APRESENTAÇÃO Esta modesta obra é uma narrativa verídica e

Transcrição

APRESENTAÇÃO Esta modesta obra é uma narrativa verídica e
A Espada de Dâmocles
-Florivaldo de Almeida Pereira - Um advogado na prisão
APRESENTAÇÃO
Esta modesta obra é uma narrativa verídica
e análise de atos e fatos, referentes a arbitrariedades praticadas contra o
autor, advogado, contra seu filho L.R.,Policial Civil e contra seu afilhado
Marcelo, Policial Militar - e contra outros, que estiveram nas prisões ou que
ainda lá se encontram. É uma demonstração evidente daqueles atos
criminosos, como falsidades e torturas, que soem acontecer nos bastidores
policiais, judiciários e principalmente no sistema carcerário de São Paulo,
pela truculência e venalidade de alguns poucos policiais, carcereiros,
funcionários e Agentes de Segurança Penitenciária (antigos Guardas de
Presídio), mal instruídos, acobertados por uma minoria partícipe de alguns
maus Promotores de Justiça e maus Juizes. Todos, prepotentes e destituídos
de qualquer respeito à Lei e de um pouco de bom sentimento para com seu
semelhante, arvoram-se em donos da verdade e dos processos, intocáveis. E
tudo fazem para transformar o homem em animal irracional, que, ao invés
de ser recuperado, para sua volta à sociedade, dela se torna inimigo, até
perigoso, diplomado pelas Escolas do Crime, revoltado mais pelo ódio que se
lhe incute, em razão dos maus tratos a que é submetido - e a seus familiares
- como resultado dos abusos de poder contra os mais simples e naturais
Direitos Humanos.
Conta também sobre abusos sexuais na II Guerra Mundial
quando tropas alemãs invadiram a Polônia e as represálias que eram
praticadas pelas jovens violentadas pelos invasores.
Narra também a seqüência desses atos, após a luta pela expulsão dos
alemães pelos novos invasores, desta vez os russos. Tudo isso causou traumas
em uma bela jovem polonesa, a qual, após uma vida perigosa, criminosa até, e
peripécias, ao chegar ao Brasil, passou a viver com muita ansiedade,
intensamente, em busca de seu perdido tempo de juventude, a qual, por
ganância, chegou a praticar os mais desvairados gestos, até criminosos, até
envolvendo como vítima toda a família do autor, no bairro da Liberdade,
na Capital de São Paulo, o que autoriza seja a mesma cognominada de
A
FERA DA LIBERDADE.
É também uma prova evidente e inequívoca de que há DOIS PESOS E
DUAS MEDIDAS, e que aqueles que, por infelicidade, passam pelos Distritos
Policiais e são neles encarcerados, com determinação judicial ou não, ou presos
preventivamente, aguardando julgamento, ou aqueles
que hajam sido
condenados, sem direito de recorrerem em líberdade, e principalmente os que
tenham sentença condenatória definitiva são, sem sombra de dúvida, verdadeiras
VÍTIMAS DO SISTEMA (Policial - Judiciário – Carcerário)
e até de alguns
maus repórteres - que pensam ser ou se dizem jornalistas da imprensa falada,
escrita ou televisada}
Muitos presos, além dos maus tratos a que são submetidos, ainda
sofrem a angústia da longa espera dos julgamentos de seus processos e de seus
recursos (quase sempre indeferidos) e ainda a espera dos benefícios legais da
progressão de pena e outros (que são negados, na maioria das vezes) e, muitas
vezes, esperam a liberdade, continuando encarcerados mesmo depois de terem
cumprido suas penas. O descaso para com eles gera as rebeliões e os conflitos
com os Guardas, com a Polícia e mesmo com outros presos, resultando, em geral,
como é notório, um saldo negativo de feridos e mortos, para os dois lados. Enfim,
quem sofre é a própria sociedade, que paga seus impostos.
Essa forma desumana de tratamento para com os presos e também a
seus familiares, levou à criação de um movimento entre os presos dos diversos
presídios, numa tentativa de mudarem o sistema, para receberem o que têm di
direito, por meio de advogados a serem contratados, e de assistência para seus
familiares, pois as chamadas Casa do Egresso não funcionam, servindo apenas
para alguns poucos receberem as verbas destinadas àquele mister.
No início ficou combinado que, quando recebesse os benefícios da
progressão de pena – do regime semi-aberto, do regime aberto, da liberdade
condicional, e da liberdade completa, o preso contribuiria com uma quantia,
proporcional ao regime.
Além da alta taxa de desemprego, para receber a progressão para o
regime semi-aberto, o preso precisa de uma Carta de emprego e geralmente vai
receber muito pouco, insuficiente para seu transporte, e quase nada para sua
família.
As dificuldades aumentam, para conseguir novo trabalho, ou melhor
remuneração, para satisfazer aquela contribuição, e o preso volta a delinquir,
praticando crimes contra o patrimônio e, às vezes, contra a vida.
Essa nova maneira de agir, dos presos, deixou de ser uma associação
para o bem, e tornou-se o que hoje é chamada de facção, ou Partido
Esses maus Policiais, maus Promotores, maus Juizes, maus Guardas,
maus Carcereiros e maus Diretores de Presídios - são tumores dentro da
sociedade e, como praga ruim, devem ser extirpados.
Deixo de mencionar seus nomes com temor de que, como covardes que
são, agindo às ocultas, possam fazer algum mal a meus familiares, porque
Sei que, em represália, poderão
dilacerar minha carne,
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quebrar meus ossos,
tapar minha boca,
tirar minha liberdade,
mas minha alma não quebrantarão !
Se assim o fizerem, a ponto de tirarem minha vida,
meu espírito correrá, livre e solto.
E minhas palavras ficarão marcadas, para sempre,
para conhecimento de meus pósteros !...
Os assuntos aqui tratados servem de alerta para os jovens
(menores), para os estudantes em geral, em especial para os estudantes de
direito e para advogados. E para tantos outros que, convivendo ou não com
o Direito, desejam ter sua liberdade respeitada.
São, enfim, advertência e apelo, dirigidos aos homens de bem,
concitando-os a impedirem a continuidade dessas ilegalidades, para que não
venham a ser as próximas vítimas do sistema.
Manuscrito iniciado em novembro/1993, no Centro de Observação
Criminológica, em papel de embrulho e outros. Datilografação feita no
Presídio Militar “Romão Gomes”.
Terminado e levado a registro na Fundação Biblioteca Nacional em
07 de junho de 2.001, sob número 232.280 Livro 409 Folha 440.
Aproveito para oferecer-me a fazer palestras em Colégios,
Faculdades, Clubes de serviços, Associações, Sociedades de Amigos,
Sindicatos, firmas, Igrejas e onde mais existam pessoas que se interessem
pelo assunto.
As taxas eventualmente cobradas e a arrecadação com
vendagem, serão destinadas no trabalho de nossa Missão Evangélica
Mundial Monte Horebe, no ensino dos jovens e aos filhos de encarcerados,
com assistência material e ensino da Bíblia.
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22 ANOS DEPOIS, LAUDOS OFICIAIS DEMONSTRAM
FALSIDADES NAS PEÇAS DO INQUÉRITO POLICIAL, QUE PROVAM
A INOCÊNCIA DOS ACUSADOS, o que ensejou a apresentação de Pedido
de Revisão Criminal, apresentado junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, com 143 documentos, o que levou à continuação desta
obra, com o mesmo título, agora nº 2, iniciada em janeiro de 2.014,
tratando-se de um trabalho mais detalhado, com a transcrição completa
daquele Pedido, e impressão de 100.000 exemplares, para distribuição
gratuita nas Subseções da OAB do Estado de São Paulo.
O Autor
D e d i c a t ó r i a s
“Estive na prisão e não me visitaste”
Mateus 25:43
Dedico este Livro a meus colegas da Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco, hoje Ministros, Desembargadores, Procuradores
de Justiça, Advogados, Catedráticos, Empresários e Políticos, para que,
voltando no tempo, ao período entre os anos de 1957/1961, lembrem-se de
como éramos, de nossos ideais de Justiça , que perseguíamos, das batalhas
que, como estudantes da Velha Academia, visionários, travamos contra as
autoridades arbitrárias, contra os políticos corruptos, enfim, de tudo que
aprendemos juntos, formando nosso caráter, pois, rindo, castigávamos os
costumes...E para que se lembrem, também, de nosso juramento:
“Ego promitto me, semper principiis
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honestatis inhaerentem, mei gradus
muneribus, perfuncturum atque
operam meam in jure patrocinando,
justitia exequenda et bonis moribus
praecipiendis, nunquam causae
humanitatis defuturum”
Esse mesmo compromisso foi prestado por aqueles que nos sucederam,
nas Velhas Arcadas, como em outras Escolas de Direito, hoje também
Juizes, Promotores, Advogados, Delegados de Polícia e políticos...
Porém aqueles cinco anos já se foram e outros lustros se passaram.
Mudaram os tempos, mudaram os costumes, as pessoas e seus ideais. Alguns
chegaram até a se corromper. Tudo fizeram para subirem, nas escalas
sociais, e para se manterem no alto. E, lá de cima de seus pedestais, não se
dignaram a nos dar uma ajuda, por menor que fosse, uma palavra de
estímulo, um gesto prestado, de intercessão contra as injustiças que nos
estavam sendo feitas.
Uns... esqueceram-se da velha amizade, do
coleguismo... outros, como os primeiros, nem sequer se lembravam do
juramento...
Dedico ainda a meus colegas advogados, membros das Diretorias e
das Comissões de Prerrogativas e de Defesa dos Direitos Humanos, da
Ordem dos Advogados do Brasil - Secção de São Paulo (gestões
1992/1993/1994/1995) e a tantos outros, militantes ou não, que tomaram
conhecimento de nossas agruras e, como os supra mencionados, se
omitiram.
E dedico a esses todos, não como agradecimento, mas com um
sentimento de pena, desejando que jamais passem pelo que fomos obrigados a
passar, porque, fracos, certamente não poderão suportar. (houve uma única
exceção, como falarei, adiante, de um Homem íntegro e amigo...)
O Autor
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AGRADECIMENTOS
ESPECIAIS
Agradeço a meu Bom DEUS, por haver dado forças a mim e a meus
familiares, para suportarmos.
Agradeço a Nosso Senhor Jesus Cristo, por haver deixado Sua Palavra
e me mostrado o Caminho, por meio de Seus filhos Manuel Areias,
Presbítero da Igreja Assembléia de Deus, do Tucuruví, Ricardo Alberto
Abruzzio e José Roberto Sadala, Pregadores da Igreja Adventista de
Guarulhos, os quais, em deixando seus lares e seus momentos de lazer,
faziam um trabalho de evangelização para os presos do Presídio Militar
“Romão Gomes”, por meio do qual acabei sendo batizado nas águas, no dia
9 de outubro de 1997, como membro daquela primeira Igreja.
A minha sempre querida Edith, que, enquanto abnegada esposa,
premida pelas circunstâncias, foi obrigada a assumir o matriarcado,
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substituindo nossa pessoa na liderança da família e na condução de nossos
negócios.
A minha filha e a minhas netas, que apoiavam a mãe/avó, nas visitas
que nos faziam, nas prisões por onde fomos obrigados a passar, sujeitandose elas, como todas as outras mães, esposas e filhas, a revistas humilhantes e
vexatórias, em inspeções piores que nos campos nazistas.
A meu filho L.R. e a meu afilhado M.L.S., por haverem suportado
o sofrimento e a humilhação por que passaram, e, inobstante tudo isso, me
haverem dado demonstrações de carinho e afeto, durante certo tempo, por
cartas e recados, o que me amparava.
Ao Dr. José Marcos Silva, Juiz de Direito e aos funcionários do
Cartório do 1º Tribunal do Júri de S.Paulo
Aos Exmos. Srs. Juizes do Tribunal de Justiça Militar – Cel.
PM Avivaldi Nogueira Junior, Cel. PM Lourival Costa Ramos, Cel. PM
Ubirajara Almeida Gaspar, Dr. Octavio Leitão da Silveira e Dr. Evanir
Ferreira Castilho
Ao digno Procurador de Justiça no Tribunal de Justiça Militar,
Dr. Luis Roque Lombardo Barbosa.
Aos funcionários do Cartório das Execuções Criminais daquele
Tribunal, em especial para Marta Vieira Salles e Carla Pitelli Paschoal
Ao Dr. Elio Fernandes Nepomuceno, então Diretor do Centro de
Observação Criminológica, (C.O.C.) e a seus auxiliares, Dr. Manuel W.
Domingues e Dr. Mauricio Guarnieri
Aos oficiais da PM, que serviam no Presídio da Polícia Militar, por
me haverem recebido, me tolerado, como idoso, cheio de problemas de
saúde e por me haverem permitido que este trabalho fosse passado do
manuscrito para a datilografação. E também por me haverem mostrado que
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ainda há, no militarismo daquela corporação, com moldes à la francesa,
comportamento autoritário, para com os que lhes são subordinados, inda
maior para com os que estão na condição de presos, o que me ajudou a
fortalecer minha humildade e me fortaleceu em meu caráter.
Aos médicos do Hospital da Polícia Militar :-Ten.Cel. Pedro Janini
Filho, Major Antonio José Eça, Cap. Alberto Duarte, Cap. José Honório
Palma, Ten. Renato Castro Sanches Ten.José Celso Ardegh, Dr. Antonio
Afanasio, Ten. Paulo Kouiti Sakuramoto, Ten. Dorival Della Togna, e em
especial a Ten. Dra. Maria Regina Boeing Costa, que atendia a todos com
carinho e dedicação
Aos funcionários civís (como dona Lena) e militares daquele
nosocômio, principalmente aos que trabalham na U.T.I., onde fiquei por
cinco dias, em dezembro de 1995, acometido que fui de um segundo enfarte,
no PMRG.
Aos Drs. Cesar Andrade e Rubia Rodrigues (HPM), que me
atenderam no dia 30/3/98, devido a um ataque cardíaco e para cujo
Hospital fui levado de imediato por ordem dos Tenentes Alexandre
George Guimarães e João Roberto Scudelari, do PMRG.
Ao Dr. Ademar Gomes, que, na Presidência da Associação dos
Advogados Criminalistas de São Paulo,(de cuja reunião de fundação tive a
honra de participar), soube entender minha situação, quando passei para o
regime semi-aberto, e me deu condições de retornar ao convívio de meus
colegas e da sociedade, aceitando-me na Secretaria daquela entidade. E ao
funcionário Wilson, que me ensinou a operar um computador.
A Dra. Tania Bustamante Freire de Andrade, querida colega do
Estado do Acre, a quem conheci na ACRIMESP, a qual, em tendo se
instalado em São Paulo, ofereceu-me oportunidade de novo emprego, no
qual ampliei minhas atividades, usando meus conhecimentos na nobre e
difícil profissão de advogado, na defesa de direitos de meus companheiros
de prisão e de outros que estavam ou iriam estar no Sistema Carcerário, o
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que me levou a prosseguir, com um trabalho missionário em favor dos
presos do sistema
Aos antigos companheiros de infortúnio, presos naquele C.O.C., como
também aos presos da Casa de Detenção, da Penitenciária do Estado, do 5º
Distrito Policial, do 91º Distrito Policial e do Presídio Militar “Romão
Gomes”, por me haverem mostrado nova ótica da sofrida vida carcerária e
me ensinado os meios necessários a uma sobrevivência digna.
Meus agradecimentos são extensivos aos funcionários e Guardas,
com algumas exceções, como se verá a seguir
Agradeço de coração ao Desembargador Dr. Pedro Ricardo Gagliardi,
digno membro da Magistratura Paulista, honrada com seus julgados, com
sua postura escorreita e na qual está situado, tendo ocupado, por seus
méritos, sabedoria e humildade, o alto posto de Presidente do Tribunal de
Alçada Criminal do Estado de São Paulo. E o faço porque S.Exa. foi o único
de meus contemporâneos de Faculdade a reconhecer a situação arbitrária,
ilegal e desumana em que eu me encontrava, preso no C.O.C. e que muito
me ajudou, na condição de um verdadeiro amigo, para que aquela situação
mudasse, com meu encaminhamento para Prisão Militar.
O Autor
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PREÂMBULO
“A norma foi feita para ser violada...”
Esta foi a primeira expressão que ouvi, proferida pelo Dr. Goffredo da
Silva Teles Junior,, Professor Emérito da Faculdade de Direito do Largo de
São Francisco, em minha primeira aula, no curso que se iniciava em 1957.
Devo dizer que estranhei muito, pois fôra eu um jovem policial militar e
estava nos quadros da Polícia Técnica, habituado a obedecer normas e fazer
com que fossem cumpridas.
Porém o tempo e as experiências vividas vieram demonstrar que aquela
expressão era uma grande verdade:
- a norma deve existir somente no papel, para dar a impressão a
quem a lê, de que alguém se preocupou com algum problema e que
apresentou solução, mas a verdade é bem outra...
Existem milhares de normas jurídicas, as quais seriam maravilhosas,
em proveito do bem estar social, se fossem respeitadas, como por exemplo:
Na Constituição Federal encontramos:
art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
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República Federativa do Brasil:
I-
construir uma sociedade livre, JUSTA e
solidária
(mentira ! nossa sociedade NÃO É JUSTA !)
art. 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas
suas relações internacionais pelos seguintes princípios
I - .......................................................................................
II prevalência dos DIREITOS HUMANOS
(mentira ! os DIREITOS HUMANOS SÃO
IGNORADOS)
Dos direitos e deveres individuais e coletivos
art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos
nos termos seguintes:
( mentira ! Existe desigualdade, existem
preconceitos, não há respeito à vida, à liberdade,
e a outros direitos, com distinção para os
estrangeiros, beneficiados pelo simples fato de
serem diferentes, economicamente...))
...........................................................................................
III -
Ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento
desumano ou degradante;
(mentira ! muitos homens e mulheres são vítimas
de tratamento desumano, degradante, e as pessoas
que, eventualmente são detidas ou presas, são vítimas
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freqüentes de torturas. Existiu até um “ Manual Militar
de Tortura” e que era e ainda é usado como Cartilha
por algumas “autoridades”, com intuito ilícito
de arrancarem “confissões”...Cheguei a ver preso ser
morto a pauladas)
......................................................................................
X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas;
(mentira ! As más autoridades e os maus repórteres, uns
procurando
notoriedade, outros por dinheiro,, pouco se importam com esses direitos,
violando-os com má intenção, levando a público fatos da vida de alguém,
conspurcando sua honra e fazendo sensacionalismo barato com a imagem
desse alguém, antes mesmo de qualquer julgamento pela Justiça)
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador,
salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
(mentira ! Os maus policiais invadem mesmo,
principalmente se for casa de pobre. A ordem
judicial é pedida e obtida posteriormente, se
for o caso)
XII ...................................................................................
XIII - A lei considerará crimes inafiançáveis e
insuscetíveis de graça ou anistia as torturas;
(mentira! Torturadores dificilmente são apanhados, e,
quando conhecidos, raramente são punidos)
XVII - Não haverá penas:
a - ............................
e – cruéis
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(mentira ! Pode não haver no papel, mas muitos presos são constrangidos a
cumprirem suas penas em solitárias, as quais, conforme a lei, não podem
existir, mas que, em verdade, existem. E as autoridades e as pessoas que se
intitulam defensores dos “direitos humanos” fazem vistas grossas. Provas da
existência dessas chamadas celas fortes - as dezenas de presos mortos por
asfixia, no 5º Distrito Policial e no 42º Distrito Policia, em São Paulo )
XLIX - É assegurado aos presos o respeito à integridade
física e moral
(mentira ! ah! ah! ah! Não existe esse direito)
LV - ...e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios
e recursos a ela inerentes
(mentira! advogados há que não querem se
indispor com os Juizes e/ou com os acusadores
e fazem o jogo dos mesmos , resultando, é obvio,
na condenação de quem deveriam defender)
LVI - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou
por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente
(mentira ! a Polícia, em geral, primeiro efetua a
prisão para depois solicitar e obter a tal ordem
escrita, nem sempre bem fundamentada pelo Juiz)
LXII - A prisão de qualquer pessoa e local onde
se encontre serão comunicados imediatamente
ao Juiz competente e à família do preso ou
pessoa por ele indicada
(mentira ! na maioria das vezes a prisão é
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ocultada da família, que vai de Seca a Meca
à procura do familiar)
LXIII - O preso será informado de seus direitos,
entre os quais o de permanecer calado,
sendo-lhe assegurada assistência da família
e de advogado
mentira! Isso só acontece nos filmes. No Brasil
essa regra não entrou em uso. Fazem constar
no papel, mas em verdade nada é dito à pessoa
presa. Porém, se a pessoa ficar muda irá criar
na cabeça do policial ou do Juiz, o pensamento
preconceituoso de que assim agiu para ganhar
tempo e ter condições de inventar álibis. Se o
preso fala, pode se dar mal, até mesmo sendo
confundido. Se se cala ,acaba sendo mal
interpretado, como se estivesse consentindo com o
o que se lhe imputam)
Art.136 3º IV - É vedada a incomunicabilidade do
preso
(Mentira ! na maior parte das vezes o preso é
levado de um Distrito Policial para outro,
passando por vários deles, principalmente se tiver
sido agredido ou torturado pelos policiais - o preso
só vai aparecer depois que os sinais da agressão
desaparecerem. No 5º DP eu e meu filho fomos
mantidos incomunicáveis, dentro de uma cela que
media apenas 0,90m x 3,10m))
art.153 - par.13 - Nenhuma pena passará da pessoa
do delinqüente
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Mentira! não é só o preso que cumpre sua pena,
a qual é indiretamente estendida seus familiares,
nos dias de visita e fora deles)
Código Penal - art. 38
“o preso conserva todos os direitos não atingidos
pela perda de liberdade, impondo-se a todas as
autoridades o respeito à integridade física e
moral”
(mentira ! os presos, sem exceção, sofrem viola-/
ções a esses direitos. São agredidos até na frente
de seus familiares e são expostos ao sensacionalismo, para darem notoriedade aos Policiais)
Também no ESTATUTO DO ADVOGADO
antiga Lei 4215, de 27/4/63 constava:
art.89 - São direitos do advogado...
V - não ser recolhido preso antes de sentença
definitiva senão em Sala Especial
de Estado Maior
(Era uma grande MENTIRA, pois o advogado, ao ser preso,
imediatamente era mandado para qualquer lugar, até
mesmo para Distritos Policiais, junto a presos comuns)
Esse artigo, no Estatuto posterior, ou Lei nº 8.906 de
4/7/94, recebeu acréscimo, tendo ficado com a seguinte
redação:
art. 7º - São direitos do advogado:
........................................................................................
V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada
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em julgado, senão em Sala de Estado Maior, com
instalações e comodidades condignas, assim
reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão
domiciliar;
(MAIS UMA GRANDE M E N T I R A !
Não existe, no Estado de São Paulo, uma única Sala de Estado Maior, que
seja especial e que possa servir para prisão de advogado, conforme ofícios do
Exército, da Polícia Militar, da Secretaria de Segurança Pública, do Sistema
Penitenciário e outros. E a OAB, pelo menos em São Paulo, nada faz e nada fez,
em meu caso, para que tal direito prevalecesse. Iniciaram, isto sim, devido a
uma representação de meu próprio "defensor" um Processo Disciplinar,
tentando me expulsar dos Quadros da Ordem, fundamentando-se nos novos
Estatutos, quando que, pelos anteriores, em vigor à época dos fatos em que fui
envolvido, nem sequer podiam tomar essa atitude. Porém, felizmente, tal ato foi
somente de um ou dois, não contaminando toda a Ordem dos Advogados.
Posteriormente acabei sendo absolvido por unanimidade pelos Conselheiros do
Tribunal de Ética e Disciplina)
Continuando – Regulamenta a Prisão Especial o Decreto nº
38.016 - de 5/outubro de 1.955
art. 1º - Os Diretores de prisões e os Comandantes de unidades militares,
ao receberem os presos beneficiados com “Prisão Especial” observarão a
legislação específica existente e também o que prescreve o art. 288 do
Código de Processo Penal
e ainda, no mesmo sentido
art. 288 do Código de Processo Penal “ninguém será recolhido à prisão, sem que seja exibido o mandado ao
respectivo Diretor ou Carcereiro, a quem será entregue cópia assinada pelo
executor ou apresentada a guia expedida pela autoridade competente, devendo
ser passado recibo da entrega do preso, com declaração de dia e hora” )
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...................................................................................................
art. 3º - É assegurado ao detido:
I - Alojamento condigno, alimentação e recreio.......
II - O uso de seu próprio vestuário, .....
(mentira ! No 5º Distrito Policial onde fiquei preso, inicialmente, fui colocado
em uma cela exígua, medindo apenas 0,90 X 3,10, junto a outros, no maior
sofrimento...
No Centro de Observação Criminológica, considerado prisão de Segurança
Máxima, o preso é obrigado a usar roupas padronizadas, como calças e
camiseta, seja no verão ou no inverno, e também nos dias de visita, sujeitandose a sí e a seus familiares ao vexame da roupa marcada. As roupas
particulares devem seguir o padrão e também são marcadas com o nome do
Presídio, em letras garrafais. (Roupas de inverno, que deveriam ser entregues
aos presos, “desaparecem”) De igual forma, no Presídio Militar o preso é
obrigado a envergar macacão, permitida sua substituição nos dias de visitas )
III - Assistência de seus advogados, sem restrições
(Mentira! os Presídios desobedecem a norma de que
"o advogado pode ingressar livremente, desde que se
ache presente um funcionário". Estabelecem horario e, se o advogado chega até uma hora antes do
fim do expediente, é impedido de entrar, sob a alegação de que “não dá mais tempo”.
Observações –
Certo dia, na Casa de Detenção,
presenciei uma advogada, com alguns
cartuchos calibre “38, os quais ela passava a um preso.
Dias depois houve uma rebelião armada.
Alguns advogados, no Rio de Janeiro
estavam sob suspeita de serem “correios”, pois atendiam
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vários presos ao mesmo tempo, os quais se valiam dos
celulares de seus patronos, para se comunicarem com
outros presos, em presídios distintos e assim organizarem
rebeliões etc. (em São Paulo proíbem que advogado entre
portando celular).
Em decorrência desses fatos a OAB do
Rio estaria “sugerindo” revista geral em todos os advogados
(como se fossem presos...) antes de terem entrevistas com
seus clientes(VERDADEIRO ABSURDO),contrariando uma
prerrogativa do profissional - de comunicar-se pessoal
e reservadamente com seu cliente-..
AQUI VAI NOSSA SUGESTÃO
Por quê, em vez de procurarem restringir as prerrogativas
dos advogados não se criam salas de entrevistas dotadas de
telas ou vidros, com interfones, para a comunicação entre
UM único preso, de cada vez, e seu advogado ?Assim é na
Penitenciária Feminina do Tatuapé, em São Paulo
Prosseguindo:IV - Visita de parentes e amigos em horário
previamente fixado
V - Visita de ascendentes, descendentes, irmãos e
cônjuge do detido, durante o expediente, sem
horário determinado. Em casos excepcionais,
a critério do Diretor ou do Comandante,
poderá a visita iniciar-se e prolongar-se fora
do horário de expediente
(mentira ! No 91º Distrito Policial, que era utilizado como Prisão Especial,
prevalece a ordem do Delegado Diretor - visitas só nos dias e horários prédeterminados. No Centro de Observação ocorre o mesmo - visitas fora dos
dias e horários pré-fixados somente como diz a lei - excepcionalmente, muito
excepcionalmente). No Presídio Militar “Romão Gomes” nada é diferente 18
salvo se as visitas forem feitas dentro do horário normal de expediente ou
aquelas que são concedidas como prêmio a alguns poucos, que trabalham para
o estabelecimento, mais próximos dos oficiais,)
VI - Recepção e transmissão de correspondência
livremente, salvo nos casos em que a autoridade
competente recomendar censura prévia
( Mentira ! A censura prévia é a regra, não havendo exceção)
VII - Assistência religiosa, sempre que possível
VIII - Assistência de médico particular
(mentira ! médico oficial, nos presídios comuns, presta tal assistência, para
meras consultas, que resultam sempre na prescrição de um mesmo
medicamento para qualquer um e para qualquer caso, com exceções aqui
mencionadas. De igual forma, no C.O.C. não havia dentista e um consultório
dentário foi instalado, depois de meses de pedidos, para que eu pudesse ser
atendido por dentista particular – Dra. Samira – que, por minha conta,
atendeu também alguns presos necessitados )
IX - Alimentação enviada pela família ou amigos, em
casos especiais e com autorização do Diretor ou
Comandante
(mentira ! No 5º Distrito Policial sofri a tortura da
fome. No Centro de Observação Criminológica era
praxe impedir a entrada de quase todos os tipos de
alimentos e os pratos eram “vistoriados” pelos
funcionários, que os “provavam” antes, metendo a
colher. No Presídio Romão Gomes” houve obstação
ao recebimento de alimentos, via sedex, mesmo tendo
sido autorizado pelo Capitão Chefe da Seção Penal,
por ser a primeira vez.. A Guarda recusou recebê-los,
porque não havia sido “informada” .Tais alimentos
voltaram deteriorados. Tive que esperar visita normal
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semanal. Até então fiquei sem alimentação condigna.
Houve caso, também, nesse Presídio Militar, em que,
por ordem médica, eu devia abster-me de alimentos
com sal - O Major sub-comandante, que, antes de
minha prisão, fôra meu amigo, impedia-me de receber
tais alimentos)
X - Transporte diferente do empregado para os
presos comuns
(Mentira ! No C.O.C. até advogado, sem sentença
condenatória definitiva, é transportado na parte da
viatura que é chamada “chiqueirinho”, apertado com
outros, onde dificilmente caberia um, de médio porte,
e algemado. Às vezes são usados os caminhões
de presos, chamados “bondão”. Em ambos os casos os motoristas
vão brecando e acelerando, aos trancos, fazendo curvas em
grande velocidade, de modo que os transportados sejam jogados
para a frente e para trás, ou para os lados, uns sobre os outros,
como se fossem animais. Nos dois tipos o calor é insuportável.
No PMRG não era diferente. Só depois de "promoção" do preso
para um estágio considerado melhor, ele passa a receber tal "benefício")
XI - Direito de representar desde que o faça em termos
respeitosos e por intermédio do Diretor ou do
Comandante. As petições insultuosas ou com
expressões menos recomendáveis não serão
encaminhadas
(Não haveria necessidade dessa observação. Óbvio
que petição desrespeitosa não seria encaminhada.
E o preso não seria tão ingênuo, porque o castigo
não seria o desatendimento, mas sim o castigo
físico, que por certo lhe seria aplicado)
20
.-.-.-.-.-.-.-.
Prosseguindo - outras leis tratam da chamada Prisão Especial, mas
que, como as anteriores, existem apenas no papel, “para inglês ver”. Não são
cumpridas, não são respeitadas pelas próprias autoridades, sejam estas
quais forem.
Por exemplo:Lei nº 5256 de 6 de abril de 1967 PRISÃO ESPECIAL
art. 1º Nas localidades em que não houver estabelecimento
adequado ao recolhimento dos que tenham direito a prisão especial, o Juiz,
considerando a gravidade,
as circunstâncias do crime, ouvido o
representante do Ministério Público, poderá autorizar a prisão do réu ou
do indiciado na própria residência, de onde não poderá afastar-se sem
prévio consentimento judicial.
art. 2º - A prisão domiciliar não exonera o réu ou indiciado da
obrigação de comparecer aos atos policiais ou judiciais para os quais for
convocado, ficando ainda sujeito a outras limitações que o Juiz considerar
indispensáveis à investigação policial e à instrução criminal.
art. 3º Por ato de ofício de Juiz, a requerimento do Ministério
Público ou da autoridade policial, o beneficiário da prisão domiciliar
poderá ser submetido a vigilância policial, exercida com discrição e sem
constrangimento para o réu ou indiciado e sua família.
art. 4ºA violação de qualquer das condições impostas na
conformidade da presente Lei implicará na perda do benefício da prisão
domiciliar, devendo o réu ou indiciado ser recolhido a estabelecimento
penal, onde permanecerá separado dos demais presos.
Mais mentiras! Muito discutível esta Lei. O Ministério Público, com
raríssimas exceções, concorda com a concessão de P.A.D.. Mesmo que o
magistrado entenda por bem concedê-la, o Dr.Promotor de Justiça irá a ela
se opor, lutando com todos os meios, até os escusos, para conseguir com que
o benefício seja revogado.
21
Aquele que tem direito
a
Prisão Especial, contudo, NÃO
PERMANECE SEPARADO DOS DEMAIS PRESOS, ficando em
promiscuidade, como preso comum.
.-.-.-.-.-.
LEI DE IMPRENSA
Essa Lei proíbe divulgação de fatos não verdadeiros. Contudo, para
maior vendagem e maior audiência, os jornais e redes de televisão não se
importam se o fato é verdadeiro ou não. E com a divulgação praticam
crimes contra a honra do réu, conspurcando não só a moral do preso como
de seus
familiares (Vide abaixo Inciso VIII).
A Lei de número 7.210/84, chamada de LEP ou Lei das Execuções
Penais, em seu artigo 41, menciona:
“Constituem direitos do preso:
I - alimentação suficiente e vestuário
II - atribuição do trabalho e sua remuneração
..........................................................................................
V - proporcionalidade na distribuição do tempo
para o trabalho, o descanso e a recreação
VI - exercício das atividades profissionais,
intelectuais, artísticas e desportivas
VII - assistência material: à saúde, jurídica,
educacional, social e religiosa
VIII - proteção contra qualquer forma de
sensacionalismo (o grifo é nosso)
(Vide Lei de Imprensa - acima)
IX - a advogado
X-
visita de cônjuge, da companheira, de parentes
22
e amigos, em dias determinados
XI - chamamento nominal (MENTIRA! o normal é
ser chamado de “ladrão”, não importa o crime
que tenha sido praticado. No PMRG chama-se
pelo número atribuído ao preso)
XII - igualdade de tratamento, salvo quanto às
exigências de individualização da pena
XIII - audiência especial com o Diretor do
estabelecimento
(Mentira! raramente o preso pode falar com tal
autoridade. Há sempre um intermediário)
XIV - representação e petição a qualquer autoridade
em defesa do direito
XV- contato com o mundo exterior, por correspondência
escrita, leitura e outros meios de informação que
não comprometam os bons costumes
É TUDO MENTIRA !
SÃO LEIS DEMAGÓGICAS, QUE
NÃO PASSAM DE HIPOCRISIAS,
VERDADES APENAS NO PAPEL,
POIS A REALIDADE É OUTRA !
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DA PRISÃO PREVENTIVA (I)
“A prisão, antes da condenação, é sempre uma injustiça,
e não raramente, uma crueldade, porque, por suspeitas
falazes ela se decreta, levando assim uma perturbação
ao seio de uma família e privando de sua liberdade
cidadãos honestíssimos; aliás, da estatística judiciária
criminal,verifica-se que sessenta por cento dos indivíduos
são absolvidos.
Acresce-se que a Prisão Preventiva,
principalmente com a mania de decretá-la por simples
suspeita, é uma poderosa causa de desmoralização.
Desmoraliza por natureza própria porque deprime e
abate o sentimento de dignidade pessoal em quem, depois
de haver levado vida honesta, se vê vítima de um labéu
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desmerecido, sente-se decaído na opinião de seus
concidadãos, adquire ódio à sociedade, familiariza-se com
a prisão, e, em suma, destrói a confiança na vida ilibada.
Desmoraliza, da mesma forma com que é praticada,
porque, em geral, atira-se um simples indiciado no
cárcere promíscuo, entre vagabundos, facínoras, e
mulheres impúdicas. Se, com dizem, é um mal necessário,
sejam os casos restritos e reduzidos dentro dos limites
das mais restritas necessidades e ordenando-se de modo a
não ser um tirocínio de perversão moral”
(Comentários ao Código Penal
3ª Ed. ERT 1982 - pgs.418/419 BORGES DA ROSA, citando CARRARA)
DA PRISÃO PREVENTIVA (II)
“
A prisão de alguém sem sentença condenatória
transitada em julgado é uma violência que somente
situações especialíssimas devem ensejar. Ao Juiz
não é dado julgar, utilizando-se de fatos que conhece
em razão de sua ciência privada. O Juiz não tem
compromisso imediato com a segurança pública, no
caso a ordem constituida. Sua preocupação imediata,
no campo criminal, é com o estado de inocência do réu
e com o “ due process of law ”. A segurança pública
deve decorrer de uma ordem justa.E sem o respeito à
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à pessoa humana não haverá Justiça, e, portanto,
tanto a segurança como a ordem são meras criaturas
impostas por um Estado autoritário, onde o Judiciário
como poder, não tem razão de ser. “
RT 540/336,337
542/402
Boletim AASP 1336 pg. 180
Não sou escritor, não tenho qualquer estilo literário nem qualquer
pretensão. Sou um simples advogado, da turma 1.957/61, da Velha Academia
do Largo de São Francisco (USP). Participei ativa e intensamente, da vida
estudantil, no Centro Acadêmico “XI de agosto”, na defesa intransigente dos
direitos humanos, direitos da sociedade e direitos dos presos, comuns,
militares ou políticos. Fui forjado como um batalhador do direito, sob a égide
da balança e da espada, com as doze tábuas da Justiça e pela Lei (símbolo do
equilíbrio social, segundo Ihering). Enfim, aprendi a pugnar pelo equilíbrio
social.
Mas vamos aos fatos ...
Em São Paulo, mais precisamente na Capital, nenhum daqueles
direitos ou prerrogativas (maiores que direitos) dos advogados, recebe o
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devido respeito e acatamento por diversas autoridades, desde o simples
policial de rua até seus superiores.
Não são todos, graças a Deus, mas uma grande parcela daqueles que
deveriam fazer cumprir a Lei e daqueles que deveriam promover e distribuir
a Justiça. E estas afirmações serão demonstradas - e provadas - neste relato
simples, de atos e fatos, os quais, por interesses econômicos de uns,
prevaricações de outros, foram praticados por diversas pessoas,
individualmente ou agrupadas em verdadeiras quadrilhas, com atos de
violência, de arbitrariedades, de abuso de poder, até com torturas,
culminando com o encarceramento de um velho advogado (o autor), de seu
filho, policial civil, e de seu afilhado/filho de criação, policial militar. O
primeiro acabou recebendo uma condenação de vinte anos de reclusão e os
dois jovens as penas de quinze anos de reclusão, para cada um. Os três não
tiveram, como a grande maioria dos que passam pelas Delegacias de Polícia,
sequer o direito de se reservarem para serem ouvidos em Juízo e de
aguardarem em liberdade a instrução do processo.
O advogado/réu, mesmo em tendo se apresentado espontaneamente ao
Juiz Presidente do Tribunal do Júri, e os dois rapazes, depois de condenados,
não tiveram o direito de recorrerem em liberdade. O advogado, que, antes do
julgamento, havia sido beneficiado com a Prisão Albergue Domiciliar, teve
esse
benefício revogado, sem que lhe fosse concedido o direito do
contraditório, em pedido apresentado pelo Promotor do feito, com alegação
duvidosa e leviana, porque uma testemunha não comparecera à audiência (de
cuja oitiva o próprio Ministério Público havia desistido).
Essa alegação, em cota, dizia:
“é bem provável que a testemunha não tenha
comparecido porque o réu Florivaldo a estaria
ameaçando...”
Ora, nenhuma consistência havia, mas mesmo assim o Promotor pediu
que o benefício da P.A.D. fosse cancelado e requisitou a instauração de
Inquérito Policial contra o advogado. A autoridade policial atendeu
prontamente, e, sem sequer ter ouvido o réu, relatou sobre a “apuração das
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investigações”, ensejando processo criminal. Isso foi amplamente aproveitado
pelo Promotor, na hora do julgamento, pois os jurados entenderam que, se
tivesse havido a ameaça, certamente eu teria culpa no Cartório. E nosso
defensor não pediu para esperar o resultado do tal processo de ameaça.
Porém, nesse novo feito contra o advogado, a própria “vítima” declarou ao
Juiz que não tinha havido qualquer ameaça - e a absolvição coroou o réu,
naquele processo - (mas ficaria em minha ficha a existência do mesmo).
.-.-.-.-.
Nós três estávamos sendo acusados como autores de seqüestro, morte
e ocultação de cadáver, de um rapaz - ladrão e traficante de drogas, conforme
se verificou posteriormente - que nem sequer conhecíamos. E isso tudo
resultou no abalo físico, moral e financeiro de nós três e no desmantelamento
das nossas famílias – minha e a de minha filha, chegando a atingir outros
familiares e parentes, além de vermos afastados os então amigos, não só pelos
atos que nos eram imputados como pelo sensacionalismo (proibido por lei) que
a autoridade policial e alguns maus repórteres divulgaram, causando o maior
espalhafato, em busca de notoriedade e ascensão, usando jornais e televisão
de grande renome como se fossem meramente da chamada imprensa marrom.
.-.-.-.-.- A ESPADA DE DÂMOCLES -
A FERA DA LIBERDADE -
- DOIS PESOS DUAS MEDIDAS - AS VÍTIMAS DO SISTEMA
-
-
UM ADVOGADO NA PRISÃO -
Dâmocles era cortesão de Siracusa. Viveu no fim do século IV e início
do V. Era contemporâneo de Dionísio, cuja felicidade invejava. Este resolveu
mostrar a Dâmocles a precariedade da ventura dos reis. Convidou-o a
presidir um régio banquete. No meio de sua euforia Dâmocles ergueu os olhos
e percebeu que havia, sobre sua cabeça, uma espada afiada, sustentada
apenas por um fio de crina de cavalo.
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Daí advêm duas expressões – “com a vida por um fio” e “a espada de
Dâmocles”, com idêntico significado, simbolizando o perigo que pode pairar
sobre a cabeça do homem, ameaçando sua vida, mesmo em seu pleno apogeu.
Por isso este livro tem seu nome. Todos estão sujeitos ao perigo. Os
homens têm sempre sua liberdade ameaçada. Os presos têm sempre suas
vidas ameaçadas. Não importa se o homem é de origem pobre ou se está em
abastança. Ninguém escapa de seu próprio destino. E sua sorte não é o
homem que traça, mas seu semelhante, inda mais se está subordinado a este,
na condição de subalterno, de empregado, de encarcerado...
A FERA DA LIBERDADE
Desculpem-me pela aparente prolixidade, mas acontece que se torna
imprescindível apresentar, para serem submetidos ao crivo dos leitores, os
fatos geradores de vícios, defeitos, nulidades e injustiças, ocorridos em
processos cíveis e em inquéritos policiais, nos quais eu era, na maioria das
vezes, requerente ou vítima, e, em outras poucas, indiciado e réu. Os litígios
eram sempre entre mim e minha ex-madrasta, de nome Alexandra
Draganow, uma mulher apátrida, nascida na Polônia e que viveu e sobreviveu
aos traumas da Segunda Guerra Mundial.
.-.-.-.-.-.19/novembro/1.993 - Centro de Observação Criminológica, prisão de
Segurança Máxima - Pavilhão 4 Estou com sessenta e dois anos. Triste, pensativo, cabisbaixo, sentado
em minha “jega”, cotovelos apoiados nos joelhos, dedos enroscados nos
cabelos, encerrado dentro de uma exígua cela de cimento e ferro, solitária,
isolado de tudo e de todos. Mentalizo - meu DEUS, que estou fazendo aqui?
Aqui não é meu lugar. Quê fizeram comigo? ?
(vide figura anexa, na capa do livro)
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O calor é insuportável, janela gradeada, envidraçada. Porta de aço,
com pequena abertura para passagem de alimento e por onde os guardas, em
suas rondas, verificam se ainda estamos ali e se estamos vivos. Para esta
confirmação, somos obrigados a responder às batidas de chaves, que os
guardas dão na superfície daquela abertura, na qual se coloca a caneca
plástica para se receber um líquido preto que dizem ser café. Falta água, já
há algum tempo, um, dois, três dias seguidos, pois os registros são fechados
por fora, pelos guardas.
O sol bate diretamente na porta de aço, pela manhã, até por volta das
oito horas, tornando o lugar um verdadeiro forno. Passo o tempo todo só de
cuecas, suando em bicas. Felizmente tenho alguma água trazida pela família
ou que me chega por meio dos outros presos, nas suas ardilosas maneiras de
enganar a vigilância. Pela pequena abertura entra a luz do rei Sol, que eu
recebo em meu abdome, postado, em pé, quase junto a ela. Dura apenas
alguns minutos, mas o calor vem direto. São os poucos momentos que tenho
de “direito ao sol” (necessário para a fixação do cálcio no corpo, sem o que
chegam a cair os dentes, como vi, depois, acontecer com alguns presos e o que
se passaria também comigo). Pela falta de ventilação o recinto se aquece cada
vez mais e a temperatura aumenta mais ainda quando o sol passa sobre a
laje/telhado, que cobre a cela, e começa a incidir sobre o outro lado da cela,
desta vez pela janela, passando por entre as grades. O ar fica viciado, não só
pelo calor, pela diminuição do oxigênio, mas também pelo fedor das fezes e da
urina, no vaso sanitário (chamado de “boi”) instalado ao lado da pia, esta aos
pés da enxêrga de cimento, ou “jéga”, no jargão carcerário. Isso tudo porque
estou preso “de castigo”, já por vinte dias, porque (pensava eu) os guardas
haviam “encontrado” uma cédula de cem cruzeiros (cinco centavos de real),
pois era proibido ter “dinheiro”, para evitar comércio entre os presos (essa
quantia não dava sequer para comprar uma bala ou um chiclete). E esses vinte
dias integram já seis meses de prisão, cinco dos quais dentro desta
penitenciária, considerada de Segurança Máxima, transferido que vim, de um
Distrito Policial (91º D.P.), o qual é tido como Especial para receber presos
portadores de diplomas universitários, políticos, Guardas Metropolitanos,
devedores de pensão alimentícia, e outros. Mas a razão do castigo era outra,
ordenada pelo médico (direi em seguida). Fui, inicialmente, levado para esse
Distrito porque...
30
bem, permitam-me os leitores voltar no tempo e, como diz o povo,
começar desde o começo...
...em 1.969 eu abri uma lanchonete na rua São Joaquim, em salão de três
portas, em prédio de nossa propriedade. Meu pai insistiu para que eu desse
emprego para um rapaz de quinze anos, filho de minha inquilina, de nome
Alexandra Fodor. Certo dia, porque o rapazinho nada sabia fazer e só se
esquivava de trabalhar, mandei-o embora. Ele entrou no prédio e voltou com
a mãe, minha inquilina, que veio tomar satisfações comigo. Ela portava um
chicotinho, feito com pata de veado, com o qual passou a me agredir. Segurei
o chicote, em minha defesa. Era o que ela queria ... imediatamente ela deixou
comigo aquela parte que eu segurava e puxou a outra parte, que era uma
lâmina, dentro da bainha dissimulada. Enquanto eu fiquei com aquela parte
ela tentou enfiar a lâmina em minha barriga. Felizmente eu conhecia artes
marciais (eu era dono de uma academia, em outro salão, em um outro prédio,
também nosso e dava aulas de defesa pessoal,). Segurei-lhe o pulso e a
imobilizei. Quando ela estava contida meu pai chegou, atraído pelos gritos e
palavrões que ela soltava. Por insistência dele não fomos para a Delegacia.
Tudo terminaria ali...
.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.Em outubro de 1.970, tive uma visão, na qual eu ví uma cena de
atropelamento e a vítima era meu segundo filho, então com cinco anos e oito
meses. O tempo se passou, fiz de tudo para evitar que aquilo se transformasse
em realidade, procurando lugares onde não existissem veículos. Porém, no dia
23 de outubro do ano seguinte, quando uns amigos ciganos inauguravam sua
casa nova, em uma rua tranqüila, sem trânsito de carros, a tragédia
aconteceu. Um rapaz embriagado e irresponsável ( porque estava sem sapatos,
só de chinelos) arremeteu um carro contra cerca de vinte crianças que ali
brincavam (dentre as quais meu filho) somente
“para assustar”, como ele
disse, porque, em sua primeira passagem as crianças teriam gritado "contramão" e batido com as mãos em seu veículo. Ele saiu do carro e gritou que iria
"passar por cima". Subiu certa distância e voltou, em velocidade,
arremetendo o veículo contra elas e atingindo meu filho em cheio e passando
31
por sobre ele. Fui chamado. Acorri o mais rápido possível. Peguei meu filho e
fomos até o Pronto Socorro mais próximo. Dali ele foi levado para o no
Hospital Municipal, onde faleceu. Morto meu filho, fui até o Distrito Policial
da área onde acontecera o acidente, para comunicar o fato. Em lá chegando
constatei que o Escrivão estava lavrando um Auto de Prisão em Flagrante
contra o atropelante, por omissão de socorro. Disse eu ao Escrivão que era
uma injustiça, eis que o rapaz havia recolhido meu filho no asfalto, com
intenção de socorrê-lo, segundo disse. E seu corpinho estava em seus braços.
Ele m’o entregou quando me aproximei gritando - dá ele aqui, é meu filho ! - e
nos levou a ambos em seu carro, até o Pronto Socorro do bairro do Ipiranga,
de onde meu filho foi levado em ambulância até o Hospital Municipal, em
cujo nosocômio ocorreu o óbito. Ora - não tinha havido omissão de socorro
por parte do rapaz, por isso insisti para que se não prosseguisse com aquela
lavratura de flagrante e cheguei até a arrancar da máquina as folhas que
estavam sendo preenchidas.
E desde aquele dia, nestes últimos vinte e oito anos, nunca procurei o
atropelante para qualquer discussão ou ato de vingança, pois nada, muito
menos violência, iria trazer nosso filho de volta.
Apesar de sua irresponsabilidade, o rapaz foi absolvido pela Justiça,
por falta de provas, pois o Juiz não aceitou as informações prestadas pelas
outras crianças, embora tenha ele confessado. Eu e minha família o
perdoamos e pusemos uma pedra sobre esse assunto.
Após a morte de meu filho entreguei minha lanchonete a meu
cunhado, fechei minha academia e fomos (minha mãe, minha irmã e filha
minha mulher e nossos dois filhos), primeiramente para Portugal e depois
para Espanha. Meu pai ficou para cuidar dos negócios e nos mandar nossa
parte em dinheiro, para nossa sobrevivência, até que pudéssemos nos
estabelecer por completo, como era nossa intenção. Depois de muitos
dissabores, porque ele não mandava numerário suficiente, precisámos
retornar e o fizemos em grupos – primeiro minha mãe e minha irmã com a
filha, para que elas pudessem resolver os problemas que meu pai alegava ter
e depois nós, a muito custo, pela falta de dinheiro.
Algum tempo depois fomos morar em Rudge Ramos e nos transferimos
para a Igreja Metodista, uma vez que éramos arrolados como membros na
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Sede Central. Fui convidado e ingressei no Lions Club de Rudge Ramos- cujo
Distrito representei, como Delegado, na Convenção Internacional, em Miami,
Flórida, em julho/73 - Assumi um trabalho missionário como membro dos
International Gideons (Gideões Internnacionais), tendo também participado
da Convenção Internacional
realizada em Houston, Texas, como
representante do Brasil. Criei a primeira de cinco academias de artes
marciais, fundei a Sociedade Amigos de Rudge Ramos, que presidi por doze
anos, fundei e presidi a Associação dos Advogados de Rudge Ramos. Fui
eleito Presidente da Federação das Sociedades Amigos de São Bernardo, por
quarenta e seis votos das quarenta e sete entidades filiadas (a minha, por mim
representada, deixou de votar). Criei um folhetim chamado Florivaldo Pereira
Inform (ainda existente), e também um jornalzinho chamado Rudge Ramos
em Revista (viria a ser o JORNAL DA LIBERDADE). Adquiri um título de
sócio do São Bernardo Tenis Club, da elite, e passámos a freqüentá-lo com
assiduidade. Deus nos ajudava e estávamos muito bem. Em agradecimento (e
pela falta do filho morto) eu e minha mulher passámos a ajudar na assistência
de duas centenas de crianças de uma Creche da cidade e começámos a
recolher menores desassistidos, que vinham morar conosco como se filhos
fossem. E foram mais de sessenta, que levamos, desde a idade que contavam
até atingirem a maioridade. Alguns permaneceram e ainda estão conosco, até
cursando faculdades, alguns já graduados.
No entanto e apesar de nossa situação sempre alguma coisa acontecia,
para nos prejudicar. Não sabíamos o que poderia ser, até que um dia meu
alfaiate, também aluno de nossa Academia, me perguntou – Florivaldo, você
tem pais vivos? -. Respondi que sim e perguntei a razão daquela pergunta. Ele
me explicou que, dias antes, parou uma carro verde, com um casal dentro. O
homem ficou no carro e a mulher foi até ele. Ela perguntou-lhe se ele
conhecia um advogado de nome Florivaldo. Sim, foi a resposta. E meu amigo
disse que não podia relatar o que a mulher havia dito a meu respeito, porque
eram coisas muito pesadas. Logo pensei em Alexandra e tentei amenizar a
situação, dando-lhe conta de que aquela mulher era amante de meu pai e
tinha muita raiva de mim, e aí por diante...
.-.-.-.-.-.-.33
(outubro/85) Poucos dias antes de meu pai morrer preveniu-me contra
sua segunda mulher, Alexandra, e relatou-me fatos que teriam acontecido
muitos anos antes, os quais, posteriormente, levei ao conhecimento de um
Delegado da Polícia Civil, de nome Lazaro (negro, muito forte, apesar de haver
perdido um braço, e que mais tarde iria ser Promotor de Justiça e
posteriormente advogado). Disse meu pai que Alexandra o havia envolvido no
desaparecimento do marido dela, para poder continuar livremente como sua
amante, o que já vinha acontecendo havia muito tempo, desde antes daquele
incidente do punhal dentro da pata de veado...
Alexandra e seu marido eram meus inquilinos, em um dos
apartamentos de minha propriedade. A locação havia sido feita em nome
dela.
O marido descobriu a relação dela com meu pai e foi até o apartamento
de minha irmã, no mesmo prédio, armado de revolver, para tomar satisfações
com meu pai. Apesar da gravidade do fato meu pai não chamou a Polícia nem
permitiu que o fizéssemos. Era o ano de 1.970. Em junho seria realizado o
Campeonato Mundial de Futebol, no México. Alexandra aguardava tal
evento. Numa noite em que a equipe do Brasil jogava, chovia em São Paulo.
Tão logo o Brasil marcou um gol, o país todo saiu às ruas ou às janelas, para
soltarem fogos de artifício. No mesmo instante em que os fogos espocavam,
Alexandra, utilizando-se de revolver de meu pai, teria atirado contra o
marido, que estaria sentado em uma poltrona, também vendo o jogo. Ela não
o amava e se casara com ele por interesse, pois estava grávida de outro
homem. O filho precisava de um nome e, com tal casamento, ela conseguiria
garantir sua permanência no país, pois era apátrida (sua pátria não mais
existia, invadida que fora pela Alemanha nazista), muito embora estivesse se
casando com rumeno.
Em seguida, ainda conforme o relato de meu pai, Alexandra, que
havia trabalhado no Hospital do Câncer, como auxiliar de enfermagem
(emprego arranjado por meu pai) teria cortado o cadáver em diversas partes,
colocando-as em sacos de lixo. Tais volumes deveriam ser atirados em um
poço aberto nos fundos do prédio, o qual dava para um duto de
cimento/amianto que servia de galeria pluvial. Nesse duto fôra feita uma
abertura, para aquele fim sinistro e para tal mister Alexandra chamou meu
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pai. Como meu pai desaprovara o tresloucado gesto e se recusara a agir
como partícipe, Alexandra o obrigou, sob a ameaça de que iria envolvê-lo, de
qualquer forma, pois a morte fôra com a arma dele, que ele houvera
emprestado a ela apenas para usar como defesa, caso houvesse necessidade
extrema. Meu pai acabou cedendo e livrou--se dos sacos.
Alexandra conservou em seu poder a arma de meu pai, como garantia
de que ele não iria comprometê-la nem denunciá-la, e com isso chantageava
meu pai em outras coisas.
Aproveitando-se do desaparecimento do marido Alexandra ingressou
com Ação de Separação Litigiosa, fundamentada em maus tratos e abandono
do lar. Meu pai serviu de testemunha dos maus tratos (que em verdade nunca
presenciou) e do abandono do lar. Alexandra venceu a demanda e voltou a
usar o nome de solteira (Draganow).
Decorrido o prazo legal ela ingressou com Ação de Divórcio. Nos dois
processos foi decretada a revelia do réu !
De se esclarecer que, quando Alexandra surgiu nas vidas de nossa
família ela alardeava dois orgulhos:
- ter sobrenome Romanov, da família Imperial Russa (descobrimos
depois que era mentira, pois ela era megalomaníaca)
ter matado muitos soldados alemães e russos, quando seu país, a
Polônia, foi invadido durante a Segunda Guerra Mundial. E ela descrevia
como teriam acontecido tais mortes - bonita e jovem, com cerca de dezenove
anos, ela, como outras moças, atraía o inimigo para relações sexuais e,
durante o ato, usando lâmina afiadíssima, degolavam seus parceiros,
cortando-lhes suas jugulares,de modo tal que nem sequer tinham tempo de
agarrar uma arma ou gritar por socorro - morriam instantaneamente -. Em
seguida aos alemães vieram os russos, os quais, sabedores dos modos
utilizados pelas jovens, iam em grupos, para impedir que aqueles atos se
repetissem com eles. Alexandra passou a nutrir ódio maior contra os russos.
E Alexandra ria, ao contar, afirmando que assim agia para se vingar dos
inimigos e para pegar as coisas deles, como armas, botas, cigarros, dinheiro,
alimentos... E nós ficávamos pasmados, meio incrédulos, mas havia tanta
riqueza de detalhes e ela usava de tanta veemência que nos víamos forçados a
acreditar.
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Atos posteriores, praticados por Alexandra, viriam reforçar a crença
de que tudo que ela havia nos contado era verdade. E passamos a temê-la. E
também a seu irmão Nykolas, que se dizia matador.
.-.-.-.-.
Em cinco de janeiro de 1.979, aniversário de minha mulher, estávamos
almoçando em casa de minha sogra, em Santos. De repente a comida me volta
à boca e cuspo-a fora. Levantei-me rapidamente e disse - minha mãe está
passando mal -. Apressei meus familiares e quis levá-los embora para São
Paulo, com certa relutância da aniversariante. Esperamos o bolo e saímos,
parando antes em São Bernardo do Campo, onde morávamos. Dali telefonei
para a casa de minha mãe e fiquei sabendo que a mesma estava internada em
uma Clínica, em São Caetano do Sul. Fomos para lá, pois era perto de
nossa casa.
Estranhamos que minha mãe tivesse sido levada para outra cidade,
pois perto de sua casa havia quase uma dezena de bons Hospitais, Adventista, São Lucas, Modelo, Bandeirantes, Beneficência Portuguesa, Santa
Helena, Santa Catarina, Municipal - melhores que qualquer Clínica. Porém
essa era de propriedade de um Capitão médico do Exército, muito amigo de
meu pai.
Ao chegarmos à tal Clínica - p a s m e m ! - de otorrinolaringologia,
deparámos com um homem vestido de branco, cimentando uma calçada.
Perguntado quem era respondeu - era o médico de dia (expressão militar).
Adentrámos a Clínica e fomos rebuscando nos quartos, até que, com
tentativas de obstação por parte de uma mulherona, também de branco,
acabámos encontrando minha mãe - amordaçada, mãos e pés atados,
amarrados à cama -. Irritado, gritando, ordenei que a soltassem ou eu
chamaria a Polícia, porém o médico explicou que ela estava sedada.
Ora, meu, disse eu, se ela está sedada por que está amarrada e amordaçada
? ele respondeu - é para evitar que ela se debata. Insisti e tiraram a mordaça e
as tiras de bandagem que lhe tolhiam os movimentos dos pés e mãos. Você
está bem ? perguntei. Ela apenas murmurou - me tira daqui, ”my son” (modo
familiar como ela me chamava) -.
Pedi para usar o telefone, o que me foi negado. Fui até uma banca de
jornais, na esquina, comprei fichas e liguei para meu pai, em São Paulo, para
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que providenciasse a imediata remoção de minha mãe ou eu convocaria a
família e os parentes. Minha mãe foi levada para o Hospital São Lucas, a uma
quadra de sua casa. Ela passou por vários exames, todos eles negativos. Ela
era saudável.
Minha mãe foi muito bem atendida e recebeu alta.
No entanto, apesar de ter sido submetida a vários testes laboratoriais, todos
com resultados negativos, uma coisa nos causava muita estranheza - ficámos
sabendo que minha mãe tomava injeções de insulina, aplicadas (adivinhem
por quem) por Alexandra “amiga da família” e “enfermeira” como ela se
apresentava ...
...Três meses depois sinto novamente aquela sensação, agora com muita
dor no estômago. Vou para a cama e, ao contrário de meu costume, deito-me
no lado esquerdo da mesma. Contorcendo-me em dores clamo por Edith, que
me atende, e lhe digo, com voz forçada - minha mãe está passando mal -.
Edith contestou-me e disse, como que tentando me acalmar - você deve estar
impressionado, ela não tem nada -. Nesse mesmo instante o telefone toca. Edith
vai atender e volta com presteza, dizendo - era a Francisca (cozinheira de
minha mãe). Ela pede nossa presença urgente. Sua mãe está mesmo passando
mal !-.
Superei aquele meu mal estar e partimos imediatamente. Como eu já era
radio-amador, chamei pelo transmissor do carro e pedi auxílio na rede,
queria uma ambulância e um médico. Quando chegámos à casa de minha
mãe já lá estavam vários colegas do éter, dentre eles alguns médicos, todos
solícitos, como é costume entre nós, a prestarem socorro e outros tipos de
atendimento. Subi as escadas do prédio, adiante de todos, e cruzei com meu
pai, que me interpelou - que você quer aqui ? - e respondi, sem parar - vim ver
minha mãe ! -. - Ela está bem, vá embora ! - disse ele.
Entrei no apartamento e fui até o dormitório de minha mãe (meu pai dormia
em quarto separado havia anos). Ela estava deitada, se não morta, pelo menos
em seus últimos suspiros. - Que foi ? quê aconteceu ?, perguntei nervoso e
tremendo. E as criadas, em uníssono, responderam - foi sêo Benedito ! ele
obrigou dona Ida a tomar uma cápsula. E continuaram - ela sempre tomou
uma cápsula azul, mas ele jogou o pozinho na pia e colocou outro e fez ela
tomar na marra. Disseram que minha mãe colocou-se de joelhos e implorou a
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meu pai - eu tomo, mas antes me deixa ver meu filho ! - Meu pai insistia - toma
aí, engole logo!- E continuaram as moças - dona Ida continuou se negando
mas ele acabou concordando com ela e enfiou a cápsula na boca dela (sic)-.
Tão logo minha mãe engoliu a cápsula meu pai deixou o local. Foi então que
uma das moças ligou, chamando por nós, enquanto que duas outras levaram
minha mãe, já trêmula, até o banheiro, onde foi tentar vomitar, para expelir
a cápsula, mas já começou a sentir-se mal, com tonturas, como ela afirmou às
moças. Algum tempo depois meu pai teria retornado, para ver em que pé
estavam as coisas. Quando entrei na rampa do prédio e subi as escadas foi
que nos cruzámos. Fiquei sabendo, posteriormente, que ele havia ido para o
litoral, onde possuía uma casa, que estava sendo utilizada por Alexandra, a
qual se fazia passar como esposa, perante os vizinhos. Meu pai só retornou no
dia seguinte. Porém, antes de sair de São Paulo ele deixou um cheque em
branco, com um rapaz que me procurou, dizendo estar incumbido de
providenciar os arranjos dos funerais (minha mãe nem sequer estava morta
quando meu pai saiu !). Fomos até a Funerária Municipal. Quando retornei
minha mãe já estava sendo colocada no caixão. Os homens da funerária
colocaram o ataúde no rabecão e saíram, sem esperar acompanhamento.
Fomos obrigados a perseguí-lo, em velocidade, pois não respeitavam os
semáforos e corriam costurando o trânsito. Chegámos ao Cemitério de
Congonhas, no qual meu pai já havia adquirido dois lotes - um para o filho de
Alexandra, que morreu misteriosamente, com apenas dezenove anos, e outro
para aquela finalidade atual - enterrar minha mãe -.
Passámos a noite velando o corpo de minha mãe. Meu pai estava
ausente, só tendo comparecido na manhã do enterro. Meu pai ficou ao lado
do corpo, por alguns minutos. Fomos alertados pelos coveiros que duas
mulheres estavam ao lado da cova onde o corpo de minha mãe seria
depositado. E que ambas cuspiam na cova, gritando vitupérios e imprecações
contra a morta. Corremos até lá e constatámos que se tratavam de Alexandra
e outra mulher, desconhecida, Quando fomos avistados Alexandra deixou sua
companheira e saiu correndo em direção ao carro, que era de meu pai, e
partiu em desabalada carreira, tendo até abalroado um veículo que estava
estacionado. A Administração do Cemitério registrou os fatos e disseram que
iriam tomar providências (soubemos, mais tarde, que Alexandra era
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considerada louca e que estaria impedida de adentrar o campo santo sem a
companhia de algum funcionário).
Anos depois, meu pai me relataria aqueles fatos sobre a morte do
primeiro marido de Alexandra e tentaria me convencer de que fôra levado
àquele gesto extremo contra a vida de minha mãe por exigência de
Alexandra, a fim de que ele se casasse com ela - o que era intuito dela fazia
muito tempo, conforme foi provado em processos judiciais -.
E meu pai, viúvo, “casou-se” com Alexandra. “Casou-se” está entre
aspas porque os empregados dele, que foram as testemunhas do ato,
afirmaram que ele não queria assinar o livro, ela conduziu sua mão para obter
a assinatura. O “casamento” foi realizado com meu pai doente, no leito de um
quarto separado, fora do apartamento onde Alexandra morava. Muito
embora Alexandra nos afastasse de nosso pai, ele conseguiu nos avisar que ela
queria casar-se com ele, contra sua vontade e nos informou o dia.
Comparecemos, mas Alexandra não nos permitiu entrar, e disse, ante minha
insistência: eu tenho sangue quente, é melhor você ir embora, para evitar uma
tragédia ! -.Saímos. Três meses depois do “casamento” Alexandra apossou-se
de todos os bens de meu pai - móveis, carros, telefones, imóveis em número
superior a setenta unidades residenciais, salões comerciais, terrenos,
garagens, bens guardados em cofre particular do Banespa, depósitos
bancários, títulos e ações de empresas e de Bancos. E Alexandra apossou-se
de tudo o mais que pôde lançar mão, fatos esses confirmados por sua própria
irmã Vera, conforme depoimentos em processos cíveis e criminais, a qual
dizia:
“Alexandra sempre quis se apossar de todos os bens
do sr. Benedito e para isso usou de todo tipo de
expediente, como documentos forjados e outros”
E assim tomámos conhecimento dos atos de Alexandra. Contudo, esse
apossamento, por parte de Alexandra, incluía um imóvel de minha
propriedade, em comunhão com minha mulher - um pequeno prédio de cinco
andares, e dois salões comerciais - como se Alexandra fosse adquirente e o
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recebimento de alugueis de outras propriedades nossas e de meu pai. Neste
caso os bens estavam arrolados no Inventário de minha mãe, no qual eu fôra
nomeado Inventariante, em substituição a meu pai, por impedimentos legais
que ele havia
causado, como o casamento antes da partilha dos bens e outros. Daí em diante
passei a acionar Alexandra na área cível como na esfera criminal. Nesta,
Alexandra foi indiciada em vários inquéritos policiais, pela prática dos crimes
de estelionato - Alexandra alugava os imóveis fazendo constar nos contratos
que era proprietária, o que, segundo o Código Penal, caracteriza aqueles crimes
-.
Era um inquérito para cada unidade. a saber:sete - na rua Quirinópolis, bairro do Imirim
oito - na rua São Joaquim, bairro da Liberdade
Além desses Alexandra recebia alugueres de mais trinta e três apartamentos
na rua Pirapitinguí, quinze na rua Taguá, mais os salões comerciais. Para
estes não houve inquéritos, porque Alexandra se valia de um seu amante,
escroque e estelionatário como ela, de nome Ari Alves Pereira
(coincidentemente com as mesmas iniciais de minha irmã A......., em cujo nome
estava o prédio originalmente. Ari firmava os recibos como A A Pereira) e
Alexandra também tinha em seu poder documentos pelos quais ela os havia
“adquirido”.
No entanto tais aquisições ocorreram mediante fraude e
simulação, que me ensejariam propor ações contra ela. Porém não encontrei
um único profissional, dentre Professores, Juizes, Promotores - que me
dessem uma esperança de vencer tais processos - e nenhum colega advogado
que quisesse atuar, diante da existência daqueles tais documentos.
No entanto, com a ajuda de DEUS, que me deu uma inspiração,
numa madrugada, consegui encontrar um caminho legal e com isso iria agir,
mais tarde, em causa própria, contra Alexandra, e passaria a enfrentar seus
advogados – verdadeira quadrilha, mancomunada com funcionários de
Cartórios de Notas e das Varas Cíveis e Criminais.
.-.-.-.-.-.-.-
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Agosto de 1.984 - Alexandra ordenou a um dos empregados de meu
pai que arrombasse a porta de meu escritório, localizado ao lado da rampa de
carros, no andar térreo de meu prédio, na rua São Joaquim. Com o barulho
minha mulher desceu para verificar o que estava acontecendo, enquanto eu
estava terminando meu banho. Ouvi vozes e gritos. Desci rapidamente, para
me inteirar e tive uma surpresa muito desagradável – Alexandra, com a mão
esquerda, puxava os cabelos de Edith, para que esta abaixasse a cabeça, a fim
de facilitar a agressão que estava sofrendo, por parte da outra, a qual, com a
mão direita, empunhava um cano de ferro, que servia de trave da porta e que
havia sido arrancado. Edith, por sua vez, com a mão esquerda (a mão mais
fraca), segurava a mesma barra, um pouco abaixo da mão de Alexandra, e
com a mão direita também puxava os cabelos de sua agressora. Procurei
desvencilhar Edith, segurando os pulsos de Alexandra e gritando em russo
para que parasse. Ela irou-se mais ainda, talvez lembrando-se de seus
estupradores, naquele tempo de guerra. Parecia estar louca ou drogada, o
que impedia de fazê-la parar. Não tive outra alternativa a não ser lhe dar
umas pancadas. Meu pai, a essa altura, caído no chão, gritava – bate na
cabeça! Bate na cabeça ! Não atinei se era para mim que ele gritava tal ordem
ou se era para Edith ou até mesmo para Alexandra.
Alexandra espumava e não parava de agredir Edith. Agarrei um
grande grampeador de metal e passei a dar mais pancadas em Alexandra,
sempre na cabeça, na qual abriu-se uma brecha, com o sangue a jorrar,
espirrando como chafariz pelas paredes, pelo chão e por cima de nós outros.
Demorou uns instantes e Alexandra afrouxou, dobrando-se nas pernas. Tirei
o cano de suas mãos. A essa altura estava chegando a Polícia, atendendo a
chamado de outro empregado, por ordem minha, dada tão logo adentrei o
escritório.
Quando os policiais entraram viram uma cena terrificante - um
velho, cujas muletas estavam quebradas, não se sabe como, estava caído,
coberto de sangue. Minha mulher toda ensangüentada pelo próprio sangue
que lhe saía da fronte e do alto da cabeça e o sangue de Alexandra, ambas
meio tontas com as pancadas que haviam desferido e recebido. Eu, em pé,
com minha roupa também cheia de sangue, sem saber o que fazer. Fomos
todos para a Delegacia de Polícia (atentem bem - 5º Distrito Policial). Por
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muita insistência minha a Polícia levou a arma que Alexandra havia usado
na agressão a Edith (no Distrito Policial aquele cano acabou “desaparecendo”)
O Delegado determinou a elaboração de boletins de ocorrência
distintos – um, para a invasão e agressão praticados contra Edith, indiciando
Alexandra, e um outro, sendo vítima Alexandra. Meu pai não estava ferido.
Apenas havia caído, quando Alexandra lhe arrancou uma das muletas, com a
qual desferiu o primeiro golpe em Edith, quebrando-se tal apoio. Não foi
instaurado qualquer inquérito policial.
Os Boletins foram engavetados (por interesse maior de Alexandra)
e os fatos ficaram no esquecimento.
.-.-.-.-.-.No mesmo ano requeri instauração de Inquérito Policial contra
Alexandra, dessa vez porque ela havia alugado mais um de nossos
apartamentos, como se proprietária fosse, tendo recebido quantia depositada
pela inquilina, uma moça que trabalhava no Hospital Beneficência
Portuguesa. Alexandra passou a receber também os alugueres. Arrolei a
moça como testemunha, porém a pobre coitada apareceu morta, com uma
poça de sangue a seu lado, ela caída ao solo, ao lado da cama. Essa foi a cena
que me descrevera um outro morador do prédio, de nome Nelson Ferrari, o
qual, atendendo a pedido de minha irmã, arrombou a porta, até então
trancada por dentro.
Era mais um dos inquéritos que se desvanecia, beneficiando
Alexandra. Além dos “meros” documentos (como entendia o Promotor de
Justiça) não havia qualquer outra prova contra ela.
.-.-.-.-.Quanto aos inquéritos em que ela foi indiciada, o Promotor Público
entendeu que os valores eram pequenos, porque eu juntara apenas um ou dois
recibos assinados por Alexandra, emprestados pelos inquilinos. O Promotor
considerou apenas o valor nominal de cada um deles, referente a UM mês de
aluguel, para cada unidade, quando na verdade devia levar em conta que eram
vários meses, de diversas unidades, além do fato relevante de que ela se passava
por proprietária, obtendo vantagem ilícita.
E, pensando daquela forma, o Promotor, absurdamente, pediu
arquivamento, sem apresentar denúncia contra ela, para ser processada pelos
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crimes que vinha cometendo e que continuou praticando, pois, acobertada
que estava pelo ato do Ministério Público, sentiu-se vitoriosa. ESSE ATO DO
M.P. ERA PREVARICAÇÃO, UMA INJUSTIÇA !. Outros, pobres, miseráveis,
são indiciados pelo furto de um pedaço de pão, são processados, são
condenados e levados à prisão...
.-.-.-.-.E Alexandra não era Ré primária. Muito embora meu pai tenha
sido sua testemunha de defesa, ela já havia sido condenada por agressão,
usando machadinha, contra uma moça grávida que se sentara à porta da
casa dela... Isso ocorreu em 1973, minha mãe era viva, porém Alexandra já se
apresentava a todos como esposa de meu pai...
Alexandra não temia a Polícia - certo dia agrediu um Investigador
de Polícia, que era seu inquilino em propriedade de meu pai, no Parque
Bristol, (mesmo local da agressão à moça), porque o rapaz abriu o registro
d’água, fechado por ela (maneira que ela usava para apressar os pagamentos
dos alugueres)...
[Algum tempo depois Alexandra acabou sendo condenada pelo Juiz da 30ª Vara
Criminal pelo crime de estelionato (mais um), praticado contra minha sobrinha
e seu marido]
Agosto de 1.985 –
Num cortiço existente na rua Taguá nº 330, no bairro da Liberdade, um
homem, de nome José Ibiapina da Silva, foi assassinado por meio de arma de
fogo, quando abriu a porta para atender seu vizinho, de nome Luis Rodrigues
da Silva e que estava acompanhado pelo namorado de uma de suas três filhas.
Foi instaurado Inquérito Policial e Luis estava sendo intimado para
comparecer à Delegacia (5º Distrito) a fim de ser ouvido, porque outros
moradores e a companheira do morto haviam dito que o crime fôra praticado
pelo namorado da filha dele e que ele estaria junto, portanto como co-autor.
Eu morava próximo e tinha o escritório no mesmo prédio. Fui procurado por
ambos, que me pediam assistência profissional, e me contaram em detalhes o
que havia ocorrido e seus motivos, e a autoria foi confirmada. Perguntei-lhes
porque me haviam procurado e responderam que fôra indicação de dona
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Alexandra, a quem Luis e outros moradores do cortiço prestavam alguns
pequenos serviços de reparos nos dois prédios (os mesmos que ela havia
usurpado).... Além de Luis também sua mulher, cujo nome fiquei sabendo
anos mais tarde, e outra moradora daquele lugar, parente do casal,
prestavam serviços de faxina, como diaristas, tanto nos prédios como no
apartamento usado por Alexandra e ainda lhe lavavam roupas. Um filho de
Luis servia de menino de recados para Alexandra.
Por causa dessa ligação de Alexandra com a família de Luis e por
causa dos litígios que eu mantinha contra ela, estranhei aquela indicação e
aleguei não atuar na área criminal, para me esquivar de patrocinar a defesa
de ambos, ou pelo menos não me vincular aos mesmos, com qualquer tipo de
orientação. Pela recusa recebi ásperas palavras de advertência, como
ameaças, para que eu não divulgasse o que acabara de ficar sabendo.
Tranqüilizei-os, dizendo que advogado era como padre – não podia, por lei,
contar o que sabia. Retiraram-se. Fiquei sabendo, mais tarde, que um dos
advogados de Alexandra lhes havia prestado orientação e acompanhamento
no Inquérito, no Distrito Policial, fornecendo ao Delegado depoimentos das
testemunhas de Luis - sua própria mulher e sua filha Maria Ilza, vulgo Nina
– que apresentaram álibis para o marido e pai e para o “genro”, e também de
uma mulher, que era exploradora do cortiço, administrado por Luis, a qual
maldissera a vítima. E o irmão e a mulher da vítima, depois de alguma
pressão, claramente visível no Inquérito, mudaram seus depoimentos. Antes,
diziam com certeza que tinha sido o namorado da filha de Luis. Depois,
disseram que nem sabiam se a moça tinha namorado (alguns anos mais tarde
se confirmaria que Nina tinha aquele namorado, o qual era ladrão). Nada mais
foi averiguado. O Delegado achou melhor não prosseguir em qualquer
diligência investigatória. O caso foi encerrado, com o pedido de
arquivamento, feito pelo Delegado e acompanhado pelo Promotor de Justiça,
que também não demonstrou qualquer interesse em requerer diligências, no
sentido de se encontrar qualquer culpado pela morte daquele operário infeliz.
Claro! – não era um crime de repercussão. A vítima era um pobre coitado,
miserável, trabalhador nordestino, enquanto que os autores eram malfeitores
e tinham as costas quentes. Tal caso, mesmo que descoberto, não iria dar
IBOPE.
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Alexandra ficou feliz e se vangloriava disso. Luis, sua família e os
genros estavam agradecidos e tinham uma dívida de gratidão para com ela.
.-.-.-.-.-.8 de outubro de 1.985 - Menos de dois meses depois.
Um Oficial de Justiça da 8ª Vara da Família, por determinação judicial,
em pedido que fiz, na condição de Inventariante, intimou meu pai a me
entregar os bens deixados por minha mãe e também os documentos referentes
à meação dela nos bens imóveis. Meu pai havia combinado comigo para eu
fazer aquele pedido e assim ele teria uma justificativa legal para tirar da
posse de Alexandra os bens que pudessem ser alcançados, como as jóias de
minha mãe e outros objetos de valor. Alexandra recusou-se. Houve, segundo
meu pai me informaria, uma discussão entre ambos e meu pai foi agredido
por ela, com ameaças de que ela iria quebrar os ossos dele. Meu pai, então,
escreveu uma carta, endereçada para uma de suas irmãs, contando o que
havia sucedido, e pretendia entregar essa missiva a um inquilino de
confiança, de nome Albertino, quando o mesmo fosse, no dia seguinte, pagar
o aluguel de manhãzinha, como era seu costume, pois ambos ficavam
tomando cafezinho e batendo papo. Essa carta viria a ser uma prova
contundente contra Alexandra, daquilo que ela costumava fazer com meu
pai. No entanto essa carta não chegou às mãos da destinatária, isto é, nem
sequer foi entregue ao inquilino. Essa carta apareceria, mais tarde, dentro de
um dos livros de meu pai.
E, no dia seguinte, de manhã, meu pai faleceu. Alexandra alegaria que
meu pai fora vítima de queda acidental, pois havia caído de uma mureta no
segundo andar do prédio até o solo do prédio vizinho. Ela disse à Polícia que
ele teria subido numa cadeira, para alcançar a mureta, onde iria sentar-se, com
as pernas para fora, para tomar sol.
Porém essas alegações não passavam de mentiras, pois ali naquele local,
o sol não bate pela manhã, só chegando por volta de meio dia (devido à
sombra do prédio ao lado) – e mais
- meu pai nunca poderia ter subido numa cadeira, nem de uma cadeira
para a mureta, porque ele usava muletas para se locomover (muito pouco),
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não podendo muito menos subir ou descer um degrau de escada (razão pela
qual não podia ir até a caixa de Correio, na esquina, daí a intenção de pedir ao
inquilino que levasse a carta), por causa de uma queda no Metrô, com
quebramento de um fêmur (lembram-se do incidente em meu escritório, em
1984 ?) e de um segundo acidente, no banheiro de sua casa, poucos dias antes,
quando deixou escorregarem as muletas, com quebramento da bacia, com
agravamento de seus movimentos.
Alexandra alegava que o corpo, ao cair, caiu sobre três fios elétricos,
estendidos entre o prédio e uma edícula vizinha, a uma altura de quase cinco
metros do chão, quebrando-os. Era mais uma mentira, porque, mais tarde,
seria constatado que os fios haviam sido cortados com alicate (e ainda lá
estão...).
.-.-.-.-.-.No processo sobre o prédio da rua Taguá a anulação e retomada
demoraram cerca de dois anos e alguns meses. No dia 13 de agosto de 1987
(quando foi publicada a sentença favorável a mim) estava eu a limpar uma
valeta do ralo, na garagem, quando, de repente, surge do nada um tal de
Nycholas, irmão de Alexandra, com o qual eu nunca havia trocado uma
palavra sequer. Ao vê-lo se aproximando procurei ser amistoso e lhe
perguntei – e aí, Nicola, como é que é ? -. A resposta dele foi – como é que é é
isso aqui – e levantou a camisa, deixando entrever uma bainha de couro,
muito parecida com um coldre. Antes que ele sacasse o que portava eu subi a
rampa, correndo. Nesse exato instante ouvi um estampido e senti uma
pancada muito forte em minhas costas. Pensei – fui baleado -. E cheguei na
calçada gritando – cuidado, filho ! – para alertar meu filho que estava
engatando uma carreta de motos em meu carro, para viajarmos. Do meio da
rua pude ver, na sacada da área do apartamento onde Alexandra morava,
alguém que se escondia, afastada do parapeito. Era Alexandra, que segurava
um revolver, apontando para cima e fazendo movimentos, exibindo a arma, a
qual, por ironia, seria aquela de meu pai.
No entanto eu não fôra alvejado e sim atingido por uma faca. Meu
agressor Nycholas fugiu, levando consigo a arma branca que havia usado e
esgueirou-se entre os carros ali estacionados. Fomos até o Pronto Socorro,
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onde fui atendido, e dali até a Delegacia (sempre o mesmo 5º Distrito Policial,
cuja circunscrição abrangia o local dos fatos)
Ao chegar perante a autoridade, um Delegao já me aguardava e nos
atendeu rispidamente. Ouviu mais ou menos minha narração e retrucou –será
que você não mandou seu filho enfiar uma faca em suas costas só para você se
defender? -. Eu perguntei, espantado – defender-me de quê, se sou a vítima? -.
E o Delegado afirmou – ‘já me telefonaram e disseram que você estava dando
tiros nos outros -. E pude perceber a presença de Nycholas ali na Delegacia.
Vendo que já estavam encenando de modo diverso o que realmente havia
acontecido, fiquei revoltado e saí, dizendo ao Delegado – faça como o senhor
quiser, já vi que o senhor foi comprado -. Ele gritou para mim – volte aqui!,
vou processá-lo !
Eu não lhe dei ouvidos e nunca fui processado por lhe haver dito aquelas
palavras. E fiquei com o ferimento e a cicatriz da facada em minhas costas...
13 de janeiro de 1988 - (20º aniversário de meu filho).
Dois Oficiais de Justiça cumpriam Mandado Judicial de Reintegração
na Posse do imóvel da rua Taguá. Eu aguardava na calçada, com dois
caminhões, para levar os móveis que guarneciam o apartamento que estava
na posse ilegal de Alexandra (onde devia morar meu pai). Como esta relutasse
em abrir a porta foi solicitado e expedido um Mandado de Arrombamento e
Uso de Força. Foi solicitado auxílio da Polícia Militar, que mandou uma
guarnição tendo como encarregado um Sargento. Devido à enorme obstação
feita por Alexandra esse Sargento pediu apoio e compareceu mais uma
guarnição, comandada por um oficial.
Com o arrombamento da porta os Oficiais de Justiça, acompanhados
pelos militares, passaram a arrolar todos os bens que ali se encontravam e
que estavam descritos nos Inventários de minha mãe e de meu pai, para
serem removidos dali para lugar seguro. Os bens de Alexandra, como roupas
e objetos de uso pessoal, foram colocados dentro de um lençol amarrado pelas
pontas e colocado no corredor do prédio ao lado, para que ela os recolhesse.
Tudo foi feito na presença não só dos policiais como de alguns moradores do
prédio e do próprio irmão de Alexandra.
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De repente surge Alexandra, acompanhada de dois de seus
advogados, que quiseram impedir a ação judicial. Como não obtiveram êxito
dirigiram-se até a Delegacia (5º Distrito Policial) a cuja autoridade policial
Alexandra apresentou queixa alegando que seu domicílio fôra invadido
mediante arrombamento, e que fôra vítima de roubo de cheques, uma
quantia vultosa em dinheiro e jóias, incriminando a mim, a meu filho e
também alguns amigos dele. Quanto aos Oficiais representou
administrativamente.
Dias depois, na Delegacia, presente Alexandra, fui inquirido pelo
Delegado M. B. sobre as jóias. Reparei que Alexandra usava uns brincos de
brilhantes e platina (que haviam sido de minha mãe) e que ela havia arrolado
no Boletim de Ocorrência sobre os fatos. Reservadamente chamei a atenção
do Chefe dos Investigadores sobre a jóia e ele repassou ao ouvido do
Delegado. Este perguntou a Alexandra – e esses brincos que a senhora está
usando, não foram roubados? -. Ela respondeu que os havia comprado depois
dos fatos. O Delegado perguntou de quem ela os havia comprado, por quanto,
se o pagamento fôra em dinheiro, etc. Ela declinou um nome de um homem,
um endereço e uma quantia, que teria sido paga. Em cheque ou em dinheiro?,
perguntou o Delegado. Alexandra vacilava nas respostas. Em cheque, disse. O
Delegado insistiu – se foi em cheque, a senhora tem o canhoto? Alexandra
retificou – não, senhor, foi em dinheiro.
O Delegado percebeu que Alexandra mentia e determinou aos
Investigadores que fossem buscar tal homem. Ali, na presença dela, o homem
disse que ela apenas havia levado uma jóia para limpeza, que ele não vendia
jóias e nunca recebera quantia grande daquela senhora.
O Inquérito, obviamente, foi arquivado na Justiça (ufa ! graças a Deus,
não fui, mais uma vez, indiciado por algo que não havia cometido).
.-.-.-.-.-.-.-.
Em relação ao prédio da rua Pirapitinguí os advogados de Alexandra,
usando de meios até escusos, conseguiram protelar o desfecho por onze anos.
Mas a vitória veio, a Justiça anulou o documento e a propriedade acabou
voltando para o nome de meu pai, indo integrar o Espólio dos bens, que eu
também representava, no início da ação (e representaria, até o dia em que, na
prisão, seria obrigado a anuir que o cargo passasse para minha irmã, também
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advogada. E a posse do prédio seria entregue ao Espólio, na pessoa de sua nova
Inventariante).
Alexandra foi condenada, nos dois processos, a pagar indenizações, para
mim e minha mulher e para o Espólio, porém nunca procurei receber. Ela
continuava nossa devedora...
Meu filho ingressou na Polícia Militar e, nos dias em que fazia
escolinha de recrutas na Polícia Militar, passou em casa, com um ofício
endereçado pelo Comandante de sua Unidade ao Comandante Geral. Meu
filho foi informado pelo sargento que lhe entregara tal documento, que ele
seria desligado, porque havia uma queixa contra ele, formulada junto ao
Comando Geral.
Como, na Polícia Militar, ao ser feita qualquer queixa contra seus
elementos, é praxe punir antes para depois averiguar, e, desconfiado de quem
teria dado tal queixa contra meu filho, levei alguns documentos e o
acompanhei até o Quartel General. Em lá chegando fui atendido por um
Major, que pegou uma pasta, dizendo ser um procedimento contra meu filho,
porque havia uma queixa de uma senhora, que dizia que o neto dela, soldado
da PM, acompanhado de alguns militares, teria invadido o apartamento dela
para roubarem móveis e objetos e que o neto batia nela para arranjar algum
dinheiro. Ela porém omitiu que eram os mesmos fatos do cumprimento de
ordem judicial e de que o inquérito havia sido arquivado. Com os
documentos em mãos e minha argumentação, meu filho não foi desligado
(fiquei sabendo, mais tarde, que Alexandra teria sido orientada e assistida
por seus advogados – um deles trabalhando na Caixa Beneficente da Polícia
Militar, cujo cunhado era Coordenador Jurídico, e outro, que se dizia parente
de um Coronel daquela milícia)
.-.-.-.Meu filho deixou a Polícia Militar, pois ingressou na Academia de
Polícia, concluiu o curso e foi nomeado Investigador de Polícia. Certo dia ele
foi até uma farmácia, nas proximidades de nossa casa e ali esqueceu sua
carteira com dinheiro, documentos de Investigador de Polícia, de sua moto e
outros, pessoais. Alexandra freqüentava a mesma farmácia e, em lá
comparecendo, como fazia habitualmente, foi perguntada a respeito dos
documentos. Dizendo que eram de seu neto ela se comprometeu a levá-los
para o mesmo, porém não o fez. Meu filho retornou até a farmácia e ficou
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sabendo que Alexandra os havia levado, sob aquele argumento. Como não
havia entendimento entre ambos, ele procurou a Delegacia (5º Distrito
Policial) onde pediu a cooperação da autoridade, que mandou intimar
Alexandra a comparecer ao Distrito, a fim de entregar os documentos ou dar
explicações porque ela não o fazia. Alexandra atendeu a intimação e teve o
descaramento de apresentar uma desculpa inverossímil e esfarrapada, ao
dizer que havia deixado a carteira com os documentos na soleira da porta da
rua do prédio onde meu filho morava (inverossímil e infantil tal versão...). Os
documentos jamais retornaram às mãos dele (até seriam utilizados, mais tarde,
talvez por ela, para prejudica-lo, como veremos adiante). O Delegado mandou
que se elaborasse um Boletim de Ocorrência, no qual constava que Alexandra
era indiciada pelo crime de Apropriação Indébita de documentos, com a
assinatura dela, abaixo de sua alegação. Mesmo assim nada mais foi feito.
.-.-.-.-.-.
MAIS UM CRIME PRATICADO POR ALEXANDRA
O relatório no Inquérito que “apurava” a morte de meu pai transformou
o fato de Queda Acidental em Suicídio por Induzimento. Em razão disso
Alexandra foi denunciada pelo Promotor Público do 1º Tribunal do Júri de
São Paulo. E mais uma vez ela foi beneficiada – NÃO foi pedida sua Prisão
Preventiva - ela bem o merecia, pois, afinal, era uma pessoa perigosa,
demonstrado pelos fatos e por seus antecedentes (outros, por menos, ficam
meses e até anos, à espera de julgamento, para depois serem absolvidos – e
esse tempo ficam presos “de graça”). Eu e mais sete pessoas fomos arrolados
como testemunhas de acusação. Quando fui para ser ouvido levei aquela
carta que meu pai havia deixado, tendo a mesma sido juntada aos autos.
O advogado de Alexandra impugnou o documento e a assinatura de
meu pai, mas o Instituto de Criminalística (Polícia Científica) confirmou que
o documento era autêntico. Tudo estava caminhando para novos rumos, no
processo, para alteração na Denúncia, de mero Induzimento para Homicídio
doloso. No entanto as testemunhas de acusação foram desaparecendo uma
após outra, por morte ou desaparecimento. Só estava restando meu nome
naquele rol do Promotor...
50
COMEÇA A CONSPIRAÇÃO CONTRA MIM
Alexandra e seus advogados precisavam me alijar de suas vidas, do
processo... Por um lado era o interesse financeiro - impedir que eu, como
Inventariante, tomasse posse do prédio do Espólio de meu pai, pelo que eu
lutava e que estava na iminência de acontecer, por meio de Mandado Judicial,
pois eu já havia vencido a demanda, mesmo nas instâncias superiores. Com
meu afastamento Alexandra continuaria recebendo os alugueres dos trinta e
três apartamentos e do salão comercial e continuaria pagando bem a seus
advogados, e por outro lado algo precisava ser feito para que eu NÃO
comparecesse em Plenário, para testemunhar contra ela.
Para Alexandra alcançar seus objetivos várias tentativas foram feitas
contra minha vida a tiros :1 - nos fundos do prédio da rua São Joaquim, na época em que eu lá
morava. Esse ato teria sido praticado por elementos
mais tarde
identificados e que estavam se utilizando de um carro em nome daquele tal
de Ari;
2 - no corredor do prédio da rua Taguá, cujos portas dos medidores de
consumo de luz foram atingidas e ainda lá se encontram os vestígios;
3 - junto à porta de meu apartamento, nesse mesmo prédio, para onde
eu me mudara. O tiro acertou a parede;
4 quase tentativa, no corredor desse prédio (dois elementos se
apresentaram, pedindo para ver apartamentos que eu colocava em locação.
Quando subíamos as escadas percebi que falavam espanhol. Perguntei se eram
argentinos. ”Não, chilenos”, foi a resposta. Como notei que um deles escondia
uma arma e eu já estava prevenido por Vera, irmã de Alexandra, de que esta
havia “contratado dois chilenos”, amigos do genro de Vera, atirei-me sobre ele,
de compleição mais franzina e o desarmei. O outro tentou me segurar, mas me
desvencilhei facilmente. Desarmados, sairam em desabalada carreira. A arma,
um Smith&Wesson, especial, cano curto, calibre “38, cinco tiros, ficou em meu
poder e passou a ser utilizada pelo Segurança de meu restaurante, ficando na
gaveta do Caixa. Essa arma iria ser apreendida anos depois, por policiais do 5º
D.P., sem Mandado de Buscas ou de Apreensão).
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- a paulada - três japoneses, certo dia, um deles portando um bastão de madeira, de
forma triangular, me atacaram na entrada de meu apartamento, quando eu
descia as escada. Entrei em luta corporal e estava levando a melhor, quando
caí alguns degraus abaixo, momento em que foi desferido violento golpe, de
cima para baixo, visando minha cabeça. Prontamente juntei os punhos,
formando uma cruzeta, para interceptar o bastão ou abrandar a pancada.
Devido à má posição em que me encontrava o bastão atingiu o dedo indicador
de minha mão esquerda, esfacelando a falanginha e a falangeta. Na hora nada
senti, por isso revidei o golpe, com um chute duplo (ambos os pés) de baixo
para cima e acertei o abdome de meu agressor, certamente causando-lhe
grande dano, o que motivou sua fuga e a de seus comparsas. Como era certo
de que nada adiantaria apresentar queixa, dei por encerrado o incidente. Só
que, dias depois, foi necessária uma intervenção cirúrgica em meu dedo, para
colocação de uma prótese, em substituição aos fragmentos dos ossos (a conta
da cirurgia foi paga pela Caixa de Assistência dos Advogados). Por meio de
comentários fiquei sabendo que o japonês do bastão era amigo do irmão de
Alexandra... E, por acaso, quando eu jantava com minha mulher em um
restaurante oriental, na rua da Glória, deparei com aquele mesmo japonês,
trabalhando na cozinha. Ignorei sua presença e evitei qualquer contato.
Nunca mais o vi.
- a facada - praticada pelo irmão de Alexandra, na garagem de meu prédio, como
já contei -.
Num daqueles casos em que fui vítima de agressão a tiro (na porta de
meu apartamento) o Inquérito não prosperava e nada se descobria (no mesmo
5º D.P. de sempre). Consegui que as peças fossem remetidas para a D.H.P.P.
(Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa), cujo Delegado mandou
degravar (ouvir e passar para texto escrito) uma fita magnética, apreendida na
secretária eletrônica de Alexandra. Chamada pelo Delegado Alexandra ouviu
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a fita gravada e assinou o texto, confirmando que era sua a voz que se ouvia,
em conversa entre ela e o tal de Ari. Nítida e clara, ouviu-se que ambos
concertavam uma trama contra mim... Alexandra orientava Ari – primeiro
você vai à Polícia e faz a queixa, depois você... -. Com isso ela queria dizer que,
antes de qualquer fato acontecer, ou mesmo que não acontecesse, Ari deveria
comparecer perante um Delegado e apresentar queixa por um fato não
acontecido, para efeito de registro, e, depois sim, como se tivesse acontecido,
tomar uma atitude contra mim, em represália, ou em legítima defesa,
adredemente armada (era muita ardilosidade, muita malícia, muita maldade)...
Se tivéssemos que comparecer perante a autoridade policial, esta já
estaria de sobre-aviso em relação a mim. Eram dois estelionatários, usando
suas férteis mentes criminosas para conspirarem contra mim, para me
envolverem em fato do qual eu nem sequer tomara conhecimento ou do qual
nem sequer participara...
JOSEFINA – Uma testemunha que nunca iria comparecer...
Uma daquelas duas moças que me procuraram para me informarem
sobre as circunstâncias da morte de meu pai, a qual também havia sido
arrolada como testemunha de acusação contra Alexandra, acabou falecendo
de “morte não esclarecida”. Era outra a menos contra Alexandra...
.-.-.-.-.-.-.-.-.-.
No entanto Alexandra e seus advogados não conseguiam me afastar,
apesar de todos esses ataques contra mim. Precisavam mais ainda –
conspurcar meu nome, minha moral, minha honra. Assim, caso eu tivesse que
comparecer em plenário, seus defensores teriam argumentos suficientes e
convincentes para derrubarem qualquer depoimento que eu prestasse contra
ela. Foi então que Alexandra pediu ao Delegado do 5º D.P. a instauração de
Inquérito contra mim, alegando que estava sendo ameaçada de morte e
juntou um bilhete manuscrito em letras de forma, que tinha sido entregue a
ela por sua própria irmã. Neguei, alegando que ignorava o bilhete e seu
conteúdo e tudo que fosse relativo a tal ameaça. Cheguei a dizer ao Delegado,
verbalmente e por escrito - não tenho o menor interesse em ver Alexandra
morta. Quero, isto sim, que ela viva, para eu poder reaver os bens móveis e
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imóveis e receber as indenizações que ela me deve -. Eu disse mais - se
Alexandra morrer irá ser mais dificultoso alcançar aqueles meus objetivos, pois
certamente será aberta sucessão e os irmãos dela irão criar obstáculos para que
entre na posse etc. -. A morte de Alexandra nunca me interessou e em nada
me beneficiaria. Por Graça de Deus, que iluminou a cabeça do Promotor que
recebeu o Inquérito, foi requerido exame pericial do bilhete (não pedido pelo
Delegado), para comparação com minha caligrafia, tendo o laudo negado
qualquer participação de minha parte (no entanto a letra do bilhete é
incrivelmente semelhante à letra da própria Alexandra, apesar das tentativas de
disfarçá-la). O Promotor, por verificar a inexistência de qualquer fato
delituoso de minha parte, pediu o arquivamento do Inquérito, ressaltando,
em sua manifestação, com muita clareza, que, na verdade, estava ocorrendo
um crime, porém não de ameaça, mas sim de denunciação caluniosa,
praticado por Alexandra, sendo eu a vítima. Caberia a mim, segundo ele,
tomar as providências para os necessários procedimentos contra ela, para
pedir a inversão da queixa e então Alexandra seria denunciada. Porém mais
uma vez deixei p’ra lá. Eu não tinha intenções outras que não fossem retomar
meus bens, pelos meios legais, e só !
Apesar de ter havido o arquivamento, Alexandra, mais uma vez,
marcou um ponto – toda vez que se pedisse minha ficha, no Distribuidor
Criminal, meu nome lá estaria, constando “Crime de ameaça – vítima
Alexandra”. Tal documento, ou certidão, iria servir para os advogados dela
pedirem minha contradita, no julgamento dela no Tribunal do Júri.
Porém o Promotor do processo de Alexandra foi alertado e se
preveniu com uma certidão que eu lhe forneci, informando o arquivamento.
Alexandra tinha certeza que eu seria ouvido em plenário e ela seria
condenada por crime mais grave – o homicídio de meu pai...
DAÍ ... MAIS UMA GUERRA DE ALEXANDRA
Agora Alexandra e seus “soldados” contra mim. Precisavam de novas
provas de defesa, para contrariar qualquer coisa eu fosse dizer contra ela. E
indicaram como “testemunha do suicídio de meu pai” um elemento da Polícia
Militar, de prenome Percí, e a amante deste, de nome Maria Marta, que se
dizia enfermeira e “colega” de Alexandra. Esse casal nutria forte sentimento
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contra mim, porque eu os havia despejado de um apartamento de minha
propriedade, com retomada judicial, que Alexandra lhes havia alugado,
recebendo alugueres (um daqueles...). Esse despejo caiu do céu como a
oportunidade que Alexandra estava esperando. Ela acolheu a despejada e o
amante, cedendo-lhes gratuitamente um apartamento no prédio onde ela
morava (em litígio, pela ação que eu propusera em nome do Espólio de meu
pai). Era óbvio que essas “testemunhas” arranjadas por Alexandra eram
“compradas”, porque também eram muito amigos e freqüentadores da casa
de Alexandra, e iriam prestar falsos testemunhos, para confirmarem aquela
tese de suicídio, cuja pena, pelo crime de induzimento, era bem menor que a
de homicídio doloso, qualificado ainda pelo fato de ter sido praticado contra
cônjuge e contra idoso, incapaz de se defender (que, na verdade, ocorrera e que
meu depoimento iria demonstrar aos jurados).
E não deu outra – Percí
disse que vira meu pai sentar-se na mureta do segundo andar (não existe
mureta nesse andar) com as pernas balançando para fora, para o espaço. Ora,
ora ! se realmente ele tivesse visto tal cena, e em sendo policial, deveria ter
agido como tal, impedindo o prosseguimento, o que, certamente, não fez...
Marta, como boa amiga de Alexandra, corroborou a versão de seu
amante. Porém - se fosse verdade a versão deles, Alexandra estaria mentindo
(ela disse que meu pai se colocara em pé, na mureta). Ou ela mentia ou o casal
mentia. Ou os três mentiam... (esse policial teria sido o autor do disparo na
porta de meu apartamento, conforme eu iria declarar em Juízo)
.-.-.-.-.Alexandra estava sendo processada pelo crime de ESTELIONATO
praticado contra minha sobrinha e o marido desta, e seria condenada à pena
de reclusão, com o benefício do “sursis” (suspensão do cumprimento da pena)
pelo prazo de dois anos (muito embora já tivesse sido condenada anteriormente,
pelo crime de agressão a machadinha, que havia praticado contra uma moça
grávida e ainda estivesse respondendo a Inquéritos Policiais e Processos
Criminais).
A sentença condenatória de Alexandra foi proferida no dia
30 de janeiro de 1.992 (marquem esta data)
.-.-.-.-.-.-.55
Alexandra tinha como principal objetivo, verdadeira obsessão,
prejudicar-me e desmoralizar-me, não só para enfraquecer aquela acusação
contra ela, no processo da morte de meu pai, como especialmente por
vingança, retaliação, pelo que eu lhe fazia – defender meus direitos e os de
minha família -.Para tanto ela e seus advogados estavam servindo-se de
planos mirabolantes, próprios de cinema ou novela, ou seja – tão logo
acontecesse algum fato criminoso nas imediações, fosse uma briga, um
atropelamento, ou qualquer coisa que demandasse a presença policial, as
pessoas de confiança dela, de sua corja, os marginais, ladrões e traficantes,
moradores ou freqüentadores daquele “cortiço” da rua Taguá, nº 330, em sua
maioria amigos de Nyckolas, irmão dela, deveriam de imediato comunicar a ela,
a fim de que ela entrasse em contato com seus advogados, para receberem
instruções de como deveriam proceder e o que deveriam dizer, para envolverem
e incriminarem a mim e a meu filho.
Depois de tantos Inquéritos Policiais, nos quais Alexandra tudo fazia
para envolver a mim e a meu filho, como indiciados, mais um fato criminoso
aconteceu. Eu era a vítima, porém, por influência de Alexandra, os fatos
foram invertidos e passei a ser réu. No dia 26 de abril de 1.991 eu retornava
do Mercado Municipal, onde fora comprar suprimentos para meu
restaurante. Eu estava acompanhado de um rapaz, policial civil, amigo nosso
e filho de um Delegado. Quando passávamos defronte ao nosso prédio da rua
São Joaquim (“Condomínio Almeida Pereira”), percebemos que dois rapazes,
com um molho de chaves, tentavam abrir o cadeado de um portão usado
única e exclusivamente por mim, que dava acesso privativo, por uma rampa,
às unidades residenciais de minha propriedade e ao terreno dos fundos, meu
e de minha irmã. Esse terreno era usado como estacionamento dos carros de
nossa família, tendo vários deles, várias vezes, sido danificados, com
quebramento de vidros, para furtos de valores e objetos, praticados,
inclusive, por um viciado em drogas e que acabou morrendo de aids, filho
daquele Nelson Ferrari. Foi nesse mesmo terreno que fui vítima daquela
agressão a tiros, daí o uso de cadeado. Parei o carro e me dirigi a um soldado
que fazia o policiamento escolar, defronte ao Colégio Campos Sales, enquanto
o policial civil foi até os rapazes, segurando um deles pelo braço, mais
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precisamente aquele que estava com as chaves. O PM chegou rápido e
segurou o outro. Nesse instante chegou um rapaz nisei (partícipe daquela
agressão com o bastão, da qual resultou o aleijão em minha mão esquerda).Esse
novo personagem dos fatos, indiferente à presença do policial fardado – e
impune daquela agressão anterior – entrou em cena de inopino e se atirou
sobre mim, desferindo socos e ponta-pés, o que levou o Policial Militar a
soltar o rapaz que segurava, para agarrar o nisei, meu agressor. Com
algumas explicações e por estar atrasado para a entrega das compras, não fiz
questão de comparecer ao Distrito Policial, dizendo que, se possível e
necessário, eu iria após o almoço, por isso dispersamos. No entanto os três
rapazes foram até algum lugar e, algum tempo depois foram até o Distrito
Policial. O Delegado notou que nenhum deles apresentava qualquer sinal de
lesão e entendeu que eles não tinham sido vítimas de qualquer crime,
dispensando-os. Porém alguém ... os orientou a procurarem a Corregedoria
da Polícia Civil e darem parte do Delegado, pela recusa de atendimento.
De posse de um memorando daquela Corregedoria os três voltaram à
Delegacia e, com tal documento, conseguiram a elaboração de um Boletim
de Ocorrência no qual figurariam como vítimas de agressão. E quem seria o
indiciado ? Ora, é fácil saber. Eu mesmo. O Delegado, pressionado, atendeu
os três e, para salvaguarda de meus direitos, mandou me chamar, a fim de
elaborar um outro Boletim, no qual eu deveria figurar, porém como vítima.
Esse Boletim iria ser elaborado, em seguida àquele que os rapazes tinham
exigido. Os rapazes receberam guias de encaminhamento para exames de
Corpo de Delito, porém não foram até o I.M.L No Inquérito instaurado –
averiguação de invasão de propriedade, tentativa de furto qualificado,
agressão...- mesmo não tendo tido eu qualquer participação ativa, não tendo
havido qualquer lesão em nenhum dos três e mesmo com a declaração ao
Delegado, feita verbalmente e por escrito pelo nisei, de que ele havia
desferido socos e ponta-pés em mim, que era vítima naqueles fatos, o
Delegado M.G.M. (guardem este nome) que presidia o Inquérito, resolveu
indiciar a mim. E ouviu o policial militar cujo nome figurava na escala de
serviço, naquele dia 26, o qual me acusou, descrevendo tudo como se eu
tivesse praticado agressão. Porém aquele policial militar MENTIU, porque
não era ele quem havia participado daqueles fatos e sim um outro, seu
colega, que o substituíra, em troca de serviço não autorizada. Para impedir
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que essa troca chegasse ao conhecimento de seus superiores, o soldado que
realmente estava escalado e que faltou ao serviço, quando intimado, por
ofício, compareceu na Delegacia em lugar do outro, que participara dos
acontecimentos – e prestou falso testemunho – o que ensejou a elaboração de
pesado relatório policial, e acabei sendo citado para responder a processo
pelo crime de agressão.
Em Juízo, porém, aquele soldado, que verdadeiramente sabia dos fatos e
deles participara, foi ouvido e esclareceu tudo, confirmando minha versão, o
que, aliado à falta de lesões (muito embora um dos rapazes tivesse ido ao
I.M.L., mais de vinte dias depois, apresentando hematoma no braço direito, o
qual, segundo o laudo, fora produzido dois ou três dias antes do exame)
ensejou minha absolvição.
Porém
restava o que mais interessava a Alexandra (mentora de toda a trama) – o
registro em minha ficha criminal, na qual era acrescentada mais uma
agressão...
.-.-.-.-.
No dia 1º de maio de 1.991 um dos três “genros” de Loide e Luis,
apelidado de “Fia” e que usava vários nomes, foi preso em Flagrante por
Policiais Militares, pelo crime de tráfico de drogas e levado ao 5º Distrito
Policial, onde foi indiciado pelo crime de uso de drogas, mais brando...
No dia seguinte estava eu conversando com o Del. B., Assistente do
Titular, atendendo a mais uma intimação (sempre problemas com
Alexandra), quando reparei, no outro lado da calçada, aparentando certo
nervosismo, a “amante” de “Fia”. Sem qualquer intenção, fiz um
comentário sobre a ligação da moça com o traficante e adiantei que alguns
membros daquela família eram assassinos e também outros eram ladrões e
traficantes, conforme eu já sabia (a morte de José Ibiapina...) e também
porque fiquei sabendo por meio de policiais que freqüentavam meu
restaurante. O Delegado mandou o Chefe dos Investigadores trazer a moca
à sua presença. Estava eu de saída, quando os dois entraram na sala do
Delegado. Algum tempo depois fiquei sabendo que a moça ficara retida por
algumas horas, até a noite, quando foi liberada. Essa retenção foi atribuída
a mim, o que gerou uma onda de ódio e de revolta dos pais dela e dos outros
membros da família - genros e colegas – contra mim e, por extensão, contra
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“meu filho”, contra meu afilhado, ambos policiais e até contra meus
familiares. Com isso Alexandra marcava pontos, favorecendo sua sanha
contra mim e “meu filho”...
.-.-.-.-.-.-.
Certa noite estava eu saindo com minha mulher, quando, ao pisar na
calçada, percebi que havia um auto verde tipo Chevete, com quatro ou cinco
elementos em seu interior, estacionado quase na entrada de minha garagem.
Chamou minha atenção o fato de que, tão logo saí do prédio, dois deles
saíram do carro, um de cada lado, e se posicionaram abaixados, atrás das
portas. Desconfiei daquelas atitudes e barrei minha mulher com o corpo e
voltei para dentro do prédio. “Que foi? “, perguntou ela, assustada.
Expliquei rapidamente. Em pé, na porta, limitei-me a observar, porém o fiz
com um gesto de quem ia sacar uma arma. Dois rapazes saíram correndo
em direção ao “cortiço” próximo. O carro saiu em disparada e o que estava
sentado no banco dianteiro abaixou-se. Pude ver claramente e anotei as
placas, que mais tarde levaria ao conhecimento do Delegado do 5º D.P.
Tirei meu carro da garagem e deixámos o prédio. Após um levantamento
feito pela polícia foi constatado que as placas teriam sido furtadas, pois
seriam de um Passat cor cinza.
Na noite seguinte minha filha ligou, dizendo que o marido fora para o
litoral e que ela estava pretendendo jantar em nossa casa e pernoitar com
suas filhas. Porém, disse, não estava podendo deixar sua casa, pois estava
com receio, uma vez que um Chevete verde, com alguns elementos mal
encarados, estava lhe bloqueando a saída. Orientei-a para que chamasse a
Polícia e anotasse as placas, se possível. Já o fiz, disse ela. E me ditou as
placas, que coincidiam exatamente com aquelas do carro do incidente, na
noite anterior. Porém o carro saiu do local antes que chegasse qualquer
viatura policial até sua casa. E minha filha e minhas netinhas não puderam
deixar a casa. Fui até lá, com minha mulher e lá passámos a noite.
Tais fatos também foram levados ao conhecimento do Delegado do 5º
D.P., a quem eu já havia passado as primeiras informações, e ao Delegado
do 34º D.P., em cuja circunscrição estava localizada a casa de minha filha.
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.-.-.-.-.-.
No feriado de 25 de janeiro estava eu na calçada, com minhas
netinhas, aguardando minha mulher e minha filha, para sairmos, quando
aproximou-se “Bronco”, aquele “genro” de Luis (daquele caso do homicídio
do José Ibiapina). Assim que ele chegou mais perto ele perguntou – “doutor,
são suas netinhas ?” Meio contrariado respondi – “sim, por quê ? “ . Ele fez
um comentário - “Nada, não, é que elas são muito bonitinhas...” . Para
encerrar o assunto e demonstrar que eu não estava aborrecido, nem
pretendia criar caso, falei – “obrigado, seu filhinho também é muito bonito”.
E eu disse com muita ênfase, porque de fato o menino lembrava muito
aquele filho meu, que morreu atropelado. Então “Bronco” ficou passado e
perguntou, em tom brusco – “o senhor ‘tá ameaçando meu filho ?”. “É claro
que não”, respondi. E continuei, também com uma pergunta – “por quê,
você ‘tá ameaçando minhas netas?”.. Ele disse que não e encerrei o assunto,
dizendo – “então estamos empatados”. Minha mulher chegou nesse ponto de
nossa conversa e estranhando a presença daquele tipo e do tom de minha
voz, perguntou o que estava acontecendo. Nada, nada, entra no carro, disse
eu a ela, ao mesmo tempo em que abria a porta da garagem para ela, minha
filha e as crianças.
.-.-.-.-.-.-.
Alexandra estava mais fortalecida, com a adesão, não mais
comprada, mas agora natural, de Loide, de Luis, de seus filhos e filhas, dos
“genros” e dos demais marginais, amigos daquela família, dentre os quais o
dono da banca de jornais da esquina (onde os escolares e estudantes
compravam as drogas dos traficantes), sendo que um dos sócios dessa banca
era amante de Geralda Dutra Mantone. Esta, como ex-cozinheira de meu
restaurante, também nutria antipatia por nós, porque fora despedida no
começo de janeiro de 1.992 (logo após nosso retorno de Buenos Aires, onde
havíamos ido passar o Ano Novo) porque não quis reassumir suas funções,
após nosso retorno, e porque sua filha também era freqüentadora daquele
“cortiço”.
Geralda e Loide eram muito amigas (Geralda diria, mais tarde, na
Corregedoria da Polícia Militar, em Inquérito instaurado para averiguar a
eventual participação de meu afilhado, que eu já havia praticado nada menos
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que dezessete homicídios !!!...). Por ser uma afirmação leviana e absurda, o
Promotor nada mencionou. Loide tornou-se mais íntima de Alexandra, não
mais como faxineira, mas como “amiga”. Loide apresentou Geralda a
Alexandra. Agora em três, o ódio de Alexandra contra mim estava mais
fortalecido. Alexandra, pela situação econômica, liderava o grupo. E, por
causa de sua formação moral e de seus antecedentes e por tudo que ela
estava fazendo e iria fazer, sinto-me no direito de lhe atribuir um cognome,
gerador da primeira parte deste livro –
A
FERA DA LIBERDADE.
Segunda parte - D O I S P E S O S D U A S M E D I D A S
Terceira parte - A S V Í T I M A S D O S I S T E M A
Estas partes são continuação da primeira, estando as três interligadas pelos
fatos e seus participantes.
Alexandra e seus “amigos”, incluindo seus advogados, tinham um
inimigo em comum – eu, Florivaldo.
30 de janeiro de 1.992 –
(dia em que foi prolatada a sentença
condenatória de Alexandra, pela prática do crime de estelionato, em que as
vítimas eram minha sobrinha e seu marido).
Nesse mesmo dia, por volta das 17,00 hs. minha mulher recebeu um
telefonema de sua irmã mais velha, avisando que sua mãe, então com oitenta
e quatro anos, estava passando mal, acometida por uma isquemia cerebral.
Fechámos o restaurante, às pressas e, com nossa roupa de trabalho (ela com
vestido branco e avental cor-de-rosa, eu de branco total - calça, camisa e
sapatos brancos), nos dirigimos até a casa de minha sogra. Passámos pela
banca de jornais da esquina, onde troquei um cheque, pois poderia haver
necessidade de alguma pequena despesa. Chegámos ao prédio e subimos até
o apartamento da moribunda. Eram mais ou menos dezoito horas. A
velhinha estava sendo atendida por médicos que mantinham consultórios no
mesmo prédio, chamados às pressas e que nos disseram que a paciente
poderia agüentar mais uns tempos.
Deixei aquele dinheiro com minha
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mulher e fui até o escritório de nosso Contador, acertar contas e detalhes
comerciais, cujo escritório fechava às 19,00. Permaneci algum tempo, passei
num Posto da av. Ricardo Jafet, para abastecer meu carro. Como estava
sem dinheiro, paguei com cheque. Dali fui diretamente para a casa de minha
sogra, na av. Radial Leste, no bairro do Brás, onde cheguei quando estava
passando o programa Jornal Nacional, da rede Globo. Depois de algum
tempo e por estar a velhinha passando melhor, saímos para casa. Ao
chegarmos defronte ao nosso prédio minha mulher, antes de entrarmos, me
alertou que não havia guardado comida (o que sobrava na cozinha era levado
pelos funcionários, pois fazíamos novos e variados pratos, diariamente).
Perguntei-lhe se estava disposta a ir a um restaurante chinês, apesar de ser
quinta-feira (costumávamos comer comida oriental às sextas feiras). Fomos
até o tradicional Banri, pertencente a conhecidos nossos, onde poderíamos,
inclusive, pagar com vales-refeições. Chegámos por volta de 21,00 hs. . Para
os chineses é costume servirem o primeiro prato e, depois de uma longa
espera, o segundo, bem distante do primeiro. Porém naquela noite, devido a
uma festa de confraternização mensal que pessoas de uma firma realizavam
sempre no dia 30, a demora foi excessiva. Enquanto aguardávamos
aproveitei para conversar com o proprietário, sobre fornecedores e preços.
Cansados e com fome, porém sem vontade de comer, devido à situação que
estávamos acabando de passar, suspendemos o segundo prato, porém o
garçom já o estava colocando e nos servimos, apenas beliscando um pouco.
Nem sequer pedimos sobremesa, da qual tanto gostávamos, em especial da
que serviam ali. Deixámos o restaurante às 22,00 hs. e passei por uma casa
especializada em artigos orientais, onde comprei algumas bolachas e doces,
como era meu hábito. Em seguida fomos até a padaria Orquídea, em nosso
caminho, que era o único lugar onde se podia comprar leite” do tipo “A”.
Quando passámos pela esquina da rua São Joaquim com a rua Taguá meu
filho e meu afilhado estavam na porta de uma casa de Pão de Queijo, com
mais alguns amigos. Ambos nos viram quando passámos e vieram correndo
(pois chovia muito) pela calçada oposta ao “cortiço” (como eu lhes
recomendava, pois ali se reuniam muitos marginais, traficantes, ladrões,
alguns até muito perigosos, que já haviam praticado assassinatos, em brigas
entre si, e que, por não gostarem de policiais, poderiam lhes criar problemas).
E, apesar da chuva, alguns desses marginais ali estavam, abrigados sob um
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toldo de um mercadinho, distante apenas quinze metros de meu prédio.
Encostei meu carro na calçada, sob o toldo de nosso prédio, para que minha
mulher pudesse descer e em seguida manobrei para entrar na garagem,
enquanto ela me aguardava na porta. Estava colocando o carro de frente
para o portão de ferro quando os dois rapazes chegaram. Eu estava do lado
de fora, abrindo o portão. Meu filho pediu dinheiro para comerem na
Padaria Orquídea. Dei-lhe alguns tíquetes. Pediu-me o carro emprestado e
entrou pelo lado esquerdo, abrindo a porta do lado direito, para que meu
afilhado pudesse entrar. Mandei que meu filho passasse para o banco de
trás, enquanto eu entrava novamente no carro (a chuva era muito forte), a
fim de levá-los, pois eu precisava do carro na madrugada seguinte (seria dia
de peixe e eu teria que fazer feira para o restaurante) e certamente eles o
levariam para sua casa e m’o devolveriam somente já dia claro, o que me
causaria dificuldades. Era a primeira vez em minha vida que eu estava
recusando alguma coisa para meu filho. Ele estranhou meu comportamento
e resmungou, mas acedeu e permaneceu no carro. Ora, como eu ia levá-los
preferiram optar pela casa de Esfiha Catedral, no Paraíso, que tem as
melhores esfihas de São Paulo, melhor que uma simples Padaria. Seguimos
pela rua Taguá, virámos na esquina da rua Siqueira Campos, subimos a rua
Tamandaré, cuja continuação muda para rua Apeninos, em seu final atinge
uma rua de nome Dr.Edgar de Souza Aranha, na qual virámos à direita,
atingindo a rua Domingos de Moraes, com mão obrigatória também para a
direita e parámos do lado oposto à Confeitaria Catedral. Por causa da chuva
e da dificuldade em estacionar parei em mão dupla, defronte a Casa de
Esfihas Chic. Como eu já havia comido alguma coisa meu afilhado desceu e
entrou para comprar para viagem. Meu filho ficou arrumando o espelho
retrovisor lateral direito, para que ele pudesse voltar dirigindo, uma vez que
ele não gostava que eu dirigisse à noite. Como estava demorando e eu não
queria continuar com o carro parado lá,fui até a porta verificar a razão da
demora. Enquanto aguardava eu fiquei junto à entrada, para me esconder
da chuva. Um fato me chamou a atenção – o rapaz que fazia a segurança
daquela firma estava vestindo uma blusa certamente alheia, pois era muito
pequena, bem menor que a de seu tamanho. Eu fiz um comentário – você vai
acabar rasgando essa blusa ! -. Ele respondeu que a blusa, por ser de lã,
esticaria, mas voltaria ao normal. E disse que não era dele e sim emprestada
63
de um colega, a quem estava substituindo. Continuei a conversa e perguntei
se ele “puxava ferro” (expressão usada por aqueles que praticam musculação
). Antes sim, mas agora parei, disse o rapaz. Chamei meu filho – olha aí,
filho, ele puxa ferro. Minha intenção era convencer meu filho a praticar
exercícios (ele pesava menos de sessenta quilos e era pálido feito vela, porque
não se alimentava direito, só comendo guloseimas e lanches). Ele não gostou
do assunto, ficou sem jeito e desconversou. Disse que estava satisfeito com o
corpo que tinha e comentou – as meninas gostam assim e é isso que importa . O rapaz olhou para meu filho e disse – precisa fazer menos ...ao mesmo
tempo em que fazia um gesto característico com a mão (masturbação). Meu
filho riu e saiu dizendo qualquer coisa, voltando para o carro, sentando-se
ao volante. Meu afilhado continuava demorando. O rapaz, segurança da
firma, disse-me – entra lá -. Mas eu estava com meus cabelos molhados
(eram longos, para acompanharem minha grande barba) e me desculpei,
apontando para uma placa que dizia – sorria, você está sendo filmado -. O
rapaz disse que era só para espantar os ladrões, que pensariam estar
realmente sendo filmados, em caso de algum assalto, que não havia
nenhuma câmera. Meu afilhado voltou com um pacote na mão, após cerca
de quinze minutos. Voltámos para a rua Taguá, com meu filho ao volante.
Eu me sentei no banco de trás, porque não gosto de viajar no banco
dianteiro, como passageiro, principalmente à noite. Meu afilhado abriu o
pacote e foram comendo algumas esfihas. Descemos a rua Vergueiro,
virando na rua Siqueira Campos. Meu filho explicou que não iria parar na
rua Taguá, por causa da chuva, e seguiu até a rua Tamandaré, virando em
direção à rua Galvão Bueno, para alcançarem a rua São Joaquim, onde
moravam. Dalí eu voltaria para a rua Taguá, em direção a minha casa.
Porém em chegando na rua Galvão Bueno, quase esquina com a rua São
Joaquim, os dois viram uma viatura da Polícia Militar estacionada nesse
ponto, tendo em seu interior soldados seus conhecidos, com os quais
quiseram conversar. E creio que era interesse mútuo, porque os policiais
reconheceram o carro (por sinal muito conhecido de quase todos no bairro) e
acionaram a sirene, com um leve toque, chamando a atenção de meu filho e
de meu afilhado. Ambos saltaram do carro, indo em direção à viatura.
Eram aproximadamente 23,30hs. Assumi o volante, virei a esquina da rua
São Joaquim e fui para casa, a duas quadras. Quando eu estava defronte ao
64
portão percebi que se aproximou um menino, cujo nome eu ignorava, mas
sabia ser de alguma família do “cortiço”, porque ele aparecia, juntamente
com outras crianças, para ganharem doces e pedaços de bolo, todas as vezes
em que havia festa no salão (anteriormente utilizado para festas infantís, que
eu animava com marionetes). Ele ficou debaixo daquele toldinho do
mercadinho. Olhei em sua direção e lhe ofereci o pacote contendo algumas
esfihas que sobraram. Ele meneou a cabeça, recusando. Esperou que eu
abrisse o portão e se retirou. Além dele não havia mais ninguém na calçada,
pois ainda chovia Fui imediatamente me deitar, acertando o despertador
para as cinco e meia, para acordar cedo, como de costume. Eram
exatamente 23,33 hs. quando fiz isso. Apaguei a luz. Conversei alguns
instantes com minha mulher, comentando que os dois não comiam, que
precisavam se alimentar melhor e coisas tais. Ela disse – amanhã eu falo
com eles -. Ela comentou que sua irmã ligara, informando que sua mãe
estava melhor, o que nos tranqüilizou.
No dia seguinte o trabalho no restaurante foi normal. Quando eu
estava fechando a porta de vidro, como de costume, às 14,00 hs. aproximouse um carro, do qual saltou o Dr. Sebastião, Delegado de Polícia, nosso
conhecido e freguês esporádico. Perguntei-lhe se estava vindo para almoçar.
Como ele percebera que eu acabara de fechar respondeu negativamente.
Insisti – se você quiser almoçar ainda dá tempo – e fiz menção de abrir a
porta. Ele continuou a recusa e disse estar apenas procurando por meu
filho, seu subordinado. Defronte ao cortiço estavam paradas duas viaturas
da Polícia Militar e ouvimos comentários de que u'a mulher acabara de ser
assaltada. Nesse momento parou junto a nós três uma viatura da Polícia
Militar, da qual saltaram uma mulher morena e um Cabo, que se
aproximaram de nós. Curioso, perguntei à mulher – a senhora que foi
assaltada? . Ela respondeu – não senhor, eu quero falar com o senhor sobre
meu filho que desapareceu -. Perguntei – quem é seu filho, ele é meu freguês?
-. A mulher continuou – meu filho é o Ailton. As pessoas estão falando que o
senhor bateu nele com um açoite e depois levou ele e ele não apareceu até
agora -. Retruquei imediatamente – a senhora vai me desculpar mas nem sei
quem é seu filho, não bati em ninguém e não sei do que a senhora está
falando. Aquela mulher insistiu, dizendo – o senhor levou ele no seu carro -.
65
Perguntei – que carro, dona ? -. Ela respondeu – numa Caravan cinza -.
Continuei – eu tenho uma Caravan, mas está quebrada faz uma semana, a
senhora pode ver lá embaixo, se quiser - E convidei também os policiais – o
Cabo e o Delegado - para verificarem a veracidade de minha afirmação. A
mulher não quis entrar, mas o Cabo desceu e constatou que o carro estava
quebrado (sem o motor de arranque, levado para enrolar, uns três dias antes)
pois dera defeito na volta de Santos (tinha sido feriado em São Paulo, dia 25
de janeiro), quando fomos visitar minha irmã, tendo sido, inclusive,
socorrido pelo DERSA, fatos esses levados ao conhecimento daqueles
policiais e daquela mulher. Em razão daquela informação prestada ali
mesmo, de imediato, a mulher parou um pouco, olhou para o interior da
garagem (para mais de dez carros, com cerca de seis ou sete naquele
momento) e disse, sem nenhuma certeza – ... então foi outro carro ! – Irriteime com aquela insinuação dúbia e maldosa e disse para a mulher, em tom
ríspido, que o que ela dizia era muito sério e ela estava fazendo uma
afirmação falsa. – Ela retrucou – mas tem uma mulher que viu tudo -.
Continuei – viu o que? essa tal mulher está mentindo! Quem é ela? E a
mulher disse – ela não pode aparecer. Nisso o Cabo entrou na conversa – a
senhora tem que dizer quem é -. A mãe do “desaparecido” disse - é a mulher
do prédio - e apontou o prédio vizinho ao meu (aquele onde morava
Alexandra). Eu esclareci a mulher – essa mulher do prédio é minha inimiga,
estou processando ela -. O Cabo interveio – é sim, eu sei disso porque já
atendi ocorrência dos dois -. A mulher nada mais disse. Cheguei a orientá-la
para procurar nos Hospitais e também que fosse informar ao Delegado de
Plantão, no Distrito Policial. Eu disse ainda que, no caso de não ser
encontrado o filho dela, que ela fosse ao DEIC, na Delegacia de Pessoas
Desaparecidas, onde ela poderia ser melhor orientada. Então o policial
militar perguntou se o filho dela tinha apelido? - Sim, é Xuxa - (ou algo
parecido, porque não deu para perceber qual seria). O policial continuou – a
senhora vai me desculpar mas seu filho não é boa gente, eu mesmo já prendi
ele algumas vezes -. A mulher ficou sem jeito e pediu para ser levada ao
Distrito Policial (eram mais ou menos duas e meia da tarde). O Delegado
presente ouviu toda a conversa e a constatação do defeito na Caravan.
Eu e minha mulher não demos muita importância ao incidente e nos
despedimos do Delegado Sebastião.
66
Depois ficámos sabendo que aquela tal de Loide era “sogra” de Xuxa e
que ela havia, naquela manhã, procurado por Alexandra, de quem
“recebera orientação”, tendo, em seguida, procurado a mãe de Xuxa, a quem
levou aquela “orientação”.
Agora aqui cabe uma pergunta – por que Loide teria procurado
Alexandra ? – A resposta é óbvia – simplesmente porque Loide sabia que essa
era a oportunidade que Alexandra vinha esperando havia muito tempo.
Loide, que sabia o que realmente teria acontecido com Xuxa,
encontrou sua chance de ajudar a “amiga” Alexandra, retribuindo os favores
e ao mesmo se vingar de mim, por causa daquele incidente com a filha dela,
no Distrito Policial. E Alexandra sabia como orientar alguém para “dar
queixa na Polícia” (É bom que se lembrem, agora, do “desaparecimento” do
marido dela e do caso de Ari – primeiro você vai na Polícia, depois...) No
entanto Loide não tinha muitas “informações” para a mãe de Xuxa, as
quais, certamente, se existissem, seria um prato cheio para o Delegado
M.G.M. (aquele do caso dos dois rapazes e do nisei que me agrediu, mas que
ele fêz constar como tendo sido eu o agressor – em cujo processo acabei sendo
absolvido) .
Em razão disso o Boletim de Ocorrência foi elaborado conforme as
“informações” prestadas por Loide e pela mãe de XuxaLocal do desaparecimento - ..............Rua Taguá 330
Hora do fato: ........................................... 10,00
D o i s homens armados ......... agressão a coronhadas
Veículo não identificado
Sabedora, por intermédio da mãe de Xuxa, do que havia sido
mencionado no B.O, e insatisfeita com isso, pois eu e meu(s) filho(s) não
havíamos sido incriminados –– Loide e seu filho Leandro (aquele a quem eu
oferecera as esfihas) foram ao Distrito Policial “espontaneamente” (ato não
usual entre marginais e seus familiares, que tudo fazem para se esquivarem, e
Loide o era). Mas isso tinha uma razão, um motivo – Loide precisava
67
envolver-me a mim e a minha familia-. Só assim poderia estar cumprindo
com sua obrigação de ajudar sua amiga Alexandra (adiante se provarão tais
assertivas, com documentos oficiais obtidos em Juízo, como sentença judicial e
outros).
Loide procurou me enredar - daí
COMEÇARAM AS ARBITRARIEDADES POLICIAIS
E passamos a integrar, como muitos, o que se chama
AS VÍTIMAS DO SISTEMA
==============================
O Delegado A.C.R.L. mandou uma viatura da Polícia Militar me
buscar. Eram quase vinte e três horas. Mesmo cansado atendi o “convite”,
porém fui em meu próprio carro (um Comodoro 79, de cor marrom, também
com problemas no motor). Os policiais diziam que eu era folgado, porque não
quis ir com eles na viatura. Quando cheguei o Delegado Longo pediu minha
cédula da OAB, guardou-a no bolso e me mandou para uma saleta. Pedí de
volta e ele, rispidamente, disse – agora você é advogado porra nenhuma ! -.
E saiu com a mãe de Xuxa. Quando ele voltou, já na madrugada do dia 1º
de fevereiro, eu fui ouvido em “Declarações”, respondendo a perguntas que
ele me fazia. Perguntou-me onde eu estivera na noite de quinta-feira, dia 30
de janeiro, entre as 20,00 hs. e as 22,00 hs. – Respondi, como o fizera aos
Policiais, naquela mesma tarde. Ao mencionar o restaurante chinês o
Delegado ACRL perguntou-me se eu tinha alguma prova de que eu estivera
lá. Claro, respondi. O Delegado insistiu – quando eu tiver essa prova que eu
lhe libero. As horas foram se passando e eu não podia deixar a saleta,
vigiado por um policial civil. Quando o Delegado retornou e me disse que eu
ia ficar, pedi para avisar minha mulher. Pedi a ela que entrasse em contato
com o Dr. Paulo Jabur, advogado criminalista, muito meu amigo, para que
desse um jeito na situação. Esse colega surgiu cerca de hora e meia depois,
conversou com o Delegado ARCL e recebi minha cédula de volta, tendo sido
liberado. Quando saíamos do Distrito passei a entender a trama que me
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estavam armando, pois vi entrarem na Delegacia aquela senhora que se
dizia mãe de Xuxa, acompanhada de Loide, de Leandro, de uma menininha
e daquela moça que havia ficado detida no Distrito Policial, cujo nome, mais
tarde, fiquei sabendo ser NINA (amasiada com BRONCO, um dos dois
envolvidos naquele caso do homicídio de José Ibiapina).
Loide e seu filho foram ouvidos pelo Delegado.
Como não tinham nada a esclarecer, mas já estavam melhor orientados,
puderam fornecer alguns detalhes que incriminavam a mim e a meu filho.
Eu era mencionado como Florivaldo - (fato estranho, porque nem
mesmo em minha casa eu era assim chamado, uma vez que eu não usava
prenome, pois as pessoas o trocavam por Lorival ou intercalavam um "esse",
ficando Florisvaldo, o que me aborrecia), quando, na verdade, eu usava
como identificação, já havia muitos anos, apenas Dr. ALMEIDA (até
bordado em minhas camisas), para os estranhos e Florí, em minha família.
Somente Alexandra conhecia meu prenome FLORIVALDO, e foi esse o
nome que ela passou para Loide. Ninguém mais foi apontado. Porém
estavam seguindo o B.O., no qual constavam = DOIS HOMENS ...
Quanto a meu filho, Loide devia ter se esquecido do prenome estranho
que Alexandra lhe passara (germânico, porém com pronúncia
aportuguesada). Por isso consta no depoimento (?) de Loide a expressão
dúbia "Florivaldo e seu filho", informando que o mesmo era ex-policial,
porque elas pensavam assim, uma vez que não mais o viam fardado (ele
havia deixado a farda, cursado Academia de Polícia e já era Investigador). E
pensavam que ele era ex-policial inda mais porque Alexandra assim dizia,
uma vez que ela tudo fizera para que ele fosse expulso da Polícia Militar.
Como ele não o foi e sim transferiu-se para a Academia de Polícia, onde fez
Curso e foi nomeado Investigador de Polícia, não mais usava farda.
Quando o Delegado perguntou-me sobre nossos carros respondi que
meu filho possuía um Gol e eu , uma Caravan, um Comodoro, um Fiat e um
TL, que Alexandra, mediante fraude, adquirira de meu pai e que estava
comigo, na qualidade de Depositário. Como o Delegado ficou sabendo que a
Caravan estava com defeito ele fez constar que havíamos usado um Gol, de
propriedade de meu filho. Alertei o Delegado que aquele carro estava na
concessionária, mas ele me respondeu que era mera rotina (não percebi que
69
ele estava querendo envolver meu filho) e pediu minha assinatura (rubriquei
a folha, normalmente, sem qualquer coação).
A POLÍCIA COMEÇA A FORJAR PROVAS
No entanto e apesar dessas diferenças existentes, o Delegado ACRL,
demonstrando parcialidade e interesse em nos prejudicar, e em pretendendo
derrubar nossos álibis (justos e naturais, existentes desde a hora em que
aconteceram) alterou os fatos fazendo constar no “depoimento” de Loide e na
“informação” de Leandro novos e diferentes dados:
1- Hora do desaparecimento ............................... 22,30 hs.
(não mais 10,00 hs., como no Boletim de Ocorrência, nem 22,00 hs., como as
primeiras informações de Loide, pois eu apresentara documentos provando
o álibi de minha presença no restaurante chinês, confirmando aquelas
Declarações)
2 - Local - rua Siqueira Campos (esquina da rua Taguá)
(não mais rua Taguá 330, mas um local distante 180 m., conforme seria
provado pela Polícia Técnica)
3 - Florivaldo e “seu filho” (não mais “dois homens” armados,
como no Boletim de Ocorrência)
4 - Opala laranja (não mais um Gol nem uma Caravan cinza)
5 - Agressão a coronhadas
(não havia...)
.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.O “depoimento” de Loide foi “assinado”
a “informação” de Leandro, , também foi “assinada”
70
apesar de ser ele menor impúbere e necessitar de assistência - que não
poderia ser prestada por sua mãe, pois Loide era totalmente analfabeta)
Após sair do Distrito, fui para minha casa, naquele sábado de
madrugada. Estavam armando uma feira e presenciei BRONCO, dizendo
impropérios e coisas como – te ferrei, velho safado – e dando chutes na porta
de meu prédio (as marcas lá estão, até hoje). Não querendo qualquer contato
físico com ele pedi a alguns feirantes que me ajudassem a tirá-lo de lá e subi
para descansar, pois tinha mais um dia de labuta.
