Capitulo 8 – Gas e outras energias
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Capitulo 8 – Gas e outras energias
Capítulo 8 Gás natural, hidrocarbonetos “não convencionais” e energia nuclear 8.1 A economia política do gás natural O gás natural é uma mistura de hidrocarbonetos leves que, em temperatura e pressão atmosféricas ambientes, permanece no estado gasoso1. Sua produção é obtida em conjunto com o petróleo (gás associado) ou em poços especificamente perfurados para a obtenção de gás – chamado, nesses casos, de gás não associado. Em ambos os casos, o componente preponderante é o metano. O gás natural não associado apresenta os maiores teores de metano, enquanto o gás natural associado apresenta proporções mais significativas de etano, propano, butano e hidrocarbonetos mais pesados2. Com frequência, a descoberta de jazidas de gás natural se dá em função da pesquisa exploratória em busca de petróleo. O gás natural combustível fóssil é um substituto eficaz de outras fontes de energia, em particular o carvão mineral e os derivados de petróleo – entre eles, o óleo 1 MOUTINHO DOS SANTOS, Edmilson; FAGÁ, Murilo Tadeu Werneck; BARUFI, Clara Bonomi; PUOLALLION, Paul Louis. “Gás natural: a construção de uma nova civilização”. Estudos Avançados, vol.21, nº 59, Janeiro/Abril 2007, pp. 67-90. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, 2007. 2 CARDOSO, Luiz Cláudio. Petróleo: do poço ao posto. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2007, p. 117. combustível, utilizado em indústrias e em usinas termelétricas. Pode ser utilizado em múltiplos setores da atividade econômica3, entre os quais se destacam o industrial (para produzir calor), os transportes (como combustível substituto do óleo diesel e da gasolina), a geração elétrica (substituindo em particular o carvão, o óleo combustível e o diesel) e a petroquímica (como matéria-prima não energética, substituindo a nafta). Essa é a fonte de energia primária que mais cresce no mundo, com uma participação de 20,5% na matriz energética mundial, a previsão de crescimento anual de 2,6%, o que elevará essa parcela para 30% em 20204. “O gás natural deve ser a fonte de energia de transição entre um mundo energético já dominado pelo carvão e o petróleo e outro de maior diversificação das fontes de energia e dominação crescente de fontes renováveis”, prevê Edmilson Moutinho dos Santos5, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Escola Politécnica da USP. Por esse motivo, o gás é considerado o “combustível-ponte”, por excelência. Entre as vantagens na comparação com outras fontes de energia, destaca-se a possibilidade da sua utilização direta, sem necessidade de refino ou de transformações importantes, como é o caso do petróleo. Além disso, esse combustível dispensa estocagem no local de consumo, sendo consumido imediatamente quando entregue ao consumidor final. 3 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz (org.). Economia da Energia – Fundamentos Econômicos, Evolução Histórica e Organização Industrial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 232-233. 4 5 Dados da Agência Internacional de Energia (AIE) referentes a 2004. MOUTINHO DOS SANTOS; 2007, p.75. Isso representa uma importante vantagem competitiva, dado que os consumidores não precisam investir no armazenamento e imobilizar capital constituindo estoques. Outra vantagem que tem contribuído para a rápida expansão da indústria do gás natural nas últimas décadas tem a ver com o seu impacto ambiental, mais reduzido em comparação com as demais fontes fósseis de energia6. Mas o gás natural também apresenta desvantagens que complicam o cálculo de custo e benefício da decisão de investir na substituição de outras fontes energéticas por esse combustível. A principal delas diz respeito ao transporte. Devido à sua baixa densidade calórica (uma unidade de energia na forma de gás natural ocupa um volume 1 mil vezes superior ao volume que o petróleo preenche para fornecer a mesma energia), o envio do gás natural em grandes distâncias custa muito caro e exige um alto investimento em infraestrutura de transporte e distribuição. O principal meio de transporte é o gasoduto, que se caracteriza por um elevado custo de investimento, baixa flexibilidade e grande economia de escala. A distância é o principal fator no custo da construção de um gasoduto. Por isso, quanto maior a distância, maior deve ser o volume de gás transportado, a fim de que o empreendimento alcance a escala necessária para amortecer os investimentos feitos durante a construção. De acordo com Pinto Jr. et al., 6 PINTO JR.; 2007. [...] os custos de montagem e desapropriação [...] representam de 50% a 60% dos custos totais, e não variam significativamente com o volume de gás transportado, mas apenas com a distância. Esta é a razão fundamental da existência de economias de escala no segmento de transporte de gás por dutos. Ou seja, reduzir os custos médios de transporte significa, em princípio, maximizar os volumes transportados7. Os custos da infraestrutura podem atingir de 50% a 70% do preço de venda ao consumidor. Em compensação, a manutenção e a operação de um gasoduto representam uma despesa relativamente