O México no NAFTA: negociação de igualdade entre

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O México no NAFTA: negociação de igualdade entre
FFCH
Revista
da ADPPUCRS
Porto Alegre, nº. 5, p. 101-109, dez. 2004
O México no NAFTA: negociação de igualdade entre desiguais?
OSVALDO BIZ*
RESUMO: A economia mundial trabalha com duas vertentes: uma é a globalização, outra, a regionalização, ou seja, a organização de países em blocos. Alguns
destes já estão constituídos como o chamado NAFTA, (North American Free
Trade Agreement), Acordo de Livre-Comércio da América do Norte, a UNIÃO
EUROPÉIA, outros, em construção, como o MERCOSUL (Mercado Comum do
Sul) e a ALCA (Área de Livre-Comércio das Américas). Nosso artigo pretende
percorrer a caminhada realizada pelos Estados Unidos, Canadá e México até a aprovação do novo bloco econômico conhecido como NAFTA, em 1994. O destaque, porém, será para o México, uma vez que ingressou no bloco, do qual fazem parte dois países do G-7, numa relação totalmente assimétrica. Desse modo,
a prometida era da prosperidade do México ficou pelo caminho.
INTRODUÇÃO*
Os cenários para a formação dos blocos econômicos apresentam opções diferenciadas. O mais simples é conhecido como Zona de Livre Comércio, com a liberação do comércio de produtos com taxas
reduzidas ou totalmente desoneradas. Esse
é o caso do NAFTA, que envolve os Estados Unidos, Canadá e México. Estabelece
uma eliminação tarifária progressiva, de
forma que, após dez anos do início do Tratado, as barreiras comerciais deixariam de
existir.
Um outro cenário a ser descrito é o
do Mercado Comum, onde inclui-se, além
____________
*
Professor da PUCRS – Doutor em Comunicação Social
da livre circulação de mercadorias, a possibilidade de locomoção de capitais, serviços,
pessoas. Essa união pode tornar-se, ainda,
mais completa pela adoção de uma moeda
única. É o caso atual da UNIÃO EUROPÉIA, a princípio formada por 15 países1.
Sua construção inicia com o Tratado de
Paris, em 1951, através da criação da Comunidade do Carvão e do Aço (CECA),
uma união visando, inicialmente, mais à
produção do que ao comércio.
Essa proposta escondia outros desdobramentos: o estabelecimento de uma
paz duradoura, o fim das lutas fratricidas. A
____________
1
Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda, Luxemburgo,
Inglaterra, Irlanda, Dinamarca, Espanha, Portugal, Grécia,
Áustria, Finlândia, Suécia.
união e fortalecimento da Europa representariam, também, condições de influenciar
no período da Guerra Fria, não deixando
as decisões só por conta dos Estados Unidos e União Soviética. Para Hobsbawm
(1998, p. 238), o melhor que os franceses podiam fazer era entrelaçar os negócios alemães
ocidentais e franceses de tal modo que o conflito
entre os dois velhos adversários fosse impossível.
O grande avanço acontece com o
Tratado da Unificação Européia em 1986,
denominado Ato Único Europeu, pelo
qual é assegurada a concretização de quatro
liberdades entre os países membros: livre
circulação de mercadorias, de pessoas, de
capitais e de serviços. Em 1991, o Tratado
de Maastricht2 determina que, em 1999, se
adotaria a moeda única, o EURO, a qual
conviveria, ainda, por algum tempo, concomitantemente com a moeda local. de
cada país envolvido. Em 2002, 11 dos 15
países optam, pelo uso exclusivo da nova
moeda.3
O MERCOSUL, integrado pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, depois
do estabelecimento da Zona de Livre Comércio, em 26 de março de 1991, vivencia,
no momento, o cenário da adoção da Tarifa Externa Comum (TEC), através da qual,
os países membros cobram um percentual
único tarifário para a entrada de produtos
dos países fora do bloco. É a chamada União Aduaneira. Entretanto, cada país pode,
por enquanto estabelecer exceções, ou seja,
listar uma série de produtos sobre os quais
incidem tarifas mais elevadas do que as
combinadas.
