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Revista Eletrônica do TCE-RS | nº 1 V. 2 | CDU 336.126.55(816.5)(05)
ORIGENS DO SISTEMA DO CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
ENTRE OS HEBREUS
WREMYR SCLIAR*
As origens do controle da administração pública são encontradas entre os
hebreus, a partir da compreensão dos seus livros e documentos.
Seus valores, assim como os de Roma e Grécia, são o legado para o
sistema jurídico de controle. Os romanos e gregos criaram um sistema
institucional e normativo mais sofisticado e ampliado, com definições quanto aos
tribunais e magistraturas.
Vertentes da Antiguidade, nela se encontra a germinação de princípios
jurídicos civilizatórios.
1.1 O CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ENTRE OS HEBREUS
O controle da administração pública encontra as suas raízes mais
remotas entre os hebreus 1 e posteriormente entre os gregos 2 e romanos3.
O conhecimento jurídico sobre a organização estatal e social do povo
hebreu está baseado na análise da Torá 4, no Talmude 5 de Jerusalém e no
*Professor de Direito da PUC-RS. Doutor e Mestre em Direito Público. Conselheiro Substituto
aposentado e ex-diretor da Escola Superior de Gestão e Controle Francisco Juruena, do
Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.
O texto corresponde ao primeiro capítulo da tese de Doutorado do autor.
1
Os hebreus, povo que se fixou nas terras costeiras ao mar Mediterrâneo, com o rio Jordão e
o mar Morto no flanco oriental, segundo a narrativa bíblica seria originário de Ur, na Caldéia e
conduzidos à denominada Canaã por seu patriarca Abrahão. A palavra deriva de ibri,
significando além do rio. Com os reinos posteriores, divididos entre Israel e Judeia, a palavra
hebreu traduz, para o autor, a denominação mais adequada para a designação daquele povo.
Para essa designação, CHOURAQUI, André. Os homens da Bíblia. São Paulo: Companhia das
Letras, 1990.
2
Relativamente ao controle da administração pública pelos gregos, o período jurídico se refere ao
clássico, quando a democracia, sob Péricles e as práticas da Ágora (a praça do mercado de
Atenas), com o voto, sorteio e escolha entre os cidadãos atenienses.
3
O controle da administração pública entre os romanos, aqui referido e utilizado neste trabalho,
ocorre no período jurídico da república, dos cônsules e do senado.
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Talmude da Babilônia, nos textos dos profetas e nos manuscritos descobertos nas
cavernas de Qumram, nas fraldas do mar Morto 6.
Dois autores da antiguidade clássica, Flávio Josefo 7 e Fílon de
Alexandria 8, o primeiro hebreu que viveu seus últimos dias em Roma e, o
segundo, hebreu alexandrino, são, juntamente com os Manuscritos, as fontes
mais precisas a respeito desse tema.
4
Torá, palavra hebraica, é usualmente traduzida por lei, derivada do verbo instruir, ensinar ou
guiar. São os cinco primeiros livros do Velho Testamento ou Bíblia hebraica, nominados de
Pentateuco, palavra de origem grega. Posteriormente, Torá ou Pentateuco foi associado à
sabedoria e à palavra primordial (verbo), segundo a narrativa do Gênesis, como origem do
mundo. É também sinônimo de conhecimento aliado à bondade. O autor utiliza para esse fim
ARMSTRONG, Karen. A Bíblia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
5
Talmude é a palavra em português para o hebraico Talmud (ensino ou estudo). Refere-se às
duas escrituras. A primeira é originária de Jerusalém (Yerushalmi), completado no século V d. C.
O Talmude da Babilônia, cuja escritura se inicia durante o período da escravidão dos judeus na
Babilônia sob o rei Nabucodonosor, foi completado no século VI d. C. O segundo, (Bavli) é
considerado, também pelo autor, como mais completo. Os Talmudes se transformaram na
interpretação possível nos períodos de escravidão e de exílio. O episódio que inicia a escravidão
babilônica, quando levados pelo rei Nabucodonosor (na verdade, a elite do povo hebreu, seus
sacerdotes, sábios, literatos, juízes e o rei Joaquim, além dos homens e mulheres válidos para o
trabalho escravo, foi magistralmente representado pela ópera Nabuco, de Giuseppe Verdi, cujo
coro “Va pensiero” é um hino à liberdade, quando a Itália esteve submetida ao império austríaco
no século XIX. Ambos os Talmudes são comentários ao sistema jurídico hebreu, tornando
possível a sua aplicação em terras estrangeiras. Como o Templo de Jerusalém foi destruído, a
Torá e os Talmudes tornam “a religião portátil” do povo hebreu.
6
Os Manuscritos do Mar Morto são a prova documental arqueológica da existência do corpo
jurídico hebreu. Encontravam-se no wadi (rio seco), nas cavernas de Qumram (duas caveiras) e
somam mais de 1.100 rolos, que estavam guardados em ânforas seladas. São cópias do Velho
Testamento, o regulamento e os hinos (originais) de uma seita denominada essênios, que ali
construiu junto ao Mar Morto, ao sul de Jerusalém um mosteiro e oficinas de escribas. A esse
respeito, VERMES, Geza. Os manuscritos do Mar Morto. São Paulo: Mercuryo, 1992. Outros
autores, especialmente arqueólogos também publicaram: E. L. Sukenik, H. H. Rowley, W. F.
Albright, R. de Vaux, A. Dupont-Sommer e Y. Yadin.
7
Flávio Josefo foi sacerdote, governador militar, general e, sobretudo, historiador. Viveu no início
da era cristã, quando Roma destrói o país dos hebreus. Aprisionado por Vespasiano e Tito, é
levado como escravo para Roma, vive no palácio do imperador e tem liberdade para escrever
Antiguidades Judaicas e Guerra dos Judeus contra os Romanos, entremeados de uma
autobiografia e de Resposta a Ápio. Seu nome foi latinizado e manteve relações com Plínio.
Com Horácio e outros latinos, polemizou sobre a filosofia e modo de vida dos hebreus. Suas
obras completas em português – História dos Hebreus – foi editada pela Editora das Américas
Ltda., Rio de Janeiro, 1992, 1 ed. Para a biografia de Flávio Josefo (nome latinizado) e chamado
em hebreu de Josefo filho de Matias, HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo, o judeu de
Roma. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
8
Fílon de Alexandria era filósofo, tradutor e hermeneuta do Velho Testamento. Viveu em período
contemporâneo a Flávio Josefo em Alexandria, colônia grega no Egito, onde habitava uma
importante comunidade hebraica, rivalizando com a de Jerusalém e influenciada pela filosofia
grega clássica, especialmente Aristóteles. As referências principais a Fílon estão em Flávio
Josefo.
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São contemporâneos do sistema jurídico hebreu (cerca do primeiro século
da era cristã) e legaram extensa obra com abordagem jurídica sobre o sistema
legal hebreu.
Os hebreus constituem-se em um povo cuja descrição bíblica, Velho e
Novo Testamento, está repleta de descrições míticas, cuja caracterização a partir
das pesquisas notadamente filológica e textos de André Chouraqui 9, permite
afirmar tenha origem nômade, oriundo da bacia dos rios Tigre e Eufrates, até se
fixarem na Palestina, em território mais ao interior.
No período do nomadismo, quando o povo estava dividido em tribos
ancestrais, os hebreus já adotavam alguns dos princípios, posteriormente
enunciados de forma ampliada durante a passagem pelo deserto do Sinai na saga
libertadora do cativeiro do Egito, conduzidos por Moisés 10, que outorga ao povo o
decálogo, ou dez mandamentos, cognominados de “palavras”, inscritos em pedra
e atribuídos à fonte divina, recebendo a qualificação de normas jurídicas de
conduta geral sob o manto da ideologia religiosa, igualmente codificada e
incisivamente monoteísta.
O sistema jurídico dos hebreus não incluía normas especificadas sobre o
controle da administração pública, mas, em relação à organização administrativa
e judicial, era bastante extenso.
As normas de controle são esparsas, emolduradas de rituais e regras
religiosas, ao mesmo tempo em que se constituem em uma narrativa histórica da
vida nacional dos hebreus.
9
Pela sua tradução da Bíblia para o francês, foi agraciado com a medalha de ouro da Academia
Francesa de Ciências. Suas pesquisas, continuadas na Universidade Hebraica de Jerusalém,
incluem uma vasta obra de interpretação sobre os livros bíblicos. Para o Novo Testamento
revela-se importante, porque não há comprovações arqueológicas a respeito da narrativa bíblica
posterior à Bíblica hebraica.
10
Moisés era um nobre (teria sido príncipe?) nascido no Egito, nome copta, a antiga língua da
região, cujo sufixo és é deus ou divindade e que retira seu povo do cativeiro, conduzindo-o ao
retorno à terra de origem. Sua figura é mítica. Por ter conquistado a liberdade, liderado o povo
na travessia do deserto do Sinai, instituído o monoteísmo e outorgado uma constituição
fundadora (decálogo ou dez mandamentos) os hebreus (e os judeus hoje) consideram-no
criador da nação hebraica.
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Entre os textos da Torá, Talmude e Profetas há imposições de conduta
ética aos governantes na sua vida pública e privada, assim como nas suas
condutas comunitárias (sociais).
Conforme Frank Crüsemann 11 sobre a Torá:
Tradicionalmente, a Torá foi entendida sob o conceito cristão de “lei”.
Com isso, muitas vezes acabou contraposta ao “Evangelho”. Porém,
histórica e teologicamente, há muito já foi reconhecido que tais
oposições somente são possíveis através de uma deturpação do
conceito bíblico de Torá.
