indicação geográfica e desenvolvimento territorial
Transcrição
indicação geográfica e desenvolvimento territorial
INDICAÇÃOGEOGRÁFICAE DESENVOLVIMENTOTERRITORIAL: reflexõessobreotemaepotencialidadesno EstadodeSantaCatarina ComitêCientífico AryBaddiniTavares(UNIMESP) DanielArrudaNascimento(UFF) DeyveRedyson(UFPB) EduardoKickhofel(UNIFESP) EduardoSaadDiniz(USP,RibeirãoPreto) JorgeMirandadeAlmeida(UESB) MarciaTiburi(Mackenzie) MarceloMartinsBueno(Mackenzie) MariaJ.Binetti(CONICET,ARG) MaurícioCardoso(FFLCH–USP) PatríciaC.Dip(UNGS/CONICET,ARG) SalyWellausen(Mackenzie,Pres.) ValdirRoqueDallabrida (Organizador) INDICAÇÃOGEOGRÁFICAE DESENVOLVIMENTOTERRITORIAL: reflexõessobreotemaepotencialidadesno EstadodeSantaCatarina 1ªedição EditoraLiberArs SãoPaulo 2015 INDICAÇÃOGEOGRÁFICAEDESENVOLVIMENTOTERRITORIAL:Reflexõessobreotemae potencialidadesnoEstadodeSantaCatarina ©2015,Oorganizador Direitosdeediçãoreservadosà EditoraLiberArsLtda ISBN978‐85‐64783‐58‐4 Editores FransmarCostaLima LauroFabianodeSouzaCarvalho Revisãoesupervisãotécnicaeortográfica AnaBeatrizLopesLancha Editoração CesarLima ImagemdeCapa FabioCosta DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação–CIP Dallabrida,ValdirRoque D15dIndicaçãogeográficaedesenvolvimentoterritorial:reflexõessobre otemaepotencialidadenoEstadodeSantaCatarina/Valdir RoqueDallabrida(org.)‐SãoPaulo:LiberArs,2015. ISBN978‐85‐64783‐58‐4 1. Desenvolvimento Regional – Santa Catarina 2. Indicação Geográfica – Santa Catarina 3. Desenvolvimento Territorial – GovernançaTerritorialI.Título CDD338.9 CDU 338 Bibliotecário responsável: Neuza Marcelino da Silva – CRB 8/8722 Todososdireitosreservados.Areprodução,aindaqueparcial,porqualquermeio, daspáginasquecompõemestelivro,parausonãoindividual,mesmoparafinsdidáticos, semautorizaçãoescritadoeditor,éilícitaeconstituiumacontrafaçãodanosaàcultura. Foifeitoodepósitolegal. EditoraLiberArsLtda www.liberars.com.br [email protected] SUMÁRIO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E INDICAÇÃO GEOGRÁFICA: APRESENTAÇÃO DE COLETÂNEA E INTRODUÇÃO AO TEMA...............................................................................................7 CAPÍTULO 1.........................................................................................................................23 GOVERNANÇA NOS TERRITÓRIOS, OU GOVERNANÇA TERRITORIAL: DISTÂNCIA ENTRE CONCEPÇÕES TEÓRICAS E A PRÁTICA VALDIRROQUEDALLABRIDA‐UNC JAIROMARCHESAN‐UNC ADRIANAMARQUESROSSETTO‐UFSC ELIANESALETEFILIPPIM‐UNOESC CAPÍTULO 2.........................................................................................................................41 A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DE PRODUTOS: UM ESTUDO SOBRE SUA CONTRIBUIÇÃO ECONÔMICA NO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL GIOVANEJOSÉMAIORKI‐UNC VALDIRROQUEDALLABRIDA–UNC CAPÍTULO 3.........................................................................................................................57 A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA COMO CONTRIBUTO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: ANÁLISE A PARTIR DE EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS NO SETOR VINÍCOLA SABRINADHIENIFFERSANDER‐UNC VALDIRROQUEDALLABRIDA‐UNC CAPÍTULO 4.........................................................................................................................73 O PATRIMÔNIO CULTURAL COMO ATIVO TERRITORIAL NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL MÁRCIAFERNANDESROSANEU‐UFPR PATRICIADEOLIVEIRAAREA‐UNIVILLE CAPÍTULO 5.........................................................................................................................87 DESENVOLVIMENTO, SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS AGROPECUÁRIAS CRISTIANEDEMORAISRAMOS‐UFSC ADRIANAMARQUESROSSETTO‐UFSC CAPÍTULO 6.......................................................................................................................105 ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO NO MUNICÍPIO DE CANOINHAS (SC): UM ESTUDO A PARTIR DO MANEJO DE FRAGMENTOS DE FLORESTA OMBRÓFILA MISTA E SUA RELAÇÃO COM A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA LAUROWILLIAMPETRENTCHUK‐UNC JAIROMARCHESAN‐UNC VALDIRROQUEDALLABRIDA‐UNC CAPÍTULO 7 ...................................................................................................................... 117 SIGNOS DISTINTIVOS E POTENCIAIS BENEFÍCIOS AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUELENCARLS‐UFSC LILIANALOCATELLI‐UFSC LUIZOTÁVIOPIMENTEL‐UFSC CAPÍTULO 8 ...................................................................................................................... 135 PRODUTOS COM IDENTIDADE TERRITORIAL NO ESTADO DE SANTA CATARINA: POTENCIAIS PARA A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA MAYARAROHRBACHERSAKR‐UNC NATANYZEITHAMMER‐UNC STAVROSWROBELABIB‐UNIVALI VALDIRROQUEDALLABRIDA‐UNC CAPÍTULO 9 ...................................................................................................................... 173 CONTRIBUIÇÃO DO QUEIJO ARTESANAL SERRANO PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL E PRESERVAÇÃO DOS CAMPOS DE ALTITUDE DO SUL DO BRASIL ULISSESDEARRUDACÓRDOVA‐EPAGRI‐LAGES‐SC ANDRÉIADEFÁTIMADEMEIRABATISTAFERREIRASCHLICKMANN‐EPAGRI‐LAGES‐SC CASSIANOEDUARDOPINTO‐EPAGRI‐LAGES‐SC CAPÍTULO 10 .................................................................................................................... 187 DESAFIOS PARA O ASSOCIATIVISMO DE BASE TERRITORIAL: O CASO DO PROJETO TRANÇAS DA TERRA ANALÚCIABEHRENDLISTONE‐UNOESC ELIANESALETEFILIPPIM‐UNOESC CAPÍTULO 11 .................................................................................................................... 213 FORMAÇÃO HISTÓRICA, TERRITORIAL E ECONÔMICA DA MESORREGIÃO OESTE CATARINENSE: LIMITES E POSSIBILIDADES DE CONSTITUIÇÃO DE INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS JAIROMARCHESAN‐UNC ROSANAMARIABADALOTTI‐UNOCHAPECÓ CAPÍTULO 12 .................................................................................................................... 241 INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DA ERVA-MATE NO TERRITÓRIO DO CONTESTADO: REFLEXÕES E PROJEÇÕES VALDIRROQUEDALLABRIDA;FERNANDATEIXEIRASANTOS;LAUROWILLIAMPETRENTCHUK;MAYARA ROHRBACHERSAKR;MURILOZELINSKIBARBOSA;NATANYZEITHAMMER;PAULOMOREIRA;TIAGOLUIZ SCOLARO;JAIROMARCHESAN‐UNC CAPÍTULO 13 .................................................................................................................... 273 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO POLÍITICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL - O CASO DOS VALES DA UVA GOETHE ADRIANACARVALHOPINTOVIEIRA‐UNESC VALDINHOPELLIN‐FURB DESENVOLVIMENTOTERRITORIAL EINDICAÇÃOGEOGRÁFICA:APRESENTAÇÃODE COLETÂNEAEINTRODUÇÃOAOTEMA Nestelivro,retoma‐seotemadaIndicaçãoGeográficacomoalternativa paraodesenvolvimentoterritorial.Trata‐sedeumacoletâneadetextos,que resumem os resultados do Projeto de Pesquisa TERRITÓRIO, IDENTIDADE TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO: a especificação de ativos territoriais comoestratégiadedesenvolvimentonasregiõesdoEstadodeSantaCatarina, oqualcontoucomoapoiofinanceirodaFundaçãodeAmparoàPesquisae InovaçãodoEstadodeSantaCatarina(FAPESC).Contoucomacolaboração de colegas de universidades catarinenses, membros da equipe de pesquisa doreferidoprojeto,sejacomopesquisadoresoualunosdaPós‐Graduaçãoe IniciaçãoCientífica. Acoletânea,nasuaprimeiraparte,reúnetextosquerefletemquestões relacionadas ao tema Indicação Geográfica (IG). Na segunda parte, são apresentadasasprincipaispotencialidadesdeprodutosdoEstadodeSanta Catarina que têm condições de serem reconhecidas como experiências de Indicação Geográfica. Além da experiência de IG registrada, o caso do Vale daUvaGoethe,outrosquatroprodutossãocontempladoscomumaanálise maisaprofundada. Indicação Geográfica, desde 2012, foi tema de investigação e de publicações, das quais participei, seja como autor, coautor ou organizador (DALLABRIDA, 2012a/b; 2013; 2014a/b/c; DALLABRIDA, et al., 2013; 2014a/b; DALLABRIDA e MARCHESAN, 2013; DALLABRIDA e FERRÃO, 2014). Quantoàsinvestigações,IndicaçãoGeográficafoitemadeestudo,atéo momento, em quatro projetos de pesquisa: o primeiro, iniciado em 2012 e finalizado em 2014, Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiõesdoEstadodeSantaCatarina,pormimcoordenado,naUniversidade do Contestado (UnC), com financiamento da FAPESC; o segundo, Ativos TerritoriaiscomoEstratégiadeDesenvolvimento:umestudosobreaeficácia da estrutura de governança territorial, como contributo à sustentabilidade social, econômica e ambiental dos territórios, o qual serviu de base aos estudos realizados no Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa,referentesaoPlanodeTrabalhodaBolsadoCNPq,PósDoutoradono 1 Exterior(PDE) ;oterceiro,EstratégiasdeespecificaçãodeAtivosTerritoriais 1 Está no prelo, na revista EURE (Chile), artigo com os resultados da investigação. Uma primeira abordagem sobre o tema ativos territoriais foi realizada em Dallabrida e Ferrão (2014). 7 comoalternativadeDesenvolvimento,queservirácomoreferênciaàsminhas atividades de investigação, entre 2013 e 2016, relacionados à Bolsa Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); por fim, Signos Distintivos Territoriais e Indicação Geográfica: um estudo sobre os desafios e perspectivas como alternativa de Desenvolvimento Territorial, iniciado em dezembro de 2014, comfinanciamentodoCNPq,devendoseestenderaté2016. Asiniciativasdeinvestigaçãoepublicaçõesmencionadasconvergemno debate sobre Indicação Geográfica, tendo como substrato o desenvolvimento territorial e a governança territorial. Ou seja, partem do entendimento da Indicação Geográfica como meio, o desenvolvimento territorial como fim e a governança territorial como forma de gestão societária,tendoporbaseumentendimentopessoaldasreferidascategorias conceituais. Agovernançaterritorialcorrespondeaumprocessodeplanejamentoegestão de dinâmicas territoriais que prioriza uma ótica inovadora, partilhada e colaborativa, por meio de relações horizontais. No entanto, esse processo inclui lutas de poder, discussões, negociações e, por fim, deliberações, entre agentesestatais,representantesdossetoressociaiseempresariais,decentros universitários ou de investigação. Processos desta natureza fundamentam‐se num papel insubstituível do Estado, numa concepção qualificada de democracia e no protagonismo da sociedade civil, objetivando harmonizar uma visão para o futuro e um padrão qualificado de desenvolvimento territorial. O desenvolvimento territorial é entendido como um processo de mudança continuada, situado histórica e territorialmente, mas integrado em dinâmicas intraterritoriais, supraterritoriais e globais, sustentado na potenciação dos recursos e ativos (materiais e imateriais, genéricos e específicos)existentesnolocal,comvistas àdinamizaçãosocioeconômicaeà melhoriadaqualidadedevidadasuapopulação(DALLABRIDA,2014b,p.16). O Projeto de Pesquisa do qual resulta esta coletânea contou com a atuaçãodetrezeprofessorespesquisadores:AdrianaCarvalhoPintoSilveira (UNESC), Adriana Marques Rossetto (UFSC), Cassiano Eduardo Pinto (EPAGRI), Eliane Salete Filippim (UNOESC), Jairo Marchesan (UnC), Luiz OtávioPimentel(UFSC),MárciaFernandesRosaNeu(UNESUL),Patríciade OliveiraAreas(UNIVILLE),RosanaMariaBadalotti(UNOCHAPECÓ),Stavros Wrobel Abib (UNIVALI), Ulisses de Arruda Córdova (EPAGRI), Valdinho Pellin (FURB) e, como Coordenador, Valdir Roque Dallabrida (UnC). Além dos pesquisadores, a investigação contou com a participação de quatro mestrandos:trêsdaUnC(jáformados),LauroWilliamPetrentchuk,Giovane José Maiorki e Sabrina Dhieniffer Sander; e Cristiane de Morais Ramos da UFSC. Por fim, contou com a participação de três alunas de Iniciação Científica: Mayara Rohrbacher Sakr (UnC); Natany Zeithammer (UnC); Ana LúciaBehrendListo(UNOESC). 8 Olivroestádivididoemduaspartes.Naprimeira,sãotratadasquestões atinentesaumdospropósitosdoprojetodepesquisa:oaprofundamentoda compreensão sobre as potencialidades e limites de estratégias de especificação de ativos territoriais, tais como a Indicação Geográfica, como alternativadedesenvolvimentoterritorial. O primeiro capítulo do livro faz referência à questão da governança territorial, tema do artigo Governança nos Territórios, ou Governança Territorial:distânciaentreconcepçõesteóricaseaprática,oqualcontempla uma avaliação e análises sobre os sistemas de governança territorial utilizados nas experiências de Indicação Geográfica, tendo como foco o estudodeexperiênciasbrasileirasedePortugal.Concluiqueaindaháuma grande distância entre as concepções teóricas e as práticas de governança territorial. O segundo e o terceiro capítulo, respectivamente, A Indicação Geográfica de produtos: um estudo sobre sua contribuição econômica no DesenvolvimentoTerritorialeAIndicaçãoGeográficacomocontributoparao Desenvolvimento Sustentável: análise a partir de experiências brasileiras no setor vinícola, resultam de duas dissertações realizadas no âmbito do Mestrado em Desenvolvimento Regional da UnC, as quais estudaram os possíveis impactos no desenvolvimento territorial de experiências de IG, considerandoasdimensõeseconômica,social,culturaleambiental.Quantoà dimensãoeconômica,osresultadosobtidosforamsuficientesparareafirmar a importância da Indicação Geográfica como vetor do desenvolvimento de territórioseregiões,salientando,noentanto,queissonãoocorredeforma autônoma, mas, sim, pelo envolvimento integrado da sociedade civil e dos setores da economia que fazem parte do objeto da IG. Já em relação às dimensões social e cultural, conclui‐se que estão minimamente contempladas.Noentanto,emrelaçãoàdimensãoambiental,apreocupação resume‐se ao atendimento das exigências legais, sendo necessários mais avanços. OPatrimônioCulturalcomoativoterritorialnodesenvolvimentoregional é o título do quarto capítulo. Como o próprio título sugere, o objetivo foi refletir sobre o papel que a educação patrimonial pode ocupar no desenvolvimentoterritorial,namedidaemqueauxilianoreconhecimentoe valorização do patrimônio cultural de uma comunidade. Esse reconhecimentoevalorização,comoaautorapropõe,poderáelevaraauto‐ estima e, portanto, auxiliar na busca de soluções para o desenvolvimento solidário.Trata‐se,ainda,deumareflexãoteórica,masqueversasobreuma dimensãoimportanteaosereferirao processo de reconhecimentodeuma IG. O quinto capítulo ‐ Desenvolvimento, Sustentabilidade Ambiental e Indicações Geográficas agropecuárias‐trazumareflexãosobreopapeldas Indicações Geográficas na promoção do desenvolvimento regional, dando 9 ênfase ao aspecto ambiental. Inicia pela explicitação das premissas que sustentamarelaçãointrínsecaentredesenvolvimentoeterritórioecomoa demarcaçãodeumaIGpodeestarassociadaàsustentabilidade.Combasena legislação brasileira e o Guia para a Solicitação e Registro das Indicações Geográficas de Produtos Agropecuários, elaborado pelo Ministério da Agricultura,PecuáriaeAbastecimento(MAPA),expõealternativasparaque oaspectodasustentabilidadeambientalsejainseridodeformamaisefetiva naspremissasdasIG. Reafirmandoadimensãodasustentabilidadeambientalantesreferida, osextocapítulo‐AlternativasdedesenvolvimentonomunicípiodeCanoinhas (SC):umestudoapartirdomanejodefragmentosdeflorestaombrófilamista e sua relação com a indicação geográfica ‐ aborda o tema, demonstrando como alternativas de desenvolvimento que utilizem ou não a estratégia da IG,podemcontribuir,nãosóparageraçãodeempregoerenda,mastambém comoumaestratégiadepreservaçãoeregeneraçãodefragmentosflorestais. Aerva‐mateéumdosmuitosexemplosemquesuavalorizaçãopormeiodo reconhecimento de uma IG pode contribuir para a preservação e recuperaçãodasmatasnativas. Já o último capítulo da primeira parte do livro ‐ Signos Distintivos e potenciais benefícios ao Desenvolvimento Territorial ‐ apresenta trata da gestão dos ativos intangíveis do território, focalizando os direitos de propriedadeindustrialdasmarcasdeprodutoseserviços,marcascoletivas edecertificaçãoeasIndicaçõesGeográficas,destacandoqueaformalização dessesinstitutospotencializasuavalorizaçãoeosprotegejuridicamenteno mercado,podendoalicerçaraeconomiadeumaregiãoecomporestratégias depromoçãododesenvolvimentoterritorial. A segunda parte do livro atende a um dos propósitos do projeto de pesquisa em referência: mapear as principais potencialidades de especificação de ativos territoriais situadas nas diferentes mesorregiões catarinenses,naformadesignosdistintivoscompotencialderegistro,seja na condição de Indicação Geográfica ou Marca Coletiva. Vai além do mapeamento, contemplando a caracterização e apontamento de potenciais emcincoregiõesdoEstadodeSantaCatarina. Assim,ocapítulooito–ProdutoscomIdentidadeTerritorialnoEstadode Santa Catarina: potenciais para a Indicação Geográfica ‐ identifica e caracteriza os produtos catarinenses que apresentam potencialidades para adquirirem o reconhecimento como IG, destacando sua localização, possíveisimpactoseconômicoseasformasdevalorizaçãoassumidaslocale regionalmente. Como ponto de partida, foi utilizado um estudo preliminar realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas 2 (SEBRAE) utilizando uma metodologia própria para tal . Além da 2 Um dos propósitos do projeto de pesquisa que resultou neste livro era propor indicativos metodológicos que facilitassem a prospecção de ativos e recursos com especificidade 10 experiênciadeIGjáreconhecida,oValedaUvaGoethe,sãoapontadosvinte e sete produtos com potencialidade de registro, distribuídos nas mesorregiões catarinenses. Algumas experiências merecem uma atenção especial,talcomoocasodaerva‐mate. Na sequência, os capítulos nove, dez, onze e doze registram e caracterizam experiências de produtos com potencialidade para o reconhecimento de IG, em quatro regiões do Estado de SC: a Serra Catarinense (queijo serrano); o Meio Oeste (tranças da terra); o Oeste Catarinense (suinocultura); o Planalto Norte (erva‐mate). Os capítulos são, respectivamente: (1) Contribuição do Queijo Artesanal Serrano para o desenvolvimentoregionalepreservaçãodoscamposdealtitudedosuldoBrasil; (2) Desafios para o associativismo de base territorial: o caso do Projeto Tranças da Terra; (3) Formação histórica, territorial e econômica da Mesorregião Oeste Catarinense: limites e possibilidades de constituição de Indicações Geográficas; (4) Indicação Geográfica da erva‐mate no Território doContestado:reflexõeseprojeções.Trata‐sedequatroexperiênciassobreas quais já existem iniciativas em andamento, em especial, a primeira e a quarta. Oúltimocapítulo‐AutilizaçãodasIndicaçõesGeográficascomopolíticas públicasdedesenvolvimentoterritorialrural:ocasodosValesdaUvaGoethe‐ dizrespeitoàúnicaexperiênciadeIGregistradanoEstadodeSC.Umadas observaçõesfeitaspelosautoresnocapítulo,refere‐seaoqueseesperadas experiências de IG: as IG podem ser entendidas, do ponto de vista econômico,comoumaestratégiaparaagregarvaloraprodutosouserviços que têm características próprias relacionadas ao território ao qual estão inseridas, e, consequentemente, fortalecer o desenvolvimento territorial, principalmenteemespaçosrurais.Assim,emrelaçãoàúnicaexperiênciade IGcatarinense,osautoresafirmamoquetodosalmejamosconstatarquando do registro de uma IG: após o reconhecimento, se observou importantes vantagens,sobretudoeconômicas,comooaumentonasvendaseoacessoa novosmercados.Alémdisso,identificou‐seodesenvolvimentodeatividades complementares tais como o enoturismo e a preservação da identidade local. É importante lembrar os principais resultados esperados, quando da elaboraçãodoprojetodepesquisa.Comoumaformadeprestaçãodecontas, transcrevemosnoquadroaseguirosresultadosesperadoseumaavaliação dasuaeficácia. territorial. No entanto, apesar dos esforços, não foi possível concluir esta tarefa a tempo de finalizar um texto possível de ser contemplado neste livro. Ficou como tarefa adicional às atividades do projeto de pesquisa, assumida por três pesquisadores da equipe, a ser finalizada até o primeiro semestre de 2015, que fará parte de outra publicação. 11 Quadro1‐Análisedosresultadosesperadoseavaliaçãodaeficácia Resultadoesperado Avaliaçãodaeficácia ‐Tomarconhecimentoesistematizaro estadodaartesobreotematerritório, identidade territorial e desenvol‐ vimento, especificação de ativos territoriaiseIndicaçãoGeográfica. A execução do projeto de pesquisa, para muitos dos pesquisadoresenvolvidos,foiaprimeiraoportunidadede tomar contato com o tema Indicação Geográfica. Sem dúvida,pelasleiturasexigidasaosautoresparaelaboração de seus textos, a experiência de muitos em analisar práticas, a oportunidade de participar do debate sobre o tema, seja em reuniões da equipe de trabalho, ou pela participação em eventos, os temas território, identidade territorial, ativos territoriais e Indicação Geográfica passaram a fazer parte das leituras e da compreensão de um grupo multidisciplinar de pesquisadores, atingindo a quase totalidade das universidades catarinenses. A qualidadeediversidadedeenfoquesqueostextoscontêm, demonstram isso, além do interesse do grupo em continuarestudandootemaemoutrasinvestigações. ‐Situarnocontextodotema,questões como a concepção de território, identidade territorial e desenvolvi‐ mento. ‐Tomarconhecimentoesistematizara atual situação, funcionamento, avançosedesafiosdasexperiênciasde especificação de ativos, no sentido de contribuírem para a qualificação de processos de desenvolvimento (local, regional,territorial). Além do exercício da leitura, da escrita e da análise de experiênciasregionaiscatarinenses,mesmoqueemgraus diferenciados, a equipe tomou conhecimento da situação, comsuaspotencialidades,mastambémcomseusdesafios, em relação às experiências de IG brasileiras e internacionais. Essas experiências, algumas visitadas pela equipe,serviramparaaprofundamentodosestudossobre otemanoEstadodeSC. ‐Elaboração de um quadro síntese, demonstrando a situação da(s) experiência(s) de especificação de ativos territoriais catarinense, as potencialidades que se apresentam e suacontribuiçãonodesenvolvimento. Osartigosdasegundapartedolivroatendemaopropósito de elaboração de um quadro síntese sobre as potencialidades de IG no Estado de SC. Além do mapeamento, foram caracterizadas cinco experiências de produtoscompotencialparaoreconhecimentodefuturas IG. Por outro lado, análises oportunizadas pelas visitas realizadas em experiências brasileiras, seja pelos pesquisadores, ou mesmo pelos alunos, quando da realização de suas pesquisas de campo, foram da maior importância. Servirão como reflexões e análises, que poderãoservirdereferênciaparapensarpolíticaspúblicas relacionadasàsIGnoEstadodeSC. ‐Apreender as principais lições que podem ser retiradas das experiências brasileiras já solidificadas de Indicação Geográfica para a realidade catarinense, as quais poderão servir comorecomendaçõesparaaspolíticas públicasestaduais. É importante, ainda, salientar que, além dos estudos realizados por ocasião da presente investigação, outros projetos de pesquisa paralelos, já finalizados ou em processo de execução, como os relacionados na parte inicial deste texto, serviram para aprofundar temas aqui previstos e até avançar na discussão da temática. Neste sentido,umexemploéoprojetodepesquisarecentemente aprovado no CNPq, o qual dará continuidade aos estudos aquiiniciados.FazemosreferênciaaoProjetodePesquisa Signos Distintivos Territoriais e Indicação Geográfica: um estudosobreosdesafioseperspectivascomoalternativade Desenvolvimento Territorial. A proposta de investigação é ousada, pois reúne uma rede de pesquisadores do Brasil, Argentina, Espanha e Portugal, propondo‐se avaliar experiências destes países, por meio de estudos documentais e bibliográficos, realização de reuniões de 12 trabalho com pesquisadores e especialistas, visitação de experiências e entrevistas com atores dos territórios envolvidos. Como questões orientadoras, que ao mesmo tempo servirão como referencial metodológico nos estudos, visitações e entrevistas, foram escolhidas as seguintes: (1) Qual compreensão e o que ocorre na realidade sobre a relação entre Indicação Geográfica e Desenvolvimento Territorial? Meio, fim principal, relação dialógico‐dialética? (2) Qual o papel das estruturas de governança territorial, ou seja, das formas de planejamento e gestão das dinâmicas territoriais, tais como, as que ocorrem em experiências de associativismo territorial no campo da Indicação Geográfica? (3) Os processos de gestão de Indicações Geográficas em que aspectosseassemelhamàconcepçãodegestãoestratégica (ou empresarial), ou de gestão social, ou societária? Que implicaçõespráticasdecorremdisso?(4)Atéquepontoa dinâmica territorial constituída pelo processo de estruturação e gestão da Indicação Geográfica tem se constituído num programa integrado de desenvolvimento territorial, ultrapassando a dimensão de territórios‐zona aos territórios‐rede, rumo a uma nova inteligência territorial? (5) Os recursos e ativos territoriais que compõem o que chamamos de Capital Territorial até que ponto são considerados na definição de uma experiência deIndicaçãoGeográfica?Qualseupotencialparaservirde referência para avaliar as condições necessárias para proporumaexperiênciadeIndicaçãoGeográfica?(6)Qual opapeldopatrimônioculturale dasrelações identitárias para impulsionar a organização dos ativos ou recursos territoriais, que possam resultar em Indicações Geográficas?(7)Quaisosprincipaisdesafiosemrelaçãoàs questões de ordem legal nas experiências de Indicação Geográfica? (8) Qual o papel desempenhado pelas atividades turísticas nas experiências de indicação Geográfica? Fator impulsionador, resultante, complementar, ou ambos? (9) Como é internalizada na prática das experiências de Indicação Geográfica a concepção de sustentabilidade ambiental? Quais os aspectos reais e potenciais e suas implicações? (10) Até que ponto os benefícios oriundos de experiências de Indicação Geográfica são socializados territorialmente? (distribuição dos resultados entre os atores territoriais) (11)Sistematizando,resumidamente,dequenaturezasão osprincipaisdesafiosepotencialidadesdeexperiênciasde Indicação Geográfica? O estudo, no final, resultará em publicação de artigos científicos e de livros, com os resultados da investigação. Com os estudos, pretende‐se contribuirnaqualificaçãodaspolíticaspúblicasbrasileiras voltadas ao apoio de novas e atuais iniciativas de Indicação Geográfica, qualificando o debate acadêmico, socialeinstitucional.Éimportantesalientarquearedede pesquisadores tem um caráter multidisciplinar. A única restriçãoemrelaçãoaoprojetoreferidoéquenecessitade ummaioraportederecursosfinanceirosparaaexecução na sua totalidade, problema que se espera que seja equacionado pela sensibilização dos órgãos estatais financiadores sobre a importância de estudos com essa envergadura. 13 Propor indicativos de políticas públicas para o Estado de Santa Catarina, com vista à utilização dos recursos e ativos com especificidade territorial como apoiadoras das estratégiasdedesenvolvimento(local, regional,territorial). Estepropósito,emboaparte,foiatingido,principalmente, nas análises e indicativos propostos nos textos desta coletânea.Acaracterizaçãoeanálisedeexperiências,seja ajáconsolidada,ocasodoValedaUvaGoethe,oumesmo as que estão em processo de discussão, contemplam indicativosinteressantes. Poroutrolado,partedospesquisadoresestáenvolvidaem atividades acadêmicas (orientação de alunos, ou realizando projetos de pesquisa ou extensão) ou de participaçãocomunitária,assessorandoexperiências(caso da Uva Goethe, Queijo Serrano, Tranças da Terra, Erva mate, Suinocultura do Oeste Catarinense), outros participando de fóruns formais ou oficiais. É o caso de pesquisadoresdaequipedepesquisadopresenteprojeto, que participam da Câmara Setorial de Certificação de Qualidade dos Produtos Agropecuários de Santa Catarina, daSecretariaEstadualdaAgriculturaePescadoEstadode SC, fórum oficial no qual serão discutidas e propostas políticas públicas para certificação territorial, como o exemplo da IG. Como ação concreta, no caso da Câmara Setorial,jáforamapresentados,aconvitedacoordenação, os resultados preliminares do presente projeto de pesquisa, ainda em 2014, além da disponibilização do presente livro aos atores e instituições que compõem a mesma. Fonte:Elaboraçãoprópria Reconhecemos que não é comum esta forma de prestação de contas à sociedade, em relação aos resultados de investigações custeadas com recursospúblicos.Comoequipe,entendemosserindispensável. Por fim, este texto apresenta dois propósitos: primeiro, retomar algumas categorias conceituais que se constituíram no referencial teórico básico da presente investigação; segundo, reafirmar que a Indicação Geográficanãodeveservistacomofime,sim,comoummeionoprocessode desenvolvimentoterritorial. Uma categoria conceitual que precisa ser lembrada é ativos e recursos territoriais. Ativos são fatores em atividades, enquanto os recursos são fatoresarevelar,adesenvolver,ouaindaaorganizar,comopotenciaisreais. Tomemos como exemplo a existência de um tipo especial de solo, num determinado território. Enquanto não aproveitado na sua totalidade, permanece como recurso; na medida em que sua utilização é plena, aproveitando suas potencialidades na produção de cereais, ou outros possíveisusos,passaaserumativo. Os recursos e ativos podem ser materiais ou imateriais. Materiais são ativos ou recursos que uma determinada região ou território possuem, possíveis de utilização e aproveitamento, tais como: matérias‐primas vegetais e animais; rochas, solo e minérios; instalações, equipamentos e máquinas utilizados no processo de produção; bens de consumo e uso; 14 tecnologia empregada na produção, etc. Imateriais, são ativos ou recursos que uma determinada região ou território possuem, não necessariamente possíveisdeseremmanipulados,noentanto,queinterferemnodinamismo socioeconômico e cultural, tais como: saber‐fazer local, ou conhecimento acumulado historicamente; propensão à cooperação, confiança, associativismo, ou outras que contribuem para estimular o dinamismo sociocultural e a agregação de valor material e imaterial local; nível de escolaridade;culturalocal. Ativos ou recursos, sejam eles materiais ou imateriais, podem ser genéricos ou específicos. Ativos e recursos genéricos são totalmente transferíveis e seu valor é um valor de troca, estipulado no mercado via o sistema de preços. Em geral, também são classificados como commodities. Exemplos de ativos genéricos: matérias‐primas exploradas, equipamentos emuso,conhecimentoscodificados;tecnologiageralutilizadanaprodução, forçadetrabalhonãoqualificada,conhecimento,fatoresestesemutilização noprocessodeprodução.Jáosativoserecursosespecíficos,possibilitamum usoparticulareseuvalorconstitui‐seemfunçãodascondiçõesdeseuusoe apresentam um custo de transferência que pode ser alto e irrecuperável. Exemplosdeativosespecíficos:matérias‐primaslocaisraras, emutilização ou passíveis de exploração e uso; força de trabalho qualificada; conhecimentos e tecnologias raras ou inovadoras possíveis de serem utilizadas na produção; conhecimentos acumulados que tenham 3 especificidadelocal;ambienteinstitucionalfavorável . Tomando como exemplo a produção de queijo num determinado território, ele será genérico quando o mesmo não tenha qualquer diferenciaçãodoqueéproduzidoemoutroslugares.Noentanto,namedida emqueomesmotenhaumdiferencial,resultantedosaberfazer,dacultura oudatradiçãolocal,elepassaaserespecífico. O conjunto dos ativos e recursos genéricos e específicos, materiais e imateriais,constituemoquepodemoschamardecapitalterritorial,definido em documento da LEADER (2009) como o conjunto dos elementos de que dispõe o território ao nível material e imaterial e que podem construir vantagens ou desvantagens, dependendo de sua qualificação. O capital territorial remete para aquilo que constitui a riqueza do território (atividades,paisagens,patrimônio,saber‐fazer,etc.),naperspectiva,nãode um inventário contabilístico, mas da procura das especificidades que possamservalorizadas. O debate sobre o tema Indicação Geográfica exige que se tenha um entendimento aprofundado sobre a diferença entre ativos e recursos materiais e imateriais, pois os processos de certificação de produtos dos 3 A abordagem sobre recursos e ativos é feita com base em Benko e Pecqueur (2001). 15 territóriosestarãosemprefocadosnosquetêmumcaráterdeespecificidade territorial,ouseja,osespecíficos.Damesmaforma,paraoreconhecimento deexperiênciasdeIGéindispensávelconsideraroconjuntodosfatoresque constituem o capital territorial, abrangendo as dimensões do capital produtivo, natural, humano, intelectual, cultural, social e institucional, na perspectivadeumprojetointegradodedesenvolvimentoterritorial. Sobre as categorias Desenvolvimento e Governança Territorial já fizemos referência no início deste texto. Resta uma pergunta para ampliarmos a reflexão: porque o uso da categoria conceitual Desenvolvimento Territorial, ao se fazer referência ao tema Indicação Geográfica? Tanto autores como leitores, por vezes, utilizam as categorias conceituaisDesenvolvimentoRegionaleTerritorial,comosinônimas.Ambas têm um sentido comum: estarem se referindo a processos de mudança continuada, situados histórica e territorialmente, que resultem na dinamização socioeconômica e na melhoria da qualidade de vida de sua população. No entanto, concordamos com Rallet (2007, p. 80), quando afirmaquesetratadeduasnoçõesdistintas: Desenvolvimento regional e desenvolvimento territorial são duas noções distintas. Elas remetem a duas maneiras diferentes de apreender os espaços geográficos na sua relação com o desenvolvimento [...]. O desenvolvimento territorial faz referência a um espaço geográfico que não é dado, mas construído. Construído pela história, por uma cultura e por redes sociais que desenham suas fronteiras. O conteúdo define o recipiente: as fronteiras do territóriosãooslimites(móveis)deredessocioeconômicas.Aliondearedese extingue, termina o território. A iniciativa surge menos de uma instância de planificaçãodoquedeumamobilizaçãodasforçasinternas. ParaJean(2010),oconceitodedesenvolvimentoterritorialrompecom tradições mais antigas sobre desenvolvimento regional, articulando duas noções:territórioedesenvolvimento.Tomandocomoexemplooestudodas regiões rurais, Abramovay (2010) afirma que a noção de território [e, por extensão, desenvolvimento territorial] favorece o avanço em vários aspectos. Primeiro, convida que se abandone um horizonte estritamente setorial,queconsideraaagriculturacomoumúnicosetoreosagricultores como os únicos atores. Segundo, a noção de território impede a confusão entrecrescimentoeconômicoeoprocessodedesenvolvimento,noçõesque sãodistintas.Terceiro,oestudoempíricodosatoresedesuasorganizações torna‐se absolutamente crucial para compreender situações localizadas, tendoacompreensãoqueessesatoresprovêmdeváriossetoreseconômicos e possuem origens políticas e culturais diversificadas. Quarto, o território coloca ênfase na maneira como uma sociedade utiliza os recursos de que dispõeemsuaorganizaçãoprodutivae,portanto,narelaçãoentresistemas sociaiseecológicos. 16 Reforçando essa linha de argumentação, Bonal, Cazella e Maluf (2008) reafirmam a multifuncionalidade da agricultura contemporânea e sua relaçãodiretacomodesenvolvimentoterritorial. AargumentaçãodeAmbramovay(2010)éreforçada,ainda,poroutros autores,taiscomo,FroehlicheDullius(2011,p.226): A dimensão territorial do desenvolvimento enfatiza o estudo das redes, convenções e instituições que permitem ações cooperativas capazes de enriquecerotecidosocialdeumadeterminadaregião.Essaabordagemsupõe adinamizaçãodeáreascontradizendoasteoriasquerelegamaomundorural umpapelsecundárionodesenvolvimentocontemporâneo.Aruralidadedeixa deserumaetapadodesenvolvimentosocialasersuperadacomoavançodo progresso e urbanização, passando a ser um valor para as sociedades contemporâneas. Já Pecqueur (2009) é enfático ao situar os elementos constitutivos da dinâmica territorial nos processos de desenvolvimento contemporâneo. Para o autor, uma economia não situada é impensável. A ancoragem territorial se tornou uma constante da organização econômica do mundo. "Uma economia outra que não a geográfica [ou territorial] tem todas as chances de parecer irreal da perspectiva atual gerada pelos processos de globalização" (PECQUER, 2009, p. 105). Apesar da perspectiva otimista ou indicativa apresentada pelo autor, da importância e indispensabilidade da ancoragemterritorialdasfirmas,emmuitosterritóriosdoschamadospaíses subdesenvolvidos predominam empresas multinacionais que, pelo contrário, podem ser consideradas como "enclaves territoriais" (SANTOS e SILVEIRA,2001),ouseja,direcionamsuaaçãonumaúnicalógica,qualseja de usurpar riquezas dos territórios, sem enraizar‐se ou lhes proporcionar vantagenssignificativas. Masapráticadodesenvolvimentoterritorialtemdesafios.Assimsendo: O desenvolvimento territorial pressupõe também que cada território deva construir,pormeiodeumadinâmicainterna,seuprópriomodeloespecíficode desenvolvimento.Poisomodeloqueobteveêxitonumdadoterritórioe,num dadomomento,podemuitobemfracassaremoutroterritório...Promovercom êxito o desenvolvimento territorial pressupõe um processo de aprendizagem social[...](JEAN,2010,p.74‐75). A acepção atribuída à categoria ancoragem territorial se aproxima ao que outros autores se referem como territorialidade. Albagli (2004, p. 63) ressaltaanecessidadederevalorizaçãodoterritórioedaterritorialidade,a partir de suas diferenças e especificidades socioculturais, políticas e econômicas,afirmandoqueconsiderapossível“fortalecerterritorialidades”, estimulandolaçosdeidentidadeecooperaçãobaseadosnointeressecomum deproteger,valorizarecapitalizaraquiloqueumdadoterritóriotemdeseu 17 – suas especificidades culturais, tipicidades, natureza enquanto recurso e enquanto patrimônio ambiental, práticas produtivas e potencialidades econômicas. No entanto, conclui: “Mas dificilmente será possível construir territorialidadesapartirdoexternosemumabaseprévia,semumadotação inicial de ‘capital socioterritorial’, acumulado e herdado a partir de processoshistóricosdemaislongoprazo”. Sintetizando a abordagem dos autores mencionados ‐ Rallet (2007); Jean(2010);Bonal,CazellaeMaluf(2008);Ambramovay(2010);Froehlich eDullius(2011);Pecqueur(2009);SantoseSilveira(2001);Albagli(2004)‐ ,consideramosnecessáriososseguintesdestaques:(1)émaisadequadose utilizar a acepção de desenvolvimento territorial, por esta ressaltar a dimensão da intersetorialidade, da multifuncionalidade e da ação coletiva territorializadanabuscadesoluçõesparaoterritórioeprojeçõesdofuturo desejado; (2) só teremos produtos que tenham condições de serem reconhecidos com o atributo da Indicação Geográfica, num entorno territorial em que elementos, tais como a territorialidade e a identidade territorial, com suas referidas acepções, estejam presentes de forma significativa; (3) a Indicação Geográfica diz respeito ao reconhecimento de produtoscomancoragemterritorial,produtosenraizadosnoterritório,que resultemdosaberfazercoletivoerepresentemoselementosidentitários,a cultura, as tradições e as técnicas das pessoas que habitam determinado território. Nonossoentendimento,essesindicativosteórico‐práticos,precisamser referências indispensáveis, no debate sobre Indicação Geográfica e sua relaçãocomGovernançaeDesenvolvimentoTerritorial.Desconsideraresses indicativospodeimplicarnoinsucessodeexperiênciasdeIGereduzirseus possíveisimpactosnodesenvolvimentodosterritóriosatingidos. No entanto, é fundamental reconhecer que não se constroem territorialidades, identidades, a partir do externo. Reconhecem‐se as mesmas,desdequehajaumacumuloprévio,herdadoapartirdeprocessos históricosdemaislongoprazo.Talvez,afaltadesseacúmulohistórico,sejaa principal causa que explique o fato de que experiências de Indicação Geográfica já reconhecidas no Brasil não tenham prosperado, permanecendototalouparcialmenteinativas.Essaéumaquestãodamaior importância,oqueexigeinvestigaçõesparaavaliaravalidadedestahipótese e propor avanços que possam superar os desafios que motivam seu insucesso. Portanto, para finalizar este texto introdutório, queremos assumir um posicionamento pessoal, entendendo que, integralmente ou em parte, seja do conjunto dos pesquisadores que participaram da presente investigação, sobre uma questão frequentemente discutida: a Indicação Geográfica deve servistacomofimoumeionoprocessodedesenvolvimentoterritorial? 18 Oquestionamentoéoportuno,pois,mesmoqueatualmenteumnúmero maiordepesquisadoresentendaaIndicaçãoGeográficacomoferramentaou estratégianoprocessodedesenvolvimentoterritorial,épossívelinterpretar ações práticas voltadas ao seu apoio, ainda, como demasiadamente finalísticas.Ressaltamos:aIndicaçãoGeográficanãodeveservistacomofim e, sim, como um meio no processo de desenvolvimento territorial. Essa interpretação não restringe a importância do reconhecimento de produtos comIndicaçãoGeográfica.Taxativamente,reafirmamosqueosprocessosde certificação territorial de produtos, como a Indicação Geográfica, têm maioreschancedeêxitoseestivereminseridosnumapropostaintegradade desenvolvimentoterritorial. Nãoimportaotamanhodorecorteterritorialaqueestejasereferindo, podendoserumapequenalocalidade,umaregiãodefinidacomooexemplo doPlanaltoNorteCatarinense,oumesmorecortesmacrorregionais,comoo exemplo do Território do Contestado, que abrange parte dos estados de SantaCatarinaedoParaná. Para finalizar, um agradecimento especial à FAPESC, pela disponibilização de recursos financeiros que viabilizaram o custeio das atividades de investigação, bem como a impressão do presente livro. Da mesma forma, como coordenador do projeto de pesquisa, agradeço o empenho de todos os colegas pesquisadores das diversas universidades catarinenses,osquaisesperocontarcomoparceirosemoutrosprojetosou atividades.Também,nãosepoderiadeixardeexpressarumagradecimento especial à direção e às coordenações de cursos das universidades participantes,peloapoioedisponibilizaçãodenossostemposacadêmicos,o quepermitiunosenvolvernasatividadesdepesquisa.Obrigadoatodos. OOrganizador REFERÊNCIAS ABRAMOVAY,R.Paraumateoriadosestudosterritoriais.In:VIEIRA,P.F.;CAZELLA,A.; CERDAN, C.; CARRIÈRE. J‐P (Orgs.). Desenvolvimento Territorial Sustentável no Brasil. Subsídios para uma apolítica de fomento. Florianópolis: APED/Secco, p. 27‐47, 2010. ALBAGLI, S. Território e territorialidade. In: LAGES, V.; BRAGA, C.; MORELLI, G. Territórios em movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva.Brasília:SEBRAE,p.23‐69,2004. BENKO,G.;PECQUEUR,B.Osrecursosdeterritórioseosterritóriosderecursos.Geosul, Florianópolis,v.11,n.32,p.31‐50,jul./dez.2001. BONNAL, P.; CAZELLA, A.; MALUF, R. S. Multifuncionalidade da agricultura e desenvolvimento territorial: avanços e desafios para a conjunção de enfoques. Estud. Soc.Agric.,RiodeJaneiro,vol.16,no.2,p.185‐227,2008. 19 DALLABRIDA, V. R. Território e Desenvolvimento Sustentável: Indicação Geográfica da erva‐matedeervaisnativosnoBrasil.InformeGEPEC,Vol.16,N.1,Toledo(PR),p.111‐ 139,2012a. DALLABRIDA,V.R.Davantagemcomparativaàvantagemdiferenciadora:estratégiasde especificação de ativos territoriais como alternativa de desenvolvimento. DesenvolvimentoRegionalemdebate,v.2,n.1,p.104‐136,2012b. DALLABRIDA, V. R. (Org.). Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento Regional: reflexões sobre Indicação Geográfica e novas possibilidades de desenvolvimento com base em ativos com especificidade territorial. 1 ed. São Paulo: LiberArs,2013. DALLABRIDA,V.R.;MARCHESAN,J.DesenvolvimentonaregiãodoContestado:reflexões sobreterritório,identidadeterritorial,recursoseativosterritoriais,IndicaçãoGeográfica e desenvolvimento territorial (sustentável). In: DALLABRIDA, V. R. (Org.). Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento Regional: reflexões sobre Indicação Geográfica e novas possibilidades de desenvolvimento com base em ativos com especificidadeterritorial.1ed.SãoPaulo:LiberArs,p.197‐232,2013. DALLABRIDA,V.R.etal.Governançanosterritórios,ougovernançaterritorial:distância entre concepções teóricas e a prática. 19º Congresso da Associação Portuguesa de DesenvolvimentoRegional(APDR),UniversidadedoMinho(Braga‐Portugal),20e22 dejunhode2013. DALLABRIDA,V.R.(Org.).Desenvolvimento Territorial:Políticaspúblicasbrasileiras, experiências internacionais e a Indicação Geográfica como referência. São Paulo: LiberArs,2014a. DALLABRIDA, V. R. Ativos Territoriais como Estratégia de Desenvolvimento: uma análise focada em experiências brasileiras e portuguesas. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais/UniversidadedeLisboa,2014b(Inédito). DALLABRIDA,V.R.Dodebateteóricosobredesenvolvimentoterritorialaosdesafiosde sua prática: a Indicação Geográfica como referência. In: DALLABRIDA, V. R. (Org.). DesenvolvimentoTerritorial:Políticaspúblicasbrasileiras,experiênciasinternacionais eaIndicaçãoGeográficacomoreferência.SãoPaulo:LiberArs,p.17‐32,2014c. DALLABRIDA, V. R.; FERRÃO, J. Governança Territorial em Arranjos Cooperativos Institucionais e Organizacionais: aportes teórico‐metodológicos e avaliação de experiências brasileiras e portuguesas. XIII Seminário da Red Iberoamericana de InvestigadoressobreGlobalizaciónyTerritorio(RII),Salvador(BA),dias01a04de setembrode2014. DALLABRIDA,V.R.etal.GeraçãodealternativasdedesenvolvimentoemSantaCatarina (Brasil):osdesafiosdaproduçãodissociadadosgrandescomplexosagroindustriais.VIII Congreso Internacional de Geografía de América Latina. Revisando paradigmas, creandoalianzas,Madrid,AGEAL,15‐20deseptiembrede2014a. DALLABRIDA,V.R.etal.IndicaçãoGeográficadaervamatenoTerritóriodoContestado: reflexões e prospecções. Desenvolvimento Regional em debate, v. 4, n. 2, p. 46‐77, 2014b. FROEHLICH, J. M.; DULLIUS, P. R. As experiências de Indicações Geográficas no Brasil meridional e a Agricultura Familiar. In: FROEHLICH, J. M. (Org.). Desenvolvimento Territorial: Produção, Identidade e Consumo. Ijuí (RS): Editora UNIJUI, p. 225‐262, 2012. 20 JEAN, B. Do desenvolvimento Regional ao Desenvolvimento Territorial Sustentável: Rumo a um desenvolvimento territorial solidário para um bom desenvolvimento dos territórios rurais. In: VIEIRA, P. F.; CAZELLA, A.; CERDAN, C.; CARRIÈRE. J‐P (Orgs.). Desenvolvimento Territorial Sustentável no Brasil. Subsídios para uma política de fomento.Florianópolis:APED/Secco,p.49‐76,2010. LEADER. A competitividade dos territórios rurais à escala global: conceber uma estratégia de desenvolvimento territorial à luz da experiência LEADER. v. 5. Bruxelas: ObservatórioRural/LEADER/AEIDL,2001. PECQUEUR,B.Aguinadaterritorialdaeconomiaglobal.Política&Sociedade,n.14,p. 79‐105,abril/2009. RALLET,A.ComentáriosdotextodeOliverCrevoisier.In:MOLLARD,A.etal.Territoires etenjeuxdudéveloppmentrégional.Versailles:Éditions,2007. SANTOS,M.;SILVEIRA,M.L.OBrasil:territórioesociedadenoiníciodoséculoXXI. RiodeJaneiro:Record,2001. 21 CAPÍTULO1 GOVERNANÇANOSTERRITÓRIOS,OU GOVERNANÇATERRITORIAL:DISTÂNCIAENTRE CONCEPÇÕESTEÓRICASEAPRÁTICA1 ValdirRoqueDallabrida‐UnC JairoMarchesan‐UnC AdrianaMarquesRossetto‐UFSC ElianeSaleteFilippim‐UNOESC INTRODUÇÃO Umadasinovaçõesrecentesnosterritórioséautilizaçãodediferentes estruturas de governança territorial. Utiliza‐se o conceito Governança Territorial, apresentado em Dallabrida (2011), para referir‐se ao conjunto de iniciativas ou ações que expressam a capacidade de uma sociedade organizada territorialmente para gerir os assuntos públicos a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais,incluindooEstadonassuasdiferentesinstâncias. Os recortes territoriais podem ser regiões administrativas, regiões metropolitanas,áreasdeabrangênciadecomitêsdebaciashidrográficas,um município ou parte dele, um bairro, ou mesmo a área de abrangência de 2 experiências de Indicação Geográfica (Brasil ). No entanto, o recorte que venhamosaidentificarcomoumterritóriopodeestardemarcadoporlaços de identidade territorial, condição necessária a uma maior participação democráticadoscidadãosnodestinodeseuentornoespacial. Neste artigo pretendemos retomar reflexões teórico‐práticas sobre governança,dandodestaqueàdimensãoterritorial. Apósaintrodução,apresentamososprocedimentosmetodológicosque orientaramotrabalho,para,nasequência,sintetizarodebateteóricosobre território, identidade territorial e governança, destacando as principais abordagens e os desafios da sua prática apontados por autores 1 Artigo com publicação na Revista Grifos da Unochapecó. Numa primeira versão, o texto foi apresentado no 19º Congresso da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional (APDR), na Universidade do Minho (Braga-Portugal), entre 20 e 22 de junho de 2013. 2 Indicação Geográfica aproxima-se em significado ao que se denomina Designação de Origem Protegida em Portugal, ou experiências referidas por categorias conceituais correspondentes, em outros países. 23 contemporâneos.Aanálisedepráticasdegovernançaafazemostendocomo base o processo de descentralização político‐administrativa do estado de Santa Catarina (Brasil) e cinco experiências de Indicação Geográfica (IG) brasileiras.Porfim,fazemosalgumasconsideraçõesfinais. 1.PROCEDIMENTOSMETODOLÓGICOS Esteartigoresultadeestudosrealizadosemdoismomentos:primeiro, 3 emProjetodePesquisarealizadoentre2010e2012 ;osegundo,deestudos 4 de experiências brasileiras de IG, em 2013 . No primeiro, foram realizadas entrevistas com atores de todas as macrorregiões do estado de Santa Catarina, sobre a prática de governança que ocorrem nas SDR. Além disso, foicitada,demaneiraaexemplificar,umapráticadegovernançaqueocorre nos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (CDR) do Estado de Santa Catarina, por meio da consulta a artigos publicados em periódicos que se referiam ao tema e com base em estudos anteriores dos autores. No segundo,foramsistematizadasanálisesresultantesdeobservaçõesquando davisitaçãodeexperiênciasbrasileirasdeIG’S,realizadasdejaneiroamaio de 2013, em entrevistas a atores qualificados, por meio de questões semiestruturadas. Comocategoriasecritériosdeanáliseforamutilizadososseguintes:(1) processodediscussão(canaisdeinclusão,qualidadedainformação,órgãos de acompanhamento); (2) inclusão (abertura dos espaços de decisão, aceitação social e valorização cidadã); (3) pluralismo (participação de diferentes atores); (4) igualdade participativa (formas de escolha dos representantes, valorização das intervenções dos atores envolvidos); (5) autonomia (origem das proposições, perfil da liderança, possibilidade de exercíciodavontadepolíticaindividualecoletiva);(6)bemcomum(alcance 5 dosobjetivoseaprovaçãodosresultadospelosatoresenvolvidos) . 3 Refere-se ao Projeto de Pesquisa GESTÃO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO: Descentralização, Estruturas Subnacionais de Gestão do Desenvolvimento, Capacidades Estatais e Escalas Espaciais da Ação Pública, o qual contou com apoio financeiro da FAPESC e da Universidade do Contestado (UnC). 4 Trata-se de atividades inseridas no Projeto de Pesquisa TERRITÓRIO, IDENTIDADE TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO: a especificação de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, em realização entre 2013 e 2014, com o apoio financeiro da FAPESC, contando na sua equipe com pesquisadores de universidade de todo o Estado de Santa Catarina. 5 Utilizou-se como referência Villela (2012), com adaptações. A aplicação destas categorias e critérios de análise, no processo de investigação realizado em 2013 demonstrou a necessidade de aperfeiçoamento metodológico. 24 2.ODEBATETEÓRICOSOBREGOVERNANÇATERRITORIALE DESENVOLVIMENTO Odebatesobregovernançaterritorialpressupõemnoçõesintrodutórias sobreaconcepçãodeterritório,quesegundoHaesbaert(2007), naCiência Geográficaconsideratrêsvertentesbásicas,sendoelasapolítica,aculturale a econômica. Segundo o autor, a vertente política destaca as relações espaço‐poder e concebe o território como espaço delimitado e controlado, muitas vezes relacionado ao poder político do Estado, e que atualmente, porém,incorporamúltiplospoderes.Avertenteculturalentendeoterritório como produto da apropriação e da valorização simbólica de um grupo em relaçãoaoespaçovivido,aocotidiano.Jáavertenteeconômicaoconsidera comofontederecursosoucomoprodutodadivisãoterritorialdotrabalho. Ainda,paraHaesbaert(1997),oterritórioprecisasercompreendidonuma perspectiva integradora, ou seja, como um domínio politicamente estruturado e também como apropriação simbólica, identitária, inerente a certaclasse social,comoqueaidentidadeterritorialédefinidahistórica e territorialmente. Dallabrida(2011)sintetizaessasvertenteseconcebeoterritóriocomo umafraçãodoespaçohistoricamenteconstruídaatravésdasinter‐relações dos atores sociais, econômicos e institucionais que atuam no âmbito espacial, apropriada a partir de relações de poder sustentadas em motivaçõespolíticas,sociais,ambientais,econômicas,culturaisoureligiosas, emanadas do Estado, de grupos sociais ou corporativos, instituições ou indivíduos.Portanto,talconcepçãoéconsideradanesteestudo. Oestudodasespecificidadesdoterritório,segundoPecqueur(2009,p. 96‐97), exigiria tomar como unidade de análise o território, não o sistema produtivonacional,oqueseconstituiumanovidadeessencialnapercepção dossistemasdeorganizaçãodaeconomia.Oterritório,concebidocomo [...]umespaçopostuladoepré‐delimitado,noqualsedesenvolvemdinâmicas específicas sob a égide das autoridades locais. O território é, também, ou sobretudo, o resultado de um processo de construção e de delimitação efetivadopelosatores. Tais atores locais têm interesses diferenciados, o que torna mais desafiante qualquer intervenção. Em outra obra, Pecqueur (2005) afirma queodesenvolvimentoterritorialconstituiummodelodedesenvolvimento dotadodecaracterísticasbemprecisasquelhesãoprópriasequeseapoiam, essencialmente, na dinâmica de “especificação” dos recursos por um conjuntodeatoresconstituídonum“território”. Assumimos aqui a concepção de desenvolvimento territorial expressa emDallabrida(2011,p.19): 25 O desenvolvimento (local, regional, territorial) pode ser entendido como um processode mudança estruturalempreendidopor umasociedadeorganizada territorialmente, sustentado na potencialização dos recursos e ativos (materiaiseimateriais,genéricoseespecíficos)existentesnolocal,comvistas àdinamizaçãoeconômicaeamelhoriadaqualidadedevidadesuapopulação. Comisso,estamosreafirmandoqueadenominaçãodeterritório,trata‐ sedeumrecorteespacialondeconvivempessoascomidentidadeprópria,e quepodeserumespaçodeconflitoedisputadepoder.Assim,necessitade estruturas de governança para a gestão das demandas coletivas e para o desenvolvimentoterritorial. 6 2.1ODEBATECONTEMPORÂNEOSOBREGOVERNANÇA Recorrendo à literatura internacional, é possível encontrar diferentes concepções sobre governança, pois, como colocado por Romero e Farinós (2011), governança é ainda um conceito polissêmico e ambíguo. Num extremo, estão as que sobrevalorizam o caráter empresarial, como as abordagens que versam sobre governança corporativa; no outro, concepções que se referem a formas de governança democrática, compartilhada entre os diferentes atores sociais, institucionais, governamentaiseempresariais. Entreasconcepçõesdegovernançaencontramosabordagenssobre:(1) Governança Corporativa (COASE, 1967; ANDRADE E ROSSETI, 2004; LORRAIN, 1998); (2) governança, como Nova Gestão Pública (BRESSER PEREIRA e CUNILL, 1999; HOOD, 1991); (3) “Boa Governança” (WORLD BANK, 1992); (4) governança, como Sistemas Sócio‐Cibernéticos (KOOIMAN, 1993; 2003; 2004); (5) governança, como Redes Auto‐ Organizadas, com suas variações teóricas ‐ Governance/Gouvernance/Governança, Governança Moderna, Governança Relacional (RHODES, 1996 E 1997; STOKER, 1998; MAYNTZ, 1998; 2001; ROSENAU e CZEMPIEL, 1992; SORENSEN e TORFING, 2005; KAZANCIGIL, 2002; CZEMPIEL, 2000; HÉRITIER e LEHMKUHL, 2011; WEALE, 2011; MILANI e SOLINÍS, 2002; BLANCO e COMÀ, 2003; GRAÑA, 2005; CHEVALLIER, 2003; KLINK, 2010); (6) Governança Urbana/Metropolitana (LEGALÈS,1995;LEFÈVRE,2009);(7)GovernançaAmbiental(JACOBIetal., 2012); (8) Governança Local/Regional/Territorial (FERRÃO, 2010, 2013; JESSOP, 2002, 2006; FARINÓS, 2008; ROMERO e FARINÓS, 2011; FEIO E CHORINCAS,2009);(9)GovernançaMultinível(RÓTULOeDAMIANI,2010). 6 O debate teórico sobre governança, bem como sobre os desafios apontados adiante, retoma abordagem feita em Dallabrida (2013; 2014). Já em Dallabrida (2014), além de aprofundar o debate teórico, são feitos indicativos metodológicos para a avaliação de práticas de governança territorial. 26 As abordagens sobre governança não se esgotam com as referências destacadas. No entanto, elas são representativas do conjunto de obras e 7 autoresqueabordamotemaatualmente . Sobreaoquesejaagovernança,nosentidogeral,épossívelsintetizar: (1) instrumento para conceber os problemas e as oportunidades em contextosnafronteiraentreosocialeopolítico(KOOIMAN,2004);(2)jogo de interações, enraizadas na confiança e reguladas por regras do jogo negociadas e acordadas pelos participantes da rede (RHODES, 1996); (3) conjunto complexo de instituições e atores, públicos e não‐públicos, que agemnumprocessointerativo(STOKER,1998);(4)umaformadegovernar mais cooperativa, diferente do antigo modelo hierárquico, no qual as autoridades estatais exerciam um poder soberano sobre os grupos e cidadãosqueconstituíamasociedadecivil(MAYNTZ,1998);(5)redesauto‐ organizadasenvolvendoconjuntoscomplexosdeorganizaçõesprovenientes dossetorespúblicoeprivado(ROSENAUeCZEMPIEL,1992);(6)articulação relativamente estável e horizontal de atores interdependentes, mas funcionalmente autônoma (SORENSEN e TORFING, 2005); (7) processo de tomada de decisão relativamente horizontal, como modo de fazer política, envolvendoautoridadesestataiselocais,osetordenegócios,ossindicatos de trabalhadores e os agentes da sociedade civil ‐ ONGs e movimentos populares(KAZANCIGIL,2002);(8)novosmodosdeformulaçãodepolíticas públicas que incluem atores privados e públicos, mas fora do domínio legislativo e que têm como foco áreas setoriais ou funcionais específicas (HÉRITIER e LEHMKUHL, 2011); (9) espaços de prestação de contas ‐ accountability (WEALE, 2011); (10) novo modelo de regulação coletiva, baseadonainteraçãoemrededeatorespúblicos,associativos,mercantise comunitários(BLANCOeCOMÀ,2003);(11)processodetomadadedecisão coletiva, baseado em uma ampla inclusão de atores atingidos, prática fundada não mais na dominação nem na violência legítima, senão na negociação e cooperação com base em certos princípios submetidos ao consenso(GRAÑA,2005). 8 Sobre o que seja governança (local, regional, territorial) , é possível uma síntese: (1) processo de planejamento e gestão de dinâmicas territoriais, numa ótica inovadora, partilhada e colaborativa (FERRÃO, 2010); (2) novas formas de associação do Estado com entidades sindicais, associações empresariais, centros universitários e de investigação, municípioserepresentaçõesdasociedadecivil(JESSOP,2006);(3)relações 7 Alguns autores propõem a introdução do conceito governamentabilidade, como uma concepção que poderia superar insuficiências explicativas da concepção sobre governança territorial – ex. Vigil (2013). 8 Mesmo sendo minoria, alguns autores preferem o uso do termo ‘governação’ ao invés de governança, com o mesmo sentido. Ex. Feio e Chorincas (2009). 27 voluntárias e não‐hierárquicas de associação entre atores públicos, semipúblicos e privados (FERRÃO, 2013); (4) novo modo de gestão e decisão dos assuntos públicos num território (FARINÓS, 2008); (5) modalidade reforçada de bom governo, fundamentada num papel insubstituível do Estado, uma concepção mais sofisticada de democracia e maior protagonismo da sociedade civil (ROMERO e FARINÓS, 2011); (6) capacidade de integrar e adaptar organizações, diferentes grupos e interessesterritoriais(FEIOeCHORINCAS,2009). O termo governança recebe várias adjetivações. Algumas delas apenas indicam o contexto a que se refere o processo de governança: exemplo, governança metropolitana. Outras adjetivações indicam uma forma específica de governança. Por exemplo, governança corporativa. Outras fazemreferênciaàescalaterritorial.Porexemplo,governançalocal/regional ou governança mundial. Outras, ainda, referem‐se a um foco temático. Por exemplo,governançaambiental. Sobre os propósitos da governança no seu sentido geral, é possível assim sintetizar: (1) a busca de propósitos comuns ao conjunto de atores que interagem num determinado meio (KOOIMAN, 1993), (2) e pelo qual definem‐se formas de regulação deste meio (RHODES, 1996); (3) desempenhar um papel mais amplo do que o de governo (ROSENAU e CZEMPIEL, 1992); (4) a interação social com o fim de produzir propósitos públicos(SORENSENeTORFING,2005);(5)fazercoisassemacompetência legal para ordenar que elas sejam feitas (CZEMPIEL, 2000); (6) envolvimento da multiplicidade de autores em processos de regulação (MILANI e SOLINÍS, 2002); (7) gestão cooperativa para a superação de conflitosdeinteresses(Chevallier,2003). Sobre os propósitos da governança (local, regional, territorial), é possível assim sintetizar: (1) orientar e promover o desenvolvimento dos recursos locais (JESSOP, 2006); (2) estabelecer voluntariamente relações horizontais de cooperação e parceria (FERRÃO, 2013); (3) acordar uma visão compartilhada para o futuro do território entre todos os níveis e atoresenvolvidos(FARINÓS,2008);assegurararepresentaçãodediferentes gruposeinteressesterritoriaisfaceaatoresexternoseodesenvolvimento de estratégias (unificadas e unificadoras) em relação ao mercado e ao Estado(FEIOeCHORINCAS,2009). Associamo‐nos a autores, por exemplo, Dallabrida (2013), que reivindicam uma adjetivação substantiva para o termo governança, o qual inclui a dimensão de recorte territorial, como um processo protagonizado por uma sociedade situada histórica e geograficamente, por meio de relações estabelecidas entre os diferentes atores territoriais (sociais, políticos e corporativos), na perspectiva de debater, pactuar decisões e deliberartemasdeinteressecoletivo. 28 2.2.1DESAFIOSAPONTADOSNALITERATURASOBREAPRÁTICADA GOVERNANÇA Recorrendo à literatura aqui mencionada, é possível listar alguns desafiosàpráticadagovernança:(1)necessidadedeavançarnacapacidade paraafrontarnovastemáticasesatisfazernovasexpectativase,emtermos de legitimidade, o aprofundamento democrático numa linha mais cidadã e participativa (BLANCO e COMÀ, 2003); (2) necessidade de contemplar um adequado equilíbrio entre esfera pública, mercado e sociedade civil (ROMERO e FARINÓS, 2011); (3) necessidade de reforçar a prática da democracia, pois, sem isso, processos de governança efetiva são inviáveis (ROMERO e FARINÓS, 2011); (4) necessidade de empoderamento da sociedade e uma reinterpretação de sua função (ROMERO e FARINÓS, 2011); (5) necessidade de obtenção de mecanismos de cooperação/coordenação horizontal e vertical entre (a) vários níveis de governo (governação multinível, relações verticais), (b) políticas setoriais com impacto territorial e (c) organizações governamentais, organizações nãogovernamentaisecidadãos(FEIOeCHORINCAS,2009);(6)necessidade demelhoraraancoragemdemocráticanospolíticoseleitos,combasenuma cidadaniaterritorialmentedefinidaeumacondutademocrática,envolvendo as diferentes formas de organização da sociedade para melhorar o desempenhodemocrático deredesde governança(SORENSENeTORFING, 2005);(7)necessidadedeintegrarpolíticasdeordenamentodoterritórioe governança (FERRÃO, 2013) e (8) necessidade de conceitualmente, governança superar seu caráter de imprecisão, polissemia e ambiguidade (ROMEROeFARINÓS,2011). As observações e análises realizadas recentemente no Brasil em experiências intraestaduais de descentralização político‐administrativa, sobretudo no estado de Santa Catariana (Brasil) e em experiências de IGS, confirmam ao menos parte dos desafios apontados pela literatura consultada.Taisanálisesserãoreferenciadasposteriormente. 3.PRÁTICASDEGOVERNANÇAEMEXPERIÊNCIASBRASILEIRASDEGESTÃODE TERRITÓRIOS O desenvolvimento incorpora a prerrogativa da existência de protagonistas que, numa ação integrada, tracem e executem planejamento capazdepromovê‐lo.Nocasobrasileiro,apartirdaConstituiçãode1988,o planejamento para o desenvolvimento, antes ditado tradicionalmente pelo governocentral,passouaobservarcompetênciaseatribuiçõeslegadasaos municípios e regiões (Art. 30). O novo marco constitucional tirou do setor público federal o monopólio na condução dos assuntos relacionados ao desenvolvimento (PETERS, 2003). Além disso, reconhece a relevância de 29 outros atores e a pertinência de propostas formuladas a partir do espaço local e da escala regional, demandando articulações e parcerias para a construçãodeterritórios(BENKOeLIPIETZ,1994;PAIVA,2004),oqueviria aatenderasprerrogativasconceituaisdegovernançaterritorial. Essenovocenárioeasdemandasporumaorganizaçãomaiseficazdos (e nos) territórios frente aos desafios do desenvolvimento motivam novas práticas de governança, como as encontradas nas unidades federativas do Brasil, particularmente no estado de Santa Catarina. Outras experiências, taiscomoasdeIG,pelofatodearticularemprodutoresrurais,empresários ou artesãos, são organizadas por associações e por Conselho Regulador. Tanto as associações como o conselho podem ser consideradas estruturas degovernançaterritorial. Adiante, caracterizaremos uma experiência subnacional de descentralizaçãopolítico‐administrativaeexperiênciasdeIG,nasequência, fazendoanálisessobreapráticadagovernançaterritorialnasmesmas. 3.1AEXPERIÊNCIASUBNACIONALDEDESCENTRALIZAÇÃOPOLÍTICO‐ ADMINISTRATIVANOESTADODESANTACATARIANA(BRASIL) Estudosefetuadossobreaexperiênciacatarinensededescentralização político‐administrativaporFilippimeRossetto(2008),sintetizadosaseguir, evidenciaram a forte relação entre os resultados obtidos no processo e os aspectosdagovernançaterritorial. No estado de Santa Catarina, intensificou‐se, a partir de 1990, um movimento por maior participação de diferentes atores nos processos de desenvolvimento, chegando a um conjunto de iniciativas cujo objetivo tem sido a articulação entre a sociedade civil e o poder público. Entre as iniciativasdeformaçãoderedesinterorganizacionaispelodesenvolvimento, três alcançaram destaque, quais sejam: as Associações de Municípios, os Fóruns de Desenvolvimento Regional e as Secretarias de Desenvolvimento Regional,comseusrespectivosconselhos. As Associações de municípios são entidades que congregam municipalidadesdeacordocomcritériosdevizinhança,segundointeresses políticoscomuns.Asfinalidadesessenciaisdessasassociaçõessãoarticular osmunicípiosassociados emumfórumpermanentededebatesacercadas questõescomunseprestar‐lhesserviçosdenaturezatécnicaespecializada, para busca de soluções concertadas aos problemas que dificilmente os municípiosconseguiriamfazerfrentedemaneiraisolada. Além das associações dos municípios, outra iniciativa no sentido de articulaçãodeesforçosparaaimplantaçãodepolíticasdedesenvolvimento territorialfoiacriação,emSantaCatarina,dosFórunsdeDesenvolvimento Regional em 1998. Estes surgiram em um contexto motivado pelas limitações do governo central no debate sobre desenvolvimento, pelo 30 resgate da cidadania e pela necessidade do envolvimento de diferentes atores na definição e implementação de políticas públicas. Surgidos da iniciativadasociedadecivil,essesfóruns,propostoscomoespaçodediálogo entreinstituiçõespúblicaseprivadas,representativasdeclasse,segmentos organizados da sociedade, universidades e instituições financeiras, tinham comopropósitoaqualificaçãodoprocessodedesenvolvimentodasdiversas regiõescatarinenses. Asatividadesdessesfórunsregionaisgeraramanecessidadedecriação deummecanismoqueproporcionassesuporteoperacionalparaaexecução das ações demandadas. Para tanto, criou‐se uma estrutura de governança entre as instituições atuantes no território, denominada Agência de Desenvolvimento Regional (ADR). Essas agências foram inspiradas nas ADRs europeias e buscavam ser uma plataforma técnico‐institucional de caráter operativo, que identificaria os problemas de desenvolvimento setorial ou regional, selecionando as oportunidades para intervenção e levantamento de recursos necessários ao desenvolvimento no âmbito do território. Alémdasassociaçõesdos municípios,dosfórunsedasagências, outra formadearticulaçãoregionalfoiconduzidaeimplantadanoestadodeSanta Catarinaporiniciativadogovernodoestado:acriaçãode29SDR,pelaLei Complementarn.243,de30dejaneirode2003.AsSDRforamcriadascomo objetivo de representar o governo do estado no âmbito de cada região, articular as ações governamentais, promovendo a descentralização e a integração regional dos diversos setores da administração pública, bem como a coordenação das ações de desenvolvimento no território de sua abrangência. Em 2005, com a Lei Complementar n. 284 as SDR foram ampliadaspara30SDRepormeiodaLeiComplementarn.381,em2007,o númerodeSDRfoielevadoa36. OprocessodedescentralizaçãodogovernoestadualdeSantaCatarina gerou, ainda, a criação dos Conselhos de Desenvolvimento Regional, que intencionavam, na sua criação, ser instância de governança para o desenvolvimento regional. Congregando atores públicos e privados que atuam no território das SDR, a composição do CDR ficou assim disposta: prefeitos, presidentes dos legislativos municipais e dois representantes da sociedadecivildecadamunicípiodaregiãodeabrangênciadasSDR. 3.2ASEXPERIÊNCIASDEINDICAÇÃOGEOGRÁFICABRASILEIRAS Na concepção de território e de desenvolvimento territorial de Dallabrida (2011), utilizadas neste estudo, ressalta‐se a importância dos recursos e ativos materiais e imateriais específicos, num processo de mudança de uma sociedade organizada territorialmente, remetendo ao debatesobreIGeaquestãodagovernança. 31 NoBrasilacertificaçãodeprodutoscomespecificidadeterritorialéfeita via uma IG. Essa consiste em dois estágios: a Indicação de Procedência e a DenominaçãodeOrigem.AIndicaçãodeProcedênciafazreferênciaaonome geográficodeumpaís,cidade,regiãoouterritórioquesetornouconhecido como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto ouprestaçãodeserviço.JáaDenominaçãodeOrigeméonomegeográfico de um país, cidade, região ou território, que designe produto ou serviço cujasqualidadesoucaracterísticassedevamexclusivaouessencialmenteao meio geográfico específico, incluídos fatores naturais e humanos. Assim, a diferençasingularentreasformasdeIGestá associadaàscaracterísticas e peculiaridadesfísicasehumanaspotencializadaspeloterritórioquepossam designar uma Denominação de Origem, enquanto que para a Indicação de Procedência é suficiente a vinculação do produto ou serviço a um espaço 9 geográfico,independentedesuascaracterísticasequalidadesintrínsecas . Por exigência da legislação brasileira, os produtores rurais, artesãos e empresários envolvidos nas experiências de IGs organizam‐se em associações.Alémdisso,háoutrainstânciadegestãoquesãoosConselhos Reguladores. Nas associações são debatidas questões mais afins às normatizações, estratégias relacionadas à produção, ao mercado e relacionadas à organização coletiva. Já o Conselho Gestor é o órgão responsável pela gestão, manutenção e preservação da IG regulamentada, tendo como atribuições gerais de orientar e controlar a produção, elaboração e a qualidade dos produtos amparados pela certificação. Em geral os associados em IGs reúnem‐se com frequência semanal ou mensal para discutir suas dificuldades, situações de produção, distribuição e negócios. 3.3ANÁLISESSOBREPRÁTICASDEGOVERNANÇATERRITORIALNOBRASIL Tomaremos como unidades de análise empírica a experiência de descentralização político‐administrativa do estado de Santa Catariana (Brasil)ecincoexperiênciasbrasileirasdeIG. 3.3.1LIMITAÇÕESQUANTOAOPROCESSODEGOVERNANÇANAEXPERIÊNCIA CATARINENSEDEARTICULAÇÃOREGIONALPELODESENVOLVIMENTO AstrêsformasdearticulaçãopelodesenvolvimentopresentesemSanta Catarina─associaçõesdemunicípios,fóruns/agênciaseSDR─coexisteme, porvezes,entrechocam‐se,jáquetêmobjetivosmuitosimilareseatuamem 9 Conf. Lei 9.279, de 14/05/1996 e Resolução Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) 75/2000. A referida Lei regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, incluindo o registro de produtos ou serviços com especificidade territorial. 32 um mesmo território. Observa‐se nessas experiências um fenômeno muito apontadopelaliteratura,odafragmentaçãodepolíticaspúblicaseaatuação de diferentes atores e esquemas de gestão em uma mesma realidade, não raro gerando o desperdício de recursos já escassos e a baixa concentração deesforçosemtornodeumobjetivocomum.EmboraaimplantaçãodasSDR tenha sido motivada, segundo seus protagonistas, por uma maior aproximação do governo estadual com as demandas regionais, essas secretarias ainda estão longe de se constituir em instância de governança territorialintensivaeefetivaemparticipaçãocivilnadeliberaçãodosrumos dodesenvolvimento. Estudos realizados por Filippim e Abrucio (2010) observaram que a demarcaçãodasSDRnãolevouemcontanemademarcaçãodasAssociações de Municípios (em número de 21) nem a estrutura de governança pré‐ existentedosFórunsdeDesenvolvimentoRegional.Observa‐se,assim,nesse campo empírico, os problemas de (falta de) governança apontados pela literatura:afaltadecoordenação,abaixaparticipaçãopopularnatomadade decisão e a sobreposição de estruturas e de políticas públicas para o desenvolvimentonummesmoterritório. O Conselho de Desenvolvimento Regional, órgão responsável pela definição dos projetos de desenvolvimento regionais na estratégia de descentralização em vigor em Santa Catarina, vê‐se, por vezes, sem a perspectivadeefetivaçãodosprojetosporeleencaminhados,umavezque há discrepância entre os pleitos apresentados pelo CDR de cada região e aqueles efetivamente aprovados pelo governo do estado por meio da Secretaria Central. Nesse sentido, esta estrutura de governança territorial, concebidaeimplantadapelogovernodoestado,estimulaqueas36regiões administrativas (SDR) nos seus Conselhos (CDR) tomem a decisão sobre quais projetos de desenvolvimento são prioritários. Contudo, no momento deexecutá‐los,adecisãoporqualexecutarounãoacabasendodaSecretaria Central. Ou seja, embora os CDR contem com a presença de membros da sociedadecivilorganizada,aindanãosãointensivosemparticipaçãosocial, uma vez que os agentes públicos (especialmente agentes políticos) ainda constituemomaiorgrupo. A composição social dos CDR comporta pessoas originárias de diferentes áreas do conhecimento, níveis de escolaridade e atividades sociais, econômicas e políticas, configurando‐se em arena de disputa dos diferentes interesses regionais. As pessoas indicadas (visto que não há eleição) para comporem os CDR têm por objetivo, conforme consta no regimentointernodosCDR,deliberar coletivamente,dar aconselhamentos, orientaçõeseformulaçõesdenormasediretrizesgeraisparaaexecuçãode programaseprojetosvoltadosparaodesenvolvimentoregional.Entretanto, essesconselhosnãopossuemautonomiaparaogerenciamentodosrecursos públicosdestinadosàregião. 33 Da mesma forma que os CDR, as SDR propostas como estruturas de descentralização político‐administrativa têm cumprido muito mais o papel de desconcentrar as atividades administrativas e burocráticas do governo estadual do que se configurado em estruturas de governança territorial capazdecooperardemocraticamenteparaodesenvolvimentoregional. 3.3.2LIMITAÇÕESQUANTOAOPROCESSODEGOVERNANÇANAS 10 EXPERIÊNCIASDEINDICAÇÃOGEOGRÁFICA As análises sobre as limitações do processo de governança nas experiências de IGS ainda são preliminares, visto que o processo de investigação ainda não está concluso. Por isso, neste momento, evitaremos mencionar o nome das mesmas. Tratam‐se muito mais de percepções iniciais, colhidas por meio de entrevistas semiestruturadas, que ainda merecemumaanálisemaisapurada. Nasentrevistasrealizadasfoipossívelobservaraspectoscríticosquanto à governança nas experiências de IGs, tais como: (1) confunde‐se a função das associações, atribuindo‐se pouca importância às mesmas, pelo fato de não conseguirem aportar recursos financeiros para a manutenção das atividadesdeproduçãoe/ouindustrialização,esquecendoqueseucaráteré representativo e não financeiro; (2) existe dificuldade em articular os associadosdeIGs,pelofatode,muitasvezes,tratar‐sedepessoascombaixa formação social e acadêmica; (3) nas associações as decisões, com raras exceções, são tomadas pela direção; tal procedimento tem dupla origem: a baixa participação de associados nas reuniões ou comportamentos de liderançaconcentradoradepartedadireção;(4)existeodescumprimento, de forma eventual, de regras de controle de qualidade por parte de alguns associados, o que faz com que produtos possam estar fora do padrão estabelecido; (5) existem problemas administrativos na direção das associações;(6)frequentementeocorremdisputasinternasporliderançae domínio de mercado; (7) existe dependência demasiada da iniciativa abnegada de alguns poucos associados, geralmente da direção, o que fragilizaoprocessodegovernança;(8),ocorremconflitos,entreadimensão representativaecomercialdasassociações,algunsdefendendoqueépreciso ser criada uma empresa comercial porque só a associação não impulsiona suficientementeàsIGs;(9)algunsprodutoresaindanãoentenderamcomoo selo pode ajudá‐los e não reconhecem devidamente o papel da associação; 10AlemdoprocessodeinvestigaçãoobjetodoProjetodePesquisaantesmencionado,essas análises foram aprofundadas em estudos de pós‐doutorado, realizados durante o segundo semestre de 2013 noInstitutode Ciências Sociais da Universidade de Lisboa,por um dos autores deste artigo (Valdir), contemplando estudos comparados com experiências europeias. 34 (10)existedemoraemestruturarIGsealgunsprodutoresdesistemantesde conseguiremoselo,demonstrandodesconfiançaeminiciativasqueexigem associativismo e parceria; (11) a política partidária, nos processos de governança gera muito conflito, sendo que a mesma influencia muito no processo associativo; (12) ocorrem problemas de inadequações na legislação que rege as IGs, dificultando o seu funcionamento; (13) a existência de marcas próprias entre os associados dificulta a articulação maisqualificadadosmesmos,alémdeinduziraformasvariadasdeacesso ao mercado; (14) dificuldade em abandonar o individualismo e pensar coletivamente. Atéomomentooestudoconfirmoudiscussãoencontradanaliteratura dequeaconsolidaçãodasIGsesbarranasquestõesdegovernançaedeseus processos de articulação no território. Em livro recente publicado por OrtegaeJeziorny(2011,p.149),dedicadoaestudaraexperiênciadeIGdo Vale dos Vinhedos (Serra Gaúcha‐RS), os autores concluem que as IGs e o território “[...] formam uma espécie de simbiose, pois não existe IG sem o território, ao passo em que o próprio território pode se desenvolver por meio da construção de uma IG”. Para tais autores, o território pressupõe interação social, além de ser fonte de conhecimento, “[...] de geração e difusãodeinovação”(p.113). CONSIDERAÇÕESFINAIS Odesenvolvimentoterritorialpressupõeumprocessodemelhoriadas condições de vida da população a partir de mudança estrutural empreendida por uma sociedade organizada territorialmente sustentada pelosrecursoseativosexistentesnolocal(Dallabrida,2011).Esseprocesso pressupõe governança territorial e, embora ainda seja um termo cuja construção conceitual encontra‐se em debate, se constitui, ainda referendando a concepção do mesmo autor, no conjunto de iniciativas ou ações que expressam a capacidade dessa sociedade para gerir os assuntos públicosapartirdoenvolvimentocoletivoecooperativodosatoressociais, econômicos e institucionais, incluindo o Estado nas suas diferentes instâncias. A reflexão aqui colocada tem como intuito avançar na tentativa de reduzir a polissemia e ambiguidade do termo governança territorial, consolidandoseuconceitoe,sobretudo,identificandosuacontribuiçãopara o desenvolvimento dos territórios, sem deixar de referir‐se aos seus desafios. Estes, aqui abordados, confirmam indicativos apontados por estudos, os quais destacam o problema da governança como o principal fator que inviabiliza as iniciativas de articulação para o desenvolvimento dosterritórios,comovistonasduasexperiênciasapresentadas. 35 Considerando que a prática de governança territorial, como demonstrado nas experiências e como é reconhecido pelos próprios envolvidos,aindatemdesafiosaenfrentar,entendemosqueumaassociação ou outro tipo de entidade/instituição gestora do processo, precisa, dentre outras condições, de lideranças e um conselho regulador atuante, do envolvimento do poder público assessorando e/ou custeando despesas de manutençãonecessárias,alémdeinstituiçõespúblicasousemipúblicasque contribuam na coordenação e articulação dos atores. Portanto, tais condições são fundamentais para a qualificação dos processos de governança territorial. Por outro lado, a mobilização da população é imprescindívelnesseprocesso. A governança territorial, apesar dos propósitos inseridos em sua concepção teórica, enfrenta desafios na sua prática originados pelo desacordo de muitas ações dos atores envolvidos no processo, tanto os públicosquantodasociedadecivil.Urgemedidasparasuperá‐los,pois,caso contrário, algumas experiências de associativismo territorial tendem a se inviabilizar ou conduzidas ao descrédito. Em outros estudos pretendemos voltaraotema,aprofundando‐oeapontandopossíveisalternativas. REFERÊNCIAS ANDRADE, R. Governança corporativa ‐ fundamentos, desenvolvimento e tendências.AtlasSãoPaulo,2004. BENKO, G.; LIPIETZ, A. As Regiões Ganhadoras: distritos e redes, os novos paradigmasdageografiaeconômica.CeltaEditora,Oeiras(PT),1994. BLANCO,I.;COMÀ,R.“Lacrisisdelmodelodegobiernotradicional.Reflexionesentorno de la governance participativa y de proximidad”. Gestión y Política Pública, primer semestre,Año/Vol.12,n.01,México,p.5‐42,2003. BRESSERPEREIRA,L.C.;CUNILLGrau,N.(Org.).Opúbliconãoestatalnareformado Estado.FundaçãoGetulioVargas,RiodeJaneiro,1999. CHEVALLIER, J. L’État post‐moderne. Maison des Sciences de l’Homme. LGDJ, Paris, 2003. COASE,R.H..TheNatureoftheFirm.In:WILLIAMSON,O;WINTER,S.(eds.).TheNature oftheFirm.OxfordUniversity,NewYork/Oxford,p.18‐33,1991. CZEMPIEL, E. Governança e Democratização. In: ROSENAU, J. N.; CZEMPIEL, E. (Orgs.), GovernançasemGoverno:Ordemetransformaçãonapolíticamundial.Traduçãode SérgioBath,EditoradaUniversidadedeBrasília‐ImprensaOficialdoEstadodeSãoPaulo, Brasília‐SãoPaulo,p.335‐362,2000. DALLABRIDA,V.R.GovernançaouGovernançaTerritorial?Umaaproximaçãoaoestado da arte, desafios da sua prática e um propósito de substantivação. VII Encontro NacionaldePesquisadoresemGestãoSocial.Belém,Pará,27a29demaio/2013. DALLABRIDA,V.R.GovernançaTerritorialeDesenvolvimento:umaintroduçãoaotema. In: Dallabrida, V. R. (Org.). Governança Territorial e Desenvolvimento: 36 Descentralização Político‐Administrativa, Estruturas Subnacionais de Gestão do Desenvolvimento e Capacidades Estatais. Editora Garamond, Rio de Janeiro, p. 15‐38, 2011. DALLABRIDA,V.R.Governançaterritorial:dodebateteóricoàavaliaçãodasuaprática. InstitutodeCiênciasSociais/UniversidadedeLisboa,2014(Inédito). FARINÓS,J.Gobernanzaterritorialparaeldesarrollosostenible:estadodelacuestióny agenda.BoletíndelaA.G.E.,n.46,p.11‐32,2008. FEIO, P. A.; CHORINCAS, J. Governação territorial e inovação das políticas públicas. ProspectivaePlaneamento,n.16,p.137‐157,2009. FERRÃO, J. Governança e Ordenamento do Território. Reflexões para uma governança territorial eficiente, justa e democrática. Prospectiva e Planeamento. Vol. 17, p. 129‐ 139,2010. FERRÃO, J. Governança, Governo e Ordenamento do Território em Contextos Metropolitanos. In: FERREIRA, Á.; RUA, J.; MARAFON, G. J.; SILVA, A. C. P (Orgs.). MetropolizaçãodoEspaço:GestãoTerritorialeRelaçõesUrbano‐Rurais.RiodeJaneiro: EditoraConsequência,p.255‐281,2013. FILIPPIM, E. S.; ABRUCIO, F. Quando descentralizar é concentrar poder: o papel do governo estadual na experiência catarinense. Revista de Administração Contemporânea.v.14,p.212‐228,2010. FILIPPIM, E. S.; ROSSETTO, A. M. Políticas Públicas, Federalismo e Redes de ArticulaçãoparaoDesenvolvimento.1ed.Joaçaba:EditoraUNOESC,2008. GRAÑA, F. Globalización, Gobernanza y Estado Mínimo: Pocas luces, muchas sombras. Polis,RevistadelaUniversidadBolivariana.Ano/vol.4,Número012,2005. HAESBAERT, R. Des‐territorialização e identidade: A rede “gaúcha” no nordeste. Rio deJaneiro:EDUFF,1997. HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade.3.ed.RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2007. HÉRITIER,A.;LEHMKUHL,D.Newmodesofgovernanceanddemocraticaccountability. GovernmentandOpposition,Vol.46,Nº1,p.126‐144,2011. HOOD. C. A public management for all seasons? Public Administration, 69, p. 3‐19, 1991. JACOBI,P.R.;GÜNTHER.W.M.R.;GIATTI,L.L.