II Seminário Internacional de Direito do Trabalho

Transcrição

II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Série
IDP Eventos
II
Seminário Internacional
de Direito do Trabalho
Harmonização das Relações de Trabalho
ORGANIZADORES
Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco
AUTORES
Antonio Umberto de Souza Júnior, Cláudio Mascarenhas Brandão,
Douglas Alencar Rodrigues, Gilmar Ferreira Mendes, Guilherme Caputo
Bastos, Guilherme Machado Dray, Ives Gandra Martins Filho, Joaquín Pérez
Rey, Luciano Fuck, Márcio Eurico Vitral Amaro, Maria Cristina Irigoyen
Peduzzi, Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga, Maurício Rands, Noêmia
Aparecida Porto, Paulo Gustavo Gonet Branco, Renato de Lacerda Paiva,
Walmir Oliveira da Costa
IDP
Brasília
2016
Seminário Internacional de Direito do Trabalho: Harmonização das Relações de Trabalho (2. :
2015: Brasília, DF).
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho: Harmonização das Relações de Trabalho /
Organizadores Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. – Brasília: IDP,
2016.
XXXp. (Série IDP Eventos)
ISBN: XXXXXXXXXXXXXXXXXXX
DOI: XXXXXXXXXXXXXXXXXXX
1. Direito do Trabalho. 2. Direito dos Trabalhadores. 3. Enquadramento Sindical. 4. Autonomia
Negocial Coletiva. I. Título.II. Gilmar Ferreira Mendes. III. Paulo Gustavo Gonet
Branco.
CDDir 341.2
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Nota dos Editores
Esta publicação decorre do II Seminário Internacional de Direito do Trabalho,
realizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), pela Escola de Direito de Brasília (EDB/IDP) e pelo Mestrado Acadêmico em Direito Constitucional, nos dias 28 e 29 de setembro de 2015, no auditório do Instituto Brasiliense
de Direito Público (IDP) em Brasília/DF. Os textos aqui compilados são derivados das palestras proferidas no evento ou a partir de suas degravações, ressalvadas as devidas adaptações da linguagem formal escrita. Neste último caso,
foi escolha dos editores a preservação do conteúdo dos discursos dos participantes, sendo extintos os traços de oralidade e de informalidade, não pertencentes à língua padrão escrita.
3
sumário
6Prefácio
Gilmar Ferreira Mendes
10Apresentação
Paulo Gustavo Gonet Branco
12 Capítulo 1
Os Novos Modelos de Contratação
13 Ives Gandra Martins Filho
22 Cláudio Mascarenhas Brandão
33 Maurício Rands
40 Capítulo 2
Danos Morais nas Relações de Trabalho
41 Maria Cristina Irigoyen Peduzzi
47 Walmir Oliveira da Costa
55 Capítulo 3
Marcos Regulatórios para a Terceirização
no Brasil e no Mundo
56 Guilherme Machado Dray
65 Joaquín Pérez Rey
73 Capítulo 4
Duração do Trabalho
74 Douglas Alencar Rodrigues
84 Noêmia Aparecida Porto
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
92 Capítulo 5
A Extinção do Contrato de Trabalho
93 Antonio Umberto de Souza Júnior
100 Márcio Eurico Vitral Amaro
107 Capítulo 6
Enquadramento Sindical
108 Guilherme Caputo Bastos
132 Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga
140 Capítulo 7
Limites da Autonomia Negocial Coletiva
141 Luciano Fuck
144 Renato de Lacerda Paiva
151 Gilmar Ferreira Mendes
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Gilmar Ferreira Mendes
prefácio
Gilmar Ferreira Mendes*
* Presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE); Ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) e docente permanente da Escola de Direito de Brasília do Instituto Brasiliense de
Direito Público (EDB/IDP).
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
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Gilmar Ferreira Mendes
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
9
Paulo Gustavo Gonet Branco
apresentação
Paulo Gustavo Gonet Branco*
*Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília; Sub-procurador Geral da República e
Coordenador do Mestrado Acadêmico da EDB/IDP.
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
O II Seminário Internacional de Direito do Trabalho, realizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP
entre os dias 28 e 29 de setembro de
2015, reuniu juristas empenhados no
estudo dos desafios contemporâneos desse ramo da nossa ciência. Juízes e integrantes dos últimos estratos
do Judiciário, membros do Congresso Nacional, advogados militantes e
delegados de organizações sociais tiveram a oportunidade de expor como
encaram os mais recentes desafios a
serem enfrentados no âmbito das relações laborais, apresentando as suas perspectivas. Esta obra compila as
mensagens compartilhadas oralmente e está à disposição, gratuitamente,
dos interessados em se atualizar e em
se municiar para a mais consistente
participação nos debates abertos pelo momento social.
Nas próximas páginas, o leitor encontrará dissertações sobre temas correspondentes a palestras proferidas, que
se desenvolveram a partir de títulos
como Os Novos Modelos de Contratação: Relações Colaborativas, Autônomo e Economicamente Dependente;
“Share Job”; Teletrabalho; “Pejotização” e EIRELIS; Danos Morais nas Relações de Trabalho; Marcos Regulatórios para a Terceirização no Brasil e no
Mundo; Duração do Trabalho; A Extinção do Contrato de Trabalho; Dispensa
em Massa; Dispensa Discriminatória;
e Limites da Autonomia Negocial Coletiva. O derradeiro texto corresponde ao que foi debatido no painel O Di-
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reito do Trabalho na Visão do Supremo
Tribunal Federal – STF.
A obra reflete o compromisso do IDP
e, particularmente do seu mestrado
acadêmico, com a pesquisa jurídica e
se soma a outras tantas iniciativas da
Casa de estimular discussões sobre
temas de relevância contemporânea,
de forma aberta e inclusiva de todas
as correntes do pensamento jurídico.
A leitura dos textos, revelando a troca de experiências ocorrida no evento, transparece a vocação consolidada
do IDP de servir de espaço propício à
produção consistente de conhecimento qualificado.
Agradeço a todos os participantes do II
Seminário Internacional pelas contribuições de que todos os leitores deste
volume poderão agora se beneficiar.
1
Os Novos Modelos
de Contratação:
Relações
Colaborativas,
Autônomo
Economicamente
Dependente,
“Share Job”,
Teletrabalho,
Pejotização e
EIRELIS
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Integração entre
Legislativo e
Judiciário na
solução dos
Problemas Laborais
Ives Gandra da Silva Martins*
*Doutor em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Presidente do Tribunal Superior do Trabalho; Professor
da Universidade Mackenzie, da Universidade Paulista e da
Escola do Comando do Estado Maior do Exército.
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Ives Gandra da Silva Martins
Bom dia a todos. Reitero aqui minha
imensa satisfação por realizarmos esse
II Seminário Internacional de Direito
do Trabalho; cumprimento o Ministro
Gilmar Mendes, um dos seus idealizadores, promotores e incentivadores, o
Ministro Cláudio Brandão, colega dileto do Tribunal Superior do Trabalho, os
ministros do STM, Ministro Barroso e
Ministro Joceli; Ronaldo Fleury, procurador geral do trabalho. Cumprimento, também, a todos os palestrantes da
Ibéria, da Espanha e de Portugal, que
vieram abrilhantar nosso seminário,
professores, juízes, procuradores, estudantes que se reúnem neste auditório cuja inauguração acontece neste seminário. Desde o começo do IDP,
que antes ficava em uma casinha lá no
Lago Sul, participei com o Ministro Gilmar Mendes dos primeiros cursos de
pós-graduação, de especialização – e
muitos dos que aqui estão participaram daqueles momentos. Para mim,
então, é uma grande alegria, uma grande emoção ver, não apenas o novo edifício já funcionando com tantas atividades ou cursos de graduação e de
pós-graduação, mas por ver concretizada a inauguração deste auditório
tão bem instalado. Aliás, se soubesse
que nesta parte da exposição estaria
tão bem servido do PowerPoint, teria
preparado minha apresentação com
este recurso.
A ideia deste seminário – como reflete
o próprio título desta palestra inaugural – é conseguir uma integração maior
entre o poder legislativo e o poder judiciário para que juntos consigam pensar,
resolver, analisar, enfrentar os atuais e
principais problemas trabalhistas enfrentados pelo país e, para isso, nada
melhor que ouvir as experiências de especialistas de outras plagas, de outros
países. Portanto, a ideia é congregar visões distintas do problema trabalhista. Esta visão pluralista internacional
é definida sempre que o Ministro Gilmar Mendes e eu organizamos essas
atividades, pois esta visão pluralista
internacional traz em seus vários painéis pessoas que pensem de formas
diferentes, que apresentam tendências variadas, que vejam os vários ângulos do problema laboral. Na maioria das vezes, os painéis apresentam
as formas diferenciadas de se analisar o problema, mas convergem na intenção de dar-lhe um foco acadêmico.
Se a intenção é embasar o legislativo e
o judiciário com elementos mais profundos, mais sólidos para a solução
dos problemas laborais, há a necessidade de ir à academia, vir aqui para discutir, estudar e debater. Entendo que o sólido embasamento teórico
para projetos de lei, decisões judiciais,
devem estar embasadas na excelência ética, não no achismo pragmatista, no idealismo de trabalho de mero
gabinete. O ideal seria conjugar a excelência ética com a excelência técnica, ou seja, bons profissionais atualizados, mas ao mesmo tempo, que
tragam valores e prezem estes valores
e os coloquem como norte para encontrarem as melhores soluções.
Lembro bem quando eu e o Ministro
Gilmar Mendes participávamos de atividades em um centro de extensão universitário paulista que meu pai, desde
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
1975, já realizava Seminários de Direito Tributário. Sempre que começava
um seminário, ele afirmava que a ciência se faz com a verdade, e não com
a vaidade porque, como diria Aristóteles, a verdade é adequação da mente à realidade, não o contrário; a realidade tem de ser aceita, acreditada, ao
contrário de acreditar que seja aquilo
que se passa pela cabeça.
Claro está que este é o grande problema das ciências sociais esquecido por
todos nós, ao contrário do engenheiro,
por exemplo, que não se esquece que
existe a lei da gravidade e que não pode desconhecê-la. Nessa área das ciências sociais, nós acreditamos que o
papel aceita tudo. Veja bem, a economia tem as suas leis, as leis do mercado, e é difícil encontrá-las; para nós
das ciências sociais também há; como
no caso da seara trabalhista, que estuda como compor o conflito entre o
capital e o trabalho de forma a tornar
harmônicas as relações laborais e não
assinar o conflito. Aqui estão integrantes do meu gabinete para quem sempre digo, sem que antes o diga a mim
mesmo, que devemos nos conscientizar de que vamos à casa dos outros,
aos vários ambientes laborais, compor
o consumo que há nestes ambientes e,
para isso, nós trabalhadores do Ministério Público do Trabalho temos de ser
especialistas em relações, termos essa sensibilidade social para perceber
o que nas nossas decisões pode, efetivamente, compor, repensar como pode, vez ou outra, acirrar para um lado
ou para outro esse conflito.
Por esta razão, gostaria de dar um caráter mais acadêmico a esta palestra
inicial do seminário e, um enfoque na
filosofia clássica me parece a melhor
escolha, por ser a filosofia aristotélica um dos maiores marcos teóricos.
Certo que, os gregos ensinaram a arte de pensar, mas inegavelmente, os
romanos ensinaram a organizar juridicamente a sociedade; e não à toa,
nossa civilização vem da civilização
greco-romana. Aristóteles definiu a ciência como o conhecimento certo pelas causas; quando se conhece algo,
só se pode dizer que conhece de fato
quando se sabe responder sobre suas
quatro causas: a causa, as duas causas internas ao fenômeno, as coisas e
duas causas externas; um pouquinho
de filosofia, já estudada por muitos na
faculdade – causa material, causa formal, as causas internas; a eficiente e a
causa final, ou causas externas.
Neste sentido, quando são respondidas
estas quatro questões para um determinado fenômeno, pode-se dizer que
o conhecimento é profundo em relação a ele, porque há especificação da
causa material, do que é feita alguma
coisa; a formal, como ela é; a eficiente, de onde surgiu quem fez e a causa final, que é a causa das coisas. Veja esta cadeira em que está sentado o
doutor Maurício Rands, por exemplo,
se fosse falado de que material ela é
feita, seria a primeira causa material;
sobre seu formado abaloado, ela possui uma disposição que tende a um
fim; eficiente e quem fabricou. Certamente, a doutora Dalide saberia quem
fabricou, mas a causas das causas que
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Ives Gandra da Silva Martins
mais definem as coisas, é exatamente a causa final, que é: a cadeira serve
para sentar-se. Claro está que, quando
conjugadas as várias respostas, chega-se à última, que é a causa final, pois
se consegue entender a fundo o que é
aquilo, qual é este mundo; o que é uma
cadeira? Um objeto para se sentar; o
que é uma casa? É uma estrutura para se morar, para se habitar.
Pois bem, quando se pensa e se aplica toda esta teoria das causas ao direito, à seara jurídica, a resposta correta
aparecerá, pois, o sentido de toda a atividade jurídica será encontrado, quer
sejamos legisladores, juízes, procuradores, advogados, membros do Ministério Público ou da Defensoria Pública.
Relacionando a ideia filosófica ao direito, surgiriam as quatro causas: qual
seria a causa material da justiça? Qual
seria o objeto da justiça?
Ulpiano, jurista romano, respondeu
que seria o objeto material e o objeto formal, ao dizer o que a justiça era
suum cuique tribuere, dar a cada um o
que é seu, ele definiu objeto material,
objeto formal; a matéria da justiça é
o direito de cada um e a forma, objeto formal, a causa formal da justiça é
o dar, o distribuir, e o cuique tribuere:
a cada um dar. As duas causas externas do direito são: a causa eficiente e
a causa final; de onde surge o direito?
Quem o constrói? Com que finalidade? Para onde se entende o direito?
As respostas levam à distinção clara
das causas eficientes do direito, uma
causa a priori e outra a posteriori em
que o legislador seria a causa a priori do direito.
Considerando esta ideia, nos seminários que acontecem no IDP, os moderadores de cada painel são parlamentares ou ex parlamentares. Desta forma,
o legislador será capaz de dizer, prévia e abstratamente, se houver conflito
social nestas circunstâncias, o direito
pertence a ele, se houver um conflito
social nessas outras circunstâncias,
previamente, ele define que pertence àquele. Agora, a causa eficiente a
posteriori da justiça é o juiz – quem
vai aplicar a lei abstrata ao caso concreto, mas também, existe um tipo de
magistrado que fica entre a causa a
priori e a causa a posteriori, aqueles
que fazem parte do Tribunal Superior,
no caso, o Supremo Tribunal Federal
– que compõe majoritariamente esta
mesa - e tem por finalidade dar o conteúdo normativo da Constituição, dar
o conteúdo normativo das leis federais, trabalhistas, as leis federais dos
vários ramos do direito. Mas a causa
final, a causa das causas, a causa causarum e para Aristóteles e para nós é
saber que a finalidade da justiça é pacificar a sociedade. Cabe, exatamente,
à justiça, daqueles que compõem o tripé da relação processual, daqueles integrantes da justiça em suas funções
essenciais: o juiz e o advogado, que é
o primeiro juiz da causa, o promotor
que, como órgão agente vai agilizar suas ações ou vai atuar como quórum interveniente fazer com que a sociedade se pacifique.
Isto só acontece quando o direito é
dado a cada um, quando se reconhece aquilo que é justo a cada um; por isso, na bandeira do TST, hasteada fren-
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Às vezes, esta visão distorcida, por um
lado ou por outro, faz com que esse recurso não estabeleça o equilíbrio; pode-se resvalar um viés progressista de
criação de direitos que seja apagado
e gere, assim, certa insegurança jurídica à sociedade. Isto é preocupante,
porque quando o juiz vê determinado conflito, sente o problema do trabalhador, mas não possui base jurídica normativa clara que possibilite,
que embase a decisão de sentir o sofrimento do trabalhador, seu sofrimento. Visivelmente, não há uma base jurídica normativa clara, não há lei que
garante especificamente este direito,
substanciada no princípio jurídico não
muito bem concretizado, ou de baixa
densidade. Deste modo, cabe usar o
princípio da pessoa, da dignidade da
pessoa humana.
te ao tribunal há um dístico – para nos
lembrar nas falas de sessão, em que lêse Opus Justitiae Pax – a obra da justiça é a paz. Frase do profeta Isaías usada para lembrar ao jurista que, se ele
souber ser justo, e isto nem sempre é
fácil, porque a justiça não é apenas a
aplicabilidade fria da lei, não é somente entendê-la como insuficiente; então, vou me substituir ao legislador,
nem aplicar friamente, nem deixar de
aplicar; quer dizer, usando este arsenal de leis, de princípios, de normas;
o que melhor compõe o convívio social. Caso não se consiga acertar essa
equação, se não se aceitar com essa
química, se não acertar com esta engenharia, a sociedade continuará reclamando, continuará sendo injusta,
continuará conflituosa.
Pensando bem, se a missão da justiça
do trabalho é pacificar as relações laborais, pode-se correr o risco de contribuir para que o conflito se acirre; não
se pode correr este risco, há a necessidade de que seja feito um exame de
consciência todas as noites para se saber se realmente houve decisões que
contribuíssem, de fato, para a pacificação do conflito. Neste sentido, há duas
possíveis distorções que deixam claro o desvio daquele viés pretendido
– que para os juízes do trabalho com
um viés crítico para afastar totalmente a ideia de ser um viés de uma justiça classista; uma justiça em que sempre havia magistrados vendo o conflito
com uma visão distorcida de que o melhor para o trabalhador é o melhor para a empresa.
Cabe aqui lembrar um caso em que o
STF teve de decidir com os dois lados,
como na discussão sobre o aborto de
anencéfalos, aqueles que defenderam
a vida e dizendo que o que estava em
jogo era a dignidade humana; aqueles que defenderam o direito da mulher a se libertar dessa vida deficiente de pouca possibilidade de ser viável
o respeito ao direito da pessoa humana da mulher. Esta discussão precisou
de baixíssima densidade normativa; o
que não está explicitado, mas de relevante importância. O que se deve ter
– e aqui aproveito para fazer uma autocrítica - é o cuidado em saber se as
decisões não estão sendo muito ativistas e se este ativismo judiciário não
gera uma insegurança jurídica.
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Ives Gandra da Silva Martins
Quando são impostas obrigações complexas de conteúdo forma, tendo como base princípios jurídicos não muito claros, uns dirão uma coisa, outros
dirão outra, e o próprio empresário fica sem saber o que fazer. Do ponto de
vista estritamente técnico é muito difícil encontrar como conhecer de um lado para estabelecer o quanto deve ser
pago por dano moral, porque é muito
difícil conhecer em si o dano moral; é
difícil encontrar duas situações praticamente iguais; há que se deixar a experiência de estabelecer parâmetros
para quantificação deste dano moral.
A sétima turma, da qual faço parte,
usou um parâmetro razoável – o quanto um banco está deixando de gastar
porque não contratou um trabalhador
de segurança, um vigilante para transportar esses bens, o quanto ele poupou
e está usando o trabalhador bancário
apavorado por carregar aqueles vinte
ou trinta mil no bolso de uma agência para outra. O que pareceu razoável para a sétima turma, para outras
pareceu elevado demais e para outras,
pouco demais. Não se conseguiu resolver isso, parece que era uma questão
que precisava ser resolvida; o problema do ativismo, então, do progressismo exagerado, e indo para o outro lado,
do conservadorismo que não se coaduna com a evolução das condições
sociais, das condições laborais.
Se for considerada a lista de temas colocados aqui, são os mais candentes;
inclusive, não sei dizer se a questão
com o Gilmar Mendes, que é laboral e
depende de uma resolução do Supremo
– não possui regulamentado o adicio-
nal de comodidade. O que se percebe
é que as condições de trabalho evoluem, são pessoas que carregam materialmente pesos que, de fato, estafam, e que parâmetro será usado, que
precisa ser regulamentado. Claro que
o impacto deva ser regulado, o judiciário precisa intervir, não se pode fechar
os olhos para essas questões. Portanto,
os dois princípios básicos da doutrina
social, que estão desde cedo acordados
e não podem ser olvidados; o princípio da doutrina social cristã, a primazia do trabalho sobre o capital. Quando a justiça do trabalho leva em conta
este princípio, a lei está clara, apesar
da evolução nas competências judiciais de terem de ser interpretadas à
luz da nova realidade ou, então, regulamentá-las.
Exemplo claro é a Lei do esporte, cuja
especialidade é do Teonaldo, que, simplesmente, revogou toda a CLT em matéria de normas trabalhistas e divulgou para a negociação coletiva; mas
não conseguiu uni versar, veio para o
TST. Fui o primeiro procurador a dar
parecer no problema dos esportes e
nem conhecia as condições; eis o princípio da primazia sobre o capital, do
trabalho sobre o capital. Há nisso dois
princípios que devem ser conjugados
na doutrina social cristã, o princípio
da proteção e o princípio da subsidiariedade, que diz onde uma sociedade,
um país, uma nação, sociedades menores puderem elas mesmas promover as suas atividades, promover seus
fins satisfatoriamente; não cabe ao estado substituir a ordem; cabe ao estado apoiá-las, incentivá-las, mas não se
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
substituir dizendo que fará aquilo que
ele não possui condições para fazer.
Certo é que o princípio da proteção é
exatamente o reverso da moeda. Quando
uma sociedade percebe que um determinado segmento em dadas sociedades
não consegue se desenvolver satisfatoriamente, o estado tem a obrigação
de intervir. Temos aí as várias formas
de proteção do trabalho, da saúde, da
presidência, a intervenção do estado
no domínio econômico. Dois exemplos claros que me trouxeram a reflexão foi aquela decisão do STF no caso
da negociação coletiva - caso bem conhecido do Ministro Gilmar Mendes.
O Tribunal Superior do Trabalho estava anulando muitas cláusulas e dando
uma interpretação de ampliação dos
direitos indisponíveis; tínhamos uma
visão mais ampliativa dos direitos indisponíveis. O Supremo veio a dizer no
caso concreto que aquilo que é princípio de direito individual não pode ser
totalmente aplicado às relações coletivas, porque nas relações há tutela
sindical. Não seria aí, o caso de o Tribunal prestigiar, como a própria CLT
tem batido bastante, mais a negociação coletiva?
Agora, por outro lado, na semana passada, deparei-me com uma situação
que me fez repensar sobre um dos pilares a serem discutidos, porque hoje temos o poder normativo na Justiça
do Trabalho bastante reduzido, porque
o TST analisará determinado dissídio
coletivo se, ou as duas partes quiserem, comum acordo, ou em caso de
greve; o que aconteceu no caso concreto? No ano passado, o desempenho
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do TST na vice-presidência em termos
de composição, de dissídios coletivos,
quer em termos de conciliação, quer
como procuração estava sendo tendente a cem por cento, pois bem, nesta semana, ocorreu a questão dos ferroviários, eles mesmos reconhecem que
não têm condições de fazer greve; a
empresa já dissera que não concordava com o acordo coletivo; eles ajuizaram ação coletiva mesmo sabendo que
a empresa retiraria o comum acordo,
e eles ficam, absolutamente, à mercê
da vontade da empresa; algumas exceções ao princípio do comum acordo, já que a Constituição admitiu essa
dupla válvula de escape, ou greve ou
comum acordo, nenhuma delas o trabalhador terá acesso. Claro está nesta ponderação o princípio da proteção
ou da subsidiariedade; isto teria de ter
uma interpretação especial.
Importante reconhecer que a vocação
de magistrado em geral e do trabalho
específico de harmonizar as relações
laborais. Esta vocação conciliatória
tem de levar em conta três parâmetros – até o Ministro Gilmar Mendes,
no tempo em que trabalhava na Presidência da República – antes de mandar um projeto de lei, medida provisória, quer como legislador, quer como
juiz projeto de lei, medida provisória,
quer como legislador, quer como juiz,
precisa ponderar; tem-se, por exemplo, a discussão em torno do projeto de
lei que abre parâmetros sobre a terceirização, e outros mais; agora mesmo,
um monte de embargos declaratórios.
Tem-se, então a ponderação de uma
ponderação para não gerar passivos
Ives Gandra da Silva Martins
trabalhistas muito grandes da noite
para o dia. Recordo ainda do que disse o Ministro Gilmar Mendes antes da
votação de seu projeto disse que antes
de tomar uma decisão, fazer um juízo de sequências, um juízo de consequências do impacto da decisão sobre
a realidade, quer dizer, conseguiu-se
de alguma forma – e sei que é bem difícil – vislumbrar o panorama. De alguma forma, tenho aprendido muito
com essas reuniões de negociação coletiva, conciliação e de adequação porque uma vez feita a proposta para a
empresa, imediatamente, a empresa
diz: façamos uma simulação para saber quanto isso aqui vai dar; incrível
que é que ele já faz a simulação, não
dá para aceitar; apesar de fazer todos
os cálculos, ele avisa que aquilo não
dará. Se cada um pensasse antes de
comprar alguma coisa, se fosse pensado antes de usar o cartão de crédito
e refletisse sobre o impacto que isso
traria ao orçamento familiar. É o que
faz hoje o Governo; não dá mais, precisa cortar gastos; não adiante aumentar tributos, precisa cortar a despesa.
O segundo parâmetro aqui é algo que
me deixou muito marcado na vida acadêmica. Gostaria, inclusive, de agradecer o Ministro Gilmar Mendes, da
minha banca de doutorado na URBS;
recentemente, foi incentivador da tese no CNJ, fazer com que se consiga
mesmo na vida do juiz conjugar esta
tese de ser ético no exercício da magistratura, mas meu orientador de tese
de mestrado foi nosso professor ; uma
coisa muito marcante e que, talvez tenha marcado a maneira de enxergar
a magistratura foi a visão do Ministro
Moreira Alves – marcada como tatuagem, uma tatuagem anímica em que
diz que é claro que o juiz pode ser um
legislador negativo, mas ele não pode
ser legislador positivo; ele pode apontar as questões de inconstitucionalidade, pode apontar as ilegalidades, pode
construir dentro das leis na hora da interpretação, mas ele não pode criar um
mundo e fazer com que agora a realidade passe a ser assim por uma vontade, um ato evolutivo, que é do Congresso Nacional.
O terceiro parâmetro para se conseguir
a segurança jurídica, harmonizar a segurança nos laborais – esse é o papel
do legislativo, que precisa ter maior
sensibilidade social quanto às questões laborais. Ele precisa ter mais celeridade no disciplinamento legal das
novas situações. Veja bem, até hoje,
nós do Tribunal não conseguimos aprovar o nosso projeto de lei de execução;
há um receio muito grande, mas é indiscutível que o trabalhador não pode ter forma de execução e de receber
os seus créditos menos rápidos que
qualquer outro.
Quando o Ministro Cláudio Brandão
mudou o parâmetro de correção monetária no âmbito da justiça do trabalho, por que o parâmetro de correção do crédito tributário, o parâmetro
da justiça federal, da justiça estadual
era um para o precatório e para a justiça do trabalho era outro. Agora, surge o problema que é o recebimento de
uma avalanche de base declaratória;
será que não daria para modular de
forma que não se mude, da noite para
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
o dia, um passivo tão grande? Deverá
ser estudado, refletido, e a justiça do
trabalho é sensível a isto; na verdade,
a preocupação daquilo a ser discutido neste de meio são quais os melhores caminhos, quais as soluções mais
viáveis para se consiga, fundamentalmente, compor e harmonizar as relações laborais.
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Cláudio Brandão
Os novos Modelos
de Contratação:
Relações
Colaborativas,
Autônomo
Economicamente
Dependente
Cláudio Brandão*
*Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco; Professor titular da
pós-graduação e da graduação em Direito
da Universidade Federal de Pernambuco e
da Faculdade de Damas da Instrução Cristã.
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Cumprimento o ministro do TST Ives
Gandra pela gentileza do convite para este evento que reúne especialistas em um grau maior no debate sobre o trabalho daqui e de outros países,
num interessante processo de integração de culturas e de experiências da
ciência jurídica. Agradeço em especial
ao deputado Maurício Rands, pessoa
responsável pelos grandes e bons debates, no seio do Congresso Nacional,
sobre as diversas reformas constitucionais e legislativas e que sempre se
mostrou um ouvinte da melhor qualidade, pois, além de ouvir, soube, sobretudo, permitir que as opiniões fossem
transmitidas; foi parceiro nos grandes
debates de natureza jurídico social. Segundo me relatou, ele andou colhendo experiências muito interessantes
ao implantar atividades e implantá-las
unindo realidades diferentes: a holandesa e a africana.
Isto me reportou ao tempo em que estive em Genebra como participante da
OIT, da Conferência Internacional do
Trabalho, em um debate que tratava,
justamente, das micro e pequenas empresas, que é o tema a ser abordado hoje; de um lado, falava o representante
da Suíça e, logo em seguida, o de Gana. Eram realidades extremamente diferentes e, obviamente, com um diálogo dos mais criativos sobre como a
OIT conseguiria elaborar norma de resolução para as micro e pequenas empresas, de modo a estimular uma economia com 95% do trabalho informal,
que é o caso da economia africana, e,
ao mesmo tempo, contemplasse o outro lado como, por exemplo, os Estados Unidos, a Suíça e a Holanda; certamente, este foi um debate com um
diálogo dos mais atuais.
Longe da habilidade e da profundidade
de reflexão filosófica de sua excelência
o Ministro Ives Gandra, que dispensa
o uso do Power Point, faço uso deste recurso com o intuito de não ser traído
pela memória, que nos leva a escravos do tempo e, também, para facilitar as anotações dos estudantes aqui
presentes. A primeira reflexão sugerida
é em torno da interação permanente
entre direito e economia, levando-se
em conta as diversas medidas de ordem legislativa ou de projetos enviados para o Congresso Nacional, questão comum a todos e vivenciada em
vários momentos históricos; seja a história mais recente, mais pretérita, ou
seja, o próprio nascimento do direito
do trabalho, sempre há uma interação
permanente entre economia e direito.
O primeiro questionamento em relação ao assunto é o de como as iniciativas, os projetos, originários do Congresso, do Executivo, impactarão no
direito ou, como o direito, a ciência, o
ordenamento jurídico analisarão estas mudanças e qual seria o impacto
que esta análise terá na estrutura normativa do estado brasileiro. Somente se pensada a possibilidade de ela
ser abrigada, e no uso expresso das
palavras de Carlos Aires Brito, encontrar aconchego no colo da Constituição, viés político bastante conhecido
23
Cláudio Brandão
por todos. Quando ele diz que não se
pode pensar na estrutura senão a partir dessa visão de aconchego, a gente
imagina a Constituição aconchegando os diversos projetos de lei em seu
colo ou não. Assim, somente pelo fato
de estes projetos encontrarem aconchego na Constituição, terão eles vida
limpa ou quem sabe até, sequer passem no primeiro exame na Comissão
de Constituição e Justiça, integrada por
ele durante muito tempo.
Faz-se necessário que se tenha clara a
noção de que não se pode falar de economia sem o direito, mas que, no último ano, os reflexos em si são muito
maiores no sentido inverso, ou seja, há
o sistema jurídico – e o Ministro Ives
Gandra fez uma profunda reflexão sobre o impacto da questão judicial no
contexto econômico – mas também
há a necessidade de se pensar sobre
a maneira como o contexto econômico interfere na produção legislativa e
como se reflete ao final do judiciário
brasileiro e, em especial, no que diz
respeito às condições de trabalho do
TST e, evidentemente, na última palavra constitucional, que é do Supremo Tribunal Federal.
Para tanto, cabe refletir sobre as premissas que sustentam o debate em
torno dos chamados novos modelos
de contratação. Isto faz-me lembrar
do meu pai que, por toda a vida, lidou
com a zona rural e do meu avô que foi
vaqueiro. Certa vez, em um momento
de descontração familiar, um vaqueiro perguntou-me o que seria IBOVESPA e bolsa de valores. Fiquei pensando
na resposta a ser dada, e ele logo per-
guntou o que era mercado, pois conhecia apenas aquele de Itaberaba, onde
fazia a feira semanal. Este fato trouxe uma reflexão sobre tamanha introjeção do nosso inconsciente coletivo
de palavras e expressões que passam
a ter vida própria sem que, sequer, reflitamos sobre elas.
O mercado de hoje anda retraído, a agência Moodys rebaixou a nota do Brasil, e
isso trouxe uma grande preocupação
à economia. Certamente que conheço
pouco de macroeconomia, mas os investidores internacionais, da noite para o dia, apresentaram esta nota baixa,
é como aquele aluno que recebe uma
avaliação e necessita apresentá-la ao
pai, a preocupação é inevitável; lembra aquela propaganda do posto Ipiranga em que o filho pede ao pai para
deixar para lá o desempenho e irem à
Delikatense.
A preocupação é fato, como cidadãos,
pelos impactos na economia cotidiana; como pessoas atuantes na área jurídica, para adotar medidas para tentar minimizar os impactos causados ao
ambiente de trabalho. Há que se refletir sobre premissas realizadas em torno das novas formas de contratação.
Isto possibilita uma breve retrospectiva histórica que, certamente, reporta aos modelos econômicos no Brasil
dos anos 70 e 80.
Evidentemente, não se trata aqui de
uma análise econômica, apenas de uma
retrospectiva histórica para mostrar
quais os fatos que levaram o Brasil de
hoje, ou mais tardiamente dos anos 80,
a promover algumas mudanças na lei
24
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
trabalhista para se tentar copiar modelos adotados na Europa com o sucesso parcial ou sem sucesso algum
ou com sucesso por lá, mas com uma
realidade diferente daqui. É como se
aqui houvesse um remédio capaz de
solucionar desde dor de cabeça até as
mais profundas e graves infecções.
É inegável que a economia passou a ser
globalizada e que, por aqui, esse modelo econômico ficou marcado como uma
tatuagem indelével; todo o mundo teve de interagir no mundo internacional. Hoje em dia, dizer que não possui
um celular é absurdo; para mim, por
exemplo, foi absurda a ideia de saber
que meu pai não usava telefone celular e vivia muito bem no interior, pois
quem quisesse achá-lo, ou ligava para
a casa dele ou para o comércio; e não
ligava se, nos poucos minutos entre a
casa o trabalho e finais de semana, ninguém falasse com ele. Esta economia
globalizada é que fez com que todo o
mundo se interagisse. Quem não se
lembra do quase crash da bolsa de valores, da repercussão imediata quando
o presidente americano George Bush
engasgou com um biscoito Cookie ou
do resgate dos mineiros no Chile cuja
repercussão mundial facilitou a jogada de marketing de um fabricante de
óculos. Ele se apressou em mandar para o kit de socorro aos mineiros o mesmo tipo de óculos; e todos saíram da
mina com o mesmo tipo de artefato.
Uma propaganda que custaria alguns
milhões de dólares, feita gratuitamente naquele momento.
Mas a economia em que nesse contexto de globalização, o capital finan-
ceiro passou a ostentar a hegemonia
muito em detrimento do capital produtivo, do modelo de capital clássico.
O mercado passou a ser internacional,
a todo momento esta interveniência
financeira é percebida; o que a China
faz reflete aqui no Brasil de modo imediato, e em outros países do mundo; a
crise americana provocou reflexos em
outros países provocando, certamente, mudanças na forma de produzir a
relação clássica entre capital e trabalho; a informatização e a informação
foram levadas para a economia também de maneira imediata; a cada momento tem-se notícia da subida ou da
descida dos índices, como os exemplos
já dados do biscoito Cookie com o presidente George Bush e da nota do Brasil que, na hora, já produzem impacto
na bolsa; são fatos ou elementos que,
num contexto econômico, produzem
impacto imediato.
As informações vindas da Europa, por
exemplo, que antes chegavam ao Brasil em meses ou semanas após o ocorrido, hoje chegam em tempo real, o
reflexo é imediato. E os mercados se
ajustam nesta dinâmica da vida levada em um contexto de informação em
tempo real, mas que provocou também, sem dúvida, um deslocamento
do eixo decisório, que não é mais do
estado apenas, as agências econômicas, as agências reguladoras, o mercado e as grandes corporações econômicas ditam as regras.
Para entender, basta que se lembre do
que está acontecendo no Brasil nos últimos dias, e não é no contexto político, mas no econômico. Isto provo-
25
Cláudio Brandão
cou uma reestruturação no modelo de
produção, sem dúvida nenhuma, seja por atender às demandas de mercado, pela nova realidade, pelos novos hábitos de vida – levar o trabalho
para casa e ficar com ele todo o tempo; eis por que alguns autores defendem até o direito à desconexão; antes,
o trabalhador fechava o escritório, ia
para casa e deixava o trabalho lá, agora, ele leva consigo. Nada melhor para
exemplificar que o WhatsApp, que virou mania nacional; dificilmente, hoje, alguém não participa de um grupo
neste aplicativo; são mensagens virais
que se espalham que nos possibilitam
estar aqui assistindo a este debate e
consultando as pendências, ou que a
demora impossibilitará a audiência de
daqui a pouco.
Certamente, o tempo em que se vive provoca reflexos no mundo do trabalho, que o trabalho interage com o
tempo real e a todo momento com a
sociedade em busca, é claro, da competição, subproduto da realidade “inafastável”. Seja no plano empresarial,
seja no plano do estado ou no plano
do indivíduo, todos querem ser competitivos; na empresa, a disputa por um
melhor posto, que a meu ver é clássico, acentua-se na atualidade pela escassez de bons postos de trabalho e de
bons empregos; a busca pela competitividade é um fato natural e a tecnologia traz este componente agregador;
evidentemente, faz com que os países se unam para se defender em blocos comerciais ou de outra natureza,
a exemplo da União Europeia, do Mercosul e de tantos outros.
Espera-se que a empresa esteja pronta para dar respostas imediatas, rápidas e eficazes às demandas de mercado porque precisa responder sob pena
de perder o tempo da história, e o seu
concorrente mais rápido chegar lá; as
disputas entre a Apple e a Samsung
revelam isso, cada empresa se antecipando aos fatos. Segundo Steve Jobs, a
empresa não deve saber o que o cliente
pensa, ela tem de criar uma demanda
para que o cliente vá atrás dela; e foi
assim, um sucesso absoluto o Iphone.
O trabalhador, por sua vez, passou a
ter um perfil, não o especialista de determinada área, mas um trabalhador
multitarefa, capaz de atuar em diversos espaços da empresa, da fábrica,
para que, enfim, possa atender a estas
demandas; as atividades intelectuais,
as atividades tecnológicas passaram a
ter um novo espaço que não se tinha
antes; muito mais preso, muito mais
caracterizado pela indústria produtiva,
como chão de fábrica, sendo sua principal marca caracterizadora.
No Brasil, certamente, os efeitos desse
mercado modelo refletiram a mudança
provocada por esse contexto econômico, como trabalho temporário, terceirização de serviços, contato imparcial
copiado do modelo espanhol, contrato de qualificação profissional, suspensão de contrato para que se possa
fazer cursos de qualificação com redução de direitos em virtude da crise
econômica, trabalho cooperativado –
por aqui, a explosão de cooperativas
ocorrida nos últimos dez anos exemplifica tudo isso.
26
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Embora a lei originária tenha sido em
1971, os dados mostram esta evolução
em números sem que se reflita, necessariamente, na qualidade do trabalho
no sentido da melhoria da condição social. O crescimento exponencial do trabalho da mulher, o trabalho da criança, o aumento do micro empresariado,
o aumento da informalidade são consequências do modelo econômico implantado no Brasil de 70 e 80; sem nenhuma intenção crítica, pois a ideia
foi fazer um relato histórico.
Estas são premissas importantes para
que alguns dos modelos ou das novas
formas de contratação possam ser analisados, evidentemente, fazendo aqui
o voo de pássaro diante da limitação
temporal, mesmo por que o objetivo é
instigar a reflexão sobre o assunto. Interessante é pensar no modelo de trabalho para subordinados que, segundo o professor Plínio Pereira, a partir
de estudos feitos na Espanha e na Itália, há quase uma dependência integral econômica do trabalhador em face do tomador de serviços.
No Brasil, um exemplo interessante
é o contrato de facção em que, a todo momento, há uma linha divisória
tênue entre reconhecer a validade do
contrato de facção – muito utilizado
nas indústrias têxtil e calçadista – e
que é uma atividade empresarial lícita, uma vez que é exercida de acordo
com as normas que regem a atividade empresarial, e aquele momento em
que há uma interferência direta e total do comprador na atividade do fabricante, que é quem determina o modelo de produção.
Um caso interessante aconteceu em
São Paulo, no bairro de Bom Retiro, em
que a empresa tem seu nome ligado a
uma prática de trabalho degradante dos
paraguaios e chineses e foi determinado que se observassem as normas de
segurança e proteção do trabalho. Do
ponto de vista jurídico, haveria desqualificação do contrato de facção porque
estaria em jogo saber até que ponto
esta empresa estaria envolvida. Nesta matéria, o Ministro Vieira de Mello,
da sétima turma e relator do processo,
decidiu manter a validade do contrato
de facção, apesar da ingerência direta
na atividade produtiva e voltada para a
preservação do ambiente saudável de
trabalho, condição inerente à atividade ali executada. Na Espanha e na Itália, por exemplo, o modelo de trabalho
é de elevada dependência econômica
de quem trabalha e de quem obtém o
resultado desse trabalho; por esta razão não se pode falar se o trabalho é,
de fato, autônomo com liberdade.
Quando o professor Arnaldo Sussekind
fala da revolução industrial, em seu
clássico livro Estudos do Direito do Trabalho, ele traça um quadro bastante
ilustrativo da ralé fatigada convivendo com a opulência da burguesia. Este contraste deu origem ao direito do
trabalho, que rompeu com a ideia de
que o contrato deva ser cumprido tal
como tenha sido pactuado, pois não
haveria igualdade econômica e social
capaz de legitimar a vontade de quem
aceitava determinado grupo de cláusulas; evidentemente, um contrato do
trabalhador econômico independente.
27
Cláudio Brandão
Caso este modelo venha a ser adotado aqui no Brasil, certamente haveria
situações bastante semelhantes porque encontraria uma linha cinzenta
entre validar este contrato, porque é
previsto legalmente, desde que a norma em vigor não tenha sido declarada
inconstitucional e, bem por isso, deva
ser cumprida; e em qualquer mudança determinada pelo empregador, tomador de serviço, ou melhor dizendo,
contratante do serviço que poderá determinar o sucesso ou não da atividade empresarial. Não foram desconsiderados aí os direitos assegurados ao
trabalhador, previstos na lei espanhola. No caput do artigo sétimo da lei brasileira, por exemplo, existe a proteção
contra a determinação, evidentemente numa relação de trabalho autônoma, caso haja uma prática que viole o
principio constitucional da igualdade
de gênero, racial, por exemplo.
Claro está que haverá uma demanda a
ser ajuizada por um trabalhador sem
vínculo de subordinação, baseado, exatamente, na ideia de que os princípios
estabelecidos na Constituição superam
qualquer norma que venha a ser objeto
de elaboração pelo Congresso Nacional. Ainda utilizada de maneira prática
na sociedade, a pejotização é um fenômeno presente no dia a dia e bastante conhecido por todos. Esta expressão possui um sentido ruim, não para
trabalhador cuja empresa lhe garanta
exercer livremente uma atividade econômica, mas para aqueles trabalhadores que têm uma dependência quase
integral com seu contratante, como é
o caso daquelas situações em que ele
é compelido, prévia ou concomitantemente, ou até mesmo posterior ao
contrato, constituir uma empresa sem
nenhuma solidez econômica formada por ele próprio, ou não raras vezes,
por ele e pela mulher, muito mais pela imposição do contrato de trabalho.
A Lei Brasileira 11.196, em seu artigo
120/9 trouxe um estímulo muito grande para essa regra ao tratar de forma
bastante ampla do trabalho intelectual, pois ficou clara a criação de pessoa jurídica para atender às demandas próprias do mercado intelectual
em atividade que, em regra, não é habitual. Certo é que, se aqueles elementos que caracterizam relação de emprego estiverem presentes, não seria
a lei aplicada de maneira equivocada
que irá afastar a possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício, mas a partir desta norma, há sim
um incremento deste tipo de atividade, desta forma de exercício.
Às vezes, o trabalhador acha que tem
mais vantagens, que receberá um valor maior ou pagará menos impostos,
mas sem dúvida, aquele elemento de
aglutinação, que fez com que as lutas
sociais empreendidas passassem, deixa de existir. Um elemento interessante é aquele em que o pessoal dos ferroviários da Valec não tem condição
de se aglutinar para fazer uma greve
– que é um movimento social de reivindicação coletiva – porque estão espalhados pelo Brasil inteiro; e trata-se,
obviamente, de um direito fundamental conhecido por todos.
28
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Certamente que, nesse contexto do trabalho com características da privatização, a simulação na criação de uma
empresa apenas para fazer valer a possibilidade de trabalhar, encontra uma
resistência muito grande se considerada a aplicação dos princípios sociais.
