ZULEIKA STEFÂNIA SABINO ROQUE EDUCAÇÃO E COTIDIANO

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ZULEIKA STEFÂNIA SABINO ROQUE EDUCAÇÃO E COTIDIANO
ZULEIKA STEFÂNIA SABINO ROQUE
EDUCAÇÃO E COTIDIANO ESCOLAR
EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
(1889-1930)
(Grupo Escolar Olympio Catão – primeira década do século XX)
ZULEIKA STEFÂNIA SABINO ROQUE
A EDUCAÇÃO E COTIDIANO ESCOLAR
EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
(1889-1930)
Dissertação apresentada ao programa de Pós
Graduação em História da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em História Social, sob a orientação
da Prof.ª Dr.ª Estefânia Knotz Canguçú
Fraga
São Paulo
2007
ZULEIKA STEFÂNIA SABINO ROQUE
EDUCAÇÃO E COTIDIANO ESCOLAR
EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
(1889-1930)
DATA: _____/_____/_______
BANCA EXAMINADORA
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
Presidente e Orientador Prof. ª Dr.ª Estefania Knotz Canguçú Fraga
Prof. Dr. _______________________________________________
Prof. Dr. _______________________________________________
Prof. Dr. _______________________________________________
São Paulo, 30 de Agosto de 2007.
Ao Franklin
Amor, Amigo, namorado, noivo, esposo, leitor, fiel escudeiro e futuro pai
dos meus filhos, pela Nossa História.
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas são diretamente ou indiretamente responsáveis pela minha
trajetória, corro um sério risco de esquecer de mencionar alguns nomes, mas o
agradecimento é também parte integrante da dissertação, precisarei me arriscar.
À Estefânia Knotz Canguçú Fraga, minha orientadora, que em todas as
nossas reuniões, mesmo com inúmeras atribuições, sempre dispôs de tempo para
apontar caminhos e nunca respostas. De presente eu saía sempre com mais
questões e dúvidas, com desejo de buscar mais e mais. Nesses quase três anos de
convívio, ajudou-me a administrar toda ansiedade diante das fontes, quando meu
desejo de “abraçar o mundo com as mãos” falava mais alto, e ainda, com firmeza
e sem perder a ternura convenceu-me a registrar, num caderninho à parte, todas as
minhas inquietações, para retomá-las em uma outra empreitada de pesquisa, onde
espero poder tê-la novamente como parceira.
Às professoras do programa de História em especial à Olga Brites, Heloísa
Cruz e Vera Lúcia Vieira, pelas dicas de leituras que me deram durante o
cumprimento dos créditos e a gestação da dissertação, que permitiram lapidar o
trabalho e enxergar coisas, que eram para mim, obscuras.
Aos colegas que dividiram comigo algumas de suas manhãs e tardes
semanalmente, mesmo com sol, chuva, trânsito e falta de tempo. Sou grata pelo
aprendizado que obtive através de cada explanação de vocês, que contribuíram
para despertar ainda mais o meu desejo de enveredar pelas muitas memórias, pela
diversidade e riqueza do Brasil, (que conheci do extremo norte ao sul,
mergulhando nas especificidades e desmistificando ainda mais generalizações e
tabus historiográficos. Em Campo Grande, Serra Pelada e em outros espaços e
territórios escolhemos nos debruçar, ou melhor, fomos escolhidos pelos nossos
temas). Em especial agradeço a Silvane Silva, que subia a Serra com “suas
meninas” da literatura romântica, sendo minha companheira nos três semestres e
ao Juliano Hiroshi, mineirinho que me apresentou sua terra com o pastel tombado
como patrimônio e seu objeto de pesquisa, a Praça João Pinheiro, que agora
também faz parte da minha memória.
Aos integrantes do Grupo de Pesquisa pelas discussões mensais que foram
muito significativas e auxiliaram em muito avançar no que se refere à
metodologia, além de ter me proporcionado o contato com outras professoras do
Departamento como Yara e Rosário, cujas falas sempre lançaram desafios, alguns
já alcançados e outros tantos em constante busca.
Aos professores que participaram do Exame de Qualificação, Luís Antônio
Coelho Ferla e Janes Jorge que contribuíram com suas leituras críticas, dicas,
sugestões de leitura que foram de extrema valia para o desenvolvimento e
conclusão da presente pesquisa.
Aos responsáveis pela minha existência Papai e Mamãe e ao meu irmão
Bruno pelo amor e compreensão de sempre, mas sobretudo por acreditarem em
meu potencial e me fazer crescer acreditando em mim mesma.
Às demais pessoas queridas, por todo apoio e compreensão nos momentos
de ausência e “alienação” que fazem parte dessa etapa de estudos. Agradeço
também aos meus avós e ao meu bisavô Francisco que me ajudaram a
compreender a vida com sua simplicidade. O conhecimento que com vocês
adquiro é especial, alimenta a minha alma do patrimônio imaterial que também
quero deixar como herança para meus rebentos.
Ao Franklin, meu companheiro de sempre, pelo suporte técnico, amor,
dedicação e paciência ao assistir de perto a gestação da pesquisa, acompanhando
meu silêncio, a insônia, a falta ou demasia de apetite e os momentos de desespero.
Sou grata por todo apoio que de ti recebo. Obrigada, por toda compreensão, pela
sua companhia até mesmo nos Arquivos, sendo meu fotógrafo, motorista,
professor de matemática e leitor ao qual mais submeti meu texto, mesmo não
sendo da área, suas indagações e sugestões foram muito importantes, meu amor.
Aos meus estagiários, Ronaldo, Alessandro e Anderson por aceitarem a
aventura de organizar os Acervos Escolares São José dos Campos, dedicando
horas a higienização, catalogação e identificação de fotografias.
A todas as pessoas que se dispuseram a dar informações sobre o passado
das escolas joseenses, em especial à Professora Miriam Jannuzelli, por permitir o
acesso a seu acervo particular.
À minha ex-professora e amiga Mazé pelos momentos imprescindíveis de
discussão do texto final, Lilica, Nanquim e Kitty também colaboraram
promovendo momentos de pausas forçadas que descontraíram e revigoraram
ânimos.
À Célia Barros pela revisão do texto e dicas sempre bem-vindas, obrigada
pelo espaço que sempre ganho em sua agenda.
Ao Senhor Benedito Mathias, pelo tesouro que me forneceu quando esta
pesquisa já estava praticamente concluída, mas tenha certeza de que a nova
empreitada me chama a utilizar muito esse acervo.
Ao Governo do Estado de São Paulo, pelo apoio financeiro através do
Projeto Bolsa Mestrado.
Há tantos diálogos
Diálogo com o ser amado
o semelhante
o diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
o vegetal
o mineral
o inominado
Diálogo consigo mesmo
com a noite
os astros
os mortos
as idéias
o sonho
o passado
o mais que futuro
Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.
(Carlos Drummond – O constante diálogo)
RESUMO
Compreender como se processou a Educação Pública no município de São
José dos Campos durante as duas primeiras décadas do século XX, constituiu
nosso objetivo principal. O período é bastante rico e por isso nos possibilita
entender como as escolas começaram a se multiplicar e a configurarem uma rede
pública, parecida com a que temos hoje. Contextualizamos São José dos Campos
na transição Império-República, tendo como pano de fundo as Políticas Públicas
de Higiene, Segurança, Saúde e particularmente da Educação que, articuladas,
legitimaram o discurso em prol da modernidade das cidades. Em nome da Ordem
e do Progresso, houve a necessidade de educar o ex-escravo, o imigrante, o povo,
para “nacionalizar” o país. Desse modo, a maneira como a imprensa local, a
legislação e os memorialistas discursam sobre a Educação, permitiu-nos recuperar
o que esses segmentos sociais concebiam por Educação. Nesse sentido, as escolas,
praticamente inexistentes no Império, passam, com a República, a se multiplicar e
os espaços destinados à educação finalmente se consagram. Buscar através das
fontes, os setores sociais que compunham as camadas sociais e trazer à tona,
conflitos de interesses, o perfil de quem administrava e freqüentava tais espaços e
de quem se apropriava deles foram alguns dos questionamentos que perseguimos
no intuito de elucidar a tessitura social e a complexidade das categorias de análise
do público e do privado. Na tentativa de dissecar essas estruturas políticas, sociais,
econômicas e identificando os conflitos entre diferentes grupos, sem perder de
vista o ponto de intersecção entre eles, ou seja, a necessidade criada e perseguida
de buscar formação, buscamos nos debruçar sobre o espaço escolar, seus
instrumentos, programas, ritos, enfim, o cotidiano escolar dando luz à ideologia
que permeava essas experiências escolares.
ABSTRACT
Comprehend how the public education hás been developed in the city of
São José dos Campos during the two first decades of the 20 th century has been
our main objective. This period is very rich, making it possible to understand how
schools began to multiply and establish a public system, similar to the one we
have today. We situated São José dos Campos in the Empire-Republic transition,
having as background the Politics of Public Hygiene, security, health and
particularly the Education one with, when articulated, legitimated the speech in
favor of cities `modernity. On behalf of Order and Progress, came the necessity to
educate the former-slave, the immigrant, the people, to nationalize the country. In
this manner, the way how the local press, the legislation and the memorialists
made a speeches about Education, allowed us to recover what these social
segments understood by Education. In this way, the schools, practically inexistent
during the Empire, began to multiply with the Republic and places destined to
education finally were consolidated. To search through the sources, the social
sectors that constituted the social classes and to show off, conflicts of interests,
the profile of who managed and frequented such places and the profile of who
appropriated them were some of the questionings that we pursued with the
intention to elucidate the social organization and the complexity of analysis
categories of public and private. In attempt to deeply understand these politic,
social and economic structures and identifying the conflicts between different
groups, without missing the matching point between them, that is, the created and
pursued necessity to search capability, we studied the school, its instruments,
programs, customs, that is, the school’s quotidian that made emerge an ideology
behind those scholar experience.
SUMÁRIO
Introdução...................................................................................................01
Capítulo 1 – Educação pela Ordem e pelo progresso?...............................25
Capítulo 2 – Quando o professor não tinha escola, e quando a escola não
tinha professor............................................................................................55
Capítulo 3 – Escola espaço de caridade e poder.......................................90
Considerações Finais............................................................................... 131
Anexos.....................................................................................................135
Fontes Utilizadas......................................................................................152
Referências Bibliográficas.......................................................................159
Índice de Figuras....................................................................................166
Introdução
São José dos Campos, cidade do interior de São Paulo, localizada no Vale
do Paraíba, possuía no ano de 2006 cerca de 600 mil habitantes, segundo dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dispunha de uma rede
educacional, de acordo com o Censo Educacional, realizado pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação (INEP), composta
por 83.380 alunos matriculados no Ensino Fundamental; 32.123 no Ensino Médio,
19.616 na Educação Infantil; totalizando 138.380 alunos matriculados. Destes,
114.044 faziam parte da Rede Pública (tanto Municipal como Estadual), ou seja,
82,56% do total de matriculados no município freqüentavam a Escola Pública.
A presente pesquisa iniciou-se com a visita a vários acervos1, como
escolas e arquivos, onde foi feito o levantamento de um vasto corpo documental.
E consenso que as escolas mais antigas eram Grupo Escolar Olímpio Catão
(1896); Grupo Escolar de Santana do Paraíba (1920) e Escola Normal Livre João
Cursino (1929).
Seriam mesmo essas as primeiras escolas de São José? Essa indagação
motivou –nos a percorrer outros acervos e verificamos então a existência de fontes
que apontaram outras escolas mais antigas em São José dos Campos. O
documento mais antigo relacionado à Educação data de meados do século XIX,
quando ainda o território era denominado “Villa de São José do Parayba”. Tal
descoberta exigiu flexibilidade no recorte temporal, levando-nos a optar por uma
breve retrospectiva das Escolas de Primeiras Lettras da época do Império2. Com
1
Ao visitarmos os acervos, encontramo-los em estado bastante precário: documentos amontoados,
num espaço físico muitas vezes impróprio, improvisado, junto de instrumentos de antigas
fanfarras, livros didáticos fora de circulação, entre outros materiais. O Arquivo-Morto muitas
vezes conhecido pelos funcionários como “quartinho”, guarda inúmeros documentos e o
compromisso do pesquisador em visitá-los e inventariá-los pode e deve assegurar a preservação
dessas fontes.
2
O Decreto das Escolas de Primeiras Letras, a primeira Lei Geral do ensino do Brasil, de 15 de
outubro de 1827, decretou a criação de escolas primárias nas capitais de províncias, cidades, vilas
e lugares mais populosos. Essa lei única e geral sobre a instrução fixou o método (Lancaster) e o
currículo das escolas. O método mutualista segundo Maria Luiza Marcílio foi pouco aplicado na
Província de São Paulo, o principal obstáculo foi a falta de formação dos professores. Ver:
MARCÍLIO, Maria Luiza. A História da Escola em São Paulo e no Brasil. SP: Editora Braudel,
1
vistas à transição do regime, passamos, a partir daí, a considerar como nosso
ponto de partida o ano de 1889.
Perseguimos relatórios de inspetores e de professores que lecionavam
antes da existência dos famosos e memoráveis Grupos Escolares, o que nos fez
refletir sobre a memória das escolas de São José dos Campos e causou-nos
inquietações que nos levaram a rastrear as especificidades de cada uma delas.
Sabemos que a memória oficial é objeto de disputa entre grupos sociais
que negociam e acordam versões, que são convencionadas para a população. No
caso joseense, há um consenso de que a primeira escola da cidade foi o Grupo
Escolar Olímpio Catão. Os textos que se referem à história ou às histórias da
educação joseense apontam para essa instituição especificamente. Depois do
Grupo Escolar Olímpio Catão, a segunda escola que é referida surgiu de uma
necessidade da época de reunir escolas isoladas em um só local, visando a atender
a uma clientela, residente em um Distrito de São José dos Campos, Santana. A
terceira escola surgiu em um momento em que faltavam professores no Estado,
estimulando a criação das “Escolas Normais Livres”, a fim de atender a uma
necessidade já antiga, relatada desde o início do século, em relatórios de
Inspetores Literários e de Secretários de Negócios do Interior. Tais relatórios
estão presentes nos Anuários de Ensino.3
Avançando no sentido de compreender a diversidade que envolve a
construção da memória e no intuito de esboçar as muitas memórias4 procuramos
enfocar uma história comprometida com as constantes lutas sociais. Um dos
desafios do historiador ao analisar o presente e o passado é o de articular projetos
e alternativas para a resolução de problemas que circundam nosso cotidiano. Na
tentativa de manipulação, discursos de candidatos em anos eleitorais, poderiam
constituir-se em um exemplo. Na prática, mais do que incluir, a educação, no
2005. p. 43 e 44
3
Os anuários de ensino encontram-se no Arquivo do Estado e foram publicados nos anos de:
1892,1894 a 1898, 1901, 1906 a 1908, 1910, 1912 a 14, 1916 a 23, 1927. RSNI SP
4
Cf FENELON, Déa. CRUZ, Heloísa Faria. PEIXOTO, M.ª do Rosário. Muitas Memórias, outras
Histórias. SP: Olho d’Água, 2003. Cuja introdução recupera o conceito de contemporaneidade e
de olhar político trabalhado por Beatriz Sarlo que trata do comprometimento do pesquisador com
as transformações da sociedade da qual faz parte.
2
Brasil contribui para a exclusão social, perpetuando uma prática educacional
dualista.5
A coexistência de nomenclaturas variadas referentes a um mesmo grau de
ensino, o primário, foi percebida na documentação dentro do recorte cronológico
sobre o qual nos propomos a trabalha, a primeira República6. Nos chamou a
atenção a discrepância que permeava as Escolas Preliminares, Grupos Escolares,
Escolas Reunidas e Escolas Isoladas. No ofício de arrolar, indexar e até mesmo
descobrir, higienizar, acondicionar e catalogar as fontes, um grande leque foi se
abrindo, tornando árdua a tarefa de delimitar um problema e sobre ele
exclusivamente se debruçar. Muitas questões foram se apresentando; de certo
modo, o trabalho deu conta de responder a algumas delas, deixando ainda muitas
a serem analisadas Daí, nossa reflexão sobre esses vários tipos de escolas no
intuito de compreender como se deu a gênese da Rede de Escolas Públicas,
município de São José dos Campos.
Em sua origem a Rede Pública de Ensino não fazia distinção entre escolas
municipais e estaduais; na verdade, o Estado se encarregava das despesas com o
professorado. Ficava a cargo da municipalidade a concessão de prédios; e as
demais despesas eram negociadas na Câmara Municipal. Pelo que pudemos
observar, na documentação, as escolas se arrastavam, em meio à precariedade de
recursos que atravessou décadas.
Essa Rede Educacional,7 que remete ao final do século XIX, constitui
nosso objeto de estudo. Nossa problemática central está em identificar em que
5
Dados recentes demonstram como o analfabetismo tem diminuído, mas em contrapartida uma
nova modalidade do mesmo apresenta-se como desafio para os educadores: o analfabetismo
funcional que tem sido verificado em provas e exames nacionais como o ENEM, SARESP, Prova
Brasil, entre outras que denotam o quanto a educação encontra-se debilitada, comprovando um
acesso muito relacionado à quantidade e deixando a qualidade a desejar.
6
Praticamente antes disso a escola de professor único predominou no país, uma escola
alfabetizante regida por um professor leigo, uma vez que a primeira Escola Normal de São Paulo
foi criada em 1846 e a segunda em 1874. (ver MARCÍLIO, Maria Luiza. A História da Escola em
São Paulo e no Brasil. SP: Braudel, 2005. p. 70 a 72). O ensino era dividido em primário,
secundário e superior, não havendo um elo de ligação definido entre a educação elementar e
superior, restringindo os níveis mais elevados de ensino a uma minoria.
7
Adotamos essa terminologia Rede para tratar de um aparelho burocrático sistematizado de um
grupo de escolas. Porém ainda durante o Império já existiam escolas dispersas pelas vilas e
freguesias, que eram denominadas de Cadeira de Primeiras Lettras, São José teve seu primeiro
3
momento e por quais motivos se formaram essas escolas e como elas
funcionavam. Para isso, fez-se necessário recorrer ao período Imperial8 e verificar
como estava fragmentada a responsabilidade, no que diz respeito à educação no
Brasil e como, ao longo do tempo, essas atribuições do Governo Federal, Estadual
e Municipal se alteraram – ou não – gestando as escolas que hoje temos.
Nosso recorte temporal, diz respeito ao ano de 1889, pois uma das
bandeiras empunhadas pelos republicanos foi a Educação. Mudanças sistemáticas
começaram a esboçar um novo momento histórico, já que a escola seria
responsável por inculcar novas diretrizes comportamentais aos cidadãos
republicanos. Prova de que novos ares pairavam sobre a educação é que antes ela
estava vinculada à Secretaria do Interior e passou a ter uma Secretaria específica,
a Secretaria Geral de Instrução Pública.9
O Governo Paulista, em 1892, publicou o Regimento Interno das Escolas
Públicas Paulistas e, segundo esse documento, o Sistema Escolar seria organizado
em Primário (Escolas Preliminares e Complementares), Secundário (Escolas
Normais e Ginásios) e Superior10. Essa arquitetura de sistema educacional
perdurou praticamente durante toda República Velha.
professor interino nomeado em 1829.
8
Após o Decreto das Escolas de Primeiras Letras (15/10/1827), cada Província passou a organizar
a Instrução Pública, isso se deu em função do Ato Adicional de 1834, que criou as Assembléias
Provinciais e transferiu a elas a responsabilidade pelo ensino primário e secundário. No caso
específico de São Paulo, a primeira lei sobre ensino, foi a Lei n.º 34 de março de 1846, que tentou
organizar e orientar as escolas, criando a Primeira Escola Normal da Capital, além disso, definiuse o programa de ensino das escolas e estabeleceu que as Câmaras Municipais inspecionassem o
ensino através de uma comissão. Em 1851, promulgou-se o Regulamento de Ensino de São Paulo,
marcado pela criação de cargos e de delimitação de áreas de jurisdição para inspetores. Ver:
MARCÍLIO, Op. Cit. P. 205.
9
As crianças de 7 a 15 anos deveriam freqüentar o curso preliminar, para isso o governo arcaria
com as despesas de pagamento de professores e fornecimento de livros didáticos oficiais. A
duração do Curso preliminar seria de quatro anos, o horário das aulas seria das nove às 14 horas.
Os professores das Escolas Preliminares deveriam ser formados pela Escola Normal da Capital
“Caetano de Campos” ou por esta instituição examinados. O Currículo do curso era bastante
denso, constando de leitura, escrita, caligrafia, moral prática, educação física, química, história
natural (higiene), história do Brasil, leitura sobre a vida dos grandes homens; leitura de música e
canto; exercícios ginásticos e militares, trabalhos manuais apropriados à idade e sexo.
10
A partir de 1890 projetou-se a escolarização, integrando os níveis de ensino, pela primeira vez,
de forma vertical, indo dos 4 anos de idade aos 18, incluindo o jardim-de-infäncia, escolas de 1.º,
2.º e 3.º graus – o primário e o secundário. Cf: MARCILIO, Op. Cit. p. 132 e 216.
4
Através das inúmeras Reformas, ao longo do século XX, a escola passou a
fazer parte da rotina da maioria das famílias brasileiras. É bem verdade que até
hoje dificuldades - que não são poucas - esbarram na universalização do ensino e
sua conseqüente queda de qualidade.
Desde a sua gênese, a escola brasileira tropeçou em idealizações,
adaptando experiências de outros países que na prática pouco ou nada tinham a
ver com a escola descrita pelos aparatos legais ou pelos intelectuais da época. O
que se teve e ousamos dizer que ainda temos, de fato é a “escola possível”, ou
seja, aquela que acontece, independente do que está previsto em lei ou idealizado
por intelectuais11.
Como podemos perceber, a Educação foi assunto tardio das agendas
públicas em nosso país, diferentemente de nossos vizinhos latino-americanos,
cujas universidades surgiram ainda no século XVI como em São Domingos
(1538), México (1551) entre outras12. O Brasil tem sua primeira Universidade
somente na década de 1930. A respeito da Educação Básica a lentidão na criação
de um sistema escolar também foi bastante morosa. Hoje, podemos dizer que a
escola é um local por onde passam quase todos os cidadãos brasileiros em alguma
época de suas vidas.
A temática do presente trabalho foi definida, diante do consenso
estabelecido, tanto pela imprensa local, como por memorialistas da cidade, cujos
relatos datam de 1896, ano de inauguração do primeiro Grupo Escolar, como o
início das atividades escolares no município. No entanto, as fontes com que
lidamos, ao longo da pesquisa, permitiram rastrear mais de uma dezena de escolas
isoladas anteriores ao advento deste Grupo Escolar. Isso nos fez pensar sobre em
quais circunstâncias essas escolas foram criadas e também sobre quem as
freqüentavam.
11
O atraso secular que marca a educação brasileira, segundo Maria Luiza Marcílio pode ser
explicado também pela descontinuidade nas políticas públicas do ensino, somado ao contínuo
mimetismo de modelos pedagógicos ou de teorias vindas de fora, normalmente mal digeridas e
aplicadas de forma incorreta ou incompleta. Ver: MARCÍLIO, Op. Cit. p.434
12
Maria Luiza Marcílio estabelece um paralelo interessante sobre a educação Brasileira e
5
A escola “ideal” nem sempre era a possível. A infra-estrutura, a
qualificação do professor e o programa de curso eram alterados de acordo com as
necessidades locais. Tal estrutura complexa e idealizada, só era possível em
Escolas Preliminares Intermédias ou em Grupos Escolares, porém, na maior parte
do Estado, principalmente no interior, a educação pública praticada se dava em
Escolas Intermédias Provisórias13, em espécies de “primas-pobres” dos Grupos
Escolares. Nessas escolas, os professores não precisavam de habilitação da Escola
Normal, eram admitidos através de exame no Palácio do Governo ou através de
exames promovidos pelos inspetores de distrito.
No caso joseense, na primeira década do século XX, dois documentos em
especial nos chamaram a atenção e trazem peculiaridades locais, que merecem
destaque, pois são instrumentos que permitem compreender como se articulavam
as idéias sobre educação: o Regulamento da Instrução Municipal (1901) e a Lei da
Obrigatoriedade do Ensino no Município (1920).
A Educação Pública em São José dos Campos durante as duas primeiras
décadas da República foi marcada por contrastes. A Educação Preliminar poderia
ser ministrada em vários tipos de escola14; sendo que cada uma delas imprimia
status15 à sua clientela, dentro de uma hierarquia onde o Grupo Escolar
representava o topo. Antes do Primeiro Grupo Escolar, existiam em São José dos
Campos algumas Escolas Isoladas que praticamente são desconhecidas pela
população joseense. A memória da cidade, no que diz respeito à escola, está
vinculada quase que exclusivamente aos Grupos Escolares. Compreender quais
eram as outras escolas que não estavam no cenário urbano e em que
Argentina ao longo do século XIX. Ver: Op Cit, p 87 e 88.
13
Quanto ao currículo, o número de disciplinas das escolas provisórias era bastante reduzido em
relação ao do Grupo Escolar. Constava de leitura, escrita, geografia do Brasil, Princípios Básicos
das Constituições do Brasil e do Estado. Essas diferenças no currículo ilustram bem como a
realidade da educação estava distante dos modelos estabelecidos. Tais adaptações faziam-se
necessárias, por falta de pessoal, de recursos, de estrutura, mas foi dessa maneira, que nasceu a
rede estadual paulista e, mesmo em meio a essas dificuldades, é ela que serviu de paradigma para
outros estados.
14
Escolas Preliminares, Intermédias, Provisórias, Reunidas, Noturnas, Ambulantes, e Grupos
Escolares.
15
O que as diferenciavam era o tipo de formação dos professores e conseqüentemente o currículo.
6
circunstâncias as mesmas apareceram é também uma maneira de entender as
relações de poder além do limite urbano, já que São José era quase toda rural.
Nos bairros, em que as escolas eram instaladas, o ensino passava a ser
obrigatório16, cabendo aos pais, tutores e curadores enviar as crianças. A
fiscalização dessas escolas ficava a cargo do Inspetor Municipal, pago pela
Câmara, que mensalmente deveria visitá-las e lavrar os termos de visita conforme
a impressão colhida. Os registros, eram, na maior parte das vezes, sucintos. São
poucas as ocasiões em que os relatos deixam transparecer alguma tensão, como
descumprimento de horários estabelecidos, aulas sem registro, o grau de
adiantamento dos alunos, entre outros aspectos. Esses documentos oficiais são
eloqüentes se neles buscarmos conotações implícitas.17 Essencialmente esses
termos de visita registravam a “visão externa” e superficial da autoridade,
documentando, de maneira parcial, a realidade, evidenciando uma grande
contradição, em relação aos relatórios emitidos por professores, nos quais as
reclamações eram recorrentes; discursos bastante distantes de uma mesma
realidade, a escola.18
O outro documento já mencionado e que constitui objeto de investigação, a
fim de dissecar ainda mais a gênese desse sistema escolar, é a Lei 11019. Esse
16
A Lei da Obrigatoriedade merecia um estudo especial. Em 19/04/1879, foi aprovado o decreto
7.247, a Reforma Leôncio de Carvalho, então Ministro dos Negócios do Império, entre outros
aspectos essa Reforma criou os jardins-de-infância na Corte, regulamentou o Ensino Normal, além
de estabelecer a obrigatoriedade do ensino primário, para ambos os sexos, entre 7 e 14 anos de
idade, com multas para os pais ou responsáveis omissos ou negligentes. A prática dessa lei foi uma
tarefa difícil, encontramos documentos, como o Relatório do Inspetor Literário do Distrito, datado
de 10/11/1894 que apontavam que naquele ano o distrito adotara a lei da obrigatoriedade. O
Código de Posturas do Município de SJC estabeleceu um Regulamento para a Instrução Municipal
em 1901 e encontramos ainda uma Lei n. 110, de Obrigatoriedade do Ensino no município na
década de 1920.
17
Segundo Jacques Le Goff o documento não e inócuo. É antes de tudo o resultado de uma
montagem, consciente ou inconsciente, da historia da época, da sociedade que o produziu, mas
também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido durante as
quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. Cf História e Memória. Campinas
Editora da Unicamp,1996. p. 547.
18
As Correspondências Oficiais que anexavam relatórios de professores e inspetores revelaram
inúmeras dificuldades quanto à infra-estrutura e até mesmo tensões entre as engrenagens estaduais
e municipais, solicitações sem respostas, adaptações ao sistema idealizado em função da carência
de estrutura.
19
Tivemos acesso a essa lei através do contato com os Jornais, ela saiu publicada em uma das
edições do “Correio Joseense”, datado de 28/03/1920 p.4 – Vide Anexo.
7
dispositivo, que tornava obrigatório o Ensino no Município nos serve como a
ponta do iceberg para compreender como a Educação Pública praticada em São
José dos Campos tem, na década de 1920, um de seus momentos mais
interessantes durante a República Velha. Com certeza não se trata de um fato
isolado, nesse momento muitas medidas tomadas nas esferas federais e, sobretudo
estaduais, colocavam sobre a municipalidade o peso da educação. Tal fato pode
ser entendido até mesmo como reflexo da incipiente industrialização, que
começava a ditar o tipo de trabalhador que se esperava e o mínimo de qualificação
exigida para cada trabalho.
A Lei de Obrigatoriedade trazia uma série de artigos que mostram as
exceções da obrigatoriedade, um sinal de que as mudanças ocorriam lentamente.
Os critérios de quem ficava de fora do portão da escola eram bastante sutis, mas
podiam ser identificados através da análise de cada um dos artigos e incisos da lei,
que mais restringia do que incluía, evidenciando o quanto essa educação era
elitista.
É através da escola que percebemos em que medida a educação foi
entendida como um direito social, no sentido republicano de formar o cidadão, ou
como uma oportunidade de promoção pessoal, uma “vitrine” de pessoas ilustres e
abastadas que freqüentavam a escola e colaboravam com ela.
A imprensa local20, publicada semanalmente a partir da década de 1920,
nos serviu para, de alguma forma, compreender algumas das expectativas desses
colaboradores sobre o papel da educação na sociedade e revelaram os estratos
sociais envolvidos no contexto escolar. Nossa análise sobre o discurso da
imprensa não constituirá uma análise clássica, que trata a palavra impressa como
um registro fiel do acontecido, mas como um meio de comunicação, um
instrumento de poder, um “ingrediente vital da vida pública” 21. Todo o conjunto
20
A Imprensa joseense pode ser caracterizada pela efêmera produção de pequenos jornais. No
século XIX o Jornal A Vida publicado entre os anos de 1888-1889, e no século XX, O Caixeiro, A
Caridade e A Escola, foram produções breves. O Correio Joseense, contituiu nossa principal
fonte, foi esse também o principal meio de circulação de idéias e ações do Partido Republicano
Paulista, até o ano de 1926 quando passa a ser simpatizante do Partido Democrático.
21
DARNTON, Robert. e ROCHE, Daniel (orgs.) Revolução Impressa A Imprensa na França
1775-1800. SP: Edusp, p. 16.
8
de idéias relacionados ao papel da educação, que apareceu na imprensa joseense,
dos anos finais do império às duas primeiras décadas republicanas, constituirá
objeto de análise.
Em “O mundo como representação”, Chartier recupera a partir dos
Annales, a interdisciplinaridade e os novos embasamentos teóricos permitiram ao
historiador adentrar novos territórios, sem paradigmas e modismos, adotando,
porém, uma mudança de olhar, tendo como foco central as representações.
Chartier nega o pressuposto de que os contrastes e as diferenças culturais estejam
forçosamente organizados em função de um recorte social previamente
constituído sem margens à qualquer modalidade. Dessa forma, convida a um novo
tipo de abordagem, onde o foco de atenção do pesquisador esteja nos empregos e
usos diferenciados de bens, textos, idéias que são construídas a partir da realidade,
pensados e lidos por diferentes grupos sociais, através de uma reflexão
metodológica que leve em conta, no “mundo do texto”, também o “mundo do
leitor”.
Considerando que “os discursos são dominados e confiscados pelos
indivíduos ou instituições que se arrogam o controle exclusivo sobre eles” 22, isto
é, é preciso verificar também o conteúdo das entrelinhas, o conteúdo implícito,
sem ignorar “o processo pelo qual um texto, uma fórmula, uma norma fazem
sentido para os que deles se apoderam ou os recebem” 23.
Como analisamos, as falas dos jornais ecoam, entre um grupo específico,
que defende o papel da educação e reivindica esse direito para si, descartando a
totalidade da população na elaboração desse projeto.
Para Michel de Certeau o papel da escrita tende a legitimar discursos,
sejam eles científicos, políticos, escolares, entre outros, desvalorizando a
oralidade, como se a mesma não fosse parte integrante do progresso:
a prática escriturística assumiu valor mítico nos últimos
22
CHARTIER, Roger. O Mundo como representação. Texto publicado originalmente em na
Revista Annales (Nov-Dez 1989, N.° 6, pp 1505-1520); Estudos Avançados 5/11 Janeiro/Abril
1991 Volume 5 – Número 11 Universidade de São Paulo. Página 180.
23
Ibidem, p. 181.
9
quatro séculos reorganizando aos poucos todos os
domínios por onde se estendia a ambição ocidental de
fazer sua história e, assim, fazer história. Entendo por
mito um discurso fragmentado que se articula sobre as
práticas heterogêneas de uma sociedade e que as articula
simbolicamente. No Ocidente moderno não há mais um
discurso recebido que desempenhe esse papel, mas um
movimento que é uma prática: escrever. A origem não é
mais aquilo que se narra, mas a atividade multiforme e
murmurante de produtos do texto e de produzir a
sociedade como texto. 24
Foi através da imprensa que notamos como os jornais locais encaravam
questões como a abolição, apesar do número reduzido de escravos na cidade.
Houve polêmica e preocupação quanto ao destino desses. “Neste período em que
o elemento servil e toda a instituição negra perdem o vigor e à queda inevitável: é
preciso preparar-mos braços que sirvão à agricultura, mecânica e bellas artes”. A
preparação desses braços estava intimamente ligada ao tipo de educação que seria
oferecida a essa camada da população, mas como pudemos perseguir, ao longo
dos anos, a proposta educacional ficou muito mais no discurso do que na prática.
A permanência de crianças dentro da escola foi se consolidando apenas ao longo
do século XX; contudo para as famílias de descendentes de escravos, esse acesso
foi mais restrito25.
No Jornal “A Vida” encontramos: “a escravidão no Brazil e a falta de
instrucção popular tem sido o motor dos delictos”26. Nas colunas policiais também
verificamos o reforço e o destaque de características físicas, principalmente
relacionadas aos traços étnicos. Dentre elas a informação da cor dos “desordeiros”
24
CERTEAU, Michel. A invenção do Cotidiano Artes de fazer. RJ: Petrópolis – Vozes 5.ª Edição
2000. p.224.
25
Ainda hoje constitui entre nós um desafio manter as crianças e jovens, principalmente oriundas
de uma parcela mais pobre da população, pois a evasão escolar ainda ocorre e o grau de
escolarização entre os afrodescendentes é sensivelmente menor em relação a outros grupos étnicos.
Através de algumas fotos encontradas no acervo escolar pertencente ao Primeiro Grupo Escolar de
São José dos Campos, identificamos algumas fotos, infelizmente, como não há precisão do período
a que pertencem e não havia uma metodologia que respondesse às questões de ordem étnica,
optamos por não utilizar essas fotos como fontes, deixando-as para uma futura pesquisa. Grosso
modo, podemos dizer que o número de crianças negras ou pardas que aparecem nas fotos é
pequeno, mas não insignificante. Percebemos também certa disparidade em relação a apresentação
das crianças, principalmente nas vestimentas, o que de alguma forma tentaremos abordar no
segundo capítulo ao investigar os grupos sociais que freqüentavam a escola pública.
10
e “criminosos” eram corriqueiramente enfatizadas. Como por exemplo: “desses
correcionais 5 tinham instrucção baixa, 6 eram analfabetos, 3 pretos e um pardo”27
O processo de escolarização entre escravos e libertos no Brasil durante o
século XIX, foi objeto de estudo de Sarita M. Affonso Moyses28. A análise feita
por ela a respeito do acesso à educação desses segmentos sociais pode ser
estendida a outros grupos e permite-nos compreender como o projeto de
educação, até o século XIX, marcado por vigilância e exploração, passa por
transformações de ordem estrutural. Exigia, na maioria das vezes, a negação das
relações anteriores grupais para a busca da individualidade e a substituição da
prática cultural oral pela cultura escrita. Por trás da construção de uma autonomia
aparentemente inocente, tivemos na verdade mecanismos de poder e censura.
Imaginar os conflitos que existiam por conta da língua, da memória oral e
dos valores é uma tarefa árdua.
A escolarização da população pobre também constituiu objeto de estudo de
Ione Celeste de Sousa29, que verificou a preocupação em escolarizar e disciplinar
as camadas pobres da população baiana, em especial os escravos, visando à
constituição de um futuro cidadão “apto a contribuir positivamente como
trabalhador, pai de família, eleitor ao progresso e civilização da nação”.
Durante o Império, a grande preocupação estava centralizada em conduzir
a população – principalmente pobre livre ou escrava – a um modelo de sociedade
em que se valorizava o “bom comportamento”. Nas notas policiais, a falta de
instrução popular somada à escravidão eram as causas, ou os principais motivos
apontados para delitos. Nesse momento, trata-se principalmente, da educação
informal e não necessariamente da oferecida nas escolas. Na República, o Poder
Público toma para si a missão de educar a população com clara intenção
disciplinadora. Nesse período, marcado pela abolição, imigração, urbanização e
26
Jornal “A Vida” 11/03/1888.
Ibidem 11/01/1920.
28
MOYSES, Sarita M. Affonso. Leitura e apropriação de textos por escravos e libertos no Brasil
do século XIX. In: Educação e Sociedade. Revista quadrimestral de Ciência da Educação. Ano XV.