(2012).Agenda21eGovernança.Estudos Avançados,26(74),p.331‐339,2012. JESSOP,B.¿NarrandoelfuturodelaEconomíaNacionalyelEstadoNacional?:Puntosa considerar acerca del replanteo de la regulación y la re‐invención de la gobernancia. TraduzidoporMaríaDeliaBertuzzi.Doc.aportesadm.públicagest.Estatal,n.7,p.7‐ 44,2002. JESSOP, B. Liberalism, neoliberalism, and urban governance: a state‐theoretical perspective.Antipode,34(3),p.452‐472,2002. KAZANCIGIL, A. A regulação social e a governança democrática da mundialização. In: MILANI, A.; ARTURI, C.; SOLINÍS, G. (Orgs.). Democracia e Governança Mundial: que regulações para o Século XXI? Porto Alegre: Editora Universidade/UFRGS/UNESCO, p. 47‐62,2002. 37 KLINK, J. J. (Org.). Governança das metrópoles: conceitos, experiências e perspectivas.1.ed.v.1.SãoPaulo:Annablume,2010. KOOIMAN, J. (Ed.). Modern Governance: Government‐Society Interactions. Londres: Sage,1993. KOOIMAN,J.Gobernarengobernanza.RevistaInstitucionesyDesarrollo,n.16,p.171‐ 194,2004. KOOIMAN,J.Governingasgovernance.Londres:Sage,2003. LE GALÈS, P. Du gouvernement des villes à la gouvernance urbaine: vers des villes acteursemEurope.Revuefrançaisedesciencepolitique,vol.45,n.1,p.57‐95,1995. LEFÈVRE,C.Gouvernerlesmétropoles.Paris:LGDJ‐Dexia,2009. LORRAIN,D.Administer,gouverner,réguler.AnnalesdelaRechercheUrbaine,n°80‐ 81,p.85‐92,1998. MAYNTZ,R.ElEstadoylasociedadcivilenlagobernanzamoderna.RevistadelCLAD‐ ReformayDemocracia,n.21,Oct,Caracas,p.1‐8,2001. MAYNTZ, R. New Challenges to Governance Theory. Jean Monet Chair Papers, N. 50, Florence,EuropeanUniversityInstitute,1998. MILANI, A.; SOLINÍS, G. Repensar a democracia na governança mundial: algumas pistas paraofuturo.In:MILANI,A.;ARTURI,C.;SOLINÍS,G.(Orgs.).DemocraciaeGovenança Mundial: que regulações para o Século XXI?. Porto Alegre: Editora Universidade/UFRGS/UNESCO,p.266‐291,2002. ORTEGA,A.C.;JEZIORNY,D.L.VinhoeTerritório.AexperiênciadoValedosVinhedos. Campinas:Alínea,2011. PAIVA, C. A. Como identificar e mobilizar o potencial de desenvolvimento endógeno de umaregião?DocumentosFEE,n.59,PortoAlegre,p.5‐139,2004. PECQUEUR,B.Aguinadaterritorialdaeconomiaglobal.Política&Sociedade,n.14,p. 79‐105,2009. PECQUEUR, B. O desenvolvimento territorial: uma nova abordagem dos processos de desenvolvimentoparaaseconomiasdosul.Raízes,Florianópolis,v.24,n.1‐2,p.10‐22, 2005. PETERS, B. G. La Capacidad para Gobernar: retrocediendo hacia el centro. Revista del CLAD.ReformayDemocracia,n.27,CLAD,Caracas,p.1‐15,2003. RHODES, R. A. W. The New Governance: Governing without Government. Political Studies,XLIV,p.652‐667,1996. RHODES, R. A. W. Understanding Governance. Buckingham: Open University Press, 1997. ROMERO, J.; FARINÓS, J. Redescubriendo la gobernanza más allá del buen gobierno. Democraciacomobase,desarrolloterritorialcomoresultado.BoletíndelaA.G.E.,n.56, p.295‐319,2011. ROSENAU, J. N.; CZEMPIEL, E. (Orgs.). Governança sem Governo – ordem e transformação na política mundial. (Tradução de Sérgio Bath). Brasília‐São Paulo: EditoradaUniversidadedeBrasília‐ImprensaOficialdoEstadoSãoPaulo,1992. RÓTULO,D.ElcasodelaintegraciónfronterizaUruguayBrasil:dimensionesanalíticase hipótesis de trabajo preliminares. Documento de Investigación n. 61, Facultad de AdministraciónyCienciasSocialesUniversidadORT,Uruguay,2010. 38 SORENSEN, E., TORFING, J. The Democratic Anchorage of Governance Networks. Scandinavian Political Studies/Nordic Political Science Association, Vol. 28, n.3, p. 195‐218,2005. STOKER,G.Governanceastheory:fiveprepositions.Oxford:UNESCO,1998. VIGIL,J.A.Gobernanzaygubernamentalidad:elpoderenlaconstruccióndelosespacios regionales.Elcasoargentino.DRd‐DesenvolvimentoRegionalemdebate,v.3,n.1,p. 52‐78,2013. VILLELA, L. E. Escopo Metodológico. In: TENÓRIO, F. G. (Org.). Cidadania e desenvolvimentoLocal:critériosdeanálise.v.1.RiodeJaneiro:EditoraFGV,p.19‐46, 2012. WEALE, A. New modes of governance, Political accountability and public reason. GovernmentandOpposition,vol.46,n.1,p.58–80,1992. WORLDBANK.GovernanceandDevelopment.Washington:TheWorldBank,1992. 39 CAPÍTULO2 AINDICAÇÃOGEOGRÁFICADEPRODUTOS:UM ESTUDOSOBRESUACONTRIBUIÇÃOECONÔMICA NODESENVOLVIMENTOTERRITORIAL1 GiovaneJoséMaiorki‐UnC ValdirRoqueDallabrida–UnC INTRODUÇÃO A Indicação Geográfica (IG) refere‐se a uma qualidade atribuída a um produtoorigináriodeumterritóriocujascaracterísticassãoinerentesasua origem geográfica. Representa uma qualidade relacionada ao meio natural ou a fatores humanos que lhes atribuem notoriedade e especificidade territorial. OregistrodeprodutoscomIGnoBrasiléfeitopeloInstitutoNacional da Propriedade Industrial (INPI), e que vem crescendo nos últimos cinco anos. Os fatores para que um produto adquira certa notoriedade estão relacionadoscomolocaldeprodução,emfunçãodosolo,doclima,daforma deprodução ecolheita,oucomoutrascaracterísticasquelheconfiramum diferencial.Essaespecificidadetendeacontribuircomaagregaçãodevalor a esses produtos, o que pode gerar maior retorno financeiro aos atores envolvidos,compossíveisimpactosnodesenvolvimentoterritorial. Nessesentido,eminvestigaçãoqueresultounopresenteartigo,buscou‐ se responder a seguinte questão: qual a contribuição econômica da IndicaçãoGeográficadeprodutosnodesenvolvimentoterritorial?Partiu‐se da hipótese de trabalho de que, se os produtos que possuem Indicação Geográfica são capazes de gerar um incremento no preço de venda e com isso contribuir para a agregação de renda, a Indicação Geográfica pode contribuireconomicamentecomodesenvolvimentodeumterritório2. O estudo realizado teve como campo de observação duas experiências deIGdosetorvinícoladosuldoBrasil.Trata‐sedeumapesquisaaindade 1 O presente artigo tem publicação na Revista Interações (Campo Grande), Vol. 16, N. 1, jan/jun /2015. Está integrado aos estudos do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, o qual contou com o apoio financeiro da FAPESC. 2 Este artigo sintetiza estudos realizados na Dissertação no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional, na Universidade do Contestado (Santa Catarina - Brasil), sendo o primeiro e o último autor, respectivamente, mestrando e orientador. 41 caráterexploratório,sustentadanoestudodedoiscasos,atravésdevisitas deobservaçãoeentrevistascomatoresenvolvidos.Complementarmente,a consultaàbibliografiarecentetambémserviudereferência. Estudos dessa natureza tornam‐se necessários, visto que no Brasil o debatesobreprodutoscomIGérecenteemrelaçãoaospaísesdaEuropae Ásia,tendoseusprimeirosregistrosocorridoshápoucomaisdedezanos.A iniciativadoestudofoiumpontopositivo,poistrouxealgumasevidênciase apontoudiferentesdesafios,osquais,porconseguinte,équeexigirãonovos estudos. Além desta introdução, o texto foi estruturado em cinco partes: (1) retrospecto histórico sobre Indicação Geográfica; (2) aspectos teóricos e conceituais dos temas relacionados ao objeto da pesquisa; (3) questões de ordemmetodológicaecaracterizaçãodoobjetodeestudo;(4)resultadosda pesquisa quanto à percepção dos entrevistados; (5) última parte, com considerações finais sobre possíveis impactos de uma IG no desenvolvimentodeumterritório,levando‐seemconsideraçãoadimensão econômica,combasenasduasexperiênciasestudadas. 1.INDICAÇÕESGEOGRÁFICAS:RETROSPECTOHISTÓRICOE CONTEXTUALIZAÇÃO Mundialmente a Indicação Geográfica, segundo Kakuta et al. (2006), ocorre desde a era Romana e na antiga Grécia (século 4 A.C). Na primeira, pela produção de vinhos e na segunda pelos mármores de Carrara, como uma forma de proteger os produtos e atribuir punição aos que descumprissem as normas. Para Pimentel (2013), ao utilizar o sistema de propriedade intelectual as nações buscam por meio deste o crescimento e desenvolvimento, através de recursos que podem ser explorados como ativoseconômicos. Segundo Gontijo (2005), foi o acordo de Paris um importante marco regulatório. Mundialmente, no ano de 1994, foi instituído o marco legal, quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) reconheceu o conceito de Indicação Geográfica, no acordo Trade‐Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS). O Acordo TRIPS, segundo Ferreira et al. (2013, p. 128): "Tratava de questões ligadas ao comércio de bens cujo diferencial competitivo pudesse estar protegido por mecanismos de propriedade intelectualequefoisubscritoportodosospaísesquedesejavampertencerà OMC,incluindooBrasil,contandoatualmentecom157países". Na Europa, segundo Sacco dos Anjos et al. (2013), é através do regulamentoCE2081/92quesãoapresentadososdoistiposdecertificação. AprimeirareferenteàDenominaçãodeOrigemProtegida(DOP)easegunda àIndicaçãoGeográficaProtegida(IGP).JáoregulamentoCE2082/92trata 42 da certificação de características específicas ou especialidades tradicionais garantidas,sendoqueessascontemplamapenasprodutosagroalimentares. Para tais autores, há diferenças entre as experiências de IG europeias e as brasileiras.Enquantonospaíseseuropeusincluem‐seapenasalimentos,no Brasil a certificação inclui vários produtos, como alimentos, calçados, mármoreseatéserviços. MasháoutrasdiferençasentreoBrasileaEuropaemrelaçãoàsIGs.A primeiraestánofatodeexistirumaaprovaçãotransitóriae,somenteapós esta,pelaComissãoEuropeiadeAgriculturaeDesenvolvimento,obtém‐seo registro definitivo. No Brasil, ocorre em caráter definitivo peloINPI, sem a necessidadedecertificaçãoprévia,sendoumprocessoúnico.ParaSaccodos Anjosetal.(2013),asegundaéaexistênciadasempresasdosetorprivado ou as autoridades públicas, que são entidades certificadoras de cada país EuropeuresponsáveisporfiscalizarocumprimentodoCadernodeNormas. Elas são igualmente subordinadas aos regimes de controle e fiscalização, o quenãoexistenomodelobrasileiro. OBrasil,mesmosendopaíssignatáriodaConvençãodaUniãodeParis (CUP) desde 1883, somente após o acordo de Madrid, em 1975, passou a repreenderasfalsasindicaçõesdeprocedência(FERREIRAetal.,2013).No ano1967,épromulgadooCódigodePropriedadeIndustrial(CPI)brasileiro, comoqualsepassaareconhecereaprotegeraproduçãonacionalcontraa falsificaçãodosprodutosedaprocedênciadosmesmos. Atualmente, no Brasil, a Lei nº 9279 de 14 de maio de 1996 é que regulamenta os direitos e obrigações sobre propriedade intelectual. A Indicação Geográfica está disciplinada no Título IV, nos Art. 176 a 182. O parágrafo único do Art. 182 estabelece que o órgão responsável pela concessãoeregistrodasIndicaçõesGeográficaséoINPI. 1.1AINDICAÇÃOGEOGRÁFICA(IG)NOBRASIL AIndicaçãoGeográficaconstituiumprocesso,comoopróprionomediz, de identificar um produto ou serviço de determinado território. É um procedimento similar ao registro civil de uma pessoa, que lhe garante direitoscivisestabelecidospelaconstituição. A identificação de produtos e serviços com Indicação Geográfica também garante a esses direitos civis. Ferreira et al. (2013) caracteriza IG comoumdireitoexclusivoligadoàpropriedadeindustrial,comnatureza e usocoletivoevinculadoaumaregiãoespecífica. Outros autores também conceituam Indicação Geográfica. Para Gollo e Castro(2006)éumprodutoorigináriodoterritóriocujascaracterísticassão atribuídas à origem geográfica. Já Pimentel (2013) define como uma propriedadeintelectualdotipoindustrial,coletivaeexclusivaaprodutores 43 de determinado local. Dentre os principais objetivos da Indicação Geográfica, segundo o autor, está o desenvolvimento econômico do territóriopormeiodevinculaçãodoproduto,suaqualidadeeespecificidade emrelaçãoaoterritórioondeesteéproduzido. BoechateAlves(2011)evidenciamaimportânciadaIGnavalorização do patrimônio cultural edo turismo, o que, segundo eles, pode trazer uma maior abertura de mercado, a padronização dos produtos e o estímulo ao agroturismo. Para Kakuta et al. (2006), os benefícios do uso da Indicação Geográfica são a proteção ao patrimônio, o desenvolvimento rural, a promoção e facilidades de exportação e o desenvolvimento. O registro no INPIéconsiderado,demodogeral,comoopontodechegada, masdeveria servistocomopontodepartidaparafomentarnovasaliançasentreturismo, serviços e demais setores. Nesse sentido, entende‐se que a certificação de uma IG deve ter início com a intenção de transformar um recurso em um ativo com especificidade territorial. Para tanto, é necessária a mobilização depessoasparaformarumaassociaçãooucooperativae,assim,obteroato declaratóriodeIG. NoBrasil,asexperiênciasdeIGpodemserregistradascomoIndicação deProcedênciaouDenominaçãodeOrigem. 1.1.1INDICAÇÃODEPROCEDÊNCIA A definição de Indicação de Procedência (IP) está prevista no Art. 177 daLeinº9.279/1996.AIPserefereaolocal,oterritórioondefoiproduzido, sem que este esteja relacionado especificamente com fatores de diferenciação em relação à qualidade do produto com outros similares. O seu diferencial é o modo de produção e o aspecto cultural que o fazem reconhecido como de qualidade diferenciada em relação aos demais. Essa diferenciaçãopodegerarumvalordevendamaior. De acordo com o INPI, na data de 25 de janeiro de 2014, no Brasil existiam 30 registros de Indicação de Procedências, todas nacionais. O estadodeMinasGeraisaparececom7registros,oRioGrandedoSul,com6 eoestadodoEspíritoSanto,com3indicações.AsdemaisexperiênciasdeIG são de outros estados brasileiros que possuem apenas uma Indicação de Procedência. 1.1.2DENOMINAÇÃODEORIGEM ORegistrodeDenominaçãodeOrigem(DO)estáprevistanoArt.178da Leinº9.279/1996.ADOestárelacionadocomcomponentesfísico‐químicos encontrados nos produtos, que devido às condições geográficas (solo e clima)nãopoderãoserencontradasemoutrasregiões,ouseja,aDOindica 44 queoprodutosomentepodeserencontradoemdeterminadaregião,oque lheconfereumapersonalíssimacaracterística. DeacordocomoINPI(2014),emmaiode2014,noBrasilexistiam16 registrosdeDenominaçãodeOrigem,dasquais8eramnacionais. 2.INDICAÇÃOGEOGRÁFICA:CONCEPÇÕESTEÓRICASQUEFUNDAMENTAMO TEMA Dentre as concepções teóricas que fundamentam a discussão sobre o tema Indicação Geográfica, algumas são fundamentais: a concepção de território,identidadeedesenvolvimentoterritorial. 2.1TERRITÓRIOESUARELAÇÃOCOMAINDICAÇÃOGEOGRÁFICA Etimologicamente,territóriovemdolatimterritorium,pedaçodeterra apropriado,quetransmiteaideiadepoder,identidadeedomínio. Para Santos (1996, p. 51): “A configuração territorial é dada pelo conjunto formado pelos sistemas naturais existentes em um dado país ou numa dada área e pelos acréscimos que os homens superpuseram a esses sistemasnaturais”.Emoutraobra,Santos(2007,p.13),defineterritório:“O lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homemplenamenteserealizaapartirdasmanifestaçõesdasuaexistência”. NaconcepçãodeSaqueteSilva(2008,p.17):“Oterritóriocorresponde aoscomplexosnaturaiseàsconstruções/obrasfeitaspelohomem:estradas, plantações,fábricas,casas,cidades.Oterritórioéconstruídohistoricamente, cadavezmais,comonegaçãodanaturezanatural”.JáParaPollice(2010,p. 8): “Em síntese, o território pode ser entendido como aquela porção do espaçogeográficonaqualumadeterminadacomunidadesereconheceese relacionanoseuagirindividualoucoletivo[...]”.Souza(2001,p.111)assim conceituaterritório:“[...]todoespaçodefinidoedelimitadoporeapartirde relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma ganguedejovensatéoblococonstituídopelospaísesmembrosdaOTAN”. Na concepção de Haesbaert (2004, p. 79), “[...] o território pode ser conhecidoapartirdaimbricaçãodemúltiplasrelaçõesdepoder,dopoder maismaterialdasrelaçõeseconômico‐políticasaopodermaissimbólicodas relaçõesdeordemmaisestritamentecultural”.Emrelaçãoàformadepoder, para Haesbaert (2010), deve‐se entender que não está se referindo a um podermaterial,masosefeitosdesse. Para Haesbaert (2007), o território também possui uma forte ligação com a natureza e com os recursos nela existentes, configurando assim, juntamentecomohomem,oscostumeseahistória,umdoselementospara aformaçãodeumterritório. 45 Sobre a definição de território, assume‐se aqui uma conceituação referenciadaemDallabridaeFernández(2008,p.40).Paraessesautoreso territórioéentendidocomo: Uma fração do espaço historicamente construída através das inter‐relações dos atores sociais, econômicos e institucionais que atuam neste âmbito espacial,apropriadaapartirderelaçõesdepodersustentadasemmotivações políticas,sociais,ambientais,econômicas,culturaisoureligiosas,emanadasdo Estado,degrupossociaisoucorporativos,instituiçõesouindivíduos. A relação entre Indicação Geográfica e território é apresentada por Jeziorny (2009, p. 148): “Concluímos que as indicações geográficas e o território formam uma espécie de simbiose, pois não existe indicação geográfica sem o território, ao passo em que o próprio território pode se desenvolverpormeiodaconstruçãodeumaindicaçãogeográfica”. Considerando as definições sobre território, de forma especial o argumento que esse se forma por uma relação de poder (SOUZA, 2011), e que não existe Indicação Geográfica sem território (JEZIORNY, 2009), fica implícito que a Indicação Geográfica é um processo de demarcação de um território, pois a declaração expedida pelo INPI define quais pessoas e em quelocaispodemsebeneficiardacertificaçãodeprodutosoraproduzidos. 2.2IDENTIDADEEDESENVOLVIMENTOTERRITORIAL Definido território como espaço delimitado pelas relações de poder, a identidade territorial é a expressão cultural e do estoque de fatores endógenosqueidentificamesseterritório.Aidentidadeterritorial,chamada por Pollice (2010) de identidade geográfica, é aquela que nasce da consciênciacoletivadaspessoasquehabitamdeterminadoterritório.Assim, somentesepodeterumaidentidadeterritorialougeográficaquandoadvém do desejo das pessoas de serem reconhecidas como atores desse processo deidentificação.Quandoaidentidadeterritorialsedápeloaspectonegativo de representação, essa identificação é feita por fontes externas, como, por exemplo, pessoas que moram em regiões próximas à chamada “Cracolândia”, em São Paulo. Os indivíduos que moram nessas regiões jamaissesentirãocomopessoasquemoramnoterritórioda“Cracolândia”. Por outro lado, quando a identificação é benéfica ou reforça o estoque cultural e os fatores endógenos do lugar, essa recebe contornos de notoriedade,como,porexemplo,oterritóriodoValedosVinhedosnoestado doRioGrandedoSul. Assume‐se uma concepção de desenvolvimento territorial pautada em Dallabrida (2014): processo de mudança continuada, situado histórica e territorialmente, mas integrado em dinâmicas intraterritoriais, supraterritoriaiseglobais,sustentadonapotenciaçãodosrecursoseativos 46 (materiais e imateriais, genéricos e específicos) existentes no local, com vistasàdinamizaçãosocioeconômicaeàmelhoriadaqualidadedevidada suapopulação. Por fim, Pollice (2010) estabelece uma relação entre identidade e desenvolvimentoterritorial,conformesintetizadonoQuadro1. Quadro1‐Relaçõesentreidentidadeterritorialedesenvolvimento Indicador Relação Identidadeevalores sociais Aidentidadeterritorialtendeareforçaropodernormativodosvalores éticosecomportamentaislocalmentecompartilhados.Sobreoplano socioeconômicoapresençadessesvalorese,sobretudo,oentrecruzamento deles,consenteemmelhoraronívelderelaçãoprodutivaecomercial, favorecendoamanifestaçãodaquelasformasdecolaboraçãocompetitiva queconstituemofundamentodaseconomiasdistritais. Identidadee transferênciado saber Manifesta‐seum“apegoafetivo”aosaberlocalmentedeterminadoeuma propensãomaisfortequeemoutrolugarparaaatualizaçãodesse patrimôniocognitivo. Identidadeesentido depertença Talvezessesejaoexemplomaisemblemáticodainteraçãovirtuosaentre identidadeterritorialedesenvolvimentolocal.Osentidodepertença constitui,defato,ocimentodosistemaeconômico‐territorialeimpeleos atoreslocaisapreferir,tambémnapresençadealgumasdeseconomias, conterrelaçõestransacionaisecolaborativasnointeriordoâmbitolocal. Identidadee autorreprodução Melhoraronívelderelaçãoprodutivaecomercial,favorecendoa manifestaçãodaquelasformasdecolaboraçãocompetitivaqueconstituemo fundamentodaseconomiasdistritais. Identidadeepolítica Arelaçãoentreidentidadeepolíticaémuitoforte,tendeacrescer,no âmbitodaarenapolítica,oníveldeconvergênciasobreostemaseo desenvolvimentodeatoreslocaisadequando‐osàsexigênciasdoterritório eevitandoqueresultenumadesorganizaçãodosequilíbrioslocais. Identidadee valorizaçãodos recursosterritoriais Odesenvolvimentoendógenosesubstancianacapacidadedacomunidade localde“colocaremvalor”oterritórioe,emparticular,aquelesrecursos nãolocalizáveisque,alémdeconstituirelementodediferenciação,podem tornar‐se,emtermosprojetivos,certospluscompetitivosemtornodos quaissepodeconstruiraestratégiadedesenvolvimentolocal. Identidadee sustentabilidade Ossentimentosidentitáriosdeterminamemnívellocalumapegoafetivo aosvalorespaisagísticoseculturaisdoterritórioquetende,porsuavez,a traduzir‐senaadoçãodecomportamentosindividuaisecoletivosvoltadosà tutelaeàvalorizaçãodaquelesvalores.Apresençadeumaforteidentidade territorialfavoreceamaturaçãodemodelosdedesenvolvimento sustentável,enquantoestesefundasobreavalorização,especificidadedos lugares;valorizaçãoqueétantomaiseficazquantomaioréoenvolvimento ativodacomunidadelocal.Alémdisso,a“sustentabilidade”dosprocessos emescalalocalnãoéumobjetivomensurávelsomenteemtermos ambientais,mastambémemtermoseconômicoseculturais. Fonte:AdaptadodePollice(2010p.18‐20) Considerandoasfortesrelaçõesentreanoçãodeterritório,identidadee desenvolvimento territorial com o que se espera das experiências de IG, é oportunoremeterestedebateàaveriguaçãodasuaprática. 47 3.QUESTÕESDEORDEMMETODOLÓGICAECARACTERIZAÇÃODOOBJETODE ESTUDO ParainvestigaraspossíveiscontribuiçõeseconômicasdeumaIndicação Geográfica de produtos no desenvolvimento territorial, foram estudadas duasexperiênciasdeIGdosetorvinícola,aAsprovinho,localizadanoestado do Rio Grande do Sul, e a Progoethe, localizada ao sul do estado de Santa Catarina. Inicialmente foram realizados estudos bibliográficos sobre a Indicação Geográfica e demais temas conexos. Para a coleta de dados e informações sobre os dois casos, foram realizadas pesquisas documentais nos arquivos das associações, além de entrevistas com associados e dirigentes das duas associações que detêm o ato declaratório do INPI. Foi aplicado um questionário semiestruturado, ficando de fora apenas três associados de umadasexperiênciaspornãoestarempresentesquandodavisitaaosdois territóriosestudados,duranteosmesesdejulhode2013. Nasequência,sãocaracterizadasasduasexperiênciasobjetodeestudo. 3.1TERRITÓRIODOVALEDAUVAGOETHE A Indicação Geográfica da Uva Goethe está inserida na região sul do estado de Santa Catarina. De acordo com os dados do INPI, o Vale da Uva Goethe, está localizado entre as encostas da Serra Geral e o litoral sul catarinensenasBaciasdoRioUrussangaeRioTubarão.Segundodadosda Progoethe,oslimitesnosvalesformadospelassub‐baciasdosriosAmérica, Caeté, Cocal, Carvão e Maior, que são afluentes do rio Urussanga e o vale principal desse mesmo rio, acrescidas das sub‐bacias dos rios Lajeado, Molha, Armazém e Azambuja que fazem parte da bacia do rio Tubarão. A delimitação da área geográfica são os municípios de Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova VenezaeIçaranoEstadodeSantaCatarina,conformeafigura1. AfundaçãodaAssociaçãodosProdutoresdaUvaedoVinhoGoetheda Região de Urussanga (Progoethe) ocorreu em 05 de setembro de 2007. DentreascaracterísticasdovinhodaUvaGoethe,bemcomoosfatoresque contribuíramparaquefossepossívelreceberoselodeIndicaçãoGeográfica, destaca‐se,alémdasparticularidadestécnicasdoproduto,oaspectoligadoà imigraçãoitaliananoséculoXIX,queconsolidoujuntoaoINPIaidentidade dos"ValesdaUvaGoethe"comoumterritórioúnicodirecionadoàprodução dos vinhos Goethe. Essa foi a primeira Indicação Geográfica do estado de Santa Catarina, sendo considerado o único território a produzir tal variedade de uva em escala comercial, no mundo. A uva Goethe não é considerada uma uva fina ou uva vinífera. Classifica‐se como uma uva americana. Seu conjunto é composto de uvas menos sofisticadas e, dessa 48 forma, o preço de venda do vinho produzido com elas é inferior ao dos vinhosfinos.Porém,possuiumpúblicoconsumidorespecífico. Figura1–MunicípiospertencentesàáreadelimitadadosValesdaUvaGoethe Fonte:Silvaetal.(2011apudVIEIRA,WATABABEeBRUCH2012,p.336)(adaptado) 3.2TERRITÓRIODOVINHODEPINTOBANDEIRA A Indicação Geográfica do Vinho de Pinto Bandeira, originalmente, estava localizada no município de Bento Gonçalves, além de 9% em Farroupilha,noestadodoRioGrandedoSul.Noiníciode2013,oDistritode Pinto Bandeira emancipou‐se de Bento Gonçalves, sendo que, a partir de então, a maior parte da IG se localiza neste novo município, conforme a Figura2. O município de Pinto Bandeira possui as vinícolas que fazem parte da IG,alémdesedestacarnaproduçãodepêssego.Trata‐sedeummunicípio essencialmenteagrícolaecompotencialparaoturismoruralouecoturismo. No setor vinícola, além da tradição na produção de vinhos de regiões de altitude, a região detentora da IG destaca‐se na industrialização de espumantesdequalidade. AAssociaçãodosProdutoresdeVinhosdePintoBandeira(Asprovinho) foi criada em 29 de junho de 2001 e, segundo seus estatutos, tem com o objetivo proteger a natureza, a cultura local, os produtores de vinho e, sobretudo, preservar a qualidade e afirmar a identidade dos vinhos e espumantes produzidos no local. Os vinhos produzidos no território que detémoselodeIPsãodenominados“VinhosPintoBandeira”.Ocontrolede 49 qualidade é realizado pela Asprovinho, a qual contempla desde o cadastramento dos vinhedos e vinícolas, análises químicas, degustação e selodecontrole. Figura2–LimitesdaregiãodelimitadadaIGPintoBandeira Fonte:SitedaAsprovinho(2013,Adaptado) 4.RESULTADOSDAINVESTIGAÇÃO Paraesteestudo,aavaliaçãodasexperiênciasdeIGemreferência,além de todo arcabouço teórico, contou com a análise de informações documentais. Neste artigo, fazemos um recorte, considerando a percepção que os associados e dirigentes têm sobre a IG, a partir da análise do conteúdodasentrevistas,conformeasíntesequeconstanosQuadros2e3. Àesquerdadosquadrosestãoosaspectosfocadospelasperguntasdas entrevistas,tendo,àdireita,umasíntesedasrespostas. Quadro02–Síntesedasobservaçõeseanálisesdasentrevistascomassociados Aspecto Principaisobservaçõesouanálisespermitidaspela investigação Oscustosdeprodução apósadeclaraçãode IG ParaasvinícolasqueestavamproduzindoforadoCadernode Normas,houveocustodeadequação,alémdofatodeseobter umaconversãomenordelitrosdevinhoporkgdeuva,paraobter umamelhorqualidade. Preçodevendaapósa IG Foipossívelperceberumaelevaçãodopreçodevenda, principalmenteemUrussanga. AutilizaçãodoMark‐ upparaafixaçãodo preçodevenda EmPintoBandeira,alémdoscustosdeprodução,impostoseo lucro,quecompõemoMark‐up,sãoaliadosaosfatoresde mercado,nocasoapercepçãodequalidadecomparadaaoutros produtos,principalmenteaosimportados.Emrelaçãoaovinho 50 Goethe,alémdadefiniçãodopreçopeloMark‐up,éobservadoo valordemercado. Participaçãodos produtoscomIGem relaçãoàprodução total Identificou‐seumapequenaparceladaproduçãocomselodeIGe emalgunscasosnenhumprodutocomselo. Impactodoprojetode IndicaçãoGeográfica NoterritóriodaProgoethe,constatou‐seumaexpectativade retornofinanceirocomaagregaçãodevaloraosprodutosea padronizaçãodaqualidade.NoterritóriodePintoBandeira,o principalargumentoéavisibilidade,aforçadoconjuntoeo objetivodeobterumaDO. Odiferencialparaos produtoscomIG Paragrandepartedosassociados,omaiorproblemaestáno aspectodoconsumidorbrasileiroterpoucainformaçãosobreo quesignificaumselodeIGecomosãocontroladososprodutos quereceberãoesseselo. Aimportânciado turismonaIndicação Geográfica Oturismoétidocomoumpontodeextremarelevânciaparao sucessodaIG,umaestratégiademarketingedivulgaçãodos produtos.Épeloturistaqueosprodutossãolevadosaoutros centrosconsumidores,queseinteressampeloprodutoepela região,indicando‐osaoutraspessoas. Aimportânciadas Associações Naopiniãodosprodutores,ficaevidentequefoipelauniãode esforçosemumaassociaçãoqueoprocessodaobtençãodaIGse consolidou. AIGeo desenvolvimentode umterritório ApesquisapermitiuconcluirquesóaestruturaçãodaIGnão conseguedesenvolveroterritório,dependedeoutrosfatores associados,comdestaqueparaoturismocomoformade divulgaçãodoproduto.Odesenvolvimentoécomplexoenecessita deumconjuntodeaçõesporpartedasociedadeedopoder públiconabuscadevetoresdedesenvolvimentoecertamentea IGéumdessesvetores,nãooúnico. Omercadoparao ramodavinicultura Emgeral,existeumexcedentedeuvanomercado.Essefazcom queopreçopagoaoprodutorsejabaixo.Paraasvinícolas,o maiorproblemasãoosvinhosimportadoscomtributação diferenciada.AsubstituiçãotributáriadoICMStambémgeraum desequilíbriodecaixa,poisoimpostoserárecolhidoporocasião davenda. Fonte:Dadosdapesquisa(2013) No Quadro 3 está uma síntese das entrevistas com os dirigentes das associações. Quadro03–Observaçõeseanálisesdasentrevistascomdirigentesdasassociações Aspecto Principaisobservaçõesouanálisespermitidaspela investigação AIGeo desenvolvimentode umterritório Aopiniãodetodoséunânime,queaIGé,sim,uma alternativaparaodesenvolvimentodoterritório, contribuindoparaaagregaçãodevaloràcadeia produtivaeaocomérciolocal,masqueaIGsozinhanãoé capazdedesenvolverumterritório,dependedeoutros 51 fatoresedeveestaraliadaaoturismo,poiscomporáa cestadeserviçosoferecidosaoturista. Asestratégiasde marketingdas Associaçõespara divulgaraIG Asassociaçõesvêmparticipandodeeventosefeiras, firmandoparceriascomorganizaçõesdeformaa demonstraroqueéumaIndicaçãoGeográfica. Oturismodaregião comofatorde divulgaçãodos produtoscom certificaçãodeIG Aimportânciadoturismonoprocessodedivulgaçãode umaIGtambémévozcorrenteentreasassociaçõesenão apenasumaopiniãodosvinicultores. Interessedeoutras pessoasemfazer partedaassociação apósadeclaraçãode IG Houveinteressedeoutrosempreendimentos, principalmenteosligadosaoturismo,oquedemonstra deformaclaraqueaIGéumaalternativaparao desenvolvimentoterritorialeparaocrescimentodo comérciolocal. Açõesparamotivar osassociadosa buscaracertificação deIG AvisibilidadedoprodutoeosbenefíciosdeumaIGforam osprincipaisaspectosutilizadospelasassociações. Registrosquantoao volumedeprodução dosassociados Atualmenteocontrolesobreaproduçãoeosbenefícios geradoséreduzido,poishaveráapenasocontrolesobre ovolumedeproduçãocomselodeIG. Perspectivasde exportaçãodos produtoscomIG Nãoexisteprevisão,enavisãodaAsprovinhoofator limitadoréacargatributáriadoproduto,queotorna muitocaronomercadointernacional. Fonte:Dadosdapesquisa(2013) Os dois quadros resumem as principais percepções dos entrevistados quanto à interrogação que originou a presente investigação. Para finalizar, são feitas algumas considerações finais, sintetizando as principais análises permitidaspeloestudorealizado. 5.CONSIDERAÇÕESFINAIS O objetivo desta pesquisa foi analisar a contribuição econômica da Indicação Geográfica de produtos no desenvolvimento territorial, pela realização de estudos bibliográficos e documentais, a visitação às experiênciaserealizaçãodeentrevistas. A dimensão econômica foi tratada no universo do desenvolvimento territorial,umavezqueaIndicaçãoGeográficarepresentaadelimitaçãode um espaço territorial com especificidade. Assim, a IG se constitui, segundo as normas brasileiras, em um ato declaratório que, de acordo com sua tipologia, será uma Indicação de Procedência ou uma Denominação de Origem. 52 A IG no Brasil está em um processo de expansão e ao mesmo tempo estruturação, pois muitas delas estão se constituindo no decorrer dos últimos cinco anos. Nos dois territórios estudados, foram encontradas situações diversas, pois uma das experiências já está comercializando os produtos e a outra iniciará em 2014 a comercialização da primeira safra. Nesse contexto, os aspectos econômicos precisaram ser analisados não apenaspeloganhoemescaladeprodução,mastambémpelasexpectativas depossíveisimpactoseconômicosnodesenvolvimentoterritorial. Aoanalisarovolumedeprodução,verificou‐sequeosprodutoscomIG apresentamvalorespoucorepresentativosemrelaçãoaototaldasreceitas. A pouca relevância entre o volume de produção com certificação de IG em relaçãoaototalproduzido,nãochegaaserumarestriçãoàimportânciada IG, mas, sim, uma questão de mercado, pois nas regiões pesquisadas os produtoscomIGsãovinhosbrancoseespumantes,aopassoqueomercado consome mais vinhos tintos. Assim, verifica‐se que os produtos com IG compõem o mix de produtos da vinícola, onde existem produtos de menor valor e com maior volume de vendas e produtos diferenciados com valor maior,nocasoosprodutoscomIG.Nasvinícolaspesquisadas,ficouevidente que os produtos com IG são destinados a um público mais seletivo, sendo que são mais significativos os reflexos indiretos, favorecendo aos demais produtosemfunçãodavisibilidadequeaIGproporciona. Aanálisedosdoiscasosestudadosrevelaqueépeloturismoaprincipal forma através da qual os produtos com IG são reconhecidos fora de seu território. Da mesma forma, uma região que pensa em desenvolver o turismo, ao buscar evidenciar seus atributos, deve considerar que estes podem estar associados a produtos com IG. Desse modo, observa‐se uma relaçãomuitopróximaentreaIGeoturismo,oquecertamentefavoreceráo desenvolvimentodoterritório,comaintegraçãodessasduasestratégiasde desenvolvimento territorial. A relação intrínseca entre turismo e IG é descritaporNascimento,NuneseBandeira(2012,p.380):“Aaliançaentre turismo e Indicação Geográfica propicia o reconhecimento de culturas tradicionais, a valorização da gastronomia típica, produção sustentável de alimentos,proteçãodosmanuseiosartesanalecultural”. Outroaspectoadestacar,estárelacionadoàidentidadeterritorial,queé abuscadeatributosdoterritório,quepodemestarassociadoscomaspectos geográficos,históricosouporumtipodeprodutoousaborespecial.Abusca naidentificaçãodessesatributoséoesforçodosatoressociaisdoterritório na trajetória do seu desenvolvimento. Em ambas as experiências visitadas, foipossívelobservarnoaspectopráticoaimportânciadessesatoressociais. Os resultados obtidos dão conta de um considerável entrosamento entre a existência de uma IG e a promoção socioeconômica e cultural do territórioatingido,comoumprocessodebenefíciomútuo.Esseargumento foievidenciadoquandoperguntadosobreointeressedeoutraspessoasem 53 seassociaremapósacertificaçãodeIG.Verificou‐sequehouveaintegração de empresas e pessoas ligadas ao setor de serviço, mais precisamente, os serviços de atendimento aos turistas. Constatou‐se, então, que os turistas vêmembuscadoprodutocomIGe,porconseguinte,consomemdiferentes produtos e serviços, trazendo benefícios econômicos para outros empreendimentoslocais.Entende‐se,então,queaIGéumaestratégiaque, mesmosendoexclusividadedaspessoasquedetêmodireitoaousodoselo, torna‐se inclusiva, pois gera benefícios indiretos a outros setores da economia. A Indicação Geográfica, como já fora citada na revisão bibliográfica, é umprocessodeconstruçãocoletivaquevisabeneficiaraumterritório,seja diretamenteaosprodutoresenvolvidosnaIG,sejapelobenefícioindiretoao comérciolocal.Comosestudosrealizados,ficouevidenciadoqueaIGgera maisbenefíciosindiretosparaodesenvolvimentoterritorialdoquediretos, implicandoanecessidadedaintegraçãocomosoutrossetoresdaeconomia local.Dessaforma,oprimeiropassodaIGéauniãodepessoasemtornode umobjetivocoletivo. Portanto,pode‐sedizerqueaIGgeraencadeamentosparafrenteepara traz, impactando no desenvolvimento territorial. No caso do vinho, essa cadeia produtiva envolve de forma descendente, a partir das vinícolas, os produtores e, estes, as empresas, principalmente as que comercializam insumosagrícolas.Deformaascendente,partindodavinícolaparaosetorde transportee,deste,paraosetordeserviços(combustíveis,autopeças,etc.). De forma lateral, tem‐se o turismo, este capaz de gerar um novo desencadeamento. Poderia, ainda, se dizer que os produtos com IG, conforme propõe a teoria dos polos de crescimento, seriam a indústria motriz,capazdedesenvolveroutrasatividadesemseuentorno. Épossívelconcluir,então,que,quandoumterritóriopossuiumproduto ou serviço com diferencial e que este possa ser declarado como IG, são gerados impactos não somente para os produtores e à cadeira produtiva ligada ao produto com IG, mas para todo território circundante. Assim, a hipótese levantada: se os produtos que possuem Indicação Geográfica são capazes de gerar um incremento no preço de venda e com isso contribuir para a agregação de renda e ainda corroborar economicamente o desenvolvimentoterritorial.Conclui‐sequeessahipóteseseconfirmou.No entanto, os benefícios não estão simplesmente relacionados a um incremento de preço, pois os resultados econômicos para o território são bemsuperiores.AlémdaelevaçãodospreçosdevendadosprodutoscomIG, os demais produtos similares também obtêm um ganho econômico, além dosdemaissetoresdasociedade. Porfim,comorecomendação,entende‐sequeadivulgaçãonamídiade massasobreoqueéumaIG,representariaumgrandeimpulsoparaabusca de produtos e serviços com diferencial, com contributos no 54 desenvolvimentodosterritórios.Oconsumidor,nocasodovinho,temuma preferência pelos importados, principalmente pela fama de vinhos de qualidadesuperior,discursoconstruídopelamídiademassa.Utilizaresses mesmosmeiosparaevidenciarqueosprodutosnacionaiscomselodeIGsão produtosdequalidadeequesãocertificadosfariacomqueavisibilidadetão pretendidapelosprodutoresdevinhodasduasregiõespudesseseratingida. Os estudos nas duas regiões devem ser ampliados, por exemplo, para avaliar se com o passar do tempo as expectativas dos produtores da Uva Goetheseconfirmamcomoaumentodaproduçãoeagregaçãodevalorao produto, assim podendo gerar maior renda aos produtores e vinícolas. Da mesma forma, em Pinto Bandeira, avaliar a aspiração de, se for declarada, umaDO,trarámaioresimpactosterritoriaisdoqueadeclaraçãodeIP.São estudosquemerecemserrealizadosnofuturo. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DE VINHOS DE PINTO BANDEIRA (ASPROVINHO). Vinhos de Pinto Bandeira. Disponível em: <http://www.asprovinho.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2&Itemid=3 >.Acessoem:10abr.2013. BOECHAT, A. M. F.; ALVES, Y. B. O uso da Indicação Geográfica para o Desenvolvimento Regional: o caso da carne do Pampa Gaúcho. In: EPCC: Encontro Internacional de Produção CientíficaCesumar.Anaiseletrônicos...Maringá:Cesumar,25a28deOutubrode2011. BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Brasília (DF): Presidência da República/Casa Civil/Subchefia para AssuntosJurídicos,2006. DALLABRIDA,V.R.GovernançaTerritorial:dodebateteóricoàavaliaçãodasuaprática. Lisboa:InstitutodeCiênciasSociais/UniversidadedeLisboa,Inédito,2014. DALLABRIDA, V. R.; FERNÁNDEZ, V. R. Desenvolvimento territorial: possibilidades e desafios,considerandoarealidadedeâmbitosespaciaisperiféricos.PassoFundo:Ed,UPF;Ijuí: Ed.UNIJUI,2008. DILLIUS,P.R.;FROEHLICH,J.M.;VENDRUSCOLO,R.Identidadeedesenvolvimentoterritorial: estudodasexperiênciasdeIndicaçõesGeográficasnoestadodoRS.In:XLVICONGRESSODA SOBER,Anais...,RioBranco,2008. FERREIRA,A.M.etal.IndicaçãoGeográficanoBrasil:aspectoslegais.In:DALLABRIDA,V.R. (Org). Território, identidade territorial e desenvolvimento regional: reflexões sobre Indicação Geográfica e novas possibilidades de desenvolvimento com base em ativos com especificidadeterritorial.SãoPaulo:LiberArs,p.127‐134,2013. GOLLO, S.S.; CASTRO, A.W.V.Indicações geográficas: o processo de obtenção da indicação de procedência Vale dos Vinhedos Serra gaúcha/RS/Brasil. In: XLV CONGRESSO DA SOBER, Anais...,Londrina,2007. GONTIJO,C.Astransformaçõesdosistemadepatentes,daConvençãodeParisaoAcordo Trips:aposiçãobrasileira.Berlin:FDCL/Gneisenaustr.2a,2005. HAESBAERT,R.Concepçõesdeterritórioparaentenderadesterritorialização.In:SANTOS,M. et al. Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. 3.ed. Rio de Janeiro: Lamparina,2007.p.44‐71. 55 HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multi‐ territorialidade.RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2004. HAESBAERT, R. Regional‐global: dilemas da região e da regionalização na geografia contemporânea.RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2010. INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (BRASIL). Registros: Indicação Geográfica. Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/ images/docs/lista_com_as_indicacoes_geograficas_concedidas_‐_31‐12‐2013.pdf>. Acesso em: 25jan.2014. JEZIORNY, D. L. Território vale dos vinhedos. Instituições, indicações geográficas e singularidade na vitivicultura da Serra Gaúcha. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia,20092009(DissertaçãodeMestradoemEconomia). KAKUTA,S.M.;SOUZA,A.I.L.;SCHWANKE,F.H.;GIESBRECHT,H.O.Indicaçõesgeográficas: guiaderespostas.PortoAlegre,SEBRAE/RS,2006. NASCIMENTO, J. S.; NUNES, G. S.; BANDEIRA, M. G. A. A importância de uma indicação geográfica no desenvolvimento do turismo de uma região. Revista GEINTEC, São Cristóvão, SE,v.2,n.4,p.378‐386,2012. PIMENTEL, L. O. Os desafios dos aspectos legais na prática de estruturação das Indicações Geográficas. In: DALLABRIDA, V. R. (Org.). Território, identidade territorial e desenvolvimento regional: reflexões sobre Indicação Geográfica e novas possibilidades de desenvolvimento com base em ativos com especificidade territorial. São Paulo: LiberArs, p. 135‐143,2013. POLLICE, F. O papel da identidade territorial nos processos de desenvolvimento local. Tradução de Andrea Galhardi de Oliveira, Renato Crioni, Bernadete Aparecida Caprioglio de CastroOliveira.Espaçoecultura,RiodeJaneiro,n.27,p.7‐23,jan./jun.2010. PROGOETHE. Histórico. Urussanga, SC, 2012. Disponível <http://www.progoethe.com.br/historico.php?id=1>.Acessoem:06abr.2013. em: SACCO DOS ANJOS, F. et al. Sobre ‘efígies e esfinges’: indicação geográfica, capital social e desenvolvimentoterritorial.In:DALLABRIDA,V.R.(Org.).Território,identidadeterritorial edesenvolvimentoregional:reflexõessobreIndicaçãoGeográficaenovaspossibilidadesde desenvolvimento com base em ativos com especificidade territorial. São Paulo: LiberArs, p. 159‐196,2013. SAQUET, M. A.; SILVA, S. S. Milton Santos: concepções de geografia, espaço e território. Geo UERJ,a10,v.2,n.18,p.24‐42,jul./dez.2008. SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo: razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996. SANTOS,M.etal.Território,territórios:ensaiossobreoordenamentoterritorial.3.ed.Riode Janeiro:Lamparina,2007. SOUZA,M.J.L.Oterritório:sobreespaçoepoderáautonomiaedesenvolvimento.InCASTRO, I. E.; GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L. (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: BertrandBrasil,2001,p.77‐116. VIEIRA, A. C. P.; WATABABE, M.; BRUCH, K. L. Perspectivas de desenvolvimento da vitiviniculturaemfacedoreconhecimentodaIndicaçãodeProcedênciaValesdaUvaGoethe. RevistaGEINTEC,SãoCristóvão/SE,v.2,n.4,p.327‐343,2012. 56 CAPÍTULO3 AINDICAÇÃOGEOGRÁFICACOMOCONTRIBUTO PARAODESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL: ANÁLISEAPARTIRDEEXPERIÊNCIAS BRASILEIRASNOSETORVINÍCOLA1 SabrinaDhienifferSander‐UnC ValdirRoqueDallabrida‐UnC 1.INTRODUÇÃO AIndicação Geográficatemsidoumtemadiscutidoporpesquisadores como um instrumento que valoriza territórios através do resgate de sua cultura, história ou então da tipicidade de produtos ou serviços prestados. Juntoaessavalorizaçãodosterritórioseseusprodutos,surgeumacorrente amparada na sustentabilidade e na preservação de diferentes ambientes. Consumidoresatentosataisquestõeseexigentesnoconsumodeprodutos passamaparticiparcadavezmaisdomercado,aumentandoademandade produtoscomqualidadeegarantiadeprocedência,comoocasodeprodutos comIndicaçãodeProcedênciaeDenominaçãodeOrigem. Nessecontexto,asdiscussõesemprojetosdeIndicaçãoGeográfica(IG) edesenvolvimentosustentávelapresentammuitosdesafios.Deumlado,os deassociareincluirsuasdiferentesdimensões(social,cultural,ambientale econômica). De outro, promover a homogeneidade social, direito à educação, à saúde, renda justa, manutenção das tradições e o respeito à capacidadederesiliênciadosecossistemas. De acordo com Paula (2004), o Brasil tem experimentado diversas formasdedesenvolvimentonosterritórios.Noentanto,asexperiênciassão recentes e precisam se tornar em observatórios para não se desperdiçar a oportunidadedetestarasalternativasedesbravarnovoscaminhosparaum desenvolvimentohumano,socialesustentável. Dentro desse contexto, Sacco dos Anjos (2013) salienta o notável crescimento de Indicações Geográficas (IGs) no Brasil. Ao abordar duas 1 Este artigo sintetiza estudos realizados na Dissertação no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional, na Universidade do Contestado (Santa Catarina - Brasil), sendo o primeiro e o último autor, respectivamente, mestrando e orientador. Está integrado aos estudos do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, o qual contou com o apoio financeiro da FAPESC. 57 experiênciasdoRioGrandedoSul,oValedosVinhedoseaCarnedoPampa Gaúcho, e fazer análises com base em suas pesquisas sobre as diversas situaçõesqueasenvolvem,chegaàconclusãoqueasIGspodemseconverter numinstrumentodedesenvolvimentoterritorial.Noentanto,nãodevemser vistas como destino final, mas, sim, como ponto de partida em uma longa caminhadadeconstruçãosocialdaqualidadeedadiferenciação. Diante dessa incerteza quanto ao impacto de diferentes experiências brasileiras no desenvolvimento, a presente pesquisa tem o intuito de responder o seguinte questionamento: qual a contribuição de experiências de Indicação Geográfica do setor vinícola no desenvolvimento dos territórios em que estão inseridos, considerando as dimensões social, culturaleambiental? Para responder a esse questionamento, parte‐se da premissa de que algumas regiões ou territórios possuem produtos ou serviços que apresentam fortes traços de especificidade territorial, condição necessária para o registro de uma Indicação Geográfica, o que, em geral, resulta na agregação de valor e valorização econômica dos mesmos no mercado. Entende‐se, então, que a Indicação Geográfica é um dos instrumentos de valorização dos produtos com especificidade territorial e que pode, ainda, contribuir para o desenvolvimento das regiões ou territórios atingidos, principalmentenasdimensõessocial,culturaleambiental. Assim, teoricamente a pesquisa justificou‐se pela possibilidade de realçar a importância da Indicação Geográfica para o desenvolvimento de regiõeseterritóriosatingidos,considerandoasdimensõessocial,culturale ambiental do desenvolvimento. Sob o aspecto prático, foi possível levar a conhecimento o impacto das duas experiências brasileiras de Indicação Geográfica no setor vinícola já implantada, traçando particularidades e necessidades para um efetivo avanço em relação ao desenvolvimento dos territóriosdeformasustentável. Com esse propósito, foram analisadas duas experiências de Indicação Geográfica já implantadas, ambas do setor vinícola, a Associação dos ProdutoresdeVinhosdePintoBandeira(Asprovinho),localizadanaregião serrana do estado do Rio Grande do Sul e a Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe da Região de Urussanga (Progoethe), localizada ao suldoestadodeSantaCatarina,sendoqueemambasoprodutoéovinho, analisandopormeiodelasoimpactonodesenvolvimentodeterritóriosem queestãoinseridos,considerandoasdimensõessocial,culturaleambiental. Emespecífico,buscou‐se:arevisãobibliográficasobreIndicaçãoGeográfica e temas conexos (espaço geográfico, território, identidade territorial, sustentabilidade e desenvolvimento regional); a investigação da realidade de Indicações Geográficas do setor vinícola focando as dimensões social, cultural e ambiental; e a sistematização das principais evidências quanto à 58 sustentabilidade do desenvolvimento de territórios abrangidos por experiênciasdessetiponosetorvinícola. Tomandocomoreferênciaasexperiênciasanalisadas,observou‐seque asvariáveisrelacionadasàsdimensõessocialeculturalestãominimamente contempladas.Noentanto,emrelaçãoàdimensãoambiental,apreocupação resume‐se ao atendimento das exigências legais, fazendo‐se necessários maisavanços. 2.IDENTIDADETERRITORIAL,INDICAÇÃOGEOGRÁFICAESUSTENTABILIDADE Noâmbitodasdiscussõessobredesenvolvimentoterritorialeprojetos de Indicação Geográfica, destaca‐se a perspectiva territorial, possibilidade quelevaemcontaaproduçãodeprodutoseserviçoseapermanênciados traços históricos e culturais. Junto a isso, debate‐se sobre a capacidade de organização da sociedade e a gestão de seu território, amparado em um desenvolvimentoquesustenteasdimensõessociais,culturaiseambientais. A sociedade está intimamente ligada ao espaço. É através dele que é possível observar e perceber as constantes mudanças nas relações econômicas, políticas ou culturais e identificar suas particularidades. Já o territórioéapresentadoaquicomogeradorderaízeseidentidades,ouseja, singularidade e diferenciação, indispensáveis às regiões e territórios com projetosdeIndicaçãoGeográfica. AdiscussãosobreIndicaçãoGeográfica,alémdesuarelaçãoconceitual com espaço e território, remete à necessidade de referenciar a questão do enfoqueterritorial. As questões territoriais, conforme Silva e Silva (2001), vêm se destacando,refletindoointeressedasociedadecomoumtodopelatemática, como resultado da crescente e competitiva integração global de lugares e regiões.Paraosautores,oterritóriocareceser entendidosobasseguintes perspectivas:(a)Oterritórioexpressaumcomplexoedinâmicoconjuntode relações socioeconômicas, culturais e políticas, historicamente desenvolvidas e contextualmente espacializadas, incluindo sua perspectiva ambiental;(b)emfunção dasdiferentesformasde combinaçãotemporal e espacial das relações acima citadas, por conseguinte os territórios apresentamgrandediversidade,comfortescaracterísticasidentitáriaseisto envolvendodiferentesescalas;(c)osterritóriosassimidentificadostendem, potencialmente, a apresentar laços de coesão e solidariedade também estimulados e dinamizados pelo crescimento das competitivas relações entre diferentes unidades territoriais no contexto da globalização; (d) os territórios tendem a valorizar agora suas vantagens (e possibilidades) comparativasatravésdeformasorganizacionaissociais,institucionalmente territorializadas, capazes de promover uma inserção competitiva e bem 59 sucedida nas novas e dinâmicas relações socioeconômicas, culturais e políticasdenossostempos,emumaescalaglobal.Convémdestacarqueisto érelativamenterecente. As relações entre o homem e o meio, segundo Chelotti (2010), possibilitaram que as sociedades historicamente construíssem identidades territoriais com símbolos, signos e marcas. Com isso, as economias locais expostasaprocessoscorrosivosdesuadinâmicaeconômicaedeseutecido socialpoderiamengendrarformasderelacionamentocapazesdefomentar identidades, territorial ou histórico‐cultural, que tenham como resultado a construção de caminhos alternativos para o desenvolvimento, o que de formaexpressaremeteàdiscussãodotemaidentidadeterritorial. Aonotarqueosprocessosatuaisdeglobalizaçãonãoforamcapazesde adentrarcertasregiõesouterritórios,épossívelperceberaconservaçãode diferentes características ligadas à história e cultura em determinados espaçosouterritórios.Atualmente,essascaracterísticastêmsetornadouma alternativadedesenvolvimentoregional. A identidade territorial é um elemento diferenciador, seus traços e características estão ligados ao espaço, à cultura, às relações sociais e ao patrimônio ambiental, elementos essenciais à Indicação Geográfica e ao desenvolvimento regional. Nas palavras de Albagli (2004), tais elementos sãochamadosdedimensõesesãoelasasresponsáveispelaparticularidade dosterritórios,osquaispassamaseremmoldadosapartir dacombinação de forças internas e externas, tais sejam: a dimensão física (clima, solo, relevo, vegetação e a resultante do uso e práticas dos atores sociais), a dimensão econômica (consumo e comercialização), a dimensão simbólica (lugaresparticulares,relaçõesculturais,afetivas)eadimensãosociopolítica (dominaçãoepoder). A identidade territorial na definição de Haesbaert (1999) é uma identidade social definida através do território, dentro de uma relação de apropriação que se dá tanto no campo das ideias quanto na realidade concreta. Assim, a relação construída entre determinada sociedade e seu espaço geográfico produzem a identidade territorial. Para Cuche (1999), a identidadeexprimearesultantedasdiversasinteraçõesentreoindivíduoe seuambientesocial,próximooudistante. SaqueteBriskievicz(2009)salientamqueasidentidadesresultamdos processos históricos e relacionais. Assim, a identidade configura‐se num patrimônioterritorialaserpreservadoevalorizadopelosatoresenvolvidos. Para os autores, o território envolve o patrimônio identitário, ou seja, o saber‐fazer, as edificações, os monumentos, os museus, os dialetos, as crenças,osarquivoshistóricos,asrelaçõessociaisdasfamílias,asempresas, as organizações políticas. Esses podem ser potencializados em projetos e programas de desenvolvimento. Na mesma linha de raciocínio, Fonte et al. 60 (2006) afirmam que a identidade expressa‐se pelos sinais materiais e imateriais, como os sítios arqueológicos, a música, literatura e artes e, também, através de sua arquitetura, paisagem, tradição, folclore, biodiversidadeeosprodutosalimentarestípicoseosprodutosartesanais. Uma forte identidade territorial, para Pollice (2010), não contribui apenas para estimular processos de desenvolvimento (endógeno e autocentrado),masparapredeterminarobjetivoseestratégias. Saquet e Briskievicz (2009) contemplam a ideia de que o território, a territorialidade e identidade acontecem simultaneamente e há uma dependência mútua também entre território ‐ identidade – desenvolvimento. Uma comunidade local, como já se indicou, tende a atribuir um valor simbólico a alguns elementos da paisagem, reconhecendo‐os como expressão tangível da própria identidade territorial. A atribuição desses valores simbólicos se funda quase sempre sobre a imagem que a comunidadelocal(insiders)possuidesimesmaedaprópriaespecificidade territorial(POLLICE,2010,p.13). De acordo com Flores (2006), uma gama de novos conceitos relacionados ao espaço rural vem sendo debatida em nível internacional. Esses conceitos passam pela agricultura familiar, pluriatividade, multifuncionalidade da agricultura, atividades não agrícolas rurais, agroecologia, certificação de origem e qualidade de produtos e territorialidade,entreoutros.Todaessadiscussão,segundooautor,buscaa reaproximação do processo de desenvolvimento rural às expectativas dos atoreslocaiseoconfrontoàsquestõesculturaislocaise,comoprocessode globalização, no intento de se pensar e programar uma nova lógica de desenvolvimento. Naglobalização,aproduçãoemmassatemproporcionadoaaberturade um mercado a produtos diferenciados com garantia de qualidade, procedência e características específicas. “Os ventos da globalização e da transformação da base técnico‐produtiva trouxeram, em contrapartida, a revalorização do território e alçaram a territorialidade a fator de dinamismo,diferenciaçãoecompetitividade”(ALBAGLI,2004,p.62). As Indicações Geográficas representam, assim, uma alternativa para regiõesqueseencontramforadoprocessocompetitivodaglobalização.Tal processoconstitui‐senuminstrumentodeproteçãointelectualquevaloriza elementos sociais, culturais e históricos, apresentando‐se também como uma forma de integrar a conservação de ambientes característicos e ameaçadospeloshabituaismodosdehomogeneizaçãodomercado. Portanto, na implementação de uma Indicação Geográfica voltada aos princípios do desenvolvimento sustentável se deve buscar a inclusão de produtoreslocais,adiversidadeculturalehistórica,amelhoriadaqualidade de vida, econômica, social e ambientalmente, ou seja, deve promover o 61 crescimentocomequidade,ainclusãoeajustiçasociale,também,agestão dosrecursosnaturais. De modo geral, de acordo com Sachs (2009), o objetivo para o desenvolvimento deveria ser o estabelecimento de um aproveitamento racional e ecologicamente sustentável da natureza em benefício das populações, como um componente de estratégia. Outra maneira, ainda, de encararodesenvolvimento,segundooautor,consisteemreconceituá‐lose apropriando de três gerações dos direitos humanos: os direitos políticos, civis e cívicos; os direitos econômicos, sociais e culturais; e os direitos coletivosaomeioambienteedesenvolvimento. O envolvimento entre território, fatores naturais e humanos desencadeia a formação de uma identidade territorial que, ao longo do tempo, vem se destacando como uma possibilidade estratégica, singular e competitiva de inserção de regiões e territórios no mercado globalizado, além da possibilidade de acesso a bens e serviços. Para Sacco dos Anjos (2011),aIndicaçãoGeográficaéumaformadefomentarodesenvolvimento de zonas rurais que sofrem com o isolamento e crise de perspectivas em relaçãoaoseufuturo. O conceito de Indicação Geográfica passou a existir quando determinados produtos apresentavam qualidade ímpar e eram nominados pelasuaorigemgeográfica.EssecostumesurgiunaEuropa,hámaisde150 anos, com produtos como queijos e vinhos. No entanto, tal conceito vem sendo difundido no meio acadêmico e também em propostas de desenvolvimento. Para Froehlich e Dullius (2011), no mundo contemporâneo, onde o mercado valoriza produtos diferenciados, estas estratégias baseadas em qualidade tornaram‐se um vetor de alto poder de agregaçãodevalorterritorial. No Brasil, o órgão responsável pela Indicação Geográfica é o Instituto NacionaldaPropriedadeIndustrial(INPI),queadefinecomoaidentificação deumprodutoouumserviçoorigináriodeumlocal,regiãooupaís,quando determinada reputação, característica e/ou qualidade possam ser vinculadasessencialmenteasuaorigemparticular.Éumagarantiarelativaà origemdeumprodutoquantoàssuasqualidadesecaracterísticasregionais. Ouseja,aIndicaçãoGeográficanãopodesercriada,apenasreconhecida. ALeinº9.729,de14demaiode1996,regulaaPropriedadeIndustrial brasileira e apresenta, em seus artigos 177 a 182, as definições para a indicação de procedência e denominação de origem, bem como as modalidades da Indicação Geográfica. Para a Indicação de Procedência, considera‐seonomegeográficodepaís,cidade,regiãooulocalidadedeseu território que se tenha tornado conhecido, para Denominação de Origem. Além do nome geográfico, deve‐se se levar em conta qualidades ou características vinculadas essencialmente ao respectivo meio geográfico, incluindoosfatoresnaturaisehumanos. 62 A normatização jurídica favoreceu a efetivação de um mercado diferenciador,cujosprodutoscomespecificidadesegarantiadosmodosde produção têm atraído um maior número de consumidores que, segundo Glass e Castro (2009), estão cada vez mais motivados em consumir esses produtos, pela sua singularidade e tradição. Bruch (2008) aponta a IndicaçãoGeográficacomoabuscadeproteçãoaoconsumidor,assegurando uma informação correta sobre o produto e a garantia de procedência e genuinidade. Ainda quanto aos aspectos jurídicos do reconhecimento de uma Indicação Geográfica no Brasil, Pimentel (2013) destaca requisitos essenciais para o pedido de registro e sua concessão tais como: a organizaçãodosprodutores,instituiçõespúblicas,associações,empresários, entre outros, e a comprovação dos produtores estabelecidos na área geográfica em questão; a comprovação de notoriedade de produtos; as normasdecontrole,ouseja,requisitosaosparticipantesdecomumacordo para serem cumpridos; o design dos sinais distintivos ou logos; o instrumento oficial que delimita a área geográfica. O autor conclui que, a partir desses elementos, a Indicação Geográfica se mostra como uma estratégiacoletivaparapromoçãoecomercializaçãodosprodutos. ParaFroehlicheDullius(2011),recentementepropaladasnoBrasil,as IndicaçõesGeográficas(IGs)sãoumdesafioaserenfrentado,poissãoainda incipientes as articulações e os investimentos, dadas as potencialidades da ampla diversidade biocultural do país e o diferencial de mercado que se pode atingir. Ainda, para os autores, uma das principais estratégias que articulaidentidadeterritorialedesenvolvimentosãoasIGs,poispermitea valorizaçãodeatributoslocaisespecíficos,buscandoassociar,noimaginário doconsumidor,relaçõesdetipicidade,culturaetradição,alémdeprotegero patrimônioagrícolanacionaleagerarrenda. Assim, as IGs são vistas como instrumentos importantes para o desenvolvimentoterritorialesustentável.ParaSaccodosAnjos(2011),nos encontramos diante de um novo discurso sobre a ruralidade em favor dos produtos, processos e serviços com identidade cultural. O autor expõe o papel das IGs para o dinamismo, a inovação e a diversificação de áreas rurais. 3.DESCRIÇÃOMETODOLÓGICA Foram analisadas duas experiências de Indicação Geográfica do setor vinícola, já implantadas: a Associação dos Produtores de Vinhos de Pinto Bandeira (RS) (Asprovinho) e a Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe da Região de Urussanga (SC) (Progoethe). Aplicou‐se um questionárioaempresários,agricultoresetécnicosenvolvidos,tendocomo referencialoselementosteórico‐metodológicoselencadosnoQuadro1. 63 Quadro1–Questões‐chaveparainvestigaçãodasexperiências Critério Componentes Questõesparaasentrevistas (Sachs,2009) *Alcancedeumpatamar razoáveldehomogeneidade social. *ComoaIndicaçãoGeográficaelevaas oportunidadessociais? *ComoaIndicaçãoGeográficaaumentaa viabilidadeeconômicalocaleamelhor distribuiçãoderenda? Social *Distribuiçãoderendajusta. *Autonomia,comqualidadede vidadescente. *DequeformaaIndicaçãoGeográficasetorna inclusivacomosindivíduosenvolvidosdiretae indiretamente? *Acessoarecursoseserviços. *Melhoriadoambienteurbano. *ComoaIndicaçãoGeográficaorganizaos grupossociaisequaisosreflexosparaa qualidadedevida? Cultural *Equilíbrioentreinovaçãoe tradição. *ComoaIndicaçãoGeográficamantémo equilíbrioentreinovaçãoetradição?Ouseja, emqueinova,semdesconsiderarosaspectos ligadosàtradiçãolocal? *Autoconfiançacomabertura paraomundo. *ComoaIndicaçãoGeográficapossibilitaa permanênciadaculturanoterritório? *Respeitoàformaçãocultural. Ambiental *Quaisaçõesaassociaçãoquecoordenaa IndicaçãoGeográficarealizaparapreservare valorizaraculturadoterritórioesuagente? *Preservaçãodopotencialde capitalnaturalnaproduçãode recursosrenováveis. *ComoaIndicaçãoGeográficaconservaa paisagemnaturaldoterritório? *Limitaçãodousodosrecursos não‐renováveis. *ComoaIndicaçãoGeográficautilizaos recursosnaturaisenvolvidosnaproduçãodos produtos? *Estratégiasdedesenvolvimento ambientalsegurasparaasáreas ecologicamentefrágeis. *DequeformaaIndicaçãoGeográfica contribuiparaodesenvolvimentosustentável ecologicamente? Fonte:Elaboraçãoprópria. Em contato com as associações responsáveis, foi solicitado o agendamento de visitas in loco a todas as vinícolas das duas experiências para aplicação das questões‐chave, observações e coleta de material disponível. De um total de dezessete vinícolas ou instituições, 82% (13) participaramdapesquisa. 3.1VALESDAUVAGOETHE AIndicaçãoGeográficadenominadaValesdaUvaGoethe(Mapa1)está estruturadanaformadeIndicaçãodeProcedência.Integraosmunicípiosde Urussanga,PedrasGrandes,CocaldoSul,TrezedeMaio,NovaVeneza,Içara, Orleans e Morro da Fumaça, localizados entre a Serra Geral e o Litoral Sul 64 Catarinense, a qual ficou popularmente conhecida como Região de Urussanga. Mapa1–MapadaRegiãodaIndicaçãoGeografiadaUvaGoethe Fonte:Silvaetal.(2011apudVIEIRA;WATABABE;BRUCH.2012,p.336,adaptado) AregiãodeUrussangafoicolonizadaporimigrantesitalianoscomforte cultura vitivinícola. A história do vinho está presente há mais de 130 anos nestaregiãoedetémrelevanteimportânciasocioeconômica. A Indicação Geográfica em referência é articulada pela Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe (Progoethe), fundada em 2005, que abrange os produtores de uva e vinho Goethe, além dos prestadores de serviçosdeenoturismo,comohotéis,pousadas, restaurantesdaregiãodos Vales da Uva Goethe. Com grande importância cultural, os Vales das Uvas Goethe possuem uma identidade única em relação à produção de vinho já que sua paisagem é característica, seu clima agradável e o patrimônio históricomantêm‐sepreservado.Aculturaeatradiçãoestãopresentesem todasasvinícolasefamíliasqueintegramosVales. 3.2VINHOSDEPINTOBANDEIRA AáreaGeográficadelimitadaéde81,38km²;aproximadamente91%da regiãoestálocalizadaemBentoGonçalvese9%emFarroupilha,noEstado doRioGrandedoSul.(Figura1). Antigo distrito do município de Bento Gonçalves, Pinto Bandeira foi reinstaladonomunicípioem2013,depoisdeváriasdiscussõesjudiciais. 65 Figura1–LocalizaçãodaIndicaçãodeProcedênciaVinhosdePintoBandeira Fonte:ASPROVINHO(2014,adaptado). Pinto Bandeira é dotado de identidade territorial e cultural, possui particularidadesnassuaspaisagenscomoasextensasplantaçõesdefrutase seus parreirais. A característica cultural é a produção de vinhos em pequenas propriedades familiares. Atualmente, os associados da ASPROVINHO são: Dom Diovane, Vinícola Valmarino, Vinícola Pompéia, VinícolaGeisse,VinícolaAuroraeVinícolaTerraças. 4.ANÁLISEDOSDADOS Os dados coletados foram analisados e interpretados, conforme o Quadro 1, pelas dimensões social, cultural e ambiental e suas respectivas questões‐chave. Na análise da dimensão social, buscaram‐se respostas quanto às oportunidadessociais,aviabilidadeeconômica,ainclusãodosindivíduosea qualidadedevida.Nasrespostasdasentrevistas,percebeu‐sequeamaioria nãoconsiderousignificativooaumentodeoportunidadessociaisapartirda IG. No entanto, destacaram o turismo como estratégia para a melhoria das oportunidades de acesso a novos serviços e empreendimentos mercadológicos, pois a Indicação Geográfica trouxe a valorização do meio local,daculturaedasfamíliasenvolvidas. Alguns entrevistados afirmam que o preço do produto com IG vem sendodiluídoaolongodotempoparaquenãohajaumgrandeimpactono mercado.Então,verifica‐seumprocessocontínuodemelhora.Emsuma,os 66 entrevistados assumem o posicionamento de que a Indicação Geográfica facilita o turismo, o qual dá mais visibilidade ao território e, consequentemente, favorece a implantação de novos empreendimentos e novasalternativasdedesenvolvimento. Logo, segundo os entrevistados, o valor agregado no produto não se apresenta como principal conquista, mas, sim, a maior visibilidade dos produtos, facilitando o acesso aos mercados nacional e internacional. Argumentaram que a IG possibilitou o acesso de um maior número de visitantes à região no território, o que, por sua vez, proporciona maiores ganhos, já que atinge outros empreendimentos e possibilita a venda de produtos que não possuem selo de IG. A principal reclamação dos entrevistadosestánadificuldadedeconseguirinserirprodutosnasgrandes redes de mercado no território nacional. Outro fato interessante a ser considerado é que os entrevistados não colocaram o retorno financeiro comoprincipalquesito,mas,sim,avalorizaçãodoseuproduto. A Indicação Geográfica apresenta‐se como socialmente inclusiva nas duas experiências. Além da conquista de muitas parcerias e melhoria nas relações entre empresários, houve também a possibilidade de criar uma rede que divulga e atrai diferentes públicos, além dos que produzem e comercializamosprodutoscomIG,taiscomohotéis,restaurantes,artesãos, todos,mesmoqueindiretamente,beneficiando‐senoterritório. Um deles resume o fato, afirmando que pode ser considerada “uma cestadeprodutos–turismo,IG,cultura,valorizaçãodoterritório,visitação. Pousadas e restaurantes usam o selo também para divulgação e atrativo”. Outra importante contribuição é o fato de que o turismo proporciona essa inclusão das pessoas envolvidas direta ou indiretamente. “A IG incluiu não sóosprodutoresevinícolas,comooutrosempreendimentos,artesão,etc.Só nãoestáinclusoquemnãooptoupelotipodeprodução”. Paraumdosentrevistados:“devidoaoturismo,éinclusivo.Quandose falaemcooperativa,émaisfácilainclusão;trouxeoportunidadedetrabalho naregião”.Complementa‐secomoutraresposta:“oturistafazquilômetros para conhecer o vinho”. Ou seja, a região começa a ser inserida em um cenário mais amplo de produtos diferenciados e começa a ganhar notoriedade. A forma de inclusão é específica para cada produtor vinícola ou empreendimento. Um dos entrevistados contou: “para me incluir tive que colocarvendedoresnarua,diferentedeoutrasvinícolasquetêmoturistana porta”. É possível observar o esforço e a particularidade de cada vitivinicultor, já que estão localizados em diferentes localidades dentro da região. Dois entrevistados apontam situações de exclusão. Para um, “a legislação brasileira não existe para vinho colonial, isso bloqueia algumas possibilidadedemercado”;paraoutro,“alegislaçãoexclui,poissópodeter 67 selo aqueles que tiverem inscrição no Ministérios da Agricultura, o que necessita de uma infraestrutura”; em contrapartida, um dos entrevistados considera que “o produtor não precisa investir muito para produzir vinho comselo”. Osentrevistadossereferiramàmelhoriadaqualidadedevida,descrita nasrelaçõescomacomunidade,valorizaçãodaculturaedapopulaçãolocal, interaçãocomopoderpúblico,alémdesituaçõesmaisespecíficas,comono acesso aos serviços básicos, tais como água, luz, coleta de lixo e avanços positivos na infraestrutura. De maneira geral, a Indicação Geográfica possibilitou o bem‐estar a partir da melhoria das relações e parcerias nos diferentessetores,noacessoarecursoseserviços. Na dimensão cultural se questionou sobre a relação entre inovação e tradição, a permanência da cultura no território e as ações locais de preservação e valorização cultural. Essa foi a dimensão que teve maior expressãonasrespostasdosinquiridosnasduasexperiênciasdeIndicação Geográfica. Os entrevistados demonstraram preocupação e zelo com a história e cultura do meio e relação com os produtos. Deixaram clara a intenção de preservar o território e a paisagem. Foi possível observar o respeito à tradição e à inovação, além da ampliação da capacidade de mobilização endógena na busca por objetivos comuns. Em geral, as inovações não indicam desconfiguração do produto, apenas facilitam o trabalho dos colaboradores e proprietários, com avanços tecnológicos no processo produtivo. A tradição é mantida dentro da vinícola como um acervoparaoturista. As respostas permitem observar que a longa história e a cultura presente nos territórios são o ponto‐chave para o turismo, sendo esse concebido na perspectiva da conservação e manutenção das paisagens. A IndicaçãoGeográficasetornariaumrecursoimportanteparaamanutenção e permanência dessa cultura no território. No entanto, a falta de mais projetosporpartedopoderpúblicoéconsideradapelosentrevistadoscomo preocupante, pois consideram que seria fundamental para o sucesso da IndicaçãoGeográfica. NasduasexperiênciasdeIG,houveconcordânciaquantoàimportância dasAssociaçõesquecoordenamasatividadesdaIGs.Nessacategoria,todos osposicionamentosforampositivos. Nasrespostasdosentrevistadosaassociaçãotemumpapelimportante, pois,emsuma:“incentivaemelhoraascondiçõesdevenda,oquepossibilita uma maior visibilidade da região e do vinho”; “realiza festas regionais, participaçãodefeiraseeventos,parceriascomEPAGRI”;“responsabilidade sobre o selo da IG, marketing e atrativos turísticos”; “sinalização, folders, contatocomjornalistas,parceriasparafortalecimento,aumentodonúmero de visitantes; assuntos sobre turismo e vinhos são levados para reuniões, 68 palestras para a comunidade, ações com escolas, artesanato como valorização”. A dimensão ambiental envolve a sustentabilidade ambiental, a conservação da paisagem natural, a utilização dos recursos naturais e a contribuição da atividade com o desenvolvimento sustentável ecologicamente. Nas experiências de IG analisadas, essa dimensão não é vista como prioridade. Além disso, não há preocupação aparente dos produtoresouproprietáriosvinícolascomasquestõesecológicas.Aracional utilização de recursos naturais não é levada em conta na produção de produtoscomselodeIndicaçãoGeográfica. Paraosentrevistadosháumgrandeinteresseemconservarapaisagem naturalatualdoterritório.Notou‐seduranteosquestionamentosque,como as vinícolas já estão instaladas e já conseguem fazer uma projeção de produção/plantio,nãohápreocupaçãonadesconfiguraçãodoterritóriocom o aumento de parreirais. Para um entrevistado, “há preocupação com a especulaçãoimobiliáriaeamigraçãodointeriorparacidade”. Como a indicação geográfica está diretamente ligada ao turismo, para eles o turismo tem relação com a paisagem natural. Os entrevistados demonstraram “grande preocupação com a paisagem; a paisagem vai no nosso rótulo”; “a IG está estritamente relacionada ao território e sua paisagem. Sua manutenção é fundamental para a consolidação da IG”; também vale ressaltar que “a intenção é que as pessoas venham para cá conhecer a paisagem”. Ratifica‐se nas palavras de outro entrevistado, “a vinícolaestáinseridaemroteirosturísticos.Estarentreaserraeomarfaz com que seja especial. A paisagem tem causado curiosidade e está sendo inseridanomapaturísticobrasileiro”. Quantoàutilizaçãodosrecursosnaturaisnãohádistinçãodautilização antesoudepoisdaimplantaçãodaIG.Deacordocomumdosentrevistados, “a IG para vinhos está relacionada ao “terroir”, que envolve o clima, solo, inclinação do terreno e até mesmo o manejo do vinhedo”, mas, de modo geral,nãoéumfatordominanteparaaIndicaçãoGeográfica. Outroentrevistadoafirma:“Nuncafizestarelação.Existeumlimitede produção por hectare, mas não por região, poderia plantar vinhedos por todaaregião.Istoéumaescolhadavinícolaemutilizarosrecursosnaturais econservarapaisagem”. Não se percebe uma preocupação dos produtores ou vinícolas com a ecologia. Doze, dos treze entrevistados se posicionaram negativamente quantoàcontribuiçõesparaodesenvolvimentosustentávelecologicamente. Oqueosprodutoresouvinícolasrealizamsãoocontrolederecolhimentode embalagens, o cadastro vitícola, referente à produção familiar e o atendimentoàslegislaçõesambientaisexistentes. Somente um entrevistado posicionou‐se positivamente afirmando que 69 na sua vinícola tem instalado o TPC (sistema Thermal Pest Control), um processodeimunizaçãodeculturasagrícolasàbasedoarquente. Noentanto,osentrevistadosafirmaramqueháumgrandeinteresseem conservarapaisagemnaturalatualdoterritório.Ouseja,apaisagemnatural é vista como atrativo, tem relação direta com a venda do produto e o turismo.Noentanto,nãoéconsideradaumativodiferencial. 5.CONSIDERAÇÕESFINAIS O propósito desta pesquisa foi investigar acerca da contribuição das experiênciasdeIndicaçãoGeográficadosetorvinícolanodesenvolvimento dos territórios atingidos, considerando as dimensões social, cultural e ambiental. Para o presente estudo, foram tomadas como referência duas experiências do setor vinícola, a Associação dos Produtores de Vinhos de PintoBandeira,localizadanaregiãoserranadoestadodoRioGrandedoSul. e a Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe da Região de Urussanga, localizada ao sul do estado de Santa Catarina. Como procedimentometodológico,foramutilizadasentrevistas,observaçãodireta, pesquisadocumentalebibliográfica. Nesta investigação, partiu‐se da hipótese de que algumas regiões ou territórios possuem produtos ou serviços com especificidade territorial e que a Indicação Geográfica poderia contribuir para o desenvolvimento sustentável dos territórios atingidos, em especial, nas dimensões social, culturaleambiental. Finalizando,retoma‐seaquestãocentralquemotivouestainvestigação: qual a contribuição de experiências de Indicação Geográfica no desenvolvimento dos territórios em que estão inseridas, considerando as dimensõessocial,culturaleambiental? A investigação dessa temática é fundamental, pois o Brasil possui um extensoterritório,comdiferentesespecificidades,oqueseapresentacomo potencialidadeparaainstituiçãodeumgrandenúmerodeexperiênciasde Indicação Geográfica, valorizando os ativos naturais e culturais, além de surgimentodenovosprodutosturísticos,osquaisalongoprazo,pelomenos em tese, poderiam estimular o desenvolvimento territorial com destaque paraasdimensõessocioeconômica,culturaleambiental. Considerando as análises permitidas pela presente investigação, entende‐se que a Indicação Geográfica pode contribuir para potenciar estratégias de desenvolvimento territorial sustentável. No entanto, deveriamconsiderarregrasparaaproduçãodeprodutosquelevassemem conta as dimensões social, cultural e ambiental, além da econômica. Entende‐se que a efetividade dessa perspectiva implicaria em que o planejamento de experiências de IG considerasse aspectos tais como: (1) a valorização da economia local, com apoio aos empreendimentos já existentes;(2)amanutençãodatradiçãoeculturalocal,oquecontribuiria, 70 porexemplo,nasustentaçãodosetorturístico;(3)incentivoàconservação dapaisagem,comopatrimônioculturaleambientaldacomunidadelocal;(4) facilitaçãodasrelaçõesentreempresários,sociedadelocalepoderpúblico; (5)criaçãodeestratégiasquefavorecessemacompetitividadedosprodutos locais frente ao mercado nacional e internacional. Especificamente em relação à dimensão ambiental, implicaria em uma alternativa de desenvolvimento gerada por experiências de Indicação Geográfica que atentasseaousoracionaldaágua,ousoeconservaçãodosolo,preservação de áreas naturais existentes e aplicação de práticas agrícolas sustentáveis comodiferencialnaproduçãodosprodutos. Tomandocomoreferênciaasexperiênciasanalisadas,conclui‐sequeas variáveis relacionadas às dimensões social e cultural estão minimamente contempladas.Noentanto,emrelaçãoàdimensãoambiental,apreocupação resume‐se ao atendimento das exigências legais, sendo necessários novos avanços. Tem‐se consciência das limitações do presente estudo, principalmente por terem sido observadas apenas duas experiências de um único setor. Alémdisso,setratamdeexperiênciasaindarecentes,sendoqueaanáliseda sua prática atinge um período muito curto, não permitindo análises mais aprofundadas. Mesmo em se tratando da análise dessas ou outras experiências, sugere‐se para pesquisas futuras envolver um maior número de entrevistados, atingindo os demais setores produtivos locais, ou seja, pousadas, restaurantes, hotéis e a comunidade, com a intenção de melhor perceberoimpactodaIndicaçãoGeográficaemtodooterritório. REFERÊNCIAS ALBAGLI, S. Território e territorialidade. In: LAGES ,V.; BRAGA, C.; MORELLI, G. Territórios em movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva.Brasília:SEBRAE,p.24‐69,2004. BRASIL.Leinº9.279,de14demaiode1996.Reguladireitoseobrigaçõesrelativosà propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L9279.htm>.Acessoem:09abr.2013 BRUCH, K. L. Indicações geográficas para o Brasil: problemas e perspectivas. In: PIMENTEL,L.O.;BOFF,S.O.;DEL'OLMO,F.S.(Org.).Propriedadeintelectual:gestãodo conhecimento, inovação tecnológica no agronegócio e cidadania. 1 ed. Florianópolis: FundaçãoBoiteux,p.1‐10,2008. CHELOTTI,M.C.Reterritorializaçãoeidentidadeterritorial.Soc.nat.,Uberlândia,v.22, n.1,p.165‐180,abr.2010. CUCHE,D.ANoçãodeculturanasciênciassociais.Bauru:EDUSC,1999. FONTE, M. et al. Desarrollo rural e identidade cultural: reflexiones teóricas y casos empíricos.RIMISP,2006. FLORES, M. A identidade cultural do território como base de estratégias de desenvolvimento: uma visão do estado da arte. Contribuição para o Projeto 71 Desenvolvimento Territorial Rural a partir de Serviços e Produtos com Identidade – RIMISP,mar.2006. FROEHLICH,J.M.etal.AagriculturafamiliareasexperiênciasdeIndicaçõesGeográficas noBrasilmeridional.Agrociencia,Uruguay,Montevideo,v.14,n.2,p.115‐12,dic.2010. HAESBAERT, R. Des‐territorialização e identidade: A rede “gaúcha” no nordeste. Rio deJaneiro:EDUFF,1997. PAULA, J. Territórios, redes e desenvolvimento. In: LAGES, V.; BRAGA, C.; MORELLI, G. Territórios em movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva.Brasília:SEBRAE,p.71‐84,2004. PIMENTEL,L.O.OsdesafiosdosaspectoslegaisnapráticadeestruturaçãodasIndicações Geográficas Territorial. In: DALLABRIDA, V. R. Território, identidade territorial e desenvolvimento regional: reflexões sobre indicação geográfica e novas possibilidade de desenvolvimento com base em ativos com especificidade territorial. São Paulo. LiberArs,p.135‐144,2013. POLLICE, F. O papel da identidade territorial nos processos de desenvolvimento local. EspaçoeCultura,UERJ,RJ,n.27,p.7‐23,jan./jun.2010. SACCO DOS ANJOS et al. Indicações geográficas, capital social e desenvolvimento territorial. In: DALLABRIDA, V. R. Território, identidade territorial e desenvolvimento regional: reflexões sobre indicação geográfica e novas possibilidade de desenvolvimento com base em ativos com especificidade territorial. São Paulo. LiberArs,p.159‐196,2013. SACCO DOS ANJOS et al. Indicações Geográficas e Desenvolvimento Territorial: Um DiálogoentreaRealidadeEuropeiaeBrasileira.SãoPaulo.RevistadeCiênciasSociais, vol56,n1,p.207‐236,2013. SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. SAQUET, M. A.; BRISKIEVICZ, M. Territorialidade e identidade: um patrimônio no desenvolvimentoterritorial.CadernoPrudentinodeGeografia,v.1,n.31,p.1‐6,2009. SILVA,S.B.M.;SILVA,B.C.N.Reinventandooterritório:tradiçãoemudançanaregiãodo sisal.RDE‐RevistadeDesenvolvimentoEconômico,ano3,n.5,p.6‐17,2001. 72 CAPÍTULO4 OPATRIMÔNIOCULTURALCOMOATIVO TERRITORIALNODESENVOLVIMENTO REGIONAL1 MárciaFernandesRosaNeu‐UFPR PatriciadeOliveiraArea–UNIVILLE INTRODUÇÃO Aproduçãodesteartigosefundamentanasreflexõesrealizadasdurante a participação na execução de um Projeto de Pesquisa, financiado pela FAPESC,coordenadopeloProf.ValdirRoqueDallabrida,daUniversidadedo Contestado, nas reuniões com a equipe de pesquisa do referido projeto e quando da participação na Rede Iberoamericana de Estudos sobre DesenvolvimentoTerritorialeGovernança2. Durante as pesquisas e os debates sobre desenvolvimento regional e Indicações Geográficas, um problema se apresentava recorrente entre os pesquisadores: a participação ou adesão da população na implantação e implementação de uma Indicação de Procedência ou de uma Denominação de Origem. A participação da comunidade em geral é o que garante o seu próprio reconhecimento. A exemplo dos países europeus que, de modo geral, possuem uma grande experiência de desenvolvimento regional fundamentado nos pequenos produtores, no associativismo e nas ações cooperadas para a valorização das Indicações Geográficas (IGs), no Brasil têm surgido vários movimentos, inclusive por meio de políticas públicas, paragerarodesenvolvimentoregionalcomoreconhecimentodospróprios produtoresdoseupotencial.3 1 O texto resume reflexões realizadas durante a execução do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, financiado pela FAPESC, Chamada Pública Nº04/ 2012/Universal. 2 A Rede resultou de encontro que reuniu professores de universidades brasileiras, de Portugal e Espanha, no dia 17 de agosto de 2014, na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Propõe o estudo comparado de práticas de desenvolvimento territorial e governança, envolvendo pesquisadores universitários, técnicos profissionais ou gestores públicos e privados que estudam ou estão envolvidos em experiências de desenvolvimento territorial e governança. Na objetivação de seu propósito básico propõe-se realizar parcerias com pesquisadores universitários e estudiosos de países iberoamericanos. O endereço provisório de contato é: [email protected]. 3 Sobre o assunto, é interessante mencionar a publicação de Krone e Menasche (2010) na qual é analisada o uso de ferramenas como patrimonialização e indicações geográficas para gerar desenvolvimento regional com base em produtos tradicionais. 