Data Link nas Operações Aerotáticas

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Data Link nas Operações Aerotáticas
Revista do Comando-Geral do Ar
Nº 02 - Agosto 2000
Network Centric Warfare (NCW)
Materiais Absorvedores de Radiação Eletromagnética
Emprego da Aviação de Transporte na Amazônia
Manobra contra Mísseis Infravermelhos
Spectrum
Data Link nas Operações Aerotáticas
Davi Rogério da Silva Castro, Cap.-Av.
CGEGAR
A
s Comunicações se constituem em
um dos pilares das atividades de com
bate e sem elas não é possível executar, com eficiência, as funções de planejamento, direção, coordenação ou controle. É
certo que devam existir enlaces de comunicações entre todos os níveis de Comando e
Controle, mas o termo “data link” é, geralmente, associado ao enlace de dados no nível tático. Tradicionalmente, as atividades de
Comando e Controle no campo de batalha
têm sido realizadas conforme o ciclo OODA
(Observar, Orientar, Decidir e Agir). As fases
principais desse ciclo podem ser explicadas
da seguinte forma [6]:
a) Observar: buscar ou coletar dados através
das diversas fontes. Consiste no levantamento de informações sobre o inimigo, o estado
das forças amigas e, ainda, a meteorologia e
a geografia da área de operações;
b) Orientar: desenvolver opções baseadas na
análise das informações disponíveis;
c) Decidir: selecionar o curso das ações, preparar e distribuir ordens; e
d) Agir: implementar e avaliar ações, promovendo a realimentação do ciclo.
ção atualizada na área de operações por
meio de sensores diversos e a análise
das forças inimigas quanto
a armamentos, plataformas,
recursos humanos e estrutura de Comando e Controle,
bem como o resultado da
identificação de um objetivo e as ordens para execução de uma determinada
missão, tudo deve estar disponível àqueles que irão O Capitão Davi Rogério da
resgatar, transportar, ata- Silva Castro é piloto de atacar, defender, patrulhar, fa- que, concluiu o CFOAv em
zer reconhecimento etc.
1987 e exerce atualmente a
Para apoiar todas essas função de Chefe da Seção
atividades, faz-se necessá- de Inteligência do Centro de
ria a transferência de dados Guerra Eletrônica do
entre plataformas e esta- COMGAR (CGEGAR). É Enções de controle, por meio genheiro Eletrônico pelo Insde enlaces de comunica- tituto Tecnológico de Aeroções confiáveis, rápidos e náutica (ITA), possui o Curseguros (resistentes às inter- so Básico de Guerra Eletrôferências naturais ou inten- nica e está cursando
cionais – “jamming”). Es- mestrado em Engenharia Elétes enlaces devem permitir trica na Universidade de
a troca tanto de informa- Brasília (UnB).
ções sobre as atividades de
forças amigas (localização, planos, situação etc.) quanto das observações geradas pelos diversos sensores, bem como
possibilitar o emprego eficaz dos meios
através da transmissão de ordens de comando.
O avanço tecnológico, possibilitou
que todos esses dados fossem
digitalizados, tornando mais fácil a
implementação da criptografia e o
processamento de informações geradas
por fontes diversas. O uso de redes digitais de distribuição de informações táticas permite a transferência rápida e
acurada de elevados volumes de dados
entre diversas plataformas, proporcio-
No nível tático, cada uma das fases
ocorre numa velocidade maior que nos
níveis estratégico e operacional. Essa velocidade requer que as plataformas aéreas e as unidades de superfície sejam
capazes de acompanhar o cenário e atinjam um nível de consciência situacional
do ambiente à sua volta de maneira a
lhe permitir realizar o ciclo de Comando e Controle mais rapidamente que o
inimigo complete o seu.
Qualquer que seja o tipo de operação, Aeroestratégica, Aerotática ou de
Defesa Aérea, é possível identificar os
processos envolvidos em cada uma das
fases do ciclo de Comando e Controle.
Por exemplo, o levantamento da situa○
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nando coordenação e eficiência na execução da missão, mesmo que para isso
seja necessária maior largura de banda
[veja o texto em destaque].
As justificativas para se adotar um
data link são inúmeras. A principal é que
o aumento do número de aeronaves
numa operação coloca o volume das informações veiculadas entre elas em um
patamar que o enlace de voz não atende. A codificação utilizada nas comunicações “convencionais” é um recurso
que apresenta fragilidade, face ao barateamento e difusão de sistemas de
interceptação e escuta. Existe, ainda,
grande dificuldade de se estabelecer
uma autenticação confiável entre os
interlocutores, o que compromete ainda mais a comunicação. Um data link
possibilita automatização, com ganho
substancial na capacidade de Comando
e Controle. Assim, a situação aérea observada por uma determinada aeronave
poderá ser compartilhada com outras,
aumentando o raio de cobertura total.
Nos data links, informações digitais
são transferidas através da rede de comunicações, processadas e apresentadas ao operador. No display, essas informações são combinadas provendo uma
representação padronizada para localização de forças amigas, rotas de
interceptação, designação de alvos e
objetivos, além de outras informações
de Comando e Controle, sem que haja
comunicação verbal entre os operadores.