pequena, depois que ele é inaugurado – cerca de 2% do custo de construção. No longo prazo, observa André Ghirardi (2008), o gasoduto é capaz de reduzir, com ampla margem de lucro, os custos da transação, desde que opere por um longo período de maneira contínua, pois é projetado exatamente para essa finalidade. Isso torna o gás natural – uma vez instalada a infraestrutura necessária – altamente competitivo em relação às demais fontes de energia, inclusive a hidrelétrica, que sofre oscilações de acordo com o regime das chuvas, enquanto o abastecimento pelo gasoduto é regular e contínuo. Outra vantagem, em relação à energia hidrelétrica, é que a instalação de um gasoduto ocorre em um prazo muito menor do que o necessário para uma hidrelétrica. Dessa maneira, gasta-se menos tempo para amortizar os custos com a infraestrutura, o que inclui os juros dos empréstimos para financiar a obra. 7 PINTO JR.; 2007, p.238. Quando a distância se mostra tão longa a ponto de inviabilizar um gasoduto (sobretudo, no caso de remessas intercontinentais), existe a opção de recorrer a esse recurso energético como uma commodity na forma de GNL (gás natural liquefeito). Nessa modalidade, o gás natural é transformado em líquido, em usinas especiais onde seu volume é reduzido em até 600 vezes, o que exige resfriá-lo à temperatura de 160°C negativos, antes de ser armazenado em tanques criogênicos e, por fim, embarcado em navios-metaneiros, próprios para transportar esse material8. Ao chegar ao seu destino, o GNL passa por um processo de regaseificação, novamente em usinas especiais, e só então segue para os consumidores finais. O conjunto dessas atividades consome cerca de 20% da energia contida no gás originalmente processado, o que torna o GNL uma fonte de energia menos eficiente que o gás natural – e particularmente cara9. Além do alto custo, o comprador de gás liquefeito está sempre sujeito às oscilações dos preços no mercado internacional, já que nenhum fornecedor se submete ao risco de estabelecer um preço fixo no longo prazo. Ou seja: à garantia do fornecimento, contrapõe-se a exposição a preços tão voláteis quanto a própria substância que se está adquirindo. Pode-se argumentar, como faz André Ghirardi (assessor da presidência da Petrobras), que o abastecimento de gás por meio do 8 Um navio-metaneiro tem a capacidade de transportar até 135 mil metros cúbicos de gás, o que torna viável o deslocamento de grandes volumes até os centros consumidores (CARDOSO, 2005, p.135). 9 BANKS, Ferdinand E.. The Political Economy of World Energy – An Introductory Textbook. Singapore: World Scientific Publishing, 2007, p.173 . GNL traz uma vantagem importante do ponto de vista da segurança energética, na medida em que se evita a dependência de um único fornecedor, como ocorre com os gasodutos10. Essa é uma observação procedente. Na prática, porém, o abastecimento por GNL só é adotado por países que, desprovidos de reservas próprias de gás natural suficientes para suas necessidades, se veem, por algum motivo, impossibilitados de receber gás natural por meio de gasoduto(s). É o caso da China, um país sedento por energia, qualquer que seja a sua forma, assim como o do Japão e também o do Chile, após o fracasso do seu projeto de se abastecer com o gás natural importado da Argentina. No continente americano, merece menção o caso de Trinidad Tobago, que se tornou um grande exportador de GNL, sobretudo para o mercado dos Estados Unidos. As especificidades do gás natural, quando transportado por dutos, geram “uma integração espacial especialmente rígida, na qual a incorporação de novos espaços se dá no interior de um conjunto relativamente reduzido de possibilidades”11. Se, para as operações dentro de um mesmo país, os riscos para as partes envolvidas já são elevados, no comércio internacional de gás natural as implicações de segurança econômica (para o fornecedor) e de segurança energética (para o consumidor) são imensas. O corte ou redução indesejada dos suprimentos pode levar o país importador 10 GHIRARDI, André. “Gás natural na América do Sul: do conflito à integração possível”. Le Monde Diplomatique Brasil, versão digital, São Paulo, janeiro de 2008. 11 PINTO JR.; 2007, p.238. ao colapso no fornecimento de energia para setores produtivos essenciais e para a sociedade no seu conjunto – o tão temido “apagão”. Por outro lado, a perda de um cliente ou a redução unilateral do volume de compras representa, do ponto de vista da economia nacional do país exportador, uma perda de receita altamente significativa – em determinados casos, a principal. Assim, na escolha entre o GNL e o gasoduto, quando existe essa opção, o fator principal a ser considerado é saber se a importação visa atender uma demanda permanente ou se o objetivo da transação se resume a atender uma carência energética circunstancial, decorrente de um imprevisto ou de uma variação sazonal nos suprimentos de outra fonte energética12.Os gasodutos geram, inevitavelmente, uma situação de forte interdependência entre os países exportadores e os importadores, com evidentes implicações geopolíticas. Essa relação é muito mais estreita do que a existente entre os países importadores de