73 Apesar do patrimônio cultural não ser especificamente o objeto tutelado pelas Indicações Geográficas, a exclusividade sobre o signo distintivo vinculado a uma região geográfica está intrinsecamente relacionada à tradição e identidade cultural da comunidade dessa região. Essa relação impacta direta e indiretamente a comunidade local e sua participaçãoepertencimentoàexploraçãoeconômicadosprodutorese/ou serviçoscomosignodistintivoprotegidoporindicaçõesgeográficas. Portanto, para que esse processo de desenvolvimento regional ocorra, se faz necessária a reflexão sobre o patrimônio cultural das comunidades envolvidas. É imprescindível que a comunidade, mais especificamente, os agentes da cadeia produtiva, reconheça o potencial que uma integração cooperadapodegerarparatodos.Emais,quesetomemosdevidoscuidados paraquenãoexistaumesvaziamentosimbólicodessepatrimôniocultural,o que tornaria determinado produto e/ou serviço apenas uma commodity a ser consumida, desassociado da trajetória histórica e patrimonial da comunidade. Nesse esforço, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA),associadoaoInstitutoNacionaldePropriedadeIndustrial(INPI)e com o apoio de membros da Rede Iberoamericana de Estudos sobre Desenvolvimento Territorial e Governança, elaborou um curso com o objetivodegerarempoderamentosobreopotencialdasIGs,cujapropostaé formar gestores locais para promover as Indicações Geográficas e sua relaçãodiretacomopatrimônioculturaldeumacomunidade.Essamesma comunidade precisa ser envolvida num amplo trabalho de Educação Patrimonialparaquepossareconhecerevalorizarsuacultura.Nãoétarefa fácil, haja vista que a fase atual do capitalismo remete para os grandes monopólioseosoligopólios,quetentamdominaromercadoeimpor,dessa forma,umauniformizaçãoculturalparaumamassificaçãodoconsumo. 2.PATRIMÔNIOCULTURALEOSATIVOSDODESENVOLVIMENTOREGIONAL “Ocapitalismoéumprocesso,nãoéumacoisa”,jádisseDavidHarvey (1989,p.307).Contudo,continuaoautor,éumprocessodereproduçãoda vida social por meio da produção de mercadorias, envolvendo todas as pessoas no mundo capitalista. Enquanto o capital mascara. fetichiza e alcança crescimento mediante a destruição criativa, cria novos desejos humanosenecessidades,transformaespaçoseaceleraoritmodavida.Ou seja,mudaculturas(HARVEY,1989). O fordismo, modelo de desenvolvimento e regime de acumulação implantadoemmeadosdoséculoXX,sefundamentounaproduçãoemsérie eapoiou‐senoconsumodemassa.Acrisedessemodelodeproduçãolevou ao que muitos autores chamaram de fase pós‐fordista, ou fase flexível de 74 produção, criada no final da IIª Guerra Mundial na indústria Toyota, no Japão(BENKO,1999).Oconsumodemassaalteravahábitosecostumes(ou seja,alteravaasculturas)principalmenteentreosmaisjovens. A cultura aqui discutida se baseia no conceito criado por Tylor (1877, apudMINTZ2009)noqualbusca“[...]refletirosprodutoscomportamentais, espirituais e materiais da vida social humana”. A cultura é inerente ao ser humanoemsociedade. Nosistemamaisflexível,Benko(1999,p29)destacouqueapassagem para o novo regime de acumulação é acompanhado de mudanças importantes nos modos de produção e de consumo. O consumo em massa continuacomoimportanteformadeacumulaçãoparaasindústriasdemodo geral. Entretanto, como resistência involuntária, há a valorização de produtoscomreferênciasculturaisdistintas. Essasociedadedeconsumoemassificaçãoestávinculadaàprópriapós‐ modernidade, que tem como principais critérios a performatividade e funcionalidade. Segundo Westphal (2004, p. 20), “[...] para a filosofia pós‐ moderna, não há um poder regulamentador ou umponto de convergência, poisocritérionãoéodajustiçaoudeautoridadeenemdeverdade,masde performatividade (desempenho)”. Em outras palavras, a principal questão hoje é: para que serve, qual sua função, qual retorno deste objeto? Ainda conformeWestphal(2004,p.21),“[...]oquesebuscanãoestámaisligadoao falso ou verdadeiro, ao justo ou injusto, mas ao critério da competência e performatividade,ouseja,daeficiênciaedalucratividade”. Ao se aplicar a lógica da performatividade e funcionalidade (produção emmassa)paraessesprodutose/ouserviçostradicionais,poderáhaverum esvaziamentodoprópriosentidodopatrimônioculturalexistentenaforma de fazer tradicional. Esvaziado o ativo cultural, essa comunidade local não conseguirá sobreviver à lógica de mercado das grandes corporações, por nãoterescalarilidadesuficienteparasuprirasdemandasdemercado.Com isto, haverá uma desvalorização da comunidade local e uma exclusão e desempoderamentodessesagentestradicionais. Portanto, auxiliar uma comunidade no reconhecimento de sua identidade cultural e, a partir daí, do seu potencial econômico é uma estratégia fundamental para o processo de criação das Indicações Geográficas como promotoras do desenvolvimento regional, tendo sempre emcontaqueaidentidadeculturalemsiéumdosprincipaisativos. 2.1OPAPELDOSATIVOSNODESENVOLVIMENTODOSTERRITÓRIOSESUA RELAÇÃOCOMACULTURALOCAL Oprocessodemundializaçãoemcursodestróiasidentidadesculturais das comunidades locais. Para Camargo (2009, p. 41) “[...] um dos grandes 75 debatesdaatualidadequesemanifestamcomoelemento‐chavedocombate à globalização é a questão da territorialidade do lugar e da identidade”. O reconhecimentodopatrimônioculturaldeumacomunidadeéfundamental paraposicionarocidadãoemseucontexto,tornarsuavisãodemundomais ampla e destituir as suas amarras políticas e ideológicas. Repensar a identidade à luz da complexidade significa perceber o constante renascimento do cidadão, significa a integração do local e do global num intensofluxodeconexão(CAMARGO,2009,p.41a43). ParaCastells(1996),aspessoasaindavivememlugaresondeafunçãoe opodersãoorganizadosnoespaçoeondealógicadadominaçãoestrutural altera essencialmente o significado e a dinâmica do lugar. A construção da identidadedeumpovoestánabasecultural,afirmaoautor.Oprocessode globalizaçãoocorrenolugar,masquandoaidentidadeculturalébasilarela podeserodiferencialnosistemaprodutivo(CASTELLS,1996,p.458). Poressarazão,aprópriaConstituiçãoFederalBrasileirade1988sofreu uma alteração em 2012, pela Emenda Constitucional nº 71, a qual, dentre outras alterações, acrescentou o art. 216‐A, que destaca a importância da culturaparaodesenvolvimentonacionaleaimportânciadaparticipaçãode todos, de forma descentralizada e participativa, envolvendo tanto os entes da federação como a própria sociedade. E no Art. 216, manteve o conceito amplo de patrimônio cultural, englobando bens de natureza material ou imaterial,conformesevêabaixo: Art. 216‐A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração,deformadescentralizadaeparticipativa,instituiumprocessode gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes,pactuadasentreosentesdaFederaçãoeasociedade,tendopor objetivopromoverodesenvolvimentohumano,socialeeconômicocompleno exercíciodosdireitosculturais.(IncluídopelaEmendaConstitucionalnº71,de 2012)[...]. Portanto, patrimônio cultural é um conceito complexo, que reflete em seu conteúdo não só a construção histórica da sociedade, mas principalmentearelaçãoqueestaspossuemcomaspessoasquefazemparte de manifestações culturais. Está relacionado a pertencimento, memória, identidade cultural, o que está vinculado necessariamente a pessoas, à coletividade. Veloso (2006, p. 440 et seq) destaca tal relação com a coletividade: “[...] o importante a destacar é a intrínseca relação existente entrepatrimônioculturaleexperiênciacoletiva,ouseja,ossaberesefazeres tradicionaisegenuínossãoconhecimentoscompartilhadosquefazemparte do repertório cultural comum de um determinado grupo”. A tradição cultural, por sua vez, “[...] é fruto de uma tessitura muito complexo que os indivíduos tecem com base em elementos da história, da memória e do 76 cotidiano”. Daí a importante relação entre Indicação Geográfica, ativos territoriais e patrimônio cultural. Para Guia (2010), o debate sobre o ordenamentoterritorialeodesenvolvimentoregionalbrasileiroprecisaser discutido à luz da temática social, ambiental e econômica. Nesse sentido, o patrimônio cultural é uma referência pouco utilizada quando se trata do desenvolvimento do Brasil. Já quando se trata de agências internacionais, Unesco, Banco Mundial, entre outros, como lembrou o autor, o elemento cultural é fundamental para discutir o desenvolvimento econômico de diversas atividades, dentre elas o turismo. No Brasil, país com enorme diversidade cultural, o conteúdo cultural de seu território sofre de um “processodeanomiageneralizada”. SegundooGuia, […] a agenda de desenvolvimento econômico do país desconsidera o patrimônio cultural ou pelo desconhecimento acerca do conteúdocultural do território brasileiro, ou pela resistência, em suas políticas nacionais e subnacionais,deconsiderarosinstrumentosdeproteção(inventário,chancela, tombamento, registro) como medidas eficazes de promoção do desenvolvimentonacional(GUIA,2010,p.4). O Brasil sofre de grande desconsideração do patrimônio cultural brasileiro, lembrou o autor, já que oBrasil dispõe de “[...] mais 1.125 bens tombados pelo Governo Federal, incluindo igrejas, terreiros, jardins históricos, paisagens naturais, lugares sagrados" [...], dentre outros bens e manifestações culturais (GUIA, 2010, p. 5). Esses patrimônios culturais e diversosoutrosqueaindanãoforaminventariadosjánãoseriamsuficiente parasepromoverarranjosprodutivoslocais? Algumastentativastêmsidorealizadasafimdeestimularaorganização da base produtiva local em torno da identidade cultural, mas com pouca adesão da população4. Qual o motivo para esse distanciamento? Como aproximaraspessoasparaconstruiralternativasprodutivasquepromovam o desenvolvimento regional? Uma hipótese plausível para esse distanciamentoéafaseatualdaorganizaçãododesenvolvimentocapitalista, existentenapós‐modernidade,quereforçaoindividualismo,compequenas participações em associações, sindicatos, entre outras iniciativas de organizaçãodasociedadecivil.Westphal(2010,p.11)afirmaque"[...]oeu passaaseroeixoeocritérioparaoagirmoral.Aperguntafundamentalé:O queeuganhoaoseréticonarelaçãocomooutro?” Singer (2004) diferenciou o desenvolvimento capitalista do 4 Exemplos dessas tentativas são as associações que se organizam para pedir IGs com base no saber-fazer tradicional local de, principalmente, produtos. Contudo, dessas IGs registradas, poucas efetivamente estão atuantes no mercado, gerando renda e desenvolvimento regional para as comunidades. 77 desenvolvimento solidário. Para ele, o desenvolvimento capitalista é realizado com os valores da competição, do individualismo e do Estado mínimo. Já o desenvolvimento solidário é realizado com pequenas comunidades, por meio de cooperativas ou associações de trabalhadores, que,mesmocompetindoentresipelomercado,estabelecemumaespéciede ajudamútua. Nessesentido,apropostadasindicaçõesgeográficaséadeestabelecer um desenvolvimento solidário, já que se faz necessário gerar na cadeia produtiva ações coletivas com benefícios para todos os produtores, ainda mais considerando que a titularidade da indicação geográfica é coletiva5. Ainda segundo Singer (2004), uma das características do desenvolvimento capitalista é o seu caráter excludente. Nos últimos anos os consumidores têmsebeneficiadocomoportunidadedesatisfazerassuasnecessidadesde novos bens e serviços com preços mais reduzidos. No entanto, reforçou Singer (2004, p.10), o “[…] desenvolvimento capitalista é seletivo, tanto socialcomogeograficamente”.Hajavistaocomérciointernacional,noqual os países do Atlântico Norte apresentam comércio externo com movimentação portuária muito mais intensa se comparado aos países do AtlânticoSul.Aslocalidadesexcluídasperdemparticipaçãonarendaglobal, perdem vigor econômico, reduzindo as possibilidades de novos investimentos em infraestruturas, educação, saúde, entre outros. Cria‐se o círculoviciosodosubdesenvolvimento. O surgimento das reflexões e de diversas iniciativas baseadas no desenvolvimento solidário pode gerar alternativas de renda a partir do patrimônioculturaldacomunidade.Aparececomoumaformaderesistência à“economiadodinheiro”,aqualMarxacusavadedissolverascomunidades tradicionais(apudHARVEY,2001,p.98). 2.2RISCOSEDESAFIOSDAMERCANTILIZAÇÃODOPATRIMÔNIOCULTURAL Como se observou, o uso das Indicações Geográficas se estabelecem comoumaimportanteferramentaparaodesenvolvimentoregionalapartir da exploração econômica de produtos e/ou serviços, com identidade cultural,vinculando‐osasignosdistintivosbaseadosemnomesgeográficos. Emoutraspalavras,éutilizar‐sedaprópriaorigemtradicionaldosprodutos e/ou serviços como diferencial competitivo no mercado, gerando renda e espaçonomercadoparaosprodutorestradicionais. Yudice (2013, p. 26‐27), tratando a cultura como recurso, também 5 Essa é, inclusive, uma exigência legal, consubstanciada no art. 182, da Lei nº 9.279/1996: “O uso da indicação geográfica é restrito aos produtores e prestadores de serviço estabelecidos no local, exigindo-se, ainda, em relação às denominações de origem, o atendimento de requisitos de qualidade”. 78 destaca essa instrumentalização da arte e da cultura, fruto da própria desmaterialização das várias fontes de crescimento. Esta ocorre ora para legitimardiferençasculturais,oraparaestimularocrescimentoeconômico. [...] hoje em dia é quase impossível encontrar declarações públicas que não arregimentemainstrumentalizaçãodaarteedacultura,oraparamelhoraras condições sociais, como na criação de tolerância multicultural e participação cívica através de defesas como as da UNESCO pela cidadania cultural e por direito culturais, ora para estimular o crescimento econômico através de projetosdedesenvolvimentoculturalurbanoeaconcomitanteproliferaçãode museus para o turismo cultural, culminados pelo crescente número de franquiasdeGuggenheim. Podeserumaimportanteferramentaparaodesenvolvimentoregional e empoderamento da comunidade, coordenando crescimento econômico com preservação sustentável do patrimônio cultural local. Contudo, a exploração econômica, por si só, não é garantidora de desenvolvimento sustentável de uma comunidade e seu patrimônio cultural. Muito pelo contrário, ela pode trazer consequências prejudiciais no que tange à preservaçãodopatrimôniocultural.Aexposiçãoesubmissãodopatrimônio cultural à lógica do mercado, do consumo próprio da pós‐modernidade, pode provocar externalidades negativas, na medida em que transforma o bem cultural em uma simples commodity, provocando um “esvaziamento” do conteúdo patrimonial desse bem. Veloso (2006, p. 439) destaca esse perigo: Operigoquesecorreéodetransformarosbensculturaisemmerosobjetosde consumo,emtransformaropatrimôniomaterialemexpressãodeumahistória rasa;ou,ainda,transformarasmanifestaçõesculturaisdopatrimônioimaterial emfetiche,ouseja,privilegiaroprodutotransformadoemobjetodeconsumo comoqualqueroutramercadoriaquecirculanasociedadeatual. Veloso (2006) chama essa situação de “fetiche do patrimônio”, que é transformá‐lo em produto customizado para consumo, promovendo uma distinçãosocialdaquelesqueoconsomem.NaspalavrasdeVeloso(2006,p. 438): O chamado capitalismo tardio, marcado pela internacionalização do capital e flexibilidadedotrabalho,entreoutrasconsequências,provocouumaprofunda mercantilização da cultura, introduzindo a noção de que o consumo cultural promove distinção social. O patrimônio cultural, tanto o material quanto o imaterial,extraisuasingularidadeporexpressar‘marcasdedistinção’que,por sua vez, remetem a situações específicas vividas por uma determinada comunidade[...] […] Portanto, tornar o patrimônio um fetiche, considerar apenas o seu produtoobjetivadoéumriscopalpáveldiantedasociedadedeconsumoeda 79 ‘modernidade liquida’ (BAUMAN, 2001). Nela o fragmento, a aparência e o individualismoimperam. Assim, a maior riqueza do patrimônio cultural é a ideia de pertencimento (VELOSO 2006) e é através dele que se poderá efetivar o empoderamentodapopulaçãosobreaexploraçãoeconômicadosprodutos e/ou serviços tradicionais vinculados ao território. Ademais, há que se atentarparaosriscosqueoconsumodessesativosterritoriaispodemtrazer paraaprópriareferênciaculturaldopatrimônioculturaldascomunidades. Os ativos do território existem em todas as localidades, mas precisam serdescobertosjáquemuitasvezesaspessoas,individualmenteenvolvidas em suas rotinas, não identificam novas possibilidades. Para esse despertar da valorização cultural da comunidade, acredita‐se que é necessário empregarasmetodologiasdaEducaçãoPatrimonial. A Educação Patrimonial é um processo que precisa atuar baseado nos princípios de Paulo Freire, de uma educação libertadora. A Educação Patrimonialnãopodeatuarcomoacumulaçãodeconhecimentos,nemcomo disciplinaescolar,masdevesercapazdeajudarnaestruturaçãodotempoe doespaço,desenvolvendoossentidose,maisparticularmente,acapacidade dever,dedesvelar. 2.3EDUCAÇÃOPATRIMONIALEACULTURALOCAL Aculturadascomunidadesestáencobertapormuitasinvestidasda industrialculturaldemassa.SegundoMorin(2002): [...]achegadadocinema,dagrandeimprensaedepoisdorádioedatelevisão no século XX conduziram ao desenvolvimento da industrialização e da comercialização da cultura com o auxílio dos seguintes fatores: da divisão especializada do trabalho, da padronização do produto e sua mensuração cronométrica,dabuscadarentabilidadeedolucro(MORIN,2002,p.02). Aculturadecadacomunidadeseintegraàcomplexidadeepermiteao serhumanosereconhecernogrupo,nasociedade.Osmeiosdecomunicação de massa tendem a homogeneizar as culturas, garantindo, assim, a lucratividade. No desenvolvimento capitalista, segundo Singer (2004), somentealgunsconseguemrealmenteganhar. A proposta de desenvolvimento solidário parte da cultura local, permitindo o reconhecimento das potencialidades das comunidades e constituindo, em toda a cadeia produtiva, um processo de ajuda e de cooperação. É outra lógica, fora dos padrões reproduzidos pela população. Entretanto, as estratégias que envolvem a educação patrimonial tornam possíveloestabelecimentodovínculocomacomunidadee,apartirdaí,uma propostadedesenvolvimentosolidário. 80 ParaPeregrino(2012): [...] a forma de garantir a preservação dos valores culturais da sociedade e a inserção do patrimônio cultural no cotidiano das comunidades passa necessariamente por ações voltadas para a sensibilização dos cidadãos, sujeitos da transformação social e importantes agentes para se alcançar o desenvolvimentosociocultural(PEREGRINO,2012,p.5). Nesse sentido, segundo o autor, a palavra patrimônio carrega a noção debenscarregadosdememória,aquiloqueherdamos,queseacumulacom opassardotempo,podendoassumirvaloreconômico,masqueprecisaestar relacionado ao “[…] vínculo do apoderamento, de pertencimento” (PEREGRINO, 2012, p. 5). O patrimônio cultural referencia a identidade de umacomunidade,criaformaepermiteacriaçãodasindicaçõesGeográfica, pois,namaioriadoscasos,aculturatemvaloreconômico. Avalorizaçãodopatrimônioculturalbrasileiroprecisapassarporações pedagógicas,noslembrouPeregrino(2012),jáqueprecisadesenvolverum processo permanente de conhecimento junto à comunidade. A Educação Patrimonial pode ser uma das formas de gerar a formação cidadã, pois auxiliaosujeitonoprocessodesolidariedade,que,demodocoletivo,possa buscarosentidodepertencimentoeapoderamento.Taissentidos,navisão doautor,sãoessenciaisparaaauto‐estimacomunitáriaecontribuemparaa preservaçãodopatrimôniocultural. Para Londres (2012), a valorização do patrimônio cultural se fundamenta na transmissão, difusão e apropriação dos cidadãos que, em comunidade, preservarão seus bens. Os produtos regionais passam a apresentar‐se com especificidades da cultura, fortalecendo os vínculos identitários. A educação patrimonial remete a um caminho de preservação dosbenscomopráticasocial,inseridanavidadaspessoas,eminterlocução comasociedadeeosserviçospúblicos(LONDRES,2012,p.15). 2.4DESENVOLVIMENTOSOLIDÁRIOOUSEMI‐SOLIDÁRIO‐CASODAFLUSS HAUSEMSÃOMARTINHO‐SC Singer (2004, p. 15) refletiu sobre o “[…] desenvolvimento semi‐ capitalistas ou semi‐solidário”, que na fase do capitalismo flexível aparece com mais evidência. O aumento das pequenas e médias empresas propicia aos trabalhadores atuar junto com os proprietários e até auxiliar na conduçãodaempresa. Segundooautor, […] Neste ambiente, não há segredo do negócio. Os empregados em geral conhecemosclienteseovalordobemouserviçoquelhesévendido.Podem calcularovalorqueproduzemeoquelhesépago(SINGER,2004,p.15). 81 Ooperáriotemmaisflexibilidadeparaauxiliaremdiversastarefasnas pequenasemédiasempresas,inclusiveaprendendosobreonegócio,oque lhe permite criar, em algumas condições, seu próprio negócio ou crescer comaempresa. Nesse sentido, trazemos como exemplo um empreendimento criado numacomunidaderuraldeorigemalemã,noMunicípiodeSãoMartinhoSC. AempresaFlussHaus,ouCasadoRio,cujolemaserespaldanastradições culturais quando diz logo na entrada: pensando no futuro, sem perder as tradiçõesdopassado(figura1). Figura1:PlacanaentradadaFlussHausnaComunidadedeVargemdoCedro,SãoMartinho. Fonte:autora. Essa empresa atua há 18 anos e representa para os moradores a alternativa ao êxodo rural. Na história da empresa, segundo os proprietários, há um misto de superação, trabalho em família e tradição. Segundo eles, uma grande crise na lavoura forçou a busca de soluções: fabricarpequenoslotesdepães,roscas,bolachasdecoradascomreceitasda famíliaevendernaregião. Quando as pessoas conheceram os produtos começaram a comprar, enfrentadoestradadechãocompontesdemadeira,passandopordiversas áreras rurais, até uma pequena comunidade com pouco mais de 30 casas espalhadasnaspropriedadesruraisecercadasporplantaçãodemilho,soja, fumo, feijão entre outros. Durante o trajeto, os compradores já tinham iniciadoseumergulhonaculturalocal,algunsseidentificandomais,outros, estranhando.Mashavia,demodogeral,oencantamentodoingressoemuma cultura diferente. Ao chegar lá, optavam por comer os produtos no local e pediamaosproprietárioscaféecháparaacompanharasbolachas,roscase pãescaseiros.Apartirdessademanda,montarumcafécolonial,comampla áreadelazerealmoçonosfinsdesemana,foiumpequenopasso(figura2). 82 Figura2:AcessoaFlussHaus‐naComunidadedeVargemdoCedroemSãoMartinhoSC. Fonte:sitewww.flusshaus.com.br. Atualmente, a comunidade gira em torno desse empreendimento, que emprega mais de 80 trabalhadores fixos e terceiriza parte da produção de salgados e tortas, gerando novos empreendimentos no entorno. Alguns vendem artesanato em pequenas lojas, outros instalaram uma pousada, todospróximoaFlussHaus,sem contar aindarestaurantesnotrajeto,que aproveitam as belezas naturais das quedas d’agua e o constante fluxo de turistas pele estrada. A comunidade, e mais especificamente a Fluss Haus, recebe em torno de 5 mil pessoas por mês, o que supera em muito toda a população de São Martinho que, segundo o IBGE 2010, é de 3.323 habitantes. No entanto, é necessário que os moradores e os empreendimentos formem uma comunidade organizada onde, segundo Singer, (2004, P. 16) “[…]oprogressodeledependedoprogressodacomunidadee,portanto,do progresso de cada um dos outros membros dela […]”. Essa região poderia ser condenada ao esvaziamento e a saída dos jovens para a cidade, como tantas outras realidades brasileiras. Atualmente, porém, muitos jovens retornam,poisconseguemempregosnasuacomunidade. A Indicação Geográfica dos produtos de Vargem do Cedro (São Martinho) poderia ser uma sequência natural, poisa comunidade já teve o seudespertardaEducaçãoPatrimonial,quenãochegoupormeiodepessoas alheias à comunidade, mas partir de iniciativa criada numa situação de extremanecessidade,combinadaàculturadacomunidade. 83 Manter o ambiente sustentável e sensibilizar os demais moradores do Município,pormeiodaEducaçãoPatrimonial,podeauxiliarnapreservação dastradiçõesculturaiseprojetarofuturo.Essasindicaçõespermitirãoque outrosexemploscomoestepossamsurgiremtantosmunicípiosbrasileiros que carecem de alternativas geradoras de renda, apesar de estarem sentados sobre o "pote de ouro", a sua riqueza cultural, mas que não a reconhecerem. CONSIDERAÇÕESFINAIS As Indicações Geográficas constituem mecanismo de geração de renda num modelo de desenvolvimento solidário. No entanto, nossa cultura econômicaderivadocapitalismo,quepressupõecompetição,exclusão.Para essemodeloquesepropõe,sefaznecessáriaacooperação,demodoqueem todosnacomunidadepossamcrescerjuntos. Contudo, os produtores e a própria população da respectiva comunidade participarão quanto maior for sua consciência de pertencimento com o empreendimento da indicação geográfica. E essa consciência está intrínsecamente relacionada com o patrimônio cultural local. Para isso, se fazem necessários o reconhecimento e a valorização da riqueza cultural das comunidades. A globalização no processo fordista de produção gerou a massificação tanto do consumo como da produção. No entanto, a crise desse modelo permite o surgimento de modelos alternativos, maiscooperativos,centradosnaculturalocal.Essediferencial deproduçãonãoencontraconcorrência,poiséúnico,nãoexisteoutroigual. Noentanto, asensibilizaçãodacomunidaderequeraçõesdeEducação Patrimonial, envolvendo as escolas e outras associações para o empreendedorismo solidário, coletivo, capaz de gerar, a partir da cultura local,renda.Paraisso,énecessárioqueacomunidadetenhasuaautoestima elevada,percebendocondiçõesculturaisqueadiferenciamdeoutras. A educação patrimonial também pode ser uma importante ferramenta para evitar a “fetichização” do patrimônio cultural, na medida em que possibilita que tanto a comunidade local como as pessoas que a visitam tenham pleno conhecimento da história, memória, identidade cultural e o cotidianoquegerouosaberfazerdarespectivacomunidade. REFERÊNCIAS CAMARGO,L.H.R..OrdenamentoTerritorialecomplexidade:porumareestruturaçãodo espaço social. In: ALMEIDA, Flávio Gomes. SOARES, Luiz Antonio Alves (Org.). Ordenamento Territorial: coletânea de textos com diferentes abordagens no contextobrasileiro.RiodeJaneiro:BertrandBrasil,p.22‐52,2009. 84 CASTELLS,M..Opoderdaidentidade.5ed.SãoPaulo:PazeTerra,p.77‐87,1996. FLORENCIO,S.R.;CLEROT,P.;BEZERRA,J.;RAMASSOTE,R.EducaçãoPatrimonial: histórico,conceitoseprocessos.Brasília,DF:Iphan/DAF/Cogedip/Ceduc,2014. FLORÊNCIO,S.R.R..EducaçãoPatrimonial:umprocessodemediação.In:TOLENTINO, ÁtilaBezerra(Org.).EducaçãoPatrimonial:reflexõesepráticas.JoãoPessoa:IPHAN‐ PB,p.22‐30,2012.(CadernoTemático2). FREIRE,P.Pedagogiadooprimido.RiodeJaneiro:PazeTerra,1970. FREIRE,P.PedagogiadaAutonomia.SãoPaulo:PazeTerra,2011. GUIA, G. A. Patrimônio Cultural e desenvolvimento regional. IPEA. Edição 62 23/07/2010. Edição Especial. 2010. In: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=1096:catid=28&It emid=231.Acessoem:1denovembro2014. HARVEY,D.CondiçãoPósModerna.SãoPauloSP:EdiçõesLoyola.2001. KRONE, E. E.. MENASCHE, R.. Políticas públicas para produtos com identidade cultural:umareflexãoapartirdocasodoqueijoartesanalserranodosuldoBrasil, 2010. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/pgdr/arquivos/753.pdf>. Acesso em: 29 dez.2014. LONDRES, M. C. Referências culturais: base para novas políticas de patrimônio. PolíticasSociais:acompanhamentoeanálise.n.2.Brasília:IPEA,2001 MAGALHAES, L. H.; ZANON, P. BRANCO, P. M. C. Educação Patrimonial: da Teoria à Prática.Londrina,PR:Ed.UniFil,2009. NOVAK,G.LaLeydeldesarrollodesigualycombinadodelasociedad.Rabisco,1988. Acesso:www.nodo50.org/ciencia_popular/articulos/Novack.htmem20denovembrode 2014. PEREGRINO,U.PatrimônioCultural:umaconstruçãodacidadania.In.:TOLENTINO,Á.B. (Org.).EducaçãoPatrimonial:reflexõesepráticas.JoãoPessoa:IPHAN‐PB,2012,p.4‐ 6.(CadernoTemático2). ROSSI,A.V.Patrimôniocultural:entendaepreserve.Guiadeatividadesdeeducação patrimonial. Campinas: Prefeitura Municipal de Campinas/Secretaria Municipal de Cultura,2009. SANTOS,M.Espaçoesociedade.2ªed.Petrópolis,RJ:Vozes,1982. SINGER,P.Desenvolvimentocapitalistaedesenvolvimentosolidário.Estud.av.,vol.18, n.51,p.7‐22,2004. VELOSO,M.Fetichedopatrimônio.Habitus.Goiânia,v.4,n.1,p.437‐454,jan./jun.2006. WESTPHAL,E.R.Ooitavodia:naeradaseleçãoartificial.SãoBentodoSul‐SC:União Cristã,2004. WESTPHAL,E.R.Após‐modernidadeeasverdadesuniversais:adesconstruçãodos vínculoseadescobertadaalteridade.In:LAMASN.C.;MORAES,T.M.R.(Orgs.). (Pro)posiçõesCulturais.1ed.Joinville:EditoraUniville,p.11‐32,2010. 85 CAPÍTULO5 DESENVOLVIMENTO,SUSTENTABILIDADE AMBIENTALEINDICAÇÕESGEOGRÁFICAS AGROPECUÁRIAS1 CristianedeMoraisRamos‐UFSC AdrianaMarquesRossetto‐UFSC INTRODUÇÃO Uma das premissas atribuídas à existência das Indicações Geográficas no Brasil é que estas atuam como promotoras do desenvolvimento sustentáveldoterritórioondeestãoinseridas(BRASIL,2008). No entanto, essa premissa torna‐se ilusória, em parte, à medida que existeumacarênciadeorientaçãorelativaà promoçãodasustentabilidade ambiental, um dos aspectos do desenvolvimento sustentável, ou falta de apoio por parte do governo aos produtores desses territórios, durante o processoderegistro,implantaçãoemanutençãodasIndicaçõesGeográficas. Apesardaobrigatoriedadedocumprimentodalegislaçãoambiental(e demaispertinentes)paraobtençãodoregistrodasIndicaçõesGeográficas,a carência de normativas, leis e diretrizes específicas para o alcance dessa premissa faz com que recaia sobre os produtores a responsabilidade pelo próprio estabelecimento e definição de ações, de forma individual ou coletiva, que objetivem a promoção da sustentabilidade ambiental de seus respectivos territórios. Ações que, no entanto, têm ocorrido de forma voluntária, não abrangendo a totalidade das IG’s brasileiras e de seus produtores. Reconhecer e entender o vínculo existente entre as Indicações Geográficasesuaorigemgeográficaédeextremaimportância,poisapartir desse entendimento será possível compreender sua influência no desenvolvimento de um território, em seus aspectos sociais, ambientais e econômicos. Assim,paraacompreensãodaproblemáticaexpostaanteriormente,faz‐ se necessário, primeiramente, uma breve descrição de alguns conceitos essenciais,taiscomoterritório,desenvolvimentoeIndicaçõesGeográficas,a qualseráapresentadaaseguir.Apósaapresentaçãodessesconceitos‐chave, 1 O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública Nº 04/2012/Universal. 87 será feita uma reflexão acerca de como o aspecto ambiental tem sido incluído no tema das Indicações Geográficas, partindo da legislação que trata sobre o tema, da instrução normativa que rege o registro das IndicaçõesGeográficas(nº25/2013)edoGuiaparaaSolicitaçãoeRegistro das Indicações Geográficas de Produtos Agropecuários, elaborado pelo MinistériodaAgricultura,PecuáriaeAbastecimento(MAPA).Porfim,serão propostasalternativasesugestõesparaqueoaspectoambientalsejamelhor consideradonesseprocesso. 1.TERRITÓRIOEDESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL Umdosprincipaisautoresbrasileirosatratarsobreoterritório,Milton Santos(2000),odefinenãoapenascomooresultadodasuperposiçãodeum conjuntodesistemasnaturaiseumconjuntodesistemasdecoisascriadas pelo homem. Para o autor, o território é o chão acrescido da população. É uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que pertence a nós. O território também é base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele exerce influência e é influenciado. Ao falar‐se em território, subentende‐se a área utilizada por umadeterminadapopulação. Albagli (2004, p. 28), ao definir o território, relembra a origem do termo.Esteseoriginoudotermoemlatimterritorium,quederivadeterrae significa pedaço de terra apropriado. O autor também cita que, na língua francesa, a palavra territorium deu origem às palavras terroir e territoire. Para Abagli (2004, p. 26), “[...] o território é o espaço apropriado por um ator, sendo definido e delimitado a partir de relações de poder, em suas múltiplasdimensões.Cadaterritórioéprodutodaintervençãoedotrabalho deumoumaisatoressobredeterminadoespaço”. Albagli (2004) não reduz o território à sua dimensão material e concreta, considerando‐o uma teia de relações sociais projetadas em um espaçodefinido.Eleapontaeexplica,ainda,quatrodimensõesdoterritório, a saber: física, política/organizacional, simbólica/cultural e econômica. A dimensão física do território está relacionada à sua materialidade. Nesse sentido, os elementos naturais de um território são transformados em potencialidades, no momento em que a sociedade reconhece sua importância,transformando‐osemrecursoseosincluindoematividadesde seusterritórios,podendoserpredatóriasousustentáveisparaoambiente. A dimensão político/organizacional, levantada por Albagli (2004), diz respeito ao sistema político, e este, por sua vez, integra outras duas dimensões: os conflitos e alianças entre grupos socialmente distintos e a cooperação entre grupos espacialmente diferenciados. O domínio desse espaçootornaterritórioeéfontedepodersocial.Nessesentido,oatorou 88 grupo social, ao apropriarem‐se de um dado território, decidem quais intervenções realizarão. Intervenções essas que, por sua vez, estão relacionadasàssuasconcepçõeséticas,opçõespolíticaseníveltecnológico. Com relação à dimensão simbólica/cultural, ao se definir uma identidade coletiva, também se define a relação que será estabelecida com os outros, criando‐se a imagem de quem é o “amigo” e “inimigo”, “rival” e “aliado”.Adimensãoculturalatua,nessecontexto,comoum“umfioinvisível que vincula os indivíduos ao espaço”, diferenciando as comunidades (ALBAGLI,2004). Por fim, para Albagli (2004), a dimensão econômica também possui uma forte dimensão espacial. Segundo o autor, os territórios possuem diferentes capacidades de oferecer competitividade e rentabilidade para empreendimentos e investimentos, o que traz diversas vantagens de localização. Há uma divisão do trabalho e do processo de acumulação de capital que pode ser identificada na hierarquização e diferenciação das atividadespredominantesdoslugares. O território não pode ser confundido, simplesmente com uma materialidade do espaço construído socialmente, e tampouco com um “conjunto de forças mediadas por esta materialidade” (HAESBAERT; LIMONAD,2007,p.42).Paraosautores,oterritórioésempreapropriaçãoe domíniodeumespaçosocialmentecompartilhado.Enquantoaapropriação possui um sentido mais simbólico, o domínio apresenta uma acepção mais políticaeeconômica.Oterritórioéumaconstruçãohistórica,social,eparte de relações de poder que incluem, concomitantemente, a sociedade e o espaçogeográfico. Para Dallabrida (2011, Apud MARCHESAN e DALLABRIDA, 2013, p. 205),territóriocorresponde “[...] a uma fração do espaço historicamente construída através das inter‐ relações dos atores sociais, econômicos e institucionais que atuam neste âmbito espacial, apropriada a partir de relações de poder sustentadas em motivações políticas, sociais, ambientais, econômicas, culturais ou religiosas, emanadas do Estado, de grupos sociais ou corporativos, instituições ou indivíduos”. Saquet (2006, p. 82) reitera que a natureza está na sociedade, como a natureza inorgânica do homem, e por outro lado, “a sociedade está na naturezaatravésdohomemcomosergenérico”,eassimilaarelaçãoentrea dinâmica econômica e processos políticos e culturais. Para o autor, “a dinâmica econômica está, na constituição do território, nos processos políticos e culturais, identitários, e estes estão ligados ao movimento mercantil”,ressaltandoqueosarranjoseasrelaçõesentreoselementosdas territorialização variam de lugar para lugar, de momento e período histórico. 89 Aindasegundooautor,oterritórioénaturezaesociedade,nãohavendo separação entre eles. O território é “[...] economia, política e cultura; edificaçõeserelaçõessociais;des‐continuidades;conexãoeredes;domínio esubordinação;degradaçãoeproteçãoambiental,etc”.Elerepresenta [...] heterogeneidade e traços comuns; apropriação e dominação historicamentecondicionadas;éprodutoecondiçãohistóricaetrans‐escalar; com múltiplas variáveis, determinações, relações e unidade. É espaço de moradia,deprodução,deserviços,demobilidade,dedes‐organização,dearte, desonhos,enfim,devida(objetivaesubjetivamente).Oterritórioéprocessual e relacional, (i)material, com diversidade e unidade, concomitantemente (SAQUET,2006,p.83). 1.1DESENVOLVIMENTOTERRITORIALSUSTENTÁVEL Após a apresentação de algumas das definições acerca do território, podemos seguir para as considerações sobre o desenvolvimento e, em seguida, sua relação com o território, chegando a um dos pontos centrais destetrabalho,odesenvolvimentoterritorialsustentável. O desenvolvimento dito como sustentável se diferencia fortemente do crescimento econômico, que tem o produto interno bruto (PIB) como seu mais importante indicador, e está restrito aos aspectos econômicos de um território.Porém,pormuitotempo(eatéhojeemalgunscasos),foitratado comsinônimodotermodesenvolvimento. Para o entendimento das dinâmicas de um território e da medição da qualidade de vida de sua população, o crescimento econômico e o PIB se tornam insuficientes, fazendo com que outras formas de desenvolvimento sejam consideradas necessárias, e também outros tipos de indicadores. Nessesentido,CelsoFurtado,jáem1974,emseulivrointitulado“Omitodo desenvolvimentoeconômico”,traziaà tonaaquestãodaincompatibilidade entre a busca pelo crescimento econômico, em si, e o desenvolvimento, à medida que apontava a impossibilidade de países periféricos atingirem o mesmograudepressãosobreosrecursos,quefoicaracterísticodospaíses capitalistascentrais.Estefato,apressãosobreosrecursosocasionadapela buscadospaísesperiféricosemalcançaremumconsumoequivalenteaoda população dos países centrais, acarretaria em uma exaustão desses recursos,assimcomoimpactosnegativosnoambienteenasociedade. Nesse contexto, dois grandes autores se destacam: Amartya Sen e IgnacySachs.Sen,ganhadordoprêmioNobelemeconomia,emseutrabalho “Desenvolvimento como liberdade” (2000) entende o desenvolvimento como um processo de ampliação das liberdades dos indivíduos, contrastando essa visão àquela que limita a compreensão do desenvolvimentocomocrescimentodoprodutointernobruto(PIB). Sachs, um dos pioneiros a trabalhar com o tema desenvolvimento 90 sustentável, publicou diversos trabalhos com essa temática, dentre eles: CapitalismodeEstadoeSubdesenvolvimento:Padrõesdesetorpúblicoem economias subdesenvolvidas, 1969; Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir, 1981; Espaços, tempos e estratégias do desenvolvimento, 1986; Rumo à Ecossocioeconomia ‐ teoria e prática do desenvolvimento, 2007; Caminhos para o desenvolvimento sustentável, 2006; Desenvolvimento includente,sustentávelesustentado,2006. SegundoSachs(2004),odesenvolvimentosedistinguedocrescimento econômico à medida que os objetivos do desenvolvimento transpassam o objetivo de aumento de riqueza material. O autor considera o crescimento umacondiçãonecessária,porém,nãoobastanteparaalcançarumamelhor qualidadedevida,maiscompletaemaisfelizparatodosenãoumobjetivo emsi. Sachs (2004) compreende que a igualdade, equidade e solidariedade fazempartedoqueéentendidopordesenvolvimento,eque,aoinvésdese buscar o aumento do PIB, o objetivo deve tornar‐se a promoção da igualdade e maximização das vantagens dos que possuem as piores condições, buscando‐se diminuir a pobreza, que é desnecessária e vergonhosaemummundonoqualexisteaabundância.Oautorressaltaque o desenvolvimento sustentável acrescenta a dimensão da sustentabilidade ambientalesustentabilidadesocial,queébaseadaemsolidariedadecomas geraçõesfuturas. O desenvolvimento sustentável, assim, prima pela solidariedade das gerações presentes e futuras e também requer que estejam claros os critérios para sustentabilidade social e ambiental e para a viabilidade econômica. Nesse sentido, somente soluções que resultem em crescimento econômico com impactos positivos em termos sociais e ambientais, merecemreceberadenominaçãodedesenvolvimento(SACHS,2004). Para o autor, o desenvolvimento sustentável está firmado sobre cinco pilares, a saber: social, ambiental, territorial, econômico e político. O pilar socialéfundamentaldevidoà“perspectivadadisrupçãosocial”,presentede forma ameaçadora em muitos lugares do planeta. O pilar ambiental possui outrasduasdimensões,ossistemasdesustentaçãodavidacomoprovedor de recursos e como “recipientes” para a disposição de resíduos. O pilar econômico, com relação a sua viabilidade, é entendido como condictio sine qua non para que as coisas aconteçam. Por fim, o pilar territorial está “[...] relacionado à distribuição espacial dos recursos, das populações e das atividades”; e o pilar político está relacionado à “[...] governança democrática como valor fundador e um instrumento necessário para fazer as coisas acontecerem; a liberdade faz toda a diferença” (SACHS, 2004, p. 15). Partindo, então, para a relação entre o território e o desenvolvimento 91 (sustentável), os autores Cazella e Carrière (2006, p. 25), apontam que a corrente de pensamento sobre o desenvolvimento que abarca a noção de território, “[...] representa uma tomada de consciência dos limites da capacidadedoEstadocentraldeordenareplanejardemaneiraadequadao território”. Pecqueur (2004 apud CAZELLA; CARRIÈRE, 2006), ressalta que se há quinzeanossefalavadedesenvolvimentolocal,atualmenteépreferívelfalar em desenvolvimento territorial, já que esse estilo de desenvolvimento não sereduzàpequenadimensão. Para Cazella e Carrière (2006), espaço‐território é diferenciado do espaço‐lugar pela sua “construção” a partir da dinâmica entre indivíduos que o habitam. Nesse sentido, o território é definido como o resultado da confrontação dos espaços individuais dos atores nas suas dimensões econômicas, socioculturais e ambientais. O território, assim, não está em oposiçãoaoespaço‐lugarfuncional,e,sim,oexemplifica. SegundoPecqueur(2004apudCAZELLA;CARRIÈRE,2006),aformação deumterritórioéassumida,porváriosatoresatuais,comoumresultadodo encontro,damobilizaçãoedainteraçãodeseusatoressociaiscomumdado espaço geográfico, com vistas a encontrarem soluções para um problema comum. Em outro sentido, um “território dado”, com delimitação política‐ administrativa,podeabrigarvários“territóriosconstruídos”.Nessesentido, asdinâmicasterritoriaisapresentamcomocaracterísticasseremmúltiplase sobrepostas,nãopossuíremlimitesnítidosebuscaremvalorizaropotencial derecursoslatentes. Nesse momento, então, faz‐se necessária a diferenciação entre os termos“ativo”e“recursos”.SegundoCazellaeCarrière(2006),oativopode ser definido como um fator “em atividade”, que já possui valorização no mercado.Jáorecursopodeserentendidocomoumareserva,umpotencial latentee/ouvirtual,quepodevirasetransformarfuturamenteemumativo. Segundo Bonnal et al. (2014), o desenvolvimento territorial pode ser considerado como uma metodologia, sendo, assim, uma forma de pensar e de fazer o desenvolvimento, correspondendo, então a um processo de articulação entre os atores sociais e entre os setores relacionados à perspectiva da descentralização. Segundo os autores, o desenvolvimento territorial passa pelo inventário de seus recursos locais, capaz de transformaraspectosnegativosemnovosprojetosdedesenvolvimento,em que valores meramente simbólicos passam a desempenhar um papel de recursossocioeconômicos.Adinâmicadedesenvolvimentoterritorialnãose instala sem a criação ou cooperação. Precisam existir estruturas de troca entre os pesquisadores, associações civis, empresas privadas, órgãos públicos, passo que é essencial para estimular uma reflexão para novos projetos. O desenvolvimento territorial deriva, então, da negociação entre os 92 atoresdoterritório,mesmoqueseusinteressesnãosejamosmesmos,mas queencontremumpontoemcomumemnovosprojetos.Eletambémpode ser considerado “[...] um processo tributário da descentralização político‐ administrativa do Estado”, sendo que seu sucesso pode depender da qualidade das atitudes cívicas de iniciativas locais. Esse fato decorre da premissa do modelo de desenvolvimento de requalificar o “saber‐fazer” local,fazendoousodenovastecnologias(BONNALetal.,2008,p.204). 2.DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVELEINDICAÇÕESGEOGRÁFICAS NoBrasil,asIndicaçõesGeográficas(IG)sãodefinidaseregulamentadas pela Lei nº 9.279/96, conhecida como Lei de Propriedade Industrial (LPI). Estão as IG enquadradas como figura da propriedade intelectual, e está a cargo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o estabelecimentodascondiçõesdeseuregistro. Deacordocomoartigo176daleinº9.279/96(LPI),constitui‐secomo indicação geográfica a “indicação de procedência ou a denominação de origem”.Deacordocomosartigos177e178daLPIbrasileira,asIndicações Geográficas podem ocorrer de duas maneiras distintas: as indicações de procedênciaeasdenominaçõesdeorigem. A Indicação de Procedência é o nome geográfico de um país, cidade, região ou uma localidade de seu território que se tornou conhecido como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto ou prestação de determinado serviço. Nesse caso, para provar a Indicação de Procedência, é necessária a apresentação de documentos para comprovar que o nome geográfico é conhecido como centro de extração, produção ou fabricaçãodoprodutoouprestaçãodoserviço.ADenominaçãodeOrigemé onomegeográficodepaís,cidade,regiãooulocalidadedeseuterritório,que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusivaouessencialmenteaomeiogeográfico,incluídosfatoresnaturaise humanos. Para a solicitação da denominação de origem, deverá ser apresentada a descrição completa das qualidades e as características do produtoouserviçoquesedestacam,deformaexclusiva,ouessencialmente, por causa do meio geográfico, ou também devido aos fatores naturais e humanos(INPI,2014). O nome geográfico, que deverá ser registrado junto ao Instituto NacionaldePropriedadeIndustrial(INPI)é,assim,oelementodedistinção do produto ou serviço específico. Esse nome pode ser o nome oficial, tradicional ou costumeiro que identifica a área geográfica onde é desenvolvidaaatividadereferenteàindicaçãogeográfica.Ressalta‐sequeas Indicações Geográficas não possuem prazo de validade e o interesse nacionalporessacertificaçãotorna‐secadavezmaior. Atualmente(novembro/2014),sãoreconhecidaspeloInstitutoNacional da Propriedade Industrial (INPI) 49 Indicações Geográficas: 41 nacionais, 93 sendo 33 Indicações de Procedência e 8 Denominações de Origem; e 8 estrangeiras, todas Denominações de Origem. Destaca‐se, no Brasil, pelo númerodeIndicaçõesGeográficas,aproduçãodevinhos(ValedosVinhedos ‐ RS, Altos Montes ‐ RS, Monte Belo‐RS, Pinto Bandeira‐RS, , Vales da Uva Goethe – SC) e a produção de café (Região do Cerrado Mineiro‐ MG, Alta Mogiana – SP, Norte Pioneiro do Paraná – PR, Região da Serra da Mantiqueira–MG)(INPI,2014). 2.1INDICAÇÕESGEOGRÁFICAS:ADIMENSÃOAMBIENTALDO DESENVOLVIMENTO Neste tópico serão apresentados os documentos que, atualmente, fornecemasdiretrizesparaopedidoderegistrodasIndicaçõesGeográficas, buscando‐serefletirsobrecomooaspectoambientaldodesenvolvimentoé abordado por esses documentos, à medida que se constituem como a base para todo o processo de implantação das Indicações Geográficas pelos produtores/requerentesdasIndicaçõesGeográficas. Como mencionado anteriormente, o desenvolvimento se distingue do crescimento econômico por incluir as dimensões ambiental e social. Partindo desse entendimento, é importante relembrar que uma das premissas atribuídas às Indicações Geográficas é a promoção do desenvolvimento sustentável de seu território. Tal desenvolvimento, no entanto, para ocorrer de forma efetiva, deverá englobar aspectos sociais, econômicosetambémambientais(BRASIL,2008;SACHS,2004). Ouseja,énecessárioquehajaumequilíbrioentreessesaspectoseque todos sejam incluídos e considerados no momento do registro, implementação e manutenção de uma indicação geográfica, para que haja garantia de sua consecução. Porém, é na etapa de registro que ocorrerá o estabelecimento,pelosprópriosrequerentesdaIG,doregulamentodeusoe dasformasdecontrolequeserãoutilizadas,conformeexigidopelainstrução normativa INPI nº25/2015, que será abordada mais detalhadamente posteriormente. Com relação ao registro das IG’s, podem ser encontrados os seguintes documentos e legislação que fornecem orientação para o mesmo: o Guia para Solicitação de Registro de Indicação Geográfica para Produtos Agropecuários; a Instrução Normativa Nº 25/2013, estabelecida pelo InstitutoNacionaldePropriedadeIndustrial(INPI). O Guia para Registro de Indicações Geográficas para Produtos Agropecuários é um manual para a orientação para os produtores/requerentesdeIGessencialmenteagropecuárias.Neleconstam ositensexigidospelainstruçãonormativadoINPI(órgãoresponsávelpelo registrodasIG’s),nº25/2013,demaneiramaisdetalhada,deformaaservir 94 como uma orientação aos requerentes do registro. Portanto, esse guia não tem a função de acrescentar regras ao processo de registro de IG’s e, sim, esclarecerasregrasjáexistentes. Porém, analisando o Guia elaborado pelo MAPA, encontramos a seguinteafirmação: O objetivo da concessão de IG apoiada pelo MAPA é o desenvolvimento sustentável,viaagregaçãodevaloraosprodutosagropecuários,ressaltandoas diferençaseidentidadesculturaispróprias,organizandoascadeiasprodutivas e assegurando inocuidade e qualidade aos produtos agropecuários (BRASIL, 2008,p.4). Nota‐seque,apesardeoMAPA,apartirdessaafirmação,colocarqueo objetivo da concessão de IG apoiada por ele é o desenvolvimento sustentável, há pouca referência ao aspecto ambiental do desenvolvimento nodecorrerdodocumento.Omesmopodeserobservadonalegislaçãoque rege as IG (LPI), apresentada anteriormente, e na instrução normativa do INPInº25/2013. A partir dessa afirmação, pode ser subentendido que a principal maneira da indicação geográfica contribuir para o desenvolvimento sustentável, apoiada pelo MAPA é por meio da agregação de valor aos produtos agropecuários, uma característica que é, essencialmente, econômica.Noentanto,talguia,dizqueasformasdeagregarvaloraesses produtossão: 1. Ressaltarasdiferençaseidentidadesculturaispróprias; 2. Organizarcadeiasprodutivas; 3. Assegurar a inocuidade e qualidade aos produtos agropecuários. Relacionando esaas três formas aos três aspectos gerais do desenvolvimento (social, econômico e ambiental), observa‐se que é apresentada referência clara ao aspecto ambiental. Embora esse aspecto possasertrabalhadoemcadaumasdasmaneirasdeagregaçãodevalorao produtocitadasanteriormente,omesmonãoéclaramenteexplicitadonessa afirmação inicial do guia, contrariamente ao que ocorre com os demais aspectos, econômico e social. Tendo em vista a prevalência, no atual paradigma economicista da sociedade contemporânea, do aspecto econômicoemdetrimentoaoutrosaspectosdodesenvolvimento,ainclusão decritériosrelativosapráticasambientaisadequadasseriadeterminanteà efetivasustentabilidadedoterritório. Seria importante citar claramente e objetivamente a relação da IndicaçãoGeográficaedodesenvolvimento,incluindoaimportânciadoseu 95 aspectoambientalnessaafirmação,paraqueomesmofosseconsideradoe entendidopelosprodutoresrequerentesdasIG’seleitoresdesseguia,como umaparteintrínsecaaodesenvolvimentodeseusrespectivosterritórios. Ainda no texto do Guia para Solicitação de Registro de Indicação GeográficaparaProdutosAgropecuários,encontra‐seaseguinteafirmação: Objetivos da IG: As indicações geográficas são uma ferramenta coletiva de promoção comercial de produtos onde qualidade, reputação ou outras características devem‐se essencialmente à origem geográfica. As IG podem proteger produtos/ regiões de falsificações e usurpações indevidas, servem como garantia para o consumidor, indicando que se trata de um produto especial e diferenciado. No Brasil, o MAPA tem fomentado que, para IG agropecuárias, o ideal seria a combinação da qualidade do produto com a ocupação harmoniosa do espaço rural, sendo também, uma ferramenta de preservaçãodabiodiversidadealiadaaodesenvolvimentoepromoçãoregional” (BRASIL,2008,grifodoautor). Nessa afirmação, definida como “objetivos da IG”, encontramos uma primeiramençãoaoaspectoambientaldodesenvolvimento,onderessalta‐ se que, para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, seria ideal que nas Indicações Geográficas agropecuárias houvesse uma combinação entre a qualidade do produto e a ocupação harmoniosa do espaço rural, e que as IG’s também poderiam ser utilizadas como uma ferramentaparaapreservaçãodabiodiversidadealiadaaodesenvolvimento regional. O texto, porém, limita‐se a essa afirmação, não fornecendo indicações mais específicas aos produtores e requerentes das IG’s de como realizar a ocupação harmoniosa do espaço rural e de como utilizar as IG’s como ferramentaparaapreservaçãodabiodiversidadealiadaaodesenvolvimento regional.Esseobjetivo,então,torna‐seapenasumasugestão,àmedidaque nãoécondiçãoobrigatóriaparaoregistrodasIG’s.Pois,paradeixardeser sugestão, deveria ser incluída na instrução normativa que regulamenta o registro. Partimos, então, para uma análise da Instrução Normativa nº25/2013, editada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e responsável pela regulamentação do registro da IG no Brasil. A referida instrução normativa regulamenta as exigências para que se solicite o registro das Indicações Geográficas junto ao INPI, conforme pode ser observadoaseguirnoartigo6º: Art. 6º. O pedido de registro de Indicação Geográfica deverá referir‐se a um úniconomegeográficoenascondiçõesestabelecidasematoprópriodoINPI, conterá: I–requerimento(modeloI),noqualconste: 96 a)onomegeográfico; b)adescriçãodoprodutoouserviço; II–instrumentohábilacomprovaralegitimidadedorequerente,naformado art.5º; III–regulamentodeusodonomegeográfico. IV–instrumentooficialquedelimitaaáreageográfica; V – etiquetas, quando se tratar de representação gráfica ou figurativa da IndicaçãoGeográficaouderepresentaçãodepaís,cidade,regiãooulocalidade doterritório,bemcomosuaversãoemarquivoeletrônicodeimagem; VI–procuração,seforocaso,observandoodispostonosart.20e21; VII–comprovantedopagamentodaretribuiçãocorrespondente. Também diferencia os requisitos necessários para as duas formas de indicação geográfica, a indicação de procedência e a denominação de origem,conformepodeserobservadonosartigos8ºe9º: Art. 8º. Em se tratando de pedido de registro de Indicação de Procedência, alémdascondiçõesestabelecidasnoArt.6º,opedidodeveráconter: a) documentos que comprovem ter o nome geográfico se tornado conhecido comocentrodeextração,produçãooufabricaçãodoprodutooudeprestação deserviço; b)documentoquecomproveaexistênciadeumaestruturadecontrolesobre os produtores ou prestadores de serviços que tenham o direito ao uso exclusivo da Indicação de Procedência, bem como sobre o produto ou a prestaçãodoserviçodistinguidocomaIndicaçãodeProcedência; c) documento que comprove estar os produtores ou prestadores de serviços estabelecidos na área geográfica demarcada e exercendo, efetivamente, as atividadesdeproduçãoouprestaçãodoserviço. Art.9ºEmsetratandodepedidoderegistrodeDenominaçãodeOrigem,além dascondiçõesestabelecidasnoArt.6º,opedidodeveráconter: a) elementos que identifiquem a influência do meio geográfico, na qualidade ou características do produto ou serviço que se devam exclusivamente ou essencialmenteaomeiogeográfico,incluindofatoresnaturaisehumanos. b) descrição do processo ou método de obtenção do produto ou serviço, que devemserlocais,leaiseconstantes; c)documento quecomproveaexistênciadeumaestruturadecontrolesobre os produtores ou prestadores de serviços que tenham o direito ao uso 97 exclusivodadenominaçãodeorigem,bemcomosobreoprodutoouprestação doserviçodistinguidocomaDenominaçãodeOrigem; d) documento que comprove estar os produtores ou prestadores de serviços estabelecidos na área geográfica demarcada e exercendo, efetivamente, as atividadesdeproduçãooudeprestaçãodoserviço. Na instrução normativa apresentada, nº25/2013, podem ser encontrados alguns indícios do aspecto ambiental do desenvolvimento, comonoseuartigo9º:“a)elementosqueidentifiquemainfluênciadomeio geográfico, na qualidade ou características do produto ou serviço que se devam exclusivamente ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo fatores naturais e humanos”. Aqui, pode ser subentendido que os fatores naturais(quepodemserpercebidoscomosinônimodefatoresambientais) são importantes na relação entre o produto e o meio geográfico, portanto, paraaprópriaexistênciaequalidadedoproduto. Já nos trechos “b” e “c”, do mesmo artigo, observa‐se a exigência da elaboração do Regulamento de Uso (b) e da comprovação da existência de estruturadecontrolepelosrequerentesdoregistrodaIndicaçãoGeográfica. Nesse sentido, “As normas de produção são uma etapa chave no processo de implementação de uma Indicação Geográfica. Elas devem ser claramente descritas e passíveis de ser objeto de controle; elas são o resultado de acordos coletivos entre os membros da região e da cadeia produtiva (representado pela entidade requerente)”. A afirmação está contidanolivroreferenteaoCursodepropriedadeindustrialeinovaçãono 2 agronegócio,módulo2–IndicaçõesGeográficas (BRASIL,2014,p.165). Deacordocomosautores, A legislação em si não estabelece minimamente os requisitos ou o que deve conterounãoumregulamentodeuso,mas,atravésdasprópriasdefiniçõesde IP e DO que ela apresenta, temos “dicas” sobre o que deve constar nele. O regulamento de uso, na verdade, servirá para o controle dos produtores (ou servidores) sobre a qualidade de seu produto (ou serviço). O que (quais os fatores),paracadacaso,promoveaqualidadedesejada(reconhecidapelaIG) no produto? Essa é a pergunta norteadora para a construção de um regulamento de uso, que deverá ser definido pelas pessoas envolvidas no processo produtivo (produtores, consumidores, pesquisadores, etc.) (BRASIL, 2014,p.167). Assim,caberiaaosprópriossolicitantesdosregistrosdeIGestabelecer critérios,noregulamentodeusooucontrole,porexemplo,queincluíssemo 2 Esse livro traz maiores informações acerca dos procedimentos para obtenção de registro, dentre outras informações, que são objeto de estudo destes pesquisadores, portanto, trazem um melhor detalhamento sobre o que deve contar no regulamento de uso e controle das indicações geográficas. 98 aspectoambiental. Nesse sentido, outra informação contida no livro referente ao Curso sobreIndicaçõesGeográficaséque: OrespeitoaoregulamentodeusodeumprodutoIGnãoliberaosprodutoresa cumprir as regras mínimas exigidas pelos órgãos responsáveis. Também o regulamento de uso de uma IG não pode ser apenas um resumo ou uma enumeração das legislações em vigor. O respeito às regras exigidas pela legislação federal, estadual ou municipal é obrigatório e não constitui um diferencial(BRASIL,2014,p.168). O aspecto ambiental, tanto com relação ao desenvolvimento quanto à sua própria importância, para si e para o território, não é demonstrado e solicitado na instrução normativa 25/2013. Conforme dito anteriormente, talaspecto,apartirdomomentoquenãoéespecificadonalegislaçãoouem documentooficialdeórgãosgovernamentais,seresumeaocumprimentoda legislaçãoambientalvigente3.Nessesentido,oseupapelenquantopartedo desenvolvimentodoterritóriodasIG’sseencontralimitado. Emboraodocumento(dossiê)geradopelossolicitantesdasIndicações Geográficas, como integrante do pedido de registro das IG’s junto ao INPI, sejanormalmenteextenso,contendoemsuamaioriamaisde100páginas,as orientações aos requerentes para pedido do registro são gerais e trazem pouca informação específica sobre o que deve ser conteúdo do dossiê, conforme pode ser observado no Guia (apresentado anteriormente), e também na instrução normativa citada acima. Nota‐se que as exigências solicitadas por essa normativa são apresentadas de forma genérica, podendo trazer dificuldades na preparação dos documentos solicitados, se os mesmos não forem elaborados de forma conjunta e em parceria com especialistas e/ou institutos de pesquisa que trabalhem e tenham grande conhecimentosobreotema. 2.2INDICAÇÕESGEOGRÁFICASCOMOCAMINHOPARAASUSTENTABILIDADE AMBIENTAL Apesardafaltadenorteamentogovernamental,naformadelegislação e/ou guias específicos, para o alcance do desenvolvimento sustentável dos territórios,noquedizrespeitoàsIndicaçõesGeográficas,algunsterritórios têmsedestacadoaoincorporaraspectosdasustentabilidadeambiental,de forma voluntária ou para suprir a própria exigência de novos mercados consumidores. Alguns autores (LOPES, 2011; SOUZA, 2006; BOWENA; ZAPATA, 2008; SANTILLI, 2009; TRENTINE, 2009) têm se dedicado ao 3 Ver conclusões de estudo sobre a questão ambiental e IG, constantes no texto do Capítulo 3 deste livro. 99 estudodasIndicaçõesGeográficasesuarelaçãocomomeioambienteeao desenvolvimento sustentável. Assim como também tem sido de extrema importância as parcerias realizadas entre produtores, Universidades e Institutos de Pesquisa, surgindo comouma das alternativas para a falta de norteamentooferecidopelasdiretrizesgovernamentaisexistentes. Como sugestão e alternativa à falta de norteamento para o alcance do desenvolvimento do território, e no caso específico da sustentabilidade ambiental,seriaincorporar,dentrodalegislaçãoe/ounoguia referente ao registrodasIndicaçõesGeográficasalgosemelhanteaoqueseconhecepor indicadoresdedesenvolvimentosustentável. Um exemplo existente de indicadores de desenvolvimento sustentável no Brasil é o elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),cujaúltimaversãocorrespondeaoanode2012,eéchamadodeIDS 2012. Esse documento possui 350 páginas e elenca indicadores nas dimensões:ambiental,social,econômicaeinstitucional. No documento, os indicadores são entendidos como ferramentas que contém duas ou mais variáveis que, ao serem associadas de várias formas, mostram significados sobre os fenômenos a que se referem. Já os indicadoresdedesenvolvimentosustentável,porsuavez,sãoinstrumentos capazes de guiar ações e subsidiar o monitoramento e avaliação de um progresso rumo ao desenvolvimento sustentável. Assim, dever ser vistos como um meio para alcançarem o desenvolvimento sustentável, e não um fimemsimesmo(IBGE,2012). Nesse documento (IDS‐2012), a dimensão ambiental está relacionada ao uso dos recursos naturais, à degradação ambiental e também aos objetivos de preservação e conservação do meio ambiente, fundamentais paraaqualidadedevidadasgeraçõesatuaisefuturas.Essasquestõesestão apresentadasnostemasatmosfera;terra;águadoce;oceanos,mareseáreas costeiras; biodiversidade e saneamento, como pode ser observado no Quadro 1 (IBGE, 2012). Além do IDS‐2012, existem outros sistemas de indicadoresdedesenvolvimentosustentável,como,porexemplo,oSistema de Indicadores de Desenvolvimento Municipal Sustentável do Estado de Santa Catarina, o SIDMS. Esse sistema tem por objetivo central “facilitar o acesso dos agentes públicos à imensa quantidade de informações espalhadas pelas bases de dados dos órgãos públicos federais e estaduais, além das pesquisas da própria FECAM, tratando e consolidando os conteúdosmaisestratégicosparaosmunicípios,associaçõesdemunicípios e aos diversos recortes territoriais usados em Santa Catarina” (SIDMS, 2014). A incorporação de indicadores de sustentabilidade, no entanto, não viria de forma a tornar a fase de registro “engessada” ou trazer mais empecilhos à mesma. Ela poderia atuar esclarecendo aos próprios 100 requerentes das IG’s, quais aspectos da sustentabilidade ambiental (e tambémeconômicaesocial),deveriamserconsideradosparaqueoproduto pudesse colaborar de forma mais efetiva para o desenvolvimento de seu respectivoterritório. Quadro1.Indicadoresdedesenvolvimentosustentável(IDS‐2012) Dimensãoambiental Emissõesdeorigemantrópicadosgasesassociadosaoefeitoestufa Consumoindustrialdesubstânciasdestruidorasdacamadadeozônio Concentraçãodepoluentesnoaremáreasurbanas Terra Usodefertilizantes Atmosfera Usodeagrotóxicos Terrasemusoagrossilvipastoril Queimadaseincêndiosflorestais DesflorestamentodaAmazôniaLegal Desmatamentonosbiomasextra‐amazônicos Águadoce Qualidadedeáguasinteriores Oceanos, mares e áreas costeiras Balneabilidade Populaçãoresidenteemáreascosteiras Espéciesextintaseameaçadasdeextinção Biodiversidade Áreasprotegidas Espéciesinvasoras Acessoasistemadeabastecimentodeágua Acessoaesgotamentosanitário Saneamento Acessoaserviçodecoletadelixodoméstico Tratamentodeesgoto Destinaçãofinaldolixo Fonte:IBGE,2012 Paraqueissoocorra,noentanto,énecessáriaaescolhadeindicadores quetenhamrelaçãocomasIndicaçõesGeográficas,ouseja,queconsiderem asingularidadedessesprodutos,queporsuavezpossuemforterelaçãocom oseumeiogeográficoesocial. 101 CONSIDERAÇÕESFINAIS A relação entre o aspecto ambiental e o desenvolvimento dos territórios, aos quais pertencem as IG’s, não é claramente exposta na legislação e demais documentos elaborados por órgãos governamentais responsáveis pela orientação e normatização do registro das Indicações Geográficas. Muitas vezes, existem informações referentes ao aspecto ambiental nesses documentos, mas as mesmas se encontram dispersas, não havendo conectividade com o desenvolvimento como um todo e com as próprias Indicações Geográficas. Nota‐se falta de clareza na demonstração da importância deste aspecto para o desenvolvimento do território a que pertencem essas IG’s, e também pouca informação acerca de quais são os reais potenciais das IG’s enquanto promotoras do desenvolvimento sustentável.Paraisso,éimportantehaverestudosquerelacionemoaspecto ambientaldodesenvolvimentocomodesenvolvimentoemsieasIndicações Geográficas, tendo como referência as Indicações Geográficas já existentes noBrasil. Também é importante que continuem sendo levantados, tendo como referência IG’s já estabelecidas (nacionalmente ou internacionalmente), os reais potenciais das IG’s como promotoras do desenvolvimento do território, relacionando‐os com o aspecto ambiental do desenvolvimento, paraqueosresultadosdessesestudospossamserutilizadoscomosubsídios para elaboração de legislação e documentos relacionados às Indicações Geográficas. Osindicadoresdedesenvolvimentosustentávelpoderiamsurgir,então, comoumaalternativaàfaltadeclarezadasexigênciasatuaisdoINPIparao registro das IG’s. Esses indicadores teriam a função de nortear os requerentesdaIGnabuscaportransformá‐la,efetivamente,emferramenta potencializadoradodesenvolvimentodeseuterritório. REFERÊNCIAS ALBAGLI, S. Territórios e territorialidade. In: LAGES, V.; BRAGA, C.; MORELLI, G. Territórios em movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva.Brasília:RelumeDumará,p.23‐70,2004. BONNAL, P.; CAZELLA, A. A.; MALUF, R. S. Multifuncionalidade da agricultura e desenvolvimento territorial: avanços e desafios para a conjunção de enfoques. 2008. Acesso em: 10 de jul 2014. Disponível em: <http://r1.ufrrj.br/esa/V2/ojs/index.php/esa/article/view/302/298>. BOWENA, S.; ZAPATA, A. V. Geographical indications, terroir, and socioeconomic and ecologicalsustainability:thecaseoftequila.JournalofRuralStudies,v.25,p.108–119, 2009. 102 BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Curso de propriedade intelectual&inovaçãonoagronegócio:MóduloII,indicaçãogeográfica/Ministérioda Agricultura, Pecuária e Abastecimento; organização Luiz Otávio Pimentel – 4ª ed. – Florianópolis:MAPA,Florianópolis:FUNJAB,2014. BRASIL. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Instrução Normativa Nº 25/2013.2013.EstabeleceascondiçõesparaoRegistrodasIndicaçõesGeográficas. BRASIL.MinistériodaAgricultura,PecuáriaeAbastecimento.Guiaparasolicitaçãode registrodeindicaçãogeográficaparaprodutosagropecuários.2008.Disponívelem: http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/Desenvolvimento_Sustentavel/Produ%C 3%A7%C3%A3o%20Integrada/Guia_indicacao_geografica.pdf.Acessoem26out2014. BRASIL. Lei federal nº 9.279, de 14.05.1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm>.Acessoem:01abr.2014. CAZELLA, A.; CARRIÈRE, J. Abordagem introdutória ao conceito de desenvolvimento territorial. Desenvolvimento territorial sustentável: conceitos, experiências e desafios teóricos‐metodológicos.RevistaEisforia,ano4,v.4.Dez.2006. DALLABRIDA,V.R.;MARCHESAN,J.DesenvolvimentonaregiãodoContestado:reflexões sobreterritório,identidadeterritorial,recursoseativosterritoriais,indicaçãogeográfica edesenvolvimento(sustentável).In:DALLABRIDA,V.R.(ORG).Território,identidadee desenvolvimento regional: reflexões sobre indicação geográfica e novas possibilidades de desenvolvimento com base em ativos com especificidade territorial.SãoPaulo,SP:LiberArs,p.197‐232,2013. FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. 6 ed. São Paulo: Editora Paz e Terra,1983 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores de Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/documentos/recursos_naturais/indicadores_desenvolvimento_ sustentavel/2012/ids2012.pdf>.Acessoem:20denovembrode2014. INPI.InstitutoNacionaldaPropriedadeIndustrial.IndicaçõesGeográficasnacionaise estrangeiras registradas no Brasil. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/images/docs/lista_com_as_indicacoes_geograficas_concedidas_ ‐_31‐12‐2013.pdf>.Acessoem:01abr.2014. LOPES, N. O. V. E. A indicação geográfica como forma de valorização da biodiversidadenoplanaltonortecatarinense.Florianópolis:UFSC,2011(Dissertação deMestradoemAgroecossistemas). SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond,2004. SANTILLI,J.Asindicaçõesgeográficaseosprodutosdaagrobiodiversidade.In:SANTILLI, J.Aagrobiodiversidadee os direitos dos agricultores.SãoPaulo:Peirópolis,p.419‐ 443,2009. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.2ed.SãoPaulo:Hucitec,2000. SAQUET, M. A. Proposições para estudos territoriais. 2006. Disponível em: <http://www.uff.br/geographia/ojs/index.php/geographia/article/view/189/181>. Acessoem:15demaiode2014. 103 SIDEMS. Sistema de Indicadores de Desenvolvimento Municipal Sustentável. 2014. Disponível em:< http://indicadores.fecam.org.br/cms/pagina/ver/codMapaItem/621>. Acessoem:20denovembrode2014. SEN,A.Desenvolvimentocomoliberdade.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2000. SOUZA, M. C. M. Cafés sustentáveis e denominação de origem: a certificação de qualidade na diferenciação de cafés orgânicos, sombreados e solidários. Florianópolis: USP,2006(TesedeDoutoradoCiênciaAmbiental). TRENTINE, F. Denominações de origem: aplicação do principio do desenvolvimento sustentávelnaagricultura.RevistaMestradoemDireito,v.10,n.1,p.225‐240,2009. WCED. World Comission on Environment and Development. Our Commom Future. OxfordandNewYork:OxfordUniversityPress,1987. . 104 CAPÍTULO6 ALTERNATIVASDEDESENVOLVIMENTONO MUNICÍPIODECANOINHAS(SC):UMESTUDOA PARTIRDOMANEJODEFRAGMENTOSDE FLORESTAOMBRÓFILAMISTAESUARELAÇÃO COMAINDICAÇÃOGEOGRÁFICA1 LauroWilliamPetrentchuk‐UnC JairoMarchesan‐UnC ValdirRoqueDallabrida‐UnC INTRODUÇÃO As discussões formadas em estudos de Indicações Geográficas (IG’s) e de desenvolvimento sustentável possuem desafios imensuráveis, envolvendo múltiplas faces, com o dever de agregar diferentes grandezas como a social, ambiental, cultural e econômica Conforme Sander (2014, p. 12):“Aindicaçãogeográficatemsidoumtemadiscutidoporpesquisadores como instrumento que valoriza territórios [...]. Junto a essa valorização[...] surge uma corrente amparada na sustentabilidade e na preservação de diferentesambientes”. Otextotemopropósitodeapresentarapaisagemnaturaldoterritório deCanoinhas‐SC,ondeaFlorestaOmbrófilaMistasedesenvolve,propondo a valorização dessa paisagem para os processos de IG da erva‐mate, por meio de potenciais fontes de desenvolvimento econômico oriundos do manejo florestal, que consiste em “administrar a floresta” para a obtenção de seus serviços nos âmbitos sociais, econômicos e ambientais, dando respaldoaosmecanismosdesustentaçãodoecossistema. Diariamente, observa‐se uma crescente necessidade de programas e políticas públicas que ajustem a conservação das florestas aos anseios da sociedade, por produtos e serviços ou, ainda, pelo espaço que as florestas ocupamconcorrendocomoutrosusosdaterra.Aproduçãodeinformações sobrerecursosflorestaisémuitoimportanteparaindicarasformulaçõesde políticas que incidem sobre regiões agrícolas, influenciando os padrões de usodaterrapelapopulação.Nestetextopretendemosfazeralgunsaportes sobreotemaemreferência,alémdeindicativosdepolíticaspúblicas. 1 Texto apresentado no II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014. Faz parte também dos estudos realizados quando da execução do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, com financiamento da FAPESC. 105 CARACTERIZAÇÃODAMATAATLÂNTICA A Mata Atlântica abrange um conjunto de formações florestais, constituído de campos naturais, manguezais, restingas e outros tipos de vegetação de grande biodiversidade. “Quando os primeiros europeus chegaram ao Brasil em 1500, a mata atlântica cobria 15% do território brasileiro; [...] existem hoje [apenas] 27% de remanescentes, incluindo vários estágios de regeneração [...]” (CAMPANILI e SCHAFFER, 2010). Mesmofragmentadaecomumareduçãoconsideráveldesuaáreaoriginal, estima‐se que a Mata Atlântica possua algo entre 33% e 36% de todas as espéciesvegetaisexistentesnoBrasil.ComparadacomaAmazônia,aMata Atlântica oferece, proporcionalmente ao seu tamanho, maior diversidade biológica. Campanili e Schaffer (2010, p.05) lembram que “[...] a Mata AtlânticaéumHotspot,umaáreadealtabiodiversidadeeendemismoeao mesmotempoaltamenteameaçadadeextinção”. AFLORESTAOMBRÓFILAMISTA(FOM) A Floresta Ombrófila Mista (FOM) é também conhecida como mata de araucária, mata de pinhais ou floresta com araucária, perfazendo um ecossistema que acolhe grande variedade de espécies. É um ecossistema oriundo de uma formação florestal integrante do bioma Mata Atlântica. Medeiros(2002,apudSCHAFFERePROCHNOW,2002,p.15)assimadefine: “Sua feição é caracterizada por dois estratos arbóreos ‐ um superior, dominado pelo [...] pinheiro brasileiro, que confere à floresta um desenho exclusivo, e outro inferior, dominado por variedades como a canela e a imbuia”.Emboraaindasejacaracterísticaaexistênciadeestratosarbustivos no sub‐bosque (Figura 01) com predominância de espécies como a Ilex paraguariensis(erva‐mate),aDiksoniasellowiana(xaxim)entreoutras. Figura01–PerfilesquemáticodestacandoaestruturadeumsegmentodeFlorestaOmbrófilaMista Fonte:Fupef(1990). 106 Asquasedizimadaseextensasáreasdessesistemaflorestal,quesefazia presente no planalto sul‐brasileiro, eram mescladas por áreas de campos. Segundo o IBGE (2012), atualmente existem quatro formações da FOM. Aluvial: em terraços antigos associados à rede hidrográfica; Submontana: constituindo disjunções em altitudes inferiores a 400 metros; Montana: situada aproximadamente entre 400 e 1000 metros de altitude; e Altomontana:compreendendoasaltitudessuperioresa1000metros. FLORESTAOMBRÓFILAMISTAMONTANA Essa formação está preservada em poucos locais, principalmente no planalto acima de 500 metros de altitude (Figura 02), nos estados do Paraná,SantaCatarinaeRioGrandedoSul(IBGE,2012.p83). AonortedoEstadodeSantaCatarinaeaosuldoEstadodoParaná,opinheiro‐ brasileiro ou pinheiro‐do‐paraná estava associado à imbuia (Ocotea porosa), formandoagrupamentosbemcaracterísticos;atualmentegrandesagrupamen‐ tos gregários foram substituídos pelas monoculturas de soja e trigo, intercaladas(IBGE,2012,p.83). É nessa formação que se encontra inserido o município de Canoinhas (SC) e onde os remanescentes florestais são de interesse principal desta pesquisa. Figura02‐PerfilesquemáticodaFOM Fonte:IBGE(2012)apudVeloso,RangelFilhoeLima(1991). Distribui‐se, portanto, sobre o Planalto catarinense, em altitudes que variamde500a1.800metros.Caracteriza‐seprincipalmentepelapresença do pinheiro brasileiro, destacando‐se no dossel, formando uma paisagem muito peculiar. Existem hoje 27% de remanescentes, incluindo vários estágiosderegeneração[...](CAMPANILIeSCHAFFER,2010). 107 Os estudos dos remanescentes florestais da FOM do Estado de Santa Catarina (Figura 03) são decorrentes do mapeamento da Fundação SOS Mata Atlântica realizado no ano de 2008, registrando uma cobertura florestal remanescente da Floresta Ombrófila Mista de 13.741,03 Km², ou seja,24,4%dasuaáreaoriginal5.2 Figura03–MapadosremanescentesflorestaisdaFOMemSC. Fonte:IFFSC(2013)adaptadodeSOSMataAtlântica(2009). DEGRADAÇÃODAFLORESTAOMBRÓFILAMISTA A crescente colonização do sul do país por europeus e o avanço da fronteira econômica sobre muitas áreas cobertas da Floresta Ombrófila Mista e, consequentemente, a sua destruição aconteceu com maior intensidade durante todo o século passado, motivada por questões comerciaisdeexploraçãodopinheirobrasileiro.SegundoVibrasetal.(2012, p.158),“emrazãodesuamadeiradeótimaqualidadeevaloreconômico,[...] juntamente com outras espécies, como canela e cedro, foram exploradas pelaindústriamadeireiraduranteboapartedoséculoXX”.ConformeIBAMA (2003;THOMÉ,1995apudMARQUES2007,p.53), “[...]noiníciodoséculo passado,[...]foiinstaladanonortecatarinense,nomunicípiodeTrêsBarras, 5 Considerando um conjunto de parâmetros estatísticos e os trabalhos de campo do Inventário Florístico e Florestal de Santa Catarina (IFFSC), é possível afirmar, baseado no mapeamento do Atlas 2008 (Fundação SOS Mata Atlântica, 2009) e com probabilidade de 95%, que a cobertura florestal era de 13.741.03Km² (equivalente a 24,4% da área original) com intervalo de confiança entre 12.350,40 e 15.170,13Km² (equivalente a uma cobertura florestal entre 21,9% e 26,9%) para um nível de probabilidade de 95%). Fonte: Vibrans et al (2013). 108 a serraria da Souther Brazil Lumber & Colonization Company’ (Lumber) na épocaconsideradaamaiorserrariadaAméricadoSul,quechegouaserrar aproximadamentetrezentosmetroscúbicosdearaucáriapordia”.Marques (2007,p.53)complementa: A ação desta empresa foi uma das principais causas do desencadeamento da “GuerradoContestado”,umdosmaioresemaisviolentosconflitosbrasileiros. A exploração madeireira pela Lumber durou até 1940, quando o governo federalincorporouaempresaepartedesuasáreasdeterras,masaexploração predatória da Floresta com Araucárias continuou através de inúmeras serrariasnacionais. Aindústriaervateiramovimentoucomgrandeintensidadeaeconomia desseterritórioduranteasprimeirasdécadasdeemancipaçãopolítica,entre 1911 e 1930, juntamente com a exploração madeireira. Nessa situação, a base econômica do município de Canoinhas era fundamentada em dois principais produtos oriundos da floresta nativa: um produto florestal não madeireiro, a erva‐mate, e outro produto florestal, as madeiras nobres de araucária,imbuia(Ocoteaporosa),canelapreta(Ocoteacatharinensis),cedro rosa (Cedrela fissilis) e bracatinga (Mimosa scabrella), as quais eram utilizadasparafabricaçãodemóveis,pisosetambémparaaconstruçãocivil. Outras espécies não‐madeiráveis comuns nesse território, como o Xaxim (Diksonia sellowiana), exploradas como produtos secundários, sofreram uma grande redução em suas reservas naturais (NASCIMENTO et al., 2001 apudVIBRANSetal.,2013,p.146). Portanto, a extração de madeiras nativas regionais ocorreu de forma intensivaesistemáticadesdeoiníciodoséculopassado.Consequentemente, oterritóriodoPlanaltoNorteCatarinense,maisespecificamenteomunicípio deCanoinhas,sofreuumretrocessoeconômiconasdécadasde1980e1990. Após a estagnação desse ciclo econômico‐florestal, o espaço rural regional foi alvo de atividades agrícolas em larga escala, predominantemente de monoculturas, especialmente a fumageira, de grãos e de reflorestamentos comespéciesexóticas(pinuseeucaliptos),alterando,assim,maisumavez,o cenáriodapaisagemregional. As causas da mudança desse cenário podem ser consideradas como consequências da globalização política econômica em curso, calcada em mercadoscompetitivos,economiadeextrativismo,entreoutros.Entende‐se porglobalizaçãoomovimentopolítico‐econômicoqueabrangeváriasáreas do globo terrestre impondo regras e sistemas de produção, circulação, acumulação e dominação através da lógica capitalista. Essa lógica destrói identidades físicas, sociais, políticas e econômicas, impactando negativamente sobre as diferentes formas de vida, principalmente na destruiçãodosrecursosnaturais. A globalização propõe pseudomaneiras de “integração” das mais 109 diferentes áreas do globo terrestre, atuando na perspectiva que melhor convenhaaosinteressesdecirculação,acumulaçãoedominaçãocapitalista. Portanto, de maneira geral, pode‐se afirmar que o processo relatado interferiunaidentidadefísica,ambiental,políticaeeconômicaregional. Superado esse ciclo, torna‐se necessário investigar novas alternativas para o município, resgatando os restos genéticos dos remanescentes da floresta e analisar as possíveis potencialidades econômicas para esse território. AFLORESTAEALEGISLAÇÃO O Código Florestal, Lei Federal 4.771 de 1965, atualmente revogado pelo novo Código Florestal Brasileiro, Lei 12.651, de 2012, dispõe sobre a proteção da vegetação nativa e obriga a recompor e/ou preservar 20% de suas propriedades como reserva florestal legal, além das áreas de preservação permanente (APP's). Essa “obrigação” é, por vezes, rejeitada pelos proprietários rurais, pois, aparentemente, torna improdutiva uma parceladeáreasignificativaemsuaspropriedades. A legislação prevê, também, uma determinada área da propriedade, paraapreservaçãoambiental.TaláreaédenominadadeReservaLegal(RL), que é a área pertencente a cada propriedade particular onde não é permitidoodesmatamento,masquepodeserutilizadaemformademanejo sustentado. A Reserva Legal é uma área prescrita na legislação ao uso sustentável dosrecursosnaturais,destinadaàconservaçãoereabilitaçãodosprocessos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo da fauna e flora nativa.NaregiãosuldoBrasil,ondeexisteaMataAtlântica,areservalegalé de20%decadapropriedade.ConformeaLei12.651,de25demaiode2012, tem‐se: [...] Art. 20. No manejo sustentável da vegetação florestal da Reserva Legal, serão adotadas práticas de exploração seletiva nas modalidades de manejo sustentável sem propósito comercial para consumo na propriedade e manejo sustentávelparaexploraçãoflorestalcompropósitocomercial. Conforme Blum e Oliveira (s.d. apud SANTOS, 2008, p. 09), “[...] é de grande importância a busca de meios para transformar a conservação de fragmentos florestais na forma de reserva legal em atividades que gerem benefíciosdiretoseindiretosaosproprietáriosrurais,tornando‐adesejável paraestes”. 110 ALTERNATIVASDEUSODAFLORESTA Ao se considerar apenas a superfície florestal da propriedade, surgem limitesdaculturarural,privilegiandoatividadesagrícolasepecuáriaseem escalaaflorestaéconsideradaumobstáculo,poucoounadaacrescentando à renda familiar. Para mudar esse cenário, algumas ações podem ser adotadasnointuitodemelhorarascondiçõesdeproduçãoereproduçãodos proprietários no espaço rural. As áreas de Reserva Legal e Preservação Permanente garantem o patrimônio florestal nativo dentro das propriedades rurais, com seus múltiplos benefícios. Nessas áreas o proprietárioruralouagricultorpoderáobternovasfontesderendaatravés de vários produtos provenientes desses remanescentes, podendo manejar osrecursosnaturaisdapropriedaderuralcomadiversificaçãoderenda. Paraquesejapossívelmanejaraflorestanatural,énecessárioincrementarsua rentabilidade,oquedepende,basicamente,dequatrofatores:a)produtividade da floresta (sítio, estado de conservação, estágio de desenvolvimento); b) produtividadedasatividadesdecolheita,sejaeladeprodutosmadeiráveisou não madeiráveis (organização e planejamento, habilidade, força); c) infraestrutura (caminhos, acessos, rotas, equipamentos); d) mercados (produtosepreços)(ROSOT,2007,p.80). Rosot (2007, p. 80) afirma que “[...] a floresta funcional precisa de manejosilvicultural".Omanejopossibilitaamelhoriadaflorestaemtermos de estrutura e, consequentemente, pode gerar benefícios às famílias que sobrevivem no espaço rural, oportunizando novas dinâmicas e ganhos ambientais,econômicosesociais.Umadasalternativasdedesenvolvimento daspropriedadesruraiscomintençãodevaloraçãodaflorestaéautilização dosrecursosouprodutosflorestaisnãomadeireiros(PFNM).OsPFNMsão os diversos recursos naturais disponíveis em todas as formações florestais existentes.Historicamente,foramextraídoseutilizadosparadiferentesfins: econômicos, saúde, ornamental, entre outros. Entre os produtos florestais não madeiráveis, destacam‐se as plantas medicinais, extratos, frutas, sementes,cipós,cortiças,fibras,resinas,taninos,óleos,etc.Muitosdelessão amplamente utilizados em processos de produção industrial ou artesanal, cujademandaécrescente. ConformeBentes‐Gama(2006,p.11): A possibilidade de gerar bens e serviços ambientais e econômicos com a conservação das florestas naturais vem incentivando novos mercados. Um exemplo disso está na demanda das indústrias nacionais de cosméticos que procuramutilizarmatérias‐primasvegetaisinovadorasemseusprodutos,cuja produção, além de estar vinculada ao compromisso de conservação da biodiversidade, também proporciona a geração de trabalho e renda em comunidadesenvolvidascomoextrativismo. 