Conceitualmente, um data link pode
ser estratificado em sete camadas (padrão OSI), a saber: física, enlace, rede,
transporte, sessão, apresentação e aplicação. Entretanto, para simplificação do
estudo, pode-se adotar uma representação em apenas três camadas:
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a) camada física: responsável pelo sistema de transmissão e recepção de sinais, podendo incluir a digitalização de
voz, a codificação/decodificação, a
cifração/decifração e a modulação/
demodulação de sinais, a utilização de
protocolos de acesso múltiplo e outros
recursos;
figura 1: As três camadas de um data link
b) camada lógica: encarregada do
gerenciamento do enlace e formatação de
mensagens. Ou seja, por meio desta camada é possível organizar as informações
a serem transmitidas em “pacotes de bits”
adequados segundo as características da
camada física. Esses “pacotes” recebem o
nome de “mensagens” e contém os dados
de status da aeronave e do armamento,
aqueles gerados pelos sensores etc.;
c) camada de aplicação: responsável, basicamente, pela interface com o operador
e pelo processamento das informações disponíveis, de forma a oferecer o máximo
de automatização aos processos de Comando e Controle.
Assim, conclui-se que a simples existência de um transceptor seguro e eficiente não significa que se tem um data link. É
necessário, ainda, um software de
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gerenciamento de comunicação, que
formate os dados a serem transmitidos segundo os requisitos do transceptor e, no caminho inverso, reagrupe as mensagens que
chegam. Além disso, existe a necessidade
de um software aplicativo, com capacidade de cálculo e condições de fornecer ao
operador a visualização das informações e
escolha dos serviços a serem executados.
entre os enlaces automáticos de dados em
operação na OTAN e foi concebido para
corrigir as deficiências apresentadas por
seus dois antecessores, não alterando os
conceitos básicos de troca de informações
por data link, mantidos por vários anos
pelos Link-4 e Link-11.
Ele apresenta uma alta performance,
possui capacidade de transmissão de dados criptografados (“secure”), agilidade de
freqüência e capacidade de “relay”, que
possibilita a ampliação do alcance em
UHF até 300 milhas náuticas. Utiliza-se
da faixa entre 916-1215 MHz [2] para troca de dados e pode ser empregado por sistemas em estações marítimas, terrestres e
aerotransportadas. O Link-16 não utiliza
uma Estação Controladora da Rede (ECR),
sendo uma rede livre que não necessita
da transmissão contínua para estar ativa.
Ele possui três formatos de mensagem: um
fixo, tipo utilizado pelo Link-11; um com
texto livre; e um de formato variável.
O sistema emprega o recurso de
TDMA para que todos os usuários compartilhem o mesmo canal. Toda informação de cada usuário é disponibilizada em
tempo real para qualquer um que necessite dos dados. No arranjo TDMA do JTIDS,
cada usuário possui um ou mais “time
slots” que se repetem a ciclos regulares
de 12,8 minutos, conforme se pode verificar na figura abaixo:
O JTIDS dos EUA
Os links utilizados pelos EUA são baseados em um programa de padronização
e desenvolvimento único do Departamento de Defesa dos EUA (DoD), que vem
evoluindo ao longo dos anos, buscando
atender às necessidades operativas das
Forças Armadas dos EUA [1].
O “Tactical Digital Information Link”
(TADIL) padroniza formatos de mensagens
e as características de transmissão para
possibilitar a troca de dados entre estações, permitindo a evolução dos equipamentos em torno de um padrão estabelecido. A padronização estabelecida pelo
TADIL, recentemente, foi modernizada
p e l a a p l i c a ç ã o d o “ J o i n t Ta c t i c a l
Information Distribution System” (JTIDS),
cujos protocolos, características de transmissão, formatos de mensagens e convenções tornaram possível o emprego de redes sem nós principais.
O JTIDS ou Link-16 é o mais moderno
figura 2: Estrutura do ciclo TDMA no JTIDS
"A aeronave sueca Grippen utiliza um data link para obter
consciência situacional."
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Em busca da Consciência
Situacional
O Link-16 é usado em operações de
vigilância, guerra eletrônica, coordenação de ações, armamento, controle
de aeronaves, combate aéreo, navegação, comunicações cripto-voz e
identificação positiva de unidades (similar a um IFF, só que atribuído ao
sistema).
Estratégias efetivas reconhecem que a
Consciência Situacional (“Situational
Awareness”) é crucial não só para antecipar o que está para acontecer no futuro,
como também para definir o presente imediato [5]. O ciclo de Comando e Controle
(detecção, processamento, decisão e
Bits e Fourier
te recuperado.