____________
2
Cidade da Holanda, onde se realizou o encontro.
A Dinamarca, Inglaterra e Suécia preferiram aguardar os
acontecimentos, e a Grécia foi excluída, porque não conseguiu
completar as metas estabelecidas pelo Tratado de Maastricht.
Desde 1º maio de 2004, mais dez países fazem parte deste
bloco: Hungria, Polônia, Eslováquia, Estônia, Malta, República
Tcheca, Lituânia, Eslovênia, Letônia, Chipre (a parte habitada
pelos turcos). Esta nova Europa congrega 450 milhões de
habitantes e um Produto Interno Bruto de 10,8 trilhões de
dólares. Para 2007 está previsto o ingresso da Romênia e Bulgária.
3
Esse processo inicia por ocasião da
assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em
31 de dezembro de 1994, objetivando defender a produção de cada país, ainda sem
condições de competir no mercado internacional. Não há data para a concretização
do Mercado Comum. A sua criação resulta
da assinatura do Tratado de Assunção, em
1991, pelos Presidentes Fernando Collor
de Melo, do Brasil, e Carlos Menem, da
Argentina.
ALGUNS ASPECTOS DA HISTÓRIA
MEXICANA
Costuma-se dizer que o México foi
invadido três vezes: por Fernão Cortez, em
1519, com a destruição da civilização dos
Astecas; pelos Estados Unidos na guerra de
1845-1848 com a conquista de territórios
mexicanos, Texas, Califórnia, Arizona, Nevada, e a terceira, quando da assinatura do
Tratado do NAFTA, em 1994, através da
dominação econômica.
O México viveu entre 1877 e 1911
sob a ditadura de Porfirio Dias. Foram 34
anos. A partir de 1929 é fundado pelo exPresidente Plutarco Calles (1924-1928), o
Partido Nacional Revolucionário, que muda para Partido da Revolução Mexicana até
se fixar no conhecido Partido Revolucionário Institucional (PRI), em 1946. A política
e a administração do México permanecerá
sob o controle do Partido que inicia em
1929, durante 71 anos.
Um livreto escrito pelo acadêmico
Peter H. Smith lista os 15 itens básicos para
subir na vida no México. O segundo é filiar-se ao PRI. O primeiro é obter o título de
bacharel. A elite mexicana seguiu à risca
esses conselhos. Todos os funcionários
públicos passaram a integrar o novo partido. Os sócios da Confederação dos Trabalhadores Mexicanos (CTM), a Confederação Nacional Camponesa (CNC) e a das
Organizações Populares estão inscritos no
PRI. Não fica difícil, então, explicar a eter-
nização deste partido no poder. A última
recomendação de Smith: quando isso ainda
é insuficiente, usa-se a fraude.
Em agosto de 1990 aconteceu, na
Cidade do México, um encontro de intelectuais. O Prêmio Nobel de Literatura do
México, Octavio Paz, elogiou o seu país por
viver nos últimos sessenta anos sem golpes
militares e com presidentes eleitos pelo
voto popular. O escritor Mário Vargas Lhosa, presente no encontro, retrucou, classificando o México como uma “ditadura camuflada”. E explicou: não é uma ditadura de
um homem, mas de um partido. De fato, no
período do reinado do PRI, o governo
nunca perdeu uma votação no Congresso4.
Há outros partidos no México: o Partido Revolucionário Democrático (PRD),
de esquerda, e o Partido da Ação Nacional
(PAN), de centro-direita. Este último realizou, no ano 2000, a façanha de destronar o
PRI, nas eleições presidenciais daquele ano,
ao eleger Vicente Fox Quesada, efetuando
uma transição sem violência.