Agosto de 1994, n.°48 pp. 200-212.
29
SOUSA, Ione Celeste Jesus de. Escolas ao povo: experiências de escolarização de pobres na
Bahia – 1870 a 1890. TD PUC-SP, 2006, p.8.
27
11
industrialização fica evidente que a Educação, assim como a saúde e a segurança,
são espaços de disciplinarização, agora realizada de maneira formal, isto é, nas
escolas, a fim de promover a ordem nas cidades.
A cidade passa a ser o principal espaço de interferência do Poder Público,
uma mistura do discurso urbanístico, médico, sanitarista e arquitetônico que se
propõe a diagnosticar, planejar e aplicar medidas que promovam sua ordenação.
Dentre as providências públicas, a preocupação com a higiene, o saneamento, e a
necessidade de registrar as ocorrências de desordem estavam em alta. O Código
de Postura do município torna-se cada vez mais detalhado. Os jornais trazem à
tona as “aberrações” e as denúncias de desordens30 são algumas evidências sobre
essa tendência ordenadora e rígida, que legitimou as medidas tomadas pelo Poder
Público. A figura dos inspetores sejam eles os de quarteirão, sanitários ou
escolares, são símbolos desse pensamento.
A “educação” da população na República Velha constituiu uma
preocupação governamental, seja por conta do novo modelo de trabalhador que se
esperava, seja através do estereótipo de cidadão que se idealizava, dentro de um
novo modelo de Estado. Os aparelhos de Estado afrontaram elementos culturais;
negaram, negligenciaram e reprimiram as demandas sociais e essa violência foi
legitimada através da criminalização das manifestações sociais. Todos aqueles
que, de alguma maneira, atrapalhavam a ordem, estavam impedindo o progresso.
Ordenar a sociedade era também educá-la dentro e fora da escola.
O Estado de São Paulo sai à frente na corrida de criação de escolas e cria
um paradigma: o Grupo Escolar. Através desse modelo de escola, percebemos a
concretização do projeto educacional, tanto do ponto de vista físico, em sua
luxuosa arquitetura, quanto do ponto de vista moral, ou seja, na necessidade
latente de imprimir as marcas do novo regime político, naturalizar estrangeiros e
30
Em 1920 foram abertos 138 novos prontuários. O perfil desses “desordeiros” , é possível
identificar que em sua maioria tratou-se de homens, brasileiros, brancos, casados e analfabetos. Os
motivos de suas prisões foram apontados na seguinte ordem: desordem, embriaguez, furto,
desordem, homicídios, lesões corporais, tentativas de homicídio, rapto, vadiagem, demência,
legitimações, desobediência e incêndio proposital. Não raro encontramos afirmações como:
“desses correcionaes 5 tinham instrucção baixa”, 6 eram analphabetos, 3 pretos e 1 pardo”. Jornal
Correio Joseense 11/01/1920. p. 4 e 5.
12
criar uma rotina de culto à pátria. É dessa maneira que a educação ganha status de
causa nobre, uma verdadeira panacéia, que ganha corpo posteriormente.
Além dos tradicionais Grupos Escolares, havia outros tipos de escolas que
contavam com menos prestígio, mas que foram essencialmente importantes, pois
constituíram, por muito tempo, a única opção para aqueles que estavam distantes
do centro urbano. Havia, durante a Primeira República, as denominadas Escolas
Isoladas31, cujos professores, num espaço físico geralmente improvisado e
precário, tinham cerca de 40 alunos. Existiam ainda as Escolas Reunidas, uma
modalidade do Grupo Escolar barateada, com prédios menos luxuosos e
configuravam-se em uma reunião de escolas isoladas num único prédio e com a
figura do diretor.
Os registros sobre os Grupos Escolares são marcados por uma descrição
detalhada e rica; não era uma extensão da casa do fazendeiro, um galpão ou um
rancho, uma escola “casa”; era uma escola que nascia “planejada”, digna de
registros; tinha planta autorizada pelo governo e contava com os mais rigorosos
preceitos pedagógicos, ou, pelo menos, assim se propunha.
O município de São José dos Campos entre 1889-1930 contava com dois
Grupos Escolares. No entanto sua “rede” de ensino era composta por mais de uma
dúzia de Escolas Isoladas, em diversos pontos.32 Os Grupos Escolares eram
símbolos de progresso, ícones no cenário urbano33. No Vale do Paraíba, em um
31
Nossas fontes apontam escolas muito distintas dessa que freqüentamos hoje; àquela de outrora,
ou seja, do final do século XIX; eram caracterizadas pela total precariedade de materiais e de
mobília, os prédios muitas vezes eram alugados ou emprestados, os alunos agrupados de maneira
multiseriada, onde cada fileira equivalia a uma classe. Essas escolas, não diplomavam, em geral
apresentavam programas diferenciados e algumas vezes eram espaços de convivência exclusiva de
meninos ou de meninas, sendo mistas só quando não havia quorum para a abertura de turma do
mesmo sexo. Quanto aos professores, esses nem sempre possuíam formação e os que eram
formados pela Escola Normal da Praça (SP) referência da época, pelos baixos salários e condições
de acomodação com pouca freqüência aventuravam-se pelo interior do Estado.
32
Na região do Pau d´Alho, Pernambucana, nos bairros do Cajuru, Cabeça de Boi, Vargem
Grande, Santa Cruz, São José, Boa Vista, Butá e São José; nas Vilas de Eugênio de Melo, São
Francisco Xavier, Buquira e no subdistrito de Santana.
33
A representação dos Grupos Escolares era tão importante, que podemos observar o esforço da
população do Distrito de Santana, em SJC em construir um Grupo Escolar, o segundo da cidade,
que na prática foi o primeiro prédio arquitetado exclusivamente para fins pedagógicos, pois o 1.º
Grupo Escolar sempre esteve instalado em prédios adaptados - primeiramente na residência dos
Mascarenhas e depois fora transferido para o Palacete dos Baracho no centro. Essa inauguração se
deu num momento em que o Governo do Estado já não estava mais inaugurando essa modalidade
13
intervalo de dois anos foram inaugurados oito Grupos Escolares.34
Os Acervos Escolares revelaram-se poderosas ferramentas de pesquisa,
esses papéis da escrituração foram se tornando, ao longo dos anos, cada vez mais
complexos e a criação de cargos administrativos foi também se diversificando.
São documentos que registraram as visitas de inspetores às escolas e os resultados
dos exames finais dos anos letivos. Os livros de assentamento permitiram
conhecer parte do trânsito de professores nomeados, empossados, licenciados e
removidos. Os inventários de material escolar revelaram interessantes aspectos
quanto ao ambiente em que essas aulas eram ministradas e o estado e a quantidade
dos recursos disponíveis. Os livros, tanto de matrícula quanto de chamadas, nos
mostram, vez em quando, dados como a profissão dos pais, local de origem, idade
das crianças, fluxos e o processo de evasão escolar. Nos Mapas de Movimento,
documentos que eram mensalmente encaminhados à Diretoria Geral de Instrução
Pública, constavam nome dos professores, postos de trabalho, início do exercício
do magistério, número de faltas e motivo das mesmas, número de alunos
matriculados, entre outros dados que nos ajudaram a compreender, em parte, esse
universo escolar. Cada uma das fontes carrega grande quantidade de informações
que, ao serem cruzadas, formaram caleidoscópios da História da Educação em
São José dos Campos. Portanto, são muitas histórias e muitas memórias presentes
nessas fontes.
Um trabalho bastante árduo, que contou com os inúmeros desafios, além
do fato de não se ter até o momento, nenhum trabalho historiográfico que nos
permitisse uma interlocução. Daí a necessidade de recorrer a Almanaques,
crônicas, e outras formas de construção da memória, para perceber as nuances ali
contidas.
A questão da temporalidade também se colocou para nós. Em toda
historiografia relativa à escola, percebemos que o ano de 1889 apresenta-se como
um marco divisor de águas, como se a mudança do regime político, tivesse
de escola, provavelmente por uma questão econômica, pois eram essencialmente caros aos cofres
públicos.
34
Em 1895, nas cidades de Lorena, Paraibuna, Pindamonhangaba, São Luiz do Paraitinga, Jacareí
14
acarretado mudanças significativas para a população. No caso de São José dos
Campos, quase nada se comentou, nos jornais, sobre a Proclamação da República
e, em se tratando das escolas, percebemos que a maior parte delas não teve sequer
sua rotina alterada.
As escolas, principalmente as isoladas, permaneceram na Primeira
República, praticamente na mesma situação em que se arrastavam durante todo
Império. Percebemos que República, por si só, configura uma categoria de
análise, uma vez que o modo como o regime político é entendido pelas diversas
camadas sociais cria uma questão bastante complexa. A República, como
categoria de análise, está imbricada na questão educacional, porque, à medida que
a República se consolida, a escola passa a ganhar cada vez mais espaço, restandonos compreender de que maneira esses sujeitos sociais, em torno da escola,
interpretavam a República.
Há vários pensamentos sobre República circulando no final do XIX. José
Murilo de Carvalho35 ao estudar o Rio de Janeiro desse período, aborda essa
miscelânea de liberalismo, socialismo e positivismo, que se formou em torno do
ideal republicano. Dentre esses ideais, o positivista foi, sem dúvida, o que
direcionou os discursos e representações traduzidas no nacionalismo, civismo e
educação moral.
Nosso recorte cronológico poder-se-ia ter, como data-limite o ano de 1924,
por tratar-se do momento em que surge a primeira escola particular36 no
município. Entretanto não podemos deixar de lado as tensões sociais que se
avolumaram nessa época, culminando com a Revolução de 1930. O município,
e em 1896, nas cidades de Ubatuba, São José dos Campos e Taubaté.
35
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. SP:
Companhia das Letras, 2004. 3.ª edição. 13.ª impressão.
36
O ensino na época do Império acontecia de maneira desregulada, nas próprias residências e casas
quando os pais cujo poder aquisitivo podia bancar aulas avulsas que não só alfabetizavam, mas
também muitas vezes ensinava latim, francês e piano. As autorizações para aberturas de escolas
durante o Império aconteciam de acordo com a emissão de certificado do Inspetor Municipal, o
vigário, considerando essa modalidade de escola, temos como primeiros professores e escolas
particulares: João Evangelista, Antônio José d’Oliveira Mattos, José Pereira Bicudo, José Ovídio
Borches, Francisco dos Anjos Gaia, Ethelvina Leite Borches. Dentre outros do período
Republicano, cujas escolas duraram pouco tempo; porém, ao considerar Escolas nos moldes como
conhecemos hoje, temos o Externato São José como marco da primeira instituição particular.
15
como não poderia deixar de ser, estava inserido na política e nas práticas
coronelistas típicas do período. Desta forma a escola privada37 passa a constituir,
pelo menos para alguns setores da população joseense mais abonados, uma
“segunda opção”, e o discurso da imprensa local, é bastante emblemático, ao
ressaltar as supostas vantagens que teriam aqueles que pudessem freqüentar a
escola de “melhor qualidade”.
Dentre os pactos e negociações, que permearam a Educação joseense, a
Igreja demonstrou-se muito presente durante todos esses anos sobre os quais nos
dispusemos a pesquisar e não foi casualmente que a primeira escola particular a
ser instituída na cidade e a gozar de inúmeros privilégios, como a doação de
terreno, isenção de impostos e campanhas de arrecadação para a construção do
prédio, que eram de cunho religioso. A representação presente nos jornais a
respeito dessa instituição em particular, vem carregada de elogios e expectativas
sobre a qualidade de seu ensino. Entretanto o acesso a essa instituição não era
fácil, pois essa escola atendeu a um grupo especifico, às famílias mais abastadas e,
os casos excepcionais fizeram parte de acordos específicos, não nos interessando
entrar no mérito da questão e sim no processo de instalação da instituição.
Interessa-nos, sobretudo, mergulhar no universo das Escolas Públicas e em
suas relações com a sociedade, investigando, de que maneira a presença de
pessoas menos favorecidas da sociedade joseense era permitida e vista pela elite
local. Não estamos nos referindo, ao empregar o termo elite, a um conceito
sociológico ou econômico clássico, genérico, ao contrário, o grande esforço e
desafio tem sido definir a partir das próprias fontes que tipo de elite exerce
influência no espaço escolar. Entendemos por elite, os grupos sociais que
37
O ensino na época do Império acontecia de maneira desregulada, nas próprias residências e
casas quando os pais cujo podiam bancar aulas avulsas que não só alfabetizavam, mas também
muitas vezes ensinava-se latim, francês e piano. As autorizações para aberturas de escolas durante
o Império aconteciam de acordo com a emissão de certificado do Inspetor Municipal, o vigário.
Considerando essa modalidade de escola (privada) temos como primeiros professores: João
Evangelista, Antônio José d’Oliveira Mattos, José Pereira Bicudo, José Ovídio Borches, Francisco
dos Anjos Gaia, Ethelvina Leite Borches. Dentre outros do período Republicano, cujas escolas
duraram pouco tempo como Escolas Isoladas. Porém, ao considerar Escolas nos moldes como
conhecemos hoje, encontramos o Externato São José como a primeira instituição particular, em
funcionamento até hoje como Instituto São José.
16
detinham o poder político e econômico da cidade de São José dos Campos. Nesse
momento histórico, essa questão pareceu-nos imensamente pertinente a partir dos
registros nas colunas dos jornais, mais especificamente do Correio Joseense, a
respeito das atividades da Caixa Escolar. A análise desse discurso, que mescla
caridade e status chamou-nos a atenção e, como já mencionamos, tanto as escolas
isoladas como os grupos escolares foram frutos de reivindicações muito mais de
pessoas influentes do que das demandas sociais das classes populares cuja
permanência na escola dependia muito mais do fator “sorte” ou da contribuição da
Caixa Escolar que de qualquer outro motivo, pois os rótulos e impedimentos
velados eram de diversas ordens.38
A Caixa Escolar era uma Sociedade Beneficente que promovia a captação
de recursos para as crianças pobres que freqüentavam as escolas. Foram
encontradas duas dessas sociedades, uma no bairro de Santana e uma no centro da
cidade, sendo as duas vinculadas respectivamente ao segundo e primeiro Grupo
Escolar. Sobre as escolas rurais, nenhum tipo de atividade filantrópica foi
encontrada nas fontes. A opção pela “caridade” na cidade evidencia o quanto esta
prática representava em termos de status quo39. Nos jornais e almanaques, o
registro de nomes de benfeitores se encarregou de criar uma memória capaz de
promover essas pessoas.
Embora o Grupo Escolar Olímpio Catão tenha surgido em 1896, somente
em 1920, fundou-se uma Associação Protetora das Crianças Pobres.
Significativamente meses antes da fundação, membros da Sociedade Santanense
fundaram a Caixa Escolar Beneficente de Sant’Anna, com, segundo consta na
documentação, o objetivo de fornecer auxílio material às crianças pobres que não
poderiam freqüentar o Grupo Escolar desse bairro. Os membros de ambas as
Caixas Escolares apareciam com grande freqüência em pequenas notas da
38
Pela lei de obrigatoriedade, fica evidente que as crianças do sexo masculino em função do raio
de abrangência da escola, tinham mais facilidade no acesso à escola. Crianças oriundas de famílias
desfavorecidas tinham sua vida escolar interrompida pela falta de material escolar e pela
necessidade de trabalhar. Além disso, a entrada no Grupo Escolar era muitas vezes apadrinhada, as
escolas isoladas, tiveram um papel importante no sentido de alfabetizar crianças na zona rural e
dos bairros mais distantes do centro.
39
Expressão latina (in statu quo ante) que designa o estado actual das coisas, seja em que
17
Imprensa e os discursos evidenciam a benevolência desses cavalheiros e damas
ilustres. A maneira encontrada pelos grupos para angariarem fundos era a mesma:
leilões, barracas em festas da Igreja, quermesses, rifas, doações e a divulgação dos
benfeitores.
A Historiografia muito tem contribuído no sentido de estudar a Educação,
não só numa descrição cronológica, evolutiva do sistema educacional brasileiro,
mas no sentido de compreendê-la no bojo de ações políticas, nas representações
em torno dela, assim como na difusão e propagação de ideologias. Portanto é de
fundamental importância a discussão e desenvolvimento de pesquisas capazes de
revelar as articulações políticas, os grupos influentes dentro das escolas, suas
concepções e a oferta do serviço público em prol da minoria.
Trabalhos mais recentes têm se debruçado sobre a Educação de maneira
diferenciada. Em cerca de pouco mais de duas décadas, a História tem produzido
muitas pesquisas sobre o tema objetivando interrogar os problemas do presente,
como também pensar a ação nas continuidades e mudanças. É nesse sentido que
pretendemos contribuir para a compreensão histórica dos fenômenos educativos
por que passou a escola brasileira, mais especificamente as escolas joseenses no
final do século XIX e início do século XX.
Em uma breve exposição de alguns dos trabalhos que vêm sendo
produzidos e que têm contribuído para esse outro olhar sobre a Educação, temos
os que analisam a escola como espaço físico, as relações de poder, o material
didático, o discurso, a representação sobre o papel da educação, os documentos
escolares, as memórias, a legislação sobre educação, os registros pessoais de
professores, alunos, e relatórios, entre outros.
A escolarização da população negra em São Paulo, foi objeto de estudo de
Surya Barros40, que fez uso de uma baliza cronológica interessante, o período de
1870-1920 considerada por muitos pesquisadores como o período de grande
efervescência e entusiasmo, com relação às questões educacionais. A principal
momento for.
40
BARROS, Surya. Negrinhos que por ahi andam: a escolarização da população negra em São
Paulo 1870-1920. DM USP FFLCH, 2004.
18
categoria de análise do trabalho é etnia e sua proposta foi a de compreender como
a camada negra da população paulistana participou do processo de escolarização
formal, no período em que se construiu e propagou o sistema escolar. Dentre as
fontes trabalhadas, as principais foram as listas de matrículas das escolas, porém
diante da dificuldade de identificar os alunos negros nesses documentos, recorreuse também a outras fontes, como por exemplo, termos de visita de inspetores . A
gama de documentos, a interligação de sobrenomes e a presença de eufemismos
como “madrinha”, “padrinho”, “senhor”, foram cautelosamente observadas nesse
trabalho, evidenciando a forma de ingresso dos filhos de ex-escravos no recém
nascido sistema escolar paulistano esteve preocupada em disciplinar corações e
mentes. A preocupação em analisar a Educação como forma de dominação
tutelada e mantenedora de estruturas de poder deixa a pergunta sobre o papel da
escola em fornecer subsídios para que a educação tenha um caráter
emancipador.41
Em “A História da Escola em São Paulo e no Brasil”
42
, Maria Luiza
Marcílio, compreende e descreve o cotidiano de instituições dedicadas ao ensino
de crianças abandonadas. O trabalho serve como um verdadeiro manual para o
pesquisador que pretende adentrar pela História da Educação e denuncia o que a
autora chamou de “pecados da descontinuidade” ao longo da História, quais
sejam, os privilégios do ensino superior em detrimento do básico e apresenta
dados interessantes que nos servem como medida para compreender a educação
em países vizinhos. O trabalho conta com uma excelente bibliografia e trabalho de
pesquisa, explora o acervo do Arquivo do Estado de São Paulo, oferece um
panorama dos 300 primeiros anos de Educação até os dias de hoje, contando com
contextualização histórica e interessantes dados estatísticos, que permitem
visualizar o acesso à Educação pelos paulistas ao longo do século XX.
41
Sobre o caráter emancipador da escola, concordamos com Antonio Gramsci ao afirmar que não
é a aquisição de capacidades diretivas, nem a tendência de formar homens superiores que
caracterizam as escolas. A marca social [das escolas] é dada pelo fato de que cada grupo social
tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nestes grupos uma determinada função
tradicional, diretiva ou instrumental. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da
cultura. RJ, Editora Civilização Brasileira, 1978, p. 136.
42
Op. Cit.
19
Em “Templos da Civilização” 43, Rosa Fátima de Souza debruçou-se sobre a
complexidade existente por trás dos Grupos Escolares em São Paulo em seu
contexto político e social, como parte do projeto republicano. Os Grupos são
entendidos como espaços para a construção da “liturgia republicana”
44
Este
trabalho constituiu uma das principais referências para a presente pesquisa por
apresentar as transformações das escolas de um único professor em um espaço
solene, inaugurando e sacralizando a organização administrativa e pedagógica. O
corpo documental utilizado por Souza é bem semelhante ao nosso, e permite a
transferência do olhar restrito das políticas educacionais para o entendimento da
instituição escolar e seus atores políticos, enveredando sobre a cultura escolar e
suas representações. A principal fonte utilizada está nos relatórios dos diretores
dos grupos escolares e escolas-modelo e também nos relatórios dos inspetores de
ensino. O recorte feito dentro dessa temática não levou em conta as balizas
cronológicas nem recortes geográficos, tornando o trabalho atrativo pela sua
discussão em torno das representações, compreendendo os discursos, práticas e
variedades de interpretações que os sujeitos envolvidos no âmbito escolar
atribuíram às escolas.
Uma coletânea de textos organizada por Maria Lucia Spedo Hilsdorf,
intitulada “História da Educação Brasileira”
45
, apresenta uma breve história das
práticas educacionais, desde os tempos de colônia até os dias atuais, fazendo
inferências ao contexto europeu e seus reflexos em nossas escolas. No capítulo
“As outras escolas da Primeira República” explana sobre outros pontos de vista
que não os dos republicanos, mostrando os olhares e propostas de grupos
simpatizantes dos ideais socialistas, libertários, comunistas, entre outros que
conferem as diversas interpretações existentes naquele momento sobre a
funcionalidade da escola.
43
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de Civilização: A implantação da Escola Primária
Graduada no Estado de São Paulo (1890-1910). SP: Editora da Unesp, 1998.
44
Expressão utilizada por Maria Cecília Sanchez Teixeira na apresentação do livro Templos de
Civilização: A implantação da Escola Primária Graduada no Estado de São Paulo (1890-1910).
45
HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira: Leituras. SP: Pioneira
20
Nossa preocupação não esteve em nenhum momento comprometida com a
construção de uma linha cronológica que narrasse o nascimento e o
desaparecimento de várias escolas, por diferentes bairros, distritos e vilas de São
José dos Campos. Mas sim, no entendimento dos tipos de escolas que coexistiram
no início do século e àquelas anteriores ao Grupo Escolar, principal referência no
que dizia respeito à Educação naquele momento histórico.
Em relação ao embasamento teórico, diante das fontes, elaboramos modelos
de análises que correspondessem à trajetória da constituição das escolas no
município de São José dos Campos, a partir de nosso corpo documental, porém
alguns
trabalhos
nos
serviram
de
referência
em
diferentes
sentidos.
Contemplamos o aspecto legal, estrutural, e idealizador das escolas que foram
analisados de modo a estabelecer o que Michel Foucault46 denominou de visão
panóptica, enveredando pelos discursos de legitimação que dotaram a escola de
representação, estabelecendo disciplina e também fornecendo os símbolos da
República recém proclamada.
Além do conceito de representação, levamos em consideração o conceito de
utopia conservadora, que nos auxiliou a compreender o programa de ação dos
grupos e instituições sociais atuantes na Primeira República. As elites, sempre
vistas como grupos plenos e potenciais na concretização de seus projetos, passam
a ser vistas como classes sociais que perseguem utopias e também experimentam
fracassos e dificuldades. No bojo dessa discussão, a contribuição de Pierre
Bourdier sobre a lei de capital simbólico coloca em cheque as ingenuidades
pedagógicas, apresentando as escolas como espaços de transmissão cultural das
sociedades capitalistas. A sociologia da educação, segundo Bourdier, se constitui
em ciências das relações entre a reprodução cultural e a reprodução social. Sendo
Thomson Learning, 2005. Pp 69-85.
46
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão; tradução de Raquel Ramalhete.
Petrópolis, Editora Vozes, 2000. 23.ª edição. e FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder.
Organização, Introdução e Revisão Técnica de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal,
,2006. 22.ª edição.
21
assim, contribui para a reprodução de uma estrutura social.47 Gilson R. de M.
Pereira, estabelece dialogo da obra de Bourdier e Althusser, ressalvando que,
mesmo o trabalho deste último, tendo como base o estruturalismo e, por esse
motivo, ser
alvo de criticas entre historiadores, ao tratar dos Aparelhos
Ideológicos do Estado, Althusser apontou para o papel deles, ou seja, também a
escola se presta a função de reproduzir as relações sociais de produção na
sociedade.48
Antonio Gramsci49 ao analisar o grau de complexidade e de função intelectual
nos Estados, destacou o aspecto da hierarquização dentro do sistema escolar.
Esses graus verticais refletem no mundo cultural do Estado, portanto as restrições
de acesso aos níveis mais elevados de ensino são estrategicamente pensadas pelo
Estado, até mesmo para que ele possa administrar as suas despesas.
A escola aparentemente estática está permeada por uma dinâmica em que o
poder é fragmentado e se reproduz em várias nuances revelando um universo de
relações, que ironicamente subvertem a ordem desejada, fugindo da visão
panóptica e reinventando regras. A apropriação do espaço escolar se dá por
diferentes grupos e com interesses específicos. Verificamos o emprego de ações
que Michel de Certeau50 denominou de “estratégias”. Desse modo, discutimos a
escola como um palco disputado, tanto no espaço urbano (grupos escolares) como
no espaço rural (extensão da fazenda).
Entrar na escola propriamente dita, compreender seus signos, simbologia,
liturgia, ritos, cultos, transitando pelos seus corredores, salas, pátios e demais
47
A esse respeito sabemos que o Brasil e sua política educacional do inicio do século XX visava
civilizar as massas e acionar praticas de ordenação, disciplina e controle das forcas de trabalho. O
Anuário do Ensino do Estado de São Paulo afirmava que o critério de promoção dentro do ensino
primário deveria basear-se no mínimo da capacidade, sendo a promoção o melhor estimulo para os
analfabetos. Segundo o Secretario de Negócios do Interior “sempre alguma coisa hão de ter
aprendido, quando menos um pouco de exercício físico e disciplina moral”. Apud SOUZA, R.F
Op cit, p. 83.
48
No Movimento Escololanovista, nos anos 20, a opinião dos intelectuais era a de uma educação
dualista, onde o ensino primário deveria encaminhar de forma rápida para a obtenção dos meios
para o sustento do homem e o ensino secundário formar uma sólida cultura geral restrito as elites.
Ver SOUZA, R. F. Op cit. P. 39
49
GRAMSCI, Antonio. Op. Cit. vd pág. 19
50
As estratégias são vistas por Certeau como a habilidade para manobrar as regras existentes no
jogo de possibilidades, que podem transgredir a ordem simbólica e os limites de maneira
22
aposentos, na tentativa de não deixar passar nenhum detalhes sobre um espaço
dotado de significações que refletem muito mais fora daquela estrutura física do
que dentro dela.
No primeiro capítulo “Educação pela Ordem e pelo Progresso?” Partimos
dessa indagação com o objetivo de contextualizar a educação em São José dos
Campos, na transição Império para a República, evidenciando a necessidade de
racionalizar, disciplinarizar e organizar o espaço urbano, através de leis e do
estabelecimento da escola na rotina das pessoas. As fontes utilizadas foram
basicamente os jornais da imprensa local e a legislação, na intenção de
compreender o que se entendia por educação e para quais setores da população
estava se dirigindo.
No segundo capítulo “Quando o professor não tem escola e quando a
escola não tem professor”, os relatórios de inspetores e professores foram as
principais as referências para a compreensão do cotidiano escolar no município de
São Jose dos Campos, antes da Reforma de 1892 e da criação dos Grupos
Escolares.
O foco de nossa atenção, no terceiro capítulo, foram as tensões sociais no
entorno da escola, “Escola, local de caridade e poder”. Ao observar a tessitura
social do município de São José revelaram-se conflitos e negociações, que
estiveram diretamente relacionados ao cotidiano escolar. Com o primeiro pósguerra, o desenvolvimento do nacionalismo, os reflexos da política oligárquica e a
perseguição dos ideais de modernidade, transformam o espaço urbano em um
laboratório de engenheiros, médicos, sanitaristas, refletindo-se no ambiente
escolar.
Recuperamos a partir da discussão feita ao longo do trabalho e expusemos
as possibilidades de análise existentes, a partir do corpo documental, apontando
tarefas futuras. Verificamos a diferença entre discurso e prática, a partir de
projetos educacionais que serviram a interesses específicos (formar cidadãoseleitores, despertar o sentimento pátrio e “fabricar” bons trabalhadores, entre
camuflada, consideradas licitas. CERTEAU, Op cit.121 e 122.
23
outros), o que não significa dizer que esses projetos não foram importantes no
sentido do fazer da escola um espaço a ser freqüentado pela população. Houve por
parte dos setores sociais mais esclarecidos a apropriação do discurso do direito e a
necessidade da escola. Desse modo, tomaram para si a responsabilidade de criar e
fazer funcionar escolas públicas, mesmo que em sua gênese essas tivessem um
caráter bem mais privado do que público. À medida que o número de vagas foi
aumentando, a procura por elas também foi crescendo, em maior ou igual
proporção e verificou-se que as famílias que possuíam melhores condições
financeiras foram se afastando das escolas públicas e investindo em educação
privada, como se a educação passasse a ser uma mercadoria e houvesse a
possibilidade de selecionar melhor o produto. Por outro lado, as escolas públicas
não eram capazes de absorver a demanda e oferecer o ginásio a todos, reduzindo a
participação dos mais pobres ao ensino primário, ao longo das primeiras décadas
republicanas, reforçando um modelo de educação dualista, que acabou por
reproduzir estruturas sociais.
24
Capítulo I
Pela Ordem e pelo Progresso?
A Educação como elemento regenerador
O Brasil em commercio, agricultura, instrucção
publica, hygiene e bellas artes está atrasadíssimo.
As republicas platinas estam mais adiantadas. Os
Estados Unidos, depois que acabou com a
escravidão, prosperou assombrosamente. A
escravidão e o servilismo é o que arruína a pátria
brazileira. Precisamos sahir do estado primitivo
e selvagem: para avançar-mos urge tomarmos
medidas positivas e severas. Não é dormindo que
os homens e as nações immortalisão-se
(Jornal - A Vida) [grifos nossos]
O Brasil foi o último dos países latinos a aderir ao Regime Republicano. A
mudança política pouco mudou a base econômica agro-exportadora. O café
representava 70% do lucro proveniente da exportação, o país produzia até então
2/3 do café mundial.51 O Estado de São Paulo teve a sua ocupação num sentido
anti-horário e em meados do século XIX todo seu território já se encontrava
ocupado. Administrativamente dividiu-se o Estado em dez zonas, o Vale do
Paraíba pertencia à segunda delas52. Segundo Love, “A maioria dos habitantes
51
Ver: LOVE, Joseph. São Paulo na Federação Brasileira 1889-1937 A Locomotiva. SP: Paz e
Terra 1982 p. 42
52
Pela divisão apresentada por Joseph Love, o Vale do Paraíba e a costa norte de Santos
formavam a segunda região, algumas vezes chamada de norte; sendo a região mais antiga em
termos de ocupação extensiva e permanente, atingiu o auge como área produtora de café no
terceiro quartel do século XIX. Após 1886, a região do vale diminuiu sua participação na
25
ainda vivia na zona rural e já em 1920 a criação de gado e culturas de subsistência
apareciam como atividades econômicas principais, substituindo o café.”
É verdade que a região do Vale do Paraíba teve grande expressividade
durante os séculos XIX e XX na produção cafeeira.53 No entanto, nem todas as
cidades do Vale possuíam a mesma importância econômica nem tampouco o
mesmo modelo econômico da grande propriedade. Existiam inúmeras pequenas
propriedades voltadas para a produção de subsistência. O trabalho de Renato
Marcondes54 sobre a pequena e média propriedade no Vale do Paraíba evidenciou
a importância econômica deste tipo de propriedade na economia cafeeira. Faz se
necessário contextualizar o papel de São José dos Campos em meio a esse
quadro,.
De acordo com Relatórios da Comissão Central, classificando os
municípios paulistas por renda, entre os doze primeiros não encontramos o
município de São José dos Campos, evidenciando a sua pouca expressividade
econômica no período em questão.55 Dos municípios pertencentes ao Vale há
referências sobre Taubaté, Pindamonhangaba e Guaratinguetá.
população do estado, caindo de 28 para 7% em 1940Ver, LOVE, p. 44.
53
No ano de 1874, a produção de café no Vale do Paraíba equivalia a 77,46%, em 1886, 19,99%.
No século XX, há uma queda na produção cafeeira, o Vale representava 3,47% e 1,71
respectivamente nos anos de 1920 e 1935. ver: MARCONDES, Renato Leite. Transformações
econômicas e demográficas no Vale do Paraíba Paulista (1854-1940). In:Cadernos Culturais do
Vale do Paraíba. Instituto de Estudos valeparaibanos, 1993, p. 61.
54
MARCONDES, Renato Leite. A propriedade escrava no Vale do Paraíba Paulista durante a
década de 1870. Encontro da ANPEC – Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em
Economia.: 2001.
55
Os Relatórios da Comissão central foram elaborados nos anos de 1885, 1886, 1896, 1920 e
1938. Seus dados foram convertidos em tabela pelo autor Joseph Love. Cf. páginas 54 e 55.
26
fig.1 Mapa dos Municípios do Vale do Paraíba
As cidades de Bananal, Lorena, Cruzeiro, Paraibuna, São José dos
Campos, São Luiz do Paraitinga e Taubaté, respondiam por 45,4 % dos escravos
matriculados no Vale do Paraíba, quando do recenseamento de 1872. No entanto,
dentre essas cidades realidades multifacetadas se demonstraram: enquanto
Bananal possuía cerca de 53% da sua população cativa, em cidades como São
José dos Campos e Paraibuna, os escravos totalizavam pouco mais de 9% da
população total.56
Embora o Vale de um modo geral tenha apresentado um decréscimo em
sua população e a produção cafeeira tenha diminuído sensivelmente entre 1905 e
1920, no município de São José dos Campos observamos que é justamente na
década de 20 que começa a sua expansão econômica num cenário primeiramente
regional e posteriormente nacional.57
56
Idem, p. 6.
SJC desde o final do século XIX propagava em sua pequena imprensa supostos benefícios do
seu clima. No ano de 1915 o médico Clemente Ferreira visitou o município para estudar seu clima,
na década de 20 a cidade vivenciou sua fase sanatorial, abrigando inclusive o maior sanatório para
tratamento de tuberculose já existente na América Latina (Vicentina Aranha). Em 1935 pelo
decreto 7.007, tornou-se Estância Climática e Hidromineral e passou a contar com verbas extras do
Governo estadual. Após a descoberta da penicilina a tuberculose não mais assustava o país como
no início do século e SJC passou para uma nova fase, de caráter industrial. Estão diretamente
ligados a esse contexto a construção da Rodovia Presidente Dutra, a instalação do Centro Técnico
Aeroespacial no município e às inúmeras fábricas principalmente ligadas ao setor aeroespacial.
Com a recessão dos anos 80, o município precisou reformular sua economia e hoje SJC conta com
uma economia marcada pela prestação de serviços, diversificação do comércio e produção de
57
27
O processo de transição para o Regime Republicano exigiu estratégias
diversas para o controle social da população pobre e livre. Ao estudar o Rio de
Janeiro desse período, Gizlene Neder levantou inúmeras queixas de autoridades
policiais em relação às dificuldades de se policiar uma cidade:
Para elas [as autoridades], melhor seria que os escravos
fossem transferidos para as fazendas. Por isso com o fim
da escravidão, tornou-se necessária a reforma das
instituições de controle social (polícia e justiça).
Inscrevem-se aí as reformas das instituições policiais nos
primeiros anos do novo século e a criação da Escola de
Polícia (1912).58
Em busca da modernidade59 um mar de críticas relacionadas ao modelo de
comércio, educação, costumes, condições de higiene, entre outros elementos,
borbulharam na transição do século XIX para o XX, anunciando o expressivo
desejo de equiparar-se às nações mais desenvolvidas. Desse modo, a imprensa, o
Estado e grupos intelectualizados traçaram metas para que o atraso fosse
revertido, não com vistas à construção de uma sociedade mais igualitária, mas,
como observou Neder, como momento de:
esgotamento de autoritarismo político que abrem
possibilidades de reestruturação política e social, nos
quais podemos observar utopias urbanas e as práticas
institucionais que demarcam a disciplina sobre os espaços
da cidade. 60
tecnologia, principalmente aeroespacial. Ver: BERTOLII FILHO, C. História da Saúde Pública
no Brasil. LESSA, S. SJC: o planejamento e a construção do pólo regional do Vale do Paraíba e
ainda ZANETTI, V. R. A Kochlandia brasileira SJC: entre a identidade e a diferença (Tese de
Doutoramento em elaboração PUC SP)
58
NEDER, Gizlene e NARO, Nancy P. “A instituição policial no Rio de Janeiro e a construção
da ordem burguesa no Brasil (1870-1930)”, in A polícia na Corte e no Distrito Federal, RJ,
DIE/PUCRIO, 1981, pp. 227-301.
59
Não pretendemos entrar na discussão sobre o conceito do que era moderno, nem modernidade
dentro das nossas fontes. Para a presente pesquisa, nos inspiramos no trabalho de HERCHMANN
e de PEREIRA que se debruçaram sobre o projeto/paradigma de um Brasil Moderno na virada do
século XIX para o XX, projeto esse desenhado nas décadas de 20 e 30, cuja pretensão foi a de
modernizar o país através da ação de intelectuais a serviço do Estado. Médicos e engenheiros e
educadores cristalizaram um paradigma que caiu por terra nos anos 70. Segundo esses autores, o
que ocorreu no Brasil foi uma tentativa de modernização através de quadros institucionais
possíveis para a época. Tais projetos foram marcados por enormes contradições que impediram
sua implementação. Ver: HERCHMANN, Micael M. PEREIRA, Carlos Alberto Messeder (org). A
invenção do Brasil Moderno: Medicina, educação e engenheiros nos anos 20 e 30. RJ: Rocco,
1994.
