II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
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II Seminário Internacional de Direito do Trabalho
Série IDP Eventos II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Harmonização das Relações de Trabalho ORGANIZADORES Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco AUTORES Antonio Umberto de Souza Júnior, Cláudio Mascarenhas Brandão, Douglas Alencar Rodrigues, Gilmar Ferreira Mendes, Guilherme Caputo Bastos, Guilherme Machado Dray, Ives Gandra Martins Filho, Joaquín Pérez Rey, Luciano Fuck, Márcio Eurico Vitral Amaro, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga, Maurício Rands, Noêmia Aparecida Porto, Paulo Gustavo Gonet Branco, Renato de Lacerda Paiva, Walmir Oliveira da Costa IDP Brasília 2016 Seminário Internacional de Direito do Trabalho: Harmonização das Relações de Trabalho (2. : 2015: Brasília, DF). II Seminário Internacional de Direito do Trabalho: Harmonização das Relações de Trabalho / Organizadores Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. – Brasília: IDP, 2016. XXXp. (Série IDP Eventos) ISBN: XXXXXXXXXXXXXXXXXXX DOI: XXXXXXXXXXXXXXXXXXX 1. Direito do Trabalho. 2. Direito dos Trabalhadores. 3. Enquadramento Sindical. 4. Autonomia Negocial Coletiva. I. Título.II. Gilmar Ferreira Mendes. III. Paulo Gustavo Gonet Branco. CDDir 341.2 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Nota dos Editores Esta publicação decorre do II Seminário Internacional de Direito do Trabalho, realizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), pela Escola de Direito de Brasília (EDB/IDP) e pelo Mestrado Acadêmico em Direito Constitucional, nos dias 28 e 29 de setembro de 2015, no auditório do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) em Brasília/DF. Os textos aqui compilados são derivados das palestras proferidas no evento ou a partir de suas degravações, ressalvadas as devidas adaptações da linguagem formal escrita. Neste último caso, foi escolha dos editores a preservação do conteúdo dos discursos dos participantes, sendo extintos os traços de oralidade e de informalidade, não pertencentes à língua padrão escrita. 3 sumário 6Prefácio Gilmar Ferreira Mendes 10Apresentação Paulo Gustavo Gonet Branco 12 Capítulo 1 Os Novos Modelos de Contratação 13 Ives Gandra Martins Filho 22 Cláudio Mascarenhas Brandão 33 Maurício Rands 40 Capítulo 2 Danos Morais nas Relações de Trabalho 41 Maria Cristina Irigoyen Peduzzi 47 Walmir Oliveira da Costa 55 Capítulo 3 Marcos Regulatórios para a Terceirização no Brasil e no Mundo 56 Guilherme Machado Dray 65 Joaquín Pérez Rey 73 Capítulo 4 Duração do Trabalho 74 Douglas Alencar Rodrigues 84 Noêmia Aparecida Porto 4 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho 92 Capítulo 5 A Extinção do Contrato de Trabalho 93 Antonio Umberto de Souza Júnior 100 Márcio Eurico Vitral Amaro 107 Capítulo 6 Enquadramento Sindical 108 Guilherme Caputo Bastos 132 Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga 140 Capítulo 7 Limites da Autonomia Negocial Coletiva 141 Luciano Fuck 144 Renato de Lacerda Paiva 151 Gilmar Ferreira Mendes 5 Gilmar Ferreira Mendes prefácio Gilmar Ferreira Mendes* * Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e docente permanente da Escola de Direito de Brasília do Instituto Brasiliense de Direito Público (EDB/IDP). 6 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. 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Morbi vel mauris ipsum. Cras pretium ultricies ultricies. Phasellus sit amet est sagittis, blandit ante sit amet, sollicitudin nisl. 7 Gilmar Ferreira Mendes 8 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho 9 Paulo Gustavo Gonet Branco apresentação Paulo Gustavo Gonet Branco* *Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília; Sub-procurador Geral da República e Coordenador do Mestrado Acadêmico da EDB/IDP. 10 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho O II Seminário Internacional de Direito do Trabalho, realizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP entre os dias 28 e 29 de setembro de 2015, reuniu juristas empenhados no estudo dos desafios contemporâneos desse ramo da nossa ciência. Juízes e integrantes dos últimos estratos do Judiciário, membros do Congresso Nacional, advogados militantes e delegados de organizações sociais tiveram a oportunidade de expor como encaram os mais recentes desafios a serem enfrentados no âmbito das relações laborais, apresentando as suas perspectivas. Esta obra compila as mensagens compartilhadas oralmente e está à disposição, gratuitamente, dos interessados em se atualizar e em se municiar para a mais consistente participação nos debates abertos pelo momento social. Nas próximas páginas, o leitor encontrará dissertações sobre temas correspondentes a palestras proferidas, que se desenvolveram a partir de títulos como Os Novos Modelos de Contratação: Relações Colaborativas, Autônomo e Economicamente Dependente; “Share Job”; Teletrabalho; “Pejotização” e EIRELIS; Danos Morais nas Relações de Trabalho; Marcos Regulatórios para a Terceirização no Brasil e no Mundo; Duração do Trabalho; A Extinção do Contrato de Trabalho; Dispensa em Massa; Dispensa Discriminatória; e Limites da Autonomia Negocial Coletiva. O derradeiro texto corresponde ao que foi debatido no painel O Di- 11 reito do Trabalho na Visão do Supremo Tribunal Federal – STF. A obra reflete o compromisso do IDP e, particularmente do seu mestrado acadêmico, com a pesquisa jurídica e se soma a outras tantas iniciativas da Casa de estimular discussões sobre temas de relevância contemporânea, de forma aberta e inclusiva de todas as correntes do pensamento jurídico. A leitura dos textos, revelando a troca de experiências ocorrida no evento, transparece a vocação consolidada do IDP de servir de espaço propício à produção consistente de conhecimento qualificado. Agradeço a todos os participantes do II Seminário Internacional pelas contribuições de que todos os leitores deste volume poderão agora se beneficiar. 1 Os Novos Modelos de Contratação: Relações Colaborativas, Autônomo Economicamente Dependente, “Share Job”, Teletrabalho, Pejotização e EIRELIS 12 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Integração entre Legislativo e Judiciário na solução dos Problemas Laborais Ives Gandra da Silva Martins* *Doutor em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Presidente do Tribunal Superior do Trabalho; Professor da Universidade Mackenzie, da Universidade Paulista e da Escola do Comando do Estado Maior do Exército. 13 Ives Gandra da Silva Martins Bom dia a todos. Reitero aqui minha imensa satisfação por realizarmos esse II Seminário Internacional de Direito do Trabalho; cumprimento o Ministro Gilmar Mendes, um dos seus idealizadores, promotores e incentivadores, o Ministro Cláudio Brandão, colega dileto do Tribunal Superior do Trabalho, os ministros do STM, Ministro Barroso e Ministro Joceli; Ronaldo Fleury, procurador geral do trabalho. Cumprimento, também, a todos os palestrantes da Ibéria, da Espanha e de Portugal, que vieram abrilhantar nosso seminário, professores, juízes, procuradores, estudantes que se reúnem neste auditório cuja inauguração acontece neste seminário. Desde o começo do IDP, que antes ficava em uma casinha lá no Lago Sul, participei com o Ministro Gilmar Mendes dos primeiros cursos de pós-graduação, de especialização – e muitos dos que aqui estão participaram daqueles momentos. Para mim, então, é uma grande alegria, uma grande emoção ver, não apenas o novo edifício já funcionando com tantas atividades ou cursos de graduação e de pós-graduação, mas por ver concretizada a inauguração deste auditório tão bem instalado. Aliás, se soubesse que nesta parte da exposição estaria tão bem servido do PowerPoint, teria preparado minha apresentação com este recurso. A ideia deste seminário – como reflete o próprio título desta palestra inaugural – é conseguir uma integração maior entre o poder legislativo e o poder judiciário para que juntos consigam pensar, resolver, analisar, enfrentar os atuais e principais problemas trabalhistas enfrentados pelo país e, para isso, nada melhor que ouvir as experiências de especialistas de outras plagas, de outros países. Portanto, a ideia é congregar visões distintas do problema trabalhista. Esta visão pluralista internacional é definida sempre que o Ministro Gilmar Mendes e eu organizamos essas atividades, pois esta visão pluralista internacional traz em seus vários painéis pessoas que pensem de formas diferentes, que apresentam tendências variadas, que vejam os vários ângulos do problema laboral. Na maioria das vezes, os painéis apresentam as formas diferenciadas de se analisar o problema, mas convergem na intenção de dar-lhe um foco acadêmico. Se a intenção é embasar o legislativo e o judiciário com elementos mais profundos, mais sólidos para a solução dos problemas laborais, há a necessidade de ir à academia, vir aqui para discutir, estudar e debater. Entendo que o sólido embasamento teórico para projetos de lei, decisões judiciais, devem estar embasadas na excelência ética, não no achismo pragmatista, no idealismo de trabalho de mero gabinete. O ideal seria conjugar a excelência ética com a excelência técnica, ou seja, bons profissionais atualizados, mas ao mesmo tempo, que tragam valores e prezem estes valores e os coloquem como norte para encontrarem as melhores soluções. Lembro bem quando eu e o Ministro Gilmar Mendes participávamos de atividades em um centro de extensão universitário paulista que meu pai, desde 14 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho 1975, já realizava Seminários de Direito Tributário. Sempre que começava um seminário, ele afirmava que a ciência se faz com a verdade, e não com a vaidade porque, como diria Aristóteles, a verdade é adequação da mente à realidade, não o contrário; a realidade tem de ser aceita, acreditada, ao contrário de acreditar que seja aquilo que se passa pela cabeça. Claro está que este é o grande problema das ciências sociais esquecido por todos nós, ao contrário do engenheiro, por exemplo, que não se esquece que existe a lei da gravidade e que não pode desconhecê-la. Nessa área das ciências sociais, nós acreditamos que o papel aceita tudo. Veja bem, a economia tem as suas leis, as leis do mercado, e é difícil encontrá-las; para nós das ciências sociais também há; como no caso da seara trabalhista, que estuda como compor o conflito entre o capital e o trabalho de forma a tornar harmônicas as relações laborais e não assinar o conflito. Aqui estão integrantes do meu gabinete para quem sempre digo, sem que antes o diga a mim mesmo, que devemos nos conscientizar de que vamos à casa dos outros, aos vários ambientes laborais, compor o consumo que há nestes ambientes e, para isso, nós trabalhadores do Ministério Público do Trabalho temos de ser especialistas em relações, termos essa sensibilidade social para perceber o que nas nossas decisões pode, efetivamente, compor, repensar como pode, vez ou outra, acirrar para um lado ou para outro esse conflito. Por esta razão, gostaria de dar um caráter mais acadêmico a esta palestra inicial do seminário e, um enfoque na filosofia clássica me parece a melhor escolha, por ser a filosofia aristotélica um dos maiores marcos teóricos. Certo que, os gregos ensinaram a arte de pensar, mas inegavelmente, os romanos ensinaram a organizar juridicamente a sociedade; e não à toa, nossa civilização vem da civilização greco-romana. Aristóteles definiu a ciência como o conhecimento certo pelas causas; quando se conhece algo, só se pode dizer que conhece de fato quando se sabe responder sobre suas quatro causas: a causa, as duas causas internas ao fenômeno, as coisas e duas causas externas; um pouquinho de filosofia, já estudada por muitos na faculdade – causa material, causa formal, as causas internas; a eficiente e a causa final, ou causas externas. Neste sentido, quando são respondidas estas quatro questões para um determinado fenômeno, pode-se dizer que o conhecimento é profundo em relação a ele, porque há especificação da causa material, do que é feita alguma coisa; a formal, como ela é; a eficiente, de onde surgiu quem fez e a causa final, que é a causa das coisas. Veja esta cadeira em que está sentado o doutor Maurício Rands, por exemplo, se fosse falado de que material ela é feita, seria a primeira causa material; sobre seu formado abaloado, ela possui uma disposição que tende a um fim; eficiente e quem fabricou. Certamente, a doutora Dalide saberia quem fabricou, mas a causas das causas que 15 Ives Gandra da Silva Martins mais definem as coisas, é exatamente a causa final, que é: a cadeira serve para sentar-se. Claro está que, quando conjugadas as várias respostas, chega-se à última, que é a causa final, pois se consegue entender a fundo o que é aquilo, qual é este mundo; o que é uma cadeira? Um objeto para se sentar; o que é uma casa? É uma estrutura para se morar, para se habitar. Pois bem, quando se pensa e se aplica toda esta teoria das causas ao direito, à seara jurídica, a resposta correta aparecerá, pois, o sentido de toda a atividade jurídica será encontrado, quer sejamos legisladores, juízes, procuradores, advogados, membros do Ministério Público ou da Defensoria Pública. Relacionando a ideia filosófica ao direito, surgiriam as quatro causas: qual seria a causa material da justiça? Qual seria o objeto da justiça? Ulpiano, jurista romano, respondeu que seria o objeto material e o objeto formal, ao dizer o que a justiça era suum cuique tribuere, dar a cada um o que é seu, ele definiu objeto material, objeto formal; a matéria da justiça é o direito de cada um e a forma, objeto formal, a causa formal da justiça é o dar, o distribuir, e o cuique tribuere: a cada um dar. As duas causas externas do direito são: a causa eficiente e a causa final; de onde surge o direito? Quem o constrói? Com que finalidade? Para onde se entende o direito? As respostas levam à distinção clara das causas eficientes do direito, uma causa a priori e outra a posteriori em que o legislador seria a causa a priori do direito. Considerando esta ideia, nos seminários que acontecem no IDP, os moderadores de cada painel são parlamentares ou ex parlamentares. Desta forma, o legislador será capaz de dizer, prévia e abstratamente, se houver conflito social nestas circunstâncias, o direito pertence a ele, se houver um conflito social nessas outras circunstâncias, previamente, ele define que pertence àquele. Agora, a causa eficiente a posteriori da justiça é o juiz – quem vai aplicar a lei abstrata ao caso concreto, mas também, existe um tipo de magistrado que fica entre a causa a priori e a causa a posteriori, aqueles que fazem parte do Tribunal Superior, no caso, o Supremo Tribunal Federal – que compõe majoritariamente esta mesa - e tem por finalidade dar o conteúdo normativo da Constituição, dar o conteúdo normativo das leis federais, trabalhistas, as leis federais dos vários ramos do direito. Mas a causa final, a causa das causas, a causa causarum e para Aristóteles e para nós é saber que a finalidade da justiça é pacificar a sociedade. Cabe, exatamente, à justiça, daqueles que compõem o tripé da relação processual, daqueles integrantes da justiça em suas funções essenciais: o juiz e o advogado, que é o primeiro juiz da causa, o promotor que, como órgão agente vai agilizar suas ações ou vai atuar como quórum interveniente fazer com que a sociedade se pacifique. Isto só acontece quando o direito é dado a cada um, quando se reconhece aquilo que é justo a cada um; por isso, na bandeira do TST, hasteada fren- 16 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Às vezes, esta visão distorcida, por um lado ou por outro, faz com que esse recurso não estabeleça o equilíbrio; pode-se resvalar um viés progressista de criação de direitos que seja apagado e gere, assim, certa insegurança jurídica à sociedade. Isto é preocupante, porque quando o juiz vê determinado conflito, sente o problema do trabalhador, mas não possui base jurídica normativa clara que possibilite, que embase a decisão de sentir o sofrimento do trabalhador, seu sofrimento. Visivelmente, não há uma base jurídica normativa clara, não há lei que garante especificamente este direito, substanciada no princípio jurídico não muito bem concretizado, ou de baixa densidade. Deste modo, cabe usar o princípio da pessoa, da dignidade da pessoa humana. te ao tribunal há um dístico – para nos lembrar nas falas de sessão, em que lêse Opus Justitiae Pax – a obra da justiça é a paz. Frase do profeta Isaías usada para lembrar ao jurista que, se ele souber ser justo, e isto nem sempre é fácil, porque a justiça não é apenas a aplicabilidade fria da lei, não é somente entendê-la como insuficiente; então, vou me substituir ao legislador, nem aplicar friamente, nem deixar de aplicar; quer dizer, usando este arsenal de leis, de princípios, de normas; o que melhor compõe o convívio social. Caso não se consiga acertar essa equação, se não se aceitar com essa química, se não acertar com esta engenharia, a sociedade continuará reclamando, continuará sendo injusta, continuará conflituosa. Pensando bem, se a missão da justiça do trabalho é pacificar as relações laborais, pode-se correr o risco de contribuir para que o conflito se acirre; não se pode correr este risco, há a necessidade de que seja feito um exame de consciência todas as noites para se saber se realmente houve decisões que contribuíssem, de fato, para a pacificação do conflito. Neste sentido, há duas possíveis distorções que deixam claro o desvio daquele viés pretendido – que para os juízes do trabalho com um viés crítico para afastar totalmente a ideia de ser um viés de uma justiça classista; uma justiça em que sempre havia magistrados vendo o conflito com uma visão distorcida de que o melhor para o trabalhador é o melhor para a empresa. Cabe aqui lembrar um caso em que o STF teve de decidir com os dois lados, como na discussão sobre o aborto de anencéfalos, aqueles que defenderam a vida e dizendo que o que estava em jogo era a dignidade humana; aqueles que defenderam o direito da mulher a se libertar dessa vida deficiente de pouca possibilidade de ser viável o respeito ao direito da pessoa humana da mulher. Esta discussão precisou de baixíssima densidade normativa; o que não está explicitado, mas de relevante importância. O que se deve ter – e aqui aproveito para fazer uma autocrítica - é o cuidado em saber se as decisões não estão sendo muito ativistas e se este ativismo judiciário não gera uma insegurança jurídica. 17 Ives Gandra da Silva Martins Quando são impostas obrigações complexas de conteúdo forma, tendo como base princípios jurídicos não muito claros, uns dirão uma coisa, outros dirão outra, e o próprio empresário fica sem saber o que fazer. Do ponto de vista estritamente técnico é muito difícil encontrar como conhecer de um lado para estabelecer o quanto deve ser pago por dano moral, porque é muito difícil conhecer em si o dano moral; é difícil encontrar duas situações praticamente iguais; há que se deixar a experiência de estabelecer parâmetros para quantificação deste dano moral. A sétima turma, da qual faço parte, usou um parâmetro razoável – o quanto um banco está deixando de gastar porque não contratou um trabalhador de segurança, um vigilante para transportar esses bens, o quanto ele poupou e está usando o trabalhador bancário apavorado por carregar aqueles vinte ou trinta mil no bolso de uma agência para outra. O que pareceu razoável para a sétima turma, para outras pareceu elevado demais e para outras, pouco demais. Não se conseguiu resolver isso, parece que era uma questão que precisava ser resolvida; o problema do ativismo, então, do progressismo exagerado, e indo para o outro lado, do conservadorismo que não se coaduna com a evolução das condições sociais, das condições laborais. Se for considerada a lista de temas colocados aqui, são os mais candentes; inclusive, não sei dizer se a questão com o Gilmar Mendes, que é laboral e depende de uma resolução do Supremo – não possui regulamentado o adicio- nal de comodidade. O que se percebe é que as condições de trabalho evoluem, são pessoas que carregam materialmente pesos que, de fato, estafam, e que parâmetro será usado, que precisa ser regulamentado. Claro que o impacto deva ser regulado, o judiciário precisa intervir, não se pode fechar os olhos para essas questões. Portanto, os dois princípios básicos da doutrina social, que estão desde cedo acordados e não podem ser olvidados; o princípio da doutrina social cristã, a primazia do trabalho sobre o capital. Quando a justiça do trabalho leva em conta este princípio, a lei está clara, apesar da evolução nas competências judiciais de terem de ser interpretadas à luz da nova realidade ou, então, regulamentá-las. Exemplo claro é a Lei do esporte, cuja especialidade é do Teonaldo, que, simplesmente, revogou toda a CLT em matéria de normas trabalhistas e divulgou para a negociação coletiva; mas não conseguiu uni versar, veio para o TST. Fui o primeiro procurador a dar parecer no problema dos esportes e nem conhecia as condições; eis o princípio da primazia sobre o capital, do trabalho sobre o capital. Há nisso dois princípios que devem ser conjugados na doutrina social cristã, o princípio da proteção e o princípio da subsidiariedade, que diz onde uma sociedade, um país, uma nação, sociedades menores puderem elas mesmas promover as suas atividades, promover seus fins satisfatoriamente; não cabe ao estado substituir a ordem; cabe ao estado apoiá-las, incentivá-las, mas não se 18 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho substituir dizendo que fará aquilo que ele não possui condições para fazer. Certo é que o princípio da proteção é exatamente o reverso da moeda. Quando uma sociedade percebe que um determinado segmento em dadas sociedades não consegue se desenvolver satisfatoriamente, o estado tem a obrigação de intervir. Temos aí as várias formas de proteção do trabalho, da saúde, da presidência, a intervenção do estado no domínio econômico. Dois exemplos claros que me trouxeram a reflexão foi aquela decisão do STF no caso da negociação coletiva - caso bem conhecido do Ministro Gilmar Mendes. O Tribunal Superior do Trabalho estava anulando muitas cláusulas e dando uma interpretação de ampliação dos direitos indisponíveis; tínhamos uma visão mais ampliativa dos direitos indisponíveis. O Supremo veio a dizer no caso concreto que aquilo que é princípio de direito individual não pode ser totalmente aplicado às relações coletivas, porque nas relações há tutela sindical. Não seria aí, o caso de o Tribunal prestigiar, como a própria CLT tem batido bastante, mais a negociação coletiva? Agora, por outro lado, na semana passada, deparei-me com uma situação que me fez repensar sobre um dos pilares a serem discutidos, porque hoje temos o poder normativo na Justiça do Trabalho bastante reduzido, porque o TST analisará determinado dissídio coletivo se, ou as duas partes quiserem, comum acordo, ou em caso de greve; o que aconteceu no caso concreto? No ano passado, o desempenho 19 do TST na vice-presidência em termos de composição, de dissídios coletivos, quer em termos de conciliação, quer como procuração estava sendo tendente a cem por cento, pois bem, nesta semana, ocorreu a questão dos ferroviários, eles mesmos reconhecem que não têm condições de fazer greve; a empresa já dissera que não concordava com o acordo coletivo; eles ajuizaram ação coletiva mesmo sabendo que a empresa retiraria o comum acordo, e eles ficam, absolutamente, à mercê da vontade da empresa; algumas exceções ao princípio do comum acordo, já que a Constituição admitiu essa dupla válvula de escape, ou greve ou comum acordo, nenhuma delas o trabalhador terá acesso. Claro está nesta ponderação o princípio da proteção ou da subsidiariedade; isto teria de ter uma interpretação especial. Importante reconhecer que a vocação de magistrado em geral e do trabalho específico de harmonizar as relações laborais. Esta vocação conciliatória tem de levar em conta três parâmetros – até o Ministro Gilmar Mendes, no tempo em que trabalhava na Presidência da República – antes de mandar um projeto de lei, medida provisória, quer como legislador, quer como juiz projeto de lei, medida provisória, quer como legislador, quer como juiz, precisa ponderar; tem-se, por exemplo, a discussão em torno do projeto de lei que abre parâmetros sobre a terceirização, e outros mais; agora mesmo, um monte de embargos declaratórios. Tem-se, então a ponderação de uma ponderação para não gerar passivos Ives Gandra da Silva Martins trabalhistas muito grandes da noite para o dia. Recordo ainda do que disse o Ministro Gilmar Mendes antes da votação de seu projeto disse que antes de tomar uma decisão, fazer um juízo de sequências, um juízo de consequências do impacto da decisão sobre a realidade, quer dizer, conseguiu-se de alguma forma – e sei que é bem difícil – vislumbrar o panorama. De alguma forma, tenho aprendido muito com essas reuniões de negociação coletiva, conciliação e de adequação porque uma vez feita a proposta para a empresa, imediatamente, a empresa diz: façamos uma simulação para saber quanto isso aqui vai dar; incrível que é que ele já faz a simulação, não dá para aceitar; apesar de fazer todos os cálculos, ele avisa que aquilo não dará. Se cada um pensasse antes de comprar alguma coisa, se fosse pensado antes de usar o cartão de crédito e refletisse sobre o impacto que isso traria ao orçamento familiar. É o que faz hoje o Governo; não dá mais, precisa cortar gastos; não adiante aumentar tributos, precisa cortar a despesa. O segundo parâmetro aqui é algo que me deixou muito marcado na vida acadêmica. Gostaria, inclusive, de agradecer o Ministro Gilmar Mendes, da minha banca de doutorado na URBS; recentemente, foi incentivador da tese no CNJ, fazer com que se consiga mesmo na vida do juiz conjugar esta tese de ser ético no exercício da magistratura, mas meu orientador de tese de mestrado foi nosso professor ; uma coisa muito marcante e que, talvez tenha marcado a maneira de enxergar a magistratura foi a visão do Ministro Moreira Alves – marcada como tatuagem, uma tatuagem anímica em que diz que é claro que o juiz pode ser um legislador negativo, mas ele não pode ser legislador positivo; ele pode apontar as questões de inconstitucionalidade, pode apontar as ilegalidades, pode construir dentro das leis na hora da interpretação, mas ele não pode criar um mundo e fazer com que agora a realidade passe a ser assim por uma vontade, um ato evolutivo, que é do Congresso Nacional. O terceiro parâmetro para se conseguir a segurança jurídica, harmonizar a segurança nos laborais – esse é o papel do legislativo, que precisa ter maior sensibilidade social quanto às questões laborais. Ele precisa ter mais celeridade no disciplinamento legal das novas situações. Veja bem, até hoje, nós do Tribunal não conseguimos aprovar o nosso projeto de lei de execução; há um receio muito grande, mas é indiscutível que o trabalhador não pode ter forma de execução e de receber os seus créditos menos rápidos que qualquer outro. Quando o Ministro Cláudio Brandão mudou o parâmetro de correção monetária no âmbito da justiça do trabalho, por que o parâmetro de correção do crédito tributário, o parâmetro da justiça federal, da justiça estadual era um para o precatório e para a justiça do trabalho era outro. Agora, surge o problema que é o recebimento de uma avalanche de base declaratória; será que não daria para modular de forma que não se mude, da noite para 20 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho o dia, um passivo tão grande? Deverá ser estudado, refletido, e a justiça do trabalho é sensível a isto; na verdade, a preocupação daquilo a ser discutido neste de meio são quais os melhores caminhos, quais as soluções mais viáveis para se consiga, fundamentalmente, compor e harmonizar as relações laborais. 21 Cláudio Brandão Os novos Modelos de Contratação: Relações Colaborativas, Autônomo Economicamente Dependente Cláudio Brandão* *Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco; Professor titular da pós-graduação e da graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco e da Faculdade de Damas da Instrução Cristã. 22 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Cumprimento o ministro do TST Ives Gandra pela gentileza do convite para este evento que reúne especialistas em um grau maior no debate sobre o trabalho daqui e de outros países, num interessante processo de integração de culturas e de experiências da ciência jurídica. Agradeço em especial ao deputado Maurício Rands, pessoa responsável pelos grandes e bons debates, no seio do Congresso Nacional, sobre as diversas reformas constitucionais e legislativas e que sempre se mostrou um ouvinte da melhor qualidade, pois, além de ouvir, soube, sobretudo, permitir que as opiniões fossem transmitidas; foi parceiro nos grandes debates de natureza jurídico social. Segundo me relatou, ele andou colhendo experiências muito interessantes ao implantar atividades e implantá-las unindo realidades diferentes: a holandesa e a africana. Isto me reportou ao tempo em que estive em Genebra como participante da OIT, da Conferência Internacional do Trabalho, em um debate que tratava, justamente, das micro e pequenas empresas, que é o tema a ser abordado hoje; de um lado, falava o representante da Suíça e, logo em seguida, o de Gana. Eram realidades extremamente diferentes e, obviamente, com um diálogo dos mais criativos sobre como a OIT conseguiria elaborar norma de resolução para as micro e pequenas empresas, de modo a estimular uma economia com 95% do trabalho informal, que é o caso da economia africana, e, ao mesmo tempo, contemplasse o outro lado como, por exemplo, os Estados Unidos, a Suíça e a Holanda; certamente, este foi um debate com um diálogo dos mais atuais. Longe da habilidade e da profundidade de reflexão filosófica de sua excelência o Ministro Ives Gandra, que dispensa o uso do Power Point, faço uso deste recurso com o intuito de não ser traído pela memória, que nos leva a escravos do tempo e, também, para facilitar as anotações dos estudantes aqui presentes. A primeira reflexão sugerida é em torno da interação permanente entre direito e economia, levando-se em conta as diversas medidas de ordem legislativa ou de projetos enviados para o Congresso Nacional, questão comum a todos e vivenciada em vários momentos históricos; seja a história mais recente, mais pretérita, ou seja, o próprio nascimento do direito do trabalho, sempre há uma interação permanente entre economia e direito. O primeiro questionamento em relação ao assunto é o de como as iniciativas, os projetos, originários do Congresso, do Executivo, impactarão no direito ou, como o direito, a ciência, o ordenamento jurídico analisarão estas mudanças e qual seria o impacto que esta análise terá na estrutura normativa do estado brasileiro. Somente se pensada a possibilidade de ela ser abrigada, e no uso expresso das palavras de Carlos Aires Brito, encontrar aconchego no colo da Constituição, viés político bastante conhecido 23 Cláudio Brandão por todos. Quando ele diz que não se pode pensar na estrutura senão a partir dessa visão de aconchego, a gente imagina a Constituição aconchegando os diversos projetos de lei em seu colo ou não. Assim, somente pelo fato de estes projetos encontrarem aconchego na Constituição, terão eles vida limpa ou quem sabe até, sequer passem no primeiro exame na Comissão de Constituição e Justiça, integrada por ele durante muito tempo. Faz-se necessário que se tenha clara a noção de que não se pode falar de economia sem o direito, mas que, no último ano, os reflexos em si são muito maiores no sentido inverso, ou seja, há o sistema jurídico – e o Ministro Ives Gandra fez uma profunda reflexão sobre o impacto da questão judicial no contexto econômico – mas também há a necessidade de se pensar sobre a maneira como o contexto econômico interfere na produção legislativa e como se reflete ao final do judiciário brasileiro e, em especial, no que diz respeito às condições de trabalho do TST e, evidentemente, na última palavra constitucional, que é do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, cabe refletir sobre as premissas que sustentam o debate em torno dos chamados novos modelos de contratação. Isto faz-me lembrar do meu pai que, por toda a vida, lidou com a zona rural e do meu avô que foi vaqueiro. Certa vez, em um momento de descontração familiar, um vaqueiro perguntou-me o que seria IBOVESPA e bolsa de valores. Fiquei pensando na resposta a ser dada, e ele logo per- guntou o que era mercado, pois conhecia apenas aquele de Itaberaba, onde fazia a feira semanal. Este fato trouxe uma reflexão sobre tamanha introjeção do nosso inconsciente coletivo de palavras e expressões que passam a ter vida própria sem que, sequer, reflitamos sobre elas. O mercado de hoje anda retraído, a agência Moodys rebaixou a nota do Brasil, e isso trouxe uma grande preocupação à economia. Certamente que conheço pouco de macroeconomia, mas os investidores internacionais, da noite para o dia, apresentaram esta nota baixa, é como aquele aluno que recebe uma avaliação e necessita apresentá-la ao pai, a preocupação é inevitável; lembra aquela propaganda do posto Ipiranga em que o filho pede ao pai para deixar para lá o desempenho e irem à Delikatense. A preocupação é fato, como cidadãos, pelos impactos na economia cotidiana; como pessoas atuantes na área jurídica, para adotar medidas para tentar minimizar os impactos causados ao ambiente de trabalho. Há que se refletir sobre premissas realizadas em torno das novas formas de contratação. Isto possibilita uma breve retrospectiva histórica que, certamente, reporta aos modelos econômicos no Brasil dos anos 70 e 80. Evidentemente, não se trata aqui de uma análise econômica, apenas de uma retrospectiva histórica para mostrar quais os fatos que levaram o Brasil de hoje, ou mais tardiamente dos anos 80, a promover algumas mudanças na lei 24 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho trabalhista para se tentar copiar modelos adotados na Europa com o sucesso parcial ou sem sucesso algum ou com sucesso por lá, mas com uma realidade diferente daqui. É como se aqui houvesse um remédio capaz de solucionar desde dor de cabeça até as mais profundas e graves infecções. É inegável que a economia passou a ser globalizada e que, por aqui, esse modelo econômico ficou marcado como uma tatuagem indelével; todo o mundo teve de interagir no mundo internacional. Hoje em dia, dizer que não possui um celular é absurdo; para mim, por exemplo, foi absurda a ideia de saber que meu pai não usava telefone celular e vivia muito bem no interior, pois quem quisesse achá-lo, ou ligava para a casa dele ou para o comércio; e não ligava se, nos poucos minutos entre a casa o trabalho e finais de semana, ninguém falasse com ele. Esta economia globalizada é que fez com que todo o mundo se interagisse. Quem não se lembra do quase crash da bolsa de valores, da repercussão imediata quando o presidente americano George Bush engasgou com um biscoito Cookie ou do resgate dos mineiros no Chile cuja repercussão mundial facilitou a jogada de marketing de um fabricante de óculos. Ele se apressou em mandar para o kit de socorro aos mineiros o mesmo tipo de óculos; e todos saíram da mina com o mesmo tipo de artefato. Uma propaganda que custaria alguns milhões de dólares, feita gratuitamente naquele momento. Mas a economia em que nesse contexto de globalização, o capital finan- ceiro passou a ostentar a hegemonia muito em detrimento do capital produtivo, do modelo de capital clássico. O mercado passou a ser internacional, a todo momento esta interveniência financeira é percebida; o que a China faz reflete aqui no Brasil de modo imediato, e em outros países do mundo; a crise americana provocou reflexos em outros países provocando, certamente, mudanças na forma de produzir a relação clássica entre capital e trabalho; a informatização e a informação foram levadas para a economia também de maneira imediata; a cada momento tem-se notícia da subida ou da descida dos índices, como os exemplos já dados do biscoito Cookie com o presidente George Bush e da nota do Brasil que, na hora, já produzem impacto na bolsa; são fatos ou elementos que, num contexto econômico, produzem impacto imediato. As informações vindas da Europa, por exemplo, que antes chegavam ao Brasil em meses ou semanas após o ocorrido, hoje chegam em tempo real, o reflexo é imediato. E os mercados se ajustam nesta dinâmica da vida levada em um contexto de informação em tempo real, mas que provocou também, sem dúvida, um deslocamento do eixo decisório, que não é mais do estado apenas, as agências econômicas, as agências reguladoras, o mercado e as grandes corporações econômicas ditam as regras. Para entender, basta que se lembre do que está acontecendo no Brasil nos últimos dias, e não é no contexto político, mas no econômico. Isto provo- 25 Cláudio Brandão cou uma reestruturação no modelo de produção, sem dúvida nenhuma, seja por atender às demandas de mercado, pela nova realidade, pelos novos hábitos de vida – levar o trabalho para casa e ficar com ele todo o tempo; eis por que alguns autores defendem até o direito à desconexão; antes, o trabalhador fechava o escritório, ia para casa e deixava o trabalho lá, agora, ele leva consigo. Nada melhor para exemplificar que o WhatsApp, que virou mania nacional; dificilmente, hoje, alguém não participa de um grupo neste aplicativo; são mensagens virais que se espalham que nos possibilitam estar aqui assistindo a este debate e consultando as pendências, ou que a demora impossibilitará a audiência de daqui a pouco. Certamente, o tempo em que se vive provoca reflexos no mundo do trabalho, que o trabalho interage com o tempo real e a todo momento com a sociedade em busca, é claro, da competição, subproduto da realidade “inafastável”. Seja no plano empresarial, seja no plano do estado ou no plano do indivíduo, todos querem ser competitivos; na empresa, a disputa por um melhor posto, que a meu ver é clássico, acentua-se na atualidade pela escassez de bons postos de trabalho e de bons empregos; a busca pela competitividade é um fato natural e a tecnologia traz este componente agregador; evidentemente, faz com que os países se unam para se defender em blocos comerciais ou de outra natureza, a exemplo da União Europeia, do Mercosul e de tantos outros. Espera-se que a empresa esteja pronta para dar respostas imediatas, rápidas e eficazes às demandas de mercado porque precisa responder sob pena de perder o tempo da história, e o seu concorrente mais rápido chegar lá; as disputas entre a Apple e a Samsung revelam isso, cada empresa se antecipando aos fatos. Segundo Steve Jobs, a empresa não deve saber o que o cliente pensa, ela tem de criar uma demanda para que o cliente vá atrás dela; e foi assim, um sucesso absoluto o Iphone. O trabalhador, por sua vez, passou a ter um perfil, não o especialista de determinada área, mas um trabalhador multitarefa, capaz de atuar em diversos espaços da empresa, da fábrica, para que, enfim, possa atender a estas demandas; as atividades intelectuais, as atividades tecnológicas passaram a ter um novo espaço que não se tinha antes; muito mais preso, muito mais caracterizado pela indústria produtiva, como chão de fábrica, sendo sua principal marca caracterizadora. No Brasil, certamente, os efeitos desse mercado modelo refletiram a mudança provocada por esse contexto econômico, como trabalho temporário, terceirização de serviços, contato imparcial copiado do modelo espanhol, contrato de qualificação profissional, suspensão de contrato para que se possa fazer cursos de qualificação com redução de direitos em virtude da crise econômica, trabalho cooperativado – por aqui, a explosão de cooperativas ocorrida nos últimos dez anos exemplifica tudo isso. 26 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Embora a lei originária tenha sido em 1971, os dados mostram esta evolução em números sem que se reflita, necessariamente, na qualidade do trabalho no sentido da melhoria da condição social. O crescimento exponencial do trabalho da mulher, o trabalho da criança, o aumento do micro empresariado, o aumento da informalidade são consequências do modelo econômico implantado no Brasil de 70 e 80; sem nenhuma intenção crítica, pois a ideia foi fazer um relato histórico. Estas são premissas importantes para que alguns dos modelos ou das novas formas de contratação possam ser analisados, evidentemente, fazendo aqui o voo de pássaro diante da limitação temporal, mesmo por que o objetivo é instigar a reflexão sobre o assunto. Interessante é pensar no modelo de trabalho para subordinados que, segundo o professor Plínio Pereira, a partir de estudos feitos na Espanha e na Itália, há quase uma dependência integral econômica do trabalhador em face do tomador de serviços. No Brasil, um exemplo interessante é o contrato de facção em que, a todo momento, há uma linha divisória tênue entre reconhecer a validade do contrato de facção – muito utilizado nas indústrias têxtil e calçadista – e que é uma atividade empresarial lícita, uma vez que é exercida de acordo com as normas que regem a atividade empresarial, e aquele momento em que há uma interferência direta e total do comprador na atividade do fabricante, que é quem determina o modelo de produção. Um caso interessante aconteceu em São Paulo, no bairro de Bom Retiro, em que a empresa tem seu nome ligado a uma prática de trabalho degradante dos paraguaios e chineses e foi determinado que se observassem as normas de segurança e proteção do trabalho. Do ponto de vista jurídico, haveria desqualificação do contrato de facção porque estaria em jogo saber até que ponto esta empresa estaria envolvida. Nesta matéria, o Ministro Vieira de Mello, da sétima turma e relator do processo, decidiu manter a validade do contrato de facção, apesar da ingerência direta na atividade produtiva e voltada para a preservação do ambiente saudável de trabalho, condição inerente à atividade ali executada. Na Espanha e na Itália, por exemplo, o modelo de trabalho é de elevada dependência econômica de quem trabalha e de quem obtém o resultado desse trabalho; por esta razão não se pode falar se o trabalho é, de fato, autônomo com liberdade. Quando o professor Arnaldo Sussekind fala da revolução industrial, em seu clássico livro Estudos do Direito do Trabalho, ele traça um quadro bastante ilustrativo da ralé fatigada convivendo com a opulência da burguesia. Este contraste deu origem ao direito do trabalho, que rompeu com a ideia de que o contrato deva ser cumprido tal como tenha sido pactuado, pois não haveria igualdade econômica e social capaz de legitimar a vontade de quem aceitava determinado grupo de cláusulas; evidentemente, um contrato do trabalhador econômico independente. 27 Cláudio Brandão Caso este modelo venha a ser adotado aqui no Brasil, certamente haveria situações bastante semelhantes porque encontraria uma linha cinzenta entre validar este contrato, porque é previsto legalmente, desde que a norma em vigor não tenha sido declarada inconstitucional e, bem por isso, deva ser cumprida; e em qualquer mudança determinada pelo empregador, tomador de serviço, ou melhor dizendo, contratante do serviço que poderá determinar o sucesso ou não da atividade empresarial. Não foram desconsiderados aí os direitos assegurados ao trabalhador, previstos na lei espanhola. No caput do artigo sétimo da lei brasileira, por exemplo, existe a proteção contra a determinação, evidentemente numa relação de trabalho autônoma, caso haja uma prática que viole o principio constitucional da igualdade de gênero, racial, por exemplo. Claro está que haverá uma demanda a ser ajuizada por um trabalhador sem vínculo de subordinação, baseado, exatamente, na ideia de que os princípios estabelecidos na Constituição superam qualquer norma que venha a ser objeto de elaboração pelo Congresso Nacional. Ainda utilizada de maneira prática na sociedade, a pejotização é um fenômeno presente no dia a dia e bastante conhecido por todos. Esta expressão possui um sentido ruim, não para trabalhador cuja empresa lhe garanta exercer livremente uma atividade econômica, mas para aqueles trabalhadores que têm uma dependência quase integral com seu contratante, como é o caso daquelas situações em que ele é compelido, prévia ou concomitantemente, ou até mesmo posterior ao contrato, constituir uma empresa sem nenhuma solidez econômica formada por ele próprio, ou não raras vezes, por ele e pela mulher, muito mais pela imposição do contrato de trabalho. A Lei Brasileira 11.196, em seu artigo 120/9 trouxe um estímulo muito grande para essa regra ao tratar de forma bastante ampla do trabalho intelectual, pois ficou clara a criação de pessoa jurídica para atender às demandas próprias do mercado intelectual em atividade que, em regra, não é habitual. Certo é que, se aqueles elementos que caracterizam relação de emprego estiverem presentes, não seria a lei aplicada de maneira equivocada que irá afastar a possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício, mas a partir desta norma, há sim um incremento deste tipo de atividade, desta forma de exercício. Às vezes, o trabalhador acha que tem mais vantagens, que receberá um valor maior ou pagará menos impostos, mas sem dúvida, aquele elemento de aglutinação, que fez com que as lutas sociais empreendidas passassem, deixa de existir. Um elemento interessante é aquele em que o pessoal dos ferroviários da Valec não tem condição de se aglutinar para fazer uma greve – que é um movimento social de reivindicação coletiva – porque estão espalhados pelo Brasil inteiro; e trata-se, obviamente, de um direito fundamental conhecido por todos. 