AUTOS DE RECONHECIMENTOS FORJADOS
Mais tarde fiquei sabendo que o Delegado, naquela noite de sexta-feira
para sábado, também havia elaborado peça(s) importante(s) para o
trabalho de incriminação de alguém – Auto(s) de Reconhecimento.
Porém o fez sem muito cuidado - foi datilografado em papel impresso,
com espaços em branco, com o preenchimento de um, no original e outro mera
cópia a carbono - com as mesmas afirmações de Loide e de seu filho. Nessas
peças constavam meu nome (errado, pois lá consta Florisvaldo) e “seu filho”.
Era óbvio que “seu filho” não estava presente. Caso contrário seu nome lá
estaria. E mais – o Delegado não contava com qualquer pessoa que tivesse
alguma semelhança conosco, os reconhecendo(s), daí mandou inserir os
nomes de três pessoas que, pretensamente, teriam sido colocadas junto a mim
e a “meu filho". Era uma inserção grosseira, feita naqueles “papéis”, em
assentada posterior, diversa daquela em que o(s) documento(s) foi (foram)
elaborado(s).
Porém essa falsificação era por demais visível –
(e, posteriormente, foi provada por Laudo técnico)
havia desigualdade entre o nível das demais palavras e o nível daqueles
nomes que foram acrescentados
71
havia desigualdade na cor da impressão, entre a datilografação primeira e
a segunda, com aquela inserção
nenhum de meus filhos sequer estava presente, caso contrário seu nome
lá estaria constando
os três nomes inseridos eram de policiais que não estavam presentes no
Distrito, mas figuravam na escala do plantão que se iria iniciar na manhã
daquele dia (2/2/92)
Essa fraude - tipificada como Falsidade Ideológica (posteriormente demonstrada e provada por minucioso exame daqueles
“Autos”, procedido pelo Escritório de Perícias Técnicas DEL PICCHIA, um
dos melhores do Brasil),
foi notada pelo Delegado NSN. Titular do Distrito Policial, o que o levou a
avocar e presidir o Inquérito, para elaborar novos Autos.
.-.-.-.-.-.-.
QUANTO ÀS PROVAS FORJADAS PELA POLÍCIA
Quais seriam os motivos que levavam aqueles Delegados do 5º Distrito
hostilizarem tanto a mim e a outros de minha família ? Por que
procuravam, a todo custo, me incriminar em qualquer ocorrência que
surgia, e também naquelas em que eu fazia parte, porém como vítima ? Por
quê não respeitavam minhas prerrogativas, quando eu lá comparecia, até na
condição profissional de advogado ?
A resposta está claramente definida - pelo induzimento a que teriam
sido levados os Policiais.
E por quê ? E como ? É fácil de se imaginar... sim, era tudo obra de
Alexandra e de seus advogados. Eles vinham se utilizando, já fazia algum
tempo, como meio de defesa de Alexandra (e como motivo para que eu fosse
hostilizado) de uma cópia xerografada, de tamanho reduzido (o que
72
dificultava se perceber qualquer alteração), não autenticada (para isso
precisavam do original, que era inexistente), que chamavam de documento .
No entanto não passava de mera montagem, grosseira, como se fosse uma
folha de jornal, porém não identificado, noticiando um fato que teria
ocorrido, com a manchete “advogado de São Bernardo mantém Delegado
como refém” e um texto de “reportagem” sobre tal fato, que teria sido
praticado por mim, tendo como vítima um Delegado ... – .
Desde nossa vinda de Portugal morávamos em Rudge Ramos, bairro
que eu e muitos amigos estávamos pretendendo transformar em cidade
separada de São Bernardo do Campo. Eu e minha família frequentávamos
a alta sociedade, os melhores clubes, éramos Membro do International
Lion’s Club, (que representei em Miami, como Delegado à Convenção
Internacional), arrolados na Igreja Metodista (em cujo nome representei o
Brasil em Convenção Internacional em Houston, Texas, USA). Eu editava um
pequeno jornal chamado “Rudge Ramos em Revista”, um Boletim
denominado “Florivaldo Pereira Informa”, mantinha gratuitamente um
Centro de recuperação juvenil, com aulas de artes marciais, denominado
“Grêmio Esportivo Florivaldo Pereira”, presidia a Sociedade Amigos de
Rudge Ramos (o que iria fazer por doze anos), mantinha Escritório de
Advocacia (mais tarde seria eleito Presidente da Associação dos Advogados de
Rudge Ramos) e participava da política local, o que me levaria a ser
Candidato a Prefeito, mais tarde, no ano de 1.982. Eu era, como sempre fui,
um homem de bem, de caráter ilibado.
Aquele “documento” ("cópia" de recorte de jornal inexistente) estava
sendo utilizado pelos advogados de Alexandra em toda e qualquer situação
em que contendiam comigo. Com tal “documento” Alexandra contava
pontos, levando vantagem, pelo menos na esfera policial, pois me colocava
em má situação, como alvo da sanha dos policiais, os quais eram induzidos
por aquela falsidade documental. Eu nada sabia, de nada desconfiava.
Somente fiquei sabendo do uso de tal “documento”, quando os advogados de
Alexandra o juntaram no Inquérito sobre a morte de meu pai.
FALSIDADE IDEOLÓGICA DO DOCUMENTO
73
1-
Aquele fato, objeto da manchete e os fatos da
reportagem,
J A M A I S E X I S T I R A M - conforme passei a provar com CERTIDÕES
NEGATIVAS, do Cartório do Distribuidor Criminal daquela cidade de São
Bernardo do Campo, nas quais NADA CONSTA, desde o ano de 1972. Um
parêntesis - nesse ano voltámos da Europa e a conselho do Rev. Omir
Andrade, Pastor da Igreja Central, fomos morar em Rudge Ramos, onde eu
poderia freqüentar o Curso de Teologia).
2 Se tal fato tivesse acontecido, tendo como vítima um
Delegado de Polícia, Assistente do Delegado Titular da cidade, e com tal
alarde e com tanta publicidade, o Delegado Titular não iria prevaricar obviamente teria determinado as providências cabíveis, como registro de
Ocorrência, instauração de Inquérito Policial e distribuição para uma das
Varas Criminais, o que resultaria até em denúncia do Ministério Público.
Porém NUNCA houve sequer uma menção no Serviço de Radio Patrulha
nem no Plantão Policial...e nada foi feito, pois, como eu já disse, nada
aconteceu. Aquele tal “documento” (cópia apócrifa, de documento falso, com
notícias também falsas)não passava de mais uma das muitas FALSIDADES
IDEOLÓGICAS que Alexandra usava.
MAIS PROVAS FORJADAS PELA POLÍCIA
Recordemos – No Boletim de Ocorrência constam
Local do desaparecimento.......................rua Taguá 330
Data do desaparecimento .......................
30/01/92
Hora do desaparecimento ............................... 10,00
Agressão a coronhadas - Dois homens armados
Veículo não identificado
74
Esses dados, depois que apresentei álibi provando estar em outro lugar, às
22,00 horas, foram alterados. Loide e seu filho Leandro (ele tem nome...)
teriam dito:
Local ................. rua Siqueira Campos quase rua Taguá
Hora ...............................
22,30 (?)
Veículo .. Opala laranja (por quê não GOL ou Caravan?)
Autores ............. Florivaldo e seu filho (não se sabe o nome?)
referentes a cenas que mãe e filho “teriam presenciado”, com evidente
discordância entre ambos – o menor informava que “iam para uma
padaria”. Loide dizia “quando retornavam da padaria”
E PASMEM ! - de posse daqueles “documentos” ou seja
1 - o Boletim de Ocorrência ................................. (31/01/92)
2 - o “depoimento” de Loide (analfabeta) .......... (31/01/92)
3 – a “informação” de Leandro(menor impúbere)....(31/01/92)
4 - os Autos de Reconhecimento (forjados) .........(31/01/92)
nos quais NÃO HAVIA menção identificatória de quem seria “meu filho“ e nos
quais constava apenas a expressão DOIS HOMENS, o Delegado ACRL, NA
MANHÀ do dia 1º de fevereiro/92, mandou elaborar e autuar PORTARIA
para que se instaurasse Inquérito Policial, a fim de apuração de
responsabilidades criminais,
PORÉM O DELEGADO ACRL FEZ CONSTAR:MORTO A TIROS
(sem qualquer notícia anterior)
ENCONTRADO MORTO na Via Anchieta
(idem)
24 horas DEPOIS DO DESAPARECIMENTO
(idem)
75
e, com verdadeiro dolo mau, c r i m i n o s a m e n t e, por conta própria, o
Delegado ACRL a l t e r o u o que constava naquelas peças :- desprezou a expressão DOIS HOMENS
e
indiciou TRES pessoas - a expressão Florivaldo e “seu filho” passou para
“Florisvaldo de Almeida Pereira - advogado” e incluiu um de meus filhos, com seu nome completo, e a condição de
Investigador de Polícia (??!!)
(em nenhum lugar constava nome ou essa condição dele)
e, mais uma vez, sempre com aquele dolo maldoso, o Delegado ACRL
continuou usando de má fé - também
incluiu
o nome completo de meu afilhado, como sendo
“Policial Militar”
SEUS NOMES JAMAIS FORAM MENCIONADOS !
O Delegado ACRL. devia ter “bola de cristal”, ou ser mais esperto que
Sherlock Holmes, pois o rapaz que havia “desaparecido” seria encontrado
somente alguns dias depois, após a autuação daquela Portaria.
No entanto e apesar dessas fraudes, a Portaria do Delegado até que nos
beneficiava, pois continha aquela informação de que “o corpo foi
encontrado 24 horas depois do desaparecimento” confirmada, posteriormente,
pela Polícia Técnica, o que vale dizer que o desaparecimento, então,
realmente teria ocorrido às 10,00 hs. (dez horas da manhã) como constava no
Boletim de Ocorrência e que, portanto, não havia qualquer possibilidade de
termos sido nós os autores de tal ou tais fatos e que aquele horário de 22,00
hs. (ou mesmo com a alteração para 22,30 hs.) não era exato, não era
verdadeiro, tratando-se de deslavada mentira, uma "armação" da Polícia.
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MAIS PROVAS DA MÁ FÉ EM FRAUDAR
Após a autuação daquela Portaria e antes mesmo do encontro do corpo
de Xuxa, isto é, ainda no dia 04 de fevereiro, o Delegado ACRL. passou uma
mensagem simultânea, via telex, para todos os Distrito Policiais, na qual
mencionava que a “vítima” estava usando uma “camisa verde”. Era uma
menção um tanto estranha, porque ninguém havia dito qualquer coisa a
respeito de indumentária, a não ser que usava calças jeans e sapatos cor de
cinza. E, mais tarde, no Laudo do IML, ficaríamos sabendo que era
camiseta azul.
Não se sabe, portanto, como o Del. Longo poderia saber
tais detalhes - a cor e o tipo de roupa (camisa ou camiseta)
- o local e
horário do encontro do corpo (salvo se tivesse participado daquele
“desaparecimento”)...
VIOLÊNCIA POLICIAL
Dirigindo-me ao Fórum, em meu trabalho habitual, às quintas-feiras,
encontrei-me com Dr. M.T.B., conhecido como grande advogado
criminalista, e lhe expliquei o que estaria acontecendo. Ele se prontificou em
me assistir, gratuitamente, junto com um advogado que poderia ser
indicado pela Comissão de Prerrogativas da Ordem, se fosse necessário.
Aconselhou-me a apresentar-me ao Delegado Titular do 5º D.P., a quem ele
telefonaria, esclarecendo a situação.
Passei por minha casa, adiantando a minha mulher o que iria fazer,
quando a mesma me alertou da prisão de meu filho Investigador. Peguei o
movimento do restaurante, para entregar a meu afilhado, para depositar em
banco. Nesse momento ouvimos gritos, vozes de homem e de minha mulher.
Sob mira de revolveres ela estava sendo obrigada a lhes dizer onde eu
estava, porém ela ignorava. Assustada, ela se esquivava. Os homens foram
invadindo, a chutes nas portas, os demais apartamentos, até chegarem
àquele onde estávamos – unidade residencial de número dez, no quarto andar,
usado como escritório do restaurante -.( em Juizo o Delegado diria que fomos
presos em uma sala abandonada, o que era outra mentira - não havia
nenhuma sala abandonada.)
77
Não podíamos imaginar o que iria acontecer. De repente, sempre com
minha mulher junto a eles, gritaram do lado de fora – abre, é a Polícia !
'tamos aqui com sua mulher ! -. Respondi, gritando – calma, já vai ! Abri a porta e me apresentei (meu afilhado simplesmente observava).
Aquele policial que mais gritava era o mesmo Delegado MGM (daquele caso
da agressão praticada pelo nisei, no qual de vítima fui transformado em réu e
depois absolvido).
Abri a porta e me deparei com duas armas apontadas para mim.
Mesmo em tendo o Delegado constatado que eu estava desarmado ele
apontou a arma para minha mulher, que era segura por ele, e mandou que
eu estendesse os pulsos, para ser algemado por um Cabo da Polícia Militar.
O militar adiantou-se, colocando um lado da algema em meu pulso e outro,
no pulso de meu afilhado, ao mesmo tempo dizendo: este aqui também,
doutor !
Aqui é bom se lembrar que NINGUÉM havia mencionado e nominado um
terceiro homem, a não ser o Delegado ACRL, em sua Portaria.
E nos levaram, triunfantes, até uma viatura da Polícia Civil, na qual
fomos colocados, cuja sirene já estava funcionando, exibindo-nos
sensacionalísticamente como troféus de caça, para que todos os
circunstantes pudessem nos ver (para alegria de Alexandra, de sua janela).
A invasão do prédio, tanto de meu apartamento e das demais moradias
e até nossa prisão foram verdadeira violência policial, pois NÃO HAVIA
MANDADO JUDICIAL, porém o Delegado tinha grande interesse, quase uma
obsessão, em me pegar .
Aquele Cabo, de nome Herbert, tinha bronca de meu filho e de meu
afilhado, porque ambos, dias antes, lhe tinham negado o empréstimo de suas
motos, perto de moças do colégio das proximidades, para as quais ele,
mesmo em não sendo da área, costumava se exibir, dirigindo o trânsito e
portando armas não permitidas pela Corporação (soubemos, mais tarde,
que ele havia sido preso em flagrante, por roubo... e, expulso da PM,
trabalhava como faxineiro em um prédio na cidade de Diadema).
78
Levados ao Distrito, sem que pudéssemos falar com ninguém, fui
colocado em uma pequena cela, chamada de “corró” (corruptela de
“curral”), sem luz, sem aeração, sem água, chão de cimento...destinada a
abrigar o que chamavam de “presos em trânsito”, que tinham uma
permanência efêmera, aguardando o menor tempo possível para serem
encaminhadas a outros presídios ou prisões, ou seja aqueles que eram
presos em flagrante delito ou mesmo condenados que eram capturados (três
anos depois eu conseguiria um Laudo da Polícia Técnica, provando a
precariedade daquela cela, cujas medidas eram 0,90 X 3,10...)
Meu afilhado, por ser Policial Militar, nem sequer permaneceria no
Distrito, pois seria encaminhado para o Presídio Militar “Romão Gomes”,
de sua Corporação.
MAIS VIOLÊNCIA POLICIAL
No 5º Distrito Policial fui submetido a uma série de perguntas, feitas
por quatro Delegados - Del. B., Assistente do Titular, e seus subordinados Del. ACRL, Del. MGM e Del. M., (halterofilista, era dotado de avantajado
físico, com braços fortíssimos), em uma sala fechada. Eu estava algemado,
com as mãos para trás, sentado em uma banqueta. Atrás de mim ficava o
Del. M. e os demais à minha frente, um no centro e os outros dois nos lados.
Enquanto o Del. Assistente me fazia uma pergunta outro perguntava outra
coisa. Eu procurava responder ao primeiro quando o segundo gritava – fala
comigo ! – e um outro gritava – fala com ele ! – apontando o primeiro, e
outro gritava – responda a pergunta do doutor – apontando o segundo. Os
gritos eram tantos e de diferentes direções que eu não sabia para quem
olhar. Na minha vacilação o Del. M. usava suas mãos enormes para me
aplicar o que se chama de telefone, ou seja, bater com as mãos, uma em cada
ouvido. A pancada não era forte, mas as mãos, em concha, causavam uma
grande dor, produzindo um clarão na mente. Com apenas dois ou três
desses telefones eu já não ouvia mais nada. Como eu negasse qualquer
participação naqueles fatos, que pretendiam me imputar, o Del. B. mandou
que me levassem de novo àquela cela (corró), o que foi feito pelo Del. ACRL,
por uma escada interna. O Delegado, com a mão esquerda segurava e
levantava as algemas - o que causa dor horrível nos pulsos - e com a direita
79
empurrava minha nuca. Quando descíamos essa escada eu comentei, em
tom lamurioso – o senhor não pode me algemar, eu tenho direito a prisão
especial ! -. Isso foi a gota d’água para o Delegado. Ele parou, levantou mais
alto as algemas, ao mesmo tempo em que gritou – cala a boca! você gosta de
prender Delegado, né? Então toma – e me aplicou um murro na nuca. Reagi,
dizendo – o senhor não precisa me bater, tira a algema que está doendo muito
! – E a “autoridade” mais uma vez levantou as algemas e vociferou – cala a
boca, você quer reagir, não, então toma, p’ra aprender ! – e me bateu
novamente. Em seguida levou-me para o corró e me empurrou lá para
dentro.
Algum tempo depois chegou meu filho, também algemado,
escoltado por dois policiais. Tiraram-lhe as algemas, ele abaixou-se e tirou
um revolver, que estava em seu tornozelo, entregando a arma a seus colegas
(ele fôra mal revistado, tendo sido apreendida pelo Delegado MGM, quando de
sua prisão, somente sua outra arma, do Estado, que estava em sua cintura,).
Junto com os policiais estava um Delegado, o qual, ao empurrar meu filho
para dentro da cela, disse em voz alta, para ser ouvido pelos que ali estavam
– entra ai, seo “ganso”! – Esta expressão é usada para identificar marginal
delator, o qual, em troca de favores da Polícia, corre junto com outros
marginais, isto é, faz de conta que está em fuga, acaba preso, mas depois é
posto em liberdade, ficando apenas os que estavam fugindo com ele.
Com aquela expressão o Delegado instigava os marginais que estavam
presos a se insurgirem contra meu filho, o qual não podia negar, nem
afirmar ser policial, o que seria pior, pois, se ele estava preso, não poderia
ser policial, uma vez que nunca um Delegado iria colocar um policial dentro
de uma cela, a não ser que se tratasse realmente de um ganso. De qualquer
forma meu filho acabara de ser condenado pelo Delegado a ser punido pelos
marginais. E não deu outra – tão logo os policiais se afastaram dois ou três
dos que ali estavam criaram um caso e quiseram agredir meu filho. Precisei
interferir, argumentando, o que não deu resultado. Foi preciso que
usássemos de força bruta e, com meu conhecimento de artes marciais,
acabei dando umas porradas bem dadas em um e em seguida n’outro, ao
mesmo tempo em que meu filho também se defendia. Gritei chamando o
carcereiro, que atendeu prontamente – depois de uns dez ou quinze minutos
80
-, ordenando que parássemos com a gritaria, senão... Voltou a calma na
cela. Quanto a meu afilhado eu ignorava seu paradeiro.
O tempo foi passando, já era noite quando eu e meu filho algemados um
ao outro, fomos levados até o 1º Distrito Policial, em cujo prédio funcionava
um Setor do Instituto Médico Legal. Devíamos ser submetidos a exame de
Corpo de Delito, para ver se havíamos sofrido algum ferimento.
Quando atravessávamos a rua encontrámos com o Titular daquele
Distrito, Del. P.L. (com quem mantive amizade, quando o mesmo foi Delegado
em Rudge Ramos), o qual estranhou estar eu algemado – Comentei
rapidamente que meu filho agora era Investigador de Polícia (o mesmo,
desde menino, também era conhecido do Delegado,) e os policiais de imediato
disseram - são ordens do Dr. N -. E continuámos algemados. Quando
chegámos ao andar meu afilhado estava saindo, sem algemas, escoltado por
Policiais Militares, uma vez que ele estava sendo encaminhado para aquele
Presídio Militar. Apresentados ao médico de plantão este perguntou se eu
tinha algum ferimento – só estas marcas no pulso, por causa das algemas –
disse eu, completando que o Delegado havia levantado as mesmas. Isso é
comum, comentou o médico. Insisti – mas também estou com os ouvidos
doendo, porque um Delegado me bateu com as mãos. -. Ah!, "telefone"?,
perguntou o médico. Os policiais riram. O médico disse – infelizmente isso
não deixa marcas, e encerrou seu exame, meramente superficial, não mais
que mera entrevista. Quanto a meu filho aconteceu o mesmo, mesmas
perguntas, mesmos comentários (passei a acreditar que meu filho também
havia sido submetido a alguma sessão de perguntas, como eu, só que ele nada
me queria dizer).
MAIS PROVAS FORJADAS PELA POLÍCIA
Muito embora eu e meu filho não tivéssemos nos encontrado, a não ser
no corró e depois naquele passeio até o IML, e nenhum de nós tivesse
encontrado meu afilhado, a não ser naquele momento, também lá no IML, o
Del. NSN, que passou a presidir o Inquérito, determinou que se fizessem
novos Autos de Reconhecimento (claro, não podia aceitar aqueles que o Del.
ACRL havia forjado).
81
Para dar aparência de legalidade a essas novas peças fizeram constar
que eu, meu filho e meu afilhado havíamos sido colocados junto a quatro
ptesos que se pareceriam conosco (??!!!) UM ABSURDO!
Não houve tal reconhecimento !!! Essas tais pessoas que teriam sido
colocadas jamais poderiam ter qualquer semelhança conosco, pois nossas
características diferiam: Eu
branco, grisalho, barba tipo D.Pedro II,
cabelos compridos e bigode, usava óculos,
pesava 86 quilos, medindo 1,77 m., 61 anos
meu filho branco, cabelos curtos, sem barba, sem
bigode, magérrimo (52 quilos), 1,70 m., 24 anos
o afilhado moreno, cabelos ralos, sem barba ou bigode,
54 quilos com apenas 1,65 m.,
22 anos
portanto se não havia qualquer semelhança nem mesmo entre nós,
era óbvio que, se alguém se parecesse com um de nós certamente não
pareceria com os outros dois, o que invalidaria aquele pretenso
“Reconhecimento”, mas o Delegado precisava u’a maneira para incriminar
“Florivaldo e seu filho” e não podia deixar passar a oportunidade de
envolver também o afilhado (para justificar perante a Polícia Militar sua
prisão arbitrária)
NOVA FRAUDE - nesses novos Autos consta
rua Siqueira Campos próximo à rua Tamandaré
(Distante 110 m. da rua Taguá)
Não mais consta
rua Taguá 330, como no B.O,
Não mais r. Siqueira Campos quase esquina da r.Taguá
(conforme primeiro “depoimento” de Loide).
82
Ora –
ou Loide ESTAVA MENTINDO,
ou Loide NÃO TINHA CERTEZA
ou o Delegado desprezou aqueles dois locais e
ALTEROU O LOCAL para
rua Siqueira Campos, quase esquina da rua TAMANDARÉ,
alteração essa por sua própria conta, pois ninguém assim havia mencionado.
Com essa alteração RESTAVA DÚVIDA onde realmente teria ocorrido o
”desaparecimento" de Xuxa, pois agora havia
QUATRO LOCAIS distintos:
1º - rua Taguá 330
2º - rua Taguá próximo à rua Siqueira Campos
3º - rua Siqueira Campos próximo à rua Taguá
4º - rua Siqueira campos próximo à rua Tamandaré
(Depois, em meu “interrogatório”, o LOCAL seria defronte
a meu prédio – rua Taguá 378...)
Esses tais Autos foram feitos especificamente mais para serem obtidas
“confirmações” do “depoimento” de Loide e das “informações” de Leandro
do que para um “reconhecimento” propriamente dito, e principalmente
para se incluir um terceiro elemento – meu afilhado -.
ERA MAIS UMA PROVA FORJADA PELOS DELEGADOS !
.-.-.-.MAIS VIOLÊNCIA POLICIAL
TORTURAS - FÍSICA E PSICOLÓGICA
83
PRIVAÇÃO DE SONO E DE ALIMENTOS
INCOMUNICABILIDADE COM O MUNDO EXTERIOR
Meu filho estava sem almoço, pois acabara de sair de seu Plantão de
vinte e quatro horas, no dia em que foi preso (05 de fevereiro de 1992). E,
como eu, passou o resto do dia sem se alimentar, passando a noite em jejum.
O mesmo aconteceu comigo – fiquei sem jantar. Não recebemos qualquer
tipo de alimentação.
Isso, mais as lutas que fomos obrigados a travar, nos enfraqueceu. No
dia seguinte estávamos estafados, insones, desnutridos, apreensivos,
nervosos. Eu, sem meus remédios para cardiopatia e hipertensão (que
aumentou em demasia, devido aos acontecimentos e ao tratamento “especial”),
acabei desmaiando. Ninguém percebeu, pensavam que eu estivesse
dormindo.
Eu disse “insones” porque não nos deixavam dormir. Os demais
presos, que temíamos, por um lado, a falta de espaço e os próprios policiais,
por outro. Nós éramos convocados a subir até a sala dos Delegados ou dos
Investigadores, para “conversar”. Ficávamos um tempão, ora eu ora meu
filho. Às vezes os dois, em salas separadas. Nessas “conversas” se repetiam
aquelas sessões de perguntas e “telefones”, com muitos gritos e xingamentos.
Cheguei até a levar fortíssimo murro na boca-do-estômago (plexo solar),
desferido por um brutamontes. Houve uma hora em que, estando eu já de
volta na cela, após uma daquelas “sessões”, vi chegar meu filho, que era
trazido (este é o termo certo, pois mal se sustentava nas pernas) pelos
policiais. Ele agachou-se, colocando a cabeça entre as pernas e chorando. E,
sabendo o que eles estavam fazendo comigo, perguntei, assustado - Filho,
que foi? que eles fizeram? Ele resmungou - Nada não, pai, ‘tá tudo bem.. E,
apesar de minha insistência, nada me foi revelado.
E também em nosso segundo dia nenhuma alimentação nos foi
fornecida (soubemos, depois, que minha família nos levava frutas, leite longavida e refeições feitas em nosso restaurante, alimentos esses que nos eram
sonegados). Quanto à alimentação que nos deveria ser fornecida pelo Estado
não as recebíamos porque nem sequer constávamos da lista de presos ou
“grade”. No entanto o Carcereiro Chefe certificou que deu cumprimento ao
84
mandado de Prisão (obtido posteriormente pelo Delegado) de meu filho, com
sua entrada na Cadeia Pública do 5º Distrito Policial, como “indivíduo”,
tendo sido omitida ou ocultada sua condição de Investigador de Polícia, com
direito a ser preso em Presídio Especial das Polícia Civil. Quanto a mim,
com as prerrogativas de advogado, deveria ter sido mandado para o 91º
Distrito Policial (destinado a presos com nível superior). O fato de não
constarmos da “grade” (rol dos que estão presos) era um meio de nos manter
incomunicáveis com o mundo exterior (o que é um crime, praticado
arbitrariamente pela Polícia).
Uma firma particular fornecia marmitex aos presos daquele
Distrito, em número de cento e doze (112), conforme tomei conhecimento,
quando, em um dos momentos em que estava na sala do Carcereiro, ví sobre
sua mesa a Nota Fiscal daquele dia e furtivamente a surrupiei (seria
apresentada como prova, em nosso processo). Segundo os policiais nós não
estávamos recebendo alimentação porque “iríamos sair logo”. Era uma
desculpa esfarrapada, mas nós nada podíamos fazer. Estávamos totalmente
isolados, sem comunicação com o mundo exterior. No entanto eu pude
constatar que havia “algo de podre no reino do 5º Distrito” - ví que
entregavam aos presos apenas café da manhã (pão seco com café preto),
almoço (intragável, como diziam) e “janta” ( lanche de pão com mortadela ou
salsicha).
Ora, se o Carcereiro Chefe certificou que prendeu meu filho, seu
nome deveria constar da Lista de Presos (grade) – e receber alimentação -. O
mesmo ocorria em relação a mim. Nada constava.
O “registro” de minha prisão somente seria feito cinco anos mais
tarde, em LIVRO FORJADO
(mais adiante tratarei desse assunto)
E sofríamos a tortura da fome!.
MAIS PROVAS FORJADAS PELA POLÍCIA
Nesse mesmo dia 05 de fevereiro/92 os policiais do 5º Distrito Policial,
chefiados pelo Del. ACRL, foram até São Bernardo do Campo, com a mãe
de Xuxa para eventual reconhecimento de um corpo, que fora encontrado às
margens da Via Anchieta (ora, o Delegado já fizera constar na Portaria do
85
dia 1º tal "encontro" ...). Esses policiais teriam recebido de seus colegas
daquela cidade, que em primeiro atenderam a ocorrência de Encontro de
Cadáver, cápsula(s) que teria(m) sido encontrada (s) junto ao corpo. Essa(s)
cápsula(s) seria(m) de arma do calibre nominal 6.35. Um projétil que teria
sido retirado daquele cadáver também seria desse calibre e, certamente, foi
entregue ao Del. ACRL, por ser do 5º D.P., que estava "investigando" o caso
do “desaparecimento” .
Ainda nesse mesmo dia 05 de fevereiro/92, logo depois de nossa prisão
(eu, meu filho e meu afilhado) o Del. MGM dirigiu-se ao domicílio dos dois
rapazes e - SEM A PRESENÇA DOS DOIS, de qualquer de seus familiares ou
mesmo de vizinhos e SEM QUALQUER MANDADO JUDICIAL, INVADIU o
Apartamento, efetuou “buscas” e fez “apreensão” de objetos e armas, que
teriam sido encontradas naquela residência e que foram arrolados em
AUTO DE APREENSÃO, no qual (mais uma fraude policial) constam os
nomes de pretensas “testemunhas” que teriam presenciado as diligências –
nada menos que apenas
UM ESCRIVÃO DE POLÍCIA
(o mesmo que elaborou o Boletim de ocorrência)
Observação – Escrivão de Polícia não costuma deixar a
Delegacia e sair por aí em diligências
UM INVESTIGADOR DE POLÍCIA
do mesmo Distrito, subordinados ao(s) Delegado(s).
E O INCRÍVEL ACONTECEU...
No dia seguinte, 06 de fevereiro/92 – o Del. NSN, Titular do 5º Distrito
Policial, em tendo percebido a grave irregularidade (crime de Invasão de
Domicílio), cometida pelo Del. MGM, pediu e obteve Mandado Judicial para
efetuar buscas, agora incluindo minha residência, em outro prédio, distante
daquele outro. E determinou que as diligências fossem feitas pelo Del.
ACRL. Em minha residência o Delegado apoderou-se de diversas “armas
brancas”, as quais, na realidade, eram algumas facas do restaurante, situado
no salão embaixo, e alguns punhais artísticos , trazido por mim da cidade de
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Toledo, na Espanha ou por meu sogro, espanhol de origem. Tais peças,
meramente decorativas, de mesa e parede, foram substituídas por outras
armas reais, talvez do próprio estoque de armas apreendidas da Delegacia
(facas com cabos embrulhados em jornais).
No entanto e apesar de não constar no Mandado, o Del. ACRL
(arbitrariamente e aos gritos com minha mulher, que foi obrigada a abrir a
porta) INVADIU meu escritório de advocacia, localizado em outro
apartamento, no mesmo andar. E nesse escritório o Del. ACRL encontrou
uma garrucha de dois tiros, calibre “28, de caça, adquirida havia mais de
vinte anos, que estava com outras peças, decorando a parede. Foi efetuada
a “apreensão” dessa “arma”, embora eu tivesse autorização policial, desde
1971, para tê-la em meu domicílio. (No escritório do Dr. O.I.Jr., colega que,
mais tarde, contratei para nossa defesa, havia diversas armas nas paredes e em
dois ou três armários apropriados).
Nessas “buscas” eu não estava presente, não havia testemunhas e
minha mulher foi obrigada a ficar do lado de fora.
Em continuidade, nesse mesmo dia, o Del. ACRL teria se dirigido (?)
ao mesmo apartamento de meu filho e de meu afilhado (onde, por sinal,
moravam outros rapazes, também policiais)
Talvez o Del. ACRL tenha ido e, se realmente foi, também não contou
com a presença de nenhum de nós três, de qualquer familiar nosso ou de
qualquer vizinho. Porém consta que o Delegado teria efetuado “buscas” e
que (absurdamente) teriam sido encontrados por ele
“os mesmos objetos, as mesmas armas, as mesmas
munições”
que teriam sido encontrados e apreendidos, pelo Del. MGM, no dia anterior.
E o Del. ACRL elaborou Auto de Apreensão (distinto daquele feito
por seu colega de Distrito, o Del. MGMs) daquilo que ele teria encontrado,
como se fossem outros objetos e outras armas.
Imaginem quem eram as “testemunhas” nos Autos ?
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Ora, ora ! - O MESMO ESCRIVÃO do Auto do dia anterior, agora com
outro Investigador de Polícia
(Esses Autos, em duplicata, com duas vias cada, seriam exibidos aos Jurados
pelo Promotor, como se fosse um verdadeiro arsenal)
.-.-.-.-.MAIS ARBITRARIEDADES POLICIAIS
EXPOSIÇÃO A SENSACIONALISMO
O Del. NSN expediu ofícios ao Presídio da Polícia Civil, requisitando
meu filho e ao Presídio Militar requisitando meu afilhado, para
procedimento policial.
Mas a verdade era outra – o Del. NSN queria se tornar notório perante
a opinião pública e assim ganhar as graças de seus superiores -. Para isso
convocou repórteres de jornais, radio e televisão, aos quais exibiu, sobre sua
mesa, diversos objetos, armas brancas, armas de fogo e munições. Na
presença dos mesmos ele me perguntou – você reconhece estas coisas? –
Minha resposta foi simplória – algumas coisas são minhas, as outras nunca vi
em minha vida -.
O Delegado deu um murro na mesa e gritou para os Investigadores –
tira ele daqui ! -. E, depois de fotos tiradas contra nossa vontade (somente os
dois saíram em uma foto, juntos com um pretenso advogado e constou que um
deles era eu) e “entrevistas” não concedidas (estávamos sendo expostos a um
sensacionalismo barato dos programas e páginas de crime da Imprensa
marrom) fui levado para aquela cela, onde eu estava, desde o dia anterior.
Para os repórteres, nesse dia 06/02/92, depois das 18,00 hs., o Del. NSN
afirmou que “os três já haviam confessado a autoria do crime” e, por isso, as
“reportagens” escritas, publicadas nos jornais do dia 07 de fevereiro de 1992
– Diário Popular e O Estado de São Paulo – e as que foram exibidas pelos
canais de televisão no horário noturno desse mesmo dia - Rede Globo e
Bandeirantes – levaram notícias falsas ao conhecimento do público leitor e
telespectador (e ao Promotor de Justiça, que as repassaria aos jurados...)
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E eram evidentemente falsas as “declarações” do Del. NSN porque
nenhum de nós três sequer havia sido interrogado e nos reservávamos o
direito de sermos ouvidos em Juízo. No entanto o Del. NSN nos pressionava
demais, como eu já disse e esclareço agora, com mais algum detalhe - Meu
filho e eu não recebíamos alimentação, estávamos sem banho, sem escovar
dentes, sem trocar de roupas, sem dormir, descansando no chão de cimento e
não fazíamos nossa higiene, pois, para defecarmos no banheiro externo
tínhamos que implorar - ou pagar - ou fazê-lo em jornais, embrulhando o
resultado como pacotes e a urina era jogada em um pequeno orifício no chão.
Embora negássemos qualquer envolvimento a imprensa divulgou
aquela afirmação falsa, feita pelo Del. NSN. Quando as notícias saíram nos
jornais, na manhã do dia 07/02/92, nós três sequer tínhamos sido
interrogados.
Minha permanência naquele tipo de prisão já era ilegal, pois,
como advogado, eu tinha a prerrogativa de não ser recolhido preso senão em
Sala de Estado Maior, antes de sentença definitiva -.Por isso, mais ilegal
ainda era conservar na prisão, como mero “indivíduo”, um Policial Civil, em
pleno exercício de suas funções (meu filho havia saído de seu Plantão e foi
preso quando estava se dirigindo ao Fórum Central, requisitado que fora, por
ofício, para depor como testemunha e partícipe de uma prisão em Flagrante)
Ora ! – em primeiro lugar há que se considerar se realmente
alguma coisa ilegal ou ilícita foi encontrada e se realmente pertenceria a um
de nós três (inda mais se considerando que, no apartamento de meu afilhado e de meu
filho moravam aqueles outros rapazes, também policiais) e, em segundo lugar
que o “arsenal” não passava de apenas seis armas apreendidas - dois
revolveres do Estado (confiados mediante termo de com carga a meu
afilhado e a meu filho) uma garrucha de caça (já referida), um revolver
calibre “32 (de propriedade de um colega advogado, cujos documentos seriam
exibidos em juízo), um revolver “38 (deixado por aqueles chilenos e que não
estava em nenhum dos lugares referidos nos Autos, e sim guardado na gaveta
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de meu restaurante, o qual foi entregue por minha mulher a um Investigador,
depois que o mencionei, espontaneamente) e uma garrucha quebrada, que
meu afilhado pendurava na parede, como relíquia. Alguma coisa até que
poderia pertencer a um de nós três, mas grande parte do que está
mencionado naqueles Autos nós nunca soubemos de quem ou havíamos
visto.
No entanto
o Del. MGM ou o Del. ACRL – não se tem certeza quem teria sido – teria
encontrado no apartamento de meu filho e de meu afilhado um painel de
parede, com várias placas de carros nele afixadas. Eram placas decorativas,
trazidas por mim e meus familiares, dos diversos países por onde havíamos
passado. Contudo, nos Autos nada consta a respeito das mesmas, mas o Del.
ACRL inseriu placas outras, nacionais, de carros que certamente passaram
pelos Distritos Policiais e que nada tinham conosco (três anos mais tarde, em
diligência judicial que pedimos, essa irregularidade seria constatada, o que já
era Prova Nova – a seguir)
Toda aquela encenação policial não passava de balela, invencionice
dos policiais, com o fim maldoso de nos tentar incriminar (sempre instigados,
como já foi dito). Não havia qualquer arsenal, mas os jurados iriam ficar
impressionados com aquela exibição das QUATRO vias dos Autos e do
“extenso rol”. E, sem qualquer oposição de nosso “defensor, que demonstrou
não conhecer os autos do processo, iriam acabar aceitando a argumentação
do Promotor como verdadeira.
.-.-.-.-.
DELEGADO =TESTEMUNHA FALSA
Existe farta jurisprudência de que policiais que têm
interesse pessoal no caso não podem servir de testemunhas. No entanto o
Del. ACRL, descaradamente, iria, mais tarde, servir de “testemunha da
acusação” e tentaria insinuar dados prejudiciais a nós três, chegando ao
desplante de acrescentar que revolver, documentos de Investigador e cheques,
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os quais seriam de meu filho, teriam sido encontrados dentro de uma pasta
preta, colocada no interior de uma caixa d’água emborcada, no forro do
apartamento.
Ora, meu filho não iria sair de casa sem seus documentos de
Investigador, sem revolver e sem talão de cheques, depois de deixar seu
Plantão, pois precisava identificar-se perante Juiz, no Fórum Criminal
Central, como já foi dito.
Ou os tais documentos de Investigador eram aqueles que haviam
sido apossados indebitamente por Alexandra (agora surgindo misteriosamente)
ou eram os mesmos que meu filho portava, quando foi preso, com os quais
nunca poderia ficar, na cela onde foi colocado, juntamente comigo – pois
isso seria o mesmo que condená-lo à morte e mandá-lo para a execução.
ALÉM DE HAVER CONTRIBUIDO PARA FORJAR PROVAS CRIMINAIS
O DEL. ACRL IRIA MENTIR EM JUIZO E QUEBRAR A INCOMUNICABILIDADE
COM AS "TESTEMUNHAS"– a seguir
.-.-.-.-.-.
ARBITRARIEDADES POLICIAIS
TORTURAS = INVESTIGAÇÃO “CIENTÍFICA” (?)
Aquelas sessões de perguntas se repetiam. Eu insistia – tirem as algemas
! batam na cara ! Eu queria que me deixassem marcas. Mas os policiais não
se deixavam enganar. Batiam daquele jeito – telefone – e eu ficava com os
tímpanos zunindo, e sem qualquer marca que viesse provar as torturas que
me infligiam. No fim das contas o procedimento policial era uma verdadeira
Investigação Científica. E eu nada podia fazer, só sofrer.
Apesar de não deixar marcas para serem constatadas em exame de
Corpo de Delito o efeito moral era enorme, degradante, humilhante. Eu não
acreditava que estava passando por aquilo. Parecia um pesadelo, que logo
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iria acabar. Mas era pura realidade. Como eu nada respondesse e afirmasse
que queria ser levado perante um Juiz, os Delegados resolveram manter-me
preso. E, para tanto, foi enviado ao Juiz do D.I.P.O (Departamento de
Inquéritos Policiais) um ofício solicitando ordem judicial para minha Prisão
Temporária, a qual chegou somente no fim da tarde, quase noite (fui
verificar, anos depois). Foi a partir daí que o Del. ACRL me levou para
aquela pequena cela, na qual havia até uma mulher traficante e seus
parceiros, todos já condenados, aguardando remoção (verificação poderá ser
feita).
Em um daqueles primeiros três dias (não me recordo, porque o tempo
passava, sem saber as horas, se era dia ou noite) os policiais colocaram um
rapaz no “corró”. Ele nem bem chegou, agachou-se e, de cócoras, puxou
conversa comigo (era-lhe fácil localizar um velho, de barbas brancas). Ele
insistia em saber o motivo de minha prisão e queria saber detalhes. Assim
ele poderia, além de “ver” o velho, “ouvir” sua (minha) voz. Pouco tempo
depois, não muito, os policiais retiraram o rapaz de lá, o qual, logo ao
transpor a passagem da grade disse uma expressão, em tom perfeitamente
audível – “Não. Não foi ele”. Não ficamos sabendo quem era o rapaz, mas
deu para perceber porque ele havia sido colocado lá – para me identificar - .
No entanto o Delegado NÃO USOU aquela negativa (porque iria me favorecer)
Um breve parenteses, para análise –
Em “habeas corpus” impetrado no Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo os ilustres Desembargadores que apreciaram o pedido diziam que
“não acreditavam que Delegados de nossa Polícia fossem fazer isso para um
advogado” (sic). Suas Excelências tinham essa opinião porque, certamente,
nunca passaram por uma situação semelhante, nem visitaram, de surpresa,
na madrugada, uma Delegacia de Polícia. (por alguns cheguei a imaginar
como reagiriam, se passassem pelo mesmo).
Em Juízo, mais tarde, o Del. ACRL, como testemunha de acusação,
diria – “que Florivaldo era bem tratado, fôra colocado na Sala dos
Investigadores, até com algumas regalias, como telefonar.” porém o Del.
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ACRL mentia descaradamente, pois até seu superior hierárquico, o Del.
Titular NSN, também em Juízo, contrariou aquela afirmação, ao dizer que:
“Florivaldo ficou preso no “corró” por cinco ou seis dias”, os quais,
na verdade, foram sete.
.-.-.-.-.
RETORNO AO ASSUNTO
“ARBITRARIEDADES”
Como eu – apesar de ser advogado, sexagenário, hiper-tenso, cardiopata
– tivesse sido submetido àquelas “sessões” de interrogatório (roda chinesa,
como diziam), ao ver meu filho chegando, empurrado para dentro do
“corró”, fiquei preocupado, imaginando que ele estivesse sofrendo os
mesmos “tratamentos” , porque eu vira outros presos serem retirados
daquela cela e, logo ao saírem, podiam-se ver e ouvir os murros ressonantes
que eram desferidos em seus ventres (boca do estômago).
Os policiais não podiam fazer aquilo, quer com os presos, quer conosco.
Era uma covardia, uma aberração. Por exemplo – até os Policiais Militares,
que trabalham na Corregedoria da Polícia Militar, que é a Polícia da
Polícia, quando são presos, não podem ser colocados entre outros presos,
mesmo que sejam presos militares, pois certamente não são bem-vindos,
transformando-se em vítimas de atitudes hostís e agressivas, por parte de
seus próprios companheiros de farda.
O mesmo ocorre com os Policiais Civís – não podem ser colocados
entre criminosos comuns, mesmo entre os que estejam “trabalhando” ou seja
os presos chamados de "faxinas" e que estão no "seguro", os quais,
certamente terão mais liberdade de ação, fazendo com que os policiais
presos sejam tomados como reféns e sofram toda sorte de agressões, até
podendo ser mortos.
Mas era essa a intenção dos Delegados, quando colocaram meu
filho no meio dos marginais. Essa atitude era não só UM VERDADEIRO
ABUSO DE PODER, mas também incitamento e favorecimento à prática de
crime - HOMICÍDIO DE POLICIAL – por parte de quem dera a ordem – com
toda evidência o responsável pelo Distrito Policial, o Del. Titular NSN, o
qual não se importava com as conseqüências de qualquer desfecho trágico.
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Importava, para ele, isto sim, com aquela atitude, constranger a nós dois,
pai e filho, para que eu, o mais visado, acabasse assumindo a autoria
daquele crime.
Quando meu filho era retirado da cela eu ficava desesperado. Nem
queria pensar no que poderiam estar fazendo com ele. Eu entrava em
taquicardia. Queria gritar, queria chorar, e o fazia. Agarrava as grades e
me punha, mentalmente, a falar com Deus. “Ó meu Deus, que foi que eu fiz?
Porque estão fazendo isso com a gente?? Ajuda-nos! Não deixes que eles
façam mal p’ra meu filho!”...
E meu filho, quando voltava para a cela, dizia que nada lhe tinha
sido feito. Eu não acreditava, pensava que ele estivesse me ocultando algo. E
ele me dizia – “amanhã eles vão deixar a gente ir embora”. E, enquanto ele
estava fora da cela outros homens se aproximavam da grade, me chamando,
e diziam – “se o senhor assumir ele vai embora logo, afinal ele é nosso
colega”. E diziam mais – “se o senhor assumir o Titular vai mandar o senhor
p’ro 91, lá é especial, e quando terminarem os cinco dias da temporária o
senhor também sai”. E faziam outras propostas, parecidas. Eu retrucava –
“assumir o que?”. E, com isso, os policiais ficavam irados...
Meu afilhado, no dia de nossa prisão, por ser Policial Militar de
Trânsito foi removido para o Presídio de sua Corporação, sem ser
molestado fisicamente. Eu e meu filho continuamos presos, incomunicáveis,
sem visita, nem mesmo do Delegado Chefe da Equipe de sua Equipe. A
nossos amigos advogados e policiais ora informavam que estávamos
passando por exame de Corpo de Delito, ora que eu estava sendo encaminhado
para o 91º D.P. e meu filho estava sendo ou já havia sido transferido para seu
Presídio. E outros subterfúgios eram apresentados, enquanto, na realidade,
ainda estávamos no 5º D.P., INCOMUNICÁVEIS...
Meu afilhado, novamente requisitado por ofício do Del. Titular,
retornou ao 5º D.P. no dia 07/02/92, porém sempre negando ser ouvido, pois
insistia em se reservar o direito de comparecer em Juízo, para tanto.
Contudo, devido à insistência da autoridade policial e devido a
circunstâncias outras, de pressão sobre ele, acabou anuindo em ser ouvido,
sem nada esclarecer, pois ignorava qualquer fato, negando qualquer
participação sua em qualquer crime que tentavam lhe imputar. Pelo fato de
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ser Policial Militar e sua escolta não se desgrudar dele, os policiais civís,
temerosos, não lhe tocaram um dedo. Porém comigo e com meu filho estava
ocorrendo de modo diferente.
Nesse mesmo dia 07/02/92 (terceiro dia de nossa prisão) eu,
cansado e com sono, procurei acordar meu filho, para um revezamento
(fazíamos, para evitarmos ataques de surpresa, pelos outros presos). Toquei
meu filho – filho, filho. – E nada. Ele estava frio, inerme, encolhido no canto,
no chão de cimento. Sem sinais de vida. ESTAVA DESMAIADO DE FOME !
Gritei mais uma vez - Filho! Filho! – agachado bem junto a ele. Nenhuma
resposta. Meu desespero foi enorme. Taquicardia. Adrenalina. Alucinado,
fui até a grade, que agarrei com as mãos, como que querendo quebrá-las, e
gritei, várias vezes –“CARCEREIRO !! CARCEREIRO !! –
O homem apareceu, bravo, perguntando aos gritos – que porra é essa ? que
‘tá acontecendo ? – Respondi – meu filho ‘tá desmaiado! tira ele daqui,
depressa! Chama um médico!
O Del. NSN, alertado, compareceu acompanhado de outros policiais
(era enorme o alarido que causávamos, eu e os outros presos, solidários
comigo, nessa hora). Para atender a meus rogos e súplicas o Del. NSN disse
várias frases, repetindo as “propostas” feitas anteriormente – “assume que
eu tiro ele daqui” - “vamos fazer uma estória livrando a cara dos dois” – “a
gente faz parecer legítima defesa” – e outras...
Na ânsia de ver meu filho socorrido, concordei – “’tá bom, eu assumo!
Tira ele logo daqui ! chama um médico !”
Foi levado para o andar de cima. Não me
deixaram acompanhá-lo, mas fui tranqüilizado por alguns policiais, que
afirmavam ter ele se recuperado e já estava até conversando. Disseram
também que lhe deram um copo de leite e um lanche, comprados no bar ao
lado do D.P. E que haviam chamado um médico, do Hospital do Câncer,
situado defronte ao Distrito.
Após esse incidente fui levado até a sala do Delegado Titular, para
“assinar” um Termo de Interrogatório, em que se dava ênfase a um ataque,
por parte de Ailton (Xuxa), acompanhado de “Bronco”, o que causara
minha reação (estaria assim caracterizada a “legítima defesa”). Nesse Termo,
E MEU FILHO FOI RETIRADO !
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lembro-me muito bem, figurava o nome de uma advogada, em cujo cartão
estava escrito J.R. e endereço do escritório daquele M.T.B., o qual se
oferecera para me defender gratuitamente. Ela se justificou, dizendo – o Dr.
M. não vem a Distrito, quem vem sou eu -. Na rápida conversa que tivemos
ela insistia para que eu “assinasse” aquela “confissão”, pois facilitaria o
trabalho do Dr. M.. Eu relutava, não queria assumir um crime que não
cometera. A moça confabulava com o Del. NSN, aos cochichos, porém, pelos
gestos e algumas palavras, percebia-se que ela dizia ao Delegado – “ele é ...
ado, não quer confessar”. O Del. NSN tranqüilizou a moça – “deixa comigo,
depois ele assina”. Atendendo a pedido de minha “colega” assinei uma
procuração para o Dr. M.T.B. A moça retirou-se, frustrada e zangada.
Fiquei sabendo que o Termo de Interrogatório (que eu me recusara a
assinar) foi exibido a meu filho, (que a essa altura ainda estava sob forte
pressão psicológica e se recuperando do desmaio) a quem foi informado
pelos policiais que eu havia feito um arranjo com o Titular, para que ele fosse
transferido para o P.E.P.C. e que eu iria para o 91º D.P.. Disseram que “eu
estava assumindo a autoria do crime, de modo que os dois (meu filho e meu
afilhado) não fossem incriminados, e que, expirados os cinco dias da Prisão
Temporária, NÃO seria pedida a Prisão Preventiva.
Mesmo diante daqueles argumentos e da exibição do Termo, meu
filho ainda relutava em abrir mão de seu direito de apenas ser ouvido em
Juízo. E meu filho teria dito aos policiais (como depois explicaria em Juízo)
“que não acreditava que seu pai iria assinar a confissão de um crime, inda
mais sabendo que seu pai nada havia feito" . Porém, com o argumento,
segundo os policiais, de que seria considerado como legítima defesa e que o
Dr. M.T.B. seria o defensor de seu pai, único a ser denunciado (o relatório iria
ser feito de modo tal que eles não seriam incluidos na denúncia), meu filho
acabou concordando em ser ouvido e assinou um Termo de Interrogatório,
porém sempre negando, contrariando a pretensão inicial do Delegado. Meu
filho não aceitou ser incluído porque nada devia e, pelo que entendia, era
dessa forma que estaria sendo feito o “arranjo”. Depois que meu filho leu o
Termo ele foi levado de volta àquele cela, da qual fui novamente retirado e
levado para a sala do Titular. Novas insistências – assina e vocês vão embora
! -. Nova recusa – só assino se ele for para o PEPC – dizia eu.
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O Del. NSN p r e c i s a v a daquela “confissão”, por isso acabou
concordando com minha exigência – à noite fomos levados, pai e filho
algemados um ao outro (como da vez anterior), para exame de Corpo de
Delito, a fim de demonstrar que não havia sinais (visíveis) de violência
contra nós (nenhuma reclamação fizemos ao médico, para não embaraçar
nossas transferências). Dali do I.M.L., meu filho, já encaminhado por ofício
desse dia 07/02/92, foi levado ao Presídio de sua Polícia, onde deu entrada às
22,30 hs. desse mesmo dia 07/02/92. Eu o acompanhava e, quando na salinha
dos policiais que o receberam, certifiquei-me com os mesmos de que ele
sairia dali somente por ordem ou requisição judicial. Fiquei tranqüilo.
Voltámos para o 5º D.P.
OUTROS CRIMES PRATICADOS PELO DELEGADO NSN
- SUPRESSÃO DE DOCUMENTO Art. 305 do CP
- FALSIDADE IDEOLÓGICA
Art. 298 do CP
- PREVARICAÇÃO
Art. 319 do CP
No entanto, outro ofício, datado do dia 05/02/92 (FALSO) foi juntado
aos autos do Inquérito, apesar de meu filho ter sido encaminhado somente
nesse dia 07/02/92, por meio de outro ofício, cuja cópia NÃO foi juntada aos
autos do Inquérito (FOI SUPRIMIDO PELO DELEGADO).
Esse ofício de 05/02/92 era para justificar a permanência de meu filho,
como tendo sido preso no D.P. apenas UM dia, como o Delegado NSN iria
depor, mentirosamente, em Juízo.
No dia seguinte – 08/02/92 – sábado – fui retirado do “corró” e levado
até a sala da Carceragem, ao lado, onde já se encontrava o Del. Titular. Este
exibiu-me um Termo de Interrogatório, que li, e, discordando dos termos e
dos fatos nele contidos, recusei-me a assinar. O Delegado NSN esticava as
pernas e mexia nos bolsos. Perguntei-lhe – o senhor está gravando ? -.
Naquele “documento” constava que eu estava sendo “assistido pela Dra.
J.R.”, aquela do escritório do Dr. M.T.B., cujas ausências (dele e/ou dele)
aleguei como um dos motivos para não assinar.
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DIFERENÇAS TÉCNICAS PROVAM
AS FALSIDADES DOS DOCUMENTOS
Nesse Termo de meu Interrogatório havia uma discrepância –
constava a data do dia anterior - 07/02/92 - com o horário de 14,00 hs.,
enquanto que no Termo do Interrogatório de meu filho constava a mesma
data, com horário de 14,05 hs. .
Ora, era evidente que todo o conteúdo do Termo de meu
Interrogatório levaria pelos menos uns quarenta e cinco minutos, entre
perguntas, respostas e datilografação, daí sendo impossível se elaborar o de
meu filho naqueles cinco minutos de espaço temporal. Em ambos os Termos
constava que haviam sido feitos pelo mesmo Delegado e pelo mesmo
Escrivão. O meu era evidentemente forjado (como sempre aleguei,
insistentemente).
O Delegado NSN informou-me que tinha em seu poder um cheque (ou
cópia) de minha emissão, no valor de CR$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros,
equivalentes a pouco mais de dois dólares) e que ele iria dizer que tal título
havia sido apreendido naquele Posto da av. Ricardo Jafet (pois eu lhe havia
dito o que eu havia feito, naquele dia 30/01/92, inclusive o abastecimento, feito
por volta das 18,30).
Porém eu sabia que com cheque de igual valor eu havia comprado
revistas na Banca de jornais, situada na esquina da rua Taguá com a rua
São Joaquim, na mesma calçada de meu restaurante e do cortiço (soubemos
mais tarde que os donos da Banca faziam parte de um bando de traficantes e
que, pelo menos duas das que possuíam - aquela da rua Taguá e outra, quase
defronte ao Hotel Nikkey,na rua Galvão Bueno, serviam de pontos de tráfico
para escolares, secundaristas, vestibulandos, e até para universitários, alunos
dos diversos estabelecimentos de ensino da região, sendo que um deles, como
já foi dito, era amante de minha ex-cozinheira, Geralda Dutra Mantone).
Neste trecho se pode rememorar aquele incidente da colocação de
um rapaz no "corró". Podia ser que ele era uma verdadeira testemunha, que
disse - "não, não foi ele", referindo-se a mim com relação a alguém que lhe
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teria entregue o cheque, naquele posto de gasolina (se é que era verdade o
que o Delegado dizia) ou, conforme alguns comentários feitos fora da cela,
naquele dia, tal rapaz seria um funcionário do Pedágio da Via Anchieta, por
onde deveria ter passado o carro que estaria com Xuxa em seu interior (cujo
corpo, segundo Laudo pericial, foi encontrado logo depois daquele Pedágio, no
sentido São Paulo - Litoral).
A obtenção daquela minha "confissão" representava a prática, pelo
Delegado NSN, do CRIME DE PREVARICAÇÃO, ou seja, era para satisfazer
seus próprios interesses pessoais – notoriedade, para ser promovido, como de
fato foi, em razão do esclarecimento de nosso caso -.
Isso sem levar em conta que estaria satisfazendo também os interesses de
Alexandra...
DESASSISTIDO POR ADVOGADO – O QUAL, PORÉM
COBROU SEUS "HONORÁRIOS" (?)
Como, pouco antes de minha prisão, eu havia dito a minha mulher
sobre aquela minha visita ao escritório daquele advogado Dr. M.T.B., ela
procurou pelo mesmo e ficou sabendo que ele pretendia, pelo fato de sermos
colegas, cobrar honorários de apenas US$10.000,00 (dez mil dólares), para
acompanhamento da instrução e defesa em plenário, com a condição de que
eu assumisse a autoria do crime, para ser usada a tese de legítima
defesa...(?!)
Em virtude dessa visita de minha mulher foi enviada aquela
advogada J.R. (se realmente ela o era) uma vez que, segundo ela, o Dr. M.
não comparecia em Delegacias. Por esse motivo aquela jovem insistia para
que eu assinasse a confissão.
Como eu relutasse em aceitar essa proposta ela se retirou da
Delegacia. Era sexta-feira, dia 7 de fevereiro de 1922. Pelo fato de que o
Delegado pensava que eu iria assinar espontaneamente não havia sido
datilografado no Termo nenhum nome de advogado (para não parecer que
havia sido um Termo "preparado"). Eu iria assinar o Termo, já pronto,
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somente na segunda-feira, dia 10, e o faria pelo constrangimento que me
causaram. No Termo, rubricado no dia 10, consta apenas uma rubrica de
outra advogada...que sequer estava presente... (seu nome não foi
datilografado na peça). Após a assunção (?!) da autoria do crime, como o
Delegado queria e como conseguiu obter fui transferido para o 91 D.P. ( tido
como especial ...)
Por aquela rápida "visita" feita pela primeira advogada e pelo fato de
que ela levou aquela procuração que assinei, para receber a solidariedade
profissional (eu ignorava que meu colega estava se valendo da situação para
cobrar honorários) o "Escritório Dr. M.T.B." enviou para minha mulher
(enquanto eu me encontrava preso) uma carta de cobrança por serviços
prestados (?!) no valor de US$3.450,00 (três mil e quatrocentos e cinqüenta
dólares), ou seja uma mera visita para recebimento de uma procuração (que
nunca foi utilizada...).
Procurado por minha mulher, nesse 91 D.P., examinei a carta/cobrança e
recomendei-lhe que não fizesse qualquer pagamento e que fosse conversar
com o advogado. Ela assim procedeu e deixou claro que ele não se
interessara pelo caso, que nada havia feito e que, se ele quisesse receber por
algo que ele não fez que ele fosse a Juízo (até hoje, apesar de ser uma
quantia alta para ser desprezada, nenhuma cobrança jamais foi feita...).
Essa cobrança era a solidariedade que eu estava recebendo daquele
colega...
.-.-.-.-.-.-.
SOLIDARIEDADE VERDADEIRA... ENTRE PRESOS
Havia presos chamados da faxina ou boieiros da cadeia (faziam a
faxina externa das celas e "pagavam" a "bóia" aos
demais presos).
Em um daqueles primeiros dias que passei no "corró" um faxina,
sabendo que não estávamos recebendo alimentação, aproveitando-se da
ausência do Carcereiro, olhou pela portinhola por onde passavam alimentos
e objetos e me perguntou = "ô tiozinho, 'tá com fome ?". Olhei em sua
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direção, sem nada responder. "Qué um lanche, tiozinho ?", continuou ele.
Balancei a cabeça, confirmando que sim. "'pera aí que vô pegá...". Meu filho
não estava na cela. Era uma das ocasiões em que um de nós era retirado
para aqueles interrogatórios... O faxina voltou. Colocou a mão para fora e
atirou-me um daqueles jantares especiais (assim constava na Nota Fiscal) era um lanche de pão dormido, com uma fatia de mortadela -. Como seu
braço e seu ombro lhe vedassem a visão, quando do arremesso, o lanche
atravessou a distância entre nós, de mais ou menos três metros, caindo ao
chão, sem que eu tivesse condições de apanhá-lo. Naquele momento a cela
do "corró" estava vazia. Tive uma idéia - tirei minha calça e com ela
procurei arrastar o lanche até perto da grade, quando o agarrei... Eu
parecia um animal enjaulado, pegando migalhas que se lhe fossem
atiradas...Tão logo peguei o lanche nem mesmo me preocupei em vestir as
calças. Dividi o lanche em duas partes - meu filho também não comia havia
alguns dias -. Apesar de não comer pão nem gostar de mortadela, eu ia
devorando, em duas ou três mordidas... eu estava com fome, com muita
fome...!!!
VOLTANDO AO MEU "INTERROGATÓRIO"
No sábado, pela manhã, devido às minhas recusas em "assinar" aquele
Termo de Interrogatório, o Delegado Titular determinou ao Carcereiro que
abrisse a porta de entrada para a galeria que dá acesso aos xadrezes, onde
estavam cento e doze presos da mais alta periculosidade, e fui empurrado,
pela nuca, pela própria autoridade, o qual me apresentou aos presos ali
presentes (cinco ou seis faxinas) com a expressão - "este aqui é pé-de-pato
!..." e bateu a porta atrás de mim, com um barulho ensurdecedor...
O Delegado agia contra mim da mesma forma que fizera contra meu
filho. Se, por um lado, um "ganso" é detestado pelos marginais (e meu filho
não era "ganso") um "pé-de-pato" não fica atrás, como vou explicar...
Aqueles presos, alguns de porte físico avantajado, criminosos já
condenados, caminharam calmamente, em minha direção, como um
"Comitê de recepção", porém, por causa daquela expressão usada pelo
Delegado, estavam sendo induzidos, com a clara intenção de me agredirem.
Um deles perguntou - "ah, então você é pé-de-pato, hein ?". Como eu havia
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aprendido com velhos Mestres orientais algumas maneiras de desencorajar
ataques, usei uma delas, agachando-me de cócoras, e respondi, perguntando
- "que é pé-de-pato ?" (eu realmente não sabia). Os homens retrucaram "ah, você não sabe, né? ". Eu lhes disse então que era advogado. Outro
perguntou - "então se você é advogado que 'cê 'tá fazendo aqui?" (até eles,
presos, sabiam que eu não podia ser colocado ali). Continuei - "sou advogado
de família, não falo gíria...". Um deles adiantou-se e me esclareceu - "pé-depato é justiceiro, matador de ladrão...eu sou ladrão, vem me matar, vem...".
Então dei-lhes nova explicação - "ah, então não sou isso, não. O Delegado
falou que sou isso porque não quero assinar uma confissão...". Nova
pergunta - "você é mesmo advogado ?". Respondi - "claro, posso até ajudar
vocês, é só me darem seus nomes, números dos processos e as Varas...quando
eu sair daqui vou ver p'ra vocês...". Isso mudou suas atitudes e foi minha
salvação. Um deles falou que ia buscar uma folha de caderno e uma caneta,
para que eu pudesse fazer as anotações. Um outro disse –
"doutor, é bom o senhor fazer uma gritaria, p'ros homes
pensar que o senhor 'tá levando umas porradas...".
Achei a idéia interessante (era mais uma demonstração de verdadeira
solidariedade entre os presos) e, meio sem jeito, comecei a gritar, como se
estivesse apanhando, ao mesmo tempo em que pedia socorro, clamando pelo
Carcereiro. Este, é claro, não veio. Nem se abalou em procurar verificar
aquela gritaria. Nem era preciso, pois ele já sabia o que estaria
acontecendo... Depois ele verificaria, pensei. Porém ele não apareceu. Algum
tempo depois ele viria perguntar o que estava pegando (acontecendo), mas já
seria tarde...
O alarido chamou a atenção dos demais presos, que se amontoavam
nos seis xadrezes (cento e doze, no total, como constava na Nota Fiscal de
alimentação), e alguns surgiram, para verem o que estava "rolando". A
notícia de que havia um advogado preso espalhou-se e muitos vieram
conversar comigo, mas apenas vinte e quatro deles me forneceram seus
dados. Constatei que alguns deles já tinham direito a receber benefícios,
mas não tinham advogados nem familiares, outros nem sabiam se já haviam
cumprido suas penas e muitos estavam aguardando julgamentos "a cara do
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tempo", isto é, já fazia alguns anos, pois é costume dos Promotores pedirem
a prisão preventiva, que dura dois anos, e é renovada por mais dois.
Somente no fim de quatro anos o preso é julgado e ... muitas vezes é
absolvido, tendo ficado preso injustamente...
CRIMES ... PRATICADOS... PELOS DELEGADOS
O Delegado Titular, que havia determinado a colocação de meu filho,
policial civil, naquele "corró", entre marginais condenados, com verdadeiro
risco de vida, e que acabara de me colocar naquela situação idêntica,
constrangedora, havia incorrido na prática de vários crimes - um deles o de
"expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente", no caso
nossas vidas, minha e de meu filho, eu advogado ele policial.
É óbvio e notório que, se ladrões e outros criminosos, quando estão em
liberdade, são inimigos mortais dos policiais e dos "justiceiros", certamente
o são, também, com mais ímpeto, se, quando presos, tiverem um ou outro
nas mãos (em casos de rebeliões, os policiais e carcereiros que se encontram
no interior das Delegacias ou prisões, quando são tomados como reféns,
sofrem torturas e até são mortos). É muito mais grave a situação de um
policial que, por ação criminosa de seu superior, por prevaricação (outro
crime - ação ou omissão de ato de ofício, com interesse próprio ou de favorecer
alguém), é colocado na prisão, entre marginais, antes mesmo de sequer ser
interrogado, antes de ser processado, antes de ser julgado e antes de ser
condenado por sentença definitiva, com trânsito em julgado (mesmo assim
não pode ser colocado junto a outros criminosos, por isso tem seu próprio
Presídio) pois estaria sujeito a ser linchado, trucidado...
Era muita sanha, muita irresponsabilidade daquele Delegado, pois
meu filho acabara de deixar o Plantão, como Investigador, e o Delegado
sabia disso (naquela Portaria elaborada no dia 1º de fevereiro/92, quatro dias
antes de sua prisão, já constava essa qualificação). E, quando de sua prisão
sua Carteira de Investigador e sua arma (do Estado) foram apreendidas pelo
mesmo Delegado MGM, (será que sua arma e sua Carteira funcional não
teriam sido colocadas dentro de uma pasta preta, para simularem que não
sabiam que ele era Investigador?... ora, ele podia ser identificado com um
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simples telefonema para seu superior hierárquico, após alegar sua condição de
policial...).
Quanto a mim eu não era pé-de-pato e sim advogado, com
prerrogativa de não ser preso senão em Sala Especial de Estado Maior,
antes de sentença condenatória irrecorrível (assim dizia a lei, a qual
constatei, era mais uma lei de merda, apenas no papel...)
Porém o Delegado NSN tinha um compromisso pessoal com a
Imprensa. Ele já havia dito aos repórteres, no dia 06 de fevereiro/92 que "os
acusados já haviam confessado o crime" e, visando cobertura para suas
afirmações, ele precisava, maquiavelicamente, obter uma confissão, não se
importando com os meios - abuso de autoridade e até da violência dos presos,
e não sua, pessoalmente.
E a Divina Providência se fez presente. Os presos nada fizeram de
mal para mim - até me deram comida e me arranjaram um colchonete, no
fim do corredor, fora dos xadrezes, num canto chamado de "seguro" ou
"garantia de vida". Na manhã de domingo, por ser dia de visita e para evitar
que eu tivesse contato, fui retirado dali e levado de volta para o corró, em
cuja grade foi colocado um cobertor, para não ver nem ser visto (essa
colocação diminuía ainda mais a falta de luz e de ar...). Mas eu não me
importava. Eu continuava resistindo. Meu filho estava são e salvo em seu
Presídio (pelo menos eu assim pensava...). Mas a verdade era outra...
MAIS FRAUDES, VIOLÊNCIAS E ARBITRARIEDADES
Na manhã de segunda-feira, dia 10 de fevereiro/92, fui levado à presença do
Delegado Titular, em sua sala. Era para eu assinar o Termo de
Interrogatório. Nova recusa. Consegui ver, na ante-sala, ou sala do
Delegado Assistente, a figura de um advogado, na época Presidente da
ACRIMESP (Associação dos Advogados Criminalistas de São Paulo). Mesmo
algemado fui até ele, de repente. Os policiais não puderam me impedir,
apenas ficaram observando. Segurei as mãos de meu colega e lhe disse,
chorando - eles querem que eu assine uma confissão por uma coisa que não
fiz. O colega me adiantou - "assina, assim ele libera você...em Juízo você
derruba, porque não tem valor probatório". Perguntei-lhe se ele concordava
em ser minha testemunha em Juízo, para afirmar que eu estava sendo
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constrangido em assinar. Pode contar comigo... disse ele e foi cuidar de seus
interesses outros, motivos de sua ida àquele Distrito. Fiquei novamente à
mercê do Delegado (de fato ele iria depor, porém de forma diversa do que
havia presenciado, pois não queria se indispor, uma vez que ele tinha interesse
em ser indicado para integrar o Tribunal de Alçada Criminal, como de fato
foi...).
ERA MAIS (OU MENOS) UMA SOLIDARIEDADE (?!)
DE ADVOGADO PARA COM ADVOGADO
Porém, mesmo com aquelas palavras de meu colega eu não queria
assumir tamanha responsabilidade de autoria de um crime. Eu pensava
comigo - mesmo que eu devesse eu não devo falar na Polícia, pois tenho o
direito de ser ouvido em Juízo e mais, afinal existe aquele princípio latino de
que "nemo turpitudinem suam propriam allegat" (ninguém alega sua própria
torpeza). Por essas razões também eu não o faria. Eu aguardava a solução do
impasse quando o delegado me ordenou, irado - "se você não assinar vou
jogar seu filho p'os leão (sic) ". Retruquei - "o senhor não pode fazer isso...ele
'tá no PPC". O Delegado disse que estava começando a se irritar e ordenou
a seus beleguins - "tragam o filho dele aqui, vamos ver como é que é". Eu
pensei que ele estava blefando, quando os policiais - dois homens
truculentos, broncos - deixaram a sala. Logo eles retornaram, trazendo meu
filho, algemado com as mãos para trás. Um deles, à direita, segurando as
algemas com a mão esquerda, enquanto que o outro, com à esquerda, com
sua mão direita, pressionava a nuca do "prisioneiro", curvando seu corpo
franzino para a frente e para baixo (meu filho havia sido requisitado pelo
Delegado, naquela mesma manhã, por ofício, para procedimentos policiais e
viera escoltado por aqueles dois).
Ao ver aquela cena tive um sobressalto, meu coração disparou.
Mesmo estando algemado avancei em direção aos policiais, gritando - solta
ele ! solta ele ! . Apesar de velho e enfraquecido encontrei forças para
aquele gesto, porém fui contido pelo Chefe dos Investigadores (o qual,
embora fosse de baixa estatura, era muito forte) e pelo Investigador que se
encontrava à esquerda de meu filho, o qual aproveitou para ficar ereto.
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Depois que fui seguro e forçado a me sentar, o policial novamente
encurvou meu filho, mas o Delegado ordenou - deixa ele ! -. Mas o policial
ignorou a ordem, fingindo que não ouviu. Aproveitei e gritei, rapidamente,
para meu filho - filho, eles querem que eu confesse um crime senão vai jogar
você no xadrez! Meu filho respondeu - não assina não, pai, eles não vão fazer
nada !
Ao ouvir isso o policial que estava à sua direita, com a mão direita aplicoulhe violento tapa na boca, de baixo para cima, gritando - cala a boca, ó cara !
Eu gritei para ele - não faça isso seu covarde ! O Delegado interveio - deixa
ele, o negócio é com o pai dele -. E, voltando-se para mim perguntou - você
vai assinar ou não ? -. O tapa foi tão forte que meu filho abaixou-se, talvez
entontecido, já com o nariz sangrando. Eu continuava na poltrona, seguro
pelo Chefe dos Investigadores. "NÃO !", respondi. Meu filho, se queria
dizer alguma coisa, não mais o fez. Calou-se. Devido a minha resposta
incisiva o Delegado ordenou, rispidamente - leva ele p'ra baixo e joga p'ros
leão ! (sic). Os policiais saíram, levando meu filho. Gritei para o Delegado 'tá bem, eu assino! eu assino! não façam nada p'ra meu filho !!-. Levantei-me
em direção à mesa do Delegado, mas fui dizendo, como se pedisse permissão
- primeiro quero ver ele - e cheguei até a porta, de onde pude ver, a uns vinte
metros, a figura de meu filho, sendo arrastado, com os dois pés para trás,
corpo pendido para a frente ... (certamente ele ainda estava entontecido... ou
havia levado outra pancada). Não agüentei e gritei para os policiais, dali
mesmo, com todas as forças - traz ele aqui, eu vou assinar!, eu vou assinar !!-.
O Chefe dos Investigadores aproximou-se, forçando-me a entrar, dizendo
calma, calma, eles vão trazer ele e gritou para os dois “policiais” - tragam ele
de volta ! -. E os homens voltaram. Tiraram as algemas de meu filho, que
parecia estar bêbedo, ou tonto... "Seu pai é durão, hein ? ele deve gostar
muito de você, mas agora 'tá tudo bem" disse o Delegado. E continuou agora você vai voltar para o PPC e seu pai vai p'ro 91. Lá tem até geladeira ...
O Delegado Assistente aproximou-se, dizendo - Assina aqui e aqui apontando-me os locais em umas folhas datilografadas, que já continham
algumas assinaturas. Apenas tentei fazer minha rubrica, pois estava com
minha taquicardia a mil. Comentei com o Delegado - estou tremendo muito
por causa do que aconteceu e porque estou com fome... Ouvindo isso o
Delegado Titular perguntou se queríamos um lanche. Meu filho recusou,
106
agradecendo. Eu aceitei. O Delegado mandou que buscassem um lanche e
um refrigerante, no bar ao lado do Distrito. Enquanto eu aguardava
levaram meu filho para a sala dos Investigadores, já sem as algemas...
Quando o lanche chegou, apesar de não comer pão, devorei-o como um
animal, molhando a boca com refrigerante, que eu não podia tomar.
Levaram-me de volta para a cela, onde ficaria até a noite, quando
novamente fui levado para exame de corpo de delito, para provarem que eu
não havia sofrido lesões, e sem o qual eu não poderia ser transferido para o
91, cujo Delegado não me aceitaria, sem que eu tivesse passado pelo exame.
Meu filho também iria comigo, para ser submetido a tal exame, para que
pudesse ser devolvido a seu Presídio, são e salvo, sem marcas de violência
(?)...
UM BREVE COMENTÁRIO, PARA DIRIMIR DÚVIDAS
Algumas perguntas e suas respostas irão esclarecer muita
coisa - vejamos:
P - Ora, o acordo não era para me mandar para o 91, se eu assumisse ?
P - Se, realmente, eu já tivesse sido ouvido, na sexta-feira, por
que então o Delegado tinha que me manter em sua cadeia,
desde 6a feira (07/02/92) até a 3a feira (dia 11/02/92) data
em que realmente fui transferido ?
As respostas são claras:
R - eu não assinei nenhum documento no dia 07/02/92
R - eu "rubriquei" o Termo de Interrogatório somente
no dia 10/02/92 (como será demonstrado, a seguir)
OMISSÃO E PREVARICAÇÃO DOS POLICIAIS
Muito embora eu tivesse repetidas vezes me referido ao “Bronco”, desde
o fato do homicídio de José Ibiapina até a conversa sobre minhas netinhas e
também porque o mesmo figurava no Termo de Interrogatório, o Del. N.
107
não se empenhou em ouvi-lo. Isto é, “Bronco” foi procurado (o que ele
dissesse iria contrariar frontalmente minha “confissão”) porém os policiais
informaram que “não haviam localizado tal pessoa”. E ficou nisso. Ora, se o
mesmo havia participado de uma agressão contra mim, como pretendia o Del.
N., era imprescindível que fosse ouvido em Termo, porém não houve
qualquer interesse e nenhum esforço foi feito para tanto. Prevaricavam.
Com essa omissão continuava a prevalecer minha confissão, na qual
estavam envolvidos os dois rapazes.
TRANSFERÊNCIA PARA ” PRESÍDIO ESPECIAL”
Depois daqueles suplícios que sofri, fui transferido para o 91º Distrito
Policial, onde cheguei “recomendado” pelos policiais que me levaram. Não
havia lugar para mim. Fui colocado no xadrez de número quatro – pequena
cela, com 1,60m X 3,60m, para apenas três camas (feitas com madeira de
caixões de defunto, porque um agente da funerária havia ficado preso e seus
colegas as mandaram fazer), sem armários, com uma pia, vaso sanitário no
chão e chuveiro, que imediatamente usei, pois fazia uma semana que eu não
tomava banho nem escovava os dentes. Como não houvesse cama nem
colchão tive que dormir em um colchonete emprestado por um dos presos
(Vereador de uma cidade da Grande São Paulo. Curiosamente o Promotor que
nos acusaria em Plenário tinha o mesmo sobrenome daquele preso, o qual iria
estar presente ao nosso julgamento). Precisei colocar o colchonete no chão,
na entrada da cela. Deitei-me, cansado, sem travesseiro, sem cobertas. E
fazia frio, muito frio. O prédio era todo feito de concreto, parecendo até
uma geladeira (como o Delegado NSN dizia, ali havia “até geladeira”, só não
explicou que era a própria Cadeia). Eu não conseguia dormir. Quando um
dos presos precisava ir até o banheiro ou ao corredor, passava por cima de
mim, chegando a pisar em minha barriga.
No dia seguinte permitiram-me que ligasse para casa, a fim de
informar e pedir que me levassem alguma coisa, sendo que, à noite, minha
filha e minha mulher compareceram, levando roupas, artigos de higiene e
algum alimento e um colchonete mais espesso que aquele emprestado.
Imediatamente comi alguma coisa. Na segunda noite, para não ser pisado,
108
fui dormir no corredor que liga as celas, tendo no meio o famigerado
“corró”. Um sujeito gordo, de nome Simcka, que se dizia advogado,
convidou-me para ocupar um espaço entre duas camas, no xadrez que ele
ocupava. Ele parecia ser amigo, mas seu interesse, descobri algum tempo
depois, era nos alimentos que eu havia recebido (frutas, bolachas, aveia, mel
e doces) de difícil e cara obtenção. Só que havia um pormenor – o gordo não
pedia. Esperava que eu dormisse e, sorrateiramente, comia das guloseimas,
até que foi descoberto. “Pode comer, mas peça antes”, disse eu. Ah!, p’ra
que eu fui dizer aquilo. O Gordo irou-se. “Aqui dentro tudo se divide” (só que
ele, para dividir, tinha só a boca). Depois dessa desavença não mais
conversámos. Ficou meu inimigo.
No Distrito havia de tudo – intrigas, dois ou tres televisores
ligados em canais diferentes, fumaça, ferramentas etc.
Alguns dias depois fui procurado por um advogado de nome A.G.
(diziam que ele era primo do Delegado Titular daquele 5 D P ), acompanhado
de uma jovem senhora, meio gordinha, que se dizia advogada. Eu a vira no
5º D.P., sentada em cima da mesa do Delegado Titular, com as pernas
cruzadas, conversando com o mesmo. Esse advogado se apresentou dizendo
que havia sido contratado por minha mulher e que já havia recebido o
pagamento de quinhentos dólares, para pedirem a libertação do ”colega”
(eu). Com essa apresentação e com aquelas explicações, mais o estado de
desespero em que eu me encontrava, não tive dúvidas em entregar aos
“advogados” uma minuta de pedido que eu mesmo havia elaborado e uma
procuração para que ele pudesse peticionar em meu nome. Mas eu estava
sendo vítima de um engodo – os “advogados" foram até a casa de minha
filha, onde estava minha mulher, a quem exibiram a procuração assinada,
alegando que eu os havia contratado, pois confiava neles, e que precisavam
receber adiantadamente (ora, já não haviam sido pagos?), além de pedirem a
assinatura dela em um “contrato” em dólares, para me prestarem
assistência (?!). Depois fiquei sabendo por minha mulher que ela nunca os
vira nem falara com eles, antes daquele encontro em que ela foi procurada
por eles.
Os “serviços” consistiam em pedirem minha liberdade
provisória, ou, caso a mesma fosse negada, impetração de uma ordem de
109
“habeas corpus” (uma vez que era direito meu não ser preso antes de
sentença definitiva...) pois não havia no Estado de São Paulo uma única Sala
de Estado Maior, disponível para prisão de advogados...
O valor do “contrato” era de US$4.000,00 (quatro mil dólares),
exorbitante, que dava para pagar os serviços totais de defesa, desde o
interrogatório judicial até a sustentação oral, em plenário, pelo menos para
eles, “advogados” principiantes. O pedido que eu preparei foi meramente
datilografado por A., que juntou alguns documentos favoráveis, e o Juiz
J.J.D., embora contrariado, despachou concedendo-me o direito de ficar em
Prisão Albergue Domiciliar, sem restrições, podendo me locomover até
hospitais, médicos, tribunais e repartições públicas. Eu disse “contrariado”
porque é evidente no despacho exarado a observação do magistrado –
Lamentavelmente não há no Estado de São Paulo prisão para advogados... -.
(S.Exa. gostaria que tivesse...). Esse Juiz esquecia-se que qualquer pessoa,
até um seu colega, podia estar em situação idêntica (lembram-se da espada
de Dâmocles?) só que com uma diferença – com um Juiz jamais a Polícia
agiria daquela forma e Juiz tem foro privilegiado, sequer é julgado pelo
Tribunal Popular, em caso de Júri, nem por outro Juiz, mas sim pelos
Desembargadores do Tribunal ao qual pertence). No entender daquele Juiz,
dizer que o advogado teria privilégios era, portanto, uma incongruência...
De qualquer forma, na noite de 28/02/92 fui transferido para
minha nova prisão – minha residência –. Fui recebido por minha mulher, que
assinou Termo de Responsabilidade, agora como minha nova Carcereira.
Eu havia ficado preso, sofrendo toda sorte de humilhações, por vinte e três
dias... mas era um alívio. Parecia que as coisas estavam caminhando para
melhor...
Já no dia seguinte voltei a minhas atividades normais, tanto no
restaurante, onde fazia de tudo, como na advocacia, mais precisamente nos
processos que me tomavam o restante do tempo – aqueles que eu movia
contra Alexandra, na esfera cível -. Quanto ao processo criminal que eu
passaria a responder, dei pouca importância, pois estava ciente e consciente
de que nada devia à sociedade. Precisava, isto sim, tirar os dois rapazes da
prisão, para poderem continuar seus estudos e seus trabalhos, até o dia de
apreciação, pelo Juiz do 1º Tribunal do Júri, para dar sua sentença de
110
Impronúncia, ou de absolvição, pelo Júri popular, se fôssemos levados a
julgamento...
ADVOGADOS QUE SE INSINUAM
Eis que, sem terem sido chamados ou procurados, surgem, perante
meu filho, no PEPC, e meu afilhado, no Romão Gomes, is, aqueles mesmos
advogados que haviam estado no 91º D.P. – A.G. e M.E.M. (a assinatura
desta constava no Termo de meu pretenso Interrogatório. Se ela realmente
tivesse estado presente os policiais não teriam agido daquela maneira...).
Ambos foram até o P.E.P.C., e conseguiram uma procuração de meu filho,
induzido pelo ardil da exibição daquela procuração que eu havia assinado.
Da mesma forma agiram com meu afilhado. Os dois “outorgaram” poderes
a ela, para impetração de “habeas corpus” (para tanto não havia necessidade
de tais procurações, mas a “profissional” queria ter documentos em mãos, a
fim de poder cobrar de minha mulher...).E tais poderes eram exclusivamente
para tal serviço, porque, para defesa em plenário não havia credibilidade,
recém formada que era.
Tal impetração foi mal argumentada, não houve sustentação oral e
a ordem foi negada (para muitos criminosos, em casos idênticos, ou de maior
gravidade, a ordem é concedida...). Os Desembargadores ficaram
impressionados com as “placas frias”, com o “arsenal” e, pelo fato de serem
ambos policiais, considerados “perigosos”.
.-.-.-.-.-.
Aquela Geralda, que havia trabalhado em meu restaurante apenas seis
meses (descobri depois que era seu costume trabalhar períodos pequenos e em
seguida criar motivo para abandono ou demissão, ensejando direito a
apresentar reclamação trabalhista e receber Seguro do "desemprego")
compareceu na Corregedoria da Polícia Militar – um lugar que poucos civis
conhecem - para ser ouvida no Inquérito instaurado para apuração de
eventual envolvimento de Marcelo, naqueles fatos. Geralda não compareceu
atendendo intimação, mas sim “espontaneamente”, isto é, foi “levada por
alguém”. E uma grande “coincidência” era que pelo menos um dos
advogados de Alexandra trabalhava no Departamento Jurídico da Caixa
111
Beneficente da Polícia Militar, ao lado daquela Corregedoria e outro era
parente de um Coronel. Apesar de pretender o Inquérito averiguar possíveis
envolvimentos de meu afilhado, Geralda foi levada apenas para tentar
incriminar a mim e chegou a dizer que “Florivaldo já havia matado
dezessete pessoas !” e disse também que “Florivaldo a obrigara, sob ameaça
de arma de fogo, o dia todo, a trabalhar no dia 06 de janeiro de 1992”. Ela
disse mais – “que no dia 07 de janeiro de 1992 ela pediu Inquérito contra
Florivaldo, para apuração daqueles crimes”. (Vide a mentira, adiante)
ERA TUDO UMA GRANDE FARSA, MAIS UMA PARTE DA CONSPIRAÇÃO DE
ALEXANDRA (e seus advogados) dirigida especificamente contra mim. Eram
mentiras arranjadas por alguém interessado em me prejudicar. Essas
alegações de Geralda eram tão mentirosas e tão inverossímeis que o
Promotor Público nem se dignou em mencioná-las. De se esclarecer, em
verdade, que Geralda havia gozado férias desde o dia 15 de dezembro/91 até
o dia 04 de janeiro/92 (mesmo sem direito a elas, pois não contava seis meses
de firma) e não mais retornou ao trabalho, tendo apresentado Reclamação
Trabalhista contra meu restaurante (realmente ela pediu instauração de
Inquérito, porém depois que saiu nos jornais a notícia de que estaríamos
envolvidos naqueles fatos que nos tentavam imputar, ou seja no dia 07/02/92 .
E o fez para alicerçar aquela Reclamação Trabalhista. Seu advogado me
disse que se eu entrasse em acordo ela “retiraria” a queixa...).
Ora, se Geralda não mais foi trabalhar ela jamais poderia ter sido
vítima daquela ameaça, principalmente por um período de tantas horas,
inda mais que não ela não trabalhava só, pois era acompanhada de
ajudantes, de copeira, de faxineiros... Será que ela não precisava ir ao
banheiro, e eu ao Caixa, etc. ?
MÃE DE AILTON (Xuxa) VÍTIMA DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO
- COINCIDÊNCIAS -
Poucos dias depois que deixei o 91º DP aconteceram uns fatos
criminosos muito graves, que interessavam para nossa defesa, os quais,
infelizmente, não foram bem aproveitados pela defesa. A mãe de Xuxa vivia
112
amasiada. Ambos possuíam em comum um carro da cor de um dos meus –
marrom - .
Seu amasio não se dava bem com Xuxa. O casal estava separado,
porque o homem havia brigado com Xuxa, por motivos ignorados. No
começo de março desse ano, na residência da mulher, o amasio, utilizando
uma arma automática, de calibre 7,65 (semelhante ao projétil
retirado do corpo de XUXA), desfechou dois disparos contra sua
companheira, e fugiu. A mãe de Xuxa não foi atingida e chamou a Polícia,
entregando-lhes os projéteis disparados, e levou os policiais até o local
habitado pelo agressor. Ali ela apontou onde seu amasio guardava uns
papelotes de cocaína, que foram apreendidos.. Foi instaurado Inquérito no
6ºDP. ISSO VINHA DEMONSTRAR QUE
tinha havido um desentendimento entre o homem e Xuxa
o homem possuía uma arma de igual calibre da arma que matou Xuxa
o homem era traficante de drogas
a mãe de Xuxa era traficante de drogas
Xuxa era traficante de drogas (igualmente a seu concunhado FIA)
.-.-.-.-.
OUTRA COINCIDÊNCIA
Depois de alguns levantamentos, foi constatado que HAVIA UM
CARRO, DA MESMA MARCA, DI MESMO MODELO, COM PLACAS
IUDÊNTICAS ÀS DE MEU CARRO – UA-1313 NACIDADE DE
RIBEIRÃO PRETO. Juntamos o comprovante, mas ninguém se importou
com isso.
DESÍDIA DO DEFENSOR – PREVARICAÇÃO DO JUÍZ
Nosso defensor não deu importância a esses fatos, desprezando os
documentos que lhe entregámos. Insisti na realização de exames periciais de
confronto entre os projéteis apreendidos e aquele que havia sido retirado do
113
corto de Xuxa. O Juiz indeferiu o pedido, por incompatível. O defensor ficou
omisso. Era uma prova desprezada...
MAIS ARBIRARIEDADES POLICIAIS COMIGO...
Alguns dias depois que saí do 91º, estando já no regime de Prisão
Albergue Domiciliar, com direito de comparecer a repartições públicas,
precisei ir até o 5º DP por motivos profissionais. Conversava com o
Delegado Assistente, agora novo Titular, quando entrou em sua sala o Del.
ACRL, agora Delegado Assistente (tanto os dois como o Delegado Titular e
até outros, foram promovidos por “mérito”, devido, em parte, à publicidade de
nosso caso). Este trazia em suas mãos uma folha de computador. Nela
constava aquele primeiro Mandado de Prisão – que eles mesmos haviam
pedido e que eles mesmo haviam cumprido - . O Delegado Titular, Dr. B,
que até então me tratava cordialmente, ao ler o papel e sem dar atenção à
data, mudou sua atitude e disse, asperamente – “você vai ficar !” - e exibiume o papel. Eu nem sequer me abalei. Tirei do bolso uma cópia, autenticada
pelo Tribunal, daquele despacho do Juiz J.J.D., que me concedia aquele
benefício e argumentei que não teria ido ao Distrito se não estivesse
naquelas condições. O Delegado Titular nem quis saber. Olhou para o
Delegado ACRL, agora seu Assistente, e disse – “corró com ele” – e tal
ordem estava para ser imediatamente cumprida, quando pedi para
telefonar. Liguei para minha casa e solicitei a minha mulher que entrasse
em contato com o Tribunal. Em seguida lá fui eu, para aquele lugar
horrível, novamente. Pensei comigo – “de que valia o despacho, se não era
obedecido, não era respeitado?” . Algum tempo depois, naquela cela, fui
procurado pelo Delegado Titular, que me perguntou – “você conhece um tal
de Dr. P. ....? -. “Sim”, respondi, é um magistrado (minha mulher não
entendeu bem a quem deveria recorrer e ligou para um conhecido nosso, que
era Juiz do Tribunal de Alçada Criminal). O Delegado B. agora Titular,
continuou – “ele ligou para cá e quer saber de sua situação... e ele quer ver
tudo resolvido logo, por isso vou falar p’ra ele que vou mandar você p’ra
Delegacia de Capturas, p’ra dar baixa no Mandado”. Fiquei aliviado, mas
continuei naquele “corró” por largo tempo, até ser levado – algemado – para
o DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais), onde, com a
114
interferência, via fone, do advogado O.I. Jt., agora nosso defensor, pude
voltar às ruas...
.-.-.-.-.-.
DEFESA SERVIL - DEFICIENTE E INEXISTENTE
Em nossos interrogatórios em Juízo nós três negámos qualquer
envolvimento nos fatos apontados e acrescentámos informações que
demonstravam termos sido vítimas do complô armado por Alexandra, com
orientação dos advogados dela e a conivente participação dos policiais do 5º
D.P., até por induzimento dela.
Primeira audiência de instrução - (o advogado M.T.B., por certo, não
iria comparecer, como de fato não compareceu, pois não recebera aqueles
dólares cobrados por aquela carta...) Ao iniciar-se a oitiva das testemunhas
de acusação, a primeira delas, quando acabou de sentar-se e antes mesmo de
ser qualificada, foi perguntada pelo Juiz P.R.T.S. –
“a senhora é parente da vítima? “.
O advogado P.J.C.Jr., que eu havia procurado para nos acompanhar,
interferiu, respondendo “não, Excelência, ela é esposa do Dr. Florivaldo...”.
O Juiz irritou-se (havia antipatia daquele magistrado comigo, gerada por
desentendimentos anteriores, no exercício de nossas profissões) e replicou –
“o senhor não foi perguntado! Não lhe dei autorização para falar ! ...
O advogado retrucou. – O Juiz gritou - “Eu mando lhe prender". “Prende
coisa nenhuma - o senhor não pode falar comigo assim, eu já tive alunos que
hoje são Juizes acima do senhor! Eu sou o Doutor P.J.C., Professor de Direito
de fama internacional ! “ e daí por diante...
Enquanto a discussão estava no auge fiz um gesto de mãos, palmas
para cima, e olhar de estupefação, dirigido para o Juiz, como que
perguntando – “e nós ? “-, uma vez que era uma situação inusitada e muito
delicada. Os ânimos foram se esfriando, com troca de pedidos de desculpas,
até que ambos se sentaram. Mas estavam com os corações disparados, os
olhos vermelhos. E o Juiz, ainda não refeito da refrega, dirigiu-se em tom
ríspido, com a voz enrouquecida, para a testemunha e perguntou, em tom
115
quase que de ameaça: - “a senhora quer depor?! ” – “a senhora não precisa
testemunhar !”....
A testemunha, assustada com o que acabara de presenciar, abalada
em ver o marido sem poder se manifestar, como réu, o filho e o afilhado
algemados e perguntada daquele modo, ficou perplexa... Não sabia o que
responder... “Se não o fizesse, prejudicaria os réus?”, pensava ela. No
entanto se não testemunhasse deixaria de prestar informações valiosas,
mas... se o Juiz tomou aquela atitude grosseira e prepotente com o
advogado, o que ele não poderia fazer com ela ?... A pressão do Juiz era tão
grande que parecia ter algum interesse pessoal em favorecer alguém e
prejudicar os réus. Este pensamento lhe veio à mente porque fora prevenida
de que havia comentários, pelos corredores do Tribunal, de que aquele Juiz
tinha sido um advogado frustrado e depois Delegado de Polícia, daí que não
gostava de advogados. Então a testemunha respondeu – “não senhor, não
quero...”
O Promotor pediu que, antes de prosseguir, ouvindo-se as demais
testemunhas, fosse ouvido o Delegado NSN, também arrolado, o qual
alegava ter pressa em voltar para a Delegacia.. No entanto, o Juiz atendeu...
apesar de ser considerado ilegal ouvir-se policial que participou do
Inquérito, e aquele Delegado havia presidido as investigações, portanto era
uma “testemunha hostil”, com interesse em manter a caracterização da
ilicitude incriminada a nós, os réus...
Aquele Delegado NADA sabia acerca dos fatos narrados na Denúncia,
salvo aquilo que havia “arrancado” de mim, no “interrogatório”. Devia ser
contraditado. Porém o “defensor”, ainda aturdido com a discussão havida,
não deu ouvidos às explicações que lhe forneci e conservou-se calado...nada
fez. Limitou-se a concordar com o pedido e com o deferimento. E nenhuma
repergunta de real interesse formulou, apesar de ter o Delegado dito
mentiras e mais mentiras. A “testemunha” chegou a acrescentar um trecho
de conversa, que teria mantido comigo, naquela manhã de sábado, dia
08/02/92, pela qual “era esclarecida” a participação dos dois rapazes. Essa
tal “conversa” não constava do que seria meu Interrogatório, elaborado no
dia 07/02/92..., daí a elaboração de outro, que fui obrigado a rubricar...
(Esse depoimento do Delegado confirmava que o Termo foi "preparado"
depois do dia 07/02/92, ou seja após aquela "conversa" no dia 08...)
116
Aquele Delegado MENTIU, mais de uma
FICOU PRESO SOMENTE UM DIA, “porque foi
vez. Disse que MEU FILHO
mandado para o PEPC no
mesmo dia”. E, para justificar essa afirmação (falsa) referiu ao Ofício de nº
451/92, datado do dia 05/02/92 (falso) que estava juntado aos autos - veja a
verdade, adiante
Porém a MENTIRA DO DELEGADO é demonstrada por seus próprios
documentos –
MEU FILHO somente foi encaminhado para o PEPC no dia
07/02/92, pelo Ofício de Nº 456/92 (verdadeiro), que foi sonegado, NÃO
ESTAVA NOS AUTOS.
Outra prova documental de que o Delegado estava MENTINDO é o
Atestado de Permanência e Conduta Carcerária, assinado pelo Diretor do
Presídio da Polícia Civil, confirmando que meu filho deu entrada no dia
07/02/92, às 22,30 hs.
O DELEGADO N.S.N. MENTIU EM JUIZO !!!
Esses documentos confirmam também o depoimento de meu filho em
Juízo “permaneci preso incomunicável
por três dias, sem ser mandado
para o Presídio da Polícia Civil”
e ainda –
“o Del. N.S.N. disso se valia para pressionar
meu pai a fim de obter uma confissão”
O Del. N.S.N. queria se eximir das responsabilidades criminais pela
nossa prisão – minha, advogado, e de meu filho, Investigador de Polícia – em
meio a criminosos já condenados, e pela nossa incomunicabilidade, além
dos maus tratos físicos, privação de alimentação, de sono, enfim, das
TORTURAS FÍSICAS E PSICOLÓGICAS...
O Del. N.S.N expôs a risco e perigo nossas vidas...
117
O Del. N.S.N. juntou ao Inquérito um OFÍCIO FALSO
O Del. N.S.N. deixou de juntar prova no Inquérito
O DEL. N.S.N. MENTIU EM JUIZO !!!
SEU DEPOIMENTO É
COMPROVADAMENTE FALSO E TENDENCIOSO !!!
MINHA “CONFISSÃO” FOI OBTIDA MEDIANTE
CONSTRANGIMENTO IRRESISTÍVEL
.-.-.-.-.
ARBITRARIEDADE DO JUIZ
Em prosseguimento, seria chamada a testemunha Cristiano, que havia
assinado no Termo de “meu” Interrogatório, como “testemunha de leitura”,
o que é obrigatório por lei, para validar o ato. Cristiano cursava o primeiro
ano de Direito, mas era apresentado como Estagiário, o que era permitido
somente a alunos do 4º e/ou do 5º anos. E mais, sua empregadora/preceptora
não atendia exigência legal dos Estatutos da OAB, isto é, contar com cinco
anos de advocacia.
Porém tal “leitura” não aconteceu, como seria confirmado, em
seguida. Era certo que Cristiano iria esclarecer muitas coisas, inclusive que
NÃO estava presente, o que por certo invalidaria o Termo e,
conseqüentemente, minha “confissão”.
Mas o Juiz virou uma fera, quando viu Cristiano entrando na sala,
com o paletó nas costas. O magistrado passou-lhe uma carraspana das
maiores, com lições de moral e acabou considerando Cristiano “impedido de
depor”. Ora, se o Delegado que presidira o Inquérito (e tinha interesse
evidente em manter a incriminação contra mim) foi ouvido, sem restrições,
era justo que Cristiano também o fosse. O “defensor”, apesar de alertado
por mim, se omitiu, nada falou, nada fez...
Em seguida seria ouvida outra “testemunha da acusação”- M.E.M..
De se estranhar que o Promotor a tivesse arrolado, pois a mesma constava
no Termo como se fosse minha defensora. Porém M.E.M., sem nunca ter
recebido de mim ou dos dois rapazes um poder sequer (na procuração que
118
assinei no 91º DP somente André foi “constituido” e dos dois foi
exclusivamente para aquela impetração do Habeas Corpus) invocou a
condição de advogada “dos réus” (sem ter tido a menor participação nos
autos do Processo do Júri).
M.E.M., se ouvida, iria cair em contradições, pois NÃO estivera
presente a “meu Interrogatório” (somente rubricou o Termo posteriormente,
em espaço que sequer lhe era destinado). E o Juiz aceitou sua “renúncia”.
(Contra essa M.E.M. minha mulher apresentou Queixa na Ordem dos
Advogados, pela tentativa de cobrança indevida de honorários.. .porém minha
mulher, pressionada, acabou fazendo um acordo e a queixa foi arquivada.
Participou ela também de ilícito, praticado por u,a advogada e, seis anos
depois, o Ministério Público faria representação contra a mesma M.E.M., no
caso do Maníaco do Parque do Carmo, por Quebra de Sigilo – antes mesmo de
ter sido ele preso ela, para favorecer o Delegado das investigações, divulgou
notícia de que ”seu cliente” teria confessado”)
UM ATO ESTRANHO ACONTECEU
Em “substituição” a essa “testemunha” o Promotor indicou e requereu
fosse ouvido o Del. ACRL, que já se encontrava do lado de fora, junto à
porta, aguardando ser chamado. Era o mesmo Delegado que baixara aquela
Portaria e havia presidido o Inquérito, antes de ser avocado pelo Delegado
Titular, e que teria feito aquelas "diligências de buscas e apreensões". Por
esses fatos e por esses motivos o Del. ACRL NÃO poderia ser arrolado nem
ouvido como “testemunha”, uma vez que tinha grande interesse pessoal no
caso, para confirmar as “verdades” de seu superior hierárquico (que
acabava de ser ouvido), objetivando fortalecer a incriminação que me faziam
(e aos dois rapazes). O “defensor” P.J.C. não se opôs nem contraditou a
“testemunha”.
É de lei que uma testemunha não encontrada seja substituída por
outra. Porém deve ser em tempo hábil, com intimação do defensor, para que
a defesa não seja tomada de surpresa. Isso não foi feito. O pedido foi de
inopino. O “defensor”, crú e completamente alheio quanto aos fatos contidos
nos autos (pois acabava de chegar da Itália e não os leu) não sabia sequer o
119
que perguntar. Precisava de minha assistência, como havíamos combinado,
porém não aceitou.
O Del. ACRL, além de mentir, emitiu sua opinião pessoal (o que é
vedado por lei). Mentiu, quando tentou justificar e confirmar as diligências
que teriam sido feitas na residência dos dois rapazes - meu filho e meu
afilhado -. Mentiu, quando disse “que encontrou documentos, armas e
cheques de meu filho, dentro de uma caixa d’água emborcada ...” (não seriam
aqueles dos quais Alexandra havia se apossado, ou aqueles que meu filho
portava, quando foi preso?). E o Delegado ACRL ainda inovou
artificiosamente (é crime) tentando induzir em erro o Juiz (como faria mais
tarde, com os jurados), ao acrescentar, maldosamente e sem que lhe fosse
perguntado, que meu filho trabalhava no 35º D.P., no bairro do Jabaquara e
que ali era próximo ao local onde fora encontrado o corpo de Ailton...que lá
era lugar comum para as “desovas” de “presuntos”( ou “abandono de
cadáveres”)
Era uma insinuação maldosa e mentirosa, porque o Delegado ACRL
deixou de mencionar que, desde o Jabaquara até o local referido (Km. 34 da
Via Anchieta) existem os bairros da periferia de São Paulo, depois a cidade
de Diadema, com seus bairros, por um caminho, ou o bairro/cidade da
Paulicéia e o bairro/cidade de Rudge Ramos, em São Bernardo do Campo,
por outro caminho, e depois mais alguns quilometros, outros bairros, até se
chegar ao local do encontro do corpo...
E mais – desde o local do “desaparecimento” de Ailton, no bairro da
Liberdade, como diziam, até o Jabaquara, já é uma grande distância, com
cruzamentos, semáforos e trânsito intenso, inda mais à noite, com chuva.
O “defensor” nada fazia, nada dizia, ficava inerte, permitindo que
aquela “testemunha” agisse daquela forma... (seria um temor reverencial,
depois do entrevero com o Juiz?)
No entanto, nenhum dos dois Delegados trouxe qualquer luz,
qualquer esclarecimento, sobre os fatos narrados na denúncia do Promotor.
Limitaram-se a encobrir os atos ilícitos que eles mesmos haviam praticado –
as prisões, as diligências, as provas forjadas, os constrangimentos ilegais, as
torturas...
120
O depoimento do Del. ACRL era comprovadamente falso e eivado de cheio de
contradções aoque havia dito seu superiori
Outra “testemunha” da acusação foi ouvida. – Ana Lucia. Fora
arrolada pela Promotoria porque seu nome figurava no Termo de “meu”
Interrogatório, como “testemunha de leitura”. Ela disse que NADA
PRESENCIOU. Meramente foi convidada a assinar, pois lhe disseram que
era para comprovar que o velho não apresentava sinais de violência (??!!).
A
principal “testemunha” e seu
filho Leandro
não
compareceram. O Promotor desistiu de ouvi-los (mais tarde outro Promotor iria
servir-se dessa "ausência" para me prejudicar...).
Quando se encerrava a audiência, o “defensor” P.J.C.Jr., ainda
nervoso e contrariado com o incidente havido, alegando “problemas de
idade, para acompanhar o processo e atuar em plenário”, apresentou
renúncia, abandonando-nos. Ora, se ele tinha tais problemas não deveria ter
sequer aceitado o caso, ainda quando se encontrava na Itália, para onde
telefonei, solicitando seus serviços profissionais... E nós, que estávamos
presos preventivamente, assim continuámos... (Curioso que, no dia de nosso
julgamento, quinze meses mais tarde, no plenário A, o mesmo Dr. P.J.C. e sua
assistente atuavam no Plenário B, na defesa de um dentista que matou e
esquartejou um advogado. Condenado a 14 anos, o dentista recebeu o direito
de recorrer em liberdade...)
ABUSO DE PODER – VIOLÊNCIA CONTRA PRESO DA JUSTIÇA
Terminada a audiência eu e minha mulher ficámos aguardando a saída
dos dois rapazes. Meu afilhado saiu com escolta do Presídio Militar, que não
permitiu qualquer contato. Já com meu filho foi diferente. Os policiais civís
permitiram que lhe falássemos. Porém tivemos um choque – meu filho
escondia o rosto, e percebemos que estava chorando. “Quê foi, filho? “
“Nada não, tá tudo bem, só um pequeno desentendimento”, disseram os
policiais. Meu filho pediu a seus colegas que prosseguissem. Ficámos sem
121
saber a razão daquele comportamento...(eu só iria ficar sabendo dias depois,
naquele mesmo Tribunal).
JUIZ ARBITRÁRIO – ABUSO DE PODER
Alguns dias depois fui ao Tribunal do Júri, para obter cópias do
Inquérito Policial e dos atos já realizados no Processo. Eu aguardava, no
corredor, junto ao guichê, a extração das mesmas, quando aquele Juiz
P.R.T.S. passou e me admoestou, com uma pergunta ríspida – “que o senhor
‘tá fazendo aqui? ”-. Respondi – “estou trabalhando, Excelência, vim tirar
xerox de meu processo” –E o Juiz continuou – “eu não quero o senhor por
aqui, é bom ir dando o fora !” Diante daquela atitude expliquei,
humildemente –“só vou pegar as cópias e já vou embora”-O Juiz afastou-se,
resmungando.
SONEGADA PELA POLÍCIA PROVA A MEU FAVOR
Antes daquela audiência de oitiva de testemunhas de acusação
precisei ir ao 5 D.P., para assuntos outros. Com receio de atitudes
arbitrárias, fui acompanhado por minha mulher e meu colega O.I.Jr., que
contratei em substituição a P.J.C.Jr.. O Del. NSN veio conversar conosco e,
vendo a preocupação e a angústia de minha mulher, disse –“não fique
preocupada, minha senhora. Outro dia veio um homem aqui e disse que ele viu
quem pegou o rapaz e não era o Florivaldo nem seu filho. O Del. B., então
ainda Assistente daquele Titular, complementou – “a gente sabe que não foi
o Florivaldo...” Imediatamente perguntei –ele foi ouvido? - N.S.N. respondeu
que não. Nova pergunta – o senhor tem o nome e endereço dele? – N.S.N.
respondeu com displicência “...’tá por aí, se precisar nós te damos. Mas não
vai precisar, você vai se sair bem dessa”. E, na audiência lembrei a P.J.C.Jr.
dessa conversa. Ele não me deu ouvidos...
ARBITRIEDADES POLICIAIS DENTRO DO TRIBUNAL
CONIVÊNCIA E PREVARICAÇÃO DO MAGISTRADO
Devido às ausências de Loide e de seu filho, naquela audiência, uma nova
foi designada. Novamente não compareceram. Foi depois desta que houve
122
aquele incidente em que meu filho saiu chorando. TRÊS fatos ocorreram,
ilegal e ilicitamente, em nosso prejuízo :Antes de se iniciar esta segunda audiência fui até a carceragem do
Tribunal, como na vez da anterior, com o intuito de entregar lanches do
Mac Donald a meu filho e a meu afilhado, porque eu sabia que - como todos
os presos -eles saiam bem cedo de seus Presídios, sem tomar desjejum e
ficavam no Tribunal até o fim do expediente, quase noite, aguardando para
serem levados de volta.
Foi então que eu fiquei sabendo a razão de meu filho ter saído
chorando, após aquela audiência anterior – os dois algemados um ao outro,
desciam a escada espiral, em direção à carceragem, precisando agarrar o
corre-mão. Um sargento, que estava atrás dos dois, ordenara que não se
segurassem. Meu filho teria se virado para trás, dizendo com um sorriso, que
poderiam cair. Já no plano, foram colocados em uma das duas celas do
“corró”. O sargento sabia que meu afilhado era policial e o colocou em uma
delas, sozinho. Meu filho, porque tinha falado com o sargento, foi empurrado
com um safanão, acompanhado de palavrões, para dentro da outra, junto a
marginais que respondiam por crimes de homicídios -. Quando os
Investigadores foram buscar meu filho o sargento os levou até a cela onde
estava meu filho. “Não é esse, não”, disseram. Meu filho, ao perceber a
presença de seus colegas, levantou-se, passou entre os demais e chegou até a
grade. “Estou aqui”. Os policiais civis estranharam que ele tivesse sido
colocado ali. O sargento disse – “eu não sabia que ele era polícia e até dei uns
sopapos nele”. Um dos “tiras” disse ao sargento que se fosse com ele, mesmo
preso, ele quebraria a cara do sargento, gerando um bate-boca, no qual o
sargento perdeu...
AGRESSÃO A PRESO DA JUSTIÇA, DENTRO DO TRIBUNAL
E fiquei sabendo desses fatos da seguinte maneira – Quando eu
procurava alguém da Guarda Militar para entregar os lanches, surgiu um
homem gordo, de chinelos, usando calças jeans e camiseta amarela, com a
barriga à mostra, o que lhe dava uma aparência grotesca. O mesmo me
perguntou o que eu queria. Mesmo sem saber quem era, expliquei-lhe que
123
era advogado dos rapazes e a razão de minha presença. O homem
perguntou-me – “ah, então você que é o pai do investigador?”. “Sim, sou eu”.
Ele continuou – “É, no outro dia eu tive que dar um tapão na orelha dele, p’ra
ele aprender...”. Fiquei nervoso e perguntei – “que foi?! Você bateu nele?!
Você bateu num polícia?! Num preso?! ...”. O gordo respondeu – “bati, e daí
?!”. Imediatamente retruquei – “Isso é crime. Vou levar ao conhecimento do
Juiz e do Comandante da Guarda...”. O homem gritou – "eu sou o
Comandante" “você ‘tá preso!!”. Perguntei – “por quê?!”. “Por desacato!”,
disse ele. Continuei - “preso por quê??!!” – “quem é você para me prender??”
– “onde está o desacato??”. Ele respondeu, sempre gritando – “EU sou o
Comandante da Guarda, você ‘tá preso por desacato!!” e ordenou aos
militares ali presentes, atraídos pelos gritos, que me segurassem e me
algemassem. Eu me rebelei, argumentando a eles que eu respeitava aquela
farda, que eu já havia usado, antes deles terem nascido. Mas de nada
adiantou (ordes é ordes...). Os homens se aproximaram de mim e me afastei.
O gordo quis agarrar-me pela lapela do paletó, mas me esquivei. Ele foi
mais bruto. Tentei afastar-me mas o gordo segurou o bolso superior do
paletó, que foi arrancado, ao mesmo tempo em que ele me deu um bofete na
cara, jogando meus óculos no chão. Eu segurava os lanches com as duas
mãos e embaixo do braço cópias do processo. Os lanches caíram no chão. Eu
não acreditava que aquilo estivesse acontecendo. Comecei a chorar, de
nervoso. Fui agarrado, finalmente. Os homens titubearam em me algemar,
mas me obrigaram a sentar-me em uma cadeira, junto às celas da
carceragem. Imobilizado, fui algemado pelo próprio gordo, que se retirou,
deixando um Cabo a montar vigilância sobre mim, que reclamava a não
mais poder. Quando ouvi as vozes dos dois rapazes gritei por eles, pois
queria que eles avisassem o Juiz do que estava acontecendo. Mas fui
impedido de falar com eles, porque o Cabo desferiu um tapa em minha
boca, ordenando – “cala a boca !!” Ao perceber que eu olhava para sua
tarjeta de identificação ele a arrancou. Seu nome era Zoanon. Corria sangue
de minha boca, manchando minha camisa e minha gravata. Zoanon afastouse e foi substituído pelo Cabo Ataide. O gordo reapareceu, agora fardado
como sargento da Polícia Militar. Agarrou as algemas que me prendiam e
me arrastou, escadas acima, e pelo corredor do andar das salas dos Juizes,
até a sala do Juiz P.R.T.S., a quem apresentou o caso. O sargento insistia
124
que o Juiz determinasse minha prisão em Flagrante, por Desacato. O
magistrado determinou que resolvesse esse caso lá fora. O gordo pediu e
recebeu permissão para levar-me até o Distrito Policial. Apelei para o
magistrado, argumentando – “Eu sou preso da Justiça, V.Exa. é Vice-Diretor
deste Tribunal e tem obrigação de zelar por minha integridade física”. O Juiz
não se perturbou e ordenou - “leva ele p’ro Distrito”. Aí quase implorei –
“Doutor P., se eles me levarem vão me maltratar no caminho! Eu não vou!
Eu quero alguém da Ordem dos Advogados !”. O Juiz convidou um
advogado, que estava prestes a iniciar uma audiência, para nos
acompanhar. O colega aceitou e saiu conosco, mais dois ou três soldados,
que aguardavam do lado de fora. Porém logo no corredor aquele advogado
conversou comigo, alegando que precisava fazer aquela audiência e que não
poderia ir, mas que eu ficasse calmo, “que eles não iriam me bater”. Fui
levado a pé, pelas ruas, algemado, até o 16º Distrito Policial. (Ali, o gordo
deu voz de prisão a um soldado que, em sua passagem, continuara sentado,
preenchendo uma papeleta de Ocorrência) O gordo apresentou o caso ao
Delegado de Plantão., dando sua própria e mentirosa versão. Pedi permissão
para falar e expliquei que era um dos defensores de meu filho, Investigador
de Polícia e de meu afilhado, Policial Militar, e que aquele sargento, antes
em trajes civis, me dissera que havia “dado uns tapas no Investigador, p’ra
ele aprender” e que isso me deixou nervoso, irritado... A pretensão do
Sargento era arbitrária, argumentei. O Delegado perguntou, meio bravo –
“Você bateu n’um Investigador de Polícia??!!” . O gordo explicou que se
confundira, que pensara que o rapaz fosse vagabundo, pois estava na cela
dos vagabundos e não na cela reservada a policiais e outros, que não podem
ser colocados junto a criminosos comuns (sim, porque se colocados, são
agredidos). E acabou tentando se justificar que tudo não passara de mal
entendido, em relação a meu filho. Mas expliquei que o gordo guardara
alguma raiva, porque, quando os Investigadores foram buscar seu colega
(meu filho) eles passaram aquela carraspana nele, sargento. Essa bronca do
sargento foi transferida para mim. O Delegado perguntou ao sargento se o
mesmo estava fardado, quando houve o incidente comigo. “Não, senhor. Fui
me fardar depois...”. O Delegado resolveu elaborar um Boletim de
Ocorrência sob o título – “Averiguação de desacato”-, que terminou em
nada... Fui dispensado antes, saindo com minha mulher e minha cunhada,
125
chamadas que foram, a meu pedido, por uma advogada, presente no
Distrito. O nome do sargento era J. B. Era 27 de abril de 1992.
DOIS PESOS – DUAS MEDIDAS
Eu já não acreditava na Justiça, ou nos homens que deveriam
distribui-la, porque parecia haver uma conspiração, tanto contra mim como
contra os dois rapazes. Alguns presos, da mais alta periculosidade, com
várias condenações, reincidentes, autores de crimes horríveis, eram
beneficiados com ordem de hábeas corpus e ganhavam a liberdade, para
aguardarem julgamentos de seus processos ou de seus recursos. Traficantes
eram condenados a penas de reclusão, em regime fechado e, no entanto,
posteriormente, na Instância Superior, acabavam sendo beneficiados com a
transformação de suas penas para regime aberto, em Prisão Domiciliar.
O mesmo Tribunal que concedia essas benesses, no entanto, negou
a meu filho e a meu afilhado o direito de aguardarem o julgamento em
liberdade. O Desembargador Relator, no pedido de hábeas corpus
impetrado em favor dos dois, não quis nem saber que eles atendiam os
requisitos legais para receberem o writ – tinham residência fixa - tinham
profissão definida (funcionários do Estado, como o próprio Relator) – eram
réus primários – tinham bons antecedentes (nem sequer tinham faltas
disciplinares). E, apesar da pouca idade, já tinham recebido elogios oficiais
de seus superiores. Meu filho, inclusive, praticou ato de heroísmo, salvando
a vida de seu colega, debaixo de tiroteio com marginais.
O Desembargador deu mais valor às informações contidas
naqueles Autos de Apreensão (forjados) e no depoimento falso e tendencioso
daquele Delegado ajudante. O Relator se reportou aos fatos de que foi
encontrado verdadeiro arsenal...até bomba de gás lacrimogêneo (não
mencionou que os Autos eram em triplicatas, as armas não passavam de seis,
algumas quebradas... outras decorativas, trazidas da Europa, a bomba era mera
cápsula vazia, guardada por meu afilhado como lembrança da escolinha de
recrutas...) e mencionou ainda que foram encontradas ...placas frias de
carro... (a verdade surgiria alguns anos depois - as placas eram de
ocorrências policiais do próprio Distrito do Delegado que fez os Autos de
Busca e Apreensão, conforme informações obtidas junto ao DETRAN, em
126
Pedido de Justificação Criminal) e afirmou ainda que, por se tratarem de
policiais, eram perigosos para a sociedade.
Os demais Desembargadores foram concordes e unânimes,
denegando a ordem. E os dois continuaram presos...e assim continuariam,
por mais seis anos.
(Uma breve explicação – os dois eram TÃO PERIGOSOS que meu
afilhado, evangélico que era, logo estará sendo Pastor. Meu filho, já está no
quarto ano de Direito, seguindo os passos do pai, da irmã, da tia, e dos primos
e primas)
DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA POR PARTE DO PROMOTOR
Por causa daquela ausência de mãe e filho o então Promotor Papaterra
Limongi (na primeira audiência)desistiu da oitiva dos mesmos. No entanto,
no dia seguinte, o Promotor do feito, JGA manuscreveu nos autos uma cota
que começava assim –
“É bem provável que as testemunhas ...estariam sendo ameaçadas por
Florivaldo...”
e me fez grandes ataques, afirmando que eu estaria ameaçando pessoas
indefesas. A pretensão do Promotor era pedir a revogação de minha Prisão
Albergue Domiciliar. Eram somente presunções maldosas e sem qualquer
embasamento fático. E mais – o Promotor pediu expedição de ofício,
requisitando instauração de Inquérito Policial.. Era uma alegação
unilateral. Não houve intimação para nossa manifestação. Não me foi dado o
direito do contraditório. O Promotor "falou" valia como verdade. O Juiz
A.P.C. aceitou a argumentação da Promotoria, revogou o benefício e
determinou a expedição do ofício. Foi instaurado o Inquérito, no qual nem
sequer fui ouvido, muito embora minha casa distasse menos de quinhentos
metros do Distrito. Fui denunciado e processado à revelia, pela 21 ªVara
Criminal. Baseado em elocubrações fantasiosas, em meras ilações e
conclusões de silogismos com falsas premissas, o Promotor do Júri, com esse
ato, estava incorrendo, ele próprio, na prática do crime de Denunciação
127
Caluniosa, dando azo aos procedimentos policiais e judiciais contra mim,
que ele sabia não ser autor de qualquer crime, inda mais em se
considerando que, para apuração do pretenso crime de ameaça depende de
representação da vítima, o que não ocorria e ele não tinha qualquer
procuração para tanto, nem podia ter .
A revogação de minha P.A.D. deu-se em 21 de agosto de 1992, com
expedição de novo Mandado de Prisão. Ora, ora... se o magistrado, no
despacho anterior, esclarecia que ...”lamentavelmente não há prisão para
advogado" e por isso me concedera a PAD, pergunta-se – por que, então,
novo Mandado de Prisão ? E para qual prisão eu deveria ser encaminhado ?
E no Mandado constava a recomendação de que eu “deveria ser colocado
separado dos demais presos..” Como ? De que maneira ? Ou será que iriam
construir uma prisão só para mim ? Se eu fosse colocado separado é óbvio
que eu ficaria em isolamento, o que, por sí só, já era um grande castigo –
sem ter sido julgado e sem condenação – pois o homem é ser gregário,
sociável, não prescindindo de companhia, sob pena de perder a razão...
Algo de podre estava acontecendo no Reino da Justiça ! Mais um
complô contra mim ? Obra de quem?
AMEAÇA DE MORTE CONTRA MIM
Poucos dias depois da revogação de minha PAD e da expedição de novo
Mandado de Prisão minha mulher me aguardava no carro, junto àquela
banca de jornais da rua Taguá, onde eu estava comprando revistas.
Aproximou-se um soldado da Polícia Militar, amigo meu, de meu filho e de
meu afilhado, chamando-me de lado e dizendo - : “doutor, o senhor ‘tá
pedido”. Eu disse – “já sei, mas estou em PAD e já foi dada baixa na
Capturas” – O PM continuou – “não, não é aquele, é um outro Mandado, e a
ordem é "derrubar" o senhor” (derrubar quer dizer matar) – e apontou para
um carro, com alguns homens dentro, estacionado defronte ao prédio em
que morávamos. Ele esclareceu mais – “eles ‘tão esperando o senhor chegar.
Se o senhor se coçar ou reagir eles vão jogar um cabrito na sua mão” –
128
("coçar" é tentar sacar arma, "cabrito" é arma fria, sem registro e sem
números). Eu confiava nele, por isso pedi a minha mulher que fosse a pé, até
o prédio. Eu ficaria observando de longe. Afinal o visado era eu. Ela
caminhou rapidamente e, ao chegar até a porta, fez um sinal combinado –
perigo ! -. Eu já havia manobrado o carro, na direção oposta e saí
imediatamente para um local previamente concertado com minha mulher,
onde eu receberia algumas roupas e dinheiro, para deixar São Paulo. Pouco
tempo depois recebi de minha filha e de minha mulher o que eu precisava e
parti para o aeroporto de Congonhas, perto do qual deixei meu carro, para
ser apanhado por outra pessoa, de confiança. Acabei chegando a um país
vizinho, de onde, para saber das notícias, eu telefonava ora para a casa de
um parente, ora para a casa de amigos, conforme combinávamos. Eu era
agora um fugitivo internacional, um foragido da Justiça !
Só que de perigoso eu nada tinha. Eu era um homem caseiro, de convívio
familiar. Sem vícios, não freqüentava bares, clubes, futebol, rodinhas...Desse
país eu passava para outro, para outro, voltava... E fui me cansando. Apesar
de estar sendo vítima de injustiça, acreditava que a qualquer momento tudo
iria se acertar. A saudade era grande demais. Resolvi voltar. Fui para uma
cidade da Grande São Paulo. Mudei-me para outra e para outra, e assim
por diante. Eu estava angustiado com o afastamento de meus familiares,
com o sofrimento de minha mulher, de minha filha, dos rapazes presos. E
temia por eles. Eu sabia que, sem os homens da família, as mulheres e as
netas eram presas fáceis para nossos inimigos, principalmente para
Alexandra e seus bandidos. E até de falsos amigos.
FALSOS AMIGOS FURTAM BENS DE MINHA FAMÍLIA
Depois que fomos presos meu genro, aproveitando-se disso, (ele já
mantinha relações com outra mulher e já tinha um filho) abandonou minha
filha e minhas netas, que foram obrigadas a se mudarem para meu
apartamento. Um casal de policiais civis (amasiados), nossos “amigos”,
ofereceu-se para “tomarem conta” da casa de minha filha, no bairro do
Morumbi (à moça nós havíamos presenteado o anel de bacharela, feito sob
encomenda...). Depois, para serem retirados, foi necessária a intervenção da
Justiça. E os dois levaram quase tudo, deixando chão e paredes.
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DISFARCE PELA SOBREVIVÊNCIA
Quando eu estava no litoral, tinha grande necessidade de conversar
com pessoas e, ao mesmo tempo, fazer alguns exercícios, para não
enferrujar. Dentre os esportes que eu praticava, um dos que me agradavam
era a patinação artística. Sabedor de que alguns clubes da baixada
mantinham departamentos de tal prática, procurei por um deles, e fui
presenciar os treinos. Uma jovem patinava muito bem. Ouvi sua conversa
com seu pai, em espanhol. Aproximei-me dos dois e procurei puxar
conversa, na mesma língua que eles, perguntando se o homem era
argentino. Ele respondeu-me que era o Cônsul do Uruguai. Como minha
pronúncia era correta e muito parecida com o portenho, ele se interessou em
me apresentar à professora, dizendo que eu era argentino. Ela me orientou a
ir até a Diretoria, a fim de obter uma Carteira de Militante. Lá, apresenteime como Ricardo Valverde, pseudônimo que eu usava havia quase quarenta
anos, desde quando fui trabalhar no Jornal A HORA. Por ser parecido com
sobrenome espanhol, fiquei sendo aquele, e não mais Florivaldo, e dali em
diante só conversava em espanhol, sempre procurando manter aquele meu
sotaque. Cheguei a participar de mais clubes, um outro de Santos, e um de
São Vicente, com algumas participações em espetáculos promovidos.
INCIDENTE EM SANTOS, COM “AQUELE JUIZ”
Nessa cidade, certa noite, quando perambulava pelos corredores de um
“shopping” eu ouvi uma acalorada discussão, com ofensivas palavras de
baixo calão, dirigidas por um homem magro, de costas para mim, a uma
mulher. Parecia uma briga de marido-mulher. Não me interessava saber o
que acontecia e não podia me envolver. Procurei sair dali. Já me afastava
quando o homem, pela expressão da mulher, percebeu que alguém estava
por ali, presenciando aquela cena. O homem se voltou de frente para mim.
Surpresa mútua ! Nós nos conhecíamos. O homem, ao me ver à sua frente,
ficou lívido, estático por alguns segundos... O mesmo aconteceu
comigo...tremi nas pernas, tive um calafrio repentino e não sabia o que fazer
ou o que dizer, pois não cabiam explicações, de ambas as partes. O homem
pegou a mulher pelo braço e, quase a arrastando, dirigiu-se a um Segurança
do prédio... Eu, por minha vez, saí pela tangente, em direção oposta,
130
chegando a uma escada rolante que subia e descI por ela, ao contrário,
buscando alcançar os andares inferiores e a rua. Esse homem não era outro
senão o Juiz que me interrogara – P.R.T.S. -. Já na rua entrei em uma loja e
comprei uma camisa de cor diferente daquela que eu usava e a vesti mesmo
por cima da primeira. Tomei um táxi e fui para meu esconderijo. Dalí,
naquela mesma noite, novamente me transferi para outro, em cidade
próxima. Eu não queria e não podia ser encontrado. Fiquei com receio que o
Juiz pudesse alertar a Polícia e até pensar que estivesse sendo seguido. E
isso não era bom para mim.
DISFARCES E ARTIMANHAS PARA PODER VIVER
Devido à grande saudade que eu sentia de meu filho e de meu afilhado, às
vezes eu me arriscava e me aproximava dos Presídios onde se encontravam.
Eu podia ver, ao longe, as figuras de cada um e era visto. Trocávamos sinais
de abraços. E chorávamos. Eu ficava poucos minutos e já retornava para
um dos pontos onde me refugiava.
Num período em que eu estava na cidade de Praia Grande, apresentei-me
como Voluntário, para trabalhar na Santa Casa Local, onde, todas as
manhãs, das 07,00 às 12,00, eu prestava serviços de faxina, arrumador de
camas de pacientes masculinos e brincava com as crianças do berçário,
distraindo-as. Almoçava lá mesmo, pois as refeições eram simples e de baixo
preço.
Nessa época, certa noite, eu passava por uma placa, colocada na
calçada, com dizeres alusivos a reuniões de uma seita, chamada Seicho-noiê. E era noite de reunião. Resolvi entrar. Gostei e voltei na semana seguinte,
e na outra. Interessei-me pelos ensinamentos e comprei livros.. Com sua
leitura criei coragem para enfrentar qualquer coisa. Mandei uma
mensagem de Natal a meus familiares, para lhes dar certo alento. A
mensagem dizia assim:
Mensagem de Natal
À Edith, a minha filha, a meu filho, a meu afilhado,
a minhas netas, extensiva a meus afilhados M.B. e Fabio.
131
Que este Natal, apesar de estarmos afastados fisicamente, por
circunstâncias alheias a nossas vontades, e por obra do destino, possa
ser, para todos nós, prenúncio de uma nova era, de novas vidas,
irmanados e juntos, com mais força espiritual e compreensão, para
podermos seguir nossos caminhos e cumpri nossas missões,materiais
e espirituais, para as quais viemos destinados.
E que tudo seja para servir a nosso Senhor, para honra e glória de
Seu Nome.
De meu refúgio, no litoral santista, em 21 de dezembro de 1992
Florivaldo
E completei minha mensagem desta forma:
“Só ri da nossa cicatriz quem nunca foi ferido”
PS- Que Deus e os homens nos permitam estarmos todos juntos, breve.
.-.-.-.-.
VÉSPERA DE NATAL (1992)
Resolvi ir até o portão do P.E.P.C., disposto a ver meu filho de perto,
abraçá-lo...Era noite de Véspera de Natal. Não consegui chamar meu filho.
Estavam todos no pátio interno. Apenas fiquei imaginando como estariam
os meus. Eu estava só. Chorei muito e fui embora. Também o Ano Novo foi
triste, muito choro...
.-.-.-.-.-.
O FEITIÇO VIRA CONTRA OS FEITICEIROS
(Testemunha “BOMBA” no julgamento de ALEXANDRA revela a verdade)
132
Os advogados de Alexandra, matreiros e ardilosos, tudo faziam para
encobrir suas falcatruas. Por essas e outras, acabaram caindo em suas
próprias armadilhas. Uma de suas testemunhas,de defesa a própria irmã de
Alexandra, revelou que havia sido influenciada pelos advogados a enviar
uma carta, com nome falso, constante de uma cédula de identidade que eles,
advogados, haviam providenciado. Essa revelação causou enorme tumulto
no auditório, e a Juíza que presidia a sessão determinou a suspensão do
julgamento e a instauração de inquérito policial, para apuração dos fatos,
com indiciamento dos dois advogados mencionados.
.-.-.-.-.-.-.NOSSO JULGAMENTO É MARCADO
Já fazia quase seis meses que eu estava naquela vida horrível (cheguei a
passar uns dias com um grupo de catadores de papel) quando eu soube que o
julgamento dos rapazes havia sido marcado para o mês de março de 1993.
Naqueles mesmos dias seria também o julgamento de Alexandra, naquele
mesmo Tribunal. Mas havia uma diferença - para os rapazes a marcação
foi rápida, enquanto que o de Alexandra somente ocorreria depois de quase
OITO anos, procrastinado que vinha sendo pelos advogados dela. E eles
marcaram mais um ponto – conseguiram, mais uma vez, o adiamento. A eles
interessava primeiro nosso julgamento, meu e dos rapazes, pelos motivos já
explanados. Mas meu nome não estava incluído, devido a minha ausência e
porque eu não fui intimado pessoalmente. Porém o julgamento de ambos
também foi adiado, com nova designação, para o dia 17 de maio do mesmo
ano.
DEFENSOR VENAL ? NEGLIGENTE ? DESIDIOSO ? FALSO ?
Dias antes do julgamento, telefonei do litoral, marcando encontro com
nosso defensor, em seu escritório, para as 16,00 horas. No dia e pouco antes
da hora marcada, cheguei e procurava uma vaga para estacionar, quando
deparei com uma viatura da Delegacia de Vigilância e Capturas,
estacionada na rua lateral ao prédio onde estava o escritório. Intrigado, fui
ata um orelhão e telefonei, perguntando pelo advogado. A secretaria
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respondeu que ele estava em reunião com umas pessoas e deixara recado de
que estava à minha espera. Pedi para ela transferir a ligação. Falei com o
advogado e dei uma desculpa, dizendo ter problemas, pois estava na cidade
de Praia Grande. Pedi para adiar nosso encontro para o dia seguinte. O
advogado não gostou e se irritou, mas aceitou. Alguns minutos depois desse
telefonema pude ver alguns homens saindo do prédio, entrarem naquela
viatura e deixarem o local. Imediatamente fui até o elevador e subi até o
andar do escritório. Perguntei à secretaria quem eram aqueles homens que
acabaram de sair. Ela disse – eles estavam em reunião com o doutor... Abri a
porta da sala do advogado e entrei. O advogado estranhou – “ué, você não
disse que estava na Praia Grande ?”com um tom de voz de irritação.
Expliquei que havia dito aquilo porque vira a viatura e em seguida os
homens deixando o prédio. O advogado explicou, com uma simplicidade
fora do comum – “é, eles vieram fazer um acerto comigo”e não prosseguiu,
mudando de conversa. Fiz-me de desentendido. Conversámos. Disse-lhe que
ia lhe pagar duas mensalidades atrasadas de seus honorários – mil dólares -.
Ele me disse – não precisa, deixa para depois do julgamento -. Esdtranhei
muito e prossegui – olha, pobre, padre, pastor, puta a procurador não
enjeitam dinheiro, qu’é que ‘tá havendo? -.Ele irritou-se e me perguntou –
você acha que estou me vendendo para sua madrasta?. Simplesmente eu lhe
disse – tua boca te traiu ! -. Ele continuou – se você acha que é assim então
procura outro! -.Eu respondi – de jeito nenhum, minha família quer você e
agora já não dá mais tempo, tenho que tirar meus filhos disso -. Nenhum de
nós deixou transparecer qualquer sentimento ou emoção. E me retirei, sem
fazer o pagamento.
ADVOGADO DE ALEXANDRA INDUZ JURADOS CONTRA MIM
Meu nome não constava da pauta de julgamento, porém, mesmo assim,
desejoso de ver o fim daquilo tudo, e no interesse dos rapazes, que estavam
sofrendo, presos injustamente, e confiante de que seríamos absolvidos, pelas
provas produzidas, peticionei ao Juiz do processo, dando-me por ciente e
informando que compareceria, voluntariamente, no dia aprazado. Pretendia
comparecer perante a Justiça e ser julgado. Eu precisava ser ouvido,
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contando tudo por que eu passara. Precisava expor aos jurados a armação
feita e, ao mesmo tempo, reencontrar e abraçar meus filhos.
Ocorre que Alexandra (por seus advogados) também conseguiu novo
adiamento. Ela insistia em que meu julgamento fosse anterior ao dela. E
tudo estava sendo feito por ela e por seus advogados para que os jurados
decidissem por nossa condenação (minha e dos rapazes). Com essa decisão os
advogados dela poderiam derrubar qualquer depoimento que eu tivesse
prestado ou viesse a fazer, contra ela. Sim, porque o Promotor da acusação
de Alexandra não teria em mim uma testemunha forte, e ela, fatalmente,
seria beneficiada, inda mais porque eu era a única testemunha sobrevivente,
das oito inicialmente arroladas (as demais haviam morrido ou
“desaparecido”) .
E, para me prejudicar, ainda mais, um dos advogados de Alexandra –
F.A.S. , crápula e chicaneiro, – criou mais uma armação contra mim. No dia
em que seria o julgamento de Alexandra esse advogado chamou um
repórter do Diário Popular e forneceu informações falsas, inidôneas (como
as que ele costumava fazer), não a respeito da defesa de Alexandra, mas me
atacando. Esse rábula disse que eu havia pedido o processo contra
Alexandra (na verdade, por se tratar de crime de ação pública, quem oferece a
denúncia ao Juiz é o Promotor, na defesa do interesse do Estado e da
sociedade e não um advogado ou filho de vítima). Ele disse mais – que eu
estava agindo contra Alexandra porque eu queria os bens de meu pai e
marido dela (claro, era meu direito de herança e eu agia como Inventariante
dos Espólios de meu pai e de minha mãe e não em meu próprio nome). E tem
mais – esse F. atacou minha honra (o que ajudaria inda mais a induzir os
jurados) – dizendo que eu estava sendo processado pelo seqüestro de dois
Delegados de Polícia. Se fosse verdade eu estaria respondendo a processos, o
que não acontecia.
