O México no NAFTA: negociação de igualdade entre
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O México no NAFTA: negociação de igualdade entre
FFCH Revista da ADPPUCRS Porto Alegre, nº. 5, p. 101-109, dez. 2004 O México no NAFTA: negociação de igualdade entre desiguais? OSVALDO BIZ* RESUMO: A economia mundial trabalha com duas vertentes: uma é a globalização, outra, a regionalização, ou seja, a organização de países em blocos. Alguns destes já estão constituídos como o chamado NAFTA, (North American Free Trade Agreement), Acordo de Livre-Comércio da América do Norte, a UNIÃO EUROPÉIA, outros, em construção, como o MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) e a ALCA (Área de Livre-Comércio das Américas). Nosso artigo pretende percorrer a caminhada realizada pelos Estados Unidos, Canadá e México até a aprovação do novo bloco econômico conhecido como NAFTA, em 1994. O destaque, porém, será para o México, uma vez que ingressou no bloco, do qual fazem parte dois países do G-7, numa relação totalmente assimétrica. Desse modo, a prometida era da prosperidade do México ficou pelo caminho. INTRODUÇÃO* Os cenários para a formação dos blocos econômicos apresentam opções diferenciadas. O mais simples é conhecido como Zona de Livre Comércio, com a liberação do comércio de produtos com taxas reduzidas ou totalmente desoneradas. Esse é o caso do NAFTA, que envolve os Estados Unidos, Canadá e México. Estabelece uma eliminação tarifária progressiva, de forma que, após dez anos do início do Tratado, as barreiras comerciais deixariam de existir. Um outro cenário a ser descrito é o do Mercado Comum, onde inclui-se, além ____________ * Professor da PUCRS – Doutor em Comunicação Social da livre circulação de mercadorias, a possibilidade de locomoção de capitais, serviços, pessoas. Essa união pode tornar-se, ainda, mais completa pela adoção de uma moeda única. É o caso atual da UNIÃO EUROPÉIA, a princípio formada por 15 países1. Sua construção inicia com o Tratado de Paris, em 1951, através da criação da Comunidade do Carvão e do Aço (CECA), uma união visando, inicialmente, mais à produção do que ao comércio. Essa proposta escondia outros desdobramentos: o estabelecimento de uma paz duradoura, o fim das lutas fratricidas. A ____________ 1 Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Inglaterra, Irlanda, Dinamarca, Espanha, Portugal, Grécia, Áustria, Finlândia, Suécia. união e fortalecimento da Europa representariam, também, condições de influenciar no período da Guerra Fria, não deixando as decisões só por conta dos Estados Unidos e União Soviética. Para Hobsbawm (1998, p. 238), o melhor que os franceses podiam fazer era entrelaçar os negócios alemães ocidentais e franceses de tal modo que o conflito entre os dois velhos adversários fosse impossível. O grande avanço acontece com o Tratado da Unificação Européia em 1986, denominado Ato Único Europeu, pelo qual é assegurada a concretização de quatro liberdades entre os países membros: livre circulação de mercadorias, de pessoas, de capitais e de serviços. Em 1991, o Tratado de Maastricht2 determina que, em 1999, se adotaria a moeda única, o EURO, a qual conviveria, ainda, por algum tempo, concomitantemente com a moeda local. de cada país envolvido. Em 2002, 11 dos 15 países optam, pelo uso exclusivo da nova moeda.3 O MERCOSUL, integrado pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, depois do estabelecimento da Zona de Livre Comércio, em 26 de março de 1991, vivencia, no momento, o cenário da adoção da Tarifa Externa Comum (TEC), através da qual, os países membros cobram um percentual único tarifário para a entrada de produtos dos países fora do bloco. É a chamada União Aduaneira. Entretanto, cada país pode, por enquanto estabelecer exceções, ou seja, listar uma série de produtos sobre os quais incidem tarifas mais elevadas do que as combinadas. ____________ 2 Cidade da Holanda, onde se realizou o encontro. A Dinamarca, Inglaterra e Suécia preferiram aguardar os acontecimentos, e a Grécia foi excluída, porque não conseguiu completar as metas estabelecidas pelo Tratado de Maastricht. Desde 1º maio de 2004, mais dez países fazem parte deste bloco: Hungria, Polônia, Eslováquia, Estônia, Malta, República Tcheca, Lituânia, Eslovênia, Letônia, Chipre (a parte habitada pelos turcos). Esta nova Europa congrega 450 milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto de 10,8 trilhões de dólares. Para 2007 está previsto o ingresso da Romênia e Bulgária. 