gênero, diversidade sexual e as lésbicas

Transcrição

gênero, diversidade sexual e as lésbicas
Texto parcial da palestra apresentada durante o 7º Seminário Internacional de Bibliotecas Públicas e
Comunitárias em novembro de 2014, publicado com autorização da autora.
GÊNERO, DIVERSIDADE SEXUAL E AS LÉSBICAS
Alessandra Acedo
A presente exposição pretende empolgar e justificar, ao público-alvo ao qual será
dirigida, aspectos da vivência lésbica por meio de uma ótica feminista e a
importância da visibilidade desta população de mulheres no atendimento e na oferta
das bibliotecas.
Inicialmente abordaremos representações do patriarcado, da heterossexualidade
como norma, gênero e a disciplinação dos corpos e da sexualidade humana
enquanto identidade e existência social.
Apresentaremos o conceito de minoria, ainda que as mulheres sejam a maioria da
população. Falaremos da invisibilidade lésbica e o assumir e expressar o desejo
sexual e afetivo, como condição para a busca da valorização da diversidade, do
estabelecimento de políticas culturais, como tarefa primordial da política da diferença
reconhecendo a pluralidade da existência humana e garantindo a cidadania.
A apresentação pretende diminuir o preconceito, facilitar o reconhecimento de
identidades – categorias de pessoas, a respeitar publicamente o que antes era
proibido até mesmo reconhecer a existência, e ampliar o discurso e as ações
cidadãs dos bibliotecários presentes.
Eu e muitas outras mulheres somos lésbicas. Dentro de uma sociedade cujos
valores são definidos pela supremacia do homem, do masculino, do patriarca, como
eu, mulher e lésbica, serei vista e entendida? É preciso então entender como as
mulheres em geral são vistas e como o feminino deve ser representado dentro desta
sociedade patriarcal.
As mulheres passaram a ser definidas pelos seus corpos que procriam e seduzem,
vejam que ambos os atributos são voltados para o masculino, para os homens.
Então eu não sou uma mulher? Melhor ainda, então eu não sou uma ‘verdadeira
mulher’? Eu não sou posse de um homem, nem minha existência como lésbica se
1
dá em função dos homens. O que determina, ou como foi determinado o que seria
uma verdadeira mulher?
O sistema patriarcal incorpora a heterossexualidade, definida como “atração natural
entre os sexos opostos”, como a única forma de relacionamento sexual possível,
afirmando que esta é a sexualidade ‘normal’. Determina ainda que só sejam aceitas,
só sejam inseridas nesta sociedade aqueles e aquelas que se adequarem às suas
regras, às suas normas, às suas condições de existências. Mas quais seriam as
funções das mulheres dentro desta sociedade, uma vez que o comando da
sociedade patriarcal está sob o domínio dos homens? Ela deverá ser submissa,
entender que exercerá funções definidas, que terá determinados comportamentos
sociais, como ser mãe e esposa. Enfim, ela deverá conhecer o seu lugar, ou seja, de
ser subordinada ao homem. Nesse sentido, o patriarcado e a heterossexualidade
têm rígido esquema de hierarquização.
A maior justificativa para considerar a heterossexualidade como ‘natural’ é a
procriação. Esta ‘natureza’ se expressa em opostos e hierarquia, a saber: masculino
e feminino, superior e inferior, sendo que qualquer situação fora deste
estabelecimento é considerada como desordem, caos, coisa ruim, desrespeito,
afronta, pecado, doença, crime e outros.
Assim, se a heterossexualidade é a norma, como eu, mulher e lésbica, serei vista e
tratada por esta sociedade dominante? Como portadora de uma baixeza moral, uma
anormal, um desvio, portadora de um vício, de uma doença. Serei condenada à
invisibilidade, a lesbifobia e serei estigmatiza, pois serei considerada uma não