28 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Certamente que, nesse contexto do trabalho com características da privatização, a simulação na criação de uma empresa apenas para fazer valer a possibilidade de trabalhar, encontra uma resistência muito grande se considerada a aplicação dos princípios sociais. Uma novidade recente no Brasil é que a empresa individual de responsabilidade limitada, a EIRELI, criada em 2011, já é objeto de Adin no Supremo Tribunal Federal. O relator Ministro Gilmar Mendes estava aqui para tratar da limitação ou não do valor do capital mínimo, de ser ou não objeto a sua criação por pessoa jurídica, porque a lei tem uma redação ambígua, e no texto original falava-se em pessoa natural, hoje, fala-se apenas em pessoa, isto é uma demanda muito grande para saber se pode ser, ou não, criado por pessoa jurídica. Fato é que para atender a essa demanda social já há uma demanda nacional aprovada esta semana na Câmara dos Deputados, que volta ao Senado criando a SLU – Sociedade Limitada Unipessoal que procura, exatamente, atender a estas indagações surgidas com a EIRELI, que é autorizar essa pessoa jurídica, não exigir que haja capital integralizado de imediato – premissas que limitavam a criação no modelo anterior – e admitindo, também, a criação de um capital inferior a seis salários mínimos. Geralmente, são modelos utilizados e que despertam o debate em torno da atuação do Supremo. A este respeito, como bem lembrado pelo Ministro Ives Gandra, moderador do evento, será disponibilizado slide do evento e enviado para o e-mail de todos aqueles participantes. Este modelo de utilização de empresa que garante a separação patrimonial porque, fundamentalmente, o problema resulta da separação patrimonial em que o empresário individual não tinha essa garantia de responsabilidade limitada, e havia a chamada confusão patrimonial entre ele enquanto empresário e enquanto pessoa física. Esse modelo – já lotado no Brasil há quatro anos - procura separar a sua vida "empresarial” da vida “pessoal” e, embora, se saiba que a teoria nem sempre é fácil de ser adotada, é um modelo que desperta um debate muito grande, exatamente, em razão da adoção da pseudo autonomia, ou pseudo empresariado. Um outro modelo, o Teletrabalho, que, na verdade, não é um modelo especial de contratação, mas sim um modelo especial de execução do contrato, atem-se às demandas do mundo cotidiano, àquelas do mundo moderno. É claro que, hoje em dia, raras são aquelas pessoas que não têm celular, que não estejam plugadas no mundo. Recentemente, a televisão veiculou uma matéria sobre esta questão, em que mostrava os impactos do uso do celular sobre a coluna cervical, pois quanto mais você gira o pescoço – e a matéria é justamente sobre os danos à coluna cervical provocados pelo uso do celular, do smartphone – mais comprometida fica sua coluna. Na verdade, a grande preocupação das pessoas ao adquirir o celular não é esta, mas sim saber se ele fala, se o sinal é bom, 29 Cláudio Brandão que aplicativos possui, qual a velocidade ou quais as conexões possíveis. A pergunta se existe ou não wi-fi nos locais é uma constante entre a população, como se fosse uma exigência a ser preenchida; difícil é conter a vontade de perguntar por que o sinal está ruim, ou mesmo, de ficar constrangido caso a resposta seja negativa, mas certo é que a primeira pergunta não será um bom dia e sim, tem wi-fi e qual a senha. A visão da plaquinha indicativa de Wi-fi chega a ser um alívio. Indiscutivelmente, o Teletrabalho é uma realidade contemporânea que possui vantagens e desvantagens. Há uma experiência bastante interessante sobre este tema em meu gabinete em que, excelentes servidores que, por questões pessoais ou por problemas, antecipam o trabalho do mês posterior, ou seja, trabalham com um mês de antecedência para garantirem a condição ajustada no momento em que lhes foi feito o convite para o gabinete; novidade ainda em caráter experimental, mas muito interessante. O grande desafio, talvez, seja o trabalhador separar vida pessoal do trabalho; é preciso muita disciplina para separar o mundo físico, real do trabalho, do mundo pessoal porque os ambientes se interagem permanentemente e irão se confundir a ponto de não se saber onde termina o trabalho e começa a vida pessoal; é claro que existem o controle por biometria e outras diversas formas de controle. No filme de Charles Chaplin Tempos Modernos, quando o empregado vai ao banheiro fumar, o patrão abre uma tela e diz go back – volte ao trabalho; discussão recente nas atividades. Mas, enfim, é um modelo que não se pode deixar de observar e deixar de reconhecer seu valor, que provoca, seguramente, um impacto até mesmo na perspectiva empresarial e na perspectiva do trabalhador exigindo explicações e que se estabeleça, também, a proteção que a CLT dizia desde 1943 – que o trabalho a distância não descaracteriza o vínculo empregatício, desde que mantidos os elementos que revelem a relação de emprego. O que se fez até agora foi tornar equivalentes os meios de controle telemáticos e os meios de controle físicos ou próximos à subordinação direta revelada no controle da atividade que o chefe, por designação do empregador, exerce. Os empregos divididos aqui numa experiência não bem-sucedida nos Estados Unidos da década de 80, em que, em decorrência de uma crise econômica, as companhias aéreas dividiram entre os trabalhadores atividade, remuneração, responsabilidades e tarefas – modelo este que, aqui no Brasil, foi extremamente difícil de ser executado, tamanhas foram as peculiaridades que o caracterizaram; principalmente porque um mesmo posto de trabalho poderia ser dividido entre várias pessoas que compartilhariam a forma de execução, as tarefas, a responsabilidade e, principalmente, a remuneração. Aqui no país, o modelo é pouco parecido e lembra pouco este modelo, que é contrato de equipe; há uma previsão no estatuto do índio em que a atividade pode ser exercida por um grupo 30 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho de pessoas; uma banda de música ou uma orquestra em que o grupo executa a tarefa e todos recebem. Aquela pessoa que recebe o pagamento e distribui para o grupo não deixa de ter, como na situação descrita, uma ligeira aparência com esta divisão de tarefas. A questão é saber como lidar com este dilema, é perceber que o trabalho está hoje numa clínica de análise e que são levantadas determinadas indagações de para onde se vai, quem se é, para onde se vai e o que se fará. O Ministro Ives Gandra falou aqui do “como” e do “por que”. O juiz tem poder, exerce autoridade na jurisdição, tem sobretudo o papel de amenizar, contemporizar conflitos e as pessoas que exercem o poder e que levem o poder para a vida pessoal; entra no cinema sem pagar, por exemplo, apresentando ao porteiro a carteira de juiz quando ele lhe diz que não pode entrar. Será que aquele que estuda Direito do Trabalho, que vivencia este direito vive agora um dilema porque não consegue responder a estas questões? Basta usar a Constituição para responder que não há resposta para aquilo que é irrespondível. Não há uma fórmula que consiga fazer com que o direito e a economia encontrem um consenso sem que seja respeitada a Constituição; por mais importante que seja o modelo econômico brasileiro, a Constituição Brasileira é a salvaguarda do cidadão. O mercado, então, não pode ditar à Constituição o que fazer, mas deve encontrar, segundo o Ministro Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, o aconchego no colo da Constituição que, como a mãe generosa que é, saberá dar carinho a este modelo econômico. Caso o projeto de lei do deputado Maurício Rands lá estivesse sendo debatido com profundidade, ficaria claro que não há projeto de lei, não há forma de trabalho que supere o valor social do trabalho, constante no Artigo 1º, como fundamento do estado democrático de direito, que é República do Brasil. Certo é que esta ideia que a economia é, a partir de agora, detentora da soberania nacional, por mais importantes que sejam os reflexos produzidos no direito, não se pode vilipendiar a Constituição em torno de um modelo econômico. Serão encontrados nos seus princípios, nas suas regras, nos seus mandamentos formas que não vilipendiam a condição humana e, caso não sejam encontradas, caberá a todos como estudiosos do direito e participantes do processo proferir um “não” de resistência; não aquele “não” desmotivado, anárquico, mas aquele civilizatório, o includente, o constitucional; porque está dito lá no Artigo 1º da Constituição, é fundamento por valor social de trabalho e da livre iniciativa, fundamento para que se possa ler a Constituição a partir do que ela estabelece no portal de entrada. Não é à toa que o Artigo 144 da Constituição Portuguesa foi copiado para o Artigo 1º de nossa Carta Magna ao dizer que a ordem econômica deve ser regida, também, por um princípio de inclusão social. Está no Artigo 1º co- 31 Cláudio Brandão mo se fosse um cartão de visitas, um portal que deixasse claro que, a partir de agora, pudesse se ler o que está não somente na Constituição, como nas Leis Ordinárias, nos projetos que forem ao Congresso Nacional. A proposta, na verdade, é um retorno ao começo, ao velho princípio da proteção do professor Goulart Rodrigues, mas na proteção maniqueísta. E todo o empregado tem razão, todo empregador representa o mal, não se trata da luta do bem e do mal, trata-se de encontrar na Constituição o temperamento para, indubitavelmente, ter a compreensão que mudanças conjunturais determinarão mudanças também jurídicas e legislativas, mas sempre com os olhos voltados para a Constituição. Um retorno aos constitucionalistas nas palavras do professor Vicente Marques quando ele diz não ser a Constituição um documento extático; ela é viva, está no cotidiano de cada um, acompanha a vida social. Esta é a Constituição que quero ler, aquela que prego todos os dias e não aquele documento muito bonito guardado em uma prateleira; aquela Constituição em que Ulisses Guimarães chamou de “a cidadã”. tuição; se lá não estiver, também não estará na vida cotidiana. Revendo uma passagem muito interessante do Ministro Carlos Ayres Britto quando ele diz que a Constituição deveria ser lida como janela aberta para o porvir, por ela tudo passa, passa o que é bom e também aquilo que é ruim, caberá a cada um fazer com que ela tenha esta plasticidade para se adaptar ao dia a dia, mas com alguns pilares que lhe darão hermeticidade e sustentação porque, segundo o constitucionalista e administrativista Celso Antônio Bandeira de Melo, são os pilares do sistema jurídico; e nenhuma Constituição se sustenta sem pilares sólidos, seja ela constituição física como os pilares de um belo prédio, seja ela jurídica. Portanto, não há respostas, não há modelos prontos ou opiniões acabadas. Qualquer solução será bem-vinda se for respeitado aquilo que está na Constituição. Se não encontrar abrigo, aconchego, que o judiciário diga não, que basta; e o caminho a ser perseguido será encontrado. É esta Constituição que rege minha vida, a vida do cidadão brasileiro, mas também a vida das empresas, para que elas encontrem soluções que, seguramente, refletirão a necessidade da demanda econômica, mas que também deva ser preservada. Desta forma, qualquer modelo será interpretado, visto e aceito e encontrará abrigo na Consti- 32 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Os Novos Modelos de Contratação Maurício Rands* *Doutor em Direito pela Universidade de Oxford, na Inglaterra; Procurador Judicial e Secretário de assuntos jurídicos do Recife; Vice-Presidente da OAB; Professor da Faculdade de Direito da UFPE. 33 Maurício Rands Agradeço ao Ministro e presidente Ives Gandra pela excelente e prazerosa palestra proferida na abertura deste seminário no IDP e às excelentes reflexões do Ministro Cláudio Brandão, pois ambas exteriorizam o que se conhece de cada autor – conjugam dois requisitos essenciais: a paixão pelo tema e o conhecimento teórico profundo sobre este mesmo tema; que é, na verdade, o verdadeiro atributo destes dois ministros. A paixão pelo direito do trabalho vem desde a atuação como professor da Universidade Federal de Pernambuco, seja no doutorado realizado na University of Oxford, seja nos três mandatos de deputado federal na Comissão de Constituição e Justiça. Fato é que a vida teórica e profissional em torno desta modalidade do direito corresponde a uma assimetria fundamental existente em todas as sociedades, como bem diz o italiano, datore di lavoro, e aqueles que vivem da sua força de trabalho. Acontece que a forma de o Estado disciplinar esta assimetria fica, muitas vezes, em desconformidade com as evoluções da sociedade e, na conjuntura brasileira a grande desconformidade é perceptível. O interessante é pautar esta percepção em três binômios: aquele mencionado pelo Ministro Ives Gandra, que é o princípio da proteção da doutrina social da igreja Católica versus o princípio da subsidiariedade. Nesta bipolaridade podem se identificar os outros dois binômios, que é o binômio da regulação e do funcionamento adequado do mercado e o terceiro, um direito de empresa após a unificação no livro dois da parte especial da Lei 10.406 do Código Civil, que é o direito da empresa e o direito do trabalho. Este é o diálogo que precisa ser feito para adequação do direito do trabalho contemporâneo às novas formas de organização da produção e, portanto, às novas formas de colaboração, seja o Tele trabalho – o trabalho a distância; seja a relação da empresa com a Eirele – Empresa Individual de Responsabilidade Ltda; seja com a futura sociedade unipessoal que existe no direito alemão, no direito dinamarquês e em outros direitos. Quando da edição da Lei 12.441 – Lei da Eirele – foi a metade do caminho porque, mesmo com tão pouco tempo, já está superada pela sociedade unipessoal que precisa ser introduzida no direito brasileiro. Temos aí a pejotização de todos estes fenômenos, e como enquadrá-los neste contexto? Levando-se em conta uma reflexão mais aprofundada de longos anos, está clara que há uma inadequação entre o direito do trabalho, o direito de empresa, a regulação, a autonomia privada coletiva, a concepção de princípio coletivo e da subsidiariedade. No bom sentido, no sentido de que todos os operadores do direito percebem a necessidade de se fazer uma adequação comprovam estarem todas elas em crise. Cabe lembrar, no entanto, que esta adequação não acontece apenas nestes binômios. Na verdade, o desenvolvimento brasileiro está travado, independentemen- 34 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho te da análise que se faça do fracasso do atual governo da Presidenta Dilma Rousseff, porque trata-se hoje um fracasso civilizacional da nossa geração. É um grande desafio, pois aquele Brasil desenvolvido imaginado por muitos há alguns anos, que os pais imaginaram – meu pai foi um dos fundadores da Sudene com o Celso Furtado – que, em uma década ou duas, o Brasil seria um país desenvolvido devido às imensas potencialidades do povo e da riqueza. Infelizmente, esse Brasil desenvolvido e com justiça social – desejado pelas gerações anteriores - talvez, não seja visto nem mesmo pelas futuras gerações. Mas se isto não puder ser observado, que sejam colocadas premissas para que o salto aconteça; e o marco microeconômico é justamente uma destas premissas. Certa ocasião, em uma experiência como executivo de uma empresa brasileira em Pernambuco que estava se internacionalizando na Holanda e em alguns países da África; acabava tendo uma pasteurização mensal em que, parte do mês era passado em Amsterdã, cuja sociedade valorizava a justiça social, uma educação básica de qualidade e para todos e universidade para todos, sejam ricos ou pobres; que valoriza muito empreendimento, mas valoriza muito a cobertura social do Welfare State. Nos Estados Unidos, por exemplo, quando se pergunta para o trabalhador qual seria a remuneração dele, ele responde que a hora/trabalho era tanto. Aqueles que tinham uma perspectiva de maior permanência em sua relação de tra- balho falavam de remuneração atual, mas poucos falavam em remuneração mensal – um direito do trabalhador legislado por cada um dos 53 estados americanos mais adaptado à realidade do que um direito do trabalho consolidado ou codificado. Por outro lado, isto acontece por lá desde os anos 30, desde a resposta Keynesiana à crise, eles tinham superado laissez faire, laissez passe; e tinham criado algumas regras que disciplinaram a autonomia privada coletiva que vedaram, por exemplo, a repressão desautorizada, a representação sindical, que reconheceram a organização sindical e a coletividade. Claro está que até mesmo o mais liberal dos estados tinha um direito do trabalho, mesmo tendo feito uma opção estratégica para o desenvolvimento, um direito de trabalho que valorizasse, que colocasse as premissas, que fosse reequilibrante entre essa relação, que é antologicamente assimétrica entre quem trabalha e quem dá emprego. Eles criaram um modelo que permitia algum reequilíbrio, alguns passos para a autonomia privada coletiva; uma boa solução ou uma solução razoável para esse binômio princípio da proteção, princípio da subsidiariedade. Na Inglaterra, o Collective Bargaining, tanto para os teóricos quanto para os operadores do direito do trabalho britânico, tinha feito esse papel de reequilibrar, de readequar a autonomia privada a uma regulamentação do estado. Desta maneira, ora um estado fazia uma visita mais detalhada sobre o governo trabalhista, ora, uma menos 35 Maurício Rands detalhada sobre os conservadores; mas dentro de um certo consenso de que alguns direitos básicos de proteção a quem trabalha seriam garantidos, seja pela Collective Bargaining, seja por aqueles Actions Employments Protections Acts feitos ao longo da evolução do direito do trabalho. Esta vivência contrastante bate com a realidade encontrada no Brasil – os 40% ainda na informalidade – e com aquela encontrada na África, em que se percebia aquele horror de desproteção. Esta experiência pasteurizante mencionada pelo Ministro Cláudio Brandão dá a vivência da necessidade de se reequilibrar bem esse binômio; não se pode relevar sobre qualquer condição esse princípio da proteção do equilíbrio à assimetria que há nas relações do trabalho, mas precisam ser adequadas; eis o porquê de estas novas fórmulas de colaboração surgidas nas empresas serem vistas sem preconceito, sem o a priori. Como encontrar um equilíbrio entre as novas formas tradicionais de contratações, aqueles quatro requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT, a subordinação sobretudo, o poder diretivo do empregador; como será exercido na sociedade da informática a que se está submetido às ordens dadas, que devem ser cumpridas quando a relação é de subordinação, mesmo tendo sido dada fora do expediente. À época de executivo nessa empresa em Amsterdã, estava submetido aos diferentes fusos horários: recebia determinações e solicitações do pessoal que trabalhava e terminava seu expediente em São Paulo; da Holanda, a quatro horas de diferença; da África, a cinco ou seis horas de diferença. Então, recebia os comandos por e-mails vindos de diferentes fusos horários; e como fazer para regular tudo isso? Quando veio a Lei do Trabalho a Distância, nº 12551, para algumas pessoas, em qualquer situação a que o trabalhador estivesse submetido a um comando de WhatsApp, a um comando de e-mail ou a qualquer outra estrutura digital, ele não estaria, necessariamente, à disposição da empresa; como fazer, então, para regulamentar um comando que fora dado fora do trabalho, fora do horário de expediente? Foi por esta razão - com a complexidade da relação de trabalho - que este conceito rígido vindo do período anterior foi-se esvanecendo. O Artigo 6º, que ficou na redação da CLT com a Lei 12.551, já conduz a muitas reflexões. Quando ele diz que não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio - que era para isto que se tinha este artigo – do empregado realizado a distância, desde que estejam caracterizados pelos pressupostos da relação de emprego. Quando, no parágrafo único, se diz os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam para fins de subordinação jurídica. Diante de tudo isto, como é que os meios digitais vão exercer o poder diretivo da empresa e onde encontrar esse ponto de equilíbrio; a necessidade de dinamismo da atividade da própria empresa e o princípio 36 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho da proteção a que estava submetido o poder de mando. Claro está que permanecem válidos o enunciado 428 e a aplicação dos cânones da subordinação, mas para que se tenha hora de sobreaviso, hora extra é preciso que sejam criados alguns parâmetros objetivos para determinarem que aquilo fora uma ordem; que aquele empregado que fechou o expediente em São Paulo ou em Amsterdã tivesse, realmente, um trabalho determinado pelo poder de comando do empregador, que estaria, portanto, submetido à hora extra. Onde fica, por exemplo, a relação de colaboradores em uma empresa que, para produzir um bem e um serviço, precisa de colaboradores na conquista de mercados; ainda mais hoje, em mercados tão competitivos. Quando se estuda o direito da empresa, percebe-se que há um capítulo completo sobre os contratos empresariais sobre os contratos de colaboração, aqueles contratos de colaboração que podem ser contratos de colaboração por intermediação, ou contratos de colaboração por aproximação. Como contrato de colaboração por intermediação temos, por exemplo, o contrato mercantil de uma concessionária de automóveis com autonomia plena; é uma relação, portanto, mais de coordenação que de subordinação, pois como pessoa jurídica ela compra o veículo da General Motors, da Fiat etc, mas tem de submeter-se a todas as determinações de marca, de controle de qualidade, do Recall; deve estar submetida, também, à fornecedora do automóvel, ao fabricante, à montadora. Como esse princípio, esse relato contratual de colaboração na concessão mercantil é, evidentemente, um contrato empresário entre iguais, em tese, embora não sejam tão iguais, porque o poder de determinar as condições daquele contrato mercantil por parte da montadora é muito maior do que da concessionária, não surge dúvida de que tal empresa deva se submeter a tais exigências justamente por possuir sofisticação, complexidade, por ser coletivamente organizada. Segundo o Ministro Cláudio Brandão, numa relação de colaboração no escoamento da produção por aproximação, quando a empresa, a pessoa jurídica, ou até mesmo a pessoa física, não adquire para revender e, simplesmente, identifica compradores para contratante, para serviço prestado, adentrase em uma zona mais cinzenta. É preciso, portanto, regulamentar de forma mais adequada e com menos prejuízo – com uma janela mais aberta para a Constituição, mas aberta, também, para as necessidades emergentes de relação de trabalho de um mercado muito mais complexo. Cabe ressaltar a necessidade de diálogo com esses binômios, um diálogo guiado – como bem o disse o Ministro Cláudio Brandão – pelos princípios da Constituição, tendo a carta magna como norte; um diálogo distante dos preconceitos, aberto para esta nova realidade que hora surge na sociedade e, também, para um desejo que pode surgir naquele empregado menos assimétrico, menos dependente que, na doutrina italiana, o professor Joa- 37 Maurício Rands quim falará, também, do direito espanhol que tem um trabalho para subordinado desde os anos 70. Desde minha especialização feita na Itália, já havia ao lado do estatuto do trabalhador italiano, da Lei 300, criada pelo professor Gino Giugni, que era muito avançada, já havia ao lado dela a Lei de Quadro, datada de 83, que tinha uma tratativa para o trabalho para o subordinado, para o quadro, para o dirigente; que era empregado, mas não era um empregado típico. Faço um aparte para saudar a nossa Senadora Vanessa Grazziotin, que acaba de chegar, e a Ministra Cristina e dizer que é uma honra estar ao lado de tão ilustres figuras. Reitero a necessidade do diálogo, de se acelerar esse diálogo que outros ordenamentos já fizeram desde os anos 80; proponho, também, um derradeiro diálogo que é aquele com direito de empresa, sobretudo, a partir da unificação do livro dois do Código Civil de 2002. Levando em consideração uma reflexão elaborada pelo professor Calixto Salomão, titular de Direito Empresarial na USP, que se apresenta quase como um continuador da obra de Fábio Konder Comparato, que chama a atenção para o que a Lei 6.404 – Lei das Sociedades Anônimas – já colocou como um primeiro ingrediente, mas de forma bem genérica, de que a empresa contemporânea precisa levar em conta não somente os acionistas ou o acionista controlador, como se pensava com a Teoria Contratualista do Interesse Social, mas que o interesse social, o interesse da vida da empresa vai além do interes- se do sócio controlador, dos acionistas minoritários. Deve-se levar em consideração os seus colaboradores, sejam os representantes comerciais da Lei 4.486, seja o do mandato, seja qualquer tipo de colaborador que não tenha uma relação de emprego; além, é claro, daqueles que estão na relação mais assimétrica de todas, aqueles do trabalho subordinado típico e atípico. Indubitavelmente, a transição que o direito brasileiro precisa fazer ganhará uma contribuição importante se for feito um diálogo profícuo entre esta concepção do interesse social do novo direito empresarial – levando-se em conta todos os steak holders da comunidade, o interesse da empresa em não prejudicar o meio ambiente, a comunidade cujo consumidor tem interesse na qualidade do produto prestado por aquela empresa e nos preços módicos deste produto. O interesse da empresa não é apenas do sócio controlador, mas dos seus trabalhadores, dos seus colaboradores; é da comunidade, é do consumidor, e é, também, do Estado, que precisa arrecadar os tributos para prover os serviços. É este diálogo que vai permitir que a solução dos novos contratos, das novas relações chegue a termo de modo mais adequado ao desafio do desenvolvimento. Será um facilitador para que o Brasil destrave o desenvolvimento nacional, ainda hoje inibido pelas instituições; que permita à sociedade a eficiência e a justiça em sua produção. Teria, portanto, um Brasil desen- 38 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho volvido com justiça social, responsabilidade grande para nós, os operadores do direito que, guiados pelos princípios constitucionais – como bem lembraram os dois ministros anteriores a mim – daríamos uma contribuição muito grande nesta Seara do Direito. 39 2 Danos Morais nas Relações de Trabalho: Responsabilidade Objetiva, Assédio Moral Transversal e Quantificação da Indenização II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Danos morais nas relações de trabalho: responsabilidade Objetiva, Assédio Moral Transversal e Quantificação da Indenização Maria Cristina Irigoyen Peduzzi* *Mestra em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília; Presidenta da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho; Ministra do Triubunal Superior do Trabalho; Professora da pós-graduação e da graduação da Universidade de Brasília, do CEUB e do IDP. 41 Maria Cristina Irigoyen Peduzzi Agradeço pelo honroso convite e cumprimento os integrantes da mesa na pessoa da Ilustre Senadora Vanessa Grazziotin, o Ministro Ives Gandra, a todos os anfitriões e organizadores deste importante evento e também a todos os colegas aqui presentes. O tempo é exíguo para um tema complexo e diversificado, mas vou fazer aqui umas reflexões sobre alguns aspectos que, por serem polêmicos ou por parecerem importantes, merecem destaque. Em relação ao Instituto da Responsabilidade Civil que tem como dever impor às pessoas físicas ou jurídicas a obrigação legal ou contratual de reparar o dano a quem derem causa, o interesse recai na temática da responsabilidade civil extracontratual fundada na culpa, pois ela tem assento, sede material no Código Civil, Artigos 186 e 187; há também a responsabilidade objetiva, que se denomina teoria do risco. Em função destes dois aspectos essenciais, há de se abordar a questão da coisa sobre o assédio moral e a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. O Ministro Walmir examinará, em especial, a propósito da fixação e o tema da fixação das reparações em concreto. Genericamente, este tema comporta algumas considerações sobre o ativismo na fixação, chamado de “ativismo judicial”, que está muito presente quando examinamos o tema das reparações no âmbito dos danos individuais ou coletivos. Portanto, quando se trata da responsabilidade civil extracontratual com culpa substancial, fala-se do assédio moral – que é um tema e um instituto relativamente re- centes. E o que é o assédio moral? Ele começou a ser estudado e foi identificado nas grandes organizações da década de 1980 por um alemão, Heinz, um psicólogo, que estudava os fenômenos psicológicos que ocorriam no ambiente de trabalho. No Brasil, mesmo antes de uma lei que disciplinasse o assédio moral, a jurisprudência disciplina o princípio geral da dignidade da pessoa humana, do direito à saúde, especialmente, a saúde psicológica. Em se tratando de assédio moral, estão escritos nos Artigos I e VI da Constituição da República e com base nos princípios que a jurisprudência e a doutrina formaram estabelecendo conceitos, decisões e possibilidades evolutivas, têm-se muitos projetos de lei que objetivam disciplinar como crime a prática no âmbito trabalhista, no âmbito da responsabilidade civil e até mesmo no direito penal, a exemplo do que ocorre, desde 2001, com o assédio sexual; também em relação ao assédio moral, pode provocar danos individuais e danos morais coletivos. São crimes previstos como uma espécie de danos sujeitos à reparação, de acordo com o tema da responsabilidade civil estabelecido na Constituição de 1988 e depois seguido pelo Código Civil. Em relação ao assédio moral, a doutrina conceituou como uma conduta abusiva que se materializa por meio de gestos, comportamentos, atitudes e palavras repetidas continuamente, e de forma atenta pela repetição ou sistematização contra a dignidade e a integridade psíquica das pessoas, colo- 42 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho cando em perigo o seu bem-estar, sua produção e a própria execução do trabalho. É possível perceber que os conceitos estabelecidos pela doutrina de forma uniforme são atos que analisados individualmente podem parecer sem importância, mas somados, eles causam um mal-estar, uma fragilização do trabalhador. Hoje, por força da jurisprudência formada em razão dos casos trazidos para julgamento no tribunal, tem-se flexibilizado o conceito obtido, não só da doutrina brasileira, mas na doutrina internacional. A maioria dos países já tem leis, e foi fixado, então, este conceito de repetição. Ele tem sido aceito na jurisprudência como um grande guarda-chuva que abriga na configuração do assédio moral hipóteses fugidias ao conceito preliminar de repetição. Assim, indagamos, o que a jurisprudência considera substancial? Considera o problema do dano moral, que é causado por atitudes, ou patronais, ou no próprio ambiente de trabalho. Por isso que na fixação aqui da temática está o dano moral transversal, exatamente, o dano moral contrário do assédio. O assédio moral ao contrário do assédio sexual ocorre em nível horizontal, vertical, ascendente ou descendente; não é, necessariamente, praticado pelo empregador contra o trabalhador, empregado. Ele pode ser praticado por um empregado, hierarquicamente, posicionado numa escala inferior contra o outro posicionado na escala superior, os empregados podem não gostar do chefe e praticarem assédio moral contra ele. Pode também, empregados do mesmo patamar hierárquico praticarem assédio em relação a outro colega de trabalho. Factualmente, em nome do que a jurisprudência convencionou de assegurar o ambiente de trabalho sadio e estável, temos a responsabilidade do empregador que responde por tudo que acontece na empresa e pelos atos dos seus subordinados, como prevê o conceito 932 do Código Civil. Há hipóteses de que um fato externo possa prejudicar o ambiente de trabalho como um consumidor trata mal, rotineiramente, um trabalhador, um empregado. É de responsabilidade do empregador manter um ambiente de trabalho saudável sob pena de responder por um assédio moral, gerando desconforto acentuado para o trabalhador em questão. É importante notar que, estes primeiros casos identificados na jurisprudência como situação incômoda, humilhante, constrangedora, é qualificada de assédio moral por não haver uma tipificação legal. A hipotética atitude de indiferença no trabalho gerava situações de não dar trabalho para o empregado, de exigir trabalhos superiores ou inferiores daquele ajustado contratualmente, desprezo ao empregado; há uma tática de silêncio diante do não cumprimento das obrigações, não existe reclamação nem elogio. Estes casos capitulados como rigor excessivo no trato são atitudes desrespeitosas, humilhantes, assim como expor a terceiros condições e situações sociais e de saúde do trabalhador. 43 Maria Cristina Irigoyen Peduzzi Estas questões foram evoluindo e, concomitantemente, evoluíram os projetos de lei. Hoje há uma série de situações capituladas como de moral que vão além de atos repetitivos, de atitudes hostis do superior hierárquico em relação ao subordinado, com agressões verbais e rigor excessivo. Atualmente, temos também como assédio moral a exigência exacerbada, imposição de metas exageradas ou abusivas, danos morais e coletivos. É considerado dano moral individual e coletivo quando se exige daquele trabalhador que recebe por produção com rigor, a imposição de prendas ou castigo. Apesar de fugir do tema, mas não se pode deixar de fazer referência, são os temas relacionados ao acidente de trabalho e à doença profissional, em que há uma diversificação muito grande de hipóteses que proporcionaram a fixação e a imposição de reparação por danos individuais, danos morais individuais e coletivos. É certo que, a jurisprudência, nos dias atuais, considera que o mero descumprimento sistemático do contrato de trabalho e da legislação enseja a formulação de pedidos e o ajuizamento de ações, postulando reparação por danos morais. Há algumas hipóteses, como o atraso no pagamento de salários, na devolução da carteira de trabalho, no recolhimento sistemático do fundo de garantia, no pagamento de verbas rescisórias, exigência habitual de prestação de horas extras sem concordância do empregado, terceirização de mão de obra, revistas em bolsas ou revistas físicas, controle de ida ao banhei- ro, divulgação de relação contendo nomes e remuneração dos empregados, estão elastecendo o instituto. Considerando os inúmeros projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, talvez seja levada em conta a riqueza de situações envolvidas no tema da responsabilidade civil extracontratual com culpa. Outro conceito que tem sido elastecido é o da culpa. Quando se trata de acidente de trabalho, temos fixado de forma expressa, não só na Constituição, como também no Código Civil a adoção, a tipificação da teoria da responsabilidade civil extracontratual com culpa. Observamos que há também na jurisprudência um elastecimento muito grande da configuração da culpa para admitir o dano moral presumido, elastecendo a disposição do Artigo 927 do Código Civil que disciplina a responsabilidade objetiva, e não só In re ipsa, expressão usada quando a própria coisa determina. O dano presumido é estabelecido também em circunstâncias em que a própria coisa não é arriscada. São considerados, portanto, casos típicos de responsabilização, objetivo independente da culpa e passivo da fixação de dano moral presumido atos como, queda de aeronave, serviço de vigilantes, de vigilância, ocorrência de assalto à mão armada, a carro forte, acidente com transporte rodoviário. Além destas hipóteses, a jurisprudência vem admitindo dano presumido, aplicando a teoria da responsabilidade civil objetiva de uma forma bastante abrangen- 44 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho te nas situações em que o empregado tem dificuldade de apresentar provas. Cabe citar aqui um caso que foi da relatoria do Ministro Augusto César sobre provadores de cigarro, um caso muito emblemático, em que, tanto o Tribunal Regional quanto a turma do TST entenderem pela ilicitude da atividade do provador de cigarro - é um nome vulgar, mas esta atividade tem um nome técnico - e foi imposta uma reparação por danos morais de um milhão de reais. Quando os embargos foram a SDI, salvo engano, o Ministro Dalazen foi quem divergiu do relator que mantinha substancialmente o interessa do acórdão da turma. O Ministro argumentou que não poderia considerar a atividade ilícita, porque esta é uma atividade autorizada pela Constituição, não há nenhum impedimento legal; aplica-se, portanto, o princípio do livre exercício das atividades; a empresa recolhe impostos, a venda de cigarros é lícita. Por isso, não se pode considerar atividade ilícita num julgamento de um caso trabalhista, então se reformou a corda turba e no voto constou que seria uma hipótese de ativismo judicial inconcebível, mas o entendimento que prevaleceu foi a ilicitude da atividade. Apesar desta atividade não ter sido considerada ilícita pelo Ministro, há um dano moral, como também um dano material. O dano moral, assim, justifica a manutenção da reparação fixada pela turma e pelo Tribunal Regional de um milhão de reais, porque há danos morais para o trabalhador. E para concluir este tema que envolve a questão do ativismo judicial, sem invadir o do Ministro Walmir que é concretamente a fixação. Todos aqui, os pós-positivistas que dão embasamento doutrinário, especialmente, o Robert Alexy na Alemanha e Ronald Dworkin nos Estados Unidos - que formularam teorias que objetivam de forma substancial a justiça. Obter justiça para caso concreto são teorias constitucionais filosóficas complexas que justificam a reconstrução do direito, não só nos Hard Cases, mas também em casos de omissão legislativa. Não há regra jurídica, por isso vou interpretar os princípios utilizando dessas teorias que eu gostaria de examinar um pouco cada uma delas, mas o tempo não permite. Contudo, a visualização da teoria da integridade do Dworkin é bastante complexa, nem falo na dialex que considero um teorema, a teoria da proporcionalidade, mas do caso da teoria da integridade do Dworkin que ele precisou criar aquele juiz Hercule conhecedor de tudo, conhece o direito em todas as suas especificidades, os precedentes, a história institucional do povo e da comunidade, trata-se dos Estados Unidos, em que a lei, quando é aplicada considera todos estes aspectos. Atualmente, temos as críticas aos ativistas, porque os pós-ativistas não são ativistas, em especial nos Estados Unidos. As consequências que vêm acontecendo na jurisprudência são devido à aplicação destas teorias sem possibilidade concreta de utilizá-las com as suas complexidades, daí, a produção de efeitos ativistas. E estes efeitos ati- 45 Maria Cristina Irigoyen Peduzzi vistas que estão nessas críticas contemporâneas, já referidas, estão sendo formuladas em acordo com as críticas de Ram Richal, que é professor da Faculdade de Direito de Toronto e de Jeremy Waldron, neozelandês e professor de direito da New York University e hoje, um autor muito lido no Brasil. Seguramente, temos dois professores em Harvard, ambos da Harvard Law School, que fazem críticas veementes ao ativismo e propõem a adoção da teoria da moderação judicial pelos juízes, eles criticam de forma muito intensa o ativismo que são Caster Sistten e Ram Richard. O professor Ram Richal, apesar de não propor uma alternativa como os professores de Harvard, faz uma crítica ao ativismo e justifica porque está ocorrendo. Ele traz esta expressão da juristocracia, chamada por ele de tendência global, porque são 80 países fazendo isto, que é o fenômeno que consiste na transferência de prerrogativas centrais dos poderes executivo e legislativo para o poder judiciário. Então, a própria omissão dos outros poderes tem provocado por parte dos juízes determinarem o direito, e em especial quando se trata da Suprema Corte, como a dos Estados Unidos que, em 2002, definiu uma eleição presidencial, no caso Bush versus Gore. rificar quantos assessores, qual a especialidade de atuação, se é apenas em uma específica ou em várias áreas e o número de processos que ele tem distribuídos. O juiz pode dizer, caso não seja um juiz Hércules, valendo-se destes conceitos pós-positivistas, que há medidas ali que lhe impõem restrições no julgar e que, por isso, precisa examinar o aspecto das capacidades institucionais e dos efeitos dinâmicos da decisão proferida, sugerindo sempre que se abstraia da filosofia e se aplique ao direito. Para finalizar, pode-se dizer que estas críticas ao ativismo derivam de uma postura na qual se convive com questões como conceito de dano moral, não que seja ilimitado, mas porque envolve o subjetivismo, assim como o assédio moral envolve o psiquismo das pessoas; e isso dá margem para uma produção excessiva em termos de jurisprudência, sem o respaldo normativo necessário. Cabe tratar aqui, em especial, de um caso de Caster Sistten o chamado minimalismo social, que diz que, se o juiz não tiver capacidades institucionais, não deve formular teses filosóficas para decidir o caso concreto. Há de decidir de forma mais simples possível o caso concreto para dar celeridade, ve- 46 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Responsabilidade civil por dano moral Walmir Oliveira da Costa* *Mestre em Instituições Jurídico-Políticas/Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Pará; Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Presidente da 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho; Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. 