O SURGIMENTO DO NAFTA
O início deste bloco é fruto de uma
parceria firmada entre os Estados Unidos e
o Canadá, a partir de 1988. Havia muitos
interesses em jogo. Para o governo norteamericano era importante diminuir o crescente déficit comercial, além de mostrar
força frente à crescente organização dos
Estados Europeus e às dificuldades existentes para encerrar a Rodada Uruguai, no
que diz respeito ao GATT (General Agreement on Tariffs and Trad) - Acordo Geral
de Tarifas e Comércio.5
____________
4
O cientista político Jorge Castañeda assim definiu o sistema
eleitoral mexicano: Uma partida de futebol em que as traves
são de tamanhos diferentes e um time inclui os 11 jogadores, o
juiz, e os bandeirinhas, enquanto o outro é obrigado a jogar
com apenas seis homens em campo. (Apud FUSER, Igor, op.
Cit. P. 32).
5
Em Punta Del Este, 1986, aconteceu o lançamento da “Rodada
Uruguai”, com 107 participantes, para resolver problemas de
relacionamento comercial entre os países, como subsídios à
agricultura, propriedade intelectual, serviços. A dificuldade de
Do lado do Canadá, a união poderia
representar um caminho para o mercado
consumidor mais cobiçado do mundo, o
dos Estados Unidos. Por outro lado, havia
um receio, a possibilidade da Nação-limítrofe impor medidas protecionistas contra
os produtos canadenses. Ao final das conversações, os dois países firmaram um acordo de livre- comércio.
Em 12 de agosto de 1992, o Presidente George Bush convidou o México
para integrar o NAFTA. O Presidente Carlos Salinas de Gottari aceitou a proposta,
sendo formalizada na Sede da Organização
dos Estados Americanos (OEA), em 17 de
dezembro de 1992. Devido ao fato de o
Governo Bush estar no final do seu mandato, coube ao futuro Presidente, Bill Clinton, a concretização do novo bloco econômico. Acordos dessa natureza exigem aprovação dos respectivos Parlamentos dos países negociadores.
FACILIDADES E DIFICULDADE NA
APROVAÇÃO DO ACORDO
No caso do México, a aprovação para
a entrada no NAFTA começou em 1987,
quando Carlos Salinas de Gotari era Ministro da Fazenda do Presidente Miguel de La
Madrid (1982-1988). Nas eleições presidenciais de 1988, Salinas de Gotari, do Partido
Revolucionário Institucional, foi o vencedor, derrotando o candidato Chuauhtémoc
Cárdenas, do Partido Revolucionário Democrático,6 embora as pesquisas o apontassem como vencedor. Algumas horas antes
da eleição, dois de seus assessores foram
se chegar a um acordo sobre estes temas, prolongou esta denominada “Rodada Uruguai” até 1994, quando, o “Acordo Geral
de Tarifas e Comércio” (GATT), criado em outubro de 1947, na
reunião de Havana, foi substituído pela Organização Mundial
do Comércio (OMC), com sede em Genebra. Atualmente 145
países fazem parte desta organização.
6
O candidato da Oposição Chuauhtémoc Cárdenas era filho do
ex-presidente Lázaro Cárdenas, que governou o México entre
1934-1940. Durante sua administração foi criada a Companhia
Estatal de Petróleo, a Pemex, - Petróleos Mexicanos - (1938),
além de nacionalizar as estradas de ferro e efetivar a reforma
agrária.
assassinados: Francisco Xavier Quando e
Román Gil Hernandez7. Durante a apuração dos votos houve uma inexplicável “pane” nos computadores. Ao final, Salinas
era declarado vencedor, para o período
1988-1994. Seu sucessor, Ernesto Zedillo,
também sairia dos quadros do PRI (19942000).
