Relatório - PDBFF - Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos

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Relatório - PDBFF - Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos
Efeito do tamanho das larvas da formiga-leão Myrmeleon brasiliensis
(Neuroptera: Myrmeleontidae) sobre a seleção de habitats
Thallita Oliveira de Grande
2006).
Introdução
Em
termos
de
condições
A seleção de habitat é um
bióticas, locais onde há uma demanda
processo em que indivíduos usam ou
por recursos maior do que a capacidade
ocupam
de suporte e altos níveis de predação
um
conjunto
de
habitats
disponíveis de forma não aleatória
serão
(Morris 2003). Conforme este processo,
(Abrams 2000; Begon et al. 2006). Os
as espécies são capazes de balancear as
indivíduos necessitam balancear essas
demandas
a
condições e selecionar hábitats de
necessidade de forragear eficientemente
interesse, de modo a persistir no
e
ambiente
de
conflitantes
evitar
entre
predadores
enquanto
forrageiam (Sih 1980). Este processo
deve ter permanecido ao longo do
evitados
e
pelos
organismos
maximizar
o
sucesso
reprodutivo (Ricklefs 2001).
Alguns
predadores,
para
tempo evolutivo por conferir vantagens
maximizar seu potencial de captura de
aos indivíduos, ao permitir que estes
presas e diminuir o risco de predação,
selecionem diferencialmente os habitats,
alteram
se estabeleçam e consigam, então,
comportamentais
coexistir em meio a indivíduos de outras
utilizam
espécies (Rosenzweig 1981).
denominada
Condições
uma
estratégias
(Morse
tática
2006)
de
senta-e-espera.
e
forrageio
Nessa
como
estratégia os predadores permanecem
temperatura, umidade, luminosidade, e
em posição de emboscada e aguardam
condições bióticas, como competição
passivamente pela aproximação de suas
intra-específica e predação, são fatores
presas, para então capturá-las (Rersh &
que afetam a seleção de habitat. De
Cardé 2003). A seleção de habitat para
forma geral os organismos selecionam
este tipo de predador é algo importante.
habitats em que as condições abióticas
Isto porque o principal artefato que
estejam em um nível adequado para o
aperfeiçoa o forrageio é a escolha de
crescimento e reprodução (Begon et al.
lugares onde a disponibilidade de presas
abióticas,
suas
1
seja satisfatória (Begon et al. 2006;
larvas. Provete (2009) mostrou que as
Morse 2006). Ademais, locais cujas
larvas de M. brasiliensis não selecionam
condições
diferencialmente
permitam
comportamento
de
que
o
emboscada
seja
granulometria
substratos
fina
ou
com
grossa
em
efetivo (onde o indivíduo consiga, por
resposta ao adensamento populacional.
exemplo, se camuflar), diminuem as
No entanto, como existe canibalismo
chances desse tipo de predador ser
durante
predado por algum organismo.
brasiliensis
o
estágio
(P.
larval
H.
C.
de
M.
Peixoto,
As larvas da espécie Myrmeleon
comunicação pessoal), a presença de co-
brasiliensis adotam a estratégia senta-e-
específicos pode afetar as decisões
espera (Rersh & Cardé 2003). Para tal,
sobre uso do espaço pelos indivíduos
constroem pequenas depressões em
(Lima 1998). Para evitar o canibalismo,
forma de funil em substratos arenosos e
a
se ocultam abaixo da abertura do funil,
construção de funis deve variar entre os
à espera do deslize de artrópodes para
indivíduos
dentro da depressão (Grimaldi & Engel
distintos. Isto porque cada indivíduo
2005). As características do solo, como
tem chances distintas de predação por
a granulometria, têm efeito sobre os
co-específicos e de fixação no substrato.
funis,
especialmente
sobre
sua
escolha
O
dos
de
substratos
tamanhos
objetivo
do
para
a
corporais
estudo
foi
estabilidade e eficiência na captura de
investigar se existe efeito do tamanho
presas (Grimaldi & Engel 2005; Ribeiro
das
2009).
são
brasiliensis sobre a seleção do substrato
aparentemente preferidos pelas larvas
para a construção dos funis. A minha
por propiciarem um deslocamento mais
hipótese é que as larvas menores se
eficiente das presas e por conferirem
fixam em substratos inadequados para a
maior estabilidade ao funil (Rersh &
construção dos funis e dessa forma
Cardé 2003).
diminuem as chances de canibalismo
Os
grãos
finos
larvas
da
formiga-leão
M.