3 Esse processo inicia por ocasião da assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em 31 de dezembro de 1994, objetivando defender a produção de cada país, ainda sem condições de competir no mercado internacional. Não há data para a concretização do Mercado Comum. A sua criação resulta da assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, pelos Presidentes Fernando Collor de Melo, do Brasil, e Carlos Menem, da Argentina. ALGUNS ASPECTOS DA HISTÓRIA MEXICANA Costuma-se dizer que o México foi invadido três vezes: por Fernão Cortez, em 1519, com a destruição da civilização dos Astecas; pelos Estados Unidos na guerra de 1845-1848 com a conquista de territórios mexicanos, Texas, Califórnia, Arizona, Nevada, e a terceira, quando da assinatura do Tratado do NAFTA, em 1994, através da dominação econômica. O México viveu entre 1877 e 1911 sob a ditadura de Porfirio Dias. Foram 34 anos. A partir de 1929 é fundado pelo exPresidente Plutarco Calles (1924-1928), o Partido Nacional Revolucionário, que muda para Partido da Revolução Mexicana até se fixar no conhecido Partido Revolucionário Institucional (PRI), em 1946. A política e a administração do México permanecerá sob o controle do Partido que inicia em 1929, durante 71 anos. Um livreto escrito pelo acadêmico Peter H. Smith lista os 15 itens básicos para subir na vida no México. O segundo é filiar-se ao PRI. O primeiro é obter o título de bacharel. A elite mexicana seguiu à risca esses conselhos. Todos os funcionários públicos passaram a integrar o novo partido. Os sócios da Confederação dos Trabalhadores Mexicanos (CTM), a Confederação Nacional Camponesa (CNC) e a das Organizações Populares estão inscritos no PRI. Não fica difícil, então, explicar a eter- nização deste partido no poder. A última recomendação de Smith: quando isso ainda é insuficiente, usa-se a fraude. Em agosto de 1990 aconteceu, na Cidade do México, um encontro de intelectuais. O Prêmio Nobel de Literatura do México, Octavio Paz, elogiou o seu país por viver nos últimos sessenta anos sem golpes militares e com presidentes eleitos pelo voto popular. O escritor Mário Vargas Lhosa, presente no encontro, retrucou, classificando o México como uma “ditadura camuflada”. E explicou: não é uma ditadura de um homem, mas de um partido. De fato, no período do reinado do PRI, o governo nunca perdeu uma votação no Congresso4. Há outros partidos no México: o Partido Revolucionário Democrático (PRD), de esquerda, e o Partido da Ação Nacional (PAN), de centro-direita. Este último realizou, no ano 2000, a façanha de destronar o PRI, nas eleições presidenciais daquele ano, ao eleger Vicente Fox Quesada, efetuando uma transição sem violência. O SURGIMENTO DO NAFTA O início deste bloco é fruto de uma parceria firmada entre os Estados Unidos e o Canadá, a partir de 1988. Havia muitos interesses em jogo. Para o governo norteamericano era importante diminuir o crescente déficit comercial, além de mostrar força frente à crescente organização dos Estados Europeus e às dificuldades existentes para encerrar a Rodada Uruguai, no que diz respeito ao GATT (General Agreement on Tariffs and Trad) - Acordo Geral de Tarifas e Comércio.5 ____________ 4 O cientista político Jorge Castañeda assim definiu o sistema eleitoral mexicano: Uma partida de futebol em que as traves são de tamanhos diferentes e um time inclui os 11 jogadores, o juiz, e os bandeirinhas, enquanto o outro é obrigado a jogar com apenas seis homens em campo. (Apud FUSER, Igor, op. Cit. P. 32). 