ERA MAIS UMA GRANDE MENTIRA ! A PUBLICAÇÃO DESSA MENTIRA
ERA PREJUDICIAL PARA MIM, POIS CRIARIA UMA FALSA IMAGEM, A MEU
RESPEITO.
Essas “informações” prestadas por FAS (na verdade caracterizavam
crime contra minha honra) foram publicadas no dia seguinte. L.M.T., meu
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então advogado, não quis patrocinar contra FAS por crimes contra a honra
nem tomou atitude junto ao jornal... Se agíssemos provaríamos o complô.
Como eu havia assumido compromisso, compareci para julgamento.
Antes, porém, recebi das mãos de meu “colega” LMT um Contra-mandado
de Prisão, assinado pelo Juiz APC (que morava em Santos e era amigo do
Juiz P.R....) que iria presidir o julgamento.
L.M.T. nunca havia tido qualquer contato com meu filho e com meu
afilhado....
Com aquele contra-mandado estava restabelecido meu direito à PAD
e, caso fosse condenado, poderia recorrer e aguardar o julgamento do
recurso em liberdade, pois eu preenchia os requisitos legais, então
reconhecidos (como acontece com grande número de condenados, mesmo que
sejam criminosos perigosos e contumazes).
DEFICIÊNCIA DE DEFESA E OMISSÃO DO DEFENSOR
Fui interrogado, mantendo a mesma atitude. Neguei qualquer
participação e complementei que era tudo armação de Alexandra. Inquirido
pelo Juiz se eu tinha provas disso, respondi que deixava as explicações e
demonstração das provas ao cuidado de meu “defensor”. Os dois rapazes
também negaram. O Del. ACRL foi novamente ouvido – sem ter sido
contraditado – e afirmou e reafirmou, em reperguntas, que tinha mantido
contato com a mãe de Ailton, outra testemunha de acusação, “agora mesmo,
na salinha das testemunhas” e “que havia recebido informação de que eu
havia feito ameaças a testemunha” (aquela, na qual eu iria ser absolvido).
Esse contato realmente aconteceu – EU VÍ o Delegado entrar naquela sala –
pois o oficial de Justiça, incumbido de zelar, o permitira, uma vez que “o
homem era Delegado”, como me disse, ao ser por mim interpelado a
respeito. Esse contato se constituía em QUEBRA DA INCOMUNICABLIDADE
ENTRE TESTEMUNHAS, o que significava NULIDADE DO JULGAMENTO. E esse
Del. ACRL reafirmou aquela mentiras, ditas na instrução. NADA FALOU
SOBRE OS FATOS NARRADOS NA DENÚNCIA. Limitou-se a exercer pressão
sobre os acusados. E OS JURADOS JÁ ESTAVAM INDUZIDOS CONTRA NÓS,
PRINCIPALMENTE CONTRA MIM. Sim, porque o advogado de Alexandra, por
meio de uma moça loira, talvez de seu escritório, efetuou, ANTES DA
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uma distribuição pessoal, a
cada um daqueles que estavam sentados na primeira fila do plenário
(certamente dentre esses seriam escolhidos os jurados) de cópias xerox –
adivinhem ! – daquela publicação do Diário Popular, que trazia aquelas
informações falsas, prestadas por F.A.S., de que eu estava sendo processado
pelo seqüestro de dois Delegados... Essas notícias – falsas – induziram os
jurados contra mim.
EU JÁ ESTAVA PREVIAMENTE CONDENADO!
CONSITUIÇÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA,
A “testemunha” Loide tremia, balbuciava as respostas, lacônicas,
monossilábicas... e balançava a perna, cruzada uma sobre a outra. Mentiu e
repetiu as mentiras ditas anteriormente –
“a cena durou uns dez minutos...” (???!!!)
“estava a uns trinta metros de distância do carro...”
(em uma parte do processo consta que o seqüestro teria sido
defronte a uma barraquinha de doces, a qual, segundo Laudo,
na verdade estaria a mais de cinqüenta metros)
“não se lembrava da roupa que Florivaldo vestia...”
(eu usava sempre branco...)
mas “lembrou-se” que
“o rapaz que acompanhava Florivaldo vestia jaqueta
de couro, com detalhe vermelho na ombreira... “
e que
“não viu o rosto do rapaz, que estava de costas, mas
pelo detalhe da ombreira sabia que se tratava do
filho de Florivaldo”
(cujo nome ainda não sabia. Como então constava na Portaria?!)
Essa mesma “testemunha” Loide, na Corregedoria da Polícia Civil, teria
dito que
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“o terceiro elemento vestia jaqueta de couro preta,
não estava armado e tinha 1,60m de altura, cara
chata, cabelo baixo e pele morena...”
Como existissem dúvidas quanto a essa identificação e a “defesa”
estivesse inerte, o Juiz A.P.C. perguntou –
P - “essa terceira pessoa, que estava dentro do carro,
olhou para trás ? “
R - “Não senhor”
P - “olhou para o lado, virando o rosto ? “
R - “Não senhor”
Porém Loide e seu filho foram unânimes, em explicação não
solicitada, colocando seus dedos na horizontal, na região da nuca – e
disseram ...
“DEU PARA VER UNS TRES DEDOS DA CABEÇA DELE...”
O Juiz percebeu o absurdo das respostas, a defesa não, ou se omitiu. Era
óbvio que mãe e filho estavam mentindo, mas cabia ao “defensor” provar
isso (o que não foi feito...)
Pergunta-se – como pode alguém, à noite, em local mal iluminado, a
trinta metros (ou mais) de distância de um carro, com os vidros fechados e
embaçados devido a chuva, VER outrem sentado no banco traseiro, como
ela dizia, VER as roupas desse outrem, ou saber se essa pessoa estava
armada ou não, e, sem que essa pessoa tivesse olhado para trás ou para o
lado, descrever os dados físicos desse outrem, como altura, formato do rosto
e cor da pele ?
A “TESTEMUNHA” LOIDE ESTAVA MENTINDO !!!
E mais uma pergunta – c o m o p o d e ?
uma mulher, debaixo de chuva, a trinta metros (na verdade
a tal barraquinha de doces ficava a mais de cinqüenta metros...)
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de distância de uma cena, à noite, vendo um homem de costas,
sem ver o rosto desse homem, como pode VER um detalhe na
ombreira de uma jaqueta, ver a cor do detalhe, e, por esse
detalhe, identificar esse homem ?
A “TESTEMUNHA” LOIDE ESTAVA MENTINDO !!!
E apenas mais uma pergunta – c o m o p o d e ?
uma mulher, que vê um homem, do lado de fora de
um carro, descreve cor de um detalhe na ombreira
de uma jaqueta e vê outro homem, dentro um carro,
descrevendo suas roupas, suas feições, seus cabelos,
sua altura, sabendo até se estava armado ou não,
como pode esquecer-se da roupa que um terceiro
homem (eu) estaria usando ? (ROUPA ESSA QUE
JAMAIS PODERIA SER ESQUECIDA, PORQUE EU SÓ
ANDAVA DE BRANCO (CALÇAS, CAMISA E CALÇADOS)
A “TESTEMUNHA” LOIDE ESTAVA MENTINDO !!!
Era evidente que Loide e seu filho estavam fazendo o jogo dos advogados
de Alexandra e satisfazendo seus mútuos e recíprocos interesses...
MAIS UMA COMPARSA NA FARSA ENGENDRADA
O
Promotor arrolou, para ser ouvida em plenário, NOVA
“TESTEMUNHA” - Maria Ilza, vulgo Nina, filha de Loide e “mulher” de
Jaime Gonçalves, vulgo Bronco, aquele ladrão, envolvido no homicídio de
José Ibiapina. Nina NADA SABIA sobre os fatos narrados na denúncia ou
no Libelo. Nina compareceu apenas para MENTIR. Seu comparecimento foi
a pedido do Promotor, apenas para “confirmar” que eu teria feito ameaças
contra a mãe dela. Essa mentira, somada àquelas afirmações falsas do
rábula FAS, iriam reforçar a acusação contra mim, uma vez que o
Promotor estava desvirtuando seu trabalho, pois não dispunha de qualquer
prova idônea sobre os fatos. E tem mais – se realmente eu tivesse feito
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aquelas tais ameaças o julgamento desse crime não era de competência dos
jurados e sim de um Juiz singular. E não havia qualquer processo em
andamento, no qual eu poderia me defender sobre tais ameaças. Mas o que
interessava ao Promotor – e isso ele conseguiu, pois naquele momento não
me foi dado o direito de defesa sobre essas acusações – era induzir os
jurados, fazendo-os crer que, se eu tivesse feito aquelas ameaças certamente
eu teria “culpa no Cartório”, ou seja que eu “teria praticado” os crimes
descritos na Denúncia, em julgamento pelos jurados.
Da mesma forma que Loide, Nina também mentiu, insistindo sobre a
existência daquelas “ameaças” e com isso desviaram a atenção dos jurados
daquilo que realmente deveriam julgar.
Quando Nina depunha hilariantes respostas foram dadas por ela.
P - “conhecia a vítima ? “
R - “sim, o mesmo ajudava o marido dela”.
P - “Que faz seu marido ?”
R - “Nada...” (risada geral no auditório)
É oportuno lembrar que “Bronco”e “Xuxa” eram parceiros, ladrões e
traficantes, conforme documentos que eu havia juntado aos autos (fichas
policiais...).
Loide falou absurdos – que eu constantemente agredia suas crianças com
coronhadas na cabeça – o que era grossa mentira, pois se fosse verdade
Loide teria motivos para chamar a Polícia ou pedir que seu marido tomasse
providências, o qual contava com a proteção de Alexandra. Só que ele nada
fazia pois, segundo Loide, seu marido teria medo de mim, porque eu
“andava armado”. Ora, quem matou José Ibiapina e tinha três “genros”
bandidos não iria ter medo de um velho advogado, como eu (e não andava
armado...).
Loide disse não conhecer Ailton...no entanto a mãe de Ailton disse
em Juizo que seu filho era “namoradinho da filha de dona Loide”, portanto
Ailton era “genro” de Loide e “cunhado” de Nina (além de “ajudar”
Bronco). No entanto Loide e Nina mentiram sobre o relacionamento delas
140
com ele, da mesma forma que mentiram para ajudar o marido de Loide, no
caso de José Ibiapina.
INÉRCIA DO DEFENSOR - RÉUS INDEFESOS
Aquele relacionamento de Loide e de Nina com Ailton era bom
motivo para que elas se colocassem a favor de Alexandra contra mim. Era
também, por outro lado, bom argumento para a defesa demonstrar que as
“testemunhas” eram parciais, tendenciosas, inidôneas..., porém o “defensor”
ficou inerte... calou-se... omitiu-se... e deixou de fazer muitas perguntas, que
eu havia apresentado para serem formuladas. Isso vinha confirmar minha
desconfiança em LMT, desenvolvida anteriormente, pelos seguintes
motivos: - eu tinha encontro marcado com ele em seu escritório. Quando
me aproximei do prédio deparei com uma viatura da Delegacia de Capturas
estacionada na rua lateral. Telefonei de um orelhão, dizendo que não
poderia comparecer. LMT demonstrou insatisfação. Alguns minutos depois
três homens com ar de policiais saíram do prédio. Liguei novamente e,
quando a secretária atendeu, eu disse que era Investigador perguntando se
os policiais ainda estavam lá. “Não, acabaram de sair...”. Tomei o elevador e
cheguei até LMT, para resolver a situação. Ele ficou revoltado, que não era
homem para fazer uma falseta, etc. Essa desconfiança iria aumentar inda
mais, com fatos que aconteceriam mais tarde.
As testemunhas de defesa – senhor Seo Whan Chang, presidente da
Câmara de Comércio Brasil-Coreia e o Juiz Presidente do Tribunal do Juri
de Santo Amaro, Dr. J.C. D.S. - foram unânimes em elogiarem meu
trabalho social, em favor de menores desamparados (ajudámos a criar, em
nossa própria casa, como filhos, mais de sessenta deles e em uma Creche, mais
de duzentas crianças, além de ensinarmos esportes e levá-los a Igrejas).
Terminado a primeira parte do julgamento o Juiz adiou para o dia
seguinte o prosseguimento. Como eu estava livre, porque portava aquele
contra-mandado de prisão, fomos eu, minha mulher, minha filha, minha
irmã e mais dois amigos, até uma lanchonete no bairro do Cambuci.
Quando lanchávamos fui chamado de lado por dois policiais civís, do 5º
Distrito, que sabiam da existência do mandado de prisão e que me
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perguntaram “como estava minha situação?”. Respondi-lhes que acabara de
sair do Tribunal, após o primeiro dia e que iria retornar na manhã seguinte,
para continuação. Os policiais disseram que “infelizmente, teriam que me
levar até o 5º Distrito ( e por que não o 6º, área onde estava a lanchonete?).
Exibi-lhes o contra-mandado e chamei os dois amigos, também
Investigadores de Polícia, e os policiais (estariam me seguindo?) desistiram
de seu intento e me desejaram "boa sorte no julgamento...”. Liberado,
terminámos nossos lanches e fomos para minha casa, escoltados por nossos
dois amigos.
No dia seguinte, logo pela manhã, fui para o Tribunal, tendo sido o
primeiro a chegar, por volta das 08,30, porque eu havia me comprometido
com o Juiz de comparecer antes das 09,00.
Como não havia mais ninguém e a sessão iria demorar para ser
instalada (segundo os funcionários da Portaria ainda não havia chegado o
desjejum para todos os jurados dos julgamentos do dia e para os respectivos
réus, inclusive para meus filhos, que acabaram ficando em jejum) deixei o
prédio e fui até a rua Domingos de Morais, onde tirei xerox do contramandado (pretendia ter cópia em meu arquivo, caso o mesmo viesse se
extraviar). Voltei e fiquei aguardando. A instalação da sessão de julgamento
ocorreu bem depois das 10,00. Sentei-me no banco dos réus e fiquei orando,
em silêncio. LMT aproximou-se e me perguntou se eu estava com o Contramandado. Sim, respondi. “Então me dê cá que o Juiz ‘tá pedindo!” .
Entreguei-lhe o documento, que nunca mais vi.
Antes de se iniciar a fala do Promotor LMT aproximou-se e me
confidenciou, taxativamente – “eu não vou dizer uma palavra sobre sua
madrasta e se você pedir para falar eu vou renunciar e você vai p’ra cadeia
!...”Eu lhe perguntei – “e o contra-mandado? “ LMT respondeu - “o Juiz
rasgou”. Eu iria acreditar nessa afirmação, mais tarde, pois vim a saber que
o documento não fora juntado aos autos nem havia sido revogada a ordem.
Calei-me. Afinal, eu tinha uma cópia, se bem que não autenticada, do
documento. Se eu fosse condenado poderia pedir para recorrer em
liberdade. Se eu não fosse atendido pelo Juiz e fosse mandado para a prisão,
algum familiar poderia pedir a intercessão de alguém, com aquela cópia.
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Com aquela atitude de LMT senti-me indefeso. Essa atitude de LMT viria
reforçar minha desconfiança nele. Agora eu tinha certeza que LMT estava
“no bolso” de alguém, ou por intimidação da Polícia ou por dinheiro, por
parte de Alexandra. Cheguei a pensar nesta segunda hipótese porque, dias
antes do julgamento, fui ao escritório de LMT (que estava passando uma fase
ruim, com dificuldades de pagar aluguel das salas e do telefone) para lhe
pagar US$500,00, parte dos honorários combinados (US$5.000,00 no total).
LMT, estranhamente, recusou. Comentei com ele. – “você vai me desculpar,
mas puta, pastor, padre, político, pobre, policial e procurador advogado não
rejeitam dinheiro. Alguma coisa está acontecendo...” LMT retrucou, irritado
– “se você ‘tá insinuando qualquer coisa eu não vou fazer o julgamento!”.
Como os rapazes estavam na prisão e eu queria apressar o julgamento, pois
tinha certeza que seríamos absolvidos, desculpei-me e tentei justificar o que
eu havia dito... porém, quando LMT me fez aquela advertência, em
Plenário, cheguei a mudar de opinião. LMT não só estava “comprado” como
queria fazer média com o Promotor e com o Juiz, porque ele estava se
candidatando a uma vaga no Tribunal de Alçada Criminal, pelo Quinto
Constitucional. E, por causa dessa intenção ele passava seu tempo a estudar,
descurando-se de nosso processo. No entanto o julgamento de um advogado,
de um Policial Militar e de um Investigador de Polícia iriam lhe dar a
notoriedade que ele estava precisando. Por um lado, pelo concurso, por
outro a quantidade de clientes que iria receber, mesmo que nós três
fôssemos condenados, pois o que importava era sair nos jornais (como de
fato acabou acontecendo). Nossa condenação serviria de trampolim para ele.
Minha desconfiança nele aumentou inda mais quando ele deixou
transcorrer tranqüilamente a fala do Promotor, por três horas, sem
qualquer interrupção, sem um único aparte, para perguntar, para
esclarecer ou para contrariar o que estava sendo dito pela acusação. O
Promotor usava e abusava. O Promotor aproximava-se de mim e, dedo em
riste, encostado em meu nariz, gritava – “assassino! Você é um assassino!”.
(Ora, essa atitude e essa afirmação pessoal do Promotor eram proibidas por
lei... e era uma obrigação de meu defensor de impedi-la...o que não
aconteceu... )Eu procurava afastar o rosto e olhava para LMT, que nada
fazia, nada dizia. Ele deixava o Promotor emitir sua opinião pessoal, porque
não constava nos autos que eu o fosse. Havia mera acusação de privação de
143
liberdade, não provada, cuja competência para julgar era do juiz e não dos
jurados, e outros fatos sem provas... O “defensor” deixava o recinto por
largos períodos. Quando presente, apenas observava, ora encostado na mesa
do Juiz Presidente, ora perto dos jurados, chupando um cachimbo, fazendo
pose para estudantes de direito, seus alunos e, às vezes, balançando a
cabeça, como que concordando com a acusação, verdadeira “vaquinha de
presépio”. Essa atitude, negativa para nós, réus, levou o Promotor a fazer
uma observação – “o doutor defensor não está fazendo nenhum aparte. Não
vá ele pensar que eu vou fazer o mesmo. Senhores Jurados, talvez seja uma
estratégia da defesa...”. Mas não era. A verdade era que ou LMT estava
pressionado ou não havia estudado o processo (mais tarde, após o
julgamento, ele compareceria ao Distrito para onde fui levado e, vomitando,
confessou-me que não tinha tido tempo de ler todos os volumes, só as peças
principais, como a denúncia e nossos interrogatórios...). E mais - em meu
interrogatório em plenário eu mencionei Alexandra como líder da armação
contra nós. O Promotor atacou-me fortemente – “Florivaldo é um semvergonha, sem caráter, mentiroso ! Ele vem aqui, perante Vossas Excelências,
e tenta atacar a madrasta, aquela pobre velhinha que cuidou do pai dele nos
últimos minutos de vida...” Com mais esta observação os jurados ficaram
chocados. Minha imagem estava denegrida. Os jurados foram induzidos e o
“defensor” ficou inerte. Bastava um único aparte ou a argumentação, no
tempo destinado à defesa, de que - A “POBRE VELHINHA” NÃO HAVIA
CUIDADO DE MEU PAI NOS ÚLTIMOS MINUTOS DE VIDA, não senhor . ELA
SIM, AMANHÃ MESMO, ESTARÁ SENTADA NESSE MESMO BANCO DOS RÉUS,
PARA RESPONDER PELA MORTE DO MARIDO DELA, PAI DE FLORIVALDO – e
seriam exibidos aos jurados os documentos que eu havia juntado em nosso
processo, referente ao processo dela, de nº 496/85, daquele mesmo
Tribunal... E com isso se desfaria aquela imagem pintada pelo Promotor. Os
jurados não levariam em consideração as palavras da acusação e estaria
restabelecido o princípio da verdade, a nosso favor. Os jurados poderiam
sopesar as provas - da acusação, nenhuma, enquanto que nós, na defesa,
tínhamos farta prova documental e testemunhal do complô armado e dos
álibis apresentados por nós, desde o primeiro instante, em nosso primeiro
contato com a Polícia. PORÉM LMT SE ABSTEVE DE QUALQUER ATO OU
PALAVRA. LMT queria impressionar seus alunos, os jurados e o público, a
144
ser o primeiro a usar computador, em Plenário do Júri. Mas causou má
impressão, pois não encontrava as folhas dos autos. Devido ao uso dessa
máquina, no tempo destinado à defesa, quando nosso “defensor” dizia
alguma coisa o Promotor vociferava – “é mentira! O senhor está mentindo!”
“Onde está, prove! mostre nos autos!”. E, por não encontrar os papéis certos
a argumentação da defesa se enfraquecia. O “defensor”, por negligência, ou
desídia, ou mesmo por incapacidade, não retrucava. Calava-se sobre os
apartes do Promotor e prosseguia, com o “rabo-entre-as-pernas”, e os
jurados ficavam impressionados, negativamente, não contra o
advogado/defensor, propriamente, mas sim contra nós, acusados. Com
evidência, ESTÁVAMOS INDEFESOS...
O “defensor” usou única e exclusivamente UMA PROVA – o Laudo
de Encontro de Cadáver (fato reconhecido pelo Juiz, ao proferir a sentença).
Por esse documento oficial, assinado por dois Peritos do Instituto de
Criminalística, o corpo de Ailton teria sido encontrado na
manhã do dia 30 de janeiro de 1992. Essa afirmação
contrariava frontalmente os depoimentos de Loide e de seu filho – “que os
acusados teriam pego Ailton NA NOITE DO DIA 30 DE JANEIRO”.
Ora, ninguém vai pegar e matar, à noite, alguém que já estava
morto pela manhã !!!!
E LMT encerrou sua exposição, qual toureiro, triunfante, ao dar sua
estocada final...
Nós, acusados, nos tranqüilizámos. Nossos familiares e os espectadores
presentes, a maioria, como já foi dito, formada por estudantes alunos de
LMT, respiraram aliviados. Um “OH” geral foi claramente percebido.
Parecia um “OLÉ” nas touradas...
No intervalo, muitos cumprimentos. Todos achavam que seríamos
absolvidos. Até aquele sargento J.B., que me havia agredido, veio
pessoalmente nos cumprimentar, com sorrisos e tapinhas nas costas...
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Porém algo não estava certo. Eu quis ir até o bar defronte ao Tribunal,
tomar um refrigerante, mas a escolta não permitiu.
PROVA NOVA EM PLENÁRIO
O intervalo estava demorando mais que o normal. O Promotor não
aparecia. “Não tem mais argumento”, comentavam...Mas de repente surge
ele. Reiniciados os trabalhos o Promotor exibiu um papel não autenticado,
dizendo que teria sido grampeado em uma capa interna de um dos quatorze
volumes dos autos e pediu seu desentranhamento (mas tal documento já
estava em suas mãos!?). Atendido pelo Juiz, o Promotor pediu a juntada
daquele papel aos autos, para poder exibi-lo aos jurados. O Juiz consultou o
“defensor”, que, mesmo sem verificar o papel, concordou. A lei processual
exige que qualquer documento, mesmo um recorte de jornal, deve ser
juntado até tres dias antes do julgamento, devendo a parte contrária ser
intimada para tomar conhecimento e não ser pega de surpresa. O
desatendimento, com juntada de qualquer papel, fora daquele prazo,
constitui o que se chama de PROVA NOVA EM PLENÁRIO e o Juiz não poderia
ter deferido o pedido do Promotor, nem o defensor, no caso, deveria ter
concordado, sem ao menos ter visto o teor de tal papel.
Aquela PROVA NOVA EM PLENÁRIO juntada de maneira ilegal, não
passava de mera cópia não autenticada, de Boletim de Ocorrência de
Encontro de Cadáver, a qual teria vindo da Delegacia de São Bernardo do
Campo, serviu para o Promotor insistir que se tratava de ERRO
DATILOGRÁFICO e acabar convencendo os jurados que aquele ERRO
DATILOGRÁFICO teria sido COMETIDO DUAS VEZES e que os dados corretos,
para aquele Laudo, seriam “Encontro na manhã do dia 31 de
janeiro de 1.992” (e não 30 de janeiro).
Essa simples observação, feita pelo Promotor, e que não passava de
sua OPINIÃO PESSOAL (proibida por lei) acabou sendo interpretada como
PROVA PERICIAL, produzida por ele mesmo, e contrariava o Laudo,
assinado por DOIS PERITOS.
E, com essa “prova pericial”, não refutada por nosso “defensor”, a
argumentação do Promotor prevaleceu, mudando a cabeça dos jurados...
.-.-.-.-.-.
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No Inquérito Policial sempre há uma folha sobre a Vida Pregressa
do Indiciado, com sua assinatura, pois as Informações devem ser prestadas
pessoalmente. Em meu caso, porém, a folha foi substituida por outra,
apócrifa (sem assinatura), com informações falsas.
Essa folha foi amplamente utilizada pelo Promotor, pois nela constava
que eu possuía milhões de dólares, portanto eu seria bilionário, um
verdadeiro P.C.Farias em São Paulo (P.C., ex-assessor do ex-presidente
Fernando Collor, estava sendo procurado, naqueles dias, pela Polícia Federal,
porque havia embolsado milhões de dólares). O Promotor afirmava que “rico
não vai p’ra cadeia!” e também dizia, apontando para mim – “ele pensa
porque é bilionário e os senhores jurados são pobres, andam de metrô, de
ônibus, que ele vai conseguir influenciar os senhores !”. O Promotor
acrescentava a essas afirmações – “ele pensa também que pode sair por aí
ameaçando testemunhas pobres, indefesas ...”. E concluía – “Florivaldo
precisa ser condenado para São Paulo dar exemplo para o Brasil !!!...”
Os jornais deram ampla divulgação sobre meu julgamento, mais pelo
fato de que eu era bilionário (???).
O “defensor” aceitou calado, apesar da farta prova documental, das
provas dos atos nulos, das provas dos atos forjados pela Polícia, da
existência do complô e dos depoimentos falsos, tendenciosos, de pessoas
inidôneas, hostis a nós acusados, com os quais a Promotoria queria nos
incriminar, inclusive usando de subterfúgios desleais, de sofismas e meras
ilações, de silogismos com falsas premissas. O “defensor” nada fez. E os
jurados foram induzidos em erro. E NÓS TRÊS FOMOS CONDENADOS...
por quatro a três, em alguns quesitos, e cinco a dois em outros ... NÃO
HAVIA CERTEZA, NA TOTALIDADE DOS JURADOS, POIS HAVIA
MUITAS DÚVIDAS...
O Juiz mandou que nos colocassem a sua frente, em pé, algemados,
leu um relatório, e proferiu a sentença
“o réu L. é condenado à pena de quinze anos de reclusão...” - “o réu M. é
condenado à pena de quinze anos de reclusão...”- “o réu Florivaldo, por ser
homem vivido, com experiência, com mais de sessenta anos, por ser advogado
e conhecedor das leis, é condenado à pena de vinte anos de reclusão...”.
147
Meu filho não havia dormido nem se alimentado, desde a véspera. E
nossa condenação foi-lhe um baque. Caiu desmaiado, ali mesmo, perante o
Juiz. Desesperado, tentei ajudá-lo, mas fui impedido por um policial.
Mesmo algemado e agarrado consegui debruçar-me sobre meu filho.
Peguei-lhe o queixo e bati-lhe no rosto, gritando – “filho! filho !”. Minha
mulher, na primeira fila, em pé,, gritava – “meu filho, acudam meu filho !”.
A irmã, mesma coisa – “meu irmão ! “ gritou. A namorada, a tia, enfim, a
família toda e as demais pessoas presentes sentiram a coisa, coletivamente, e
até os jurados. Um misto de pena e de remorso, por parte destes. Haviam
condenado três inocentes... Eu estava aturdido, sobressaltado, com
taquicardia. Fui arrancado dali e levado para uma cela daquela
carceragem, onde eu havia sido agredido. Os dois rapazes chegaram algum
tempo depois e foram colocados comigo. Dali cada qual seria recambiado
para seu Presídio. Quanto a mim não tinham certeza de meu destino. Para o
91º D.P. ? Seria ilegal, pois nos autos constava que não era apropriado.
Voltar para a PAD nem pensar, era opinião do Promotor, aceita pelo Juiz.
Acabaram entendendo que eu deveria ser encaminhado para o 91º D.P. e
apresentado com aquele Mandado de Prisão pela Pronúncia, pelo qual eu
deveria ficar preso, “aguardando” julgamento (outro ?)
.-.-.-.-.-.
MAIS “DOIS PESOS - DUAS MEDIDAS”
Foi-nos negado o direito de recorrermos em liberdade. No entanto,
esse mesmo direito foi concedido a outro réu, julgado no mesmo dia, no
mesmo Tribunal, em outra sala. Tratava-se de um dentista, o qual havia
matado um advogado, cortado o cadáver em pedaços, que foram colocados
em sacos plásticos e atirados no rio Tietê. Esse dentista, defendido pelo
escritório daquele advogado de "fama internacional" P.J.C.Jr., foi
condenado a quatorze anos de reclusão.
148
TRANSFERÊNCIA PERIGOSA
Fui levado para o 91º D.P. algemado, no banco traseiro de uma
viatura do 16º Distrito Policial, com dois homens. Um motorista e um
policial à paisana, membro da guarda daquele sargento gordo. Eles não
acertavam o caminho – ou não queriam acertar -. Fomos até os limites da
cidade. Chegámos à antiga estrada que liga São Paulo a Campinas. Lugar
ermo, escuro. Parámos numa pracinha deserta. “Aqui não”, disse um dos
homens... E ficamos rodando por alí, para encontrarem um lugar propício,
já que aquele não servia... (propício para quê não fiquei sabendo...) . Mas
acabaram encontrando um caminho e me entregaram ao Delegado de
Plantão, com aquele mandado. O Delegado se recusava a me receber,
porque sabia que eu já lá estivera, de lá havia saído e já havia sido julgado.
Queria Mandado de Prisão pela Sentença. O policial e o motorista disseram
ao Delegado que o Juiz lhes dissera que se houvesse dúvida por parte do
Delegado que era para ele ligar para o Tribunal. E assim foi feito. O
Delegado acabou me recebendo, ficando no aguardo de um Mandado, que
nunca foi enviado.
VENALIDADE COMPROVADA DO DEFENSOR
Meses mais tarde fiquei sabendo, por minha mulher, que, no primeiro
dia de nosso julgamento, ela foi procurada por Vera (irmã de Alexandra), a
qual compareceu para nos alertar que sua irmã e o advogado dela tinham ido
ao escritório de nosso advogado, e que voltaram dando grandes risadas.Minha
mulher lhe agradeceu e disse – agora é tarde, o julgamento já começou. E
DEU NO QUE DEU !
E PROSSEGUE MINHA SAGA
Pouco tempo depois que dei entrada no 91º D.P. apareceu o advogado
LMT. Ele foi me pedir perdão, por haver falhado. Confessou que não havia
lido o processo, devido seu interesse maior em ser indicado para Juiz do
Tacrim. Chegou a vomitar...e me garantiu que iria pedir novo Júri (direito
dado a quem é condenado por homicídio, pelo Tribunal do Juri, a vinte anos
149
ou mais de reclusão) e trabalhar bem na apelação. Nesse instante chegou
minha filha, que me levou roupas e material de higiene. Nesse Distrito eu
passava o tempo curtindo meu cantinho. Logo naqueles dias aconteceu um
fato muito estranho e interessante, isto é, surgiu um novo Delegado
Assistente no Distrito – o Dr. S., o mesmo que havia atendido, no 5º Distrito
Policial, a ocorrência de Apropriação Indébita dos documentos de meu
filho, por parte de Alexandra -. Esse Delegado também fora promovido (?)
e transferido, levando consigo um Investigador – o mesmo que havia
segurado e dado um tapa na boca de meu filho, naquele dia de “meu
interrogatório...”. Esse Delegado, volta e meia, sem qualquer motivo,
implicava comigo, e me negava, inclusive, o direito que os demais presos
tinham, a todo instante, ou seja telefonar para advogado ou para família. Os
presos diziam que podiam sair para tomarem sol, no pátio externo, uma ou
duas vezes por semana, se pagassem “um pau” ou “madeira” (propina), para
o carcereiro e para os Investigadores que os escoltavam. Mas o sol que
recebiam era sempre ao entardecer, quase noite, por isso eram todos
branquicelos. Eu contribuí, porém não pude sair, pois não estava preso não
fazia nem duas semanas..., dizia o Delegado. Na terceira semana pedi ao
Delegado Titular, D.S., que passava pelo lado de fora da cela. Fui
autorizado, por vinte a trinta minutos. Quando eu saí procurei ficar
próximo daquele Investigador que veio do 5º D.P., para evitar qualquer
mal-entendido, pois o lugar era de fácil acesso, livre por dois lados e fechado
por muros baixos que davam para uma favela. O tira chegou a comentar
comigo – “ doutor, o senhor esta muito parado. Dá uma corrida até aquele
carro” apontando um veículo distante uns trinta ou quarenta metros. Pensei
um instante e respondi – “Não, obrigado, estou bem aqui”. E acrescentei – se
eu sair correndo para lá vai dar a impressão de que estou fugindo e posso
levar um tiro pelas costas...”. O policial então, dando uma de bonzinho,
disse – “ora, doutor, se eu tivesse que atirar no senhor eu ia atirar na
perna...”. Daí então nem saí do lugar. Terminado aquele período de “sol”
retornámos para nossas celas.
UMA COINCIDÊNCIA INCRÍVEL
150
Minha mulher informou-me que nosso prédio havia sido assaltado,
incluindo nosso apartamento, de onde foram furtados objetos e valores,
tendo os meliantes deixado no corredor um aparelho de televisão, muito
grande para ser levado. Na semana seguinte dois jovens rapazes deram
entrada no 91º D.P. e ficaram no “corró”, aguardando transferência para
outro Distrito Policial. Conversando com os mesmos fiquei sabendo que eles
haviam entrado em um prédio, no bairro da Liberdade. Perguntei-lhes o
nome da rua. “Taguá”, responderam. Interessado, insisti nas perguntas,
dando a entender que eles mentiam. Para provarem que era verdade eles me
forneceram detalhes, inclusive aquele de terem deixado o televisor no
corredor. Imediatamente chamei o carcereiro, que chamou os
Investigadores. Disse-lhes que havia Boletim de Ocorrência. Os dois foram
levados a uma sala de Reconhecimento, defronte às celas e, lá dentro só se
ouviam gritos. Acabaram confessando. Dias depois minha mulher foi
chamada no 5º Distrito e recebeu alguns objetos, encontrados em mãos de
terceiros.
VIDA TENSA = TRAMAS = TRANSFERÊNCIA
Não tínhamos qualquer ocupação, a não ser ver programas de televisão,
leitura de jornais e revistas pornográficas. Cada cela tinha um ou mais
televisores, ligados em canais diferentes. Era “briga” de uma cela com a
outra, cada qual aumentando o volume do aparelho, o que era um tormento
para nossos ouvidos. Luz acesa, constantemente. Uns procuravam dormir,
outros jogavam cartas e fumavam, tornando o ambiente empesteado.
Outros batiam bola de madrugada e, antes ou depois, pedalavam uma
bicicleta ergométrica. Passei a ocupar uma cela com mais cinco pessoas
(onde caberiam somente quatro). Eu dormia em uma cama de armar, com a
cabeceira debaixo de uma mesinha, sobre a qual estavam os aparelhos de
televisão, de radio e um ventilador, ligados dia e noite. Durante o dia eu
desarmava minha “cama””. Apesar de ali se encontrarem pessoas de alto
nível – um professor universitário, mais dois advogados, um economista e
um médico – suas mentalidades eram tacanhas. Deixei o material a meu
151
lado, ao dormir. Porém, de madrugada, precisei ir ao banheiro e verifiquei
que algum deles jogou todo o material, ainda embrulhado, dentro do latão
de lixo, que seria retirado às cinco horas da manhã. Ao encontrar o material
compreendi que eles não queriam qualquer mudança, preferindo viver
como viviam... Devolvi tudo para minha família...
Naqueles mesmos dias, quando eu tomava lanche, fui chamado a uma
outra cela. Deixei um copo com soda limonada e parte do alimento, sobre a
mesinha. Ao retornar peguei o copo e bebi seu conteúdo quase de uma só
vez. Cuspi fora, mas mesmo assim engoli boa parte do líquido. Minha boca e
minha garganta ardiam. Quase não podia respirar, sufocado. Enfiei o dedo
na garganta e tentei vomitar. Bebi um montão de água. O líquido havia sido
substituído por detergente ou algo parecido. O Delegado de Plantão levoume, algemado, quase inerme, ao Pronto Socorro mais próximo, onde me
fizeram lavagem estomacal. Passei a desconfiar de todos e de tudo. Nunca
mais aceitei nada, de quem quer que fosse, a não ser de meus familiares.
Estava conosco um jovem economista, com trejeitos efeminados, de
nome C.Vicente Jr., preso por tráfico de drogas. Ele era sobrinho de um
advogado, que andava armado e com algemas (era delegado aposentado).
Certa noite o jovem ameaçou agredir um companheiro de cela – também
advogado, velho e sem forças -. Eu repreendi o jovem, com palavras. O
rapaz, porém, não aceitou minha interferência e tentou me agredir, já
partindo para a consumação. Fui mais rápido. Agarrei a cadeira onde
estava sentado, colocando-a entre mim e o agressor, como domador faz com
as feras. Não chegámos a nos tocar, devido a interferência de outros presos,
que seguraram o rapaz, mais impetuoso. Os ânimos serenaram. O ambiente,
as dimensões e a situação de cada um nos obrigava a isso. No dia seguinte
Carlinhos chamou o Dr. S. e se queixou. O Delegado cochichou algo em seu
ouvido, que depois Carlinhos nos informaria - “calma, que vou dar um jeito
nele...”. (Esse Delegado, homossexual como aquele rapaz, iria morrer logo,
vítima de AIDS). Era uma Quinta-feira. No Sábado (19/6/93) a visita seria
feita por volta das 14,00 hs. Porém, por volta das 11.00 horas, fui alertado –
“arruma suas coisas que você vai de bonde”, ou seja, que eu ia ser
transferido. Perguntei, assustado “para onde?” E a resposta foi - “Para o C
O C”. Minhas pernas tremeram... os demais presos sussurraram entre si –
152
“coitado... foi aquela bichinha...”e diziam mais alto – “agüenta firme, você sai
logo!”, enquanto outros auguravam “boa sorte!”. Peguei algumas coisas,
mais ou menos arrumadas – roupas, objetos de higiene e cópia de meu
processo – e deixei os alimentos com meus companheiros, sendo que o
restante de meus pertences seria retirado por meus familiares. Eu estava
pronto. Pedi para ligar e avisar meus familiares para não me visitarem ali.
Terminei a ligação e fui levado a uma viatura, tendo sido algemado ao
banco dianteiro, onde estava sentado o Dr. S.. Nós éramos escoltados por
uma viatura do GARRA (Grupo Armado de Repressão a Roubos e
Assaltos). Quando deixávamos a Delegacia percebi que saía de lá um carro
particular, com os pais de Carlinhos, os quais nos seguiram até o portão do
novo Presídio, onde eu seria apresentado. Queriam ter certeza de minha
transferência. Ficaram do lado de fora, enquanto as viaturas adentravam o
conjunto carcerário. Era o chamado “Centro de Observação Criminológica”,
uma prisão de segurança máxima. Enormes portões, que ribombavam
quando se fechavam. Apesar de não ter condenação definitiva, eu havia sido
mandado para lá, por motivos pessoais, que descobriria mais tarde. Eu
passei a ser um preso comum, um Presidiário, sem direitos e sem minhas
prerrogativas ou seja, eu era simplesmente mais uma das VÏTIMAS DO
SISTEMA.
Eu era
UM ADVOGADO NA PRISÃO
Iniciava-se, assim, a fase de vida penitenciária de um velho,
sexagenário, hiper-tenso, cardíaco, com visão deficiente, sem direitos e sem
prerrogativas. Em verdade tinha-os, porém m’os foram negados.
Fui recebido por uma Diretora de Plantão – L.A. – muito simpática,
o que me deixou aliviado da má impressão que estava tendo, causadas
também pelos comentários negativos que faziam a respeito daquele Presídio.
Não fui revistado. Um senhor nisei, Chefe de Plantão, levou-me até uma cela
pequena, individual, tipo solitária, num Pavilhão chamado de Raio 1, onde
havia somente um outro preso, na cela contígua, também advogado, acusado
de ser traficante de drogas Naquele “aposento” havia uma enxerga de
cimento (“jéga”, no jargão penitenciário), uma pia, um vaso sanitário,
153
envolvido por concreto, um ponto de água na parede, uma janela gradeada,
no alto (fechada com chapa dotada de pequeninos furos), três cantoneiras de
concreto, à guisa de prateleiras, uma mesinha, do mesmo material. Nada
mais. Só silencio e solidão. A pesada porta de aço fechou-se com um
estrondo. Nela pequena abertura para passagem de alimentos e por onde os
guardas podiam ver o interior. Quando eu cheguei a comida ou “boia” já
havia sido entregue, ou “paga”, por isso fiquei sem comer, uma vez que
deveria ter almoçado com minha família, quando estava ainda no 91º. Teria
que esperar pela “janta”. Algum tempo depois, antes do “jantar”, fui
chamado até a sala da Diretora Chefe, Dra. S.D., porque lá estavam minha
mulher e um de meus filhos de criação, também Marcelo (tinha-os em
número de oito, dentre aqueles tantos outros, mais de sessenta, que eu e
minha mulher havíamos ajudado a criar). Foi-nos permitido um colóquio
familiar, rápido, na sala daquele Chefe de Plantão, sr. T. Nesse primeiro
contato queixei-me que naquela cela faltavam um chuveiro e força elétrica.
A Diretora prometeu-me que iria mandar instalar o chuveiro, frio. Devido a
problemas respiratórios insisti no chuveiro quente, daí ela me prometeu que
eu poderia tomar banho quente na lavanderia. Fiquei mais tranqüilo. Voltei
para a cela (o banho quente nunca me foi liberado, nos mais de dois anos que
fiquei ‘naquele Presídio).
Como de praxe, naquele Presídio, era obrigatório um “estágio”
inicial, de trinta dias no “isolamento”, com cela totalmente fechada, ou
“tranca”, para adaptação e condicionamento do preso. Eu deveria passar
por esse estágio. Direito a sol somente depois de uma semana, por minutos.
Procurado por minha mulher LMT entrou em contato com o Juiz
Corregedor e pediu meu retorno para o 91º D.P.. O magistrado,
reconhecendo a ilegalidade de minha transferência, quis determinar minha
volta e, para tanto, solicitou informações, via fone, ao Delegado Titular D.S..
Esta autoridade teria informado ao Juiz que, dias antes, eu teria ido a sua
sala (como se eu pudesse... Era mentira, pois era difícil, quase proibido, ir até
lá) e que eu teria afirmado que, na primeira oportunidade, eu iria fugir. A
afirmação do Delegado era totalmente falsa, inverídica, tendenciosa,
criminosa, torpe e burra, feita por um homem que deveria ser conhecedor
da lei. EU nunca lhe disse nada muito menos tal infantilidade. Tudo era
tratado por seus subalternos. Conforme o assunto, era com o Del. Assistente
154
ou com o Chefe dos Investigadores ou até mesmo com o Delegado de Plantão
e, de qualquer forma, com o preso atrás das grades, sem sair da cela. Eis um
outro absurdo – EU jamais iria dizer ao Delegado meu carcereiro a respeito
de uma eventual e pretensa fuga ! E mais – em sendo eu um advogado,
jamais iria fugir, pois a fuga representaria deserção (ou desistência) do
recurso que deveria ser interposto junto ao Tribunal de Justiça, e, fugindo,
eu teria, conseqüentemente, que aceitar a pena imposta, de vinte anos. Essa
deserção implicaria também em prejuízo ao recurso dos rapazes. Aquela
informação, verdadeira burrice do Delegado, impressionou o Juiz F.G.B.. O
magistrado, por sua vez, sem qualquer qualificação para analisar o caráter
e a personalidade de alguém, pois nesse cargo não consta que exercesse
também as funções de psicólogo, psiquiatra, ou mesmo perito. E, sem nunca
ter me visto ou falado comigo– baseado apenas naquela simples informação
telefônica, sem qualquer fundamento, sem qualquer autenticidade,
manifestou seu parecer pessoal, mera apreciação de leigo, não em um Laudo
oficial, mas em simples telex, definindo-me como ELEMENTO DE ALTA
PERICULOSIDADE e negou meu retorno para o 91º DP. Era mais uma
arbitrariedade .... somente comigo, pois, sete anos mais tarde, esse mesmo
Juiz iria beneficiar um preso seu amigo e também uma outra pessoa, com
seu aval pessoal ... conforme documento judicial que me chegou às mãos,
como advogado...
.-.-.-.-.-.-.
No primeiro dia de C.O.C. , após o “jantar” (comida intragável – arroz
e feijão duros, carne moída de terceira, chamada de “boi ralado”), numa cela
sem luz, fiz um pouco de ginástica e, apesar do frio que fazia, tomei uma
“ducha”(jato de água que saía por um furo na parede) gelada. Pretendi e
comecei a dormir, na “jega” sem colchão (tinha levado apenas um cobertor).
Algum tempo depois fui acordado por gritos. Observei pela abertura e vi
um homem, de cuecas, algemado, escoltado por um grupo de homens
armados com barras de ferro e porretes. Pelo barulho pude perceber que
abriram uma porta de aço, de uma cela seguinte àquela onde estava o outro
advogado. Era chamada de “cela forte” (proibida por leis internacionais). Em
seguida só se ouviam aqueles homens gritando e proferindo palavrões,
misturados com gritos lancinantes de dor, com certeza daquele homem nu,
155
algemado. Qual seria a razão para ele estar sendo torturado, me perguntei.
E com que direito eles agiam daquela maneira. Será que seria assim com
todos ? No dia seguinte fiquei sabendo – ele havia respondido mal a um
funcionário, o que, no entender deles, guardas, era “falta grave”. Fiquei
assustado, mal impressionado. Tentei dormir, novamente, apesar do
cansaço. Mas pouco tempo depois, não sei ao certo, os guardas voltaram e
bateram na porta de minha cela. Fiquei apavorado, temendo passar por
uma “sessão” igual àquela do outro preso. Mas fiquei aliviado. Era pura
rotina de verificação de presença (quase desnecessária, porque nem mesmo
Houdini encontraria meios de sair dali) e também para saberem se o preso
estava vivo. O preso deveria responder em voz alta ou acenar com a mão,
pelo “guichê”, com cuidado, porque sua mão poderia ser atingida pelo
porrete ou mesmo agarrada, apoiada na bandeja da portinhola e torcida.
Voltei a dormir. Mas pude perceber que os guardas passavam mais vezes,
batendo as chaves nas bandejas dos “guichês", durante a noite e numa
última vez, quase às seis horas, como última conferência a ser feita, pois os
guardas não queriam e não podiam “passar” o plantão com algum preso
morto, aos guardas que entravam às seis horas, os quais começavam seu
trabalho com novas verificações (pois não acreditavam em seus colegas). Tal
sistema era para mim uma continuação do martírio iniciado no 5º D.P. –
privação de sono, de sol, de luz, de contato com familiares, dos hábitos de
higiene...
Depois de mais de uma semana de cárcere totalmente fechado, fui
autorizado a sair ao sol, por alguns minutos diários, pela manhã, em horário
incerto. Mas foi uma alegria ao receber a notícia. Saí com as mãos cobrindo
os olhos, desabituado que estava à claridade. Nessas saídas conheci Osvaldo,
meu colega da cela ao lado e outro colega, de nome Chaim, que havia
chegado no meu oitavo dia. Ambos estavam sendo processados por tráfico
de entorpecentes. Chaim, tanto por seu crime como por ser amigo do Chefe
de Plantão (aquele japonês), já pôde sair em sua primeira manhã, sem
passar pelo “castigo” da primeira semana. Como o Pavilhão estava em
reformas, devido a “quebra-quebra” promovido por dezenas de menores
infratores, que lá haviam sido colocados após rebelião na FEBEM, nós três
fomos levados para o pátio do Raio 2, ao lado, no qual eram colocados
ladrões e elementos que estavam “no seguro” (garantia de vida, pois em
156
outros presídios seriam mortos, tanto por serem considerados “alcagüetes” ou
pelos crimes que haviam praticado, como estupro, por exemplo) ou presos
vindo de outros presídios, após rebeliões. À noite eram comuns os gritos –
quero sair daqui. Quero roubar!!!
RÉUS INDEFESOS – TERGIVERSAÇÃO
Voltando ao julgamento. O advogado devia apresentar seus protestos
contra as nulidades ocorridas. E também um Protesto, pela realização de
um novo Júri, conforme preceituado no artigo 607 do Código de Processo
Penal. No entanto nosso defensor, demonstrando desinteresse e fazendo com
que continuássemos na cadeia, somente interpôs recurso de Apelação dois
meses depois (ele alegou que ficou aguardando a intimação da sentença...pelo
Diário Oficial). Uma desculpa esfarrapada, pois ele podia se dar por
intimado, mesmo antes. Essa atitude era mais ou menos parecida com o que
aconteceu, em relação ao pedido de hábeas corpus. Nosso defensor chegou a
pedir adiamento do julgamento (!!!). E, naquela Apelação, o mesmo
advogado que nos havia representado não podia invocar o argumento de
que estivéramos indefesos, porque não podia alegar sua própria torpeza, sua
desídia, sua negligência, sua complacência conivente com a acusação
(tergiversação) e até sua ignorância, seu desconhecimento dos procedimentos
processuais (apesar de “dar aulas”). E nós, os três réus, que não tivemos
defesa hábil, condigna, não tínhamos agora, na Apelação, quem realmente
nos representasse que nos defendesse. Estávamos sendo prejudicados e não
sabíamos.
Nosso recurso, depois de distribuído, ficou passeando por várias
Câmaras Criminais (da mesma forma que o pedido de hábeas corpus).
Parecia que ninguém queria apreciá-lo...
REBELIÕES NOS OUTROS PRESÍDIOS - RESULTADOS
Quando estava pelo litoral, fugindo daqueles policiais que queriam me
“derrubar”, eu havia acompanhado pela televisão, os acontecimentos
ocorridos na Casa de Detenção de São Paulo, em outubro de 1992, QUE
CULMINARAM COM A CHACINA DE 111 PRESOS (foram em maior número,
157
e fui me
acostumando com essas notícias. Fiquei sabendo, também, que toda vez que
acontecia uma rebelião de presos, em qualquer outro presídio ou Distrito
Policial, com apresentação de reivindicações de direitos ou transferências,
os rebelados eram, aparentemente, atendidos. Terminadas as mesmas os
rebelados eram transferidos para aquele C.O.C. E assim foi num daqueles
dias - houve mais uma rebelião na Casa de Detenção. E muitos presos
daquela instituição, rebelados ou não (policiais civis e policiais militares,
desligados ou não, alcagüetas e Justiceiros - matadores de ladrões (pés-depatos, na linguagem marginalizada) vieram daquela Casa para o Raio 2,
onde tomávamos sol. Aqueles elementos recém-chegados eram considerados
de alta periculosidade. E nós três iríamos conviver com eles por algum
tempo. Nós, três advogados – os dois nem sequer haviam sido ouvidos em
Juízo (e posteriormente foram absolvidos) e eu não tinha sentença definitiva,
pois ainda seria interposto recurso de apelação, negado que me fora o direito
de apelar em liberdade, ao contrário daquele dentista... – ficávamos em
promiscuidade com criminosos já condenados, muitos deles reincidentes, o
que era totalmente vedado pela lei.
Dentre aqueles transferidos havia um homem com uma sonda ligada
ao abdome, o qual caminhava tropegamente, amparado por outro, vulgo
“enfermeiro”. A sonda era continuação de tratamento de cirurgia mal feita
no Hospital da Penitenciária do Estado, devido a um ferimento causado por
haver sido ele transfixado por uma espada, ou seja uma arma improvisada
pelos detentos, com uma barra ou lâmina de ferro comprido, esfregado no
cimento até adquirir corte e ponta. Aquela espada fora utilizada por um
inimigo, num conflito entre os presos de diferentes andares. O preso ferido,
vulgo Dedé, tido como justiceiro, carregava uma fôrma grande, tipo
bandejão, servindo café, quando outro preso, seu desafeto, inopinadamente
atravessou-lhe o abdome com a tal espada, numa estocada só, e tentou fugir.
Mesmo ferido Dedé acertou seu agressor com a bandeja, derrubando-o ao
chão. Retirou de seu próprio corpo a espada e com ela atacou aquele que o
havia ferido. Pelo menos assim foram descritas as cenas, por seus colegas,
que prontamente correram em seu auxílio. Imediatamente após esse
incidente generalizou-se o conflito, com armas variadas - facas, estoques e
espadas, surgidas em todas as mãos.
conforme se soube, posteriormente, por intermédio de outros presos)
158
Em razão disso os justiceiros precisaram ser removidos. E com eles
todos os demais, que estavam no seguro.
Antes mesmo de saber quem era Dedé , como e porque havia sido ferido,
tive pena dele. Ele estava lívido, esquálido, combalido. Ofereci-lhe um prato
de leite com aveia e mel, vindos de minha casa. O homem, meio relutante
(não é hábito, na cadeia, ser gentil ou oferecer alguma coisa) acabou
aceitando. Ficou grato. Convidou-me a sentar em uma banqueta, a seu lado.
Ordenou ao enfermeiro que desse um assobio. Todos os demais presos, que
haviam vindo com ele, olharam em sua direção. Dedé colocou sua mão
esquerda em meu ombro direito e sua mão direita sobre seu coração. Foi um
gesto rápido. Perguntei-lhe a razão daquilo e o que significava. De hoje em
diante o senhor é nosso amigo, nosso irmão, nenhum de nós irá lhe fazer mal.
Se precisar de nós é só chamar. Fiquei comovido com aquela forma de
agradecimento. Agradeci, também. Eu não esperava, jamais, receber tal
distinção. Dedé era verdadeiramente um líder, respeitado e temido, não só
pelos demais presos como até pelos guardas.
Um mês se passou. Nós três fomos transferidos para o Raio 4,
exclusivo para ex-agentes penitenciários (a maioria presa por tráfico...), expoliciais e alguns presos que estavam no seguro (até dos demais, que também
estavam em situação idêntica, mas eram de grupos diferentes). Fomos
colocados em ala separada do restante do prédio. Em duas celas, uma para
mim e outra para os dois, Chaim dormindo no chão. Já podíamos deixar as
celas, durante o dia, mas o sol não nos alcançava, por isso precisávamos
descer até o pátio, onde, obviamente, ficávamos no meio de todos,
condenados e reincidentes...
CONSTRANGIMENTO COLETIVO
Uma vez, enquanto eu estava no Raio 1, do andar em que me
encontrava, observei os presos serem obrigados a sentarem no chão do
pátio, com as mãos nas nucas. Enquanto estavam naquelas posições, eram
vigiados por vários policiais militares, postados nas muralhas, com seus
fuzis apontados para os presos. Era uma espécie de audiência com o Diretor,
que se fazia acompanhar dos Diretores Penais e de Disciplina, e do Chefe de
159
Plantão, escoltados por uns vinte guardas, todos armados com porretes de
madeira e barras de ferro. Um preso, quando queria se dirigir ao Diretor,
precisava levantar a mão, pedir licença para falar, e só então podia se
dirigir ao Diretor, para fazer alguma queixa ou reclamação, ou mesmo uma
reivindicação. Segundo comentários, quem se queixava ou pedia algo, ia de
bonde , isto é, era transferido para onde nunca se sabia...
Outras duas vezes aconteceram iguais procedimentos, agora no Raio
4, com uma diferença – também eu estava entre os presos. Porém ninguém
se queixava de nada, nem fazia qualquer reivindicação, porque, em sua
maioria ex-guardas de presídio, sabiam muito bem o que lhes poderia
acontecer...
MINHAS VISITAS
Os dois advogados e mais quatro ou cinco presos de outros Raios
recebiam visitas em um salão e não nos pátios, como os demais. Comecei a
receber minhas visitas, aos domingos, nesse salão. s. As comidas eram
"provadas" pelos guardas, que metiam seus talheres em todos os alimentos.
O dinheiro era proibido, sendo substituído por cigarros, de boas marcas ou
inferiores. Cada coisa tinha um valor - um bife um maço de Hollywood -.
Um litro de leite, idem. Havia coisas que custavam dez, vinte ou mais maços.
Eu não fumava, mas recebia pacotes de cigarros, de cujos maços os guardas
tiravam alguns, para "testes". Com eles eu podia "comprar" alguma coisa,
como mandar bilhetes para fora, selos, comida, etc. Mas essa minha regalia
duraria pouco tempo. Os dois advogados foram absolvidos. Antes que o
pessoal soubesse, o advogado Osvaldo arranjou uma encrenca com um dos
guardas, um tal de Zé Luis. Osvaldo recusou-se a voltar para a cela mais
cedo que o costume, como o guarda exgia (para poder ficar sem
trabalhar...).Nós três fomos levados até a sala da Chefia, onde recebemos
ameaças, inclusive sendo apontados para nós os cacetes e as barras de ferro
que usavam nos presos. Osvaldo explicou que havia sido absolvido e nada
lhe fizeram. Chaim acabou indo embora logo. Fiquei só. Zé Luis passou a
descarregar sua bronca em cima de mim. Fui proibido de receber minhas
visitas como vinha acontecendo, pois dava muito trabalho para os guardas,
que precisavam caminhar mais (aproximadamente cinqüenta metros)me
escoltando, sendo que um deles precisava ficar me observando durante o
160
tempo que durasse a visita. As visitas tinham que ser revistadas em
situações humilhantes e vexatória. Porém, mesmo assim, diziam que muitas
mulheres conseguiam levar coisas proibidas (na verdade eram os próprios
guardas que as levavam...). Passei a receber meus familiares no pátio, junto
com os outros presos, porém sem mesa e bancos. Eu nada podia fazer ou
dizer. Qualquer queixa iria criar uma situação desagradável com os presos.
Eu me encostava aqui e ali, nas mesas alheias, dependendo de meu
relacionamento com o preso, dono da mesa. Cediam lugar para minha
mulher e minha filha, aqueles que precisavam de mim, por um motivo ou
outro – por ser advogado ou por receber iguarias e guloseimas que não
tinham condições de receber. Era uma cessão por puro interesse, muito
comum nas cadeias. Tudo tinha seu preço. Com os presos e com os guardas.
Destes, alguns iam conhecer meu restaurante, e levavam a família. Minha
mulher os reconhecia e, obviamente, não lhes cobrava. Eles gostavam e
voltavam. Alguns até recebiam a passagem de volta. Para outros guardas eu
cheguei a fazer muitas petições, em favor de presos, seus parentes.
ADVOCACIA ...NA CADEIA
Nos primeiros dias no 4º Raio, às vezes eu deixava a ala em que me
encontrava e ia até o Raio da Administração, para conversar com as
advogadas. Eu transitava livremente, porque os guardas ainda não me
conheciam e pensavam que eu era funcionário novo, vindo de outros
Presídios e também porque eu usava barba e bigode. Até que um dia um
guarda viu quando eu deixava a sala das advogadas, despedindo-me com
bastante humildade. Esse guarda perguntou-me quem eu era e, tão logo lhe
respondi, deu-me uma ombrada (bater com seu ombro em minhas costas) e
mandou que eu tirasse a barba.
Mesmo sem a barba continuei a passar pelas gaiolas, indo até os
outros Raios, para conversar com os presos. Um deles, apelidado de Chico,
nordestino inculto, mas muito educado, e fiquei sabendo, já estava preso
fazia cinco anos e sete meses, cumprindo uma condenação de cinco anos e
quatro meses. Estranhei e fiz alguns comentários. Ele me disse que a
Diretora sempre lhe dizia que ele iria sair logo, e que ela estava
providenciando. Porém, pelo fato de ele trabalhar como garçon, servindo a
161
Diretoria, o tempo ia passando, e sua pena já havia sido ultrapassada. Como
me havia sido proibido de fazer qualquer trabalho, como advogado,
rabisquei em uma folha de papel um pedido para ele copiar e mandar, por
meio de sua família, ao Juiz das Execuções. E menos de dois meses ele foi
colocado em liberdade. Foi ele que me contou que, quando um preso tinha
bronca dos Diretores e funcionários, costumava escarrar em seus bifes ou
qualquer outro alimento. Como a ele, eu ajudaria mais de trinta presos, no
COC (e a outro tanto, mais tarde, no Presídio Romão Gomes)
MAIS ADVOGADOS QUE SE INSINUAM
Nosso “defensor”ainda não havia tomado qualquer providência
para nos tirar daquela situação, muito menos havia interposto o recurso de
apelação. Sabedores disso mais um casal de advogados, ele, M.O.N.,
conhecido como grande professor, tanto em cursinhos para exame da
Ordem dos Advogados, como em faculdades de Direito, compareceram
espontaneamente no Presídio e me requisitaram, como fossem meus
advogados. A conversa teve como tema principal aquele recurso, o qual,
segundo eles, ainda não fôra apresentado, e diziam que nosso “defensor”não
saberia fazer a sustentação oral, na Instância Superior, o que, com certeza,
os dois fariam melhor -. Bastava que eu autorizasse minha mulher a efetuar
o pagamento de apenas cinco mil dólares. Como eu não dispusesse dessa
quantia bem como certamente minha mulher também, e por causa daquela
atitude anti-ética, recusei tal oferta. Reduziram para três mil dólares.
Desvencilhei-me dos dois, sem atender suas pretensões. E eu (e os rapazes)
continuaríamos presos...
MEU PRIMEIRO DENTE...A CAIR
Um dia, quando eu estava no pátio, alguns presos batiam bola, antes
de iniciarem uma partida. Um deles chamou-me para conversar, e ofereceume um lugar junto à grade da gaiola. Sem entender que estava havendo
maldade, da parte dele, sentei-me, para ouvir o que ele queria. De repente
162
ele levantou-se e...no mesmo instante levei uma bolada, de um chute
desferido por um tal de Biro, ex-guarda e excelente jogador. O chute havia
sido de propósito, preparado, porque Biro estava treinado a atingir aquele
ponto onde estava minha cabeça. Foi uma risada geral.. Ao bater a bola em
minha testa, instintivamente levei a mão, com, força, como que para evitar a
pancada, ou qualquer coisa assim, e bati com o dorso de minha própria
mão, bem na minha boca, quebrando metade de meu dente incisivo
esquerdo. Tempos depois esse dente iria acabar caindo, como outros.
.-.-.-.
UM JUDEU LADRÃO - NA PRISÃO
Havia um preso de nome judeu. LSM era seu nome, mas era
simplesmente chamado de Michel. Chegou até a grade intermediária e me
perguntou se eu falava inglês. Sim, respondi. E começámos a conversar.
Pensei que ele ia me dar umas orientações, alguma ajuda. Mas a verdade
era outra. Ele queria pedir, pedir e pedir. Era um desvalido da sorte e da
família. Um de seus irmãos, ao invés de levar-lhe alimentos, ia visitá-lo e
comia da comida do Presídio, que era melhor, nos dias de visita. Ele falava
inglês porque havia ficado preso por onze anos em uma cidade americana.
Ele, brasileiro, era um ladrão internacional. Dizia que tinha família na
América, mas tinha também um irmão advogado, em São Paulo, que não o
visitava, por vergonha. Ele estava preso por causa de um assalto a mão
armada, feito contra um casal, no bairro de Pinheiros. Havia mais de um
crime, cujas penas chegavam a mais de vinte anos, e ele estava cumprindo
fazia pouco tempo. Para amenizar sua situação e para angariar favores
junto à Diretora, ele insinuava-se junto aos presos, para saber fatos e depois
levá-los a conhecimento dela, nas entrevistas freqüentes com a mesma pois
ele tinha a desculpa de que ele traduzia livros para a Diretoria. Ele era um
"cagüeta". E descobri, mais tarde, que ele tinha um irmão advogado e
ambos eram muito "amigos" daquele Juiz que me prejudicara com aquele
"parecer". Só não fiquei sabendo, com certeza, se aquela "amizade" era
resultante de drogas ou sexo.
163
DIA DOS PAIS
Na semana dos pais, em agosto daquele ano, fui chamado por um
guarda e levado até uma salinha chamada Parlatório, reservada para
advogados que visitavam seus clientes. Esperava encontrar um colega,
quando, de repente, tive uma visão que me assustou - um rapaz bem vestido,
sorridente, surgiu à porta. Era meu filho ! Havia sido concertado entre os
diretores de nossos presídios e ele foi autorizado a me visitar. Era uma das
poucas atitudes de consideração que eu havia recebido até então. Dei um
pulo de alegria e, chorando, fui a seu encontro. Era muita alegria, muita
felicidade. Dei-lhe um grande e apertado abraço, sempre chorando e rindo...
Ficámos ali conversando por largo tempo, sob vigilância... Despedimo-nos
com mais um longo e apertado abraço. Com esse encontro encontrei forças
para suportar e viver mais algum tempo.
MAIS UM JUDEU NA PRISÃO
Coisa rara na prisão é encontrar um judeu preso. No entanto havia
outra exceção, além de Michel. Havia outro, aquele tal de Simcka, que
conheci no 91º DP e que se dizia advogado, também estava ali, porém no
Raio 4, junto com os presos comuns, porque não o era. Mas ele fazia alguns
trabalhos para os presos, como se realmente o fosse, e cobrava. Com minha
chegada, passei a ajudá-los, também, porém gratuitamente. Isso gerou
maior inimizade de Simcka contra mim.
DIA DAS CRIANÇAS
Como meu hobby era marcenaria, eu costumava, aos sábados,
fabricar brinquedos para filhos de fregueses de meu restaurante e alguns
móveis para meu Pensionato. Para isso eu utilizava diversas máquinas, em
minha oficina, instalada na garagem de meu prédio. Eu tinha ferramentas
de todos os tipos, herdadas de meu avô paterno, carpinteiro, de meu avô
materno, marceneiro, de meu pai e de meu sogro. Entre máquinas e
164
ferramentas, totalizavam, mais de quatrocentas peças, desde brocas até
maquinaria pesada.
Aproximava-se o Dia das Crianças, e como eu havia deixado quase
uma centena de cavalinhos prestes a serem montados, pedi à Diretoria para
receber aqueles brinquedos, que poderiam ser montados pelos presos.
Devidamente autorizado, pedi para minha família que m’os trouxesse, duas
semanas antes do Dia. Elas aproveitaram a quarta-feira, dia da entrega do
jumbo ou pacotes de alimentos, para fazerem aquela entrega. Meu pedido
incluía não só a madeira, já cortada, mas também ferramentas, rodízios,
parafusos, couro, tintas e verniz. Escolhi uns seis ou sete presos, que
passaram a me ajudar. Assim, nós podíamos deixar as celas e fazíamos algo
de útil, para alegrar seus próprios filhos. Além, desses brinquedos, minha
filha levou balões, apitos, linguas-de-sogra e alguns quilos de balas. No
domingo, Dia das Crianças, foi uma alegria geral. Até crianças de outros
Raios receberam o que havíamos levado. Isso nos alegrava muito.
Ficávamos felizes por estarmos contribuindo com a alegria de muitas
criança. E, ao mesmo tempo, eu passei a ser mais respeitado, não só pelos
presos, mas também elos funcionários e até pelas Diretoria. Pelo menos eu
podia,viver em paz, sem receios.
TRAFICANTES INTERNACIONAIS
Naqueles dias chegaram quatro rapazes americanos, presos por
tráfico de cocaína - Julio G., filho de hondurenhos, Guy P., Brendan C. e
Sebastian C., filho de argentinos. Moravam na Califórnia, e Guy, o mais
jovem, menor de 21 anos, já tinha sido preso na América. Foram colocados
na ala comum, dois em cada cela. Procurei ajudá-los. Jogávamos xadrez em
minha cela, com a porta aberta, sempre observados pelos guardas, e
conversávamos em inglês. Michel também passou a conviver com os quatro.
Ficava ele a maior parte do tempo com Julio. Era proibido ficarem dois ou
mais presos em uma só cela, porém, pelo fato de não falarem português,
Michel podia adentrar suas celas. Certo dia pedi ao guarda para ir até a cela
de dois deles. Quando abri a porta fiquei surpreso - surpreendi Michel em
situação comprometedora, em pé, atrás da porta de aço. Julio estava por
detrás dele. Ambos com as calças abaixadas. Sai imediatamente. Dali em
165
diante Michel tornou-se meu "inimigo", temendo que eu pudesse divulgar o
fato. Michel e Simcka se juntaram e passaram a me hostilizar, com
caguetagens de coisas que eu não fazia nem devia. Era uma forma de se
protegerem.
ÓDIOS INCONTIDOS
Os presos, em geral, quando são condenados, não guardam rancor
contra o Promotor, que nem sabem que seja, nem contra o juiz que os
condena. Mas odeiam seus próprios advogados, dizendo que se venderam,
que trabalharam mal. Dizem, com freqüência - "quando eu sair vou matar
aquele filho da puta" e outras expressões mais pesadas. Fiquei sabendo que
muitas dessas ameaças haviam sido cumpridas seus autores voltaram, cheios
de vanglória. Com a animosidade de Simcka, fortalecido por
Michel,
ambos jogavam ou tentavam jogar a ira dos presos contra mim. Diziam a
boca miúda que a cadeia estava pequena para mim, isto é, eu não tinha para
onde correr, em caso de algum ataque. Mas meu comportamento, minhas
atitudes e minhas argumentações foram convencendo os presos de que a
culpa de suas condenações não se devia aos advogados, mas sim do próprio
sistema. Isto é, se eles realmente nada devessem à sociedade. Se eles tivessem
culpa ou responsabilidade pelos atos que se lhes imputavam, então sim,
poderia ser talvez por negligência ou desídia ou mesmo por ignorância do
defensor. E eu explicava meu caso, o que ajudava a aceitarem seus destinos.
Eu os demovia daquelas idéias. Mesmo estando preso e sem ter recebido
qualquer ajuda de meus colegas eu os defendia. E o fazia sem esperar
agradecimento ou paga. Eu agia dessa maneira porque eu sabia que era o
caminho correto, talvez até como se eu estivesse na prisão para cumprir
uma missão, ou fazia parte dela. Mesmo assim alguns presos ainda ficaram
solidários com Michel e Simcka contra mim (eu viria saber que Michel
também "atendia" alguns deles ... em troca de favores, pois assim conseguira
sobreviver aqueles onze anos nas prisões da América)
NOVAMENTE ISOLADO
166
Novamente fiquei só. Os dois advogados foram absolvidos. Para
ambos a instrução, julgamento e a sentença, não chegou a três meses.
Ficaram presos menos de cem dias. No dia em que retornou do Fórum, já
absolvido, Osvaldo criou encrenca com um guarda, um tal de Zé Luis. No
fim da tarde Osvaldo recusou-se a entrar na cela, pois era mais cedo que o
horário de costume (os guardas agiam assim, trancando os presos antes de se
encerrar o horário de "sol" para poderem ficar mais à vontade, sem
trabalhar...). Fomos levados à Sala da Chefia, onde recebemos ameaças (num
canto, havia grande quantidade de porretes de madeira e bastões de aço, que
eram empregados pelos guardas, para "amansarem" os mais impetuosos e
também para "recepcionarem "os recém-chegados, que vinham das
"rebeliões"). Fomos separados, para atendimento individual. Novas
ameaças. Chaim ficou apenas mais uns dias. Fiquei só. Zé Luiz transferiu a
bronca que tinha de Osvaldo para mim. Mudaram meu local de visitas,
porque dava muito trabalho para os guardas e passei a ficar no mesmo pátio
que os outros, com a diferença de que todos tinham direito a uma mesa e
bancos, menos eu. As visitas eram maltratadas. Se, por acaso, algum
familiar de preso reclamasse de alguém ou de alguma coisa, feita pelos
guardas, lá vinha represália, castigo. Todos éramos obrigados a aceitar, a
engolir sapos.
Eu me encostava ora aqui ora ali, nas mesas alheias, dependendo do
relacionamento com o preso dono da mesa e era cedido um espaço para
minha mulher, por aqueles que precisavam de mim, fosse como advogado
fosse como possuidor de iguarias e guloseimas, que eles não tinham
condições de comprar. Era uma cessão muito comum nas cadeias. Mas era
uma cessão por interesse.
UM SUICÍDIO NA CADEIA
Quando eu era ginasial, no interior de São Paulo, eu me oferecia
para pequenos serviços de faxina na Cadeia Pública e para compras para os
presos, dentre os quais um filho de uma vizinha, preso por roubo no
armazém de nossa rua. Ele fazia trabalhos manuais com canetas, usando
linhas coloridas e inscrevendo nomes de pessoas e frases alegres. Meu
167
intuito era poder assistir os julgamentos do Júri, vedados a menores, mas
naqueles dias os policiais permitiam que eu permanecesse do lado de fora ou
atrás da porta, para ouvir aqueles monstros sagrados das tribunas. Num
daqueles dias aquele rapaz apareceu morto, pendurado em uma corda
(quem a levou não se sabe), amarrada nas grades de uma janela lá no alto.
Disseram que foi suicídio, mas os policiais fardado riam às gargalhadas
quando comentavam o fato. Dava para desconfiar...porque se precisava de
uma escada para se colocar uma corda lá...
MAIS UM SUICÍDIO NA CADEIA
Uma notícia chegou a nosso conhecimento, quando estávamos fora
daquele 91º DP. Ela nos dava conta de que um preso, parece que era
engenheiro, de origem nipônica, havia subido na grade da cela chamada
"corró", pendurando-se nela por uma corda (ora, ora, como essas cordas
aparecem dentro das cadeias ??...)
MAIS OUTRO SUICÍDIO NA CADEIA
No dia 31 de agosto, no Presídio onde eu me encontrava, aconteceu o
mesmo, porém o preso estava com a cabeça presa a uma tira de cobertor,
amarrada a uma torneira colocada a menos de trinta centímetros do chão
(?!). Comentários dos guardas esclareciam que o rapaz deitou-se ao longo,
apoiou-se nos pés, levantando o corpo e fazendo pressão, com seu peso, em
seu próprio pescoço...(mas o Presídio todo sabia quais os guardas que haviam
colocado o “peso”...)
O local era naquela cela-forte (onde, em meu
primeiro dia, foi colocado um preso...) onde se era colocado apenas de cuecas,
sem mais nada. Segundo mais comentários, o falecido apresentava sinais de
hematomas por todo o corpo, produzidos, segundo os guardas, porque ele se
debateu muito, antes de morrer...
QUASE CASTIGADO
Nos dias seguintes eu soube que dois presos haviam chegado do 91º
DP. e foram, como aconteceu comigo, colocados no Raio 1. Procurei entrar
em contato com eles, por meio de um bilhetinho dentro de um canudinho de
168
tomar refrigerante. Porém os guardas pensaram que eu estava
bisbilhotando sobre aquele suicídio e fui chamado à Chefia. Quase fui
castigado e o castigo seria ir p'ra lá (na mesma cela-forte, nu, sem cobertas
etc.). Jurei que não era minha intenção saber de nada, só queria rever
aqueles presos, recém chegados. Recebi advertência... Passei a viver
assustado, temeroso, esperando receber algum tipo de agressão, tanto por
parte dos presos, a serviço dos guardas, como destes mesmos, que eram mais
temidos. Zé Luiz vivia exalando cheiro de álcool. E demonstrava não gostar
de mim. Aproximava-se, dando empurrões nas costas ou ombradas em
minhas costas. Ele portava um bastão de ferro, quando ia bater as grades,
isto é, verificar, pelo som, se alguma delas havia sido serrada. E ele me
encostava o bastão, como se fosse me bater. Quando eu descia para o pátio e
dele me acercava, para solicitar alguma coisa ou para atender a seu
chamado, eu - e somente eu dentre todos - era obrigado a manter uma
distância de 2 a 3 metros, da mesa do Zelador do Raio, com as mãos para
trás, de cabeça baixa e não podia olhar diretamente para o ele, pois isso era
considerado afronta e ameaça. E o tratamento tinha que ser "sêo Zé Luis", o
senhor etc. Em relação aos outros presos Zé Luiz era pouco ou quase nada
exigente. Eu temia Zé Luis porque ele era muito violento. Certo dia, em que
o páteo estava quase vazio, eu havia visto quando ele trouxe um preso de sua
cela, seguro pelos cabelos, forçando pela sua nuca, para que o mesmo se
encurvasse para a frente. Nessa posição Zé Luiz facilitou ao outro guarda
que se aproximasse do preso e lhe aplicasse violento chute na boca. O preso
caiu para a frente, batendo no chão. Estava desmaiado. Zé Luiz e o outro
guarda o agarraram, levantando-o, para ser levado de volta à cela. No chão
ficou uma poça de sangue do preso, que chegou a perder dentes. Ninguém
disse nada. Ninguém foi punido. Vim a saber, depois, a razão daquele ato
violento – tinha acontecido uma rebelião na Casa de Detenção, e alguns
guardas foram tomados como reféns, sendo que um deles foi violentado
sexualmente pelos presos – justamente aquele guarda que desferiu o ponta-pé
naquele que tinha sido um dos violentadores.
Certo dia tentei aproximar-me de Zé Luiz, que estava liderando uma
conversa com alguns presos (ex-policiais militares e agentes penitenciários,
como ele). Eu ia pedir permissão para ir até a sala da Chefia ou da Inclusão.
169
Zé Luis ficou irritado com minha intromissão . Ele me ordenou - espera aí,
na parede ! -. Encostei-me na parede, junto à grade de saída. Não, de costas
não, de frente para a parede !. ordenou ele. E mãos para trás !. Obedeci,
virando-me. Mais perto, encosta o nariz ! Como eu já havia presenciado Zé
Luiz dar bastonadas de ferro em alguns presos, obedeci, apesar da
humilhação. Os presos riam. Continuaram a conversa, só ele falava, os
outros ouviam e riam de tudo que ele estava contando... Passava o tempo.
Nervoso, pedi - sêo Zé Luis, posso ir até o banheiro?. Não, espera mais um
pouco !, retorquiu o guarda. O tempo ia passando. Nada de autorização
para ir à Chefia nem para ir ao banheiro. Mais um pedido, agora com
insistência - Sêo Zé Luiz, preciso ir ao banheiro ! Ele perguntou - é p'ra mijar
ou p'ra cagar ? Respondi - p'ra urinar. É urgente ! Zé Luiz foi mais incisivo mija nas calças ! Não agüentei - molhei as calças, ali mesmo, e chorei. Os
presos acharam mais graça e caíram nas gargalhadas. Porém o fizeram não
em solidariedade a Zé Luiz, mas por temê-lo. Deviam-lhe subserviência,
mais por uma questão de sobrevivência. Depois, quando Zé Luiz não estava
por perto, davam-me apoio, com palavras amigáveis e criticavam Zé Luiz.
Aprendi a não confiar nem nos presos nem nos guardas (ai do homem que
confia no homem, diz a Bíblia...)
Passei a esquivar-me de todos e de tudo, fosse o que fosse. Era o
que o sistema impunha. O preso passa a temer seu próprio semelhante,
torna-se assustado, revoltado. Ninguém confia em ninguém. Se um preso é
visto com freqüência junto aos guardas. ou mesmo apenas um deles, é tido
pelos demais como baba-ovo ou puxa-saco, bajulador e, obviamente, é
considerado um "cagüeta". E tal pensamento era o mesmo dos guardas, em
relação ao preso, pois esse tipo tanto pode delatar um companheiro como
até o próprio guarda. E existe um grande paradoxo nesse tipo de amizade - o
guarda, que se faz de amigo, é o primeiro a descer o pau no "cagüeta" por
qualquer falha, mas o cara parece que gosta de apanhar...
Eu procurava seguir as regras dos presos. Como os demais,
procurava viver minha vida, tirar minha cadeia em paz, mais no interior de
minha cela que no pátio, onde surgiam mais encrencas. Passava meu tempo
lendo os livros que me caíam às mãos, fossem da Seicho-no-iê, fossem
170
outros, mas comecei a demonstrar mais interesse na Bíblia. Tinha mais
consistência, mais profundidade. Eu fazia minhas meditações, minhas
orações, procurando paz interior, para viver em paz com meus
circunstantes. Encontrei até discípulos, dentre os quais se destacava um
rapaz, condenado a mais de vinte e cinco anos de prisão. Sidnei era seu
nome. Ele acabou demonstrando, tanto por seu comportamento como pelas
palavras e pensamentos que expunha, que não era culpado do crime que lhe
haviam imputado. Ele havia sido vítima de tentativa de assalto, foi ferido no
pé, por dois meliantes que fugiram. Procurou auxílio da PM, à qual ele
pertencia. Foi levado ao Hospital Militar. O Tenente que o levou ficou
sabendo, mais tarde, que dois elementos haviam praticado um assalto a dois
casais dentro de dois carros e que teriam matado um dos rapazes, Cabo da
PM, porque havia reagido ao assalto. Os ladrões fugiram correndo, a pé. O
Tenente pensou que Sidnei era um dos assaltantes e o prendeu. A arma de
Sidnei era de diferente calibre daquela que havia matado o Cabo, mas o
oficial não quis nem saber. As moças descreviam os assaltantes como
"baixinho" e "claro", com certas e determinadas indumentárias. Sidnei era
alto, quase negro, com roupas bem diversas daquelas descritas. Na
Delegacia Sidnei não foi reconhecido, porém mais tarde, meses depois, as
mesmas pessoas o identificaram (?!)... e ele foi condenado. Sidnei casou-se na
prisão, com bolo e tudo.Fui seu “padrinho” e cheguei a usar meus dotes de
tenor (eu era um dos membros iniciais do Coral Acadêmico XI de
agosto).Fizemos um pedido de revisão, com mais provas a seu favor. O
Tribunal, como na grande maioria dos casos, nem sequer conheceu do
recurso. Era mais uma VÍTIMA DO SISTEMA.
DOIS PESOS DUAS MEDIDAS
Seqüestro - morte sem condições de defesa - ocultação
Na ala dos presos chamados de comuns havia um rapaz chamado
Rômulo. Ele, agente penitenciário (guarda) e seu cunhado, soldado da PM,
este vítima de roubo em sua residência, haviam sido julgados por haverem
seqüestrado um suspeito do roubo. Teriam levado o ladrão, algemado, até
um lugar distante, no mato, com um rio, no qual davam caldos no suspeito,
171
para conseguirem uma confissão. Não obtiveram êxito. Para não serem
delatados, o ladrão acabou sendo morto por asfixia, com uso de uma
cordinha. Após a morte não conseguiam encontrar a chave para tirarem as
algemas do morto. Então as mãos do ladrão foram cortadas, para que
conseguissem seu intento.
E A JUSTIÇA ? bem...a Justiça absolveu o soldado e condenou o civil
a uma pena de 14 anos, apenas pela morte, sem considerar qualquer
qualificadora nem a ocultação ...
.-.-.-.-.
MÉDICOS QUE NÃO SALVAM - PUNEM
Nos primeiros dias, para me alimentar com produtos macrobióticos,
secos, eu tentava obter um pouco de leite (eu não sabia que podia
"comprar"). Eu não fumava, não tinha o dinheiro da cadeia. Outros presos,
porém, recebiam o alimento líquido diretamente da cozinha. Eu descobri
um dos canais - o médico do Presídio - Dr. MPLL- , que ia umas poucas
vezes, passava uma ordem. Procurei a enfermaria e expliquei ao doutor
minha situação, minhas necessidades, tendo alegado, inclusive, que havia
dado positivo em um teste de Mantú (tuberculose) a que eu havia sido
submetido. O médico exigiu o comprovante. Está no meu processo, respondi.
Então manda sua família ou seu advogado conseguirem, disse ele. Não é
possível, doutor, porque está no Tribunal, com a apelação. O médico, irritado,
insistiu - também sou advogado e sei que é possível ! Continuei - se o senhor é
advogado deve saber que se eu pedir vai atrasar o julgamento. O médico
continuou, mais irritado - só dou o leite com o comprovante !. Retirei-me,
sem a autorização.
Dias depois insisti no pedido, sem o documento. Eu não conseguia
comer a comida do Presídio. Muito embora entrassem caixas e mais caixas
de frutas importadas, como melão espanhol, cerejas do Chile, maçãs e pêras
argentinas e outros produtos, como queijo fundido, doces variados, nenhum
172
dos presos - salvo os que trabalhavam na cozinha - sequer via a cara de tais
alimentos e guloseimas, os quais, segundo comentários, eram desviados para
mercados ligados aos funcionários... Como uma espécie de vingança os
cozinheiros e seus ajudantes, que só viam e não podiam provar, escarravam
nos bifes e em outros alimentos, que eram destinados à Diretoria e
funcionários (conforme me disse um dos presos que ajudei...).
O médico continuava me negando o direito de receber o leite.
Encaminhei uma carta para a Diretora, queixando-me e tentando receber o
leite. A Diretora determinou ao médico as providências. Este encaminhoume para o Hospital do Mandaqui, para tirar radiografia dos pulmões. Fui
levado no chiqueirinho de uma viatura (existia Decreto Federal proibindo tal
tipo de transporte...) sob fortíssima escolta - uma guarnição comandada por
um Tenente, outras, com um sargento, soldados, em duas viaturas, mais
uma outra, na porta do Hospital, aguardando nossa chegada (tudo por causa
daquela famigerada observação feita por aquele juiz, de que eu era de alta
periculosidade...quando na verdade eu mal me mantinha em pé, devido à
fraqueza...) Eu parecia o Inimigo Público Nº 1. Sirenes abertas... Chegámos
ao Hospital... O Tenente, com uma das mãos, segurava minhas algemas,
mãos nas costas, levantando-as, enquanto que com a outra mão empurrava
meu ombro. Entrámos nas dependências do Hospital, passámos por uma ala
de soldados, com metralhadoras, e por sentinelas em cada canto, enquanto
que dois ou três iam à frente, abrindo alas. Nem para tirar a radiografia
tiraram minhas algemas. Voltámos para o C.O.C.
Tempos mais tarde, com a chegada do resultado do exame, o médico
disse que não se constatou tuberculose nos pulmões. Chamou-me para
tomar ciência do despacho da Diretora, negando-me o leite. Como
persistissem os sintomas de tosse asmática, falta de ar e fraqueza, iniciei
meu Termo de "ciência" da seguinte maneira - "Inobstante ... persistem os
sintomas..." e reiterei meu pedido para receber leite. O médico leu. Deu um
murro na mesa e gritou - "não era p'ra escrever nada, só tomar ciência !" e,
irritadíssimo, mandou que eu saísse de sua sala.
MÉDICO QUE PUNE
173
Os presos que não trabalhavam para o Presídio eram obrigados a
ficarem dentro das celas, desde as 17,00 hs até as 08,00 do dia seguinte,
quando eram abertas para saída para o "sol", até o horário de almoço 11,30 às 12,30 - quando deviam permanecer seu interior. Porém havia os
acertos e podia-se ficar fora por mais tempo, como eu já descobrira e já
havia comprado esse direito. Para ficar no corredor – um maço -. Ficar até as
20,00 hs. – dois maços -. Um litro de leite – um maço -. Três bifes – dois
maços -. E assim por diante.
GUARDAS BONZINHOS E GUARDAS MAUS
Mesmo aqueles que se “vendiam”não eram confiáveis. Sempre havia
alguma dúvida, uma desconfiança. Os guardas agiam como se fossem
policiais. Em duplas - um bonzinho e um mau. O mau é violento, ameaça o
preso ou o suspeito, agride o preso ou mesmo outro preso, para intimidar o
primeiro. E assim age tentando arrancar confissões ou arregimentar
informantes. O bonzinho interfere, intercedendo em favor do ameaçado,
para lhe conquistar a confiança. O preso, vulnerável e impotente diante da
situação, cede e acaba confessando para o bonzinho ou fornecendo
informações sobre fatos ou outros suspeitos. Nos Presídios acontecia da
mesma maneira. Um turno de plantão tinha um Chefe maleável, tolerante,
compreensivo. O outro Chefe é mau, prepotente, arbitrário, violento. O
mesmo Chefe pode ser ora bonzinho, ora mau, variando de preso para
preso. No dia do Chefe bonzinho - se ele está de bom humor ou apenas
fazendo aquele papel - o preso, ao ser liberado para o "sol" no pátio, às 8,00
hs., recebia autorização para permanecer na cela, lendo, estudando, fazendo
seus trabalhos manuais, com a porta sempre aberta, podendo entrar e sair,
à vontade, no horário normal. No plantão do Chefe mau os presos tinham
uma de duas alternativas - ou saíam e ficavam no pátio o dia todo (menos no
horário de almoço) ou permaneciam nas celas, por 24 horas, até o dia
seguinte, ou seja 24 horas direto na tranca.
No COC quase todos os guardas eram maus. Havia somente alguns
bonzinhos. Um destes, pelo menos na aparência, no modo de falar, se
destacava. Era um tal de sêo Jorge.Mas, com o passar do tempo, descobriuse que não era o que aparentava. Era novato, e tinha aspiração de subir na
174
carreira e precisava mostrar serviço. Por pouca coisa castigava os presos,
isto é, proibia alguma regalia. Precisava ganhar respeito e conceito.
E O CASTIGO VEIO
No dia 31 de outubro de 1993, após o encerramento das visitas, todos se
recolheram a seus andares. Eu, sozinho em minha cela. Eu podia ver, por
meio de um espelhinho, que todos os demais se confraternizavam nos
corredores e dividiam as comidas trazidas pelos familiares. À noite, na
revista das 21,00 hs. um dos guardas notou que eu possuía muitos maços de
cigarros. Perguntou-me se eu fumava. Não senhor. - Então p'ra que tanto
cigarro? Você faz negócios ?. Não, respondi. Então me dá uns maços. Deilh'os... Depois daquela revista das 21,00 hs. todas as celas estavam
trancadas. Por volta da meia noite fui visitado por dez ou doze guardas.
Estava muito frio. Revistaram minha cela, de alto a baixo. Jogaram meu
colchão, minhas roupas e meus poucos pertences para fora da cela, no chão.
Estava frio, muito frio. Na busca que efetuaram (para quê?...) encontraram
uma cédula (não sei de onde veio) de cem cruzeiros (mais ou menos cinco
centavos de dólar) dentro de minha Bíblia. Isso foi motivo para que me
pusessem de castigo, com cela trancada por trinta dias, incomunicável, sem
direito a sol, sem mais nada (mais tarde fiquei sabendo, por um dos guardas,
que a visita e o castigo tinham sido "ordens médicas"...). Pedi para me
deixarem o material de higiene e minha Bíblia. E os dias foram passando...
REBELIÃO - TORTURAS
No fim da primeira semana de castigo houve uma rebelião em um
dos Presídios do Sistema (parecia que era na Casa de Detenção). Com era de
praxe, após a rebelião, cerca de vinte e oito rebelados foram levados para o
C. O. C.. Valdir, um dos guardas, veio me advertir para que eu não abrisse
o guichê nem procurasse saber o que iria acontecer em breve. Ele colocou
um papelão para me impedir a visão. E, logo em seguida ouviam-se gritos,
muitos gritos. Não contive a curiosidade e olhei por uma pequena fresta,
entre o papelão e a parede. Vi cenas dantescas, impressionantes, incríveis.
Parecia cena da Inquisição ! Nesses dias não havia guardas "bonzinhos".
Todos eram guardas "maus". Os mesmos se postavam defronte à muralha,
175
distantes uns três metros, um do outro, , deixando um corredor polonês entre
eles e o paredão (com o tempo fiquei sabendo que tal corredor se iniciava logo
à primeira "gaiola", junto ao portão principal, distante mais de cem metros).
Os guardas portavam enormes bastões de madeira ou de ferro de
construção, com nervuras retorcidas. Aquele guarda que veio me advertir
estava sem bastão. Usava sua própria cinta. Os rebelados saíam dos
camburões e vinham pelo corredor principal, até chegarem ao pátio do Raio
4. Os rebelados, só de cuecas, entraram no pátio, com as mãos nas nucas ou
nas bundas. Os guardas gritavam. Os rebelados também. Os primeiros, em
desferindo bastonadas nas costas ou nas nádegas dos passantes. Os
rebelados, ao receberem as bastonadas. As distâncias entre os guardas eram
propícias a darem tempo para seus movimentos de erguerem os bastões,
para as pancadas em sua próxima vítima. Um deles passou por um dos
guardas, sem levar sua pancada. Aos gritos, teve que retornar, parou, levou
a pancada e prosseguiu, passando duas vezes pelo mesmo guarda adiante.
Outro, caiu ao solo. Enquanto não se levantou ficou ali, levando pancadas,
dadas alternadamente por três ou quatro guardas de apoio aos que estavam
nas fileiras. E a fila teve que parar, devido àquele imprevisto. Os outros
continuavam apanhando. Esse que caiu teve braço e perna quebrados, ficou
de lado (posteriormente foi levado, aos gritos, carregado pelos braços, nas
axilas, e pelas pernas...). Dali do pátio entraram na galeria de acesso às celas
do andar térreo, sempre levando pancadas. As celas haviam sido
previamente esvaziadas (os "moradores" foram colocados dois a dois,
enquanto os rebelados eram colocados, também em duplas, nas celas vazias).
Eram mais de trinta guardas. Até os que estavam de folga compareciam.
Não era preciso chamá-los. Ao saberem da rebelião, pelo radio ou pela
televisão, compareciam, para o que chamavam de "banquete" (todo mundo
vai comer pau). Sabiam que haveria necessidade de suas presenças, para
ajudarem a conter os rebelados (?). Pelos gritos percebia-se que os
rebelados continuavam apanhando dentro das celas, obrigados a ficarem
debaixo da ducha, o que evita inchaço e hematomas. Enquanto eu
presenciava aquelas cenas eu gritava, surdamente, tapando minha boca com
minhas próprias mãos. E chorava. Eu não podia acreditar no que estava
vendo. Nos dias seguintes os guardas exultavam, vangloriando-se de suas
176
bravatas, descrevendo em detalhes o que haviam feito. E riam às bandeiras
despregadas...
A BIBLIA, COMO PORTO SEGURO
Eu buscava conforto na Bíblia e nos livros do Evangelho. Devoravaos. Sentado em minha jéga, passei a refletir... Senti-me inspirado para
narrar tudo aquilo que eu estava passando, porque e o que estava
acontecendo ao meu redor. E comecei a fazer anotações, em papel de
embrulho, folhas de caderno, para a elaboração deste livro. Afinal, devia
haver uma razão para tudo, se eu nada devia. E quanto aos outros presos, e
aos rebelados ? Será que mereciam aquele tratamento ?
No 19º dia de meu castigo o guarda Zé Luiz veio verificar minha
situação e deu de cara comigo, desmaiado, no chão da cela, por causa da
fraqueza e do calor, pois não havia aeração. O guarda procurou me levantar
e, com ajuda de outros presos, fui retirado da cela e levado para o corredor.
Zé Luiz ordenou-me que caminhasse, abrindo os braços e respirando fundo.
Mais ou menos recobrado, fui dispensado do castigo. Eu havia pedido que
alguém procurasse a Ordem dos Advogados, para que fizessem intervenção
a meu favor, junto ao Tribunal de Justiça para, pelo menos, uma
transferência para prisão mais decente, mais condigna, onde meus
familiares não mais tivessem que passar pelos exames vexatórios a que eram
submetidas as visitas, desde bebês a vovós com mais de oitenta anos (se bem
que não eram todas as pessoas, pois muitas eram "privilegiada$" - sim, com
cifrão -). Eu queria ter minhas prerrogativas asseguradas (eu havia lutado
em favor de muitos colegas, na Comissão respectiva, anos antes). A Ordem
mandou para aquele Presídio um grupo de jovens advogados da Comissão
de Direitos Humanos, cujo Presidente era JBAM, meu colega de turma, na
Faculdade, Procurador de Justiça aposentado (não sei se foi a meu pedido
ou mera coincidência). Os advogados foram para verificar as condições das
celas. Conversaram comigo, vendo na porta de minha cela uma folha de
cartolina, com dizeres escritos à mão "Cela Especial" (!!).
Perguntaram se eu estava sendo bem tratado, como era a
alimentação... Eu olhava para o Diretor de Disciplina, para o Chefe de
177
Plantão e para os guardas e respondia, laconicamente, com monossílabos "bem", "boa", mas, com os olhos e com a expressão de meu rosto eu tentava
demonstrar a meus colegas que a verdade era outra, que as respostas orais
não eram verdadeiras e que as proferia porque estava sendo observado e
vigiado pelos carcereiros (os quais, depois, tomariam suas "providências"... ).
E aqueles palermas de meus colegas não se importavam com o que estavam
vendo - uma cela diminuta, sem as dimensões legais, que não era Cela
Especial , um isolamento também ilegal, o próprio Presídio era inadequado
para advogado sem condenação definitiva. Ou eles ignoravam esses detalhes
ou estavam ali por mera presença, em conivência com os guardas e com as
irregularidades... Cheguei a mencionar que o Presidente daquela Comissão,
JBAM. era meu colega de turma. Nada foi registrado, nada foi escrito.
Continuei ali, por muito tempo...
E NADA FOI PROVIDENCIADO PELA OAB !!!
Isto é, nada que me favorecesse. Apenas foi instaurada uma Sindicância,
em razão de uma "representação" feita por meu defensor LMT (?), a qual
acabaria se transformando em Processo Disciplinar, cujo Relator, um
verdadeiro idiota, leigo, que, com apoio no Estatuto atual, em vigor,
pretendia minha exclusão dos Quadros da Ordem, conforme mencionou em
sua primeira manifestação, ignorando que a Lei não retroage, salvo para
benefício...e no Estatuto anterior nada havia contra mim.
FALTA DE SOL...E DE ASSISTÊNCIA
Devido à falta de sol,não há fixação da vitamina D ( cálcio) no
organismo. Por isso passei a ter problemas com um dente. Primeiramente,
ele quebrou. Depois passou a doer. Precisava de tratamento urgente. Pedi
assistência, que não havia. Apenas uma cadeira de barbeiro, antiga, usada
para extrações, quando surgia alguém disposto a fazê-las.Nenhuma assepsia.
Pedi autorização ao Juiz, para fazer tratamento particular, externo, sob
escolta. Segundo informações, foi autorizado o tratamento, mas deveria ser
feito na Penitenciária de Guarulhos, com minha transferência, a fim de
facilitar (para os guardas) minha presença, pois não poderiam me escoltar
todas as vezes em que precisasse comparecer ao dentista. E essa
178
transferência, de provisória, acabaria sendo definitiva, com sérios
problemas de acesso para meus familiares. Argumentei com a Direção do
COC, que poderia ter o tratamento ali mesmo, desde que se instalasse um
gabinete. Consegui que fosse feita a instalação, feita pelos próprios presos. A
partir de então a Doutora Munira Samurano, minha dentista particular,
que me atendia quando solto, a pedido e por insistência de minha mulher,
passou a me dar tratamento particular, com material às minhas custas. Os
demais presos, que também precisavam de tratamento, completamente
desassistidos e sem condições financeiras, passaram a receber atenção e
cuidados, dentro do horário que me era reservado e às minhas custas,
inclusive aquele Biro, que me havia causado a quebra de meu dente. Foi u’a
maneira de reforçar algumas amizades.
Um dia, enquanto ela atendia um dos presos e eu esperava para ser
atendido, surgiu um médico, que me chamou e ordenou que eu aguardasse
fora da sala, no corredor (sem vigilância, o que era proibido). Entrou na sala
e conversou com a doutora. Posteriormente fiquei sabendo que ele foi muito
grosseiro com ela, pelo trabalho que ela fazia, atendendo presos e que exigiu
dela um relatório de tudo que estava sendo feito. Isso não era competência
do médico, muito menos vigiar presos...
Como o tratamento, para ser iniciado, demorou mais de um ano, o
dente quebrou, no restante. O tratamento feito pela doutora Munira foi
apenas precário, para ser completado quando eu saísse da prisão. As dores
continuaram, não havia medicamento no COC, ou, se existia me era negado.
MEU PRIMEIRO ENFARTE
Dentre os guardas apareceu aquele novato, prenome Jorge, que
procurava angariar a simpatia e a confiança dos presos. Eu costumava
jogar xadrez com ele. Se eu ganhasse era mandado para a cela. Eu precisava
perder duas e ganhar uma.
Com o tempo acabei ficando na ociosidade (um grande mal, muito
comum nas cadeias, o que gera indolência e até rebeldia...). Essa vida
sedentária, essa inatividade, no dia 31 de janeiro de 1995, acabaram me
179
causando um mal estar - eram os prenúncios de um enfarte -. Jorge estava
de plantão, como Zelador do Raio 4. Aproximei-me dele, balbuciando,
pedindo para ser escoltado até a Enfermaria. Jorge ordenou - antes, vá
cortar a barba ! (que nem sequer era notada) -. Sabendo das regras e já
conhecendo Jorge, atendi. Com passos trôpegos voltei a minha cela e cortei a
barba. Novamente fui até o guarda. Nem bem cheguei ele ordenou - senta ai.
Vou ver se tem alguém na enfermaria -. Isso porque era costume não ter
quem atendesse. Não atendi aquela ordem. Não sentei. Simplesmente cai, ali
mesmo. Jorge foi obrigado a gritar por outros presos, para me ajudarem.
Fui carregado. Na enfermaria, branco como papel (me disseram), com
taquicardia. Minha pressão estava 180 X 280. O Diretor foi chamado.
Alguns funcionários ao redor da maca, menos o médico, que quase nunca
comparecia. Outro médico foi chamado, não sei de onde. Colocou um
medicamento em minha boca e ordenou minha imediata remoção para O
Hospital da Penitenciária do Estado (um dos melhores do Sistema, segundo
comentários...). Em uma cadeira de rodas, sem forças, fui levado até uma
viatura da Polícia Militar. Os policiais queriam me algemar...Para entrar na
viatura fiz um esforço sobre-humano, sem qualquer ajuda...quer dos
guardas quer dos policiais... Deixámos o C O C para nos dirigirmos até a
Penita, distante apenas uns duzentos metros. Mas a viatura rodou por vários
quarteirões e foi abastecer. E rodou... e rodou...Finalmente chegámos ao
destino. Nenhum dos policiais me ajudou a descer da viatura, o que consegui
sozinho, com grande esforço. Caminhei, pé-ante-pé, apoiando-me na
viatura, até alcançar o portão do Hospital, que estava a uma distância
enorme...uns quatro metros.... Parei. Entra logo!,
disse um PM,
empurrando-me para dentro. Entrámos em uma sala. Senta aí!, foi a ordem
seguinte. Fiquei aguardando por um tempo interminável. Meio desmaiado,
meio dopado, esperava. Fui chamado até uma outra sala, ao lado. Nem
entrei. Pára aí, disse um homem de aparência oriental, vestido de branco,
sentado atrás de uma mesinha. Fui atendido: - seu nome ...mal consegui
responder. Que 'cê 'tá sentindo?. Sem qualquer outro exame o homem
ordenou a um guarda, atrás de mim - põe ele n'uma cela -. Ouvi qualquer
coisa como - s'ele melhorar a gente vê...Fui escoltado até uma cela no
primeiro andar. Cela sem pia, sem chuveiro. Deitei- me em uma cama de
ferro, sem colchão, e dormi, ou perdi os sentidos, não sei... Quando dei conta
180
de mim, de que ainda estava vivo, procurei levantar-me. Não tinha forças.
Continuei deitado. Algum tempo depois consegui ir até o guichê. Maior que
aqueles do C.O.C., coloquei minha cabeça para fora e consegui ver alguns
homens, certamente presos, como eu. Chamei um deles e pedi que levasse
um recado para algum "funça" (funcionário) - nessa altura da vida eu já
dominava a gíria, ou dialeto da cadeia -, pois eu precisava de um médico. Eu
sentia tonturas, náuseas, dor no peito, falta de ar...Aquele preso chamou um
médico, também preso. Reconheci o homem- Era o Dr. Arthur, aquele que,
no 91º, jogava bola de madrugada. Ele havia deixado o Distrito Policial,
passou pelo C.O.C. e estava ali, para cumprir sua longa pena. Era ele quem
cuidava do ambulatório e procurava dar alguma assistência a seus
companheiros. Tinha um ajudante, o Indio. Coloquei meu braço para fora,
para ele medir minha pressão. Seu ajudante foi buscar algum medicamento.
Indio trouxe-me também alguns biscoitos, de seu próprio estoque. Aquele foi
o único tratamento que recebi, naquele tão famoso Hospital especializado...
Apesar de ministrado por um preso, sem recursos e sem condições
para fazer melhor, consegui lenta recuperação... No terceiro ou quarto dia
levaram-me para o andar térreo, para tomar banho. Tive que deixar minha
roupa na cama. Pelado, com as mãos protegendo as partes pudendas,
cheguei até uma fila de homens, nus como eu. Ninguém se falava, Quando
estava chegando minha vez de ficar sob um dos dois chuveiros existentes
(frios) alguém jogou respingos de água em mim. Pela lei da cadeia, se eu
tolerasse seria tido como frouxo. Não tolerei. Voltei-me para trás e me dirigi
a todos, indistintamente, com palavras rudes, ofensivas, desafiando a todos.
Alguém murmurou - o véio é bravo ...Ninguém se manifestou. Nada mais
aconteceu. Tomei meu banho, enxugando-me com as mãos, e voltei para a
cela. Recebi comida - intragável, pior que as de hospitais pagos - Eu não
comia. Valia-me dos biscoitos e frutas que Indio me arranjava. Prometi lhe
pagar. "Não percisa, não" dizia ele. Outro colega, vindo do COC, ex-PM,
JHG, apelidado de Sadan Hussein, também me ajudava com alimentos. Eu
estava sabendo sobreviver. Fui procurado por um preso, que me pediu
opinião sobre um Hábeas Corpus que ele mesmo havia impetrado. Disse-lhe
algumas considerações e adiantei que, conforme estava constando (apesar de
mal escrito) certamente o Tribunal iria lhe conceder o writ. Ele, rindo, disse181
me – é, o senhor é mesmo um advogado e sabe das coisas – e mostrou-me um
papel, que já era a concessão da ordem (ele havia me testado,antes). Em
seguida mostrou-me vários outros documentos. Tive que estuda-los todos.
Consegui, por meio desse preso, que alguém mandasse um pombo (correio
clandestino) avisando minha família. Minha irmã, advogada, minha filha e
sua amiga Dra. Angela, também advogada, acorreram prontamente ao meu
pedido de socorro. Depois de entrevistas entre elas e com a Direção da
Penitenciária foi providenciada uma ambulância, para minha remoção. Era
intenção de alguém em manter-me lá por mais tempo, porém com aquela
intervenção das três, resolveram atendê-las. Voltei para meu lar, onde, pelo
menos, eu tinha minhas coisas, podia tomar banho, escovar os dentes, o que
eu não fiz, naqueles dias em que lá permaneci. E meus banhos eram com
água quente - porque eu tinha conhecimentos de eletricidade e conseguia
burlar a vigilância dos guardas, para aquecer água, não fazendo pererecas,
como os demais, mas por um meio que não posso divulgar...senão os
guardas vão saber e podem descobrir alguém que tenha aprendido comigo e
passado adiante...-.
MAIS UM PROCESSO ... DESSA VEZ ...BENVINDO
Certo dia fui chamado até o parlatório, para receber um Oficial de Justiça
da 21a. Vara Criminal, que me trazia uma citação (aviso de que eu estava
sendo processado pela Justiça). Ao ler o documento fiquei sabendo do que se
tratava e imediatamente levei meu pensamento a Deus, agradecendo por
aquele processo existir. Fiquei feliz. Eu havia sido denunciado pelo
Promotor daquela Vara, sob a acusação de haver praticado aquele crime de
ameaça, criado na mente fértil e criminosa daquele Promotor de Justiça
JGA, da Vara do Júri, com aquela cota que dizia "é bem provável..." (na
realidade era apenas uma ilação maldosa, para que eu perdesse o direito de
Prisão Albergue Domiciliar e, conseqüentemente, não pudesse recorrer em
liberdade - por isso eu estava preso). Tal crime, se existisse, dependia de
representação da pseudo vítima, o que não havia, mas o Promotor JGA
entendeu de modificá-lo para outro tipo de crime, tipificando-o como
Coação no curso do processo ("mutatis mutandi" seria o mesmo, com
182
alteração da pessoa da vítima para o Estado), pois a tal vítima nenhuma
atitude havia tomado (o que demonstrava e evidenciava não ter havido
qualquer ameaça). E, para atender a determinação judicial - comparecer ao
Fórum no dia 05 de novembro de 1993 - eu deveria ser levado sob escolta.
Até ai, tudo bem, afinal eu estava preso. Porém ocorreu que, muito embora
não existisse contra mim uma sentença condenatória definitiva, e, muito
embora em sendo advogado, bem como sendo proibido por Decreto Federal
o transporte de presos na parte traseira das viaturas, chamadas de
"chiqueirinho, os guardas do C.O.C. tinham só esse tipo de transporte, a não
ser que levassem junto a eles, nos bancos normais. No dia de me levarem
houve certa indecisão quanto ao transporte para mim. Enquanto eu
aguardava a solução do impasse fui obrigado a me despir completamente,
mostrando as partes pudicas, abaixando-me de cócoras por três vezes, abrir
os dedos e os artelhos, escovar os dentes com o dedo indicador, mexer nos
cabelos e entregar minhas roupas (calças, cueca, meias e camiseta) para um
exame completo, a fim de verificarem se eu estava portando alguma arma
(?) ou droga (?). As roupas me não foram devolvidas pelo guarda e sim
atiradas no chão. Depois de longa espera, resolveram levar-me no
"chiqueirinho" (um cubículo apertadíssimo, sem altura para a cabeça, sem
luz, com pouco ar, e quente p'ra danar, para somente uma pessoa de cada
lado, mas que devia levar dois em cada banco, algemados um ao outro).
Mesmo que na agenda do Juiz esteja marcado início de seu expediente
às 13,00 hs. (como vinha no Mandado de Citação), o preso é levado logo no
período de manhã bem cedo. Comigo não foi diferente. Demorámos mais de
meia hora, num percurso onde o motorista se divertia, dando brecadas e
arranques, ou fazendo curvas fechadíssimas, para que nós presos ficássemos
batendo para a frente, para trás e para os lados, como se estivéssemos em
um liquidificador. Chegámos ao Fórum Central Criminal "Ministro Mario
Guimarães", então no centro de São Paulo. Fomos desembarcados. Íamos
passar por uma primeira triagem. Policiais atentos portam cassetetes. Os
policiais não querem saber quem é o preso nem a causa de sua prisão.
Misturam todos, numa cela. São presos oriundos de vários Distritos
Policiais, de diversas Prisões. E muitos não podem ser colocados juntos, pois
podem ser agredidos. Os presos da Penita e da Casa de Detenção não
183
apreciam os presos do C O C e vice-versa. Há grande rivalidade, muita
hostilidade entre quase todos. Meu companheiro alegou a condição de expolicial, para não ser colocado com os outros presos e ser atacado, como era
costume. Aleguei igual condição. O PM grunhiu - aqui você é bandido, tira a
roupa -. Novamente nus, em fila, lado a lado, de costas para uma parede.
Entregámos as roupas para outro Policial Militar, que usava luvas de
plástico, para não se contaminar. As roupas examinadas também ali eram
jogadas no chão. Repetimos aquele ritual - escovar os dentes, mexer nos
cabelos, erguer os braços, abaixar de cócoras, por duas ou três vezes,
levantar o saco escrotal, etc.. Tudo isso ocorre em meio a grande alarido
entre os presos. "Pega ele", "traz ele aqui", "dá esse aí p'ra mim" e outras
expressões similares. Apanhámos as roupas e, nus, fomos levados para a
cela do seguro, onde estavam estupradores, alcagüetes e outros criminosos
detestados pelos demais presos. Fui colocado no meio de quinze ou vinte
presos, numa cela com grades no teto, portões duplos, para se passar
primeiramente por um, entra-se numa gaiolinha, fecha-se o primeiro portão
e abre-se o segundo, para acesso à cela. Eu usava uniforme do C.O.C., o que
me tornava vulnerável a uma agressão, mas fui respeitado pela idade e
porque, de imediato, eu alegava ser advogado. Era chamado de tiozinho e
nada de mal me fizeram. Depois de quase duas horas em pé consegui um
lugar para sentar-me, pois a cela ia sendo desocupada na medida em que os
presos eram levados para as respectivas audiências, nas Varas em que
deviam estar presentes. Nenhum vaso sanitário, só um buraco no chão e
água correndo por um cano, acima dele. Fiquei pouco tempo sentado,
porque outros também queriam sentar-se. Algum tempo depois chegou
minha vez. Passei pela gaiolinha, fui algemado, com as mãos para trás e
levado até o elevador. Os policiais levantam as algemas, causando uma dor
horrível, tremenda, insuportável. Levam-me até o elevador (sobe ou desce
apenas um preso de cada vez, com escolta de dois ou mais policiais,
dependendo da "periculosidade" de cada preso). Os policiais riem. Entra aí.
Empurram-me. De costas para eles e de frente para a parede do elevador,
chegámos ao andar. Sempre seguro pelas algemas, passámos por várias
pessoas, que aguardavam suas audiências - réus soltos, vítimas, testemunhas,
familiares - dentre as quais advogados, alguns dos quais me reconheceram e
me perguntaram, com os olhos - que foi ? -.Mas eu não podia nem tinha
184
tempo de responder. Fui obrigado a ficar de cara para a parede. Minha
filha estava perto, aguardando minha chegada. Quis falar comigo, foi
impedida, chorou. Tentei acalmá-la com palavras. O Policial empurrou
minha cara contra a parede. Quando entrámos na sala do Juiz o advogado
pediu que me fossem retiradas as algemas (como se isso fosse fazer alguma
diferença para mim, pois já estava acostumado com aqueles maus tratos). O
Juiz relutou, dizendo que era assunto policial (afinal, ali, naquele momento,
o policial era a maior "otoridade") Continuam as algemas. Novo pedido,
alegação de ser advogado, etc. O Juiz fez uma concessão - as algemas passam
para a frente -Que alívio !... Essa foi a única benesse que recebi, por ser
advogado...Iniciou-se meu interrogatório. Expus ao Juiz que estava sendo
vítima de um complô, engendrado por minha ex-madrasta e seus advogados,
agora com ajuda, por induzimento que recebeu, do Promotor da Vara do
Júri , o qual, com a afirmação, feita em plenário, da existência daquele crime
de ameaça, acabou induzindo também os jurados, que acabaram me
condenando. O Juiz não quis inserir essas minhas observações (parte de meu
depoimento). Negada a prática do crime, é encerrado o interrogatório. Meu
advogado pediu ao Juiz que fosse oficiado ao Juiz Corregedor, no sentido de
que, nas vezes seguintes, eu fosse conduzido na parte aberta da viatura. O
Juiz atendeu. Os policiais me levam de volta à carceragem, onde permaneci
até a noite, após o encerramento de todas as audiências, aguardando o
último dos presos, para sermos reconduzidos a nossos respectivos presídios.
Chegou a hora. Entramos no bondão (caminhão fechado, para transporte de
muitos presos).
Aquele processo sobre ameaça correu normalmente. Novas audiências,
novas revistas, novas viagens(ainda nô chiqueirinho, pois ordem de Juiz nem
sempre é obedecida...) e novos jejuns forçados. Finalmente o Juiz da 21a.
Vara Criminal entendeu que deveria ouvir policiais e pessoas referidas na
instrução do processo. Um Investigador de Polícia, que havia sido
incumbido de conduzir coercitivamente aquelas testemunhas no Processo do
Tribunal do Júri – Loide e seu filho Leandro – inquirido pelo magistrado,
foi taxativo, ao dizer que as mulheres _Loide e Ilza - afirmaram para ele
que não receberam qualquer ameaça e completou, afirmando ainda que elas
teriam dito que não foram às audiências marcadas no Tribunal do Júri porque
185
erraram o endereço e se dirigiram ao Fórum da Praça João Mendes. O
Investigador informou ainda, ao magistrado, que elas diziam essas
explicações e davam risadas. Uma outra pessoa ouvida foi Vera, irmã de
Alexandra. Ela esclareceu que LOIDE ERA MUITO AMIGA DE
ALEXANDRA, a qual era inimiga de Florivaldo, por questão de disputas cíveis
sobre imóveis e disse que Alexandra teria arranjado testemunhas para
incriminarem Florivaldo. Diante de minha negativa e das provas do que eu
havia dito em meu interrogatório (armação de complô por Alexandra, no
caso da morte de Xuxa) e de que NÃO TINHA HAVIDO QUALQUER
AMEAÇA, nenhuma coação no curso daquele processo no Tribunal do Júri,
o Juiz me absolveu. Com essa absolvição ficou demonstrado que o Promotor
JGA havia criado esse crime de ameaça, primeiro para conseguir a
revogação de minha PAD, segundo, para conseguir um Mandado de Prisão
contra mim, e terceiro, para INDUZIR os jurados, que acabaram me
condenando.
Entreguei cópias da sentença absolutória e dos depoimentos das
testemunhas a meu defensor, para juntá-las em meu recurso de Apelação –
que não prosperou -.
NOVA TRANSFERÊNCIA (a meu pedido)
Como aqueles advogados daquela visita não entenderam ou não
quiseram entender minha situação, ou ignoravam o que era SALA
ESPECIAL DE ESTADO MAIOR , eu continuei por lá, na mesma cela, por
mais algum tempo. Somente a deixei porque, sentindo-me solitário, uma vez
que eu ficava a maior parte do tempo em completo isolamento eu me
queixava até demais, e a direção resolveu colocar-me na cela de número 330,
da galeria comum, na outra ala (acabou-se a "cela especial" e com ela a
"sala de visita"). Na nova casa, pelo menos, eu tinha com quem conversar. E
ali aprendi muito sobre o crime e sobre os homens que os praticam. Aprendi
a entender as pessoas e seus comportamentos, apenas pelo gestual, pelos
olhares, pelo tom de voz de meus interlocutores ou de alguém que estivesse
falado com outrem. Eu observava de longe e sabia o que estava acontecendo.
Aprendi a ouvir o que não era falado. E cresci. Pelo menos espiritualmente,
186
porque passei a compreender melhor as pessoas e os motivos porque
estavam presos. Após o término das visitas passei a fazer parte do que
chamávamos de Páscoa. Fazíamos uma mesa comum, com vários
companheiros, juntando nossas comidas. Conversávamos e ríamos. Afinal,
apesar de serem tratados como animais, eles eram homens, e tinham sua
dignidade, seu orgulho, seu amor próprio, seu amor pelos familiares. Se
haviam cometido crimes, fôra por causa do próprio Sistema. Não tinham
acesso a escolas, a assistência em geral. Eram, desde pequenos, considerados
marginais. E, apesar de tudo isso, choravam. Eu também chorava, às vezes.
Muitos foram flagrados chorando. E o faziam por não deverem à sociedade
nem à Justiça, e pela ausência e distância de seus familiares. Eu sentia
demais aquela situação, por ter meu filho e meu afilhado, jovens,
encarcerados, com seus futuros truncados. E a vida era uma rotina. Todos
os dias chegavam novos presos. Sair um de nós para a liberdade era muito
difícil. Ou se saía de “bonde” (transferência para lugar pior) ou no saco preto
(invólucro usado para transporte de cadáveres). Assim era o C.O.C.
SEGURANÇA MÁXIMA “ONDE ?”
De segurança máxima o COC tinha só o tratamento dos guardas para
com os presos. No início de suas atividades como Presídio já tinha
acontecido uma fuga. E outras iriam acontecer. Certo dia estava eu na porta
da Capela, quando passou Dedé, vindo da cozinha. Ele me olhou e, sem que
o guarda da “gaiola”percebesse, iniciamos um diálogo, na linguagem de
presos (mímica). Dedé explicou-me que breve iria escapar e, como eu era
considerado seu amigo, me convidou para acompanhá-lo. Custava só
R$1.000,00 a minha parte. Respondi que me desculpava mas eu somente
sairia dali “com papel”, ou seja com Ordem Judicial. Nos dias seguintes fuime inteirando de como deveria acontecer a fuga.
Dois guardas viviam me observando, sem nada dizer. Apenas olhavam e
parecia que queriam dizer alguma coisa, até que um dia um deles me
perguntou, disfarçadamente, o que aconteceria se alguém favorecesse uma
fuga. Dei-lhe as explicações e as implicações. Eles não participariam
diretamente, apenas arranjariam as armas (as quais, segundo pude
187
depreender, estariam vazias, para evitar algum disparo, que poderia ferir
alguém e mesmo chamar a atenção de muitos). Elas viriam para dentro, no
interior de sacos de feijão, adredemente colocadas de modo que não pudesse
ser descobertas. Elas viriam na véspera do dia D. Aqueles que
trabalhassem na cozinha as retirariam. Elas seriam colocadas em sacos
plásticos, dentro do feijão cozido, a ser servido no jantar, de cujo caldeirão
os boieiros as passariam para as celas daqueles que fossem participar da
fuga. Na manhã seguinte, pela manhã, antes dos demais serem liberados, os
que deveriam ir para a cozinha (4), já com as armas nas mãos, obrigariam
os guardas (3) a abrirem as celas dos demais presos, que deveriam ir com
eles (6). Passariam, primeiramente, os quatro presos da cozinha e os
guardas, pelo guarda da primeira gaiola. Este, acostumado a ver aqueles
quatro da cozinha, escoltados por seus colegas, sem qualquer motivo para
desconfiança, imediatamente abriria a primeira grade. Em seguida,
surpreendido pelas armas apontadas em sua direção (de baixo para cima,
sob seus pés, pois ele ficava colocado em um chão gradeado e não queria ser
baleado no saco) ele abriria a segunda porta e seria forçado a descer, para
juntar-se aos demais.Já com um número grande de guardas (4), para escolta
de apenas quatro presos “bonzinhos”, obrigariam o guarda da segunda
gaiola a abrir as portas, para passarem sob o chão gradeado, e a porta de
acesso à cozinha. (os outros seis ficariam aguardando a abertura da segunda
gaiola e da porta de acesso à cozinha). Ao chegarem à cozinha os guardas
seria, amarrados e amordaçados, enquanto os dez sairiam pela porta dos
fundos, para alcançarem um murinho, onde, do outro lado, junto a uma
viela, havia dois táxis à sua espera. Com o passar do tempo, dos dez, apenas
seis tinham sido recapturados. Dedé e seus colegas teriam sido vistos lá pelas
bandas do norte/nordeste, onde haviam sido criados. E nunca mais se teve
qualquer notícia deles.
COMO SE VIVER NA PRISÃO
Na cadeia ninguém entra na cela alheia ou na sala do guarda sem pedir
licença. O tratamento há que ser respeitoso, caso contrário pode haver
revide, como se tivesse sido praticada uma agressão física. Delatar alguém é
188
atitude passível de morte. Furtar é tão grave como alcagüetar. Não se pode
tocar alguém ou deixar ser tocado. O ato pode ser mal interpretado, tanto
para quem toca como para quem se deixa tocar. Se a cela está superlotada
(como é costume, pois os Diretores não respeitam a norma de acomodação
condigna) um preso não pode dormir ao lado de outro, na mesma direção,
pois poderá ser tocado pelo outro, com as partes sexuais. Para se evitar
desentendimento, devem dormir ao contrário um do outro, com os pés
opostos (posição chamada de “valetes”). Dirigir gracejos ou mesmo olhar
para mulher alheia pode resultar em briga feia.
FILHO DE LOIDE ASSASSINA PRIMO
Um dia em que minha mulher e minha filha me visitaram elas me
trouxeram uma notícia muito comentada pela vizinhança e pelos moradores
do “cortiço” da rua Taguá 330, onde Loide havia morado: um filho de Loide
havia assassinado seu próprio primo. Esse fato demonstrava e provava a má
formação que Luis e Loide lhe haviam dado. A família toda não passava de
bandidos – pai, mãe, filhos, filhas e genros -. E foram pessoas dessa laia (não
muito ilibadas, como disse em Juízo o Del. ACRL) que compareceram em
Juízo para nos acusarem – a mim, advogado, e dois rapazes, de boa
formação, policiais a serviço e defesa da sociedade -.
NOVAS LUZES SURGEM NO HORIZONTE
Em todas as cadeias, pelo que se sabe, surgem boatos e comentários, sobre
todos os assuntos, principalmente ligados a novas leis, mudando direção de
Presídios, transferências de presos, rebeliões que estão sendo articuladas
(previamente marcadas pelos líderes) e outros, afins. Eis então que, certo dia,
começou a ser divulgada, veladamente, ao pé-do-ouvido, a notícia de que o
Presídio Militar “Romão Gomes”” iria receber alguns presos, que se
encontravam em outras cadeias. Essa notícia corria apenas entre os que
tinham sido integrantes daquela corporação, presos juntamente com
bandidos a quem haviam perseguido e prendido. Eram inimigos naturais,
entre si, hostis uns aos outros (e o Delegado NSN sabia dessa hostilidade,
189
quando prendeu meu filho, Investigador de Polícia - policial como ele – junto
a outros presos, condenados)
Os presos do C.O.C., que preenchiam os requisitos para a transferência,
não cabiam em si de contentamento, a ponto de quebrarem a lei do silêncio e
passarem a alardear a notícia.
Porque não podia trabalhar com bijuterias (não enxergava bem e tinha
aleijão na mão esquerda) eu fazia a limpeza da Capela – átrio, altar, bancos,
paredes, chão – e cuidava dos vasos de plantas. Por isso, certo dia, quando
ali houve uma reunião da Diretoria com oficiais da Polícia Militar, pude
ouvir as expressões “transferência” e “só ex-PM”.
Passei adiante essas informações e, quando o Diretor entrava no pátio
(sempre acompanhado de pelo menos oito brutamontes) era assediado
insistentemente por aqueles que se sentiam com aquele direito – e com o
qual passaram a sonhar – até que receberam a confirmação da notícia.
O Diretor afirmou que a transferência seria em breve. Os presos
exultaram, comemorando com gritos, risadas, abraços e até esboço de choro
(sim, porque todo homem tem dentro de si uma criança...). Os demais presos,
daquele raio 4, como os ex-agentes penitenciários (Guardas de Presídio), os
ex-policiais civis, e até aqueles presos de verdadeira alta periculosidade e os
alcagüetes, não compartilhavam da mesma alegria. Uns, por inveja, por não
terem os mesmos direitos – outros, por não poderem ir para outras cadeias,
pois todos tinham que qualquer uma delas, por pior que fosse, seria melhor
que aquele maldito C.O.C., como diziam...
DESILUSÃO
Passou o tempo - muitas plantas murcharam, outras surgiram –
muitos presos novos e ... nada de transferência. Os risos emudeceram. Os
rostos voltaram a ficar rígidos, tensos, sem vida. Não mais havia nos olhos
daqueles ex- policiais militares o brilho que passar a iluminar seus caminhos
190
de novas vidas, que esperavam viver, principalmente com seus familiares,
que não mais estariam sujeitos àquelas inspeções aviltantes, ultrajantes. As
esperanças desvaneceram. No entanto os trabalhos continuavam sendo
feitos, entre e com as autoridades judiciárias e militares, para a efetivação
daquelas transferências.
Dois oficiais da Polícia Militar (um deles eu conhecera alguns anos
antes e nos tornáramos amigos... ) visitaram aquele C.O.C. e suas instalações.
Foi o bastante para que os presos, interessados nas transferências,
entendessem essa visita como prenúncio daquilo que tanto almejavam.
Finalmente, perante os oficiais, foi confirmado pelo Diretor que estavam
sendo elaborados os documentos necessários. Os presentes não agüentaram
e novamente passaram a se abraçar, cumprimentando-se uns aos outros.
Era uma euforia geral, que chegou a contaminar até aqueles que sabiam que
não seriam transferidos (havia alguns que as duas Direções – civil e militar não queriam beneficiar...). Novamente risos, brilhos nos olhos, esperança no
porvir. Um dos assessores do Diretor começou a elaborar uma lista dos que
pretendiam ser transferidos. Sim, porque havia alguns que não queriam ir,
porque haviam deixado inimizades muito grande, ao passarem pelo “Romão
Gomes”, de onde tinham vindo.
Procurei alcançar o Diretor (dificilmente ele parava, para ouvir preso...
e assim ele continuou, anos mais tarde, quando eu, já totalmente livre, na
condição de advogado, defendendo os presos do C.O.C., queria lhe dirigir a
palavra, simplesmente porque eu lá estivera, naquela condição de interno...)
e lhe disse: - “Doutor, eu também fui soldado da Força Pública...pode por meu
nome na lista?” -. Ele, sem parar, respondeu:- “vou ver se dá...”. Daí em
diante passei a viver aquela esperança, como os outros, que nada sabiam
porque eu nada lhes falara.
FESTIVAL DE MÚSICA
Mais um longo tempo se passou. Nada de transferência. Para ser
preenchido o tempo, contra a ociosidade, foi criado um FESTIVAL DE
MÚSICA BRASILEIRA. Era uma oportunidade em que todos os
191
interessados, sozinhos ou em grupos, iriam procurar colocar seus
conhecimentos artísticos à mostra. O evento deveria acontecer em todos os
Raios, em semanas diferentes, com visitantes e familiares no final. Para não
ficar isolado e para poder me locomover pelo Presídio (oportunidade rara), e
ter contato com caras novas, resolvi inscrever-me. Elaborei duas músicas,
do tipo “rap” (bem jovem). Uma delas falava da vida do preso, mais
especificamente a minha, mas servia para qualquer um. Ei-la:“RAP DO ENCARCERADO”
Os presos, de lado a lado, pelo pátio caminhando,
vão falando do passado, co’a liberdade sonhando.
Aqui todos são inocentes, de corpo e alma são puros.
Também digo minha gente, sou inocente – eu juro.
Me fizeram traição, só por causa de dinheiro
Me puseram na prisão, onde sofro o dia inteiro
Mas um dia vai chegar e vão saber a verdade
Minha estória vou contar e ganhar a liberdade.
Vou enxugar o meu pranto, só quero viver em paz
E por isso eu garanto -
C.O.C. NUNCA MAIS !!!
Era uma letra que sintetizava o que haviam feito comigo. Minha
vida toda dediquei-me a orientar jovens e não a agredi-los ou a matá-los,
como queriam que pensassem. Fiz ainda outra letra:
“FUTEBOL SIM, VIOLÊNCIA NÃO”
192
Naquele verde gramado, seja noite faça sol
Torcedores, lado a lado, assistem ao futebol
Vence quem joga melhor, se joga mal fica em baixo
Perde sempre o pior – é o bom que leva o facho
Quem leva o time é a torcida, muito grande, sempre amiga
É muita gente unida, que grita, chora e faz figa
É um jogo só p’ra macho, e também d’inteligência
É por isso que eu acho, não precisa violência
Esse jogo é só esporte, mesmo sendo campeonato
E se o time ‘tá sem sorte, ninguém vai “pagar o pato”
Mas se o time é derrotado, a gente faz que não liga
Sai do campo desolado, não precisa fazer briga
Seja o Santos, Coringão, o São Paulo ou Palmeiras
Todo mundo é irmão, não precisa de pauleira
Seja o Flu ou Mengão, seja o Vasco, Madureira
Todo mundo é irmão, não precisa de pauleira.
Participei ativamente, tanto nos preparativos como nas apresentações. Nas
preliminares me apresentei com um bonezinho que fiz à mão, com retalhos, porque
naquele Presídio era proibido todo e qualquer tipo de cobertura na cabeça, mesmo
no inverno Eu era muito aplaudido, não só porque me apresentei, nos palcos
montados para o evento aba virada de lado, como se fosse um rapazinho,. mas
193
principalmente por causa de minha idade.
compareceram.
Autoridades, jornalistas e convidados
Apesar de ter uma das músicas classificadas não consegui vencer, mas até
que isso foi bom, pois um jornalista de mau caráter, presente ao evento, interpretou
mal o acontecimento e usou seu jornal, não elogiando, mas fazendo pesadas críticas,
com muita ironia, a todos os concorrentes, principalmente contra os vencedores.
Aquele Festival seria o primeiro de uma série e serviria para que os presos
confraternizassem entre si, com seus familiares e com seus carcereiros.
Dias depois nós, os participantes, fomos convocados para uma reunião com a
Diretoria. Aproveitei para discursar, elogiando o trabalho do Diretor, dizendo que,
com aquele Festival, nos devolvia a dignidade. Chegamos a ver lágrimas em seus
olhos.
APRESENTO AGORA MINHA SUGESTÃO FINAL
Visando economia processual, com rapidez no andamento dos
processos criminais, e das Execuções Criminais das respectivas
penas, com economia para o Estado, com pessoal, viaturas e
194
combustível deverá haver uma reforma, na aplicação da Lei e
na distribuição da Justiça:Instalação de Varas e Cartórios, junto aos Presídios, para os
diferentes tipos de crimes – contra a Vida, contra o Patrimônio,
contra os Costumes, e outros, para cujas audiências não haverá
necessidade do transporte dos réus presos nem os sujeitará aos
procedimentos vexatórios de revistas, bem como evitarão sejam
ataques aos membros da escolta, ou aos membros da Justiça
(Juiz e Promotor)
IMPLICÂNCIA DOS GUARDAS
Havia um guarda, de prenome Manuel, baixinho, que trabalhava na cozinha. Era
ignorante, mal instruído. Um certo dia ele adentrou o Raio 4. Era dia de visita. Eu
estava sentado em uma cadeira, com o Zelador do Raio, junto à “gaiola” aguardando
a chegada de meus familiares. Com a entrada de Manoel fiz menção de me levantar,
oferecendo-lhe o lugar. O guarda fez um gesto com a mão, declinando de minha
gentileza. Eu agradeci, com as palavras “o mais velho agradece”. O guarda nada
disse, afastando-se.
Dias depois aquele mesmo guarda voltou, como Zelador do
Raio (encarregado). Volta e meia ele me chamava e me provocava, esperando que eu
reagisse, a fim de me aplicar um castigo. Mas eu já estava mais esperto, mais
“piolho”, como diziam. Eu me calava. Concordava com tudo, até com ofensas
diretas. Porém um dia eu ofereci algumas guloseimas aos guardas mais próximos,
sem oferecer, em primeiro lugar, ao Zelador. ELE FICOU MELINFDRADO.
Chamou um outro guarda e ambos, portando bastões de ferro e de madeira, me
“escoltaram” até minha cela. Era prenúncio de que iriam me agredir (tortura a
preso) . Entrei primeiro, seguido pelos dois. Fecharam a porta de aço. Manuel
brandia seu bastão de ferro, batendo em sua própria mão e “ recordou” aquele
incidente do “lugar ao mais velho”. Imediatamente percebi que estava prestes a ser “
castigado” (na verdade seria tortura a preso, como era habitual). Argumentei, com
humildade, desculpando-me. Isso encheu o ego de Manuel. Afinal ele, um semianalfabeto, estava humilhando um advogado. Retiraram-se. Após esse fato fiz alguns
comentários entre os mais chegados. Dias depois esse guarda perdeu as funções de
Zelador e retornou para a cozinha.
195
LABORTERAPIA (OU ESCRAVIDÃO?)
Foi instalada para terceiros uma oficina de fabricação de bijuterias.
Estava localizada defronte às duas celas chamadas de “especiais” e a uma porta da
cela “solitária” (a existência desta era proibida mas ninguém dela tomava
conhecimento, principalmente Juiz Corregedor ou algum membro do Conselho
Penitenciário – que eram coniventes). Todos eram obrigados a trabalhar (com
exceção dos que exerciam outras atividades, como cozinha, faxina etc.) No primeiro
dia eu não conseguia acompanhar o ritmo de montagem dos demais. Devia ser
produção em série, peça após peça. Eu atrapalhava a produção, porque não
conseguia segurar os elos das correntinhas com minha mão esquerda (cujo dedo
indicador fôra esfacelado por aquela agressão praticada por aquele japonês) e porque
não enxergava direito – com óculos vencidos Levei algumas broncas dos presos, por
causa disso. No segundo dia recusei-me a trabalhar. Foi chamado um dos guardas,
encarregado da oficina. Pegou-me pelo braço e me levou distante dos demais.
Rispidamente interpelou-me sobre a razão da recusa. Dei-lhe as explicações. Faltou
pouco para ele me dar uns safanões. No dia seguinte fui transferido para a faxina da
Capela. Foram uns tempos onde eu podia meditar e refletir. Enquanto fazia a
limpeza dos bancos e do chão eu aproveitava para pensar. O verde, que faltava,
começou a aparecer. Arranjei algumas sementes para iniciar “meu jardim”. Eu
fornecia aos presos algumas mudas, as quais, porém, nos dias de revistas, eram
atiradas pelos guardas nos corredores. Eles não queriam e não permitiam nada que
nos trouxesse alguma paz e tranqüilidade. Somente eram poupados aqueles “puxasacos”, chamados de “baba-ovos”.
COMEÇAM AS TRANSFERÊNCIAS
Um soldado da Polícia Militar de Mato Grosso (Nantes), preso por
tráfico de drogas, foi o primeiro a ser transferido para o Presídio Romão
Gomes.
Algum tempo depois foi para lá um ex-sargento de nome Lourenço,
que ele ganhara na Justiça o direito de ser reintegrado na Corporação.
“Fernandinho” era seu apelido, recebido por motivos óbvios, na Casa de
196
Detenção, por onde ele havia passado. Lourenço tinha um coleguinha que o
visitava e lhe levava “jumbo”. (alguns anos mais tarde ele fugiu do Presídio).
Logo em seguida eis que, quase de repente, aqueles presos,
anteriormente arrolados para a transferência, receberam ordens de
arrumarem suas coisas. Havia chegado o momento tão esperado. Prontas as
malas e bagagens foram chamados e se colocaram em fila, com seus
pertences, no corredor principal, que liga os Raios, prontos a se dirigirem ao
portão principal. Junto a esse estava estacionado um ônibus da Polícia
Militar, apropriado para o transporte de presos, com grades nas janelas
(completamente diferente do “bondão”). Aqueles presos não mais iam ser
transportados em “chiqueirinhos”. Iriam sentados, sem algemas, dois a
dois, pois o ônibus era provido de bancos. Deixavam o C O C, considerado
um inferno. A euforia era tanta que aqueles homens, apesar de endurecidos
e empedernidos pela experiência policial e pela vida na prisão,mais
pareciam crianças, que partiam em férias, em excursão...
Eu, em meu íntimo, sentia-me invejoso. Afinal, quarenta anos antes eu
usara a mesma farda e fizera o mesmo trabalho. Muito embora sendo
advogado, professor, empresário, poliglota, conhecedor de dezenas de países
e de diferentes culturas, eu até abria mão de tudo – eu já havia aprendido a
ser simples e humilde – e voltaria a ser apenas um ex-soldado(condição da
qual sempre tive orgulho, constante até em meu “currículo”, pois havia sido
meu ponto de partida) . Gostaria de estar integrando aquele grupo, naquele
instante, ou dentro de algum tempo, conseguir o mesmo direito e deixar o C
O C.