A seleção de locais para a
pelas larvas maiores. A minha previsão
construção dos funis pode ser afetada
é que larvas com menor comprimento
por fatores como a disponibilidade de
de cabeça serão predominantes no
alimento
substrato de granulometria grossa.
(McClure
1983
apud
in
Provete 2009) e a interação entre as
2
peneira com malha de 1 mm e obtive a
Métodos
Área de estudo
porção fina da areia. Na segunda etapa,
Realizei o estudo em uma área
utilizei uma peneira com malha de 2
de floresta de terra firme, localizada na
mm, peneirei o resíduo da primeira
Reserva do Km 41 (02°24’ S-59°44’ O),
etapa e obtive uma porção média e uma
na Amazônia Central. A reserva se
porção grossa. Para compor o substrato
encontra a cerca de 80 km ao norte de
de granulometria fina, utilizei 1050 ml
Manaus e pertence ao Projeto Dinâmica
da porção fina. Para compor o substrato
Biológica de Fragmentos Florestais
de granulometria grossa, misturei 500
(INPA / Smithsonian Tropical Research
ml da porção fina, 500 ml da porção
Institute).
média e aproximadamente 50 ml da
porção grossa. Adotei essa proporção de
Coleta das larvas
mistura a fim de conseguir um substrato
Realizei a coleta das larvas de
mais grosso do que o comumente usado
M. brasiliensis em locais de terrenos
pelas
arenosos secos nas imediações do
possibilitasse a construção dos funis.
acampamento. Procurei os funis nesses
larvas,
Utilizei
mas
cinco
que
ainda
bandejas
de
locais e coletei os indivíduos à medida
polietileno de 46 x 31 cm e dividi cada
que encontrava os funis. Com uma pá,
uma em dois compartimentos de 23 x
cavei a areia sob o funil e peneirei essa
31 cm. Posteriormente, subdividi cada
areia para encontrar a larva. Coletei 100
compartimento em duas partes iguais e
larvas no total. Não apliquei seleção de
preenchi cada parte com um tipo de
tamanho corporal no momento da
substrato.
coleta.
barreira física entre essas partes dos
nenhuma
realização
do
pudessem transitar livremente entre os
dois
de
substratos. Com base na metodologia de
substrato para o estabelecimento das
Provete (2009) aguardei 18 horas para
larvas, um com granulometria fina e
que as formigas-leão construíssem os
outro com granulometria grossa. Para
funis.
experimento,
a
coloquei
compartimentos para que as larvas
Experimento
Para
Não
criei
tipos
tal, realizei duas etapas de peneiração da
Após o intervalo de 18 horas
areia. Na primeira etapa, utilizei uma
coletei as larvas que construíram funis
3
em ambos os tratamentos, coletando e
cabeça das formigas-leão, utilizei uma
peneirando separadamente a areia do
análise de variância (ANOVA).
entorno de cada funil. Posteriormente
peneirei o restante da areia de cada
Resultados
substrato para coletar as larvas que não
Do total de 100 indivíduos, 87
haviam feito funis. Fixei os indivíduos
construíram funis, cinco permaneceram
em álcool 70%. Fotografei as formigas-
nos substratos sem construir funis e sete
leão em uma lupa e com as imagens
não foram encontrados. Dos 87 funis,
medi a distância entre os olhos das
39 foram construídos no substrato de
larvas usando o software Image Tools.
grossa granulometria e 48 no de
Usei a distância entre os olhos como
granulometria fina. O tamanho da
uma medida do tamanho da cabeça das
cabeça não influenciou a escolha de
larvas, por que esta distância representa
substratos pelos indivíduos de M.
a
brasiliensis (F(1,80)=1,14; p=0,28; Figura
maior
largura
da
cabeça
dos
indivíduos. Para testar se a seleção dos
1).
substratos é dependente do tamanho da
Figura 1. Valores médios da distância entre os olhos de M. brasiliensis nos dois tipos de substratos. Os
círculos representam as médias e as barras o erro padrão.