5 Em Punta Del Este, 1986, aconteceu o lançamento da “Rodada Uruguai”, com 107 participantes, para resolver problemas de relacionamento comercial entre os países, como subsídios à agricultura, propriedade intelectual, serviços. A dificuldade de Do lado do Canadá, a união poderia representar um caminho para o mercado consumidor mais cobiçado do mundo, o dos Estados Unidos. Por outro lado, havia um receio, a possibilidade da Nação-limítrofe impor medidas protecionistas contra os produtos canadenses. Ao final das conversações, os dois países firmaram um acordo de livre- comércio. Em 12 de agosto de 1992, o Presidente George Bush convidou o México para integrar o NAFTA. O Presidente Carlos Salinas de Gottari aceitou a proposta, sendo formalizada na Sede da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 17 de dezembro de 1992. Devido ao fato de o Governo Bush estar no final do seu mandato, coube ao futuro Presidente, Bill Clinton, a concretização do novo bloco econômico. Acordos dessa natureza exigem aprovação dos respectivos Parlamentos dos países negociadores. FACILIDADES E DIFICULDADE NA APROVAÇÃO DO ACORDO No caso do México, a aprovação para a entrada no NAFTA começou em 1987, quando Carlos Salinas de Gotari era Ministro da Fazenda do Presidente Miguel de La Madrid (1982-1988). Nas eleições presidenciais de 1988, Salinas de Gotari, do Partido Revolucionário Institucional, foi o vencedor, derrotando o candidato Chuauhtémoc Cárdenas, do Partido Revolucionário Democrático,6 embora as pesquisas o apontassem como vencedor. Algumas horas antes da eleição, dois de seus assessores foram se chegar a um acordo sobre estes temas, prolongou esta denominada “Rodada Uruguai” até 1994, quando, o “Acordo Geral de Tarifas e Comércio” (GATT), criado em outubro de 1947, na reunião de Havana, foi substituído pela Organização Mundial do Comércio (OMC), com sede em Genebra. Atualmente 145 países fazem parte desta organização. 6 O candidato da Oposição Chuauhtémoc Cárdenas era filho do ex-presidente Lázaro Cárdenas, que governou o México entre 1934-1940. Durante sua administração foi criada a Companhia Estatal de Petróleo, a Pemex, - Petróleos Mexicanos - (1938), além de nacionalizar as estradas de ferro e efetivar a reforma agrária. assassinados: Francisco Xavier Quando e Román Gil Hernandez7. Durante a apuração dos votos houve uma inexplicável “pane” nos computadores. Ao final, Salinas era declarado vencedor, para o período 1988-1994. Seu sucessor, Ernesto Zedillo, também sairia dos quadros do PRI (19942000). A administração de Gotari caracterizou-se pela adoção do modelo neoliberal, sobrevalorização do câmbio, privatizações, e entrada do capital especulativo. Desse modo baixou a inflação, facilitou as importações e prejudicou as exportações. O México virou um Shopping Center. O Programa Nacional de Solidariedade (Pronasol) foi utilizado, segundo tese acadêmica de Denise Bresser, para construir a imagem do presidente, desmantelar as organizações sociais independentes, ganhar votos, menos combater a pobreza. Tratava-se de puro clientelismo. Salinas revogou o artigo 27 da Constituição mexicana, que mantinha a existência da pequena propriedade, conhecida como Ejido. Esse modelo de propriedade comunitária foi adotada, após a Revolução de 1910. Com essa decisão, não haveria mais limites para a expansão do latifúndio. O México era elogiado por muitos países e personalidades acadêmicas, pelo sucesso econômico8. Contando com o apoio do ____________ 7 A violência nas eleições mexicanas não é um fato incomum. Na escolha do sucessor de Salinas, o candidato do partido situacionista (PRI), Luis Donadio Colosio foi assassinado, em 23 de março de 1994. No mesmo ano, a 28 de agosto, também o Secretário-geral do PRI, José Francisco Ruiz Massieu foi morto. O sub-procurador, Mario Massieu, irmão de Ruiz Massieu, encarregado da investigação, não chegou a conclusão alguma. Fugiu para os Estados Unidos, sendo preso, em vista da grande quantidade de dólares que portava. Em setembro de 1999 suicidou-se naquele país. Raul Salinas, irmão do presidente e cunhado do secretário assassinado, foi preso como mandante do crime, em fevereiro de 1995. Sua mulher foi detida na Suíça, ao tentar sacar 80 milhões de dólares de uma conta do marido sob nome falso. (GRAY, John. 1999, p. 71). 