111 Segundo Nasser (2000, apud BENTES‐GAMA et al., 2006, p. 11), “estudos em economia regional estão ligados à necessidade de conhecimento das especificidades regionais enquanto bases produtivas ou dinâmicas”. Essas novas bases produtivas referem‐se aos produtos não madeiráveis que podem ser extraídos da floresta como possibilidades de manejo florestal sustentado. Apesar de a Floresta Ombrófila Mista possuir grandepartedessesprodutos,muitosnãosãodisseminadosnaculturalocal e, de maneira geral, são desconhecidos por muitos proprietários rurais. Embora se conheça a erva‐mate, o pinhão, entre outros produtos não madeiráveis utilizáveis, existem muitos mais, possivelmente ainda desconhecidos,quepodemguardarenormespotenciaiseconômicos,sociais eambientais. Alémdisso,taisprodutos naturais(PFNM)podemsuprirnecessidades desobrevivênciaeproduçãoeconômicadohabitanterural.ParaItto(1988, apudBRAZetal.,2005,p19),“[...]osprodutosnãomadeiráveisgeralmente sãobaseparaaproduçãoartesanaleindustrialdepequenaescala,alémde gerar empregos, considerando que a exploração requerida exige intensa mãodeobra”. Várias são as espécies nativas que fornecem algum tipo de alimento, entreelasasdafamíliaMyrtaceae,quesãoasmaisencontradasnasáreasde Floresta Ombrófila Mista no Planalto Norte Catarinense: pitanga (Eugenia uniflora), guabiju (Myrcianthes pungens), guabiroba (Campomanesia xanthocarpa), cerejeira (Eugenia involucrata), araçá (Psidium cattleianum), jaboticaba (Myrciaria trunciflora), uvaia (Eugenia pyriformis), grumixama (Eugeniabrasiliensis),araticum(Annonacacans),ingá‐feijão(Ingácapitata), entreoutras.Alémdessas,outrassãopotenciaisparaodesenvolvimentode PFNM como a guaçatunga (Casearia decandra), a araucária, através dos pinhões,eapalmeirajerivá(Syagrusromanzoffiana). Aflorabrasileira,demodogeral,nãoproduzmuitasespéciesdefrutas comercialmente viáveis. Por isso, muitas espécies frutíferas somente são conhecidas na sua região de origem, embora possam gerar uma demanda local pelos produtos e subprodutos delas advindos. Determinadas plantas são ricas fontes de substâncias orgânicas de interesse científico e tecnológico.Taissubstânciassãoconhecidascomometabólicossecundários e encontram‐se distribuídas por toda a planta. Muitas delas desempenham importantepapelreguladordedesenvolvimentodomecanismodedefesado corpo humano e na reprodução da espécie para fins comerciais farmacêuticos. Quanto maior a diversidade biológica de uma determinada floresta, maior será a sua diversidade química, podendo‐se citar a Mata Atlânticacomoumdosmaisricossistemasbiológicosdomundo. 112 CONSIDERAÇÕESFINAIS AFlorestaOmbrófilaMistaregionalsofreugrandeintervençãohumana eintensaexploraçãoeconômicadesdeoiníciodoséculopassadoatravésdo processodecolonização,extraçãoebeneficiamentodamadeira. A implantação de Unidades de Conservação (UC), o controle da expansão de espécies exóticas, a criação de políticas públicas específicas voltadas ao manejo múltiplo de recursos florestais não madeiráveis e o incentivo a novas pesquisas de tecnologias para melhor uso e conservação dessafloresta,entreoutras,sãoaçõesesugestõesquepodemserpensadas, articuladaseatéimplantadas,nointuitodeproteçãodosremanescentesda florestanativaregional. No âmbito das IG’s, o contraste com o desenvolvimento sustentável devebuscarinclusãodefatorescomoadiversidadesculturalehistóricado local, resgatando o valor do “Contestado”, além de promover um crescimento equilibradocomajustiçasocial,egestãode recursosnaturais dapaisagemlocallançadostambémaparticipardaaçãodeIG.Aestratégia primordialparaumbomaproveitamentodapaisagemnaturaldomateesua valorização no processo de IG deve primar o estabelecimento de um aproveitamento inteligente e sustentável da floresta em benefício das populaçõesresidentesnoterritório. A valorização de espécies endêmicas e produtos associados erva‐mate sãodetalhesquesefazemessenciaisparavalorizaçãodessapaisagemúnica. Algumas delas, como o Caraguatá (Bromelia antiacantha), desempenham uma papel fundamental na paisagem com grande apelo paisagístico e também potencial medicinal, além de muitas outras espécies que são associadas a erva‐mate na fitossociologia florestal e também podem servir desubsídiosnavalorizaçãodapaisagemenaconquistadaIGdaerva‐mate através do aproveitamento dos frutos para fabricação de sucos, geleias, polpacongeladaeatémesmoacomercializaçãodofrutoinnaturanocaso dopinhão. Sugere‐seautilizaçãosustentáveldaFlorestaOmbrófilaMista,istoé,o manejoadequadodosprodutosflorestaisnãomadeireiros.Éindispensável também considerar futuras investigações sobre a temática, além de fortaleceraspolíticaspúblicasruraiscomincentivosàadoçãodeprodução agrícola no modelo de Sistemas Agroflorestais, aliando a produção de alimentos. Outra possibilidade a ser considerada nas estratégias de desenvolvimento são os pagamentos por serviços ambientais oferecidos pelos fragmentos da FOM, tais como o sequestro de CO², a polinização e a manutençãoderecursoshídricos.Esseressarcimentoaosprodutoresrurais estáprevistonoatualcódigoflorestaleasuaexecução(ounão)dependedo poderpúblico. 113 Os remanescentes florestais na forma de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanentes podem viabilizar economicamente as propriedades rurais através da produção de bens e serviços, além da conservação da biodiversidade. Por essa razão, os fragmentos de remanescentes da floresta nativa regional em forma de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente não podem ser considerados áreas “improdutivas”,ou,porvezes,entendidosemantidosapenasporexigência da legislação ambiental, mas como possibilidade de exploração econômica sustentável. Em estudos3já realizados anteriormente (SANDER, 2014), a dimensão ambientaldeconservaçãodapaisagemnaturalnãoévistacomoprioridade, alémdemostrarqueanãopreocupaçãoeacorretautilizaçãodosrecursos naturaisnãoévalorizadanaproduçãodosprodutoscomselodeIG.Ofatoé que não faz sentindo a conquista de um registro de IG para um produto exclusivo oriundo de uma paisagem singular e de uma espécie endêmica sem a conservação e valorização desta paisagem da qual a rica matéria‐ primachamadaerva‐matefazparte. Assim,deve‐sezelarpelapreservaçãodocapitalnatural,nãolimitando os usos da floresta, mas desenvolvendo estratégias seguras para as suas fragilidadescomooavançodaagricultura,oumonoculturassilvícolas.AIG pode ser um excelente recurso de integração entre desenvolvimento e sustentabilidadeambientalpara aflorestaombrófilamista,desdequeatue intrinsicamente com os atores locais, a sua capacidade de resiliência, atividadeseconômicasevalorizaçãoculturalehistórica. REFERÊNCIAS BENTES‐GAMA, M. DE M.; LIMA, P.T. N. A.; OLIVEIRA, V.B.V. Recursos florestais não madeireiros – experiência e novos rumos em Rondônia. Porto Velho‐RO: Embrapa Rondônia,2006.16p. BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Institui o Novo Código Florestal Brasileiro. Diário Oficial da União ‐ Seção 1 ‐ 28/5/2012, Página 1. Brasília – DF. Disponívelem:2012.Acessoem20dejan.de2013.Ás18he06m. CAMPANILI, M.e SCHAFFER, W.B. Mata Atlântica: Manual de adequação ambiental. Brasília‐DF:MMA/SBF,2010. FUPEF. Levantamento Fitossociológico das Principais Associações Arbóreas da FlorestaNacionaldeTrêsbarras.Curitiba:ConvênioIBAMA‐FUPEF,1990. IBGE‐ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Manual Técnico da Vegetação Brasileira. V. 1, 2.ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. (Série Manuais Técnicos em Geociências) 114 MARQUES,A.PlanejamentodapaisagemdaflorestanacionaldeTrêsBarras(Três Barras – SC): Subsídios ao plano de Manejo. Curitiba: UFPR, 2007 (Dissertação de Mestrado). ROSOT, M. A. D. Manejo florestal de uso múltiplo: uma alternativa contra a extinção comflorestacomaraucária?Colombo–PR:Embrapa,2007. SANDER, S. D. A Indicação Geográfica como contributo para o desenvolvimento Sustentável: Uma análise a partir de experiências brasileiras no setor vinícola. 2014. Canoinhas‐SC: Universidade do Contestado, 2014 (Dissertação de Mestrado. ProgramadeMestradoemDesenvolvimentoRegional). SANTOS, F. B. Estudo e caracterização de essências nativas para utilização em sistemas silvipastoris nas pequenas propriedades familiares do Bioma Mata Atlântica.Florianópolis–SC:2008 SCHAFFER,W.B;PROCHNOW,M.AMataAtlânticaeVocê:comopreservar,recuperare sebeneficiardamaisameaçadaflorestabrasileira.Brasília:Apremavi,2002.156p. VIBRANS,A.C;etal.InventárioFlorísticoeFlorestaldeSantaCatarina:diversidadee conservaçãodosremanescentesflorestais.Vol.1.Blumenau‐SC:Edifurb,2012. VIBRANS, A.C; et al. Inventário Florístico e Florestal de Santa Catarina: Floresta OmbrófilaMista.Vol.3.Blumenau‐SC:Edifurb,2013. 115 CAPÍTULO7 SIGNOSDISTINTIVOSEPOTENCIAISBENEFÍCIOS AODESENVOLVIMENTOTERRITORIAL1 SuelenCarls‐UFSC LilianaLocatelli‐UFSC LuizOtávioPimentel‐UFSC 1.INTRODUÇÃO A gestão do território, com todos os elementos que o compõem, pode gerarativostangíveiseintangíveis.Considerandoanaturezajurídicadesses ativos, comumente, os indivíduos tendem a valorizar e a reconhecer com maior facilidade os ativos tangíveis, os quais ainda representam a forma preponderantedefomentaraeconomiaegarantirosustentodasfamíliasali inseridas. Diantedeumatendênciacrescentedevalorizaropatrimônioimaterial vinculado aos territórios, especialmente por influência europeia, vislumbram‐se novas perspectivas sobre instrumentos que possam fomentarodesenvolvimentoterritorial. Dentre esses instrumentos, estão os signos distintivos, institutos que permitemumamaiordiferenciaçãodosprodutoseserviçosnomercadode consumo, bem como podem propiciar a gestão coletiva dos ativos intangíveis advindos da exploração de atividades econômicas ligadas ao território.Portanto,aabrangênciadoestudofoidelimitadacomointuitode secompreenderessessignosdistintivosapartirdesuanaturezajurídicae formas de proteção, perpassando exemplos estabelecidos na realidade brasileira, até mesmo a possibilidade de coexistência de mais de um signo paraamesmaatividadeouprodutoesuaspotencialidadeseconômicas,sem esquecerdosaspectosrelevantesvinculadosàquestãoterritorial. Paraaconstruçãodosargumentos,foirealizadaintroduçãorelacionada aoterritório,seguidadeumaanálisenormativaedasmarcasdeprodutose serviços, marcas coletivas e de certificação e indicações geográficas, finalizada com uma apreciação formal desses institutos como potenciais instrumentos de valorização e proteção dos respectivos ativos intangíveis 1 O presente texto se integra aos estudos do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, o qual contou com o apoio financeiro da FAPESC. 117 com vistas a fomentar a economia de determinadas regiões e promover o desenvolvimentoterritorial. A metodologia utilizada adota a abordagem qualitativa, com enfoque indutivo na análise das informações, baseada em pesquisa bibliográfica secundária de livros, artigos, legislação, dados estatísticos disponibilizados por órgãos governamentais ou privados e outros materiais pertinentes sobreotema. 2.TERRITÓRIO A ideia de localidade assumiu, nas últimas décadas, um papel de protagonista nas questões vinculadas ao desenvolvimento da atividade produtiva, inclusive no que diz respeito às estratégias utilizadas pelas próprias empresas, individual ou coletivamente (CALDAS; CERQUEIRA; PERIN,2005). Issoconduzaconsiderarqueodesenvolvimentoditoterritorializadose torna ponto de partida para a construção de uma nova dimensão do setor produtivo: a dimensão espacial, de um desenvolvimento localizado no território, cujo referencial é pensado justamente a partir da delimitação territorial. Trata‐se de desenvolvimento a partir da utilização dos ativos disponíveis em determinado ponto do território: ativos tangíveis e intangíveisque,umavezutilizadosporempresas,individualouemconjunto com a comunidade, permitem uma requalificação (positiva) do território, gerandodesenvolvimento. Nessecontexto,oterritório,évistocomoberçoehabitatdareprodução dasrelaçõessociaisdeprodução.Dessaforma,Santos(1977,p.87),aponta que: Os modos de produção tornam‐se concretos sobre uma base territorial historicamentedeterminada.Destepontodevista,asformasespaciaisseriam umalinguagemdosmodosdeprodução.Daí,nasuadeterminaçãogeográfica, seremelesseletivos,reforçandodessamaneiraaespecificidadedoslugares. Dallabrida(2006,p.161),aseutempo,afirma: O conceito território refere‐se a uma fração do espaço historicamente construída através das interrelações dos atores sociais, econômicos e institucionaisqueatuamnesseâmbitoespacial,apropriadaapartirderelações de poder sustentadas em motivações políticas, sociais, econômicas, culturais ou religiosas, emanadas do Estado, de grupos sociais ou corporativos, instituiçõesouindivíduos. Nessaseara,aconcepçãodedesenvolvimentoterritorialéamaisampla concepção de desenvolvimento entre aquelas que se coadunam com a 118 2 perspectiva do espaço geográfico, ou seja, a dimensão espacial . É um conceitoqueseassociaaideiadecontinenteenãodeconteúdo.Enele,no território,“[...]équalquerrecortedasuperfícieterrestre,masnemtodosos territórios são de interesse igual a partir da perspectiva do desenvolvimento”(BOISER,2006). É nesse sentido que Franco (2002, p. 72) observa que: “[...] o desenvolvimento de uma localidade depende de, entre inumeráveis outros fatores, sempre de dois fatores: o capital social e humano existentes no ambientedassuasrelações”. Anjos et al. (2013) compartilham pensamento semelhante e afirmam que o território exige interação social para se desenvolver. Logo não deve ser entendido apenas como um conjunto de recursos materiais, mas, principalmente, a partir da forma como pessoas e organizações nesse território se comportam em relação aos recursos e os utilizam. Portanto, é peremptório estabelecer pactos para a geração de benefícios, do desenvolvimento. 3 Assim é que a ideia do capital social faz enxergar que indivíduos não agem de maneira isolada, nem independentes são seus objetivos e seu comportamento nem sempre se traduz em egoísmo. É por isso que “[...] as estruturassociaisdevemservistascomorecursos,comoumativodecapital queosindivíduospodemdispor”(ABRAMOVAY,2003,p.86). Nessecenário,açõesparaodesenvolvimentoegestãodoterritóriosão pensadastantoapartirdeativostangíveiscomodeintangíveis,sejameles utilizados isolada ou conjuntamente. Particularmente em um país de dimensõescontinentaiscomooBrasil,noqualsepercebeumavariadacarga cultural,autilizaçãodessesrecursos,segeridoscomobjetivosclaros,pode render frutos nos mais diversos campos, como o econômico, o social e o cultural,propriamentedito,apartirdoestímuloàpreservaçãoepromoção dasidentidades. É nesse horizonte que se encontram, entre outras possibilidades, os signosdistintivos,partedosdireitosdapropriedadeintelectualqueobjetiva diferenciar empresas, produtos e serviços a partir de marcas, marcas coletivas, marcas de certificações e indicações geográficas, a depender do caso. A utilização desses signos, combinada a um projeto de gestão abrangente do território, é capaz de gerar benefícios e promover a 2 Incluídas nesse contexto também as concepções de desenvolvimento local e regional. Conforme Bourdieu (1989) pode-se dizer a respeito do capital econômico que, sob a forma dos diferentes fatores de produção (terras, fábricas, trabalho) e do conjunto de bens econômicos (dinheiro, patrimônio, bens materiais) é acumulado, reproduzido e ampliado por meio de estratégias específicas de investimento econômico e de outras relacionadas a investimentos culturais e à obtenção ou manutenção de relações sociais que podem possibilitar o estabelecimento de vínculos economicamente úteis, a curto e longo prazo. 3 119 cooperaçãoentreempresas,pessoasecoletividades.Essaideiaseresumeà capacidade de articulação das forças produtivas, culturais e sociais de um território, guiada por um mesmo propósito: o desenvolvimento do território. 3.SIGNOSDISTINTIVOSESUAREGULAMENTAÇÃOJURÍDICA Para uma gestão apropriada dos signos distintivos compreendidos em determinado território, é imprescindível conhecer a regulamentação jurídicadosinstitutos.Aexistênciaderegrasclaraseodomíniodasmesmas setraduzememconfiançanaproteçãodapropriedadeintelectualefazcom que se forme um ciclo de aprendizado e desenvolvimento, no qual os vínculos se fortalecem. Nesse sentido, a existência de normas nacionais coerentes em matéria de propriedade intelectual é de elevada importância paraofomentododesenvolvimentoapartirdaproteçãojurídicadosativos intangíveiscompreendidosnessaespéciedepropriedade. 3.1MARCAS As marcas representam uma categoria múltipla de signos distintivos compreendidos nos direitos de propriedade intelectual: podem ser marcas deprodutoouserviços,marcasdecertificaçãooumarcascoletivas. ALein.9.279/1996prescrevequesãoregistráveiscomomarcaos“[...] sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibiçõeslegais”,eespecifica(BRASIL,1996): Art.123.ParaosefeitosdestaLei,considera‐se: I ‐ marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviçodeoutroidêntico,semelhanteouafim,deorigemdiversa; II ‐ marca de certificação: aquela usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada;e III ‐ marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços provindosdemembrosdeumadeterminadaentidade. Conceitualmente,Bruchetal.(2014,p.80)esclareceque: Marcas são signos nominativos, figurativos, mistos ou tridimensionais, destinados a identificar e distinguir determinados produtos ou serviços de outros, de procedência diversa. Para que o signo possa ser registrado como marcaénecessárioqueosrequisitosdanovidade,distinguibilidade,aindaque relativa,edalicitudeestejampresentes. 120 As marcas têm por função precípua diferenciar visualmente produtos ou serviços de outros, semelhantes ou idênticos, disponíveis no mercado consumidor.Nessacategoriaatitularidadepodepertencerapessoafísicaou 4 jurídica,estaúltimadedireitopúblicoouprivado . Já as marcas de certificação são signos distintivos cuja titularidade pertence à pessoa física ou jurídica obrigatoriamente sem relação e/ou 5 interesse com o produto ou serviço a ser certificado . A origem desses produtos ou serviços não guarda, necessariamente, vínculo geográfico específico, apenas exige‐se que se atenda aos padrões estabelecidos pela entidadecertificadora. Emdiferentestermos,asmarcasdecertificação: [...] são usadas para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas, especificações técnicas ou padrões de identidade e qualidade.Otitulardamarcadecertificaçãoéumterceiroqueverificaseum produto ou serviço foi elaborado conforme o regulamento por ele criado. Se aprovado,permiteautilizaçãodosignoqueidentificaestacertificação(BRUCH etal.,2014,p.83). Diferentesituaçãoéverificadanoquedizrespeitoàsmarcascoletivas. Nessa espécie, a titularidade pertence a uma entidade coletiva representativadeumgrupodeprodutoresouprestadoresdeserviçoquese 6 unem com um propósito comum . Nesse caso, apenas os que estiverem na condição de associados e que respeitarem as normas coletivamente estabelecidas poderão se utilizar da marca coletiva e sua representação gráfica. SegundoexpõemBruchetal.(2014,p.82): A marca coletiva identifica produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade. Esse tipo de marca também tem uma função diferenciadora. Ela pode ser utilizada por Associações ou Cooperativas, por exemplo, cujos associados ou cooperados elaboram produtos que são disponibilizadosnomercadocomumamesmamarca.Issopodegarantiruma maior visibilidade e força à marca, o que não aconteceria se cada um dos associadosoucooperadosutilizasseumamarcaprópria. Oportuno mencionar que a marca (de produto ou serviço), a marca coletiva,amarcadecertificaçãoeaIndicaçãoGeográficapodemcoexistirem 4 Artigo 128. [...] § 1º As pessoas de direito privado só podem requerer registro de marca relativo à atividade que exerçam efetiva e licitamente, de modo direto ou através de empresas que controlem direta ou indiretamente, declarando, no próprio requerimento, esta condição, sob as penas da lei. 5 Artigo 128. [...] § 3º O registro da marca de certificação só poderá ser requerido por pessoa sem interesse comercial ou industrial direto no produto ou serviço atestado. 6 Artigo 128. [...] § 2º O registro de marca coletiva só poderá ser requerido por pessoa jurídica representativa de coletividade, a qual poderá exercer atividade distinta da de seus membros. 121 um mesmo produto ou serviço, sem que exista qualquer tipo de conflito apresentado pelo conjunto normativo nacional. Além disso, muitas vezes a utilização de mais de um signo distintivo representa um avanço na diferenciação e promoção do produto ou serviço no mercado, podendo impactarpositivamentenagestãodosativosegeraçãodedesenvolvimento. Mas, antes que se pense em acumular signos distintivos, é preciso conhecer a legislação que os regulamenta. Nesse sentido, a começar pelas marcas (de produto ou serviço), uma lista de 23 incisos especificando os sinais não registráveis está contida no artigo 124 de Lei n. 9.279/1996 (BRASIL,1996). Osartigosseguintes(125,126e127)tratamdamarcadealtorenome, da marca notoriamente conhecida e do direito de prioridade relativo a depósitosfeitoempaísquemantenhaacordocomoBrasil. No que se refere ao pedido, “[...] deverá referir‐se a um único sinal distintivo e, nas condições estabelecidas pelo INPI, conterá: I ‐ requerimento; II ‐ etiquetas, quando for o caso; e III ‐ comprovante do pagamento da retribuição relativa ao depósito”. Ademais, todos os documentos que acompanharem o pedido deverão estar em língua portuguesa,sejanooriginalouemtraduçãosimples(BRASIL,1996). A aquisição da propriedade da marca se concretiza pelo registro validamenteexpedidoequeasseguraaotitularaexclusividadedeutilização em todo o território nacional pelo período de 10 anos a partir da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos e “[...] abrange o uso da marca em papéis, impressos, propaganda e documentos relativos à atividade do titular”, observadas as restrições do artigo 132 e incisos(BRASIL,1996).Alémdisso: Art.130.Aotitulardamarcaouaodepositanteéaindaasseguradoodireitode: I‐cederseuregistrooupedidoderegistro; II‐licenciarseuuso; III‐zelarpelasuaintegridadematerialoureputação(BRASIL,1996). Da mesma forma, a lei também prevê os casos em que o registro da marcaseextingueeosdireitossobreelasãoperdidos:expiraçãodoprazo devigênciasemquehajarenovação,renúnciatotalouparcial,caducidadeou ausênciadeprocuradorconstituídonoBrasilnocasodetitularresidenteno exterior(BRASIL,1996). Acerca das marcas coletivas e das marcas de certificação, a Lei n. 9.279/1996 reserva os artigos 147 a 154 para tratar das particularidades dessascategorias. Osdispositivosalertamque:“[...]opedidoderegistrodemarcacoletiva conterá regulamento de utilização, dispondo sobre condições e proibições de uso da marca”, devendo ser protocolizado no máximo 60 dias após o 122 depósito,casonãoacompanheopedido,sobpenadearquivamento(BRASIL, 1996). O pedido de registro de marca de certificação, por sua vez, deverá contemplar: “I ‐ as características do produto ou serviço objeto de certificação; e II ‐ as medidas de controle que serão adotadas pelo titular”, estas devendo, da mesma forma como ocorre na marca coletiva, serem apresentadasemnomáximo60dias,casonãofaçampartedadocumentação entreguecomopedido,sobpenadearquivamento(BRASIL,1996). Casosejamempreendidasmodificaçõesnoregulamentodeutilizaçãoda marca, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) deverá ser comunicadopormeiodepetiçãocomtodososdetalhesdasmudanças. Alémdoscasosdeextinçãodamarcadeprodutoouserviço,aplicam‐se tambémàsmarcascoletivasedecertificaçãoasseguintescausas:“Art.151 [...]I‐aentidadedeixardeexistir;ouII‐amarcaforutilizadaemcondições outras que não aquelas previstas no regulamento de utilização” (BRASIL, 1996). Osdispositivosseguintesestabelecem: Art. 152. Só será admitida a renúncia ao registro de marca coletiva quando requerida nos termos do contrato social ou estatuto da própria entidade, ou, ainda,conformeoregulamentodeutilização. Art. 153.Acaducidadedoregistroserádeclaradase a marcacoletivanãofor usadapormaisdeumapessoaautorizada,observadoodispostonosarts.143 a146. Art.154.Amarcacoletivaeadecertificaçãoquejátenhamsidousadasecujos registros tenham sido extintos não poderão ser registradas em nome de terceiro,antesdeexpiradooprazode5(cinco)anos,contadosdaextinçãodo registro(BRASIL,1996). Feita essa revisão de conceitos, usos e regulamentação, é possível perceber que a marca, em todas as suas variantes, tem potencial para a valorizaçãoterritorial.Issoconsideradoemconjuntocomosapontamentos realizados acima a respeito do território e da cooperação entre pessoas, empresas e coletividade em prol da valorização dos ativos presentes em determinadoespaçoterritorial. 3.2INDICAÇÕESGEOGRÁFICAS A Lei n. 9.279/1996 prescreve que as Indicações Geográficas (IG) podemserreconhecidascomoIndicaçãodeProcedênciaouDenominaçãode Origem. Assim, ao analisar os requisitos legais para o reconhecimento de umaIG,importaobservarasdiferençasentreaIndicaçãodeProcedênciaea DenominaçãodeOrigem. 123 Alegislação brasileiradefineque:“Art.177.Considera‐seindicaçãode procedênciaonomegeográficodepaís,cidade,regiãooulocalidadedeseu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinadoserviço”(BRASIL,1996). Observa‐sequealeiexigecomorequisitoparaoreconhecimentodesse signoanotoriedadedomeiogeográficodeorigemdosprodutosouserviços. Quando se fala em indicações geográficas, tendo em vista sua origem europeia,aideiaquevemàtonaéjustamenteadetradiçãoequalidadeem produtosouserviçosqueutilizamessesigno.Atradição,porsuavez,nãofoi expressanaLein.9.279/1996,emboratallegislaçãonãoaexclua. Adiferençaentreessasduascaracterísticas–notoriedadeetradição– pode ser tênue em alguns casos e significativa em outros. A tradição pressupõe práticas reiteradas que se consolidam no decurso do tempo/história,passandodegeraçõesparagerações.Anotoriedade,porsua vez, pressupõe o reconhecimento, o tornar público. Nesses termos, a notoriedade do meio geográfico de origem pode advir da sua tradição na produção de bens ou serviços, mas também pode ser alcançada a curto prazocomestratégiasdemarketing. É possível exemplificar essa distinção imaginando que determinada localidade resolva explorar novos produtos, não característicos ou tradicionais da região. Os novos produtores investem em publicidade, eventosdedivulgaçãoeemcurtotempoalocalidadeéreconhecidaregional ounacionalmentepelaproduçãodeseusbens.Nessecaso,independenteda tradição, está preenchido o requisito legal para o reconhecimento de uma IndicaçãodeProcedência.Aqui,atradiçãonãofoiopressupostoparaqueo meiogeográficodeorigemdosprodutossetornasseconhecido. Como exemplo de Indicação de Procedência, não se pode deixar de mencionaroValedosVinhedos,portersidoaprimeiraIGnacional,aqualse refereavinhostintos,brancoseespumantes,tendooseuregistrodeferido emnovembrode2002(BRASIL,2014),maisdeseisanosapósoadventoda 7 atuallegislaçãodepropriedadeindustrial . No Estado de Santa Catarina, a primeira Indicação de Procedência também está vinculada a vinhos (da uva Goethe), e teve seu registro deferido em fevereiro de 2012 – Vales da Uva Goethe. Trata‐se de uma microrregião localizada entre as encostas da Serra Geral e o litoral sul catarinense nas bacias do rio Urussanga e rio Tubarão, compreendendo vários municípios (Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova Veneza e Içara) que se tornou reconhecidanaproduçãodessesvinhos(BRASIL,2014). 7 Mais tarde, reconheceu-se também a Denominação de Origem Vale dos Vinhedos, para uma gama menor de variedades de vinhos e espumantes. 124 Nãoobstantealgunsexemplospioneiros,asIndicaçõesdeProcedência nacionaisnãoserestringemavinhos,tendodiversosoutrosprodutostanto dosegmentoagroalimentar,comonãoagroalimentares,comoosartesanais e industriais. Citam‐se como exemplos: o Vale do Submédio São Francisco, parauvasdemesaemangas,em2009;aRegiãodaSerradaMantiqueirade Minas Gerais, para o café, em 2011; a Região do Jalapão do Estado do Tocantins,paraoartesanatoemcapimdourado,tambémem2011;Franca, paracalçados,em2012;Canastra,paraqueijo,tambémem2012;Mossoró, para o melão, em 2013; Rio Negro, para peixes ornamentais, em 2014; Microrregião de Abaíra, para cachaça, também em 2014. De 41 IGs 8 nacionais,têm‐se33indicaçõesdeprocedência (BRASIL,2014). Esses exemplos aleatórios evidenciam a diversidade de produtos e regiões brasileiras que obtiveram o registro de uma Indicação de Procedência, agregando à sua produção tradicional um reconhecimento vinculadoaopatrimônioimaterialdessasregiõesesuarespectivaprodução. No que se refere às Denominações de Origem, por outro lado, a Lei n. 9.279/1996, em seu artigo 178, aduz que: “Considera‐se denominação de origem o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos” (BRASIL, 1996). Aqui, as qualidades ou características do produto, vinculadas ao meio geográfico de origem, constituemorequisitoessencialparaoreconhecimentodaindicação. Nesses casos, mais do que tradição ou notoriedade são relevantes, sendo exigida uma comprovação de características que relacionem o produto/serviço à sua origem geográfica, tornando‐o peculiar ou único em razãodela. Alémdesserequisito,aLein.9.279/1996,noartigo182,dispõequea titularidadeouodireitodeusodaIGérestritoaosprodutoreseprestadores estabelecidos no local, inferindo‐se que estes explorem a atividade característica da IG. No caso da Denominação de Origem, a lei expressamente exige o cumprimento dos requisitos de qualidade que a determinam. Tal distinção se faz relevante no momento da elaboração do Regulamento de Uso da indicação, bem como no momento de verificar a legitimidadedoprodutor/prestadorparaseutilizardosignogeográfico. NoBrasil,das41IGsregistradas,oitosãoDenominaçõesdeOrigem.A primeira Denominação de Origem nacional registrada no INPI foi o Litoral NorteGaúcho,paraoarroz,em2010.Nestecaso, 8 Dados atualizados pelo INPI até 14 de outubro de 2014 e disponíveis no link contido na lista de referências. 125 As características climáticas da região do Litoral Norte Gaúcho são determinantes sobre a lavoura de arroz irrigado e isto é fartamente comprovado na literatura existente. O grão produzido tem características de alto rendimento de grãos inteiros, aparência vítrea e baixo percentual de gessamento mantendo uma constância ao longo de diferentes safras. Isto caracteriza um arroz diferenciado, valorizado não somente pela indústria beneficiadora, mas também pelos consumidores finais que buscam além da melhor aparência do grão um maior rendimento de panela e melhores características de cocção que permitam servir um arroz “solto”, não “empapado”edefácilpreparo(APROARROZ,2010). O maior rendimento é decorrência, então, desses fatores naturais que resultam na característica sui generis do produto. Evidencia‐se, neste exemplopioneiro,umprodutoquesofreinfluênciasdomeiogeográficode origem,agregandocaracterísticaspeculiaresquesedevemexclusivamentea ele. Diferente das Indicações de Procedência, como mencionado anteriormente,nãosetratasomentedereputaçãoounotoriedadedoLitoral Norte Gaúcho, mas de qualidades do produto originário daquele território, que podem ser comprovadas cientificamente e vinculadas a essa origem, decorrentesdefatoresnaturaisehumanos. Háoutrosexemplosnacionaisqueobtiveramreconhecimentoposterior como Denominação de Origem, como a Costa Negra, para o camarão, em 2011, e os Manguezais de Alagoas, para a Própolis vermelha e extrato de própolisvermelha,em2012.Aototal,têm‐seatualmenteoitodenominações nacionaisregistradas.(BRASIL,2014) Importa mencionar, ainda, o caso de uma mesma região ter sido reconhecida como Indicação de Procedência e posteriormente ter seu registro também como Denominação de Origem. No Brasil, o Vale dos Vinhedos e o Cerrado Mineiro estão nessa situação. Trata‐se de uma possibilidadenãoprevistanalegislaçãonacional,nemvedada, motivopelo qualpermiteinterpretaçõesdiversas. Faz‐senecessárioobservarqueaIndicaçãodeProcedêncianãodeveser vista como uma etapa prévia da Denominação de Origem, uma vez que o 9 objetotuteladoporambasédistinto. Talconcepçãopodeensejarconfusão ao consumidor quando se tratar do mesmo produto, por não saber diferenciartaissignos,oqueacarretariaumamenorvalorizaçãodoproduto e, consequentemente, a falta de retorno aos investimentos dos produtores, especialmente na Denominação que, em tese, gera mais custos, especialmentenocontrole. Na regulamentação das IGs há muitas lacunas e omissões, bem como situações em que os casos práticos e a interpretação do INPI têm dado o alcancedosdispositivoslegais. 9 Sobre o tema, sugere-se consultar ANJOS et al., 2013. 126 Nesse mesmo contexto, a generalização do nome geográfico merece especialatençãoaqui,motivopeloqualtambémfoiabordadapelolegislador nacional.Assim,consolidou‐sequeestãoexcluídosdaproteçãocomoIGos nomesquetenhamsetornadodeusocomum(artigo180).Observa‐seuma questãocomplexa,considerandoqueoINPI,órgãoresponsávelpeloregistro dasIGsnoBrasil,acabourelativizandoaexigênciaaodeferiroregistropara IGs,especialmenteestrangeiras,quesetornaramdeusocomumnoBrasil. Entende‐se que uma das funções precípuas das IGs é informar ao consumidor, relacionando o produto à sua origem geográfica. Quando o nome geográfico se generaliza, sua proteção como IG, além de confundir o consumidor,podegerar restriçõesinjustificadas aosdemaisprodutoresou prestadores que se utilizavam desse nome genérico de boa‐fé. Resta a tais produtores,dependendodocaso,recorreraoPoderJudiciárioparaverseus direitosresguardados. AregulamentaçãodoconflitoentreIGsemarcastambéméprevistana Lein.9.279/1996(artigo181).Aproblemáticaaquiestácentradanofatode inúmeros nomes geográficos nacionais já terem sido registrados como marcas, não obstante possuírem características próprias das IGs. Tal fato causatranstornosaosprodutoreseprestadoresdasindicações,tornandoo processodereconhecimentomoroso,caroeincerto. A mesma Lei n. 9.279/1996 (artigo 182, parágrafo único) dispõe, por fim,quecabeaoINPIdeterminarascondiçõesparaoregistrodasIGs,órgão que, no intuito de regulamentar a matéria, editou normas próprias. A recente Instrução Normativa (IN) n. 25/2013 trouxe poucas alterações em relaçãoàResoluçãon.75/2000queregulamentouamatériaapós aedição da Lei n. 9.279/1996, não refletindo em quaisquer modificações substanciais nos requisitos e documentos exigidos para o deferimento do pedido. AprimeiraeimportantedisposiçãodoINPIrefere‐seànaturezajurídica doregistrodeumaIG,qualseja,declaratória.Taldisposiçãoimplicanofato de que o registro não constitui nenhuma nova situação, apenas reconhece umdireitojáexistente(BRASIL,2013b). Alegitimidadepararequereroregistro,porsuavez,nostermosdaINn. 25/2013, artigo 5º, é atribuída, no caso das indicações nacionais, às associações, aos institutos e às pessoas jurídicas que representem o grupo de produtores ou prestadores legitimados ao uso do nome geográfico (na qualidade de substitutos processuais), quando não se tratar de produtor/prestadorúnico(BRASIL,2013b).Interessaobservarqueanorma do INPI designa a legitimidade como requerente ao registro, o que não determinaatitularidadedodireitodeuso,jáprevistanaLein.9.279/1996. Opedidoderegistrodeveráconter,nostermosdaINn.25/2013,artigo 6º: 127 I–requerimento(modeloI),noqualconste: a)onomegeográfico; b)adescriçãodoprodutoouserviço; II–instrumentohábilacomprovaralegitimidadedorequerente,naformado art.5º; III–regulamentodeusodonomegeográfico. IV–instrumentooficialquedelimitaaáreageográfica; V – etiquetas, quando se tratar de representação gráfica ou figurativa da IndicaçãoGeográficaouderepresentaçãodepaís,cidade,regiãooulocalidade doterritório,bemcomosuaversãoemarquivoeletrônicodeimagem; VI–procuração,seforocaso,observandoodispostonosart.20e21; VII – comprovante do pagamento da retribuição correspondente (BRASIL, 2013b). No caso da Indicação de Procedência, o nome geográfico deve ser reconhecido e sua notoriedade/reputação comprovada, juntamente com a demarcação da área geográfica, cujo documento deve ser expedido pelo órgão competente de cada Estado, nos termos da IN n. 25/2013, artigo 7º, quedispõecomoórgãoscompetentes, [...] no Brasil, no âmbito específico de suas competências, a União Federal, representadapelosMinistériosafinsaoprodutoouserviçodistinguindocomo nome geográfico, e os Estados, representados pelas Secretarias afins ao produtoouserviçodistinguidocomonomegeográfico. Os produtos ou serviços que poderão se utilizar da IG deverão ser determinadosedevidamentecaracterizados,sendoqueodireitodeusodo signo não é extensivo a todo e qualquer produto ou serviço originado na respectivaregião/localidade. O Regulamento de Uso, por sua vez, estabelecerá essa caracterização, bemcomotodasasdemaisregrasquenortearãoousodaIG.Nessesentido, oRegulamentopodepreverosprocessosprodutivosesuaspeculiaridades; forma de gestão e controle da IG; mecanismo de deliberação dos produtores/prestadores; custos do selo; regras quanto à matéria prima, produtividade, armazenamento e embalagem; publicidade e divulgação do selo;entreoutras. AINn.25/2013,artigo8º,solicita,ainda,documentosquecomprovem: a notoriedade do nome geográfico ‐ relacionada à produção ou prestação característica; a existência de uma estrutura de controle; e que os produtores/prestadores autorizados a utilizar o selo estejam estabelecidos naáreageográficademarcadaeexploremaatividaderespectiva.Sendoessa última exigência também aplicável às Denominações de Origem (BRASIL, 2013b). No caso da Denominação de Origem, o pedido deve conter também a comprovação dos elementos que determinam a influência do meio 128 geográfico no produto, bem como a descrição dos processos e métodos de obtenção, caracterizando a influência de fatores humanos. Nesse último caso,destaca‐sequetaismétodosdevemserlocais,leaiseconstantes,afim de garantir ao consumidor o diferencial que o referido produto promete. Para a verificação de todos esses elementos, há, ainda, que se apresentar uma estrutura de controle que fiscalize produtores/prestadores e produtos/serviços(BRASIL,2013b). As demais exigências do INPI são de natureza burocrática para instrumentalizar o pedido, como o formulário de requerimento, comprovante de pagamento, procuração quando pertinente e documento queatestealegitimidadedainstituiçãorequerente. Observa‐sequedentreosmaioresdesafiosenfrentadosnaformalização dopedidodereconhecimentodeumaIGestáaorganizaçãodosprodutores, considerando os diferentes interesses envolvidos, bem como as práticas individualizadasquerequeremumaharmonizaçãoeaestruturadecontrole que é umimportante instrumento para garantir a credibilidade perante os consumidores, mas que traz custos e, por vezes, conflitos entre os produtores,especialmentequandoaregrasnãoestãoadequadasàspráticas 10 consolidadas . 4.ASPOTENCIALIDADESECONÔMICASADVINDASDAUTILIZAÇÃODOSSIGNOS DISTINTIVOSEOIMPACTONODESENVOLVIMENTOTERRITORIAL Como mencionado anteriormente, os signos distintivos possibilitam a diferenciação e valorização dos produtos, bem como quanto aos coletivos, novas formas de organização/gestão e melhor aproveitamento dos ativos intangíveisnosterritórios.Ospotenciaisbenefíciosadvindosdesseprocesso sãovariadosevãodesdeaproduçãoatéainserçãonomercadoconsumidor. Nesse sentido, faz‐se pertinente mencionar alguns exemplos nos quais essessignosdistintivostrouxerambenefíciosaosprodutoresecomunidade envolvidos,traduzidosemvalorizaçãoterritorial,alémdeestabelecernovo diálogocomosconsumidores. No primeiro exemplo, estão as marcas de certificação Rastro do Boi CertificadoraeArrobaCertificadora.Comointuitodeatenderexigênciasdo mercado interno e externo, produtores mineiros apostaram na rastreabilidadedorebanhoparagarantiraofertadecarnedequalidade.Os produtores contaram (e contam) com apoio do IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária) nessas questões e a certificação tem sido uma estratégia rentável. Em 2009, Minas Gerais já possuía o “[...] maior número de propriedades capazes de fornecer animais para frigoríficos exportadores paraaUniãoEuropeia:das1.371fazendasaptasemtodoopaís,530[eram] 10 Sobre o tema, sugere-se consultar Claire et al. (2014). 129 localizadasemterritóriomineiro”(IMA,2009). Como benefícios da adoção da certificação, podem ser citados: a diferençaobtidaporarroba,queem2009eradeR$6,00,chegouaR$18,00 amaisdoqueadeanimaisnãocertificados. Outro benefício que a certificação trouxe foi a profissionalização da gestão da propriedade. A responsável técnica da Arroba Certificadora explica o primeiro obstáculo para os produtores que se interessam pela certificação é a documentação. “Acostumados a tocar a propriedade de maneirainformal,aobuscararastreabilidadeoprodutorsedácontadeque precisaterinformaçõesprecisaseidênticasnosórgãosestaduaisefederais” eassimapropriedadeeproduçãosetornammaisorganizadas(IMA,2009). No cenário mineiro, em especial em virtude das experiências bem sucedidas,acertificaçãotendeaalcançarmaispropriedades.E,aindaqueo pequenoprodutortenhaumgastocercadequatrovezesmaiorqueogrande paragarantiracertificação,elecontinuainteressado,jáqueéumaexigência domercadoexternoeagregavaloraoproduto(IMA,2009). A partir da certificação, os produtores obtiveram melhoria em sua gestão e no produto que oferecem ao consumidor, promovendo positivamente,ainda,oterritórionoqualestãoestabelecidos. OsegundocasodizrespeitoàmarcacoletivaAmorango,quetemcomo slogan “Cultivados com amor” e pertence à Associação dos agricultores fa‐ miliares de produtores de morango de Nova Friburgo (Amorango). A marca foidesenvolvidanoâmbitodoprojetoABREdoServiçoBrasileirodeApoio àsMicroePequenasEmpresas(SEBRAE)comopartedeumaestratégiapara fortalecer a região produtora e a cooperação entre os produtores e a comunidade(BARBOSA,2014,p.277‐278). Entre as vantagens que uma marca coletiva pode trazer, são citados: “[...] redução dos gastos com propaganda e marketing e a facilidade de entradaemnovosmercados”(BRASIL,2013a).AAmorangovemapostando nessas e noutras questões e os produtores a ela vinculados estão bastante otimistas. FernandoHottz,produtorepresidentedaAmorango,afirmaque“[...]o produto identificado pela Marca Coletiva ganha maior credibilidade do mercadoe,comotempo,dosconsumidores,oquefacilitaacomercialização” (BRASIL,2013a). A marca ainda é recente, posto que seu certificado de registro foi entregue aos produtores em setembro de 2013, mas as expectativas são boas. O agricultor José Luiz Brantes é um dos beneficiados pelas ações de fortalecimento do cultivo do morango na região de Friburgo, no Rio de Janeiro. Para ele, “a marca coletiva chegou em um ótimo momento. Nosso diferencialdemercadosãoosmorangosselecionados”(GOVERNO...,2013,p. 2). 130 Em contextos como esse, a marca coletiva é um ativo promissor no fortalecimentodacooperaçãoepromoçãodoterritório,compossibilidades de geração de desenvolvimento. Reúne esforços, divide responsabilidades, otimizainvestimentosecompartilhadiferentesexperiênciasnabuscadeum objetivocomum. De outro lado, as marcas de produtos ou serviços também são instrumentos importantes de diferenciação dos produtos, especialmente quando existem qualidades ou características especiais relacionadas a um ou outro produtor individualmente. Elas podem coexistir com as demais marcas e fortalecer estas potencialidades individuais, gerando um reconhecimentoperanteomercadoconsumidor. NocasodasIGs,aspotencialidadeseconômicasjásãoreconhecidasem vários aspectos, podendo citar: o aumento da demanda; a valorização do produto no mercado consumidor (valor agregado); geração de empregos; inserção no mercado internacional; fomento às atividades lucrativas indiretas;valorizaçãoimobiliáriadaáreademarcada(LOCATELLI,2007). Corroborando com as potencialidades referidas, DULLIUS (2009, p. 123) aduz, ainda, que as IGs possuem aptidão para instrumentalizar o desenvolvimento territorial “[...] conferindo originalidade à produção brasileira e fortalecendo a competitividade no mercado externo e interno através dos produtos da agricultura familiar, que possuem fortes vínculos com o território de origem e com as tradições e modos de fazer diferenciados.”Destacaquetalestratégiadeveriaserobservadatambémpor territóriosruraismarginalizadosedesfavorecidos. Umdosexemplosdeconsolidaçãodemuitasdaspotencialidadesacima citadaséaIGpioneiranoBrasil–oValedosVinhedos.Alémdosbenefícios mercadológicos, vislumbra‐se nesta experiência, em adição, a satisfação do produtordiantedavalorizaçãodoseuproduto,oestímuloainvestimentose melhorias na produção e na qualidade dos produtos e, em especial, a preservação da tipicidade dos produtos, enquanto patrimônio daquela região(APROVALE). Não obstante se destaquem as potencialidades econômicas, essa é apenasumadasfacetasdodesenvolvimentoterritorial.Importareferirque no que tange aos signos distintivos, as indicações geográficas assumem especial relevância, uma vez que permitem concretizar além dessas potencialidades, permitindo a preservação da identidade e cultura destas regiões, novas formas de governança e um estímulo a que as famílias reencontrem sua fonte de subsistência no campo aliada à possibilidade de preservarsuahistória. Contudo,oreconhecimentoouregistrodequalquersignodistintivo,por si só, não é capaz de consolidar os benefícios acima descritos nem mesmo outros que também podem ser alcançados. Para tanto, faz‐se necessária a 131 adequada gestão desses ativos, o que envolve uma participação direta dos produtores/prestadores em todo o processo. Com a união dos envolvidos emproldointeressecomum,benefíciosdasmaisvariadasordenspodemser obtidos, impactando positivamente na produção, na comunidade e na promoção territorial sob as perspectivas econômica, social e cultural (CARLS,2013). 5.CONSIDERAÇÕESFINAIS Comoobservado,oterritórioenvolvemaisdoqueosfatoresmateriais que o integram, como a interação desses recursos com os atores sociais envolvidos naquele espaço. Por essa perspectiva, há diferentes formas de gestão ou governança desses espaços, bem como de interação entre os diversos atores envolvidos. Os instrumentos que permitem o melhor aproveitamentodessesrecursossãoinúmeros,dentreosquaissedestacam ossignosdistintivos. AsmarcaseasIndicaçõesGeográficasseapresentamcomoferramentas quepermitemqueaproduçãoadvindadosterritóriospossaserreconhecida por seus diferenciais, tanto de qualidade quanto culturais. A partir da utilizaçãodessessignos,épossívelconsolidarcaracterísticaspeculiaresdos produtoseserviços,alcançandonovosmercadoseumamaiordemanda. Emrelaçãoaossignoscoletivos,porvez,visualiza‐seapossibilidadeda gestão compartilhada dos ativos, buscando soluções conjuntas, dividindo investimentos e estratégias que fomentem o desenvolvimento territorial. Maisespecificamente,nocasodasIGs,sepermite,alémdeobterbenefícios econômicos, garantir a preservação da história, tradição e diversidade culturaldasdiferentesregiõesdopaís. Contudo,aformalizaçãoeproteçãodessessignosdevemestaratrelada a ações conjuntas de planejamento e gestão, com a efetiva inserção e o protagonismo da comunidade envolvida, para que os potenciais benefícios venhamaseconsolidarrespeitandoàrealidadeeàsnecessidadeslocais. REFERÊNCIAS ANJOS; F. S. et al. Sobre ‘efígies e esfinges’: indicações geográficas, capital social e desenvolvimento territorial. In: DALLABRIDA, Valdir Roque (Org.). Território, identidade territorial e desenvolvimento regional: reflexões sobre indicação geográfica e novas possibilidades de desenvolvimento com base em ativos com especificidadeterritorial.SãoPaulo:LiberArs,p.159‐196,2013. ABRAMOVAY,R.Ofuturodasregiõesrurais.PortoAlegre:Ed.daUFRGS, 2003. APROARROZ. Características do arroz da região. [2009] Disponível <http://www.aproarroz.com.br/index.php/produtores>.Acessoem:20nov.2014. 132 em APROVALE. Indicação geográfica. Vinho e sua procedência. [????]. Disponível em: <http://www.valedosvinhedos.com.br/vale/conteudo.php?view=70&idpai=132#null>. Acessoem:2dez.2014. BARBOSA,P.M.S.MarcasColetivaseMarcasdeCertificação:MarcasdeUsoColetivo.In: PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.). Curso de propriedade intelectual & inovação no agronegócio:móduloII,indicaçãogeográfica.4.ed.MAPA,Florianópolis:FUNJAB,p.270‐ 295,2014. BOISIER, S. Desenvolvimento territorial. In: SIEDENBERG, Dieter Rugard (Coord.). Dicionáriodedesenvolvimentoregional.SantaCruzdoSul:Edunisc,p.76,2006. BOURDIEU,P.Opodersimbólico.RiodeJaneiro:BertrandBrasil,1989. BRASIL.Lein.9.279,de14demaiode1996.Reguladireitoseobrigaçõesrelativosà propriedadeindustrial.Disponívelem: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9279.htm>.Acessoem:10dez.2014. BRASIL.InstitutoNacionaldaPropriedadeIndustrial.Indicaçõesgeográficas reconhecidas,listaatualizadaaté14out.2014Disponívelem: <http://www.inpi.gov.br/images/docs/lista_com_as_indicacoes_geograficas_concedidas_ ‐_14‐10‐2014.pdf>.Acessoem:20out.2014. BRASIL. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Evento discute vantagens da marca coletiva e entrega certificado para Amorango. 18 set. 2013. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/portal/artigo/evento_discute_vantagens_da_marca_coletiva_e_ entrega_certificado_para_amorango>.Acessoem:10dez.2014. BRASIL.InstitutoNacionaldaPropriedadeIndustrial.InstruçãoNormativan.25,de 28deagostode2013.Estabeleceascondiçõesparaoregistrodasindicaçõesgeográficas. Disponívelem:<http://www.inpi.gov.br/images/stories/ResolucaoIG.pdf>.Acessoem: 10dez.2014. BRUCH, K. L. Indicações Geográficas e Outros Signos Distintivos: Aspectos Legais. In: PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.). Curso de propriedade intelectual & inovação no agronegócio:móduloII,indicaçãogeográfica.4.ed.MAPA,Florianópolis:FUNJAB,p.62‐ 95,2014. CARLS, S. O aproveitamento da indicação geográfica na promoção de desenvolvimentoregional:ocasodoscristaisartesanaisdaregiãodeBlumenau.2013. 166 f., il. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) ‐ Programa de Pós‐ Graduação em Desenvolvimento Regional, Centro de Ciências Humanas e da Comunicação, Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, 2013. Disponível em: <http://www.bc.furb.br/docs/DS/2013/352885_1_1.PDF>.Acessoem:5jun.2013. CERDAN,C.M.T.etal.Elaboraçãodoregulamentodeuso,conselhoreguladoredefinição do controle. In: PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.) Curso de propriedade intelectual & inovação no agronegócio: módulo II, indicação geográfica. 4. ed. MAPA, Florianópolis: FUNJAB,p.164‐193,2014. DALLABRIDA, V. R. Território. In: SIEDENBERG, Dieter Rugard (Coord.). Dicionário de desenvolvimentoregional.SantaCruzdoSul:Edunisc,p.161‐162,2006. DULLIUS,P.R.Indicaçõesgeográficasedesenvolvimentoterritorial:asexperiênciasdo RioGrandedoSul.DissertaçãodeMestrado.UFSM.2009.Disponívelem: <http://w3.ufsm.br/ppgexr/images/Disserta%C3%A7%C3%A3o_Dullius.pdf>.Acesso em:25nov.2014. 133 FRANCO, A. Pobreza & desenvolvimento local. Tradução de Maria Mercedes Quihilaborda Mourão, Susie Casement Moreira. Brasília: ARCA Sociedade do Conhecimento,2002. GOVERNODOESTADODORIODEJANEIRO.DiárioOficialdoEstadodoRiodeJaneiro, ano39,n.83,parte3,p.2.MorangoviramarcacoletivaemNovaFriburgo.9maio2013. Disponívelem: <http://www.ioerj.com.br/portal/modules/conteudoonline/mostra_swf.php?ie=MTcxO TI=>.Acessoem:10dez.2014. IMA(INSTITUTOMINEIRODEAGROPECUÁRIA).Minasincentivacertificaçãopara garantirqualidadedacarne.12ago.2009.Disponívelem: <http://www.ima.mg.gov.br/acontece‐no‐ima/679‐minas‐incentiva‐certificacao‐para‐ garantir‐qualidade‐da‐carne>.Acessoem:10dez.2014. LOCATELLI,L.Indicaçõesgeográficas:aproteçãojurídicasobaperspectivaeconômica. Curitiba:Juruá,2007. SANTOS,M.Sociedadeeespaço:aformaçãosocialcomoteoriaecomométodo.Boletim PaulistadeGeografia,SãoPaulo:AGB,p.81‐99,1977. 134 CAPÍTULO8 PRODUTOSCOMIDENTIDADETERRITORIAL NOESTADODESANTACATARINA:POTENCIAIS PARAAINDICAÇÃOGEOGRÁFICA 1 MayaraRohrbacherSakr‐UnC NatanyZeithammer‐UnC StavrosWrobelAbib‐UNIVALI ValdirRoqueDallabrida‐Un INTRODUÇÃO Os produtos com identidade territorial no Brasil podem ser alvo de certificação territorial, sendo denominados, genericamente, de Indicação Geográfica (IG). As Indicações Geográficas (IGs) podem ser de dois tipos (BRASIL, 1996): Indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem (DO).Noprimeirocaso,refere‐seaonomegeográficodeumalocalidadeque se tornou conhecida como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto ou prestação de determinado serviço. No segundo caso, estão envolvidas as qualidades ou características que se devam exclusivaouessencialmenteaomeiogeográfico,incluindofatoresnaturaise humanos. O Estado de Santa Catarine possui uma única experiência de IG, uma Indicação de Procedência – “Vales da Uva Goethe”, em Urussanga ‐ e mais duasemprocessodeencaminhamentoparacertificação‐QueijoSerrano e Erva‐Mate do Planalto Norte Catarinense. Estudos preliminares realizados pelo Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Microempresa (SEBRAE) apontaram,alémdaexperiênciadeIGexistente–ValedaUvaGoethe‐,27 produtoscompotencialidadesparaadquiriremessereconhecimentoe,com isso,contribuirnodesenvolvimentodosterritóriosemquesesituam. Este capítulo procura explorar brevemente alguns conceitos recorrentesdocampoteóricorelativoaotema,propondo,nasequênciaum 1 O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública Nº 04/2012/Universal, estando também integrado a dois projetos de Iniciação Científica, desenvolvidos na UnC, pelas alunas Mayara - Valorização dos produtos com identidade territorial como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina - e Natany - Valorização dos produtos com identidade territorial como estratégia de desenvolvimento: um estudo sobre as potencialidades da erva-mate no Planalto Norte Catarinense -, coautoras. 135 exercício de avaliação acerca dos 27 produtos territoriais que possuem potenciaisdeobtençãodeIGemSantaCatarina,aprofundandoaanáliseno caso da Erva‐Mate do Planalto Norte Catarinense (produto que já busca a certificaçãoterritorial). Temosnestecapítuloumobjetivocentral:tendocomoreferênciainicial oestudodoSEBRAE,caracterizarosprodutoscomespecificidadeterritorial das diferentes regiões do estado de Santa Catarina, apresentados como potencialparafuturaIG.Tendoemvistaopropósitomaiordestacoletânea, acaracterizaçãoserábreve.Comopropósitocomplementar,aprofundamos acaracterizaçãodeumadasexperiênciasapresentadas,ocasodaerva‐mate, mais no sentido de demonstrar as ações necessárias para se chegar a um registrodeprodutocomIG,alémdeexporalgunsdesafios.OtemadaIGda erva‐mateseráretomadonumdoscapítulosdestelivro,quando,então,além dacaracterização,mereceráumaanálisepropositiva. Naprimeirapartedestetrabalhosefazumaconstruçãoteórica,naqual se destacam os seguintes conceitos recorrentes na bibliografia relativa ao assunto: Identidade territorial, Especificidade territorial, Indicação GeográficaeDesenvolvimentoTerritorial. Na segunda parte se elabora uma rápida apresentação dos procedimentosdepesquisaempregados. Naterceiraparteseapresentaoresultadodeumapesquisanomotética emqueos27produtoscatarinensessãocondensadosemumtextosucinto destacandosualocalizaçãoeformasdevalorizaçãoeconômicaeregional. Naquartaparteseapresentaoresultadodeumapesquisaidiográfica,o estudo de caso da erva‐mate (Ilexparaguariensis St. Hil), abordando suas potencialidades socioeconômicas para a obtenção da IG, bem como as perspectivasdeimpactonodesenvolvimentoterritorial. Na quinta parte se fazem as considerações finais e se propõem alguns encaminhamentos para pesquisas futuras. Também se discorre sobre as limitaçõesencontradasnapesquisa. 1.REVISÃOTEÓRICA Para fundamentar teoricamente o debate sobre Indicação Geográfica (IG) e seu potencial de desenvolvimento territorial, faz‐se o emprego de categorias analíticas. Tais categorias não são definitivas e exclusivas, são construções baseadas nas discussões acerca do tema localizadas em uma revisãodeliteraturaelaboradasobreoassunto,bemcomosãooresultado da seleção feita a partir de um critério. O critério escolhido tem a responsabilidade de ser capaz de estabelecer uma relação intrínseca entre as temáticas centrais Indicação Geográfica e Desenvolvimento Territorial. Nesse sentido, as próprias temáticas centrais participam da revisão. 136 Tambémseelencouoconceito“CapitalSocial”afimderelacioná‐las,jáque participada raizdalógicadoargumentoemqueasIndicaçõesGeográficas podem desencadear processos que promovem o desenvolvimento territorial. Anjosetal.(2013)descrevemoCapitalSocialcomonãopertencenteàs categorias de Capital Físico (terra e capital) e Capital Humano (nível de escolaridade), uma vez que esses dois, por si só, não seriam capazes de explicar os diferentes processos que provocam o desenvolvimento nas sociedadese,devidoaessaaparentenecessidade,oCapitalSocialveioaser ofatordepreenchimentodaslacunasqueformamoroteirodecrescimento, avançosocial,tecnológico,econômicoepolíticodentreascomunidades. O capital social, como vaticinou Abramovay (2003), corresponde ao ethos de certasociedadee,aonossoentendimento,aumaidentidademoldadaapartir de um conjunto de valores compartilhados, os quais não são transferíveis de umcontextoparaooutro.[...]umacapacidadedearticulaçãoquefaçaafloraras forças produtivas de um território em torno a uma determinada ideia‐ guia (ANJOSetal.,2013,p.168). Complementarmente,Niederle(2014,p.245)afirma:“Teoriasrecentes também têm destacado o papel das ideias como fator determinante do desenvolvimento nas sociedades do conhecimento”. Portanto entende‐se que “[...] são novas ideias capazes de produzir combinações inovadoras de recursos que fundamentam o sucesso das economias avançadas”. Sendo assim, o Capital Social conduz à necessidade de avaliar a categoria Identidade Territorial, que é pautada em recursos intangíveis, histórias e culturas promotoras do desenvolvimento de um território ou uma região. EntendemosqueapromoçãodeumaIG,numéumbomexemplode"novas ideias capazes de produzir combinações inovadoras", nos territórios que possuamprodutoscomespecificidadeterritorial. É nesse cenário que surge o conceito de IG visando reconhecer as especificidades e agregar valor a produtos com potencialidades de adquirirem identidade territorial para, consequentemente, promoverem o citadodesenvolvimento. Apresentamosaseguirumarelaçãosintéticaentrevariáveisqueserão observadasquandodaapresentaçãodosresultadosdapesquisa. 1.1IDENTIDADETERRITORIAL Aidentidadeterritorialestáenraizadanocontextosocialehistóricode cada localidade, ressaltando as características e valores próprios de cada lugar.Sãoessascaracterísticasidentitáriasquegeramostraçostípicosdos lugaresdentrodeumcontextoglobal. Segundo Vela (2013), a identidade, em um contexto de concorrência 137 emergenteentreosterritórios,passaaseroelementodereconhecimentoe diferenciação no processo de posicionamento comunicativo de cidades, regiões e países. Complementando a argumentação sobre o tema, Chelotti (2010)destacaqueaidentidadeéconstruídaporsubjetividadesindividuais ecoletivasoupodeestarrelacionadaagrupossociaisouaopertencimento territorial. Para fins deste trabalho, se compreende que a identidade territorial desempenha umpapelestratégiconodesenvolvimentoterritorial,umavez que o pertencer a determinado local representa fator determinante no processo de desenvolvimento como um todo. Em geral, a atenção de pesquisaemumacategoriacomoestarecairásobrevariáveisquetenhamo potencial de apresentar como se identifica no contexto específico de uma Indicação Geográfica subjetividades individuais e coletivas ou pode estar relacionadaagrupossociaisouaopertencimentoterritorial. Pollice (2010) afirma que a identidade territorial nasce por um processo autorreferencial colocado em ação por uma comunidade que se apropria culturalmente de um âmbito espacial predefinido, gerando e orientandoosprocessosdeterritorialização,poisoterritórioéinterpretado como fonte de criação dos valores, estes desempenhando um papel importante na constituição e na gestão dos territórios. O autor ainda complementa que a identidade territorial pode ser interpretada como sentido de pertença, identificação social, representação partilhada de um coletivo, sendo que, de modo algum pode ser identificada seguindo uma visãoreduzida,nassuasmanifestaçõesexteriores,nossinaisdeixadossobre oterritório.Tambémérelacionadaaoagirpolítico,quandodeveriatendera preservar não somente as expressões identitárias da cultura dos lugares, mas também os valores identitários que tais expressões contribuíram a plasmar. Comessabreverevisão,argumentamosqueaidentidadeterritorialtem potencialmente a capacidade de ser operacionalizada enquanto categoria analítica,portanto,prática. Complementando o debate sobre o tema, Pecqueur (2005) cita os recursoseativosterritoriaiscomoreferênciadaidentidadeterritorial.Para ele, o desafio das estratégias de desenvolvimento constitui‐se em se apropriar dos recursos específicos e buscar o que possa se constituir no potencial identificável de um território. Para tal, segundo o autor, deve ocorrer um processo de especificação ou ativação de recursos, ou seja, transformar recursos em ativos específicos. O autor faz uma diferenciação entre ativos e recursos genéricos, de ativos e recursos específicos, descrevendoqueosprimeirossãototalmentetransferíveiseseuvaloréum valordetroca,estipuladonomercadoviasistemadepreços.Essesativose recursosnãopermitemqueumterritóriosediferenciedeformaconsistente 138 deoutros,umavezqueelessãotransferíveis,ouseja,sãotransacionadosno mercado.Jáosativoserecursosespecíficospossibilitamumusoparticulare seuvalorconstitui‐seemfunçãodascondiçõesdeseuuso.Alémdisso,eles apresentamumcustodetransferênciaquepodeseraltoeirrecuperável. Os recursos específicos merecem maior atenção, já que possibilitam a construção de uma argumentação que destaca a importância dos produtos comidentidadeterritorial,paraodesenvolvimento,sendoqueesserecorteé assumidonoqueserefereàcategoriadeIdentidadeTerritorial. 1.2ESPECIFICIDADETERRITORIAL Emtrabalhoanterior,Dallabrida(2012)identificaque,naatualidade,o ambiente mercadológico valoriza produtos diferenciados. Argumenta o autor que a elaboração de estratégias de desenvolvimento baseadas nas especificidades territoriais tornou‐se um vetor de alto poder de agregação devaloraosprodutosouserviços.Pelalegislaçãobrasileiraeinternacional, os produtos ou serviços que apresentem uma especificidade e que se identificam com o entorno territorial onde estão localizados podem requerer sua certificação territorial. A partir da certificação territorial, os produtos adquirem notoriedade, facilitando o acesso ao mercado, tendo como resultado principal a agregação de valor, contribuindo assim para o desenvolvimentoterritorial. Dullius et al. (2008) considera que o reconhecimento notório de um produto se atribui às características do território e do saber fazer dos produtores, como a originalidade criativa, um bem imaterial que pode ser exploradopelosatoresterritoriais. Já,segundoPecqueur(2009),cadaprodutodeveserdiferenciadopara que ele se torne específico de cada território e, assim, escape da concorrência.Justificasuaposição,afirmandoqueasproduçõesencontram‐ seentreguesaumaconcorrêncianaqualsomenteaseconomiascombaixo custo de produção (com domínio equivalente das tecnologias) podem triunfar. Assim, segundo o autor, para os territórios, trata‐se então de não mais se especializar segundo a lógica do esquema comparativo, mas de preferência escapar das leis da concorrência quando elas tornam‐se impossíveis de serem seguidas, visando a produção para a qual eles estariam(nomodeloideal)emsituaçãodemonopólio. AquiretomamosoargumentodesenvolvidoporDallabridaeMarchesan (2013)emquesereforçaaideiadaespecificidadedosprodutosterritoriais e sua importância estratégica, afirmando que os territórios geram competênciasquepodemserusadasparaqualificarosprodutosdaregião. Então, pode‐se dizer que esse processo de especificação é o que diferencia umterritóriodooutro. 139 Para fins desta pesquisa, a especificidade territorial não apenas é um indíciodequeépossívelobterdesenvolvimentoterritorialapartirdeuma Indicação Geográfica, como também, aponta para que a identificação da especificidadeterritorial emumcontextoparticularpodeserdadaapartir daobservânciadavariávelnotoriedadedeumrecursoespecífico. 1.3INDICAÇÃOGEOGRÁFICA Relembrando o texto apresentado na introdução, recupera‐se a noção dequeaIGnoBrasilpodeconstituir‐seemIndicaçãodeProcedência(IP)ou DenominaçãodeOrigem(DO).AIPfazreferênciaaonomegeográficodeum país, cidade, região ou território, que se tornou conhecida como centro de produção,fabricaçãoouextraçãodedeterminadoprodutoouprestaçãode serviço.JáaDOéonomegeográficodeumpaís,cidade,regiãoouterritório, quedesigneprodutoouserviçocujasqualidadesoucaracterísticassedevam exclusivaouessencialmenteaomeiogeográficoespecífico,incluídosfatores naturaisehumanos.Detalmodo,adiferençasingularentreasformasdeIG está associada às características e peculiaridades físicas e humanas, potencializadaspeloterritório,quepodemdesignarumaDO,enquantoque para a IP é suficiente a vinculação do produto ou serviço a um espaço geográfico, independentemente de suas características e qualidades intrínsecas. Aprofundando a discussão para além da definição geral do que é uma Indicação Geográfica, Souza (2010, p. 09) acrescenta, ainda, que há possibilidade de valorização econômica e competitividade em termos de mercadoparaumprodutoadvindodeumaIG: A Indicação Geográfica é uma das formas mais efetivas de valorização econômicaedevantagemcompetitivanosmercados.Elaéumadasmaisantigas formas de diferenciação de produtos e foi ratificada pelo Brasil nos recentes acordoscomerciaispromovidospelaOrganizaçãoMundialdoComercio(OMC), assim como as patentes, os direitos autorais, as marcas, os desenhos industriais,oscultivaresdeplantas. Em Dallabrida (2012) se encontra uma concepção mais abrangente da IG.OautorelaboraqueaIGéumadasformasdevalorizaçãoeconômica,de proteção do conhecimento e dos processos de produção e transformação locais, uma vez que é propriedade coletiva da população de uma determinada área geográfica, bem como um processo gerado pelos atores locais, motivado pela criação de um monopólio baseado nos atributos geográficos dos produtos, conferindo ao produto ou ao serviço uma identidadeprópria,ligandosuascaracterísticasesuaorigem. Relacionando a visão que enfatiza as questões econômica e mercadológica das IG, em Souza (2010), com o postulado mais abrangente de Dallabrida (2012), constrói‐se um entendimento sintético da questão 140 pelo qual se compreende que, na perspectiva apresentada, existe uma relação intrínseca entre o território e a cultura de um local, assim como entre esses e o contexto econômico global, algo que tem como agente integradoroprodutoouserviçolocalsingular. 1.4DESENVOLVIMENTOTERRITORIAL A categoria desenvolvimento territorial ainda é confundida como sinônimadeoutras,comooexemplodedesenvolvimentoregionaloulocal. Não aprofundaremos aqui o tema, mas lembramos de que tais categorias, apesardeaproximarem‐senoseusentido,têmacepçõesdiferenciadas. Pecqueur(2005)definedesenvolvimentoterritorialafirmandoqueele secaracterizaapartirdaconstituiçãodeumaentidadeprodutivaenraizada num espaço geográfico. Já Dullius et al. (2008) argumenta que, a partir de variados e persistentes estímulos e articulações socioeconômicas, determinadasregiõesrespondempositivamenteaosdesafiosterritoriaisda globalização, conseguindo construir seus próprios modelos de desenvolvimento. Dallabrida (2011) conclui que o desenvolvimento refere‐se a um processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade organizada territorialmente, sustentado na potenciação dos recursos e ativos (materiais e imateriais, genéricos e específicos) existentes no local, comvistasàdinamizaçãosocioeconômicaeàmelhoriadaqualidadedevida desuapopulação. Estas concepções parecem suficientes para sustentar a relação pretendidaentredesenvolvimentoterritorialeIG. Niederle (2014, p. 245) pondera sobre a relação entre a IG e o desenvolvimento. Para tanto, expõe três interpretações de autores que questionam as implicações econômicas, políticas e socioculturais advindas desse registro2. Uma das interpretações coloca o papel da IG como mecanismosdemercado“[...]quetransmiteminformaçõesessenciaissobre oproduto–geralmentepelointermédiodeumselo,oquepossibilitareduzir assimetrias entre produtores e consumidores”. A outra interpretação envolve arranjos institucionais, ou seja, coloca a IG como estratégias competitivas para controlar os mercados. A terceira interpretação “[...] destaca a contribuição da IG na construção de sistemas produtivos locais fundados na autenticidade, tipicidade e originalidade dos produtos”. O mesmoautorenfatizaqueasIGfundamentamoenraizamentosociocultural em relação ao produto, produtor, consumidores e territórios. Portanto, 2 Dois capítulos desta coletânea, em especial, resultaram de estudos que tiveram como propósito avaliar a relação entre uma IG e o desenvolvimento dos territórios atingidos pela mesma. São os capítulos 2 e 3. 141 considerando as três interpretações destacadas por Niederle (2014), parece‐nosqueaterceiratemumamaiorproximidadecomopapelessencial deumaIG. Dallabrida e Marchesan (2013) ressaltam a ideia de que as potencialidades locais, definidas como IG, podem converter‐se, decididamente,numinstrumentodedesenvolvimentoterritorialdesdeque outras condições e circunstâncias estejam presentes, e reafirma que a criaçãodeumaIGnãodeveserodestinofinaldeumprocesso,mas,sim,um meio para se atingir o fim maior que é o desenvolvimento dos territórios atingidos. Dullius et al. (2008, p. 6), resumindo contribuições de autores que abordam o tema (a exemplo de Albagli (2004) e Lagares, Lages e Braga (2006), considera o território como uma relação entre raízes históricas, configurações políticas e identidades, preponderantes para o desenvolvimento. Seguindo essa perspectiva, ele afirma que o território é construído através da memória coletiva e das relações sociais formadas pelastrocaslocaiseexternas(DULLIUSetal.,2008). Este argumento acaba por alinhar‐se com a terceira interpretação listadaporNiederle(2014)ecomaobservaçãodeDallabridaeMarchesan (2013)acercadametaqueultrapassaaIGeapontaparaaconstruçãosocial da qualidade, além de compartilhar com Dullius et al. (2008) e Dallabrida (2011),anoçãodequeoobjetivododesenvolvimentoterritorialenvolveo crescimentosocioeconômicoemelhoriadaqualidadedevida. 1.5SÍNTESEDOREFERENCIALTEÓRICO Ao terminar a revisão teórica e a construção de categorias analíticas, avalia‐se que há evidências na literatura sobre a Indicação Geográfica potencialmenteseconstituiremvetordeDesenvolvimentoTerritorial.Além disso, as categorias analisadas permitem construir um marco teórico, um recortepossível,paracompreenderaconstituiçãodecomoessa relaçãose estabelece. Nesse tópico são apresentadas as sínteses de cada categoria e suasarticulações. Da categoria Identidade Territorial se obteve a variável recursos específicos como central da categoria já que destaca a importância dos produtoscomidentidadeterritorialparaodesenvolvimento. DacategoriaEspecificidadeTerritorialseobteveavariávelnotoriedade deumrecursoespecífico,bemcomosuacapacidadedetransferi‐laparauma localidadeparticular. Relativo às denominadas grandes categorias, como o caso das Indicações Geográficas, podemos cotejar que existe uma relação intrínseca entreoterritórioeaculturadeumlocal,assimcomoentreesseseocontexto econômicoglobal,algoquetemcomoagenteintegradoroprodutoouserviço 142 localsingular.Nessetocante,reforça‐seaimportânciadapesquisasobreas variáveisrecursoespecíficoesuanotoriedade. No caso da grande categoria Desenvolvimento Territorial se compreendeanecessidadedeidentificaraconstruçãodesistemasprodutivos locais fundados na autenticidade, tipicidade e originalidade dos produtos, além da busca por identificar a construção social da qualidade, e os efeitos das IG em termos de desenvolvimento socioeconômico e melhoria da qualidade de vida (avaliando inclusive os recursos e ativos genéricos e específicos,materiaiseimateriais). As variáveis listadas no caso da categoria Desenvolvimento Territorial podemseridentificadasemtermosdepotencialidadeparaaproposiçãode uma IG. Ressaltamos que a grande maioria dessas variáveis possui alta complexidadeenãoseráfocodeaprofundamentonestetrabalho. 2.PROCEDIMENTOS No intuito de atingir os objetivos traçados para esta pesquisa, a primeira fase refere‐se à elaboração da revisão de literatura na qual buscamos articular conceitos que respondam se há evidências teóricas da relação entre a Indicação Geográfica e a possibilidade potencial do DesenvolvimentoTerritorialadvindodessa,bemcomodequemodopoderia se dar um caminho possível caso provada a relação. Disso resultariam categoriasanalíticasaseremempregadasemfasesubsequentedapesquisa. A segunda fase da pesquisa empregamos as categorias e variáveis desenvolvidasanteriormenteemumcontextoparticular:oestadodeSanta Catarina. Nessa fase privilegiamos o desenvolvimento de uma pesquisa documental de orientação nomotética e um estudo de caso (também com baseempesquisadocumental)comorientaçãoidiográfica. Apesquisanomotéticaempregapoucasvariáveisebuscacomparações gerais entre diversas manifestações do fenômeno estudado. Seu propósito será,prioritariamente,contextualizaros27produtoslistadospeloSEBRAE comotendopotencialparaobtençãodeIGnoestadodeSantaCatarina. As categorias analíticas empregadas são Identidade Territorial e Especificidade Territorial, respeitadas as variáveis recursos (específicos prioritariamente) e notoriedade, respectivamente. Como se está empregando o universo da pesquisa do SEBRAE, a variável recurso é assumida como dada. A questão fica por conta da notoriedade, da especialização do produto. Diante disso, propõe‐se tratar de cada produto enquanto recurso especializado e descrevê‐los em termos dos aspectos localizaçãoeformasdevalorizaçãoeconômicaeregional. Após a contextualização do fenômeno no estado de Santa Catarina o trabalho passa a explorar um segundo nível de profundidade e especial‐ zaçãodaquestão‐fazemosapropostadeumapesquisaidiográficaemum estudodecaso. 143 Por sua natureza, a pesquisa idiográfica é predominantemente qualitativa, centrada em um estudo aprofundado acerca da essência do fenômeno, tendo como referencial literatura regional que trata do tema. Com base nisso, volta‐se à pesquisa nomotética, avaliando os casos mais significativosdofenômenodeestudo.Douniversodapesquisa,duasforam as possibilidades aventadas em função de constituírem‐se nos casos mais adiantadosnoprocessodesolicitaçãodacertificaçãoterritorial,sãoeles:o QueijoSerranoeaErva‐Mate. Tanto o Queijo Serrano quanto a Erva‐Mate apresentam o mesmo potencialdepesquisa.NocasodaErva‐Mate,aprofundamosnestetextoseu estudo.OcasodoQueijoSerrano,édedicadoumcapítuloespecial3. Ressalvamosquenoestudodecasoascategoriasanalíticasempregadas foram a Indicação Geográfica e o Desenvolvimento Territorial, mais precisamente as variáveis que as vinculam: a autenticidade, tipicidade e originalidade do produto, bem como a construção social da qualidade e o desenvolvimento socioeconômico. Está preservada também a construção anterior na qual se vinculam a Indicação Geográfica e as categorias Identidade Territorial e Especificidade Territorial, envolvendo a variável recursoespecífico. Noqueserefereàcoletadedados,tratamentoeobtençãoderesultados houve uma orientação fenomenológica que resultou na condensação dos resultadosemtornodasvariáveisedascategoriaselencadas.Optamospor apresentar, a seguir, apenas os textos dos resultados já com as discussões feitas,deumaformasintética. Mesmoquesetratedeumtextoelaboradoaquatromãos,éimportante salientar que os autores, em específico, tiveram funções diferenciadas. As alunasdeIniciaçãoCientíficaMayaraeNatanyativeram‐semais,aprimeira, à pesquisa sobre as potencialidades de IG nas regiões do estado de Santa Catarina,enquantoasegundaseocupou,emespecial,nacaracterizaçãoda experiência da erva‐mate no Planalto Norte Catarinense. Os dois outros autores supervisionaram o processo de escrita das alunas de graduação, além disso, contribuindo, em especial, na estruturação do referencial teórico. 3.RECURSOSESPECIALIZADOSEPOTENCIALIDADESDEINDICAÇÃOGEOGRÁFICA NOESTADODESANTACATARINA:PRODUTOS,LOCALIZAÇÃOECARACTERIZAÇÃO Aseguirsãoapresentadososresultadosdapesquisanomotética.Cada recurso específico será apresentado com suas respectivas localizações e rápida caracterização. São apontados como potenciais candidatos à 3 Fazemos menção ao Capítulo 9. Já o Capítulo 10, apresenta uma outra potencialidade, o caso do artesanato Tranças da Terra, que, apesar de ainda não haver ações a esse respeito, apresenta-se, em especial, como uma futura experiência de IG. 144 obtençãodaIndicaçãoGeográficadevidoassuasespecificidadesterritoriais. Aofimdestetópicoháumafigura(Figura01)identificandoomapeamento decadaprodutonoestadodeSantaCatarina. 3.1ALHODOPLANALTONORTEESERRACATARINENSE:REGIÃODASERRAE PLANALTO NORTE CATARINENSE, TENDO O MUNICÍPIO DE CORREIA PINTO COMOREFERÊNCIA Nadécadade1970,TakashiChonancomeçouomelhoramentogenético doalhobrasileiro.Apartirde1977,aEmpresadePesquisaAgropecuáriade Santa Catarina transformou sua propriedade em campo experimental. Durantemaisdeumadécadaelerecebeuvisitasquasediáriasdetécnicose agrônomos que pesquisavam o desenvolvimento desse produto. Chonan criou uma variedade especial de alho: branco por fora, roxo por dentro, e comnomáximo15dentesnobulbo.Em1975,umtécnicodoMinistérioda Agricultura foi ao município de Frei Rogério conhecer o tal alho. No ato, garantiuàvariedadeonomedocriadoreoincentivoparaamultiplicaçãodo experimento. Desde então, o cultivo da hortaliça é feito artesanalmente, o plantiosedádentepordenteeacolheita,bulboporbulbo. A importância desse cultivo para o desenvolvimento regional do PlanaltoCatarinense,eSerraCatarinense(compreendidapelomunicípiode CorreiaPintoeseuentorno),podeserexemplificadacitando‐seaexistência de empresas de beneficiamento de alho que ali executam suas atividades, comoaEmpresaAlhoPlanalto,quebeneficiaoalhoinnatura,embalando‐o emdiversostamanhosparasercomercializado. 3.2 ARROZ DO ALTO VALE DO ITAJAÍ: REGIÃO DO ALTO VALE DO ITAJAÍ, TENDOCOMOMUNICÍPIOPOLORIODOSULEIBIRAMA A região do Alto Vale do Itajaí é caracterizada por propriedades de pequeno porte, cultivadas na forma de agricultura familiar. O relevo relativamente acidentado contribui para a eficácia das plantações. Essa regiãopossuiumaáreacultivadadearrozirrigadode10.697hectarescom umrendimentode8,5t/ha,acimadamédiageral,tornando‐seumproduto de tradição regional, com forte preocupação acerca de novas tecnologias e aumentododesempenhodoscultivares. Os benefícios do cultivo do arroz trouxeram para essa região oportunidades de emprego e renda, através de Unidades de Recebimento, Classificação,BeneficiamentoeArmazenagemdeCereais‐respondendoao anseiodepequenosagricultoresquebuscavamalternativasderendaparao trabalhoagrícola. 145 3.3 BANANA DE CORUPÁ: MUNICÍPIO DE CORUPÁ E ENTORNO, SITUADO NA REGIÃONORTEDOESTADODESANTACATARINA Trata‐se de um território envolto pela cadeia montanhosa da Serra do Mar e pela Mata Atlântica, em áreas colonizadas por suíços, austríacos e alemães.OmunicípiodeCorupáéconhecidocomoa"CapitalCatarinenseda Banana", possuindo a maior produção do estado. Sua base econômica principalestánaagricultura,especificamentenocultivodabananaenoseu beneficiamento industrial. Com essa fruta, é possível elaborar uma gama diversadeprodutosesubprodutos,comoexemplopode‐secitarabanana‐ passa, as cachaças, os doces e as geléias. A culinária local é famosa pelos pratostípicos,docesesalgadoselaboradoscomabanana. Alémdautilizaçãodabananeiracomocomplementoàalimentação,ela pode ser utilizada para confeccionar produtos artesanais, como bolsas, cestos, chapéus e enfeites, sendo que do seu caule são extraídas as fibras necessáriasparaessaatividade. Anualmente, em outubro, o município festeja a Bananafest (festa da banana), promovida pela Associação dos Bananicultores de Corupá, com o intuito de divulgar a cultura desse município, com enfoque para a importânciadaprodução advinda dabananeira,seuusoeaproveitamento, osmanejosadequadosparaaproduçãodessafruta,astradições,aculinária eprodutosartesanais.CommunicípioscomoLuísAlves,SãoJoãoeCorupá, SantaCatarinaéoquartomaiorprodutordebananasdopaís. 3.4BANANADELUÍSALVES:MUNICÍPIODELUÍSALVESEENTORNO,NAREGIÃODO VALEDOITAJAÍ,CORUPÁEENTORNO,SITUADONAREGIÃONORTEDOESTADODE SANTACATARINA Luís Alves é conhecido como “O Paraíso do Verde Vale” devido a sua exuberante natureza. Em meados da década de 1970 que os luisalvenses iniciaram o cultivo da banana, tornando‐se um fator decisivo para a diminuição do êxodo rural e para o seu desenvolvimento. A banana é utilizada como matéria‐prima para a confecção de cachaças, produto pelo qualomunicípioéreconhecidoemescalanacional.Alémdessaaplicação,a fruta apresenta funções culinárias e artesanais, juntamente com o seu consumoinnatura. A geração de melhores oportunidades, econômicas e sociais nesse município se deve, em grande parte, ao cultivo da banana. Como exemplo dosestabelecimentosquecomprovamageraçãodeempregoerenda,além dos fornecedores das sementes e insumos para o cultivo dessa fruta, poderíamos mencionar várias empresas regionais que se dedicam à comercialização da banana. A entidade representativa dos produtores de 146 bananas desse município é a Associação dos Bananicultores de Luís Alves (ABLA)4. 3.5CACHAÇADELUÍSALVES:MUNICÍPIODELUÍSALVES,NOVALEDOITAJAÍ OmunicípiodeLuísAlves,localizadoentreBlumenau,JoinvilleeItajaí,é reconhecido por sua aguardente produzida de forma artesanal, o que lhe confere o título de “Capital Catarinense da Cachaça”. Considerado um dos maiores produtores de cachaça de Santa Catarina, a aguardente do município leva a classificação nobre de estar entre as melhores do país. A bandeira do município traz a imagem de uma moenda, representando a grandeproduçãodacachaçaeageraçãoderiquezasqueelaproporciona. A "Festa Nacional da Cachaça" ocorre no mês de julho, quando os luisalvenses celebram a safra da cana‐de‐açúcar e a produção da cachaça. Essa festividade atrai um número considerável de turistas e se concretiza como uma ferramenta para difundir a cultura popular da região, sendo a movimentação econômica importante para impulsionar as atividades comerciais. Pode‐se citar os Alambiques Wrück, Delmonego, Momm, SACCA e IndústriaeComérciodeAguardenteMorauercomoempresasqueexploram aatividadedocultivodacanaeaelaboraçãodaaguardentenomunicípiode LuísAlves. 3.6 CALÇADOS FEMININOS DE SÃO JOÃO BATISTA: MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO BATISTA,NOVALEDORIOTIJUCAS Inicialmente,abaseeconômicadomunicípioeraaagriculturae,apartir da instalação de indústrias calçadistas, a economia de São João Batista passou a se sustentar no ramo dos calçados femininos, sendo hoje considerada a "Capital Catarinense dos Calçados". Em âmbito nacional o município destaca‐se por ser um dos que mais cresceram em termos populacionais nos últimos cinco anos. Aproximadamente 80% de sua economiaestáfundamentadanaproduçãodesapatos. Anualmente,nosmesesdejaneiroefevereiro,SãoJoãoBatistapromove a"FeiradeCalçadosCatarinense",atraindomilharesdeturistasdoestadoe deoutrasregiõesdoBrasil,movimentandotodosossetoreseconômicos.O municípioéconsideradoumaótimarotadeturismodecompras,devidoao preço baixo e à qualidade dos produtos que oferece. Juntamente é 4 Apesar de apresentarmos em separado os casos da banana de Curupá e Luís Alves, é possível pressupor que as duas experiências poderiam compor uma única IG, pela sua proximidade e semelhança nas características climáticas e de paisagem. No entanto, é importante ressaltar que são processos próximos, que se assemelham, mas que têm características identitárias diferenciadas. 