A administração de Gotari caracterizou-se pela adoção do modelo neoliberal,
sobrevalorização do câmbio, privatizações, e
entrada do capital especulativo. Desse modo baixou a inflação, facilitou as importações e prejudicou as exportações. O México virou um Shopping Center. O Programa Nacional de Solidariedade (Pronasol) foi utilizado, segundo tese acadêmica
de Denise Bresser, para construir a imagem
do presidente, desmantelar as organizações
sociais independentes, ganhar votos, menos
combater a pobreza. Tratava-se de puro
clientelismo.
Salinas revogou o artigo 27 da Constituição mexicana, que mantinha a existência da pequena propriedade, conhecida
como Ejido. Esse modelo de propriedade
comunitária foi adotada, após a Revolução
de 1910. Com essa decisão, não haveria
mais limites para a expansão do latifúndio.
O México era elogiado por muitos países e
personalidades acadêmicas, pelo sucesso
econômico8. Contando com o apoio do
____________
7
A violência nas eleições mexicanas não é um fato incomum.
Na escolha do sucessor de Salinas, o candidato do partido
situacionista (PRI), Luis Donadio Colosio foi assassinado, em
23 de março de 1994. No mesmo ano, a 28 de agosto, também o
Secretário-geral do PRI, José Francisco Ruiz Massieu foi morto.
O sub-procurador, Mario Massieu, irmão de Ruiz Massieu,
encarregado da investigação, não chegou a conclusão alguma.
Fugiu para os Estados Unidos, sendo preso, em vista da grande
quantidade de dólares que portava. Em setembro de 1999 suicidou-se naquele país. Raul Salinas, irmão do presidente e cunhado do secretário assassinado, foi preso como mandante do
crime, em fevereiro de 1995. Sua mulher foi detida na Suíça, ao
tentar sacar 80 milhões de dólares de uma conta do marido sob
nome falso. (GRAY, John. 1999, p. 71).
8
Em 25 de maio de 1993, Salinas visitou a Universidade de
Harvard, onde doutorou-se. Ouviu do Prêmio Nobel de Economia, John Kennet Galbrait, as seguintes palavras: “Espero que
quando Carlos Salinas acabe de dar aulas aos mexicanos, venha
aqui a Harvard e continue a lecionar. Ele é um dos meus alunos
mais avançados. Me parece que, sob o presidente Salinas, o
Parlamento mexicano, no qual todos os
senadores eram membros do PRI, foi fácil
para Salinas aprovar, em 1993, a entrada
do País no NAFTA.
A aprovação do Acordo nos Estados
Unidos apresentou algumas dificuldades.
Bill Clinton assumiu a presidência em
1993, mas só a partir de agosto se posiciona
favoravelmente ao tríplice acordo, projetado por Bush. Entretanto havia muita oposição ao ingresso dos Estados Unidos no
NAFTA. A rebeldia partia do próprio partido do presidente, o Democrata. Este partido sempre teve o apoio dos grandes sindicatos americanos e os sindicalistas temiam
o desemprego com a adesão ao livrecomércio. O receio era que muitas empresas abandonassem os Estados Unidos em
direção ao México, onde os salários eram
muito baixos, em relação aos dos Estados
Unidos.
Outro grupo opositor era formado
por ambientalistas, sabedores dos problemas da falta de infra-estrutura do lado mexicano, ainda mais com a chegada de muitos migrantes à procura de emprego, lembrando que as fábricas se localizam ao norte do México, fronteira com os Estados
Unidos. Mas, com certeza, Ross Perot, dono de uma fortuna invejável, candidato
independente à Presidência dos Estados
Unidos, em 1992, tendo obtido 19% dos
votos, era o adversário mais ferrenho, denunciando os riscos do desemprego para
os Iankees.
Diante desse quadro desfavorável,
Clinton utilizou o marketing para convencer a opinião pública sobre a importância
do Acordo. Proporcionou um encontro de
ex-presidentes norte-americanos na Casa
Branca. Compareceram Jimmy Carter, George Bush, Gerald Ford, além de
governadores e prefeitos favoráveis à aproMéxico encontrou uma situação estável e ingressou numa
trajetória inteligente” (Apud FUSER, Igor. México em Transe.