Uma novidade recente no Brasil é que
a empresa individual de responsabilidade limitada, a EIRELI, criada em 2011,
já é objeto de Adin no Supremo Tribunal Federal. O relator Ministro Gilmar
Mendes estava aqui para tratar da limitação ou não do valor do capital mínimo, de ser ou não objeto a sua criação por pessoa jurídica, porque a lei
tem uma redação ambígua, e no texto original falava-se em pessoa natural, hoje, fala-se apenas em pessoa, isto é uma demanda muito grande para
saber se pode ser, ou não, criado por
pessoa jurídica. Fato é que para atender a essa demanda social já há uma
demanda nacional aprovada esta semana na Câmara dos Deputados, que
volta ao Senado criando a SLU – Sociedade Limitada Unipessoal que procura, exatamente, atender a estas indagações surgidas com a EIRELI, que
é autorizar essa pessoa jurídica, não
exigir que haja capital integralizado
de imediato – premissas que limitavam a criação no modelo anterior – e
admitindo, também, a criação de um
capital inferior a seis salários mínimos. Geralmente, são modelos utilizados e que despertam o debate em
torno da atuação do Supremo.
A este respeito, como bem lembrado
pelo Ministro Ives Gandra, moderador
do evento, será disponibilizado slide
do evento e enviado para o e-mail de
todos aqueles participantes.
Este modelo de utilização de empresa
que garante a separação patrimonial
porque, fundamentalmente, o problema resulta da separação patrimonial
em que o empresário individual não tinha essa garantia de responsabilidade
limitada, e havia a chamada confusão
patrimonial entre ele enquanto empresário e enquanto pessoa física. Esse modelo – já lotado no Brasil há quatro anos - procura separar a sua vida
"empresarial” da vida “pessoal” e, embora, se saiba que a teoria nem sempre é fácil de ser adotada, é um modelo
que desperta um debate muito grande, exatamente, em razão da adoção
da pseudo autonomia, ou pseudo empresariado. Um outro modelo, o Teletrabalho, que, na verdade, não é um
modelo especial de contratação, mas
sim um modelo especial de execução
do contrato, atem-se às demandas do
mundo cotidiano, àquelas do mundo
moderno. É claro que, hoje em dia, raras são aquelas pessoas que não têm
celular, que não estejam plugadas no
mundo.
Recentemente, a televisão veiculou
uma matéria sobre esta questão, em
que mostrava os impactos do uso do
celular sobre a coluna cervical, pois
quanto mais você gira o pescoço – e a
matéria é justamente sobre os danos
à coluna cervical provocados pelo uso
do celular, do smartphone – mais comprometida fica sua coluna. Na verdade, a grande preocupação das pessoas
ao adquirir o celular não é esta, mas
sim saber se ele fala, se o sinal é bom,
29
Cláudio Brandão
que aplicativos possui, qual a velocidade ou quais as conexões possíveis.
A pergunta se existe ou não wi-fi nos
locais é uma constante entre a população, como se fosse uma exigência a
ser preenchida; difícil é conter a vontade de perguntar por que o sinal está
ruim, ou mesmo, de ficar constrangido
caso a resposta seja negativa, mas certo é que a primeira pergunta não será
um bom dia e sim, tem wi-fi e qual a
senha. A visão da plaquinha indicativa de Wi-fi chega a ser um alívio.
Indiscutivelmente, o Teletrabalho é uma
realidade contemporânea que possui
vantagens e desvantagens. Há uma experiência bastante interessante sobre
este tema em meu gabinete em que,
excelentes servidores que, por questões pessoais ou por problemas, antecipam o trabalho do mês posterior, ou
seja, trabalham com um mês de antecedência para garantirem a condição
ajustada no momento em que lhes foi
feito o convite para o gabinete; novidade ainda em caráter experimental,
mas muito interessante. O grande desafio, talvez, seja o trabalhador separar vida pessoal do trabalho; é preciso
muita disciplina para separar o mundo físico, real do trabalho, do mundo
pessoal porque os ambientes se interagem permanentemente e irão se confundir a ponto de não se saber onde
termina o trabalho e começa a vida
pessoal; é claro que existem o controle por biometria e outras diversas formas de controle.
No filme de Charles Chaplin Tempos
Modernos, quando o empregado vai
ao banheiro fumar, o patrão abre uma
tela e diz go back – volte ao trabalho;
discussão recente nas atividades. Mas,
enfim, é um modelo que não se pode
deixar de observar e deixar de reconhecer seu valor, que provoca, seguramente, um impacto até mesmo na
perspectiva empresarial e na perspectiva do trabalhador exigindo explicações
e que se estabeleça, também, a proteção que a CLT dizia desde 1943 – que o
trabalho a distância não descaracteriza o vínculo empregatício, desde que
mantidos os elementos que revelem
a relação de emprego. O que se fez até
agora foi tornar equivalentes os meios
de controle telemáticos e os meios de
controle físicos ou próximos à subordinação direta revelada no controle da
atividade que o chefe, por designação
do empregador, exerce.
Os empregos divididos aqui numa experiência não bem-sucedida nos Estados Unidos da década de 80, em que, em
decorrência de uma crise econômica,
as companhias aéreas dividiram entre os trabalhadores atividade, remuneração, responsabilidades e tarefas
– modelo este que, aqui no Brasil, foi
extremamente difícil de ser executado, tamanhas foram as peculiaridades
que o caracterizaram; principalmente
porque um mesmo posto de trabalho
poderia ser dividido entre várias pessoas que compartilhariam a forma de
execução, as tarefas, a responsabilidade e, principalmente, a remuneração.
Aqui no país, o modelo é pouco parecido e lembra pouco este modelo, que
é contrato de equipe; há uma previsão
no estatuto do índio em que a atividade pode ser exercida por um grupo
30
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
de pessoas; uma banda de música ou
uma orquestra em que o grupo executa
a tarefa e todos recebem. Aquela pessoa que recebe o pagamento e distribui para o grupo não deixa de ter, como na situação descrita, uma ligeira
aparência com esta divisão de tarefas.
A questão é saber como lidar com este
dilema, é perceber que o trabalho está hoje numa clínica de análise e que
são levantadas determinadas indagações de para onde se vai, quem se é,
para onde se vai e o que se fará. O Ministro Ives Gandra falou aqui do “como” e do “por que”.
O juiz tem poder, exerce autoridade na
jurisdição, tem sobretudo o papel de
amenizar, contemporizar conflitos e
as pessoas que exercem o poder e que
levem o poder para a vida pessoal; entra no cinema sem pagar, por exemplo, apresentando ao porteiro a carteira de juiz quando ele lhe diz que não
pode entrar. Será que aquele que estuda Direito do Trabalho, que vivencia este direito vive agora um dilema
porque não consegue responder a estas questões?
Basta usar a Constituição para responder que não há resposta para aquilo que
é irrespondível. Não há uma fórmula
que consiga fazer com que o direito e
a economia encontrem um consenso
sem que seja respeitada a Constituição; por mais importante que seja o
modelo econômico brasileiro, a Constituição Brasileira é a salvaguarda do
cidadão. O mercado, então, não pode
ditar à Constituição o que fazer, mas
deve encontrar, segundo o Ministro
Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, o aconchego no colo da Constituição que, como a mãe generosa que é,
saberá dar carinho a este modelo econômico. Caso o projeto de lei do deputado Maurício Rands lá estivesse sendo debatido com profundidade, ficaria
claro que não há projeto de lei, não há
forma de trabalho que supere o valor
social do trabalho, constante no Artigo 1º, como fundamento do estado
democrático de direito, que é República do Brasil.
Certo é que esta ideia que a economia
é, a partir de agora, detentora da soberania nacional, por mais importantes que sejam os reflexos produzidos
no direito, não se pode vilipendiar a
Constituição em torno de um modelo econômico. Serão encontrados nos
seus princípios, nas suas regras, nos
seus mandamentos formas que não vilipendiam a condição humana e, caso
não sejam encontradas, caberá a todos
como estudiosos do direito e participantes do processo proferir um “não”
de resistência; não aquele “não” desmotivado, anárquico, mas aquele civilizatório, o includente, o constitucional; porque está dito lá no Artigo 1º da
Constituição, é fundamento por valor
social de trabalho e da livre iniciativa,
fundamento para que se possa ler a
Constituição a partir do que ela estabelece no portal de entrada.
Não é à toa que o Artigo 144 da Constituição Portuguesa foi copiado para o
Artigo 1º de nossa Carta Magna ao dizer que a ordem econômica deve ser
regida, também, por um princípio de
inclusão social. Está no Artigo 1º co-
31
Cláudio Brandão
mo se fosse um cartão de visitas, um
portal que deixasse claro que, a partir de agora, pudesse se ler o que está
não somente na Constituição, como
nas Leis Ordinárias, nos projetos que
forem ao Congresso Nacional.
A proposta, na verdade, é um retorno
ao começo, ao velho princípio da proteção do professor Goulart Rodrigues,
mas na proteção maniqueísta. E todo o
empregado tem razão, todo empregador representa o mal, não se trata da
luta do bem e do mal, trata-se de encontrar na Constituição o temperamento para, indubitavelmente, ter a compreensão que mudanças conjunturais
determinarão mudanças também jurídicas e legislativas, mas sempre com
os olhos voltados para a Constituição.
Um retorno aos constitucionalistas nas
palavras do professor Vicente Marques
quando ele diz não ser a Constituição
um documento extático; ela é viva, está no cotidiano de cada um, acompanha a vida social. Esta é a Constituição
que quero ler, aquela que prego todos
os dias e não aquele documento muito bonito guardado em uma prateleira; aquela Constituição em que Ulisses Guimarães chamou de “a cidadã”.
tuição; se lá não estiver, também não
estará na vida cotidiana.
Revendo uma passagem muito interessante do Ministro Carlos Ayres Britto
quando ele diz que a Constituição deveria ser lida como janela aberta para o porvir, por ela tudo passa, passa o que é bom e também aquilo que
é ruim, caberá a cada um fazer com
que ela tenha esta plasticidade para
se adaptar ao dia a dia, mas com alguns pilares que lhe darão hermeticidade e sustentação porque, segundo o
constitucionalista e administrativista
Celso Antônio Bandeira de Melo, são
os pilares do sistema jurídico; e nenhuma Constituição se sustenta sem
pilares sólidos, seja ela constituição
física como os pilares de um belo prédio, seja ela jurídica.
Portanto, não há respostas, não há modelos prontos ou opiniões acabadas.
Qualquer solução será bem-vinda se
for respeitado aquilo que está na Constituição. Se não encontrar abrigo, aconchego, que o judiciário diga não, que
basta; e o caminho a ser perseguido
será encontrado.
É esta Constituição que rege minha vida, a vida do cidadão brasileiro, mas
também a vida das empresas, para que
elas encontrem soluções que, seguramente, refletirão a necessidade da demanda econômica, mas que também
deva ser preservada. Desta forma, qualquer modelo será interpretado, visto e
aceito e encontrará abrigo na Consti-
32
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Os Novos Modelos de
Contratação
Maurício Rands*
*Doutor em Direito pela Universidade
de Oxford, na Inglaterra; Procurador Judicial e Secretário de assuntos jurídicos
do Recife; Vice-Presidente da OAB; Professor da Faculdade de Direito da UFPE.
33
Maurício Rands
Agradeço ao Ministro e presidente Ives
Gandra pela excelente e prazerosa palestra proferida na abertura deste seminário no IDP e às excelentes reflexões do Ministro Cláudio Brandão, pois
ambas exteriorizam o que se conhece
de cada autor – conjugam dois requisitos essenciais: a paixão pelo tema e
o conhecimento teórico profundo sobre este mesmo tema; que é, na verdade, o verdadeiro atributo destes dois
ministros.
A paixão pelo direito do trabalho vem
desde a atuação como professor da Universidade Federal de Pernambuco, seja no doutorado realizado na University of Oxford, seja nos três mandatos
de deputado federal na Comissão de
Constituição e Justiça. Fato é que a vida
teórica e profissional em torno desta
modalidade do direito corresponde a
uma assimetria fundamental existente em todas as sociedades, como bem
diz o italiano, datore di lavoro, e aqueles que vivem da sua força de trabalho.
Acontece que a forma de o Estado disciplinar esta assimetria fica, muitas vezes, em desconformidade com as evoluções da sociedade e, na conjuntura
brasileira a grande desconformidade
é perceptível.
O interessante é pautar esta percepção
em três binômios: aquele mencionado pelo Ministro Ives Gandra, que é o
princípio da proteção da doutrina social da igreja Católica versus o princípio da subsidiariedade. Nesta bipolaridade podem se identificar os outros
dois binômios, que é o binômio da regulação e do funcionamento adequado do mercado e o terceiro, um direito
de empresa após a unificação no livro
dois da parte especial da Lei 10.406 do
Código Civil, que é o direito da empresa e o direito do trabalho.
Este é o diálogo que precisa ser feito
para adequação do direito do trabalho
contemporâneo às novas formas de
organização da produção e, portanto,
às novas formas de colaboração, seja
o Tele trabalho – o trabalho a distância; seja a relação da empresa com a
Eirele – Empresa Individual de Responsabilidade Ltda; seja com a futura sociedade unipessoal que existe no direito alemão, no direito dinamarquês
e em outros direitos. Quando da edição da Lei 12.441 – Lei da Eirele – foi a
metade do caminho porque, mesmo
com tão pouco tempo, já está superada pela sociedade unipessoal que precisa ser introduzida no direito brasileiro. Temos aí a pejotização de todos
estes fenômenos, e como enquadrá-los
neste contexto?
Levando-se em conta uma reflexão mais
aprofundada de longos anos, está clara que há uma inadequação entre o direito do trabalho, o direito de empresa, a regulação, a autonomia privada
coletiva, a concepção de princípio coletivo e da subsidiariedade. No bom
sentido, no sentido de que todos os
operadores do direito percebem a necessidade de se fazer uma adequação
comprovam estarem todas elas em crise. Cabe lembrar, no entanto, que esta
adequação não acontece apenas nestes binômios.
Na verdade, o desenvolvimento brasileiro está travado, independentemen-
34
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
te da análise que se faça do fracasso
do atual governo da Presidenta Dilma
Rousseff, porque trata-se hoje um fracasso civilizacional da nossa geração.
É um grande desafio, pois aquele Brasil desenvolvido imaginado por muitos
há alguns anos, que os pais imaginaram – meu pai foi um dos fundadores da Sudene com o Celso Furtado –
que, em uma década ou duas, o Brasil
seria um país desenvolvido devido às
imensas potencialidades do povo e da
riqueza. Infelizmente, esse Brasil desenvolvido e com justiça social – desejado pelas gerações anteriores - talvez,
não seja visto nem mesmo pelas futuras gerações. Mas se isto não puder ser
observado, que sejam colocadas premissas para que o salto aconteça; e o
marco microeconômico é justamente
uma destas premissas.
Certa ocasião, em uma experiência como executivo de uma empresa brasileira em Pernambuco que estava se
internacionalizando na Holanda e em
alguns países da África; acabava tendo uma pasteurização mensal em que,
parte do mês era passado em Amsterdã, cuja sociedade valorizava a justiça
social, uma educação básica de qualidade e para todos e universidade para
todos, sejam ricos ou pobres; que valoriza muito empreendimento, mas valoriza muito a cobertura social do Welfare State.
Nos Estados Unidos, por exemplo, quando se pergunta para o trabalhador qual
seria a remuneração dele, ele responde
que a hora/trabalho era tanto. Aqueles
que tinham uma perspectiva de maior
permanência em sua relação de tra-
balho falavam de remuneração atual,
mas poucos falavam em remuneração
mensal – um direito do trabalhador
legislado por cada um dos 53 estados
americanos mais adaptado à realidade do que um direito do trabalho consolidado ou codificado.
Por outro lado, isto acontece por lá desde os anos 30, desde a resposta Keynesiana à crise, eles tinham superado
laissez faire, laissez passe; e tinham
criado algumas regras que disciplinaram a autonomia privada coletiva que
vedaram, por exemplo, a repressão desautorizada, a representação sindical,
que reconheceram a organização sindical e a coletividade. Claro está que
até mesmo o mais liberal dos estados
tinha um direito do trabalho, mesmo
tendo feito uma opção estratégica para
o desenvolvimento, um direito de trabalho que valorizasse, que colocasse
as premissas, que fosse reequilibrante entre essa relação, que é antologicamente assimétrica entre quem trabalha e quem dá emprego. Eles criaram
um modelo que permitia algum reequilíbrio, alguns passos para a autonomia privada coletiva; uma boa solução ou uma solução razoável para esse
binômio princípio da proteção, princípio da subsidiariedade.
Na Inglaterra, o Collective Bargaining,
tanto para os teóricos quanto para os
operadores do direito do trabalho britânico, tinha feito esse papel de reequilibrar, de readequar a autonomia
privada a uma regulamentação do estado. Desta maneira, ora um estado fazia uma visita mais detalhada sobre o
governo trabalhista, ora, uma menos
35
Maurício Rands
detalhada sobre os conservadores; mas
dentro de um certo consenso de que
alguns direitos básicos de proteção a
quem trabalha seriam garantidos, seja pela Collective Bargaining, seja por
aqueles Actions Employments Protections Acts feitos ao longo da evolução
do direito do trabalho.
Esta vivência contrastante bate com a
realidade encontrada no Brasil – os 40%
ainda na informalidade – e com aquela
encontrada na África, em que se percebia aquele horror de desproteção. Esta
experiência pasteurizante mencionada pelo Ministro Cláudio Brandão dá a
vivência da necessidade de se reequilibrar bem esse binômio; não se pode
relevar sobre qualquer condição esse
princípio da proteção do equilíbrio à
assimetria que há nas relações do trabalho, mas precisam ser adequadas;
eis o porquê de estas novas fórmulas
de colaboração surgidas nas empresas
serem vistas sem preconceito, sem o a
priori. Como encontrar um equilíbrio
entre as novas formas tradicionais de
contratações, aqueles quatro requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT, a subordinação sobretudo, o poder diretivo
do empregador; como será exercido
na sociedade da informática a que se
está submetido às ordens dadas, que
devem ser cumpridas quando a relação é de subordinação, mesmo tendo
sido dada fora do expediente.
À época de executivo nessa empresa
em Amsterdã, estava submetido aos
diferentes fusos horários: recebia determinações e solicitações do pessoal
que trabalhava e terminava seu expediente em São Paulo; da Holanda, a
quatro horas de diferença; da África,
a cinco ou seis horas de diferença. Então, recebia os comandos por e-mails
vindos de diferentes fusos horários;
e como fazer para regular tudo isso?
Quando veio a Lei do Trabalho a Distância, nº 12551, para algumas pessoas,
em qualquer situação a que o trabalhador estivesse submetido a um comando de WhatsApp, a um comando
de e-mail ou a qualquer outra estrutura digital, ele não estaria, necessariamente, à disposição da empresa; como fazer, então, para regulamentar um
comando que fora dado fora do trabalho, fora do horário de expediente? Foi
por esta razão - com a complexidade
da relação de trabalho - que este conceito rígido vindo do período anterior
foi-se esvanecendo.
O Artigo 6º, que ficou na redação da
CLT com a Lei 12.551, já conduz a muitas reflexões. Quando ele diz que não
há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio - que
era para isto que se tinha este artigo
– do empregado realizado a distância,
desde que estejam caracterizados pelos pressupostos da relação de emprego. Quando, no parágrafo único, se diz
os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam para fins de subordinação jurídica. Diante de tudo isto,
como é que os meios digitais vão exercer o poder diretivo da empresa e onde encontrar esse ponto de equilíbrio;
a necessidade de dinamismo da atividade da própria empresa e o princípio
36
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
da proteção a que estava submetido o
poder de mando.
Claro está que permanecem válidos o
enunciado 428 e a aplicação dos cânones da subordinação, mas para que se
tenha hora de sobreaviso, hora extra é
preciso que sejam criados alguns parâmetros objetivos para determinarem
que aquilo fora uma ordem; que aquele empregado que fechou o expediente
em São Paulo ou em Amsterdã tivesse,
realmente, um trabalho determinado
pelo poder de comando do empregador, que estaria, portanto, submetido
à hora extra. Onde fica, por exemplo,
a relação de colaboradores em uma
empresa que, para produzir um bem
e um serviço, precisa de colaboradores
na conquista de mercados; ainda mais
hoje, em mercados tão competitivos.
Quando se estuda o direito da empresa,
percebe-se que há um capítulo completo
sobre os contratos empresariais sobre
os contratos de colaboração, aqueles
contratos de colaboração que podem
ser contratos de colaboração por intermediação, ou contratos de colaboração por aproximação. Como contrato de colaboração por intermediação
temos, por exemplo, o contrato mercantil de uma concessionária de automóveis com autonomia plena; é uma
relação, portanto, mais de coordenação que de subordinação, pois como
pessoa jurídica ela compra o veículo
da General Motors, da Fiat etc, mas tem
de submeter-se a todas as determinações de marca, de controle de qualidade, do Recall; deve estar submetida,
também, à fornecedora do automóvel,
ao fabricante, à montadora.
Como esse princípio, esse relato contratual de colaboração na concessão
mercantil é, evidentemente, um contrato empresário entre iguais, em tese,
embora não sejam tão iguais, porque
o poder de determinar as condições
daquele contrato mercantil por parte
da montadora é muito maior do que
da concessionária, não surge dúvida
de que tal empresa deva se submeter
a tais exigências justamente por possuir sofisticação, complexidade, por ser
coletivamente organizada.
Segundo o Ministro Cláudio Brandão,
numa relação de colaboração no escoamento da produção por aproximação,
quando a empresa, a pessoa jurídica,
ou até mesmo a pessoa física, não adquire para revender e, simplesmente,
identifica compradores para contratante, para serviço prestado, adentrase em uma zona mais cinzenta. É preciso, portanto, regulamentar de forma
mais adequada e com menos prejuízo – com uma janela mais aberta para
a Constituição, mas aberta, também,
para as necessidades emergentes de
relação de trabalho de um mercado
muito mais complexo.
Cabe ressaltar a necessidade de diálogo com esses binômios, um diálogo
guiado – como bem o disse o Ministro Cláudio Brandão – pelos princípios
da Constituição, tendo a carta magna
como norte; um diálogo distante dos
preconceitos, aberto para esta nova
realidade que hora surge na sociedade e, também, para um desejo que pode surgir naquele empregado menos
assimétrico, menos dependente que,
na doutrina italiana, o professor Joa-
37
Maurício Rands
quim falará, também, do direito espanhol que tem um trabalho para subordinado desde os anos 70. Desde minha
especialização feita na Itália, já havia
ao lado do estatuto do trabalhador italiano, da Lei 300, criada pelo professor
Gino Giugni, que era muito avançada,
já havia ao lado dela a Lei de Quadro,
datada de 83, que tinha uma tratativa
para o trabalho para o subordinado,
para o quadro, para o dirigente; que
era empregado, mas não era um empregado típico.
Faço um aparte para saudar a nossa Senadora Vanessa Grazziotin, que acaba
de chegar, e a Ministra Cristina e dizer
que é uma honra estar ao lado de tão
ilustres figuras.
Reitero a necessidade do diálogo, de se
acelerar esse diálogo que outros ordenamentos já fizeram desde os anos 80;
proponho, também, um derradeiro diálogo que é aquele com direito de empresa, sobretudo, a partir da unificação
do livro dois do Código Civil de 2002. Levando em consideração uma reflexão
elaborada pelo professor Calixto Salomão, titular de Direito Empresarial na
USP, que se apresenta quase como um
continuador da obra de Fábio Konder
Comparato, que chama a atenção para
o que a Lei 6.404 – Lei das Sociedades
Anônimas – já colocou como um primeiro ingrediente, mas de forma bem
genérica, de que a empresa contemporânea precisa levar em conta não somente os acionistas ou o acionista controlador, como se pensava com a Teoria
Contratualista do Interesse Social, mas
que o interesse social, o interesse da
vida da empresa vai além do interes-
se do sócio controlador, dos acionistas
minoritários.
Deve-se levar em consideração os seus
colaboradores, sejam os representantes comerciais da Lei 4.486, seja o do
mandato, seja qualquer tipo de colaborador que não tenha uma relação de
emprego; além, é claro, daqueles que
estão na relação mais assimétrica de
todas, aqueles do trabalho subordinado típico e atípico.
Indubitavelmente, a transição que o
direito brasileiro precisa fazer ganhará uma contribuição importante se for
feito um diálogo profícuo entre esta
concepção do interesse social do novo direito empresarial – levando-se em
conta todos os steak holders da comunidade, o interesse da empresa em não
prejudicar o meio ambiente, a comunidade cujo consumidor tem interesse
na qualidade do produto prestado por
aquela empresa e nos preços módicos
deste produto. O interesse da empresa não é apenas do sócio controlador,
mas dos seus trabalhadores, dos seus
colaboradores; é da comunidade, é do
consumidor, e é, também, do Estado,
que precisa arrecadar os tributos para prover os serviços.
É este diálogo que vai permitir que a
solução dos novos contratos, das novas relações chegue a termo de modo
mais adequado ao desafio do desenvolvimento. Será um facilitador para
que o Brasil destrave o desenvolvimento nacional, ainda hoje inibido pelas
instituições; que permita à sociedade
a eficiência e a justiça em sua produção. Teria, portanto, um Brasil desen-
38
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
volvido com justiça social, responsabilidade grande para nós, os operadores
do direito que, guiados pelos princípios constitucionais – como bem lembraram os dois ministros anteriores
a mim – daríamos uma contribuição
muito grande nesta Seara do Direito.
39
2
Danos Morais
nas Relações
de Trabalho:
Responsabilidade
Objetiva, Assédio
Moral Transversal
e Quantificação
da Indenização
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Danos morais
nas relações
de trabalho:
responsabilidade
Objetiva, Assédio
Moral Transversal
e Quantificação da
Indenização
Maria Cristina Irigoyen Peduzzi*
*Mestra em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília; Presidenta da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho; Ministra
do Triubunal Superior do Trabalho; Professora da pós-graduação e da
graduação da Universidade de Brasília, do CEUB e do IDP.
41
Maria Cristina Irigoyen Peduzzi
Agradeço pelo honroso convite e cumprimento os integrantes da mesa na pessoa da Ilustre Senadora Vanessa Grazziotin, o Ministro Ives Gandra, a todos
os anfitriões e organizadores deste importante evento e também a todos os
colegas aqui presentes. O tempo é exíguo para um tema complexo e diversificado, mas vou fazer aqui umas reflexões sobre alguns aspectos que, por
serem polêmicos ou por parecerem importantes, merecem destaque.
Em relação ao Instituto da Responsabilidade Civil que tem como dever impor
às pessoas físicas ou jurídicas a obrigação legal ou contratual de reparar o
dano a quem derem causa, o interesse
recai na temática da responsabilidade
civil extracontratual fundada na culpa, pois ela tem assento, sede material no Código Civil, Artigos 186 e 187;
há também a responsabilidade objetiva, que se denomina teoria do risco.
Em função destes dois aspectos essenciais, há de se abordar a questão da
coisa sobre o assédio moral e a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. O Ministro Walmir examinará,
em especial, a propósito da fixação e
o tema da fixação das reparações em
concreto. Genericamente, este tema
comporta algumas considerações sobre o ativismo na fixação, chamado de
“ativismo judicial”, que está muito presente quando examinamos o tema das
reparações no âmbito dos danos individuais ou coletivos. Portanto, quando
se trata da responsabilidade civil extracontratual com culpa substancial,
fala-se do assédio moral – que é um
tema e um instituto relativamente re-
centes. E o que é o assédio moral? Ele
começou a ser estudado e foi identificado nas grandes organizações da década de 1980 por um alemão, Heinz,
um psicólogo, que estudava os fenômenos psicológicos que ocorriam no
ambiente de trabalho.
No Brasil, mesmo antes de uma lei que
disciplinasse o assédio moral, a jurisprudência disciplina o princípio geral
da dignidade da pessoa humana, do direito à saúde, especialmente, a saúde
psicológica. Em se tratando de assédio
moral, estão escritos nos Artigos I e VI
da Constituição da República e com base nos princípios que a jurisprudência
e a doutrina formaram estabelecendo conceitos, decisões e possibilidades evolutivas, têm-se muitos projetos
de lei que objetivam disciplinar como
crime a prática no âmbito trabalhista,
no âmbito da responsabilidade civil e
até mesmo no direito penal, a exemplo do que ocorre, desde 2001, com o
assédio sexual; também em relação
ao assédio moral, pode provocar danos individuais e danos morais coletivos. São crimes previstos como uma
espécie de danos sujeitos à reparação,
de acordo com o tema da responsabilidade civil estabelecido na Constituição de 1988 e depois seguido pelo Código Civil.
Em relação ao assédio moral, a doutrina conceituou como uma conduta
abusiva que se materializa por meio
de gestos, comportamentos, atitudes
e palavras repetidas continuamente, e
de forma atenta pela repetição ou sistematização contra a dignidade e a integridade psíquica das pessoas, colo-
42
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
cando em perigo o seu bem-estar, sua
produção e a própria execução do trabalho. É possível perceber que os conceitos estabelecidos pela doutrina de
forma uniforme são atos que analisados individualmente podem parecer
sem importância, mas somados, eles
causam um mal-estar, uma fragilização do trabalhador.
Hoje, por força da jurisprudência formada em razão dos casos trazidos para julgamento no tribunal, tem-se flexibilizado o conceito obtido, não só da
doutrina brasileira, mas na doutrina
internacional. A maioria dos países já
tem leis, e foi fixado, então, este conceito de repetição. Ele tem sido aceito na
jurisprudência como um grande guarda-chuva que abriga na configuração
do assédio moral hipóteses fugidias ao
conceito preliminar de repetição. Assim, indagamos, o que a jurisprudência considera substancial? Considera
o problema do dano moral, que é causado por atitudes, ou patronais, ou no
próprio ambiente de trabalho.
Por isso que na fixação aqui da temática está o dano moral transversal, exatamente, o dano moral contrário do assédio. O assédio moral ao contrário do
assédio sexual ocorre em nível horizontal, vertical, ascendente ou descendente; não é, necessariamente, praticado
pelo empregador contra o trabalhador,
empregado. Ele pode ser praticado por
um empregado, hierarquicamente, posicionado numa escala inferior contra
o outro posicionado na escala superior,
os empregados podem não gostar do
chefe e praticarem assédio moral contra ele. Pode também, empregados do
mesmo patamar hierárquico praticarem assédio em relação a outro colega de trabalho.
Factualmente, em nome do que a jurisprudência convencionou de assegurar
o ambiente de trabalho sadio e estável, temos a responsabilidade do empregador que responde por tudo que
acontece na empresa e pelos atos dos
seus subordinados, como prevê o conceito 932 do Código Civil. Há hipóteses
de que um fato externo possa prejudicar o ambiente de trabalho como um
consumidor trata mal, rotineiramente,
um trabalhador, um empregado. É de
responsabilidade do empregador manter um ambiente de trabalho saudável
sob pena de responder por um assédio moral, gerando desconforto acentuado para o trabalhador em questão.
É importante notar que, estes primeiros
casos identificados na jurisprudência
como situação incômoda, humilhante,
constrangedora, é qualificada de assédio moral por não haver uma tipificação legal. A hipotética atitude de indiferença no trabalho gerava situações
de não dar trabalho para o empregado, de exigir trabalhos superiores ou
inferiores daquele ajustado contratualmente, desprezo ao empregado; há
uma tática de silêncio diante do não
cumprimento das obrigações, não existe reclamação nem elogio. Estes casos
capitulados como rigor excessivo no
trato são atitudes desrespeitosas, humilhantes, assim como expor a terceiros condições e situações sociais e de
saúde do trabalhador.
43
Maria Cristina Irigoyen Peduzzi
Estas questões foram evoluindo e, concomitantemente, evoluíram os projetos de lei. Hoje há uma série de situações capituladas como de moral que
vão além de atos repetitivos, de atitudes hostis do superior hierárquico em
relação ao subordinado, com agressões
verbais e rigor excessivo. Atualmente,
temos também como assédio moral a
exigência exacerbada, imposição de
metas exageradas ou abusivas, danos
morais e coletivos. É considerado dano moral individual e coletivo quando se exige daquele trabalhador que
recebe por produção com rigor, a imposição de prendas ou castigo.
Apesar de fugir do tema, mas não se
pode deixar de fazer referência, são
os temas relacionados ao acidente de
trabalho e à doença profissional, em
que há uma diversificação muito grande de hipóteses que proporcionaram
a fixação e a imposição de reparação
por danos individuais, danos morais
individuais e coletivos. É certo que, a
jurisprudência, nos dias atuais, considera que o mero descumprimento sistemático do contrato de trabalho e da
legislação enseja a formulação de pedidos e o ajuizamento de ações, postulando reparação por danos morais.
Há algumas hipóteses, como o atraso
no pagamento de salários, na devolução da carteira de trabalho, no recolhimento sistemático do fundo de
garantia, no pagamento de verbas rescisórias, exigência habitual de prestação de horas extras sem concordância
do empregado, terceirização de mão
de obra, revistas em bolsas ou revistas físicas, controle de ida ao banhei-
ro, divulgação de relação contendo nomes e remuneração dos empregados,
estão elastecendo o instituto. Considerando os inúmeros projetos de lei
que tramitam no Congresso Nacional,
talvez seja levada em conta a riqueza
de situações envolvidas no tema da
responsabilidade civil extracontratual com culpa.
Outro conceito que tem sido elastecido é o da culpa. Quando se trata de acidente de trabalho, temos fixado de forma expressa, não só na Constituição,
como também no Código Civil a adoção, a tipificação da teoria da responsabilidade civil extracontratual com
culpa. Observamos que há também
na jurisprudência um elastecimento
muito grande da configuração da culpa para admitir o dano moral presumido, elastecendo a disposição do Artigo 927 do Código Civil que disciplina
a responsabilidade objetiva, e não só
In re ipsa, expressão usada quando a
própria coisa determina. O dano presumido é estabelecido também em circunstâncias em que a própria coisa
não é arriscada.
São considerados, portanto, casos típicos de responsabilização, objetivo independente da culpa e passivo da fixação de dano moral presumido atos
como, queda de aeronave, serviço de
vigilantes, de vigilância, ocorrência de
assalto à mão armada, a carro forte, acidente com transporte rodoviário. Além
destas hipóteses, a jurisprudência vem
admitindo dano presumido, aplicando
a teoria da responsabilidade civil objetiva de uma forma bastante abrangen-
44
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
te nas situações em que o empregado
tem dificuldade de apresentar provas.
Cabe citar aqui um caso que foi da relatoria do Ministro Augusto César sobre
provadores de cigarro, um caso muito
emblemático, em que, tanto o Tribunal Regional quanto a turma do TST
entenderem pela ilicitude da atividade do provador de cigarro - é um nome vulgar, mas esta atividade tem um
nome técnico - e foi imposta uma reparação por danos morais de um milhão de reais. Quando os embargos foram a SDI, salvo engano, o Ministro
Dalazen foi quem divergiu do relator
que mantinha substancialmente o interessa do acórdão da turma. O Ministro argumentou que não poderia considerar a atividade ilícita, porque esta
é uma atividade autorizada pela Constituição, não há nenhum impedimento legal; aplica-se, portanto, o princípio do livre exercício das atividades; a
empresa recolhe impostos, a venda de
cigarros é lícita. Por isso, não se pode
considerar atividade ilícita num julgamento de um caso trabalhista, então se reformou a corda turba e no voto constou que seria uma hipótese de
ativismo judicial inconcebível, mas o
entendimento que prevaleceu foi a ilicitude da atividade. Apesar desta atividade não ter sido considerada ilícita
pelo Ministro, há um dano moral, como também um dano material. O dano moral, assim, justifica a manutenção da reparação fixada pela turma e
pelo Tribunal Regional de um milhão
de reais, porque há danos morais para o trabalhador.
E para concluir este tema que envolve
a questão do ativismo judicial, sem invadir o do Ministro Walmir que é concretamente a fixação. Todos aqui, os
pós-positivistas que dão embasamento doutrinário, especialmente, o Robert
Alexy na Alemanha e Ronald Dworkin
nos Estados Unidos - que formularam
teorias que objetivam de forma substancial a justiça. Obter justiça para caso concreto são teorias constitucionais
filosóficas complexas que justificam
a reconstrução do direito, não só nos
Hard Cases, mas também em casos de
omissão legislativa. Não há regra jurídica, por isso vou interpretar os princípios utilizando dessas teorias que eu
gostaria de examinar um pouco cada
uma delas, mas o tempo não permite.
Contudo, a visualização da teoria da integridade do Dworkin é bastante complexa, nem falo na dialex que considero
um teorema, a teoria da proporcionalidade, mas do caso da teoria da integridade do Dworkin que ele precisou
criar aquele juiz Hercule conhecedor
de tudo, conhece o direito em todas
as suas especificidades, os precedentes, a história institucional do povo e
da comunidade, trata-se dos Estados
Unidos, em que a lei, quando é aplicada considera todos estes aspectos.
Atualmente, temos as críticas aos ativistas, porque os pós-ativistas não são
ativistas, em especial nos Estados Unidos. As consequências que vêm acontecendo na jurisprudência são devido
à aplicação destas teorias sem possibilidade concreta de utilizá-las com as
suas complexidades, daí, a produção
de efeitos ativistas. E estes efeitos ati-
45
Maria Cristina Irigoyen Peduzzi
vistas que estão nessas críticas contemporâneas, já referidas, estão sendo
formuladas em acordo com as críticas
de Ram Richal, que é professor da Faculdade de Direito de Toronto e de Jeremy Waldron, neozelandês e professor de direito da New York University
e hoje, um autor muito lido no Brasil.
Seguramente, temos dois professores
em Harvard, ambos da Harvard Law
School, que fazem críticas veementes
ao ativismo e propõem a adoção da teoria da moderação judicial pelos juízes, eles criticam de forma muito intensa o ativismo que são Caster Sistten
e Ram Richard. O professor Ram Richal,
apesar de não propor uma alternativa como os professores de Harvard,
faz uma crítica ao ativismo e justifica porque está ocorrendo. Ele traz esta expressão da juristocracia, chamada por ele de tendência global, porque
são 80 países fazendo isto, que é o fenômeno que consiste na transferência
de prerrogativas centrais dos poderes
executivo e legislativo para o poder judiciário. Então, a própria omissão dos
outros poderes tem provocado por parte dos juízes determinarem o direito, e
em especial quando se trata da Suprema Corte, como a dos Estados Unidos
que, em 2002, definiu uma eleição presidencial, no caso Bush versus Gore.
rificar quantos assessores, qual a especialidade de atuação, se é apenas
em uma específica ou em várias áreas
e o número de processos que ele tem
distribuídos.
O juiz pode dizer, caso não seja um
juiz Hércules, valendo-se destes conceitos pós-positivistas, que há medidas ali que lhe impõem restrições no
julgar e que, por isso, precisa examinar o aspecto das capacidades institucionais e dos efeitos dinâmicos da
decisão proferida, sugerindo sempre
que se abstraia da filosofia e se aplique ao direito.
Para finalizar, pode-se dizer que estas
críticas ao ativismo derivam de uma
postura na qual se convive com questões como conceito de dano moral, não
que seja ilimitado, mas porque envolve o subjetivismo, assim como o assédio moral envolve o psiquismo das
pessoas; e isso dá margem para uma
produção excessiva em termos de jurisprudência, sem o respaldo normativo necessário.
Cabe tratar aqui, em especial, de um
caso de Caster Sistten o chamado minimalismo social, que diz que, se o juiz
não tiver capacidades institucionais,
não deve formular teses filosóficas para decidir o caso concreto. Há de decidir de forma mais simples possível o
caso concreto para dar celeridade, ve-
46
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Responsabilidade
civil por dano moral
Walmir Oliveira da Costa*
*Mestre em Instituições Jurídico-Políticas/Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Pará; Juiz do Tribunal
Regional do Trabalho da 8ª Região; Presidente da 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho; Ministro do Tribunal Superior do Trabalho.
47
Walmir Oliveira da Costa
Primeiramente, cumprimento as duas
ilustres mulheres da mesa, a Senadora
Vanessa Grazziotin, de Santa Catarina
por seu marcante trabalho, cuja competência e honestidade trazem honras a sua região – ilustre mulher combativa da nossa política; a não menos
ilustre Ministra Maria Cristina Peduzzi, minha confreira da Academia Brasileira do Direito do Trabalho, presidente honorária que honra também
o Tribunal Superior do Trabalho com
sua atuação marcante - uma das mulheres mais competentes e brilhantes,
e olha que não são homenagens vãs.
Agradeço o Ministro Ives Gandra, pela gentileza honrosa do convite para
participar deste evento, aos meus colegas, ministros aqui presentes, ao exdeputado que nos honra e ao ilustre
Maurício Rands que dispensa maiores apresentações.
Enfim, é uma honra participar deste
evento de alta qualidade, como pode
ser observado na exposição da Ministra Peduzzi. Isto, de certo modo, causa
preocupação porque a teoria da ministra, que engrandece o discurso jurídico, passa longe deste simples estudante, aprendiz do tema Responsabilidade
civil por dano moral, estudado desde a
defesa da dissertação de mestrado na
Universidade Federal do Pará, em 1998.
A primeira sentença proferida como
juiz substituto da oitava região, não em
todo o Brasil, mas apenas no Norte, em
que foi reconhecida a competência da
justiça do trabalho para julgar pedido
de indenização por dano moral na fase pós-contratual, em 1991. Neste ano,
já havia uma discussão muito grande
quando o dano ocorria na execução
do contrato, imaginem quando a ocorrência se dava na fase pós-contratual,
naqueles casos de lista negra, discriminatória. Eis a razão da paixão pelo
tema quando examinei um processo
que se tratava de dano moral na fase
pós-contratual, e não era só dano moral, era também dano material. Depois
disto, ingressei no mestrado, em 1995,
e 1998 obtive nota máxima da banca
examinadora do tema de mestrado;
em 1999, foi publicado meu livro pela Editora Juruá; isto, confirmado pelo
Ministro Ives Gandra, é do século passado. Desde então, venho estudando
cada vez mais este tema, por se apresentar dificultoso e complexo, como
já foi ressaltado pela Ministra Peduzzi.
Antes de tudo, queria falar en passant
sobre a Responsabilidade civil objetiva e subjetiva, como já disse a Ministra
Peduzzi, o que nos interessa é a Responsabilidade civil extracontratual ou
aquiliana lex aquilia, vinda dos romanos, importada para nosso Código Civil de 1916, o velho Código de 16. Segundo este Código Civil, no seu Artigo
75, para propor ou contestar uma ação
é preciso ter legítimo interesse econômico ou moral. Sequer se cogitava a
aplicação deste instituto da Responsabilidade civil no âmbito do direito
do trabalho, por isso, nem se imaginava sobre a competência porque tudo ia para justiça comum, haja vista,
a regência pela norma de direito civil.
Posteriormente, veio a Constituição de
1988 e consagrou no Artigo V, Incisos
5 e 10, a possibilidade da reparação
civil por dano moral e material tam-
48
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
bém. A Ministra Peduzzi já mencionou
que atualmente, há muita discussão
se a Responsabilidade civil é objetiva
ou subjetiva. A Responsabilidade civil
subjetiva necessita de três requisitos,
o nexo de causalidade, que é o vínculo jurídico ligando a conduta ao trabalho, a culpa do ofensor e, por último,
o nexo da causalidade, evento danoso. A doutrina chama de dano e eu, de
evento danoso o que pode se revelar
na forma extrapatrimonial ou moral,
ou somente, na forma patrimonial. Já a
Responsabilidade objetiva não necessita do elemento culpa, mas é preciso
que haja nexo de causalidade e dano,
não se perquire a culpa, por exemplo,
a responsabilidade do empregador pelos atos dos seus prepostos, o caso pode ser de assédio moral, previsto no Artigo 932 do Código novo, ela é objetiva;
agora, o dano moral é via de mão dupla, porque o empregador pode muito
bem acionar regressivamente, aquele
empregado que era seu preposto, causador do dano. No entanto, esta possibilidade existe e alguns nem imaginam ser possível a compensação da
pessoa jurídica pelo dano moral.
Para o STJ do Sul, a pessoa jurídica, tendo honra objetiva ou subjetiva, pode
ser sujeito passivo de dano moral. O
empregado que dá um desfalque na
empresa, pode ser acionado por causar prejuízo material e moral. Como a
empresa só pode ser compensada até
o limite daquele eventual direito que
ele tenha, ela pode por via de reconvenção pedir o ressarcimento. Outro
dia, um colega me reportou que estava com um processo que houve recon-
venção, o empregador pediu reparação
por dano moral do empregado. A pergunta é se podia, mas ele afirmou que
sim. De forma clara, argumentou que
só examinamos a primeira via, o dano causado pelo empregador, que é a
ocorrência mais frequente, mas existe a possibilidade do dano ser causado pelo empregado.
Quando um empregado altamente qualificado vende um segredo industrial,
ele quebra um contrato de exclusividade com cláusula de confidencialidade
e cabe à justiça do trabalho julgar esta
competência, porque há a competência conexa para ação por dano moral
contra empregado e também o dano
moral contra o empregador, visto que,
isto decorre da relação de emprego e
visa a atrativa é o contrato de trabalho.
A reponsabilidade civil tem as suas
excludentes de antijuricidade, como
ocorre, por exemplo, no Direito penal,
exercício regular de um direito, legítima defesa própria de terceiros, ato de
terceiro desconexo, ou seja, sem nexo
de causalidade. O empregado vai pela
rua, tropeça num buraco, quebra a perna, aciona o empregador porque estava no trajeto e quer que o acidente seja
configurado como acidente de trabalho. Pode ser considerado acidente de
trabalho, mas neste caso não há responsabilidade civil empregador.
