenas de guerra nas pinturas da Subtradição Várzea Grande, quais os elementos
caracterizadores suscetíveis de reconhecimento para essa temática?
Os objetivos da presente pesquisa foram os seguintes:
•
Identificar os elementos reconhecíveis na representação da temática de guerra
(antropomorfos e objetos de uso);
•
Observar se existe padronização na escolha do espaço para o agenciamento da
cena na mancha gráfica;
•
Identificar sobreposições nas cenas de guerra;
•
Identificar padrões nos marcadores sociais (adornos, armas, outros objetos de
mão) nos grafismos antropomórficos envolvidos na cena;
•
•
Identificar padrão de escolha das partes do corpo atingidas por armas;
Identificar padrões de similaridades e diferenças entre os elementos dessas cenas
nos sítios escolhidos;
Para essa pesquisa foram selecionados os seguintes sítios: Toca do Conflito, Toca
da Extrema II, Toca do João Arsena e Toca do Vento.
A monografia divide-se em quatro capítulos:
O primeiro capítulo, Caracterização da área de pesquisa, trata dos aspectos
geológicos, geomorfológicos e arqueológicos da área do Parque Nacional Serra da
Capivara.
O segundo capítulo, Registro rupestre, é um breve histórico das pesquisas e tipos
de classificações para o registro rupestre da região pesquisada.
15 O terceiro capítulo, Abordagem teórica e metodológica, trata da construção da
abordagem teórica e metodológica, seguindo a linha do problema, das hipóteses e os
objetivos da pesquisa, tendo como proposta a micro–análise da cena de guerra utilizando
para isso alguns softwares, em específico o Adobe Photoshop CS2.
O quarto capítulo, Análise das cenas de guerra, trata da micro-análise das cenas de
guerras, seguindo a metodologia de análise cenográfica e tratamento de imagens,
segregando os elementos representativos da construcão da temática de guerra.
Em seguida são apresentadas as considerações finais ao desenvolvimento do
trabalho de caracterização do reconhecimento da cenografia e temática de guerra.
CAPITULO 1: PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA
1.1
Localização e caracterização
A pesquisa abrange a área do sudeste do Piauí, região do semi-árido nordestino, no
qual se insere a área arqueológica1 do Parque Nacional Serra da Capivara, sendo um dos
mais relevantes contextos de pesquisas arqueológicas. Localiza-se entre as coordenadas,
a norte 8° 26’ 50” latitude e 42° 19’ 51” longitude, a leste 8° 36’ 33” latitude e 42° 10’
21” longitude, a sul 8° 54’ 23” latitude e 42° 19’ 46” longitude, a oeste 8° 46’ 28”
latitude e
42° 42’ 53” longitude. Ocupa parte dos territórios dos municípios de São
Raimundo Nonato, Coronel José Dias, João Costa e Brejo do Piauí (figura 1).
Figura 1 - Localização do Parque Nacional Serra da Capivara – PI. Fonte: Sistema de informação
geográfica – SIG - Mapa de localização da FUMDHAM.
A área do Parque Nacional Serra da Capivara situa-se entre dois domínios
geológicos: a Faixa de Dobramentos Riacho do Pontal e a Bacia do Parnaíba.
1
Área arqueológica é uma categoria de entrada para referenciar a pesquisa em relação a limites geográficos
flexíveis dentro de uma unidade ecológica e que participe das mesmas características geo-ambientais. O estudo
dentro de uma área arqueológica visa conhecer os processos de ocupação, adaptação e aproveitamento dos
recursos disponíveis, por grupos que habitaram a região em tempos pretéritos. Os sítios correspondem a
assentamentos humanos onde podem ser observadas as condições de ocupação suficientes para poder estudar
os vestígios dos grupos étnicos que os povoaram (MARTIN, 2005).
17 A Faixa de Dobramentos Riacho do Pontal é um sistema de dobramentos dentro da
Província Borborema, seu formato é irregular e tem 28.000 km2 área, de acordo com
Neves (1975 apud Santos 2007), ocupa parte do Piauí, Pernambuco e Bahia. Para
Oliveira (1998 apud Santos 2007) é subdividida em cinco subzonas de cisalhamento. A
área de estudo compreende a subzona de cisalhamento Barra do Bonito.
A Bacia do Parnaíba ocupa aproximadamente 600.000 km2 de área, englobando
parte dos Estados do Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia. De acordo com Santos
(2007) na área de estudo afloram os grupos Serra Grande e Canindé de idade siluriana e
devoniana, respectivamente. O Grupo Serra Grande é constituído pelas Formações Ipu,
Tianguá e Jaicós e o Grupo Canindé pelas formações Itaim, Pimenteira, Cabeças e Longa,
sendo que na área ocorre apenas as formações Itaim, Pimenteira e Cabeças.
No que diz respeito ao relevo, na área da Faixa de Dobramentos Riacho do Pontal
ocorre a unidade geomorfológica denominada Depressão Periférica do São Francisco.
Trata-se de uma larga área de pedimento de caráter erosivo, bastante aplainada,
localizada entre o sopé da cuestas2 e os morros3 de quartzito da Serra dos Dois Irmãos.
Nessa área há afloramentos de gnaisse esculpidos em numerosos inselbelgs4 isolados, ou
dispostos em maciços. Afloram os micaxistos5 é o setor mais aplainado, e pontualmente
ocorrem relevos residuais: inselbergs isolados de granito intrusivo e serrotes, que são
pequenos maciços carstificados de mármore (Pellerin 1984 apud Santos 2007).
Na área da Bacia do Parnaíba, relevo é constituído de cuestas (Pellerin 1984 apud
Santos 2007) elevações assimétrica, com o front voltado para a Província Borborema.
Elas foram modeladas ao longo do tempo, exibindo diversas morfologias, como
planaltos6, escarpas7, canyons, vales8 (rios temporários), e poucos olhos d’ água.
Na área ocorre uma grande concentração de abrigos sob rocha que oferecem
possibilidades de ocupação permanente e temporária, e conseqüentemente úteis a
proteção das ações do tempo e de predadores. No entorno destes abrigos havia fontes de
matéria-prima, como os seixos de quartzo e quarzito. Os abrigos também foram
2
Cuesta é uma forma de relevo constituído por uma sucessão alternada das camadas com diferentes
resistências ao desgaste e que se inclinam numa direção, formando um declive suave no reverso, e um corte
abrupto chamado frente de cuesta (GUERRA, 1997).
3
Morro é um monte pouco elevado, cuja altitude é de aproximadamente de 100 a 200 m (GUERRA, 1997).
4
Inselbergue são elevações pouco alongadas e relativamente ilhadas, cuja evolução se fez em função de um
sistema de erosão, com o clima semi-árido (GUERRA, 1997).
5
Micaxisto é uma rocha de origem metamórfica, constituída essencialmente de micas, quartzo, alguns
feldspatos e vários minerais secundários (Guerra, 1997).
6
O planalto é uma superfície levemente ondulada, constituída de rochas cuja estrutura é, no seu conjunto
horizontal ou levemente sub-horizontal (Guerra, 1997).
7
Escarpa pode ser uma rampa ou aclive de terrenos que aparecem nas bordas dos planaltos, serras e
testemunhos (Guerra, 1997).
8
Vale se caracteriza como corredor ou depressão de forma longitudinal, com duas vertentes com declives
convergentes (GUERRA, 1997).
18 utilizados para a prática de rituais como a confecção de pinturas, gravuras rupestres.
Geralmente próximo aos abrigos encontram-se fontes de água tornando o ambiente mais
favorável para a sobrevivência.
O Parque Nacional Serra da Capivara foi dividido em zonas correspondentes as
áreas apresentadas com nomenclatura local, sendo a região da Serra da Capivara, Serra
Talhada, Serra Vermelha, Serra Branca e Serra do Gongo (figura 2).
Figura 2 - Mapa do Parque Nacional Serra da Capivara – PI - Fonte: Adaptado do mapa da FUMDHAM.
1.2
Pesquisas Arqueológicas
A partir das pesquisas do sítio Toca do Boqueirão da Pedra Furada (BPF), Guidon
definiu três fases de ocupações: a fase Pedra Furada, a fase Serra Talhada e a fase
Agreste (tabela 1). A fase mais antiga corresponde aos estágios9 Pedra Furada I, II, III.
Foram descobertos, na escavação, fragmentos de rocha pintada, e alguns restos de
9
Estágio corresponde ao intervalo cronológico com características culturais gerais compartilhadas pela maior
parte da população (MENDONÇA, 1997).
19 estruturas de fogueira com carvões. A datação obtida a partir desses carvões foi de
17000 ± 400 BP (GIF 5397)10.
A Indústria lítica dessa fase é formada por: seixos trabalhados geralmente pela
técnica unifacial, sem padrões de lascamentos e pouco retocados. Diferenciam-se
essencialmente pela existência de seixos lascados, lascas, choppers, choopping-tools,
lascas retocadas, raspadores, terminais, raspadores carenados e pequenos raspadores,
entre outros artefatos; as matérias-primas utilizadas são o quartzo e o quartzito.
A fase Serra Talhada está datada a partir de 12000 anos BP. Esta fase é formada
pelo aumento da quantidade de artefatos da indústria lítica e pela variedade da matéria–
prima, com a presença de sílex e calcedônia. A indústria lítica se compõe de seixos
lascados, núcleos, percutores, detritos de lascamentos e peças retocadas, como
raspadores, facas, lesmas, furadores, pontas pedunculadas, lascas e lâminas retocadas11.
Tabela 1 - Quadro de datação do Sítio Boqueirão da Pedra Furada - Fonte: Martin, 2005.
10
11
Parenti, 1992.
Parenti, 1992.
20 As pesquisas realizadas permitiram que se formulasse a hipótese de que o aumento
demográfico e as mudanças tecnológicas fizeram com que ocorresse uma gradual
evolução dos grupos que povoaram a região. Nas pinturas rupestres, assim como no
material lítico, são inferidas mudanças envolvidas possivelmente em uma rede de contato
e de relações na pré-história da região.
Para Guidon:
Alguns povos que tinham seus territórios em zonas vizinhas da
área nuclear de São Raimundo Nonato, desde há pelo menos 10
mil anos AP, faziam incursões dentro da Tradição Nordeste de
pinturas, deixando nos abrigos pintados marcas de sua passagem,
sob a forma de figuras canhestras que imitavam as figuras
Nordeste (GUIDON, 1989, p. 9).
Pessis sugere, que:
O crescimento demográfico não gerou apenas a necessidade da
diferenciação cultural, mas também o aparecimento de motivos de
atritos próprios da procura de uma nova adaptação, de um
equilíbrio ecológico e social. A multiplicação e diversificação dos
grupos criaram problemas de coabitação no interior de um espaço
antes compartilhado por um número restrito de pessoas (PESSIS,
2000, p. 71).
A fase Agreste é considerada a última ocupação antiga. Iniciou a partir de 6000
anos AP. Nela constata a presença de diferentes grupos pré-históricos. A indústria lítica é
caracterizada por apresentar uma técnica mais grosseira. Os lascamentos eram
fabricados com retoques irregulares, profundos e dispostos marginalmente. Algumas
ferramentas eram bifaciais. As matérias – primas utilizadas são quartzo e quartzito, e em
menor quantidade o siltito e raramente o sílex12.