A palavra tóráh designa, em linguagem coloquial da época do Antigo
Testamento, o ensinamento da mãe (Pr 1,8,; 6,20; cf. 31,26) e do pai
(4,1s) para introduzir seus filhos nos caminhos da vida e adverti-los
diante das ciladas da morte. Nisso, como em todos os demais usos, a
palavra abrange informação e orientação, instrução e estabelecimentos
de normas, e, com isso, também promessa e desafio. Expressa
igualmente o mandamento e a história da instrução, da qual emerge. A
partir daí, o conceito Torá torna-se um termo técnico para a instrução
dos sacerdotes aos leigos (Jr 18,18; Ez 7,26), mas designa também as
palavras dos mestres da sabedoria (Pr 7,2; 13,14) ou do profeta (Is
8,16.20; 30,9) para os discípulos. No Deuteronômio, por fim, Torá
transforma-se no conceito mais importante da vontade de Deus universal
e literariamente fixada (p. ex. Dt 4,4s; 30,10; 31,9). Aqui, Torá abrange
tanto narrações (esp. Dt 1,5) quanto leis (cf. esp. SI 78,1.5.10). Mais
tarde, esse conceito deuteronômico designa a lei de Esdras (p. ex. Ne
8,1), todo o Pentateuco, mas também a palavra profético-escatológica de
Deus para os povos (Is 2,3 par.; Mq 4,2; Is 42,4).
Enquanto a Torá e o Talmude expõem essas normas, os profetas 12 têm
uma função, com seus discursos de denúncia e críticas aos governantes e a todo
o povo 13.
11
CRÜSEMANN, Frank. A Torá: teologia e história social da lei do Antigo Testamento. Tradução
de Haroldo Reimer. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 11-12. Sobre o autor anota-se que, após a
Segunda Guerra Mundial, na Alemanha, os Livros do Velho Testamento foram revalorizados,
especialmente por filósofos, teólogos e professores. Crüsemann é um desses autores que se
dedicaram ao estudo do Velho Testamento. Observa que, mais do que uma lei, a Torá é um
paradigma de procedimentos rotineiros para os homens. Jubileu, perdão das dívidas, direitos
dos pobres – direitos humanos, relações sociais são pautadas pela realização da justiça
normatizada. A Torá é o coração do Velho Testamento que é, a sua vez, o coração do Novo
Testamento.
12
Os profetas, para os fins do controle da administração, têm um papel crítico, que denunciam os
desvios do cumprimento das leis, não apenas pelos governantes, mas também pelo povo. São
profetas importantes Isaias, Amós e Oséias; suas críticas e denúncias abordam as questões de
governo, tributos, administração e cumprimento das leis pelas classes dirigentes. O valor
literário dos profetas tem sido fonte de inspiração para escritores, poetas, pintores e
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Criticam e denunciam os profetas não apenas o desregramento em
relação às normas de conduta pública e privada, mas inclusive em assuntos de
relacionamento com os povos vizinhos, com veemência e a partir de exemplos
pessoais, em uma forma poética. As críticas e as denúncias candentes aos
desvios e desregramento quanto às condutas exigidas pela Torá granjearam aos
profetas a admiração do povo, ouvidos atentamente e seguidos pelo povo, que se
reunia nas portas das cidades para ouvi-los e guardar as palavras, muitas vezes
sob ameaça de terríveis castigos que adviriam aos poderosos e ao povo pelos
fatos narrados pelos profetas.
A comprovação histórica dessas normas e do papel desempenhado pelos
profetas está inscrita na descoberta em abril de 1947 nas cavernas de Qumram,
situadas em agrestes montanhas salitradas, de difícil acesso, às margens do mar
Morto, ao sul de Jerusalém.
Ali viveu uma comunidade sectária denominada de essênios, que
produziu uma biblioteca com cerca de 1.100 livros, em forma de rolos, escondidos
em ânforas nas cavernas quando o exército imperial, sob o comando de
Vespasiano e seu filho Tito, após terem destruído o Templo e arrasado a cidade
Jerusalém, se aproximava da localidade onde existia um monastério e as demais
instalações comunitárias e ritualísticas no ano 70 d. C.
Alguns desses livros são coincidentes com os livros do Velho Testamento,
outros correspondem às regras da comunidade essênia ou são apocalípticos,
contendo também hinos e material lítero-religioso.
Interessa, sobretudo, a extraordinária descoberta do livro do profeta
Isaías, um rolo com aproximadamente 7 metros de comprimento, 70 cm de altura,
praticamente intacto pelas condições do esconderijo e para o qual foi erguido um
museu em Jerusalém, denominado de Santuário do Livro, que guarda a forma das
ânforas e exposto permitindo a sua perfeita leitura.
13
compositores.
ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 5. ed. São Paulo: Ícone, 1989. p. 17 et
seq. Conforme Altavila, na p. 35, após citar Michelet, Stuart Mill e Will Durante: “[...] dos judeus
saiu a idéia de justiça social e dos direitos humanos [...]”.
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No Livro, Isaías faz referências às normas antigas e acusa governantes e
povo de descumprirem-nas.
A existência desse livro 14, copiado entre 150 a. C. e 100 d. C., é a prova
documental (a mais importante descoberta arqueológica até o presente) de um
sistema jurídico que iniciado em período tribal e nômade, portanto com tradição
oral, torna-se uma codificação, à qual os textos proféticos serão incluídos, e são
perfeitamente permeadas por normas de administração pública e seu controle
peculiar.
O rei Josias 15 tinha mandado codificar esses textos, considerados sob
várias faces, religiosa, nacional e jurídica, dando-lhes a conformação pela qual
hoje são conhecidos.
Se as normas da Torá são inicialmente orais, pelas próprias condições
nômades e tribais do povo, tornam-se paulatinamente em documentos à medida
que o povo se estabelece, sob a condução de Moisés, na sua terra original,
sedimentando-se
e
fazendo
nascer
a
vida
urbana
e
organizada
administrativamente.
A nação se unifica, o povo torna-se sedentário, preponderantemente rural,
com atividades agrícolas e pastoris, até que as cidades, notadamente Jerusalém,
já ao tempo do rei Salomão, se torne uma cidade importante e centro político e
administrativo do povo hebreu.
Moisés, como líder e unificador e fundador da nação, e o decálogo,
considerado uma constituição política fundadora, incluindo o monoteísmo, são os
marcos iniciais da política e da administração.
14
O Livro de Isaías, encontrado em uma caverna do wadi (rio seco), em Qumram, é produto de
cópia de um original codificado no séc. V a. C. Muitos dos livros, em forma de rolo, com duas
hastes nas extremidades dos manuscritos, que são giradas para desenrolar e permitir e leitura,
são cópias dos livros bíblicos, mas outros são próprios da seita essênia, cujo ritual é bastante
assemelhado ao do cristianismo primitivo, especialmente pelo despojamento e comunitarismo
dos bens, refeições rituais e preocupação com a higiene e saúde.
15
O rei Josias, por volta do século V a. C., diz a narrativa bíblica, encontrou a arca da aliança com
livros de cuja existência havia apenas a tradição oral. Escoimados de material alheio ao
judaísmo, são codificados e ordenados; essa versão é a conhecida como Bíblia hebraica.
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O sistema jurídico, portanto, é devido a Moisés e registrado e instituído
nos dez mandamentos.
Contém normas estritas de conduta dos governantes, desde a sua
escolha, os requisitos pessoais e as funções.
Sob a formalidade religiosa, essas normas podem ser entendidas também
como uma ideologia, mas tinham uma finalidade: a unidade do povo, sob o
monoteísmo e normas específicas quanto à administração da justiça, serviços
estatais, atividades comunitárias e familiares, a organização religiosa, civil,
econômica e tributária.
O início histórico dessa evolução normativa é a libertação do cativeiro do
Egito, conhecido como Pessach, traduzido do hebraico como passagem, travessia
ou páscoa. Sob essa última denominação, a cada ano, de acordo com o
calendário lunar, era comemorada a “festa da liberdade”, e em consequência,
banida a escravidão entre os hebreus e instituído o respeito aos estrangeiros.
O decálogo é fruto da libertação e proclama a submissão de todos os
hebreus, sem distinção, ao cumprimento da lei.
Do rei, sumo sacerdote, ricos até o mais humilde pastor de ovelhas,
deviam-lhe submissão.
A liberdade da escravidão no Egito produz um segundo princípio próprio
dos dez mandamentos: todos são iguais; instaura-se a igualdade.
A comemoração da páscoa tem mais um significado, além da lembrança
do cativeiro e da conquista da liberdade, inscrita como princípio jurídico
fundamental, a igualdade é o outro princípio jurídico fundamental inscrito na Torá
e fundador da nação.
A unificação nacional é outro instrumento além da lei fundadora.
A criação de um conselho de sábios e letrados, irrepreensíveis na sua
vida privada e comunitária, acolhidos e respeitados pelo povo.
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O Sinédrio 16, assim denominado o conselho, funcionava como órgão
político supremo, tribunal superior, elegia o rei, os governantes, principais oficiais
e funcionários.
Não lhe era permitido alterar a lei, apenas interpretá-la e zelar pelo seu
devido cumprimento 17.
A memória política e ritualística que se celebra na páscoa é, sobretudo,
nacional e política.
Sua principal oração recorda a escravidão no Egito e adverte para o
caráter desumano da escravidão.
Na Torá, os princípios não se restringem à liberdade (e a vedação da
escravidão) e à igualdade.
São atributos dos governantes a efetivação da justiça, da solidariedade e
da caridade, assim como a deveres de qualquer um do povo, do mais rico ao mais
humilde.
O sistema jurídico dos hebreus é democrático e, ao mesmo tempo,
republicano, quando atribui ao Sinédrio (Grande Conselho) a responsabilidade
máxima pela condução da nação.
Os dez mandamentos18, norma inicial, está contida em duas passagens
do Velho Testamento.
A primeira no Êxodus (em hebraico Shemot, traduzível literalmente para o
português como “Nomes”).
16
Havia um Sinédrio (conselho) denominado de Grande (71 membros) e outros menores,
denominados de Pequenos e provavelmente em várias cidades. Era o intérprete legislativo,
julgador, mas sua função primordial correspondia ao atual conselho de estado porque escolhia
o rei, decidia sobre paz e questões bélicas, além de julgar o próprio rei. Não tinha o Grande
Sinédrio competência criminal, atribuída aos demais tribunais.
17
Sobre o Sinédrio, COHN, Haim. O julgamento de Jesus. Rio de Janeiro: Imago, 1994. p. 116 et
seq. Cohn foi procurador geral do Estado de Israel, ministro e presidente da Suprema Corte. É
especialista em direito antigo. Faz extensas e precisas referências sobre o Grande e os
Pequenos Sinédrios, composição, competência, funcionamento. Sua tese é de que o Grande
Sinédrio não julgava "crimes de sangue".