Adiantando aqui, um processo que vai
sair no meu segundo livro, dos Acórdãos Didáticos, sobre um motorista de
ambulância da prefeitura, do município do interior de São Paulo, tinha um
caso com uma mulher casada, uma re-
49
Walmir Oliveira da Costa
lação extraconjugal, e o marido descobriu. No dia 01 de maio, o marido
traído ligou para o motorista da ambulância, dizendo que estava passando
mal, com princípios de infarto e precisava de atendimento urgente. O motorista da ambulância, que era o que
tinha o caso com a mulher dele, foi lá
e o marido traído matou-o. A família
do motorista da ambulância pediu indenização do município, não foi dado
porque era crime passional, é ato de
terceiro sem nexo causalidade, então,
nem sempre é a questão do ativismo
judicial mencionado pela Ministra Peduzzi. Portanto, nem sempre o empregador tem a culpa do evento, porque
quem concorre para o dano, eventualmente, é a própria vítima, e aí, há o
problema, não da culpa exclusiva da
vítima, expressão que não é mais usada na moderna infortunística. Esta expressão “culpa exclusiva da vítima” é
fato danoso atribuído, exclusivamente,
à vítima, e isto é excludente, caso fortuito, força maior, excludente da Responsabilidade civil.
O problema do ativismo vem daí, inclusive na fixação do valor da indenização
de maneira discriminatória ou irrisória. Se for uma empregada doméstica
a indenização é fixada em quinhentos
reais, isto compensa o dano só porque
ela é empregada doméstica? Em outra
circunstância de assédio moral, sexual de uma empregada não doméstica
a indenização varia de dez mil, vinte
mil e chega até cinquenta mil. Não há
justificativa para esta distinção e nem
pelo valor exorbitante. Houve um caso de uma empregada, no Vale da Ser-
ra de Carajás no Vale do Rio Doce, que
foi atacada por uma onça e o juiz condenou a empresa a pagar setecentos e
cinquenta mil reais. Em uma palestra
em Belém, o juiz estava presente, fiz
uma brincadeira meio auspiciosa, falei
de propósito do caso para provocá-lo.
Outro caso em que o trabalhador foi
esmagado pelo trem da Vale, a família composta por quatro pessoas recebeu novecentos mil reais. A jurisprudência, neste caso, fixou o valor de
duzentos e cinquenta mil reais per capitas, aí eu comentei que era melhor
ser amigo da onça em Carajás que ser
atropelado pelo trem. Reconheço que
foi uma brincadeira de mau gosto, fiz
mais para provocar, porque, o juiz tem
que ter responsabilidade quando vai
fixar uma indenização. No caso da empregada atacada pela onça, não era a
Vale do Rio Doce a devedora principal,
era a subsidiária, empresa empregadora de topografia. Por coincidência
o processo foi parar na primeira turma, um comigo e outro com Ministro
Hélio. Só que o TRT do Pará exagerou
também, fixou um caso em dez mil e
outro em vinte mil. O meu era de dez
mil, não estava mexendo, como se diz,
era uma gala, mas o Ministro Hélio mudou e eu fiquei vencido. A indenização
foi fixada em trezentos mil para um e
cem mil para outro, apesar de ter sido
vencido, achei os valores incompatíveis com a realidade.
É fato que aquela região tem uma área
de floresta aberta, os animais vivem soltos, mesmo no parque de Carajás onde há grades e cercas, as onças conseguem ultrapassar, ir ao chamado núcleo
50
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
humano e podem atacar, dar umas lanhadas. Podemos concordar que o valor de dez mil e vinte mil era irrisório,
mas setecentos e cinquenta mil reais,
convenhamos, é um bilhete premiado
de loteria. Isto vai acabar com aquela empresa pequena que está lá, porque ainda que a Vale do Rio Doce pague, ela vai ser ressarcida numa ação
regressiva contra aquela pequena empresa de topografia. O juiz não avalia
esta realidade do processo, é o ativismo que a Ministra Peduzzi mencionou,
o valor ou é irrisório ou é exorbitante.
Com isto, o TST fica com grande dificuldade de fazer o controle de legalidade ou de constitucionalidade do valor
da indenização, principalmente, recusa de embargos; dificilmente, o Ministro Ives, o Ministro Augusto César e eu,
que somos da SDI, teremos um aresto
divergente para examinar as mesmas
circunstâncias do fato.
Falando em mensuração, o código será
abordado de outra forma, assim é uma
provocação ao Ministro Ives. O TST tem
uma teoria e entende que o Artigo VII,
inciso 28 trata de Responsabilidade civil subjetiva. Teoria da qual discordo há
muito tempo. Em análise, a teoria do
Artigo VII, inciso 28, não trata de responsabilidade civil e sim de um direito do trabalhador para que o empregador efetue o seguro de vida contra
acidente; caso não seja efetuado por
culpa do empregador, ele responderá
por isto. Fiquei confortável em saber
que meus acórdãos são anteriores a
esta descoberta, senão eu estaria copiando do Ministro Ives.
No livro de Responsabilidade Civil, o
professor Flávio Tartuce diz que “nota-se um claro conflito entre o Artigo
VII, inciso 28 da Constituição e o Artigo 927, parágrafo único, do Novo Código Civil de 2002, que é da responsabilidade civil pelo risco. Isto porque
analisado o primeiro dispositivo chega-se à conclusão de responsabilização direta subjetiva do empregador,
sempre em todos os casos. Já pela segunda norma, a responsabilidade do
empregador, havendo riscos pela atividade desenvolvida, poderia ser tida
como objetiva independente da culpa”.
É certo que, a regra contida na Constituição não é específica quanto à responsabilidade civil em se tratando de
regra de seguro com direito inerente à
condição do empregado, sem excluir
a indenização a que o empregador estará obrigado na hipótese da ocorrência em culpa ou dolo. Apesar da norma
criada e a favor do empregado, é utilizada a favor do empregador ao revés e
de forma absurda, quem está dizendo
isto é um civilista, mas sou voto vencido, portanto, devo estar errado, a minha teoria não prevaleceu. O TST entende que o Artigo VII, inciso 28 trata
de responsabilidade civil.
Também em matéria de mensuração,
o meu livro era competência e mensuração, escrevi sobre a égide do Código Civil velho, porque o sistema era
tarifado, ou seja, a indenização por
dano moral era fixada pelo legislador,
e se restringia às hipóteses de crime
contra a honra. O legislador mandava
uma espécie de arbitramento judicial
no Artigo 1.537 combinado com os Ar-
51
Walmir Oliveira da Costa
tigos 1.553 e 1.547. O legislador mandava aplicar a pena de multa para o
crime, chegava-se a uma regra aritmética usando como parâmetro o salário
mínimo. Na época da elaboração do livro eram uns vinte mil, no mínimo e
três mil e oitocentos de salário mínimo, no máximo vinte salários mínimos, porque mandava aplicar em duplicidade a indenização. O critério era
altamente subjetivo, ainda que considerado objetivamente, porque, como
graduar sem que se fique no subjetivismo – assunto abordado em um artigo escrito no ano de 2000.
Discutiu-se muito a revogação deste
critério do tarifamento quando a Constituição trouxe o sistema aberto, que
é o sistema norte-americano. A questão é que este sistema não pode ser
usado como parâmetro para nós, como disse a Ministra Peduzzi, o sistema do precedente lá é o dano para punir, e as indenizações são milionárias.
Há uma piada que diz que nos Estados
Unidos, quando um americano tropeça
num galo e esfola o dedo, diz que está
milionário, porque ele vai pedir do poder público uma indenização. Na brincadeira, é a questão do damage to punish, se não estiver certo a pronúncia
que seja corrigida pelo Ministro Ives.
Hoje o sistema é aberto, o legislador
criou um mecanismo nos Artigos 927
e 944 em que a indenização é medida pela extensão. Mas o que é extensão do dano? É potencialidade, gravidade, condições peculiares do caso ou
situação econômica do ofensor. Outro
dia, o advogado foi na tribuna e disse
aos Ministros que a empresa defendi-
da por ele tinha um capital social de
quatrocentos mil reais, como ela poderia pagar uma indenização de cem
mil por dano moral? Considerando os
argumentos do advogado, reduzimos
a indenização na turma por violação,
porque era excessiva para a condição
do devedor.
Dentre outros parâmetros, tem-se a
chamada teoria do valor do desestímulo como definição da indenização.
Esta teoria repousa num tripé, punir,
compensar e prevenir, isto é que o magistrado deve levar em consideração ao
fixar o dano. O juiz não pode agir como
um juiz do Pará da justiça comum que
o sujeito comprou. O consumidor comprou um pacote de carne estragada no
supermercado, devolveu-a e substituiu
por outra boa e entrou com uma ação
pedindo trezentos e vinte mil de indenização por dano moral. O juiz ficou
tão irritado que julgou improcedente, dizendo que, por trezentos e vinte
mil reais ele comeria a carne estragada com pacote e tudo. O ativismo aqui
vai no sentido contrário e não está no
livro do Caputo, dei este exemplo a ele
e ele verificou junto ao juiz se houve
mesmo esta sentença.
Podemos avaliar que este tripé deve ser
observado, hoje, na nossa jurisprudência temos procurado sermos cuidadosos para não tornarmos o critério tarifado outra vez, para isto procuramos
seguir ao sistema da jurisprudência,
que é a jurisprudência dos precedentes para fixar o valor da indenização.
Temos na comissão de jurisprudência
uma tabela, por exemplo, dois processos de indenização por dano moral de-
52
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
corrente de assédio, e aí temos os parâmetros das turmas quanto aquele
valor, neste caso, utiliza para ter uma
espécie de um leading case a média para enquadrar naquele processo o que
está sendo julgado para saber se este
valor é irrisório ou exorbitante e dosar dependendo da circunstância do
processo.
Este critério já foi criticado, não é científico, mas, futuramente, teremos o critério do precedente, pois, hoje, a jurisprudência não obriga, não é vinculante,
mas quando houver a tese jurídica prevalecente chamada recurso de revista
repetitivo terá que ser vinculante, este precedente é vinculante, senão vamos chegar num absurdo.
Quando eu era desembargador convocado no TST, o Ministro Ives deve
se lembrar, houve um caso de desídia
que foi concedido uma indenização
de três mil salários mínimos na época. Fiz o cálculo e dava um milhão e
meio em 2005, fixei em cinquenta mil
reais e dei provimento ao recurso, fui
até criticado pelo Tribunal, pois eu era
desembargador convocado e violei o
Artigo V da Constituição, vale perguntar onde está o critério de razoabilidade e proporcionalidade do Artigo V?
Não estão no Inciso 10 que só trata do
dano moral, estão no Inciso V. Não sei
qual foi a leitura que fizeram na época para me criticarem.
Naquela época, eu queria ser ministro, então não falei nada, bom cabrito
não berra. Mesmo assim, fiquei furioso,
depois passou e meu voto foi mantido
por seis a cinco, fiquei feliz, apesar da
crítica que fizeram. Estou contando o
caso porque foi público e para reafirmar que o Inciso V trata do agravo, direito de resposta proporcional ao agravo, cabendo indenização, e nisto está
à proporcionalidade, a razoabilidade
está no Código Civil.
Em outro momento, o Ministro Marco
Aurélio examinando um recurso extraordinário não reputou a violada, Artigo
V, quando se fixou a indenização por
dano moral, o Ministro Ives deve lembrar, a matéria era extravio de malas e
bagagens; então, não é só para direito de respostas. Este critério de proporcionalidade e razoabilidade deve
ser observado em qualquer hipótese
que haja proporcionalidade ao dano.
A Constituição trata de indenização por
dano moral, será mesmo uma indenização, será que este pagamento deste valor é em pecúnia, porque a reparação também pode ser in natura. Ele
restitui ao status quo ante o patrimônio ofendido em material, a indenização é restituição integral. O carro sofreu um sinistro, se for o caso terei um
carro igualzinho ao sinistrado, o dano
moral não restitui a dor, ela é indelével, íntima, não precisa estar estampada na face da vítima como pensam
por não ter tido divulgação. A divulgação é agravamento, circunstância agravante, então a indenização não é restituição integral, aquela restitution in
integrum. O dano é emergente, o que
já ocorreu, e o lucro cessante, o que
vai ocorrer, tem lucro cessante no dano moral? Pode haver no dano material, quanto no dano moral dentro direito do trabalho como descritos aqui
53
Walmir Oliveira da Costa
na relação laboral, seja no sentido amplo ou restrito.
Certamente, este pagamento é uma
compensação pela dor, mitigando sofrimento da vítima, porque aquela dor
é indelével, não vai ser tirada. Quando se perde um membro da família,
se é humilhado, esta dor não passa,
ela minora, e aquele pagamento apenas compensa o sofrimento mitigando a vítima.
Agradeço, mais uma vez, ao Ministro
Ives por ter me proporcionado o privilégio de participar deste evento e a
todos vocês pela atenção.
54
3
Marcos
Regulatórios para
a Terceirização
no Brasil e no
Mundo: Atividades,
Responsabilidade
e Direitos dos
Trabalhadores
Terceirizados
55
Guilherme Machado Dray
Sistema Jurídico
Lusófono do
Trabalho –
Responsabilidade
e Direitos dos
Trabalhadores
Terceirizados
Guilherme Machado Dray*
*Doutor em Jurídico-Civis na Faculdade de Direito da Universiade de Lisboa; Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
56
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Agradeço ao senhor Senador Marcelo
Crivella pela organização e pelo convite; em especial, ao meu amigo e Ministro Ives Gandra Martins e, assim como
eu, meu colega de mesa Joaquín Pérez
Rey. É um prazer, um privilégio muito
grande estar neste seminário em Brasília e tentarei fazer uma exposição
relativamente breve; primeiramente,
sobre o Direito do Trabalho em Portugal; depois, sobre a questão da terceirização. Reitero meu prazer em estar
aqui dissertando sobre o tema que, para facilitar o raciocínio esquematizado e sistematizado, a primeira parte
foi dividida em seis pontos.
O primeiro ponto refere-se à afirmação
do sistema jurídico lusófono, que diz
respeito a nós, a todos nós, e até mesmo ao nosso professor Joaquín Pérez
Rey; mas, fundamentalmente, aos falantes de língua portuguesa num seminário que envolve parte do direito
português e parte do direito brasileiro. É oportuno deixar uma nota breve
sobre este tema, porque sempre estudamos e conhecemos dois temas jurídicos, a Common Law, por um lado, e
o sistema romano germânico por outro. É verdade que cada vez mais vários autores, principalmente, autores
brasileiros e portugueses, têm afirmado que para além desta grande subdivisão há um subsistema que é o lusófono, da lusofonia, que tende cada vez
mais a imperar e afirmar-se como um
sistema com poder de influência sobre outros sistemas jurídicos.
Cabe aqui esclarecer que existe um
contraste entre o sistema lusófono e
o sistema da common Law. Naquele, a
lei aparece como a fonte de direito por
excelência, mais do que isto, aparece
o primado do texto constitucional; isto é, cada um dos nossos estados, dos
nossos países, Portugal, Brasil, Angola,
Cabo Verde, Timor Leste, Moçambique,
São Tomé e Príncipe, têm como fonte
de direito por excelência e hierarquicamente superior, a Constituição. Isto
não torna menos importante a Constituição Portuguesa de 76 que inspirou
e influenciou diversos textos constitucionais; por exemplo, a constituição
Angolana, de 92 e de 2010; a constituição de Guiné Bissau, de 83 e, depois, de
93; a de Moçambique, em 90 e 2004; a
mais recente, do Timor Leste, de 2012;
e do Brasil, de 88; claramente inspiradas na Constituição Portuguesa.
Recordo-me ainda, quando estudante
na Faculdade de Direito de Lisboa, onde agora sou professor, tivemos o privilégio de receber um grande constitucionalista e fundador da Constituição
brasileira, Ulysses Guimarães, que afirmou: “eu estou muito grato de estar na
vossa faculdade, porque estou ao lado do professor Jorge Miranda, que é
um dos pais fundadores da Constituição Portuguesa, e vejo que temos pontos de contato muito fortes; mas, claro, com valores e princípios comuns,
que é o mais importante”.
Qualquer Constituição, seja portuguesa ou brasileira, ou todas aquelas que
não sejam dos Estados Lusófonos, afir-
57
Guilherme Machado Dray
mam a dignidade da pessoa humana,
o valor da liberdade e o princípio da
igualdade. Estes são os três grandes
valores que concretizam novos princípios e normas, são os pilares do constitucionalismo dos vários países da lusofonia. Isto significa, portanto, que é
uma base muito comum, muito próxima e é esta que viemos enaltecer.
Além disto, o intercâmbio científico e
acadêmico é cada vez mais forte, por
isto, é com grande satisfação que estou aqui, e vejo muitos brasileiros na
nossa faculdade de direito em Portugal.
Temos aqui a língua que é um fator de
união tremendo, não esqueçam que
o português é falado, além de Portugal, em oito países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guine Bissau, Moçambique,
São Tomé, Príncipe e Timor Leste, espalhados por quatro continentes diferentes, Europa, América do Sul, África
e Ásia; e mais, é a quinta língua mais
falada do mundo, e a mais falada no
hemisfério sul; é a língua oficial de vários blocos regionais como Mercosul,
União Europeia, União Africana. Fato
é, portanto, que temos muito por onde pegar e muito para quê capitalizar.
Reitero que, vários autores portugueses e brasileiros têm ensaiado esta
afirmação sobre o sistema lusófono.
Civilistas e constitucionalistas portugueses de várias áreas, Cordeiro, Jorge
Miranda, Jorge Bacelar Gouveia, Gomes
Canotilho, Martins dos Santos, Dário
Moura Vicente e alguns inscritos; no
Brasil, Paulo Benevides, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o próprio ministro que, infelizmente, não está aqui e
Gilmar Mendes. A Constituição Brasi-
leira tem, por exemplo, autores portugueses também. Não queria perder
tempo quanto a isto, mas é importante para percebemos a lógica da terceirização, percebemos que pode haver
pontos de contatos interessantes nesta
matéria, portanto, fica aqui sedimentado o primeiro ponto e tratemos todos, em conjunto, de afirmar esta ideia
de sistema lusófono.
Antes de falar da terceirização em Portugal, quero fazer um retrato meio longo de como está o direito do trabalho
no país. Está bem forte e, reconhecidamente, é tido como um ramo do direito
com autonomia sistemática e dogmática. Autonomia sistemática significa
existir no ramo direito do ponto de vista sistemático, do ponto de vista da sua
exteriorização de afirmar-se como fontes de direito próprias. No caso português, não há nenhuma dúvida quanto
à autonomia sistemática do direito do
trabalho, ela autonomizou-se, de fato, do direito civil, embora mantenha
pontos de contatos com este. Indagase, como o direito do trabalho autonomizou-se e, em que momento, aparece esta autonomização.
Primeiro na Constituição Portuguesa
de 76, que tem um título sobre direitos
tributários e garantias de todos os cidadãos, depois tem um título específico
sobre direitos, liberdades e garantias
dos trabalhadores, e só dos trabalhadores, Artigos 56 e 57. Se vocês compararem o Artigo VII da Constituição
brasileira com os Artigos 53 e seguintes
da Constituição Portuguesa vão perceber que aqui o imperialismo é muito
58
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
grande e significativo; não há linha de
princípios e valores comuns.
O segundo momento, depois da Constituição, é a criação do código do trabalho português, surgido em 2003, e de
cuja comissão de elaboração tenho orgulho de ter feito parte. Nesse momento, rompemos com o passado e afirmamos, efetivamente, o direito do trabalho
como ramo do direito de ponta avançado que sabe acompanhar a evolução
do tempo. Antes disto, havia várias leis
espalhadas sobre férias, feriados, faltas, trabalho suplementar, greve, sindicalismo; por existirem mais de 50
Leis, era tudo muito confuso. Conseguimos consolidar orientações científicas, sistemáticas e sintéticas criando
este código de trabalho que depois, como o previsto, foi alterado pelo de 2009.
O código de trabalho assenta em duas
grandes linhas filosóficas e de orientação prática, por assim dizer. Em primeiro lugar, está o profissionalismo
ético que é de firmar a dignidade do
trabalhador no trabalho, a cidadania
no trabalho e o direito de personalidade, dignidade e não discriminação no
trabalho. Isto está previsto, expressamente, no código do trabalho, Artigos
14 e seguintes; há uma seção somente sobre os direitos de personalidade
do trabalhador; e outras sobre igualdade e não discriminação, seja no emprego ou na execução do contrato de
trabalho.
Este código de trabalho influenciou
muitos códigos laborais de lusofonia;
não me refiro à constituição das leis de
trabalho brasileiras, que é mais antiga,
mas por exemplo, ao código de trabalho de Moçambique, à lei geral do trabalho de 2010, do Timor Leste em 2002,
da Angola em 2015, todos eles têm estas seções sobre direito de personalidade igualada na discriminação. É certo
que, quando legislamos sobre o direito de personalidade, não existia, ainda, em nenhum país da Europa, esta
seção específica sobre o direito de personalidade do trabalhador; nós fomos,
portanto, inovadores neste sentido.
Se no ponto de autonomia dogmática, o ramo do direito se afirma e mostra que vale enquanto tal, para além
de ter um conjunto de leis próprias,
consegue também afirmar princípios
próprios. Isto é, princípios que se distinguem daqueles do ramo de direito privado comum, que é o direito civil. Nós, através do código de trabalho
demos um impulso forte para que isto acontecesse e, hoje em dia, querem
termos doutrinários, jurisprudenciais
por força da aplicação judicial dos tribunais. Não há dúvidas de que o direito do trabalho tenha, também, autonomia dogmática em Portugal.
Há dois grandes princípios que se evidenciam, e que não existem no direito
civil, fazendo o direito do trabalho um
ramo, totalmente, autônomo, embora
com pontos de contatos, como é evidente; primeiro, o princípio de proteção do trabalhador, é óbvia que a lógica
do direito é uma lógica de reequilíbrio,
pois, é uma relação que está desequilibrada por natureza, uma relação vertical, que não é panagem, não é própria do direito civil em que a relação
dos privados está num plano de igual-
59
Guilherme Machado Dray
dade. Mas aqui, há uma desigualdade
óbvia por força do poder de direção e
da subordinação jurídica. Portanto, o
direito do trabalho afirma-se e desenvolve-se neste sentido da proteção do
trabalhador, depois disto aparece em
várias regras jurídicas no nível da formação, da execução e sucessão do contrato, e de aderente proteção.
Mas também, há outro princípio que
aparece no Direito do Trabalho Português, de forma muito clara, que é o
princípio da salvaguarda dos interesses de gestão. Isto é, temos partido do
trabalhador, bem entendido. Não há
nenhuma dúvida quanto a isto, mas
não deixa de ser verdade que o titular
da unidade produtiva também assume
riscos, pois, precisa investir, financiar,
contratar, pagar ordenados, há custos
operacionais; por isto, é preciso ter alguma cautela, porque se dermos alguma proteção, o próprio emprego pode
ser posto em causa.
Assim, é em torno destes dois grandes
princípios que o Direito do Trabalho Português, de hoje em dia, vem mantendo
a lógica de capacitação do trabalhador,
ele é um direito mais compromissório
do que era o direito do trabalho no século XIX, até porque a relação laboral
do século XIX não é a mesma do século XXI, portanto, temos aqui um direito do trabalho compromissório, como iremos ver, diz respeito, um pouco,
com a questão da terceirização.
Antes disto, é óbvio que o paradigma
do contrato de trabalho no nosso direito do trabalho não possuía termos. O
contrato de trabalho por tempo inde-
terminado e a moção deste estão previstos no Artigo 11 do código de trabalho português; certo é que não há nada
de novo por aqui. O direito do trabalho
foi criado porque é um trabalho para
o estado, local de tempo de trabalho
com subordinação jurídica e econômica por tempo indeterminado, isto é,
tendencialmente, por tempo indeterminado. Há 20, 30 anos, era assunção
lógica, normal, o nosso colega de trabalho manter este paradigma de contrato de trabalho. Consta no Artigo 12
uma regra que permite haver contrato
de trabalho, ainda que não esteja ajustado por escrito entre as partes, se provar por meio de vários indícios, que o
trabalhador, de fato, trabalha por conta e sobre as ordens e direção de uma
terceira entidade, este é o paradigma.
Mas isto não quer dizer que o direito do
trabalho tenha ficado parado no tempo, já ouvimos comentários aqui hoje, que a realidade por vez impõe para
que o direito saiba acompanhar, sob pena de ficar ultrapassado. Obviamente,
temos no nosso código de trabalho a
consagração de outras figuras que não
são, totalmente, subsumidas na figura
do contrato de trabalho. E a primeira é
o contrato legalmente equiparado ao
contrato de trabalho para subordinação, já falado aqui, sem nada de novo. O que há de novo, eventualmente,
é que nosso código de trabalho prevê,
expressamente, a figura do contrato legalmente equiparado, diz que é aquele,
à luz do qual alguém presta uma atividade por conta de outrem com subordinação econômica, mas sem que
60
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
esteja, todavia, em regime de subordinação jurídica.
Segundo nosso Código de Trabalho, isto pode acontecer dependendo da liberdade contratual das partes, mas se
alguém estiver na dependência econômica de outrem, não é aplicada a totalidade das regras do código do trabalho, aplica-se pelo menos uma parte
das regras que incidem sobre a dignidade do trabalhador. Portanto, o núcleo aos direitos é redutivo, direito de
especialidade, igualdade e não discriminação, regras sobre segurança e higienização do trabalho. Um legislador
diz que no fundo, ele não é um trabalhador subordinado, está trabalhando naquela empresa e depende dela,
economicamente; mesmo não estando lá todos os dias, depende dela. Logo,
vamos utilizar, pelo menos, estes três
grandes grupos de regras para proteger este mesmo trabalhador equiparado legalmente.
Além destes, temos vários contratos
especiais; contratos que estão dentro daqueles dois grandes princípios:
princípio da proteção do trabalhador
e de salvaguarda dos interesses. São
contratos que vão mais ao encontro
da ideia de salvaguarda dos interesses da gestão, quer dizer, é em nome
da gestão e da flexibilidade empresarial. Estes contratos especiais foram
criados, em certa medida, porque estão a par do contrato paradigmático,
que é o contrato sem termo. É por isto, que se fala em flexibilidade externa, garante-se que o empreendedor
possa recorrer a determinados tipos
de contrato, apesar de precários para
o trabalhador, são mais próximos das
necessidades empresariais, da necessidade de unidade produtiva. Os contratos sobre os quais vou falar brevemente são o contrato de trabalho, em
que o termo está previsto nos Artigos
139 e seguintes, do código de trabalho
português; o contrato de trabalho temporário, que consta nos Artigos 172 e
seguintes; a excelência ocasional dos
trabalhadores, Artigos 165 e o teletrabalho, artigos seguintes.
Portanto, vamos analisar o que eles
têm em comum e o que os diferencia.
Incomum há o fato de serem diferentes do contrato de trabalho sem termo
ou por tempo indeterminado, que é o
contrato paradigmático e irem ao encontro das necessidades da gestão empresarial. Em comum, há, em alguns
casos, a natureza transitória temporária; o contrato de trabalho é termo, e
no contrato temporário, que é aquele
que envolve a intermediação de uma
empresa de trabalho temporário, há
uma relação triangular entre a empresa e o trabalhador, ao tomador de serviço. Se o trabalhador de uma empresa presta serviço a outra empresa e
regressa depois de passado um ano,
que é o limite máximo existente em
nosso ordenamento jurídico, a assistência ocasional do trabalhador é, também, temporária.
O teletrabalho é um trabalho prestado em regime de subordinação jurídica, mas fora da empresa e põe em curso as tecnologias de informação e de
comunicação. Reitero que, todas as figuras foram criadas e pensadas dentro da lógica de flexibilização da rela-
61
Guilherme Machado Dray
ção laboral. Isto não significa a ideia de
um novo compromisso em que os direitos destes trabalhadores sejam postos em causa, ou tenham sido postos
em causa, não há esta ocorrência. Genericamente, aplicam-se a estes trabalhadores todas as regras do código
do trabalho, as regras sobre direito de
personalidade, sobre proibição de discriminação, sobre assédio, igualdade e
não discriminação retributiva em termos de extinção da carreira, regras sobre a segurança e higienização no trabalho, sobre o limite máximo do termo
de trabalho, licença maternidade e paternidade.
Estes trabalhadores não deixam de ter
os mesmos direitos dos demais trabalhadores, é claro que, as adaptações
são necessárias dos dois lados. A Lei
criou alguns direitos especiais para estes trabalhadores, vamos pegar como
exemplo o teletrabalho, o teletrabalhador trabalha fora da empresa, isto
tem vantagens óbvias, como estar longe da empresa, manter contatos com
as empresas, mas pode ser prejudicado em termos da extinção da carreira,
por isto, o código de trabalho criou regras que obrigam contratos regulares
entre o trabalhador e o empresário. O
teletrabalhador está isolado, não consegue valer os seus direitos subjetivos
nem de forma coletiva.
O código criou uma regra segundo a qual
os sindicatos podem ceder aos trabalhadores e reunir-se com eles através
das tecnologias de informação e de comunicação pertencentes ao empreendedor. O teletrabalhador trabalha no
seu domicílio, e por isto foram fiscali-
zados pelo empregador em sua privacidade que pode ser posta em causa.
O código criou uma verba na qual só o
empregador pode fiscalizar a atividade
do teletrabalhador entre as nove e as
dezenove horas, e mesmo assim, tem
autorização prévia para ir ao seu domicílio, e o trabalhador tem que aceitar esta visita. O contrato é termo de
trabalho temporário, há limites, mas
são possíveis estes tipos de contratos
para satisfazer as necessidades temporárias da empresa, por um lado; por
outro, o contrato tem que ser por escrito, o que não acontece no outro trabalho normal. O contrato com termo tem
uma duração máxima de três anos; de
cinco anos, se o contrato de trabalho
for sem termos.
Entretanto, se estas regras não forem
respeitadas, o trabalhador pode invocar uma relação de trabalho temporário com o utilizador ou tomador de
serviço, pois o trabalhador contratado é o termo de trabalho, daí ele passa a fazer parte dos quadros através
de uma conversão contratual prevista no código de trabalho. Esta é a ideia,
há vários contratos iguais a estes contratos que fogem ao paradigma para o
trabalho indeterminado; a lei admite
-os, regulamenta-os; se os requisitos
que substanciam esta forma de contratação forem respeitados; caso não
sejam, o trabalhador passa ser trabalhador contratado por tempo indeterminado para a empresa com uns daqueles contratos anunciados.
Certamente, entra aqui, a ideia final
de terceirização que não há ordenamento no jurídico português; no caso
62
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
espanhol, é orientado pelas regras da
União Europeia. Não existe nenhuma
regra proibitiva da terceirização dentro da lógica de compromisso, a proteção do trabalhador está de um lado
e a salvaguarda dos interesses está do
outro, o que o legislador faz é isto. Nós
temos um princípio constitucional que
é a liberdade de gestão empresarial, e
à luz da Constituição, o empregador
pode desenvolver a sua empresa, como pode fazer em regime de auto esforço, ou em regime de terceirização.
Ele pode fazer isto através de um contrato de trabalho temporário ou através de uma empresa que presta serviço à empresa que precisa de seus
serviços. Em qualquer uma destas duas, as regras destes contratos, que vimos a pouco, são respeitadas e, se não
o forem, não há problema nenhum, o
empregado passa a ser trabalhador da
empresa. Isto acontece, não porque a
empresa fez uma terceirização, e sim,
por não ter respeitado os quesitos necessários ao contrato de trabalho temporário, ou para assistência ocasional
dos trabalhadores, ou para uma hipótese de teletrabalho.
Este é o primeiro ponto, não há nenhuma regra proibitiva, ao contrário,
a regra é permissiva e geral sob a luz
da Constituição. Mas também, não há
regulação específica, regra, nenhum
dispositivo normativo com epigrafe de
terceirização, regulamentando a terceirização. O empregador, se quiser,
pode terceirizar a equipe tecnológica tendencialmente permissiva dentro das regras daquelas modalidades
contratuais. Fazendo a terceirização, o
empregador tem que cumprir aquelas
regras, não cumprindo, ele é penalizado por isto. Portanto, tudo passa pelo
cumprimento ou não das regras limitadoras dos contratos atípicos e pela aplicação das regras gerais, exceto,
prova de contrato de trabalho.
Neste propósito, recordo a vocês, que o
nosso código de trabalho tem no Artigo, 12, um conjunto de indícios que revelam o contrato de trabalho, é um artigo bem interessante com o seguinte
título, epigrafe – presunção do contrato de trabalho – presume-se a existência do contrato de trabalho quando na
relação entre a pessoa que presta uma
atividade, e outra que dela beneficia,
significa algumas das características:
“a) A atividade seja realizada em local
pertencente ao seu beneficiário ou por
ele determinada; b) Os equipamentos
e instrumentos de trabalho pertencem
ao beneficiário; c) O prestador de atividade observa horas de início e de término da prestação, determinadas pelo
beneficiário da atividade; d) Seja paga,
com periodicidade, uma quantia certa
ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador
de atividade desempenha funções de
direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”.
Esta é uma questão de prova que cria
uma presunção de um contrato de trabalho quando alguém trabalha para
um beneficiário cumprindo um horário de trabalho naquele local, entra e
sai na mesma hora, é orientado quanto à forma e a prestação, recebe uma
remuneração daquela empresa certa
e regular e, se ainda por cima, exercer
63
Guilherme Machado Dray
funções nesta mesma empresa e, por
ventura, o empreendedor tiver feito
uma terceirização e este tal trabalhador estiver lá, e os requisitos estiverem
cumpridos, a lei presume haver um
contrato de trabalho, mas é uma presunção ilidível, não é uma presunção
absoluta, ela pode ser posta em causa,
pode ser afastada do empreendedor.
Em relação ao tema específico da terceirização, podemos concluir que, em
Portugal, não há uma regra proibitiva,
a ideia é de responsabilização das partes, isto é, a liberdade de gestão é empresarial, o empregador pode atuar como quiser desde que, respeite as regras
limitadoras existentes e, consequentemente, as regras relativas às diversas modalidades especiais de contrato de trabalho. A liberdade de gestão
empresarial é uma realidade com assento constitucional na nossa Constituição como, também, na Constituição brasileira. Fato é que, a proteção ao
trabalhador é, igualmente, um princípio basilar e incontornável, e nosso legislador, de forma compromissória, faz
esta mesma proteção ao trabalhador;
não a deixa de fazer em caso nenhum.
da, isto na Europa, já não existe. Ainda
mais, depois da crise, as dívidas soberanas em 2008, prodigalizou-se ainda
mais. A lei admite modelos especiais
do contrato de trabalho, destes regulamentados, a terceirização neste contexto não é proibida, é licita. Portanto,
reitero a importância do sistema lusófilo, a importância destes tipos de intercâmbios científicos. Agradeço outra vez o convite e a atenção de todos.
Mas, hoje em dia, a verdade é que este paradigma do contrato de trabalho
por tempo indeterminado não é mais
o que era, porque o mundo mudou.
Grande parte das pessoas, pelo menos na Europa, trabalha mais no setor terciário e quaternário do que no
setor primário e secundário; e em sua
maioria em regime de contratos por
um ano, dois anos e até por seis meses.
Portanto, aquele nosso ideário antigo
de que é um contrato para toda a vi-
64
Joaquín Pérez Rey
O Fenômeno da
Terceirização no
Mercado de Trabalho
Joaquín Pérez Rey*
*Professor Titular de Direito do Trabalho e
Segurança Social na Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha) e pesquisador
na Universidade de Nápoles, Benevento,
Lyon e Siena.
65
Joaquín Pérez Rey
Primeiramente, quero agradecer o cordial convite do professor e jurista Ives
Gandra para participar da inauguração deste maravilhoso auditório, pela
gentileza de meu velho amigo, Augusto
César Leite, com quem há muito tempo compartilho grandes inquietudes
intelectuais e por ter a oportunidade
de participar desta Mesa com um vizinho próximo, Guilherme Machado.
Agradeço também, a amabilidade do
Senador Marcelo Crivella por me apresentar. Obrigado a todos, é um verdadeiro prazer estar neste país que sinto
verdadeiramente como meu.
Farei um relato sobre a terceirização e
sobre a sua regulação na Espanha. Encontramo-nos em um novo paradigma,
em um novo mecanismo de empresas,
numa nova maneira de nos organizar.
Iniciarei com uma brincadeira que não
é muito bem entendida. Considere que
podemos descentralizar as vendas e o
desenvolvimento de um produto. Assim sendo, toda empresa pode ser administrada por um só macaco e o outro
diz, não, será necessário outro macaco para que o power point do primeiro
macaco seja visto. Isto significa que
este paradigma da empresa descentralizada, certamente pode nos levar
a situações ridículas onde as empresas carecem de infraestrutura pessoal e sejam somente vagas sombras de
um power point.
Creio que esta mudança de paradigma
da empresa leva a um fenômeno contraditório, mas decisivo. As empresas
crescem, reduzindo-se. Crescem em
poder econômico e perdem em estrutura organizativa. Isto faz com que os
especialistas em Direito do Trabalho
enfrentem organizações muito poderosas, do ponto de vista de seus recursos, mas muito pequenas do ponto de
vista de gestão de pessoal. Desse modo
o Direito do Trabalho encontra-se envolvido neste terremoto, em uma terra
sísmica, onde não se sabe o que fazer.
Existem duas tendências. Uma tendência determinista, que leva ao fatalismo, que considera que o Direito
do Trabalho precisa simplesmente se
submeter à nova organização produtiva e ser funcional. É uma tendência,
queiramos ou não, que os especialistas em Direito do Trabalho carregam
no código genético. Cria-se um ordenamento laboral a partir do Fordismo
e dessa maneira acostuma-se a trabalhar com Instituições que eram funcionais ao sistema industrial fordista,
mas que não necessariamente o são a
esse sistema pós-moderno ou pós-fordista. Porém, este determinismo nos
anula como disciplina, nos leva a um
entendimento da disciplina meramente seguidora da nova organização de
empresa, mas tampouco pode cair, no
mais infantil dos voluntarismos e considerar que a partir da norma laboral
podem ser estabelecidos obstáculos
impenetráveis à capacidade de organizar as empresas.
É preciso encontrar o equilíbrio. Assistimos, também, a um fenômeno onde
novamente veremos outro dos grandes
males de nossa disciplina. Enfrentamos fenômenos globais com soluções
locais. Estamos assistindo a empresas que funcionam como “barracas de
camping”. Pequenas “barracas” que
66
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
hoje estão em Brasília, amanhã estarão em Bogotá, no dia seguinte já estarão na Cidade do México e no final
do dia se instalam na Sibéria. Portanto, um fenômeno que se move, que se
expande, que não tem limites. Entretanto, está sendo regulado por parcelas de ordenamento jurídico local, com
muito pouco de nosso protagonismo,
como especialistas em Direito do Trabalho. Na realidade, o Direito Internacional do Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho, só conseguirá
regular o fenômeno, recorrendo ao internacionalismo jurídico.
Não podemos enfrentar problemas globais com soluções locais, baseados nas
respostas de ordenamentos nacionais.
Encontramo-nos em um novo paradigma de empresa. As empresas que
crescem, reduzindo-se. Aquelas que
já não fazem nada, mais que no máximo administram sua marca, provocam efeitos muito perniciosos no mercado de trabalho. Uma precarização
assombrosa das relações laborais. O
trabalhador contratado por tempo indeterminado e em tempo completo,
mencionado por Guilherme Machado,
corre o risco de converter-se em um
resto arqueológico, da mesma maneira que as pinturas rupestres, que encontramos nas cavernas. Então, é possível que este trabalhador desapareça
do mercado de trabalho. O desaparecimento desse trabalhador tem consequências fatídicas. Todas as nossas
normas laborais de certa forma se basearam em um protótipo de um trabalhador estável e com direitos e, portanto funciona muito mal quando se
depara com o trabalhador precarizado.
É um paradigma da empresa que gera uma enorme desresponsabilização
de quem está gozando dos frutos do
trabalho e que, portanto, não assume
seus riscos. Lembro-me agora do ministro que falava da responsabilidade
civil. Estamos rompendo este equilíbrio de que quem goza dos benefícios
deve assumir os riscos. Na realidade,
estamos rompendo o princípio clássico, em virtude de haver alguém que
goza dos benefícios, mas não assume
os riscos inerentes a tal atividade. Em
uma afirmação de um professor espanhol no Tribunal Constitucional, isto
gerou uma desorganização e uma fuga do Direito do Trabalho. Os especialistas em Direito do Trabalho, cada vez
mais, precisam começar a enfrentar formas societárias e mercantis que têm
uma grande incidência nas condições
de trabalho, mas com um grande perigo. As formas societárias e mercantis
se baseiam na autonomia da vontade.
A mesma autonomia que o Direito do
Trabalho deseja limitar.
A partir desta introdução passaremos a
definir o que é a terceirização. De acordo com a definição em português ou
que para o ordenamento jurídico brasileiro nos é dada por Leite de Carvalho e Bentes Corrêa, a contratação do
trabalhador é necessária ao desenvolvimento da atividade econômica por
meio da sociedade empresária interposta. O Direito Espanhol não conhece o fenômeno da terceirização, mas
tentarei adaptar a regulação do Direito Espanhol ao que seria o conceito
de terceirização. A terceirização seria
67
Joaquín Pérez Rey
um gênero que incorpora várias espécies. Não falamos de gênero, mas regulamos separadamente cada uma das
espécies que fazem parte da terceirização. Assim, regulamos três Instituições que são as que conformariam a
regulação deste gênero. A primeira Instituição são as empresas de trabalho
temporário, que seria um negócio de
interposição entre o empregador e o
trabalhador. Depois regulamos a subcontratação de empresas onde não há
interposição, mas colaboração em um
plano de igualdade entre as empresas.
E por último, estabelecemos um limite para esta atividade de colaboração
que será o impedimento da cessão de
trabalhadores. Nunca se pode ceder
trabalhadores, salvo no caso destacado a seguir.
A regulação na Espanha ocorre da seguinte forma: Interposição, empresa de
trabalho temporário, descentralização
produtiva e proibição da cessão ilegal.
Estes três fenômenos seriam espécies
do mais amplo gênero da terceirização.
Comecemos pela interposição e pelas
empresas de trabalho temporário. Assistimos aqui, sem nenhuma dúvida
a um fenômeno puramente triangular, onde entre o trabalhador, e entre
as duas empresas, se cede o trabalhador. Trata-se de um fenômeno curioso
de elementos vinculados, porque uma
agência de trabalho temporário contrata o trabalhador, por meio de um
contrato de natureza laboral, uma relação de emprego, e esta empresa de
trabalho temporário cede o trabalhador à empresa usuária de seus serviços, com a qual mantém um vínculo
mercantil, que chamamos “contrato de
puesta a disposición”. Este é um fenômeno regulado em todos os países da
União Europeia por meio de uma diretiva de caráter europeu. Portanto, as
condições deste fenômeno são praticamente muito parecidas em todo o
conjunto da Europa. O que ocorre com
este fenômeno? Este fenômeno é uma
pura cessão de trabalhadores. Ele estava na raiz do ordenamento laboral,
quando a OIT proibia, as agências de
colocação na realidade proibiam isso.
Quando todo o ordenamento laboral
inicial proibia o empresário fraudulento, aparente e interposto.
Como ocorre a admissão na Espanha?
Quais são suas características? O empresário é a empresa de trabalho temporário. É quem abona o salário e cumpre com as obrigações de seguridade
social. Para criar uma empresa de trabalho temporário é requerida uma autorização administrativa que só será
dada se a empresa cumprir uma série
de exigências. Possuir uma estrutura
patrimonial importante que deve prestar uma garantia financeira para assegurar de que se trata de uma empresa
com recursos, capaz de responder às
dívidas que possam incorrer e deve ter
outra série de requisitos e investir na
formação dos trabalhadores e manter
uma parte deles por tempo indeterminado. O trabalho de interposição só
pode ser feito pelas empresas de trabalho temporário. Se qualquer outra
empresa fizer esta cessão de trabalhadores, incorrerá em um ilícito contratual e certamente, também, em um ilícito penal. Quando sucede isto? É muito
68
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
parecido com o ordenamento brasileiro, quando há uma necessidade temporária da empresa usuária. Somente para necessidades temporárias, em
lugar de contratar diretamente, podese recorrer aos serviços de uma agência de emprego temporário Só e exclusivamente nesses casos. Fora deles,
portanto, não se pode recorrer às empresas. Significa que no ordenamento espanhol é proibido, por exemplo,
o staff leasing.
Essa regulação está condicionada através
de dois princípios em toda a Europa. O
primeiro é um princípio de orientação
claramente pró-empresarial e mercantil que obriga que os países da Europa
não imponham restrições injustificadas às empresas de trabalho temporário. Na Espanha, por exemplo, anteriormente a administração pública não
podia usar empresas de trabalho temporário e depois da diretiva européia,
pode-se usar em algumas atividades
de risco que antes não podiam ser realizadas. Porém, a norma comunitária
impõe outro elemento, que é um limite capital a este fenômeno. O princípio
de igualdade entre os trabalhadores
contratados diretamente e os contratados a partir da empresa de trabalho temporário. Ou seja, não pode haver diferenças salariais retributivas de
seguridade social, nem condições de
trabalho entre ambos os tipos de trabalhadores.