8 Em 25 de maio de 1993, Salinas visitou a Universidade de Harvard, onde doutorou-se. Ouviu do Prêmio Nobel de Economia, John Kennet Galbrait, as seguintes palavras: “Espero que quando Carlos Salinas acabe de dar aulas aos mexicanos, venha aqui a Harvard e continue a lecionar. Ele é um dos meus alunos mais avançados. Me parece que, sob o presidente Salinas, o Parlamento mexicano, no qual todos os senadores eram membros do PRI, foi fácil para Salinas aprovar, em 1993, a entrada do País no NAFTA. A aprovação do Acordo nos Estados Unidos apresentou algumas dificuldades. Bill Clinton assumiu a presidência em 1993, mas só a partir de agosto se posiciona favoravelmente ao tríplice acordo, projetado por Bush. Entretanto havia muita oposição ao ingresso dos Estados Unidos no NAFTA. A rebeldia partia do próprio partido do presidente, o Democrata. Este partido sempre teve o apoio dos grandes sindicatos americanos e os sindicalistas temiam o desemprego com a adesão ao livrecomércio. O receio era que muitas empresas abandonassem os Estados Unidos em direção ao México, onde os salários eram muito baixos, em relação aos dos Estados Unidos. Outro grupo opositor era formado por ambientalistas, sabedores dos problemas da falta de infra-estrutura do lado mexicano, ainda mais com a chegada de muitos migrantes à procura de emprego, lembrando que as fábricas se localizam ao norte do México, fronteira com os Estados Unidos. Mas, com certeza, Ross Perot, dono de uma fortuna invejável, candidato independente à Presidência dos Estados Unidos, em 1992, tendo obtido 19% dos votos, era o adversário mais ferrenho, denunciando os riscos do desemprego para os Iankees. Diante desse quadro desfavorável, Clinton utilizou o marketing para convencer a opinião pública sobre a importância do Acordo. Proporcionou um encontro de ex-presidentes norte-americanos na Casa Branca. Compareceram Jimmy Carter, George Bush, Gerald Ford, além de governadores e prefeitos favoráveis à aproMéxico encontrou uma situação estável e ingressou numa trajetória inteligente” (Apud FUSER, Igor. México em Transe. São Paulo: Scritta. 1999, p. 39). vação do acordo. Isso rendia assunto na mídia, colocando a proposta em discussão. O presidente norte-americano conseguiu também o apoio de Lee Iaccoca, o mago que salvou a Crysler, além de 2.700 empresários e doze prêmios Nobel de Economia. Proporcionou um debate entre Al Gore e Ross Perot na televisão. As pesquisas mostraram que o primeiro fora mais convincente. Ao final, Clinton teve o apoio da Câmara e do Senado para a aprovação da entrada dos Estados Unidos no NAFTA.9 A aprovação pelo Parlamento Canadense deu-se sob os auspícios do Partido Conservador Progressista, que comandava o país na época. Porém, os resultados não foram os esperados. Milhares de empregos foram perdidos. E decaiu a assistência social. A reação dos eleitores deu-se na eleição de 1993. O Partido Conservador que detinha 153 cadeiras de um total de 295, só conseguiu reconduzir dois parlamentares. Venceu o Partido Liberal, que defendia mudanças no Acordo, obtendo, assim, maioria no Parlamento, prescindindo da aliança com outros partidos. REFLEXOS DO NAFTA NO MÉXICO De acordo com o pensador político mexicano Jorge Castañeda, nos anos 80, o México era uma vez mais um país de três nações: [...] a minoria criolla das elites e da classe média alta, vivendo com elegância e abundância; a enorme maioria pobre mestiza; e a maioria absolutamente desprovida que era, nos tempos coloniais, chamada de a Repú____________ 9 Clinton tinha interesse nesse projeto, uma vez que no dia seguinte à aprovação, 18 de agosto de 1993, participaria de um encontro com l5 líderes da Ásia para fundar a Associação Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC). Ora, a aprovação do NAFTA representava o interesse dos Estados Unidos na adoção do livre-comércio e, por conseqüência, uma pressão para a constituição da APEC, que, conta, hoje, com 21 países e uma proposta de estabelecer um mercado comum em 2020. blica dos índios – povos indígenas de Chiapas, Oaxaca, Michoacan, Guerrero, Puebla, Chihuahua e Sonora, todos conhecidos hoje como el Mexico profundo (Apud gray, John. 1999, p. 68). Os estados mexicanos do norte do país são considerados mais modernos, enquanto os do sul vivem na pobreza, dominados politicamente e com forte presença do latifúndio. Em 1910, Emiliano Zapata liderou uma das maiores rebeliões de camponeses do século XX. Lutava em defesa da propriedade comunal, uma característica da economia dos indígenas. Acabou sendo morto, em 1919, e seu corpo exposto em praça pública. Justamente num dos Estados do Sul, Chiapas, com forte presença indígena, é que irrompe a revolta contra a entrada do México no NAFTA, no dia em que passava a vigorar o Acordo, 1º de janeiro de 1994. 