A fase Agreste na pintura rupestre apresenta técnica e temática diferentes das
fases mais antigas. Os painéis de registros gráficos desta fase foram classificados como
Tradição Agreste.
Para Guidon (2002) “as pesquisas arqueológicas na região do Parque Nacional
Serra da Capivara tem se desenvolvido com um enfoque analítico interdisciplinar voltado
ao estudo da interação homem – meio”. A coleta de dados durante três décadas de
pesquisa, envolvendo os resultados obtidos com as escavações realizadas em mais de
trinta sítios, a maioria com registros rupestres, permite observações e análises microanalíticas intra sítio, com enfoque em questões que tratem da dinâmica ambiental e da
dinâmica social na Pré-história.
12
Parenti, 1992
21 CAPITULO 2: REGISTRO RUPESTRE 2.1 Histórico das pesquisas
Os grafismos rupestres13 compreendem os registros (pinturas ou gravuras)
deixados pelo homem pré-histórico em paredes de abrigos, grutas, canyons e blocos
rochosos isolados. São vestígios elaborados sobre superfícies rochosas que não podem
ser transportadas (PROUS, 1992)14.
Nas formulações dos seus postulados teóricos os grafismos rupestres tiveram
inicialmente influência da História da Arte. Eram interpretados como forma de
representações artísticas e mágicas ou animistas. Seu estudo direcionava-se para a
interpretação do significado. Caía no âmbito da distorção do objeto estudado. Para
alguns pesquisadores essa abordagem artística se distancia da unidade cultural em que
foi produzida, ficando geralmente fora do contexto arqueológico.
A partir da abordagem estruturalista15 dos trabalhos de Leroi- Gourhan e Annete
Laming-Emperaire, na década de 1970, os registros passaram a ser analisados como
uma linguagem simbólica, relacionada a um contexto de comunicação, realizado através
das imagens, que poderiam ser entendidas a partir da organização do espaço pictural de
cada sítio. Partindo-se das análises dos tipos de grafismos selecionados para serem
representados, a forma de apresentação e os tipos de arranjos, essas análises podem
reconhecer códigos específicos, situados no tempo e espaço, fazendo parte de um
modelo, referente a prática social dos grupos.
Na área do Parque Nacional Serra da Capivara, os grafismos rupestres compõem
parte da concentração (visual) de vestígios arqueológicos, sendo um documento
referente à vida das populações que viveram na pré-história.
A equipe franco-brasileira que chegou a região na década de 1970 sistematizou as
pesquisas para o entendimento das manifestações gráficas16, contextualizando-as com o
material de escavação, e também realizando um ordenamento cronológico dos padrões
de registro rupestre, com datações absolutas e relativas. Os estudos reforçaram também
13
O termo grafismo define qualquer desenho unitário no conjunto rupestre (Martin, 2005).
As pesquisas em arqueologia propõem a fundamentação em estudar os grafismos nos suportes rochosos,
como registro rupestre, porque o termo ‘arte’ implica em análises estéticas pertencentes à forma de pensar em
geral da sociedade ocidental.
15
A arqueologia estruturalista buscava entender e reconstruir as etapas sucessivas das mudanças das culturas
humanas. Para Bahn e Renfrew (1998) a análise estrutural tem como foco a estrutura de pensamento presente
na mente dos seres humanos que produziram o registro arqueológico.
16
Inicialmente os grafismos rupestres foram estudados sem datações.
14
22 a hipótese de que a região foi habitada por diferentes populações a aproximadamente
50000 AP.
Dentre as pesquisas sobre pinturas rupestres na área arqueológica, pode-se tomar
como referência as pesquisas de Guidon (1975), que analisou os sítios abrigos da Serra
da Capivara. Guidon (1985) construiu um ordenamento preliminar hipotético para
reconhecimento das identidades culturais incluídas em áreas nucleares de ocupação. Os
conjuntos de grafismos foram classificados em classes.
A classificação de referência é a Tradição, sua definição parte das semelhanças
tipológicas encontradas entre unidades sociologicamente definidas a partir dos padrões
da cultura material arqueológica. A classificação de vestígios arqueológicos em Tradição
serve não somente as pinturas ou gravuras rupestres. Serve também para definir
horizontes culturais, a partir de vestígios cerâmicos e da indústria lítica.
Pessis (1987) estudando o interior da tradição Nordeste, reconheceu a partir do
ordenamento preliminar a construção de indicadores qualitativos e quantitativos, para
classificar os grafismos e conseguir obter informações, objetivando segregar identidades
dos grupos pré-históricos.
A abordagem proposta para o estudo dos grafismos rupestres do Parque Nacional
Serra da Capivara, parte da compreensão dos grafismos rupestres como um sistema de
comunicação social, sendo entendido junto a parâmetros da identificação de traços
essenciais e secundários na identificação das figuras, observando as técnicas na
fabricação das pinturas, a apresentação gráfica, a disposição das figuras no espaço da
mancha gráfica, a profundidade em algumas cenas, e as sobreposições. Sendo assim, os
conjuntos desses elementos podem ser indicativos de escolhas culturais de determinados
grupos.
2.2
Categoria de Análise em Pinturas Rupestres
2.2.1 Análise preliminar
Nas pesquisas das pinturas rupestres foram desenvolvidas categorias preliminares
de análise do registro rupestre: Grafismos puros que correspondem a figuras não
reconhecíveis (abstratas); Grafismos de composição que são representados por figuras
que podem ser reconhecidas, sejam antropomorfos, zoomorfos e fitomorfos; Grafismos
de ação que são representados a partir dos grafismos de composição, que formam um
conjunto gráfico com cenas compostas de atributos (adornos, armas, vestimentas) que
compõem a cena de ação do painel rupestre (PESSIS, 1992).
23 2.2.2
Categorias de Análise: Tradição, Subtradição e Estilo
Os registros rupestres são estudados, através de métodos que possibilitam
estabelecer um padrão de apresentação social, previamente estabelecido, que são
constituídos de identidades gráficas. As identidades gráficas são constituídas por um
conjunto de características que permitem atribuir um conjunto de grafismos a uma
determinada autoria social (PESSIS, 1992).
Partindo da segregação de características técnicas17, temáticas18 e cenográficas19,
foi possível diferenciar grupos pré-históricos e fazer um posicionamento cronológico,
sendo uma forma de definir as características próprias em que os autores se inseriam.
Os grafismos rupestres no Nordeste e em parte do Brasil foram ordenados em
classes primeiras chamadas de Tradição. As Tradições foram estabelecidas pelos tipos de
grafismos representados e pela proporção relativa que esses guardam entre si (GUIDON,
1989). Eles correspondem a uma síntese de todas as manifestações gráficas, podendo
reconhecer identidades culturais (PESSIS, 1992).
As Subtradições são classes derivadas da Tradição que possuem um grau mais
específico no âmbito da pesquisa. São estabelecidas segundo critérios ligados à diferença
na apresentação gráfica de um mesmo tema e a distribuição geográfica em que está
inserida.
O estilo é a unidade básica a ser segregada no interior de um conjunto gráfico
para que se reconheça o perfil cultural dos grupos pré-históricos. Para Pessis (1992) o
estilo é definido pela técnica de manufatura e a variação na forma de apresentação
gráfica, o estilo é a classe mais particular que se origina da evolução do interior de uma
subtradição, sendo a percepção da transparência da modificação de procedimentos
técnicos e temáticos, podendo ser entendido a partir de variáveis cronológicas.
Para a região Nordeste estão atualmente sendo trabalhadas duas tradições de
pinturas e uma de gravura (tabela 2).
17
Trata dos aspectos do processo de realização das pinturas que constituem o suporte, as matérias-primas, os
instrumentos e os procedimentos de realização, (Pessis, 1992).
18
Escolhas feitas pelos os autores dos grafismos rupestres sobre a morfologia e os padrões gráficos suscetíveis
de ser reconhecidos, (Pessis, 1992).
19
Corresponde a forma como as figuras estão agenciadas em diferentes unidades para representar unidades
temáticas ou composições, (Pessis, 1992).
24 Tabela 2 – Tradição de Pinturas e gravura do Nordeste
A Tradição Nordeste se caracteriza por estar integrada de grafismos reconhecíveis,
a presença de animais, plantas e objetos e grafismos puros (figura 3). As figuras
humanas e os animais, freqüentemente são arranjados de modo a representar ações da
vida cotidiana e cerimonial do homem na pré-história (PESSIS, 1989).
Figura 3 - Tradição Nordeste (Sítio Entrada do Pajaú, Parque Nacional Serra da Capivara – PI) - Fonte:
Martin, 2005.
A Tradição Agreste é caracterizada pela predominância de grafismos reconhecíveis particularmente da classe das figuras dos antropomorfos, sendo raros os zoomorfos - e
pela ausência de movimento na composição das cenas. Na área da Serra da Capivara
aparecem em sítios da Tradição Nordeste, e às vezes de forma sobreposta a outras
pinturas (figura 4). A área nuclear está na região agreste de Pernambuco e na Paraíba.
25 Figura 4 - Tradição Agreste (Sítio Entrada do Baixão da Vaca, Parque Nacional Serra da Capivara – PI) Fonte: Martin, 2005.
A Tradição Itaquatiara está relacionada à técnica de gravura, é representada por
grafismos puros e por algumas formas esquemáticas de figuras de animais e humanas,
geralmente situados nas margens e leitos rochosos dos rios e riachos, marcando pontos
de água (figura 5).
Figura 5 - Tradição de Gravuras (Sítio [1] Cachoeira do Riacho Santana, sítio [2] Abaixo Toca do Buraco
do Pajéu, Serra da Capivara – PI) - Fonte: Pessis e Guidon, 1992.
2.3
Tradição Nordeste A Tradição Nordeste se diferencia como um dos maiores conjuntos de pinturas da
pré-história brasileira, sendo a mais estudado até o momento. A apresentação da
composição dos grafismos reconhecíveis, as realizações técnicas, as escolhas e
caracterização das temáticas, inclusive cenas de guerra, podem trazer reflexões da
compreensão dos indivíduos de uma comunidade ou de determinados grupos.
26 Na Tradição Nordeste, foram estabelecidas subtradições: a Subtradição Várzea
Grande - em que está o foco da pesquisa - Subtradição Seridó no estado do Rio Grande
do Norte e Paraíba e Subtradição Central no estado da Bahia.
2.3.1 A Subtradição Várzea Grande
A Subtradição Várzea Grande teve longa duração no tempo e ampla dispersão
espacial, apresentando no interior do seu conjunto de grafismos mudanças gradual na
apresentação dos temas e na evolução dos grafismos (MARTIN, 2005). Essa subtradição
foi dividida em estilos.
As datações das pinturas foram realizadas a partir da presença de vestígios de
resto de óxido de ferro evidenciados nas escavações. Este tipo da material foi encontrado
próximo às estruturas de fogueira. A datação relativa é realizada a partir de painéis de
pintura rupestre cobertos por sedimentos evidenciados nas escavações de abrigos sob
rocha, e também com os elementos orgânicos que recobrem os painéis de pinturas.
Possibilitando a ampliação do quadro cronológico das pinturas da região.
Dentro das análises estilísticas foi definido o estilo inicial, Serra da Capivara, o
mesmo teria se desenvolvido há 12000 anos BP (GUIDON, 1989). As representações têm
característica dinâmica em algumas figuras e nas cenas. São constituídos de temas de
aspectos lúdicos, e de composição nas representações nas pinturas dos zoomorfos e dos
antropomorfos.