Na realidade, o princípio de igualdade reconduziu esse fenômeno a um
lugar muito concreto. Só se recorre às
empresas de trabalho temporário para trabalhos de muita qualificação on-
de a contratação direta é muito complicada. Porque por regra, contratar os
serviços de uma empresa de trabalho
temporário é mais caro, é mais antieconômico do que contratar diretamente. O benefício da empresa de trabalho
temporário não pode sair do bolso do
trabalhador, é preciso garantir o princípio de igualdade.
Devemos distinguir outro fenômeno
das empresas de trabalho temporário,
que faria também, parte da terceirização, mas seria um fenômeno completamente diferente. É a subcontratação
de atividades. Observamos aqui, o fenômeno de colaboração entre empresas. Cada empresa tem seus próprios
trabalhadores e não os cede à outra,
simplesmente colabora com a outra,
mas todos se colocam como empresários. Como se regula isto na Espanha?
Partiremos de uma regra geral que é
muito parecida com a que mencionou
Guilherme Machado. Não há nenhuma proibição para a subcontratação de
atividades. O Tribunal Supremo Espanhol entende a subcontratação como
uma opção estratégica, completamente livre da empresa, que pode decidir
produzir diretamente ou fazê-lo recorrendo à colaboração empresarial. Esta decisão, e isto é muito importante,
ainda que receba muita crítica, seria
amparada pela liberdade constitucional de empresa, que lhe permitiria decidir em que condições organiza sua
produção. Assim sendo, o regime espanhol não proíbe a subcontratação,
mas regula os efeitos da mesma em
termos de responsabilidade, que sucede quando se produz essas cadeias
69
Joaquín Pérez Rey
e o faz distinguindo dois tipos de subcontratação. A subcontratação da própria atividade, daquela outra que não
é a própria atividade. Creio que aqui
também, a semelhança com o ordenamento brasileiro é enorme, pois isto é
uma espécie de sua atividade-fim ou
atividade-meio. Quando se subcontrata
a própria atividade, o legislador espanhol estabelece um regime de responsabilidade muito concreto e isto também é regulado, especialmente para
um setor onde a subcontratação é usada permanentemente, o setor da construção civil. Neste setor, a subcontratação é regulada expressamente com
uma normativa própria, porque o número de acidentes de trabalho e de problemas vinculados a mortes e lesões,
derivadas da subcontratação é muito
grande. É estabelecido então, um limite à subcontratação de atividades
e cada vez mais se adverte que nunca
se pode subcontratar somente mãode-obra. Cada empresa que entra na
cadeia precisa agregar valor à construção. Se a subcontratação é exclusivamente especulativa seria proibida e estaria limitada.
O que entendemos por própria atividade? Entendemos obras ou serviços
que pertencem ao ciclo produtivo da
empresa e fazem parte das atividades
principais. Ou seja, o objeto de produção da empresa nunca poderia ser realizado sem essa atividade. Isso significa
que se distingue a subcontratação de
tarefas auxiliares, tais como a limpeza, a vigilância, das tarefas principais
que se regulam expressamente. Como
regulamos? Certamente, a própria ati-
vidade ocorreria também, no âmbito
do setor público, quando o serviço público que é prestado pela administração é principal, entendendo-se que é
uma subcontratação da própria atividade. Por exemplo, o transporte sanitário é entendido como uma própria
atividade da administração sanitária.
O que fazemos quando se subcontrata
a própria atividade que seria um fenômeno perfeitamente permitido? Estabelecemos algumas regras específicas
de responsabilidade, que consiste em
que quando a empresa principal subcontrata sua própria atividade com outra empresa, responde solidariamente
com a empresa subcontratante sobre
os salários, e sobre todo tema de seguridade social. Ou seja, em lugar de
proibir o fenômeno, na realidade o que
é feito é tentar introduzir elementos
que corrijam aquilo que com o fenômeno se persegue, a responsabilização da empresa. Fazendo com que a
empresa principal tenha que assegurar que contrata com empresas reais,
que cumprirão com as normas laborais, porque não fazê-lo incorrerá em
responsabilidade sobre os créditos e
sobre as dívidas laborais.
Além disso, por meio da responsabilidade coletiva, esta forma de subcontratar se tutela desde o ponto de vista
coletivo e aqui entra em cena o Direito sindical, por meio de duas medidas:
uma de origem pretoriana, muito recente, do Tribunal Constitucional Espanhol e outra de origem legal. A de origem pretoriana é muito simples, trata
de proteger os direitos sindicais nestes casos, e consiste basicamente em
70
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
uma série de decisões que está relacionada com a greve. Em que consiste isso? Quando a empresa subcontratante despede seus trabalhadores,
licencia seus trabalhadores, que acabam de fazer uma greve, argumentando que o empresário principal quebrou
o contrato mercantil, supõe o direito
de greve dos trabalhadores subcontratados e não pode ter sua comprovação
impedida, amparando-se na ruptura
de um vínculo mercantil de colaboração entre empresas. O direito fundamental é violado e o argumento de que
a empresa subcontratante despediu
porque não tinha outra solução, porque a empresa principal tinha extinguido o vínculo de colaboração, não
tem efeito para o Tribunal Constitucional Espanhol.
Segunda forma de tutela coletiva: Os representantes dos trabalhadores, tanto
na empresa principal, como na empresa
subcontratante devem ser informados
sobre a identidade do subcontratante, das condições da subcontratação e
dos temas que serão subcontratados.
A introdução de uma transparência no
mercado da descentralização, da terceirização gestionada sindicalmente.
E, também, por meio de outro elemento: O chamado empréstimo representativo. Os trabalhadores terceirizados
podem dirigir-se aos representantes
da empresa principal para que estes
os defendam contra as condições de
trabalho abusivas que podem ocorrer
no contexto dessa descentralização.
laboração faz com que a empresa subcontratada tenha que manter necessariamente sua qualidade de empresário
para efeitos trabalhistas, ou seja, ter infraestrutura, ter patrimônio e exercer
o poder de direção sobre seus trabalhadores. Subcontratar uma empresa
sobre a qual depois se exerce o poder
de direção pela empresa principal faria
parte de um ilícito. O que significa isto? Que esse fenômeno seria uma cessão ilegal de trabalhadores. Quando o
objeto do contrato entre as empresas
se limita à mera posta à disposição de
trabalhadores ou quando a empresa
que se subcontrata não tem atividade, não tendo patrimônio ou mesmo
tendo atividade e patrimônio, ou seja,
sendo uma empresa real, não exerça
sua posição empresarial. Dito de outro modo, se eu subcontrato a instalação de um programa de informática,
tenho que ter claro que estou renunciando à minha condição de empresário laboral. Não posso dar ordens a
esses trabalhadores, ainda que prestem seus serviços em vários locais, em
meu centro de trabalho não são meus
trabalhadores e não posso exercer o
poder de disciplina e de direção que
derivam do vínculo de subordinação.
Porque se o fizer, estaria transformando-me no empresário real. E, portanto,
responderia solidariamente por todas
as dívidas e também assumiria a possibilidade de que esses trabalhadores
se incorporassem à minha própria estrutura produtiva.
Em todo caso, esta colaboração entre
empresas nunca pode provocar um
cessão ilegal de trabalhadores. A co-
Termino com algumas conclusões propostas, como forma de especulação.
Há duas maneiras de enfrentar o fe-
71
Joaquín Pérez Rey
nômeno da terceirização. Através da
proibição direta, negando a possibilidade das empresas de terceirizar, que
seguramente seja uma estratégia que
conduz à boa parte das empresas ao
mercado negro ou ao descumprimento sistemático da norma. A outra forma de enfrentar a terceirização, medida talvez muito mais frutífera em
termos de resultados e de proteção dos
trabalhos terceirizados, consiste em
que aquele que solicita a colaboração
de outras empresas para produzir, deve responder solidariamente a todas
as obrigações trabalhistas e as que essas outras empresas possam incorrer.
Com isso, o que se assegura? Assegura-se, evitar a terceirização meramente especulativa que se baseia na mãode-obra e o desgaste das condições de
trabalho, mas também, assegura-se que
o mercado de trabalho, o mercado terceirizado esteja necessariamente saneado, para que as empresas principais
se preocupem em saber com quem estão colaborando e a quem irão confiar
uma parte de seus órgãos produtivos.
Porém, isto não pode ser feito por meio
da estratégia cada vez mais em voga
da mera responsabilidade social corporativa. O caso mais exemplarizante
é o da Apple. Está claro também, que
a responsabilidade social corporativa
não evita o suicídio de trabalhadores,
por exemplo, nas cadeias de valor da
Foxconn, fabricante do iPhone. “Se esta
empresa coloca uma rede no seu pátio
interno para que os trabalhadores não
se joguem, eles não morreriam. Parece
uma brincadeira do destino, pois nem
sequer podendo morrer, conseguiriam
se matar”. Mais uma vez precisam voltar a trabalhar, fazendo com que isto
seja assustador. Mas a responsabilidade social corporativa funciona como
um mecanismo simplesmente de sedução do consumidor, mas não é real na hora de garantir as condições de
trabalho. Para garantir as condições de
trabalho, os ambientes terceirizados,
seguramente, além de proibir a terceirização, seria David contra Golias, terá
que responsabilizar as empresas principais por todos os movimentos trabalhistas que se produzam em suas
cadeias. Será a única maneira de que
estas, de uma vez por todas, vejam,
confiem e comprovem com quem estão subcontratando e evitem uma mera
subcontratação especulativa que não
tem valor agregado, mas sim cria muito sofrimento laboral.
Foi um verdadeiro prazer estar diante
deste auditório tão qualificado. Mais
uma vez senti a hospitalidade brasileira. Muito obrigado a todos pela atenção.
72
4
Duração do
Trabalho:
Teoria do Tempo
à Disposição,
Controle Móvel de
Jornada, Direito
à Desconexão e
Hora “In Itinere”
73
Douglas Alencar Rodrigues
O Trabalho Decente
Douglas Alencar Rodrigues*
*Mestre em Direito pela PUC/SP; Vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 10ª
Região e da Associação dos Magistrados Brasileiros; Ministro
do Tribunal Superior do Trabalho; Professor da pós-graduação e da graduação do Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB) e do UNICEUB.
74
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Cumprimento o professor da Universidade Federal de Pernambuco, Maurício Rands, advogado militante e com
uma atuação destacada no Congresso Nacional, parceiro histórico das boas causas da magistratura. A alegria
por revê-lo agiganta-se ainda mais pela presença da minha querida amiga,
colega magistrada e líder associativa,
professora universitária Noêmia Porto, cujos talentos acadêmicos são conhecidos por todos. Saúdo as presenças
da Doutora Ana Beatriz do Amaral Cid
Ornelas e do Doutor Ricardo Machado
e dos demais colegas, ilustres advogados – aqui representados pela mais jovem advogada inscrita na OAB do Distrito Federal - Doutora Elaine Menezes
Garcia Rodrigues, e de todos os amigos presentes. Agradeço ao Ministro
Ives Gandra pela amabilidade e gentileza do convite.
Quando soube que estaria ao lado da
Doutora Noêmia, achei que ela seria
a contribuição moderada do debate,
mas sua visão não me parece moderada. Sua visão é compromissária como texto constitucional, largamente
fundada do ponto de vista histórico,
filosófico, político e científico. O que
precisamos, sem dúvida, é encontrar
o caminho para enriquecermos este
debate, para que os senhores se mantenham atentos ao debate.
Gostaria de iniciar o debate pela alusão ao trabalho decente, já abordado
pela doutora Noêmia e pauta sugerida
e implantada pela Organização Internacional do Trabalho e abraçada pelo
Brasil. Em nossa Constituição, o conceito de trabalho decente é a prestação do trabalho com absoluto respeito a todas as dimensões existenciais
da pessoa do trabalhador. É aquele que
se desenvolve, se realiza não apenas
com a perspectiva de evitar discriminações injustificáveis e intoleráveis,
mas também, aquele que se realiza a
partir do impedimento, do combate ao
trabalho em condições análogas a de
escravo. Neste caso, há também o trabalho infantil, que é reprovável e não
se coaduna, não se compadece com
esta noção essencial do trabalho decente; trabalho realizado com estrito
cumprimento de todas as dimensões
ou gerações para aqueles que preferem os chamados direitos humanos. O
tema duração do trabalho estende-se
por várias dimensões existenciais do
ser humano e recai na defesa de que
só há trabalho decente quando são respeitados todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais
do trabalhador.
Quando se fala em direito à desconexão, o termo parece sugerir o progresso
tecnológico, a nova realidade tecnológica viabilizada pela integração mundial
por meio da rede, pela internet, mas
sua dimensão é muito maior. Como a
doutora Noêmia bem definiu em sua
abordagem é o direito de não ser perturbado, de se terem preservados os
momentos essenciais para que o trabalhador possa usufruir das outras dimensões existenciais importantes asseguradas pelos demais direitos civis
75
Douglas Alencar Rodrigues
e políticos, econômicos, sociais e culturais. Portanto, o trabalhador, quando
não estiver à disposição do empregador e prestando serviço empresarial,
deve ter assegurada a liberdade de filiar-se e participar das reuniões de sua
categoria profissional; o direito ao lazer, à educação, à própria aquisição
de cultura, que se faz por meio da visitação a museus e idas ao cinema; o
direito à saúde - conexo ao tema tratado aqui, que é a limitação da duração do trabalho.
Este tema, já lembrado pelos presentes, marca a relação tensa e conflituosa entre o capital e o trabalho desde as
primeiras manifestações operárias do
início do século XIX. Não sei se é do conhecimento de todos, mas a primeira
Convenção Internacional do Trabalho
cuidou da limitação do tempo de trabalho, a jornada de 44 horas semanais
e 8 horas diárias. A recomendação 116
da Organização Internacional do Trabalho, editada posteriormente, também
determinou que as nações associadas
a OIT adotassem medidas tendentes
à redução da carga horária de trabalho, ajustando-se, na medida do possível, ao limite de 40 horas semanais.
Fato é que a temática relativa à duração
do trabalho está presente na totalidade
das ações trabalhistas que transitam
pelo poder judiciário; e todos aqui presentes, advogados, pessoas vinculadas
ao poder judiciário, Ministério Público
ou aqueles que de alguma forma estão
vinculados ao mundo do trabalho, devem concordar. De um lado, temos o
empregador tentando se apropriar ao
máximo da força de trabalho, e de ou-
tro, o empregado buscando prevalecer
o direito à percepção do trabalho efetivamente, cumprido. As duas principais obrigações que assumem os titulares de uma relação de emprego são:
o empregado prestar serviço, colocar
a sua força de trabalho à disposição do
empregador, e o empregador, aproveitando-se desta mão de obra, remunerar o trabalho prestado.
As discussões extremamente ricas e
interessantes das ações relacionadas
à limitação posta na CLT e que transitam na justiça do trabalho giram em
torno dos impactos advindos da exploração para além do limite máximo legal para a saúde, para a psique; o convívio social do trabalhador, o seu direito
de obter cultura, o direito à educação,
a participar da vida política do país.
Certo é que não há como negar a interdependência, a inter-relação entre
o direito, a limitação do trabalho e as
outras dimensões essenciais. Observase que a duração máxima de duas horas extras de trabalho tem sido cumprida por parte da expressiva maioria
das empresas brasileiras.
Há na justiça do trabalho um número
imenso de ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho buscando obter decisões que imponham obrigações às empresas de
não exigirem horas extras além do limite máximo de duas horas diárias;
que respeitem o intervalo mínimo intrajornada e Interjornada e remunerem as horas extras prestadas pelo trabalhador. Existem, também, inúmeras
ações vinculadas ao poder de polícia
trabalhista, autuações levadas a efeito
76
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
pelos órgãos de fiscalização do trabalho, fundamentalmente, pelos auditores fiscais do trabalho, que evidenciam
o sistemático descumprimento das regras legais alusivas à limitação da jornada. Conquanto, temos ações civis
coletivas movidas por sindicatos e associações buscando o pagamento das
horas extras prestadas que são sonegadas por parte de muitas empresas aos
empregados, aos trabalhadores que se
ativam para além do limite legal previsto; além disto, ainda há as ações
atomizadas, individuais, movidas por
trabalhadores que buscam receber a
contraprestação devida pelo trabalho
efetivamente prestado além do limite legal. É preciso remarcar como ponto de partida que o tema da duração
ou limitação da duração do trabalho, a
necessidade do cumprimento restrito
da legislação já positivada é essencial,
fundamental para a realização deste
ideal constitucional afirmado pela OIT
do trabalho decente.
Certo é que, o novo contexto de organização da produção com restruturação produtiva e o emprego de novas
tecnologias estão tencionando os limites postos pela legislação consolidada. Como dito anteriormente, o avanço
da tecnologia tem sido um fator preocupante, e há, neste sentido, estudos
das doenças profissionais. A competência constitucional, assumida após
a emenda de 1945 pela justiça do trabalho, tem permitido conhecer esta realidade de exploração da mão de obra
que produz nefastas consequências à
saúde física e mental dos trabalhadores; é preciso, portanto, o cumprimento
77
das normas de proteção social. Provavelmente, a minha colaboração neste
debate seja o de reafirmar este bloco,
esta integridade dos direitos fundamentais; sem os quais, o descumprimento de um impacta negativamente no cumprimento do outro.
Tenho selecionado, aqui, diversos precedentes do Tribunal Superior do Trabalho para fazer uma reflexão acerca da realidade enfrentada no âmbito
da justiça do trabalho. Vários julgados
transitam sobre o direito à desconexão, mas não o fazem sob uma perspectiva nova. Isto tem sido objeto de
estudos da respeitada professora Daniela Muradas, da Universidade Federal de Minas Gerais, que usa uma expressão, talvez forte, que é a captura
subjetiva do trabalhador, para explicar
que o progresso tecnológico, as novas
tecnologias, a economia globalizada
tem levado ao aumento de competividade, além desta insegurança pela
alta rotatividade de emprego que, por
sua vez, tem levado inúmeros trabalhadores a abrirem mão deste direito
fundamental à desconexão.
Quando caminhamos pelo parque da
cidade, em Brasília, é comum vermos
empresas utilizando os seus empregados para fazerem campanhas publicitárias no momento que deveriam estar
usufruindo do direito ao lazer. Podemos observar, portanto, que os colaboradores referidos pela colega Noêmia
não estão conseguindo se desconectar do trabalho. Lamentavelmente, as
empresas estão assumindo, controlando a subjetividade dos trabalhadores
Douglas Alencar Rodrigues
devido à insegurança absoluta gerada
pelas taxas crescentes de desemprego.
E este é um problema muito sério, porque há um precedente interessante,
originário da terceira região, do doutor desembargador Luiz Otávio Linhares Renault, que por ser tão expressivo,
tão eloquente e emblemático exige a
permissão para sua leitura: “A supressão de tempo para que o trabalhador
se realize como ser humano, pessoalmente, familiarmente e socialmente é causadora de danos morais. Viver
não é apenas trabalhar, é conviver, relacionar-se com seus semelhantes na
busca do equilíbrio, da alegria, felicidade e da harmonia consigo próprio,
assim como em toda a gama das relações sociais, materiais e espirituais.
Quem somente trabalha, dificilmente
é feliz, também não é feliz quem apenas se diverte. A vida é um ponto de
equilíbrio entre o trabalho e o lazer.
De modo que as férias, por exemplo,
constituem importante instituto justrabalhista que transcende o próprio
Direito do Trabalho. Com efeito, o dano moral é configurado quando o empregado tem ceifada a oportunidade
de dedicar-se às atividades de sua vida privada em razão das tarefas laborais excessivas.
Há um menosprezo do princípio da
dignidade humana quando se deixa
de lado as relações familiares, o convívio social, a prática de esportes, o lazer e a cultura. Assim, o trabalhador é
explorado exaustivo, contínua e ininterruptamente nos casos de jornadas
de trabalho extenuante. Isto acaba retirando do prestador de serviços a pos-
sibilidade de se organizar interna e externamente como pessoa humana em
permanente evolução, ficando desprezado o seu projeto de vida. A sociedade industrial moderna, pós-moderna
tem se pautado pela produtividade, pela qualidade, pela multifuncionalidade, pelo Just in time, pela competividade, disponibilidade full time e pelas
metas. Tudo isto sob o comando direto e indireto, cada vez mais intenso e
profundo do tomador de serviços, por
si ou por empresa interposta. Nestas
circunstâncias, consoante com a doutrina moderna, desencadeia-se o dano existencial, de cunho extrapatrimonial, que não se confunde com o
dano moral”. Certamente, este é um
precedente que diz tudo e merece o
nosso aplauso indubitavelmente, pois,
ele reafirma a necessidade de termos
cuidado com o trabalho; como foi dito,
ele é meio de vida e não meio de infelicidade, de invalidez, de incapacidade provisória ou parcial ou até mesmo de morte.
Retomando aqui o primeiro tema, o tema do direito a desconexão, que pode
ser encarado sob a perspectiva da necessidade do respeito aos instantes diários, semanais e anuais em que o trabalhador não pode ser acionado pelo
empregador. A possiblidade de desenvolvimento de vivência de outras dimensões relevantes não pode ser perturbada. Ainda tenho vários precedentes
que tratam dos critérios de fixação da
jornada de trabalho e um deles é o tempo à disposição, abordado pela Doutora Noêmia de forma brilhante. Temos
inúmeras situações concretas da vida
78
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
que nos geram questionamentos e vários são sobre os precedentes. O texto
destes precedentes parece justificar,
inclusive, a possibilidade de elaboração de um artigo doutrinário; embora não seja consensual, podemos pensar juntos.
Quero abordar, ainda, a jornada externa, uma questão delicada e sensível,
que tem chamado minha atenção e gerada muita preocupação no Tribunal
Superior do Trabalho. Mas antes é preciso fazer um questionamento quanto
à possibilidade de controle das jornadas externas, como é possível controlar a jornada sobre a perspectiva móvel, que é a proposta do Ministro Ives.
Temos examinado inúmeros casos de
trabalhadores externos, que prestam
serviço fora do ambiente de trabalho,
não estou fazendo alusão à hipótese
do Artigo VI, que diz sobre o trabalho
prestado em domicílio. O Tribunal Superior do Trabalho regulamentou o trabalho em domicílio por parte dos seus
servidores, e o controle é feito por meio
da produtividade, do número de processos envolvidos, enfim pelo trabalho
prestado por aqueles que estão vinculados a gabinete e que trabalham elaborando minutas de decisões a serem
submetidas aos ministros para exame posterior.
Há muitos casos em que se observa
a possibilidade de controle feitos por
via satélite, GPS, programas que inviabilizam acesso ao sistema em tempos
programados. No TST existem precedentes envolvendo o sistema Redak,
Autotrac, empresas de transporte que
utilizam destes sistemas e os justifi-
cam com fundamento na ideia de proteção ao patrimônio. No Brasil, o Senador Crivella nos trouxe informações
importantes de que há um índice elevadíssimo de crimes das mais variadas ordens, e as empresas utilizam da
tecnologia para proteger o seu patrimônio, e esta mesma tecnologia pode e deve ser utilizada para controlar
o tempo de trabalho desenvolvido por
estes empregados que se ativam externamente.
Outra discussão interessante é como
quantificar, controlar e supervisionar
o tempo à disposição de empregador
em relação ao empregado, quando me
perco em um debate, lembro-me do Ministro Luciano dizendo que “eu posso
não encontrar, mas eu também não perco”. O Artigo VI não diferencia o tempo
à disposição do empregador em relação àqueles que prestam serviços em
domicílio, ele diz que as normas de
proteção ao trabalho, inclusive aquelas relativas à duração da jornada, devem ser necessariamente, cumpridas.
E no mais, estes empregados que trabalham em domicílio têm o controle
efetivado por meio da produtividade
ou por meio tecnológico; e aqueles que
desenvolvem atividades intelectuais
estão, sem dúvida, sujeitos à possibilidade de controle por parte do empregador, isto associado à produtividade.
Algum tempo atrás, li um livro do jornalista norte-americano, Thomas Friedman, ele dizia que o mundo era plano e
explicava o que a tecnologia representou em termos de redução de distâncias. Hoje, nós sofremos um impacto
psicológico da existência de barreira
79
Douglas Alencar Rodrigues
ao surgimento de um mundo virtual, e
o desafio que se faz é preservar a existência real. Outro dia, alguns amigos
diziam que o WhatsApp nos importuna a qualquer hora do dia ou da noite,
existem pessoas que estão dependentes desta tecnologia e isto é um problema quando se trata do trabalho. Como
já foi mencionado, temos o critério do
tempo à disposição e temos também
o critério do tempo de deslocamento
que se soma a outra temática sugerida pelo Ministro Ives, que é o tema das
horas de percurso, as horas In Itinere.
A Súmula 90 representou uma tentativa da jurisprudência em suprir uma
anomia legislativa de responder às situações novas e complexas que foram
surgindo da vida e que não encontravam uma regulação direta e objetiva
no direito objetivo, no direito positivo.
Esta discussão sobre a Súmula 90 representa, segundo estudos de um colega magistrado, uma vã tentativa da jurisprudência de controlar a realidade,
controlar o mundo da vida por meio de
palavras. Quanto mais se regula, mais
situações complexas surgem, e aparece a necessidade de uma nova regulação. Já constam vários itens na Súmula 90 e isto representa esta vã tentativa
de controle, de regulação.
O que chama atenção em relação às horas de percurso é a atuação de sindicatos, de empresas e de empregados. Sindicatos de trabalhadores ou empresas
que tentavam e tentam negociar coletivamente, dada às dificuldades observadas em ações concretas, a dificuldade
de se obter produção de provas precisas sobre o tempo de percurso para via-
bilizar a condenação ou não; mas normas coletivas passaram a disciplinar a
questão das horas e percurso. O Tribunal Superior do Trabalho, no primeiro
momento, adotou uma diretriz objetiva de que não é possível a supressão de
hora de percurso. A negociação coletiva ou a chamada autonomia negocial
coletiva não possui aptidão, a capacidade, não é o instrumento adequado
para regular esta situação, suprimindo direitos do trabalhador.
Certamente, estamos enfrentando um
paradoxo no âmbito das relações coletivas de trabalho. A Constituição anuncia os sindicatos como atores exponenciais, relevantes no conserto das
relações entre o capital e o trabalho,
confere a eles o poder de reduzir salários, regular a jornada em turnos ininterruptos de revezamento, ampliar e
reduzir limites de acordo com Incisos
VI, XIII e XIV do Artigo VII da Constituição da República. Entretanto, a jurisprudência controla, interfere, intervém, limita, anula, afasta, não chancela
o que é alcançado na negociação coletiva. Esta é uma situação incômoda,
sobretudo, quando vamos aos fundamentos que justificam estas posições,
estes são, na maioria das vezes, lançamento da assertiva ou do mantra do
que os direitos fundamentais do trabalhador. Direitos previstos em norma estatal são direitos que se revestem com a nota da indisponibilidade
absoluta, ou seja, pela via da interpretação se restringiu substancialmente,
a autonomia negocial coletiva.
Foram surgindo outras normas coletivas e começaram arbitrar, não supri-
80
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
mir, mas arbitrar o tempo de duração
do percurso, e a jurisprudência, diante deste novo cenário, passou a reexaminar a questão. Elegeu um critério de
razoabilidade, de ponderação em que
o tempo arbitrado, convencionado corresponder a no mínimo 50% do tempo
efetivamente gasto, a norma coletiva
será válida. Este critério prestigiou em
alguma medida a negociação coletiva,
mas a jurisprudência não admite a alteração da base de cálculo das horas de
percurso. Eu quero defender, aqui, uma
posição absolutamente, desconstrutiva das normas de proteção ao trabalho, o objetivo é apenas chamar atenção para a importância de rediscutir
a autonomia negocial coletiva. Na sétima turma do TST, começo a questionar os colegas mais experientes naquele tribunal que participaram de todos
os debates travados há algum tempo.
Talvez os senhores já imaginem qual
seja o pano de fundo, qual a razão remota que justifica esta restrição.
Autonomia negocial coletiva é, precisamente, a falta de representatividade dos sindicatos do Brasil. Nós temos
um número grande de sindicatos que
a Constituição anunciou como livres,
mas que ao mesmo tempo cerceou pela regra da unicidade, nem diria que é
um princípio, mas sim, um critério de
restrição de liberdade. A unicidade sindical restringe a liberdade sindical, é
como se admitíssemos um meio gol,
uma meia gravidez, algo que existe,
mas não existe ao mesmo tempo. O tema da legitimidade das organizações
no Brasil precisa ser retomado na sua
base, na origem, no seu marco zero.
O imposto sindical compulsório, outro critério da Constituição, contribuiu
para a explosão do número de sindicatos no Brasil, visto que, o Artigo VIII
da Constituição anuncia que a assembleia da categoria fixará a contribuição
para custeio do sistema confederativo sem prejuízo da contribuição prevista em lei. Esta parte final, sem prejuízo da contribuição prevista em lei,
parece ou sugere o compromisso da
Constituição com a preservação do imposto sindical; para mim, não é bem
assim, permita-me uma divagação, o
imposto sindical tem de ser regulação
infraconstitucional, que é um termo a
ser presente.
O Tribunal Superior do Trabalho está
sendo acusado perante a Organização
Internacional do Trabalho de praticar
atos antisíndicas. Entre as várias questões lança-se o precedente normativo
119, que veda a cobrança de quaisquer
espécies de contribuições a trabalhadores que não sejam associados. A leitura da Constituição parece-me insuscetível de críticas, porque a liberdade
de associação envolve a liberdade de
não associação; mas há um problema,
pois, o sindicato negocia por aqueles
que o fazem, porque muitos não o fazem, existem apenas para cobrarem
imposto sindical, para obter a contribuição sindical, falamos imposto por
ser um resquício da década de 30. Não
é a nossa década, é do Oliveira Viana,
Francisco Campos, os chamados autores da ditadura. É interessante que
estes sindicatos existem somente para arrecadar contribuições, há um paradoxo que me foi provado por um lí-
81
Douglas Alencar Rodrigues
der sindical, que antes da edição do
precedente normativo 119 pelo TST, as
assembleias eram muito mais prestigiadas, os trabalhadores não sindicalizados compareciam, discutiam, participavam; e com o precedente normativo
119 houve uma anemia política, um esvaziamento das assembleias. Comecei
a pensar, diante deste dado empírico e
refutável, se este modelo de restrição,
esta compreensão da Constituição restritiva da possibilidade de cobrar uma
contribuição assistencial ou taxa de
solidariedade daqueles que não são
sindicalizados, mas se beneficiam da
ação sindical, não representa um fator
de estímulo à própria sindicalização.
O incremento da democracia sindical
é essencial para que possamos examinar a validade de normas coletivas que
entre outros temas disciplinam sobre
as horas de percurso. Não sei se fui claro quanto ao precedente 119, pois, na
medida em que ele afasta a cobrança
daqueles que não são sindicalizados,
mas que se beneficiam das vantagens,
das conquistas obtidas a partir da atuação sindical, representa um elemento, um fator de esvaziamento da força
coletiva, pelo menos no caso concreto
que me foi trazido.
Uma professora da faculdade em que
ensino relatou que o brasileiro não tem
a cultura de associativismo; este modelo, legado da década de 30, sobretudo
a partir do Decreto de 1939, feito pelo
Oliveira Viana; antes houve um decreto, em 1931, feito pelo Lindolfo Collor,
mas este era um decreto light, tranquilo, que buscava induzir os sindicatos
aos registros no Ministério do Traba-
lho. Este modelo pareceu adequado à
cultura brasileira, o país ainda era monocultor, uma elite com tradição coronelista, um país, essencialmente, rural
que buscava os seus primeiros passos
na linha, no caminho da industrialização, este é um tema a ser estudado,
revisitado. Hoje, disseram-me que a
dissertação da tese de doutoramento
do Doutor Ricardo trata desta questão. Fiquei extremamente interessado
e empolgado em ver que o seu trabalho parece já ter exaurido este tema;
no entanto, precisamos decidir, discutir com responsabilidade, com seriedade. Ao receber advogados que militam em favor das grandes centrais,
perguntam se aceitam a quebra da unicidade mais o fim do imposto, pois, as
assembleias com bases democráticas,
observando os parâmetros de razoabilidade, vão cobrar a contribuição de
todos aqueles que integram a categoria, sindicalizados ou não.
A contribuição sindical compulsória
corresponde a um dia de salário por
ano, isto representa um trinta avos,
3.33% do salário mensal do trabalhador. Há sindicatos que negociam, muitos conseguem obter reajustes acima
da inflação que vão a caso concreto
12%, portanto, se cobrar 1% do salário mensal do trabalhador a título de
contribuição assistencial seria razoável. Enfim, estas são as questões que
o Brasil precisa enfrentar, ainda digo
mais a eles, que os sindicatos no Brasil são espaços importantes de defesa, promoção, afirmação e avanço dos
direitos humanos na relação capital e
trabalho. Os sindicatos reequilibram o
82
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
jogo desigual na relação individual de
trabalho. A importância do sindicato é
inequívoca, o direito individual é tributário do direito coletivo do trabalho, é a luta coletiva, os embates travados na arena coletiva que levaram
à intervenção do estado à positivação
de normas de proteção social de caráter obrigatório, compulsório e renunciável, que tem de ser observados no
âmbito das relações privadas.
Retomo aqui questões já examinadas
pela Doutora Noêmia, que é o cobre aviso e a prontidão – critérios da expectativa da convocação – a cujas ideias
defendidas não me oponho, pelo contrário; neste âmbito de negociação coletiva, existem vários precedentes. Há
33 súmulas de orientações jurisprudenciais, até onde pode se computar, disciplinando o tema da duração do trabalho; como ela mesma diz será que a
jurisprudência deva cumprir este papel
ou o debate encontraria disciplina adequada na arena do Congresso Nacional; esta assertiva, talvez, seja absolutamente criticável e antidemocrática.
social do trabalhador. Por isto, a negociação coletiva deve ser compreendida no contexto sistêmico como medidas de retrocesso, de flexibilizações
pontuais justificadas por situações lamentáveis, como a que estamos vivendo agora, de depressão econômica que
tem levado à perda substancial de posto de trabalho.
Hoje, pela manhã, o telejornal Bom dia
Brasil noticiou a perda de oitenta mil
postos de trabalho no mês de agosto
passado. A negociação coletiva é uma
importante ferramenta de proteção ao
trabalho, de reacomodação desta relação entre o capital e o trabalho. Para que ela possa ser valorizada, prestigiada e respeitada faz-se necessário a
retificação desta premissa que é a falta de representatividade dos sindicatos no Brasil.
Enfim, são ideias ocorridas sobre a conveniência de se manter a possibilidade dos Tribunais do Trabalho disciplinando e continuarem, especialmente,
o TST a regular pela visa da interpretação, pela leitura dos princípios e regras
constitucionais que formam um todo
sistêmico em que a valorização do trabalho é princípio fundante da ordem
econômica, social em que a dignidade
da pessoa humana é valor igualmente,
fundante. No Artigo VII da Constituição, temos um claro horizonte axiológico que é o da melhoria da condição
83
Noêmia Aparecida Garcia Porto
Duração do
Trabalho, Teoria do
Tempo à Disposição,
Controle Móvel de
Jornada, Direito à
Desconexão
Noêmia Aparecida Garcia Porto*
*Doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília; Juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região; Diretora de
Cidadania e Direitos Humanos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho; Secretária-Geral da Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho.
84
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Cumprimento a todos e ao Ministro
Douglas Alencar Rodrigues por quem
tenho uma profunda admiração e ressalto a importância em parabenizar o
IDP pela realização de um evento dessa magnitude, que traz para o centro
o debate e a reflexão crítica sobre temas importantíssimos na tentativa de
compreender o que se pode chamar
de um mundo do trabalho profundamente transformado, complexo e digno de louvor. Agradeço, especialmente,
ao Ministro Ives Gandra que de maneira engajada se dispôs a organizar essas atividades, primando pela participação plural de diversos interlocutores
nos temas que foram propostos acerca desta pluralidade e diversidade de
pensamentos; agradeço o parlamentar e representante Maurício Rands,
que preside e integra essa mesa. Cumprimento o Ministro Douglas Alencar
Rodrigues, e externo minha profunda
admiração, porque, além de ministro
da corte com relevante papel de coordenar, sintetizar e de construir os
consensos possíveis em torno de uma
hermenêutica do trabalho, é também
professor e dileto amigo. O grande desafio de hoje é discordar do Ministro
Douglas em alguns pontos, até mesmo para dar alguma vivacidade a este painel que abordará o tempo, o trabalho e a duração do trabalho.
Prestando destaque ao tema que está
proposto, tempo à disposição, direito
à desconexão, horas In Itinere, meios
de controle e de jornada e outros similares não se tem dúvida de que, ao
fim e ao cabo deste painel resume-se
a problemática do tempo. Fato é que
quando se fala em duração do trabalho, é importante pensar que se trata
do grande enigma moderno e contemporâneo, que é o enigma do tempo. Todavia, uma advertência é necessária
para essa abordagem, pois não se trata do tempo cronológico, do relógio, da
contagem, o tempo como há muito se
constitui num aspecto de construção
social da realidade, independente da
experiência dos indivíduos moldado
de forma singular a partir da importante distinção entre passado e futuro.
O tempo é algo que se experiência de
modo singular, cada indivíduo vivencia o tempo e o tempo do trabalho de
uma forma extremamente particular.
Esta referência à experiência do tempo
como sendo singular, de matriz empírica e socialmente estabelecida é importante, talvez, se se pensar que toda
estrutura normativa que o direito do
trabalho construiu ao longo dos anos
está centrada na duração do trabalho,
considerando apenas o referencial do
tempo cronológico, desprezando a ideia
do tempo social. É uma medição do
trabalho pelo relógio, mas que não é o
relógio social ou biológico. É o tipo de
tempo das chamadas normas tradicionais trabalhistas; têm-se aí as oito
horas diárias e quarenta e quatro semanais; há uma luta em curso no parlamento para redução da jornada para o limite de quarenta horas, o que já
existe em muitos outros países de capitalismo avançado. Mede-se também
85
Noêmia Aparecida Garcia Porto
o intervalo entre a jornada que pode
ser de quinze minutos, não menos que
uma hora; quarenta minutos, com autorização explícita; não mais que duas horas, se não, será tempo à disposição: o intervalo entre a jornada, as
férias de trinta dias, descanso semanal renumerado, pelo menos uma vez
recaindo aos domingos com vinte quatro horas de descanso. Esse conjunto
todo envolve um arcabouço imenso de
regulagem sobre o tempo e a duração
do trabalho, sempre medido na perspectiva cronológica.
E assim segue a construção de elementos normativos que alia a ideia de duração do trabalho, a perspectiva desse tempo. Quando fala de duração do
trabalho está-se diante de um tema
de grande envergadura porque, como
é de conhecimento de todos, os temas
da jornada de trabalho, a renumeração
e as melhores condições de trabalhos
fazem parte, historicamente, da luta
dos trabalhadores.
Considerando a finalidade proposta para este evento que é a de pensar além
dos limites triviais os problemas que
permeiam o mundo do trabalho; insistir na aliança entre normatividade jurídica e tempo cronológico para lançar
os questionamentos sobre esse referencial, isto é, o do tempo cronológico ainda suficiente para a questão da
duração do trabalho, levando-se em
conta que os trabalhadores são trabalhadores da contemporaneidade. As
homogeneidades normativas são necessárias, mas se tornam um problema quando se fecham completamente, sem o mínimo de porosidade nas
mutações das demandas ou nas demandas sociais.
Para este raciocínio há dois exemplos
bastante concretos, o primeiro diz respeito a um sentimento, à percepção
sobre o tempo do trabalho, uma percepção generalizada na era contemporânea, de que a preocupação com o trabalho, o trabalho em si tornou-se, não
apenas parte da vida, como também o
grande condutor de absolutamente tudo acerca da vivência humana. Por isso há uma sensação de trabalhar mais
do que se trabalhava antes, mas não é
um trabalhar mais, apenas ou exclusivamente sobre a perspectiva cronológica no tempo do relógio, há um importante aspecto de intensificação do
trabalho. Os recursos tecnológicos são
importantes elementos para considerar esta intensificação, todos estão conectados o tempo inteiro.
Com esta intensificação, supondo que
se trabalhem oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, ressaltando
que as estatísticas revelam que ao contrário do que o senso comum indica, o
trabalhador brasileiro é um trabalhador de muitas horas extras, ele não é
o trabalhador das oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais. Neste limite, há uma sensação de que se trabalha muito mais do que o trabalhador
da década de 70. E essa disparidade, essa intensificação do trabalho não parece ser compatível com as medidas
normativas, inclusive as medidas legislativas para discussão da duração
do trabalho e dos seus limites.
86
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
A homogeneidade no tempo cronológico tem desprezado a heterogeneidade relacionada à duração do trabalho,
à valorização na pós-modernidade no
âmbito Pós-fordista da produtividade,
do desempenho, dos critérios de mérito, da competição e da concorrência,
pressionam os trabalhadores, e não apenas os da CLT, todos que se veem como
trabalhadores a uma disponibilidade
exaustiva ou, quando menos, uma disponibilidade comprometedora com o
passar do tempo, de uma vida que se
possa afirmar sobre o primado da liberdade. Como destacou o Professor
Joaquín Rey, talvez haja aí padrões de
solução fordista para lidar com o mundo do trabalho profundamente transformado e pós-fordista.
Ainda sobre essa exemplificação da insuficiência do tempo cronológico como
referencial, quase exclusivo da legislação brasileira, para lidar com limite do
tempo do trabalho, não se pode negar
que as estatísticas também apontam
como sendo problema o caso dos trabalhadores de telemarketing. O uso deste exemplo é adequado porque se refere aos trabalhadores de uma jornada
supostamente vantajosa, isso porque,
uma jornada que dura apenas seis horas por dia é acessada por jovens que
buscam o primeiro emprego na esperança de poder aliar estudo e trabalho.
Todavia, o exaurimento, o esgotamento
e o cansaço provocado por um trabalho intensificado por uma política de
metas, controlado e de grande concentração em apenas seis horas por dia,
revela a necessidade de muitas horas
a mais do que essas para a recuperação do trabalho desenvolvido.
Esse fator de intensificação talvez tenha sido uns dos elementos indicatórios da altíssima rotatividade do setor. O mercado de trabalho brasileiro,
que tem a maior alta de rotatividade,
é justamente o setor que trabalha com
jornada de seis horas; isto, talvez, tenha algo a nos dizer sobre cronologia,
normatividade e heterogeneidade do
tempo e do descanso. Este é o conceito de jornada exaustiva que os juristas lidam o tempo inteiro como, por
exemplo, as discussões feitas como pedido de indenização por perdas e danos, dano existencial, trabalho forçado e outros aspectos. Para esse tipo de
jornada exaustiva a medida adequada seria exclusivamente baseada no
tempo cronológico, a legislação estaria atualizada com a complexidade do
seu tempo quando se mantém consistentemente parada no referencial número de horas.
Na verdade, o assunto que move a discussão em questão é o de os esquemas
jurídicos estarem em torno do tempo
do trabalho; é importante situá-lo na
perspectiva constitucional, embora isso não seja um requisito imprescindível, a consagração Constitucional explícita de um direito social é o indicio
relevante do caráter fundamental dos
bens e dos interesses que estão sendo protegidos. Sem prejuízo de outros
direitos que possam melhorar a condição social dos trabalhadores, a atual constituição também prevê a duração de trabalho em oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais, facultan-
87
Noêmia Aparecida Garcia Porto
do a compensação e redução de jornada mediante acordo ou convenção coletiva. É questionável, no entanto, se o
fator tempo cronológico embutido na
previsão constitucional seja hoje suficiente para compreender a questão
da duração do trabalho, indubitavelmente, a mera referência constitucional indica que as análises dos instrumentos jurídicos infraconstitucionais
sobre a questão do tempo presente em
leis, resoluções e portarias, devam receber interpretação incoerente com uma
teoria constitucional dos direitos fundamentais.
Enfatizando o cotidiano, a ideia de jornada de trabalho precisa ser combinada com a estrutura jurídica inserta na ampla disposição, especificada
no Artigo IV da CLT, não no Artigo IV
da CLT da década de 40 sobre tempo
à disposição, mas no Artigo IV revisitado, reinterpretado a partir de uma
hermenêutica constitucional que considera a questão da duração do trabalho um direito fundamental da classe
trabalhadora. Desta forma, o Artigo IV
não é apenas uma norma infraconstitucional isolada, ele traduz de forma concreta um princípio normativo
constitucional de liberdade individual de quem trabalha; uma liberdade
do tempo é uma liberdade no tempo,
uma liberdade de não estar no trabalho, porque, se de um lado há o direito
constitucional ao trabalho, há o outro
de não estar intensamente disponível
para o trabalho, de não ser o tempo inteiro trabalho.