10 Três mil homens e mulheres, integrantes do Exército Zapatista de Libertação Nacional, (EZLN) tendo como chefe militar o subcomandante Marcos11, assumiram o ____________ 10 Para James Petras, “o crescimento da política revolucionária no México não deveria ser nenhuma surpresa para os estudantes da revolução. O vice-presidente Gore compara o NAFTA com a compra de Louisiana, no século XIX. [...] Com a pressão financeira dos bancos sobre a dívida mexicana, os salários exploradores de 40 centavos a hora, o desalojamento massivo de camponeses por causa de negociações agrárias são uma revolução à espera de ser realizada” (1999, pp. 155-156). 11 A presença deste chefe é um enigma. Aparece usando uma máscara de esqui e um inseparável cachimbo. Alguns afirmam tratar-se de um professor universitário, Rafael Sebastian Guillen. O fato é que sua liderança é incontestável. Utiliza bem a mídia para divulgar as idéias do movimento, de modo especial a Internet, além de ter seus escritos elogiados pela qualidade do texto. Num artigo enviado a todos os grupos ou indivíduos que manifestaram solidariedade à guerrilha, o comandante escreve: [...] “Porque morrer não dói, o que dói é o esquecimento. Descobrimos então que não existíamos mais, que os governos nossos se haviam esquecido na euforia de cifras e taxas de crescimento. Um país que esquece a si mesmo é um país triste; um país que esquece seu passado não pode ter futuro. E então nós nos agarramos às armas e nos metemos nas cidades onde éramos animais. E fomos e dissemos ao poderoso: ‘Aqui estamos’! e gritamos ao país inteiro: ‘Aqui estamos! E gritamos ao mundo inteiro: ‘Aqui estamos!’ E vejam como são as coisas, porque para que nos vissem cobrimos nossos rostos; para que nos dessem um nome, negamos nosso nome; apostamos no presente para ter um futuro; e para viver...morremos”. (F.S.P. Domingo, 2 de abril de 1995). controle de San Cristóbal de las Casas, Altamirano, Ocosingo, Las Margaritas, Altamirano. No dia em que o movimento foi instaurado, policiais foram mortos e figuras políticas detidas. Flávio Castelotti, da Cidade do México, escreve: Após alguns choques armados com o Exército, que não tiveram boa repercussão em âmbito internacional, o governo declarou um cessar-fogo no dia 12 de janeiro de 1994. A situação se manteve relativamente calma até fevereiro, quando o Exército invadiu as comunidades indígenas que estavam sob o controle Zapatista há mais de um ano. Simultaneamente, o governo propôs a reabertura do diálogo, visando um saída pacífica para o conflito. (Folha de São Paulo, 2 de abril de 1995, Caderno 1, p. 23.) Quais seriam as razões dessa revolta? Castells (1999, Vol. 2) responde: Com a aprovação do NAFTA as barreiras alfandegárias foram abolidas. Ora, como os índios iriam competir com os agricultores dos Estados Unidos na produção de milho? O acordo assinado tirava o protecionismo aos preços do café, prejudicando a região de Chiapas. E mais: Salinas aboliu o artigo 27 da Constituição que protegia o Ejido, em prol da comercialização em larga escala da propriedade individual. Esta também é a análise de Chomsky: À medida que o acordo entrava em vigor em 1º de janeiro, uma rebelião estourou entre os índios maias, o setor mais oprimido da população. Os líderes chamaram o NAFTA de uma ‘sentença de morte’ para os índios que aprofundará a divisão entre a riqueza limitadamente concentrada e a miséria da massa, e destruirá o que permanece da sociedade indígena, embora os problemas vão além do NAFTA (1996, p. 215). Os indígenas