O Estilo Serra da Capivara aparece com maior freqüência nos sítios de pinturas
rupestres, mesmo nos que ocorre uma dominância estilística diferente. Este estilo possui
traços essenciais para identificação. As figuras de antropomorfos são consideradas as
simples por não dominarem a presença de adornos ou vestimentas, no entanto contém
posturas e gestos que indicam movimento. Os zoomorfos são principalmente cervídeos
junto com os antropomorfos em uso com objetos de mão. As temáticas identificadas
relacionam geralmente a sexualidade, os ritos cerimoniais, e a caça que nesse momento
se apresenta como uma ação individual (figura 6 e 7).
27 Figura 6 - Estilo Serra da Capivara (Sítio Toca da Entrada do Baixão da Vaca, Parque Nacional Serra da
Capivara – PI) - Fonte: Pessis e Guidon, 1992.
Figura 7 - Estilo Serra da Capivara (Detalhe Sítio Toca da Entrada do Pajaú, Parque Nacional Serra da
Capivara – PI)
Os instrumentos técnicos utilizados para fabricação das pinturas propiciavam a
realização do preenchimento, geralmente miniaturizadas, e com tamanho de 5 a 25 cm,
tendo como cor da tinta dominante o vermelho.
O Estilo Serra Branca é considerado estilo final - no qual a datação está em torno
de 7000 anos BP. As pinturas passam a idéia de movimento, as figura humanas
geralmente são representadas com composição linear, havendo uma tendência ao
geometrismo das formas.
O Estilo Serra Branca caracteriza-se pelo desaparecimento da intensidade de
movimento na apresentação dos grafismos. As formas das figuras tanto de zoomorfo
quanto de antropomorfo possuem uma tendência retangular. Eles são preenchidos com
pinturas internas que caracterizam o formato do corpo com particularidades geométricas,
se diferenciando de figura para figura. O preenchimento interno das figuras é
diferenciado tanto nos zoomorfos quanto nos antropomorfos (figura 8 e 9).
28 Figura 8 - Estilo Serra Branca (Sítio Toca do Salitre, Serra da Capivara - PI) - Fonte: Martin, 2005.
Figura 9 - Estilo Serra Branca (Sítio Toca do Salitre, Serra da Capivara - PI). Fonte: Martin, 2005.
A representação dos objetos materiais aumenta e se diversifica. Os temas
caracterizam esse estilo, com aumento da formalização e complexidade dos arranjos
temáticos. A figura individual predomina em detrimento dos conjuntos gráficos.
A realização de determinados traços das pinturas demonstra o uso de instrumentos
gráficos maleáveis, revelando como opção pictórica a tendência retangular da morfologia
das figuras, sendo apresentados por novos domínios resultando na preparação das tintas
em vermelho, amarelo e preto.
Dentro da área da pesquisa foi definido ainda o Complexo Estilístico Serra Talhada.
Segundo Pessis (2000) a definição do Complexo Estilístico Serra Talhada está relacionada
com as mudanças das condições do meio e o aumento da população entre 9000 e 6000
anos BP, evidenciando-se alterações na forma de apresentação, na técnica e temática
das pinturas (figura 10 e 11).
A partir desse período de modificações, as hipóteses são que ocorreram as
mudanças da complexidade temática, dos atributos e enfeites das figuras. O complexo
Serra Talhada tem como característica o processo de mudanças, com dominância, no
início, dos componentes de apresentação do estilo Serra da Capivara, modificando-se
para o estilo Serra Branca.
29 Figura 10 - Complexo Serra Talhada (Sítio [1] Boqueirão da Pedra Furada, sítio [2] Toca da Invenção,
sítio [3] Toca do Baixão das Mulheres, Serra da Capivara - PI)
Figura 11 - Complexo Serra Talhada (Sítio [1] Boqueirão da Pedra Furada, sítio [2] Toca do Caldeirão dos
Rodrigues I, Serra da Capivara - PI)
No Complexo Serra Talhada são notadas as diversificações e o desenvolvimento dos
componentes gráficos do estilo Serra da Capivara. Aparecem novos elementos na
representação das figuras humanas, como antropomorfos ornamentados por adornos de
cabeça e deformação nas costas, bastonetes dispostos em fila e representações de
figuras miniaturizadas (PESSIS, 1989).
Aumenta as representações de objetos e se particularizam novos temas, são
representadas cenas de violência individual e coletiva, a caça como atividade coletiva e
as ações sexuais.
No Complexo Serra Talhada são comuns as superposições de figuras sobre
grafismos característicos do estilo Serra da Capivara. A representação da profundidade
passa a planos horizontais em torno de um eixo de interseção. Há evidência do uso de
instrumentos gráficos flexíveis em virtude do maior domínio do traço curvo, assim como
a utilização de outras cores, como o branco, o preto, o amarelo e o cinza (PESSIS,
1989).
30 Independente das definições estilísticas a Subtradição Várzea Grande possui
elementos reveladores da vida social dos grupos que habitaram a região. É possível
através das análises cenográficas e temáticas, entender a transmissão das experiências
sociais dos autores, que nas relações sociais, utilizam formas de apresentação corporal e
ornamental, funcionando como um código de comunicação.
Segundo Pessis:
Aceitando-se que cada grupo cultural e que cada segmento da
sociedade tem procedimentos próprios para se apresentar a
observação de outrem, e que cada membro do grupo utiliza
esses comportamentos por ocasião de qualquer interação social,
pode-se pensar que tais procedimentos estarão presentes nas
representações gráficas de um grupo cultural. A análise da obra
gráfica do homem pré-histórico, procurando identificar os
padrões de apresentação das pinturas rupestres, constitui um
modo para acender à sua cultura (PESSIS, 1989, p. 12).
Cada grupo cultural tem um padrão de comportamento, tecnologia, gestos, hábitos
e traços próprios de identidade. A pintura rupestre se enquadra como um objeto, que
caracteriza diferenciadores que podem corresponder a determinados grupos.
As representações das pinturas antropomórficas da Tradição Nordeste são
expressas de forma bastante dinâmica, sendo observadas pela posição das pernas e
movimento dos braços, algumas representações são apresentadas revestidas de
atributos culturais, como enfeites de cabeça e objetos nas mãos.
Os tratamentos temáticos das pinturas da Subtradição Várzea Grande são bastante
variados e complexos, resultando em uma apresentação e composição mais diversa de
cenas com figuras caçando animais, cenas de conotações sexuais, supostos rituais e
cerimônias, danças, lutas, agressões, e que muda de números de componentes,
possuindo características próprias na identificação do painel.
CAPITULO 3: ABORDAGEM TEÓRICA E METODOLÓGICA
A seguinte abordagem teórica e metodológica inferiu a importância do registro
arqueológico para estudar parte da cultura das populações humanas no passado, com
ênfase nos grafismos rupestres, direcionando ao problema proposto, que trata sobre a
caracterização das cenas de guerras.
3.1
Abordagem Teórica
Para Trigger (1973) “a sociedade pode ser entendida como uma rede de relações
sociais habituais”. Nela os indivíduos interagem entre si. A cultura20 se caracteriza como
o conjunto de idéias que garante interação social. A interação social pode ser observada
a partir da cultura material, sendo uma fonte de informação e também uma forma de
inferir o que os homens fizeram, em suas diversas práticas no passado.
As culturas arqueológicas que partem dos vestígios materiais humanos podem ser
compreendidas como produtos de indivíduos que partilharam um modo de vida comum.
Os grafismos rupestres na pesquisa arqueológica pré-histórica revelam a dimensão
social, possibilitando delinear possíveis características culturais dos grupos que ocuparam
um determinado espaço.
Os grafismos rupestres são compreendidos como parte de um sistema de
comunicação, sendo uma forma de apresentação dos códigos do mundo de diversos
grupos. Os conjuntos de grafismos representam a inserção de informações das práticas
culturais na interação social de uma sociedade ou comunidade. Para Pessis:
Independente das interpretações possíveis sobre a natureza das
pinturas e gravuras, os registros rupestres são manifestações de
uma forma de comunicação social. E como formas de comunicação
estão em comunhão com outros implementos da cultura material
dos grupos autores (PESSIS, 1992, p. 39).
Os grafismos rupestres servem como marcadores de memória, tendo a função
sócio-cultural de registrar, segundo convenções simbólicas, acontecimentos e atividades
essenciais
à
sobrevivência.
Todos
os
acontecimentos
adquiridos,
para
serem
considerados de caráter cultural devem ser transmitidos ou compartilhados pelos
membros do grupo (PESSIS, 2003).
20
Cultura pode ser conceituada como um código simbólico compartilhado pelos membros de uma sociedade
(GEERTZ, 1978). A cultura também pode ser definida como um sistema de padrões de comportamento, onde se
esclarecem o modo de vida de cada comunidade – sendo modos de organização social, política, econômica,
ideológica (religião ou ritos cerimoniais) (LARAIA, 2000).
32 Leakey (1995) afirma que o desenvolvimento da linguagem articulada e gestual,
assim como alguns objetos da cultura material, fazem parte de um requisito essencial
para que os humanos pudessem criar um mundo de idéias mutuamente compartilhadas,
“capazes de criar novos tipos de mundo na natureza, sendo o mundo da consciência
introspectiva e o mundo que construímos e dividimos com os outros”, o qual caracteriza
a cultura de uma sociedade ou grupo.
Segundo Popper (2002):
Se chamamos o mundo das coisas (dos objetos físicos) mundo um
e o mundo das experiências subjetivas (como processo de
pensamentos) mundo dois, poderíamos chamar o mundo dos
próprios materiais de mundo três (...) considerando o mundo três,
sobretudo como produtos da mente humana. Este pode ser
aplicado para as casas, ferramentas, de modo especial a
linguagem e a ciência.
O mundo três de Popper, aplicado ao registro rupestre revela duas dimensões: uma
material e outra ideacional. A dimensão material trata dos aspectos de realização técnica,
a
dimensão
temática,
esta
integrada
as
escolhas
dos
autores
pertencentes
a
determinadas sociedades (PESSIS, 1992). Nessas dimensões estão expressas as normas
que compõe o corpus social21.
O ser humano não atua só em relação as suas impressões sensitivas. Uma
comunidade de pessoas que vivem juntas, compartilham da mesma cultura, de uma
mesma linguagem (gestual, oral, simbólica), possui muitas vezes o mesmo “jogo mental”
(BAHN e RENFREW, 1998).
Os motivos da arte gráfica e os ornamentos do corpo passaram a ser considerados
como material visual que exprime a concepção de cada grupo de pessoa, a categorização
social e material e outras mensagens referentes à ordem social. Em síntese são
manifestações simbólicas da vida em sociedade (VIDAL, 2000).
Os grafismos rupestres entendidos como parte de um sistema de comunicação
social fornecem informações sobre parte do comportamento dos grupos, sendo
representados a partir da idéia da composição dos seus códigos.
Os marcadores
estilísticos e temáticos são resultados de pensamentos e da compreensão do mundo em
que pertence o autor do registro.
21
A concepção que o indivíduo tem do seu grupo e dos outros que o rodeiam, compõe parte desse corpus.
33 3.1.1 A Guerra Como Fator Social
Segundo Fernandes:
A guerra é um fenômeno humano. Não se pode dizer precisamente
como e quando ela surgiu, no passado remoto da humanidade.