No Presídio Romão Gomes todos sabiam que existia uma disciplina,
porém espontânea, por parte dos presos e não debaixo dos tacões dos
guardas. Havia respeito por parte dos presos e para com os presos. Havia
respeito à integridade física e não agressões a bastonadas. E havia
principalmente respeito para com os familiares dos presos, não mais sujeitos
àquelas revistas vexatórias.
197
Eu tinha grande interesse em ser transferido, também pelo fato de estar
mais próximo de meu afilhado, o que nos proporcionaria receber, em um
mesmo dia, as visitas de nossos familiares e amigos comuns. Assim minha
família não mais teria que ir a três Presídios, em locais diferentes e
distantes, todos no mesmo horário.
Como o Dr. Elio, Diretor do COC, dissera-me ser difícil minha
transferência, minha filha protocolou um pedido para que eu fosse para o
Presídio da Polícia Civil, pois, depois que eu deixei a farda, para ingressar
na Faculdade de Direito, eu também havia trabalhado na Polícia Civil, tanto
na Polícia Técnica como em cargos e funções de caráter policial,
internamente e nas ruas, em policiamento ostensivo e repressivo, até com
algumas participações em tiroteios e diversas prisões de marginais. A
petição foi instruída com documentos, inclusive ofício elogioso assinado pelo
Dr.Elio. Porém novas notícias surgiram - (na cadeia, repito, sabe-se de tudo
que vai acontecer, dentro e fora dela) – os Juízes da Corregedoria
pretendiam fechar o Presídio da Polícia Civil, e por isso de nada adiantaria
me levarem para lá, porque, com o fechamento, não se tinha idéia do lugar
para onde eu seria mandado. O pedido nem sequer foi apreciado. E,se o foi,
certamente foi negado (o Juiz Corregedor era o mesmo que negara meu
retorno para o 91º DP o qual, sem ser Perito, Psicólogo, Psiquiatra, ou algo
que lhe desse a característica profissional para minha avaliação, afirmara –
sem nunca ter falado comigo - que eu era elemento de alta periculosidade).
CONTINUEI NO C O C
.-.-.-.-.
INVASÃO DO PRESÍDIO DA POLÍCIA CIVIL
Dias depois houve um estarrecimento geral. Um fato jamais esperado
estava ocorrendo. Rebeliões aconteciam sempre nos Presídios comuns e nos
Distritos Policiais. Nunca se esperou um fato como acontecia em um dos
estabelecimentos prisionais considerado Especial, como no caso do PEPC.
Noticiários da televisão estavam dando conta de que a tropa de choque da
Polícia Militar estava cercando aquele Presídio, prestes a invadi-lo.
198
Tentava-se a invasão para desalojar os presos, alguns ainda na ativa, pois
aguardavam instrução e julgamento de seus processos e/ou de recursos
pendentes. Esse movimento de tropa era conseqüência de uma determinação
judicial de interdição do prédio e fechamento daquele Presídio, com a
remoção dos presos para outros locais – o mais indicado era o COC, por ser
de segurança máxima, onde já se encontravam mais de vinte presos, alguns
ex-policiais civis, outros ainda na ativa, mas sem cargos ou funções. Tudo
começara por causa de alguns Promotores, que não aceitavam um Presídio
Especial, nem que os presos tivessem algumas regalias, como telefone
celular. As imagens eram impressionantes! De um lado, os militares,
fortemente armados, comandados até por Coronéis. Temia-se uma repetição
da invasão da Casa de Detenção, no Carandirú, em outubro de 1992, que
culminou com cerca de cento e onze presos chacinados a tiros, e mordidas
dos cães, daquela mesma tropa de choque. No interior do prédio do PEPC
presos indefesos. Assim se pensava, mas a realidade era outra. Se, nos
Presídios comuns é freqüente se encontrarem armas brancas, fabricadas
pelos presos, e até armas de fogo, era óbvio que, num Presídio de Policiais
civis houvesse também alguma arma de fogo. Esperava-se um confronto
iminente, não só com os presos, mas também com outros policiais civis, os
quais, ao tomarem conhecimento por meio de seus radio-comunicadores,
prontamente acorreram para aquele local, com suas viaturas, também
fortemente armados. Diversos Delegados imediatamente se dirigiram para o
local. Promotores queriam a todo custo que a ordem fosse cumprida, sem se
importarem com o que poderia resultar. Juízes, Oficiais, Delegados, tudo
faziam para encontrarem uma solução conciliatória. Os policiais civis, pelo
radio, convocavam seus colegas, que “voavam”para lá, com sirenes ligadas.
Por um lado, era grande demonstração de solidariedade, de corporativismo,
não só dos policiais civis mas também dos militares e dos Juízes. Mas era
uma grande e vergonhosa tragédia iminente – policiais versus policiais -.
Haveria resultados negativos para ambos os lados, tanto no número de vidas
como na moral. A televisão mostrava alguns presos que haviam subido no
telhado, com faixas improvisadas, pedindo para se chegarem a um acordo,
e, com seus lençóis, como bandeiras brancas, pediam trégua, pediam paz.
Ao vê as cenas daqueles presos que seguravam as bandeiras brancas, tive
um enorme sobressalto, ao vislumbrar, dentre eles, a figura esguia e
199
magricela de meu filho – parecia um menino -. Ele chegou a falar para uma
emissora de televisão, via fone celular (levado por um dos policiais que
acorreram ao local). Ele disse, em nome de todos – “estamos morrendo de
medo”. Desandei a chorar, convulsivamente, batendo nas paredes de minha
cela e gritando “meu Deus! Meu Deus!”. Desesperado, eu nada podia fazer,
trancado em minha cela. Meu coração se fechava e disparava, em
taquicardia . Eu suava. E não era para menos – lá estava meu filho –
inocente, como se provaria mais tarde – à mercê de homens que, por
obrigação legal, poderiam, em minutos, ser seus algozes, seus matadores. Eu
amava tanto meu filho que me ajoelhei, pedindo a Deus que poupasse meu
filho e me levasse, em seu lugar. Que eu tivesse um segundo enfarte e
morresse, mas meus filhos e seus colegas não. E Deus atendeu meu pedido,
mas por outros meios. Não foi usada violência. Ninguém morreu. Ninguém
saiu ferido.Os policiais civis e militares entraram em acordo, com o
consentimento dos magistrados, que lá se encontravam, e dos superiores,
atentos a tudo, em seus gabinetes. Houve a retirada da tropa e dos policiais
civis, que haviam ido para lá. Foi concertada uma trégua. Os presos seriam
removidos, gradativamente, para outros locais a serem adaptados para
recebe-los (lembrem-se que é impossível e ilegal se colocar policial preso junto
a preso comum – como o Delegado NSN fizera com meu filho). Mas a notícia
que chegou no COC era que seriam levados para lá. Procurando obter
informações com o Diretor Dr. Elio, que inspecionava os diversos Raios e o
comportamento e a reação dos presos, o mesmo procurou me acalmar,
cientificando-me que, se eu quisesse, ele faria tudo para que meu filho fosse
para lá, para ficar comigo no Raio 4 e não no Raio 3, que estava sendo
preparado para receber aqueles presos. Eu respondi que preferia que meu
filho fosse para outro Presídio (pensei – se eu já estou no inferno não vou
querer o mesmo para meu filho e seus colegas e venham sofrer o que já
sofremos, com aquele regime insuportável e nas mãos daqueles funcionários).
E a remoção dos policiais do PEPC foi sendo adiada.
UM ANJO (?) SURGIU DOS CÉUS
200
Em decorrência daqueles fatos e do nervosismo que eu passara, eu
fazia constantes orações, pedindo a Deus que me enviasse um anjo, a fim de
me livrar da prisão.
Alguns dias depois daqueles fatos, fomos todos recolhidos a nossas
celas, ainda no período da manhã. Era uma precaução da Direção, pois
iriam comparecer altas autoridades, dos três poderes do Estado, apenas
para conhecerem as instalações para onde deveriam ser removidos aqueles
presos da Polícia Civil (dentre eles, com certeza, meu filho). Aquela
precaução era para evitar qualquer contato, qualquer queixa, qualquer
pedido e até mesmo para garantia dos visitantes. Devíamos ficar
engaiolados, até com as portinholas do guichês fechadas, para não vermos e
não sermos vistos. Eu, como os outros, não estava interessado em saber
quem eram. Apenas percebi a passagem deles, quando passavam pelo
corredor e se dirigiram a uma cela, que sempre era exibida pela Direção e
era chamada de “cela modelo”, toda decorada, ocupada por um Agente
Penitenciário cognominado Wagnão (apesar de preso não fora demitido).
Quando aquelas autoridades passavam de volta, defronte a minha cela, tive
um lampejo e, impetuosamente, abri o visor, a tempo de ver, bem junto à
porta, no corredor, figuras de homens que eram (ou pelo menos tinham sido)
meus amigos, meus contemporâneos meus colegas de faculdade... Chamei
um deles pelo nome. O Diretor percebeu e, em vez de me dar bronca, reteve
aquele homem com um leve toque no braço, para interromper seu passo, e
perguntou – “o senhor conhece esta peça?” (nem sequer usou meu nome –
afinal, preso não é gente !). Ajoelhado, coloquei-me bem perto da portinhola,
para ser visto e “examinado”, ao mesmo tempo em que eu olhava para a
pessoa, não como um homem de poder, mas como um anjo salvador. O
homem respondeu, laconicamente – “não estou lembrado” . Eu, como todos
os presos, estava sem barba e sem bigode (eu usava barba e bigode havia
mais de trinta e cinco anos e ele sempre me vira dessa maneira). A autoridade
fez menção de continuar sua retirada dali. Desesperado, quase gritei, antes
que ele se afastasse – doutor, sou eu, Florivaldo – e o doutor chamou seus
colegas que estavam um pouco distante, à espera – olhem quem está aqui, o
Florivaldo -. E parecia que aquele homem, então em altos cargos,
recordava de muitos momentos que havíamos vivido juntos. Foi um espanto
201
geral, para os visitantes, que se aproximaram. Perguntaram-me o que eu
estava fazendo ali, qual a razão. Quase não houve resposta. Aproveitei o
pouco tempo que eu tinha, naquela oportunidade, concedida pelo Diretor – e
por Deus – e roguei, até em português errado, suplicante, ainda ajoelhado –
“me tira daqui”” . E uma pergunta veio, prontamente: “p’ra onde você quer
ir?”. Imediatamente respondi: “P’ra qualquer lugar, para o PEPC, onde está
meu filho, para o Romão Gomes, onde está mau afilhado. Aquele homem,
meu amigo, disse-me: “mande por escrito sua situação e pretensão, que nós
vamos estudar seu caso. Fique tranqüilo que vou fazer tudo para ajudar você.
Afinal você merece condição melhor, sem favores, mas por lei”. Despediramse de mim..Fiquei exultante. Minhas preces estavam sendo atendidas.
Agradeci a Deus, mais uma vez.
Aquele homem, aquela autoridade, realmente iria cumprir sua
promessa. Na visita seguinte pedi a minha filha que o visitasse. Ela levou-lhe
todos os dados possíveis, em mãos, em seu gabinete e minha pretensão.
Fiquei sabendo que havia muita política, muita pressão externa, para evitar
minha saída e transferência, inclusive por causa daquela manifestação
daquele Juiz, a qual, sem qualquer validade, pela falta de qualificação,
ainda influenciava as pessoas. Mas o doutor, sabedor dos fatos e da
perseguição qiue eu sofria (ele sabia dos fatos referentes a Alexandra) fez de
tudo, como prometera, até se indispondo com seus colegas. E, com a
interferência de outras autoridades, dignas e imparciais como ele, foram
conseguidas as transferências, não só a minha mas também a de meu filho,
ambos para um mesmo Presídio, no caso o Romão Gomes, onde já se
encontrava meu afilhado. Afinal, nós três havíamos usado a mesma farda.
Era um milagre de Deus. As visitas poderiam ser feitas no mesmo dia, no
mesmo local. Parecia até um prêmio para todos, presos e familiares.
AMEAÇA DE TORTURA
No C O C havia um guarda negro, gorducho, barrigudo, chamado
Humberto, mas apelidado de “Bola Sete”. Numa das vezes em que me
escoltou até a sala da Chefia, para que eu pudesse dar um telefonema, ele
chegou a ma dizer “é, doutor, o senhor tá bom de levar umas pauladas...”,
202
rindo e batendo em sua palma da mão esquerda com um longo bastão de
madeira que portava durante aquele serviço.Perguntei por quê e ele não
deu explicações. Só continuou, dizendo – “o senhor não leva porque está de
apelação, mas depois, aí sim, nós vamos ter uma conversinha...” Então
continuei – “mas chefia, o senhor não vai bater num véinho, vai?...” O
guarda repondeu – “o senhor ta veio mas ta forte, ta bom p’ra apanhar...”
FINALMENTE ... A TRANSFERÊNCIA
No dia 26 se setembro de 1995, uma segunda-feira (dois anos três
meses e uma semana de C O C ), quse três meses após aquela visita daquele
“anjo” aquele mesmo guarda negro e um outro foram me buscar em minha
cela, para “falar com o Diretor”.Com certeza vinha “bucha” porque essa
expressão foi em tom irônico, significando que eu receberia algum castigo,
porque era acompanhada daquele gesto temido (bater em sua própria mão),
motivado por ter eu “dado milho” ou “pisado na bola” (resvalado no
comportamento ou cometido alguma infração”. Os dois riam, dizendo “é
hoje!...”, “chegou o dia!...” “hoje tá frio nós vamos esquentar” (aquecer-se
fazendo exercício de dar paulada ou esquentar o lombo de alguém, no caso eu
mesmo”.Eu caminhava meio temeroso, por um lado, mas esperançoso por
outro, uma vez que, na visita anterior minha família me informara que
haviam conseguido a transferência e a ordem teria vindo por telex (até me
deram o número da mensagem, porque minha filha presenciou a transmissão).
A mensagem chegou na sexta-feira e não pode ser cumprida no domingo,
daí aquela convocação pelo Diretor. Este me aguardava no parlatório (local
onde os advogados conversam com os presos), do outro lado da tela gradeada,
sentado, com um papel na mão. Nós, presos, não tínhamos lugar para
sentar. Percebi, num relance, que se tratava de minha transferência (era o
telex). Vi, também, sobre um balcãozinho, um volume de papéis, com uma
capa grossa, com meu nome – era meu prontuário de preso -. O Diretor
perguntou – “você fez algum pedido para sair daqui ?”- “Sim senhor, para
aquele doutor”, respondi. “Por que você não me avisou, eu podia ajudar...” e
continuou – “chegou uma ordem do juiz, você vai p’ro Romão..” Nesse ponto
eu o interrompi - ”..’.to sabendo...”. E ele – “como você ‘tá sabendo?”.
“Minha mulher me disse ontem...”. Bem, aqui ‘tá a ordem, agora só preciso
203
ver como vou levar você, não tem viatura...”.Então completei – “então vou de
táxi mesmo, só preciso de escolta...ou minha filha me leva..”. O Diretor
completou – “Ah, não! Vou dar um jeito. Se a viatura chegar até as 18 você
vai hoje mesmo.,,”. Fui um pouco impertinente e disse – “então, por favor, o
senhor dá um jeito logo, eu não agüento mais, nem vou entrar na cela, vou
dormir no corredor”. O Diretor já ia se levantando quando finalizei – “me
levem no banco de trás, porque no chiquerinho‘ não vou mais...”. O Diretor
retrucou que não era possível. Continuei – “...mas tem uma ordem do juiz, aí
em meu prontuário...”Ele disse – “...vou verificar, se tiver alguma coisa você
vai...”e retirou-se, determinando – “pode arrumar sus coisas..”. Emendei –
“minhas coisas ‘tão prontas desde ontem...” Dispensado da “audiência”
recebi ordens de voltar para a cela. Os guardas que me escoltavam ficaram
decepcionados e frustrados. Não poderiam ter a tão esperada sessão de
exercício. Agora riam de modo diferente e disseram – “o senhor vai embora,
né ? desculpa alguma coisa ‘tá bom ? “. Pensei comigo – hipócritas -. E,
hipocritamente, comentei – “tem nada não, só não vou mencionar os nomes
de vocês em meu livro” Todos sabiam que eu estava escrevendo um livro e
acompanhavam o desenvolvimento. Alguns até me forneciam dados e
informações, contando casos. Os guarda disseram – “quando sair quero
ler”.A maioria dos presos queria que eu mencionasse seus nomes e narrasse
seus casos, mas eram muitos... Apressei-me em pegar minhas coisas e retirálas da cela. Como a notícia foi imediatamente divulgada, alguns presos
vieram para me ajudar e – como era hábito – serem presenteados com
aquilo que eu fosse dispensar, como roupas, alimentos, chocolate, revistas e
livros. Levamos minhas coisas até junto a grade da chamada gaiola.
Distribui minhas coisas entre os mais chegados, como Rômulo, Cláudio Nei
(ex-carcereiro), Neris. Dois ou três mais que não recebiam visitas, também
foram agraciados. Eu estava eufórico. E os demais, em sua maioria,
compartilhavam comigo minha alegria. Sabiam que eu ia passar para um
Presídio com melhor tratamento e me reuniria com meu afilhado. Eu falava
muito dele e de meu filho o tempo todo, com muita angústia e com saudades.
Eu iria permanecer ainda mais algumas horas. Às 18 horas em ponto eu
deixava aquele Presídio, sentado no banco traseiro de uma viatura,
escoltado por aqueles dois guardas. Quando deixamos o prédio principal,
antes de sairmos para a rua, o motorista parou diante de uma janela do
204
prédio da administração.Lá estava o Diretor, para um último aceno entre
nós dois. Gritei bem alto –“OBRIGADO!”. Ao deixarmos o portão principal
lembrei-me do último verso de minha canção - C O C NUNCA MAIS! ... e
partimos...
CHEGADA AO ROMÃO
Ironia do destino - Paraíso – Nova etapa
No trajeto para o Presídio Militar Romão Gomes fui admirando as
pessoas, os prédios, os carros, tudo que me havia sido tirado. Sentia uma
sensação de liberdade. Quase não acreditava. Trinta e nove anos antes,
quando eu me preparava para prestar os exames vestibulares para
ingressar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), fiquei
algum tempo alojado em uma garagem de uma casa vazia, pertencente a um
amigo de meu pai. Isso porque minha família estava morando em um prédio
em construção, e não havia silêncio nem sossego, nem lugar apropriado para
estudar (e eu estava fazendo um cursinho de apenas quatro meses. Mesmo
assim entrei na 14a colocação). Aquela casa ficava no bairro do Tremembé,
em lugar ideal, apesar de muito frio. Naquela época passeava com um
colega de curso, tomando lição um do outro, no estilo peripatético, quando
vimos uma bela área verde. Era uma chácara ou sítio. Nascido no interior,
ao ver aquele bucolismo, aquele verde, eu disse a meu colega – “quando eu
me formar vou ganhar muito dinheiro e comprar esta chácara e construir um
bela casa e morar aqui, com a família toda...”.
A viatura aproximou-se do portão principal do Romão Gomes. Ao
rever aquela mesma área lembrei-me da mesma e comentei com os guardas
–“até parece o Paraíso ... e vou morar aí.” Era uma ironia do destino...
Quando entrámos na alameda arborizada, que dava avcesso ao
prédio principal, passamos por vários presos vindos do C O C. Um deles, o
Mato Grosso, aproximou-se e precisou e começou a dar uma prensa no Bola
Sete e precisou ser contido, para não agredi-lo. O guarda, que no COC era
uma fera, um dos mais violentos e agressivos, tornou-se um cordeirinho.
Escondeu suas algemas no bolso e inverteu a posição de sua carteira que
205
levava presa ao cinto, na qual havia um brasão e a inscrição Polícia, que ele
não era. O outro guarda, Ronaldo, o bonzinho da dupla, não foi molestado,
nem se importando com o que estava acontecendo. Eu já não via mais
guardas com bastões nas mãos. Nem carcereiros. Via somente policiais
militares. E os via com satisfação. Fui levado à presença do Oficial de Dia –
Ten. Bueno – um sargento que chegou a segundo tenente, sem cursar
Academia. ‘ce tem identidade perguntou-me. Não senhor, respondi. Tem
dinheiro?. Também não. (deviam ser entregues na Seção Penal os
documentos, para serem devolvidos com a liberdade e dinheiro ficava à
disposição do preso, agora chamado de Interno). Tem alguma coisa que não
possa entrar?. Mais uma vez – não senhor -. O tem. Bueno, homem esperto e
inteligente, oriundo das fileiras, comentou, com um risinho característico –
mais um tijolo. Quando eu sair daqui vou abrir uma olaria – (tijolo era a
qualificação dada a quem nada faz, nada vê parece um tijolo na muralha...).
Fui escoltado até a chamada Sub-seção ou primeiro estágio, pelo Cabo
Abilel, já meu conhecido, pois o mesmo explorava os serviços da Cantina do
Presídio, na qual eu mantinha uma conta para as despesas de meu afilhado.
Era uma parte velha do Presídio, originalmente utilizada para prender
políticos, adversários do regime de então, nos tempos da ditadura militar
(1964-1984). Era dotada de duas celas fortes, no início de um corredor e,
após uma grade/portão, mais quatro celas, coletivas. As celas-fortes eram
usadas raramente como prisão. Nos dias de visita serviam como salas de
encontros íntimos das esposas e companheiras dos presos que
demonstrassem bom comportamento e adaptação ao regime do Presídio. Os
xadrezes comportavam até doze Internos, em seis beliches (com freqüência,
em maior número, com colchões no chão). Cada cela era dotada de pequena
ala separada, contendo pia, vaso sanitário e chuveiro elétrico. No fim do
corredor, uma escada dava acesso a uma cela maior, com oito beliches e
também uma ala separada, como as demais. Todos os xadrezes tinham
armários correspondentes ao número de leitos. Às seis horas da manhã
abriam-se os xadrezes, que eram fechados às dezenove horas. Podíamos
permanecer dentro ou fora deles, ou ficar no pátio ou no refeitório até as
dezessete horas. Fui levado para o X5, aquele maior. Fui bem recebido e
colocado a par das regras da Sub-seção e do Xadrez. Aos domingos, dias de
206
visita, os bancos e as mesas eram levados para o pátio, para recebermos as
visitas. Os mais antigos de cada xadrez podiam usar o refeitório, com seus
bancos e suas mesas, de ferro e fórmica, enquanto os demais eram
improvisados com madeira de caixotes, vindos da cozinha, onde a maioria
prestava serviços, ou fabricados na marcenaria – e vendidos pelo pessoal
que os faziam -. Era permitido o uso do refeitório, nos dias de semana, como
oficinas de artesanato, área de lazer e até mesmo como Capela. No X5 fui
recebido pelo Cabo Sena, tido como chefe do X . Líder nato e profundo
conhecedor da Bíblia, organizava reuniões evangélicas e mantinha o espírito
de confraternização e disciplina, muito embora nem todos tivessem índole
para tanto. Outros ocupavam aquele X, como o Sgt. Antonio (amante da
própria filha, desde que ela estava com onze anos),Sgt. Linhares (este viera do
2º estágio, de castigo, por haver agredido outro Interno, que ofendera sua
família, que é sagrada, nas cadeias), Cabo Pires, Soldado Juvanci, Nilson, da
Polícia Rodoviária, Ramos (que, depois de preso por quatro anos, foi
absolvido pelo Júri, por unanimidade). Apesar de ser halterofilista, era
respeitado não pela força, mas pela simplicidade e humildade. Também era
evangélico. Sena ensinou-me a ser humilde, mandando que eu limpasse, com
escova de dentes, as separações dos azulejos do banheiro. Nos demais
xadrezes estavam, dentre outros, alguns que tinham sido meus
companheiros no COC, como Feres, vulgo Dentinho, e Castro (acusados da
prática de homicídio, juntamente com um terceiro elemento, que foi
absolvido...)Estavam ainda o Turco, ou Sadan (que também estivera na
Penita, junto comigo, quando fui mandado para lá...), Rato e Rocha
(inicialmente, estavam no Romão, porém, encontrados portando armas de
fogo, foram mandado para o COC, de onde retornaram). Estavam ainda
Marcelo, Edmilson, Serjão, Paulo Gerson (que, na Casa de Detenção e depois
no COC, se dizia 2º Sargento, quando não passara de soldado), Reginaldo e
Cícero (condenado a 20 anos, pelo Tribunal do Júri, teve a sorte de encontrar
um advogado honesto, que lhe conseguiu novo julgamento, com nova e menor
condenação – oito anos, já no regime semi-aberto -).
Alojado no X,
porém sem armário, fui tomar meu primeiro banho de chuveiro quente,
depois de vinte e sete meses. Estranhei a temperatura da água e desliguei o
chuveiro. Continuei, com banho frio mesmo, acostumado que estava, como
207
animal condicionado. Cansado, deitei-me em meu beliche, na parte de baixo,
que me fora cedida por Nilson.
SURPRESA - COINCIDÊNCIA – MAIS UMA IRONIA
No dia seguinte, após o café da manhã – café com leite, pão com
manteiga – tive uma grande surpresa, que era inclusive uma grande
coincidência – encontrei-me com L.Gama, ex-soldado da Guarda do 1º
Tribunal do Júri, que participara daquela agressão praticada contra mim e
ordenada por aquele Sargento gordo (até as pedras se encontram). Esse
guarda agora respondia por três crimes de estupro. Era mais uma ironia do
destino – agora ele também estava preso e acabou pedindo e recebendo
minha ajuda, como advogado.
UMA ALEGRE SURPRESA
Fazia três dias que eu chegara. Estava no refeitório, solitário,
pensativo, quando tive uma grata e alegre surpresa por meio de alguns
companheiros que me disseram – fecha os olhos, véinho...- fiz de conta que
fechava os olhos e olhei depressa, em direção às vozes e vi aquele mesmo
rapaz esguio e magricela, que eu vira em cima do telhado do PEPC – era
meu filho-. Levantei-me e nos abraçámos. Meu filho fez-me a advertência de
sempre – não vá chorar ...-. mas eu ria e chorava, ao mesmo tempo. Afinal,
era um re-encontro depois de dois anos sem nos vermos. Conversámos um
pouco e acompanhei meu filho até o X2, onde ele ficaria. Era Deus, atuando
em nossas vidas. E esse novo companheiro, filho de minha própria carne,
daria mais ânimo em minha vida, mais ânimo no velho pai, já desgastado
pelo tempo e pelas agruras que vinha sofrendo.
No X2 havia um negro
alto, forte, apelidado de Andrezão, preso por haver estuprado uma mulher
grávida, ou no estado puerperal, isto é, logo após haver dado à luz, fato esse
acontecido em ocorrência policial a que ele atendera, para socorrê-la. O
crime de estupro é considerado hediondo, e, naquele caso era mais que isso,
era uma atrocidade. Comentava-se que havia outras vítimas. Quando
Andrezão chegou no Presídio levou um pau tão grande, coletivamente, que
quase morreu.
Eu me dedicava a fazer artesanato – pequenas réplicas de
208
pranchas de surf - leitura e passava a maior parte do tempo rabiscando o
que pretendia fosse um livro (este).
Nos dias de visita obrigavam-me a ser o último a tomar
banho e tinha que limpar o banheiro. Nossas visitas eram tiradas em mesa e
bancos que meu filho comprara. Ficávamos muito à vontade. Estávamos
entre amigos. Pelo menos assim pensávamos, mas a verdade era outra,bem
diferente. Nosso próprio colega de mesa era um negro, falso, hipócrita. Era
casado com uma branca, funcionária federal. Também ele havia estado no
COC e viera com aquela leva coletiva. Ladrão contumaz, dizia não ver a
hora de sair para poder roubar. Eu não gostava do que ele dizia e apenas
suportava sua presença porque sua mulher também estudava Direito, no
mesmo ano em que minha filha estava, em outra Faculdade, e as duas
conversavam bastante. Havia um sargento, tido como herói, que não
suportava minha presença. Doía-lhe minha inteligência e meus
conhecimentos. Ele fazia pinturas em madeira, dizia que também iria
escrever um livro e tentava fazer sonetos como eu (eu os fazia em acrósticos,
em menos de vinte minutos, a pedido dos presos, com os nomes de suas filhas,
esposas ou namoradas) e acabou se indispondo comigo (mesmo assim, mais
tarde, eu iria ajudá-lo, indiretamente, a obter absolvição, em Pedido de
Revisão, com um pedido de Justificação Criminal elaborado por uma
advogada, com minha orientação, para dois outros presos, com a qual se
beneficiaria esse sargento e seu colega, os quatro acusados de um mesmo
crime)
PRIMEIRO DESENTENDIMENTO
Tudo ia bem, entre mim e meu filho. Este era muito atencioso,
solícito, respeitoso, e preocupava-se muito com minha saúde. E o tratamento
era recíproco, maior até, de minha parte para com ele. Porém os presos
começaram a tratar meu filho como se ele fosse criança, brincando com ele,
tirando sarro, por causa das freqüentes atenções que eu lhe dispensava. Isso
o deixava irritado, causando-lhe revolta contra mim, a ponto de me dar um
ultimato – “não fale mais comigo “- . Eu estava sentado, quando ele disse
aquilo. Ouvi a admoestação que ele me fizera. Cabisbaixo, contendo-me
209
para não chorar, respondi...”filho, o que você ‘tá me dizendo é muito duro,
muito doído, mas se é assim que você quer, tudo bem...” – e não mais nos
falamos.Ele ficava afastado, no horário do banho de sol.
MAIS UM AFASTAMENTO
Não fazia duas semanas após aquela separação, meu filho aproximouse e disse, em voz baixa – “vou lá p’ra cima, você precisa de alguma coisa ?”.
Respondi para meu filho – “não, obrigado. Só quero um abraço”. Ele
atendeu meu pedido e nos abraçamos.. Ir “lá p’ra cima” significava que ele
estava sendo transferido para o segundo estágio, deixando a Sub-seção,
mudando-se para o prédio da administração, onde o regime era outro,
melhor que o anterior. Havia mais espaços nos alojamentos, o horário de
visitas era mais prolongado, as mesas e bancos eram melhores, debaixo de
telhados, ao contrário da Sub-seção, debaixo de lona mal preso na parede.
Meu afilhado, preso fazia quase quatro anos, já estava no 2º estágio e
trabalhava no computador, após haver passado pela lavagem de bandejas,
de panelas, ajudante de cozinha e garçon dos oficiais. Ele arranjou para
meu filho uma cama no alojamento onde ele estava e um lugar para que
meu filho também começasse pelas bandejas. Ambos recebiam as visitas na
mesa de meu afilhado. (meu filho havia deixado a sua de presente para outros
presos). Eu continuava só, e agora sem mesa, no 1º estágio. Qualquer coisa
que eu precisasse eu pedia a um dos presos do 2º estágio, do outro lado das
grades, que chamasse meu filho. O preso perguntava – qual dos dois ? – e eu
respondia – qualquer um – e poucos minutos depois aparecia um deles, para
saber do que se tratava – algum alimento da Cantina, ou um telefonema para
casa -. Quando era meu filho quem me atendia, ele perguntava com voz de
desprezo, como quem não queria fazer – só isso? – e se retirava., deixando o
local. Eu sofria com aquilo. Mas, de qualquer forma, meus pedidos eram
quase sempre atendidos
(às vezes meu filho simplesmente
respondia, rispidamente – “não vou fazer”).
CONSTRANGIMENTOS
210
Quando eu deixava a Sub-seção, para alguma coisa – ir ao médico,
ao Hospital, à Seção Penal ou ao Parlatório - eu era levado algemado pelo
policial carcereiro-de-dia e atravessava, em passos trôpegos, uma quadra de
esportes, com cerca de trinta metros. Um dia, ao fazê-lo, passei por um
grupo de Internos e ouvi uma voz troante, de um deles, que dizia– vai lá
meu... vai dar um abraço no homem ...ele é seu pai !...- . Parei, na quadra,
para ver quem seria seu interlocutor (eu não enxergava de longe, apesar de
usar óculos). - Era aquele sargento herói dizendo aquilo para meu filho, o
qual relutava, porém, devido à insistência do grupo, agora em
uníssono, acabou acedendo e caminhou em minha direção. O carcereiro,
com voz brava, insistiu – “vamo, véio, vamo andando...”e eu retruquei, em
tom de voz suplicante – é meu filho,um instante só, por favor - Meu filho me
alcançou e me perguntou, sarcasticamente – como ‘cê ‘tá? ‘on ‘cê vai?.Ao
dentista, respondi. Meus dentes estão caindo, pela falta de sol no COC. O
carcereiro já estava nervoso e tive que acompanhá-lo. Meu filho voltou para
o grupo, sob admoestação geral ...
DOIS PESOS DUAS MEDIDAS (de novo)
Marcão era seu nome. Chegou com uns dez ferimentos a bala, na região
das coxas e da virilha, isso porque portava colete à prova de balas, quando
foi levado para o Hospital Militar. Marcão era suspeito de haver
participado de um assalto a carro forte. Isolado na cela forte, era-lhe
proibido falar com os outros Internos. Mas sofria e precisava de atenção.
Condoído de sua situação procurei ajuda-lo, levando-lhe algum alimento.
Fui flagrado por um carcereiro, que pretendeu me denunciar ao Oficial de
Dia, mas desistiu de seu intento porque os outros Internos abraçaram meu
lado, isto é, foram solidários comigo e com Marcão, endossando meu gesto.
Marcão viria ser um grande amigo – e acabaria sendo absolvido das
acusações -.
SURPRESA – UMA “PROMOÇÃO”
Na ante-sala do gabinete dentário, em pé, eu aguardava na fila de
presos. Os que estavam no prédio da administração eram atendidos ns
211
frente dos demais, da Sub-seção. Eu estava mal de sustentando, com
tremedeira nas pernas (eu iria sofrer um segundo infarto dias depois). Aquele
mesmo Paulo Gerson que estivera no COC, levantou-se e me ofereceu lugar.
Dali se podia ver a sala do sub-comandante, aquele mesmo oficial que fôra
ao COC e que fora meu amigo. De repente ele saiu da sala e, ao ver, veio em
minha direção, perguntando-me por que eu estava alio (como se ele não
soubesse.). Até aquele instante eu não havia sido entrevistado quer pelo
Comandante ou pelo sub-comandante, como era obrigatório, na chegada de
um Interno.Ao invés de responder, levantei-me (eu fui bem educado por
meus pais) e me dirigi àquela autoridade – ‘major, eu gostaria de ser
recebido para uma conversa de alguns minutos...”. o major respondeu,
ordenando – “vamos lá agora mesmo”. E iniciou- um diálogo entre nós.
“Qual é seu problema?“, perguntou. Respondi – “Eu pedi para vir para cá
para ficarmos reunidos os três, para facilitar as visitas de nossos familiares.
Isso porque estávamos os três em Presídios diferentes.Agora, no entanto, meus
dois filhos estão no 2º estágio e eu continuo no 1º estágio. Dá quase na mesma.
Minha família tira visita e almoça com meus filhos e só depois das 13 horas
vão me ver. Eu gostaria de tirar visita aqui no 2º estágio, no mesmo horário em
que elas chegassem”. Depois dessa chuva de explicações e argumentos para
justificarem o pedido, o Major foi lacônico – “Vamos ver o que se pode fazer.
Vou pedir seu prontuário. Pode ir”. Encerrou-=se a conversa. Passei pelo
dentista e voltei para meu xadrez. Eu estava embaixo do chuveiro quando
gritaram meu nome. Era o Cabo Abilel, que me ordenou – põe o macacão
que você vai lá p’ra cima” - (esta era a forma para se chamar um preso para
comparecer ao prédio da administração) e o atendimento tinha que ser rápido
-.Eram quase dezoito horas e o expediente estava por terminar. Mesmo sem
me enxugar vesti o macacão (obrigatório para se ir ao prédio) e desci a
escada. PRONTO, sêo Cabo!. E o Cabo ordenou – arruma suas coisas que
você vai subir – Mais do que depressa subi a escada e passei a arrumar
minhas poucas coisas. O Cabo pegou duas das quatro sacolas de
supermercado e disse – vamos embora -. Eu não queria que o Cabo tivesse
trabalho e procurei levá-las eu mesmo - deixa, sêo Cabo, eu posso levar as
quatro -. O Cabo disse – não se importe, eu levo duas, afinal o senhor ‘tá
velho mesmo ...(percebi que ele mudara o tratamento de você para senhor, se
bem que nenhuma diferença fizesse). E deixámos a Sub-seção
e
212
atravessámos o pátio, agora sem algemas (estranhei, mas nada disse), o que
já era um prêmio, uma conquista. Subimos a segunda escada, que dava
acesso ao pátio superior, defronte à capela, no qual havia dois largos
corredores, à direita e à esquerda, que levavam aos alojamentos. Era tudo
muito mais iluminado, diferente da Sub-seção, quase às escuras, com
corredor estreitíssimo.. O Cabo ia adiante, seguido por mim (também
diferente do COC, onde íamos na frente, com mãos nas costas). Eu já me
sentia recompensado. Era um ambiente melhor, pelo menos no aspecto
físico. Chegámos a uma porta, com uma placa com a inscrição – Alojamento
de Oficiais -. Parei diante dela. “Entra aí“ – foi a ordem. Relutei e disse – “aí
não, quero ficar com meus filhos”. O Cabo foi curto – “é ordem do
Comandante”. O Cabo se adiantou e dirigiu a palavra aos que lá se
encontravam – “com licença, senbores, o sêo Florivaldo vai ficar aqui com os
senhores, por ordem do Comandante”” E os homens, alguns deitados,
disseram – “seja benvindo, fique à vontade” e foram se apresentando –
Tenente tal... aquele ali é o Capitão André etc. -. E fizeram perguntas rápidas,
com respostas curtas. Meu afilhado estava lá, sentado em uma banqueta,
entre duas camas, a do Capitão André e outra do Tenente Pereira, que lhe
orientava no aprendizado da Bíblia. Os demais assistiam televisão. Abraços.
Meu filho, avisado, compareceu. Apressou-se em arrumar a cama para
mim. Lençóis limpos, colcha nova. A cama havia sido usada por um
Tenente, também advogado, que falecera de infarto, uma semana antes
(teria havido demora no atendimento...).. Recebi um armário e coloquei
minhas coisas.Ainda me ajeitava quando chegou um Alvará de Soltura,
para um Tenente de prenome Damasceno. Fiquei também com seu armário,
igual aos demais, com dois, à exceção do Tenente Pereira, que tinha três, por
ser o mais antigo do alojamento. Euforia. Novo estilo de vida, na prisão.
MEU SEGUNDO INFARTO
Mas a recepção gentil que eu recebera era pura hipocrisia, como eu
descobriria mais tarde. Nos primeiros dias, no alojamento dos oficiais, eu
comecei um jogo de xadrez com meu afilhado, que havia aprendido com o
Tenente Pereira, o qual, segundo meu afilhado, era o melhor, naquele
Presídio. Então convidei o ex-oficial para jogar comigo. Estávamos quase no
213
meio do jogo quando meu oponente se afastou e foi tomar café. Meu
afilhado aproveitou e mostrou-me uma petição, endereçada ao Juiz das
Execuções Criminais da Justiça Militar. O papel era sem timbre. E não
estava assinado. Li seu conteúdo. Meu afilhado perguntou-me o que eu
achava. Como fôra ele quem me perguntara respondi francamente – está
faltando muita coisa, não tem linguagem jurídica, é coisa de leigo. Então meu
afilhado informou-me que havia sido feita pelo Tenente Pereira, e que ele
era bacharel em Direito. Eu disse – mesmo assim está faltando. Eu estava
quase vencendo, tendo já comido mais peças e aponto de dar um chequemate.O ex-oficial voltou e, sem dizer palavra, espalhou as peças do
tabuleiro, com um safanão. E não quis continuar o jogo nem conversar
sobre a petição. Percebi que dera um fora. Essa atitude continuou por muito
tempo, porém com hipocrisia. E meu filho era contagiado pelos oficiais
presos. Ele, pouco tempo depois de minha chegada, novamente deixou de
falar comigo – havia alguém lhe fazendo a cabeça, isto é, induzindo-o com
mentiras. Eu desconhecia o motivo, mas passei a desconfiar de quem e
porque. Alguns ex-companheiros vindos do COC, que não me apreciavam,
por inveja, disseram mentiras a meu respeito ao Tenente Pereira e ao
Capitão André, com quem jogavam cartas, até altas horas. Essas mentiras
foram repassadas a meu filho, daí a mudança em seu comportamento para
comigo. Tristezas e amarguras ressurgiram e calaram fundo em mim,
causando-me grande angústia, o que motivou meu segundo infarto. Eu
estava passando mal, com muitas dores no peito e muito cansaço,
provocados por entupimento arterial e estresse. Desci até a Sala do Oficial
de Dia. Como a morte do Tenente Grilo havia sido causada pela demora no
socorro, o Cabo Martarello chamou o Oficial de Dia, Tenente Bueno, que
prontamente mandou me levassem ao Hospital Militar, próximo dali. Era
15 de dezembro de1995, quase noite. Em lá chegando fui colocado em uma
maca, onde fiquei em observação por muito tempo (o pessoal estava jantando
e não mais fui atendido). Já era quase meia noite, quando um dos médicos de
plantão, ao passar pela sala onde eu estava, me examinou. Ele disse, em voz
baixa – este homem está morrendo, leva ele p’ra UTI, depressa!
Imediatamente fui levado já meio desmaiado. Fui levado para o elevador e
para a UTI, onde cheguei desmaiado. Providenciaram o que seria
necessário. Devidamente medicado e socorrido, recobrei os sentidos, dois
214
dias depois, com aparelhos e tubos ligados . Pude então vislumbrar um
homem (enfermeiro Jorge) e algumas moças, vestidas de branco, que
sussurravam. Pareciam anjos, naquela sala toda iluminada. Perguntei a
uma delas – como é seu nome ?- e ela me respondeu – Alexandra -. Levei um
susto. Pensei que Alexandra (aquela) tinha morrido e ido para o céu – e eu
também -. Mas a realidade era outra. Depois de mais três dias de
tratamento intensivo fui transferido para um quarto (Detalhe – havia
sempre um policial de guarda). Dali fui levado para fazer cateterismo, no
Hospital Bandeirante, levado por Jorge e Alexandra e uma escolta . Esse
Hospital ficava próximo a meu restaurante e minha mulher e filha
aproveitaram para me visitar. Após a operação minha filha trouxa comida
chinesa, suficiente para cinco pessoas - pa mim, para Jorge e Alexandra,
para o motorista e para o Soldado Pascoal. Parecia um pique-nique. As
pessoas achavam engraçado e não acreditavam que eu fosse um preso.
Chegámos até a receber advertência de uma funcionaria do Hospital.
Terminada nossa refeição retornámos para o Hospital Militar, onde pedi
para receber alta, a fim de poder passar o Natal que se aproximava, junto
com meus familiares. Voltei para o Romão em 23 de dezembro de 1995.
Nem bem cheguei fui até o alojamento dos rapazes. Meu afilhado recebeume com um sorriso. Meu filho, surpreso, perguntou – “ué, que ‘cê ‘tá
fazendo aqui?” Respondi – “Voltei, ora, recebi alta, estou melhor”. E co cluí –
“quero passar o Natal todos juntos – me dá um abraço”. Meu filho se
esquivou e exclamou –“Se você tivesse ficado lá e morrido não ia dar
trabalho”. Fiquei muito magoado e revoltado. Afinal, eu amava meu filho,
lutava por ele e agora era recebido daquela maneira agressiva e hostil.
Contra minha vontade, gritei com ele –“Não fale mais comigo!”. Meu filho
queria me contrariar, continuava falando asneiras. Irritado, insisti –“cale a
boca, não fale mais comigo! Você não é mais meu filho!“ Mas no íntimo eu
sofria com aquilo, tanto pela hostilidade de meu filho para comigo, como
pelo eu estava sendo levado a fazer. E não mais nos falamos, desde aquele
momento. Meu afilhado, que a tudo presenciara, com o tempo e aos poucos
foi aderindo e se solidarizando com meu filho, deixando de falar comigo e
esquivando-se de cruzar comigo, só respondendo quando perguntado. No
entanto, à mesa, quando recebíamos nossas visitas, nós três não deixávamos
transparecer o que estava ocorrendo. Afinal, elas sofriam havia mais de
215
quatro anos com aquelas visitas, no início em prisões separadas, e com as
correrias e andanças de Seca a Meca, atrás de advogados e documentos. E
elas não poderiam compartilhar dos desentendimentos entre nós três. Meu
afilhado passou também a esquivar-se de meu filho. A razão, soubemos
depois – ele era muito influenciado pelo Tenente Pereira, com quem
convivia o dia todo, desde o trabalho no computador, nos treinos de defesa
pessoal (jiu-jitsu e capoeira) até nas reuniões evangélicas. Meu afilhado
estava tentando converter meu filho, que freqüentava reuniões espíritas, na
Capela, promovidas por pessoas das Casas André Luis. Meu afilhado passou
a receber as visitas de Pereira, juntamente com este, fora do prédio da
administração, o que o distanciava cada vez mais de nós. Mas eu e meu filho
conseguíamos sobreviver, cada um por si, mas eu sofria, pelo lado
emocional. E sofria, fisicamente, também, porque era obrigado a fazer dieta
especial, por ordem tanto do médico cardiologista do Hospital como do
médico do Presídio.
UM NATAL DIFERENTE
Apesar de haver sofrido aquele enfarte, eu, para não demonstrar
fraqueza, compartilhei com minhas netas alguns momentos de alegria. Elas
eram militantes do Departamento de patinação artística, no São Paulo
Futebol Clube, onde eu também já tivera alguma participação e haviam
levado seus patins, juntamente com os meus. Mesmo contra a vontade de
minha mulher eu fui até a quadra, e calcei os meus. Amparado pelas mãos
por minhas netas, como se eu não soubesse patinar, ameacei dar os
primeiros passos. Naquele momento todos os olhos se voltaram para mim,
como que aguardando a maior queda, para poderem dar risadas. Mas
estavam enganados – fingindo não conseguir manter o equilíbrio, passei a
dar o maior show, deslizando com leveza, dando giros, saltos, e patinando de
costas, às vezes sozinho, às vezes em par, com uma de minhas netas, ou com
as duas, uma de cada lado. Depois de alguns minutos encerrei minha
apresentação, deixando minhas netas à vontade. Os que me observavam
tiveram que aplaudir ou, depois, me elogiar.Até o cozinheiro Werneck fez
um comentário – se ele está doente do coração, como é que faz aquilo?.
216
VOLTANDO À DIETA
Muito embora as ordens médicas, o cozinheiro, soldado Werneck
(evangélico) e um tal de sargento Batista, faziam de tudo para não me
atender, dificultando minha obtenção de alimentos sem sal. Não existia boa
vontade por parte deles, o que me obrigou a recorrer ao sub-comandante,
que não quis entender minha situação, dizendo-me – “aqui ninguém tem
privilégios e não recebo ordens de médico nenhum...”. Em vista disso
procurei outros caminhos – falei com o Tenente Dutra, Chefe da Seção de
Alimentação, o qual, compreendendo minhas necessidades, autorizou o
fornecimento de meu sustento de vez em quando. Para tornar mais
freqüente - subornei o Werneck – demonstrei interesse em ajudar o filho dele
a consertar os dentes e lhe paguei o aparelho. Dali em diante eu consegui
receber legumes cozidos e bifes, tudo sem sal. Eram meu único alimento
sólido, mas eu estava sobrevivendo, como já conseguira, no COC, onde o
feijão continha de tudo que era estranho e o arroz vinha cru..
OFICIALITE
O alojamento era apenas para ex-sargentos, que se reformavam como
oficiais e oficiais até Capitão. De Major a Coronel, quando ficavam presos,
era em suas próprias Unidades ou no Quartel General. Havia três oficiais,
que não haviam cursado a Academia Militar e sim iniciado suas carreiras
como soldados, passando a sargentos e depois a oficiais, no posto de 2º
tenentes. Serviam apenas para trabalharem no serviço de Oficial de Dia.,
isto é, no atendimento das necessidade e ocorrências diárias e na chefia do
policiamento do prédio. Um deles, de nome Mogyar, era muito atencioso e
solícito, pois fora enfermeiro e se condoía de todos quantos o procurassem.
Outro, de nome Bueno, era muito sisudo, taciturno, sempre de cara
amarrada. Dificilmente era visto um leve sorriso em sua boca.No entanto era
imparcial, exigente e cumpridor de todas as regras que conhecia, mas com
certa moderação.Era considerado pelos Internos, pois não era implicante.
Em contrapartida, havia umTenente de nome Cerromoreno, insuportável,
implicante em demasia, do qual todos se esquivavam. Era tido como
arrogante, por sua maneira de falar, procurando ostentar cultura e
217
conhecimentos que não tinha. Tentava passar uma imagem de homem
austero, rígido, com muita imposição. Certo dia, mais precisamente no dia
25 de janeiro de 1996, feriado em São Paulo, não recebi visitas, pois minha
família fora para Santos, visitar minha irmã. Eu passava pela sala do Oficial
de Dia quando fui chamado por ele. Curioso, ele queria saber por que eu
estava preso ali. Entendi que ele estava interessado em saber os motivos de
meu processo, então dei-lhe uma resposta jocosa e lacônica, ao mesmo
tempo – porque sou rico! – Respondi-lhe assim porque entendi ser uma
pergunta maldosa, além de mera curiosidade. O Tenente se irritou. Disseme – vou perguntar mais uma vez... e me levou até sua sala. Perguntou-me,
novamente, esclarecendo a razão de sua pergunta – se eu não era militar, por
que eu estava naquele Presídio -. Comecei explicando-lhe sobre o complô que
me haviam armado e cheguei até a mencionar o nome de um Juiz, que sabia
da estória toda, do que eu vinha sofrendo havia anos, com os problemas
criados por Alexandra, magistrado esse que se dispusera a servir de
testemunha, tendo realmente comparecido em plenário do Júri. Aquele Juiz
esclareceu aos jurados sobre meus antecedentes filantrópicos e muito de
minha vida profissional e social. O Tenente eriçou-se. Quase se levantando
de sua cadeira perguntou-me, rispidamente – qual é o aspecto desse Juiz ? -,
como se a menção que eu fizera fosse mentira. Retrucando, respondí com
uma pergunta – Por que a pergunta? O senhor acha que eu iria mencionar
um fato desses e o nome de um Juiz se não fosse verdade?. E continuei – 0
depoimento dele está no processo, o senhor pode verificar. O Tenente insistiu.
Diante daquela atitude descrevi, com precisão, as características físicas do
mencionado Juiz. O Tenente voltou à carga com uma observação um tanto
pernóstica – vamos ver. Amanhã mesmo vou ter um encontro com ele e
falar de você(como se ele tivesse acesso a Juízes...) Se você estiver
mentindo vou dar parte ao Comando (parte do quê, perguntei eu, e
pergunto agora...). Eu não entendia a razão daquele comportamento, mas
prossegui em minha narrativa, por solicitação de meu interlocutor.
Mencionei que não tinha o hábito de mentir, pois já usara farda,
demonstrando com as mãos sem nada nas mangas, com divisa nas mangas e
até com algo nas ombreiras (porque eu havia sido soldado do Exército e da
Fôrça Pública, terceiro sargento da Aeronáutica e Capitão da PAB. O
homem não se agüentou- Chamou a atenção do Cabo Mauricio, que
218
datilografava um documento – aí, Maurício, você ..viu o que ele ‘tá falando?
O Cabo, que tinha sua atenção voltada para o papel, perguntou, com
ingenuidade – o quê, sêo Tenente? .O Oficial completou – ele disse que já foi
Oficial!- O Cabo, com toda subserviência a que estava acostumado,
respondeu – ..vi, sim senhor . O tenente exigiu de mim – agora você vai
provar isso que você falou! Se não provar vou pôr no papel! . Diante daquela
exigência insólita, de provar, declarei, incisivamente - Eu não vejo nenhuma
necessidade de provar nada, eu só falei em tom de conversa, mas se o senhor
quiser, eu tenho os documentos em casa.O oficial pensou qe eu estava me
esquivando e insistiu – eu vou dar parte de você! . Levantei-me, fui até sua
mesa, dizendo – me dá uma folha de papel, eu mesmo escrevo, e assino em
baixo. Ele ficou meio desconcertado e desviou o assunto, encerrando a
conversa, que havia durado mais de duas horas (trabalhar, mesmo, que era
bom, nada, ele só queria me “ferrar”).
UM PASSO ATRÁS
E não é que, no Plantão seguinte, daquele oficial, eu tive uma
surpresa? Como era de praxe, logo ao raiar do dia, apresentei- me ao Oficial
de Dia. Ele, que anteriormente tinha sido muito ríspido, abriu um sorriso,
respondendo a meu cumprimento, com certa cordialidade para comigo. E
por quê seria? Simplesmente porque, realmente, ele estivera diante daquele
Juiz, não como amigo, mas oficialmente, e, em conversa, mencionou meu
nome, tendo obtido as melhores informações a meu respeito. E dali em
diante, seu comportamento (hipócrita) de quase amizade, se manteria por
muito tempo...
QUASE REATAÇÀO
No dia 28 de fevereiro de 1996, pouco antes da hora do almoço coletivo,
fui até o balcão da cozinha, para retirar uma panelinha com alguns legumes
cozidos. A pessoa que estava ali, para me atender, era meu filho. Este
entregou-me aquela panela que continha dois bifinhos crus. Meu filho
olhou-me em meus olhos e perguntou –“o senhor quer uma frigideirinha
elétrica, para fritar os bifes?” (meu filho havia ganho esse eletro-doméstico em
219
uma rifa, na semana anterior). Como ele comia da mesma comida dos
oficiais, a quem servia como garçon ele não precisava dela. Eu lhe respondi
–“Não, obrigado, vou comê-los crus, como sashimi”. Parecia um diálogo
entre pai e filho. Na verdade, era uma conversa e um tratamento respeitoso
obrigatório, em decorrência da diferencia que havia entre ambos – um era
Interno garçon e estava atendendo na cozinha, outro era Interno alojado entre
oficiais, com o mesmo tratamento devido a eles. E ficou nisso...
OBSTAÇÃO A BENEFÍCIO
Eu estava ansioso para ganhar o benefício da progressão de meu
regime de pena, de reclusão, no fechado, para o regime semi-aberto. Neste
regime eu poderia sair para trabalhar, durante o dia, devendo retornar ao
Presídio no início da noite, para pernoitar. A Seção Penal e a Seção
Jurídica do Presídio precisavam de alguns documentos, comprovantes do
tempo que eu havia passado nas prisões anteriores. Apresentei pedido
escrito ao Comando, no sentido de que fosse oficiado ao 5o.D.P ., ao 91o D.P.
e ao 1o. Tribunal do Júri, para que tais documentos fossem expedidos. Os
demais comprovantes (do C.O.C. e do próprio “Romão Gomes”), já estavam
em meu prontuário. Os ofícios foram encaminhados pelo Sub-Comandante.
Estranhamente, aquele que foi enviado para o 91o D.P. foi extraviado, isto é,
constava que havia sido recebido por um Delegado, que não pertencia
àquele Distrito Policial, e a resposta não foi fornecida. Foi necessário que eu
fizesse um outro pedido escrito, acompanhado por novo ofício do Presídio.
E, para a retirada do ofício/resposta, uma vez que era quase certo de que
tudo seria feito para procrastinar, foi necessária a ida de minha filha. No 5 o
Distrito Policial aconteceu quase a mesma coisa. O ofício do Presídio foi
recebido, mas nada de resposta. Tornou-se necessária, novamente, a
intervenção do Sub-Comandante, para que o documento solicitado fosse
expedido. Quanto ao ofício para o 1º Tribunal do Júri, foi, erroneamente,
enviado à pessoa do Juiz que havia presidido o julgamento em plenário e
não mais estava naquele Tribunal. Nenhuma resposta. Procurado
pessoalmente por minha filha, o magistrado esquivou-se de lhe fornecer o
documento, tendo dado orientação de que deveria ser procurado o Cartório
da Vara das Execuções Criminais. Minha filha pediu vênia e explicou que,
220
por estar cursando o terceiro ano de Direito, conhecia pouco, mas já sabia
que um processo só é encaminhado à Vara das Execuções Criminais,
quando já há trânsito em julgado da sentença, o que, segundo ela sabia, não
era o caso. E o Juiz do processo tomou conhecimento disso. E o processo
ainda estava na Instância Superior. E o documento acabou não sendo
expedido. Por isso resolvi peticionar eu mesmo e a petição foi levada por
minha filha ao Juiz que estava respondendo pelo 1º Tribunal do Júri (e
respectivo Cartório). Esse magistrado, de nome Dr. Marcos José Silva, em
reconhecendo meu direito, de me ser fornecida a Certidão solicitada,
determinou ao Cartório sua expedição. Eu estava angustiado com a
situação, com a demora, na obtenção dos documentos. Eu precisava deles
para ser submetido a Exame Criminológico, uma das exigências para a
recebimento do benefício ou promoção ao regime semi-aberto. Fui até a sala
da Assistente Social do Presídio, a soldado Fátima. Muito simpática e
querida por todos, por sua afabilidade e solicitude, atendeu prontamente a
meu pedido. Ligou para minha residência, a fim de obter alguma
informação a respeito do andamento de meus pedidos. O telefonema foi
atendido por Elvira, governanta de nossa residência. A assistente só dizia
–“tá bom, ‘tá bom” – e desligou. Transmitiu-me o que havia recebido – que
minha esposa e minha filha haviam ido buscar o atestado e que, se possível,
elas o levariam ao Presídio, naquele mesmo dia. Agradeci e saí. Quando
deixava a sala da Assistente Social, pude ver, na sala em frente, sobre o sofá,
duas bolsas de mulher. Era a sala do Major Sub-Comandante. Reconheci
uma das bolsas. Era de minha mulher. As duas estavam em pé, diante do
oficial, que, grosseira e indelicadamente, estava sentado (O oficial não estava
sendo cavalheiro. Afinal, por lei, a pena não vai além da pessoa do preso, e
eram duas senhoras). Cheguei mais perto da porta e, no mesmo instante em
que encostava a cara no batente, pude ver o Major colocando o fone no
gancho. Ele estava me convocando para comparecer em sua presença.
Minha chegada repentina causou impacto de surpresa nos três. Era muita
coincidência – já as duas estavam chegando no Presídio quando a Assistente
estava fazendo a ligação e em seguida, o Major me chamava quando eu surgi,
à porta, antes mesmo de ter sido chamado pelos guardas -. O documento
aguardado estava sendo entregue ao Major.
221
Nós três fomos dispensados pelo Major e fomos até a sala do Parlatório ao
lado. A minha filha contou-me que, quando a moça do Cartório do Tribunal
(antes de ser determinada pelo Juiz a expedição do documento dissera nada
constar em meu nome, pois “nem mesmo há ficha dele aqui”) quando abria a
gaveta do arquivo e perguntou novamente o nome do interessado, teve um
sobressalto pois uma ficha saltou, dentre as outra. A moça pegou essa ficha e
deu um pulo para trás e exclamou “Incrível ! Não tinha esta ficha aqui
antess, e agora ela quase me pula na minha cara !. E a certidão foi
fornecida...
Juntando a certidão aos outros documentos conseguidos por minha
filha, expediu-se, finalmente, o pedido de realização de Exames
Criminológicos, juntamente com o Atestado de Permanência e Conduta
Carcerária, que comprovava o cumprimento de mais de 1/6 da pena.
A VERDADE SURGE À TONA
Um fato interessante ocorreu, nesses acontecimentos – O novo Titular
do 91º D.P., mandou expedir o Atestado de Permanência e Conduta
Carcerária, referente àqueles dois períodos em que lá estive preso. E,
segundo os apontamentos, minha conduta era NORMAL. Essa afirmação,
constante no documento, vinha contrariar, frontalmente, aquela
“informação” absurda, mentirosa, daquele Delegado Titular anterior, pois,
se realmente eu tivesse ido falar com ele, em sua sala (o que não era
permitido aos presos) e se realmente tivesse dito que iria fugir, na primeira
oportunidade, a informação sobre meu comportamento não seria aquela
que foi informada. Aquela informação de que eu iria fugir, não passava de
grossa e falsa mentira, tendenciosa e maldosa, pois jamais eu diria tal coisa
a meu carcereiro, e, por ser advogado, com uma sentença condenatória de
20 anos de reclusão, com recurso pendente para anular o processo ou o
julgamento, não iria fugir, pois isso ensejaria que tal recurso fosse
considerado deserto ou desistência do recurso. Eu teria, então, que arcar com
a condenação e me esconder, pelo resto de minha vida, o que me privaria de
me encontrar com minha família. E meu filho e meu afilhado, incluídos no
processo e no mesmo recurso, obviamente seriam também prejudicados. E
222
aquele Delegado Titular anterior nada fez constar nos assentamentos de
minha vida carcerária, sobre aquela intenção de fuga. As afirmações
daquele Delegado, enviadas ao Juiz Corregedor, repetisse eram totalmente
mentirosas, e com isso o magistrado, induzido em erro, exarou aquele
despacho absurdo por cujo cumprimento fui mantido, ilegalmente, em
Presídio de Segurança Máxima.
HIPOCRISIA E FALSIDADE
No alojamento dos oficiais havia aquele tal de Capitão André
(condenado a 12 anos de reclusão, por roubo a caminhões de carga, com
outros elementos, seus comandados também ali presos, sendo que ainda
respondiam a outros processos), um 1º Tenente, também condenado por
assaltos (porém continuava na ativa...), um ex–Tenente, condenado a 42 anos
de reclusão, por triplo homicídio, um 2º Tenente, aposentado, ex-Sargento,
com mais de setenta anos, condenado a seis anos de reclusão, pela morte de
seu próprio genro, a tiros, um 2º Tenente, também aposentado, ex–Sargento,
condenado a três anos de reclusão, por tráfico de entorpecentes e um 2º
Tenente aposentado, ex-Sargento, que aguardava julgamento, por tentativa
de homicídio, a tiros, contra um jovem desarmado, por questões de trânsito.
Todos eram liderados pelo Capitão preso, à exceção daquele ex-Tenente
mais antigo no alojamento. O Capitão não queria a presença de civis em seu
alojamento e era acompanhado pelos demais. Demonstração evidente dessa
atitude, velada, de tais “oficiais” foi a retirada, por ordem do capitão preso,
daquela placa que estava afixada na porta. Ele dizia – “se tem civil aqui
dentro não precisa essa placa“. E mais - a mesa no refeitório, com oito
bancos fixos a ela, em ala separada dos demais Internos, tinha sobre ela um
diedro de madeira, com os dizeres “mesa oficiais”. A mesa foi removida, por
ordem do Capitão preso, por um dos elementos de sua “gangue” e
substituída por uma mesa com apenas seis bancos, um para cada oficial.
Assim, não sobraria lugar para mim. O Capitão preso era um verdadeiro
“porco”. Vivia arrotando, principalmente quando alguém estava comendo
perto dele. Era o filhinho caçula, mimado, parecendo um Pequeno Príncipe.
Destituído do comando de companhia militar, pretendia, agora, ser o Chefe
do alojamento. Fazia de tudo para que o Pereira (mais antigo) fosse
223
embora, para o prédio externo, e contava com isso, com a ajuda
subserviente do ex-Tenente Lima, que agia ainda como se fosse Sargento,
todo cheio de mesuras e salamaleques para com o “Seo Capitão”, como ele
chamava seu superior. Sua submissão era tanta que Lima fazia o café,
várias vezes ao dia (por ordem do Capitão...) e levava a primeira porção a seu
superior, a quem entregava na cama, com uma curvatura de tronco. Era
demais o puxa-saquismo. Quando jogavam cartas, se alguém desconfiava
que o Capitão estava roubando – e geralmente estava, com cartas a mais - o
Capitão, imediatamente recolhia todas as cartas, para evitar a contagem e
recomeçava a distribuição, impondo – “vamos começar de novo!” – Os
demais eram verdadeiros títeres, com exceção do Pereira, que quase não
permanecia no alojamento, pois trabalhava na Administração. O
capachismo de Lima para com o Capitão era tão grande que ele servia até
de cão-de-guarda ou segurança, tomando conta da porta do banheiro
coletivo, para impedir a entrada, durante as visitas que a mulher do Capitão
lhe fazia ali, pois ela não queria submeter-se ao vexame de compartilhar
com outros a mesma cama que era utilizada pelos demais, nos momentos de
visita íntima, gozados na Ala, especial para aquela finalidade.
TRANSFERÊNCIA “FACILITADA”
Eis que no dia 1º de março de 1996, uma sexta-feira, à tarde, chegou
ao “Romão”aquele mesmo judeu ladrão, Michel, vindo do C.O.C.. Apesar
de estar com várias condenações por assaltos, totalizando vinte e quatro
anos, e sem que as mesmas tivessem sido unificadas, Michel conseguiu obter
o benefício do regime semi-aberto (foi concedido pela somatória, dizia ele) e,
em conseqüência, a transferência para o “Romão”. Como ele não era
advogado, nem havia sido policial, todos estranharam essa transferência.
Mas, segundo ele dizia, seu irmão era “muito amigo” daquele Juiz
Corregedor (o mesmo que a mim negara e havia feito aquela afirmação de
que eu era elemento de alta periculosidade). Mas Michel alegava que era 2º
Tenente do Exército, pois “havia feito o C.P.O.R., quando cursava
Economia”. E por esses motivos ele deveria ser instalado no alojamento dos
oficiais. Antes de sua chegada o mesmo ambiente hipócrita – “aqui não é
lugar dele” – “ele que vá lá para sub-seção!” – e outras expressões, ditas pelo
224
“Capitão” e por seus “Sargentos”. O “Tenente” Muniz era um dos mais
revoltados. De repente chega Michel. É apresentado por seu escolta. Todos
se travestiram de homens normais – “muito prazer” – “seja benvindo”.
André não se manifestou. Ficou deitado em sua cama, lendo. Não deu a
menor importância para o recém-chegado. Foi preciso que eu fizesse as
apresentações – “este é o Capitão André” – “André, este é o Michel”. “ele já
morou nos Estados Unidos”, completei, para fazer com que André mudasse
de atitude, uma vez que ele estava estudando inglês, com minha ajuda, e
agora poderia ter uma outra pessoa para ajudá-lo. E realmente esse detalhe
despertou a atenção de André, que se levantou e foi cumprimentar Michel.
Como Michel não havia tomado qualquer refeição, tendo chegado depois do
horário do rancho, fomos até a cantina, onde eu paguei um lanche para
Michel, que chegou sem dinheiro. Eu tentava e me esforçava em ser
amistoso. Enquanto Michel guardava suas coisas em um armário, nós
conversávamos em inglês. Isso causou indignação e revolta nos velhos
“Tenentes” Lima e Muniz. Este, após a saída de Michel para o banheiro,
admoestou-me para que não mais conversássemos em língua estrangeira
(nem sabia qual era), desconhecida para eles, pois no assunto podia-se falar
mal deles e também porque “era proibido por lei” (referia-se ao tempo da
guerra mundial). Eu concordei, em termos. Na segunda feira, pela manhã,
fui até a Seção Penal e pedi ao Capitão Edson uma autorização para
conversarmos em inglês, eu, o Tenente que estava na ativa, e Michel, para
“treinamento” do aprendizado, ou prática de aula. Fui autorizado, porém
“só dentro do alojamento”. E os três “tenentes” calaram-se, quando ouviram
outros conversando em outra língua. Tudo ia aparentemente bem. Porém,
na manhã do quinto dia após a chegada de Michel, como sempre madruguei
e fui ao banheiro, fazer ginástica calistênica, defronte ao espelho, numa
distância de mais ou menos dois metros. Esse era um de dois que estavam
pregados acima de duas pias. Michel aproximou-se e passou a usar aquela
pia diante da qual eu estava e não a outra. Afastei-me e, com a mão, apontei
para a outra, pedindo que Michel usasse aquela. Michel não deu atenção e
continuou. Fiz o mesmo, com meus exercícios. Michel insistiu para que eu o
deixasse à vontade. Acabei cedendo. Com a mão, apontando para a pia,
disse: - “a vontade”. Michel continuou: - “fica mais para trás senão vai dar a
impressão que você ta me enrabando!”. Eu disse: - “mas não estou”. Michel
225
agia assim porque, nas prisões pelas quais passara, desde os Estados Unidos
realmente fora enrabado, como ele mesmo dizia. Michel levantava o tom de
voz, para que eu o deixasse sozinho, no banheiro. Pensei: - “se eu ceder
agora, ele vai crescer em cima de mim”, e para não ser subserviente e ficar
inferiorizado, continuei o que fazia, respondendo: - “eu cheguei aqui antes”.
Michel deixou aquela pia e saiu do banheiro, nervozinho. Voltou, alguns
segundos depois, todo irritado. Vestiu seu macacão e saiu para o café da
manhã. Fiquei sabendo, depois, que Michel estava fazendo o jogo dos
oficiais, mais por instigação daquele “Capitão” . E o Capitão também
servia-se disso para criar um atrito entre mim e Michel, de modo que nós
dois fôssemos mandados embora daquele alojamento -.
E MEUS DENTES “SE FORAM”...
Eu já estava idoso e bastante debilitado pela vida na prisão,
necessitando de visitas freqüentes ao Hospital e ao dentista. Se tivesse
continuado no C.O.C. certamente teria morrido pela falta de assistência. No
“Romão”, porém, o tratamento era diferente, mais humano, pelo menos em
relação a idas ao Hospital, se bem que isso incomodasse alguns oficiais –
“pô, esse cara só vai pro Hospital Militar, ele pensa que isto aqui é o quê?”. –
No entanto, os oficiais de dia, que haviam sido Sargentos, eram mais
solícitos. Tanto o Tenente Cerromoreno, como o Tenente Bueno e
principalmente o Tenente Mogyar (que havia sido enfermeiro),
encaminhavam prontamente, qualquer preso, que necessitasse de
atendimento, a qualquer hora do dia ou da noite, fosse caso de saúde ou de
dor de dentes. E comigo eram mais atenciosos, como já foi dito, para que
não acontecesse o mesmo que acontecera ao Tenente Grilo. Por sinal, passei
a ocupar a cama que fora desse oficial, o que era causa de brincadeiras, por
parte dos demais ocupantes do alojamento. Nesse sistema de tratamento
houve uma exceção – Necessitava e pedi para ir ao Centro Odontológico,
para restaurar uma obturação que havia caído, no C.O.C. (era sempre
aquele mesmo dente). Fui atendido pelo dentista Capitão Pesqueira, que
recusou fazer o encaminhamento e sugeriu que se fizesse a extração.
Inconformado, procurei outro dentista, no dia seguinte, o Tenente Faustino,
que, sabedor da minha situação, entendeu que deveria ser providenciado
226
material para aquele serviço. Malgrado seus esforços o material não
chegava. Pretendia eu adquiri-lo, por conta própria. Não era permitido. As
chapas tiradas ficavam queimadas. Foi preciso que me levassem para o
Centro Odontológico, apenas para tirar uma chapa. O dentista Tenente
Faustino procurou refazer o canal, mas o dente continuava causando
inflamações e dores. E ficou nisso...
APROXIMA-SE O “DIA DAS MÃES”
Segundo informações de minha filha, havia um recurso que deveria ser
remetido para Brasília. Ora, já fazia mais de quatro anos que meu filho e
meu afilhado estavam presos. Nós três já havíamos cumprido mais de 1/6 de
nossas penas. Podíamos pedir o benefício da progressão do regime de pena.
Afinal os dois já tinham ultrapassado mais de ¼ da pena. Os dois já haviam
feito os necessários exames criminológicos, com resultados favoráveis
(exames feitos para avaliação das personalidades e do comportamento).
Aguardavam a expedição da Carta de Encaminhamento, ou a guia
provisória, eis que a definitiva somente poderia ser expedida com os autos
no Cartório de origem. No dia 12 de março de 1996 fui levado para fazer
aqueles exames, para aquele mesmo objetivo que seus filhos – receber o
benefício do regime semi-aberto. Com essa mudança no regime prisional
poderíamos sair do Presídio, para trabalhar, mediante fiscalização do
serviço Reservado (P2) do Presídio, para onde deveríamos retornar para
pernoite.
Quando saía do Presídio, para ser levado ao Hospital Militar, eu fui
surpreendido com a presença de minha filha, na portaria do Presídio, que
chegava para conversar comigo. A viatura parou para declarar a finalidade
da saída e minha filha aproveitou esse instante para dizer-me que eu
deveria assinar uma petição desistindo do prosseguimento do recurso e
pedindo que os autos voltassem à Vara de origem, Isso seria a única
maneira de impedir que os autos fossem remetidos para Brasília, onde
ficariam de seis meses a dois anos para serem apreciados e julgados.
Somente após o julgamento e as publicações e outros atos cartoriais é que
voltariam para São Paulo. aí então poderíamos receber a Carta provisória,
227
apesar de insistentemente pedida. (outros presos, às centenas, conseguiamnas mesmo antes do trânsito em julgado). E com essa procrastinação nós s
três continuaríamos presos, sem podermos pedir aquele benefício. E mais –
no caso de um eventual pedido de revisão do Processo, esse somente poderia
ser formalizado com certidão de haver a sentença transitado em julgado condição legal “sine qua non” para o recebimento, preliminarmente, pelo
Desembargador Relator. E nó três, muito mais os rapazes, não
poderíamos, não queríamos e não deveríamos esperar tanto tempo. Eu
abriria mão de decisão que certamente seria favorável aos três, porém com
muita demora e, sentindo-me constrangido pela situação (se insistisse para o
recurso subir para Brasília, iria fazer com que os dois rapazes continuassem
presos no regime fechado. E ambos já haviam desistido daquele recurso)
concordei com minha filha e pedi-lhe que ela fosse até o Hospital Militar. Ali
eu preencheu à mão, uma folha petição e assinei, pedindo a um dos Internos,
que estava retornando para o Presídio (Reginaldo) que a entregasse a minha
filha. Como a psicóloga que deveria realizar a primeira entrevista não
compareceu, eu não pude passar pelo exame, que foi adiado. Estava
deixando o Hospital Militar quando minha filha surgiu, trazendo uma fita,
impressa em computador, com os mesmos dizeres daquela folha que eu
manuscrevera. Era para eu assinar. Eu não queria contrariar a pretensão
da família, de minha mulher, de minha filha, nem os interesses dos rapazes.
Quando me apoiei na mesa da portaria meu filho aproximou-se e falou no
meu ouvido – “assina na mesa do Capitão V., que ele vai reconhecer sua
assinatura”. Eu dirigi-me até a sala indicada, na presença daquele oficial,
então no Sub-Comando do Presídio e no impedimento (ausência) do
Comandante, reconheceu a minha firma. Minha filha saiu com o documento
e se dirigiu velozmente ao Tribunal, para impedir que se remetessem os
autos para Brasília (o Cartório estava aguardando, até as 15 horas daquele
dia, e já passava das 13horas) pois deveriam ser remetidos nesse mesmo dia.
E assim, eu, abrindo mão de meu direito de ver anulado aquele processo ou
a sentença proferida no julgamento pelo Tribunal do Júri, abri mão
também de outros direitos, apenas para não mais ver os rapazes
continuarem numa situação de presos, inocentes, e impedidos de receberem,
pelo menos aquele benefício.
228
No pedido de Revisão do processo seriam apontadas as falhas,
irregularidades e nulidades ocorridas, para que o processo e/ou o
julgamento fossem anulados. Se se anulasse o processo, como deveria ser
feito, anulando-se-o desde aquela Portaria de Inquérito, forjada, tudo teria
que ser refeito, com novas diligências e investigações responsáveis, para o
indiciamento dos verdadeiros autores dos crimes e assim, nós três,
falsamente acusados, seríamos inocentados. Se se anulasse somente o
julgamento – principalmente em relação a mim, que tinha direito a novo júri,
em razão da pena imposta, de vinte anos - certamente que nós três, então com
defensor idôneo, não venal, não desidioso, não ignorante, teríamos decisão
favorável, diversa daquela que nos condenou, pois os novos jurados teriam
oportunidade de conhecer as tramas que a Polícia engendrara, para
incriminar alguém, como era nosso caso.
Na noite daquele dia 12 de março, em cuja tarde eu havia assinado o
pedido de desistência de meu recurso, para poder facilitar, meu filho
adentrou o alojamento dos oficiais, segurando um pedaço de mamão,
dirigiu-se a mim e disse: - “’e pro senhor fazer vitamina. O senhor tem mais
frutas?” Eu fiquei estático, sem falar. Depois de alguns segundos respondi: “tenho maçãs”. Meu filho continuou – “tenho neston e aveia, quer?”. E eu
completei sua resposta: - “eu levo até o alojamento.Lá eles têm e fazem p’ra
mim”. E meu filho, sempre solícito, pegando de volta o pedaço de mamão,
disse: - “deixa que eu faço” e saiu. Eu tomei da caneta e imediatamente
registrei esse fato – eram 18,30 hs -. E fiquei aguardando, feliz a volta do
meu filho... que retornou com meia jarra, mais de três copos, entregando-a
para mim.
Na mesma noite, mais tarde, após a chamada das 21,30 hs, meu
afilhado também entrou no alojamento, portando uma jarra completa de
vitamina. Tomou um copo, ofereceu a dois Tenentes que lá estavam... e não
me ofereceu. Fiquei só observando...
No dia seguinte eu fui novamente levado ao Hospital Militar, para ser
submetido aos Exames Criminológicos. Devido ao fato de terem sido adiados
no dia anterior, fui imediatamente atendido, quando lá cheguei. Iria ser
229
entrevistado por uma psicóloga de nome Simone. Quando entrei em sua sala
deparei-me com uma jovem morena, muito bonita, que me convidou,
gentilmente, a sentar-me. Irradiava simpatia, com um sorriso largo e
sincero. Eu me senti à vontade. Esperava encontrar uma pessoa mais velha,
ranzinza, e ao contrário, surgia-me à frente a figura do que poderia ser
chamada de um anjo. Ao preencher uma ficha, na qual fiz constar ser
portador de diploma universitário e a profissão de advogado, a
examinadora saiu por uns instantes, para convocar para participar da
entrevista a Dra. Nadia, jovem esposa do Major Dr. Eça, Diretor daquele
Centro Psiquiátrico. Feitos os preenchimentos do quadro com figuras (teste)
passou-se à segunda parte, ou seja a entrevista, propriamente dita, para
avaliação da minha personalidade – (ao contrário daquela simples
informação telefônica, falsa, prestada pelo Delegado do 91DP, que resultou
naquele despacho infeliz, exarado por Juiz não perito no assunto de
psicologia, que me definia como elemento perigoso). Desta vez, perante duas
pessoas realmente conhecedoras da matéria, eu falei à vontade, respondendo
com detalhes as perguntas que inteligentemente me eram feitas. Emotivo,
chequei a chorar, em algumas passagens que narrava, e percebi que era
acompanhado na mesma emoção pelas duas examinadoras, tão grande era o
sentimento, verdadeiro, que ao mesmo tempo que eu sentia, transmitia. A
Dra. Simone me tranqüilizou, com palavras de apoio e incentivo.
Eu tentei contar a elas, de forma reduzida, o que vai neste livro, cujo
manuscrito, por sinal, estava comigo e foi exibido às mesmas. Perguntado o
que pretendia fazer, se e quando conseguisse sair da prisão, eu fui incisivo –
‘quero editar meu livro, pedir a revisão do Processo e demonstrar nossa
inocência...”. Aproveitei a oportunidade para lhes contar sobre a
perseguição que vínhamos sofrendo, não só por parte da polícia, como ainda
de alguns membros do Ministério Público e até de alguns juízes, que se viam
influenciados e sugestionados, por que não dizer induzidos, pelos diversos
complôs que haviam sido armados contra mim e meu filho, envolvendo,
indiretamente, meu afilhado e filho de coração Contei que meu afilhado era
o preso mais querido e respeitado no Presídio, tanto pelos militares de
serviço, desde os soldados até o Coronel, e também pelos Internos, pela boa
formação que havia recebido. Foi um exame que demorou exatamente duas
230
horas (a informação telefônica do Delegado Titular do 91º DP demorou
alguns segundos...). Completei minha entrevista afirmando que iria
informar a todos os jovens do mundo o que estava se passando conosco....
(este Livro)
SANDICE E SADISMO DE UM SOLDADO-ESCOLTA
Após a realização dos exames, minha escolta, feita pelo soldado
Alcôncio (antigão, quase a ponto de atingir a reforma, puxa-saco de oficiais)
estava puto da vida, porque ele não fazia serviços comuns como aquele, e
porque já passara da hora do rancho. Ele precisou chamar uma viatura do
Presídio, para nos pegar, pois aquela que nos levara não pôde esperar, por
causa da demora. Para chegarmos até o telefone tivemos que caminhar mais
de duzentos metros, até o prédio principal, em cuja entrada deveríamos
aguardar. Defronte havia um trailer, usado como lanchonete. Pedi-lhe para
irmos ambos até lá. Bastava atravessar o espaço de 10 metros, para
tomarmos um lanche rápido, pois eu tinha fome., em jejum desde a manhã ..
Alcôncio recusou. Disse que deveríamos comer no Presídio. Eu me levantara
às cinco horas e estava em jejum. Eu insistia, porém com tato, para não
criar caso e criar dissabores. Treze horas, treze e trinta, nada de
viatura.Novo chamado. A viatura estava quebrada, era a
informação.Teríamos que esperar mais um tempo. E minha fome
aumentava. Fiz novos pedidos. “não enche o saco, véio, não pode!”. Então
mostrei-lhe as mãos, que tremiam. O soldado continuava impassível e
irredutível. Apoiei-me nas pernas, sentando-me sobre os calcanhares. Então
eu disse – “quando a viatura chegar vocês vão ter que me levar carregado, pois
estou com fraqueza”. Peguei minha caneta e anotei o nome do soldado, que,
ao perceber aquele meu gesto, perguntou-me qual a razão. Respondi-lhe
com sinceridade – “vou colocar em meu livro que você não me deixou comer.
Isso é privação de alimento, é tortura da fome, é um pecado, pois a Bíblia
ensina para dar de comer a quem tem fome...”. O soldado disse – “pode pôr o
que quiser, não vou e não levo você lá...e ‘tá ‘cabado...”. Porém nem um
minuto depois, disse, abrandando o tom de voz- “’tá bom, vamos lá, assim
você não enche mais o saco”. E fomos. Porém essa nova conduta não era
nenhuma gentileza ou liberalidade dele e sim porque lá no trailer estavam
231
outros do Presídio, como o soldado Soler, enfermeiro do Presídio, que
escoltava o Interno Reginaldo, levado para exame idêntico ao meu, também
adiado no dia anterior (era o mesmo que levara o papel para minha filha). E
tomámos lanches, sem qualquer problema. Pedi um suco de melão, cujo
sabor até já havia esquecido. Quase meia hora depois chegou uma viatura
do Presídio – não aquela que fôra solicitada pelo soldado Alcôncio, mas outra,
que fora levar um Interno para ser atendido -.
A FAUNA DOS PRESÍDIOS
Existem, nas cadeias, os mais diversos tipos de presos. Alguns são
execrados pelos demais e até pelos funcionários, guardas e carcereiros – são
os estupradores, os alcagüetas, os gansos, os policiais que ainda não foram
excluídos e os homossexuais. O do primeiro tipo, que praticam crime contra
uma pessoa, acabam traumatizando não só a vítima, freqüentemente menor,
mas também sua família e toda a sociedade. Esses, quando caem ou num
Distrito Policial ou em qualquer outra cadeia, recebem o castigo, talvez não
da Lei Divina ou da Lei dos Homens, da Lei da Sociedade, mas sim da Lei
da Cadeia, que é a Lei do Cão. Além de levarem surras dos guardas e
carcereiros, de apanharem com barras de ferro ou de madeira, apanham
também dos presos, quando não são mortos, e, muitas vezes, acabam
passando, pela mesma situação de suas vítimas, servindo de pasto para
vinte, trinta e até mais presos. E acabam virando mulherzinha deles ou
morrem. São obrigados a depilarem as pernas, o tórax, as axilas, a usarem
calcinhas e sutiãs e servem a um ou alguns machos, os quais, com alguma
freqüência, os alugam a outros presos ou os transferem, como pagamento de
dívidas de jogo ou compra de drogas. Eu soube, por ouvir dizer (seria
confirmado pelos jornais) de alguns casos, que teriam ocorrido na Casa de
Detenção, de presos que, para pagarem dívidas, ocultaram em suas celas,
após a visita, suas mulheres ou filhas, , para entregá-las a seus credores.
Os ex-policiais são vistos pelos presos comuns como inimigos
naturais. Apanham dos presos a toda hora, quando também não são mortos,
trucidados por quase nada, apenas pelo fato de terem sido policiais. Com os
gansos acontece a mesma coisa – são detestados porque se passam por
232
policiais, servindo como auxiliares dos policiais reais. Eles não podem
dormir, com receio de serem surpreendidos e sofrerem algum tipo de
agressão. Não comem qualquer comida, com medo de serem envenenados.
ESSE ERA O RESULTADO PRETENDIDO POR AQUELE DELEGADO,
quando colocou meu filho, ainda Investigador de Polícia, no corró e quando
ameaçou de colocá-lo nos xadrezes comuns, no meio daqueles 112 já
condenados por homicídio, presos na Cadeia Pública do 5º DP. Ficou
patenteado que, com aquela ameaça, quase efetivada, feita a mim, seria mais
fácil, mais científico, obter, como obteve, aquela minha confissão.
O tipo mais pernicioso de preso entre os encarcerados é o alcagüeta
ou cagüeta, no jargão comum. Para receber pequenos favores e gentilezas
dos guardas e carcereiros, ou dos próprios presos, mais fortes, fisicamente,
ou mais influentes, delatam seus próprios companheiros, vendem até a
mãe,pelas infrações, pequenas ou grandes, que são praticadas. Se o
alcagüeta Delata um preso para outro preso, mais forte ou mais influente, o
delatado pode ser vítima de gelo, ou isolamento e desprezo, com os demais se
esquivando do delator, se a alcagüetagem for pequena. Se o erro ou a falta
for de maior gravidade, dependendo de sua tipificação, como na Lei dos
Homens, o delator passa por uma espécie de tribunal, que o julga e condena.
A pena pode chegar à morte. Se o delator aponta algum companheiro aos
guardas, por uma infração pequena, o delatado sofre punição pequena ou
grande, variando. E o delator, quando descoberto em sua estultícia, para
evitar que seja surrado ou morto, é separado pelos guardas e colocado no
que se chama de seguro, isto é, vai para outra ala ou pavilhão e fica isolado
em uma cela ou até mesmo é transferido para outro Presídio
O COC é um dos Presídios que recebe em uma ala, chamada de
Administração, aqueles presos delatores. (contudo nada evita a punição, só
retarda, porque preso delatado não esquece... ).
Um outro tipo, também separado dos demais, é o “justiceiro”
chamado de “pé-de-pato”(lembram-se do incidente no 5º DP ?), que são os
matadores, com mais de uma vítima. Geralmente começam a matar por
questão de honra, por vingança. Depois, matam por dinheiro ou como
233
pagamento de favores. E os há de todas as origens.Muito são originários da
própria Polícia, civil ou militar. Outros, vêm das regiões mais pobres, do
norte e do nordeste do país, especialmente para esse fim, ou já moram nas
grandes capitais. Na maior parte dos crimes que praticam os motivos foram
e ordem moral. Tiveram familiares ou parentes mortos ou ultrajados e
agem em represália. No COC havia alguns deles que tiveram suas esposas
ou mães ou esposas violentadas, e, apesar de serem homens humildes,
trabalhadores, desvalidos da sorte, foram forçados a matarem os autores
dos crimes praticados contra seus familiares. Também não podem conviver
com ladrões ou estupradores. São hostis, uns para com outros. São inimigos
naturais. E, justamente por serem hostilizados pelos demais, o Delegado
NSN jogou-me no corredor dos xadrezes do Distrito do qual era Titular,
com aquela apresentação, dizendo que eu era um “pé-de-pato”, pretendendo,
com a falsa informação, que os presos me maltratassem pelo que eu não era
e nem sequer sabia o que fosse. Com aquela apresentação fiquei mal visto,
no início. E fiquei também impressionado. Jamais pensei que um dia um
Delegado, bacharel em direito, fosse agir daquela maneira com alguém, e
mesmo comigo, também bacharel, idoso, cardíaco. Da mesma forma pensou
o Desembargador, relator em pedido de habeas corpus, negando a
concessão. Por isso, quando o Delegado, naquele dia 10 de fevereiro de
1992, ameaçou de “jogar meu filho p’os leão (sic)” eu, antevendo o perigo
que meu filho corria, acabei cedendo e rubriquei em trêmulos garranchos,
aquela minha confissão...
NO ROMÃO ERA IGUAL
No Presídio Militar não era diferente. Havia alcagüetas em
quantidade, baba-ovos idem. Aquele ex-sargento, tido como herói por ato de
bravura que praticara, estava condenado a 12 anos de reclusão, no regime
fechado, acusado de haver praticado duplo homicídio. Era considerado por
todos como sendo arrogante, por seu modo e vozeirão, no tratamento e no
falar com os companheiros. Era, em verdade, muito encrenqueiro, gritão,
prevalecendo-se de seu grande porte físico. Discutia por nada, quase
chegando às vias de fato, com qualquer um que se lhe opusesse em sua idéias
ou pretensos, que fosse preso, porém não superior a ele. Queria sempre os
234
melhores lugares. Queria sempre estar em destaque. Agis com se ainda fosse
o sargento, que tinha alguns subordinados a seu serviço. Mas, apesar de
tudo, era tolerado. Certa noite, no alojamento dos sargentos, esse Interno,
que não havia contribuído com sua cota para conserto de um aparelho de
televisão, de uso coletivo, exigia e impunha que se sintonizasse em canal que
exibia um filme de sua preferência, enquanto que os demais, que haviam
pago, queriam ver um jogo, disputado entre São Paulo e Ferroviária. E a
maioria, não vencia. Ninguém queria se indispor com ele. Os demais
Internos, sub-tenentes e sargentos, foram obrigados por ele a verem,
contrariados, o que não queria ver, enquanto que ele, um só, refestelado em
sua cama, se divertia, vendo o jogo em pequena televisão de bolso (proibida,
mas que era ocultada quando das revistas). E essa atitude irritou a todos,
mesmo os mais complacentes. Na manhã seguinte, um ex-sargento, chamado
de Bombeiro, dirigiu-se à Seção Penal e, por escrito (isso não era
alcagüetagem) , reclamou dos fatos da noite anterior, narrando, com
detalhes, o ocorrido. Chamado pelo Capitão Edson, Chefe da Seção Penal,
para justificar sua falta (manter em sua posse aparelho não permitido pelo
Comando), o sargento infrator desfilou (cagüetou) uma série de
irregularidades que estaram sendo praticadas por todos, nos demais
alojamentos, como gambiarras ou ligações elétricas clandestinas, que os
Internos usavam para verem televisão além do horário normal de
desligamento, nos alojamentos, permanecendo apenas nos corredores e nos
banheiros (no alojamento dos oficiais também as havia, porém eram toleradas
pelos Oficiais de Dia). Delatou ele também a existência de rabo quente ou
seja uma resistência de chuveiro, na ponta de dois fios, usada para se
aquecer água para se fazer café, chá e até para cozinhar miojo. Foi uma
cagüetagem geral. Em razão dela o Chefe da Penal, autorizado pelo subcomandante, determinou o desligamento da luz, no horário habitual,
inclusive nos banheiros, acabando com os banhos quentes, nesse horário.
Ninguém mais iria preparar qualquer alimento, fazer café, tomar banho ou
ver televisão. Era 15 de março de 1996. E ainda foi passada uma ordem
geral – a partir da segunda-feira seguinte não mais seriam permitidos
alimentos nos alojamentos, com exceção de frutas e biscoitos. Liqüidificadores
e qualquer outro tipo de eletro-domésticos eram proibidos. Leite crú, leite em
pó, aveia, flocos de milho, mel e muitos outros, permitidos em outras cadeias,
235
passaram a ser também proibidos. Com aquele comportamento dos dois
gerou-se um clima de mal estar, indignação e revolta. O “Bombeiro” era o
mais visado por todos, principalmente porque o sargentão, para se esquivar
das responsabilidades pelo ato que praticara, expunha, aos gritos, no
corredor e no alojamento, para ser ouvido por todos, que o “Bombeiro” fôra
o causador de tudo, dizendo – “se ele não tivesse comunicado, nada teria
chegado ao conhecimento do Capitão da Penal” e prosseguia – “eu não teria
dito nada que viesse prejudicar todo mundo”. E o sargentão saiu-se bem
daquela situação, tendo jogado as responsabilidades sobre o sub-tenente,
que ficou como único e exclusivo alcagüeta, a merecer castigo dos presos.
Mas todos sabiam que não fora ele, e nada mais aconteceu.
SOFRIMENTO POR TABELA
Por causa daqueles fatos e das punições coletivas, eu seria um dos
grandes lesados. Eu não comia a comida do rancho, por ser gordurosa e
salgada, uma vez que eu tinha problemas cardíacos. Senti-me prejudicado,
porque fui privado de minha alimentação dietética, mais à base de alimentos
macrobióticos – grãos, aveia, flocos de milho e outros, além de frutas, com
as quais preparava vitaminas, batidas em liquidificador existente no
alojamento dos oficiais presos. Porém a duração do castigo para os oficiais
presos foi curta. No dia seguinte já lá estavam de volta os aparelhos
proibidos. Michel, André e Muniz tinham desde barbeadores elétricos até
rádios e “rabos quente” (pois André não podia ficar sem seu cafezinho,
sempre preparado e servido por seu sempre fiel bajulador...)Até o
liquidificador voltou da Seção Penal, juntamente com outros aparelhos,
levados por alguns soldados. Contudo, nos demais alojamentos continuou o
mesmo. Em poucos dias, uns e outros foram conseguindo reaver seus
aparelhos. De nada adiantou a cagüetagem do sargentão. Este, para ficar
bem situado, apesar de ser sargento, passou a fazer faxina no corredor do
andar térreo, junto às sslas de administração – comando e secretaria -.
Assim, ele seria visto pelos oficiais, aos quais cumprimentava com largos
sorrisos, até que conseguiu adquirir o computador do ex-tenente Pereira (já
no regime semi-aberto), e assumir o trabalho no Serviço Judiciário
236
Disciplinar. E até chegou a sentar-se, algumas vezes, à mesa dos oficiais
presos, na hora do almoço. Era a glória, para ele.
OUTRO INCIDENTE, DE GRAVES PROPORÇÕES
Num sábado, à noite, como quase sempre acontecia, alguns Internos
estavam embriagados. Um ou outro policial, ou mesmo um Interno que
podia sair à rua, para trabalhar, trazia alguma bebida forte. (Eu mesmo, em
meu aniversário, consegui que o homem da Cantina me trouxesse, no almoço
com minha família, uma garrafa de vinho branco). Mato Grosso adentrou um
alojamento que não era o seu e começou a destratar e ofender a todos que lá
se encontravam, em especial um, que havia estado no COC e desde lá os dois
não se bicavam. Mato Grosso era forte, avantajado, tinha mãos poderosas
como tenazes, com as quais vivia apertando as mãos dos demais, para lhes
causar dores. O outro, que ele estava provocando, Cícero, era magérrimo,
mas isso não lhe era desvantagem. Ao contrário, tinha muita habilidade e
ligeireza, enquanto que o outro, apesar de mais forte, era pesado e lento.
Mato Grosso tudo fazia para irritar Cícero, com encostões de ombro e
empurrões. A uma certa altura Cícero desafiou seu oponente a irem ambos
para o banheiro (onde lavavam as mágoas e acertavam broncas). Mato
Grosso aceitou. Nem bem haviam entrado Cícero aplicou uma rasteira em
seu contendor., que se esborrachou no chão. O magro não perdeu tempo –
chutou várias vezes a cara de Mato Grosso, a ponto de quebrar o pé ... e a
cara de seu desafeto (ambos precisaram ir ao Hospital Militar, para serem
medicados). Quando os assistentes os separaram já era tarde – Mato Grosso
sangrava, estatelado no solo, e Cícero afastou-se, mancando ...e vitorioso.
RECEBO A VISITA DE MINHA IRMÃ
Minha irmã pediu ao Juiz da Vara de Família que a nomeasse para
me substituir, no cargo de Inventariante dos Espólios de nossos pais,
dizendo que “o irmão estava preso” e juntou recorte de jornal, com a notícia
de minha condenação. E conseguiu . Nos quarenta meses que eu estava
preso ela me visitou apenas quatro vezes e me procurou, como advogada,
também apenas quatro vezes. Nas ocasiões em que esteve como advogada,
237
ela procurava simplesmente obter minha anuência em alguns documentos
que lhe favoreciam.
Na quarta - e última vez, segundo suas próprias palavras - , foi para
pedir que eu, como herdeiro anuente, assinasse um contrato, pelo qual ela
contratava os serviços de sua filha (que quase me visitou uma única vez,
quando entrei na prisão – sua entrada foi barrada porque usava bermuda
justa. Ela voltaria a me visitar somente quatro anos depois) e também de
minha filha, para que ambas administrassem o prédio, que eu conseguira
retomar de Alexandra, e que fôra arrolado na sucessão. Eu li o contrato e,
por constarem algumas cláusulas, ilícitas, de caráter civil, recusei-me a
assiná-lo. Minha irmã chorou, irritou-se e saiu revoltada, dizendo que nunca
mais iria me ver. Em contato com minha mulher e minha filha, minha irmã
inverteu os fatos e pressionou as duas a me convencerem. A partir de então
as duas passaram a exigir que eu não mais me preocupasse com o prédio,
dizendo que eu deveria ficar quieto e que, tão logo eu conseguisse o benefício
do regime semi-aberto, eu fosse cuidar apenas de minha vida e nem sequer
me aproximasse do prédio. Repeti para as duas o que havia dito para minha
irmã – que eu havia participado da compra inicial do imóvel, que eu havia
trabalhado, como advogado, por mais de dez anos, no processo de
reintegração, gastando meu dinheiro, minha saúde e meus conhecimentos
(os advogados de Alexandra faziam o impossível, para a procrastinação do
andamento do feito e ainda tinham conseguido influenciar os juízes do cível,
os quais, apesar de ser a sentença vitoriosa para o Espólio, não determinava a
entrega da posse...), período em que, por várias vezes, fui vítima de
atentados a tiros e outros, provocados por Alexandra e seus advogados. Fiz
ver a elas, ainda,que, depois de haver conseguido vencer em todas as
Instâncias (até em Brasília), eu estava preso por causa da trama que eles
haviam engendrado. Minha vitória, como eu disse ao juiz da Vara, em
petição, fôra uma Vitória de Pirro (ganha mas não leva... ), pois, na hora em
que estava sendo expedido o Mandado de Anulação da falsa venda e de
Reintegração na posse, Alexandra conseguiu mudar o curso de minha vida,
com mudança dos fatos, através de sua amiga e faxineira, Loide. E, com
isso, fui para a prisão, ficando impossibilitado de receber a posse do imóvel.
E, de fato, por ironia do destino, não consegui entrar na posse do imóvel, o
238
que só aconteceu na pessoa de minha irmã, em meu lugar. E, a partir
daquele momento, para demonstrar que eu não tinha egoísmo e para não
obstar o bem estar delas, que estavam do lado de fora, em liberdade,
concordei que elas levassem uma carta para minha irmã, pela qual eu
consentia que, ela própria, outorgasse, em Cartório, uma procuração para
que as duas (filha e sobrinha) administrassem o prédio, recebendo seus
rendimentos, pagando os encargos, impostos, despesas de reformas e
conservação, após o que ficariam com o saldo, eventualmente restante, o que
por certo seria suficiente para que elas tirassem algum proveito financeiro.
Minha filha ficou exultante. Afinal, ela merecia, pois desde o dia de nossa
prisão, ela começou, também, a sofrer uma odisséia. Seu primeiro marido,
alegando que a família de sua mulher era composta de criminosos,
abandonou-a e às suas duas filhas (por esse motivo foi indiciado em Inquérito
Policial, por Abandono Material das menores – e foi condenado) Mas a
verdade era outra – ele já mantinha outro lar, com uma ex-modelo e uma
filha dela. Depois desses fatos minha filha foi a principal pessoa a procurar
obter provas que favorecessem a nós três, indo de Seca a Meca. Esse
trabalho é chamado em jargão carcerário de correria. E eu continuaria sem
ter tido um único minto na tão almejada posse do prédio, que estava ilegal e
fraudulentamente na posse de Alexandra. Eu venci o processo, mas não levei
o prêmio. Porém o destino estava mudando, para melhor...
FINALMENTE QUASE LIVRE
Fui levado até o Hospital Cruz Azul, por duas vezes, uma para
instalar um aparelho (Holter) junto a meu corpo, a fim de medir o ritmo de
meu coração, outta para retirá-lo. Nas duas vezes consegui os soldados da
escolta para passarem por meu restaurante (era no mesmo itinerário).
Aproveitamos para almoçar. Aproveitei a oportunidade para entrar no
prédio ao lado, cuja posse foi entregue para minha irmã. Percorri os
corredores e subi as escadas até o terraço superior, onde estava sendo
construído um telhado. Voltei até o restaurante, passando por meu antigo
escritório, onde apanhei alguns livros. Conversei com visinhos. Voltei para o
Presídio agora renovado, pronto para encarar mais um período de cadeia.,
até que fosse concedido aquele esperado e bendito regime semi-aberto.
239
NOVAS PROVAS SURGEM
Com aquele meu pedido de desistência do recurso e da remessa dos
autos à Instância Superior, em Brasília, aguardávamos o trânsito em
julgado da sentença. Somente com a expedição da respectiva Certidão,
poderia ser pedida a progressão do regime de pena para os dois rapazes, a
fim de receberem o benefício legal do semi-aberto.
Os dois já haviam cumprido quarenta e nove meses de prisão
(bastavam, em seu caso, apenas trinta meses, em relação à pena de quinze
anos) e eu também já havia cumprido o necessário legal, ou seja mais de um
sexto da pena. Com o trânsito em julgado e a certidão, poderíamos ainda,
ingressar com Pedido de Revisão, visando anulação do processo e/ou do
julgamento pelo Júri, com amparo nas diversas nulidades legais, ocorridas
tanto na instrução como em Plenário, absolutas umas, relativas outras
(Pedidos que, na sua maioria, são negado,mas não custava tentar). Nosso
Pedido de Revisão se basearia principalmente nos fatos de :a decisão condenatória estava apoiada em depoimentos e documentos
comprovadamente falsos (as peças do Inquérito, o B.O. do Encontro de
Cadáver, os “depoimentos” de Loide e dos Delegados)
a decisão dos jurados estava frontalmente contra a prova dos autos
a defesa fôra deficiente, com evidente prejuízo para nós, os acusados
e, principalmente, havia NOVA PROVA, demonstrando a verdadeira
autoria do crime.
PROVA NOVA - DESCOBERTA A VERDADEIRA AUTORIA
Pouco antes de minha saída do COC, minha família informou-me que
havia saído procurada por um homem, comerciante em bairro próximo, o
qual contara, com detalhes, como tinha acontecido o crime do qual tínhamos
sido acusados. Seu nome era Jailson... Minha filha interessou-se e procurou
convence-lo a comparecer em Juízo, para explicar ao Juiz e ao Promotor,
240
em Pedido de Justificação Criminal, tudo que lhe fôra narrado. Ele recusouse e deu suas razões. Algum tempo depois da morte de Xuxa, Jailson estava
em uma lanchonete, próxima de nossa rua, quando surgiram dois ou três
elementos, membros da quadrilha à qual Xuxa pertencia, os quais,
sabedores de que Jailson estava envolvido nos acontecimentos que
culminaram com aquela morte, sem sequer lhe dirigirem a palavra,
passaram a jogar balas em cima dele (atirar). Houve revide e um dos
atacantes foi morto por Jailson, que também estava armado, e fugiu do
local. Ele estava sendo procurado, antes, pelos companheiros de Xuxa, e,
depois desses fatos, com a morte de um dos atacantes, passou a ser
procurado, também, pela Polícia (tempos mais tarde Jailson seria preso,
ficaria boa temporada na prisão, até, finalmente ser posto em liberdade, pela
impronúncia). Minha filha entendeu suas razões e conseguiu que ele fosse
até o escritório de um casal de advogados, que o levaram a um Cartório de
Notas, cujo Tabelião elaborou uma Escritura de Declaração, na qual Jailson
narrava, com detalhes, tudo que sabia e qual fôra sua participação, sem,
contudo, assumir qualquer responsabilidade. Produzida essa prova, faltava
levá-la ao Juiz, para retificação. Mas Jailson, foragido, se recusava. Ficamos
naquele impasse, agora sabedores de quem realmente havia matado Xuxa,
como e porque. Depois que soubemos da prisão de Jailson tentámos localizálo, sem obtermos êxito, o que nos dificultaria provar a verdade. Mas já
tínhamos a certeza de que Loide havia mentido. Ela sabia da verdade,
porém a ocultou, de um lado, para nos prejudicar, por outro, para evitar
algumas represa;lia por parte dos verdadeiros matadores.
E COMO ACONTECEU A MORTE DE XUXA?
Segundo Jailson, dois traficantes, vindos da Baixada Santista
procuram outros da Capital, que freqüentavam a esquina próxima a seu
estabelecimento. Como a noite estava chuvosa, aqueles elementos não
compareceram. Jailson se aprontava para encerrar suas atividades. Para
fazer média com os dois homens e ao mesmo ganhar uma carona até o
Metrô São Joaquim, Jailson prontificou-se a levá-los até a esquina da rua
São Joaquim com a rua Taguá (onde havia outro grupo de traficantes, do
qual Xuxa fazia parte). Em chegando ao local os dois, orientados por Jailson,
241
pararam junto a uma banca de jornais (que também era utilizada para
guardar a mercadoria) e, como era de hábito, deram lampejos com os faróis,
para atraírem a atenção de alguns homens, parados na frente de um cortiço
(nº 330), sob um toldo, pois a chuva diminuíra. Quem se dirigiu até o carro
onde estavam os três homens foi exatamente Xuxa, que entabolou
negociação, dirigindo-se até a banca, para retirar o que estava sendo
negociado. Como os dois compradores queriam uma quantia grande e não
tinham dinheiro suficiente, convenceram Xuxa a acompanhá-los até a
Baixada, para receber a diferença faltante. Jailson já era conhecido, por isso
Xuxa aceitou a proposta, avisando seus companheiros do que fora
combinado. Porém, segundo o próprio Jailson, este, para não perder o
Metrô (era quase meia noite) “deixou o veículo e se afastou dos três”.
Somente os dois homens estavam com Xuxa (por causa desses fatos Jailson
foi vítima daquele atentado, por parte dos companheiros de Xuxa). Loide,
sabedora de que tinham sido dois homens, como foi informada, transferiu a
responsabilidade para outros dois homens (vide B.O) dizendo, depois, que
tínhamos sido eu e meu filho (cujo nome ela sempre ignorou e jamais
mencionou). Porém, como lhe disseram que havia um terceiro elemento
(Jailson), o Delegado ACRL simplesmente adicionou – na elaboração da
Portaria – que meu afilhado também havia participado. Nós três, porque,
infelizmente morávamos na mesma rua e lá estávamos, coincidentemente,
fomos apontados por nossos inimigos naturais – eles eram bandidos,
ladrões, assassinos e traficantes (como foi provado em Juízo), enquanto que
nós três éramos dois policiais e um advogado, com nobre currículo e
honrarias (vide meu currículo, no fim do livro). Nós três tínhamos álibis ( que
no entanto nosso “defensor” ignorou e o Promotor os atacou).
DOS ÁLIBIS
Enquanto nós três nos dirigíamos a uma Casa de Esfiha, na rua
Vergueiro, onde mantivemos conversa com o segurança (23,00hs.), e dalí
passaríamos pela rua Galvão Bueno, onde teríamos contato com dois
policiais militares (23,30hs.), para, em seguida, retornarmos para nossas
casas, aqueles dois homens estavam levando Xuxa pela Via Anchieta, onde,
242
próximo ao Km. 28, por desentendimentos havidos, acabaram tirando-lhe a
vida.
Ainda segundo a narração de Jailson, na Escritura, aqueles dois
homens retornaram, alguns dias depois, e Jailson lhes disse de sua
preocupação, por ter sido visto com eles e com Xuxa, naquela noite. Eles o
tranqüilizaram, dizendo-lhe que não se preocupasse com a morte de Xuxa,
porque, segundo um recorte de jornal que um deles portava e exibia, a
morte estava sendo atribuída a um advogado e dois tiras, que haviam
entrado de “laranja”, isto é, haviam sido incriminados pela autoria e já
estavam presos.
OS VERDADEIROS AUTORES DA MORTE DE XUXA
Aqueles dois homens, que haviam levado Xuxa, para acerto de contas,
eram alcunhados de Ceará Cabeleira e Paulino Louco, os quais, além de
serem traficantes, costumavam roubar, para poderem adquirir e traficar
drogas e manter seus vícios.
DOS MOTIVOS DA MORTE
Não há crime sem motivo. No caso da morte de Xuxa os motivos
foram os mais degradantes possíveis – evitar o pagamento de compra de
drogas -. Nós, os acusados, não os tínhamos. Nada nos levaria a matar. Se
fosse o caso, poderíamos processar, ou prender, ou mandar prender. Matar,
nunca. Até o Promotor que nos acusou não mencionou qualquer motivo
plausível, apenas jogou com ilações mesquinhas, baratas, e convenceu os
jurados, com a ajuda da inércia de nosso defensor.
O RECORTE E A ARMA APARECEM
Pouco tempo depois, um homem foi flagrado no interior de uma
residência, na cidade litorânea de São Vicente, já com objetos roubados
prontos para serem levados. Policiais militares deram-lhe voz de prisão,
porém foram recebidos a tiros, resistindo à prisão. Os policias atiraram,
ferindo-o, e socorreram-no ao Pronto Socorro da Santa Casa. O ladrão, não
243
resistindo, veio a falecer. No trajeto, os policiais chegaram a conversar com
ele, verificando, em sua carteira, para saber sua identidade. Encontraram,
além dos documentos, um recorte de jornal, dando notícia da prisão de um
advogado e dois policiais, presos pela morte de um rapaz, cuja foto trazia
desenhados um par de chifres, uma barbicha e uma cruz, cujo significado
seria já era, já estava no outro mundo. O rapaz da foto seria Xuxa, e os
demais seríamos eu e meu afilhado. Segundo os mesmos policiais, o ladrão
atingido teria mencionado que fôra ele o autor daquela façanha, com a
mesma arma com que havia resistido. A arma foi apreendida no 39º BPM,
onde foi instaurado Inquérito Policial Militar, tendo sido os documentos
encaminhados ao Distrito Policial, cuja autoridade os anexou a Inquérito
Policial. O ladrão morto tinha o apelido de Paulinho Louco...
A POLÍCIA “COLABORA”... PARA SONEGAR PROVAS
Em razão da obtenção daquelas informações, pedimos que fosse
realizado exame pericial na arma, para confrontar com projétil que havia
sido retirado do corpo de Xuxa. Primeiramente, o Promotor se opôs,
ferrenhamente, mas o Juiz acabou concordando. Estranhamente, segundo
informações do Delegado o projétil teria “desaparecido“ do Distrito
Policial, (da mesma maneira que desapareceu o cano de ferro com que
Alexandra havia agredido minha mulher). E, mais estranho ainda, foi o
ofício, para ser realizado o exame – enviado dez dias depois do julgamento! -.
O envio da arma não foi pedido ... a arma nunca foi remetida para São
Paulo...
Algumas coisas ficavam patentes: alguém ... devia estar influenciando o
pessoal do Cartório, o defensor devia realmente estar influenciado também,
em sendo desidioso, aceitando que as coisas acontecessem daquela maneira.
E sua desídia acabou sendo comprovada, porque, mesmo sem aquela prova
pericial – muito importante - houve sua concordância em realizar o
julgamento (após o mesmo, com nossas condenações, o “defensor”
compareceu no Distrito Policial para onde eu fora levado e, vomitando, pediume perdão, dizendo que não tivera tempo para estudar o processo... Grande
bastardo! Se ele não tivera tempo necessário, que insistisse na produção das
244
provas faltantes, o que lhe daria tempo suficiente para se inteirar de tudo
que havia nos autos. Ele próprio costumava alardear – se não está nos autos
não está no mundo-. Daí...
MAIS DESÍDIA DO “DEFENSOR”
O “defensor” deixou de protestar na hora certa, relativamente a certas
nulidades que estavam ocorrendo (Delegado se comunicando com
testemunhas de acusação, sob as barbas dos oficiais de justiça), bem como, no
recurso de apelação, deixou de juntar documentos importantíssimos, que já
estavam em seu poder.
SUBMETIDO A NOVOS EXAMES
Era dia 10 de abril de 1996. Fui levado novamente ao Hospital Militar,
mais precisamente no Setor de Psiquiatria, para ser submetido a exames
completos, chamados de reavaliação,perante uma junta de médicos
especialistas, psiquiatras e psicólogos. Com isso poderia, realmente, ser
avaliada minha personalidade e eventual periculosidade para comigo
mesmo e para com terceiros, ou seja,,para com a sociedade. Era uma
complementação aquele primeiro exame/entrevista, feito pela Psicóloga Dra.
Simone. Antes de se iniciarem os exames entreguei a ela um soneto (14
versos), com acróstico, ou seja as letras iniciais de cada verso formavam seu
nome e sua profissão (SIMONE PSICÓLOGA - infelizmente não guardei
cópia). Acredito que, por causa desse meu gesto, ela não participou da Junta
Médica. Liderados pelo então Major Eça, com Dra.Nádia, sua esposa, e
mais psicólogos num total de oito pessoas, estava formada a Comissão (não
era freqüente, para outros Internos...). Ao adentrar a sala desculpei-me, por
estar usando macacão de presidiário, o que causava má impressão, à
primeira vista. Não expliquei que era uma imposição do Capitão Edson,
Chefe da Seção Penal, enquanto que, a outros Internos, desde soldados a
oficiais, ou mesmo ex, era permitido o uso de roupas civis, até com gravatas,
com as quais, ninguém podia negar, causava-se melhor impressão. Encobri
aquela imposição (afinal, eu nunca fui cagüeta..), dizendo que eu fôra
chamado de surpresa e que minhas roupas civis estavam secando, pois eu as
245
havia lavado pela manhã. Eu não queria levar aos examinadores um dos
problemas que eu vivia no Presídio. Depois de mais de uma hora e meia e
uma chuva de perguntas, feitas alternadamente pelos componentes da
banca, porque eu negava a autoria do crime, e mais insistentemente pelo
Major Eça, este levantou-se, dizendo estar satisfeito. Entendi que eu não
havia externado tudo que podia me ajudar e insisti em prosseguir, com
explicações complementares. O Major sentou-se, novamente, e continuou a
me ouvir. Quase todas as perguntas que me eram feitas eram provocativas,
que deixariam qualquer um irritado. Eu, porém, nem me abalava. Afinal,
eu nada devia, estava tranqüilo. Não me sentia atingido. Eu não continha em
mim qualquer mágoa, qualquer rancor ou desejo de vingança contra quem
quer que fosse, como nunca tive, anteriormente à minha prisão.Deixei bem
claro que visava obter o regime semi-aberto para poder trabalhar,
principalmente em meu processo, para demonstrar que eu tinha sido vítima
de armação e por causa dela eu havia sido condenado. Disse mais, sobre as
pessoas influentes que me perseguiam, inclusive aquelas ligadas à Polícia
Militar, no caso os advogados de minha ex-madrasta -. O Dr. Eça,
exasperado, perguntou-me –“então você sabe que há alguém forte na Polícia
Militar e pede para ficar justamente no Romão Gomes?”. Respondi a
pergunta dizendo que nada mais me intimidava, e eu queria,
principalmente, estar perto de meus filhos (eu considerava meu afilhado
como filho) e ter uma visita em comum, com a família reunida. Eu insistia e
batia na mesma tecla – eu queria ver anulado o processo ou o Júri, uma vez
que nosso defensor, além de fraco na instrução, fraco em plenário, fora fraco
também na apelação e nem havia feito os protestos previstos na lei processual . Terminou o exame.
NOVO “TRATAMENTO”
Na mesma noite, após meu retorno ao alojamento, meus companheiros
de alojamento, liderados pelo “Capetão” André, passaram a fazer o mesmo
comigo. Uma bateria de perguntas, como se integrassem uma banca de
psicólogos. Afinal, eram ladrões, traficantes, assassinos confessos e
condenados. Eu não queria me indispor com eles.Depois de muitas agressões
verbais, acabaram explicando que faziam aquilo para que eu realmente me
246
integrasse ao ti,e. André chegou a me dar o dedo mínimo para ser tocado
pelo meu, num gesto de “ficar de bem”, como fazem as crianças (e ele ainda
o era...). E daí em diante passaram a me tratar melhor, como igual e como
amigo. Muniz deixou de escarrar sobre meu lençol... Lima deixou de soprar
fumaça em minha cara, quando eu dormia, como costumava... e prometeu
não mais misturar purgante em refrigerante (se bem que eu não o tomava,
pois havia aprendido no 91º a não beber nada que me fosse
oferecido...lembram-se daquele incidente?). Michel se fez de rogado. Disse
que precisava de mais um tempo, de mais uma “sessão”, mas, em verdade
também mudou seu comportamento, em relação a mim. MAS TUDO NÃO
PASSAVA DE HIPOCRISIA. BREVE IRIAM DAR MAIS UM GOLPE...
SAÍDA DO PRÉDIO
Depois que fui examinado para ganhar semi-aberto, foi-me autorizada
a saída do prédio da administração, para trabalhar como “catador de
folhas”. Por mais humilde que fosse esse mister, eu estava satisfeito, porque
já estava dando meus primeiros passos para a liberdade. Já podia caminhar
pelos jardins, ir até a grade que dava para a rua, ver pessoas e carros
passando. Minha primeira saída foi observada pelos Sargento Soler e pelo
Sargento Teodoro,da Penal. Ficaram me olhando, para ver meu gesto. Eu
não acreditava que pudesse sair e não tinha coragem de fazê-lo. Eles riam e
insistiam Empurrei meu pé para fora da porta. O soldado da Portaria nada
disse. Pensei comigo – realmente estou autorizado, senão ele ia me chamar
atenção -. Saí e comecei a passear... No dia seguinte iniciei meu trabalho, no
que os oficiais Comandante e Sub-comandante foram me observar, rindo,
de longe...até que me aproximei, agradecendo o que haviam feito...
JUÍZ CORTÊS - ADVOGADA BOAZUDA
Eu já me sentia à vontade. Podia circular, sair e entrar, ir até a Cantina,
pelo lado de fora. Até o recebimento, pelo Juiz Marafanti, foi de grande
cortesia. Ao entrar na sala do Comandante, ocupada pelo Capitão José
Carlos, Chefe da Penal (o Comandante e o Sub-comandante, nos dias de visita
mensal do Juiz Corregedor, sempre “tinham compromissos” fora do
247
Presídio...), o Juiz, ao saber que eu era advogado, tratou-me por doutor e me
convidou a sentar. Receoso, olhei para o Capitão, que, com um olhar,
consentiu.Aproveitei a oportunidade para pedir apressamento na concessão
de meu benefício.
Certo dia surgiu uma jovem, com saia justa e muito curta, dotada de
um belo par de pernas. Era uma advogada principiante, que havia ido para
entrevistar-se com um sargento preso. Depois que ela deixou a sala do
Parlatório e saiu do prédio, eu a abordei e começámos a conversar (eu sabia
que não poderia ter nada com ela, inda mais que eu não usava a Ala especial,
pois achava constrangedor para minha mulher). Todos, sem exceção,
admiravam-na, desde soldados até o Sub-comandante, o qual, alertado por
um Tenente, sobre aquela presença, veio especialmente até o pátio apenas
para vê-la. Para livrá-la dos olhares cobiçosos levei-a até a Cantina, no que
fui seguido pelo Capitão José Carlos, que tinha dois interesses – saber quem
era a jovem e o que iríamos fazer -. Apresentei-lhe minha colega. Dias depois
aquele sargento que ela havia atendido, mostrou-me umas fotos
comprometedoras, em companhia dela. Passei a ter pensamentos sobre ela.
Cada vez que ela comparecia eu procurava estreitar meu relacionamento
com ela. Cheguei até a pedir-lhe que me aceitasse para trabalhar em seu
escritório, quando eu recebesse o semi-aberto, que estava próximo, com o
que ela concordou. Porém não deu certo. Seu local de trabalho era muito
distante, o que me dificultaria o regresso para o Presídio. Não mais a vi.
.-.-.-.-.-.-.
EDIÇÃO DO CRIME HEDIONDO
Desde que os atores Guilherme de Pádua e sua companheira Paula
Thomaz, atores da Rede Globo, mataram Daniela Peres, também atriz a
opinião pública foi motivada pela mãe da vitima, Glória Peres, autora de
novelas para aquela emissora. Conseguiu ela uma lista, com mais de um
milhão de assinaturas, e o apoio da Rede Globo, a maior no país. Dessa
forma os políticos foram pressionados e votaram uma emenda, na Câmara
248
Federal, incluindo no Código Penal, a qualificação de HEDIONDO, para os
crimes de homicídio (era o ano de 1994).
DECRETO DE NATAL
No segundo semestre de l995, o Presidente assinou Decreto, pelo qual
concedia Indulto a milhares de presos condenados, desde que tivessem
cumprido tempo mínimo de um terço da pena. Fiquei muito contente,
porque tanto meu filho como meu afilhado preenchiam os requisitos. O
Decreto que fizera a alteração no Código Penal entrou em vigor no dia 6 de
setembro de 1994, e,conseqüentemente, não alcançava meu filho e meu
afilhado. No entanto seus nomes não foram incluídos na lista enviada ao
Tribunal, porque alguns oficiais, que estavam no primeiro ano de Direito,
ignoravam o princípio de que a lei não retroage, salvo para benefício.. e
queriam entender mais que os especialistas. Apesar de ambos terem sido
condenados em 1993, aqueles oficiais diziam que o crime era hediondo. E os
dois não receberam aquele prêmio. Creio que esse foi um dos motivos da
indisposição de meu filho para comigo, antes de passar para o segundo
estágio.
DECRETO DE PÁSCOA
No dia 11 de abril de 1996, o Presidente da República assinou o Decreto
nº 1.860, pelo qual concedia Indulto a milhares de presos condenados, em
todo o país, alcançando civis e militares. Contudo, como em Decretos
anteriores, não estavam contemplados aqueles que haviam sido condenados
pelo crime de homicídio, anteriormente a 1994. Esse Decreto foi uma saída
política para a crise que grassava em todos os Presídios, ou seja o excesso de
lotação carcerária, o que causava, com muita freqüência, rebeliões e fugas,
as quais sempre culminavam com mortes, tanto do lado dos presos como do
lado dos carcereiros e dos policiais encarregados da vigilância ou
incumbidos de controlá-las. Essas rebeliões com fugas atingiram o ponto
máximo, quando uma delas eclodiu no Estado de Goiás, na qual foram
tomados como reféns o próprio Presidente do Tribunal de Justiça do
Estado, o Secretário de Segurança Pública e outras altas autoridades que
249
estavam visitando o Presídio (para prevenir esse tipo de comportamento no
COC trancavam-se todas as celas, como quando daquela visita minha
salvadora). Esse evento finalmente terminou bem, mas foi a gota d’água para
chamar a atenção dos Deputados Federais, dos Ministros de Estado e do
Presidente da República. Por esse motivo foi editado aquele Decreto,
chamado de Indulto da Páscoa.
.-.-..-.-.-.
DOZE ENCAPUZADOS
Certa noite, quando eu acabava de entrar na Capela do Presídio, ouvi
grande alarido e correria. Como eu já havia aprendido, nem saí para ver o
que acontecia. Mas fiquei sabendo que um dos Internos fôra julgado, por
haver matado um policial que o fora prender, por haver cometido um outro
crime. O Interno, no momento de sua prisão, conseguiu se safar e, com a
própria arma do policial que o prendia, atirou neste, mandando que o
mesmo se ajoelhasse. E esse crime repercutiu grandemente entre a
soldadesca, até o dia em que seu autor foi preso. Como ele não podia ser
colocado na sub-seção, onde, certamente seria trucidado, acharam por bem
colocá-lo diretamente no 2º estágio (o que, para todos era um privilégio com
que não concordavam). Então resolveram fazer a Justiça com as próprias
mãos. Reuniram-se em um grupo de doze homens, vestiram seus macacões e
colocaram capuzes. Quando o Interno julgado entrou no banheiro e tirou a
roupa para tomar banho, os doze entraram e deram-lhe a maior surra
possível, batendo e chutando, todos quase ao mesmo tempo. Em seguida,
saíram correndo, para seus respectivos alojamentos.
Nos dias seguintes muitos de nós foram chamados à sala do Chefe
da Penal, que queria saber a identidade dos agressores, se não todos, pelo
menos alguns. Eu também fui chamado. Não cagüeta, por índole e
formação, e escolado na prisão, fiz o que devia fazer – disse simplesmente a
verdade, que eu nada vira, apenas ouvira barulho, e pensei que se tratasse de
alguma brincadeira. O Capitão irritou-se, mas acabou aceitando meu
comportamento, dizendo que eu era ponta firme. O preso, vítima daquela
250
agressão, mais uma vez foi beneficiado pelo Comando – foi mandado para o
terceiro estágio.
AGREDIDO POR MEU PRÓPRIO FILHO
Era 29 de abril de 1996. No dia seguinte eu deveria submeter-me a
exame de Endoscopia, pois estivera internado com fortes dores, não se
sabendo se proveniente do coração ou do estomago. Na visita anterior meu
filho fizera menção de impedir que eu adentrasse, quando eu saísse da
prisão, meu prédio, que seria de propriedade dele e que ele iria colocar um
guarda armado, “para dar segurança aos moradores”, além de pretender
reformar o andar do mezanino, onde estava instalada uma sala de recreação
para os estudantes, moradores do Pensionato fundado e dirigido por mim e
por minha mulher.
Durante a visita, nada comentei, para não deixar preocupada minha
mulher. Nesse dia 29, pela manhã, eu adentrei o alojamento de meu filho,
dizendo a ele que precisava esclarecer algumas coisas. Quis conversar no
pátio. Ali, admoestei meu filho, adiantando-lhe que iria lhe dar o prédio,
mas que, enquanto isso não acontecesse, que nada fosse alterado, e
principalmente que eu não queria ver ninguém armado, no prédio. Disse o
que pretendia e estava me afastando, quando meu filho me segurou pelo
braço, dizendo: - “agora é minha vez de falar e você vai ouvir”. Eu não quis
atende-lo e ele continuava me segurando o braço, com mais força, para
manter-me ali dizendo – “agora é minha vez de falar e você vai me ouvir”. Eu
não quis atende-lo e tentei escapar porém ele insistiu e manteve sua mão em
meu braço, chamando-me de “sem vergonha”. Pedi-lhe que não dissesse
aquilo, pois era uma inverdade e uma falta de respeito. Meu filho, histérico,
repetiu várias vezes elevando a voz, quase aos gritos – “sem vergonha, sem
vergonha...”. Eu não me contive e em voz alta ordenei – “cale a boca!”, “não
fale assim comigo!”. Ele, nervoso, não parava, o que obrigou-me, a
contragosto, a desferir dois tapas, de leve, na boca de meu filho. Ele dizia –
“bate mais, bate mais...”. Os outros Internos, que deambulavam pelo pátio,
estavam assistindo a cena. Foi chocante, para nós e para os demais. Esses
incidentes chegariam ao conhecimento dos policiais do Presídio. Um deles, o
251
Sargento Soler, procurou-me para se inteirar dos fatos. Para não ver
prejudicada a saída de meu filho na semana do Dia das Mães, que se
aproximava, assumí toda responsabilidade pelo desentendimento,
explicando-lhe que fora apenas questão de família, entre pai e filho e não
entre dois Internos. Nada foi registrado. Algum tempo depois pude
presenciar aquele mesmo Sargento conversando com meu filho, talvez para
conferir minha versão e tudo continuou na mesma.
No dia seguinte, logo após o almoço, eu estava no banheiro dos
oficiais, escovando os dentes, quando meu filho entrou (coisa que lhe era
vedada). Percebi que, do lado de fora, junto à porta, postara-se o interno
Michel, como que para impedir a entrada de qualquer pessoa. Meu filho
falava comigo, rispidamente, com os olhos esbugalhados de raiva. Ele me
dizia – “olha pra mim!” agarrando meu queixo e virando meu rosto em sua
direção. Eu relutava. Não queria conversa. Meu filho dizia que queria ser
respeitado, pois também era pai. A um dado em instante, vendo minha
desatenção, meu filho deu-me um forte empurrão com as duas mãos em meu
peito e meu braço direito, jogando-me contra a parede e, imediatamente,
passou a desferir-me socos nas costas e na região das costelas, o que me
causou até falta de ar. Eu apesar de ser mais forte, muscularmente e com
técnica de luta, não reagi. Chorei por quatro dias seguidos...e não mais nos
falamos.
CHEGA O SEMI-ABERTO PARA OS DOIS
Como o Decreto com aquela alteração no Código Penal, entrou em
vigor no dia 6 de setembro de 1994, e, finalmente os oficiais já haviam
aprendido aquele princípio legal, os dois puderam receber o regime semiaberto, concedendo-lhes o direito de saírem na Semana do Dia das Mães, em
maio de 1996. Eles iam poder procurar o advogado que fora nosso defensor,
a quem haviam sido entregues os originais dos documentos obtidos antes do
julgamento do recurso de apelação, para promover um Pedido de
Justificação Criminal, a fim de homologar aquelas NOVAS PROVAS Escritura de Declaração de Jailson e outras – e juntá-las, em aditamento,
àquele recurso, que ainda não havia sido julgado. No entanto, não se sabia
252
porque, o defensor , da mesma forma que se omitira, no final da instrução
do processo e no julgamento em plenário, deixou de providenciar o Pedido e
nem mesmo teve a hombridade profissional de juntar os documentos,
mesmo sem a homologação judicial.
UM PARÊNTESES
O mesmo defensor, em plenário, omitiu-se, não exibindo as provas então
já existentes nos autos, nem sequer argumentou sobre elas. Tais provas
provavam o vínculo existente entre Loide e Alexandra e o interesse de
ambas em me prejudicarem, diretamente, e, indiretamente, a meu filho e a
meu afilhado.
Aquela omissão do defensor, da não juntada dos documentos ao
recurso, somente chegou a nosso conhecimento depois daquele pedido de
desistência. E mesmo assim porque minha filha, então estudante de Direito
(ela, que já havia iniciado Curso de Jornalismo em São Bernardo do Campo e
completara Curso de Educação Física em Santo André, resolveu estudar
Direito para melhor entender a situação e melhor poder ajudar a nós três) teve
acesso aos autos, que haviam, a muito custo e depois de muitas gestões,
retornado ao Cartório da Vara de origem. Ela pôde compulsar os autos e
verificou que aqueles documentos não haviam sido juntados pelo defensor
(outra prova de sua venalidade). Em razão de tão desidiosa omissão, houve
real prejuízo para nós, apelantes. Restava, porém, o Recurso de uma
Revisão Criminal, e precisávamos, para isso, daqueles documentos, com os
quais poderíamos demonstrar a existência dó complô, de Alexandra, seus
advogados, Loide e seus filhos e genros, contra nós três. Minha filha, ao
verificar aquela falha de nosso advogado, procurou-o para saber das razões
daquele gesto negativo, e recebeu como resposta a informação de que não
havia necessidade de juntar os documentos e ainda que com a mudança de seu
escritório para novo endereço, não tinha condições de encontrá-los. Ele, antes
de nosso julgamento, estava em péssimas condições financeiras, devendo
alugueres e contas de telefones alugados. Essa mudança para melhor vinha
confirmar o que a própria irmã de Alexandra dissera para minha mulher para tomarmos cuidado com nosso “advogado”, pois Alexandra e o advogado
253
dela haviam ido visitar nosso “defensor”. Essa visita justificava, também, o
comportamento dele, pouco antes do início de nosso julgamento, quando ele
me disse, incisivamente – não vou falar uma só palavra sobre sua madrasta
e, se você pedir a palavra, eu renuncio e vocês vão p’ra cadeia -.
FINALMENTE, INÍCIO DA LIBERDADE
No dia 6 de maio de 1996 chegou a concessão do benefício do semiaberto para meu filho e meu afilhado. No dia seguinte, uma terça-feira, por
volta das 12,30, ambos estavam deixando o prédio principal do Presídio,
para saírem, temporariamente, a fim de gozarem do convívio familiar na
Semana das Mães daquele ano. Eu, que não podia deixar o prédio, fiquei no
salão de entrada, observando meu afilhado, em companhia do ex-tenente
Pereira, que tinha sido, por quase quatro anos, seu gurú espiritual, quase
seu pai. Meu filho, carregando volumoso pacote de roupas, feito com saco de
lixo. Nem olharam para trás. Nenhum dos três se despediu de mim.
Andavam apressadamente, quase correndo, em direção ao portão principal,
após o qual minha filha os aguardava, para lhes dar transporte. Afinal, era
a liberdade, se bem que temporária, que tanto aguardavam. Pereira, com
uma condenação de quarenta e dois anos, já havia cumprido mais de sete
anos, o que correspondia a mais de um sexto de sua pena. Fiquei
acompanhando com os olhos, até não mais ver a figura de meu filho, pois os
outros dois saíram alguns metros na frente, separados. E não foram no
mesmo carro. Meu afilhado preferiu acompanhar Pereira e foram de
ônibus. Fiquei muito amargurado com a solidão. Naquele Dias das Mães
minha mulher, filha e netas não viriam. Meu estômago doía por causa do
nervosismo (mais tarde descobririam que eu era portador de uma úlcera
pilórica e de um edema duodenal). A boca estava seca e amarga. Eu queria
chorar, mas contive as lágrimas. Somente meus lábios tremiam um pouco.
Afinal pensava eu, logo chegaria meu semi-aberto, também, e poderia sair,
temporariamente, para a semana do dia dos Pais, quando eu esperava
reaver senão o amor, pelo menos a amizade de meu filho, pois, inobstante
tudo que havia acontecido, eu era o pai e ele era o filho, meu próprio
sangue. Eu queria chorar, não porque estivesse preso, mas porque via parte
de mim mesmo saindo, se afastando...
254
COMO E PORQUE PUDE SAIR DO PRÉDIO PRIINCIPAL
Logo após a saída daqueles Internos beneficiados, fui chamado à sala do
Sub-comandante, que me perguntou qual a razão pela qual eu ainda não
havia pedido para sair do prédio da administração, ou seja passar para o
terceiro estágio, uma vez que já havia chegado o resultado de meus exames.
No 3º estágio eu poderia adentrar as seções externas, como oficinas, pomar,
horta e outros setores de agricultura, como criação de aves, porcos, coelhos,
em pequena escala, apenas como laborterapia. Expliquei minhas razões e fui
orientado como deveria fazer o pedido, que foi feito logo em seguida.
Faltavam os pareceres dos outros oficiais, desde os tenentes até o próprio
Comandante, para aprovação final (muita hierarquia ...).A autorização final
chegaria no dia 29 desse mesmo mês...
RE-ENCONTRO COM O GUARDA ZÉ LUIS
Nos primeiros dias em que saí para fora do prédio da Administração,
antes de ser um catador de folhas, eu visitava muito as oficinas de
marcenaria, por afinidade com a profissão, herdada de meus avós – o
paterno era carpinteiro e o materno era marceneiro -. Num daqueles dias
tive um enorme impacto, quando surgiu à minha frente um caminhão, que
vinha para transportar casinhas de cachorro, fabricadas manualmente por
alguns Internos . A firma era terceirizada, de propriedade de um cunhado
daquele guarda Zé Luis, lá do COC. Zé Luis dirigia o caminhão e, ao descer
da boléia, demos de cara, um com outro. Zé Luis ficou espantado ao me
ver, e perguntou – “como está o senhor ?”. Respondi-lhe que estava bem.Ele
me fez nova pergunta – “quando o senhor sair não vai me matar, né?”
Minha resposta foi sincera – “não, porque agora sou evangélico e não guardo
mágoa”. E complementei minha resposta – “além do mais você não vale uma
bala...”
.-.-.-.-.-.RETORNO – VIDA NOVA
255
No dia 13 de maio, pouco antes do almoço, encontrei-me com meu
afilhado, que já havia retornado, todo sorridente, feliz, mudado, por causa
daquela breve e restauradora saída do Presídio. Trocámos algumas
palavras. Pouco depois vi meu filho, que ria, ao conversar com um grupo de
Internos. Nenhum contato aconteceu entre nós, nem mesmo um olhar. E
continuamos nossos dias...
Na noite do dia 15 de maio vesti-me com certa elegância, com camisa
social e gravata, para ir ao culto evangélico que eu estava freqüentando,
ministrado pelo Presbítero Manoel Areia da Silva, da Igreja Assembléia de
Deus, Ministério de Belém, no Jardim Brasil, que ali comparecia todas as
quartas-feiras, para esse mister, e aos domingos, com sua mulher, para
visitação geral aos presos e seus familiares, aos quais procurava levar
conforto, através dos ensinamentos da Palavra de Deus. Ao entrar na
Capela, vislumbrei, surpreso, sentado na ponta extrema da mesma fileira de
bancos, meu filho, que havia sido levado pelo ex-sargento Linhares. Meu
filho acompanhava o ritual, orando e cantando. Na hora da benção geral,
fiquei muito feliz e muito grato a Deus. Meu filho estava procurando
melhorar, buscando caminho novo e certo. Ao terminar o culto, na hora dos
cumprimentos, acerquei-me de outro Interno, Michel, que, apesar de ser
judeu, também comparecia, acompanhando o Capitão André.. Estendi-lhe a
mão e lhe dirigi a palavra, procurando reconciliação. Demo-nos as mãos e
nos abraçamos. Podíamos ser amigos, pelo menos assim eu esperava.
MAIS UMA IRONIA DO DESTINO
Eu já havia esquecido aquele incidente em que fui agredido e
ultrajado por aquele sargento gordo, chefe da Guarda, na carceragem do
Tribunal do Júri. No entanto tive minha memória avivada por um fato que
ocorreu, no salão de entrada do Presídio, quando eu aguardava para ser
levado ao Hospital Militar. Além daquele já referido soldado Lourenço,
surgiu-me à frente, um outro preso, eu me dirigiu a palavra – “oi, doutor, o
senhor se lembra de mim?”- Minha resposta foi lacônica – “Não, não me
lembro. De onde?” Meio sem jeito, o preso respondeu – “eu estava lá no
Tribunal, quando o sargento mandou que segurasse o senhor”. Continuei,
256
dizendo e perguntando – “ah, sei, então você foi um dos que me bateram?”. E
ele me explicou – “não senhor, eu só segurei porque ele mandou”.