de Chiapas sempre contaram com o apoio e a defesa do bispo da Diocese de San Cristobal de Las Casas, Samuel Ruiz, que assumiu a diocese aos 35 anos e rezava as missas nos idiomas maias, em vez do espanhol. Foi acusado de bispo vermelho pelas elites de Chiapas. Sobre o levante dos índios comenta: Se de alguma coisa sou culpado é de ter-lhes ensinado a pensar. O modelo adotado por Salinas12 e, elogiado pela comunidade internacional levou à quebra do México em 20 de dezembro de 1994, então, sob o Presidência de Ernesto Zedillo.13 Quatro dias antes três bilhões de dólares haviam deixado o país. O peso mexicano foi desvalorizado em 40%.14 Lester Thurow explica essa situação: Em fevereiro de 1994 ele (México) possuía reservas de 30 bilhões de dólares. Em dezembro elas estavam reduzidas a 6 bilhões. Dispondo de informações privilegiadas sobre o que estava acontecendo com suas minguantes reservas, os cidadãos mexicanos parecem ter iniciado a debandada em busca das saídas financeiras. Tão logo os estrangeiros souberam o que estava acontecendo, também correram para as saídas (1997, p. 294). Em fevereiro de 1995, O Presidente Clinton liderou “uma tropa de choque” para salvar o México. Na verdade, a preocupação não era com o povo daquele país, ____________ 12 Carlos Salinas de Gotari, hoje, é um fugitivo do seu país. De acordo com Fuser: “cinco meses antes, ao completar seu mandato, ele tinha mais de 70% de aprovação popular. Hoje é um homem desmoralizado, tema de um anedotário inesgotável, achincalhado em espetáculos humorísticos como o que está em cartaz no café-teatro de Coyacán”. (FUSER, Igor, Op. Cit. p. 46) 13 Para os mexicanos de classe média, afirma Fuser (1999, p. 233): “a abertura comercial do governo de Salinas, com moeda nacional supervalorizada, era sinônimo de um jardim de delícias – férias na Flórida, carrinhos de compras repletos de importados, seguros de saúde em Houston. A festa do México consumidor ocultava a agonia do México produtor. Quando a trombada entre os dois Méxicos aconteceu, a conta saiu salgada”. 14 O México não foi a única vítima do modelo neoliberal. Outros países que seguiram o mesmo receituário também quebraram: Tailândia e Indonésia (1997), Rússia (1998), Brasil (1999), Argentina (2001). Os liberais têm uma explicação para esse fato, que depõe contra a sua doutrina: É que o Estado ainda está intervindo na economia. Faltou o remédio principal, de ponta: deixar os mercados funcionarem livremente. Deste modo, não se acham culpados pela péssima situação vivida pelos países que acreditaram no neoliberalismo. mas com os norte-americanos que haviam comprado os papéis mexicanos, denominados “tesobonos”, e que o governo Zedillo não tinha mais condições de honrá-los. Os Estados Unidos entraram com 20 bilhões de dólares e Clinton “passou o chapéu” para completar o empréstimo de 50 bilhões. Até o Brasil foi convidado a participar. Mas a idéia foi refugada. Lester Thurow explica em detalhes como a comunidade mundial, na forma do Fundo Monetário Internacional (FMI) e os Estados Unidos, ditaram os procedimentos que o México deveria adotar: Eles exigiram taxas de juros de 60% para crédito ao consumidor no início de 1995. Essas taxas causaram uma recessão no México em 1995 e 1996, uma vez que os gastos financiados com empréstimos bancários quase desapareceram. [...] As receitas do petróleo mexicano deviam ser pagas diretamente a uma conta do Federal Reserve Bank de Nova York e seriam controladas pelos Estados Unidos, para garantir que os obrigacionistas não-mexicanos receberiam aquilo que lhes era devido. O México receberia o que sobrasse (1997, P. 292). De acordo com o Banco do México, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) sofreu estas variações: 1999, 3,74%; 2000, 6,57%; 2001, -0,31%; 2002, 0,90%; 2003, 2.30%. O país ocupa o 55º lugar (2003) no Índice de Desenvolvimento Humano medido pela Organização das Nações Unidas, que leva em conta a expectativa de vida, o nível educacional e a renda per capita. A avaliação de Ana Ester Ceceña, pesquisadora do Instituto de Investigação Econômica da Universidade do México, é a seguinte: O