4
informações sobre a disponibilidade de
Discussão
A ocupação dos dois tipos de
substratos
por
larvas
diversos
intervalo de tempo, pela taxa de captura
tamanhos de M. brasiliensis indica que
de presas (Crowley & Linton 1999). As
indivíduos
escolhem
formigas-leão podem realocar seus funis
substratos
quando um determinado local não é
menores
preferencialmente
de
alimento do local ao longo de um
não
os
inadequados, de grossa granulometria.
benéfico
A grande quantidade de funis formados
alimentares.
implicou em um baixo número de larvas
energético para mudar de local é alto e a
sem funis ou desaparecidas. As larvas
realocação dos funis deve acontecer
não encontradas possivelmente foram
somente quando os ganhos futuros com
predadas por co-específicos.
a mudança excedem os seus custos
Embora
apenas
termos
No
de
entanto,
recursos
o
gasto
larvas
(Crowley & Linton 1999). Portanto, é
tenham desaparecido, fica evidente que
possível que as formigas-leão não
o canibalismo existe, mas não é uma
selecionem a priori o substrato de
pressão suficientemente forte para fazer
ocupação.
com que os indivíduos selecionem o
indivíduos
substrato a ser ocupado. Provete (2009)
posteriormente
relata que em situações de adensamento
como a disponibilidade de presas do
populacional
não
local para balancear o custo-benefício
ocupam substratos distintos de forma
do substrato em que se encontram. Isto
diferencial como uma maneira de
explicaria a ocupação similar das larvas
diminuir as chances de canibalismo.
nos dois tipos de substrato utilizado no
Sendo assim, é possível que o risco de
estudo.
predação entre as larvas seja baixo, o
disponibilidade de alimento durante o
que lhes permitiria investir no forrageio
experimento, em ambos os tipos de
(Verdolin 2006) por meio da construção
substratos, pode ter sido suficiente para
de funis em qualquer tipo de substrato,
que as larvas não precisassem mudar de
como observado no meu estudo.
substrato
as
sete
em
formigas-leão
Os funis das larvas de M.
brasiliensis, além de ser um meio de
conseguir
alimento,
É
provável
se
que
estes
estabeleçam
utilizem
informações
Alternativamente,
em
busca
e
de
a
melhores
condições, e assim se distribuíssem de
forma semelhante entre os substratos.
fornecem
5
Este
estudo
indica
que
o
organizadores do EFA 2010 (José Luis
estabelecimento dos organismos nem
Camargo,
sempre é determinado pelos riscos de
Peixoto e Paulo Estéfano Bobrowiec)
predação de um dado local. Da mesma
pela oportunidade de participar deste
forma, trabalhos anteriores indicaram
curso, no qual tanto aprendi sobre a
que, tanto a eficiência de captura de
construção do conhecimento científico.
presas
Agradeço
quanto
o
adensamento
Paulo
aos
Enrique
colegas
Cardoso
que
me
populacional não determinam a seleção
auxiliaram na execução deste trabalho.
de habitat (Provete 2009; Ribeiro 2009).
Paulinho (Enrique), obrigada por ter me
Apesar de se esperar que a seleção de
apresentado as formigas-leão, pelos
habitat possa favorecer a aptidão dos
auxílios
organismos, é possível que em alguns
metodológicos e por tudo que aprendi
sistemas
(como
caso
estatísticos,
de
M.
contigo
prévias
do
também por coordenar o curso de modo
habitat não ocorram. Nessa situação,
a ter tornado nossos dias os mais
mesmo que a avaliação aconteça após o
agradáveis possíveis. Dani, Claudinha,
estabelecimento (de acordo com o
Paulinho (Estéfano), Sara, Camila e
sucesso da captura de alimentos, por
Laura, muito obrigada pela ajuda com
exemplo), se não há seleção prévia, em
as coletas de formigas-leão, com a
caso de mudança de local os organismos
peneiração da areia e com todo o
deveriam novamente selecionar pontos
restante dos métodos do projeto. O
de
critérios
auxílio de vocês foi fundamental! Aos
específicos de escolha. Por fim, em
professores, monitores e revisores, que
sistemas onde a variação ambiental é
contribuíram para meu crescimento
pequena (como áreas contendo areia), a
profissional ao longo do curso. A todos
seleção de habitat pode não ser uma
os companheiros desta caminhada de
característica
um mês na Amazônia, obrigada pelos
brasiliensis)
no
teóricos,
avaliações
estabelecimento
que
sem
confira
grandes
vantagens aos organismos.
neste
momentos
conhecimentos
Obrigada
partilhados,
trocados
pelos
e
pela
oportunidade de aprender um pouco
Agradecimentos
Gostaria
período.
de
agradecer
com cada um de vocês.
primeiramente ao INPA/PDBFF e aos
6
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