A Súmula 429 do TST considera a disposição do empregador citando, jus-
tamente, o Artigo IV - o tempo necessário do deslocamento do trabalhador
entre a portaria da empresa e o local
de trabalho, desde que não supere dez
minutos o limite diário. Esta súmula é
um exemplo de uma construção interpretativa que vem sendo feita ao longo
do tempo, baseada naquilo que o referencial da realidade emprega aos tribunais no campo judiciário, mas este
referencial jurisprudencial é suficiente para dar conta da realidade do que
hoje os trabalhadores enfrentam como tempo à disposição do então Artigo IV, da CLT. Nesta linha, tempo à
disposição, o TST também tem uma
jurisprudência importantíssima grafada na súmula 90, a cerca das horas
In Itinere, que consagra essa ideia de
que o tempo dispendido pelo empregado em condução fornecida pelo empregador até o local de difícil acesso
ou não servido por transporte público, e para o seu retorno é computável
na jornada e, em sendo computável,
pode ser pago eventualmente como
horas extras.
Esses dois entendimentos do Tribunal
Superior do Trabalho levam ao questionamento de o quanto dessa estrutura pode receber tratamento diverso como, por exemplo, no exercício da
autonomia negocial coletiva é possível
negociação coletiva nesses dois temas,
qual o limite para essa negociação coletiva do tempo à disposição e se ele
se conecta com o direito fundamental
da classe trabalhadora à limitação do
tempo. Este limite deveria ser definido pelos próprios envolvidos, ou pelos
88
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
tribunais e que sejam firmes e claros
nessa definição dos limites.
Sobre a temática chamada horas de
trajeto, é importante considerar uma
recente modificação feita na Constituição Federal, de 1988, Artigo VI, que é
o transporte como direito fundamental. No entanto, se o transporte é direito social fundamental, o que isso pode representar em termos de direitos
e de obrigações no mundo do trabalho,
a obrigação é exclusivamente estatal,
ou, pensando na aplicação horizontal
dos direitos fundamentais, também os
beneficiários dos serviços dos trabalhadores devem ter alguma participação
nisso. É preciso definir em que medida viabilizará essa participação, vale
transporte e transporte, local de difícil
acesso resolve o direito social do transporte? Neste caso é certo que, quando
a Constituição alberga um princípio
estruturante, como do estado democrático de direito, isso tem um significado prático; e desses justificados é
justamente deslocar a atenção para
sociedade civil organizada, há de haver um compromisso generalizado da
própria sociedade civil com a Constituição, com os direitos que estão constitucionalmente previstos; e no campo do trabalho é preciso se preocupar
com a questão do transporte.
Quando se fala em obrigações dos contratantes vem à tona a questão econômica, porque não se pode desprezar a
questão do custo produção; mas em
termos constitucionais, o custo econômico nunca pode representar uma barreira intransponível A ideia normativa é pensar na efetividade dos direitos,
pois quando a efetividade dos direitos
estiver condicionada com a economia,
o direito deixa de ser direito e passa a ser economia, e nota-se uma hipertrofia do sistema econômico com
grave comprometimento da autonomia do sistema jurídico. Com isso, a
grande vocação dos juízes e dos tribunais seria de dar respostas concretas a casos específicos, os juízes não
deveriam se aventurar a serem articuladores da economia, não lhes cabe este papel, se pensada a estrutura
da separação de poderes. Neste campo
da inovação normativa, o mundo jurídico trabalhista ainda está em processo de adaptação, com a inovação
do Artigo VI, da CLT, trazido pela Lei
12.551, de 2011, são quatro anos, mas
ainda pode-se reconhecer um processo de adaptação comparado à significação do Artigo.
Em termos legais e inovadores da legislação brasileira, não se distingue o
tempo realizado no estabelecimento
do empregador ou executado em domicílio do empregado, realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de
emprego. Assim os meios telemáticos
e formatizados de comando, controle, supervisão que se equiparam para
fins de subordinação jurídica aos meios
pessoais e direito de comando, controle e supervisão do trabalho alheio, reconhecido legalmente se equiparam
aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão. Podem eles,
quando existentes, serem considerados
também como mecanismos reveladores da disponibilidade do trabalhador
89
Noêmia Aparecida Garcia Porto
em relação ao trabalho, inclusive para
fins de cômputo de jornada.
Quando não há meio único, inequívoco de controle, e de internalização da
jornada, significa que, estando dispensado do tradicional “ponto”, o trabalhador não tem direito a horas extras,
nesse caso, o que acontece é a violação de um dever patronal de controle para fins de limitação da jornada
de trabalho dos trabalhadores. Numa
perspectiva de consistência, coerência interna normativa, se não há distinção entre o trabalho realizado no
estabelecimento do empregador e o
executado em casa, o efetivado a distância, para finalidade de reconhecimento de vínculo empregatício, certamente esses meios de controle não
servem apenas para identificar a existência de subordinação jurídica, eles
também exteriorizam a própria existência do controle da jornada; ainda
que não o queira o empregador, e que
não o trate com a maneira tradicional de controle de ponto. Este raciocínio diminui drasticamente o campo de incidência do Artigo 62, da CLT,
quanto à ideia disseminada da exceção para os trabalhadores chamados
de externos; isto se colocar de lado a
discussão sobre eventual inconstitucionalidade do próprio Artigo 62 da CLT.
Poder exercer controle através desses
meios, possibilita dizer que ao lado de
um poder patronal, há também uma
obrigação, uma obrigação patronal de
controle para fins de equacionar o importante dilema trabalhista de jornada e remuneração. Essa obrigação de
controle não é só uma questão de ho-
ras extras, embora elas sejam um tema bastante relevante; a questão é a
própria integridade física e psicoemocional dos trabalhadores.
A Constituição, no Artigo 170, garante plenitude do emprego e das vagas
de emprego. Não se consegue ter a garantia do pleno emprego se, reiteradamente, retira horas extras do mesmo
trabalhador, porque a necessidade reiterada de horas extras do mesmo trabalhador há de indicar abertura de novos
postos de trabalho, e não exaurimento de uma força vital que, em médio
prazo, pode inclusive adoecer. A prerrogativa do empregador dentre elas a
de organizar o trabalho, corresponde
ou deve corresponder ao dever de zelo quanto ao cumprimento dos direitos sociais trabalhistas.
Todos esses aspectos relatados são muito controvertidos, eles têm potencializado disputas judiciais, disputas que
estão atomizadas dentro do judiciário
porque estão traduzidas em contáveis
e enumeráveis ações individuais trabalhistas e, embora quando se toca no
tema tempo, saúde, posto de trabalho,
inegavelmente, trata-se de questões coletivas, mas atomizadas no âmbito trabalhista para resolver-se numa questão
pecuniária de horas extras. Esta realidade de excesso de trabalho também
expresso pela intensificação e o controle do trabalho, tem uma forma de
controle de produtividade da disponibilidade, passaram a permear preocupação do Tribunal Superior do Trabalho, esse é o caso da Súmula 428, que
diz se o uso de instrumentos telemáticos informatizados, previstos, forne-
90
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
cidos por empresa ou empregado não
caracteriza o regime de sobreaviso. Considera-se em sobreaviso o empregado
que a distância submetida a controle
patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados permaneça em
regime de plantão equivalente aguardando ordens. O que se nota é que esses mecanismos, que já estão na CLT
desde antigamente como sobreaviso
e plantão, deixaram de ser realidades
próprias ou típicas de um determinado segmento econômico, por exemplo, não se fala mais da antiga rede
ferroviária federal. Esta generalização
do sobreaviso do plantão para outros
segmentos econômicos mostra a ausência de um marco regulatório importante, e esse não há de ser exclusivamente a jurisprudência do Tribunal
Superior do Trabalho. Ressente-se de
um marco regulatório que seja resultado de debates plurais no âmbito legislativo sobre o que tem representado o alcance do Artigo VI da CLT.
O direito de acesso a um trabalho decente, como diz a Organização Nacional
do Trabalho, ou um trabalho digno, não
é apenas o direito de ocupar-se, é importante a dimensão da vida das pessoas; e o trabalho não é a única dimensão da vida, existem outras dimensões
como a construção de laços familiares,
de relações sociais, a recomposição da
energia física, a reabilitação da criatividade mental, além da integridade
emocional. Isto não é compatível com
excesso de trabalho; são fatores que
exigem uma análise da limitação da
jornada de trabalho com inserção ade-
quada na temática dos direitos fundamentais da classe trabalhadora.
A título de exemplo, uma notícia que
circulou bastante nos meios eletrônicos, tendo como matriz inicial o Jornal
EL PAÍS, acerca da experiência da empresa espanhola e o Iberdrola do setor de eletricidade que conta com nove
mil empregados, ou nove mil trabalhadores, como se queira chamar. Desde
2008, a empresa e trabalhadores concordaram, depois de um longo debate,
em universalizar a chamada jornada
intensiva que, na verdade, é somente um pouco flexível. Os empregados
passariam a trabalhar de sete e quinze às quatorze e cinquenta, com quarenta e cinco minutos de flexibilidade
no início e no final da jornada; era isso, às quinze horas estavam todos no
metrô; cada um ia cuidar de sua vida.
Seis anos após, foram coletados dados dessa experiência. Os dados coletados revelaram melhoras na produtividade, ganho de mais meio milhão de
horas de trabalho por ano, houve redução das faltas em 20% e, nos acidentes do trabalho, em 15%. Além disso,
aspectos como maior satisfação com
o trabalho e maior campo criativo foram verificados como difíceis de serem medidos numa perspectiva matemática ou estatística.
91
5
A Extinção
do Contrato
de Trabalho:
Motivação da
Dispensa em
Massa e Dispensa
Discriminatória
92
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Motivação da
Dispensa em
Massa e Dispensa
Discriminatória
Antônio Umberto de Souza Júnior*
*Doutor em Ciências Jurídica-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Docente na Universidade de Brasília, no UNICEUB, na Escola
da Associação dos Magistrados do Trabalho da 10ª Região e da Escola da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
93
Antônio Umberto de Souza Júnior
Agradeço e saúdo o Ministro Márcio
Eurico, que é egresso da mesma região
a qual tenho a honra de pertencer a
vinte e poucos anos; à colega Ana Beatriz que também integra o judiciário
Trabalhista da 10ª Região, aos professores, na pessoa do sempre professor
e hoje deputado Maurício Rands, conhecido de outras regiões; aos alunos,
advogados e demais pessoas que fazem parte desta assistência.
Sem dúvida, a questão da dispensa de
empregados é uns dos temas mais importantes, com crise ou sem crise econômica, dentro do direito do trabalho.
A importância desse tema é tão grande que, inclusive, há um princípio contratante de continuidade, que visa a
procurar mecanismos inibidores ou
dificultadores para que esta dispensa ocorra; exatamente, porque, para o
trabalhador, o emprego é o seu maior
patrimônio.
Pela generosidade do Ministro Márcio Eurico de conhecer previamente
o conteúdo de sua apresentação relacionado ao tema não será abordado
nenhum ponto nevrálgico a contrastar com que foi exposto. A exposição é
baseada nas limitações jurídicas que
são progressivas, quando se fala em
dispensa discriminatória, em necessidade de motivação para dispensa, em
condicionamentos para a dispensa coletiva, está, sem dúvida alguma, agregando novos elementos nesse cenário
da dispensa de empregados. O propósito, talvez pretencioso demais, mas é
a ambição acadêmica neste evento, é
enxergar a partir da constatação das
inovações legislativas e jurisprudenciais mais recentes nessa área da dispensa de empregados; a possível emergência de um regime legal ou de um
regime jurídico de desligamentos diferentes daquilo a que se está acostumado a perceber desde os bancos escolares nas faculdades e ao longo das
carreiras profissionais.
É inevitável partir do mesmo ponto
mencionado na exposição do Ministro Márcio Eurico sobre a dispensa de
empregados que sempre foi encarada
como um direito potestativo do empregador, como uma faculdade absolutamente discricionária. Cabe ao empregador, segundo o juízo de conveniência e
oportunidade, dispensar ou não o empregado. Essa sempre foi a tônica presente dentro do direito do trabalho, da
mesma forma que o trabalhador é livre,
o contrato de trabalho não escraviza,
ele pode se liberar das obrigações decorrentes de um contrato de trabalho
pela simples manifestação da vontade.
O que se percebe é que o empregador,
pelo menos à luz do direito brasileiro,
sempre esteve exonerado do dever de
informação ao empregado sobre o motivo do desligamento, tivesse ele ou
não uma justificativa para aquela dispensa; somente quando, isso foi mencionado pelo Ministro Márcio Eurico,
alguma situação na legislação estabelece fundo de garantia de emprego, e
que estabelece então um fator de inibição para o exercício desta liberdade.
Pode-se dizer que, tradicionalmente,
94
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
o direito do trabalho brasileiro viveu
um ambiente de liberdade rescisória
quase irrestrita por parte do empregador. É irrestrita por parte do empregado também, porque ele é o doador da
mão de obra, não precisa de qualquer
motivação, a não ser na rescisão indireta, se for o caso, para desfazer o vínculo de emprego.
Entende-se que o despedimento de empregados, em regra, não dependia de
nada além do aceno negativo do seu
empregador. Como à moda do imperador romano nas tribunas do Coliseu
ou da Rainha de Copas e Alice, bastava que se dissesse corta-lhe a cabeça,
e o empregado então estaria dispensado; esta sempre foi a situação jurídica do empregado perante a vontade
externada pelo empregador. Durante
décadas, a única coisa que o direito
do trabalho conseguiu foi onerar este procedimento de desligamento; foram criados diversos encargos durante
a legislação trabalhista estado-novista, que têm por causa, exatamente, a
dispensa motivada de empregados, o
aviso prévio, a antiga, e hoje em desuso, indenização por antiguidade, a
liberação do FGTS com multa de 40%
sobre o mesmo, antes, de 10, antes de
40; a indenização adicional quando a
dispensa ocorrer às vésperas dos reajustes coletivos e o próprio seguro desemprego. Aí reside o que se pode chamar de Regime Jurídico de dispensa de
empregados.
É importante, no entanto, refletir sobre a possibilidade de criação de um
novo cenário induzido pela Constituição Federal de 1988, essa eleva a dig-
nidade da pessoa humana como valor
fundante, juntamente com os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa,
de uma república que tem como objetivos essenciais a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária. Ressaltam-se trechos da Constituição, em
que se promova o bem de todos, sem
preconceitos de origens, raça, cor, idade, e quaisquer outras formas de destinação, e, como princípio, a prevalência dos direitos humanos. Esta mesma
Constituição também elege, entre os
direitos fundamentais, sociais, merecedores de maior destaque e densidade, o direito ao trabalho, fixado no
Artigo VI.
Considerando um desdobramento eficiente desse direito ao trabalho, as partes reiteram algumas daquelas salvaguardas financeiras, compensatórias
para os casos de desligamento. A Constituição proíbe práticas discriminatórias a empregado por motivo de sexo,
cor ou estado civil em rol meramente
exemplificativo e a pessoa com deficiência. A mesma Constituição restringe,
também, a livre iniciativa, agregando
a manutenção do tradicional de propriedade individual a sua função social; o que parece respingar no direito
do trabalho, uma vez que, as empresas
à luz do figurino constitucional do direito de propriedade devem ser geridas com vistas de atingir os objetivos
que transcendem à mera busca máxima de lucros.
Um contrato de trabalho, a exemplo dos
contratos em geral, não pode prescindir
da função social pela inerência das relações sociais a propriedade do titular
95
Antônio Umberto de Souza Júnior
do capital. Uma ordem constitucional
tão valorizada da pessoa humana, trabalho e da função social da propriedade não poderia conservar o ambiente
de liberdade rescisória dos contratos
laborais de forma quase restrita, tão
cara ao estado liberal. Daí a promessa constitucional fixada na forma de
uma lei complementar a ser aprovada
pelo Congresso Nacional que contemple um regime de relação empregatício
protegida contra despedida arbitrária
ou sem justa causa, mediante a previsão de indenização compensatória,
dentre outros direito, na forma do Artigo VII, Inciso I, supracitado.
Receoso da letargia do parlamento na
regulamentação desse expressivo direito social, o poder constituinte originário estabeleceu uma disciplina interina sobre a matéria, quadriplicando a
multa rescisória sobre o FGTS nos casos de dispensa imotivadas, constitucionalizando a vedação de dispensa de
empregados eleitos para a CIPAs, e instituindo a garantia temporária decorrente de gravidez e da maternidade.
Analisando este panorama, é possível perceber o movimento migratório,
cada vez menos tímido e mais nítido que, paulatinamente, tem contraído a ampla liberdade rescisória puramente discricionária tradicionalmente
reconhecida pelos empregadores em
geral, mesmo antes do pagamento parlamentar da promessa constitucional
de uma lei disciplinadora da proteção
contra despedida.
Tal movimento migratório passa pela
construção legislativa e jurisprudencial
que captou a distinção entre dispensa sem justa causa e dispensa arbitrária, inicialmente menosprezada, ao se
considerar uma locução pleonástica de
retórica vazia de significado no Inciso
I, do Artigo VII, da Constituição Federal. A dispensa sem justa causa como
sinônimo de desligamento de empregado em decorrência de necessidades
presumidas e legítimas do empreendimento, a dispensa arbitrária como sinônimo de dispensa por motivos eticamente repugnantes.
Cabe lembrar que, no plano legislativo, no Artigo 93, da Lei de Benefício da
Previdência l é apontada a necessidade de preservação de um percentual
mínimo de pessoas com deficiência
dentro das empresas. A Lei 9019, citada pelo Ministro Márcio Eurico, que
proíbe práticas discriminatórias e que
tem por alvo literal a mulher, mas a
doutrina e a jurisprudência têm sido
uniformes no sentido de enxergar um
potencial normativo de maior amplitude de alcance, e não apenas as mulheres, não por falta de merecimento,
mas, pelo perigo de a discriminação
vitimar a todos.
A convenção 158, que vive uma história muito acidentada no país, foi ratificada e denunciada; no mesmo ano,
houve o ajuizamento da ADIN 1625,
que já conta com três votos a um, favoráveis à interpretação de que aquele decreto só surtirá o efeito de retirada da norma do mundo jurídico. Após
a aprovação congressual da denúncia,
coisa que não houve, a rigor, pode-se
até pensar na vigência e eficácia atual
pela Convenção 158, exatamente pe-
96
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
la invalidade da iniciativa unilateral e
isolada do Senhor Presidente da República. Para apimentar um pouco mais
essa história acidentada, a mensagem
presidencial n°59 de 2008, que o Presidente da República de então submete novamente o texto da Convenção
158 ao Congresso Nacional e foi aprovado em duas comissões: as de relações exteriores e as da comissão de
trabalho. O veredito aguardado pode
atropelar, eventualmente, uma decisão do Supremo, qualquer que seja a
solução dada pelo Congresso, porque
nesse caso supriria a condição enxergada pela maioria formada do Supremo Tribunal Federal.
públicos, pelo fato de atender apenas
aos princípios da impessoalidade, da
imparcialidade, da isonomia, além de
rimar com a necessidade da existência de um motivo para validade do ato
que é algo elementar dentro da teoria
do direito administrativo, sob pena de
reintegrar o empregado dispensado à
revelia de algum motivo juridicamente externado e plausível. A vedação de
práticas discriminatórias por ocasião
de dispensa em virtude do exercício
do direito de ação, ou de prestação de
testemunhos, sob as chamadas dispensas retaliatórias, O Ministério Público tem movido algumas ações via
públicas nessa matéria.
Parece importante notar que, também,
no plano jurisprudencial foram edificados alguns condicionamentos judiciais
para validação de atos de dispensa em
certas circunstâncias, primeiramente o reconhecimento da estabilidade
prevista no Artigo 41, da Constituição
Federal, e não apenas aos empregados de autarquias e fundações como
o TST reconhece, explicitamente, em
sua súmula; mas também para os empregados de sociedade de economia e
empresas públicas, admitidos até o advento da Emenda 19, conforme jurisprudência explícita do Supremo Tribunal Federal. Em segundo lugar, cedendo
a um apelo doutrinário insistente, especialmente, entre os autores de direito administrativo, o Supremo, em primeiro lugar, e depois o TST.
Segundo a Súmula 443, a dispensa em
decorrência de filiação ou militância
em verdadeiro ato de prática antissindical, em virtude de ser portador do vírus HIV ou doença da AIDS, ou alguma
outra doença estigmatizada somente
será válida mediante previa negociação coletiva das condições de elegibilidade e de compensação financeira ou
social dos empregados afetados, este
é entendimento consolidado pelo TST.
Apesar de não ter sido revogado ainda a OJ 27, a grande maioria de turmas tem entendido a necessidade de
motivação de dispensa de empregados
Certo é que a norma do Inciso I, do Artigo VII, da Constituição Federal, tem
ganhado mais vida e vigor do que imaginaram os constituintes de 1987/1988.
O Supremo Tribunal Federal em acórdão da lavra da Ministra Helen reconhece no julgamento do TST em se discutir a velha questão da extinção dos
contratos por aposentadoria. A interpretação conferida pelo TST, à época,
viola o postulado constitucional que
veda despedida arbitrária consagrada no Artigo VII, Inciso I, essa decisão
97
Antônio Umberto de Souza Júnior
tem um peso muito importante por
vir do Supremo Tribunal Federal, no
sentido de procurar que o que pende
de regulamentação não é a proteção
contra a despedida arbitrária, mas a
criação de mecanismos compensatórios para aqueles casos em que a dispensa não seja arbitrária ou sem justa causa, aquelas situações em que o
sistema jurídico admite as dispensas
como válidas.
Em outros termos, a conjugação do direito ao trabalho de um lado, da valorização do trabalho humano, da função
social da propriedade por extensão dos
pactos laborais, e da proteção contra a
despedida arbitrária, todos extraídos do
texto constitucional acabou por fecundar ou revelar um direito fundamental
social implícito, que é o direito à segurança no emprego, não o direito explícito, do direito à segurança e à saúde,
este está garantido na Constituição.
A segurança ao emprego vista como
direito de não perder o emprego estabelecida de forma genérica, no Artigo
53 da Constituição, no sentido de não
se permitir a dispensa de empregados
em geral sem motivo que endosse esta dispensa. Tal direito, a segurança no
emprego, é encontrada, explicitamente,
em outras ordens jurídicas, destacando a Constituição Portuguesa, adaptando a realidade brasileira contemporânea à taxonomia Lusitana, mirando na
doutrina do professor Pedro Romano
Martinez, uns dos maiores juslaboralistas portugueses. É possível, a partir
desses exemplos legislativos e jurisprudenciais, visualizar uma nova tipologia das hipóteses autorizadoras
relacionadas à dispensa de empregados, e neste prisma, é possível dividir
as dispensas em três grupos, segundo
o regime jurídico atual, à luz da legislação e das decisões jurisprudenciais
permanentes.
No primeiro grupo, há a dispensa por
justa causa subjetiva, que corresponde a qualquer comportamento imputável à pessoa do trabalhador. Ter-se-ia,
de um lado, a justa causa, como razão
disciplinar para ruptura dos contratos
na tradição do direito brasileiro, Artigo 432 da CLT; do outro lado, a servir
como motivo embasador da dispensa
de empregados públicos, porque essa
pode ser das umas das justificativas,
por exemplo, a total inabilidade do empregado para exercer aquela atividade
para qual foi contratado; no segundo
grupo, é possível visualizar a dispensa por justa causa objetiva, correspondente a comportamentos imputáveis
ao empregador, voluntários ou forçados por circunstâncias estranhas a sua
vontade, que propiciaria o despendimento coletivo ou a dispensa de empregados públicos, embora, em ambos os
casos, o empregador deva adotar procedimentos objetivos e impessoais na
eleição dos empregados a serem dispensados. Na Argentina, a Legislação
trabalhista estabelece para estas situações critérios absolutamente impessoais. Tem-se necessidade de dispensar um grupo de empregados, essa
dispensa deve-se iniciar pelos empregados mais novos na empresa, e ainda dentre os empregados ilegíveis para
dispensa, admitidos no mesmo semestre, terão preferência àqueles que te-
98
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
nham menos encargos familiares. A visão social do legislador é o Artigo 200,
247 da Lei 20.744, que é a lei de contrato de trabalho da Argentina. E por
fim, no terceiro grupo, a dispensa sem
causa discriminatória, que é a quem
se tem hoje como dispensa sem justa causa que, por conta a Súmula 443,
é exagerado dizer que o empregador
possa dispensar o empregado quando
bem entenda, porque não será possível, senão na ausência de qualquer situação discriminatória que possa viciar o ato de dispensa.
Para finalizar, me parece aqui que esse quadro exposto enuncia um direito
novo dentro do direito do trabalho brasileiro e, considerando que essa jurisprudência ainda é uma jurisprudência
em evolução, não é possível descartar a possibilidade de que, considerada a função social da empresa, possa
ir além na efetivação do direito à segurança no emprego, lançando o total
ostracismo por meio da interpretação
vigorosa dos princípios constitucionais
já destacados. A possibilidade de ruptura dos contratos de trabalho sem a
prévia e explícita indicação do motivo que a justifique; afinal, o empregado não é mercadoria, mas instrumento humano essencial para a produção,
não sendo utópico, nem radical, que
a jurisprudência venha banir a prática de descarte da mão de obra, fora de
circunstâncias social e juridicamente legitimadoras, numa concretização
máxima do direito ao trabalho que a
constituição contempla.
interpretação de que o núcleo essencial inscrito é a vedação da dispensa
sem justa causa ou arbitrária, servindo a indenização compensatória dentre outros direitos aos casos em que
haja motivo juridicamente sustentável para o desligamento de empregados por iniciativa do empregador. Tal
perspectiva não deve gerar temor ou
desespero entre os empregadores, ao
menos entre aqueles que conduzam
os negócios no plano das relações de
trabalho com transparência, boa-fé e
que construam com os lucros um país
mais justo e seguro para todos.
A análise do texto do Inciso I, do Artigo
VII da Constituição Federal autoriza a
99
Márcio Eurico Vitral Amaro
O Direito do
Trabalho
Márcio Eurico Vitral Amaro*
*Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região em
Campo Grande; Ministro do Tribunal Superior do Trabalho.
100
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Fico emocionado ao encontrar meu
grande amigo Camargo de Melo. É um
prazer compor esta mesa com Doutor Antônio Umberto, aproveito para
parabenizá-lo pelo lançamento do livro hoje e estendo meus cumprimentos a todos.
De fato, direito do trabalho é um tema
de muita importância. Há mais de trinta
anos nesta militância, ainda não tinha
me deparado e nunca me defrontado
com uma crise econômica como a que
estamos enfrentando neste momento.
Nós que estudamos o direito do trabalho, estamos sempre procurando atualizar o enfoque sobre estas questões;
não havíamos visto uma crise com reflexos tão fortes na questão do emprego. Por isto, torna-se difícil tratar deste tema em um momento no qual não
sabemos o rumo em que as coisas tomarão. O direito do trabalho é muito
bonito, vai muito bem. Minha preocupação é como fazer prevalecer este direito num momento de crise forte como
esta, e em que medida pode-se atuar
para que as normas do direito do trabalho sejam respeitadas num quadro
de insegurança institucional, de crise econômica. A abordagem sobre este tema será breve, mas abrangente.
É certo que, o que sempre prevaleceu
em maior medida, até a Constituição
de 1988, é o poder do empregador quanto à extinção do contrato de trabalho,
a motivação de dispensa, a lei ou normas heterônimas e autônomas, como
nos acordos ou convenções coletivas.
Mesmo após a Constituição de 1988,
continua prevalecendo o poder do empregador de dispensar o empregado
sem qualquer motivação. Sabemos que
nosso sistema é falho com algumas limitações decorrentes de normas autônomas. A doutrina identifica períodos extintos neste enfrentamento da
matéria que existe desde 1967 com a
criação do fundo de garantia, visto como previsão da estabilidade decenal,
existente no artigo até hoje, apesar de
em desuso na CLT. Após a Constituição de 1988, criou-se a nova visão liberal desta questão do emprego a partir do FGTS.
A Constituição foi inspirada na necessidade de se enfrentar o enorme déficit social que sempre marcou a história da sociedade brasileira. Fundada
a Constituição, sobretudo, no que diz
respeito ao direito do trabalho, na valorização do trabalho humano, preconiza, no Artigo VII, Inciso I, que a relação de emprego será protegida contra
a dispensa arbitrária ou sem justa causa. Nisto, ela criou uma grande dificuldade, pois, ao invés de enfrentar, definitivamente, a questão da proteção
ao emprego, remeteu isto para uma lei
complementar que nunca veio a lume.
Por causa desta vinculação feita pela
Constituição à lei complementar, o Artigo X, Inciso I no ato das disposições
transitórias diz que, até a promulgação da lei complementar, a proteção
contra a dispensa fica limitada ao aumento de quatro vezes da porcentagem prevista no Artigo VI, Caput pa-
101
Márcio Eurico Vitral Amaro
rágrafo 1° da Lei 5.107 de 1966, lei do
fundo de garantia.
Com isto, adiou-se mais uma vez a
solução do problema fazendo o que o
FGTS já havia feito, a substituição da
garantia de emprego pelo pagamento
de uma indenização. A Convenção de
1958 da OIT, tão decantada, protege o
trabalhador contra a dispensa arbitrária. Ela foi ratificada pelo Brasil, e depois de muitas idas e vindas do Congresso Nacional e governo brasileiro,
ela acabou não sendo positivada; nem
a Convenção 158, que já foi ratificada
e adotada por vários países, apesar de
ter sido ratificada aqui também, não
está positivada no nosso ordenamento.
Observa-se, portanto, no plano puramente individual, que no nosso direito prevalece o poder do empregador. A
doutrina e a jurisprudência atribuem,
também, como direito do empregador
a natureza de poder, direito potestativo, ele pode dispensar o empregado,
ainda hoje, sem qualquer motivação.
Contudo, há restrições que vem sendo
feitas, restrições de cunho legal, que são
as estabilidades provisórias, a estabilidade do servidor público, embora celetista, contratado mediante concurso
público em certos casos, estabilidades
provisórias do membro da diretoria do
sindicato, membro de CIPA, gestantes,
mesmo decorrentes de normas autônomas, a exemplo das que preveem estabilidade pré-aposentadoria; fora estas exceções o que prevalece no nosso
sistema é o direito do empregador de
dispensar sem motivação.
Outro tema relacionado, que é um dos
óbices a este poder, este direito potestativo do empregador é a chamada dispensa discriminatória. A Lei 9.029 de
abril de 1995, Artigo I, proibe adoção
de qualquer prática discriminatória e
limitativa para efeito de acesso a relação de emprego ou sua manutenção
por motivo de sexo, origem, raça, cor,
estado civil, situação familiar ou idade.
A jurisprudência estendeu esta proteção ao portador de doença grave que
possa suscitar estigma ou preconceito. A Súmula 443 do TST, por exemplo,
presume discriminatória a despedida
de empregado portador do vírus HIV,
ou de outra doença grave que suscite
estigma ou preconceito. A dispensa por
um destes motivos invalida o ato e o
empregado tem direito a reintegração
no emprego. Isto é uma construção da
jurisprudência e que tem prevalecido
no entendimento dos tribunais.
Visto que, o tema central da nossa abordagem é o que diz respeito à dispensa
coletiva ou em massa, o chamado Lay
-off, o estudo desta matéria tem importância fundamental no momento em que vivemos, a jurisprudência
está caminhando no sentido de criar
restrições a este tipo de dispensa, mas
vamos abanar este estudo para outro
momento. Conforme ressaltei, o direito do trabalho ia muito bem até a crise,
agora, como dar efetividade do direito
do trabalho no momento como este em
que cerca de um milhão de trabalhadores, somente este ano, perderam o
emprego. Para ser preciso novecentos
e oitenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e nove trabalhadores até agosto,
102
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
e neste mesmo mês, foram extintas oitenta e seis mil, quinhentos e quarenta e três vagas formais no mercado, foi
o quinto mês seguido de resultado negativo na questão do emprego formal.
Sobre esta matéria, a sessão de dissídios coletivos do TST proferiu umas
de suas mais marcantes decisões, sob
a relatoria do Ministro Maurício Godinho Delgado. Participei do julgamento
deste processo, na época, eu compunha a sessão de dissídios coletivos do
tribunal. Ainda não se concluiu o julgamento deste processo, porque houve o reconhecimento de repercussão
geral, portanto, ele está aguardando
julgamento de mérito, é o tema 638
da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal.
Retomamos então, a questão da dispensa coletiva, tendo como objeto de
estudo a dispensa coletiva como figura jurídica. A dispensa individual envolve muitos trabalhadores ou mesmo
um grupo de trabalhadores sem esta
característica de dispensa coletiva. O
primeiro problema é definir o que caracteriza uma dispensa coletiva ou em
massa. Podemos questionar qual o número de dispensas proporcionalmente
ao quadro da empresa caracteriza uma
dispensa em massa. Demissões feitas,
por exemplo, em momentos diferentes de um determinado período configurariam esta modalidade de ruptura do contrato. A razão da dificuldade
é que a matéria não está regulada no
nosso direito positivo, nós temos uma
regulação sobre a dimensão individual,
mas nada positivado, salvo agora, com
a nova medida provisória que aborda
vagamente a questão.
Orlando Gomes conceituou o fenômeno da dispensa coletiva como uma rescisão simultânea. Para ele é a decisão
simultânea por motivo único de uma
pluralidade de contraste de trabalho
numa empresa sem substituição dos
empregados dispensados. Esta conceituação, a meu ver, é insuficiente, pois
dispensas em grupos, se forem repartidas no tempo, são coletivas. A empresa dispensa mil empregados em uma
semana, cem na outra e depois mais
cem, isto é dispensa coletiva, se formos seguir a conceituação de Orlando Gomes não seria, porque ela fala
da rescisão simultânea. Se a dispensa é dada, por exemplo, com o objetivo de reduzir a folha de pagamentos
com substituição dos empregados dispensados por outros com salário menor, que é comum, também não seria
dispensa coletiva, para ele a dispensa
coletiva é aquela que se dá sem substituição dos empregados. Por isto, eu
considero a conceituação dele insuficiente e, mesmo que trouxéssemos
vários doutrinadores para este debate, não conseguiríamos esgotar este
conceito. Conforme dizia o professor
Amílcar de Castro, o direito como toda ciência tem que transformar toda
a sua matéria em conceitos; se não temos conceitos, fica muito difícil lidar
com a matéria.
Nós não temos lei que trata do silêncio normativo, por isto, surgem as dificuldades, até mesmo, de conceituação
deste fenômeno e acaba sendo transferido para o poder judiciário a in gló-
103
Márcio Eurico Vitral Amaro
ria tarefa, digamos assim, de esculpir
uma solução para o problema. Eu desconheço as críticas que são muito bem
fundamentadas, sobre este fenômeno
da judicialização, ou se preferir errado, da juridificação que é exatamente
esta transferência para o poder judiciário das questões que por sua natureza deveriam ser tratadas pelas instâncias políticas tradicionais, como o
caso do legislativo.
Como diz o Ministro Luís Roberto Barroso, este fenômeno da jurisidificação
– muito bem lembrado em um artigo
de Rayneider Brunelli de Oliveira Fernandes – possui três causas: a redemocratização do país, com a Constituição de 1988 que fortaleceu a sociedade
civil, o que ele chama de constitucionalização abrangente, que trouxe para o âmbito da Constituição matérias
que antes estavam relegadas à legislação infraconstitucional; o direito do
trabalho que foi, praticamente, constitucionalizado, como pode ser visto no
Artigo VII da Constituição; e o forte controle de constitucionalidade brasileiro mesclando os sistemas concentrados e difusos. Estas são as causas desta
transferência para o judiciário, não só
o silêncio normativo, mas todos estes
fenômenos também de cunho jurídico que ocorreram no Brasil.
Certo é que, seria ingenuidade esperar
que a legislação pudesse dar conta de
todas as questões em face do dinamismo das relações sociais trabalhistas
que pudessem envolver estas relações
no direito do trabalho. Há uma inércia
muito grande no legislativo que precisa ser corrigida com a criação de nor-
mas efetivas de proteção contra a dispensa. Na comunidade europeia hoje,
por exemplo, a matéria está toda regulada no que eles chamam de diretivas
da União Europeia. São normas gerais
que devem ser observadas por todos os
estados membros da União Europeia, e
que, protegem o trabalhador mesmo em
situação de crise, nós vimos isto agora, é claro que como eu disse, vai muito bem até acontecer uma crise muito
acentuada, como foi na Grécia. Mas podemos observar que em países como
na Espanha, em Portugal e em outros,
estas diretivas vinham dando conta
não de impedir as dispensas, mas de
normatizá-las e impedir os efeitos nefastos com criação de indenização ou
com mecanismos de controle destas
demissões. Portanto, todas as dispensas na União Europeia que são consideradas coletivas devem ser submetidas
a uma autoridade administrativa que
estão, também, sujeitas ao controle do
próprio judiciário. Se o judiciário entender que aquelas dispensas são infundadas, não há apenas, como aqui,
o pagamento ou condenação numa indenização, mas a nulidade, a anulação
destas dispensas.
Em alguns países como Holanda e França, mesmo antes da criação destas diretivas na União Europeia, já tratavam
disto muito claramente. No direito português consta no código do trabalho a
proteção contra dispensa em massa.
Na Itália, a Lei n° 223 de 1991 passou
a regulamentar estas dispensas coletivas, e assim por diante. No Brasil, o
que há são apenas, parece-me, duas
portarias sem nenhuma força coerci-
104
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
tiva, são recomendações do Ministério
do Trabalho a respeito desta questão.
Agora, com a Medida provisória 680
que criou este programa de proteção
ao emprego, até muito criticado, possibilita a adesão. A empresa tem que
aderir a este programa, ele não é uma
norma de aplicação abrangente, imperativa. Segundo li esta semana, só
três ou quatro empresas aderiram até
agora ao programa. Isto quer dizer que
não funciona se não tiver também uma
interatividade, mas já é um começo.
No entanto, as empresas com dificuldades econômicas e financeiras que
aderirem a este programa poderão, por
exemplo, reduzir jornada e na mesma proporção ou proporcionalmente,
reduzir salários. Redução da jornada
com redução de salário só é permitido
às empresas que aderirem a este chamado PPE, que é Programa de Proteção
ao Emprego. Não vou me alongar nesta questão da justificativa desta judicialização da matéria, pois, ela encontra respaldo na quadra atual do direito
brasileiro, nesta função criadora da jurisprudência, também muito criticada como sintoma de ativismo judicial.
Ouvimos isto a todo o momento, mas
se a jurisprudência ante este silêncio
normativo não atuar, nós não teremos
nada a respeito de nada.
Deter-me-ei em uma decisão da SDC,
que foi um marco importante na regulação desta questão. O caso a que
me refiro, envolvia a empresa Embraer, esta em fevereiro de 2009 demitiu,
sumariamente, 4.273 empregados de
uma só vez, cerca de 20% do seu quadro de empregados. O TRT começou a
questão, porque a Embraer está a sob
a jurisdição dele, o TRT da 15ª Região.
Houve uma decisão bastante inovadora, foram invocados princípios jurídicos ali, especialmente relacionados
à proteção do trabalhador. O regional
concluiu que dispensas coletivas não
poderiam ser aceitas, salvo quando observados certos requisitos, entre os quais
a negociação. Então, a dispensa coletiva só mediante negociação coletiva,
nós não temos nada disto na lei, até
então, não tínhamos nada disto. Isto
foi criado pelo TRT da 15ª Região, é negociação coletiva para impedir as dispensas, apesar de sabermos que nem
sempre é possível, ao menos tenta suavizar os efeitos destas dispensas.
Na parte dispositiva desta decisão o
TRT de Campinas declarou as demissões abusivas, mas não determinou a
reintegração dos empregados, e isto
era o que os empregados pretendiam.
A reparação limitou-se ao pagamento de uma indenização de duas vezes
o valor do aviso prévio até determinado limite, a manutenção do plano
de saúde dos empregados e preferência na contratação se novas contratações viessem a serem feitas no prazo
de dois anos. Ambas as partes recorreram, a Embraer pretendendo a descaracterização da abusividade desta dispensa, e os empregados pretendendo
afastar a motivação apresentada de ordem econômica. Tenho a ementa desta decisão do TST, o processo veio com
recurso de ambas as partes. A sessão
de dissídios coletivos do TST firmou
aquela tese de que a dispensa coleti-
105
Márcio Eurico Vitral Amaro
va só pode acontecer mediante negociação coletiva.
A SDC resolveu modular o efeito desta
decisão, porque entendeu que até em
nome da segurança jurídica não seria
possível declarar a nulidade daquelas
demissões feitas pela Embraer, mas ela
conferiu uma eficácia prospectiva decisão, dizendo que, esta necessidade
de negociação coletiva deveria ser observada em casos futuros. Apesar de
tudo, foi um marco importante na formatação da jurisprudência sobre este
tema, depois desta, já tivemos outras
tantas. Outros tribunais regionais e o
próprio TST já se pronunciaram, sempre fixando esta premissa de que sem
negociação coletiva não é possível a
dispensa em massa, inclusive, há decisão com condenação das empresas
de indenização por dano moral coletivo no caso de dispensa em massa. A
importância da jurisprudência na extensão desta proteção é que as próprias
empresas sabendo qual será a solução
judicial, já se previnem para não fazerem como a Embraer.
Esta semana, foi publicado no jornal,
que a Espanha, após uma dispensa em
números significativos, acordou a redução de salário para evitar mais dispensas e celebrou um acordo coletivo garantindo, por um ano, o emprego para
seus empregados até 2016. Vê-se ante
o silêncio da lei, a omissão do legislativo em regular a matéria. A jurisprudência tem desempenhado seu papel,
no sentido de, se não evitar, ao menos
diminuir as perdas dos trabalhadores
em face das dispensas em massa.
106
6
Enquadramento
Sindical:
Unicidade, Unidade
Pluralidade na
Agroindústria
107
Guilherme Augusto Caputo Bastos
ENQUADRAMENTO
SINDICAL: UNICIDADE,
UNIDADE E PLURALIDADE
NA AGROINDÚSTRIA
Guilherme Augusto Caputo Bastos*
*Presidente da Academia Nacional de Direito Desportivo; Ministro do Tribunal
Superior do Trabalho e Conselheiro do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.
108
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
I. INTRODUÇÃO
O direito à livre associação profissional ou sindical é assegurado pela Constituição Federal em seu artigo 8º. A liberdade sindical, assim, apresenta-se
como um direito fundamental inerente ao homem.
O mesmo dispositivo, contudo, manteve, em seu inciso II, o sistema da unicidade sindical, que restringe a ideia de
liberdade sindical plena, tão aclamada na Convenção nº 87 da Organização
Internacional do Trabalho, porquanto
não autorizadas formas distintas de
criação das entidades representativas,
a não ser por categoria profissional ou
econômica, com base territorial não
inferior a um município.
Observa-se, assim, que a Constituição
Federal consagrou dois princípios basilares do Direito Coletivo do Trabalho
– liberdade e unicidade sindical -, cuja
convivência deve ser perseguida pelo
intérprete, em atenção à regra de hermenêutica pela qual se afirma que as
partes da Constituição Federal são interdependentes e o sentido é extraído do
conjunto das normas que a compõem
(princípio da unidade constitucional).
A Consolidação das Leis do Trabalho,
por sua vez, cuida do tema relativo ao
enquadramento sindical em seu Capítulo II, nos termos dispostos nos artigos 570 e seguintes, que, em verdade,
também se revelam limitativos no que
tange ao princípio de liberdade sindical. Tais dispositivos, aliás, serão objeto de análise em capítulo próprio.
Com efeito, a jurisprudência contemporânea firmou-se no sentido de que as
normas da CLT que tratam do enquadramento sindical retromencionado
foram recepcionadas pela Constituição Federal. Dessa forma, prevalece a
diretriz de que não compete às partes
a opção quanto à entidade sindical a
que se filiarão, uma vez dominante a
regra de que o enquadramento segue
a atividade essencialmente desempenhada na empresa, à exceção das categorias diferenciadas.
Adentrando-se à esfera da matéria atinente ao enquadramento sindical do
setor da agroindústria, esta se encontrava disciplinada nos termos da Súmula nº 57 do Tribunal Superior do Trabalho, cancelada no ano de 1993. Embora
tratasse, especificamente, da questão
alusiva aos trabalhadores agrícolas das
usinas de açúcar, a determinação servia como referência para todo o setor
agroindustrial.
De acordo com o referido verbete sumular, os trabalhadores agrícolas das
agroindústrias sucroalcooleiras eram
integrantes da categoria profissional de
industriários, sendo, então, contemplados pelos aumentos normativos obtidos pela mencionada categoria.
Esse entendimento prevaleceu nos julgados do Tribunal Superior do Trabalho até a edição da Orientação Jurisprudencial nº 419 da SBDI-1. O que se
observa é que os preceitos impostos
na antiga Súmula nº 57 não se mostraram suficientes para a elucidação
109
Guilherme Augusto Caputo Bastos
de todos os questionamentos decorrentes de sua aplicação aos casos concretos, mormente no que tange à discussão alusiva ao momento em que
as atividades agrícolas deixariam de
ser consideradas rurais, tornando-se,
pois, industriais, em face do tratamento conferido à matéria-prima.
Ademais, muito se discutiu acerca da
qualidade urbana ou rural do empregado, para fins de reconhecimento da
prescrição aplicável, considerando-se
a antiga redação do artigo 7º, XXIX, da
Constituição Federal, que conferia tratamento distinto aos trabalhadores, de
acordo com a mencionada subdivisão
quanto à natureza. Os julgados oriundos de tal controvérsia serviram como
precedentes à forma pela qual a matéria é abordada atualmente, tanto no
tocante ao prazo prescricional, como
também (e, talvez, de maneira infeliz)
com relação aos aspectos específicos
da representação sindical.