Nem tampouco se pode presumir a que “necessidades” existenciais
(biopsíquicas ou sociais) ela correspondeu originalmente. Até onde
alcança a investigação empírica – indutiva, através da
reconstituição arqueológica, da reconstrução histórica e da
observação direta, a guerra nos apresenta como um fator social,
no sentido restrito de existir como uma das instituições sociais
incorporadas a sociedades constituídas (FERNANDES, 1970, p. 21).
Freqüentemente
lidamos
com
sistemas
comportamentais
e
gestuais
(ações
institivas – reprodutividade – agressividade). Em sua maioria é bastante complexo o seu
processo, realizados de forma teleonômica unitária à sobrevivência, que são legitimados
de acordo com a sua função e motivações. Os padrões motores que aparecem, durante
as atividades, derivam das mais variadas funções que são transmitidas em ações e no
gesto (LORENZ, 1995).
Lorenz (1995) apresenta o seguinte exemplo: “o gato desenvolvendo brincadeiras
executará sucessivamente padrões motores de caça e captura da presa, de luta com o
rival, de fuga, de defesa contra predadores maiores”.
Para Pessis (2003) os grafismos rupestres têm a função, seguindo convenções
simbólicas, acontecimentos e atividades essenciais, adotado de padrões gestuais e
comportamentais teleonômicos22, sendo necessário a vida dos indivíduos.
Para Leroi-Gourhan (1965) dentro do comportamento de agressão e o de
reprodução, acumulam-se necessidades de símbolos que provocam respectivamente
sentimentos diferentes, podendo ser de medo e respeito, dentro do próprio grupo ou fora
dele.
O adorno possui, sobretudo, um valor étnico, a assimilação de uma personalidade
social humana fixa, sendo insígnias especifica de um território com seus significados. A
função do vestuário e da sua decoração reporta-se a múltiplos aspectos da organização
social, assim como entre os pássaros assegura simultaneamente a distinção da espécie e
a dos sexos (LEROI-GOURHAN, 1965).
22
Análise da adaptação favorável a conservação da espécie através de comportamentos tipo, estruturas ou
funções cuja existência num organismo deve-se ás vantagens seletivas por elas proporcionadas (PESSIS,
2005).
34 Para Leakey e Lewin (1996) a guerra é uma atividade extraordinariamente bem
sucedida. Num mundo dominado por posses materiais – seja de mercadorias, terras ou recursos naturais, uma população pode conseguir para si uma enorme vantagem por
meio de vitória militar sobre outro grupo.
Fernandes (1970) afirma que a guerra se ramifica por toda a sociedade, satisfazendo
ou contribuindo para satisfazer diversas necessidades sociais. Para Susnik (1980) existe
também em essência uma formação guerreira, para defesa local e também pela
necessidade ofensiva à suas vizinhanças e em fase de conquista territorial.
A demarcação entre a questão da guerra e da identidade em essência é o confronto
com o outro. Brandão (1987) apresenta que o reconhecimento da diferença é a
consciência da alteridade, a descoberta do sentimento que se assegura de símbolos da
cultura, para dizer que nem tudo é o que eu sou e nem todos são como eu sou.
A guerra pode ser entendida como um conflito realizado por homens armados,
geralmente com os mais diferentes motivos definidos (GUILAINE, 2002). As cenas de
guerra nos grafismos rupestres representam um conjunto de elementos que reflete a
existência dos indivíduos (armados) e possivelmente da sua sociedade, sendo repassado
a outras gerações. A guerra é uma maneira de valorizar os indivíduos e de reforçar a
influência e as características de uma determinada comunidade.
Nos registros arqueológicos (indivíduos mortos – armas – fortificações) percebemse as facetas do comportamento humano ligadas aos atos de agressividade e violência
resultantes da ação da guerra. Contudo as fontes arqueológicas sobre formas de conflitos
são bastante escassas, dependendo da frágil conservação dos restos humanos com
marcas de agressão, para a reconstrução do contexto social e o entendimento da
progressiva complexidade dos períodos de ações violentas de determinados grupos
(GUILAINE e ZAMMIT, 2002).
Nos grafismos do Paleolítico espanhol dominam as cenas de caça, coleta, combate e
dança, o realismo dos detalhes apresenta dinamismo e características da vida, do
comportamento, da vestimenta, e dos armamentos dos antigos habitantes da região. As
cenas de guerra (figura 12) mostram detalhes das decorações e composições elaboradas
que permitem identificar um combate de guerreiros, com demarcações de adornos e
tipos de armas (GUILAINE E ZAMMIT, 2002).
35 Figura 12 - Grafismos Levantino, combate de arqueiros (Ares Del Maestre, Castellón) - Fonte: Guilaine e
Zammit, 2002.
Figura 13 - Cena de confronto entre os Danis da Nova – Guiné do inicio dos anos 60 do século XX Fonte: Guilaine e Zammit, 2002.
As fontes de documentação e estudos etnográficos contribuem para o entendimento
da diversidade cultural. Em se tratando de sociedades pré-históricas, as inferências feitas
em grupos vivos ou ações referentes a observações de campo, favorecem a não
realização de interpretações frágeis.
36 Segundo Guilaine e Zammit (2002) “as reflexões da etnografia mostram como
algumas populações dão importância à guerra (figura 13). Frente à dinâmica social a
guerra geralmente é impulsionada por fatores políticos, econômicos, ideológicos e
religiosos ou ritualísticos”.
Sobre a guerra em sociedades primitivas Clastres afirma, que:
A sociedade primitiva é guerreira: donde a universalidade,
etnograficamente constatada, da guerra na infinita variedade das
sociedades primitivas conhecidas. Se a guerra é um atributo da
sociedade, a atividade guerreira se apresenta, portanto como
função, como tarefa inscrita desde o início no horizonte que
determina o ser-no-mundo: na sociedade primitiva o homem é,
por definição, um guerreiro (CLASTRES, 1977, p. 189).
A pintura e as manifestações gráficas dos grupos indígenas do Brasil foram objetos
de atenção de cronistas e viajantes desde o primeiro século da descoberta, e de
inúmeros estudiosos que nunca deixaram de registrá-los e de surpreender-se com essas
manifestações presentes nos paredões rochosos, e no corpo do índio, sendo objetos
utilitários em rituais (VIDAL, 2000). Os cronistas também não deixaram de relatar as
diferentes guerras que ocorriam entre grupos étnicos fazendo parte da sua dinâmica
social (figura 14).
Figura 14 – Representações da guerra entre indígenas no período colonial do Brasil (1534-1611) – Fonte:
Jean de Léry, 1972.
A dinâmica da cultura material traz um conjunto de fatos, que são prioritários a
vida. A escolha inicial das pinturas rupestres em cenas de guerra está centrada nos
relatos etnográficos que demonstram as constantes guerras travadas internamente nas
aldeias e entre grupos rivais, ressaltando também a importância da representação do
guerreiro. A ênfase está na maneira como as regras sociais carregam elementos
significantes nas relações, que estão inseridos nas práticas da vida diária.
37 Dentro das sociedades ocorre uma rede de significados, que segrega o grupo, seja
de forma sexual, hierárquica ou etária. Essa forma de alteridade23 está visível nos
motivos das pinturas corporais, adornos e tipos de armas, que possuem determinadas
funções sociais e servem de marcadores culturais e de diferenciação dos guerreiros.
A guerra pode ser inferida também como o encontro entre grupos diferentes ou
cisão interna de um grupo que desencadeia o conflito, sendo proporcionada conforme as
reações afetivas seguidas de normas das relações intra-étnicas. A identificação das cenas
de guerra determina no registro arqueológico as formas de representações das relações.
A presença de um chefe e de guerreiros hábeis, que são apresentados em um conjunto
hierárquico, diferencia os seus membros, sendo uma forma de identificação do valor
individual.
Na perspectiva de Leroi-Gourhan (1965) “a guerra faz-se da conquista de uma
posição hierárquica, sendo um condicionante à decoração da indumentária de todos os
povos”. As classes etárias não se estabelecem de uma forma constante: em
determinadas sociedades, existe efetivamente uma codificação implícita ou explicita do
vestuário de cada classe. As atitudes da linguagem demonstram os limites do domínio
figurativo, as ações, os símbolos, apresentam os membros de uma sociedade e parte do
seu universo étnico.
A concepção de decoração refere-se aos componentes do universo indígena –
artefatos, animais, vegetais, espíritos, entidades míticas - conforma-se em um recurso
visual que lhes propicia especificidade e identidade, caracterizada como forma da
ordenação do universo. Essa ordenação representa as capacidades das mudanças, e da
vida social do homem (VELTHEM, 2000).
Métraux (1986) a partir das pesquisas etnográficas observa que as armas são
desenvolvidas para uso no choque, e de arremesso, para combate a distância, podendo
ser perfurantes ou contundentes, usadas não só na guerra, mas na caça, pesca e ritos.
Para Chiara (1986) a projeção das armas, varia de morfologia e de ornamentos, se
tornando objetos de classificações tipológicas e servindo como diferenciador cultural.
As classificações realizadas por Chiara (1986) e Métraux (1986) caracterizam os
seguintes tipos de armas utilizados por populações indígenas ainda vivas: Sarabatana24,
23
Para Lalande (1999) alteridade pode ser definida como a característica do que é o outro. Opõe-se a
identidade. Para Todorov (1993) a percepção do outro ocorre, como conceitos abstrato, o outro corresponde a
representação de traços diferentes dentro de um grupo.
24
É um propulsor de ar comprimido, em sua maioria apresentam um dente recurvado para mirar, as setas são
sempre envenenadas.
38 lança25, azagaia26, borduna27, boleadeira28, propulsor de dados29, funda30, machado de
guerra31, flecha32.
As análises das armas para a etnografia permitem detectar influências intertribais e
migrações, aferir os detalhes técnicos de confecção de artefatos. Na pintura rupestre os
diferentes objetos estão associados às figuras humanas. A ausência de representações de
arcos e flechas nas pinturas rupestres faz supor que os indígenas da área da Serra da
Capivara não utilizavam esse tipo de arma. Enquanto o mais freqüente nas pinturas seria
o propulsor (CHIARA, 1986).
3.1
Abordagem Metodológica
Para atingir os objetivos da pesquisa, realizou-se a orientação das abordagens da
área da Serra da Capivara, seguindo os procedimentos analíticos de ordem, técnica,
temática e cenográfica, e do entendimento da tradição, subtradição e estilo, como foi
apresentado anteriormente.
A dominância das pinturas reconhecíveis da Tradição Nordeste, possibilita trabalhar
a temática de guerra a partir dos traços essenciais de identificação.
A metodologia utilizada desenvolveu-se nos seguintes procedimentos:
• Pesquisa imagética de sítios do Parque Nacional Serra da Capivara;
• Cadastros de sítios da Subtradição Várzea Grande, com preenchimento protocolo
de levantamento de sítio (anexo 1);
• Tratamento
de
imagens
com
ferramentas
de
softwares
para
coleta
de
informações e segregação dos elementos representativos;
25
É um tipo de arma perfurante de uso manual, a morfologia é bastante alongada, aparece freqüentemente
sem emplumação, em alguns momentos são simples varas com ponta afiada.
26
É uma lança de menor dimensão e de arremesso a distância, o manuseio é facilitado, várias azagaias podem
ser lançadas em rápida sucessão.