petróleo, de um lado, e pequeno grupo de exportadores, do outro. A interdependência, no caso do gás natural, vai muito além do problema da concentração das reservas em um dos parceiros, uma vez que envolve também o transporte do combustível por dutos, o que inviabiliza a substituição de fornecedores no curto prazo. No caso do petróleo, essa substituição é relativamente fácil. O 12 Conforme PINTO Jr. et al., (2007, p.242), os custos do transporte por gasodutos têm se reduzido mais rapidamente que os custos da cadeia do GNL. Os custos dos gasodutos caíram em até 60% entre 1985 e 2007, enquanto no caso da cadeia do GNL essa redução foi de 30%, e por um período maior, desde 1978. Como consequência, informa aquele autor, o transporte por gasodutos está se tornando mais competitivo que o gás natural em distâncias superiores a 5 mil quilômetros. Existe, portanto, uma grande pressão do mercado para a redução dos custos na indústria do GNL. Ou seja, o GNL passa a ter de concorrer com o gás trazido por gasodutos de distâncias cada vez maiores. mesmo ocorre quando o gás natural é fornecido em forma líquida, ou seja, de GNL, um produto que, assim como o petróleo, tem como uma das suas formas de comercialização o mercado spot, em que as transações são realizadas de modo instantâneo e não importa a identidade do comprador e a do vendedor. Já no caso dos gasodutos, produtores e fornecedores de energia se veem na clássica situação em que os atores em ambos os lados buscam se precaver com o intuito de reduzir a vulnerabilidade perante a intensa interdependência envolvendo um recurso vital. Além disso, o alto custo de estocagem inviabiliza a formação de estoques estratégicos, o que aumenta a sensação de vulnerabilidade. Observando-se o cenário energético global na sua evolução histórica, nota-se que a incerteza inerente a esse tipo de interdependência e o alto custo dos investimentos tiveram o efeito de retardar em muitas décadas o pleno aproveitamento econômico do gás natural. Até o início da década de 1970, os preços internacionais do petróleo se mantiveram em patamares baixos. Isso relegou o gás natural a um papel secundário no mundo inteiro, com exceção daqueles países onde havia a possibilidade de uma oferta a baixo custo devido à existência de mercados próximos às reservas. Essa situação mudou a partir do choque do petróleo, em 1973, quando os preços da energia dispararam e países industrializados se lançaram em uma busca frenética por combustíveis alternativos a fim de reduzir a dependência das importações de petróleo do Oriente Médio. A valorização do gás nesse período viabilizou os investimentos em infraestrutura, sobretudo na Europa Ocidental, com a construção de um gasoduto para as remessas procedentes da União Soviética (atualmente, da Rússia). Essa circunstância revela um fator permanente na indústria do gás natural: sua dependência do preço de outros recursos energéticos, com os quais ele estabelece uma relação de competição de que irá depender o seu acesso aos mercados consumidores. Ou seja, “o valor de mercado do gás é dado pelo preço dos combustíveis concorrentes. Isso implica que a política de precificação do gás natural depende quase do custo de oportunidade relacionado com o deslocamento de outras fontes energéticas”13. 8.2 Gás do xisto: potencial energético e alto risco ambiental O gás de xisto (shale gas, em inglês) é um hidrocarboneto “não convencional”, ou seja, uma fonte de energia que, embora conhecida, permaneceu sem ser explorada durante décadas, por falta de tecnologias capazes de viabilizar a sua extração em condições economicamente viáveis. Trata-se de um tipo de gás natural que se encontra no subsolo, em formações rochosas sedimentares de baixa permeabilidade, ou seja, propensas a reter as substâncias líquidas ou gasosas depositadas no seu interior. 13 PINTO JR.; 2007, p.251. Diferentemente do gás convencional, que migra das rochas onde foi formado para rochas reservatórios, o gás de xisto fica preso debaixo da terra misturado a rochas extremamente duras. Essa característica inviabilizou por muito tempo a extração deste tipo de gás. A exploração do gás das camadas de xisto começou a ser estudada nos Estados Unidos a partir de 1970, mas o processo era tão caro e complexo que inviabilizava a produção em larga escala. Só nas décadas seguintes a exploração comercial começou a se tornar realidade, com o desenvolvimento de uma tecnologia denominada fratura hidráulica. Esse método implica escavar verticalmente entre 500 metros e 3 mil metros na rocha de xisto e depois, em um sentido horizontal, por cerca de mil metros ou mais, ao longo da formação geológica. O poço aberto na perfuração recebe uma mistura de água, areia e produtos químicos sob alta pressão para quebrar a rocha e liberar o gás, que então é levado para a superfície por uma tubulação. Como resultado da utilização das novas tecnologias, a participação do gás de xisto na matriz energética dos EUA está crescendo rapidamente. Esse hidrocarboneto, que em 2000 representava apenas 1% do gás natural consumido nos EUA, atingiu 16% em 2011 e pode chegar a 46% em 2035. Se isso ocorrer, o país se tornará autossuficiente em gás natural, sua