No começo do século XIX, o grande matemáti-
Nenhum recurso de transmissão consegue
co francês Jean Fourier demonstrou que qualquer
enviar sinais sem perder alguma potência no pro-
função periódica g(t) pode ser construída soman-
cesso. Seja qual for o sistema de transmissão, as
do-se um número (possivelmente infinito) de senos
componentes de Fourier não são igualmente trata-
e cosenos. A decomposição da função g(t) em uma
das acarretando distorção no sinal resultante. Além
freqüência fundamental f0 e suas componentes,
disso, os circuitos e o meio de transmissão ditam,
ou harmônicas, todas múltiplas de f0, é amplamente
fisicamente, uma freqüência de corte, acima da qual
utilizada nas comunicações digitais e permite a
todas as harmônicas são fortemente atenuadas. É a
compreensão de diversos fenômenos [4]. Na ilus-
freqüência de corte do sistema de comunicação
tração a seguir vemos que uma onda quadrada
que estabelece a chamada largura de banda dis-
pode ser aproximada por várias representações
ponível. A limitação, devida à distorção ou à fre-
em série de Fourier:
qüência de corte, existe sempre, tornando impossível a recuperação fiel do sinal original, caso essa
limitação não seja respeitada no projeto do sistema.
A onda quadrada pode ser vista, genericamente, como a variação de "zeros" e "uns" de uma transmissão digital, os bits. Também de forma genérica,
diz-se que a freqüência fundamental (em Hertz)
coincide com a taxa de transmissão (em bits/seg).
Se as harmônicas são múltiplas de f0, quanto maior
a taxa de transmissão, maior é a parcela do espectro utilizada pelo sistema de comunicação, pois
mais espaçadas estarão as componentes de Fourier
do sinal.
a linha verde é a componente com freqüência fundamental somente, a amarela é a soma da funda-
Olhando o problema de outra forma, dizemos
mental com a 1a. harmônica e a azul acrescenta a
que é necessário trabalhar com sistemas de maior
2a. harmônica ao resultado anterior, numa tendên-
largura de banda, se desejamos altas velocidades
cia de aproximação à onda quadrada original.
de transmissão de dados. Isso geralmente implica
Portanto, podemos concluir que, se forem soma-
também na busca pela utilização de freqüências
das todas as infinitas harmônicas, o sinal repre-
portadoras mais altas.
sentado pela linha vermelha deve ser perfeitamen-
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ação) ocorre continuamente durante a
missão e as tripulações devem dominar
todas as tendências para antecipar os
eventos futuros. Em outras palavras, a
busca da Consciência Situacional é um
processo dinâmico, que deve ser levado
a efeito até que a missão seja completada. A tripulação precisa conhecer sua orientação em relação a inúmeras variáveis
(amigos, inimigos, meteorologia, terreno,
condições do sistema de armas e qualquer outro elemento que contribua para o
sucesso da missão). Eles integram esta informação com seus próprios planos de missão, exploram opções e tomam decisões
baseados em táticas predefinidas e capacidades de seus sistemas de armas.
A tripulação precisa ver, pensar, decidir, comunicar e executar mais rápido que
o adversário. A única maneira de fazer
isso é obtendo a informação correta no
tempo certo para tomar a decisão mais
apropriada. Quando estas conexões são
feitas, a Consciência Situacional se torna uma contribuição significativa ao sucesso em engajamentos táticos, daí a importância de um data link eficiente.
Definições
Data Fusion – Fusão de dados. Processo
de integração de dados provenientes de
fontes (sensores) diferentes.
Referências
Network Centric Warfare – Guerra
centrada em redes. Ver artigo na página 14
desta revista.
[1] Silva, Júlio César Barreto Leite, Capitãode-Corveta, “Enlaces Automáticos de Dados”, Revista Passadiço, Marinha do Brasil.
[2] Fenton, Sandra J., “Global Broadcast
Service Reach Back Via Satellite Tactical
Digital Link J (S-TADIL J)”, Master´s Thesis,
Naval Postgraduate School, CA, USA,
September 1999.
[3] Schleher, D. Curtis, “Electronic Warfare
in the Information Age”, Artech House,
Boston, 1999
[4] Tanenbaum, Andrew S., “Redes de Computadores”, Editora Campus, Rio de Janeiro,
1994
[5] Karen T. Garner and Thomas J.
Assenmacher, “Improving Airborne Tactical
Situational Awareness”, Journal of Electronic
Defense, Nov 1996.
[6] Comando da Aeronáutica, “MCA 500-3 Comando e Controle na Guerra”, 17 de março de 2000.
OSI – “Open Systems Interconnection”.
Modelo de referência desenvolvido pela
“International Standards Organization”
(ISO) para interconexão de sistemas abertos, isto é, sistemas que são abertos à comunicação com outros sistemas.
Situational Awareness – Consciência
situacional. Compreende a observação do
ambiente e processamento dos dados para
composição de uma visão da situação atual que oriente o processo decisório e a ação
sobre este ambiente.
TDMA – “Time Division Multiple Access”
ou Acesso Múltiplo por Divisão do Tempo. Recurso que possibilita, numa rede de
comunicações, a utilização do mesmo canal por diferentes usuários sincronizados,
transmitindo em intervalos de tempo fixos,
pré-configurados.
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