27
Existem várias formas, e pode ser reconhecida como clava. A característica básica é o corpo achatado e
tamanho diferentes, alguns estreitos ou espessos, quando o instrumento não é fabricado pelo artesão, a forma
se torna rústicas, sendo apenas um pedaço de madeira comum, não possuindo formato mais sofisticado.
28
É uma arma com três peças esféricas ligadas a uma corda, usada em campo aberto na altura dos pés para
mobilizar.
29
É um prolongamento do braço, aumenta a potência de lançamento de objetos com pontas, é composto de
uma prancha estreita munida com um furo, afina-se em sua parte distal onde se encontra um gancho.
30
Utilizada em terreno aberto. Bastante usada em um suporte largo que contém uma pedra a ser lançada, ou
bolas de barro com espinhos envenenados.
31
Pelos relatos é um bastão alongado, com uma ponta de pedra ou de metal amarrado na cabeça.
32
É composta de vareta, ponta e emplumação, que é uma variação de adorno nesse tipo de armas, varia de
região e serve de diferenciador cultural.
39 • Sistematização da formulação de um banco de dado, para organização das
informações;
O levantamento imagético foi realizado na Fundação Museu do Homem Americano
que disponibiliza um amplo acervo imagético, fotografias, cópias em plásticos, levantados
desde a década de 1970. Foi observada parte da documentação, para levantamento
parcial sobre os sítios para o desenvolvimento da pesquisa, junto com o registro
fotográfico de prospecção ao campo.
O
estudo
de
cadastros
de
sítios
da
Subtradição
Várzea
Grande,
com
o
desenvolvimento do protocolo de levantamento, possibilitou obter informações gerais e
específicas de interesse para a pesquisa.
As informações gerais sobre o sítio: qual tipo de sítio, rocha suporte, unidade de
relevo, a posição do sítio na vertente, características do ambiente, tipos de intervenções
que ocorreram na área, tamanho da área abrigada, orientação e a posição da abertura
do abrigo, tipo de material encontrado e a cronologia do sítio.
Dados sobre o tipo da superfície que concentram as pinturas, forma da disposição
dos painéis, como ocorre a degradação do sítio de forma antrópica ou natural, quais os
tipos de ações de intemperismo biológico ou físico-químico.
Em específico as informações sobre o registro rupestre, dimensão da mancha
gráfica, quantidade de painéis, distância do solo, cenografia, tamanho dominante das
pinturas, os tipos de cores, e os tipos de sobreposições, as tradições e os estilos
presentes. As informações das cenas de guerras partem da posição do painel na mancha
gráfica, tipos de sobreposição, composição, dinamismo e movimento dos antropomorfos
com os objetos usados na ação da cena.
Para Vialou (2006) o tratamento de imagem é de importante contribuição para o
desenvolvimento de pesquisas em arqueologia, quando se pretende a coleta de
informações minuciosas. Para esse trabalho, a utilização de ferramentas de softwares nas
pinturas rupestres, possibilitou selecionar os pixels e levantar figura por figura que forma
a composição da cena na mancha gráfica.
Para Villaverde (2002) o incremento dos trabalhos de documentação dos grafismos
rupestres pré-históricos, através de tratamento de imagens digitalizadas expande o
entendimento dos motivos gráficos presentes no paredão rochoso.
Há necessidade de automatização do processo de distinção entre os pigmentos do
suporte, eliminando parte da subjetividade da aplicação da fotografia digital. A
40 segregação da imagem corresponde em distinguir os pixels correspondentes à cor da
pintura em sua impregnação no suporte rochoso, objetivando deixar mais claro a
visualização da imagem do painel rupestre.
As etapas de tratamento de imagem são: (1) a identificação da cena dentro da
mancha gráfica com o posicionamento de melhor ângulo de visão da cena a ser
trabalhada; (2) obtenção do enquadramento a partir de imagens fotográficas, para
visualizar os detalhes dentro do plano cenográfico; (3) segregação da imagem com
programa apropriado, com uso de variadas ferramentas, úteis a segregação dos motivos
gráficos que compõem a cena (Figura 15).
Figura 15 - Mancha gráfica (Direita) e painel de análise da cena de guerra (Esquerda), sítio Toca da
Extrema II A identificação dos temas da composição das cenas, foram realizados com o
programa
Adobe
procedimentos
Photoshop
foram:
os
de
CS2.
As
ajuste
ferramentas
de
imagens
básicas
utilizadas
para
(brilho/contraste/saturação),
os
o
gerenciador de camadas que possibilita fazer várias layers com o mesmo painel,
objetivando fazer a segregação em diferentes planos, para os diferentes motivos
gráficos, o gerenciador de curvas de cores, as ferramentas de seleção de objeto color
range e a ferramenta magic tool, que faz a coleta dos pigmentos de cores e dos
elementos a serem segregados. A composição de camadas (layers) sobrepostas resulta
no plano final de imagem (figura 16, 17, 18 e 19).
41 Figura 16 - Tratamento de imagem - etapa [1] duplicação de imagem, etapa [2] coleta de pixels, sítio
Toca da Extrema II
Figura 17 - Tratamento de imagem - etapa [3] imagem selecionada, etapa [4] identificação dos motivos
gráficos da cenografia, sítio Toca da Extrema II
Figura 18 - Tratamento de imagem - etapa [5] [6] identificação dos antropomorfos e dos objetos usados,
sítio Toca da Extrema II
42 Figura 19 - Tratamento de imagem - etapa [7] [8] destaque da cena de guerra em cor preta em fase do
plano final, Sítio Toca da Extrema II O tratamento de imagens dos grafismos rupestres para as análises são bastante
exaustivo. Segrega-se inicialmente a cena impregnada no paredão rochoso, destacando a
cor dos pixels da pintura. Em seguida visualiza-se as pinturas e escurece a imagem, para
que fiquem completas em seu formato, sem afetar os contornos.
Na micro-análise foram observadas as particularidades de cada objeto que compõe
a cena, partindo-se dos seguintes parâmetros:
• O agenciamento do painel cenográfico na mancha gráfica, a disposição e a
quantidade de antropomorfos no espaço do painel, o tamanho, morfologia e cor das
figuras, e as possíveis sobreposições de pinturas, buscando identificar a escolha da
técnica e temática, como elemento intrusivo de outro grupo (figura 20).
• Os elementos primários de identificação dos antropomorfos, como a morfologia
do corpo, cabeça, tronco e membros. Os elementos secundários como os objetos nas
mãos, tipos de armas, adornos, e presença do falo.
Figura 20 - Quadro de procedimentos de análises
43 Outras bases de análise na cena de guerra são o movimento e a profundidade.
Esses dois componentes, através do domínio do entendimento dos gestos, com a
integração do dinamismo das pernas e braços, e a disposição dos antropomorfos no
painel, possibilitam a construção da idéia de espaço e de tempo, correspondendo na
forma da ação das pinturas apresentadas (figura 21).
Figura 21 - Plano final da identificação da cena de guerra caracterizada por diversos antropomorfos em
respectivos movimentos, segregada em cor preta, sítio Toca da Extrema II Dentro da pesquisa foi desenvolvida a sistematização da formulação de um banco
de dados, para organização das informações, permitindo gerenciar as informações da
pesquisa de campo, e também do tratamento de imagens nas análises das cenas,
ordenando os componentes de forma qualitativa e quantitativa.
A análise qualitativa dos sítios baseou-se em critérios descritivos e morfológicos da
temática observada, agrupando os grafismos em uma classificação, sendo suscetíveis de
serem operacionalizadas, submetendo ao tratamento quantitativo para ordenar o
entendimento dos tipos de antropomorfos e dos elementos primários e secundários
observados nas particularidades de cada cena dos sítios. Recorrendo nas análises,
estimando as similaridades e diferenças no reconhecimento visual dos objetos presentes
na constituição das cenas.
CAPITULO 4: ANÁLISE DAS CENAS DE GUERRA
Os sítios pesquisados são abrigos sob-rocha arenítica, localizados na área da Serra
Branca. As escolhas para as análises seguiram critérios temáticos e cenográficos.
Para essa monografia selecionamos os sítios: Toca do Conflito, Toca da Extrema II,
Toca do João Arsena e Toca do Vento (figura 22).
O sítio Toca do Conflito apresenta uma cena de guerra com características
singulares para esse estudo temático, servindo de parâmetro analítico aos outros sítios.
O sítio Toca do João Arsena a representação da cena de guerra é bastante diversificada e
possibilita analisar a dimensão do envolvimento de sobreposições de pinturas. Os sítios,
Toca da Extrema II e Toca do Vento contém representação de cena de guerra e trabalhos
de escavação na área.
Figura 22 - Mapa de localização dos sítios, Parque Nacional Serra da Capivara – PI – Fonte: Fundação
Museu do Homem Americano (FUMDHAM).
45 4.1 Sítio Toca do Conflito
O sítio Toca do Conflito é um abrigo sob rocha arenítica, localizado na Serra Branca,
nas coordenadas 23L UTM L 753315 UTM N 9050356 em uma altitude de 424m, à
situação topográfica de alta vertente, orientação SE – NW, abertura SW, possuindo uma
área de 20 m².
No sítio não foram encontrados vestígios em superfície. O embasamento rochoso
aflora, não apresentando formação de solo ou deposição de sedimento, impossibilitando
fazer escavação.
4.1.1 Pinturas rupestres do sítio
O sítio Toca do Conflito se caracteriza de forma singular na área do Parque Nacional
Serra da Capivara e em específico para essa pesquisa, enquanto na maioria dos sítios
abrigo aparecem pinturas da Tradição Nordeste e Agreste, com tipos estilísticos
diferentes e também com gravuras. Neste sítio o único vestígio da presença do homem
pré-histórico é um conjunto de pinturas antropomórficas da Tradição Nordeste,
caracterizadas como uma representação de cena de guerra.
A cena de guerra do sítio Toca do Conflito se particulariza nas características de
apresentação e nos elementos primários e secundários de identificação. Sendo um
referencial para o entendimento da construção temática, servem de parâmetro analítico e
comparativo para outros sítios.
O painel de pintura desse sítio está sendo afetado por salitre, e ações de insetos
(vespas, ordem Hymenoptera e cupins, ordem Isoptera), sendo necessário um
acompanhamento freqüente da equipe de conservação da FUMDHAM, para que não se
perca esse registro único e particular apresentado no Parque Nacional Serra da Capivara.
4.1.2 Cena de guerra
A cena de guerra do sítio possui uma dimensão de aproximadamente 80 x 50 cm, a
cena é bastante dinâmica com plano de perspectiva33 e profundidade para a
representação da ação. Na composição do plano a cena contém 12 antropomorfos em cor
vermelho, 3 antropomorfos com adornos nas cabeças (figura 23, 24, 25, 26 e 27).
Os antropomorfos simples, que não têm ornamentos, são 9, mas possuem
características no formato da cabeça que os diferenciam, uns com cabeças quase
33
Objeto visto com certa distância trata de representar um plano bidimensional na visão tridimensional.
46 arredondadas (tipo 1, figura 26) e outros com uma cavidade (tipo 2, figura 26)
lembrando antropomorfos da subtradição Seridó os chamados “cabeças de caju”.