47 Walmir Oliveira da Costa Primeiramente, cumprimento as duas ilustres mulheres da mesa, a Senadora Vanessa Grazziotin, de Santa Catarina por seu marcante trabalho, cuja competência e honestidade trazem honras a sua região – ilustre mulher combativa da nossa política; a não menos ilustre Ministra Maria Cristina Peduzzi, minha confreira da Academia Brasileira do Direito do Trabalho, presidente honorária que honra também o Tribunal Superior do Trabalho com sua atuação marcante - uma das mulheres mais competentes e brilhantes, e olha que não são homenagens vãs. Agradeço o Ministro Ives Gandra, pela gentileza honrosa do convite para participar deste evento, aos meus colegas, ministros aqui presentes, ao exdeputado que nos honra e ao ilustre Maurício Rands que dispensa maiores apresentações. Enfim, é uma honra participar deste evento de alta qualidade, como pode ser observado na exposição da Ministra Peduzzi. Isto, de certo modo, causa preocupação porque a teoria da ministra, que engrandece o discurso jurídico, passa longe deste simples estudante, aprendiz do tema Responsabilidade civil por dano moral, estudado desde a defesa da dissertação de mestrado na Universidade Federal do Pará, em 1998. A primeira sentença proferida como juiz substituto da oitava região, não em todo o Brasil, mas apenas no Norte, em que foi reconhecida a competência da justiça do trabalho para julgar pedido de indenização por dano moral na fase pós-contratual, em 1991. Neste ano, já havia uma discussão muito grande quando o dano ocorria na execução do contrato, imaginem quando a ocorrência se dava na fase pós-contratual, naqueles casos de lista negra, discriminatória. Eis a razão da paixão pelo tema quando examinei um processo que se tratava de dano moral na fase pós-contratual, e não era só dano moral, era também dano material. Depois disto, ingressei no mestrado, em 1995, e 1998 obtive nota máxima da banca examinadora do tema de mestrado; em 1999, foi publicado meu livro pela Editora Juruá; isto, confirmado pelo Ministro Ives Gandra, é do século passado. Desde então, venho estudando cada vez mais este tema, por se apresentar dificultoso e complexo, como já foi ressaltado pela Ministra Peduzzi. Antes de tudo, queria falar en passant sobre a Responsabilidade civil objetiva e subjetiva, como já disse a Ministra Peduzzi, o que nos interessa é a Responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana lex aquilia, vinda dos romanos, importada para nosso Código Civil de 1916, o velho Código de 16. Segundo este Código Civil, no seu Artigo 75, para propor ou contestar uma ação é preciso ter legítimo interesse econômico ou moral. Sequer se cogitava a aplicação deste instituto da Responsabilidade civil no âmbito do direito do trabalho, por isso, nem se imaginava sobre a competência porque tudo ia para justiça comum, haja vista, a regência pela norma de direito civil. Posteriormente, veio a Constituição de 1988 e consagrou no Artigo V, Incisos 5 e 10, a possibilidade da reparação civil por dano moral e material tam- 48 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho bém. A Ministra Peduzzi já mencionou que atualmente, há muita discussão se a Responsabilidade civil é objetiva ou subjetiva. A Responsabilidade civil subjetiva necessita de três requisitos, o nexo de causalidade, que é o vínculo jurídico ligando a conduta ao trabalho, a culpa do ofensor e, por último, o nexo da causalidade, evento danoso. A doutrina chama de dano e eu, de evento danoso o que pode se revelar na forma extrapatrimonial ou moral, ou somente, na forma patrimonial. Já a Responsabilidade objetiva não necessita do elemento culpa, mas é preciso que haja nexo de causalidade e dano, não se perquire a culpa, por exemplo, a responsabilidade do empregador pelos atos dos seus prepostos, o caso pode ser de assédio moral, previsto no Artigo 932 do Código novo, ela é objetiva; agora, o dano moral é via de mão dupla, porque o empregador pode muito bem acionar regressivamente, aquele empregado que era seu preposto, causador do dano. No entanto, esta possibilidade existe e alguns nem imaginam ser possível a compensação da pessoa jurídica pelo dano moral. Para o STJ do Sul, a pessoa jurídica, tendo honra objetiva ou subjetiva, pode ser sujeito passivo de dano moral. O empregado que dá um desfalque na empresa, pode ser acionado por causar prejuízo material e moral. Como a empresa só pode ser compensada até o limite daquele eventual direito que ele tenha, ela pode por via de reconvenção pedir o ressarcimento. Outro dia, um colega me reportou que estava com um processo que houve recon- venção, o empregador pediu reparação por dano moral do empregado. A pergunta é se podia, mas ele afirmou que sim. De forma clara, argumentou que só examinamos a primeira via, o dano causado pelo empregador, que é a ocorrência mais frequente, mas existe a possibilidade do dano ser causado pelo empregado. Quando um empregado altamente qualificado vende um segredo industrial, ele quebra um contrato de exclusividade com cláusula de confidencialidade e cabe à justiça do trabalho julgar esta competência, porque há a competência conexa para ação por dano moral contra empregado e também o dano moral contra o empregador, visto que, isto decorre da relação de emprego e visa a atrativa é o contrato de trabalho. A reponsabilidade civil tem as suas excludentes de antijuricidade, como ocorre, por exemplo, no Direito penal, exercício regular de um direito, legítima defesa própria de terceiros, ato de terceiro desconexo, ou seja, sem nexo de causalidade. O empregado vai pela rua, tropeça num buraco, quebra a perna, aciona o empregador porque estava no trajeto e quer que o acidente seja configurado como acidente de trabalho. Pode ser considerado acidente de trabalho, mas neste caso não há responsabilidade civil empregador. Adiantando aqui, um processo que vai sair no meu segundo livro, dos Acórdãos Didáticos, sobre um motorista de ambulância da prefeitura, do município do interior de São Paulo, tinha um caso com uma mulher casada, uma re- 49 Walmir Oliveira da Costa lação extraconjugal, e o marido descobriu. No dia 01 de maio, o marido traído ligou para o motorista da ambulância, dizendo que estava passando mal, com princípios de infarto e precisava de atendimento urgente. O motorista da ambulância, que era o que tinha o caso com a mulher dele, foi lá e o marido traído matou-o. A família do motorista da ambulância pediu indenização do município, não foi dado porque era crime passional, é ato de terceiro sem nexo causalidade, então, nem sempre é a questão do ativismo judicial mencionado pela Ministra Peduzzi. Portanto, nem sempre o empregador tem a culpa do evento, porque quem concorre para o dano, eventualmente, é a própria vítima, e aí, há o problema, não da culpa exclusiva da vítima, expressão que não é mais usada na moderna infortunística. Esta expressão “culpa exclusiva da vítima” é fato danoso atribuído, exclusivamente, à vítima, e isto é excludente, caso fortuito, força maior, excludente da Responsabilidade civil. O problema do ativismo vem daí, inclusive na fixação do valor da indenização de maneira discriminatória ou irrisória. Se for uma empregada doméstica a indenização é fixada em quinhentos reais, isto compensa o dano só porque ela é empregada doméstica? Em outra circunstância de assédio moral, sexual de uma empregada não doméstica a indenização varia de dez mil, vinte mil e chega até cinquenta mil. Não há justificativa para esta distinção e nem pelo valor exorbitante. Houve um caso de uma empregada, no Vale da Ser- ra de Carajás no Vale do Rio Doce, que foi atacada por uma onça e o juiz condenou a empresa a pagar setecentos e cinquenta mil reais. Em uma palestra em Belém, o juiz estava presente, fiz uma brincadeira meio auspiciosa, falei de propósito do caso para provocá-lo. Outro caso em que o trabalhador foi esmagado pelo trem da Vale, a família composta por quatro pessoas recebeu novecentos mil reais. A jurisprudência, neste caso, fixou o valor de duzentos e cinquenta mil reais per capitas, aí eu comentei que era melhor ser amigo da onça em Carajás que ser atropelado pelo trem. Reconheço que foi uma brincadeira de mau gosto, fiz mais para provocar, porque, o juiz tem que ter responsabilidade quando vai fixar uma indenização. No caso da empregada atacada pela onça, não era a Vale do Rio Doce a devedora principal, era a subsidiária, empresa empregadora de topografia. Por coincidência o processo foi parar na primeira turma, um comigo e outro com Ministro Hélio. Só que o TRT do Pará exagerou também, fixou um caso em dez mil e outro em vinte mil. O meu era de dez mil, não estava mexendo, como se diz, era uma gala, mas o Ministro Hélio mudou e eu fiquei vencido. A indenização foi fixada em trezentos mil para um e cem mil para outro, apesar de ter sido vencido, achei os valores incompatíveis com a realidade. É fato que aquela região tem uma área de floresta aberta, os animais vivem soltos, mesmo no parque de Carajás onde há grades e cercas, as onças conseguem ultrapassar, ir ao chamado núcleo 50 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho humano e podem atacar, dar umas lanhadas. Podemos concordar que o valor de dez mil e vinte mil era irrisório, mas setecentos e cinquenta mil reais, convenhamos, é um bilhete premiado de loteria. Isto vai acabar com aquela empresa pequena que está lá, porque ainda que a Vale do Rio Doce pague, ela vai ser ressarcida numa ação regressiva contra aquela pequena empresa de topografia. O juiz não avalia esta realidade do processo, é o ativismo que a Ministra Peduzzi mencionou, o valor ou é irrisório ou é exorbitante. Com isto, o TST fica com grande dificuldade de fazer o controle de legalidade ou de constitucionalidade do valor da indenização, principalmente, recusa de embargos; dificilmente, o Ministro Ives, o Ministro Augusto César e eu, que somos da SDI, teremos um aresto divergente para examinar as mesmas circunstâncias do fato. Falando em mensuração, o código será abordado de outra forma, assim é uma provocação ao Ministro Ives. O TST tem uma teoria e entende que o Artigo VII, inciso 28 trata de Responsabilidade civil subjetiva. Teoria da qual discordo há muito tempo. Em análise, a teoria do Artigo VII, inciso 28, não trata de responsabilidade civil e sim de um direito do trabalhador para que o empregador efetue o seguro de vida contra acidente; caso não seja efetuado por culpa do empregador, ele responderá por isto. Fiquei confortável em saber que meus acórdãos são anteriores a esta descoberta, senão eu estaria copiando do Ministro Ives. No livro de Responsabilidade Civil, o professor Flávio Tartuce diz que “nota-se um claro conflito entre o Artigo VII, inciso 28 da Constituição e o Artigo 927, parágrafo único, do Novo Código Civil de 2002, que é da responsabilidade civil pelo risco. Isto porque analisado o primeiro dispositivo chega-se à conclusão de responsabilização direta subjetiva do empregador, sempre em todos os casos. Já pela segunda norma, a responsabilidade do empregador, havendo riscos pela atividade desenvolvida, poderia ser tida como objetiva independente da culpa”. É certo que, a regra contida na Constituição não é específica quanto à responsabilidade civil em se tratando de regra de seguro com direito inerente à condição do empregado, sem excluir a indenização a que o empregador estará obrigado na hipótese da ocorrência em culpa ou dolo. Apesar da norma criada e a favor do empregado, é utilizada a favor do empregador ao revés e de forma absurda, quem está dizendo isto é um civilista, mas sou voto vencido, portanto, devo estar errado, a minha teoria não prevaleceu. O TST entende que o Artigo VII, inciso 28 trata de responsabilidade civil. Também em matéria de mensuração, o meu livro era competência e mensuração, escrevi sobre a égide do Código Civil velho, porque o sistema era tarifado, ou seja, a indenização por dano moral era fixada pelo legislador, e se restringia às hipóteses de crime contra a honra. O legislador mandava uma espécie de arbitramento judicial no Artigo 1.537 combinado com os Ar- 51 Walmir Oliveira da Costa tigos 1.553 e 1.547. O legislador mandava aplicar a pena de multa para o crime, chegava-se a uma regra aritmética usando como parâmetro o salário mínimo. Na época da elaboração do livro eram uns vinte mil, no mínimo e três mil e oitocentos de salário mínimo, no máximo vinte salários mínimos, porque mandava aplicar em duplicidade a indenização. O critério era altamente subjetivo, ainda que considerado objetivamente, porque, como graduar sem que se fique no subjetivismo – assunto abordado em um artigo escrito no ano de 2000. Discutiu-se muito a revogação deste critério do tarifamento quando a Constituição trouxe o sistema aberto, que é o sistema norte-americano. A questão é que este sistema não pode ser usado como parâmetro para nós, como disse a Ministra Peduzzi, o sistema do precedente lá é o dano para punir, e as indenizações são milionárias. Há uma piada que diz que nos Estados Unidos, quando um americano tropeça num galo e esfola o dedo, diz que está milionário, porque ele vai pedir do poder público uma indenização. Na brincadeira, é a questão do damage to punish, se não estiver certo a pronúncia que seja corrigida pelo Ministro Ives. Hoje o sistema é aberto, o legislador criou um mecanismo nos Artigos 927 e 944 em que a indenização é medida pela extensão. Mas o que é extensão do dano? É potencialidade, gravidade, condições peculiares do caso ou situação econômica do ofensor. Outro dia, o advogado foi na tribuna e disse aos Ministros que a empresa defendi- da por ele tinha um capital social de quatrocentos mil reais, como ela poderia pagar uma indenização de cem mil por dano moral? Considerando os argumentos do advogado, reduzimos a indenização na turma por violação, porque era excessiva para a condição do devedor. Dentre outros parâmetros, tem-se a chamada teoria do valor do desestímulo como definição da indenização. Esta teoria repousa num tripé, punir, compensar e prevenir, isto é que o magistrado deve levar em consideração ao fixar o dano. O juiz não pode agir como um juiz do Pará da justiça comum que o sujeito comprou. O consumidor comprou um pacote de carne estragada no supermercado, devolveu-a e substituiu por outra boa e entrou com uma ação pedindo trezentos e vinte mil de indenização por dano moral. O juiz ficou tão irritado que julgou improcedente, dizendo que, por trezentos e vinte mil reais ele comeria a carne estragada com pacote e tudo. O ativismo aqui vai no sentido contrário e não está no livro do Caputo, dei este exemplo a ele e ele verificou junto ao juiz se houve mesmo esta sentença. Podemos avaliar que este tripé deve ser observado, hoje, na nossa jurisprudência temos procurado sermos cuidadosos para não tornarmos o critério tarifado outra vez, para isto procuramos seguir ao sistema da jurisprudência, que é a jurisprudência dos precedentes para fixar o valor da indenização. Temos na comissão de jurisprudência uma tabela, por exemplo, dois processos de indenização por dano moral de- 52 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho corrente de assédio, e aí temos os parâmetros das turmas quanto aquele valor, neste caso, utiliza para ter uma espécie de um leading case a média para enquadrar naquele processo o que está sendo julgado para saber se este valor é irrisório ou exorbitante e dosar dependendo da circunstância do processo. Este critério já foi criticado, não é científico, mas, futuramente, teremos o critério do precedente, pois, hoje, a jurisprudência não obriga, não é vinculante, mas quando houver a tese jurídica prevalecente chamada recurso de revista repetitivo terá que ser vinculante, este precedente é vinculante, senão vamos chegar num absurdo. Quando eu era desembargador convocado no TST, o Ministro Ives deve se lembrar, houve um caso de desídia que foi concedido uma indenização de três mil salários mínimos na época. Fiz o cálculo e dava um milhão e meio em 2005, fixei em cinquenta mil reais e dei provimento ao recurso, fui até criticado pelo Tribunal, pois eu era desembargador convocado e violei o Artigo V da Constituição, vale perguntar onde está o critério de razoabilidade e proporcionalidade do Artigo V? Não estão no Inciso 10 que só trata do dano moral, estão no Inciso V. Não sei qual foi a leitura que fizeram na época para me criticarem. Naquela época, eu queria ser ministro, então não falei nada, bom cabrito não berra. Mesmo assim, fiquei furioso, depois passou e meu voto foi mantido por seis a cinco, fiquei feliz, apesar da crítica que fizeram. Estou contando o caso porque foi público e para reafirmar que o Inciso V trata do agravo, direito de resposta proporcional ao agravo, cabendo indenização, e nisto está à proporcionalidade, a razoabilidade está no Código Civil. Em outro momento, o Ministro Marco Aurélio examinando um recurso extraordinário não reputou a violada, Artigo V, quando se fixou a indenização por dano moral, o Ministro Ives deve lembrar, a matéria era extravio de malas e bagagens; então, não é só para direito de respostas. Este critério de proporcionalidade e razoabilidade deve ser observado em qualquer hipótese que haja proporcionalidade ao dano. A Constituição trata de indenização por dano moral, será mesmo uma indenização, será que este pagamento deste valor é em pecúnia, porque a reparação também pode ser in natura. Ele restitui ao status quo ante o patrimônio ofendido em material, a indenização é restituição integral. O carro sofreu um sinistro, se for o caso terei um carro igualzinho ao sinistrado, o dano moral não restitui a dor, ela é indelével, íntima, não precisa estar estampada na face da vítima como pensam por não ter tido divulgação. A divulgação é agravamento, circunstância agravante, então a indenização não é restituição integral, aquela restitution in integrum. O dano é emergente, o que já ocorreu, e o lucro cessante, o que vai ocorrer, tem lucro cessante no dano moral? Pode haver no dano material, quanto no dano moral dentro direito do trabalho como descritos aqui 53 Walmir Oliveira da Costa na relação laboral, seja no sentido amplo ou restrito. Certamente, este pagamento é uma compensação pela dor, mitigando sofrimento da vítima, porque aquela dor é indelével, não vai ser tirada. Quando se perde um membro da família, se é humilhado, esta dor não passa, ela minora, e aquele pagamento apenas compensa o sofrimento mitigando a vítima. Agradeço, mais uma vez, ao Ministro Ives por ter me proporcionado o privilégio de participar deste evento e a todos vocês pela atenção. 54 3 Marcos Regulatórios para a Terceirização no Brasil e no Mundo: Atividades, Responsabilidade e Direitos dos Trabalhadores Terceirizados 55 Guilherme Machado Dray Sistema Jurídico Lusófono do Trabalho – Responsabilidade e Direitos dos Trabalhadores Terceirizados Guilherme Machado Dray* *Doutor em Jurídico-Civis na Faculdade de Direito da Universiade de Lisboa; Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 56 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Agradeço ao senhor Senador Marcelo Crivella pela organização e pelo convite; em especial, ao meu amigo e Ministro Ives Gandra Martins e, assim como eu, meu colega de mesa Joaquín Pérez Rey. É um prazer, um privilégio muito grande estar neste seminário em Brasília e tentarei fazer uma exposição relativamente breve; primeiramente, sobre o Direito do Trabalho em Portugal; depois, sobre a questão da terceirização. Reitero meu prazer em estar aqui dissertando sobre o tema que, para facilitar o raciocínio esquematizado e sistematizado, a primeira parte foi dividida em seis pontos. O primeiro ponto refere-se à afirmação do sistema jurídico lusófono, que diz respeito a nós, a todos nós, e até mesmo ao nosso professor Joaquín Pérez Rey; mas, fundamentalmente, aos falantes de língua portuguesa num seminário que envolve parte do direito português e parte do direito brasileiro. É oportuno deixar uma nota breve sobre este tema, porque sempre estudamos e conhecemos dois temas jurídicos, a Common Law, por um lado, e o sistema romano germânico por outro. É verdade que cada vez mais vários autores, principalmente, autores brasileiros e portugueses, têm afirmado que para além desta grande subdivisão há um subsistema que é o lusófono, da lusofonia, que tende cada vez mais a imperar e afirmar-se como um sistema com poder de influência sobre outros sistemas jurídicos. Cabe aqui esclarecer que existe um contraste entre o sistema lusófono e o sistema da common Law. Naquele, a lei aparece como a fonte de direito por excelência, mais do que isto, aparece o primado do texto constitucional; isto é, cada um dos nossos estados, dos nossos países, Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Timor Leste, Moçambique, São Tomé e Príncipe, têm como fonte de direito por excelência e hierarquicamente superior, a Constituição. Isto não torna menos importante a Constituição Portuguesa de 76 que inspirou e influenciou diversos textos constitucionais; por exemplo, a constituição Angolana, de 92 e de 2010; a constituição de Guiné Bissau, de 83 e, depois, de 93; a de Moçambique, em 90 e 2004; a mais recente, do Timor Leste, de 2012; e do Brasil, de 88; claramente inspiradas na Constituição Portuguesa. Recordo-me ainda, quando estudante na Faculdade de Direito de Lisboa, onde agora sou professor, tivemos o privilégio de receber um grande constitucionalista e fundador da Constituição brasileira, Ulysses Guimarães, que afirmou: “eu estou muito grato de estar na vossa faculdade, porque estou ao lado do professor Jorge Miranda, que é um dos pais fundadores da Constituição Portuguesa, e vejo que temos pontos de contato muito fortes; mas, claro, com valores e princípios comuns, que é o mais importante”. Qualquer Constituição, seja portuguesa ou brasileira, ou todas aquelas que não sejam dos Estados Lusófonos, afir- 57 Guilherme Machado Dray mam a dignidade da pessoa humana, o valor da liberdade e o princípio da igualdade. Estes são os três grandes valores que concretizam novos princípios e normas, são os pilares do constitucionalismo dos vários países da lusofonia. Isto significa, portanto, que é uma base muito comum, muito próxima e é esta que viemos enaltecer. Além disto, o intercâmbio científico e acadêmico é cada vez mais forte, por isto, é com grande satisfação que estou aqui, e vejo muitos brasileiros na nossa faculdade de direito em Portugal. Temos aqui a língua que é um fator de união tremendo, não esqueçam que o português é falado, além de Portugal, em oito países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guine Bissau, Moçambique, São Tomé, Príncipe e Timor Leste, espalhados por quatro continentes diferentes, Europa, América do Sul, África e Ásia; e mais, é a quinta língua mais falada do mundo, e a mais falada no hemisfério sul; é a língua oficial de vários blocos regionais como Mercosul, União Europeia, União Africana. Fato é, portanto, que temos muito por onde pegar e muito para quê capitalizar. Reitero que, vários autores portugueses e brasileiros têm ensaiado esta afirmação sobre o sistema lusófono. Civilistas e constitucionalistas portugueses de várias áreas, Cordeiro, Jorge Miranda, Jorge Bacelar Gouveia, Gomes Canotilho, Martins dos Santos, Dário Moura Vicente e alguns inscritos; no Brasil, Paulo Benevides, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o próprio ministro que, infelizmente, não está aqui e Gilmar Mendes. A Constituição Brasi- leira tem, por exemplo, autores portugueses também. Não queria perder tempo quanto a isto, mas é importante para percebemos a lógica da terceirização, percebemos que pode haver pontos de contatos interessantes nesta matéria, portanto, fica aqui sedimentado o primeiro ponto e tratemos todos, em conjunto, de afirmar esta ideia de sistema lusófono. Antes de falar da terceirização em Portugal, quero fazer um retrato meio longo de como está o direito do trabalho no país. Está bem forte e, reconhecidamente, é tido como um ramo do direito com autonomia sistemática e dogmática. Autonomia sistemática significa existir no ramo direito do ponto de vista sistemático, do ponto de vista da sua exteriorização de afirmar-se como fontes de direito próprias. No caso português, não há nenhuma dúvida quanto à autonomia sistemática do direito do trabalho, ela autonomizou-se, de fato, do direito civil, embora mantenha pontos de contatos com este. Indagase, como o direito do trabalho autonomizou-se e, em que momento, aparece esta autonomização. Primeiro na Constituição Portuguesa de 76, que tem um título sobre direitos tributários e garantias de todos os cidadãos, depois tem um título específico sobre direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, e só dos trabalhadores, Artigos 56 e 57. Se vocês compararem o Artigo VII da Constituição brasileira com os Artigos 53 e seguintes da Constituição Portuguesa vão perceber que aqui o imperialismo é muito 58 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho grande e significativo; não há linha de princípios e valores comuns. O segundo momento, depois da Constituição, é a criação do código do trabalho português, surgido em 2003, e de cuja comissão de elaboração tenho orgulho de ter feito parte. Nesse momento, rompemos com o passado e afirmamos, efetivamente, o direito do trabalho como ramo do direito de ponta avançado que sabe acompanhar a evolução do tempo. Antes disto, havia várias leis espalhadas sobre férias, feriados, faltas, trabalho suplementar, greve, sindicalismo; por existirem mais de 50 Leis, era tudo muito confuso. Conseguimos consolidar orientações científicas, sistemáticas e sintéticas criando este código de trabalho que depois, como o previsto, foi alterado pelo de 2009. O código de trabalho assenta em duas grandes linhas filosóficas e de orientação prática, por assim dizer. Em primeiro lugar, está o profissionalismo ético que é de firmar a dignidade do trabalhador no trabalho, a cidadania no trabalho e o direito de personalidade, dignidade e não discriminação no trabalho. Isto está previsto, expressamente, no código do trabalho, Artigos 14 e seguintes; há uma seção somente sobre os direitos de personalidade do trabalhador; e outras sobre igualdade e não discriminação, seja no emprego ou na execução do contrato de trabalho. Este código de trabalho influenciou muitos códigos laborais de lusofonia; não me refiro à constituição das leis de trabalho brasileiras, que é mais antiga, mas por exemplo, ao código de trabalho de Moçambique, à lei geral do trabalho de 2010, do Timor Leste em 2002, da Angola em 2015, todos eles têm estas seções sobre direito de personalidade igualada na discriminação. É certo que, quando legislamos sobre o direito de personalidade, não existia, ainda, em nenhum país da Europa, esta seção específica sobre o direito de personalidade do trabalhador; nós fomos, portanto, inovadores neste sentido. Se no ponto de autonomia dogmática, o ramo do direito se afirma e mostra que vale enquanto tal, para além de ter um conjunto de leis próprias, consegue também afirmar princípios próprios. Isto é, princípios que se distinguem daqueles do ramo de direito privado comum, que é o direito civil. Nós, através do código de trabalho demos um impulso forte para que isto acontecesse e, hoje em dia, querem termos doutrinários, jurisprudenciais por força da aplicação judicial dos tribunais. Não há dúvidas de que o direito do trabalho tenha, também, autonomia dogmática em Portugal. Há dois grandes princípios que se evidenciam, e que não existem no direito civil, fazendo o direito do trabalho um ramo, totalmente, autônomo, embora com pontos de contatos, como é evidente; primeiro, o princípio de proteção do trabalhador, é óbvia que a lógica do direito é uma lógica de reequilíbrio, pois, é uma relação que está desequilibrada por natureza, uma relação vertical, que não é panagem, não é própria do direito civil em que a relação dos privados está num plano de igual- 59 Guilherme Machado Dray dade. Mas aqui, há uma desigualdade óbvia por força do poder de direção e da subordinação jurídica. Portanto, o direito do trabalho afirma-se e desenvolve-se neste sentido da proteção do trabalhador, depois disto aparece em várias regras jurídicas no nível da formação, da execução e sucessão do contrato, e de aderente proteção. Mas também, há outro princípio que aparece no Direito do Trabalho Português, de forma muito clara, que é o princípio da salvaguarda dos interesses de gestão. Isto é, temos partido do trabalhador, bem entendido. Não há nenhuma dúvida quanto a isto, mas não deixa de ser verdade que o titular da unidade produtiva também assume riscos, pois, precisa investir, financiar, contratar, pagar ordenados, há custos operacionais; por isto, é preciso ter alguma cautela, porque se dermos alguma proteção, o próprio emprego pode ser posto em causa. Assim, é em torno destes dois grandes princípios que o Direito do Trabalho Português, de hoje em dia, vem mantendo a lógica de capacitação do trabalhador, ele é um direito mais compromissório do que era o direito do trabalho no século XIX, até porque a relação laboral do século XIX não é a mesma do século XXI, portanto, temos aqui um direito do trabalho compromissório, como iremos ver, diz respeito, um pouco, com a questão da terceirização. Antes disto, é óbvio que o paradigma do contrato de trabalho no nosso direito do trabalho não possuía termos. O contrato de trabalho por tempo inde- terminado e a moção deste estão previstos no Artigo 11 do código de trabalho português; certo é que não há nada de novo por aqui. O direito do trabalho foi criado porque é um trabalho para o estado, local de tempo de trabalho com subordinação jurídica e econômica por tempo indeterminado, isto é, tendencialmente, por tempo indeterminado. Há 20, 30 anos, era assunção lógica, normal, o nosso colega de trabalho manter este paradigma de contrato de trabalho. Consta no Artigo 12 uma regra que permite haver contrato de trabalho, ainda que não esteja ajustado por escrito entre as partes, se provar por meio de vários indícios, que o trabalhador, de fato, trabalha por conta e sobre as ordens e direção de uma terceira entidade, este é o paradigma. Mas isto não quer dizer que o direito do trabalho tenha ficado parado no tempo, já ouvimos comentários aqui hoje, que a realidade por vez impõe para que o direito saiba acompanhar, sob pena de ficar ultrapassado. Obviamente, temos no nosso código de trabalho a consagração de outras figuras que não são, totalmente, subsumidas na figura do contrato de trabalho. E a primeira é o contrato legalmente equiparado ao contrato de trabalho para subordinação, já falado aqui, sem nada de novo. O que há de novo, eventualmente, é que nosso código de trabalho prevê, expressamente, a figura do contrato legalmente equiparado, diz que é aquele, à luz do qual alguém presta uma atividade por conta de outrem com subordinação econômica, mas sem que 60 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho esteja, todavia, em regime de subordinação jurídica. Segundo nosso Código de Trabalho, isto pode acontecer dependendo da liberdade contratual das partes, mas se alguém estiver na dependência econômica de outrem, não é aplicada a totalidade das regras do código do trabalho, aplica-se pelo menos uma parte das regras que incidem sobre a dignidade do trabalhador. Portanto, o núcleo aos direitos é redutivo, direito de especialidade, igualdade e não discriminação, regras sobre segurança e higienização do trabalho. Um legislador diz que no fundo, ele não é um trabalhador subordinado, está trabalhando naquela empresa e depende dela, economicamente; mesmo não estando lá todos os dias, depende dela. Logo, vamos utilizar, pelo menos, estes três grandes grupos de regras para proteger este mesmo trabalhador equiparado legalmente. Além destes, temos vários contratos especiais; contratos que estão dentro daqueles dois grandes princípios: princípio da proteção do trabalhador e de salvaguarda dos interesses. São contratos que vão mais ao encontro da ideia de salvaguarda dos interesses da gestão, quer dizer, é em nome da gestão e da flexibilidade empresarial. Estes contratos especiais foram criados, em certa medida, porque estão a par do contrato paradigmático, que é o contrato sem termo. É por isto, que se fala em flexibilidade externa, garante-se que o empreendedor possa recorrer a determinados tipos de contrato, apesar de precários para o trabalhador, são mais próximos das necessidades empresariais, da necessidade de unidade produtiva. Os contratos sobre os quais vou falar brevemente são o contrato de trabalho, em que o termo está previsto nos Artigos 139 e seguintes, do código de trabalho português; o contrato de trabalho temporário, que consta nos Artigos 172 e seguintes; a excelência ocasional dos trabalhadores, Artigos 165 e o teletrabalho, artigos seguintes. Portanto, vamos analisar o que eles têm em comum e o que os diferencia. Incomum há o fato de serem diferentes do contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado, que é o contrato paradigmático e irem ao encontro das necessidades da gestão empresarial. Em comum, há, em alguns casos, a natureza transitória temporária; o contrato de trabalho é termo, e no contrato temporário, que é aquele que envolve a intermediação de uma empresa de trabalho temporário, há uma relação triangular entre a empresa e o trabalhador, ao tomador de serviço. Se o trabalhador de uma empresa presta serviço a outra empresa e regressa depois de passado um ano, que é o limite máximo existente em nosso ordenamento jurídico, a assistência ocasional do trabalhador é, também, temporária. O teletrabalho é um trabalho prestado em regime de subordinação jurídica, mas fora da empresa e põe em curso as tecnologias de informação e de comunicação. Reitero que, todas as figuras foram criadas e pensadas dentro da lógica de flexibilização da rela- 61 Guilherme Machado Dray ção laboral. Isto não significa a ideia de um novo compromisso em que os direitos destes trabalhadores sejam postos em causa, ou tenham sido postos em causa, não há esta ocorrência. Genericamente, aplicam-se a estes trabalhadores todas as regras do código do trabalho, as regras sobre direito de personalidade, sobre proibição de discriminação, sobre assédio, igualdade e não discriminação retributiva em termos de extinção da carreira, regras sobre a segurança e higienização no trabalho, sobre o limite máximo do termo de trabalho, licença maternidade e paternidade. Estes trabalhadores não deixam de ter os mesmos direitos dos demais trabalhadores, é claro que, as adaptações são necessárias dos dois lados. A Lei criou alguns direitos especiais para estes trabalhadores, vamos pegar como exemplo o teletrabalho, o teletrabalhador trabalha fora da empresa, isto tem vantagens óbvias, como estar longe da empresa, manter contatos com as empresas, mas pode ser prejudicado em termos da extinção da carreira, por isto, o código de trabalho criou regras que obrigam contratos regulares entre o trabalhador e o empresário. O teletrabalhador está isolado, não consegue valer os seus direitos subjetivos nem de forma coletiva. O código criou uma regra segundo a qual os sindicatos podem ceder aos trabalhadores e reunir-se com eles através das tecnologias de informação e de comunicação pertencentes ao empreendedor. O teletrabalhador trabalha no seu domicílio, e por isto foram fiscali- zados pelo empregador em sua privacidade que pode ser posta em causa. O código criou uma verba na qual só o empregador pode fiscalizar a atividade do teletrabalhador entre as nove e as dezenove horas, e mesmo assim, tem autorização prévia para ir ao seu domicílio, e o trabalhador tem que aceitar esta visita. O contrato é termo de trabalho temporário, há limites, mas são possíveis estes tipos de contratos para satisfazer as necessidades temporárias da empresa, por um lado; por outro, o contrato tem que ser por escrito, o que não acontece no outro trabalho normal. O contrato com termo tem uma duração máxima de três anos; de cinco anos, se o contrato de trabalho for sem termos. Entretanto, se estas regras não forem respeitadas, o trabalhador pode invocar uma relação de trabalho temporário com o utilizador ou tomador de serviço, pois o trabalhador contratado é o termo de trabalho, daí ele passa a fazer parte dos quadros através de uma conversão contratual prevista no código de trabalho. Esta é a ideia, há vários contratos iguais a estes contratos que fogem ao paradigma para o trabalho indeterminado; a lei admite -os, regulamenta-os; se os requisitos que substanciam esta forma de contratação forem respeitados; caso não sejam, o trabalhador passa ser trabalhador contratado por tempo indeterminado para a empresa com uns daqueles contratos anunciados. Certamente, entra aqui, a ideia final de terceirização que não há ordenamento no jurídico português; no caso 62 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho espanhol, é orientado pelas regras da União Europeia. Não existe nenhuma regra proibitiva da terceirização dentro da lógica de compromisso, a proteção do trabalhador está de um lado e a salvaguarda dos interesses está do outro, o que o legislador faz é isto. Nós temos um princípio constitucional que é a liberdade de gestão empresarial, e à luz da Constituição, o empregador pode desenvolver a sua empresa, como pode fazer em regime de auto esforço, ou em regime de terceirização. Ele pode fazer isto através de um contrato de trabalho temporário ou através de uma empresa que presta serviço à empresa que precisa de seus serviços. Em qualquer uma destas duas, as regras destes contratos, que vimos a pouco, são respeitadas e, se não o forem, não há problema nenhum, o empregado passa a ser trabalhador da empresa. Isto acontece, não porque a empresa fez uma terceirização, e sim, por não ter respeitado os quesitos necessários ao contrato de trabalho temporário, ou para assistência ocasional dos trabalhadores, ou para uma hipótese de teletrabalho. Este é o primeiro ponto, não há nenhuma regra proibitiva, ao contrário, a regra é permissiva e geral sob a luz da Constituição. Mas também, não há regulação específica, regra, nenhum dispositivo normativo com epigrafe de terceirização, regulamentando a terceirização. O empregador, se quiser, pode terceirizar a equipe tecnológica tendencialmente permissiva dentro das regras daquelas modalidades contratuais. Fazendo a terceirização, o empregador tem que cumprir aquelas regras, não cumprindo, ele é penalizado por isto. Portanto, tudo passa pelo cumprimento ou não das regras limitadoras dos contratos atípicos e pela aplicação das regras gerais, exceto, prova de contrato de trabalho. Neste propósito, recordo a vocês, que o nosso código de trabalho tem no Artigo, 12, um conjunto de indícios que revelam o contrato de trabalho, é um artigo bem interessante com o seguinte título, epigrafe – presunção do contrato de trabalho – presume-se a existência do contrato de trabalho quando na relação entre a pessoa que presta uma atividade, e outra que dela beneficia, significa algumas das características: “a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinada; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencem ao beneficiário; c) O prestador de atividade observa horas de início e de término da prestação, determinadas pelo beneficiário da atividade; d) Seja paga, com periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de atividade desempenha funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”. Esta é uma questão de prova que cria uma presunção de um contrato de trabalho quando alguém trabalha para um beneficiário cumprindo um horário de trabalho naquele local, entra e sai na mesma hora, é orientado quanto à forma e a prestação, recebe uma remuneração daquela empresa certa e regular e, se ainda por cima, exercer 63 Guilherme Machado Dray funções nesta mesma empresa e, por ventura, o empreendedor tiver feito uma terceirização e este tal trabalhador estiver lá, e os requisitos estiverem cumpridos, a lei presume haver um contrato de trabalho, mas é uma presunção ilidível, não é uma presunção absoluta, ela pode ser posta em causa, pode ser afastada do empreendedor. Em relação ao tema específico da terceirização, podemos concluir que, em Portugal, não há uma regra proibitiva, a ideia é de responsabilização das partes, isto é, a liberdade de gestão é empresarial, o empregador pode atuar como quiser desde que, respeite as regras limitadoras existentes e, consequentemente, as regras relativas às diversas modalidades especiais de contrato de trabalho. A liberdade de gestão empresarial é uma realidade com assento constitucional na nossa Constituição como, também, na Constituição brasileira. Fato é que, a proteção ao trabalhador é, igualmente, um princípio basilar e incontornável, e nosso legislador, de forma compromissória, faz esta mesma proteção ao trabalhador; não a deixa de fazer em caso nenhum. da, isto na Europa, já não existe. Ainda mais, depois da crise, as dívidas soberanas em 2008, prodigalizou-se ainda mais. A lei admite modelos especiais do contrato de trabalho, destes regulamentados, a terceirização neste contexto não é proibida, é licita. Portanto, reitero a importância do sistema lusófilo, a importância destes tipos de intercâmbios científicos. Agradeço outra vez o convite e a atenção de todos. Mas, hoje em dia, a verdade é que este paradigma do contrato de trabalho por tempo indeterminado não é mais o que era, porque o mundo mudou. Grande parte das pessoas, pelo menos na Europa, trabalha mais no setor terciário e quaternário do que no setor primário e secundário; e em sua maioria em regime de contratos por um ano, dois anos e até por seis meses. Portanto, aquele nosso ideário antigo de que é um contrato para toda a vi- 64 Joaquín Pérez Rey O Fenômeno da Terceirização no Mercado de Trabalho Joaquín Pérez Rey* *Professor Titular de Direito do Trabalho e Segurança Social na Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha) e pesquisador na Universidade de Nápoles, Benevento, Lyon e Siena. 65 Joaquín Pérez Rey Primeiramente, quero agradecer o cordial convite do professor e jurista Ives Gandra para participar da inauguração deste maravilhoso auditório, pela gentileza de meu velho amigo, Augusto César Leite, com quem há muito tempo compartilho grandes inquietudes intelectuais e por ter a oportunidade de participar desta Mesa com um vizinho próximo, Guilherme Machado. Agradeço também, a amabilidade do Senador Marcelo Crivella por me apresentar. Obrigado a todos, é um verdadeiro prazer estar neste país que sinto verdadeiramente como meu. Farei um relato sobre a terceirização e sobre a sua regulação na Espanha. Encontramo-nos em um novo paradigma, em um novo mecanismo de empresas, numa nova maneira de nos organizar. Iniciarei com uma brincadeira que não é muito bem entendida. Considere que podemos descentralizar as vendas e o desenvolvimento de um produto. Assim sendo, toda empresa pode ser administrada por um só macaco e o outro diz, não, será necessário outro macaco para que o power point do primeiro macaco seja visto. Isto significa que este paradigma da empresa descentralizada, certamente pode nos levar a situações ridículas onde as empresas carecem de infraestrutura pessoal e sejam somente vagas sombras de um power point. Creio que esta mudança de paradigma da empresa leva a um fenômeno contraditório, mas decisivo. As empresas crescem, reduzindo-se. Crescem em poder econômico e perdem em estrutura organizativa. Isto faz com que os especialistas em Direito do Trabalho enfrentem organizações muito poderosas, do ponto de vista de seus recursos, mas muito pequenas do ponto de vista de gestão de pessoal. Desse modo o Direito do Trabalho encontra-se envolvido neste terremoto, em uma terra sísmica, onde não se sabe o que fazer. Existem duas tendências. Uma tendência determinista, que leva ao fatalismo, que considera que o Direito do Trabalho precisa simplesmente se submeter à nova organização produtiva e ser funcional. É uma tendência, queiramos ou não, que os especialistas em Direito do Trabalho carregam no código genético. Cria-se um ordenamento laboral a partir do Fordismo e dessa maneira acostuma-se a trabalhar com Instituições que eram funcionais ao sistema industrial fordista, mas que não necessariamente o são a esse sistema pós-moderno ou pós-fordista. Porém, este determinismo nos anula como disciplina, nos leva a um entendimento da disciplina meramente seguidora da nova organização de empresa, mas tampouco pode cair, no mais infantil dos voluntarismos e considerar que a partir da norma laboral podem ser estabelecidos obstáculos impenetráveis à capacidade de organizar as empresas. É preciso encontrar o equilíbrio. Assistimos, também, a um fenômeno onde novamente veremos outro dos grandes males de nossa disciplina. Enfrentamos fenômenos globais com soluções locais. Estamos assistindo a empresas que funcionam como “barracas de camping”. Pequenas “barracas” que 66 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho hoje estão em Brasília, amanhã estarão em Bogotá, no dia seguinte já estarão na Cidade do México e no final do dia se instalam na Sibéria. Portanto, um fenômeno que se move, que se expande, que não tem limites. Entretanto, está sendo regulado por parcelas de ordenamento jurídico local, com muito pouco de nosso protagonismo, como especialistas em Direito do Trabalho. Na realidade, o Direito Internacional do Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho, só conseguirá regular o fenômeno, recorrendo ao internacionalismo jurídico. Não podemos enfrentar problemas globais com soluções locais, baseados nas respostas de ordenamentos nacionais. Encontramo-nos em um novo paradigma de empresa. As empresas que crescem, reduzindo-se. Aquelas que já não fazem nada, mais que no máximo administram sua marca, provocam efeitos muito perniciosos no mercado de trabalho. Uma precarização assombrosa das relações laborais. O trabalhador contratado por tempo indeterminado e em tempo completo, mencionado por Guilherme Machado, corre o risco de converter-se em um resto arqueológico, da mesma maneira que as pinturas rupestres, que encontramos nas cavernas. Então, é possível que este trabalhador desapareça do mercado de trabalho. O desaparecimento desse trabalhador tem consequências fatídicas. Todas as nossas normas laborais de certa forma se basearam em um protótipo de um trabalhador estável e com direitos e, portanto funciona muito mal quando se depara com o trabalhador precarizado. É um paradigma da empresa que gera uma enorme desresponsabilização de quem está gozando dos frutos do trabalho e que, portanto, não assume seus riscos. Lembro-me agora do ministro que falava da responsabilidade civil. Estamos rompendo este equilíbrio de que quem goza dos benefícios deve assumir os riscos. Na realidade, estamos rompendo o princípio clássico, em virtude de haver alguém que goza dos benefícios, mas não assume os riscos inerentes a tal atividade. Em uma afirmação de um professor espanhol no Tribunal Constitucional, isto gerou uma desorganização e uma fuga do Direito do Trabalho. Os especialistas em Direito do Trabalho, cada vez mais, precisam começar a enfrentar formas societárias e mercantis que têm uma grande incidência nas condições de trabalho, mas com um grande perigo. As formas societárias e mercantis se baseiam na autonomia da vontade. A mesma autonomia que o Direito do Trabalho deseja limitar. A partir desta introdução passaremos a definir o que é a terceirização. De acordo com a definição em português ou que para o ordenamento jurídico brasileiro nos é dada por Leite de Carvalho e Bentes Corrêa, a contratação do trabalhador é necessária ao desenvolvimento da atividade econômica por meio da sociedade empresária interposta. O Direito Espanhol não conhece o fenômeno da terceirização, mas tentarei adaptar a regulação do Direito Espanhol ao que seria o conceito de terceirização. A terceirização seria 67 Joaquín Pérez Rey um gênero que incorpora várias espécies. Não falamos de gênero, mas regulamos separadamente cada uma das espécies que fazem parte da terceirização. Assim, regulamos três Instituições que são as que conformariam a regulação deste gênero. A primeira Instituição são as empresas de trabalho temporário, que seria um negócio de interposição entre o empregador e o trabalhador. Depois regulamos a subcontratação de empresas onde não há interposição, mas colaboração em um plano de igualdade entre as empresas. E por último, estabelecemos um limite para esta atividade de colaboração que será o impedimento da cessão de trabalhadores. Nunca se pode ceder trabalhadores, salvo no caso destacado a seguir. A regulação na Espanha ocorre da seguinte forma: Interposição, empresa de trabalho temporário, descentralização produtiva e proibição da cessão ilegal. Estes três fenômenos seriam espécies do mais amplo gênero da terceirização. Comecemos pela interposição e pelas empresas de trabalho temporário. Assistimos aqui, sem nenhuma dúvida a um fenômeno puramente triangular, onde entre o trabalhador, e entre as duas empresas, se cede o trabalhador. Trata-se de um fenômeno curioso de elementos vinculados, porque uma agência de trabalho temporário contrata o trabalhador, por meio de um contrato de natureza laboral, uma relação de emprego, e esta empresa de trabalho temporário cede o trabalhador à empresa usuária de seus serviços, com a qual mantém um vínculo mercantil, que chamamos “contrato de puesta a disposición”. Este é um fenômeno regulado em todos os países da União Europeia por meio de uma diretiva de caráter europeu. Portanto, as condições deste fenômeno são praticamente muito parecidas em todo o conjunto da Europa. O que ocorre com este fenômeno? Este fenômeno é uma pura cessão de trabalhadores. Ele estava na raiz do ordenamento laboral, quando a OIT proibia, as agências de colocação na realidade proibiam isso. Quando todo o ordenamento laboral inicial proibia o empresário fraudulento, aparente e interposto. Como ocorre a admissão na Espanha? Quais são suas características? O empresário é a empresa de trabalho temporário. É quem abona o salário e cumpre com as obrigações de seguridade social. Para criar uma empresa de trabalho temporário é requerida uma autorização administrativa que só será dada se a empresa cumprir uma série de exigências. Possuir uma estrutura patrimonial importante que deve prestar uma garantia financeira para assegurar de que se trata de uma empresa com recursos, capaz de responder às dívidas que possam incorrer e deve ter outra série de requisitos e investir na formação dos trabalhadores e manter uma parte deles por tempo indeterminado. O trabalho de interposição só pode ser feito pelas empresas de trabalho temporário. Se qualquer outra empresa fizer esta cessão de trabalhadores, incorrerá em um ilícito contratual e certamente, também, em um ilícito penal. Quando sucede isto? É muito 68 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho parecido com o ordenamento brasileiro, quando há uma necessidade temporária da empresa usuária. Somente para necessidades temporárias, em lugar de contratar diretamente, podese recorrer aos serviços de uma agência de emprego temporário Só e exclusivamente nesses casos. Fora deles, portanto, não se pode recorrer às empresas. Significa que no ordenamento espanhol é proibido, por exemplo, o staff leasing. Essa regulação está condicionada através de dois princípios em toda a Europa. O primeiro é um princípio de orientação claramente pró-empresarial e mercantil que obriga que os países da Europa não imponham restrições injustificadas às empresas de trabalho temporário. Na Espanha, por exemplo, anteriormente a administração pública