60
NEDER, Gizlene. Cidade, Identidade e Exclusão Social. Tempo, Rio de Janeiro, Vol. 2, n° 3,
28
Sair do primitivo e do selvagem61, era a emergência apontada pelo novo
regime político que se instaurava no Brasil. “Tomar medidas positivas e severas”
parece denotar que a ordem era a condição para o progresso, portanto, a
população precisava adentrar para a prosperidade investindo em comércio,
agricultura, instrução pública, higiene e arte. Esse era o pensamento explicitado
por um pequeno jornal de São José dos Campos.62 Segundo Rosa Fátima de
Souza:
As fazendas, esteio da economia, transbordavam sua
prosperidade para as cidades, que adquiriam uma
fisionomia de meio civilizado: hospitais, jardins, igrejas,
escolas, palacetes, casas de comércio, rede de esgoto,
estações ferroviárias, iluminação, calçamento das ruas,
telefones, jornais, fábricas, estalagens, cortiços e mais
tarde, o cinema, o bonde 63.
As escolas, portanto, estavam em meio aos símbolos de progresso de uma
cidade. Os processos acelerados de urbanização e industrialização tornaram a
cidade um espaço a ser interferido.
A tênue linha que fragmenta o espaço das cidades em categorias, como
centro e periferia, zona rural e urbana, legal e clandestina, entre outras tantas
possibilidades, são referências das relações de poder que existem nesse espaço. A
disputa pelo poder pode ser acompanhada na instância municipal através de
1997, pp. 106-134.
61
Esses adjetivos são reflexos da Escola Positivista, heranças de Cesare Lombroso (1835-1909),
médico italiano, professor universitário, cujo discurso se encarregou de patologizar os atos antisociais. Segundo FERLA, os positivistas herdaram desse autor a preocupação com a infância no
combate à delinqüência. O criador da Escola associava a criança ao homem selvagem e primitivo,
cada um a seu modo representando estágios anteriores da evolução do homem (idealizado) adulto
branco europeu. Ver: FERLA, Luís Antônio Coelho. Feios, sujos e malvados sob medida: do
crime ao trabalho, a utopia médica do biodeterminismo em São Paulo (1920-45). FFLCH TD
USP, 2005, p. 245
62
De acordo com o Almanaque (foram publicados Almanaques nos anos de 1905,1924 e 1934) de
1905, São José ocupava uma posição econômica subalterna em relação aos municípios vizinhos
como Jacareí e Taubaté, carecendo de uma série de profissionais e serviços que só eram obtidos
nessas localidades, ressaltando a importância das estações ferroviárias na articulação econômica
desses municípios.
63
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos da Civilização: A implantação da Escola Primária Graduada
no Estado de São Paulo (1890-1910 São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. p. 95
29
inúmeras fontes documentais, como por exemplo, os Códigos de Postura.64
Na década de 1920, São José dos Campos descobrira uma nova vocação
econômica, que foi responsável pela atração de um grande número de pessoas,
com vistas a uma vida mais promissora. Desde as duas últimas décadas do XIX a
propaganda dos atributos climáticos joseenses, enquanto benéficos à cura da
tuberculose, constantes nos jornais, elevaram a vinda de profissionais liberais,
principalmente médicos e sanitaristas, que forçaram a uma diversificação do
comércio, além de outras mudanças, destacando-se entre elas a projeção da cidade
como uma estância climática de cura para a terrível doença.
A descrição de São José dos Campos presente no Almanaque de 1924
revelava, aos leitores, uma cidade em busca de traços modernos, com ruas largas e
alinhadas e a existência de largos arborizados. Além dos prédios que abrigavam a
cadeia, a câmara e as igrejas, o autor aponta ainda a existência de “magníficos
prédios, onde funcionam respectivamente o primeiro e o segundo Grupo Escolar e
um gigantesco edifício destinado ao grande Sanatório Vicentina Aranha” 65.
64
A pressão de alguns munícipes pode ser observada no sentido de sanear o espaço urbano, como
por exemplo, a regulamentação relacionada a animais soltos, a preocupação com sepulturas
abertas, punição com multas pela existência de formigueiros nas residências e a necessidade da
construção de muros e pinturas das casas próximas ao centro. E também a regulamentação e
padronização para a criação de animais domésticos e a matança de porcos pelas ruas da cidade. A
preocupação com a estética apareceu inclusive em anúncios de casas, passando a se valorizar tipos
de construções denominadas modernas e salubres.
65
MONTEIRO, Napoleão. Almanaque de 1924 – p 33 e 34.
30
fig. 2: Sanatório Vicentina Aranha (1924)
Como muitas cidades do interior brasileiro, São José dos Campos, buscava
adequar-se a uma nova realidade. A pacata cidadezinha idealizava ter traços
modernos e, para isso, muitas medidas foram tomadas. Tais medidas podem ser
acompanhadas pela complexidade que o Código de Posturas do Município
ganha.66 Para atrair recursos do Governo Estadual tratou de atender às exigências
sanitárias, pelo menos teoricamente, estabelecendo o zoneamento de seu território
e adequando-se como era possível ao quadro institucional desejável.
66
Assuntos hoje tidos como óbvios e banais, no final do oitocentos ainda causavam problemas e
para isso criavam-se multas. Dentre as condutas consideradas impraticáveis e passíveis de multas
estavam, por exemplo, a conservação de sepulturas no cemitério, a abolição da condução de
cadáveres em redes ou esteiras, a existência de formigueiros nos quintais, entre outras. LIVRO 838
do Arquivo Público Municipal – Registro de Próprios Municipais, aberto em 28/03/1934 pelo
Prefeito Rodolfo dos Santos Mascarenhas. No início da década de 1930, um levantamento feito
pelo então prefeito municipal tratou de registrar as propriedades municipais; duas observações,
pequenas, mas incisivas, foram encontradas relacionadas aos coretos, apontando o coreto da Praça
João Pessoa como em estado de ruínas e o de Santana como inadequado, portanto alvo de
demolição. Esse emprego do termo inadequado é capaz de demonstrar que tipos de prédios e
construções estavam deixando de ser valorizadas.
31
Fig.3: Mapa do Zoneamento do Município (década de 1930)
Construir as cidades sanatoriais foi uma maneira encontrada para livrar a
capital do caos em que estava no que se refere à dispersão da população tísica.
Isso permitiu com que São José recebesse verbas para sua infra-estrutura, o que
exigiu do poder público municipal, educar a população para essa emergente
vocação do município.
É importante ressaltar que não há como dissociar a
questão da saúde e higiene, da questão da educação e da segurança pública. Essas
políticas públicas em conjunto dão a tônica da urbanização em praticamente todas
as cidades que, no início do século XX, almejavam progresso.
No caso de São José dos Campos, a infra-estrutura recebida sem a
educação da população para essa “missão” saneadora teria sido em vão. Um
crescimento significativo na prestação de serviços e no comércio é apontado por
Simone Lessa67 como conseqüência da fase sanatorial.
67
LESSA, Simone Narciso. São José dos Campos: Planejamento e Construção do Pólo Regional do Vale do
32
Foi necessário educar o povo para a vivência nas cidades e para o
estabelecimento da ordem. Os serviços públicos (saúde, higiene, educação e
segurança) faziam parte de planos estratégicos destinados a racionalizar o espaço
urbano. Podemos compreender que todos eles foram estudados pelo poder público
e refletiram em políticas pedagógicas diretas ou indiretas promovendo a
ordenação desejada, desde o aspecto físico, passando pelo moral e pelos
comportamentais. Dentre as medidas positivas e severas68, identificamos que uma
das estratégias para esse processo estava em voltar os olhos para as crianças, já
que eram consideradas as responsáveis pelo futuro da nação. Pretendia-se ter um
novo tipo de trabalhador, sem os vícios do elemento servil, um novo tipo de
habitante da cidade, acostumado com os símbolos da modernidade, para colocar o
país, o mais próximo possível, dos padrões estrangeiros.
A meta prioritária da vanguarda política dos anos
derradeiros do Império, com as novas idéias, era colocar
o país “ao nível do século”. Para tanto, se fazia urgente
criar uma nova realidade nacional que só poderia ser
através da escola, da imprensa ou da lei, que conduziriam
o país ao destino sonhado. O apego à educação como
elemento regenerador da sociedade é reflexo, mais uma
vez, da transposição de idéias da Europa; nem sempre
havia condições para não ser assim. Os republicanos
buscavam a laicização do ensino público, a difusão do
ensino primário, a liberdade de ensino, a gratuidade do
ensino público69
A Educação foi apontada ainda no final do Império como um elemento
catalisador que tangeciou as leis, a imprensa e o próprio espaço escolar. Nem o
espaço, nem o tempo escolares são dimensões neutras do ensino, simples
esquemas formais ou estruturas vazias da educação. Como afirma Augustín
Escolano70, esses elementos operam como uma espécie de discurso que institui,
Paraíba. UNICAMP, TD, 2001.
68
ver epígrafe de abertura – Jornal Correio Joseense.
MARCÍLIO, Op. Cit. 136
70
Cf: VIDAL, Diana Gonçalves e FILHO, Luciano Mendes de Faria. Os tempos e os espaços
escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil. Revista Brasileira de
Educação. ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. N.º 14,
2000. Número Especial p.19.
69
33
em sua materialidade, um sistema de valores, um conjunto de aprendizagens
sensoriais e motoras e uma semiologia que recobre símbolos estéticos, culturais e
ideológicos. O papel atribuído à Educação era, e ainda é, tão estratégico que
percebemos que, à luz de outros países, esses porta-vozes joseenses incorporaram
modelos externos, ambicionavam o sucesso. O modelo educacional anterior passa
a ser criticado como sendo um dos fatores de atraso, ao tentar educar através da
religião e pela coerção, devendo, portanto, começar a disseminação de escolas a
exemplo da sociedade americana:
(...) Nos Estados Unidos para o começo de um povoado,
primeiro constitui-se ali uma escola; depois que o povo
está educado é que apparece as dettenções cossudanso de
civilizadoras. No Brasil é o contrário: começam um
povoado: de um lado a cruz de outro o cárcere.
Na opinião de Broussai eminete phiziologista, todo
criminozo ou todo crime reveste-se de duas
circunstancias: loucura ou a estupidez. Em geral os
criminosos são loucos ou estúpidos. Dae instrucção ao
povo e fechae os cárceres. 71. [grifos nossos]
A Educação é tida como um elemento crucial dentro do Regime
Republicano no sentido de formar o cidadão, mas o cidadão moldado 72 pela ótica
da sociedade. A razão para esse controle social justificava-se na necessidade de
efetivar um controle mais determinado sobre as massas, que poderiam representar
um perigo explosivo, se fossem levados a sério os ideais da Revolução Francesa e
do Iluminismo.
A interface entre educação e saúde pode ser observada no movimento pela
higiene que criou dispositivos de ordenação e controle das populações, sobretudo
pobre nas primeiras décadas do século XX73. A educação sanitária visava a
71
Jornal “A Vida” 11/03/1888.
A esse respeito, chamamos a atenção para o trabalho de Michel Foucault. A sociedade
disciplinar, em suas obras (Vigiar e Punir e Microfísica do Poder), criada a partir dos séculos
XVII e XVIII com o intuito de controlar a sociedade através da classificação, vigilância e
imposição de limites, evidencia o quanto a espinha dorsal da sociedade é marcada por uma
estrutura complexa de ramificação do poder em várias facetas.
73
O Estado de São Paulo criou em 1918 o Instituto de Higiene, um desdobramento da aliança
entre o Governo e a Fundação Rockfeller.
72
34
implantar novos hábitos e parte de sua política penetrou nas escolas.
Um poderoso instrumento de persuasão da importância e
da necessidade das intervenções, oferecendo aos
médicos-higienistas e sanitaristas argumentos para a
interlocução com as autoridades municipais 74.
Normalistas eram chamadas à capital para fazer treinamento e multiplicar
informações nas escolas. De acordo com a lista de alunos do curso de Educadores
Sanitários (1925-1930), uma professora adjunta do Grupo Escolar Olímpio Catão
de São José dos Campos, freqüentou o curso no ano de 1928.75
Os alunos do curso de medicina elaboravam relatórios em suas visitas às
cidades do interior. “Armado de máquinas fotográficas e cartilhas, ele
inspecionava cortiços, fábricas, casas comerciais e escolas, transformando a
cidade num grande laboratório para a experimentação e demonstração do seu
saber” 76.
São José dos Campos vivenciou esse “fazer ciência nas ruas”, pelo menos
dois alunos do curso de medicina apresentaram seus relatórios descritivos e
ilustrados sobre a cidade. Mapeamentos sanitários foram elaborados por João
Ferraz do Amaral (1930) e João Flório (1944), neles ficam explícitas algumas
ordenações do espaço urbano que se aplicavam na cidade. O roteiro de Inspeção
Sanitária de uma cidade ou vila do curso de Higiene para os estudantes de
Medicina da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo foi elaborado em
1921 e tinha como itens a serem observados: a água, o sistema de esgoto, o lixo,
refugo, cinzas, as estatísticas vitais, o leite, os problemas sanitários, a higiene
industrial, a habitação, os cuidados com a tuberculose e as condições das escolas.
74
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta. A Higienização dos costumes: educação Escolar e Saúde no
Projeto do Instituto de Hygiene de São Paulo (1918-1925). Campinas: Mercado das Letras, 2003.
p.102.
75
Idem, p. 263 a 268. (ProfessoraIzabel Fonseca).
76
VASCONCELLOS,M.P.C. Os (des)caminhos da formação sanitária e os direitos sociais: uma
reflexão a partir da Escola de Saúde de Minas Gerais. São Paulo, 2000. TD FSP. USP. Apud:
ROCHA. Op. Cit, p. 103
35
Fig.4: Relatório de João Ferraz do Amaral, 1930. p. 166
36
Fig.5: Relatório do 5.º Anista de Medicina: João Ferraz do Amaral, 1930.
As escolas tinham um importante papel diante do quadro de
esquadrinhamento da cidade. A implantação dos Grupos Escolares nas cidades
atendeu a vários objetivos, como observou Rosa Fátima de Souza:
37
Nas cidades morava o perigo das multidões. Era onde se
encontrava a influência malsã dos pobres, dos
vagabundos, de um povo com tendência à degeneração,
suscetível a todos os males, Portanto, constituía o espaço
em que deveriam ser tomadas medidas urgentes de
disciplinarização e regeneração social. A escola foi uma
das instituições responsabilizadas por essa missão 77.
Ou seja, a cidadania era entendida para cada segmento da sociedade de
uma maneira. A liberdade idealizada pelos mais abastados nada tinha a ver com a
desejada pelo pobre, muito menos com a idealizada pela classe dominante para a
dominada. Em São José dos Campos, duas semanas após a Lei Áurea, a discussão
sobre o “tipo” de liberdade do ex-escravo, expressava a necessidade de ensinarlhes sobre a existência de uma lei social e o princípio de um equilíbrio
sociológico, que seria alcançado através do discernimento entre o bem e o mal e o
uso correto da liberdade:
Trabalhar, pois, agora mais do que nunca é necessário
para dar-se-lhes uma direcção, um norte, uma estrella que
os guie na tortuosa estrada da existência, ensinando-lhes
distinguirem entre o bem e o mal: o bello, do feio; o
verdadeiro do falso; para fazê-los compenentrarem-se de
que há uma lei social que a tudo preside-a relatividade, a
qual deve ser, é, extensiva até a liberdade, como princípio
de equilíbrio sociológico (grifo nosso)
A movimentação da sociedade joseense, através de segmentos como a
imprensa e a igreja, demonstram como esses setores atribuíram para si próprios a
árdua tarefa de mostrar esses princípios para os populares. A “escola” aparece,
nesse sentido, como uma ferramenta para nortear e influenciar essa população.
Esse norte está diretamente relacionado à importância da formação do cidadãoeleitor; já que o voto, a partir da Constituição de 1891, deixa de ser censitário;
porém a questão da instrução criava um abismo entre alfabetizados e analfabetos,
com isso apenas 20% da população participava das decisões políticas. Conforme
pesquisa de Maria Cristina Gomes Machado78, verificou-se que, durante os
77
78
SOUZA, Rosa Fátima de. Op. Cit p. 92
Ver: MACHADO, Maria Cristina Gomes. O decreto de Leôncio de Carvalho e os Pareceres de
38
momentos finais do Império, foram propostos pelos deputados, em menos de duas
décadas, cerca de sete projetos de Reformas, todos envolvendo a Educação.
Apesar disso, nenhum deles foi implementado e praticamente todos passaram
despercebidos, sem que fossem discutidos na Câmara. A liberdade desejada a essa
camada da população - de que trata o fragmento do jornal pode ser entendida
então como parcial, “tutelada”, relativa e para fins de equilíbrio sociológico,
“ensinar-lhes a amar o trabalho” 79.
Sabemos que a preocupação com a infância, nas sociedades ocidentais,
está atrelada ao surgimento da família burguesa. A idéia de que a criança exigia
atenção especial e deveria ser tratada de maneira diferente vem deste momento
histórico.80 No entanto, estamos nos referindo aqui a uma preocupação que
extrapola a questão da classe social a que essas crianças pertenciam. A educação
fazia parte de um projeto político, buscando uma identidade nacional, fenômeno
que repercutiu em vários países no final do século XIX. Construir uma nação forte
e dar um destino de glória para o país exigia necessariamente que essas crianças
se transformassem em “bons elementos” dentro da sociedade.
As mulheres e crianças tornam-se alvos para que o projeto de
modernização e construção da nação acontecesse. Com papéis definidos, “as
mulheres participariam desempenhando a função tradicional de esposas e mães de
bons cidadãos” 81.
Ao analisar a cidade de São Paulo, Maria Luiza Marcílio constatou que as
crianças, principalmente as mais pobres, entraram na pauta do governo. Surgiram
então obras de caridade que, “preocupadas” em instruir, ofereciam além das
primeiras letras, uma educação profissionalizante, formando domésticas, babás,
carpinteiros, sapateiros, entre outras profissões.
Rui Barbosa em Debate. A criação da escola para o povo no Brasil do século XIX. In: Histórias e
Memórias da Educação no Brasil – Vol II, p.93.
79
Cf: SCHELBAUER, Analete Regina. Idéias que não se realizam – o debate sobre a educação
do povo no Brasil de 1870 a 1914. Maringá: UEM, 1998.
80
AIRES, Phillipe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro, Editora Guanabara,
1978.
81
HILSDORF, p. 64.
39
Em São José dos Campos, o curso primário era o único oferecido. Na
época, alguns abastados continuavam recebendo aulas de professoras particulares
e comparecendo nas escolas públicas somente para prestar exames. Essa minoria
posteriormente prosseguia seus estudos nas cidades vizinhas. O curso ginasial foi
criado em 1934, pelo Ato n.º 26, de marco de 1934, ainda mantido pela
municipalidade. Foi pelo Decreto n.º 14562 de 26 de fevereiro de 1945 que foi
criado o Ginásio Estadual.
O aparecimento das escolas de massas teve início apenas em meados da
década de 1910, quando os grupos escolares começaram a dobrar os turnos e a
escola se abriu para contingentes populacionais maiores. Antes disso várias
camadas sociais eram impedidas de entrar nas escolas82, num processo velado e ao
mesmo tempo evidente. Exemplo disso está na pesquisa de Zeila Demartini, que
tratou da escolarização na cidade de São Paulo nas primeiras décadas do século
XX. Neste trabalho, verificou que não era pacífico o acolhimento de europeus e
orientais nas escolas públicas, por esse motivo inúmeras escolas particulares
surgiram na capital. A iniciativa de criar escolas por conta própria era bastante
comum e essa medida foi responsável pela alfabetização de muitas crianças e
adultos.83
Na Câmara de Deputados e entre os intelectuais, a discussão em torno da
questão educacional começa a ganhar espaço. A educação popular começa a ser
pensada como maneira eficaz de infiltrar a ordem, semear a lei. Embora o
discurso republicano estivesse sempre calcado num ensino laico, na prática, o
Estado dividia essa tarefa com as ordens religiosas.
Algumas das tendências educacionais da época mostraram claramente que
o projeto republicano pensou e ofereceu a escola em moldes específicos, antes que
outras camadas sociais a reivindicassem; propondo o ensino elementar e
profissional para as massas e educação científica para as elites, entendidas como
82
ver: MONARCHA, Carlos. A Escola Normal da Praça: o lado noturno das luzes. Campinas:
Edunicamp, 1988.
83
DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri. A escolarização da população negra na cidade de São
Paulo nas primeiras décadas do século. In: Revista da Associação Nacional de Educação – n.°14,
Ano 8, 1989 pp 51-61.
40
“condutoras do processo” 84. Assim sendo, havia modelos educacionais aceitos e
rejeitados. Para os Republicanos, colaboradores do Jornal A Província de São
Paulo, como observou M. Lou Paris, não eram bem vistas a escola pública
monárquica, a iniciativa privada comercial e a confessional católica85. Já em São
José dos Campos como pudemos observar, as propostas coexistiam e o
distanciamento da igreja não era tão delineado. Em relação à participação privada,
também percebemos que um grupo de pessoas ligadas ao comércio defendia seu
espaço e interesses tendo como pano de fundo a educação.86
A respeito dos conflitos pedagógicos que marcaram o cenário da Primeira
República, Ghirardelli Jr
87
, identificou três correntes pedagógicas que
estabeleceram associações com setores sociais específicos, como: a tradicional
(combinação das aspirações dos intelectuais ligados às oligarquias dirigentes e à
Igreja), a nova (liderada pelas classes médias e a burguesia, buscando a
modernização do Estado) e a libertária (vinculada a intelectuais envolvidos com
projetos dos movimentos sociais populares, principalmente do movimento
operário).
Em São José dos Campos, a linha predominante esteve concentrada na
Pedagogia Tradicional, pelo menos durante a maior parte da República Velha,
sendo os efeitos da Pedagogia Nova bastante sutis e muito mesclados com a
corrente anterior 88. As marcas da Pedagogia do Ratio Studiorum 89 mesmo depois
de mais de um século após a expulsão dos jesuítas “ainda mostrava-se incrustado
84
Ver: HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. As iniciativas dos Republicanos. In: História da Educação
Brasileira, p.62.
85
PARIS, M. L. “A Educação no Império: o Jornal A Província de São Paulo” (1875-89). São
Paulo: FEUSP, 1980.
86
Esses grupos comerciais eram os que de diversas formas patrocinavam a escola.
87
GHIRARDELI Jr, Paulo. História da Educação. SP: Editora Cortez, 1992. Revista Ampliada 2. ª
Edição, p. 20
88
O grande diferencial em educação apresentado na cidade de São José dos Campos foi o Colégio
Salesiano de iniciativa particular, fundado em 1924; que se afirmava como um estabelecimento de
ensino moderno, mas ao contrário da corrente da Escola Nova, reforçava um ensino não laico.
Além isso, nosso recorte cronológico que teve como data limite o ano de 1924 não nos permitiu
adentrar nessa questão, mas o envolvimento da igreja dentro da escola pública nas décadas iniciais
foi um fator marcante, com doses generosas de positivismo.
89
Essa Pedagogia trazida pelos jesuítas baseava-se na unidade de matéria, de método e de
professor; os autores usados eram aqueles ligados ao pensamento oficial da igreja e a disciplina
deveria ser rígida e perseverante, caráter idealizado pelo cristão leigo.
41
na cabeça dos professores [como] um regrário didático que mostrava de certa
forma a incapacidade do pensamento laico em superar a organização da cultura
forjada pelo catolicismo no Brasil” 90.
Essa estreita relação da Igreja com a Escola pôde ser verificada em
manuscritos do período Imperial, na época, em que o Inspetor era o Vigário da
cidade, sendo o primeiro deles, o Padre Jacintho Manoel de Andrade. Dentre as
leituras obrigatórias, estavam o Catecismo e a doutrina da Igreja. O relatório do
professor indicava suas preferências pedagógicas na adoção de livros: “aquelles
cuja moral e religião possão mais facilmente formar o coração dos jovens” 91.
A cisão entre Igreja e Estado, a partir de 1891, exigia que a educação
pública fosse laica e gratuita, mas na prática, pelo menos em São José dos
Campos, verificamos que a Igreja se fazia presente nas escolas,
inclusive
participando de uma disputa acirrada para abocanhar essa missão com certa
exclusividade92. Pudemos observar que com a instituição da educação laica, o
divórcio entre Igreja e Estado aconteceu de maneira lenta e manteve laços extraoficiais, persistindo a grande influência das instituições religiosas dentro da
cidade, seja na imprensa, na saúde, na educação ou nas festividades.
A primeira escola particular de grande porte e que se mantém em atividade
até os dias de hoje surge na cidade em 192693 e era ligada diretamente à igreja. A
explicação para este tipo de escola encontra-se no pequeno jornal “A Caridade”
94
. Na pauta de “A Caridade”, a idéia de abrir escolas e economizar com prisões e
90
GHIRARDELLI Jr,Op Cit. p. 20
Relatório do Professor de Primeiras Letras Manoel Gonçalves de Oliveira – 23/03/1852 –
APESP. Relatório mais antigo de professor encontrado no corpo documental.
92
Desde a Colônia, toda fiscalização relacionada às atividades da Instrução Pública tinha a Igreja
como protagonista e sua doutrina como suporte.
93
A permissão para o funcionamento de escolas particulares existia desde os tempos de colônia. O
primeiro registro de Escola Pública na cidade, data de 1872, quando foi criado o primeiro colégio
particular, instalado na antiga rua São José (hoje avenida), de propriedade de Francisco Leite
Machado, administrado por Dom José Ovídio Borches, professor espanhol, casado com Dª
Etelvina Leite, filha do proprietário. Cf: “Patrimônio perdido” exposição sobre as escolas de São
José dos Campos organizada pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo.
94
Cuja produção era semanal, publicado aos sábados, apresentava-se como aprovado pela
autoridade eclesiástica e em suas colunas tratava do cotidiano da cidade, zelando pela postura
cristã católica, assumindo uma postura disciplinada, exortando àqueles que recorressem a
curandeiros, orientando a mulher para a moda decente, entre assuntos corriqueiros verificamos no
intervalo de um ano de publicação, pelo menos dez matérias tratando especificamente sobre
91
42
a proposta de uma educação de princípios estritamente cristãos são as mais
veiculadas.
Quanto à instrução popular, alguns de seus artigos permitem-nos
compreender o que esse segmento entendia por educação, além da moral cristã e
da pregação das boas maneiras, sobretudo às pessoas do sexo feminino. A
discussão sobre o perfil do Brasil e do povo brasileiro e a necessidade da instrução
popular são veiculadas por esse semanário que em alguns momentos combatia o
Positivismo, principalmente no que diz respeito à educação laica. Entretanto, com
relação a Educação, concordamos com Elomar Tambara quando afirma que “o
positivismo serviu como fator de aglutinação aos setores interessados em uma
nova ordem social, crentes na necessidade de apressar o desenrolar da História” 95.
Embora o discurso de “A Caridade” fosse contra os positivistas96,
percebemos que havia muita semelhança em suas formas de pensar a educação,
principalmente no que se refere à educação feminina, pois no “Positivismo”, a
questão do ensino está profundamente associada ao papel desempenhado pela
mulher na sociedade, “a esta cabia designar os caminhos pelos quais, na área da
instrução/educação, deviam trilhar as famílias” 97. A mulher é sempre alvo desse
semanário que assumiu a responsabilidade por guiá-las para que não
envergonhassem seus maridos e fossem sempre boas mães: “Uma senhora que
não inventa e não cria os seus vestidos é como um escritor que não acha e não
inventa as suas idéias. Ter a toillete do figurino é fazer como os merceeiros que
teem a opinião da sua gazeta.”98
A principal queixa dos colaboradores de “A Caridade” estava na
exaltação do discurso científico que colocava em regime de completa separação o
poder espiritual do poder temporal, a indignação era latente:
Educação e escolas.
95
TAMBARA, Elomar. “Educação e Positivismo no Brasil”. In: Histórias e Memórias da
Educação no Brasil. STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs). Volume 2 –
Século XIX. RJ Petrópolis, 2005. pp 166-178.
96
O Jornal “A Caridade” era um órgão ligado à Igreja Católica.
97
Idem, p. 171.
98
Jornal “A Caridade” 13/04/1918.
43
devem saber os illuminadores que esta observação não é
nossa, é do famoso e insuspeito Spencer, que em um
capítulo de suas obras, depois de enumerar uma
enormidade de falsificadores sábios, conclue que a
sciencia sem educação, portanto sem moralidade, é
nefasta e repulsiva 99.
Conseguir apoio da população para abrir escolas paroquiais e nelas ensinar
a doutrina católica era uma cruzada desses vicentinos. Os apelos utilizados eram
os mais variados e não raro faziam-se comparações com as escolas públicas
oficiais, colocando-se em oposição em relação ao Estado laico:
Além de ensinar as primeiras lettras, dá aos alumnos o
principal que é o pão do espírito, ministrado no ensino da
religião. De que vale os aparatosos programas das escolas
officiaes se a criança não ouve ao menos uma vez
pronunciar o nome sacrosanto do nosso bom Deus e
Senhor? É triste se ver o Estado atheu no meio do povo
religioso! 100.
A troca de idéias entre “Vicentinos” de outros estados sustentava ainda
mais o discurso tradicional católico. A exposição de crucifixos nas escolas
públicas oficiais de Minas foi admirada como signo de nobreza e intelectualidade,
as cidades eram vistas como referências por serem adiantadas e católicas e essa
conjunção aditiva não só colocava a religião como virtude, mas uma religião em
especial, a católica:
Unamo-nos pois sejamos firmes trabalhemos com ardor
vivo como bons brasileiros, paulistas e catholicos que nos
orgulhamos de ser, em prol dessa idéia santa e sublime,
imitando assim o nobilíssimo gesto da lovavel iniciativa
daquelle intemerato paladino da caridade cristan e dilecto
filho de S Vicente de Paula (...) Não nos esmoreçamos
jamais, não nos deixemos vencer pela opinião dos
pirronoicos e incrédulos, dos reflactarios da idéia
aventada, não nos atemorizemos com os arreganhos da
opposição certa e tenaz dos secretários positivistas, dos
inimigos gratuitos do catholicismo101
99
Idem. A grafia da época não torna o texto claro, o a na verdade deve ser lido como “há” para que
fique coerente: Há ciência sem educação (a educação a que estava se referindo Spencer era a
religiosa, o moralismo cristão).
100
Jornal “A Caridade” 06/04/1918 p.5.
101
Jornal “A Caridade” 04/06/1917
44
Os empregados do comércio também tinham o seu órgão de produção
semanal, chamado “O Caixeiro”, onde discussões sobre as eleições municipais e
o interesse do grupo apareciam com freqüência e, assim como no caso de “A
Caridade”, verificamos mais de uma dezena de matérias sobre Educação. O tema
da educação era pertinente e necessário, pois a cidade estava passando pela sua
primeira fase de industrialização, abrigando cerâmicas, tecelagens e outras
atividades que exigiam um outro tipo de trabalhador. Entendemos que as
mudanças introduzidas nas relações de produção, sobretudo a concentração da
população em centros urbanos, tornaram “imperiosa a necessidade de se eliminar
o analfabetismo e dar o mínimo de qualificação para o trabalho a um máximo de
pessoas”
102
. Portanto, essas preocupações expressas pelo “O Caixeiro” não
estavam, de forma alguma, isentas ou descompromissadas, tinham o propósito de
qualificar para o mercado de trabalho.
As propostas educacionais, pelas suas práticas, expressaram o reforço da
condição social do alunado. No jornal “A Vida” de São José dos Campos,
encontramos referências ao Seminário de Educandas da Capital103, tido como um
modelo de educação para um grupo social específico,
crianças órfãs,
desamparadas ou de famílias pobres. O ensino elementar estava ao alcance dessas
meninas como uma forma de dar-lhes uma “função” na sociedade, uma ocupação.
Segundo o jornal “As meninas aprendem primeiras letras, desenho, música, religião e
canto sagrado; conforme aptidão e intelligencia de cada uma, recebe instrucção superior.
As prendas, a humildade e os serviços domésticos fazem parte da educação” 104.
Prova de que a educação oferecida, pensada e idealizada, principalmente
para as famílias pobres, era diferenciada em relação às famílias mais abastadas.
Nos anúncios publicados nos jornais “A Vida”
105
e “Correio Joseense,”
106
as
102
ROMANELLI, Otaísa de Oliveira. História da Educação no Brasil 1930-1973. Petrópolis RJ:
Vozes, 2001 25.ª edição. P. 59
103
O tipo de educação oferecida pelo Seminário esteve voltado praticamente para preparar as
meninas para o casamento e tarefas da casa, sendo que a procura pelo estabelecimento era grande,
inclusive havia lista de espera.
104
Jornal “A Vida” 04/03/1888 Ano II Número 12, p. 01.
105
Jornal “A Vida” 01/12/1897
45
propagandas traziam informações a respeito do investimento que as famílias
deveriam fazer. Eram valorizados a educação musical, o regime de internato e
ainda o preparo para os níveis mais elevados de ensino. Nesta época, formar uma
filha professora era um símbolo de status.
"ENSINO EM FAMÍLIA
Na chácara das palmeira (sic) cita a rua do Parahyba
recebe-se meninos para ensinar a ler, escrever as Quatro
operações. Grammatica, portugueza, francez,
Geographia, Historia Pátria e Sagrada, noções Moraes e
phylosophicas, Arithmetica, Musica e Piano.
Condicções:
Internos por mez, 25$000
Externos primeiras primeiras lettras 2$500
Externo secundário 5$000
Musica por mez 4$000
Piano por mez 10$000
Accio de roupa por mez 4$000107
fig. 6: Anúncio do Jornal “ O Correio Joseense” 1920
Como podemos ver, negociantes, comerciantes, religiosos, cada grupo
conforme suas convicções, opinavam sobre a Educação e viam nela a solução para
quase todos os problemas que afligiam a sociedade. Diferentes propostas
coexistiam, atendendo aos diferentes segmentos sociais. Sobre os propósitos da
educação no período, Rosa Fátima afirma que:
106
107
Jornal “Correio Joseense” 05/05/1920, p. 3
Jornal “A Vida” 01/12/1887.
46
Se é fato que a educação cumpre finalidades
determinadas pela sociedade, não é menos verdade que os
projetos, dos discursos, as teorias pedagógicas,
materializam-se no cotidiano da escola; é nesse âmbito
que a intercessão de subjetividades e práticas cadencia
ritmos,
ritualiza
comportamentos,
intercambia
experiências, configura formas de agir, pensar e
possibilita a identidade/diferenciação da escola no
conjunto das instituições sociais108.
A publicação de nomes - todos diretamente relacionados às famílias que
dirigiam o jornal local e seus pares, comerciantes e profissionais liberais,
evidencia que a Educação servia também como uma vitrine e passaporte para um
futuro promissor das futuras damas da sociedade. A educação desejada para estas
meninas ia além da leitura e da escrita, perpassava a educação espiritual e o
constante interesse pelos acontecimentos citadinos:
Não há por ahi moça alguma que não obtenha dos pais a
quantia necessária para comprar um bonito vestido, um
chapéu moderno, um sapatinho elegante (...) elas atendem
mais ao vestido, ao chapeo, ao sapatinho, que a educação
do espirito. (...) Pode se contar na ponta dos dedos as
mulheres que acompanham os acontecimentos estadinos
pelas folhas diárias. Não há gosto pela leitura; por que
não houve princípios que lhes dessem incentivo. Ao
passo que apparecem, meninas pequenas, como as do Sr
Rodolpho Lehman, Gustavo Sonnevend, Valencio
Leonil, Antero Madureira, Joaquim Mendes; que
respondem facilmente a uma pergunta de Geographia da
Europa, Ásia, África, Oceania; conhecem bem a América
do Sul. Tudo isso devido a educação que é distribuída no
Collégio Mascarenhas109, que alem de educar o espírito,
também ensina a ser dona de casa110
108
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de Civilização: A implantação da escola Primária
graduada no Estado de São Paulo. 1890-1910. SP: Unesp, 1998. p. 19
109
Nos mapas de movimento do Arquivo Público do Estado não foram encontradas referências a
esse colégio, ele aparece assim intitulado no Jornal A Vida, tudo leva a crer que se trata de uma
professora particular que dava aulas para algumas senhoritas joseenses e que a propaganda de que
essa “nata” estava buscando formação, interessava a grupos específicos da cidade, como uma
maneira de desprestigiar aquelas que não tinham acesso ou ainda cujas famílias não viam
necessidade de pagar por esse serviço.
110
Jornal “A Vida” 29/07/1890
47
A preocupação educacional aparece como condição para a ordem e a
ordem para o progresso e a modernidade. No intuito de poupar a consciências das
elites, no sentido de não deixar à margem a população pobre; a educação foi
pensada e oferecida com vistas a mostrar o caminho “certo” para uma população
supostamente ignorante e ao mesmo tempo preparar o cidadão, legitimando a
punição a toda ignorância em nome da lei:
Entregar esses infelizes a mercê do acaso, não curar de
infiltra-lhes no cérebro os mais ou nos principios de
ordem, confiando que a lei, a justiça, o código os punirá
si transviarem é uma premeditação: equivale a um crime,
a uma deshumanidade que em nada nos enobrecerá,
podendo ao mesmo, ao contrário, nos aviltar, quando não
aos olhos de nossa consciência própria111
A escola entra no cotidiano das cidades brasileiras, não exclusivamente
para instruir, formar, mas acima de tudo para disciplinar a população que insiste
na “vadiagem”. A simples pescaria era interpretada como uma vadiagem que as
crianças aprendiam a partir dos exemplos dos adultos, tornando-as fracas e
estúpidas:
Seguindo o exemplo dos maiores, as creanças de nada
útil cuidão. Gastando o mais precioso tempo em jogos,
então nas margens do parahyba de anzol em punho: é
uma vadiação continua numa eterna vagabundagem. (...)