Conversamos algum tempinho, sobre o que ele fazia ali, por que estava
preso etc. Seu nome era Luis Carlos Miguel. Ele me disse o nome dos dois
cabos que me agrediram – e conferia – Cabos Ataíde e Cabo Zoanon, vulgo
Magrão. E disse também que o sargento já estava reformado e poderia, a
qualquer hora, cair preso, porque batia na mulher...
MAIS OUTRA IRONIA...
Michel tudo fazia para me indispor contra meu filho e contra qualquer
outro Interno ou mesmo policial, desde soldado até oficiais, dos quais se
aproximava, maliciosamente. Ele guardava uma grande raiva contra mim.
Um certo dia, mais precisamente num domingo, 23 de junho de 1996, eu
levava um pouco de comida trazida por minha mulher, pretendendo
aproveitá-la no dia seguinte. Ao iniciar minha caminhada pelo corredor que
levava até nosso alojamento, pude ver André e seu fiel escudeiro, Lima, que
entravam em nosso dormitório. Quando atingi a porta, que estava
encostada, empurrei-a com os pés. Ao ser aberta quase levei um choque – vi
uma cena que não poderia ser vista -. Michel estava deitado em sua cama,
tranqüilamente, e a seu lado uma mulher, que ele dizia ser sua namorada,
ambos fumando (o que também era proibido). A mulher levantou-se,
assustada com minha entrada inopinada e inesperada, pois quanto aos dois
que lá estavam não precisavam se importar – André tinha o rabo preso com
Michel, porque também levava sua mulher para o banheiro, nos dias de
visita. E eu já sabia desse fato, porwque daquela vez em que ele assim agiu,
ordenou-me - “sai logo porque vou usar o banheiro!“. Guardei esse segredo
por muito tempo, só o mencionando agora, neste livro. Com Michel era
diferente. Ao saber desses encontros do Capitão, passou a explorar André,
que chegava a comprar duas porções de comida, na Cantina, aos sábados,
sendo uma delas era para Michel. E a exploração foi além – Michel
conseguiu que André arranjasse uma extensão do aparelho de televisão, com
dois fones de ouvido, um para cada, e apenas os dois podiam ver e ouvir os
programas, inclusive os filmes pornôs, que os dois exibiam em vídeo, de
madrugada. O aparelho ficava ao pé da cama dos dois, quase juntas. Os
257
outros que se danassem. E foi por causa daquele segredo do Capitão que
Michel sentiu-se no direito de levar a mulher. André, para disfarçar, fazia
que pegava alguma coisa no armário, enquanto que Lima pegava u’a mala
de roupa suja, que sua mulher levava. Michel ia além. Várias vezes ao dia
cheirava um tubinho, dizendo que era para resfriado, que não sarava
nunca. Com o passar do tempo descobri que se tratava de droga. E André
nada dizia, tolerava , calava-se.
ANDRÉ REALMENTE MANDAVA
No dia seguinte, depois de algumas rápidas e apressadas idas e vindas
de André, fui retirado do alojamento dos oficiais e mandado para o
alojamento 5, dos soldados e Michel foi para o alojamento 3, também para
soldados. Alguns oficiais e sargentos estavam na expectativa de que eu lhes
fosse pedir para permanecer no alojamento anterior, mas estavam
redondamente enganados, pois, com aquela mudança, fiquei super feliz em
deixar aquele antro de elementos de mau caráter e principalmente porque
não me senti castigado (não havia cometido qualquer falta) mas sim
contemplado, uma vez que eu já fizera pedido para aquela transferência,
negada até então. Quando acabei de retirar meus pertences, fiz questão de
varrer o chão, até a porta de entrada do alojamento, onde retirei meus
chinelos, batendo-os, para não levar nem mesmo o pó daquele ambiente.
Nesse instante André levantou-se de sua cama e veio correndo em minha
direção, batendo a porta com força. Para ele era como se estivesse
expulsando o civil do lugar destinado somente a oficiais, e ele, como chefe do
alojamento, fizera esse último ato. Era uma grande imbecilidade, praticada
por um ladrão imbecil, e, afinal de conta não passávamos de presos...
Com Michel o tratamento por parte de André foi diferente. Michel
continuou a usar seus armários, o banheiro e freqüentar a mesa dos oficiais.
E, no alojamento 3, tinha também seu armário.
MEU LIVRO É CENSURADO
Assim que passei para o alojamento 5, pedi autorização para receber
uma de minhas máquinas de escrever, explicando que era para datilografar
258
um livro, que eu estava escrevendo sobre a vida na prisão. Depois de muita
burrocracia acabei recebendo a máquina. O livro já esta a em fase
adiantada, manuscrito. Precisava acrescentar fatos posteriores à minha
vinda para o Romão. Só que eu não conseguia trabalhar direito. Durante a
noite era impossível. Durante o dia alguns presos queriam dormir (era
proibido, mas mesmo assim o faziam) e um deles, de nome Roxo, chegou a
chutar minha máquina, quebrando-a. Levou alguns dias para eu receber a
peça e continuar meu trabalho, agora no pátio. Guardava a máquina em
meu armário, deixando algumas coisas de fora. Um dia, fui chamado à sala
do Major sub-comandante, que estava interessado em saber sobre a
progresso de meu livro e pediu-me o manuscrito. Entreguei-lh’o, dizendo
que era o único que eu possuía (porém eu tinha uma cópia a carbono). Os
dias se passavam e ele não m’o devolvia. Fiz-lhe a cobrança e recebi ordem
de ir até sua sala. O Major retirou meu original de uma gaveta e me
advertiu de que eu devia tirar algumas coisas, que ele já havia riscado. Fizlhe ver que ele não podia exigir aquilo, pois já não mais existia censura, que
era uma obra literária, que eram fatos verídicos. O Major insistiu. Se você
não tirar eu não devolvo.Acabei concordando, mas retruquei – ‘tá bom,
enquanto estou aqui vai ser assim, mas quando eu sair vou escrever tudo de
novo, até o que o senhor censurou...O Major disse – se você puser meu nome
você vai se dar mal...Essa mesma expressão era repetida por outros oficiais,
ao saberem que seus nomes seriam mencionados. Por isso aqueles versos
iniciais – Sei que em represália...
MAS O DESTINO INTERVEIO E O CASTIGO VEIO
No último dia de uma semana, ou seja, no sábado, enquanto quase
todos nós estávamos no pátio, aguardando em forma a chamada de revista à
tropa (afinal, era Presídio Militar), após o almoço, fomos mantidos em
formação e impedidos de adentrarmos nossos alojamentos. Ia se proceder a
uma blitz (busca relâmpago), em busca de algo ilícito, como armas, bebidas,
instalações elétricas clandestinas, revistas pornográficas, abridores de latas,
ou mesmo drogas. Ninguém, dentre os mais de trezentos presos, se
preocupavam com o que iria ser feito, pois nada temiam, uma vez que seus
B.O.s (como eram chamados os proibidos) eram aceitáveis, sem ou com
259
pouca punição. Ninguém é modo de dizer – havia um que andava de um
lado p’ra outro, falava com nervosismo, esfregava as mãos e tinha o rosto
lívido, sem o habitual sorriso de escárnio – Michel -. Os oficiais
encarregados das buscas chamaram dois Internos de cada alojamento, para
acompanharem os trabalhos iniciais e depois, cada Interno era chamado
para abrir seu próprio armário e presenciar as buscas. Todos, com exceção
de Michel (e André, seu aprendiz) , traziam seus pertences debaixo de chave,
com cadeados. Michel sempre dizia que agia assim porque, se algo
acontecesse, ele poderia se esquivar, alegando que o que fosse encontrado
não lhe pertencia e que alguém o colocara lá – era uma saída que havia
aprendido nas cadeias americanas -. As buscas eram minuciosas, nada
escapou, reviraram colchões, camas foram desmontadas, frestas de portas
dos armários, enfim em todo lugar onde os olhos pudessem alcançar e as
mãos pudessem tocar.E, devido àquela busca intensa, chamada de pente
fino, os oficiais, à frente de testemunhas e do próprio dono do armário,
encontraram droga, mais precisamente maconha, no armário de Michel, no
alojamento 3. De imediato ele se disse estar abismado e procurou justificar,
dizendo que alguém havia colocado lá. Os oficiais não aceitaram a
explicação, pois, conforme lhe informaram naquele instante, já havia
depoimentos de outros Internos, por escrito, informando que ele, Michel,
fôra flagrado no banheiro, fumando maconha. Como os Internos
precisavam fazer uso do sanitário, insistiram e Michel acabou abrindo. Mas
o cheiro característico e conhecido dos ex-policiais, permaneceu no
ambiente. Esse fato foi levado ao conhecimento do Comando, que então
determinou as buscas. Corria pelos corredores o comentário de que, no
alojamento dos oficiais, sempre perante testemunhas, no armário ainda
utilizado por Michel, também foi encontrada uma substância branca, que
poderia ser cocaína. Por isso, em razão desse ilícito, Michel foi levado ao
Distrito Policial do bairro, para ser autuado em flagrante. Para se esquivar
à imputação de tráfico de entorpecente, Michel preferiu assumir a
responsabilidade de viciado, crime menor. Na volta ele foi mandado para a
solitária ou cela forte, da sub-seção, onde ficou apenas um dia, passando
depois a morar no X3, no 1º estágio. E com esses fatos Michel perderia o
semi-aberto, cujo regime ele deveria cumprir no Romão Gomes, desde sua
chegada.
260
Michel ficou ali por cinqüenta dias, depois daquelas buscas, e foi
enviado para uma Penitenciária do interior, na Comarca de Presidente
Venceslau. Lá, ele não teria as regalias que vinha gozando, e ainda estava
arriscado a sofrer algum atentado, por parte de outros presos, criminosos
comuns, que eram inimigos naturais de quem já havia passado pelo COC,
ou, principalmente, pelo Romão Gomes, reservado a policiais militares e expoliciais. E os comentários que chegaram, trazidos pelos policiais da escolta
de Michel, o mesmo precisava estar separado dos demais, naquilo que se
chama seguro,. Parecia ser, para Michel, uma etapa final de uma vida
criminosa, iniciada havia mais de vinte anos antes. Porém Michel, mais uma
vez, receberia a “amizade”daquele Juiz, amigo de seu irmão, e voltaria para
São Paulo...
MAIS UMA VEZ – DOIS PESOS DUAS MEDIDAS
Antes que Michel deixasse o Romão Gomes, aconteceu um fato que
ele não gostaria que tivesse acontecido – depois de muitas delongas e
injunções, criadas por alguém que não queria que isso acontecesse, chegou a
ordem do Juiz, promovendo-me ao regime semi-aberto, cujo fax chegou
exatamente dois minutos antes das 18 horas do dia 09 de agosto de 1996, na
ante-véspera do Dia dos Pais. No dia anterior eu havia recebido a visita de
minha filha, que estava fazendo correria para que me fosse concedido aquele
benefício e que eu fosse autorizado a sair do Presídio, a tempo de poder
reunir-me com meus familiares, em minha própria residência, naquele Dia.
Disseram que faltava um documento (sempre faltava algum...) e fui
conversar com o Capitão Chefe da Seção Penal. Este disse-me que, não seria
concedida a autorização de saída porque havia uma Portaria do TJM
(Tribunal de Justiça Militar) determinando que depois de chegar a ordem do
semi-aberto, era preciso fazer uma petição, solicitando tal autorização, que
poderia ser despachada pelo Comandante. Ingenuamente expliquei que
minha filha já tinha em mãos uma petição, solicitando aquela autorização.
Foi como um murro na cara do Capitão, cuja face se transformou, deixando
transparecer seu desgosto. No mesmo dia anterior, minha filha estava junto
à mesa do Juiz, aguardando o despacho da concessão do benefício e também
da autorização de saída. Enquanto aguardava, sabedora de que o
261
magistrado esta propenso a conceder ambos os pedidos, quase sofreu uma
crise de nervos, conforme me explicaria. Isso porque houve a intervenção de
uma funcionária, Chefe do Cartório, que fazia gestões, instando o Juiz a não
conceder, pois havia aquela Portaria (ela viria a ser uma grande amiga
nossa). Não esclareceu a funcionária, no entanto, que havia precedentes, de
elementos que haviam recebido a autorização de saída, como por exemplo o
barbeiro do Presídio, de prenome Ribamar, beneficiado dia 21 de dezembro
de 1995 e autorizado a sair no dia 23 do mesmo mês. Havia também o caso
de Nei Ricardo, que recebeu o semi-aberto na sexta-feira da Semana do Dia
das Mães (domingo) e concomitantemente a autorização para sair. Até meu
filho havia sido beneficiado com o semi-aberto e, ao mesmo tempo, com a
autorização de saída, da mesma forma que aconteceu com meu afilhado,
todos sem antes daquele tal lapso de quinze dias... Mas comigo era
diferente...havia sempre alguém. por trás dos bastidores, para infernizar
minha vida, prejudicando-me...E NÃO ME DEIXARAM SAIR... E essa
sombra em meu cativeiro sempre surgia ora na pessoa de uma autoridade,
ora na de outra, sempre influenciadas ou influenciando, para me fazerem o
mal...
MAIS UM MOTIVO DAS REBELIÕES
O preso, quando consegue receber o regime semi-aberto, geralmente
é autorizado a deixar o Presídio, para sair em busca de emprego. Digo
geralmente porque, no COC, o semi-aberto é cumprido apenas deixando o
preso sair dos prédios fechados com grades, sendo-lhe permitido trabalhar
no lado de fora, porém sem deixar o estabelecimento (por isso Michel pediu e
conseguiu sua transferência para o Romão Gomes, caso contrário iria
aguardar muito tempo para ver a rsa...). Isso gera sentimentos de revolta,
porque o mesmo não acontece nos demais presídios. O preso pode sair.
PORÉM, devido a muitos motivos, dentre eles a discriminação, não
consegue trabalho. O preso é discriminado, sem direito a um lugar ao sol.
Não lhe é dado o direito de se reintegrar na sociedade.
Da mesma forma, quando sai definitivamente da prisão, o mesmo
acontece. O egresso não arranja emprego, as chamadas associações de ajuda
262
ao egresso, religiosas ou não, são apenas de fachada, não ajudam, os
familiares se afastam, os amigos desaparecem. É mais um motivo de
convívio com outros, em igual situação, o que, certamente, irá causar novas
violências, com a volta para a prisão Os que ainda continuam presos, ao
tomarem conhecimento do que acontece lá fora, acabam, por antecedência,
ficando preocupados com o que possa vir a acontecer com eles, quando
saírem, num ou noutro regime (semi-aberto ou definitivo). E ficam
revoltados. Acabam liderando ou mesmo participando de rebeliões, sempre
violentas.
PROVAS DAS MÁS INFLUÊNCIAS
Tanto é verdade que, depois do Dia dos Pais, passei a ter enorme dor
de dentes, os quais não suportavam o menor toque. A gengiva inflamada, a
cara inchada, fizeram com que eu recorresse ao dentista do Presídio,
Tenente Faustino. E também aquele dente, que ainda precisava de
tratamento, passou a dar problemas. O dentista, depois de alguma
insistência de minha parte, concordou em que eu me sentasse na cadeira,
para fazer uma avaliação. “Não, aqui não tem condições para fazer nada...”
disse ele. “E no C.Odont.?”, perguntei. “Lá também não dá, tem uma fila
enorme, você vai ter que fazer tratamento fora, quando sair...”. “Mas Tenente,
eu não vou suportar até lá, mal consigo mastigar, estou vivendo de
líquidos...””. Então o Tenente deu uma sugestão – “Você faz uma parte e
quando ela chegar aqui eu dou meu parecer, aí vamos ver o que se pode
fazer...”. Eu disse que iria fazer a parte imediatamente, o que de fato
aconteceu. Fui até a Seção Penal e entreguei o documento ao sargento
Teodoro. Na saída da Seção Penal encontrei-me com o Tenente Dutra,
naquele dia substituindo o Capitão Chefe da Penal. Esse oficial era
imparcial, não tinha interesse em prejudicar ninguém. Pegou a parte
imediatamente, ele próprio, e levou em mãos para o dentista, que deu seu
parecer. Dali a parte foi encaminhada aos oficiais superiores, e voltou com
um despacho – era preciso que tivesse um parecer de algum dentista do
Centro Odontológico, após o qual, confirmada a impossibilidade de
tratamento, no Presídio, seria concedida (?) autorização para queeu saísse,
sob escolta, para tratar com dentista particular, a minhas expensas. Na
263
semana seguinte precisei correr atrás da parte, para que eu fosse enviado ao
C.Odont. O Sargento Araújo (conheci-o quando ele era adolescente..pois fui
advogado de seu pai) da Enfermaria, a muito custo, preencheu o ofício de
encaminhamento, que devia ser assinado pelo Comandante. O Sargento
entregou o ofício e a parte na Seção Penal, onde ficaram retidos. A essa
altura não mais era o Tenente Dutra, e sim o Capitão José Carlos, que
voltara a chefiar a Seção. Após várias idas e vindas, da Seção Penal à
Secretaria e vice-versa, ficou acertado que eu seria escoltado no dia 22 de
agosto, para apresentação às l6,15 horas, como constava no fício. No
entanto, nesse dia, nada constava no Quadro de Escala de Escoltas.Não
havia qualquer soldado, tanto no pessoal que fazia escoltas, nem no Corpo
da Guarda, de onde eram retirados, extraordinariamente, elementos para
aquele serviço, no caso de haver falta dos demais. Para mim, no entanto, não
estava sendo possível. Uns diziam que agüentasse mais uns dias.... Cheguei
até a sugerir que eu fosse levado no dia seguinte, já que naquele dia estava
sendo impossível. “Vamos ver o que se pode fazer”disse o sargento Teodoro.
A mesma expressão era usada pelo Sargento da Secretaria, que
acrescentava – “quando vierem os papéis’. Diante desse quid pro quo , com
um sorriso, acerquei-me do Capitão José Carlos, procurando uma solução –
“Capitão, o senhor me dá licença? Acho que só o senhor mesmo para resolver
meu problema” e expliquei-lhe a situação. O Capitão disse a mesma coisa –
“vamos vr o que se pode fazer, mas não adianta ir ao Centro Odontológico
(C.Odont.), pois tem uma fila de espera de mais de quatrocentos, e não vou
deixar de mandar escolta de presos para o Fórum - o Juízo tem
preferência”.Fingi que concordava... e nada ficou resolvido.
AGORA UM COMENTÁRIO
Eu não podia afirmar com certeza, que o Capitão estivesse sendo
influenciado, mas eu tinha minhas dúvidas. E por que as tinha? Muito
simples – além do fato de aqueles dois advogados de Alexandra serem
ligados, direta ou indiretamente, à Polícia Militar, havia uma outra
coincidência muito grande, ou seja, um terceiro advogado, que havia feito a
defesa dela em plenário (os dois não tinham coragem e capacidade para fazer
a defesa), no julgamento no Tribunal do Júri (ela foi condenada...) e que era,
264
também, advogado do Capitão, o qual, segundo comentários, respondia a
dois processos por duplo e triplo homicídios (boa gente, ele...). Esse terceiro
advogado, cujo nome não é digno sequer de ser mencionado, além de ter
sido defensor de Alexandra, tinha uma certa antipatia por mim, pois eu não
concordava com suas atitudes, quando o mesmo levava suas alunas (homens
ele não levava) para assistirem a sua atuação em plenário (igualzinho a meu
“defensor”) e depois as assediava. Por esses motivos eu tinha grande dose de
desconfiança de que também esse advogado estivesse induzindo seu cliente
(o Capitão) contra mim (mas também esse advogado foi punido.De um homem
forte que era passou a pesar menos de sessenta quilos e só podia sair à rua se
estivesse acompanhado).
E MEUS DENTES
e gengivas continuavam precisando de tratamento. Seguindo a hierarquia e
o regulamento, pedi-lhe licença para me dirigir ao Sub-Comandante, que
anotou meu pedido, dizendo –“Vamos ver o que se pode fazer...”. Continuei
insistindo. O Major irritou-se, quase gritando – “Você está sendo
impertinente, vê se não me enche !” E fiquei aguardando. Mas existe um
Deus onipotente, onisciente, onipresente. Mais uma vez recorri a Ele.
Consegui, afinal, ser levado para o Centro Odontológico. onde os dentistas
afirmavam ser necessária a extração dos dentes, agora em número de
quatro... e, finalmente, lá se foram meus dentes...
MINHA VOLTA
Depois do Dia dos Pais fui autorizado a sair, à procura de emprego.
Diferentemente do Sistema Prisional comum, no militarismo não era
permitido trabalhar em firma própria nem de parentes, e muito menos
próximo da residência. Então consegui arranjar um lugar na ACRIMESP
(Associação dos Advogados Criminalistas de São Paulo), de cuja reunião de
fundação tive a honra de participar. O advogado que a estava presidindo
também já estivera preso, por isso entendia minha situação e me deu a
oportunidade de trabalhar na Secretaria, instalada dentro do prédio do
265
Fórum Criminal. Ali dei meus primeiros passos na computação e comecei a
digitar meu livro.
Um dia avistei o Capitão Edson, então Chefe da Seção Penal, e me
dirigi até ele, a fim de me apresentar. Ele estranhou minha presença, pois
não sabia que eu já estava no semi-aberto.
Um outro dia vi alguns soldados, que escoltavam Michel para uma
audiência. Procurei saber qual a Vara e, dias depois, fui até o respectivo
Cartório, pedindo para ver os autos. Que surpresa eu tive! O advogado de
Michel era seu irmão (aquele amigo do Juiz Corregedor)que havia arrolado
como testemunhas de defesa nada mais que os oficiais do alojamento –
André meteu o pau em mim, Lima idem, Sordi (preso por tráfico), também.
Um ex-soldado, de prenome Sandro, de família evangélica, da quadrilha de
André, teve o desplante de insinuar que eu, durante aquela blitz, tinha
estado próximo ao armário de Michel. Todos disseram que eu era inimigo de
Michel. Pereira, que NUNCA havia estado no COC, disse que nesse Presídio
eu tinha avançado contra Michel, com um estilete. Foi uma barbaridade, um
desfile de mentiras, procurando encobrir o gesto criminoso de Michel e
pretendendo transferir para mim a responsabilidade pela droga encontrada
(não fumo, não bebo e detesto drogas). Michel acabaria sendo absolvido.
Na ACRIMESP conheci uma advogada, inscrita o Estado do
Acre. Depois de travarmos conhecimento consegui que ela me contratasse,
em meu escritório (instalado em nome dela), naquele prédio cuja posse nós
havíamos retomado de Alexandra. Ali eu estaria a um passo de minha
residência e a dois passos de meu restaurante, ambos no prédio ao lado.
JUSTIÇA INJUSTA
Alguns Internos do Romão Gomes aguardavam julgamentos havia
alguns anos. Como era costume, entre os Promotores, os mesmos
argumentavam com os Juízes que vítimas sobreviventes ou testemunhas de
crimes estavam sendo ameaçadas, e pediam a decretação de Prisão
Preventiva para os réus (Foi o que fizeram comigo, inclusive com a revogação
de minha PAD – Prisão Albergue Domiciliar). A Prisão Preventiva durava
266
dois anos, podendo ser renovada por mais dois anos. E era o que os
Promotores faziam. Pediam a renovação. E pediam os adiamentos do
julgamento, tantos quantos eram permitidos na lei. .E o réu ficava
aguardando até o último dia, quando finalmente era marcado o julgamento,
PARA DEPOIS DE QUATRO ANOS PRESO, SER ABSOLVIDO. Foi
assim com inúmeros deles, como aconteceu com o soldado Ramos, com o
soldado Noé, com o sargento Geraldo, e muitos outros...
ESSAS ATITUDES DOS PROMOTORES SÃO MAIS ALGUNS
MOTIVOS DAS REBELIÕES
DOS
.-.-.-.-.-.TELEVISÃO “DESAPARECE” NO COC
Algum tempo depois que eu deixei o COC, perguntei para minha
mulher se ela poderia trazer-me o aparelho de televisão que eu havia
deixado no COC. Ela me disse que era meio impossível, porque os guardas
lhe haviam dito que o aparelho havia desaparecido. Ora, pensei, não podia
desaparecer assim, pois nada ou ninguém entrava, e muito menos saía (salvo
as fugas, de vez em quando, porque, de segurança máxima mesmo só havia
violência). Ensinei a ela como devia proceder- falar diretamente com o
Diretor e exibir-lhe o comprovante de entrada do aparelho -. Não deu outra.
Na visita seguinte ela me disse que havia se dirigido ao Diretor, que
prontamente determinou as buscas necessárias e – MILAGRE ! _ a televisão
re-apareceu.
AMEAÇAS
Com minha quase liberdade, que chegou ao conhecimento de alguns
policiais, novamente a vida de meus familiares se transformou. Ameaças
veladas, por telefone, voltaram a ser feitas, tanto contra minha mulher como
contra minha filha e até contra minhas netas.
REPRESENTAÇÃO JUNTO Ã OAB
267
Após minha condenação meu “defensor” apresentou uma
representação, a qual gerou o Processo Disciplinar número 163/94. Comecei
a fazer minha própria defesa já no COC. Minha irmã, advogada, me
representava, mas era impedida de obter cópias. Tive que esperar quase seis
anos, até o dia do julgamento, pelo Tribunal de Ética. Já havia um Parecer
do Relator anterior (um idiota e ignorante, por sinal) que opinava pela
minha exclusão dos Quadros da Ordem. Nesse dia o Relator disse-me que
seria adiado. Protestei e insisti no julgamento, Fiz minha própria defesa,
oralmente, com muita ênfase e emoção, exibindo farta documentação,
demonstrando a fragilidade do Inquérito, forjado no Distrito policial. Os
membros reconheceram que eu estivera INDEFESO e fui absolvido por
unanimidade. Encaminharam-me para a Comissão de Prerrogativas, que
deveria me auxiliar em Pedido de Revisão.
AMEAÇAS
Visando anulação do Processo, por meio de Pedido de Revisão
Criminal, o Presidente daquela Comissão (foi candidato a Deputado por meu
Partido, quando disputei a Prefeitura de São Bernardp dp Campo) enviou
ofícios a dois Delegados, para que respondessem,
se quisessem.
Obviamente, nada foi respondido. Poucos dias depois minha filha telefonoume, perguntando se eu estava mexendo no processo, junto à Ordem. Eu
disse que sim e perguntei por que ela me perguntava. A resposta me deixou
perplexo e irado – “o senhor pára com isso, esquece!”.Não aceitando tal
ordem, muito drástica, perguntei – “Por que devo parar?”e ela me
respondeu, secamente – “eles ‘tão falando que se o senhor continuar mexer
eles vão fazer alguma coisa com as crianças!”. NÃO PRECISO EXPLICAR.
NO MESMO DIA PETICIONEI DESISTINDO DO PROSSEGUIMENTO DE
MEU PEDIDO.
E minha filha nunca mais falou comigo nem me deixou ter contato com as
crianças.
SEPARAÇÃO “CONSENSUAL”
268
Quando eu saí no regime semi-aberto minha irmã e minha mulher
começaram a insinuar que devíamos nos separar. Chegaram até a me
intimidarem – ou eu me separava ou elas chamavam a Polícia, o que
significava quebrar o semi-aberto e, conseqüentemente, voltar para a
cadeia.Minha irmã tinha interesse em minha separação, para que os
apartamentos da rua São Joaquim, ficassem para meus filhos, e eu poderia
escolher com qual dos dois prédios eu ficaria – o da rua Taguá ou o da rua
Pirapitinguí – Mas a verdade era outra. Como faziam com minha filha, elas
também recebiam ameaças, que incluíam, além de mim, a nossos filhos e
netos - e elas queriam preservar nossas vidas, mesmo que ficássemos
presos. As duas poderiam cuidar dos prédios, até que as ameaças parassem.
Mesmo sem saber das ameaças, acabei concordando com a separação, no
segundo semestre de 1997. No entanto, minha mulher continuou morando no
mesmo apartamento, no qual eu passei a viver, também, assim que recebi o
Livramento Condicional.
CONDICIONAL
Decorrido o lapso temporal de lei, foi pedida minha Liberdade
Condicional. Primeiramente por meio de uma advogada do Estado, de
origem nipônica, a qual, depois, desistiria de meu pedido e até se oporia,
dizendo nos autos, que eu era rico e podia pagar advogado, afirmação antiética, que me causaria muitos dissabores, pois favorecia o trabalho do
Promotor daquela Vara, também oriental, acostumado somente a negar os
pedidos que lhe eram feitos, por mais que o preso tivesse direitos. Depois de
muitos contra-tempos, finalmente, meu pedido foi enviado ao Conselho
Penitenciário (do qual aquele meu “defensor”fazia parte) onde um dos
Membros, rábula por certo, pouco conhecedor das leis, daria seu parecer
contrário à concessão, afirmando que o crime de que eu fôra acusado era
considerado hediondo. Com esse Parecer os outros Membros
acompanharam, negando., e enviaram sua decisão à Vara das Execuções
Criminais do Tribunal de Justiça Militar. No entanto o Juiz Corregedor da
Justiça Militar (Dr. Chaves) fez bom uso daquele papel enviado e,
contrariando aquela decisão, por ilegal e absurda, concedeu-me o
Livramento Condicional. Depois de ter ficado preso no 5º Distrito Policial,
269
por duas vezes, no 91º Distrito Policial, por duas vezes, no Centro de
Observação Criminológica, por duas vezes, na Penitenciária do Estado e no
Presídio Militar “Romão Gomes”, totalizando SETE ANOS menos quatro
dias, isto é, dia 1º de fevereiro de 1999, chegou finalmente o ofício
concedendo-me aquele benefício, que autorizava minha saída do Presídio,
sem a obrigação de retornar à noite, nem permanecer preso nos domingos e
feriados.. Porém continuava o tratamento especial – só me entregaram o
ofício no dia seguinte, depois do almoço. Parecia que gostavam de minha
companhia e queriam minha presença, diuturnamente.
PEDIDO DE JUSTIFICAÇÃO CRIMINAL
- LAUDO DA POLÍCIA TÉCNICA CONFIRMA TORTURA - OFÍCIO
DO DETRAN CONFIRMA : PLACAS “FRIAS” FORAM PLANTADAS
Assim que tive oportunidade, peticionei ao Juiz do Tribunal do Júri,
para fazer uma Justificação Criminal. O DETRAN informou sobre as
placas encontradas na casa de meu filho – eram todas relacionadas com casos
que passaram pelo 5º Distrito Policial – nada tinham a ver conosco. O mais
absurdo – a Polícia Técnica comprovou que sofremos TORTURA e
CONSTRANGIMENTO, pois o malfadado corró, onde ficámos eu e meu
filho, com mais cinco ou seis presos, media – PASMEM! – apenas 0,90 X
3,10 e era destituído de iluminação, de higiene...tudo como havíamos
narrado em nossos Interrogatórios... Preso ali, certamente eu precisava
confessar...
As tais placas “frias”que teriam sido encontradas na residência de meu
filho, eram, em verdade, placas retiradas de veículos que estavam
envolvidos em ocorrências policiais, conforme Ofício do DETRAN.
COMUTAÇÃO TAMBÉM NEGADA
Da mesma forma que negavam ou obstavam meu direito ao semi-aberto,
somente concedido após muita batalha, também meu pedido de Comutação
270
foi negado pelo Conselho Penitenciário (os advogados que o integram, mais
parecem Promotores)
Porém eu não mais iria precisar dessa Comutação. Finalmente recebi o
INDULTO. Por um Decreto Presidencial, foi concedido aos presos do país, o
chamado Indulto de Natal, em 1998.
Fundamentado no mesmo pleiteei
esse benefício em 20 de janeiro de 1999, que me foi concedido no dia 11 de
setembro, com a extinção da punibilidade em 11 de outubro do mesmo ano.
Meu filho já havia sido beneficiado no início desse ano. Meu afilhado não fez
igual pedido, tendo requerido somente Comutação de Pena, que foi
concedida, diminuindo o tempo de sua condenação. Terminado o tempo,
obteve extinção de pena.
FINALMENTE E S TÁ V AMOS L I V R ES !!!!!!
VIDA NOVA
Meu afilhado e meu filho voltaram aos estudos. O primeiro,
terminaria o colegial e se dedicaria a estudos religiosos, trabalhando em
Hospital da Capital. Meu filho iniciaria a Faculdade de Direito e, já no
quarto ano, como Estagiário em escritório de advocacia, seria voluntário
junto ao Departamento de Assistência Jurídica aos presos do Presídio
Militar Romão Gomes. Casado e pai, só pensando em ver restabelecidos
seus direitos, pediu sua Reabilitação, que foi deferida. Mas o Promotor
apelou...
REVISÃO
Faltava ainda o pedido de Revisão, para anulação do Processo. Apesar
de todas as provas novas, das falhas e das nulidades existentes, sonegação de
provas, depoimentos falsos, e outras, é de praxe que o Tribunal não conheça
sequer desse tipo de pedido. Porém, como existe um DEUS que tudo sabe,
tudo vê, e não existe nada encoberto que não seja revelado, tenho Fé, e com
ela a Certeza de que, com as PROVAS NOVAS (declaração de Jailson), o
Laudo da Polícia Técnica (relativo às placas que o Relator chamou de “frias”
e às provas da TORTURA, física e psicológica, ao ser mantido no exíguo
271
espaço do corró), mais a sentença de minha absolvição, no Processo da
pseudo ameaça, e ainda este Livro, aliado às outras provas (Inquérito
forjado - Portaria forjada, Autos de Reconhecimento forjados e nulos)), ainda
vou ter a glória, a satisfação e o prazer de ver novamente limpos nossos
nomes. tudo com a GRAÇA DE DEUS !. Sim, porque a mim, a meu filho e
a meu afilhado nada é mais importante que isso, para termos restabelecidos
nossos direitos de cidadãos. Nada mais nos interessa. Abrimos mão de
qualquer pretensão de indenização, seja por parte de nossos algozes, seja
por parte do Estado.
(PS) 1 – Depois de dois anos que eu recebi o Indulto, encontrei-me com o
egresso Ramos (aquele halterofilista que havia ficado preso por quatro anos e
depois foi absolvido) e fiquei sabendo que os presos Hoffmane e Benevides
haviam sido absolvidos. E, finalmente, o preso Torquato, que, inicialmente
fôra condenado a 46 anos de reclusão, também foi absolvido, por
unanimidade, ou seja, por todos os jurados do Tribunal do Júri, os três
tiveram a brilhante atuação do advogado João Carlos Marin Falcato.
MAIS DOIS PESOS DUAS MEDIDAS
(PS) 2 - O Juiz Nicolau dos Santos Neto, vulgo LALAU, autor do desvio de
CENTO E SESSENTA E NOVE MILHÒES DE REAIS, (mais de oitenta e
cinco milhões de dólares) das obras Tribunal do Trabalho em São Paulo,
alegando aumento de pressão, graças a seus advogados, conseguiu aguardar
seu julgamento em PRISÃO ALBERGUE DOMICILIAR (como eu me
encontrava, por preencher os requisitos legais - réu primário, bons
antecedentes, não houve flagrante, não havia Prisão Especial no Estado de
São Paulo, etc.) (???????)
(PS) 3 – O Coronel UBIRATAN GUIMARÃES, reformado da Polícia
Militar do Estado de São Paulo, que comandava a Tropa de Choque naquele
dia em que houve a invasão da Casa de Detenção, no bairro do Carandiru,
em outubro de 1992, com a chacina de CENTO E ONZE PRESOS, mais
cinco tentativas de homicídio, foi condenado pelo Tribunal do Júri da
Capital, à pena total de SEISCENTOS E TRINTA E DOIS ANOS DE
272
PRISÃO (632a), em regime fechado, porém CONSEGUIU RECORRER
EM LIBERDADE (???????). E mais – no dia 9 de julho esse mesmo
Coronel, desafiando seus comandantes, desfilou perante o povo, que o
aplaudiu.
SEM COMENTÁRIOS !!!????
(PS)4 – O JORNAL DO ADVOGADO, de julho/2001, noticiou que O STJ
garante direito do advogado à prisão especial em Sala de Estado
Maior. Diz a notícia que, por votação unânime, a Sexta Turma daquela
Curte deu provimento a Recurso interposto pela OAB/SP, em Habeas
Corpus impetrado em favor de advogado que se encontrava preso em
Distrito Policial. Em sua Ementa o Ministro Vicente Leal reconhece que a
privação de liberdade do advogado em cela de Delegacia de Polícia “não
atende à exigência da Prisão Especial, na forma preconizada no art. 7º, V, da
Lei nº 8.906/94”, em função da qual foi dado provimento ao recurso e
determinada “a imediata remoção do paciente para Sala de Estado Maior, ou,
inexistindo, que seja imposta Prisão Domiciliar”. Diz mais, a notícia, que o
Presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas garante que “a Ordem
atuará, por meio dos recursos cabíveis, para fazer os direitos da classe”.
(PS) 5 – Uma delegada do 4º Distrito Policial de São Paulo, sentindo-se
desacatada, deu voz de prisão em flagrante a um advogado antigo,
conhecido por todos, e o manteve algemado ao braço de uma cadeira/ A
OAB foi alertada, o advogado foi liberado, e a OAB manifestou seu
descontentamento com aquela atitude, dizendo que sérias providências
seriam tomadas e coisas tais.
Pergunta-se:
À vista de tudo isso, e se o Estatuto atual prevê e o anterior previa que
também eu tinha os mesmos direitos, por quê fiquei preso em “corro” de
Delegacia, por quê fui torturado, por quê me negaram Habeas Corpus, por
quê a OAB nada fez, e tudo o mais ?
273
A resposta já foi dada neste livro. O tempo confirmará.
OBRIGADO A TODOS
O Autor
OS DEZ MANDAMENTOS DO INTERNO DOS DISTRITOS POLICIAIS,
FEBEM, PRESÍDIOS E OUTRAS CADEIAS
PARA VIVER EM PAZ NA PRISÃO, criei alguns “MANDAMENTOS”, os
quais, com algumas modificações, servem muito bem para qualquer preso,
tanto nos reformatórios (FEBEM), como nos Distritos Policiais, Centros de
Recolhimentos, Casas de Detenção, Penitenciárias, enfim, em qualquer
cadeia. Por exemplo
OS DEZ MANDAMENTOS
1º
DO INTERNO (PRESO)
- Jamais agredir alguém, principalmente o guarda
2º - Jamais desrespeitar alguém, em especial o guarda
3º - Não fazer parte de “grupinhos”
4º - Não alcagüetar nada nem ningúem
5º - Não fazer uso de drogas nem comprá-las ou vendê-las
6º - Não participar de planos de fuga ou de rebeliões
7º - Não possuir qualquer tipo de arma
8º - Freqüentar algum grupo de religião
274
9º - Praticar algum esporte e leitura
10º - Praticar alguma atividade ocupacional
ALGUNS TIPOS DE VIOLÊNCIA E SUAS CAUSAS
Existe a violência no lar, a violência no trabalho, a violência nas
escolas, seja por meio de agressões seja por incestos, e a violência
nas ruas e a violência no governo e na Polícia.
A violência é gerada pela miséria, pela inveja, pela falta de
comida, de higiene, de educação básica, de religião, de fé, de
remédios, de empregos, de lazer, e
pelos atos abusivos,
incompreensão, intolerância e omissões das autoridades, e falta de
honestidade política etc.
E como combater a violência, ou melhor, como impedir que ela
surja, que ela aumente, que ela afete as pessoas?
A resposta é simples:- basta boa vontade dos governantes, dos
políticos, das autoridades, das Polícias, dos religiosos, dos
professores e dos universitários, dos administradores, dos
industriais e dos comerciantes, dos pais e, principalmente,
daqueles que dirigem e atuam na mídia escrita, falada e
televisada, enfim, de todas as pessoas que, direta ou
indiretamente, estejam ligadas com a infância e a juventude,
para serem promovidos cursos, palestras, eventos sociais e
esportivos, que contribuam com a geração de empregos, de bons
transportes, boa e farta alimentação, de moradia, coibindo e
275
combatendo a divulgação de notícias, programas e filmes que
possam criar resultados de imitação dos fatos.
A Moral precisa ser restabelecida. Impõe-se um bom ensino
de nossa própria língua, combatendo-se o macaquismo de copiar
línguas estrangeiras, que nossos jovens falam, sem compreender.
Somente assim teremos paz e tranqüilidade, com o retorno
da segurança.
A criação e manutenção de Centros Comunitários, com
creches, com lazer, com esportes, cursos em geral, como artes,
teatro, letras, com ambulatórios e Pronto Socorro, tirariam os
jovens das ruas, criariam um bom ambiente de harmonia e
confiança entre todos, numa grande comunhão.
Ah como eu gostaria de colocar atrás das grades nas mesmas
condições, aqueles que forjaram nosso inquérito, os que nos
acusaram, as falsas testemunhas, os que julgaram nossos Hábeas
Corpus, nossos processos, os que nos vigiavam - enfim, todos os
que diziam ser parte da Justiça e faziam a tal ”Justiça”. Queria
ver se eram homens bastante, para suportarem aquilo que fazem
para os outros. Aí, sim.
Se o fizessem, então poderiam ser chamados de homens. E sei
que, com isso, muita coisa iria mudar. Não mais arbitrariedades,
não mais injustiças. As crianças receberiam leite, roupas, lições
de higiene, educação normal e religiosa.Teriam casa para morar,
em cujos ambientes as famílias seriam saudáveis, a ponto de
serem consideradas UM LAR. Sei que é uma utopia, porém, se
276
todos agirem com humanidade, com fraternidade, sei que tudo
poderá se resolver.
É necessário que se dê um basta à imoralidade, aos abusos
que ocorrem na televisão, à violência nos vídeo-games, nos filmes
em geral, nos jornais e nos noticiários em geral, que só servem
para demonstrar como são praticados os crimes.
É preciso que os jovens tenham lugares apropriados à
prática de todos os esportes e não apenas alguns. É preciso que
haja mais escolas e cursos profissionalizantes.
É preciso que haja conscientização de nossos jovens de que
somos uma grande nação, um enorme país, e temos nossa própria
música, nosso próprio folclore, nosso próprio idioma. Não
precisamos de influência estrangeira. É um absurdo que jovens
adolescentes e até seus pais e mães fiquem acampados por quase
um mês, para presenciarem um grupo de adolescentes
estrangeiros fazendo um espetáculo cheio de trejeitos, em uma
língua a qual, apesar de ser amplamente difundida, nem sequer é
entendida por aquela multidão presente.
POR ISSO APRESENTO MINHAS PROPOSTAS
Criação de:
creches, em convênios com firmas do comércio e indústrias
Centros Comunitários – administrados por moradores
(com participação de estagiários das Faculdades de Assistência
Social, Administração, Biologia, Comunicação Social, Direito,
277
Engenharia, Farmácia, Letras, Medicina, Psicologia, Teologia, e
outras)
Centros poli-esportivos (com Bolsas para Atletas)
Cursos profissionalizantes – Artes cênicas, Artes plásticas,
Artesanato, Cabeleireiros,
Canto, Culinária, Danças
Esteticistas, Folclore, Guias,
Informática, Línguas, Modas.
Música,Manicure,
Maquiagem, Marcenaria,
Mecânica, Pintura,
Redação etc.
Postos de Juizados de Menores - Postos Policiais – Postos de
Saúde – Salões de Festas – Exposições – Eventos
E o que mais for necessário.
O AUTOR
278
Curriculum vitæ” Dr. Florivaldo de Almeida Pereira - UM VENCEDOR
Formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco Universidade de São Paulo. Inscrito na Ordem dos Advogados do
Brasil - São Paulo, desde 06/12/1960, com atuação na área
cível/ criminal, em especial junto ao Tribunal de Justiça Militar e
nos Tribunais do Júri de São Paulo e de outras cidades
Freqüentou, ainda, diversos Cursos, como Teatro, Jornalismo, Turismo e
outros.
Foi 3º Sargento da Força Aérea Brasileira (FAB) em 1953
Intérprete na Associação dos Surdos Mudos de São Paulo, desde 1954
Trabalhou no Jornal O esporte e A HORA, em 1954/55
Trabalhou no jornal Diário da Noite, em 1955
Foi soldado do Batalhão de Guardas, da Força Pública de São Paulo
(1955/1956)
Trabalhou no Palácio do Governo (Campos Elíseos) em 1956/57
Participou, como barítono/tenor, do grupo fundador do Coral Acadêmico XI
de Agosto, em sua criação, no ano de 1959
Recebeu Comenda da Honorífica Ordem Acadêmica de São
Francisco C.A. XI de Agosto (1959)
279
Está inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São
Paulo, desde 1960
Foi candidato a Deputado Estadual em 1962, em São Paulo, pelo P.R.P.
Advogado das Associações dos Surdos Mudos de São Paulo, Campinas,
Santos, desde 1963
Foi Capitão da PAB (Patrulha Auxiliar Brasileira) em 1964
Foi advogado e colaborados no jornal O IMPARCIAL, de Presidente Prudente
-1965
Foi correspondente do Jornal São Paulo Shimbun, em Presidente Prudente,
em 1965
Fez o curso de Técnico de Turismo (SENAC) em 1970
Foi Editor da Revista Panoramas Paulistas (1970)
Fundador do “Grêmio Esportivo Florivaldo Pereira " - Professor de Artes
Marciais e patinação artística, orientou e treinou jovens 1973/1980
Foi Delegado do Lions Club de São Paulo (São Bernardo do Campo), à
Convenção do Lions Club Internacional, realizada em Miami, em 1973
Presidiu o movimento pró emancipação política de Rudge Ramos 1974
Como membro da Igreja Metodista de Rudge Ramos e Gideão do Campo de
São Paulo, representou o Brasil na Convenção Mundial dos Gideões
Internacionais, no ano de 1973, na cidade de Houston/USA, onde dirigiu a
palavra, em inglês, aos milhares de Convencionais que lotavam o Estádio
Astrodome, o que ensejou fosse convidado a fazer diversos discursos, em
vários templos, em outros Estados
Foi Presidente da Sociedade Amigos de Rudge Ramos – SBC. por dez
anos(1973 – 1983)
Fundador e advogado da C.T.V. – Cooperativa dos Transportadores de
Veículos, em S.Bernardo do Campo (1974)
280
Foi Editor do Boletim “Rudge Ramos em Revista” (1974/1980)
Foi advogado da ASSEMI (Associação das Empresas Imobiliárias de
S.B.Campo , 1974/1982
Foi Presidente da Associação dos Advogados de Rudge Ramos (SBCampo)
(1977/1979)
Foi Presidente da Federação de Sociedades Amigos de São Bernardo do
Campo, eleito por unanimidade pelas 47 Sociedades associadas (1977)
Foi aluno de Jornalismo na Faculdade Metodista de São
Bernardo do Campo 1978
Fundou e dirigiu o jornal acadêmico A ROLHA, da Fac. de Jornalismo;
É Fundador/Diretor proprietário do JORNAL DA LIBERDADE (Reg.
21.023/1979) e-mail <JORNALDALIBERDADE.COM.BR>
Foi encarregado do Departamento Jurídico dos Hotéis Holiday Inn ( Santos,
Campinas e S.B.Campo) 1980
É sócio-fundador da ACRIMESP (Associação dos Advogados Criminais de São
Paulo) 1980
Foi candidato a Prefeito em São Bernardo do Campo, em 1982 (PTB).
Foi Secretário da ASSUAPI (Associação dos Amigos e Usuários do Parque
Ibirapuera) 1983/1984
Foi Presidente da Associação Profissional de Atores de Televisão e Teatro APA (1983 - 1986)
Foi Preceptor de Estágio e Professor de Oratória no Diretório Acadêmico XIII
de Setembro, das F.M.U. 1985
Foi Professor do Curso de Estágio
Metropolitanas Unidas (F.M.U.) em 1986
das
Faculdades
281
Foi Professor da Arte das Comunicações (Oratória) no” Centro de Oratória Rui
Barbosa” 1985/1986
É Professor de oratória desde 1985, no CURSO DEMÓSTENES
(WWW.SPN.COM.BR/ORATORIA) , de sua propriedade
É poliglota, intérprete em cinco idiomas falados e na linguagem
Mímica dos Surdos-Mudos, com atuação junto às Polícias de São
Paulo e em diversas Varas Cíveis e Criminais da Capital
É Editor do Informativo “FLORIVALDO PEREIRA Informa” desde 1974
É Diretor proprietário da CASA DO ESTUDANTE - Pensionato e Restaurante,
com diversas atividades estudantis e sociais
E-mail <[email protected]>
Foi Comissário de Menores nos Juizados da Penha e do Ipiranga, em São
Paulo (1985/1992)
Recebeu do Poder Judiciário a Medalha do Mérito Comunitário,
por trabalhos prestados em prol dos menores 1986
Desde 1954 tem sido Orador em muitos eventos sociais, religiosos,
sindicalistas, universitários e em palanques políticos.
Desde 1957, passou a ensinar a ARTE DAS COMUNICAÇÕE, em especial a
ARTE DA ORATÓRIA, no CURSO DEMÓSTENES, de sua propriedade e sob sua
direção (WWW.SPN.COM/ORATORIA e-mail <[email protected]>).
É Editor proprietário do JORNAL DA LIBERDADE on line desde 1999
e-maisl <[email protected]> e
<[email protected]>
Presidente da Missão Evangélica Mundial Monte Horebe, advoga
gratuitamente para aqueles que se encontram presos nos
Presídios masculinos e/ou femininos, prestando assistência
material e espiritual aos familiares de seus assistidos
(e-mail<[email protected]> OU
282
<[email protected]>
Mantém, com seus filhos, escritório de advocacia, dirigido a membros, da
ativa ou não, da Polícia Militar de São Paulo – na rua Taguá 378 Liberdade
S.Paulo – fones 11 32715859 11 32718608 e 11 32770825 CEP 01508-010,
com os seguintes e-mails <[email protected]>
e <[email protected]>
Mantém, ainda, no mesmo endereço, escritório de advocacia para presos e
familiares, e egressos do Sistema Penitenciário de São Paulo – com o e-mail
<[email protected]>
MAIS AGRESSÕES POR PARTE DE MEU FILHO
Um dia eu estava nos fundos do salão do prédio da rua Pirapitingui,
quando meu filho chegou, abaixando a porta de aço até
o chão. Aproximou-se e me disse –“tira os óculos !” Sem perguntar a
razão, atendi. Repentinamente, sem qualquer som, meu desferiu-me
tremendo murro na boca-do-estômago, que me obrigou a curar-me.
Limitei-me a dizer – “Bate, filho, bate!”.Ele passou a gritar – “ajoelha!
Ajoelha!”. Ajoelhei-me. Ele passou a me dar murros nas costas, dizendo que
era assim que eu lhe batia, quando criança (NUNCA EU HAVIA BATIDO NELE,
DE NENHUM JEITO...). Depois de três
ou quatro murros, ele se afastou, deitou-se no chão, rolando e gritando, com
voz lamuriosa – “meu Deus, que foi que eu fiz?” e “me
perdoa! me perdoa!”. Passei por ele e deixei-o ali mesmo, indo para
minha casa, no prédio ao lado, para contar a minha ex-mulher o que
havia acontecido. Ela desceu, à procura dele, a essa altura dentro do
salão do restaurante.Ela foi falar com ele. Fiquei um pouco distante.
Fiz ver a ele que nunca eu lhe havia batido, quando ele novamente ficou
irado e quis vir em minha direção, sendo impedido pela mãe.
No dia seguinte, conversávamos na cozinha, nós três, quando,
de repente, ele levantou-se, vindo em minha direção, querendo me
atingir. Levantei-me para desviar-me, quando ele me deu um chute
na coxa direita, ao mesmo tempo que me desferia um murro, que
283
acertou o lado direito da boca, de leve, porque afastei o rosto, e um
segundo, logo quase junto com o primeiro, que me não acertou, porque, pela
primeira vez, resolvi usar o que sabia havia décadas – a
defesa com contra-ataque, ou seja, desferi-lhe, simultaneamente a seu
golpe, um soco, porém muito mais forte que o dele, que o jogou para traz,
em cima da geladeira. Ele não esperava essa minha reação e não
prosseguiu com seus ataques. Fui para a sala, discutimos, porém sem
briga. Ele se retirou. Tranquei a porta. Não mais nos falamos.
MEU TERCEIRO ENFARTO
Assim que pude, voltei a estudar, pretendendo terminar o Curso de
Teologia. Uma noite, no intervalo das aulas, comecei a passar mal. Resolvi ir
para casa e, ao transitar pelos corredores do Metrô da Sé, o
mal-estar se agravou, com fortes dores no peito, mal conseguindo andar.
Ultrapassei a roleta e, imediatamente, pedi socorro a uma das
funcionárias presentes. Fui levado a uma sala, colocado em u´a maca,
no solo, e dali levado, pela escada rolante, ao nível da Praça da Sé, onde fui
colocado em uma ambulância, para ser levado para o Pronto
Socorro da Santa Casa.
Fui colocado em cadeira de rodas, pelos que me haviam levado,
declarei meus dados, para o preenchimento de uma ficha, essencial para
adentrar o edifício, onde fui recebido por uma estudante de medicina, que
trouxe um inalador. Mais de meia hora se passou, e nada de atendimento.
Procurei falar com alguns rapazes e moças, que
vestiam jalecos brancos, e ninguém me dava atenção.
Resolvi, então, recorrer a uma Policial Feminina, pedindo-lhe
que entrasse em contato telefônico com meu filho. Ela se afastou e, depois
de mais meia hora, retornou, alegando dificuldade em localizalo (ele estava em aula, na Faculdade). Entreguei a ela um cartão telefônico e
reiterei meu pedido. Cerca de vinte minutos depois, meu
filho chegava, procurando me localizar. Eu estava me sentindo melhor. Fui
levado para minha casa, SEM QUALQUER ATENDIMENTO.
ERA MEU 3º INFARTE.
284
O QUARTO E O QUINTO ENFARTOS
Dois meses depois, mais precisamente no dia 31 de outubro de
2002, estava eu digitando uma petição, quando senti formigamento em meu
pé esquerdo e pequena dor no peito. Resolvi ir a um médico
cardiologista. Liguei para a CAASP (Caixa de \Assistência aos Advogados) e
pedi algum nome e que me preparassem uma Guia de Atendimento.
Fui buscá-la e me dirigi ao consultório. Depois de alguma espera, os
exames. Os médicos confabularam e me recomendaram internação
imediata, impedindo-me de dirigir (um deles pediu as chaves de meu
carro, dizendo que seu filho o dirigiria, levando-o até minha casa).
Pedi-lhe para chamar meu filho
.
DECRETO DE NATAL
No segundo semestre de l995, o Presidente assinou Decreto, pelo qual
concedia Indulto a milhares de presos condenados, desde que tivesem
cumprido tempo mínimo de um terço da pena. Fiquei muito contente,
porque tanto meu filho como meu afilhado preenchiam os requisitos. O
Decreto que fizera a alteração no Código Penal entrou em vigor no dia 6 de
setembro de 1994, e,conseqüentemente, não alcançava meu filho e meu
afilhado. No entanto seus nomes não foram incluídos na lista enviada ao
Tribunal, porque alguns oficiais, que estavam no primeiro ano de Direito,
ignoravam o princípio de que a lei não retroage, salvo para benefício.. e
queriam entender mais que os especialistas. Apesar de ambos terem sido
condenados em 1993, aqueles oficiais diziam que o crime era hediondo. E os
dois não receberam aquele prêmio. Creio que esse foi um dos motivos da
indisposição de meu filho para comigo, antes de passar para o segundo
estágio.
285
DECRETO DE PÁSCOA
No dia 11 de abril de 1996, o Presidente da República assinou o Decreto
nº 1.860, pelo qual concedia Indulto a milhares de presos condenados, em
todo o país, alcançando civis e militares. Contudo, como em Decretos
anteriores, não estavam contemplados aqueles que haviam sido condenados
pelo crime de homicídio, anteriormente a 1994. Esse Decreto foi uma saída
política para a crise que grassava em todos os Presídios, ou seja o excesso de
lotação carcerária, o que causava, com muita freqüência, rebeliões e fugas,
as quais sempre culminavam com mortes, tanto do lado dos presos como do
lado dos carcereiros e dos policiais encarregados da vigilância ou
incumbidos de controlá-las. Essas rebeliões com fugas atingiram o ponto
máximo, quando uma delas eclodiu no Estado de Goiás, na qual foram
tomados como reféns o próprio Presidente do Tribunal de Justiça do
Estado, o Secretário de Segurança Pública e outras altas autoridades que
estavam visitando o Presídio (para prevenir esse tipo de comportamento no
COC trancavam-se todas as celas, como quando daquela visita minha
salvadora). Esse evento finalmente terminou bem, mas foi a gota d’água para
chamar a atenção dos Deputados Federais, dos Ministros de Estado e do
Presidente da República. Por esse motivo foi editado aquele Decreto,
chamado de Indulto da Páscoa.
.-.-..-.-.-.
DOZE ENCAPUZADOS
Certa noite, quando eu acabava de entrar na Capela do Presídio, ouvi
grande alarido e correria. Como eu já havia aprendido, nem saí para ver o
que acontecia. Mas fiquei sabendo que um dos Internos fôra julgado, por
haver matado um policial que o fora prender, por haver cometido um outro
crime. O Interno, no momento de sua prisão, conseguiu se safar e, com a
própria arma do policial que o prendia, atirou neste, mandando que o
mesmo se ajoelhasse. E esse crime repercutiu grandemente entre a
soldadesca, até o dia em que seu autor foi preso. Como ele não podia ser
colocado na sub-seção, onde, certamente seria trucidado, acharam por bem
286
colocá-lo diretamente no 2º estágio (o que, para todos era um privilégio com
que não concordavam). Então resolveram fazer a Justiça com as próprias
mãos. Reuniram-se em um grupo de doze homens, vestiram seus macacões e
colocaram capuzes. Quando o Interno julgado entrou no banheiro e tirou a
roupa para tomar banho, os doze entraram e deram-lhe a maior surra
possível, batendo e chutando, todos quase ao mesmo tempo. Em seguida,
saíram correndo, para seus respectivos alojamentos.
Nos dias seguintes muitos de nós foram chamados à sala do Chefe
da Penal, que queria saber a identidade dos agressores, se não todos, pelo
menos alguns. Eu também fui chamado. Não cagüeta, por índole e
formação, e escolado na prisão, fiz o que devia fazer – disse simplesmente a
verdade, que eu nada vira, apenas ouvira barulho, e pensei que se tratasse de
alguma brincadeira. O Capitão irritou-se, mas acabou aceitando meu
comportamento, dizendo que eu era ponta firme. O preso, vítima daquela
agressão, mais uma vez foi beneficiado pelo Comando – foi mandado para o
terceiro estágio.
AGREDIDO POR MEU PRÓPRIO FILHO
Era 29 de abril de 1996. No dia seguinte eu deveria submeter-me a
exame de Endoscopia, pois estivera internado com fortes dores, não se
sabendo se proveniente do coração ou do estomago. Na visita anterior meu
filho fizera menção de impedir que eu adentrasse, quando eu saísse da
prisão, meu prédio, que seria de propriedade dele e que ele iria colocar um
guarda armado, “para dar segurança aos moradores”, além de pretender
reformar o andar do mezanino, onde estava instalada uma sala de recreação
para os estudantes, moradores do Pensionato fundado e dirigido por mim e
por minha mulher.
Durante a visita, nada comentei, para não deixar preocupada minha
mulher. Nesse dia 29, pela manhã, eu adentrei o alojamento de meu filho,
dizendo a ele que precisava esclarecer algumas coisas. Quis conversar no
pátio. Ali, admoestei meu filho, adiantando-lhe que iria lhe dar o prédio,
mas que, enquanto isso não acontecesse, que nada fosse alterado, e
287
principalmente que eu não queria ver ninguém armado, no prédio. Disse o
que pretendia e estava me afastando, quando meu filho me segurou pelo
braço, dizendo: - “agora é minha vez de falar e você vai ouvir”. Eu não quis
atende-lo e ele continuava me segurando o braço, com mais força, para
manter-me ali dizendo – “agora é minha vez de falar e você vai me ouvir”. Eu
não quis atende-lo e tentei escapar porém ele insistiu e manteve sua mão em
meu braço, chamando-me de “sem vergonha”. Pedi-lhe que não dissesse
aquilo, pois era uma inverdade e uma falta de respeito. Meu filho, histérico,
repetiu várias vezes elevando a voz, quase aos gritos – “sem vergonha, sem
vergonha...”. Eu não me contive e em voz alta ordenei – “cale a boca!”, “não
fale assim comigo!”. Ele, nervoso, não parava, o que obrigou-me, a
contragosto, a desferir dois tapas, de leve, na boca de meu filho. Ele dizia –
“bate mais, bate mais...”. Os outros Internos, que deambulavam pelo pátio,
estavam assistindo a cena. Foi chocante, para nós e para os demais. Esses
incidentes chegariam ao conhecimento dos policiais do Presídio. Um deles, o
Sargento Soler, procurou-me para se inteirar dos fatos. Para não ver
prejudicada a saída de meu filho na semana do Dia das Mães, que se
aproximava, assumí toda responsabilidade pelo desentendimento,
explicando-lhe que fora apenas questão de família, entre pai e filho e não
entre dois Internos. Nada foi registrado. Algum tempo depois pude
presenciar aquele mesmo Sargento conversando com meu filho, talvez para
conferir minha versão e tudo continuou na mesma.
No dia seguinte, logo após o almoço, eu estava no banheiro dos
oficiais, escovando os dentes, quando meu filho entrou (coisa que lhe era
vedada). Percebi que, do lado de fora, junto à porta, postara-se o interno
Michel, como que para impedir a entrada de qualquer pessoa. Meu filho
falava comigo, rispidamente, com os olhos esbugalhados de raiva. Ele me
dizia – “olha pra mim!” agarrando meu queixo e virando meu rosto em sua
direção. Eu relutava. Não queria conversa. Meu filho dizia que queria ser
respeitado, pois também era pai. A um dado em instante, vendo minha
desatenção, meu filho deu-me um forte empurrão com as duas mãos em meu
peito e meu braço direito, jogando-me contra a parede e, imediatamente,
passou a desferir-me socos nas costas e na região das costelas, o que me
causou até falta de ar. Eu apesar de ser mais forte, muscularmente e com
288
técnica de luta, não reagi. Chorei por quatro dias seguidos...e não mais nos
falamos.
CHEGA O SEMI-ABERTO PARA OS DOIS
Como o Decreto com aquela alteração no Código Penal, entrou em
vigor no dia 6 de setembro de 1994, e, finalmente os oficiais já haviam
aprendido aquele princípio legal, os dois puderam receber o regime semiaberto, concedendo-lhes o direito de saírem na Semana do Dia das Mães, em
maio de 1996. Eles iam poder procurar o advogado que fora nosso defensor,
a quem haviam sido entregues os originais dos documentos obtidos antes do
julgamento do recurso de apelação, para promover um Pedido de
Justificação Criminal, a fim de homologar aquelas NOVAS PROVAS Escritura de Declaração de Jailson e outras – e juntá-las, em aditamento,
àquele recurso, que ainda não havia sido julgado. No entanto, não se sabia
porque, o defensor , da mesma forma que se omitira, noi final da instrução
do processo e no julgamento em plenário, deixou de providenciar o Pedido e
nem mesmo teve a ombridade profissional de juntar os documentos, mesmo
sem a homologação judicial.
UM PARÊNTESES
O mesmo defensor, em plenário, omitiu-se, não exibindo as provas então
já existentes nos autos, nem sequer argumentou sobre elas. Tais provas
provavam o vínculo existente entre Loide e Alexandra e o interesse de
ambas em me prejudicarem, diretamente, e, indiretamente, a meu filho e a
meu afilhado.
Aquela omissão do defensor, da não juntada dos documentos ao
recurso, somente chegou a nosso conhecimento depois daquele pedido de
desistência. E mesmo assim porque minha filha, então estudante de Direito
(ela, que já havia iniciado Curso de Jornalismo em São Bernardo do Campo e
completara Curso de Educação Física em Santo André, resolveu estudar
Direito para melhor entender a situação e melhor poder ajudar a nós três) teve
acesso aos autos, que haviam, a muito custo e depois de muitas gestões,
retornado ao Cartório da Vara de origem. Ela pôde compulsar os autos e
289
verificou que aqueles documentos não haviam sido juntados pelo defensor
(outra prova de sua venalidade). Em razão de tão desidiosa omissão, houve
real prejuízo para nós, apelantes. Restava, porém, o Recurso de uma
Revisão Criminal, e precisávamos, para isso, daqueles documentos, com os
quais poderíamos demonstrar a existência dó complô, de Alexandra, seus
advogados, Loide e seus filhos e genros, contra nós três. Minha filha, ao
verificar aquela falha de nosso advogado, procurou-o para saber das razões
daquele gesto negativo, e recebeu como resposta a informação de que não
havia necessidade de juntar os documentos e ainda que com a mudança de seu
escritório para novo endereço, não tinha condições de encontrá-los. Ele, antes
de nosso julgamento, estava em péssimas condições financeiras, devendo
alugueres e contas de telefones alugados. Essa mudança para melhor vinha
confirmar o que a própria irmã de Alexandra dissera para minha mulher para tomarmos cuidado com nosso “advogado”, pois Alexandra e o advogado
dela haviam ido visitar nosso “defensor”. Essa visita justificava, também, o
comportamento dele, pouco antes do início de nosso julgamento, quando ele
me disse, incisivamente – não vou falar uma só palavra sobre sua madrasta
e, se você pedir a palavra, eu renuncio e vocês vão p’ra cadeia -.
FINALMENTE, INÍCIO DA LIBERDADE
No dia 6 de maio de 1996 chegou a concessão do benefício do semiaberto para meu filho e meu afilhado. No dia seguinte, uma terça-feira, por
volta das 12,30, ambos estavam deixando o prédio principal do Presídio,
para saírem, temporariamente, a fim de gozarem do convívio familiar na
Semana das Mães daquele ano. Eu, que não podia deixar o prédio, fiquei no
salão de entrada, observando meu afilhado, em companhia do ex-tenente
Pereira, que tinha sido, por quase quatro anos, seu gurú espiritual, quase
seu pai. Meu filho, carregando volumoso pacote de roupas, feito com saco de
lixo. Nem olharam para trás. Nenhum dos três se despediu de mim.
Andavam apressadamente, quase correndo, em direção ao portão principal,
após o qual minha filha os aguardava, para lhes dar transporte. Afinal, era
a liberdade, se bem que temporária, que tanto aguardavam. Pereira, com
uma condenação de quarenta e dois anos, já havia cumprido mais de sete
anos, o que correspondia a mais de um sexto de sua pena. Fiquei
290
acompanhando com os olhos, até não mais ver a figura de meu filho, pois os
outros dois saíram alguns metros na frente, separados. E não foram no
mesmo carro. Meu afilhado preferiu acompanhar Pereira e foram de
ônibus. Fiquei muito amargurado com a solidão. Naquele Dias das Mães
minha mulher, filha e netas não viriam. Meu estômago doía por causa do
nervosismo (mais tarde descobririam que eu era portador de uma úlcera
pilórica e de um edema duodenal). A boca estava seca e amarga. Eu queria
chorar, mas contive as lágrimas. Somente meus lábios tremiam um pouco.
Afinal pensava eu, logo chegaria meu semi-aberto, também, e poderia sair,
temporariamente, para a semana do dia dos Pais, quando eu esperava
reaver senão o amor, pelo menos a amizade de meu filho, pois, inobstante
tudo que havia acontecido, eu era o pai e ele era o filho, meu próprio
sangue. Eu queria chorar, não porque estivesse preso, mas porque via parte
de mim mesmo saindo, se afastando...
COMO E PORQUE PUDE SAIR DO PRÉDIO PRIINCIPAL
Logo após a saída daqueles Internos beneficiados, fui chamado à sala do
Sub-comandante, que me perguntou qual a razão pela qual eu ainda não
havia pedido para sair do prédio da administração, ou seja passar para o
terceiro estágio, uma vez que já havia chegado o resultado de meus exames.
No 3º estágio eu poderia adentrar as seções externas, como oficinas, pomar,
horta e outros setores de agricultura, como criação de aves, porcos, coelhos,
em pequena escala, apenas como laborterapia. Expliquei minhas razões e fui
orientado como deveria fazer o pedido, que foi feito logo em seguida.
Faltavam os pareceres dos outros oficiais, desde os tenentes até o próprio
Comandante, para aprovação final (muita hierarquia ...).A autorização final
chegaria no dia 29 desse mesmo mês...
RE-ENCONTRO COM O GUARDA ZÉ LUIS
Nos primeiros dias em que saí para fora do prédio da Administração,
antes de ser um catador de folhas, eu visitava muito as oficinas de
marcenaria, por afinidade com a profissão, herdada de meus avós – o
paterno era carpinteiro e o materno era marceneiro -. Num daqueles dias
291
tive um enorme impacto, quando surgiu à minha frente um caminhão, que
vinha para transportar casinhas de cachorro, fabricadas manualmente por
alguns Internos . A firma era terceirizada, de propriedade de um cunhado
daquele guarda Zé Luis, lá do COC. Zé Luis dirigia o caminhão e, ao descer
da boléia, demos de cara, um com outro. Zé Luis ficou espantado ao me
ver, e perguntou – “como está o senhor ?”. Respondi-lhe que estava bem.Ele
me fez nova pergunta – “quando o senhor sair não vai me matar, né?”
Minha resposta foi sincera – “não, porque agora sou evangélico e não guardo
mágoa”. E complementei minha resposta – “além do mais você não vale uma
bala...”
.-.-.-.-.-.RETORNO – VIDA NOVA
No dia 13 de maio, pouco antes do almoço, encontrei-me com meu
afilhado, que já havia retornado, todo sorridente, feliz, mudado, por causa
daquela breve e restauradora saída do Presídio. Trocámos algumas
palavras. Pouco depois vi meu filho, que ria, ao conversar com um grupo de
Internos. Nenhum contato aconteceu entre nós, nem mesmo um olhar. E
continuamos nossos dias...
Na noite do dia 15 de maio vesti-me com certa elegância, com camisa
social e gravata, para ir ao culto evangélico que eu estava freqüentando,
ministrado pelo Presbítero Manoel Areia da Silva, da Igreja Assembléia de
Deus, Ministério de Belém, no Jardim Brasil, que ali comparecia todas as
quartas-feiras, para esse mister, e aos domingos, com sua mulher, para
visitação geral aos presos e seus familiares, aos quais procurava levar
conforto, através dos ensinamentos da Palavra de Deus. Ao entrar na
Capela, vislumbrei, surpreso, sentado na ponta extrema da mesma fileira de
bancos, meu filho, que havia sido levado pelo ex-sargento Linhares. Meu
filho acompanhava o ritual, orando e cantando. Na hora da benção geral,
fiquei muito feliz e muito grato a Deus. Meu filho estava procurando
melhorar, buscando caminho novo e certo. Ao terminar o culto, na hora dos
cumprimentos, acerquei-me de outro Interno, Michel, que, apesar de ser
292
judeu, também comparecia, acompanhando o Capitão André.. Estendi-lhe a
mão e lhe dirigi a palavra, procurando reconciliação. Demo-nos as mãos e
nos abraçamos. Podíamos ser amigos, pelo menos assim eu esperava.
MAIS UMA IRONIA DO DESTINO
Eu já havia esquecido aquele incidente em que fui agredido e
ultrajado por aquele sargento gordo, chefe da Guarda, na carceragem do
Tribunal do Júri. No entanto tive minha memória avivada por um fato que
ocorreu, no salão de entrada do Presídio, quando eu aguardava para ser
levado ao Hospital Militar. Além daquele já referido soldado Lourenço,
surgiu-me à frente, um outro preso, eu me dirigiu a palavra – “oi, doutor, o
senhor se lembra de mim?”- Minha resposta foi lacônica – “Não, não me
lembro. De onde?” Meio sem jeito, o preso respondeu – “eu estava lá no
Tribunal, quando o sargento mandou que segurasse o senhor”. Continuei,
dizendo e perguntando – “ah, sei, então você foi um dos que me bateram?”. E
ele me explicou – “não senhor, eu só segurei porque ele mandou”.
Conversamos algum tempinho, sobre o que ele fazia ali, por que estava
preso etc. Seu nome era Luis Carlos Miguel. Ele me disse o nome dos dois
cabos que me agrediram – e conferia – Cabos Ataíde e Cabo Zoanon, vulgo
Magrão. E disse também que o sargento já estava reformado e poderia, a
qualquer hora, cair preso, porque batia na mulher...
MAIS OUTRA IRONIA...
Michel tudo fazia para me indispor contra meu filho e contra qualquer
outro Interno ou mesmo policial, desde soldado até oficiais, dos quais se
aproximava, maliciosamente. Ele guardava uma grande raiva contra mim.
Um certo dia, mais precisamente num domingo, 23 de junho de 1996, eu
levava um pouco de comida trazida por minha mulher, pretendendo
aproveitá-la no dia seguinte. Ao iniciar minha caminhada pelo corredor que
levava até nosso alojamento, pude ver André e seu fiel escudeiro, Lima, que
entravam em nosso dormitório. Quando atingi a porta, que estava
encostada, empurrei-a com os pés. Ao ser aberta quase levei um choque – vi
uma cena que não poderia ser vista -. Michel estava deitado em sua cama,
293
tranqüilamente, e a seu lado uma mulher, que ele dizia ser sua namorada,
ambos fumando (o que também era proibido). A mulher levantou-se,
assustada com minha entrada inopinada e inesperada, pois quanto aos dois
que lá estavam não precisavam se importar – André tinha o rabo preso com
Michel, porque também levava sua mulher para o banheiro, nos dias de
visita. E eu já sabia desse fato, porwque daquela vez em que ele assim agiu,
ordenou-me - “sai logo porque vou usar o banheiro!“. Guardei esse segredo
por muito tempo, só o mencionando agora, neste livro. Com Michel era
diferente. Ao saber desses encontros do Capitão, passou a explorar André,
que chegava a comprar duas porções de comida, na Cantina, aos sábados,
sendo uma delas era para Michel. E a exploração foi além – Michel
conseguiu que André arranjasse uma extensão do aparelho de televisão, com
dois fones de ouvido, um para cada, e apenas os dois podiam ver e ouvir os
programas, inclusive os filmes pornôs, que os dois exibiam em vídeo, de
madrugada. O aparelho ficava ao pé da cama dos dois, quase juntas. Os
outros que se danassem. E foi por causa daquele segredo do Capitão que
Michel sentiu-se no direito de levar a mulher. André, para disfarçar, fazia
que pegava alguma coisa no armário, enquanto que Lima pegava u’a mala
de roupa suja, que sua mulher levava. Michel ia além. Várias vezes ao dia
cheirava um tubinho, dizendo que era para resfriado, que não sarava
nunca. Com o passar do tempo descobri que se tratava de droga. E André
nada dizia, tolerava , calava-se.
ANDRÉ REALMENTE MANDAVA
No dia seguinte, depois de algumas rápidas e apressadas idas e vindas
de André, fui retirado do alojamento dos oficiais e mandado para o
alojamento 5, dos soldados e Michel foi para o alojamento 3, também para
soldados. Alguns oficiais e sargentos estavam na expectativa de que eu lhes
fosse pedir para permanecer no alojamento anterior, mas estavam
redondamente enganados, pois, com aquela mudança, fiquei super feliz em
deixar aquele antro de elementos de mau caráter e principalmente porque
não me senti castigado (não havia cometido qualquer falta) mas sim
contemplado, uma vez que eu já fizera pedido para aquela transferência,
negada até então. Quando acabei de retirar meus pertences, fiz questão de
294
varrer o chão, até a porta de entrada do alojamento, onde retirei meus
chinelos, batendo-os, para não levar nem mesmo o pó daquele ambiente.
Nesse instante André levantou-se de sua cama e veio correndo em minha
direção, batendo a porta com força. Para ele era como se estivesse
expulsando o civil do lugar destinado somente a oficiais, e ele, como chefe do
alojamento, fizera esse último ato. Era uma grande imbecilidade, praticada
por um ladrão imbecil, e, afinal de conta não passávamos de presos...
Com Michel o tratamento por parte de André foi diferente. Michel
continuou a usar seus armários, o banheiro e freqüentar a mesa dos oficiais.
E, no alojamento 3, tinha também seu armário.
MEU LIVRO É CENSURADO
Assim que passei para o alojamento 5, pedi autorização para receber
uma de minhas máquinas de escrever, explicando que era para datilografar
um livro, que eu estava escrevendo sobre a vida na prisão. Depois de muita
burrocracia acabei recebendo a máquina. O livro já esta a em fase
adiantada, manuscrito. Precisava acrescentar fatos posteriores à minha
vinda para o Romão. Só que eu não conseguia trabalhar direito. Durante a
noite era impossível. Durante o dia alguns presos queriam dormir (era
proibido, mas mesmo assim o faziam) e um deles, de nome Roxo, chegou a
chutar minha máquina, quebrando-a. Levou alguns dias para eu receber a
peça e continuar meu trabalho, agora no pátio. Guardava a máquina em
meu armário, deixando algumas coisas de fora. Um dia, fui chamado à sala
do Major sub-comandante, que estava interessado em saber sobre a
progresso de meu livro e pediu-me o manuscrito. Entreguei-lh’o, dizendo
que era o único que eu possuía (porém eu tinha uma cópia a carbono). Os
dias se passavam e ele não m’o devolvia. Fiz-lhe a cobrança e recebi ordem
de ir até sua sala. O Major retirou meu original de uma gaveta e me
advertiu de que eu devia tirar algumas coisas, que ele já havia riscado. Fizlhe ver que ele não podia exigir aquilo, pois já não mais existia censura, que
era uma obra literária, que eram fatos verídicos. O Major insistiu. Se você
não tirar eu não devolvo.Acabei concordando, mas retruquei – ‘tá bom,
enquanto estou aqui vai ser assim, mas quando eu sair vou escrever tudo de
295
novo, até o que o senhor censurou...O Major disse – se você puser meu nome
você vai se dar mal...Essa mesma expressão era repetida por outros oficiais,
ao saberem que seus nomes seriam mencionados. Por isso aqueles versos
iniciais – Sei que em represália...
MAS O DESTINO INTERVEIO E O CASTIGO VEIO
No último dia de uma semana, ou seja, no sábado, enquanto quase
todos nós estávamos no pátio, aguardando em forma a chamada de revista à
tropa (afinal, era Presídio Militar), após o almoço, fomos mantidos em
formação e impedidos de adentrarmos nossos alojamentos. Ia se proceder a
uma blitz (busca relâmpago), em busca de algo ilícito, como armas, bebidas,
instalações elétricas clandestinas, revistas pornográficas, abridores de latas,
ou mesmo drogas. Ninguém, dentre os mais de trezentos presos, se
preocupavam com o que iria ser feito, pois nada temiam, uma vez que seus
B.O.s (como eram chamados os proibidos) eram aceitáveis, sem ou com
pouca punição. Ninguém é modo de dizer – havia um que andava de um
lado p’ra outro, falava com nervosismo, esfregava as mãos e tinha o rosto
lívido, sem o habitual sorriso de escárnio – Michel -. Os oficiais
encarregados das buscas chamaram dois Internos de cada alojamento, para
acompanharem os trabalhos iniciais e depois, cada Interno era chamado
para abrir seu próprio armário e presenciar as buscas. Todos, com exceção
de Michel (e André, seu aprendiz) , traziam seus pertences debaixo de chave,
com cadeados. Michel sempre dizia que agia assim porque, se algo
acontecesse, ele poderia se esquivar, alegando que o que fosse encontrado
não lhe pertencia e que alguém o colocara lá – era uma saída que havia
aprendido nas cadeias americanas -. As buscas eram minuciosas, nada
escapou, reviraram colchões, camas foram desmontadas, frestas de portas
dos armários, enfim em todo lugar onde os olhos pudessem alcançar e as
mãos pudessem tocar.E, devido àquela busca intensa, chamada de pente
fino, os oficiais, à frente de testemunhas e do próprio dono do armário,
encontraram droga, mais precisamente maconha, no armário de Michel, no
alojamento 3. De imediato ele se disse estar abismado e procurou justificar,
dizendo que alguém havia colocado lá. Os oficiais não aceitaram a
explicação, pois, conforme lhe informaram naquele instante, já havia
296
depoimentos de outros Internos, por escrito, informando que ele, Michel,
fôra flagrado no banheiro, fumando maconha. Como os Internos
precisavam fazer uso do sanitário, insistiram e Michel acabou abrindo. Mas
o cheiro característico e conhecido dos ex-policiais, permaneceu no
ambiente. Esse fato foi levado ao conhecimento do Comando, que então
determinou as buscas. Corria pelos corredores o comentário de que, no
alojamento dos oficiais, sempre perante testemunhas, no armário ainda
utilizado por Michel, também foi encontrada uma substância branca, que
poderia ser cocaína. Por isso, em razão desse ilícito, Michel foi levado ao
Distrito Policial do bairro, para ser autuado em flagrante. Para se esquivar
à imputação de tráfico de entorpecente, Michel preferiu assumir a
responsabilidade de viciado, crime menor. Na volta ele foi mandado para a
solitária ou cela forte, da sub-seção, onde ficou apenas um dia, passando
depois a morar no X3, no 1º estágio. E com esses fatos Michel perderia o
semi-aberto, cujo regime ele deveria cumprir no Romão Gomes, desde sua
chegada.
Michel ficou ali por cinqüenta dias, depois daquelas buscas, e foi
enviado para uma Penitenciária do interior, na Comarca de Presidente
Venceslau. Lá, ele não teria as regalias que vinha gozando, e ainda estava
arriscado a sofrer algum atentado, por parte de outros presos, criminosos
comuns, que eram inimigos naturais de quem já havia passado pelo COC,
como, principalmente, pelo Romão Gomes, reservado a policiais militares e
ex-policiais. E os comentários que chegaram, trazidos pelos policiais da
escolta de Michel, o mesmo precisava estar separado dos demais, naquilo
que se chama seguro,. Parecia ser, para Michel, uma etapa final de uma vida
criminosa, iniciada havia mais de vinte anos antes.
MAIS UMA VEZ – DOIS PESOS DUAS MEDIDAS
Antes que Michel deixasse o Romão Gomes, aconteceu um fato que
Michel não gostaria que tivesse acontecido – depois de muitas delongas e
injunções, criadas por alguém que não queria que isso acontecesse, chegou a
ordem do Juiz, promovendo-me ao regime semi-aberto, cujo fax chegou
exatamente dois minutos antes das 18 horas do dia 09 de agosto de 1996, na
297
ante-véspera do Dia dos Pais. No dia anterior eu havia recebido a visita de
minha filha, que estava fazendo correria para que me fosse concedido aquele
benefício e que eu fosse autorizado a sair do Presídio, a tempo de poder
reunir-me com meus familiares, em minha própria residência, naquele Dia.
Disseram que faltava um documento (sempre faltava algum...) e fui
conversar com o Capitão Chefe da Seção Penal. Este disse-me que, não seria
concedida a autorização de saída porque havia uma Portaria do TJM
(Tribunal de Justiça Militar) determinando que depois de chegar a ordem do
semi-aberto, era preciso fazer uma petição, solicitando tal autorização, que
poderia ser despachada pelo Comandante. Ingenuamente expliquei que
minha filha já tinha em mãos uma petição, solicitando aquela autorização.
Foi como um murro na cara do Capitão, cuja face se transformou, deixando
transparecer seu desgosto. No mesmo dia anterior, minha filha estava junto
à mesa do Juiz, aguardando o despacho da concessão do benefício e também
da autorização de saída. Enquanto aguardava, sabedora de que o
magistrado esta propenso a conceder ambos os pedidos, quase sofreu uma
crise de nervos, conforme me explicaria. Isso porque houve a intervenção de
uma funcionária, Chefe do Cartório, que fazia gestões, instando o Juiz a não
conceder, pois havia aquela Portaria (ela viria a ser uma grande amiga
nossa). Não esclareceu a funcionária, no entanto, que havia precedentes, de
elementos que haviam recebido a autorização de saída, como por exemplo o
barbeiro do Presídio, de prenome Ribamar, beneficiado dia 21 de dezembro
de 1995 e autorizado a sair no dia 23 do mesmo mês. Havia também o caso
de Nei Ricardo, que recebeu o semi-aberto na sexta-feira da Semana do Dia
das Mães (domingo) e concomitantemente a autorização para sair. Até meu
filho havia sido beneficiado com o semi-aberto e, ao mesmo tempo, com a
autorização de saída, da mesma forma que aconteceu com meu afilhado,
todos sem antes daquele tal lapso de quinze dias... Mas comigo era
diferente...havia sempre alguém. por trás dos bastidores, para infernizar
minha vida, prejudicando-me...E NÃO ME DEIXARAM SAIR... E essa
sombra em meu cativeiro sempre surgia ora na pessoa de uma autoridade,
ora na de outra, sempre influenciadas ou influenciando, para me fazerem o
mal...
MAIS UM MOTIVO DAS REBELIÕES
298
O preso, quando consegue receber o regime semi-aberto, geralmente
é autorizado a deixar o Presídio, para sair em busca de emprego. Digo
geralmente porque, no COC, o semi-aberto é cumprido apenas deixando o
preso sair dos prédios fechados com grades, sendo-lhe permitido trabalhar
no lado de fora, porém sem deixar o estabelecimento (por isso Michel pediu e
conseguiu sua transferência para o Romão Gomes, caso contrário iria
aguardar muito tempo para ver a rsa...). Isso gera sentimentos de revolta,
porque o mesmo não acontece nos demais presídios. O preso pode sair.
PORÉM, devido a muitos motivos, dentre eles a discriminação, não
consegue trabalho. O preso é discriminado, sem direito a um lugar ao sol.
Não lhe é dado o direito de se reintegrar na sociedade.
Da mesma forma, quando saí definitivamente da prisão, o mesmo
acontece. O egresso não arranja emprego, as chamadas associações de ajuda
ao egresso, religiosas ou não, são apenas de fachada, não ajudam, os
familiares se afastam, os amigos desaparecem. Ë mais um motivo de
convívio com outros, em igual situação, o que, certamente, irá causar novas
violências, com a volta para a prisão Os que ainda continuam presos, ao
tomarem conhecimento do que acontece lá fora, acabam, por antecedência,
ficando preocupados com o que possa vir a acontecer com eles, quando
saírem, num ou noutro regime (semi-aberto ou definitivo). E ficam
revoltados. Acabam liderando ou mesmo participando de rebeliões, sempre
violentas.
PROVAS DAS MÁS INFLUÊNCIAS
Tanto é verdade que, depois do Dia dos Pais, passei a ter enorme dor
de dentes, os quais não suportavam o menor toque. A gengiva inflamada, a
cara inchada, fizeram com que eu recorresse ao dentista do Presídio,
Tenente Faustino. E também aquele dente, que ainda precisava de
tratamento, passou a dar problemas. O dentista, depois de alguma
insistência de minha parte, concordou em que eu me sentasse na cadeira,
para fazer uma avaliação. “Não, aqui não tem condições para fazer nada...”
disse ele. “E no C.Odont.?”, perguntei. “Lá também não dá, tem uma fila
enorme, você vai ter que fazer tratamento fora, quando sair...”. “Mas Tenente,
299
eu não vou suportar até lá, mal consigo mastigar, estou vivendo de
líquidos...””. Então o Tenente deu uma sugestão – “Você faz uma parte e
quando ela chegar aqui eu dou meu parecer, aí vamos ver o que se pode
fazer...”. Eu disse que iria fazer a parte imediatamente, o que de fato
aconteceu. Fui até a Seção Penal e entreguei o documento ao sargento
Teodoro. Na saída da Seção Penal encontrei-me com o Tenente Dutra,
naquele dia substituindo o Capitão Chefe da Penal. Esse oficial era
imparcial, não tinha interesse em prejudicar ninguém. Pegou a parte
imediatamente, ele próprio, e levou em mãos para o dentista, que deu seu
parecer. Dali a parte foi encaminhada aos oficiais superiores, e voltou com
um despacho – era preciso que tivesse um parecer de algum dentista do
Centro Odontológico, após o qual, confirmada a impossibilidade de
tratamento, no Presídio, seria concedida (?) autorização para queeu saísse,
sob escolta, para tratar com dentista particular, a minhas expensas. Na
semana seguinte precisei correr atrás da parte, para que eu fosse enviado ao
C.Odont. O Sargento Araújo (conheci-o quando ele era adolescente..pois fui
advogado de seu pai) da Enfermaria, a muito custo, preencheu o ofício de
encaminhamento, que devia ser assinado pelo Comandante. O Sargento
entregou o ofício e a parte na Seção Penal, onde ficaram retidos. A essa
altura não mais era o Tenente Dutra, e sim o Capitão José Carlos, que
voltara a chefiar a Seção. Após várias idas e vindas, da Seção Penal à
Secretaria e vice-versa, ficou acertado que eu seria escoltado no dia 22 de
agosto, para apresentação às l6,15 horas, como constava no fício. No
entanto, nesse dia, nada constava no Quadro de Escala de Escoltas.Não
havia qualquer soldado, tanto no pessoal que fazia escoltas, nem no Corpo
da Guarda, de onde eram retirados, extraordinariamente, elementos para
aquele serviço, no caso de haver falta dos demais. Para mim, no entanto, não
estava sendo possível. Uns diziam que agüentasse mais uns dias.... Cheguei
até a sugerir que eu fosse levado no dia seguinte, já que naquele dia estava
sendo impossível. “Vamos ver o que se pode fazer”disse o sargento Teodoro.
A mesma expressão era usada pelo Sargento da Secretaria, que
acrescentava – “quando vierem os papéis’. Diante desse quid pro quo , com
um sorriso, acerquei-me do Capitão José Carlos, procurando uma solução –
“Capitão, o senhor me dá licença? Acho que só o senhor mesmo para resolver
meu problema” e expliquei-lhe a situação. O Capitão disse a mesma coisa –
300
“vamos vr o que se pode fazer, mas não adianta ir ao Centro Odontológico
(C.Odont.), pois tem uma fila de espera de mais de quatrocentos, e não vou
deixar de mandar escolta de presos para o Fórum - o Juízo tem
preferência”.Fingi que concordava... e nada ficou resolvido. E meus dentes e
gengivas continuavam precisando de tratamento. Seguindo a hierarquia e o
regulamento, pedi-lhe licença para me dirigir ao sub-comamndante, que
anotou meu pedido, dizendo – “vamos ver o que se poide fazer...”. Continuei
insistindo. O Major irritou-se, quase gritando – “você está sendo
impertinente, vê se não me enche !”. E fiquei aguardando. Mas existe um
DEUS onipotente, onisciente, onipresente. Mais uma vez recorri a Ele.
Consegui, afinal, ser levado para o Centro Odontológico, onde os dentistas
afirmavam ser necessária a extração dos dentes, agora em número de
quatro ... e, finalmente, lá se foram meus dentes...
AGORA UM COMENTÁRIO
Eu não podia afirmar com certeza, que o Capitão estivesse sendo
influenciado, mas eu tinha minhas dúvidas. E por que as tinha? Muito
simples – além do fato de aqueles dois advogados de Alexandra serem
ligados, direta ou indiretamente, à Polícia Militar, havia uma outra
coincidência muito grande, ou seja, um terceiro advogado, que havia feito a
defesa dela em plenário (os dois não tinham coragem e capacidade para fazer
a defesa), no julgamento no Tribunal do Júri (ela foi condenada...) e que era,
também, advogado do Capitão, o qual, segundo comentários, respondia a
dois processos por duplo e triplo homicídios (boa gente, ele...). Esse terceiro
advogado, cujo nome não é digno sequer de ser mencionado, além de ter
sido defensor de Alexandra, tinha uma certa antipatia por mim, pois eu não
concordava com suas atitudes, quando o mesmo levava suas alunas (homens
ele não levava) para assistirem a sua atuação em plenário (igualzinho a meu
“defensor”) e depois as assediava. Por esses motivos eu tinha grande dose de
desconfiança de que também esse advogado estivesse induzindo seu cliente
(o Capitão) contra mim (mas também esse advogado foi punido.De um homem
forte que era passou a pesar menos de cinqüenta quilos e só podia sair à rua se
estivesse acompanhado). E meus dentes e gengivas continuavam precisando
de tratamento. Seguindo a hierarquia e o regulamento, pedi-lhe licença para
301
me dirigir ao Sub-Comandante, que anotou meu pedido, dizendo –“Vamos
ver o que se pode fazer...”. Continuei insistindo. O Major irritou-se, quase
gritando – “Você está sendo impertinente, vê se não me enche !” E fiquei
aguardando. Mas existe um Deus onipotente, onisciente, onipresente. Mais
uma vez recorri a Ele. Consegui, afinal, ser levado para o Centro
Odontológico. onde os dentistas afirmavam ser necessária a extração dos
dentes, agora em número de quatro... e, finalmente, lá se foram meus
dentes...
MINHA VOLTA
Depois do Dia dos Pais fui autorizado a sair, à procura de emprego.
Diferentemente do Sistema Prisional comum, no militarismo não era
permitido trabalhar em firma própria nem de parentes, e muito menos
próximo da residência. Então consegui arranjar um lugar na ACRIMESP
(Associação dos Advogados Criminalistas de São Paulo), de cuja reunião de
fundação tive a honra de participar. O advogado que a estava presidindo
também já estivera preso, por isso entendia minha situação e me deu a
oportunidade de trabalhar na Secretaria, instalada dentro do prédio do
Fórum Criminal. Ali dei meus primeiros passos na computação e comecei a
digitar meu livro.
Um dia avistei o Capitão Edson, então Chefe da Seção Penal, e me
dirigi até ele, a fim de me apresentar. Ele estranhou minha presença, pois
não sabia que eu já estava no semi-aberto.
Um outro dia vi alguns soldados, que escoltavam Michel para uma
audiência. Procurei saber qual a Vara e, dias depois, fui até o respectivo
Cartório, pedindo para ver os autos. Que surpresa eu tive! O advogado de
Michel era seu irmão (aquele amigo do Juiz Corregedor)que havia arrolado
como testemunhas de defesa nada mais que os oficiais do alojamento –
André meteu o pau em mim, Lima idem, Sordi (preso por tráfico), também.
Um ex-soldado, de prenome Sandro, de família evangélica, da quadrilha de
André, teve o desplante de insinuar que eu, durante aquela blitz, tinha
estado próximo ao armário de Michel. Todos disseram que eu era inimigo de
302
Michel. Pereira, que NUNCA havia estado no COC, disse que nesse Presídio
eu tinha avançado contra Michel, com um estilete. Foi uma barbaridade, um
desfile de mentiras, procurando encobrir o gesto criminoso de Michel e
pretendendo transferir para mim a responsabilidade pela droga encontrada
(não fumo, não bebo e detesto drogas). Michel acabaria sendo absolvido.
Na ACRIMESP conheci uma advogada, inscrita o Estado do
Acre. Depois de travarmos conhecimento consegui que ele me contratasse,
em meu escritório (instalado em nome dela), naquele prédio cuja posse nós
havíamos retomado de Alexandra. Ali eu estaria a um passo de minha
residência e a dois passos de meu restaurante, ambos no prédio ao lado.
JUSTIÇA INJUSTA
Alguns Internos do Romão Gomes aguardavam julgamentos havia
alguns anos. Como era costume, entre os Promotores, os mesmos
argumentavam com os Juízes que vítimas sobreviventes ou testemunhas de
crimes estavam sendo ameaçadas, e pediam a decretação de Prisão
Preventiva para os réus (Foi o que fizeram comigo, inclusive com a revogação
de minha PAD – Prisão Albergue Domiciliar). A Prisão Preventiva durava
dois anos, podendo ser renovada por mais dois anos. E era o que os
Promotores faziam. Pediam a renovação. E pediam os adiamentos do
julgamento, tantos quantos eram permitidos na lei. .E o réu ficava
aguardando até o último dia, quando finalmente era marcado o julgamento,
PARA DEPOIS DE QUATRO ANOS PRESO, SER ABSOLVIDO. Foi
assim com inúmeros deles, como aconteceu com o soldado Ramos, com o
soldado Noé, com o sargento Geraldo, e muitos outros...
ESSAS ATITUDES DOS PROMOTORES SÃO MAIS ALGUNS
MOTIVOS DAS REBELIÕES
DOS
.-.-.-.-.-.TELEVISÃO “DESAPARECE” NO COC
303
Algum tempo depois que eu deixei o COC, perguntei para minha
mulher se ela poderia trazer-me o aparelho de televisão que eu havia
deixado no COC. Ela me disse que era meio impossível, porque os guardas
lhe haviam dito que o aparelho havia desaparecido. Ora, pensei, não podia
desaparecer assim, pois nada ou ninguém entrava, e muito menos saía (salvo
as fugas, de vez em quando, porque, de segurança máxima mesmo só havia
violência). Ensinei a ela como devia proceder- falar direTamente com o
Diretor e exibir-lhe o comprovante de entrada do aparelho -. Não deu outra.
Na visita seguinte ela me disse que havia se dirigido ao Diretor, que
prontamente determinou as buscas necessárias e – MILAGRE ! _ a televisão
re-apareceu.
AMEAÇAS
- SEPARAÇÃO ‘CONSENSUAL’
Quando eu saí no regime semi-aberto minha irmã e minha mulher
começaram a insinuar que devíamos nos separar. Chegaram até a me
intimidarem – ou eu me separava ou elas chamavam a Polícia – o que
significava quebrar o semi-aberto e, conseqüentemente, voltar para a cadeia.
Minha irmã tinha interesse em minha separação, para que os apartamentos
da rua São Joaquim ficassem para meus filhos, e eu poderia escolher com
qual dos dois prédios eu ficaria – o da rua Taguá ou o da rua Pirapitingui -.
Mas a verdade era outra. Com minha quase liberdade, que chegou ao
conhecimento de alguns policiais, novamente a vida de meus familiares se
transformou. Ameaças veladas, por telefone, voltaram a ser feitas, tanto
contra minha mulher como contra minha irmã e minha filha. Como faziam
com minha filha, elas também recebiam ameaças, que incluíam, além de
mim, a nossos filhos e netos – e elas queriam preservar nossas vidas, mesmo
que ficássemos presos. As duas poderiam cuidar dos prédios, até que as
ameaças parassem. Mesmo sem saber das ameaças, acabei concordando com
a separação, n segundo semestre de 1997. No entanto, minha mulher
continuou morando no mesmo apartamento, no qual eu passei a viver,
também, assim que recebi o Livramento Condicional. A real separação
ocorreu depois que minha filha colou grau em Direito, um ano e meio
depois. .
304
REPRESENTAÇÃO JUNTO À OAB
Após
minha
condenação
meu
“defensor”apresentou
uma
representação, a qual gerou o Processo Disciplinar número 163/94. Comecei
a fazer minha própria defesa já no COC. Minha irmã, advogada, me
representava, mas era impedida de obter cópias. Tive que esperar quase seis
anos, atéo dia do julgamento, pelo Tribunal de Ética. Já havia um Parecer
do Relator anterior (um idiota e ignorante, por sinal) que opinava pela
minha exclusão dos Quadros da Ordem. Nesse dia o novo Relator disse-me
que seria adiado. Protestei e insisti no julgamento. Fiz minha própria
defesa, oralmente, com muita ênfase e emoção, exibindo farta
documentação, demonstrando a fragilidade do Inquérito, forjado no
Distrito Policial. Os Membros reconheceram que eu estivera INDEFESO e
fui absolvido por unanimidade. Encaminharm-se para Comissão de
Prerrogativas, que me deveria auxiliar em Pedido de Revisão. Dias depois
de haver feito minha própria defesa e sido absolvido por unanimidade pelo
Conselho de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil. O Tribunal
reconheceu que estive INDEFESO, e, seguindo orientação dos Conselheiros,
procurei o Presidente da Comissão de Prerrogativas daquela Ordem, para
pedir auxílio visando anulação do Processo, por meio de Pedido de Revisão
Criminal. A Ordem mandou ofícios aos Delegados, pedindo, se quisessem,
mandassem informações sobre os fatos narrados. Poucos dias depois minha
filha telefonou-me, perguntando se eu estava mexendo no processo, junto à
Ordem. Eu disse que sim e perguntei por que ela me perguntava. A resposta
me deixou perplexo e irado – “o senhor pára com isso, esquece!”.Não
aceitando tal ordem, muito drástica, perguntei – “Por que devo parar?”e ela
me respondeu, secamente – “eles ‘tão falando que se o senhor continuar
mexer eles vão fazer alguma coisa com as crianças!”.
NÃO PRECISO EXPLICAR.
NO MESMO DIA PETICIONEI
DESISTINDO DO PROSSEGUIMENTO DE MEU PEDIDO.
E minha filha deixou de ter contato comigo, afastando as crianças...
SEPARAÇÃO “CONSENSUAL”
305
Quando eu saí no regime semi-aberto minha irmã e minha mulher
começaram a insinuar que devíamos nos separar. Chegaram até a me
intimidarem – ou eu me separava ou elas chamavam a Polícia, o que
significava quebrar o semi-aberto e, conseqüentemente, voltar para a
cadeia.Minha irmã tinha interesse em minha separação, para que os
apartamentos da rua São Joaquim, ficassem para meus filhos, e eu poderia
escolher com qual dos dois prédios eu ficaria – o da rua Taguá ou o da rua
Pirapitinguí – Mas a verdade era outra. Como faziam com minha filha, elas
também recebiam ameaças, que incluíam, além de mim, a nossos filhos e
netos - e elas queriam preservar nossas vidas, mesmo que ficássemos
presos. As duas poderiam cuidar dos prédios, até que as ameaças parassem.
Mesmo sem saber das ameaças, acabei concordando com a separação, no
segundo semestre de 1997. No entanto, minha mulher continuou morando no
mesmo apartamento, no qual eu passei a viver, também, assim que recebi o
Livramento Condicional.
PEDIDO DE JUSTIFICAÇAO CRIMINAL
- LAUDO DA POLÍCIA TÉCNICA CONFIRMA TORTURA - OFÍCIO DO DETRAN CONFIRMA: PLACA FRIAS FORAM PLANTADAS
Assim que tive oportunidade peticionei ao Juis do Tribunal de Júri,
para fazer uma Justificação Criminal. Sobre as tais placas frias que teriam
sido encontradas no apartamento de meu filho, o DETRAN informou, por
ofício, após reitrerados pedidos do Juiz, que eram todas relacionadas com
ocorrências policiais no próprio Distrito – portanto NADA TINHAM A VER
CONOSCO.
Outro absurdo – a Polícia Técnica comprovou que sofremos
TORTURA FÍSICA e PSICOLÓGICA, pois o malfadado corro, onde
ficámos eu e meu filho, com mais cinco ou seis presos, media PASMEM !
apenas 3,10m X 0,90m, e era destituído de iluminação, de higiene ... tudo
como havíamos narrado em nossos interrogatórios em Juízo. Preso ali,
certamente eu precisava confessar...(vide doc.anexo).
306
COMUTAÇÃO TAMBÉM NEGADA
Da mesma forma que negavam ou obstavam meu direito ao semiaberto, somente concedido após muita batalha, também meu pedido de
Comutação foi negado pelo Conselho Penitenciário, acompanhando o
Parecer do Relator (advogado) que se baseava em lei diversa da aplicável,
anterior à vigente (os advogados que o integram mais parecem Promotores...)
CONDICIONAL
Decorrido o lapso temporal de lei, foi pedida minha Liberdade
Condicional. Primeiramente por meio de uma advogada do Estado, de
origem nipônica, a qual, depois, desistiria de meu pedido e até se oporia,
dizendo nos autos, que eu era rico e podia pagar advogado, afirmação antiética, que me causaria muitos dissabores, pois favorecia o trabalho do
Promotor daquela Vara, também oriental, acostumado somente a negar os
pedidos que lhe eram feitos, por mais que o preso tivesse direitos. Depois de
muitos contra-tempos, finalmente, meu pedido foi enviado ao Conselho
Penitenciário (do qual aquele meu “defensor”fazia parte) onde um dos
Membros, rábula por certo, pouco conhecedor das leis, daria seu parecer
contrário à concessão, afirmando que o crime de que eu fôra acusado era
considerado hediondo. Com esse Parecer os outros Membros
acompanharam, negando., e enviaram sua decisão à Vara das Execuções
Criminais do Tribunal de Justiça Militar. No entanto o Juiz Corregedor da
Justiça Militar (Dr. Chaves) fez bom uso daquele papel enviado e,
contrariando aquela decisão, por ilegal e absurda, concedeu-me o
Livramento Condicional. Depois de ter ficado preso no 5º Distrito Policial,
por duas vezes, no 91º Distrito Policial, por duas vezes, no Centro de
Observação Criminológica, por duas vezes, na Penitenciária do Estado e no
Presídio Militar “Romão Gomes”, totalizando SETE ANOS menos quatro
dias, isto é, dia 1º de fevereiro de 1999, chegou finalmente o ofício
concedendo-me aquele benefício, que autorizava minha saída do Presídio,
sem a obrigação de retornar à noite, nem permanecer preso nos domingos e
307
feriados.. Porém continuava o tratamento especial – só me entregaram o
ofício no dia seguinte, depois do almoço. Parecia que gostavam de minha
companhia e queriam minha presença, diuturnamente.
INDULTO
Finalmente o INDULTO. Por um Decreto Presidencial, foi
concedido aos presos do país, o chamado Indulto de Natal, em 1998.
Fundamentado no mesmo pleiteei esse benefício em 20 de janeiro de 1999,
que me foi concedido no dia 11 de setembro, com a extinção da pena em 11
de outubro do mesmo ano. Meu filho já havia sido beneficiado no início
desse ano. Meu afilhado não fez igual pedido, tendo requerido somente
Comutação de Pena, que foi concedida, diminuindo o tempo de sua
condenação. Terminado o tempo, obteve extinção de pena.
FINALMENTE MEU FILHO E EU E S TÁ V AMOS L I V R ES !!!!!!
.-.-.-.-.-.-.-.-.
LAUDO DA POLÍCIA TÉCNICA CONFIRMA DEPOIMENTOS
Assim que tive oportunidade, peticionei ao Juiz do Tribunal do Júri,
para fazer uma Justificação Criminal. O DETRAN informou sobre as
placas encontradas na casa de meu filho – eram todas relacionadas com casos
que passaram pelo 5º Distrito Policial – nada tinham a ver conosco. O mais
absurdo – a Polícia Técnica comprovou que sofremos TORTURA e
CONSTRANGIMENTO, pois o malfadado corró, onde ficámos eu e meu
filho, com mais cinco ou seis presos, media – PASMEM! – apenas 0,90 X
3,10 e era destituído de iluminação, de higiene...tudo como havíamos
narrado em nossos Interrogatórios... Preso ali, certamente eu precisava
confessar...
VIDA NOVA
Meu afilhado e meu filho voltaram aos estudos. O primeiroi
terminaria o colegial e se dedicaria ao estudo teológico, trabalhando em
308
Hospital da Capital. Meu filho continuaria seus estudos na Faculdade de
Direito e, já no quarto ano, como Estagiário em meu escritório de advocacia,
seria voluntário junto ao Departamento de Assistência Jurídica aos presos
do Presídio Militar Romão Gomes. Casado e pai, só pensando em ver
restabelecidos seus direitos, pediu sua Reabilitação, que foi deferida. O
Ministério Público, vomitando cobras e lagartos, apelou ex officio...
REVISÃO
Faltava ainda o pedido de Revisão, para anulação do Processo. Apesar
de todas as provas novas, das falhas e das nulidades existentes, sonegação de
provas, depoimentos falsos, e outras, é de praxe que o Tribunal não conheça
sequer desse tipo de pedido. Porém, como existe um DEUS que tudo sabe,
tudo vê, e não existe nada encoberto que não seja revelado, tenho Fé, e com
ela a Certeza de que, com as PROVAS NOVAS (declaração de Jailson), o
Laudo da Polícia Técnica (relativo às placas que o Relator chamou de “frias”
e às provas da TORTURA, ao ser mantido no exíguo espaço do corró), minha
absolvição, no Processo da pseudo ameaça, e ainda este Livro, aliado às
outras provas (Inquérito forjado - Portaria forjada, Autos de Reconhecimento
forjados e nulos)), ainda vou ter a glória, a satisfação e o prazer de ver
novamente limpos nossos nomes. tudo com a GRAÇA DE DEUS !. Sim,
porque a mim, a meu filho e a meu afilhado nada é mais importante que
isso, para termos restabelecidos nossos direitos de cidadãos. Nada mais nos
interessa. Abrimos mão de qualquer pretensão de indenização, seja por
parte de nossos algozes, seja por parte do Estado, mesmo porque nenhuma
quantia será suficiente para pagar os anos que cumprimos, nossa saúde e os
problemas que nos foram causados.
MAIS DOIS PESOS DUAS MEDIDAS
(PS) 1 – Depois de dois anos que eu recebi o Indulto, encontrei-me com o
egresso Ramos (aquele halterofilista que havia ficado preso por quatro anos e
depois foi absolvido) e fiquei sabendo que os PM’s Hoffmann, Benevides e
de Paula, acusados de vários homicídios e roubos, haviam sido absolvidos. E
que o PM Torquato, preso com os três, inicia;mente condenado a 45 anos de
309
reclusão, também foi absolvido, por unanimidade, ou seja por todos os
jurados do Tribunal do Júri, em segundo julgamento. Os quatro tiveram as
brilhantes atuações dos advogados João Carlos Martins Falcato e Doutor
Vendramini, do mesmo escritório, profissionais íntegros e honestos. .presos
Hoffman, Benevides e um terceiro, haviam sido absolvidos. E, finalmente, o
preso Torquato, que, inicialmente fôra condenado a 46 anos de reclusão,
também foi absolvido, por unanimidade, ou seja, por todos os jurados do
Tribunal do Júri.
(PS) 2 - O Juiz Nicolau dos Santos Neto, vulgo LALAU, autor do desvio de
CENTO E SESSENTA E NOVE MILHÒES DE REAIS, (mais de oitenta e
cinco milhões de dólares) das obras Tribunal do Trabalho em São Paulo,
alegando aumento de pressão, graças a seus advogados, conseguiu aguardar
seu julgamento em PRISÃO ALBERGUE DOMICILIAR (como eu me
encontrava, por preencher os requisitos legais - réu primário, bons
antecedentes, não houve flagrante, não havia Prisão Especial no Estado de
São Paulo, etc.) (???????)
(PS) 3 – O Coronel UBIRATAN GUIMARÃES, reformado da Polícia
Militar do Estado de São Paulo, que comandava a Tropa de Choque naquele
dia em que houve a invasão da Casa de Detenção, no bairro do Carandiru,
em outubro de 1992, com a chacina de CENTO E ONZE PRESOS, mais
cinco tentativas de homicídio, foi condenado pelo Tribunal do Júri da
Capital, à pena total de SEISCENTOS E TRINTA E DOIS ANOS DE
PRISÃO (632a), em regime fechado, porém CONSEGUIU RECORRER
EM LIBERDADE (???????). E mais – no dia 9 de julho esse mesmo
Coronel, desafiando seus comandantes, desfilou perante o povo, que o
aplaudiu.
SEM COMENTÁRIOS !!!????
(PS)4 – O JORNAL DO ADVOGADO, de julho/2001, noticiou que O STJ
garante direito do advogado à prisão especial em Sala de Estado
Maior. Diz a notícia que, por votação unânime, a Sexta Turma daquela
Côrte deu provimento a Recurso interposto pela OAB/SP, em Habeas
310
Corpus impetrado em favor de advogado que se encontrava preso em
Distrito Policial. Em sua Ementa o Ministro Vicente Leal reconhece que a
privação de liberdade do advogado em cela de Delegacia de Polícia “não
atende à exigência da Prisão Especial, na forma preconizada no art. 7º, V, da
Lei nº 8.906/94”, em função da qual foi dado provimento ao recurso e
determinada “a imediata remoção do paciente para Sala de Estado Maior, ou,
inexistindo, que seja imposta Prisão Domiciliar”. Diz mais, a notícia, que o
Presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas garante que “a Ordem
atuará, por meio dos recursos cabíveis, para fazer os direitos da classe”.
(PS) 5- Uma Delegada do 4º Distrito Policial de São Paulo, sentido-se
desacatada, deu voz de prisão em flagrante a um antigo advogado, conhecido
e respeitado por todos, e o manteve algemado ao braço de uma cadeira. A
OAB foi alertada e o advogado foi liberado. A OAB manifestou seu
descontentamento com aquela atitude, dizendo que serias providências
seriam tomadas...
(OS) 6 – O ator Guilherme de Pádua (cujo crime motivou a novelista Gloria
Peres, por meio da Rede Globo de Televisão, a modificar lei, com a criação do
crime hediondo) mais uma vez foi vencido através da mídia, que conseguiu
impedir-lhe a concessão do benefício legal do indulto.
(PS) 7 - Três meses depois de ser preso, morreu Fernando Dutra Pinto, que
estava envolvido no seqüestro de Patrícia Abravanel, filha do empresário
Aron Abravanel, mais conhecido como apresentador deTV Silvio Santos, e
ainda em sua estranha fuga e morte de dois policiais civis. Com apenas vinte
e dois anos...sua morte teria ocorrido por parada cárdío-respiratória (???).
Havia suspeita de envenenamento (lembrem-se daquele incidente comigo, no
91ºDP).
(PS) 8 – Nosso “defensor”, além dos motivos já explicados, guardava uma
certa mágoa contra mim. Explico – no dia dois de dezembro de 1980,
aniversário de minha filha, deixei minha casa em Rudge Ramos, dirigindome ao Teatro Ruth Escobar, onde iria acontecer a fundação de uma
associação de advogados criminais (ACRIMESP). Quando cheguei já
311
estavam a ponto de impingir aos presentes uma Diretoria Provisória (chapa
única) cujo candidato a Presidente estava ausente. Indignado pedi a palavra
e contrariei aquela pretensão, com uma moção que foi aprovada por
unanimidade. O candidato a vice (nosso “defensor”) veio até mim e insistiu
para que eu reconsiderasse, pois era preciso que fosse daquela maneira,
uma vez que o Presidente renunciaria e ele seria o presidente. Novamente
pedi a palavra e consegui que aceitassem aquela chapa e se formasse uma
concorrente. Mas o incidente deixou marcada uma rivalidade para comigo,
somente descoberta após nosso julgamento. Dvoesclarecer que sua
contratação deveu-se a insistência de minha filha, antiga colega de classe da
filha do advogado.
Alguns anos depois de nosso julgamento o mesmo advogado, que não
conseguiu ser indicado para o Tribunal de Alçada Criminal, já mais velho,
carcomido, passou a ver as coisas por outro ângulo, o que motivou ser
convidado a integrar a Comissão de Prerrogativas (da qual eu já fizera parte,
doze anos antes, sob a Presidência da combativa Zulaiê Cobra). Dali em
diante o advogado passou a aparecer como defensor das prerrogativas ( e
por quê não. antes ?)
Pergunta-se: Então, se o Estatuto anterior previa os mesmos direitos, por
quê fiquei preso em Delegacia, fui torturado, negaram-me Habeas Corpus, a
OAB nada fez, e tudo o mais ?
A resposta já foi dada neste livro. O tempo dirá e confirmará.
OBRIGADO A TODOS
O Autor
PS. – Em 1.998 fui responder a Processo \Administrativo no Tribunal de
Ética da OABSP, porque MEU DEFENSOR, comunicou à Ordem que eu
havia sido condenado. Eu mesmo fiz a defesa e fui ABSOLVIDO por
unanimidade (25 votos). Encaminhado para as Comissão de Prerrogativas,
seu então Presidente enviou ofício ao Delegado Titular do 5º DP, para SE
QUISESSE, informasse sobre as torturas que recebi. Alguns dias depois
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minha filha ligou, perguntando – pai, o senhor tá mexendo no processo ?
Respondi- não, a OAB vai fazer um pedido de Revisão. E ela – então pára,
porque ligaram para min, dizendo que “se seu pai não parar de mexer no
processo, nós vamos matar suas filhas”.PAREI. Alguns anos depois, meu
filho me ligou – pai, estou indo a um velório, você nem imagina de quem.
Perguntei e ele me respondeu – o Del. do 5º DP. Imediatamente peguei
minha câmera, vesti a camiseta de meu jornal, peguei a credencial de
jornalista, e fui até o local do velório. Dezenas de delegados, em dezenas de
viaturas, lá estavam. Aproximei-me do caixão, parei e fiz uma oração. E
tirei duas fotos. O padre, ortodoxo, disse que eu não podia tirar fotos.
Retruquei – Imprensa -. E me retirei. Fiquei sabendo que também o
Delegado Assistente (foi promovido de Plantonista) foi assassinado com a
própria arma (talvez até com os cartuchos 9mm que, na invasão a meu
escritório (SEM MANDADO) e não foram mencionados no Auto de
Apreensão. Já não mais havia quem tivesse interesse em cumprir as
ameaças a minhas netas. Então resolvi entrar com um Pedido de Revisão.
Comecei pedindo o desarquivamento dos autos. Estudando os mesmos, foi
constatada uma série de crimes, praticados pelos Delegados. A Portaria do
inquérito fôra baseada em Autos de reconhecimento e em Assentadas falsas.
Porém esses Autos eram forjados, e nulos. A testemunha adulta era
totalmente analfabeta, e seu filho era menor impúbere. Não receberam
assistência e rascunharam os nomes, sem saber o que assinavam. Nos Autos
constava que eram reconhecidos “Florivaldo e seu filho” o qual sequer
estava presente e cujo nome não sabiam. Mas o crime maior foi a falsidade
ideológica nos documentos. O Delegado não tinha quem perfilar, para fazer
o reconhecimento, e deixou o espaço em branco, para, posteriormente,
inseri-los, o que fez, com a troca de plantão – recolocou na máquina os
papéis dos Autos, e datilografou os nomes de três investigadores, que
entravam no serviço. Essa inserção foi confirmada em Juízo, pelo próprio
Delegado, o que motivou Florivaldo a fazer um Pedido de Perícia, no
Instituto Del Picchia, que elaborou excelente trabalho, confirmando aquela
falsidade. Com esse Parecer em mãos, foi feito um pedido de Justificação
Criminal, para remessa dos autos para o Instituto de Criminalística. O Juíz,
Dr. Alberto Anderson Jr. despachou “ao MP”. O Promotor se opôs,
ferrenhamente. Mesmo contrariando essa cota, o Juíz deferiu o
313
encaminhamento. Os autos foram examinados pela Dra. Glaucia, que
elaborou ótimo trabalho, com os mesmos resultados sobre aquela falsidade.
Delegado cometeu crime de Falsidade ideológica - forjou Autos de
Reconhecimento (confessado em Juízo e comprovado por Laudo do IC)
forjou Assentadas (nulas)
Delegados praticaram crimes de invasão de donicílio e de escritório de
Florivaldo e crime de furto (de dinheiro e objetos) pois realizaram
diligências SEM MANDADOS
Delegado praticou crime de Falsidade ideológica forjou os Autos de
reconhecimento
Delegado cometeu crime de arbitrariedade - coagiu Florivaldo a assinar
confissão
Promotor fez falsa
cota, dizendo que Florivaldo ameaçava testemunha, pediu inquérito, virou
processo e Florivaldo foi absolvido. Foi feito Pedido de Revisão. A Colenda
a Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ANULOU O
INQUÉRITO e em CONSEQUÊNCIA ANULOU O PROCESSO, cujo
V.Acórdão se transcreve
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- A ESPADA DE DÂMOCLES Dâmocles era cortesão de Siracusa. Viveu no fim do século IV e início
do V. Era contemporâneo de Dionísio, cuja felicidade invejava. Este resolveu
mostrar a Dâmocles a precariedade da ventura dos reis. Convidou-o a
presidir um régio banquete. No meio de sua euforia Dâmocles ergueu os olhos
e percebeu que havia, sobre sua cabeça, uma espada afiada, sustentada
apenas por um fio de crina de cavalo.
Daí advêm duas expressões – “com a vida por um fio” e “a espada de
Dâmocles”, com idêntico significado, simbolizando o perigo que pode pairar
sobre a cabeça do homem, ameaçando sua vida, mesmo que esteja em seu
pleno apogeu.
Por isso este livro tem seu nome. Todos estão sujeitos ao perigo. Os
homens têm sempre sua liberdade ameaçada. Os presos têm sempre suas
vidas ameaçadas. Não importa se o homem é de origem pobre ou se está em
abastança. Ninguém escapa de seu próprio destino. E sua sorte não é o
homem que traça, mas seu semelhante, inda mais se está subordinado a este,
na condição de subalterno, de empregado, de encarcerado...
A FERA DA LIBERDADE
Desculpem-me pela aparente prolixidade, mas acontece que se torna
imprescindível apresentar, para serem submetidos ao crivo dos leitores, os
fatos geradores de vícios, defeitos, nulidades e injustiças, ocorridos em
processos cíveis e em inquéritos policiais, nos quais eu era, na maioria das
vezes, requerente ou vítima, e, em outras poucas, indiciado e réu. Os litígios
eram sempre entre o Autor e sua madrasta, de nome Alexandra Draganow,
uma mulher apátrida, nascida na Polônia e que viveu e sobreviveu aos
traumas da Segunda Guerra Mundial.
.-.-.-.-.-.19/novembro/1.993 –Dia da Proclamação da República
Centro de Observação Criminológica, prisão de Segurança Máxima Pavilhão 4 -
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Estou com sessenta e dois anos. Triste, pensativo, cabisbaixo, sentado
em minha “jega”, cotovelos apoiados nos joelhos, dedos enroscados nos
cabelos, encerrado dentro de uma exígua cela de cimento e ferro, solitária,
isolado de tudo e de todos. Mentalizo - meu DEUS, que estou fazendo aqui?
Aqui não é meu lugar. Quê fizeram comigo? ? (vide desenho feito pelo Autor,
na capa do livro)
O calor é insuportável, pois o sol bate diretamente no forro da cela.
Toda de concreto, janela gradeada, envidraçada. Porta de aço, com pequena
abertura para passagem de alimento e por onde os guardas, em suas rondas,
verificam se ainda estamos ali e se estamos vivos. Para esta confirmação,
somos obrigados a responder às batidas de chaves, que os guardas dão na
superfície daquela abertura, na qual se coloca a caneca plástica para se
receber um líquido preto que dizem ser café. Falta água, já há algum tempo,
um, dois, três dias seguidos, pois os registros são fechados por fora, pelos
guardas.
O sol bate diretamente na porta de aço, pela manhã, até por volta das
oito horas, tornando o lugar um verdadeiro forno. Passo o tempo todo só de
cuecas, suando em bicas. Felizmente tenho alguma água trazida pela família
ou que me chega por meio dos outros presos, nas suas ardilosas maneiras de
enganar a vigilância, mediante paga por maços de cigarros. Pela pequena
abertura entra a luz do rei Sol, que eu recebo em meu abdome, postado, em
pé, quase junto a ela. Dura apenas alguns minutos, mas o calor vem direto.
São os poucos momentos que tenho de “direito ao sol” (necessário para a
fixação do cálcio no corpo, sem o que chegam a cair os dentes, como vi, depois,
acontecer com alguns presos e o que se passaria também comigo). Pela falta de
ventilação o recinto se aquece cada vez mais e a temperatura aumenta mais
ainda quando o sol passa sobre a laje/telhado, que cobre a cela, e começa a
incidir sobre o outro lado da cela, desta vez pela janela, passando por entre as
grades. O ar fica viciado, não só pelo calor, pela diminuição do oxigênio, mas
também pelo fedor das fezes e da urina, no vaso sanitário (chamado de “boi”)
instalado ao lado da pia, esta aos pés da enxêrga de cimento, ou “jéga”, no
jargão carcerário. Isso tudo porque estou preso “de castigo”, já por vinte
dias, porque (pensava eu) os guardas haviam “encontrado” uma cédula de
cem cruzeiros (cinco centavos de real) dentro de minha Bíblia, , pois era
proibido ter “dinheiro”, para evitar comércio entre os presos (essa quantia
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não dava sequer para comprar uma bala ou um chiclete). E esses vinte dias
integram já seis meses de prisão, cinco dos quais dentro desta penitenciária,
considerada de Segurança Máxima, transferido que vim, de um Distrito
Policial (91º D.P.), o qual é tido como Especial para receber presos portadores
de diplomas universitários, políticos, Guardas Metropolitanos, devedores de
pensão alimentícia, e outros. Mas a razão do castigo era outra, ordenada pelo
médico (direi em seguida). Fui, inicialmente, levado para esse Distrito
porque...
... bem, permitam-me os leitores voltar no tempo e, como diz o povo,
começar desde o começo...
...em 1.969 eu abri uma lanchonete na rua São Joaquim, em salão de
três portas, em prédio de nossa propriedade. Meu pai insistiu para que eu
desse emprego para um rapazola, filho de minha inquilina, de nome
Alexandra Fodor. Certo dia, porque o rapazinho nada sabia fazer e só se
esquivava de trabalhar, mandei-o embora. Ele entrou no prédio e voltou com
a mãe, que veio tomar satisfações comigo. Ela portava um chicotinho de
couro, , feito com pata de veado, com o qual passou a me agredir. Segurei o
chicote, em minha defesa. Era o que ela queria ... imediatamente ela deixou
comigo aquela parte que eu segurava e puxou a outra parte, que era uma
lâmina, dentro da bainha dissimulada. Enquanto eu fiquei com aquela parte
ela tentou enfiar a lâmina em minha barriga. Felizmente eu conhecia artes
marciais (eu era dono de uma academia, em outro salão, em um outro prédio,
também nosso e dava aulas de defesa pessoal,). Segurei-lhe o pulso e a
imobilizei. Quando ela estava contida meu pai chegou, atraído pelos gritos e
palavrões que ela soltava. Por insistência dele não fomos para a Delegacia.
Tudo terminaria ali...
.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.Em outubro de 1.970, tive uma visão, na qual eu ví uma cena de
atropelamento e a vítima era meu segundo filho, então com cinco anos e oito
meses. O tempo se passou, fiz de tudo para evitar que aquilo se transformasse
em realidade, procurando lugares onde não existissem veículos. Porém, no dia
23 de outubro do ano seguinte, quando uns amigos ciganos inauguravam sua
casa nova, em uma rua tranqüila, sem trânsito de carros, a tragédia
aconteceu. Um rapaz embriagado e irresponsável ( porque estava sem sapatos,
só de chinelos) arremeteu um carro contra cerca de vinte crianças que ali
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brincavam (dentre as quais meu filho) somente
“para assustar”, como ele
disse, porque, em sua primeira passagem as crianças teriam gritado "contramão" e batido com as mãos em seu veículo. Ele saiu do carro e gritou que iria
"passar por cima". Subiu certa distância e voltou, em velocidade,
arremetendo o veículo contra elas e atingindo meu filho em cheio e passando
por sobre ele. Fui chamado. Acorri o mais rápido possível. Peguei meu filho e
fomos até o Pronto Socorro mais próximo. Dali ele foi levado para o no
Hospital Municipal, onde faleceu. Morto meu filho, fui até o Distrito Policial
da área onde acontecera o acidente, para comunicar o fato. Em lá chegando
constatei que o Escrivão estava lavrando um Auto de Prisão em Flagrante
contra o atropelante, por omissão de socorro. Disse eu ao Escrivão que era
uma injustiça, eis que o rapaz havia recolhido meu filho no asfalto, com
intenção de socorrê-lo, segundo disse. E seu corpinho estava em seus braços.
Ele m’o entregou quando me aproximei gritando - dá ele aqui, é meu filho ! - e
nos levou a ambos em seu carro, até o Pronto Socorro do bairro do Ipiranga,
de onde meu filho foi levado em ambulância até o Hospital Municipal, em
cujo nosocômio ocorreu o óbito. Ora - não tinha havido omissão de socorro
por parte do rapaz, por isso insisti para que se não prosseguisse com aquela
lavratura de flagrante e cheguei até a arrancar da máquina as folhas que
estavam sendo preenchidas.
E desde aquele dia, nestes últimos anos, até hoje, nunca procurei o
atropelante para qualquer discussão ou ato de vingança, pois nada, muito
menos violência, iria trazer nosso filho de volta.
Apesar de sua irresponsabilidade, o atropelante foi absolvido pela
Justiça, por falta de provas, pois o Juiz não aceitou as informações prestadas
pelas outras crianças, embora tenha ele confessado o estado de embriaguês e
uso de chinelos de dedão, que haviam escorregado do breque para o
acelerador. E, para o Promotor do caso, tinha havido culpa de meu filho, por
haver atravessado a rua. Eu e minha família o perdoamos e pusemos uma
pedra sobre esse assunto.
Após a morte de meu filho entreguei minha lanchonete a meu
cunhado, fechei minha academia e fomos (minha mãe, minha irmã e filha
minha mulher e nossos dois filhos), primeiramente para Portugal e depois
para Espanha. Meu pai ficou para cuidar dos negócios e nos mandar nossa
parte em dinheiro, para nossa sobrevivência, até que pudéssemos nos
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estabelecer por completo, como era nossa intenção. Depois de muitos
dissabores, porque ele não mandava numerário suficiente, precisámos
retornar e o fizemos em grupos – primeiro minha mãe e minha irmã com a
filha, para que elas pudessem resolver os problemas que meu pai alegava ter
e depois nós, a muito custo, pela falta de dinheiro.
Algum tempo depois fomos morar em Rudge Ramos e nos transferimos
para a Igreja Metodista, uma vez que éramos arrolados como membros na
Sede Central, onde eu havia sido Secretário. Fui convidado e ingressei no
Lions Club de Rudge Ramos- cujo Distrito representei, como Delegado, na
Convenção Internacional, em Miami, Flórida, em julho/73 - Assumi um
trabalho missionário como membro dos International Gideons (Gideões
Internacionais), tendo também participado da Convenção Internacional
realizada em Houston, Texas, como representante do Brasil. Criei a primeira
de cinco academias de artes marciais, fundei a Sociedade Amigos de Rudge
Ramos, que presidi por doze anos, fundei e presidi a Associação dos
Advogados de Rudge Ramos. Fui eleito Presidente da Federação das
Sociedades Amigos de São Bernardo, por quarenta e seis votos das quarenta e
sete entidades filiadas (a minha, por mim representada, deixou de votar). Criei
um folhetim chamado Florivaldo Pereira Inform (ainda existente), e também
um jornalzinho chamado Rudge Ramos em Revista (viria a ser o JORNAL
DA LIBERDADE). Adquiri um título de sócio do São Bernardo Tenis Club,
da elite, e passámos a freqüentá-lo com assiduidade. Deus nos ajudava e
estávamos muito bem. Em agradecimento (e pela falta do filho morto) eu e
minha mulher passámos a ajudar na assistência de duas centenas de crianças
de uma Creche da cidade e começámos a recolher menores desassistidos, que
vinham morar conosco como se filhos fossem. E foram mais de sessenta, que
levamos, desde a idade que contavam até atingirem a maioridade. Alguns
permaneceram e ainda estão conosco, até cursando faculdades, alguns já
graduados.
No entanto e apesar de nossa situação sempre alguma coisa acontecia,
para nos prejudicar. Não sabíamos o que poderia ser, até que um dia meu
alfaiate, também aluno de nossa Academia, me perguntou – Florivaldo, você
tem pais vivos? -. Respondi que sim e perguntei a razão daquela pergunta. Ele
me explicou que, dias antes, parou uma carro verde, com um casal dentro. O
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homem ficou no carro e a mulher foi até ele. Ela perguntou-lhe se ele
conhecia um advogado de nome Florivaldo. Sim, foi a resposta. E meu amigo
disse que não podia relatar o que a mulher havia dito a meu respeito, porque
eram coisas muito pesadas. Logo pensei em Alexandra e tentei amenizar a
situação, dando-lhe conta de que aquela mulher era amante de meu pai e
tinha muita raiva de mim, e aí por diante...
.-.-.-.-.-.-.(outubro/85) Poucos dias antes de meu pai morrer preveniu-me contra
sua segunda mulher, Alexandra, e relatou-me fatos que teriam acontecido
muitos anos antes, os quais, posteriormente, levei ao conhecimento de um
Delegado da Polícia Civil, de nome Lazaro (negro, muito forte, apesar de haver
perdido um braço, e que mais tarde iria ser Promotor de Justiça e
posteriormente advogado). Disse meu pai que Alexandra o havia envolvido no
desaparecimento do marido dela, para poder continuar livremente como sua
amante, o que já vinha acontecendo havia muito tempo, desde antes daquele
incidente do punhal dentro da pata de veado...
Alexandra e seu marido eram meus inquilinos, em um dos prédios de
apartamentos de minha propriedade. A locação havia sido feita em nome
dela.
O marido George descobriu a relação dela com meu pai e foi até o
apartamento de minha irmã, no mesmo prédio, armado de revolver, para
tomar satisfações com meu pai. Apesar da gravidade do fato meu pai não
chamou a Polícia nem permitiu que o fizéssemos. Era o ano de 1.970. Em
junho seria realizado o Campeonato Mundial de Futebol, no México.
Alexandra aguardava tal evento. Numa noite em que a equipe do Brasil
jogava, chovia em São Paulo. Tão logo o Brasil marcou um gol, o país todo
saiu às ruas ou às janelas, para soltarem fogos de artifício. No mesmo instante
em que os fogos espocavam, Alexandra, utilizando-se de revolver de meu pai,
teria atirado contra o marido, que estaria sentado em uma poltrona, também
vendo o jogo. Ela não o amava e se casara com ele por interesse, pois estava
grávida de outro homem, um cozinheiro de um navio russo. O filho precisava
de um nome e, com tal casamento, ela conseguiria garantir sua permanência
no país, pois era apátrida (sua pátria não mais existia, invadida que fôra pela
Alemanha nazista), muito embora estivesse se casando com um romeno.
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Em seguida, ainda conforme o relato de meu pai, Alexandra, que
havia trabalhado no Hospital do Câncer, como auxiliar de enfermagem
(emprego arranjado por meu pai) teria cortado o cadáver em diversas partes,
colocando-as em sacos de lixo. Tais volumes deveriam ser atirados em um
poço aberto nos fundos do prédio, o qual dava para um duto de
cimento/amianto que servia de galeria pluvial. Nesse duto fôra feita uma
abertura, para aquele fim sinistro e para tal mister Alexandra chamou meu
pai. Como meu pai desaprovara o tresloucado gesto e se recusara a agir
como partícipe, Alexandra o obrigou, sob a ameaça de que iria envolvê-lo, de
qualquer forma, pois a morte fôra com a arma dele, que ele houvera
emprestado a ela apenas para usar como defesa, caso houvesse necessidade
extrema. Meu pai acabou cedendo e livrou--se dos sacos.
Alexandra conservou em seu poder a arma de meu pai, como garantia
de que ele não iria comprometê-la nem denunciá-la, e com isso chantageava
meu pai em outras coisas.
Aproveitando-se do desaparecimento do marido Alexandra ingressou
com Ação de Separação Litigiosa, fundamentada em maus tratos e abandono
do lar. Meu pai serviu de testemunha dos maus tratos (que em verdade nunca
presenciou) e do abandono do lar. Alexandra venceu a demanda e voltou a
usar o nome de solteira (Draganow).
Decorrido o prazo legal ela ingressou com Ação de Divórcio. Nos dois
processos foi decretada a revelia do réu !
De se esclarecer que, quando Alexandra surgiu nas vidas de nossa família ela
alardeava dois orgulhos:
- ter sobrenome Romanov, da família Imperial Russa (descobrimos
depois que era mentira, pois ela era megalomaníaca)
ter matado muitos soldados alemães e russos, quando seu país, a
Polônia, foi invadido durante a Segunda Guerra Mundial. E ela descrevia
como teriam acontecido tais mortes - bonita e jovem, com cerca de dezenove
anos, ela, como outras moças, atraía o inimigo para relações sexuais e,
durante o ato, usando lâmina afiadíssima, degolavam seus parceiros,
cortando-lhes suas jugulares,de modo tal que nem sequer tinham tempo de
agarrar uma arma ou gritar por socorro - morriam instantaneamente -. Em
seguida aos alemães vieram os russos, os quais, sabedores dos modos
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utilizados pelas jovens, iam em grupos, para impedir que aqueles atos se
repetissem com eles. Alexandra passou a nutrir ódio maior contra os russos.
E Alexandra ria, ao contar, afirmando que assim agia para se vingar dos
inimigos e para pegar as coisas deles, como armas, botas, cigarros, dinheiro,
alimentos... E nós ficávamos pasmados, meio incrédulos, mas havia tanta
riqueza de detalhes e ela usava de tanta veemência que nos víamos forçados a
acreditar.
Atos posteriores, praticados por Alexandra, viriam reforçar a crença
de que tudo que ela havia nos contado era verdade. E passamos a temê-la. E
também a seu irmão Nykolas, que se dizia matador.
.-.-.-.-.
Em cinco de janeiro de 1.979, aniversário de minha mulher, estávamos
almoçando em casa de minha sogra, em Santos. De repente a comida me volta
à boca e a cuspo fora. Levantei-me rapidamente e disse - minha mãe está
passando mal -. Apressei meus familiares e quis levá-los embora para São
Paulo, com certa relutância da aniversariante. Esperamos o bolo e saímos,
parando antes em São Bernardo do Campo, onde morávamos. Dali telefonei
para a casa de minha mãe e fiquei sabendo que a mesma estava internada em
uma Clínica, em São Caetano do Sul. Fomos para lá, pois era perto de
nossa casa.
Estranhamos que minha mãe tivesse sido levada para outra cidade,
pois perto de sua casa havia quase uma dezena de bons Hospitais, Adventista, São Lucas, Modelo, Bandeirantes, Beneficência Portuguesa, Santa
Helena, Santa Catarina, Municipal - melhores que qualquer Clínica. Porém
essa era de propriedade de um Capitão médico do Exército, muito amigo de
meu pai.
Ao chegarmos à tal Clínica - p a s m e m ! - de otorrinolaringologia,
deparámos com um homem vestido de branco, cimentando uma calçada.
Perguntado quem era respondeu - era o médico de dia (expressão militar).
Adentrámos a Clínica e fomos rebuscando nos quartos, até que, com
tentativas de obstação por parte de uma mulherona, também de branco,
acabámos encontrando minha mãe - amordaçada, mãos e pés atados,
amarrados à cama -. Irritado, gritando, ordenei que a soltassem ou eu
chamaria a Polícia, porém o médico explicou que ela estava sedada.
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Ora, meu, disse eu, se ela está sedada por que está amarrada e amordaçada
? ele respondeu - é para evitar que ela se debata. Insisti e tiraram a mordaça e
as tiras de bandagem que lhe tolhiam os movimentos dos pés e mãos. Você
está bem ? perguntei. Ela apenas murmurou - me tira daqui, ”my son” (modo
familiar como ela me chamava) -.
Pedi para usar o telefone, o que me foi negado. Fui até uma banca de
jornais, na esquina, comprei fichas e liguei para meu pai, em São Paulo, para
que providenciasse a imediata remoção de minha mãe ou eu convocaria a
família e os parentes. Minha mãe foi levada para o Hospital São Lucas, a uma
quadra de sua casa. Ela passou por vários exames, todos eles negativos. Ela
era saudável. Minha mãe foi muito bem atendida e recebeu alta.