18
Os dez mandamentos trazidos por Moisés, em dois momentos (no primeiro, foi destruído
quando viu o povo adorando um bezerro de ouro), são normas fundantes da nação hebraica.
Sob o aspecto do corpo jurídico hebreu elas têm prevalência sobre as normas restantes e de
uma certa forma, é um conjunto completo, com significado também literário e ético.
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A segunda no Deuteronômio (em hebraico Devarim, cujo significado literal
em português corresponde a “Palavras”).
As passagens referidas nas quais consta o decálogo têm pequenas
variações entre si, nenhuma substancial, precedidas de introdução, mais breve no
Êxodo.
A seguir utiliza-se o texto mandamental do Deuteronômio.
6 Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egypto, da casa da
servidão:
7 Não terás outros deuses diante de mim;
8 Não farás para ti imagem de esculptura, nem similhança alguma do
que ha em cima no céu, nem em baixo na terra, nem nas aguas debaixo
da terra:
9 Não te encurvarás a ellas, nem as servirás: porque Eu, o Senhor teu
Deus, sou Deus zeloso, que visito a maldade dos paes sobre os filhos,
até á terceira e quarta geração d’aquelles que me aborrecem,
10 E faço misericórdia em milhares aos que me amam, e guardam os
meus mandamentos.
11 Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão: porque o Senhor
não terá por inocente ao que tomar o seu nome em vão;
12 Guarda o dia de sábado, para o sanctificar, como te ordenou o
Senhor teu Deus.
13 Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra,
14 Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus: não farás nenhuma
obra n’elle, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua
serva, nem o teu boi, nem o teu jumento, nem animal algum teu, nem o
estrangeiro que está dentro de tuas portas: para que o teu servo e a tua
serva descancem como tu:
15 Porque te lembrarás que foste servo na terra do Egypto, e que o
Senhor teu Deus te tirou d’ali com mão forte e braço estendido: pelo que
o Senhor teu Deus te ordenou que guardasses o dia de sábado.
16 Honra a teu pae e a tua mãe, como o Senhor teu Deus te ordenou,
para que te prolonguem os teus dias, e para que te vá bem na terra que
te dá o Senhor teu Deus.
17 Não matarás.
18 E não adulterarás.
19 E não furtarás.
20 E não dirás falso testemunho contra o teu próximo;
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21 E não cobiçarás a mulher do teu próximo e não desejarás a casa do
teu próximo, nem o seu campo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem
19
o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo.
Comentando os princípios inscritos no decálogo, Norberto Bobbio20
ressalta a sua importância para a história da civilização, demonstrando a sua
relevância instituidora para o mundo cristão, como valores emotivos do homem ou
a sua própria lei em conformidade com a natureza, além da sua permanência
perene.
Norberto Bobbio 21 assim se expressa: “Eles foram durante séculos, e
ainda são, o código moral por excelência do mundo cristão, a ponto identificados
com a lei escrita no coração dos homens ou a lei conforme a natureza”.
À lição de Bobbio pode-se acrescentar que o decálogo é não apenas o
código moral do mundo cristão, mas também do mundo islâmico – fundamento
civilizatório vinculado ao monoteísmo, princípio moral legado pelo povo hebreu, e
adotado por todo o mundo civilizado.
Sob o aspecto jurídico, pode-se anotar que os cinco primeiros
mandamentos têm vinculação religiosa e litúrgicas, atribuindo a Deus o domínio
da terra e de tudo sobre o que nela se encontra, aqui notavelmente declarando
domínio divino a própria vida humana, a terra e todos os bens existentes.
E ainda atribui ao domínio divino o próprio poder político e social,
independentemente da sua tribo, família, casta, condição econômica ou social,
sob o signo da liberdade e da igualdade sob a lei.
Os seguintes cinco mandamentos têm natureza civil. No contexto, o sexto
se afigura como intermediário entre os dois grupos de princípios.
19
BÍBLIA sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do
Brasil, s.d. p. 181-182. Optou-se por esse exemplar da Bíblia face à reconhecida qualidade da
tradução. Embora impressa em vernáculo com a grafia legalmente revogada, observa-se o
criterioso trabalho de translação do latim para o português.
20
Norberto Bobbio ressalta nas suas observações pertinentes sobre o decálogo a importância
para o mundo cristão, atualizadíssimo como norma ética ou legal em sua conformidade com a
proteção da natureza. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p.
56 et. seq.
21
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 56-57.
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Para a análise do controle da administração pública, os mandamentos se
constituem em um conjunto uniforme e coerente, mas o décimo e último
mandamento do decálogo, dirigido a todos os homens, tem um sentido peculiar
quando alguém está investido de poder político, judicial ou administrativo.
Ele veda a cobiça, desde a sua gestação psíquica como desejo, em um
elenco não taxativo de situações humanas.
Veda a cobiça da mulher do próximo; em relação ao outro, veda a cobiça
dos seus bens e, por fim, “nem coisa alguma do teu próximo”.
Ao outro, ao próximo, o décimo mandamento impõe uma conduta
negativa, de absoluto respeito por tudo o que significa o próximo: sua mulher,
seus bens ou qualquer coisa.
Segundo o princípio da igualdade impositiva do decálogo, sem nenhuma
distinção, do rei ao mais humilde dos pastores, mas aí incluindo o sumo
sacerdote, os juízes, os oficiais e funcionários, os ricos e poderosos, assim como
a totalidade do povo, nada pode ser cobiçado (ou desejado) que não seja seu.
É um princípio impositivo de conduta negativa, com natureza ética, cujo
fundamento é o respeito ao ser humano.
As demais normas da Torá, estimadas em cerca de seiscentas22, tanto
positivas como negativas, todas relacionadas com a conduta do homem, não são
mais relevantes do que o decálogo, a ele subordinadas, cujo poder reside em ser
constitutivo, unificador, interpretador e fundante e, em última análise, marco da
crônica histórica do povo hebreu.
Com algumas irrelevantes exceções, as demais normas da Torá são
desdobramentos tardios do decálogo, compilados, organizados ou codificados em
épocas posteriores.
Eles permanecem no sistema jurídico, consagrados como princípios
imutáveis, com caráter ideológico religioso, respeitados inicialmente pela sua
22
As demais normas, catalogadas em seiscentas, dirigem-se à vida privada, tanto civil, como
econômica.
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atribuição divina, mas demonstrados fundantes e coincidentes com o eterno
anseio de liberdade e igualdade do homem.
Guardados em tábuas 23, a eles foi destinada uma pequena arca de
madeira, que perambulou pelo deserto e era protegida pelos reis e sacerdotes,
até Salomão satisfazer o projeto do pai (rei Davi) e construir um templo destinado
à sua localização definitiva.
Quanto à administração pública dos hebreus, e seu controle, o decálogo
tem íntima relação com outros princípios da Torá, que se aplicam aos juízes,
denominação significativa dos magistrados que antes da monarquia eram os
governantes, assim como aos oficiais e funcionários mandatários dos juízes.
Substituídos os juízes (1.031 a 586 a. C.) pela monarquia, os princípios
antes aplicados aos juízes passaram a vigorar sobre os reis e sua corte,
incólumes.
Eles estão no Deuteronômio, 16,18 a 20:
Deveres dos juízes
18 Juízes e officiaes porás em todas as tuas portas que o Senhor teu
Deus te der entre as tuas tribos, para que julguem o povo com juízo de
justiça.
19 Não torcerás o juízo, não farás acepção de pessoas, nem tomarás
peitas; porquanto a peita cega os olhos dos sábios, e perverte as
palavras dos justos.
20 A justiça, a justiça seguirás; para que vivas, e possuas a terra que te
24
dará o Senhor teu Deus.
O sistema jurídico dos hebreus estabelece, inicialmente, os princípios
fundantes constantes do decálogo e se incluem e fixam, após, outros princípios
23
As tábuas eram de madeira (cedro do Líbano, raro e valioso, mas também poderiam as letras da
lei serem gravadas em tecido); nos templos atuais encontram-se esculpidas em madeira nobre.
24
BÍBLIA sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do
Brasil, s.d. p. 192-193. Quando o texto bíblico, no versículo 20 diz: “A justiça, a justiça seguirás;”
além da preciosa forma poética, a repetição (tantas vezes utilizadas) de uma palavra dá-lhe um
sentido de cogência. No texto acima, a palavra justiça é repetida para demonstrar o imperativo
aos juízes. Ao mesmo tempo, a forma impressiona como cântico.
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relativos à efetivação da justiça, devendo-se assinalar que o sistema não admite
que um homem já nasça rei ungido por regras monárquicas ou aristocráticas.
Eles somente se tornarão reis após serem submetidos a uma escolha que
competirá ao Sinédrio, o qual detém o poder político e administrativo sobre a
nação.
A exigência na formulação dos mandamentos e no versículo 17,14 do
Deuteronômio é de que a escolha sobre o futuro rei e seus oficiais e funcionários
não é predeterminada por um artifício familiar de ordem monárquica ou
aristocrática.
A exigência é de que o rei cumpra a lei, não a modifique nem crie outras,
efetive a justiça e que não se eleve acima dos seus irmãos25.
Nas palavras de Frank Crüsemann:
Esta retirada completa do poder da realeza, espantosa para o Antigo
Oriente, levanta de modo inevitável a pergunta pela instância que tem
poder e autoridade para isso.
Pela lei do rei, o povo é autorizado a empossar reis.
A autoridade que fala na lei está acima de ambos.
O assunto tratado aparece nas determinações sobre o sistema jurídico e
26
a profecia.
A escolha do rei está fixada em norma deuteronômica e acolhe os
qualificativos necessários à pessoa para ser eleita pelo Sinédrio e desde logo já
impõe as regras de sua conduta futura.