No entanto as escolas ahi estão vazias e o governo
pagando centenares de contos de reis em favor da
instrução que de pouco ou nada serve; não porque os
professores não facão por ganhar seus ordenados
honradamente, mas porque essas creanças são inimigas
capitães das escolas; inimigas da instrucção, como
forão seus avós, como o são ainda hoje seus progenitores.
A ser certo que nos filhos se dezinvolvem as tendências
dos paes ou por outra, se é verdade que o prezente é o
resultado lógico do passado, bem triste e mesquinho foi o
dezenvolvimento do cérebro d’aqueles que geraram esta
matilha de entezinhos rachiticos e enfezados que levão os
dias na mais larga vadieira e que só denotão fraqueza e
estupidez. [grifos nossos]112
111 Idem
112 Ibidem.
48
Na verdade, as escolas da região não estavam vazias, aliás, nos anos vinte
já existiam mais de uma dezena de escolas na cidade faltando inclusive professor
habilitado para ocupar as cadeiras. Em 1889, o município contava com mais de
seis escolas, os relatórios de professores encaminhados à Diretoria Geral de
Instrução Pública, ao contrário do que o jornal afirmava não demonstrava que tais
escolas estivessem amparadas devidamente. Por ora, queremos focalizar a criança
e compreender como essa “inimizade genética” pela instrução foi, durante um
bom tempo, à tônica de discursos e a justificativa para o atraso do país, tema
comum principalmente por parte da imprensa local. As críticas mais severas, no
entanto, recaíam sobre os pais:
Perambulam por essas ruas, fadados a responder pela
culpa de seus Paes, innumeras crianças nas condições de
matricularem-se nas escolas publicas e alli receberem os
primeiros ensinamentos indispensáveis a vida do homem.
Entretanto assim não pensam inúmeros Paes e n´um
gesto criminoso abstem-se de mandar seus inocentes
filhos onde aprendem o indispensável para tornarem-se
patriotas 113
Até mesmo dados oficiais apresentavam uma outra realidade educacional,
ao apontar que as escolas do interior não iam tão bem e que não era somente por
culpa dos pais que as crianças não iam às escolas. A Secretaria de Negócios do
Interior apresentou relatório bastante diverso da posição do jornal local, revelando
um estado de estagnação e imensa precariedade das escolas:
Não é credora de encomias a organização deste ramo
importantíssimo da administração. A Instrucção Pública
jaz em estado rudimentar: é mais um symptoma de boa
vontade incapaz do que um serviço real (...) Além da má
distribuição das escolas convem attender para a falta de
habilitações do professorado na sua generalidade 114.
113
114
Jornal “Correio Joseense” 20/08/1922.
Relatório do Secretário de Negócios do Interior (Vicente de Carvalho). Abril de 1892, páginas
49
Embora não tenhamos encontrado produções de jornais que cobrissem as
duas primeiras décadas do século XX de maneira constante; verificamos que
existiam pequenas publicações registradas junto à Prefeitura de São José. Nos
Almanaques também conseguimos identificar alguns traços do cotidiano urbano
joseense. Os que nos chamou a atenção foram inúmeras falas a respeito da
Educação e seu papel dentro da sociedade. Temos grupos diferentes discursando
sobre o mesmo assunto. O Jornal “A Vida” apresentava algumas de suas
manchetes relacionadas à educação, com os seguintes títulos “Crianças sem
governo”
115
, “Os desgraçados”
116
. Em “O Brasil e os brasileiros”, uma série de
artigos encontrados em pelo menos três edições do jornal117; um deles intitulado
“Um estabelecimento modesto: Educação para a gentalha”
118
publicado na
semana em que ocorreu a abolição, explicita a preocupação com o futuro de uma
sociedade sem escravos e deixa evidente que era preciso dar-lhes uma ocupação e
postura, para não incomodar seus ex-senhores.
Uma das maneiras encontradas para lidar com essa situação irremediável
foi pensando nas crianças, com vistas a sua vida adulta, cuidando para que elas se
tornassem almas bem formadas e, de preferência, úteis. As crianças foram alvos a
serem perseguidos para alcançar uma sociedade instruída, sobretudo obediente.
Prudência e critério são vistos como condições para o futuro da nação. O poder
público toma para si o direito e poder de pautar o destino das crianças para fazer
delas cidadãos úteis:
Da pequena creança faz-se um cidadão útil e prestável.
Não tendo o governo, direcção e instrucção é procurar
atirar à mocidade a um tenebroso pego. O coração virgem
da criança é uma página branca, onde o poder publico
pode pautal-o com o diadema de ouro. Abandonar à
criança é um crime, conduzil-a e guial-a é o dever
sagrado das almas bem formadas. Assim como a Itália
deo Galileu, a França Laveisier, o Brasil Domingos
VIII e IX do prefácio.
115
Jornal “A Vida” 12/02/1888, p. 1
116
Jornal “A Vida” 04/03/1888, p. 1
117
Jornal “A Vida” 18/03/1888, 28/03/1888; 01/04/1888.
118
Jornal “A Vida” 13/05/1888.
50
Freire, S. José dos Campos e outros povoados, com tino,
prudência e critério podem dar bons homens, que no
119
futuro conquistem immorredouras glorias.
Os termos “útil” e “prestável”, bem como a expressão “bons homens”, nos
elucidam o quanto o papel da escola foi pensado. Uma maneira de compreender a
intencionalidade da escola é através de seu currículo. Espelhar-se em grandes
vultos foi uma maneira encontrada pelos jornais para expressar o desejo de
integrar o Brasil às nações desenvolvidas sendo que esse desenvolvimento se
daria através da educação.
Maria Helena Bastos verificou que, nesse momento, o Estado faz da
educação um verdadeiro espetáculo: “A escola passa a ser vista como uma das
instituições capazes de garantir a unidade nacional, através da transmissão não só
de um conteúdo unificado, mas também de valores culturais e morais que
garantiriam o sentimento pátrio” 120.
Em 1890, foi criado o Ministério de Instrução Pública, Correios e
Telégrafos121, sendo Benjamin Constant seu primeiro ocupante. Este, que já havia
sido Ministro da Defesa, levou a inspiração militar e positivista para as escolas. O
teor positivista foi identificado nos programas, currículos e materiais didáticos do
período em questão. As palavras ordem, disciplina e respeito são as que mais
aparecem nos relatórios de inspetores escolares, até mesmo das escolas mais
simples e improvisadas. No primeiro Grupo Escolar de São José dos Campos,
encontramos registros sobre aulas de escotismo122, que eram ministradas por
militares do Tiro de Guerra. Esses são alguns reflexos da influência da fundação
do Bureau International123, com sede em Genebra, inaugurando um novo ideário
119
Jornal “A Vida” 12/02/1888, p. 1
BASTOS, Maria Helena Câmara. A Educação como espetáculo. In: Histórias e Memórias da
Educação no Brasil. Vol II – Século XIX. P. 116
121
A Educação só constitui uma Pasta independente na década de 1930, com a criação do
Ministério da Educação e Cultura, antes disso ficava subordinada à Secretaria de Negócios do
Interior no setor de Instrução Pública.
122
Foram encontradas cerca de 5 fotos sobre as atividades de escotismo em Acervos Particulares e
no Acervo da escola, porém não há registro de data. Nas crônicas e memórias sobre o Grupo
Escolar, as atividades dos escoteiros são comumente rememoradas. Uma análise desses ritos na
escola será feita no quartoo capítulo deste trabalho.
123
ver Ferriére um dos fundadores da Bureau. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da
120
51
de escola que divulgou 30 itens considerados bases da Nova Pedagogia. A escola
que se enquadrasse em pelo menos 2/3 desses itens era considerada “Nova”,
celebrando um divórcio com a escola tradicional, valorizando jogos, exercícios
físicos e também o desenvolvimento da motricidade.
Embora tenha se estabelecido a obrigatoriedade do ensino primário para
ambos os sexos, entre crianças de 7 a 14 anos, essa discussão só ganhou espaço
nas páginas dos jornais joseenses na década de 1920. Antes disso, as escolas
existentes no município pareciam estar mais a serviço do interesse de algumas
famílias, funcionando como uma extensão ou anexo das propriedades de alguns
fazendeiros. Como, para serem abertas, as escolas deveriam ter ao menos 30
alunos, os proprietários permitiam o acesso de algumas crianças ou filhos de
funcionários às mesmas. O Estado se responsabilizava pelo pagamento do
professor titular e de um adjunto em alguns casos. A concessão de local para as
aulas ficava sob responsabilidade da Câmara Municipal, entretanto na maioria dos
casos, os espaços eram cedidos por particulares.
A Constituição de 1891 não coloca, em sua pauta, a educação como
obrigatória, na verdade silencia-se a esse respeito. Cada Estado redigia sua
Constituição. São Paulo manteve em seu aparato legal a obrigatoriedade do
ensino gratuito, alavancando o nascimento de sua rede de ensino. A primeira
medida é a de criação de escolas normais ou escolas-modelo, profissionalizando a
profissão do professor124. Como verificou Maria Luiza Marcílio:
Foi organizada a primeira rede de ensino público
estruturada e articulada no sentido vertical. Ela tornou-se
o paradigma para todo o país (...) A estrutura
administrativa da Instrução Pública foi reformulada pela
lei 88, de 8 de novembro de 1892, que criou a Secretaria
Geral de Instrução pública, órgão de registro burocrático,
subordinado ao diretor geral de instrução pública125.
educação. SP: Moderna, 1989.
124
A formação de docentes, começou a ser oferecida no município, somente em 1929, por isso, é
comum encontrarmos na documentação professores leigos.
125
MARCÍLIO, Maria Luíza. A História da Escola em São Paulo e no Brasil. SP: Braudel, 2004.
Pág.139
52
As mudanças na educação aconteceram de maneira gradual e lenta. A criação
do Sistema Escolar propriamente dito foi regulamentada, mas tanto na capital,
como no interior, o seguir à risca essa regulamentação esbarrou em inúmeras
dificuldades.
Embora estivessem previstos seis níveis de ensino (jardim-de-
infância, primário, ginásio, secundário, normal e superior), na prática, somente o
ensino primário era oferecido, principalmente no interior do Estado. No caso
Joseense, o ginásio só passou a ser oferecido pela rede pública a partir da década
de 1930. Antes disso, ou se recorria a instituições privadas ou a outros municípios
126
.
Quanto à rotina escolar, os Grupos Escolares funcionavam dentro do que se
pretendia de mais moderno para as escolas. Já as escolas isoladas, que eram
maioria absoluta, continuaram por muito tempo vivendo precariamente e com
diferenças não só em sua estrutura física, como administrativa.
Jorge Nagle
127
, identificou na Educação Brasileira do início do século XX
dois momentos específicos, aos quais denominou de “entusiasmo pela educação”
e “otimismo pedagógico”. O entendimento desses movimentos faz-se necessário
para a compreensão das alianças e conflitos que se formaram em torno da
educação. Para Paulo Ghirardelli Júnior
128
, o entusiasmo pela educação teve um
caráter quantitativo, um processo de alfabetização, enquanto que o otimismo
pedagógico buscou a otimização do ensino através das condições didáticas.
A maior parte de nosso trabalho, está centrada no momento em que os
dados quantitativos se sobrepuseram aos qualitativos. A divulgação desses
números era bastante contraditória. Enquanto os jornais apontavam um grande
número de analfabetos e faziam uma leitura de desinteresse por parte da
população em relação à escola, dados oficiais129, como os relatórios elaborados
126
Nos jornais A Vida, aparecem informações sobre “Gymnasio Infantil” na cidade de Jundiaí.
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo, EPU, Edusp, 1974.
128
GHIRARDELLI Jr. Paulo. História da Educação. SP: Cortez Editora, 1992. 2.ª Edição revista,
p. 15. O autor localiza esses movimentos através de balizas cronológicas, datando o entusiasmo
entre 1887-1896 ganhando força na década de 1910 e o otimismo como fenômeno dos anos 20 que
se consolidou nos anos 30.
129
Rosa Fátima de Souza, (Op cit), observou que a partir de 1910, os dados oficiais sofrem um
127
53
pelos Secretários de Negócios do Interior, exaustivamente publicavam índices
traçando um mapeamento crescente e uma abrangência cada vez maior do número
de matrículas:
Em 1895, o número de escolas providas foi de 819:
temos, portanto uma diferença a mais, no último ano de
158, o que revela uma progressão animadora. Quanto à
matrícula, em 1895 atingiu a 24.329 alunos, e a
freqüência média mensal foi de 16.800. Em 1896 a
matrícula é calculada em 30.390 alunos, e se
acrescentarmos as 2.077 das escolas-modelo, teremos um
130
total de 32.467 .
Grandes impactos foram sentidos em todo o Estado de São Paulo, a partir
da Reforma de Sampaio Dória (1920)131. O pioneirismo do Estado de São Paulo
era exaltado nas colunas dos jornais e o combate ao analfabetismo era visto como
indispensável: “O governo atual resolveu promover com as administrações
estaduaes os meios que visem a disseminação do ensino, levando a effeito a
creação e consequente provimento de escolas primárias”
132
. Na prestação de
contas publicada, as despesas com as escolas representavam a marca de 896$850
mil réis aos cofres públicos, representando 11 % dos gastos do município.133. A
cruzada pela alfabetização exigiu que os municípios fizessem o Recenseamento
Escolar134 e colocasse em prática a Lei da Obrigatoriedade do Ensino. Uma
aumento significativo, o que não quer dizer que a oferta de vagas se dava como iniciativa
exclusiva do Estado, mas por uma demanda real da sociedade.
130
Cf: REIS FILHO, Casemiro dos. A Educação e a ilusão liberal Origens da Escola Pública
Paulista. São Paulo: Editora Autores Associados. Coleção Memória da Educação, 1995. Ver p.144
Fragmento da Mensagem do Presidente do Estado ao Congresso Legislativo em 7 de abril de 1896,
página 99.
131
Embora em 1892, tenha ocorrido uma Reforma no Ensino Paulista, foi a Reforma de 1920, de
autoria de Antônio Sampaio Dória, Lei 1.750, decreto 3.356 de 1921 que foram introduzidas
alterações no ensino paulista. Num esforço de eliminar o analfabetismo, criou-se uma escola
primária aligeirada, de caráter obrigatório, com curso reduzido a dois anos e com o programa
bastante simples. A proposta também tratava de nacionalismo, buscando abrasileiras os brasileiros
pela alfabetização e educação moral e cívica e integrar o imigrante estrangeiro. Cf: MARCÍLIO,
Op. Cit. 141 e 142.
132
Jornal “O Correio Joseense” 11/01/1920 p.2
133
Jornal “O Correio Joseense” Balancete publicado em 05 de fevereiro de 1920, referente ao mês
de janeiro. Verificamos a seguinte ordem no emprego de verbas da Prefeitura Municipal:
Exercícios findos, limpeza pública, pessoal das escolas reunidas, despesas eventuais,
desapropriações, letras a pagar, pessoal, iluminação pública.
134
O primeiro recenseamento em SJC foi organizado pelos professores Felício Savastano e
54
semana antes da publicação do decreto municipal sobre obrigatoriedade do ensino
no município, verificamos o desdobramento de turnos dentro dos Grupos
Escolares, uma solução econômica e eficaz para lutar contra os números
alarmantes que segundo as autoridades, atrasavam o crescimento do país, como
vemos no trecho: A Prefeitura faz um apello aos senhores chefes de família, para
que mandem os seus filhos ao grupo escolar, aproveitando-se os mesmos dos
benefícios da instrução que é ministrada naquelle estabelecimento 135.
No início do século XX a cidade de São José dos Campos já possuía a sua
rede de ensino em funcionamento e era constante a pregação para que a sociedade
assumisse um compromisso com o desenvolvimento intelectual.
As escolas, até aquele momento, eram em sua totalidade, escolas públicas.
O exercício do magistério particular ou para pequenos grupos continuou
existindo, mas abrangendo um número restrito de alunos. Esta modalidade ficou
praticamente definida como opção para aqueles que desejassem se preparar para
exames em escolas da capital, formando assim os farmacêuticos, as normalistas e
os bacharéis da cidade.
Não resta dúvida de que a educação ganhou espaço e firmou-se como
pauta obrigatória para o desenvolvimento do país. As discussões em torno da
educação geraram leis, idéias, projetos, reformas, enfim, todo um corpo de
medidas que como vimos apresentou-se como solução para a construção da
sociedade que se esperava, passando a fazer parte cada vez mais do cotidiano das
pessoas.
Elisiario Guimarães Claro, encontrou 230 crianças em idade escolar, sendo apenas 48 as que
estavam fora da escola, sendo apenas 48 as que estavam fora da escola.
135
Jornal Correio Joseense 08/03/1920.
55
Capítulo II
Quando o professor não tinha escola
E quando a escola não tinha professor
levamos ao vosso conhecimento que é triste e
desolador o espetáculo offerecido no cerne das
escolas públicas desta cidade pela carência de
mobília e mais utensílios próprios a estes
estabelecimentos; rasão porque este Conselho se
dirige confiadamente à essa Diretoria sollicitando
propostas e devidas providencias para ao menos
desde já melhorar esse tão lamentável estado, que
continuamente estão a provocar as justas
reclama’cões dos professores e a exigir com
urgência attender as condições hygienicas da
numeroza multidão de alumnos que freqüentam
nossas escolas dignas de melhor sorte”136
(Conselho Municipal de Instrução Pública)
No Império
Na ata da Câmara Municipal, em sessão realizada de 12 de abril de 1824,
na Villa de São José do Parahyba houve o juramento da Carta Magna do Império
“foi subscripta por 277 pessoas, sendo de salientar que 214 o fizeram de cruz” 137.
O analfabetismo no Brasil era grande. O século XIX é marcado por tentativas da
criação de um sistema educacional, que só ocorre efetivamente no século XX.
De acordo com a Lei Geral do Ensino, determinava que em todas as
cidades, vilas e lugares populosos fossem criadas as escolas de Primeiras Letras.
Em janeiro de 1828, criou-se a primeira escola pública de São José, regida por
Diogo de Araújo Ferraz, que já havia sido vereador e foi indicado por ser “homem
136
Correspondência do Conselho Municipal de Instrução Pública à Diretoria Geral em 15/01/1890
– APESP.
137
CALDEIRA, João Netto. Álbum de São José dos Campos. SP: Cruzeiro do Sul/ Gráfica
Paulista. SP: 1934, p. 72.
56
sábio e dos de mais luzes destas paragens de São José”
138
. Em 1829, o Mapa de
Movimento elaborado pelo professor José Joaquim de Magalhães indicava a
presença de 32 alunos matriculados, dos quais apenas 1 era do sexo feminino. Por
este dispositivo geral, ficava estabelecido sobre o currículo que se ensinasse a ler,
escrever, fazer as quatro operações aritméticas com números quebrados, decimais
e proporções. Também estava previsto o ensino de noções gerais de geometria
prática, gramática da língua nacional, princípios da moral cristã e doutrina da
Igreja Católica Apostólica Romana. Para as crianças do sexo feminino o ensino da
matemática se restringia às quatro operações básicas e havia a inclusão de prendas
domésticas.
O Governo Paulista em 1832, atendendo à Lei Geral do Ensino,
estabeleceu o horário de aulas, dividindo-o em dois períodos de duas horas cada e
previa castigos morais. Determinava ainda o envio de relatórios (Mapas de
Movimento) 139.
Mudanças de ordem política no Império refletiram na questão educacional.
Após o Ato Adicional de 1834140, foram criadas as Assembléias Provinciais. São
Paulo organizou seu primeiro censo geral da província e houve a criação de
muitas Escolas de Primeiras Letras, a Villa de São José do Parahyba continuou
com apenas uma escola.
Em 1851, mudanças na política da Província de São Paulo, subdividiram o
território paulista em 73 distritos141, tendo cada um deles um representante do
Governo142, um da Igreja (vigário) e um do Município, que formavam juntos as
Comissões Inspetoras que estavam subordinadas ao Governo da Província. Essa
lei que organizou a Instrução Pública refletiu de modo a sistematizar as escolas
existentes e as que fossem criadas.
138
Idem, p. 73.
MARCÍLIO, M. L. Op. Cit, p.59
140
A reforma na Constituição de 1824 ficou conhecida como Ato Adicional, pode ser sintetizada
em uma tentativa de harmonizar as diversas forças em conflito no país na época. Estabeleceu uma
regência uma e houve um avanço liberal na política brasileira.
141
A Vila de São José dos Parahyba pertencia ao 11.º Distrito, de acordo com referência em
manuscrito de 14/01/1852.
142
O Inspetor Geral da Instrução Pública da década de 1850 foi Diogo Mendonça, a partir de 1852
esse cargo foi ocupado por Joaquim Francisco de Moura.
139
57
Um ano após essa reformulação, a Vila de São José do Parahyba ganhava
dois professores, um para administrar a escola masculina e outra para a escola
feminina, provavelmente leigos143. Era um casal, que chegou à cidade no ano de
1852. Francisco Ribeiro d’Escobar, já havia regido escolas na Vila de Mogi, na
Freguesia de São José do Paraitinga e Josephina Cathaló d´Escobar, estando os
dois a serviço da Instrução Pública havia pelo menos dois anos.
No terceiro quartel do século XIX, segundo relatórios emitidos pelo
Vigário, a única escola pública existente na Vila de São José possuía muitos
alunos matriculados. A fim de comprovar tal afirmação, o Padre enviou um mapa
constando as matrículas e uma solicitação de gratificação para o professor. Esta
escola recebeu do Governo a mobília e os materiais escolares para o período de
um ano 144
4 bancos de 20 palmos
8 bancos de 10 palmos
1 mesa de 5 palmos em quadra
1 cadeira sobre um estrado (para o Mestre)
8 mesas de 5 palmos de comprimento e 3 de largura
1 táboa de 4 palmos envernizado de preto (vulgarmente
chamado lousa)
4 ½ resmas de papel almaço
450 penas
52 lápis
44 pautas
18 garrafas de tinta
25 pedras
8 réguas para cada mesa
exemplares de leitura em cartões
Catecismo
A rotina desta escola era marcada por dois períodos de atividades. No
primeiro período, as crianças entravam às 8 horas da manhã e iam com atividades
até às 10 horas e 30 minutos e aprendiam caligrafia. No período da tarde, as
atividades começavam às 2 horas e se estendiam até as 4 h e 30, onde aprendiam
143
Conforme correspondência Francisco Escobar era Professor Provisório e passou a ser
“Vitalício” com a emissão de um atestado do Inspetor de Distrito que reconhecia que o referido
professor não possuía o grau de formação exigido. Relatório do Inspetor de Distrito de Agosto de
1853. APESP.
144
O recibo de Outubro de 1852 confirma esse envio de material, referenciado conforme a
gramática atual para facilitar o entendimento deste manuscrito pelo leitor. APESP.
58
algumas máximas e realizavam leituras de cartilhas e da doutrina cristã. A
gramática não era ensinada pelo professor, devido à sua falta de formação,
reconhecida por ele próprio conforme o relatório enviado:“não ensino por não
sabel-a perfeitamente, pois sou professor provizorio e não examinado para então
ocupar a cadeira relacionada”145. O método Lancaster, tão recomendado na época,
favorecendo um ensino mútuo era idealizado, mas pela falta de material
uniformizado os professores ficavam impossibilitados de adotá-lo.
Originalmente a escola e também casa do professor Escobar era bastante
modesta e a precariedade era descrita em seus relatórios, assim como as suas
condições financeiras: “sou pobre e subzistome do mesquinho ordenado de
professor” 146.
Sobre os alunos que freqüentavam a escola, de acordo com o Mapa de
Movimento referente ao ano de 1852, estavam matriculados 60 alunos.
O
documento traz dados interessantes como a idade das crianças, a naturalidade, a
filiação, a condição, a cor, a posição financeira e o número de faltas obtidas no
referido ano.
De acordo com essas informações, conseguimos traçar o perfil dessa
escola, estando todas as crianças na condição de livres, apenas nove delas
declaradas como pardas. Trinta e duas são classificadas como pobres e a maioria
nascida em São José, sendo apenas uma estrangeira de Portugal e quatorze
nascidas em outras cidades (todas do interior Paulista: Jacareí, São Carlos, São
Paulo, Santa Branca e Paraibuna). O grupo era constituído por primos e irmãos,
parentescos confirmados pelos sobrenomes existentes. Menos da metade dos
alunos da escola eram reconhecidos pelo professor como pobres e a maioria das
faltas existentes eram justamente desta parcela de alunos, assim como os
desistentes faziam parte deste grupo. O volume de correspondências remetidas ao
Governo solicitando material era grande e constante, pois a carência de materiais
afetava as crianças da escola. A título de ilustração:
145
Relatório de Francisco Ribeiro d’Escobar – Professor da Cadeira de Primeiras Letras do sexo
masculino da Vila de São José. Manuscrito datado do ano de 1852. APESP.
146
Idem.
59
V S.ª não ignora a pobresa dos habitantes d’esta Villa que
poucos são os que podem dar a seus filhos o necessário
para seus estudos de que rezulta a necessidade de
fornecer a vários alumnos papel, tinta, pena e como isto a
bem de não ser da obrigação do suplicante e até mesmo
não possa continuar com essas despesas147
De início, os professores forneciam esse material por conta própria, mas a
ameaça de “cortar” essa despesa foi uma constante em seus relatórios. Num dado
momento tal promessa é de fato posta em prática pelo casal de professores da Vila
e o número de crianças que deixam de freqüentar a escola é muito significativo.
Os mapas de movimento seguem com ressalvas a essa falta de atenção das
autoridades competentes.
Conforme o número de crianças aumentava, os materiais enviados,
inclusive as mobílias tornaram-se insuficientes. Soluções como empréstimos eram
comuns, porém nem sempre se tratavam de doações, e como afirmava o professor
Escobar, “se a escola for interrompida não será minha culpa” 148. Em meio a essas
correspondências que revelavam a pobreza dos alunos e professores do período,
tomamos conhecimento inclusive de temporalidades diferentes no que concerne à
escola daquele momento, ou seja, encontramos referências às férias escolares da
Quaresma, na qual as crianças tinham aulas suspensas por cerca de quinze dias no
período da Semana Santa e esse período era marcado pelas procissões, missas e
demais atividades promovidas pelo pároco.
Essa religiosidade presente dentro e fora da escola pode ser encontrada até
mesmo nos Regulamentos das Aulas, os quais eram documentos emitidos pelos
professores ao Inspetor Geral, em que deveriam constar o programa ensinado e a
“liturgia” da escola. Até mesmo o pedido de licença para pagar promessas em
Aparecida, Guaratinguetá, aparece em meio às correspondências emitidas pelos
professores. Portanto a escola, se não vivia em função da Igreja, estava pelo
menos lado a lado com ela.
147
Relatório do Professor Francisco Ribeiro d’Escobar ao Inspetor Geral da Instrução Pública de
01/08/1853. APESP.
148
Relatório de Março de 1853. APESP.
60
A maneira como os alunos deveriam se dirigir ao professor dentro e fora
da escola, a obrigação de comparecer aos domingos na escola com a melhor roupa
para irem juntos à missa, são algumas das revelações encontradas em meio a esses
documentos.
Outra temporalidade mencionada na documentação diz respeito às estações
do ano, o inverno e o verão alteravam a rotina escolar, o primeiro atrasava em
meia hora as atividades da escola.
A disciplina era bastante rígida conforme os Regulamentos149 e para
mantê-la os professores estavam autorizados a aplicar castigos. Na Escola
Masculina fazia-se uso da palmatória e na Escola Feminina, os castigos eram
aplicados dobrando os afazeres. Em um de seus relatórios o Inspetor de Paróquia,
referindo-se à Escola regida pela Professora Josephina Escobar, relatou o
seguinte: “até hoje não tem empregado a palmatória mesmo ao gênio pachorrento
que tem” 150.
O ensino era pensado de acordo com o sexo das crianças e os
regulamentos tratavam de esclarecer sobre a formação do bom cristão, que
também seria excelente negociante para continuar o trabalho do pai. Para as
meninas, a preocupação era a de formar excelentes mães e esposas que soubessem
se comportar dentro e fora de casa. Os próprios pais enviavam as filhas para a
escola e diziam o que queriam que lhes fosse ensinado. A disciplina “prendas
domésticas” fazia parte da “grade curricular” da escola feminina.
O número de meninas que freqüentavam a escola era sensivelmente menor
em relação à escola masculina. No ano de 1854, constava a matrícula de apenas
18, sendo que quatro delas não freqüentavam e uma havia sido expulsa pela
professora “por ser-vos publico que tinha comportamento immoral” 151.
A professora Josefina mostrava-se bastante indignada com a atitude dos
pais que não enviavam suas meninas à escola: “querem ver suas filhas em
brinquedos pelas ruas como moleques, do que mandarem receber o melhor dote
149
Vide Anexos os Regulamentos das Escolas regidas pelo Professor José Gonçalves de Moura
Guimarães e Francisco Ribeiro d’Escobar.
150
Relatório do Vigário Jacintho Manoel de Andrade 02/10/1855.
61
que pode-se dar a uma filha: a educação”152. O vigário ao fazer referências à
escola feminina, mencionava o aprendizado de costura, prendas próprias,
reuniões, danças e maneiras de fazer visitas. Afirmava também que lá ganhavam
merenda da professora e que muitas das alunas não desejavam voltar à casa
paterna.153 Com tais exigências, cabia ao Vigário solicitar materiais próprios e
decentes, pois as meninas com seus vestidos não podiam continuar sentadas em
esteiras improvisadas, pelo desconforto e indecência da cena.154
A adoção dos materiais pelos professores era reflexo do tipo de educação
que ofereciam. A repulsa pelos periódicos era grande entre os primeiros
professores joseenses. Os jornais eram vistos como perigos diante das mentes dos
jovens “por levarem ao conhecimento dos alumnos as paixões púliticas”155.
A fala dos professores culpava o Governo por não fornecer os subsídios
necessários para que as escolas fossem mantidas e também sugeriam o
estabelecimento do ensino obrigatório e a conscientização dos pais.
A escola era um local permeado também por tensões que muitas vezes,
eram resolvidas na paróquia ou nas praças públicas. As brigas entre os alunos
colocavam os professores em situações complicadas. Quando não era pela falta de
material, ou pela distância da escola, pelos conflitos que ali aconteciam que,
muitas vezes, os pais tiravam os filhos da escola:
tendo resultado por isso alguns pais sem conhecimento
ficarem contra o professor por não tolerar richas e
turbulências entre os allunos tanto na aula como fora
d’ella, alguns doas quaes tem tirado os filhos da aula156
Um caso interessante de “resistência” à escolarização, relatado pelo
Professor Escobar, nos chamou atenção. O pai da criança quando indagado sobre
151
Relatório da Professora Josefina Cathaló d’Escobar 22/10/1854.
Idem.
153
Relatório do Vigário Jacintho Manoel de Andrade 02/10/1855.
154
Relatório da Professora Josefina Cathaló d ‘Escobar 02/08/1855.
155
Relatório do Vigário e Inspetor Municipal Jacintho Manuel de Andrade – 22/1/10/1854.
APESP
156
Idem.
152
62
o motivo pelo qual não estaria mandando seu filho à escola, surpreendeu e
revoltou o professor, ao proferir as seguintes palavras: “não quero que meu filho
saiba ler para que ele não sirva ao rei”
157
.
As escolas particulares foram motivos de intensa disputa na pequena Vila
de São José no final da década de 50 do século XIX, quando se deu início a uma
série de pedidos de licença para abertura de escolas particulares. O primeiro deles
era para uma escola masculina e o Vigário, responsável pela emissão dos
atestados de capacidade, autorizou o pedido de João Evangelista do Carmo e
Souza.
Acompanhando a trajetória desta escola, percebemos que um ano após sua
abertura, a mesma funcionava com 16 alunos e já não era exclusivamente
destinada aos meninos, como consta no relatório da Professora Josefina: “duas
alumnas que sairão da minha escola”
158
. Essa que parece ser uma simples
informação rotineira em um relatório, já apresentava indícios das denúncias,
envolvendo a única Escola Pública existente. Afirmações como as de que os
alunos encontravam-se apertados, privados de aprender por pobreza ou por falta
de acomodação, começaram a aparecer nos relatórios do Inspetor.159
Concomitantemente pedidos de abertura de escolas particulares começaram a ser
apresentados. Algumas com proposta de funcionamento dentro de capelas, outras
na residência de alguns moradores, como foram o caso respectivamente de João
Pereira Bicudo e Antônio Joaquim de Sant’Ana. Algumas vezes, nesses trâmites,
intermediários atuando como procuradores160 ou com suas cartas de
recomendação, indicavam pessoas para exercer o magistério. Esse foi o caso de
Dona Deolinda Maria de Andrade, que teve, além de sua conduta exemplar
apontada como virtude, o fato de ser “viúva, maior de trinta, com filhos, pobre
157
Relatório do Professor Escobar de 15/10/1855.
Relatório da Professora Josefina Cathaló d’Escobar. 05/10/1859.
159
Relatório do Vigário Jacintho. 28/06/1859
160
Francisco dos Anjos Gaia atuou como procurados de Joaquim Sant’Anna. 04/02/1863. A
Família “Anjos Gaia” continuará como protagonista nas questões relacionadas à Educação até
meados do século de XX gozando de concessões de cargos públicos durante um bom tempo, até
pelo menos a década de 20, quando por quirelas com o Coronel e Prefeito da época sofre punições
por questões políticas.
158
63
(...)” 161.
Um atestado emitido pelo Vigário bastava para que a aula particular fosse
aberta, vez ou outra uma Banca Examinadora era convocada para atestar a
capacidade dos candidatos à regência de Escolas Públicas. Constituía parte da
prova conhecimentos da Doutrina Cristã, Leitura de manuscritos e de livros,
Gramática, Definições de Aritmética e ditado com letras bastarda e cursiva. A
formação dos professores leigos, quando avaliada, como no caso de Dona
Deolinda, relatou que seus conhecimentos sobre as quatro operações eram
sofríveis; em compensação, no quesito prendas domésticas a candidata mostrou-se
habilidosa na costura e em vários pontos de bordado. Esse primeiro “concurso”
aprovou Caetano José de Souza e Deolinda Maria de Andrade para ocuparem as
cadeiras de primeiras letras junto à Freguesia do Patrocínio.162
A autorização de licença para ministrar aulas de latim foi apresentada por
algumas pessoas como o Sr Francisco de Paula Ribeiro.163 Alguns eram modestos
em seus projetos, enquanto outros, como o Sr Ovídio Borches sinalizavam a
pretensão de abrir uma escola secundária e sua proposta era a de ensinar língua
latina e francesa, além de aritmética e geografia para os alunos.
mas como o número de alumnos que este município
pode fornecer é muito limitado e por conseguinte pouco
vantajoso, deseja mais acrescentar uma aula de ensino
primário onde se aperfeiçoem os alumnos antes de
passarem para o secundário164.
Com quatro meses de existência a escola de Borches contava com 12
alunos e 2 alunas e seus planos não paravam por aí, tratava-se da criação de um
colégio,
reunindo
outras
escolas
particulares,
mostrando-se
assim
um
empreendedor da área do ensino: “requerendo como faço a V E.º a creação de um
Collegio em lugar da aula, tenho junto com o Professor João Evangelista de Carmo e
Souza, reunir os alumnos da sua aula primária a aceital-o como professor a desistir elle
161
Correspondência de 01/12/1863.
Correspondência de 18/07/1861. Vigário e Inspetor Jacintho Manoel de Andrade.
163
Correspondência de 07/04/1864.
164
Correspondência de José Ovídio Borches. Agosto de 1864.
162
64
em favor de um moço habilitado que actualmente rege a mesma aula (...)”165
O movimento de migração dos alunos das escolas públicas, masculina e
feminina regidas pelo casal Escobar, foi se intensificando por vários fatores. Entre
eles a abertura de aulas particulares. Como vimos, a carência de materiais e a
necessidade de trabalhar afastavam algumas crianças da escola, colocando-as em
afazeres domésticos e colheitas. Outras razões, como boatos a respeito da conduta
do professor, foram responsáveis por algazarras e algumas inclusive culminaram
em processos judiciais.
No Distrito do Buquira, a escola regida pelo Professor Manoel Antônio
dos Santos Silva, ficou difamada, quando o professor durante uma aula foi
“recrutado” por policiais e conduzido à Capital. Muitos pais começaram a ficar
com medo de mandar seus filhos à escola. Reflexos puderam ser sentidos na Vila
de São José, a ponto do Professor Francisco Escobar remeter cinco cartas ao
Distrito de Buquira a fim de verificar a procedência dessas informações.
Em outro momento, um processo recaiu sobre o professor Escobar, depois
que uma denúncia sobre a sua conduta abriu precedentes. Uma verdadeira
avalanche que se arrastou por mais de um ano culminou na remoção forçada do
casal de professores e na redução drástica do número de alunos matriculados. A
confusão foi tão grande que o professor chegou a enviar o croqui de sua
residência, onde também funcionava a sua Escola e a de sua esposa. No relatório
de sua defesa, afirmava, que ao chegar na Vila de São José, na década de 1850,
logo se espalhou sua fama de “adiantar bem os alunos” e começou a atrair em sua
modesta e pobre escola-casa, crianças das famílias mais abastadas: “vários
meninos vêm para a minha casa, entre elles um netto do Barão de Santa Branca,
enteado do Dr Pereira Jorge, um filho do Dr Daniel Augusto Machado”166. Graças
a esses e outros ilustres alunos, a escola do professor Escobar, ganhou estrutura
física. A escola “pública” nasceu dentro de um espaço “privado”:
não posso deixar de mencionar a ajuda do Dr Pereira
165
166
Requerimento de José Ovídio Borches de 08/11/1864.
Relatório de Francisco Ribeiro d ‘Escobar. 01/10/1858.