147 considerado o terceiro maior polo industrial de calçados do país, com movimentações mercadológicas também voltadas às empresas fabricantes decomponenteseacessóriosparaessesprodutos. São João Batista possui hoje cerca de 150 indústrias voltadas para o setor calçadista, oferecendo milhares de empregos e melhores oportunidadeseconômico‐financeirasparasuapopulação. 3.7 CARNE SUÍNA DO OESTE CATARINENSE: OESTE DO ESTADO DE SC, MUNICÍPIOSDECONCÓRDIA,CHAPECÓ,FRAIBURGOESEARA OEstadodeSantaCatarinaéconsideradoomaiorprodutornacionalde frangos e suínos, sediando empresas como a Sadia e a Perdigão, além da Seara e Cooperativa Aurora. Na pecuária, a região responde por 82% da produção de carne de frango e 67% da carne suína de todo o estado. Provando sua importância no cenário nacional, a região é considerada o “CeleirodeSantaCatarina”. Aimportânciadasuinoculturapodesercomprovada,porexemplo,por sediarempresasdeinovaçãoemtecnologiaparamelhoramentosgenéticos em suínos. Os produtos cárneos de suínos da região, como defumados, embutidos, recheados, temperados, entre outros, possuem características específicasquelhesatribuemumaidentidadesingular. Eventos, tais como a Exposição Feira Agropecuária, Industrial e Comercial, o Salão Brasileiro da Suinocultura, a Feira Internacional de Processamento e Industrialização da Carne, o Simpósio Brasil Sul de Suinocultura,ea"FestaNacionaldoLeitãoAssado",ocorremnosmunicípios de Concórdia e Chapecó, tornando evidente a importância da carne suína para essa região. As festividades envolvem a exposição da suinocultura, a forma de criação do animal e do preparo dos alimentos – advindo dos saberes populares dessa região – e expressam efetivamente a cultura do OestedoEstado. 3.8CEBOLADEITUPORANGA:MUNICÍPIODEITUPORANGA, NOVALEDOITAJAÍ O município de Ituporanga é o responsável por abastecer, aproximadamente,12%domercado nacionaldeconsumodecebola,além de exportar esse vegetal, usufruindo, dessa forma, do título de “Capital Nacional da Cebola”. Tem sua economia voltada para a agricultura, destacando‐se também no turismo rural relacionado à produção desse vegetal, onde é sanada a necessidade de divulgar os produtos, já que suas qualidadessãoreconhecidasnacionalmente. Anualmenteocorrea"FestaNacionaldaCebola",queatraivisitantesde 148 todo o país e também estrangeiros. Esse evento busca maneiras de aprimorarastecnologiasempregadasnaproduçãoagrícoladacebola,além de divulgar investimentos e melhorias no cultivo, beneficiando todos os ramos empresariais do município. Conjuntamente, são realizados outros programasdenaturezaculturalerecreativanoeventocomemorativo. Importanteressaltarqueexistemnomunicípiodiversasempresasque utilizamaprodução,ocomércio,aarmazenagemeaexportaçãodecebolas comobaseparasuasatividadeseconômicas. 3.9 CERVEJAS ARTESANAIS DA REGIÃO DE BLUMENAU: MUNICÍPIO DE BLUMENAUEENTORNO Blumenau,pertencenteàregiãodoValedoItajaí,éoterceiromunicípio mais populoso do Estado de Santa Catarina. Um setor tradicional e altamente promissor da economia do município e região próxima é o da produçãodecervejasartesanais,comoasmarcasEisenbahneaBierland.O município leva o título de “Capital Nacional da Cerveja”, possuindo fortes herançasculturaisdospovosgermânicos,seusprincipaiscolonizadores. Na região de Blumenau existem mais de 10 microcervejarias, quase todasrespeitandoachamadaLeidaPurezaAlemã(Reinheitsgebot),queimpôs a essa bebida apenas quatro ingredientes para sua confecção: água, lúpulo, malte(decevadaoudetrigo)efermento.Anualmente,emoutubro,Blumenau promoveaOktoberfest,cujatradiçãoconfiguraasegundamaiorfestasobre cervejas do mundo (após Munique, na Alemanha), sendo uma das maiores atraçõesculturaisdopaís. Uma das principais atrações turísticas da região é o Roteiro das CervejasArtesanais,queocorreanualmenteeéomaiorencontrocervejeiro doBrasil.EsseRoteiroexpõeumagrandediversidadedearomas,texturase saboresdecervejas,afimdedemonstraraqualidadeeasingularidadedas mesmas que, nesses moldes de confecção, são encontradas somente nessa região do país. O evento conta com shows, palestras e feiras com atrações artísticas e gastronômicas; Sendo um dos seus principais objetivos fazer com que os produtores nacionais de cerveja (fornecedores, bares, cervejeiros) tenham oportunidades de maior crescimento no mercado através do contato com o público consumidor, de modo a consolidar a identificaçãodacidadeedaregiãocomessabebida.Nacidadeencontra‐seo MuseudaCerveja,únicodogênerodopaís. 3.10CRISTAISDEBLUMENAU:MUNICÍPIODEBLUMENAU,NOVALEDOITAJAÍ O município de Blumenau, predominantemente de origem germânica, tem como base de sua economia o setor industrial e, dentre as principais indústrias,sedestacamasdecristais.Omunicípioapresentacaracterísticas própriasnaproduçãodecristais,tendoassuasvariedades,cores,formasde confecções e utilidades como motivo de atração turística na região, sendo 149 possível contemplar ao vivo o processo de produção em determinados roteiros. Além do Roteiro Industrial dos Cristais, a cidade conta, também, comoMuseudoCristal,quereúneumacervodedocumentos,fotografiase informações das indústrias produtoras dessas peças que ajudaram a construir as manifestações históricas e culturais da região. Conhecer as fábricaseseusprocessoséumpasseioencantadorparamuitaspessoasque participam dessa rota turística, onde é possível observar a tecnologia empregada, os recursos humanos qualificados e o cuidado detalhista com quecadamaterialéproduzido. Importanteressaltarqueessaproduçãoé,predominantemente,manual, a fim de manter intactas a cultura e a tradição da região ao produzir produtos de qualidade inigualável. Entre as empresas de cristais da região estão a Cristais Blumenau, Cristallerie Strauss e Glas Park. Essas abrem às portas ao turismo industrial e contribuem com as manifestações culturais desse município, além de promoverem empregos e fontes de renda para a população. Blumenau é, portanto, referência nacional na produção de cristais. 3.11 ERVA‐MATE DO PLANALTO NORTE CATARINENSE: PLANALTO NORTE CATARINENSE,TENDOCANOINHASCOMOMUNICÍPIOPOLO A erva‐mate é famosa pela sua utilização no chimarrão, bebida saboreada nas reuniões com amigos e confraternizações com o típico churrasco e fogo de chão, configurando‐se como uma característica originária da Região Sul do Brasil. Utilizada, também, para elaboração de chás, adquirindo os mais variados aromas e sabores, o produto possui potencialidades naturais com características de fazerem bem à saúde – englobando um segmento de mercado em franca expansão. Atualmente, o EstadodeSantaCatarinaéosegundomaiorprodutordeerva‐matedopaís. OPlanaltoNorteCatarinensedestaca‐senaproduçãodaerva,emespecialo município de Canoinhas, que teve sua origem no cultivo e na extração da erva‐matenativa. Osimigrantes,comoosdeorigemalemã,polonesa,italianaeucraniana, nopassado,foramatraídosàregiãodevidoàproduçãodaerva‐mateesuas potencialidades. Esse município possui o Museu da Erva‐Mate, com fotografias,imagens eobjetosque refletemaproduçãoda erva‐mateeseu beneficiamentoartesanaleindustrial. ÉtradiçãoemCanoinhas,nomêsdesetembro,apromoçãoda"Festada Erva‐Mate", configurando‐se a maior festividade do município, apresentandoshows,leilõeseexposiçãodeprodutostípicosdaregião,além da gastronomia regional. Canoinhas declara‐se a “Capital Mundial da Erva‐ Mate”. 150 3.12FRESCALDESÃOJOAQUIM:MUNICÍPIODESÃOJOAQUIM,NAREGIÃODA SERRACATARINENSE OmunicípiodeSãoJoaquiméfamosoporumamodalidadedepreparo dacarnebovina,salgadaecurtidaaorelento(naausênciadoSol,geralmente ànoite),ofamosoFrescal.Comosefosseumavariantedocharque,adaptada àculturaregional,oFrescaléfeitoapartirdecarnesbovinasdaregião,de qualidade nobre. Esse produto é genuinamente de São Joaquim, não existindosuafabricação,comasmesmascaracterísticas,emnenhumoutro localdopaís.EstudiososacreditamqueogostosingularexistentenoFrescal de São Joaquim é devido ao fato de o gado se alimentar de pastagens naturaisprópriasdaregião,quelheconfereosabordiferenciadoedignode destaque. O Frescal é procurado por muitos turistas que visitam essa região em busca da carne típica joaquinense, com fama de "derreter na boca" e ter gosto de uma carne cuidadosamente curtida. A procura por esse alimento aumentanasestaçõesdeoutonoeinverno,quandooturismodomunicípioé maisacentuadopelofriointensoeatépelapresençadeneve. Como exemplo de investimentos voltados para esse produto pode‐se citar os realizados pela empresa Frigozan, que possui o Frescal como uma marca registrada, e o comercializa há cerca de 40 anos. Em muitos supermercados e açougues catarinenses é possível conferir o Frescal produzido no Planalto Serrano, com as devidas especificações que comprovamsuaprocedência. 3.13KOCHKAESEDOVALEDOITAJAÍ:MUNICÍPIOSDOVALEDOITAJAÍ,TENDO OSMUNICÍPIOSDEBLUMENAU,INDAIALEPOMERODECOMOPOLO O queijo Kochkaese é elaborado de modo caseiro e não há a pasteurização do leite no seu processo de confecção, razão pela qual essa modalidade de queijo branco ainda está em processo de regulamentação junto ao Ministério da Agricultura, sendo realizadas vendas em pequena escala na região. O Kochkaese é vendido em feiras, por produtores que confeccionam o produto isoladamente, sem a utilização de equipamentos tecnológicos. Dessa forma se preserva a cultura popular e traz fonte de renda para muitas famílias. A confecção desse alimento demora cerca de setediaseosmuitosapreciadoresdizemquepossuiumsaborinigualável. Existem expectativas de que pesquisas que estão sendo realizadas contribuamparaumaposteriorregulamentaçãodoprodutoe,dessaforma, se difunda a cultura gastronômica típica presente no Kochkaese. Como um queijo cremoso, na forma atual de produção do Kochkaese, o processo de envelhecimentoéprovocado,sendoque,antigamente,erausadooleiteque não mais seria consumido por estar envelhecido. Os produtores dos 151 municípiosdessaregião,predominantementedeorigemalemã,lideramum forte movimento que busca o tombamento imaterial desse alimento, tornando‐o patrimônio histórico e cultural. É certo que esse tipo de queijo nãopossuireferênciaedestaqueemnenhumaoutraregiãodopaís,porisso osturistassãoatraídosporessepratosingularaovisitaremaregiãodoVale doItajaí. 3.14LARANJAESUCODOVALEDORIOURUGUAI:VALEDORIOURUGUAI O Vale do Rio Uruguai engloba municípios catarinenses como Concórdia, Chapecó e Itapiranga, e municípios do Rio Grande do Sul como Erechim,Iraí,TrêsPassoseSantaRosa5. Segundo estudos, nessas regiões se concentra a laranja de melhor qualidadedopaís,comummenorgraudeacidez,agradávelaopaladar,um tamanho adequado e uma coloração chamativa e vivaz, atraindo os consumidoresdeformasignificativa.Essasqualidadesespecíficassedevem a um microclima regional configurado pela presença de um vale nas proximidades do Rio Uruguai e seus afluentes, que banham essa grande área. Esse microclima possibilita a produção de cítricos, mesmo sendo em áreasdeclimasubtropical. A cadeia produtiva do Oeste catarinense é abrangida pela Associação Catarinense de Citricultura (Acacitros), já tendo atingido cerca de 1.700 estabelecimentos rurais cultivando mais de três milhões de laranjeiras. O aumento da área plantada nessa região é constante, e é altamente promissor. No entanto, apesar da potencialidade que a laranja apresenta nestaregião,nosúltimosanos,têmocorridocrisesdemercado,interferindo naáreadeprodução. Mesmoassim,noValedoRioUruguaiexistefestividadesqueexpõema ricaproduçãocítricadosmunicípios,alaranjaeseusderivados,produzidos de forma artesanal pelas famílias locais, demonstrando a cultura típica da região. 3.15 LINGUIÇA DE BLUMENAU: MUNICÍPIO DE BLUMENAU, NA REGIÃO DO VALEDOITAJAÍ A Linguiça de Blumenau é um embutido famoso, no entanto, sua produção ocorre em todo o estado catarinense. Em especial, esse produto expressa a cultura e a singularidade da produção blumenauense, com qualidadereconhecidaesaborresultantedautilizaçãodecarnesnobresda região. As origens dessa receita expressam as raízes da colonização alemã, 5 Ou seja, no caso de se pensar numa IG, a mesma poderia estender sua área de abrangência também para áreas daquele estado. 152 fortemente presente nessa região. Inúmeras receitas culinárias utilizam a Linguiça Blumenau como matéria‐prima, desde aperitivos até pratos principais,sendoquepossuiummercadoconsumidorconsolidado.Existem blumenauenses, produtores isolados, que até hoje usam os ensinamentos dos seus antepassados para o preparo da Linguiça Blumenau, muito apreciadacompãopretoemostardaforte. Esseeoutrosprodutosdaregiãooportunizameventos,comoo"Festival Gastronômico", com a participação de restaurantes que elaboram pratos exclusivos para o festival utilizando‐se de produtos específicos regionais. Eventoscomoessedifundemaculturaregionalemovimentamaeconomia do município de Blumenau e região, nas áreas industrial, comercial e de serviços. 3.16 MAÇÃ DE SÃO JOAQUIM: MUNICÍPIO DE SÃO JOAQUIM, NA SERRA CATARINENSE O município de São Joaquim, além de ser famoso pelas suas mais de 800 horas de frio ao ano, com presença eventual de neve, é reconhecido pela sua produção de maçãs, principalmente as da qualidade Fuji, tanto que possui o título de maior produtor dessa fruta no Estado de SC. Cerca de 70% da base econômicadeSãoJoaquimgiraemtornodaproduçãoecomercializaçãodessa fruta,consideradapormuitosdesabor,aparência,coretexturaincomparáveis. A cada dois anos, o município promove a "Festa Nacional da Maçã", realizada entre ofinaldo mês deabril e início de maio, a qual possui atrações turísticas tradicionais, como camping, cancha de laço e palco para shows, atraindomilharesdeturistasemantendoumatradiçãoquejáexisteacercade 50 anos. Envolvendo a culinária, trajes típicos, shows, palestras e seminários, esseeventocontribuiparaadivulgaçãodaculturatípicaregionaleclassificama maçãcomoumprodutoessencialparaomunicípiodeSãoJoaquim. Hoje,SãoJoaquimcontacommaisdemilpequenosprodutoresecoma Associação de Produtores de Maçã e Pera (AMAP). Essa fruta atrai investimentos tecnológicos para sua produção, no que diz respeito à sua industrializaçãoenavariedadedesubprodutoscomodoces,balasegeléias. Comoexemplodeempresasqueproporcionamfontesdeempregoerendas para a população utilizando‐se da maçã como matéria‐prima econômica, pode‐secitaraSANJO‐CooperativaAgrícoladeSãoJoaquim,quehojeconta com cerca de 330 funcionários e produz, colhe e comercializa essa fruta durantetodasasépocasdoano. 3.17 MEL DE MELATO DA SERRA CATARINENSE: MUNICÍPIOS DA REGIÃO DA SERRACATARINENSE O Mel de Melato se diferencia do mel tradicional, este último confeccionadopelasabelhasapartirdopólendevariadasespéciesdeflores. O Melato é resultante da utilização, pelas abelhas, de um líquido expelido 153 pelaárvore Mimosa Scabrella(apopularbracatinga),apartirdoataqueda cochonilha,umparasitaquepossuitempodevidadedoisanos.Portantoo augedaproduçãodessemelocorreacadadoisanos. Essa modalidade de mel configura‐se como único, menos açucarado e comumacormaisescuraqueomelobtidodonéctarfloral.Esseprodutopor muito tempo foi desconhecido e desvalorizado pelos apicultores. Na época deseusurgimento,retiravamsuasabelhasdoslocaisdeorigemparaquea produçãodomeltradicionalnãofossecomprometida. NaSerraCatarinense‐compreendidapelosmunicípiosdeUrubici,Bom Retiro, Rio Rufino, Bocaina do Sul, Palmeira, Lages e entorno ‐ o Mel de Melato produzido é "puro" devido à grande quantidade de bracatingas existentes,oquenãoocorreemoutrasregiõesdosul,emqueaproduçãose misturacomadeoutrasflores. OMeldeMelatojárecebeupremiaçõesqueoconfiguramcomomelhor mel do mundo e, por possuir certificações de produção com origem em florestas nativas, respeita a regulamentação para orgânicos da União Europeia, o que facilita a sua exportação. A Alemanha é a principal importadora desse produto Estima‐se que existam cerca de 1.800 apicultoresnaSerraCatarinense,osquaisfocamsuasproduçõesnoMelde Melato. 3.18 MÓVEIS DE SÃO BENTO DO SUL: MUNICÍPIO DE SÃO BENTO DO SUL, NORTEDOESTADODESC A economia de São Bento do Sul é essencialmente industrial, com empresas de cerâmica, metalúrgicas, têxteis e, principalmente, moveleiras. Pode‐se citar o ramo moveleiro do município como fundamental para a movimentação econômica e financeira dos setores primário (extração das matérias‐primas, as madeiras), secundário (fabricação dos móveis) e terciário(comercializaçãoeprestaçãodeserviços). São Bento conta com extensos parques fabris para a confecção de móveiscustomizados,comdesignsdiferenciadosedealtopadrão.Osmóveis produzidos adquiriram reconhecimento em caráter nacional, compondo, também, o principal produto de exportação da cidade (a maior exportação moveleiradopaís). São Bento do Sul é reconhecido como "Capital dos Móveis" sendo, semestralmente, realizada a feira FEISTOCK, com o intuito de promover o comércioeoreconhecimentodaregiãocomopolodefabricaçãodemóveis diferenciados, customizados e de alta qualidade. Essa feira impulsiona o turismoconsideravelmente,comapromoçãodeeventosqueenvolvemtoda aregiãonortecatarinense,movimentandoaeconomiadomunicípiodurante suaexecução,alémdepromovercontratosentreindústriasecomércioscom 154 o consumidor final. O polo moveleiro se estende aos municípios próximos, comoodeRioNegrinho. 3.19 OSTRAS DE FLORIANÓPOLIS: , FLORIANÓPOLIS,CAPITALDOESTADODESC As ostras alimentam‐se de detritos marinhos e operam como filtros subaquáticos. A criação de ostras em Florianópolis começou a partir de 1990, sendo que foi implantada como alternativa de renda aos pescadores artesanais.AparteinsulardeFlorianópolispossuicercade100hectaresdas suas águas ocupadas pela maricultura, a criação de mariscos. No bairro RibeirãodaIlhaaproximadamente5.000pessoastiramseusustentodessa atividade. Florianópolis possui as águas consideradas ideais para o cultivo desse marisco, são rasas de até um metro e meio, calmas e possuem nutrientes advindosdachuvaqueocorrenaSerradoMar,napartecontinental.Assim, a ostra da capital catarinense desenvolve‐se completamente em cerca de seismeses,enquantoaostrafrancesa,referênciamundial,demoraseisvezes mais. Entre os principais eventos de Florianópolis, destaca‐se a "Festa Nacional da Ostra", única festividade do gênero do Brasil, que reúne a gastronomiatípica,pratosexóticosediferenciadosfeitoscomfrutosdomar, tendocomobaseprincipalaostra.Esseeventoapresentashows,palestras, atividadestécnicas,econômicas,científicas,artísticaseculturaisfocadosna produção desse marisco, trazendo oportunidades aos produtores para consolidarem seu público consumidor e divulgarem a qualidade dos seus produtos. Florianópolis detém 80% da produção nacional de ostras. A Fazenda Marinha Ostra Viva é um exemplo de empresa produtora desse marisco,desde1998. 3.20 QUEIJO SERRANO: MUNICÍPIOS DA SERRA CATARINENSE E REGIÃO SERRANADONORDESTEDORIOGRANDEDOSUL A Serra Catarinense, que se estende desde o município de Lages e entorno, com extensão até a região serrana do nordeste do Rio Grande do Sul, possui altitudes superiores a 1.000 metros e invernos rigorosos. Essa região é famosa pela produção de queijos artesanais e coloniais, típicos desse território, conhecidos como Queijo Serrano e intitulados pelo patrimônioculturalterritorial6. Aproduçãodessequeijoéfontederendademuitasfamíliasdaregião, produtores isolados e pequenos pecuaristas. Cerca de 50% da renda 6 O Capítulo 9 desta coletânea trata com mais profundidade o tema. 155 inerente à Serra Catarinense vem da produção desse queijo artesanal que remontaprocessosseculares,tradiçõespassadasdegeraçãoageração. AqualidadedoQueijoSerranoresultadastécnicasartesanaisutilizadas naregião,comooleitedasvacasquesealimentamdaspastagensnaturaise oclimatípico,que,segundoestudos,atribuemaesseprodutocaracterísticas únicas e reconhecidas nacionalmente. Com o objetivo de qualificar os produtores,aEmpresadePesquisaAgropecuáriaeExtensãoRuraldeSanta Catarina(Epagri),emparceriacomoConsórcioSerraCatarinense(Cisama), promove a Capacitação de Boas Práticas de Fabricação (BPF) de Queijo Artesanal Serrano. Em Lages, visando promover a melhor organização das estratégias da cadeia produtiva do Queijo Serrano, foi realizada a constituição da Associação de Produtores de Queijo Artesanal Serrano da SerraCatarinense(Aproserra). No município de Laurentino (SC) ocorre a "Festa Estadual do Queijo", contribuindo no fortalecimento da cultura regional, promovendo maior integração e divulgação dos potenciais econômicos da região, juntamente comaculturaeatradiçãodasociedadeserrana. 3.21 QUIRERA: TERRITÓRIO DO CONTESTADO, DE CONCÓRDIA, IRANI E JOAÇABA,ATÉCANOINHASESULDOPARANÁ Quireraéonomepopularatribuídoaomilhotrituradoempilão.Cozido misturadocomcarnesuínatorna‐seumalimentonutritivoedebaixocusto. Tal alimentação fazia parte da dieta alimentar cotidiana do homem do Contestado.Assim,adietaalimentardasociedaderegional,duranteeapósa Guerra do Contestado era, basicamente, a quirera. Nesse sentido, esse alimento típico do homem do Contestado poderia constituir‐se uma especificidadeterritorial. Atualmente, a quirera ainda é consumida na culinária da região. No entanto, diferentemente da sua origem, hoje o milho é triturado mecanicamente,oquenãolheatribuiamesmaqualidade,aliadoaofatode quenãonecessariamenteháumapreocupaçãodaindústriacomaqualidade damatériaprima. 3.22 RENDA DE BILRO DE FLORIANÓPOLIS: FLORIANÓPOLIS, CAPITAL DO ESTADODESC Originalmente, a economia de Florianópolis esteve relacionada com atividades ligadas à pesca, usualmente feita por homens. Já as mulheres, desdeséculospassados,utilizavam‐sedeatividadesmanuais,comoofeitio daRendadeBilroparaajudarnasdespesasdacasa.Sendoassim,aRendade Bilrorefleteaculturaeatradiçãoseculardasociedadequehabitaessailha, expressadaspeloditado“ondehárede,hárenda”,referindo‐seàsredesde pescaeasRendasdeBilro. 156 Trazidanaépocadacolonizaçãoaçoriana,emmeadosdoséculoXVIII, são tranças de fios que desenham rendas com pequenas peças de madeira (os bilros) e é muito famosa na ilha catarinense, principalmente nas localidades de Ribeirão da Ilha, Santo Antônio de Lisboa e Lagoa da Conceição. Na localidade de Pântano do Sul existe a Casa das Rendeiras, que preservaaculturaeatradiçãodessaatividade.Nesselocal,diversaspessoas se reúnem, desde rendeiras até turistas e curiosos, se configurando uma modalidade de oficina de renda que funciona como uma cooperativa de artes manuais. As técnicas para a confecção das Rendas de Bilros foram passadasdegeraçãoageração.Adiferenciaçãodessemododeconfecçãoé que é necessário utilizar um tecido como base. A “Maria Morena” e a “Tramoia” são denominações de algumas das rendas mais conhecidas na região,tidascomoprodutostípicoseespecíficosdacapitalcatarinense. 3.23 RENDAS DE CRIVO CATARINENSE: FLORIANÓPOLIS E MUNICÍPIOS DA REGIÃOMETROPOLITANADEFLORIANÓPOLIS A Renda de Crivo constitui‐se em uma modalidade de bordado elaborado a partir da preparação de um determinado tecido de onde são retiradosalgunsfiosafimdeformarespaços.Essesespaçossãopreenchidos comfiosdecoresdiversas,delineandoodesenhodesejadopelarendeira. Essa atividade, típica da Capital Catarinense, possui raízes na colonização açoriana e, assim como a famosa Renda de Bilro, constitui a culturaeatradiçãoseculardessaregião. Mulheres que praticam essa arte são denominadas “criveiras”. Elas se reúnememlocaiscomoaCasadaCulturaeaGaleriadoArtesanato,também na casa particular das amigas e companheiras, a fim de bordarem a Renda deCrivo,sendoessapráticapassadadegeraçãoemgeração. No mês de agosto, na região da Grande Florianópolis, ocorrem celebrações e atividades culturais no denominado Dia do Folclore, evento criado para divulgar os produtos artesanais da região, englobando, na relação das artes manuais, a Renda de Bilro e a Renda de Crivo. Investimentos são aplicados para que haja o resgate e o incentivo à comercialização dessa modalidade de artesanato catarinense, considerado umaidentidadeculturaldoEstado.Asgaleriasdearte,destinadasparaesse fim,recebemmuitosvisitantesquecontemplamastécnicasempregadasna confecção dessas artes em tecido, prestigiando os artesãos e a bagagem históricaexistente. 157 3.24 TRANÇAS DA TERRA DO MEIO OESTE CATARINENSE: MUNICÍPIOS DA REGIÃOMEIOOESTECATARINENSE,TENDOJOAÇABACOMOPOLO OMeioOestedeSantaCatarinafoicolonizadoporalemãeseitalianose jáfoiconsideradoa“CapitaldoTrigo”dopaísnadécadade50.AsTranças da Terra configuram uma modalidade de artesanato feito com a palha do trigo, muito praticado na região montanhosa e colonial do Meio Oeste Catarinense,quepossuiessaatividadetípicacomespecificidadeterritorial. Essas tranças refletem culturas históricas, sendo que os artesãos detêm os saberes relacionados às tradições dessas localidades, além de se constituíremfontederendaparainúmerasfamíliasqueláhabitam. Temendo que essa tradição seja perdida, existem projetos que visam resgatar aculturadessa artemanualnaregião,comooProjetoTrançasda Terra.Essefoicriadoporumgrupodemulheresehojecontacomdezenas de artesãos e produtores de trigo, espalhados entre os municípios de Joaçaba,Catanduvas,Lacerdopólis,LuzernaeOuro. Essa modalidade de investimento cultural agrega valor à identidade dos municípios, pois o número de pessoas que passam a se interessar pela arte aumentagradativamente,naproporçãoemqueosprodutossãoexpostoseas técnicasdivulgadas,tornando‐seumarotadecomprasatrativaaosturistas.Esse projeto, respeitando as raízes culturais da sociedade e possuindo como perspectivaodesenvolvimento,envolvemaisdecemfamíliasdaregião,tendojá alcançado certificação e reconhecimento da qualidade dos produtos confeccionados,comoo"PrêmioSEBRAETOP100deArtesanato". 3.25TRUTADASERRACATARINENSE: MUNICÍPIOS DE BOMJESUSDASERRA, PAINEL,LAGES,SÃOJOAQUIM,URUPEMAEURIBICI Os municípios da Serra Catarinense possuem diversas atrações turísticas relacionadas à truta, peixe famoso da região. Santa Catarina encontra‐se entre principais estados produtores, graças à produção da região serrana, onde a truticultura foi implantada em meados de 1970. Os piscicultores,objetivandoalavancarsuasatividades,investiramemtanques paratruticultura.Atrutamovimentaaeconomia,comapresençadepesque‐ pagues,culináriastípicasepousadasespecializadas. No município de Painel, o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) administra a Estação Nacional de Truticultura.JáaAssociaçãoBrasileiradeTruticultores(Abrat)investeem projetoseinovação,comoacriaçãoda"RotadaTruta",roteiroqueengloba osmunicípiosdaregiãoserrana,sedesdascriaçõesdepeixesmaisantigas do estado. Sendo assim, é grande a expectativa quanto à integração da truticultura com o setor turístico e na criação de um potencial “roteiro temático”focadonapescaesportivadessepeixe. 158 3.26VIMEDERIORUFINO:RIORUFINO,NASERRACATARINENSE A economia do município de Rio Rufino é baseada na agricultura familiarenacriaçãodebovinosparacorteeproduçãoleiteira.Porém,nas últimas décadas, uma nova alternativa de desenvolvimento vem despontandonaregião,aproduçãodovime. Comovimesãoelaboradosinúmerosprodutosartesanais,comocestos emóveis.RioRufinoeregiãopossuemascondiçõesambientaisideais,como o clima, temperatura, relevo e altitude para o cultivo desse arbusto, com vimeiros que atingem cerca de dez metros de altura, adquirindo porte de árvore frondosa de tamanho três vezes maior que o convencional. O município é considerado a “Capital Nacional do Vime”, sendo responsável por90%daproduçãonacional,juntamentecomBomRetiro,BocainadoSul, UrubiciePalmeira,municípiospróximos. NomunicípiodeRioRufinoexisteadenominadaCentraldasCestas,que reúneaproduçãodecercade25artesãosecontacomaconfecçãodecerca de20milpeçaspormês,vendidasparaentidadeseempresasdentroefora do Estado, as quais realizam encomendas de cestas para os mais variados fins,comocestasparacafédamanhãeflores.Dessaformaamãodeobrada região éabsorvidapeloartesanato,configurandofontederendaparamais decemfamílias. Aregiãopromove,anualmente,aFestaNacionaldoVime,queexpõemas produções e atividades dos agricultores e artesãos típicas dessas localidades,contandocomshows,palestrasegastronomia. 3.27 VINHOS DE ALTITUDE DA SERRA CATARINENSE: MUNICÍPIOS DE SÃO JOAQUIM,CAMPOSNOVOSECAÇADOR Os Vinhos de Altitude são produzidos em áreas situadas entre 900 e 1.400metros.Ainfraestruturaquealgunsmunicípioscatarinensespossuem para produzi‐los reflete potencialidades de uma nova especificidade territorial,oVinhodeAltitude,sendoessaregiãodetentoradecercade180 qualidades dessa bebida. Em São Joaquim existe a famosa Villa Francioni, maiorvinícoladaregiãoeconsideradaumaobradearte,atraindoturistase contempladoresdaatividadevinícola. O centro comercial Casa dos Vinhos, sediado em São Joaquim e com filiais em outros municípios, aderiu à venda dos vinhos de altitude produzidosnaSerraCatarinense.JáaAssociaçãoCatarinensedeProdutores de Vinhos Finos de Altitude atua na divulgação dos vinhos dessa região catarinense promovendo a feira "EXPOVINIS". Dessa forma, é possível divulgaraqualidadecertificadadosvinhoscatarinenses,comaroma,textura epaladarsingulares.Outrofatoquemerecedestaqueéaformadaprodução e do cultivo da uva na região, plantadas em fileiras para captar mais luz 159 solar,compequenaproduçãoporparreira,afimdegarantirasuaqualidade. A "Vindima de Vinhos Finos de Altitude" é um evento que ocorre nos municípiosserranoscatarinensesprodutoresdessabebida,comarealização do enoturismo, visitação das vinícolas, passeios, palestras, degustações e almoçostípicosdaculinária,comtraçosculturaisdaregião.ComoInstituto CatarinensedeTecnologiaemVitivinicultura,estãosendoelaboradosselos de qualidade que distinguem os vinhos dessas localidades. Muitas famílias serranas sobrevivem do plantio da uva, da sua colheita, da confecção do vinhoedacomercializaçãodessabebidanomercado. Estes são os 27 produtos que, segundo estudos já realizados, apresentam especificidade territorial, a qual poderá contribuir no reconhecimento de futuras experiências de IG nas diferentes regiões do estadodeSC.NaFigura1,estãomapeadasessasexperiências,incluindoaIG ValedaUvaGoethe. 4.ERVA‐MATENOPLANALTONORTECATARINENSE Nestetópicoiniciamoscomumabrevecontextualizaçãodohistóricoem torno do recurso específico da erva‐mate, bem como empregamos as categoriasevariáveisadvindasdarevisãodeliteraturaafimdecaracterizar esse produto em termos de seu potencial de obtenção de Indicação Geográfica. Figura01‐PotencialidadesdeIndicaçãoGeográficadoEstadodeSC: produtoselocalização Fonte:Elaboraçãoprópria,combasenosdadosdapesquisa 160 4.1RESGATEHISTÓRICO A erva‐mate foi a atividade econômica extrativa mais importante do final do século XIX até por volta de 1970 para a chamada Região do Contestado, estendendo‐se por todo o sul do vale do Rio Negro, que serve como divisor físico entre os Estados de Santa Catarina e Paraná, na sua porção central. Essa região corresponde, aproximadamente, ao Planalto Norte Catarinense e Centro Sul do Paraná (DALLABRIDA, 2012; MAFRA, 2008). Sendo ela o motivo principal de disputa entre os territórios de Santa Catarina e Paraná, podemos destacar a construção da estrada de ferro São Paulo–RioGrandedoSuleoramalqueligavaPortoUniãoaoportodeSão Francisco do Sul. Para tal obra, o governo federal contratou a empresa americana Brazil Railway Company, subsidiária da Southern Brazil Lumber andColonizationCompany.Comopartedopagamentoaempresarecebeua concessãodaexploraçãodamadeiraematé15kmdecadaladodaestradaa serconstruída.Muitasdessasáreaseramocupadasporposseiros,amaioria, oschamadoscaboclos,osquaisforamsendoexpulsos(MARQUES,2014). A Lumber, além de explorar a madeira, ainda loteava os terrenos e os repassavaaimigranteseuropeus.Essasituaçãodeexclusãoeabandonodas populações locais, em áreas sem a ação efetiva do governo catarinense ou paranaense, gerou um ambiente propício para o desenvolvimento de um movimento messiânico, liderado pelo monge José Maria, que agregou milharesdefamíliasnalutapelaterraemelhorescondiçõesdevidaparaas populaçõeslocais,desencadeandoaGuerradoContestado,umdosmaiores conflitosdahistóriabrasileira(MARQUES,2014). A área de disputa de territórios ficou conhecida como Território do Contestado.Aáreademaiorincidênciadaerva‐matecorrespondeàsterras próximas ao município de Canoinhas, na região do Planalto Norte CatarinenseeCentroSuldoParaná,sendoesseumdosmunicípiosquetem maioridentificaçãocomaproduçãodeerva‐mate(DALLABRIDA,2012). Nessa região viviam pessoas simples e humildes, que dependiam da extração da erva‐mate para sobreviver. Durante muitos anos, extraíam e produziam para seu próprio consumo e vendiam como forma de biscate. EssapassouaserumaatividadeeconômicatratadacomoquestãodeEstado, poisoservaiscatarinensesaosuldoRioNegrodespertavaminteressedos empresáriosdomateedasempresasexportadorasnoParanáe,maistarde, emSantaCatarina(MAFRA,2008). Mafra(2008)destacaaimportânciaeconômicaqueteveapartirdoano de1902.Comojácitado,aerva‐matepassouaserexploradaporempresas de grande porte, de uma forma empresarial, substituindo formas de exploração originais feita por posseiros. As empresas ervateiras, de forma 161 monopolística, passaram a receber do Estado a concessão de terras para exploraroproduto.Comisso,segundooautor,osantigosmoradoresforam expropriados de suas terras e dos ervais, sua tradicional fonte de renda, transformando‐se,então,emassalariadosdasempresaservateiras. Podesedizerqueessaregiãofoimarcadaporconflitosqueimpactaram na economia local, na forma de exploração dos habitantes nativos. Sendo assim, desde o século XIX até a década de 1930, o principal produto de exportação do Paraná e de Santa Catarina, embora perdendo a primazia econômica,foiaerva‐mateparachimarrão,oquecontinuaatéosdiasatuais, mesmoquecommenorimportânciaeconômica(MAFRA,2008). 4.2IMPORTÂNCIAECONÔMICA No Planalto Norte Catarinense (PNC) existe uma aglomeração de empresas dedicadas à atividade ervateira, o que marcou profundamente a história socioeconômica do território. Na atualidade, esse aglomerado de empresasnecessitadeatençãoparamantersuacompetitividade,sendoque aexportaçãoestápresentedesdeoséculoXIX,tendograndeimportânciano desenvolvimentosocioeconômicodoterritório(SOUZA,2009). Omesmoautormencionadocitaque: Desde o terço final do século XIX até meados anos 1980 este território foi a principal região catarinense de produção e transformação de erva‐mate. Nos anos 1960 chegou a constituir mais de 93% de toda a produção estadual (SOUZA,2009,p.02). Souza (2009) relata que a competitividade das empresas ervateiras desse território tem diminuído, tendo em vista, por um lado, os maiores custos de produção da erva‐mate nesses ambientes manejados, em comparação aos menores custos de produção de outras regiões ervateiras, incluindo a dificuldade crescente de manutenção de mercados e da diferenciaçãodepreçosfrenteàoutrasregiõesprodutoras. Quanto aos sistemas tradicionais de produção de erva‐mate em propriedades de agricultores familiares, tanto Paraná como Santa Catarina têmgrandeimportânciaeconômica,socialeambiental,pois,alémdessaser uma fonte de renda, contribui para a conservação da floresta de Araucária (DALLABRIDA,2012).Segundoessemesmoautor,aerva‐mateéoprincipal produtoflorestalnãomadeirávelemordemdevalordogrupodeprodutos florestais, citando que em 2011 essa extração dos ervais nativos foi de 229.681toneladasdeerva‐matecancheada. Marques (2014) e Dallabrida (2012) salientam que a erva‐mate constitui a atividade que produz uma renda segura, com poucos investimentos assume importante função de reserva de valor e de estabilizaçãodasunidadesfamiliares,pois,éfortementeligadaàstradições 162 e as historias das famílias, além de contribuir para a conservação dos remanescentesflorestaisedeespéciesarbóreasameaçadasdeextinção. Dessa forma, os processos de reconhecimento e registro de uma IG, é umaformaefetivadevalorizaroterritório,atravésdareputaçãodoproduto ou através do diferencial no produto que essa região incorpora. É uma vantagem decisiva para as pequenas e médias empresas e para os agricultorescompetirnomundoglobalizado(DALLABRIDA,2012). 4.3PERSPECTIVAS A seguir fazemos referências quanto às perspectivas socioeconômicas deumapossívelIGdaerva‐mate. 4.3.1SOCIOECONÔMICAS De acordo com o censo de 2010, o PNC possui 364.206 habitantes (MARQUES, 2014).Desses,24%nomeiorurale76%nomeiourbano.Essa porcentagem da população rural é maior do que a média brasileira e catarinense, ambas de 16%. Apesar da impressão de que se trata de uma regiãocompoucarelevância,omeioruralédegrandeimportância,umavez que a distribuição da população é desigual, concentrando a população urbanaemapenasseismunicípios,osmaisindustrializados:Canoinhas,Três Barras, Mafra, Porto União, Rio Negrinho e São Bento do Sul. Destaca‐se, ainda, que os municípios de Monte Castelo, Itaiópolis, Papanduva, Timbó GrandeeMatosCostapossuemmaisde40%dapopulaçãovivendonomeio ruraleesseíndiceatinge60%emMajorVieira,66%emIrineópolise86% emBelaVistadoToldo. A principal atividade econômica da região está ligada à indústria madeireira,seconstituindoemumimportantepolodemóveisedemadeira emtoraparapapel,celuloseeoutrosfins,concentrandoaindaumagrande áreadereflorestamentodepinuseeucalipto.Aagriculturatambémassume grandeimportânciaondesedestacamasculturasdasoja,milho,fumo,além daextraçãodaerva‐mate. SegundoTokarski(2014): Na economia de Canoinhas, a erva‐mate não representa mais que 2,5% da receitamunicipale2%dototaldasindústriaslocais.Mesmoassim,aprodução regionaltemaumentadotalvezdecorrentedadiminuiçãodointervaloentreas colheitas, a exploração de novos ervais nativos e as melhorias de manejo e a adoção de novas tecnologias de produção. Dados de 1995 dão conta que a produção ervateira do Planalto Norte Catarinense foi de 27.054 toneladas de erva cancheada, de um total de 79.350 toneladas produzidas nesse ano em SantaCatarina7. 7 Dados obtidos do site erva mate Canoinhas http://ervamatecanoinhas.com.br/reportagem.php?id=261. 163 SegundodadosdoInstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística(IBGE) (2012),acidadedeCanoinhaséoprincipalpoloprodutordeerva‐mateda regiãoedoEstadodeSantaCatarina(Figura1).Apesardeaproduçãoestar enraizada na história da região, essa atividade enfrenta dificuldades. Os dadosqueenvolvemacadeiaprodutivadaerva‐matesãodifíceisdeserem levantados devido à amplitude de formas como a erva‐mate é cultivada, extraída,processadaecomercializada(LOPES,2011). Dessa forma, para este texto, foi possível identificar apenas o volume anualdeerva‐mateproduzida,naformadefolhaverdeecancheada.Mesmo assim, esses dados são aproximados, pois, as fontes de informação são imprecisas,servindoapenascomoumreferencial.Apartirdisso,sentimosa necessidade de busca de informações junto às prefeituras, órgãos públicos deextensãoruralouervateiros. Na figura 2 estão listados os municípios do PNC e seus volumes de produção. Esses dados foram obtidos somando os informados como erva‐ mate verde e cancheada, sendo os dados em folha verde convertido para erva‐mate cancheada. Portanto, há uma grande fragilidade estatística nos dados, pois as informações são aproximadas. Mesmo assim, podemos ter umaideiasobreaimportânciadaerva‐matenaregiãodoPNC.Noentanto, exigindoaorganizaçãoebuscadeinformaçõesmaisprecisas,porexemplo, pelarealizaçãodeuminventário. Figura2–Mapadelocalizaçãodomaiorvolumedeproduçãodeerva‐mate noPlanaltoNorteCatarinense Fonte:IBGE–Somatórioemtoneladasdaerva‐mateemfolhaverdeecancheada 164 Souza (2009), em estudo realizado, fez uma entrevista com 23 indústriaservateiras,naregiãodoPNC,diretoresdecooperativasdematee representantes de associações de classe da indústria ervateira, entre novembro de 2009 e março de 2010, referente às perspectivas quanto ao futuro da atividade ervateira. O autor demonstra que os entrevistados dedicados ao mercado interno, expressam a preocupação com a forte concorrência do mercado gaúcho, pois eles têm menores preços e fazem a utilizaçãodeaçúcar,hojepermitido,desdequeinformado.Osentrevistados que se dedicam ao mercado externo, especialmente o mercado Uruguaio, expressam preocupação com concorrências da erva‐mate argentina, pois temmenospreço(SOUZA,2009). Em síntese, a valorização do produto erva‐mate tem significativa importância,tantoeconômicaquantosocial,paramilharesdeagricultorese suas famílias, além de muitas outras pessoas envolvidas nessa cadeia de produção. 4.3.2INDICAÇÃOGEOGRÁFICADAERVA‐MATE Em artigo publicado recentemente, Dallabrida e Marchesan (2013) referem‐se à importância da erva‐mate, nos últimos anos, abrindo perspectivas para a oficialização da IG, pois se trata de um produto com históricodiferenciado(notoriedade)equepodeserfacilmentereconhecido pelosmercadosconsumidores,lembrandoqueessetrabalhoestáemfasede debate regional, com vistas ao futuro registro junto aos órgãos oficiais brasileiro. Entretanto, para que se concretize, essa possibilidade está diretamente ligada à mobilização dos atores sociais e econômicos, juntamentecomaexecuçãodeestudosestruturadores(SOUZAetal.,2013). Marques (2014) complementa citando que, em novembro de 2009 foi fundada a Associação da Erva‐Mate do Planalto do Ouro Verde (APROMATE), com a participação de representantes do Sindicato da Erva‐ Mate de Santa Catarina, das cooperativas de mate, de várias empresas ervateiras, da associação de ervateiros, da Associação dos Trabalhadores Rurais da Região da Erva‐Mate (Astramate), do Sindicado da Agricultura Familiar Planalto Norte (Sintraf‐PN), técnicos da Epagri e UFSC, com a finalidade de promover e apoiar o desenvolvimento do processo de IG da erva‐matedosmunicípiosdoPNC. Não podendo deixar de lado a importância desse produto, Dallabrida (2012) afirma que a erva‐mate é uma das principais riquezas naturais da regiãodoPNCeCentro‐SuldoParaná. Percebe‐se o grande potencial que a atividade ervateira tem no PNC, conformeMarques(2014,p.145‐146): A atividade comercial de erva‐mate ocorre há pelo menos 152 anosnoPlanaltoNorteCatarinense; 165 A produção, em quase sua totalidade, é oriunda de “ervais nativos”,abarcando95%dototalem2008; Mais de 20 empresas com marcas próprias na região, sendo a maisantigadatadadoanode1918; Dentre as empresas, estão as Cooperativas de Mate de Canoinhas e de Campo Alegre, datadas de 1932 e 1938, respectivamente; São produzidos diversos tipos de produtos da erva‐mate para consumointernoeparaexportação,dochimarrãoachásverdes etostados; Em1960e1970,oterritórioeraresponsávelpor97%e81%da erva‐mate produzida em Santa Catarina; hoje ainda responde por41%,sendoqueaoredorde4.000famíliasestãoenvolvidas naatividade(CensoAgropecuário1996); Em2009,31%daexportaçãobrasileirademateteveorigemdo territórioemreferência,gerandoUS$13.989.535,00emdivisas. Não há dúvidas sobre a identificação da erva‐mate com a história de ocupação territorial, o que dá destaque à questão da Indicação Geográfica, pois,semdúvida,éumamarcaqueoterritórioexercedurantetodosesses anoseumaestratégiaparaavançarregionalmentecombasenosprincípios dodesenvolvimento,sendo,principalmente,produtodaagriculturafamiliar. Muitojáestásendofeitoalgoparaqueissoseconcretize.Nessesentido, destacam‐se trabalhos já realizados como aporte para dar origem e consolidarapropostadeIGnoterritórioemreferência,paraosprodutosda erva‐mate. No momento, estão ocorrendo discussões em vários fóruns, seminários e reuniões, dos quais participam técnicos, produtores e empresários do setor agropecuário, voltado para a possibilidade de revitalização de sistemas tradicionais de produção de erva‐mate e dos processosdeproduçãoetransformaçãoartesanalnaspropriedades. Entreosanosde1999e2003,foramrealizadosreuniõeseseminários de apresentação da proposta. Já em 2006, houve um trabalho de constituiçãodoprimeiroprojetodeIGparaprodutosdeerva‐mate,masnão pode seguir, pois ainda faltava um grau de mobilização adequado e apoio mínimo do setor ervateiro. Contudo, em 2007, esse grau de mobilização mínima foi atingido para o avanço da proposta. Isso só ocorreu através da realização de reuniões para atualização técnica sobre produção e mercado de erva‐mate, como alternativa de renda e conservação ambiental em sistemasdeproduçãodeagriculturafamiliar(NEPPEL,2013). A partir disso, a EPAGRI visualizou a possibilidade de parceria e obtenção de recursos junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), sendo deflagrado, então, um processo de busca dessa parceria, no projeto denominado “Ações de apoio à estruturação da Indicação Geográfica Planalto Norte Catarinense para produtos da Erva 166 Mate”.Assim,estáemfaseexecuçãooreferidoprojeto,visandoseuobjetivo principal, que é promover todas as ações de apoio à estruturação e a constituiçãodaIndicaçãoGeográficaparaprodutosderivadosdaerva‐mate regional(NEPPEL,2013). 5.ESTUDOSEINVESTIGAÇÕESSOBREASPOTENCIALIDADESDAERVAMATE Como citado, há vários estudos já realizados com o intuito de pensar uma Indicação Geográfica para a região em estudo, estando vários em andamento.Dentreeles,podemosdestacaroProjetodePesquisaTerritório, Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de SantaCatarina8. Neppel(2013)destacaaçõesrealizadasnoâmbitodaEpagri(Regional deCanoinhas)emrelaçãoàIndicaçãoGeográficadaerva‐materegional,em especialasqueforaminiciadasoanode2013,seestendendoatéoanode 20159.Aprincipalaçãorefere‐seaoProjetoIGMAPA10,quetemporobjetivo a sensibilização através de reuniões com líderes dos municípios(prefeitos, presidentes de sindicatos, clubes de serviço, vereadores, secretários municipais, gerentes de bancos, cooperativas, universidades etc), reuniões para técnicos, industriais, produtores de erva e sindicatos, reuniões com ConselhosMunicipaisdeDesenvolvimentoRuraleacapacitação,atravésde viagens de intercâmbio para técnicos, agentes de desenvolvimento, indústrias e agricultores ervateiros, além de formatar os estatutos e regulamentosdaIG,viabilizarestudosdeinformaçõeshistóricaseprovasde reputação/ notoriedade para a IG, levantar e propor delimitação para IG, pesquisar, estudar e difundir práticas de manejo utilizadas pelos agricultoresparaapoioaIG,realizarSeminárioEstadual. OutroéoProjetoIGFapesc11,quetemoobjetivoderealizarestudosde identificação e caracterização morfogenética de árvores matrizes para implantação de área de produção de sementes e banco ativo de germoplasma. Com isso, apresenta‐se uma situação com ações que representam avançosnodesenvolvimentodaregião.Namedidaemqueoprodutoerva‐ 8 Sob a coordenação do Prof. Dr. Valdir Roque Dallabrida, com financiamento da FAPESC, executado no Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado. 9 Perspectivas apresentadas em palestra proferida no II Workshop sobre Desenvolvimento Regional na Região do Contestado, representando a EPAGRI. 10 Título do projeto em execução: Ações de apoio à estruturação da Indicação Geográfica Planalto Norte Catarinense para produtos da erva mate. 11 Título do projeto: Identificação e caracterização morfogenéticas de árvores matrizes de erva mate para implantação de área de produção de sementes e banco ativo de germoplasma na mesorregião Norte Catarinense com vistas a Indicação Geográfica. 167 mate seja valorizado, contribuirá também para a ampliação da cobertura vegetal,poishaveráinteresseemampliaraáreaplantadacomerva‐matena região (DALLABRIDA, 2012). Assim, o reconhecimento da IG da erva‐mate produzirá a valorização econômica dos ervais nativos, que é um dos elementos característicos das matas de araucária. Dessa forma a IG para erva‐mate, além dos possíveis impactos socioeconômicos, será um meio decisivo para a manutenção e reprodução das matas de araucárias (DALLABRIDAetal.,2014). CONSIDERAÇÕESFINAIS A proposta central deste capítulo foi caracterizar os produtos com especificidadeterritorialdasdiferentesregiõesdoestadodeSantaCatarina, apresentados como potencial para futura IG, por meio de um estudo exploratóriobaseadonaliteraturaeembasesdocumentais. Pelarevisãoteórica,foipossívelconstruirummarcoteóriconoqualas Indicações Geográficas aparecem como potenciais articuladoras de estratégias inovadoras de desenvolvimento dos territórios. De fato, construíram‐se e articularam‐se categorias analíticas e suas variáveis, de modo a obter categorias específicas (como Identidade Territorial e Especificidade Territorial) ligadas à categoria Indicação Geográfica (IG), maisampla.Essaarticulaçãofoigradualmenteaproximandoodebatequese travava com o tema do desenvolvimento territorial. Ao fim foi possível avançar para uma relação entre IG e Desenvolvimento Territorial, vinculando as categorias analíticas específicas com as gerais e construindo umcaminhoparapesquisarespecificamenteocontextodeSantaCatarina. Umsegundopassofoidadonocasodereforçarapercepçãodapesquisa do SEBRAE acerca dos 27 recursos específicos com potenciais para tornarem‐se IG em Santa Catarina, agora diante das categorias analíticas produzidas.Apesardaafirmativaencontradapararespostadestaquestão,a pesquisa nomotética e as categorias e variáveis empregadas precisam ser complementadas para um resultado mais seguro, portanto, merecendo estudosfuturosmaisaprofundados. Na pesquisa, se identificou uma dificuldade na operacionalização das categorias analíticas e variáveis desenvolvidas, bem como se percebeu a necessidade de incrementação do exercício teórico‐metodológico. Por exemplo, em relação aos produtos, precisam ser adicionadas as especificidadesnaformadeserviços,taiscomoroteirosturísticosdesdeas praias às áreas de serra (como Serra do Rio do Rastro), estâncias hidrominerais e de águas termais e/ou sulforosas, além de cidades históricas (como Laguna). Os produtos das áreas do setor de serviços, se somado à lista de 27 potencialidades aqui referidas, conseguirão construir 168 umquadromaisrepresentativodaspotencialidadescatarinensesemrelação a futuras experiências de Indicação Geográfica, ou Marcas Coletivas12, quandoforocaso. O passo final procurou analisar especificamente um caso significativo, em termos da própria construção teórico‐metodológica central deste trabalho,ocasodaerva‐matedoPlanaltoNorteCatarinense. Aabordagemdocasoserveparaconhecermospossíveistrajetóriaspara o reconhecimento de um produto com IG, além dos desafios que os processos impõem. Assim sendo, os resultados mostraram que o produto erva‐mate ainda terá desafios a serem superados, não apenas para a obtençãodaIG,masparaqueessaestratégiapossacontribuirefetivamente no desenvolvimento territorial. Entre os desafios, ressaltamos que falta a caracterização dos componentes do capital territorial do Planalto Norte Catarinense, o que só será possível pela realização de um inventário. Falta também a conscientização e comprometimento dos produtores rurais, técnicos, autoridades, agentes de desenvolvimento (em geral, todos os atores da cadeia produtiva envolvidos com o desenvolvimento do projeto IG). Ou seja, ainda que se consiga parcialmente identificar a construção de sistemas produtivos locais fundados na autenticidade, tipicidade e originalidadedosprodutos,háumlongotrajetoatésepoderafirmarquese obteveaconstruçãosocialdaqualidadeeodesenvolvimentosocioeconômico emelhoriadaqualidadedevida,comometafinalística. Por fim, considera‐se ser necessário muito trabalho, pesquisas e estudos, empenho, negociação e fortificação de parcerias para que o potencial latente de desenvolvimento territorial advindo de uma IG se realizenocontextoestudado,emespecialalgoqueficaevidentequandose aprofundaaanálisenoestudodecasodaerva‐mate13.Noentanto,também seidentificaquehágrandesoportunidadeseganhoscasoseconsigasuperar osobstáculosencontrados. A notoriedade de algumas cidades e regiões advém de produtos e serviços que se destacam pela qualidade e tradição dos mesmos. Quando esses fatores estão contidos em um mesmo espaço físico (território), a IG torna‐se um fator decisivo para garantir as suas diferenciações. Se atribuirmos este indicativo às diferentes regiões do estado de Santa Catarina, pelas potencialidades apontadas neste capítulo, somado à contribuiçãodoconjuntodoscapítulosdestacoletânea,épossívelpensaro desenvolvimentoterritorialdeumaformaotimista.Noentanto,salientamos que a dinamização socioeconômica necessária com vistas ao reconhe‐ 12 O Capítulo 7 desta coletânea aborda o tema das Marcas Coletivas, como alternativa para reconhecimento das especificidades territoriais, abordando, em especial, a questão da legislação sobre o tema. 13 Ressaltamos, novamente, que o Capítulo 12 retoma e aprofunda o estudo do caso da ervamate. Recomendamos a leitura. 169 cimento de uma IG precisa ser considerada como um processo complexo, que exige estudos multidisciplinares especializados, articulação, negocia‐ çõesentretodososatoresenvolvidos,semtempopré‐definido. Nãoépossívelesquecerque,noBrasil,osprocessosdeconstituiçãode IGsãorecentes.Nosúltimos20anos,passamosdepoucasexperiências,para mais de 40 atualmente. Avançamos, então. No entanto, em função da falta prévia de estudos multidisciplinares mais avançados, o despreparo técnico dos agentes governamentais e institucionais para articulação de formas especiaisdeassociativismoterritorial‐comosãoasIndicaçõesGeográficas‐ ,aexcessivavisãomercadológica,semconsideraraspectossociais,culturais, históricosrelacionadoscomoprocessodeconstituiçãodeumaIG,fezcom que muitas experiências que têm registro, estejam pouco ativas, ou até totalmenteparalisadas. O desafio é avançarmos. O estado de Santa Catarina tem vantagens diferenciais que poderão evitar casos futuros de insucesso. Destaco três delas: (1) estamos ainda no estágio inicial, o que evita que a falta de experiênciadopassadopossatercontribuídoparafracassos,comoocorreu emoutrosestadosbrasileiros;(2)temospesquisadoresdedentroeforadas universidades, executando projetos de investigação, formando grupos de pesquisa, realizando eventos sobre IG, produzindo material informativo e reflexivo (boletins, artigos e livros), proporcionando conhecimento, formação e reflexão sobre o tema, atingindo técnicos, produtores, empresários e população em geral; (3) recentemente, o estado brasileiro, tanto na esfera federal como na estadual, tem despertado para rever as práticas iniciais, qualificar e melhor articular sua atuação, com o fim de pensarpolíticaspúblicasquesirvamdeapoioaosprocessosdeconstituição deexperiênciasdeIndicaçãoGeográfica. Para referendar a melhora na ação governamental, destacamos duas iniciativas.Noâmbitofederal,oMAPA,hámaisdetrêsanostemexecutadoa realização de cursos de formação gratuitos, na modalidade à distância, atingindo técnicos, produtores, empresários e população em geral. Adicionalmente, a partir de 2014, o MAPA passou a articular um grupo de especialistasdoBrasiledaAméricaLatina,comofimdecolocaremprática umnovocursodeformação,tendocomotemaDesenvolvimentoTerritorial e Indicações Geográficas. Além disso, o MAPA tem disponibilizado equipes técnicas especializadas no apoio às iniciativas de IG, seja financiando as mesmas,prestandoassessoria,ouapoiandoapublicaçãodelivroseoutros materiais14. No âmbito estadual, o Governo do Estado de SC tem se 14Umexemploéapublicação,em2014,deumlivrosobreIndicaçãoGeográfica,com artigosdeespecialistasnacionaiseinternacionais,comfinanciamentodoMAPA.Olivro estádisponívelparadownloadgratuitoem: http://www.unc.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2421. 170 envolvido diretamente no tema Signos Distintivos Territoriais e Indicação Geográfica. A principal iniciativa, além do aporte de recursos para investigações,foiaconstituição,em2014,daCâmaraSetorialdeCertificação deQualidadedosProdutosAgropecuários,aqualjáestáemfuncionamento, contando com a participação colegiada de agentes governamentais e institucionais, universidades e representantes dos setores produtivos. A articulaçãoéfeitapelaSecretariadeEstadodaAgriculturaedaPesca. São iniciativas que deixa, a nós investigadores, otimistas quando aos avanços futuros. REFERÊNCIAS ANJOS, F. S.; CALDAS, N. V.; DA SILVA, F.N.; POLLNOW, G.E. Sobre ‘Efígies e Esfinges’: IndicaçõesGeográficas,CapitalSocialeDesenvolvimentoTerritorial.In:DALLABRIDA,V. R. (Org.). Território, identidade territorial e desenvolvimento regional. São Paulo: LiberArs,p.159‐196,2013. BRASIL. Lei Nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Lei que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Presidência da República, Casa Civil: Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm>.Acessoem10set.2014 CHELLOTTI, M. C. Reterritorialização e identidade territorial. Sociedade & Natureza, Uberlândia,22(1),P.165‐180,abr./2010. DALLABRIDA,V.R.etal.IndicaçãoGeográficadaErva‐MatenoTerritóriodoContestado: reflexõese prospecções.DRd‐DesenvolvimentoRegionalemdebate,v.4,n.2,p.44‐ 77,2014. DALLABRIDA,V.R.;MARCHESAN,J.DesenvolvimentonaRegiãodoContestado:reflexões sobreterritório,identidadeterritorial,recursoseativosterritoriais,IndicaçãoGeográfica e Desenvolvimento (Sustentável). In: DALLABRIDA, V. R. (Org.) Território, identidade territorialedesenvolvimento regional: reflexõessobreIndicaçãoGeográficaenovas possibilidades de desenvolvimentos com base em ativos com especificidade territorial. SãoPaulo:LiberArs,p.197‐232,2013. DALLABRIDA, V. R. Território e Desenvolvimento Sustentável: Indicação Geográfica da erva‐matedeervaisnativosnoBrasil.InformeGEPEC,Vol.16,N.1,Toledo(PR),p.111‐ 139,2012. DALLABRIDA,V.R.Governançaterritorialedesenvolvimento:umaintroduçãoaotema. In:DALLABRIDA,V.R.GovernançaTerritorialeDesenvolvimento:asexperiênciasde descentralizaçãopolítico‐administrativanoBrasilcomoexemplosdeinstitucionalização denovasescalasterritoriaisdegovernança.Brasília:IPEA,p.15‐38,2011. DULLIUS,P.R.;FROEHLICH.J,M.;VENDEDRUSCOLO.R.Identidadeedesenvolvimento territorial:EstudodasexperiênciasdeindicaçãogeográficadoestadodoRS.Sociedade brasileiradeeconomia,administraçãoesociologiarural(SOBER),Acre,jul./2008. LOPES,N.O.V.Aindicaçãogeográficacomoformadevalorizaçãodabiodiversidade noplanaltonortecatarinense.Florianópolis:UFSC,2011(DissertaçãodeMestradoem Agroecossistemas). MAFRA,A.D.Aconteceunoservais:adisputaterritorialentreParanáeSantaCatarina pelaexploraçãodaerva‐mate–regiãosuldovaledoRioNegro.Canoinhas:Universidade doContestado,2008(DissertaçãodeMestrado). 171 MARQUES, A. C. As paisagens do mate e a conservação socioambiental: um estudo junto aos agricultores familiares do Planalto Norte Catarinense. Curitiba: UFPR, 2014 (TesedeDoutoradoemMeioAmbienteeDesenvolvimento). NEPPEL, G. A erva‐mate na região Planalto norte Catarinense: atuação da Epagri em relação a Indicação Geográfica. II Workschop sobre Desenvolvimento Regional na RegiãodoContestado(Palestra),Canoinhas,março/2013. NIEDERLE,P.A.Desenvolvimento,InstituiçõeseMercadosAgroalimentares:Osusosdas Indicações Geográficas. In: DALLABRIDA, V. R. (Org.). Desenvolvimento territorial: políticaspúblicasbrasileiras,experiênciasinternacionaiseaIndicaçãoGeográficacomo referência.SãoPaulo:LiberArs,p.237‐263,2014. PECQUEUR,B.Aguinadaterritorialdaeconomiaglobal.Política&Sociedade,n.14,p. 79‐105,abr.2009. PECQUEUR,B.Odesenvolvimentoterritorial:umanovaabordagemdosprocessosde desenvolvimento para as economias do sul. Raízes, Florianópolis, v. 24, n.1‐2, p. 10‐22, 2005. POLLICE, F. O papel da identidade territorial nos processos de desenvolvimento local. (Tradução de Andrea Galhardi de Oliveira; Renato Crioni; Bernadete Aparecida CapriogliodeCastroOliveira).EspaçoeCultura,n.27,p.7‐23,2010. SOUZA, A. M. A estrutura fundiária do território Planalto Norte‐SC: um produto das especificidades históricas. Sociedade Brasileira de Economia, Administração e SociologiaRural(SOBER),PortoAlegre,2009. SOUZA,A.M.ArranjoprodutivolocaleIndicaçãoGeográfica:possibilidadesparaacadeia produtivado“mate”noPlanaltoNorteCatarinense.SociedadeBrasileiradeEconomia, AdministraçãoeSociologiaRural(SOBER),CampoGrande,2010. SOUZA, A. M. et al. A erva‐mate na Região do Contestado: Atuação das instituições de pesquisaeassociaçõesdeprodutoreseindústriasemrelaçãoàIndicaçãoGeográfica.In: DALLABRIDA, V. R. (Org.) Território, identidade territorial e desenvolvimento regional: reflexões sobre Indicação Geográfica e novas possibilidades de desenvolvimentos com base em ativos com especificidade territorial. São Paulo: LiberArs,p.144‐157,2013. TOKARSKI,F.Aerva‐mate:historia,lenda,erealidade.ErvamateCanoinhas.Canoinhas, 2014.Disponivelem:http://ervamatecanoinhas.com.br/reportagem.php?id=261.Acesso em23jul.2014. VELA,J.S.E.FundamentosConceptualesyteóricosparamarcasdeterritório.Boletínde laA.G.E,nº62,p.189‐211,2013. 172 CAPÍTULO9 CONTRIBUIÇÃODOQUEIJOARTESANALSERRANO PARAODESENVOLVIMENTOREGIONALE PRESERVAÇÃODOSCAMPOSDEALTITUDEDO SULDOBRASIL1 UlissesdeArrudaCórdova‐EPAGRI‐Lages‐SC AndréiadeFátimadeMeiraBatistaFerreiraSchlickmann‐EPAGRI‐Lages‐SC CassianoEduardoPinto‐EPAGRI‐Lages‐SC INTRODUÇÃO Opresenteartigo éresultantedeváriostrabalhosdecamporealizados por técnicos da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Difusão Tecnológica (Epagri) na Serra Catarinense nos últimos anos. A metodologia inclui pesquisa de campo com centenas de produtores de queijo artesanal serrano (QAS), com o objetivo de resgatar a história desse produto 2 centenário,numvastoterritóriode16.000km ,ondeéproduzidohámaisde doisséculoseondeapecuáriadecortesemprefoiumadasprincipaisfontes de renda. Esses trabalhos de campo tiveram como objetivo buscar conhecimentos para legalizar a produção e comercialização do QAS, registrá‐ lo como patrimônio cultural de natureza imaterial e buscar uma Indicação Geográfica na modalidade de Denominação de Origem (DO) (CÓRDOVA et al., 2010; CÓRDOVA et al.,2011;CÓRDOVA;SCHLICKMANN, 2012a;CÓRDOVA;SCHLICKMANN,2012b). O objetivo deste estudo foi contextualizar o estado da arte do queijo artesanal serrano, bem como demonstrar a sua importância econômica, social e cultural para a população que sobrevive da produção e comercialização desse produto, para a sociedade serrana de modo geral. Sobretudo, propôs‐se evidenciar o potencial para se tornar um signo distintivo coletivo e consequentemente, agregar valor ao mesmo, permitindoquemilharesdefamíliasdepecuaristasfamiliarespermaneçam nomeioruralatravésdesuaprodução. Na Serra Catarinense, as práticas e os saberes relacionados à 1 Os estudos que resultaram no presente artigo estão integrados ao projeto de pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento, com financiamento da FAPESC. Versão deste artigo foi publicada em Desenvolvimento Regional em debate, V. 4, N. 2/2014. 173 produção do queijo artesanal serrano ultrapassam séculos e perpassam gerações,conferindoacondiçãodeumprodutotípicodaregião,apreciadoe valorizado além dos limites da sua área de fabricação. O queijo serrano, mais que um produto, representa um modo de vida, reconhecido por sua identidade territorial de relevância histórica, social, cultural e econômica paramilharesdepecuaristasfamiliares(Figura1). Figura1–Queijoartesanalserrano,patrimôniodos povosserranosdeSCeRS. Fonte:Equipedepesquisa. Assim,apartirdessecontexto,desde2009,aEpagriemconjuntocoma Associação Rio‐Grandense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), mantém uma equipe de extensionistas e pesquisadores atuando noProjetoQueijoArtesanalSerrano,queabrangeos18municípiosdaSerra Catarinense emais11municípiosnosCamposde CimadaSerradonoRio GrandedoSul. Nesse período, diversas pesquisas de campo, publicação dos livros “Queijoartesanalserrano:séculosdetravessiademares,serrasevales–A histórianoscamposdaSerraCatarinense”e“OQueijoartesanalserranonos campos do Planalto das Araucárias Catarinense”, além de outros meios de divulgação(folders,pôsterestécnicosededivulgação,relatóriosematérias na imprensa), representaram avanços significativos, que fortaleceram e tornaramoProjetoreconhecido. OProjetoQueijoArtesanalSerrano,formadoporumarededeparcerias com entidades, poder público, sociedade civil, associações e produtores, promoveu,nesseperíodo,oresgatehistóricoeculturaldessesaberfazer,a delimitação da região produtora, a descrição do sistema e do processo de produção, a capacitação de produtores e buscou a caracterização do QAS atravésdediversostiposdeanáliseslaboratoriais. Alicerçadonumtripécompostopelavalorizaçãodoproduto,capacitação de produtores e legalização do QAS, o Projeto possui como objetivo final a concessãodeumaIndicaçãoGeográficaeoregistrodoprodutonoLivrodos 174 Saberes do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan), como patrimônio cultural de natureza imaterial do Brasil, além da legalização da produção e comercialização em toda a região produtora. Esses reconhecimentos contribuirão para que se tenha uma legislação própriaparaoQAS,permitindoqueasfamíliasquepossuemnessaatividade uma importante fonte de renda e, mais do que isso, um modo de vida carregado de simbolismo e identidade cultural, venham a legitimar a sua comercialização e possam contribuir ainda mais para o desenvolvimento regional. No texto a seguir, inicialmente é feito um resgate histórico sobre o recorte territorial onde se produz o QAS. Em seguida são apresentadas as principais características da produção do QAS, em relação ao ambiente de produção, o sistema e o processo de fabricação, além de fazer referência à sua relação com a identidade de um povo, situando‐o não somente como produto, mas como patrimônio. Finalizando, são feitas considerações destacando aspectos econômicos e culturais, apontando a possibilidade do QASbuscarnofuturoseuregistrocomoumaIndicaçãoGeográfica. HISTÓRIA:DOSTROPEIROSEAÇORIANOSÀCONSTRUÇÃODACULTURA SERRANA O QAS é um produto vinculado aos altiplanos do Sul do Brasil, onde ocorrem as maiores altitudes não andinas da América Meridional, especialmente os municípios que compreendem a Serra Catarinense e os CamposdeCimadaSerranoRioGrandedoSul. Ressalta‐se que não por acaso a produção do queijo artesanal serrano abrange as áreas limítrofes dos dois estados, devido às características assemelhadas de clima, relevo, povoamento e cultura. Região conhecida como o “Continente das Lajens”, por muito tempo, foi considerada um prolongamento dos campos sul‐brasileiros e uruguaios, sendo assim, pertencenteaoestadodoRioGrandedoSul,comodescrevePireseCorrea (1991,p.17). Porvoltade1767,aCâmaradeViamão,noRioGrandedoSul(RS),tinha estabelecidocomodivisacomSãoPaulooRioCanoas,enquantoospaulistas consideravamadivisadacapitaniadeSãoPaulocomoRSoRioPelotas.O objetivo era demarcar o Rio Pelotas como divisa, para frear as pretensões dos castelhanos, instalados na região das missões, e já na sua margem esquerda,poistinhamgrandeinteressenoterritórioporestaremaserviço da Coroa Espanhola. Isso, aliada à vontade dos próprios pioneiros desses vastoscampos,foiumdosmotivosquelevaramoGovernadordaCapitania de São Paulo a determinar que Antônio Correia Pinto de Macedo tomasse possedaregiãoefundasseumpovoado,oqueseconcretizouem1766. AhistóriadoQASnasregiõesdealtitudedoSuldoBrasilcertamentese 175 iniciou quando os portugueses vieram ocupar essa vasta região, mais precisamente,defevereirode1728aoutubrode1730,quandofoiabertoo CaminhodosConventos,ligandooConeSuldaAméricaàprovínciadeSão Paulo, e, alguns anos mais tarde quando o traçado foi retificado por Cristóvão Pereira de Abreu, ficando conhecido como Caminho das Tropas (Figura2).Apartirdesseperíodoteminícioumdosmaisimportantesciclos da economia brasileira, o tropeirismo e assim, o futuro povoamento das Lagenspassaaserumdoslocaisdepouso:“[...]fazia‐sesempreumaparada prolongada nos campos de Lages” (DEFFONTAINES, citado COSTA, 1982, p.170). Figura2–Tropeirismo:CaminhodasTropasetransportedequeijoemmulasarrreadas Fonte:Fotosde1912,dedomíniopúblico Na mesma época, chegaram ao Planalto Sul Catarinense famílias de açorianos que vieram ocupar as imensidões de campos naturais, nos quais se encontravam milhares de bovinos, chamados popularmente de chimarrões.Comaintensificaçãodotropeirismoeachegadadosaçorianos começam a se formar as primeiras propriedades no “Continente das Lagens”,asquaistinhanapecuáriaaúnicafontederenda. É bastante provável que nessa época se tenha iniciado a fabricação de QASporpessoasquevieramformarapátriaeaquerêncianoamanhecerda formaçãodo Sul.Especialmenteosaçorianosjátinhamtradição secular na fabricação de queijos, aperfeiçoada com a ajuda dos flamengos e, provavelmente,esse saberfazerfoidecisivoparaosurgimento doQAS,há maisdedoisséculos.Porém,pode‐sepresumirqueostropeirospaulistas,de origem portuguesa, que também se fixaram na região já tivessem conhecimento do processo de fabricação de queijo, pois muitos eram oriundos da Serra da Estrela em Portugal, onde há séculos se produz um queijodeleitedeovelhamuitosemelhante. Assim,aorigemdoQASéportuguesa,sendoaindaaprincipaletniaque o produz. Por aproximadamente dois séculos o QAS foi transportado em lombodemuaresparacomercialização(Figura2),servindocomomoedade 176 trocapormercadoriasquenãopodiamserproduzidasnaSerraCatarinense, comoaçúcar,farinha,café,sal,entreoutros.Essecomércioeraintensocom as regiões litorâneas, transpondo serras, que somente os cascos afiados e firmes das mulas conseguiam vencer. Segundo Krone (2006), citando produtoresentrevistados“oqueijodesciaeomantimentosubia”[...];“eram duasviagens,paraabastecernoinvernoenoverão”.Esseregistroevidencia oqueijoserranocomomoedabásicautilizadanatrocadeprodutosentrea serraeolitoralcatarinense. AMBIENTEDEPRODUÇÃO:LUGARPRIVILEGIADOESINGULAR A alimentação típica de um povo vai além do objetivo de nutrição e envolve diversosfatores que a tornam única e demarcam fronteiras de identidade. O queijo serrano é umprodutoque,independentedereceita, inclui outros fatores fundamentais para sua produção, como clima, temperatura, solo, altitude, vegetação, enfim, características que tornam a regiãoserranadeSantaCatarina(SC)eosCamposdeCimadaSerradoRio GrandedoSul (RS),ambientessingularesnafabricaçãodoqueijoartesanal serrano. OclimadaSerraCatarinenseéclassificadocomoCfb,segundoKöeppen. Ouseja,temperadoconstantementeúmido,semestaçãosecadefinidaecom verão fresco. A temperatura média anual varia de 11,3 a 15,8°C. A precipitação pluviométrica anual pode variar de 1.360 a 1.650 mm, com o totaldediasdechuvaentre123e140,sendoqueaumidaderelativadoar oscilaentre80a83%. Outro fenômeno típico desse ambiente são as geadas, que podem ocorrerde20a36vezesporanoemesmonevesfortes(Figura3).Onúmero de horas de frio abaixo ou iguais a 7,2°C varia de 642 a 1.120 horas acumuladas por ano. A insolação total anual pode variar de 1.824 a 2.083 horas. Os solos são originários de rochas sedimentares e de efusivas. Apresentam baixa fertilidade natural, com teores elevados de matéria orgânicaealumínio,pHefósforomuitobaixos.Oteordepotássiovariade médio a alto. Ocorre afloramento de rochas em grande escala, por essa razão, aliada a declividade acentuada, estima‐se que somente 30% da áreatotalapresentepossibilidadedemecanização. A altitude mais comumestá em torno de 900a 1.200m acima do nível do mar, podendo ultrapassar, 1.800m, com declividade sempre em direção ao oeste. Referente à vegetação há predominância dos campos naturais entremeados com a Floresta Ombrófila Mista (Mata de Araucária). Esses campos são o produto de uma vasta história de mudanças evolutivas que iniciaram há milhões de anos e são remanescentes de um clima semiárido,maisantigodoqueaselvapluvial. 177 Figura3–Geadaeneve:fenômenoscomunsnaSerraCatarinensenoinverno Fonte:Registrosfeitospormoradoresdolocal São poucas as regiões do mundo que apresentam uma diversidade de espécies campestres como as encontradas no subtrópico brasileiro. Essa riqueza florística traz um fato pouco comum ao registrado no restante do mundo, que é a associação de espécies C4, de crescimento estival, com espéciesC3,decrescimentohibernal. QuantoàáreageográficadaregiãoprodutoradeQASemSC,encontra‐ senosCamposdasAraucáriassituadosnaSerraCatarinense,comumaárea geográficade16.000km²,abrangendo18municípios,querepresentam17% da área total do Estado. A produção de QAS ocorre em toda essa vasta região,realizada,nasuamaioria,poragricultoresfamiliares,estendendo‐se atéoRS. SISTEMADEPRODUÇÃO:PARTICULARIDADESQUETORNAMOQASUM PRODUTOÚNICO O Sistema de produção do queijo artesanal serrano apresenta característicaspeculiaresquantoaraças,alimentação,ordenhaemanejo.Os dadosqueserãocitadostêmcomobaseapesquisadecamporealizadacom centenasdeprodutoresemtodososmunicípiosdaSerraCatarinense. São utilizadas diversas raças bovinas para produzir o leite usado na fabricação doQAS,sendoque75%dorebanhoécompostoporraçasde corte e seus cruzamentos. 8,5% são raças de corte cruzadas com raças leiteiras e 16,5% têm aptidão leiteira. Outro ponto característico é a alimentação do rebanho com base em pastagens naturais, melhoradas e cultivadas, principalmente de inverno. Em proporção bem menor, a dieta inclui também silagem de milho e uso de milho em espigas moídas. Todos os produtores fornecem salminerale/ousalcomume,empoucas propriedades, se usa ração concentrada. Quanto ao sistema de ordenha, 86,6% dos produtores utiliza a ordenha manual e somente 13,4%, a ordenhamecânica. 178 Em se tratando do manejo do gado, na maioria das propriedades os terneiros ficamcomasvacasduranteodiaesãoapartadosnofimdatarde. São criados de duas maneiras: a) nos rebanhos de aptidão leiteira são separados das vacas e amamentados em baldes ou mamadeiras com o desmamefeitoentre60e90dias,sendosuplementadoscomraçãofeitana propriedade; b) nos rebanhos de corte os terneiros são criados ao pé da vacaeamamentadosporcercade7a10meses,sendodepoisvendidospara seremrecriadosparaabate.Nessecaso,aordenhadasvacasnãotemcomo finalidade única a obtenção da matéria‐prima para a fabricação do queijo serrano,mas,sim,omanejodogado(KRONE,2006). Quanto ao manejo reprodutivo, 63,1% dos produtores usam monta natural o ano todo e 36,9% usam inseminação artificial; somente 21% (principalmente as propriedades maiores) usam a estação de monta definidaparaconcentrarapariçãonaprimavera‐verão,quandoaoferta de alimentos é maior. Nos pecuaristas familiares o touro permanece o tempo todocomasmatrizes. Devidoàimportânciadarendaparaafamília,atualmenteamaioriados pequenos produtores de QAS, 71,3%, produzem durante o ano todo, e 28,7% produzem o queijo somente na primavera‐verão quando há maior ofertadepastagensnaturaiseounaturalizadas. Os produtores, em sua maioria, utilizam produtos convencionais (alopáticos) para o controle dos ecto e endoparasitos, mas cerca de 14% opta pela homeopatia e 14,4 % usam algumas plantas medicinais para combateressaspragas. Para50%dosprodutores,oQASrepresentaaprincipalfontederenda. Estima‐se que na Serra Catarinense existem aproximadamente 2.000 produtores que comercializam o QAS, gerando uma renda bruta estimada em aproximadamente R$ 21 milhões por ano, possibilitando uma renda média familiar superior a R$ 10.360,00 por ano, o que representa mais de um salário mínimo por mês. Referente à comercialização, 53% dos queijos produzidossãovendidosdiretamenteparaosconsumidores,enquanto47% paravarejistas. PROCESSODEFABRICAÇÃO:MAISQUEUMARECEITA,AARTEDEUMSABER FAZER De acordo com dados históricos e os relatos obtidos na pesquisa de campo,osaberenvolvidonapráticadefazeroQASésecular,repassadode geraçãoageraçãoesuareceitaseguepraticamenteinalteradaeinfluenciada sempre pelo ambiente, a alimentação do gado e o trabalho artesanal do manipuladore,porisso,nãoéumalimentopadronizadoapesardepoderser identificadopeloseusaborparticular. 179 Sendo o queijo serrano um produto artesanal, de pequena escala, fabricadocomoleitecruintegraldapropriedade,emsuamaioriadevacas de corte, tendo como base de alimentação as pastagens nativas, é um alimentoregional,podendoserconsideradoidentitáriodeumdeterminado grupo.ConformeMacieleMenachem(2003,p.5),citadoporKrone(2006): "São quase desconhecidos pelas demais regiões, muitas vezes pelo simples fato de que os ingredientes necessários são exclusivos do lugar de origem, mastambémporrazõesdeordemcultural,quedeterminamcertoshábitos alimentares". Uma das poucas alterações no processo de fabricação é a substituição de coalho animal pelo coalho industrial usado para coagulação da massa, sendo que outras modificações estão relacionadas com a adequação de utensílios,comoformaeprensa,conformeexigênciadalegislação. A primeira prática para fabricar o queijo começa na tarde do dia anterior,quandoasvacassãorecolhidaseosterneirossãoapartadosatéa ordenhadodiaseguinte(Figura4). Figura4–RecolhendoasvacasparafazerQASnodiaseguinte Fonte:Fotoregistradapelaequipedepesquisa. Quantoaoprocessamentodoleite,asprincipaisetapasqueenvolvema fabricação do QAS, podendo ocorrer pequenas variações de acordo com o produtor: a) medição do leite e filtragem; b) salga realizada junto com a filtragem do leite; c) coagulação feita com adição do coalho ao leite, para formar a coalhada; d) corte da coalhada, divisão da massa em cubos com 180 auxíliodefacaoupá;e)dessorarem,retiradadosorocompressãomanual sobre a massa; f) enformagem, moldagem da massa com auxílio de um tecidofino;g)prensagem,retiradadoexcessodesoro,deixandonaprensa por aproximadamente oito horas com três a quatro viragens; h) cura, feita em temperatura ambiente sobre prateleiras de madeira, fórmica ou sob refrigeração; i) embalagem, em filme plástico; j) armazenamento em temperaturaambiente. O tempo de cura varia em média 15 dias e a venda é realizada pelos própriosprodutores.Apesardasrestriçõesimpostaspelalegislaçãovigente, o QAS ainda é muito procurado e consumido e toda a produção é comercializada. GENTEETERRITÓRIO:MAISQUEUMPRODUTO,UMPATRIMÔNIO O Planalto Catarinense foi ocupado por bandeirantes paulistas e açorianos. Esses pioneiros, por séculos, viveram em permanentes dessemelhançaseatémesmocontrastescomoshabitantesdolitoral. Disto tudo [...] ocupando o planalto, resultou o serrano. Tipo físico definido. Atividades econômicas semelhantes, em toda a Serra Catarinense. Uma linguagem própria nas suas corruptelas [...]. Até em seus costumes e sua cultura,ummundopróprio[...](MARTORANO,1982,p.173). A identidade serrana está envolvida no processo de trabalho nas propriedadesrurais,queincluitodaafamíliaeinfluenciaarotinadiáriados envolvidos, com papéis definidos dependendo da idade e sexo. Entretanto, as pesquisas evidenciaram o papel da mulher no contexto do QAS como a principal envolvida, especialmente no processamento do leite. Conforme MenascheeBelem(1996),citadoporKrone(2006,p.34),“[...]deummodo geral, pode‐se perceber claramente uma divisão sexual do trabalho na execução e planejamento das atividades que ao longo do ano envolvem a produçãodeleitenumaunidadefamiliar”.Mesmoquenamaioriadoscasos seja o marido o reconhecido pela comercialização do produto, o desenvolvimento dessa atividade pelas mulheres representa a importância do seu trabalho, sua profissão e sua contribuição na geração de renda familiar. Portanto, produzir o queijo está intimamente ligado à afirmação da identidadetrabalhadoradamulher.ParaKroneeMenasche(2007),maisdo que produtor de alimentos, o pecuarista familiar é um produtor de significados, pois, além de produzir cultivos, o trabalho produz cultura (WOORTMANN;WOORTMANN,1997). É inegável a necessidade da legalização do Queijo Artesanal Serrano pela sua importância histórica, social e econômica, mas precisa de um 181 trabalho educativo, que requer tempo, persistência, união e parceria com produtor, consumidor, comerciantes, instituições de pesquisa e extensão rural, bem como com os órgãos fiscalizadores. Para isso, é fundamental trabalhar na lógica territorial, num processo que vincula as pessoas a um lugar, o seu lugar. E, nessa perspectiva, o queijo artesanal serrano é um produto típico de terroir, ou seja, suas características particulares são determinadas por influências do ambiente, mas também do ser humano (saber fazer tradicional, origem histórica, características típicas). Assim, passaaexprimirainteraçãoentreomeionaturaleosfatoreshumanos. Figura5–SeverinaMotade84anosaprendeuafazerqueijocomaavóerepassouaseus descendentes(esquerda)Filhadeprodutordequeijo(direita) Fonte:Fotoregistradapelaequipedepesquisa Assim, o saber fazer, historicamente repassado de geração a geração (Figura 5), mais que uma receita, é a representação de uma cultura específica, desenvolvida num contexto peculiar e protagonizada por um grupo identitário que faz dessa atividade um modo de vida e de estabelecimentoderelaçõessociais,econômicaseculturais. CONSIDERAÇÕESFINAIS A tradiçãodeproduçãoecomercializaçãodoQASreporta‐sealémdos aspectos econômicos; remete também a um simbolismo e identidade que por mais de dois séculos vêm perpetuando uma cultura notoriamente reconhecida, mas que precisa ser valorizada e, principalmente, ter seu produtoregulamentado,sobriscodeseperderumatradiçãosecular. Apesar de ser um produto secular e quase que totalmente na informalidade,oqueijoartesanalserrano,éa principalfonteformadorada rendaparamilharesdepecuaristasfamiliares.Possuihistória,notoriedadee faz parte do cotidiano e da cultura de um povo com etnia definida, a portuguesa,eestáligadoaumambienteúnico,oscamposdearaucária. Dessa forma, o QAS possui grande potencial para legalização de sua produção e comercialização, agregando valor à mesma. Mas, sobretudo, 182 podeobter,nomédioprazo,ostatusdesignodistintivocoletivo,oquepode torná‐lo um produto ainda mais reconhecido e com identidade territorial, peloregistro,comoumaIndicaçãoGeográfica,nacategoriadeDenominação deOrigem,tornando‐sepatrimônioculturaldenaturezaimaterialdoBrasil. Para isso, é necessário aprofundar os estudos e pesquisas, organizar melhor a cadeia produtiva e buscar a padronização e segurança alimentar para conquistar mercados mais exigentes. Esses objetivos somente serão conseguidos com a conjugação de esforços entre produtores e instituições parceiraspertencentesaoscamposdaextensão,pesquisaeensino. REFERÊNCIAS CÓRDOVA, U. A. et al. O queijo artesanal serrano nos campos do Planalto das Araucáriascatarinense.Florianópolis,SC:Epagri,2011. CÓRDOVA,U.etal.Queijoartesanalserrano:séculosdetravessiademares,serras e vales: a história nos campos da Serra Catarinense. Florianópolis: Epagri, 2010 (Epagri,Documentos,234). COSTA,Licurgo.OcontinentedasLagens:suahistóriaeinfluêncianosertãodaterra firme.Florianópolis:FundaçãoCatarinensedeCultura,1982. KRONE,E.E.;MENASCHE,R.Agregadosemulheres,o“queijodefinal desemana”eo valordotrabalho.Raízes,CampinaGrande,v.26,n.1‐2,p.113‐119,jan./dez.2007. KRONE,E.E.;Práticasesaberesemmovimento:ahistóriadaproduçãoartesanaldo queijoserranoentrepecuaristasfamiliaresdomunicípiodeBomJesus–RS.2006.49p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial)‐UniversidadeEstadualdoRioGrandedoSul.Encantado,RS,2006. MARTORANO,D.Temascatarinenses.Florianópolis.Ed.UFSC/Ed.Lunardelli.1982. PIRES, N; CORRÊA, Z. Base histórica de Lages através dos tropeiros. 1 ed. Lages: Ed.75,1991. WOORTMANN, E.; SCHILICKMANN,A. M. F. B. F. O queijo artesanal serrano nos AltiplanosdoSuldoBrasil.Agropecuária Catarinense,Florianópolis,v.25,n.3, p.13‐17,2012a. WOORTMANN,E.;SCHILICKMANN,A.M.F.B.F.Queijoartesanalserrano.Umqueijo com identidade territorial, histórica e cultural nos Altiplanos do Sul do Brasil. RevistaHistóriaCatarina,Lages,v.7,n.50,p.25‐37,2012b. WOORTMANN,E.;WOORTIMANN,K.Otrabalhoeaterra:alógicaeasimbólicada lavouracamponesa.Brasília:EdUnB,1997. 