terceira maior fonte de energia, reduzindo a demanda por petróleo e carvão importados14. De imediato, a redução das compras externas de gás natural pelos EUA já está pressionando para baixo os preços no mercado mundial de gás, uma vez que se trata do principal importador mundial desse recurso energético. A queda da demanda estadunidense afetou as grandes empresas petroleiras, entre elas a Petrobras, que planejava vender aos EUA uma parcela do gás natural existente nas reservas brasileiras do pré-sal. As reservas mundiais recuperáveis de gás de xisto são estimadas pelo Departamento de Energia dos EUA em 187,4 trilhões de metros cúbicos, um volume praticamente igual ao total das reservas conhecidas de gás convencional, de 187 trilhões de metros cúbicos. É importante notar que grande parte do gás do xisto descoberto até agora está concentrado em países de fora da Opep, o que altera significativamente o cenário geopolítico da energia. A China lidera o ranking dos donos das maiores reservas, seguida pelos EUA, Argentina, México, África do Sul e Austrália. Na América do Sul, a Argentina deverá ser o primeiro país a explorar o gás de xisto em grande escala, graças às imensas reservas descobertas na formação geológica de Vaca Muerta, em Neuquén, uma província do sudoeste do país. A previsão é a empresa Yacimientos Petrolíferos Fiscales – que teve o seu capital acionário 14 KLARE, Michael T. The Race for What’s Left – The Global Scramble for the World’s Last Resources. New York, Metropolitan Books, Henry Holt and Company, 2012, p. 116-123. reestatizado, na maior parte, em 2012 – começará a extrair o insumo em escala comercial até 2015, reduzindo a dependência argentina em relação ao gás importado da Bolívia. O problema na exploração do gás de xisto é seu impacto ambiental. O método da fratura hidráulica – único a mostrar viabilidade econômica – provoca a poluição dos mananciais subterrâneos de água e até mesmo abalos sísmicos. Para que os jatos de água possam romper as rochas onde se deposita o gás, é necessário que o líquido seja misturado a solventes e ácidos, altamente tóxicos. Essa mistura, depois de utilizada, se dispersa no subsolo, contaminando as fontes de água que abastecem a população. Como agravante, existe o fato de que cada unidade de exploração precisa instalar múltiplas perfurações ao mesmo tempo, poluindo o ar e perturbando os moradores das vizinhanças com altos níveis de barulho. Nos Estados Unidos, as reservas mais ricas de gás de xisto estão localizadas em regiões densamente povoadas, nos estados do Texas, Arkansas, Ohio, Pensilvânia e Nova York. Nessas circunstâncias, a preocupação com a segurança do abastecimento de água deveria prevalecer sobre os interesses econômicos associados à exploração do gás. Uma lei federal, de 1974, atribuiu à Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) poderes para bloquear qualquer projeto de exploração de recursos naturais que pudesse colocar em risco os mananciais aquíferos. No entanto, essa legislação foi modificada como resultado da intensa pressão (lobby) exercida sobre o Congresso estadunidense pelas empresas petroleiras interessadas em ampliar seus lucros com a extração do gás de xisto por meio da fratura hidráulica. Em 2005, o então vice-presidente Dick Cheney 15 conseguiu a aprovação da Lei de Política Energética, que proíbe a agência federal ambiental de regular a fratura hidráulica por meio das normas de proteção dos mananciais de água, abrindo caminho para a utilização irrestrita desse método predatório e perigoso. Desde então, as grandes empresas petroleiras estão investindo quantias cada vez maiores na extração desse hidrocarboneto. Em 2009, por exemplo, a ExxonMobil pagou 31 bilhões de dólares para adquirir o controle da XTO Energy, uma das maiores produtoras de gás de xisto nos EUA. Existem atualmente mais de 400 mil perfurações de gás de xisto em território estadunidense, o que tem provocado uma crescente resistência das organizações ambientalistas e, em especial, da população das áreas afetadas. No estado de Ohio, o governo proibiu a utilização da fratura hidráulica em algumas regiões, depois da ocorrência de pequenos terremotos associados às maciças injeções de água no subsolo. Na Pensilvânia, a extração do gás de xisto chegou a ser banida em diversas comunidades, mas a indústria petroleira conseguiu reverter essas decisões com o apoio de 15 Cheney é um político conhecido por suas ligações estreitas com a indústria dos hidrocarbonetos, à qual é vinculado, especialmente, pela sua condições de ex-presidente da Halliburton, líder mundial na fabricação de equipamentos para petróleo e gás. legisladores em âmbito estadual, que aprovaram uma lei impedindo a adoção de regulamentos municipais sobre o assunto. Fora dos EUA, a consciência dos riscos decorrentes da extração do gás do xisto está levando à adoção de medidas restritivas cada vez mais duras. O exemplo mais expressivo é atitude da Assembleia Nacional francesa, que, em maio de 2012, aprovou, por 287 votos contra 146, uma lei que proíbe a utilização da fratura hidráulica, tornando a França o primeiro país do mundo a adotar tal medida. 