25
As leis são consideradas imutáveis, seja declaração de que tinham origem divina ou porque
fossem acolhidas como um corpo normativo considerado perfeito. É matéria para indagação,
entendendo o autor que a sua formulação é resultante de um povo que conquistou a liberdade,
não pratica a escravidão e tem na vida simples e pastoril seus principais predicados: não
acumular riquezas e praticar a justiça. Perante a lei, portanto, o rei não estava em posição de
superioridade; era rei de acordo com a lei que atribuía ao Sinédrio a escolha.
26
CRÜSEMANN, Frank. A Torá: teologia e história social da lei do Antigo Testamento. Tradução
de Haroldo Reimer. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 332.
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Esse conjunto jurídico compõe-se de valores democráticos, no qual o
centro é a escolha por um colegiado, justaposicionados valores republicanos, seja
pela origem do eleito e a conduta determinada ao escolhido.
O Deuteronômio, versículos 17, 14 a 20 dispõe:
14 Quando entrares na terra, que te dá o Senhor teu Deus, e a
possuíres, e n’ella habitares, e disseres: Porei sobre mim um rei, assim
como teem todas as gentes que estão em redor de mim:
15 Porás certamente sobre ti como rei aquelle que escolher o Senhor teu
Deus: d’entre teus irmãos porás rei sobre ti: não poderás pôr homem
estranho sobre ti, que não seja de teus irmãos.
16 Porém não multiplicará para si cavalos, nem fará voltar o povo ao
Egypto, para multiplicar cavalos; pois o Senhor vos tem dito: Nunca mais
voltareis por este caminho.
17 Tão pouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração se
não desvie: nem prata nem oiro multiplicará muito para si.
18 Será também que, quando se assentar sobre o throno do seu reino,
então escreverá para si um traslado d’esta lei n’um livro, do que está
diante dos sacerdotes levitas.
19 E o terá comsigo, e n’elle lerá todos os dias da sua vida; para que
aprenda a temer ao Senhor seu Deus, para guardar todas as palavras
d’esta lei, e estes estatutos, para fazel-os;
20 Para que o seu coração não se levante sobre os seus irmãos, e não
se aparte do mandamento, nem para a direita nem para a esquerda:
para que prolongue os dias no seu reino, ele e seus filhos no meio de
27
Israel. ,
Em 17, 24, no mesmo livro deuteronômico, onde é narrada a crítica
mordaz do profeta Samuel, consta que os hebreus adotam a monarquia, mas o
nome do magistrado, como rei, não tem o significado que os outros povos
orientais lhe davam.
Para os hebreus, o rei era um homem comum, cuja escolha pelo Sinédrio
o tornava um “fiscal” e “executor” da lei.
27
BÍBLIA sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do
Brasil, s.d. p. 193.
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O escolhido somente será rei por vontade do povo.
O rei não pertencia a nenhuma família privilegiada; o trono não era
resultado de um determinismo.
Sua escolha dependia, em primeiro lugar, de “ser um irmão entre irmãos”,
o que excluía estranhos ou estrangeiros.
Os hebreus não adotavam o voto amplo e generalizado 28.
A um grupo de sábios, cuja vida pública e privada era irrepreensível,
conhecedores das leis e das tradições e que formavam o Sinédrio, competia a
eleição.
Essa forma de escolha já estava consignada antes mesmo do término da
travessia ou passagem (“Pessach”), e, embora fosse antes uma tradição oral, o
estatuto escrito na Torá tem a mesma moldura divina dos dez mandamentos.
O Sinédrio (Grande Sinédrio, havia outros três – pelo menos – Pequenos
Sinédrios), uma espécie de conselho de estado, com poderes superiores ao
próprio rei, e cuja principal função era a eleição do rei, submetendo-o desde a
escolha à lei e à interpretação desse conselho, demonstram claramente que o
Sinédrio funcionava também como um controlador, mesmo porque ambos,
independentemente das funções que possuíssem estavam submetidos e
subservientes às mesmas leis inalteráveis e perenes.
O Sinédrio também escolhia oficiais e funcionários, assim como
deliberava sobre assuntos relevantes, como guerra, paz, acordos e julgava os
assuntos mais intrincados, não apenas às instâncias solicitadas pelos tribunais
inferiores, mas também quando o rei entendia estar frente a uma propositura que
lhe escapava aos seus conhecimentos.
A escolha do rei pelo Sinédrio não era livre, nem se regia por normas
criadas pelo Conselho. Elas já estavam postas.
28
Distintamente dos gregos e romanos, a democracia hebraica não se exercia pelo sufrágio. O
Sinédrio era formado por pessoas letradas e consideradas justas, aceitas pelo conjunto do
povo; seus membros elegiam o rei e tinham controle político, financeiro, tributário e
administrativo sobre ele. Quando o rei se deparava com uma situação sob sua competência,
mas que lhe faltava conhecimento para decidir, transferia ao Sinédrio a solução.
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Os princípios deuteronômicos que estabeleciam critérios sobre a pessoa
do futuro rei exigiam dele uma vida pregressa e futura moderada.
Não possuir muitas mulheres, como recato quanto à vida pessoal e
família; nem muitos cavalos, ou seja, não possuir poder militar ou de força, porque
os equinos simbolizam poder guerreiro; nem faria o povo voltar ao caminho do
Egito (escravidão); não acumularia ouro nem prata; não se desviaria nem para a
direita nem para a esquerda, numa clara alusão ao cumprimento da Torá.
Mandaria o futuro rei fazer uma cópia das leis e com elas conviveria
durante o seu reinado 29.
Fílon de Alexandria, citado por Samuel Belkin 30 entendia que o versículo
33,5 do Deuteronômio (“Houve um rei em Ieshurun, quando os chefes do povo se
reuniram”)31, referia-se à escolha de Moisés, o primeiro profeta que se torna rei,
pelo conselho dos anciãos.
O Sinédrio formado pelos “chefes”, em realidade, conselheiros de estado,
reuniu-se em nome do povo.
A escolha, mesmo não sendo direta, era plenamente legitimada porque
obedecia às normas já postas para o próprio conselho.
A escolha dos oficiais e funcionários, assim como os decretos, seguiam a
mesma norma, e explicitamente consigna-se a aceitação comunitária para a sua
legitimação.
29
O texto é revelador. Mais do que a chefia, o rei deveria ter consigo, como objeto próximo e
pessoal, uma cópia das leis e com ela com ela conviver nas suas atividades.
30
BELKIN, Samuel. A filosofia do Talmud. São Paulo: Exodus/Sêfer, 2003. p. 16. Samuel Belkin
(1911-1976) nasceu na Polônia, ordenado rabino aos 17 anos. Logo depois, emigrou para os
Estados Unidos, recebendo o título de Ph.D. pela Brown University. Sob a sua gestão, a
Yeshiva University (para a formação teológica judaica) amplia o ensino para Medicina,
Psicologia e Serviço Social, tornando-se a primeira universidade norte-americana fundada pela
comunidade judaica. Em 1976, liderou a criação da Faculdade de Direito Benjamin N. Cardozo
School of Law, em N. York, como homenagem ao primeiro judeu a integrar a Suprema Corte
norte-americana. Seus estudos sobre o Talmud levaram Belkin aos textos de Flávio Josefo, cuja
denominação de “teocracia democrática” é, pela primeira vez, cunhada por Fílon de Alexandria
e adotada por Josefo.
31
BÍBLIA sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do
Brasil, s.d. p. 210.
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A norma, proveniente da interpretação, era específica: “Todo decreto que
o tribunal impuser sobre a comunidade e que a maioria da comunidade não
aceita, não tem força”32.
O Sinédrio era o supremo poder sobre a nação, mas limitado pela lei e
como se observou, também pela comunidade.
Além da escolha do rei, oficiais e funcionários, suas atribuições judiciais
incluíam o direito criminal, civil, público.
Na área penal, sua competência restringia-se ao indiciamento e processo
do sumo sacerdote. Em outras situações, os setenta e um membros não tinham
competência. Ela era atribuída aos vinte e três membros dos três Pequenos
Sinédrios.
Mesmo em situações excepcionais, como guerra ou território ocupado
pelo inimigo, ao rei era defeso empreender operações bélicas, a não ser ouvido e
autorizado pelo Grande Sinédrio.
Segundo o historiador Flávio Josefo, assim como para Fílon de
Alexandria, referidos por Samuel Belkin 33, esse corpo de práticas públicas (e
privadas) sustentado pela lei imutável pode ser conceituado como uma “teocracia
democrática”34.
Samuel Belkin acresce:
Dada esta compreensão do corpo de práticas judaicas como uma lei
Divina projetada para a proteção e defesa do indivíduo, o judaísmo pode
muito bem ser caracterizado como uma “teocracia democrática”, usando
o termo “teocracia” no sentido que Josefo lhe deu, e não como é
entendido pelos intelectuais de hoje. É uma teocracia, pois a força motriz
da moralidade judaica não é a proteção do Estado ou da comunidade de
forma abstrata, ou de nenhuma forma de governo humana. Todo o
sistema da moralidade judaica deriva e é fundado no conceito de
soberania de Deus. É uma democracia pois, diferente de qualquer
sistema legal, o código talmúdico coloca toda a ênfase no valor e caráter
32
BELKIN, Samuel. A filosofia do Talmud. São Paulo: Exodus/Sêfer, 2003. p. 144.
Ibid., p. 17.
34
Flávio Josefo e Fílon de Alexandria cognominam, comparando o corpo jurídico hebreu ao grego
e ao romano, como um corpo denominado de teocracia democrática. Conquanto se atribua
origem divina à lei (ela é imutável para os governantes) ao mesmo tempo ela é igualitária.
33
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sagrado infinitos do ser humano. No judaísmo, o reconhecimento do
demos – o valor individual e infinito da sua personalidade – é uma
consequência necessária da aceitação do theos de Deus (do Seu
governo), uma relação resumida na frase “teocracia democrática”.