183 CARTADEFORTALEZA Os queijos artesanais brasileiros são valiosas expressões da nossa cultura e tradição. Suas qualidades estão intimamente ligadas ao ambiente ondesãoproduzidos,àculturalocaleàhistóriadasfamíliasqueháséculos oselaboram. No Brasil, estimam‐se em 100 mil propriedades que praticam a agricultura familiar que depende, basicamente, da produção de queijos de leitecru.Entretanto,aproduçãodessesqueijos,associadaaomododevidae identidade dos produtores artesanais, encontra‐se ameaçada pela incompreensão das autoridades públicas em relação à importância dos queijosartesanaisnavidadosbrasileiros. Um produto incorporado há séculos como um componente da alimentação de produtores e consumidores do Brasil inteiro não pode ser objeto de ações persecutórias, violando, ainda, as escolhas alimentares saudáveisdeumimensouniversodeconsumidores. O1°SimpósiodeQueijosArtesanaisdoBrasil,realizadoemFortaleza, tevecomoobjetivoprincipalchamaraatençãodasautoridadesdoPaíspara a diversidade de queijos artesanais produzidos em nosso território. Além disso, teve também o objetivo de mostrar para a sociedade brasileira a situação de abandono em que estão vivendo os produtores de queijos artesanais no Brasil, devido à imposição de uma legislação higiênico‐ sanitária inadequada e inatingível, que foi concebida, em 1953, para produçãoindustrialdequeijos. Assim, vivemos uma situação paradoxal: enquanto muitos países do mundo vêm resgatando, preservando e protegendo seus patrimônios culturais e gastronômicos, o Estado brasileiro age no sentido inverso, criando mecanismos que estão levando muitos alimentos tradicionais ao desaparecimento,comoéocasodosqueijosartesanais. Asleisestaduaisefederaisexcluemaproduçãoartesanalnamedidaem que não reconhecem a sua especificidade, submetendo‐a aos mesmos padrões sanitários e de instalações de grandes empresas, inviabilizando, assim, a produção artesanal devido aos elevados custos de adaptação, inacessíveis ao pequeno produtor. Ao mesmo tempo, tal adaptação comprometeaqualidadesensorialdoprodutoeo“saber‐fazer”dopequeno produtor,consolidadoatravésdosséculosdehistória. As normativas direcionadas à produção de queijos no Brasil são ainda discriminatórias e restringem a liberdade de escolha dos cidadãos que queremconsumi‐los. Mesmo com as alterações propostas na reformulação do Regulamento 184 de Inspeção Industrial de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), não se construirá legislação diferenciada que contemple, de forma própria e adequada, a produção artesanal. Persistiremos no velho erro de tratar igualmenteosdesiguais. Aoinvésdecriarregulamentosrestritivosepunitivosainspeçãooficial deveria enfrentar o desafio posto pela produção artesanal de queijos e construir uma proposta própria, ouvindo os atores envolvidos, especialmenteprodutoresparaconhecerosproblemaseencontrarsoluções adequadas. Nesseseminário,emquepudemoscontemplaradiversidadedequeijos artesanais do Brasil, nos deparamos com produtores dedicados à manutençãodatradição.Essesprodutoreselaboramqueijosartesanaispela convicção de que são produtos diferenciados, valorizados pelos consumidoresequerepresentamaculturaeomododevidadesuasregiões. Em cada peça de queijo artesanal temos a história, cultura, tradição e expressãodomeioondesãoproduzidas. 185 CAPÍTULO10 DESAFIOSPARAOASSOCIATIVISMO DEBASETERRITORIAL:OCASODOPROJETO TRANÇASDATERRA1 AnaLúciaBehrendListone‐UNOESC ElianeSaleteFilippim‐UNOESC 1.INTRODUÇÃO Por iniciativa de lideranças regionais e do poder público, em 1998, foi implantado no Meio Oeste Catarinense um Fórum de Desenvolvimento Regionalquebuscoufirmarparceriasafimdesuperaroslimitesrestritosdo município e propor alternativas de desenvolvimento que integrassem o território regional. O Fórum implantou, no ano de 2002, a sua agência executiva denominada de Agência de Desenvolvimento do Meio Oeste Catarinense(ADMOC). Essa agência, em diagnóstico realizado, detectou como uma das alternativas para o desenvolvimento regional o incremento do artesanato em palha de trigo por meio da articulação de uma rede de artesãos que atuava em tal atividade. Com base nesse diagnóstico, desenvolveu‐se, na Unoesc(UniversidadedoOestedeSantaCatarina),em2003,umprojetode iniciação científica pelo então aluno de Ciências Contábeis Maicon Progol, orientado pela Professora Eliane Salete Filippim, que teve como objetivo mapear o artesanato de palha de trigo remanescente, bem como cadastrar os (as) mestre (s) desse ofício e as possibilidades da sua associação para produzir esse tipo de artesanato. Os resultados da pesquisa serviram de base para que o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) organizasse a implantação de um Projeto que foi, depois, denominadoTrançasdaTerra. O processo de constituição da rede de base para efetivar o Projeto Tranças da Terra teve início em 2005, com a instalação de núcleos. Em novembro de 2006, foi concluída a constituição de uma associação com a 1 O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Potencialidades e desafios para o associativismo de base territorial: o caso do Projeto Tranças da Terra - Edital 07/ Unoesc-R/ 2014 (Art. 170). Da mesma forma, esteve integrado aos estudos realizados quando da execução do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento, com financiamento da FAPESC. Numa primeira versão foi publicado em Desenvolvimento Regional em debate, V. 4, N. 2/2014. 187 inauguraçãodonúcleoadministrativo,umacentraldevendaseumaloja. Nessecontexto,oestudobuscoudescrever atrajetóriadeconstituição da associação desde 2006, quais os resultados alcançados pelo Projeto e quaisosseusprincipaisdesafiosparaofuturo.Nessesentido,asperguntas quenortearamestapesquisaforam:oprojetoTrançasdaTerraseconstitui numa alternativa que pode contribuir para o desenvolvimento da região Meio Oeste de Santa Catarina? Existe possibilidade de buscar a Indicação Geográfica(IG)paraosprodutosdoProjetoTrançasdaTerra? Visando aprofundar a compreensão sobre as potencialidades e limites de estratégias de especificação de ativos territoriais como alternativa de desenvolvimento, buscou‐se estudar um caso específico, o do Projeto TrançasdaTerra.Paratal,foramtraçadososseguintesobjetivos:oObjetivo Geral foi descrever o projeto Tranças da Terra observando se ele pode contribuirparaodesenvolvimentodaregiãoMeioOestedeSantaCatarina. Objetivos específicos: a) Caracterizar a região Meio Oeste Catarinense; b) Descrever breve histórico do Projeto Tranças da Terra; c) Identificar os produtos do Projeto Tranças da Terra demonstrando sua tradição territorial; d) Conhecer a forma de gestão do Projeto Tranças da Terra; e) Registrariniciativasqueestejamsendorealizadasnosentidodavalorização doproduto;f)CaracterizaraspotencialidadesdoProjetoTrançasdaTerra em termos de geração e agregação de renda e como nova atividade econômica regional. Este estudo contém as seguintes partes: após esta introdução, apresenta‐se a revisão bibliográfica, seguida da descrição dos procedimentos metodológicos. Após, apresenta‐se a análise dos dados, a conclusãoeasreferênciasatualizadas. 2.REVISÃOBIBLIOGRÁFICA Nesta parte, tratou‐se dos temas que dão base ao estudo: desenvolvimentosustentável,artesanato,território,governançaterritoriale IndicaçãoGeográfica. 2.1DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL Um território pode ser desenvolvido desde que adote estratégias sustentáveis para as atuais e futuras gerações. Nesse sentido, projetos que contemplemoresgatedaculturaregional,osquaisgeremrenda,formemo associativismo, preservem o meio ambiente e busquem superar as disparidades cidade/campo, acabam por atender a critérios de sustentabilidade(SACHS,1994). Para além de simples crescimento econômico, compreende‐se aqui desenvolvimento sustentável como aquele que é capaz de atender a cinco dimensões: a) sustentabilidade social: contempla a redução de 188 desigualdades;b)sustentabilidadeeconômica:buscaaumentarageraçãode renda e a riqueza social por meio da endogenização; c) sustentabilidade ecológica:visamelhoraraqualidadedomeioambienteeapreservaçãodos recursos energéticos; d) sustentabilidade espacial: busca superar as desigualdadesregionaiseentrecidade/campo;e)sustentabilidadecultural: incentivaoresgateeorespeitoàculturalocal(MONTIBELLER,2002). Noestudodatemáticadodesenvolvimento,nãoapenasoespaçolocale regionaldeveserconsiderado,umavezqueháescalasdecisóriasquefogem da alçada da região. O processo de globalização em curso tem exigido dos territórios e das organizações uma constante reformulação de suas estratégias,afimdequeconsigammanterem‐secompetitivos. Um projeto ancorado em desenvolvimento sustentável social, econômica, ecológica, cultural e geograficamente tem como premissa considerar que deve gerar renda para seus participantes por meio da atividade que tenha raízes em um processo de identificação cultural e no respeitoaomeioambiente.Entende‐sequeoartesanatotemessepotencial de sustentabilidade, uma vez que faz parte da tradição cultural de uma região. A partir de técnica artesanal há muito utilizada, podem‐se criar novosprodutoseintensificaraagregaçãodevalor. 2.2OARTESANATOCOMOELEMENTOAGREGADOR Oartesanatonãoapenasrepresentaumaspectodamemóriaculturalde umpovo,mastambémsefazinstrumentodevalorizaçãodosseuselementos materiais, pois a atividade artesanal é um exercício do poder criativo do homem, emprestando variedade e beleza às formas representativas da sua culturamaterial(PEREIRA,1979). Como atividade cultural, o artesanato produzido em grande escala e com alto potencial competitivo só pode ser feito por meio de parcerias de vários artesãos constituindo uma rede. Os artesãos dispersos e buscando colocação individual no mercado não têm conseguido lograr êxito. Alguns fatores (o investimento em design, por exemplo) não são acessíveis a pequenosprodutores,mas,umavezassociadosemrede,oseupotencialde investimentoficaampliadoeaschancesdegeraçãoderendasemultiplicam. Chegar a um eficiente estágio de cooperação requer a implantação de um sistemadeparceriaregional,ancoradoemmecanismosdeassociativismo. A maestria no processo artesanal é observada em um grupo de pessoas que conjugam, no seu fazer, técnica e sensibilidade. Por maestria entende‐se o domíniodeumcampodesaberesepráticasrelativamentedefinidoenquanto natureza e estrutura conceitual, ou seja, um campo disciplinado pela própria estruturadosaberecomritosdepassagemquegarantemasuapermanênciae renovação(FISCHER2007,p.4). 189 O artesanato insere‐se como um dos campos de representação da culturapopular,responsávelporcontribuircomaidentidadeculturaldeum dadoterritório. 2.3TERRITÓRIOEDESENVOLVIMENTO O tema território é tratado por diferentes autores ‐ alguns, aqui referenciados, cada um deles com sua concepção, em geral, complementando‐se. O território é concebido, principalmente, como: (a) domínio politicamente estruturado resultante de apropriação simbólica identitária, inerente a certa classe social (HAESBAERT, 2007); (b) espaço definidoedelimitadoporeapartirderelaçõesdepoder(RAFFESTIN,1993; SOUZA,1995);(c)espaçoapropriadoapartirdaideiadepoder,decontrole, quersefaçareferênciaaopoderpúblicoouagrandesempresas(ANDRADE, 1995); (d) como um nome político para o espaço de um país (SANTOS e SILVEIRA,2001);espaçousado,apropriado(SANTOS,1997). Apesar do poder de autonomia atribuído à escala territorial, é necessário lembrar que os territórios estão inseridos num mundo globalizado,emqueamultiescalaridadedosprocessosestápresente,sendo que vários autores têm chamado atenção para esse fato (FERNÁNDEZ e DALLABRIDA, 2008; BRANDÃO, 2007; AMIN, 2008; DALLABRIDA e FERNÁNDEZ,2008). Corroborando, Saquet (2007) afirma ser o território a condição de processos de desenvolvimento, reforçando a necessidade de se buscar compreender as relações entre os atores e o lugar. Conforme o autor, referimo‐nos a lugar não apenas como área geográfica, mas como um contextorepresentadopeloterritórioepelasterritorialidades. Algunsautoresenfatizamanoçãodeterritórioparaodesenvolvimento local, na medida em que essa noção integra os diferentes atores, práticas culturais, valores, características econômicas e sociais particulares de uma dada região. Segundo Dallabrida (2006, p. 161), a concepção de território envolvenãoapropriedadedaterra,masaapropriaçãodoespaço,“[...]com seus atributos naturais e socialmente construídos, o qual é apropriado, ocupado,porumgruposocial”. No contexto da globalização o território torna‐se o espaço onde se definem os embates entre os diferentes atores sociais e econômicos. Isso ocorre porque a eficácia das ações econômicas está ligada ao espaço onde essas são concretizadas: “[...] os atores mais poderosos se reservam os melhorespedaçosdoterritórioedeixamorestoparaosoutros”(SANTOS, 2000,p.79). Pode‐sedizer,então,queterritórioéumespaçofragmentado,postoque os diferentes atores (ou empresas hegemônicas) que nele atuam (e 190 conflitam) buscam atender objetivos individuais, muitas vezes impossibilitando a regulação dessa ação pelos poderes públicos.Tal fragmentação pode levar à deterioração da solidariedade e da cooperação características de grupos sociais que compartilham as mesmas vivências e tradições. EmrelaçãoàIdentidadeTerritorial,Castells(1999,p.23)afirmaque: Existeumconsensodequetodaidentidadeéumaconstruçãosocial.Assim,a construção de identidades vale‐se da matéria‐prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletivaepor fantasiaspessoais,pelos aparatosepelopodere revelaçõesde cunho religioso. Ao longo do tempo os grupos sociais e sociedades reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço. OsautoresBenkoePecquer(2001)afirmamqueanoçãodeterritório está de volta nas análises econômicas. Os territórios oferecem recursos específicos, intransferíveis e incomparáveis no mercado, gerando uma vantagemcomparativa.Aquestãoésabercomoosterritórioscapitalizamou não isso a seu favor. Já Pecqueur (2009) propõe que estratégias para desenvolvimento de sistemas produtivos que se originem a partir da perspectiva territorial deveriam estar focadas no que chama de modelo de qualidade, avançando da vantagem comparativa para a vantagem diferenciadora. Aoconceitodeterritórioliga‐se,também,anoçãoderegião.Deacordo comCorrêa(1986),otermoregiãoderivadolatimregio,cujaraizregiseliga à regência, regra, regente e se refere a uma unidade político‐territorial em que se dividia o Império Romano, o que atribui à conceituação uma conotaçãopolítica,comoáreadeextensãodopodercentralizadoemRoma, delimites,dedomínio. Embora seja difícil estabelecer com precisão o significado da palavra região,qualquerdefiniçãoestaráintimamenterelacionadacomasformasde produção, desenvolvidas por grupos sociais em determinados territórios e emumdadomomentohistórico.ParaGomes(1995),osdiferentesusosdo conceito de região e suas diferentes operacionalidades variam no tempo e no espaço, explicando também contextos políticos, econômicos, institucionaiseculturais. Asdiscussõesacercadoconceitodeterritórioganhamimportânciacom acrescentenecessidadedemudançanossistemasdegoverno,incapazesde suprirsozinhosasnecessidadesdamaioriadapopulação.Dessaforma,um aspecto necessário de ser analisado em relação ao debate em torno do territórioéaquestãodagovernançaterritorial. 191 2.3.1GOVERNANÇADEBASETERRITORIAL Ferrão(2010,p.30)afirmaqueaemergênciadotemanaatualidade: Resultadedebatesquetêmcomopanodefundoanecessidadedetranscender as limitações das concepções modernas até então prevalecentes sobre o Estado, intencionando o aprofundamento da democracia e a melhoria da eficiência da ação pública, representando a transição de um Estado diretamente interventor e executor, uma visão de comando e controle, para outra concepção do papel do Estado centrada em intervenções de natureza, sobretudoreguladoraeestratégica. Complementando a argumentação sobre o tema, Dasí (2008) destaca que a governança territorial pode ser encarada como aplicação dos princípiosdeboagovernançaàspolíticasterritoriaiseurbanas,oucomoum processo de planejamento e gestão de dinâmicas territoriais numa óptica inovadora,partilhadaecolaborativa. A análise dos diferentes processos de governança territorial e desenvolvimento contribuem para firmar a convicção de que governa e decide quem tem poder. A governança, assim, sinteticamente, refere‐se ao atodeatribuirpoderàsociedade,paragovernar,ou,deconquistadepoder pela sociedade, para governar. Portanto, o exercício da governança é realizadopormeioderelaçõesdepoder(DALLABRIDA,2003;2007).Ainda de acordo com o autor, o termo governança territorial ao referir‐se às iniciativas ou ações que expressam a capacidade de uma sociedade organizada territorialmente para gerir os assuntos públicos, a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais. Brandão (2011) ressalta que é imprescindível buscar construir estratégias multiescalares e governança multinível. Tais estratégias, segundooautor,precisamcontemplarumaabordagemdasdiversasescalas espaciais que se articulam no território em que se quer promover determinadoprocessodedesenvolvimento. Em síntese, conforme Dallabrida (2011), a governança territorial pode ser percebida como uma instância institucional de exercício de poder de forma simétrica no nível territorial. A sua prática pode incidir sobre três tipos de processos: (1) a definição de uma estratégia de desenvolvimento territorialeaimplementaçãodascondiçõesnecessáriasparasuagestão;(2) a construção de consensos mínimos, através da instauração de diferentes formasdeconcertaçãosocialcomoexercíciodaaçãocoletiva;e,porfim,(3) aconstruçãodeumavisãoprospectivadefuturo.Umapráticaqualificadade governançaterritorialéumrequisitoindispensávelparaodesenvolvimento. A gestão do desenvolvimento, realizada na perspectiva da concertação público‐privada, implica numa revalorização da sociedade, assumindo uma 192 postura propositiva, sem, no entanto, diminuir o papel das estruturas estataisnassuasdiferentesinstâncias. Uma das principais estratégias que articula os potenciais de desenvolvimento territorial à Noção de identidade territorial é a Indicação Geográfica. 2.4INDICAÇÃOGEOGRÁFICA NoBrasil,deformajurídica,asIndicaçõesGeográficassãoconsideradas marcas territoriais que reconhecem os direitos coletivos referentes aos sinais distintivos de um território (ANJOS, 2012; GURGEL, 2006). Assim, tornam‐se ferramentas coletivas de valorização de produtos tradicionais vinculados a determinados territórios, atendendo a duas funções: agregar valoraoprodutoeprotegeraregiãoprodutora. A Indicação Geográfica se caracteriza como um ativo intangível da propriedade intelectual que representa um atributo, uma qualidade atribuídaaomeioouafatoreshumanosouaumareputaçãoquedistingue produtos ou serviços relacionados a uma determinada origem geográfica (FERREIRAetal.,2013). Para os autores Pecquer (2009) e Dallabrida (2012), a Indicação Geográfica possibilita a construção de uma conformação socioeconômica que destaca a importância dos produtos (ou serviços) com identidade territorial para o desenvolvimento. Trata‐se de ultrapassar a dimensão de vantagem comparativa para uma vantagem diferenciadora, resultante de processos originais de emergência de recursos e ativos com ancoragem territorial. Aliteraturacontemporâneaquetratadotema,emgeral,reconheceque uma das principais estratégias que articula os potenciais de desenvolvimentoànoçãodeterritórioeidentidadeterritorialéaIndicação Geográfica. Trata‐se de uma das principais alternativas para conferir aos serviçoseprodutosdebaseterritorialmaiorcompetitividadee,atémesmo, a possibilidade de inserção diante de um mercado local ou mundial, produzindo uma conjuntura favorável ao desenvolvimento (local, regional, territorial). Das experiências brasileiras de Indicação Geográfica, apenas umadelassitua‐senoestadodeSanta Carina(SC).Trata‐seda experiência de Urussanga e municípios próximos, no Sul catarinense, registrada como Vales da Uva Goethe, dedicada à produção de vinho da uva Goethe, articulada pela Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe da RegiãodeUrussanga(PROGOETHE). Complementarmente, Pecqueur (2001; 2006) propõe um modelo que chama de cesta de bens e serviços ancorados territorialmente, associando bens e serviços com Denominação de Origem Protegida com outros, que 193 tenham qualidade e se identifiquem com o território de origem. De forma semelhante, Acampora e Fonte (2008) reforçam a necessidade de políticas públicas com a finalidade de reconhecer e proteger as especificidades territoriaiseculturais,pelavalorizaçãodaidentidadeterritorialpormeiode uma cesta de bens. Já Albagli (2004) propõe diferentes estratégias no sentido do fortalecimento e capitalização de territorialidades em favor do desenvolvimento(local,regional,territorial). Deformasemelhante,AcamporaeFonte(2008)reforçamanecessidade de políticas públicas com a finalidade de reconhecer e proteger as especificidades territoriais e culturais, pela valorização da identidade territorial por meio de uma cesta de bens. Já Albagli (2004) propõe diferentes estratégias no sentido do fortalecimento e capitalização de territorialidadesemfavordodesenvolvimento(local,regional,territorial). Outraquestãoquetemreferênciacomotemadaidentidadeterritoriale sua relação com o desenvolvimento é a questão dos recursos e ativos territoriais. Para Pecqueur (2005), o desafio das estratégias de desenvolvimento constitui‐se em se apropriar dos recursos específicos e buscar o que possa se estabelecer como potencial identificável de um território. Para tal, deve ocorrer um processo de especificação ou ativação derecursos,ouseja,transformarrecursosemativosespecíficos.Oautorfaz uma diferenciação entre ativos e recursos genéricos, de ativos e recursos específicos.Osativoserecursosgenéricossãototalmentetransferíveiseseu valor é um valor de troca, estipulado no mercado via o sistema de preços. Esses ativos e recursos não permitem que um território se diferencie de formaconsistentedeoutros,umavezqueelessãotransferíveis,ouseja,são transacionados no mercado. Já os ativos específicos, por sua vez, possibilitam um uso particular e seu valor constitui‐se em função das condições de seu uso. Além disso, eles apresentam um custo de transferência que pode ser alto e irrecuperável. Assim, os recursos específicosmerecemmaioratenção.Elespossibilitamaconstruçãodeuma argumentação que destaca a importância dos produtos com identidade territorial para o desenvolvimento. Ressalta ainda o autor que os recursos específicos, ao contrário dos recursos genéricos, não são mensuráveis, ou seja, não são expressos em preços e não podem ser transferidos, como qualquerprodutotransacionadonomercado.Sãoelaboradosnumespaçode proximidadegeográficaeinstitucional,apartirdeumatrocanãomercantil: areciprocidade. Benko e Pecqueur (2001, p. 31), ao lembrarem que apesar da mundialização,ametropolização,aformaçãodasáreasdelivrecomércio,a articulaçãoentreoglobaleolocalestaremnocentrodaspreocupaçõesda economia espacial, a mundialização não significa homogeneização dos espaços. 194 ParaSaquet(2003),aterritorialidadecorrespondeàsrelaçõessociaise àsatividadesdiáriasqueoshomenstêmcomseuentorno.Éoresultadodo processo de produção de cada território, sendo fundamental para a construçãodaidentidadeeparaareorganizaçãodavidaquotidiana.Assim sendo, a identidade é construída pelas múltiplas relações‐territorialidades queseestabelecemtodososdiaseissoenvolve,necessariamente,asobras materiaiseimateriaisproduzidas,comoostemplos,ascanções,ascrenças, osrituais,osvalores,ascasas,asruas,alémdeoutrosaspectos. Outro autor brasileiro, Souza (2005), salienta que o território é um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder. Para o autor, a autonomia é a base do desenvolvimento, este encarado como processo de auto‐instituição da sociedade rumo à uma maior liberdade e menor desigualdade. Assim sendo, uma sociedade autônoma é aquela que logradefenderegerirlivrementeseuterritório.Trata‐sedeumasociedade com poder, onde o Estado não pode ser concebido enquanto instância de poder centralizadora e separada da sociedade. A concepção de território autônomo implica num ambiente onde as pessoas têm a liberdade de manifestarsuasescolhasepotencialidades,gerandoumespaçosocialmente equitativoedemocrático. O conjunto dos ativos e recursos genéricos e específicos, materiais e imateriais,constituemoquepodemoschamardecapitalterritorial,definido emdocumentodaLEADER(2009,p.19)comooconjuntodoselementosde quedispõeoterritórioaonívelmaterialeimaterialequepodemconstruir vantagem ou desvantagens, dependendo de sua qualificação. O capital territorial remete para aquilo que constitui a riqueza do território (atividades,paisagens,patrimônio,saber‐fazer,etc.),naperspectiva,nãode um inventário contabilístico, mas da procura das especificidades podendo servalorizadas. Aofinaldestarevisãobibliográfica,sistematizam‐senoquadro1alguns tópicosnorteadoresdoestudo. Quadro1‐Tópicosnorteadoresdoestudo Tópico Características Desenvolvimentoregional ‐Adoçãodeestratégiassustentáveis, ‐resgatedaculturaregional, ‐geraçãoderenda, ‐formaçãodoassociativismo, ‐preservaçãodomeioambiente, ‐buscaporsuperarasdisparidades cidade/campo. ‐Umaspectodamemóriaculturalde umpovo, ‐instrumentodevalorizaçãodos seuselementosmateriais, ‐exercíciodopodercriativodo Artesanato 195 Principaisautores Sachs,1994. Montibeller,2002. Friedmann,1992. Pereira,1979. Fischer,2007. Território IndicaçãoGeográfica homem, ‐representaçãodaculturapopular, ‐responsávelporcontribuircoma identidadeculturaldeumdado território. ‐Domíniopoliticamenteestruturado resultantedeapropriaçãosimbólica identitária,inerenteacertaclasse social, ‐espaçodefinidoedelimitadopore apartirderelaçõesdepoder, ‐espaçoapropriadoapartirdaideia depoder,decontrole,quersefaça referênciaaopoderpúblicooua grandesempresas, ‐nomepolíticoparaoespaçodeum país, ‐espaçousado,apropriado, ‐governançaterritorial. ‐Marcasterritoriaisquereconhecem osdireitoscoletivosreferentesaos sinaisdistintivosdeumterritório, ‐ferramentascoletivasde valorizaçãodeprodutostradicionais vinculadosadeterminados territórios, ‐ativointangíveldapropriedade intelectualquerepresentaum atributo,umaqualidadeatribuída aomeio,ouafatoreshumanosou umareputaçãoquedistingue produtosouserviçosrelacionadosa umadeterminadaorigem geográfica, ‐comfunçãodeagregarvalorao produtoeprotegeraregião produtora. Haesbaert,2007. Raffestin,1993. Souza,1995. Andrade,1995. SantoseSilveira,2001. Santos,1997. FernándezeDallabrida,2008. Brandão,2007. Amin,2008. Dallabrida,2006;2007; 2010b. Saquet2007. Coro1999. CassiolatoeLastres,2003. Castells,1999. BenkoePecquer,2001. Pecqueur,2001;2006;2009. Corrêa,1986. Gomes,1995. Anjos,2012. Gurgel,2006. Leader,2009. Souza,2005. Saquet,2003. BenkoePecquer,2001. Albagli,2004. Pecqueur,2005. AcamporaeFonte(2008) Dallabrida,2012. Ferreiraetal,2013. Fonte:elaboradopelasautorascombasenarevisãobibliográfica. 3.PROCEDIMENTOSMETODOLÓGICOS Quantoaosprocedimentosmetodológicos,estapesquisadefine‐secomo qualitativa,umavezque,alémdedadosobjetivos,buscouanalisartambém aqueles de difícil mensuração e apresentação numérica. Foram adotadas múltiplasfontesdeevidênciasparaacoletadedados:aentrevista,orelato históricoeaobservaçãodireta,conformerecomendaGodoy(1995). Ométodoutilizadofoioestudodecaso,que,deacordocomYin(2001, p. 32), é uma “[...] investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneodentrodeseucontextodavidareal,especialmentequando 196 oslimitesentreofenômenoeocontextonãoestãoclaramentedefinidos”. A análise docaso teve duas frentes de investigação: a bibliográfica e a pesquisadecampo. Apesquisabibliográficaconsultoualiteraturasobreos temas: desenvolvimento sustentável, artesanato, território, governança territorialeindicaçãogeográfica. Paraacoletadedadosfoirealizadaabusca,leituraeanálisedetextos, reportagens, atas e demais documentos referentes ao Projeto Tranças da Terranoperíododesuaexistência(2006a2014).Tambémforamrealizadas 02 entrevistas abertas com: 01 representante da associação Tranças da Terra(Artesã)e01gestordoSebrae(gestor),entidadequedásuportepara oTrançasdaTerra.As02entrevistasforamfeitasnomesmodia,horárioe local (dia 01/07/2014, às 13h30min, na loja do Tranças da Terra em Joaçaba) e tiveram a duração de 48 minutos. Versaram sobre desenvolvimento regional, artesanato, território, Indicação Geográfica e, sobretudo, sobre o Projeto Tranças da Terra. Com o consentimento das entrevistadas,asentrevistasforamgravadaseposteriormentetranscritase analisadas. Realizou‐setambémaobservaçãodasatividadesdoProjetoTrançasda terra,pormeiodavisitaanúcleoprodutordeartesanatoeàlojanaqualsão vendidososprodutos. Osdadoscoletadosnasdiferentesfrentesforamanalisadospormeiode recursosinterpretativos,cotejando‐oscomarevisãobibliográficarealizada. Abaseparaaanáliseforamostópicosdescritosnoquadro01.Buscou‐se,ao analisarosdadoscoletadosagrupadoseclassificadosnestestópicos,emsua relação com a revisão bibliográfica realizada, responder aos objetivos de pesquisa. 4.ANÁLISE Nestaparte,foramabordadosdadosdaregiãoemestudo,aMeioOeste Catarinense, bem como a trajetória e características atuais do projeto TrançasdaTerra,suasformasdegovernança,iniciativasdevalorizaçãodos produtos, potencialidades do projeto e sugestões e oportunidades de melhorias. 4.1AREGIÃOMEIOOESTECATARINENSELÓCUSDOPROJETOTRANÇASDA TERRA SegundooInstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística(IBGE,2014),a MacrorregiãoMeioOesteCatarinense,naqualsesituaoProjetoTrançasda Terra, possuía, em 2010, uma população de 349.143 habitantes e uma densidade populacional de 34,1 hab./km². O município de Joaçaba é considerado o município sede da Macrorregião Meio Oeste e a cidade de 197 Caçadoramaispopulosa,com70.762habitantes. O povoamento da região teve como aspecto marcante a construção da estrada de ferro que liga o Rio Grande do Sul a São Paulo e a chegada dos imigrantesgaúchosdeorigemitaliana.Acolonizaçãodaregiãofoitambém influenciadaporalemães,caboclos,austríacoseparanaenses. ConformedadosdoIBGE,relativosa2009,amovimentaçãoeconômica dos 32 municípios da Macrorregião, segundo a composição do PIB, foi de aproximadamente R$ 7,4 bilhões, o equivalente a 5,7% do PIB estadual e alcançandoo7ºmaiornocomparativoentreasnovemacrorregiões. Aregiãoocupaumaposiçãodedestaquenosetorprimáriocatarinense, comomaiorprodutoraestadualdemilho,sojaetrigo.Tambémpossuiuma atividade agropecuária bastante expressiva, respondendo, em 2010, por 19% do rebanho catarinense de suínos e por 22% do de frangos. Na agricultura, destaca‐se a fruticultura e horticultura (uva, pêssego, maçã e tomate),ocultivodemilhoeaproduçãoflorestal. O setor industrial estabelece uma forte sinergia com a atividade agropecuáriadaregião,cabendoassinalararepresentatividade donúmero de empresas e empregos dos segmentos de fabricação de alimentos e bebidas, do setor madeireiro e o de produção de papel e embalagens de papel.OsegmentodaIndústriadetransformação,em2011,foiresponsável por35.531empregosformais,oequivalentea32%dospostosdetrabalho daMacrorregiãoMeioOeste. O quadro 2 apresenta, de maneira sucinta, alguns dados gerais e históricosdaregiãoemestudo. Quadro2‐AspectosgeraisehistóricosnaMacrorregiãoMeioOeste Aspectosgeraisehistóricos CoordenadoriaRegionaldoSEBRAE/SC MacrorregiãoMeioOeste MunicípiosededaCoordenadoria Joaçaba Áreaterritorial(km²) 10.236,8 PopulaçãoTotal2010 349.143 Densidadedemográfica2010 (hab/km²) Altitude(metros) 34,11 Clima Colonização NúmerodeEleitores NúmerodeMunicípios Municípios Altitudemédiade957metrosacimadoníveldomar, sendoamínimade409metrosemIpiraemáximade870 emPalmaSola. PredomíniodoclimaMesotérmicoúmido,com temperaturamédia16°C. Predominanaregiãoacolonizaçãodeorigemitalianae alemã.Aindaqueemmenornúmero,assinala‐sea colonizaçãocabocla. 265.269 32 ÁguaDoce Hervald'Oeste LebonRégis RiodasAntas ArroioTrinta Ibiam 198 Luzerna Caçador Macieira Calmon MatosCosta Capinzal Ouro Catanduvas Peritiba ErvalVelho PinheiroPreto Fraiburgo Piratuba SaltoVeloso Ibicaré Tangará Iomerê TimbóGrande Ipira TrezeTílias Jaborá VargemBonita Joaçaba Videira Lacerdópolis Fonte:AdaptadodeIBGE(2012) Desses municípios, os que participam diretamente do Projeto Tranças daTerrasão:Catanduvas,ÁguaDoce;Capinzal,Joaçaba,LuzernaeOuro. Apopulação daMacrorregiãoMeioOeste apresentou,noanode2010, crescimento de 7% desde o Censo Demográfico realizado em 2000. Os homensrepresentavam49,76%dapopulaçãoeasmulheres,50,24%. Aestruturaetáriadeumapopulação,habitualmente,édivididaemtrês faixas:osjovens,quecompreendemdonascimentoaté19anos,osadultos, dos20anosaté59anos,eosidosos,dos60anosemdiante.Segundoessa organização, na Macrorregião Meio Oeste, em 2010, os jovens representavam 32,4% da população, os adultos, 56,5% e os idosos, 11,1%. Nodecorrerdos10anosentreoscensosdoIBGEde2000e2010,ocorreu uma evolução positiva de 5,3% no percentual da população economicamente ativa, passando de 49,8% no ano 2000, para 55,1% em 2010. Visando melhor conhecer as potencialidades do Projeto Tranças da Terra,presentenessaregião,aplicou‐seumInventáriodoCapitalTerritorial doTerritório2.DeacordocomoCapitalNatural,PatrimônioNaturaleMeio Ambiente, o trigo é o produto vegetal de base para o Projeto Tranças da Terra, sendo necessário caracterizar a sua tipificação e quais as formas de uso. 4.2TRAJETÓRIAECAPITALSOCIALDOPROJETOTRANÇASDATERRA De acordo com informações coletadas junto aos gestores do Projeto Tranças da Terra, a região do Meio Oeste Catarinense foi considerada a Capital Nacional do Trigo na década de 1950. A região montanhosa com baixas temperaturas era ideal para o plantio desse cereal, cujo plantio foi 2 Tomou-se como base o Inventário do Capital Territorial do Território elaborado para Projeto de Pesquisa, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC), que deu origem ao projeto de Iniciação científica, cujos resultados aqui são relatados. 199 introduzidoporimigrantesitalianosealemães.Oartesanatofeitoempalha detrigoeraumatradição,responsávelpelaproduçãodechapéusesportas (palavradeorigemitalianaquesignificasacolas),usadosprincipalmentenas lidas da lavoura e nas idas à cidade para compras. Com a mudança da fronteira agrícola para o estado do Paraná e a mecanização da agricultura, ocorridas a partir dos anos 1970, a cultura do trigo foi praticamente descontinuada no Meio Oeste Catarinense. Dessa forma, o artesanato em palha de trigo se restringiu a poucas comunidades de agricultores que prosseguiram cultivando o cereal nos moldes tradicionais, sem uso de máquinas. Visando resgatar o artesanato tradicional em palha de trigo, em 9 de agostode2005oProjetoTrançasdaterrafoilançado,comaadesãodeseis municípios: Água Doce, Capinzal, Catanduvas, Joaçaba, Luzerna e Ouro. Aderiu, ainda, ao projeto a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional (SDR) de Joaçaba. Também na ocasião, apoiaram o projeto empresas do setor privado, especialmente uma tradicional do ramo de moagemdetrigoefarinhas;empresadecomunicações(granderededoSul doBrasil)eempresasdecontabilidade.Noiníciode2006,oprojetoganhou mais força com a adesão de outras empresas privadas e de uma empresa públicaqueprestaassessoriaapequenosagricultoresemSC. O processo de constituição da rede de base para efetivar o Projeto Tranças da Terra teve início com a instalação de alguns núcleos: a) 01 núcleoprodutordamatéria‐prima,comprodutoresruraisdeCatanduvase de Água Doce; b) 06 núcleos de produtores de artesanato, com sede nos municípiosdeÁguaDoce,Capinzal,Catanduvas,Joaçaba,LuzernaeOuro,e c)01núcleodearmazenagemdamatéria‐prima,nomunicípiodeLuzerna. Implantadososnúcleos,emnovembrode2006,foiconcluídaaconstituição da associação com a inauguração do núcleo administrativo, da central de vendasedeumalojaparacomercializaçãodosprodutos. Desde a implantação do Projeto, em 2006, até 2014, várias atividades foramrealizadas,taiscomo:articulaçãodeparceiros,mobilizaçãoeadesão de artesãos, criação da marca Tranças da Terra, prospecção de mercado, realização de oficinas técnicas e capacitação nas áreas de gestão e associativismo, pesquisas e desenvolvimento de novos produtos, formalização da Associação de Artesanato Tranças da Terra, apresentação dosprodutosàcomunidadelocaleregional,elaboraçãodoplanoestratégico demarketingdaAssociaçãodeartesanatoTrançasdaTerra,implantaçãoda Loja Tranças da Terra, capacitação e consultoria empresarial, consultoria tecnológica e acesso ao mercado. Com essas etapas, o projeto prevê aumentar o volume de produção, o número de clientes ativos e atingir um faturamento base por mês, buscar outros pontos e canais de venda dos produtoseimplantarocomércioeletrônico.(TRANÇASDATERRA,2014). 200 De acordo com Tranças da Terra (2014), o projeto Tranças da Terra possuialgunsdestaquesereconhecimentoexternoimportante,taiscomoos apresentadosnoquadro3. Quadro3‐DestaquesereconhecimentosdoTrançasdaTerra SeleçãoRedeGloboSãoPaulo‐em2012,aemissoraselecionouoTrançasdaTerrapara gravaçãodoProgramaAçãoComunitária,transmissãosábado,às7h30damanhã; PrêmioHouseeGiftdedesign,consideradoo"Oscar"dodesignbrasileiro‐em2011foi premiadocomaLumináriaFlores; PrêmioPlanetaCasa‐em2011,ficouentreosdezfinalistasnacategoriaaçãosocial (concorreucommaisde400inscritos,segundoinformaçãodaorganizaçãoplanetacasa); ProgramaCaixadeApoioaoArtesanatoBrasileiro‐em2009,selecionadoatravésda CaixaEconômicaFederal(CEF)paraoprograma; PrêmioPlanetaCasa–em2008,nacategoriaAçãoSocial–umaaçãopioneiradarevista CasaClaudia; PrêmioFINEP‐em2008foiaterceiracolocadaregiãoSulnacategoriaTecnologiaSocial; PrêmioSEBRAETOP100deArtesanato‐em2008,entreastrêsunidadesselecionadas, ficandoemprimeirolugarnoEstadoobtendoamelhorpontuação; PrêmioSEBRAETOP100deArtesanato‐em2006,ficouentreascincounidades selecionadasemSantaCatarina; PrêmioHouseeGiftdedesign‐em2006,premiadocomaCestaFloresnacategoria ArtesanatoRegional; PrêmioFINEPnacategoriaInovaçãoSocial‐em2006,2ºLugar. Fonte:AsautorascombaseemTrançasdaTerra(2014). A partir de informações coletadas nas entrevistas, as maiores dificuldades encontradas no início do Projeto foram de tornar o produto conhecido, interessante, útil, e de colocá‐lo no mercado. Nem todos os artesãos que iniciaram no projeto conseguiram adquirir a habilidade em trançarempalhadetrigo.Essefoiumdosfatoresquelevoualgunsartesãos adesistirdeparticipardoProjeto. Quanto ao capital social, o Projeto Tranças da Terra, contou, na sua origem, com 118 adesões de pessoas com habilidades manuais, critério básico para aderir ao projeto. Aderiram ao projeto para a produção da matéria‐prima (o trigo “peladinho”) 16 produtores rurais. Hoje, o Projeto conta com 22 artesãs (somente do sexo feminino) associadas e 03 agricultoresnaproduçãodematéria‐prima. Segundo as entrevistas, essa redução significativa no número de artesãos é vista com muita preocupação pelas entrevistadas, porque, na visãodelas,oartesanatotemsidoentendidopelasartesãsmembro,apenas como uma atividade para passar o tempo e não como uma atividade 201 econômica rentável. Pelo contrário, os atuais participantes do Projeto o consideram pouco rentável, o que não atrai novos interessados e gera o desânimo das atuais artesãs. Dessa forma, não ocorrem atualmente capacitações, como ocorreram no início do projeto, porque não se tem públicoparatalatividade.Ainda,deacordocomasentrevistas(2014): Quemestánoprojetodesdeoinício,acompanhoutodoesteprocesso,acabou se apaixonando pela causa, e a questão nem é tanto o retorno financeiro, até porque como são várias, tem um pouco para cada uma então se teria que vendermuitoparaterumretornofinanceirobom.Quemtáforaquersabero quantovaiganharseentrarnoprojeto,seforartesãdoTranças,eaísefalara pessoanãovaiquerer,entãotemqueseapaixonarmesmopelacausa,veralém dofinanceiro[...].Esteenvolvimentocomapartedagestão,porexemplo,traza pessoaparaumconvíviosocial.(Artesã1) Quanto à gestão da Associação, o Projeto Tranças da Terra é administrado por uma diretoria formalizada, com presidência, gerência, secretária,tesoureiraemaisalgumaslíderesartesãsquenãofazemparteda diretoria, mas que contribuem com a gestão. São feitas reuniões mensais, mesmo que não haja pauta prévia. As artesãs consideram esses encontros fundamentais,porpermitemqueváriosassuntossejamdiscutidosequeas profissionaismantenhamocontatocomaequipedirigente. A produção é feita nos núcleos produtivos e as artesãs ganham por produção,conformerelatadonasentrevistas: Elas ganham por produção, é feito sempre levantamento do que cada núcleo tem e se percebe, por exemplo, Lacerdópolis: eles desenvolveram uma habilidade maior em fazer peças pequenas, produzem bastante. Em Catanduvasjáfazemmaispeçasmaiores.Entãoquandovocêproduz100peças pequenas equivale a duas ou três peças grandes, então tem que ser por produção, porque depende muito da quantidade de matéria‐prima que de utiliza napeçaedotempopraproduzir,é assim queagentefazocálculodo valordamãodeobra,entãoéporproduçãoqueagentepaga.(Artesã2) OutradificuldadequeexistedesdeoiníciodoProjetoequepersisteaté hojeécomrelaçãoàmatéria‐prima,porqueeladependedoclima.Apesarde a região ter clima apropriado para a produção do trigo, se faltar chuva, a matéria‐primaestragaesechoverdemaistambémháperda.Esseéumfator que pode fazer com que, em determinados anos, a produção de trigo seja maioroumenor,causandoefeitosobreaproduçãodeartesanatoempalha detrigo. 4.3CAPITALNATURAL,HUMANOEINTELECTUALPRESENTESNOTRANÇASDA TERRA O principal capital natural do Projeto Tranças da Terra é o trigo, matéria prima para todo o processo e para a confecção dos produtos. O 202 Projeto possui um estoque considerável de matéria‐prima, porque compra todaaproduçãodoagricultorquefazpartedaassociaçãoparanãoperdera adesão do produtor e nem a semente. Os agricultores que plantam a variedadedetrigoespecíficaparaoartesanatosãoorientadosportécnicos da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), desde como se faz o plantio e o manejo até como faz a colheita. Inclusive, antes da escolha da variedade, a Epagri cooperou com o Projeto Tranças e estudou qual a melhor semente para dar a melhor haste para o artesanato, chegando‐se à variedade conhecida na região como Peladinho, cujo nome científico é triticum. Na colheita, o agricultor não pode usar máquina para cortar a palha porque a estraga, precisando fazer a colheita manualmente.EssavariedadeétradicionalnaregiãoMeioOeste,porémseu cultivo praticamente desapareceu quando do processo denominado de modernização agrícola, ocorrido nos anos 1960, quando se introduziu a mecanização consorciada com o uso intensivo de agrotóxicos, eufemisticamentechamadosdedefensivosagrícolas. A variedade de haste de trigo utilizada no Projeto Tranças da Terra atende as dimensões de sustentabilidade ambiental, pois é produzida sem qualquerusodeagrotóxicoesemcausardanosaomeioambiente.Também atendeàdimensãocultural,vistoquesetratadeumcultivotradicionalque requerumsaberespecífico,desdeoplantioatéacolheitaearmazenamento. Na produção das peças artesanais, geralmente não se aplica qualquer corantesobreapalhadetrigo,porém,quandoissoédemandado,sãousados corantesnaturais,como,porexemplo,corantesapartirdecipó‐índioecasca depinheiroaraucária. Osaberdosartesãossobreoprocessodeproduçãodotrigopeladinho somou‐se ao saber da Epagri, que, além de resgatar a semente tradicional, também orienta os produtores no uso das técnicas tradicionais e do Curso de Ciências Biológicas da Unoesc ‐ que cooperou com o Projeto compartilhando o seu conhecimento sobre formas de secagem e armazenamentodotrigo. No início do Projeto Tranças da Terra havia muitos agricultores que faziam este plantio do trigo específico para o Projeto Tranças. Porém, no momentodapesquisa,foramidentificadosapenastrês(doishomenseuma mulher). Um dos motivos é que ele precisa plantar exclusivamente para o Projeto, porque essa variedade de trigo, o trigo peladinho, tem uma palha mais comprida, mas não produz grãos muito bons para fazer a farinha. O agricultor planta o trigo objetivando a produção de farinha, pois lhe gera maior lucro do que a produção da variedade tradicional, que tem menor produçãodefarinha,masserveparaoartesanato. Essaquestãodaproduçãodamatéria‐primacausaimpactodiretosobre a possibilidade de continuidade do Projeto Tranças da Terra. Os produtos 203 em palha de trigo consolidam o artesanato tradicional local, estando relacionados às artes e ofícios dos colonizadores da região do Meio Oeste Catarinense. Tratam‐se, portanto, de produtos com marcada vinculação a umterritórioeaumaidentidadedeumacomunidadelocal/regional. 4.4OCAPITALCULTURALDOPROJETOTRANÇASDATERRA O maior capital cultural do Projeto Tranças da Terra é a manutenção viva de uma tradição da região Meio Oeste: a produção de artesanato com base em palha de trigo, a preservação da arte de trançar esta palha de diferentesmaneiraseoseuarranjopelacosturaartesanalformandopeças utilitárias e de decoração. Originalmente os objetos trançados resultavam, principalmente, em chapéus e sacolas (sportas) utilizadas pelos colonizadores da região, de origem ítalo e germânica, principalmente nas atividadesagrícolas.Alémdadurabilidade,oschapéustraziamumconforto térmico adequado para os agricultores na lida na lavoura. Essa atividade artesanaltradicionalaindaéobservadacomfrequêncianaregião,contudojá escasseiamaspessoasquetêmodomíniodatécnicatradicionaldeelaborar astranças. ParaoProjetoTrançasforamcontratadaspeloSebraeduasecodesiners que após estudarem e observarem detidamente as peças tradicionais e a cultura regional elaboraram protótipos de produtos e submeteram à apreciação dos membros da Associação para sua validação. Dessa forma, o que se fez foi uma releitura dos produtos tradicionais, preservando na íntegraaformaoriginaldetrançar. Quanto ao nome do Projeto, Tranças da Terra, ele foi sugerido pelas próprias artesãs, uma vez que a matéria‐prima ‐ a palha do trigo ‐ vem da terraeoatodetecerlembratambémelosexpressospelaprópriatrançae, simbolicamente pelo associativismo, forma escolhida para a produção do artesanato. Ascoleçõesdeprodutosforamdesenvolvidasalinhadasaoconceitode design ecologicamente correto, por meio da contratação de consultoria em ecodesign e são: Curvas da Terra, Flores da Terra, Cores da Terra, Coleção Interiores e Coleção Flor de Menina. O quadro 4 apresenta os produtos do TrançasdaTerranasuatradicionalidade. Quadro4‐ProdutosTrançasdaTerraetradicionalidade Produto ColeçãoFlores daTerra Descrição ‐Bolsafloresoval; ‐Bolsafloresquadrada; ‐Cestaflores; ‐Chapéuflores; ‐Descansodepanelasflor; ‐Móbiles; 204 Tradicionalidade Osprodutossãoinspiradosnostemas floraisdospanôseesculturas,em madeira,religiosas.Ousodaflor representaolardopovoimigrantequese estabeleceunomeio‐oestecatarinense. Todososprodutossãofeitoscompalha Coleção Curvasda Terra ColeçãoCores daTerra Coleção Interiores ColeçãoFlor deMenina ‐ Porta‐guardanapoflor; ‐Sousplatflor; ‐Trilhomesaflores. ‐ Bowl; ‐Bolsacurvas; ‐Capitel; ‐Cestacurvas; ‐Chapéucurvas; ‐Rechaud(porta‐velas); ‐Sousplatcaracol; ‐Anjo; ‐Minicuia. ‐ Americano; ‐Bandejasporta; ‐Marcadordelivro; ‐Porta‐guardanapo; ‐Porta‐cartãosporta; ‐Descansodepanela quadrado; ‐Sporta; ‐Sportaparavinho. ‐ Bromélia; ‐Folha(porta‐bala); ‐Lumináriacasulo‐ arandela;; ‐Lumináriacasulo‐mesa; ‐Lumináriadeflor‐ pendente; ‐Mandala; ‐Revisteiro. ‐ Adorno; ‐Batonflor; ‐Cintoflor; ‐Colarflor; ‐Flor‐presilhaparalenço; ‐Prendedorcabelo. detrigo. Osprodutossãoumresgatedascurvas dostrigaiseesculturasreligiosas presentesnaregião. Todososprodutossãofeitoscompalha detrigo. Osprodutossãocoloridoscommateriais extraídosnanatureza.Todososprodutos sãofeitoscompalhadetrigo. Osprodutossãodesenvolvidospara decoraçãodeambienteeinteriores. Todososprodutossãofeitoscompalha detrigo. Osprodutossãoinspiradosem acessóriosfemininos. Todososprodutossãofeitoscompalha detrigo. Fonte:ElaboradospelasautorascombaseemTrançasdaTerra(2014) A questão cultural é possivelmente a maior contribuição do projeto Trançasdaterraparaaregiãonaqualsesitua.Trata‐sedeumProjetoque partedeumatécnicatradicionalconferindo‐lhenovosusoseadicionandoa dimensão ambiental da sustentabilidade. O que se questiona é se esse quesitoseriasuficienteparageraramanutençãoepermanênciadoProjeto ao longo do tempo, bem como o seu potencial com marcas muito particulares desse território. O que hoje é efetivamente produzido no ProjetoTrançasdaTerrasãoprodutosquesónesteterritórioseencontram, mas a arte de trançar a palha de trigo é encontrada em outros territórios. Por estes motivos, somam‐se as dificuldades de buscar a Indicação Geográfica(IG)paraosProdutosdoTrançasdaTerra. 205 4.5OCAPITALINSTITUCIONALEPRODUTIVODOPROJETOTRANÇASDA TERRA OProjetoTrançasdaTerratemcontado,aolongodesuatrajetória,com instituiçõesdeapoiolistadasnoquadro5. Quando5‐Instituiçõesdeapoio Instituição Sebrae Unoesc PrefeituradeLuzerna PrefeituradeJoaçaba Prefeiturade Catanduvas PrefeituradeÁgua Doce PrefeituradeCapinzal PrefeituradeOuro Formadeapoio Consultoria,capacitação. Pesquisanaáreadegestão,redesedeciênciasbiológicas. Fornecimentodelocaldetrabalhoàsartesãsedelocalpara estoquedematéria‐prima. Fornecimentodelocalparaalojadoprojeto. Fornecimentodelocaldetrabalhoasartesãs. Fornecimentodelocaldetrabalhoasartesãs. Fornecimentodelocaldetrabalhoasartesãs. Fornecimentodelocaldetrabalhoasartesãs. Fonte:asautoras,combasenasentrevistas Essas organizações listadas contribuem com aporte de conhecimento, capacitação e consultoria, ou então com a cedência de instalações para o trabalhodoprojetoTrançasdaTerra.Contudo,oProjetoprecisaencontrar formasparagerarasuaautosustentaçãooqueaindanãoseobservaneste períodode2006a2014. Quantoàinfraestrutura,oProjetoTrançasdaTerracontacomumaloja emJoaçaba,equipadacomtelefoneecomputadorcomacessoàinternet. Com relação às máquinas e equipamentos, o projeto conta com máquinas de costura em todos os núcleos produtores. Os materiais de escritórioestãoconcentradosnalojadeJoaçaba. No que se refere recursos financeiros, algumas empresas compram os produtosdoprojetoparadarcomobrindescorporativos,aUnoesc,oSebrae e a Acioc‐ Associação Comercial e Industrial do Oeste Catarinense, mas mesmo essas empresas acabam achando que fica caro, porque quando se fala em artesanato logo se pensa em crochê, tricô, que não fica tão caro produzircomoosprodutosdotrançasdaterra. Atualmente, a ajuda financeira recebida pelo projeto, em todas as cidadesemqueeleatua,dizrespeitoàcessãopelasprefeiturasdoslocaisde trabalho,ondeasartesãstrabalhamedolocalparaalojaeparaoestoque das matérias primas. Essa é uma preocupação evidenciada pelas entrevistadas, porque cada vez que muda a gestão das prefeituras é necessário buscar a continuidade da cessão desses locais e nunca se está 206 seguro a respeito. Atualmente, a associação foi contemplada com recursos deumprojetodogovernofederalchamadoRedeSolidária.Comorecurso,o Projeto está construindo um novo espaço, num terreno doado pela prefeituradeJoaçaba,maséemumbairronovo,longedocentro.Comonão fica num centro comercial, não será usado como loja, mas como ponto de encontrodasartesãseparaestoquedematéria‐primaedepeçasprontas. No início, o Projeto vendia muito mais para outros estados do Brasil, como Bahia, Salvador, Minas Gerais e Rio de Janeiro, porque, na visão das entrevistadas “[...] o nosso estado, a nossa região não valorizava tanto o artesanato, hoje em dia a situação já mudou muito, e os produtos já são muitomaisvalorizadosporaqui.”(artesã). Osmaisde30produtosdiferentesproduzidospelasartesãsdoprojeto ajudam na geração de renda às suas famílias, mas de forma pouco significativa. Esse é talvez um dois maiores desafios do Projeto: encontrar formas de melhorar as vendas para que se possa aumentar, também, o retorno para as artesãs participantes do Projeto e, assim, contribuir mais significativamente para o desenvolvimento regional. As entrevistadas não passaram os valores atuais percebidos pelos artesãos participantes do projeto,apenasasseguraramqueovalorébaixo. Tem‐se também um paradoxo: de um lado, o Projeto tem poucos associados devido à baixa geração de renda, de outro, o projeto fica em dificuldadeparaampliarovolumedeprodução,poistempoucosassociados. Esse aspecto constitui‐se num desafio que a Associação terá que enfrentar embreve. Busca‐seainovaçãoconstantementenosprodutos.Umexemplodissoé a coleção mais recentemente lançada, a coleção Flor de Menina, que foi elaboradaparaatenderespecialmenteaopúblicofeminino,sendoqueforam criadaspresilhasdecabelo,cintos,colares,prendedores,entreoutros. A técnica de costurar a trança para fazer as peças também agrega valorização ao produto, já que não é usado cola, o que aumenta a durabilidadedosprodutos.Osprodutosoriginaisreceberamvalorizaçãopor meiododesignecológicoincorporado. Um dos pontos críticos no Projeto Tranças da Terra é a demanda por produtoscomerciaisecombaixovalordecomercialização,oquedificultaa venda de algumas linhas mais elaboradas que o Projeto produz. Dessa forma,osprodutosquemaisreceberam. 5.CONSIDERAÇÕESFINAIS Quanto às potencialidades e limites de estratégias de especificação de ativos territoriais como alternativa de desenvolvimento, observou‐se neste estudo que o Projeto Tranças da Terra possui alguns pontos que o 207 favorecem, como a forte identidade cultural dos seus produtos com o território do Meio Oeste Catarinense. Contudo, há sérios desafios a serem vencidos,comoabaixageraçãoderecursosparaseusassociados,ogrande númerodeartesãosquedeixaramoProjetoeafaltadeinteressedenovos artesãosdeseassociaremaoTrançasdaTerra. Observou‐se,aolongodotrabalhodecampo,queaatividadeartesanal ainda é percebida como um passatempo para alguns participantes do Projeto,carecendodeumadedicaçãomaiscontínuadehorasdetrabalhono Projeto. Se por um lado a geração de renda extra é baixa, por outro a produção de peças também é pequena. O dilema para pensar a sustentabilidade econômica do projeto é como aumentar a produção do grupo diante um quadro de associados que disponibilizam pouco tempo paraotrabalhonoTrançasdaTerra? NoqueserefereàscaracterísticasdaregiãoMeioOesteCatarinenseem suarelaçãocomoProjetoTrançasdaTerra,observa‐sequeoProjetonasceu de práticas tradicionais já decorrentes entre os imigrantes italianos e alemãescolonizadoresdaregião,bemcomodocapitalsocialeinstitucional presentes nesse território. Os produtos têm forte apelo a essas tradições e receberamsignificativoaportedeconhecimentoeinovaçãopelaintrodução de design ecológico e pela forma de produção baseada na dimensão ambiental da sustentabilidade. Contudo, apesar das dimensões cultural e ambiental serem bem atendidas pelo Projeto, os produtos são de certa forma elitizados, pois demandam um consumidor que valorize estes atributos e aceite remunerar o artesão por um produto mais elaborado e comconhecimentosocial,culturaleambientalinjetado. No histórico do Projeto Tranças da Terra percebeu‐se que foi fundamental para a sua constituição os seminários realizados nos municípios participantes do projeto, para apresentação e sensibilização sobre a ideia, para a mobilização e para o cadastramento de pessoas interessadas em desenvolver‐se nesse ofício. Observou‐se também que de 2006 a 2014 o Projeto recebeu capacitação de diferentes conteúdos e formas. Quanto à forma de gestão do Projeto Tranças da Terra, ela se dá por meio de uma associação formalizada e que recebe apoio institucional de diversasentidades,sobretudodoSebrae(SC)edeseisprefeiturasdaregião Meio Oeste Catarinense. É possível, a partir da observação das pesquisadoras,queaatualformadegestãomereçaincrementos,sobretudo na dinamização da estratégia de vendas, na motivação do quadro de associados, no desenvolvimento de produtos que, resguardando as dimensões da sustentabilidade, tenham também mercado acessível a um públicomaior. Sobre as potencialidades do Projeto Tranças da Terra em termos de geração e agregação de renda e como nova alternativa de atividade 208 econômica regional, é necessário uma reflexão e tomada de posição da diretoriadaAssociaçãoemconjuntocomoSebrae,entidadeparceira,sobre os rumos para o Projeto. Embora o Tranças da Terra tenha diversos componentesrelevantescomo:sustentabilidadesocialeambiental,elenão temhojesustentabilidadeeconômicaenãorepresentafontedegeraçãode rendasignificativaparaseusmembroseparaacomunidaderegional.Essaé, possivelmente,umagrandeoportunidadedeestudofuturaparaverificarem quemedidaoprojetoTrançasdaTerraeasuarespectivaassociaçãopodem serviabilizadosdopontodevistaeconômico.Acredita‐sequeoTrançasda Terra possa ser viabilizado e alcance novo patamar de sustentabilidade econômica. Contudo, é necessária uma ampla concentração de esforços de seus principais atores, especialmente dos artesãos e da diretoria da Associação,paradiscutirosrumosdoProjetoepermitirasuaemancipação econsolidação. REFERÊNCIAS ACAMPORA, T.; FONTE, M. Productos típicos, estrategias de desarrollo rural e conocimientolocal.Opera,n.7,p.191‐212,2008. ANJOS, F. S. Indicação Geográfica, Identidade e Desenvolvimento: um diálogo entre a realidade europeia e brasileira. In: FROEHLICH, J. M. (org.). Desenvolvimento Territorial:produção,IdentidadeeConsumo.Ijuí:EditoraUnijuí,p.53‐83,2012. ALBAGLI, S. Território e territorialidade. In: LAGES, V.; BRAGA, C.; MORELLI, G. Territórios em movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva.Brasília:SEBRAE,p.23‐69,2004. AMIN, A. Una perspectiva institucionalista sobre el desarrollo económico regional. In: FERNÁNDEZ,V.R.;AMIN,A.;VIGIL,J.I.(Comp).RepensandoelDesarrolloRegional– Contribuciones globales para una estrategia latinoamericana. Buenos Aires: EditorialMiñoyDávila,p.101‐120,2008. ANDRADE,M.C.AquestãodoterritórionoBrasil.SãoPaulo:Hucitec/Recife:IPESPE, 1995. BENKO,G.;PECQUEUR,B.Osrecursosdeterritórioseosterritóriosderecursos.Geosul, Florianópolis,v.11,n.32,p.31‐50,jul./dez.2001. BRANDÃO, C. A. Território e desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global.Campinas:EditoradaUnicamp,2007. BRANDÃO,C.A.Descentralizaçãoenquantomododeordenamentoespacialdopoderede reescalonamentoterritorialdoEstado:trajetóriaedesafiosparaoBrasil.In: DALLABRIDA, V. R. (Org.). Gestão Territorial e Desenvolvimento: Descentralização Político‐Administrativa, Estruturas Subnacionais de Gestão do Desenvolvimento e CapacidadesEstatais.RiodeJaneiro:EditoraGaramond,p.115‐135,2011. 209 CASSIOLATO,J.E.LASTRESH.M.M.Ofocoemarranjosprodutivoseinovativoslocaisde micro e pequenas empresas. In: CASSIOLATO, J.E; LASTRES, H.M.M & MACIEL, M. L. (Orgs.).Pequenaempresa–cooperaçãoedesenvolvimentolocal.RiodeJaneiro,RJ: RelumeDumará,2003. CASTRO, I. E. Solidariedade territorial e representação. Novas questões para o pacto federativonacional.RevistaTERRITÓRIO,1(2),p.33‐42,1997. CASTELLS, M. O poder da identidade. A era da informação: economia, sociedade e cultura.TraduçãoKlaussB.G.PrefáciodeRuthC.L.C.SãoPaulo:PazeTerra,v.2,1999. CORRÊA,R.L.Regiãoeorganizaçãoespacial.SãoPaulo:Ática,93páginas,1986. CORO,G.Distritosesistemasdepequenaempresanatransição.In:URANI,A;COCCO,G.; GALVÃO, A. P. (Org.). Empresários e empregos nos novos territórios produtivos: O caso daTerceira Itália.Tradução:Monié,F;AGUIAR,E;CAMPOS,S.M.RiodeJaneiro: DP&A,p.147‐198,1999. CORRÊA, R. L. Território e corporação: um exemplo. In: SANTOS, M; SOUZA, M. A. A.; SILVEIRA,M.L.Território,globalizaçãoefragmentação.SãoPaulo:Hucitec, p.251‐256,1994. DALLABRIDA, V. R. GOBERNANZA Y PLANIFICACIÓN TERRITORIAL: para la institucionalizacióndeunaprácticade“concertaciónpúblico‐privada”.In:Documentos y Aportes en Administración Pública y Gestión Estatal, Año 3, número 4, Santa Fe (AR),p.61‐94,2003. DALLABRIDA,V.R.DinâmicadoDesenvolvimentoTerritorial.In:SIEDENBERG(coord.). DicionárioDesenvolvimentoRegional.SantaCruzdoSul:EDUNISC,2006. DALLABRIDA, V. R. A gestão territorial através do diálogo e da participação.In: Scripta Nova.RevistaElectrónicadeGeografíayCienciasSociales.Barcelona:Universidadde Barcelona.Vol.XI,núm.245(20),2007. DALLABRIDA, V. R. Identidade territorial e Indicação Geográfica como fatores propulsores do desenvolvimento sustentável: o caso da erva‐mate no Planalto Norte Catarinense e Centro Sul do Paraná (Brasil). In: Anais do Seminario Internacional DesarrolloTerritorialyEmpleo.SantaCruzdelaSierra(BO),2010. DALLABRIDA, V. R. Governança Territorial e Desenvolvimento: as experiências de descentralizaçãopolítico‐administrativanoBrasilcomoexemplosdeinstitucionalização denovasescalasterritoriaisdegovernança.Brasília:IPEA,2011. DALLABRIDA,V.R.Davantagemcomparativaàvantagemdiferenciadora:estratégiasde especificação de ativos territoriais como alternativa de desenvolvimento. DesenvolvimentoRegionalemdebate,Ano2,n.1,p.104‐136,2012. DALLABRIDA, V. R.; FERNÁNDEZ, V. R. Desenvolvimento Territorial: possibilidades e desafios,considerandoarealidadedeâmbitosespaciaisperiféricos.PassoFundo:Editora UPF/Ijuí:EditoraUNIJUI,2008. FARINÓS DASÍ, J. Gobernanza territorial para el desarrollo sostenible: estado de la cuestiónyagenda.BoletíndelaA.G.E.,n.46,p.11‐32,2008. 210 FERNÁNDEZ, V. R.; DALLABRIDA, V. R. Nuevo Regionalismo y desarrollo territorial en ámbitos periféricos. Aportes y redefiniciones en la perspectiva latinoamericana. In: FERNÁNDEZ,V.R.;AMIN,A.;VIGIL,J.I.(Comps.).RepensandoelDesarrolloRegional– Contribuciones globales para una estrategia latinoamericana. Buenos Aires: Editorial MiñoyDávila,p.481‐519,2008. FERREIRA, A. M; FERENANDES, L. R. R. M. V; REGALADO, P. Indicação Geográfica no Brasil:aspectoslegais.In:DALLABRIDA,V.R.(ORG.).Território,identidadeterritorial e desenvolvimento regional: Reflexões sobre indicação geográfica e novas possibilidades de desenvolvimento com base cem ativos com especificidade territorial. SãoPaulo,SP:LiberArs,p.127‐134,2013. FERRÃO, J. Governança e Ordenamento do Território. Reflexões para uma governança territorial eficiente, justa e democrática. Prospectiva e Planeamento, Vol. 17, p. 129‐ 139,2010. FISCHER,T.MaestriaemArteseOfíciosPopulares:mapeamentodosmestres‐artesãos eseussaberespopularesnoterritóriodosisal/BA.Salvador:FAPESB,2007. FRIEDMANN,J.Empowerment.Cambridge:Blackwell,1992. GODOY, A. S. Pesquisa Qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração de Empresas.SãoPaulo,v.35,nº3.p.20‐29:maio/junho1995. GOMES,P.C.daC.Oconceitoderegiãoesuadiscussão.In:CASTRO,InáE;CORRÊA,R.L.; GOMES, Paulo César da C. (Orgs.). Geografia, conceitos e temas. Rio de Janeiro: BertrandBrasil,p.49‐74,1995. GURGEL, V. Aspectos jurídicos da indicação geográfica. In: LAGARES, L.; LAGES, V.; BRAGA, C. (Orgs). Valorização de produtos com diferencial de qualidade e identidade: Indicações Geográficas e certificações para competitividade nos negócios. Brasília:SEBRAE,2006. HAESBARTH, R. O mito da desterritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade.3.Ed.RiodeJaneiro:BertrandBrasil,1997. LEADER. A competitividade dos territórios rurais à escala global: conceber uma estratégia de desenvolvimento territorial à luz da experiência LEADER. v. 5. Bruxelas: ObservatórioRural/LEADER/AEIDL,2009. LEITE, M. A. Destruição ou desconstrução? Questões da paisagem e tendências de regionalização.SãoPaulo:HUCITEC/FAPESP,p.7‐52,1994. MARCON, M. T. de R. A ressignação do conceito região. Revista Discente Expressões Geográficas, nº 08, ano VIII,p. 29 ‐51. Florianópolis, agosto de 2012. Disponível em: < http://www.geograficas.cfh.ufsc.br/arquivo/ed08/Artigo_1_08ed.pdf>. Acesso em 30 abr.2014. MONTIBELLER‐FILHO, G. O mito do desenvolvimento sustentável. Florianópolis: Ed. UFSC,2002. PEREIRA,C.J.C.Artesanato–DefiniçõeseEvolução.AçãodoMTb–PNDA.ColeçãoXI PlanejamentoeAssuntosGerais.Brasília,1979. 211 PECQUEUR,B.Aguinadaterritorialdaeconomiaglobal.Política&Sociedade,n.14,p. 79‐105,abril/2009. PECQUEUR, B. O desenvolvimento territorial: uma nova abordagem dos processos de desenvolvimentoparaaseconomiasdosul.Raízes,Florianópolis,v.24,n.1‐2,p.10‐22, 2005. PECQUEUR,B.Qualidadeedesenvolvimentoterritorial:ahipótesedacestadebensede serviços territorializados. Eisforia, Florianópolis: UFSC, v.4, Janeiro‐Dezembro, p. 135‐ 154,2006. RAFFESTIN,C.PorumaGeografiadoPoder.SãoPaulo:Ática,1993. SACHS, I. Em busca de novas estratégias de desenvolvimento. Estudos Avançados, 9 (25),p.29‐63,1994. SANTOS,M;SILVEIRA,M.L.OBrasil:territórioesociedadenoiníciodoséculoXXI. SãoPaulo:Record,2001. SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 2. ed. São Paulo:Hucitec,p.55‐88,1997. SAQUET, M. A. Abordagens e concepções sobre território. São Paulo: Expressão Popular,2007. SAQUET,M.A.Ostemposeosterritóriosdacolonizaçãoitaliana.Odesenvolvimento dacolôniaSilveiraMartins.PortoAlegre:ESTEdições,2003. SEBRAE–SERVIÇODEAPOIOÀSMICROEPEQUENASEMPRESAS.Termodereferência paraoartesanato.EdiçãoSEBRAE,2003. SEBRAE – SERVIÇO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS. Diagnóstico Macrorregião Meio Oeste Catarinense. Disponível em:< http://www.sebrae.com.br/ Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/macro_meio_oeste.pdf.Acessoem:19maio2014. SOUZA, M. J. O Território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: CASTRO,I.;GOMES,P.C.C.;CORRÊA,R.L.(Orgs).Geografia:ConceitoseTemas.Riode Janeiro:BertrandBrasil,p.77‐116,1995. TrançasdaTerra.Disponívelem:<http://www.trancasdaterra.com.br/>.Acessoem:28 abr.2014. YIN,R.K.EstudodeCaso:PlanejamentoeMétodos.PortoAlegre:Bookmann,2001. 212 CAPÍTULO11 FORMAÇÃOHISTÓRICA,TERRITORIALE ECONÔMICADAMESORREGIÃOOESTE CATARINENSE:LIMITESEPOSSIBILIDADESDE CONSTITUIÇÃODEINDICAÇÕESGEOGRÁFICAS1 JairoMarchesan‐UnC RosanaMariaBadalotti‐UNOCHAPECÓ INTRODUÇÃO Estetexto,primeiramente,sepropõeadescreveraformaçãohistórica, territorialeeconômicadaMesorregiãodoOesteCatarinense,perpassandoa constituição dos ciclos econômicos regionais até a situação atual. Posteriormente,analisaoslimitesepossibilidadesdatrajetóriahistóricade constituição de Indicações Geográficas nesse território, tendo como foco estratégias de organização da Indicação Geográfica da carne suína e seus derivadosnorecorteterritorialdoMeioOesteCatarinense.Nesseterritório, há aproximadamente seis milhões de suínos, sendo identificado nacionalmente pelo profundo vínculo com tal produção e pela atuação de pequenas,médiasegrandesagroindústrias. Por fim, propõe recuperar, também, o histórico e formação da Associação dos Produtores de Carne e Derivados de Suínos do Meio Oeste Catarinense (APROSUI), analisando os limites e possibilidades de reconhecimento de instituição da Indicação Geográfica no referido território. Além disso, propõe o debate com a sociedade na perspectiva de divulgarepermitiroempoderamentodessaferramentacomopossibilidade deagregarrenda,valorizaçãocultural,econômicaepreservaçãoambiental. Metodologicamente,secaracterizaporumarevisãodeliteraturasobre o processo de formação histórica, territorial e econômica do Oeste Catarinense, analisandoarelaçãodasociedadehumanacoma natureza, o processodeocupaçãoetransformaçãoterritorialregionalemsuainterface comoscicloseconômicosregionaise,ainda,osnovoscenárioseconômicos regionais, entre eles as barragens (produção de energia, instalação de tanques‐rede) e os crescentes reflorestamentos com espécies vegetais exóticas. Por fim, analisa os novos cenários que emergem na economia 1 O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública N.04/2012/Universal. 213 regional, com destaque às possibilidades e limites das Indicações Geográficasnoreferidoterritório. 1.AFORMAÇÃOHISTÓRICA,TERRITORIALEECONÔMICADOOESTE CATARINENSE Nestaseção,buscamosdescrevereentenderaformaçãodaMesorregião Oeste Catarinense (Figura 1) sob os aspectos históricos, políticos e econômicos. Para tanto, é interessante pedagogicamente antecipar a apresentação geográfica do Oeste Catarinense. Portanto, geograficamente, denomina‐se de Mesorregião Oeste Catarinense o território que se localiza noOestedoEstadodeSantaCatarinaequeselimita:aoSul,comoEstadodo Rio Grande do Sul; ao Norte, com o Estado do Paraná; a Oeste, com a República Argentina e, ao Leste, com o Planalto Catarinense. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) denomina essa região de Mesorregião Oeste Catarinense, que é composta pelas microrregiões 2 Colonial e Oeste Catarinense. Essa Mesorregião possui uma dimensão de 27.365 km² (Figura 1) e conta com aproximadamente 1 milhão e 200 mil habitantes. As terras do Estado de Santa Catarina e, mais especificamente, do Planalto Catarinense começaram a ser visitadas, a partir do ano de 1600, quando os bandeirantes fizeram suas primeiras incursões pela região. DevidoaoTratadodeTordesilhas,essasterraspertenciamàEspanha.Pelos Tratadosde Madri(1750)edeSanto Ildefonso(1777),asterraspassaram para a Coroa Portuguesa que, após a independência do Brasil, iniciou um programa para a colonização do interior, através de incentivo à imigração. Dessa forma, as províncias sulinas, apoiadas pelo Governo Imperial, passaramafazerconcessõesdeterrasàscompanhiasestrangeiras(JORNAL ABERTURA,1984,p.10). NahistóriadoOesteCatarinense,opovoamentoaconteceumuitoantes doprocessodecolonização,poishistoriadoresepesquisadoresconfirmama presençadegruposhumanosnômades(índiosecaboclos)que,emtempos remotos,habitavamesseterritório. Quanto à população indígena, estudos apontam a dificuldade em determinar a quantidade de índios que habitavam a região Oeste de Santa Catarina. Segundo Ferreira (1992, p. 24), “ [...] a região do Alto Uruguai Catarinensefoi,pormuitotempo,dominadaporíndiostupis‐guaranisque,a partir do século XVIII, foram desaparecendo da região”. Ainda, para o mesmoautor,(1992,p.26),“[...]odesenvolvimentodacolonizaçãolevou‐os aretirarem‐sedaregião,buscandozonasnãocolonizadas”. 2 A Mesorregião Oeste Catarinense baseia-se nas delimitações político-administrativas estabelecidas pelo IBGE e, também, pela sua formação e identificação histórico-cultural e socioeconômica. 214 Figura1:MapadeLocalizaçãodaMesorregiãodoOesteCatarinense. Fonte:Marchesan,2007. Sobre a população cabocla da região, conforme Poli (1995, p. 75), quando se pesquisa a origem e formação do contingente populacional do Oeste Catarinense, percebe‐se a predominância marcante dos luso‐ brasileiros,maisconhecidosporcaboclos.Paraoautor,oscaboclosforamos verdadeirospioneirosnapenetraçãoenodesbravamentodaregião. 215 Para Poli (1995, p.99), “ [...] o caboclo do Oeste não é simplesmente originário de cruzamento racial puro, mas do cruzamento de indivíduos já miscigenados[...]Aconceituaçãodecabocloémuitomaissocialeeconômica doqueracial”.Paraoautor,suasorigenssãoaindabastanteconfusas,mas aspesquisasapontamqueessapopulaçãofoiseformando,principalmente,a partirdospousosdotropeirismo(caminhodastropasdoRioGrandedoSul a São Paulo), dos que se deixavam perder pelo caminho ou dos que buscavam a sobrevivência através da extração e exploração da erva‐mate pelo interior. Vale observar que os caboclos, de maneira geral, tinham a possedaterra,masnãoapropriedadedela. As populações caboclas sucederam às indígenas e precederam os colonizadoresimigrantes,sendoqueoscaboclosviviam,principalmente,da agricultura de subsistência e da extração da erva‐mate. Por possuir características de vida e hábitos bastante diferentes dos colonizadores imigrantes, que chegaram à região objetivando implantar novas relações econômicas e outros padrões culturais, essa população não se coadunava com os interesses capitalistas em curso. Por essa razão, os caboclos foram sendo gradativamente espoliados, marginalizados, expropriados e exploradospeloprocessocapitalista. [...] Esses, desprotegidos, ficaram sujeitos aos novos métodos adotados, restando duas opções: deixar suas posses ou tornarem‐se empregados dos imigrantes que começavam a chegar. Era a cobiça e a espoliação que vinham juntocomoprogresso.Pelaaçãodacompanhiacolonizadora,atravésdeseus encarregadospelasegurança,ocaboclofoidespejadodeseusredutosedesuas posses,atravésdemétodosgeralmenteviolentos,vendo‐seobrigadoaretirar‐ separaosconfinsdasmatas.Aferroefogo,oAltoUruguaiCatarinenseficou “limpo”paraosimigrantes(FERREIRA,1992,p.79‐80). Nesse processo de povoamento e colonização, evidencia‐se o embate entre forças humanas objetivando a conquista do espaço, que culminouna inclusão dos imigrantes e na exclusão dos indígenas e caboclos. Concomitantemente, excluíram‐se e/ou marginalizaram‐se suas culturas, métodosdeproduçãoeformasorganizativas. Oscaboclosforamsubstituídosporcolonosgaúchosdescendentesdeitalianos e alemães. Estes, atraídos pela propaganda de Companhias Colonizadoras, transpuseramoRioUruguai,superando,dessaforma,afronteiradaexpansão agrícoladeseuestadodeorigemeiniciandoaocupaçãodefinitivadosolodo Oeste de Santa Catarina e do Sudoeste do Paraná. Era o ‘pioneirismo’ da economia de mercado, iniciada com a extração da madeira, cujo transporte pelo Rio Uruguai e cuja comercialização na Argentina estabeleceram a base econômica do atual processo de agro‐industrialização que se alicerça na suinoculturaenaavicultura,outralinhadefronteiraentreomercadonacional eomercadointernacional(ROSSETTO,1989,p.18). 216 Percebe‐se, também, que, desde o início do processo de 3 desbravamento, é forte o interesse de progresso a qualquer custo, sem levar em consideração os limites dos recursos naturais e o respeito aos primeiroshabitantesdaregião,osindígenasecaboclos.D’Angelis(1992),na conclusão do artigo “Para uma história dos índios do Oeste Catarinense”, analisa o modelo colonizador agrícola na conjuntura do processo de ocupaçãoecolonizaçãodaregiãonaquelaépoca,afirmandoque: Diante dos interesses econômicos não havia perspectiva ecológica, nem direitoshistóricos,nemrespeitohumanoquevalesseapenaserconsiderado: o Oeste Catarinense foi devastado, tanto física como culturalmente (1992, p. 210). 4 Dessa forma, em tal espaço geográfico considerado devoluto, “vazio demograficamente”eabundanteemrecursosnaturais‐terrasférteis,águas ematas‐,acolonizaçãofoiseconsolidandoemritmoaceleradocomoforma de ocupação das terras. Consequentemente, iniciou‐se a formação de núcleos de povoamento, determinando‐se, gradativamente, o afastamento dosíndiosecaboclos(mestiços)paraoutrasáreasnãocolonizadas. Sobre a importância dos recursos naturais para o desenvolvimento socioeconômico,Testaeoutrosassimsemanifestam: Osrecursosnaturaisdaregiãoconstituíram‐senumdospilaresdoprocessode colonizaçãoempequenaspropriedadesecomproduçãofamiliardeexcedentes agrícolas.Aexistênciadematanativaexuberanteeaboafertilidadenaturaldo solo propiciaram aos imigrantes uma forte base de produção de meios para viabilizaçãodomodelo(TESTAetal.,1996,p.44). Incentivados pela política do Governo Imperial, as Províncias Sulinas passaram a fazer concessões de terras às companhias estrangeiras. Em 1906, a ferrovia São Paulo–Rio Grande começou a ser construída. Essa ferrovia atravessava o Estado de Santa Catarina, no sentido Norte‐Sul e, consequentemente, acabou promovendo o povoamento da região, principalmente do Oeste. Os pioneiros dessa região ‐ construtores da ferrovia e caboclos extratores de erva‐mate, ainda do período dos 5 bandeirantes ‐ foram, por ocasião da Guerra do Contestado (1912‐1916), 3 Desbravamento - Des + bravo + mento: explorar (terras desconhecidas), limpar, acabar com o “bravo”: matas, índios, caboclos, etc (FERREIRA, 1998, p. 548). A fim de compreender o significado desse processo, vale comparar os padrões histórico-culturais dos índios e caboclos com os dos colonizadores, por exemplo, no que se refere ao uso dos recursos naturais. Na verdade, os que já habitavam a região (índios e caboclos) eram menos “bravos” e agressivos com os recursos naturais do que aqueles que vieram “colonizar” (colonizadores). 4 Devoluto – espaço desocupado, desabitado, terras que pertenciam ao Estado/União. 5 Guerra do Contestado – Disputa entre os Estados do Paraná e Santa Catarina por uma área de terras de aproximadamente 48.000 km². Paralelamente ao conflito local, intensificaram-se as 217 denominadosdejagunços. O conflito do Contestado, ou Guerra do Contestado, como é conhecida, estávinculadoàdisputaedivergênciasdelimitesterritoriaisentreoBrasile a Argentina, por uma área de terras de aproximadamente 48.000 km² dos EstadosdoParanáeSantaCatarina,conhecidotambémcomoa“Questãode Palmas”.Mocelin(1990,p.56)defineoconflitoafirmandoque“[...]aGuerra do Contestado foi uma insurreição camponesa, gerada pelas injustiças sociais reinantes na época”, sendo que os sertanejos, [...] explorados pelos estrangeiros, esquecidos pelas autoridades [...], ao seu modo, rebelaram‐se contra essa ordem econômica, social e política que os sufocava”. Com a ferrovia feita por uma empresa norte‐americana, veio a guerra pelo território,pelasriquezas:amadeiraeoservais.Eraocomeçodoséculoeos combatesenvolviamprincipalmenteoscaboclosqueviviamalieogoverno comsuasideiasdeocupação(FAGANELLO,1997). A construção da ferrovia contribuiu para o impulso da colonização, atraindo colonos, comerciantes, madeireiros e outros, provenientes do Rio Grande do Sul, e, consequentemente, a plena incorporação da região ao mercadobrasileiro. As terras férteis, “livres” de índios e caboclos posseiros, a construção da ferrovia, a ação das companhias colonizadoras, o aumento da população e a saturação das colônias em partes do território gaúcho, a facilidade para a aquisição de lotes rurais na região, foram algumas das principais causas motivadorasdacolonizaçãodoMeioOesteCatarinense,queviriaasedestacar, desde seu início, como região potencialmente fornecedora de alimentos (FERREIRA,1992,p.42). Portanto,esseprocessode“nomadismo”nãosedavaespontaneamente, mas por uma necessidade econômica de sobrevivência e por interferência das companhias colonizadoras, que tinham interesses comerciais, justificando,assim,aexploraçãoeconômicasobalógicacapitalista. DeacordocomCampos, divergências entre o Brasil e a Argentina, disputando o território contestado. Associada às disputas pelas terras, ocorria a construção da Ferrovia São Paulo–Rio Grande, que traz para a região a modernização e, concomitantemente, a exploração e a exclusão social em função da expulsão dos posseiros das terras, que vinham sendo ocupadas pelas empresas construtoras da ferrovia. Somados a esses fatores políticos, sociais e econômicos, um novo fator entra em cena: o religioso. Os excluídos do conjunto desse processo, como sertanejos, posseiros, construtores da ferrovia, (...) agrupam-se em torno de alguns líderes e fanáticos religiosos, únicos a se interessarem pelo povo espoliado e abandonado. O Brasil defendia que a divisa seriam os rios Santo Antônio e Peperi-Guaçu. Essa questão foi solucionada em 1895, quando o presidente norte-americano Grover Cleveland arbitrou favorável ao Brasil. Paralelamente a isso, os Estados de Santa Catarina e Paraná passaram a disputar entre si esse território e/ou região. A Guerra do Contestado, como ficou conhecido esse episódio, provocou um genocídio de aproximadamente vinte mil pessoas. Sobre o Contestado, ver as obras de Monteiro (1974), Thomé (1992) e Auras (1995). 