65
Jorge, do Vigário e Inspetor, do Delegados João Honório
Correa d’Abreu, do Subdelegado Francisco de Paula
Diniz Galvão, dos Juizes de Paz, Tenente José Caetano
de Mascarenhas Ferras, Fazendeiros Luciano José das
Neves, Capitão Francisco Alves Fagundes, Capitão
Manoel Joaquim d’Andrade, Major Luis Antônio da
Silva Fidalgo, Victoriano José Leme e outros cidadãos
para poder acabar minha caza com os commodos
necessários para receber meninos morando comigo167
Toda essa influência foi posta em cheque através da denúncia que
apontava para a moral, os bons costumes e até mesmo a competência do professor
para exercer o cargo. Uma outra face do professor Escobar é apontada na fala de
Francisco Leite Machado, que se refere ao professor da seguinte maneira:
cuja conducta nada regula d’esde o principio tiveram
muito tempo supportados porque pelo menos não se
descuidava muito na instrucção intellectual dos meninos
(...) tendo a classe pobre (bem numeroza) n’este
município, o desprazer e sentimento de dó ao ver seus
filhos sem princípios de leitura (...) expondo-os aos mâos
exemplos (...)168
O estopim da confusão em torno da escola/casa dos Escobar, deu-se pelo
fato de ter o professor mantido relações extra-conjugais com uma mulata exescrava. O fato da criança gerada nessa relação freqüentar as aulas deixou
perplexo o denunciante, que solicitou com urgência que o Inspetor Geral
mandasse o Inspetor Paroquial averiguar o caso. O documento apresenta-se rico
em detalhes que revelam o preconceito e a intolerância:
uma filha adultera na casa de sua mulher a qual não
podendo tolerar tal infâmia obrigou a retirar esta
prostituta de sua companhia (...) e seu honesto homem,
digo, marido, continua finalmente a trazer o fruto d’esta
segunda união de nossa espécie à sua casa (...) fazendo
alarde da immoralidade (...) Será pois esta casa onde os
homens honestos mandarão educar suas filhas em
companhia d”esta criança, que para fazer numero de
167
168
Idem.
Correspondência (Denúncia) de Francisco Leite Machado 01/02/1866). APESP.
66
matricula, de nome e mais outro que faz muitos annos
que já não estão na escola, e até algumas já casadas?169
A denúncia segue, respingando inclusive sobre a esposa do professor, já
que a escola feminina era apontada como uma “escola-fantasma”, atendendo
somente às necessidades financeiras do casal, sendo um prejuízo aos cofres
públicos: onde se encontra a sua filha adultera, duas tuteladas de quem chupa os
poucos bens e mais duas creanças de quatro annos, não tem de assistência quatro
meninas, e nem terá no sucessivo anno170.
Embora o caráter do documento tenha tônica moral, outras denúncias com
respeito às atividades extra-escolares do professor171, também estavam contidas
no documento: “serve-se de todos os meios illicitos para conseguir seus fins e se alguns
tem de fortuna tem adquirido estes mesmos provam de enganos e abusos da boa fé de
pessoas idiotas que n’elle confião” 172.
Em resposta à denúncia quanto à sua conduta moral, nada mencionou de
maneira direta, descrevendo que moravam em sua casa, que também era escola:
“minha família: composta de 14 pessoas, minha mãe viúva e bastante idosa, uma irmã
solteira, minha mulher, filha, sobrinhas e afilhadas xx” 173. Interpretou as críticas como
mera perseguição por sua posição financeira e revelou mais um de seus negócios,
hotelaria:
esta minha propriedade está dividida em 3 casas
independentes e só comunicáveis pela rua ou pelos
fundos (...) o que causa inveja de meus inimigos um
pequeno jardim que não receio dizer ser o primeiro bem
plantado que existe dentro da cidade (...) em março de
1866 foi que cedi a casa para estabelecerem-se o Hotel e
desde esse tempo nunca me passou pela lembrança que
isso incommodaria a meus desaffectos174.
169
Idem.
Idem.
171
Observamos que além de comerciante, Escobar era também escrivão do Juizado de Paz do
Município. No início de sua múltipla carreira exonerou-se do cargo de Fiscal da Câmara por ter
sido multado pelo acúmulo ilegal de cargo. Na ocasião alegou ignorância diante dos fatos
justificando-se: “que não havia crime sem intenção de o praticar” (Correspondência à Inspetoria
Geral em 22/05/1855). Num intervalo de pouco mais de dez anos, identificamos o Professor da
Cadeira de Primeiras Letras em quatro atividades diferentes além do magistério, uma dessas
atividades era um hotel que funcionava em sua residência/escola.
172
Idem.
173
Idem.
170
67
Fig. 7: Croqui feito pelo prof. Escobar em resposta às denúncias (1855)
174
Idem.
68
Portanto, da maneira como as informações se encontram nos documentos,
a abertura do hotel era um fato, como dito na denúncia enviada à Inspetoria Geral.
O resultado não poderia ser outro, a remoção forçada do professor,
principalmente, naquele momento em que uma “febre” de escolas particulares
emergiam na cidade. A escola pública não se mostrava nada pública e a imagem
do professor como empreendedor desagradava alguns grupos que faziam eco a
essas críticas, travestidos e apoiados no discurso moralista e religioso.
Prova de que foram fortes os impactos dessas acusações, é que a escola
pública da cidade, tanto a masculina, quanto a feminina sob regência dos Escobar,
somavam juntas no ano das denúncias, o total de 22 crianças. Enquanto que a
escola particular do professor Evangelista funcionava com 21 alunos matriculados
e o já mencionado Professor Borches, ensinava em sua escola, ao lado de sua
esposa professora Etelvina Leite Borches, acolhendo os alunos que se afastaram
da escola pública.175.
Aliviada, quase dois anos após o início da turbulência
a esposa do
Professor Escobar desabafa:
no ano próximo passado não houve exame em minha
escola talvez as intrigas que houveram foram para
retirarem as meninas da escola; este ano pois estando
tudo em paz, minhas alumnas se apresentaram (...)
consta-me que fecharam as escolas particulares, e que
os professores, marido e mulher servem particularmente
em algumas casas176.
Apesar das denúncias que recaíram sobre os regentes da escola pública,
esta não foi fechada. Entre a Inspetoria Geral e a comunidade, havia a Inspetoria
Paroquial, que avalizou o retorno dos Escobar e a manutenção da escola pública.
O Vigário, em sua prestação de contas do ano de 1868, comunicou a inexistência
de escolas particulares, e apresentou o total de 79 alunos matriculados, sendo 52
175
Relatório do Inspetor Jacintho Manoel de Andrade. 08/10/1867.
69
do sexo masculino e 27 do sexo feminino, afirmando que: “as escolas foram
colocadas próximas da Igreja, todos os dias posso frequental-as, para melhorar é
preciso o fornecimento de material aos pobres e mais mobília”
177
.
Gradualmente a questão da alimentação dos alunos começou a ser
discutida. O turno até então era dobrado constando de duas horas e meia pela
manhã e o mesmo no período da tarde. Aliando o problema da distância da casa
das crianças à escola, somada à falta de recursos, observou o professor: “muitos
tomam só o café da manhã vem a aula e só almoçam das duas da tarde em diante!
Alguns deles tem adoecido (...) cahio por falta de alimento no caminho”178 .
No Mapa de Movimento do ano de 1878, percebemos o crescimento das
atividades escolares no município; sendo 216 o total de matriculados, dos quais
148 eram do sexo masculino e 68 do sexo feminino, distribuídos na área central e
na vila de Santa Cruz. Inclusive verificamos a existência da proposta de criação de
aulas noturnas para crianças e adultos.179
Durante o Império não havia uma política sistematizada e planejada para a
educação. A Constituição de 1824 instituiu a criação de Cadeiras de Primeiras
Lettras. Com o Ato adicional de 1834, houve a descentralização do ensino, as
Províncias ficaram responsáveis pelo ensino elementar e secundário e o Poder
Central responsável pelo ensino superior. Enquanto as Províncias tentavam às
suas próprias custas manter as cadeiras de primeiras letras, o ensino secundário
era restrito e a principal referência da época era o Colégio Pedro II. Outras
iniciativas ficaram praticamente a cargo de ordens religiosas nas demais
províncias, como observou Alessandra Schueller: as determinações legais acerca
da educação pública, tomadas no coração do Império, eram progressivamente
seguidas por outras regiões, com algumas variações e especificidades locais180.
Em São José dos Campos, constatamos a existência de um ensino
176
Relatório da Professora Josefina Cathaló d’Escobar. 12/10/1868.
Relatório do Inspetor Padre Jacintho Manoel de Andrade. 01/10/1868
178
Relatório do Professor Francisco Escobar. 01/10/1869.
179
Vide Anexo – Programa da Escola Noturna
180
SCHUELLER, Alessandra F. Martinez. Crianças e escolas na passagem do Império para a
República. In: Revista Brasileira de História. ANPUH SP: Humanistas Publicações, vol 19 n.º 37,
1999.
177
70
elementar, basicamente ler, escrever e contar. Uma prática do período era a
admissão de preceptores para o ensino dos filhos das famílias mais abastadas:
enquanto as classes privilegiadas mandavam seus filhos para Colégios e Liceus a escola
pública e obrigatória era o espaço governamental destinado aos filhos das classes
desfavorecidas. Foi instituída quando os professores foram convertidos em funcionários
do Estado181.
Em São José dos Campos, a indigência econômica daqueles que formavam
a elite da cidade os impedia de arcar com as despesas de preceptores. Por isso,
reivindicavam a escola para si, pois o professor era pago pelo Estado, podia
instalar-se em qualquer lugar.
A escola pública joseense deste período era marcada pela precariedade;
mesmo assim, o número de crianças que passavam por ela foi aumentando.
Aqueles com melhores condições econômicas permaneciam mais tempo na
escola. Mas graças a essas “primeiras letras” novos professores, leigos ou não,
foram surgindo, assim como administradores de negócios, dinamizando a pacata
São José, iniciando as atividades da imprensa, ocupando cargos públicos, enfim,
marcando a transição de uma sociedade - onde pelo menos para os mais ricos ou
aqueles cuja sorte permitia - engrossar o tímido exército dos letrados, da
sociedade recém saída da escravidão. No ano da abolição da escravatura, São José
dos Campos possuía mais de uma dezena de professores espalhados pelos seus
bairros, vilas e distritos.
Na República
Com a Proclamação da República, alguns professores pareciam otimistas
em relação ao futuro do país. O tratamento de “cidadão” começou a ganhar espaço
nos cabeçalhos das correspondências oficiais. O espírito republicano que veio
com o 15 de Novembro se encarregou de fazer das escolas o berço do novo tipo
de povo que se queria para o país.
A abertura de escolas, fechamento e transferência de professores era
181
MENEZES, Maria Cristina. A origem peculiar da Escola Brasileira. DM PUC-SP 1994
71
bastante comum. A falta de professores, de materiais e de infra-estrutura era um
problema grave que assolava praticamente todos os municípios do interior.
Expectativas diante do novo regime político puderam ser observadas:
com o novo regimen republicano esperamos que melhore
a Instrução Pública e sejamos melhor recompensados;
muito apreciamos o decreto que cancelou o ensino
religioso das escolas, foi mais um progresso182
O Governo Federal aprovou a Reforma do Ensino para o Distrito Federal,
denominada Benjamin Constant ou Regulamento da Instrução Primária e
Secundária, deixando livre a particulares a criação desses cursos. Além disso, a
educação primária foi declarada como livre, laica e gratuita. Previu a escola mista
para crianças de até 8anos de idade e a construção de prédios específicos para a
educação.183
O ano de 1892 foi emblemático. A partir da aprovação de uma Reforma de
Ensino no Estado de São Paulo, os professores, mesmo os do interior, inclusive os
leigos, cujas escolas estavam distantes de serem “escolas”, começaram a tomar
contato com o projeto da Reforma e a pressionar as instâncias municipais para
obter melhorias em suas condições de trabalho.
A priori, os impactos da Reforma encheram de esperança e otimismo os
professores e os republicanos convictos como Hummel184 que atribuía o aparente
sucesso do Projeto Educacional ao sepultamento da monarquia:
com prazer vemos que a instrução pública no novo
regimen tem merecido a atenção de nossos legisladores e
com o tempo atingiu o grão de progresso que merece e
182
Relatório do Professor Sebastião Hummel em 25/01/1890 – APESP.
Para que a Reforma fosse colocada em prática, principalmente no que se refere às despesas,
criou-se o Fundo Escolar. Ver: MARCÍLIO, Op. Cit. p.132
184
Oficialmente, pelos registros da Prefeitura Municipal, o primeiro professor da cidade que
ministrava aulas em uma sala adaptada, na área central da cidade, foi o Professor Sebastião
Hummel, titular da primeira cadeira do sexo masculino. Pelo que pudemos encontrar em seus
relatórios, era um republicano que defendia o ensino laico. Seus alunos tinham o ensino religioso
com o vigário aos sábados nas dependências da igreja. Conforme livro de Registro de Concessão
para exercício de funções Médico, Boticário e Professor de 1862 a 187. APMSJC Fundo Secretaria
da Administração Municipal, série documentação diversa, ref 007251, tombo de origem 23.
183
72
que o nosso Estado comporta 185.
Alguns meses mais tarde, o mesmo professor mostrou-se indignado com a
demora dos reflexos da Reforma em sua escola, o que foi explicitado em um
relatório semestral. A “promessa” por dias melhores não aconteceu, como o
fornecimento de materiais que estavam previstos na lei. Além disso, o professor
fazia questão de relatar em seus informes à Diretoria Geral de Instrução Pública
que o prédio da sua escola era alugado às suas próprias custas:
Fig.8 Professor Sebastião Hummel
Fig9. Residência e Escola do Professor Sebastião Hummel
ainda estamos ensinando no antigo regime, isto é, com os
recursos que trazem os próprios alumnos visto que até
hoje ainda não se estendeu por toda à parte os benefícios
da actual Reforma 186.
185
Relatório do Professor Sebastião Hummel de 31/05/1893. APESP
73
Se havia algum descontentamento manifesto ou não por parte dos
professores em relação às condições de trabalho, após a República e a Reforma,
não podemos afirmar. Mas é certo que o relatório do inspetor municipal, de maio
de 1893, relatava seu espanto com uma situação inusitada e registrava:
encontrei dificuldades em fazer funcionar as aulas do
professor Fidêncio Lopes Trigo e sua mulher, não por
falta de pessoa competente, mas por ter aquele professor
bem como sua mulher fechado casa em que se achavam
os móveis escolares, sem que o conselho soubesse onde
passava a tal chave do prédio187
As mudanças propostas pela Reforma foram sendo, à medida do possível
incorporadas pelos professores. Hummel passou a assinar “Professor Público
Intermediário” e o teor de seus relatórios ressaltava a lentidão com que foram
sendo aplicadas as mudanças no âmbito da Educação: “continuamos a esperar o
fornecimento de livros escolares e outras vantagens promettidas pelas leis actuais
que regem a instrução pública” 188.
Graças aos Relatórios de professores conseguimos ter uma percepção de
como foram plurais as experiências escolares no município. Sobre a demanda,
sabemos que, se por um lado tínhamos escolas funcionando com cerca de trinta
alunos, por outro, a escola regida pelo Professor do Bairro da Pernambucana,
tinha matriculado no ano de 1889, apenas sete alunos.189
As rotinas das escolas isoladas puderam ser investigadas por conta dos
registros administrativos. A educação estava sob responsabilidade do Conselho
Municipal de Instrução Pública, que encaminhava os mapas de movimento190 à
Diretoria Geral de Instrução Pública. A este Conselho prestavam conta
186
Relatório do Professor Sebastião Hummel. 21/1/0/1893 APESP.
Relatório de Francisco Raphael de Araújo e Silva. Inspetor Municipal 05/05/1893.
188
Relatório do Professor Sebastião Hummel de 31/05/1894. APESP.
189
Relatório do Professor Lindorf de Araújo Ferraz em Maio de 1889 – APESP.
190
Tais documentos forneciam dados como, por exemplo, número de alunos matriculados, número
de alunos freqüentes, médias de freqüência, grau de adiantamento da sala em geral.
187
74
mensalmente os inspetores municipais, enquanto que os inspetores gerais
esporadicamente compareciam às escolas, praticamente a eles cabia a aplicação
dos exames finais.
Os professores por sua vez, ficavam encarregados de emitir um relatório
semestral que era remetido por intermédio do Conselho Municipal. Os professores
aproveitavam essa oportunidade, na verdade, uma obrigação, prevista pelo
Regulamento de Instrução Pública191, para formalizar suas queixas ao governo do
Estado, já que os inspetores municipais mensalmente passavam pelas escolas e
sabiam da carência delas, mas alegavam a falta de verbas do Fundo Escolar para
suprir as escolas.
A intensificação de queixas sobre as condições de trabalho aconteceu após
o ano de 1892, quando aconteceu a Reforma do Ensino no Estado de São Paulo e,
aos poucos, os professores foram tomando contato com os planos do governo para
a Educação e angustiados percebiam que no interior o ritmo dessa Reforma era
demasiadamente lento. Mesmo antes disso, encontramos algumas reivindicações
de professores, como Glicério e Luiza Marcelina “continuamos a almejar a
superar uma nova reforma que melhore nossos vencimentos, nos dê moveis e caza
para aula, visto que o Fundo Escolar não satisfazem essas necessidades”192, as
dificuldades e embaraços que se apresentam ao professor, mormente no interior
onde os meios de que dispõe são escassos e às vezes mesmo defficientes193
Uma crítica do Professor Sebastião Hummel, solicita que a causa do
magistério seja melhor avaliada, já que a preocupação agrícola e industrial
constituem prioridades dos legisladores “com pesar vemos que se está dando no
magistério uma desertação, vindo os professores aplicarem sua actividade em
outras funções mais remunerativas, devido a isso a sermos mal recompensados”194
Alterações na rotina escolar eram registradas sempre que alguma acusação
191
Regulamento de Instrução Pública de 22/08/1887
Relatório do Professor Glicério Rodrigues de 01/11/1890 – Escola do Pararangaba – APESP. O
interesse dos professores do interior em alcançar os benefícios da Reforma também foram
observados no pedido de cópias do Regulamento da Escola Normal da Capital. Encontramos o
pedidos de dois professores ao Conselho Municipal, na época presidido por Francisco dos Anjos
Gaia e secretariado por Synnésio Marcondes Resende.
193
Relatório da Professora Luiza Marcelina – 01/06/1893 APESP
192
75
recaía sobre os professores e comissões eram encarregadas de apurar os casos e
solucioná-los. A exemplo disso, verificamos que, em 1890, um processo de
infração foi movido contra a Professora Maria Custódia, por não estar em dia com
seus relatórios e livros de matrícula. O Conselho Municipal convocou uma
comissão para verificar a escola da segunda cadeira do sexo feminino e a
encontraram em estado de abandono. Todavia se havia necessidade de uma visita
mensal dos inspetores municipais, isso demonstra que ou o número de inspetores
era insuficiente ou que as visitas aconteciam num intervalo maior de tempo,
ficando os relatórios semestrais como únicos testemunhos das condições em que
se encontravam as escolas. A comissão encarregada surpreendeu-se ao encontrar a
professora quase cega (por isso não preenchia mais a escrituração de sua escola
desde meados do ano anterior) e em estado de não poder continuar no exercício de
suas funções. A providência tomada pela comissão foi a de indicar uma professora
como substituta.195
No período entre a Proclamação da República e a elaboração da Reforma
Educacional, os Conselhos Municipais foram palcos de disputas políticas.
Denúncias solicitando o desligamento de membros ou pedidos de exoneração
foram encontrados:
deve ser exercido por pessoa preparada suficientemente e
que tenha além de interesse em bem desenvolver a
instrução pública pensando igualmente que esse serviço
público não é conveniente fazer-se política, conservandose como presidente um homem completamente distituído
de dotes intelectuais, proponho, abem da instrução
pública deste município; que seja dispensado o atual
presidente Felisbino Pinto da Cunha, que pode ser
substituído pelo Doutor Flávio Augusto de Oliveira
Queiroz. Espero de vossa senhoria solicitude e muito
interesse pela instrução popular que esta proposta será
tomada na devida consideração de modo que a
substituição seja feita com a máxima brevidade 196
194
Relatório do Professor Sebastião Hummel 05/11/1890 – APESP.
Essa visita ocorreu em março de 1890, e a indicada como substituta era a normalista Adelaide
de Azevedo. Relatório do Conselho Municipal de Instrução Pública. Arquivo Público do Estado
de São Paulo. 15/04/1890 – Arquivo Público do Estado de São Paulo.
196
Ofício encaminhado pelo Presidente da Câmara Municipal de são José dos Campos, Sr
Francisco Alves Fagundes em 01/07/1889. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
195
76
não mais convindo-me exercer o cargo de Presidente do
Conselho Municipal de Instrução Pública desta Cidade,
Estado de São Paulo, peço-vos exonerar-me do referido
cargo para o qual fui nomeado por acta do Governo
Provincial197
A Professora Maria Custodia, por exemplo, regia a segunda cadeira do
sexo feminino e no final de 1889, afirmava que suas alunas encontravam-se em
ótimo grau de adiantamento, não necessitando de utensílios para a sua escola. É
notável que a homogeneização desses dados não levava em conta as dificuldades
dos alunos individualmente, criavam sempre uma impressão de que a escola ia
bem. O relatório que era escrito pelos professores e inspetores levava mais em
conta a questão do número de alunos que freqüentava a escola do que a qualidade
do ensino em si.
Os relatórios desses professores continham o número de alunos
matriculados, os eliminados ao longo do mês, além das faltas e a média de
freqüência, sendo raros os dados sobre o aproveitamento dos alunos.
A professora responsável pela primeira cadeira do sexo feminino, Januária
Basilides de Andrade concluiu um de seus relatórios da seguinte maneira: “tanto
quanto em minhas débeis forças me esforço o possível para cumprir o meu dever”
198
.
Na documentação as faltas dos alunos raramente são justificadas, quando
isso acontecia, geralmente elas eram motivadas por epidemias que inviabilizavam
as aulas. Como se verificou em 1889, durante uma epidemia de sarampo em São
José dos Campos. Segundo Souza “a escola espaço de encontro coletivo, vivia
ameaçada, sendo comum o fechamento por algumas semanas, e às vezes, meses,
em virtude do aparecimento de algum tipo de doença entre os alunos ou nas
proximidades da mesma” 199.
A carência material, também foi apontada como motivo da baixa
freqüência às aulas, considerada entre os docentes como reflexo cultural dos pais
197
Correspondência de Felisbino Pinto da Cunha – Manuscritos TR Instrução Pública Ofícios do
Governo Inspetor Geral Anos 1890-93 – Caixa 8 Ordem 4991 – Arquivo Público do Estado de São
Paulo.
198
Relatório de Maio de 1889 enviado por Januária Brasilides – 1.
199
SOUZA, Rosa Fátima. P. 97
77
dos alunos:
durante esse semestre tem sido a freqüência mui pequena
devido à falta de amor a instrucção por parte dos Paes
que sem a obrigatoriedade jamais mandarão suas filhas a
escola” (...)“lutando sempre com muita dificuldade nos
bairros onde ainda não compreenhem as vantagens da
instrucção 200.
A distância que as crianças percorriam até as escolas contribuía também
para a baixa freqüência A freqüência na escola feminina era mais baixa201 ainda,
pois não contava com o apoio de fazendeiros que cediam instalações e mobília
“na falta da caza, móveis e assiduidade das alumnas, na freqüência, porque
infelizmente nem todos conhecemos as vantagens da instrução, razão porque os
progressos que alcançamos no ensino são tão poucos”
202
. Não bastassem todas
essas dificuldades, a carência de materiais básicos ao ensino eram relatadas:
tenho falta absoluta de utensílios para a escola como
sejam lençol e o mais que é necessário, pois que sendo
em um bairro não se encontra o que muitos o que
necessita uma escola espera que os objetos de que
necessito sejam providos203.
Na virada do século XIX para o XX, um discurso sobre a higiene já
preconizava a necessidade da separação entre o espaço público da escola e o
espaço privado da residência do professor. As instalações das escolas até então
eram variáveis, elas ainda não tinham uma idade arquitetônica. O professor
Glicério Rodrigues, da escola masculina do Bairro de Pararangaba registrou em
seu relatório:
exerço
as
funcções
do
cargo
público
em
sala
200
Relatório da Professora Hermínia Silva Mesquita, da Escola de Santa Cruz em 01/06/1894.
APESP.
201
O Bairro do Capivary possuía duas escolas, a masculina regida pelo Professor Bento e a
feminina regida pela Professora Anna Joaquina, cujas realidades eram distintas segundo seus
relatórios.
202
Relatório da Professora Anna Joaquina Silveira 31/05/1891 - Escola Feminina do Capivary .
Arquivo Público do Estado de São Paulo.
203
Relatório anexo ao mapa semestral das escolas públicas me maio de 1889 – Arquivo Público do
Estado de são Paulo.
78
relativamente insufficiente, sem condições de satisfazer
qualquer exigência hygienica; isso por que ella – a sala –
custa a soma de uma parte de meus recursos particulares,
demasiado pequeno para poderem melhorar a sorte de
discípulos” 204.
Esse não era um problema isolado:
a escola sob minha direção ressente-se da falta intolerável
duma mobília hygiênica, pois que a que possuo consiste
em: 10 carteiras, em forma das norte-americanas. A sala
que constitui parte integrante da casa em que resido não
prima pelas condições hygiênicas como seja a falta de
luz. Pela falta sensível de livros próprios e ao alcance das
intelligencias infantis, além de que não existe, por
enquanto um ponto de apoio para o desenvolvimento do
actual programa das escolas preliminares como ainda
pelos milhares de obstáculos que tenho encontrado no
desenvolvimento do referido programma, impossível é
actualmente uniformizar o ensino em classe205
As queixas acima da professora Adelaide Trigo, são parecidas com a do
marido, também professor, Fidêncio Lopes Trigo quando afirma que:
“dificilmente se accomodam na sala (...) alguns outros objectos forão adquiridos
às minhas despesas”.206
Dúvidas sobre a aquisição de materiais didáticos era comum entre os
professores, pois os livros para fins didáticos avaliados pelo Conselho Superior
passavam pelo crivo de seus membros e mesmo esse material nem sempre
chegava às escolas.
tendo em vista a necessidade de existir uniformidade na
adopção desse utensil de ensino a fim de que torne-se
mais fácil a sua obtenção; enfim; consideramos que, entre
as variedades de methodos e compendios existentes no
mercado. Nenhum há obtido ate hoje preferência absoluta
dos meus colegas, venho respeitosamente consultar-vos
sobre essa duvida que occorre me no exercício de minha
profissão para o fim de saber se existe alguma resolução
desse conselho a tal respeito e quando exista, quaes os
livros preferidos ou se é facultativa aos professores a
204
Relatório do Professor Glicério Rodrigues, da Escola masculina de Pararangaba em Junho de
1890 – APESP.
205
Relatório da Professora Adelaide de Azevedo Trigo. 01/11/1893 APESP.
206
Relatório do Professor Fidêncio Lopes Trigo 01/11/1893. APESP.
79
adopção dos mesmos 207.
A falta de consenso entre os professores sobre a preferência por
determinado título esbarrava também na dificuldade de lidar com diferentes níveis
de ensino ao mesmo tempo, Exigia-se que o professor fosse polivalente em meio a
tantas condições adversas.
A Professora Adélia de Castro, da escola do Bairro de Santa Cruz, em seu
relatório semestral, deixou claro a heterogeneidade de sua turma, mencionando
inclusive alguns dos materiais didáticos208 aos quais tinha acesso. Um grupo
principiante fazia uso no ano de 1891 das “Cartilhas Maternais” e ensaiava os
primeiros passos na escrita. Outro grupo começava a leitura corrente e fazia
exercícios da “Cartilha Galhardo” e algumas lições de aritmética. Esta escola
estava distante de cumprir as exigências legais constantes no Regimento Interno
das Escolas Públicas e da grade curricular da época, o que seria justificado pela
professora devido “a falta de preparo intelectual dos alumnos senão também pelo
pequeno lapso de tempo em que acho-me no exercício desta cadeira”209.
207
Correspondência do Professor Fidêncio Lopes Trigo enviada ao Conselho Superior em
03/08/1893. APESP.
208
Esse material também foi encontrado em alguns inventários de material escolar das escolas
rurais de São José dos Campos. Nos chamou atenção o fato de um dos autores do material fazer
parte da Diretoria Geral de Ensino do Estado, evidenciando que a aquisição de material didático
pelas escolas públicas estava permeada por negócios particulares.
209
Relatório da Professora Adélia de Castro de 01/06/1891. APESP.
80
Fig.10 e 11 Materiais didáticos localizados no Acervo da Escola Normal Caetano de
Campos (mencionados nos inventários das Escolas de São José dos Campos)
A obrigatoriedade do ensino era considerada pelos professores uma
necessidade, como José Alexandre de Souza Vieira, responsável pela cadeira
masculina do Bairro Cabeça de Boi, afirmava em seu relatório:
se o governo desvelado como tem sido em derramar a
instrucção sobre o povo não desvelar o ensino forçado
nunca poderemos ser uma nação adiantada. É meo
ardente desejo e tenho esperança de ver decretada essa
resolução 210
O professor Sebastião Hummel, no início tão otimista com a causa
republicana, com sua escola localizada na zona central, deixava evidente, as
condições da educação no município, denunciando o escasso repasse de verbas,
sugerindo a mobilização dos professores:
os móveis que possuo forão me dados há mais de 20
annos e estão todos emprestáveis. O Fundo Escolar tem
aqui pouco produzido e por isso não tem se prestado para
o fim que foi instituído os indivíduos colletados na maior
parte tem deixado de pagar, visto que o governo tem
210
Relatório do Professor José Alexandre de Souza Vieira 01/06/1891 Escola Masculina do
Cabeça de Boi Arquivo Público do Estado de São Paulo.
81
sempre transferido o ultimo prazo do pagamento e a
aplicação das multas pelo que os constribuintes tem
abusado. Os Conselhos depois que suprimirão os
secretários têm se tornado nulos nas suas funções. É
necessário que tragão secretários com alguma retribuição
e isso pode ser feito por professor alternadamente sem
prejuízo do magistério211
O trânsito de professores no interior era constante. As escolas ficavam
vagas por falta de professores na região e a Comissão Municipal enviava inúmeras
correspondências, reforçando a emergência do provimento de cargos, cuja demora
levava ao desaparecimento daquela escola.
Achando-se há tempos as escolas de instrução primária
para o sexo mascolino dos Bairros das Pernambucanas e
Santa Bárbara do Rio do Peixe, neste município, por não
terem apparecido concorrentes a ellas nos diversos
concursos a que tem sido submetidos, sendo de urgente
necessidade o provimento das mesmas cadeiras 212.
O professor da segunda cadeira do sexo masculino, também teve de se
afastar do cargo para tratamento médico na capital e passou a ser substituído.
Essas substituições não aconteciam instantaneamente. Mesmo mediante a
indicação e disposição de outro professor, havia a necessidade do consentimento
da Diretoria Geral de Instrução Pública que estava subordinada ao Secretário de
Negócios do Interior. Esse trâmite levava um certo tempo e as aulas nesse período
ficavam suspensas, por isso era comum o número de alunos ser reduzido, quando
um novo professor aparecia no bairro, pois a escola se dispersava.213
O professor da terceira cadeira do sexo masculino, que assumiu a escola
no mês de setembro, revelou que não conseguiu obter mais alunos e que a
indisciplina deles estava associada à disposição física em que a escola se
encontrava. Portanto, uma única mesa, com muitas crianças sentadas ao redor, não
211
Relatório do Professor Sebastião Hummel 31/05/1891 Arquivo Público do Estado de São
Paulo.
212
Correspondência de Antônio Clemente de Moares – Membro do Conselho Municipal de
Instrução Pública em 25/12/1893. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
213
O Professor indicado para ficar no lugar de José Francisco Marcondes foi Antônio Justino
França.
82
permitia o bom desenvolvimento de suas atividades:
esta cadeira poucos móveis consta e duas mesmo sendo
feitos, ainda por um systema muito antigo e
conseqüentemente sem preceitos nenhum de hygiene que
se pode observar numa escola. Estes defeitos trazem além
de conseqüências mais graves, a má disciplina escolar214
As diferenças de idade entre os alunos de uma mesma sala, somadas à
carência de materiais também configuraram motivos de queixas de professores:
em geral todos tem aproveitado as lições conforme se vê
pela classificação que vae no mappa. Alguns que devido
ao pouco tempo que tem de aula e a pouca idade, ainda
não abrangeram todo o programma de maneira a não
poder faze-los figurar em todos os alumnos. Quanto ao
que diz respeito a mobília, esta escola ainda continua a
ser provida de moveis mui antigos de modo a não
preencher o preceito pedagógico215
Segundo os preceitos pedagógicos, não só o aparato metodológico, mas
também as condições de instalação da escola deveriam ser observadas pela
municipalidade, no entanto, quase todas as escolas isoladas estavam literalmente
isoladas. Nas palavras da Professora Hermínia, “funcionam as aulas em uma sala
particular por não ter a municipalidade edifício próprio para escolas” 216. Ou como
afirmou em relatório a professora Anna Joaquina: “(...) até hoje ainda não estou
provida dos móveis necessários tendo apenas promessa do Conselho”
217
. No
bairro de Santa Bárbara, distrito de São Francisco Xavier, a Professora Francisca
Eugênia também registrava a carência dos alunos de sua escola: “tenho sido
obrigada a fazer o sacrifício incompatível com minhas forças de fornecer as
alunas pobres e a escola objectos necessários para esse ramo de serviço público”.
218
.
214
Relatório do Professor Fidêncio Lopes Trigo de maio de 1889 – APESP.
Relatório do Professor Fidêncio Lopes Trigo de 01/11/1890 – APESP.
216
Relatório da Professora Hermínia Silva de Mesquita 06/07/1892 . APESP.
217
Relatório da Professora Anna Joaquina Silveira – Escola do Capivary e, 31/10/1890 – APESP.
218
Relatório da Professora Francisca Eugênia da Escola Feminina do bairro de Santa Bárbara,
215
83
Ao assumir a cadeira, o Professor Lindorf de Araújo, de acordo com o
inventário do material escolar, encontrou, em sua escola, uma mesa com duas
gavetas e dois bancos, seis bancos grandes e um regulamento interno. Sobre seus
alunos, foi possível perceber a heterogeneidade, constando 16 alunos da primeira
série, 11 da segunda e 6 da terceira.219 O mesmo aconteceu na terceira cadeira do
sexo feminino, quando a professora Maria Thereza Marcondes obteve licença para
matricular-se na Escola Normal da Capital e sua substituta, assumiu a escola
contendo: uma mesa para a escrita, uma para o uso da professora, uma cadeira de
braços, um banco comprido e dez bancos americanos em bom estado de uso 220 .
A maioria dos relatórios dos professores constava de solicitações de
materiais didáticos. Em apenas um o professor relata o recebimento de material
enviado pelo Conselho Municipal. Nos protocolos de envio de material didático,
não localizamos remessas para o município de São José dos Campos, no período
entre 1890-1910. Temos o registro de recebimento de material pela escola regida
pela Professora Luiza Marcelina, que recebeu, no ano de 1892, seis Cartilhas
Nacional, um exemplar do segundo livro de leitura, três exemplares do terceiro
livro de leitura, seis manuscritos, seis livros da Pátria e dever, seis gramáticas da
infância, seis aritméticas, além de seis lousas e duas resmas de papel.221
A criação de escolas fazia parte de um critério bastante subjetivo.
Acompanhamos um caso em 1890, em que um abaixo assinado foi encaminhado
ao Conselho Municipal solicitando a abertura de uma “cadeira” destinada ao sexo
feminino no bairro do Humaytá. Pelo abaixo assinado222, constava um total de 23
meninas e de 26 meninos interessados em estudar. A avaliação do Conselho
Municipal foi a seguinte: de acordo com o artigo 49 §2.º do actual Regulamento
da Instrução Pública” entende que essa cadeira melhor serve os interesses sendo
mixta e não de um só sexo, por isso, respeitosamente propõe-se a creação nesse
distrito de São Francisco Xavier. 01/11/1891. APESP.
219
Relatório do Professor Lindorf de Araújo em 0/06/1890 – APESP.
220
A Professora Maria Thereza Marcondes é substituída por Luiza Marcellina de Faria, que faz o
inventário da Escola em 01/08/1891 fornecendo essas informações quanto à mobília escolar.
221
Relatório da Professora Luiza Marcelina de 01/06/1892 . Arquivo Público do Estado de São
Paulo.
222
Os responsáveis por esse abaixo assinado foram Casemiro Rodrigues Bastos e Benedicto de
84
sentido223.
No entanto a resposta da instância superior, a Diretoria Geral, foi
negativa, alegando que o referido bairro estava compreendido no perímetro desta
cidade, a cerca de um quilômetro de onde já funcionava uma escola pública.
Um caso diferente foi o da escola masculina do Capivary que tinha como
patrono o fazendeiro Francisco Nogueira Cardoso. O professor Bento Vieira de
Souza, ao assumir essa cadeira, informava em relatório que a infra-estrutura era
fornecida por moradores locais. Provavelmente movidos pela comodidade de
oferecer estudo aos seus filhos, providenciando o local para as aulas. Ao mesmo
tempo, houve por parte do professor o cuidado de ressalvar que o Conselho
Municipal também teria feito a sua parte, oferecendo a ajuda que fosse necessária.
Contudo, o teor dos relatórios dos professores, insistia na falta de apoio por parte
do governo, denunciando que este ficava apenas como promessa. Encontramos
mais detalhes sobre a mesma escola, em que a amizade do professor e de um
fazendeiro local fica evidente:
encontrão quantro bancos fixos, uma meza também fixa
em que os alumnos escrevem, uma outra que me serve
para os serviços escolares e uma cadeira. Todos esses
objetos forão fornecidos por mim e a casa pelo meu
amigo Sr Francisco Nogueira Cardoso, porém foram
estes fornecimentos feitos de minha espontânea vontade,
porque o digno Conselho de São José dos campos
offereceu-me tudo o que fosse necessário para a escola224
estou provisoriamente dando aula em uma das salas da
fazenda de meu amigo o Sr Francisco Nogueira Cardoso
que ofereceu-me gratuitamente pelo espaço de tempo que
eu quiser me utilizar della, entretanto pretendo construir
uma casinha para nella funcionar minha aula. (...) As
condições hygienicas não são más, porque a sala é
bastante espaçada e situada em um local sem humidade
alguma; existe constante renovação de ar fresco podendo
Souza Mesquita em 07/11/1890.