Figura 23 – Imagem da cena de guerra do sítio Toca do Conflito
Figura 24 – Imagem da cena de guerra do sítio Toca do Conflito
47 Figura 25 – Tipos de antropomorfos (guerreiros) identificados na cena de guerra do Sítio Toca do
Conflito,
Figura 26 – Tipos morfológicos de cabeças e adornos do Sítio Toca do Conflito
Figura 27 – Tipos de armas do Sítio Toca do Conflito
48 Tabela34 3 - Micro – análise dos antropomorfos do Sítio Toca do Conflito
Tabela 4 – Quantidade de marcadores sociais dos antropomorfos do Sítio Toca do Conflito
34
A tabela foi formulada a partir das tipologias dos objetos secundários identificados nos sítios, seguindo ordenamento do sítio Toca do Conflito.
49 Os objetos culturais associados à cena são 65, sendo três tipos morfológicos de
armas e dois tipos morfológicos de adornos. Os artefatos de combate são iguais para os
grupos, e são lançados da esquerda para direita e da direita para esquerda. A disposição
dos antropomorfos dá idéia de divisão do espaço marcada no centro do painel.
Na
composição
da
cena
três
antropomorfos
são
atingidos,
em
áreas
que
correspondem à região da perna, pescoço e pélvis. O antropomorfo que foi atingido no
pescoço está deitado sobre o plano da cena, o que foi atingido na região da pélvis faz o
gesto de defesa e o que foi atingido na perna continua em posição de ataque com suas
armas (tabela 5).
Tabela 5 – Áreas dos antropomorfos atingidos do Sítio Toca do Conflito
As armas que atingem os três antropomorfos são do tipo 1, em uma das pontas tem
ornamento que lembra uma azagaia com plumas. Os outros tipos de armas são do tipo 2,
com morfologia mais simples. O instrumento se aproxima das características de uma
borduna, que na cena é usada como arremesso. A arma do tipo 3 é alongada com um
gancho na ponta com morfologia próxima a de um propulsor de dados. É usada na mão
dos antropomorfos sem fazer parte dos objetos que são arremessados em cena.
Existem dois guerreiros que fazem o gesto de ordem de ataque e erguem seus
instrumentos. São as únicas figuras com o falo em exposição e não participam
diretamente do confronto. Uma está composta com adorno tipo 2, que lembra a árvore
emblemática do Estilo Serra da Capivara. São apresentados, na cena, 2 guerreiros,
diferenciados com adornos do tipo 1, que são atingidos e estão em situações opostas na
cena.
50 4.2
Sítio Toca da Extrema II
O sítio Toca da Extrema II é um abrigo sob rocha arenítica com pinturas e gravuras
rupestres (Anexo 2, figura 48). Está situado na área da Serra Branca, nas coordenadas,
UTM L 752048 UTM N 9047691, altitude 389 m, situação topográfica de baixa vertente,
orientação N-S, abertura W, com 18 m de largura, com 8 m comprimento.
As primeiras sondagens foram realizadas em 1978, obtendo datação a partir do
carvão de uma fogueira, a datação é de 4730 ± 110 anos BP (GIF 5401). A estratigrafia
do sítio está caracterizada por 7 camadas. A maior concentração de vestígios encontra-se
nas camadas 4 e 5.
Os vestígios evidenciados foram material lítico lascado, raspador, furador, faca,
lesmas, chopper. As matérias-prima identificadas são: quartzo, quartzito e arenito
silificado, foram encontrados também vestígios cerâmicos, cóprolitos, uma flauta de
madeira e carvão de fogueira. Dentro da concentração do carvão havia resto de ocre,
datado em 3350 ± 60 BP (BETA – 114015).
4.2.1 Pinturas rupestres do sítio
No
sítio
há
mais
de
467
pinturas,
com
sobreposições,
estilos
variados
representados nos zoomorfos e antropomorfos, realizados nas cores: vermelha, amarelo
e preto. As composições das cenas são de caça, figuras em fila, sexo, grafismos
emblemáticos como o da cena da árvore e o costa-costa, e também de grafismos puros.
Alguns antropomorfos e zoomorfos apresentam-se isolados, fazendo parte das escolhas
particulares dos seus autores.
O comprimento da mancha gráfica é de 18,10 m. Os agentes de perturbação são:
salitre, insetos (vespas e cupins), desagregação e rachaduras. Foram feitas consolidações
e alocadas pingadeiras para a conservação do sítio.
4.2.2 Cena de guerra
O sítio possui uma cena de guerra com dimensão aproximada de 70 x 60 cm, com
1,90 m de altura em relação ao solo. A cena está localizada no lado noroeste da mancha
gráfica, na parte superior do painel, estacionando-se entre antropomorfos miniaturizados
em forma de fila e uma figura não identificada junto à figura de um zoomorfo (figura 28,
29, 30, 31 e 32).
O
tratamento
representativo
do
temático
configura
envolvimento
dos
em
uma
indivíduos
cena
que
dá
dinâmica,
idéia
de
em
um
plano
perspectiva
e
51 profundidade, representando ação e movimento, sendo composta por 19 figuras de
antropomorfos, com tamanhos aproximados de 8 a 10 cm. A morfologia da cabeça é de
formato arredondado. Poucos antropomorfos são diferenciados por adornos e pela
representação do falo. Todos os antropomorfos são preenchidos em cor vermelha.
Figura 28 – Imagem trabalhada da cena de guerra do Sítio Toca da Extrema II
Figura 29 – Imagem segregada, cena de guerra do Sítio Toca da Extrema II 52 Figura 30 – Tipos de antropomorfos (guerreiros) identificados na cena de guerra do Sítio Toca da
Extrema II Figura 31 – Tipos morfológicos de cabeças e adornos do Sítio Toca da Extrema II
Figura 32 – Tipos de armas do Sítio Toca da Extrema II
53 Tabela 6 – Micro – análise dos antropomorfos (representação dos guerreiros) do Sítio Toca da Extrema II
Tabela 7 – Quantidade dos marcadores sociais dos antropomorfos
54 Os objetos culturais associados à cena são 60, sendo 4 tipos morfológicos de armas
e 2 tipos morfológicos de adornos. A distribuição dos antropomorfos no espaço do painel
caracteriza um combate proximal, distribuído em grupos. O grupo 1 está no lado direito
da cena (antropomorfos 6, 11, 12, 16, 17). O grupo 2, na parte central (antropomorfos
1, 4, 7). O grupo 3, na parte central inferior (antropomorfos 8, 13, 14, 15, 18), o grupo
4 está no lado direito (antropomorfos 5, 9, 10) e o grupo 5, na parte central superior
(antropomorfos 2, 3, 19). Na cena não acontecem muitos arremessos de objetos
(armas), sendo perceptivo o erguimento freqüente das armas pelos envolvidos, mesmo
assim dentro da cena há vários indivíduos que são atingidos.
Os quatro tipos morfológicos de armas são: tipo 1 é caracterizado por ornamento
em um das pontas. Tipo 2 é a mais simples e freqüentemente utilizada nas cenas, usado
à mão para combate corpo a corpo e para ser arremessado. O tipo 3 caracteriza-se como
um bastão com um gancho na ponta. Outro objeto de mão, tipo 7, tem forma de bastão
com um formato arredondado no topo e ornamento na base.
Os antropomorfos caracterizados por adornos são dois, um faz o gesto de ataque e
outro ergue as suas armas e também é atingido. Os dois antropomorfos que apresentam
falo, um possui objeto de mão não identificado e outro faz o gesto de ataque com suas
armas e também é atingido. A cena apresenta possíveis grupos guerreiros que utilizam
diferentes objetos de agressão individualmente.
O movimento é identificado nos gestos de ataque e defesa, alguns antropomorfos
são atingidos: dois antropomorfos na cabeça, dois no abdome, um na pélvis, dois na
perna. A arma do tipo 2 é usada para atingir quatro antropomorfos, em seguida um é
atingido pela arma do tipo 1. Um antropomorfo não é atingido por arma, mas faz parte
de um combate corpo a corpo constituindo uma área de referência para o plano de
apresentação da cena (tabela 8).
Na representação desse combate corpo a corpo é possível perceber um espaço
divisório dos setores dos indivíduos e a perspectiva da cena. A representação da
perspectiva se projeta sobre um eixo para idetificar a profundidade, colocando as figuras
em planos superpostos, formando o movimento dos guerreiros.
55 Tabela 8 - Áreas dos antropomorfos atingidos do Sítio Toca da Extrema II
4.3
Sítio Toca do João Arsena
O sítio Toca do João Arsena é um abrigo sob rocha arenítica (Anexo 2, figura 49),
localizado na Serra Branca, nas coordenadas UTM E 754014 e UTM N 9051706 com
altitude de 398 m, situação topográfica de média vertente, com área abrigada de 30 m
de largura e 6,5 m comprimento, a abertura SE, orientação SW-NE.
No sítio foi realizada uma sondagem. Os vestígios evidenciados foram poucas
peças líticas. Não ocorreu definição de datação.
4.3.1 Pinturas rupestres do sítio
A mancha gráfica tem aproximadamente 4 m de comprimento, possui ação de
fungos, salitre, e de insetos como o cupim. Há desagregação e desplacamento.
Ocorreram consolidação e alocação de pingadeiras para proteção dos painéis.
O sítio está concentrado por pinturas da Tradição Nordeste. As cenas são de caça,
sexo, grafismo emblemático, grafismos filiformes e grafismos puros. Possui dominância
de antropomorfos que se diferenciam no tamanho e na forma. A particularidade desse
sítio são as intrusões de pinturas da Tradição Agreste.
Os grafismos contêm várias
sobreposições em toda a mancha gráfica. Nas cores utilizadas na mancha aparecem à
dominância do vermelho. Em alguns casos a cor dos contornos e preenchimento do
interior da pintura é o amarelo.
4.3.2 Cena de guerra
O sítio possui uma cena de guerra com dimensão aproximada entre 90 e 80 cm,
está localizada no centro da mancha gráfica, na parte inferior do paredão, a
56 aproximadamente 50 cm do solo. No entorno da cena há figuras de antropomorfos e
zoomorfos com tamanhos variados (figura 33 e 34).
A construção da cena pode ser entendida a partir de três planos de fabricação: no
primeiro plano, alguns antropomorfos, em cor vermelha estão distribuídos em grupos
marcados por espaços divisórios na cena, com antropomorfos que atacam e gesticulam
seus objetos de mão (figura 35).
No segundo plano, alguns antropomorfos com cor pouco visível em amarelo ou
vermelho desgastado ficam na parte inferior da cena, sendo destacados apenas no
tratamento de imagem, alguns estão sobrepostos por pinturas do terceiro plano (figura
36 e 37).
O terceiro plano são sobreposições de pinturas, que estão fora do padrão de
apresentação dos guerreiros da Tradição Nordeste. Essas sobreposições marcam a
divisão do espaço na cena, dando maior volume a construção do plano final da
composição temática (figura 38).
As figuras que aparecem sobrepostas são possivelmente pertencentes à Tradição
Agreste, porque têm tamanho superior em comparação aos antropomorfos da Tradição
Nordeste, diante do painel sobreposto.
As supostas figuras Agrestes alteraram a representação da cena de guerra e estão
distribuídas em quatro figuras no painel. Na cena uma sobreposição foi apresentada com
cabeça, tronco e membros, contendo uma arma que faz o movimento de atingir um
guerreiro característico da Subtradição Várzea Grande.
A cena de guerra apresenta 29 antropomorfos com característica diferentes
marcadas na morfologia das cabeças. Uns são arredondados e outros achatada com
cavidade. Alguns aparecem com adorno e apresentação do falo.