São Paulo: Scritta. 1999, p. 39).
vação do acordo. Isso rendia assunto na
mídia, colocando a proposta em discussão.
O presidente norte-americano conseguiu também o apoio de Lee Iaccoca, o
mago que salvou a Crysler, além de 2.700
empresários e doze prêmios Nobel de Economia. Proporcionou um debate entre Al
Gore e Ross Perot na televisão. As pesquisas mostraram que o primeiro fora mais
convincente. Ao final, Clinton teve o apoio da Câmara e do Senado para a aprovação da entrada dos Estados Unidos no
NAFTA.9
A aprovação pelo Parlamento Canadense deu-se sob os auspícios do Partido
Conservador Progressista, que comandava
o país na época. Porém, os resultados não
foram os esperados. Milhares de empregos
foram perdidos. E decaiu a assistência social.
A reação dos eleitores deu-se na eleição de 1993. O Partido Conservador que
detinha 153 cadeiras de um total de 295, só
conseguiu reconduzir dois parlamentares.
Venceu o Partido Liberal, que defendia
mudanças no Acordo, obtendo, assim,
maioria no Parlamento, prescindindo da
aliança com outros partidos.
REFLEXOS DO NAFTA NO MÉXICO
De acordo com o pensador político
mexicano Jorge Castañeda, nos anos 80, o
México era uma vez mais um país de três
nações:
[...] a minoria criolla das elites e da classe
média alta, vivendo com elegância e abundância; a enorme maioria pobre mestiza; e a
maioria absolutamente desprovida que era,
nos tempos coloniais, chamada de a Repú____________
9
Clinton tinha interesse nesse projeto, uma vez que no dia
seguinte à aprovação, 18 de agosto de 1993, participaria de um
encontro com l5 líderes da Ásia para fundar a Associação
Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC). Ora, a aprovação do
NAFTA representava o interesse dos Estados Unidos na adoção
do livre-comércio e, por conseqüência, uma pressão para a
constituição da APEC, que, conta, hoje, com 21 países e uma
proposta de estabelecer um mercado comum em 2020.
blica dos índios – povos indígenas de Chiapas, Oaxaca, Michoacan, Guerrero, Puebla,
Chihuahua e Sonora, todos conhecidos hoje
como el Mexico profundo (Apud gray, John.
1999, p. 68).
Os estados mexicanos do norte do
país são considerados mais modernos, enquanto os do sul vivem na pobreza, dominados politicamente e com forte presença
do latifúndio. Em 1910, Emiliano Zapata
liderou uma das maiores rebeliões de camponeses do século XX. Lutava em defesa da
propriedade comunal, uma característica da
economia dos indígenas.
Acabou sendo morto, em 1919, e seu
corpo exposto em praça pública. Justamente num dos Estados do Sul, Chiapas, com
forte presença indígena, é que irrompe a
revolta contra a entrada do México no
NAFTA, no dia em que passava a vigorar o
Acordo, 1º de janeiro de 1994. 10
Três mil homens e mulheres, integrantes do Exército Zapatista de Libertação
Nacional, (EZLN) tendo como chefe militar
o subcomandante Marcos11, assumiram o
____________
10
Para James Petras, “o crescimento da política revolucionária
no México não deveria ser nenhuma surpresa para os estudantes
da revolução. O vice-presidente Gore compara o NAFTA com a
compra de Louisiana, no século XIX. [...] Com a pressão financeira dos bancos sobre a dívida mexicana, os salários exploradores de 40 centavos a hora, o desalojamento massivo de camponeses por causa de negociações agrárias são uma revolução à
espera de ser realizada” (1999, pp. 155-156).