mulher, aquela que não deve existir sendo ela mesma, sendo como é, me insultarão
e receberei rótulos, porque não cumpro com aquilo que se espera do sexo feminino,
não tenho comportamentos, atitudes e nem posturas adequadas ao que me prédeterminaram que como mulher eu deveria ser.
A heteronormatividade vai sufocar minhas emoções e meu amor com punição e
violência. Então eu pergunto: por que esta repulsa social? Qual o perigo que eu
represento? A resposta é: você subverteu a ordem, você é uma ameaça ao
patriarcado que tem medo de que com a sua existência aberta, explícita e sem
culpa, as mulheres possam se desinteressar dos homens. A existência lésbica
ofende o masculino temeroso de perder o seu status e poder.
2
A lésbica é a transgressora de um tabu, na medida em que rejeita uma forma de
vida obrigatória para as mulheres. A lesbianidade será desqualificada, dirão que as
lésbicas não passam de imitação dos homens, do macho, querem acreditar que
somos mulher-macho, mulher feia, mulher mal-amada, desprezada pelos homens,
frustrada. Dirão que fugimos dos padrões de beleza, de ‘feminilidade’. O que não
aceitam de verdade é que nós quebramos em algum momento com a ordem
patriarcal, com a heterossexualidade imposta a todas as mulheres, com o domínio
dos homens sobre as mulheres.
Mas, afinal, o que é a sexualidade humana? Ela pode ser heterossexual, bissexual,
homossexual. Ela é uma explosão de realidades negadas. O que se pode dizer de
um homem heterossexual que também sente muito prazer sexual quando é
penetrado por sua esposa, namorada, companheira? Como vamos classificá-lo?
Como podemos negar a este homem o direito que ele tem de sentir este prazer?
Não temos esse direito. Como negar que as penetrações do corpo são cada vez
mais feitas de diversas e variadas formas?
A sexualidade é prazer e não é possível dizer de que a forma como os casais
buscarão isso; não se poderá dizer que lugar essa pessoa ocupará na sociedade,
não se vai definir a identidade da pessoa. Apenas o que se busca é a intensificação
da vida. Ninguém deve se submeter, se sujeitar apenas aquilo que foi determinado
por seu sexo biológico, a divisão binária imposta pela sociedade. Isso não é real,
não existe. Os casais fazem acordos mútuos para obter mais e mais prazer com
todas as possibilidades dos nossos corpos. As práticas sexuais mudam, variam no
tempo, nos espaços e conforme os desejos dos indivíduos.
Contestar a heterossexualidade obrigatória, que nos foi imposta como regra e que
deve ser rigidamente cumprida, contribui para aprofundar o debate sobre se é
preciso ou não continuar arcando com este pesado fardo do papel que devemos
continuar representando na sociedade.
Contestar a heterossexualidade obrigatória contribui para modificar a mentalidade, a
tradição cultivada, as representações. A sexualidade é um leque de práticas que
podem e devem subverter aquelas determinadas pela heteronorma.
Casais heterossexuais há muito tempo ou mesmo sempre praticaram sexo de
formas muito distintas. Utilizaram e utilizam ‘brinquedos’, adereços, fantasias,
3
instrumentos que propiciam prazeres explosivos, ou seja, adoram ser e são
desviantes das regras e das normas, da disciplinarização do sexo e dos corpos.
O que podemos conferir com o que já foi falado? Que nossos pensamentos e ações
são plurais. Assim sendo, é fundamental desconstruir os parâmetros do binômio de
gênero, o que é do feminino e o que é do masculino. Somente assim poderemos e
devemos pensar na existência de diferentes mulheres, com suas diferenças de
classe, raça, orientação sexual, identidades de gênero, idades. Precisamos então
tornar visíveis aquelas mulheres que sempre foram ocultadas, escondidas,
invisibilizadas: as lésbicas, as mulheres que vivem e expressam o seu desejo sexual