México é um país em total decomposição, marcado para favorecer apenas um dos lados do tratado feito com os Estados Unidos e o Canadá. Ao aceitar o tratado, o México renunciou à sua própria governabilidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estabelecimento de uma relação econômica muito estreita entre o México e os Estados Unidos no que diz respeito à exportações e importações pode, em determinadas circunstâncias, representar um risco. Hoje, 89,0% do comércio externo do México é dirigido aos Estados Unidos. No momento em que acontecer uma retração da economia daquele país, prejudicado também é o seu parceiro. Atualmente a economia americana não exibe um crescimento vigoroso e permanente. Há altos e baixos e a necessidade de elevar, proximamente, os juros em vista da inflação, o que acaba atingindo a economia mexicana e a mundial. Por isso é imprescindível realizar negócios com o mundo inteiro, ou seja, optar por um comércio internacional e não unicamente trilateral, ainda mais que, diferentemente da Europa, que iniciou a sua união com os países de igual desenvolvimento, o México entrou numa relação econômica assimétrica com os Estados Unidos e Canadá. No que diz respeito ao setor agrícola, essa união com países do G-7 é extremamente desfavorável aos pequenos e médios produtores, incapazes de concorrerem com o agrobusiness norte-americano e canadense. No caso dos Estados Unidos, sua tecnologia é extremamente avançada, e seus agricultores são beneficiados com bilhões de dólares em subsídios. Não há como competir. Hoje, o México está inundado pelas colheitas americanas. Produtos como arroz, milho, algodão invadem os mercados mexicanos, com preços mais baixos que os do próprio México. Compreensível é, então, a migração forçada dos trabalhadores mexicanos do campo para as cidades, em direção às maquiladoras, do norte, e a revolta dos índios de Chiapas, ao anunciar que o NAFTA representava o “atestado de óbito” para as suas comunidades. A entrada nesse bloco desestruturou a cadeia produtiva mexicana. O que move o capitalismo é o lucro, motor essencial. Na lógica capitalista é aceitável que 300 mil empregos em maquiladoras migrem para a China. Lá trabalha-se, muito, em condições precárias, aliás como no México, só que o custo do trabalhador chinês corresponde a um terço do mexicano. Certamente o quadro econômico nada favorável motivou o Presidente Vicente Fox a anunciar (em 31 de maio de 2004) que o México pedirá em 8 de julho deste ano, a entrada do país no MERCOSUL, como membro associado, a exemplo do Chile, Bolívia e Peru. O México assinará um Tratado de Livre-Comér-cio, com perspectiva de mais adiante entrar como membro de direito pleno nesse acordo alfandegário. A implantação pelos países capitalistas ricos de uma denominada Nova Ordem Mundial seduz também os países em desenvolvimento. Só que ela não é nem nova, nem ordem, mas uma desordem, uma vez que esse sistema continua enfrentando crises e, para superá-las, apresenta aparências de mudanças, para que os países ricos permaneçam ricos e os pobres acentuem a sua pobreza. A nova divisão internacional do trabalho faz parte desse processo de reestruturação desse capitalismo em crise. Daí a transferência de empresas para o México, visando utilizar-se da mão-de-obra barata, a ausência de uma legislação trabalhista mais severa e a permissividade na exploração do trabalho infantil. Ao mesmo tempo esse esquema é utilizado para frear a migração de mexicanos para os Estados Unidos, impedindo também a passagem de outros trabalhadores, oriundos dos variados países da América Latina. O México é, então, utilizado como um Estado tampão. Enfim, continuam em vigor, sob nomes diferentes, as desigualdades estruturais, iniciadas nos albores do capitalismo. Cada vez mais se faz necessária uma união entre os países do denominado Terceiro Mundo, na busca de soluções para suas economias combalidas. Não se trata de um isolamento, mas de novas estratégias e alternativas. REFERÊNCIAS CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. São Paulo Paz e Terra, 1999. 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