SINOPSE PERSONALIZADA DO ROMANCE ALUSÃO

Transcrição

SINOPSE PERSONALIZADA DO ROMANCE ALUSÃO
SINOPSE PERSONALIZADA
DO ROMANCE ALUSÃO
OS DOIS AMIGOS chegaram arfantes em frente ao convento, cansados, quase
em seus limites. Estavam no lado contrário da rua, encostaram-se no muro, as
pernas dobraram, eles ficaram acocorados descansando, enquanto os olhos
admiravam o monumental convento, obra centenária reformada, e ao lado do
convento um enorme galpão anexo, a frente era um paredão com uma única
porta estreita, escrita sobre ela “abrigo”.
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Voltaram os olhos para eles e envergonhados de tanta pobreza e
tanta fome, criaram forças para atravessarem a rua e baterem à
porta do abrigo. A porta abriu-se lentamente, muito lentamente e
por trás dela surgiu um velhinho de cabelo e barba branca, um
daqueles antigos moradores de rua; mas ele aparentava ter
tomado banho, cheirava a sabão de coco, vestia uma roupa
surrada e limpa. O porteiro encaminhou-os, para a mesa da freira
que recebia a taxa paga pelos abrigados. Em seguida, eles foram
orientados e dirigiram-se para o local onde receberiam a muda de
roupa limpa, em troca da muda de roupa-suja que cada um estava
usando, e um pedaço de sabão de coco para utilizarem durante o
banho.
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Naquele sábado, ele chegou sem pressa, na praça da igreja da santa, a praça
estava lá como sempre estivera, os portões abertos e as pessoas transitando nela
com suas caras alegres, quer dizer, menos o Eurípedes, ele estava com cara de
preocupado. Chegara o grande dia da grande decisão. Quando ele pisou na praça,
já foi pensando, porque esta praça é fechada com grades de ferro de bitola tão
alta, artisticamente trabalhada, tem portões e cadeados, o poeta não disse “a
praça é do povo”, mas pelo visto, aqui nada é do povo. De quem será? Da Santa,
do Padre, do Arcebispo, do Bispo, dos conselheiros da festa ou será do pedantismo
de todos eles juntos, que por não poderem passear na praça impedem que outros
passeiem. Eu não sei de quem é, mas esta praça é pura ostentação — pelo menos
para mim que tenho vivido na miséria — o piso e até as calçadas em mármore,
uma concha acústica utilizada como adorno.
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Ah, eu ia esquecendo, tem também o santuário expositivo da Santa, construído
em vidro blindado, mas que extravagância! Quem vai atirar na Santa? Ela não
morre, não tem vida, porque trancá-la? Temem que roubem a imagem, mas e
daí! Na loja de produtos profanos e religiosos — da igreja — existem centenas de
imagens idênticas. Sim, agora entendi, eles não querem comprometer a fé que
depositam na Santa, com todos estes cuidados o povo acredita que aquela Santa
prisioneira é especial, é única. Eles devem acreditar que catequizar com a mentira
é mais proveitoso do que o método tradicional: pregar para os fiéis. E para o que
eu tenho em mente, saber que eles preferem a mentira, é tudo o que eu quero.
Durante todo este período que eu frequento a praça e a igreja, fazendo delas a
minha vitrina, eu pude perceber que os poderosos deste monumento secular —
denominado igreja — que provavelmente, deve faturar uma fortuna todos os
meses, se esta minha suposição não fosse verdadeira.
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Parou bem no meio dos mendigos, tirou do bolso uma nota de cinquenta reais, e dirigiu-se
para o mendigo do olhar mais aguçado, o que pareceu que falava pelos outros.
— Este dinheiro é para dividir entre todos que estão nesta rampa, mas só se me responder
umas perguntas. Pode ser?
— Claro que pode. Mas antes da pergunta, deixe que eu agradeça. Obrigado por esta esmola
movida a curiosidade, não importa o motivo, ela é bem-vinda. O maior desejo que tiveres no
teu coração, que ele se realize quando cruzares aquela porta, desejo do bem ou do mal. — o
mendigo curvou-se compenetrado e cerimonioso, no momento em que apontou a porta da
igreja para o Eurípedes.
— Hum! E desde quando, benção de mendigo tem validade?
— Desde nunca! Porque se valesse alguma coisa, não estaríamos sentados aqui na rampa!
— Hum! Excelente resposta!
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— Tu esperavas o quê? Que eu respondesse que a benção é valiosa! Eu
estou mendigo por opção, mas eu não sou idiota, embora pareça!
— Não idiota não. Vocês são vinte e dois mendigos bem organizados.
Possuem até um porta-voz!
— Somos cento e dez, cada lote de vinte e dois de nós, cobre um
plantão de três horas de trabalho: são cinco plantões.
— E moram todos debaixo de pontes?
— Não chegamos nem perto de pontes. Cada um dos plantonistas tem a
sua casa própria. Uns na periferia e outros nas invasões. Quando
tiramos a máscara de mendigos, nos transformamos, passamos a ser
normais e consumidores.