De fato, com o cancelamento da mencionada Súmula nº 57 e edição da Orientação Jurisprudencial nº 419, o novo
entendimento, então, consagrado, embora advindo do debate relativo à definição da prescrição aplicável, adentrou à esfera da representação sindical
dos trabalhadores, porquanto foram
identificados como rurícolas os empregados que, a despeito da atividade desempenhada, prestam serviços
a empregador agroindustrial. Referida classificação, no entanto, é polêmica, conforme se pretende demonstrar
em capítulo próprio.
Nesse caso, é a atividade preponderante da empresa que implica o reconhecimento do obreiro como trabalhador
urbano ou rural, sendo irrelevante, para tanto, a análise das peculiaridades
das atividades exercidas pelo empregado. Sendo assim, se uma determinada
agroindústria se enquadra no contexto de empresa rural, seus respectivos
trabalhadores integrarão a categoria
correspondente, ainda que desempenhem atividades totalmente distintas
daquelas tipicamente rurais, ou pertençam à categoria diferenciada.
Com efeito, tal entendimento tem sido
embasado no disposto na Lei nº 5.889/73
e no Decreto nº 73.626/ 1974. Isso porque o artigo 3º, § 1º, da mencionada lei
inclui como atividade agroeconômica
a exploração industrial em estabelecimento agrário não compreendido na
CLT, enquanto o artigo 2º, § 4º, do supracitado decreto define o que vem a
ser exploração industrial em estabelecimento agrário.
Da mesma forma, a Orientação Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1 enquadra
como trabalhador rural o motorista que
labora no âmbito de empresa cuja atividade é essencialmente rural, uma
vez que não estaria sujeito ao trânsito das estradas e cidades.
Observa-se, todavia, que o entendimento atual, consubstanciado nas Orientações Jurisprudenciais nos 315 e 419,
vem refletindo gravemente na representação sindical dos trabalhadores
das agroindústrias e, também, daqueles
que se ativam na área dos transportes
e que, embora integrantes de catego-
110
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
ria diferenciada, encontram-se, atualmente, classificados como rurícolas.
Em que pese se reconheça a intenção de
se proteger o direito dos trabalhadores
e de se viabilizar a segurança jurídica
das relações trabalhistas, revelam-se
inúmeros os problemas e prejuízos advindos em face da jurisprudência consolidada, sendo, pois, manifesta e urgente a necessidade de sua adequação.
II. UNICIDADE, UNIDADE E
PLURALIDADE SINDICAL
A organização sindical pode ser configurada por meio de várias formas
estruturais, o que será definido pela
legislação aplicável. Vigora no Brasil,
desde a década de 1930, o sistema da
unicidade sindical, nos termos do qual
não se admite a existência de mais de
uma unidade sindical representante
da mesma categoria em uma mesma
base territorial.
Em breve análise dos aspectos históricos inerentes ao tema, tem-se que
a Lei Sindical correspondente ao Decreto nº 19.770/1931, que regulava a
sindicalização das classes patronais e
operárias à época, condicionava o reconhecimento de uma associação como
sindicato àquela que reunisse o maior
número de associados.
Posteriormente, a Constituição Federal
de 1934 instituiu o modelo do pluralismo e da autonomia sindical. O ideal de pluralidade durou pouco e, com
o advento da Constituição Federal de
1937, que instituiu o modelo sindical
corporativista, as entidades representativas dos trabalhadores realizavam
suas atividades como atribuições delegadas do Estado, embora se sustentasse a suposta ideia de liberdade sindical,
prejudicada pelo regime da unicidade,
então vigente.
Na mesma linha, a Consolidação das
Leis do Trabalho, de 1943, dispôs, em
seu artigo 516, vigente até os dias de
hoje, que “Não será reconhecido mais de
um Sindicato representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial”.
A Constituição Federal de 1946, por
sua vez, fez prevalecer o ideal sindical corporativista, bem como o princípio da unicidade sindical, sendo, contudo, pioneira quanto à instituição do
direito de greve.
A Constituição Federal de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969 privilegiaram a liberdade sindical, de modo que
os sindicatos poderiam ser livremente
criados, para a representação dos interesses de seus associados e exercício de demais atividades, mesmo que
delegadas pelo Estado.
A Constituição Federal de 1988 firmou,
em caráter definitivo, o princípio da
unicidade sindical. Além disso, exaltou
o critério da liberdade, que abrange a
criação de sindicato, a filiação e o desligamento, abolindo, ainda, a obrigatoriedade de reconhecimento do sindicato pelo Ministério do Trabalho como
condição de sua existência.
Observa-se, todavia, que, em contradição ao entendimento consubstanciado
no caput e no inciso I de seu artigo 8º,
no sentido de que é livre a associação
profissional ou sindical, sendo, pois,
111
Guilherme Augusto Caputo Bastos
vedada a interferência e a intervenção do Poder Público na organização
sindical, a Constituição Federal acabou por restringir o exercício de referida liberdade, consoante se observa
no inciso II, do mencionado dispositivo, in verbis:
“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o
seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação
de sindicato, ressalvado o registro
no órgão competente, vedadas ao
Poder Público a interferência e a
intervenção na organização sindical;
II - é vedada a criação de mais
de uma organização sindical, em
qualquer grau, representativa de
categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial,
que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à
área de um Município.”
A mesma restrição pode ser observada no artigo 516 da CLT, a seguir:
“Art. 516 - Não será reconhecido mais de um Sindicato representativo da mesma categoria
econômica ou profissional, ou
profissão liberal, em uma dada
base territorial.”
Nesse contexto, extrai-se o conceito de
unicidade sindical, correspondente ao
sistema em que se admite o reconhecimento de um único sindicato representante de uma categoria para cada
base territorial que, conforme determina a Constituição Federal, não po-
de ser inferior a um município. Impera, assim, o regime de monopólio de
representação em um limite mínimo
geográfico, restringindo-se, de tal sorte, a plena liberdade sindical.
Nessa modalidade, a representação
exercida pelos sindicatos ocorre de maneira compulsória e decorre de determinação legal, nos termos do dispositivo constitucional supratranscrito. A
unicidade sindical impede que o trabalhador detenha o poder de preferência quanto ao sindicato pelo qual
pretenderia ser representado. O mesmo caráter compulsório é observado
no tocante ao recolhimento da contribuição ou imposto sindical, destinado
ao custeio do sistema confederativo.
Dessa forma, não poderá existir mais
de uma organização sindical representativa de categoria profissional ou econômica, em idêntica base territorial,
que será definida pelos trabalhadores
que a compõe, desde que não inferior
à área de um município.
Com efeito, embora contemple a valorização da negociação coletiva, o direito de greve do trabalhador e a vedação
da ingerência estatal nos sindicatos, o
sistema adotado no Brasil não se coaduna com os preceitos contidos na
Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho, na qual se prevê
a proteção ao direito sindical e ampla
e real liberdade de representação. Extrai-se de seu artigo 2º:
112
“Artigo 2°. Trabalhadores e
empregadores, sem distinção de
qualquer espécie, terão o direito
de constituir, sem prévia autori-
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
zação, organizações de sua própria escolha e, sob a única condição de observar seus estatutos, a
elas se filiarem.”
sendo admitida a opção de coexistência de mais de um sindicato da mesma profissão, em um determinado limite geográfico.
Assim, diferentemente do que se observa no Brasil, a Organização Internacional do Trabalho assegura aos trabalhadores e empregadores a livre opção
quanto ao critério pelo qual intentam
promover a organização sindical, o que
inclui os aspectos relativos à empresa,
à categoria, à profissão, entre outros.
Viabiliza, ainda, a escolha quanto ao
espaço geográfico da representação e
admite a diversidade quanto à adoção
do sistema sindical, seja ele relativo ao
princípio da unidade ou da pluralidade, de modo facultativo.
Dessa forma, no contexto da unidade, mesmo sendo autorizada a pluralidade sindical, é plenamente possível
que uma categoria seja representada
por apenas um sindicato, a depender
da vontade das partes que, livremente, optam pela composição de um único organismo, no intuito de torná-lo
mais forte.
Em outras palavras, os termos dispostos
na referida convenção permitem que
trabalhadores e empregadores constituam organizações que entendam ser
convenientes, sendo-lhes assegurada
a liberdade de filiação, sem autorização prévia. Ademais, prima-se pelo livre funcionamento de tais entidades,
independentemente da ingerência do
poder público.
A doutrina estabelece a distinção conceitual dos termos unicidade e unidade sindical. Em suma, o que diferencia as duas modalidades de sistema é
a forma de sua configuração.
Conforme já mencionado, a unicidade decorre de uma determinação legal. A unidade sindical, por sua vez,
deriva da vontade dos sindicatos (e,
por conseguinte, de seus integrantes)
de se unirem para constituição de um
único ente representativo, mesmo lhes
A unidade sindical, assim, consiste na
representação única de certa coletividade de trabalhadores ou de empregadores, como consequência da escolha
voluntária dos interessados. Pode decorrer de um sistema de sindicalização
livre ou obrigatória, neste quando não
há o direito individual de não aderir ao
sindicato. Ressalte-se que no âmbito
de um sistema livre de sindicalização,
a modalidade em foco se coaduna com
o conceito de liberdade sindical constante da Convenção nº 87 da OIT.
Já a ideia de pluralidade sindical está
relacionada à hipótese em que se reconhece a possibilidade de existência
de mais de uma entidade sindical, sem
restrições quanto à base territorial, para a mesma coletividade de trabalhadores ou atividades, uma vez constatado o interesse comum. Ressalte-se
que a base territorial pode até mesmo ser uma empresa ou um estabelecimento. Referido regime, atualmente, é adotado na maioria dos países e
se contrapõe ao sistema da unicidade, por permitir que a representação
113
Guilherme Augusto Caputo Bastos
ocorra sem o caráter compulsório inerente a este.
Cumpre salientar que a pluralidade sindical não é imposta pela Convenção nº
87 da OIT, mas sim compreendida como uma faculdade, que decorrerá do
interesse dos trabalhadores e empregadores. Da mesma forma, a escolha
da unidade sindical também não contraria o disposto na referida convenção, uma vez considerada a vontade
dos interessados.
Arnaldo Sussekind, em sua obra “Direito Constitucional do Trabalho”, preconiza que na maioria dos países há
pluralidade de direito e de fato, como
nos casos de França, Itália e Espanha.
Ressalta que, em alguns, é facultada
a pluralidade sindical, mas em virtude da conscientização dos trabalhadores, vigora, de fato, a unidade de representação, sendo exemplos Alemanha
e Reino Unido. Destaca, ainda, que, em
outros países, o monopólio de representação sindical é imposto por lei, como ocorre no Brasil, na Colômbia e no
Peru e que, na Argentina, há pluralidade sindical, mas sendo conferida tão
somente a um sindicato a personalidade gremial para negociar como representante do grupo.
específicas, conforme discriminado no
Quadro de Atividades e Profissões a
que se refere o artigo 577 ou segundo
as subdivisões que, de acordo com o
artigo 576, forem criadas pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.
Sabe-se que a segunda parte do artigo
570 não mais se coaduna com a Constituição Federal vigente.
Há dúvidas doutrinárias acerca da recepção pela Constituição de 1988 do
supracitado Quadro de Atividades e
Profissões previsto no artigo 577, ante a vedação constitucional de interferência do Estado nas organizações
sindicais e o fato de o enquadramento
obrigatório não ser compatível com o
princípio de liberdade sindical. Majoritariamente, contudo, entende-se que
referido dispositivo é compatível com
a Constituição Federal.
Com efeito, indene de dúvidas que o
sistema sindical do país é demarcado
por categorias e, nesse sentido, ensina Amauri Mascaro Nascimento, em
“Compêndio de Direito Sindical”:
III. ASPECTOS GERAIS DO ENQUADRAMENTO SINDICAL
O tema em estudo encontra-se disciplinado no Capítulo II da CLT (artigo
570 e seguintes).
Nos termos do artigo 570 da CLT, os sindicatos deverão ser constituídos por categorias econômicas ou profissionais
114
“Na prática, fala-se em categoria como um grupo organizado ou
inorganizado em sindicato, de trabalhadores ou de empregadores,
da mesma atividade, trabalho ou
setor da economia: a indústria, o
comércio, a prestação de serviços,
a propriedade rural, e suas inúmeras subdivisões; por estarem
nesse exercício, seus integrantes
passam a ter interesses comuns,
de natureza econômica ou profissional.
Portanto, sindicato por categoria é o que representa os trabalha-
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional.
§ 3º Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos
empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas
por força de estatuto profissional
especial ou em consequência de
condições de vida singulares.(...)”
dores de empresas de um mesmo
setor de atividade produtiva ou
prestação de serviços. As empresas do mesmo setor, por seu lado,
formam a categoria econômica
correspondente.”
Acrescente-se que o artigo 511 da CLT
dispõe ser lícita associação para fins
de defesa e coordenação dos interesses econômicos ou profissionais, exigindo, para tanto, que as atividades ou
profissões sejam idênticas, similares
ou conexas. Os §§ 1º, 2º e 3º do mencionado dispositivo trazem os conceitos
das categorias existentes, quais sejam,
econômica, profissional e profissional
diferenciada, nos termos transcritos
a seguir:
“Art. 511. É lícita a associação
para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos
os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente,
a mesma atividade ou profissão
ou atividades ou profissões similares ou conexas.
§ 1º A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo
social básico que se denomina categoria econômica.
§ 2º A similitude de condições
de vida oriunda da profissão ou
trabalho em comum, em situação
de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades
econômicas similares ou conexas,
Vale lembrar que no caso de categoria profissional diferenciada, o enquadramento sindical não leva em consideração a atividade preponderante
na empresa, de modo que o respectivo profissional será representado pelo sindicato de sua própria categoria,
desde que a empresa empregadora tenha participado da negociação coletiva. Nesse sentido, a Súmula nº 374 do
Tribunal Superior do Trabalho:
“NORMA COLETIVA. CATEGORIA DIFERENCIADA. ABRANGÊNCIA (conversão da Orientação
Jurisprudencial nº 55 da SBDI-1) Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
Empregado integrante de categoria profissional diferenciada
não tem o direito de haver de seu
empregador vantagens previstas
em instrumento coletivo no qual a
empresa não foi representada por
órgão de classe de sua categoria.”
Quanto às demais categorias, o enquadramento segue a regra atinente à atividade preponderante da empresa, observando-se, sempre, a base territorial
do ente representativo, nos termos do
artigo 517 da CLT, in verbis:
115
“Art. 517. Os sindicatos poderão ser distritais, municipais, in-
Guilherme Augusto Caputo Bastos
termunicipais, estaduais e interestaduais. Excepcionalmente, e
atendendo às peculiaridades de
determinadas categorias ou profissões, o ministro do Trabalho,
Indústria e Comércio poderá autorizar o reconhecimento de sindicatos nacionais.
§ 1º O ministro do Trabalho,
Indústria e Comércio, outorgará
e delimitará a base territorial do
sindicato.
§ 2º Dentro da base territorial
que lhe for determinada é facultado ao sindicato instituir delegacias ou secções para melhor
proteção dos associados e da categoria econômica ou profissional
ou profissão liberal representada.”
O conceito de atividade preponderante, por sua vez, encontra-se expresso
no artigo 581, § 2º, da CLT:
“§ 2º. Entende-se por atividade
preponderante a que caracterizar
a unidade de produto, operação
ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades
convirjam, exclusivamente em regime de conexão funcional.”
Na esfera rural, especificamente, o enquadramento sindical do trabalhador
decorre do enquadramento de seu empregador, consoante disposto na Lei nº
5.889/73. Dessa forma, se na empresa
predomina o desempenho da atividade rural, tal fato implicará o reconhecimento da condição de rurícola aos
respectivos empregados, mesmo que
estes não exerçam atividades tipicamente rurais, como pode ocorrer no
caso das agroindústrias.
As peculiaridades dessa espécie de enquadramento serão analisadas a seguir.
IV. ENQUADRAMENTO SINDICAL RURAL
– ANÁLISE CONTEXTUAL NA AGROINDÚSTRIA – PRESCRIÇÃO
A Constituição Federal consagrou os
princípios da liberdade e da autonomia sindicais na organização das entidades representativas, nos termos de
seu artigo 8º, I, impondo, no entanto,
as restrições relativas à unicidade sindical, à sindicalização por categoria e
à base territorial mínima de município. Caberá ao Ministério do Trabalho e
Emprego proceder ao registro sindical,
em atenção ao princípio da unicidade.
Nesse sentido, a Súmula nº 677 do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
“Súmula 677. Até que lei venha
a dispor a respeito, incumbe ao
Ministério do Trabalho proceder
ao registro das entidades sindicais
e zelar pela observância do princípio da unicidade.”
Nesse contexto, o enquadramento sindical rural também é tutelado com base em critérios que atentam contra o
ideal de liberdade sindical plena prenunciada na Convenção nº 87 da OIT.
De fato, o aspecto legal objetivo considerado para fins de enquadramento sindical, urbano ou rural, no direito
trabalhista brasileiro consiste na atividade preponderante do empregador,
exceto no caso de integrante de categoria diferenciada, nos termos dos artigos 511 e 581, §§ 1º e 2º da CLT.
Com efeito, a Lei nº 5.889, de 08 de junho de 1973, que estatui normas regu-
116
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
ladoras do trabalho rural, estabelece,
em seus artigos 2º e 3º, os conceitos de
empregado e empregador rurais, nos
seguintes termos:
“Art. 2º Empregado rural é toda
pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta
serviços de natureza não eventual
a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.
Art. 3º - Considera-se empregador, rural, para os efeitos desta Lei, a pessoa física ou jurídica,
proprietário ou não, que explore
atividade agro-econômica, em caráter permanente ou temporário,
diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados.
§ 1º Inclui-se na atividade econômica, referida no "caput" deste
artigo, a exploração industrial em
estabelecimento agrário não compreendido na Consolidação das
Leis do Trabalho.
§ 2º Sempre que uma ou mais
empresas, embora tendo cada
uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de
outra, ou ainda quando, mesmo
guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico
ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de
emprego.”
corresponde à pessoa física ou jurídica que, em prédio rústico, explore atividade agroeconômica, o que inclui a
exploração industrial em estabelecimento agrário.
Os dispositivos acima transcritos permitem concluir que o enquadramento
sindical do trabalhador rural opera-se
em função da atividade agroeconômica desempenhada pelo empregador, e
não pela natureza do serviço prestado.
De tal sorte, a título de exemplo, os trabalhadores que se ativam para empregador rural, como tratoristas, pintores,
carpinteiros, motoristas, auxiliares de
escritório, técnicos de laboratório, soldadores, operadores de caldeira, entre
outras atividades, em âmbito de propriedade rural ou prédio rústico, serão
considerados rurícolas, em razão da
atividade preponderante da empresa.
Como visto, nos termos da Lei nº 5.889/73,
também pode ser considerado empregador rural aquele que promove a exploração industrial em estabelecimento
agrário, nos termos de seu artigo 3º, § 1º.
Discute-se, todavia, a questão do enquadramento sindical no âmbito das
agroindústrias, onde há tanto atividades rurais quanto industriais envolvidas. A controvérsia advém do disposto
no Decreto nº 73.626/1974, regulamentador da Lei nº 5.889/73, o qual, em seu
artigo 2º, §§ 3º a 5º, preconiza:
Assim, considera-se empregado rural
a pessoa física que, em prédio rústico,
mediante dependência e a percepção
de salário, preste serviço a empregador
rural. Empregador rural, por sua vez,
117
“Art. 2º Considera-se empregador rural, para os efeitos deste
Regulamento, a pessoa física ou
jurídica, proprietária ou não, que
explore atividade agro-econômica, em caráter permanente ou
Guilherme Augusto Caputo Bastos
temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de
empregados.(...)
§ 3º Inclui-se na atividade econômica referida no caput, deste
artigo, a exploração industrial em
estabelecimento agrário.
§ 4º Consideram-se como exploração industrial em estabelecimento agrário, para os fins do
parágrafo anterior, as atividades
que compreendem o primeiro tratamento dos produtos agrários in
natura sem transformá-los em sua
natureza, tais como:
I - o beneficiamento, a primeira modificação e o preparo dos
produtos agropecuários e hortigranjeiros e das matérias-primas
de origem animal ou vegetal para
posterior venda ou industrialização;
II - o aproveitamento dos
subprodutos oriundos das operações de preparo e modificação dos
produtos in natura, referidas no
item anterior.
§ 5º Para os fins previstos no §
3º não será considerada indústria
rural aquela que, operando a primeira transformação do produto
agrário, altere a sua natureza, retirando-lhe a condição de matéria
-prima.”
Tal como ocorre nas usinas de canade-açúcar, nas indústrias rurais a atividade econômica é mista, uma vez
exercida em âmbitos distintos, que se
materializam em atos propriamente
agrícolas, que envolvem o plantio e a
colheita, e em atos industriais, nos quais
se verifica a primeira transformação do
produto agrário, que altera a sua natureza, retirando-lhe a condição de matéria prima, conforme disposto no § 5º
do artigo 2º, supratranscrito.
Atualmente, o Tribunal Superior do
Trabalho posiciona-se no sentido de
que o empregado de uma agroindústria, a exemplo do que ocorre nas usinas de cana-de-açúcar enquadra-se,
em regra, como trabalhador rural, em
face da atividade econômica preponderante do empregador agroindustrial.
É o que se extrai da Orientação Jurisprudencial nº 419 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, do
Tribunal Superior do Trabalho, transcrita a seguir:
“ENQUADRAMENTO.
EMPREGADO QUE EXERCE ATIVIDADE
EM EMPRESA AGROINDUSTRIAL.
DEFINIÇÃO PELA ATIVIDADE PREPONDERANTE DA EMPRESA. (DEJT
divulgado em 28 e 29.06.2012 e
02.07.2012)
Considera-se rurícola empregado que, a despeito da atividade
exercida, presta serviços a empregador agroindustrial (art. 3º, §
1º, da Lei nº 5.889, de 08.06.1973),
visto que, neste caso, é a atividade preponderante da empresa que
determina o enquadramento.”
Na mesma linha, em que se considera para a definição do enquadramento sindical rural a atividade essencial
da empresa, as Orientações Jurisprudenciais nos 38 e 315 da SBDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho, in verbis:
118
“38. EMPREGADO QUE EXERCE
ATIVIDADE RURAL. EMPRESA DE
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
REFLORESTAMENTO. PRESCRIÇÃO
PRÓPRIA DO RURÍCOLA. (LEI Nº
5.889, DE 08.06.1973, ART. 10, E DECRETO Nº 73.626, DE 12.02.19/74,
ART. 2º, § 4º) (inserido dispositivo) - DEJT divulgado em 16, 17 e
18.11.2010
O empregado que trabalha em
empresa de reflorestamento, cuja
atividade está diretamente ligada
ao manuseio da terra e de matéria-prima, é rurícola e não industriário, nos termos do Decreto n.º
73.626, de 12.02.1974, art. 2º, § 4º,
pouco importando que o fruto de
seu trabalho seja destinado à indústria. Assim, aplica-se a prescrição própria dos rurícolas aos
direitos desses empregados.”
“315. MOTORISTA. EMPRESA.
ATIVIDADE PREDOMINANTEMENTE RURAL. ENQUADRAMENTO
COMO TRABALHADOR RURAL (DJ
11.08.2003)
para trabalhadores urbanos e rurais
era distinto.
Ou seja, os acórdãos paradigmas que
levaram à edição do mencionado verbete tinham como objeto principal a
definição do prazo prescricional que
deveria ser aplicado aos empregados
exercentes das funções de motoristas
em empresas rurais, assim, a retroação
dos cinco anos à ação ajuizada dentre
os dois anos da rescisão contratual ou
a ausência de termo a quo.
Isso porque, somente após a promulgação da Emenda Constitucional nº
28/2000, a prescrição aplicável para
trabalhadores urbanos e rurais passou a ser tratada de maneira igualitária, em face da alteração do artigo 7º
da Constituição Federal, nos seguintes termos:
“Art 1º. O inciso XXIX do art. 7º
da Constituição Federal passa a
vigorar com a seguinte redação:
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de
trabalho, com prazo prescricional
de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite
de dois anos após a extinção do
contrato de trabalho;"
É considerado trabalhador rural o motorista que trabalha no âmbito de empresa cuja atividade é preponderantemente rural, considerando que, de
modo geral, não enfrenta o trânsito
das estradas e cidades.”
Interessante ressaltar que o entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 315, editada no
ano de 2003, adveio de reiterados julgados que equiparavam os motoristas
de empresas, cuja atividade é preponderantemente rural, aos trabalhadores rurais para fins de prescrição, uma
vez que, até o ano de 2000 (quando foi
promulgada a Emenda Constitucional
nº 28), o prazo prescricional aplicado
Convém salientar que a origem da Orientação Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1
pautou-se no julgamento de ações propostas antes de maio de 2000, quando
ainda vigente o artigo 233 da Constituição Federal de 1988, o qual desafiava o embate no que tange à aplicação
da prescrição, sendo, posteriormente,
revogado pela Emenda Constitucional
nº 28/2000.
119
Guilherme Augusto Caputo Bastos
Dessa forma, a análise do contexto jurisprudencial, diante do qual se firmaram as determinações da orientação
em foco, permite concluir que o objetivo pacificador revelava-se através
da consolidação do entendimento no
sentido de que os efeitos prescricionais aplicados aos motoristas que laboravam em empresas rurais seriam
similares aos dos trabalhadores rurais
propriamente ditos, estabelecendo-se,
assim, a distinção quanto ao prazo a
ser observado para os casos que envolviam trabalhadores urbanos.
Vale citar alguns dos precedentes que
ensejaram o surgimento do referido
verbete jurisprudencial:
“MOTORISTA. EMPRESA RURAL.
ENQUADRAMENTO COMO RURÍCOLA. PRESCRIÇÃO. É considerado
rurícola o motorista que trabalha
no âmbito de empresa cuja atividade é preponderantemente rural,
considerando que, de modo geral,
presta seus serviços no campo,
não enfrentando o trânsito das
estradas. Consequentemente, a
prescrição aplicável é a do art. 7º,
inciso XXIV, alínea "b", da Constituição da República. Recurso de
Embargos não conhecido.” (RR 520086-29.1998.5.17.5555 Data de
Julgamento: 01/04/2002, Relator
Ministro: João Batista Brito Pereira, Subseção I Especializada em
Dissídios Individuais, Data de Publicação: DJ 19/04/2002);
“EMPRESA DE REFLORESTAMENTO. MOTORISTA. PRESCRIÇÃO PRÓPRIA DO RURÍCOLA. Este
Tribunal tem entendido, no julga-
120
mento de dissídios coletivos, que
os motoristas de atividade rural
não são considerados categoria
diferenciada porque não trabalham, de um modo geral, nas estradas, enfrentando o trânsito,
mas trabalham no âmbito da própria empresa, o que é plenamente
possível num país onde as propriedades rurais são muito grandes, não lhes sendo aplicáveis as
normas próprias dos motoristas.
Embargos não conhecidos.” (E-RR
- 583301-96.1999.5.15.5555 Data de
Julgamento: 08/10/2001, Relator
Ministro: Rider de Brito, Subseção
I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DJ
26/10/2001);
“MOTORISTA. EMPRESA RURAL.
ENQUADRAMENTO. PRESCRIÇÃO.
1. O enquadramento do empregado como trabalhador rural ou
urbano faz-se pelo princípio da
atividade preponderante da empresa a quem este presta serviços.
2. Assim sendo, na hipótese ora
em exame, por ser o Reclamante
motorista de empresa rural, a ele
são aplicáveis as regras previstas
para os trabalhadores rurais, pouco importando o fato de pertencer
a categoria profissional diferenciada. 3. Revista parcialmente conhecida, mas desprovida.” (E-RR
- 582999-67.1999.5.15.5555 Data
de Julgamento: 24/05/2000, Relator Ministro: Francisco Fausto,
3ª Turma, Data de Publicação: DJ
16/06/2000).
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Ocorre que, a despeito da temática abordada em seus precedentes, a redação
da orientação jurisprudencial em foco
adentrou à esfera do enquadramento
sindical, embora este não tenha sido,
especificamente, o objeto da discussão.
Com efeito, a inserção do termo “enquadramento” à redação da Orientação Jurisprudencial nº 315 gerou dúvidas quanto à sua interpretação, no
que diz respeito à correta representação sindical dos trabalhadores do ramo dos transportes rodoviários que se
ativam no âmbito de empresas rurais.
O que acontece, na prática, é que o posicionamento consolidado no Tribunal
Superior do Trabalho induz à modificação do enquadramento sindical dessa
classe de motoristas, que deixam de integrar categoria diferenciada, tornando-se, pois, efetivos rurícolas.
Em consequência, a representação sindical passa a ocorrer por meio de organizações sindicais rurais que não
guardam qualquer identidade com a
categoria, comprometendo, assim, a
efetividade das negociações coletivas
e a conquista dos direitos e despertando a necessidade de reflexão e possível revisão quanto ao teor do mencionado verbete.
Em que pesem tais considerações, o disposto na Orientação
Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1
ainda prevalece nos julgamentos
do Tribunal Superior do Trabalho,
consoante se verifica a seguir:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM
RECURSO DE REVISTA. ENQUADRAMENTO SINDICAL. HORAS IN
121
ITINERE. HORAS EXTRAS - TURNO
ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. Recurso de revista que não
merece admissibilidade em face
da aplicação das Súmulas nos 126
e 333 e da Orientação Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1 desta Corte,
bem como porque não ficou configurada a alegada ofensa aos artigos 8º, inciso II, da Constituição
Federal, 511, §§ 1º, 2º e 3º, e 570 da
CLT e 3º, § 1º, da Lei nº 5.889/73,
pelo que, não infirmados os fundamentos do despacho denegatório do recurso de revista, mantémse a decisão agravada por seus
próprios fundamentos. (...)” (AIRR
- 1192-56.2013.5.15.0070, Data de
Julgamento: 04/02/2015, Relator
Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/02/2015);
“RECURSO DE REVISTA. ENQUADRAMENTO COMO TRABALHADOR RURAL. PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. I - Nos termos da Orientação
Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1
do TST -é considerado trabalhador rural o motorista que trabalha no âmbito de empresa cuja
atividade é preponderantemente
rural, considerando que, de modo
geral, não enfrenta o trânsito das
estradas e cidades.- II - Tratandose de pretensões de trabalhador
rural que reclama direitos relativos a contrato de trabalho que se
encontrava em curso à época da
promulgação da Emenda Constitucional nº 28, de 26/05/2000, com
o ajuizamento da demanda den-
Guilherme Augusto Caputo Bastos
tro do prazo de 5 anos a contar da
promulgação da Emenda Constitucional nº 28, não há prescrição
total ou parcial a ser declarada
(Orientação Jurisprudencial nº 417
da SBDI-1 do TST). III - Recurso
de revista conhecido e provido.
(...)” (RR - 18000-51.2002.5.15.0029,
Data de Julgamento: 18/12/2013,
Relator Ministro: Fernando Eizo
Ono, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/01/2014);
“AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. ENQUADRAMENTO SINDICAL. TURNOS
ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. A análise das alegações recursais encontra óbice na Súmula nº
126 do TST, visto que o Tribunal
Regional, com base no exame da
prova dos autos, entendeu que a
atividade da empresa era preponderantemente rural (Orientação
Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1
desta Corte), razão pela qual enquadrou o reclamante como empregado rural; e que as convenções coletivas condicionavam a
validade dos horários estabelecidos para os turnos ininterruptos
de revezamento a prévio comunicado ao sindicato profissional
para que, através de assembleia
geral, os trabalhadores interessados deliberassem a respeito, o que
não foi efetivado. Agravo a que
se nega provimento.” (Ag-AIRR
- 170-93.2010.5.06.0271 Data de
Julgamento: 14/11/2012, Relator
Ministro: Pedro Paulo Manus, 7ª
122
Turma, Data de Publicação: DEJT
19/11/2012);
“ENQUADRAMENTO
COMO
RURÍCOLA. MOTORISTA. Decisão
recorrida em sintonia com o entendimento consubstanciado na
Orientação Jurisprudencial nº 315
da SBDI-1 desta Corte. Recurso de
revista não conhecido. (...)” (RR 43700-96.2004.5.15.0081 Data de
Julgamento: 17/08/2011, Relatora
Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª
Turma, Data de Publicação: DEJT
19/08/2011.);
“ENQUADRAMENTO DAS ATIVIDADES EXERCIDAS PELO EMPREGADO DE USINA DE AÇÚCAR.
CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO
URBANO OU RURAL. PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. EXTINÇÃO DO
CONTRATO ANTERIORMENTE À
PUBLICAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 28/2000. 1. Sendo
agroindustrial a atividade econômica desenvolvida pela empregadora, patente o enquadramento do obreiro como empregado
rurícola. Aplicação da Orientação
Jurisprudencial n.º 315 da SBDI-I
do Tribunal Superior do Trabalho.
2. Extinto o contrato de emprego
em data anterior à entrada em
vigor da Emenda Constitucional
n.º 28/2000, o prazo prescricional incidente na espécie é aquele previsto na Lei n.º 5.889/1973,
vigente à época da extinção do
pacto laboral. 3. Recurso de revista
de que não se conhece. (...)” (RR 148600-27.1998.5.15.0054 Data de
Julgamento: 13/04/2011, Relator
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª
Turma, Data de Publicação: DEJT
29/04/2011).
Posteriormente, com o advento da Orientação Jurisprudencial nº 419, o enquadramento sindical rural dos trabalhadores que se ativam perante uma empresa
predominantemente rural formalizouse ainda mais, porquanto, a partir de
então, até mesmo aqueles que laboram no setor agroindustrial passaram
a ser considerados rurícolas. Para tanto, pouco importa a atividade exercida,
sendo a representação sindical determinada pela função essencial exercida na empresa.
Assim como no caso da Orientação Jurisprudencial nº 315, as decisões paradigmas que culminaram na implementação da Orientação Jurisprudencial nº
419 também tinham como objeto principal a questão atinente à prescrição
diferenciada, que beneficiava os trabalhadores rurais antes da promulgação
da Emenda Constitucional nº 28/2000.
A questão do enquadramento foi analisada apenas para possibilitar a apreciação da arguida prejudicial de mérito.
Eis alguns dos precedentes que levaram à origem do verbete jurisprudencial em foco:
“ENQUADRAMENTO.
TRABALHADOR RURAL. CRITÉRIO PARA
DEFINIÇÃO. USINA DE CANA-DE
-ACÚCAR. PRESCRIÇÃO. Para o
enquadramento do empregado
como trabalhador urbano ou rural é irrelevante a análise das peculiaridades da atividade por ele
exercida, devendo-se observar a
atividade preponderante do em-
123
pregador. Recurso de Embargos
de que se conhece e a que se dá
provimento.” (E-ED-RR - 6360016.2002.5.15.0120 Data de Julgamento: 02/02/2012, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira,
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 24/02/2012);
“(...) PRESCRIÇÃO. EMPREGADO
DE USINA DE AÇÚCAR. VIGILANTE. ENQUADRAMENTO. Entende
este Relator que, de acordo com
a Lei 5.889/73, na hipótese de indústria açucareira, haveria transformação da matéria prima, o que
implica dizer que não existiria atividade agroeconômica, com base
no Decreto 73.626/74 que a regulamenta. No entanto, esta Subseção, no julgamento do processo
97000-84.2003.5.15.0120, na sessão
de 6/10/2011, entendeu, por expressiva e persuasiva maioria, que
o fator determinante para qualificar o empregado como urbano
ou rural é a atividade econômica
exercida pelo empregador de forma preponderante e que, no caso
da usina de açúcar, prevaleceria
a atividade agroeconômica. No
citado precedente, a Turma havia
desconsiderado o critério baseado no Decreto 73.626/74, adotado
pelo TRT, para decidir, pela vez
primeira naquele processo, que
o destilador de usina açucareira,
por sê-lo, era rurícola. Causa finita. Assim e ressalvado entendimento pessoal, conclui-se que o
autor é empregado rural, devendo
Guilherme Augusto Caputo Bastos
ser mantida a prescrição prevista, à época, no art. 7º, inciso XXIX,
alínea -b-, da Constituição Federal. Recurso de embargos conhecido e não provido.” (E-AIRR e RR
- 17800-33.2000.5.15.0120 Data de
Julgamento: 01/12/2011, Relator
Ministro: Augusto César Leite de
Carvalho, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data
de Publicação: DEJT16/12/2011)
“(...)ENQUADRAMENTO
DO
RECLAMANTE COMO RURÍCOLA
E PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. Consoante o entendimento pacificado na iterativa jurisprudência
desta C. Corte, em que pese ser
o empregado de categoria diferenciada de usina de açúcar,
enquadra-se como trabalhador
rural em decorrência de sua atividade. De conseguinte, aplica-se
a prescrição própria do rurícola.
Recurso de embargos conhecido e desprovido. (...)” (E-ED-RR 84600-67.2005.5.15.0120 Data de
Julgamento: 28/06/2011, Relator
Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga,
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 01/07/2011);
“PRESCRIÇÃO. RURÍCOLA. 1.
Reputa-se urbano ou rurícola o
empregado pelo critério da atividade econômica preponderante
do empregador, salvo categoria diferenciada. 2. Ante os termos dos
artigos 2º e 3º da Lei nº 5.889/73,
considera-se empregado rural
toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a
empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.
Por sua vez, tem-se como empregadora rural a pessoa física ou jurídica que explore atividade agroeconômica, inexistindo exigência
legal de desempenho pelo obreiro
de típica atividade rural ou em
prédio rústico. 3. É rurícola o empregado que desenvolve a função
de "motorista" em prol de empresa que se dedica à silvicultura e à
agropecuária. Não se lhe aplica,
assim, a prescrição de que cuida
o artigo 7º, inciso XXIX, "a", da
Constituição Federal, em sua antiga redação. 4. Embargos conhecidos e não providos, no particular.” (RR - 744521-35.2001.5.15.5555
Data de Julgamento: 09/12/2003,
Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Subseção I Especializada
em Dissídios Individuais, Data de
Publicação: DJ 06/02/2004).
Cumpre salientar, a propósito, que entre os anos de 1974 e 1993, o enquadramento sindical dos trabalhadores
agroindustriais seguia as determinações contidas na cancelada Súmula nº
57, que, então, preconizava:
124
“Súmula nº 57 - TRABALHADOR RURAL (cancelamento mantido) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e
21.11.2003
Os trabalhadores agrícolas das
usinas de açúcar integram categoria profissional de industriários,
beneficiando-se dos aumentos
normativos obtidos pela referida
categoria.”
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Com o cancelamento do referido verbete sumular, no ano de 1993, a jurisprudência trabalhista rendeu-se a
transformações que, posteriormente,
materializaram-se a partir da edição
da criticada Orientação Jurisprudencial nº 419.
Com efeito, diversas entidades representativas pleiteiam junto ao Tribunal
Superior do Trabalho o cancelamento e/ou revisão das Orientações Jurisprudenciais nos 315 e 419 da SBDI-1.
No que tange à primeira, sustentam
que o ramo do agronegócio é caracterizado pela ampla mecanização e que
a análise histórica indica que os respectivos trabalhadores sempre foram
representados por entes sindicais específicos dos rodoviários. Ressaltam,
ainda, que os sindicatos rurícolas não
detém a força necessária para a negociação coletiva da categoria diferenciada.
Com relação à segunda, tomam por base o argumento de violação da Lei nº
5.589/73, ante o fato de a agroindústria
promover a transformação da matéria-prima, o que caracterizaria, pois, o
exercício de atividade industrial, que
se traduz em necessidade de representação própria.
Os termos constantes na Orientação
Jurisprudencial nº 419, não obstante a
evidente necessidade de revisão, ainda prevalecem no âmbito da Tribunal
Superior do Trabalho, consoante se observa nos julgados transcritos a seguir:
“(...) ENQUADRAMENTO. RURAL. EMPREGADOR AGROINDUSTRIAL. Este Tribunal consolidou
o entendimento de que deve ser
125
enquadrado como trabalhador
rural aquele que presta serviço a
empregador agroindustrial, nos
termos da Orientação Jurisprudencial nº 419 da SBDI-1 do TST.
Assim, merece reforma o acórdão
recorrido que enquadrou o autor,
mecânico de máquinas agrícolas, como trabalhador urbano, a
despeito de laborar em empresa
agroindustrial. Recurso de revista
conhecido por violação do artigo 3º da Lei nº 5.889/73 e provido.
Recurso de revista parcialmente
conhecido e provido.” (RR - 5790083.2007.5.15.0120 Data de Julgamento: 27/05/2015, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra
Belmonte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/05/2015);
“RECURSO
DE
EMBARGOS.
AUXILIAR DE FARMÁCIA. EMPREGADO DE AGROINDUSTRIA.
CONTRARIEDADE À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 419 DA
C. SDI. PRESCRIÇÃO APLICÁVEL.
Sendo o empregado prestador de
serviços para empresa agroindustrial, independentemente da
atividade exercida, será enquadrado como rurícola, incidindo
a prescrição própria, nos termos
da Orientação Jurisprudencial
419 da c. SDI. Embargos conhecidos e providos.” (E-ED-ED-RR 31100-90.2004.5.09.0669 Data de
Julgamento: 09/04/2015, Relator
Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga,
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 17/04/2015);
Guilherme Augusto Caputo Bastos
“EMPREGADO RURAL. ENQUADRAMENTO SINDICAL. INAPLICABILIDADE DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA DOS INDUSTRIÁRIOS QUE
SUPRIME O DIREITO ÀS HORAS
IN ITINERE. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 419 DA SDI-1. O
eg. TRT limitou-se a retratar tese
no sentido de que as negociações
dos industriários, juntadas pela
reclamada, não se aplicam ao autor, empregado rural, nos termos
da Orientação Jurisprudencial nº
419 da SDI-1, sem adentrar na
análise das normas coletivas dos
industriários que suprimiram o
direito às horas in itinere. Não se
verifica, esse contexto, ofensa ao
art. 7º, XXVI, da CF. Recurso de
revista não conhecido.” (RR - 74949.2013.5.18.0191, Data de Julgamento: 13/05/2015, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª
Turma, Data de Publicação: DEJT
15/05/2015)
“(...) ENQUADRAMENTO SINDICAL. TRABALHADOR RURAL.
USINA DE CANA-DE-ACÚCAR.
ATIVIDADE PREPONDERANTE DO
EMPREGADOR. HORAS IN ITINERE. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido
de que o empregado de usina de
cana-de-açúcar enquadra-se, via
de regra, como trabalhador rural,
em face da atividade econômica
preponderante do empregador
(agroindustrial). No caso em análise, conquanto a egrégia Corte
Regional tenha se respaldado na
natureza da atividade desenvolvi-
da pelo empregado para enquadrá
-lo como rurícola (motorista, cujas
funções estão ligadas diretamente
com a produção agrícola), depreende-se dos demais elementos
consignados no v. acórdão regional que a reclamada é uma usina
de cana de açúcar, que tem por
atividade preponderante a agroindustrial. Desse modo, ainda que
por fundamento diverso, deve ser
mantido o enquadramento do reclamante como trabalhador rural,
de modo que não se lhe aplicam as
normas coletivas invocadas pela
reclamada, aplicáveis aos industriários. Aplicação da Orientação
Jurisprudencial nº 419 da SBDI-1.
Precedentes da SBDI-1 e de Turmas, inclusive envolvendo a mesma reclamada. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
(...)” (AIRR - 4777-91.2011.5.18.0171
, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de
Julgamento: 21/05/2014, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT
30/05/2014).
No que tange ao enquadramento sindical próprio da agroindústria e, especificamente, na órbita da indústria
sucroalcooleira, o aperfeiçoamento
jurisprudencial, ainda que no intuito de assegurar os direitos dos trabalhadores, vem ocasionando diversos
transtornos à respectiva coletividade.
Ademais, embora se firmando sobre a
premissa que vincula o enquadramento à atividade principal da empresa, o
posicionamento hoje aplicado opõese à construção doutrinária, jurispru-
126
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
dencial e legislativa alcançada historicamente.
Com efeito, a Súmula nº 196 do Supremo Tribunal Federal, desde 1963, dispõe
sobre a questão de forma diametralmente oposta aos termos constantes
da Orientação Jurisprudencial nº 419,
senão vejamos:
“Súmula 196 - Ainda que exerça
atividade rural, o empregado de
empresa industrial ou comercial é
classificado de acordo com a categoria do empregador.”
Referido posicionamento, inclusive, se
coaduna com as determinações contidas na antiga e cancelada Súmula nº
57 do Tribunal Superior do Trabalho,
já transcrita.
Conforme já abordado, o § 5º do artigo
2º do Decreto nº 73.626/74 prevê que:
“Para os fins previstos no § 3º,
não será considerada indústria
rural aquela que, operando a primeira transformação da matéria-prima, altere a sua natureza,
retirando-lhe a condição de matéria-prima.”
Vale esclarecer que, consoante os ensinamentos de Orlando Gomes e Elson Gottschalk, “a indústria rural típica
é a da primeira transformação da matéria
-prima, que não lhe acrescente uma utilidade capaz de atender ao amplo e habitual consumo.