Se o segundo elemento na frase deve ser entendido no sentido dado por
Josefo, o primeiro elemento é usado conforme a definição de Filo, que
procurou explicar a constituição política da Torá a um mundo não
judaico. De acordo com Filo, a democracia é “a melhor e a mais tolerável
das constituições”. Deve se entender que Filo não usou o termo
“democracia” no sentido moderno de um governo eleito por toda a
população, em que cada pessoa tem o direito de ter um mandato. Para
Filo, a democracia, como uma forma ideal de governo, “honra a
igualdade e tem a lei e a justiça como seus governantes”. Pouco
importava a Filo se, na antiga constituição política do judaísmo, o
governo funcional fosse baseado em uma monarquia, em uma
aristocracia ou em uma casta sacerdotal. Para ele, o judaísmo
significava a soberania de Deus conforme revelada na Torá, a
constituição Divina que tem como objetivo a extensão da justiça para
todos. Foi neste sentido que Filo caracterizou o judaísmo como uma
democracia e, como apontou o professor Harry Wolfson, ele
praticamente cunhou o termo “teocracia” mais tarde usado por Josefo
35
para descrever o Estado Mosaico.
Inobstante as competências do Grande Sinédrio e as próprias do rei, a lei
não os tornava divino. Eles se submetiam à lei, a ela deviam obediência, assim
como qualquer um do povo. É nesse contexto que se afirma o princípio da
igualdade.
Outro valor perpassa as normas jurídicas e que igualmente confluem para
o controle da administração.
É o princípio da justiça e para o qual a organização pública, como a
estrutura social, comunitária e familiar são apenas instrumentos de realização.
A organização do sistema judicial, por essa razão, era desenvolvida,
possuindo cada cidade o seu próprio tribunal, com um número mínimo de três
juízes, escolhidos pela comunidade.
Os princípios da liberdade e da igualdade são, ao lado do princípio da
justiça, a seiva alimentadora e orgânica do povo hebreu.
No Deuteronômio há uma norma paradigmática e esclarecedora
(versículo 16,18, como ordem aos que forem eleitos juízes, posteriormente
35
BELKIN, Samuel. A filosofia do Talmud. São Paulo: Exodus/Sêfer, 2003. p. 16-17.
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denominados de reis) 36: “A justiça e apenas a justiça seguirás; para que vivas e
possuas a terra que te dará o Senhor teu Deus" 37.
O versículo, composto de força poética, impõe a condição nacional ao
povo hebreu. Sua terra onde viverá e dela será possuidor dependerá da condição
de ser justo, efetivar a justiça e somente a ela se dedicar.
A norma, uma exortação positiva aos juízes, primeira denominação dos
governantes, tem o sentido de que a justiça é a finalidade do próprio poder, sem o
qual a nação não se estabelece na terra, nela não viverá e dela não será
possuidora.
Praticar a justiça, como imposição aos governantes, resultava na garantia
afirmada como outorga divina de ter o elemento nacional plenamente
configurado 38.
Ao povo, portanto, cabia a penalização quando seus mandatários a justiça
e apenas a justiça não seguiam.
O destinatário da justiça era o próprio povo, quando ela não era efetiva,
na penalização não era apenas a injustiça, mas tinha o significado muito mais
amplo quanto à sua própria identidade e história nacional.
O povo, nessas condições, jamais aceitaria manter-se governado por um
juiz que descumprisse essa norma.
Ela, como a liberdade e a igualdade, eram essenciais ao povo.
Esses três princípios nascem com a constituição da nação e são a sua
base nacional.
A monarquia, infere-se do texto, é uma escolha derivada da influência da
organização dos povos vizinhos, mais desenvolvidos.
36
BELKIN, Samuel. A filosofia do Talmud. São Paulo: Exodus/Sêfer, 2003. p. 16-17.
BÍBLIA sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do
Brasil, s.d. p. 193.
38
O corpo jurídico hebreu é também a crônica da formação nacional do povo e a essência desse
corpo é a prática da justiça.
37
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Mas a Torá não a considera como o modelo ideal, admite-a porque é a
escolha do povo no seu regime de liberdade.
A escolha do rei é criticada; dela resulta que critérios rígidos e rigorosos
são apostos para a escolha.
Seus poderes são limitados.
O profeta Samuel contra a escolha do rei se insurge claramente e lança a
sua crítica.
A existência de um rei contrasta com o monoteísmo, único como devoção.
O regime político se afigura indiferente ao povo. Desde que preservada a
liberdade, a igualdade e a justiça, a forma de governo não aparentava ter a
mesma importância que tinha aos povos do oriente antigo.
Libertados do cativeiro no Egito, dotados de uma legislação fundante da
nação sob os princípios da igualdade e da justiça, a lei para os hebreus é em
primeiro plano um conceito de direitos individuais.
Viver nos limites da lei era a garantia desses princípios, o direito à terra e
nela viver.
O sistema jurídico hebreu iguala a todos: Sinédrio, rei, sumo sacerdote,
oficiais e funcionários com o próprio povo.
Esse sistema tem o amplo significado de preservar a individualidade e
para isto o povo deveria estar sempre atento ao controle dos seus governantes,
mesmo que essa função incumbisse em primeiro plano ao Sinédrio 39.
A lei é o principal instrumento controlador, não apenas dos governantes,
mas dos próprios indivíduos.
Depreende-se, e depois os profetas demonstrarão com mais agudo senso
crítico e denunciador, que todos controlavam o cumprimento da lei; o controle era
39
Perpassa pela Torá a proteção e preservação da individualidade. Cumprir a lei é uma decisão
pessoal; quando o Sinédrio ou o rei mandassem cumprir a lei, deveriam observar a
individualidade de cada um, como produto divino, segundo a ideologia religiosa, e também
perfeito.
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amplo e constante. A ameaça ou a efetividade do descumprimento da lei pairava
e irá pairar no surgimento do cristianismo primitivo como a mais grave punição ao
povo; a perda do seu templo, a perda da sua terra, novamente a escravidão ou o
exílio.
O quarto princípio que compõe o sistema jurídico dos hebreus é a
solidariedade, que se concretiza na caridade, na ajuda aos órfãos, viúvas e
pobres.
Parte do campo era destinado (o “canto”) para cultivo daqueles que não
possuíam terra. A cada cinquenta anos, o “ano jubilar” implicava no desfazimento
de todas as propriedades sobre a terra e a remissão das dívidas sobre a terra,
assim como no ano sabático (a cada sete anos) todos os escravos eram
libertados.
O próprio dízimo devido às autoridades era parcialmente destinado
diretamente aos necessitados, junto aos portões das cidades40.
Essas práticas impositivas legalmente não dizem respeito ao controle,
mas envolvem também a administração, dando-lhe um caráter de respeito e
cumprimento aos direitos humanos.
A segunda fonte do direito na Torá é o Talmude.
Em hebraico, a palavra é Talmud, correspondente a “estudo” ou “ensino”.
São dois os livros conhecidos como Talmude, o primeiro escrito em
Jerusalém, denominado de Yerushalmi e o outro é originário da Babilônia, onde
os judeus haviam sido levados como escravos pelo rei Nabucodonosor,
denominado de Bavli.
A destruição do reino hebreu, assim como do templo de Jerusalém, a
derrota imposta pelo invasor romano, que se consolida no ano 70 d. C., a nova
submissão a uma potência estrangeira (antes, o Egito, Assíria, Grécia, Babilônia)
40
Um sistema criativo. Os contribuintes do dízimo destinavam uma parte aos necessitados, em
períodos predeterminados. A entrega era feita nas portas das cidades, independentemente de
formalidades, tão próprias das outras civilizações. Era suficiente que os contribuintes
declarassem ter cumprido com a lei e praticado a justiça e a caridade. Nas festas, igualmente
eram convidados os necessitados para que compartilhassem a mesa.
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e a consequente dispersão do povo pelo norte da África, continente europeu e
Ásia (“diáspora”) obrigaram os estudiosos a adaptar o cumprimento da legislação
da Torá, tanto na parte pública, como na vida privada e na religião e seus rituais,
demonstrando a impossibilidade da continuação da normalidade que antes se
registrara na crônica histórica dos hebreus, ainda que interrompida pelas invasões
e vassalagens.
Os Talmudes são livros interpretativos, adaptações das normas e do seu
cumprimento. Passam a figurar como princípios de maior expressão no exílio a
fraternidade, a caridade, o estudo e a observância ritualística.
Com a destruição do templo, a Torá e o Talmude (assim considerados
ambos os livros) passam a simbolizar o sentido nacional do povo hebreu, como
catalizadores da unidade nacional perdida, cuja última esperança seria o retorno
futuro a Jerusalém.
Os rituais e as festas, notadamente o pessach, têm a sua importância
ressaltada e no âmbito familiar ou comunitário, longe das festividades anuais de
Jerusalém. O Velho Testamento, para as gerações seguintes, necessita com mais
intensidade da leitura do Talmude para a sua compreensão.
Os textos talmúdicos possuem características diferenciadas da Torá 41.
Eles suprem a ausência da terra nacional pela investigação intelectual, a
interpretação constante e compelem o intérprete e o estudante a encontrarem
respostas próprias e soluções adequadas à vida individual e comunitária em
países que constantemente desprezam e perseguem os hebreus.
Ambos os Talmudes são elaborados entre os séculos V e VI d. C., cujos
autores são cognominados de sábios, profundos conhecedores do Velho
Testamento.
41
Sobre as normas dos hebreus, LEITE, Edgard. Pentateuco: uma introdução. Rio de Janeiro:
Imago, 2006. Trata-se de uma obra concisa que discute as questões textuais. Professor de
História da Antiguidade e História das Religiões na Universidade do Rio de Janeiro, para ele, “a
jornada de Moisés é uma caminhada de resistência ao poder discricionário do Estado e à
arrogância que se propõe infinita dos poderosos”.
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O Talmude babilônico é considerado mais completo e criativo, devido ao
conhecimento de seus autores, enquanto que o Talmude de Jerusalém é gestado
em condições precárias, sob ocupação romana, com o povo colonizado e
submetido à vassalagem.
Os Talmudes compõem-se de estórias, parábolas, ironias, humor 42.
O saber jurídico emerge acima das lendas e dos mitos, mas pouco
representa em relação à administração e ao seu controle, cujas normas já não
são exercidas, as instituições e seus prédios e bens integralmente destruídos.
Submetem-se, comunitária, familiar e individualmente, na medida do
possível, às leis da Torá, mas na prática estão submissos às leis dos países e
cidades onde vivem, algumas legisladas especialmente contra os hebreus, com
vedações de atividades econômicas ou profissionais, determinações de bairros
específicos para moradia (ghettos) e proibição de livre locomoção.