218 (...)comagestaçãodeumafortedemandaporterrasporpartedospequenos produtores do RS, logo surgiram empresas que viram na colonização uma lucrativaatividade.Poroutrolado,haviaporpartedogovernodoEstadodeSC interesse na consolidação de sua soberania sobre os Campos de Palmas. A ocupação daquele enorme vazio selaria por fim quaisquer divergências e proporcionariaaoestadonovasfontesderecursos(...).Destaformativemosa conjugação de dois processos históricos ‐ o primeiro relacionado com a evoluçãoeconômicadascolôniasrio‐grandenseseosegundoligadoàquestão do Contestado ‐ com os interesses da acumulação de capitais. Reuniram‐se numagrandeempreitadaogovernoestadual,ograndecapitalmultinacionale ocapitalnacional(1987,p.98‐99). Emsíntese,paraPoli(1991,p.48),aocupaçãodoOesteCatarinensese deu em três fases diferenciadas, cada uma com atividades econômicas específicas: a fase da ocupação indígena, a fase cabocla e a fase da colonização,comavindademigrantesdoRioGrandedoSul. A fase de colonização nesse território ocorreu a partir do início do século XIX por descendentes de imigrantes alemães e italianos, principalmente, provenientes do Estado do Rio Grande do Sul, que tinham comobasedesuareproduçãosocialasatividadesdepoliculturaassociadas ao trabalho familiar (BELATO, 1985; 1999; CALLAI, 1983; CAMPOS, 1987; MARCHESAN,2003;ROCHE,1969;ROSSETTO,1989;1995). Para Rossetto (1995, p. 11), “[...] a fase de colonização, propriamente dita, ocorre somente após o término da Guerra do Contestado, em 1916”. Conforme o autor, esse episódio se constituiu num marco histórico de extrema importância dentro do contexto do processo de colonização e transformação da estrutura socioeconômica de toda essa imensa região, a qual descreveremos na sequência, considerando os diferentes ciclos econômicos constituídos e que representam as diversas facetas e particularidadesdaMesorregião. NodecorrerdoséculoXXepeloprocessodedesenvolvimentomovido pela vinda dos “gaúchos”, provocou‐se a extinção, quase que total, dos indígenas e a expulsão dos caboclos de suas terras e de seus processos produtivos rurais, promovendo uma profunda transformação na estrutura socioeconômicadaregião. DesdeomomentoemquesesolucionouaquestãodoContestado,asgrandese promissoras potencialidades de colonização do Oeste Catarinense proporcionaramaalgunsempresáriosaobtençãodoGovernoCatarinensede enormes concessões de terras, para promover este processo de colonização (...). Os sertanejos que, através de um processo de intrusamento, precederam os colonizadores imigrantes, também desapareceram destruídos, diluídos ou absorvidos pelo novo sistema que se instalava, caracterizado em pioneirismo colonizador, de imigrantes gaúchos que levavam para o Oeste o processo da competiçãopelaânsiadolucro.Apreocupaçãopassouaseraexploraçãodos 219 recursos florestais e o cultivo do solo, agressivamente (ROSSETTO, 1995, p. 12). A mola mestre, portanto, da conquista e povoamento do Oeste não foi jamais a curiosidade, o desejo de aventura, o pioneirismo e o espírito desbravador.Amolapropulsorasãoosinteresseseconômicosmaisamplos, quenemsãomuitasvezesosdopróprioposseirooudocolonopioneiro.Nos dois últimos séculos, a economia capitalista internacional dirigiu essa ocupação de forma distante, às vezes, anárquica, apenas pela dinâmica própria de relações econômicas baseadas na exploração da mão‐de‐obra e na economia de mercado, com sua necessidade de permanente expansão (D’ANGELIS,1995). As características básicas, fundantes da estrutura socioeconômica da regiãoOestedeSantaCatarina,historicamente,estãopautadasnoprocesso de colonização, que se estabeleceu a partir do regime da pequena propriedadeagrícolafamiliar,voltadaparaapráticadapolicultura. No Oeste Catarinense, os colonos não produziam apenas para a subsistência, mas, principalmente, para o mercado. Esse diferencial está intimamenteassociadoàscaracterísticasétnicas,econômicaseculturaisda origem desses colonos: honra aos compromissos assumidos; atividade econômica definitivamente vinculada ao mercado (agricultura e suinocultura); necessidade de aquisição de bens e utensílios fundamentais para o desenvolvimento da propriedade e do bem‐estar; valorização da concepçãodaideologiaéticadotrabalho,incorporadapeloscolonos;issoé, mediante o trabalho seria possível conseguir uma vida de fartura, abundânciaeprogressoeconômico. Ao referir‐se ao processo de colonização e integração da produção regionalaomercadonacional,viaredeferroviária,Waibelassimanalisa‐o: AexpansãodopovoamentoparaoNorte,atravésdoRioUruguaiedafronteira do Estado do Rio Grande do Sul, penetrando no Estado de Santa Catarina, começouem1915,quandoaestradadeferro,vindadoParanáedeSãoPaulo, alcançou o Vale do Rio do Peixe, afluente do Rio Uruguai. O novo meio de transporte possibilitou a exportação de porcos vivos e outros produtos comerciais (alfafa) para a cidade de São Paulo e, assim, o hinterland [interiorização] de Santa Catarina foi drenado comercialmente para o Norte, para São Paulo, por gente que veio do Sul. A nova zona pioneira se expandiu parajusante,comoavançodaestradadeferro(1979,p.238). Sobreomesmoassunto,maisadiante,Waibelsemanifesta: (...) A estrada de ferro atraiu magneticamente grande número de colonos descendentes de alemães e italianos do Estado do Rio Grande do Sul, facultando‐lhes ainda a possibilidade de exportar seus produtos, principalmente, porcos e alfafa, para São Paulo, que ficava 1000 km de distância. Este é um caso raro de uma “captura econômica” numa zona 220 pioneira: o Oeste remoto de Santa Catarina não foi desbravado a partir do litoral, mas por povoadores que vieram do Sul e que exportam os seus produtosparaummercadolocalizadoagrandedistância,maisaoNorte(1979, p.295). A colonização do Oeste Catarinense pode ser interpretada pelos interessesdoEstadoeasprópriasnecessidadesdoscamponesespelabusca de terras. Porém, há que se destacar a interferência das Companhias Colonizadoras,constituindo‐senaexpansãocapitalista,possuindoobjetivos políticos, econômicos e até estratégicos, em buscar a valorização dessas terras por elas adquiridas e que estavam “desocupadas” e, portanto, passíveisdeseremcolonizadas.Issopodetambémserexplicadopelalógica corrente:“colonizarparaconquistar,explorarevalorizar”. Osempreendimentoscolonizadoresforamplanejadosnosentidodedar ênfase às pequenas propriedades, não porque estavam preocupados em "facilitar a vida dos agricultores", que possuíam escassos recursos para adquirir as terras, mas porque correspondia à política de colonização do país que, a partir da Lei de Terras, viu na pequena propriedade fonte de sucessoeprogresso(RENK,1997). Segundo Renk (2006, p. 61), nas décadas de 40 a 60 o movimento colonizador cresceu significativamente. O Oeste Catarinense era apontado comoo“CeleirodoBrasil”.Antesdacolonização,eraumtempoemque“[...] aleieraotrabuco”e,depois,emqueeraa“[...]civilizaçãoeoprogresso,alei eajustiça”.A"[...]civilizaçãoeoprogresso,aleieajustiça"estãoassociadas aumarepresentaçãopolíticaoficialelegal. Dessa forma, foi‐se consolidando o regime de trabalho familiar da pequenapropriedaderural,assentadanapolicultura. Nessas pequenas propriedades predominava a policultura e uma pequena criação de animais que, em geral, abrangia aves, porcos, alguns bovinos e cavalos para puxar arado e carroça. Tudo girava em torno da ideia de que o colonodeviaserautossuficiente,vendendoosexcedenteseproduzindoalguns gêneros em quantidade maior a fim de destiná‐los ao mercado interno (PETRONE,1982,p.60‐61). Conforme destacado anteriormente na descrição histórica sobre a colonização e os aspectos que caracterizam a formação e constituição socioeconômica da Mesorregião Oeste Catarinense, as atividades agrícolas de subsistência através da policultura constituíram a base econômica e social da agricultura familiar, que possibilitaram a expansão da economia industrial e da instalação de uma lógica assentada na produção para o mercadonacionalemundial. É preciso entender também como é que os sujeitos sociais (colonos) foram inseridos nesses espaços, construíram a capacidade de enfrentar 221 desafiosfísicos,sociaisouculturais,dominaramevenceramtopografiasde formaainserirem‐senomercadonummundoglobalizado. Monopolista sobre o espaço geográfico, o capital controla os homens e a natureza,paraostornarhomensenaturezaparaocapital.Mediandoarelação homem‐meio e crescendo sobre ela, o capital tece a “geografia dos homens concretos”. E esta geografia da alienação degrada o homem e a natureza (...). Fomentaaescassezparaforjarnecessidadesnovaserenovarasnecessidades velhas,subordinandoaexistênciadoshomenseosmovimentosdanaturezaao circuitodasmercadorias(MOREIRA,1985,p.106). Como consequência, mais tarde, pela ação dos conglomerados agroindustriais, o capital, zeloso, estratégico, meticulosamente articulado e organizado,encontraestratégiasparainvestiremumaregiãorelativamente afastadadoscentrosnacionaisdemaiorpoderdeabastecimento,produção e consumo e tirar daí integrações que produzam suínos, aves e, mais recentemente,leiteefumo,entreoutrosprodutos,paracompetirnãosóno mercadonacional,mastambémmundial.Nessesentido,Belato(1999,p.43) assinala que “o eixo sobre o qual gira a sociedade rural criada pelos imigrantesnãoémaisomesmo.Eleseengatanasengrenagensdocapitale domercadomundial”. Entretanto,omesmocapitalpercebeereconhece,nosimigranteseseus descendentes, forte potencial para o trabalho agrícola e, posteriormente, para a indústria, uma vez que os mesmos estavam imbuídos de audacioso espírito empreendedor, além de perseverante e arraigado senso de poupança. Com certeza, essas características foram observadas e apropriadaspelosinvestidorescapazesdecriarpossibilidadesegarantira implantaçãoeareproduçãodavisãocapitalistanomeiorural. A partir dessa lógica, para reproduzir e agregar valor, o capital necessitava de grupos sociais que possuíssem conhecimento construído e acumulado historicamente expresso em atitudes, habilidades, experiências herdadasepraticadasemseuuniversocultural,concretizadasnacriaçãode animais ou cultivo de vegetais, o que é muito bem expresso em estudo de Testa e outros (1996, p. 77): “O patrimônio cultural construído e transmitidodegeraçãoemgeraçãoconstituium‘capitalsocial’,queestána basedodesenvolvimentoalcançadopelaregião”. No decorrer do desenvolvimento capitalista em curso, a agricultura passou a sofrer rápidas transformações políticas e econômicas que resultaram na sua modernização. Esse processo foi capaz de reverter uma tradição histórica de produção, que dá lugar a uma nova lógica: a produtividade. Esse novo imperativo da forma de produzir só pode ser viabilizadosustentando‐senotripérecursosnaturaisdisponíveis,trabalhoe tecnologia. O capital e suas novas relações com os setores agrícolas utilizaram‐se dos recursos naturais existentes e da moral do trabalho 222 incorporadaàéticadoscolonos,que,associadosàtecnologia,resultaramna altaprodutividade,tãonecessáriaàlógicacapitalista. Se a colonização priorizou e facilitou a entrada dos migrantes descendentes de europeus, cuja racionalidade permite toda forma de intervençãosobreosespaços"vazios"danatureza,bemcomoosvaloresde usoqueprimavamporinteressesmercantissobreomeioambiente,issonão quer dizer que os agricultores não possuíam também estratégias de preservaçãodanatureza.SegundoSilvestro, Antesdeseefetuarodesmatamentooucorteparaaslavouras,osimigrantes estudavamcomatençãoaáreadeumapropriedade.Erapreciso,emumaárea pequena,prestaratençãoenãofazerumdesmatamentoarbitrário,poishavia necessidade de conservar parte da floresta, para lenha e madeira para a construção e posterior manutenção das benfeitorias. As encostas expostas ao nascente geralmente eram derrubadas para as lavouras enquanto que as de exposição para o poente ficavam como reserva. As primeiras, dizem eles, se prestavammaisparaocultivodetodasasculturas.Comafaltadeadubo,oude recursos para a sua aquisição, e a consequente impossibilidade de adubar, restava ao imigrante a prática de deixar áreas em pousio e a cada quatro ou cincoanosfazerocortedacapoeiraparaoplantiodalavoura(1995,p.72‐73). Portanto,odesmatamento,nesseprimeiromomento,deacordocomo autor,foidecorrênciadanecessidadedeplantarecultivarparasobreviver. Mesmonessecontextoexistiuapreocupaçãodepreservaralgumasespécies, aschamadasmadeirasdelei,porsuautilidadeouatémesmoporsuabeleza (idem,p.73). DeacordocomPoli(1991,p.68),atransformaçãodaterraembemde produção acarretou a institucionalização da propriedade privada, em detrimento da simples ocupação ou posse. A partir da exploração da erva‐ mateedoiníciodociclodamadeira,aterrapassouasercobiçadaetomada ou ganha pelas companhias colonizadoras, que, quase sempre, foram as mesmasqueexploraramamadeira.Aretiradadariquezanaturalpermitiaa penetraçãodoagricultor,oriundodoRioGrandedoSul,peloscaminhosda extraçãodamadeira. A compra de terras pelos imigrantes no Oeste Catarinense obedecia, principalmente, à observação de um critério fundamental: a cobertura vegetal. Osimigrantesencontraram,portanto,profusaofertaderecursosarbóreosque lhesasseguraramfacilidadesdeprocessamentoeopçõesdeuso.Encontraram espécies adequadas para combustão, outras adequadas para a rotina das operações agrícolas, para a construção de cercas, paióis, depósitos, currais, habitações(LAGO,1988,p.113). Cabe destacar que a região disponibilizava, na visão do imigrante, de forma abundante, a nobre espécie vegetal aciculifoliada ‐ araucária 223 augustifolia‐,opinheiro,comoéconhecido,quemuitoinfluenciounovalor das terras oestinas, bem como contribuiu fortemente para a opção da colonização da região. O pinheiro não apenas servia para o uso das construçõesnapropriedadedoscolonizadores,masagregavatambémvalor econômicoàsterrasquandovendidas. PelaabundânciademadeiranaregiãodoAltoUruguainesseterritórioe em virtude da necessidade que os colonos tinham de estabelecer um comércio como forma de angariar recursos econômicos, se estabeleceu comércio com os mercados platinos, conforme expresso por Poli (1995, p. 97):“Aindústriamadeireiradesenvolveu‐semuitoàmedidaqueoscolonos foramseinstalando,poisasterraseramdesbravadaseamadeiravendida.O baixopreçoeracompensadopelaabundânciadoprodutocomercializado”. O deslocamento da madeira, na forma de toras ou beneficiada, ocorria 6 viabalsas duranteosperíodosdecheiasdoRioUruguai.Apesardapouca ouinexistentepossibilidadedenavegabilidade,nessetrecho,oRioUruguai proporcionouaoscolonizadoresdoOesteCatarinense,atéadécadade1960, umaimportanteatividadeeconômica:serviudecaminhoparaoescoamento da madeira para a Argentina e Uruguai. Esse comércio da madeira para os países platinos proporcionou aos colonos, por muitas décadas, uma possibilidade de angariar recursos econômicos, provenientes desse mercantilismofluvial. DeacordocomRossetto(1995,p.13),esseprocessoerao“resultadode um desbravamento, ao mesmo tempo intensivo e extensivo, de toda a região”. O comércio da madeira, por vezes clandestino, com os mercados argentinos contava com a omissão de fiscalização do governo central, que silenciosamentepermitiaessaprática(FAGANELLO,1997). Afartaexistênciadematanativaeraumbemnaturalimprescindívele propiciavaaoscolonosumarelativaautossuficiênciaeconômica.Dasmatas de suas propriedades, eram extraídas as madeiras que por eles eram serradase,comelas,edificadassuasconstruções(casas,pocilgas,estábulos, paióis,cercados,pontes,móveis,etc.).Alémdisso,tambémconfeccionavam recipientes para o armazenamento de bebidas, grãos e alimentos, equipamentos,ferramentasdetrabalhoeoutrosutensílios. Os colonizadores se valeram também de uma economia florestal, calcadanaexploraçãodomatoequeresultavaemmaisumrecurso:alenha. Esta era utilizada não somente no fogão para cocção dos alimentos, mas como combustível, para uma série de outras atividades, cotidianamente necessáriasnapropriedadeequeenvolvesseofogo. 6 Balsas: aglomerado de troncos, toras ou tábuas de madeira, reunidos à feição de jangada, que desce o rio e, chegado ao destino, é desmanchado, sendo a madeira vendida (FERREIRA, 1998, p. 225). 224 A concepção que os colonizadores tinham, no início do século, em relação à extração e à exploração das florestas no Oeste Catarinense, mais precisamente da floresta de araucária, é assim expressa pelo historiador NilsonThomé: A extração predatória de árvores nas florestas para a obtenção de madeira ‐ diga‐sedepassagem‐nãofoiatividadeexclusivadohomemdoContestadodo século XX. Em relação ao mesmo pinheiro, que o digam os rio‐grandenses, paranaensesepaulistas;sobreoquesefezcomaMataAtlântica,quefalemos irmãos catarinenses da serra abaixo. E se recuarmos mais longe no tempo, então que se expliquem os portugueses de 1500 que saquearam a árvore símbolo do nosso país: o pau‐brasil. Por aí se tem que o extrativismo desenfreadoocorridonoPlanalto[eOeste]estavaembutidonamentalidadeda civilizaçãodaépoca,consumidoradebens,quesolicitavaadisponibilidadede madeiraserradanomercado,poucoseimportandocomaprocedênciaemuito menoscomaconsequência(THOMÉ,1994,p.222). Apósmaisdemeioséculodeintensaexploraçãodavegetaçãodaregião, convém destacar que, em função do modelo econômico estabelecido e das políticas agrícolas em curso que estão inviabilizando a sustentação econômica dos pequenos agricultores e, portanto, expulsando‐os do meio rural,percebe‐sequeháumatendênciaàcrescenteregeneraçãoquantoao repovoamento da vegetação nativa, de forma natural e original. Em outras palavras,emfunçãodainviabilidadedesustentar‐seeconomicamentenuma atividade que não consegue ser competitiva, a lógica do mercado agrícola levaopequenoagricultoraabandonaromeiorural. Paralelamenteàexploraçãovegetalnoreferidoterritório,desenvolveu‐ se a agricultura. Tal atividade, que antes era predominantemente voltada para a policultura e a subsistência, paulatinamente começa a ser incorporadaparaatenderàsexigênciasdomercado.Este,porsuavez,lança‐ secomtodaasuavoracidadesobreosagricultores,exigindoqueproduzam em escala cada vez maior e de forma mais sistemática. Para tanto, os agricultores foram sendo obrigados a implementar técnicas de exploração intensiva dos recursos naturais, principalmente do solo, reduzindo a “rotaçãodeterras”eelevandosuacapacidadeprodutivapermanentemente. Àmedidaqueosbensnaturaisdiminuem,porém,énecessárioaprofundara exploraçãodessesremanescentes. Concomitante a esse período e a essas circunstâncias, começaram a ocorrersinaisdeesgotamentodaocupaçãodasfronteirasagrícolasoestinas, repercutindodiretamentenaelevaçãodopreçodasterras.Issofezcomque os pequenos agricultores aumentassem a capacidade produtiva das suas unidades de produção, explorando de forma intensiva a terra e, assim, garantindoareproduçãodasunidadesfamiliares(CAMPOS,1987,p.184). O processo todo de modernização da agricultura a partir de 1970 dificultou diretamente a lógica da reprodução das unidades camponesas: 225 doaçãodeumpedaçodeterra(geralmentedemeiacolôniaaumacolônia) paracadafilhohomemadultoqueiriaconstituirumanovaunidadefamiliar, à exceção do filho mais jovem, que geralmente herdava a propriedade paterna.Essalógicanãosesustentavamais. O modelo agrícola de produção, pautado na teoria da agricultura moderna, levou os colonos a explorarem intensivamente o solo, como necessidadedesobrevivênciaeparafazerempartedomercado.Sobreessa formadeutilizaçãodosrecursosnaturais,Marxassimsemanifesta: Cada progresso da agricultura capitalista constitui um progresso não só na partederapinarooperário[agricultor],mastambémnaartederapinarosolo; (...) constitui ao mesmo tempo um progresso da ruína das fontes duráveis destafertilidade(apudQUAINI,1979,p.133). OJornalGazetaMercantilrefere‐seàexploraçãoinadequadadasterras, aoanalisarosespaçosdisponíveisparaaagriculturaemlavourasanuais: Parte da responsabilidade é da exploração de terras inaptas para certas atividadeseconômicas.ÉocasodoOesteCatarinense,onde43%dasuperfície cultivada é inadequada para lavouras anuais. Outros 26% estão longe das condiçõesideais(GAZETAMERCANTIL,A‐8:27‐28/02e1º/03/99). Odesenvolvimentointensodesistemasdecultivo,associadoaousode áreasdeterrasinadequadasàpráticaagrícola,gerousériasconsequênciasà qualidade dos solos, verificadas através de intensos processos erosivos, diminuiçãodosníveisdenutrientese,porvezes,esgotamento. Considera‐se a erosão como o principal problema ambiental da região, pois ocorre em praticamente todo o território, afetando todos os agricultores de acordo com as práticas de manejo, e pelas consequências ambientais e econômicasdeladecorrentes(TESTAetal.,1996,p.137). A topografia acidentada da região, bem como o modelo agrícola acima referido, pautado numa dinâmica muito acelerada em relação ao uso e à exploraçãosistemáticadosoloforamfatoresdeterminantesdadeterioração edaelevaçãodoscustosdeprodução. A expansão dos complexos agroindustriais do Oeste Catarinense, a partir de meados dos anos 1960, está associada ao processo de modernizaçãodaagriculturae,consequentemente,dapequenapropriedade familiar,que,porsinal,semprefoideelevadaprodução.Foramesãoelasas responsáveis diretas pelo fornecimento de matérias‐primas às agroindústrias. Estas, gradativamente, foram se consolidando e exercendo controlehegemônicodossetoresdeproduçãoedistribuição,tantoregional quantonacional,efetivandotalmodelodedesenvolvimentoeconômico. Umdosproblemasambientaismaisgravesdecorrentesdoaumentona produção agropecuária (suínos, aves e bovinos) nas últimas décadas foi a 226 crescentequantidadededejetos.Frenteaisso,enatentativadedardestino aos dejetos, a alternativa foi de usá‐los como adubo orgânico para a recuperação dos solos agrícolas. Evidentemente, devido à sua composição, os dejetos se constituem em bons fertilizantes para as lavouras. Por outro lado,causamviolentapoluiçãodossolosagrícolase,porextensão,fontese mananciais, comprometendo seriamente a qualidade das águas, o que repercute na saúde pública da população e na vida das diferentes espécies animais. Deste quadro resulta ainda prejuízos à fauna aquática e ao abastecimento de água aos animais domésticos, às propriedades rurais e a grande parte das cidades da região. Em relação ao abastecimento das cidades, os custos decorrentesdaremoçãodossedimentos,reduçãodaturbidezetratamentoda água são elevados. Com o controle da poluição, grande parte desses custos poderiamserreduzidos,bemcomoseriamevitadoscertospoluentesquímicos (agrotóxicos), que não são retirados pelo tratamento convencional da água (TESTAetal.,1996,p.138). Cabe destacar matéria publicada no Jornal Gazeta Mercantil sobre um estudo que avalia o impacto do descarte de dejetos da suinocultura e suas consequências, e isto vale para o município de Concórdia, profundamente inseridonessecontexto: Em 1993, as pocilgas do Oeste de Santa Catarina produziam 8,8 milhões de metroscúbicosdeestercoporano–compotencialpoluidordeumacidadede 30 milhões de pessoas. A consequência é a contaminação de muitos rios. Pesquisa realizada em Concórdia (SC) no início dos anos 90 mostrou que 36,8% das amostras de água coletadas tinham concentração de nitratos superiores ao limite máximo legal (GAZETA MERCANTIL, A‐8: 27‐28/02 e 1º/03/99). De acordo com a mesma matéria, ressalta‐se que, “[...] se fossem industrializados, tais nitratos poderiam enriquecer a região. Cada tonelada deestercosuínocorrespondea10quilosdeaduboNPK”(nitrogênio,fosfato e potássio) [Nutrientes Químicos] (GAZETA MERCANTIL, A‐8: 27‐28/02 e 1º/03/99). Apartirdadécadade1970,principalmente,aquestãoecológicapassou a conquistar maior espaço em nível mundial, através da Conferência de Estocolmo (1972) e, por extensão, nacional. O debate em torno dessa questão acabou permeando e influenciando os mais distintos espaços das sociedades regionais, que, timidamente, foram ampliando as discussões, com os diferentes setores educacionais, públicos e privados acerca das questõesambientaisdecorrentesdaadoçãodeummodeloeconômico. Nessecontexto,apartirdemeadosdadécadade80,começamaser,de certa forma e em certos setores da sociedade, inclusive no nível regional, intensificadas e aprofundadas as discussões em relação ao uso, manejo e 227 conservação dos recursos naturais e, mais especificamente, dos solos. Foi flagrante a constante preocupação ambiental, expressa por diferentes setoresdasociedade,noquedizrespeitoàscausasdaerosãoepoluiçãodos solos e ao seu uso intensivo. Apontavam‐se essas práticas como desencadeadorasdeintensosprejuízosnaprodutividadeagrícola. Diante das consequências decorrentes dos ciclos econômicos já descritos, nos desafiamos a apontar algumas possibilidades e reflexões em torno de novos cenários econômicos regionais, entre eles as barragens (produção de energia, instalação de tanques‐rede) e os crescentes reflorestamentos com espécies vegetais exóticas. Por fim, analisamos os novos cenários que emergem na economia regional, com destaque para as possibilidadeselimitesdasIndicaçõesGeográficasnoreferidoterritório. 2.NOVOSCENÁRIOSPARAAECONOMIAREGIONAL É importante observar, mediante a história da humanidade, que, por umanecessidadevitaldesobrevivência,asdiversaspopulações,sejamelas de caçadores, agricultores, nômades, sejam de sedentários que se deslocavam para diferentes regiões, de forma temporária ou definitiva, estabeleceram‐se, de maneira geral, junto ou próximo aos cursos d’água. Essa lógica também ocorreu na ocupação do Oeste Catarinense pelos primeirosgruposhumanos(índiosecaboclos). Posteriormente, pelo processo de colonização da região pelos imigranteseseusdescendentes,amesmalógicaserepete:habitarjuntoou próximo aos cursos d’água. As águas se constituíram, evidentemente, num recurso fundamental para a sobrevivência, mas, também, essencialmente, numa garantia necessária para os diferentes tipos de abastecimento, além de servirem para as instalações do conjunto da propriedade, bem como numa potencial fonte de energia onde quer que fossem estabelecer suas propriedades. Aságuas,principalmentedospequenosrios,serviram,porvezes,paraa produção de energia, obtida através da instalação de grandes rodas de madeira (rodas d’água) movimentadas pela força ou queda das águas, gerandoenergiaelétricaparaoconjuntodapropriedade.Valedizer,ainda, que,mesmonãoencontradoscommuitafrequência,osmoinhoseengenhos (aparelhos destinados à atividade de beneficiamento) para moer cereais como o milho, o arroz e outros também eram movidos utilizando‐se a energiadaságuasdosrios. Pela abundância de águas na região, era comum a presença de peixes, constituindo‐se em uma importante fonte de alimentação, pois eram encontrados em todos os rios e arroios. Ao estudar as águas da região, 228 torna‐seimprescindíveldestacaraimportânciadoRioUruguainocontexto desseprocessodecolonização. As características físico‐geográficas que apresenta o Vale do Rio Uruguai (encachoeirado, canyons, saltos, corredeiras, etc.), além da quantidade de água oferecida no conjunto da bacia que forma o rio, acabaram despertando motivações no governo e na iniciativa privada a partirdosanos80,osquaispassaramaseinteressarpelaexploraçãodoseu potencial hidrelétrico. Não tardou o início de estudos, projetos e investimentosqueresultaramnaaprovaçãoeconstruçãodebarragensnas décadas de 1990 a 2010 entre as quais, destacam‐se: Pai Querê, Barra Grande,Machadinho,Itá,FozdoChapecóeItapiranga. Consideramosimportanteageraçãodeenergia,poispraticamentetodo oconjuntodossetoresprodutivosdaeconomiadasociedademodernaestá estruturado sobre essa modalidade energética. No entanto, torna‐se premente analisar os interesses que estão em jogo para a execução de megaprojetoscomoesses.Questionamossetaisiniciativasestãolevandoem conta os aspectos histórico‐culturais, econômicos e antropológicos das populaçõesquevivemouviviamnessesterritóriosequesãoatingidaspela construçãodessasbarragens. Haveria necessidade de construir obras dessas proporções quando exemplos e estudos apontam e demonstram que seria possível construir Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) em rios menores com custos inferiores e com reduzidos impactos, sejam eles sociais, econômicos ou ambientais? Será que não existiria a possibilidade de aproveitamento de outros recursos naturais para a geração de energia como, por exemplo, a eólica e a solar, já que dispomos de tecnologias avançadas, sem causar tantosimpactos? O Rio Uruguai, formado a partir da junção dos rios Canoas e Pelotas, serve de divisor dos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Possui aproximadamente 2,3 mil km de extensão e uma média de 400 metrosdelargura.Juntocomoutrosimportantesafluentes,queformamsua bacia ao longo de sua extensão territorial, tornou‐se historicamente de granderelevânciaeconômica.Ofomentodoturismo,provenientedoslagos, porexemplo,poderáseconstituirnumanovaatividadeeconômicaregional, capaz de estimular o desenvolvimento socioeconômico, gerando, principalmente,empregoerenda. Uma das atividades econômicas em curso desenvolvidas no lago da UsinaHidrelétricadeItá(UHI)éoProjeto“Tanques‐redes”7.Talatividadeé 7 Tanques-rede (ou gaiolas): é um sistema de produção de peixes em alta densidade de estocagem, ou seja, de forma intensiva, cujo resultado final é a alta produtividade. Em geral, 229 incentivada e coordenada pelo Governo Federal através do Ministério da PescaeAquiculturaeexecutadopelaPrefeituraMunicipaldeConcórdia.Os agricultores ribeirinhos interessados no desenvolvimento da atividade de piscicultura se organizam em cooperativas denominadas “Colônia de Pescadores”. É o que ocorreu com a experiência desenvolvida desde o ano de 2011 e localizada na Comunidade Rural de Pinheiro Preto, interior do município. Atualmente,há166tanquesredesparacriaçãodepeixes.Paraoanode 2015,háperspectivasdainstalaçãodemais200tanques.Aopçãodaespécie depeixeépelatilápia,poistalespécieadaptou‐sebemaoclima,temsabor agradável,aceitabilidadedemercado,alémdobomdesempenhoemtermos de produtividade. Segundo informações dos sócios da Colônia de Pescadores, são comercializadas, mensalmente, cerca de 20 toneladas de peixe. Tal atividade está gerando emprego, renda e contribuindo para o desenvolvimentoeconômicoesocialregional. Alémdessa,outrasatividadesemexpansãonoOesteCatarinensesãoas plantações de monoculturas (pinus e eucaliptos), principalmente. No entanto,questiona‐se:quaisosimpactosambientaisacurto,médioelongo prazo,decorrentesdetaispráticasmonocultoras? Dentro da Mesorregião Oeste Catarinense está o território do Meio Oeste,conformeaFigura2,compostopor25municípios.Suaáreaterritorial édeaproximadamente5.780,782km². 3.INDICAÇÕESGEOGRÁFICASCOMOPOTENCIAISDEDENVOLVIMENTOE IDENTIDADEREGIONALNOOESTEDESANTACATARINA:OCASODACARNE SUÍNANOMEIOOESTEDESANTACATARINA NoterritóriodoMeioOeste,apoliculturadaproduçãodemilho,feijão, trigo,fumoemandioca,associadaàcriaçãodeanimaisdomésticos,entreos quais, suínos, bovinos e aves, constituíram a base da economia. Historicamente,aoperacionalidadedetaisatividadeseconômicasassentou‐ senotrabalhofamiliar,conformedestacadoanteriormente. Dentre as atividades econômicas mais importantes, historicamente desenvolvidasnesseterritório,sedestacaasuinocultura.Exemplodissofoi eéomunicípiodeConcórdia: Estima‐seque,emtodoomunicípio,nadécadade1930,haviaumrebanhode cem mil cabeças. A atividade era incentivada pela companhia colonizadora Mosele,quedistribuíaaosimigrantesquetraziadoRioGrandedoSulovosde avesereprodutoresdesuínos(ACCS,2010,p.23). são estruturas retangulares que flutuam na água e confinam peixes em seu interior. Esse equipamento é constituído, basicamente, por flutuadores (galões, bombonas, bambu, isopor, canos de PVC, etc.) que sustentam submersas redes de nylon, plásticos perfurados, arames galvanizados revestidos com PVC, ou ainda, telas rígidas. 230 Figura2:MapadeLocalizaçãodaáreadeatuaçãodaAPROSUI(AssociaçãodosProdutoresdeCarne eDerivadosdeSuínosdoMeioOesteCatarinense). Fonte:Marchesan&Badalotti,2014. Inicialmente,desdeoprocessodecolonizaçãoatéadécadade1940,a produçãoatendiabasicamenteasubsistênciafamiliar.Posteriormente,com ainstalaçãodosprimeirosfrigoríficoseacrescenteurbanizaçãobrasileira,o excedente foi gradativamente voltando‐se ao mercado consumidor. 231 Portanto, criar suínos estava presente na cultura popular dos imigrantes e seus descendentes. Da carne suína, resultavam os derivados, dentre os quais, linguiça, "queijo de porco”, torresmo, etc. Tais produtos faziam e fazem parte da dieta das famílias camponesas. Entretanto, conforme ressaltado anteriormente, tais práticas tradicionais se transformaram, em função do processo de modernização da agricultura, em especial devido à verticalização da produção de suínos e aves, em forma de “integração agroindustrial” instalada na região a partir da década de 1940. A partir dessa década, constituíram‐se grandes complexos agroindustriais no Oeste Catarinense, entre eles, a Seara, a Sadia e a Perdigão (BRF Brasil Foods), além da Cooperativa Aurora. A viabilidade desses complexos se deu mediante a implantação de sistemas de integração agroindustrial. Segundo Mior (2005), a região agrega o maior complexo agroindustrial de carne suína e de aves do Brasil e América Latina, sendo pioneira no estabelecimento de um sistema de integração agroindustrial entre grandes agroindústriaseaagriculturafamiliar. Tal sistema é a forma e/ou modalidade como se estabeleceram e se estabelecemasrelaçõescomerciaisentreasagroindústriaseosagricultores. As agroindústrias fornecem os insumos e a assistência técnica aos agricultores e estes, em contrapartida, disponibilizam as instalações e recursos naturais, principalmente água e mão de obra. Quando os animais estãoprontosparaoabate,asagroindústriasosadquiremeremuneramos produtoresdeacordocominteressesindustriaisevaloresdomercado. Dessaforma,atravésdeumprocessoverticalizado,apopulaçãoruraldo territóriodoOesteCatarinensefoiorientadae/ouencaminhadaaintegrar‐ se aos complexos agroindustirais regionais e produzir produtos (suínos, aves, bovinocultura de leite, fumo, entre outros) de forma homogeneizada. Evidentemente, as agroindústrias utilizaram‐se de muitas estratégias para manterasrelaçõesviaprojetosdeintegraçãoagroindustrial. Como resultado, ao longo do tempo, constituiu‐se toda uma estrutura produtiva na forma de monocultora, com alta dependência do setor agroindustrial.Comisso,historicamente,esseterritóriopassouadepender quase que exclusivamente da matriz produtiva da agropecuária. Esse modeloprodutivo,atéosanos80,definiuumaformadegestãodoterritório associada à forte influência dos interesses dos setores agroindustriais, vinculados à ampliação da produção, número de produtores e política de crédito via lógica produtivista, que caracterizou um padrão homogêneo de desenvolvimentoruraleregional(MIOR,2005). Por essa razão, constata‐se, atualmente, uma profunda dependência e, por vezes, dificuldade de desvinculação de tal “modelo” de integração aos complexos agroindustriais implantados, que prenuncia uma crise no relacionamento entre agroindústrias e produção familiar, com profundas 232 repercussõesnoterritórioregional.Oprocessodeproduçãodesuínos,por exemplo, cada vez mais especializado, tem “[...] levado ao aumento das escalas de produção e, consequentemente, à exclusão dos pequenos suinocultoresdacadeia”(MIOR,2005,p.87). Essas reflexões remetem à necessidade de estudos que busquem identificar novas possibilidades produtivas para o território em análise. Diante desse cenário, por outro lado, será possível pensar em novas matrizes produtivas para o referido território? O debate sobre as possibilidades de constituição de Indicações Geográficas8 pode despertar para novas matrizes produtivas ou novos cenários sociais, políticos, econômicos e ambientais? Quais as possibilidades de novas Indicações Geográficasregionais? NoOesteCatarinense,háacriaçãodeaproximadamenteseismilhõesde suínos, sendo esse território identificado nacionalmente pelo profundo vínculo com tal produção e pela atuação de pequenas, médias e grandes agroindústrias.Desde2010,ocorreminiciativasparadiscutirapossibilidade deIndicaçãoGeográficaparaacarnesuínaregional.Dentreasdúvidasque permanecem,umadelasé:comopensarumaIndicaçãoGeográfica,partindo danotoriedadedosprodutoscárneossuínos,numterritóriodominadopelos complexosagroindustriais,naperspectivadeinclusãodeummaiornúmero de produtores rurais ao processo de produção e circulação? Tais questões nos levam a refletir sobre as Indicações Geográficas como potenciais indutores de desenvolvimento e identidade regional do Oeste Catarinense, tomandocomoexemploocasodacarneproduzidanaregião. 8 Indicações Geográficas são ferramentas coletivas de valorização de produtos tradicionais vinculados a determinados territórios. Normalmente, possuem duas funções principais: agregar valor ao produto e proteger a região produtora. O sistema de Indicações Geográficas deve promover os produtos e sua herança histórico-cultural, que são intransferíveis. Essa herança abrange vários aspectos relevantes: área de produção definida, tipicidade, autenticidade com que os produtos são desenvolvidos e a disciplina quanto ao método de produção, garantindo um padrão de qualidade. Tudo isso confere uma notoriedade exclusiva aos produtores da área delimitada. Ao mesmo tempo em que se possui uma qualidade diferenciada, a mesma está protegida por esse reconhecimento ser único em meio aos produtores daquela região. As Indicações Geográficas contribuem para a preservação da biodiversidade, do conhecimento e dos recursos naturais. Trazem contribuições extremamente positivas para as economias locais e para o dinamismo regional, pois proporcionam o real significado de criação de valor local. As Indicações Geográficas são divididas em duas espécies: Indicação de Procedência (IP) – que valoriza a tradição produtiva e o reconhecimento público de que o produto de uma determinada região possui uma qualidade diferenciada. É caracterizada por ser uma área conhecida pela produção, extração ou fabricação de determinado produto. Ela protege a relação entre o produto e sua reputação, em razão de sua origem geográfica específica; e Denominação de Origem (DO) – em que as características daquele território agregam um diferencial ao produto. Define que uma determinada área tenha um produto cujas qualidades sofram influência exclusiva ou essencial por causa das características daquele lugar, incluindo fatores naturais e humanos. Em suma, as peculiaridades daquela região devem afetar o resultado final do produto, de forma identificável e mensurável (SEBRAE, INPE, 2011, p. 16). 233 A discussão sobre a especificação de ativos e recursos territoriais via IndicaçãoGeográficaououtrasformasassemelhadasestabeleceumdiálogo direto com o tema território, identidade territorial e desenvolvimento, a partirdoentendimentodequeodesenvolvimentoresultadaformacomoos atores se relacionam, atuam e se identificam com um âmbito espacial específico: o território. Nesse sentido, a partir de 2010, configurou‐se na regiãoemestudoumconjuntodeaçõesquereuniudiferentesatoressociais governamentais e não governamentais, tendo em vista a discussão e elaboração de estratégias para uma possível constituição de Indicações Geográficasparaacarnesuínadesseterritório. No dia 29 de novembro de 2010 ocorreu, no auditório da Empresa BrasileiradePesquisaAgropecuária(EMBRAPA),seçãodeSuínoseAvesde Concórdia, o I Workshop para discutir a possibilidade de Indicação Geográfica para carne suína no Oeste de Santa Catarina. O evento teve o apoio da Associação Catarinense dos Criadores de Suínos (ACCS), do Instituto Nacional da Carne Suína (INCS) e do SEBRAE. Foi um evento voltado para associações, cooperativas, criadores de suínos, produtores, agroindústrias, instituições públicas, técnicos e demais atores envolvidos diretaeindiretamentecomasuinoculturaregional. Dandosequênciaaesseconjuntodeaçõeseproposições,nodia22de junhode2012umgrupodepequenosempresáriosvinculadosafrigoríficos ou agroindústrias constituiu a Associação de Produtores de Carne e Derivados de Suínos do Meio Oeste Catarinense (APROSUI). A Associação tem por objetivo buscar o reconhecimento dos produtos cárneos suínos (defumados,embutidos,recheados,temperados...) nomercado consumidor viaIndicaçãoGeográfica. Assim, organizados pela Associação e em parceria com Instituições de fomento e pesquisa, como, por exemplo, a EMBRAPA, através do Centro Nacional de Pesquisas em Suínos e Aves (CNPSA), buscou‐se identificar a possibilidadedealcançaroreconhecimentoatravésdoregistrodeIndicação Geográficaparaosprodutoscárneossuínosproduzidosnesseterritório. No dia 12 de setembro de 2012, o superintendente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) Jacir Massi, o fiscal federal agropecuário José Carlos Ramos e a advogada da Embrapa e responsável pelas Indicações Geográficas Suely Silva, receberam em Florianópolis o presidentedoInstitutoNacionaldaCarneSuína(INCS),WolmirdeSouza,o presidente da Associação dos Produtores de Carnes e Derivados de Suínos do Meio Oeste Catarinense (APROSSUI) Altair Dale Laste, e o pesquisador responsável pela IG da Embrapa Suínos e Aves de Concórdia, Fabiano Simioni,paradefiniretapasdosprocessosdeefetivaçãodoSelodeIndicação Geográfica. Posteriormente, no dia 20 de setembro, a Superintendência do Mapa realizou em Concórdia (SC) uma reunião com os frigoríficos e produtores 234 independentes de suínos para estabelecer um cronograma de ações. Entre os objetivos, buscou aprofundar a discussão e sensibilizar os participantes do projeto quanto à importância da organização, produção e industrializaçãoparavencerasetapas.Entreosaspectosmaisimportantes, se destacam: organização das etapas de fabricação dos produtos (desde a criaçãodossuínosatéaindustrializaçãodacarne),visãodemercado(como vai ocorrer a comercialização dos produtos e a agregação de valor) e aprovaçãodasplantasnoserviçodeinspeçãofederal,paraqueosprodutos sejamcomercializadosdentrodetodooterritórionacional. O presidente do Instituto Nacional da Carne Suína (INCS), Wolmir de Souza, frisou que, antes do reconhecimento do Instituto Nacional de PropriedadeIntelectual(INPI)sobreaIndicaçãoGeográficada carnesuína doMeioOesteCatarinense,osfrigoríficosenvolvidosnoprojetopassarãoa vender sob uma marca coletiva: “Esta ação vai abrir o mercado e agregar valor aos produtos derivados de carne suína da região. Quando a comercializaçãodamarcainiciaréqueoprojetovaiestarconcluídoeapto parareceberacertificaçãodeIndicaçãoGeográfica”.Opresidentereconhece que o processo para a certificação é lento. Necessita de consenso e comprometimentodetodososenvolvidosnoprojetoparaqueacarnesuína ocupe o espaço de direito na mesa dos brasileiros e para que a região do Meio Oeste, tradicional produtora de suínos, ganhe visibilidade no Brasil comopolodeproduçãodeprodutosàbasedecarnesuínacomgarantiade qualidadeesabor,pontuouopresidente. Nessesentido,nodia9demaiode2013,tendocomolocaloAuditório doCentrodeEventosdeConcórdia,ocorreuoIIWorkshopsobreIndicação GeográficadacarnesuínadoMeioOesteCatarinense.Entreosobjetivosdo Workshop, buscou‐se informar e mobilizar os atores (produtores, autoridadespolíticaseempresários,profissionaisligadosàcadeiadecarne suína e do turismo regional, entre outros). Além disso, o evento suscitou pensarempossibilidadesdearticulaçãoeconstruçãodemecanismosafim delegitimaraIndicaçãoGeográficadaCarneSuínanesseterritório. ParaosorganizadoresdoEvento,oterritóriodoMeioOesteCatarinense foiumdosberçosdasuinoculturabrasileira,poisoscolonizadoresalemães e italianos, principalmente, sabiam criar, manejar e preparar produtos, primeiramente para sua subsistência , sendo o excedente destinado ao mercado. Com isso, conferiu‐se e confere‐se a especificidade cultural dos colonizadoresemproduzirsuínosederivadosetransformá‐losemprodutos diferenciados e qualificados. Assim, a região constituiu‐se em berço e sede das maiores agroindústrias brasileiras e mundiais, entre elas a Sadia, a PerdigãoeaAurora. Além do mais, os organizadores acreditam na possibilidade de constituiçãodeIG,poisosprodutosdacarnesuínaproduzidosporpequenas 235 agroindústrias da região possuem qualidade e sabor diferenciado, principalmente em função do “saber‐fazer popular”, caracterizando o que temsidodenominadodecapitalterritorial. O capital territorial constitui‐se na riqueza do território (atividades, paisagens, patrimônio, saber‐fazer, etc.). Por outro lado, as relações do territóriocomoexteriorsãoelementosdeterminantesdocapitalterritorial (LEADER, 2009). Os atores locais podem ativar e revalorizar o capital territorial transformando os ativos genéricos em especificidades. Segundo Rallet (1995), ao serem de natureza única e diferenciada, são dificilmente transponíveis, ou transladáveis, constituindo‐se em uma das chaves explicativasdacompetitividadeterritorialedodesenvolvimento. A constituição de uma IG poderá agregar valor aos produtos cárneos, promover o desenvolvimento socioeconômico e fortalecer toda a cadeia suinícola,alémdefomentarnovosdesdobramentosaoturismoeestímuloa outrasatividadeseconômicas,entreelas,oturismogastronômico. Entre os parceiros na perspectiva de constituição da IG, está a EMBRAPA,porintermédiodospesquisadoresdoCNPSA.Apropostainicialé recuperar a genética animaldosuínomouro,do“tipobanha"ou “comum”, melhoradogeneticamenteeanãoutilizaçãodeinsumosoupromotoresde crescimento. Para Volmir de Souza, “hoje, vende‐se marca, mas não carne diferenciada”.Ouseja,opresidentedoINCSreporta‐sepelavendadecarne em escala, profundamente vinculada à marca das agroindústrias e não a produtoscomespecificidadesoudiferenciais. Além disso, nesse contexto, os recursos e ativos com especificidade territorialprecisammereceratenção.Elespossibilitamaconstruçãodeuma conformação socioeconômica que destaca a importância dos produtos (ou serviços) com identidade territorial, para o desenvolvimento. Trata‐se de ultrapassaradimensãodeumavantagemcomparativaparaumavantagem diferenciadora,resultantedeprocessosoriginaisdeemergênciaderecursos eativoscomancoragemterritorial(PECQUEUR,2009;DALLABRIDA,2012). CONSIDERAÇÕESFINAIS Tradicionalmente,apopulaçãoruraldoterritóriodoOesteCatarinense, mais especificamente do Meio Oeste Catarinense, foi orientada e/ou encaminhada a integrar‐se aos complexos agroindustriais regionais e produzir produtos (suínos, aves, leite, fumo) em escala e de forma homogeneizada. Evidentemente, os grandes complexos agroindustriais utilizaram‐seeutilizam‐sedemuitosartefatoseartimanhasparamanteras relaçõesviaprojetosdeintegraçãoagroindustrialporlhesserconveniente. Dessa forma, historicamente constituiu‐se toda uma estrutura produtivademonocultoraedependência,sendoqueesseterritóriopassoua 236 depender quase que exclusivamente da matriz produtiva da agropecuária. Portanto, constata‐se, atualmente, a profunda dependência e, por vezes, dificuldadedesedesvencilhardetal“modelodeintegração”doscomplexos agroinstriaisimplantados. Por outro lado, questiona‐se: será possível pensar em novas matrizes produtivas para o referido território? O debate sobre as possibilidades de constituiçãodeIndicaçõesGeográficaspodedespertarparanovasmatrizes produtivasounovoscenáriospolíticos,econômicoseambientais?Quaisas possibilidadesdenovasIndicaçõesGeográficasregionais? O território do Meio Oeste Catarinense foi o berço do conflito do Contestado (1912‐1916), a qual desenhou uma história diferenciada sobre váriosaspectos,entreeles,aalimentaçãodoshabitantesdesselugar.Adieta alimentardasociedadehumanaregionalantes,duranteeapósaGuerrado 9 Contestado era a quirera . Nesse sentido, esse alimento humano típico do territóriodoContestadopoderiaconstituir‐senumaIndicaçãoGeográfica? Além disso, pela formação geológica regional, aflora, em diferentes áreasdoterritóriooestino,águastermais.Exemplodissosãoosmunicípios de Piratuba, Itá e Águas de Chapecó. Regionalmente, o balneário de maior 10 estrutura e movimento de turistas é o de Piratuba, que, igualmente, poderiaseconstituiremumaIndicaçãodeProcedência? Essas e outras questões estão sendo apresentadas na perspectiva de fomentar o debabe. Aliás, esse é um dos compromissos e uma das funções sociaisdaUniversidade,ouseja,estarnavanguardadareflexão,proposição e ação, e não apenas formar/preparar/qualificar mão‐de‐obra ou profissionalizar sujeitos para operacionalizar máquinas e produzir commoditys, mas, sim, estimular a pensar, refletir, criar e empreender. Assim, pode‐se fomentar o empreendedorismo, o associativismo, o cooperativismo e, com isso, promover o desenvolvimento social, cultural, político e econômico. Ou seja, o desenvolvimento regional em suas diferentes dimensões. Entende‐se por desenvolvimento territorial o aprimoramento do conjunto de políticas e ações que melhorem a vida das pessoasedoambientedeumdeterminadoterritório. Obviamente,essenovoprocessodedesenvolvimentoprecisapensarna perspectivadainclusãosocial,demodoapromoverproduçãodiferenciada, qualificadaequedistribuarenda.Damesmaforma,impõe‐seanecessidade 9 Quirera: milho triturado em pilão. Após triturado e misturado com carne suína, fazia-se a cocção. Tal alimentação fazia parte da dieta alimentar cotidiana do homem do Contestado. 10 No intuito de procurar petróleo, em 1964 a Petrobrás perfurou um poço com 2.271,30 metros de profundidade. Nos 674 metros, encontrou um lençol de águas sulfurosas. São águas com temperaturas médias de 37,4º C na fonte. Suas águas são utilizadas para lazer, além de recomendações no tratamento de reumatismos, úlceras, cálculos renais, hipertensão arterial, eczema e estresse. 237 deseestabelecerumanovarelaçãocomosrecursosnaturais,considerados estratégicos ao desenvolvimento regional, produzindo e cuidando da qualidadeambientalconcomitantemente. REFERÊNCIAS ANJOS, F. S. dos. A agricultura familiar em transformação: o caso dos colonos‐ operários de Massaranduba (SC). Pelotas: UFPEL ‐ Universidade Federal de Pelotas, 1995. ASSOCIAÇÃOCATARINENSEDOSCRIADORESDESUÍNOS.50anosdehistória.Chapecó: Arcus,2010. AURAS, M. Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla.2. ed. Florianópolis:UFSC‐UniversidadeFederaldeSantaCatarina,1995. BELATO, D. Os Camponeses Integrados. Campinas/SP: Universidade Estadual de Campinas,1985.(DissertaçãodeMestrado) BELATO,D.ProduçãoRural:TrajetóriaeTendências.In:CorreioRiograndense.Edição Comemorativa.90anosdehistória.Ano91–nº4.634.CaxiasdoSul,16.06.1999. CALLAI,H.C.Trajetóriadeexpropriação:ocolonoeaformaçãodaregiãodecolônias novas.UniversidadedeSãoPaulo.FFLCH–DepartamentodeGeografia.SãoPaulo,1983. (DissertaçãodeMestrado) CAMPOS, I. Os colonos do Rio Uruguai. Relações entre Pequena Produção e Agroindústria no Oeste Catarinense. Campina Grande: UFPb, 1987. (Dissertação de MestradoemEconomiaRural) DALLABRIDA,V.R.Davantagemcomparativaàvantagemdiferenciadora:estratégiasde especificação de ativos territoriais como alternativa de desenvolvimento. DRd‐ DesenvolvimentoRegionalemdebate,Ano2,n.1,p.104‐136,2012. D’ANGELIS, W. da R. Para uma história dos índios do Oeste Catarinense. In: Para uma históriadoOesteCatarinense:10anosdeCEOM.Chapecó(SC):UNOESC,1995. FAGANELLO,E.ComunicaçõeseUniversidadedoContestado.HistóriasdoOeste.(Filme documentário).NTSC.Duração:33’,1997. FERREIRA, A. G. Z. Concórdia: o rastro de sua história. Concórdia:Fundação Municipal deCultura.1992. FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro:NovaFronteira,1998. GAZETA MERCANTIL. 27‐28/02, 1º/03/1999: A‐8, 19.07.99: A‐7 e 28.07.99: A3 e Ano LXXIX.SãoPaulo–SP. JORNALABERTURA.Concórdia(SC),nº105,26jul.1984. LAGO, P. F. Gente da Terra Catarinense. Desenvolvimento e Educação Ambiental. Florianópolis:UFSC/FCCEdições/Ed.Lunardelli/UDESC,1988.352p. LEADER. A competitividade dos territórios rurais à escala global: conceber uma estratégia de desenvolvimento territorial à luz da experiência Leader. v. 5. Bruxelas: ObservatórioRural/LEADER/AEIDL,2009. 238 MARCHESAN,J.Aquestãoambientalnaproduçãoagrícola:umestudosócio‐histórico‐ culturalnoMunicípiodeConcórdia(SC).Ijuí:Unijuí,2003. MARCHESAN, J. A água no contexto da suinocultura na Sub‐Bacia do Lajeado dos Fragosos – Concórdia (SC). Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de Geociências.Florianópolis,2007.(TesedeDoutorado). MIOR, L. C. Agricultores familiares, agroindústrias e redes de desenvolvimento rural.Chapecó:Argos,2005. MOCELIN,R.OsguerrilheirosdoContestado.2.ed.SãoPaulo:EditoradoBrasil,1990. MONTEIRO,D.T.OsErrantesdoNovoSéculo.SãoPaulo:DuasCidades,1974. MOREIRA,R.OqueéGeografia?SãoPaulo:Brasiliense,1985. PECQUEUR,B.Aguinadaterritorialdaeconomiaglobal.Política&Sociedade,n.14,p. 79‐105,abril/2009. PETRONE,M.T.S.Oimigranteeapequenapropriedade.SãoPaulo:Brasiliense,1982. POLI,J.Caboclo:Pioneirismo e Marginalização.CadernosdoCEOM,Chapecó,ano5,n.7, abril,p.149‐187,1991. POLI, J. Caboclo: pioneirismo e marginalização. In: Para uma história do Oeste Catarinense:10anosdeCEOM.Chapecó(SC):UNOESC,1995. QUAINI,M.MarxismoeGeografia.RiodeJaneiro:PazeTerra,1979. RALLET,A.Ressourcesspécifiquesetressourcesgenériques:uneproblématiquepourle développementlocal.In:ABDELMAKI,L.;COURLET,C.(Eds.).Lesnouvelleslogiquesdu développement.Paris:LHarmattan,1995. RAMBO,B.AFisionomiadoRioGrandedoSul.2.ed.PortoAlegre:Selbach,1956. RENK,A.A luta da erva:Umofícioétnicodanaçãobrasileiranooestebrasileiro.2.Ed. rev.Chapecó:Argos,2006. RENK,A.Areproduçãosocialcamponesaesuasrepresentações.OcasodePalmitos‐ SC. Programa de Pós‐Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,1997.(TesedeDoutorado) ROCHE,J.AcolonizaçãoeoRioGrandedoSul.PortoAlegre:Globo,1969.806p. ROSSETO,S.OCEOMeaPropostadeResgatedaHistóriaedaCulturadoHomemde Fronteiras.Chapecó(SC):CEOM,Ano4,n.2,set.1989. ROSSETTO, S. Síntese histórica da região Oeste. In: Para uma história do Oeste Catarinense:10anosdeCEOM.Chapecó(SC):UNOESC,1995. SEBRAE/INPE.IndicaçõesGeográficasBrasileiras.Brasília,2011. SILVESTRO,M.EstratégiasdeReproduçãodaAgriculturaFamiliar:OCasodoOeste Catarinense. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro‐ Pós Graduação em DesenvolvimentoAgrícola,RiodeJaneiro,1995.(DissertaçãodeMestrado). TESTA, V.; NADAL, R.; MIOR, L.; BALDISSERA, I.; CORTINA, N. O desenvolvimento sustentável do Oeste Catarinense (Proposta para Discussão). Florianópolis: Epagri, 1996. 239 THOMÉ,N.SãoJoãoMarianahistóriadoContestado.Caçador:UnC‐Universidadedo Contestado‐CampusCaçador,1997.72p. THOMÉ,Nilson.Sangue,suorelágrimasnochãocontestado:ohomemdocontestado, ascausasdoconflito,aguerradocontestado.Caçador:UnC‐UniversidadedoContestado ‐CampusCaçador,1992.110p. THOMÉ,Nilson.A devastação da floresta da araucáriae aIndústriadaMadeirana região do Contestado no Século XX. ‐ O caso de Caçador. In Anais do II Encontro de Cientistas Sociais. Vol. II. UNOESC ‐ UNIJUÍ ‐ UNaM. Chapecó (SC) 18 a 21 de maio de 1994. WAIBEL, L. Capítulos de Geografia Tropical e do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1979. 240 CAPÍTULO12 INDICAÇÃOGEOGRÁFICADAERVA‐MATENO TERRITÓRIODOCONTESTADO:REFLEXÕESE PROJEÇÕES1 ValdirRoqueDallabrida;FernandaTeixeiraSantos;LauroWilliam Petrentchuk;MayaraRohrbacherSakr;MuriloZelinskiBarbosa;Natany Zeithammer;PauloMoreira;TiagoLuizScolaro;JairoMarchesan‐UnC INTRODUÇÃO Nosanosrecentes,estudosforamrealizados,avaliandoexperiênciasde Indicação Geográfica (IG), alguns deles no Brasil, outros no exterior, em especial nos países europeus. Para citar alguns, lembramos: Tonietto (2003); Sacco dos Anjos e Caldas (2010); Silva et al. (2010); Ortega e Jeziorny (2011); Sacco dos Anjos, Criado e Caldas (2011); Champredonde (2011; 2012); Froehlich (2012); Santos e Ribeiro (2012); Niederle (2013a/b);Dallabridaetal.(2013);Dallabrida(2012a/b;2013;2014a/b/c). Algumas dessas obras são coletâneas, contemplando a visão de diferentes autores. Parte das publicações mencionadas resulta de estudos realizados por pesquisadores do Grupo de Estudos e Investigação sobre Signos DistintivosTerritoriais,IndicaçãoGeográficaeDesenvolvimentoTerritorial (GEDET)2. No seu conjunto, as publicações referidas revisam literatura que trata do tema IG3, além de realizar a análise de experiências brasileiras e internacionais.Pelaleituradaspublicações,umaconstataçãoérecorrente:o debate do tema Indicação Geográfica precisa ser contextualizado entre os 1 Este artigo foi publicado na revista DRd – Desenvolvimento Regional em debate, v. 4, jul./dez. 2014. Sua elaboração foi feita no contexto do debate em curso no Grupo de Estudos e Investigação sobre Signos Distintivos Territoriais, Indicação Geográfica e Desenvolvimento Territorial (GEDET), no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (Santa Catarina). Agradecemos aos colegas pelas críticas e sugestões, as quais vieram a melhorar a qualidade do texto. No entanto, os posicionamentos aqui assumidos são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por outro lado, em parte, o texto resume resultados de dois projetos de investigação em curso: Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento (financiado pela FAPESC); Indicação Geográfica como alternativa de desenvolvimento territorial (CNPq). 2 Grupo de Pesquisa registrado no CNPq, tendo na coordenação professor do Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado. 3 Por esse motivo, optamos neste artigo por reduzir o referencial teórico a um conjunto de categorias conceituais que, na nossa percepção, são básicas para situar o debate sobre Indicação Geográfica. 241 esforços que os atores territoriais realizam em relação à definição de seu futuro,afimdequetalestratégiadearticulaçãoterritorialsejaconsiderada ummeioenãoumfimemsimesmo.Partindodessacompreensão,aIGseria entendida como uma estratégia, dentre outras, para articulação dos processosdedesenvolvimentoterritorial.Mesmonãosendoaúnica,nãoéa menosimportante,oquejustificaoaprofundamentodoseuestudo. Retomando o tema, apresentamos um conjunto de reflexões para fundamentar o debate sobre a proposta de IG da erva‐mate no Planalto NorteCatarinenseeCentro‐SuldoParaná,recorteterritorialquepreferimos denominar de Território do Contestado, ao mesmo tempo em que nos desafiamosafazerprojeções. O presente texto se apresenta como um ensaio, ao mesmo tempo em que tem um caráter especulativo, na forma de pesquisa‐ação, refletindo sobreumadeterminadarealidadeeousandoemserpropositivo.Sustenta‐se em estudos teórico‐analíticos, nacionais e internacionais, além da experiência recente na investigação sobre o tema IG. Portanto, resulta de estudosteóricos,deobservaçõeseanálisesoportunizadasporprocessosde investigação,alémincluirposicionamentospessoais. Iniciamos pelo debate teórico, dando destaque a algumas categorias conceituais que consideramos fundamentais. Na sequência, fazemos a contextualização da realidade sociocultural e econômica do recorte territorialnoqualestáocorrendoodebateparaaproposiçãodaIGdaerva‐ 4 mate, o Território do Contestado . Logo após, damos destaque a aspectos práticosrelacionadosàsnormativasparaoregistrodeumaIG,tendocomo referência o caso da erva‐mate no Território do Contestado. Finalizamos o textocomanáliseseprojeções,apontandoindicativosemrelaçãoaocasoem referência. 1.SITUANDOTEORICAMENTEOTEMAINDICAÇÃOGEOGRÁFICA Inicialmente,partimosdaconcepçãodequeumapráticadistintarequer robustafundamentaçãoteórica.Porisso,iniciamossituandoteoricamenteo debate sobre Indicação Geográfica, fazendo referência a seis categorias conceituais: território, territorialidade, identidade territorial, ancoragem territorial, capital territorial e governança territorial. Para facilitar o entendimento,relacionamosareferênciateóricacompossíveisimplicações práticas.Ofimaquesugeremprocessoscomcaracterísticasdesignadasdela acepção das mencionadas categorias é o desenvolvimento territorial. Um dosmeiosparaaconsecuçãodefinsdessanaturezaéaIndicaçãoGeográfica. Porisso,finalizamosaabordagemteóricacomumabrevereferênciasobre IndicaçãoGeográficaedesenvolvimentoterritorial. 4 Temporalmente, fazemos referência ao segundo semestre de 2014. 242 1.1TERRITÓRIO O território é uma construção social resultante de relações de poder que,simultaneamente,contémadimensãodaunidade,dasolidariedadeeda conflitualidade.Trata‐sederelaçõesinseridasnahistóriadeumasociedade situada territorialmente. Refere‐se a uma fração do espaço, historicamente construídapelasinterelaçõesdosatoressociais,econômicoseinstitucionais queatuamnesserecorteespacial,apropriadaapartirderelaçõesdepoder sustentadas em motivações políticas, sociais, econômicas, culturais ou religiosas, oriundas do Estado, de grupos sociais ou corporativos, instituiçõesouindivíduos(DALLABRIDA,2011). Oqueconvencionamosteoricamentechamardeterritórionãosetrata de qualquer recorte espacial. É diferente do que chamamos de região, esta sendo um recorte demarcado por limites político‐administrativos. Ex. Região da 26ª Secretaria de Desenvolvimento Regional. Território é um recortecujoslimitesseestendematéaáreaabrangidaporumadeterminada característica identitária e de poder. Dois exemplos: o "Território do Contestado",comosendoaáreaonderesidiaumpovoquetinhaumaforma de vida própria e que, por determinados ideais, lutou contra a forma de ocupação que não atendia aos seus interesses; área abrangida por uma forma histórica de ocupação da terra, a exemplo do cultivo de erva‐mate. Nesse último exemplo, podemos fazer referência ao "território da erva sombreadadoContestado",compredominânciadeumaformaespecíficade cultivo. 1.2TERRITORIALIDADE Territorialidade refere‐se ao ato de pertencimento, ou seja, estar integradonummeioquenospertence(SANTOSeSILVEIRA,2001).Também corresponde às relações sociais e às atividades diárias que os homens têm comseuentorno(SAQUET,2007;HAESBAERT,2011),ou,ainda,àsrelações entre um indivíduo ou grupo social e seu meio de referência (ALBAGLI, 2004). Albagli (2004) defende o fortalecimento e capitalização de territorialidades em favor do desenvolvimento territorial, propondo, na prática, a necessidade de identificação das unidades territoriais que se revelam pelo senso de identidade e pertencimento territorial, de exclusividade e tipicidade, pelos tipos e intensidade de interações entre atores locais. Isso exige (1) a geração de conhecimentos sobre o território, ouseja,identificarecaracterizarasespecificidadesquemelhortraduzame distingueaqueleterritório,(2)apromoçãodesociabilidades,identificandoe mobilizando os atores e segmentos sociais que imprimam um dinamismo 243 local e que se caracterizem por serem genuínos e com tradição, e (3) o reconhecimento e a valorização da territorialidade, na perspectiva da dinamização social, produtiva e comercial, do resgate e valorização das imagens e símbolos que a população autóctone valoriza. Esses referenciais devem direcionar a forma de intervenção dos poderes públicos e das organizações sociais num determinando território (ACAMPORA e FONTE, 2008). A questão do fortalecimento e capitalização de territorialidades em favor do desenvolvimento territorial, no caso do Território do Contestado, implicaria em desencadear um processo de diagnóstico e planejamento territorial integrado, valorizando todos os componentes do seu capital territorial. 1.3IDENTIDADETERRITORIAL Aidentidadeterritorialéoelementodiferenciadordeumdeterminado agrupamento populacional, pois seus traços e características estão ligados ao espaço, à cultura, às relações sociais e ao patrimônio ambiental territorial.Refere‐setantoàdimensãosocialquantoàfísico‐natural(tipode paisagem)ecultural(tradiçõesevalores).Aidentidadeterritorialresultade processos históricos e relacionais. Assim, a identidade configura‐se num patrimônioterritorialaserpreservadoevalorizadopelosatoresenvolvidos (SAQUETeBRISKIEVICZ,2009;RAMÍRES,2007;FLORES,2008;DENARDIN eSULZBACH,2010). A identidade territorial envolve o patrimônio identitário, ou seja, o saber‐fazer, as edificações, os monumentos, os museus, os dialetos, as crenças,osarquivoshistóricos,asrelaçõessociaisdasfamílias,asempresas, as organizações políticas, dentre outros aspectos. Tais elementos identitários podem ser decompostos em projetos e programas de desenvolvimento de cada território. Quanto aos possíveis impactos da identidade territorial no processo de desenvolvimento, Pollice (2010) destaca que esta tende a reforçar as normas, os valores éticos e comportamentais localmente compartilhados, além de contribuir para melhoraratransferênciadosaberentreasgerações. Concordamos com Pollice (2010) quando afirma que os sentimentos identitários determinam, no nível local, um apego afetivo aos valores paisagísticos e culturais do território. Partindo dessa compreensão, o desenvolvimentoterritorialsesustentanacapacidadedacomunidadelocal de valorização do território, em particular os ativos e recursos que constituemelementosdediferenciação. 244 1.4ANCORAGEMTERRITORIAL A ancoragem territorial se parece com um diálogo entre ator e território, inscrito no tempo, em que os processos se comunicam mutuamente em uma relação sistêmica (FRAYSSIGNES, 2005). Estar ancoradoterritorialmenterepresentaestarenraizadonoterritório. Contrariamenteàancoragem,noprocessodeglobalização,asempresas transnacionais quando apenas se apropria dos recursos de territórios, não necessariamente se enraízam. Pelo contrário, normalmente exercem a exploração dos recursos naturais e humanos. Ou seja, é mais comum a situação das empresas se transformar em verdadeiros enclaves territoriais (SANTOS e SILVEIRA, 2001). Trata‐se de empreendimentos situados nos territórios, com o interesse exclusivo de apropriar‐se das riquezas ali disponíveis,transformando‐asemcommodities,viabilizandoaexpansãodo capital empresarial e financeiro. Como exemplos, seriam certos empreendimentos que apenas semi‐industrializam produtos de um determinadoterritório,semagregarvalorlocalmente. Um produto resultante de processos de ancoragem territorial tem maior potencial de transformar‐se em produto típico, logo, se constituir numa potencial IG (CHAMPREDONDE, 2012). Resultante disso, empresas e produtores não ancorados territorialmente se constituem em atores que nem sempre atendem aos interesses específicos dos territórios, pois a ancoragem é decisiva no processo de desenvolvimento territorial. O 5 documento FAO y SINER de 2010 , define qualidade específica como "[…] um conjunto de características associadas a um bem ou serviço reconhecidas como aspectos distintos em comparação com produtos similares".Trata‐sedeumprodutoorigináriodedeterminadoterritórioque podeseridentificadoporsuasparticularidades,diferenciando‐seassimdos demais(CHAMPREDONDE,2011). 1.5CAPITALTERRITORIAL Capitalterritorialrefere‐seaoconjuntodoselementosdequedispõeo território ao nível material (produtos e serviços) e imaterial (valores e tradições) e que podem construir, em alguns aspectos, vantagem e, em outros,desvantagens(LEADER,2009).Ocapitalterritorialconstitui,então,a riqueza do território, na forma de atividades produtivas, paisagens, patrimônio,saber‐fazer,culturaetradições. O capital territorial se constitui nos recursos e ativos territoriais a seremvalorizadas.CaravacaeGonzález(2009)propõemativarerevalorizar 5 Trata-se do documento Uniendo personas, territorios y productos, citado em Champredonde et all. (2012, p. 4). 245 ocapitalterritorial,ouseja,osrecursosligadosaosterritórios,convertendo aqueles que são genéricos em específicos, resultando numa das mais importantesestratégiasdedesenvolvimentoterritorial. NaFigura1estãorepresentadososcomponentesdoquechamamosde capital territorial, ao mesmo tempo, integrando as demais categorias conceituais. A compreensão de tais categorias e sua aplicabilidade e implicação prática são fundamentais para o adequado direcionamento do debate sobre a constituição de uma IG. Já tínhamos pensado nisso? Temos considerado os elementos do capital territorial, integradamente, ao propormos uma estratégia de desenvolvimento? Ou ainda somos dos que pensamodesenvolvimentoterritorialdeformasetorializada? Figura1‐CapitalTerritorialeseuscomponentes CAPITAL PRODUTIVO CAPITAL NATURAL Recursos Financeiros, maquinaria, equipamentos, infraestruturas... Patrimônio natural, meio ambiente... CAPITAL HUMANO E INTELECTUAL Saber fazer local, formação acadêmica e profissional, conhecimento, criatividade... CAPITAL TERRITORIAL CAPITAL CULTURAL Valores e códigos de conduta, patrimônio cultural, cultura empresarial... CAPITAL INSTITUCIONAL CAPITAL SOCIAL Valores compartilhados socialmente, associativismo, redes sociais estabelecidas... Institucionalidades estatais e não estatais, de caráter social, corporativo, cultural, político, administrativo... Fonte:Elaboraçãoprópria,apartirdeCaravacaeGonzález(2009) 1.6GOVERNANÇATERRITORIAL Por fim, resta uma questão importante: a gestão dos processos de desenvolvimento territorial. Trata‐se da necessidade de mencionarmos outracategoriaconceitual,quechamamosdegovernançaterritorial. Agovernançaterritorialcorrespondeaumprocessodeplanejamentoe gestão de dinâmicas territoriais que prioriza uma ótica inovadora, partilhadaecolaborativa,pormeioderelaçõeshorizontais.Noentanto,esse processo inclui lutas de poder, discussões, negociações e, por fim, deliberações, entre agentes estatais, representantes dos setores sociais e empresariais,decentrosuniversitáriosoudeinvestigação.Processosdessa 246 natureza fundamentam‐se num papel insubstituível do Estado, em uma concepçãoqualificadadedemocraciaenoprotagonismodasociedadecivil, objetivando harmonizar uma visão para o futuro e um padrão mais qualificadodedesenvolvimentoterritorial(DALLABRIDA,2014a). A menção à governança territorial é utilizada para referir‐se aos processosdeassociativismoterritorial,sejamelessobaformadefórunsou conselhosvoltadosaodebatesobredesenvolvimentoregionalouadefinição depolíticaspúblicas,sejamformasdeassociativismo,taiscomo,associações de produtores ou artesãos, pequenas iniciativas na forma de cooperativas, ou associações de bairros, entre outras. O que diferencia uma ação de governança é que sempre se trata de intervenção coletiva voltada ao bem comum do conjunto de atores envolvidos, que inclui atores de caráter estatal, social e empresarial, integradamente, sustentada em relações horizontais,ondetodos,indistintamente,têmvezevoz.Diferedeumaação degoverno,decunhovertical,sustentadaemparâmetroslegais.Damesma forma, difere de uma ação do setor empresarial, a qual se rege por parâmetrosdecompetitividadesetorialedeaçãoprivada. Ousamos em afirmar que processos de desenvolvimento territorial só são legítimos se geridos por formas de gestão aqui caracterizadas pela concepçãoexpressapelacategoriaconceitualgovernançaterritorial. NocasoespecíficodasIG,suagestãotambémérealizadaporestruturas associativas, envolvendo atores sociais, empresariais e o Estado. Logo, podemosfazerreferênciaataisprocessosdeassociativismoterritorialcomo práticasdegovernançaterritorial. 1.7MEIOEFIM:AINDICAÇÃOGEOGRÁFICACOMOUMAESTRATÉGIANO PROCESSODEDESENVOLVIMENTOTERRITORIAL Finalizamos esta parte do texto situando a Indicação Geográfica como umaestratégiaparaodesenvolvimentoterritorial. 1.7.1INDICAÇÃOGEOGRÁFICA Consideramos as experiências de IG como uma das principais estratégiasquearticulaospotenciaisdedesenvolvimentoterritorialànoção de território, territorialidade, identidade, ancoragem e capital territorial, tendo como referencial para a sua gestão, a concepção de governança territorial. Sobre IG, nos restringimos aqui a duasmenções: sua concepção básicaetipologia. No Brasil, as Indicações Geográficas são consideradas marcas territoriais que reconhecem os direitos coletivos referentes aos sinais distintivos de um território. Assim, tornam‐se ferramentas coletivas de 247 valorizaçãodeprodutostradicionaisvinculadosadeterminadosterritórios, atendendo a duas funções: agregar valor ao produto e proteger a região produtora(GURGEL,2006). Uma IG pode ser de duas categorias. A Indicação de Procedência (IP), caracterizadaporseráreaconhecidapelaprodução,extraçãooufabricação de determinado produto, ou prestação de serviço. Já a Denominação de Origem (DO) é a categoria onde as características daquele território agregam um diferencial ao produto, ou seja, um produto cujas qualidades sofram influência exclusiva ou essencial, decorrente das características daquelelugar,incluídosfatoresnaturaisehumanos. Assim, as singularidades vinculadas ao território podem ser reconhecidas e protegidas mediante a IG, transformando‐se em uma estratégia a ser considerada no processo de desenvolvimento territorial, integrandooselementosconstitutivosdocapitalterritorial. 1.7.2DESENVOLVIMENTOTERRITORIAL Aconcepçãodedesenvolvimentoterritorialsurgedepoisdadécadade 1970,noséculoXX,numaassociaçãoentreanoçãodeterritórioeumanova concepçãodedesenvolvimento.Decertaforma,origina‐sedasformulações teóricas que recusaram, consciente ou inconscientemente, o paradigma do modeloúnicodedesenvolvimentodominanteatéentão(CAZELLA,BONNAL eMALUF,2008). Odesenvolvimentoterritorialpodeserentendidocomoumprocessode mudança continuada, situado histórica e territorialmente, integrado em dinâmicas intraterritoriais, supraterritoriais e globais, sustentado na potenciação dos recursos e ativos (materiais e imateriais, genéricos e específicos), com vistas à dinamização socioeconômica e à melhoria da qualidadedevidadesuapopulação(DALLABRIDA,2014a). Partindo da concepção de desenvolvimento territorial, qualquer estratégia ou projeto político de desenvolvimento que seja pensada para lugares, municípios, regiões, territórios ou países implica em considerar seus recursos e ativos integradamente, superando a tradicional concepção setorial. 2.CONTEXTUALIZANDOAREALIDADESOCIOCULTURALEECONÔMICANA QUALESTÁSENDOPROPOSTAAIGDAERVA‐MATE Énecessáriocontextualizarorecorteterritorialdaáreadeabrangência emqueestásendopropostaumaIGdaerva‐mate,nocontextosociocultural e econômico que resultaram na História do Contestado, com sua herança histórica, suas formas de inclusão e exclusão social, seus valores éticos, culturaisetradições. 248 Em 2012, o jornal O Estado de São Paulo realizou uma série de reportagens,sendoaprincipaldelasintituladaOsmeninosdoContestado. A expressãomeninoséumareferênciaàpopulaçãosobreviventedaGuerrado Contestado,queeramcriançasnaépocadoconflito.Vejamosumareferência 6 àpopulaçãoremanescente,feitapelorepórterCelsoJunior ,quefazpensar enosremeteaodesafiodebuscarsuperarcarênciashistóricas. O olhar desses meninos revela sofrimento, muito sofrimento, mas por outro ladorevelaumolharguerreiro,deesperança,equemsabeumdia,estaterra outrora maldita, tenha dias melhores... O Contestado não é uma guerra do passado,poisoestadobrasileiroaindanãoreparouosdanoslácausados. A referência a que o estado brasileiro ainda não reparou os danos causados pela forma de ocupação do Território do Contestado pode ser percebidanoatualpadrãoregionaldedesenvolvimentodoEstadodeSanta Catarina.TemosumaregiãodinâmicaqueseestendepeloValedoRioItajaí, o nordeste do estado e o litoral de norte a sul, atividades agrárias e industriais na serra e sul, além do oeste catarinense, onde se situam as grandes empresas ligadas ao agronegócio de cereais e carnes. Na parte central do estado, que corresponde ao recorte territorial do Contestado, predominam atividades do tipo extrativo‐vegetal e um setor industrial voltadoàproduçãodesemimanufaturados,aexemplodosetorervateiro,de papelecelulose.Mesmooseixosrodoviários,praticamenteaúnicaformade circulação de pessoas e mercadorias, circundam o Contestado, deixando vácuosdefluxoseatividadessocioeconômicasnoterritório,emespecialno Planalto Norte, onde situa‐se a cidade de Canoinhas. É o que está representadonaFigura2. Aliás,opadrãoregionaldedesenvolvimentodeSCfoitemadeestudode pesquisadorescatarinenseseespanhóis,duranteosmesesdejulhoeagosto 7 de 2014 . Tal estudo apontou quatro características básicas: (1) áreas no Oeste Catarinense, com dominância de complexos agroindustriais, com produtores totalmente integrados e identificados com o modelo; (2) áreas com ausência de complexos agroindustriais, com produtores identificados com produtos regionais, além das atividades industriais, como o caso do Vale da Uva Goethe (IG‐2012), do Queijo Serrano na Serra Catarinense e o Vale do Rio Itajaí; (3) áreas com existência de complexos agroindustriais 6 O documentário está disponível no site: http://topicos.estadao.com.br/contestado. A citação acima é um recorte de comentários feitos pelo repórter jornalístico em um vídeo disponível no site. 7 Os primeiros resultados dos referidos estudos foram apresentados em evento internacional, na Espanha. O tema está motivando a realização de um convênio entre universidades catarinenses, dentre elas a UnC, e a Universidad Castilla-La Macha, de Ciudad Real, na Espanha, o qual prevê o aprofundamento das investigações e a circulação interinstitucional de professores e estudantes de pós-graduação. 249 cominteressesemprodutospoucovalorizadoslocalmente,noentanto,com forteidentidadepaisagísticaeculturaleescassaintegraçãodosprodutores, 8 como o caso da Erva‐Mate do Contestado ; (4) a área litorânea, que se estende de norte a sul, com predominância de atividades relacionadas ao turismoefunçõesadministrativas,comexceçãodonordeste,ondesesitua um setor industrial dinâmico, exercendo uma forte pressão de atração de capitaisgeradosnointeriordoestado,aexemplodosinvestimentosnosetor imobiliário(DALLABRIDAetal.,2014). Figura2‐RepresentaçãodopadrãoregionaldedesenvolvimentodoEstadodeSC Fonte:AdaptadadeDallabridaetal.(2014) Especificamente em relação ao caso da erva‐mate do Território do Contestado, o estudo detecta desafios: (1) percebe‐se uma pressão de empresasparacontrolaraproduçãodeerva‐mate,inclusivecomacompra de ervateiras por multinacionais; (2) há desconhecimento local dos potenciaisdacadeiaprodutivadaerva‐mate,considerandooqueocorreem outras regiões produtoras; (3) percebe‐se desconexão dos grupos de investigação e falta de estudos sobre as potencialidades da conversão das áreas de remanescentes da Mata Atlântica em espaços de 8 Essa situação se repete no caso da atividade extrativo-florestal que serve de matéria prima para as indústrias de papel e celulose, com acentuada presença no Território do Contestado. 250 9 multifuncionalidades, com padrões de exploração sustentáveis , e (4) uma excessiva visão agrarista no padrão de desenvolvimento regional, além da baixa participação cidadã no processo de debate sobre desenvolvimento regional(DALLABRIDAetal.,2014). O que aqui chamamos Território do Contestado trata‐se, então, do recorte que compreende as áreas disputadas pelos Estados do Paraná e SantaCatarinaentreosanosde1853e1917eondeocorreramosconflitos da Guerra do Contestado, entre 1912 a 1916. O conflito representou a resistência dos camponeses, os ocupantes desse território naquela época, lutando contra forças militares institucionais que protegiam a ocupação territorial por formas de colonização que representavam a implantação do modo capitalista de produção. Os conflitos de resistência se tornam mais evidentesquandodaaberturadaestradadeferro,iniciadaem1890,aqual resultounadesapropriaçãodeterrassituadasnoseuentorno.Outromotivo darevoltadoscamponesesfoiapresençadaempresamadeireiraamericana Lumber, que adquiriu na região mais de 3.000 hectares de terras cobertas por araucárias, ocupadas pelos camponeses que exploravam a erva‐mate nativa,comomeiodesobrevivência. Noaspecto ambiental,acoberturavegetalqueabrigava,alémdaerva‐ mate, diferentes espécies, tais como a imbuia, as canelas e, em especial, a araucária, passou a ser objeto da devastação, para ser transformada em madeira.Concomitantemente,aerva‐matepassaaserexploraporempresas ervateiras. A própria presença da Lumber, ao impedir a população camponesa de ter acesso aos ervais nativos nas áreas em que adquiriu ou emquefaziaocortedamadeira,eramotivoderevoltaparaoscamponeses. Tanto a erva‐mate como a madeira passam a ser destinada ao comércio nacionaleinternacional. É nesse contexto sócio‐histórico e econômico que a erva‐mate passa a ter uma importância diferenciada; antes meio de sobrevivência dos camponeses,apartirdeentão,umamercadoriaparacomercialização.Todas essas transformações, aliadas à disputa por limites entre catarinenses e paranaenses,emgrandepartemotivadapelointeressedosdoisestadosem tributar a erva‐mate da região, foram motivos de contestação. Daí o nome Contestado. É notória a dificuldade para se localizar com precisão o Território do Contestado.Porexemplo,oGovernodoEstadodeSantaCatarinadefiniuas Regiões Turísticas, dentre as quais está destacada a região do Vale do 9 Uma das poucas exceções em termos de estudos é um trabalho que está em realização no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da UnC que estuda as potencialidades socioeconômicas nas áreas com a presença de remanescentes da Mata Atlântica. Ver resultados preliminares do estudo em: Petrentchuk, Marchesan e Dallabrida (2014). 251 10 Contestado ,conformeoMapa1.Éumaformadelocalização.Noentanto,o mapeamentonãoabrangetodaaáreaondepredominaaproduçãoervateira catarinense,estendendo‐setambémnoextremooeste.Alémdisso,nãoinclui a área ervateira do Estado do Paraná, que é contígua, estando presente, principalmente,nomédiovaledoRioIguaçu.Portanto,omapeamentonãoé suficiente,sendoapenasindicativo,comoumpontodereferênciainicial. Mapa1‐RegiõesTurísticasdoEstadodeSantaCatarina Fonte:http://www.santacatarinaturismo.com.br/ A região definida como Vale do Contestado, territorialmente, corresponde aproximadamente ao que os historiadores registram como sendo a área em que ocorreram os principais eventos da Guerra do Contestado, conforme a Figura 3. Assinala os locais onde ocorreram os principais eventos da Guerra do Contestado, além de trazer algumas informações ‐ por exemplo, o traçado da estrada de ferro São Paulo‐Rio GrandedoSulelocalizaçãodaempresaLumber‐alémdeinformaçõessobre osefeitosdaguerra. 10 A utilização da expressão Vale não é adequada sob o ponto de vista geográfico, pois, o recorte territorial situa-se predominantemente numa área de planalto. 252 Figura3:RecorteterritorialdaGuerradoContestado Fonte:http://www.estadao.com.br/infograficos/os‐principais‐embates‐da‐guerra,160605.htm JáomapeamentodoTerritóriodoContestado,registradonaFigura4,é mais abrangente. Demarca o Território do Contestado, incluindo áreas limítrofesentreSantaCatarinaeParaná,comoa"áreacontestada",ouseja, que no passado esteve em disputa entre paranaenses e catarinenses. Percebamos que o recorte territorial abrange, além do Planalto Norte Catarinense,todoooestedeSantaCatarinaeáreaspróximasdoParaná,na sua porção centro‐sul e oeste. Há nesse mapeamento uma melhor aproximação entre as áreas de predomínio da erva‐mate no território catarinenseeparanaense. AtarefademapearmosoTerritóriodoContestadotemumaimplicação comoquevamosreferirmaisadiante,queéaquestãodonomegeográfico daIGdaerva‐mateedadelimitaçãodasuaáreadeabrangência.Nãodeixa de ter, também, relação com o tipo de IG que for decidido registrar: uma IndicaçãodeProcedênciaouumaDenominaçãodeOrigem? Em qualquer dos casos, é necessário o mapeamento das áreas com a presençadaerva‐matecomascaracterísticaspretendidasparaaIG.Ocorre que, pelos dados estatísticos disponíveis atualmente, apenas conseguimos identificarovolumeanualdeerva‐mateproduzido,naformadefolhaverde e cancheada, conforme a Tabela 1. Mesmo esses dados, são aproximados, pois as fontes de informações são imprecisas. Servem apenas como um referencial.Essefatoreforçaanecessidadederealizaçãodeuminventário,o que demanda um trabalho de campo, além de buscar informações junto às prefeituras,órgãospúblicosdeextensãoruralouervateiras. 253 Figura4:MapeamentolocalizandoaáreaterritorialcontestadadosestadosdeSCePR Fonte:Fraga(2010,p.43,combaseemQueiroz,1981) NaTabela1,estãolistadososmunicípiosdosEstadosdeSantaCatarina e Paraná, na qual podemos ter uma primeira ideia sobre a distribuição territorial da erva‐mate. Os dados, apesar da sua fragilidade estatística, mostram que a erva‐mate tem uma concentração significativa nos municípiossituadosnoPlanaltoNorteCatarinense,dooestedecatarinense esuasproximidades,alémdocentro‐suleoestedoParaná. Se projetarmos essas informações no mapa dos estados de Santa Catarina e Paraná, temos uma distribuição, com áreas de concentração e outrasmaisdispersasnoterritório.VernaFigura5. 254 Tabela1‐Distribuiçãodomaiorvolumedeproduçãodeerva‐matenosestadosdeSCePR periodo 1990 a 2012 periodo 1990 a 2012 Santa Ctarina Paraná Municípios Total (ton) Municípios Canoinhas - SC São Mateus do Sul - PR 201.987,667 Mafra - SC Cruz Machado - PR 101.557,000 Itaiópolis - SC Bituruna - PR 101.467,667 Irineópolis - SC Paula Freitas - PR 79.489,333 Abelardo Luz - SC Pinhão - PR 78.795,000 Xaxim - SC Inácio Martins - PR 77.646,333 Chapecó - SC General Carneiro - PR 75.311,667 Ponte Serrada - SC Guarapuava - PR 60.706,000 Major Vieira - SC Prudentópolis - PR 51.290,333 Bela Vista do Toldo - SC Palmas - PR 50.569,333 Concórdia - SC Pitanga - PR 47.317,333 Xanxerê - SC Coronel Domingos Soares - PR 46.328,667 Caçador - SC Turvo - PR 40.585,333 Guatambú - SC Mallet - PR 37.384,000 Porto União - SC Santa Maria do Oeste - PR 32.560,000 Papanduva - SC Paulo Frontin - PR 31.018,000 Monte Castelo - SC Porto Vitória - PR 29.777,000 Vargeão - SC São João do Triunfo - PR 26.217,333 Campo Alegre - SC Fernandes Pinheiro - PR 25.265,333 Timbó Grande - SC Imbituva - PR 22.278,000 Três Barras - SC Mangueirinha - PR 20.437,333 Rio Negrinho - SC União da Vitória - PR 20.012,000 Total (ton) 422.929,000 342.406,333 233.867,333 224.680,000 179.936,000 169.984,000 163.151,667 132.604,667 109.628,333 95.610,333 90.637,667 79.950,000 78.321,000 72.135,000 58.791,667 53.904,667 48.276,667 46.484,333 39.898,667 37.127,000 34.707,333 33.953,000 Fonte:IBGE‐Somatórioemtoneladasdaerva‐mateemfolhaverdeecancheadanoperíodo OutroaspectoaconsideraréqueoTerritóriodoContestado,comoárea referidaparaconstituiraIGdaerva‐mate,fazpartedeumrecorteterritorial maior,queatingepartedoBrasileoutrospaísessul‐americanos.Noentanto, aerva‐matedorecorteterritorialemreferênciatemumdiferencial:trata‐se damaioremaiscontíguaáreadeerva‐matesombreadadomundo.Éoque apontam estudos recentes (MARQUES et al., 2012/2014; MARQUES, 2014; CHAIMSOHNetal.,2014).Vejamosalocalizaçãodasáreasdeincidênciade erva‐mate na Figura 6. Uma explicação sobre a Figura 6: toda a área marcada pela coloração mais escura é onde há a ocorrência de erva‐mate. Vejam que na sua maior parte coincide com a área original ocupada por índiosdanaçãoTupi‐Gurarani.Esseéumregistroparanoslembrardequeo hábitodousodaerva‐matefoipornósherdadodosindígenas. Oquedenominamosde"erva‐matenativaousombreada"seapresenta na natureza de formas variadas, conforme demonstrado na Figura 7, uma referênciaàsáreascomapresençadeerva‐mate,emassociaçãocomoutras espéciesvegetais.Apaisagemconstituiascaívas,umadenominaçãoregional para se referir aos remanescentes de áreas florestais manejadas, com a associação de espécies vegetais, dentre as quais a erva‐mate. Nas áreas de caívasmaisabertas,emgeral,háaassociaçãocomacriaçãoanimais. 255 igura6‐Áreasdelocalizaçãonaturaldaerva‐matenohemisfériosul Fonte:www.google.com.br Figura7‐Formasemqueseapresentaaerva‐matenativaousombreadananatureza Fonte:Marques(2014) 256 Por fim, é importante salientarmos que a erva‐mate do território do Contestado faz parte de um conjunto maior de produtos que apresentam especificidade territorial, espalhados por todo o Estado de Santa Catarina. Nocapítulo8,jáfoifeitaumadescriçãoelocalizaçãodosprincipaisprodutos regionais que apresentam potencialidades para se transformarem futuramenteemumaIG.Nãosãoosúnicos.Comcerteza,aestesénecessário agregaroutros.Alémdosprodutos,temosaáreadeserviços.Nessesentido, poderiam ser mencionadas, por exemplo, áreas turísticas tradicionais, tais como as regiões de águas termais. Todos os potenciais, no entanto, ainda carecem de estudos mais aprofundados para que se defina o caráter e a forma de destacar cada uma das especificidades territoriais apontadas, como ferramenta para articulação do desenvolvimento dos territórios da áreadeabrangência. 3.ASPECTOSPRÁTICOSRELACIONADOSÀSNORMATIVASPARAOREGISTRO DEUMAIG Situado teoricamente o tema Indicação Geográfica e contextualizada a realidadesobreaqualestásendoapresentadaumanovaexperiênciadeIG, nos propomos, na sequência, mencionar os principais aspectos exigidos pelas normativas que se referem ao registro, fazendo inferências sobre a prática, tomando como referência, o caso da erva‐mate no Território do Contestado. Faremosreferênciaaosprincipaisaspectosqueresultamdasexigências legaisdoórgãoresponsávelpeloregistrodeumaIG,oInstitutoNacionalde PropriedadeIndustrial(INPI),fazendoindicativasemrelaçãoàsituaçãoda erva‐mate. Tais aspectos são: (a) o requerente da IG junto ao INPI; (b) o nome geográfico da IG; (c) o produto ou serviço a ser registrado; (d) a espéciedeIG;(e)adelimitaçãodaáreaaserabrangidapelaIG. 3.1AQUEMCABEREQUERERUMAIG? ObservandoasIndicaçõesGeográficasregistradasatualmentenoBrasil peloINPI,temosdistintassituações.Quantoaorequerente,sempresetrata de um agente coletivo, por exemplo, na forma de associação, cooperativa, consórcio ou sindicato. O registro de uma IG é feito junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), mediante um instrumento processualquesolicitaoreconhecimento. Em quase todos os casos de IG, o registro é solicitado por uma associação de produtores. São exemplos: associação dos produtores vinho, carne,panelasdebarroecafé.Hácasosemqueoregistroérequeridopor umaassociaçãodeprodutoreseamigosdeumproduto.Exemplo:associação dos produtores e amigos da cachaça. Quando a IG se refere a um produto, 257 cuja área de abrangência é extensa, há duas situações: conselhos de associações de produtores; união das associações e cooperativas de produtores. Há casos em que a IG é requerida por uma associação de indústrias, em especial, quando se trata de um produto industrializado, como o exemplo do couro, produto resultante do processo de industrialização,nocaso,dematadourosoufrigoríficos.