não podia usar empresas de trabalho temporário e depois da diretiva européia, pode-se usar em algumas atividades de risco que antes não podiam ser realizadas. Porém, a norma comunitária impõe outro elemento, que é um limite capital a este fenômeno. O princípio de igualdade entre os trabalhadores contratados diretamente e os contratados a partir da empresa de trabalho temporário. Ou seja, não pode haver diferenças salariais retributivas de seguridade social, nem condições de trabalho entre ambos os tipos de trabalhadores. Na realidade, o princípio de igualdade reconduziu esse fenômeno a um lugar muito concreto. Só se recorre às empresas de trabalho temporário para trabalhos de muita qualificação on- de a contratação direta é muito complicada. Porque por regra, contratar os serviços de uma empresa de trabalho temporário é mais caro, é mais antieconômico do que contratar diretamente. O benefício da empresa de trabalho temporário não pode sair do bolso do trabalhador, é preciso garantir o princípio de igualdade. Devemos distinguir outro fenômeno das empresas de trabalho temporário, que faria também, parte da terceirização, mas seria um fenômeno completamente diferente. É a subcontratação de atividades. Observamos aqui, o fenômeno de colaboração entre empresas. Cada empresa tem seus próprios trabalhadores e não os cede à outra, simplesmente colabora com a outra, mas todos se colocam como empresários. Como se regula isto na Espanha? Partiremos de uma regra geral que é muito parecida com a que mencionou Guilherme Machado. Não há nenhuma proibição para a subcontratação de atividades. O Tribunal Supremo Espanhol entende a subcontratação como uma opção estratégica, completamente livre da empresa, que pode decidir produzir diretamente ou fazê-lo recorrendo à colaboração empresarial. Esta decisão, e isto é muito importante, ainda que receba muita crítica, seria amparada pela liberdade constitucional de empresa, que lhe permitiria decidir em que condições organiza sua produção. Assim sendo, o regime espanhol não proíbe a subcontratação, mas regula os efeitos da mesma em termos de responsabilidade, que sucede quando se produz essas cadeias 69 Joaquín Pérez Rey e o faz distinguindo dois tipos de subcontratação. A subcontratação da própria atividade, daquela outra que não é a própria atividade. Creio que aqui também, a semelhança com o ordenamento brasileiro é enorme, pois isto é uma espécie de sua atividade-fim ou atividade-meio. Quando se subcontrata a própria atividade, o legislador espanhol estabelece um regime de responsabilidade muito concreto e isto também é regulado, especialmente para um setor onde a subcontratação é usada permanentemente, o setor da construção civil. Neste setor, a subcontratação é regulada expressamente com uma normativa própria, porque o número de acidentes de trabalho e de problemas vinculados a mortes e lesões, derivadas da subcontratação é muito grande. É estabelecido então, um limite à subcontratação de atividades e cada vez mais se adverte que nunca se pode subcontratar somente mãode-obra. Cada empresa que entra na cadeia precisa agregar valor à construção. Se a subcontratação é exclusivamente especulativa seria proibida e estaria limitada. O que entendemos por própria atividade? Entendemos obras ou serviços que pertencem ao ciclo produtivo da empresa e fazem parte das atividades principais. Ou seja, o objeto de produção da empresa nunca poderia ser realizado sem essa atividade. Isso significa que se distingue a subcontratação de tarefas auxiliares, tais como a limpeza, a vigilância, das tarefas principais que se regulam expressamente. Como regulamos? Certamente, a própria ati- vidade ocorreria também, no âmbito do setor público, quando o serviço público que é prestado pela administração é principal, entendendo-se que é uma subcontratação da própria atividade. Por exemplo, o transporte sanitário é entendido como uma própria atividade da administração sanitária. O que fazemos quando se subcontrata a própria atividade que seria um fenômeno perfeitamente permitido? Estabelecemos algumas regras específicas de responsabilidade, que consiste em que quando a empresa principal subcontrata sua própria atividade com outra empresa, responde solidariamente com a empresa subcontratante sobre os salários, e sobre todo tema de seguridade social. Ou seja, em lugar de proibir o fenômeno, na realidade o que é feito é tentar introduzir elementos que corrijam aquilo que com o fenômeno se persegue, a responsabilização da empresa. Fazendo com que a empresa principal tenha que assegurar que contrata com empresas reais, que cumprirão com as normas laborais, porque não fazê-lo incorrerá em responsabilidade sobre os créditos e sobre as dívidas laborais. Além disso, por meio da responsabilidade coletiva, esta forma de subcontratar se tutela desde o ponto de vista coletivo e aqui entra em cena o Direito sindical, por meio de duas medidas: uma de origem pretoriana, muito recente, do Tribunal Constitucional Espanhol e outra de origem legal. A de origem pretoriana é muito simples, trata de proteger os direitos sindicais nestes casos, e consiste basicamente em 70 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho uma série de decisões que está relacionada com a greve. Em que consiste isso? Quando a empresa subcontratante despede seus trabalhadores, licencia seus trabalhadores, que acabam de fazer uma greve, argumentando que o empresário principal quebrou o contrato mercantil, supõe o direito de greve dos trabalhadores subcontratados e não pode ter sua comprovação impedida, amparando-se na ruptura de um vínculo mercantil de colaboração entre empresas. O direito fundamental é violado e o argumento de que a empresa subcontratante despediu porque não tinha outra solução, porque a empresa principal tinha extinguido o vínculo de colaboração, não tem efeito para o Tribunal Constitucional Espanhol. Segunda forma de tutela coletiva: Os representantes dos trabalhadores, tanto na empresa principal, como na empresa subcontratante devem ser informados sobre a identidade do subcontratante, das condições da subcontratação e dos temas que serão subcontratados. A introdução de uma transparência no mercado da descentralização, da terceirização gestionada sindicalmente. E, também, por meio de outro elemento: O chamado empréstimo representativo. Os trabalhadores terceirizados podem dirigir-se aos representantes da empresa principal para que estes os defendam contra as condições de trabalho abusivas que podem ocorrer no contexto dessa descentralização. laboração faz com que a empresa subcontratada tenha que manter necessariamente sua qualidade de empresário para efeitos trabalhistas, ou seja, ter infraestrutura, ter patrimônio e exercer o poder de direção sobre seus trabalhadores. Subcontratar uma empresa sobre a qual depois se exerce o poder de direção pela empresa principal faria parte de um ilícito. O que significa isto? Que esse fenômeno seria uma cessão ilegal de trabalhadores. Quando o objeto do contrato entre as empresas se limita à mera posta à disposição de trabalhadores ou quando a empresa que se subcontrata não tem atividade, não tendo patrimônio ou mesmo tendo atividade e patrimônio, ou seja, sendo uma empresa real, não exerça sua posição empresarial. Dito de outro modo, se eu subcontrato a instalação de um programa de informática, tenho que ter claro que estou renunciando à minha condição de empresário laboral. Não posso dar ordens a esses trabalhadores, ainda que prestem seus serviços em vários locais, em meu centro de trabalho não são meus trabalhadores e não posso exercer o poder de disciplina e de direção que derivam do vínculo de subordinação. Porque se o fizer, estaria transformando-me no empresário real. E, portanto, responderia solidariamente por todas as dívidas e também assumiria a possibilidade de que esses trabalhadores se incorporassem à minha própria estrutura produtiva. Em todo caso, esta colaboração entre empresas nunca pode provocar um cessão ilegal de trabalhadores. A co- Termino com algumas conclusões propostas, como forma de especulação. Há duas maneiras de enfrentar o fe- 71 Joaquín Pérez Rey nômeno da terceirização. Através da proibição direta, negando a possibilidade das empresas de terceirizar, que seguramente seja uma estratégia que conduz à boa parte das empresas ao mercado negro ou ao descumprimento sistemático da norma. A outra forma de enfrentar a terceirização, medida talvez muito mais frutífera em termos de resultados e de proteção dos trabalhos terceirizados, consiste em que aquele que solicita a colaboração de outras empresas para produzir, deve responder solidariamente a todas as obrigações trabalhistas e as que essas outras empresas possam incorrer. Com isso, o que se assegura? Assegura-se, evitar a terceirização meramente especulativa que se baseia na mãode-obra e o desgaste das condições de trabalho, mas também, assegura-se que o mercado de trabalho, o mercado terceirizado esteja necessariamente saneado, para que as empresas principais se preocupem em saber com quem estão colaborando e a quem irão confiar uma parte de seus órgãos produtivos. Porém, isto não pode ser feito por meio da estratégia cada vez mais em voga da mera responsabilidade social corporativa. O caso mais exemplarizante é o da Apple. Está claro também, que a responsabilidade social corporativa não evita o suicídio de trabalhadores, por exemplo, nas cadeias de valor da Foxconn, fabricante do iPhone. “Se esta empresa coloca uma rede no seu pátio interno para que os trabalhadores não se joguem, eles não morreriam. Parece uma brincadeira do destino, pois nem sequer podendo morrer, conseguiriam se matar”. Mais uma vez precisam voltar a trabalhar, fazendo com que isto seja assustador. Mas a responsabilidade social corporativa funciona como um mecanismo simplesmente de sedução do consumidor, mas não é real na hora de garantir as condições de trabalho. Para garantir as condições de trabalho, os ambientes terceirizados, seguramente, além de proibir a terceirização, seria David contra Golias, terá que responsabilizar as empresas principais por todos os movimentos trabalhistas que se produzam em suas cadeias. Será a única maneira de que estas, de uma vez por todas, vejam, confiem e comprovem com quem estão subcontratando e evitem uma mera subcontratação especulativa que não tem valor agregado, mas sim cria muito sofrimento laboral. Foi um verdadeiro prazer estar diante deste auditório tão qualificado. Mais uma vez senti a hospitalidade brasileira. Muito obrigado a todos pela atenção. 72 4 Duração do Trabalho: Teoria do Tempo à Disposição, Controle Móvel de Jornada, Direito à Desconexão e Hora “In Itinere” 73 Douglas Alencar Rodrigues O Trabalho Decente Douglas Alencar Rodrigues* *Mestre em Direito pela PUC/SP; Vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 10ª Região e da Associação dos Magistrados Brasileiros; Ministro do Tribunal Superior do Trabalho; Professor da pós-graduação e da graduação do Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB) e do UNICEUB. 74 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Cumprimento o professor da Universidade Federal de Pernambuco, Maurício Rands, advogado militante e com uma atuação destacada no Congresso Nacional, parceiro histórico das boas causas da magistratura. A alegria por revê-lo agiganta-se ainda mais pela presença da minha querida amiga, colega magistrada e líder associativa, professora universitária Noêmia Porto, cujos talentos acadêmicos são conhecidos por todos. Saúdo as presenças da Doutora Ana Beatriz do Amaral Cid Ornelas e do Doutor Ricardo Machado e dos demais colegas, ilustres advogados – aqui representados pela mais jovem advogada inscrita na OAB do Distrito Federal - Doutora Elaine Menezes Garcia Rodrigues, e de todos os amigos presentes. Agradeço ao Ministro Ives Gandra pela amabilidade e gentileza do convite. Quando soube que estaria ao lado da Doutora Noêmia, achei que ela seria a contribuição moderada do debate, mas sua visão não me parece moderada. Sua visão é compromissária como texto constitucional, largamente fundada do ponto de vista histórico, filosófico, político e científico. O que precisamos, sem dúvida, é encontrar o caminho para enriquecermos este debate, para que os senhores se mantenham atentos ao debate. Gostaria de iniciar o debate pela alusão ao trabalho decente, já abordado pela doutora Noêmia e pauta sugerida e implantada pela Organização Internacional do Trabalho e abraçada pelo Brasil. Em nossa Constituição, o conceito de trabalho decente é a prestação do trabalho com absoluto respeito a todas as dimensões existenciais da pessoa do trabalhador. É aquele que se desenvolve, se realiza não apenas com a perspectiva de evitar discriminações injustificáveis e intoleráveis, mas também, aquele que se realiza a partir do impedimento, do combate ao trabalho em condições análogas a de escravo. Neste caso, há também o trabalho infantil, que é reprovável e não se coaduna, não se compadece com esta noção essencial do trabalho decente; trabalho realizado com estrito cumprimento de todas as dimensões ou gerações para aqueles que preferem os chamados direitos humanos. O tema duração do trabalho estende-se por várias dimensões existenciais do ser humano e recai na defesa de que só há trabalho decente quando são respeitados todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais do trabalhador. Quando se fala em direito à desconexão, o termo parece sugerir o progresso tecnológico, a nova realidade tecnológica viabilizada pela integração mundial por meio da rede, pela internet, mas sua dimensão é muito maior. Como a doutora Noêmia bem definiu em sua abordagem é o direito de não ser perturbado, de se terem preservados os momentos essenciais para que o trabalhador possa usufruir das outras dimensões existenciais importantes asseguradas pelos demais direitos civis 75 Douglas Alencar Rodrigues e políticos, econômicos, sociais e culturais. Portanto, o trabalhador, quando não estiver à disposição do empregador e prestando serviço empresarial, deve ter assegurada a liberdade de filiar-se e participar das reuniões de sua categoria profissional; o direito ao lazer, à educação, à própria aquisição de cultura, que se faz por meio da visitação a museus e idas ao cinema; o direito à saúde - conexo ao tema tratado aqui, que é a limitação da duração do trabalho. Este tema, já lembrado pelos presentes, marca a relação tensa e conflituosa entre o capital e o trabalho desde as primeiras manifestações operárias do início do século XIX. Não sei se é do conhecimento de todos, mas a primeira Convenção Internacional do Trabalho cuidou da limitação do tempo de trabalho, a jornada de 44 horas semanais e 8 horas diárias. A recomendação 116 da Organização Internacional do Trabalho, editada posteriormente, também determinou que as nações associadas a OIT adotassem medidas tendentes à redução da carga horária de trabalho, ajustando-se, na medida do possível, ao limite de 40 horas semanais. Fato é que a temática relativa à duração do trabalho está presente na totalidade das ações trabalhistas que transitam pelo poder judiciário; e todos aqui presentes, advogados, pessoas vinculadas ao poder judiciário, Ministério Público ou aqueles que de alguma forma estão vinculados ao mundo do trabalho, devem concordar. De um lado, temos o empregador tentando se apropriar ao máximo da força de trabalho, e de ou- tro, o empregado buscando prevalecer o direito à percepção do trabalho efetivamente, cumprido. As duas principais obrigações que assumem os titulares de uma relação de emprego são: o empregado prestar serviço, colocar a sua força de trabalho à disposição do empregador, e o empregador, aproveitando-se desta mão de obra, remunerar o trabalho prestado. As discussões extremamente ricas e interessantes das ações relacionadas à limitação posta na CLT e que transitam na justiça do trabalho giram em torno dos impactos advindos da exploração para além do limite máximo legal para a saúde, para a psique; o convívio social do trabalhador, o seu direito de obter cultura, o direito à educação, a participar da vida política do país. Certo é que não há como negar a interdependência, a inter-relação entre o direito, a limitação do trabalho e as outras dimensões essenciais. Observase que a duração máxima de duas horas extras de trabalho tem sido cumprida por parte da expressiva maioria das empresas brasileiras. Há na justiça do trabalho um número imenso de ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho buscando obter decisões que imponham obrigações às empresas de não exigirem horas extras além do limite máximo de duas horas diárias; que respeitem o intervalo mínimo intrajornada e Interjornada e remunerem as horas extras prestadas pelo trabalhador. Existem, também, inúmeras ações vinculadas ao poder de polícia trabalhista, autuações levadas a efeito 76 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho pelos órgãos de fiscalização do trabalho, fundamentalmente, pelos auditores fiscais do trabalho, que evidenciam o sistemático descumprimento das regras legais alusivas à limitação da jornada. Conquanto, temos ações civis coletivas movidas por sindicatos e associações buscando o pagamento das horas extras prestadas que são sonegadas por parte de muitas empresas aos empregados, aos trabalhadores que se ativam para além do limite legal previsto; além disto, ainda há as ações atomizadas, individuais, movidas por trabalhadores que buscam receber a contraprestação devida pelo trabalho efetivamente prestado além do limite legal. É preciso remarcar como ponto de partida que o tema da duração ou limitação da duração do trabalho, a necessidade do cumprimento restrito da legislação já positivada é essencial, fundamental para a realização deste ideal constitucional afirmado pela OIT do trabalho decente. Certo é que, o novo contexto de organização da produção com restruturação produtiva e o emprego de novas tecnologias estão tencionando os limites postos pela legislação consolidada. Como dito anteriormente, o avanço da tecnologia tem sido um fator preocupante, e há, neste sentido, estudos das doenças profissionais. A competência constitucional, assumida após a emenda de 1945 pela justiça do trabalho, tem permitido conhecer esta realidade de exploração da mão de obra que produz nefastas consequências à saúde física e mental dos trabalhadores; é preciso, portanto, o cumprimento 77 das normas de proteção social. Provavelmente, a minha colaboração neste debate seja o de reafirmar este bloco, esta integridade dos direitos fundamentais; sem os quais, o descumprimento de um impacta negativamente no cumprimento do outro. Tenho selecionado, aqui, diversos precedentes do Tribunal Superior do Trabalho para fazer uma reflexão acerca da realidade enfrentada no âmbito da justiça do trabalho. Vários julgados transitam sobre o direito à desconexão, mas não o fazem sob uma perspectiva nova. Isto tem sido objeto de estudos da respeitada professora Daniela Muradas, da Universidade Federal de Minas Gerais, que usa uma expressão, talvez forte, que é a captura subjetiva do trabalhador, para explicar que o progresso tecnológico, as novas tecnologias, a economia globalizada tem levado ao aumento de competividade, além desta insegurança pela alta rotatividade de emprego que, por sua vez, tem levado inúmeros trabalhadores a abrirem mão deste direito fundamental à desconexão. Quando caminhamos pelo parque da cidade, em Brasília, é comum vermos empresas utilizando os seus empregados para fazerem campanhas publicitárias no momento que deveriam estar usufruindo do direito ao lazer. Podemos observar, portanto, que os colaboradores referidos pela colega Noêmia não estão conseguindo se desconectar do trabalho. Lamentavelmente, as empresas estão assumindo, controlando a subjetividade dos trabalhadores Douglas Alencar Rodrigues devido à insegurança absoluta gerada pelas taxas crescentes de desemprego. E este é um problema muito sério, porque há um precedente interessante, originário da terceira região, do doutor desembargador Luiz Otávio Linhares Renault, que por ser tão expressivo, tão eloquente e emblemático exige a permissão para sua leitura: “A supressão de tempo para que o trabalhador se realize como ser humano, pessoalmente, familiarmente e socialmente é causadora de danos morais. Viver não é apenas trabalhar, é conviver, relacionar-se com seus semelhantes na busca do equilíbrio, da alegria, felicidade e da harmonia consigo próprio, assim como em toda a gama das relações sociais, materiais e espirituais. Quem somente trabalha, dificilmente é feliz, também não é feliz quem apenas se diverte. A vida é um ponto de equilíbrio entre o trabalho e o lazer. De modo que as férias, por exemplo, constituem importante instituto justrabalhista que transcende o próprio Direito do Trabalho. Com efeito, o dano moral é configurado quando o empregado tem ceifada a oportunidade de dedicar-se às atividades de sua vida privada em razão das tarefas laborais excessivas. Há um menosprezo do princípio da dignidade humana quando se deixa de lado as relações familiares, o convívio social, a prática de esportes, o lazer e a cultura. Assim, o trabalhador é explorado exaustivo, contínua e ininterruptamente nos casos de jornadas de trabalho extenuante. Isto acaba retirando do prestador de serviços a pos- sibilidade de se organizar interna e externamente como pessoa humana em permanente evolução, ficando desprezado o seu projeto de vida. A sociedade industrial moderna, pós-moderna tem se pautado pela produtividade, pela qualidade, pela multifuncionalidade, pelo Just in time, pela competividade, disponibilidade full time e pelas metas. Tudo isto sob o comando direto e indireto, cada vez mais intenso e profundo do tomador de serviços, por si ou por empresa interposta. Nestas circunstâncias, consoante com a doutrina moderna, desencadeia-se o dano existencial, de cunho extrapatrimonial, que não se confunde com o dano moral”. Certamente, este é um precedente que diz tudo e merece o nosso aplauso indubitavelmente, pois, ele reafirma a necessidade de termos cuidado com o trabalho; como foi dito, ele é meio de vida e não meio de infelicidade, de invalidez, de incapacidade provisória ou parcial ou até mesmo de morte. Retomando aqui o primeiro tema, o tema do direito a desconexão, que pode ser encarado sob a perspectiva da necessidade do respeito aos instantes diários, semanais e anuais em que o trabalhador não pode ser acionado pelo empregador. A possiblidade de desenvolvimento de vivência de outras dimensões relevantes não pode ser perturbada. Ainda tenho vários precedentes que tratam dos critérios de fixação da jornada de trabalho e um deles é o tempo à disposição, abordado pela Doutora Noêmia de forma brilhante. Temos inúmeras situações concretas da vida 78 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho que nos geram questionamentos e vários são sobre os precedentes. O texto destes precedentes parece justificar, inclusive, a possibilidade de elaboração de um artigo doutrinário; embora não seja consensual, podemos pensar juntos. Quero abordar, ainda, a jornada externa, uma questão delicada e sensível, que tem chamado minha atenção e gerada muita preocupação no Tribunal Superior do Trabalho. Mas antes é preciso fazer um questionamento quanto à possibilidade de controle das jornadas externas, como é possível controlar a jornada sobre a perspectiva móvel, que é a proposta do Ministro Ives. Temos examinado inúmeros casos de trabalhadores externos, que prestam serviço fora do ambiente de trabalho, não estou fazendo alusão à hipótese do Artigo VI, que diz sobre o trabalho prestado em domicílio. O Tribunal Superior do Trabalho regulamentou o trabalho em domicílio por parte dos seus servidores, e o controle é feito por meio da produtividade, do número de processos envolvidos, enfim pelo trabalho prestado por aqueles que estão vinculados a gabinete e que trabalham elaborando minutas de decisões a serem submetidas aos ministros para exame posterior. Há muitos casos em que se observa a possibilidade de controle feitos por via satélite, GPS, programas que inviabilizam acesso ao sistema em tempos programados. No TST existem precedentes envolvendo o sistema Redak, Autotrac, empresas de transporte que utilizam destes sistemas e os justifi- cam com fundamento na ideia de proteção ao patrimônio. No Brasil, o Senador Crivella nos trouxe informações importantes de que há um índice elevadíssimo de crimes das mais variadas ordens, e as empresas utilizam da tecnologia para proteger o seu patrimônio, e esta mesma tecnologia pode e deve ser utilizada para controlar o tempo de trabalho desenvolvido por estes empregados que se ativam externamente. Outra discussão interessante é como quantificar, controlar e supervisionar o tempo à disposição de empregador em relação ao empregado, quando me perco em um debate, lembro-me do Ministro Luciano dizendo que “eu posso não encontrar, mas eu também não perco”. O Artigo VI não diferencia o tempo à disposição do empregador em relação àqueles que prestam serviços em domicílio, ele diz que as normas de proteção ao trabalho, inclusive aquelas relativas à duração da jornada, devem ser necessariamente, cumpridas. E no mais, estes empregados que trabalham em domicílio têm o controle efetivado por meio da produtividade ou por meio tecnológico; e aqueles que desenvolvem atividades intelectuais estão, sem dúvida, sujeitos à possibilidade de controle por parte do empregador, isto associado à produtividade. Algum tempo atrás, li um livro do jornalista norte-americano, Thomas Friedman, ele dizia que o mundo era plano e explicava o que a tecnologia representou em termos de redução de distâncias. Hoje, nós sofremos um impacto psicológico da existência de barreira 79 Douglas Alencar Rodrigues ao surgimento de um mundo virtual, e o desafio que se faz é preservar a existência real. Outro dia, alguns amigos diziam que o WhatsApp nos importuna a qualquer hora do dia ou da noite, existem pessoas que estão dependentes desta tecnologia e isto é um problema quando se trata do trabalho. Como já foi mencionado, temos o critério do tempo à disposição e temos também o critério do tempo de deslocamento que se soma a outra temática sugerida pelo Ministro Ives, que é o tema das horas de percurso, as horas In Itinere. A Súmula 90 representou uma tentativa da jurisprudência em suprir uma anomia legislativa de responder às situações novas e complexas que foram surgindo da vida e que não encontravam uma regulação direta e objetiva no direito objetivo, no direito positivo. Esta discussão sobre a Súmula 90 representa, segundo estudos de um colega magistrado, uma vã tentativa da jurisprudência de controlar a realidade, controlar o mundo da vida por meio de palavras. Quanto mais se regula, mais situações complexas surgem, e aparece a necessidade de uma nova regulação. Já constam vários itens na Súmula 90 e isto representa esta vã tentativa de controle, de regulação. O que chama atenção em relação às horas de percurso é a atuação de sindicatos, de empresas e de empregados. Sindicatos de trabalhadores ou empresas que tentavam e tentam negociar coletivamente, dada às dificuldades observadas em ações concretas, a dificuldade de se obter produção de provas precisas sobre o tempo de percurso para via- bilizar a condenação ou não; mas normas coletivas passaram a disciplinar a questão das horas e percurso. O Tribunal Superior do Trabalho, no primeiro momento, adotou uma diretriz objetiva de que não é possível a supressão de hora de percurso. A negociação coletiva ou a chamada autonomia negocial coletiva não possui aptidão, a capacidade, não é o instrumento adequado para regular esta situação, suprimindo direitos do trabalhador. Certamente, estamos enfrentando um paradoxo no âmbito das relações coletivas de trabalho. A Constituição anuncia os sindicatos como atores exponenciais, relevantes no conserto das relações entre o capital e o trabalho, confere a eles o poder de reduzir salários, regular a jornada em turnos ininterruptos de revezamento, ampliar e reduzir limites de acordo com Incisos VI, XIII e XIV do Artigo VII da Constituição da República. Entretanto, a jurisprudência controla, interfere, intervém, limita, anula, afasta, não chancela o que é alcançado na negociação coletiva. Esta é uma situação incômoda, sobretudo, quando vamos aos fundamentos que justificam estas posições, estes são, na maioria das vezes, lançamento da assertiva ou do mantra do que os direitos fundamentais do trabalhador. Direitos previstos em norma estatal são direitos que se revestem com a nota da indisponibilidade absoluta, ou seja, pela via da interpretação se restringiu substancialmente, a autonomia negocial coletiva. Foram surgindo outras normas coletivas e começaram arbitrar, não supri- 80 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho mir, mas arbitrar o tempo de duração do percurso, e a jurisprudência, diante deste novo cenário, passou a reexaminar a questão. Elegeu um critério de razoabilidade, de ponderação em que o tempo arbitrado, convencionado corresponder a no mínimo 50% do tempo efetivamente gasto, a norma coletiva será válida. Este critério prestigiou em alguma medida a negociação coletiva, mas a jurisprudência não admite a alteração da base de cálculo das horas de percurso. Eu quero defender, aqui, uma posição absolutamente, desconstrutiva das normas de proteção ao trabalho, o objetivo é apenas chamar atenção para a importância de rediscutir a autonomia negocial coletiva. Na sétima turma do TST, começo a questionar os colegas mais experientes naquele tribunal que participaram de todos os debates travados há algum tempo. Talvez os senhores já imaginem qual seja o pano de fundo, qual a razão remota que justifica esta restrição. Autonomia negocial coletiva é, precisamente, a falta de representatividade dos sindicatos do Brasil. Nós temos um número grande de sindicatos que a Constituição anunciou como livres, mas que ao mesmo tempo cerceou pela regra da unicidade, nem diria que é um princípio, mas sim, um critério de restrição de liberdade. A unicidade sindical restringe a liberdade sindical, é como se admitíssemos um meio gol, uma meia gravidez, algo que existe, mas não existe ao mesmo tempo. O tema da legitimidade das organizações no Brasil precisa ser retomado na sua base, na origem, no seu marco zero. O imposto sindical compulsório, outro critério da Constituição, contribuiu para a explosão do número de sindicatos no Brasil, visto que, o Artigo VIII da Constituição anuncia que a assembleia da categoria fixará a contribuição para custeio do sistema confederativo sem prejuízo da contribuição prevista em lei. Esta parte final, sem prejuízo da contribuição prevista em lei, parece ou sugere o compromisso da Constituição com a preservação do imposto sindical; para mim, não é bem assim, permita-me uma divagação, o imposto sindical tem de ser regulação infraconstitucional, que é um termo a ser presente. O Tribunal Superior do Trabalho está sendo acusado perante a Organização Internacional do Trabalho de praticar atos antisíndicas. Entre as várias questões lança-se o precedente normativo 119, que veda a cobrança de quaisquer espécies de contribuições a trabalhadores que não sejam associados. A leitura da Constituição parece-me insuscetível de críticas, porque a liberdade de associação envolve a liberdade de não associação; mas há um problema, pois, o sindicato negocia por aqueles que o fazem, porque muitos não o fazem, existem apenas para cobrarem imposto sindical, para obter a contribuição sindical, falamos imposto por ser um resquício da década de 30. Não é a nossa década, é do Oliveira Viana, Francisco Campos, os chamados autores da ditadura. É interessante que estes sindicatos existem somente para arrecadar contribuições, há um paradoxo que me foi provado por um lí- 81 Douglas Alencar Rodrigues der sindical, que antes da edição do precedente normativo 119 pelo TST, as assembleias eram muito mais prestigiadas, os trabalhadores não sindicalizados compareciam, discutiam, participavam; e com o precedente normativo 119 houve uma anemia política, um esvaziamento das assembleias. Comecei a pensar, diante deste dado empírico e refutável, se este modelo de restrição, esta compreensão da Constituição restritiva da possibilidade de cobrar uma contribuição assistencial ou taxa de solidariedade daqueles que não são sindicalizados, mas se beneficiam da ação sindical, não representa um fator de estímulo à própria sindicalização. O incremento da democracia sindical é essencial para que possamos examinar a validade de normas coletivas que entre outros temas disciplinam sobre as horas de percurso. Não sei se fui claro quanto ao precedente 119, pois, na medida em que ele afasta a cobrança daqueles que não são sindicalizados, mas que se beneficiam das vantagens, das conquistas obtidas a partir da atuação sindical, representa um elemento, um fator de esvaziamento da força coletiva, pelo menos no caso concreto que me foi trazido. Uma professora da faculdade em que ensino relatou que o brasileiro não tem a cultura de associativismo; este modelo, legado da década de 30, sobretudo a partir do Decreto de 1939, feito pelo Oliveira Viana; antes houve um decreto, em 1931, feito pelo Lindolfo Collor, mas este era um decreto light, tranquilo, que buscava induzir os sindicatos aos registros no Ministério do Traba- lho. Este modelo pareceu adequado à cultura brasileira, o país ainda era monocultor, uma elite com tradição coronelista, um país, essencialmente, rural que buscava os seus primeiros passos na linha, no caminho da industrialização, este é um tema a ser estudado, revisitado. Hoje, disseram-me que a dissertação da tese de doutoramento do Doutor Ricardo trata desta questão. Fiquei extremamente interessado e empolgado em ver que o seu trabalho parece já ter exaurido este tema; no entanto, precisamos decidir, discutir com responsabilidade, com seriedade. Ao receber advogados que militam em favor das grandes centrais, perguntam se aceitam a quebra da unicidade mais o fim do imposto, pois, as assembleias com bases democráticas, observando os parâmetros de razoabilidade, vão cobrar a contribuição de todos aqueles que integram a categoria, sindicalizados ou não. A contribuição sindical compulsória corresponde a um dia de salário por ano, isto representa um trinta avos, 3.33% do salário mensal do trabalhador. Há sindicatos que negociam, muitos conseguem obter reajustes acima da inflação que vão a caso concreto 12%, portanto, se cobrar 1% do salário mensal do trabalhador a título de contribuição assistencial seria razoável. Enfim, estas são as questões que o Brasil precisa enfrentar, ainda digo mais a eles, que os sindicatos no Brasil são espaços importantes de defesa, promoção, afirmação e avanço dos direitos humanos na relação capital e trabalho. Os sindicatos reequilibram o 82 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho jogo desigual na relação individual de trabalho. A importância do sindicato é inequívoca, o direito individual é tributário do direito coletivo do trabalho, é a luta coletiva, os embates travados na arena coletiva que levaram à intervenção do estado à positivação de normas de proteção social de caráter obrigatório, compulsório e renunciável, que tem de ser observados no âmbito das relações privadas. Retomo aqui questões já examinadas pela Doutora Noêmia, que é o cobre aviso e a prontidão – critérios da expectativa da convocação – a cujas ideias defendidas não me oponho, pelo contrário; neste âmbito de negociação coletiva, existem vários precedentes. Há 33 súmulas de orientações jurisprudenciais, até onde pode se computar, disciplinando o tema da duração do trabalho; como ela mesma diz será que a jurisprudência deva cumprir este papel ou o debate encontraria disciplina adequada na arena do Congresso Nacional; esta assertiva, talvez, seja absolutamente criticável e antidemocrática. social do trabalhador. Por isto, a negociação coletiva deve ser compreendida no contexto sistêmico como medidas de retrocesso, de flexibilizações pontuais justificadas por situações lamentáveis, como a que estamos vivendo agora, de depressão econômica que tem levado à perda substancial de posto de trabalho. Hoje, pela manhã, o telejornal Bom dia Brasil noticiou a perda de oitenta mil postos de trabalho no mês de agosto passado. A negociação coletiva é uma importante ferramenta de proteção ao trabalho, de reacomodação desta relação entre o capital e o trabalho. Para que ela possa ser valorizada, prestigiada e respeitada faz-se necessário a retificação desta premissa que é a falta de representatividade dos sindicatos no Brasil. Enfim, são ideias ocorridas sobre a conveniência de se manter a possibilidade dos Tribunais do Trabalho disciplinando e continuarem, especialmente, o TST a regular pela visa da interpretação, pela leitura dos princípios e regras constitucionais que formam um todo sistêmico em que a valorização do trabalho é princípio fundante da ordem econômica, social em que a dignidade da pessoa humana é valor igualmente, fundante. No Artigo VII da Constituição, temos um claro horizonte axiológico que é o da melhoria da condição 83 Noêmia Aparecida Garcia Porto Duração do Trabalho, Teoria do Tempo à Disposição, Controle Móvel de Jornada, Direito à Desconexão Noêmia Aparecida Garcia Porto* *Doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília; Juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região; Diretora de Cidadania e Direitos Humanos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho; Secretária-Geral da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. 84 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Cumprimento a todos e ao Ministro Douglas Alencar Rodrigues por quem tenho uma profunda admiração e ressalto a importância em parabenizar o IDP pela realização de um evento dessa magnitude, que traz para o centro o debate e a reflexão crítica sobre temas importantíssimos na tentativa de compreender o que se pode chamar de um mundo do trabalho profundamente transformado, complexo e digno de louvor. Agradeço, especialmente, ao Ministro Ives Gandra que de maneira engajada se dispôs a organizar essas atividades, primando pela participação plural de diversos interlocutores nos temas que foram propostos acerca desta pluralidade e diversidade de pensamentos; agradeço o parlamentar e representante Maurício Rands, que preside e integra essa mesa. Cumprimento o Ministro Douglas Alencar Rodrigues, e externo minha profunda admiração, porque, além de ministro da corte com relevante papel de coordenar, sintetizar e de construir os consensos possíveis em torno de uma hermenêutica do trabalho, é também professor e dileto amigo. O grande desafio de hoje é discordar do Ministro Douglas em alguns pontos, até mesmo para dar alguma vivacidade a este painel que abordará o tempo, o trabalho e a duração do trabalho. Prestando destaque ao tema que está proposto, tempo à disposição, direito à desconexão, horas In Itinere, meios de controle e de jornada e outros similares não se tem dúvida de que, ao fim e ao cabo deste painel resume-se a problemática do tempo. Fato é que quando se fala em duração do trabalho, é importante pensar que se trata do grande enigma moderno e contemporâneo, que é o enigma do tempo. Todavia, uma advertência é necessária para essa abordagem, pois não se trata do tempo cronológico, do relógio, da contagem, o tempo como há muito se constitui num aspecto de construção social da realidade, independente da experiência dos indivíduos moldado de forma singular a partir da importante distinção entre passado e futuro. O tempo é algo que se experiência de modo singular, cada indivíduo vivencia o tempo e o tempo do trabalho de uma forma extremamente particular. Esta referência à experiência do tempo como sendo singular, de matriz empírica e socialmente estabelecida é importante, talvez, se se pensar que toda estrutura normativa que o direito do trabalho construiu ao longo dos anos está centrada na duração do trabalho, considerando apenas o referencial do tempo cronológico, desprezando a ideia do tempo social. É uma medição do trabalho pelo relógio, mas que não é o relógio social ou biológico. É o tipo de tempo das chamadas normas tradicionais trabalhistas; têm-se aí as oito horas diárias e quarenta e quatro semanais; há uma luta em curso no parlamento para redução da jornada para o limite de quarenta horas, o que já existe em muitos outros países de capitalismo avançado. Mede-se também 85 Noêmia Aparecida Garcia Porto o intervalo entre a jornada que pode ser de quinze minutos, não menos que uma hora; quarenta minutos, com autorização explícita; não mais que duas horas, se não, será tempo à disposição: o intervalo entre a jornada, as férias de trinta dias, descanso semanal renumerado, pelo menos uma vez recaindo aos domingos com vinte quatro horas de descanso. Esse conjunto todo envolve um arcabouço imenso de regulagem sobre o tempo e a duração do trabalho, sempre medido na perspectiva cronológica. E assim segue a construção de elementos normativos que alia a ideia de duração do trabalho, a perspectiva desse tempo. Quando fala de duração do trabalho está-se diante de um tema de grande envergadura porque, como é de conhecimento de todos, os temas da jornada de trabalho, a renumeração e as melhores condições de trabalhos fazem parte, historicamente, da luta dos trabalhadores. Considerando a finalidade proposta para este evento que é a de pensar além dos limites triviais os problemas que permeiam o mundo do trabalho; insistir na aliança entre normatividade jurídica e tempo cronológico para lançar os questionamentos sobre esse referencial, isto é, o do tempo cronológico ainda suficiente para a questão da duração do trabalho, levando-se em conta que os trabalhadores são trabalhadores da contemporaneidade. As homogeneidades normativas são necessárias, mas se tornam um problema quando se fecham completamente, sem o mínimo de porosidade nas mutações das demandas ou nas demandas sociais. Para este raciocínio há dois exemplos bastante concretos, o primeiro diz respeito a um sentimento, à percepção sobre o tempo do trabalho, uma percepção generalizada na era contemporânea, de que a preocupação com o trabalho, o trabalho em si tornou-se, não apenas parte da vida, como também o grande condutor de absolutamente tudo acerca da vivência humana. Por isso há uma sensação de trabalhar mais do que se trabalhava antes, mas não é um trabalhar mais, apenas ou exclusivamente sobre a perspectiva cronológica no tempo do relógio, há um importante aspecto de intensificação do trabalho. Os recursos tecnológicos são importantes elementos para considerar esta intensificação, todos estão conectados o tempo inteiro. Com esta intensificação, supondo que se trabalhem oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, ressaltando que as estatísticas revelam que ao contrário do que o senso comum indica, o trabalhador brasileiro é um trabalhador de muitas horas extras, ele não é o trabalhador das oito horas diárias e quarenta e quatro semanais. Neste limite, há uma sensação de que se trabalha muito mais do que o trabalhador da década de 70. E essa disparidade, essa intensificação do trabalho não parece ser compatível com as medidas normativas, inclusive as medidas legislativas para discussão da duração do trabalho e dos seus limites. 