Aos hebreus resta a memória da sua história nacional e o novo anseio
pela liberdade.
A Torá torna-se um conjunto normativo de cumprimento proibido, portanto
de execução impossibilitada.
O Talmude é então o instrumento normativo para o conhecimento e a
preservação dos textos bíblicos, que na prática tornam-se virtualmente
literatura 43.
42
Os discursos de Jesus, narrados no Novo Testamento, são reproduções de hinos, cânticos e
orações anteriores. Sua forma é nitidamente talmúdica. Quanto à ironia e humor, marca dos
hebreus, é uma das heranças que será transmitida de geração em geração, entre os mais
simples, assim como entre escritores, filósofos, poetas e intelectuais. Há uma vasta literatura
com essa temática, bastando lembrar os escritores Sholem Aleichem (um cognome que
significa a paz esteja convosco) nascido em uma aldeia perdida do império czarista, no IXX, ou
Philip Roth, americano e contemporâneo, dentre muitos outros.
43
Eram mantidos, a Torá e os Talmudes, em locais protegidos; quando encontrados pelos
invasores e inimigos estrangeiros eram profanados e queimados. O invasor grego colocou
estátuas e símbolos de Zeus no Templo e os romanos, insígnias e estandartes, todos com
finalidade de humilhação, submissão e profanação. Nas fugas pelas perseguições, os primeiros
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O Talmude babilônico, inclusive pela sua forma gráfica, que assim o
exigiu, é interativo.
Ele não exige apenas a leitura, mas a participação do seu intérprete e
estudante. Envolve especialmente as discussões interpretativas sobre a Torá,
uma tarefa de difícil execução pelas condições materiais relativas à ausência da
terra originária.
Esse sistema singular, que predomina na vida comunitária, familiar e
individual dos hebreus, implicará o desenvolvimento dos sacerdotes e estudiosos,
que ganham a denominação honrosa de sábios, os quais assumirão o papel antes
reservado às autoridades, na liderança e condução das comunidades dispersas
por praticamente todo o globo.
Não é uma substituição do Velho Testamento, mas um novo centro de
unidade e coesão, de certa forma, uma centralização ética que manteve intactos
os princípios milenares que seus antepassados haviam criado e desenvolvido.
Ao interpretar a Torá que regia o período histórico precedente à
destruição do reino, o Talmude afirma que o rei não é divino, mas um homem
comum, embora os deveres de reverência e honrarias que lhes são devidos.
A reverência e as honrarias com que são tratados e dotados não os
desigualam dos demais do povo, cujos direitos continuam a ser iguais.
Sua escolha pelo Sinédrio implicava submetê-lo ao Grande Conselho, não
apenas nas substanciais questões políticas de estado, mas também nas
rotineiras, permitindo-lhe, sem demérito, recorrer quando alguma questão se
mostrava acima da sua capacidade.
Diferentemente dos povos orientais, a exclusão do rei hebreu do amplexo
da categoria divina determina que ele, o rei, é controlado pelo Sinédrio.
Explicita Samuel Belkin:
bens a serem enviados para outras terras eram os livros sagrados para os hebreus.
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A visão que considera o chefe político do Estado, mesmo filosoficamente
falando, uma autoridade sobre-humana, e um veículo através do qual é
expressa a lei Divina, foi sempre estranha ao judaísmo e contrária ao
seu conceito fundamental de monoteísmo. Além disso, no judaísmo
histórico, a formulação da lei e o cargo da realeza não estão no mesmo
domínio. O judaísmo baseia-se no princípio da soberania infalível de
Deus, não do homem. A realeza é um assunto para os mortais; a lei é a
44
palavra revelada de Deus.
Para Flávio Josefo,
[...] não se permita ser acometido por nenhum desejo por outra
constituição política, mas contente-se em tomar as leis como seus
dirigentes e governar todas as suas ações por elas; pois Deus é
suficiente como seu governante. Porém, se ficar fascinado por um rei,
faça com que seja da sua própria raça e que esteja sempre ciente da
justiça e da virtude em todas as formas. Que ele conceda às leis e a
Deus a posse da sabedoria superior, e que não faça nada sem o Sumo
45
Sacerdote e conselho de seus anciãos.
Fílon de Alexandria afirma que, para os hebreus, o rei era um juiz voltado
à justiça, esclarecendo:
Na visão talmúdica, o dever fundamental do rei era dedicar-se “às
necessidades da comunidade”. Assim, por exemplo, durante a dinastia
de David, o rei designou juízes e, muitas vezes, ele mesmo atuou como
tal. Filo também afirma que o rei atuava como juiz, porém acrescenta:
[...] se os fatos criam uma sensação de incerteza e de grande
obscuridade, e ele [o juiz] sente que a sua apreensão dos mesmos não
está clara, deveria recusar-se a julgar os casos e enviá-los a juízes com
maior capacidade de discernimento. E quem seriam estes senão os
sacerdotes, e o chefe e líder dos sacerdotes? Pois os ministros genuínos
de Deus tomaram todo o cuidado para aguçar a própria compreensão e
para considerar o menor erro como não sendo um erro pequeno, pois a
grandeza inigualável do rei a quem eles servem é observada em todas
46
as questões.
É nesse sentido que o Sinédrio atuava como conselho de estado e
tribunal superior, acima das funções do próprio rei.
44
BELKIN, Samuel. A filosofia do Talmud. São Paulo: Exodus/Sêfer, 2003. p. 70.
JOSEFO apud BELKIN, op. cit., p. 70.
46
FÍLON DE ALEXANDRIA apud BELKIN, op. cit., p. 71.
45
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Na interpretação talmúdica sobre a monarquia dos hebreus, embora as
reverências e honrarias devidas à figura real, não o transmudavam da figura
humana e ser comum, não o isentavam de observar e cumprir, como todos, a lei.
Não possuindo a Torá o conceito de estado ou sociedade análogo ao dos
romanos e gregos, o conceito era próprio: o poder político central era o da
comunidade e do homem, individualmente considerado 47.
Os hebreus eram considerados “filhos da cidade”, como seu domínio.
O templo de Jerusalém, as casas de banho, as sinagogas, a Arca do
Livro, os Livros, os poços de água, as ruas e os equipamentos urbanos, as
estradas e caminhos, as florestas e campos, os rios, enfim, o conjunto de bens –
todos – eram considerados como pertencentes à comunidade e de uso comum
pelos homens.
A escolha de oficiais e funcionários, especialmente os locais, segundo
Samuel Belkin, eram assegurados à comunidade.
Em parte alguma das fontes talmúdicas encontramos referências ao
método de preservação da ordem democrática comum em nossos dias,
ou seja, a seleção para cargos públicos através de eleições públicas. Por
este processo, o eleito torna-se, essencialmente, um agente por meio do
qual a vontade do povo é expressa. Entretanto, deve ser reconhecido
que dificilmente haja outra constituição democrática que enuncie, de
modo tão claro e firme, os princípios fundamentais de uma democracia
espiritual como fizeram os rabinos de antigamente em sua abordagem
teológica da vida.
Na estrutura social judaica de antigamente, os funcionários de uma
determinada comunidade – ou da comunidade em geral – não eram
eleitos pelo voto popular que exigisse deles a expressão da vontade da
comunidade; em sua conduta privada e pública, os líderes tinham que
expressar a vontade de Deus, o que o homem só consegue fazer ao
praticar, junto aos seus semelhantes, os atributos Divinos de
misericórdia e bondade. Os homens públicos cumprem essa tarefa
Divina através da proteção vigilante dos direitos de todos os indivíduos,
não importa quão humildes são. O homem, portanto, serve a Deus ao
manter um relacionamento moral com seus semelhantes na comunidade,
por meio de sua devoção às disciplinas Divinas. Esta é a sua aceitação
do “jugo do Reino dos Céus”.
47
Do ponto de vista da institucionalização política, o conceito próprio de estado ou sociedade,
comunidade e o homem considerado como um ser individual completo e acabado é a mais
notável diferença com os sistemas institucionais políticos da Grécia e Roma.
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Mas enquanto na teocracia democrática do judaísmo os homens
públicos e juízes da comunidade são guiados não pela vontade expressa
do povo, mas pela constituição Divina, a atitude do público era um fator
decisivo para a indicação dos homens públicos e juízes, bem como para
a promulgação dos decretos religiosos e civis instituídos pelo San’hedrin.
O Talmud declara: “Nós não designamos um funcionário para a
comunidade a menos que esta seja previamente consultada”. Esse
respeito pela vontade e pela opinião da comunidade era um
48
reconhecimento legal de grande significado.
A prerrogativa comunitária incluía também a aceitação dos decretos.
O Talmude esclarece que um decreto de um tribunal anterior não poderia
ser revogado posteriormente por outro tribunal, quando ele estava chancelado à
época passada pela comunidade.
A revogação somente era permitida quando o decreto estava em desuso,
seu cumprimento já não era mais exigido em completo desacato. A revogação
dependia ainda do conhecimento demonstrado pelo tribunal atual, reconhecidos
os seus juízes como sábios e desde que em número superior ao tribunal anterior.
A lei era considerada manifestação divina, mas a exigência do seu
cumprimento justo era atribuição da comunidade. Na abrangência de um sistema
jurídico peculiar, o rei era também um homem comum subserviente à exigência
do cumprimento da lei.
Os profetas se constituem em uma característica singular do povo hebreu
e seus discursos são adotados pela Torá como integrantes do sistema jurídico.
Os profetas exerceram um papel histórico de críticas e denúncias, assim
como de fiscalização quanto aos governantes e ao próprio povo, acusando-os de
descumprimento das leis, corrupção ou desvios de condutas ordenadas pela
Torá.
Os discursos e textos dos profetas têm uma função crítica e
denunciadora, como um controle do cumprimento fiel e efetivo das leis, dos
políticos, da administração, assim como as condutas desviadas do povo. O
conteúdo não se restringe à efetividade do cumprimento das leis; incluem desvios
48
BELKIN, Samuel. A filosofia do Talmud. São Paulo: Exodus/Sêfer, 2003. p. 142-143.