8.3. As “areias betuminosas” do Canadá Nas previsões oficiais de oferta e demanda de combustível, um papel importante é atribuído aos gigantescos depósitos de areias betuminosas na província canadense de Alberta, cuja exploração é feito com um custo altíssimo e impacto ambiental devastador. Essa região contém 178 bilhões de barris de petróleo, mais do que as reservas provadas da Arábia Saudita. A dificuldade é que o petróleo lá existente não se encontra em estado líquido e sim em forma de betume, um óleo extremamente denso, semelhante ao asfalto. Para extraí-lo, são necessárias técnicas de mineração, em lugar das torres utilizadas nos campos convencionais. A produção desse óleo betuminoso demanda enormes quantidades de água e de gás natural, pois é necessário produzir vapor para separar o combustível da areia e das pedras com as quais está misturado. Uma parte dessa água é reutilizada, mas o restante retorna ao meio ambiente, provocando contaminação em grande escala. Para cada duas toneladas de petróleo obtidas dessa forma, consome-se o equivalente a uma tonelada em energia. A AIE estima que, se prosseguir a tendência atual de alta dos preços do petróleo, a produção das areias betuminosas do Canadá chegará a 2,1 milhões de barris diários em 2015 e a 3,9 milhões em 2030 – ou seja, mais do que o triplo dos atuais 1,2 milhões de barris diários16. Para alcançar esse objetivo, o governo canadense terá de vencer a crescente oposição dos grupos ambientalistas e pôr em risco suas metas de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa. A exploração das areias betuminosas é lenta e cara. Um poço de petróleo extra-pesado produz de 5 a 100 barris diários, enquanto um poço de petróleo convencional alcança 10 mil barris diários, todos os demais fatores sendo iguais17. A extração do petróleo contido nas areias betuminosas é um processo ainda mais moroso, com o uso intenso de capital e de energia e um impacto ambiental devastador. Na revista National Geographic, o jornalista Tim Appenzeller descreve a produção de petróleo em Athabasca: 16 INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). World Energy Outlook 2009. Paris, 2009. 17 SALAMEH, Mamdouh G.. “A Third Oil Crisis?”, Survival – The IISS Quarterly, Volume 43 Number 3 Autumn 2001, pg.129 “Observando a vala de 60 metros onde gigantescas pás devoram o leito de areia betuminosa, Neil Camarta, vicepresidente da Shell para o Canadá, reconhece a diferença entre a exploração das areias e o petróleo cru líquido, que jorra livremente. ‘Você está vendo o trabalho que dá. O petróleo não jorra do chão.´ A Shell é uma das três empresas que, juntas, extraem 600 mil barris de óleo por dia das areias de Athabasca. Mas cada passo do processo exige força bruta. A areia betuminosa precisa ser minerada e extraída – 2 toneladas para produzir um barril de óleo. Caminhões enormes carregam 350 toneladas de cada vez, em recipientes que são aquecidos durante o inverno subártico para que a areia não se congele, formando uma enorme massa. Próximo à mina, a areia é lavada em gigantescas máquinas, onde torrentes de água morna e solvente retiram dela todo o alcatrão, ou betume. O que sobra são toneladas de areia molhada, ou tailings, que voltam a ser despejadas em depósitos de rejeitos. Mas, após essa etapa, o betume ainda não está pronto para ser bombeado para uma refinaria, como se fosse o óleo cru comum. Para transformá-lo em petróleo, é preciso aquecê-lo e quebrar as gigantescas moléculas de alcatrão – seja a 500ºC ou a temperaturas mais baixas, em mistura com gás de hidrogênio e um catalisador18.” 18 APPENZELLER, Tim. “The end of the cheap oil”, The National Geographic Magazine, Washington, A AIE acredita, em caso de redução da oferta de petróleo convencional, com a conseqüente alta dos preços, os óleos “nãoconvencionais” se tornarão cada vez mais atraentes economicamente, preenchendo o espaço vazio. Nesse cenário, eles poderão atender até 1/3 da demanda mundial de petróleo em 2030, segundo o WEO 2004. O pesquisador David Goodstein contesta essa previsão. Ele explica que, na medida em que a humanidade seja forçada a percorrer, de cima para baixo, a lista dos combustíveis fósseis possíveis – do óleo convencional para o extra-pesado, daí para a areia betuminosa, chegando a extrair petróleo de minerais de processamento ainda mais difícil, como o xisto –, o custo em energia aumentará, sempre mais. “No momento em que a energia necessária para obter um combustível se tornar equivalente à energia que ele é capaz de produzir, o jogo estará perdido”19. 8.4 Energia nuclear: perigos e possibilidades A fissão (divisão) do átomo foi descoberta em 1938, pelo físico italiano Enrico Fermi, e a primeira reação em cadeia ocorreu em 1942, no contexto do Projeto Manhattan, desenvolvido nos Estados May 2004. 19 GOODSTEIN, David. Out of Gas – The End of the Age of Oil. New York: Norton, 2004, p.38. Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de produzir a bomba atômica. Sua utilização para gerar eletricidade remonta à década de 1950, mas somente a partir do Choque do Petróleo, em 1973, é que a instalação de usinas nucleares com finalidades pacíficas se disseminou em grande escala, e centenas de reatores foram construídos. O entusiasmo com a opção nuclear durou até o acidente na usina de Chernobyl, na União Soviética, em 1983, quando o vazamento de uma nuvem radioativa por uma vasta área do Leste Europeu despertou fortes preocupações quanto à segurança dos reatores onde se produz eletricidade. A consciência dos perigos da energia nuclear, até então restrita aos grupos de ativistas em defesa do meio ambiente, passou a dominar a esfera pública, fazendo com que muitos países suspendessem os projetos de construção de novas usinas atômicas. Em 1990, a Suécia decidiu, a partir do resultado de um referendo, fechar gradualmente seus 12 reatores nucleares e se concentrar no desenvolvimento de uma matriz energética baseada, ao máximo possível, em fontes renováveis. Essa decisão ainda mais significativa pelo fato de que a Suécia era, proporcionalmente, o país com maior capacidade nuclear instalada em relação ao número de habitantes. Em 1999, o reator sueco de Barseback se tornou o primeiro no mundo a ser fechado no contexto da rejeição à energia nuclear20. Seguindo o exemplo da Suécia, o Parlamento da 20 SMIL, Vaclav. Energy at the Crossroads – Global Perspectives and Uncertainties. Cambridge (MA), London: MIT Press, p.310. Alemanha também decidiu pelo abandono gradual da fissão nuclear como fonte de energia. Na década de 2000, porém, o interesse pela energia atômica voltou a crescer. Dois fatores explicam esse fenômeno: de um lado, a possibilidade de gerar eletricidade sem agravar o problema do aquecimento global, já que os reatores são praticamente inofensivos no que se refere às emissões de dióxido de carbono; do outro lado, a escassez de combustíveis fósseis, o que levou os formuladores de política energética a encarar novamente o uso do urânio como uma alternativa viável para a produção de eletricidade. A consagração da energia atômica como uma opção ecologicamente correta ocorreu em maio de 2007, quando o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), órgão da ONU criado para ser uma autoridade mundial em aquecimento global, divulgou relatório afirmando que o uso pacífico do átomo é fundamental para o planeta deixar de aquecer. Mas um novo acidente nuclear de grandes proporções – a explosão na usina atômica de Fukushima, no Japão, em consequência do efeito combinado de um terremoto e de um tsunami, em 11 de março de 2011 – voltou a lançar incerteza sobre os projetos de retomada da construção de reatores nucleares. ................................................... SAIBA MAIS A reação nuclear básica pode ser descrita sumariamente da seguinte forma: o átomo de urânio se quebra, formando átomos menores e emitindo nêutrons. Esses nêutrons atingem outros átomos de urânio, que também se quebram e emitem nêutrons, e assim por diante, liberando radiação e calor – ou seja, energia. ................................... Atualmente a energia nuclear é explorada por 31 países e gera 16% da eletricidade mundial, o equivalente à produção total das represas hidroelétricas. Quase todos os 438 reatores atômicos, instalados em 210 centrais nucleares21, estão situadas nos países mais desenvolvidos, o que leva essa modalidade de geração de eletricidade a ser conhecida como “a energia dos ricos”. Com 103 usinas em funcionamento, os EUA encabeçam a lista dos países mais com maior quantidade de reatores, mas a França é, de longe, o mais dependente dessa modalidade de energia, que responde por 79% da eletricidade consumida pelos franceses22 (veja a tabela abaixo). Para entender o motivo que levou muitos países a optar pela energia nuclear, é preciso levar em conta que, hoje em dia, a principal alternativa a essa fonte de eletricidade são as usinas térmicas movidas a carvão. Conforme observam, em reportagem sobre o assunto, os jornalistas Flávio Carvalho Serpa e Raimundo Rodrigues Pereira, “uma usina térmica desse tipo com a potência de um dos 21 22 Dados de 2009. FERGUNSON, Charles D. “Nuclear Energy – Balancing Benefits and Risks”. Council Special Report, nº 28, abril 2007. Washington: Council on Foreign Relations. reatores menores de Fukushima consome algo como um comboio ferroviário de carvão por dia e deixa como resíduos, na forma de cinzas, o equivalente a metade dessa carga, além de emitir toneladas de dióxido de carbono, considerado o vilão do aquecimento global23”. Tabela: Participação da energia nuclear na geração de eletricidade por país País França Lituânia Bélgica Eslováquia Ucrânia Coréia do Sul Suécia Bulgária Armênia Eslovênia Hungria Finlândia Suíça Alemanha República Tcheca Japão Espanha Reino Unido Estados Unidos Rússia Canadá 23 % 79 70 56 56 49 45 45 44 43 42 37 33 32 31 31 29 20 20 19 16 15 CARVALHO SERPA, Flávio; PEREIRA, Raimundo Rodrigues. “Para entender a energia nuclear – As lições do desastre de Fukushima”, Retrato do Brasil, nº46, maio de 2011, São Paulo. Fonte: Agência Internacional de Energia, 2005 O urânio, mineral utilizado para abastecer os reatores atômicos, é relativamente abundante no mundo e se distribui geograficamente de forma mais equilibrada que o petróleo e o gás natural. As maiores reservas estão situadas na Austrália. Seguem-se as dos seguintes países, em ordem decrescente: Cazaquistão, Canadá, África