86 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho A homogeneidade no tempo cronológico tem desprezado a heterogeneidade relacionada à duração do trabalho, à valorização na pós-modernidade no âmbito Pós-fordista da produtividade, do desempenho, dos critérios de mérito, da competição e da concorrência, pressionam os trabalhadores, e não apenas os da CLT, todos que se veem como trabalhadores a uma disponibilidade exaustiva ou, quando menos, uma disponibilidade comprometedora com o passar do tempo, de uma vida que se possa afirmar sobre o primado da liberdade. Como destacou o Professor Joaquín Rey, talvez haja aí padrões de solução fordista para lidar com o mundo do trabalho profundamente transformado e pós-fordista. Ainda sobre essa exemplificação da insuficiência do tempo cronológico como referencial, quase exclusivo da legislação brasileira, para lidar com limite do tempo do trabalho, não se pode negar que as estatísticas também apontam como sendo problema o caso dos trabalhadores de telemarketing. O uso deste exemplo é adequado porque se refere aos trabalhadores de uma jornada supostamente vantajosa, isso porque, uma jornada que dura apenas seis horas por dia é acessada por jovens que buscam o primeiro emprego na esperança de poder aliar estudo e trabalho. Todavia, o exaurimento, o esgotamento e o cansaço provocado por um trabalho intensificado por uma política de metas, controlado e de grande concentração em apenas seis horas por dia, revela a necessidade de muitas horas a mais do que essas para a recuperação do trabalho desenvolvido. Esse fator de intensificação talvez tenha sido uns dos elementos indicatórios da altíssima rotatividade do setor. O mercado de trabalho brasileiro, que tem a maior alta de rotatividade, é justamente o setor que trabalha com jornada de seis horas; isto, talvez, tenha algo a nos dizer sobre cronologia, normatividade e heterogeneidade do tempo e do descanso. Este é o conceito de jornada exaustiva que os juristas lidam o tempo inteiro como, por exemplo, as discussões feitas como pedido de indenização por perdas e danos, dano existencial, trabalho forçado e outros aspectos. Para esse tipo de jornada exaustiva a medida adequada seria exclusivamente baseada no tempo cronológico, a legislação estaria atualizada com a complexidade do seu tempo quando se mantém consistentemente parada no referencial número de horas. Na verdade, o assunto que move a discussão em questão é o de os esquemas jurídicos estarem em torno do tempo do trabalho; é importante situá-lo na perspectiva constitucional, embora isso não seja um requisito imprescindível, a consagração Constitucional explícita de um direito social é o indicio relevante do caráter fundamental dos bens e dos interesses que estão sendo protegidos. Sem prejuízo de outros direitos que possam melhorar a condição social dos trabalhadores, a atual constituição também prevê a duração de trabalho em oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultan- 87 Noêmia Aparecida Garcia Porto do a compensação e redução de jornada mediante acordo ou convenção coletiva. É questionável, no entanto, se o fator tempo cronológico embutido na previsão constitucional seja hoje suficiente para compreender a questão da duração do trabalho, indubitavelmente, a mera referência constitucional indica que as análises dos instrumentos jurídicos infraconstitucionais sobre a questão do tempo presente em leis, resoluções e portarias, devam receber interpretação incoerente com uma teoria constitucional dos direitos fundamentais. Enfatizando o cotidiano, a ideia de jornada de trabalho precisa ser combinada com a estrutura jurídica inserta na ampla disposição, especificada no Artigo IV da CLT, não no Artigo IV da CLT da década de 40 sobre tempo à disposição, mas no Artigo IV revisitado, reinterpretado a partir de uma hermenêutica constitucional que considera a questão da duração do trabalho um direito fundamental da classe trabalhadora. Desta forma, o Artigo IV não é apenas uma norma infraconstitucional isolada, ele traduz de forma concreta um princípio normativo constitucional de liberdade individual de quem trabalha; uma liberdade do tempo é uma liberdade no tempo, uma liberdade de não estar no trabalho, porque, se de um lado há o direito constitucional ao trabalho, há o outro de não estar intensamente disponível para o trabalho, de não ser o tempo inteiro trabalho. A Súmula 429 do TST considera a disposição do empregador citando, jus- tamente, o Artigo IV - o tempo necessário do deslocamento do trabalhador entre a portaria da empresa e o local de trabalho, desde que não supere dez minutos o limite diário. Esta súmula é um exemplo de uma construção interpretativa que vem sendo feita ao longo do tempo, baseada naquilo que o referencial da realidade emprega aos tribunais no campo judiciário, mas este referencial jurisprudencial é suficiente para dar conta da realidade do que hoje os trabalhadores enfrentam como tempo à disposição do então Artigo IV, da CLT. Nesta linha, tempo à disposição, o TST também tem uma jurisprudência importantíssima grafada na súmula 90, a cerca das horas In Itinere, que consagra essa ideia de que o tempo dispendido pelo empregado em condução fornecida pelo empregador até o local de difícil acesso ou não servido por transporte público, e para o seu retorno é computável na jornada e, em sendo computável, pode ser pago eventualmente como horas extras. Esses dois entendimentos do Tribunal Superior do Trabalho levam ao questionamento de o quanto dessa estrutura pode receber tratamento diverso como, por exemplo, no exercício da autonomia negocial coletiva é possível negociação coletiva nesses dois temas, qual o limite para essa negociação coletiva do tempo à disposição e se ele se conecta com o direito fundamental da classe trabalhadora à limitação do tempo. Este limite deveria ser definido pelos próprios envolvidos, ou pelos 88 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho tribunais e que sejam firmes e claros nessa definição dos limites. Sobre a temática chamada horas de trajeto, é importante considerar uma recente modificação feita na Constituição Federal, de 1988, Artigo VI, que é o transporte como direito fundamental. No entanto, se o transporte é direito social fundamental, o que isso pode representar em termos de direitos e de obrigações no mundo do trabalho, a obrigação é exclusivamente estatal, ou, pensando na aplicação horizontal dos direitos fundamentais, também os beneficiários dos serviços dos trabalhadores devem ter alguma participação nisso. É preciso definir em que medida viabilizará essa participação, vale transporte e transporte, local de difícil acesso resolve o direito social do transporte? Neste caso é certo que, quando a Constituição alberga um princípio estruturante, como do estado democrático de direito, isso tem um significado prático; e desses justificados é justamente deslocar a atenção para sociedade civil organizada, há de haver um compromisso generalizado da própria sociedade civil com a Constituição, com os direitos que estão constitucionalmente previstos; e no campo do trabalho é preciso se preocupar com a questão do transporte. Quando se fala em obrigações dos contratantes vem à tona a questão econômica, porque não se pode desprezar a questão do custo produção; mas em termos constitucionais, o custo econômico nunca pode representar uma barreira intransponível A ideia normativa é pensar na efetividade dos direitos, pois quando a efetividade dos direitos estiver condicionada com a economia, o direito deixa de ser direito e passa a ser economia, e nota-se uma hipertrofia do sistema econômico com grave comprometimento da autonomia do sistema jurídico. Com isso, a grande vocação dos juízes e dos tribunais seria de dar respostas concretas a casos específicos, os juízes não deveriam se aventurar a serem articuladores da economia, não lhes cabe este papel, se pensada a estrutura da separação de poderes. Neste campo da inovação normativa, o mundo jurídico trabalhista ainda está em processo de adaptação, com a inovação do Artigo VI, da CLT, trazido pela Lei 12.551, de 2011, são quatro anos, mas ainda pode-se reconhecer um processo de adaptação comparado à significação do Artigo. Em termos legais e inovadores da legislação brasileira, não se distingue o tempo realizado no estabelecimento do empregador ou executado em domicílio do empregado, realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Assim os meios telemáticos e formatizados de comando, controle, supervisão que se equiparam para fins de subordinação jurídica aos meios pessoais e direito de comando, controle e supervisão do trabalho alheio, reconhecido legalmente se equiparam aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão. Podem eles, quando existentes, serem considerados também como mecanismos reveladores da disponibilidade do trabalhador 89 Noêmia Aparecida Garcia Porto em relação ao trabalho, inclusive para fins de cômputo de jornada. Quando não há meio único, inequívoco de controle, e de internalização da jornada, significa que, estando dispensado do tradicional “ponto”, o trabalhador não tem direito a horas extras, nesse caso, o que acontece é a violação de um dever patronal de controle para fins de limitação da jornada de trabalho dos trabalhadores. Numa perspectiva de consistência, coerência interna normativa, se não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado em casa, o efetivado a distância, para finalidade de reconhecimento de vínculo empregatício, certamente esses meios de controle não servem apenas para identificar a existência de subordinação jurídica, eles também exteriorizam a própria existência do controle da jornada; ainda que não o queira o empregador, e que não o trate com a maneira tradicional de controle de ponto. Este raciocínio diminui drasticamente o campo de incidência do Artigo 62, da CLT, quanto à ideia disseminada da exceção para os trabalhadores chamados de externos; isto se colocar de lado a discussão sobre eventual inconstitucionalidade do próprio Artigo 62 da CLT. Poder exercer controle através desses meios, possibilita dizer que ao lado de um poder patronal, há também uma obrigação, uma obrigação patronal de controle para fins de equacionar o importante dilema trabalhista de jornada e remuneração. Essa obrigação de controle não é só uma questão de ho- ras extras, embora elas sejam um tema bastante relevante; a questão é a própria integridade física e psicoemocional dos trabalhadores. A Constituição, no Artigo 170, garante plenitude do emprego e das vagas de emprego. Não se consegue ter a garantia do pleno emprego se, reiteradamente, retira horas extras do mesmo trabalhador, porque a necessidade reiterada de horas extras do mesmo trabalhador há de indicar abertura de novos postos de trabalho, e não exaurimento de uma força vital que, em médio prazo, pode inclusive adoecer. A prerrogativa do empregador dentre elas a de organizar o trabalho, corresponde ou deve corresponder ao dever de zelo quanto ao cumprimento dos direitos sociais trabalhistas. Todos esses aspectos relatados são muito controvertidos, eles têm potencializado disputas judiciais, disputas que estão atomizadas dentro do judiciário porque estão traduzidas em contáveis e enumeráveis ações individuais trabalhistas e, embora quando se toca no tema tempo, saúde, posto de trabalho, inegavelmente, trata-se de questões coletivas, mas atomizadas no âmbito trabalhista para resolver-se numa questão pecuniária de horas extras. Esta realidade de excesso de trabalho também expresso pela intensificação e o controle do trabalho, tem uma forma de controle de produtividade da disponibilidade, passaram a permear preocupação do Tribunal Superior do Trabalho, esse é o caso da Súmula 428, que diz se o uso de instrumentos telemáticos informatizados, previstos, forne- 90 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho cidos por empresa ou empregado não caracteriza o regime de sobreaviso. Considera-se em sobreaviso o empregado que a distância submetida a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados permaneça em regime de plantão equivalente aguardando ordens. O que se nota é que esses mecanismos, que já estão na CLT desde antigamente como sobreaviso e plantão, deixaram de ser realidades próprias ou típicas de um determinado segmento econômico, por exemplo, não se fala mais da antiga rede ferroviária federal. Esta generalização do sobreaviso do plantão para outros segmentos econômicos mostra a ausência de um marco regulatório importante, e esse não há de ser exclusivamente a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Ressente-se de um marco regulatório que seja resultado de debates plurais no âmbito legislativo sobre o que tem representado o alcance do Artigo VI da CLT. O direito de acesso a um trabalho decente, como diz a Organização Nacional do Trabalho, ou um trabalho digno, não é apenas o direito de ocupar-se, é importante a dimensão da vida das pessoas; e o trabalho não é a única dimensão da vida, existem outras dimensões como a construção de laços familiares, de relações sociais, a recomposição da energia física, a reabilitação da criatividade mental, além da integridade emocional. Isto não é compatível com excesso de trabalho; são fatores que exigem uma análise da limitação da jornada de trabalho com inserção ade- quada na temática dos direitos fundamentais da classe trabalhadora. A título de exemplo, uma notícia que circulou bastante nos meios eletrônicos, tendo como matriz inicial o Jornal EL PAÍS, acerca da experiência da empresa espanhola e o Iberdrola do setor de eletricidade que conta com nove mil empregados, ou nove mil trabalhadores, como se queira chamar. Desde 2008, a empresa e trabalhadores concordaram, depois de um longo debate, em universalizar a chamada jornada intensiva que, na verdade, é somente um pouco flexível. Os empregados passariam a trabalhar de sete e quinze às quatorze e cinquenta, com quarenta e cinco minutos de flexibilidade no início e no final da jornada; era isso, às quinze horas estavam todos no metrô; cada um ia cuidar de sua vida. Seis anos após, foram coletados dados dessa experiência. Os dados coletados revelaram melhoras na produtividade, ganho de mais meio milhão de horas de trabalho por ano, houve redução das faltas em 20% e, nos acidentes do trabalho, em 15%. Além disso, aspectos como maior satisfação com o trabalho e maior campo criativo foram verificados como difíceis de serem medidos numa perspectiva matemática ou estatística. 91 5 A Extinção do Contrato de Trabalho: Motivação da Dispensa em Massa e Dispensa Discriminatória 92 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Motivação da Dispensa em Massa e Dispensa Discriminatória Antônio Umberto de Souza Júnior* *Doutor em Ciências Jurídica-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Docente na Universidade de Brasília, no UNICEUB, na Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho da 10ª Região e da Escola da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). 93 Antônio Umberto de Souza Júnior Agradeço e saúdo o Ministro Márcio Eurico, que é egresso da mesma região a qual tenho a honra de pertencer a vinte e poucos anos; à colega Ana Beatriz que também integra o judiciário Trabalhista da 10ª Região, aos professores, na pessoa do sempre professor e hoje deputado Maurício Rands, conhecido de outras regiões; aos alunos, advogados e demais pessoas que fazem parte desta assistência. Sem dúvida, a questão da dispensa de empregados é uns dos temas mais importantes, com crise ou sem crise econômica, dentro do direito do trabalho. A importância desse tema é tão grande que, inclusive, há um princípio contratante de continuidade, que visa a procurar mecanismos inibidores ou dificultadores para que esta dispensa ocorra; exatamente, porque, para o trabalhador, o emprego é o seu maior patrimônio. Pela generosidade do Ministro Márcio Eurico de conhecer previamente o conteúdo de sua apresentação relacionado ao tema não será abordado nenhum ponto nevrálgico a contrastar com que foi exposto. A exposição é baseada nas limitações jurídicas que são progressivas, quando se fala em dispensa discriminatória, em necessidade de motivação para dispensa, em condicionamentos para a dispensa coletiva, está, sem dúvida alguma, agregando novos elementos nesse cenário da dispensa de empregados. O propósito, talvez pretencioso demais, mas é a ambição acadêmica neste evento, é enxergar a partir da constatação das inovações legislativas e jurisprudenciais mais recentes nessa área da dispensa de empregados; a possível emergência de um regime legal ou de um regime jurídico de desligamentos diferentes daquilo a que se está acostumado a perceber desde os bancos escolares nas faculdades e ao longo das carreiras profissionais. É inevitável partir do mesmo ponto mencionado na exposição do Ministro Márcio Eurico sobre a dispensa de empregados que sempre foi encarada como um direito potestativo do empregador, como uma faculdade absolutamente discricionária. Cabe ao empregador, segundo o juízo de conveniência e oportunidade, dispensar ou não o empregado. Essa sempre foi a tônica presente dentro do direito do trabalho, da mesma forma que o trabalhador é livre, o contrato de trabalho não escraviza, ele pode se liberar das obrigações decorrentes de um contrato de trabalho pela simples manifestação da vontade. O que se percebe é que o empregador, pelo menos à luz do direito brasileiro, sempre esteve exonerado do dever de informação ao empregado sobre o motivo do desligamento, tivesse ele ou não uma justificativa para aquela dispensa; somente quando, isso foi mencionado pelo Ministro Márcio Eurico, alguma situação na legislação estabelece fundo de garantia de emprego, e que estabelece então um fator de inibição para o exercício desta liberdade. Pode-se dizer que, tradicionalmente, 94 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho o direito do trabalho brasileiro viveu um ambiente de liberdade rescisória quase irrestrita por parte do empregador. É irrestrita por parte do empregado também, porque ele é o doador da mão de obra, não precisa de qualquer motivação, a não ser na rescisão indireta, se for o caso, para desfazer o vínculo de emprego. Entende-se que o despedimento de empregados, em regra, não dependia de nada além do aceno negativo do seu empregador. Como à moda do imperador romano nas tribunas do Coliseu ou da Rainha de Copas e Alice, bastava que se dissesse corta-lhe a cabeça, e o empregado então estaria dispensado; esta sempre foi a situação jurídica do empregado perante a vontade externada pelo empregador. Durante décadas, a única coisa que o direito do trabalho conseguiu foi onerar este procedimento de desligamento; foram criados diversos encargos durante a legislação trabalhista estado-novista, que têm por causa, exatamente, a dispensa motivada de empregados, o aviso prévio, a antiga, e hoje em desuso, indenização por antiguidade, a liberação do FGTS com multa de 40% sobre o mesmo, antes, de 10, antes de 40; a indenização adicional quando a dispensa ocorrer às vésperas dos reajustes coletivos e o próprio seguro desemprego. Aí reside o que se pode chamar de Regime Jurídico de dispensa de empregados. É importante, no entanto, refletir sobre a possibilidade de criação de um novo cenário induzido pela Constituição Federal de 1988, essa eleva a dig- nidade da pessoa humana como valor fundante, juntamente com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, de uma república que tem como objetivos essenciais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Ressaltam-se trechos da Constituição, em que se promova o bem de todos, sem preconceitos de origens, raça, cor, idade, e quaisquer outras formas de destinação, e, como princípio, a prevalência dos direitos humanos. Esta mesma Constituição também elege, entre os direitos fundamentais, sociais, merecedores de maior destaque e densidade, o direito ao trabalho, fixado no Artigo VI. Considerando um desdobramento eficiente desse direito ao trabalho, as partes reiteram algumas daquelas salvaguardas financeiras, compensatórias para os casos de desligamento. A Constituição proíbe práticas discriminatórias a empregado por motivo de sexo, cor ou estado civil em rol meramente exemplificativo e a pessoa com deficiência. A mesma Constituição restringe, também, a livre iniciativa, agregando a manutenção do tradicional de propriedade individual a sua função social; o que parece respingar no direito do trabalho, uma vez que, as empresas à luz do figurino constitucional do direito de propriedade devem ser geridas com vistas de atingir os objetivos que transcendem à mera busca máxima de lucros. Um contrato de trabalho, a exemplo dos contratos em geral, não pode prescindir da função social pela inerência das relações sociais a propriedade do titular 95 Antônio Umberto de Souza Júnior do capital. Uma ordem constitucional tão valorizada da pessoa humana, trabalho e da função social da propriedade não poderia conservar o ambiente de liberdade rescisória dos contratos laborais de forma quase restrita, tão cara ao estado liberal. Daí a promessa constitucional fixada na forma de uma lei complementar a ser aprovada pelo Congresso Nacional que contemple um regime de relação empregatício protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, mediante a previsão de indenização compensatória, dentre outros direito, na forma do Artigo VII, Inciso I, supracitado. Receoso da letargia do parlamento na regulamentação desse expressivo direito social, o poder constituinte originário estabeleceu uma disciplina interina sobre a matéria, quadriplicando a multa rescisória sobre o FGTS nos casos de dispensa imotivadas, constitucionalizando a vedação de dispensa de empregados eleitos para a CIPAs, e instituindo a garantia temporária decorrente de gravidez e da maternidade. Analisando este panorama, é possível perceber o movimento migratório, cada vez menos tímido e mais nítido que, paulatinamente, tem contraído a ampla liberdade rescisória puramente discricionária tradicionalmente reconhecida pelos empregadores em geral, mesmo antes do pagamento parlamentar da promessa constitucional de uma lei disciplinadora da proteção contra despedida. Tal movimento migratório passa pela construção legislativa e jurisprudencial que captou a distinção entre dispensa sem justa causa e dispensa arbitrária, inicialmente menosprezada, ao se considerar uma locução pleonástica de retórica vazia de significado no Inciso I, do Artigo VII, da Constituição Federal. A dispensa sem justa causa como sinônimo de desligamento de empregado em decorrência de necessidades presumidas e legítimas do empreendimento, a dispensa arbitrária como sinônimo de dispensa por motivos eticamente repugnantes. Cabe lembrar que, no plano legislativo, no Artigo 93, da Lei de Benefício da Previdência l é apontada a necessidade de preservação de um percentual mínimo de pessoas com deficiência dentro das empresas. A Lei 9019, citada pelo Ministro Márcio Eurico, que proíbe práticas discriminatórias e que tem por alvo literal a mulher, mas a doutrina e a jurisprudência têm sido uniformes no sentido de enxergar um potencial normativo de maior amplitude de alcance, e não apenas as mulheres, não por falta de merecimento, mas, pelo perigo de a discriminação vitimar a todos. A convenção 158, que vive uma história muito acidentada no país, foi ratificada e denunciada; no mesmo ano, houve o ajuizamento da ADIN 1625, que já conta com três votos a um, favoráveis à interpretação de que aquele decreto só surtirá o efeito de retirada da norma do mundo jurídico. Após a aprovação congressual da denúncia, coisa que não houve, a rigor, pode-se até pensar na vigência e eficácia atual pela Convenção 158, exatamente pe- 96 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho la invalidade da iniciativa unilateral e isolada do Senhor Presidente da República. Para apimentar um pouco mais essa história acidentada, a mensagem presidencial n°59 de 2008, que o Presidente da República de então submete novamente o texto da Convenção 158 ao Congresso Nacional e foi aprovado em duas comissões: as de relações exteriores e as da comissão de trabalho. O veredito aguardado pode atropelar, eventualmente, uma decisão do Supremo, qualquer que seja a solução dada pelo Congresso, porque nesse caso supriria a condição enxergada pela maioria formada do Supremo Tribunal Federal. públicos, pelo fato de atender apenas aos princípios da impessoalidade, da imparcialidade, da isonomia, além de rimar com a necessidade da existência de um motivo para validade do ato que é algo elementar dentro da teoria do direito administrativo, sob pena de reintegrar o empregado dispensado à revelia de algum motivo juridicamente externado e plausível. A vedação de práticas discriminatórias por ocasião de dispensa em virtude do exercício do direito de ação, ou de prestação de testemunhos, sob as chamadas dispensas retaliatórias, O Ministério Público tem movido algumas ações via públicas nessa matéria. Parece importante notar que, também, no plano jurisprudencial foram edificados alguns condicionamentos judiciais para validação de atos de dispensa em certas circunstâncias, primeiramente o reconhecimento da estabilidade prevista no Artigo 41, da Constituição Federal, e não apenas aos empregados de autarquias e fundações como o TST reconhece, explicitamente, em sua súmula; mas também para os empregados de sociedade de economia e empresas públicas, admitidos até o advento da Emenda 19, conforme jurisprudência explícita do Supremo Tribunal Federal. Em segundo lugar, cedendo a um apelo doutrinário insistente, especialmente, entre os autores de direito administrativo, o Supremo, em primeiro lugar, e depois o TST. Segundo a Súmula 443, a dispensa em decorrência de filiação ou militância em verdadeiro ato de prática antissindical, em virtude de ser portador do vírus HIV ou doença da AIDS, ou alguma outra doença estigmatizada somente será válida mediante previa negociação coletiva das condições de elegibilidade e de compensação financeira ou social dos empregados afetados, este é entendimento consolidado pelo TST. Apesar de não ter sido revogado ainda a OJ 27, a grande maioria de turmas tem entendido a necessidade de motivação de dispensa de empregados Certo é que a norma do Inciso I, do Artigo VII, da Constituição Federal, tem ganhado mais vida e vigor do que imaginaram os constituintes de 1987/1988. O Supremo Tribunal Federal em acórdão da lavra da Ministra Helen reconhece no julgamento do TST em se discutir a velha questão da extinção dos contratos por aposentadoria. A interpretação conferida pelo TST, à época, viola o postulado constitucional que veda despedida arbitrária consagrada no Artigo VII, Inciso I, essa decisão 97 Antônio Umberto de Souza Júnior tem um peso muito importante por vir do Supremo Tribunal Federal, no sentido de procurar que o que pende de regulamentação não é a proteção contra a despedida arbitrária, mas a criação de mecanismos compensatórios para aqueles casos em que a dispensa não seja arbitrária ou sem justa causa, aquelas situações em que o sistema jurídico admite as dispensas como válidas. Em outros termos, a conjugação do direito ao trabalho de um lado, da valorização do trabalho humano, da função social da propriedade por extensão dos pactos laborais, e da proteção contra a despedida arbitrária, todos extraídos do texto constitucional acabou por fecundar ou revelar um direito fundamental social implícito, que é o direito à segurança no emprego, não o direito explícito, do direito à segurança e à saúde, este está garantido na Constituição. A segurança ao emprego vista como direito de não perder o emprego estabelecida de forma genérica, no Artigo 53 da Constituição, no sentido de não se permitir a dispensa de empregados em geral sem motivo que endosse esta dispensa. Tal direito, a segurança no emprego, é encontrada, explicitamente, em outras ordens jurídicas, destacando a Constituição Portuguesa, adaptando a realidade brasileira contemporânea à taxonomia Lusitana, mirando na doutrina do professor Pedro Romano Martinez, uns dos maiores juslaboralistas portugueses. É possível, a partir desses exemplos legislativos e jurisprudenciais, visualizar uma nova tipologia das hipóteses autorizadoras relacionadas à dispensa de empregados, e neste prisma, é possível dividir as dispensas em três grupos, segundo o regime jurídico atual, à luz da legislação e das decisões jurisprudenciais permanentes. No primeiro grupo, há a dispensa por justa causa subjetiva, que corresponde a qualquer comportamento imputável à pessoa do trabalhador. Ter-se-ia, de um lado, a justa causa, como razão disciplinar para ruptura dos contratos na tradição do direito brasileiro, Artigo 432 da CLT; do outro lado, a servir como motivo embasador da dispensa de empregados públicos, porque essa pode ser das umas das justificativas, por exemplo, a total inabilidade do empregado para exercer aquela atividade para qual foi contratado; no segundo grupo, é possível visualizar a dispensa por justa causa objetiva, correspondente a comportamentos imputáveis ao empregador, voluntários ou forçados por circunstâncias estranhas a sua vontade, que propiciaria o despendimento coletivo ou a dispensa de empregados públicos, embora, em ambos os casos, o empregador deva adotar procedimentos objetivos e impessoais na eleição dos empregados a serem dispensados. Na Argentina, a Legislação trabalhista estabelece para estas situações critérios absolutamente impessoais. Tem-se necessidade de dispensar um grupo de empregados, essa dispensa deve-se iniciar pelos empregados mais novos na empresa, e ainda dentre os empregados ilegíveis para dispensa, admitidos no mesmo semestre, terão preferência àqueles que te- 98 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho nham menos encargos familiares. A visão social do legislador é o Artigo 200, 247 da Lei 20.744, que é a lei de contrato de trabalho da Argentina. E por fim, no terceiro grupo, a dispensa sem causa discriminatória, que é a quem se tem hoje como dispensa sem justa causa que, por conta a Súmula 443, é exagerado dizer que o empregador possa dispensar o empregado quando bem entenda, porque não será possível, senão na ausência de qualquer situação discriminatória que possa viciar o ato de dispensa. Para finalizar, me parece aqui que esse quadro exposto enuncia um direito novo dentro do direito do trabalho brasileiro e, considerando que essa jurisprudência ainda é uma jurisprudência em evolução, não é possível descartar a possibilidade de que, considerada a função social da empresa, possa ir além na efetivação do direito à segurança no emprego, lançando o total ostracismo por meio da interpretação vigorosa dos princípios constitucionais já destacados. A possibilidade de ruptura dos contratos de trabalho sem a prévia e explícita indicação do motivo que a justifique; afinal, o empregado não é mercadoria, mas instrumento humano essencial para a produção, não sendo utópico, nem radical, que a jurisprudência venha banir a prática de descarte da mão de obra, fora de circunstâncias social e juridicamente legitimadoras, numa concretização máxima do direito ao trabalho que a constituição contempla. interpretação de que o núcleo essencial inscrito é a vedação da dispensa sem justa causa ou arbitrária, servindo a indenização compensatória dentre outros direitos aos casos em que haja motivo juridicamente sustentável para o desligamento de empregados por iniciativa do empregador. Tal perspectiva não deve gerar temor ou desespero entre os empregadores, ao menos entre aqueles que conduzam os negócios no plano das relações de trabalho com transparência, boa-fé e que construam com os lucros um país mais justo e seguro para todos. A análise do texto do Inciso I, do Artigo VII da Constituição Federal autoriza a 99 Márcio Eurico Vitral Amaro O Direito do Trabalho Márcio Eurico Vitral Amaro* *Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região em Campo Grande; Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. 100 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Fico emocionado ao encontrar meu grande amigo Camargo de Melo. É um prazer compor esta mesa com Doutor Antônio Umberto, aproveito para parabenizá-lo pelo lançamento do livro hoje e estendo meus cumprimentos a todos. De fato, direito do trabalho é um tema de muita importância. Há mais de trinta anos nesta militância, ainda não tinha me deparado e nunca me defrontado com uma crise econômica como a que estamos enfrentando neste momento. Nós que estudamos o direito do trabalho, estamos sempre procurando atualizar o enfoque sobre estas questões; não havíamos visto uma crise com reflexos tão fortes na questão do emprego. Por isto, torna-se difícil tratar deste tema em um momento no qual não sabemos o rumo em que as coisas tomarão. O direito do trabalho é muito bonito, vai muito bem. Minha preocupação é como fazer prevalecer este direito num momento de crise forte como esta, e em que medida pode-se atuar para que as normas do direito do trabalho sejam respeitadas num quadro de insegurança institucional, de crise econômica. A abordagem sobre este tema será breve, mas abrangente. É certo que, o que sempre prevaleceu em maior medida, até a Constituição de 1988, é o poder do empregador quanto à extinção do contrato de trabalho, a motivação de dispensa, a lei ou normas heterônimas e autônomas, como nos acordos ou convenções coletivas. Mesmo após a Constituição de 1988, continua prevalecendo o poder do empregador de dispensar o empregado sem qualquer motivação. Sabemos que nosso sistema é falho com algumas limitações decorrentes de normas autônomas. A doutrina identifica períodos extintos neste enfrentamento da matéria que existe desde 1967 com a criação do fundo de garantia, visto como previsão da estabilidade decenal, existente no artigo até hoje, apesar de em desuso na CLT. Após a Constituição de 1988, criou-se a nova visão liberal desta questão do emprego a partir do FGTS. A Constituição foi inspirada na necessidade de se enfrentar o enorme déficit social que sempre marcou a história da sociedade brasileira. Fundada a Constituição, sobretudo, no que diz respeito ao direito do trabalho, na valorização do trabalho humano, preconiza, no Artigo VII, Inciso I, que a relação de emprego será protegida contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa. Nisto, ela criou uma grande dificuldade, pois, ao invés de enfrentar, definitivamente, a questão da proteção ao emprego, remeteu isto para uma lei complementar que nunca veio a lume. Por causa desta vinculação feita pela Constituição à lei complementar, o Artigo X, Inciso I no ato das disposições transitórias diz que, até a promulgação da lei complementar, a proteção contra a dispensa fica limitada ao aumento de quatro vezes da porcentagem prevista no Artigo VI, Caput pa- 101 Márcio Eurico Vitral Amaro rágrafo 1° da Lei 5.107 de 1966, lei do fundo de garantia. Com isto, adiou-se mais uma vez a solução do problema fazendo o que o FGTS já havia feito, a substituição da garantia de emprego pelo pagamento de uma indenização. A Convenção de 1958 da OIT, tão decantada, protege o trabalhador contra a dispensa arbitrária. Ela foi ratificada pelo Brasil, e depois de muitas idas e vindas do Congresso Nacional e governo brasileiro, ela acabou não sendo positivada; nem a Convenção 158, que já foi ratificada e adotada por vários países, apesar de ter sido ratificada aqui também, não está positivada no nosso ordenamento. Observa-se, portanto, no plano puramente individual, que no nosso direito prevalece o poder do empregador. A doutrina e a jurisprudência atribuem, também, como direito do empregador a natureza de poder, direito potestativo, ele pode dispensar o empregado, ainda hoje, sem qualquer motivação. Contudo, há restrições que vem sendo feitas, restrições de cunho legal, que são as estabilidades provisórias, a estabilidade do servidor público, embora celetista, contratado mediante concurso público em certos casos, estabilidades provisórias do membro da diretoria do sindicato, membro de CIPA, gestantes, mesmo decorrentes de normas autônomas, a exemplo das que preveem estabilidade pré-aposentadoria; fora estas exceções o que prevalece no nosso sistema é o direito do empregador de dispensar sem motivação. Outro tema relacionado, que é um dos óbices a este poder, este direito potestativo do empregador é a chamada dispensa discriminatória. A Lei 9.029 de abril de 1995, Artigo I, proibe adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego ou sua manutenção por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade. A jurisprudência estendeu esta proteção ao portador de doença grave que possa suscitar estigma ou preconceito. A Súmula 443 do TST, por exemplo, presume discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV, ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. A dispensa por um destes motivos invalida o ato e o empregado tem direito a reintegração no emprego. Isto é uma construção da jurisprudência e que tem prevalecido no entendimento dos tribunais. Visto que, o tema central da nossa abordagem é o que diz respeito à dispensa coletiva ou em massa, o chamado Lay -off, o estudo desta matéria tem importância fundamental no momento em que vivemos, a jurisprudência está caminhando no sentido de criar restrições a este tipo de dispensa, mas vamos abanar este estudo para outro momento. Conforme ressaltei, o direito do trabalho ia muito bem até a crise, agora, como dar efetividade do direito do trabalho no momento como este em que cerca de um milhão de trabalhadores, somente este ano, perderam o emprego. Para ser preciso novecentos e oitenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e nove trabalhadores até agosto, 102 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho e neste mesmo mês, foram extintas oitenta e seis mil, quinhentos e quarenta e três vagas formais no mercado, foi o quinto mês seguido de resultado negativo na questão do emprego formal. Sobre esta matéria, a sessão de dissídios coletivos do TST proferiu umas de suas mais marcantes decisões, sob a relatoria do Ministro Maurício Godinho Delgado. Participei do julgamento deste processo, na época, eu compunha a sessão de dissídios coletivos do tribunal. Ainda não se concluiu o julgamento deste processo, porque houve o reconhecimento de repercussão geral, portanto, ele está aguardando julgamento de mérito, é o tema 638 da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal. Retomamos então, a questão da dispensa coletiva, tendo como objeto de estudo a dispensa coletiva como figura jurídica. A dispensa individual envolve muitos trabalhadores ou mesmo um grupo de trabalhadores sem esta característica de dispensa coletiva. O primeiro problema é definir o que caracteriza uma dispensa coletiva ou em massa. Podemos questionar qual o número de dispensas proporcionalmente ao quadro da empresa caracteriza uma dispensa em massa. Demissões feitas, por exemplo, em momentos diferentes de um determinado período configurariam esta modalidade de ruptura do contrato. A razão da dificuldade é que a matéria não está regulada no nosso direito positivo, nós temos uma regulação sobre a dimensão individual, mas nada positivado, salvo agora, com a nova medida provisória que aborda vagamente a questão. Orlando Gomes conceituou o fenômeno da dispensa coletiva como uma rescisão simultânea. Para ele é a decisão simultânea por motivo único de uma pluralidade de contraste de trabalho numa empresa sem substituição dos empregados dispensados. Esta conceituação, a meu ver, é insuficiente, pois dispensas em grupos, se forem repartidas no tempo, são coletivas. A empresa dispensa mil empregados em uma semana, cem na outra e depois mais cem, isto é dispensa coletiva, se formos seguir a conceituação de Orlando Gomes não seria, porque ela fala da rescisão simultânea. Se a dispensa é dada, por exemplo, com o objetivo de reduzir a folha de pagamentos com substituição dos empregados dispensados por outros com salário menor, que é comum, também não seria dispensa coletiva, para ele a dispensa coletiva é aquela que se dá sem substituição dos empregados. Por isto, eu considero a conceituação dele insuficiente e, mesmo que trouxéssemos vários doutrinadores para este debate, não conseguiríamos esgotar este conceito. Conforme dizia o professor Amílcar de Castro, o direito como toda ciência tem que transformar toda a sua matéria em conceitos; se não temos conceitos, fica muito difícil lidar com a matéria. Nós não temos lei que trata do silêncio normativo, por isto, surgem as dificuldades, até mesmo, de conceituação deste fenômeno e acaba sendo transferido para o poder judiciário a in gló- 103 Márcio Eurico Vitral Amaro ria tarefa, digamos assim, de esculpir uma solução para o problema. Eu desconheço as críticas que são muito bem fundamentadas, sobre este fenômeno da judicialização, ou se preferir errado, da juridificação que é exatamente esta transferência para o poder judiciário das questões que por sua natureza deveriam ser tratadas pelas instâncias políticas tradicionais, como o caso do legislativo. Como diz o Ministro Luís Roberto Barroso, este fenômeno da jurisidificação – muito bem lembrado em um artigo de Rayneider Brunelli de Oliveira Fernandes – possui três causas: a redemocratização do país, com a Constituição de 1988 que fortaleceu a sociedade civil, o que ele chama de constitucionalização abrangente, que trouxe para o âmbito da Constituição matérias que antes estavam relegadas à legislação infraconstitucional; o direito do trabalho que foi, praticamente, constitucionalizado, como pode ser visto no Artigo VII da Constituição; e o forte controle de constitucionalidade brasileiro mesclando os sistemas concentrados e difusos. Estas são as causas desta transferência para o judiciário, não só o silêncio normativo, mas todos estes fenômenos também de cunho jurídico que ocorreram no Brasil. Certo é que, seria ingenuidade esperar que a legislação pudesse dar conta de todas as questões em face do dinamismo das relações sociais trabalhistas que pudessem envolver estas relações no direito do trabalho. Há uma inércia muito grande no legislativo que precisa ser corrigida com a criação de nor- mas efetivas de proteção contra a dispensa. Na comunidade europeia hoje, por exemplo, a matéria está toda regulada no que eles chamam de diretivas da União Europeia. São normas gerais que devem ser observadas por todos os estados membros da União Europeia, e que, protegem o trabalhador mesmo em situação de crise, nós vimos isto agora, é claro que como eu disse, vai muito bem até acontecer uma crise muito acentuada, como foi na Grécia. Mas podemos observar que em países como na Espanha, em Portugal e em outros, estas diretivas vinham dando conta não de impedir as dispensas, mas de normatizá-las e impedir os efeitos nefastos com criação de indenização ou com mecanismos de controle destas demissões. Portanto, todas as dispensas na União Europeia que são consideradas coletivas devem ser submetidas a uma autoridade administrativa que estão, também, sujeitas ao controle do próprio judiciário. Se o judiciário entender que aquelas dispensas são infundadas, não há apenas, como aqui, o pagamento ou condenação numa indenização, mas a nulidade, a anulação destas dispensas. Em alguns países como Holanda e França, mesmo antes da criação destas diretivas na União Europeia, já tratavam disto muito claramente. No direito português consta no código do trabalho a proteção contra dispensa em massa. Na Itália, a Lei n° 223 de 1991 passou a regulamentar estas dispensas coletivas, e assim por diante. No Brasil, o que há são apenas, parece-me, duas portarias sem nenhuma força coerci- 104 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho tiva, são recomendações do Ministério do Trabalho a respeito desta questão. Agora, com a Medida provisória 680 que criou este programa de proteção ao emprego, até muito criticado, possibilita a adesão. A empresa tem que aderir a este programa, ele não é uma norma de aplicação abrangente, imperativa. Segundo li esta semana, só três ou quatro empresas aderiram até agora ao programa. Isto quer dizer que não funciona se não tiver também uma interatividade, mas já é um começo. No entanto, as empresas com dificuldades econômicas e financeiras que aderirem a este programa poderão, por exemplo, reduzir jornada e na mesma proporção ou proporcionalmente, reduzir salários. Redução da jornada com redução de salário só é permitido às empresas que aderirem a este chamado PPE, que é Programa de Proteção ao Emprego. Não vou me alongar nesta questão da justificativa desta judicialização da matéria, pois, ela encontra respaldo na quadra atual do direito brasileiro, nesta função criadora da jurisprudência, também muito criticada como sintoma de ativismo judicial. Ouvimos isto a todo o momento, mas se a jurisprudência ante este silêncio normativo não atuar, nós não teremos nada a respeito de nada. Deter-me-ei em uma decisão da SDC, que foi um marco importante na regulação desta questão. O caso a que me refiro, envolvia a empresa Embraer, esta em fevereiro de 2009 demitiu, sumariamente, 4.273 empregados de uma só vez, cerca de 20% do seu quadro de empregados. O TRT começou a questão, porque a Embraer está a sob a jurisdição dele, o TRT da 15ª Região. Houve uma decisão bastante inovadora, foram invocados princípios jurídicos ali, especialmente relacionados à proteção do trabalhador. O regional concluiu que dispensas coletivas não poderiam ser aceitas, salvo quando observados certos requisitos, entre os quais a negociação. Então, a dispensa coletiva só mediante negociação coletiva, nós não temos nada disto na lei, até então, não tínhamos nada disto. Isto foi criado pelo TRT da 15ª Região, é negociação coletiva para impedir as dispensas, apesar de sabermos que nem sempre é possível, ao menos tenta suavizar os efeitos destas dispensas. Na parte dispositiva desta decisão o TRT de Campinas declarou as demissões abusivas, mas não determinou a reintegração dos empregados, e isto era o que os empregados pretendiam. A reparação limitou-se ao pagamento de uma indenização de duas vezes o valor do aviso prévio até determinado limite, a manutenção do plano de saúde dos empregados e preferência na contratação se novas contratações viessem a serem feitas no prazo de dois anos. Ambas as partes recorreram, a Embraer pretendendo a descaracterização da abusividade desta dispensa, e os empregados pretendendo afastar a motivação apresentada de ordem econômica. Tenho a ementa desta decisão do TST, o processo veio com recurso de ambas as partes. A sessão de dissídios coletivos do TST firmou aquela tese de que a dispensa coleti- 105 Márcio Eurico Vitral Amaro va só pode acontecer mediante negociação coletiva. A SDC resolveu modular o efeito desta decisão, porque entendeu que até em nome da segurança jurídica não seria possível declarar a nulidade daquelas demissões feitas pela Embraer, mas ela conferiu uma eficácia prospectiva decisão, dizendo que, esta necessidade de negociação coletiva deveria ser observada em casos futuros. Apesar de tudo, foi um marco importante na formatação da jurisprudência sobre este tema, depois desta, já tivemos outras tantas. Outros tribunais regionais e o próprio TST já se pronunciaram, sempre fixando esta premissa de que sem negociação coletiva não é possível a dispensa em massa, inclusive, há decisão com condenação das empresas de indenização por dano moral coletivo no caso de dispensa em massa. A importância da jurisprudência na extensão desta proteção é que as próprias empresas sabendo qual será a solução judicial, já se previnem para não fazerem como a Embraer. Esta semana, foi publicado no jornal, que a Espanha, após uma dispensa em números significativos, acordou a redução de salário para evitar mais dispensas e celebrou um acordo coletivo garantindo, por um ano, o emprego para seus empregados até 2016. Vê-se ante o silêncio da lei, a omissão do legislativo em regular a matéria. A jurisprudência tem desempenhado seu papel, no sentido de, se não evitar, ao menos diminuir as perdas dos trabalhadores em face das dispensas em massa. 106 6 Enquadramento Sindical: Unicidade, Unidade Pluralidade na Agroindústria 107 Guilherme Augusto Caputo Bastos ENQUADRAMENTO SINDICAL: UNICIDADE, UNIDADE E PLURALIDADE NA AGROINDÚSTRIA Guilherme Augusto Caputo Bastos* *Presidente da Academia Nacional de Direito Desportivo; Ministro do Tribunal Superior do Trabalho e Conselheiro do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. 