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e desobediências aos rituais religiosos, questões de infringências morais em
todas as camadas dos hebreus.
Abrangem, ainda, questões de disputas internacionais, situações de
guerra ou beligerância, invasões de território e vassalagem nacional; criticam e
denunciam práticas judiciais e administrativas, como corruptas, as desigualdades
econômicas, o enriquecimento desmedido das elites dos hebreus, e, entre outros,
também tributações exageradas e práticas comerciais consideradas ilegais.
Os textos incluídos no Velho Testamento têm reconhecido valor literário,
apresentados em forma poética criativa e peculiar, admirados e fontes de
inspiração para escritores e poetas nos tempos posteriores.
A avaliação dos hebreus é de aceitação das críticas e denúncias, como
fiscalização quanto ao cumprimento das leis, resultando serem considerados
parte integrante do sistema normativo da Torá.
Imprecaram os profetas contra a classe dominante e o conjunto do povo
por um período estimado de três séculos anteriores à era cristã, com um sentido
político predominante.
Não eram exaltados que reclamavam contra o descumprimento das leis;
seu papel político corresponde à de fiscais da lei, críticos e denunciadores de
condutas ilícitas.
Seus pronunciamentos, que atraíam o povo, eram proferidos nas portas
das cidades, locais públicos mais frequentados, advertindo, apontando fatos e
pessoas, criticando-os e denunciando pelo cumprimento das leis.
Não tinham poderes administrativos nem cargos políticos. Sua força,
entretanto, advinha da candência dos seus discursos e textos, acatados por
quanto deles assistiam ou ouviam a ressonância das suas palavras 49.
49
A função dos profetas era exclusivamente política. Suas críticas e denúncias, o discurso
candente, mas com expressão literária, era mais do que um alerta. Considerados e respeitados
pelos governantes e pelo povo, eram acatados, embora não haja registro de que, à época,
tenham obtidos resultados concretos. Para a posteridade, especialmente para a compreensão
do sistema jurídico e seu papel controlador e fiscalizador da administração, assim como dos
desvios do cumprimento das normas pelo povo, a função dos profetas transformou-se um
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O comportamento pessoal dos profetas (alguns vinham de famílias
ilustres e eram letrados) e suas atitudes permanentes de críticos em favor do
cumprimento das leis lhes atribuíram respeito popular e da elite.
Essa prática política dos profetas viria a ser adotada pelo grupo de líderes
do cristianismo primitivo, evidenciando o quanto ela era acatada pelo povo.
Os profetas hebreus não eram adivinhos, predizentes do futuro, mágicos
ou oráculos.
Na tradução da Torá do hebreu para o grego, a palavra hebraica que
designava esses críticos era nabi, aquele que tem a palavra na boca, foi
transliterada equivocamente para profetas. Na verdade, entre os hebreus, os nabi
profetas são aqueles que criticam e denunciam 50.
Na língua portuguesa, a palavra profeta denomina aquele conjunto de
homens críticos e assim figura nas edições em língua vernácula do Velho
Testamento.
A tradução para o grego ficou conhecida pelo nome de septuaginta
porque os tradutores somavam setenta especialistas, convocados pelo rei
Ptolomeu em Alexandria, no Egito, onde se localizava uma extensa e próspera
comunidade de hebreus, helenizados e influentes na corte. Seus conhecimentos
acabaram por resultar na tradução a pedido real para que fizesse parte da
biblioteca palaciana e a elite dela tivesse utilização.
Os profetas hebreus não se afirmavam por poderes sobrenaturais, como
os gregos ou romanos e no oriente antigo. Ao contrário, viviam a realidade,
avaliavam os fatos e condutas pessoais; seu objetivo era o presente, o
50
identidade com o corpo jurídico.
CHOURAQUI, André. Os homens da Bíblia. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 205 et
seq. André Chouraqui em Os homens da Bíblia realiza um trabalho de filologia, interpretando os
textos bíblicos a partir do significado antigo das palavras e suas raízes. Após sua passagem
pela França (é nascido no norte da África), onde foi agraciado com Medalha de Ouro da
Academia Francesa de Ciências, passou a lecionar na Universidade Hebraica em Jerusalém.
Depois dos estudos bíblicos, a arqueologia é a segunda fonte de conhecimento dos hebreus e
com base nestas duas fontes, André Chouraqui reconstitui o cotidiano do povo hebreu, inclusive
aspectos importantes da sua normatização, especialmente sobre a administração, a justiça, os
tributos e os estatutos relativos a estrangeiros, pobres, órfãos, viúvas e escravos.
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cumprimento das leis, o retorno à moralidade e às práticas rituais determinadas
pela Torá 51.
Não há para os profetas quem ficasse imune ou privilegiado às suas
críticas e denúncias. Do rei ao conjunto de povo, todos eram passíveis de crítica e
denúncia.
Para os profetas, a questão central não era a organização estatal, as
instituições, mas o cumprimento da lei com um objetivo definido – a lei era o meio
jurídico para a concretização da justiça determinada pela Torá.
Amós, o profeta 52 critica e repudia com veemência os aparatos pomposos
das cerimônias religiosas, dos ritos, o vestuário custoso dos sacerdotes, os
sacrifícios de animais e os tributos cobrados excessivamente do povo.
Para Amós, esses fatos criticados eram uma demonstração da injustiça
praticada pela elite.
No Velho Testamento, Amós é o primeiro profeta escritor.
Acusa Amós (Amós 5, no Velho Testamento sob o título de corrupção de
Israel), aqueles que oprimem e exploram os pobres, extorquem-lhes tributos
exagerados, denuncia-os como causadores e responsáveis por injustiças contra o
povo, violadores dos direitos dos pobres nos tribunais.
No Velho Testamento, versículos 6, 1 a 7, Amós em tom poético de
lamento doloroso:
6 Ai dos desançados em Sião, e dos seguros no monte de Samaria: que
teem nome entre as primeiras das nações, e aos quaes se foi a casa de
Israel!
51
Outro aspecto relativo aos profetas é de que eles não tinham função de prenunciar o futuro, não
eram mágicos não faziam augúrios ou presságios. Sua função era sobre os fatos presentes.
52
BÍBLIA sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do
Brasil, s.d. p. 816 et seq. Amós inicia o conjunto de profetas indignados com a situação política,
social e econômica. É reconhecido a partir do ano 740 a. C. Discursava em escadarias, com
braços abertos. Para Amós e os demais profetas a seguir referidos: BORGER, Hans. Uma
história do povo judeu. São Paulo: Sêfer, 2002. p. 97 et seq.
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2 Passae a Calne, e vêde; e d’ali ide á grande Hamath; e descei a Gath
dos filisteus, se são melhores que estes reinos, ou maior o seu termo do
que o vosso termo.
3 Vós que affastaes o dia mau, e achegaes o assento da violência.
4 Os que dormem em camas de marfim, e se estendem sobre os seus
leitos, e comem os cordeiros do rebanho, e os bezerros do meio da
manada:
5 Os que cantam ao som do alaúde, e inventam para si instrumentos
músicos, assim como David.
6 Que bebem vinho de taças, e se ungem com o mais excelente óleo:
mas não se afligem pela quebra de José:
7 Portanto agora irão em captiveiro entre os primeiros dos que forem em
53
captiveiro, e cessarão os festins dos estendidos.
Como Amós, o profeta Oséias54 também lamenta esses fatos, mas
acresce a ameaça aos sacerdotes, chefes de Israel, gente da casa real: contra
esses haverá um julgamento e ele os afligirá (Oséas, Velho Testamento, 5, 1 a
15) 55.
Isaias 56, também profeta, o mais popular e admirado dentre eles, tem uma
visão não apenas a respeito do reino e do povo hebreu, mas demonstra ter
conhecimentos
sobre
os
povos
vizinhos
aos
hebreus
e
de
política
internacional.
Seus candentes discursos e textos dirigidos às elites e ao povo são
aqueles que mais repercutiram e tiveram influência sobre os contemporâneos e
futuros habitantes.
53
BÍBLIA sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do
Brasil, s.d. p. 820.
54
Oséias é contemporâneo de Amós. Enquanto o primeiro tem uma forte conotação de denúncia e
crítica social, o segundo tem um discurso lírico com vívida expressão poética. Sua condenação
ao povo e aos dirigentes é, sobretudo, quanto ao abandono da devoção e fidelidade religiosas.
Ambos não sofreram impugnação real, ao contrário, pela força e combatitividade de suas
palavras, conquistaram a liberdade para discursar para o povo.
55
BÍBLIA sagrada. Op. cit., p. 808-809.
56
Isaías é o mais notável dos profetas. Com esse nome, identificam-se mais de um profeta. A
referência é ao profeta Isaías do capítulo 66 do Velho Testamento.
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Considera-se que os textos de Isaías são os que mais influenciaram a
doutrina política e religiosa do cristianismo primitivo, cujos textos evangélicos
estão redigidos sob a sua influência 57.
As críticas, embora a forma poética, têm a força não alcançada pelos
profetas anteriores.
Sua visão política internacional está contida no versículo 2,4 do Velho
Testamento: “4 E julgarás entre as gentes, e reprehenderá a muitos povos; e
converterão as suas espadas em enxadões e as suas lanças em foices: não
alçará espada nação contra nação, nem aprenderão mais a guerrear.” 58
As críticas e denúncias quanto à situação social, em poético lamento,
registram-se no versículo 10,2: “2 Para desviarem aos pobres do seu direito, e
para arrebatarem o direito dos afflictos do meu povo, para despojarem as viúvas e
para roubarem os órfãos.” 59
E de igual forma literária, a crítica às elites, no versículo 5,8 60: “8 Ai dos
que ajuntam casa a casa, achegam herdade, até que não haja mais logar, e só
vós fiqueis os moradores no meio da terra!”
Isaías é um antecessor dos discursos utópicos e não apenas um crítico
político ou social da sua situação contemporânea.
Em relação às nações, ele almeja um futuro de convivência pacífica, paz
e colaboração entre os povos.