Émenosrecorrente que o registro de IG tenha sido requerido por cooperativas de produção, consórciosousindicatosdeprodutoresoudeindústrias. No caso da erva‐mate no Planalto Norte Catarinense e Centro‐Sul do Paraná, temos dois atores principais envolvidos. Em primeiro lugar e em maior número, os produtores, na sua maioria de pequeno porte; em segundo, vem o setor industrial e comercial. O setor empresarial, atualmente, está organizado, nos estados produtores, pelo Sindicato da IndústriadoMate,tantoemSantaCatarinacomonoParanáeRioGrandedo Sul, estados brasileiros que concentram a produção e industrialização da erva‐mate no Brasil. Quanto aos produtores, os mesmos se agregam em sindicatos de trabalhadores rurais. No entanto, não há no momento associaçõesdepequenosprodutores,emespecíficodaerva‐mate. Portanto,nocasodaIGdaerva‐mate,poderãosercaracterizadasduas situações. O registro poderá ser requerido por um ou mais sindicatos da indústria do mate. No entanto, há aspectos favoráveis e desfavoráveis. O favorável refere‐se ao fato de que se trata de estruturas organizacionais já existentes.Porém,osaspectosdesfavoráveisparecemseremmaiornúmero. Primeiro,éumarepresentaçãodeapenasumsegmentodacadeiaprodutiva, o comercial e industrial. Segundo, o setor, apesar de sua importância econômica,articulaumaparcelamuitopequenadosetorprodutivodaerva‐ mate, considerando‐se o grande número de produtores rurais que têm a erva‐matecomoumaatividadeeconômicaprioritáriaoucomplementar. Ouseja,nocasodapropostadeIGdaerva‐mate,umadasevidênciasé que o setor produtivo, que abrange a maior parte dos atores da cadeia produtiva,precisaseorganizaremumaoumaisassociaçãooucooperativa deprodutores.Essaéumaexigênciacomduplosentido.Primeiro,éaúnica formadeumdoselosdacadeiaprodutivafazerrepresentarseusinteresses frente ao sindicato da indústria, segmento já organizado. Segundo, o setor produtivo agrícola precisará necessariamente ter representação e esta não deveserminoritária,sejanonúmerodecomponentesou,mesmo,nopoder dedecisão.Arazãoésimples:sãoamaioriae,porquenãodizer,aprincipal razão de ser, ao se pensar no registro de uma IG como ferramenta para agregaçãodevaloremtodosossegmentosdacadeiaprodutiva. 3.2NOMEGEOGRÁFICOPARAAIG VerificandoosregistrosatuaisdeIGnoINPI,observamosqueexistem, 258 nomínimo,quatrosituações.Aprimeiraemaiscomuméarelaçãodonome geográficocomadelimitaçãodaáreadeabrangência.Temos,então,nomes deummunicípio,aexemplodocasodeParaty,comaIGdaCachaçaParaty. Outra situação é associar o nome geográfico fazendo menção a uma referênciadelocalizaçãoregional,aexemplodaRegiãodoCerradoMineiro, comaIGdoCafédeCerrado.Aterceirasituaçãoéassociarumareferência de localização com um produto, a exemplo do Vale do Própolis Verde de Minas Gerais, para uma DO de própolis recentemente registrada11. Uma quarta situação é definir o nome geográfico associando localização geográfica com algum fator de ordem cultural ou histórica. Ex.: Norte Pioneiro do Paraná, onde está presente a dimensão geográfica ‐ Norte do Paraná ‐, com um fator histórico, ao referir‐se a uma região caracterizada pelopioneirismonocultivodocafé. Retomemosaocasodaerva‐mate.Mesmoqueadiscussãoaindaesteja noseuestágiopreliminar,dassugestõesmaisreferidas,duassedestacam.A primeira é o nome geográfico fazer referência à área territorial onde se concentra a maior produção. Nesse caso, referências feitas são: Planalto NorteCatarinenseeCentroSuldoParaná;ouValedosriosNegroeIguaçu. Essas duas referências requerem ser analisadas no espaço, considerando a necessidadedeinstitucionalizararegionalizaçãoedelimitaçãodaárea. A análise preliminar da realidade socioeconômica e histórico‐cultural do Contestado parece indicar que o mais adequado é associar o nome geográfico da IG da erva‐mate, com fatores de ordem histórica e cultural, além dos de localização. Ou seja, o termo Contestado remete a uma referência de ordem histórico‐cultual e identitária, fazendo referência à históriadeumpovoque,graçasaosseusvaloresculturais,rebelou‐secontra aformadeocupaçãoterritorial,alémdeteraerva‐matecomohábitoemeio desobrevivência.Refere‐se,também,aosaspectos delocalização,poisestá institucionalizadapeloEstadodeSantaCatarinaaregiãoturísticadoValedo Contesta.Éclaroqueonomevale,nãoéadequadosobopontodevistada geografia, pois o recorte territorial é constituído predominantemente de áreas de planalto, o que implica que essa questão seja revista, alterando a legislação que a institucionalizou. Outro aspecto é o fato de que, caso se pretenda abranger toda a área de produção da erva‐mate dos estados de Santa Catarina e Paraná, a regionalização do Vale do Contestado não contemplaorecorteterritorialparanaense,comosomentepartedaáreade cultivodeerva‐matedeSC. Ou seja, há desafios a serem pensados antes de se definir o nome geográfico.Sãoalgunsexemplos.QualaáreaaserdefinidaparaaIG?Qualo tipodeIG?CasoseopteporumaIGtipoDO,quaiscaracterísticasespecíficas serão destacadas? Dependendo das opções de respostas, poderá se optar 11 No caso referido, o diferencial do produto é ter coloração predominantemente verde, em função do tipo de vegetação na qual as abelhas buscam a matéria prima. 259 entre uma das diferentes possibilidades, dentre as quais, apresentamos sugestões: Território Ervateiro do Contestado; Erva‐Mate Florestal do Contestado; Território da erva‐mate nativa do Contestado. Mesmo estes exemplos requerem análises e tomada de posição no que se refere à oficialização da regionalização, visto que o que temos é apenas o chamado ValedoContestado,comoregiãoturística. 3.3PRODUTOOUSERVIÇOASERREGISTRADO Quantoaoprodutoaserregistrado,nocasoemreferência,seráaerva‐ mate, nas suas diferentes formas de utilização, tais como: erva‐mate para chimarrão; chás a base da erva‐mate; erva‐mate para sucos, refrigerantes, energéticos ou outras bebidas; erva‐mate para uso culinário, farmacêutico, cosméticoenaindústriaquímicaemgeral. 3.4AESPÉCIEDEIG Neste quesito, dependendo do tipo de encaminhamento, poderemos tornaraerva‐mate,pormeiodoprocessoderegistrodaIG,umprodutocom maisespecificidadeenotoriedade,dependendodaespéciederegistro,como IP,ouDO. Essa é uma questão da maior importância. Temos a possibilidade de apenasregistrarumprodutopelasuanotoriedadehistóricaeterritorial,na espéciedeumaIP.OutrapossibilidadeéregistrarmosumaDO.Trata‐sede registrarmos um produto, ao mesmo tempo, com notoriedade e especificidade.AsegundaopçãorestringiriaaatribuiçãodoselodaIGparaa erva‐mate,daáreaaserdefinida,quetenhacaracterísticasespecíficas. 12 Considerando estudos já realizados , os quais precisariam ser aprofundados, cerca de 70% a 80% da erva‐mate das regiões do Planalto Norte Catarinense e Centro‐Sul do Paraná, o que corresponde ao que chamamosdeTerritóriodoContestado,temduascaracterísticasespeciais:é cultivada na forma nativa ou sombreada e sem uso de agrotóxicos. Poderíamos acrescentar uma terceira: predominam nos ervais de espécies nativasdaregião.Claroqueestaúltimacaracterísticaexigirámaisestudos, demédioelongoprazo. Aassociaçãodessascaracterísticaspoderáseconstituirnoindicativoda possibilidade de se realizar o registro da erva‐mate regional na forma de umaDO.Apesardepareceralgorestritivo,nãodeixariadetrazerreflexosde notoriedade à erva‐mate produzida na área definida, tanto a que poderia obter o selo de IG como o restante da produção. Uma questão deve ser considerada: quanto maior a diferenciação do produto a ser registrado, maior será a valorização pelo mercado, do que resultarão, por extensão, maioresganhosemtodaacadeiaprodutivadaerva‐mate. 12 Um deles já mencionado: Marques (2014). 260 3.5DELIMITAÇÃODAÁREAASERABRANGIDAPELAIG Damesmaformaquenosaspectosanteriormentereferidos,observando os registros de IG no Brasil, percebem‐se diferentes situações. Há IG registrada, tendo como área de delimitação uma parte de um ou mais municípios. Outras demarcações correspondem às regionalizações já existentes,aexemplodaRegiãodoJalapãonoEstadodeTocantins,nocaso da IG de artesanato de capim dourado. No entanto, é mais comum a demarcação geográfica pelas coordenadas geográficas, de forma exclusiva, ouassociadaàsformasanteriormentemencionadas. No caso da IG da erva‐mate, a demarcação da área de abrangência dependerá,emparte,donomegeográficoedotipodeIGescolhida,IPouDO. Ouseja,deverácorresponder,aomesmotempo,aoterritóriodeabrangência dosfatoshistóricosrelacionadoscomaQuestãodoContestado,associadoà área de maior domínio da erva‐mate. Pelo que conhecemos, há uma correspondência muito próxima, entre fatos históricos e área de domínio. Nessecaso,restariadefinirorecorteterritorialquemelhorcorrespondesse aosdoisfatoresmencionados,sejaporcoordenadasgeográficas,ouporárea deabrangênciadeumconjuntodemunicípios,sejamelesdeSantaCatarina oudoParaná. 4.ANÁLISESEPROJEÇÕESSOBREAIGDAERVA‐MATENOCONTESTADO Mesmo que a forma com a qual fazemos essas análises e projeções possaserconsideradaumpoucoanárquica,considerandooqueéusualnum artigo científico, ousamos em apontar indicativos para reflexão e, se possível,orientaçãodasaçõesemrelaçãoàproposiçãodaIGdaerva‐mate noTerritóriodoContestado.Ofazemossempedantismoedeformaquenão represente uma opinião isolada, nem temos a pretensão de representar a verdade única. Tivemos, sim, o cuidado científico de sustentar nossas proposições em estudos nacionais e internacionais já realizados sobre o temaemreferência. Vários são estudos realizados sobre as potencialidades para a IG da erva‐materegional,nosquaisnossustentamos,aexemplodedissertaçõese teses de doutorado, tais como, de Souza (1998) e Marques (2014). Na mesmalinha,fazemosreferênciaainvestigaçõesqueforamrealizadasdesde 2010 no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado, destacando: (a) o Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento (financiado pela FAPESC),queestudouexperiênciasdeIGbrasileiras,comaparticipaçãode mais de uma dezena de pesquisadores das principais universidades catarinenses, parte dos resultados registrados em publicações recentes 261 (DALLABRIDA et al., 2014; MAIORSKI e DALLABRIDA, 2014; SANDER e DALLABRIDA, 2014; PETRENTCHUK, MARCHESAN e DALLABRIDA, 2014); (b) estudos de pós‐doutorado realizados em 2013 no Instituto de Ciências SociaisdaUniversidadedeLisboa,abrangendoexperiênciasdeIGdoBrasil e de Portugal (DALLABRIDA, 2014a); (3) estudos realizadas em cinco experiênciasbrasileiras,cincodePortugaleduasdaEspanha,entre2013e 2014, que resultaram já em publicações nacionais e internacionais, tais como,Dallabrida(2013;2014b/c)eDallabridaeFerrão(2014). Ainda, durante os meses de julho e agosto de 2014, foram realizados estudosdeinvestigaçãopeloProf.Dr.JulioPlazaTabasco,daUniversidade deLaMancha(Espanha),emsuaatuaçãonaUniversidadedoContestadoe outras três de Santa Catarina, como Pesquisador Visitante, projeto financiado pelo CNPq que teve como tema de estudo a "Erva‐mate como alternativa de desenvolvimento territorial", contextualizando‐a no estudo sobre as formas de usos de solo e seus impactos no desenvolvimento regional. No mesmo período, em evento promovido pelo Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado, juntamente com a EPAGRI de Canoinhas, intitulado III Workshop sobre DesenvolvimentoRegionalnoTerritóriodoContestadoeIISeminárioSistemas de Produção Tradicionais e Agroflorestais no Centro‐Sul do Paraná e Norte Catarinense, foram apresentadas por palestrantes brasileiros, portugueses, espanhóis argentinos, experiências brasileiras e internacionais, cujas principaisconclusõesforamcondensadasemdocumentodisponibilizadoàs 13 instituições, lideranças e comunidade regional . Boa parte das conclusões contidasnodocumentocoincidecomosindicativosaquipropostos. Como já fizemos referência na introdução, há contribuições de um conjunto significativo de pesquisadores brasileiros e de outros países, que realizaram investigações e publicaram livros e artigos científicos, tratando do tema, com análises de experiências brasileiras e europeias. Com base nisso, acreditamos que é possível afirmar que temos uma base teórica e prática que pode servir de referencial para propormos indicativos, com o fimdeorientaroprocessodediscussãoeproposiçãodaIGemreferência. Em síntese, tais estudos, somando‐se aos debates já realizados regionalmente, apontam, no mínimo, seis questões referenciais, conforme enumeradasadiante. 1. Todas as ações voltadas à proposição de uma IG precisam estar referenciadas no envolvimento social, ou seja, fazer com os atores territoriais e não para eles, o que implica no envolvimento de forma 13 Trata-se do Documento Estratégico sobre Desenvolvimento Regional no Território do Contestado, o qual pode ser disponibilizado aos interessados, pelos autores. 262 igualitária de todos os segmentos da cadeia produtiva da erva‐mate (pequenosegrandesprodutoresruraiserepresentantesdosetorsindicala que pertencem; setor industrial, setores públicos municipais, estaduais e federais relacionados ao setor agrícola...), além dos pesquisadores que investigamotema. 2. A atividade produtiva da erva‐mate precisa ser considerada na dimensão do que podemos denominar uma agricultura multifuncional a serviço do desenvolvimento sustentável (RÉMI, 2010), na forma de sistemas agroalimentares localizados (SIAL) (REQUIER‐DESJARDINS, 2010), ou sistemasprodutivoslocaisagroecológicos(VIEIRAetal.,2010),oqueimplica em que a avaliação de sua importância como fator impulsionador do desenvolvimentoprecisalevaremcontanãosóosresultadoseconômicosda atividade de produção e industrialização, mas sua contribuição na preservação ambiental, na manutenção do agricultor familiar na sua propriedade rural e na possibilidade de gerar alternativas futuras de desenvolvimento, por exemplo, a valorização do patrimônio cultural e ambiental ou o turismo rural, oportunizando com isso outras formas de rendimento aos produtores rurais, sustentáveis econômica e ambientalmente. 3. Da mesma forma que em outras atividades econômicas, no caso da erva‐mate,éindispensávelmanterofococentralnaagregaçãodevaloraos produtos,afimdesuperaratradiçãoextrativistapredatóriaeexportadora de commodities de baixo valor agregado, historicamente presente no TerritóriodoContestado,oqueimplica: a‐ Apoiar pesquisas em realização e incentivar novos estudos, com o intuito de ampliar o desenvolvimento de novos produtos e subprodutos oriundos da erva‐mate, tais como, bebidas, refrigerantes, sucos e outros, tarefaresponsabilidadedosórgãosde pesquisa,as universidadesedemais órgãosregionais; b‐Departedosetorempresarial,terofoconainovaçãoindustrial,com lançamentodenovosprodutos,priorizaçãodaqualidade,alémdeampliaro processamento regional dos mesmos, evitando a comercialização ou exportaçãodaerva‐mate,comomatériaprimasemiprocessada. 4.Estudos,comoosdeMarques(2014),demonstramqueemtornode 80% da erva‐mate produzida nas áreas produtoras de Santa Catarina e Paraná provém de ervais nativos, ou o que também chamamos de "erva‐ mate sombreada". Além disso, a maior parte dessa produção não utiliza agroquímicosnoprocessoprodutivo,oquereforçaoindicativodequeseja adotadocomonormaparaaIndicaçãoGeográficadaerva‐materegional,na forma de Denominação de Origem, duas exigências, tais sejam, ser exclusivamente erva‐mate nativa ou sombreada e cultivada de forma agroecológica,transformando‐seestenoprincipaldiferencialdoprodutoem 263 relação às outras regiões produtoras, consequentemente, atribuindo‐lhe maior notoriedade e valorização no mercado de consumo nacional e internacional. A este diferencial, outros podem ser acrescidos, mediante comprovação. 5. Realizar um inventário definindo e mapeando as áreas com predominância de localização da erva‐mate sombreada, nos estados de Santa Catarina e Paraná, caso essa característica seja assumida como diferencial. 6. Que sejam aprofundados estudos em relação ao melhoramento genético da erva‐mate, priorizando espécies nativas, originalmente encontradasnaMataAtlânticadaregião,comoque,nofuturopróximo,se possa inserir mais este diferencial nas características a serem atribuídas a erva‐matequeviráutilizaroselodeIG. Porfim,algumasreflexõesnosentidodequecompreendamosmelhora acepção dos conceitos que são propostos aqui para orientar a prática do desenvolvimentoterritorial. Primeiro, quando concebemos território como uma construção social resultantederelaçõesdepoder,precisamosdiferenciardoquepoderiaser 14 entendido como o ressurgir do "mandonismo local" , ou do sistema de patronagem.Aocontrário,aconcepçãodeterritóriocomoconstruçãosocial, no caso do chamado Território do Contestado, implica em rever e, se possível,superarconcepçõesdeliderançacentralizadoras,paraumaprática democrática.Implica,também,emrenegartentativassutisdeesquecimento da história e identidade dos povos derrotados, representada por certo desleixo para com o patrimônio histórico e cultural do Contestado, a exemplodoabandonoouatençãoinsuficienteàsigrejasegrutas,aospontos históricoscomoocasodacidadedeIrani,oupeloesquecimentodaculinária edaartedopassado,alémdeoutrosexemplosnegativos. Implica em resgatar e reconstruir valores e tradições do passado. Relembramos apenas três destes valores tão presentes no povo do Contestadodopassado:acooperação,aaçãocoletivaeaindignação,esta,no sentido de não aceitação passiva de imposições, sejam elas de qualquer origemouespécie.Adefiniçãodeumaestruturaorganizacionalparagerira IG da erva‐mate, exigirá, além da prática democrática, muita cooperação, capacidade de ação coletiva e, por vezes, posicionamentos de indignação, 14 Conceito proposto por autores clássicos, tais como Oliveira Viana e Maria Isaura Queiroz, para se referirem às relações de subordinação de senhores sobre escravos, ou, mais tarde, dos coronéis, representados por grandes latifundiários, sobre as populações locais a eles subordinadas. Hoje, poderíamos comparar com posturas ainda presentes em algumas regiões, que se revelam no que chamamos de "votos de cabresto", ou formas correlatas de liderar antidemocraticamente. 264 renegando práticas invasivas, individualistas e que não privilegiem os interessescoletivos.Ouseja,oprocessoderegistrodaIGserencaradocomo umprojetocoletivo,queincluaosdiferentessujeitosdoterritório. Uma segunda categoria conceitual referida é a identidade territorial, entendida como elemento diferenciador de um determinado agrupamento populacional.Conformejáreferido,aidentidadeterritorial,aoreafirmaras normas e valores éticos e comportamentais, contribui para melhorar a transferência do saber entre as gerações. Além disso, os sentimentos identitários determinam, no nível local, um apego afetivo aos valores paisagísticos e culturais do território. Assim, o desenvolvimento territorial sesustentanacapacidadedacomunidadelocaldevalorizaçãodoterritório, em particular, os recursos que constituem elementos de diferenciação. É o quepareceserograndedesafioparaoTerritóriodoContestado,conforme apontamestudosanteriormentereferenciados. Outra questão é a concepção de ancoragem territorial. Uma determinada atividade econômica estar ancorada territorialmente representa estar enraizada no território. Implica em inverter a lógica histórica que ocorre em muitas regiões, e também no Território do Contestado,queatendeunicamenteadimensãodeapropriaçãodosrecursos dosterritórios.EmpresaseprodutoresruraisprecisamterclaroqueaIGda erva‐mate terá maiores contribuições ao desenvolvimento territorial, na medidaemquecontribuaparaaumentaracirculaçãoderendaregional,que hajacomprometimento,porexemplo,comapreservaçãoambiental,pois,no caso da erva‐mate, esse é o principal recurso disponível para geração de empregoerenda. Tanto a acepção de território, identidade e ancoragem territorial, remeteànoçãodecapitalterritorial,comooconjuntodosrecursoseativos de um determinado território. Trata‐se de enfrentar o desafio de ativar e revalorizarocapitalterritorial,convertendoaquelesprodutosgenéricosem específicos, resultando numa das mais importantes estratégias de desenvolvimentoterritorial(BENKOEPECQUEUR,2001;PECQUEUR,2006). Ouseja,éindispensáveldedicarumaatençãoespecialaoreconhecimentoe valorização das características de especificidade territorial que possui a erva‐mate do Território do Contestado. Se não for dedicada a atenção necessáriaaessadimensão,nomáximo,estaremosdandoumpoucomaisde notoriedade ao produto erva‐mate e continuaremos competindo no mercadonacionaleinternacional,vendendomaisumcommodity. Sintetizando, a possibilidade de articulação do desenvolvimento territorialpormeiodeestratégiastaiscomooreconhecimentoevalorização das características de especificidade territorial, a exemplo da Indicação Geográfica, representa associar articuladamente as pessoas, o produto e o território,comoestárepresentadonaFigura8. 265 Figura8‐Interaçãoentrepessoas,oprodutoeoterritório Fonte:AdaptadodeVandecandelaere(2011,p.11) Restaria uma última interrogação: qual o significado do indicativo que consta na Figura 8 sobre o processo coletivo de criação de valor? A referênciatemrelaçãocomofatodequediferentesatorespodemparticipar noprocessodecriaçãodevalor,desdeasautoridadespúblicas,osórgãosde investigação e extensão, as organizações não governamentais e os setores empresariais do território. Ou seja, o envolvimento articulado de toda a cadeiaprodutiva,quenessecasopassaaseconstituircomocadeiadevalor, (os produtores, os processadores, os distribuidores e os consumidores, tantolocaiscomoextralocais). Essas referências são de extrema importância no processo de institucionalizaçãodeumaIGnumdeterminadoterritório. CONSIDERAÇÕESFINAIS Para finalizar, assinalamos como um dos principais desafios a serem enfrentados,ofatodequenoTerritóriodoContestadonãosetemrealizado um estudo que identifique com profundidade os ativos e recursos territoriaisquepossamapoiarumplanejamentoterritorial,integradamente à estratégia da Indicação Geográfica da erva‐mate. Ou seja, referimo‐nos à tarefadeinventariarecaracterizaroscomponentesdocapitalterritorialdo Território do Contestado. Fazemos referência a um esforço no sentido da identificação e caracterização de suas paisagens, o patrimônio histórico, artístico,culturalearquitetônico,asatividadeseconômicaspotenciais,como exemplo, o turismo. Paralelamente, se apresenta a necessidade de 266 pensarmos na estruturação de centros de investigação, além de atividades deapoioquepossamcontribuirnaarticulaçãodacadeiaprodutivadaerva‐ mate, na perspectiva de sua reestruturação, com destaque na inovação e desenvolvimentodenovosprodutos. Um segundo desafio é a necessidade de organização dos produtores rurais que tem a erva‐mate como uma atividade prioritária ou complementar se organizarem, de preferência, em microrregiões, seja na forma de associação ou cooperativas de produtores. Justificando a proposição, a projeção é de que a IG da erva‐mate venha abranger uma grandeáreageográfica,inclusiveatingindomaisdeumestadobrasileiro,no caso,SantaCatarinaeParaná. Considerando que, nessa prospecção, teríamos um sindicato da indústria e uma ou mais estruturas organizacionais dos produtores, seria prudente que se imagine uma estrutura organizacional, integrando os diferentes segmentos da cadeia produtiva da erva‐mate. Ressalta‐se esse indicativo, considerando‐se que a reestruturação da cadeia produtiva da erva‐mate poderá gerar outras iniciativas produtivas, a exemplo de rotas turísticas de caráter histórico, cultural e ambiental, o que poderá oportunizar o surgimento de outras iniciativas empresariais, tais como, pousadas ou hotéis, restaurantes, empresas de transporte ou turismo, museuseocomérciodeprodutosalimentaresouartesanatotípicoregional. Ouseja,aestruturaorganizacionalmaisrecomendávelseriaaprevistasoba formadeUniãodasAssociaçõesdeEmpreendedoresnoSetorErvateiro,ou Consórcio do Setor Ervateiro, ou algo assemelhado. O título poderá ser acrescidodonomegeográficoaserdefinidoparaaIG. Em relação ao nome geográfico da IG da erva‐mate pela associação de um produto com destaque no Território do Contestado, incluindo áreas de Santa Catarina e Paraná, lembramos uma questão adicional: trata‐se certamentedamaioráreadeerva‐matedomundocontíguaoupróxima,com predominância quase absoluta da forma de cultivo nativo ou sombreado, incluindo formas de plantio natural, ou por processos de manejo florestal, poradensamentoemáreasderemanescentesdaMataAtlântica.Alémdisso, predominaocultivoagroecológico. A questão ecológica é um dos aspectos de maior importância a ser consideradoparaodesenvolvimentoterritorial.Éumdebateaserassumido com discernimento, superando interesses individualistas ou imediatistas, sejadosetorprodutivo,comercialouindustrial.Éimportanteressaltarque produzir agroecologicamente é conceber a produção agrícola como um sistemavivo ecomplexo,integradona naturezaemantendoadiversidade, noqualaespéciehumanaseinserenãocomopredadora,mascomoumdos elementos integrantes e promotora da preservação das demais espécies. O principalbônusdeproduziremsistemasdeproduçãoagroecológicoséque, 267 além de produzir alimentos mais saudáveis, os mesmos tendem a ser cada vez mais valorizados pelo mercado, além de, no caso da erva‐mate, servir comoumdiferencialqualificado. Estudospreliminaresapontamqueaerva‐matenativaousombreadae cultivada de forma agroecológica apresenta um sabor mais suave, com melhor aceitação no mercado brasileiro e uruguaio (LOPES, 2011; MARQUES et al., 2012), além de que os manejos tradicionais da erva‐mate junto a ervais florestais, pela maior valorização no mercado, compensaria uma possível menor produtividade (MARQUES et al., 2014). Tais estudos precisamseraprofundados. Já autores como Chaimsohn et al. (2014), apontam que a erva‐mate cultivadadeumaformatradicional,ouagroecologicamente,trazvantagens significativas. Configura‐se como atividade fortemente ligada às tradições e à história das famílias, além de ser um trabalho prazeroso para os agricultores. Contribui para a conservação dos remanescentes florestais e de espécies arbóreas ameaçadasdeextensão,aumentaaconectividadeentrefragmentosflorestais, gera diversos serviços ecossistêmicos e permite uma multiplicidade de usos noservaisflorestais(CHAIMSOHNetal.,2014,p.49). É importante salientar que o processo de preservação e reconstrução destes sistemas contribui para a permanência da biodiversidade da floresta de araucáriaedeseusvalorespaisagísticos,ecológicoseambientais(incluindoa conservação do solo e água), além de culturais e históricos, que podem estimular o turismo rural e ecológico, por exemplo, colaborando para o desenvolvimentoterritorial. Em síntese, os sistemas tradicionais de erva mate, se valorizados, "reinventados" e reconstruídos, podem ter impactos importantes no desenvolvimento territorial das regiões Centro‐Sul do Paraná e Norte Catarinense,tantodopontodevistaeconômico,comoambiental,paisagístico, socialecultural(CHAIMSOHNetal.,2014,p.53). Por fim, além da questão ecológica, acreditamos que no processo de valorizaçãodaerva‐matepormeiodaIG,sefaznecessárioassumirodesafio de pensar ações de desenvolvimento territorial na perspectiva da pluriatividade, associando inovação, viabilidade econômica, equilíbrio e conservação socioambiental. São exigências para dimensionar adequadamente uma estratégia de desenvolvimento territorial integrada paraoTerritóriodoContestado. São essas as reflexões e projeções que consideramos imprescindíveis, tantonosentidodecontextualizarteoricamenteodebatesobreIGquantoao se referir aos aspectos práticos relacionados às normativas para seu registro,tomandocomoreferênciaaexperiênciaemcursodeestruturação daIGdaerva‐matenoTerritóriodoContestado.Comoassumimosodesafio 268 de ser tanto críticos como propositivos, estamos abertos a admitir posicionamentos contrários, no entanto, comprometendo‐nos com o aprofundamentododebatesobreatemáticaaquiapresentada. REFERÊNCIAS ACAMPORA, T.; FONTE, M. Productos típicos, estrategias de desarrollo rural e conocimientolocal.Opera,n.7,p.191‐212,2008. ALBAGLI, S. Território e territorialidade. In: LAGES, V.; BRAGA, C.; MORELLI, G. Territórios em movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva.Brasília:SEBRAE,p.23‐69,2004. BENKO,G.;PECQUEUR,B.Osrecursosdeterritórioseosterritóriosderecursos.Geosul, Florianópolis,v.11,n.32,p.31‐50,jul./dez.2001. BONNAL, P.; CAZELLA, A.; MALUF, R. S. Multifuncionalidade da agricultura e desenvolvimento territorial: avanços e desafios para a conjunção de enfoques. Estud. Soc.Agric.,RiodeJaneiro,vol.16,no.2,p.185‐227,2008. CARAVACA, I. B.; GONZÁLEZ, R. G. Las redes de colaboración como base del desarrollo territorial. Scripta Nova ‐ Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Barcelona,Vol.XIII,núm.289,1demayode2009. CHAIMSOHN,F.P.;MACHADO,N.C.;GOMES,E.P.VOGT,G.A.;SOUZA,A.M.;MARQUES,A. C. Sistemas tradicionais e agroflorestais de erva mate e impactos no desenvolvimento territorial: o Centro‐Sul do Paraná e Norte Catarinense. In: DALLABRIDA, V. R. (Org.). DesenvolvimentoTerritorial:políticaspúblicasbrasileiras,experiênciasinternacionais eaIndicaçãoGeográficacomoreferência.SãoPaulo:EditoraLiberArs,p.47‐54,2014. CHAMPREDONDE, M. La valorización de la tipicidad cultural y territorial de productos mediante certificaciones em países de América Latina. In: FROEHLICH, J. M. (Org.). DesenvolvimentoTerritorial–Produção,IdentidadeeConsumo.Ijuí:EditoraUnijui, p.119‐141,2012. CHAMPREDONDE, M.; VANDECANDELAERE, E.; SCHIAVONE, E.; UYARZUN, M‐T.; GRANADOS, L. (Orgs.). Orientaciones para la evaluación de solicitudes de registro: IndicaciónGeográfica Denominación de Origen. Roma:FAO ‐ Oficina de Intercambio de Conocimientos,InvestigaciónyExtensión,2012. CHAMPREDONDE, M. ¿Qué es un producto típico certificable mediante IG/DO en el contextoLatinoamericano?Ejemplosapartirdecasosargentinos.PerspectivasRurales. NuevaÉpoca,Año10,N°19,p.61‐82,2011. DALLABRIDA,V.R.(Org.).Desenvolvimento Territorial:políticaspúblicasbrasileiras, experiênciasinternacionaiseaIndicaçãoGeográficacomoreferência.SãoPaulo:Editora LiberArs,2014c. DALLABRIDA, V. R. (Org.). Governança Territorial e Desenvolvimento: Descentralização Político‐Administrativa, Estruturas Subnacionais de Gestão do DesenvolvimentoeCapacidadesEstatais.RiodeJaneiro:Garamond,2011. DALLABRIDA, V. R. (Org.). Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento Regional: reflexões sobre Indicação Geográfica e novas possibilidades de desenvolvimento com base em ativos com especificidade territorial. São Paulo: Editora LiberArs,2013. 269 DALLABRIDA, V. R. Ativos Territoriais como Estratégia de Desenvolvimento: uma análise focada em experiências brasileiras e portuguesas. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais/UniversidadedeLisboa,2014b(Inédito). DALLABRIDA,V.R.Davantagemcomparativaàvantagemdiferenciadora:estratégiasde especificação de ativos territoriais como alternativa de desenvolvimento. DRd‐ DesenvolvimentoRegionalemdebate,Ano2,n.1,p.104‐136,2012a. DALLABRIDA, V. R. Governança Territorial: do debate teórico à avaliação da sua prática,Lisboa,InstitutodeCiênciasSociais/UniversidadedeLisboa,2014a(Inédito). DALLABRIDA, V. R. Território e Desenvolvimento Sustentável: Indicação Geográfica da erva‐matedeervaisnativosnoBrasil.InformeGEPEC,Vol.16,N.1,Toledo(PR),p.111‐ 139,2012b. DALLABRIDA, V. R.; FERRÃO, J. Governança Territorial em Arranjos Cooperativos Institucionais e Organizacionais: aportes teórico‐metodológicos e avaliação de experiências brasileiras e portuguesas. XIII Seminário da Red Iberoamericana de InvestigadoressobreGlobalizaciónyTerritorio(RII),Salvador(BA),dias01a04de setembrode2014. DALLABRIDA, V. R.; MARCHESAN, J.; ROSSETTO, A. M.; FILIPPIM, E. S.. Governança nos territórios,ougovernançaterritorial:distânciaentreconcepçõesteóricaseaprática.19º Congresso da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional (APDR), UniversidadedoMinho(Braga‐Portugal),20e22dejunhode2013. DALLABRIDA,V.R.;TABASCO,J.P.;PULPÓN,Á.R.R.;MARCHESAN,J.;ROSANEU,M.F.; ABIB, S. W.; BADALOTTI, R. M. Geração de alternativas de desenvolvimento em Santa Catarina (Brasil): os desafios da produção dissociada dos grandes complexos agroindustriais. VIII Congreso Internacional de Geografía de América Latina. Revisandoparadigmas,creandoalianzas,Madrid,AGEAL,15‐20deseptiembrede2014. DENARDIN,V.F.;SULZBACH,M.T.Produtoscomidentidadeterritorial:ocasodafarinha demandiocanolitoralparanaense.In:SAQUET,M.A.;SANTOS,R.A.Geografiaagrária, territórioedesenvolvimento.SãoPaulo:ExpressãoPopular,p.219‐236,2010. FLORES,M.Laidentidadculturaldelterritoriocomobasedeunaestrategiadedesarrollo sostenible.Opera,n.7,p.35‐54,2008. FRAGA,N.C.TerritóriodoContestado(SC‐PR)eRedesGeográficasTemporais.Mercator, volume9,número19,p.37‐45mai./ago./2010. FRAYSSIGNES,J.LesAOCdansledéveloppementterritorial–uneanalyseentermes d'ancrageappliquée aux cas français des filièresfromagères.ThèsedeDoctoraten EtudesRurales,mentionGéographie,INP–ENSAT,2005(2volumes). FROEHLICH, J. M. (Org.). Desenvolvimento Territorial – Produção, Identidade e Consumo.Ijuí:EditoraUnijui,2012. GURGEL, V. Aspectos jurídicos da indicação geográfica. In: LAGARES, L.; LAGES, V.; BRAGA, C. (Orgs). Valorização de produtos com diferencial de qualidade e identidade: Indicações Geográficas e certificações para competitividade nos negócios. Brasília:SEBRAE,2006. HAESBAERT, R. O território e a nova des‐territorialização do Estado. DIAS, L. C.; FERRARI, M. (Orgs.). Territorialidades Humanas e Redes Sociais. Florianópolis: Insular,p.17‐37,2011. 270 LEADER. A competitividade dos territórios rurais à escala global: conceber uma estratégia de desenvolvimento territorial à luz da experiência LEADER. v. 5. Bruxelas: ObservatórioRural/LEADER/AEIDL,2001. LOPES,N.O.V.Aindicaçãogeográficacomoformadevalorizaçãodabiodiversidade noplanalto norte catarinense.Florianópolis:UniversidadeFederaldeSantaCatarina, 2011(DissertaçãodeMestradoemAgroecossistemas). MAIORKI, G. J. A Indicação Geográfica de Produtos: um estudo sobre sua contribuição econômica no Desenvolvimento Territorial. II Seminário de Desenvolvimento Regional,EstadoeSociedade(SEDRES).CampinaGrande,13a15deagosto/2014. MARQUES, A. C. As paisagens do mate e a conservação socioambiental: um estudo junto aos agricultores familiares do Planalto Norte Catarinense. Curitiba: Universidade FederaldoParaná,2014(TesedeDoutoradoemMeioAmbienteeDesenvolvimento). MARQUES,A.C.etal.FlorestasNacionaisedesenvolvimentodepesquisas:omanejoda erva‐mate (Ilex paraguariensis A. St.‐Hil.) na Flona de Três Barras/SC. Biodiversidade Brasileira,v.2,n.2,p.4‐17,2012. MARQUES,A.C.;DENARDIN,V.F.;REIS,M.S.;WISNIEWSKI,C.Aspaisagensdomateno PlanaltoNorteCatarinense.In:DALLABRIDA,V.R.(Org.).DesenvolvimentoTerritorial: políticaspúblicasbrasileiras,experiênciasinternacionaiseaIndicaçãoGeográficacomo referência.SãoPaulo:EditoraLiberArs,p.33‐46,2014. NIEDERLE, P. A. (Org.). Indicações Geográficas: qualidade e origem nos mercados alimentares.1.ed.PortoAlegre:UFRGS,2013a.v.1. NIEDERLE, P. A.; GELAIN, J. Geographical indications in Brazilian food markets: quality conventions, institutionalization and path dependence. Journal of Rural Social Sciences,v.28,p.26‐53,2013. ORTEGA,A.C.;JEZIORNY,D.L.VinhoeTerritório:aexperiênciadoValedosVinhedos. Campinas:EditoraAlínea,2011. PECQUEUR,B.Qualidadeedesenvolvimentoterritorial:ahipótesedacestadebensede serviços territorializados. Eisforia, Florianópolis: UFSC, v.4, p. 135‐154, Janeiro‐ Dezembro,2006. PETRENTCHUK, L. W.; MARCHESAN, J. DALLABRIDA, V. R. Novas alternativas de desenvolvimentoregionalempequenaspropriedadesdaRegiãodeCanoinhas(SC):um estudo a partir do manejo de fragmentos de floresta ombrófila mista. II Seminário de DesenvolvimentoRegional, EstadoeSociedade(SEDRES).CampinaGrande,13a15 deagosto/2014. POLLICE, F. O papel da identidade territorial nos processos de desenvolvimento local. (Tradução de Andrea Galhardi de Oliveira; Renato Crioni; Bernadete Aparecida CapriogliodeCastroOliveira).EspaçoeCultura,N.27,p.7‐23,2010. QUEIROZ, M. V. Messianismo e Conflito Social (A Guerra Sertaneja do Contestado: 1912/1916).3.ed.SãoPaulo:EditoraÁtica,1981. RAMÍREZ,E.Laidentidadcomoelementodinamizadordelaeconomíaterritorial.Opera, N.7,p.55‐67,2007. RÉMI,J.Agriculturamultifuncionalaserviçododesenvolvimentosustentável.In:VIEIRA, P. F.; CAZELLA, A.; CERDAN, C.; CARRIÈRE, J‐P (Orgs.). Desenvolvimento Territorial Sustentável no Brasil: Subsídios para uma política de fomento. Florianópolis: APEC/Secco,p.225‐233,2010. 271 REQUIER‐DESJARDINS, D. Sistemas Agroalimentares Localizados e Qualificação: uma relação complexa. In: VIEIRA, P. F.; CAZELLA, A.; CERDAN, C.; CARRIÈRE, J‐P (Orgs.). Desenvolvimento Territorial Sustentável no Brasil: Subsídios para uma política de fomento.Florianópolis:APEC/Secco,p.259‐278,2010. SACCO DOS ANJOS, F.; CALDAS, N. V. Indicaciones geográficas, desarrollo e identidad territorial.AgriculturafamiliarenEspaña,v.1,p.207‐214,2010. SACCO DOS ANJOS, F.; CRIADO, E. A.; CALDAS, N. V. Estrategias de valorización de productoslocalesenEspañayBrasil.Rev.deEconomiaAgrícola,SãoPaulo,v.58,n.1, p.01‐17,jan./jun.2011. SANDER, S. D. A Indicação Geográfica como instrumento para o desenvolvimento sustentável. II Seminário de Desenvolvimento Regional, Estado e Sociedade (SEDRES).CampinaGrande,13a15deagosto/2014. SANTOS, J. F.; RIBEIRO, J. C. Estratégias empresariais de base territorial: o caso Symington e a produção de Vinho do Porto. DRd‐Desenvolvimento Regional em debate,Ano2,n.1,p.134‐155,jul.2012. SANTOS,M.;SILVEIRA,M.L.OBrasil:territórioesociedadenoiníciodoséculoXXI. RiodeJaneiro:Record,2001. SAQUET,M.A.AbordagenseConcepçõesdeTerritório.SãoPaulo:ExpressãoPopular, 2007. SAQUET, M. A.; BRISKIEVICZ; M. Territorialidade e Identidade: um patrimônio no desenvolvimento territorial. Caderno Prudentino de Geografia, nº 31, vol. 1, p. 3‐16, 2009. SILVA, F. N.; SACCO DOS ANJOS, F.; CALDAS N. V.; POLLNOW, G. E. Desafios à institucionalizaçãodasIndicaçõesGeográficasnoBrasil.DesenvolvimentoRegionalem debate,Ano2,n.2,p.31‐44,nov.2012. SOUZA, A. M. Dos ervais ao mate: possibilidades de revalorização dos tradicionais processosdeproduçãoedetransformaçãodeerva‐matenoplanaltonortecatarinense. Florianópolis:UFSC,1998(DissertaçãodeMestradoemAgroecossistemas). TONIETTO, J. Vinhos brasileiros de 4ª geração: o Brasil na era das indicações geográficas.BentoGonçalves:EmbrapaUvaeVinho,2003. VANDECANDELAERE,E.;ARFINI,F.;BELLETTI,G.;MARESCOTTI,A.(Editores).Uniendo Personas,TerritoriosyProductos.Guíapafomentarlacalidadvinculadaalorigenylas indicacionesgeográficassostenibles.Roma:FAO,2011(reimpressão). VIEIRA, P. F.; CAZELLA, A.; CERDAN, C.; ANDION, C. Potencialidades e obstáculos à construção de Territórios Sustentáveis no Estado de Santa Catarina. In: VIEIRA, P. F.; CAZELLA, A.; CERDAN, C.; CARRIÈRE, J‐P (Orgs.). Desenvolvimento Territorial Sustentável no Brasil: Subsídios para uma política de fomento. Florianópolis: APEC/Secco,p.289‐328,2010. 272 CAPÍTULO13 INDICAÇÕESGEOGRÁFICASCOMOPOLÍITICAS PÚBLICASDEDESENVOLVIMENTOTERRITORIAL RURAL‐OCASODOSVALESDAUVAGOETHE1 AdrianaCarvalhoPintoVieira‐UNESC ValdinhoPellin‐FURB 1.INTRODUÇÃO Nosúltimosanos,asindicaçõesgeográficas(IG’s)têmsidoconsideradas possíveisestratégiasdedesenvolvimentoe/oufortalecimentoeconômicode regiões,comsuacapacidadedevalorizarosrecursosterritoriaiseestimular osurgimentodenovosnichosdemercado.Podemserpensadascomouma ferramentadeocupaçãoharmoniosadoespaçoculturalprodutivo,aliandoa valorização de um produto típico e seus aspectos históricos e culturais à conservaçãodabiodiversidadeeodesenvolvimentorural. Trata‐se de uma importante estratégia para a indução de desenvolvimentoterritorialrural,bemcomodeestímuloaosatoressociais para promover “processos de qualificação”. Ensejam um novo modelo de produção e consumo alimentar, revalorização de tradições, costumes, o saberfazereoutrosbensimateriaisassociadosaumaidentidadeterritorial eorigemgeográficaespecífica(NIEDERLE,2013). Conforme Cerdan (2013), a proteção e a promoção das IG’s são justificadas pelos seus impactos no desenvolvimento territorial. A autora apontaquediversospaísesevidenciamequalificamosprincipaisbenefícios, tais como observados na Europa. Estes benefícios são: a geração de satisfação para o produtor, que vê seus produtos comercializados no mercado,valorizandooterritórioeoconhecimentolocal;facilitaapresença deprodutostípicosnomercado;contribuiparapreservaradiversificaçãoda produção agrícola, as particularidades e a personalidade do produto; aumenta o valor agregado dos produtos; estimula a qualidade, já que os produtos são submetidos a controle de produção e elaboração; permite ao consumidoridentificarperfeitamenteoprodutonosmétodosdeprodução, fabricação e elaboração dos produtos; melhora e torna mais estável a demandadoproduto;geraganhosdeconfiançajuntoaoconsumidorquanto 1 O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública N.04/2012/Universal. 273 àautenticidadedosprodutos,pelaaçãodosConselhosReguladores;facilita o marketing; promove os produtos típicos; facilita o combate à fraude, o contrabando, a contrafação e as usurpações; favorece as exportações e protegeosprodutoscontraaconcorrênciadeslealexterna. É nesse contexto que emergiram recentemente no Brasil discussões voltadas às contribuições que as IG’s podem oferecer para o desenvolvimento territorial. Em concreto, este artigo pretende analisar como o instituto da IG pode promover o desenvolvimento territorial no espaçorural,identificandopontosfortesevocaçõeseconômicasquepodem tornar a região mais competitiva. A análise será efetuada à luz da experiênciadaIndicaçãodeProcedênciadosValesdaUvaGoethe,naregião deUrussanga–SC. Metodologicamente, o artigo vale‐se de uma pesquisa qualitativa e descritiva,vistoquepermiteaopesquisadorseaproximardavivênciasocial dogrupoemestudo,entendendocomoaconstruçãodessarealidadequese processouecomonaquelecontextosemovimenta(SHAW,1999).E,quanto aos meios de investigação, classifica‐se como bibliográfica e de estudo de caso, uma vez que foi realizada como meio de investigação as fontes secundárias. A estrutura do artigo é dividida em três partes. Em um primeiro momento, privilegia‐se uma breve abordagem sobre desenvolvimento territorial no espaço rural, avançando para uma caracterização da propriedade intelectual e da relação entre a vitivinicultura e as IG’s. Na sequência efetua‐se a análise da experiência da Indicação de Procedência dos Vales da Uva Goethe na região sul de Santa Catarina e, por fim, apresentam‐seasconsideraçõesfinais. 2.REFERENCIALTEÓRICO O marco teórico‐conceitual do presente trabalho compreende, em um primeiromomento,acaracterizaçãosobreodesenvolvimentoterritorialem espaços rurais. Em seguida, aborda brevemente a questão da propriedade intelectual e, na sequência, apresenta a relação entre a vitivinicultura e as IndicaçõesGeográficasnapromoçãododesenvolvimentoterritorial. 2.1ODESENVOLVIMENTOTERRITORIALEMESPAÇOSRURAIS Um dos primeiros estudiosos a apresentar uma definição para o território foi Ratzel, que o descreve como um espaço apropriado por um determinado grupo (CORREA, 1995; SCHNEIDER, 2004). Considerando as formasdeapropriaçãoetransformação,oterritóriopodesercompreendido apartirdeseususos,comooespaçomodificadopelatécnica,pelotrabalho, 274 sendopalcoeatornasrelaçõesquealisãoproduzidas(SANTOSESILVEIRA, 2001). Schneider (2004, p. 99) compreende o território enquanto “[...] um espaço de ação em que transcorrem as relações sociais, econômicas, políticaseinstitucionais.Esseespaçoéconstruídoapartirdaaçãoentreos indivíduoseoambienteoucontextoobjetivoemqueestãoinseridos”.Nesse sentido,percebe‐ocomodinâmico,emconstantetransformaçãoemudança. Esse dinamismo é configurado tanto pelos atores internos e suas inter‐ relações como pela relação com fatores externos. Resultado de uma construçãosocialecoletiva,oterritórioéconsideradooespaçoapropriado por um determinado grupo que compartilha valores culturais, e se torna foco do desenvolvimento, não sendo apenas o espaço físico, mas também atordesseprocesso.Osterritóriossão,portanto,realidadesemmovimento, nasquaisimperaramasrelaçõessociais,eanoçãodeterritóriodesignaaqui o resultado da confrontação dos espaços individuais dos atores nas suas dimensõeseconômicas,socioculturaiseambientais(CARRIÀREeCAZELLA 2006). O desenvolvimento territorial designa todo processo de mobilização dosatoresqueleveàelaboraçãodeumaestratégiadeadaptaçãoaoslimites externos, na base de uma identificação coletiva com uma cultura e um território(PECQUEUR,2005).Anoçãodeterritório,portanto,abrecaminho para um avanço notável no estudo do próprio desenvolvimento, já que sugereumaênfasenamaneiracomoosdiversosatores(privados,públicose associativos)relacionam‐senoplanolocal.Oprocessodedesenvolvimentoé o resultado da forma específica como são usados os fatores materiais e imateriaisdisponíveis,combaseemditasrelações(ABRAMOVAY,2006). NoBrasil,odebateemtornododesenvolvimentoterritorialsustentável no meio rural intensifica‐se, não apenas como mais uma questão de corte setorial,mascomoumassuntoqueinteressaatodasociedade.Omeiorural passaaservistocomoumpalcoparaacriaçãodedinâmicasinovadorasde desenvolvimento.Issoocorreu,principalmentenasúltimasdécadas,quando a maioria da população brasileira observou o crescimento de uma urbanizaçãocaóticaeexcessivaequesetornacadavezmaisproblemática em função do agravamento do êxodo rural, sobretudo da população jovem provenientedonordeste(ANDION,2010). Aliás,oprocessodeurbanizaçãosempreestarápresentenasdiscussões relacionadasaodesenvolvimentonomeiorural.Averdadeéque,comobem destaca Martini (1993), a redistribuição da população sobre o espaço obedece à evolução da localização e da reestruturação da atividade econômica. Ou seja, como a concentração espacial da grande maioria das atividadeseconômicaslocaliza‐senosgrandescentros,éláqueseconcentra tambémamaiorpartedapopulação. 275 Quandosediscuteeseproblematizaoêxodorurale,emalgunscasos, os processos de litoralização2, é possível deparar‐se com estratégias interessantes de fortalecimento dos espaços rurais. Na maioria dos casos, essasestratégiastêmdemonstradoqueosterritóriosruraistambémpodem tornar‐sedinâmicosquandoinvestemnasuamultifuncionalidade.Pequenos produtores rurais podem investir na produção orgânica ou de produtos tradicionais locais agregando valor a estes produtos e tornando atividade rentável economicamente. Outro exemplo é o desenvolvimento de atividadesnãoruraisemespaçosruraiscomoéocasodoturismo. Nesse cenário, emergem as IG’s como possíveis estratégias de desenvolvimentooufortalecimentodeespaçosrurais,sobretudonasregiões mais fragilizadas economicamente. Embora ainda em estágio embrionário no Brasil, algumas experiências têm demonstrado vitalidade e resultados positivosnoaproveitamentodaspotencialidadeslocais,como,porexemplo, o estímulo à produção e comercialização de produtos tradicionais, promovendoumamelhorianaqualidadedevidadapopulaçãoautóctone. Osprodutostradicionaispodemserconsideradosumimportanteativo paraodesenvolvimento,emparticularnaszonasrurais.Essetemaconstitui o objeto de uma literatura emergente, que se concentra especialmente na interface entre o uso de marcas coletivas, as denominações de origem e o desenvolvimento de atividades relacionadas ao turismo (LORENZINI, CALZATIeGIUDICI,2011). 2.2PROPRIEDADEINTELECTUAL–INDICAÇÕESGEOGRÁFICAS ConformeapontamVieiraeBuainain(2011),apropriedadeintelectual tem conquistado um papel relevante em diversos setores da economia. Atualmente, o valor e a importância dos bens imateriais são considerados superiores ao dos bens materiais e imóveis que constituía o principal componente do patrimônio das pessoas físicas e jurídicas até muito recentemente. Destacamosautoresqueosdiversossinaisdistintivosnasceramdeum objetivocomum:distinguiraorigem(geográficaoupessoal)deumproduto. Em 1883, em virtude de que alguns acordos bilaterais formulados para proteger as indicações geográficas eram bastante frágeis, os países produtores, especialmente de vinho, optaram por organizar um tratado internacional para proteger os direitos de propriedade intelectual, e não somente os de indicações geográficas. A partir desse cenário, cria‐se a ConvençãoUniãodeParisparaaproteçãodapropriedadeindustrial(CUP). Otratadotinhacomoobjetivoinicialcoibirafalsaindicaçãodeprocedência (VIEIRAeBUAINAIN,2011). 2 É o caso que ocorre no Estado de Santa Catarina. 276 Novos nichos de mercados foram surgindo, adquirindo estratégias de valorizaçãodoproduto.Anoçãodeindicaçõesgeográficas(IG)foisurgindo de forma gradativa, quando produtores e consumidores passaram a perceber sabores ou qualidades peculiares em alguns produtos que provinham de determinados locais. Essas características não eram encontradas em produtos equivalentes feitos em outro local. Assim, começou‐seadenominarosprodutos–queapresentavamumdiferencial– comonomegeográficodesuaprocedência(FÁVEROetal.,2010). No Brasil, o marco regulatório sobre propriedade intelectual foi quase inteiramente renovado na década de noventa. E, dentre as diversas legislaçõesaprovadassobreotema,tem‐seaLein.º9.279/96,denominada de Lei de Propriedade Industrial (LPI). Quanto às indicações geográficas, a norma não define o que é, mas estabelece suas espécies: a Indicação de Procedência (IP) e a Denominação de Origem (DO), inexistindo hierarquia legalentreelas,sendopossibilidadesparalelasàescolhadosprodutoresou prestadoresdeserviçosqueplanejambuscaressamodalidadedeproteção, atendidososrequisitosdaleiedesuaregulamentação. A Indicação de Procedência (IP) é caracterizada por ser o nome geográficoconhecidopelaprodução,extraçãooufabricaçãodedeterminado produto, ou pela prestação de dado serviço, de forma a possibilitar a agregação de valor quando indicada a sua origem, independente de outras características. Ela protegerá a relação entre o produto ou serviço e sua reputaçãoemrazãodesuaorigemgeográficaespecífica,condiçãoestaque deveráser,indispensavelmente,preexistenteaopedidoderegistro. ADenominaçãodeOrigem(DO)cuidadonomegeográfico“quedesigne produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos”. Em suma, a origem geográfica deve afetar o resultado final do produto ou a prestação do serviço, de forma identificável e mensurável, o que será objeto de prova quando formulado um pedido de registro enquadrado nessa espécie ante ao INPI, através de estudos técnicos e científicos,constituindo‐seumaprovamaiscomplexadoqueaexigidapara asIndicaçõesdeProcedência. Assim,aDOtratadeumdireitodepropriedadeintelectual,associadoa uma região, passível de utilização por aqueles que naquela área explorem qualquerramodeproduçãocaracterístico,sendoconstituídopelonomeda localidade,regiãooumesmopaís.Temporfunçãodesignarumprodutoou uma mercadoria originária, cuja qualidade e características são devidas exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo mesmo fatores humanos. Barbosa (2013) aponta que a IP é a expressão ou sinal que indica a origem geográfica específica de um produto ou serviço. Na DO, além da 277 origem geográfica o produto ou serviço possui características particulares devido ao meio geográfico em que se encontra, como o tipo de solo que conferesaboresdiferenciados,porexemploaumauvaprodutoradevinho.E no presente estudo, cita‐se como exemplo o Vale dos Vinhedos. Nessa proteção, podem ser incluídos fatores humanos singulares como as condiçõesespecíficasdeprodução.Porexemplo,aformaímpardemanusear oleiteparatransformá‐loemqueijo. Nas palavras de Barbosa (2013), se percebe que a disposição feita no Acordo TRIPs, descreve as IG’s como indicações que identificam um bem comoorigináriodoterritório,oudeumaregiãooudeumalocalidade,enão umnomegeográficocomonaLPI.Dessaforma,oBrasilémaisrestritivoao condicionarseusregistrosanomesgeográficos. Portanto, diferenciando‐se a IP da DO, a primeira poderá ser aposta a qualquerprodutoprovenientedeumadeterminadaárea,enquantoqueDO assinala um produto que provém de uma determinada região e que, além disso, é produzido ali segundo métodos particulares associados devido ao meiogeográficoequeadquireespecificidadesdaregião. 2.3AVITIVINICULTURAEASINDICAÇÕESGEOGRÁFICASCOMOESTRATÉGIA PARAODESENVOLVIMENTOTERRITORIALRURAL No Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro do Vinho3 (IBRAVIN), a vitivinicultura4 ocupava em 2009 uma área de aproximadamente 100 mil hectares, com uma produção anual de 1,2 milhões de toneladas, concentrada principalmente nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco.ParaMello(2013),trata‐sedeumaatividadeimportantepara asustentaçãodepequenaspropriedadesnoBrasile,nosúltimosanos,tem se tornado importante, também, na geração de empregos em grandes empreendimentosqueproduzemuvasdemesaeuvasparaprocessamento. A vitivinicultura brasileira hoje pertence ao que se pode chamar de novo mundo vitivinícola5, ao lado de países como Chile, Argentina, EUA, África do Sul, Austrália, entre outros, cuja produção está baseada principalmente em variedades importadas dos tradicionais países 3 Dados disponíveis em http://www.ibravin.org.br/regioesprodutoras.php De acordo com o dicionário online de português, vitivinicultura é o processo ou desenvolvimento que envolve o cultivo e/ou a fabricação de vinho. Pode ser entendido ainda como a atividade que consiste na exploração econômica desse processo. 5 O aumento no consumo dos chamados “vinhos do novo mundo” já preocupa os produtores de regiões vinícolas tradicionais. De acordo com Novakoski e Freitas (2003) enquanto as exportações de vinhos europeus cresceram em torno de 20% nos últimos 20 anos, países não tradicionais nesse setor como Nova Zelândia, EUA, Chile, Austrália, Argentina e África do Sul experimentaram um crescimento de mais de 50% no mesmo período. 4 278 produtoresdevinhodaregiãomediterrânea.Nasúltimasdécadasessesetor tem apresentado um significativo crescimento, principalmente em decorrênciadaexpansãodeáreascultivadasedamelhorianastecnologias de produção de uvas e vinhos em diversas regiões brasileiras (VIEIRA, WATANABE e BRUCH, 2012). No contexto da vitivinicultura brasileira, destaca‐se a Serra Gaúcha como a principal região vitivinícola do Brasil. Nessa região 12 mil pequenas propriedades rurais cultivam aproximadamente31milhectaresdevinhedos.Aregiãocontacomcercade 600 produtores de vinho, entre grandes empresas, cooperativas e cantinas familiares(NIEDERLE,2009). É justamente a forte ligação com o território que favorece o reconhecimento6 e o desenvolvimento de IG’s na vitivinicultura. Como destacam Flores, Falcade e Medeiros (2010) na vitivinicultura o terroir7 podecaracterizarediferenciarcadaprodutolheconferindoumaidentidade própria.EssaidentidadepodesermaterializadaatravésdasIG’squepodem fomentarefortificarregiões.NessaesteiradediscussãoSato(2013)lembra queatualmentenoBrasilaIGparavinhostemsidogradativamenteadotada porassociaçõesprodutorasdevinhos,principalmentenaregiãosul8,ondea produçãodevinhosfinoseespumantesémaissignificativa. AsIG’s,comunsnaEuropa9eaindapoucoreconhecidasnaAméricado Sul e no Brasil, podem ser entendidas, do ponto de vista econômico, como uma estratégia para agregar valor a produtos ou serviços que têm características próprias, relacionadas ao território ao qual estão inseridas. Essa agregação de valor pode representar um incremento na renda dos produtores envolvidos, seja através do aumento no preço dos produtos oferecidos, no aumento do volume de vendas ou na conquista de novos mercados. Podem valorizar, também, as tradições locais, fortalecendo a identidadeculturaldaregião. AsIG’stêmsidoamplamenteutilizadasnosmercadosagroalimentares para proteger e valorizar produtos de diferentes tipos. Nesse sentido, têm sidofomentadasiniciativasparaqueosprodutosconsideradoslocaiscriem 6 É importante destacar que uma IG não se cria, mas, sim, se reconhece. De acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), o terroir vitivinícola compreende características específicas de solo, topografia, clima, paisagem e biodiversidade. Além disso, seu conceito refere-se ao espaço onde se desenvolve um saber coletivo de interações entre o meio físico, biológico e práticas vitivinícolas aplicadas (OIV, 2008). 8 A região sul apresenta, até o momento, o reconhecimento de quatro IGs de vinhos: Vale dos Vinhedos (RS), Vales da Uva Goethe (SC), Vinhos Pinto Bandeira (RS) e Vinhos Altos Montes (RS). Além destas está em andamento mais um projeto de reconhecimento de IG. Trata-se dos Vinhos da Campanha, na região de Santana do Livramento- RS (Sato, 2013). 9 Na Europa, esse tipo de dispositivo de diferenciação é conhecido como Denominação de Origem Protegida (DOP) ou Indicação Geográfica Protegida (IGP) e contempla principalmente produtos agroalimentares, que podem ser oriundos de transformação agroindustrial ou produtos in natura (SILVA, et al. 2012). 7 279 estratégias de diferenciação no mercado a partir das denominações de origem,aexemplodaqualidadedoproduto,agregaçãodevaloraoproduto, etc.(VIEIRAeBUAINAIN,2011). Estima‐sequeovalorgeradopelavendadeprodutoscomIG10naUnião Europeiaem2010equivaleaaproximadamente54,3bilhõesdeeuros.Desse total,osprodutoscommaiordestaque sãoosvinhos,querepresentamem torno de 56%, os produtos agrícolas e gêneros alimentícios em torno de 29%easbebidasespirituosas11comaproximadamente15%dovalortotal geradospelosprodutos.Aindaemrelaçãoàsvendas,oestudoapontaque 60%destesprodutossãocomercializadosnoprópriopaísdeprodução,20% emoutrospaísesdauniãoeuropeiae20%sãocomercializadosempaísfora daUniãoEuropeia.Outrodadoimportanteapontadopeloestudorefere‐seà agregaçãodevaloraosprodutoscomIG.Deacordocomorelatóriodofundo europeu,estima‐sequeessesprodutossãocomercializados,emmédia,por umvalor2,3312vezesmaiorqueprodutossimilaressemIG(CHEVERetal., 2012) 13. Ao contrário das marcas e das patentes, as IG’s são passíveis de uma grande variedade de proteções. Podem ser protegidas por legislação sui generis ou decretos ‐ esse é o sistema adotado pela França e por Portugal, por exemplo. Outra possibilidade é o registro das indicações geográficas, adotado pelo Brasil. É possível, também, apoiar‐se na lei contra a concorrênciadesleal,ounanoçãodoilícitodo“passingoff,”(fazerprodutos “passarem por” outros), que basicamente preveem práticas comerciais desleaisquenãodevemserusadas.OusodeIndicaçãoGeográficaparaum produtoquenãoéprovenientedaregiãoindicadaseriaumótimoexemplo da prática da concorrência desleal. Se a proteção for buscar no Direito a proteção contra ato ilícito, não existem formalidades a cumprir, como o 10 Nessa análise são considerados os produtos reconhecidos com Indicação Geográfica Protegida e Denominação de Origem Protegida. 11 De acordo com o regulamento europeu, bebidas espirituosas são bebidas que possuem características organolépticas específicas e um título alcoométrico mínimo de 15 % vol., sendo produzidas diretamente por destilação, maceração ou adição de aromas ou pela mistura de uma bebida espirituosa com outra bebida, de álcool etílico de origem agrícola ou de certos destilados. São exemplos de bebidas espirituosas: o rum, aguardente, vodka. 12 Em relação a esta questão, é importante lembrar que isso não significa que a margem de lucro desses produtores seja 2,23 vezes maior. É preciso considerar que, muitas vezes, os produtos com IG e DO têm custos adicionais de produção em relação a seus similares por necessitarem cumprir normas estabelecidas em seus cadernos de especificações da IG ou da DO. 13 Os atores desenvolveram um estudo que procurou quantificar o valor econômico da produção de produtos agrícolas e de gêneros alimentícios, de vinhos, de vinhos aromatizados e de bebidas espirituosas cujo nome está protegido como Indicação Geográfica ou Denominação de Origem na União Europeia. Os dados se referem ao período compreendido entre 2005 e 2010. O relatório completo está disponível em: http://ec.europa.eu/agriculture/externalstudies/value-gi_en.htm. 280 registro ou decisão administrativa; ou seja, a parte lesada vai direto aos tribunais(VIEIRAeBUAINAIN,2011;VIEIRA,WATANABEeBRUCH,2012). AsIG’spodemaindaserprotegidaspeloregistrodemarcascoletivasou marcas de certificação. As marcas coletivas, ao contrário das marcas, pertencem a um grupo de comerciantes ou produtores. A marca de certificação, por outro lado, não pertence a ninguém: é registrada na suposição que qualquer pessoa que preencha as condições prescritas pode utilizá‐la.Porexemplo,ousodamarcadecertificaçãoparaoqueijoStiltoné reservado a certos produtores que satisfazem as condições exigidas pelo regulamentodeutilizaçãodessamarca(VIEIRAeBUAINAIN,2011). Representam, portanto, um instrumento de valorização de tradições, costumes,saberes,práticaseoutrosbensimateriaisassociadosàidentidade territorial. Utilizada pelos produtores como um instrumento de agregação de valor e acesso a mercados e reputadas pelos consumidores como um mecanismodegarantiadequalidade,asindicaçõesgeográficastambémsão consideradascomopotenciaisinstrumentosdedesenvolvimentoterritorial, posto que possibilitam a exploração de ativos intangíveis de difícil transposição para outros territórios, constituindo uma vantagem competitiva em mercados cada vez mais marcados pela diferenciação de produtos(NIEDERLE,2009;DULLIUS,2009). Todavia, existem outros benefícios que também precisam ser considerados. De acordo com o Cerdan et al. (2010), as IG’s podem gerar benefíciossociaiseculturais,representadospelainserçãodeprodutoresou regiõesdesfavorecidasnomercado,ebenefíciosambientais,relacionadosà preservaçãodabiodiversidadeedosrecursosgenéticoslocais. Além disso, é importante destacar as atividades complementares que podem surgir após a certificação de produtos tradicionais. Na grande maioria dos casos, as indicações geográficas e as denominações de origem protegida podem estabelecer relações com outros segmentos que não tenham ligação direta com o produto certificado. Tal consequência pode fortalecer atividades importantes, gerando emprego e renda local. É o que Pecquer (2001) denomina de “cesta de bens e serviços do território”. Um exemplosãoasatividadesvoltadasaoturismo14. Locatelli (2007) corrobora com as afirmações de Pecquer ao defender que é possível observar o desenvolvimento e fortalecimento de atividades voltadas ao turismo e a gastronomia em muitas regiões que obtiveram o reconhecimento de IG’s para seus produtos. Para a autora, as IG’s, ao estimularem a tradição e a cultura de uma região, atraem turistas e possibilitamaexploraçãodeatividadeslucrativasindiretas. 14 Após o reconhecimento da indicação geográfica, o Vale dos Vinhedos estruturou propostas de roteiros pelas vinícolas (roteiro enológico, gastronômico e cultural), aumentando significativamente o fluxo de turistas na região e complementando a renda dos produtores, principalmente das pequenas vinícolas. 281 3.APRESENTAÇÃOEANÁLISEDAEXPERIÊNCIADOSVALESDAUVAGOETHE Santa Catarina tem reconhecimento nacional e internacional pela qualidade dos vinhos que produz. Segundo a Empresa de Pesquisa AgropecuáriaeExtensãoRuraldeSantaCatarina–EPAGRI,oimpulsodado pelaspesquisaseporinvestimentospioneirosnosetorvitivinícolaconstruiu umsegmentoeconômicopromissorparaoEstado. Com o objetivo de dar maior visibilidade a seu produto, a Progoethe, juntamente com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas ‐ SEBRAE e a Universidade de Santa Catarina – UFSC, fizeram o pedidodereconhecimentodaIndicaçãodeProcedência(IP)dosvinhosdos “ValesdaUvaGoethe”(videFigura2),noInstitutoNacionaldePropriedade Intelectual (INPI). Este foi depositado em 18 de agosto de 2010 sob n°. IG201009,naespécieIndicaçãodeProcedência. Figura2:LogomarcadaIndicaçãodeProcedênciadosValesdaUvaGoethe(IPVUG) Fonte:ConselhoRegulador(IPVUG) Teve como requerente a ProGoethe, compreendendo a seguinte área delimitada: VALES DA UVA GOETHE, localizada entre as encostas da Serra GeraleolitoralsulcatarinensenasBaciasdoRioUrussangaeRioTubarão, cujosvinhedosdeverãoestarinstaladosnestaáreadelimitadanumaregião de458,9Km2,conformeapresentadonoMapa1.Aregiãoélocalizadaentre os municípios de Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova Veneza e Içara no Estado de Santa Catarina (INPI, 2012), conforme pode ser visualizado no Mapa 2, e estabelecidonoEstatutodaProGoethe,paraáreadeabrangênciaeinclusão deseusassociados. 282 Mapa1:LocalizaçãodadelimitaçãoáreaIPVUG Fonte:Vieira,GarciaeBruch(2013) Mapa2–LocalizaçãodosmunícipiosevinícolasIPVUG Fonte:Vieira,GarciaeBruch(2013) 283 A região está intimamente ligada à cultura e tradição na produção da uva e vinho Goethe (savoir faire ou fator humano), apresentando solos e condições climáticas distintas (fatores naturais). São autorizados para os vinhos Goethe da IPVUG exclusivamente a variedade de coloração branca, rosada leve ou vermelho pálido: Goethe (Roger 1), dos clones Goethe clássicaeGoetheprimo,emsistemadeconduçãolatada(sistematradicional utilizado no território delimitado pela IPVUG), em estrutura de pedras de granito. Oreconhecimentoda“IndicaçãodeProcedência”(IP)ocorreuem2012, comaconcessãodoregistropublicadonaRevistadePropriedadeIndustrial do INPI, sob n. 2.145, em 14 de fevereiro. Ainda, diante deste cenário, o governo de Santa Catarina reconheceu a importância dos “Vales da uva Goethe”, na região de Urussanga, como território único no Estado, reforçandoopedidodaIndicaçãodeProcedênciainiciadojuntoaoINPI. E,conformedemonstradoporVieira,WatanabeeBruch(2012),coma concessão do registro pelo INPI da indicação de procedência, criou um “clima”favorávelaoenoturismo15emUrussanga.Ainda,osvinhosGoetheda referida região são reconhecidos como verdadeiros terroirs devido a sua íntima relação com as condições específicas de clima/solos. E, em decorrência do seu caráter pioneiro em Santa Catarina, serve de exemplo paraoaprimoramentodaproduçãoeelaboraçãodosvinhos,bemcomopara um conjunto de práticas agrícolas, que apresente potencial para se integraremaoprocessoderegistrodasindicaçõesgeográficas. As vinícolas integrantes da IPVUG que elaboram vinhos à base de uva GoetheepertencentesàProGoethesão:VinícolaMazon‐Fundadanadécada de 1970 pelos irmãos Genésio e Jayme Mazon, a Vinícola tem por objetivo seguiratradiçãodalinhamaternadafamília‐,osDebiasi,preenchendouma lacuna no tradicional ramo da vitivinicultura de Urussanga; Vitivinícola Urussanga–ProvenientedeLongarone,RegiãodoVêneto,Itália,osDamian estabeleceram‐seemUrussangaemfinsdoséculoXIX‐;VinícolaQuarezemin ‐ Atua desde 2002 na região; Vinícola Felippe – a família é proveniente da regiãodaToscananaItália,vindoparaaregiãonofinaldoséculoXIX.Além destas,tambémcultivamauvaeelaboramvinhosartesanaisosassociados RodolfoDellaBruna,DennerQuarezemin,DeivsonBaldin,RaulSavio,Rafael Sorato,MárcioScremineAntoniodeLorenziCancelier(Progoethe,2014). Após o reconhecimento da IPVUG, foi possível observar algumas vantagens econômicas importantes. Após dois anos de concessão do registro, as vinícolas já começam a perceber um aumento nas vendas do vinhoGoethe,emmédia20%e,dosespumantes,porvoltade30%,segundo 15 O enoturismo ocorre em função de deslocamentos motivados para o conhecimento do processo da produção de vinhos, realizando visitas a vinhedos e vinícolas, fazendo parte da experiência a degustação de vinhos e de seus derivados. Além disso, pode-se caracterizar como uma atividade do segmento a visitação a festivais de vinhos e/ou mostras de vinhos onde a motivação principal da viagem seja a degustação de vinhos. 284 apontado pelo presidente da ProGoethe. Esses produtos colocados no mercado são a primeira safra controlados pelo Conselho Regulador (CR) a partir das normas implementadas pelo Manual de Controle Interno (MCI), comosselosnasgarrafas. Ainda, é reconhecido pela ProGoethe que há maior curiosidade por parte dos consumidores (turistas), decorrente da divulgação dos produtos advindos da uva Goethe, uma vez que eles vão visitar as vinícolas e já solicitam o “vinho Goethe”, conforme apontado pelo presidente da ProGoethe. Portanto, verifica‐se que o próprio aumento no consumo do vinho produzidologodeveráserobservadoentreconsumidoreslocaiseregionais, que o adquirem nos restaurantes e nas próprias vinícolas da IPVUG e em algumascidadesdoentornodaregiãodoSuldeSantaCatarina. Outro reflexo importante refere‐se ao acesso a novos mercados. O reconhecimento da IG do vinho Goethe possibilitou que as vinícolas comercializem seus produtos nas gôndolas de importantes redes de supermercados na região, bem como fora do Estado (São Paulo, Rio de JaneiroeDistritoFederal).Alémdisso,outrasimportantesvantagensestão sendo potencializadas e estudadas, como a inserção do produto internacionalmente. Para o Conselho Regulador, as vantagens para pertenceraIPVUGsão:reconhecimentodaidentidadeculturaldoterritório como diferencial competitivo; valorização do produto e da sua terra; divulgaçãodeseusprodutos;melhoriaqualitativadosprodutos,bemcomo o padrão tecnológico; preservação das características e da tipicidade dos produtos,queconstituemumpatrimôniodecadaregião,entreoutros. Além disso, a aprovação da IPVUG levou os produtores e vinícolas da região a investirem no desenvolvimento do enoturismo local, voltado ao vinho, à cultura e à tradição, com o desenvolvimento de outras atividades relacionadas a estas, tais como hotelaria (hotéis, pousadas), gastronomia (restaurantes, fabricação artesanal de produtos típicos), enologia e a valorização da história da imigração italiana. Nesse sentido, a região prepara‐se para elaborar um plano de desenvolvimento da atividade turística no espaço rural de maneira integrada com outros municípios da região, contribuindo para o desenvolvimento territorial desses municípios. Inclusive, na cidade de Urussanga, já foi realizado um levantamento da potencialidade do enoturismo, pela Universidade do Extremo Sul Catarinense–Unesc. Portanto, o reconhecimento da IP tem como objetivo garantir uma constância na demanda pelo produto e, se possível, agregar valor, buscar uma melhoria na geração de renda de seus associados e fomentar o desenvolvimentolocal(VIEIRA,WATANABEeBRUCH,2012). Finalmente, e não menos importante, os produtos que carregam a certificação da indicação geográfica trazem consigo uma carga cultural, 285 enraizadanastradiçõesdaregião,preservando,dessamaneira,aidentidade dolocalevalorizandooterritório. 4.CONSIDERAÇÕESFINAIS A partir do advento da Lei de Propriedade Industrial (LPI), o instituto da indicação geográfica visou uma alternativa para a valorização dos territórios e respectivo aumento da competitividade dos produtos de qualidade em regiões demarcadas, através das normas estabelecidas pelo ConselhoRegulador(CR).Foiapartirdomarcoregulatórioaprovadoqueo Brasil contemplou a possibilidade de ter o reconhecimento da identidade culturaldoterritóriocomodiferencialcompetitivo,valorizaçãodoprodutoe da sua terra (seu ambiente de origem), aumento da participação dos agricultores (e no caso específico da IPVUG – da agricultura familiar) no ciclo de comercialização dos produtos e estímulo de melhoria e qualidade em seus produtos, uma vez que são submetidos ao controle do CR na produçãoeelaboraçãodosvinhoseespumantes. O que se percebe é que a vitivinicultura tem cada dia um papel mais importante no setor agroalimentar, em especial no território demarcado pela IPVUG. E, nesse sentido, as IG’s têm como fim agregar valor e gerar riqueza, constituindo‐se uma opção concreta para uma nova etapa de desenvolvimento do agronegócio brasileiro, com a geração de produtos típicosetradicionais,comqualidadediferenciada. Assim,paraosvitivinicultoresassociadosdaProGoethe,aobtençãoda IG pôde ampliar mercados, agregar valor aos produtos, ser um gerador de maisempregos,movimentaraeconomialocal,bemcomopreservarosaber fazer,permitirqueosprodutorespermaneçamnocampo,comaexpectativa dequeseusfilhosenetospermaneçamnonegócioparasobreviver.Diante desse cenário, consequentemente, possibilita‐se a promoção de um desenvolvimento sustentado na região delimitada pela Indicação de ProcedênciadosValesdaUvaGoethe. Apartirdessaperspectiva,osassociadosjáestãocomeçandoaperceber a diferença, pós‐concessão do registro da IP, uma vez que as vinícolas já presenciam o aumento da procura dos vinhos e espumantes produzidos a partir da uva Goethe, tanto pelos residentes como por novos turistas na região.Jáhá apercepção porpartedosvitivinicultores;quandoosturistas visitamasvinícolas,játêmsolicitadodiretamenteosvinhosdeuvaGoethe, advindos da curiosidade em conhecer um produto diferenciado e com agregaçãodevalorpelaqualidade.Inclusiveosassociadosjápercebemque a receptividade dos compradores para o vinho Goethe mudou, com um crescimentomédioemtornode20%nacomercializaçãoparaosvinhosede 30% para os espumantes, segundo apresentado pelo presidente da ProGoethe. Portanto, infere‐se a partir do presente estudo e concordando com os 286 autoresapresentadosqueasIG’spossibilitamodesenvolvimentoterritorial, aproveitando o conjunto natural da sua região, o patrimônio histórico, o saber fazer, criando um “processo de qualificação” que permite uma adequada colocação de seus produtos em mercados dinâmicos, as habilidadesartísticas,culináriaseatradiçãofolclóricadeumadeterminada população,embuscadamelhoriadaqualidadedevida. REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, R. Para una teoría de los estudios territoriales. In: MANZANAL, M.; NIEMAN, G. (comp.). Desarrollo rural: Organizaciones, instituciones y territórios. BuenosAires:CICCUS,p.51‐70,2006. ANDION, C. Atuação das organizações não governamentais (ONGS) nas dinâmicas de desenvolvimento no meio rural de Santa Catarina. In: VIEIRa, P. F. et al. Desenvolvimento Territorial Sustentável no Brasil: subsídios para uma política de fomento.Florianópolis:APED/SECCO,p.329‐373,2010. BARBOSA,P.M.S.,PERALTA,P.P.eFERNANDES,L.R.R.M.V.Encontrosedesencontros entre indicações geográficas, marcas de certificação e marcas coletivas. In: LAGE, C. L.,WINTER,E.eBARBOSA,P.M.S.(Org.)Asdiversasfacesdapropriedadeintelectual. RiodeJaneiro:EdUERJ,p.141‐173,2013. CARRIÈRE,J.P.;CAZELLA,A.A.Abordagemintrodutóriaaoconceitodedesenvolvimento territorial.EISFORIA,Florianópolis,V,04p.23‐47,Dez.2006. CERDAN, C.M. Indicações geográficas e estratégias de desenvolvimento territorial. Organizador: Nierdele, PauloAndré. Indicações geográficas: qualidadee origem nos mercadosalimentares.PortoAlegre:EditoradaUFRGS,p.125‐150,2013. CHEVER,T.;RENAULT,C.;RENAULT,S.;ROMIU,V.Valueofproductionofagricultural products and foodstuffs, wines, aromatised wines and spirits protected by a geographicalindication(GI).EuropeanCommission,2012. DULLIUS,P.R.Indicaçõesgeográficasedesenvolvimentoterritorial:asexperiências doRioGrandedoSul.SantaMaria:UniversidadeFederaldeSantaMaria/Programade PósGraduaçãoemExtensãoRural,2009(DissertaçãodeMestradoemExtensãoRural). FÁVERO, K.C.; BRUCH, K.L.; CERDAN, C.M.; VELLOSO, C.Q. Indicação Geográfica. In: BRASIL, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Curso de Propriedade Intelectual&InovaçãonoAgronegócio:ModuloII,IndicaçãoGeográfica.Organização: ClaireMarieCerdan,KellyLissandraBrucheAparecidoLimadaSilva.2ºed.rev.eatual. Brasília:MAPA;Florianópolis:EAD/UFSC/FAPEU,2010. FLORES, S.S.; FALCADE, I.; MEDEIROS, R.MV. Desenvolvimento Rural Sustentável sob a perspectiva da vitivinicultura no Rio Grande do Sul. Anais do VIII Congreso LatinoamericanodeSociologiaRural.PortodeGalinhas(PE).2010. GOMES, P.C.; CORRÊA, R.L. Geografia, conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1995. IBRAVIN‐InstitutoBrasileirodoVinho–Regiõesprodutoras.Disponível em<http://www.ibravin.org.br/regioesprodutoras.php>.2012.Acessoem24.06.2012. LOCATELLI, L. Indicações Geográficas e Desenvolvimento Econômico. In. BARRAL, W.; PIMENTEL, L. O. (Org). Propriedade intelectual e desenvolvimento. Florianópolis: FundaçãoBoiteux,2007. 287 LORENZINI, E.; CALZATI, V.; GIUDICI, P. Territorial brands for tourism development: A statisticalanalysisontheMarcheregion.AnnalsofTourismResearch,Volume38,Issue 2,Pages540–560,April2011. MARTINI,G.População,MeioAmbienteeDesenvolvimento:Verdadesecontradições. Campinas–SP:EditoradaUnicamp,1993. MELLO, L.M.R. Panorama da vitivinicultura brasileira em 2012. Disponível em <http://www.portaldoagronegocio.com.br/conteudo.php?id=89992>. 2013. Acesso em 29.06.2013. NIEDERLE, P.A. Controvérsias sobre a noção de indicações geográficas enquanto instrumento de desenvolvimento territorial: a experiência do Vale dos Vinhedos em questão”. Anais do 47° Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, AdministraçãoeSociologiaRural.PortoAlegre–RS,2009. NIEDERLE, P.A. Indicações geográficas e processos de qualificação nos mercados agroalimentares”.NIEDERLE,P.A.(Org.).Indicaçõesgeográficas:qualidadeeorigem nosmercadosalimentares.PortoAlegre:EditoradaUFRGS,p.23‐54,2013. NOVAKOSKI, D.; FREITAS, A. Vinho: castas, regiões produtoras e serviço. Rio de Janeiro:Ed.Senac.2003. OIV. Résolution CST 1/2008. “Guide OIV pour une vitiviniculture durable: production,transformatinetconditionnementdesproduits.Verone(IT)”:OIV.2008. PECQUER, B. O desenvolvimento territorial: uma nova abordagem dos processos de desenvolvimentoparaaseconomiasdosul.Raízes,CampinaGrande,Vol.24,n.01e02, p.10–22,jan/dez.2005. PECQUER,Bernard.Qualitéedéveloppementterritorial:l’hyphotèsedupannierdebiens etdeservicesterritorialisés”.Paris.EconomieRurale,n.261,2001. PROGOETHE ‐ Associação de Produtores da Uva e do Vinho Goethe. Disponível em: http://www.progoethe.com.br/.Acessoem:20mar2014. SANTOS,M.;SILVEIRA,M.L.OBrasil:territórioesociedadenoiníciodoséculoXXI. RiodeJaneiro:Record,2001. SATO,G.S.IndicaçãoGeográfica(IG)paravinhosnoBrasil.Análiseseindicadoresdo agronegócio.brasília:InstitutodeEconomiaAplicada,V.8,N.3,2013. SCHNEIDER, S. A abordagem territorial do desenvolvimento rural. Sociologias, Porto Alegre,n.11,p.88‐125,2004. SHAW,E.Aguidetothequalitativeresearchprocess:evidencefromasmallfirmstudy. QualiltativeResearch:AnInternacionalJournal.vol.2.,n°2,p.59‐70,1999. SILVA, F.N.; Sacco dos ANJOS, F.; CALDAS, N. V.; POLLOW, G.E. Desafios à Institucionalização das Indicações Geográficas no Brasil. Revista Desenvolvimento RegionalemDebate.Ano2,n.2,p.31‐44,Nov.2012. VIEIRA,A.C.P.;BUAINAIN,A.M.PropriedadeIntelectualnaAgricultura.In:CharleneAvila, Patricia Aurelia Del Nero. (Org.). Aplicação da propriedade intelectual no agronegócio.1ªed.v.1.BeloHorizonte:EditoraFórum,p.21‐50,2011. VIEIRA, A.C.P.; WATANABE, M.; BRUCH, K. L. Perspectivas de desenvolvimento da vitiviniculturaemfacedoreconhecimentodaIndicaçãodeProcedênciadosValesdaUva Goethe.RevistaGEINTEC,v.2,p.327‐343,2012. 288 DADOSDOSAUTORES AdrianaCarvalhoPintoVieira GraduadaeMestreemDireito,comDoutoradoemDesenvolvimentoEconômico. Professora do Programa de Pós‐graduação em Desenvolvimento Socioeconômico da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Endereçoparacontato:[email protected]. AdrianaMarquesRossetto Arquiteta e Urbanista, doutora em Engenharia de Produção na área de Concentração em Gestão Ambiental, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo/UFSC. Endereço para contato: [email protected]. AnaLúciaListone Graduada em Administração ‐ Comércio Exterior (Unoesc). Bolsista Iniciação Científica(Unoesc).Endereçoparacontato:[email protected]. AndréiadeFátimadeMeiraBatistaFerreiraSchlickmann ExtensionistaSocial,Pedagogae PesquisadoradaEpagri/EstaçãoExperimental deLages.Endereçoparacontato:[email protected]. CassianoEduardoPinto Doutor em Zootecnia. Atua como pesquisador da Empresa de Pesquisa AgropecuáriaeExtensãoRuraldeSantaCatarina(Epagri‐Lages).Endereçopara contato:[email protected]. CristianedeMoraisRamos GestoraAmbiental,mestrandadoProgramadeMestradoUrbanismo,Históriae ArquiteturadaCidade/UFSC.Endereçoparacontato:[email protected] ElianeSaleteFilippim Pós‐Doutora em Administração Pública e Governo, Doutora em Engenharia da produção e Sistemas. Editora‐Chefe da RACE, com atuação no Mestrado ProfissionalemAdministraçãodaUniversidadedoOesteCatarinense.Endereço paracontato:[email protected]. FernandaTeixeiradosSantos Graduação em Letras, cursando disciplinas no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da UnC. Endereço para contato: [email protected]. 289 GiovaneJoséMaiorki Graduação em Contabilidade e Mestrado em Desenvolvimento Regional. Atua professornaUniversidadedoContestadoCampusMafra,alémdeocuparcargo administrativo.Endereçoparacontato:[email protected]. JairoMarchesan DoutoremGeografia.ProfessordoProgramadeMestradoemDesenvolvimento RegionaldaUniversidadedoContestado(UnC),SantaCatarina‐Brasil.Contato: [email protected]. LauroWilliamPetrentchuk Engenheiro Florestal, Especialista em Licenciamento Ambiental, Docente do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC). Endereçoparacontato:[email protected]. LilianaLocatelli Bolsista PNPD/Capes, Pós‐Doutoranda em Direito, Grupo de Pesquisa Propriedade Intelectual, Transferência de Tecnologia e Inovação, na Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço para contato: [email protected]. LuizOtávioPimentel DoutoremDireitoecoordenadordoGrupodePesquisaPropriedadeIntelectual, Transferência de Tecnologia e Inovação, Universidade Federal de Santa Catarina.Endereçoparacontato:[email protected]. MárciaFernandesRosaNeu Geógrafa,DoutoraemGeografiaHumanapelaUSP.Atuouaté2013naUNISULe atualmenteépós‐doutorandapelaUFPR. MayaraRohrbacherSakr Aluna do curso de Administração na Universidade do Contestado, campus Canoinhas/SC. Bolsista de Iniciação Científica CNPq. Endereço para contato: [email protected] MuriloZelinskiBarbosa Graduação em Turismo, mestrando no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da UnC. Endereço para contato: [email protected]. NatanyZeithammer Acadêmica de Medicina Veterinária da Universidade do Contestado – UnC, Presidente do Diretório Central Estudantil da Universidade do Contestado de 290 Canoinhas (Santa Catarina‐Brasil). Bolsista de Iniciação Científica. Endereço paracontato:[email protected]. PatriciadeOliveiraAreas Doutora em Direito pela UFSC e professora da Universidade da Região de Joinville–Univille,noCursodeDireitoenoMestradoemPatrimônioCulturale Sociedade.Endereçoparacontato:[email protected]. PauloMoreira Geógrafo, mestrando no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional daUnC.Endereçoparacontato:[email protected]. RosanaMariaBadalotti CientistaSocial,DoutoraemCiênciasHumanas.AtuanoMestradoemPolíticas Sociais e Dinâmicas Regionais da Unochapecó. Endereço para contato: [email protected]. SabrinaDhienifferSander Bióloga,MestreemDesenvolvimentoRegionalpelaUniversidadedoContestado (SantaCatarina‐Brasil).Endereçoparacontato:[email protected]. StavrosWrobelAbib Arquiteto, Doutor em Engenharia Civil em Cadastro Técnico Multifinalitário e Gestão Territorial. Professor com atuação na Universidade do Vale do Itajaí. Endereçoparacontato:[email protected]. SuelenCarls Bolsista CNPq, Doutoranda em Direito, participante do Grupo de Pesquisa Propriedade Intelectual, Transferência de Tecnologia e Inovação da Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço para contato: [email protected]. TiagoLuizScolaro Acadêmico do Curso de Engenharia Florestal da UnC, bolsista de Iniciação Científica(PIBIC/CNPq).Endereçoparacontato:[email protected]. UlissesdeArrudaCórdova Engenheiro Agrônomo, mestre em Agroecossistemas, pesquisador da Epagri ‐ Estação Experimental de Lages. Endereço para contato: [email protected]. 291 ValdinhoPellin GraduadoemEconomia.MestreeDoutorandoemDesenvolvimentoRegionalna Universidade Regional de Blumenau. Pesquisador do Núcleo de Políticas Públicas/FURB. Bolsista Capes Programa Doutorado Sanduíche. Endereço para contato:[email protected]. ValdirRoqueDallabrida Geógrafo, Doutor em Desenvolvimento Regional. Atua no Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (Santa Catarina‐ Brasil).Endereçoparacontato:[email protected]. 292 EstelivrofoicompostoemfonteCambria,11, papelLuxCream70g.,comcapaempapelCartãoSupremo250g. AEditoraLiberArsutilizapapeloriundodefontesdemanipulação eproduçãoambientalmenteresponsável.