108 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho I. INTRODUÇÃO O direito à livre associação profissional ou sindical é assegurado pela Constituição Federal em seu artigo 8º. A liberdade sindical, assim, apresenta-se como um direito fundamental inerente ao homem. O mesmo dispositivo, contudo, manteve, em seu inciso II, o sistema da unicidade sindical, que restringe a ideia de liberdade sindical plena, tão aclamada na Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho, porquanto não autorizadas formas distintas de criação das entidades representativas, a não ser por categoria profissional ou econômica, com base territorial não inferior a um município. Observa-se, assim, que a Constituição Federal consagrou dois princípios basilares do Direito Coletivo do Trabalho – liberdade e unicidade sindical -, cuja convivência deve ser perseguida pelo intérprete, em atenção à regra de hermenêutica pela qual se afirma que as partes da Constituição Federal são interdependentes e o sentido é extraído do conjunto das normas que a compõem (princípio da unidade constitucional). A Consolidação das Leis do Trabalho, por sua vez, cuida do tema relativo ao enquadramento sindical em seu Capítulo II, nos termos dispostos nos artigos 570 e seguintes, que, em verdade, também se revelam limitativos no que tange ao princípio de liberdade sindical. Tais dispositivos, aliás, serão objeto de análise em capítulo próprio. Com efeito, a jurisprudência contemporânea firmou-se no sentido de que as normas da CLT que tratam do enquadramento sindical retromencionado foram recepcionadas pela Constituição Federal. Dessa forma, prevalece a diretriz de que não compete às partes a opção quanto à entidade sindical a que se filiarão, uma vez dominante a regra de que o enquadramento segue a atividade essencialmente desempenhada na empresa, à exceção das categorias diferenciadas. Adentrando-se à esfera da matéria atinente ao enquadramento sindical do setor da agroindústria, esta se encontrava disciplinada nos termos da Súmula nº 57 do Tribunal Superior do Trabalho, cancelada no ano de 1993. Embora tratasse, especificamente, da questão alusiva aos trabalhadores agrícolas das usinas de açúcar, a determinação servia como referência para todo o setor agroindustrial. De acordo com o referido verbete sumular, os trabalhadores agrícolas das agroindústrias sucroalcooleiras eram integrantes da categoria profissional de industriários, sendo, então, contemplados pelos aumentos normativos obtidos pela mencionada categoria. Esse entendimento prevaleceu nos julgados do Tribunal Superior do Trabalho até a edição da Orientação Jurisprudencial nº 419 da SBDI-1. O que se observa é que os preceitos impostos na antiga Súmula nº 57 não se mostraram suficientes para a elucidação 109 Guilherme Augusto Caputo Bastos de todos os questionamentos decorrentes de sua aplicação aos casos concretos, mormente no que tange à discussão alusiva ao momento em que as atividades agrícolas deixariam de ser consideradas rurais, tornando-se, pois, industriais, em face do tratamento conferido à matéria-prima. Ademais, muito se discutiu acerca da qualidade urbana ou rural do empregado, para fins de reconhecimento da prescrição aplicável, considerando-se a antiga redação do artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal, que conferia tratamento distinto aos trabalhadores, de acordo com a mencionada subdivisão quanto à natureza. Os julgados oriundos de tal controvérsia serviram como precedentes à forma pela qual a matéria é abordada atualmente, tanto no tocante ao prazo prescricional, como também (e, talvez, de maneira infeliz) com relação aos aspectos específicos da representação sindical. De fato, com o cancelamento da mencionada Súmula nº 57 e edição da Orientação Jurisprudencial nº 419, o novo entendimento, então, consagrado, embora advindo do debate relativo à definição da prescrição aplicável, adentrou à esfera da representação sindical dos trabalhadores, porquanto foram identificados como rurícolas os empregados que, a despeito da atividade desempenhada, prestam serviços a empregador agroindustrial. Referida classificação, no entanto, é polêmica, conforme se pretende demonstrar em capítulo próprio. Nesse caso, é a atividade preponderante da empresa que implica o reconhecimento do obreiro como trabalhador urbano ou rural, sendo irrelevante, para tanto, a análise das peculiaridades das atividades exercidas pelo empregado. Sendo assim, se uma determinada agroindústria se enquadra no contexto de empresa rural, seus respectivos trabalhadores integrarão a categoria correspondente, ainda que desempenhem atividades totalmente distintas daquelas tipicamente rurais, ou pertençam à categoria diferenciada. Com efeito, tal entendimento tem sido embasado no disposto na Lei nº 5.889/73 e no Decreto nº 73.626/ 1974. Isso porque o artigo 3º, § 1º, da mencionada lei inclui como atividade agroeconômica a exploração industrial em estabelecimento agrário não compreendido na CLT, enquanto o artigo 2º, § 4º, do supracitado decreto define o que vem a ser exploração industrial em estabelecimento agrário. Da mesma forma, a Orientação Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1 enquadra como trabalhador rural o motorista que labora no âmbito de empresa cuja atividade é essencialmente rural, uma vez que não estaria sujeito ao trânsito das estradas e cidades. Observa-se, todavia, que o entendimento atual, consubstanciado nas Orientações Jurisprudenciais nos 315 e 419, vem refletindo gravemente na representação sindical dos trabalhadores das agroindústrias e, também, daqueles que se ativam na área dos transportes e que, embora integrantes de catego- 110 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho ria diferenciada, encontram-se, atualmente, classificados como rurícolas. Em que pese se reconheça a intenção de se proteger o direito dos trabalhadores e de se viabilizar a segurança jurídica das relações trabalhistas, revelam-se inúmeros os problemas e prejuízos advindos em face da jurisprudência consolidada, sendo, pois, manifesta e urgente a necessidade de sua adequação. II. UNICIDADE, UNIDADE E PLURALIDADE SINDICAL A organização sindical pode ser configurada por meio de várias formas estruturais, o que será definido pela legislação aplicável. Vigora no Brasil, desde a década de 1930, o sistema da unicidade sindical, nos termos do qual não se admite a existência de mais de uma unidade sindical representante da mesma categoria em uma mesma base territorial. Em breve análise dos aspectos históricos inerentes ao tema, tem-se que a Lei Sindical correspondente ao Decreto nº 19.770/1931, que regulava a sindicalização das classes patronais e operárias à época, condicionava o reconhecimento de uma associação como sindicato àquela que reunisse o maior número de associados. Posteriormente, a Constituição Federal de 1934 instituiu o modelo do pluralismo e da autonomia sindical. O ideal de pluralidade durou pouco e, com o advento da Constituição Federal de 1937, que instituiu o modelo sindical corporativista, as entidades representativas dos trabalhadores realizavam suas atividades como atribuições delegadas do Estado, embora se sustentasse a suposta ideia de liberdade sindical, prejudicada pelo regime da unicidade, então vigente. Na mesma linha, a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, dispôs, em seu artigo 516, vigente até os dias de hoje, que “Não será reconhecido mais de um Sindicato representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial”. A Constituição Federal de 1946, por sua vez, fez prevalecer o ideal sindical corporativista, bem como o princípio da unicidade sindical, sendo, contudo, pioneira quanto à instituição do direito de greve. A Constituição Federal de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969 privilegiaram a liberdade sindical, de modo que os sindicatos poderiam ser livremente criados, para a representação dos interesses de seus associados e exercício de demais atividades, mesmo que delegadas pelo Estado. A Constituição Federal de 1988 firmou, em caráter definitivo, o princípio da unicidade sindical. Além disso, exaltou o critério da liberdade, que abrange a criação de sindicato, a filiação e o desligamento, abolindo, ainda, a obrigatoriedade de reconhecimento do sindicato pelo Ministério do Trabalho como condição de sua existência. Observa-se, todavia, que, em contradição ao entendimento consubstanciado no caput e no inciso I de seu artigo 8º, no sentido de que é livre a associação profissional ou sindical, sendo, pois, 111 Guilherme Augusto Caputo Bastos vedada a interferência e a intervenção do Poder Público na organização sindical, a Constituição Federal acabou por restringir o exercício de referida liberdade, consoante se observa no inciso II, do mencionado dispositivo, in verbis: “Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município.” A mesma restrição pode ser observada no artigo 516 da CLT, a seguir: “Art. 516 - Não será reconhecido mais de um Sindicato representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial.” Nesse contexto, extrai-se o conceito de unicidade sindical, correspondente ao sistema em que se admite o reconhecimento de um único sindicato representante de uma categoria para cada base territorial que, conforme determina a Constituição Federal, não po- de ser inferior a um município. Impera, assim, o regime de monopólio de representação em um limite mínimo geográfico, restringindo-se, de tal sorte, a plena liberdade sindical. Nessa modalidade, a representação exercida pelos sindicatos ocorre de maneira compulsória e decorre de determinação legal, nos termos do dispositivo constitucional supratranscrito. A unicidade sindical impede que o trabalhador detenha o poder de preferência quanto ao sindicato pelo qual pretenderia ser representado. O mesmo caráter compulsório é observado no tocante ao recolhimento da contribuição ou imposto sindical, destinado ao custeio do sistema confederativo. Dessa forma, não poderá existir mais de uma organização sindical representativa de categoria profissional ou econômica, em idêntica base territorial, que será definida pelos trabalhadores que a compõe, desde que não inferior à área de um município. Com efeito, embora contemple a valorização da negociação coletiva, o direito de greve do trabalhador e a vedação da ingerência estatal nos sindicatos, o sistema adotado no Brasil não se coaduna com os preceitos contidos na Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho, na qual se prevê a proteção ao direito sindical e ampla e real liberdade de representação. Extrai-se de seu artigo 2º: 112 “Artigo 2°. Trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão o direito de constituir, sem prévia autori- II Seminário Internacional de Direito do Trabalho zação, organizações de sua própria escolha e, sob a única condição de observar seus estatutos, a elas se filiarem.” sendo admitida a opção de coexistência de mais de um sindicato da mesma profissão, em um determinado limite geográfico. Assim, diferentemente do que se observa no Brasil, a Organização Internacional do Trabalho assegura aos trabalhadores e empregadores a livre opção quanto ao critério pelo qual intentam promover a organização sindical, o que inclui os aspectos relativos à empresa, à categoria, à profissão, entre outros. Viabiliza, ainda, a escolha quanto ao espaço geográfico da representação e admite a diversidade quanto à adoção do sistema sindical, seja ele relativo ao princípio da unidade ou da pluralidade, de modo facultativo. Dessa forma, no contexto da unidade, mesmo sendo autorizada a pluralidade sindical, é plenamente possível que uma categoria seja representada por apenas um sindicato, a depender da vontade das partes que, livremente, optam pela composição de um único organismo, no intuito de torná-lo mais forte. Em outras palavras, os termos dispostos na referida convenção permitem que trabalhadores e empregadores constituam organizações que entendam ser convenientes, sendo-lhes assegurada a liberdade de filiação, sem autorização prévia. Ademais, prima-se pelo livre funcionamento de tais entidades, independentemente da ingerência do poder público. A doutrina estabelece a distinção conceitual dos termos unicidade e unidade sindical. Em suma, o que diferencia as duas modalidades de sistema é a forma de sua configuração. Conforme já mencionado, a unicidade decorre de uma determinação legal. A unidade sindical, por sua vez, deriva da vontade dos sindicatos (e, por conseguinte, de seus integrantes) de se unirem para constituição de um único ente representativo, mesmo lhes A unidade sindical, assim, consiste na representação única de certa coletividade de trabalhadores ou de empregadores, como consequência da escolha voluntária dos interessados. Pode decorrer de um sistema de sindicalização livre ou obrigatória, neste quando não há o direito individual de não aderir ao sindicato. Ressalte-se que no âmbito de um sistema livre de sindicalização, a modalidade em foco se coaduna com o conceito de liberdade sindical constante da Convenção nº 87 da OIT. Já a ideia de pluralidade sindical está relacionada à hipótese em que se reconhece a possibilidade de existência de mais de uma entidade sindical, sem restrições quanto à base territorial, para a mesma coletividade de trabalhadores ou atividades, uma vez constatado o interesse comum. Ressalte-se que a base territorial pode até mesmo ser uma empresa ou um estabelecimento. Referido regime, atualmente, é adotado na maioria dos países e se contrapõe ao sistema da unicidade, por permitir que a representação 113 Guilherme Augusto Caputo Bastos ocorra sem o caráter compulsório inerente a este. Cumpre salientar que a pluralidade sindical não é imposta pela Convenção nº 87 da OIT, mas sim compreendida como uma faculdade, que decorrerá do interesse dos trabalhadores e empregadores. Da mesma forma, a escolha da unidade sindical também não contraria o disposto na referida convenção, uma vez considerada a vontade dos interessados. Arnaldo Sussekind, em sua obra “Direito Constitucional do Trabalho”, preconiza que na maioria dos países há pluralidade de direito e de fato, como nos casos de França, Itália e Espanha. Ressalta que, em alguns, é facultada a pluralidade sindical, mas em virtude da conscientização dos trabalhadores, vigora, de fato, a unidade de representação, sendo exemplos Alemanha e Reino Unido. Destaca, ainda, que, em outros países, o monopólio de representação sindical é imposto por lei, como ocorre no Brasil, na Colômbia e no Peru e que, na Argentina, há pluralidade sindical, mas sendo conferida tão somente a um sindicato a personalidade gremial para negociar como representante do grupo. específicas, conforme discriminado no Quadro de Atividades e Profissões a que se refere o artigo 577 ou segundo as subdivisões que, de acordo com o artigo 576, forem criadas pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Sabe-se que a segunda parte do artigo 570 não mais se coaduna com a Constituição Federal vigente. Há dúvidas doutrinárias acerca da recepção pela Constituição de 1988 do supracitado Quadro de Atividades e Profissões previsto no artigo 577, ante a vedação constitucional de interferência do Estado nas organizações sindicais e o fato de o enquadramento obrigatório não ser compatível com o princípio de liberdade sindical. Majoritariamente, contudo, entende-se que referido dispositivo é compatível com a Constituição Federal. Com efeito, indene de dúvidas que o sistema sindical do país é demarcado por categorias e, nesse sentido, ensina Amauri Mascaro Nascimento, em “Compêndio de Direito Sindical”: III. ASPECTOS GERAIS DO ENQUADRAMENTO SINDICAL O tema em estudo encontra-se disciplinado no Capítulo II da CLT (artigo 570 e seguintes). Nos termos do artigo 570 da CLT, os sindicatos deverão ser constituídos por categorias econômicas ou profissionais 114 “Na prática, fala-se em categoria como um grupo organizado ou inorganizado em sindicato, de trabalhadores ou de empregadores, da mesma atividade, trabalho ou setor da economia: a indústria, o comércio, a prestação de serviços, a propriedade rural, e suas inúmeras subdivisões; por estarem nesse exercício, seus integrantes passam a ter interesses comuns, de natureza econômica ou profissional. Portanto, sindicato por categoria é o que representa os trabalha- II Seminário Internacional de Direito do Trabalho compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional. § 3º Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares.(...)” dores de empresas de um mesmo setor de atividade produtiva ou prestação de serviços. As empresas do mesmo setor, por seu lado, formam a categoria econômica correspondente.” Acrescente-se que o artigo 511 da CLT dispõe ser lícita associação para fins de defesa e coordenação dos interesses econômicos ou profissionais, exigindo, para tanto, que as atividades ou profissões sejam idênticas, similares ou conexas. Os §§ 1º, 2º e 3º do mencionado dispositivo trazem os conceitos das categorias existentes, quais sejam, econômica, profissional e profissional diferenciada, nos termos transcritos a seguir: “Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas. § 1º A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica. § 2º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, Vale lembrar que no caso de categoria profissional diferenciada, o enquadramento sindical não leva em consideração a atividade preponderante na empresa, de modo que o respectivo profissional será representado pelo sindicato de sua própria categoria, desde que a empresa empregadora tenha participado da negociação coletiva. Nesse sentido, a Súmula nº 374 do Tribunal Superior do Trabalho: “NORMA COLETIVA. CATEGORIA DIFERENCIADA. ABRANGÊNCIA (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 55 da SBDI-1) Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria.” Quanto às demais categorias, o enquadramento segue a regra atinente à atividade preponderante da empresa, observando-se, sempre, a base territorial do ente representativo, nos termos do artigo 517 da CLT, in verbis: 115 “Art. 517. Os sindicatos poderão ser distritais, municipais, in- Guilherme Augusto Caputo Bastos termunicipais, estaduais e interestaduais. Excepcionalmente, e atendendo às peculiaridades de determinadas categorias ou profissões, o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio poderá autorizar o reconhecimento de sindicatos nacionais. § 1º O ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, outorgará e delimitará a base territorial do sindicato. § 2º Dentro da base territorial que lhe for determinada é facultado ao sindicato instituir delegacias ou secções para melhor proteção dos associados e da categoria econômica ou profissional ou profissão liberal representada.” O conceito de atividade preponderante, por sua vez, encontra-se expresso no artigo 581, § 2º, da CLT: “§ 2º. Entende-se por atividade preponderante a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente em regime de conexão funcional.” Na esfera rural, especificamente, o enquadramento sindical do trabalhador decorre do enquadramento de seu empregador, consoante disposto na Lei nº 5.889/73. Dessa forma, se na empresa predomina o desempenho da atividade rural, tal fato implicará o reconhecimento da condição de rurícola aos respectivos empregados, mesmo que estes não exerçam atividades tipicamente rurais, como pode ocorrer no caso das agroindústrias. As peculiaridades dessa espécie de enquadramento serão analisadas a seguir. IV. ENQUADRAMENTO SINDICAL RURAL – ANÁLISE CONTEXTUAL NA AGROINDÚSTRIA – PRESCRIÇÃO A Constituição Federal consagrou os princípios da liberdade e da autonomia sindicais na organização das entidades representativas, nos termos de seu artigo 8º, I, impondo, no entanto, as restrições relativas à unicidade sindical, à sindicalização por categoria e à base territorial mínima de município. Caberá ao Ministério do Trabalho e Emprego proceder ao registro sindical, em atenção ao princípio da unicidade. Nesse sentido, a Súmula nº 677 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “Súmula 677. Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade.” Nesse contexto, o enquadramento sindical rural também é tutelado com base em critérios que atentam contra o ideal de liberdade sindical plena prenunciada na Convenção nº 87 da OIT. De fato, o aspecto legal objetivo considerado para fins de enquadramento sindical, urbano ou rural, no direito trabalhista brasileiro consiste na atividade preponderante do empregador, exceto no caso de integrante de categoria diferenciada, nos termos dos artigos 511 e 581, §§ 1º e 2º da CLT. Com efeito, a Lei nº 5.889, de 08 de junho de 1973, que estatui normas regu- 116 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho ladoras do trabalho rural, estabelece, em seus artigos 2º e 3º, os conceitos de empregado e empregador rurais, nos seguintes termos: “Art. 2º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário. Art. 3º - Considera-se empregador, rural, para os efeitos desta Lei, a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agro-econômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados. § 1º Inclui-se na atividade econômica, referida no "caput" deste artigo, a exploração industrial em estabelecimento agrário não compreendido na Consolidação das Leis do Trabalho. § 2º Sempre que uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de emprego.” corresponde à pessoa física ou jurídica que, em prédio rústico, explore atividade agroeconômica, o que inclui a exploração industrial em estabelecimento agrário. Os dispositivos acima transcritos permitem concluir que o enquadramento sindical do trabalhador rural opera-se em função da atividade agroeconômica desempenhada pelo empregador, e não pela natureza do serviço prestado. De tal sorte, a título de exemplo, os trabalhadores que se ativam para empregador rural, como tratoristas, pintores, carpinteiros, motoristas, auxiliares de escritório, técnicos de laboratório, soldadores, operadores de caldeira, entre outras atividades, em âmbito de propriedade rural ou prédio rústico, serão considerados rurícolas, em razão da atividade preponderante da empresa. Como visto, nos termos da Lei nº 5.889/73, também pode ser considerado empregador rural aquele que promove a exploração industrial em estabelecimento agrário, nos termos de seu artigo 3º, § 1º. Discute-se, todavia, a questão do enquadramento sindical no âmbito das agroindústrias, onde há tanto atividades rurais quanto industriais envolvidas. A controvérsia advém do disposto no Decreto nº 73.626/1974, regulamentador da Lei nº 5.889/73, o qual, em seu artigo 2º, §§ 3º a 5º, preconiza: Assim, considera-se empregado rural a pessoa física que, em prédio rústico, mediante dependência e a percepção de salário, preste serviço a empregador rural. Empregador rural, por sua vez, 117 “Art. 2º Considera-se empregador rural, para os efeitos deste Regulamento, a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que explore atividade agro-econômica, em caráter permanente ou Guilherme Augusto Caputo Bastos temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados.(...) § 3º Inclui-se na atividade econômica referida no caput, deste artigo, a exploração industrial em estabelecimento agrário. § 4º Consideram-se como exploração industrial em estabelecimento agrário, para os fins do parágrafo anterior, as atividades que compreendem o primeiro tratamento dos produtos agrários in natura sem transformá-los em sua natureza, tais como: I - o beneficiamento, a primeira modificação e o preparo dos produtos agropecuários e hortigranjeiros e das matérias-primas de origem animal ou vegetal para posterior venda ou industrialização; II - o aproveitamento dos subprodutos oriundos das operações de preparo e modificação dos produtos in natura, referidas no item anterior. § 5º Para os fins previstos no § 3º não será considerada indústria rural aquela que, operando a primeira transformação do produto agrário, altere a sua natureza, retirando-lhe a condição de matéria -prima.” Tal como ocorre nas usinas de canade-açúcar, nas indústrias rurais a atividade econômica é mista, uma vez exercida em âmbitos distintos, que se materializam em atos propriamente agrícolas, que envolvem o plantio e a colheita, e em atos industriais, nos quais se verifica a primeira transformação do produto agrário, que altera a sua natureza, retirando-lhe a condição de matéria prima, conforme disposto no § 5º do artigo 2º, supratranscrito. Atualmente, o Tribunal Superior do Trabalho posiciona-se no sentido de que o empregado de uma agroindústria, a exemplo do que ocorre nas usinas de cana-de-açúcar enquadra-se, em regra, como trabalhador rural, em face da atividade econômica preponderante do empregador agroindustrial. É o que se extrai da Orientação Jurisprudencial nº 419 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, do Tribunal Superior do Trabalho, transcrita a seguir: “ENQUADRAMENTO. EMPREGADO QUE EXERCE ATIVIDADE EM EMPRESA AGROINDUSTRIAL. DEFINIÇÃO PELA ATIVIDADE PREPONDERANTE DA EMPRESA. (DEJT divulgado em 28 e 29.06.2012 e 02.07.2012) Considera-se rurícola empregado que, a despeito da atividade exercida, presta serviços a empregador agroindustrial (art. 3º, § 1º, da Lei nº 5.889, de 08.06.1973), visto que, neste caso, é a atividade preponderante da empresa que determina o enquadramento.” Na mesma linha, em que se considera para a definição do enquadramento sindical rural a atividade essencial da empresa, as Orientações Jurisprudenciais nos 38 e 315 da SBDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho, in verbis: 118 “38. EMPREGADO QUE EXERCE ATIVIDADE RURAL. EMPRESA DE II Seminário Internacional de Direito do Trabalho REFLORESTAMENTO. PRESCRIÇÃO PRÓPRIA DO RURÍCOLA. (LEI Nº 5.889, DE 08.06.1973, ART. 10, E DECRETO Nº 73.626, DE 12.02.19/74, ART. 2º, § 4º) (inserido dispositivo) - DEJT divulgado em 16, 17 e 18.11.2010 O empregado que trabalha em empresa de reflorestamento, cuja atividade está diretamente ligada ao manuseio da terra e de matéria-prima, é rurícola e não industriário, nos termos do Decreto n.º 73.626, de 12.02.1974, art. 2º, § 4º, pouco importando que o fruto de seu trabalho seja destinado à indústria. Assim, aplica-se a prescrição própria dos rurícolas aos direitos desses empregados.” “315. MOTORISTA. EMPRESA. ATIVIDADE PREDOMINANTEMENTE RURAL. ENQUADRAMENTO COMO TRABALHADOR RURAL (DJ 11.08.2003) para trabalhadores urbanos e rurais era distinto. Ou seja, os acórdãos paradigmas que levaram à edição do mencionado verbete tinham como objeto principal a definição do prazo prescricional que deveria ser aplicado aos empregados exercentes das funções de motoristas em empresas rurais, assim, a retroação dos cinco anos à ação ajuizada dentre os dois anos da rescisão contratual ou a ausência de termo a quo. Isso porque, somente após a promulgação da Emenda Constitucional nº 28/2000, a prescrição aplicável para trabalhadores urbanos e rurais passou a ser tratada de maneira igualitária, em face da alteração do artigo 7º da Constituição Federal, nos seguintes termos: “Art 1º. O inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;" É considerado trabalhador rural o motorista que trabalha no âmbito de empresa cuja atividade é preponderantemente rural, considerando que, de modo geral, não enfrenta o trânsito das estradas e cidades.” Interessante ressaltar que o entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 315, editada no ano de 2003, adveio de reiterados julgados que equiparavam os motoristas de empresas, cuja atividade é preponderantemente rural, aos trabalhadores rurais para fins de prescrição, uma vez que, até o ano de 2000 (quando foi promulgada a Emenda Constitucional nº 28), o prazo prescricional aplicado Convém salientar que a origem da Orientação Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1 pautou-se no julgamento de ações propostas antes de maio de 2000, quando ainda vigente o artigo 233 da Constituição Federal de 1988, o qual desafiava o embate no que tange à aplicação da prescrição, sendo, posteriormente, revogado pela Emenda Constitucional nº 28/2000. 119 Guilherme Augusto Caputo Bastos Dessa forma, a análise do contexto jurisprudencial, diante do qual se firmaram as determinações da orientação em foco, permite concluir que o objetivo pacificador revelava-se através da consolidação do entendimento no sentido de que os efeitos prescricionais aplicados aos motoristas que laboravam em empresas rurais seriam similares aos dos trabalhadores rurais propriamente ditos, estabelecendo-se, assim, a distinção quanto ao prazo a ser observado para os casos que envolviam trabalhadores urbanos. Vale citar alguns dos precedentes que ensejaram o surgimento do referido verbete jurisprudencial: “MOTORISTA. EMPRESA RURAL. ENQUADRAMENTO COMO RURÍCOLA. PRESCRIÇÃO. É considerado rurícola o motorista que trabalha no âmbito de empresa cuja atividade é preponderantemente rural, considerando que, de modo geral, presta seus serviços no campo, não enfrentando o trânsito das estradas. Consequentemente, a prescrição aplicável é a do art. 7º, inciso XXIV, alínea "b", da Constituição da República. Recurso de Embargos não conhecido.” (RR 520086-29.1998.5.17.5555 Data de Julgamento: 01/04/2002, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DJ 19/04/2002); “EMPRESA DE REFLORESTAMENTO. MOTORISTA. PRESCRIÇÃO PRÓPRIA DO RURÍCOLA. Este Tribunal tem entendido, no julga- 120 mento de dissídios coletivos, que os motoristas de atividade rural não são considerados categoria diferenciada porque não trabalham, de um modo geral, nas estradas, enfrentando o trânsito, mas trabalham no âmbito da própria empresa, o que é plenamente possível num país onde as propriedades rurais são muito grandes, não lhes sendo aplicáveis as normas próprias dos motoristas. Embargos não conhecidos.” (E-RR - 583301-96.1999.5.15.5555 Data de Julgamento: 08/10/2001, Relator Ministro: Rider de Brito, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DJ 26/10/2001); “MOTORISTA. EMPRESA RURAL. ENQUADRAMENTO. PRESCRIÇÃO. 1. O enquadramento do empregado como trabalhador rural ou urbano faz-se pelo princípio da atividade preponderante da empresa a quem este presta serviços. 2. Assim sendo, na hipótese ora em exame, por ser o Reclamante motorista de empresa rural, a ele são aplicáveis as regras previstas para os trabalhadores rurais, pouco importando o fato de pertencer a categoria profissional diferenciada. 3. Revista parcialmente conhecida, mas desprovida.” (E-RR - 582999-67.1999.5.15.5555 Data de Julgamento: 24/05/2000, Relator Ministro: Francisco Fausto, 3ª Turma, Data de Publicação: DJ 16/06/2000). II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Ocorre que, a despeito da temática abordada em seus precedentes, a redação da orientação jurisprudencial em foco adentrou à esfera do enquadramento sindical, embora este não tenha sido, especificamente, o objeto da discussão. Com efeito, a inserção do termo “enquadramento” à redação da Orientação Jurisprudencial nº 315 gerou dúvidas quanto à sua interpretação, no que diz respeito à correta representação sindical dos trabalhadores do ramo dos transportes rodoviários que se ativam no âmbito de empresas rurais. O que acontece, na prática, é que o posicionamento consolidado no Tribunal Superior do Trabalho induz à modificação do enquadramento sindical dessa classe de motoristas, que deixam de integrar categoria diferenciada, tornando-se, pois, efetivos rurícolas. Em consequência, a representação sindical passa a ocorrer por meio de organizações sindicais rurais que não guardam qualquer identidade com a categoria, comprometendo, assim, a efetividade das negociações coletivas e a conquista dos direitos e despertando a necessidade de reflexão e possível revisão quanto ao teor do mencionado verbete. Em que pesem tais considerações, o disposto na Orientação Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1 ainda prevalece nos julgamentos do Tribunal Superior do Trabalho, consoante se verifica a seguir: “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ENQUADRAMENTO SINDICAL. HORAS IN 121 ITINERE. HORAS EXTRAS - TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. Recurso de revista que não merece admissibilidade em face da aplicação das Súmulas nos 126 e 333 e da Orientação Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1 desta Corte, bem como porque não ficou configurada a alegada ofensa aos artigos 8º, inciso II, da Constituição Federal, 511, §§ 1º, 2º e 3º, e 570 da CLT e 3º, § 1º, da Lei nº 5.889/73, pelo que, não infirmados os fundamentos do despacho denegatório do recurso de revista, mantémse a decisão agravada por seus próprios fundamentos. (...)” (AIRR - 1192-56.2013.5.15.0070, Data de Julgamento: 04/02/2015, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/02/2015); “RECURSO DE REVISTA. ENQUADRAMENTO COMO TRABALHADOR RURAL. PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. I - Nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1 do TST -é considerado trabalhador rural o motorista que trabalha no âmbito de empresa cuja atividade é preponderantemente rural, considerando que, de modo geral, não enfrenta o trânsito das estradas e cidades.- II - Tratandose de pretensões de trabalhador rural que reclama direitos relativos a contrato de trabalho que se encontrava em curso à época da promulgação da Emenda Constitucional nº 28, de 26/05/2000, com o ajuizamento da demanda den- Guilherme Augusto Caputo Bastos tro do prazo de 5 anos a contar da promulgação da Emenda Constitucional nº 28, não há prescrição total ou parcial a ser declarada (Orientação Jurisprudencial nº 417 da SBDI-1 do TST). III - Recurso de revista conhecido e provido. (...)” (RR - 18000-51.2002.5.15.0029, Data de Julgamento: 18/12/2013, Relator Ministro: Fernando Eizo Ono, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/01/2014); “AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. ENQUADRAMENTO SINDICAL. TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. A análise das alegações recursais encontra óbice na Súmula nº 126 do TST, visto que o Tribunal Regional, com base no exame da prova dos autos, entendeu que a atividade da empresa era preponderantemente rural (Orientação Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1 desta Corte), razão pela qual enquadrou o reclamante como empregado rural; e que as convenções coletivas condicionavam a validade dos horários estabelecidos para os turnos ininterruptos de revezamento a prévio comunicado ao sindicato profissional para que, através de assembleia geral, os trabalhadores interessados deliberassem a respeito, o que não foi efetivado. Agravo a que se nega provimento.” (Ag-AIRR - 170-93.2010.5.06.0271 Data de Julgamento: 14/11/2012, Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, 7ª 122 Turma, Data de Publicação: DEJT 19/11/2012); “ENQUADRAMENTO COMO RURÍCOLA. MOTORISTA. Decisão recorrida em sintonia com o entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 315 da SBDI-1 desta Corte. Recurso de revista não conhecido. (...)” (RR 43700-96.2004.5.15.0081 Data de Julgamento: 17/08/2011, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/08/2011.); “ENQUADRAMENTO DAS ATIVIDADES EXERCIDAS PELO EMPREGADO DE USINA DE AÇÚCAR. CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO URBANO OU RURAL. PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. EXTINÇÃO DO CONTRATO ANTERIORMENTE À PUBLICAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 28/2000. 1. Sendo agroindustrial a atividade econômica desenvolvida pela empregadora, patente o enquadramento do obreiro como empregado rurícola. Aplicação da Orientação Jurisprudencial n.º 315 da SBDI-I do Tribunal Superior do Trabalho. 2. Extinto o contrato de emprego em data anterior à entrada em vigor da Emenda Constitucional n.º 28/2000, o prazo prescricional incidente na espécie é aquele previsto na Lei n.º 5.889/1973, vigente à época da extinção do pacto laboral. 3. Recurso de revista de que não se conhece. (...)” (RR 148600-27.1998.5.15.0054 Data de Julgamento: 13/04/2011, Relator II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/04/2011). Posteriormente, com o advento da Orientação Jurisprudencial nº 419, o enquadramento sindical rural dos trabalhadores que se ativam perante uma empresa predominantemente rural formalizouse ainda mais, porquanto, a partir de então, até mesmo aqueles que laboram no setor agroindustrial passaram a ser considerados rurícolas. Para tanto, pouco importa a atividade exercida, sendo a representação sindical determinada pela função essencial exercida na empresa. Assim como no caso da Orientação Jurisprudencial nº 315, as decisões paradigmas que culminaram na implementação da Orientação Jurisprudencial nº 419 também tinham como objeto principal a questão atinente à prescrição diferenciada, que beneficiava os trabalhadores rurais antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 28/2000. A questão do enquadramento foi analisada apenas para possibilitar a apreciação da arguida prejudicial de mérito. Eis alguns dos precedentes que levaram à origem do verbete jurisprudencial em foco: “ENQUADRAMENTO. TRABALHADOR RURAL. CRITÉRIO PARA DEFINIÇÃO. USINA DE CANA-DE -ACÚCAR. PRESCRIÇÃO. Para o enquadramento do empregado como trabalhador urbano ou rural é irrelevante a análise das peculiaridades da atividade por ele exercida, devendo-se observar a atividade preponderante do em- 123 pregador. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá provimento.” (E-ED-RR - 6360016.2002.5.15.0120 Data de Julgamento: 02/02/2012, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 24/02/2012); “(...) PRESCRIÇÃO. EMPREGADO DE USINA DE AÇÚCAR. VIGILANTE. ENQUADRAMENTO. Entende este Relator que, de acordo com a Lei 5.889/73, na hipótese de indústria açucareira, haveria transformação da matéria prima, o que implica dizer que não existiria atividade agroeconômica, com base no Decreto 73.626/74 que a regulamenta. No entanto, esta Subseção, no julgamento do processo 97000-84.2003.5.15.0120, na sessão de 6/10/2011, entendeu, por expressiva e persuasiva maioria, que o fator determinante para qualificar o empregado como urbano ou rural é a atividade econômica exercida pelo empregador de forma preponderante e que, no caso da usina de açúcar, prevaleceria a atividade agroeconômica. No citado precedente, a Turma havia desconsiderado o critério baseado no Decreto 73.626/74, adotado pelo TRT, para decidir, pela vez primeira naquele processo, que o destilador de usina açucareira, por sê-lo, era rurícola. Causa finita. Assim e ressalvado entendimento pessoal, conclui-se que o autor é empregado rural, devendo Guilherme Augusto Caputo Bastos ser mantida a prescrição prevista, à época, no art. 7º, inciso XXIX, alínea -b-, da Constituição Federal. Recurso de embargos conhecido e não provido.” (E-AIRR e RR - 17800-33.2000.5.15.0120 Data de Julgamento: 01/12/2011, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT16/12/2011) “(...)ENQUADRAMENTO DO RECLAMANTE COMO RURÍCOLA E PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. Consoante o entendimento pacificado na iterativa jurisprudência desta C. Corte, em que pese ser o empregado de categoria diferenciada de usina de açúcar, enquadra-se como trabalhador rural em decorrência de sua atividade. De conseguinte, aplica-se a prescrição própria do rurícola. Recurso de embargos conhecido e desprovido. (...)” (E-ED-RR 84600-67.2005.5.15.0120 Data de Julgamento: 28/06/2011, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 01/07/2011); “PRESCRIÇÃO. RURÍCOLA. 1. Reputa-se urbano ou rurícola o empregado pelo critério da atividade econômica preponderante do empregador, salvo categoria diferenciada. 2. Ante os termos dos artigos 2º e 3º da Lei nº 5.889/73, considera-se empregado rural toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário. Por sua vez, tem-se como empregadora rural a pessoa física ou jurídica que explore atividade agroeconômica, inexistindo exigência legal de desempenho pelo obreiro de típica atividade rural ou em prédio rústico. 3. É rurícola o empregado que desenvolve a função de "motorista" em prol de empresa que se dedica à silvicultura e à agropecuária. Não se lhe aplica, assim, a prescrição de que cuida o artigo 7º, inciso XXIX, "a", da Constituição Federal, em sua antiga redação. 4. Embargos conhecidos e não providos, no particular.” (RR - 744521-35.2001.5.15.5555 Data de Julgamento: 09/12/2003, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DJ 06/02/2004). Cumpre salientar, a propósito, que entre os anos de 1974 e 1993, o enquadramento sindical dos trabalhadores agroindustriais seguia as determinações contidas na cancelada Súmula nº 57, que, então, preconizava: 124 “Súmula nº 57 - TRABALHADOR RURAL (cancelamento mantido) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 Os trabalhadores agrícolas das usinas de açúcar integram categoria profissional de industriários, beneficiando-se dos aumentos normativos obtidos pela referida categoria.” II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Com o cancelamento do referido verbete sumular, no ano de 1993, a jurisprudência trabalhista rendeu-se a transformações que, posteriormente, materializaram-se a partir da edição da criticada Orientação Jurisprudencial nº 419. Com efeito, diversas entidades representativas pleiteiam junto ao Tribunal Superior do Trabalho o cancelamento e/ou revisão das Orientações Jurisprudenciais nos 315 e 419 da SBDI-1. No que tange à primeira, sustentam que o ramo do agronegócio é caracterizado pela ampla mecanização e que a análise histórica indica que os respectivos trabalhadores sempre foram representados por entes sindicais específicos dos rodoviários. Ressaltam, ainda, que os sindicatos rurícolas não detém a força necessária para a negociação coletiva da categoria diferenciada. Com relação à segunda, tomam por base o argumento de violação da Lei nº 5.589/73, ante o fato de a agroindústria promover a transformação da matéria-prima, o que caracterizaria, pois, o exercício de atividade industrial, que se traduz em necessidade de representação própria. Os termos constantes na Orientação Jurisprudencial nº 419, não obstante a evidente necessidade de revisão, ainda prevalecem no âmbito da Tribunal Superior do Trabalho, consoante se observa nos julgados transcritos a seguir: “(...) ENQUADRAMENTO. RURAL. EMPREGADOR AGROINDUSTRIAL. Este Tribunal consolidou o entendimento de que deve ser 125 enquadrado como trabalhador rural aquele que presta serviço a empregador agroindustrial, nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 419 da SBDI-1 do TST. Assim, merece reforma o acórdão recorrido que enquadrou o autor, mecânico de máquinas agrícolas, como trabalhador urbano, a despeito de laborar em empresa agroindustrial. Recurso de revista conhecido por violação do artigo 3º da Lei nº 5.889/73 e provido. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido.” (RR - 5790083.2007.5.15.0120 Data de Julgamento: 27/05/2015, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/05/2015); “RECURSO DE EMBARGOS. AUXILIAR DE FARMÁCIA. EMPREGADO DE AGROINDUSTRIA. CONTRARIEDADE À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 419 DA C. SDI. PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. Sendo o empregado prestador de serviços para empresa agroindustrial, independentemente da atividade exercida, será enquadrado como rurícola, incidindo a prescrição própria, nos termos da Orientação Jurisprudencial 419 da c. SDI. Embargos conhecidos e providos.” (E-ED-ED-RR 31100-90.2004.5.09.0669 Data de Julgamento: 09/04/2015, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 17/04/2015); Guilherme Augusto Caputo Bastos “EMPREGADO RURAL. ENQUADRAMENTO SINDICAL. INAPLICABILIDADE DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA DOS INDUSTRIÁRIOS QUE SUPRIME O DIREITO ÀS HORAS IN ITINERE. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 419 DA SDI-1. O eg. TRT limitou-se a retratar tese no sentido de que as negociações dos industriários, juntadas pela reclamada, não se aplicam ao autor, empregado rural, nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 419 da SDI-1, sem adentrar na análise das normas coletivas dos industriários que suprimiram o direito às horas in itinere. Não se verifica, esse contexto, ofensa ao art. 7º, XXVI, da CF. Recurso de revista não conhecido.” (RR - 74949.2013.5.18.0191, Data de Julgamento: 13/05/2015, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/05/2015) “(...) ENQUADRAMENTO SINDICAL. TRABALHADOR RURAL. USINA DE CANA-DE-ACÚCAR. ATIVIDADE PREPONDERANTE DO EMPREGADOR. HORAS IN ITINERE. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o empregado de usina de cana-de-açúcar enquadra-se, via de regra, como trabalhador rural, em face da atividade econômica preponderante do empregador (agroindustrial). No caso em análise, conquanto a egrégia Corte Regional tenha se respaldado na natureza da atividade desenvolvi- da pelo empregado para enquadrá -lo como rurícola (motorista, cujas funções estão ligadas diretamente com a produção agrícola), depreende-se dos demais elementos consignados no v. acórdão regional que a reclamada é uma usina de cana de açúcar, que tem por atividade preponderante a agroindustrial. Desse modo, ainda que por fundamento diverso, deve ser mantido o enquadramento do reclamante como trabalhador rural, de modo que não se lhe aplicam as normas coletivas invocadas pela reclamada, aplicáveis aos industriários. Aplicação da Orientação Jurisprudencial nº 419 da SBDI-1. Precedentes da SBDI-1 e de Turmas, inclusive envolvendo a mesma reclamada. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (...)” (AIRR - 4777-91.2011.5.18.0171 , Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 21/05/2014, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/05/2014). No que tange ao enquadramento sindical próprio da agroindústria e, especificamente, na órbita da indústria sucroalcooleira, o aperfeiçoamento jurisprudencial, ainda que no intuito de assegurar os direitos dos trabalhadores, vem ocasionando diversos transtornos à respectiva coletividade. Ademais, embora se firmando sobre a premissa que vincula o enquadramento à atividade principal da empresa, o posicionamento hoje aplicado opõese à construção doutrinária, jurispru- 126 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho dencial e legislativa alcançada historicamente. Com efeito, a Súmula nº 196 do Supremo Tribunal Federal, desde 1963, dispõe sobre a questão de forma diametralmente oposta aos termos constantes da Orientação Jurisprudencial nº 419, senão vejamos: “Súmula 196 - Ainda que exerça atividade rural, o empregado de empresa industrial ou comercial é classificado de acordo com a categoria do empregador.” Referido posicionamento, inclusive, se coaduna com as determinações contidas na antiga e cancelada Súmula nº 57 do Tribunal Superior do Trabalho, já transcrita. Conforme já abordado, o § 5º do artigo 2º do Decreto nº 73.626/74 prevê que: “Para os fins previstos no § 3º, não será considerada indústria rural aquela que, operando a primeira transformação da matéria-prima, altere a sua natureza, retirando-lhe a condição de matéria-prima.” Vale esclarecer que, consoante os ensinamentos de Orlando Gomes e Elson Gottschalk, “a indústria rural típica é a da primeira transformação da matéria -prima, que não lhe acrescente uma utilidade capaz de atender ao amplo e habitual consumo. Nesses termos, entende-se que a indústria rural típica é aquela que desenvolve atividades que abrangem o primeiro tratamento dos produtos agrários in natura, sem que, para tanto, haja transformação em sua natu- reza. Apenas nesse contexto tem-se uma agroindústria passível de ser gerida por um típico empregador rural, por se equiparar a atividade agroeconômica. De modo contrário, considera-se industrial, passível de caracterizar o empregador como urbano, a atividade econômica que requer o processo de transformação e de alteração da natureza da matéria-prima. Vale ressaltar, ainda, que, nos termos da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.071, de 15 de setembro de 2010, “Agroindústria é a pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros”. O conceito é imprescindível para fins de arrecadação das contribuições sociais do setor. Nessa seara, a indústria sucroalcooleira, enquanto espécie do gênero agroindústria, é, essencialmente, industrial e não rural, ante o fato de suas atividades serem desenvolvidas a partir da transformação da matéria-prima em outros produtos. A tipicidade industrial é inequívoca, tendo em vista a alteração da matéria-prima, que lhe retira a natureza. No caso específico em foco, isso se materializa pelo processo de transformação da cana-de-açúcar que visa à produção final de álcool e açúcar. De fato, a usina de açúcar exerce o plantio e a colheita da cana, não para destiná-la à venda in natura, pertinente à atuação do fornecedor, de modo que, 127 Guilherme Augusto Caputo Bastos a este sim, deverá ser atribuído o caráter rural. Diante disso, tem-se que a Orientação Jurisprudencial nº 419, em verdade, não encontra respaldo nas determinações contidas na Lei nº 5.889/73 e no Decreto nº 73.626/74, que consideram rurais os trabalhadores que laboram em atividade agroindustrial. Referida classificação deve ser limitada à hipótese em que o empregador desenvolva, tão somente, a primeira transformação da matéria-prima, que não altera a sua natureza, conservandolhe a condição primária in natura animal ou vegetal. Ademais, observa-se que, a partir do momento em que se tornaram igualitários os efeitos prescricionais que atingem os trabalhadores urbanos e rurais, os reais fundamentos que embasaram a Orientação Jurisprudencial nº 419 deixaram de existir. Dessa forma, o aludido verbete deixou de ser necessário no cenário jurídico trabalhista. Aliás, a sobrevida de tal entendimento irá agravar a situação de conflito representativo, diante do qual os sindicatos rurais se consideram aptos para a defesa dos interesses dos empregados de todo o setor agroindustrial, enquanto os sindicatos dos industriários e motoristas pugnam pela representatividade das respectivas categorias. Mesmo que se reconheça que a atividade de uma agroindústria nem sempre seja puramente industrial, vislumbra-se como solução mais apropriada, ainda em atenção ao critério que vincula o enquadramento sindical à ati- vidade preponderante da empresa, considerar como industriários os trabalhadores que, independentemente da atividade desenvolvida, se ativam em agroindústria que tenha como foco a transformação de matéria-prima, que resulta em alteração de sua natureza. Modificar-se-ia, assim, o teor do disposto na Orientação Jurisprudencial nº 419. Por coerência, o destino da Orientação Jurisprudencial nº 315 seria o cancelamento, levando-se em consideração o fato de que esta também decorreu de precedentes nos quais se discutia, fundamentalmente, a prescrição aplicável e não o devido enquadramento sindical. Outrossim, cumpre salientar que o citado verbete confronta com o disposto na Súmula nº 117 do Tribunal Superior do Trabalho, nos termos da qual: “Súmula nº 117 - BANCÁRIO. CATEGORIA DIFERENCIADA (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 Não se beneficiam do regime legal relativo aos bancários os empregados de estabelecimento de crédito pertencentes a categorias profissionais diferenciadas. O disposto na súmula supratranscrita autoriza que motoristas do banco não sejam considerados bancários, ante a premissa de integrarem categoria profissional diferenciada, de modo a não seguirem o enquadramento pela regra da atividade preponderante. É o que se verifica no aresto transcrito a seguir: 128 “RECURSO DE REVISTA. ENQUA- II Seminário Internacional de Direito do Trabalho denação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas. (...) § 3º Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares.” DRAMENTO COMO BANCÁRIO MOTORISTA. A decisão recorrida encontra-se em sintonia com a jurisprudência consubstanciada na Súmula nº 117 do TST. Recurso de revista de que não se conhece. (...).” (RR – 14520-21.2004.5.02.0044, Data de Julgamento: 16/06/2010, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/06/2010). A fundamentação do acórdão relativo à ementa acima é ainda mais clara ao integrar o motorista à categoria profissional diferenciada, em atenção ao disposto no artigo 511, § 3º, da CLT. Eis a transcrição de um pequeno trecho correspondente: “(...) O empregado que exerce a função de motorista integra categoria profissional diferenciada e faz jus aos direitos previstos no instrumento normativo atinente a essa categoria, independentemente da atividade econômica preponderante da empresa, segundo os termos do § 3º do art. 511 da CLT. Estabelecida a premissa fática pelo Tribunal Regional, de que o reclamante era motorista, categoria diferenciada, constata-se que a decisão recorrida encontra-se em sintonia com a jurisprudência consubstanciada na Súmula nº 117 do TST (...).” (sem grifos no original). O mencionado artigo 511, § 3º, da CLT, por sua vez, preconiza: “Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coor- De fato, em virtude das condições de vida singular, os motoristas sempre foram caracterizados como integrantes de categoria específica, o que se consolidou com o advento das Leis nos 12.619/2012 e 13.103/2015 e a criação de um estatuto profissional especial. Impende salientar que o artigo 4º do Decreto nº 73.626/74 autoriza a aplicação do artigo 511 da CLT nas relações de trabalho rural. Dessa forma, não há impedimento para o reconhecimento de categoria diferenciada em tal meio, sendo plenamente possível que os motoristas de empresas rurais, ainda que pouco sujeitos ao trânsito de rodovias, sejam enquadrados em categoria própria. Com efeito, tem-se que a premissa atinente à atividade preponderante prevista nos artigos 577 e 579 da CLT é perfeitamente compatível ao que se xzz, respectivamente, desde que também aplicada a exceção à regra, no que tan- 129 Guilherme Augusto Caputo Bastos ge ao enquadramento destinado à categoria diferenciada. V. CONCLUSÃO Diante das considerações expostas, é possível concluir que as contradições constitucionais que levaram à restrição do exercício da liberdade sindical no Brasil, em dissonância ao que reza a Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho, culminaram no cenário atual, em que se revela compulsória a representação de um trabalhador ou empregador por um único e determinado sindicato, em face do princípio da unicidade então prevalecente. Em prosseguimento, constatou-se que, como regra, o enquadramento sindical é inerente à atividade preponderante da empresa, à exceção da hipótese de categoria diferenciada. A evolução jurisprudencial sobre o enquadramento sindical rural perpassa pelos entendimentos consubstanciados na Súmula nº 57, atualmente cancelada e nas Orientações Jurisprudenciais nos 38, 315 e 419 da SBDI-1. As duas últimas tiveram como paradigmas reiterados julgados em que se discutiam os aspectos prescricionais diferenciados aplicados aos trabalhadores urbanos e rurais em momento anterior à promulgação da Ementa Constitucional nº 28/2000. Nos referidos precedentes, contudo, não houve discussão sobre o correto enquadramento sindical, embora o texto de ambos os verbetes jurisprudenciais tenha acarretado a interpretação, até então prevalecente no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de que são considerados rurícolas os empregados, inclusive motoristas, que prestam serviços para as empresas rurais, ainda que estas se tratem de agroindústrias. Com a insurgência de diversas entidades sindicais que reivindicam a revisão ou cancelamento das Orientações Jurisprudenciais nos 315 e 419, em busca do adequado enquadramento sindical dos motoristas de empresas rurais e dos empregados que prestam serviços a agroindústrias, torna-se evidente a necessidade do debate que culmine em aperfeiçoamento jurisprudencial. Apesar da intenção de se viabilizar a segurança jurídica das relações e assegurar os direitos dos trabalhadores, nota-se que a jurisprudência incita situação inversa. De tal sorte, revela-se flagrante a necessidade de se solucionar a controvérsia alusiva ao conflito sindicais decorrentes da interpretação literal dos mencionados verbetes. Resta, assim, aguardar a decisão do Tribunal Pleno da Corte Superior trabalhista, após possível apresentação de propostas de revisão e/ou cancelamento das Orientações Jurisprudenciais nos 315 e 419, as quais, nos moldes atuais, destoam da finalidade maior do ordenamento jurídico trabalhista, atrelada ao princípio da proteção e ao da segurança jurídica. 130 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho VI. BIBLIOGRAFIA GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2007. NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 4 ed. São Paulo: LTr, 2005. MORALES, Cláudio Rodrigues. Enquadramento sindical após a Constituição Federal de 1988. São Paulo: LTr, 2003. TRINDADE. Édson Silva. Liberdade de associação sindical no direito brasileiro. Disponível em: http://portal.trt15.jus.br/ documents/124965/125408/Rev17Art04. pdf/c73fdcea-fda4-48e2-8073-827b29db7bfc. Acesso em: 10/09/2015. VIEIRA, Luiz Carlos. 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São Paulo. 1999. 131 Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga Enquadramento Sindical: Unicidade, Pluralidade na Agroindústria Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga* *Procurador Geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva; Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF; Avogado, formado pela Universidade Católica de Petrópolis; Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo, do IBDD e da Escola Superior da Advocacia da AATDF. 132 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Cumprimento o Ministro Roger Stiefelmann, presidente da mesa, ao excelentíssimo Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, em nome de quem se estende o cumprimento a todas as autoridades presentes. Agradeço ao Ministro Ives Gandra Martins Filho pelo convite para participar deste II Seminário Internacional de Direito do Trabalho, evento cuja temática polêmica e atual envolve a justiça brasileira do trabalho e foi debatida com entusiasmo pelos ilustres ministros do Tribunal Superior do Trabalho com participação de conferencistas de Portugal e Espanha. Os temas debatidos como o dano moral, critérios de sua fixação, a terceirização, a questão das novas relações de trabalho e a pejotização são aqueles pertencentes à justiça do trabalho e, principalmente, ao TST - que tem a função constitucional de uniformizar a jurisprudência trabalhista nacional. Outro ponto de debate são os limites da autonomia negocial coletiva - jurisprudência do TST e do STF, que é uma análise comparativa entre as cortes superiores. Reitero a satisfação pelo convite e pela honra da presença e por trazer uma mensagem acerca de um tema tão interessante e polêmico como é o enquadramento sindical na agroindústria; e a alegria de dividir a mesa com o Ministro Guilherme Caputo Bastos, presidente da academia nacional de direito esportivo, parceiro de diversas mesas em congressos para tratar de temas li- gados ao direito trabalhista desportivo. É muito oportuno que nesta ocasião o assunto seja o direito do trabalho, para evitar qualquer tipo de mal-entendido, pois não seria prudente nenhuma colocação acerca de direito desportivo após a vitória do Vasco no final de semana. Priorizando o tema proposto, o enquadramento sindical, colocado com bastante propriedade pelo Ministro Guilherme Caputo, trouxe todo esse arcabouço histórico dos princípios constitucionais que dão origem a esse regramento da questão sindical envolvendo o direito brasileiro. No agronegócio, há uma questão sui generis, já mencionada, OJ 315, que diz respeito ao enquadramento de motorista; OJ 419, que fala do enquadramento sindical como rurícola daquele que trabalha no campo, e essa orientação jurisprudencial que teria como finalidade precípua a uniformização da jurisprudência e a pacificação das relações de trabalho. Ela tem um conteúdo paradoxal: representa um verdadeiro retrocesso, é uma fonte de litigiosidade porque, ao invés de promover essa uniformização, incentiva e promove o litígio, tanto aqueles de ações individuais, quanto aqueles em questões de disputas sindicais. Quanto a esta questão, a OJ 419 prevê o enquadramento do empregado que exerce atividade em empresa agroindustrial, definição pela atividade preponderante na empresa. Considera-se rurícola o empregado que, a despeito da atividade exercida, presta servi- 133 Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga ços a empregador agroindustrial, Artigo 3º, parágrafo primeiro da lei 5.889, de 08 de junho de 1973; visto que neste caso é atividade preponderante da empresa que determina o enquadramento. Ontem, em sua palestra, o Ministro Claudio Brandão falou sobre as questões da evolução nas relações de trabalho no mundo do trabalho tendo em vista as inovações tecnológicas, os meios telemáticos que fazem com que a jurisprudência tenha que, necessariamente, estar em constante evolução e aprimoramento para poder se adequar à realidade. Quando o assunto diz respeito ao enquadramento sindical, vive-se um retrocesso, porque na orientação jurisprudencial 419 é revelado um entendimento totalmente diverso daquele que até então era adotado pelo próprio TST no que se refere ao enquadramento dos trabalhadores das empresas agroindustriais, antes consolidado na súmula 57, já abordada pelo Ministro Caputo, e que era mantido conforme várias decisões proferidas pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho. Embora essa já tenha sido cancelada, ainda assim em várias decisões do TST prevaleceu o entendimento de manter os trabalhadores do setor industrial das empresas agroindustriais enquadrados na categoria dos trabalhadores da indústria. A OJ 419 fixa como critério para enquadramento do trabalhador a identificação da atividade preponderante da empresa em contraposição à corrente defendida antes na súmula 57 e também, depois, de seu cancelamento pelo próprio TST. Na súmula 57, o elemento definidor da distinção deveria ser a natureza dos serviços prestados pelo trabalhador, devendo ser o fator preponderante porque a atividade rural é primária, que é a produção animal e vegetal. Há que se considerar que, partindo da primeira alteração do produto, a atividade que prepondera não é mais a rural, que se extingue com a colheita ou com a extração da matéria prima. A partir do momento que há transformação da matéria prima, não há como tratar o empregado como se fosse rurícola. Esta é a característica da primeira transformação da matéria prima, adotada pela OJ 419 como critério diametralmente oposto; eis o porquê da crítica em relação ao verbete jurisprudencial. Esta transformação da matéria prima descaracteriza a atividade como rurícola. Os implementos industriais para transformação do produto oriundo da área rural estão cada vez mais complexos por fatores econômicos e, por essa razão, exigem profissionais especializados, que não se enquadram no perfil do trabalhador rural. Isso faz com que os ajustes coletivos de trabalho próprios dos rurais cuidam de garantias outras que definitivamente se chocam com uma regra geral objetiva sem contemplar estas especificidades. O mesmo se dá com as categorias diferenciadas, os profissionais que comandam a mecanização dos equipamentos agrícolas são hoje, por exemplo, profissionais ligados à área de TI e que por razões elementares não podem ser 134 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho considerados como rurícolas. Há também aquela pessoa responsável por dirigir o trator, a colheitadeira, que é um equipamento extremamente complexo, operado por joystick, com mecanismo de alta complexidade e que precisa de um conhecimento técnico para que seja operado. Em razão da Jurisprudência que prevalece no Tribunal Superior do Trabalho, tanto o operador de colheitadeira, quanto o técnico de enfermagem que trabalha na fazenda – trabalhadores que têm uma formação profissional de acordo com sua atividade e formação - são enquadrados como rurícolas. Ouso dizer que tal enquadramento é injusto porque não corresponde à qualificação técnica daquele profissional que tem ali um sindicato, uma entidade de classe muito mais representativa, com outros anseios; e muitas vezes, mais atuante e combativa que o sindicato rural, que, de acordo com o TST, será o legítimo representante daquele profissional no exercício daquela atividade. Além desta questão, que por si só já parece ser intransponível, há uma questão técnica - já mencionada pelo Ministro Guilherme Caputo – feita pela Receita Federal no Brasil ao disciplinar as normas gerais de tributação previdenciária de arrecadação das contribuições sociais destinadas à previdência, que é a conceituação da agroindústria como pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produtos, prontos ou de produção própria adquirida de terceiros. Levando-se em consideração a melhor compreensão e a análise dos entendimentos jurisprudenciais proferidos, ao longo do tempo, pelo Tribunal Superior do Trabalho, que enumerou os argumentos fundamentadores do enquadramento sindical no setor. A publicação da Lei 5.889/73 trouxe uma alteração do paradigma, inserido pelo Artigo 7º, Alínea B, da CLT, concedendo status de empregador rural àqueles que não tinham empresas que desenvolvessem exploração industrial, estabelecimento agrário não compreendido na consolidação das leis do trabalho. A regulamentação desse novo conceito que veio com a edição do decreto 73.626, de 1974, estabeleceu em seu artigo segundo, parágrafo quarto, que o estabelecimento agrário, explorador da atividade industrial desenvolve atividades que compreendem o primeiro tratamento dos produtos agrários in natura. Nesta questão, o decreto trouxe de forma exemplar a definição do rurícola, ou seja, aquele que trabalha até a primeira transformação da matéria prima. Em momento posterior, ainda em 1974, o TST publicou a súmula 57, firmando entendimento que os trabalhadores agrícolas das usinas de açúcar integram categoria profissional de industriários, beneficiando-se dos aumentos normativos obtidos pela referida categoria; assim, os empregados das usinas de açúcar se beneficiariam dos instrumentos coletivos da categoria industrial, o que para eles era muito mais vantajoso. O verbete jurisprudencial 419, que hoje está em vigor, 135 Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga consegue fazer uma verdadeira proeza de desagradar tanto aos empregados quanto aos empregadores; talvez seja o único verbete junto à OJ 315 que tenha a façanha de desagradar ambas as categorias. A súmula 57 foi cancelada pelo TST e os empregados das usinas de açúcar foram inseridos nas categorias dos rurícolas, beneficiados, a época, por preceitos mais flexíveis. O fundamento principal, talvez o único, foi a questão da prescrição, porque para o rurícola o ajuizamento não tinha prescrição, era imprescritível; senão você concedia um benefício, um tratamento para resguardar esse trabalhador que prestava o seu serviço em local de difícil acesso, para evitar que os seus direitos fossem fulminados pela prescrição. O que foge à compreensão é que, após a promulgação da emenda constitucional já mencionada, que igualou os trabalhadores urbanos e rurais no tocante à prescrição e alterou o artigo sétimo inciso 29 da Constituição Federal; o TST reconheceu como empregados rurais aquele que exerce atividade rural para empresa de reflorestamento e motoristas de empresas cuja atividade preponderante seja rural. A rigor, nas OJ 38 e 315 não há conflito entre a prevalência do critério da atividade preponderante e a ideia incorporada pela legislação e doutrinas pátrias; pelo contrário, elas se harmonizam no sentido pelo qual o enquadramento sindical faz-se pela atividade preponderante da empresa, conforme estabelecem os artigos 577 e 579 da CLT; não sendo novidade, portanto. Mesmo após o cancelamento da súmula 57, a Sessão de Dissídios Individuais (SDI) do TST, diante de todos esses elementos, de todas essas abordagens feitas até aqui, estendeu embargos para o enquadramento como empregado rural, soldador, cana de açúcar, usina e agroindústria. Há que se diferenciar o trabalhador da agroindústria, se trabalha no campo e na agricultura é considerado rural; se trabalha no processo de industrialização, é considerado industriário. A veneranda decisão assevera-se tratar o empregado de soldador na usina reclamada, produtora de açúcar e álcool. Excluída da Lei 5.889/73, a atividade do empregado, em sendo industrial, não possibilita que seja enquadrada como rural, uma vez que a primeira transformação do produto agrário, que lhe retira a condição de matéria prima, altera sua natureza e o enquadra como atividade industrial. Segundo o entendimento da SDI do TST, mesmo após o cancelamento da súmula 57, ainda prevalecia este entendimento. O problema é que, concomitantemente, os julgados do TST que culminaram com a edição da OJ 419, programa o entendimento no sentido de que, o exercício das atividades agroindustriais, e aí qualquer uma delas, sem qualquer distinção é suficiente para enquadrar uma empresa como o empregador rural. A partir da intepretação literal e isolada do disposto no Artigo 3º, parágrafo 1º, da Lei 5.889, de 1973 - e aí está um grande erro não interpretar a lei juntamente com o seu decreto, que é auto interpretativo – surge a OJ 419, cujo 136 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho entendimento é prejudicial ao próprio empregado, que deixa de contar com inúmeros benefícios previstos em normas coletivas, celebradas por suas respectivas categorias que, via de regra, são muito mais atuantes e combativas. de revista reconhecido e não provido. O interessante é que falei primeiro daquele aresto da SDI 1, agora um aresto da turma do TST, e de forma muito rápida, porque eu vejo que tem muitos estudantes aqui na plateia também. Esta situação é muito peculiar, porque, tanto a categoria profissional quanto a patronal defendem a mesma bandeira. Acompanhando este entendimento da SDI o recurso de revista 32.500, que foi julgado pelo Ministro Augusto César Leite de Carvalho, em momento posterior, já em dezembro de 2010, ia no mesmo sentido. Ele falava de uma forma muito clara que querer classificar como rurícola o pedreiro e operador de tratamento de caldos, de produtos químicos, que trabalha para usina de açúcar, significaria estabelecer rota de coalizão com os dois critérios: o legal, pois não é empregador rural aquele que transforma matéria-prima para produzir o açúcar, Decreto 73.626; e o jurisprudencial, o qual associa essa caracterização como rurícola à natureza do trabalho realmente prestada, se agrícola ou pastoril, OJ38 e 315, da SDI do TST. O Tribunal Superior do Trabalho é composto por oito turmas e tem a sessão, subseção especializada em dissídios individuais I, que é responsável por julgar os recursos de embargos de divergências, ou seja, são admitidos após alteração promovida pela Lei 13.015, os embargos para SDI somente são aceitos em razão de divergência jurisprudencial entre as turmas do TST. Atualmente há uma questão muito interessante, porque a questão de enquadramento sindical, via de regra, não chega mais na SDI 1, porque já existe a matéria pacificada por meio da edição da OJ 419. Se você pega esses verbetes de jurisprudências, essas decisões das turmas que são de 2010, 2011, 2009 - que se opõem à OJ - o seu recurso não vai ser conhecido em razão do óbice da súmula 333, matéria já superada por interativa e notória jurisprudência do tribunal; é uma questão muito delicada. Cabe rematar que esse critério jurisprudencial nem sequer contrasta com os artigos 2º, 3º da Lei 5.889 de 73, em hipótese alguma com a dos autos, pois é certo que o primeiro desses dispositivos exige como pressuposto para classificação como rurícola o fato de um empregado laborar em imóvel rural, prédio rústico; de certo que o reclamante laborar como pedreiro, operador de tratamento do caldo, de operador de produtos químicos, não o faz, recurso Atualmente há um descontentamento geral, mas neste momento, não há nada que a SDI possa fazer. Uma eventual alteração no entendimento jurisprudencial terá que acontecer através da comissão de jurisprudência do TST que levará a questão ao tribunal pleno; se houver alguma alteração legislativa – faço aqui parênteses sobre a importância de participar destes debates com mediadores que não sejam do Poder Judiciário, pois o operador de 137 Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga direito fica limitado em razão de algo específico e direcionado para uma determinada situação; a prática demonstra que o verbete jurisprudencial adotado pelo TST é um foco de conflito, ele enseja, estimula o próprio conflito de interesse, o próprio conflito das relações de trabalho. Neste sentido, as decisões proferidas hoje sequer chegam à SDI 1 do TST. Nesse acórdão da lavra do Ministro Augusto César houve recurso para o SDI cujo relator foi o Ministro Vieira de Mello. Ele tece toda sua linha de raciocínio; são inúmeras laudas sobre o mesmo sentido adotado pelo ministro na turma. Ele termina com duas linhas, disciplina judiciária que aplica o entendimento da OJ 419; e isso deu provimento ao recurso de embargos. Claro está que os próprios ministros do TST não estão de acordo com todos estes elementos práticos já trazidos aqui. É importante destacar que, ao reputar as usinas de açúcar e álcool como empresas rurais de forma absoluta e indiscutível, o TST relega por completo o quadro de atividades anexo do Artigo 577 da CLT que foi recepcionado para servir como modelo orientador de enquadramento sindical, como reconheceu o próprio Supremo Tribunal Federal, que congrega o décimo grupo do plano da confederação nacional da indústria, as indústrias químicas e farmacêuticas e dentre elas a indústria de fabricação e álcool. Dentro desta mesma tese, longe dizer que os tribunais regionais enfrentam o TST, porque nem ele mesmo está satisfeito com sua orientação jurisprudencial, mas adotam fundamentos e proferem decisões em sentido oposto ao da OJ 419; e muitas vezes, sem recurso, porque, caso houvesse, o processo poderia chegar e, quem sabe até, provocar discussão. Como ilustração, nada melhor que os argumentos de um juiz da 3ª Vara do Trabalho de Campo Grande em que foi formulada uma ação proposta pela Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Mato Grosso do Sul contra a Federação dos Trabalhadores na Indústria do estado de Mato grosso do Sul, que julgou improcedente o pedido alegando que o enquadramento sindical dos trabalhadores das empresas denominadas agroindústrias é tema extremamente controvertido na jurisprudência, pois ainda hoje persistem decisões conflitantes a cerca da matéria, inclusive no âmbito da corte superior trabalhista; ora se reconhece que esses trabalhadores são rurícolas, ora se reconhece que pertencem à classe dos empregados urbanos industriários. A origem de toda essa controvérsia surgiu com a utilização de fundamento jurídicos heterodoxos, para justificar a aplicação da prescrição própria do trabalhador rural a todos os empregados das industrias localizadas nas zonas rurais, agroindústria ou não, que desempenhavam atividades ligadas à produção agrícola, como exemplo, os trabalhadores que ativavam na plantação, cultivo e colheita de cana de açúcar. Atualmente, esta atitude protecionista não mais se justifica, uma vez que, desde a promulgação da Emen- 138 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho da Constitucional de nº 28, de 2000, não mais existem diferenças entre as prescrições trabalhistas, os trabalhadores urbanos e os rurais, conforme se interfere na nova redação do Artigo 7º, Inciso XXIX, da Constituição Federal, de 1988. Nesse contexto, o enquadramento sindical dos trabalhadores da agroindústria deve observar os mesmos requisitos utilizados para enquadramentos dos demais trabalhadores, ou seja, deve-se buscar atividade preponderante do empregador, exceto para os empregados que exercessem profissões diferenciadas na forma estabelecida no Artigo 511, combinado com Artigo 581, parágrafo 1º, da CLT. Existe, portanto, uma saída legal, que é a aplicação do mesmo entendimento dado, atribuído àqueles trabalhadores de categorias diferenciadas, razão pela qual a aplicação dessa orientação jurisprudencial n° 409 ou a de n° 315, privilegia até uma própria injustiça diante de tudo que foi dito aqui, porque trata de maneira igual aqueles que não são iguais, seja em razão da formação, seja pelo tipo de trabalho que é prestado ou em razão do próprio decreto que regulamentou a Lei 5.889, de 1973. enquadramento, que não foi também algo que se chegou a uma conclusão sem uma origem. Há uma origem que é justamente evitar e dar uma oportunidade para aquele trabalhador que tinha difícil acesso e havia uma prescrição diferenciada, então você privilegiava e dava uma oportunidade para que não houvesse a prescrição nos termos da lei. A partir do momento em que essa diferenciação não mais existe, a OJ 419 não tem mais por que existir. Acredito que o contraponto diante de todas as ideias colocadas tenha sido trazer para esta conferência palestrantes com ideias distintas, uns com a visão de um ousado advogado, e outros, com a visão do magistrado que busca uniformizar a jurisprudência. A partir do momento em que há a primeira transformação da matéria-prima, não há mais que se falar em trabalhador rural; seu enquadramento agora é como indústria, na categoria preponderante da atividade exercida por ele. Para finalizar, a ideia, portanto, era justamente trazer esses conceitos, e demostrar por que há esse equívoco no 139 7 Limites da Autonomia Negocial Coletiva: Jurisprudência do TST e do STF 140 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Limites da Autonomia Negocial Coletiva Luciano Felício Fuck* *Doutor em Direito Tributário pela Fauldade de Direito da Universidade de São Paulo; Chefe de Gabinete no Supremo Tribunal Federal (STF); Analista de finanças e controle da Controladoria-Geral da União (CGU); Professor no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). 141 Luciano Felício Fuck Agradeço ao Ministro Renato Lacerda Paiva, não só por sua gentileza ou por seu arcabouço doutrinário, mas pelo ratio decidendi que tem norteado todo o TST. Tudo isto é bem recente, pois há apenas seis meses que o acórdão foi prolatado no Supremo, em decisão de abril deste ano, mas traz novas luzes à questão. Alguns podem dizer que houve um retrocesso, outros, que houve avanço; certo é que o Supremo abriu novos caminhos, novas veredas, inclusive no que diz respeito às situações apontadas pelo Ministro Renato. Em primeiro lugar, o Ministro colocou que as negociações e os acordos coletivos não estão restritos àquelas hipóteses taxativas dos incisos XIII e XIV do Artigo 7º, que tratam do salário e da jornada de trabalho, mas atingem um campo maior para prestigiar a autonomia de vontade. Não obstante, há as críticas à legitimidade dos sindicatos que, segundo o Ministro Barroso, a unicidade sindical é bastante prejudicial. A Constituição trata a negociação coletiva de forma muito distinta da negociação individual; se por um lado, são necessárias mais regras heterônimas e mais proteção do Estado na negociação individual, por outro lado, na negociação coletiva é preciso dar maior espaço de cidadania. Nas questões rejeitadas pelo TST como, por exemplo, a incorporação de hora extra, a questão do divisor: duzentos, duzentos e vinte na jornada de trabalho, as horas in itineres e o turno ininterrupto de revezamento, indubitavelmente, são questões consignadas na Constituição no campo que trata do salário ou da jornada de trabalho. Considerando esta análise, pode-se afirmar que, se na questão da redução de trabalho, que é muito importante, já existe a possibilidade de redução, o que dizer das horas in itineres. Houve ministro colocando-se quase arrependido em relação ao voto dado à questão do BESC – acontecida há menos de seis meses, no ano passado - em que a repercussão da rejeição foi geral. Quanto a isso, o Ministro Teori cita os acordos coletivos em que os sindicatos negociam abrirem mão das horas extras, por exemplo, mas em seguida, recorrem ao judiciário para obtê -las. Isto nada mais é que a quebra da boa-fé, da convenção, do acordo coletivo. É inegável que o estado brasileiro, representado pelo judiciário, deva zelar para que a preservação da boa-fé prevaleça nos acordos coletivos. Tudo isto reporta à história de Yadh Ben Achour: às vezes, ele quer o melhor dos mundos, eu quero todos os direitos, a lei e mais o que eu consiga na convenção coletiva. Acaba-se reproduzindo esta ideia e ninguém mais fará acordo coletivo, porque sabe que só tem a perder com os acordos; se eu posso dar a mais, para que serviria fazer acordo? Melhor apertar a lei. Criase um espaço menor de direitos e de responsabilidade. Voltando a Ben Achour: chegou uma mulher muito bonita, Isadora Duncan e lhe disse “você tem o melhor dos cérebros e eu, o melhor dos corpos. Podíamos ter um filho para reunir, en- 142 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho fim, o melhor corpo, o mais bonito e o melhor cérebro, mas o risco é juntar o seu cérebro e o meu corpo. Esta mistura possui riscos inerentes que precisam ser percebidos. E para finalizar, reitero a importância das palavras do Ministro Renato Lacerda Paiva e a relevância deste congresso – âmbito de intensos debates para abordar temas tão abrangentes, tão relevantes e atuais. Como colocado inicialmente, há que se considerar que o mais surpreendente na recente decisão do supremo foi a unanimidade, que é rara; poucas decisões de repercussão geral são unânimes no âmbito do tribunal, que sempre preza por um debate mais largo; esta é uma questão muito interessante. 143 Renato de Lacerda Paiva Os limites de autonomia negocial coletiva Renato de Lacerda Paiva* *Ministro do Tribunal Superior do Trabalho; Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho da Justiça; Conselheiro do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. 144 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Cumprimento o doutor Luciano Fuck, deputado João Campos, senhoras e senhores. O tema sobre o qual vamos debater é os limites de autonomia negocial coletiva, uma jurisprudência do TST; não falarei aqui da jurisprudência do STF. Como diz o ministro Rosa, o doutor Luciano traz um novo olhar sobre a questão da prevalência do negociado sobre o legislado em determinados aspectos. De certo modo, folgo em saber que o Supremo tenha revertido a decisão do BESC, questão extremamente polêmica no Tribunal Superior do Trabalho. A sessão de dissídios coletivos na lavra do voto do Ministro Luciano Castilho Pereira declarou a validade da cláusula que instituiu o PDV, justamente, pelas circunstâncias elencadas pelo doutor Luciano. Mas, a SDI1, que uniformiza a jurisprudência no âmbito do TST em instância extraordinária, decidiu por aplicar a OJ270 no caso do BESC, por dizer que na transação extrajudicial a rescisão do contrato ante a adesão do empregado ao plano de demissão voluntário implica a quitação das parcelas e valores constantes no recibo. Houve um conflito de decisões entre a SDI1 e a SDC em que a matéria foi remetida ao pleno e acabou prevalecendo a tese da invalidade da cláusula por maioria escarça, o Ministro Ives esteve presente e é testemunha. O tribunal ficou muito dividido nesta questão, porque entendeu que era situação excepcional, estava atendendo uma reinvindicação dos empregados do BESC daquela região, e, portanto, havia legitimidade e uma autonomia de vontade muito expressiva para uma negociação coletiva. Não é uma questão de que o TST tenha ficado vencido, apenas ficou, extremamente, dividido nesta decisão. A partir desta decisão do supremo, tem-se mudanças de paradigmas nesta questão, neste tem; e a abordagem de hoje é relacionada à posição atual do Tribunal Superior do Trabalho diante deste dilema, desta matéria tão polêmica e atual; e verdadeiramente, o que interessa aos senhores é como o tribunal vem enfrentando esta questão no seu entendimento médio. Minha intenção quanto a isto é demostrar os fundamentos do direito que justificam a posição do Tribunal Superior do Trabalho, dar alguns exemplos tópicos e tirar algumas conclusões, sem embargos, naturalmente, pois, minha palestra já está preclusa diante da manifestação do Doutor Luciano. O Tribunal Superior do Trabalho como instância extraordinária cuja missão é uniformizar a jurisprudência em todo país tem atuado sempre no sentido de garantir a segurança jurídica nas relações de trabalho, e esta tem como pressuposto a previsibilidade de suas decisões e a inerente previsibilidade e imparcialidade dos magistrados. São três figuras que se entrelaçam, a segurança jurídica, previsibilidade e imparcialidade. O TST tem atuado, nesta matéria, nos limites do direito até então postos no sistema escolhido e sinalizado pela nossa sociedade. 145 Renato de Lacerda Paiva Desde Segadas Vianna, a doutrina é um sentido de estabelecer as convenções e as normas coletivas como um pus e jamais estabelecer um conflito entre a norma coletiva e a lei. Ele dizia da importância da convenção coletiva como fonte do direito do trabalho e como força criadora que se compreende, porque as relações entre o trabalho e o capital apresentam uma constante mutabilidade quase impossível de acompanhar e regular através de atos legislativos. Fato é que, alteração de um texto legal além de exigir trâmites demorados significa, quase sempre, uma fratura no contexto de um corpo de leis, seja um código ou uma consolidação. Enquanto que a convenção alterada ou modificada é apenas um aprimoramento decorrente de sua aplicação. Em certos casos, será força criadora, inovadora de normas dentro de um campo lacunoso ou vazio da legislação. Sabemos que nosso direito, no particular, teve inspiração no direito francês, e segundo o mesmo jurista, a convenção no direito francês poderia conter disposições mais favoráveis aos trabalhadores, do que as previstas nas leis regulamentares em vigor, não podendo derrogar disposições ad publicas contidas em tais leis regulamentares. Seguindo a mesma linha, La Cueva ressalta que a função do contrato coletivo de trabalho é tríplice, é fonte de direito com plena validade e obrigatoriedade. Por outro lado, o contrato coletivo serve para tornar concretas as determinações do direito do trabalho, as normas jurídicas são, geralmente, abstratas e os contratos coletivos as fazem concretas. O contrato coletivo tem como missão melhorar o direito legislado em benefício dos trabalhadores, é o veículo de processo da classe trabalhadora para salvá-la da lentidão da lei, isto significa uma enorme vantagem. Citei, aqui, três autores para demostrar que a tradição do nosso direito é seguir no sentido de que a autonomia privada coletiva tem por natureza criar melhorias nas condições de trabalho, não só do direito brasileiro, mas do direito comparado, daqueles sistemas com afinidade com o nosso sistema. Para Délio Maranhão e do ponto de vista das fontes de direito, a norma da natureza coletiva, em princípio pelo direito tradicional, é sempre alcançar melhores condições de trabalho. O referido Pedro Teixeira Manus e Délio Maranhão demostram que as fontes formais do direito do trabalho são a Constituição, a lei, o regulamento, a sentença normativa, a convenção coletiva e o costume. E enfatiza que no campo do direito do trabalho as normas legais são de aplicação obrigatória, fundadas nos princípios e normas constitucionais, estabelecendo patamar mínimo de garantia ao trabalhador. Reserva-se as demais fontes formais, espaço para disposições que melhorem as condições do trabalho, ou adaptem situações práticas as determinações da lei, sendo-lhes vedado dispor de forma desfavorável aos trabalhadores, comparativamente, ao que estabelece a fonte hierarquicamente, superior. 146 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Desde modo, a lei não pode dispor de forma menos benéfica do que determina a norma constitucional, assim como, a sentença normativa e a convenção coletiva não podem dispor de forma menos favorável do que dispõe a lei. O regulamento da empresa não pode dispor desfavorável ao acordo coletivo de trabalho, igualmente, o contrato individual de trabalho não pode ser menos favorável do que o mínimo estabelecido na ordem coletiva. Caso isto ocorra, será invalidada, dentro deste conceito, a norma hierarquicamente inferior, no item que contraria a superior. Tal sistemática, também noticia o autor, é a sistemática do direito francês e também do direito espanhol, citando Alfredo Montoya Melgar. Podemos dizer que, tanto do ponto de vista da natureza da convenção, que tem como objetivo melhorar as condições de trabalho, quanto do ponto de vista da hierarquia das fontes, estando em nível inferior à lei, não pode contrariar a lei, e ainda invocaria deste contexto a norma mais favorável, segundo Américo Plá Rodriguez, no caso específico das relações de trabalho. Portanto, são estes os princípios e os parâmetros postos no direito brasileiro para aplicação, interpretação e solução deste conflito entre as leis e as normas coletivas. É claro que o Supremo Tribunal Federal tudo pode, então, pode estabelecer uma mudança de paradigma, quero falar um pouco sobre isto depois, mas este tem sido, na verdade, o contexto e é por aí que o Tribunal Superior do Trabalho pela sua composição média tem atuado. É cer- to que a Constituição de 1988 traz uma norma específica de reconhecimento das convenções de trabalho, mas esta já era contida nas Constituições de 1984, 1967 e reiterada na Constituição de 1969, então não é uma novidade, em ter na Constituição de 1988 aquelas questões que determinam a prevalência da norma coletiva, ela faz, expressamente, nos itens 13 e 14 do Artigo VII da Constituição Federal. Postas assim, em termos gerais estas questões, vamos demostrar, pontualmente, como é que o Tribunal Superior do Trabalho tem lidado dentro desta estrutura jurídica com os casos específicos, já mencionei o caso do BESC, uma questão que efetivamente, uma grande parte dos ministros entendeu que não havia conflito com a lei este caso específico, por isto, só validando a cláusula. Vou fazer uma pequena inversão, primeiro, vou falar dos casos em que o TST invalida as cláusulas, depois os casos invalidados. São exemplos de casos que invalidam as cláusulas, os que têm cláusula incorporando as comissões, horas extras e diárias de viagens, independente do número de horas extras feitas. O TST entendeu num precedente do Ministro Lélio Bentes Corrêa, do SDI, que esta cláusula violaria o Artigo 457, parágrafo 2° e 59 da CLT, cláusula que fixava o divisor 220 para uma jornada semanal de 40 horas, é um precedente meu, este caso, o divisor de 200 como violação do Artigo 58 da CLT. Há três situações específicas relacionadas às horas in itineres, o Artigo 58, parágrafo 2° da CLT, estabelece a ho- 147 Renato de Lacerda Paiva ra in itineres como hora extra, que deve ser paga, salário com adicional de hora extra. Contrariamente, temos encontrado cláusulas em que a lei atribui natureza indenizatória, exclui o adicional, em alguns casos estabelece a renúncia total do direito à hora in itineres, sabe-se que as horas in itineres predominam na área rural, depois farei um comentário elátero sobre esta questão. A cláusula que fixa turno interrupto de revezamento superior a oito horas causa a invalidade do caso, contrariando a própria Constituição Federal, violação do Artigo VII, 13 e 14. Então, vejam que mesmo considerando a autonomia privada coletiva ainda encontramos diversas situações em que os sindicatos da categoria profissional convencionam com as empresas cláusulas, sabidamente, contra a lei, tendo a certeza de que o judiciário irá repor as coisas no lugar. Esta questão do negociado sobre o legislado é uma situação um pouco complexa e está muito relacionada a outra muito mais complexa, que é a estrutura sindical do Brasil. Ela, hoje, não é representativa, temos grandes sindicatos e centrais sindicais, e milhares de sindicatos pequenos espalhados por toda parte. Muitos deles são verdadeiros cartórios que vivem da contribuição sindical, assistencial, sem intenção de alargar a sua base de associados para não perderem a hegemonia na eleição. Há, também, uma questão de legitimidade, de representatividade destes sindicatos. Esta tese de que a negociação coletiva deve prevalecer sempre por representar uma categoria, funciona bem num país como a Espanha que tem uma prioridade sindical. Aqui no Brasil, não temos um sindicato único, temos sindicatos da mesma categoria, mesma base, filiadas a centrais sindicais diferentes. Os empregados escolhem os seus sindicatos e não tem nenhuma relação com ele a não ser com a contribuição sindical. Entretanto, o Tribunal Superior do Trabalho para não dizer que é, extremamente, radical nas suas posições, tem flexibilizado em alguns pontos e caminhado no sentido de autorizar negociação coletiva, mesmo contra a lei. Cito um exemplo clássico da OJ transitória n° 73, que trata de um caso específico da Volkswagen do Brasil sobre participação nos lucros e resultados, pagamento mensal em decorrência de norma coletiva, natureza indenizatória. A despeito da vedação de pagamento em periodicidade inferior a um semestre civil ou mais de duas vezes no ano cível, disposta no Artigo III, parágrafo 2°, da Lei n° 10.101 de 2000, o parcelamento em prestações mensais da participação nos lucros e resultados de janeiro de 1999 a abril de 2000, fixado no acordo coletivo celebrado entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a Volkswagen do Brasil Ltda., não retira a natureza indenizatória da referida verba, devendo prevalecer a diretriz constitucional que prestigia a autonomia privada coletiva. Visto que está claramente contra a lei, por que o Tribunal Superior do Trabalho referendou esta norma? Porque se tratou de uma questão de greve geral na Volkswagen do Brasil gerando um 148 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho impasse imenso e na época, o diretor do sindicato foi à Alemanha e negociou com os diretores da Volkswagen o término da greve com esta cláusula. Percebe-se que é uma situação contra a lei, mas havia um interesse público relevante por trás desta cláusula, por isto o Tribunal Superior do Trabalho entendeu de convalidar. Outro exemplo é a Súmula 444, que trata da jornada de trabalho e norma coletiva em escala de doze por trinta e seis, esta é válida em caráter excepcional. Só é possível a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso, prevista em lei ou ajustada, exclusivamente, mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho tendo assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. Esclarecendo que, quando se fala prevista em lei, não está se referindo a Legislação Federal, esta não precisaria constar na súmula, mas sim a Lei Estadual ou Municipal. Sabe-se que no direito do trabalho, quando o município ou o estado legislam em matéria trabalhista, esta norma equivale a regulamento de empresa, pois, o estado e município não tem competência para legislar sobre matéria trabalhista, só a União. De modo que, quando se fala prevista em lei é para dar a possibilidade ao município, ao estado de através de lei municipal ou estadual estabelecer o regime doze por trinta e seis mesmo não estando adequada a Lei Federal e nem amparado na Constituição Federal, tão pouco na CLT na qual estabelece o limite de oito horas diárias. Contudo, o TST resolveu convalidar estas cláusulas para a segurança jurídica nas relações de trabalho. Há um contingente enorme de empregados que atuam sobre este regime nos hospitais, na vigilância patrimonial e pública, o modo operante da atividade empresarial exige este tipo de jornada, não digo jornada, mas de regime de trabalho. Do ponto de vista político judiciária é muito mais benéfico para a sociedade trazer este contingente de trabalhadores para a legalidade, do que deixá-los fora da legalidade. Estes pontos eram importantes serem referendos pelo Tribunal Superior do Trabalho mesmo contrariando a lei, mas em situação muito particular em que há um interesse público em jogo. Referendou estas cláusulas, algumas típicas e, também, outras utópicas, por exemplo, incorporação DRE, salário base dos trabalhadores, ISTA e cláusula que concede 37,14% para pagamento da hora noturna reduzida e adicional noturno são alguns ajustes pequenos que o TST tem validado também. A verdade é que o Tribunal Superior do Trabalho tem tido a responsabilidade de estabelecer em sua atuação dentro do sistema uma segurança jurídica, uma previsibilidade de suas decisões. Isto sem embargos de alguns ministros que entenderam o contrário; eu mesmo entendo que deveria alargar um pouco mais a aplicação da norma coletiva, preservando as normas de higiene, medicina do trabalho, segurança do trabalho e aqueles direitos previstos na própria Constituição Federal, no entanto, seria benéfico se 149 Renato de Lacerda Paiva alargássemos um pouco mais naquelas relações de natureza patrimonial. A questão é o engessamento do TST no sistema atual, por isto, ele tem sido um pouco precavido no alargamento destas questões. Sabemos que esta questão do negociado contra o legislado já foi amplamente debatida, o deputado há de se lembrar de que no início da década passada tivemos um projeto do Ministro Dornelles, que causou uma polêmica extraordinária e acabou não passando. A sociedade deu o sinal de que não era do seu interesse estabelecer uma regra em que o negociado deveria prevalecer sobre o legislado, isto do ponto de vista do poder legislativo. Claro é, que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, poderá interpretá-la da forma de entender. Certamente, este alargamento da tese precisa ser feito com muito cuidado para não cairmos num extremo que diante de um conceito de direito civil, direito comum se mitiguem todos os parâmetros estabelecidos ao longo destes anos. Para ser exato, era isto o que eu queria dizer aos senhores, Doutor Luciano, ilustre deputado. Entendo que como membros do Tribunal Superior do Trabalho temos posições diferentes, alguns são mais liberais em relação a aplicação destas normas, outros mais instrutivos, mas até agora, o Tribunal Superior do Trabalho tem cumprido o que foi posto pelo direito e está cumprindo sua meta constitucional. É provável que este precedente referido pelo Doutor Luciano seja um início de alargamento deste caminho. Estamos ansiosos para saber até onde vai o supremo, mas é importante que ele delimite o traçado ao abrir este caminho, porque senão, vamos cair justamente, pela precariedade das representações das categorias profissionais pelos seus sindicatos. Vou citar um exemplo, que é paradoxal, não tem precedente e o Ministro pode até confirmar, determinado sindicato negociou com a empresa que cada profissional da empresa iria contribuir para o sindicato dos empregados, aí eu pergunto qual a autonomia que este sindicato tem para negociar, então temos estas distorções. 