As representações permitem distinguir grupos diferentes: um integrado por
antropomorfos simples e outro por antropomorfos identificáveis por seus adornos. Os
antropomorfos relacionam-se entre si pelos componentes materiais (armas), pelas
posturas de ação, ataque, defesa e a distribuição do posicionamento no painel (figura 39,
40 e 41).
57 Figura 33 – Imagem do painel da cena de guerra do Sítio Toca do João Arsena – Fonte: Arquivos da
FUMDHAM
Figura 34 – Imagem segregada da cena de guerra (diferenciação da sobreposição) do Sítio Toca do João
Arsena
58 Figura 35 – Primeiro plano: Cena de guerra do Sítio Toca do João Arsena
Figura 36 – Detalhe do processo de identificação do segundo plano, Sítio Toca do João Arsena
Figura 37 – Segundo plano35: Cena de guerra do Sítio Toca do João Arsena
35
Para os antropomorfos do segundo plano da cena de guerra do sítio Toca do João Arsena, o processo de
identificação foi delicado e de muita precisão. As pinturas estavam de difícil visibilidade, ocasionado pelo
desgaste da cor com ação do tempo. Para a segregação dos componentes foi necessário balancear o pigmento
das cores no programa que utilizamos para a pesquisa (Adobe Photoshop CS2) e posteriormente identificar as
formas dos antropomorfos. Dentro do tratamento de imagem não foi possível identificar a cor, ficou o
questionamento se corresponde a cor amarelo ou vermelho claro.
59 Figura 38 – Terceiro plano: Sobreposições da cena de guerra do Sítio Toca do João Arsena
Figura 39 – Tipos de antropomorfos (guerreiros) identificados na cena de guerra do Sítio Toca do João
Arsena Figura 40 – Tipos morfológicos de cabeças e adornos do Sítio Toca do João Arsena
Figura 41 – Tipos de armas do Sítio Toca do João Arsena 60 Tabela36 9 – Micro – análise dos antropomorfos (representação dos guerreiros) do Sítio Toca do João Arsena 36
A interrogação utilizada na tabela está relacionada às figuras que não foi possível identificar a cor.
61 Tabela 10 – Quantidade dos marcadores sociais dos antropomorfos do Sítio Toca do João Arsena
Os objetos culturais associados à cena são 60, contendo 4 tipos de morfologia de
armas. As armas utilizadas são do mesmo tipo para os grupos, correspondentes ao tipo 1
caracterizado como uma lança de porte menor ornamentada em um das pontas
lembrando plumas, sendo usada em arremessos, tipo 2 tem uma característica menos
elaborada, útil para arremessos e combate corpo a corpo, tipo 3 caracterizado por um
bastão com um gancho em uma das pontas, o do tipo 4 arma ofensiva, tem um formato
alongado, é usada por uma pintura que sobrepõe à cena de guerra anterior.
A cena contém ação e movimento na composição dos envolvidos. Há poucas armas
que são arremessadas. O mais freqüente são indivíduos que fazem os gestos de erguer
as armas, uns com movimento de ataque e outros de defesa. Alguns antropomorfos são
atingidos. As áreas atingidas do corpo são a cabeça, o pescoço, o toráx, e o abdome. As
armas usadas são as do tipo 1, tipo 2 e do tipo 4 (tabela 11).
Tabela 11 – Antropomorfos atingidos do Sítio Toca do João Arsena
Um antropomorfo faz um combate corpo a corpo, sem uso de arma. O gesto de
ataque do antropomorfo em relação ao seu opositor, lembra os dois antropomorfos da
cena do sítio Toca da Extrema II. O combate constitui uma área de referência para o
plano de apresentação da cena, percebendo a perspectiva da cena. O que diferencia
esses dois componentes do sítio Toca da Extrema II, é que nos componentes do sítio
Toca do João Arsena os antropomorfos estão no lado direito da cena e o antropomorfo
atingido não foi completado com o resto das partes do corpo.
Na cena dois antropomorfos que se encontram do lado esquerdo, erguem outros
objetos de mão que são utilizados correspondendo aos objetos do tipo 5, que lembra um
62 galho com folhas, e o tipo 6, que parece um bastão com uma parte das pontas
arredondada, assemelhando a um tacape. Não da para definir se é uma arma porque nas
cenas
segregadas
não
aparecem
antropomorfos
em
ataque,
atingindo
outros
antropomorfos.
4.4
Sítio Toca do Vento
O sítio Toca do Vento é um abrigo sob rocha arenítica com pinturas e gravuras
(Anexo 2, figura 50), localizado na Serra Branca, nas coordenadas UTM E 0750291, UTM
N 9041810, altitude 419 m, a situação topográfica de alta vertente, o abrigo possui uma
área de 65 m largura e 11,30 de comprimento, abertura SW, orientação SE-NW.
O sítio foi escavado, encontrado material lítico (quartzo, quartzito), polidores,
percutores, facas e chopper; material cerâmico, carvão de fogueira e mancha de ocre. A
datação do sítio foi realizada a partir do carvão evidenciado em uma fogueira, datado em
8500±60 anos BP (BETA 200147).
4.4.1 Pinturas rupestres do sítio
O sítio apresenta uma mancha gráfica com 22,25 m de comprimento, com mais de
425 pinturas, predominando as cores vermelho e amarelo. Concentra figuras da Tradição
Agrestes e Nordeste, e alguns grafismos puros. As cenas são de caça, sexo, grafismos
emblemáticos, figuras isoladas de zoomorfos e antropomorfos.
A mancha gráfica possui ações de fungos, insetos (vespas e cupim) e animais como
o mocó (Kerodon rupestris). Foram feitas intervenções, como a consolidação de painéis e
pingadeiras.
4.4.2 Cena de guerra
Possui uma cena com dimensão de 40 cm x 20 cm, localizada no centro da mancha
gráfica. A cena tem em seu entorno antropomorfos, zoomorfos de formato geometrizado
com os corpos preenchidos por linhas e um antropomorfo que faz o gesto de ataque a
um animal, utilizando um objeto que lembra uma boleadeira.
A cena não é composta por muitos indivíduos como nas cenas anteriores - porém
para a segregação das cenas de guerra não partimos de um número mínimo, mas do
envolvimento dos componentes em cena e da ação dos antropomorfos em atacar e
atingir os oponentes (figura 42, 43, 44 e 45).
63 É importante ressaltar que na guerra, em particular as “primitivas”, os embates
são também marcadas por poucos indivíduos. Para Clastres (1977) “os guerreiros
geralmente são diferenciados por suas habilidades dentro do seu grupo, e são
extremamente importantes ao fornecer serviço a sua comunidade”. Geralmente são
movidos pelo “prestígio e glória individual”.
A cena representa o embate de quatro antropomorfos. Não possui dinamismo e
também movimento de objetos (armas) arremessados em cena. Os antropomorfos
possuem contornos geométricos. Na maioria dos painéis do sítio figuras são preenchidas
com esse tipo de contorno.
O tamanho dos antropomorfos varia de 12 a 15 cm com parte do corpo sem
preenchimento. A cabeça é arredondada com adorno. A coloração é vermelha.
Figura 42 – Imagem do painel da cena de guerra do Sítio Toca do Vento
Figura 43 – Imagem segregada, cena de guerra do sítio Toca do Vento
64 Figura 44 – Tipo de antropomorfo adorno, Sítio Toca do Vento Figura 45 – Tipos de armas do Sítio Toca do Vento Tabela 12 – Micro – análise dos antropomorfos (representação dos guerreiros) do Sítio Toca do Vento
65 Tabela 13 - Tabela – Quantidade dos marcadores sociais dos antropomorfos do Sítio Toca do Vento
A cena contém dez objetos culturais associados, sendo 2 tipos de morfologia de
armas, a morfologia corresponde a do tipo 3 que se assemelha a um propulsor por causa
do gancho em uma das pontas, e do tipo 4 que se assemelha a uma lança por causa da
forma alongada e aparece de tamanho igual ou superior as dos antropomorfos
(guerreiros).
Todos usam o mesmo tipo de adorno, armas e são apresentados com o falo, fazem
o gesto de ataque com a arma tipo 3, e também são atingidos pela arma do tipo 4. Três
indivíduos são atingidos no abdome e um no tórax (tabela 14).
Tabela 14 – Antropomorfos atingidos do Sítio Toca do Vento
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
trabalho
monográfico
esteve
um
direcionamento
micro-analítico
na
caracterização das cenas de guerras, que foram definidas a partir do dinamismo na
composição das cenas, e do envolvimento dos indivíduos na ação gestual que reflete a
caracterização do combate.
Os antropomorfos (guerreiros) fazem movimentos gestuais, esses movimentos são
entendidos como de ataque e defesa, como também os componentes que erguem os
seus objetos de mão. A ação de cada indivíduo está marcado na flexão e posicionamento
das pernas, postura do corpo (ereta, inclinada, curvada), e o movimento dos braços com
as armas, diferenciando a perspectiva de cada individuo na construção da cena. A ação
gestual dos envolvidos resulta em áreas específicas do corpo atingido pelos oponentes no
uso de suas armas (figura 46).
Figura 46 – Postura do corpo e posicionamento das pernas dos antropomorfos, Sítio Toca do Conflito,
Extrema II e João Arsena Os procedimentos de análise nos grafismos rupestres narrativos dessa área
arqueológica a partir dessas cenas de guerras possibilitaram conhecer a diversidade dos
antropomorfos. E inferir as características particulares que possivelmente podem fazer
parte das micro-modificações técnicas e temáticas que ocorreram na Tradição Nordeste,
Subtradição Várzea Grande, possibilitando identificar a alteridade, nos elementos que
servem para diferenciar e assimilar os indivíduos em detrimento de diferentes grupos
(tabela 15).
67 Tabela 15 – Tipos de antropomorfos (guerreiros) dos sítios analisados
Os antropomorfos (guerreiros) são diferenciados na postura e no posicionamento
no painel, nos usos das armas, e nas particularidades das diferenças simbólicas,
registradas nos adornos, na morfologia das cabeças e alguns representados com o falo a
amostra (tabela 16).
Tabela 16 – Repertório dos marcadores sociais similares e diferentes dos sítios analisados 68 Os repertórios de identificação social dos antropomorfos são variados, na
construção de cada cena, mas mantém alguns padrões nos sítios estudados. Os tipos
morfológicos de cabeça dominante correspondem a do tipo 1, que tem um formato
arredondado e a do tipo 2, com uma cavidade que aparece nos sítio Toca do Conflito e
Toca do João Arsena (gráfico 1).
Gráfico 1 – Análise quantitativa dos tipos de cabeça dos antropomorfos dos sítios pesquisados
Foram identificados cinco tipos de adornos. O adorno do tipo 1 aparece nos sítios
Toca do Conflito e Toca da Extrema II, o do tipo 2 nos sítios Toca do Conflito e João
Arsena. O adorno do tipo 3 que se assemelha com o tipo 2, é identificado no sítio João
Arsena, o do tipo 4 pertence ao sítio Toca da Extrema II. Os adornos do tipo 5 aparecem
em todos os antropomorfos do sítio Toca do Vento (gráficos 2).