No entanto, apesar de ter sido submetida a vários testes laboratoriais,
todos com resultados negativos, uma coisa nos causava muita estranheza ficámos sabendo que minha mãe tomava injeções de insulina, aplicadas
(adivinhem por quem) por Alexandra “amiga da família” e “enfermeira” como
ela se apresentava ...
...Três meses depois sinto novamente aquela sensação, agora com
muita dor no estômago. Vou para a cama e, ao contrário de meu costume,
deito-me no lado esquerdo da mesma. Com dores e me contorcendo clamo
por Edith, que me atende, e lhe digo, minha mãe está passando mal -. Edith
contestou-me e disse, como que tentando me acalmar - você deve estar
impressionado, ela não tem nada -. Nesse mesmo instante o telefone toca. Edith
vai atender e volta com presteza, dizendo - era a Francisca (cozinheira de
minha mãe). Ela pede nossa presença urgente. Sua mãe está mesmo passando
mal !-.
Superei aquele meu mal-estar e partimos imediatamente. Como
eu era radio-amador, chamei pelo transmissor do carro e pedi auxílio na
rede, queria uma ambulância e um médico. Quando chegámos à casa de
minha mãe já lá estavam vários colegas do éter, dentre eles alguns médicos,
todos solícitos, como é costume entre nós, a prestarem socorro e outros tipos
de atendimento. Subi as escadas do prédio, adiante de todos, e cruzei com
meu pai, que estava descendo. E me interpelou - que você quer aqui ? - e
respondi, sem parar - vim ver minha mãe ! -. - Ela está bem, vá embora ! disse ele.
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Entrei no apartamento e fui até o dormitório de minha mãe
(meu pai dormia em quarto separado havia anos). Ela estava deitada, se não
morta, pelo menos em seus últimos suspiros. - Que foi ? quê aconteceu ?,
perguntei nervoso e tremendo. E as criadas, em uníssono, responderam - foi
sêo Benedito ! ele obrigou dona Ida a tomar uma cápsula. E continuaram - ela
sempre tomou uma cápsula azul, mas ele jogou o pozinho na pia e colocou
outro e fez ela tomar na “marra”. Disseram que minha mãe colocou-se de
joelhos e implorou a meu pai - eu tomo, mas antes me deixa ver meu filho ! Meu pai insistia - toma aí, engole logo!- E continuaram as moças - dona Ida
continuou se negando mas ele acabou concordando com ela e enfiou a cápsula
na boca dela (sic)-. Tão logo minha mãe engoliu a cápsula meu pai deixou o
local. Foi então que uma das moças ligou, chamando por nós, enquanto que
duas outras levaram minha mãe, já trêmula, até o banheiro, onde foi tentar
vomitar, para expelir a cápsula, mas já começou a sentir-se mal, com
tonturas, como ela afirmou às moças. Algum tempo depois meu pai teria
retornado, para ver em que pé estavam as coisas. Quando entrei na rampa do
prédio e subi as escadas foi que nos cruzámos. Fiquei sabendo,
posteriormente, que ele havia ido para o litoral, onde possuía uma casa, que
estava sendo utilizada por Alexandra, a qual se fazia passar como esposa,
perante os vizinhos. Meu pai só retornou no dia seguinte. Porém, antes de sair
de São Paulo ele deixou um cheque em branco, com um rapaz que me
procurou, dizendo estar incumbido de providenciar os arranjos dos funerais
(minha mãe nem sequer estava morta quando meu pai saiu !). Fomos até a
Funerária Municipal. Quando retornei minha mãe já estava sendo colocada
no caixão. Os homens da funerária colocaram o ataúde no rabecão e saíram,
sem esperar acompanhamento. Fomos obrigados a perseguí-lo, em
velocidade, pois não respeitavam os semáforos e corriam costurando o
trânsito. Chegámos ao Cemitério de Congonhas, no qual meu pai já havia
adquirido dois lotes - um para o filho de Alexandra, que morreu
misteriosamente, com apenas dezenove anos, e outro para aquela finalidade
atual - enterrar minha mãe -.
Passámos a noite velando o corpo de minha mãe. Meu pai estava
ausente, só tendo comparecido na manhã do enterro. Meu pai ficou ao lado
do corpo, por alguns minutos. Fomos alertados pelos coveiros que duas
mulheres estavam ao lado da cova onde o corpo de minha mãe seria
436
depositado. E que ambas cuspiam na cova, gritando vitupérios e imprecações
contra a morta. Corremos até lá e constatámos que se tratavam de Alexandra
e outra mulher, desconhecida, Quando fomos avistados Alexandra deixou sua
companheira e saiu correndo em direção ao carro, que era de meu pai, e
partiu em desabalada carreira, tendo até abalroado um veículo que estava
estacionado. A Administração do Cemitério registrou os fatos e disseram que
iriam tomar providências (soubemos, mais tarde, que Alexandra era
considerada louca e que estaria impedida de adentrar o campo santo sem a
companhia de algum funcionário).
Anos depois, meu pai me relataria aqueles fatos sobre a morte do
primeiro marido de Alexandra e tentaria me convencer de que fôra levado
àquele gesto extremo contra a vida de minha mãe por exigência de
Alexandra, a fim de que ele se casasse com ela - o que era intuito dela fazia
muito tempo, conforme foi provado em processos judiciais -.
E meu pai, viúvo, “casou-se” com Alexandra. “Casou-se” está entre
aspas porque os empregados dele, que foram as testemunhas do ato,
afirmaram que ele não queria assinar o livro, ela conduziu sua mão para obter
a assinatura. O “casamento” foi realizado com meu pai doente, no leito de um
quarto separado, fora do apartamento onde Alexandra morava. Muito
embora Alexandra nos afastasse de nosso pai, ele conseguiu nos avisar que ela
queria casar-se com ele, contra sua vontade e nos informou o dia.
Comparecemos, mas Alexandra não nos permitiu entrar, e disse, ante minha
insistência: eu tenho sangue quente, é melhor você ir embora, para evitar uma
tragédia ! -.Saímos. Três meses depois do “casamento” Alexandra apossou-se
de todos os bens de meu pai - móveis, carros, telefones, imóveis em número
superior a setenta unidades residenciais, salões comerciais, terrenos em vário
bairros, casas, veículos, garagens, mansão em Pinheiros, bens guardados em
cofre particular do Banespa, depósitos bancários, títulos e ações de empresas
e de Bancos. E Alexandra apossou-se de tudo o mais que pôde lançar mão,
fatos esses confirmados por sua própria irmã Vera, conforme depoimentos
em processos cíveis e criminais, a qual dizia:
437
“Alexandra sempre quis se apossar de todos os bens do sr. Benedito e
para isso usou de todo tipo de expediente, como documentos forjados e
outros”
E assim tomámos conhecimento dos atos de Alexandra. Contudo, esse
apossamento, por parte de Alexandra, incluía um imóvel de minha
propriedade, em comunhão com minha mulher - um pequeno prédio de cinco
andares, e dois salões comerciais - como se Alexandra fosse adquirente e o
recebimento de alugueis de outras propriedades nossas e de meu pai. Neste
caso os bens estavam arrolados no Inventário de minha mãe, no qual eu fôra
nomeado Inventariante, em substituição a meu pai, por impedimentos legais
que ele havia ausado, como o casamento antes da partilha dos bens e outros.
Daí em diante passei a acionar Alexandra na área cível como na esfera
criminal. Nesta, Alexandra foi indiciada em vários inquéritos policiais, pela
prática dos crimes de estelionato - Alexandra alugava os imóveis fazendo
constar nos contratos que era proprietária, o que, segundo o Código Penal,
caracteriza aqueles crimes -.
Era um inquérito para cada unidade. a saber:sete inquéritos sobre imóveis na rua Quirinópolis, bairro do Imirim
oito inquéritos sobre imóveis na rua São Joaquim, bairro da Liberdade
Além desses imóveis Alexandra recebia alugueres de mais trinta e três
apartamentos na rua Pirapitinguí, quinze apartamentos na rua Taguá, mais
os salões comerciais. Para estes não houve inquéritos, porque Alexandra se
valia de um seu amante, escroque e estelionatário como ela, de nome Ari
Alves Pereira (coincidentemente com as mesmas iniciais de minha irmã A.......,
em cujo nome estava o prédio originalmente. Ari firmava os recibos como A A
Pereira) e Alexandra também tinha em seu poder documentos pelos quais ela
os havia “adquirido”.
No entanto tais aquisições ocorreram mediante
fraude e simulação, que me ensejariam propor ações contra ela. Porém não
encontrei um único profissional, dentre Professores, Juizes, Promotores - que
me dessem uma esperança de vencer tais processos - e nenhum colega
advogado que quisesse atuar, diante da existência daqueles tais documentos.
No entanto, com a ajuda de DEUS, que me deu uma inspiração,
numa madrugada, consegui encontrar um caminho legal e com isso iria agir,
mais tarde, em causa própria, contra Alexandra, e passaria a enfrentar seus
438
advogados – verdadeira quadrilha, mancomunada com funcionários de
Cartórios de Notas e das Varas Cíveis e Criminais.
.-.-.-.-.-.-.Agosto de 1.984 - Alexandra ordenou a um dos empregados de meu
pai que arrombasse a porta de meu escritório, localizado ao lado da rampa de
carros, no andar térreo de meu prédio, na rua São Joaquim. Com o barulho
minha mulher desceu para verificar o que estava acontecendo, enquanto eu
estava terminando meu banho. Ouvi vozes e gritos. Desci rapidamente, para
me inteirar e tive uma surpresa muito desagradável – Alexandra, com a mão
esquerda, puxava os cabelos de Edith, para que esta abaixasse a cabeça, a fim
de facilitar a agressão que estava sofrendo, por parte da outra, a qual, com a
mão direita, empunhava um cano de ferro, que servia de trave da porta e que
havia sido arrancado. Edith, por sua vez, com a mão esquerda (a mão mais
fraca), segurava a mesma barra, um pouco abaixo da mão de Alexandra, e
com a mão direita também puxava os cabelos de sua agressora. Procurei
desvencilhar Edith, segurando os pulsos de Alexandra e gritando em russo
para que parasse. Ela irou-se mais ainda, talvez lembrando-se de seus
estupradores, naquele tempo de guerra. Parecia estar louca ou drogada, o
que impedia de fazê-la parar. Não tive outra alternativa a não ser lhe dar
umas pancadas. Meu pai, a essa altura, caído no chão, gritava – bate na
cabeça! Bate na cabeça ! Não atinei se era para mim que ele gritava tal ordem
ou se era para Edith ou até mesmo para Alexandra.
Alexandra espumava e não parava de agredir Edith. Agarrei um
grande grampeador de metal e passei a dar mais pancadas em Alexandra,
sempre na cabeça, na qual abriu-se uma brecha, com o sangue a jorrar,
espirrando como chafariz, pelas paredes, pelo chão e por cima de nós outros.
Demorou uns instantes e Alexandra afrouxou, dobrando-se nas pernas. Tirei
o cano de suas mãos. A essa altura estava chegando a Polícia, atendendo a
chamado de outro empregado, por ordem minha, dada tão logo adentrei o
escritório.
Quando os policiais entraram viram uma cena terrificante - um
velho, cujas muletas estavam quebradas, não se sabe como, estava caído,
coberto de sangue. Minha mulher toda ensangüentada pelo próprio sangue
que lhe saía da fronte e do alto da cabeça e o sangue de Alexandra, ambas
meio tontas com as pancadas que haviam desferido e recebido. Eu, em pé,
439
com minha roupa também cheia de sangue, sem saber o que fazer. Fomos
todos para a Delegacia de Polícia (atentem bem - 5º Distrito Policial). Por
muita insistência minha a Polícia levou o cano (a arma que Alexandra havia
usado na agressão a Edith) o qual no Distrito Policial
acabou
“desaparecendo”
O Delegado determinou a elaboração de boletins de ocorrência
distintos – um, para a invasão e agressão praticados contra Edith, indiciando
Alexandra, e um outro, sendo vítima Alexandra. Meu pai não estava ferido.
Apenas havia caído, quando Alexandra lhe arrancou uma das muletas, com a
qual desferiu o primeiro golpe em Edith, quebrando-se tal apoio. Não foi
instaurado qualquer inquérito policial.
Os Boletins foram engavetados (por interesse maior de Alexandra)
e os fatos ficaram no esquecimento.
.-.-.-.-.-.No mesmo ano requeri instauração de Inquérito Policial contra
Alexandra, dessa vez porque ela havia alugado mais um de nossos
apartamentos, como se proprietária fosse, tendo recebido quantia depositada
pela inquilina, uma moça que trabalhava no Hospital Beneficência
Portuguesa. Alexandra passou a receber também os alugueres. Arrolei a
moça como testemunha, porém a pobre coitada apareceu morta, com uma
poça de sangue a seu lado, ela caída ao solo, ao lado da cama. Essa foi a cena
que me descrevera um outro morador do prédio, de nome Nelson Ferrari, o
qual, atendendo a pedido de minha irmã, arrombou a porta, até então
trancada por dentro.
Era mais um dos inquéritos que se desvanecia, beneficiando
Alexandra. Além dos “meros” documentos (como entendia o Promotor de
Justiça) não havia qualquer outra prova contra ela.
.-.-.-.-.Quanto aos inquéritos em que Alexandra foi indiciada, o Promotor
Público entendeu que os valores eram pequenos, porque eu juntara apenas um
ou dois recibos assinados por Alexandra, emprestados pelos inquilinos. O
Promotor considerou apenas o valor nominal de cada um deles, referente a
UM mês de aluguel, para cada unidade, quando na verdade devia levar em
conta que eram vários meses, de diversas unidades, além do fato relevante de
que ela se intitulava como se fosse proprietária, obtendo vantagem ilícita.
440
E, pensando daquela forma, o Promotor, absurdamente, pediu
arquivamento, sem apresentar denúncia contra ela, para ser processada pelos
crimes que vinha cometendo e que continuou praticando, pois, acobertada
que estava pelo ato do Ministério Público, sentiu-se vitoriosa. ESSE ATO DO
M.P. ERA PREVARICAÇÃO, UMA INJUSTIÇA !. Outros, pobres,
miseráveis, são indiciados pelo furto de um pedaço de pão, são processados,
são condenados e levados à prisão...
.-.-.-.-.E Alexandra não era Ré primária. Muito embora meu pai tenha
sido sua testemunha de defesa, ela já havia sido condenada por agressão,
usando machadinha, contra uma moça grávida que se sentara à porta da
casa dela... Isso ocorreu em 1973, minha mãe ainda era viva, porém
Alexandra já se apresentava a todos como esposa de meu pai...
Alexandra não temia a Polícia - certo dia agrediu um Investigador
de Polícia, que era seu inquilino em propriedade de meu pai, no Parque
Bristol, (mesmo local da agressão à moça), porque o rapaz abriu o registro
d’água, fechado por ela (maneira que ela usava para apressar os pagamentos
dos alugueres)...
[Algum tempo depois Alexandra acabou sendo condenada pelo Juiz da 30ª Vara
Criminal pelo crime de estelionato (mais um), praticado contra minha sobrinha
e seu marido]
Agosto de 1.985 –
Num cortiço existente na rua Taguá nº 330, no bairro da Liberdade, um
homem, de nome José Ibiapina da Silva, foi assassinado por meio de arma de
fogo, quando abriu a porta para atender seu vizinho, de nome Luis Rodrigues
da Silva e que estava acompanhado pelo namorado de uma de suas três filhas.
Foi instaurado Inquérito Policial e Luis estava sendo intimado para
comparecer à Delegacia (5º Distrito) a fim de ser ouvido, porque outros
moradores e a companheira do morto haviam dito que o crime fôra praticado
pelo namorado da filha dele e que ele estaria junto, portanto como co-autor.
Eu morava próximo e tinha o escritório no mesmo prédio. Fui procurado por
ambos, que me pediam assistência profissional, e me contaram em detalhes o
que havia ocorrido e seus motivos, e a autoria foi confirmada. Perguntei-lhes
441
porque me haviam procurado e responderam que fôra indicação de dona
Alexandra, a quem Luis e outros moradores do cortiço prestavam alguns
pequenos serviços de reparos nos dois prédios (os mesmos que ela havia
usurpado).... Além de Luis também sua mulher Loide (cujo nome fiquei
sabendo anos mais tarde) e outra moradora daquele lugar, parente do casal,
prestavam serviços de faxina, como diaristas, tanto nos prédios como no
apartamento usado por Alexandra e ainda lhe lavavam roupas. Um filho de
Luis, de nome Leandro, servia de menino de recados para Alexandra.
Por causa dessa ligação de Alexandra com a família de Luis e por
causa dos litígios que eu mantinha contra ela, estranhei aquela indicação e
aleguei não atuar na área criminal, para me esquivar de patrocinar a defesa
de ambos, ou pelo menos não me vincular aos mesmos, com qualquer tipo de
orientação. Pela recusa recebi ásperas palavras de advertência, como
ameaças, para que eu não divulgasse o que acabara de ficar sabendo.
Tranqüilizei-os, dizendo que advogado era como padre – não podia, por lei,
contar o que sabia. Retiraram-se. Fiquei sabendo, mais tarde, que um dos
advogados de Alexandra (Fransrui Antonio Salvetti) lhes havia prestado
orientação e acompanhamento no Inquérito, no Distrito Policial, fornecendo
ao Delegado depoimentos das testemunhas de Luis - sua própria mulher e
sua filha Maria Ilza, vulgo Nina – que apresentaram álibis para o marido e
pai e para o “genro”, e também de uma mulher, que era exploradora do
cortiço, administrado por Luis, a qual maldissera a vítima. E o irmão e a
mulher da vítima, depois de alguma pressão, claramente visível no Inquérito,
mudaram seus depoimentos. Antes, diziam com certeza que tinha sido o
namorado da filha de Luis. Depois, disseram que nem sabiam se a moça tinha
namorado (alguns anos mais tarde se confirmaria que Nina tinha aquele
namorado, o qual era ladrão). Nada mais foi averiguado. O Delegado achou
melhor não prosseguir em qualquer diligência investigatória. O caso foi
encerrado, com o pedido de arquivamento, feito pelo Delegado e
acompanhado pelo Promotor de Justiça, que também não demonstrou
qualquer interesse em requerer diligências, no sentido de se encontrar
qualquer culpado pela morte daquele operário infeliz. Claro! – não era um
crime de repercussão. A vítima era um pobre coitado, miserável, trabalhador
nordestino, enquanto que os autores eram malfeitores e tinham as costas
quentes. Tal caso, mesmo que descoberto, não iria dar IBOPE.
442
Alexandra ficou feliz e se vangloriava disso. Luis, sua família e os
genros estavam agradecidos e tinham uma dívida de gratidão para com ela.
.-.-.-.-.-.8 de outubro de 1.985 - Menos de dois meses depois.
Um Oficial de Justiça da 8ª Vara da Família, por determinação judicial,
em pedido que fiz, na condição de Inventariante, intimou meu pai a me
entregar os bens deixados por minha mãe e também os documentos referentes
à meação dela nos bens imóveis. Meu pai havia combinado comigo para eu
fazer aquele pedido e assim ele teria uma justificativa legal para tirar da
posse de Alexandra os bens que pudessem ser alcançados, como as jóias de
minha mãe e outros objetos de valor. Alexandra recusou-se. Houve, segundo
meu pai me informaria, uma discussão entre ambos e meu pai foi agredido
por ela, com ameaças de que ela iria quebrar os ossos dele. Meu pai, então,
escreveu uma carta, endereçada para uma de suas irmãs, contando o que
havia sucedido, e pretendia entregar essa missiva a um inquilino de
confiança, de nome Albertino, quando o mesmo fosse, no dia seguinte, pagar
o aluguel de manhãzinha, como era seu costume, pois ambos ficavam
tomando cafezinho e batendo papo. Essa carta viria a ser uma prova
contundente contra Alexandra, daquilo que ela costumava fazer com meu
pai. No entanto essa carta não chegou às mãos da destinatária, isto é, nem
sequer foi entregue ao inquilino. Essa carta apareceria, mais tarde, dentro de
um dos livros de meu pai, em uma diligência feita por oficiais de Justiça da
30ª. Vara Cível, por determinação judicial, em Ação proposta por mim contra
Alexandra, para anulação de compra de um imóvel de minha propriedade, na
rua Taguá, no bairro de Liberdade.
E, no dia seguinte, de manhã, meu pai faleceu. Alexandra alegaria,
inicialmente, que meu pai fôra vítima de queda acidental, pois havia caído de
uma mureta no segundo andar do prédio até o solo do prédio vizinho (de
minha propriedade). Ela disse à Polícia que ele teria subido numa cadeira, para
alcançar a mureta, onde iria sentar-se, com as pernas para fora, para tomar sol.
Porém essas alegações não passavam de mentiras, pois ali naquele local,
o sol não bate pela manhã, só chegando por volta de meio dia (devido à
sombra do prédio ao lado) – e mais
- meu pai nunca poderia ter subido numa cadeira, nem de uma cadeira
para a mureta, porque ele usava muletas para se locomover (muito pouco),
443
não podendo muito menos subir ou descer um degrau de escada (razão pela
qual não podia ir até a caixa de Correio, na esquina, daí a intenção de pedir ao
inquilino que levasse a carta), por causa de uma queda no Metrô, com
quebramento de um fêmur (lembram-se do incidente em meu escritório, em
1984 ?) e de um segundo acidente, no banheiro de sua casa, poucos dias antes,
quando deixou escorregarem as muletas, com quebramento da bacia, com
agravamento de seus movimentos.
Alexandra alegava que o corpo, ao cair, caiu sobre três fios elétricos,
estendidos entre o prédio e uma edícula vizinha (nos fundos de meu prédio), a
uma altura de quase cinco metros do chão, rompendo-os. Era mais uma
mentira, porque, mais tarde, seria constatado que os fios haviam sido
cortados com alicate (e ainda lá estão...).
.-.-.-.-.-.No processo sobre o prédio da rua Taguá a anulação e retomada
demoraram cerca de dois anos e alguns meses. No dia 13 de agosto de 1987
(quando foi publicada a sentença favorável a mim) estava eu a limpar uma
valeta do ralo, na garagem, quando, de repente, surge do nada um tal de
Nycholas, irmão de Alexandra, com o qual eu nunca havia trocado uma
palavra sequer. Ao vê-lo se aproximando procurei ser amistoso e lhe
perguntei – e aí, Nicola, como é que é ? -. A resposta dele foi – como é que é é
isso aqui – e levantou a camisa, deixando entrever uma bainha de couro,
muito parecida com um coldre. Antes que ele sacasse o que portava eu subi a
rampa, correndo. Nesse exato instante ouvi um estampido e senti uma
pancada muito forte em minhas costas. Pensei – fui baleado -. E cheguei na
calçada gritando – cuidado, filho ! – para alertar meu filho que estava
engatando uma carreta de motos em meu carro, para viajarmos. Do meio da
rua pude ver, na sacada da área do apartamento onde Alexandra morava,
alguém que se escondia, afastada do parapeito. Era Alexandra, que segurava
um revolver, apontando para cima e fazendo movimentos, exibindo a arma, a
qual, por ironia, seria aquela de meu pai.
No entanto eu não fôra alvejado e sim atingido por uma faca. Meu
agressor Nycholas fugiu, levando consigo a arma branca que havia usado e
esgueirou-se entre os carros ali estacionados. Fomos até o Pronto Socorro,
onde fui atendido, e dali até a Delegacia (sempre o mesmo 5º Distrito Policial,
cuja circunscrição abrangia o local dos fatos)
444
Ao chegar perante a autoridade, um Delegao já me aguardava e nos
atendeu rispidamente. Ouviu mais ou menos minha narração e retrucou –será
que você não mandou seu filho enfiar uma faca em suas costas só para você se
defender? -. Eu perguntei, espantado – defender-me de quê, se sou a vítima? -.
E o Delegado afirmou – ‘já me telefonaram e disseram que você estava dando
tiros nos outros -. E pude perceber a presença de Nycholas ali na Delegacia.
Vendo que já estavam encenando de modo diverso o que realmente havia
acontecido, fiquei revoltado e saí, dizendo ao Delegado – faça como o senhor
quiser, já vi que o senhor foi comprado -. Ele gritou para mim – volte aqui!,
vou processá-lo !
Eu não lhe dei ouvidos e nunca fui processado por lhe haver dito aquelas
palavras. E fiquei com o ferimento e a cicatriz da facada em minhas costas...
13 de janeiro de 1988 - (20º aniversário de meu filho).
Dois Oficiais de Justiça cumpriam Mandado Judicial de Reintegração
na Posse do imóvel da rua Taguá. Eu aguardava na calçada, com dois
caminhões, para levar os móveis que guarneciam o apartamento (haviam
pertencido a minha mãe) que estavam na posse ilegal de Alexandra (onde
devia morar meu pai). Como esta relutasse em abrir a porta foi solicitado
pelos oficiais e expedido um Mandado de Arrombamento e Uso de Força. Foi
solicitado auxílio da Polícia Militar, que mandou uma guarnição tendo como
encarregado um Sargento. Devido à enorme obstação feita por Alexandra
esse Sargento pediu apoio e compareceu mais uma guarnição, comandada por
um oficial.
Com o arrombamento da porta os Oficiais de Justiça, acompanhados
pelos militares, passaram a arrolar todos os bens que ali se encontravam e
que estavam descritos nos Inventários de minha mãe e de meu pai, para
serem removidos dali para lugar seguro. Os bens de Alexandra, como roupas
e objetos de uso pessoal, foram colocados dentro de um lençol amarrado pelas
pontas e colocado no corredor do prédio ao lado, para que ela os recolhesse.
Tudo foi feito na presença não só dos policiais como de alguns moradores do
prédio e do próprio irmão de Alexandra.
De repente surge Alexandra, acompanhada de dois de seus
advogados, que quiseram impedir a ação judicial. Como não obtiveram êxito
dirigiram-se até a Delegacia (5º Distrito Policial) a cuja autoridade policial
Alexandra apresentou queixa alegando que seu domicílio fôra invadido
445
mediante arrombamento, e que fôra vítima de roubo de cheques, uma
quantia vultosa em dinheiro e jóias, incriminando a mim, a meu filho e
também alguns amigos dele. Quanto aos Oficiais representou
administrativamente.
Dias depois, na Delegacia, presente Alexandra, fui inquirido pelo
Delegado M. B. sobre as jóias. Reparei que Alexandra usava uns brincos de
brilhantes e platina (que haviam sido de minha mãe) e que ela havia
mencionado no Boletim de Ocorrência sobre os fatos. Reservadamente
chamei a atenção do Chefe dos Investigadores sobre a jóia e ele repassou ao
ouvido do Delegado. Este perguntou a Alexandra – e esses brincos que a
senhora está usando, não foram roubados? Ela respondeu que os havia
comprado depois dos fatos. O Delegado perguntou de quem ela os havia
comprado, por quanto, se o pagamento fôra em dinheiro, etc. Ela declinou
um nome de um homem, um endereço na rua Taguá e uma quantia, que teria
sido paga. Em cheque ou em dinheiro?, perguntou o Delegado. Alexandra
vacilava nas respostas. Em cheque, ela disse. O Delegado insistiu – se foi em
cheque, a senhora tem o canhoto? Alexandra retificou – não, senhor, foi em
dinheiro.
O Delegado percebeu que Alexandra mentia e determinou aos
Investigadores que fossem buscar tal homem. Ali, na presença dela, o homem
disse que ela apenas havia levado uma jóia para limpeza, que ele não vendia
jóias e nunca recebera quantia grande daquela senhora.
O Inquérito, obviamente, foi arquivado na Justiça (ufa ! graças a Deus,
não fui, mais uma vez, indiciado por algo que não havia cometido).
.-.-.-.-.-.-.-.
Em relação ao prédio da rua Pirapitinguí os advogados de Alexandra,
usando de meios até escusos, conseguiram protelar o desfecho por onze anos.
Mas a vitória veio, a Justiça anulou o documento e a propriedade acabou
voltando para o nome de meu pai, indo integrar o Espólio dos bens, que eu
também representava, no início da ação (e representaria, até o dia em que, na
prisão, seria obrigado a anuir que o cargo passasse para minha irmã, também
advogada. E a posse do prédio seria entregue ao Espólio, na pessoa de sua nova
Inventariante).
446
Alexandra foi condenada, nos dois processos, a pagar indenizações, para
mim e minha mulher e para o Espólio, porém nunca procurei receber. Ela
continuava nossa devedora...
Meu filho ingressou na Polícia Militar e, nos dias em que fazia
escolinha de recrutas na Polícia Militar, passou em casa, com um ofício
endereçado pelo Comandante de sua Unidade ao Comandante Geral. Meu
filho foi informado pelo sargento que lhe entregara tal documento, que ele
seria desligado, porque havia uma queixa contra ele, formulada junto ao
Comando Geral.
Como, na Polícia Militar, ao ser feita qualquer queixa contra seus
elementos, é praxe punir antes para depois averiguar, e, desconfiado de quem
teria dado tal queixa contra meu filho, levei alguns documentos e o
acompanhei até o Quartel General. Em lá chegando fui atendido por um
Major, que pegou uma pasta, dizendo ser um procedimento contra meu filho,
porque havia uma queixa de uma senhora, que dizia que o neto dela, soldado
da PM, acompanhado de alguns militares, teria invadido o apartamento dela
para roubarem móveis e objetos e que o neto batia nela para arranjar algum
dinheiro. Ela porém omitiu que eram os mesmos fatos do cumprimento de
ordem judicial e de que o inquérito havia sido arquivado. Com os
documentos em mãos e minha argumentação, meu filho não foi desligado
(fiquei sabendo, mais tarde, que Alexandra teria sido orientada e assistida
por seus advogados – um deles (Fransrui Antonio Sakvetti) trabalhava na
Caixa Beneficente da Polícia Militar, cujo cunhado era Coordenador Jurídico, e
outro (José Gaia Neto), que se dizia parente de um Coronel daquela milícia)
.-.-.-.Meu filho deixou – espontaneamente - a Polícia Militar, para ingressar
na Academia de Polícia, concluiu o curso e foi nomeado Investigador de
Polícia.
Certo dia ele foi até uma farmácia, nas proximidades de nossa casa e
ali esqueceu sua carteira funcional, de Investigador de Polícia, com algum
dinheiro, documentos de sua moto e outros. Como Alexandra freqüentava a
mesma farmácia e, em lá comparecendo, como fazia habitualmente, foi
perguntada a respeito dos documentos. Dizendo que eram de seu neto ela se
comprometeu a levá-los para o mesmo, porém não o fez. Meu filho retornou
até a farmácia e ficou sabendo que sua avó Alexandra os havia levado, sob
447
aquele argumento. Como Alexandra não era sua avó e não havia
entendimento entre ambos, ele procurou a Delegacia (5º Distrito Policial) onde
pediu a cooperação da autoridade, que mandou intimar Alexandra a
comparecer ao Distrito, a fim de entregar os documentos ou dar explicações
porque ela não o fazia. Alexandra atendeu a intimação e teve o descaramento
de apresentar uma desculpa inverossímil e esfarrapada, ao dizer que havia
deixado a carteira com os documentos na soleira da porta da rua do prédio
onde meu filho morava (inverossímil e infantil tal versão...). Os documentos
jamais retornaram às mãos dele (até seriam utilizados, mais tarde, talvez por
ela, para prejudica-lo, como veremos adiante). O Delegado mandou que se
elaborasse um Boletim de Ocorrência, no qual constava que Alexandra era
indiciada pelo crime de Apropriação Indébita de documentos, com a
assinatura dela, abaixo de sua alegação. Mesmo assim nada mais foi feito.
.-.-.-.-.-.
MAIS UM CRIME PRATICADO POR ALEXANDRA
O relatório no Inquérito que “apurava” a morte de meu pai transformou
o fato de Queda Acidental em Suicídio por Induzimento. Em razão disso
Alexandra foi denunciada pelo Promotor Público do 1º Tribunal do Júri de
São Paulo. E mais uma vez ela foi beneficiada – NÃO foi pedida sua Prisão
Preventiva - ela bem o merecia, pois, afinal, era uma pessoa perigosa,
demonstrado pelos fatos e por seus antecedentes (outros, por menos, ficam
meses e até anos, à espera de julgamento, para depois serem absolvidos – e
esse tempo ficam presos “de graça”). Eu e mais sete pessoas fomos arrolados
como testemunhas de acusação. Quando fui para ser ouvido levei aquela
carta que meu pai havia deixado, tendo a mesma sido juntada aos autos.
O advogado de Alexandra impugnou o documento e a assinatura de
meu pai, mas o Instituto de Criminalística (Polícia Científica) confirmou que
o documento era autêntico. Tudo estava caminhando para novos rumos, no
processo, para alteração na Denúncia, de mero Induzimento para Homicídio
doloso. No entanto as testemunhas de acusação foram desaparecendo uma
após outra, por morte ou desaparecimento. Só estava restando meu nome
naquele rol do Promotor...
448
COMEÇA A CONSPIRAÇÃO CONTRA MIM
Alexandra e seus advogados precisavam me alijar de suas vidas, do
processo... Por um lado era o interesse financeiro - impedir que eu, como
Inventariante, tomasse posse do prédio do Espólio de meu pai, pelo que eu
lutava e que estava na iminência de acontecer, por meio de Mandado Judicial,
pois eu já havia vencido a demanda, mesmo nas instâncias superiores. Com
meu afastamento Alexandra continuaria recebendo os alugueres dos trinta e
três apartamentos e do salão comercial e continuaria pagando bem a seus
advogados, e por outro lado algo precisava ser feito para que eu NÃO
comparecesse em Plenário, para testemunhar contra ela.
Para Alexandra alcançar seus objetivos várias tentativas foram feitas
contra minha vida a tiros :1 - nos fundos do prédio da rua São Joaquim, na época em que eu lá
morava. Esse ato teria sido praticado por elementos
mais tarde
identificados e que estavam se utilizando de um carro em nome daquele tal
de Ari;
2 - no corredor do prédio da rua Taguá, cujos portas dos medidores de
consumo de luz foram atingidas e ainda lá se encontram os vestígios;
3 - junto à porta de meu apartamento, nesse mesmo prédio, para onde
eu me mudara. O tiro acertou a parede;
4 quase tentativa, no corredor desse prédio (dois elementos se
apresentaram, pedindo para ver apartamentos que eu colocava em locação.
Quando subíamos as escadas percebi que falavam espanhol. Perguntei se eram
argentinos. ”Não, chilenos”, foi a resposta. Como notei que um deles escondia
uma arma e eu já estava prevenido por Vera, irmã de Alexandra, de que esta
havia “contratado dois chilenos”, amigos do genro de Vera, atirei-me sobre ele,
de compleição mais franzina e o desarmei. O outro tentou me segurar, mas me
desvencilhei facilmente. Desarmados, sairam em desabalada carreira. A arma,
um Smith&Wesson, especial, cano curto, calibre “38, cinco tiros, ficou em meu
poder e passou a ser utilizada pelo Segurança de meu restaurante, ficando na
gaveta do Caixa. Essa arma iria ser apreendida anos depois, por policiais do 5º
D.P., sem Mandado de Buscas ou de Apreensão).
449
- a paulada - três japoneses, certo dia, um deles portando um bastão de madeira, de
forma triangular, me atacaram na entrada de meu apartamento, quando eu
descia as escada. Entrei em luta corporal e estava levando a melhor, quando
caí alguns degraus abaixo, momento em que foi desferido violento golpe, de
cima para baixo, visando minha cabeça. Prontamente juntei os punhos,
formando uma cruzeta, para interceptar o bastão ou abrandar a pancada.
Devido à má posição em que me encontrava o bastão atingiu o dedo indicador
de minha mão esquerda, esfacelando a falanginha e a falangeta. Na hora nada
senti, por isso revidei o golpe, com um chute duplo (ambos os pés) de baixo
para cima e acertei o abdome de meu agressor, certamente causando-lhe
grande dano, o que motivou sua fuga e a de seus comparsas. Como era certo
de que nada adiantaria apresentar queixa, dei por encerrado o incidente. Só
que, dias depois, foi necessária uma intervenção cirúrgica em meu dedo, para
colocação de uma prótese, em substituição aos fragmentos dos ossos (a conta
da cirurgia foi paga pela Caixa de Assistência dos Advogados). Por meio de
comentários fiquei sabendo que o japonês do bastão era amigo do irmão de
Alexandra... E, por acaso, quando eu jantava com minha mulher em um
restaurante oriental, na rua da Glória, deparei com aquele mesmo japonês,
trabalhando na cozinha. Ignorei sua presença e evitei qualquer contato.
Nunca mais o vi.
- a facada - praticada pelo irmão de Alexandra, na garagem de meu prédio, como
já contei -.
Num daqueles casos em que fui vítima de agressão a tiro (na porta de
meu apartamento) o Inquérito não prosperava e nada se descobria (no mesmo
5º D.P. de sempre). Consegui que as peças fossem remetidas para a D.H.P.P.
(Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa), cujo Delegado mandou
degravar (ouvir e passar para texto escrito) uma fita magnética, apreendida na
secretária eletrônica de Alexandra. Chamada pelo Delegado Alexandra ouviu
450
a fita gravada e assinou o texto, confirmando que era sua a voz que se ouvia,
em conversa entre ela e o tal de Ari. Nítida e clara, ouviu-se que ambos
concertavam uma trama contra mim... Alexandra orientava Ari – primeiro
você vai à Polícia e faz a queixa, depois você... -. Com isso ela queria dizer que,
antes de qualquer fato acontecer, ou mesmo que não acontecesse, Ari deveria
comparecer perante um Delegado e apresentar queixa por um fato não
acontecido, para efeito de registro, e, depois sim, como se tivesse acontecido,
tomar uma atitude contra mim, em represália, ou em legítima defesa,
adredemente armada (era muita ardilosidade, muita malícia, muita maldade)...
Se tivéssemos que comparecer perante a autoridade policial, esta já
estaria de sobre-aviso em relação a mim. Eram dois estelionatários, usando
suas férteis mentes criminosas para conspirarem contra mim, para me
envolverem em fato do qual eu nem sequer tomara conhecimento ou do qual
nem sequer participara...
JOSEFINA – Uma testemunha que nunca iria comparecer...
Uma daquelas duas moças que me procuraram para me informarem
sobre as circunstâncias da morte de meu pai, a qual também havia sido
arrolada como testemunha de acusação contra Alexandra, acabou falecendo
de “morte não esclarecida”. Era outra a menos contra Alexandra...
.-.-.-.-.-.-.-.-.-.
No entanto Alexandra e seus advogados não conseguiam me afastar,
apesar de todos esses ataques contra mim. Precisavam mais ainda –
conspurcar meu nome, minha moral, minha honra. Assim, caso eu tivesse que
comparecer em plenário, seus defensores teriam argumentos suficientes e
convincentes para derrubarem qualquer depoimento que eu prestasse contra
ela. Foi então que Alexandra pediu ao Delegado do 5º D.P. a instauração de
Inquérito contra mim, alegando que estava sendo ameaçada de morte e
juntou um bilhete manuscrito em letras de forma, que tinha sido entregue a
ela por sua própria irmã. Neguei, alegando que ignorava o bilhete e seu
conteúdo e tudo que fosse relativo a tal ameaça. Cheguei a dizer ao Delegado,
verbalmente e por escrito - não tenho o menor interesse em ver Alexandra
morta. Quero, isto sim, que ela viva, para eu poder reaver os bens móveis e
451
imóveis e receber as indenizações que ela me deve -. Eu disse mais - se
Alexandra morrer irá ser mais dificultoso alcançar aqueles meus objetivos, pois
certamente será aberta sucessão e os irmãos dela irão criar obstáculos para que
entre na posse etc. -. A morte de Alexandra nunca me interessou e em nada
me beneficiaria. Por Graça de Deus, que iluminou a cabeça do Promotor que
recebeu o Inquérito, foi requerido exame pericial do bilhete (não pedido pelo
Delegado), para comparação com minha caligrafia, tendo o laudo negado
qualquer participação de minha parte (no entanto a letra do bilhete é
incrivelmente semelhante à letra da própria Alexandra, apesar das tentativas de
disfarçá-la). O Promotor, por verificar a inexistência de qualquer fato
delituoso de minha parte, pediu o arquivamento do Inquérito, ressaltando,
em sua manifestação, com muita clareza, que, na verdade, estava ocorrendo
um crime, porém não de ameaça, mas sim de denunciação caluniosa,
praticado por Alexandra, sendo eu a vítima. Caberia a mim, segundo ele,
tomar as providências para os necessários procedimentos contra ela, para
pedir a inversão da queixa e então Alexandra seria denunciada. Porém mais
uma vez deixei p’ra lá. Eu não tinha intenções outras que não fossem retomar
meus bens, pelos meios legais, e só !
Apesar de ter havido o arquivamento, Alexandra, mais uma vez,
marcou um ponto – toda vez que se pedisse minha ficha, no Distribuidor
Criminal, meu nome lá estaria, constando “Crime de ameaça – vítima
Alexandra”. Tal documento, ou certidão, iria servir para os advogados dela
pedirem minha contradita, no julgamento dela no Tribunal do Júri.
Porém o Promotor do processo de Alexandra foi alertado e se
preveniu com uma certidão que eu lhe forneci, informando o arquivamento.
Alexandra tinha certeza que eu seria ouvido em plenário e ela seria
condenada por crime mais grave – o homicídio de meu pai...
DAÍ ... MAIS UMA GUERRA DE ALEXANDRA
Agora Alexandra e seus “soldados” contra mim. Precisavam de novas
provas de defesa, para contrariar qualquer coisa eu fosse dizer contra ela. E
indicaram como “testemunha do suicídio de meu pai” um elemento da Polícia
Militar, de prenome Percí, e a amante deste, de nome Maria Marta, que se
dizia enfermeira e “colega” de Alexandra. Esse casal nutria forte sentimento
452
contra mim, porque eu os havia despejado de um apartamento de minha
propriedade, com retomada judicial, que Alexandra lhes havia alugado,
recebendo alugueres (um daqueles...). Esse despejo caiu do céu como a
oportunidade que Alexandra estava esperando. Ela acolheu a despejada e o
amante, cedendo-lhes gratuitamente um apartamento no prédio onde ela
morava (em litígio, pela ação que eu propusera em nome do Espólio de meu
pai). Era óbvio que essas “testemunhas” arranjadas por Alexandra eram
“compradas”, porque também eram muito amigos e freqüentadores da casa
de Alexandra, e iriam prestar falsos testemunhos, para confirmarem aquela
tese de suicídio, cuja pena, pelo crime de induzimento, era bem menor que a
de homicídio doloso, qualificado ainda pelo fato de ter sido praticado contra
cônjuge e contra idoso, incapaz de se defender (que, na verdade, ocorrera e que
meu depoimento iria demonstrar aos jurados).
E não deu outra – Percí
disse que vira meu pai sentar-se na mureta do segundo andar (não existe
mureta nesse andar) com as pernas balançando para fora, para o espaço. Ora,
ora ! se realmente ele tivesse visto tal cena, e em sendo policial, deveria ter
agido como tal, impedindo o prosseguimento, o que, certamente, não fez...
Marta, como boa amiga de Alexandra, corroborou a versão de seu
amante. Porém - se fosse verdade a versão deles, Alexandra estaria mentindo
(ela disse que meu pai se colocara em pé, na mureta). Ou ela mentia ou o casal
mentia. Ou os três mentiam... (esse policial teria sido o autor do disparo na
porta de meu apartamento, conforme eu iria declarar em Juízo)
.-.-.-.-.Alexandra estava sendo processada pelo crime de ESTELIONATO
praticado contra minha sobrinha e o marido desta, e seria condenada à pena
de reclusão, com o benefício do “sursis” (suspensão do cumprimento da pena)
pelo prazo de dois anos (muito embora já tivesse sido condenada anteriormente,
pelo crime de agressão a machadinha, que havia praticado contra uma moça
grávida e ainda estivesse respondendo a Inquéritos Policiais e Processos
Criminais).
A sentença condenatória de Alexandra foi proferida no dia
30 de janeiro de 1.992 (marquem esta data)
.-.-.-.-.-.-.453
Alexandra tinha como principal objetivo, verdadeira obsessão,
prejudicar-me e desmoralizar-me, não só para enfraquecer aquela acusação
contra ela, no processo da morte de meu pai, como especialmente por
vingança, retaliação, pelo que eu lhe fazia – defender meus direitos e os de
minha família -.Para tanto ela e seus advogados estavam servindo-se de
planos mirabolantes, próprios de cinema ou novela, ou seja – tão logo
acontecesse algum fato criminoso nas imediações, fosse uma briga, um
atropelamento, ou qualquer coisa que demandasse a presença policial, as
pessoas de confiança dela, de sua corja, os marginais, ladrões e traficantes,
moradores ou freqüentadores daquele “cortiço” da rua Taguá, nº 330, em sua
maioria amigos de Nyckolas, irmão dela, deveriam de imediato comunicar a ela,
a fim de que ela entrasse em contato com seus advogados, para receberem
instruções de como deveriam proceder e o que deveriam dizer, para envolverem
e incriminarem a mim e a meu filho.
Depois de tantos Inquéritos Policiais, nos quais Alexandra tudo fazia
para envolver a mim e a meu filho, como indiciados, mais um fato criminoso
aconteceu. Eu era a vítima, porém, por influência de Alexandra, os fatos
foram invertidos e passei a ser réu. No dia 26 de abril de 1.991 eu retornava
do Mercado Municipal, onde fora comprar suprimentos para meu
restaurante. Eu estava acompanhado de um rapaz, policial civil, amigo nosso
e filho de um Delegado. Quando passávamos defronte ao nosso prédio da rua
São Joaquim (“Condomínio Almeida Pereira”), percebemos que dois rapazes,
com um molho de chaves, tentavam abrir o cadeado de um portão usado
única e exclusivamente por mim, que dava acesso privativo, por uma rampa,
às unidades residenciais de minha propriedade e ao terreno dos fundos, meu
e de minha irmã. Esse terreno era usado como estacionamento dos carros de
nossa família, tendo vários deles, várias vezes, sido danificados, com
quebramento de vidros, para furtos de valores e objetos, praticados,
inclusive, por um viciado em drogas e que acabou morrendo de aids, filho
daquele Nelson Ferrari. Foi nesse mesmo terreno que fui vítima daquela
agressão a tiros, daí o uso de cadeado. Parei o carro e me dirigi a um soldado
que fazia o policiamento escolar, defronte ao Colégio Campos Sales, enquanto
o policial civil foi até os rapazes, segurando um deles pelo braço, mais
454
precisamente aquele que estava com as chaves. O PM chegou rápido e
segurou o outro. Nesse instante chegou um rapaz nisei (partícipe daquela
agressão com o bastão, da qual resultou o aleijão em minha mão esquerda).Esse
novo personagem dos fatos, indiferente à presença do policial fardado – e
impune daquela agressão anterior – entrou em cena de inopino e se atirou
sobre mim, desferindo socos e ponta-pés, o que levou o Policial Militar a
soltar o rapaz que segurava, para agarrar o nisei, meu agressor. Com
algumas explicações e por estar atrasado para a entrega das compras, não fiz
questão de comparecer ao Distrito Policial, dizendo que, se possível e
necessário, eu iria após o almoço, por isso dispersamos. No entanto os três
rapazes foram até algum lugar e, algum tempo depois foram até o Distrito
Policial. O Delegado notou que nenhum deles apresentava qualquer sinal de
lesão e entendeu que eles não tinham sido vítimas de qualquer crime,
dispensando-os. Porém alguém ... os orientou a procurarem a Corregedoria
da Polícia Civil e darem parte do Delegado, pela recusa de atendimento.
De posse de um memorando daquela Corregedoria os três voltaram à
Delegacia e, com tal documento, conseguiram a elaboração de um Boletim
de Ocorrência no qual figurariam como vítimas de agressão. E quem seria o
indiciado ? Ora, é fácil saber. Eu mesmo. O Delegado, pressionado, atendeu
os três e, para salvaguarda de meus direitos, mandou me chamar, a fim de
elaborar um outro Boletim, no qual eu deveria figurar, porém como vítima.
Esse Boletim iria ser elaborado, em seguida àquele que os rapazes tinham
exigido. Os rapazes receberam guias de encaminhamento para exames de
Corpo de Delito, porém não foram até o I.M.L No Inquérito instaurado –
averiguação de invasão de propriedade, tentativa de furto qualificado,
agressão...- mesmo não tendo tido eu qualquer participação ativa, não tendo
havido qualquer lesão em nenhum dos três e mesmo com a declaração ao
Delegado, feita verbalmente e por escrito pelo nisei, de que ele havia
desferido socos e ponta-pés em mim, que era vítima naqueles fatos, o
Delegado M.G.M. (guardem este nome) que presidia o Inquérito, resolveu
indiciar a mim. E ouviu o policial militar cujo nome figurava na escala de
serviço, naquele dia 26, o qual me acusou, descrevendo tudo como se eu
tivesse praticado agressão. Porém aquele policial militar MENTIU, porque
não era ele quem havia participado daqueles fatos e sim um outro, seu
colega, que o substituíra, em troca de serviço não autorizada. Para impedir
455
que essa troca chegasse ao conhecimento de seus superiores, o soldado que
realmente estava escalado e que faltou ao serviço, quando intimado, por
ofício, compareceu na Delegacia em lugar do outro, que participara dos
acontecimentos – e prestou falso testemunho – o que ensejou a elaboração de
pesado relatório policial, e acabei sendo citado para responder a processo
pelo crime de agressão.
Em Juízo, porém, aquele soldado, que verdadeiramente sabia dos fatos e
deles participara, foi ouvido e esclareceu tudo, confirmando minha versão, o
que, aliado à falta de lesões (muito embora um dos rapazes tivesse ido ao
I.M.L., mais de vinte dias depois, apresentando hematoma no braço direito, o
qual, segundo o laudo, fora produzido dois ou três dias antes do exame)
ensejou minha absolvição.
Porém
restava o que mais interessava a Alexandra (mentora de toda a trama) – o
registro em minha ficha criminal, na qual era acrescentada mais uma
agressão...
.-.-.-.-.
No dia 1º de maio de 1.991 um dos três “genros” de Loide e Luis,
apelidado de “Fia” e que usava vários nomes, foi preso em Flagrante por
Policiais Militares, pelo crime de tráfico de drogas e levado ao 5º Distrito
Policial, onde foi indiciado pelo crime de uso de drogas, mais brando...
No dia seguinte estava eu conversando com o Del. B., Assistente do
Titular, atendendo a mais uma intimação (sempre problemas com
Alexandra), quando reparei, no outro lado da calçada, aparentando certo
nervosismo, a “amante” de “Fia”. Sem qualquer intenção, fiz um
comentário sobre a ligação da moça com o traficante e adiantei que alguns
membros daquela família eram assassinos e também outros eram ladrões e
traficantes, conforme eu já sabia (a morte de José Ibiapina...) e também
porque fiquei sabendo por meio de policiais que freqüentavam meu
restaurante. O Delegado mandou o Chefe dos Investigadores trazer a moca
à sua presença. Estava eu de saída, quando os dois entraram na sala do
Delegado. Algum tempo depois fiquei sabendo que a moça ficara retida por
algumas horas, até a noite, quando foi liberada. Essa retenção foi atribuída
a mim, o que gerou uma onda de ódio e de revolta dos pais dela e dos outros
membros da família - genros e colegas – contra mim e, por extensão, contra
456
“meu filho”, contra meu afilhado, ambos policiais e até contra meus
familiares. Com isso Alexandra marcava pontos, favorecendo sua sanha
contra mim e “meu filho”...
.-.-.-.-.-.-.
Certa noite estava eu saindo com minha mulher, quando, ao pisar na
calçada, percebi que havia um auto verde tipo Chevete, com quatro ou cinco
elementos em seu interior, estacionado quase na entrada de minha garagem.
Chamou minha atenção o fato de que, tão logo saí do prédio, dois deles
saíram do carro, um de cada lado, e se posicionaram abaixados, atrás das
portas. Desconfiei daquelas atitudes e barrei minha mulher com o corpo e
voltei para dentro do prédio. “Que foi? “, perguntou ela, assustada.
Expliquei rapidamente. Em pé, na porta, limitei-me a observar, porém o fiz
com um gesto de quem ia sacar uma arma. Dois rapazes saíram correndo
em direção ao “cortiço” próximo (onde morava Loide). O carro saiu em
disparada e o que estava sentado no banco dianteiro abaixou-se. Pude ver
claramente e anotei as placas, que mais tarde levaria ao conhecimento do
Delegado do 5º D.P. Tirei meu carro da garagem e deixámos o prédio. Após
um levantamento feito pela polícia foi constatado que as placas teriam sido
furtadas, pois seriam de um Passat cor cinza.
Na noite seguinte minha filha ligou, dizendo que o marido fora para o
litoral e que ela estava pretendendo jantar em nossa casa e pernoitar com
suas filhas. Porém, disse, não estava podendo deixar sua casa, pois estava
com receio, uma vez que um Chevete verde, com alguns elementos mal
encarados, estava lhe bloqueando a saída. Orientei-a para que chamasse a
Polícia e anotasse as placas, se possível. Já o fiz, disse ela. E me ditou as
placas, que coincidiam exatamente com aquelas do carro do incidente, na
noite anterior. Porém o carro saiu do local antes que chegasse qualquer
viatura policial até sua casa. E minha filha e minhas netinhas não puderam
deixar a casa. Fui até lá, com minha mulher e lá passámos a noite.
Tais fatos também foram levados ao conhecimento do Delegado do 5º
D.P., a quem eu já havia passado as primeiras informações, e ao Delegado
do 34º D.P., em cuja circunscrição estava localizada a casa de minha filha.
457
.-.-.-.-.-.
No feriado de 25 de janeiro estava eu na calçada, com minhas
netinhas, aguardando minha mulher e minha filha, para sairmos, quando
aproximou-se “Bronco”, aquele “genro” de Luis (daquele caso do homicídio
do José Ibiapina). Assim que ele chegou mais perto ele perguntou – “doutor,
são suas netinhas ?” Meio contrariado respondi – “sim, por quê ? “ . Ele fez
um comentário - “Nada, não, é que elas são muito bonitinhas...” . Para
encerrar o assunto e demonstrar que eu não estava aborrecido, nem
pretendia criar caso, falei – “obrigado, seu filhinho também é muito bonito”.
E eu disse com muita ênfase, porque de fato o menino lembrava muito
aquele filho meu, que morreu atropelado. Então “Bronco” ficou passado e
perguntou, em tom brusco – “o senhor ‘tá ameaçando meu filho ?”. “É claro
que não”, respondi. E continuei, também com uma pergunta – “por quê,
você ‘tá ameaçando minhas netas?”.. Ele disse que não e encerrei o assunto,
dizendo – “então estamos empatados”. Minha mulher chegou nesse ponto de
nossa conversa e estranhando a presença daquele tipo e do tom de minha
voz, perguntou o que estava acontecendo. Nada, nada, entra no carro, disse
eu a ela, ao mesmo tempo em que abria a porta da garagem para ela, minha
filha e as crianças.
.-.-.-.-.-.-.
Alexandra estava mais fortalecida, com a adesão, não mais
comprada, mas agora natural, de Loide, de Luis, de seus filhos e filhas, dos
“genros” e dos demais marginais, amigos daquela família, dentre os quais o
dono da banca de jornais da esquina (onde os escolares e estudantes
compravam as drogas dos traficantes), sendo que um dos sócios dessa banca
era amante de Geralda Dutra Mantone. Esta, como ex-cozinheira de meu
restaurante, também nutria antipatia por nós, porque fora despedida no
começo de janeiro de 1.992 (logo após nosso retorno de Buenos Aires, onde
havíamos ido passar o Ano Novo) porque não quis reassumir suas funções,
após nosso retorno, e porque sua filha também era freqüentadora daquele
“cortiço”.
Geralda e Loide eram muito amigas (Geralda diria, mais tarde, na
Corregedoria da Polícia Militar, em Inquérito instaurado para averiguar a
eventual participação de meu afilhado, que eu já havia praticado nada menos
458
que dezessete homicídios !!!...). Por ser uma afirmação leviana e absurda, o
Promotor nada mencionou. Loide tornou-se mais íntima de Alexandra, não
mais como faxineira, mas como “amiga”. Loide apresentou Geralda a
Alexandra. Agora em três, o ódio de Alexandra contra mim estava mais
fortalecido. Alexandra, pela situação econômica, liderava o grupo. E, por
causa de sua formação moral e de seus antecedentes e por tudo que ela
estava fazendo e iria fazer, sinto-me no direito de lhe atribuir um cognome,
gerador da primeira parte deste livro –
A
FERA DA LIBERDADE.
Segunda parte - D O I S P E S O S D U A S M E D I D A S
Terceira parte - A S V Í T I M A S D O S I S T E M A
Estas partes são continuação da primeira, estando as três interligadas pelos
fatos e seus participantes.
Alexandra e seus “amigos”, incluindo seus advogados, tinham um
inimigo em comum – eu, Florivaldo.
30 de janeiro de 1.992 –
(dia em que foi prolatada a sentença
condenatória de Alexandra, pela prática do crime de estelionato, em que as
vítimas eram minha sobrinha e seu marido).
Nesse mesmo dia, por volta das 17,00 hs. minha mulher recebeu um
telefonema de sua irmã mais velha, avisando que sua mãe, então com oitenta
e quatro anos, estava passando mal, acometida por uma isquemia cerebral.
Fechámos o restaurante, às pressas e, com nossa roupa de trabalho (ela com
vestido branco e avental cor-de-rosa, eu de branco total - calça, camisa e
sapatos brancos), nos dirigimos até a casa de minha sogra. Passámos pela
banca de jornais da esquina, onde troquei um cheque, pois poderia haver
necessidade de alguma pequena despesa. Chegámos ao prédio e subimos até
o apartamento da moribunda. Eram mais ou menos dezoito horas. A
velhinha estava sendo atendida por médicos que mantinham consultórios no
mesmo prédio, chamados às pressas e que nos disseram que a paciente
poderia agüentar mais uns tempos.
Deixei aquele dinheiro com minha
459
mulher e fui até o escritório de nosso Contador, acertar contas e detalhes
comerciais, cujo escritório fechava às 19,00. Permaneci algum tempo, passei
num Posto da av. Ricardo Jafet, para abastecer meu carro. Como estava
sem dinheiro, paguei com cheque. Dali fui diretamente para a casa de minha
sogra, na av. Radial Leste, no bairro do Brás, onde cheguei quando estava
passando o programa Jornal Nacional, da rede Globo. Depois de algum
tempo e por estar a velhinha passando melhor, saímos para casa. Ao
chegarmos defronte ao nosso prédio minha mulher, antes de entrarmos, me
alertou que não havia guardado comida (o que sobrava na cozinha era levado
pelos funcionários, pois fazíamos novos e variados pratos, diariamente).
Perguntei-lhe se estava disposta a ir a um restaurante chinês, apesar de ser
quinta-feira (costumávamos comer comida oriental às sextas feiras). Fomos
até o tradicional Banri, pertencente a conhecidos nossos, onde poderíamos,
inclusive, pagar com vales-refeições. Chegámos por volta de 21,00 hs. . Para
os chineses é costume servirem o primeiro prato e, depois de uma longa
espera, o segundo, bem distante do primeiro. Porém naquela noite, devido a
uma festa de confraternização mensal que pessoas de uma firma realizavam
sempre no dia 30, a demora foi excessiva. Enquanto aguardávamos
aproveitei para conversar com o proprietário, sobre fornecedores e preços.
Cansados e com fome, porém sem vontade de comer, devido à situação que
estávamos acabando de passar, suspendemos o segundo prato, porém o
garçom já o estava colocando e nos servimos, apenas beliscando um pouco.
Nem sequer pedimos sobremesa, da qual tanto gostávamos, em especial da
que serviam ali. Deixámos o restaurante às 22,00 hs. e passei por uma casa
especializada em artigos orientais, onde comprei algumas bolachas e doces,
como era meu hábito. Em seguida fomos até a padaria Orquídea, em nosso
caminho, que era o único lugar onde se podia comprar leite” do tipo “A”.
Quando passámos pela esquina da rua São Joaquim com a rua Taguá meu
filho e meu afilhado estavam na porta de uma casa de Pão de Queijo, com
mais alguns amigos. Ambos nos viram quando passámos e vieram correndo
(pois chovia muito) pela calçada oposta ao “cortiço” (como eu lhes
recomendava, pois ali se reuniam muitos marginais, traficantes, ladrões,
alguns até muito perigosos, que já haviam praticado assassinatos, em brigas
entre si, e que, por não gostarem de policiais, poderiam lhes criar problemas).
E, apesar da chuva, alguns desses marginais ali estavam, abrigados sob um
460
toldo de um mercadinho, distante apenas quinze metros de meu prédio.
Encostei meu carro na calçada, sob o toldo de nosso prédio, para que minha
mulher pudesse descer e em seguida manobrei para entrar na garagem,
enquanto ela me aguardava na porta. Estava colocando o carro de frente
para o portão de ferro quando os dois rapazes chegaram. Eu estava do lado
de fora, abrindo o portão. Meu filho pediu dinheiro para comerem na
Padaria Orquídea. Dei-lhe alguns tíquetes. Pediu-me o carro emprestado e
entrou pelo lado esquerdo, abrindo a porta do lado direito, para que meu
afilhado pudesse entrar. Mandei que meu filho passasse para o banco de
trás, enquanto eu entrava novamente no carro (a chuva era muito forte), a
fim de levá-los, pois eu precisava do carro na madrugada seguinte (seria dia
de peixe e eu teria que fazer feira para o restaurante) e certamente eles o
levariam para sua casa e m’o devolveriam somente já dia claro, o que me
causaria dificuldades. Era a primeira vez em minha vida que eu estava
recusando alguma coisa para meu filho. Ele estranhou meu comportamento
e resmungou, mas acedeu e permaneceu no carro. Ora, como eu ia levá-los
preferiram optar pela casa de Esfiha Catedral, no Paraíso, que tem as
melhores esfihas de São Paulo, melhor que uma simples Padaria. Seguimos
pela rua Taguá, virámos na esquina da rua Siqueira Campos, subimos a rua
Tamandaré, cuja continuação muda para rua Apeninos, em seu final atinge
uma rua de nome Dr.Edgar de Souza Aranha, na qual virámos à direita,
atingindo a rua Domingos de Moraes, com mão obrigatória também para a
direita e parámos do lado oposto à Confeitaria Catedral. Por causa da chuva
e da dificuldade em estacionar parei em mão dupla, defronte a Casa de
Esfihas Chic. Como eu já havia comido alguma coisa meu afilhado desceu e
entrou para comprar para viagem. Meu filho ficou arrumando o espelho
retrovisor lateral direito, para que ele pudesse voltar dirigindo, uma vez que
ele não gostava que eu dirigisse à noite. Como estava demorando e eu não
queria continuar com o carro parado lá,fui até a porta verificar a razão da
demora. Enquanto aguardava eu fiquei junto à entrada, para me esconder
da chuva. Um fato me chamou a atenção – o rapaz que fazia a segurança
daquela firma estava vestindo uma blusa certamente alheia, pois era muito
pequena, bem menor que a de seu tamanho. Eu fiz um comentário – você vai
acabar rasgando essa blusa ! -. Ele respondeu que a blusa, por ser de lã,
esticaria, mas voltaria ao normal. E disse que não era dele e sim emprestada
461
de um colega, a quem estava substituindo. Continuei a conversa e perguntei
se ele “puxava ferro” (expressão usada por aqueles que praticam musculação
). Antes sim, mas agora parei, disse o rapaz. Chamei meu filho – olha aí,
filho, ele puxa ferro. Minha intenção era convencer meu filho a praticar
exercícios (ele pesava menos de sessenta quilos e era pálido feito vela, porque
não se alimentava direito, só comendo guloseimas e lanches). Ele não gostou
do assunto, ficou sem jeito e desconversou. Disse que estava satisfeito com o
corpo que tinha e comentou – as meninas gostam assim e é isso que importa . O rapaz olhou para meu filho e disse – precisa fazer menos ...ao mesmo
tempo em que fazia um gesto característico com a mão (masturbação). Meu
filho riu e saiu dizendo qualquer coisa, voltando para o carro, sentando-se
ao volante. Meu afilhado continuava demorando. O rapaz, segurança da
firma, disse-me – entra lá -. Mas eu estava com meus cabelos molhados
(eram longos, para acompanharem minha grande barba) e me desculpei,
apontando para uma placa que dizia – sorria, você está sendo filmado -. O
rapaz disse que era só para espantar os ladrões, que pensariam estar
realmente sendo filmados, em caso de algum assalto, que não havia
nenhuma câmera. Meu afilhado voltou com um pacote na mão, após cerca
de quinze minutos. Voltámos para a rua Taguá, com meu filho ao volante.
Eu me sentei no banco de trás, porque não gosto de viajar no banco
dianteiro, como passageiro, principalmente à noite. Meu afilhado abriu o
pacote e foram comendo algumas esfihas. Descemos a rua Vergueiro,
virando na rua Siqueira Campos. Meu filho explicou que não iria parar na
rua Taguá, por causa da chuva, e seguiu até a rua Tamandaré, virando em
direção à rua Galvão Bueno, para alcançarem a rua São Joaquim, onde
moravam. Dalí eu voltaria para a rua Taguá, em direção a minha casa.
Porém em chegando na rua Galvão Bueno, quase esquina com a rua São
Joaquim, os dois viram uma viatura da Polícia Militar estacionada nesse
ponto, tendo em seu interior soldados seus conhecidos, com os quais
quiseram conversar. E creio que era interesse mútuo, porque os policiais
reconheceram o carro (por sinal muito conhecido de quase todos no bairro) e
acionaram a sirene, com um leve toque, chamando a atenção de meu filho e
de meu afilhado. Ambos saltaram do carro, indo em direção à viatura.
Eram aproximadamente 23,30hs. Assumi o volante, virei a esquina da rua
São Joaquim e fui para casa, a duas quadras. Quando eu estava defronte ao
462
portão percebi que se aproximou um menino, cujo nome eu ignorava, mas
sabia ser de alguma família do “cortiço”, porque ele aparecia, juntamente
com outras crianças, para ganharem doces e pedaços de bolo, todas as vezes
em que havia festa no salão (anteriormente utilizado para festas infantís, que
eu animava com marionetes). Ele ficou debaixo daquele toldinho do
mercadinho. Olhei em sua direção e lhe ofereci o pacote contendo algumas
esfihas que sobraram. Ele meneou a cabeça, recusando. Esperou que eu
abrisse o portão e se retirou. Além dele não havia mais ninguém na calçada,
pois ainda chovia Fui imediatamente me deitar, acertando o despertador
para as cinco e meia, para acordar cedo, como de costume. Eram
exatamente 23,33 hs. quando fiz isso. Apaguei a luz. Conversei alguns
instantes com minha mulher, comentando que os dois não comiam, que
precisavam se alimentar melhor e coisas tais. Ela disse – amanhã eu falo
com eles -. Ela comentou que sua irmã ligara, informando que sua mãe
estava melhor, o que nos tranqüilizou.
No dia seguinte o trabalho no restaurante foi normal. Quando eu
estava fechando a porta de vidro, como de costume, às 14,00 hs. aproximouse um carro, do qual saltou o Dr. Sebastião, Delegado de Polícia, nosso
conhecido e freguês esporádico. Perguntei-lhe se estava vindo para almoçar.
Como ele percebera que eu acabara de fechar respondeu negativamente.
Insisti – se você quiser almoçar ainda dá tempo – e fiz menção de abrir a
porta. Ele continuou a recusa e disse estar apenas procurando por meu
filho, seu subordinado. Defronte ao cortiço estavam paradas duas viaturas
da Polícia Militar e ouvimos comentários de que u'a mulher acabara de ser
assaltada. Nesse momento parou junto a nós três uma viatura da Polícia
Militar, da qual saltaram uma mulher morena e um Cabo, que se
aproximaram de nós. Curioso, perguntei à mulher – a senhora que foi
assaltada? . Ela respondeu – não senhor, eu quero falar com o senhor sobre
meu filho que desapareceu -. Perguntei – quem é seu filho, ele é meu freguês?
-. A mulher continuou – meu filho é o Ailton. As pessoas estão falando que o
senhor bateu nele com um açoite e depois levou ele e ele não apareceu até
agora -. Retruquei imediatamente – a senhora vai me desculpar mas nem sei
quem é seu filho, não bati em ninguém e não sei do que a senhora está
falando. Aquela mulher insistiu, dizendo – o senhor levou ele no seu carro -.
463
Perguntei – que carro, dona ? -. Ela respondeu – numa Caravan cinza -.
Continuei – eu tenho uma Caravan, mas está quebrada faz uma semana, a
senhora pode ver lá embaixo, se quiser - E convidei também os policiais – o
Cabo e o Delegado - para verificarem a veracidade de minha afirmação. A
mulher não quis entrar, mas o Cabo desceu e constatou que o carro estava
quebrado (sem o motor de arranque, levado para enrolar, uns três dias antes)
pois dera defeito na volta de Santos (tinha sido feriado em São Paulo, dia 25
de janeiro), quando fomos visitar minha irmã, tendo sido, inclusive,
socorrido pelo DERSA, fatos esses levados ao conhecimento daqueles
policiais e daquela mulher. Em razão daquela informação prestada ali
mesmo, de imediato, a mulher parou um pouco, olhou para o interior da
garagem (para mais de dez carros, com cerca de seis ou sete naquele
momento) e disse, sem nenhuma certeza – ... então foi outro carro ! – Irriteime com aquela insinuação dúbia e maldosa e disse para a mulher, em tom
ríspido, que o que ela dizia era muito sério e ela estava fazendo uma
afirmação falsa. – Ela retrucou – mas tem uma mulher que viu tudo -.
Continuei – viu o que? essa tal mulher está mentindo! Quem é ela? E a
mulher disse – ela não pode aparecer. Nisso o Cabo entrou na conversa – a
senhora tem que dizer quem é -. A mãe do “desaparecido” disse - é a mulher
do prédio - e apontou o prédio vizinho ao meu (aquele onde morava
Alexandra). Eu esclareci a mulher – essa mulher do prédio é minha inimiga,
estou processando ela -. O Cabo interveio – é sim, eu sei disso porque já
atendi ocorrência dos dois -. A mulher nada mais disse. Cheguei a orientá-la
para procurar nos Hospitais e também que fosse informar ao Delegado de
Plantão, no Distrito Policial. Eu disse ainda que, no caso de não ser
encontrado o filho dela, que ela fosse ao DEIC, na Delegacia de Pessoas
Desaparecidas, onde ela poderia ser melhor orientada. Então o policial
militar perguntou se o filho dela tinha apelido? - Sim, é Xuxa - (ou algo
parecido, porque não deu para perceber qual seria). O policial continuou – a
senhora vai me desculpar mas seu filho não é boa gente, eu mesmo já prendi
ele algumas vezes -. A mulher ficou sem jeito e pediu para ser levada ao
Distrito Policial (eram mais ou menos duas e meia da tarde). O Delegado
presente ouviu toda a conversa e a constatação do defeito na Caravan.
Eu e minha mulher não demos muita importância ao incidente e nos
despedimos do Delegado Sebastião.
464
Depois ficámos sabendo que aquela tal de Loide era “sogra” de Xuxa e
que ela havia, naquela manhã, procurado por Alexandra, de quem
“recebera orientação”, tendo, em seguida, procurado a mãe de Xuxa, a quem
levou aquela “orientação”.
Agora aqui cabe uma pergunta – por que Loide teria procurado
Alexandra ? – A resposta é óbvia – simplesmente porque Loide sabia que essa
era a oportunidade que Alexandra vinha esperando havia muito tempo.
Loide, que sabia o que realmente teria acontecido com Xuxa,
encontrou sua chance de ajudar a “amiga” Alexandra, retribuindo os favores
e ao mesmo se vingar de mim, por causa daquele incidente com a filha dela,
no Distrito Policial. E Alexandra sabia como orientar alguém para “dar
queixa na Polícia” (É bom que se lembrem, agora, do “desaparecimento” do
marido dela e do caso de Ari – primeiro você vai na Polícia, depois...) No
entanto Loide não tinha muitas “informações” para a mãe de Xuxa, as
quais, certamente, se existissem, seria um prato cheio para o Delegado
M.G.M. (aquele do caso dos dois rapazes e do nisei que me agrediu, mas que
ele fêz constar como tendo sido eu o agressor – em cujo processo acabei sendo
absolvido) .
Em razão disso o Boletim de Ocorrência foi elaborado conforme as
“informações” prestadas pela mãe de XuxaLocal do desaparecimento - ..............Rua Taguá 330
Hora do fato: ........................................... 10,00
D o i s homens armados ......... agressão a coronhadas
Veículo não identificado
Sabedora, por intermédio da mãe de Xuxa, do que havia sido
mencionado no B.O, e insatisfeita com isso, pois eu e meu(s) filho(s) não
havíamos sido incriminados –– Loide e seu filho Leandro (aquele a quem eu
oferecera as esfihas) foram ao Distrito Policial “espontaneamente” (ato não
usual entre marginais e seus familiares, que tudo fazem para se esquivarem, e
Loide o era). Mas isso tinha uma razão, um motivo – Loide precisava
465
envolver-me a mim e a minha familia-. Só assim poderia estar cumprindo
com sua obrigação de ajudar sua amiga Alexandra (adiante se provarão tais
assertivas, com documentos oficiais obtidos em Juízo, como sentença judicial e
outros).
Loide procurou me enredar - daí
COMEÇARAM AS ARBITRARIEDADES POLICIAIS
E passamos a integrar, como muitos, o que se chama
AS VÍTIMAS DO SISTEMA
==============================
O Delegado A.C.R.L. mandou uma viatura da Polícia Militar me
buscar. Eram quase vinte e três horas. Mesmo cansado atendi o “convite”,
porém fui em meu próprio carro (um Comodoro 79, de cor marrom, também
com problemas no motor). Os policiais diziam que eu era folgado, porque não
quis ir com eles na viatura. Quando cheguei o Delegado Longo pediu minha
cédula da OAB, guardou-a no bolso e me mandou para uma saleta. Pedí de
volta e ele, rispidamente, disse – agora você é advogado porra nenhuma ! -.
E saiu com a mãe de Xuxa. Quando ele voltou, já na madrugada do dia 1º
de fevereiro, eu fui ouvido em “Declarações”, respondendo a perguntas que
ele me fazia. Perguntou-me onde eu estivera na noite de quinta-feira, dia 30
de janeiro, entre as 20,00 hs. e as 22,00 hs. – Respondi, como o fizera aos
Policiais, naquela mesma tarde. Ao mencionar o restaurante chinês o
Delegado ACRL perguntou-me se eu tinha alguma prova de que eu estivera
lá. Claro, respondi. O Delegado insistiu – quando eu tiver essa prova que eu
lhe libero. As horas foram se passando e eu não podia deixar a saleta,
vigiado por um policial civil. Quando o Delegado retornou e me disse que eu
ia ficar, pedi para avisar minha mulher. Pedi a ela que entrasse em contato
com o Dr. Paulo Jabur, advogado criminalista, muito meu amigo, para que
desse um jeito na situação. Esse colega surgiu cerca de hora e meia depois,
conversou com o Delegado ARCL e recebi minha cédula de volta, tendo sido
liberado. Quando saíamos do Distrito passei a entender a trama que me
466
estavam armando, pois vi entrarem na Delegacia aquela senhora que se
dizia mãe de Xuxa, acompanhada de Loide, de Leandro, de uma menininha
e daquela moça que havia ficado detida no Distrito Policial, cujo nome, mais
tarde, fiquei sabendo ser NINA (amasiada com BRONCO, um dos dois
envolvidos naquele caso do homicídio de José Ibiapina).
Loide e seu filho foram ouvidos pelo Delegado.
Como não tinham nada a esclarecer, mas já estavam melhor orientados,
puderam fornecer alguns detalhes que incriminavam a mim e a meu filho.
Eu era mencionado como Florivaldo - (fato estranho, porque nem
mesmo em minha casa eu era assim chamado, uma vez que eu não usava
prenome, pois as pessoas o trocavam por Lorival ou intercalavam um "esse",
ficando Florisvaldo, o que me aborrecia), quando, na verdade, eu usava
como identificação, já havia muitos anos, apenas Dr. ALMEIDA (até
bordado em minhas camisas), para os estranhos e Florí, em minha família.
Somente Alexandra conhecia meu prenome FLORIVALDO, e foi esse o
nome que ela passou para Loide. Ninguém mais foi apontado. Porém
estavam seguindo o B.O., no qual constavam = DOIS HOMENS ...
Quanto a meu filho, Loide devia ter se esquecido do prenome estranho
que Alexandra lhe passara (germânico, porém com pronúncia
aportuguesada). Por isso consta no depoimento (?) de Loide a expressão
dúbia "Florivaldo e seu filho", informando que o mesmo era ex-policial,
porque elas pensavam assim, uma vez que não mais o viam fardado (ele
havia deixado a farda, cursado Academia de Polícia e já era Investigador). E
pensavam que ele era ex-policial inda mais porque Alexandra assim dizia,
uma vez que ela tudo fizera para que ele fosse expulso da Polícia Militar.
Como ele não o foi e sim transferiu-se para a Academia de Polícia, onde fez
Curso e foi nomeado Investigador de Polícia, não mais usava farda.
Quando o Delegado perguntou-me sobre nossos carros respondi que
meu filho possuía um Gol e eu , uma Caravan, um Comodoro, um Fiat e um
TL, que Alexandra, mediante fraude, adquirira de meu pai e que estava
comigo, na qualidade de Depositário. Como o Delegado ficou sabendo que a
Caravan estava com defeito ele fez constar que havíamos usado um Gol, de
propriedade de meu filho. Alertei o Delegado que aquele carro estava na
concessionária, mas ele me respondeu que era mera rotina (não percebi que
467
ele estava querendo envolver meu filho) e pediu minha assinatura (rubriquei
a folha, normalmente, sem qualquer coação).
A POLÍCIA COMEÇA A FORJAR PROVAS
No entanto e apesar dessas diferenças existentes, o Delegado ACRL,
demonstrando parcialidade e interesse em nos prejudicar, e em pretendendo
derrubar nossos álibis (justos e naturais, existentes desde a hora em que
aconteceram) alterou os fatos fazendo constar no “depoimento” de Loide e na
“informação” de Leandro novos e diferentes dados:
1- Hora do desaparecimento ............................... 22,30 hs.
(não mais 10,00 hs., como no Boletim de Ocorrência, nem 22,00 hs., como as
primeiras informações de Loide, pois eu apresentara documentos provando
o álibi de minha presença no restaurante chinês, confirmando aquelas
Declarações)
2 - Local - rua Siqueira Campos (esquina da rua Taguá)
(não mais rua Taguá 330, mas um local distante 180 m., conforme seria
provado pela Polícia Técnica)
3 - Florivaldo e “seu filho” (não mais “dois homens” armados,
como no Boletim de Ocorrência)
4 - Opala laranja (não mais um Gol nem uma Caravan cinza)
5 - Agressão a coronhadas
(não havia...)
.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.O “depoimento” de Loide foi “assinado”
468
a “informação” de Leandro, , também foi “assinada”
apesar de ser ele menor impúbere e necessitar de assistência - que não
poderia ser prestada por sua mãe, pois Loide era totalmente analfabeta)
Após sair do Distrito, fui para minha casa, naquele sábado de
madrugada. Estavam armando uma feira e presenciei BRONCO, dizendo
impropérios e coisas como – te ferrei, velho safado – e dando chutes na porta
de meu prédio (as marcas lá estão, até hoje). Não querendo qualquer contato
físico com ele pedi a alguns feirantes que me ajudassem a tirá-lo de lá e subi
para descansar, pois tinha mais um dia de labuta.
AUTOS DE RECONHECIMENTOS FORJADOS
Mais tarde fiquei sabendo que o Delegado, naquela noite de sexta-feira
para sábado, também havia elaborado peça(s) importante(s) para o trabalho
de incriminação de alguém – Auto(s) de Reconhecimento.
Porém o fez sem muito cuidado - foi datilografado em papel impresso,
com espaços em branco, com o preenchimento de um, no original e outro mera
cópia a carbono - com as mesmas afirmações de Loide e de seu filho. Nessas
peças constavam meu nome (errado, pois lá consta Florisvaldo) e “seu filho”.
Era óbvio que “seu filho” não estava presente. Caso contrário seu nome lá
estaria. E mais – o Delegado não contava com qualquer pessoa que tivesse
alguma semelhança conosco, os reconhecendo(s), daí mandou inserir os
nomes de três pessoas que, pretensamente, teriam sido colocadas junto a mim
e a “meu filho". Era uma inserção grosseira, feita naqueles “papéis”, em
assentada posterior, diversa daquela em que o(s) documento(s) foi (foram)
elaborado(s).
Porém essa falsificação era por demais visível –
(e, posteriormente, foi provada por Laudo técnico)
469
havia desigualdade entre o nível das demais palavras e o nível daqueles
nomes que foram acrescentados
havia desigualdade na cor da impressão, entre a datilografação primeira e
a segunda, com aquela inserção
nenhum de meus filhos sequer estava presente, caso contrário seu nome
lá estaria constando
os três nomes inseridos eram de policiais que não estavam presentes no
Distrito, mas figuravam na escala do plantão que se iria iniciar na manhã
daquele dia (2/2/92)
Essa fraude - tipificada como Falsidade Ideológica (posteriormente demonstrada e provada por minucioso exame daqueles
“Autos”, procedido pelo Escritório de Perícias Técnicas DEL PICCHIA, um
dos melhores do Brasil),
foi notada pelo Delegado NSN. Titular do Distrito Policial, o que o levou a
avocar e presidir o Inquérito, para elaborar novos Autos.
.-.-.-.-.-.-.
QUANTO ÀS PROVAS FORJADAS PELA POLÍCIA
Quais seriam os motivos que levavam aqueles Delegados do 5º Distrito
hostilizarem tanto a mim e a outros de minha família ? Por que procuravam, a
todo custo, me incriminar em qualquer ocorrência que surgia, e também
naquelas em que eu fazia parte, porém como vítima ? Por quê não
respeitavam minhas prerrogativas, quando eu lá comparecia, até na condição
profissional de advogado ?
A resposta está claramente definida - pelo induzimento a que teriam
sido levados os Policiais.
470
E por quê ? E como ? É fácil de se imaginar... sim, era tudo obra de
Alexandra e de seus advogados. Eles vinham se utilizando, já fazia algum
tempo, como meio de defesa de Alexandra (e como motivo para que eu fosse
hostilizado) de uma cópia xerografada, de tamanho reduzido (o que
dificultava se perceber qualquer alteração), não autenticada (para isso
precisavam do original, que era inexistente), que chamavam de documento .
No entanto não passava de mera montagem, grosseira, como se fosse uma
folha de jornal, porém não identificado, noticiando um fato que teria
ocorrido, com a manchete “advogado de São Bernardo mantém Delegado
como refém” e um texto de “reportagem” sobre tal fato, que teria sido
praticado por mim, tendo como vítima um Delegado ... – .
Desde nossa vinda de Portugal morávamos em Rudge Ramos, bairro
que eu e muitos amigos estávamos pretendendo transformar em cidade
separada de São Bernardo do Campo. Eu e minha família frequentávamos
a alta sociedade, os melhores clubes, éramos Membro do International
Lion’s Club, (que representei em Miami, como Delegado à Convenção
Internacional), arrolados na Igreja Metodista (em cujo nome representei o
Brasil em Convenção Internacional em Houston, Texas, USA). Eu editava um
pequeno jornal chamado “Rudge Ramos em Revista”, um Boletim
denominado “Florivaldo Pereira Informa”, mantinha gratuitamente um
Centro de recuperação juvenil, com aulas de artes marciais, denominado
“Grêmio Esportivo Florivaldo Pereira”, presidia a Sociedade Amigos de
Rudge Ramos (o que iria fazer por doze anos), mantinha Escritório de
Advocacia (mais tarde seria eleito Presidente da Associação dos Advogados de
Rudge Ramos) e participava da política local, o que me levaria a ser
Candidato a Prefeito, mais tarde, no ano de 1.982. Eu era, como sempre fui,
um homem de bem, de caráter ilibado.
Aquele “documento” ("cópia" de recorte de jornal inexistente) estava
sendo utilizado pelos advogados de Alexandra em toda e qualquer situação
em que contendiam comigo. Com tal “documento” Alexandra contava
pontos, levando vantagem, pelo menos na esfera policial, pois me colocava
em má situação, como alvo da sanha dos policiais, os quais eram induzidos
por aquela falsidade documental. Eu nada sabia, de nada desconfiava.
471
Somente fiquei sabendo do uso de tal “documento”, quando os advogados de
Alexandra o juntaram no Inquérito sobre a morte de meu pai.
FALSIDADE IDEOLÓGICA DO DOCUMENTO
1-
Aquele fato, objeto da manchete e os fatos da
reportagem,
J A M A I S E X I S T I R A M - conforme passei a provar com CERTIDÕES
NEGATIVAS, do Cartório do Distribuidor Criminal daquela cidade de São
Bernardo do Campo, nas quais NADA CONSTA, desde o ano de 1972. Um
parêntesis - nesse ano voltámos da Europa e a conselho do Rev. Omir
Andrade, Pastor da Igreja Central, fomos morar em Rudge Ramos, onde eu
poderia freqüentar o Curso de Teologia).
2 Se tal fato tivesse acontecido, tendo como vítima um
Delegado de Polícia, Assistente do Delegado Titular da cidade, e com tal
alarde e com tanta publicidade, o Delegado Titular não iria prevaricar obviamente teria determinado as providências cabíveis, como registro de
Ocorrência, instauração de Inquérito Policial e distribuição para uma das
Varas Criminais, o que resultaria até em denúncia do Ministério Público.
Porém NUNCA houve sequer uma menção no Serviço de Radio Patrulha
nem no Plantão Policial...e nada foi feito, pois, como eu já disse, nada
aconteceu. Aquele tal “documento” (cópia apócrifa, de documento falso, com
notícias também falsas)não passava de mais uma das muitas FALSIDADES
IDEOLÓGICAS que Alexandra usava.
MAIS PROVAS FORJADAS PELA POLÍCIA
Recordemos – No Boletim de Ocorrência constam
Local do desaparecimento.......................rua Taguá 330
Data do desaparecimento .......................
30/01/92
Hora do desaparecimento ............................... 10,00
Agressão a coronhadas - Dois homens armados
472
Veículo não identificado
Esses dados, depois que apresentei álibi provando estar em outro lugar, às
22,00 horas, foram alterados. Loide e seu filho Leandro (ele tem nome...)
teriam dito:
Local ................. rua Siqueira Campos quase rua Taguá
Hora ...............................
22,30 (?)
Veículo .. Opala laranja (por quê não GOL ou Caravan?)
Autores ............. Florivaldo e seu filho (não se sabe o nome?)
referentes a cenas que mãe e filho “teriam presenciado”, com evidente
discordância entre ambos – o menor informava que “iam para uma
padaria”. Loide dizia “quando retornavam da padaria”
E PASMEM ! - de posse daqueles “documentos” ou seja
1 - o Boletim de Ocorrência ................................. (31/01/92)
2 - o “depoimento” de Loide (analfabeta) .......... (31/01/92)
3 – a “informação” de Leandro(menor impúbere)....(31/01/92)
4 - os Autos de Reconhecimento (forjados) .........(31/01/92)
nos quais NÃO HAVIA menção identificatória de quem seria “meu filho“ e nos
quais constava apenas a expressão DOIS HOMENS, o Delegado ACRL, NA
MANHÀ do dia 1º de fevereiro/92, elaborou uma PORTARIA para que se
instaurasse Inquérito Policial, a fim de apuração de responsabilidades
criminais,
PORÉM O DELEGADO ACRL FEZ CONSTAR:MORTO A TIROS
(não havia qualquer notícia anterior)
ENCONTRADO MORTO na Via Anchieta (ninguém havia mencionado e
o cadáver
ainda não tinha
sido localizado)
.
473
24 horas DEPOIS DO DESAPARECIMENTO
(idem)
e, com verdadeiro dolo mau, c r i m i n o s a m e n t e, por conta própria, o
Delegado ACRL a l t e r o u o que constava naquelas peças :- desprezou a expressão DOIS HOMENS
e
indiciou TRES pessoas - a expressão Florivaldo e “seu filho” passou para
“Florisvaldo de Almeida Pereira - advogado” e incluiu um de meus filhos, com seu nome completo, e a condição de
Investigador de Polícia (??!!)
(em nenhum lugar constava nome ou essa condição dele)
e, mais uma vez, sempre com aquele dolo maldoso, o Delegado ACRL
continuou usando
de má fé, também incluiu o nome completo de Mareclo, como sendo
Policial Militar”
SEUS NOMES JAMAIS FORAM MENCIONADOS !
O Delegado ACRL. devia ter “bola de cristal”, ou ser mais esperto que
Sherlock Holmes, pois o rapaz que havia “desaparecido” seria encontrado
somente alguns dias depois, após a autuação daquela Portaria.
No entanto e apesar dessas fraudes, a Portaria do Delegado até que nos
beneficiava, pois continha aquela informação de que “o corpo foi
encontrado 24 horas depois do desaparecimento” confirmada, posteriormente,
pela Polícia Técnica, o que vale dizer que o desaparecimento, então,
realmente teria ocorrido às 10,00 hs. (dez horas da manhã) como constava no
Boletim de Ocorrência e que, portanto, não havia qualquer possibilidade de
termos sido nós os autores de tal ou tais fatos e que aquele horário de 22,00
474
hs. (ou mesmo com a alteração para 22,30 hs.) não era exato, não era
verdadeiro, tratando-se de deslavada mentira, uma "armação" da Polícia.
MAIS PROVAS DA MÁ FÉ EM FRAUDAR
Após a autuação daquela Portaria e antes mesmo do encontro do corpo
de Xuxa, isto é, ainda no dia 04 de fevereiro, o Delegado ACRL. passou uma
mensagem simultânea, via telex, para todos os Distrito Policiais, na qual
mencionava que a “vítima” estava usando uma “camisa verde”. Era uma
menção um tanto estranha, porque ninguém havia dito qualquer coisa a
respeito de indumentária, a não ser que usava calças jeans e sapatos cor de
cinza. E, mais tarde, no Laudo do IML, ficaríamos sabendo que era
camiseta azul.
Não se sabe, portanto, como o Del. Longo poderia saber
tais detalhes - a cor e o tipo de roupa (camisa ou camiseta)
- o local e
horário do encontro do corpo (salvo se tivesse participado daquele
“desaparecimento”)...
VIOLÊNCIA POLICIAL
Dirigindo-me ao Fórum, em meu trabalho habitual, às quintas-feiras,
encontrei-me com Dr. M.T.B., conhecido como grande advogado
criminalista, e lhe expliquei o que estaria acontecendo. Ele se prontificou em
me assistir, gratuitamente, junto com um advogado que poderia ser
indicado pela Comissão de Prerrogativas da Ordem, se fosse necessário.
Aconselhou-me a apresentar-me ao Delegado Titular do 5º D.P., a quem ele
telefonaria, esclarecendo a situação.
Passei por minha casa, adiantando a minha mulher o que iria fazer,
quando a mesma me alertou da prisão de meu filho Investigador. Peguei o
movimento do restaurante, para entregar a meu afilhado, para depositar em
banco. Nesse momento ouvimos gritos, vozes de homem e de minha mulher.
Sob mira de revolveres ela estava sendo obrigada a lhes dizer onde eu
estava, porém ela ignorava. Assustada, ela se esquivava. Os homens foram
invadindo, a chutes nas portas, os demais apartamentos, até chegarem
àquele onde estávamos – unidade residencial de número dez, no quarto andar,
usado como escritório do restaurante -.( em Juizo o Delegado diria que fomos
475
presos em uma sala abandonada, o que era outra mentira - não havia
nenhuma sala abandonada.)
Não podíamos imaginar o que iria acontecer. De repente, sempre com
minha mulher junto a eles, gritaram do lado de fora – abre, é a Polícia !
'tamos aqui com sua mulher ! -. Respondi, gritando – calma, já vai ! Abri a porta e me apresentei (meu afilhado simplesmente observava).
Aquele policial que mais gritava era o mesmo Delegado MGM (daquele caso
da agressão praticada pelo nisei, no qual de vítima fui transformado em réu e
depois absolvido).
Abri a porta e me deparei com duas armas apontadas para mim.
Mesmo em tendo o Delegado constatado que eu estava desarmado ele
apontou a arma para minha mulher, que era segura por ele, e mandou que
eu estendesse os pulsos, para ser algemado por um Cabo da Polícia Militar.
O militar adiantou-se, colocando um lado da algema em meu pulso e outro,
no pulso de meu afilhado, ao mesmo tempo dizendo: este aqui também,
doutor !
Aqui é bom se lembrar que NINGUÉM havia mencionado e nominado um
terceiro homem, a não ser o Delegado ACRL, em sua Portaria.
E nos levaram, triunfantes, até uma viatura da Polícia Civil, na qual
fomos colocados, cuja sirene já estava funcionando, exibindo-nos
sensacionalísticamente como troféus de caça, para que todos os
circunstantes pudessem nos ver (para alegria de Alexandra, de sua janela).
A invasão do prédio, tanto de meu apartamento e das demais moradias
e até nossa prisão foram verdadeira violência policial, pois NÃO HAVIA
MANDADO JUDICIAL, porém o Delegado tinha grande interesse, quase uma
obsessão, em me pegar .
Aquele Cabo, de nome Herbert, tinha bronca de meu filho e de meu
afilhado, porque ambos, dias antes, lhe tinham negado o empréstimo de suas
motos, perto de moças do colégio das proximidades, para as quais ele,
mesmo em não sendo da área, costumava se exibir, dirigindo o trânsito e
portando armas não permitidas pela Corporação (soubemos, mais tarde,
que ele havia sido preso em flagrante, por roubo... e, expulso da PM,
trabalhava como faxineiro em um prédio na cidade de Diadema).
476
Levados ao Distrito, sem que pudéssemos falar com ninguém, fui
colocado em uma pequena cela, chamada de “corró” (corruptela de
“curral”), sem luz, sem aeração, sem água, chão de cimento...destinada a
abrigar o que chamavam de “presos em trânsito”, que tinham uma
permanência efêmera, aguardando o menor tempo possível para serem
encaminhadas a outros presídios ou prisões, ou seja aqueles que eram
presos em flagrante delito ou mesmo condenados que eram capturados (três
anos depois eu conseguiria um Laudo da Polícia Técnica, provando a
precariedade daquela cela, cujas medidas eram 0,90 X 3,10...)
Meu afilhado, por ser Policial Militar, nem sequer permaneceria no
Distrito, pois seria encaminhado para o Presídio Militar “Romão Gomes”,
de sua Corporação.
MAIS VIOLÊNCIA POLICIAL
No 5º Distrito Policial fui submetido a uma série de perguntas, feitas
por quatro Delegados - Del. B., Assistente do Titular, e seus subordinados Del. ACRL, Del. MGM e Del. M., (halterofilista, era dotado de avantajado
físico, com braços fortíssimos), em uma sala fechada. Eu estava algemado,
com as mãos para trás, sentado em uma banqueta. Atrás de mim ficava o
Del. M. e os demais à minha frente, um no centro e os outros dois nos lados.
Enquanto o Del. Assistente me fazia uma pergunta outro perguntava outra
coisa. Eu procurava responder ao primeiro quando o segundo gritava – fala
comigo ! – e um outro gritava – fala com ele ! – apontando o primeiro, e
outro gritava – responda a pergunta do doutor – apontando o segundo. Os
gritos eram tantos e de diferentes direções que eu não sabia para quem
olhar. Na minha vacilação o Del. M. usava suas mãos enormes para me
aplicar o que se chama de telefone, ou seja, bater com as mãos, uma em cada
ouvido. A pancada não era forte, mas as mãos, em concha, causavam uma
grande dor, produzindo um clarão na mente. Com apenas dois ou três
desses telefones eu já não ouvia mais nada. Como eu negasse qualquer
participação naqueles fatos, que pretendiam me imputar, o Del. B. mandou
que me levassem de novo àquela cela (corró), o que foi feito pelo Del. ACRL,
por uma escada interna. O Delegado, com a mão esquerda segurava e
477
levantava as algemas - o que causa dor horrível nos pulsos - e com a direita
empurrava minha nuca. Quando descíamos essa escada eu comentei, em
tom lamurioso – o senhor não pode me algemar, eu tenho direito a prisão
especial ! -. Isso foi a gota d’água para o Delegado. Ele parou, levantou mais
alto as algemas, ao mesmo tempo em que gritou – cala a boca! você gosta de
prender Delegado, né? Então toma – e me aplicou um murro na nuca. Reagi,
dizendo – o senhor não precisa me bater, tira a algema que está doendo muito
! – E a “autoridade” mais uma vez levantou as algemas e vociferou – cala a
boca, você quer reagir, não, então toma, p’ra aprender ! – e me bateu
novamente. Em seguida levou-me para o corró e me empurrou lá para
dentro.
Algum tempo depois chegou meu filho, também algemado,
escoltado por dois policiais. Tiraram-lhe as algemas, ele abaixou-se e tirou
um revolver, que estava em seu tornozelo, entregando a arma a seus colegas
(ele fôra mal revistado, tendo sido apreendida pelo Delegado MGM, quando de
sua prisão, somente sua outra arma, do Estado, que estava em sua cintura,).
Junto com os policiais estava um Delegado, o qual, ao empurrar meu filho
para dentro da cela, disse em voz alta, para ser ouvido pelos que ali estavam
– entra ai, seo “ganso”! – Esta expressão é usada para identificar marginal
delator, o qual, em troca de favores da Polícia, corre junto com outros
marginais, isto é, faz de conta que está em fuga, acaba preso, mas depois é
posto em liberdade, ficando apenas os que estavam fugindo com ele.
Com aquela expressão o Delegado instigava os marginais que estavam
presos a se insurgirem contra meu filho, o qual não podia negar, nem
afirmar ser policial, o que seria pior, pois, se ele estava preso, não poderia
ser policial, uma vez que nunca um Delegado iria colocar um policial dentro
de uma cela, a não ser que se tratasse realmente de um ganso. De qualquer
forma meu filho acabara de ser condenado pelo Delegado a ser punido pelos
marginais. E não deu outra – tão logo os policiais se afastaram dois ou três
dos que ali estavam criaram um caso e quiseram agredir meu filho. Precisei
interferir, argumentando, o que não deu resultado. Foi preciso que
usássemos de força bruta e, com meu conhecimento de artes marciais,
acabei dando umas porradas bem dadas em um e em seguida n’outro, ao
mesmo tempo em que meu filho também se defendia. Gritei chamando o
carcereiro, que atendeu prontamente – depois de uns dez ou quinze minutos
478
-, ordenando que parássemos com a gritaria, senão... Voltou a calma na
cela. Quanto a meu afilhado eu ignorava seu paradeiro.
O tempo foi passando, já era noite quando eu e meu filho algemados um
ao outro, fomos levados até o 1º Distrito Policial, em cujo prédio funcionava
um Setor do Instituto Médico Legal. Devíamos ser submetidos a exame de
Corpo de Delito, para ver se havíamos sofrido algum ferimento.
Quando atravessávamos a rua encontrámos com o Titular daquele
Distrito, Del. P.L. (com quem mantive amizade, quando o mesmo foi Delegado
em Rudge Ramos), o qual estranhou estar eu algemado – Comentei
rapidamente que meu filho agora era Investigador de Polícia (o mesmo,
desde menino, também era conhecido do Delegado,) e os policiais de imediato
disseram - são ordens do Dr. N -. E continuámos algemados. Quando
chegámos ao andar meu afilhado estava saindo, sem algemas, escoltado por
Policiais Militares, uma vez que ele estava sendo encaminhado para aquele
Presídio Militar. Apresentados ao médico de plantão este perguntou se eu
tinha algum ferimento – só estas marcas no pulso, por causa das algemas –
disse eu, completando que o Delegado havia levantado as mesmas. Isso é
comum, comentou o médico. Insisti – mas também estou com os ouvidos
doendo, porque um Delegado me bateu com as mãos. -. Ah!, "telefone"?,
perguntou o médico. Os policiais riram. O médico disse – infelizmente isso
não deixa marcas, e encerrou seu exame, meramente superficial, não mais
que mera entrevista. Quanto a meu filho aconteceu o mesmo, mesmas
perguntas, mesmos comentários (passei a acreditar que meu filho também
havia sido submetido a alguma sessão de perguntas, como eu, só que ele nada
me queria dizer).
MAIS PROVAS FORJADAS PELA POLÍCIA
Muito embora eu e meu filho não tivéssemos nos encontrado, a não ser
no corró e depois naquele passeio até o IML, e nenhum de nós tivesse
encontrado meu afilhado, a não ser naquele momento, também lá no IML, o
Del. NSN, que passou a presidir o Inquérito, determinou que se fizessem
novos Autos de Reconhecimento (claro, não podia aceitar aqueles que o Del.
ACRL havia forjado).
479
Para dar aparência de legalidade a essas novas peças fizeram constar
que eu, meu filho e meu afilhado havíamos sido colocados junto a quatro
ptesos que se pareceriam conosco (??!!!) UM ABSURDO!
Não houve tal reconhecimento !!! Essas tais pessoas que teriam sido
colocadas jamais poderiam ter qualquer semelhança conosco, pois nossas
características diferiam: Eu
branco, grisalho, barba tipo D.Pedro II,
cabelos compridos e bigode, usava óculos,
pesava 86 quilos, medindo 1,77 m., 61 anos
meu filho branco, cabelos curtos, sem barba, sem
bigode, magérrimo (52 quilos), 1,70 m., 24 anos
o afilhado moreno, cabelos ralos, sem barba ou bigode,
54 quilos com apenas 1,65 m.,
22 anos
portanto se não havia qualquer semelhança nem mesmo entre nós,
era óbvio que, se alguém se parecesse com um de nós certamente não
pareceria com os outros dois, o que invalidaria aquele pretenso
“Reconhecimento”, mas o Delegado precisava u’a maneira para incriminar
“Florivaldo e seu filho” e não podia deixar passar a oportunidade de
envolver também o afilhado (para justificar perante a Polícia Militar sua
prisão arbitrária)
NOVA FRAUDE - nesses novos Autos consta
rua Siqueira Campos próximo à rua Tamandaré
(Distante 110 m. da rua Taguá)
Não mais consta
rua Taguá 330, como no B.O,
Não mais r. Siqueira Campos quase esquina da r.Taguá
(conforme primeiro “depoimento” de Loide).
480
Ora –
ou Loide ESTAVA MENTINDO,
ou Loide NÃO TINHA CERTEZA
ou o Delegado desprezou aqueles dois locais e
ALTEROU O LOCAL para
rua Siqueira Campos, quase esquina da rua TAMANDARÉ,
alteração essa por sua própria conta, pois ninguém assim havia mencionado.
Com essa alteração RESTAVA DÚVIDA onde realmente teria ocorrido o
”desaparecimento" de Xuxa, pois agora havia
QUATRO LOCAIS distintos:
1º - rua Taguá 330
2º - rua Taguá próximo à rua Siqueira Campos
3º - rua Siqueira Campos próximo à rua Taguá
4º - rua Siqueira campos próximo à rua Tamandaré
(Depois, em meu “interrogatório”, o LOCAL seria defronte
a meu prédio – rua Taguá 378...)
Esses tais Autos foram feitos especificamente mais para serem obtidas
“confirmações” do “depoimento” de Loide e das “informações” de Leandro
do que para um “reconhecimento” propriamente dito, e principalmente
para se incluir um terceiro elemento – meu afilhado -.
ERA MAIS UMA PROVA FORJADA PELOS DELEGADOS !
.-.-.-.MAIS VIOLÊNCIA POLICIAL
TORTURAS - FÍSICA E PSICOLÓGICA
481
PRIVAÇÃO DE SONO E DE ALIMENTOS
INCOMUNICABILIDADE COM O MUNDO EXTERIOR
Meu filho estava sem almoço, pois acabara de sair de seu Plantão de
vinte e quatro horas, no dia em que foi preso (05 de fevereiro de 1992). E,
como eu, passou o resto do dia sem se alimentar, passando a noite em jejum.
O mesmo aconteceu comigo – fiquei sem jantar. Não recebemos qualquer
tipo de alimentação.
Isso, mais as lutas que fomos obrigados a travar, nos enfraqueceu. No
dia seguinte estávamos estafados, insones, desnutridos, apreensivos,
nervosos. Eu, sem meus remédios para cardiopatia e hipertensão (que
aumentou em demasia, devido aos acontecimentos e ao tratamento “especial”),
acabei desmaiando. Ninguém percebeu, pensavam que eu estivesse
dormindo.
Eu disse “insones” porque não nos deixavam dormir. Os demais
presos, que temíamos, por um lado, a falta de espaço e os próprios policiais,
por outro. Nós éramos convocados a subir até a sala dos Delegados ou dos
Investigadores, para “conversar”. Ficávamos um tempão, ora eu ora meu
filho. Às vezes os dois, em salas separadas. Nessas “conversas” se repetiam
aquelas sessões de perguntas e “telefones”, com muitos gritos e xingamentos.
Cheguei até a levar fortíssimo murro na boca-do-estômago (plexo solar),
desferido por um brutamontes. Houve uma hora em que, estando eu já de
volta na cela, após uma daquelas “sessões”, vi chegar meu filho, que era
trazido (este é o termo certo, pois mal se sustentava nas pernas) pelos
policiais. Ele agachou-se, colocando a cabeça entre as pernas e chorando. E,
sabendo o que eles estavam fazendo comigo, perguntei, assustado - Filho,
que foi? que eles fizeram? Ele resmungou - Nada não, pai, ‘tá tudo bem.. E,
apesar de minha insistência, nada me foi revelado.
E também em nosso segundo dia nenhuma alimentação nos foi
fornecida (soubemos, depois, que minha família nos levava frutas, leite longavida e refeições feitas em nosso restaurante, alimentos esses que nos eram
sonegados). Quanto à alimentação que nos deveria ser fornecida pelo Estado
não as recebíamos porque nem sequer constávamos da lista de presos ou
“grade”. No entanto o Carcereiro Chefe certificou que deu cumprimento ao
482
mandado de Prisão (obtido posteriormente pelo Delegado) de meu filho, com
sua entrada na Cadeia Pública do 5º Distrito Policial, como “indivíduo”,
tendo sido omitida ou ocultada sua condição de Investigador de Polícia, com
direito a ser preso em Presídio Especial das Polícia Civil. Quanto a mim,
com as prerrogativas de advogado, deveria ter sido mandado para o 91º
Distrito Policial (destinado a presos com nível superior). O fato de não
constarmos da “grade” (rol dos que estão presos) era um meio de nos manter
incomunicáveis com o mundo exterior (o que é um crime, praticado
arbitrariamente pela Polícia).
Uma firma particular fornecia marmitex aos presos daquele
Distrito, em número de cento e doze (112), conforme tomei conhecimento,
quando, em um dos momentos em que estava na sala do Carcereiro, ví sobre
sua mesa a Nota Fiscal daquele dia e furtivamente a surrupiei (seria
apresentada como prova, em nosso processo). Segundo os policiais nós não
estávamos recebendo alimentação porque “iríamos sair logo”. Era uma
desculpa esfarrapada, mas nós nada podíamos fazer. Estávamos totalmente
isolados, sem comunicação com o mundo exterior. No entanto eu pude
constatar que havia “algo de podre no reino do 5º Distrito” - ví que
entregavam aos presos apenas café da manhã (pão seco com café preto),
almoço (intragável, como diziam) e “janta” ( lanche de pão com mortadela ou
salsicha).
Ora, se o Carcereiro Chefe certificou que prendeu meu filho, seu
nome deveria constar da Lista de Presos (grade) – e receber alimentação -. O
mesmo ocorria em relação a mim. Nada constava.
O “registro” de minha prisão somente seria feito cinco anos mais
tarde, em LIVRO FORJADO
(mais adiante tratarei desse assunto)
E sofríamos a tortura da fome!.
MAIS PROVAS FORJADAS PELA POLÍCIA
Nesse mesmo dia 05 de fevereiro/92 os policiais do 5º Distrito Policial,
chefiados pelo Del. ACRL, foram até São Bernardo do Campo, com a mãe
de Xuxa para eventual reconhecimento de um corpo, que fora encontrado às
margens da Via Anchieta (ora, o Delegado já fizera constar na Portaria do
483
dia 1º tal "encontro" ...). Esses policiais teriam recebido de seus colegas
daquela cidade, que em primeiro atenderam a ocorrência de Encontro de
Cadáver, cápsula(s) que teria(m) sido encontrada (s) junto ao corpo. Essa(s)
cápsula(s) seria(m) de arma do calibre nominal 6.35. Um projétil que teria
sido retirado daquele cadáver também seria desse calibre e, certamente, foi
entregue ao Del. ACRL, por ser do 5º D.P., que estava "investigando" o caso
do “desaparecimento” .
Ainda nesse mesmo dia 05 de fevereiro/92, logo depois de nossa prisão
(eu, meu filho e meu afilhado) o Del. MGM dirigiu-se ao domicílio dos dois
rapazes e - SEM A PRESENÇA DOS DOIS, de qualquer de seus familiares ou
mesmo de vizinhos e SEM QUALQUER MANDADO JUDICIAL, INVADIU o
Apartamento, efetuou “buscas” e fez “apreensão” de objetos e armas, que
teriam sido encontradas naquela residência e que foram arrolados em
AUTO DE APREENSÃO, no qual (mais uma fraude policial) constam os
nomes de pretensas “testemunhas” que teriam presenciado as diligências –
nada menos que apenas
UM ESCRIVÃO DE POLÍCIA
(o mesmo que elaborou o Boletim de ocorrência)
Observação – Escrivão de Polícia não costuma deixar a
Delegacia e sair por aí em diligências
UM INVESTIGADOR DE POLÍCIA
do mesmo Distrito, subordinados ao(s) Delegado(s).
E O INCRÍVEL ACONTECEU...
No dia seguinte, 06 de fevereiro/92 – o Del. NSN, Titular do 5º Distrito
Policial, em tendo percebido a grave irregularidade (crime de Invasão de
Domicílio), cometida pelo Del. MGM, pediu e obteve Mandado Judicial para
efetuar buscas, agora incluindo minha residência, em outro prédio, distante
daquele outro. E determinou que as diligências fossem feitas pelo Del.
ACRL. Em minha residência o Delegado apoderou-se de diversas “armas
brancas”, as quais, na realidade, eram algumas facas do restaurante, situado
no salão embaixo, e alguns punhais artísticos , trazido por mim da cidade de
484
Toledo, na Espanha ou por meu sogro, espanhol de origem. Tais peças,
meramente decorativas, de mesa e parede, foram substituídas por outras
armas reais, talvez do próprio estoque de armas apreendidas da Delegacia
(facas com cabos embrulhados em jornais).
No entanto e apesar de não constar no Mandado, o Del. ACRL
(arbitrariamente e aos gritos com minha mulher, que foi obrigada a abrir a
porta) INVADIU meu escritório de advocacia, localizado em outro
apartamento, no mesmo andar. E nesse escritório o Del. ACRL encontrou
uma garrucha de dois tiros, calibre “28, de caça, adquirida havia mais de
vinte anos, que estava com outras peças, decorando a parede. Foi efetuada
a “apreensão” dessa “arma”, embora eu tivesse autorização policial, desde
1971, para tê-la em meu domicílio. (No escritório do Dr. O.I.Jr., colega que,
mais tarde, contratei para nossa defesa, havia diversas armas nas paredes e em
dois ou três armários apropriados).
Nessas “buscas” eu não estava presente, não havia testemunhas e
minha mulher foi obrigada a ficar do lado de fora.
Em continuidade, nesse mesmo dia, o Del. ACRL teria se dirigido (?)
ao mesmo apartamento de meu filho e de meu afilhado (onde, por sinal,
moravam outros rapazes, também policiais)
Talvez o Del. ACRL tenha ido e, se realmente foi, também não contou
com a presença de nenhum de nós três, de qualquer familiar nosso ou de
qualquer vizinho. Porém consta que o Delegado teria efetuado “buscas” e
que (absurdamente) teriam sido encontrados por ele
“os mesmos objetos, as mesmas armas, as mesmas
munições”
que teriam sido encontrados e apreendidos, pelo Del. MGM, no dia anterior.
E o Del. ACRL elaborou Auto de Apreensão (distinto daquele feito
por seu colega de Distrito, o Del. MGMs) daquilo que ele teria encontrado,
como se fossem outros objetos e outras armas.
Imaginem quem eram as “testemunhas” nos Autos ?
485
Ora, ora ! - O MESMO ESCRIVÃO do Auto do dia anterior, agora com
outro Investigador de Polícia
(Esses Autos, em duplicata, com duas vias cada, seriam exibidos aos Jurados
pelo Promotor, como se fosse um verdadeiro arsenal)
.-.-.-.-.MAIS ARBITRARIEDADES POLICIAIS
EXPOSIÇÃO A SENSACIONALISMO
O Del. NSN expediu ofícios ao Presídio da Polícia Civil, requisitando
meu filho e ao Presídio Militar requisitando meu afilhado, para
procedimento policial.
Mas a verdade era outra – o Del. NSN queria se tornar notório perante
a opinião pública e assim ganhar as graças de seus superiores -. Para isso
convocou repórteres de jornais, radio e televisão, aos quais exibiu, sobre sua
mesa, diversos objetos, armas brancas, armas de fogo e munições. Na
presença dos mesmos ele me perguntou – você reconhece estas coisas? –
Minha resposta foi simplória – algumas coisas são minhas, as outras nunca vi
em minha vida -.
O Delegado deu um murro na mesa e gritou para os Investigadores –
tira ele daqui ! -. E, depois de fotos tiradas contra nossa vontade (somente os
dois saíram em uma foto, juntos com um pretenso advogado e constou que um
deles era eu) e “entrevistas” não concedidas (estávamos sendo expostos a um
sensacionalismo barato dos programas e páginas de crime da Imprensa
marrom) fui levado para aquela cela, onde eu estava, desde o dia anterior.
Para os repórteres, nesse dia 06/02/92, depois das 18,00 hs., o Del. NSN
afirmou que “os três já haviam confessado a autoria do crime” e, por isso, as
“reportagens” escritas, publicadas nos jornais do dia 07 de fevereiro de 1992
– Diário Popular e O Estado de São Paulo – e as que foram exibidas pelos
canais de televisão no horário noturno desse mesmo dia - Rede Globo e
Bandeirantes – levaram notícias falsas ao conhecimento do público leitor e
telespectador (e ao Promotor de Justiça, que as repassaria aos jurados...)
486
E eram evidentemente falsas as “declarações” do Del. NSN porque
nenhum de nós três sequer havia sido interrogado e nos reservávamos o
direito de sermos ouvidos em Juízo. No entanto o Del. NSN nos pressionava
demais, como eu já disse e esclareço agora, com mais algum detalhe - Meu
filho e eu não recebíamos alimentação, estávamos sem banho, sem escovar
dentes, sem trocar de roupas, sem dormir, descansando no chão de cimento e
não fazíamos nossa higiene, pois, para defecarmos no banheiro externo
tínhamos que implorar - ou pagar - ou fazê-lo em jornais, embrulhando o
resultado como pacotes e a urina era jogada em um pequeno orifício no chão.
Embora negássemos qualquer envolvimento a imprensa divulgou
aquela afirmação falsa, feita pelo Del. NSN. Quando as notícias saíram nos
jornais, na manhã do dia 07/02/92, nós três sequer tínhamos sido
interrogados.
Minha permanência naquele tipo de prisão já era ilegal, pois,
como advogado, eu tinha a prerrogativa de não ser recolhido preso senão em
Sala de Estado Maior, antes de sentença definitiva -.Por isso, mais ilegal
ainda era conservar na prisão, como mero “indivíduo”, um Policial Civil, em
pleno exercício de suas funções (meu filho havia saído de seu Plantão e foi
preso quando estava se dirigindo ao Fórum Central, requisitado que fora, por
ofício, para depor como testemunha e partícipe de uma prisão em Flagrante)
Ora ! – em primeiro lugar há que se considerar se realmente
alguma coisa ilegal ou ilícita foi encontrada e se realmente pertenceria a um
de nós três (inda mais se considerando que, no apartamento de meu afilhado e de meu
filho moravam aqueles outros rapazes, também policiais) e, em segundo lugar
que o “arsenal” não passava de apenas seis armas apreendidas - dois
revolveres do Estado (confiados mediante termo de com carga a meu
afilhado e a meu filho) uma garrucha de caça (já referida), um revolver
calibre “32 (de propriedade de um colega advogado, cujos documentos seriam
exibidos em juízo), um revolver “38 (deixado por aqueles chilenos e que não
estava em nenhum dos lugares referidos nos Autos, e sim guardado na gaveta
487
de meu restaurante, o qual foi entregue por minha mulher a um Investigador,
depois que o mencionei, espontaneamente) e uma garrucha quebrada, que
meu afilhado pendurava na parede, como relíquia. Alguma coisa até que
poderia pertencer a um de nós três, mas grande parte do que está
mencionado naqueles Autos nós nunca soubemos de quem ou havíamos
visto.
No entanto
o Del. MGM ou o Del. ACRL – não se tem certeza quem teria sido – teria
encontrado no apartamento de meu filho e de meu afilhado um painel de
parede, com várias placas de carros nele afixadas. Eram placas decorativas,
trazidas por mim e meus familiares, dos diversos países por onde havíamos
passado. Contudo, nos Autos nada consta a respeito das mesmas, mas o Del.
ACRL inseriu placas outras, nacionais, de carros que certamente passaram
pelos Distritos Policiais e que nada tinham conosco (três anos mais tarde, em
diligência judicial que pedimos, essa irregularidade seria constatada, o que já
era Prova Nova – a seguir)
Toda aquela encenação policial não passava de balela, invencionice
dos policiais, com o fim maldoso de nos tentar incriminar (sempre instigados,
como já foi dito). Não havia qualquer arsenal, mas os jurados iriam ficar
impressionados com aquela exibição das QUATRO vias dos Autos e do
“extenso rol”. E, sem qualquer oposição de nosso “defensor, que demonstrou
não conhecer os autos do processo, iriam acabar aceitando a argumentação
do Promotor como verdadeira.
.-.-.-.-.
DELEGADO =TESTEMUNHA FALSA
Existe farta jurisprudência de que policiais que têm
interesse pessoal no caso não podem servir de testemunhas. No entanto o
Del. ACRL, descaradamente, iria, mais tarde, servir de “testemunha da
acusação” e tentaria insinuar dados prejudiciais a nós três, chegando ao
desplante de acrescentar que revolver, documentos de Investigador e cheques,
488
os quais seriam de meu filho, teriam sido encontrados dentro de uma pasta
preta, colocada no interior de uma caixa d’água emborcada, no forro do
apartamento.
Ora, meu filho não iria sair de casa sem seus documentos de
Investigador, sem revolver e sem talão de cheques, depois de deixar seu
Plantão, pois precisava identificar-se perante Juiz, no Fórum Criminal
Central, como já foi dito.
Ou os tais documentos de Investigador eram aqueles que haviam
sido apossados indebitamente por Alexandra (agora surgindo misteriosamente)
ou eram os mesmos que meu filho portava, quando foi preso, com os quais
nunca poderia ficar, na cela onde foi colocado, juntamente comigo – pois
isso seria o mesmo que condená-lo à morte e mandá-lo para a execução.
ALÉM DE HAVER CONTRIBUIDO PARA FORJAR PROVAS CRIMINAIS
O DEL. ACRL IRIA MENTIR EM JUIZO E QUEBRAR A INCOMUNICABILIDADE
COM AS "TESTEMUNHAS"– a seguir
.-.-.-.-.-.
ARBITRARIEDADES POLICIAIS
TORTURAS = INVESTIGAÇÃO “CIENTÍFICA” (?)
Aquelas sessões de perguntas se repetiam. Eu insistia – tirem as algemas
! batam na cara ! Eu queria que me deixassem marcas. Mas os policiais não
se deixavam enganar. Batiam daquele jeito – telefone – e eu ficava com os
tímpanos zunindo, e sem qualquer marca que viesse provar as torturas que
me infligiam. No fim das contas o procedimento policial era uma verdadeira
Investigação Científica. E eu nada podia fazer, só sofrer.
Apesar de não deixar marcas para serem constatadas em exame de
Corpo de Delito o efeito moral era enorme, degradante, humilhante. Eu não
acreditava que estava passando por aquilo. Parecia um pesadelo, que logo
489
iria acabar. Mas era pura realidade. Como eu nada respondesse e afirmasse
que queria ser levado perante um Juiz, os Delegados resolveram manter-me
preso. E, para tanto, foi enviado ao Juiz do D.I.P.O (Departamento de
Inquéritos Policiais) um ofício solicitando ordem judicial para minha Prisão
Temporária, a qual chegou somente no fim da tarde, quase noite (fui
verificar, anos depois). Foi a partir daí que o Del. ACRL me levou para
aquela pequena cela, na qual havia até uma mulher traficante e seus
parceiros, todos já condenados, aguardando remoção (verificação poderá ser
feita).
Em um daqueles primeiros três dias (não me recordo, porque o tempo
passava, sem saber as horas, se era dia ou noite) os policiais colocaram um
rapaz no “corró”. Ele nem bem chegou, agachou-se e, de cócoras, puxou
conversa comigo (era-lhe fácil localizar um velho, de barbas brancas). Ele
insistia em saber o motivo de minha prisão e queria saber detalhes. Assim
ele poderia, além de “ver” o velho, “ouvir” sua (minha) voz. Pouco tempo
depois, não muito, os policiais retiraram o rapaz de lá, o qual, logo ao
transpor a passagem da grade disse uma expressão, em tom perfeitamente
audível – “Não. Não foi ele”. Não ficamos sabendo quem era o rapaz, mas
deu para perceber porque ele havia sido colocado lá – para me identificar - .
No entanto o Delegado NÃO USOU aquela negativa (porque iria me favorecer)
Um breve parenteses, para análise –
Em “habeas corpus” impetrado no Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo os ilustres Desembargadores que apreciaram o pedido diziam que
“não acreditavam que Delegados de nossa Polícia fossem fazer isso para um
advogado” (sic). Suas Excelências tinham essa opinião porque, certamente,
nunca passaram por uma situação semelhante, nem visitaram, de surpresa,
na madrugada, uma Delegacia de Polícia. (por alguns cheguei a imaginar
como reagiriam, se passassem pelo mesmo).
Em Juízo, mais tarde, o Del. ACRL, como testemunha de acusação,
diria – “que Florivaldo era bem tratado, fôra colocado na Sala dos
Investigadores, até com algumas regalias, como telefonar.” porém o Del.
490
ACRL mentia descaradamente, pois até seu superior hierárquico, o Del.
Titular NSN, também em Juízo, contrariou aquela afirmação, ao dizer que:
“Florivaldo ficou preso no “corró” por cinco ou seis dias”, os quais,
na verdade, foram sete.
.-.-.-.-.
RETORNO AO ASSUNTO
“ARBITRARIEDADES”
Como eu – apesar de ser advogado, sexagenário, hiper-tenso, cardiopata
– tivesse sido submetido àquelas “sessões” de interrogatório (roda chinesa,
como diziam), ao ver meu filho chegando, empurrado para dentro do
“corró”, fiquei preocupado, imaginando que ele estivesse sofrendo os
mesmos “tratamentos” , porque eu vira outros presos serem retirados
daquela cela e, logo ao saírem, podiam-se ver e ouvir os murros ressonantes
que eram desferidos em seus ventres (boca do estômago).
Os policiais não podiam fazer aquilo, quer com os presos, quer conosco.
Era uma covardia, uma aberração. Por exemplo – até os Policiais Militares,
que trabalham na Corregedoria da Polícia Militar, que é a Polícia da
Polícia, quando são presos, não podem ser colocados entre outros presos,
mesmo que sejam presos militares, pois certamente não são bem-vindos,
transformando-se em vítimas de atitudes hostís e agressivas, por parte de
seus próprios companheiros de farda.
O mesmo ocorre com os Policiais Civís – não podem ser colocados
entre criminosos comuns, mesmo entre os que estejam “trabalhando” ou seja
os presos chamados de "faxinas" e que estão no "seguro", os quais,
certamente terão mais liberdade de ação, fazendo com que os policiais
presos sejam tomados como reféns e sofram toda sorte de agressões, até
podendo ser mortos.
Mas era essa a intenção dos Delegados, quando colocaram meu
filho no meio dos marginais. Essa atitude era não só UM VERDADEIRO
ABUSO DE PODER, mas também incitamento e favorecimento à prática de
crime - HOMICÍDIO DE POLICIAL – por parte de quem dera a ordem – com
toda evidência o responsável pelo Distrito Policial, o Del. Titular NSN, o
qual não se importava com as conseqüências de qualquer desfecho trágico.
491
Importava, para ele, isto sim, com aquela atitude, constranger a nós dois,
pai e filho, para que eu, o mais visado, acabasse assumindo a autoria
daquele crime.
Quando meu filho era retirado da cela eu ficava desesperado. Nem
queria pensar no que poderiam estar fazendo com ele. Eu entrava em
taquicardia. Queria gritar, queria chorar, e o fazia. Agarrava as grades e
me punha, mentalmente, a falar com Deus. “Ó meu Deus, que foi que eu fiz?
Porque estão fazendo isso com a gente?? Ajuda-nos! Não deixes que eles
façam mal p’ra meu filho!”...
E meu filho, quando voltava para a cela, dizia que nada lhe tinha
sido feito. Eu não acreditava, pensava que ele estivesse me ocultando algo. E
ele me dizia – “amanhã eles vão deixar a gente ir embora”. E, enquanto ele
estava fora da cela outros homens se aproximavam da grade, me chamando,
e diziam – “se o senhor assumir ele vai embora logo, afinal ele é nosso
colega”. E diziam mais – “se o senhor assumir o Titular vai mandar o senhor
p’ro 91, lá é especial, e quando terminarem os cinco dias da temporária o
senhor também sai”. E faziam outras propostas, parecidas. Eu retrucava –
“assumir o que?”. E, com isso, os policiais ficavam irados...
Meu afilhado, no dia de nossa prisão, por ser Policial Militar de
Trânsito foi removido para o Presídio de sua Corporação, sem ser
molestado fisicamente. Eu e meu filho continuamos presos, incomunicáveis,
sem visita, nem mesmo do Delegado Chefe da Equipe de sua Equipe. A
nossos amigos advogados e policiais ora informavam que estávamos
passando por exame de Corpo de Delito, ora que eu estava sendo encaminhado
para o 91º D.P. e meu filho estava sendo ou já havia sido transferido para seu
Presídio. E outros subterfúgios eram apresentados, enquanto, na realidade,
ainda estávamos no 5º D.P., INCOMUNICÁVEIS...
Meu afilhado, novamente requisitado por ofício do Del. Titular,
retornou ao 5º D.P. no dia 07/02/92, porém sempre negando ser ouvido, pois
insistia em se reservar o direito de comparecer em Juízo, para tanto.
Contudo, devido à insistência da autoridade policial e devido a
circunstâncias outras, de pressão sobre ele, acabou anuindo em ser ouvido,
sem nada esclarecer, pois ignorava qualquer fato, negando qualquer
participação sua em qualquer crime que tentavam lhe imputar. Pelo fato de
492
ser Policial Militar e sua escolta não se desgrudar dele, os policiais civís,
temerosos, não lhe tocaram um dedo. Porém comigo e com meu filho estava
ocorrendo de modo diferente.
Nesse mesmo dia 07/02/92 (terceiro dia de nossa prisão) eu,
cansado e com sono, procurei acordar meu filho, para um revezamento
(fazíamos, para evitarmos ataques de surpresa, pelos outros presos). Toquei
meu filho – filho, filho. – E nada. Ele estava frio, inerme, encolhido no canto,
no chão de cimento. Sem sinais de vida. ESTAVA DESMAIADO DE FOME !
Gritei mais uma vez - Filho! Filho! – agachado bem junto a ele. Nenhuma
resposta. Meu desespero foi enorme. Taquicardia. Adrenalina. Alucinado,
fui até a grade, que agarrei com as mãos, como que querendo quebrá-las, e
gritei, várias vezes –“CARCEREIRO !! CARCEREIRO !! –
O homem apareceu, bravo, perguntando aos gritos – que porra é essa ? que
‘tá acontecendo ? – Respondi – meu filho ‘tá desmaiado! tira ele daqui,
depressa! Chama um médico!
O Del. NSN, alertado, compareceu acompanhado de outros policiais
(era enorme o alarido que causávamos, eu e os outros presos, solidários
comigo, nessa hora). Para atender a meus rogos e súplicas o Del. NSN disse
várias frases, repetindo as “propostas” feitas anteriormente – “assume que
eu tiro ele daqui” - “vamos fazer uma estória livrando a cara dos dois” – “a
gente faz parecer legítima defesa” – e outras...
Na ânsia de ver meu filho socorrido, concordei – “’tá bom, eu assumo!
Tira ele logo daqui ! chama um médico !”
Foi levado para o andar de cima. Não me
deixaram acompanhá-lo, mas fui tranqüilizado por alguns policiais, que
afirmavam ter ele se recuperado e já estava até conversando. Disseram
também que lhe deram um copo de leite e um lanche, comprados no bar ao
lado do D.P. E que haviam chamado um médico, do Hospital do Câncer,
situado defronte ao Distrito.
Após esse incidente fui levado até a sala do Delegado Titular, para
“assinar” um Termo de Interrogatório, em que se dava ênfase a um ataque,
por parte de Ailton (Xuxa), acompanhado de “Bronco”, o que causara
minha reação (estaria assim caracterizada a “legítima defesa”). Nesse Termo,
E MEU FILHO FOI RETIRADO !
493
lembro-me muito bem, figurava o nome de uma advogada, em cujo cartão
estava escrito J.R. e endereço do escritório daquele M.T.B., o qual se
oferecera para me defender gratuitamente. Ela se justificou, dizendo – o Dr.
M. não vem a Distrito, quem vem sou eu -. Na rápida conversa que tivemos
ela insistia para que eu “assinasse” aquela “confissão”, pois facilitaria o
trabalho do Dr. M.. Eu relutava, não queria assumir um crime que não
cometera. A moça confabulava com o Del. NSN, aos cochichos, porém, pelos
gestos e algumas palavras, percebia-se que ela dizia ao Delegado – “ele é ...
ado, não quer confessar”. O Del. NSN tranqüilizou a moça – “deixa comigo,
depois ele assina”. Atendendo a pedido de minha “colega” assinei uma
procuração para o Dr. M.T.B. A moça retirou-se, frustrada e zangada.
Fiquei sabendo que o Termo de Interrogatório (que eu me recusara a
assinar) foi exibido a meu filho, (que a essa altura ainda estava sob forte
pressão psicológica e se recuperando do desmaio) a quem foi informado
pelos policiais que eu havia feito um arranjo com o Titular, para que ele fosse
transferido para o P.E.P.C. e que eu iria para o 91º D.P.. Disseram que “eu
estava assumindo a autoria do crime, de modo que os dois (meu filho e meu
afilhado) não fossem incriminados, e que, expirados os cinco dias da Prisão
Temporária, NÃO seria pedida a Prisão Preventiva.
Mesmo diante daqueles argumentos e da exibição do Termo, meu
filho ainda relutava em abrir mão de seu direito de apenas ser ouvido em
Juízo. E meu filho teria dito aos policiais (como depois explicaria em Juízo)
“que não acreditava que seu pai iria assinar a confissão de um crime, inda
mais sabendo que seu pai nada havia feito" . Porém, com o argumento,
segundo os policiais, de que seria considerado como legítima defesa e que o
Dr. M.T.B. seria o defensor de seu pai, único a ser denunciado (o relatório iria
ser feito de modo tal que eles não seriam incluidos na denúncia), meu filho
acabou concordando em ser ouvido e assinou um Termo de Interrogatório,
porém sempre negando, contrariando a pretensão inicial do Delegado. Meu
filho não aceitou ser incluído porque nada devia e, pelo que entendia, era
dessa forma que estaria sendo feito o “arranjo”. Depois que meu filho leu o
Termo ele foi levado de volta àquele cela, da qual fui novamente retirado e
levado para a sala do Titular. Novas insistências – assina e vocês vão embora
! -. Nova recusa – só assino se ele for para o PEPC – dizia eu.
494
O Del. NSN p r e c i s a v a daquela “confissão”, por isso acabou
concordando com minha exigência – à noite fomos levados, pai e filho
algemados um ao outro (como da vez anterior), para exame de Corpo de
Delito, a fim de demonstrar que não havia sinais (visíveis) de violência
contra nós (nenhuma reclamação fizemos ao médico, para não embaraçar
nossas transferências). Dali do I.M.L., meu filho, já encaminhado por ofício
desse dia 07/02/92, foi levado ao Presídio de sua Polícia, onde deu entrada às
22,30 hs. desse mesmo dia 07/02/92. Eu o acompanhava e, quando na salinha
dos policiais que o receberam, certifiquei-me com os mesmos de que ele
sairia dali somente por ordem ou requisição judicial. Fiquei tranqüilo.
Voltámos para o 5º D.P.
OUTROS CRIMES PRATICADOS PELO DELEGADO NSN
- SUPRESSÃO DE DOCUMENTO Art. 305 do CP
- FALSIDADE IDEOLÓGICA
Art. 298 do CP
- PREVARICAÇÃO
Art. 319 do CP
No entanto, outro ofício, datado do dia 05/02/92 (FALSO) foi juntado
aos autos do Inquérito, apesar de meu filho ter sido encaminhado somente
nesse dia 07/02/92, por meio de outro ofício, cuja cópia NÃO foi juntada aos
autos do Inquérito (FOI SUPRIMIDO PELO DELEGADO).
Esse ofício de 05/02/92 era para justificar a permanência de meu filho,
como tendo sido preso no D.P. apenas UM dia, como o Delegado NSN iria
depor, mentirosamente, em Juízo.
No dia seguinte – 08/02/92 – sábado – fui retirado do “corró” e levado
até a sala da Carceragem, ao lado, onde já se encontrava o Del. Titular. Este
exibiu-me um Termo de Interrogatório, que li, e, discordando dos termos e
dos fatos nele contidos, recusei-me a assinar. O Delegado NSN esticava as
pernas e mexia nos bolsos. Perguntei-lhe – o senhor está gravando ? -.
Naquele “documento” constava que eu estava sendo “assistido pela Dra.
J.R.”, aquela do escritório do Dr. M.T.B., cujas ausências (dele e/ou dele)
aleguei como um dos motivos para não assinar.
495
DIFERENÇAS TÉCNICAS PROVAM
AS FALSIDADES DOS DOCUMENTOS
Nesse Termo de meu Interrogatório havia uma discrepância –
constava a data do dia anterior - 07/02/92 - com o horário de 14,00 hs.,
enquanto que no Termo do Interrogatório de meu filho constava a mesma
data, com horário de 14,05 hs. .
Ora, era evidente que todo o conteúdo do Termo de meu
Interrogatório levaria pelos menos uns quarenta e cinco minutos, entre
perguntas, respostas e datilografação, daí sendo impossível se elaborar o de
meu filho naqueles cinco minutos de espaço temporal. Em ambos os Termos
constava que haviam sido feitos pelo mesmo Delegado e pelo mesmo
Escrivão. O meu era evidentemente forjado (como sempre aleguei,
insistentemente).
O Delegado NSN informou-me que tinha em seu poder um cheque (ou
cópia) de minha emissão, no valor de CR$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros,
equivalentes a pouco mais de dois dólares) e que ele iria dizer que tal título
havia sido apreendido naquele Posto da av. Ricardo Jafet (pois eu lhe havia
dito o que eu havia feito, naquele dia 30/01/92, inclusive o abastecimento, feito
por volta das 18,30).
Porém eu sabia que com cheque de igual valor eu havia comprado
revistas na Banca de jornais, situada na esquina da rua Taguá com a rua
São Joaquim, na mesma calçada de meu restaurante e do cortiço (soubemos
mais tarde que os donos da Banca faziam parte de um bando de traficantes e
que, pelo menos duas das que possuíam - aquela da rua Taguá e outra, quase
defronte ao Hotel Nikkey,na rua Galvão Bueno, serviam de pontos de tráfico
para escolares, secundaristas, vestibulandos, e até para universitários, alunos
dos diversos estabelecimentos de ensino da região, sendo que um deles, como
já foi dito, era amante de minha ex-cozinheira, Geralda Dutra Mantone).
Neste trecho se pode rememorar aquele incidente da colocação de
um rapaz no "corró". Podia ser que ele era uma verdadeira testemunha, que
disse - "não, não foi ele", referindo-se a mim com relação a alguém que lhe
496
teria entregue o cheque, naquele posto de gasolina (se é que era verdade o
que o Delegado dizia) ou, conforme alguns comentários feitos fora da cela,
naquele dia, tal rapaz seria um funcionário do Pedágio da Via Anchieta, por
onde deveria ter passado o carro que estaria com Xuxa em seu interior (cujo
corpo, segundo Laudo pericial, foi encontrado logo depois daquele Pedágio, no
sentido São Paulo - Litoral).
A obtenção daquela minha "confissão" representava a prática, pelo
Delegado NSN, do CRIME DE PREVARICAÇÃO, ou seja, era para satisfazer
seus próprios interesses pessoais – notoriedade, para ser promovido, como de
fato foi, em razão do esclarecimento de nosso caso -.
Isso sem levar em conta que estaria satisfazendo também os interesses de
Alexandra...
DESASSISTIDO POR ADVOGADO – O QUAL, PORÉM
COBROU SEUS "HONORÁRIOS" (?)
Como, pouco antes de minha prisão, eu havia dito a minha mulher
sobre aquela minha visita ao escritório daquele advogado Dr. M.T.B., ela
procurou pelo mesmo e ficou sabendo que ele pretendia, pelo fato de sermos
colegas, cobrar honorários de apenas US$10.000,00 (dez mil dólares), para
acompanhamento da instrução e defesa em plenário, com a condição de que
eu assumisse a autoria do crime, para ser usada a tese de legítima
defesa...(?!)
Em virtude dessa visita de minha mulher foi enviada aquela
advogada J.R. (se realmente ela o era) uma vez que, segundo ela, o Dr. M.
não comparecia em Delegacias. Por esse motivo aquela jovem insistia para
que eu assinasse a confissão.
Como eu relutasse em aceitar essa proposta ela se retirou da
Delegacia. Era sexta-feira, dia 7 de fevereiro de 1922. Pelo fato de que o
Delegado pensava que eu iria assinar espontaneamente não havia sido
datilografado no Termo nenhum nome de advogado (para não parecer que
havia sido um Termo "preparado"). Eu iria assinar o Termo, já pronto,
497
somente na segunda-feira, dia 10, e o faria pelo constrangimento que me
causaram. No Termo, rubricado no dia 10, consta apenas uma rubrica de
outra advogada...que sequer estava presente... (seu nome não foi
datilografado na peça). Após a assunção (?!) da autoria do crime, como o
Delegado queria e como conseguiu obter fui transferido para o 91 D.P. ( tido
como especial ...)