11
A presença deste chefe é um enigma. Aparece usando uma
máscara de esqui e um inseparável cachimbo. Alguns afirmam
tratar-se de um professor universitário, Rafael Sebastian Guillen. O fato é que sua liderança é incontestável. Utiliza bem a
mídia para divulgar as idéias do movimento, de modo especial a
Internet, além de ter seus escritos elogiados pela qualidade do
texto. Num artigo enviado a todos os grupos ou indivíduos que
manifestaram solidariedade à guerrilha, o comandante escreve:
[...] “Porque morrer não dói, o que dói é o esquecimento.
Descobrimos então que não existíamos mais, que os governos
nossos se haviam esquecido na euforia de cifras e taxas de
crescimento. Um país que esquece a si mesmo é um país triste;
um país que esquece seu passado não pode ter futuro. E então
nós nos agarramos às armas e nos metemos nas cidades onde
éramos animais. E fomos e dissemos ao poderoso: ‘Aqui estamos’! e gritamos ao país inteiro: ‘Aqui estamos! E gritamos ao
mundo inteiro: ‘Aqui estamos!’ E vejam como são as coisas,
porque para que nos vissem cobrimos nossos rostos; para que
nos dessem um nome, negamos nosso nome; apostamos no
presente para ter um futuro; e para viver...morremos”. (F.S.P.
Domingo, 2 de abril de 1995).
controle de San Cristóbal de las Casas,
Altamirano, Ocosingo, Las Margaritas,
Altamirano. No dia em que o movimento
foi instaurado, policiais foram mortos e
figuras políticas detidas. Flávio Castelotti,
da Cidade do México, escreve:
Após alguns choques armados com o Exército, que não tiveram boa repercussão em âmbito internacional, o governo declarou um
cessar-fogo no dia 12 de janeiro de 1994. A
situação se manteve relativamente calma até
fevereiro, quando o Exército invadiu as comunidades indígenas que estavam sob o controle Zapatista há mais de um ano. Simultaneamente, o governo propôs a reabertura do
diálogo, visando um saída pacífica para o
conflito. (Folha de São Paulo, 2 de abril de
1995, Caderno 1, p. 23.)
Quais seriam as razões dessa revolta?
Castells (1999, Vol. 2) responde: Com a
aprovação do NAFTA as barreiras alfandegárias foram abolidas. Ora, como os índios
iriam competir com os agricultores dos
Estados Unidos na produção de milho? O
acordo assinado tirava o protecionismo aos
preços do café, prejudicando a região de
Chiapas. E mais: Salinas aboliu o artigo 27
da Constituição que protegia o Ejido, em
prol da comercialização em larga escala da
propriedade individual. Esta também é a
análise de Chomsky:
À medida que o acordo entrava em vigor em
1º de janeiro, uma rebelião estourou entre os
índios maias, o setor mais oprimido da população. Os líderes chamaram o NAFTA de
uma ‘sentença de morte’ para os índios que
aprofundará a divisão entre a riqueza limitadamente concentrada e a miséria da massa,
e destruirá o que permanece da sociedade
indígena, embora os problemas vão além do
NAFTA (1996, p. 215).
Os indígenas de Chiapas sempre contaram com o apoio e a defesa do bispo da
Diocese de San Cristobal de Las Casas,
Samuel Ruiz, que assumiu a diocese aos 35
anos e rezava as missas nos idiomas maias,
em vez do espanhol. Foi acusado de bispo
vermelho pelas elites de Chiapas. Sobre o
levante dos índios comenta: Se de alguma
coisa sou culpado é de ter-lhes ensinado a pensar.
O modelo adotado por Salinas12 e,
elogiado pela comunidade internacional
levou à quebra do México em 20 de dezembro de 1994, então, sob o Presidência
de Ernesto Zedillo.13 Quatro dias antes três
bilhões de dólares haviam deixado o país.