223
Conselho Municipal de Instrução Pública em correspondência de 13/11/1890 – Arquivo
Público do Estado de São Paulo.
224
Relatório do Professor Bento Vieira de Moura – Escola Masculina do Capivary em 10/11/1891
Arquivo Público do Estado de São Paulo.
85
ser respirado por bastante alumnos 225.
Em meados de 1890, São José contava com as seguintes escolas públicas
em funcionamento:
Professor
Sebastião Hummel
Januária Brazilides de Andrade
Antônio Justino de França (substituto
de José Francisco Marcondes
Domingues)
Adelaide de Azevedo (substituindo a
Prof.ª Maria Custódia da Rocha)
Fidêncio Lopes Trigo
Maria Thereza de Jesus (substituída
por Luiza Marcellina de Faria)
Lindorf de Araújo
Antônia Ferreira de Castro
José Alexandre Vieira de Souza
Brasílio Ramos de Toledo e Silva
Anna Joaquina da Silveira
Glicério Rodrigues
Escola
1.ª cadeira do sexo masculino
1.ª cadeira do sexo feminino
2.ª cadeira do sexo masculino
Bairro
Região Central
Região Central
Região Central
2.ª cadeira do sexo feminino
Região Central
3.ª cadeira do sexo masculino
3.ª cadeira do sexo feminino
Região Central
Região Central
Escola Masculina
Escola Feminina
Escola Masculina
Escola Masculina
Escola Feminina
Escola masculina
Santa Cruz
Santa Cruz
Cabeça de Boi
Bom Jesus do Buquira
Capivary
Pararangaba
Professores particulares também eram autorizados a criar escolas pela
Comissão Municipal de Instrução Pública. Em 1889, foi autorizada a abertura de
uma escola particular do sexo feminino regida pela filha de um fazendeiro local.
Numa carta dirigida ao Conselho Municipal, a professora apresentava o horário de
funcionamento das aulas e o regulamento interno das escolas públicas, que seria
seguido dentro de suas possibilidades. O programa do curso era: “leitura,
calligraphia, principios elementares de arthimetica, systema métrico de pesos e
medidas, licções essenciais de grammática portuguesa, doutrina da religião do
Estado e princípios da moral christã” 226. Outras escolas particulares funcionavam,
como a do Professor Antônio Câmara Godoy, que era destinada ao sexo
masculino. Desta inclusive consta o endereço, Rua da Quintanda, n.º 05 227.
A sugestão de abertura de uma escola noturna na cidade, chegou ao
Diretor Geral de Instrução Pública, acompanhada da recomendação de um
professor para o provimento do cargo, deixando reticente o processo de
225
Relatório do Professor Bento em 06/08/1891 Escola Masculina do Capivary em 10/11/1891
APESP.
226
Relatório da Professora Anna Eufrásia Mascarenhas remetido em 07/02/1889. APESP.
227
Autorização do Presidente do Conselho Municipal de Instrução Pública Felisbino Pinto da
Cunha em 01/10/1889.
86
contratação desses profissionais. Bastante interessante é a justificativa utilizada
pelo inspetor, que redigiu o documento, demonstrando certo desconforto em
relação ao comportamento das crianças da localidade. No entanto esse pedido ao
que parece não foi atendido, sendo negada a abertura desta escola.
creanças há que occupadas durante o dia poderiam
dedicar horas da noite a aprendizagem das coisas
necessárias ã vida de um cidadão. (...) apresento-vos essa
idéia e ao mesmo tempo o nome do professor normalista
José Antônio de Paula Santos. 228
A ocupação de cargos entre membros de uma mesma família era bastante
comum. Assim como o primeiro casal de professores, ainda no período do
Império229, algumas escolas funcionavam de manhã para meninas e à tarde para
meninos, sendo os professores casados; ou irmãos, como o caso dos irmãos Bento
Vieira de Souza e José Alexandre de Souza. No Conselho Municipal a indicação
de nomes preservava graus de parentesco, como por exemplo, com a exoneração
do Sr Francisco José das Neves, do Conselho Municipal de Instrução Pública foi
incluído o Sr Inácio Marcondes Resende, irmão do secretário do mesmo
Conselho.230
Após a Reforma do Ensino e a criação dos Grupos Escolares e Escolas
Reunidas, novas atribuições recaíram sobre os professores, pois, acima deles
passou a existir um chefe imediato, o diretor; enquanto que nas escolas isoladas os
professores ainda gozavam de certa autonomia, pois sozinhos respondiam por
tudo o que dissesse respeito à escola e aos seus alunos.
Manter a disciplina na classe que reger, segundo o
sistema indicado pelo diretor; receber a classe no pátio e
conduzi-la à sala na forma que pelo diretor for
determinada; impor aos alunos a pena que lhe
competirem; concretizar o ensino adotando os processos
228
Correspondência de Francisco Moraes de Araújo e Silva, enviada à Diretoria Geral de Instrução
Pública em 15/08/1893. APESP
229
Francisco Ribeiro d´Escobar e Josephina Cathaló d´Escobar.
230
Correspondência remetida à Diretoria Geral de Instrução Pública em 18/06/1889 pelo Major
Francisco dos Anjos Gaia.
87
intuitivos e evitando quanto possível, o modo individual e
a aprendizagem puramente de memória; comparacer às
festas escolares determinadas pelo diretor; utilizar os
livros didáticos que forem determinados pelo diretor. 231
Da escola idealizada à escola legal e à escola real, existiram variações que
o corpo documental nos mostrou, oferecendo um caleidoscópio cuja temática
central girou em torno das maneiras de fazer e de pensar a escola.
A regulamentação exigida para as escolas estaduais, criou inúmeros
impasses administrativos que foram resolvidos através de adaptações do
regulamento, quanto ao tipo de prédio, ao programa a ser ensinado e ao tipo de
profissional, já que professores leigos não tinham condições de ministrar todo o
programa previsto no regulamento, nem tampouco possuíam materiais didáticos.
Entre os membros do Conselho Municipal de Instrução Pública, não havia
consenso na solução de alguns casos, como por exemplo, na acusação de que o
professor Fidêncio Lopes Trigo, teria expulsado alunos de sua escola sem
justificativas. Ao secretário do Conselho coube formalizar tal acusação, que foi
considerada pelos demais como infundada ou mera perseguição ao professor.
Esses casos, quando não resolvidos em instância municipal, eram encaminhados à
Diretoria Geral de Instrução Pública, que nem sempre via gravidade nas denúncias
e sim caprichos pessoais:
a referida accuzação e completamente inexacta segundo
as indagações a que procede ao secretario deste conselho
com referencia a outros pontos da accuzação este
conselho deixa de informar não só por sua futilidade,
como também por ver nessa mesma accuzação uma
perseguição ao dito professor
accuzação completamente infundada, por isso que
nenhuma expulsão houve na escola do referido professor
que zeloso como é perfeitamente cumprindo com seus
deveres.
Mas independentemente disso, essa medida teria de passar pelo crivo do
Conselho Municipal, a fala do professor mostra-se ao menos curiosa ao afirmar
231
Decreto n.º 1253, de 28/11/1904.
88
que os alunos foram retirados de sua escola pelos próprios pais, já que “não
aceitavam preceitos de civilidade” 232. O que entendiam por civilidade e se os pais
foram coagidos a retirar seus filhos fica em aberto.
Observamos que o Conselho Municipal foi presidido por cinco pessoas
diferentes num intervalo de quatro anos. A questão só foi resolvida quando a
Reforma de 1892 extinguiu os Conselhos Municipais e passou as suas atribuições
aos Inspetores Literários233. O próprio Inspetor não parecia estar certo sobre as
suas atribuições legais e enviava correspondências contendo inúmeras dúvidas.
Como por exemplo:
Professor intermédio cuja cadeira digo escola contar
freqüência de alumnos superior a 30 tem direito a
adjunto? No caso afirmatico o adjunto tem de ensinar
todas as matérias a que são obrigados o professor
preliminar? Independente de pedido do professor, pode o
inspetor reconhecendo a conveniência pedir a contratação
do adjunto? Não tendo o Inspetor Competência para
atestar o exercício do professor como corrigir abusos de
atuação falsa e negação de atestado por parte de
intendentes municipais quando taes casos se derem? Pode
um professor sob qualquer pretexto deixar de aceitar
alumnos em sua escola? 234
Uma rede pública começava a se formar e a uniformização de métodos foi
sendo adotada. O sucesso da Reforma pode se dizer ficou restrito à capital, a
ponto de suas idéias servirem de modelo para as outras unidades da federação.
Entretanto o interior paulista não apresentava os mesmo resultados. Apesar de
tudo, a escola como lugar configurou-se e passou a exercer o importante papel de
imprimir as marcas da República no comportamento dos alunos, de seus
familiares, implementando práticas que Rosa Fátima de Souza intitulou de
“liturgia republicana”.
Os professores, por sua vez, ficaram perdidos sobre como prestar contas de
suas atividades administrativas. A Professora Adelaide de Azevedo Trigo, da 2.ª
232
Professor Fidêncio Lopes Trigo, acusado pelo secretário Manoel Portes de Araújo. Novembro
de 1890. Correspondência Arquivo Público do Estado de São Paulo.
233
O Inspetor Literário de São José dos Campos, respondia também por outros municípios e a sua
seção era formada por Taubaté, Caçapava, São José e Jacareí.
234
Correspondência do Inspetor Literário Olympio Catão à Diretoria Geral de Instrução Pública e,
89
cadeira do sexo feminino para fazer cumprir suas obrigações de envio de
relatórios semestrais, na ausência do Inspetor remeteu o relatório diretamente à
Diretoria Geral de Instrução Pública: “por que não há Inspetor Literário para o
districto e não sabendo neste caso a quem entregal-os resolvi endereçar-vos
directamente” 235.
O desencontro diante de tantas novidades parece ter provocado diferentes
reações. Se, por um lado, alguns professores enviaram o relatório sem que
passasse pelas mãos de um inspetor, outros professores atrasaram o envio e
receberam críticas dos membros do Conselho, como no presente trecho:
em cumprimento da circular que me fora dirigida,
remetto-vos nesta data os mappas dos professores
correspondentes a este mês. Certo é que nem todos vão,
devido ao desleixo dos professores na remessa de mapa a
este Concelho236
Com certeza, todas essas questões fizeram parte do cotidiano do inspetor
que não sabia ao certo até onde ia a sua autonomia e mesmo sentindo a
necessidade de intervir, ao menos para contratar mais professores, diante de uma
numerosa sala, ficava de mãos atadas. As respostas às suas dúvidas não foram
localizadas nos maços de correspondências. Apenas uma das questões enumeradas
pelo Inspetor Catão foi respondida: “somente a escola preliminar com
Normalista” poderia contar com professor adjunto, ou seja, professores leigos ou
com outras formações deveriam prosseguir suas atividades conforme pudessem.
Sobre suas visitas às escolas, as correspondências do Inspetor Olímpio
Catão teciam uma série de elogios ficando nas formalidades. As queixas dos
professores não eram levadas a seus superiores imediatos:
indicação que faço de um voto de louvor à referida
professora pelas boas provas exibidas, principalmente nos
exames de suas alumnas, sendo certo que a mesma
professora de reconhecida dedicação e intelligencia e
moralidade, cumpriu de notar que é um dos nomes que
24/10/1894. APESP/
235
Relatório da Professora Adelaide Trigo 01/11/1893. APESP
236
Relatório do Presidente do Conselho Municipal 08/02/1893. APESP.
90
observa todo o programma do ensino preliminar em sua
escola237.
Até que o Primeiro Grupo Escolar começasse a funcionar de maneira
efetiva, em 1910, e a freqüência à escola passasse ser obrigatória de fato, foram
pelo menos trinta anos, durante os quais uma parcela ínfima da população
freqüentou as escolas. As escolas anteriores ao Grupo Escolar geralmente não
diplomavam, pois não era uma exigência legal. Com as Reformas Educacionais
republicanas surgiram modalidades de escolas e níveis de ensino que se
consolidaram ao longo do tempo.
Capítulo III
Escola:
Espaço de caridade e poder.
Meu pai era um gigante caçador, de léguas
um feroz domador de onças pretas,
terror do mato, assombração das borboletas...
Hoje sou gente grande
Sou comissário de café. Tenho viadutos
encantados
minha cidade é esse tumulto colorido que aí
passa
levando as fábricas pelas rédeas pretas de
fumaça!
(Cassiano Ricardo. Martim Cererê, 1928)
237
Relatório do Inspetor Literário Olympio Catão, referindo-se à Professora Adelaide de Azevedo
Trigo em 19/12/1894. APESP.
91
A participação da federação paulista no início da República foi comparada
pelo brasilianista Joseph Love a uma locomotiva a puxar os demais vagões,
dinamizando as cidades, dando o tom das mudanças que pretendiam o progresso,
entregando aos engenheiros e médicos a transformação da estrutura física dos
centros urbanos238 e à educação o caráter reformador da sociedade. No âmbito da
educação, o paradigma construído foi o do Grupo Escolar.
As escolas atravessaram o final do Império obedecendo a uma estrutura
bastante simples, sendo dirigidas por um único professor, geralmente destinadas a
um único sexo e misturando-se com o cenário da residência do professor ou ainda
com a extensão da fazenda. Esse formato de escola passa a ser abandonado,
principalmente dentro da área urbana, no momento em que são criados os Grupos
Escolares, que na prática, significava a reunião de quatro a dez escolas num único
prédio. Eles eram criados a partir da concepção da obrigatoriedade do ensino e
essa é a origem da sistematização e burocratização da educação, pois a partir deles
diretores, serventes, porteiros, merendeiros e a reunião de alunos por séries
passam a ser o modelo de escola. Crescia aos olhos, em meio à paisagem urbana
um prédio destinado exclusivamente à educação e este passa a ser objeto de
desejo de políticos, pais e alunos.
Com modelo de escola idealizado pelos republicanos, percebemos que, na
cidade de São José dos Campos, grupos sociais se reuniram desejando a
implantação de um Grupo Escolar. Nossas fontes foram capazes de revelar uma
teia de relações de poder. A distribuição de cargos nesta fase em que se
profissionalizava o magistério, trazia a coexistência de pessoas de diferentes
formações239. Por outro lado, sendo o Grupo Escolar gerido pelo município, os
conflitos sociais e os interesses de alguns grupos nele refletiam. O tripé educação,
política e poder será dissecado a fim de compreender em que medida a escola e a
educação se apresentavam para alguns segmentos como direito e para outros
238
Sobre o Código Sanitário de 1894, Decreto 233 02/03/1894, preocupação em conter
insalubridades e Código Sanitário de 1911, em função das novas necessidades a partir do aumento
da densidade demográfica. ROCHA, Op. Cit. p. 36 e 38.
239
Professores leigos, professores normalistas e professores formados em escolas complementares,
sendo esses últimos os que predominavam pela escassez da oferta de vagas em Escolas Normais.
92
como privilégio ou ainda como favor e benevolência. Como Rosa Fátima analisa:
Motivações políticas podem ser apontadas como
justificativas para a criação dos grupos escolares em
determinadas localidades. Evidentemente, a legislação
previa a concessão de prioridade às localidades que
contribuíssem com terrenos e donativos para a instalação
das escolas. No entanto, a autorização do Conselho
Superior, tendo em vista os critérios de prioridade, era
subestimado, uma vez que a determinação da criação de
escola constituía um ato do governo. Observando a
distribuição regional da criação dos primeiros grupos
escolares, nota-se que ele acompanha, de certa forma, o
caminho percorrido pelo café 240.
As escolas emprestavam à cidade um novo perfil, um fator de progresso
como
podemos
observar
nos
semanários
da
época,
uma
marca
de
comprometimento com o futuro, um sinal de evolução da cidade.
O Regimento Interno das Escolas Públicas Municipais, publicado no
Código de Posturas, era uma adaptação do Regulamento Interno das Escolas
Públicas Estaduais para a realidade local. Na sessão da Câmara Municipal de 22
de janeiro de 1901 foi decretado o Regulamento para a Instrução Municipal,
segundo o qual a educação no município seguiria o regulamento e as leis que
regiam o Estado “na parte que lhes for aplicável”
241
. Dentre as adaptações, o
provimento de escolas através de concursos públicos era uma necessidade que
parecia não estar ao alcance da Câmara Municipal, existindo muitos professores
provisórios no quadro do magistério municipal. Nesses concursos eram exigidos
do candidato conhecimentos como leitura em prosa e verso, de letras impressas e
manuscritas, caligrafia, redação de cartas comerciais e particulares e noções gerais
de aritmética. De acordo com o Artigo 3.°, § 2. ficava acrescido ao programa dos
exames a instrução cívica e civilidade.
240
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos da Civilização: A implantação da Escola Primária
Graduada no Estado de São Paulo. SP: Unesp, 1998. p.93
241
Artigo 1. ° do Regulamento para Instrução Municipal. In: Códigos de Postura do Município –
Livro 401 do Acervo Público Municipal – Fundo da Administração Municipal.
93
O programa previsto pelo Regimento Interno das Escolas Públicas
Estaduais242, apresentava uma grade curricular diferenciada para o Curso
Preliminar, outra para as Escolas Intermediárias e uma bem mais reduzida para as
Escolas Provisórias. Pelo visto, a maior parte das escolas de São José dos Campos
estavam enquadradas neste último caso, evidenciando o quão frágeis e precárias
eram. Contudo, o Governo Estadual não desconhecia esse fato. Prova disso está
no artigo 15.°, que orientava para que, na ausência de edifícios apropriados para
as escolas, os inspetores escolhessem edifícios com o maior número possível de
condições exigidas. Cada escola deveria ainda conforme sua categoria afixar uma
identificação legível: Escola Pública para Meninos, Meninas ou Mista, Noturna
para adultos e Grupo Escolar. O único registro iconográfico que encontramos a
esse respeito não permitiu saber em qual bairro estava localizada essa escola, mas
a imagem, de certo modo, aponta uma realidade bastante precária, denunciando
um abismo entre a escola ideal, a legal e a real:
o privilegiamento dos núcleos urbanos não estava
somente na adoção de uma instituição de melhor
qualidade como eram os grupos. O maior problema
estava no descaso do governo para com as escolas
isoladas, embora fossem consideradas imprescindíveis
para a instrução pública do Estado 243.
242
Arquivo Público do Estado de São Paulo, fundo da Instrução pública – Regimentos Internos das
Escolas Públicas - Ordem: E 01085
243
SOUZA, Rosa Fátima de. P. 51
94
Fig 12. Escola Isolada (década de 1930)
As escolas públicas municipais eram abertas nos bairros em que se
encontrassem 30 meninos menores de 16 anos e maiores de seis anos, o mesmo
valia para as meninas. Não atingindo esse quórum poderia ser montada uma
escola mista, desde que à frente dela estivesse uma professora. As escolas que não
fossem freqüentadas por pelo menos 15 alunos não seriam mantidas, devendo ser
imediatamente removidas para outro bairro. Desse modo, fica claro compreender
o quão difícil era criar Grupos Escolares.
Não eram todos os municípios que possuíam o desejado Grupo Escolar.
No Vale do Paraíba Paulista entre 1894-1908 foram criados nove Grupos nas
cidades de Guaratinguetá, Jacareí, Lorena, Paraibuna, Pindamonhangaba e São
Luis do Paraitinga (1895), São José dos Campos, Taubaté (1896) e Bananal
(1900).
A construção do Grupo Escolar de São José foi marcada por inúmeros
improvisos e interrupções de suas atividades durante o período de 1896 a 1910.
Após a aprovação da Reforma do Ensino em São Paulo (1892), a
95
Secretaria do Estado dos Negócios do Interior solicitou informações sobre prédios
na cidade para o funcionamento de escolas públicas e não obteve resposta positiva
por parte do Conselho Municipal de Instrução Pública. Para conseguir do governo
um Grupo Escolar para o município a Câmara Municipal alugou um prédio
residencial no centro da cidade, a antiga residência da Família Mascarenhas,
localizada próximo ao largo da Matriz.
Enquanto em cidades mais importantes economicamente244 os Grupos
Escolares ganhavam dimensões palacianas e eram projetados por engenheiros e
arquitetos de renome, como Ramos de Azevedo, a cidade de São José dos Campos
criou e instalou seu Primeiro Grupo Escolar em um prédio com poucas condições
de uso, por isso sua história foi marcada por interrupções.
A figura do diretor como um gestor das atividades docentes, significando a
imposição de um novo ritmo para essas atividades, encontrou resistência por parte
dos professores. Nas escolas isoladas, os professores tinham autonomia no
cumprimento de seus horários, currículos e prestação de contas. Agora, reunidos
no Grupo Escolar, sobre a batuta do diretor, estavam sujeitos a um olhar mais
controlador, em todos os sentidos. Talvez por isso tenha ocorrido o conflito, em
novembro de 1896, entre o diretor e alguns professores, que veio a público em
jornal da capital.
Em 7 de novembro de 1896, o Correio Paulistano publicou um artigo
intitulado “Anarquia no Grupo Escolar”, assinado por cinco professores do Grupo
Escolar Olímpio Catão, de São José dos Campos. Consultando o dossiê do
processo, pudemos constatar que o descontentamento provinha do fato de alguns
professores não aceitarem os novos regulamentos, no que dizia respeito
principalmente à justificativa de faltas, sendo os mesmos prejudicados na folha de
pagamento.
As faltas passaram a ser controladas e justificadas para os casos de
244 Sobre a pouca expressividade econômica de São José dos Campos no início do século, ver
capítulo 1, pág. 22-24. Uma das maneiras de perceber a pujança econômica das cidades e
relacioná-las à sua posição econômica é observar os Municípios de foram recebendo Grupos
Escolares com prédios próprios (não foi o caso de SJC). Rosa Fátima de Souza elaborou uma
tabela com as datas de instalação e situação dos prédios dos Grupos escolares de 1894 a 1908. ver:
96
moléstia, nojo ou casamento. A partir da adoção de formulários específicos, não
havia como enquadrar outros tipos de falta. O estopim da confusão que mobilizou
o Inspetor Literário, o Delegado de Polícia, a Diretoria Geral de Instrução Pública
e dividiu opiniões entre o corpo docente do Primeiro Grupo Escolar, foi o fato de
o diretor não ter aceitado, como motivo para a falta de um professor, a declaração
“motivo de força maior” por não constar nos casos previstos pelo regimento.
A professora Adelaide de Azevedo Trigo, sentiu-se prejudicada e
conseguiu o apoio do marido professor Fidêncio Lopes Trigo e dos professores
José Francisco Marcondes Domingues, Maria Thereza Marcondes e Galvão de
França Rangel. Foram estes cinco que escreveram o artigo no jornal da capital e,
quando acareados pelo Inspetor Literário, amenizaram o descontentamento pelo
ocorrido.
Em carta à Diretoria Geral de Instrução Pública, o Inspetor Olímpio Catão
assim se refere aos acontecimentos:
foi então que me appareceo o professor José Francisco
Marcondes Domingues, mostrando-se muito apaixonado
contra o director do grupo; sem contudo articular uma
queixa em termos precisos e por escripto. Cumpre-me
notar que a visita do prefessor Marcondes teve por fim
pedir-me que não me magoasse com o que acontecesse
d´aquele dia em diante, pois que iria desenvolver uma
guerra ao professor Paula Santos 245
O Inspetor mostrou-se solidário com o diretor do Grupo Escolar “o diretor
Paula Santos é exacto no cumprimento de seus deveres. Restricto na organisação
da folha de pagamento, creio que por parte d´ahí o descontentamento por parte
dos professores” 246
Em correspondência de 29/03/1899 a Secretaria de Negócios do Interior,
solicitou o recolhimento de material do extinto Grupo Escolar Olympio Catão,
passando a ser então uma Escola reunida. Como possuir um Grupo Escolar era
SOUZA, R.F. p. 117 1 119
245
Relatório do Inspetor Literário Olímpio Catão 19/11/1896 APESP.
246
Idem.
97
sinônimo de progresso, amor à cultura e instrução e um sinal concreto de
civilidade, em 1901 São José conseguem novamente permissão para o
funcionamento de seu Grupo Escolar.
A Ata da Câmara Municipal de 15/01/1900 notifica o envio de felicitações
à Câmara de Jacareí. A cidade vizinha ganhava seu primeiro Ginásio, o
“Nogueira da Gama”. Contrastes marcaram a história da educação no país e na
região. Se por um lado, algumas cidades mais favorecidas economicamente
tinham cursos de níveis diferentes sendo oferecidos à sua população, outras, como
São José dos Campos, não conseguiam sustentar suas escolas básicas herdadas do
Império. Na mesma ata da Câmara, era notificada uma circular da Secretaria de
Negócios do Interior, que comunicava que, a partir daquele mês, as despesas com
as escolas provisórias ficariam a cargo das Câmaras Municipais. A solução
encontrada pela edilidade joseense, já que não tinha recursos, foi a demissão dos
professores provisórios.
Um hiato de dez meses marcou a próxima sessão que tratou
especificamente da educação no município. Em sessão de 02/10 foi proposta a
criação de uma comissão para elaborar um regulamento para as escolas
municipais. O projeto foi discutido e aprovado em 15 do mesmo mês e na sessão
de 29/10 o Inspetor Municipal apresentou o recenseamento da população escolar
do Buquirinha, Pinheiros, Pernambucanas, Rio do Peixe, Taquari e Vargem
Grande.
Em 22/01 de 1901, a Câmara Municipal dedicou a sessão para tratar da
contratação de professores. Foi acordado que haveria um concurso em 29 do
mesmo mês.
A demanda por escolas era grande também na zona rural. As escolas eram
vistas como caminhos para mobilidade social, enquanto que, para o fazendeiro
tratava-se de simples benesse, como observou Zeila Demartini:
a escola era importante para atrair o interesse do colono
pela fazenda dando a ela aparência de um lugar muito
civilizado denota a relevância sociocultural da escola no
98
meio popular (...) era forte a interferência do chefe
político no campo, notadamente em relação à nomeação
de professores. Nesse sentido, a política local muito
contribuiu para a expansão do ensino, uma vez que o
chefe político, diante das reivindicações pela escola,
empenhava-se em criá-las e em contrapartida obtinha o
apoio da população”247
A existência de escolas no perímetro rural estava sempre ligada à
“bondade” do fazendeiro que permitia o funcionamento das aulas em sua
propriedade e desse modo garantia a educação de seus filhos e, por tabela, a de
alguns funcionários e agregados. Na área urbana, o Grupo Escolar foi se
mostrando como uma vitrina que projetava a todos os que de algum modo
contribuíssem com a permanência dos pobres na escola. Além de fazer o bem,
ganhavam como bônus a projeção social e política.
No cenário urbano de São José dos Campos, as atividades do Grupo
Escolar Olympio Catão foram conturbadas entre 1901 e 1902. As Atas da Câmara
não registraram os pedidos feitos às autoridades estaduais, mas percebemos que
por duas vezes, houve uma tentativa de mudança de nome do Grupo Escolar, em
função da intervenção das autoridades em prol do grupo. Foram indicados por
monção como patronos do Grupo Escolar, pela Câmara Municipal, os senhores
Claudino Pinto e Dino Bueno.
O Grupo Escolar foi formado em 1896, quando ocorreu a união de escolas
isoladas que se encontravam na região central e no Bairro de Santa Cruz. Em
1899 teve suas atividades suspensas, voltando a funcionar como escolas isoladas
reunidas em um mesmo prédio. Em 1901, voltou a funcionar até 1908, na antiga
residência dos Mascarenhas, quando suas atividades foram novamente
interrompidas por falta de condições do prédio, sendo re-inaugurado em 1910 na
antiga residência dos Baracho.248
247
Apud: SOUZA, Rosa Fátima. O Direito à Educação. Lutas populares pela escola em Campinas.
Campinas: Editora da Unicamp, 1998.p.53
248
Pedro de Paiva Baracho foi um abastado fazendeiro e Juiz de Direito, foi em 1870 nomeado
para a Comarca de São Simão. Construiu uma mansão no centro do município, em terreno
próximo ao prédio da Câmara e Cadeia (atual Praça Afonso Pena). Passou por uma crise
financeira, saindo da cidade na primeira década do século XX. Em 1909, esta casa foi adquirida
pelo Governo Estadual e restaurada (sendo gasto 107 mil réis) onde se instalou o Grupo Escolar
99
Fig. 13 Grupo Escolar Olimpio Catão (Ex residência Família Baracho)
Após a sua reinauguração, o primeiro quadro docente do Grupo Escolar
Olympio Catão era composto por oito professores, sendo duas professoras
normalistas, quatro complementares e dois professores do sexo masculino. Era,
portanto um quadro de maioria feminina. O grupo contava ainda com uma
professora substituta efetiva e três empregados, sendo um porteiro e dois
serventes. Havia 321 alunos matriculados, no ano de 1910, todos de nacionalidade
brasileira, sendo que o número de matriculados era equilibrado em relação ao
sexo dos alunos.249
O aumento pela procura de vagas no Grupo Escolar foi acontecendo à
medida em que a cidade se expandia. Com o início da fase Sanatorial, a cidade
passou a receber um grande número de profissionais ligados à Saúde, sobretudo
médicos, enfermeiros e farmacêuticos, envolvidos no tratamento da tuberculose e
também dos enfermos e seus familiares.
Os filhos desses novos moradores, que passaram a fazer parte da cidade,
Olímpio Catão, inaugurado em 14 de Setembro de 1910. A partir de negociações entre a Câmara
Municipal e o Governo do Estado, escolheu-se "a Mansão dos Baracho". A Festa de inauguração
foi um grande evento social, realizado na própria escola, recebendo as autoridades locais e
algumas estaduais, além dos representantes da "elite" joseense. Durante os quarenta e sete anos em
que foi sede da escola, formou centenas de pessoas da cidade, inclusive vários políticos e artistas
locais, como por exemplo, Cassiano Ricardo.
100
forçaram a criação de escolas, reflexos também da maior fiscalização sobre a
obrigatoriedade da matrícula, pois, sob a ameaça de multa, os pais enviavam seus
filhos e, ao mesmo tempo, começaram a considerar a escola como parte da rotina
das crianças, reconhecendo-a como uma necessidade.
Ao discutir sobre quem eram os destinatários da política de expansão do
ensino primário, Souza considera que por trás do pressuposto da educação popular
estavam em voga interesses de vários grupos sociais e aponta alguns caminhos
para compreender e identificar tais grupos através de características como idade,
condições econômicas e nacionalidade
250
. Não encontramos livros de matrícula
que trouxessem informações, tais como filiação e profissão dos pais dentro de
nossa baliza cronológica; mas um relatório do então diretor do Grupo Escolar, de
1906, revelou-nos um pouco sobre a clientela do “Grupo Olympio Catão” em seus
primeiros anos de funcionamento. Embora o relatório focalize mais os pobres,
sabemos que na época para os mais ricos as opções de ensino na cidade também
eram restritas251:
(...) são filhos de proletários e de outras famílias menos
abastadas razão por que com mais ardor devemos
ministrar-lhes o ensino, olhando-os com carinho.
Atendendo ao estado de pobreza de cada um, embora
modestamente tenho-os obrigado a irem as aulas com
asseio e decência, o que a principio não se dava, havendo
muitos que se apresentavam quase que andrajosamente,
unhas mal cortadas, cabelos compridos, etc. revelando
incúria e desmando por parte daqueles a quem afeta a sua
educação252
Entretanto conseguimos perceber através dos nomes e sobrenomes dos
alunos, que o Grupo Escolar era freqüentado por pessoas que possuíam uma
posição social distinta na cidade. Esse quadro foi mudando à medida que os turnos
dos Grupos Escolares foram aumentando sua capacidade de absorver a população
mais pobre e escolas de iniciativa particular, como o Externato São José, foram
249
Anuário do Ensino de 1914.
SOUZA, página 22.
251
O Almanaque de 1905 (pág 105), aponta a existência de dois professores particulares: Luiza
Marcelina de Faria, Theotonio Miragaia. Havia também três professores de música: Alfredo
Augusto de Barros César, Luiz Antônio da Câmara, Francisco dos Anjos Gaia.
252
Relatório do Diretor do grupo Escolar 1906 – Ordem 6935 – Arquivo Público do Estado de São
Paulo.
250
101
surgindo.
A convivência dessa clientela diversificada economicamente era
promovida pela mistura da prática da lei de obrigatoriedade do ensino primário,
somada a doses de apadrinhamento que favoreciam o acesso à educação dos mais
pobres. Segundo Souza, nos Grupos Escolares do Estado de São Paulo, entre 1890
e 1910, estavam: crianças filhos de açougueiros, alfaiates, advogados, barbeiros,
comissários,
cocheiros,
engraxates,
fotógrafos,
cozinheiros,
trabalhadores urbanos e até mesmo alguns trabalhadores rurais
253
escrivães,
.
Fig. 14 Grupo Escolar Olímpio Catão em seu 1.º prédio254 (entre 1900-10)
O aumento da oferta de vagas estava diretamente relacionado à lei de
qualificação de eleitores, de 08/02/1890, pela qual a alfabetização era condição
para o voto. Essa perspectiva era estimulada pelo coronelismo local.255
253
SOUZA, pág,. 112.
Inicialmente instalado no prédio de propriedade da Família Mascarenhas, localizado ao lado da
Igreja Matriz (atualmente existe no local o Hotel San Remo).
255
Desde a colônia os coronéis dominaram as terras. Desde o Império comandam a política. A
República é uma ampliação do seu domínio, pois a quebra do poder Moderador permite que eles
próprios escolham seus representantes em todos os graus. CARONE, Edgar. República Velha:
254
102
... tão acostumados estamos com os seus actos de
generosidade para todas as grandes realizações de
benemerência, de civilização, de progresso (...) representa
um benefício de subido apreço a toda colletividade, sob o
ponto de vista educativo-religioso, realizando assim o
objectivo grandioso de disseminar a instrucção no seio do
povo, com as lições admiráveis da nossa religião,
formando creaturas aptas para desempenharem no lar e
na sociedade, os deveres que a moral e a razão impõem
como um verdadeiro dogma de grandeza social256.
A iniciativa do primeiro estabelecimento particular de ensino foi aplaudida
e intitulada como brilhante. Não bastassem toda propaganda e adjetivação, as
condições para a instalação do colégio, a apresentação de seus diferenciais e os
setores envolvidos revelaram um momento de divórcio da educação pública com
as pessoas mais abastadas da cidade. O curioso é que todos os incentivos de
ordem fiscal garantidos pela edilidade deixaram transparecer o uso do dinheiro
público para o benefício somente de uma parcela populacional.
A mescla entre categorias de análise como público e privado estão no bojo
da discussão que apresentaremos adiante. Para isso, recuperar a idéia da educação
e da ilusão liberal, investigando a gênese da escola pública joseense nos elucidará
como se deu o acesso à escola pública e por trás de qual discurso consolidou-se a
escola de iniciativa particular, separando a educação entre ricos e pobres.
Essas ilustres senhoras cuja ascendência social é de
saliência, todas portadoras de dotes exímios de bondade,
numa feliz associação de ideaes se congregaram para
prestar o mais decidido e eficaz aucilio em prol da
realisação plena, integral e perfeita dessa iniciativa digna
dos maiores elogios e que virá beneficiar
extraordinariamente a nossa cidade e sua população 257.
Embora a apresentação da idéia de implantação do Colégio fosse
aparentemente uma obra de caráter popular, a instituição, na verdade, destinou-se
a um público bastante seleto e específico, ou seja, meninas, católicas e cujas
Instituições e Classes Sociais. SP: Difel, 1975.p.154
256
Jornal “Correio Joseense” 24/08/1924
103
famílias tivessem poder aquisitivo relativamente alto para manter esse custo.
É válido registrar que até a década de 1920 não existia nenhuma escola nos
moldes que hoje conhecemos por escola em São José. Todas eram casas e
casarões adaptados, sendo pioneiro o prédio do Segundo Grupo Escolar.
As administrações da cidade, pelo Coronel João Alves da Silva Cursino,
no período de 1908 a 1910 e posteriormente entre 1919 a 1930, estiveram
marcadas por negociações que imprimiram um caráter diferente à Educação. A ele
são atribuídas de maneira memorável as instalações do Segundo Grupo Escolar,
da Escola Normal, do Teatro Municipal, entre outras obras de melhoramento e
embelezamento da cidade. Seu trânsito com os Governadores de Estado era bom e
sua participação local era marcante, sendo durante muitos anos chefe do Partido
Republicano em São José, além de ser amigo do dono do principal (pra não dizer
único) jornal do município.
Inúmeros dos seus atos da década de 20 apoiaram a instalação de fábricas
e garantiram a isenção de impostos a empresários e a donos de sanatórios que
tiveram grande parcela de responsabilidade na atração de investimentos que
proporcionaram uma diversificação do comércio e de serviços no município na
primeira metade do século XX.
Uma série de artigos publicados em um jornal da cidade de Lorena, a
“Gazeta do Povo”, levou a uma troca de acusações este e o “Correio Joseense”,
defendendo este último, o então prefeito da época, Coronel João Cursino: “com
fito único de collocar em situação melindrosa perante seus pares”
258
. A
“Encrenca Musical” como foram intitulados os artigos produzidos em série
durante os últimos meses de 1921, teve início com o não comparecimento da
Banda Oficial “Coronel João Cursino” na inauguração da pedra fundamental do
Mercado Municipal. A versão do jornal joseense apresentou como motivo a
enfermidade do regente, ocasionando falta de ensaios e logo havendo recusa por
parte dos membros de se apresentarem para o evento. Há uma brecha em que
percebemos o tipo de vínculo que o prefeito possuía com esse grupo “nunca
257
258
Jornal “Correio Joseense” 30/11/1924
Jornal “Correio Joseense” 09/10/1921.