e afetivo por outras mulheres. Não reconhecemos uma lésbica, não conseguimos
perceber que aquela mulher é ou não lésbica. É preciso que ela se autodeclare,
caso contrário estaremos colocando nela um rótulo, definindo-a por meio de
estereótipos que nos disseram do que seria uma lésbica.
É imprescindível que as pessoas, que cotidianamente em seu ambiente de trabalho
se relacionam com diferentes populações, saibam que é preciso atuar de forma
adequada e respeitar a política da diferença, porque a diferença, a diversidade,
aparece e se relaciona no ambiente externo, ou seja, na esfera pública.
Não é possível que uma característica que torna uma pessoa diferente, a defina que
faz parte de uma minoria, seja a razão para receber um tratamento desigual.
É forçoso reconhecer que a cidadania para as minorias começa com o acesso
democrático aos espaços públicos, no qual possam ser visíveis com outra imagem
sua, que não foi determinada pela maioria. É importante que as pessoas saibam que
elas podem ser o que de fato são, ser o que quiserem e em qualquer lugar que
estejam.
Ainda que mais desenvolvida, a sociedade e a cultura atual exigem que as pessoas
sejam jovens, bonitas, magras, de boa aparência, que não expressem aberta e
livremente sua orientação sexual e identidade de gênero. Negam a pluralidade de
formas de existir de homens e mulheres que podem ser idosos, gordos, negros,
travestis, transexuais, lésbicas masculinizadas, homens feminilizados e tratam aos
que classificam de ‘diferentes’ de maneira distinta, não reconhecendo e não
respeitando os seus direitos básicos.
4
Quanto mais visíveis forem os diferentes, quanto mais se fizerem presentes, na
esfera pública, mais ajudarão a diminuir o preconceito das pessoas, que deixarão de
identificar que o seu aspecto não é negativo, que não são caricaturas de seres
humanos, mas são simplesmente seres humanos.
Referências bibliográficas
AUAD, Daniela; WERNECK, Lilian; LAHNI, Cláudia Regina. Direito à Comunicação e
Cidadania das e para as Mulheres Lésbicas: uma primeira mirada de gênero sobre L
WORD. Artigo apresentado no GT Comunicação, Relações de Gênero e Feminismo,
VII Encontro Regional de Comunicação, Juiz de Fora, outubro de 2010.
BUTLER, Judith. Imitación e insubordinación de género. In: ALLOUCH, Jean;
BUTLER, Judith, HALPERIN, David Andres. Grafia de Eros - Historia, género e
identidades sexuales. Buenos Aires: Edelp, 2000. p. 87-113.
PIASON, Aline da Silva. Gênero para além do binário: uma perspectiva de
visibilidade às lésbicas. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Faculdade de
Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio
Grande do Sul.
RICH, Adriene. Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. Trad. Carlos
Guilherme do Valle. In: Revista Bagoas: estudos gays, gêneros e sexualidade, v. 4,
n. 5, jan./jun., 2010.
SCOTT, Joan W. O enigma da igualdade. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 13, n.
1,
abr.
2005.
Disponível
em:
<www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2005000100002>.
SWAIN, Tania Navarro. Lesbianismos, cartografia de uma interrogação. In:
RIBEIRO, Paula Regina Costa; SILVA, Méri R. S.; SOUZA, Nádia Geisa S.;
GOELLNER, Silvana Vilodre; SOUZA, Jane Felipe. (Orgs.). Corpo, Gênero e
Sexualidade: discutindo práticas educativas. Rio Grande: FURG, 2007. p. 9-17.
5

Documentos relacionados

pistas para um activismo lésbico-feminista - LES

pistas para um activismo lésbico-feminista - LES lesbofobia do movimento feminista e das próprias lésbicas conduz a esta invisibilidade. A misoginia e anti-feminismo da sociedade heteropatriarcal acentuam ainda mais esta situação. As lésbicas não...

Leia mais