O peso mexicano foi desvalorizado em
40%.14 Lester Thurow explica essa situação:
Em fevereiro de 1994 ele (México) possuía
reservas de 30 bilhões de dólares. Em dezembro elas estavam reduzidas a 6 bilhões.
Dispondo de informações privilegiadas sobre
o que estava acontecendo com suas minguantes reservas, os cidadãos mexicanos parecem ter iniciado a debandada em busca das
saídas financeiras. Tão logo os estrangeiros
souberam o que estava acontecendo, também correram para as saídas (1997, p. 294).
Em fevereiro de 1995, O Presidente
Clinton liderou “uma tropa de choque”
para salvar o México. Na verdade, a preocupação não era com o povo daquele país,
____________
12
Carlos Salinas de Gotari, hoje, é um fugitivo do seu país. De
acordo com Fuser: “cinco meses antes, ao completar seu mandato, ele tinha mais de 70% de aprovação popular. Hoje é um
homem desmoralizado, tema de um anedotário inesgotável,
achincalhado em espetáculos humorísticos como o que está em
cartaz no café-teatro de Coyacán”. (FUSER, Igor, Op. Cit. p.
46)
13
Para os mexicanos de classe média, afirma Fuser (1999, p.
233): “a abertura comercial do governo de Salinas, com moeda
nacional supervalorizada, era sinônimo de um jardim de delícias
– férias na Flórida, carrinhos de compras repletos de importados, seguros de saúde em Houston. A festa do México consumidor ocultava a agonia do México produtor. Quando a trombada
entre os dois Méxicos aconteceu, a conta saiu salgada”.
14
O México não foi a única vítima do modelo neoliberal.
Outros países que seguiram o mesmo receituário também
quebraram: Tailândia e Indonésia (1997), Rússia (1998), Brasil
(1999), Argentina (2001). Os liberais têm uma explicação para
esse fato, que depõe contra a sua doutrina: É que o Estado ainda
está intervindo na economia. Faltou o remédio principal, de
ponta: deixar os mercados funcionarem livremente. Deste
modo, não se acham culpados pela péssima situação vivida
pelos países que acreditaram no neoliberalismo.
mas com os norte-americanos que haviam
comprado os papéis mexicanos, denominados “tesobonos”, e que o governo Zedillo
não tinha mais condições de honrá-los. Os
Estados Unidos entraram com 20 bilhões
de dólares e Clinton “passou o chapéu”
para completar o empréstimo de 50 bilhões. Até o Brasil foi convidado a participar. Mas a idéia foi refugada.
Lester Thurow explica em detalhes
como a comunidade mundial, na forma do
Fundo Monetário Internacional (FMI) e os
Estados Unidos, ditaram os procedimentos que o México deveria adotar:
Eles exigiram taxas de juros de 60% para
crédito ao consumidor no início de 1995.
Essas taxas causaram uma recessão no México em 1995 e 1996, uma vez que os gastos
financiados com empréstimos bancários quase desapareceram. [...] As receitas do petróleo
mexicano deviam ser pagas diretamente a
uma conta do Federal Reserve Bank de Nova
York e seriam controladas pelos Estados Unidos, para garantir que os obrigacionistas
não-mexicanos receberiam aquilo que lhes
era devido. O México receberia o que sobrasse (1997, P. 292).
De acordo com o Banco do México,
o crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) sofreu estas variações: 1999, 3,74%;
2000, 6,57%; 2001, -0,31%; 2002, 0,90%;
2003, 2.30%. O país ocupa o 55º lugar
(2003) no Índice de Desenvolvimento
Humano medido pela Organização das
Nações Unidas, que leva em conta a expectativa de vida, o nível educacional e a renda
per capita.