Por aquela rápida "visita" feita pela primeira advogada e pelo fato de
que ela levou aquela procuração que assinei, para receber a solidariedade
profissional (eu ignorava que meu colega estava se valendo da situação para
cobrar honorários) o "Escritório Dr. M.T.B." enviou para minha mulher
(enquanto eu me encontrava preso) uma carta de cobrança por serviços
prestados (?!) no valor de US$3.450,00 (três mil e quatrocentos e cinqüenta
dólares), ou seja uma mera visita para recebimento de uma procuração (que
nunca foi utilizada...).
Procurado por minha mulher, nesse 91 D.P., examinei a carta/cobrança e
recomendei-lhe que não fizesse qualquer pagamento e que fosse conversar
com o advogado. Ela assim procedeu e deixou claro que ele não se
interessara pelo caso, que nada havia feito e que, se ele quisesse receber por
algo que ele não fez que ele fosse a Juízo (até hoje, apesar de ser uma
quantia alta para ser desprezada, nenhuma cobrança jamais foi feita...).
Essa cobrança era a solidariedade que eu estava recebendo daquele
colega...
.-.-.-.-.-.-.
SOLIDARIEDADE VERDADEIRA... ENTRE PRESOS
Havia presos chamados da faxina ou boieiros da cadeia (faziam a
faxina externa das celas e "pagavam" a "bóia" aos
demais presos).
Em um daqueles primeiros dias que passei no "corró" um faxina,
sabendo que não estávamos recebendo alimentação, aproveitando-se da
ausência do Carcereiro, olhou pela portinhola por onde passavam alimentos
e objetos e me perguntou = "ô tiozinho, 'tá com fome ?". Olhei em sua
498
direção, sem nada responder. "Qué um lanche, tiozinho ?", continuou ele.
Balancei a cabeça, confirmando que sim. "'pera aí que vô pegá...". Meu filho
não estava na cela. Era uma das ocasiões em que um de nós era retirado
para aqueles interrogatórios... O faxina voltou. Colocou a mão para fora e
atirou-me um daqueles jantares especiais (assim constava na Nota Fiscal) era um lanche de pão dormido, com uma fatia de mortadela -. Como seu
braço e seu ombro lhe vedassem a visão, quando do arremesso, o lanche
atravessou a distância entre nós, de mais ou menos três metros, caindo ao
chão, sem que eu tivesse condições de apanhá-lo. Naquele momento a cela
do "corró" estava vazia. Tive uma idéia - tirei minha calça e com ela
procurei arrastar o lanche até perto da grade, quando o agarrei... Eu
parecia um animal enjaulado, pegando migalhas que se lhe fossem
atiradas...Tão logo peguei o lanche nem mesmo me preocupei em vestir as
calças. Dividi o lanche em duas partes - meu filho também não comia havia
alguns dias -. Apesar de não comer pão nem gostar de mortadela, eu ia
devorando, em duas ou três mordidas... eu estava com fome, com muita
fome...!!!
VOLTANDO AO MEU "INTERROGATÓRIO"
No sábado, pela manhã, devido às minhas recusas em "assinar" aquele
Termo de Interrogatório, o Delegado Titular determinou ao Carcereiro que
abrisse a porta de entrada para a galeria que dá acesso aos xadrezes, onde
estavam cento e doze presos da mais alta periculosidade, e fui empurrado,
pela nuca, pela própria autoridade, o qual me apresentou aos presos ali
presentes (cinco ou seis faxinas) com a expressão - "este aqui é pé-de-pato
!..." e bateu a porta atrás de mim, com um barulho ensurdecedor...
O Delegado agia contra mim da mesma forma que fizera contra meu
filho. Se, por um lado, um "ganso" é detestado pelos marginais (e meu filho
não era "ganso") um "pé-de-pato" não fica atrás, como vou explicar...
Aqueles presos, alguns de porte físico avantajado, criminosos já
condenados, caminharam calmamente, em minha direção, como um
"Comitê de recepção", porém, por causa daquela expressão usada pelo
Delegado, estavam sendo induzidos, com a clara intenção de me agredirem.
Um deles perguntou - "ah, então você é pé-de-pato, hein ?". Como eu havia
499
aprendido com velhos Mestres orientais algumas maneiras de desencorajar
ataques, usei uma delas, agachando-me de cócoras, e respondi, perguntando
- "que é pé-de-pato ?" (eu realmente não sabia). Os homens retrucaram "ah, você não sabe, né? ". Eu lhes disse então que era advogado. Outro
perguntou - "então se você é advogado que 'cê 'tá fazendo aqui?" (até eles,
presos, sabiam que eu não podia ser colocado ali). Continuei - "sou advogado
de família, não falo gíria...". Um deles adiantou-se e me esclareceu - "pé-depato é justiceiro, matador de ladrão...eu sou ladrão, vem me matar, vem...".
Então dei-lhes nova explicação - "ah, então não sou isso, não. O Delegado
falou que sou isso porque não quero assinar uma confissão...". Nova
pergunta - "você é mesmo advogado ?". Respondi - "claro, posso até ajudar
vocês, é só me darem seus nomes, números dos processos e as Varas...quando
eu sair daqui vou ver p'ra vocês...". Isso mudou suas atitudes e foi minha
salvação. Um deles falou que ia buscar uma folha de caderno e uma caneta,
para que eu pudesse fazer as anotações. Um outro disse –
"doutor, é bom o senhor fazer uma gritaria, p'ros homes
pensar que o senhor 'tá levando umas porradas...".
Achei a idéia interessante (era mais uma demonstração de verdadeira
solidariedade entre os presos) e, meio sem jeito, comecei a gritar, como se
estivesse apanhando, ao mesmo tempo em que pedia socorro, clamando pelo
Carcereiro. Este, é claro, não veio. Nem se abalou em procurar verificar
aquela gritaria. Nem era preciso, pois ele já sabia o que estaria
acontecendo... Depois ele verificaria, pensei. Porém ele não apareceu. Algum
tempo depois ele viria perguntar o que estava pegando (acontecendo), mas já
seria tarde...
O alarido chamou a atenção dos demais presos, que se amontoavam
nos seis xadrezes (cento e doze, no total, como constava na Nota Fiscal de
alimentação), e alguns surgiram, para verem o que estava "rolando". A
notícia de que havia um advogado preso espalhou-se e muitos vieram
conversar comigo, mas apenas vinte e quatro deles me forneceram seus
dados. Constatei que alguns deles já tinham direito a receber benefícios,
mas não tinham advogados nem familiares, outros nem sabiam se já haviam
cumprido suas penas e muitos estavam aguardando julgamentos "a cara do
500
tempo", isto é, já fazia alguns anos, pois é costume dos Promotores pedirem
a prisão preventiva, que dura dois anos, e é renovada por mais dois.
Somente no fim de quatro anos o preso é julgado e ... muitas vezes é
absolvido, tendo ficado preso injustamente...
CRIMES ... PRATICADOS... PELOS DELEGADOS
O Delegado Titular, que havia determinado a colocação de meu filho,
policial civil, naquele "corró", entre marginais condenados, com verdadeiro
risco de vida, e que acabara de me colocar naquela situação idêntica,
constrangedora, havia incorrido na prática de vários crimes - um deles o de
"expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente", no caso
nossas vidas, minha e de meu filho, eu advogado ele policial.
É óbvio e notório que, se ladrões e outros criminosos, quando estão em
liberdade, são inimigos mortais dos policiais e dos "justiceiros", certamente
o são, também, com mais ímpeto, se, quando presos, tiverem um ou outro
nas mãos (em casos de rebeliões, os policiais e carcereiros que se encontram
no interior das Delegacias ou prisões, quando são tomados como reféns,
sofrem torturas e até são mortos). É muito mais grave a situação de um
policial que, por ação criminosa de seu superior, por prevaricação (outro
crime - ação ou omissão de ato de ofício, com interesse próprio ou de favorecer
alguém), é colocado na prisão, entre marginais, antes mesmo de sequer ser
interrogado, antes de ser processado, antes de ser julgado e antes de ser
condenado por sentença definitiva, com trânsito em julgado (mesmo assim
não pode ser colocado junto a outros criminosos, por isso tem seu próprio
Presídio) pois estaria sujeito a ser linchado, trucidado...
Era muita sanha, muita irresponsabilidade daquele Delegado, pois
meu filho acabara de deixar o Plantão, como Investigador, e o Delegado
sabia disso (naquela Portaria elaborada no dia 1º de fevereiro/92, quatro dias
antes de sua prisão, já constava essa qualificação). E, quando de sua prisão
sua Carteira de Investigador e sua arma (do Estado) foram apreendidas pelo
mesmo Delegado MGM, (será que sua arma e sua Carteira funcional não
teriam sido colocadas dentro de uma pasta preta, para simularem que não
sabiam que ele era Investigador?... ora, ele podia ser identificado com um
501
simples telefonema para seu superior hierárquico, após alegar sua condição de
policial...).
Quanto a mim eu não era pé-de-pato e sim advogado, com
prerrogativa de não ser preso senão em Sala Especial de Estado Maior,
antes de sentença condenatória irrecorrível (assim dizia a lei, a qual
constatei, era mais uma lei de merda, apenas no papel...)
Porém o Delegado NSN tinha um compromisso pessoal com a
Imprensa. Ele já havia dito aos repórteres, no dia 06 de fevereiro/92 que "os
acusados já haviam confessado o crime" e, visando cobertura para suas
afirmações, ele precisava, maquiavelicamente, obter uma confissão, não se
importando com os meios - abuso de autoridade e até da violência dos presos,
e não sua, pessoalmente.
E a Divina Providência se fez presente. Os presos nada fizeram de
mal para mim - até me deram comida e me arranjaram um colchonete, no
fim do corredor, fora dos xadrezes, num canto chamado de "seguro" ou
"garantia de vida". Na manhã de domingo, por ser dia de visita e para evitar
que eu tivesse contato, fui retirado dali e levado de volta para o corró, em
cuja grade foi colocado um cobertor, para não ver nem ser visto (essa
colocação diminuía ainda mais a falta de luz e de ar...). Mas eu não me
importava. Eu continuava resistindo. Meu filho estava são e salvo em seu
Presídio (pelo menos eu assim pensava...). Mas a verdade era outra...
MAIS FRAUDES, VIOLÊNCIAS E ARBITRARIEDADES
Na manhã de segunda-feira, dia 10 de fevereiro/92, fui levado à presença do
Delegado Titular, em sua sala. Era para eu assinar o Termo de
Interrogatório. Nova recusa. Consegui ver, na ante-sala, ou sala do
Delegado Assistente, a figura de um advogado, na época Presidente da
ACRIMESP (Associação dos Advogados Criminalistas de São Paulo). Mesmo
algemado fui até ele, de repente. Os policiais não puderam me impedir,
apenas ficaram observando. Segurei as mãos de meu colega e lhe disse,
chorando - eles querem que eu assine uma confissão por uma coisa que não
fiz. O colega me adiantou - "assina, assim ele libera você...em Juízo você
derruba, porque não tem valor probatório". Perguntei-lhe se ele concordava
em ser minha testemunha em Juízo, para afirmar que eu estava sendo
502
constrangido em assinar. Pode contar comigo... disse ele e foi cuidar de seus
interesses outros, motivos de sua ida àquele Distrito. Fiquei novamente à
mercê do Delegado (de fato ele iria depor, porém de forma diversa do que
havia presenciado, pois não queria se indispor, uma vez que ele tinha interesse
em ser indicado para integrar o Tribunal de Alçada Criminal, como de fato
foi...).
ERA MAIS (OU MENOS) UMA SOLIDARIEDADE (?!)
DE ADVOGADO PARA COM ADVOGADO
Porém, mesmo com aquelas palavras de meu colega eu não queria
assumir tamanha responsabilidade de autoria de um crime. Eu pensava
comigo - mesmo que eu devesse eu não devo falar na Polícia, pois tenho o
direito de ser ouvido em Juízo e mais, afinal existe aquele princípio latino de
que "nemo turpitudinem suam propriam allegat" (ninguém alega sua própria
torpeza). Por essas razões também eu não o faria. Eu aguardava a solução do
impasse quando o delegado me ordenou, irado - "se você não assinar vou
jogar seu filho p'os leão (sic) ". Retruquei - "o senhor não pode fazer isso...ele
'tá no PPC". O Delegado disse que estava começando a se irritar e ordenou
a seus beleguins - "tragam o filho dele aqui, vamos ver como é que é". Eu
pensei que ele estava blefando, quando os policiais - dois homens
truculentos, broncos - deixaram a sala. Logo eles retornaram, trazendo meu
filho, algemado com as mãos para trás. Um deles, à direita, segurando as
algemas com a mão esquerda, enquanto que o outro, com à esquerda, com
sua mão direita, pressionava a nuca do "prisioneiro", curvando seu corpo
franzino para a frente e para baixo (meu filho havia sido requisitado pelo
Delegado, naquela mesma manhã, por ofício, para procedimentos policiais e
viera escoltado por aqueles dois).
Ao ver aquela cena tive um sobressalto, meu coração disparou.
Mesmo estando algemado avancei em direção aos policiais, gritando - solta
ele ! solta ele ! . Apesar de velho e enfraquecido encontrei forças para
aquele gesto, porém fui contido pelo Chefe dos Investigadores (o qual,
embora fosse de baixa estatura, era muito forte) e pelo Investigador que se
encontrava à esquerda de meu filho, o qual aproveitou para ficar ereto.
503
Depois que fui seguro e forçado a me sentar, o policial novamente
encurvou meu filho, mas o Delegado ordenou - deixa ele ! -. Mas o policial
ignorou a ordem, fingindo que não ouviu. Aproveitei e gritei, rapidamente,
para meu filho - filho, eles querem que eu confesse um crime senão vai jogar
você no xadrez! Meu filho respondeu - não assina não, pai, eles não vão fazer
nada !
Ao ouvir isso o policial que estava à sua direita, com a mão direita aplicoulhe violento tapa na boca, de baixo para cima, gritando - cala a boca, ó cara !
Eu gritei para ele - não faça isso seu covarde ! O Delegado interveio - deixa
ele, o negócio é com o pai dele -. E, voltando-se para mim perguntou - você
vai assinar ou não ? -. O tapa foi tão forte que meu filho abaixou-se, talvez
entontecido, já com o nariz sangrando. Eu continuava na poltrona, seguro
pelo Chefe dos Investigadores. "NÃO !", respondi. Meu filho, se queria
dizer alguma coisa, não mais o fez. Calou-se. Devido a minha resposta
incisiva o Delegado ordenou, rispidamente - leva ele p'ra baixo e joga p'ros
leão ! (sic). Os policiais saíram, levando meu filho. Gritei para o Delegado 'tá bem, eu assino! eu assino! não façam nada p'ra meu filho !!-. Levantei-me
em direção à mesa do Delegado, mas fui dizendo, como se pedisse permissão
- primeiro quero ver ele - e cheguei até a porta, de onde pude ver, a uns vinte
metros, a figura de meu filho, sendo arrastado, com os dois pés para trás,
corpo pendido para a frente ... (certamente ele ainda estava entontecido... ou
havia levado outra pancada). Não agüentei e gritei para os policiais, dali
mesmo, com todas as forças - traz ele aqui, eu vou assinar!, eu vou assinar !!-.
O Chefe dos Investigadores aproximou-se, forçando-me a entrar, dizendo
calma, calma, eles vão trazer ele e gritou para os dois “policiais” - tragam ele
de volta ! -. E os homens voltaram. Tiraram as algemas de meu filho, que
parecia estar bêbedo, ou tonto... "Seu pai é durão, hein ? ele deve gostar
muito de você, mas agora 'tá tudo bem" disse o Delegado. E continuou agora você vai voltar para o PPC e seu pai vai p'ro 91. Lá tem até geladeira ...
O Delegado Assistente aproximou-se, dizendo - Assina aqui e aqui apontando-me os locais em umas folhas datilografadas, que já continham
algumas assinaturas. Apenas tentei fazer minha rubrica, pois estava com
minha taquicardia a mil. Comentei com o Delegado - estou tremendo muito
por causa do que aconteceu e porque estou com fome... Ouvindo isso o
Delegado Titular perguntou se queríamos um lanche. Meu filho recusou,
504
agradecendo. Eu aceitei. O Delegado mandou que buscassem um lanche e
um refrigerante, no bar ao lado do Distrito. Enquanto eu aguardava
levaram meu filho para a sala dos Investigadores, já sem as algemas...
Quando o lanche chegou, apesar de não comer pão, devorei-o como um
animal, molhando a boca com refrigerante, que eu não podia tomar.
Levaram-me de volta para a cela, onde ficaria até a noite, quando
novamente fui levado para exame de corpo de delito, para provarem que eu
não havia sofrido lesões, e sem o qual eu não poderia ser transferido para o
91, cujo Delegado não me aceitaria, sem que eu tivesse passado pelo exame.
Meu filho também iria comigo, para ser submetido a tal exame, para que
pudesse ser devolvido a seu Presídio, são e salvo, sem marcas de violência
(?)...
UM BREVE COMENTÁRIO, PARA DIRIMIR DÚVIDAS
Algumas perguntas e suas respostas irão esclarecer muita
coisa - vejamos:
P - Ora, o acordo não era para me mandar para o 91, se eu assumisse ?
P - Se, realmente, eu já tivesse sido ouvido, na sexta-feira, por
que então o Delegado tinha que me manter em sua cadeia,
desde 6a feira (07/02/92) até a 3a feira (dia 11/02/92) data
em que realmente fui transferido ?
As respostas são claras:
R - eu não assinei nenhum documento no dia 07/02/92
R - eu "rubriquei" o Termo de Interrogatório somente
no dia 10/02/92 (como será demonstrado, a seguir)
OMISSÃO E PREVARICAÇÃO DOS POLICIAIS
Muito embora eu tivesse repetidas vezes me referido ao “Bronco”, desde
o fato do homicídio de José Ibiapina até a conversa sobre minhas netinhas e
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também porque o mesmo figurava no Termo de Interrogatório, o Del. N.
não se empenhou em ouvi-lo. Isto é, “Bronco” foi procurado (o que ele
dissesse iria contrariar frontalmente minha “confissão”) porém os policiais
informaram que “não haviam localizado tal pessoa”. E ficou nisso. Ora, se o
mesmo havia participado de uma agressão contra mim, como pretendia o Del.
N., era imprescindível que fosse ouvido em Termo, porém não houve
qualquer interesse e nenhum esforço foi feito para tanto. Prevaricavam.
Com essa omissão continuava a prevalecer minha confissão, na qual
estavam envolvidos os dois rapazes.
TRANSFERÊNCIA PARA ” PRESÍDIO ESPECIAL”
Depois daqueles suplícios que sofri, fui transferido para o 91º Distrito
Policial, onde cheguei “recomendado” pelos policiais que me levaram. Não
havia lugar para mim. Fui colocado no xadrez de número quatro – pequena
cela, com 1,60m X 3,60m, para apenas três camas (feitas com madeira de
caixões de defunto, porque um agente da funerária havia ficado preso e seus
colegas as mandaram fazer), sem armários, com uma pia, vaso sanitário no
chão e chuveiro, que imediatamente usei, pois fazia uma semana que eu não
tomava banho nem escovava os dentes. Como não houvesse cama nem
colchão tive que dormir em um colchonete emprestado por um dos presos
(Vereador de uma cidade da Grande São Paulo. Curiosamente o Promotor que
nos acusaria em Plenário tinha o mesmo sobrenome daquele preso, o qual iria
estar presente ao nosso julgamento). Precisei colocar o colchonete no chão,
na entrada da cela. Deitei-me, cansado, sem travesseiro, sem cobertas. E
fazia frio, muito frio. O prédio era todo feito de concreto, parecendo até
uma geladeira (como o Delegado NSN dizia, ali havia “até geladeira”, só não
explicou que era a própria Cadeia). Eu não conseguia dormir. Quando um
dos presos precisava ir até o banheiro ou ao corredor, passava por cima de
mim, chegando a pisar em minha barriga.
No dia seguinte permitiram-me que ligasse para casa, a fim de
informar e pedir que me levassem alguma coisa, sendo que, à noite, minha
filha e minha mulher compareceram, levando roupas, artigos de higiene e
algum alimento e um colchonete mais espesso que aquele emprestado.
506
Imediatamente comi alguma coisa. Na segunda noite, para não ser pisado,
fui dormir no corredor que liga as celas, tendo no meio o famigerado
“corró”. Um sujeito gordo, de nome Simcka, que se dizia advogado,
convidou-me para ocupar um espaço entre duas camas, no xadrez que ele
ocupava. Ele parecia ser amigo, mas seu interesse, descobri algum tempo
depois, era nos alimentos que eu havia recebido (frutas, bolachas, aveia, mel
e doces) de difícil e cara obtenção. Só que havia um pormenor – o gordo não
pedia. Esperava que eu dormisse e, sorrateiramente, comia das guloseimas,
até que foi descoberto. “Pode comer, mas peça antes”, disse eu. Ah!, p’ra
que eu fui dizer aquilo. O Gordo irou-se. “Aqui dentro tudo se divide” (só que
ele, para dividir, tinha só a boca). Depois dessa desavença não mais
conversámos. Ficou meu inimigo.
No Distrito havia de tudo – intrigas, dois ou tres televisores
ligados em canais diferentes, fumaça, ferramentas etc.
Alguns dias depois fui procurado por um advogado de nome A.G.
(diziam que ele era primo do Delegado Titular daquele 5 D P ), acompanhado
de uma jovem senhora, meio gordinha, que se dizia advogada. Eu a vira no
5º D.P., sentada em cima da mesa do Delegado Titular, com as pernas
cruzadas, conversando com o mesmo. Esse advogado se apresentou dizendo
que havia sido contratado por minha mulher e que já havia recebido o
pagamento de quinhentos dólares, para pedirem a libertação do ”colega”
(eu). Com essa apresentação e com aquelas explicações, mais o estado de
desespero em que eu me encontrava, não tive dúvidas em entregar aos
“advogados” uma minuta de pedido que eu mesmo havia elaborado e uma
procuração para que ele pudesse peticionar em meu nome. Mas eu estava
sendo vítima de um engodo – os “advogados" foram até a casa de minha
filha, onde estava minha mulher, a quem exibiram a procuração assinada,
alegando que eu os havia contratado, pois confiava neles, e que precisavam
receber adiantadamente (ora, já não haviam sido pagos?), além de pedirem a
assinatura dela em um “contrato” em dólares, para me prestarem
assistência (?!). Depois fiquei sabendo por minha mulher que ela nunca os
vira nem falara com eles, antes daquele encontro em que ela foi procurada
por eles.
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Os “serviços” consistiam em pedirem minha liberdade
provisória, ou, caso a mesma fosse negada, impetração de uma ordem de
“habeas corpus” (uma vez que era direito meu não ser preso antes de
sentença definitiva...) pois não havia no Estado de São Paulo uma única Sala
de Estado Maior, disponível para prisão de advogados...
O valor do “contrato” era de US$4.000,00 (quatro mil dólares),
exorbitante, que dava para pagar os serviços totais de defesa, desde o
interrogatório judicial até a sustentação oral, em plenário, pelo menos para
eles, “advogados” principiantes. O pedido que eu preparei foi meramente
datilografado por A., que juntou alguns documentos favoráveis, e o Juiz
J.J.D., embora contrariado, despachou concedendo-me o direito de ficar em
Prisão Albergue Domiciliar, sem restrições, podendo me locomover até
hospitais, médicos, tribunais e repartições públicas. Eu disse “contrariado”
porque é evidente no despacho exarado a observação do magistrado –
Lamentavelmente não há no Estado de São Paulo prisão para advogados... -.
(S.Exa. gostaria que tivesse...). Esse Juiz esquecia-se que qualquer pessoa,
até um seu colega, podia estar em situação idêntica (lembram-se da espada
de Dâmocles?) só que com uma diferença – com um Juiz jamais a Polícia
agiria daquela forma e Juiz tem foro privilegiado, sequer é julgado pelo
Tribunal Popular, em caso de Júri, nem por outro Juiz, mas sim pelos
Desembargadores do Tribunal ao qual pertence). No entender daquele Juiz,
dizer que o advogado teria privilégios era, portanto, uma incongruência...
De qualquer forma, na noite de 28/02/92 fui transferido para
minha nova prisão – minha residência –. Fui recebido por minha mulher, que
assinou Termo de Responsabilidade, agora como minha nova Carcereira.
Eu havia ficado preso, sofrendo toda sorte de humilhações, por vinte e três
dias... mas era um alívio. Parecia que as coisas estavam caminhando para
melhor...
Já no dia seguinte voltei a minhas atividades normais, tanto no
restaurante, onde fazia de tudo, como na advocacia, mais precisamente nos
processos que me tomavam o restante do tempo – aqueles que eu movia
contra Alexandra, na esfera cível -. Quanto ao processo criminal que eu
passaria a responder, dei pouca importância, pois estava ciente e consciente
de que nada devia à sociedade. Precisava, isto sim, tirar os dois rapazes da
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prisão, para poderem continuar seus estudos e seus trabalhos, até o dia de
apreciação, pelo Juiz do 1º Tribunal do Júri, para dar sua sentença de
Impronúncia, ou de absolvição, pelo Júri popular, se fôssemos levados a
julgamento...
ADVOGADOS QUE SE INSINUAM
Eis que, sem terem sido chamados ou procurados, surgem, perante
meu filho, no PEPC, e meu afilhado, no Romão Gomes, is, aqueles mesmos
advogados que haviam estado no 91º D.P. – A.G. e M.E.M. (a assinatura
desta constava no Termo de meu pretenso Interrogatório. Se ela realmente
tivesse estado presente os policiais não teriam agido daquela maneira...).
Ambos foram até o P.E.P.C., e conseguiram uma procuração de meu filho,
induzido pelo ardil da exibição daquela procuração que eu havia assinado.
Da mesma forma agiram com meu afilhado. Os dois “outorgaram” poderes
a ela, para impetração de “habeas corpus” (para tanto não havia necessidade
de tais procurações, mas a “profissional” queria ter documentos em mãos, a
fim de poder cobrar de minha mulher...).E tais poderes eram exclusivamente
para tal serviço, porque, para defesa em plenário não havia credibilidade,
recém formada que era.
Tal impetração foi mal argumentada, não houve sustentação oral e
a ordem foi negada (para muitos criminosos, em casos idênticos, ou de maior
gravidade, a ordem é concedida...). Os Desembargadores ficaram
impressionados com as “placas frias”, com o “arsenal” e, pelo fato de serem
ambos policiais, considerados “perigosos”.
.-.-.-.-.-.
Aquela Geralda, que havia trabalhado em meu restaurante apenas seis
meses (descobri depois que era seu costume trabalhar períodos pequenos e em
seguida criar motivo para abandono ou demissão, ensejando direito a
apresentar reclamação trabalhista e receber Seguro do "desemprego")
compareceu na Corregedoria da Polícia Militar – um lugar que poucos civis
conhecem - para ser ouvida no Inquérito instaurado para apuração de
eventual envolvimento de Marcelo, naqueles fatos. Geralda não compareceu
atendendo intimação, mas sim “espontaneamente”, isto é, foi “levada por
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alguém”. E uma grande “coincidência” era que pelo menos um dos
advogados de Alexandra trabalhava no Departamento Jurídico da Caixa
Beneficente da Polícia Militar, ao lado daquela Corregedoria e outro era
parente de um Coronel. Apesar de pretender o Inquérito averiguar possíveis
envolvimentos de meu afilhado, Geralda foi levada apenas para tentar
incriminar a mim e chegou a dizer que “Florivaldo já havia matado
dezessete pessoas !” e disse também que “Florivaldo a obrigara, sob ameaça
de arma de fogo, o dia todo, a trabalhar no dia 06 de janeiro de 1992”. Ela
disse mais – “que no dia 07 de janeiro de 1992 ela pediu Inquérito contra
Florivaldo, para apuração daqueles crimes”. (Vide a mentira, adiante)
ERA TUDO UMA GRANDE FARSA, MAIS UMA PARTE DA CONSPIRAÇÃO DE
ALEXANDRA (e seus advogados) dirigida especificamente contra mim. Eram
mentiras arranjadas por alguém interessado em me prejudicar. Essas
alegações de Geralda eram tão mentirosas e tão inverossímeis que o
Promotor Público nem se dignou em mencioná-las. De se esclarecer, em
verdade, que Geralda havia gozado férias desde o dia 15 de dezembro/91 até
o dia 04 de janeiro/92 (mesmo sem direito a elas, pois não contava seis meses
de firma) e não mais retornou ao trabalho, tendo apresentado Reclamação
Trabalhista contra meu restaurante (realmente ela pediu instauração de
Inquérito, porém depois que saiu nos jornais a notícia de que estaríamos
envolvidos naqueles fatos que nos tentavam imputar, ou seja no dia 07/02/92 .
E o fez para alicerçar aquela Reclamação Trabalhista. Seu advogado me
disse que se eu entrasse em acordo ela “retiraria” a queixa...).
Ora, se Geralda não mais foi trabalhar ela jamais poderia ter sido
vítima daquela ameaça, principalmente por um período de tantas horas,
inda mais que não ela não trabalhava só, pois era acompanhada de
ajudantes, de copeira, de faxineiros... Será que ela não precisava ir ao
banheiro, e eu ao Caixa, etc. ?
MÃE DE AILTON (Xuxa) VÍTIMA DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO
- COINCIDÊNCIAS -
Poucos dias depois que deixei o 91º DP aconteceram uns fatos
criminosos muito graves, que interessavam para nossa defesa, os quais,
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infelizmente, não foram bem aproveitados pela defesa. A mãe de Xuxa vivia
amasiada. Ambos possuíam em comum um carro da cor de um dos meus –
marrom - .
Seu amasio não se dava bem com Xuxa. O casal estava separado,
porque o homem havia brigado com Xuxa, por motivos ignorados. No
começo de março desse ano, na residência da mulher, o amasio, utilizando
uma arma automática, de calibre 7,65 (semelhante ao projétil
retirado do corpo de XUXA), desfechou dois disparos contra sua
companheira, e fugiu. A mãe de Xuxa não foi atingida e chamou a Polícia,
entregando-lhes os projéteis disparados, e levou os policiais até o local
habitado pelo agressor. Ali ela apontou onde seu amasio guardava uns
papelotes de cocaína, que foram apreendidos.. Foi instaurado Inquérito no
6ºDP. ISSO VINHA DEMONSTRAR QUE
tinha havido um desentendimento entre o homem e Xuxa
o homem possuía uma arma de igual calibre da arma que matou Xuxa
o homem era traficante de drogas
a mãe de Xuxa era traficante de drogas
Xuxa era traficante de drogas (igualmente a seu concunhado FIA)
.-.-.-.-.
OUTRA COINCIDÊNCIA
Depois de alguns levantamentos, foi constatado que HAVIA UM
CARRO, DA MESMA MARCA, DI MESMO MODELO, COM PLACAS
IUDÊNTICAS ÀS DE MEU CARRO – UA-1313 NACIDADE DE
RIBEIRÃO PRETO. Juntamos o comprovante, mas ninguém se importou
com isso.
DESÍDIA DO DEFENSOR – PREVARICAÇÃO DO JUÍZ
Nosso defensor não deu importância a esses fatos, desprezando os
documentos que lhe entregámos. Insisti na realização de exames periciais de
confronto entre os projéteis apreendidos e aquele que havia sido retirado do
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corpo de Xuxa. O Juiz indeferiu o pedido, por incompatível exame com
projétis de outros crimes. O defensor ficou omisso. Era uma prova
desprezada...
MAIS ARBIRARIEDADES POLICIAIS COMIGO...
Alguns dias depois que saí do 91º, estando já no regime de Prisão
Albergue Domiciliar, com direito de comparecer a repartições públicas,
precisei ir até o 5º DP por motivos profissionais. Conversava com o antigo
Delegado Assistente, agora novo Titular, quando entrou em sua sala o Del.
ACRL, agora Delegado Assistente (tanto os dois como o Delegado Titular e
até outros, foram promovidos por “mérito”, devido, em parte, à publicidade de
nosso caso). Este trazia em suas mãos uma folha de computador. Nela
constava aquele primeiro Mandado de Prisão – que eles mesmos haviam
pedido e que eles mesmo haviam cumprido - . O Delegado Titular, Dr. B,
que até então me tratava cordialmente, ao ler o papel e sem dar atenção à
data, mudou sua atitude e disse, asperamente – “você vai ficar !” - e exibiume o papel. Eu nem sequer me abalei. Tirei do bolso uma cópia, autenticada
pelo Tribunal, daquele despacho do Juiz J.J.D., que me concedia aquele
benefício e argumentei que não teria ido ao Distrito se não estivesse
naquelas condições. O Delegado Titular nem quis saber. Olhou para o
Delegado ACRL, agora seu Assistente, e disse – “corró com ele” – e tal
ordem estava para ser imediatamente cumprida, quando pedi para
telefonar. Liguei para minha casa e solicitei a minha mulher que entrasse
em contato com o Tribunal. Em seguida lá fui eu, para aquele lugar
horrível, novamente. Pensei comigo – “de que valia o despacho, se não era
obedecido, não era respeitado?” . Algum tempo depois, naquela cela, fui
procurado pelo Delegado Titular, que me perguntou – “você conhece um tal
de Dr. Pedro. ....? -. “Sim”, respondi, é um magistrado (minha mulher não
entendeu bem a quem deveria recorrer e ligou para um conhecido nosso, que
era Juiz do Tribunal de Alçada Criminal e que fora Juiz de Menores. O
Delegado B. agora Titular, continuou – “ele ligou para cá e quer saber de sua
situação... e ele quer ver tudo resolvido logo, por isso vou falar p’ra ele que
vou mandar você p’ra Delegacia de Capturas, p’ra dar baixa no Mandado”.
Fiquei aliviado, mas continuei naquele “corró” por largo tempo, até ser
512
levado – algemado – para o DEIC (Departamento Estadual de Investigações
Criminais), onde, com a interferência, via fone, do advogado Osvaldo Ianni,
pude voltar às ruas...
.-.-.-.-.-.
DEFESA SERVIL - DEFICIENTE E INEXISTENTE
Em nossos interrogatórios em Juízo nós três negámos qualquer
envolvimento nos fatos apontados e acrescentámos informações que
demonstravam termos sido vítimas do complô armado por Alexandra, com
orientação dos advogados dela e a conivente participação dos policiais do 5º
D.P., até por induzimento dela.
Primeira audiência de instrução - (o advogado M.T.B., por certo, não
iria comparecer, como de fato não compareceu, pois não recebera aqueles
dólares cobrados por aquela carta...) Ao iniciar-se a oitiva das testemunhas
de acusação, a primeira delas, quando acabou de sentar-se e antes mesmo de
ser qualificada, foi perguntada pelo Juiz Paulo Santos
“a senhora é parente da vítima? “.
O advogado Paulo José da Costa, que eu havia procurado para nos
acompanhar, interferiu, respondendo “não, Excelência, ela é esposa do Dr.
Florivaldo...”. O Juiz irritou-se (havia antipatia daquele magistrado comigo,
gerada por desentendimentos anteriores, no exercício de nossas profissões) e
replicou –
“o senhor não foi perguntado! Não lhe dei autorização para falar ! ...
O advogado retrucou. – O Juiz gritou - “Eu mando lhe prender". “Prende
coisa nenhuma - o senhor não pode falar comigo assim, eu já tive alunos que
hoje são Juizes acima do senhor! Eu sou o Doutor Paulo José da Costa,
Professor de Direito de fama internacional ! “ e daí por diante...
Enquanto a discussão estava no auge fiz um gesto de mãos, palmas
para cima, e olhar de estupefação, dirigido para o Juiz, como que
perguntando – “e nós ? “-, uma vez que era uma situação inusitada e muito
delicada. Os ânimos foram se esfriando, com troca de pedidos de desculpas,
até que ambos se sentaram. Mas estavam com os corações disparados, os
olhos vermelhos. E o Juiz, ainda não refeito da refrega, dirigiu-se em tom
513
ríspido, com a voz enrouquecida, para a testemunha e perguntou, em tom
quase que de ameaça: - “a senhora quer depor?! ” – “a senhora não precisa
testemunhar !”....
A testemunha, assustada com o que acabara de presenciar, abalada
em ver o marido sem poder se manifestar, como réu, o filho e o afilhado
algemados e perguntada daquele modo, ficou perplexa... Não sabia o que
responder... “Se não o fizesse, prejudicaria os réus?”, pensava ela. No
entanto se não testemunhasse deixaria de prestar informações valiosas,
mas... se o Juiz tomou aquela atitude grosseira e prepotente com o
advogado, o que ele não poderia fazer com ela ?... A pressão do Juiz era tão
grande que parecia ter algum interesse pessoal em favorecer alguém e
prejudicar os réus. Este pensamento lhe veio à mente porque fora prevenida
de que havia comentários, pelos corredores do Tribunal, de que aquele Juiz
tinha sido um advogado frustrado e depois Delegado de Polícia, daí que não
gostava de advogados. Então a testemunha respondeu – “não senhor, não
quero...”
O Promotor pediu que, antes de prosseguir, ouvindo-se as demais
testemunhas, fosse ouvido o Delegado NSN, também arrolado, o qual
alegava ter pressa em voltar para a Delegacia.. No entanto, o Juiz atendeu...
apesar de ser considerado ilegal ouvir-se policial que participou do
Inquérito, e aquele Delegado havia presidido as investigações, portanto era
uma “testemunha hostil”, com interesse em manter a caracterização da
ilicitude incriminada a nós, os réus...
Aquele Delegado NADA sabia acerca dos fatos narrados na Denúncia,
salvo aquilo que havia “arrancado” de mim, no “interrogatório”. Devia ser
contraditado. Porém o “defensor”, ainda aturdido com a discussão havida,
não deu ouvidos às explicações que lhe forneci e conservou-se calado...nada
fez. Limitou-se a concordar com o pedido e com o deferimento. E nenhuma
repergunta de real interesse formulou, apesar de ter o Delegado dito
mentiras e mais mentiras. A “testemunha” chegou a acrescentar um trecho
de conversa, que teria mantido comigo, naquela manhã de sábado, dia
08/02/92, pela qual “era esclarecida” a participação dos dois rapazes. Essa
tal “conversa” não constava do que seria meu Interrogatório, elaborado no
dia 07/02/92..., daí a elaboração de outro, que fui obrigado a rubricar...
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(Esse depoimento do Delegado confirmava que o Termo foi "preparado"
depois do dia 07/02/92, ou seja após aquela "conversa" no dia 08...)
Aquele Delegado MENTIU, mais de uma vez. Disse que MEU FILHO
FICOU PRESO SOMENTE UM DIA, “porque foi mandado para o PEPC no
mesmo dia”. E, para justificar essa afirmação (falsa) referiu ao Ofício de nº
451/92, datado do dia 05/02/92 (falso) que estava juntado aos autos - veja a
verdade, adiante
Porém a MENTIRA DO DELEGADO é demonstrada por seus próprios
documentos –
MEU FILHO somente foi encaminhado para o PEPC no dia
07/02/92, pelo Ofício de Nº 456/92 (verdadeiro), que foi sonegado, NÃO
ESTAVA NOS AUTOS.
Outra prova documental de que o Delegado estava MENTINDO é o
Atestado de Permanência e Conduta Carcerária, assinado pelo Diretor do
Presídio da Polícia Civil, confirmando que meu filho deu entrada no dia
07/02/92, às 22,30 hs.
O DELEGADO N.S.N. MENTIU EM JUIZO !!!
Esses documentos confirmam também o depoimento de meu filho em
Juízo “permaneci preso incomunicável
por três dias, sem ser mandado
para o Presídio da Polícia Civil”
e ainda –
“o Del. N.S.N. disso se valia para pressionar
meu pai a fim de obter uma confissão”
O Del. N.S.N. queria se eximir das responsabilidades criminais pela
nossa prisão – minha, advogado, e de meu filho, Investigador de Polícia – em
meio a criminosos já condenados, e pela nossa incomunicabilidade, além
dos maus tratos físicos, privação de alimentação, de sono, enfim, das
TORTURAS FÍSICAS E PSICOLÓGICAS...
515
O Del. N.S.N expôs a risco e perigo nossas vidas...
O Del. N.S.N. juntou ao Inquérito um OFÍCIO FALSO
O Del. N.S.N. deixou de juntar prova no Inquérito
O DEL. N.S.N. MENTIU EM JUIZO !!!
SEU DEPOIMENTO É
COMPROVADAMENTE FALSO E TENDENCIOSO !!!
MINHA “CONFISSÃO” FOI OBTIDA MEDIANTE
CONSTRANGIMENTO IRRESISTÍVEL
.-.-.-.-.
ARBITRARIEDADE DO JUIZ
Em prosseguimento, seria chamada a testemunha Cristiano, que havia
assinado no Termo de “meu” Interrogatório, como “testemunha de leitura”,
o que é obrigatório por lei, para validar o ato. Cristiano cursava o primeiro
ano de Direito, mas era apresentado como Estagiário, o que era permitido
somente a alunos do 4º e/ou do 5º anos. E mais, sua empregadora/preceptora
não atendia exigência legal dos Estatutos da OAB, isto é, contar com cinco
anos de advocacia.
Porém tal “leitura” não aconteceu, como seria confirmado, em
seguida. Era certo que Cristiano iria esclarecer muitas coisas, inclusive que
NÃO estava presente, o que por certo invalidaria o Termo e,
conseqüentemente, minha “confissão”.
Mas o Juiz virou uma fera, quando viu Cristiano entrando na sala,
com o paletó nas costas. O magistrado passou-lhe uma carraspana das
maiores, com lições de moral e acabou considerando Cristiano “impedido de
depor”. Ora, se o Delegado que presidira o Inquérito (e tinha interesse
evidente em manter a incriminação contra mim) foi ouvido, sem restrições,
era justo que Cristiano também o fosse. O “defensor”, apesar de alertado
por mim, se omitiu, nada falou, nada fez...
Em seguida seria ouvida outra “testemunha da acusação”- M.E.M..
De se estranhar que o Promotor a tivesse arrolado, pois a mesma constava
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no Termo como se fosse minha defensora. Porém M.E.M., sem nunca ter
recebido de mim ou dos dois rapazes um poder sequer (na procuração que
assinei no 91º DP somente André foi “constituido” e dos dois foi
exclusivamente para aquela impetração do Habeas Corpus) invocou a
condição de advogada “dos réus” (sem ter tido a menor participação nos
autos do Processo do Júri).
M.E.M., se ouvida, iria cair em contradições, pois NÃO estivera
presente a “meu Interrogatório” (somente rubricou o Termo posteriormente,
em espaço que sequer lhe era destinado). E o Juiz aceitou sua “renúncia”.
(Contra essa M.E.M. minha mulher apresentou Queixa na Ordem dos
Advogados, pela tentativa de cobrança indevida de honorários.. .porém minha
mulher, pressionada, acabou fazendo um acordo e a queixa foi arquivada.
Participou ela também de ilícito, praticado por u,a advogada e, seis anos
depois, o Ministério Público faria representação contra a mesma M.E.M., no
caso do Maníaco do Parque do Carmo, por Quebra de Sigilo – antes mesmo de
ter sido ele preso ela, para favorecer o Delegado das investigações, divulgou
notícia de que ”seu cliente” teria confessado”)
UM ATO ESTRANHO ACONTECEU
Em “substituição” a essa “testemunha” o Promotor indicou e requereu
fosse ouvido o Del. ACRL, que já se encontrava do lado de fora, junto à
porta, aguardando ser chamado. Era o mesmo Delegado que baixara aquela
Portaria e havia presidido o Inquérito, antes de ser avocado pelo Delegado
Titular, e que teria feito aquelas "diligências de buscas e apreensões". Por
esses fatos e por esses motivos o Del. ACRL NÃO poderia ser arrolado nem
ouvido como “testemunha”, uma vez que tinha grande interesse pessoal no
caso, para confirmar as “verdades” de seu superior hierárquico (que
acabava de ser ouvido), objetivando fortalecer a incriminação que me faziam
(e aos dois rapazes). O “defensor” P.J.C. não se opôs nem contraditou a
“testemunha”.
É de lei que uma testemunha não encontrada seja substituída por
outra. Porém deve ser em tempo hábil, com intimação do defensor, para que
a defesa não seja tomada de surpresa. Isso não foi feito. O pedido foi de
inopino. O “defensor”, crú e completamente alheio quanto aos fatos contidos
517
nos autos (pois acabava de chegar da Itália e não os leu) não sabia sequer o
que perguntar. Precisava de minha assistência, como havíamos combinado,
porém não aceitou.
O Del. ACRL, além de mentir, emitiu sua opinião pessoal (o que é
vedado por lei). Mentiu, quando tentou justificar e confirmar as diligências
que teriam sido feitas na residência dos dois rapazes - meu filho e meu
afilhado -. Mentiu, quando disse “que encontrou documentos, armas e
cheques de meu filho, dentro de uma caixa d’água emborcada ...” (não seriam
aqueles dos quais Alexandra havia se apossado, ou aqueles que meu filho
portava, quando foi preso?). E o Delegado ACRL ainda inovou
artificiosamente (é crime) tentando induzir em erro o Juiz (como faria mais
tarde, com os jurados), ao acrescentar, maldosamente e sem que lhe fosse
perguntado, que meu filho trabalhava no 35º D.P., no bairro do Jabaquara e
que ali era próximo ao local onde fora encontrado o corpo de Ailton...que lá
era lugar comum para as “desovas” de “presuntos”( ou “abandono de
cadáveres”)
Era uma insinuação maldosa e mentirosa, porque o Delegado ACRL
deixou de mencionar que, desde o Jabaquara até o local referido (Km. 34 da
Via Anchieta) existem os bairros da periferia de São Paulo, depois a cidade
de Diadema, com seus bairros, por um caminho, ou o bairro/cidade da
Paulicéia e o bairro/cidade de Rudge Ramos, em São Bernardo do Campo,
por outro caminho, e depois mais alguns quilometros, outros bairros, até se
chegar ao local do encontro do corpo...
E mais – desde o local do “desaparecimento” de Ailton, no bairro da
Liberdade, como diziam, até o Jabaquara, já é uma grande distância, com
cruzamentos, semáforos e trânsito intenso, inda mais à noite, com chuva.
O “defensor” nada fazia, nada dizia, ficava inerte, permitindo que
aquela “testemunha” agisse daquela forma... (seria um temor reverencial,
depois do entrevero com o Juiz?)
No entanto, nenhum dos dois Delegados trouxe qualquer luz,
qualquer esclarecimento, sobre os fatos narrados na denúncia do Promotor.
Limitaram-se a encobrir os atos ilícitos que eles mesmos haviam praticado –
as prisões, as diligências, as provas forjadas, os constrangimentos ilegais, as
torturas...
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O depoimento do Del. ACRL era comprovadamente falso e eivado de cheio de
contradções aoque havia dito seu superiori
Outra “testemunha” da acusação foi ouvida. – Ana Lucia. Fora
arrolada pela Promotoria porque seu nome figurava no Termo de “meu”
Interrogatório, como “testemunha de leitura”. Ela disse que NADA
PRESENCIOU. Meramente foi convidada a assinar, pois lhe disseram que
era para comprovar que o velho não apresentava sinais de violência (??!!).
A
principal “testemunha” e seu
filho Leandro
não
compareceram. O Promotor desistiu de ouvi-los (mais tarde outro Promotor iria
servir-se dessa "ausência" para me prejudicar...).
Quando se encerrava a audiência, o “defensor” P.J.C.Jr., ainda
nervoso e contrariado com o incidente havido, alegando “problemas de
idade, para acompanhar o processo e atuar em plenário”, apresentou
renúncia, abandonando-nos. Ora, se ele tinha tais problemas não deveria ter
sequer aceitado o caso, ainda quando se encontrava na Itália, para onde
telefonei, solicitando seus serviços profissionais... E nós, que estávamos
presos preventivamente, assim continuámos... (Curioso que, no dia de nosso
julgamento, quinze meses mais tarde, no plenário A, o mesmo Dr. P.J.C. e sua
assistente atuavam no Plenário B, na defesa de um dentista que matou e
esquartejou um advogado. Condenado a 14 anos, o dentista recebeu o direito
de recorrer em liberdade...)
ABUSO DE PODER – VIOLÊNCIA CONTRA PRESO DA JUSTIÇA
Terminada a audiência eu e minha mulher ficámos aguardando a saída
dos dois rapazes. Meu afilhado saiu com escolta do Presídio Militar, que não
permitiu qualquer contato. Já com meu filho foi diferente. Os policiais civís
permitiram que lhe falássemos. Porém tivemos um choque – meu filho
escondia o rosto, e percebemos que estava chorando. “Quê foi, filho? “
“Nada não, tá tudo bem, só um pequeno desentendimento”, disseram os
policiais. Meu filho pediu a seus colegas que prosseguissem. Ficámos sem
519
saber a razão daquele comportamento...(eu só iria ficar sabendo dias depois,
naquele mesmo Tribunal).
JUIZ ARBITRÁRIO – ABUSO DE PODER
Alguns dias depois fui ao Tribunal do Júri, para obter cópias do
Inquérito Policial e dos atos já realizados no Processo. Eu aguardava, no
corredor, junto ao guichê, a extração das mesmas, quando aquele Juiz
P.R.T.S. passou e me admoestou, com uma pergunta ríspida – “que o senhor
‘tá fazendo aqui? ”-. Respondi – “estou trabalhando, Excelência, vim tirar
xerox de meu processo” –E o Juiz continuou – “eu não quero o senhor por
aqui, é bom ir dando o fora !” Diante daquela atitude expliquei,
humildemente –“só vou pegar as cópias e já vou embora”-O Juiz afastou-se,
resmungando.
SONEGADA PELA POLÍCIA PROVA A MEU FAVOR
Antes daquela audiência de oitiva de testemunhas de acusação
precisei ir ao 5 D.P., para assuntos outros. Com receio de atitudes
arbitrárias, fui acompanhado por minha mulher e meu colega O.I.Jr., que
contratei em substituição a P.J.C.Jr.. O Del. NSN veio conversar conosco e,
vendo a preocupação e a angústia de minha mulher, disse –“não fique
preocupada, minha senhora. Outro dia veio um homem aqui e disse que ele viu
quem pegou o rapaz e não era o Florivaldo nem seu filho. O Del. B., então
ainda Assistente daquele Titular, complementou – “a gente sabe que não foi
o Florivaldo...” Imediatamente perguntei –ele foi ouvido? - N.S.N. respondeu
que não. Nova pergunta – o senhor tem o nome e endereço dele? – N.S.N.
respondeu com displicência “...’tá por aí, se precisar nós te damos. Mas não
vai precisar, você vai se sair bem dessa”. E, na audiência lembrei a P.J.C.Jr.
dessa conversa. Ele não me deu ouvidos...
ARBITRIEDADES POLICIAIS DENTRO DO TRIBUNAL
CONIVÊNCIA E PREVARICAÇÃO DO MAGISTRADO
Devido às ausências de Loide e de seu filho, naquela audiência, uma nova
foi designada. Novamente não compareceram. Foi depois desta que houve
520
aquele incidente em que meu filho saiu chorando. TRÊS fatos ocorreram,
ilegal e ilicitamente, em nosso prejuízo :Antes de se iniciar esta segunda audiência fui até a carceragem do
Tribunal, como na vez da anterior, com o intuito de entregar lanches do
Mac Donald a meu filho e a meu afilhado, porque eu sabia que - como todos
os presos -eles saiam bem cedo de seus Presídios, sem tomar desjejum e
ficavam no Tribunal até o fim do expediente, quase noite, aguardando para
serem levados de volta.
Foi então que eu fiquei sabendo a razão de meu filho ter saído
chorando, após aquela audiência anterior – os dois algemados um ao outro,
desciam a escada espiral, em direção à carceragem, precisando agarrar o
corre-mão. Um sargento, que estava atrás dos dois, ordenara que não se
segurassem. Meu filho teria se virado para trás, dizendo com um sorriso, que
poderiam cair. Já no plano, foram colocados em uma das duas celas do
“corró”. O sargento sabia que meu afilhado era policial e o colocou em uma
delas, sozinho. Meu filho, porque tinha falado com o sargento, foi empurrado
com um safanão, acompanhado de palavrões, para dentro da outra, junto a
marginais que respondiam por crimes de homicídios -. Quando os
Investigadores foram buscar meu filho o sargento os levou até a cela onde
estava meu filho. “Não é esse, não”, disseram. Meu filho, ao perceber a
presença de seus colegas, levantou-se, passou entre os demais e chegou até a
grade. “Estou aqui”. Os policiais civis estranharam que ele tivesse sido
colocado ali. O sargento disse – “eu não sabia que ele era polícia e até dei uns
sopapos nele”. Um dos “tiras” disse ao sargento que se fosse com ele, mesmo
preso, ele quebraria a cara do sargento, gerando um bate-boca, no qual o
sargento perdeu...
AGRESSÃO A PRESO DA JUSTIÇA, DENTRO DO TRIBUNAL
E fiquei sabendo desses fatos da seguinte maneira – Quando eu
procurava alguém da Guarda Militar para entregar os lanches, surgiu um
homem gordo, de chinelos, usando calças jeans e camiseta amarela, com a
barriga à mostra, o que lhe dava uma aparência grotesca. O mesmo me
perguntou o que eu queria. Mesmo sem saber quem era, expliquei-lhe que
521
era advogado dos rapazes e a razão de minha presença. O homem
perguntou-me – “ah, então você que é o pai do investigador?”. “Sim, sou eu”.
Ele continuou – “É, no outro dia eu tive que dar um tapão na orelha dele, p’ra
ele aprender...”. Fiquei nervoso e perguntei – “que foi?! Você bateu nele?!
Você bateu num polícia?! Num preso?! ...”. O gordo respondeu – “bati, e daí
?!”. Imediatamente retruquei – “Isso é crime. Vou levar ao conhecimento do
Juiz e do Comandante da Guarda...”. O homem gritou – "eu sou o
Comandante" “você ‘tá preso!!”. Perguntei – “por quê?!”. “Por desacato!”,
disse ele. Continuei - “preso por quê??!!” – “quem é você para me prender??”
– “onde está o desacato??”. Ele respondeu, sempre gritando – “EU sou o
Comandante da Guarda, você ‘tá preso por desacato!!” e ordenou aos
militares ali presentes, atraídos pelos gritos, que me segurassem e me
algemassem. Eu me rebelei, argumentando a eles que eu respeitava aquela
farda, que eu já havia usado, antes deles terem nascido. Mas de nada
adiantou (ordes é ordes...). Os homens se aproximaram de mim e me afastei.
O gordo quis agarrar-me pela lapela do paletó, mas me esquivei. Ele foi
mais bruto. Tentei afastar-me mas o gordo segurou o bolso superior do
paletó, que foi arrancado, ao mesmo tempo em que ele me deu um bofete na
cara, jogando meus óculos no chão. Eu segurava os lanches com as duas
mãos e embaixo do braço cópias do processo. Os lanches caíram no chão. Eu
não acreditava que aquilo estivesse acontecendo. Comecei a chorar, de
nervoso. Fui agarrado, finalmente. Os homens titubearam em me algemar,
mas me obrigaram a sentar-me em uma cadeira, junto às celas da
carceragem. Imobilizado, fui algemado pelo próprio gordo, que se retirou,
deixando um Cabo a montar vigilância sobre mim, que reclamava a não
mais poder. Quando ouvi as vozes dos dois rapazes gritei por eles, pois
queria que eles avisassem o Juiz do que estava acontecendo. Mas fui
impedido de falar com eles, porque o Cabo desferiu um tapa em minha
boca, ordenando – “cala a boca !!” Ao perceber que eu olhava para sua
tarjeta de identificação ele a arrancou. Seu nome era Zoanon. Corria sangue
de minha boca, manchando minha camisa e minha gravata. Zoanon afastouse e foi substituído pelo Cabo Ataide. O gordo reapareceu, agora fardado
como sargento da Polícia Militar. Agarrou as algemas que me prendiam e
me arrastou, escadas acima, e pelo corredor do andar das salas dos Juizes,
até a sala do Juiz P.R.T.S., a quem apresentou o caso. O sargento insistia
522
que o Juiz determinasse minha prisão em Flagrante, por Desacato. O
magistrado determinou que resolvesse esse caso lá fora. O gordo pediu e
recebeu permissão para levar-me até o Distrito Policial. Apelei para o
magistrado, argumentando – “Eu sou preso da Justiça, V.Exa. é Vice-Diretor
deste Tribunal e tem obrigação de zelar por minha integridade física”. O Juiz
não se perturbou e ordenou - “leva ele p’ro Distrito”. Aí quase implorei –
“Doutor P., se eles me levarem vão me maltratar no caminho! Eu não vou!
Eu quero alguém da Ordem dos Advogados !”. O Juiz convidou um
advogado, que estava prestes a iniciar uma audiência, para nos
acompanhar. O colega aceitou e saiu conosco, mais dois ou três soldados,
que aguardavam do lado de fora. Porém logo no corredor aquele advogado
conversou comigo, alegando que precisava fazer aquela audiência e que não
poderia ir, mas que eu ficasse calmo, “que eles não iriam me bater”. Fui
levado a pé, pelas ruas, algemado, até o 16º Distrito Policial. (Ali, o gordo
deu voz de prisão a um soldado que, em sua passagem, continuara sentado,
preenchendo uma papeleta de Ocorrência) O gordo apresentou o caso ao
Delegado de Plantão., dando sua própria e mentirosa versão. Pedi permissão
para falar e expliquei que era um dos defensores de meu filho, Investigador
de Polícia e de meu afilhado, Policial Militar, e que aquele sargento, antes
em trajes civis, me dissera que havia “dado uns tapas no Investigador, p’ra
ele aprender” e que isso me deixou nervoso, irritado... A pretensão do
Sargento era arbitrária, argumentei. O Delegado perguntou, meio bravo –
“Você bateu n’um Investigador de Polícia??!!” . O gordo explicou que se
confundira, que pensara que o rapaz fosse vagabundo, pois estava na cela
dos vagabundos e não na cela reservada a policiais e outros, que não podem
ser colocados junto a criminosos comuns (sim, porque se colocados, são
agredidos). E acabou tentando se justificar que tudo não passara de mal
entendido, em relação a meu filho. Mas expliquei que o gordo guardara
alguma raiva, porque, quando os Investigadores foram buscar seu colega
(meu filho) eles passaram aquela carraspana nele, sargento. Essa bronca do
sargento foi transferida para mim. O Delegado perguntou ao sargento se o
mesmo estava fardado, quando houve o incidente comigo. “Não, senhor. Fui
me fardar depois...”. O Delegado resolveu elaborar um Boletim de
Ocorrência sob o título – “Averiguação de desacato”-, que terminou em
nada... Fui dispensado antes, saindo com minha mulher e minha cunhada,
523
chamadas que foram, a meu pedido, por uma advogada, presente no
Distrito. O nome do sargento era J. B. Era 27 de abril de 1992.
DOIS PESOS – DUAS MEDIDAS
Eu já não acreditava na Justiça, ou nos homens que deveriam
distribui-la, porque parecia haver uma conspiração, tanto contra mim como
contra os dois rapazes. Alguns presos, da mais alta periculosidade, com
várias condenações, reincidentes, autores de crimes horríveis, eram
beneficiados com ordem de hábeas corpus e ganhavam a liberdade, para
aguardarem julgamentos de seus processos ou de seus recursos. Traficantes
eram condenados a penas de reclusão, em regime fechado e, no entanto,
posteriormente, na Instância Superior, acabavam sendo beneficiados com a
transformação de suas penas para regime aberto, em Prisão Domiciliar.
O mesmo Tribunal que concedia essas benesses, no entanto, negou
a meu filho e a meu afilhado o direito de aguardarem o julgamento em
liberdade. O Desembargador Relator, no pedido de hábeas corpus
impetrado em favor dos dois, não quis nem saber que eles atendiam os
requisitos legais para receberem o writ – tinham residência fixa - tinham
profissão definida (funcionários do Estado, como o próprio Relator) – eram
réus primários – tinham bons antecedentes (nem sequer tinham faltas
disciplinares). E, apesar da pouca idade, já tinham recebido elogios oficiais
de seus superiores. Meu filho, inclusive, praticou ato de heroísmo, salvando
a vida de seu colega, debaixo de tiroteio com marginais.
O Desembargador deu mais valor às informações contidas
naqueles Autos de Apreensão (forjados) e no depoimento falso e tendencioso
daquele Delegado ajudante. O Relator se reportou aos fatos de que foi
encontrado verdadeiro arsenal...até bomba de gás lacrimogêneo (não
mencionou que os Autos eram em triplicatas, as armas não passavam de seis,
algumas quebradas... outras decorativas, trazidas da Europa, a bomba era mera
cápsula vazia, guardada por meu afilhado como lembrança da escolinha de
recrutas...) e mencionou ainda que foram encontradas ...placas frias de
carro... (a verdade surgiria alguns anos depois - as placas eram de
ocorrências policiais do próprio Distrito do Delegado que fez os Autos de
Busca e Apreensão, conforme informações obtidas junto ao DETRAN, em
524
Pedido de Justificação Criminal) e afirmou ainda que, por se tratarem de
policiais, eram perigosos para a sociedade.
Os demais Desembargadores foram concordes e unânimes,
denegando a ordem. E os dois continuaram presos...e assim continuariam,
por mais seis anos.
(Uma breve explicação – os dois eram TÃO PERIGOSOS que meu
afilhado, evangélico que era, logo estará sendo Pastor. Meu filho, já está no
quarto ano de Direito, seguindo os passos do pai, da irmã, da tia, e dos primos
e primas)
DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA POR PARTE DO PROMOTOR
Por causa daquela ausência de mãe e filho o então Promotor Papaterra
Limongi (na primeira audiência)desistiu da oitiva dos mesmos. No entanto,
no dia seguinte, o Promotor do feito, JGA manuscreveu nos autos uma cota
que começava assim –
“É bem provável que as testemunhas ...estariam sendo ameaçadas por
Florivaldo...”
e me fez grandes ataques, afirmando que eu estaria ameaçando pessoas
indefesas. A pretensão do Promotor era pedir a revogação de minha Prisão
Albergue Domiciliar. Eram somente presunções maldosas e sem qualquer
embasamento fático. E mais – o Promotor pediu expedição de ofício,
requisitando instauração de Inquérito Policial.. Era uma alegação
unilateral. Não houve intimação para nossa manifestação. Não me foi dado o
direito do contraditório. O Promotor "falou" valia como verdade. O Juiz
A.P.C. aceitou a argumentação da Promotoria, revogou o benefício e
determinou a expedição do ofício. Foi instaurado o Inquérito, no qual nem
sequer fui ouvido, muito embora minha casa distasse menos de quinhentos
metros do Distrito. Fui denunciado e processado à revelia, pela 21 ªVara
Criminal. Baseado em elocubrações fantasiosas, em meras ilações e
conclusões de silogismos com falsas premissas, o Promotor do Júri, com esse
ato, estava incorrendo, ele próprio, na prática do crime de Denunciação
525
Caluniosa, dando azo aos procedimentos policiais e judiciais contra mim,
que ele sabia não ser autor de qualquer crime, inda mais em se
considerando que, para apuração do pretenso crime de ameaça depende de
representação da vítima, o que não ocorria e ele não tinha qualquer
procuração para tanto, nem podia ter .
A revogação de minha P.A.D. deu-se em 21 de agosto de 1992, com
expedição de novo Mandado de Prisão. Ora, ora... se o magistrado, no
despacho anterior, esclarecia que ...”lamentavelmente não há prisão para
advogado" e por isso me concedera a PAD, pergunta-se – por que, então,
novo Mandado de Prisão ? E para qual prisão eu deveria ser encaminhado ?
E no Mandado constava a recomendação de que eu “deveria ser colocado
separado dos demais presos..” Como ? De que maneira ? Ou será que iriam
construir uma prisão só para mim ? Se eu fosse colocado separado é óbvio
que eu ficaria em isolamento, o que, por sí só, já era um grande castigo –
sem ter sido julgado e sem condenação – pois o homem é ser gregário,
sociável, não prescindindo de companhia, sob pena de perder a razão...
Algo de podre estava acontecendo no Reino da Justiça ! Mais um
complô contra mim ? Obra de quem?
AMEAÇA DE MORTE CONTRA MIM
Poucos dias depois da revogação de minha PAD e da expedição de novo
Mandado de Prisão minha mulher me aguardava no carro, junto àquela
banca de jornais da rua Taguá, onde eu estava comprando revistas.
Aproximou-se um soldado da Polícia Militar, amigo meu, de meu filho e de
meu afilhado, chamando-me de lado e dizendo - : “doutor, o senhor ‘tá
pedido”. Eu disse – “já sei, mas estou em PAD e já foi dada baixa na
Capturas” – O PM continuou – “não, não é aquele, é um outro Mandado, e a
ordem é "derrubar" o senhor” (derrubar quer dizer matar) – e apontou para
um carro, com alguns homens dentro, estacionado defronte ao prédio em
que morávamos. Ele esclareceu mais – “eles ‘tão esperando o senhor chegar.
Se o senhor se coçar ou reagir eles vão jogar um cabrito na sua mão” –
526
("coçar" é tentar sacar arma, "cabrito" é arma fria, sem registro e sem
números). Eu confiava nele, por isso pedi a minha mulher que fosse a pé, até
o prédio. Eu ficaria observando de longe. Afinal o visado era eu. Ela
caminhou rapidamente e, ao chegar até a porta, fez um sinal combinado –
perigo ! -. Eu já havia manobrado o carro, na direção oposta e saí
imediatamente para um local previamente concertado com minha mulher,
onde eu receberia algumas roupas e dinheiro, para deixar São Paulo. Pouco
tempo depois recebi de minha filha e de minha mulher o que eu precisava e
parti para o aeroporto de Congonhas, perto do qual deixei meu carro, para
ser apanhado por outra pessoa, de confiança. Acabei chegando a um país
vizinho, de onde, para saber das notícias, eu telefonava ora para a casa de
um parente, ora para a casa de amigos, conforme combinávamos. Eu era
agora um fugitivo internacional, um foragido da Justiça !
Só que de perigoso eu nada tinha. Eu era um homem caseiro, de convívio
familiar. Sem vícios, não freqüentava bares, clubes, futebol, rodinhas...Desse
país eu passava para outro, para outro, voltava... E fui me cansando. Apesar
de estar sendo vítima de injustiça, acreditava que a qualquer momento tudo
iria se acertar. A saudade era grande demais. Resolvi voltar. Fui para uma
cidade da Grande São Paulo. Mudei-me para outra e para outra, e assim
por diante. Eu estava angustiado com o afastamento de meus familiares,
com o sofrimento de minha mulher, de minha filha, dos rapazes presos. E
temia por eles. Eu sabia que, sem os homens da família, as mulheres e as
netas eram presas fáceis para nossos inimigos, principalmente para
Alexandra e seus bandidos. E até de falsos amigos.
FALSOS AMIGOS FURTAM BENS DE MINHA FAMÍLIA
Depois que fomos presos meu genro, aproveitando-se disso, (ele já
mantinha relações com outra mulher e já tinha um filho) abandonou minha
filha e minhas netas, que foram obrigadas a se mudarem para meu
apartamento. Um casal de policiais civis (amasiados), nossos “amigos”,
ofereceu-se para “tomarem conta” da casa de minha filha, no bairro do
Morumbi (à moça nós havíamos presenteado o anel de bacharela, feito sob
encomenda...). Depois, para serem retirados, foi necessária a intervenção da
Justiça. E os dois levaram quase tudo, deixando chão e paredes.
527
DISFARCE PELA SOBREVIVÊNCIA
Quando eu estava no litoral, tinha grande necessidade de conversar
com pessoas e, ao mesmo tempo, fazer alguns exercícios, para não
enferrujar. Dentre os esportes que eu praticava, um dos que me agradavam
era a patinação artística. Sabedor de que alguns clubes da baixada
mantinham departamentos de tal prática, procurei por um deles, e fui
presenciar os treinos. Uma jovem patinava muito bem. Ouvi sua conversa
com seu pai, em espanhol. Aproximei-me dos dois e procurei puxar
conversa, na mesma língua que eles, perguntando se o homem era
argentino. Ele respondeu-me que era o Cônsul do Uruguai. Como minha
pronúncia era correta e muito parecida com o portenho, ele se interessou em
me apresentar à professora, dizendo que eu era argentino. Ela me orientou a
ir até a Diretoria, a fim de obter uma Carteira de Militante. Lá, apresenteime como Ricardo Valverde, pseudônimo que eu usava havia quase quarenta
anos, desde quando fui trabalhar no Jornal A HORA. Por ser parecido com
sobrenome espanhol, fiquei sendo aquele, e não mais Florivaldo, e dali em
diante só conversava em espanhol, sempre procurando manter aquele meu
sotaque. Cheguei a participar de mais clubes, um outro de Santos, e um de
São Vicente, com algumas participações em espetáculos promovidos.
INCIDENTE EM SANTOS, COM “AQUELE JUIZ”
Nessa cidade, certa noite, quando perambulava pelos corredores de um
“shopping” eu ouvi uma acalorada discussão, com ofensivas palavras de
baixo calão, dirigidas por um homem magro, de costas para mim, a uma
mulher. Parecia uma briga de marido-mulher. Não me interessava saber o
que acontecia e não podia me envolver. Procurei sair dali. Já me afastava
quando o homem, pela expressão da mulher, percebeu que alguém estava
por ali, presenciando aquela cena. O homem se voltou de frente para mim.
Surpresa mútua ! Nós nos conhecíamos. O homem, ao me ver à sua frente,
ficou lívido, estático por alguns segundos... O mesmo aconteceu
comigo...tremi nas pernas, tive um calafrio repentino e não sabia o que fazer
ou o que dizer, pois não cabiam explicações, de ambas as partes. O homem
pegou a mulher pelo braço e, quase a arrastando, dirigiu-se a um Segurança
do prédio... Eu, por minha vez, saí pela tangente, em direção oposta,
528
chegando a uma escada rolante que subia e descI por ela, ao contrário,
buscando alcançar os andares inferiores e a rua. Esse homem não era outro
senão o Juiz que me interrogara – P.R.T.S. -. Já na rua entrei em uma loja e
comprei uma camisa de cor diferente daquela que eu usava e a vesti mesmo
por cima da primeira. Tomei um táxi e fui para meu esconderijo. Dalí,
naquela mesma noite, novamente me transferi para outro, em cidade
próxima. Eu não queria e não podia ser encontrado. Fiquei com receio que o
Juiz pudesse alertar a Polícia e até pensar que estivesse sendo seguido. E
isso não era bom para mim.
DISFARCES E ARTIMANHAS PARA PODER VIVER
Devido à grande saudade que eu sentia de meu filho e de meu afilhado, às
vezes eu me arriscava e me aproximava dos Presídios onde se encontravam.
Eu podia ver, ao longe, as figuras de cada um e era visto. Trocávamos sinais
de abraços. E chorávamos. Eu ficava poucos minutos e já retornava para
um dos pontos onde me refugiava.
Num período em que eu estava na cidade de Praia Grande, apresentei-me
como Voluntário, para trabalhar na Santa Casa Local, onde, todas as
manhãs, das 07,00 às 12,00, eu prestava serviços de faxina, arrumador de
camas de pacientes masculinos e brincava com as crianças do berçário,
distraindo-as. Almoçava lá mesmo, pois as refeições eram simples e de baixo
preço.
Nessa época, certa noite, eu passava por uma placa, colocada na
calçada, com dizeres alusivos a reuniões de uma seita, chamada Seicho-noiê. E era noite de reunião. Resolvi entrar. Gostei e voltei na semana seguinte,
e na outra. Interessei-me pelos ensinamentos e comprei livros.. Com sua
leitura criei coragem para enfrentar qualquer coisa. Mandei uma
mensagem de Natal a meus familiares, para lhes dar certo alento. A
mensagem dizia assim:
Mensagem de Natal
À Edith, a minha filha, a meu filho, a meu afilhado,
a minhas netas, extensiva a meus afilhados M.B. e Fabio.
529
Que este Natal, apesar de estarmos afastados fisicamente, por
circunstâncias alheias a nossas vontades, e por obra do destino, possa
ser, para todos nós, prenúncio de uma nova era, de novas vidas,
irmanados e juntos, com mais força espiritual e compreensão, para
podermos seguir nossos caminhos e cumpri nossas missões,materiais
e espirituais, para as quais viemos destinados.
E que tudo seja para servir a nosso Senhor, para honra e glória de
Seu Nome.
De meu refúgio, no litoral santista, em 21 de dezembro de 1992
Florivaldo
E completei minha mensagem desta forma:
“Só ri da nossa cicatriz quem nunca foi ferido”
PS- Que Deus e os homens nos permitam estarmos todos juntos, breve.
.-.-.-.-.
VÉSPERA DE NATAL (1992)
Resolvi ir até o portão do P.E.P.C., disposto a ver meu filho de perto,
abraçá-lo...Era noite de Véspera de Natal. Não consegui chamar meu filho.
Estavam todos no pátio interno. Apenas fiquei imaginando como estariam
os meus. Eu estava só. Chorei muito e fui embora. Também o Ano Novo foi
triste, muito choro...
.-.-.-.-.-.
O FEITIÇO VIRA CONTRA OS FEITICEIROS
(Testemunha “BOMBA” no julgamento de ALEXANDRA revela a verdade)
530
Os advogados de Alexandra, matreiros e ardilosos, tudo faziam para
encobrir suas falcatruas. Por essas e outras, acabaram caindo em suas
próprias armadilhas. Uma de suas testemunhas,de defesa a própria irmã de
Alexandra, revelou que havia sido influenciada pelos advogados a enviar
uma carta, com nome falso, constante de uma cédula de identidade que eles,
advogados, haviam providenciado. Essa revelação causou enorme tumulto
no auditório, e a Juíza que presidia a sessão determinou a suspensão do
julgamento e a instauração de inquérito policial, para apuração dos fatos,
com indiciamento dos dois advogados mencionados.
.-.-.-.-.-.-.NOSSO JULGAMENTO É MARCADO
Já fazia quase seis meses que eu estava naquela vida horrível (cheguei a
passar uns dias com um grupo de catadores de papel) quando eu soube que o
julgamento dos rapazes havia sido marcado para o mês de março de 1993.
Naqueles mesmos dias seria também o julgamento de Alexandra, naquele
mesmo Tribunal. Mas havia uma diferença - para os rapazes a marcação
foi rápida, enquanto que o de Alexandra somente ocorreria depois de quase
OITO anos, procrastinado que vinha sendo pelos advogados dela. E eles
marcaram mais um ponto – conseguiram, mais uma vez, o adiamento. A eles
interessava primeiro nosso julgamento, meu e dos rapazes, pelos motivos já
explanados. Mas meu nome não estava incluído, devido a minha ausência e
porque eu não fui intimado pessoalmente. Porém o julgamento de ambos
também foi adiado, com nova designação, para o dia 17 de maio do mesmo
ano.
DEFENSOR VENAL ? NEGLIGENTE ? DESIDIOSO ? FALSO ?
Dias antes do julgamento, telefonei do litoral, marcando encontro com
nosso defensor, em seu escritório, para as 16,00 horas. No dia e pouco antes
da hora marcada, cheguei e procurava uma vaga para estacionar, quando
deparei com uma viatura da Delegacia de Vigilância e Capturas,
estacionada na rua lateral ao prédio onde estava o escritório. Intrigado, fui
ata um orelhão e telefonei, perguntando pelo advogado. A secretaria
531
respondeu que ele estava em reunião com umas pessoas e deixara recado de
que estava à minha espera. Pedi para ela transferir a ligação. Falei com o
advogado e dei uma desculpa, dizendo ter problemas, pois estava na cidade
de Praia Grande. Pedi para adiar nosso encontro para o dia seguinte. O
advogado não gostou e se irritou, mas aceitou. Alguns minutos depois desse
telefonema pude ver alguns homens saindo do prédio, entrarem naquela
viatura e deixarem o local. Imediatamente fui até o elevador e subi até o
andar do escritório. Perguntei à secretaria quem eram aqueles homens que
acabaram de sair. Ela disse – eles estavam em reunião com o doutor... Abri a
porta da sala do advogado e entrei. O advogado estranhou – “ué, você não
disse que estava na Praia Grande ?”com um tom de voz de irritação.
Expliquei que havia dito aquilo porque vira a viatura e em seguida os
homens deixando o prédio. O advogado explicou, com uma simplicidade
fora do comum – “é, eles vieram fazer um acerto comigo”e não prosseguiu,
mudando de conversa. Fiz-me de desentendido. Conversámos. Disse-lhe que
ia lhe pagar duas mensalidades atrasadas de seus honorários – mil dólares -.
Ele me disse – não precisa, deixa para depois do julgamento -. Esdtranhei
muito e prossegui – olha, pobre, padre, pastor, puta a procurador não
enjeitam dinheiro, qu’é que ‘tá havendo? -.Ele irritou-se e me perguntou –
você acha que estou me vendendo para sua madrasta?. Simplesmente eu lhe
disse – tua boca te traiu ! -. Ele continuou – se você acha que é assim então
procura outro! -.Eu respondi – de jeito nenhum, minha família quer você e
agora já não dá mais tempo, tenho que tirar meus filhos disso -. Nenhum de
nós deixou transparecer qualquer sentimento ou emoção. E me retirei, sem
fazer o pagamento.
ADVOGADO DE ALEXANDRA INDUZ JURADOS CONTRA MIM
Meu nome não constava da pauta de julgamento, porém, mesmo assim,
desejoso de ver o fim daquilo tudo, e no interesse dos rapazes, que estavam
sofrendo, presos injustamente, e confiante de que seríamos absolvidos, pelas
provas produzidas, peticionei ao Juiz do processo, dando-me por ciente e
informando que compareceria, voluntariamente, no dia aprazado. Pretendia
comparecer perante a Justiça e ser julgado. Eu precisava ser ouvido,
532
contando tudo por que eu passara. Precisava expor aos jurados a armação
feita e, ao mesmo tempo, reencontrar e abraçar meus filhos.
Ocorre que Alexandra (por seus advogados) também conseguiu novo
adiamento. Ela insistia em que meu julgamento fosse anterior ao dela. E
tudo estava sendo feito por ela e por seus advogados para que os jurados
decidissem por nossa condenação (minha e dos rapazes). Com essa decisão os
advogados dela poderiam derrubar qualquer depoimento que eu tivesse
prestado ou viesse a fazer, contra ela. Sim, porque o Promotor da acusação
de Alexandra não teria em mim uma testemunha forte, e ela, fatalmente,
seria beneficiada, inda mais porque eu era a única testemunha sobrevivente,
das oito inicialmente arroladas (as demais haviam morrido ou
“desaparecido”) .
E, para me prejudicar, ainda mais, um dos advogados de Alexandra –
F.A.S. , crápula e chicaneiro, – criou mais uma armação contra mim. No dia
em que seria o julgamento de Alexandra esse advogado chamou um
repórter do Diário Popular e forneceu informações falsas, inidôneas (como
as que ele costumava fazer), não a respeito da defesa de Alexandra, mas me
atacando. Esse rábula disse que eu havia pedido o processo contra
Alexandra (na verdade, por se tratar de crime de ação pública, quem oferece a
denúncia ao Juiz é o Promotor, na defesa do interesse do Estado e da
sociedade e não um advogado ou filho de vítima). Ele disse mais – que eu
estava agindo contra Alexandra porque eu queria os bens de meu pai e
marido dela (claro, era meu direito de herança e eu agia como Inventariante
dos Espólios de meu pai e de minha mãe e não em meu próprio nome). E tem
mais – esse F. atacou minha honra (o que ajudaria inda mais a induzir os
jurados) – dizendo que eu estava sendo processado pelo seqüestro de dois
Delegados de Polícia. Se fosse verdade eu estaria respondendo a processos, o
que não acontecia.
ERA MAIS UMA GRANDE MENTIRA ! A PUBLICAÇÃO DESSA MENTIRA
ERA PREJUDICIAL PARA MIM, POIS CRIARIA UMA FALSA IMAGEM, A MEU
RESPEITO.
Essas “informações” prestadas por FAS (na verdade caracterizavam
crime contra minha honra) foram publicadas no dia seguinte. L.M.T., meu
533
então advogado, não quis patrocinar contra FAS por crimes contra a honra
nem tomou atitude junto ao jornal... Se agíssemos provaríamos o complô.
Como eu havia assumido compromisso, compareci para julgamento.
Antes, porém, recebi das mãos de meu “colega” LMT um Contra-mandado
de Prisão, assinado pelo Juiz APC (que morava em Santos e era amigo do
Juiz P.R....) que iria presidir o julgamento.
L.M.T. nunca havia tido qualquer contato com meu filho e com meu
afilhado....
Com aquele contra-mandado estava restabelecido meu direito à PAD
e, caso fosse condenado, poderia recorrer e aguardar o julgamento do
recurso em liberdade, pois eu preenchia os requisitos legais, então
reconhecidos (como acontece com grande número de condenados, mesmo que
sejam criminosos perigosos e contumazes).
DEFICIÊNCIA DE DEFESA E OMISSÃO DO DEFENSOR
Fui interrogado, mantendo a mesma atitude. Neguei qualquer
participação e complementei que era tudo armação de Alexandra. Inquirido
pelo Juiz se eu tinha provas disso, respondi que deixava as explicações e
demonstração das provas ao cuidado de meu “defensor”. Os dois rapazes
também negaram. O Del. ACRL foi novamente ouvido – sem ter sido
contraditado – e afirmou e reafirmou, em reperguntas, que tinha mantido
contato com a mãe de Ailton, outra testemunha de acusação, “agora mesmo,
na salinha das testemunhas” e “que havia recebido informação de que eu
havia feito ameaças a testemunha” (aquela, na qual eu iria ser absolvido).
Esse contato realmente aconteceu – EU VÍ o Delegado entrar naquela sala –
pois o oficial de Justiça, incumbido de zelar, o permitira, uma vez que “o
homem era Delegado”, como me disse, ao ser por mim interpelado a
respeito. Esse contato se constituía em QUEBRA DA INCOMUNICABLIDADE
ENTRE TESTEMUNHAS, o que significava NULIDADE DO JULGAMENTO. E esse
Del. ACRL reafirmou aquela mentiras, ditas na instrução. NADA FALOU
SOBRE OS FATOS NARRADOS NA DENÚNCIA. Limitou-se a exercer pressão
sobre os acusados. E OS JURADOS JÁ ESTAVAM INDUZIDOS CONTRA NÓS,
PRINCIPALMENTE CONTRA MIM. Sim, porque o advogado de Alexandra, por
meio de uma moça loira, talvez de seu escritório, efetuou, ANTES DA
534
uma distribuição pessoal, a
cada um daqueles que estavam sentados na primeira fila do plenário
(certamente dentre esses seriam escolhidos os jurados) de cópias xerox –
adivinhem ! – daquela publicação do Diário Popular, que trazia aquelas
informações falsas, prestadas por F.A.S., de que eu estava sendo processado
pelo seqüestro de dois Delegados... Essas notícias – falsas – induziram os
jurados contra mim.
EU JÁ ESTAVA PREVIAMENTE CONDENADO!
CONSITUIÇÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA,
A “testemunha” Loide tremia, balbuciava as respostas, lacônicas,
monossilábicas... e balançava a perna, cruzada uma sobre a outra. Mentiu e
repetiu as mentiras ditas anteriormente –
“a cena durou uns dez minutos...” (???!!!)
“estava a uns trinta metros de distância do carro...”
(em uma parte do processo consta que o seqüestro teria sido
defronte a uma barraquinha de doces, a qual, segundo Laudo,
na verdade estaria a mais de cinqüenta metros)
“não se lembrava da roupa que Florivaldo vestia...”
(eu usava sempre branco...)
mas “lembrou-se” que
“o rapaz que acompanhava Florivaldo vestia jaqueta
de couro, com detalhe vermelho na ombreira... “
e que
“não viu o rosto do rapaz, que estava de costas, mas
pelo detalhe da ombreira sabia que se tratava do
filho de Florivaldo”
(cujo nome ainda não sabia. Como então constava na Portaria?!)
Essa mesma “testemunha” Loide, na Corregedoria da Polícia Civil, teria
dito que
535
“o terceiro elemento vestia jaqueta de couro preta,
não estava armado e tinha 1,60m de altura, cara
chata, cabelo baixo e pele morena...”
Como existissem dúvidas quanto a essa identificação e a “defesa”
estivesse inerte, o Juiz A.P.C. perguntou –
P - “essa terceira pessoa, que estava dentro do carro,
olhou para trás ? “
R - “Não senhor”
P - “olhou para o lado, virando o rosto ? “
R - “Não senhor”
Porém Loide e seu filho foram unânimes, em explicação não
solicitada, colocando seus dedos na horizontal, na região da nuca – e
disseram ...
“DEU PARA VER UNS TRES DEDOS DA CABEÇA DELE...”
O Juiz percebeu o absurdo das respostas, a defesa nada fez. Se omitiu.
Era óbvio que mãe e filho estavam mentindo, mas cabia ao “defensor”
provar isso (o que não foi feito...)
Pergunta-se – como pode alguém, à noite, em local mal iluminado, a
trinta metros (ou mais) de distância de um carro, com os vidros fechados e
embaçados devido a chuva, VER outrem sentado no banco traseiro, como
ela dizia, VER as roupas desse outrem, ou saber se essa pessoa estava
armada ou não, e, sem que essa pessoa tivesse olhado para trás ou para o
lado, descrever os dados físicos desse outrem, como altura, formato do rosto
e cor da pele ?
A “TESTEMUNHA” LOIDE ESTAVA MENTINDO !!!
E mais uma pergunta – c o m o p o d e ?
uma mulher, debaixo de chuva, a trinta metros (na verdade
a tal barraquinha de doces ficava a mais de cinquenta metros...)
536
de distância de uma cena, à noite, vendo um homem de costas,
sem ver o rosto desse homem, como pode VER um detalhe na
ombreira de uma jaqueta, ver a cor do detalhe, e, por esse
detalhe, identificar esse homem ?
A “TESTEMUNHA” LOIDE ESTAVA MENTINDO !!!
E apenas mais uma pergunta – c o m o p o d e ?
uma mulher, que vê um homem, do lado de fora de
um carro, descreve cor de um detalhe na ombreira
de uma jaqueta e vê outro homem, dentro um carro,
descrevendo suas roupas, suas feições, seus cabelos,
sua altura, sabendo até se estava armado ou não,
como pode esquecer-se da roupa que um terceiro
homem (eu) estaria usando ? (ROUPA ESSA QUE
JAMAIS PODERIA SER ESQUECIDA, PORQUE EU SÓ
ANDAVA DE BRANCO (CALÇAS, CAMISA E CALÇADOS)
A “TESTEMUNHA” LOIDE ESTAVA MENTINDO !!!
Era evidente que Loide e seu filho estavam fazendo o jogo dos advogados
de Alexandra e satisfazendo seus mútuos e recíprocos interesses...
MAIS UMA COMPARSA NA FARSA ENGENDRADA
O
Promotor arrolou, para ser ouvida em plenário, NOVA
“TESTEMUNHA” - Maria Ilza, vulgo Nina, filha de Loide e “mulher” de
Jaime Gonçalves, vulgo Bronco, aquele ladrão, envolvido no homicídio de
José Ibiapina. Nina NADA SABIA sobre os fatos narrados na denúncia ou
no Libelo. Nina compareceu apenas para MENTIR. Seu comparecimento foi
a pedido do Promotor, apenas para “confirmar” que eu teria feito ameaças
contra a mãe dela. Essa mentira, somada àquelas afirmações falsas do
rábula FAS, iriam reforçar a acusação contra mim, uma vez que o
Promotor estava desvirtuando seu trabalho, pois não dispunha de qualquer
prova idônea sobre os fatos. E tem mais – se realmente eu tivesse feito
537
aquelas tais ameaças o julgamento desse crime não era de competência dos
jurados e sim de um Juiz singular. E não havia qualquer processo em
andamento, no qual eu poderia me defender sobre tais ameaças. Mas o que
interessava ao Promotor – e isso ele conseguiu, pois naquele momento não
me foi dado o direito de defesa sobre essas acusações – era induzir os
jurados, fazendo-os crer que, se eu tivesse feito aquelas ameaças certamente
eu teria “culpa no Cartório”, ou seja que eu “teria praticado” os crimes
descritos na Denúncia, em julgamento pelos jurados.
Da mesma forma que Loide, Nina também mentiu, insistindo sobre a
existência daquelas “ameaças” e com isso desviaram a atenção dos jurados
daquilo que realmente deveriam julgar.
Quando Nina depunha, hilariantes respostas foram dadas por ela.
P - “conhecia a vítima ? “
R - “sim, o mesmo ajudava o marido dela”.
P - “Que faz seu marido ?”
R - “Nada...” (risada geral no auditório)
É oportuno lembrar que “Bronco”e “Xuxa” eram parceiros, ladrões e
traficantes, conforme documentos que eu havia juntado aos autos (fichas
policiais...).
Loide falou absurdos – que eu constantemente agredia suas crianças com
coronhadas na cabeça – o que era grossa mentira, pois se fosse verdade
Loide teria motivos para chamar a Polícia ou pedir que seu marido tomasse
providências, o qual contava com a proteção de Alexandra. Só que ele nada
fazia pois, segundo Loide, seu marido teria medo de mim, porque eu
“andava armado”. Ora, quem matou José Ibiapina e tinha três “genros”
bandidos não iria ter medo de um velho advogado, como eu (e não andava
armado...).
Loide disse não conhecer Ailton...no entanto a mãe de Ailton disse
em Juizo que seu filho era “namoradinho da filha de dona Loide”, portanto
Ailton era “genro” de Loide e “cunhado” de Nina (além de “ajudar”
Bronco). No entanto Loide e Nina mentiram sobre o relacionamento delas
538
com ele, da mesma forma que mentiram para ajudar o marido de Loide, no
caso de José Ibiapina.
INÉRCIA DO DEFENSOR - RÉUS INDEFESOS
Aquele relacionamento de Loide e de Nina com Ailton era bom
motivo para que elas se colocassem a favor de Alexandra contra mim. Era
também, por outro lado, bom argumento para a defesa demonstrar que as
“testemunhas” eram parciais, tendenciosas, inidôneas..., porém o “defensor”
ficou inerte... calou-se... omitiu-se... e deixou de fazer muitas perguntas, que
eu havia apresentado para serem formuladas. Isso vinha confirmar minha
desconfiança em LMT, desenvolvida anteriormente, pelos seguintes
motivos: - eu tinha encontro marcado com ele em seu escritório. Quando
me aproximei do prédio deparei com uma viatura da Delegacia de Capturas
estacionada na rua lateral. Telefonei de um orelhão, dizendo que não
poderia comparecer. LMT demonstrou insatisfação. Alguns minutos depois
três homens com ar de policiais saíram do prédio. Liguei novamente e,
quando a secretária atendeu, eu disse que era Investigador perguntando se
os policiais ainda estavam lá. “Não, acabaram de sair...”. Tomei o elevador e
cheguei até LMT, para resolver a situação. Ele ficou revoltado, que não era
homem para fazer uma falseta, etc. Essa desconfiança iria aumentar inda
mais, com fatos que aconteceriam mais tarde.
As testemunhas de defesa – senhor Seo Whan Chang, presidente da
Câmara de Comércio Brasil-Coreia e o Juiz Presidente do Tribunal do Juri
de Santo Amaro, Dr. J.C. D.S. - foram unânimes em elogiarem meu
trabalho social, em favor de menores desamparados (ajudámos a criar, em
nossa própria casa, como filhos, mais de sessenta deles e em uma Creche, mais
de duzentas crianças, além de ensinarmos esportes e levá-los a Igrejas).
Terminado a primeira parte do julgamento o Juiz adiou para o dia
seguinte o prosseguimento. Como eu estava livre, porque portava aquele
contra-mandado de prisão, fomos eu, minha mulher, minha filha, minha
irmã e mais dois amigos, até uma lanchonete no bairro do Cambuci.
Quando lanchávamos fui chamado de lado por dois policiais civís, do 5º
Distrito, que sabiam da existência do mandado de prisão e que me
539
perguntaram “como estava minha situação?”. Respondi-lhes que acabara de
sair do Tribunal, após o primeiro dia e que iria retornar na manhã seguinte,
para continuação. Os policiais disseram que “infelizmente, teriam que me
levar até o 5º Distrito ( e por que não o 6º, área onde estava a lanchonete?).
Exibi-lhes o contra-mandado e chamei os dois amigos, também
Investigadores de Polícia, e os policiais (estariam me seguindo?) desistiram
de seu intento e me desejaram "boa sorte no julgamento...”. Liberado,
terminámos nossos lanches e fomos para minha casa, escoltados por nossos
dois amigos.
No dia seguinte, logo pela manhã, fui para o Tribunal, tendo sido o
primeiro a chegar, por volta das 08,30, porque eu havia me comprometido
com o Juiz de comparecer antes das 09,00.
Como não havia mais ninguém e a sessão iria demorar para ser
instalada (segundo os funcionários da Portaria ainda não havia chegado o
desjejum para todos os jurados dos julgamentos do dia e para os respectivos
réus, inclusive para meus filhos, que acabaram ficando em jejum) deixei o
prédio e fui até a rua Domingos de Morais, onde tirei xerox do contramandado (pretendia ter cópia em meu arquivo, caso o mesmo viesse se
extraviar). Voltei e fiquei aguardando. A instalação da sessão de julgamento
ocorreu bem depois das 10,00. Sentei-me no banco dos réus e fiquei orando,
em silêncio. Nosso “defensor” LMT aproximou-se e me perguntou se eu
estava com o Contra-mandado. Sim, respondi. “Então me dê cá que o Juiz
‘tá pedindo!” . Entreguei-lhe o documento, que nunca mais vi.
Antes de se iniciar a fala do Promotor nosso “ defensor”LMT
aproximou-se e me confidenciou, taxativamente – “eu não vou dizer uma
palavra sobre sua madrasta e se você pedir para falar eu vou renunciar e você
vai p’ra cadeia !...”Eu lhe perguntei – “e o contra-mandado? “ LMT
respondeu - “o Juiz rasgou”. Eu iria acreditar nessa afirmação, mais tarde,
pois vim a saber que o documento não fora juntado aos autos nem havia
sido revogada a ordem. Calei-me. Afinal, eu tinha uma cópia, se bem que
não autenticada, do documento. Se eu fosse condenado poderia pedir para
recorrer em liberdade. Se eu não fosse atendido pelo Juiz e fosse mandado
para a prisão, algum familiar poderia pedir a intercessão de alguém, com
540
aquela cópia. Com aquela atitude de LMT senti-me indefeso. Essa atitude de
LMT viria reforçar minha desconfiança nele. Agora eu tinha certeza que
LMT estava “no bolso” de alguém, ou por intimidação da Polícia ou por
dinheiro, por parte de Alexandra. Cheguei a pensar nesta segunda hipótese
porque, dias antes do julgamento, fui ao escritório de LMT (que estava
passando uma fase ruim, com dificuldades de pagar aluguel das salas e do
telefone) para lhe pagar US$500,00, parte dos honorários combinados
(US$5.000,00 no total). LMT, estranhamente, recusou. Comentei com ele. –
“você vai me desculpar, mas puta, pastor, padre, político, pobre, policial e
procurador advogado não rejeitam dinheiro. Alguma coisa está
acontecendo...” LMT retrucou, irritado – “se você ‘tá insinuando qualquer
coisa eu não vou fazer o julgamento!”. Como os rapazes estavam na prisão e
eu queria apressar o julgamento, pois tinha certeza que seríamos absolvidos,
desculpei-me e tentei justificar o que eu havia dito... porém, quando LMT
me fez aquela advertência, em Plenário, cheguei a mudar de opinião. LMT
não só estava “comprado” como queria fazer média com o Promotor e com o
Juiz, porque ele estava se candidatando a uma vaga no Tribunal de Alçada
Criminal, pelo Quinto Constitucional. E, por causa dessa intenção ele
passava seu tempo a estudar, descurando-se de nosso processo. No entanto o
julgamento de um advogado, de um Policial Militar e de um Investigador de
Polícia iriam lhe dar a notoriedade que ele estava precisando. Por um lado,
pelo concurso, por outro a quantidade de clientes que iria receber, mesmo
que nós três fôssemos condenados, pois o que importava era sair nos jornais
(como de fato acabou acontecendo). Nossa condenação serviria de trampolim
para ele. Minha desconfiança nele aumentou inda mais quando ele deixou
transcorrer tranqüilamente a fala do Promotor, por três horas, sem
qualquer interrupção, sem um único aparte, para perguntar, para
esclarecer ou para contrariar o que estava sendo dito pela acusação. O
Promotor usava e abusava. O Promotor aproximava-se de mim e, dedo em
riste, encostado em meu nariz, gritava – “assassino! Você é um assassino!”.
(Ora, essa atitude e essa afirmação pessoal do Promotor eram proibidas por
lei... e era uma obrigação de meu defensor de impedi-la...o que não
aconteceu... )Eu procurava afastar o rosto e olhava para LMT, que nada
fazia, nada dizia. Ele deixava o Promotor emitir sua opinião pessoal, porque
não constava nos autos que eu o fosse. Havia mera acusação de privação de
541
liberdade, não provada, cuja competência para julgar era do juiz e não dos
jurados, e outros fatos sem provas... O “defensor” deixava o recinto por
largos períodos. Quando presente, apenas observava, ora encostado na mesa
do Juiz Presidente, ora perto dos jurados, chupando um cachimbo, fazendo
pose para estudantes de direito, seus alunos e, às vezes, balançando a
cabeça, como que concordando com a acusação, verdadeira “vaquinha de
presépio”. Essa atitude, negativa para nós, réus, levou o Promotor a fazer
uma observação – “o doutor defensor não está fazendo nenhum aparte. Não
vá ele pensar que eu vou fazer o mesmo. Senhores Jurados, talvez seja uma
estratégia da defesa...”. Mas não era. A verdade era que ou LMT estava
pressionado ou não havia estudado o processo (mais tarde, após o
julgamento, ele compareceria ao Distrito para onde fui levado e, vomitando,
confessou-me que não tinha tido tempo de ler todos os volumes, só as peças
principais, como a denúncia e nossos interrogatórios...). E mais - em meu
interrogatório em plenário eu mencionei Alexandra como líder da armação
contra nós. O Promotor atacou-me fortemente – “Florivaldo é um semvergonha, sem caráter, mentiroso ! Ele vem aqui, perante Vossas Excelências,
e tenta atacar a madrasta, aquela pobre velhinha que cuidou do pai dele nos
últimos minutos de vida...” Com mais esta observação os jurados ficaram
chocados. Minha imagem estava denegrida. Os jurados foram induzidos e o
“defensor” ficou inerte. Bastava um único aparte ou a argumentação, no
tempo destinado à defesa, de que - A “POBRE VELHINHA” NÃO HAVIA
CUIDADO DE MEU PAI NOS ÚLTIMOS MINUTOS DE VIDA, não senhor . ELA
SIM, AMANHÃ MESMO, ESTARÁ SENTADA NESSE MESMO BANCO DOS RÉUS,
PARA RESPONDER PELA MORTE DO MARIDO DELA, PAI DE FLORIVALDO – e
seriam exibidos aos jurados os documentos que eu havia juntado em nosso
processo, referente ao processo dela, de nº 496/85, daquele mesmo
Tribunal... E com isso se desfaria aquela imagem pintada pelo Promotor. Os
jurados não levariam em consideração as palavras da acusação e estaria
restabelecido o princípio da verdade, a nosso favor. Os jurados poderiam
sopesar as provas - da acusação, nenhuma, enquanto que nós, na defesa,
tínhamos farta prova documental e testemunhal do complô armado e dos
álibis apresentados por nós, desde o primeiro instante, em nosso primeiro
contato com a Polícia. PORÉM LMT SE ABSTEVE DE QUALQUER ATO OU
PALAVRA. LMT queria impressionar seus alunos, os jurados e o público, a
542
ser o primeiro a usar computador, em Plenário do Júri. Mas causou má
impressão, pois não encontrava as folhas dos autos. Devido ao uso dessa
máquina, no tempo destinado à defesa, quando nosso “defensor” dizia
alguma coisa o Promotor vociferava – “é mentira! O senhor está mentindo!”
“Onde está, prove! mostre nos autos!”. E, por não encontrar os papéis certos
a argumentação da defesa se enfraquecia. O “defensor”, por negligência, ou
desídia, ou mesmo por incapacidade, não retrucava. Calava-se sobre os
apartes do Promotor e prosseguia, com o “rabo-entre-as-pernas”, e os
jurados ficavam impressionados, negativamente, não contra o
advogado/defensor, propriamente, mas sim contra nós, acusados. Com
evidência, ESTÁVAMOS INDEFESOS...
O “defensor” usou única e exclusivamente UMA PROVA – o Laudo
de Encontro de Cadáver (fato reconhecido pelo Juiz, ao proferir a sentença).
Por esse documento oficial, assinado por dois Peritos do Instituto de
Criminalística, o corpo de Ailton teria sido encontrado na
manhã do dia 30 de janeiro de 1992. Essa afirmação
contrariava frontalmente os depoimentos de Loide e de seu filho – “que os
acusados teriam pego Ailton NA NOITE DO DIA 30 DE JANEIRO”.
Ora, ninguém vai pegar e matar, à noite, alguém que já estava
morto pela manhã !!!!
E LMT encerrou sua exposição, qual toureiro, triunfante, ao dar sua
estocada final...
Nós, acusados, nos tranqüilizámos. Nossos familiares e os espectadores
presentes, a maioria, como já foi dito, formada por estudantes alunos de
LMT, respiraram aliviados. Um “OH” geral foi claramente percebido.
Parecia um “OLÉ” nas touradas...
No intervalo, muitos cumprimentos. Todos achavam que seríamos
absolvidos. Até aquele sargento J.B., que me havia agredido, veio
pessoalmente nos cumprimentar, com sorrisos e tapinhas nas costas...
543
Porém algo não estava certo. Eu quis ir até o bar defronte ao Tribunal,
tomar um refrigerante, mas a escolta não permitiu.
PROVA NOVA EM PLENÁRIO
O intervalo estava demorando mais que o normal. O Promotor não
aparecia. “Não tem mais argumento”, comentavam...Mas de repente surge
ele. Reiniciados os trabalhos o Promotor exibiu um papel não autenticado,
dizendo que teria sido grampeado em uma capa interna de um dos quatorze
volumes dos autos e pediu seu desentranhamento (mas tal documento já
estava em suas mãos!?). Atendido pelo Juiz, o Promotor pediu a juntada
daquele papel aos autos, para poder exibi-lo aos jurados. O Juiz consultou o
“defensor”, que, mesmo sem verificar o papel, concordou. A lei processual
exige que qualquer documento, mesmo um recorte de jornal, deve ser
juntado até tres dias antes do julgamento, devendo a parte contrária ser
intimada para tomar conhecimento e não ser pega de surpresa. O
desatendimento, com juntada de qualquer papel, fora daquele prazo,
constitui o que se chama de PROVA NOVA EM PLENÁRIO e o Juiz não poderia
ter deferido o pedido do Promotor, nem o defensor, no caso, deveria ter
concordado, sem ao menos ter visto o teor de tal papel.
Aquela PROVA NOVA EM PLENÁRIO juntada de maneira ilegal, não
passava de mera cópia não autenticada, de Boletim de Ocorrência de
Encontro de Cadáver, a qual teria vindo da Delegacia de São Bernardo do
Campo, serviu para o Promotor insistir que se tratava de ERRO
DATILOGRÁFICO e acabar convencendo os jurados que aquele ERRO
DATILOGRÁFICO teria sido COMETIDO DUAS VEZES e que os dados corretos,
para aquele Laudo, seriam “Encontro na manhã do dia 31 de
janeiro de 1.992” (e não 30 de janeiro).
Essa simples observação, feita pelo Promotor, e que não passava de
sua OPINIÃO PESSOAL (proibida por lei) acabou sendo interpretada como
PROVA PERICIAL, produzida por ele mesmo, e contrariava o Laudo,
assinado por DOIS PERITOS.
E, com essa “prova pericial”, não refutada por nosso “defensor”, a
argumentação do Promotor prevaleceu, mudando a cabeça dos jurados...
.-.-.-.-.-.
544
No Inquérito Policial sempre há uma folha sobre a Vida Pregressa
do Indiciado, com sua assinatura, pois as Informações devem ser prestadas
pessoalmente. Em meu caso, porém, a folha foi substituida por outra,
apócrifa (sem assinatura), com informações falsas.
Essa folha foi amplamente utilizada pelo Promotor, pois nela constava
que eu possuía milhões de dólares, portanto eu seria bilionário, um
verdadeiro P.C.Farias em São Paulo (P.C., ex-assessor do ex-presidente
Fernando Collor, estava sendo procurado, naqueles dias, pela Polícia Federal,
porque havia embolsado milhões de dólares). O Promotor afirmava que “rico
não vai p’ra cadeia!” e também dizia, apontando para mim – “ele pensa
porque é bilionário e os senhores jurados são pobres, andam de metrô, de
ônibus, que ele vai conseguir influenciar os senhores !”. O Promotor
acrescentava a essas afirmações – “ele pensa também que pode sair por aí
ameaçando testemunhas pobres, indefesas ...”. E concluía – “Florivaldo
precisa ser condenado para São Paulo dar exemplo para o Brasil !!!...”
Os jornais deram ampla divulgação sobre meu julgamento, mais pelo
fato de que eu era bilionário (???).
O “defensor” aceitou calado, apesar da farta prova documental, das
provas dos atos nulos, das provas dos atos forjados pela Polícia, da
existência do complô e dos depoimentos falsos, tendenciosos, de pessoas
inidôneas, hostis a nós acusados, com os quais a Promotoria queria nos
incriminar, inclusive usando de subterfúgios desleais, de sofismas e meras
ilações, de silogismos com falsas premissas. O “defensor” nada fez. E os
jurados foram induzidos em erro. E NÓS TRÊS FOMOS CONDENADOS...
por quatro a três, em alguns quesitos, e cinco a dois em outros ... NÃO
HAVIA CERTEZA, NA TOTALIDADE DOS JURADOS, POIS HAVIA
MUITAS DÚVIDAS...
O Juiz mandou que nos colocassem a sua frente, em pé, algemados,
leu um relatório, e proferiu a sentença
“o réu L. é condenado à pena de quinze anos de reclusão...” - “o réu M. é
condenado à pena de quinze anos de reclusão...”- “o réu Florivaldo, por ser
homem vivido, com experiência, com mais de sessenta anos, por ser advogado
e conhecedor das leis, é condenado à pena de vinte anos de reclusão...”.
545
Meu filho não havia dormido nem se alimentado, desde a véspera. E
nossa condenação foi-lhe um baque. Caiu desmaiado, ali mesmo, perante o
Juiz. Desesperado, tentei ajudá-lo, mas fui impedido por um policial.
Mesmo algemado e agarrado consegui debruçar-me sobre meu filho.
Peguei-lhe o queixo e bati-lhe no rosto, gritando – “filho! filho !”. Minha
mulher, na primeira fila, em pé,, gritava – “meu filho, acudam meu filho !”.
A irmã, mesma coisa – “meu irmão ! “ gritou. A namorada, a tia, enfim, a
família toda e as demais pessoas presentes sentiram a coisa, coletivamente, e
até os jurados. Um misto de pena e de remorso, por parte destes. Haviam
condenado três inocentes... Eu estava aturdido, sobressaltado, com
taquicardia. Fui arrancado dali e levado para uma cela daquela
carceragem, onde eu havia sido agredido. Os dois rapazes chegaram algum
tempo depois e foram colocados comigo. Dali cada qual seria recambiado
para seu Presídio. Quanto a mim não tinham certeza de meu destino. Para o
91º D.P. ? Seria ilegal, pois nos autos constava que não era apropriado.
Voltar para a PAD nem pensar, era opinião do Promotor, aceita pelo Juiz.
Acabaram entendendo que eu deveria ser encaminhado para o 91º D.P. e
apresentado com aquele Mandado de Prisão pela Pronúncia, pelo qual eu
deveria ficar preso, “aguardando” julgamento (outro ?)
.-.-.-.-.-.
MAIS “DOIS PESOS - DUAS MEDIDAS”
Foi-nos negado o direito de recorrermos em liberdade. No entanto,
esse mesmo direito foi concedido a outro réu, julgado no mesmo dia, no
mesmo Tribunal, em outra sala. Tratava-se de um dentista, o qual havia
matado um advogado, cortado o cadáver em pedaços, que foram colocados
em sacos plásticos e atirados no rio Tietê. Esse dentista, defendido pelo
escritório daquele advogado de "fama internacional" P.J.C.Jr., foi
condenado a quatorze anos de reclusão.
TRANSFERÊNCIA PERIGOSA
546
Fui levado para o 91º D.P. algemado, no banco traseiro de uma
viatura do 16º Distrito Policial, com dois homens. Um motorista e um
policial à paisana, membro da guarda daquele sargento gordo. Eles não
acertavam o caminho – ou não queriam acertar -. Fomos até os limites da
cidade. Chegámos à antiga estrada que liga São Paulo a Campinas. Lugar
ermo, escuro. Parámos numa pracinha deserta. “Aqui não”, disse um dos
homens... E ficamos rodando por alí, para encontrarem um lugar propício,
já que aquele não servia... (propício para quê não fiquei sabendo...) . Mas
acabaram encontrando um caminho e me entregaram ao Delegado de
Plantão, com aquele mandado. O Delegado se recusava a me receber,
porque sabia que eu já lá estivera, de lá havia saído e já havia sido julgado.
Queria Mandado de Prisão pela Sentença. O policial e o motorista disseram
ao Delegado que o Juiz lhes dissera que se houvesse dúvida por parte do
Delegado que era para ele ligar para o Tribunal. E assim foi feito. O
Delegado acabou me recebendo, ficando no aguardo de um Mandado, que
nunca foi enviado.
VENALIDADE COMPROVADA DO DEFENSOR
Meses mais tarde fiquei sabendo, por minha mulher, que, no primeiro
dia de nosso julgamento, ela foi procurada por Vera (irmã de Alexandra), a
qual compareceu para nos alertar que sua irmã e o advogado dela tinham ido
ao escritório de nosso advogado, e que voltaram dando grandes risadas.Minha
mulher lhe agradeceu e disse – agora é tarde, o julgamento já começou. E
DEU NO QUE DEU !
E PROSSEGUE MINHA SAGA
Pouco tempo depois que dei entrada no 91º D.P. apareceu o advogado
LMT. Ele foi me pedir perdão, por haver falhado. Confessou que não havia
lido o processo, devido seu interesse maior em ser indicado para Juiz do
Tacrim. Chegou a vomitar...e me garantiu que iria pedir novo Júri (direito
dado a quem é condenado por homicídio, pelo Tribunal do Juri, a vinte anos
ou mais de reclusão) e trabalhar bem na apelação. Nesse instante chegou
547
minha filha, que me levou roupas e material de higiene. Nesse Distrito eu
passava o tempo curtindo meu cantinho. Logo naqueles dias aconteceu um
fato muito estranho e interessante, isto é, surgiu um novo Delegado
Assistente no Distrito – o Dr. S., o mesmo que havia atendido, no 5º Distrito
Policial, a ocorrência de Apropriação Indébita dos documentos de meu
filho, por parte de Alexandra -. Esse Delegado também fora promovido (?)
e transferido, levando consigo um Investigador – o mesmo que havia
segurado e dado um tapa na boca de meu filho, naquele dia de “meu
interrogatório...”. Esse Delegado, volta e meia, sem qualquer motivo,
implicava comigo, e me negava, inclusive, o direito que os demais presos
tinham, a todo instante, ou seja telefonar para advogado ou para família. Os
presos diziam que podiam sair para tomarem sol, no pátio externo, uma ou
duas vezes por semana, se pagassem “um pau” ou “madeira” (propina), para
o carcereiro e para os Investigadores que os escoltavam. Mas o sol que
recebiam era sempre ao entardecer, quase noite, por isso eram todos
branquicelos. Eu contribuí, porém não pude sair, pois não estava preso não
fazia nem duas semanas..., dizia o Delegado. Na terceira semana pedi ao
Delegado Titular, D.S., que passava pelo lado de fora da cela. Fui
autorizado, por vinte a trinta minutos. Quando eu saí procurei ficar
próximo daquele Investigador que veio do 5º D.P., para evitar qualquer
mal-entendido, pois o lugar era de fácil acesso, livre por dois lados e fechado
por muros baixos que davam para uma favela. O tira chegou a comentar
comigo – “ doutor, o senhor esta muito parado. Dá uma corrida até aquele
carro” apontando um veículo distante uns trinta ou quarenta metros. Pensei
um instante e respondi – “Não, obrigado, estou bem aqui”. E acrescentei – se
eu sair correndo para lá vai dar a impressão de que estou fugindo e posso
levar um tiro pelas costas...”. O policial então, dando uma de bonzinho,
disse – “ora, doutor, se eu tivesse que atirar no senhor eu ia atirar na
perna...”. Daí então nem saí do lugar. Terminado aquele período de “sol”
retornámos para nossas celas.
UMA COINCIDÊNCIA INCRÍVEL
Minha mulher informou-me que nosso prédio havia sido assaltado,
incluindo nosso apartamento, de onde foram furtados objetos e valores,
548
tendo os meliantes deixado no corredor um aparelho de televisão, muito
grande para ser levado. Na semana seguinte dois jovens rapazes deram
entrada no 91º D.P. e ficaram no “corró”, aguardando transferência para
outro Distrito Policial. Conversando com os mesmos fiquei sabendo que eles
haviam entrado em um prédio, no bairro da Liberdade. Perguntei-lhes o
nome da rua. “Taguá”, responderam. Interessado, insisti nas perguntas,
dando a entender que eles mentiam. Para provarem que era verdade eles me
forneceram detalhes, inclusive aquele de terem deixado o televisor no
corredor. Imediatamente chamei o carcereiro, que chamou os
Investigadores. Disse-lhes que havia Boletim de Ocorrência. Os dois foram
levados a uma sala de Reconhecimento, defronte às celas e, lá dentro só se
ouviam gritos. Acabaram confessando. Dias depois minha mulher foi
chamada no 5º Distrito e recebeu alguns objetos, encontrados em mãos de
terceiros.
VIDA TENSA = TRAMAS = TRANSFERÊNCIA
Não tínhamos qualquer ocupação, a não ser ver programas de televisão,
leitura de jornais e revistas pornográficas. Cada cela tinha um ou mais
televisores, ligados em canais diferentes. Era “briga” de uma cela com a
outra, cada qual aumentando o volume do aparelho, o que era um tormento
para nossos ouvidos. Luz acesa, constantemente. Uns procuravam dormir,
outros jogavam cartas e fumavam, tornando o ambiente empesteado.
Outros batiam bola de madrugada e, antes ou depois, pedalavam uma
bicicleta ergométrica. Passei a ocupar uma cela com mais cinco pessoas
(onde caberiam somente quatro). Eu dormia em uma cama de armar, com a
cabeceira debaixo de uma mesinha, sobre a qual estavam os aparelhos de
televisão, de radio e um ventilador, ligados dia e noite. Durante o dia eu
desarmava minha “cama””. Apesar de ali se encontrarem pessoas de alto
nível – um professor universitário, mais dois advogados, um economista e
um médico – suas mentalidades eram tacanhas. Deixei o material a meu
lado, ao dormir. Porém, de madrugada, precisei ir ao banheiro e verifiquei
que algum deles jogou todo o material, ainda embrulhado, dentro do latão
549
de lixo, que seria retirado às cinco horas da manhã. Ao encontrar o material
compreendi que eles não queriam qualquer mudança, preferindo viver
como viviam... Devolvi tudo para minha família...
Naqueles mesmos dias, quando eu tomava lanche, fui chamado a uma
outra cela. Deixei um copo com soda limonada e parte do alimento, sobre a
mesinha. Ao retornar peguei o copo e bebi seu conteúdo quase de uma só
vez. Cuspi fora, mas mesmo assim engoli boa parte do líquido. Minha boca e
minha garganta ardiam. Quase não podia respirar, sufocado. Enfiei o dedo
na garganta e tentei vomitar. Bebi um montão de água. O líquido havia sido
substituído por detergente ou algo parecido. O Delegado de Plantão levoume, algemado, quase inerme, ao Pronto Socorro mais próximo, onde me
fizeram lavagem estomacal. Passei a desconfiar de todos e de tudo. Nunca
mais aceitei nada, de quem quer que fosse, a não ser de meus familiares.
Estava conosco um jovem economista, com trejeitos efeminados, de
nome C.Vicente Jr., preso por tráfico de drogas. Ele era sobrinho de um
advogado, que andava armado e com algemas (era delegado aposentado).
Certa noite o jovem ameaçou agredir um companheiro de cela – também
advogado, velho e sem forças -. Eu repreendi o jovem, com palavras. O
rapaz, porém, não aceitou minha interferência e tentou me agredir, já
partindo para a consumação. Fui mais rápido. Agarrei a cadeira onde
estava sentado, colocando-a entre mim e o agressor, como domador faz com
as feras. Não chegámos a nos tocar, devido a interferência de outros presos,
que seguraram o rapaz, mais impetuoso. Os ânimos serenaram. O ambiente,
as dimensões e a situação de cada um nos obrigava a isso. No dia seguinte
Carlinhos chamou o Dr. S. e se queixou. O Delegado cochichou algo em seu
ouvido, que depois Carlinhos nos informaria - “calma, que vou dar um jeito
nele...”. (Esse Delegado, homossexual como aquele rapaz, iria morrer logo,
vítima de AIDS). Era uma Quinta-feira. No Sábado (19/6/93) a visita seria
feita por volta das 14,00 hs. Porém, por volta das 11.00 horas, fui alertado –
“arruma suas coisas que você vai de bonde”, ou seja, que eu ia ser
transferido. Perguntei, assustado “para onde?” E a resposta foi - “Para o C
O C”. Minhas pernas tremeram... os demais presos sussurraram entre si –
“coitado... foi aquela bichinha...”e diziam mais alto – “agüenta firme, você sai
logo!”, enquanto outros auguravam “boa sorte!”. Peguei algumas coisas,
550
mais ou menos arrumadas – roupas, objetos de higiene e cópia de meu
processo – e deixei os alimentos com meus companheiros, sendo que o
restante de meus pertences seria retirado por meus familiares. Eu estava
pronto. Pedi para ligar e avisar meus familiares para não me visitarem ali.
Terminei a ligação e fui levado a uma viatura, tendo sido algemado ao
banco dianteiro, onde estava sentado o Dr. S.. Nós éramos escoltados por
uma viatura do GARRA (Grupo Armado de Repressão a Roubos e
Assaltos). Quando deixávamos a Delegacia percebi que saía de lá um carro
particular, com os pais de Carlinhos, os quais nos seguiram até o portão do
novo Presídio, onde eu seria apresentado. Queriam ter certeza de minha
transferência. Ficaram do lado de fora, enquanto as viaturas adentravam o
conjunto carcerário. Era o chamado “Centro de Observação Criminológica”,
uma prisão de segurança máxima. Enormes portões, que ribombavam
quando se fechavam. Apesar de não ter condenação definitiva, eu havia sido
mandado para lá, por motivos pessoais, que descobriria mais tarde. Eu
passei a ser um preso comum, um Presidiário, sem direitos e sem minhas
prerrogativas ou seja, eu era simplesmente mais uma das VÏTIMAS DO
SISTEMA.
Eu era
UM ADVOGADO NA PRISÃO
Iniciava-se, assim, a fase de vida penitenciária de um velho,
sexagenário, hiper-tenso, cardíaco, com visão deficiente, sem direitos e sem
prerrogativas. Em verdade tinha-os, porém m’os foram negados.
Fui recebido por uma Diretora de Plantão – L.A. – muito simpática,
o que me deixou aliviado da má impressão que estava tendo, causadas
também pelos comentários negativos que faziam a respeito daquele Presídio.
Não fui revistado. Um senhor nisei, Chefe de Plantão, levou-me até uma cela
pequena, individual, tipo solitária, num Pavilhão chamado de Raio 1, onde
havia somente um outro preso, na cela contígua, também advogado, acusado
de ser traficante de drogas Naquele “aposento” havia uma enxerga de
cimento (“jéga”, no jargão penitenciário), uma pia, um vaso sanitário,
envolvido por concreto, um ponto de água na parede, uma janela gradeada,
no alto (fechada com chapa dotada de pequeninos furos), três cantoneiras de
551
concreto, à guisa de prateleiras, uma mesinha, do mesmo material. Nada
mais. Só silencio e solidão. A pesada porta de aço fechou-se com um
estrondo(porisso o título em inglês – A lawyer in the slam - ). Nela
pequena abertura para passagem de alimentos e por onde os guardas
podiam ver o interior. Quando eu cheguei a comida ou “boia” já havia sido
entregue, ou “paga”, por isso fiquei sem comer, uma vez que deveria ter
almoçado com minha família, quando estava ainda no 91º. Teria que
esperar pela “janta”. Algum tempo depois, antes do “jantar”, fui chamado
até a sala da Diretora Chefe, Dra. S.D., porque lá estavam minha mulher e
um de meus filhos de criação, também Marcelo (tinha-os em número de oito,
dentre aqueles tantos outros, mais de sessenta, que eu e minha mulher
havíamos ajudado a criar). Foi-nos permitido um colóquio familiar, rápido,
na sala daquele Chefe de Plantão, sr. T. Nesse primeiro contato queixei-me
que naquela cela faltavam um chuveiro e força elétrica. A Diretora
prometeu-me que iria mandar instalar o chuveiro, frio. Devido a problemas
respiratórios insisti no chuveiro quente, daí ela me prometeu que eu poderia
tomar banho quente na lavanderia. Fiquei mais tranqüilo. Voltei para a cela
(o banho quente nunca me foi liberado, nos mais de dois anos que fiquei
‘naquele Presídio).
Como de praxe, naquele Presídio, era obrigatório um “estágio”
inicial, de trinta dias no “isolamento”, com cela totalmente fechada, ou
“tranca”, para adaptação e condicionamento do preso. Eu deveria passar
por esse estágio. Direito a sol somente depois de uma semana, por minutos.
Procurado por minha mulher LMT entrou em contato com o Juiz
Corregedor e pediu meu retorno para o 91º D.P.. O magistrado,
reconhecendo a ilegalidade de minha transferência, quis determinar minha
volta e, para tanto, solicitou informações, via fone, ao Delegado Titular D.S..
Esta autoridade teria informado ao Juiz que, dias antes, eu teria ido a sua
sala (como se eu pudesse... Era mentira, pois era difícil, quase proibido, ir até
lá) e que eu teria afirmado que, na primeira oportunidade, eu iria fugir. A
afirmação do Delegado era totalmente falsa, inverídica, tendenciosa,
criminosa, torpe e burra, feita por um homem que deveria ser conhecedor
da lei. EU nunca lhe disse nada muito menos tal infantilidade. Tudo era
tratado por seus subalternos. Conforme o assunto, era com o Del. Assistente
ou com o Chefe dos Investigadores ou até mesmo com o Delegado de Plantão
552
e, de qualquer forma, com o preso atrás das grades, sem sair da cela. Eis um
outro absurdo – EU jamais iria dizer ao Delegado meu carcereiro a respeito
de uma eventual e pretensa fuga ! E mais – em sendo eu um advogado,
jamais iria fugir, pois a fuga representaria deserção (ou desistência) do
recurso que deveria ser interposto junto ao Tribunal de Justiça, e, fugindo,
eu teria, conseqüentemente, que aceitar a pena imposta, de vinte anos. Essa
deserção implicaria também em prejuízo ao recurso dos rapazes. Aquela
informação, verdadeira burrice do Delegado, impressionou o Juiz F.G.B.. O
magistrado, por sua vez, sem qualquer qualificação para analisar o caráter
e a personalidade de alguém, pois nesse cargo não consta que exercesse
também as funções de psicólogo, psiquiatra, ou mesmo perito. E, sem nunca
ter me visto ou falado comigo– baseado apenas naquela simples informação
telefônica, sem qualquer fundamento, sem qualquer autenticidade,
manifestou seu parecer pessoal, mera apreciação de leigo, não em um Laudo
oficial, mas em simples telex, definindo-me como ELEMENTO DE ALTA
PERICULOSIDADE e negou meu retorno para o 91º DP. Era mais uma
arbitrariedade .... somente comigo, pois, sete anos mais tarde, esse mesmo
Juiz iria beneficiar um preso seu amigo e também uma outra pessoa, com
seu aval pessoal ... conforme documento judicial que me chegou às mãos,
como advogado...
.-.-.-.-.-.-.
No primeiro dia de C.O.C. , após o “jantar” (comida intragável – arroz
e feijão duros, carne moída de terceira, chamada de “boi ralado”), numa cela
sem luz, fiz um pouco de ginástica e, apesar do frio que fazia, tomei uma
“ducha”(jato de água que saía por um furo na parede) gelada. Pretendi e
comecei a dormir, na “jega” sem colchão (tinha levado apenas um cobertor).
Algum tempo depois fui acordado por gritos. Observei pela abertura e vi
um homem, de cuecas, algemado, escoltado por um grupo de homens
armados com barras de ferro e porretes. Pelo barulho pude perceber que
abriram uma porta de aço, de uma cela seguinte àquela onde estava o outro
advogado. Era chamada de “cela forte” (proibida por leis internacionais). Em
seguida só se ouviam aqueles homens gritando e proferindo palavrões,
misturados com gritos lancinantes de dor, com certeza daquele homem nu,
algemado. Qual seria a razão para ele estar sendo torturado, me perguntei.
553
E com que direito eles agiam daquela maneira. Será que seria assim com
todos ? No dia seguinte fiquei sabendo – ele havia respondido mal a um
funcionário, o que, no entender deles, guardas, era “falta grave”. Fiquei
assustado, mal impressionado. Tentei dormir, novamente, apesar do
cansaço. Mas pouco tempo depois, não sei ao certo, os guardas voltaram e
bateram na porta de minha cela. Fiquei apavorado, temendo passar por
uma “sessão” igual àquela do outro preso. Mas fiquei aliviado. Era pura
rotina de verificação de presença (quase desnecessária, porque nem mesmo
Houdini encontraria meios de sair dali) e também para saberem se o preso
estava vivo. O preso deveria responder em voz alta ou acenar com a mão,
pelo “guichê”, com cuidado, porque sua mão poderia ser atingida pelo
porrete ou mesmo agarrada, apoiada na bandeja da portinhola e torcida.
Voltei a dormir. Mas pude perceber que os guardas passavam mais vezes,
batendo as chaves nas bandejas dos “guichês", durante a noite e numa
última vez, quase às seis horas, como última conferência a ser feita, pois os
guardas não queriam e não podiam “passar” o plantão com algum preso
morto, aos guardas que entravam às seis horas, os quais começavam seu
trabalho com novas verificações (pois não acreditavam em seus colegas). Tal
sistema era para mim uma continuação do martírio iniciado no 5º D.P. –
privação de sono, de sol, de luz, de contato com familiares, dos hábitos de
higiene...
Depois de mais de uma semana de cárcere totalmente fechado, fui
autorizado a sair ao sol, por alguns minutos diários, pela manhã, em horário
incerto. Mas foi uma alegria ao receber a notícia. Saí com as mãos cobrindo
os olhos, desabituado que estava à claridade. Nessas saídas conheci Osvaldo,
meu colega da cela ao lado e outro colega, de nome Chaim, que havia
chegado no meu oitavo dia. Ambos estavam sendo processados por tráfico
de entorpecentes. Chaim, tanto por seu crime como por ser amigo do Chefe
de Plantão (aquele japonês), já pôde sair em sua primeira manhã, sem
passar pelo “castigo” da primeira semana. Como o Pavilhão estava em
reformas, devido a “quebra-quebra” promovido por dezenas de menores
infratores, que lá haviam sido colocados após rebelião na FEBEM, nós três
fomos levados para o pátio do Raio 2, ao lado, no qual eram colocados
ladrões e elementos que estavam “no seguro” (garantia de vida, pois em
outros presídios seriam mortos, tanto por serem considerados “alcagüetes” ou
554
pelos crimes que haviam praticado, como estupro, por exemplo) ou presos
vindo de outros presídios, após rebeliões. À noite eram comuns os gritos –
quero sair daqui. Quero roubar!!!
RÉUS INDEFESOS – TERGIVERSAÇÃO
Voltando ao julgamento. O advogado devia apresentar seus protestos
contra as nulidades ocorridas. E também um Protesto, pela realização de
um novo Júri, conforme preceituado no artigo 607 do Código de Processo
Penal. No entanto nosso defensor, demonstrando desinteresse e fazendo com
que continuássemos na cadeia, somente interpôs recurso de Apelação dois
meses depois (ele alegou que ficou aguardando a intimação da sentença...pelo
Diário Oficial). Uma desculpa esfarrapada, pois ele podia se dar por
intimado, mesmo antes. Essa atitude era mais ou menos parecida com o que
aconteceu, em relação ao pedido de hábeas corpus. Nosso defensor chegou a
pedir adiamento do julgamento (!!!). E, naquela Apelação, o mesmo
advogado que nos havia representado não podia invocar o argumento de
que estivéramos indefesos, porque não podia alegar sua própria torpeza, sua
desídia, sua negligência, sua complacência conivente com a acusação
(tergiversação) e até sua ignorância, seu desconhecimento dos procedimentos
processuais (apesar de “dar aulas”). E nós, os três réus, que não tivemos
defesa hábil, condigna, não tínhamos agora, na Apelação, quem realmente
nos representasse que nos defendesse. Estávamos sendo prejudicados e não
sabíamos.
Nosso recurso, depois de distribuído, ficou passeando por várias
Câmaras Criminais (da mesma forma que o pedido de hábeas corpus).
Parecia que ninguém queria apreciá-lo...
REBELIÕES NOS OUTROS PRESÍDIOS - RESULTADOS
Quando
estava pelo litoral, fugindo daqueles policiais que queriam me
“derrubar”, eu havia acompanhado pela televisão, os acontecimentos
ocorridos na Casa de Detenção de São Paulo, em outubro de 1992, QUE
CULMINARAM COM A CHACINA DE 111 PRESOS (foram em maior número,
conforme se soube, posteriormente, por intermédio de outros presos) e fui me
555
acostumando com essas notícias. Fiquei sabendo, também, que toda vez que
acontecia uma rebelião de presos, em qualquer outro presídio ou Distrito
Policial, com apresentação de reivindicações de direitos ou transferências,
os rebelados eram, aparentemente, atendidos. Terminadas as mesmas os
rebelados eram transferidos para aquele C.O.C. E assim foi num daqueles
dias - houve mais uma rebelião na Casa de Detenção. E muitos presos
daquela instituição, rebelados ou não (policiais civis e policiais militares,
desligados ou não, alcagüetas e Justiceiros - matadores de ladrões (pés-depatos, na linguagem marginalizada) vieram daquela Casa para o Raio 2,
onde tomávamos sol. Aqueles elementos recém-chegados eram considerados
de alta periculosidade. E nós três iríamos conviver com eles por algum
tempo. Nós, três advogados – os dois nem sequer haviam sido ouvidos em
Juízo (e posteriormente foram absolvidos) e eu não tinha sentença definitiva,
pois ainda seria interposto recurso de apelação, negado que me fora o direito
de apelar em liberdade, ao contrário daquele dentista... – ficávamos em
promiscuidade com criminosos já condenados, muitos deles reincidentes, o
que era totalmente vedado pela lei.
Dentre aqueles transferidos havia um homem com uma sonda ligada
ao abdome, o qual caminhava tropegamente, amparado por outro, vulgo
“enfermeiro”. A sonda era continuação de tratamento de cirurgia mal feita
no Hospital da Penitenciária do Estado, devido a um ferimento causado por
haver sido ele transfixado por uma espada, ou seja uma arma improvisada
pelos detentos, com uma barra ou lâmina de ferro comprido, esfregado no
cimento até adquirir corte e ponta. Aquela espada fora utilizada por um
inimigo, num conflito entre os presos de diferentes andares. O preso ferido,
vulgo Dedé, tido como justiceiro, carregava uma fôrma grande, tipo
bandejão, servindo café, quando outro preso, seu desafeto, inopinadamente
atravessou-lhe o abdome com a tal espada, numa estocada só, e tentou fugir.
Mesmo ferido Dedé acertou seu agressor com a bandeja, derrubando-o ao
chão. Retirou de seu próprio corpo a espada e com ela atacou aquele que o
havia ferido. Pelo menos assim foram descritas as cenas, por seus colegas,
que prontamente correram em seu auxílio. Imediatamente após esse
incidente generalizou-se o conflito, com armas variadas - facas, estoques e
espadas, surgidas em todas as mãos.
556
Em razão disso os justiceiros precisaram ser removidos. E com eles
todos os demais, que estavam no seguro.
Antes mesmo de saber quem era Dedé , como e porque havia sido ferido,
tive pena dele. Ele estava lívido, esquálido, combalido. Ofereci-lhe um prato
de leite com aveia e mel, vindos de minha casa. O homem, meio relutante
(não é hábito, na cadeia, ser gentil ou oferecer alguma coisa) acabou
aceitando. Ficou grato. Convidou-me a sentar em uma banqueta, a seu lado.
Ordenou ao enfermeiro que desse um assobio. Todos os demais presos, que
haviam vindo com ele, olharam em sua direção. Dedé colocou sua mão
esquerda em meu ombro direito e sua mão direita sobre seu coração. Foi um
gesto rápido. Perguntei-lhe a razão daquilo e o que significava. De hoje em
diante o senhor é nosso amigo, nosso irmão, nenhum de nós irá lhe fazer mal.
Se precisar de nós é só chamar. Fiquei comovido com aquela forma de
agradecimento. Agradeci, também. Eu não esperava, jamais, receber tal
distinção. Dedé era verdadeiramente um líder, respeitado e temido, não só
pelos demais presos como até pelos guardas.
Um mês se passou. Nós três fomos transferidos para o Raio 4,
exclusivo para ex-agentes penitenciários (a maioria presa por tráfico...), expoliciais e alguns presos que estavam no seguro (até dos demais, que também
estavam em situação idêntica, mas eram de grupos diferentes). Fomos
colocados em ala separada do restante do prédio. Em duas celas, uma para
mim e outra para os dois, Chaim dormindo no chão. Já podíamos deixar as
celas, durante o dia, mas o sol não nos alcançava, por isso precisávamos
descer até o pátio, onde, obviamente, ficávamos no meio de todos,
condenados e reincidentes...
CONSTRANGIMENTO COLETIVO
Uma vez, enquanto eu estava no Raio 1, do andar em que me
encontrava, observei os presos serem obrigados a sentarem no chão do
pátio, com as mãos nas nucas. Enquanto estavam naquelas posições, eram
vigiados por vários policiais militares, postados nas muralhas, com seus
fuzis apontados para os presos. Era uma espécie de audiência com o Diretor,
que se fazia acompanhar dos Diretores Penais e de Disciplina, e do Chefe de
557
Plantão, escoltados por uns vinte guardas, todos armados com porretes de
madeira e barras de ferro. Um preso, quando queria se dirigir ao Diretor,
precisava levantar a mão, pedir licença para falar, e só então podia se
dirigir ao Diretor, para fazer alguma queixa ou reclamação, ou mesmo uma
reivindicação. Segundo comentários, quem se queixava ou pedia algo, ia de
bonde , isto é, era transferido para onde nunca se sabia...
Outras duas vezes aconteceram iguais procedimentos, agora no Raio
4, com uma diferença – também eu estava entre os presos. Porém ninguém
se queixava de nada, nem fazia qualquer reivindicação, porque, em sua
maioria ex-guardas de presídio, sabiam muito bem o que lhes poderia
acontecer...
MINHAS VISITAS
Os dois advogados e mais quatro ou cinco presos de outros Raios
recebiam visitas em um salão e não nos pátios, como os demais. Comecei a
receber minhas visitas, aos domingos, nesse salão. s. As comidas eram
"provadas" pelos guardas, que metiam seus talheres em todos os alimentos.
O dinheiro era proibido, sendo substituído por cigarros, de boas marcas ou
inferiores. Cada coisa tinha um valor - um bife um maço de Hollywood -.
Um litro de leite, idem. Havia coisas que custavam dez, vinte ou mais maços.
Eu não fumava, mas recebia pacotes de cigarros, de cujos maços os guardas
tiravam alguns, para "testes". Com eles eu podia "comprar" alguma coisa,
como mandar bilhetes para fora, selos, comida, etc. Mas essa minha regalia
duraria pouco tempo. Os dois advogados foram absolvidos. Antes que o
pessoal soubesse, o advogado Osvaldo arranjou uma encrenca com um dos
guardas, um tal de Zé Luis. Osvaldo recusou-se a voltar para a cela mais
cedo que o costume, como o guarda exgia (para poder ficar sem
trabalhar...).Nós três fomos levados até a sala da Chefia, onde recebemos
ameaças, inclusive sendo apontados para nós os cacetes e as barras de ferro
que usavam nos presos. Osvaldo explicou que havia sido absolvido e nada
lhe fizeram. Chaim acabou indo embora logo. Fiquei só. Zé Luis passou a
descarregar sua bronca em cima de mim. Fui proibido de receber minhas
visitas como vinha acontecendo, pois dava muito trabalho para os guardas,
que precisavam caminhar mais (aproximadamente cinqüenta metros)me
escoltando, sendo que um deles precisava ficar me observando durante o
558
tempo que durasse a visita. As visitas tinham que ser revistadas em
situações humilhantes e vexatória. Porém, mesmo assim, diziam que muitas
mulheres conseguiam levar coisas proibidas (na verdade eram os próprios
guardas que as levavam...). Passei a receber meus familiares no pátio, junto
com os outros presos, porém sem mesa e bancos. Eu nada podia fazer ou
dizer. Qualquer queixa iria criar uma situação desagradável com os presos.
Eu me encostava aqui e ali, nas mesas alheias, dependendo de meu
relacionamento com o preso, dono da mesa. Cediam lugar para minha
mulher e minha filha, aqueles que precisavam de mim, por um motivo ou
outro – por ser advogado ou por receber iguarias e guloseimas que não
tinham condições de receber. Era uma cessão por puro interesse, muito
comum nas cadeias. Tudo tinha seu preço. Com os presos e com os guardas.
Destes, alguns iam conhecer meu restaurante, e levavam a família. Minha
mulher os reconhecia e, obviamente, não lhes cobrava. Eles gostavam e
voltavam. Alguns até recebiam a passagem de volta. Para outros guardas eu
cheguei a fazer muitas petições, em favor de presos, seus parentes.
ADVOCACIA ...NA CADEIA
Nos primeiros dias no 4º Raio, às vezes eu deixava a ala em que me
encontrava e ia até o Raio da Administração, para conversar com as
advogadas. Eu transitava livremente, porque os guardas ainda não me
conheciam e pensavam que eu era funcionário novo, vindo de outros
Presídios e também porque eu usava barba e bigode. Até que um dia um
guarda viu quando eu deixava a sala das advogadas, despedindo-me com
bastante humildade. Esse guarda perguntou-me quem eu era e, tão logo lhe
respondi, deu-me uma ombrada (bater com seu ombro em minhas costas) e
mandou que eu tirasse a barba.