104
recusou seus serviços aquelle cavalleiro, Coronel João Cursino, quer como
particular, quer como chefe político”
259
. Anteriormente, uma outra banda, que
carregava o nome do prefeito da época, também se recusou a tocar para uma visita
ilustre, exigindo da Câmara o dobro do que fora acordado de última hora, fazendo
com que uma banda da cidade vizinha fizesse o serviço.
A “briga” na imprensa persistiu por várias edições e anonimamente,
artigos da Gazeta, tratavam de esquentar o cenário político local. Colaboradores
de o “Correio Joseense” chegaram a expor um trocadilho, denominando o jornal
vizinho de “A Gaveta”. Essas querelas levaram à publicação de um Ato pelo
Prefeito Municipal, extinguindo os auxílios à escola particular de música e ao
mesmo tempo retirando o cargo de inspetor municipal de ensino do Sr. Francisco
dos Anjos Gaia. A prática de nomeações no setor educacional naquele momento
histórico devia-se mais às alianças convenientes do ponto de vista político do que
escolhas que visassem à promoção da educação propriamente dita.
Quando pensamos em permanências e rupturas no processo histórico,
verificamos como o nepotismo, os “cabides” de emprego, o autoritarismo e a
necessidade de fazer de cada inauguração uma grande festa para o povo assistir
bestializado, têm suas raízes históricas. No caso de Anjos Gaia260, havia ainda
acúmulo de funções – regente da orquestra e inspetor de ensino e ainda contava
com ajuda financeira dos cofres públicos para a manutenção de uma escola
particular de música, que talvez nunca tivesse existido, já que os mapas de
movimento não apontaram a sua existência.
Acto n. 118
De 25 de Outubro de 1921
O Tenente Coronel João Alves da Silva Cursino, prefeito
deste município de São José dos Campos.
Faço saber que a câmara Municipal de São José dos
Campos, em sessão ordinária de 22 do corrente mez
decretou e eu promulgo a seguinte lei:
A Câmara Municipal de são José dos Campos, decreta
259
Idem, p.3
O mesmo Sr Gaia, havia presidido anteriormente o Conselho Municipal de Educação em 1891,
antes que o cargo de inspetor literário fosse criado, evidenciando que de longas datas possuía
regalias na Administração Pública.
260
105
Artigo 1.º - Fica o Prefeito municipal autorisado a
liquidar o debito da municipalidade com Francisco dos
Anjos Gaia, proveniente de auxílios à escola particular de
música da direção deste, cessando desde o momento da
liquidação o pagamento do mencionado auxilio pela
desistência feita segundo proposta do referido Francisco
dos Anjos Gaia, podendo para isto a prefeitura fazer as
indispensáveis operações de crédito.
Artigo 2.º - Da data da promulgação desta lei em deante,
fica extincto o auxilio ao addido a ex fiscalização
municipal de ensino.261
Durante o governo do Coronel João Cursino, uma série de medidas foram
decretadas como visto acima. O Caso da Escola Particular de Música de Anjos
Gaia, não foi um caso isolado. As iniciativas particulares eram com freqüência
apoiadas pela edilidade e o discurso era sempre o de busca pelo progresso e amor
a educação. É nesse contexto que surge a primeira grande instituição particular do
município de São José, que já nasce com terreno próprio e prédio apropriado para
as atividades escolares. Pela leitura do decreto, percebe-se uma parceria entre o
governo local e a Ordem Salesiana. Possivelmente essa prática foi bastante
comum em várias cidades262, uma espécie de terceirização da educação:
A Câmara Municipal de São José dos Campos, decreta:
Artigo 1.º - Fica o Sr Prefeito Municipal autorisado a
passar escriptura de doação gratuita de um terreno
pertencente à municipalidade, sito nesta cidade, fazendo
frente para as ruas 15 de novembro – no trecho da antiga
Rua dos Bambus – e João Tuca à Ordem Salesiana, com
com obrigação de fundar na nesta localidade, um collegio
destinado ao sexo feminino, para os cursos de instrucção
primária, secundária e profissional, segundo os
programmas pedagógicos adoptados em idênticos
estabelecimentos da mesma Ordem existentes em nosso
Estado.
Artigo 2.º - o edifício do Colégio Salesiano, construído,
no referido terreno, e seus annexos, gozará de isenção de
imposto predial e de viação, e das taxas de águas e
exgottos emquanto estiver occupado naquelle fim.
Artigo 3.º - Revogam-se as disposições em contrário.
261
Jornal “O Correio Joseense” 30/10/1921.
Lyceu Coração de Jesus em São Paulo, Gynásio São Joaquim em Lorena, Colégio Maria
Auxiliadora em Campinas, são alguns exemplos de colégios ligados à ordem salesiana na virada
do século XIX e início do XX no Estado de São Paulo. Ver: Jornal “Correio Joseense” 17/08/1924.
262
106
O diretor da secretaria da Câmara e secretario da
Prefeitura a faça publicar.263
Durante a pesquisa, a influência e as obras do Coronel João Cursino o
revelaram como uma figura bastante autoritária e centralizadora. Para não desviar
nossa atenção da questão educacional, fomos cuidadosamente separando alguns
atos que revelaram-no como um articulador entre as camadas mais abastadas,
desde a imprensa, os negociantes, a igreja e os profissionais liberais.
O principal Jornal existente no município na década de 1920 era o
“Correio Joseense” de propriedade de Napoleão Monteiro, que era tesoureiro da
Câmara Municipal na gestão do Coronel João Cursino. Esse membro do Diretório
do Partido Republicano Paulista, apoiava, através de seus artigos, todas as
iniciativas do coronel, divulgando o “progresso” que a cidade alcançava através
do seu administrador. Essa aliança com a imprensa foi duradoura, somente no ano
de 1926, com uma dissidência do Partido Republicano local, Napoleão Monteiro
passa a denunciar o mandonismo do Coronel Cursino.
Quanto ao favorecimento da administração de Cursino com a Igreja, fica
evidente que, em todo momento festivo da vida política ou religiosa, o vigário
Padre José Francisco Monteiro e o coronel se mostram presentes.
As concessões feitas à Ordem Salesiana em São José dos Campos no
âmbito da educação, podem ser entendidas como reflexos de uma política
nacional da Igreja Católica, após a ruptura entre Igreja e Estado, formalizada na
Constituição de 1891. Segundo Scott Mainwaring no período compreendido entre
1890 a 1916 a Igreja passou a consolidar reformas internas, preparando políticas
de romanização do Catolicismo Brasileiro “A nova missão da Igreja era
cristianizar a sociedade, conquistando maiores espaços dentro das principais
instituições e imbuindo todas as organizações sociais e práticas pessoais de um
espírito católico”264. Nesse sentido emergiram grandes colégios católicos,
voltados principalmente para a elite. A esse respeito Maria Luiza Marcílio
observou que:
263
264
Lei n.º 148 de 26 de Agosto de 1924 . Jornal “Correio Joseense” de 31/08/1924.
MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil 1916-1985. SP: Brasiliense. 2004.
107
os bispos do Brasil começaram a estimular a vinda de
numerosas ordens religiosas, ligadas à educação da
infância e da juventude na Europa, para aqui instalarem
grandes colégios. Viera, com esse fim, religiosos
especialmente da Itália e da França265
A educação formal continuava sendo um tabu para a maioria da população,
uma vez que as principais atividades não necessitavam de alto grau de
escolaridade. A Igreja passou a nesse momento criticar o modelo de educação
oficial, defendendo um ensino cristão. A imprensa local, através do seu principal
jornal e órgão aliado ao Partido Republicano, mostrou-se sensibilizada com a
necessidade do ensino religioso:
Em verdade para o estudo das matérias do curso
preliminar, possuímos as escolas publicas em grau de
aperfeiçoamento e de êxito surprehendentes , porém, o
ensino ahi se restringe ao programma laico, e a creança,
em matéria de religião nada aprende, muito embora os
seus mestres sejam religiosos. A disciplina escolar vedalkhes fallar de Deus. Num meio religioso como é o nosso,
como é o meio brazileiro em geral, surge naturalmente a
necessidade de sanar esta falta na educação do espírito,
na formação da alma das creanças, de modo a fazer
desapparecer esse vácuo no coração humano das ternas
creaturas.266
O processo de romanização repercutiu no município e encontrou apoio
financeiro na população; dando condições para que as crianças das famílias mais
abastadas freqüentassem uma escola onde os preceitos pedagógicos da nova
pedagogia fossem aplicados junto com uma formação religiosa. Para isso, houve a
doação de terreno e foi decretada a isenção de impostos à Ordem Salesiana.
Uma grande quermesse foi organizada para a arrecadação de fundos para a
construção do Colégio Salesiano. É interessante frisar que houve a mobilização de
alguns grupos em torno da igreja. No lançamento da pedra fundamental do
Externato lê-se:
265
266
MARCÍLIO, Op. Cit. P. 202
Jornal “O Correio Joseense” 24/08/1924
108
hoje às 17 h, com toda solenidade, será assentada a pedra
fundamental do confortável prédio. Esse acto não é mais
que uma formalidade, uma praxe estabelecida em casos
dessa natureza, porquanto, a realidade se nos apresenta
com adiantamento das obras, por onde o público poderá
melhor julgar o seu valor. Consigamos prazeirosamente
nestas páginas a nossa administração illustre do senhor
prefeito Coronel João Cursino, pela dedicação que vem
tratando os negócios do município, elevando o seu
patrimônio. São José dos Campos sente-se no
indeclinável dever de elevar o nome do Senhor Coronel
João Cursino na altura de um dos seus mais dignos filhos
267
.
O apoio oferecido à iniciativa particular esteve relacionado ao sucesso
verificado em alguns países como Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra e
Portugal, que sinalizavam as experiências de escolas confessionais particulares e
leigas como ideais e para a formação das elites.268
Por outro lado, não podemos dizer que a Escola Pública ficou
desamparada. Ao contrário, em 1919, alianças se firmaram para que o Segundo
Grupo Escolar fosse construído. Pela Ata de lançamento da pedra fundamental,
percebemos que tratava da instalação de uma Escola Reunida, que veio a se tornar
o Segundo Grupo Escolar. Documentos como esses ignoram algumas negociações
entre grupos sociais, que posteriormente apareceriam em forma de conflitos de
maneira explícita269, quando o terreno destinado à construção do Grupo foi motivo
de disputa. O doador do terreno passou a reivindicar indenização da Prefeitura270.
A década de 1920, no que concerne à Educação em São José dos Campos,
foi marcada pela inauguração de um Colégio particular (Externato São José) para
267
Jornal “Correio Joseense” 07/07/1924.
Ver: SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de Civilização: a implantação da escola primária
graduada em São Paulo. SP: Unesp, 1998. p. 29
269
Os documentos tendem sempre a registrar alguns nomes e fazer referência a cargos superiores
como o presidente da República, os governadores, etc. Para Michel de Certeau, a sociedade vive
praticando “operações de demarcação”, toda literatura é marcada por essas práticas sociais, uma
estratégia narrativa que “representa apenas uma parte ínfima (aquela que se escreve em pontos
litigiosos) da narração oral que não cessa, trabalho interminável, de compor espaços, verificar,
confrontar e deslocar suas fronteiras (...) os relatos cotidianos contam aquilo que, apesar de tudo,
se pode aí fabricar e fazer. São feituras de espaço”. Pág 207 e 208.
270
Conforme Correio Joseense 27/05/1923
268
109
servir às elites locais. Inaugurou-se o Segundo Grupo Escolar e criou-se a Escola
de formação de professores, que posteriormente passou a oferecer o curso ginasial
no município.
Sobre o Segundo Grupo Escolar, pudemos constatar que, a priori,
pretendia-se
uma Escola Reunida que posteriormente tornou-se um Grupo
Escolar, para atender preferencialmente crianças oriundas dos bairros de Santana
e de Santa Cruz (Alto da Ponte). Da inauguração do Grupo Escolar Olimpio Catão
para a inauguração deste Grupo em questão, foram duas décadas de espera.
O paradigma trazido pela Reforma do Ensino Paulista de 1892 o “Grupo
Escolar” mostrou-se caro para o governo e seus idealizadores, já que a demanda
escolar crescia e o interesse em alfabetizar a população estava relacionado à
política eleitoral, ao mesmo tempo, a uma questão de nacionalismo, que emerge
após a Primeira Guerra Mundial. A solução encontrada foi baratear o modelo
idealizado, optando-se pelas Escolas Reunidas (categoria de escola imediatamente
inferior aos Grupos).
Ao nosso ver, o Segundo Grupo Escolar de São José, independentemente
da terminologia eleita em seu projeto (Escola Reunida) ou na sua inauguração
(Grupo Escolar), sob o ponto de vista físico, pode ser considerado a primeira
escola do município dentro do que estava se projetando como escola ideal desde
1892. Foi o primeiro a ser construído especificamente para a finalidade
educacional, já que o Primeiro Grupo esteve duas vezes ocupando prédios
residenciais adaptados à realidade escolar e suas atividades foram interrompidas
por falta de verbas durante alguns meses. 271
A inauguração desses prédios alimentava a Belle Epoque joseense e
consolidava duas propostas de ensino daquele momento histórico: uma pública e
outra particular, ambas apresentando-se como ícones da modernização do
271
Existem lacunas na história do Grupo Escolar Olimpio Catão que nossa documentação não foi
capaz de responder. Foi na gestão do Secretário de Negócios do Interior Bento Bueno que São
José re-obteve seu Grupo Escolar, a re-inauguração do grupo ocorreu em 14/09/1910. O Grupo
manteve-se em atividade neste prédio até meados do século XX, quando no ano de 1954 foi
interditado pelo Secretário da Educação; os alunos foram transferidos para outras escolas. O prédio
passou a pertencer ao município, em 1956 foi decidida a demolição do prédio pelo Governo do
Estado. Em 1957 foi demolido e no seu terreno construído o atual prédio que abriga a Escola
110
município em seu cenário urbano. Ambos foram noticiados de maneira festiva
chamando-se a atenção para as construções imponentes da cidade, na década de
20. O Segundo Grupo Escolar: “obtendo planta do governo de acordo com os
mais rigorosos preceitos pedagógicos vae sendo executado com escrúpulo e
dentro de poucos meses teremos inaugurado o confortável templo de ensino” 272, e
da mesma maneira o Colégio Salesiano:
(...) dentro de pouco tempo há de explendor magestoso
no apuro de suas linhas emprestando a nossa urbs mais
um factor de progresso predial. Isso na feição material
essa edificação planejada sob moldes intelligentes e
adequados ao fim que é destinado, reunindo todas as
condições hygiêncicas e pedagógicas mais adeantadas 273.
Fig. 15 Externato São José (1926)
Estadual Olympio Catão, inaugurado em 23/05/1959.
272
Jornal Correio Joseense 25/01/1920
273
Jornal Correio Joseense 16/11/1924
111
Fig. 16 Segundo Grupo Escolar de SJC (1920)
O bairro de Santana conseguiu a aprovação do Segundo Grupo Escolar,
porque obteve a doação de um terreno ao lado da matriz, essa era uma região
valorizada na cidade, pelo fato de a mesma ter sido palco da instalação das
primeiras indústrias de São José. A passagem de Oscar Thompson274 pela região
sinalizou o grau de importância e representatividade que o bairro tinha naquele
momento. Por isso, a autorização do Segundo Grupo foi recebida com grandes
festejos pelos moradores:
recebida a boa nova por telegramma, foram queimados
innumeros foguetes provando assim a satisfação que
tiveram em ver realizado esse grande projecto. Cumpre
agora aos senhores paes comprheender a grande
vantagem que esse melhoramento nos trouxe, fazendo
não só com que haja sempre freqüência no grupo não
dando o cuidado em deixar a mercê do distincto corpo
docente os seus idolatrados filhinhos275
Essas alianças que promoveram a criação desta instituição serão
274
Secretário de Negócios do Interior.
112
posteriormente motivos de embates entre os grupos envolvidos. Por ora, interessanos compreender que, com o término da Primeira Guerra, a alta burguesia paulista
começa a movimentar-se em torno de causas que foram eleitas como
fundamentais para aquele momento histórico. Sobre essa perspectiva da
sociedade, Jorge Nagle observou que esses grupos “independentes de qualquer
credo político, religioso ou filosófico, se uniam destinados a congregar
sentimentos patrióticos dos brasileiros de todas as classes”
276
do mesmo modo
Edgar Carone observou que estavam “destinados a transmitir a outras classes a
moral burguesa” 277.
Todo esse sentimento patriótico era fruto do movimento inaugurado em
1915 por Olavo Bilac, a Liga de Defesa Nacional
278
. As finalidades da Liga de
Defesa Nacional inspiraram diversos grupos que gozavam de poder aquisitivo
para, em nome da pátria, comprometerem-se com questões nacionais como a
educação, o estímulo ao patriotismo, a erradicação do alcoolismo, entre outras
causas defendidas por esses grupos.
No município de São José dos Campos, percebemos vários reflexos desse
movimento nos jornais da época. Como não podia deixar de ser, uma cidade que
abraçava a função sanatorial, foi palco ideal para que médicos e pacientes
abonados se reunissem em prol dos doentes da tuberculose.
275
Jornal “Correio Joseense” 09/05/1920 p. 02
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. SP: Edusp, 1974. p. 171-172.
277
CARONE, Edgard. A República Velha Instituições e Classes Sociais. SP: Difel, 1975. Coleção
Corpo e Alma do Brasil 164
278
Segundo o Jornal o Estado de São Paulo de 24/10/1915 e 08/08/1915. Uma das maneiras
encontradas por esses grupos para divulgar seus ideais era através de conferências, alguns temas de
conferência citados por Edgar Carone (op. Cit) foram: Idéia de Pátria, Idéia de Justiça, A
Educação Nacional, A instrução profissional, a importância do esporte na vida nacional, a defesa
da língua nacional, o culto ao heroísmo militar e cívico, a nação e o exército, o serviço militar
como benefício físico e moral para o indivíduo, entre outros.
276
113
Fig.17. Fragmento do Jornal Correio Joseense (1920)
Questões envolvendo a exaltação da pátria e a mobilização de crianças e
adolescentes em função de uma coesão nacional foram ganhando corpo. Em São
José dos Campos o grupo de Escoteiros e os Tiros de Guerra tiveram atividades
intensas. Na imprensa e dentro das escolas a presença desses grupos se fazia forte
consolidando uma idéia de pátria. A entrega das carteiras de reservistas, as festas
e desfiles ligados às datas cívicas eram noticiadas com euforia pelo “Correio
Joseense” e se fazem presentes nas memórias da cidade:
As festas do Grupo Escolar eram sempre à tarde porque
reservavam a manhã para os desfiles sempre iniciados
com os escoteiros sob o comando do sargento Deodato
Ramos, o instrutor, que concentrava seus comandos no
recreio grande, onde fazia a chamada em formatura, para
em seguida, com a cadência mantida por cornetas e
tambores se concentrar no Largo da Cadeia, onde já
estariam os soldados dos Tiros de Guerras 183 e 545, sob
comando respectivamente dos sargentos Florismundo de
Paula Moreira e Dário Nunes. As bandas musicais de
Santana e de São Benedito, com a primeira abrindo o
desfile e a segunda encerrando-o, entremeavam pelas
marciais e dava tempo para a fanfarra de cornetas e
114
tambores dos escoteiros279
Fig. 18 Grupo Escolar Olímpio Catão (início do século XX)
Fig.19 Grupo de Escoteiros do Grupo Escolar Olímpio Catão (sem data)
Esses rituais em torno da questão pátria, se mostram presentes nas falas de
cronistas e memorialistas de São José. O envolvimento dos maiores de idade em
serviço obrigatório para a formação de reservas para o exército e dos menores que
279
SIQUEIRA, Jairo César de. Nossa Cidade de São José dos Campos: FCCR, 1991. p. 95
115
estavam em idade de escolarização, unia esses grupos de diferentes faixas etárias,
em torno das cores da nação.
nossa cidade sabia festejar o dia Sete de Setembro. Eram
marciais os desfiles dos Tiros de Guerra 183 e 545, com
soldados em fardas cáqui e espingardas com baionetas
caladas, marchando ao som de cornetas e tambores
sempre seguidos pelo Batalhão de Escoteiros do Grupo
Escolar, comandado pelo então sargento Deodato Ramos,
que impunha rigor e disciplina e os instruía no sentido
cívico de amor à pátria e incutia em nossa compreensão a
virtude da preparação física e moral. Gostávamos de ser
escoteiros e orgulhávamos do nosso instrutor (...) A
formação cívica dos meninos joseenses tinha o
verdadeiro sentido de amor à Pátria e era bem definido,
bem marcante e indelével 280
Se por um lado, a liturgia republicana se mostrava nos Grupos Escolares
como forma eficaz de inculcar valores do novo regime, as festividades em torno
do dia da Bandeira e da data da Independência eram momentos eufóricos na vida
das crianças que freqüentavam o Grupo Escolar. Elas se preparavam realizando
trabalhos que ficariam expostos no final do ano letivo. As comemorações em
torno do 15 de novembro ainda sofriam resistências na comunidade. Foi
necessário recriar vultos e heróis de modo a agradar o maior número de pessoas
possível:
O sete de setembro de cada ano sempre foi festejado por
nossa gente que, no entanto, era indiferente a data de 15
de novembro porque no recesso do coração de cada
adulto e de muitas crianças perdurava o amor e respeito
ao sofrido e filósofo imperador do Brasil, como era muito
natural em toda nossa região populada por monarquistas
281
Nessa movimentação das elites em torno de Ligas e novas instituições que
se comprometeram com a construção de uma pátria brasileira e republicana, a
Igreja era um ponto de encontro de diversos grupos. Nesse espaço, ricos e pobres
estavam amparados pelo discurso cristão. E será esta instituição que convencerá e
280
281
SIQUEIRA, Op. Cit. p 70.
Idem, p. 71
116
mobilizará a comunidade a abraçar projetos e, ao mesmo tempo, servirá de vitrina
para a elite local:
Cada vez que a primavera chegava haviam quermesses.
Eram festas movimentadas que provocavam intenso
movimento popular com a finalidade social e religiosa de
beneficiar a matriz e a gente pobre e necessitada. A
generosidade das principais famílias locais contribuía
com materiais e grande esforço individual para o sucesso
dessas festas coletivas que, por ser de praxe, eram
realizadas no Jardim da Preguiça, onde armavam barracas
282
ornamentadas com os mais variados coloridos
A Escola e a Igreja foram espaços permeados por representações diversas,
cada uma a seu modo, traduzindo civilidade, progresso, caridade e benfeitoria. As
duas constituíram na São José dos Campos das décadas de 20 e 30 um espaço
disputado pelas famílias mais abastadas para mostrar a caridade e também o
poderio econômico.
Identificamos uma prática bastante comum por parte dos jornais da época,
a de registrar em listas os nomes das pessoas que contribuíam para quaisquer
atividades na cidade, em especial as esmolas dadas à igreja e as ajudas à Caixa
Escolar283. Nessas listas, além do nome do doador aparecia a quantia doada.
282
Idem, p. 71.
As Caixas Escolares eram sociedades civis, organizadas por professores, comerciantes e pais de
alunos que se encarregavam de doar ou conseguir arrecadações que promovessem o acesso e
permanência de crianças pobres na escola, oferecendo principalmente merenda, uniformes e
materiais escolares.
283
117
Fig. 20 Correio Joseense Fundação da Caixa Escolar do 1.º Grupo Escolar. (1920)
Fig. 21 Correio Joseense Arrecadação de Esmolas para a Festa de Maria (1920)
Embora o Primeiro Grupo Escolar da cidade tenha surgido ainda no século
XIX, seus registros efetivos nos jornais e a Caixa Escolar, só passaram a existir na
década de 1920, juntamente com a inauguração do segundo Grupo Escolar. No
118
“Correio Joseense”, os membros das Caixas Escolares de ambos os Grupos
apareciam com seus nomes, cargos, ações, em uma disputa explícita para se
promover nas colunas sociais.
A maior parte desses membros era mulheres, professoras ou esposas de
profissionais liberais ou pequenos comerciantes. Suas ações em prol das crianças
pobres envolviam também a Igreja, principal espaço de socialização das
comunidades do interior.
As festas promovidas pela Igreja auxiliavam os cofres das Caixas
Escolares. No ano de 1921, o leilão da Festa de Santa Cruz, no Alto da Ponte,
obteve a quantia de 180$700 que foram repassados ao Segundo Grupo Escolar.
A criação da Seção das Caixas Escolares estava prevista em lei e
regulamentava a necessidade de recolher poupanças de alunos, que, depositadas
nas Caixas Econômicas do Estado, seriam utilizadas para a ajuda de alunos
pobres, na compra de calçados, vestuário e material escolar. Para saber sobre as
crianças que se encontravam em idade escolar e não estavam nas escolas foi
estabelecido o Recenseamento Escolar, em 1920. Na ocasião foram apontadas 230
crianças em idade escolar, em São José dos Campos, sendo que 182 estavam
matriculadas em alguma escola, ou seja, 20% estavam fora da escola.284
A Caixa Escolar do Segundo Grupo de São José dos Campos começou as
suas atividades logo após a fundação do Grupo. Uma iniciativa particular, que
partiu do Sr. Manoel Rodrigues de Moraes e Sr. Elisiario Guimarães Claro, e que
contava com a presença de alguns distintos cavalheiros, quase todos comerciantes
do bairro de Santana. A denominação adotada pelo grupo foi “Caixa Escolar
Beneficente de Sant’Anna” e o objetivo desta associação, conforme o “Correio
Joseense” era “prover auxilio material as crianças pobres que não podiam
freqüentar escolas” 285. O Sr Elisiario esteve envolvido no Recenseamento Escolar
juntamente com o Professor Felício Savastano, conforme cruzamento de
informações que estabelecemos nos acervos. Além dessa pequena nota divulgada
284
285
Dados gerados a partir de uma nota do Jornal “O Correio Joseense” de 16/03/1920.
Jornal “Correio Joseense” de 23/05/1920.
119
no jornal local, foram emitidos ofícios ao Secretário de Negócios do Interior, à
Câmara Municipal, à Liga Nacionalista, às redações dos jornais e às pessoas
gradas. Na cerimônia, estiveram presentes professores e negociantes do bairro;
muitos dos nomes inclusive estiveram ligados à construção da matriz de Santana,
formando uma comissão para esse fim.286 Revelando o quão esse grupo possuía
influência naquele bairro.
Todo esforço era pouco para garantir o ensino básico para a maioria das
crianças, as dificuldades no ingresso e na permanência das crianças na escola iam
desde os motivos financeiros, que as faziam trabalhar, principalmente na
agricultura ou ainda a falta de materiais básicos para freqüentar as aulas, sem
mencionar a oferta de vagas, que não atendia a todos.
Identificamos muitas estratégias traçadas por diversos grupos sociais em torno
da questão educacional. Os exemplos a serem analisados contribuíram para o
esclarecimento de como apoio à Educação servira para a fiscalização e
o
acompanhamento da educação dos filhos dos grupos subalternos, que faziam uso
dessa escola, além de eventualmente contribuir para ascensão social desses
sujeitos na medida em que eles se identificassem com o projeto político daqueles
que os beneficiavam.
As Caixas Escolares além da arrecadação mensal dos pais dos alunos contava
com o auxílio da Câmara Municipal. A arrecadação da Caixa Escolar de Santana,
conforme consta no Correio Joseense, até 31 de dezembro de 1920, foi de
907$500, dos quais foram gastos 542$700 com 38 ternos, 143 dias de lanche,
286
De acordo com informações do Departamento de Patrimônio Histórico do Município durante a
Exposição “Patrimônio Perdido” organizado pelo DPH, pela Fundação Cultural, a construção da
referida Igreja começou 1917, para substituir a antiga, que se encontrava em ruínas. Até 1922, a
mesma estava em construção. A antiga matriz foi construída pelos primeiros moradores para
abrigar a Imagem de Santana, entre eles Felicio José Sant'Anna, Francisco dos Santos, João
Baptista dos Santos, Antônio Vieira de Souza Neves. Datava de 1883, sendo iniciada em 1869,
sendo o marco de fundação do bairro. Em 28 de Outubro de 1915 uma comissão composta dos srs.
Benedicto S. Ramos, João Elias de Carvalho, Miguel Eras, prof. Virgílio Rosa e Audemo
Veneziani procurou o vereador Padre José Francisco Monteiro, vigário da parochia, propondo a
construção de uma nova igreja. Esta comissão tornou-se a responsável pela construção da Igreja,
sendo delegado para presidente Benedito Ramos. Fez-se, então, o assentamento da pedra
fundamental no dia 19 de Agosto de 1917. Com várias contribuições recebidas, por donativos e
festividades, esta foi sendo construída aos poucos. Na década de 40, sob a responsabilidade do
Padre Luís Gonzaga Cavalheiro, foi proposta a demolição da mesma. No final da década de 40, foi
120
além de impressos e de cortes de cabelo, restando o saldo de 364$800 para o ano
de 1921.287 Já o balancete da Associação Protetora das Crianças Pobres do Grupo
Escolar Olympio Catão, arrecadou 1:078$600 com suas mensalidades e donativos,
declarando uma despesa com roupas e lanches de 476$500.288
A organização das escolas submeteu-se a uma série de negociações, que
merecem ser analisadas como meio de compreender as maneiras pelas quais
grupos sociais distintos instrumentalizaram a educação e a escola, ora como
forma de ascensão social, ora como forma de promoção social.
Com a ampliação do número de escolas, reflexo da Reforma de Sampaio
Dória, quando no ano de 1921 propôs um curso aligeirado e simples nas escolas
primárias, diminuiu-se sensivelmente o número de analfabetos, valendo-se de uma
espécie de promoção automática nas séries iniciais e criando uma escola
meramente alfabetizante, esse era o curso previsto pela Lei da Obrigatoriedade.
A aprovação da Lei de Obrigatoriedade289 do ensino primário do
município faz parte dos reflexos da Campanha Nacional contra o analfabetismo,
quando muitas associações foram criadas, entre elas a Liga Nacional Paulista que
remeteu ofícios às Câmaras Municipais para que fossem criados dispositivos
legais na esfera municipal a fim diminuir o número de analfabetos no Estado de
São Paulo. A Câmara joseense acatou a causa e o editor do jornal “Correio
Joseense”, manifestou otimismo diante da atitude da edilidade local e sua
esperança em fazer valer a mesma “Depende agora unicamente da acção dos
poderes competentes a fim de que possamos cooperar com farta messe da
effectividade da lei ora votada” 290 Uma maneira de conseguir melhores resultados
através da lei foi criando premiações tanto para o alunado quanto para os
demolida, sendo substituída pela Igreja de Santana atual.
287
Jornal “Correio Joseense” de 25/01/1921.
288
Jornal “Correio Joseense” de 19/02/1922.
289
Embora essa lei tivesse sido idealizada por Leôncio de Carvalho, ainda no Império (1879), a
sua prática foi lentamente sendo estendida, na medida em que a escola e a educação se
consolidavam nas cidades. A Lei de Obrigatoriedade a que nos referimos na década de 1920 foi
fruto de movimentos como a Escola Nova, a Associação Brasileira de Educação e das Ligas que
reuniram a burguesia em torno de causas nacionais.
290
Jornal “O Correio Joseense” de 28/03/1920 p.1.
121
professores, de acordo com ela o melhor aluno de cada uma das escolas públicas
seria recompensado por um prêmio intitulado “Estímulo”, na quantia de vinte mil
réis. E aos professores, aquele que apresentasse ao fim do ano letivo o maior
número de alfabetizados seria gratificado em cem mil réis.
Prevendo que a demanda fosse grande, o governo assegurou algumas
medidas para contê-la. Sendo assim, as crianças de 9 e 10 anos eram prioridade e,
na sobra de vagas, crianças de 11 e 12 anos poderiam ser atendidas. O terceiro e o
quarto anos não eram obrigatórios e possuíam uma taxa de matrícula. As famílias
que não podiam arcar com essa despesa, solicitavam através de requerimento a
isenção dentro de um prazo estabelecido por lei. Só estavam dispensadas das aulas
as crianças cujos pais, tutores ou responsáveis apresentassem provas e
justificativas previstas na Lei da Obrigatoriedade.291
O perímetro da obrigatoriedade tinha elementos físicos e subjetivos.
Identificamos que as exceções diante dessa obrigatoriedade recaíam sobre
meninos que morassem há mais de três quilômetros da escola e meninas que
residissem há mais de dois quilômetros da escola.
Morar perto da área de abrangência da escola não era a única condição
levada em conta para o ingresso à mesma. A capacidade física e intelectual
também eram condições para a entrada na escola, só não sabemos como essas
capacidades eram avaliadas. A saúde pesava no acesso dessas crianças, pois, caso
sofressem de moléstia contagiosa ou repugnante, a elas não seria permitido
freqüentar a escola. Portanto mais uma vez os tipos de moléstias e os critérios de
repugnância ou não estão nas entrelinhas, permitindo interpretações variadas.
As escolas rurais só aparecem nos jornais em uma pequena nota anual,
quando se dá a publicação das datas dos exames finais, ocasião em que o Inspetor
comparecia para verificar o grau de adiantamento dos alunos dessas escolas. Os
Grupos Escolares apareciam quase que em todas as edições do semanário,
mostrando não só a rotina cívica desses espaços como também articulações que
algumas camadas sociais, como a igreja e a incipiente burguesia joseense,
291
Jornal “O Correio Joseense” de 25/12/1921 e Lei de 08/12/1920, Artigo 9.º Os pais poderiam
ser multados de 20 a 100$000 ou sofrer prisão a critério da autoridade escolar.
122
estabeleciam com os mesmos.
O funcionamento de pequenas escolas, com grande rotatividade de
professores e de alunos de maneira não sistêmica perdurou durante muitos anos. A
restrição nas entrelinhas do acesso às escolas municipais, parece ter causado
impacto anos mais tarde, quando um jornal local denuncia o problema da falta de
professores, do aumento do número de analfabetos e da falta de vontade política
de resolver a questão. Encontramos apenas dois exemplares do pequeno periódico
“A Escola – órgão humorístico e literário infantil”, que ao que parece era
destinado aos alunos e familiares, mas produzido por professores, pois sua
linguagem apresenta-se extremamente formal. Um artigo nos chamou a atenção e
parece representar o eco do otimismo pedagógico radicado na capital paulista que
ganhou inúmeros adeptos ao longo da década de 20. Referia-se a que as quantias
aplicadas na educação eram “avultadas” e que mesmo assim o número de
analfabetos crescia:
É este em verdade o assumpto que tem feito queimar as
pestanas e dar reviravoltas o espírito de muitos homens
d’Estado, no afam de achar para o mesmo uma solução
de effeito rapido e eficaz. Sendo este assumpto de grande
importancia para nós e a todos despertando geral
interesse, faremos aqui uma rapida resenha sobre o
momentoso caso. Ninguem ignora e a todos nós é dado
saber que tanto o governo do Estado como a União,
despendem annual e mensalmente avultadas sommas
para a manutenção de innumeras e diversas escolas,
urbanas e ruraes. Principalmente nesta cidade existem
diversas dessas escolas, sendo que há dias foram creadas
mais duas e entretanto o numero de analphabetos
cresce cada vez mais, havendo neste municipio nove ou
dez escolas districtaes vagas. Imaginem dez escolas no
maior abandono e as pobres creanças privadas de receber
os beneficios da instrucção, por meio da qual possam um
dia virem-se livres do malfadado jugo da ignorância!
Mas, perguntamos nós: por ventura, não poderá o
governo do estado ou quem faz suas vezes ordenar
novamente o provimento dessas escolas dando as pobres
creanças o incontestavel direito que lhes assistem de
frequentar as suas aulas diariamente? Cremos que
pode. Si porem o governo não quer ou não pode provel-as
por falta de verba, então há outro meio que consiste em
supprimir certas verbas, empregadas em algum
123
emprehendimento de pouco interesse a causa publica e
applical-a na manuttenção de escolas e de outros
estabelecimentos de ensino – por certo actualmente vagos
– que é uma das cousas mais necessárias à
humanidade em geral. Assim procedendo o illustre
homem que tem nas mãos as redeas de poder
governamental, será mais uma vez digno da gratidão
publica e o seu glorioso nome, será alvo dos mais justos e
incondicionaes applausos.292 (grifos nossos)
A distribuição dos cargos públicos na pasta da educação estava permeada de
interesses e acordos. A instalação do Grupo Escolar de Santana foi possível graças
à doação de um terreno. Documentos sobre a doação do terreno não foram
encontrados, mas a reivindicação por indenização anos mais tarde foi encontrada
nos jornais. Curiosamente, o sobrenome
293
da família que havia doado o terreno
era o mesmo de um dos inspetores municipais de ensino.
Teria sido uma troca de favores políticos que posteriormente transformara-se
em desavença? Tal fato não seria impactante, caso tivéssemos tempo para levar
adiante essa hipótese, afinal os cargos relacionados aos serviços públicos de um
modo geral, em especial a educação, foram tornando-se específicos e exigindo
profissionalização aos poucos.
Os cargos públicos da educação foram ampliando-se, pelo aumento de escolas
e pela complexidade que elas passaram a representar, envolvendo novas figuras
como o diretor, o servente, o porteiro, a merendeira, os professores de disciplinas
específicas. No início do século XX, tais cargos ficavam sob responsabilidade de
muitas pessoas que não tinham a formação do magistério, até por que a
profissionalização do magistério foi um processo lento, por isso era comum a
presença de leigos, principalmente nas escolas rurais. No caso de São José, a
primeira escola de formação de professores foi inaugurada em 1929. Antes disso,
os futuros professores necessitavam dirigir-se a Campinas, Guaratinguetá ou à
Capital para fazer o Curso Normal.