A inclusão dos textos proféticos no texto bíblico – visto que os profetas
não são contemporâneos do surgimento do decálogo e, portanto, em relação às
57
O Livro de Isaías, em sua versão completa, encontra-se no Santuário do Livro, em Jerusalém,
copiado pelos escribas essênios no wadi Qumram, às margens do mar Morto, em datação
identificada no século imediatamente anterior à era cristã. Ocupou cargo de ministro e
identificou e criticou não apenas as candentes questões sociais e econômicas, mas também as
de política internacional. Seus textos proféticos foram utilizados no Novo Testamento,
especialmente quanto pretendia que o messias (“ungido”, ou massiah, em hebraico) despojaria
os poderosos dos tronos. Seu texto (versículo 40) foi utilizado por Handel no coral Hallelluya, do
oratório Messias, o qual, junto com a parte coral da Nona Sinfonia de Beethoven, sejam as
obras musicais com texto coral mais interpretadas.
58
BÍBLIA sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do
Brasil, s.d. p. 626.
59
Ibid., p. 632.
60
Ibid., p. 628.
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normas da Torá não possuíam autoridade política gestadora –, comprova a
importância reconhecida pela elite e pelo povo aos personagens proféticos e aos
seus discursos e textos de denúncias e críticas. A decisão das autoridades
políticas e religiosas em incluir os profetas como parte integrante da Torá é
reconhecimento da importância da sua função e da admiração da elite e do povo
por esse grupo peculiar, cujo papel fiscalizador complementa e integra o sistema
jurídico hebreu.
Em conjunto com o restante do texto da Torá, os profetas são acolhidos
pela sua sabedoria, importância, força textual e discursiva, considerados
necessários para o cumprimento da lei e advertência quanto aos desvios da
classe dirigente e do povo.
Para os profetas, não aumentar nem multiplicar o patrimônio real ou
pessoal, implicava obedecer à lei, praticar a justiça, a fraternidade e a caridade;
não apenas para a elite, também para o conjunto do povo hebreu, o significado da
atuação dos profetas corresponde em primeiro plano ao cumprimento da lei 61.
Mas é também uma forma lítero-poética, singular e peculiar ao povo
hebreu, de fiscalizar politicamente a administração pública.
Frank Crüsemann assevera que a Torá incluía os controles necessários
para o cumprimento da lei.
Diz o autor:
Podemos considerar todo o Deuteronômio como comentário sobre isto,
em especial seu sistema de impostos. A fórmula tríplice de não
“multiplicar”, “aumentar”, ressalta a restrição desta atividade e inclui os
controles correspondentes. Mesmo assim, se indica que, como antes,
neste campo estão as atribuições do rei permitidas e previstas pela lei.
Exército profissional, relações exteriores e administração do tesouro do
estado continuam sendo suas tarefas. Por outro lado, são-lhe tirados, na
esfera militar, o exército popular, que nesta época com certeza era mais
61
A crítica social, política, econômica e até mesmo as questões internacionais, junto às críticas,
assim como as denúncias aos desmandos relativos aos fatos administrativos, formavam um
extenso conjunto crítico e denunciante dos profetas.
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importante, e toda a esfera do culto, mas também a maior parte de suas
62
fontes de renta até então e o sistema judicial.
O sistema jurídico hebreu constante da Torá contém um controle peculiar
da administração pública.
Se ao Sinédrio, como conselho de estado, incumbia a observância das
normas, ficou evidenciado que, para os hebreus, o cumprimento das leis era o
instrumento da realização da justiça.
Sociedade fundada após a libertação do cativeiro, cujos princípios de
liberdade e observância igualitária das leis, a fraternidade e a caridade como
práticas determinadas, ela era essencialmente agrícola e pastoril.
Exígua a sua expressão urbana, arquitetônica, urbanística ou artística,
seus templos e palácios não competem com os dos povos vizinhos e
especialmente com Roma e Grécia.
Mas os princípios são inerentes à sociedade e ao conjunto do povo – e
estão profundamente entranhados no sistema jurídico formado pela Torá.
Suas práticas públicas e privadas, emolduradas de ideologia religiosa,
encimadas pela liberdade, fez com que Ambrogio Donini 63, surpreendido,
62
CRÜSEMANN, Frank. A Torá: teologia e história social da lei do Antigo Testamento. Tradução
de Haroldo Reimer. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 331.
63
DONINI, Ambrogio. Breve história das religiões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. p.
150. Donini utiliza abordagem marxista com método dialético. Sua observação denotando
surpresa quanto à proibição de escravidão entre os hebreus, reconhecendo nesta norma um
valor que a caracterizava como exceção entre os povos antigos mereceu do autor uma citação
face à relevância das suas observações. Acresce Donini (ainda na página 150 da obra referida):
“Na vida do povo hebreu, pelo menos no que se refere aos membros do mesmo grupo, a
escravidão não teve um peso capaz de torná-la um fator determinante e socialmente
importante; e isso contribuiu para o surgimento em Israel de um poderoso sentimento de
solidariedade nacional, acima das próprias considerações de classe, reforçado posteriormente
pelos desastres militares, pelo exílio e pelas perseguições raciais. Mas a explicação disso não
deve ser procurada em motivos particulares de índole moral ou religiosa. Trata-se da
sobrevivência de leis e costumes que remontam ao período inicial da história de Israel, quando
predominavam as regras de uma vida nômade e pastoril”. Ao que acresce o autor:
perfeitamente conservadas e observadas quanto à nação atinge um grau mais elevado de
organização política e social. Não se conhece registro de um conjunto tão extenso e elaborado
de normas que tenham atravessado um período primitivo pastoral e nômade e mantidas quando
a sociedade se torna urbana.
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afirmasse, quanto à vedação de escravidão entre os hebreus que “esta é uma
norma judaica que não tem comparação na Antiguidade”.
Fixou um dia da semana para descanso absoluto das pessoas, cessando
toda a atividade, especialmente as que envolvessem trabalho ou lides com a
natureza, estabeleceu normas relativas à proteção das viúvas, órfãos, pobres e
hospitalidade com os estrangeiros.
A cada sete anos (sabáticos) os escravos e as dívidas eram liberadas e a
cada cinquenta anos (jubilares) todas as propriedades sobre a terra e as dívidas
fundiárias eram extintas.
O sistema jurídico estrutura-se na Torá longamente, tendo por base a
individualidade e a comunidade.
A fiscalização do cumprimento da lei, inclusive na administração pública, é
decorrência de que o rei, os sacerdotes, os oficiais e funcionários, são iguais a
qualquer do povo, submetidos ao mesmo sistema jurídico, que organiza o estado
e a comunidade, tendo por centro a justiça e o respeito aos seres humanos e sua
dignidade, considerados ideologicamente como obra divina.
Flávio Josefo, com a autoridade de historiador contemporâneo do povo
hebreu, exercendo importantes funções públicas e último general hebreu a
enfrentar o invasor romano, vencido em 70 d. C., no seu Livro Segundo,
“Resposta às críticas de Ápio”, registrou:
Eu digo, pois, que aqueles que por seu amor pelo bem público
estabeleceram leis para o regimento dos costumes são muito mais
estimáveis do que os que vivem sem ordem e disciplina. Assim, todos
devem conformar-se com as mesmas, não fazer novas leis, pela vaidade
de passar por criadores e não por imitadores. O dever do legislador
consiste em nada ordenar que não seja justo, e cujo uso seja útil aos que
observam as causas preceituadas; vice-versa o dever dos povos
consiste em jamais se afastar delas, nem na prosperidade nem na
adversidade.
Ora, eu digo que nosso legislador, em antiguidade, precede a Licurgo, a
Solon, a Zaleuco de Locres e a outros, tanto antigos como modernos de
quem os gregos tanto se ufanam e que o nome de lei entre eles não era
conhecido outrora, como parece, pois Homero nunca o usou. Os povos
eram governados por máximas e ordens dos reis, das quais se usavam,
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segundo a oportunidade, sem que algo houvesse escrito. Mas nosso
legislador, que, aqueles mesmos que falam contra nós, não podem
negar ser muito antigo, mostrou que ele era um guia provecto de um
grande povo, porque depois de lhe ter dado excelentes leis, ele o
persuadiu a recebê-las e observá-las inviolavelmente.
[...]
As diversas nações, que existem no mundo, governam-se de maneiras
diferentes: Umas abraçam a monarquia; outras, a aristocracia, outras, a
democracia. Mas nosso divino legislador não estabeleceu nenhuma
dessas espécies de governo. Escolheu uma república, à qual podemos
dar o nome de Teocracia, pois que a fez inteiramente dependente de
Deus e ao qual nós consideramos como o único autor de todo bem, que
provê às necessidades gerais de todos os homens, Só a Ele recorremos
em nossas aflições e estamos persuadidos de que não somente todas as
nossas ações lhe são conhecidas, mas do que penetra mesmo todos os
nossos pensamentos.
[...]
Não houve poder, por maior que fosse, nem consideração qualquer, que
jamais nos pudesse afastar da observância de nossas leis. O único
desejo de as conservar e não o de nos engrandecermos, nos fez
empreender generosamente grandes guerras. Nós sofremos com
paciência todos os outros males; mas, quando quiseram tocar nessas
santas leis, para defendê-las, praticamos atos de valor que parecem
superiores às nossas forças, sem que o extremo a que nos vimos
reduzidos tivesse podido afrouxar nosso ardor e enfraquecer nossa
coragem.
[...]
O que é, porém, muito mais admirável ainda é que, assim como Deus
governa o mundo com sua sabedoria e com seu poder, nossa lei age por
si, mesmo nos espíritos e nos corações, sem que seja necessário, para
fazê-la observar, que se obrigue a quem quer que seja; e aqueles que
refletirem no que se passa em seu país e em suas casas, não terão
dificuldade em prestar fé ao que estou dizendo. [...] Já falei muito
difusamente, delas, bem como também da antiguidade de nossa nação e
da forma de nossa república na minha história dos judeus; foi somente
por necessidade que voltei a fazê-lo agora aqui, sem intenção de
censurar os outros, nem de nos louvar, mas somente para mostrar a
malícia dos que nos atacam e nos atribuem tantas coisas contrárias à
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verdade.
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