A avaliação de Ana Ester Ceceña,
pesquisadora do Instituto de Investigação
Econômica da Universidade do México, é a
seguinte: O México é um país em total decomposição, marcado para favorecer apenas um dos
lados do tratado feito com os Estados Unidos e o
Canadá. Ao aceitar o tratado, o México renunciou à sua própria governabilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estabelecimento de uma relação
econômica muito estreita entre o México e
os Estados Unidos no que diz respeito à
exportações e importações pode, em determinadas circunstâncias, representar um
risco. Hoje, 89,0% do comércio externo do
México é dirigido aos Estados Unidos. No
momento em que acontecer uma retração
da economia daquele país, prejudicado
também é o seu parceiro. Atualmente a
economia americana não exibe um crescimento vigoroso e permanente. Há altos e
baixos e a necessidade de elevar, proximamente, os juros em vista da inflação, o que
acaba atingindo a economia mexicana e a
mundial. Por isso é imprescindível realizar
negócios com o mundo inteiro, ou seja,
optar por um comércio internacional e não
unicamente trilateral, ainda mais que, diferentemente da Europa, que iniciou a sua
união com os países de igual desenvolvimento, o México entrou numa relação econômica assimétrica com os Estados Unidos e Canadá.
No que diz respeito ao setor agrícola,
essa união com países do G-7 é extremamente desfavorável aos pequenos e médios
produtores, incapazes de concorrerem com
o agrobusiness norte-americano e canadense.
No caso dos Estados Unidos, sua tecnologia é extremamente avançada, e seus agricultores são beneficiados com bilhões de
dólares em subsídios. Não há como competir. Hoje, o México está inundado pelas
colheitas americanas. Produtos como arroz,
milho, algodão invadem os mercados mexicanos, com preços mais baixos que os do
próprio México. Compreensível é, então, a
migração forçada dos trabalhadores mexicanos do campo para as cidades, em direção às maquiladoras, do norte, e a revolta
dos índios de Chiapas, ao anunciar que o
NAFTA representava o “atestado de óbito”
para as suas comunidades. A entrada nesse
bloco desestruturou a cadeia produtiva
mexicana.
O que move o capitalismo é o lucro,
motor essencial. Na lógica capitalista é aceitável que 300 mil empregos em maquiladoras migrem para a China. Lá trabalha-se,
muito, em condições precárias, aliás como
no México, só que o custo do trabalhador
chinês corresponde a um terço do mexicano. Certamente o quadro econômico nada
favorável motivou o Presidente Vicente Fox
a anunciar (em 31 de maio de 2004) que o
México pedirá em 8 de julho deste ano, a
entrada do país no MERCOSUL, como
membro associado, a exemplo do Chile,
Bolívia e Peru. O México assinará um Tratado de Livre-Comér-cio, com perspectiva
de mais adiante entrar como membro de
direito pleno nesse acordo alfandegário.
A implantação pelos países capitalistas ricos de uma denominada Nova Ordem
Mundial seduz também os países em desenvolvimento. Só que ela não é nem nova,
nem ordem, mas uma desordem, uma vez
que esse sistema continua enfrentando
crises e, para superá-las, apresenta aparências de mudanças, para que os países ricos
permaneçam ricos e os pobres acentuem a
sua pobreza. A nova divisão internacional
do trabalho faz parte desse processo de
reestruturação desse capitalismo em crise.
Daí a transferência de empresas para o México, visando utilizar-se da mão-de-obra
barata, a ausência de uma legislação trabalhista mais severa e a permissividade na
exploração do trabalho infantil. Ao mesmo
tempo esse esquema é utilizado para frear a
migração de mexicanos para os Estados
Unidos, impedindo também a passagem de
outros trabalhadores, oriundos dos variados países da América Latina. O México é,
então, utilizado como um Estado tampão.
Enfim, continuam em vigor, sob nomes
diferentes, as desigualdades estruturais,
iniciadas nos albores do capitalismo. Cada
vez mais se faz necessária uma união entre
os países do denominado Terceiro Mundo,
na busca de soluções para suas economias
combalidas. Não se trata de um isolamento,
mas de novas estratégias e alternativas.
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