do Sul, EUA, Namíbia e Brasil. As reservas brasileiras, concentradas no município de Lagoa Real, na Bahia, constituem 7% do total mundial, mas é provável que o estoque do Brasil seja bem maior, pois apenas uma pequena parte do seu território já foi pesquisada. Com duas usinas em funcionamento (Angra 1 e Angra 2, no litoral do Estado do Rio de Janeiro), o Brasil recorre à energia nuclear para suprir apenas 1% do seu suprimento de eletricidade. A operação de uma usina nuclear é semelhante à de uma termoelétrica. Ela produz eletricidade a partir do aquecimento de água, cujo vapor pressurizado move turbinas para a produção de energia. A diferença está no combustível utilizado nos reatores nucleares: o urânio enriquecido, já que o mineral necessita ser previamente processado para que a fissão libere mais energia. Dentro do reator, pastilhas de urânio, empilhadas em varetas de uma liga super-resistente, são utilizadas para produzir uma reação em que a ligação no núcleo dos átomos se rompe. Uma corrente de água, que atravessa o reator, capta o calor liberado pela fissão nuclear, produzindo o vapor que faz girar a turbina e os geradores de eletricidade. É durante esse processo que pode ocorrer um acidente grave: caso o reator nuclear superaqueça com uma liberação descontrolada de calor, as paredes protetoras podem derreter e liberar radioatividade24. No caso de Chernobyl, o acidente ocorreu porque o reator funcionava em um edifício comum, sem proteção especial, e tinha grafite entre seus componentes, elemento que entra em combustão quando aquecido demais. Nos anos seguintes, os cientistas desenvolveram sistemas de segurança extremamente sofisticados, em que o núcleo do reator é isolado por três camadas de proteção sucessivas, tal como nas famosas bonecas russas, as matrioshkas. Novos dispositivos tecnológicos foram introduzidos nas usinas com a finalidade de interromper imediatamente qualquer operação capaz de colocar os reatores em risco. A indústria nuclear anunciava, com orgulho, que catástrofes como a de Chernobyl haviam se tornado, definitivamente, coisa do passado. A partir daí, entende-se a perplexidade com o acidente de Fukushima, uma das maiores e mais modernas centrais nucleares do mundo, com seis reatores (dos quais dois explodiram e um terceiro sofreu uma explosão num tanque sob o reator, por onde vazaram toneladas de água contaminada com radiação25). 24 25 CAVALCANTE, Rodrigo. “O vilão virou herói”. Superinteressante, nº 241, julho 2007, São Paulo. CARVALHO SERPA; PEREIRA; 2011. À parte o risco de explosão e vazamento de radioatividade – que sempre existiu, como agora se constatou, tragicamente –, o calcanhar-de-aquiles dos reatores nucleares é o lixo atômico, formado pelos resíduos radioativos da fissão do urânio. Esse material, perigosíssimo para a saúde dos seres humanos e dos animais, permanece ativo durante milhares de anos, período em que deve ser mantido em barris revestidos de concreto e chumbo. O problema reside em achar um lugar seguro para guardar esses recipientes. A solução encontrada, até agora, tem sido a de enterrar o lixo atômico debaixo da terra – de preferência, em formações rochosas consideradas estáveis, isto é, com baixo risco de terremotos. Mesmo depois do acidente de Fukushima, quase todos os projetos de construção de novas usinas existentes previamente foram mantidos, principalmente em países em desenvolvimento que não encontram alternativas para ampliar a capacidade geradora de eletricidade. “O abandono de usinas nucleares pode ser viável em um país rico com a Alemanha, mas não no Paquistão, onde a população precisa urgentemente de energia, de qualquer fonte, de qualquer lugar”, afirmou o ministro da Ciência e Tecnologia do Paquistão, Khan Jamali, em um debate na edição de verão do Fórum Econômico Mundial, realizada em setembro de 2011 na cidade chinesa de Dalian26. A China, com 28 usinas nucleares em 26 “Construção de usinas nucleares não deve desacelerar após Fukushima”, O Estado de S.Paulo, Claudia Trevisan, 18 de setembro de 2011, p. A25. construção naquele ano e planos de iniciar outras 24, é país emergente que faz a aposta mais elevada nesse tipo de energia. Depois de Fukushima, o governo chinês determinou a revisão das normas de segurança de todas as usinas atômicas existentes e em obras, mas não suspendeu os projetos de expansão. Do mesmo modo, a Coréia do Sul mantém o cronograma de construir 12 novas unidades, que se juntarão às 20 em operação. 8. 