Nesses termos, entende-se que a indústria rural típica é aquela que desenvolve atividades que abrangem
o primeiro tratamento dos produtos
agrários in natura, sem que, para tanto, haja transformação em sua natu-
reza. Apenas nesse contexto tem-se
uma agroindústria passível de ser gerida por um típico empregador rural,
por se equiparar a atividade agroeconômica.
De modo contrário, considera-se industrial, passível de caracterizar o
empregador como urbano, a atividade econômica que requer o processo
de transformação e de alteração da natureza da matéria-prima.
Vale ressaltar, ainda, que, nos termos
da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.071, de 15 de setembro de 2010, “Agroindústria é a pessoa jurídica cuja atividade econômica seja
a industrialização de produção própria ou
de produção própria e adquirida de terceiros”. O conceito é imprescindível para
fins de arrecadação das contribuições
sociais do setor.
Nessa seara, a indústria sucroalcooleira, enquanto espécie do gênero agroindústria, é, essencialmente, industrial
e não rural, ante o fato de suas atividades serem desenvolvidas a partir da
transformação da matéria-prima em
outros produtos. A tipicidade industrial é inequívoca, tendo em vista a alteração da matéria-prima, que lhe retira a natureza. No caso específico em
foco, isso se materializa pelo processo de transformação da cana-de-açúcar que visa à produção final de álcool e açúcar.
De fato, a usina de açúcar exerce o plantio e a colheita da cana, não para destiná-la à venda in natura, pertinente à
atuação do fornecedor, de modo que,
127
Guilherme Augusto Caputo Bastos
a este sim, deverá ser atribuído o caráter rural.
Diante disso, tem-se que a Orientação Jurisprudencial nº 419, em verdade, não encontra respaldo nas determinações contidas na Lei nº 5.889/73 e
no Decreto nº 73.626/74, que consideram rurais os trabalhadores que laboram em atividade agroindustrial. Referida classificação deve ser limitada à
hipótese em que o empregador desenvolva, tão somente, a primeira transformação da matéria-prima, que não
altera a sua natureza, conservandolhe a condição primária in natura animal ou vegetal.
Ademais, observa-se que, a partir do
momento em que se tornaram igualitários os efeitos prescricionais que
atingem os trabalhadores urbanos e rurais, os reais fundamentos que embasaram a Orientação Jurisprudencial nº
419 deixaram de existir. Dessa forma,
o aludido verbete deixou de ser necessário no cenário jurídico trabalhista.
Aliás, a sobrevida de tal entendimento irá agravar a situação de conflito representativo, diante do qual os sindicatos rurais se consideram aptos para
a defesa dos interesses dos empregados de todo o setor agroindustrial, enquanto os sindicatos dos industriários
e motoristas pugnam pela representatividade das respectivas categorias.
Mesmo que se reconheça que a atividade de uma agroindústria nem sempre seja puramente industrial, vislumbra-se como solução mais apropriada,
ainda em atenção ao critério que vincula o enquadramento sindical à ati-
vidade preponderante da empresa,
considerar como industriários os trabalhadores que, independentemente
da atividade desenvolvida, se ativam
em agroindústria que tenha como foco a transformação de matéria-prima,
que resulta em alteração de sua natureza. Modificar-se-ia, assim, o teor do
disposto na Orientação Jurisprudencial nº 419.
Por coerência, o destino da Orientação
Jurisprudencial nº 315 seria o cancelamento, levando-se em consideração
o fato de que esta também decorreu
de precedentes nos quais se discutia,
fundamentalmente, a prescrição aplicável e não o devido enquadramento sindical.
Outrossim, cumpre salientar que o citado verbete confronta com o disposto na Súmula nº 117 do Tribunal Superior do Trabalho, nos termos da qual:
“Súmula nº 117 - BANCÁRIO.
CATEGORIA DIFERENCIADA (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e
21.11.2003
Não se beneficiam do regime
legal relativo aos bancários os empregados de estabelecimento de
crédito pertencentes a categorias
profissionais diferenciadas.
O disposto na súmula supratranscrita
autoriza que motoristas do banco não
sejam considerados bancários, ante a
premissa de integrarem categoria profissional diferenciada, de modo a não
seguirem o enquadramento pela regra
da atividade preponderante. É o que se
verifica no aresto transcrito a seguir:
128
“RECURSO DE REVISTA. ENQUA-
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
denação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos
os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente,
a mesma atividade ou profissão
ou atividades ou profissões similares ou conexas.
(...)
§ 3º Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos
empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas
por força de estatuto profissional
especial ou em consequência de
condições de vida singulares.”
DRAMENTO COMO BANCÁRIO MOTORISTA. A decisão recorrida
encontra-se em sintonia com a
jurisprudência consubstanciada
na Súmula nº 117 do TST. Recurso
de revista de que não se conhece.
(...).” (RR – 14520-21.2004.5.02.0044,
Data de Julgamento: 16/06/2010,
Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 5ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 28/06/2010).
A fundamentação do acórdão relativo à ementa acima é ainda mais clara ao integrar o motorista à categoria
profissional diferenciada, em atenção
ao disposto no artigo 511, § 3º, da CLT.
Eis a transcrição de um pequeno trecho correspondente:
“(...) O empregado que exerce
a função de motorista integra categoria profissional diferenciada
e faz jus aos direitos previstos no
instrumento normativo atinente
a essa categoria, independentemente da atividade econômica
preponderante da empresa, segundo os termos do § 3º do art.
511 da CLT.
Estabelecida a premissa fática
pelo Tribunal Regional, de que o
reclamante era motorista, categoria diferenciada, constata-se que
a decisão recorrida encontra-se
em sintonia com a jurisprudência consubstanciada na Súmula
nº 117 do TST (...).” (sem grifos no
original).
O mencionado artigo 511, § 3º, da CLT,
por sua vez, preconiza:
“Art. 511. É lícita a associação
para fins de estudo, defesa e coor-
De fato, em virtude das condições de
vida singular, os motoristas sempre foram caracterizados como integrantes
de categoria específica, o que se consolidou com o advento das Leis nos
12.619/2012 e 13.103/2015 e a criação
de um estatuto profissional especial.
Impende salientar que o artigo 4º do
Decreto nº 73.626/74 autoriza a aplicação do artigo 511 da CLT nas relações de trabalho rural. Dessa forma,
não há impedimento para o reconhecimento de categoria diferenciada em
tal meio, sendo plenamente possível
que os motoristas de empresas rurais,
ainda que pouco sujeitos ao trânsito
de rodovias, sejam enquadrados em
categoria própria.
Com efeito, tem-se que a premissa atinente à atividade preponderante prevista nos artigos 577 e 579 da CLT é perfeitamente compatível ao que se xzz,
respectivamente, desde que também
aplicada a exceção à regra, no que tan-
129
Guilherme Augusto Caputo Bastos
ge ao enquadramento destinado à categoria diferenciada.
V. CONCLUSÃO
Diante das considerações expostas, é
possível concluir que as contradições
constitucionais que levaram à restrição do exercício da liberdade sindical
no Brasil, em dissonância ao que reza
a Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho, culminaram
no cenário atual, em que se revela compulsória a representação de um trabalhador ou empregador por um único e determinado sindicato, em face
do princípio da unicidade então prevalecente.
Em prosseguimento, constatou-se que,
como regra, o enquadramento sindical
é inerente à atividade preponderante
da empresa, à exceção da hipótese de
categoria diferenciada.
A evolução jurisprudencial sobre o enquadramento sindical rural perpassa
pelos entendimentos consubstanciados na Súmula nº 57, atualmente cancelada e nas Orientações Jurisprudenciais nos 38, 315 e 419 da SBDI-1.
As duas últimas tiveram como paradigmas reiterados julgados em que se
discutiam os aspectos prescricionais
diferenciados aplicados aos trabalhadores urbanos e rurais em momento anterior à promulgação da Ementa Constitucional nº 28/2000.
Nos referidos precedentes, contudo,
não houve discussão sobre o correto
enquadramento sindical, embora o texto de ambos os verbetes jurisprudenciais tenha acarretado a interpretação,
até então prevalecente no âmbito do
Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de que são considerados rurícolas
os empregados, inclusive motoristas,
que prestam serviços para as empresas rurais, ainda que estas se tratem
de agroindústrias.
Com a insurgência de diversas entidades sindicais que reivindicam a revisão
ou cancelamento das Orientações Jurisprudenciais nos 315 e 419, em busca do adequado enquadramento sindical dos motoristas de empresas rurais
e dos empregados que prestam serviços a agroindústrias, torna-se evidente
a necessidade do debate que culmine
em aperfeiçoamento jurisprudencial.
Apesar da intenção de se viabilizar a
segurança jurídica das relações e assegurar os direitos dos trabalhadores,
nota-se que a jurisprudência incita situação inversa. De tal sorte, revela-se
flagrante a necessidade de se solucionar a controvérsia alusiva ao conflito
sindicais decorrentes da interpretação literal dos mencionados verbetes.
Resta, assim, aguardar a decisão do Tribunal Pleno da Corte Superior trabalhista, após possível apresentação de propostas de revisão e/ou cancelamento
das Orientações Jurisprudenciais nos
315 e 419, as quais, nos moldes atuais,
destoam da finalidade maior do ordenamento jurídico trabalhista, atrelada
ao princípio da proteção e ao da segurança jurídica.
130
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
VI. BIBLIOGRAFIA
GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson.
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Paulo: LTr, 1984.
SUSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. LTr. São Paulo. 1999.
131
Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga
Enquadramento
Sindical: Unicidade,
Pluralidade na
Agroindústria
Maurício de Figueiredo
Corrêa da Veiga*
*Procurador Geral do Superior Tribunal de Justiça
Desportiva; Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF; Avogado, formado pela Universidade Católica de Petrópolis; Membro da Academia
Nacional de Direito Desportivo, do IBDD e da Escola
Superior da Advocacia da AATDF.
132
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Cumprimento o Ministro Roger Stiefelmann, presidente da mesa, ao excelentíssimo Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, em nome de quem se
estende o cumprimento a todas as autoridades presentes. Agradeço ao Ministro Ives Gandra Martins Filho pelo
convite para participar deste II Seminário Internacional de Direito do Trabalho, evento cuja temática polêmica
e atual envolve a justiça brasileira do
trabalho e foi debatida com entusiasmo pelos ilustres ministros do Tribunal Superior do Trabalho com participação de conferencistas de Portugal
e Espanha.
Os temas debatidos como o dano moral, critérios de sua fixação, a terceirização, a questão das novas relações
de trabalho e a pejotização são aqueles pertencentes à justiça do trabalho
e, principalmente, ao TST - que tem a
função constitucional de uniformizar
a jurisprudência trabalhista nacional.
Outro ponto de debate são os limites
da autonomia negocial coletiva - jurisprudência do TST e do STF, que é
uma análise comparativa entre as cortes superiores.
Reitero a satisfação pelo convite e pela honra da presença e por trazer uma
mensagem acerca de um tema tão interessante e polêmico como é o enquadramento sindical na agroindústria; e
a alegria de dividir a mesa com o Ministro Guilherme Caputo Bastos, presidente da academia nacional de direito
esportivo, parceiro de diversas mesas
em congressos para tratar de temas li-
gados ao direito trabalhista desportivo.
É muito oportuno que nesta ocasião o
assunto seja o direito do trabalho, para
evitar qualquer tipo de mal-entendido, pois não seria prudente nenhuma
colocação acerca de direito desportivo após a vitória do Vasco no final de
semana.
Priorizando o tema proposto, o enquadramento sindical, colocado com bastante propriedade pelo Ministro Guilherme Caputo, trouxe todo esse arcabouço
histórico dos princípios constitucionais
que dão origem a esse regramento da
questão sindical envolvendo o direito brasileiro. No agronegócio, há uma
questão sui generis, já mencionada,
OJ 315, que diz respeito ao enquadramento de motorista; OJ 419, que fala
do enquadramento sindical como rurícola daquele que trabalha no campo,
e essa orientação jurisprudencial que
teria como finalidade precípua a uniformização da jurisprudência e a pacificação das relações de trabalho. Ela
tem um conteúdo paradoxal: representa um verdadeiro retrocesso, é uma
fonte de litigiosidade porque, ao invés
de promover essa uniformização, incentiva e promove o litígio, tanto aqueles de ações individuais, quanto aqueles em questões de disputas sindicais.
Quanto a esta questão, a OJ 419 prevê
o enquadramento do empregado que
exerce atividade em empresa agroindustrial, definição pela atividade preponderante na empresa. Considera-se
rurícola o empregado que, a despeito da atividade exercida, presta servi-
133
Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga
ços a empregador agroindustrial, Artigo 3º, parágrafo primeiro da lei 5.889,
de 08 de junho de 1973; visto que neste caso é atividade preponderante da
empresa que determina o enquadramento. Ontem, em sua palestra, o Ministro Claudio Brandão falou sobre as
questões da evolução nas relações de
trabalho no mundo do trabalho tendo em vista as inovações tecnológicas, os meios telemáticos que fazem
com que a jurisprudência tenha que,
necessariamente, estar em constante
evolução e aprimoramento para poder
se adequar à realidade.
Quando o assunto diz respeito ao enquadramento sindical, vive-se um
retrocesso, porque na orientação jurisprudencial 419 é revelado um entendimento totalmente diverso daquele que até então era adotado pelo
próprio TST no que se refere ao enquadramento dos trabalhadores das
empresas agroindustriais, antes consolidado na súmula 57, já abordada pelo Ministro Caputo, e que era mantido
conforme várias decisões proferidas
pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho. Embora essa já tenha sido cancelada, ainda assim em várias decisões
do TST prevaleceu o entendimento de
manter os trabalhadores do setor industrial das empresas agroindustriais
enquadrados na categoria dos trabalhadores da indústria.
A OJ 419 fixa como critério para enquadramento do trabalhador a identificação da atividade preponderante
da empresa em contraposição à corrente defendida antes na súmula 57 e
também, depois, de seu cancelamento
pelo próprio TST. Na súmula 57, o elemento definidor da distinção deveria
ser a natureza dos serviços prestados
pelo trabalhador, devendo ser o fator
preponderante porque a atividade rural é primária, que é a produção animal e vegetal.
Há que se considerar que, partindo da
primeira alteração do produto, a atividade que prepondera não é mais a
rural, que se extingue com a colheita
ou com a extração da matéria prima.
A partir do momento que há transformação da matéria prima, não há como tratar o empregado como se fosse
rurícola. Esta é a característica da primeira transformação da matéria prima, adotada pela OJ 419 como critério
diametralmente oposto; eis o porquê
da crítica em relação ao verbete jurisprudencial.
Esta transformação da matéria prima
descaracteriza a atividade como rurícola. Os implementos industriais para transformação do produto oriundo
da área rural estão cada vez mais complexos por fatores econômicos e, por
essa razão, exigem profissionais especializados, que não se enquadram
no perfil do trabalhador rural. Isso faz
com que os ajustes coletivos de trabalho próprios dos rurais cuidam de garantias outras que definitivamente se
chocam com uma regra geral objetiva
sem contemplar estas especificidades.
O mesmo se dá com as categorias diferenciadas, os profissionais que comandam a mecanização dos equipamentos agrícolas são hoje, por exemplo,
profissionais ligados à área de TI e que
por razões elementares não podem ser
134
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
considerados como rurícolas. Há também aquela pessoa responsável por dirigir o trator, a colheitadeira, que é um
equipamento extremamente complexo, operado por joystick, com mecanismo de alta complexidade e que precisa de um conhecimento técnico para
que seja operado. Em razão da Jurisprudência que prevalece no Tribunal
Superior do Trabalho, tanto o operador
de colheitadeira, quanto o técnico de
enfermagem que trabalha na fazenda – trabalhadores que têm uma formação profissional de acordo com sua
atividade e formação - são enquadrados como rurícolas.
Ouso dizer que tal enquadramento é
injusto porque não corresponde à qualificação técnica daquele profissional
que tem ali um sindicato, uma entidade de classe muito mais representativa, com outros anseios; e muitas vezes, mais atuante e combativa que o
sindicato rural, que, de acordo com o
TST, será o legítimo representante daquele profissional no exercício daquela atividade.
Além desta questão, que por si só já parece ser intransponível, há uma questão
técnica - já mencionada pelo Ministro
Guilherme Caputo – feita pela Receita
Federal no Brasil ao disciplinar as normas gerais de tributação previdenciária de arrecadação das contribuições
sociais destinadas à previdência, que
é a conceituação da agroindústria como pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produtos, prontos ou de produção própria
adquirida de terceiros.
Levando-se em consideração a melhor
compreensão e a análise dos entendimentos jurisprudenciais proferidos,
ao longo do tempo, pelo Tribunal Superior do Trabalho, que enumerou os
argumentos fundamentadores do enquadramento sindical no setor. A publicação da Lei 5.889/73 trouxe uma
alteração do paradigma, inserido pelo
Artigo 7º, Alínea B, da CLT, concedendo status de empregador rural àqueles que não tinham empresas que desenvolvessem exploração industrial,
estabelecimento agrário não compreendido na consolidação das leis do trabalho. A regulamentação desse novo
conceito que veio com a edição do decreto 73.626, de 1974, estabeleceu em
seu artigo segundo, parágrafo quarto,
que o estabelecimento agrário, explorador da atividade industrial desenvolve atividades que compreendem
o primeiro tratamento dos produtos
agrários in natura. Nesta questão, o decreto trouxe de forma exemplar a definição do rurícola, ou seja, aquele que
trabalha até a primeira transformação
da matéria prima.
Em momento posterior, ainda em
1974, o TST publicou a súmula 57, firmando entendimento que os trabalhadores agrícolas das usinas de açúcar integram categoria profissional de
industriários, beneficiando-se dos aumentos normativos obtidos pela referida categoria; assim, os empregados
das usinas de açúcar se beneficiariam
dos instrumentos coletivos da categoria industrial, o que para eles era muito mais vantajoso. O verbete jurisprudencial 419, que hoje está em vigor,
135
Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga
consegue fazer uma verdadeira proeza de desagradar tanto aos empregados quanto aos empregadores; talvez
seja o único verbete junto à OJ 315 que
tenha a façanha de desagradar ambas
as categorias.
A súmula 57 foi cancelada pelo TST e
os empregados das usinas de açúcar
foram inseridos nas categorias dos rurícolas, beneficiados, a época, por preceitos mais flexíveis. O fundamento
principal, talvez o único, foi a questão
da prescrição, porque para o rurícola
o ajuizamento não tinha prescrição,
era imprescritível; senão você concedia um benefício, um tratamento para
resguardar esse trabalhador que prestava o seu serviço em local de difícil
acesso, para evitar que os seus direitos fossem fulminados pela prescrição.
O que foge à compreensão é que, após
a promulgação da emenda constitucional já mencionada, que igualou os
trabalhadores urbanos e rurais no tocante à prescrição e alterou o artigo sétimo inciso 29 da Constituição Federal;
o TST reconheceu como empregados
rurais aquele que exerce atividade rural para empresa de reflorestamento e
motoristas de empresas cuja atividade
preponderante seja rural. A rigor, nas
OJ 38 e 315 não há conflito entre a prevalência do critério da atividade preponderante e a ideia incorporada pela legislação e doutrinas pátrias; pelo
contrário, elas se harmonizam no sentido pelo qual o enquadramento sindical faz-se pela atividade preponderante da empresa, conforme estabelecem
os artigos 577 e 579 da CLT; não sendo
novidade, portanto.
Mesmo após o cancelamento da súmula 57, a Sessão de Dissídios Individuais (SDI) do TST, diante de todos
esses elementos, de todas essas abordagens feitas até aqui, estendeu embargos para o enquadramento como empregado rural, soldador, cana de açúcar,
usina e agroindústria. Há que se diferenciar o trabalhador da agroindústria,
se trabalha no campo e na agricultura é considerado rural; se trabalha no
processo de industrialização, é considerado industriário. A veneranda decisão assevera-se tratar o empregado
de soldador na usina reclamada, produtora de açúcar e álcool. Excluída da
Lei 5.889/73, a atividade do empregado, em sendo industrial, não possibilita que seja enquadrada como rural,
uma vez que a primeira transformação do produto agrário, que lhe retira
a condição de matéria prima, altera
sua natureza e o enquadra como atividade industrial. Segundo o entendimento da SDI do TST, mesmo após
o cancelamento da súmula 57, ainda
prevalecia este entendimento.
O problema é que, concomitantemente, os julgados do TST que culminaram
com a edição da OJ 419, programa o entendimento no sentido de que, o exercício das atividades agroindustriais, e
aí qualquer uma delas, sem qualquer
distinção é suficiente para enquadrar
uma empresa como o empregador rural.
A partir da intepretação literal e isolada do disposto no Artigo 3º, parágrafo
1º, da Lei 5.889, de 1973 - e aí está um
grande erro não interpretar a lei juntamente com o seu decreto, que é auto interpretativo – surge a OJ 419, cujo
136
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
entendimento é prejudicial ao próprio
empregado, que deixa de contar com
inúmeros benefícios previstos em normas coletivas, celebradas por suas respectivas categorias que, via de regra,
são muito mais atuantes e combativas.
de revista reconhecido e não provido.
O interessante é que falei primeiro daquele aresto da SDI 1, agora um aresto
da turma do TST, e de forma muito rápida, porque eu vejo que tem muitos
estudantes aqui na plateia também.
Esta situação é muito peculiar, porque,
tanto a categoria profissional quanto a
patronal defendem a mesma bandeira. Acompanhando este entendimento da SDI o recurso de revista 32.500,
que foi julgado pelo Ministro Augusto
César Leite de Carvalho, em momento
posterior, já em dezembro de 2010, ia
no mesmo sentido. Ele falava de uma
forma muito clara que querer classificar como rurícola o pedreiro e operador de tratamento de caldos, de produtos químicos, que trabalha para usina
de açúcar, significaria estabelecer rota
de coalizão com os dois critérios: o legal, pois não é empregador rural aquele que transforma matéria-prima para produzir o açúcar, Decreto 73.626;
e o jurisprudencial, o qual associa essa caracterização como rurícola à natureza do trabalho realmente prestada, se agrícola ou pastoril, OJ38 e 315,
da SDI do TST.
O Tribunal Superior do Trabalho é composto por oito turmas e tem a sessão,
subseção especializada em dissídios
individuais I, que é responsável por julgar os recursos de embargos de divergências, ou seja, são admitidos após alteração promovida pela Lei 13.015, os
embargos para SDI somente são aceitos
em razão de divergência jurisprudencial entre as turmas do TST. Atualmente há uma questão muito interessante,
porque a questão de enquadramento
sindical, via de regra, não chega mais
na SDI 1, porque já existe a matéria
pacificada por meio da edição da OJ
419. Se você pega esses verbetes de jurisprudências, essas decisões das turmas que são de 2010, 2011, 2009 - que
se opõem à OJ - o seu recurso não vai
ser conhecido em razão do óbice da súmula 333, matéria já superada por interativa e notória jurisprudência do tribunal; é uma questão muito delicada.
Cabe rematar que esse critério jurisprudencial nem sequer contrasta com
os artigos 2º, 3º da Lei 5.889 de 73, em
hipótese alguma com a dos autos, pois
é certo que o primeiro desses dispositivos exige como pressuposto para
classificação como rurícola o fato de
um empregado laborar em imóvel rural, prédio rústico; de certo que o reclamante laborar como pedreiro, operador
de tratamento do caldo, de operador de
produtos químicos, não o faz, recurso
Atualmente há um descontentamento geral, mas neste momento, não há
nada que a SDI possa fazer. Uma eventual alteração no entendimento jurisprudencial terá que acontecer através
da comissão de jurisprudência do TST
que levará a questão ao tribunal pleno; se houver alguma alteração legislativa – faço aqui parênteses sobre a
importância de participar destes debates com mediadores que não sejam
do Poder Judiciário, pois o operador de
137
Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga
direito fica limitado em razão de algo
específico e direcionado para uma determinada situação; a prática demonstra que o verbete jurisprudencial adotado pelo TST é um foco de conflito, ele
enseja, estimula o próprio conflito de
interesse, o próprio conflito das relações de trabalho. Neste sentido, as decisões proferidas hoje sequer chegam
à SDI 1 do TST.
Nesse acórdão da lavra do Ministro
Augusto César houve recurso para o
SDI cujo relator foi o Ministro Vieira
de Mello. Ele tece toda sua linha de raciocínio; são inúmeras laudas sobre o
mesmo sentido adotado pelo ministro na turma. Ele termina com duas linhas, disciplina judiciária que aplica
o entendimento da OJ 419; e isso deu
provimento ao recurso de embargos.
Claro está que os próprios ministros
do TST não estão de acordo com todos estes elementos práticos já trazidos aqui.
É importante destacar que, ao reputar
as usinas de açúcar e álcool como empresas rurais de forma absoluta e indiscutível, o TST relega por completo o
quadro de atividades anexo do Artigo
577 da CLT que foi recepcionado para
servir como modelo orientador de enquadramento sindical, como reconheceu o próprio Supremo Tribunal Federal, que congrega o décimo grupo do
plano da confederação nacional da indústria, as indústrias químicas e farmacêuticas e dentre elas a indústria
de fabricação e álcool. Dentro desta
mesma tese, longe dizer que os tribunais regionais enfrentam o TST, porque
nem ele mesmo está satisfeito com sua
orientação jurisprudencial, mas adotam fundamentos e proferem decisões
em sentido oposto ao da OJ 419; e muitas vezes, sem recurso, porque, caso
houvesse, o processo poderia chegar
e, quem sabe até, provocar discussão.
Como ilustração, nada melhor que os
argumentos de um juiz da 3ª Vara do
Trabalho de Campo Grande em que foi
formulada uma ação proposta pela Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Mato Grosso do Sul
contra a Federação dos Trabalhadores
na Indústria do estado de Mato grosso do Sul, que julgou improcedente o
pedido alegando que o enquadramento sindical dos trabalhadores das empresas denominadas agroindústrias é
tema extremamente controvertido na
jurisprudência, pois ainda hoje persistem decisões conflitantes a cerca da
matéria, inclusive no âmbito da corte
superior trabalhista; ora se reconhece que esses trabalhadores são rurícolas, ora se reconhece que pertencem
à classe dos empregados urbanos industriários.
A origem de toda essa controvérsia surgiu com a utilização de fundamento
jurídicos heterodoxos, para justificar
a aplicação da prescrição própria do
trabalhador rural a todos os empregados das industrias localizadas nas zonas rurais, agroindústria ou não, que
desempenhavam atividades ligadas à
produção agrícola, como exemplo, os
trabalhadores que ativavam na plantação, cultivo e colheita de cana de açúcar. Atualmente, esta atitude protecionista não mais se justifica, uma vez
que, desde a promulgação da Emen-
138
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
da Constitucional de nº 28, de 2000,
não mais existem diferenças entre as
prescrições trabalhistas, os trabalhadores urbanos e os rurais, conforme
se interfere na nova redação do Artigo 7º, Inciso XXIX, da Constituição Federal, de 1988.
Nesse contexto, o enquadramento sindical dos trabalhadores da agroindústria deve observar os mesmos requisitos utilizados para enquadramentos
dos demais trabalhadores, ou seja, deve-se buscar atividade preponderante
do empregador, exceto para os empregados que exercessem profissões diferenciadas na forma estabelecida no
Artigo 511, combinado com Artigo 581,
parágrafo 1º, da CLT. Existe, portanto,
uma saída legal, que é a aplicação do
mesmo entendimento dado, atribuído àqueles trabalhadores de categorias diferenciadas, razão pela qual a
aplicação dessa orientação jurisprudencial n° 409 ou a de n° 315, privilegia até uma própria injustiça diante
de tudo que foi dito aqui, porque trata de maneira igual aqueles que não
são iguais, seja em razão da formação,
seja pelo tipo de trabalho que é prestado ou em razão do próprio decreto
que regulamentou a Lei 5.889, de 1973.
enquadramento, que não foi também
algo que se chegou a uma conclusão
sem uma origem. Há uma origem que
é justamente evitar e dar uma oportunidade para aquele trabalhador que
tinha difícil acesso e havia uma prescrição diferenciada, então você privilegiava e dava uma oportunidade para que não houvesse a prescrição nos
termos da lei. A partir do momento em
que essa diferenciação não mais existe, a OJ 419 não tem mais por que existir. Acredito que o contraponto diante
de todas as ideias colocadas tenha sido trazer para esta conferência palestrantes com ideias distintas, uns com
a visão de um ousado advogado, e outros, com a visão do magistrado que
busca uniformizar a jurisprudência.
A partir do momento em que há a primeira transformação da matéria-prima,
não há mais que se falar em trabalhador rural; seu enquadramento agora é
como indústria, na categoria preponderante da atividade exercida por ele.
Para finalizar, a ideia, portanto, era justamente trazer esses conceitos, e demostrar por que há esse equívoco no
139
7
Limites da
Autonomia
Negocial Coletiva:
Jurisprudência do
TST e do STF
140
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Limites da Autonomia
Negocial Coletiva
Luciano Felício Fuck*
*Doutor em Direito Tributário pela Fauldade
de Direito da Universidade de São Paulo; Chefe de Gabinete no Supremo Tribunal Federal
(STF); Analista de finanças e controle da Controladoria-Geral da União (CGU); Professor no
Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
141
Luciano Felício Fuck
Agradeço ao Ministro Renato Lacerda
Paiva, não só por sua gentileza ou por
seu arcabouço doutrinário, mas pelo
ratio decidendi que tem norteado todo
o TST. Tudo isto é bem recente, pois há
apenas seis meses que o acórdão foi
prolatado no Supremo, em decisão de
abril deste ano, mas traz novas luzes à
questão. Alguns podem dizer que houve um retrocesso, outros, que houve
avanço; certo é que o Supremo abriu
novos caminhos, novas veredas, inclusive no que diz respeito às situações
apontadas pelo Ministro Renato.
Em primeiro lugar, o Ministro colocou
que as negociações e os acordos coletivos não estão restritos àquelas hipóteses taxativas dos incisos XIII e XIV
do Artigo 7º, que tratam do salário e da
jornada de trabalho, mas atingem um
campo maior para prestigiar a autonomia de vontade. Não obstante, há as
críticas à legitimidade dos sindicatos
que, segundo o Ministro Barroso, a unicidade sindical é bastante prejudicial.
A Constituição trata a negociação coletiva de forma muito distinta da negociação individual; se por um lado, são
necessárias mais regras heterônimas
e mais proteção do Estado na negociação individual, por outro lado, na negociação coletiva é preciso dar maior
espaço de cidadania. Nas questões rejeitadas pelo TST como, por exemplo, a
incorporação de hora extra, a questão
do divisor: duzentos, duzentos e vinte na jornada de trabalho, as horas in
itineres e o turno ininterrupto de revezamento, indubitavelmente, são questões consignadas na Constituição no
campo que trata do salário ou da jornada de trabalho.
Considerando esta análise, pode-se
afirmar que, se na questão da redução de trabalho, que é muito importante, já existe a possibilidade de redução, o que dizer das horas in itineres.
Houve ministro colocando-se quase
arrependido em relação ao voto dado à questão do BESC – acontecida há
menos de seis meses, no ano passado - em que a repercussão da rejeição
foi geral. Quanto a isso, o Ministro Teori cita os acordos coletivos em que os
sindicatos negociam abrirem mão das
horas extras, por exemplo, mas em seguida, recorrem ao judiciário para obtê
-las. Isto nada mais é que a quebra da
boa-fé, da convenção, do acordo coletivo. É inegável que o estado brasileiro, representado pelo judiciário, deva
zelar para que a preservação da boa-fé prevaleça nos acordos coletivos.
Tudo isto reporta à história de Yadh
Ben Achour: às vezes, ele quer o melhor dos mundos, eu quero todos os
direitos, a lei e mais o que eu consiga na convenção coletiva. Acaba-se reproduzindo esta ideia e ninguém mais
fará acordo coletivo, porque sabe que
só tem a perder com os acordos; se eu
posso dar a mais, para que serviria fazer acordo? Melhor apertar a lei. Criase um espaço menor de direitos e de
responsabilidade.
Voltando a Ben Achour: chegou uma
mulher muito bonita, Isadora Duncan
e lhe disse “você tem o melhor dos cérebros e eu, o melhor dos corpos. Podíamos ter um filho para reunir, en-
142
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
fim, o melhor corpo, o mais bonito e o
melhor cérebro, mas o risco é juntar o
seu cérebro e o meu corpo. Esta mistura possui riscos inerentes que precisam ser percebidos.
E para finalizar, reitero a importância
das palavras do Ministro Renato Lacerda Paiva e a relevância deste congresso – âmbito de intensos debates para
abordar temas tão abrangentes, tão relevantes e atuais. Como colocado inicialmente, há que se considerar que
o mais surpreendente na recente decisão do supremo foi a unanimidade,
que é rara; poucas decisões de repercussão geral são unânimes no âmbito
do tribunal, que sempre preza por um
debate mais largo; esta é uma questão
muito interessante.
143
Renato de Lacerda Paiva
Os limites de
autonomia negocial
coletiva
Renato de Lacerda Paiva*
*Ministro do Tribunal Superior do Trabalho; Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho da Justiça; Conselheiro
do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.
144
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Cumprimento o doutor Luciano Fuck,
deputado João Campos, senhoras e senhores. O tema sobre o qual vamos debater é os limites de autonomia negocial coletiva, uma jurisprudência do
TST; não falarei aqui da jurisprudência do STF. Como diz o ministro Rosa,
o doutor Luciano traz um novo olhar
sobre a questão da prevalência do negociado sobre o legislado em determinados aspectos. De certo modo, folgo
em saber que o Supremo tenha revertido a decisão do BESC, questão extremamente polêmica no Tribunal Superior do Trabalho.
A sessão de dissídios coletivos na lavra
do voto do Ministro Luciano Castilho
Pereira declarou a validade da cláusula
que instituiu o PDV, justamente, pelas
circunstâncias elencadas pelo doutor
Luciano. Mas, a SDI1, que uniformiza
a jurisprudência no âmbito do TST em
instância extraordinária, decidiu por
aplicar a OJ270 no caso do BESC, por
dizer que na transação extrajudicial
a rescisão do contrato ante a adesão
do empregado ao plano de demissão
voluntário implica a quitação das parcelas e valores constantes no recibo.
Houve um conflito de decisões entre a
SDI1 e a SDC em que a matéria foi remetida ao pleno e acabou prevalecendo a tese da invalidade da cláusula por
maioria escarça, o Ministro Ives esteve presente e é testemunha. O tribunal ficou muito dividido nesta questão,
porque entendeu que era situação excepcional, estava atendendo uma reinvindicação dos empregados do BESC
daquela região, e, portanto, havia legitimidade e uma autonomia de vontade
muito expressiva para uma negociação
coletiva. Não é uma questão de que o
TST tenha ficado vencido, apenas ficou, extremamente, dividido nesta decisão. A partir desta decisão do supremo, tem-se mudanças de paradigmas
nesta questão, neste tem; e a abordagem de hoje é relacionada à posição
atual do Tribunal Superior do Trabalho
diante deste dilema, desta matéria tão
polêmica e atual; e verdadeiramente,
o que interessa aos senhores é como o
tribunal vem enfrentando esta questão no seu entendimento médio. Minha intenção quanto a isto é demostrar
os fundamentos do direito que justificam a posição do Tribunal Superior
do Trabalho, dar alguns exemplos tópicos e tirar algumas conclusões, sem
embargos, naturalmente, pois, minha
palestra já está preclusa diante da manifestação do Doutor Luciano.
O Tribunal Superior do Trabalho como
instância extraordinária cuja missão
é uniformizar a jurisprudência em todo país tem atuado sempre no sentido de garantir a segurança jurídica nas
relações de trabalho, e esta tem como
pressuposto a previsibilidade de suas
decisões e a inerente previsibilidade e
imparcialidade dos magistrados. São
três figuras que se entrelaçam, a segurança jurídica, previsibilidade e imparcialidade. O TST tem atuado, nesta
matéria, nos limites do direito até então postos no sistema escolhido e sinalizado pela nossa sociedade.
145
Renato de Lacerda Paiva
Desde Segadas Vianna, a doutrina é
um sentido de estabelecer as convenções e as normas coletivas como um
pus e jamais estabelecer um conflito
entre a norma coletiva e a lei. Ele dizia
da importância da convenção coletiva como fonte do direito do trabalho
e como força criadora que se compreende, porque as relações entre o trabalho e o capital apresentam uma constante mutabilidade quase impossível
de acompanhar e regular através de
atos legislativos. Fato é que, alteração
de um texto legal além de exigir trâmites demorados significa, quase sempre, uma fratura no contexto de um
corpo de leis, seja um código ou uma
consolidação. Enquanto que a convenção alterada ou modificada é apenas
um aprimoramento decorrente de sua
aplicação. Em certos casos, será força
criadora, inovadora de normas dentro de um campo lacunoso ou vazio
da legislação.
Sabemos que nosso direito, no particular, teve inspiração no direito francês,
e segundo o mesmo jurista, a convenção no direito francês poderia conter
disposições mais favoráveis aos trabalhadores, do que as previstas nas
leis regulamentares em vigor, não podendo derrogar disposições ad publicas
contidas em tais leis regulamentares.
Seguindo a mesma linha, La Cueva ressalta que a função do contrato coletivo de trabalho é tríplice, é fonte de
direito com plena validade e obrigatoriedade. Por outro lado, o contrato coletivo serve para tornar concretas as
determinações do direito do trabalho,
as normas jurídicas são, geralmente,
abstratas e os contratos coletivos as
fazem concretas. O contrato coletivo
tem como missão melhorar o direito
legislado em benefício dos trabalhadores, é o veículo de processo da classe trabalhadora para salvá-la da lentidão da lei, isto significa uma enorme
vantagem.
Citei, aqui, três autores para demostrar
que a tradição do nosso direito é seguir
no sentido de que a autonomia privada coletiva tem por natureza criar melhorias nas condições de trabalho, não
só do direito brasileiro, mas do direito
comparado, daqueles sistemas com afinidade com o nosso sistema. Para Délio Maranhão e do ponto de vista das
fontes de direito, a norma da natureza coletiva, em princípio pelo direito
tradicional, é sempre alcançar melhores condições de trabalho.
O referido Pedro Teixeira Manus e Délio Maranhão demostram que as fontes formais do direito do trabalho são
a Constituição, a lei, o regulamento, a
sentença normativa, a convenção coletiva e o costume. E enfatiza que no
campo do direito do trabalho as normas legais são de aplicação obrigatória, fundadas nos princípios e normas
constitucionais, estabelecendo patamar mínimo de garantia ao trabalhador.
Reserva-se as demais fontes formais,
espaço para disposições que melhorem as condições do trabalho, ou adaptem situações práticas as determinações da lei, sendo-lhes vedado dispor
de forma desfavorável aos trabalhadores, comparativamente, ao que estabelece a fonte hierarquicamente, superior.
146
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Desde modo, a lei não pode dispor de
forma menos benéfica do que determina a norma constitucional, assim
como, a sentença normativa e a convenção coletiva não podem dispor de
forma menos favorável do que dispõe a
lei. O regulamento da empresa não pode dispor desfavorável ao acordo coletivo de trabalho, igualmente, o contrato individual de trabalho não pode ser
menos favorável do que o mínimo estabelecido na ordem coletiva. Caso isto ocorra, será invalidada, dentro deste
conceito, a norma hierarquicamente
inferior, no item que contraria a superior. Tal sistemática, também noticia o
autor, é a sistemática do direito francês e também do direito espanhol, citando Alfredo Montoya Melgar.
Podemos dizer que, tanto do ponto de
vista da natureza da convenção, que
tem como objetivo melhorar as condições de trabalho, quanto do ponto
de vista da hierarquia das fontes, estando em nível inferior à lei, não pode
contrariar a lei, e ainda invocaria deste
contexto a norma mais favorável, segundo Américo Plá Rodriguez, no caso específico das relações de trabalho.
Portanto, são estes os princípios e os
parâmetros postos no direito brasileiro para aplicação, interpretação e solução deste conflito entre as leis e as
normas coletivas. É claro que o Supremo Tribunal Federal tudo pode, então,
pode estabelecer uma mudança de paradigma, quero falar um pouco sobre
isto depois, mas este tem sido, na verdade, o contexto e é por aí que o Tribunal Superior do Trabalho pela sua
composição média tem atuado. É cer-
to que a Constituição de 1988 traz uma
norma específica de reconhecimento
das convenções de trabalho, mas esta já era contida nas Constituições de
1984, 1967 e reiterada na Constituição
de 1969, então não é uma novidade, em
ter na Constituição de 1988 aquelas
questões que determinam a prevalência da norma coletiva, ela faz, expressamente, nos itens 13 e 14 do Artigo
VII da Constituição Federal.
Postas assim, em termos gerais estas
questões, vamos demostrar, pontualmente, como é que o Tribunal Superior
do Trabalho tem lidado dentro desta
estrutura jurídica com os casos específicos, já mencionei o caso do BESC,
uma questão que efetivamente, uma
grande parte dos ministros entendeu
que não havia conflito com a lei este
caso específico, por isto, só validando
a cláusula. Vou fazer uma pequena inversão, primeiro, vou falar dos casos em
que o TST invalida as cláusulas, depois
os casos invalidados. São exemplos de
casos que invalidam as cláusulas, os
que têm cláusula incorporando as comissões, horas extras e diárias de viagens, independente do número de horas extras feitas. O TST entendeu num
precedente do Ministro Lélio Bentes
Corrêa, do SDI, que esta cláusula violaria o Artigo 457, parágrafo 2° e 59 da
CLT, cláusula que fixava o divisor 220
para uma jornada semanal de 40 horas, é um precedente meu, este caso,
o divisor de 200 como violação do Artigo 58 da CLT.
Há três situações específicas relacionadas às horas in itineres, o Artigo 58,
parágrafo 2° da CLT, estabelece a ho-
147
Renato de Lacerda Paiva
ra in itineres como hora extra, que deve ser paga, salário com adicional de
hora extra. Contrariamente, temos encontrado cláusulas em que a lei atribui
natureza indenizatória, exclui o adicional, em alguns casos estabelece a
renúncia total do direito à hora in itineres, sabe-se que as horas in itineres
predominam na área rural, depois farei um comentário elátero sobre esta questão. A cláusula que fixa turno
interrupto de revezamento superior a
oito horas causa a invalidade do caso,
contrariando a própria Constituição
Federal, violação do Artigo VII, 13 e 14.
Então, vejam que mesmo considerando a autonomia privada coletiva ainda encontramos diversas situações em
que os sindicatos da categoria profissional convencionam com as empresas cláusulas, sabidamente, contra a
lei, tendo a certeza de que o judiciário
irá repor as coisas no lugar.
Esta questão do negociado sobre o legislado é uma situação um pouco complexa e está muito relacionada a outra
muito mais complexa, que é a estrutura sindical do Brasil. Ela, hoje, não é representativa, temos grandes sindicatos e centrais sindicais, e milhares de
sindicatos pequenos espalhados por
toda parte. Muitos deles são verdadeiros cartórios que vivem da contribuição
sindical, assistencial, sem intenção de
alargar a sua base de associados para
não perderem a hegemonia na eleição.
Há, também, uma questão de legitimidade, de representatividade destes sindicatos. Esta tese de que a negociação
coletiva deve prevalecer sempre por
representar uma categoria, funciona
bem num país como a Espanha que
tem uma prioridade sindical. Aqui no
Brasil, não temos um sindicato único,
temos sindicatos da mesma categoria,
mesma base, filiadas a centrais sindicais diferentes. Os empregados escolhem os seus sindicatos e não tem nenhuma relação com ele a não ser com
a contribuição sindical.
Entretanto, o Tribunal Superior do Trabalho para não dizer que é, extremamente, radical nas suas posições, tem
flexibilizado em alguns pontos e caminhado no sentido de autorizar negociação coletiva, mesmo contra a lei. Cito
um exemplo clássico da OJ transitória
n° 73, que trata de um caso específico
da Volkswagen do Brasil sobre participação nos lucros e resultados, pagamento mensal em decorrência de norma coletiva, natureza indenizatória.
A despeito da vedação de pagamento em periodicidade inferior a um semestre civil ou mais de duas vezes no
ano cível, disposta no Artigo III, parágrafo 2°, da Lei n° 10.101 de 2000, o parcelamento em prestações mensais da
participação nos lucros e resultados de
janeiro de 1999 a abril de 2000, fixado
no acordo coletivo celebrado entre o
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e
a Volkswagen do Brasil Ltda., não retira a natureza indenizatória da referida verba, devendo prevalecer a diretriz constitucional que prestigia a
autonomia privada coletiva.
Visto que está claramente contra a lei,
por que o Tribunal Superior do Trabalho referendou esta norma? Porque se
tratou de uma questão de greve geral
na Volkswagen do Brasil gerando um
148
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
impasse imenso e na época, o diretor
do sindicato foi à Alemanha e negociou com os diretores da Volkswagen
o término da greve com esta cláusula.
Percebe-se que é uma situação contra
a lei, mas havia um interesse público
relevante por trás desta cláusula, por
isto o Tribunal Superior do Trabalho
entendeu de convalidar.