Gráfico 2 – Análise quantitativa dos tipos de adornos dos antropomorfos dos sítios pesquisados
Foram identificados 4 tipos de armas, a do tipo 1 e 2 são dos sítios Toca do
Conflito, Extrema II e Toca do João Arsena. A arma do tipo 3 aparece em todos os sítios,
e seu uso funcional está restrito a mão dos antropomorfos que os erguem. A arma do
tipo 4 está relacionada aos sítios Toca do João Arsena e a todos os antropomorfos
atingidos do sítio Toca do Vento (gráfico 3 e 4). A arma do tipo 2 é a mais freqüente nas
cenas, assim como para atingir os opositores frente ao combate, seguida do tipo 1 e do
tipo 4 (Gráfico 5 e 6).
69 Outros objetos de mão foram identificados de forma isolada nas cenas, como o do
tipo 5 e 6 do sítio João Arsena e do tipo 7 do sítio Toca da Extrema II.
Gráfico 3 – Análise quantitativa dos tipos de armas e outro objetos de mão de cada sítio
pesquisado
Gráfico 4 – Análise quantitativa dos tipos de armas e outros objetos de mão dos sítios pesquisados Gráfico 5 – Análise quantitativa dos Tipos de armas que atingem os antropomorfos dos sítios
pesquisados
70 Gráfico 6 – Análise quantitativa das áreas do corpo dos antropomorfos atingidos dos sítios pesquisados
O repertório tipológico de armas representa as de uso para combate a distância,
utilizadas em lutas em áreas abertas. O uso das armas é seguido de lógica para a ação,
em particular o tipo 1 de arma que se assemelha a uma azagaia. Na mão do guerreiro
fica em uma posição que o ornamento fica direcionado para baixo. Ao ser arremessado
atinge outro guerreiro. A arma muda de posição atingindo com o lado do ornamento que
estava em posição contraria a ordem de arremesso.
Os antropomorfos mesmo marcados com adornos, que podem ser um diferenciador
cultural, fazem parte do ato de ser agredido e atingido, mas também em alguns casos
ficam reclusos em lugares específicos no espaço da cena, como acontece no sítio Toca do
Conflito (figura, 24), um antropomorfo erguendo as suas armas, caracterizado com um
adorno e falo, e um outro antropomorfo apenas com o falo, e no sítio Toca da Extrema II
(figura, 29)
um antropomorfo adornado fica erguendo as suas armas. Esses
antropomorfos não fazem parte diretamente da luta, possivelmente mantendo-se
protegidos.
As cenas de guerra produzidas apresentam um ângulo de visão que dá para
perceber a dimensão da ação, sendo balizada em especifico nos sítios Toca da Extrema II
e Toca do João Arsena. A luta que lembra um combate corpo a corpo possibilita perceber
a representação da dimensão da cena na técnica de perspectiva.
Figura 47 – Luta direta (corpo a corpo), Sítio Toca da Extrema II e João Arsena
71 Dentro dos sítios analisados com exceção do sítio Toca do Conflito, as cenas de
guerra foram identificadas próximo do centro da mancha gráfica, localizando-se entre
zoomorfos e antropomorfos e outros grafismos não identificados.
O sítio em que foram identificadas sobreposições foi o sítio Toca do João Arsena. As
sobreposições cobriram os espaços da temática de guerra no painel, assim como alguns
dos antropomorfos. Uma sobreposição atingiu um dos guerreiros, percebendo-se o
envolvimento da ação conflituosa das pinturas, pertencentes a tradições de pinturas
diferentes.
O registro rupestre como artefato, adquire feições próprias dos grupos étnicos.
Cada cultura tem padrão de comportamento, gesto e traços culturais próprios. O autor
do registro revela a expressão cultural do grupo, sendo realizados a partir das
experiências sociais.
O registro visual nessa pesquisa identificou particularidades das feições sociais e
simbólicas,
sendo
representadas
similaridades
e
diferenças
nas
estruturas
dos
antropomorfos nas cenas de guerra. A representação da guerra é um mecanismo de
identificação e diferenciação, podendo ser entre os membros do próprio grupo ou de
grupos diferentes.
As quatro cenas de guerra estudadas neste trabalho foram observadas algumas
similaridades e diferenças: marcada no gesto e movimento dos antropomorfos, forma de
apresentação, no uso das armas e outros objetos de mão, dos adornos, morfologia da
cabeça e a representação do falo amostra por alguns antropomorfos.
A caracterização de uma cena de guerra se dá a partir dos movimentos dos
antropomorfos, destacando os elementos identificados na composição da ação com uso
das armas, sendo identificado na gestualidade de ataque, defesa, erguer os objetos e de
ser atingido.
As
análises
das
cenas
guerra
contribuíram
para
isolar
alguns
elementos
significantes da forma como a cenografia aparece no surgimento e funcionamento das
representações dos grupos pré-históricos da área nuclear da Serra da Capivara. A
importância de segregar esses elementos contribui para o afinamento das características
particulares da Subtradição Várzea Grande.
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ANEXOS
ANEXO - 1
Protocolo37 de levantamento Sítio Parque Nacional Serra da Capivara - PI
Localização
Nome do Sítio: Toca da Extrema II ou do Gato
Código: 033
Município: Brejo do Piauí
U.R.: Serra Branca
UF: PI
Data da descoberta: 1973
Guia:
Proprietário: Parque Nacional Serra da Capivara
Endereço: Endereço: Centro Cultural Sergio Motta, sn – São Raimundo Nonato, 64770-000
Data do levantamento: Jan-2007
Pesquisador: Luciano Souza
GPS: Garmin
UTM: Zona: 23L
Cota altimétrica: 389 m
E: 751949
N: 9047597
DATUM: SAD 69
Latitude: 8º63’29”
Longitude: 42º42’36
Croqui de acesso:
Observações: S. Rdo Nonato – PI 140 – Guarita Serra Branca – Parque Nacional Serra da Capivara
CARTOGRAFIA
Foto índice: PA 179
Carta: Serra do Congo SC.23-X-B-V
Mapa-escalas:
Posicionamento no Google Earth: ( ) sim ( ) não
Posicionamento no GIS – Fumdham: ( x ) sim ( ) não
INFORMAÇÕES DO SÍTIO
Pré – histórico ( x )
Histórico ( )
Tipo de sítio: ( x ) abrigo ( ) céu aberto Outros:
Rocha Suporte: Arenito/Siltito
Unidade de relevo: (x) Planalto ( ) Planície
Morfologia do Relevo: ( x) Escarpa
Posição da Vertente: ( ) alta vertente
( ) Montanha ( ) Morro (
( ) média vertente
( x ) baixa vertente
Bacia Hidrográfica: Rio Parnaíba
Tipo de Intervenção: ( x ) Escavação
( x ) Sondagem
( ) Trincheira
Tipo de material encontrado: Lítico, cerâmico, fogueira
Datação: 4730 +/- 110 BP 3350 +/- 60 BP (BETA- 114015)
Material datado: carvão que data pingo de pintura (camada VII)
Área abrigada do sítio: comp. 10,0 x larg. 8,0 m
Abertura: SW
Fonte de água:
Orientação:SE-NW
Caldeirão da Extrema
Distância:
Tipo de vegetação: Savana-estepica (caatinga arbustiva)
37
) Matacão
Protocolo utilizado para levantamento dos sítios (Toca da Extrema II)
76 Croqui do Sítio:
DADOS DE CONSERVAÇÃO
Composição da Rocha Suporte: Arenito
Tipo de Superfície que concentra as Pinturas
(x) plana (x) nichos (x) rugosa ( ) seixos
Quantidade de Painéis fotográficos: 22
Croqui do posicionamento dos Painéis:
Posicionamento da cena de guerra
Painéis de pinturas
Degradação: ( x) Antrópica
( x ) Natural
Exposição: (x ) sol ( x) chuva (x ) vento
Intemperismo biológico: ( x ) fungos ( ) vegetal ( x ) animal
Observações: Maria Pobre
Intemperísmo físico-quimico: ( ) escamação ( x ) rachadura ( ) desagregação ( x ) salitre ( ) pátina (
) mancha de água ( ) fuligem
Tipo de Intervenção: (x) consolidação ( ) limpeza (x) pingadeiras
Observações:
Registro Rupestre: ( x ) Pinturas
( x ) Gravuras
Dimensão da Mancha gráfica: 18,10 m
Quantidade de Painéis: 01 a 22
Distancia do Solo (Rocha matriz): 0,85 m painel mais próximo
Quantidade de Pinturas (Total): 467
Tamanho dominante: 15 a 25 cm
Cores: vermelho, amarelo, preto.
CENOGRAFIA:
(x ) Caça:
( ) Agressão:
( x ) Grafismo emblemático :
:
Sobreposição: ( x) Sim ( ) Não
(x) Dança:
( ) Sexo:
( x ) Grafismos puros
Outras:
Descrição: Conjunto rupestre com muita sobreposição – estilos variados, representados nos zoomorfos,
antropomorfos e em cenas.
77 Croqui imagem do painel gráfico:
Tradição: ( x ) Nordeste ( x ) Agreste
Subtradição: Várzea Grande
Estilo: Serra da Capivara/Serra Branca
Observações:
INFORMAÇÕES ESPECÍFICAS DAS CENAS DE GUERRA (Guerreiro)
Cena de Guerra: 1
Guerreiros isolados no painel cenográfico: não
Painel: 19
Croqui:
TEMÁTICA:
( x) Grafismo de ação ( x) Grafismo de composição ( ) Grafismo puro
Objetos secundários em cena
( x) figuras com armas:
(x) figuras com falo:
( x ) figuras com adorno:
CENOGRAFIA
Posição da cena no painel:
Noroeste
Dinamismo: ( x ) sim (
) não
( x) objetos ou armas em movimento (arremessados) na cena
Movimento das figuras: ( x ) ataque ( ) defesa ( x ) atingido
Tipo de pinturas no entorno do painel da cena de guerra
( x )antropomorfo ( x ) zoomorfo ( ) fitomorfo ( x ) figura não identificável
Formação de cena: (x) sim ( ) não
Sobreposição: (
) sim
( x ) não
78 Tipo de sobreposição: ( ) antropomorfo ( ) zoomorfo ( ) fitomorfo ( ) grafismo puro
( ) sobreposição com adorno ( ) sobreposição com arma ( ) sobreposição atingida
Obs: Antropomorfos miniaturizados se encontram em forma de fila abaixo da cena de guerra, e uma
figura não identificável acima, e a figura de um zoomorfo a direita da cena.
TECNICA
Técnica de execução:
Perspectiva: Sim
Dimensões da cena: 60 x 50 cm
Altura em relação ao solo: 1,90 m
Tratamento de Suporte: não
Área reservada: ( ) sim ( ) não Localização:
Técnica de Preenchimento do corpo dos antropomorfos
( ) figuras com contornos geométricos
( x ) figuras preenchidas
Cor das figuras na cena: Vermelho
Cor da sobreposição:
Observações:
ANEXO - 2
Vista geral dos sítios Toca da Extrema II, Toca do João Arsena e Toca do Vento,
Parque Nacional Serra da Capivara - PI38
Figura 48: Vista geral do Sítio Toca da Extrema II, Parque Nacional Serra da Capivara
38
Não foi anexada à foto do Sítio Toca do Conflito, pela baixa resolução e qualidade da imagem.
79 Figura 49: Vista geral do Sítio Toca do João Arsena, Parque Nacional Serra da Capivara
Figura 50: Vista geral do Sítio Toca do Vento, Parque Nacional Serra da Capivara - PI

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