150 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho O Direito do Trabalho na Visão do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes* *Doutor em Direito; Presidente do Tribunal Superior Eleitoral; Ministro do Supremo Tribunal Federal e docente da Escola de Direitos de Brasília do Instituto Brasiliense de Direito Público (EDB/IDP). 151 Gilmar Ferreira Mendes Cumprimento o presidente da mesa Ministro Ives Gandra e reitero minha satisfação por termos incorporado, no âmbito do IDP, o P, que tem sido bastante ampliado para o direito privado. Há algum tempo, um colega veio com a defesa de que houvesse aqui um curso de direito privado, uma vez que não se justificava não existir aqui em Brasília um bom curso de pós-graduação nesta área, pois está aqui o STJ, tribunal eminente em matéria de direito privado e assediado por tanta gente capacitada para cooperar com estas discussões sobre direito civil e direito privado em geral. sas desigualdades; uma coisa é se ter um direito mais flexível e, talvez, mais pautado por regras de negociação, como no centro-sul e em São Paulo, que é, como se sabe, quase uma república à parte; outra coisa é enfrentar as duras realidades do Norte ou do Nordeste onde o intervencionismo, talvez, se faça necessário. Isto explica um pouco as dificuldades da construção de uma jurisprudência unitária no âmbito da própria justiça do trabalho e a dificuldade de encontrar esse equilíbrio tanto enfatizado pelo Ministro Ives, mas isto decorre da própria assimetria que marcam nossa Federação. Há muitos anos, nas conversas, nas tertúlias com o Ministro Ives, ele sempre falava das preocupações de tematizar essas questões delicadas do direito do trabalho e foi neste contexto que surgiu a ideia deste seminário com a marca, o timbre do IDP, que são as discussões abertas sem patrulhamentos prévios, com o compromisso com o pluralismo – percebido em todas as estruturas do seminário. O erro nas escolhas dos nomes, às vezes, será inevitável, mas é visível a preocupação de trazer, em qualquer painel, em qualquer debate, as múltiplas facetas dos problemas colocados; esta é uma diretriz imposta a todos é que a busca pela verdade não pode ser colocada à parte; esta é uma marca do Instituto. Na verdade, a despeito de todas as revoluções tidas nos últimos vinte, trinta anos, continua-se, para usar a imagem do sociólogo Hélio Jaguaribe, a conviver numa sociedade tão desigual e tão diferente que, de fato, tem-se a chamada contemporaneidade dos coetâneos; e isto não se aplica apenas aos silvícolas e aos chamados impropriamente civilizados, mas também às determinadas populações que vivem uma situação de penúria. Claro, quando chega lá a justiça do trabalho é exigida uma tutela que parece violar a ideia de autodeterminação de autonomia, se não forem considerados outros paradigmas. Claro está que o desenvolvimento e as questões do trabalho são temas sérios e, a depender da evolução que se tenha, chega-se a um quadro de desiquilíbrio, além da enorme dificuldade que é vivermos em um país com imen- Acredito que desenvolver uma jurisprudência para este país com tantas assimetrias seja um enorme desafio da própria justiça do trabalho; isto vem, também, para o âmbito constitucional quando são enfrentadas inúmeras questões. 152 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho A palestra proferida ontem pelo Ministro Ives trouxe-me admiração – o que não me causou estranheza, pois sou seu fã de carteirinha há muitos anos. Colocando um leitmov filosófico, ele mostrou exatamente essas dificuldades de se buscar o equilíbrio e esta é uma questão importantíssima; a Constituição dá as diretrizes, basta que se leia e a tenha presente quando um caso for levado a julgamento. Certo é que o texto constitucional é interessante, quando, por exemplo, os leitores estrangeiros leem a Constituição, chamam a atenção para virtudes muitas vezes não reconhecidas por nós. E esta é outra marca do IDP, pois somos defensores incondicionais da Constituição de 88, aqui está o Paulo, companheiro de tantos anos para confirmar isto. Claro que é um texto que merece aprimoramento, e vem sendo aprimorado ao longo dos tempos; alguém, inclusive já fez brincadeira com a Constituição de 88 ao dizer que um de seus problemas é ser de 88; se fosse de 89, com os ventos que sopraram a partir da queda do muro de Berlim, teria outros efeitos; teria, talvez outras abordagens normativas, mas até aqui, é interessante, pois houve avanços e boas adaptações com a grande reforma econômica que se colocou. Agora, tendo como base o direito positivo e aquilo preconizado pelo Ministro Ives, a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano – Artigo 170 e na livre iniciativa – tenta coordenar estes vetores e, por fim, assegurar uma existência digna a to- dos, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da soberania nacional, da propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, inclusive, mediante tratamento diferenciado conforme seja o impacto sobre os produtos e serviços; a redução das desigualdades regionais sociais - chamado de direito natural de um processo civilizatório, que é o grande desafio da jurisprudência. É compreensível que se tenha um approach diferente para a jurisprudência trabalhista num dado estado, não cabe aqui dizer que estado é este, mas é um estado do Nordeste. Há algum tempo, um amigo meu da Procuradoria da República acompanhou por lá casos difíceis em um dado momento. É um dado histórico, em um dado momento, estava havendo muitos assassinatos e esse amigo foi designado para acompanhar a situação naquela unidade da federação; em uma entrevista, o secretário de segurança, numa primeira abordagem, dissera que a culpa pelos assassinatos na área rural era da justiça do trabalho, porque esses trabalhadores tinham, agora, justiça do trabalho, entram com ação na justiça e o patrão vem e os mata. Evidentemente, mesmo não sendo desta forma, isto revela as assimetrias do país e esta realidade precisa ser entendida. O Ministro Ives chamava a atenção para a necessidade de se compreender que é preciso ter esta relação equilibrada; o próprio texto constitucional é enfático em relação a isto quando 153 Gilmar Ferreira Mendes se refere à busca do pleno emprego, à redução das desigualdades regionais e, no parágrafo único, quando diz que é assegurado todo livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente, de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Há uma outra norma que precisa ser lida com bastante ênfase - aquela constante do Artigo 173 que diz que, ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Logo, além de valorizar a iniciativa privada, e se dizer do valor do emprego que se consegue em geral, com atividade econômica, o emprego digno, adequado; o texto constitucional ressalta que essa atividade é prima facie da iniciativa privada, a intervenção estatal deve ser exceção. Certamente que, nestes dias peculiares, especialmente com esses escândalos nas estatais, acredito que uma revisita ao texto constitucional parece recomendável para mostrar o quanto elas são importantes, para responder a questionamentos de alguns que enchem a boca para dizerem não é, é minha, é sua, é nossa; nossa, de quem? Dos partidos, que retiram esses recursos para suas finalidades e para outras finalidades? A reflexão faz-se necessária, exemplos claros verificados recentemente são a Vale do Rio Doce e a Petrobrás, aquela, privatizada; esta, sub páreo da intervenção estatal. Certo que não se pode prescindir de empresas estatais em áreas estratégicas, mas o paradigma de gestão precisa ser mudado, inclusive para segurar emprego. São inúmeros os danos causados. Em Pelotas e em Rio Grande, estado vizinho, havia um grande investimento de um porto expectado e já efetivado em parte da Petrobrás trouxe expectativas de transformação à cidade, empreendimentos foram ativados, as pessoas acreditaram; agora, a região vive um verdadeiro caos. Aqui nesta ilha chamada Brasília não se faz ideia do que está acontecendo no país afora em função das peripécias ligadas à má gestão e à corrupção, em Pernambuco, com o abandono de portos; no Rio de Janeiro, estado também muito afetado, há o comprometimento de empregos, as pessoas saem às ruas chorando, a criminalidade aumentou assustadoramente. Eis o porquê da necessidade de reflexão sobre o assunto, porque diz respeito ao direito do trabalho na medida em que está relacionado ao desaparecimento do emprego. É extremamente positiva a existência desse segundo seminário, e já prenuncio o terceiro, porque, agora, haverá um grupo de trabalho, um grupo de pesquisa constante sobre os temas aqui abordados. Percebi, pelas palestras dos colegas do exterior, que há diferenças de nuanças, mesmo em temas comuns como, por exemplo, a questão da terceirização, os debates sobre o emprego. Ressalto aqui, deputado João Campos, a imensa responsabilidade no âmbito do direito do trabalho e da visão de 154 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho cada um. Veja bem, caso eu fosse juiz do trabalho ficaria extremamente preocupado, porque aquilo vislumbrado por mim como dificuldades, como ter de combinar, pois, ser juiz em um dado estado do Norte, do Nordeste possui uma perspectiva; em outra parte do Brasil, pode haver outra, tendo em vista demandas especiais. Há, no entanto, uma outra questão envolvendo prognóstico muito mais sofisticado e que exige abertura para o diálogo, e que o enrijecimento da legislação, feito especialmente pela jurisprudência, pode levar a uma teoria dos jogos, pois é inevitável buscar a eliminação de determinadas atividades; a tecnologia acaba por fazer isto, robôs eliminam atividades. O grande desafio, e isto fica claro na leitura de revistas internacionais especializadas ou não especializadas ou em uma ida à Europa, não está apenas em preservar o emprego de hoje, mas em garantir a empregabilidade no futuro dos filhos e netos. Esta é a grande preocupação de quem maneja o direito do trabalho, pois, a depender da perspectiva, pode estar eliminando o emprego do futuro, e com isso, agravando a situação. De alguma forma, pode-se traçar um paradigma com a questão do meio ambiente, em que uma atuação desastrada nestes termos pode tornar a vida futura impossível com as destruições que perpetram no meio ambiente. Veja bem, a atuação efetiva ou desastrada no âmbito da justiça do trabalho pode desenhar um futuro como, por exemplo, na Europa, as pessoas de 30, 32 anos que procuram continuar como estudantes depois do doutorado, do pós-doutorado; e por que isto acontece? Justamente porque não há vaga para trabalhar, e olha que são profissionais altamente qualificados. Em Portugal, em que se investe fortuna em cérebro e talentos, percebe-se que eles imigram para outras pragas e deixam no país uma população envelhecida. Há que se atentar para tudo isto, proporcionando a alguém firmar jurisprudência, estabelecer decisões em repercussão geral ou, no caso da justiça do trabalho, fixar enunciados. Nos ensaios sobre direito público, precisamente, naquele texto sobre técnica legislativa, mas que se aplica a jurisdição e a propósito do legislador, Víctor Nunes Leal reitera a necessidade desta perspectiva ao dizer que “Quem lida com leis, deputada, é como se acondicionasse explosivos”; os resultados podem não ser tão espetaculares, mas podem ser igualmente destrutivos e desastrados. Tenho dito aqui no Supremo Tribunal Federal – e muitos tomam como críticas, às vezes, até de caráter pessoal – que quem lida com a jurisdição constitucional e, jurisdição trabalhista, para ser mais específico, precisa ter esta visão de estar acondicionando explosivos, pois o resultado não será espetacular, mas pode ser igualmente desastroso. É interessante pensar que em caso de jurisdição pode ser pior que atividade legislativa, porque esta lida com tentativa e erro, deu errado, revoga-se. No entanto, as decisões do Tribunal não são eternas, elas têm a pretensão da 155 Gilmar Ferreira Mendes não reversibilidade ou, pelo menos, pretende-se que ela seja duradoura. Esta é uma dificuldade que deve ser levada em conta e deve ser esclarecida não apenas para os jovens juízes, mas também aos estudiosos que serão juízes um dia e para os velhos juízes para que eles fiquem cientes da responsabilidade. E isto não é delírio, ou como dizem os mais jovens “navegar na maionese”, a necessidade de reconhecer a responsabilidade, de reconhecer que decisões desastradas não serão espetaculares e terão o efeito de uma explosão; infelizmente, não haverá este sinal, mas os efeitos produzidos serão deletérios para o sistema. Cabe lembrar aqui aos estudiosos da jurisdição constitucional o célebre caso Dred Scott, nos Estados Unidos, em que o negro não era sequer pessoa para fins de discussão judicial, não tinha legitimidade para estar; declarou a inconstitucionalidade do chamado compromisso de Missouri, que permitia aos escravos que passavam para lado em que não havia escravidão fossem declarados livres. Estudos indicam que isto está como uma das causas da guerra civil americana. A inflexibilidade da corte suprema nesta matéria trouxe sérias consequências e isto, portanto, é mais uma razão para reconhecer que as decisões tomadas pelo Tribunal trazem consequências. O Ministro Ives Gandra pediu para que se falasse sobre estas questões aflitivas e, certamente, podem-se mencionar algumas já citadas, inclusive, ontem no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Um caso interessante, que não diz respeito diretamente à justiça do trabalho, mas ela aparece como fonte de inspirações, que é a greve do setor público; caso célebre dos mandados de injunção decididos por esta casa em que foi assentada nessa linha de constitucionalização da Constituição de 88, pois era preciso ter limites para o direito de greve, que deveria ser exercido dentro de determinados parâmetros ou paradigmas. Tomou-se como empréstimo a lei de greve do serviço público, mais do que isso, foi colmatada uma lacuna do texto constitucional e criado um órgão de dissídio de greve, reconhecendo que os Tribunais de justiça seriam para o âmbito estatual, os Tribunais Regionais Federais para o âmbito da justiça federal e o Supremo Tribunal Federal seria para os conflitos de âmbito nacional, mimetizando a legislação trabalhista e a competência da justiça do trabalho nessa temática, colmatando, portanto, essa lacuna. Infelizmente, diante da inércia que ainda subsiste, são mais de dez anos dessa jurisprudência, esta é a regulação que se tem em matéria de direito de greve do servidor público. Outro tema relevante e bastante curioso é aquele sobre o aviso prévio proporcional, de novo em função de uma omissão legislativa, e agora tema que diz respeito ao direito do trabalho, porque o Tribunal já tinha decidido e tinha, portanto, atravessado do rubicão no sentido de não ser apenas legisladores negativos; isto também é uma troca de palavras porque o legislador, ao dizer que algo tem de ser derruba- 156 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho do, diz que algo tem de subsistir, logo, o legislador negativo também é legislador positivo – vi o Ministro Ives ontem, mas não quis fazer reparo, mas estou convencido de que podemos ser legisladores negativos. A própria Constituição coloca enormes desafios quando dá um instrumento do mandado de injunção, da ação direta por omissão, e exige um posicionamento. O mandado de injunção, como sabido, tinha, inicialmente, afeição, segundo o Supremo entendeu no mandado 107, em que deveria apelar ao legislador, mas não fazer a lei. Esta era a posição do Supremo, que muitos, em tom dramático, disseram que ele havia matado o mandado de injunção, que havia acabado com o mandado de injunção; e isto por quê? Porque o Supremo apelava e, claro, como isto não estava no script o Congresso em geral não tomava conhecimento desse apelo; não se encontrou uma organicidade para dar ritmo a isto, tanto é que o Supremo decidiu romper e atravessou o rubicão quando disse, nesse caso de direito de greve, que não daria mais. São vinte anos dessa jurisprudência, apelos e mais apelos, era uma época em que se falava de lei complementar para direito de greve, depois, tornou-se ordinária, e nada. Diante deste impasse, o Supremo propôs a regularização, tomando, é claro, como paradigma a lei aprovada pelo Congresso, inclusive, no aviso prévio proporcional foi uma discussão muito interessante no plenário, porque o supremo já estava com vontade de legislar, ago- ra, tinha mudado de posicionamento, e era muito interessante. Este foi um dia curioso, porque havia ido assistir ao final da Libertadores, em que o Santos saiu vitorioso, mas comecei a ficar preocupado quando via discussão no plenário em que alguns queriam fazer a lei – e aí percebe-se a dificuldade de fazer leis – e os deputados queriam fazer a lei, detalhavam tudo; outros diziam que tomariam como base o paradigma que tramitava no Senado como, por exemplo, os vários projetos sobre aviso prévio proporcional tramitados pelo Senador Paim, conhecido como alguém que se dedica à causa dos trabalhadores. Esta sensação complicada de navegar num mar de processos lembra o parlamento árabe; não se chegava a um acordo e, depois, eram feitas críticas ao Congresso pela omissão, o que não é verdade. São alternativas muito bem desenhadas aqui, mas prometo trazer numa das próximas sessões, tendo em vista serem colaborações valiosas e complexas para que se organize a ideia; o Ministro Marco Aurélio prometia, porque aqui é uma questão muito complexa de direito comparado, os senhores bem sabem que se pode prometer dar o céu para quem tem dez ou vinte anos na empresa, mas isto leva ao fenômeno de engenharia institucional em que aquelas pessoas que adquirem esses direitos sejam eliminadas. Certamente, não haveria pessoas com mais de oito anos, se o legislador assim estabelecesse; por outro lado; se o Tribunal fosse muito generoso nes- 157 Gilmar Ferreira Mendes ta concepção, poderia haver risco, que seria colocar o Congresso em xeque. Esta é uma temática aquém do Supremo Tribunal Federal, difícil do ponto de vista da divisão de poderes, da própria legitimação democrática, e envolve culturas laborais; depende de você ter um mercado jovem ou ter um mercado mais envelhecido nas relações laborais; e quem pode fazer esta avaliação senão o Congresso Nacional com suas antenas ligadas à sociedade? Se isto fosse definido do ponto de vista técnico, formal, não seria difícil, só que, talvez, fosse criado um engessamento ou emperramento no sistema, então, o melhor seria aguardar. Na manhã seguinte, acorreram ao meu gabinete os dois lados conflitados – aí se entende essa paralisia do Congresso – cada um defendendo posições diferentes, e isso leva a uma paralisia no Congresso Nacional. Disse, então aos interlocutores que o Supremo decidiria e, certamente, fixaria um critério, porque já rompeu o rubicão no direito de greve e, agora, vai avançar. Isto levou ao destravamento, não do Congresso, mas dos grupos que estavam em conflito ali, dos interesses que estavam articulados, que levavam a movimentação para um lado e a paralisia para outro. Em poucos dias, o projeto foi aprovado, é na nova lei que trata do aviso prévio proporcional; e as pessoas perguntam: como? Na verdade, é inexplicável, mas também, não dá para transformar isto em norma, em paradigma; mostra, apenas que é possível a existência de um diálogo institucional, que se deu de maneira informal. Nós mesmos passamos a aplicar o entendimento legislativo nos antigos mandados de injunção que estavam lá presentes como, por exemplo, em um caso que esteve em minha relatoria de um trabalhador que trabalhou na Vale do Rio Doce por 40 anos; era preciso, portanto, que se adotasse algum tipo de critério mais adequado, porque poderia se fixar um critério mais razoável que, também, pudesse parecer estranho, tendo em vista as múltiplas apreensões que o legislador tem de fazer para regular uma matéria como esta; ele pode fazer o teste keirsey, se arrepender, inclusive, daquilo que fez. Este é um caso importante que não poderia ser esquecido quando o contexto envolve as construções ligadas ao direito constitucional do trabalho. Ontem, o ministro trouxe e colocou em pauta o PDV do BESC de Santa Catarina, recém decidido pelo Supremo. Sabese que a jurisprudência do TST ia numa outra direção, pois entendeu que, a despeito do acordo, era possível haver a reivindicação de caráter individual. Acredito que o Tribunal aprendeu bem a matéria e o Supremo também. Neste caso, não se falava de hipossuficiente, mas sim de relação equilibrada entre sindicatos em que era possível valorar a decisão tomada. O Ministro Ives fez uma consideração que aguçou a curiosidade acadêmica, que foi a questão do dissídio coletivo, a necessidade do requerimento ou das duas partes em comum acordo; ele colocou que a dificuldade era a greve, 158 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho mas acredito na dificuldade de algumas categorias fazerem greve. Tudo isto me despertou para a necessidade de reflexão sobre um outro elemento que, mesmo não sendo tematizado de maneira devida no âmbito do direito constitucional, é colocado como lacuna constitucional e que é um caso notório aplicável, não ao direito do trabalho, mas à justiça do trabalho e que fui relator. É sabido que há uma norma no texto constitucional que regulamenta a composição da justiça do trabalho e diz que será composta por membros do Ministério Público do Trabalho com dez anos de carreira jurídica. Acontece que, como foram criados muitos tribunais do trabalho, chegou o momento em que não mais havia número suficiente de procuradores aptos nos critérios constitucionais, assim devese lembrar o Ministro Ives. Diante do impasse, o procurador geral e o Conselho do Ministério Público estabeleceram uma portaria, uma resolução permitindo a indicação de procuradores com menos de dez anos, desde que estivessem estabilizados, efetivados, portanto, inamovíveis. Esta era a premissa, a MB entrou com ADIN contra essa resolução do Conselho do Ministério Público que, inclusive, havia sido assinada pelo procurador geral Geraldo Brindeiro e acolhida pelo Supremo. Foi um tumulto geral, porque ainda não havia modulação e defeitos; foi em uma fase anterior. Era estranho para as pessoas verem que o sujeito que entrara na lista não havia sido escolhido ou que alguns deles já eram presidente de tribunais ou que já haviam deixado de sê-lo. A declaração do Supremo da inconstitucionalidade com eficácia ex tunc dessa matéria provocou uma celeuma enorme, mas certo é que a decisão havia sido tomada. À época, ainda estava em vigor para ADIN o regimento interno do Supremo que permitia embargos infringentes, desde que houvesse quatro votos; havia quatro votos, os mesmos quatro votos fatídicos desses embargos infringentes da ação penal 470. Acontece, porém, que os embargos infringentes foram agora revogados na ADIN – Lei 9868 – e não mais contempla essa possibilidade, pois, não sendo mais embargos de declaração, já não mais contemplam os embargos infringentes. Esta ação, que era da relatoria do meu antecessor Néri da Silveira, veio parar em minhas mãos; ficaram, então, comigo os embargos infringentes. Outro tema, que também foi abordado ontem pelo Ministro Ives, foi a preocupação de justiça e que, evidentemente, à luz do texto constitucional, não havia alternativa. Sabe-se que critério de justiça não é, poderia presidir uma decisão que mandasse aquele procurador lá de Cuiabá ou de Goiânia voltar para a procuradoria, onde, supostamente, seria o mais antigo. Oras, o sujeito se habilitou, entrou na lista – que de sexta virou tríplice – foi escolhido e, agora, no momento da aposentadoria como juiz tem a sua designação desfeita. De fato, este é um tema que desperta, aguça a curiosidade intelectual que, 159 Gilmar Ferreira Mendes por um sentimento de justiça, procurei examinar. Primeiramente, encontrei a fonte inspiradora, nosso amigo do IDP, professor Peter Häberle de Granada, inclusive há até uma subsede Peter Häberle de Granada aqui - cujo texto magnífico fala que a Constituição nunca pode ser interpretada de maneira literal, mas no sentido de desenvolver um pensamento de possibilidade, mesma linha defendida por Zagrebelsky no direito dúctil, numa interpretação com uma dose de razoabilidade, de flexibilidade, de compreensão, de possibilidade de atualização. Outro texto de Chaim Perelman, de lógica jurídica, narra uma coisa curiosa, Ives, que aconteceu na primeira guerra, em que o rei teve de sair da Bélgica e se colocou no Havre, ali num porto francês, e passou a regular a vida belga com decretos; mas a constituição belga dizia que só era possível expedir atos em conjunto com o parlamento, de maneira claramente inconstitucional. Após a guerra, o rei volta e se depara com a questão da constitucionalidade ou não dos decretos, das leis dos decretos como se fosse lei, lançados pelo rei. E é um Procurador Geral Belga do que fornece uma das partes mais curiosas sobre o tema quando dizia que as leis são pensadas para momentos, normalmente, de regularidade; raramente, elas atentam para momentos excepcionais. Neste caso, há que se construir uma regra, uma disposição transitória, ninguém poderia imaginar que o rei belga teria de fugir para a França e de lá expedir decretos. Pode-se dizer que é inconstitucional, há que se identificar esta lacuna no texto constitucional, que será colmatável pela interpretação. Em nosso caso, o constituinte não pensou que haveria falta de procuradores com mais de dez anos, tendo de construir uma disposição transitória razoabilíssima, que é materializada na resolução do conselho. Infelizmente, esses embargos infringentes foram acolhidos pelo Tribunal, e a Lei, a norma declarada inconstitucional agora, de fato, foi declarada constitucional. Talvez, a identificação aqui de uma lacuna constitucional ilumine a solução para o tema suscitado ontem pelo Ministro Ives Gandra. Há também questões roçadas aqui muito preocupantes como, por exemplo, o trabalho análogo ao de escravo e que, às vezes, a jurisprudência do tribunal dá sinais de vacileis, especialmente, na área criminal depois da alteração do texto legal. Claro que, mais do que o código penal, empreendedores temem a própria fiscalização do Ministério Público do Trabalho, tendo em vista os paradigmas estabelecidos em portaria alguma. Fazem até um quadro caricato dizendo que, se não houver uma certa dose de conforto, como o tamanho das camas, do beliche ou coisas do tipo, já se pode caracterizar o trabalho como escravo. Lembro-me, perfeitamente, de um caso penal aqui no Tribunal – parecia mais uma brigada - Ministério Público, Polícia Federal, fiscais do trabalho numa dada fazenda. Por lá, dizia que faltava água, mas as condições da fazenda, também, eram precárias; e o mun- 160 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho do rural brasileiro possui estas coisas, esse mundo que parece quase de fantasia, com alta tecnologia capaz de nos colocar destacados, realmente, no cenário internacional do agrobusiness e tudo o mais. Há, talvez, esse mundo de uma classe pobre ou média baixa que lida com condições muito difíceis às quais o homem rural também é muito acostumado. Fato é que fui ler a narrativa dos fiscais do trabalho em que havia uma passagem, diga-se de passagem, gostosa de ler do ponto de vista literário; um senhor contratou um grupo de trabalhadores - contratados por esses chamados gatos - para trabalhar na campina, na roçagem de pasto sendo, portanto, um trabalho temporário. Veja o quanto aquele homem era impiedoso, pois, além do o trabalhador, leva também o filho deste trabalhador; e o futuro das crianças do Brasil? Perguntei, então ao procurador que estava sentado na sessão em que fora julgado o processo se eles haviam verificado aonde esta criança fora parar; se haviam-na tirado de lá e colocado em um educandário, porque é fácil panfletar sobre esta questão, mas o necessário é levar em conta a realidade sob pena de se fazer constitucional. É preciso que sejam feitas aproximações e que se tenha essa visão da realidade. Novamente, me reporto às assimetrias verificadas com o trabalho não digno, com o abuso, com o trabalho de caráter cruel ou degradante, em que se faz necessário aplicar o ideário de razoabilidade. Outro tema, que também tem chamado minha atenção nesse inventário, possui relação estreita com o direito do trabalho. Foi um caso da relatoria da ministra Carmem Lúcia, o RE 673/335 e a reclamação 14145, que dizia respeito a concurso público para preenchimento de cargos de delegado, escrivão, perito e agente criminal da Polícia Federal. Essa decisão, embora seja parâmetro da Administração Pública, deve ser aplicada ao setor privado; nela o Supremo estabeleceu a priori não poder excluir a participação dessas pessoas nos certames destinados ao preenchimento de determinados casos, valendo também para os empregados da atividade privada. O último tema – sempre mencionado nas palestras – é o da ação declaratória 16, do Governador do Distrito Federal, cujo objetivo era o Artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8. 666, a responsabilidade subsidiária, objeto de tantos embates no TST e no Supremo Tribunal Federal. Na ocasião do julgamento, deixei claro que o texto da súmula 331 acabaria por revogar o preceito mencionado no Artigo 71; ao final, o Supremo concluiu pelo procedimento do pedido e pela constitucionalidade da norma, reconhecendo a impossibilidade jurídica de se transferir automaticamente para a administração pública os encargos trabalhistas fiscais e comerciais resultantes de execução dessa espécie de contrato. Há também os embates associados à terceirização, não essa discutida em âmbito geral no contexto agora do projeto votado na Câmara e pendente, ainda, 161 Gilmar Ferreira Mendes de apreciação pelo Senado; inclusive, foi objeto de consideração do ex-Ministro Senador Crivella ontem no debate. Mas essa terceirização prevista, relação meio e fim nas legislações da privatização, e que tem sido objeto de também continuada discussão no âmbito da justiça do trabalho e, também, no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Sem tomar partido em relação a este tema, volto às premissas iniciais da minha fala, evidentemente, que se deve levar em conta a preocupação com o tratamento digno dado ao trabalhador, a rigidez com relação aos contratos de trabalho na inteireza de suas condições. Este, inclusive, é um trabalho da justiça do trabalho pedagógico, porque é claro que se tem ainda hoje, e por razões diversas, um grau elevado de informalidade. Sendo assim, a canonização de determinado regime, a relação de meio e fim que descamba para um campo filosófico. Neste setor, o Ministro Ives Gandra é especialista; quando não se sabe nem o que é meio e fim, tendo em vista a complexidade das atividades. A todo momento chega um exemplo, como as indústrias que hoje estão sendo compostas, e com toda esta alta tecnologia, com todo este quadro especial, o que é atividade meio e atividade fim, em um dado momento, perde-se. Exemplo maior é o de uma montadora com tantas especificidades que era difícil estabelecer, realmente, o que era atividade meio e o que era atividade fim; assim, tudo acabava, de alguma forma, sendo chamado de terceirizado. Mas todos eram treinados e tinham de ter aquele padrão exigido para qualidade dos automóveis a despeito do estatuto jurídico ou do regime jurídico de cada grupo que participava da empresa, vinculado, até mesmo, a outra empresa. Evidentemente, esse debate é extremamente difícil de se fazer, e talvez revele um erro de perspectiva, por isso é preciso estar atento a essa evolução, mas em hipótese alguma, deve-se baratear a proteção do trabalhador, não se pode colocar isto em risco, deve-se estar atento à evolução. O encerramento vem como o começo: chamando a atenção para as grandes responsabilidades; lembrar Víctor Nunes Leal é sempre oportuno, porque, de alguma maneira, há quase uma primazia de deixar o erro por último e isto traz o ônus da responsabilidade; o sistema pode ser engessado de tal maneira que, talvez, historicamente, não seja possível um pedido de desculpas. Sem dúvida, é facultado ao legislador que esteja editando uma nova lei desculpar-se, dizer que foi infeliz, mas para o juiz, muitas vezes, não há esta possibilidade; e a história não saberá perdoar, será crudelíssima. A responsabilidade da jurisdição trabalhista reside, exatamente, na preocupação com estes aspectos, pois, em parte, também é uma jurisdição constitucional; não por sua competência, mas porque lida com direitos inseridos no texto constitucional, evidentemente, há todos estes desafios das assimetrias do nosso estado, com rea- 162 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho lidades diferentes, que se manifestam, inclusive, nos estados mais desenvolvidos. Uma coisa é a grande São Paulo e toda aquela realidade, outra coisa é o Vale do Ribeira, do próprio estado de São Paulo; isto sem falar do norte e nordeste e em tantas outras realidades que se tem no Brasil afora. Este é apenas um dos grandes desafios. O outro desafio é fixar uma orientação que sirva de paradigma, se não irreversível, pelo menos, duradouro par um país que caminha a passos largos e que continua a acreditar. Para sua entrada no cenário das nações desenvolvidas, as soluções momentâneas servem apenas como advertência e hão de servir para que encerremos esta mania de improvisação – e tenho falado muito sobre isso. Cabe aqui, dar passos lentos e seguros, o deputado com gambiarras institucionais, por exemplo, tem de ser encerrado; e vale dar passos lentos e seguros. A concepção de gastar da responsabilidade fiscal significa não gastar mais do que se arrecada, não gastar mais do que ganha – isto não é de esquerda ou de direita, mas o mais legal. Quando se tenta explicar a lei de responsabilidade fiscal no Governo Fernando Henrique Cardoso – e hoje cada um aqui sente orgulho de haver integrado à equipe do presidente – tendo em vista o grau de responsabilidade que ele revelou para a coisa pública. Quanto mais se conhece outros governantes, mais cresce a admiração por esse grande brasileiro. Uma boa metáfora para explicar tudo isto é a da dona de casa, ela não gasta mais do que recebe – que fique claro não se tratar aqui de direita ou de esquerda, ou envolver desenvolvimentistas, estruturalistas ou fiscalistas, ou seja lá o que for. Isto envolve regras de bom aviso, de boa gestão; regras elementares de boa gestão e é preciso que se esteja atento a essas referências e a esses patamares. Por outro lado, não podemos imaginar que, ao deliberarmos no alto das nossas sabedorias sobre como devem ser as regras interpretadas, do outro lado há alguém algemado e submisso, isto é um processo que a teoria dos jogos explica; este ator buscará novas formas de ação, por isso devemos estar atentos a essas novas responsabilidades, porque como dizia Victor Nunes Leal, também era aplicado o agora por analogia ao âmbito da jurisdição. Nossos afazeres assemelham-se, também, aos dos acondicionadores de explosivos, em que o resultado não será tão espetacular, mas pode ser igualmente desastroso. É preciso que tenhamos em mente cada dia, em cada afazer ligado a essa difícil atividade hermenêutica, essa múltipla complexidade e, certamente, haverá erros e acertos, mas o importante é que haja abertura para isso, que sejam calçadas as sandálias da humildade em cada sessão realizada. Do ponto de vista acadêmico, isto é extremamente necessário, porque representa uma perspectiva; são estudos, inclusive, que balizam as reflexões hermenêuticas, a partir da ideia 163 Gilmar Ferreira Mendes da pré compreensão, que é um modelo de se aproximar de um resultado bom ou ótimo de interpretação. Como juiz, quando se começa a estudar um caso particular, a gente vivencia isto; e como intérprete em várias condições em que se afirmar que o resultado será aquele, porque a précompreensão não era parte pri, não era uma parcialidade, mas apenas um início necessário de caminhada. Talvez tenha deixado alguns temas sem tocar na jurisprudência do Supremo, mas espero ter tocado alguns outros; alguns, inclusive, estão abertos como é o caso da temática da terceirização, que é, ainda objeto de debates; salvo engano, há até dois temas de repercussão geral e quero deixar claro nosso compromisso com a academia e com a Constituição. Na verdade, se houvesse um lema que caracterizasse o IDP seria o Compromisso com a Constituição, respeito a suas regras básicas, compromisso com a academia e, reiterando as palavras do Ives Gandra, busca contínua, incessante da verdade. Referindo-me novamente ao querido professor Peter Häberle, de Bayreuth, que dizia que é por isso que o direito é bonito. Dizia, também, que nós caminhamos para, a partir de uma pré-compreensão chegarmos como resultado hermenêutico a uma pós-compreensão, como resultado de todo o afazer; dizia que a caminhada não se encerrara aqui, porque a pós-compreensão, que é resultado do nosso trabalho, do círculo hermenêutico etc. é a pré-compreensão do futuro. Esta conquista é apenas a base para que se continue discutindo, por isso, os debates não se encerram – a sociedade continua a exigir atualização. Nós do IDP ficamos honrados com a presença de todos no II Seminário do Direito do Trabalho, muito cultivado e incentivado por mim e construído pelo Ministro Ives, tenha acontecido no auditório – novo espaço cultural do IDP, cuja inauguração formal será em outro momento; estamos felizes por realizar este seminário de grandiosíssima e eloquente qualidade aqui em nosso espaço, que se chamará Paulo Brossard. Ex-integrante do Supremo, ele é uma figura de extrema grandeza, que granjeou o reconhecimento de todos. Há 20 ano, quando eu estudava na UNB, em 1976 e me dirigia ao Congresso Nacional, especialmente, ao Senado Federal, era indescritível e muito interessante ouvir figuras como Paulo Brossard, ainda tenho estas cenas gravadas na retina. A vida nos propicia esses privilégios indescritíveis. Cresci fã do Santos e fui colega do Pelé no ministério do Fernando Henrique. Assim aconteceu com Paulo Brossard com quem convivi na academia e, agora aposentado, não o encontrei no Supremo Tribunal Federal, mas este homem fazia e faz deputados e senadores acorrerem para ouvir e encherem as galerias, momentos muitos raros atualmente, pois, agora, as galerias estão cheias é de grupos reivindicantes; mas àquela época de 75 e 76, o Brasil era aquele que procu- 164 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho rava se refazer, reerguer-se, construir a democracia. A propósito de Paulo Brossard, que foi o nosso especial homenageado do congresso de Direito Constitucional do ano passado, foi dado a ele o título de Professor Honoris Causa do IDP, mas infelizmente, não pode vir porque estava muito adoentado; em seguida, veio a falecer. Ele foi um dos comprometidos com a Democracia. Certo é que no Brasil, até bem pouco tempo, acostumou-se a valorar os companheiros de arma; dizia-se que o companheiro de arma não lutara pela democracia; se a luta tivesse sido exultosa, teríamos um modelo como Cuba ou China, logo, não eram pessoas comprometidas com democracia, porque aqueles que lutavam por ela estavam no parlamento, pois a democracia fora construída lá e Paulo Brossard foi um destes homens. De fato, ele contribuiu para a construção desse estado Constitucional, cultivado até hoje e orgulho para muitos. Eis o porquê desta homenagem ao atribuir o nome deste jurista ao espaço cultural do IDP, que corresponde ao auditório e ao espaço para exposições. sar das limitações trazidas pelo tempo. Finalizo, deixando aqui minha alegria em ter estas ilustres pessoas homenageadas neste espaço acadêmico do IDP. Outra homenagem, e não menos importante do IDP foi atribuir à biblioteca do IDP – aberta a todos os estudantes e ao público da Asa Sul de Brasília – o nome Biblioteca Ministro Moreira Alves, homenageando um dos maiores juristas de todos os tempos do Supremo Tribunal Federal, um dos maiores doutrinadores nas áreas por onde atuou e que, felizmente, ainda trabalha conosco com toda sua dedicação, ape- 165 Créditos da Publicação créditos da publicação 166 II Seminário Internacional de Direito do Trabalho Promoção InstInstituto Brasiliense de Direito Público (IDP) Escola de Direito de Brasília (EDB/IDP) Escola de Administração de Brasília (EAB/IDP) Mestrado Acadêmico em Direito Constitucional (EDB) Organização Gilmar Ferreira Mendes (STF - IDP/EDB) Coordenação Científica Gilmar Ferreira Mendes (STF - EDB/IDP) Paulo Gustavo Gonet Branco (EDB/IDP) Coordenação Geral Dalide Corrêa (EDB/IDP) Coordenação científica Gilmar Ferreira Mendes (STF - EDB/IDP) Paulo Gustavo Gonet Branco (EDB/IDP) Ives Gandra Martins Filho (TST) Coordenação Acadêmica Maria de Fátima Cartaxo de Mello (EDB/EAB) Jairo Schäfer (EDB/IDP) Sérgio Antônio Ferreira Victor (EDB/IDP) 167 Créditos da Publicação coordenação Editorial Ana Paula de Azevedo e Silva (IDP) Melina de Souza Bandeira Ferreira (IDP) Revisão Eliana Luíza de Azevedo Comunicação Célia Regina dos Santos (IDP) Guilherme Zuza (IDP) Colaboração Eliana Vieira Silva (IDP) Fernando Rios (EDB/IDP) Gabriela Jardim (IDP) Laila Alves (IDP) Maria Clara Nascimento (IDP) Marília Parreiras Campos (IDP) Diagramação Marja de Sá Tiragem 500 Impressão Gráfica Coronário 168