— Mas, somente três horas de trabalho! Não é pouco para um
rendimento aparentemente grande?
— Não! É o suficiente para nós. Seguimos o ritmo dos nossos colegas
de teto, os padres — vivemos debaixo do mesmo teto — eles fazem
quase nada, e nós também.
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O Eurípedes deixou que os olhos percorressem livremente sobre as imagens dos santos,
nenhum foi especial o bastante para que a vista se detivesse nele. Desviou a vista para o
confessionário, e lá, em um banco discreto, próximo, três pessoas aguardavam a vez
para confessar. Ele aproximou-se, sentou-se e aguardou o momento de confessar.
Quando chegou a vez dele, estava despreparado, caminhou com as pernas bambeando,
para ajoelhar-se perante a Janelinha do confessionário.
— Padre, eu não quero me confessar, eu quero me aconselhar, mas eu não sei como
dizer isso. Não sei nem por onde começar.
— Confessar, é uma coisa do outro mundo? É tão difícil assim? Eu notei que você está
muito nervoso, teve dificuldade para ajoelhar-se. Porque tudo isso?
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Quando os da comitiva deram por si, estavam dentro do escritório luxuoso do Bispo
Geral, ficaram encantados com tanto luxo, quer dizer, somente os que ainda não
conheciam o escritório, todo atapetado, o tapete era tão macio que o sapato afundava
quando pisava; a mesa de despachos era em granito brilhava que dava gosto ver, e sobre
ela descansava um bloco de notas e uma caneta; a cadeira colonial em cerejeira,
almofadada e o encosto com entalhes em alto-relevo; cortinas de seda em tom vinho;
uma estante cobria uma parede inteira, repleta de livros de uma ponta a outra.
Quando perceberam a ausência do Bispo, os olhos ficaram afoitos e eles
vasculharam cada canto do escritório, a curiosidade aguçada levou-os em busca de
detalhes. Qualquer coisa que encantassem aqueles olhos de simples mortais. Mas, o que
eles viram, deixou-os tristes, decepcionados, os próprios olhos negaram-se veemente
em acreditar no que viam. Ali na frente deles, em um dos cantos do escritório, o
absurdo se fazia presente. Uma caixa de madeira com aproximadamente uns dois
metros quadrados, contendo areia, e dentro dela em posição de meditação, todo
maltrapilho, estava o Bispo Dom Consente Bebeto, com os olhos arregalados olhando
para os invasores. E o Bispo estava tão incrédulo quanto os da comitiva. Com aspecto
de grande desolação, o Bispo falou com voz arrastada, cheia de decepção.
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— Mas, Dom Consente Bebeto, porque só agora o senhor despertou para o que está
escrito em êxodo capítulo vinte, versículos quatro, cinco e seis?
— Acho que de uma maneira ou de outra, eu preciso fazer alguma coisa. Os sinais estão
chegando até a minha pessoa. No Convento Sublime Decoro, lá no convento das freiras,
existe uma área do pomar e da horta que são cuidados por mim. As plantas que eu cuidei
com todo carinho, nunca deram um fruto, e as hortaliças plantadas por mim, não
germinam, se planto sementes, elas não grelam, se planto mudas, elas murcham. É
aterrador ver que as plantas cuidadas por outras pessoas, ali ao lado das minhas, crescem
frutíferas e viçosas. É um sinal para que eu desperte para o combate a idolatria. Em Ageu
capítulo um versículo dez, está escrito “Por isso, [os] céus acima de vós retiveram [seu]
orvalho e a própria terra reprimiu a sua produção” está declarada a guerra contra a
idolatria e contra os conselheiros que não me acompanharem. Entendeu conselheiro?
— Entendi muito bem, aliás, todos nós entendemos Dom Consente Bebeto, e eu já
adianto para o senhor: nós não vamos acompanhá-lo nestas mudanças. Todos nós
votaremos contra elas. E, por nossa própria determinação. Vamos levantar fundos junto
aos empresários interessados, para pagarmos ao jovem aleijado.
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— Dom Consente Bebeto, ouvindo o senhor falar assim com profundidade magoado, me
preocupa. O senhor não gostaria de reconsiderar a sua posição radical? Assim, o resultado
desta reunião, não seguirá por caminhos errados. Fiquei assustado quando ouvi dom Roberto
Cotteleze falar de transgressão disciplinar! Isto parece grave, ou eu estou errado?
— Conselheiro, a sua preocupação e o seu susto, não me influenciarão, por favor, desista. E
quanto aos caminhos que o resultado da reunião possa tomar, não interessa. As águas
correm para o rio, o que tiver que ser será, é inevitável. Zaratustra quando falou da Árvore
da Montanha, disse “Por que te assustas? O que sucede à árvore sucede ao homem.
‘Quanto mais se quer erguer para o alto e para a luz, mais vigorosamente enterra as
suas raízes para baixo, para o tenebroso e profundo: para o mal” o Conselheiro consegue
digerir em benefício próprio, uma verdade tão crua como esta? Eu duvido muito!
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