Outro exemplo é a Súmula 444, que
trata da jornada de trabalho e norma
coletiva em escala de doze por trinta
e seis, esta é válida em caráter excepcional. Só é possível a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis
de descanso, prevista em lei ou ajustada, exclusivamente, mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção
coletiva de trabalho tendo assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. Esclarecendo que,
quando se fala prevista em lei, não está se referindo a Legislação Federal,
esta não precisaria constar na súmula, mas sim a Lei Estadual ou Municipal. Sabe-se que no direito do trabalho,
quando o município ou o estado legislam em matéria trabalhista, esta norma equivale a regulamento de empresa, pois, o estado e município não tem
competência para legislar sobre matéria trabalhista, só a União. De modo
que, quando se fala prevista em lei é
para dar a possibilidade ao município,
ao estado de através de lei municipal
ou estadual estabelecer o regime doze
por trinta e seis mesmo não estando
adequada a Lei Federal e nem amparado na Constituição Federal, tão pouco na CLT na qual estabelece o limite
de oito horas diárias.
Contudo, o TST resolveu convalidar estas cláusulas para a segurança jurídica
nas relações de trabalho. Há um contingente enorme de empregados que
atuam sobre este regime nos hospitais, na vigilância patrimonial e pública, o modo operante da atividade
empresarial exige este tipo de jornada, não digo jornada, mas de regime
de trabalho. Do ponto de vista político judiciária é muito mais benéfico para a sociedade trazer este contingente
de trabalhadores para a legalidade, do
que deixá-los fora da legalidade. Estes
pontos eram importantes serem referendos pelo Tribunal Superior do Trabalho mesmo contrariando a lei, mas
em situação muito particular em que
há um interesse público em jogo. Referendou estas cláusulas, algumas típicas e, também, outras utópicas, por
exemplo, incorporação DRE, salário base dos trabalhadores, ISTA e cláusula
que concede 37,14% para pagamento
da hora noturna reduzida e adicional
noturno são alguns ajustes pequenos
que o TST tem validado também.
A verdade é que o Tribunal Superior
do Trabalho tem tido a responsabilidade de estabelecer em sua atuação
dentro do sistema uma segurança jurídica, uma previsibilidade de suas decisões. Isto sem embargos de alguns
ministros que entenderam o contrário;
eu mesmo entendo que deveria alargar um pouco mais a aplicação da norma coletiva, preservando as normas
de higiene, medicina do trabalho, segurança do trabalho e aqueles direitos previstos na própria Constituição
Federal, no entanto, seria benéfico se
149
Renato de Lacerda Paiva
alargássemos um pouco mais naquelas relações de natureza patrimonial.
A questão é o engessamento do TST
no sistema atual, por isto, ele tem sido um pouco precavido no alargamento destas questões. Sabemos que esta
questão do negociado contra o legislado já foi amplamente debatida, o deputado há de se lembrar de que no início
da década passada tivemos um projeto do Ministro Dornelles, que causou
uma polêmica extraordinária e acabou
não passando. A sociedade deu o sinal
de que não era do seu interesse estabelecer uma regra em que o negociado deveria prevalecer sobre o legislado,
isto do ponto de vista do poder legislativo. Claro é, que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição
Federal, poderá interpretá-la da forma de entender.
Certamente, este alargamento da tese precisa ser feito com muito cuidado para não cairmos num extremo que
diante de um conceito de direito civil,
direito comum se mitiguem todos os
parâmetros estabelecidos ao longo destes anos. Para ser exato, era isto o que
eu queria dizer aos senhores, Doutor
Luciano, ilustre deputado. Entendo que
como membros do Tribunal Superior
do Trabalho temos posições diferentes, alguns são mais liberais em relação a aplicação destas normas, outros
mais instrutivos, mas até agora, o Tribunal Superior do Trabalho tem cumprido o que foi posto pelo direito e está cumprindo sua meta constitucional.
É provável que este precedente referido
pelo Doutor Luciano seja um início de
alargamento deste caminho. Estamos
ansiosos para saber até onde vai o supremo, mas é importante que ele delimite o traçado ao abrir este caminho,
porque senão, vamos cair justamente, pela precariedade das representações das categorias profissionais pelos
seus sindicatos. Vou citar um exemplo,
que é paradoxal, não tem precedente
e o Ministro pode até confirmar, determinado sindicato negociou com a empresa que cada profissional da empresa iria contribuir para o sindicato dos
empregados, aí eu pergunto qual a autonomia que este sindicato tem para
negociar, então temos estas distorções.
150
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
O Direito do
Trabalho na Visão
do Supremo Tribunal
Federal
Gilmar Ferreira Mendes*
*Doutor em Direito; Presidente do Tribunal Superior
Eleitoral; Ministro do Supremo Tribunal Federal e docente da Escola de Direitos de Brasília do Instituto Brasiliense de Direito Público (EDB/IDP).
151
Gilmar Ferreira Mendes
Cumprimento o presidente da mesa
Ministro Ives Gandra e reitero minha
satisfação por termos incorporado, no
âmbito do IDP, o P, que tem sido bastante ampliado para o direito privado.
Há algum tempo, um colega veio com
a defesa de que houvesse aqui um curso de direito privado, uma vez que não
se justificava não existir aqui em Brasília um bom curso de pós-graduação
nesta área, pois está aqui o STJ, tribunal eminente em matéria de direito
privado e assediado por tanta gente
capacitada para cooperar com estas
discussões sobre direito civil e direito
privado em geral.
sas desigualdades; uma coisa é se ter
um direito mais flexível e, talvez, mais
pautado por regras de negociação, como no centro-sul e em São Paulo, que
é, como se sabe, quase uma república
à parte; outra coisa é enfrentar as duras realidades do Norte ou do Nordeste onde o intervencionismo, talvez, se
faça necessário. Isto explica um pouco
as dificuldades da construção de uma
jurisprudência unitária no âmbito da
própria justiça do trabalho e a dificuldade de encontrar esse equilíbrio tanto enfatizado pelo Ministro Ives, mas
isto decorre da própria assimetria que
marcam nossa Federação.
Há muitos anos, nas conversas, nas tertúlias com o Ministro Ives, ele sempre
falava das preocupações de tematizar
essas questões delicadas do direito do
trabalho e foi neste contexto que surgiu
a ideia deste seminário com a marca,
o timbre do IDP, que são as discussões
abertas sem patrulhamentos prévios,
com o compromisso com o pluralismo – percebido em todas as estruturas
do seminário. O erro nas escolhas dos
nomes, às vezes, será inevitável, mas
é visível a preocupação de trazer, em
qualquer painel, em qualquer debate,
as múltiplas facetas dos problemas colocados; esta é uma diretriz imposta a
todos é que a busca pela verdade não
pode ser colocada à parte; esta é uma
marca do Instituto.
Na verdade, a despeito de todas as revoluções tidas nos últimos vinte, trinta
anos, continua-se, para usar a imagem
do sociólogo Hélio Jaguaribe, a conviver
numa sociedade tão desigual e tão diferente que, de fato, tem-se a chamada
contemporaneidade dos coetâneos; e
isto não se aplica apenas aos silvícolas
e aos chamados impropriamente civilizados, mas também às determinadas
populações que vivem uma situação
de penúria. Claro, quando chega lá a
justiça do trabalho é exigida uma tutela que parece violar a ideia de autodeterminação de autonomia, se não forem considerados outros paradigmas.
Claro está que o desenvolvimento e
as questões do trabalho são temas sérios e, a depender da evolução que se
tenha, chega-se a um quadro de desiquilíbrio, além da enorme dificuldade
que é vivermos em um país com imen-
Acredito que desenvolver uma jurisprudência para este país com tantas
assimetrias seja um enorme desafio da
própria justiça do trabalho; isto vem,
também, para o âmbito constitucional quando são enfrentadas inúmeras questões.
152
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
A palestra proferida ontem pelo Ministro Ives trouxe-me admiração – o
que não me causou estranheza, pois
sou seu fã de carteirinha há muitos
anos. Colocando um leitmov filosófico, ele mostrou exatamente essas dificuldades de se buscar o equilíbrio e
esta é uma questão importantíssima;
a Constituição dá as diretrizes, basta
que se leia e a tenha presente quando
um caso for levado a julgamento. Certo
é que o texto constitucional é interessante, quando, por exemplo, os leitores estrangeiros leem a Constituição,
chamam a atenção para virtudes muitas vezes não reconhecidas por nós. E
esta é outra marca do IDP, pois somos
defensores incondicionais da Constituição de 88, aqui está o Paulo, companheiro de tantos anos para confirmar isto.
Claro que é um texto que merece aprimoramento, e vem sendo aprimorado
ao longo dos tempos; alguém, inclusive já fez brincadeira com a Constituição de 88 ao dizer que um de seus
problemas é ser de 88; se fosse de 89,
com os ventos que sopraram a partir
da queda do muro de Berlim, teria outros efeitos; teria, talvez outras abordagens normativas, mas até aqui, é interessante, pois houve avanços e boas
adaptações com a grande reforma econômica que se colocou.
Agora, tendo como base o direito positivo e aquilo preconizado pelo Ministro Ives, a ordem econômica, fundada
na valorização do trabalho humano –
Artigo 170 e na livre iniciativa – tenta coordenar estes vetores e, por fim,
assegurar uma existência digna a to-
dos, conforme os ditames da justiça
social, observados os princípios da soberania nacional, da propriedade privada, a função social da propriedade,
a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente,
inclusive, mediante tratamento diferenciado conforme seja o impacto sobre os produtos e serviços; a redução
das desigualdades regionais sociais
- chamado de direito natural de um
processo civilizatório, que é o grande
desafio da jurisprudência. É compreensível que se tenha um approach diferente para a jurisprudência trabalhista
num dado estado, não cabe aqui dizer
que estado é este, mas é um estado do
Nordeste. Há algum tempo, um amigo meu da Procuradoria da República
acompanhou por lá casos difíceis em
um dado momento. É um dado histórico, em um dado momento, estava havendo muitos assassinatos e esse amigo foi designado para acompanhar a
situação naquela unidade da federação; em uma entrevista, o secretário
de segurança, numa primeira abordagem, dissera que a culpa pelos assassinatos na área rural era da justiça do
trabalho, porque esses trabalhadores
tinham, agora, justiça do trabalho, entram com ação na justiça e o patrão
vem e os mata. Evidentemente, mesmo não sendo desta forma, isto revela as assimetrias do país e esta realidade precisa ser entendida.
O Ministro Ives chamava a atenção para a necessidade de se compreender
que é preciso ter esta relação equilibrada; o próprio texto constitucional
é enfático em relação a isto quando
153
Gilmar Ferreira Mendes
se refere à busca do pleno emprego, à
redução das desigualdades regionais
e, no parágrafo único, quando diz que
é assegurado todo livre exercício de
qualquer atividade econômica, independentemente, de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Há uma outra norma que precisa ser lida
com bastante ênfase - aquela constante do Artigo 173 que diz que, ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta da atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei. Logo, além de valorizar a iniciativa privada, e se dizer do
valor do emprego que se consegue em
geral, com atividade econômica, o emprego digno, adequado; o texto constitucional ressalta que essa atividade
é prima facie da iniciativa privada, a
intervenção estatal deve ser exceção.
Certamente que, nestes dias peculiares, especialmente com esses escândalos nas estatais, acredito que uma
revisita ao texto constitucional parece
recomendável para mostrar o quanto
elas são importantes, para responder
a questionamentos de alguns que enchem a boca para dizerem não é, é minha, é sua, é nossa; nossa, de quem?
Dos partidos, que retiram esses recursos para suas finalidades e para outras
finalidades? A reflexão faz-se necessária, exemplos claros verificados recentemente são a Vale do Rio Doce e
a Petrobrás, aquela, privatizada; esta,
sub páreo da intervenção estatal. Certo
que não se pode prescindir de empresas estatais em áreas estratégicas, mas
o paradigma de gestão precisa ser mudado, inclusive para segurar emprego.
São inúmeros os danos causados. Em
Pelotas e em Rio Grande, estado vizinho, havia um grande investimento de
um porto expectado e já efetivado em
parte da Petrobrás trouxe expectativas
de transformação à cidade, empreendimentos foram ativados, as pessoas
acreditaram; agora, a região vive um
verdadeiro caos. Aqui nesta ilha chamada Brasília não se faz ideia do que
está acontecendo no país afora em função das peripécias ligadas à má gestão
e à corrupção, em Pernambuco, com
o abandono de portos; no Rio de Janeiro, estado também muito afetado,
há o comprometimento de empregos,
as pessoas saem às ruas chorando, a
criminalidade aumentou assustadoramente. Eis o porquê da necessidade
de reflexão sobre o assunto, porque diz
respeito ao direito do trabalho na medida em que está relacionado ao desaparecimento do emprego.
É extremamente positiva a existência
desse segundo seminário, e já prenuncio o terceiro, porque, agora, haverá um
grupo de trabalho, um grupo de pesquisa constante sobre os temas aqui
abordados. Percebi, pelas palestras dos
colegas do exterior, que há diferenças
de nuanças, mesmo em temas comuns
como, por exemplo, a questão da terceirização, os debates sobre o emprego.
Ressalto aqui, deputado João Campos,
a imensa responsabilidade no âmbito do direito do trabalho e da visão de
154
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
cada um. Veja bem, caso eu fosse juiz
do trabalho ficaria extremamente preocupado, porque aquilo vislumbrado
por mim como dificuldades, como ter
de combinar, pois, ser juiz em um dado estado do Norte, do Nordeste possui uma perspectiva; em outra parte
do Brasil, pode haver outra, tendo em
vista demandas especiais. Há, no entanto, uma outra questão envolvendo prognóstico muito mais sofisticado e que exige abertura para o diálogo,
e que o enrijecimento da legislação,
feito especialmente pela jurisprudência, pode levar a uma teoria dos jogos,
pois é inevitável buscar a eliminação
de determinadas atividades; a tecnologia acaba por fazer isto, robôs eliminam atividades.
O grande desafio, e isto fica claro na
leitura de revistas internacionais especializadas ou não especializadas ou
em uma ida à Europa, não está apenas em preservar o emprego de hoje, mas em garantir a empregabilidade no futuro dos filhos e netos. Esta é
a grande preocupação de quem maneja o direito do trabalho, pois, a depender da perspectiva, pode estar eliminando o emprego do futuro, e com
isso, agravando a situação. De alguma
forma, pode-se traçar um paradigma
com a questão do meio ambiente, em
que uma atuação desastrada nestes
termos pode tornar a vida futura impossível com as destruições que perpetram no meio ambiente.
Veja bem, a atuação efetiva ou desastrada no âmbito da justiça do trabalho pode desenhar um futuro como,
por exemplo, na Europa, as pessoas
de 30, 32 anos que procuram continuar como estudantes depois do doutorado, do pós-doutorado; e por que isto acontece? Justamente porque não
há vaga para trabalhar, e olha que são
profissionais altamente qualificados.
Em Portugal, em que se investe fortuna em cérebro e talentos, percebe-se
que eles imigram para outras pragas
e deixam no país uma população envelhecida. Há que se atentar para tudo
isto, proporcionando a alguém firmar
jurisprudência, estabelecer decisões
em repercussão geral ou, no caso da
justiça do trabalho, fixar enunciados.
Nos ensaios sobre direito público, precisamente, naquele texto sobre técnica
legislativa, mas que se aplica a jurisdição e a propósito do legislador, Víctor
Nunes Leal reitera a necessidade desta perspectiva ao dizer que “Quem lida
com leis, deputada, é como se acondicionasse explosivos”; os resultados podem
não ser tão espetaculares, mas podem
ser igualmente destrutivos e desastrados. Tenho dito aqui no Supremo Tribunal Federal – e muitos tomam como
críticas, às vezes, até de caráter pessoal – que quem lida com a jurisdição
constitucional e, jurisdição trabalhista, para ser mais específico, precisa ter
esta visão de estar acondicionando explosivos, pois o resultado não será espetacular, mas pode ser igualmente
desastroso.
É interessante pensar que em caso de
jurisdição pode ser pior que atividade
legislativa, porque esta lida com tentativa e erro, deu errado, revoga-se. No
entanto, as decisões do Tribunal não
são eternas, elas têm a pretensão da
155
Gilmar Ferreira Mendes
não reversibilidade ou, pelo menos,
pretende-se que ela seja duradoura.
Esta é uma dificuldade que deve ser
levada em conta e deve ser esclarecida não apenas para os jovens juízes,
mas também aos estudiosos que serão juízes um dia e para os velhos juízes para que eles fiquem cientes da
responsabilidade. E isto não é delírio,
ou como dizem os mais jovens “navegar na maionese”, a necessidade de reconhecer a responsabilidade, de reconhecer que decisões desastradas não
serão espetaculares e terão o efeito de
uma explosão; infelizmente, não haverá este sinal, mas os efeitos produzidos serão deletérios para o sistema.
Cabe lembrar aqui aos estudiosos da
jurisdição constitucional o célebre caso Dred Scott, nos Estados Unidos, em
que o negro não era sequer pessoa para fins de discussão judicial, não tinha
legitimidade para estar; declarou a inconstitucionalidade do chamado compromisso de Missouri, que permitia aos
escravos que passavam para lado em
que não havia escravidão fossem declarados livres. Estudos indicam que isto está como uma das causas da guerra civil americana. A inflexibilidade da
corte suprema nesta matéria trouxe
sérias consequências e isto, portanto, é mais uma razão para reconhecer
que as decisões tomadas pelo Tribunal trazem consequências.
O Ministro Ives Gandra pediu para que
se falasse sobre estas questões aflitivas e, certamente, podem-se mencionar algumas já citadas, inclusive, ontem no âmbito do Supremo Tribunal
Federal. Um caso interessante, que não
diz respeito diretamente à justiça do
trabalho, mas ela aparece como fonte
de inspirações, que é a greve do setor
público; caso célebre dos mandados
de injunção decididos por esta casa
em que foi assentada nessa linha de
constitucionalização da Constituição
de 88, pois era preciso ter limites para o direito de greve, que deveria ser
exercido dentro de determinados parâmetros ou paradigmas.
Tomou-se como empréstimo a lei de
greve do serviço público, mais do que
isso, foi colmatada uma lacuna do texto constitucional e criado um órgão de
dissídio de greve, reconhecendo que os
Tribunais de justiça seriam para o âmbito estatual, os Tribunais Regionais Federais para o âmbito da justiça federal e o Supremo Tribunal Federal seria
para os conflitos de âmbito nacional,
mimetizando a legislação trabalhista
e a competência da justiça do trabalho nessa temática, colmatando, portanto, essa lacuna. Infelizmente, diante da inércia que ainda subsiste, são
mais de dez anos dessa jurisprudência, esta é a regulação que se tem em
matéria de direito de greve do servidor público.
Outro tema relevante e bastante curioso é aquele sobre o aviso prévio proporcional, de novo em função de uma
omissão legislativa, e agora tema que
diz respeito ao direito do trabalho, porque o Tribunal já tinha decidido e tinha, portanto, atravessado do rubicão
no sentido de não ser apenas legisladores negativos; isto também é uma
troca de palavras porque o legislador,
ao dizer que algo tem de ser derruba-
156
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
do, diz que algo tem de subsistir, logo,
o legislador negativo também é legislador positivo – vi o Ministro Ives ontem, mas não quis fazer reparo, mas
estou convencido de que podemos ser
legisladores negativos.
A própria Constituição coloca enormes
desafios quando dá um instrumento
do mandado de injunção, da ação direta por omissão, e exige um posicionamento. O mandado de injunção, como
sabido, tinha, inicialmente, afeição, segundo o Supremo entendeu no mandado 107, em que deveria apelar ao legislador, mas não fazer a lei. Esta era a
posição do Supremo, que muitos, em
tom dramático, disseram que ele havia matado o mandado de injunção,
que havia acabado com o mandado de
injunção; e isto por quê? Porque o Supremo apelava e, claro, como isto não
estava no script o Congresso em geral
não tomava conhecimento desse apelo; não se encontrou uma organicidade para dar ritmo a isto, tanto é que o
Supremo decidiu romper e atravessou
o rubicão quando disse, nesse caso de
direito de greve, que não daria mais.
São vinte anos dessa jurisprudência,
apelos e mais apelos, era uma época
em que se falava de lei complementar para direito de greve, depois, tornou-se ordinária, e nada. Diante deste
impasse, o Supremo propôs a regularização, tomando, é claro, como paradigma a lei aprovada pelo Congresso,
inclusive, no aviso prévio proporcional foi uma discussão muito interessante no plenário, porque o supremo
já estava com vontade de legislar, ago-
ra, tinha mudado de posicionamento,
e era muito interessante.
Este foi um dia curioso, porque havia
ido assistir ao final da Libertadores, em
que o Santos saiu vitorioso, mas comecei a ficar preocupado quando via
discussão no plenário em que alguns
queriam fazer a lei – e aí percebe-se a
dificuldade de fazer leis – e os deputados queriam fazer a lei, detalhavam
tudo; outros diziam que tomariam como base o paradigma que tramitava no
Senado como, por exemplo, os vários
projetos sobre aviso prévio proporcional tramitados pelo Senador Paim, conhecido como alguém que se dedica à
causa dos trabalhadores.
Esta sensação complicada de navegar
num mar de processos lembra o parlamento árabe; não se chegava a um
acordo e, depois, eram feitas críticas
ao Congresso pela omissão, o que não
é verdade. São alternativas muito bem
desenhadas aqui, mas prometo trazer
numa das próximas sessões, tendo em
vista serem colaborações valiosas e complexas para que se organize a ideia; o
Ministro Marco Aurélio prometia, porque aqui é uma questão muito complexa de direito comparado, os senhores bem sabem que se pode prometer
dar o céu para quem tem dez ou vinte
anos na empresa, mas isto leva ao fenômeno de engenharia institucional
em que aquelas pessoas que adquirem esses direitos sejam eliminadas.
Certamente, não haveria pessoas com
mais de oito anos, se o legislador assim estabelecesse; por outro lado; se
o Tribunal fosse muito generoso nes-
157
Gilmar Ferreira Mendes
ta concepção, poderia haver risco, que
seria colocar o Congresso em xeque.
Esta é uma temática aquém do Supremo Tribunal Federal, difícil do ponto
de vista da divisão de poderes, da própria legitimação democrática, e envolve culturas laborais; depende de você ter um mercado jovem ou ter um
mercado mais envelhecido nas relações laborais; e quem pode fazer esta
avaliação senão o Congresso Nacional com suas antenas ligadas à sociedade? Se isto fosse definido do ponto
de vista técnico, formal, não seria difícil, só que, talvez, fosse criado um engessamento ou emperramento no sistema, então, o melhor seria aguardar.
Na manhã seguinte, acorreram ao meu
gabinete os dois lados conflitados – aí
se entende essa paralisia do Congresso – cada um defendendo posições diferentes, e isso leva a uma paralisia no
Congresso Nacional. Disse, então aos
interlocutores que o Supremo decidiria e, certamente, fixaria um critério,
porque já rompeu o rubicão no direito de greve e, agora, vai avançar. Isto
levou ao destravamento, não do Congresso, mas dos grupos que estavam
em conflito ali, dos interesses que estavam articulados, que levavam a movimentação para um lado e a paralisia
para outro. Em poucos dias, o projeto
foi aprovado, é na nova lei que trata do
aviso prévio proporcional; e as pessoas perguntam: como?
Na verdade, é inexplicável, mas também, não dá para transformar isto em
norma, em paradigma; mostra, apenas que é possível a existência de um
diálogo institucional, que se deu de
maneira informal. Nós mesmos passamos a aplicar o entendimento legislativo nos antigos mandados de injunção que estavam lá presentes como,
por exemplo, em um caso que esteve
em minha relatoria de um trabalhador que trabalhou na Vale do Rio Doce por 40 anos; era preciso, portanto,
que se adotasse algum tipo de critério
mais adequado, porque poderia se fixar um critério mais razoável que, também, pudesse parecer estranho, tendo em vista as múltiplas apreensões
que o legislador tem de fazer para regular uma matéria como esta; ele pode fazer o teste keirsey, se arrepender, inclusive, daquilo que fez. Este é
um caso importante que não poderia
ser esquecido quando o contexto envolve as construções ligadas ao direito constitucional do trabalho.
Ontem, o ministro trouxe e colocou em
pauta o PDV do BESC de Santa Catarina,
recém decidido pelo Supremo. Sabese que a jurisprudência do TST ia numa outra direção, pois entendeu que,
a despeito do acordo, era possível haver a reivindicação de caráter individual. Acredito que o Tribunal aprendeu
bem a matéria e o Supremo também.
Neste caso, não se falava de hipossuficiente, mas sim de relação equilibrada entre sindicatos em que era possível valorar a decisão tomada.
O Ministro Ives fez uma consideração
que aguçou a curiosidade acadêmica,
que foi a questão do dissídio coletivo, a necessidade do requerimento ou
das duas partes em comum acordo; ele
colocou que a dificuldade era a greve,
158
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
mas acredito na dificuldade de algumas categorias fazerem greve. Tudo isto me despertou para a necessidade
de reflexão sobre um outro elemento
que, mesmo não sendo tematizado de
maneira devida no âmbito do direito
constitucional, é colocado como lacuna constitucional e que é um caso notório aplicável, não ao direito do trabalho, mas à justiça do trabalho e que fui
relator. É sabido que há uma norma no
texto constitucional que regulamenta
a composição da justiça do trabalho e
diz que será composta por membros
do Ministério Público do Trabalho com
dez anos de carreira jurídica.
Acontece que, como foram criados muitos tribunais do trabalho, chegou o momento em que não mais havia número
suficiente de procuradores aptos nos
critérios constitucionais, assim devese lembrar o Ministro Ives. Diante do
impasse, o procurador geral e o Conselho do Ministério Público estabeleceram uma portaria, uma resolução
permitindo a indicação de procuradores com menos de dez anos, desde que
estivessem estabilizados, efetivados,
portanto, inamovíveis.
Esta era a premissa, a MB entrou com
ADIN contra essa resolução do Conselho do Ministério Público que, inclusive, havia sido assinada pelo procurador geral Geraldo Brindeiro e acolhida
pelo Supremo. Foi um tumulto geral,
porque ainda não havia modulação e
defeitos; foi em uma fase anterior. Era
estranho para as pessoas verem que o
sujeito que entrara na lista não havia
sido escolhido ou que alguns deles já
eram presidente de tribunais ou que
já haviam deixado de sê-lo. A declaração do Supremo da inconstitucionalidade com eficácia ex tunc dessa
matéria provocou uma celeuma enorme, mas certo é que a decisão havia
sido tomada.
À época, ainda estava em vigor para
ADIN o regimento interno do Supremo
que permitia embargos infringentes,
desde que houvesse quatro votos; havia
quatro votos, os mesmos quatro votos
fatídicos desses embargos infringentes da ação penal 470. Acontece, porém,
que os embargos infringentes foram
agora revogados na ADIN – Lei 9868 – e
não mais contempla essa possibilidade, pois, não sendo mais embargos de
declaração, já não mais contemplam
os embargos infringentes. Esta ação,
que era da relatoria do meu antecessor Néri da Silveira, veio parar em minhas mãos; ficaram, então, comigo os
embargos infringentes.
Outro tema, que também foi abordado
ontem pelo Ministro Ives, foi a preocupação de justiça e que, evidentemente, à luz do texto constitucional, não
havia alternativa. Sabe-se que critério
de justiça não é, poderia presidir uma
decisão que mandasse aquele procurador lá de Cuiabá ou de Goiânia voltar para a procuradoria, onde, supostamente, seria o mais antigo. Oras, o
sujeito se habilitou, entrou na lista –
que de sexta virou tríplice – foi escolhido e, agora, no momento da aposentadoria como juiz tem a sua designação
desfeita.
De fato, este é um tema que desperta,
aguça a curiosidade intelectual que,
159
Gilmar Ferreira Mendes
por um sentimento de justiça, procurei examinar. Primeiramente, encontrei a fonte inspiradora, nosso amigo
do IDP, professor Peter Häberle de Granada, inclusive há até uma subsede
Peter Häberle de Granada aqui - cujo
texto magnífico fala que a Constituição nunca pode ser interpretada de
maneira literal, mas no sentido de desenvolver um pensamento de possibilidade, mesma linha defendida por
Zagrebelsky no direito dúctil, numa interpretação com uma dose de razoabilidade, de flexibilidade, de compreensão, de possibilidade de atualização.
Outro texto de Chaim Perelman, de lógica jurídica, narra uma coisa curiosa,
Ives, que aconteceu na primeira guerra, em que o rei teve de sair da Bélgica
e se colocou no Havre, ali num porto
francês, e passou a regular a vida belga com decretos; mas a constituição
belga dizia que só era possível expedir atos em conjunto com o parlamento, de maneira claramente inconstitucional. Após a guerra, o rei volta e se
depara com a questão da constitucionalidade ou não dos decretos, das leis
dos decretos como se fosse lei, lançados pelo rei. E é um Procurador Geral
Belga do que fornece uma das partes
mais curiosas sobre o tema quando dizia que as leis são pensadas para momentos, normalmente, de regularidade;
raramente, elas atentam para momentos excepcionais. Neste caso, há que
se construir uma regra, uma disposição transitória, ninguém poderia imaginar que o rei belga teria de fugir para a França e de lá expedir decretos.
Pode-se dizer que é inconstitucional,
há que se identificar esta lacuna no
texto constitucional, que será colmatável pela interpretação. Em nosso caso, o constituinte não pensou que haveria falta de procuradores com mais
de dez anos, tendo de construir uma
disposição transitória razoabilíssima,
que é materializada na resolução do
conselho. Infelizmente, esses embargos infringentes foram acolhidos pelo
Tribunal, e a Lei, a norma declarada inconstitucional agora, de fato, foi declarada constitucional. Talvez, a identificação aqui de uma lacuna constitucional
ilumine a solução para o tema suscitado ontem pelo Ministro Ives Gandra.
Há também questões roçadas aqui muito preocupantes como, por exemplo, o
trabalho análogo ao de escravo e que,
às vezes, a jurisprudência do tribunal
dá sinais de vacileis, especialmente,
na área criminal depois da alteração
do texto legal. Claro que, mais do que o
código penal, empreendedores temem
a própria fiscalização do Ministério Público do Trabalho, tendo em vista os paradigmas estabelecidos em portaria alguma. Fazem até um quadro caricato
dizendo que, se não houver uma certa dose de conforto, como o tamanho
das camas, do beliche ou coisas do tipo, já se pode caracterizar o trabalho
como escravo.
Lembro-me, perfeitamente, de um caso
penal aqui no Tribunal – parecia mais
uma brigada - Ministério Público, Polícia Federal, fiscais do trabalho numa
dada fazenda. Por lá, dizia que faltava água, mas as condições da fazenda, também, eram precárias; e o mun-
160
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
do rural brasileiro possui estas coisas,
esse mundo que parece quase de fantasia, com alta tecnologia capaz de nos
colocar destacados, realmente, no cenário internacional do agrobusiness e
tudo o mais. Há, talvez, esse mundo de
uma classe pobre ou média baixa que
lida com condições muito difíceis às
quais o homem rural também é muito acostumado.
Fato é que fui ler a narrativa dos fiscais
do trabalho em que havia uma passagem, diga-se de passagem, gostosa de
ler do ponto de vista literário; um senhor contratou um grupo de trabalhadores - contratados por esses chamados gatos - para trabalhar na campina,
na roçagem de pasto sendo, portanto,
um trabalho temporário. Veja o quanto aquele homem era impiedoso, pois,
além do o trabalhador, leva também o
filho deste trabalhador; e o futuro das
crianças do Brasil?
Perguntei, então ao procurador que estava sentado na sessão em que fora julgado o processo se eles haviam verificado aonde esta criança fora parar; se
haviam-na tirado de lá e colocado em
um educandário, porque é fácil panfletar sobre esta questão, mas o necessário é levar em conta a realidade
sob pena de se fazer constitucional.
É preciso que sejam feitas aproximações e que se tenha essa visão da realidade. Novamente, me reporto às assimetrias verificadas com o trabalho
não digno, com o abuso, com o trabalho de caráter cruel ou degradante, em
que se faz necessário aplicar o ideário
de razoabilidade.
Outro tema, que também tem chamado
minha atenção nesse inventário, possui relação estreita com o direito do trabalho. Foi um caso da relatoria da ministra Carmem Lúcia, o RE 673/335 e a
reclamação 14145, que dizia respeito a
concurso público para preenchimento
de cargos de delegado, escrivão, perito e agente criminal da Polícia Federal. Essa decisão, embora seja parâmetro da Administração Pública, deve ser
aplicada ao setor privado; nela o Supremo estabeleceu a priori não poder
excluir a participação dessas pessoas
nos certames destinados ao preenchimento de determinados casos, valendo também para os empregados da atividade privada.
O último tema – sempre mencionado
nas palestras – é o da ação declaratória
16, do Governador do Distrito Federal,
cujo objetivo era o Artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8. 666, a responsabilidade
subsidiária, objeto de tantos embates
no TST e no Supremo Tribunal Federal. Na ocasião do julgamento, deixei
claro que o texto da súmula 331 acabaria por revogar o preceito mencionado no Artigo 71; ao final, o Supremo
concluiu pelo procedimento do pedido e pela constitucionalidade da norma, reconhecendo a impossibilidade
jurídica de se transferir automaticamente para a administração pública
os encargos trabalhistas fiscais e comerciais resultantes de execução dessa espécie de contrato.
Há também os embates associados à
terceirização, não essa discutida em âmbito geral no contexto agora do projeto
votado na Câmara e pendente, ainda,
161
Gilmar Ferreira Mendes
de apreciação pelo Senado; inclusive,
foi objeto de consideração do ex-Ministro Senador Crivella ontem no debate. Mas essa terceirização prevista,
relação meio e fim nas legislações da
privatização, e que tem sido objeto de
também continuada discussão no âmbito da justiça do trabalho e, também,
no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Sem tomar partido em relação a este
tema, volto às premissas iniciais da
minha fala, evidentemente, que se deve levar em conta a preocupação com
o tratamento digno dado ao trabalhador, a rigidez com relação aos contratos de trabalho na inteireza de suas
condições.
Este, inclusive, é um trabalho da justiça do trabalho pedagógico, porque é
claro que se tem ainda hoje, e por razões diversas, um grau elevado de informalidade. Sendo assim, a canonização de determinado regime, a relação
de meio e fim que descamba para um
campo filosófico.
Neste setor, o Ministro Ives Gandra é
especialista; quando não se sabe nem
o que é meio e fim, tendo em vista a
complexidade das atividades. A todo
momento chega um exemplo, como as
indústrias que hoje estão sendo compostas, e com toda esta alta tecnologia,
com todo este quadro especial, o que
é atividade meio e atividade fim, em
um dado momento, perde-se. Exemplo maior é o de uma montadora com
tantas especificidades que era difícil
estabelecer, realmente, o que era atividade meio e o que era atividade fim;
assim, tudo acabava, de alguma forma,
sendo chamado de terceirizado. Mas
todos eram treinados e tinham de ter
aquele padrão exigido para qualidade
dos automóveis a despeito do estatuto
jurídico ou do regime jurídico de cada grupo que participava da empresa,
vinculado, até mesmo, a outra empresa. Evidentemente, esse debate é extremamente difícil de se fazer, e talvez
revele um erro de perspectiva, por isso
é preciso estar atento a essa evolução,
mas em hipótese alguma, deve-se baratear a proteção do trabalhador, não
se pode colocar isto em risco, deve-se
estar atento à evolução.
O encerramento vem como o começo:
chamando a atenção para as grandes
responsabilidades; lembrar Víctor Nunes Leal é sempre oportuno, porque,
de alguma maneira, há quase uma primazia de deixar o erro por último e isto traz o ônus da responsabilidade; o
sistema pode ser engessado de tal maneira que, talvez, historicamente, não
seja possível um pedido de desculpas.
Sem dúvida, é facultado ao legislador
que esteja editando uma nova lei desculpar-se, dizer que foi infeliz, mas para
o juiz, muitas vezes, não há esta possibilidade; e a história não saberá perdoar, será crudelíssima.
A responsabilidade da jurisdição trabalhista reside, exatamente, na preocupação com estes aspectos, pois, em
parte, também é uma jurisdição constitucional; não por sua competência,
mas porque lida com direitos inseridos no texto constitucional, evidentemente, há todos estes desafios das
assimetrias do nosso estado, com rea-
162
II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
lidades diferentes, que se manifestam,
inclusive, nos estados mais desenvolvidos. Uma coisa é a grande São Paulo e toda aquela realidade, outra coisa
é o Vale do Ribeira, do próprio estado
de São Paulo; isto sem falar do norte
e nordeste e em tantas outras realidades que se tem no Brasil afora. Este é apenas um dos grandes desafios.
O outro desafio é fixar uma orientação que sirva de paradigma, se não irreversível, pelo menos, duradouro par
um país que caminha a passos largos e
que continua a acreditar. Para sua entrada no cenário das nações desenvolvidas, as soluções momentâneas servem apenas como advertência e hão de
servir para que encerremos esta mania de improvisação – e tenho falado
muito sobre isso.
Cabe aqui, dar passos lentos e seguros,
o deputado com gambiarras institucionais, por exemplo, tem de ser encerrado; e vale dar passos lentos e seguros.
A concepção de gastar da responsabilidade fiscal significa não gastar mais
do que se arrecada, não gastar mais
do que ganha – isto não é de esquerda
ou de direita, mas o mais legal. Quando se tenta explicar a lei de responsabilidade fiscal no Governo Fernando
Henrique Cardoso – e hoje cada um
aqui sente orgulho de haver integrado à equipe do presidente – tendo em
vista o grau de responsabilidade que
ele revelou para a coisa pública. Quanto mais se conhece outros governantes, mais cresce a admiração por esse
grande brasileiro.
Uma boa metáfora para explicar tudo
isto é a da dona de casa, ela não gasta
mais do que recebe – que fique claro
não se tratar aqui de direita ou de esquerda, ou envolver desenvolvimentistas, estruturalistas ou fiscalistas, ou
seja lá o que for. Isto envolve regras de
bom aviso, de boa gestão; regras elementares de boa gestão e é preciso que
se esteja atento a essas referências e
a esses patamares.
Por outro lado, não podemos imaginar
que, ao deliberarmos no alto das nossas sabedorias sobre como devem ser
as regras interpretadas, do outro lado
há alguém algemado e submisso, isto
é um processo que a teoria dos jogos
explica; este ator buscará novas formas de ação, por isso devemos estar
atentos a essas novas responsabilidades, porque como dizia Victor Nunes
Leal, também era aplicado o agora por
analogia ao âmbito da jurisdição. Nossos afazeres assemelham-se, também,
aos dos acondicionadores de explosivos, em que o resultado não será tão
espetacular, mas pode ser igualmente desastroso.
É preciso que tenhamos em mente cada dia, em cada afazer ligado a essa
difícil atividade hermenêutica, essa
múltipla complexidade e, certamente, haverá erros e acertos, mas o importante é que haja abertura para isso, que sejam calçadas as sandálias
da humildade em cada sessão realizada. Do ponto de vista acadêmico, isto
é extremamente necessário, porque
representa uma perspectiva; são estudos, inclusive, que balizam as reflexões hermenêuticas, a partir da ideia
163
Gilmar Ferreira Mendes
da pré compreensão, que é um modelo
de se aproximar de um resultado bom
ou ótimo de interpretação.
Como juiz, quando se começa a estudar um caso particular, a gente vivencia isto; e como intérprete em várias condições em que se afirmar que
o resultado será aquele, porque a précompreensão não era parte pri, não era
uma parcialidade, mas apenas um início necessário de caminhada.
Talvez tenha deixado alguns temas sem
tocar na jurisprudência do Supremo,
mas espero ter tocado alguns outros;
alguns, inclusive, estão abertos como
é o caso da temática da terceirização,
que é, ainda objeto de debates; salvo
engano, há até dois temas de repercussão geral e quero deixar claro nosso
compromisso com a academia e com
a Constituição. Na verdade, se houvesse um lema que caracterizasse o IDP
seria o Compromisso com a Constituição, respeito a suas regras básicas,
compromisso com a academia e, reiterando as palavras do Ives Gandra,
busca contínua, incessante da verdade.
Referindo-me novamente ao querido
professor Peter Häberle, de Bayreuth,
que dizia que é por isso que o direito é
bonito. Dizia, também, que nós caminhamos para, a partir de uma pré-compreensão chegarmos como resultado
hermenêutico a uma pós-compreensão, como resultado de todo o afazer;
dizia que a caminhada não se encerrara aqui, porque a pós-compreensão,
que é resultado do nosso trabalho, do
círculo hermenêutico etc. é a pré-compreensão do futuro. Esta conquista é
apenas a base para que se continue
discutindo, por isso, os debates não
se encerram – a sociedade continua a
exigir atualização.
Nós do IDP ficamos honrados com a
presença de todos no II Seminário do
Direito do Trabalho, muito cultivado
e incentivado por mim e construído
pelo Ministro Ives, tenha acontecido
no auditório – novo espaço cultural do
IDP, cuja inauguração formal será em
outro momento; estamos felizes por
realizar este seminário de grandiosíssima e eloquente qualidade aqui em
nosso espaço, que se chamará Paulo
Brossard.
Ex-integrante do Supremo, ele é uma
figura de extrema grandeza, que granjeou o reconhecimento de todos. Há 20
ano, quando eu estudava na UNB, em
1976 e me dirigia ao Congresso Nacional, especialmente, ao Senado Federal,
era indescritível e muito interessante ouvir figuras como Paulo Brossard,
ainda tenho estas cenas gravadas na
retina.
A vida nos propicia esses privilégios
indescritíveis. Cresci fã do Santos e fui
colega do Pelé no ministério do Fernando Henrique. Assim aconteceu com
Paulo Brossard com quem convivi na
academia e, agora aposentado, não o
encontrei no Supremo Tribunal Federal, mas este homem fazia e faz deputados e senadores acorrerem para ouvir e encherem as galerias, momentos
muitos raros atualmente, pois, agora,
as galerias estão cheias é de grupos
reivindicantes; mas àquela época de
75 e 76, o Brasil era aquele que procu-
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
rava se refazer, reerguer-se, construir
a democracia.
A propósito de Paulo Brossard, que foi
o nosso especial homenageado do congresso de Direito Constitucional do ano
passado, foi dado a ele o título de Professor Honoris Causa do IDP, mas infelizmente, não pode vir porque estava muito adoentado; em seguida, veio
a falecer. Ele foi um dos comprometidos com a Democracia. Certo é que no
Brasil, até bem pouco tempo, acostumou-se a valorar os companheiros de
arma; dizia-se que o companheiro de
arma não lutara pela democracia; se
a luta tivesse sido exultosa, teríamos
um modelo como Cuba ou China, logo, não eram pessoas comprometidas
com democracia, porque aqueles que
lutavam por ela estavam no parlamento, pois a democracia fora construída
lá e Paulo Brossard foi um destes homens. De fato, ele contribuiu para a
construção desse estado Constitucional, cultivado até hoje e orgulho para
muitos. Eis o porquê desta homenagem ao atribuir o nome deste jurista
ao espaço cultural do IDP, que corresponde ao auditório e ao espaço para
exposições.
sar das limitações trazidas pelo tempo.
Finalizo, deixando aqui minha alegria
em ter estas ilustres pessoas homenageadas neste espaço acadêmico do IDP.
Outra homenagem, e não menos importante do IDP foi atribuir à biblioteca do IDP – aberta a todos os estudantes e ao público da Asa Sul de Brasília
– o nome Biblioteca Ministro Moreira
Alves, homenageando um dos maiores juristas de todos os tempos do Supremo Tribunal Federal, um dos maiores doutrinadores nas áreas por onde
atuou e que, felizmente, ainda trabalha
conosco com toda sua dedicação, ape-
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Créditos da Publicação
créditos
da publicação
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Promoção
InstInstituto Brasiliense de Direito Público (IDP)
Escola de Direito de Brasília (EDB/IDP)
Escola de Administração de Brasília (EAB/IDP)
Mestrado Acadêmico em Direito Constitucional (EDB)
Organização
Gilmar Ferreira Mendes (STF - IDP/EDB)
Coordenação Científica
Gilmar Ferreira Mendes (STF - EDB/IDP)
Paulo Gustavo Gonet Branco (EDB/IDP)
Coordenação Geral
Dalide Corrêa (EDB/IDP)
Coordenação científica
Gilmar Ferreira Mendes (STF - EDB/IDP)
Paulo Gustavo Gonet Branco (EDB/IDP)
Ives Gandra Martins Filho (TST)
Coordenação Acadêmica
Maria de Fátima Cartaxo de Mello (EDB/EAB)
Jairo Schäfer (EDB/IDP)
Sérgio Antônio Ferreira Victor (EDB/IDP)
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Créditos da Publicação
coordenação Editorial
Ana Paula de Azevedo e Silva (IDP)
Melina de Souza Bandeira Ferreira (IDP)
Revisão
Eliana Luíza de Azevedo
Comunicação
Célia Regina dos Santos (IDP)
Guilherme Zuza (IDP)
Colaboração
Eliana Vieira Silva (IDP)
Fernando Rios (EDB/IDP)
Gabriela Jardim (IDP)
Laila Alves (IDP)
Maria Clara Nascimento (IDP)
Marília Parreiras Campos (IDP)
Diagramação
Marja de Sá
Tiragem
500
Impressão
Gráfica Coronário
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