5 O problema da proliferação nuclear: dois pesos, duas medidas Quando os EUA lançaram duas bombas atômicas contra o Japão – em Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945, e em Nagasaki, três dias depois – eles eram o único país a possuir aquela arma terrível, até então desconhecida. O monopólio estadunidense foi quebrado pela União Soviética, que realizou em 1948 sua primeira explosão nuclear experimental. Nos anos seguintes, Reino Unido, França e China seguiram pelo mesmo caminho. A ameaça que pairava sobre a humanidade era assustadora. Se nenhuma atitude fosse tomada para deter essa tendência, em pouco tempo as bombas atômicas estariam espalhadas por todos os continentes. Para conter o perigo, um número crescente de nações concordou em se filiar ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), estabelecido em 1968 e em vigor desde 1970. Desde então, quase 200 países já se comprometeram a abrir mão da produção e posse de armas nucleares, nos termos do TNP. A Guerra Fria passou das páginas dos jornais para os livros de História a partir da dissolução da URSS, em 1991. No entanto, o pesadelo de uma catástrofe nuclear permanece como um risco real. Na segunda década do século 21, acumulam-se as evidências de que novos países pretendem se somar aos oito que, comprovadamente, já possuem a bomba atômica. Os conhecimentos e os materiais necessários para a fabricação dessa arma escaparam de qualquer controle e muitos temem que venham a cair em mãos de terroristas. Todas as medidas até agora adotadas para conter a disseminação dos arsenais nucleares se mostraram ineficazes. Para entender o problema da proliferação nuclear, o ponto de partida é constatar as limitações do próprio TNP, até hoje a norma jurídica internacional mais importante nessa questão. O tratado, nascido no contexto da Guerra Fria, divide os países em duas categorias diferentes. De um lado, estão os que naquele momento já possuíam arma nuclear: EUA, URSS, Reino Unido, França e China. Esse grupo seleto, conhecido como os Cinco Grandes, reúne os países que, por sua própria segurança, tinham – e ainda têm – interesse em impedir a difusão do uso militar da energia atômica. Do outro lado, ficaram as demais nações. Quem adere ao TNP renuncia, automaticamente, à posse do armamento nuclear. O tratado impõe uma série de barreiras técnicas e políticas que tornam muito difícil aos países não-nuclearizados adquirir ou produzir os materiais necessários para construir armas nucleares. Esses países têm permissão para desenvolver, se quiserem, programas de energia nuclear com finalidades civis, como a produção de eletricidade. Mas, para isso, devem se submeter a um rigoroso sistema de salvaguardas estabelecido pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a fim de impedir que a tecnologia nuclear seja desviada para outros fins. Em contrapartida, por sua posição privilegiada, as potências nucleares se comprometeram, no TNP, a reduzir os próprios arsenais, gradativamente, até eliminá-los por completo. Durante as discussões do tratado, os Cinco Grandes assumiram também o compromisso de que jamais utilizariam bombas nucleares contra países filiados ao TNP que não possuíssem esse tipo de arma. Em um primeiro momento, muitos governos se negaram a assinar o tratado, devido ao seu caráter discriminatório. Com o tempo, porém, o TNP foi conquistando adesões. Dezenas de nações se convenceram de que era preferível, para a segurança coletiva da humanidade, renunciar à fabricação da bomba atômica e optar pelo uso pacífico da energia nuclear. Brasil e Argentina, que no início tinham tomado posição contra o TNP, resolveram deixar de lado o componente militar de seus programas nucleares – voltados, anteriormente, para a hipótese de um conflito entre os dois vizinhos no Cone Sul. Aderiram ao tratado. Rivalidade, agora, só nos campos de futebol. Atualmente, cerca de 40 países desenvolvem pesquisas para o uso civil da bomba atômica, sob o controle da AIEA. Houve, até mesmo, casos de países que aceitaram desmantelar seus arsenais nucleares, depois de já possuírem a bomba. Isso ocorreu com a África do Sul, após o fim do regime racista do apartheid, no início da década de 1990. Na mesma época, três antigas repúblicas soviéticas – Ucrânia, Bielorússia e Cazaquistão – concordaram em destruir os estoques de bombas atômicas instalados em seu território nos velhos tempos da Guerra Fria. Mas o TNP fracassou no objetivo de evitar completamente a proliferação nuclear. Ao menos três países – Paquistão, Índia e Israel – e, provavelmente, um quarto, a Coreia do Norte, conseguiram furar o bloqueio e construir bombas atômicas, com tecnologia e matérias-primas obtidas por meios clandestinos. Esse problema não seria tão grave se as potências nucleares originais tivessem, pelo menos, cumprido sua parte nos compromissos do TNP. Mas isso não aconteceu. A promessa de reduzir os arsenais nucleares nunca saiu do papel. Os Cinco Grandes prosseguiram em sua corrida enlouquecida para acumular bombas nucleares, acopladas a mísseis cada vez mais mortíferos, ao mesmo tempo em que tentavam convencer o resto do mundo a abrir mão desses artefatos de destruição. O fim da Guerra Fria suscitou a esperança de que o mundo, finalmente, ingressasse em uma era de desarmamento. Nova frustração. EUA e Rússia (herdeira de quase todo o arsenal atômico soviético) continuam a apostar nas armas nucleares como peça central de sua estratégia militar. Os acordos assinados entre as duas maiores potências nucleares no sentido de desmontar parcialmente seus arsenais atômicos estão paralisados. Hoje, os EUA possuem cerca de 5 mil ogivas nucleares de longo alcance, instalados em mísseis e em aviões – as chamadas “armas estratégicas”. A Rússia possui outras 4.300. A maioria dessas armas se encontra em posição de disparo, o que agrava o perigo de que alguma delas possa ser lançada por acidente ou sem autorização.