Mesmo sem a barba continuei a passar pelas gaiolas, indo até os
outros Raios, para conversar com os presos. Um deles, apelidado de Chico,
nordestino inculto, mas muito educado, e fiquei sabendo, já estava preso
fazia cinco anos e sete meses, cumprindo uma condenação de cinco anos e
quatro meses. Estranhei e fiz alguns comentários. Ele me disse que a
Diretora sempre lhe dizia que ele iria sair logo, e que ela estava
providenciando. Porém, pelo fato de ele trabalhar como garçon, servindo a
559
Diretoria, o tempo ia passando, e sua pena já havia sido ultrapassada. Como
me havia sido proibido de fazer qualquer trabalho, como advogado,
rabisquei em uma folha de papel um pedido para ele copiar e mandar, por
meio de sua família, ao Juiz das Execuções. E menos de dois meses ele foi
colocado em liberdade. Foi ele que me contou que, quando um preso tinha
bronca dos Diretores e funcionários, costumava escarrar em seus bifes ou
qualquer outro alimento. Como a ele, eu ajudaria mais de trinta presos, no
COC (e a outro tanto, mais tarde, no Presídio Romão Gomes)
MAIS ADVOGADOS QUE SE INSINUAM
Nosso “defensor”ainda não havia tomado qualquer providência
para nos tirar daquela situação, muito menos havia interposto o recurso de
apelação. Sabedores disso mais um casal de advogados, ele, M.O.N.,
conhecido como grande professor, tanto em cursinhos para exame da
Ordem dos Advogados, como em faculdades de Direito, compareceram
espontaneamente no Presídio e me requisitaram, como fossem meus
advogados. A conversa teve como tema principal aquele recurso, o qual,
segundo eles, ainda não fôra apresentado, e diziam que nosso “defensor”não
saberia fazer a sustentação oral, na Instância Superior, o que, com certeza,
os dois fariam melhor -. Bastava que eu autorizasse minha mulher a efetuar
o pagamento de apenas cinco mil dólares. Como eu não dispusesse dessa
quantia bem como certamente minha mulher também, e por causa daquela
atitude anti-ética, recusei tal oferta. Reduziram para três mil dólares.
Desvencilhei-me dos dois, sem atender suas pretensões. E eu (e os rapazes)
continuaríamos presos...
MEU PRIMEIRO DENTE...A CAIR
Um dia, quando eu estava no pátio, alguns presos batiam bola, antes
de iniciarem uma partida. Um deles chamou-me para conversar, e ofereceume um lugar junto à grade da gaiola. Sem entender que estava havendo
maldade, da parte dele, sentei-me, para ouvir o que ele queria. De repente
560
ele levantou-se e...no mesmo instante levei uma bolada, de um chute
desferido por um tal de Biro, ex-guarda e excelente jogador. O chute havia
sido de propósito, preparado, porque Biro estava treinado a atingir aquele
ponto onde estava minha cabeça. Foi uma risada geral.. Ao bater a bola em
minha testa, instintivamente levei a mão, com, força, como que para evitar a
pancada, ou qualquer coisa assim, e bati com o dorso de minha própria
mão, bem na minha boca, quebrando metade de meu dente incisivo
esquerdo. Tempos depois esse dente iria acabar caindo, como outros.
.-.-.-.
UM JUDEU LADRÃO - NA PRISÃO
Havia um preso de nome judeu. LSM era seu nome, mas era
simplesmente chamado de Michel. Chegou até a grade intermediária e me
perguntou se eu falava inglês. Sim, respondi. E começámos a conversar.
Pensei que ele ia me dar umas orientações, alguma ajuda. Mas a verdade
era outra. Ele queria pedir, pedir e pedir. Era um desvalido da sorte e da
família. Um de seus irmãos, ao invés de levar-lhe alimentos, ia visitá-lo e
comia da comida do Presídio, que era melhor, nos dias de visita. Ele falava
inglês porque havia ficado preso por onze anos em uma cidade americana.
Ele, brasileiro, era um ladrão internacional. Dizia que tinha família na
América, mas tinha também um irmão advogado, em São Paulo, que não o
visitava, por vergonha. Ele estava preso por causa de um assalto a mão
armada, feito contra um casal, no bairro de Pinheiros. Havia mais de um
crime, cujas penas chegavam a mais de vinte anos, e ele estava cumprindo
fazia pouco tempo. Para amenizar sua situação e para angariar favores
junto à Diretora, ele insinuava-se junto aos presos, para saber fatos e depois
levá-los a conhecimento dela, nas entrevistas freqüentes com a mesma pois
ele tinha a desculpa de que ele traduzia livros para a Diretoria. Ele era um
"cagüeta". E descobri, mais tarde, que ele tinha um irmão advogado e
ambos eram muito "amigos" daquele Juiz que me prejudicara com aquele
"parecer". Só não fiquei sabendo, com certeza, se aquela "amizade" era
resultante de drogas ou sexo.
561
DIA DOS PAIS
Na semana dos pais, em agosto daquele ano, fui chamado por um
guarda e levado até uma salinha chamada Parlatório, reservada para
advogados que visitavam seus clientes. Esperava encontrar um colega,
quando, de repente, tive uma visão que me assustou - um rapaz bem vestido,
sorridente, surgiu à porta. Era meu filho ! Havia sido concertado entre os
diretores de nossos presídios e ele foi autorizado a me visitar. Era uma das
poucas atitudes de consideração que eu havia recebido até então. Dei um
pulo de alegria e, chorando, fui a seu encontro. Era muita alegria, muita
felicidade. Dei-lhe um grande e apertado abraço, sempre chorando e rindo...
Ficámos ali conversando por largo tempo, sob vigilância... Despedimo-nos
com mais um longo e apertado abraço. Com esse encontro encontrei forças
para suportar e viver mais algum tempo.
MAIS UM JUDEU NA PRISÃO
Coisa rara na prisão é encontrar um judeu preso. No entanto havia
outra exceção, além de Michel. Havia outro, aquele tal de Simcka, que
conheci no 91º DP e que se dizia advogado, também estava ali, porém no
Raio 4, junto com os presos comuns, porque não o era. Mas ele fazia alguns
trabalhos para os presos, como se realmente o fosse, e cobrava. Com minha
chegada, passei a ajudá-los, também, porém gratuitamente. Isso gerou
maior inimizade de Simcka contra mim.
DIA DAS CRIANÇAS
Como meu hobby era marcenaria, eu costumava, aos sábados,
fabricar brinquedos para filhos de fregueses de meu restaurante e alguns
móveis para meu Pensionato. Para isso eu utilizava diversas máquinas, em
minha oficina, instalada na garagem de meu prédio. Eu tinha ferramentas
de todos os tipos, herdadas de meu avô paterno, carpinteiro, de meu avô
materno, marceneiro, de meu pai e de meu sogro. Entre máquinas e
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ferramentas, totalizavam, mais de quatrocentas peças, desde brocas até
maquinaria pesada.
Aproximava-se o Dia das Crianças, e como eu havia deixado quase
uma centena de cavalinhos prestes a serem montados, pedi à Diretoria para
receber aqueles brinquedos, que poderiam ser montados pelos presos.
Devidamente autorizado, pedi para minha família que m’os trouxesse, duas
semanas antes do Dia. Elas aproveitaram a quarta-feira, dia da entrega do
jumbo ou pacotes de alimentos, para fazerem aquela entrega. Meu pedido
incluía não só a madeira, já cortada, mas também ferramentas, rodízios,
parafusos, couro, tintas e verniz. Escolhi uns seis ou sete presos, que
passaram a me ajudar. Assim, nós podíamos deixar as celas e fazíamos algo
de útil, para alegrar seus próprios filhos. Além, desses brinquedos, minha
filha levou balões, apitos, linguas-de-sogra e alguns quilos de balas. No
domingo, Dia das Crianças, foi uma alegria geral. Até crianças de outros
Raios receberam o que havíamos levado. Isso nos alegrava muito.
Ficávamos felizes por estarmos contribuindo com a alegria de muitas
criança. E, ao mesmo tempo, eu passei a ser mais respeitado, não só pelos
presos, mas também elos funcionários e até pelas Diretoria. Pelo menos eu
podia,viver em paz, sem receios.
TRAFICANTES INTERNACIONAIS
Naqueles dias chegaram quatro rapazes americanos, presos por
tráfico de cocaína - Julio G., filho de hondurenhos, Guy P., Brendan C. e
Sebastian C., filho de argentinos. Moravam na Califórnia, e Guy, o mais
jovem, menor de 21 anos, já tinha sido preso na América. Foram colocados
na ala comum, dois em cada cela. Procurei ajudá-los. Jogávamos xadrez em
minha cela, com a porta aberta, sempre observados pelos guardas, e
conversávamos em inglês. Michel também passou a conviver com os quatro.
Ficava ele a maior parte do tempo com Julio. Era proibido ficarem dois ou
mais presos em uma só cela, porém, pelo fato de não falarem português,
Michel podia adentrar suas celas. Certo dia pedi ao guarda para ir até a cela
de dois deles. Quando abri a porta fiquei surpreso - surpreendi Michel em
situação comprometedora, em pé, atrás da porta de aço. Julio estava por
detrás dele. Ambos com as calças abaixadas. Sai imediatamente. Dali em
563
diante Michel tornou-se meu "inimigo", temendo que eu pudesse divulgar o
fato. Michel e Simcka se juntaram e passaram a me hostilizar, com
caguetagens de coisas que eu não fazia nem devia. Era uma forma de se
protegerem.
ÓDIOS INCONTIDOS
Os presos, em geral, quando são condenados, não guardam rancor
contra o Promotor, que nem sabem que seja, nem contra o juiz que os
condena. Mas odeiam seus próprios advogados, dizendo que se venderam,
que trabalharam mal. Dizem, com freqüência - "quando eu sair vou matar
aquele filho da puta" e outras expressões mais pesadas. Fiquei sabendo que
muitas dessas ameaças haviam sido cumpridas seus autores voltaram, cheios
de vanglória. Com a animosidade de Simcka, fortalecido por
Michel,
ambos jogavam ou tentavam jogar a ira dos presos contra mim. Diziam a
boca miúda que a cadeia estava pequena para mim, isto é, eu não tinha para
onde correr, em caso de algum ataque. Mas meu comportamento, minhas
atitudes e minhas argumentações foram convencendo os presos de que a
culpa de suas condenações não se devia aos advogados, mas sim do próprio
sistema. Isto é, se eles realmente nada devessem à sociedade. Se eles tivessem
culpa ou responsabilidade pelos atos que se lhes imputavam, então sim,
poderia ser talvez por negligência ou desídia ou mesmo por ignorância do
defensor. E eu explicava meu caso, o que ajudava a aceitarem seus destinos.
Eu os demovia daquelas idéias. Mesmo estando preso e sem ter recebido
qualquer ajuda de meus colegas eu os defendia. E o fazia sem esperar
agradecimento ou paga. Eu agia dessa maneira porque eu sabia que era o
caminho correto, talvez até como se eu estivesse na prisão para cumprir
uma missão, ou fazia parte dela. Mesmo assim alguns presos ainda ficaram
solidários com Michel e Simcka contra mim (eu viria saber que Michel
também "atendia" alguns deles ... em troca de favores, pois assim conseguira
sobreviver aqueles onze anos nas prisões da América)
NOVAMENTE ISOLADO
564
Novamente fiquei só. Os dois advogados foram absolvidos. Para
ambos a instrução, julgamento e a sentença, não chegou a três meses.
Ficaram presos menos de cem dias. No dia em que retornou do Fórum, já
absolvido, Osvaldo criou encrenca com um guarda, um tal de Zé Luis. No
fim da tarde Osvaldo recusou-se a entrar na cela, pois era mais cedo que o
horário de costume (os guardas agiam assim, trancando os presos antes de se
encerrar o horário de "sol" para poderem ficar mais à vontade, sem
trabalhar...). Fomos levados à Sala da Chefia, onde recebemos ameaças (num
canto, havia grande quantidade de porretes de madeira e bastões de aço, que
eram empregados pelos guardas, para "amansarem" os mais impetuosos e
também para "recepcionarem "os recém-chegados, que vinham das
"rebeliões"). Fomos separados, para atendimento individual. Novas
ameaças. Chaim ficou apenas mais uns dias. Fiquei só. Zé Luiz transferiu a
bronca que tinha de Osvaldo para mim. Mudaram meu local de visitas,
porque dava muito trabalho para os guardas e passei a ficar no mesmo pátio
que os outros, com a diferença de que todos tinham direito a uma mesa e
bancos, menos eu. As visitas eram maltratadas. Se, por acaso, algum
familiar de preso reclamasse de alguém ou de alguma coisa, feita pelos
guardas, lá vinha represália, castigo. Todos éramos obrigados a aceitar, a
engolir sapos.
Eu me encostava ora aqui ora ali, nas mesas alheias, dependendo do
relacionamento com o preso dono da mesa e era cedido um espaço para
minha mulher, por aqueles que precisavam de mim, fosse como advogado
fosse como possuidor de iguarias e guloseimas, que eles não tinham
condições de comprar. Era uma cessão muito comum nas cadeias. Mas era
uma cessão por interesse.
UM SUICÍDIO NA CADEIA
Quando eu era ginasial, no interior de São Paulo, eu me oferecia
para pequenos serviços de faxina na Cadeia Pública e para compras para os
presos, dentre os quais um filho de uma vizinha, preso por roubo no
armazém de nossa rua. Ele fazia trabalhos manuais com canetas, usando
linhas coloridas e inscrevendo nomes de pessoas e frases alegres. Meu
565
intuito era poder assistir os julgamentos do Júri, vedados a menores, mas
naqueles dias os policiais permitiam que eu permanecesse do lado de fora ou
atrás da porta, para ouvir aqueles monstros sagrados das tribunas. Num
daqueles dias aquele rapaz apareceu morto, pendurado em uma corda
(quem a levou não se sabe), amarrada nas grades de uma janela lá no alto.
Disseram que foi suicídio, mas os policiais fardado riam às gargalhadas
quando comentavam o fato. Dava para desconfiar...porque se precisava de
uma escada para se colocar uma corda lá...
MAIS UM SUICÍDIO NA CADEIA
Uma notícia chegou a nosso conhecimento, quando estávamos fora
daquele 91º DP. Ela nos dava conta de que um preso, parece que era
engenheiro, de origem nipônica, havia subido na grade da cela chamada
"corró", pendurando-se nela por uma corda (ora, ora, como essas cordas
aparecem dentro das cadeias ??...)
MAIS OUTRO SUICÍDIO NA CADEIA
No dia 31 de agosto, no Presídio onde eu me encontrava, aconteceu o
mesmo, porém o preso estava com a cabeça presa a uma tira de cobertor,
amarrada a uma torneira colocada a menos de trinta centímetros do chão
(?!). Comentários dos guardas esclareciam que o rapaz deitou-se ao longo,
apoiou-se nos pés, levantando o corpo e fazendo pressão, com seu peso, em
seu próprio pescoço...(mas o Presídio todo sabia quais os guardas que haviam
colocado o “peso”...)
O local era naquela cela-forte (onde, em meu
primeiro dia, foi colocado um preso...) onde se era colocado apenas de cuecas,
sem mais nada. Segundo mais comentários, o falecido apresentava sinais de
hematomas por todo o corpo, produzidos, segundo os guardas, porque ele se
debateu muito, antes de morrer...
QUASE CASTIGADO
Nos dias seguintes eu soube que dois presos haviam chegado do 91º
DP. e foram, como aconteceu comigo, colocados no Raio 1. Procurei entrar
em contato com eles, por meio de um bilhetinho dentro de um canudinho de
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tomar refrigerante. Porém os guardas pensaram que eu estava
bisbilhotando sobre aquele suicídio e fui chamado à Chefia. Quase fui
castigado e o castigo seria ir p'ra lá (na mesma cela-forte, nu, sem cobertas
etc.). Jurei que não era minha intenção saber de nada, só queria rever
aqueles presos, recém chegados. Recebi advertência... Passei a viver
assustado, temeroso, esperando receber algum tipo de agressão, tanto por
parte dos presos, a serviço dos guardas, como destes mesmos, que eram mais
temidos. Zé Luiz vivia exalando cheiro de álcool. E demonstrava não gostar
de mim. Aproximava-se, dando empurrões nas costas ou ombradas em
minhas costas. Ele portava um bastão de ferro, quando ia bater as grades,
isto é, verificar, pelo som, se alguma delas havia sido serrada. E ele me
encostava o bastão, como se fosse me bater. Quando eu descia para o pátio e
dele me acercava, para solicitar alguma coisa ou para atender a seu
chamado, eu - e somente eu dentre todos - era obrigado a manter uma
distância de 2 a 3 metros, da mesa do Zelador do Raio, com as mãos para
trás, de cabeça baixa e não podia olhar diretamente para o ele, pois isso era
considerado afronta e ameaça. E o tratamento tinha que ser "sêo Zé Luis", o
senhor etc. Em relação aos outros presos Zé Luiz era pouco ou quase nada
exigente. Eu temia Zé Luis porque ele era muito violento. Certo dia, em que
o páteo estava quase vazio, eu havia visto quando ele trouxe um preso de sua
cela, seguro pelos cabelos, forçando pela sua nuca, para que o mesmo se
encurvasse para a frente. Nessa posição Zé Luiz facilitou ao outro guarda
que se aproximasse do preso e lhe aplicasse violento chute na boca. O preso
caiu para a frente, batendo no chão. Estava desmaiado. Zé Luiz e o outro
guarda o agarraram, levantando-o, para ser levado de volta à cela. No chão
ficou uma poça de sangue do preso, que chegou a perder dentes. Ninguém
disse nada. Ninguém foi punido. Vim a saber, depois, a razão daquele ato
violento – tinha acontecido uma rebelião na Casa de Detenção, e alguns
guardas foram tomados como reféns, sendo que um deles foi violentado
sexualmente pelos presos – justamente aquele guarda que desferiu o ponta-pé
naquele que tinha sido um dos violentadores.
Certo dia tentei aproximar-me de Zé Luiz, que estava liderando uma
conversa com alguns presos (ex-policiais militares e agentes penitenciários,
como ele). Eu ia pedir permissão para ir até a sala da Chefia ou da Inclusão.
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Zé Luis ficou irritado com minha intromissão . Ele me ordenou - espera aí,
na parede ! -. Encostei-me na parede, junto à grade de saída. Não, de costas
não, de frente para a parede !. ordenou ele. E mãos para trás !. Obedeci,
virando-me. Mais perto, encosta o nariz ! Como eu já havia presenciado Zé
Luiz dar bastonadas de ferro em alguns presos, obedeci, apesar da
humilhação. Os presos riam. Continuaram a conversa, só ele falava, os
outros ouviam e riam de tudo que ele estava contando... Passava o tempo.
Nervoso, pedi - sêo Zé Luis, posso ir até o banheiro?. Não, espera mais um
pouco !, retorquiu o guarda. O tempo ia passando. Nada de autorização
para ir à Chefia nem para ir ao banheiro. Mais um pedido, agora com
insistência - Sêo Zé Luiz, preciso ir ao banheiro ! Ele perguntou - é p'ra mijar
ou p'ra cagar ? Respondi - p'ra urinar. É urgente ! Zé Luiz foi mais incisivo mija nas calças ! Não agüentei - molhei as calças, ali mesmo, e chorei. Os
presos acharam mais graça e caíram nas gargalhadas. Porém o fizeram não
em solidariedade a Zé Luiz, mas por temê-lo. Deviam-lhe subserviência,
mais por uma questão de sobrevivência. Depois, quando Zé Luiz não estava
por perto, davam-me apoio, com palavras amigáveis e criticavam Zé Luiz.
Aprendi a não confiar nem nos presos nem nos guardas (ai do homem que
confia no homem, diz a Bíblia...)
Passei a esquivar-me de todos e de tudo, fosse o que fosse. Era o
que o sistema impunha. O preso passa a temer seu próprio semelhante,
torna-se assustado, revoltado. Ninguém confia em ninguém. Se um preso é
visto com freqüência junto aos guardas. ou mesmo apenas um deles, é tido
pelos demais como baba-ovo ou puxa-saco, bajulador e, obviamente, é
considerado um "cagüeta". E tal pensamento era o mesmo dos guardas, em
relação ao preso, pois esse tipo tanto pode delatar um companheiro como
até o próprio guarda. E existe um grande paradoxo nesse tipo de amizade - o
guarda, que se faz de amigo, é o primeiro a descer o pau no "cagüeta" por
qualquer falha, mas o cara parece que gosta de apanhar...
Eu procurava seguir as regras dos presos. Como os demais,
procurava viver minha vida, tirar minha cadeia em paz, mais no interior de
minha cela que no pátio, onde surgiam mais encrencas. Passava meu tempo
lendo os livros que me caíam às mãos, fossem da Seicho-no-iê, fossem
568
outros, mas comecei a demonstrar mais interesse na Bíblia. Tinha mais
consistência, mais profundidade. Eu fazia minhas meditações, minhas
orações, procurando paz interior, para viver em paz com meus
circunstantes. Encontrei até discípulos, dentre os quais se destacava um
rapaz, condenado a mais de vinte e cinco anos de prisão. Sidnei era seu
nome. Ele acabou demonstrando, tanto por seu comportamento como pelas
palavras e pensamentos que expunha, que não era culpado do crime que lhe
haviam imputado. Ele havia sido vítima de tentativa de assalto, foi ferido no
pé, por dois meliantes que fugiram. Procurou auxílio da PM, à qual ele
pertencia. Foi levado ao Hospital Militar. O Tenente que o levou ficou
sabendo, mais tarde, que dois elementos haviam praticado um assalto a dois
casais dentro de dois carros e que teriam matado um dos rapazes, Cabo da
PM, porque havia reagido ao assalto. Os ladrões fugiram correndo, a pé. O
Tenente pensou que Sidnei era um dos assaltantes e o prendeu. A arma de
Sidnei era de diferente calibre daquela que havia matado o Cabo, mas o
oficial não quis nem saber. As moças descreviam os assaltantes como
"baixinho" e "claro", com certas e determinadas indumentárias. Sidnei era
alto, quase negro, com roupas bem diversas daquelas descritas. Na
Delegacia Sidnei não foi reconhecido, porém mais tarde, meses depois, as
mesmas pessoas o identificaram (?!)... e ele foi condenado. Sidnei casou-se na
prisão, com bolo e tudo.Fui seu “padrinho” e cheguei a usar meus dotes de
tenor (eu era um dos membros iniciais do Coral Acadêmico XI de
agosto).Fizemos um pedido de revisão, com mais provas a seu favor. O
Tribunal, como na grande maioria dos casos, nem sequer conheceu do
recurso. Era mais uma VÍTIMA DO SISTEMA.
DOIS PESOS DUAS MEDIDAS
Seqüestro - morte sem condições de defesa - ocultação
Na ala dos presos chamados de comuns havia um rapaz chamado
Rômulo. Ele, agente penitenciário (guarda) e seu cunhado, soldado da PM,
este vítima de roubo em sua residência, haviam sido julgados por haverem
seqüestrado um suspeito do roubo. Teriam levado o ladrão, algemado, até
um lugar distante, no mato, com um rio, no qual davam caldos no suspeito,
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para conseguirem uma confissão. Não obtiveram êxito. Para não serem
delatados, o ladrão acabou sendo morto por asfixia, com uso de uma
cordinha. Após a morte não conseguiam encontrar a chave para tirarem as
algemas do morto. Então as mãos do ladrão foram cortadas, para que
conseguissem seu intento.
E A JUSTIÇA ? bem...a Justiça absolveu o soldado e condenou o civil
a uma pena de 14 anos, apenas pela morte, sem considerar qualquer
qualificadora nem a ocultação ...
.-.-.-.-.
MÉDICOS QUE NÃO SALVAM - PUNEM
Nos primeiros dias, para me alimentar com produtos macrobióticos,
secos, eu tentava obter um pouco de leite (eu não sabia que podia
"comprar"). Eu não fumava, não tinha o dinheiro da cadeia. Outros presos,
porém, recebiam o alimento líquido diretamente da cozinha. Eu descobri
um dos canais - o médico do Presídio - Dr. MPLL- , que ia umas poucas
vezes, passava uma ordem. Procurei a enfermaria e expliquei ao doutor
minha situação, minhas necessidades, tendo alegado, inclusive, que havia
dado positivo em um teste de Mantú (tuberculose) a que eu havia sido
submetido. O médico exigiu o comprovante. Está no meu processo, respondi.
Então manda sua família ou seu advogado conseguirem, disse ele. Não é
possível, doutor, porque está no Tribunal, com a apelação. O médico, irritado,
insistiu - também sou advogado e sei que é possível ! Continuei - se o senhor é
advogado deve saber que se eu pedir vai atrasar o julgamento. O médico
continuou, mais irritado - só dou o leite com o comprovante !. Retirei-me,
sem a autorização.
Dias depois insisti no pedido, sem o documento. Eu não conseguia
comer a comida do Presídio. Muito embora entrassem caixas e mais caixas
de frutas importadas, como melão espanhol, cerejas do Chile, maçãs e pêras
argentinas e outros produtos, como queijo fundido, doces variados, nenhum
570
dos presos - salvo os que trabalhavam na cozinha - sequer via a cara de tais
alimentos e guloseimas, os quais, segundo comentários, eram desviados para
mercados ligados aos funcionários... Como uma espécie de vingança os
cozinheiros e seus ajudantes, que só viam e não podiam provar, escarravam
nos bifes e em outros alimentos, que eram destinados à Diretoria e
funcionários (conforme me disse um dos presos que ajudei...).
O médico continuava me negando o direito de receber o leite.
Encaminhei uma carta para a Diretora, queixando-me e tentando receber o
leite. A Diretora determinou ao médico as providências. Este encaminhoume para o Hospital do Mandaqui, para tirar radiografia dos pulmões. Fui
levado no chiqueirinho de uma viatura (existia Decreto Federal proibindo tal
tipo de transporte...) sob fortíssima escolta - uma guarnição comandada por
um Tenente, outras, com um sargento, soldados, em duas viaturas, mais
uma outra, na porta do Hospital, aguardando nossa chegada (tudo por causa
daquela famigerada observação feita por aquele juiz, de que eu era de alta
periculosidade...quando na verdade eu mal me mantinha em pé, devido à
fraqueza...) Eu parecia o Inimigo Público Nº 1. Sirenes abertas... Chegámos
ao Hospital... O Tenente, com uma das mãos, segurava minhas algemas,
mãos nas costas, levantando-as, enquanto que com a outra mão empurrava
meu ombro. Entrámos nas dependências do Hospital, passámos por uma ala
de soldados, com metralhadoras, e por sentinelas em cada canto, enquanto
que dois ou três iam à frente, abrindo alas. Nem para tirar a radiografia
tiraram minhas algemas. Voltámos para o C.O.C.
Tempos mais tarde, com a chegada do resultado do exame, o médico
disse que não se constatou tuberculose nos pulmões. Chamou-me para
tomar ciência do despacho da Diretora, negando-me o leite. Como
persistissem os sintomas de tosse asmática, falta de ar e fraqueza, iniciei
meu Termo de "ciência" da seguinte maneira - "Inobstante ... persistem os
sintomas..." e reiterei meu pedido para receber leite. O médico leu. Deu um
murro na mesa e gritou - "não era p'ra escrever nada, só tomar ciência !" e,
irritadíssimo, mandou que eu saísse de sua sala.
MÉDICO QUE PUNE
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Os presos que não trabalhavam para o Presídio eram obrigados a
ficarem dentro das celas, desde as 17,00 hs até as 08,00 do dia seguinte,
quando eram abertas para saída para o "sol", até o horário de almoço 11,30 às 12,30 - quando deviam permanecer seu interior. Porém havia os
acertos e podia-se ficar fora por mais tempo, como eu já descobrira e já
havia comprado esse direito. Para ficar no corredor – um maço -. Ficar até as
20,00 hs. – dois maços -. Um litro de leite – um maço -. Três bifes – dois
maços -. E assim por diante.
GUARDAS BONZINHOS E GUARDAS MAUS
Mesmo aqueles que se “vendiam”não eram confiáveis. Sempre havia
alguma dúvida, uma desconfiança. Os guardas agiam como se fossem
policiais. Em duplas - um bonzinho e um mau. O mau é violento, ameaça o
preso ou o suspeito, agride o preso ou mesmo outro preso, para intimidar o
primeiro. E assim age tentando arrancar confissões ou arregimentar
informantes. O bonzinho interfere, intercedendo em favor do ameaçado,
para lhe conquistar a confiança. O preso, vulnerável e impotente diante da
situação, cede e acaba confessando para o bonzinho ou fornecendo
informações sobre fatos ou outros suspeitos. Nos Presídios acontecia da
mesma maneira. Um turno de plantão tinha um Chefe maleável, tolerante,
compreensivo. O outro Chefe é mau, prepotente, arbitrário, violento. O
mesmo Chefe pode ser ora bonzinho, ora mau, variando de preso para
preso. No dia do Chefe bonzinho - se ele está de bom humor ou apenas
fazendo aquele papel - o preso, ao ser liberado para o "sol" no pátio, às 8,00
hs., recebia autorização para permanecer na cela, lendo, estudando, fazendo
seus trabalhos manuais, com a porta sempre aberta, podendo entrar e sair,
à vontade, no horário normal. No plantão do Chefe mau os presos tinham
uma de duas alternativas - ou saíam e ficavam no pátio o dia todo (menos no
horário de almoço) ou permaneciam nas celas, por 24 horas, até o dia
seguinte, ou seja 24 horas direto na tranca.
No COC quase todos os guardas eram maus. Havia somente alguns
bonzinhos. Um destes, pelo menos na aparência, no modo de falar, se
destacava. Era um tal de sêo Jorge.Mas, com o passar do tempo, descobriuse que não era o que aparentava. Era novato, e tinha aspiração de subir na
572
carreira e precisava mostrar serviço. Por pouca coisa castigava os presos,
isto é, proibia alguma regalia. Precisava ganhar respeito e conceito.
E O CASTIGO VEIO
No dia 31 de outubro de 1993, após o encerramento das visitas, todos se
recolheram a seus andares. Eu, sozinho em minha cela. Eu podia ver, por
meio de um espelhinho, que todos os demais se confraternizavam nos
corredores e dividiam as comidas trazidas pelos familiares. À noite, na
revista das 21,00 hs. um dos guardas notou que eu possuía muitos maços de
cigarros. Perguntou-me se eu fumava. Não senhor. - Então p'ra que tanto
cigarro? Você faz negócios ?. Não, respondi. Então me dá uns maços. Deilh'os... Depois daquela revista das 21,00 hs. todas as celas estavam
trancadas. Por volta da meia noite fui visitado por dez ou doze guardas.
Estava muito frio. Revistaram minha cela, de alto a baixo. Jogaram meu
colchão, minhas roupas e meus poucos pertences para fora da cela, no chão.
Estava frio, muito frio. Na busca que efetuaram (para quê?...) encontraram
uma cédula (não sei de onde veio) de cem cruzeiros (mais ou menos cinco
centavos de dólar) dentro de minha Bíblia. Isso foi motivo para que me
pusessem de castigo, com cela trancada por trinta dias, incomunicável, sem
direito a sol, sem mais nada (mais tarde fiquei sabendo, por um dos guardas,
que a visita e o castigo tinham sido "ordens médicas"...). Pedi para me
deixarem o material de higiene e minha Bíblia. E os dias foram passando...
REBELIÃO - TORTURAS
No fim da primeira semana de castigo houve uma rebelião em um
dos Presídios do Sistema (parecia que era na Casa de Detenção). Com era de
praxe, após a rebelião, cerca de vinte e oito rebelados foram levados para o
C. O. C.. Valdir, um dos guardas, veio me advertir para que eu não abrisse
o guichê nem procurasse saber o que iria acontecer em breve. Ele colocou
um papelão para me impedir a visão. E, logo em seguida ouviam-se gritos,
muitos gritos. Não contive a curiosidade e olhei por uma pequena fresta,
entre o papelão e a parede. Vi cenas dantescas, impressionantes, incríveis.
Parecia cena da Inquisição ! Nesses dias não havia guardas "bonzinhos".
573
Todos eram guardas "maus". Os mesmos se postavam defronte à muralha,
distantes uns três metros, um do outro, , deixando um corredor polonês entre
eles e o paredão (com o tempo fiquei sabendo que tal corredor se iniciava logo
à primeira "gaiola", junto ao portão principal, distante mais de cem metros).
Os guardas portavam enormes bastões de madeira ou de ferro de
construção, com nervuras retorcidas. Aquele guarda que veio me advertir
estava sem bastão. Usava sua própria cinta. Os rebelados saíam dos
camburões e vinham pelo corredor principal, até chegarem ao pátio do Raio
4. Os rebelados, só de cuecas, entraram no pátio, com as mãos nas nucas ou
nas bundas. Os guardas gritavam. Os rebelados também. Os primeiros, em
desferindo bastonadas nas costas ou nas nádegas dos passantes. Os
rebelados, ao receberem as bastonadas. As distâncias entre os guardas eram
propícias a darem tempo para seus movimentos de erguerem os bastões,
para as pancadas em sua próxima vítima. Um deles passou por um dos
guardas, sem levar sua pancada. Aos gritos, teve que retornar, parou, levou
a pancada e prosseguiu, passando duas vezes pelo mesmo guarda adiante.
Outro, caiu ao solo. Enquanto não se levantou ficou ali, levando pancadas,
dadas alternadamente por três ou quatro guardas de apoio aos que estavam
nas fileiras. E a fila teve que parar, devido àquele imprevisto. Os outros
continuavam apanhando. Esse que caiu teve braço e perna quebrados, ficou
de lado (posteriormente foi levado, aos gritos, carregado pelos braços, nas
axilas, e pelas pernas...). Dali do pátio entraram na galeria de acesso às celas
do andar térreo, sempre levando pancadas. As celas haviam sido
previamente esvaziadas (os "moradores" foram colocados dois a dois,
enquanto os rebelados eram colocados, também em duplas, nas celas vazias).
Eram mais de trinta guardas. Até os que estavam de folga compareciam.
Não era preciso chamá-los. Ao saberem da rebelião, pelo radio ou pela
televisão, compareciam, para o que chamavam de "banquete" (todo mundo
vai comer pau). Sabiam que haveria necessidade de suas presenças, para
ajudarem a conter os rebelados (?). Pelos gritos percebia-se que os
rebelados continuavam apanhando dentro das celas, obrigados a ficarem
debaixo da ducha, o que evita inchaço e hematomas. Enquanto eu
presenciava aquelas cenas eu gritava, surdamente, tapando minha boca com
minhas próprias mãos. E chorava. Eu não podia acreditar no que estava
vendo. Nos dias seguintes os guardas exultavam, vangloriando-se de suas
574
bravatas, descrevendo em detalhes o que haviam feito. E riam às bandeiras
despregadas...
A BIBLIA, COMO PORTO SEGURO
Eu buscava conforto na Bíblia e nos livros do Evangelho. Devoravaos. Sentado em minha jéga, passei a refletir... Senti-me inspirado para
narrar tudo aquilo que eu estava passando, porque e o que estava
acontecendo ao meu redor. E comecei a fazer anotações, em papel de
embrulho, folhas de caderno, para a elaboração deste livro. Afinal, devia
haver uma razão para tudo, se eu nada devia. E quanto aos outros presos, e
aos rebelados ? Será que mereciam aquele tratamento ?
No 19º dia de meu castigo o guarda Zé Luiz veio verificar minha
situação e deu de cara comigo, desmaiado, no chão da cela, por causa da
fraqueza e do calor, pois não havia aeração. O guarda procurou me levantar
e, com ajuda de outros presos, fui retirado da cela e levado para o corredor.
Zé Luiz ordenou-me que caminhasse, abrindo os braços e respirando fundo.
Mais ou menos recobrado, fui dispensado do castigo. Eu havia pedido que
alguém procurasse a Ordem dos Advogados, para que fizessem intervenção
a meu favor, junto ao Tribunal de Justiça para, pelo menos, uma
transferência para prisão mais decente, mais condigna, onde meus
familiares não mais tivessem que passar pelos exames vexatórios a que eram
submetidas as visitas, desde bebês a vovós com mais de oitenta anos (se bem
que não eram todas as pessoas, pois muitas eram "privilegiada$" - sim, com
cifrão -). Eu queria ter minhas prerrogativas asseguradas (eu havia lutado
em favor de muitos colegas, na Comissão respectiva, anos antes). A Ordem
mandou para aquele Presídio um grupo de jovens advogados da Comissão
de Direitos Humanos, cujo Presidente era JBAM, meu colega de turma, na
Faculdade, Procurador de Justiça aposentado (não sei se foi a meu pedido
ou mera coincidência). Os advogados foram para verificar as condições das
celas. Conversaram comigo, vendo na porta de minha cela uma folha de
cartolina, com dizeres escritos à mão "Cela Especial" (!!).
575
Perguntaram se eu estava sendo bem tratado, como era a
alimentação... Eu olhava para o Diretor de Disciplina, para o Chefe de
Plantão e para os guardas e respondia, laconicamente, com monossílabos "bem", "boa", mas, com os olhos e com a expressão de meu rosto eu tentava
demonstrar a meus colegas que a verdade era outra, que as respostas orais
não eram verdadeiras e que as proferia porque estava sendo observado e
vigiado pelos carcereiros (os quais, depois, tomariam suas "providências"... ).
E aqueles palermas de meus colegas não se importavam com o que estavam
vendo - uma cela diminuta, sem as dimensões legais, que não era Cela
Especial , um isolamento também ilegal, o próprio Presídio era inadequado
para advogado sem condenação definitiva. Ou eles ignoravam esses detalhes
ou estavam ali por mera presença, em conivência com os guardas e com as
irregularidades... Cheguei a mencionar que o Presidente daquela Comissão,
JBAM. era meu colega de turma. Nada foi registrado, nada foi escrito.
Continuei ali, por muito tempo...
E NADA FOI PROVIDENCIADO PELA OAB !!!
Isto é, nada que me favorecesse. Apenas foi instaurada uma Sindicância,
em razão de uma "representação" feita por meu defensor LMT (?), a qual
acabaria se transformando em Processo Disciplinar, cujo Relator, um
verdadeiro idiota, leigo, que, com apoio no Estatuto atual, em vigor,
pretendia minha exclusão dos Quadros da Ordem, conforme mencionou em
sua primeira manifestação, ignorando que a Lei não retroage, salvo para
benefício...e no Estatuto anterior nada havia contra mim.
FALTA DE SOL...E DE ASSISTÊNCIA
Devido à falta de sol,não há fixação da vitamina D ( cálcio) no
organismo. Por isso passei a ter problemas com um dente. Primeiramente,
ele quebrou. Depois passou a doer. Precisava de tratamento urgente. Pedi
assistência, que não havia. Apenas uma cadeira de barbeiro, antiga, usada
para extrações, quando surgia alguém disposto a fazê-las.Nenhuma assepsia.
Pedi autorização ao Juiz, para fazer tratamento particular, externo, sob
escolta. Segundo informações, foi autorizado o tratamento, mas deveria ser
576
feito na Penitenciária de Guarulhos, com minha transferência, a fim de
facilitar (para os guardas) minha presença, pois não poderiam me escoltar
todas as vezes em que precisasse comparecer ao dentista. E essa
transferência, de provisória, acabaria sendo definitiva, com sérios
problemas de acesso para meus familiares. Argumentei com a Direção do
COC, que poderia ter o tratamento ali mesmo, desde que se instalasse um
gabinete. Consegui que fosse feita a instalação, feita pelos próprios presos. A
partir de então a Doutora Munira Samurano, minha dentista particular,
que me atendia quando solto, a pedido e por insistência de minha mulher,
passou a me dar tratamento particular, com material às minhas custas. Os
demais presos, que também precisavam de tratamento, completamente
desassistidos e sem condições financeiras, passaram a receber atenção e
cuidados, dentro do horário que me era reservado e às minhas custas,
inclusive aquele Biro, que me havia causado a quebra de meu dente. Foi u’a
maneira de reforçar algumas amizades.
Um dia, enquanto ela atendia um dos presos e eu esperava para ser
atendido, surgiu um médico, que me chamou e ordenou que eu aguardasse
fora da sala, no corredor (sem vigilância, o que era proibido). Entrou na sala
e conversou com a doutora. Posteriormente fiquei sabendo que ele foi muito
grosseiro com ela, pelo trabalho que ela fazia, atendendo presos e que exigiu
dela um relatório de tudo que estava sendo feito. Isso não era competência
do médico, muito menos vigiar presos...
Como o tratamento, para ser iniciado, demorou mais de um ano, o
dente quebrou, no restante. O tratamento feito pela doutora Munira foi
apenas precário, para ser completado quando eu saísse da prisão. As dores
continuaram, não havia medicamento no COC, ou, se existia me era negado.
MEU PRIMEIRO ENFARTE
Dentre os guardas apareceu aquele novato, prenome Jorge, que
procurava angariar a simpatia e a confiança dos presos. Eu costumava
jogar xadrez com ele. Se eu ganhasse era mandado para a cela. Eu precisava
perder duas e ganhar uma.
577
Com o tempo acabei ficando na ociosidade (um grande mal, muito
comum nas cadeias, o que gera indolência e até rebeldia...). Essa vida
sedentária, essa inatividade, no dia 31 de janeiro de 1995, acabaram me
causando um mal estar - eram os prenúncios de um enfarte -. Jorge estava
de plantão, como Zelador do Raio 4. Aproximei-me dele, balbuciando,
pedindo para ser escoltado até a Enfermaria. Jorge ordenou - antes, vá
cortar a barba ! (que nem sequer era notada) -. Sabendo das regras e já
conhecendo Jorge, atendi. Com passos trôpegos voltei a minha cela e cortei a
barba. Novamente fui até o guarda. Nem bem cheguei ele ordenou - senta ai.
Vou ver se tem alguém na enfermaria -. Isso porque era costume não ter
quem atendesse. Não atendi aquela ordem. Não sentei. Simplesmente cai, ali
mesmo. Jorge foi obrigado a gritar por outros presos, para me ajudarem.
Fui carregado. Na enfermaria, branco como papel (me disseram), com
taquicardia. Minha pressão estava 180 X 280. O Diretor foi chamado.
Alguns funcionários ao redor da maca, menos o médico, que quase nunca
comparecia. Outro médico foi chamado, não sei de onde. Colocou um
medicamento em minha boca e ordenou minha imediata remoção para O
Hospital da Penitenciária do Estado (um dos melhores do Sistema, segundo
comentários...). Em uma cadeira de rodas, sem forças, fui levado até uma
viatura da Polícia Militar. Os policiais queriam me algemar...Para entrar na
viatura fiz um esforço sobre-humano, sem qualquer ajuda...quer dos
guardas quer dos policiais... Deixámos o C O C para nos dirigirmos até a
Penita, distante apenas uns duzentos metros. Mas a viatura rodou por vários
quarteirões e foi abastecer. E rodou... e rodou...Finalmente chegámos ao
destino. Nenhum dos policiais me ajudou a descer da viatura, o que consegui
sozinho, com grande esforço. Caminhei, pé-ante-pé, apoiando-me na
viatura, até alcançar o portão do Hospital, que estava a uma distância
enorme...uns quatro metros.... Parei. Entra logo!,
disse um PM,
empurrando-me para dentro. Entrámos em uma sala. Senta aí!, foi a ordem
seguinte. Fiquei aguardando por um tempo interminável. Meio desmaiado,
meio dopado, esperava. Fui chamado até uma outra sala, ao lado. Nem
entrei. Pára aí, disse um homem de aparência oriental, vestido de branco,
sentado atrás de uma mesinha. Fui atendido: - seu nome ...mal consegui
responder. Que 'cê 'tá sentindo?. Sem qualquer outro exame o homem
ordenou a um guarda, atrás de mim - põe ele n'uma cela -. Ouvi qualquer
578
coisa como - s'ele melhorar a gente vê...Fui escoltado até uma cela no
primeiro andar. Cela sem pia, sem chuveiro. Deitei- me em uma cama de
ferro, sem colchão, e dormi, ou perdi os sentidos, não sei... Quando dei conta
de mim, de que ainda estava vivo, procurei levantar-me. Não tinha forças.
Continuei deitado. Algum tempo depois consegui ir até o guichê. Maior que
aqueles do C.O.C., coloquei minha cabeça para fora e consegui ver alguns
homens, certamente presos, como eu. Chamei um deles e pedi que levasse
um recado para algum "funça" (funcionário) - nessa altura da vida eu já
dominava a gíria, ou dialeto da cadeia -, pois eu precisava de um médico. Eu
sentia tonturas, náuseas, dor no peito, falta de ar...Aquele preso chamou um
médico, também preso. Reconheci o homem- Era o Dr. Arthur, aquele que,
no 91º, jogava bola de madrugada. Ele havia deixado o Distrito Policial,
passou pelo C.O.C. e estava ali, para cumprir sua longa pena. Era ele quem
cuidava do ambulatório e procurava dar alguma assistência a seus
companheiros. Tinha um ajudante, o Indio. Coloquei meu braço para fora,
para ele medir minha pressão. Seu ajudante foi buscar algum medicamento.
Indio trouxe-me também alguns biscoitos, de seu próprio estoque. Aquele foi
o único tratamento que recebi, naquele tão famoso Hospital especializado...
Apesar de ministrado por um preso, sem recursos e sem condições
para fazer melhor, consegui lenta recuperação... No terceiro ou quarto dia
levaram-me para o andar térreo, para tomar banho. Tive que deixar minha
roupa na cama. Pelado, com as mãos protegendo as partes pudendas,
cheguei até uma fila de homens, nus como eu. Ninguém se falava, Quando
estava chegando minha vez de ficar sob um dos dois chuveiros existentes
(frios) alguém jogou respingos de água em mim. Pela lei da cadeia, se eu
tolerasse seria tido como frouxo. Não tolerei. Voltei-me para trás e me dirigi
a todos, indistintamente, com palavras rudes, ofensivas, desafiando a todos.
Alguém murmurou - o véio é bravo ...Ninguém se manifestou. Nada mais
aconteceu. Tomei meu banho, enxugando-me com as mãos, e voltei para a
cela. Recebi comida - intragável, pior que as de hospitais pagos - Eu não
comia. Valia-me dos biscoitos e frutas que Indio me arranjava. Prometi lhe
pagar. "Não percisa, não" dizia ele. Outro colega, vindo do COC, ex-PM,
JHG, apelidado de Sadan Hussein, também me ajudava com alimentos. Eu
estava sabendo sobreviver. Fui procurado por um preso, que me pediu
579
opinião sobre um Hábeas Corpus que ele mesmo havia impetrado. Disse-lhe
algumas considerações e adiantei que, conforme estava constando (apesar de
mal escrito) certamente o Tribunal iria lhe conceder o writ. Ele, rindo, disseme – é, o senhor é mesmo um advogado e sabe das coisas – e mostrou-me um
papel, que já era a concessão da ordem (ele havia me testado,antes). Em
seguida mostrou-me vários outros documentos. Tive que estuda-los todos.
Consegui, por meio desse preso, que alguém mandasse um pombo (correio
clandestino) avisando minha família. Minha irmã, advogada, minha filha e
sua amiga Dra. Angela, também advogada, acorreram prontamente ao meu
pedido de socorro. Depois de entrevistas entre elas e com a Direção da
Penitenciária foi providenciada uma ambulância, para minha remoção. Era
intenção de alguém em manter-me lá por mais tempo, porém com aquela
intervenção das três, resolveram atendê-las. Voltei para meu lar, onde, pelo
menos, eu tinha minhas coisas, podia tomar banho, escovar os dentes, o que
eu não fiz, naqueles dias em que lá permaneci. E meus banhos eram com
água quente - porque eu tinha conhecimentos de eletricidade e conseguia
burlar a vigilância dos guardas, para aquecer água, não fazendo pererecas,
como os demais, mas por um meio que não posso divulgar...senão os
guardas vão saber e podem descobrir alguém que tenha aprendido comigo e
passado adiante...-.
MAIS UM PROCESSO ... DESSA VEZ ...BENVINDO
Certo dia fui chamado até o parlatório, para receber um Oficial de Justiça
da 21a. Vara Criminal, que me trazia uma citação (aviso de que eu estava
sendo processado pela Justiça). Ao ler o documento fiquei sabendo do que se
tratava e imediatamente levei meu pensamento a Deus, agradecendo por
aquele processo existir. Fiquei feliz. Eu havia sido denunciado pelo
Promotor daquela Vara, sob a acusação de haver praticado aquele crime de
ameaça, criado na mente fértil e criminosa daquele Promotor de Justiça
JGA, da Vara do Júri, com aquela cota que dizia "é bem provável..." (na
realidade era apenas uma ilação maldosa, para que eu perdesse o direito de
Prisão Albergue Domiciliar e, conseqüentemente, não pudesse recorrer em
liberdade - por isso eu estava preso). Tal crime, se existisse, dependia de
580
representação da pseudo vítima, o que não havia, mas o Promotor JGA
entendeu de modificá-lo para outro tipo de crime, tipificando-o como
Coação no curso do processo ("mutatis mutandi" seria o mesmo, com
alteração da pessoa da vítima para o Estado), pois a tal vítima nenhuma
atitude havia tomado (o que demonstrava e evidenciava não ter havido
qualquer ameaça). E, para atender a determinação judicial - comparecer ao
Fórum no dia 05 de novembro de 1993 - eu deveria ser levado sob escolta.
Até ai, tudo bem, afinal eu estava preso. Porém ocorreu que, muito embora
não existisse contra mim uma sentença condenatória definitiva, e, muito
embora em sendo advogado, bem como sendo proibido por Decreto Federal
o transporte de presos na parte traseira das viaturas, chamadas de
"chiqueirinho, os guardas do C.O.C. tinham só esse tipo de transporte, a não
ser que levassem junto a eles, nos bancos normais. No dia de me levarem
houve certa indecisão quanto ao transporte para mim. Enquanto eu
aguardava a solução do impasse fui obrigado a me despir completamente,
mostrando as partes pudicas, abaixando-me de cócoras por três vezes, abrir
os dedos e os artelhos, escovar os dentes com o dedo indicador, mexer nos
cabelos e entregar minhas roupas (calças, cueca, meias e camiseta) para um
exame completo, a fim de verificarem se eu estava portando alguma arma
(?) ou droga (?). As roupas me não foram devolvidas pelo guarda e sim
atiradas no chão. Depois de longa espera, resolveram levar-me no
"chiqueirinho" (um cubículo apertadíssimo, sem altura para a cabeça, sem
luz, com pouco ar, e quente p'ra danar, para somente uma pessoa de cada
lado, mas que devia levar dois em cada banco, algemados um ao outro).
Mesmo que na agenda do Juiz esteja marcado início de seu expediente
às 13,00 hs. (como vinha no Mandado de Citação), o preso é levado logo no
período de manhã bem cedo. Comigo não foi diferente. Demorámos mais de
meia hora, num percurso onde o motorista se divertia, dando brecadas e
arranques, ou fazendo curvas fechadíssimas, para que nós presos ficássemos
batendo para a frente, para trás e para os lados, como se estivéssemos em
um liquidificador. Chegámos ao Fórum Central Criminal "Ministro Mario
Guimarães", então no centro de São Paulo. Fomos desembarcados. Íamos
passar por uma primeira triagem. Policiais atentos portam cassetetes. Os
policiais não querem saber quem é o preso nem a causa de sua prisão.
581
Misturam todos, numa cela. São presos oriundos de vários Distritos
Policiais, de diversas Prisões. E muitos não podem ser colocados juntos, pois
podem ser agredidos. Os presos da Penita e da Casa de Detenção não
apreciam os presos do C O C e vice-versa. Há grande rivalidade, muita
hostilidade entre quase todos. Meu companheiro alegou a condição de expolicial, para não ser colocado com os outros presos e ser atacado, como era
costume. Aleguei igual condição. O PM grunhiu - aqui você é bandido, tira a
roupa -. Novamente nus, em fila, lado a lado, de costas para uma parede.
Entregámos as roupas para outro Policial Militar, que usava luvas de
plástico, para não se contaminar. As roupas examinadas também ali eram
jogadas no chão. Repetimos aquele ritual - escovar os dentes, mexer nos
cabelos, erguer os braços, abaixar de cócoras, por duas ou três vezes,
levantar o saco escrotal, etc.. Tudo isso ocorre em meio a grande alarido
entre os presos. "Pega ele", "traz ele aqui", "dá esse aí p'ra mim" e outras
expressões similares. Apanhámos as roupas e, nus, fomos levados para a
cela do seguro, onde estavam estupradores, alcagüetes e outros criminosos
detestados pelos demais presos. Fui colocado no meio de quinze ou vinte
presos, numa cela com grades no teto, portões duplos, para se passar
primeiramente por um, entra-se numa gaiolinha, fecha-se o primeiro portão
e abre-se o segundo, para acesso à cela. Eu usava uniforme do C.O.C., o que
me tornava vulnerável a uma agressão, mas fui respeitado pela idade e
porque, de imediato, eu alegava ser advogado. Era chamado de tiozinho e
nada de mal me fizeram. Depois de quase duas horas em pé consegui um
lugar para sentar-me, pois a cela ia sendo desocupada na medida em que os
presos eram levados para as respectivas audiências, nas Varas em que
deviam estar presentes. Nenhum vaso sanitário, só um buraco no chão e
água correndo por um cano, acima dele. Fiquei pouco tempo sentado,
porque outros também queriam sentar-se. Algum tempo depois chegou
minha vez. Passei pela gaiolinha, fui algemado, com as mãos para trás e
levado até o elevador. Os policiais levantam as algemas, causando uma dor
horrível, tremenda, insuportável. Levam-me até o elevador (sobe ou desce
apenas um preso de cada vez, com escolta de dois ou mais policiais,
dependendo da "periculosidade" de cada preso). Os policiais riem. Entra aí.
Empurram-me. De costas para eles e de frente para a parede do elevador,
chegámos ao andar. Sempre seguro pelas algemas, passámos por várias
582
pessoas, que aguardavam suas audiências - réus soltos, vítimas, testemunhas,
familiares - dentre as quais advogados, alguns dos quais me reconheceram e
me perguntaram, com os olhos - que foi ? -.Mas eu não podia nem tinha
tempo de responder. Fui obrigado a ficar de cara para a parede. Minha
filha estava perto, aguardando minha chegada. Quis falar comigo, foi
impedida, chorou. Tentei acalmá-la com palavras. O Policial empurrou
minha cara contra a parede. Quando entrámos na sala do Juiz o advogado
pediu que me fossem retiradas as algemas (como se isso fosse fazer alguma
diferença para mim, pois já estava acostumado com aqueles maus tratos). O
Juiz relutou, dizendo que era assunto policial (afinal, ali, naquele momento,
o policial era a maior "otoridade") Continuam as algemas. Novo pedido,
alegação de ser advogado, etc. O Juiz fez uma concessão - as algemas passam
para a frente -Que alívio !... Essa foi a única benesse que recebi, por ser
advogado...Iniciou-se meu interrogatório. Expus ao Juiz que estava sendo
vítima de um complô, engendrado por minha ex-madrasta e seus advogados,
agora com ajuda, por induzimento que recebeu, do Promotor da Vara do
Júri , o qual, com a afirmação, feita em plenário, da existência daquele crime
de ameaça, acabou induzindo também os jurados, que acabaram me
condenando. O Juiz não quis inserir essas minhas observações (parte de meu
depoimento). Negada a prática do crime, é encerrado o interrogatório. Meu
advogado pediu ao Juiz que fosse oficiado ao Juiz Corregedor, no sentido de
que, nas vezes seguintes, eu fosse conduzido na parte aberta da viatura. O
Juiz atendeu. Os policiais me levam de volta à carceragem, onde permaneci
até a noite, após o encerramento de todas as audiências, aguardando o
último dos presos, para sermos reconduzidos a nossos respectivos presídios.
Chegou a hora. Entramos no bondão (caminhão fechado, para transporte de
muitos presos).
Aquele processo sobre ameaça correu normalmente. Novas audiências,
novas revistas, novas viagens(ainda nô chiqueirinho, pois ordem de Juiz nem
sempre é obedecida...) e novos jejuns forçados. Finalmente o Juiz da 21a.
Vara Criminal entendeu que deveria ouvir policiais e pessoas referidas na
instrução do processo. Um Investigador de Polícia, que havia sido
incumbido de conduzir coercitivamente aquelas testemunhas no Processo do
Tribunal do Júri – Loide e seu filho Leandro – inquirido pelo magistrado,
583
foi taxativo, ao dizer que as mulheres _Loide e Ilza - afirmaram para ele
que não receberam qualquer ameaça e completou, afirmando ainda que elas
teriam dito que não foram às audiências marcadas no Tribunal do Júri porque
erraram o endereço e se dirigiram ao Fórum da Praça João Mendes. O
Investigador informou ainda, ao magistrado, que elas diziam essas
explicações e davam risadas. Uma outra pessoa ouvida foi Vera, irmã de
Alexandra. Ela esclareceu que LOIDE ERA MUITO AMIGA DE
ALEXANDRA, a qual era inimiga de Florivaldo, por questão de disputas cíveis
sobre imóveis e disse que Alexandra teria arranjado testemunhas para
incriminarem Florivaldo. Diante de minha negativa e das provas do que eu
havia dito em meu interrogatório (armação de complô por Alexandra, no
caso da morte de Xuxa) e de que NÃO TINHA HAVIDO QUALQUER
AMEAÇA, nenhuma coação no curso daquele processo no Tribunal do Júri,
o Juiz me absolveu. Com essa absolvição ficou demonstrado que o Promotor
JGA havia criado esse crime de ameaça, primeiro para conseguir a
revogação de minha PAD, segundo, para conseguir um Mandado de Prisão
contra mim, e terceiro, para INDUZIR os jurados, que acabaram me
condenando.
Entreguei cópias da sentença absolutória e dos depoimentos das
testemunhas a meu defensor, para juntá-las em meu recurso de Apelação –
que não prosperou -.
NOVA TRANSFERÊNCIA (a meu pedido)
Como aqueles advogados daquela visita não entenderam ou não
quiseram entender minha situação, ou ignoravam o que era SALA
ESPECIAL DE ESTADO MAIOR , eu continuei por lá, na mesma cela, por
mais algum tempo. Somente a deixei porque, sentindo-me solitário, uma vez
que eu ficava a maior parte do tempo em completo isolamento eu me
queixava até demais, e a direção resolveu colocar-me na cela de número 330,
da galeria comum, na outra ala (acabou-se a "cela especial" e com ela a
"sala de visita"). Na nova casa, pelo menos, eu tinha com quem conversar. E
ali aprendi muito sobre o crime e sobre os homens que os praticam. Aprendi
a entender as pessoas e seus comportamentos, apenas pelo gestual, pelos
584
olhares, pelo tom de voz de meus interlocutores ou de alguém que estivesse
falado com outrem. Eu observava de longe e sabia o que estava acontecendo.
Aprendi a ouvir o que não era falado. E cresci. Pelo menos espiritualmente,
porque passei a compreender melhor as pessoas e os motivos porque
estavam presos. Após o término das visitas passei a fazer parte do que
chamávamos de Páscoa. Fazíamos uma mesa comum, com vários
companheiros, juntando nossas comidas. Conversávamos e ríamos. Afinal,
apesar de serem tratados como animais, eles eram homens, e tinham sua
dignidade, seu orgulho, seu amor próprio, seu amor pelos familiares. Se
haviam cometido crimes, fôra por causa do próprio Sistema. Não tinham
acesso a escolas, a assistência em geral. Eram, desde pequenos, considerados
marginais. E, apesar de tudo isso, choravam. Eu também chorava, às vezes.
Muitos foram flagrados chorando. E o faziam por não deverem à sociedade
nem à Justiça, e pela ausência e distância de seus familiares. Eu sentia
demais aquela situação, por ter meu filho e meu afilhado, jovens,
encarcerados, com seus futuros truncados. E a vida era uma rotina. Todos
os dias chegavam novos presos. Sair um de nós para a liberdade era muito
difícil. Ou se saía de “bonde” (transferência para lugar pior) ou no saco preto
(invólucro usado para transporte de cadáveres). Assim era o C.O.C.
SEGURANÇA MÁXIMA “ONDE ?”
De segurança máxima o COC tinha só o tratamento dos guardas para
com os presos. No início de suas atividades como Presídio já tinha
acontecido uma fuga. E outras iriam acontecer. Certo dia estava eu na porta
da Capela, quando passou Dedé, vindo da cozinha. Ele me olhou e, sem que
o guarda da “gaiola”percebesse, iniciamos um diálogo, na linguagem de
presos (mímica). Dedé explicou-me que breve iria escapar e, como eu era
considerado seu amigo, me convidou para acompanhá-lo. Custava só
R$1.000,00 a minha parte. Respondi que me desculpava mas eu somente
sairia dali “com papel”, ou seja com Ordem Judicial. Nos dias seguintes fuime inteirando de como deveria acontecer a fuga.
Dois guardas viviam me observando, sem nada dizer. Apenas olhavam e
parecia que queriam dizer alguma coisa, até que um dia um deles me
585
perguntou, disfarçadamente, o que aconteceria se alguém favorecesse uma
fuga. Dei-lhe as explicações e as implicações. Eles não participariam
diretamente, apenas arranjariam as armas (as quais, segundo pude
depreender, estariam vazias, para evitar algum disparo, que poderia ferir
alguém e mesmo chamar a atenção de muitos). Elas viriam para dentro, no
interior de sacos de feijão, adredemente colocadas de modo que não pudesse
ser descobertas. Elas viriam na véspera do dia D. Aqueles que
trabalhassem na cozinha as retirariam. Elas seriam colocadas em sacos
plásticos, dentro do feijão cozido, a ser servido no jantar, de cujo caldeirão
os boieiros as passariam para as celas daqueles que fossem participar da
fuga. Na manhã seguinte, pela manhã, antes dos demais serem liberados, os
que deveriam ir para a cozinha (4), já com as armas nas mãos, obrigariam
os guardas (3) a abrirem as celas dos demais presos, que deveriam ir com
eles (6). Passariam, primeiramente, os quatro presos da cozinha e os
guardas, pelo guarda da primeira gaiola. Este, acostumado a ver aqueles
quatro da cozinha, escoltados por seus colegas, sem qualquer motivo para
desconfiança, imediatamente abriria a primeira grade. Em seguida,
surpreendido pelas armas apontadas em sua direção (de baixo para cima,
sob seus pés, pois ele ficava colocado em um chão gradeado e não queria ser
baleado no saco) ele abriria a segunda porta e seria forçado a descer, para
juntar-se aos demais.Já com um número grande de guardas (4), para escolta
de apenas quatro presos “bonzinhos”, obrigariam o guarda da segunda
gaiola a abrir as portas, para passarem sob o chão gradeado, e a porta de
acesso à cozinha. (os outros seis ficariam aguardando a abertura da segunda
gaiola e da porta de acesso à cozinha). Ao chegarem à cozinha os guardas
seria, amarrados e amordaçados, enquanto os dez sairiam pela porta dos
fundos, para alcançarem um murinho, onde, do outro lado, junto a uma
viela, havia dois táxis à sua espera. Com o passar do tempo, dos dez, apenas
seis tinham sido recapturados. Dedé e seus colegas teriam sido vistos lá pelas
bandas do norte/nordeste, onde haviam sido criados. E nunca mais se teve
qualquer notícia deles.
COMO SE VIVER NA PRISÃO
586
Na cadeia ninguém entra na cela alheia ou na sala do guarda sem pedir
licença. O tratamento há que ser respeitoso, caso contrário pode haver
revide, como se tivesse sido praticada uma agressão física. Delatar alguém é
atitude passível de morte. Furtar é tão grave como alcagüetar. Não se pode
tocar alguém ou deixar ser tocado. O ato pode ser mal interpretado, tanto
para quem toca como para quem se deixa tocar. Se a cela está superlotada
(como é costume, pois os Diretores não respeitam a norma de acomodação
condigna) um preso não pode dormir ao lado de outro, na mesma direção,
pois poderá ser tocado pelo outro, com as partes sexuais. Para se evitar
desentendimento, devem dormir ao contrário um do outro, com os pés
opostos (posição chamada de “valetes”). Dirigir gracejos ou mesmo olhar
para mulher alheia pode resultar em briga feia.
FILHO DE LOIDE ASSASSINA PRIMO
Um dia em que minha mulher e minha filha me visitaram elas me
trouxeram uma notícia muito comentada pela vizinhança e pelos moradores
do “cortiço” da rua Taguá 330, onde Loide havia morado: um filho de Loide
havia assassinado seu próprio primo. Esse fato demonstrava e provava a má
formação que Luis e Loide lhe haviam dado. A família toda não passava de
bandidos – pai, mãe, filhos, filhas e genros -. E foram pessoas dessa laia (não
muito ilibadas, como disse em Juízo o Del. ACRL) que compareceram em
Juízo para nos acusarem – a mim, advogado, e dois rapazes, de boa
formação, policiais a serviço e defesa da sociedade -.
NOVAS LUZES SURGEM NO HORIZONTE
Em todas as cadeias, pelo que se sabe, surgem boatos e comentários, sobre
todos os assuntos, principalmente ligados a novas leis, mudando direção de
Presídios, transferências de presos, rebeliões que estão sendo articuladas
(previamente marcadas pelos líderes) e outros, afins. Eis então que, certo dia,
começou a ser divulgada, veladamente, ao pé-do-ouvido, a notícia de que o
Presídio Militar “Romão Gomes”” iria receber alguns presos, que se
encontravam em outras cadeias. Essa notícia corria apenas entre os que
587
tinham sido integrantes daquela corporação, presos juntamente com
bandidos a quem haviam perseguido e prendido. Eram inimigos naturais,
entre si, hostis uns aos outros (e o Delegado NSN sabia dessa hostilidade,
quando prendeu meu filho, Investigador de Polícia - policial como ele – junto
a outros presos, condenados)
Os presos do C.O.C., que preenchiam os requisitos para a transferência,
não cabiam em si de contentamento, a ponto de quebrarem a lei do silêncio e
passarem a alardear a notícia.
Porque não podia trabalhar com bijuterias (não enxergava bem e tinha
aleijão na mão esquerda) eu fazia a limpeza da Capela – átrio, altar, bancos,
paredes, chão – e cuidava dos vasos de plantas. Por isso, certo dia, quando
ali houve uma reunião da Diretoria com oficiais da Polícia Militar, pude
ouvir as expressões “transferência” e “só ex-PM”.
Passei adiante essas informações e, quando o Diretor entrava no pátio
(sempre acompanhado de pelo menos oito brutamontes) era assediado
insistentemente por aqueles que se sentiam com aquele direito – e com o
qual passaram a sonhar – até que receberam a confirmação da notícia.
O Diretor afirmou que a transferência seria em breve. Os presos
exultaram, comemorando com gritos, risadas, abraços e até esboço de choro
(sim, porque todo homem tem dentro de si uma criança...). Os demais presos,
daquele raio 4, como os ex-agentes penitenciários (Guardas de Presídio), os
ex-policiais civis, e até aqueles presos de verdadeira alta periculosidade e os
alcagüetes, não compartilhavam da mesma alegria. Uns, por inveja, por não
terem os mesmos direitos – outros, por não poderem ir para outras cadeias,
pois todos tinham que qualquer uma delas, por pior que fosse, seria melhor
que aquele maldito C.O.C., como diziam...
DESILUSÃO
588
Passou o tempo - muitas plantas murcharam, outras surgiram –
muitos presos novos e ... nada de transferência. Os risos emudeceram. Os
rostos voltaram a ficar rígidos, tensos, sem vida. Não mais havia nos olhos
daqueles ex- policiais militares o brilho que passar a iluminar seus caminhos
de novas vidas, que esperavam viver, principalmente com seus familiares,
que não mais estariam sujeitos àquelas inspeções aviltantes, ultrajantes. As
esperanças desvaneceram. No entanto os trabalhos continuavam sendo
feitos, entre e com as autoridades judiciárias e militares, para a efetivação
daquelas transferências.
Dois oficiais da Polícia Militar (um deles eu conhecera alguns anos
antes e nos tornáramos amigos... ) visitaram aquele C.O.C. e suas instalações.
Foi o bastante para que os presos, interessados nas transferências,
entendessem essa visita como prenúncio daquilo que tanto almejavam.
Finalmente, perante os oficiais, foi confirmado pelo Diretor que estavam
sendo elaborados os documentos necessários. Os presentes não agüentaram
e novamente passaram a se abraçar, cumprimentando-se uns aos outros.
Era uma euforia geral, que chegou a contaminar até aqueles que sabiam que
não seriam transferidos (havia alguns que as duas Direções – civil e militar não queriam beneficiar...). Novamente risos, brilhos nos olhos, esperança no
porvir. Um dos assessores do Diretor começou a elaborar uma lista dos que
pretendiam ser transferidos. Sim, porque havia alguns que não queriam ir,
porque haviam deixado inimizades muito grande, ao passarem pelo “Romão
Gomes”, de onde tinham vindo.
Procurei alcançar o Diretor (dificilmente ele parava, para ouvir preso...
e assim ele continuou, anos mais tarde, quando eu, já totalmente livre, na
condição de advogado, defendendo os presos do C.O.C., queria lhe dirigir a
palavra, simplesmente porque eu lá estivera, naquela condição de interno...)
e lhe disse: - “Doutor, eu também fui soldado da Força Pública...pode por meu
nome na lista?” -. Ele, sem parar, respondeu:- “vou ver se dá...”. Daí em
diante passei a viver aquela esperança, como os outros, que nada sabiam
porque eu nada lhes falara.
FESTIVAL DE MÚSICA
589
Mais um longo tempo se passou. Nada de transferência. Para ser
preenchido o tempo, contra a ociosidade, foi criado um FESTIVAL DE
MÚSICA BRASILEIRA. Era uma oportunidade em que todos os
interessados, sozinhos ou em grupos, iriam procurar colocar seus
conhecimentos artísticos à mostra. O evento deveria acontecer em todos os
Raios, em semanas diferentes, com visitantes e familiares no final. Para não
ficar isolado e para poder me locomover pelo Presídio (oportunidade rara), e
ter contato com caras novas, resolvi inscrever-me. Elaborei duas músicas,
do tipo “rap” (bem jovem). Uma delas falava da vida do preso, mais
especificamente a minha, mas servia para qualquer um. Ei-la:“RAP DO ENCARCERADO”
Os presos, de lado a lado, pelo pátio caminhando,
vão falando do passado, co’a liberdade sonhando.
Aqui todos são inocentes, de corpo e alma são puros.
Também digo minha gente, sou inocente – eu juro.
Me fizeram traição, só por causa de dinheiro
Me puseram na prisão, onde sofro o dia inteiro
Mas um dia vai chegar e vão saber a verdade
Minha estória vou contar e ganhar a liberdade.
Vou enxugar o meu pranto, só quero viver em paz
E por isso eu garanto -
C.O.C. NUNCA MAIS !!!
590
Era uma letra que sintetizava o que haviam feito comigo. Minha
vida toda dediquei-me a orientar jovens e não a agredi-los ou a matá-los,
como queriam que pensassem. Fiz ainda outra letra:
“FUTEBOL SIM, VIOLÊNCIA NÃO”
Naquele verde gramado, seja noite faça sol
Torcedores, lado a lado, assistem ao futebol
Vence quem joga melhor, se joga mal fica em baixo
Perde sempre o pior – é o bom que leva o facho
Quem leva o time é a torcida, muito grande, sempre amiga
É muita gente unida, que grita, chora e faz figa
É um jogo só p’ra macho, e também d’inteligência
É por isso que eu acho, não precisa violência
Esse jogo é só esporte, mesmo sendo campeonato
E se o time ‘tá sem sorte, ninguém vai “pagar o pato”
Mas se o time é derrotado, a gente faz que não liga
Sai do campo desolado, não precisa fazer briga
Seja o Santos, Coringão, o São Paulo ou Palmeiras
Todo mundo é irmão, não precisa de pauleira
Seja o Flu ou Mengão, seja o Vasco, Madureira
Todo mundo é irmão, não precisa de pauleira.
591
Participei ativamente, tanto nos preparativos como nas apresentações. Nas
preliminares me apresentei com um bonezinho que fiz à mão, com retalhos, porque
naquele Presídio era proibido todo e qualquer tipo de cobertura na cabeça, mesmo
no inverno Eu era muito aplaudido, não só porque me apresentei, nos palcos
montados para o evento aba virada de lado, como se fosse um rapazinho,. mas
principalmente por causa de minha idade. Autoridades, jornalistas e convidados
compareceram.
Apesar de ter uma das músicas classificadas não consegui vencer, mas até
que isso foi bom, pois um jornalista de mau caráter, presente ao evento, interpretou
mal o acontecimento e usou seu jornal, não elogiando, mas fazendo pesadas críticas,
com muita ironia, a todos os concorrentes, principalmente contra os vencedores.
Aquele Festival seria o primeiro de uma série e serviria para que os presos
confraternizassem entre si, com seus familiares e com seus carcereiros.
Dias depois nós, os participantes, fomos convocados para uma reunião com a
Diretoria. Aproveitei para discursar, elogiando o trabalho do Diretor, dizendo que,
com aquele Festival, nos devolvia a dignidade. Chegamos a ver lágrimas em seus
olhos.
592
APRESENTO AGORA MINHA SUGESTÃO FINAL
Visando economia processual, com rapidez no andamento dos
processos criminais, e das Execuções Criminais das respectivas
penas, com economia para o Estado, com pessoal, viaturas e
combustível deverá haver uma reforma, na aplicação da Lei e
na distribuição da Justiça:Instalação de Varas e Cartórios, junto aos Presídios, para os
diferentes tipos de crimes – contra a Vida, contra o Patrimônio,
contra os Costumes, e outros, para cujas audiências não haverá
necessidade do transporte dos réus presos nem os sujeitará aos
procedimentos vexatórios de revistas, bem como evitarão sejam
ataques aos membros da escolta, ou aos membros da Justiça
(Juiz e Promotor)
IMPLICÂNCIA DOS GUARDAS
Havia um guarda, de prenome Manuel, baixinho, que trabalhava na cozinha. Era
ignorante, mal instruído. Um certo dia ele adentrou o Raio 4. Era dia de visita. Eu
estava sentado em uma cadeira, com o Zelador do Raio, junto à “gaiola” aguardando
a chegada de meus familiares. Com a entrada de Manoel fiz menção de me levantar,
oferecendo-lhe o lugar. O guarda fez um gesto com a mão, declinando de minha
gentileza. Eu agradeci, com as palavras “o mais velho agradece”. O guarda nada
disse, afastando-se.
Dias depois aquele mesmo guarda voltou, como Zelador do
Raio (encarregado). Volta e meia ele me chamava e me provocava, esperando que eu
reagisse, a fim de me aplicar um castigo. Mas eu já estava mais esperto, mais
“piolho”, como diziam. Eu me calava. Concordava com tudo, até com ofensas
diretas. Porém um dia eu ofereci algumas guloseimas aos guardas mais próximos,
sem oferecer, em primeiro lugar, ao Zelador. ELE FICOU MELINFDRADO.
Chamou um outro guarda e ambos, portando bastões de ferro e de madeira, me
“escoltaram” até minha cela. Era prenúncio de que iriam me agredir (tortura a
preso) . Entrei primeiro, seguido pelos dois. Fecharam a porta de aço. Manuel
brandia seu bastão de ferro, batendo em sua própria mão e “ recordou” aquele
incidente do “lugar ao mais velho”. Imediatamente percebi que estava prestes a ser “
593
castigado” (na verdade seria tortura a preso, como era habitual). Argumentei, com
humildade, desculpando-me. Isso encheu o ego de Manuel. Afinal ele, um semianalfabeto, estava humilhando um advogado. Retiraram-se. Após esse fato fiz alguns
comentários entre os mais chegados. Dias depois esse guarda perdeu as funções de
Zelador e retornou para a cozinha.
LABORTERAPIA (OU ESCRAVIDÃO?)
Foi instalada para terceiros uma oficina de fabricação de bijuterias.
Estava localizada defronte às duas celas chamadas de “especiais” e a uma porta da
cela “solitária” (a existência desta era proibida mas ninguém dela tomava
conhecimento, principalmente Juiz Corregedor ou algum membro do Conselho
Penitenciário – que eram coniventes). Todos eram obrigados a trabalhar (com
exceção dos que exerciam outras atividades, como cozinha, faxina etc.) No primeiro
dia eu não conseguia acompanhar o ritmo de montagem dos demais. Devia ser
produção em série, peça após peça. Eu atrapalhava a produção, porque não
conseguia segurar os elos das correntinhas com minha mão esquerda (cujo dedo
indicador fôra esfacelado por aquela agressão praticada por aquele japonês) e porque
não enxergava direito – com óculos vencidos Levei algumas broncas dos presos, por
causa disso. No segundo dia recusei-me a trabalhar. Foi chamado um dos guardas,
encarregado da oficina. Pegou-me pelo braço e me levou distante dos demais.
Rispidamente interpelou-me sobre a razão da recusa. Dei-lhe as explicações. Faltou
pouco para ele me dar uns safanões. No dia seguinte fui transferido para a faxina da
Capela. Foram uns tempos onde eu podia meditar e refletir. Enquanto fazia a
limpeza dos bancos e do chão eu aproveitava para pensar. O verde, que faltava,
começou a aparecer. Arranjei algumas sementes para iniciar “meu jardim”. Eu
fornecia aos presos algumas mudas, as quais, porém, nos dias de revistas, eram
atiradas pelos guardas nos corredores. Eles não queriam e não permitiam nada que
nos trouxesse alguma paz e tranqüilidade. Somente eram poupados aqueles “puxasacos”, chamados de “baba-ovos”.
COMEÇAM AS TRANSFERÊNCIAS
594
Um soldado da Polícia Militar de Mato Grosso (Nantes), preso por
tráfico de drogas, foi o primeiro a ser transferido para o Presídio Romão
Gomes.
Algum tempo depois foi para lá um ex-sargento de nome Lourenço,
que ele ganhara na Justiça o direito de ser reintegrado na Corporação.
“Fernandinho” era seu apelido, recebido por motivos óbvios, na Casa de
Detenção, por onde ele havia passado. Lourenço tinha um coleguinha que o
visitava e lhe levava “jumbo”. (alguns anos mais tarde ele fugiu do Presídio).
Logo em seguida eis que, quase de repente, aqueles presos,
anteriormente arrolados para a transferência, receberam ordens de
arrumarem suas coisas. Havia chegado o momento tão esperado. Prontas as
malas e bagagens foram chamados e se colocaram em fila, com seus
pertences, no corredor principal, que liga os Raios, prontos a se dirigirem ao
portão principal. Junto a esse estava estacionado um ônibus da Polícia
Militar, apropriado para o transporte de presos, com grades nas janelas
(completamente diferente do “bondão”). Aqueles presos não mais iam ser
transportados em “chiqueirinhos”. Iriam sentados, sem algemas, dois a
dois, pois o ônibus era provido de bancos. Deixavam o C O C, considerado
um inferno. A euforia era tanta que aqueles homens, apesar de endurecidos
e empedernidos pela experiência policial e pela vida na prisão,mais
pareciam crianças, que partiam em férias, em excursão...
Eu, em meu íntimo, sentia-me invejoso. Afinal, quarenta anos antes eu
usara a mesma farda e fizera o mesmo trabalho. Muito embora sendo
advogado, professor, empresário, poliglota, conhecedor de dezenas de países
e de diferentes culturas, eu até abria mão de tudo – eu já havia aprendido a
ser simples e humilde – e voltaria a ser apenas um ex-soldado(condição da
qual sempre tive orgulho, constante até em meu “currículo”, pois havia sido
meu ponto de partida) . Gostaria de estar integrando aquele grupo, naquele
instante, ou dentro de algum tempo, conseguir o mesmo direito e deixar o C
O C.
595
No Presídio Romão Gomes todos sabiam que existia uma disciplina,
porém espontânea, por parte dos presos e não debaixo dos tacões dos
guardas. Havia respeito por parte dos presos e para com os presos. Havia
respeito à integridade física e não agressões a bastonadas. E havia
principalmente respeito para com os familiares dos presos, não mais sujeitos
àquelas revistas vexatórias.
Eu tinha grande interesse em ser transferido, também pelo fato de estar
mais próximo de meu afilhado, o que nos proporcionaria receber, em um
mesmo dia, as visitas de nossos familiares e amigos comuns. Assim minha
família não mais teria que ir a três Presídios, em locais diferentes e
distantes, todos no mesmo horário.
Como o Dr. Elio, Diretor do COC, dissera-me ser difícil minha
transferência, minha filha protocolou um pedido para que eu fosse para o
Presídio da Polícia Civil, pois, depois que eu deixei a farda, para ingressar
na Faculdade de Direito, eu também havia trabalhado na Polícia Civil, tanto
na Polícia Técnica como em cargos e funções de caráter policial,
internamente e nas ruas, em policiamento ostensivo e repressivo, até com
algumas participações em tiroteios e diversas prisões de marginais. A
petição foi instruída com documentos, inclusive ofício elogioso assinado pelo
Dr.Elio. Porém novas notícias surgiram - (na cadeia, repito, sabe-se de tudo
que vai acontecer, dentro e fora dela) – os Juízes da Corregedoria
pretendiam fechar o Presídio da Polícia Civil, e por isso de nada adiantaria
me levarem para lá, porque, com o fechamento, não se tinha idéia do lugar
para onde eu seria mandado. O pedido nem sequer foi apreciado. E,se o foi,
certamente foi negado (o Juiz Corregedor era o mesmo que negara meu
retorno para o 91º DP o qual, sem ser Perito, Psicólogo, Psiquiatra, ou algo
que lhe desse a característica profissional para minha avaliação, afirmara –
sem nunca ter falado comigo - que eu era elemento de alta periculosidade).
CONTINUEI NO C O C
.-.-.-.-.
INVASÃO DO PRESÍDIO DA POLÍCIA CIVIL
596
Dias depois houve um estarrecimento geral. Um fato jamais esperado
estava ocorrendo. Rebeliões aconteciam sempre nos Presídios comuns e nos
Distritos Policiais. Nunca se esperou um fato como acontecia em um dos
estabelecimentos prisionais considerado Especial, como no caso do PEPC.
Noticiários da televisão estavam dando conta de que a tropa de choque da
Polícia Militar estava cercando aquele Presídio, prestes a invadi-lo.
Tentava-se a invasão para desalojar os presos, alguns ainda na ativa, pois
aguardavam instrução e julgamento de seus processos e/ou de recursos
pendentes. Esse movimento de tropa era conseqüência de uma determinação
judicial de interdição do prédio e fechamento daquele Presídio, com a
remoção dos presos para outros locais – o mais indicado era o COC, por ser
de segurança máxima, onde já se encontravam mais de vinte presos, alguns
ex-policiais civis, outros ainda na ativa, mas sem cargos ou funções. Tudo
começara por causa de alguns Promotores, que não aceitavam um Presídio
Especial, nem que os presos tivessem algumas regalias, como telefone
celular. As imagens eram impressionantes! De um lado, os militares,
fortemente armados, comandados até por Coronéis. Temia-se uma repetição
da invasão da Casa de Detenção, no Carandirú, em outubro de 1992, que
culminou com cerca de cento e onze presos chacinados a tiros, e mordidas
dos cães, daquela mesma tropa de choque. No interior do prédio do PEPC
presos indefesos. Assim se pensava, mas a realidade era outra. Se, nos
Presídios comuns é freqüente se encontrarem armas brancas, fabricadas
pelos presos, e até armas de fogo, era óbvio que, num Presídio de Policiais
civis houvesse também alguma arma de fogo. Esperava-se um confronto
iminente, não só com os presos, mas também com outros policiais civis, os
quais, ao tomarem conhecimento por meio de seus radio-comunicadores,
prontamente acorreram para aquele local, com suas viaturas, também
fortemente armados. Diversos Delegados imediatamente se dirigiram para o
local. Promotores queriam a todo custo que a ordem fosse cumprida, sem se
importarem com o que poderia resultar. Juízes, Oficiais, Delegados, tudo
faziam para encontrarem uma solução conciliatória. Os policiais civis, pelo
radio, convocavam seus colegas, que “voavam”para lá, com sirenes ligadas.
Por um lado, era grande demonstração de solidariedade, de corporativismo,
não só dos policiais civis mas também dos militares e dos Juízes. Mas era
uma grande e vergonhosa tragédia iminente – policiais versus policiais -.
597
Haveria resultados negativos para ambos os lados, tanto no número de vidas
como na moral. A televisão mostrava alguns presos que haviam subido no
telhado, com faixas improvisadas, pedindo para se chegarem a um acordo,
e, com seus lençóis, como bandeiras brancas, pediam trégua, pediam paz.
Ao vê as cenas daqueles presos que seguravam as bandeiras brancas, tive
um enorme sobressalto, ao vislumbrar, dentre eles, a figura esguia e
magricela de meu filho – parecia um menino -. Ele chegou a falar para uma
emissora de televisão, via fone celular (levado por um dos policiais que
acorreram ao local). Ele disse, em nome de todos – “estamos morrendo de
medo”. Desandei a chorar, convulsivamente, batendo nas paredes de minha
cela e gritando “meu Deus! Meu Deus!”. Desesperado, eu nada podia fazer,
trancado em minha cela. Meu coração se fechava e disparava, em
taquicardia . Eu suava. E não era para menos – lá estava meu filho –
inocente, como se provaria mais tarde – à mercê de homens que, por
obrigação legal, poderiam, em minutos, ser seus algozes, seus matadores. Eu
amava tanto meu filho que me ajoelhei, pedindo a Deus que poupasse meu
filho e me levasse, em seu lugar. Que eu tivesse um segundo enfarte e
morresse, mas meus filhos e seus colegas não. E Deus atendeu meu pedido,
mas por outros meios. Não foi usada violência. Ninguém morreu. Ninguém
saiu ferido.Os policiais civis e militares entraram em acordo, com o
consentimento dos magistrados, que lá se encontravam, e dos superiores,
atentos a tudo, em seus gabinetes. Houve a retirada da tropa e dos policiais
civis, que haviam ido para lá. Foi concertada uma trégua. Os presos seriam
removidos, gradativamente, para outros locais a serem adaptados para
recebe-los (lembrem-se que é impossível e ilegal se colocar policial preso junto
a preso comum – como o Delegado NSN fizera com meu filho). Mas a notícia
que chegou no COC era que seriam levados para lá. Procurando obter
informações com o Diretor Dr. Elio, que inspecionava os diversos Raios e o
comportamento e a reação dos presos, o mesmo procurou me acalmar,
cientificando-me que, se eu quisesse, ele faria tudo para que meu filho fosse
para lá, para ficar comigo no Raio 4 e não no Raio 3, que estava sendo
preparado para receber aqueles presos. Eu respondi que preferia que meu
filho fosse para outro Presídio (pensei – se eu já estou no inferno não vou
querer o mesmo para meu filho e seus colegas e venham sofrer o que já
598
sofremos, com aquele regime insuportável e nas mãos daqueles funcionários).
E a remoção dos policiais do PEPC foi sendo adiada.
UM ANJO (?) SURGIU DOS CÉUS
Em decorrência daqueles fatos e do nervosismo que eu passara, eu
fazia constantes orações, pedindo a Deus que me enviasse um anjo, a fim de
me livrar da prisão.
Alguns dias depois daqueles fatos, fomos todos recolhidos a nossas
celas, ainda no período da manhã. Era uma precaução da Direção, pois
iriam comparecer altas autoridades, dos três poderes do Estado, apenas
para conhecerem as instalações para onde deveriam ser removidos aqueles
presos da Polícia Civil (dentre eles, com certeza, meu filho). Aquela
precaução era para evitar qualquer contato, qualquer queixa, qualquer
pedido e até mesmo para garantia dos visitantes. Devíamos ficar
engaiolados, até com as portinholas do guichês fechadas, para não vermos e
não sermos vistos. Eu, como os outros, não estava interessado em saber
quem eram. Apenas percebi a passagem deles, quando passavam pelo
corredor e se dirigiram a uma cela, que sempre era exibida pela Direção e
era chamada de “cela modelo”, toda decorada, ocupada por um Agente
Penitenciário cognominado Wagnão (apesar de preso não fora demitido).
Quando aquelas autoridades passavam de volta, defronte a minha cela, tive
um lampejo e, impetuosamente, abri o visor, a tempo de ver, bem junto à
porta, no corredor, figuras de homens que eram (ou pelo menos tinham sido)
meus amigos, meus contemporâneos meus colegas de faculdade... Chamei
um deles pelo nome. O Diretor percebeu e, em vez de me dar bronca, reteve
aquele homem com um leve toque no braço, para interromper seu passo, e
perguntou – “o senhor conhece esta peça?” (nem sequer usou meu nome –
afinal, preso não é gente !). Ajoelhado, coloquei-me bem perto da portinhola,
para ser visto e “examinado”, ao mesmo tempo em que eu olhava para a
pessoa, não como um homem de poder, mas como um anjo salvador. O
homem respondeu, laconicamente – “não estou lembrado” . Eu, como todos
os presos, estava sem barba e sem bigode (eu usava barba e bigode havia
mais de trinta e cinco anos e ele sempre me vira dessa maneira). A autoridade
599
fez menção de continuar sua retirada dali. Desesperado, quase gritei, antes
que ele se afastasse – doutor, sou eu, Florivaldo – e o doutor chamou seus
colegas que estavam um pouco distante, à espera – olhem quem está aqui, o
Florivaldo -. E parecia que aquele homem, então em altos cargos,
recordava de muitos momentos que havíamos vivido juntos. Foi um espanto
geral, para os visitantes, que se aproximaram. Perguntaram-me o que eu
estava fazendo ali, qual a razão. Quase não houve resposta. Aproveitei o
pouco tempo que eu tinha, naquela oportunidade, concedida pelo Diretor – e
por Deus – e roguei, até em português errado, suplicante, ainda ajoelhado –
“me tira daqui”” . E uma pergunta veio, prontamente: “p’ra onde você quer
ir?”. Imediatamente respondi: “P’ra qualquer lugar, para o PEPC, onde está
meu filho, para o Romão Gomes, onde está mau afilhado. Aquele homem,
meu amigo, disse-me: “mande por escrito sua situação e pretensão, que nós
vamos estudar seu caso. Fique tranqüilo que vou fazer tudo para ajudar você.
Afinal você merece condição melhor, sem favores, mas por lei”. Despediramse de mim..Fiquei exultante. Minhas preces estavam sendo atendidas.
Agradeci a Deus, mais uma vez.
Aquele homem, aquela autoridade, realmente iria cumprir sua
promessa. Na visita seguinte pedi a minha filha que o visitasse. Ela levou-lhe
todos os dados possíveis, em mãos, em seu gabinete e minha pretensão.
Fiquei sabendo que havia muita política, muita pressão externa, para evitar
minha saída e transferência, inclusive por causa daquela manifestação
daquele Juiz, a qual, sem qualquer validade, pela falta de qualificação,
ainda influenciava as pessoas. Mas o doutor, sabedor dos fatos e da
perseguição qiue eu sofria (ele sabia dos fatos referentes a Alexandra) fez de
tudo, como prometera, até se indispondo com seus colegas. E, com a
interferência de outras autoridades, dignas e imparciais como ele, foram
conseguidas as transferências, não só a minha mas também a de meu filho,
ambos para um mesmo Presídio, no caso o Romão Gomes, onde já se
encontrava meu afilhado. Afinal, nós três havíamos usado a mesma farda.
Era um milagre de Deus. As visitas poderiam ser feitas no mesmo dia, no
mesmo local. Parecia até um prêmio para todos, presos e familiares.
AMEAÇA DE TORTURA
600
No C O C havia um guarda negro, gorducho, barrigudo, chamado
Humberto, mas apelidado de “Bola Sete”. Numa das vezes em que me
escoltou até a sala da Chefia, para que eu pudesse dar um telefonema, ele
chegou a ma dizer “é, doutor, o senhor tá bom de levar umas pauladas...”,
rindo e batendo em sua palma da mão esquerda com um longo bastão de
madeira que portava durante aquele serviço.Perguntei por quê e ele não
deu explicações. Só continuou, dizendo – “o senhor não leva porque está de
apelação, mas depois, aí sim, nós vamos ter uma conversinha...” Então
continuei – “mas chefia, o senhor não vai bater num véinho, vai?...” O
guarda repondeu – “o senhor ta veio mas ta forte, ta bom p’ra apanhar...”
FINALMENTE ... A TRANSFERÊNCIA
No dia 26 se setembro de 1995, uma segunda-feira (dois anos três
meses e uma semana de C O C ), quse três meses após aquela visita daquele
“anjo” aquele mesmo guarda negro e um outro foram me buscar em minha
cela, para “falar com o Diretor”.Com certeza vinha “bucha” porque essa
expressão foi em tom irônico, significando que eu receberia algum castigo,
porque era acompanhada daquele gesto temido (bater em sua própria mão),
motivado por ter eu “dado milho” ou “pisado na bola” (resvalado no
comportamento ou cometido alguma infração”. Os dois riam, dizendo “é
hoje!...”, “chegou o dia!...” “hoje tá frio nós vamos esquentar” (aquecer-se
fazendo exercício de dar paulada ou esquentar o lombo de alguém, no caso eu
mesmo”.Eu caminhava meio temeroso, por um lado, mas esperançoso por
outro, uma vez que, na visita anterior minha família me informara que
haviam conseguido a transferência e a ordem teria vindo por telex (até me
deram o número da mensagem, porque minha filha presenciou a transmissão).
A mensagem chegou na sexta-feira e não pode ser cumprida no domingo,
daí aquela convocação pelo Diretor. Este me aguardava no parlatório (local
onde os advogados conversam com os presos), do outro lado da tela gradeada,
sentado, com um papel na mão. Nós, presos, não tínhamos lugar para
sentar. Percebi, num relance, que se tratava de minha transferência (era o
telex). Vi, também, sobre um balcãozinho, um volume de papéis, com uma
capa grossa, com meu nome – era meu prontuário de preso -. O Diretor
perguntou – “você fez algum pedido para sair daqui ?”- “Sim senhor, para
601
aquele doutor”, respondi. “Por que você não me avisou, eu podia ajudar...” e
continuou – “chegou uma ordem do juiz, você vai p’ro Romão..” Nesse ponto
eu o interrompi - ”..’.to sabendo...”. E ele – “como você ‘tá sabendo?”.
“Minha mulher me disse ontem...”. Bem, aqui ‘tá a ordem, agora só preciso
ver como vou levar você, não tem viatura...”.Então completei – “então vou de
táxi mesmo, só preciso de escolta...ou minha filha me leva..”. O Diretor
completou – “Ah, não! Vou dar um jeito. Se a viatura chegar até as 18 você
vai hoje mesmo.,,”. Fui um pouco impertinente e disse – “então, por favor, o
senhor dá um jeito logo, eu não agüento mais, nem vou entrar na cela, vou
dormir no corredor”. O Diretor já ia se levantando quando finalizei – “me
levem no banco de trás, porque no chiquerinho‘ não vou mais...”. O Diretor
retrucou que não era possível. Continuei – “...mas tem uma ordem do juiz, aí
em meu prontuário...”Ele disse – “...vou verificar, se tiver alguma coisa você
vai...”e retirou-se, determinando – “pode arrumar sus coisas..”. Emendei –
“minhas coisas ‘tão prontas desde ontem...” Dispensado da “audiência”
recebi ordens de voltar para a cela. Os guardas que me escoltavam ficaram
decepcionados e frustrados. Não poderiam ter a tão esperada sessão de
exercício. Agora riam de modo diferente e disseram – “o senhor vai embora,
né ? desculpa alguma coisa ‘tá bom ? “. Pensei comigo – hipócritas -. E,
hipocritamente, comentei – “tem nada não, só não vou mencionar os nomes
de vocês em meu livro” Todos sabiam que eu estava escrevendo um livro e
acompanhavam o desenvolvimento. Alguns até me forneciam dados e
informações, contando casos. Os guarda disseram – “quando sair quero
ler”.A maioria dos presos queria que eu mencionasse seus nomes e narrasse
seus casos, mas eram muitos... Apressei-me em pegar minhas coisas e retirálas da cela. Como a notícia foi imediatamente divulgada, alguns presos
vieram para me ajudar e – como era hábito – serem presenteados com
aquilo que eu fosse dispensar, como roupas, alimentos, chocolate, revistas e
livros. Levamos minhas coisas até junto a grade da chamada gaiola.
Distribui minhas coisas entre os mais chegados, como Rômulo, Cláudio Nei
(ex-carcereiro), Neris. Dois ou três mais que não recebiam visitas, também
foram agraciados. Eu estava eufórico. E os demais, em sua maioria,
compartilhavam comigo minha alegria. Sabiam que eu ia passar para um
Presídio com melhor tratamento e me reuniria com meu afilhado. Eu falava
muito dele e de meu filho o tempo todo, com muita angústia e com saudades.
602
Eu iria permanecer ainda mais algumas horas. Às 18 horas em ponto eu
deixava aquele Presídio, sentado no banco traseiro de uma viatura,
escoltado por aqueles dois guardas. Quando deixamos o prédio principal,
antes de sairmos para a rua, o motorista parou diante de uma janela do
prédio da administração.Lá estava o Diretor, para um último aceno entre
nós dois. Gritei bem alto –“OBRIGADO!”. Ao deixarmos o portão principal
lembrei-me do último verso de minha canção - C O C NUNCA MAIS! ... e
partimos...
CHEGADA AO ROMÃO
Ironia do destino - Paraíso – Nova etapa
No trajeto para o Presídio Militar Romão Gomes fui admirando as
pessoas, os prédios, os carros, tudo que me havia sido tirado. Sentia uma
sensação de liberdade. Quase não acreditava. Trinta e nove anos antes,
quando eu me preparava para prestar os exames vestibulares para
ingressar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), fiquei
algum tempo alojado em uma garagem de uma casa vazia, pertencente a um
amigo de meu pai. Isso porque minha família estava morando em um prédio
em construção, e não havia silêncio nem sossego, nem lugar apropriado para
estudar (e eu estava fazendo um cursinho de apenas quatro meses. Mesmo
assim entrei na 14a colocação). Aquela casa ficava no bairro do Tremembé,
em lugar ideal, apesar de muito frio. Naquela época passeava com um
colega de curso, tomando lição um do outro, no estilo peripatético, quando
vimos uma bela área verde. Era uma chácara ou sítio. Nascido no interior,
ao ver aquele bucolismo, aquele verde, eu disse a meu colega – “quando eu
me formar vou ganhar muito dinheiro e comprar esta chácara e construir um
bela casa e morar aqui, com a família toda...”.
A viatura aproximou-se do portão principal do Romão Gomes. Ao
rever aquela mesma área lembrei-me da mesma e comentei com os guardas
–“até parece o Paraíso ... e vou morar aí.” Era uma ironia do destino...
Quando entrámos na alameda arborizada, que dava avcesso ao
prédio principal, passamos por vários presos vindos do C O C. Um deles, o
603
Mato Grosso, aproximou-se e precisou e começou a dar uma prensa no Bola
Sete e precisou ser contido, para não agredi-lo. O guarda, que no COC era
uma fera, um dos mais violentos e agressivos, tornou-se um cordeirinho.
Escondeu suas algemas no bolso e inverteu a posição de sua carteira que
levava presa ao cinto, na qual havia um brasão e a inscrição Polícia, que ele
não era. O outro guarda, Ronaldo, o bonzinho da dupla, não foi molestado,
nem se importando com o que estava acontecendo. Eu já não via mais
guardas com bastões nas mãos. Nem carcereiros. Via somente policiais
militares. E os via com satisfação. Fui levado à presença do Oficial de Dia –
Ten. Bueno – um sargento que chegou a segundo tenente, sem cursar
Academia. ‘ce tem identidade perguntou-me. Não senhor, respondi. Tem
dinheiro?. Também não. (deviam ser entregues na Seção Penal os
documentos, para serem devolvidos com a liberdade e dinheiro ficava à
disposição do preso, agora chamado de Interno). Tem alguma coisa que não
possa entrar?. Mais uma vez – não senhor -. O tem. Bueno, homem esperto e
inteligente, oriundo das fileiras, comentou, com um risinho característico –
mais um tijolo. Quando eu sair daqui vou abrir uma olaria – (tijolo era a
qualificação dada a quem nada faz, nada vê parece um tijolo na muralha...).
Fui escoltado até a chamada Sub-seção ou primeiro estágio, pelo Cabo
Abilel, já meu conhecido, pois o mesmo explorava os serviços da Cantina do
Presídio, na qual eu mantinha uma conta para as despesas de meu afilhado.
Era uma parte velha do Presídio, originalmente utilizada para prender
políticos, adversários do regime de então, nos tempos da ditadura militar
(1964-1984). Era dotada de duas celas fortes, no início de um corredor e,
após uma grade/portão, mais quatro celas, coletivas. As celas-fortes eram
usadas raramente como prisão. Nos dias de visita serviam como salas de
encontros íntimos das esposas e companheiras dos presos que
demonstrassem bom comportamento e adaptação ao regime do Presídio. Os
xadrezes comportavam até doze Internos, em seis beliches (com freqüência,
em maior número, com colchões no chão). Cada cela era dotada de pequena
ala separada, contendo pia, vaso sanitário e chuveiro elétrico. No fim do
corredor, uma escada dava acesso a uma cela maior, com oito beliches e
também uma ala separada, como as demais. Todos os xadrezes tinham
armários correspondentes ao número de leitos. Às seis horas da manhã
604
abriam-se os xadrezes, que eram fechados às dezenove horas. Podíamos
permanecer dentro ou fora deles, ou ficar no pátio ou no refeitório até as
dezessete horas. Fui levado para o X5, aquele maior. Fui bem recebido e
colocado a par das regras da Sub-seção e do Xadrez. Aos domingos, dias de
visita, os bancos e as mesas eram levados para o pátio, para recebermos as
visitas. Os mais antigos de cada xadrez podiam usar o refeitório, com seus
bancos e suas mesas, de ferro e fórmica, enquanto os demais eram
improvisados com madeira de caixotes, vindos da cozinha, onde a maioria
prestava serviços, ou fabricados na marcenaria – e vendidos pelo pessoal
que os faziam -. Era permitido o uso do refeitório, nos dias de semana, como
oficinas de artesanato, área de lazer e até mesmo como Capela. No xadrez
coletivo (X5)) fui recebido pelo Cabo Sena, tido como chefe do X . Líder
nato e profundo conhecedor da Bíblia, organizava reuniões evangélicas e
mantinha o espírito de confraternização e disciplina, muito embora nem
todos tivessem índole para tanto. Outros ocupavam aquele X, como o Sgt.
Antonio (amante da própria filha, desde que ela estava com onze anos),Sgt.
Linhares (este viera do 2º estágio, de castigo, por haver agredido outro
Interno, que ofendera sua família, o que é sagrada, nas cadeias), Cabo Pires,
Soldado Juvanci, Nilson, da Polícia Rodoviária, Ramos (que, depois de preso
por quatro anos, foi absolvido pelo Júri, por unanimidade). Apesar de ser
halterofilista, era respeitado não pela força, mas pela simplicidade e
humildade. Também era evangélico. Sena ensinou-me a ser humilde,
mandando que eu limpasse, com escova de dentes, as separações dos azulejos
do banheiro. Nos demais xadrezes estavam, dentre outros, alguns que
tinham sido meus companheiros no COC, como Feres, vulgo Dentinho, e
Castro (acusados da prática de homicídio, juntamente com um terceiro
elemento, que foi absolvido.. )Estavam ainda o Turco, ou Sadan (que também
estivera na Penita, junto comigo, quando fui mandado para lá...), Rato e
Rocha (inicialmente, tinham estado no Romão, porém, encontrados portando
armas de fogo, foram mandado para o COC, de onde retornaram). Estavam
ainda Marcelo, Edmilson, Serjão, Paulo Gerson (que, na Casa de Detenção e
depois no COC, se dizia 2º Sargento, quando não passara de soldado),
Reginaldo e Cícero (condenado a 20 anos, pelo Tribunal do Júri, teve a sorte
de encontrar um advogado honesto, que lhe conseguiu novo julgamento, com
nova e menor condenação – oito anos, já no regime semi-aberto -).
605
Alojado no X, porém sem armário, fui tomar meu primeiro banho de
chuveiro quente, depois de vinte e sete meses. Estranhei a temperatura da
água e desliguei o chuveiro. Continuei, com banho frio mesmo, acostumado
que estava, como animal condicionado. Cansado, deitei-me em meu beliche,
na parte de baixo, que me fora cedida por Nilson.
SURPRESA - COINCIDÊNCIA – MAIS UMA IRONIA
No dia seguinte, após o café da manhã – café com leite, pão com
manteiga – tive uma grande surpresa, que era inclusive uma grande
coincidência – encontrei-me com L.Gama, ex-soldado da Guarda do 1º
Tribunal do Júri, que participara daquela agressão praticada contra mim e
ordenada por aquele Sargento gordo (até as pedras se encontram). Esse
guarda agora respondia por três crimes de estupro. Era mais uma ironia do
destino – agora ele também estava preso e acabou pedindo e recebendo
minha ajuda, como advogado.
UMA ALEGRE SURPRESA
Fazia três dias que eu chegara. Estava no refeitório, solitário,
pensativo, quando tive uma grata e alegre surpresa por meio de alguns
companheiros que me disseram – fecha os olhos, véinho...- fiz de conta que
fechava os olhos e olhei depressa, em direção às vozes e vi aquele mesmo
rapaz esguio e magricela, que eu vira em cima do telhado do PEPC – era
meu filho-. Levantei-me e nos abraçámos. Meu filho fez-me a advertência de
sempre – não vá chorar ...-. mas eu ria e chorava, ao mesmo tempo. Afinal,
era um re-encontro depois de dois anos sem nos vermos. Conversámos um
pouco e acompanhei meu filho até o X2, onde ele ficaria. Era Deus, atuando
em nossas vidas. E esse novo companheiro, filho de minha própria carne,
daria mais ânimo em minha vida, mais ânimo no velho pai, já desgastado
pelo tempo e pelas agruras que vinha sofrendo.
No X2 havia um negro
alto, forte, apelidado de Andrezão, preso por haver estuprado uma mulher
grávida, ou no estado puerperal, isto é, logo após haver dado à luz, fato esse
acontecido em ocorrência policial a que ele atendera, para socorrê-la. O
crime de estupro é considerado hediondo, e, naquele caso era mais que isso,
606
era uma atrocidade. Comentava-se que havia outras vítimas. Quando
Andrezão chegou no Presídio levou um pau tão grande, coletivamente, que
quase morreu.
Eu me dedicava a fazer artesanato – pequenas réplicas de
pranchas de surf - leitura e passava a maior parte do tempo rabiscando o
que pretendia fosse um livro (este).
Nos dias de visita obrigavam-me a ser o último a tomar
banho e tinha que limpar o banheiro. Nossas visitas eram tiradas em mesa e
bancos que meu filho comprara. Ficávamos muito à vontade. Estávamos
entre amigos. Pelo menos assim pensávamos, mas a verdade era outra,bem
diferente. Nosso próprio colega de mesa era um negro, falso, hipócrita. Era
casado com uma branca, funcionária federal. Também ele havia estado no
COC e viera com aquela leva coletiva. Ladrão contumaz, dizia não ver a
hora de sair para poder roubar. Eu não gostava do que ele dizia e apenas
suportava sua presença porque sua mulher também estudava Direito, no
mesmo ano em que minha filha estava, em outra Faculdade, e as duas
conversavam bastante. Havia um sargento, tido como herói, que não
suportava minha presença. Doía-lhe minha inteligência e meus
conhecimentos. Ele fazia pinturas em madeira, dizia que também iria
escrever um livro e tentava fazer sonetos como eu (eu os fazia em acrósticos,
em menos de vinte minutos, a pedido dos presos, com os nomes de suas filhas,
esposas ou namoradas) e acabou se indispondo comigo (mesmo assim, mais
tarde, eu iria ajudá-lo, indiretamente, a obter absolvição, em Pedido de
Revisão, com um pedido de Justificação Criminal elaborado por uma
advogada, com minha orientação, para dois outros presos, com a qual se
beneficiaria esse sargento e seu colega, os quatro acusados de um mesmo
crime)
PRIMEIRO DESENTENDIMENTO
Tudo ia bem, entre mim e meu filho. Este era muito atencioso,
solícito, respeitoso, e preocupava-se muito com minha saúde. E o tratamento
era recíproco, maior até, de minha parte para com ele. Porém os presos
começaram a tratar meu filho como se ele fosse criança, brincando com ele,
tirando sarro, por causa das freqüentes atenções que eu lhe dispensava. Isso
607
o deixava irritado, causando-lhe revolta contra mim, a ponto de me dar um
ultimato – “não fale mais comigo “- . Eu estava sentado, quando ele disse
aquilo. Ouvi a admoestação que ele me fizera. Cabisbaixo, contendo-me
para não chorar, respondi...”filho, o que você ‘tá me dizendo é muito duro,
muito doído, mas se é assim que você quer, tudo bem...” – e não mais nos
falamos.Ele ficava afastado, no horário do banho de sol.
MAIS UM AFASTAMENTO
Não fazia duas semanas após aquela separação, meu filho aproximouse e disse, em voz baixa – “vou lá p’ra cima, você precisa de alguma coisa ?”.
Respondi para meu filho – “não, obrigado. Só quero um abraço”. Ele
atendeu meu pedido e nos abraçamos.. Ir “lá p’ra cima” significava que ele
estava sendo transferido para o segundo estágio, deixando a Sub-seção,
mudando-se para o prédio da administração, onde o regime era outro,
melhor que o anterior. Havia mais espaços nos alojamentos, o horário de
visitas era mais prolongado, as mesas e bancos eram melhores, debaixo de
telhados, ao contrário da Sub-seção, debaixo de lona mal preso na parede.
Meu afilhado, preso fazia quase quatro anos, já estava no 2º estágio e
trabalhava no computador, após haver passado pela lavagem de bandejas,
de panelas, ajudante de cozinha e garçon dos oficiais. Ele arranjou para
meu filho uma cama no alojamento onde ele estava e um lugar para que
meu filho também começasse pelas bandejas. Ambos recebiam as visitas na
mesa de meu afilhado. (meu filho havia deixado a sua de presente para outros
presos). Eu continuava só, e agora sem mesa, no 1º estágio. Qualquer coisa
que eu precisasse eu pedia a um dos presos do 2º estágio, do outro lado das
grades, que chamasse meu filho. O preso perguntava – qual dos dois ? – e eu
respondia – qualquer um – e poucos minutos depois aparecia um deles, para
saber do que se tratava – algum alimento da Cantina, ou um telefonema para
casa -. Quando era meu filho quem me atendia, ele perguntava com voz de
desprezo, como quem não queria fazer – só isso? – e se retirava., deixando o
local. Eu sofria com aquilo. Mas, de qualquer forma, meus pedidos eram
quase sempre atendidos
(às vezes meu filho simplesmente
respondia, rispidamente – “não vou fazer”).
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CONSTRANGIMENTOS
Quando eu deixava a Sub-seção, para alguma coisa – ir ao médico,
ao Hospital, à Seção Penal ou ao Parlatório - eu era levado algemado pelo
policial carcereiro-de-dia e atravessava, em passos trôpegos, uma quadra de
esportes, com cerca de trinta metros. Um dia, ao fazê-lo, passei por um
grupo de Internos e ouvi uma voz troante, de um deles, que dizia– vai lá
meu... vai dar um abraço no homem ...ele é seu pai !...- . Parei, na quadra,
para ver quem seria seu interlocutor (eu não enxergava de longe, apesar de
usar óculos). - Era aquele sargento herói dizendo aquilo para meu filho, o
qual relutava, porém, devido à insistência do grupo, agora em
uníssono, acabou acedendo e caminhou em minha direção. O carcereiro,
com voz brava, insistiu – “vamo, véio, vamo andando...”e eu retruquei, em
tom de voz suplicante – é meu filho,um instante só, por favor - Meu filho me
alcançou e me perguntou, sarcasticamente – como ‘cê ‘tá? ‘on ‘cê vai?.Ao
dentista, respondi. Meus dentes estão caindo, pela falta de sol no COC. O
carcereiro já estava nervoso e tive que acompanhá-lo. Meu filho voltou para
o grupo, sob admoestação geral ...
DOIS PESOS DUAS MEDIDAS (de novo)
Marcão era seu nome. Chegou com uns dez ferimentos a bala, na região
das coxas e da virilha, isso porque portava colete à prova de balas, quando
foi levado para o Hospital Militar. Marcão era suspeito de haver
participado de um assalto a carro forte. Isolado na cela forte, era-lhe
proibido falar com os outros Internos. Mas sofria e precisava de atenção.
Condoído de sua situação procurei ajuda-lo, levando-lhe algum alimento.
Fui flagrado por um carcereiro, que pretendeu me denunciar ao Oficial de
Dia, mas desistiu de seu intento porque os outros Internos abraçaram meu
lado, isto é, foram solidários comigo e com Marcão, endossando meu gesto.
Marcão viria ser um grande amigo – e acabaria sendo absolvido das
acusações -.
SURPRESA – UMA “PROMOÇÃO”
609
Na ante-sala do gabinete dentário, em pé, eu aguardava na fila de
presos. Os que estavam no prédio da administração eram atendidos ns
frente dos demais, da Sub-seção. Eu estava mal de sustentando, com
tremedeira nas pernas (eu iria sofrer um segundo infarto dias depois). Aquele
mesmo Paulo Gerson que estivera no COC, levantou-se e me ofereceu lugar.
Dali se podia ver a sala do sub-comandante, aquele mesmo oficial que fôra
ao COC e que fora meu amigo. De repente ele saiu da sala e, ao ver, veio em
minha direção, perguntando-me por que eu estava alio (como se ele não
soubesse.). Até aquele instante eu não havia sido entrevistado quer pelo
Comandante ou pelo sub-comandante, como era obrigatório, na chegada de
um Interno.Ao invés de responder, levantei-me (eu fui bem educado por
meus pais) e me dirigi àquela autoridade – ‘major, eu gostaria de ser
recebido para uma conversa de alguns minutos...”. o major respondeu,
ordenando – “vamos lá agora mesmo”. E iniciou- um diálogo entre nós.
“Qual é seu problema?“, perguntou. Respondi – “Eu pedi para vir para cá
para ficarmos reunidos os três, para facilitar as visitas de nossos familiares.
Isso porque estávamos os três em Presídios diferentes.Agora, no entanto, meus
dois filhos estão no 2º estágio e eu continuo no 1º estágio. Dá quase na mesma.
Minha família tira visita e almoça com meus filhos e só depois das 13 horas
vão me ver. Eu gostaria de tirar visita aqui no 2º estágio, no mesmo horário em
que elas chegassem”. Depois dessa chuva de explicações e argumentos para
justificarem o pedido, o Major foi lacônico – “Vamos ver o que se pode fazer.
Vou pedir seu prontuário. Pode ir”. Encerrou-=se a conversa. Passei pelo
dentista e voltei para meu xadrez. Eu estava embaixo do chuveiro quando
gritaram meu nome. Era o Cabo Abilel, que me ordenou – põe o macacão
que você vai lá p’ra cima” - (esta era a forma para se chamar um preso para
comparecer ao prédio da administração) e o atendimento tinha que ser rápido
-.Eram quase dezoito horas e o expediente estava por terminar. Mesmo sem
me enxugar vesti o macacão (obrigatório para se ir ao prédio) e desci a
escada. PRONTO, sêo Cabo!. E o Cabo ordenou – arruma suas coisas que
você vai subir – Mais do que depressa subi a escada e passei a arrumar
minhas poucas coisas. O Cabo pegou duas das quatro sacolas de
supermercado e disse – vamos embora -. Eu não queria que o Cabo tivesse
trabalho e procurei levá-las eu mesmo - deixa, sêo Cabo, eu posso levar as
quatro -. O Cabo disse – não se importe, eu levo duas, afinal o senhor ‘tá
610
velho mesmo ...(percebi que ele mudara o tratamento de você para senhor, se
bem que nenhuma diferença fizesse). E deixámos a Sub-seção
e
atravessámos o pátio, agora sem algemas (estranhei, mas nada disse), o que
já era um prêmio, uma conquista. Subimos a segunda escada, que dava
acesso ao pátio superior, defronte à capela, no qual havia dois largos
corredores, à direita e à esquerda, que levavam aos alojamentos. Era tudo
muito mais iluminado, diferente da Sub-seção, quase às escuras, com
corredor estreitíssimo.. O Cabo ia adiante, seguido por mim (também
diferente do COC, onde íamos na frente, com mãos nas costas). Eu já me
sentia recompensado. Era um ambiente melhor, pelo menos no aspecto
físico. Chegámos a uma porta, com uma placa com a inscrição – Alojamento
de Oficiais -. Parei diante dela. “Entra aí“ – foi a ordem. Relutei e disse – “aí
não, quero ficar com meus filhos”. O Cabo foi curto – “é ordem do
Comandante”. O Cabo se adiantou e dirigiu a palavra aos que lá se
encontravam – “com licença, senbores, o sêo Florivaldo vai ficar aqui com os
senhores, por ordem do Comandante”” E os homens, alguns deitados,
disseram – “seja benvindo, fique à vontade” e foram se apresentando –
Tenente tal... aquele ali é o Capitão André etc. -. E fizeram perguntas rápidas,
com respostas curtas. Meu afilhado estava lá, sentado em uma banqueta,
entre duas camas, a do Capitão André e outra do Tenente Pereira, que lhe
orientava no aprendizado da Bíblia. Os demais assistiam televisão. Abraços.
Meu filho, avisado, compareceu. Apressou-se em arrumar a cama para
mim. Lençóis limpos, colcha nova. A cama havia sido usada por um
Tenente, também advogado, que falecera de infarto, uma semana antes
(teria havido demora no atendimento...).. Recebi um armário e coloquei
minhas coisas.Ainda me ajeitava quando chegou um Alvará de Soltura,
para um Tenente de prenome Damasceno. Fiquei também com seu armário,
igual aos demais, com dois, à exceção do Tenente Pereira, que tinha três, por
ser o mais antigo do alojamento. Euforia. Novo estilo de vida, na prisão.
MEU SEGUNDO INFARTO
Mas a recepção gentil que eu recebera era pura hipocrisia, como eu
descobriria mais tarde. Nos primeiros dias, no alojamento dos oficiais, eu
comecei um jogo de xadrez com meu afilhado, que havia aprendido com o
611
Tenente Pereira, o qual, segundo meu afilhado, era o melhor, naquele
Presídio. Então convidei o ex-oficial para jogar comigo. Estávamos quase no
meio do jogo quando meu oponente se afastou e foi tomar café. Meu
afilhado aproveitou e mostrou-me uma petição, endereçada ao Juiz das
Execuções Criminais da Justiça Militar. O papel era sem timbre. E não
estava assinado. Li seu conteúdo. Meu afilhado perguntou-me o que eu
achava. Como fôra ele quem me perguntara respondi francamente – está
faltando muita coisa, não tem linguagem jurídica, é coisa de leigo. Então meu
afilhado informou-me que havia sido feita pelo Tenente Pereira, e que ele
era bacharel em Direito. Eu disse – mesmo assim está faltando. Eu estava
quase vencendo, tendo já comido mais peças e aponto de dar um chequemate.O ex-oficial voltou e, sem dizer palavra, espalhou as peças do
tabuleiro, com um safanão. E não quis continuar o jogo nem conversar
sobre a petição. Percebi que dera um fora. Essa atitude continuou por muito
tempo, porém com hipocrisia. E meu filho era contagiado pelos oficiais
presos. Ele, pouco tempo depois de minha chegada, novamente deixou de
falar comigo – havia alguém lhe fazendo a cabeça, isto é, induzindo-o com
mentiras. Eu desconhecia o motivo, mas passei a desconfiar de quem e
porque. Alguns ex-companheiros vindos do COC, que não me apreciavam,
por inveja, disseram mentiras a meu respeito ao Tenente Pereira e ao
Capitão André, com quem jogavam cartas, até altas horas. Essas mentiras
foram repassadas a meu filho, daí a mudança em seu comportamento para
comigo. Tristezas e amarguras ressurgiram e calaram fundo em mim,
causando-me grande angústia, o que motivou meu segundo infarto. Eu
estava passando mal, com muitas dores no peito e muito cansaço,
provocados por entupimento arterial e estresse. Desci até a Sala do Oficial
de Dia. Como a morte do Tenente Grilo havia sido causada pela demora no
socorro, o Cabo Martarello chamou o Oficial de Dia, Tenente Bueno, que
prontamente mandou me levassem ao Hospital Militar, próximo dali. Era
15 de dezembro de1995, quase noite. Em lá chegando fui colocado em uma
maca, onde fiquei em observação por muito tempo (o pessoal estava jantando
e não mais fui atendido). Já era quase meia noite, quando um dos médicos de
plantão, ao passar pela sala onde eu estava, me examinou. Ele disse, em voz
baixa – este homem está morrendo, leva ele p’ra UTI, depressa!
Imediatamente fui levado já meio desmaiado. Fui levado para o elevador e
612
para a UTI, onde cheguei desmaiado. Providenciaram o que seria
necessário. Devidamente medicado e socorrido, recobrei os sentidos, dois
dias depois, com aparelhos e tubos ligados . Pude então vislumbrar um
homem (enfermeiro Jorge) e algumas moças, vestidas de branco, que
sussurravam. Pareciam anjos, naquela sala toda iluminada. Perguntei a
uma delas – como é seu nome ?- e ela me respondeu – Alexandra -. Levei um
susto. Pensei que Alexandra (aquela) tinha morrido e ido para o céu – e eu
também -. Mas a realidade era outra. Depois de mais três dias de
tratamento intensivo fui transferido para um quarto (Detalhe – havia
sempre um policial de guarda). Dali fui levado para fazer cateterismo, no
Hospital Bandeirante, levado por Jorge e Alexandra e uma escolta . Esse
Hospital ficava próximo a meu restaurante e minha mulher e filha
aproveitaram para me visitar. Após a operação minha filha trouxa comida
chinesa, suficiente para cinco pessoas - pa mim, para Jorge e Alexandra,
para o motorista e para o Soldado Pascoal. Parecia um pique-nique. As
pessoas achavam engraçado e não acreditavam que eu fosse um preso.
Chegámos até a receber advertência de uma funcionaria do Hospital.
Terminada nossa refeição retornámos para o Hospital Militar, onde pedi
para receber alta, a fim de poder passar o Natal que se aproximava, junto
com meus familiares. Voltei para o Romão em 23 de dezembro de 1995.
Nem bem cheguei fui até o alojamento dos rapazes. Meu afilhado recebeume com um sorriso. Meu filho, surpreso, perguntou – “ué, que ‘cê ‘tá
fazendo aqui?” Respondi – “Voltei, ora, recebi alta, estou melhor”. E co cluí –
“quero passar o Natal todos juntos – me dá um abraço”. Meu filho se
esquivou e exclamou –“Se você tivesse ficado lá e morrido não ia dar
trabalho”. Fiquei muito magoado e revoltado. Afinal, eu amava meu filho,
lutava por ele e agora era recebido daquela maneira agressiva e hostil.
Contra minha vontade, gritei com ele –“Não fale mais comigo!”. Meu filho
queria me contrariar, continuava falando asneiras. Irritado, insisti –“cale a
boca, não fale mais comigo! Você não é mais meu filho!“ Mas no íntimo eu
sofria com aquilo, tanto pela hostilidade de meu filho para comigo, como
pelo eu estava sendo levado a fazer. E não mais nos falamos, desde aquele
momento. Meu afilhado, que a tudo presenciara, com o tempo e aos poucos
foi aderindo e se solidarizando com meu filho, deixando de falar comigo e
esquivando-se de cruzar comigo, só respondendo quando perguntado. No
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entanto, à mesa, quando recebíamos nossas visitas, nós três não deixávamos
transparecer o que estava ocorrendo. Afinal, elas sofriam havia mais de
quatro anos com aquelas visitas, no início em prisões separadas, e com as
correrias e andanças de Seca a Meca, atrás de advogados e documentos. E
elas não poderiam compartilhar dos desentendimentos entre nós três. Meu
afilhado passou também a esquivar-se de meu filho. A razão, soubemos
depois – ele era muito influenciado pelo Tenente Pereira, com quem
convivia o dia todo, desde o trabalho no computador, nos treinos de defesa
pessoal (jiu-jitsu e capoeira) até nas reuniões evangélicas. Meu afilhado
estava tentando converter meu filho, que freqüentava reuniões espíritas, na
Capela, promovidas por pessoas das Casas André Luis. Meu afilhado passou
a receber as visitas de Pereira, juntamente com este, fora do prédio da
administração, o que o distanciava cada vez mais de nós. Mas eu e meu filho
conseguíamos sobreviver, cada um por si, mas eu sofria, pelo lado
emocional. E sofria, fisicamente, também, porque era obrigado a fazer dieta
especial, por ordem tanto do médico cardiologista do Hospital como do
médico do Presídio.
UM NATAL DIFERENTE
Apesar de haver sofrido aquele enfarte, eu, para não demonstrar
fraqueza, compartilhei com minhas netas alguns momentos de alegria. Elas
eram militantes do Departamento de patinação artística, no São Paulo
Futebol Clube, onde eu também já tivera alguma participação e haviam
levado seus patins, juntamente com os meus. Mesmo contra a vontade de
minha mulher eu fui até a quadra, e calcei os meus. Amparado pelas mãos
por minhas netas, como se eu não soubesse patinar, ameacei dar os
primeiros passos. Naquele momento todos os olhos se voltaram para mim,
como que aguardando a maior queda, para poderem dar risadas. Mas
estavam enganados – fingindo não conseguir manter o equilíbrio, passei a
dar o maior show, deslizando com leveza, dando giros, saltos, e patinando de
costas, às vezes sozinho, às vezes em par, com uma de minhas netas, ou com
as duas, uma de cada lado. Depois de alguns minutos encerrei minha
apresentação, deixando minhas netas à vontade. Os que me observavam
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tiveram que aplaudir ou, depois, me elogiar.Até o cozinheiro Werneck fez
um comentário – se ele está doente do coração, como é que faz aquilo?.
VOLTANDO À DIETA
Muito embora as ordens médicas, o cozinheiro, soldado Werneck
(evangélico) e um tal de sargento Batista, faziam de tudo para não me
atender, dificultando minha obtenção de alimentos sem sal. Não existia boa
vontade por parte deles, o que me obrigou a recorrer ao sub-comandante,
que não quis entender minha situação, dizendo-me – “aqui ninguém tem
privilégios e não recebo ordens de médico nenhum...”. Em vista disso
procurei outros caminhos – falei com o Tenente Dutra, Chefe da Seção de
Alimentação, o qual, compreendendo minhas necessidades, autorizou o
fornecimento de meu sustento de vez em quando. Para tornar mais
freqüente - subornei o Werneck – demonstrei interesse em ajudar o filho dele
a consertar os dentes e lhe paguei o aparelho. Dali em diante eu consegui
receber legumes cozidos e bifes, tudo sem sal. Eram meu único alimento
sólido, mas eu estava sobrevivendo, como já conseguira, no COC, onde o
feijão continha de tudo que era estranho e o arroz vinha cru..
OFICIALITE
O alojamento era apenas para ex-sargentos, que se reformavam como
oficiais e oficiais até Capitão. De Major a Coronel, quando ficavam presos,
era em suas próprias Unidades ou no Quartel General. Havia três oficiais,
que não haviam cursado a Academia Militar e sim iniciado suas carreiras
como soldados, passando a sargentos e depois a oficiais, no posto de 2º
tenentes. Serviam apenas para trabalharem no serviço de Oficial de Dia.,
isto é, no atendimento das necessidade e ocorrências diárias e na chefia do
policiamento do prédio. Um deles, de nome Mogyar, era muito atencioso e
solícito, pois fora enfermeiro e se condoía de todos quantos o procurassem.
Outro, de nome Bueno, era muito sisudo, taciturno, sempre de cara
amarrada. Dificilmente era visto um leve sorriso em sua boca.No entanto era
imparcial, exigente e cumpridor de todas as regras que conhecia, mas com
certa moderação.Era considerado pelos Internos, pois não era implicante.
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Em contrapartida, havia umTenente de nome Cerromoreno, insuportável,
implicante em demasia, do qual todos se esquivavam. Era tido como
arrogante, por sua maneira de falar, procurando ostentar cultura e
conhecimentos que não tinha. Tentava passar uma imagem de homem
austero, rígido, com muita imposição. Certo dia, mais precisamente no dia
25 de janeiro de 1996, feriado em São Paulo, não recebi visitas, pois minha
família fora para Santos, visitar minha irmã. Eu passava pela sala do Oficial
de Dia quando fui chamado por ele. Curioso, ele queria saber por que eu
estava preso ali. Entendi que ele estava interessado em saber os motivos de
meu processo, então dei-lhe uma resposta jocosa e lacônica, ao mesmo
tempo – porque sou rico! – Respondi-lhe assim porque entendi ser uma
pergunta maldosa, além de mera curiosidade. O Tenente se irritou. Disseme – vou perguntar mais uma vez... e me levou até sua sala. Perguntou-me,
novamente, esclarecendo a razão de sua pergunta – se eu não era militar, por
que eu estava naquele Presídio -. Comecei explicando-lhe sobre o complô que
me haviam armado e cheguei até a mencionar o nome de um Juiz, que sabia
da estória toda, do que eu vinha sofrendo havia anos, com os problemas
criados por Alexandra, magistrado esse que se dispusera a servir de
testemunha, tendo realmente comparecido em plenário do Júri. Aquele Juiz
esclareceu aos jurados sobre meus antecedentes filantrópicos e muito de
minha vida profissional e social. O Tenente eriçou-se. Quase se levantando
de sua cadeira perguntou-me, rispidamente – qual é o aspecto desse Juiz ? -,
como se a menção que eu fizera fosse mentira. Retrucando, respondí com
uma pergunta – Por que a pergunta? O senhor acha que eu iria mencionar
um fato desses e o nome de um Juiz se não fosse verdade?. E continuei – 0
depoimento dele está no processo, o senhor pode verificar. O Tenente insistiu.
Diante daquela atitude descrevi, com precisão, as características físicas do
mencionado Juiz. O Tenente voltou à carga com uma observação um tanto
pernóstica – vamos ver. Amanhã mesmo vou ter um encontro com ele e
falar de você(como se ele tivesse acesso a Juízes...) Se você estiver
mentindo vou dar parte ao Comando (parte do quê, perguntei eu, e
pergunto agora...). Eu não entendia a razão daquele comportamento, mas
prossegui em minha narrativa, por solicitação de meu interlocutor.
Mencionei que não tinha o hábito de mentir, pois já usara farda,
demonstrando com as mãos sem nada nas mangas, com divisa nas mangas e
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até com algo nas ombreiras (porque eu havia sido soldado do Exército e da
Fôrça Pública, terceiro sargento da Aeronáutica e Capitão da PAB. O
homem não se agüentou- Chamou a atenção do Cabo Mauricio, que
datilografava um documento – aí, Maurício, você ..viu o que ele ‘tá falando?
O Cabo, que tinha sua atenção voltada para o papel, perguntou, com
ingenuidade – o quê, sêo Tenente? .O Oficial completou – ele disse que já foi
Oficial!- O Cabo, com toda subserviência a que estava acostumado,
respondeu – ..vi, sim senhor . O tenente exigiu de mim – agora você vai
provar isso que você falou! Se não provar vou pôr no papel! . Diante daquela
exigência insólita, de provar, declarei, incisivamente - Eu não vejo nenhuma
necessidade de provar nada, eu só falei em tom de conversa, mas se o senhor
quiser, eu tenho os documentos em casa.O oficial pensou qe eu estava me
esquivando e insistiu – eu vou dar parte de você! . Levantei-me, fui até sua
mesa, dizendo – me dá uma folha de papel, eu mesmo escrevo, e assino em
baixo. Ele ficou meio desconcertado e desviou o assunto, encerrando a
conversa, que havia durado mais de duas horas (trabalhar, mesmo, que era
bom, nada, ele só queria me “ferrar”).
UM PASSO ATRÁS
E não é que, no Plantão seguinte, daquele oficial, eu tive uma
surpresa? Como era de praxe, logo ao raiar do dia, apresentei- me ao Oficial
de Dia. Ele, que anteriormente tinha sido muito ríspido, abriu um sorriso,
respondendo a meu cumprimento, com certa cordialidade para comigo. E
por quê seria? Simplesmente porque, realmente, ele estivera diante daquele
Juiz, não como amigo, mas oficialmente, e, em conversa, mencionou meu
nome, tendo obtido as melhores informações a meu respeito. E dali em
diante, seu comportamento (hipócrita) de quase amizade, se manteria por
muito tempo...
QUASE REATAÇÀO
No dia 28 de fevereiro de 1996, pouco antes da hora do almoço coletivo,
fui até o balcão da cozinha, para retirar uma panelinha com alguns legumes
cozidos. A pessoa que estava ali, para me atender, era meu filho. Este
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entregou-me aquela panela que continha dois bifinhos crus. Meu filho
olhou-me em meus olhos e perguntou –“o senhor quer uma frigideirinha
elétrica, para fritar os bifes?” (meu filho havia ganho esse eletro-doméstico em
uma rifa, na semana anterior). Como ele comia da mesma comida dos
oficiais, a quem servia como garçon ele não precisava dela. Eu lhe respondi
–“Não, obrigado, vou comê-los crus, como sashimi”. Parecia um diálogo
entre pai e filho. Na verdade, era uma conversa e um tratamento respeitoso
obrigatório, em decorrência da diferencia que havia entre ambos – um era
Interno garçon e estava atendendo na cozinha, outro era Interno alojado entre
oficiais, com o mesmo tratamento devido a eles. E ficou nisso...
OBSTAÇÃO A BENEFÍCIO
Eu estava ansioso para ganhar o benefício da progressão de meu
regime de pena, de reclusão, no fechado, para o regime semi-aberto. Neste
regime eu poderia sair para trabalhar, durante o dia, devendo retornar ao
Presídio no início da noite, para pernoitar. A Seção Penal e a Seção
Jurídica do Presídio precisavam de alguns documentos, comprovantes do
tempo que eu havia passado nas prisões anteriores. Apresentei pedido
escrito ao Comando, no sentido de que fosse oficiado ao 5o.D.P ., ao 91o D.P.
e ao 1o. Tribunal do Júri, para que tais documentos fossem expedidos. Os
demais comprovantes (do C.O.C. e do próprio “Romão Gomes”), já estavam
em meu prontuário. Os ofícios foram encaminhados pelo Sub-Comandante.
Estranhamente, aquele que foi enviado para o 91o D.P. foi extraviado, isto é,
constava que havia sido recebido por um Delegado, que não pertencia
àquele Distrito Policial, e a resposta não foi fornecida. Foi necessário que eu
fizesse um outro pedido escrito, acompanhado por novo ofício do Presídio.
E, para a retirada do ofício/resposta, uma vez que era quase certo de que
tudo seria feito para procrastinar, foi necessária a ida de minha filha. No 5 o
Distrito Policial aconteceu quase a mesma coisa. O ofício do Presídio foi
recebido, mas nada de resposta. Tornou-se necessária, novamente, a
intervenção do Sub-Comandante, para que o documento solicitado fosse
expedido. Quanto ao ofício para o 1º Tribunal do Júri, foi, erroneamente,
enviado à pessoa do Juiz que havia presidido o julgamento em plenário e
não mais estava naquele Tribunal. Nenhuma resposta. Procurado
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pessoalmente por minha filha, o magistrado esquivou-se de lhe fornecer o
documento, tendo dado orientação de que deveria ser procurado o Cartório
da Vara das Execuções Criminais. Minha filha pediu vênia e explicou que,
por estar cursando o terceiro ano de Direito, conhecia pouco, mas já sabia
que um processo só é encaminhado à Vara das Execuções Criminais,
quando já há trânsito em julgado da sentença, o que, segundo ela sabia, não
era o caso. E o Juiz do processo tomou conhecimento disso. E o processo
ainda estava na Instância Superior. E o documento acabou não sendo
expedido. Por isso resolvi peticionar eu mesmo e a petição foi levada por
minha filha ao Juiz que estava respondendo pelo 1º Tribunal do Júri (e
respectivo Cartório). Esse magistrado, de nome Dr. Marcos José Silva, em
reconhecendo meu direito, de me ser fornecida a Certidão solicitada,
determinou ao Cartório sua expedição. Eu estava angustiado com a
situação, com a demora, na obtenção dos documentos. Eu precisava deles
para ser submetido a Exame Criminológico, uma das exigências para a
recebimento do benefício ou promoção ao regime semi-aberto. Fui até a sala
da Assistente Social do Presídio, a soldado Fátima. Muito simpática e
querida por todos, por sua afabilidade e solicitude, atendeu prontamente a
meu pedido. Ligou para minha residência, a fim de obter alguma
informação a respeito do andamento de meus pedidos. O telefonema foi
atendido por Elvira, governanta de nossa residência. A assistente só dizia
–“tá bom, ‘tá bom” – e desligou. Transmitiu-me o que havia recebido – que
minha esposa e minha filha haviam ido buscar o atestado e que, se possível,
elas o levariam ao Presídio, naquele mesmo dia. Agradeci e saí. Quando
deixava a sala da Assistente Social, pude ver, na sala em frente, sobre o sofá,
duas bolsas de mulher. Era a sala do Major Sub-Comandante. Reconheci
uma das bolsas. Era de minha mulher. As duas estavam em pé, diante do
oficial, que, grosseira e indelicadamente, estava sentado (O oficial não estava
sendo cavalheiro. Afinal, por lei, a pena não vai além da pessoa do preso, e
eram duas senhoras). Cheguei mais perto da porta e, no mesmo instante em
que encostava a cara no batente, pude ver o Major colocando o fone no
gancho. Ele estava me convocando para comparecer em sua presença.
Minha chegada repentina causou impacto de surpresa nos três. Era muita
coincidência – já as duas estavam chegando no Presídio quando a Assistente
estava fazendo a ligação e em seguida, o Major me chamava quando eu surgi,
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à porta, antes mesmo de ter sido chamado pelos guardas -. O documento
aguardado estava sendo entregue ao Major.
Nós três fomos dispensados pelo Major e fomos até a sala do Parlatório ao
lado. A minha filha contou-me que, quando a moça do Cartório do Tribunal
(antes de ser determinada pelo Juiz a expedição do documento dissera nada
constar em meu nome, pois “nem mesmo há ficha dele aqui”) quando abria a
gaveta do arquivo e perguntou novamente o nome do interessado, teve um
sobressalto pois uma ficha saltou, dentre as outra. A moça pegou essa ficha e
deu um pulo para trás e exclamou “Incrível ! Não tinha esta ficha aqui
antess, e agora ela quase me pula na minha cara !. E a certidão foi
fornecida...
Juntando a certidão aos outros documentos conseguidos por minha
filha, expediu-se, finalmente, o pedido de realização de Exames
Criminológicos, juntamente com o Atestado de Permanência e Conduta
Carcerária, que comprovava o cumprimento de mais de 1/6

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