A Escola Normal Livre de São José dos Campos pode ser considerada a
última obra articulada sob liderança do Coronel João Alves da Silva Cursino.
292
Jornal “A Escola” de 25/05/1919 p. 01
124
Mesmo com a dissidência do Partido Republicano294, o Coronel Cursino
continuou estabelecendo alianças, sendo desligado do poder em função do cenário
político de 1930.295
Na ocasião da sessão de 23/11/1929, no salão nobre da Câmara Municipal, o
Coronel Cursino propôs a criação de uma Sociedade Civil denominada “Escola
Normal Livre de São José dos Campos”
296
. Foram quarenta os membros da
reunião, entre eles médicos, o vigário e comerciantes e fazendeiros, com o intuito
de:
crear, manter e fazer funccionar com toda regularidade
uma escola normal livre, nos moldes e nos termos da lei
do Estado de São Paulo sob o n.º 2269, de 31/12/1927, a
fim de preparar pessoas de ambos os sexos para o
297
professorado público das escolas primárias do Estado .
Uma comissão nomeada pelo Coronel João Cursino, formada pelos Doutores
Nelson Silveira D´Avila, Adelmar Ferreira e Antônio de Paula Ferreira, ficou
293
O Sr Lindolpho Sant’Ana em inspeção no ano de 1919 no Bairro do Butá.
Em 1925 começou a dissidência, João Cursino não conseguiu seu almejado cargo de deputado
da Assembléia. O Partido Republicano local passa a denunciar através do jornal Correio Joseense
a administração autoritária e os favorecimentos pessoais. As novas alianças do Coronel Cursino
acontecem principalmente com os médicos que chegam a São José dos Campos nesse período
(fase sanatorial). Nelson D´Avila foi aliado político de Cursino. O Partido Democrático em SJC
foi formado pelos ex-aliados de Cursino: Capitão José Dellias, Capitão Antônio Fernandez Cruz,
Coronel José Monteiro, principalmente comerciantes antigos.
295
A década de 20 foi marcada por uma predominância política no cargo da presidência, exercida
por mineiros e paulistas, essa alternância foi denominada de política do café-com-leite. Além disso
uma crise provocada pela existência de projetos diferenciados, como por exemplo as elites civis
defendendo uma descentralização e os militares uma centralização do poder, somada à crise de
1929 e o descontentamento popular, ameaçaram a hegemonia paulista e mineira no cenário
nacional. Nas eleições de 1930 esperava-se por parte do Governados Washington Luís, a indicação
de um candidato mineiro, mas isso não ocorreu, sendo indicado outro paulista Júlio Prestes.
Alianças políticos entre estados sinalizaram apoio ao candidato gaúcho (Getúlio Vargas) que teve
seu candidato à vice, assassinado. A Posse de Prestes não acontece. Getúlio assume o Governo
Provisório. Período marcado por decretos, sem a existência do Congresso Nacional, das
Assembléias Legislativas e das Câmaras Municipais. Foram nomeados interventores para os
Estados e juntas para as Administrações municipais. O Governo provisório de Vargas aprovou
como Junta Governativa de SJC: Dr Rui Dória, Arnaldo Cerdeira e Austin Tibiriçá.
296
As Escolas Normais em 1920 no Estado de São Paulo eram em número de 10, sendo 9 delas
com cursos de 3 anos de duração e a Escola Normal da Praça da República (Caetano de Campos)
de cinco anos de duração. A III Conferência Nacional de Educação (1929) debateu sobre o Ensino
Normal e propunha que a formação de professores fosse entregue a particulares sob o argumento
do alto índice de analfabetismo no país. O Estado de São Paulo havia se antecipado nessa
discussão e deixou aberta a possibilidade de abertura de Escolas Normais particulares ou
municipais.
297
Ata de Constituição da Escola Normal Livre de São José dos Campos. Acervo Escolar da
294
125
encarregada de regidir os estatutos da Sociedade e providenciar o reconhecimento
da mesma junto ao Governo do Estado de São Paulo. A segunda Assembléia
aconteceu no intervalo de dois dias, sendo os Estatutos da Sociedade Civil Escola
Normal Livre de São José dos Campos aprovados sem objeções. A Diretoria da
Sociedade298 foi votada conforme previsto no Estatuto, o primeiro presidente
eleito foi o Coronel João Cursino.
Fig.29 Jardim interno e varanda dos fundos da Câmara Municipal (Escola Normal)
O prédio escolhido para a instalação da Escola Normal foi o mesmo em que já
funcionava a Câmara Municipal299. A presidência votou a aprovação de três vagas
gratuitas, sendo uma para o sexo masculino e duas para o feminino “aos quais
sejam de reconhecida pobreza e revelem capacidade para os estudos” 300.
Ser professor representava muito, na época; o magistério, na primeira metade
do século XX, passa a representar prestígio social e praticamente ser carreira
Escola Estadual João Cursino. 23/11/1929.
298
Conforme Ata da terceira Assembléia (26/11/12929) foram eleitos: Presidente: Coronel João
Alvez da Silva Cursino, 1.º Vice-Presidente: Dr Nélson Silveira D´Avila, 2.º Vice-Presidente: Dr
Adelmar Ferreira, 1.º Secretário- Mário de Araújo César, 2.º Secretário – Donato Mascarenhas
Filho, 1.º Tesoureiro – Antônio da Silva Santos, 2.º Tesoureiro- Elisiario Guimarães Claro, 1.º
Bibliotecário- Antônio de Paula Ferreira, 2.º Bibliotecário- Joaquim Figueira de Andrade.
299
Ata da Sessão da Câmara Municipal de São José dos Campos, Lei n.º 217 de 30/11/1929.
300
Ata da quarta Assembléia Extraordinária 30/11/1929. Acervo Escolar da EE João Cursino.
126
quase que obrigatória para jovens abastados ou aqueles que desejassem ascensão
social:
Nessa época, a Escola Normal era a “escola onde os pais
punham suas filhas para uma educação completa e bem
orientada, mesmo que, ao depois, não se dedicassem elas
ao magistério: estavam bem preparadas para o
matrimônio também. Os rapazes, cujos haveres não lhes
permitiam cursar o ginásio, faziam a Escola Normal
como um meio de se prepararem, culturalmente, para
ingresso na escola superior e, profissionalmente, para
irem ensinando, enquanto não terminavam seus estudos
profissionais posteriores301
A feminização do magistério constitui objeto de pesquisa de vários autores
que em geral abordam como, no final do século XIX, um discurso que propunha
diferenças naturais entre homens e mulheres, acabou por legitimar e fazer delas as
responsáveis pela educação e socialização das crianças. A moralização da
sociedade era aspiração dos homens ilustrados da época. Procurava-se balizar o
comportamento social e emocional dos homens por rígidos padrões. E a mãe,
primeira educadora dos filhos, era naturalmente a primeira a influenciar o
comportamento da prole.302
A criação da Associação Protetora das Crianças Pobres foi uma expressão de
como a sociedade jossense se mobilizava em torno da educação e da importância
do papel feminino para as articulações de cunho social e, por que não, político. A
começar pelo nome da Associação, que na ocasião estava diretamente ligada ao
primeiro Grupo Escolar. Chamou-nos a atenção pelo seu caráter assistencialista e,
ao mesmo tempo, paternalista. Cada uma de suas ações era acompanhada passo a
passo e registradas nas colunas dos jornais, desde a data de suas reuniões às suas
decisões. A segunda reunião noticiada pelo Correio Joseense mencionou os nomes
dos presentes e as suas doações. Toda essa descrição minuciosa ocupava parte de
uma coluna do jornal local, que na época constava de quatro páginas, o que
301
Apud: MARCÍLIO, M. L. (Op Cit) p. 219 - RUDOLFER, Noemi Silveira. Escola Centenária.
Ver: SCHAFFRATH, Marlete dos Anjos Silva. Profissionalização do Magistério Feminino:
uma história de emancipação e preconceitos. Revista da Associação Nacional de Pós Graduação e
302
127
evidencia o quão se tornava visível todo e qualquer ato em prol dos pobres da
cidade:
A Senhora Cassilda Galvão, ofertou aos alunos pobres 2
ternos de brim, 1 terno de casemira, 1 boné azul marinho,
1 gorro azul marinho, 2 palhetas, 3 ceroulinhas, 1 camisa
e para as meninas 1 vestido preto de lã, 2 vestidos claros,
2 camisas, 1 corpete de lã, 3 calças, 4 saias brancas, 6
blusinhas, 2 casacos para frio, 2 pares de sapato, 1 saia de
lã”303como a compra de peças de brim ou chita para as
suas ofertas aos “pobres”.304
Além das professoras e professores, algumas senhoras e senhoritas faziam
parte da diretoria da Associação Protetora das Crianças Pobres. Percebemos que
as famílias influentes da cidade faziam se presentes no espaço escolar e
imprimiam as suas marcas de bons cristãos. É interessante inclusive refletir sobre
o modelo de educação e a posição que era destinada às mulheres, percebendo
como havia determinação de papéis sociais, cabendo a elas representar seus pais e
maridos nas atividades sociais.
A pobreza ora é apresentada como uma oportunidade para praticar as
virtudes cristãs, ora como um caso de polícia. A prática pública da caridade é feita
pela igreja, pelo Estado e pelas pessoas distintas da cidade.
Da primeira reunião entre professores do Primeiro Grupo Escolar para a
fundação da Associação, o discurso cristão embasou a ação do grupo, ao
descrever a sociedade joseense como uma sociedade “prompta em auxiliar as boas
obras, máxime quando se trata de um emprehendimento como este, cujo fim é a
prática da caridade, o mais sagrado e grandioso preceito do Christianismo” 305. Ao
mesmo tempo, um apelo ao delegado de polícia solicitando providências para por
fim à mendicância: “muitos indivíduos que por ahi andam explorando a caridade
publica” 306. Uma distinção entre os pobres existia, pelo menos na imprensa:
Pesquisa em Educação. 23ª reunião anual. Caxambu – MG: 2000.
303
Jornal “Correio Joseense” 06/03/1920.
304
Jornal “Correio Joseense” 06/03/1920.
305
Jornal “Correio Joseense” 06/03/1920.
128
quanto aos verdadeiros pobres, aquelles que
efectivamente precizam e devem ser socorridos pela
caridade pública, devemos nos empenhar o mais possível
para amenizar-lhes os soffrimentos, dando-lhes pão e
roupa 307.
Várias Comissões exerciam funções assistencialistas. Encontramos
registros de atividades como o Asilo de Mendigos e a Casa de Caridade.
Nas escolas, a prática da caridade, ou melhor dizendo, as associações de
auxílio mútuo, funcionavam com uma arrecadação voluntária, geralmente mensal.
O que nos inquietou ao longo da pesquisa foi a grande “publicidade” em torno das
arrecadações e benfeitorias, que na prática serviam para reforçar a
representatividade e prestígio de algumas famílias.
Identificamos dois grupos atuando nas chamadas Caixas Escolares, um
ligado à região central, angariando fundos para os alunos matriculados no
Primeiro Grupo Escolar “Olympio Catão” e outro atuando no então bairro de
Santana, responsável por assistir às crianças do Segundo Grupo Escolar. Ambos
marcavam presença em “O Correio Joseense”. Seria por motivação de alguma lei
específica ou simplesmente por uma disputa interna da cidade na busca de
promoção política e social de algumas famílias que pareciam fazer da escola uma
vitrina? 308
A
dificuldade
de
encontrar
documentos
específicos
sobre
a
regulamentação da Caixa Escolar, seja em arquivos de grande porte ou nos
acervos escolares, parece manter essa interrogação na pesquisa. O discurso
utilizado por esses grupos, pelo menos nos jornais, constitui nossa principal
306
Jornal “Correio Joseense” 28/05/1920.
Jornal “Correio Joseense” 28/05/1920.
308
Certeau ao trabalhar as estratégias de demarcação, nos relatos de espaço cotidiano, tocou nas
questões da multiplicação das “histórias de família” e das “biografias” como meios de legitimar
algumas práticas sociais e abrir campos de atuação. “pouco a pouco desancoradas dessas histórias
particulares, justificações públicas transformadas em boatos cegos se mantem no entanto ou
ressurgem, selvagens, nos confrontos de classes ou nos conflitos. Polivalente, enfim, porque a
mistura de tantos micro-relatos lhes atribui funções que variam ao sabor dos grupos onde circulam.
Essa polivalência não toca entretanto as origens relacionais da narratividade: o antigo ritual criador
de campos de ações pode ser reconhecido em cacos’de relatos plantados em torno de limiares
obscuros de nossas existências; esses fragmentos escondidos articulam inconscientemente a
história ‘biográfica’cujo espaço fundamentam(...) todo poder é toponímico e instaura a sua ordem
307
129
ferramenta para compreender a atuação dessas camadas sociais.
A pequenina semente lançada ao seio da sociedade
santannense encontrou, como era de se esperar, bom
terreno e hoje a árvore formada em pouco mais de um
mez frondeja robusta abrigando sob seus galhos
309
protectores um punhado de meninos pobres .
Na seqüência, consta um agradecimento aos negociantes do bairro de
Santana: Pedro Rachid e Benedito Ramos, cujas contribuições permitiram a
confecção de 12 terninhos de brim “para cobrirem a nudez de outros tantos
meninos que o seu estado de pobreza negara-lhe receber instrucção (...) e a
confecção foi feita gratuitamente por distintas senhoras do nosso escol social”.310
Pode-se dizer que em todo estado de são Paulo, foram creadas associações dessa
natureza, mantendo-se condignamente; e facultando a disseminação do ensino a
esses infelizes, sem roupa e sem pão 311.
Para ajudar aos pobres eram promovidas festas, bazares, quermesses,
leilões e festivais. É interessante notar que, mesmo com a tendência ao ensino
laico, advindos dos ideais republicanos, em São José dos Campos a presença da
igreja na escola e vice-versa foi constante. Nos eventos promovidos, deixar de
mencionar o nome de algumas pessoas era um sério risco que os redatores
corriam, tendo de lidar com as queixas que, em seguida, recaíam à redação do
jornal. Cada uma das doações ou concessões feitas deveria ser cuidadosamente
relatada, na ocasião um grande festival em favor dos alunos pobres do Primeiro
Grupo Escolar, parece mais uma vez reforçar o quanto a educação era vista como
uma oportunidade de prestígio e status. Ecos de uma solenidade noticiada pelo
“Correio Paulistano” foi motivo de descontentamento:
a noticia incerta de Correio Paulistano pelas ommissões
injustificadas que fez deixando de mencionar o concurso
valioso dos emprezarios do Theatro São José, cedendo
de lugares dando nomes” ver: CERTEAU, M. p. 211 e 216.
309
Jornal “Correio Joseense” 16/05/1920.
310
Jornal “Correio Joseense” 16/05/1920.
311
Jornal “Correio Joseense” 23/04/1922.
130
essa casa de diversões, bem como a sua optima banda de
musica, para abrilhantar a festa, e ainda, o absoluto
silencio sobre a comissão de distinctas senhoras
promotoras desse, certamente causou desgosto e mereceu
a critica da opiniao publica 312.
Toda essa publicidade estava diretamente relacionada à instrumentalização
do espaço escolar por grupos sociais, isto tanto em relação aos Grupos Escolares,
quanto as Escolas Reunidas ou Isoladas.
Outra questão que não podemos esquecer refere-se ao direito ao voto, que
só era possível aos alfabetizados; portanto, à medida que o número de vagas das
escolas aumentou houve também um crescimento significativo do número de
eleitores. A notícia de que o Juiz de Direito da Comarca de São José teve de
dividir a mesma em cinco seções de eleitores indica o aumento de
alfabetizados.313
Ao propor uma análise da escola como um espaço de práticas de caridade
e de disputa pelo poder, na verdade buscamos elucidar as tensões sociais que
estavam no seio da sociedade envolvendo a questão educacional. Ora no espaço
escolar propriamente dito, ora na Câmara Municipal, ora na imprensa, nos
deparamos
com
querelas
diversas,
de
cunhos
pessoais,
revelando
apadrinhamentos, acordos e desavenças.
À medida que aumentou o acesso de pessoas à Educação, criou-se também
a necessidade de diferenciar a educação a ser oferecida. O que não quer dizer que
a partir da instalação do externato São José as camadas mais abastadas tenham
abandonado definitivamente os bancos dos Grupos Escolares, mas é inegável que
se, naquele momento histórico, somente havia na rede pública a oferta do curso
preliminar, ou seja, primário, a continuidade dos estudos esbarrava diretamente na
questão financeira, criando assim uma divisão entre ricos e pobres através do grau
de instrução.
Assentadas as primeiras poeiras da primeira República, temos no relatório
312
Jornal “Correio Joseense” 24/07/1921.
Jornal “Correio Joseense” 10/02/1924. As eleições eram organizadas no espaço do Primeiro
Grupo Escolar de São José e eram utilizadas cinco salas para a votação naquela época.
313
131
do inspetor sanitário João Flório, ao visitar vários prédios públicos joseenses,
entre eles as escolas, evidenciou a disparidade e o estado lamentável das escolas
públicas, em relação ao Externato São José e à Escola Normal.
Sobre o Externato São José, João Flório, além da descrição física, deixou
como observação que as ótimas condições de higiene e boas condições de
alimentação ocorriam em virtude dos alunos pertencerem a famílias de bons
recursos pecuniários. Enquanto que para o Primeiro Grupo Escolar de São José
“Olympio Catão” ele registrara: más condições de higiene e de alimentação,
ressalvando que “existe grande interesse por parte da Diretoria em melhorar as
condições de higiene do estabelecimento, tudo dependendo das altas autoridades”
314
. Quanto ao segundo Grupo Escolar de Santana, Flório relatou que embora o
mesmo tivesse prédio próprio, “as condições de higiene eram sofríveis, apesar da
grande campanha desenvolvida pela direção da casa e do corpo docente”. 315
A Escola Pública tornara-se um local por onde aqueles que desejavam se
instruir passavam. O inspetor João Flório deixou registradas suas queixas sobre a
falta de dados estatísticos sobre a Educação no município. Através de suas fichas,
conseguimos ter ao menos uma idéia sobre como estavam distribuídas as vagas
das escolas centrais. Se considerarmos somente a zona urbana, num total de 1864
alunos matriculados, apenas 361, ou seja, 19,36 % avançavam além do primário,
evidenciando o quão restrito era esse acesso aos níveis mais elevados de ensino,
ficando a maioria da população com o ensino primário.
314
FLÓRIO, João. Relatório de Inspeção Sanitária de são José dos Campos, 1930. Arquivo
Público Municipal. Páginas 95 a 97
315
FLÓRIO, João. Relatório de Inspeção Sanitária de são José dos Campos, 1930. Arquivo
132
Considerações Finais
A educação no Brasil durante todo o século XIX foi marcada por uma
política descentralizada, não havendo professores habilitados nem espaços
destinados às práticas do ensinar e do aprender.
Independentemente das condições financeiras da população, já que a
República tinha como preocupação o formar cidadãos e a nação, no final do
século XIX e início do XX, a educação passou a ser discutida e pensada como
uma necessidade. O estabelecimento da primeira lei de obrigatoriedade do ensino
(1879) não assegurou a freqüência das crianças nas escolas, por uma série de
motivos como falta de material escolar, distância das escolas, precoce ingresso no
mundo do trabalho, falta de professores, entre outros. Esse quadro não trata de
uma especificidade local; ao contrário, era generalizado, fazendo da educação um
privilégio para poucos.
Com a descentralização do poder, advinda da República, o Estado de São
Paulo diante da sua prosperidade cafeeira, industrial e comercial, assistiu a um
crescimento populacional tanto no campo como nas cidades. Estas últimas foram
se tornando laboratórios onde sucessivos experimentos visavam a tornar aquele
espaço moderno e salubre. São Paulo sai à frente criando Reformas Sanitárias e
Educacionais que foram, na medida do possível, seguidas por outros Estados.
Nosso recorte cronológico contém duas destas Reformas Educacionais. As
expectativas criadas nem sempre foram atingidas em sua totalidade, mas
imprimiram marcas que até hoje estão presentes na memória da população. A
terminologia Jardim-de-Infância e Grupo Escolar foram algumas das heranças
deixadas pela Reforma de 1892, que persistiram até recentemente.
Tanto os idealizados Grupos Escolares como as Escolas Normais,
trouxeram consigo um novo conceito de escola, com prédios específicos, espaços
destinados para cada tarefa a ser realizada. No entanto, esse projeto tinha um
custo que exigiu flexibilidade das autoridades. Contudo, a oferta de escolas
públicas revelava uma grande contradição entre a escola que se queria (Templos
1
de Civilização) e a que predominava (escolas improvisadas herdadas do Império).
Quanto à formação de professores, não foi diferente. Na ausência de vagas
nas Escolas Normais, e mesmo na falta deles, alunos das Escolas Complementares
adquiriam habilitação para ministrar aulas.
Os Grupos Escolares se instalaram nas cidades com certo potencial
econômico e, cidades mais acanhadas, como era o caso de São José dos Campos,
as Câmaras Municipais arrendaram e adaptaram algumas residências em convênio
com o Governo Estadual. Essas diferenças, no ato da instalação, refletia-se
também na infra-estrutura dos Grupos e na manutenção deles.
Atropelos na tentativa de implantar o paradigma do Grupo Escolar foram
sentidos em São José dos Campos, sendo a história do Grupo Escolar Olímpio
Catão marcada por interrupções de atividades e precariedade de recursos. Mesmo
assim, o Grupo Escolar adquiriu relevância para a sociedade local. Ser o diretor
do grupo ou mesmo professor, eram atividades de prestígio. Seus representantes
estavam entre os freqüentadores das cerimônias oficiais e era uma dentre as
instituições que representava a sociedade local.
Tanto a mudança do Regime, quanto a separação entre a Igreja e o Estado,
não foram aceitos com naturalidade; sentimentos de nostalgia e conflitos de idéias
marcaram o início do século XX. A Igreja não se afastou da política, pelo menos
localmente, a política dos coronéis deu a ela um lugar e assim obteve uma
parceria testemunhada pela imprensa.
As famílias mais abastadas, exercitando a moral cristã e ao mesmo tempo
ganhando reconhecimento e prestígio na cidade, desenvolveram muitas atividades
na cidade. A Caixa Escolar foi uma dessas atividades, servindo como uma espécie
de vitrina da elite local. No entanto, as Caixas Escolares atuavam dentro dos
Grupos Escolares. Em nenhum momento encontramos registro dessas atividades
nas escolas isoladas, deixando evidente que seu foco de interesse era estritamente
urbano. Ao mesmo tempo, a maioria da população estava na zona rural e as
escolas nesta área também podiam ser consideradas símbolos do progresso, do
amor à instrução e ao mesmo tempo da benevolência do fazendeiro que a
promovia. Após a Primeira Guerra Mundial, São José dos Campos, aderiu a ondas
2
de nacionalismo promovidas por grupos abonados que se promoviam em torno de
ideais nacionais. A implantação de dois Tiros de Guerra, do Grupo de Escoteiros,
Liga da Tuberculose e Fundação de Associações de Socorro Mútuo, refletiu na
cidade e nas escolas.
A Educação, portanto, constituiu palco de disputa de interesses e de
promoção pessoal durante um longo período de sua existência. A demanda por
escolas sempre existiu em São José dos Campos, mas a articulação para a
implantação e manutenção delas sempre beneficiou grupos distintos. Os menos
favorecidos, reconhecendo o espaço escolar como um direito e uma necessidade
vital para a sua ascensão social, passavam pelos bancos escolares,
estrategicamente fazendo uso das táticas dos benfeitores, fazendo o jogo que
estava posto por eles.
A Educação é assunto complexo, um universo a ser explorado. Nosso
esforço diante desta pesquisa pode ser resumido em compreender como se
processou a educação pública no município de São José durante a primeira
República. Diante de um vasto corpo documental e a ausência de um interlocutor
anterior, optamos por contemplar essas diferentes fontes sob a ótica do cotidiano
dessas escolas, identificando as ações que foram tomadas no sentido de criar e
manter escolas no município. Nesse sentido contemplamos os relatórios de
professores e de diretores, correspondências diversas e os jornais locais.
Deixamos a análise das fontes iconográficas para um próximo trabalho. Inúmeras
combinações de recortes foram sendo feitos e refeitos ao longo dessa empreitada,
ficando decidido pelo que ao nosso ver contemplou o maior número possível de
segmentos sociais: fazendeiros. comerciantes, profissionais liberais, professores,
padres e coronéis, usando como pano de fundo a escola.
A nossa data limite no recorte cronológico estabelecido, constitui, a partir
de agora, um ponto de partida para uma nova empreitada, cujo objetivo será o de
compreender através das escolas o trinômio: Deus, Pátria e Família. No período
de 1889-1930 conseguimos compreender movimentos sociais que reforçaram o
papel da Igreja e sua (re)aproximação com o Estado e a inculcação de valores
nacionais através do cotidiano escolar, o que conseqüentemente resultaria num
3
modelo familiar idealizado, formando cidadãos e bons cristãos. Perseguir como
essa movimentação no entorno da escola perpassou pelos currículos, programas e
atravessou décadas é um novo desafio.
Falar de escola hoje é obviamente falar de um espaço público, freqüentado
por crianças de ambos os sexos, organizadas por séries, com uma estrutura
administrativa complexa e com muitos professores. A falta de material e infraestrutura ainda é recorrente, mas essa escola que conhecemos atualmente se
mostra vitoriosa sob o ponto de vista de uma unidade dentro de uma rede que
admitiu ao longo de sua história os pecados na uniformização ou total abstinência
dela, mas que principalmente errou na descontinuidade do que estava dando certo
em nome de uma economia que hoje se mostra vã.
A Educação até hoje está presente em discursos políticos, na imprensa, na
fala dos intelectuais. É um assunto pertinente na agenda pública. O aumento de
vagas e a democratização da escola foram ao longo do tempo sucateando uma
estrutura que já era bastante frágil e conflituosa. O hiato que temos hoje entre o
Ensino Básico e o Superior são heranças desse modelo educacional, que buscou
sempre exemplos externos e privilegiou sempre os níveis mais elevados de ensino,
em detrimento daquele que se diz “básico”, formando um exército de “cidadãos
de papel” 1.
1
A expressão Cidadão de papel é de autoria de Dimenstein. Ver: DIMENSTEIN, Gilberto. O
cidadão de papel A infância, a adolescência e os Direitos Humanos no Brasil. SP: Ática, 2002. 20.ª
Edição.
4
Anexo A
Mapa de Movimento de 1829
135
Anexo B
Mapa de Movimento (1851)
136
Anexo C
Regulamento da Aula Pública (1852) Página 1
137
Anexo D
Regulamento da Aula Pública (1852) Página 2
138
Anexo E
Regulamento da Aula Pública (1852) Página 3
139
Anexo F
Regulamento da Aula Pública (1852) Página 4
140
Anexo H
Programa da Aula Noturna (1868) Página 1
142
Anexo I
Programa da Aula Noturna (1868) Página 2
143
Anexo J
144
Regulamento Interno Escola Pública (1869) Página 1
Anexo K
145
Regulamento Interno Escola Pública (1869) Página 2
Anexo L
Regulamento Municipal de Instrução Pública
146
Anexo M
Regulamento Municipal de Instrução Pública (página 2)
147
Anexo N
Regulamento Municipal de Instrução Pública (página 3)
148
Anexo O
Regulamento Municipal de Instrução Pública (página 4)
149
Anexo P
Regulamento Municipal de Instrução Pública (página 5)
150
151
Anexo Q
Lei da Obrigatoriedade no Município
Correio Joseense 28/03/1920
152
FONTES
Arquivo do Estado
•
Instrução Pública (1793-1944)
- Anuários do Ensino do Estado de São Paulo – Inspetoria Geral do Ensino
Anos de 1907 a 1923, 1926 e 1936 a 1937.
- Correspondência com a Diretoria da Instrução pública (1889-1890)
- Ofícios dirigidos ao Inspetor Geral da Instrução Pública (1891)
- Correspondências do Governo com a Escola Normal (1892)
- Ofícios dirigidos ao Inspetor Geral da Instrução Pública (1894-1896 1898-1902)
- Relatórios dos Inspetores de Ensino
- Regimentos internos das Escolas Públicas
- Instrução Pública – Ofícios de São José dos Campos (1889-1899)
- Ofícios dirigidos ao Governo da província (1891-1903)
- Ofícios Inspetor Geral (1899 – 12 volumes; 1899, 1900-1902)
- Minutas de Ofícios (1892-1895)
- Diretoria Geral de Instrução Pública (1893, 1896)
- Roteiro do Inspetor Literário 14.º distrito (Caixa 80 5101)
•
Secretaria do Interior (1872-1959)
- Protocolo do envio de material escolar aos municípios (1901-1902)
- Atas do 1.º Congresso Brasileiro de Instrução Pública Secundária (1911)
- Livro de Freqüência S.J.Campos (1899-1901)
- Escola Masculina do Bairro Cabeça de Boi (1896)
- Escola Masculina do Bairro Cabeça de Boi (1902-1906)
- Conselho Supremo de Ensino – Provimento de Escolas (1899)
152
•
Documentos Diversos
- Coleção de Leis e decretos do Estado de São Paulo (1835-1984)
- Roteiros do Inspector Litterário do 14.º Districto (1896)
Arquivo Público Municipal de São José dos Campos
I - Jornais
•
“ Jornal A Vida” - publicação semanal – coleção incompleta
15/12/1887 Ensino em Família
29/01/1888 Acta do 1.º dia de Sessão Ordinária em 16/01/1888
08/02/1888 Acta do 4.º dia Sessão de 26/01/1888
12/02/1888 Crianças sem governo + Acta do 3.º dia da sessão Ordinária
04/03/1888 Seminário das Educandas de SP e Acta do 6.º dia de Sessão
18/03/1888 O Brasil e os brasileiros
13/05/1888 Um estabelecimento modesto – Educação para gentalha
10/11/1889 Sessão de 12/10/1889
17/08/1890 Sessão de 04/08/1890
24/08/1890 Sessão de 08/08/1890
27/07/1890 Administração Municipal
20/07/1890 O trabalho – Colégio Mascarenhas e a Educação Feminil + Acta de
23/07/1890 Acta de Sessão 17/07/1890
06/07/1890 Administração Municipal + Acta de 16/07/1890
28/12/1890 SJCampos Caminha
21/12/1890 Gymnásio Infantil (Em Jundiahy) + Exoneração de Professor
30/11/1890 “ Novo Livro” + Colégio Mascarenhas
09/11/1890 Nossa Constituição + Instrucção Pública
26/10/1890 Escola Pública
153
19/10/1890 Instrução Primária
31/08/1890 Sessão Extraordinária 14/08/1890
•
Jornal “ A Caridade” – semanário Católico publicado aos sábados
23/06/1917 Instrução e Educação – Abri uma escola e fechareis uma prisão
30/06/1917 Christo nas Escolas
05/09/1917 Educação
06/10/1917 Escola Parochial
08/12/1917 A mulher e a moda
21/02/1918 Brazil e os brazileiros
23/03/1913 Escola de música
06/04/1918 Educação Christã
13/04/1918 Instrução Popular
20/04/1918 A Instrução Popular
•
Jornal O Caixeiro – Orgam dos Empregados no Comércio
15/12/1904 Educador
01/01/1905 “ Sociedade de Instrução Commercial
09/02/1905 Escola em Sant´Anna
06/04/1905 Grupo Escolar
18/05/1905 Do Collégio Salesiano de Niteroy
29/06/1905 Instrucção
13/07/1905 Instrucção
24/08/1905 O estudo
31/08/1905 Instrucção
•
A Escola – Orgam Humorístico e Literário Infantil
25/05/1919 O problema do Ensino – A extinção do Analphabetismo.
154
.II - Fundo da Secretaria da Administração da Prefeitura
Municipal de SJC (1862 -1968)
Documentos Diversos
- Concessão para exercício de funções de médico, professor e botânico (18621871) *
- Correspondências, Ofícios e Circulares da Câmara Municipal (1863-1872) livro
445.
- Atas de Sessões da Câmara (1892-1897)
- Atas de Sessões da Câmara (1897-1898)
- Atas da Apuração do Recenseamento Escolar (1899) *
- Termos de Posse de Professores (1914-1918)
- Suspensão e Transferência de professores da Rede Estadual (1914-1918)
- Faltas de Professores das Escolas do Município (1919-1920)
- Relatório de Inspecção Sanitária de São José dos Campos, João Ferraz do
Amaral,. USP/Faculdade de Medicina, 1930.
- Relatório de Inspecção Sanitária de São José dos Campos, João Flório, USP:
Faculdade de Medicina, 1944.
- Exposição Patrimonial – Patrimônio perdido o passado em ruínas –
Departamento de Patrimônio Histórico de São José dos Campos Fundação
Cultural Cassiano Ricardo.-30/12/2004. CHUSTER, Vitor (org).
- Exposição Patrimonial – Primeiras Escolas de São José dos Campos –
Departamento de Patrimônio Histórico de São José dos Campos – Fundação
Cultural Cassiano Ricardo. 29/12/2004. CHUSTER, Vitor (org).
Termos de Exame
- Termos de Exames Escola Pública Provisória Masculina de Santana (1898-1899)
- Termos de Exames da Escola Pública Provisória Feminina de Santana (18991914)
- Termos de Exames Escola Municipal do Bairro da Pernambucana (1901)
155
- Termos de Exames Escola Feminina do Bairro Vargem Grande (1905-1916)
- Termos de Exames Escola Pública Masculina de Santana (1909-1919)
- Termos de Exames Escola Feminina do Bairro de Santa Cruz (1914-1919)
- Termos de Exames Escola Mista do Bairro da Vargem Grande (1919)
Termos de Visita
- Termos de Visitas Escola Provisória do Bairro da Boa Vista (1898-1899)
- Termos de Vistas Escola Pública de Santana (1909-1920)
- Termos de Visita Escola do Bairro do Butá (1914-1918)
- Termos de Visita Escola Feminina do Bairro de Santa Cruz (1914-1920)
Inventários de Material Escolar
- Inventário de Material Escolar de Buquira (1907)
- Inventário de Material Escolar do Bairro do Butá (1911-1914)
- Inventário de Material Escolar do Bairro do Cabeça de Boi/ Cajuru (1915)
- Inventário de Material Escolar Escola Mista do Bairro do Pau d´Alho (19161917)
Registro de Chamadas
- Registro de Chamada de Escolas de Vargem Grande (1907-1911)
- Registro de Chamada Escola Masculina do Bairro do Bom Jesus do Buquira
(1907-1911)
- Registro de Chamada Escola Feminina de Santana (1907-1911)
- Registro de Chamada Escola Masculina do Cabeça de Boi (1908-1911)
- Registro de Chamada Escola Masculina da Estação de Eugênio de Melo (19081917)
- Registro de Chamada Escola Masculina do bairro de Santana (1911-1913)
- Registro de Chamadas Escola Mista da Estação de Eugênio de Melo (19111914)
- Registro de Chamadas Escola Masculina do bairro do Cajuru (1911-1915)
- Registro de Chamadas Escola Mista do Bairro do Caethê (1912-1916)
156
- Registro de Chamadas Escola Masculina de Santana (1913-1915)
- Registro de Chamadas Escola Noturna masculina para Meninos Operários
(1914-1917)
- Registro de Chamadas Escola Mista do bairro de São José (1914-1917)
- Registro de Chamadas Escola Feminina do bairro de Santa Cruz (1914-1917)
- Registro de Chamadas Escola Mista do Bairro de São José (1914-1918)
- Registro de Chamadas Escola Masculina de Santana (1915-1918)
- Registro de Chamadas Escola Masculina do Bairro do Cajuru (1915-1919)
- Registro de Chamadas Escola Masculina do Bairro Bom Jesus do Buquira
(1916-1918)
- Registro de Chamadas Escola Mista de Eugênio de Melo (1916-1918)
- Registro de Chamadas Escola Masculina do Bairro do Bom Jesus do Buquira
(1916-1918)
- Registro de Chamadas Escola Mista do Bairro do Pau d´Alho (1917-1918)
- Registro de Chamadas Escola Mista do Bairro de Santa Cruz (1917-1920)
- Registro de Chamadas Escola Masculina de Santana (1918-1920)
- Registro de Chamadas Escola Masculina do Bairro de São José (1918-1920)
Registro de Matrícula
- Registro de Matrícula da Escola Estação de Eugênio de Melo e Escola Mista do
bairro do Caethê (1908-1917)
Diretoria de Ensino de São José dos Campos
- Fichas “A” Cadastro das Unidades Escolares pertencentes às Redes Pública
Estadual e Municipal de São José dos Campos. (última atualização 2005)
157
Acervo da Escola Estadual Santana do Paraíba
- Livro de Registro de 1920
- Livro de Assentamento 1920
Acervo da Escola Estadual João Cursino
- Atas das Sessões da Directoria da Sociedade Civil “Escola Normal Livre de São
José dos Campos” (1929)
-Livro Atas de Exames da Escola Normal Livre de São José dos Campos (1931)
Acervo da Escola Estadual Olímpio Catão
- Mapa de Movimento das Escolas Públicas (1926)
- Mapa de Movimento das Escolas Públicas (1930)
- Álbuns de fotografias 1914-2005
Acervo Particular da Professora Miriam Matel de May Jannunzelli
- Jubileu de Ouro – E.E.P.S.G. “João Cursino” – Bosquejos históricos da Escola
João Cursino – Geraldo M.M. Cabral. Departamento de Cultura, Lazer, Recreação
e Turismo. Prefeitura Municipal de São José dos Campos, novembro de 1979.
-Hemeroteca sobre a Escola Estadual Olímpio Catão
- Celebração do Centenário da Escola Estadual João Cursino (1996)
- Projeto Centenário da E.E.P.S.G Olímpio Catão
- Fotografias do Grupo Escolar Olímpio Catão
Acervo da Secretaria do Estado da Educação “ Caetano de Campos” – Brás
- Cartilha das Mães
- 1.º e 2.º Livro Puigari
158
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Brasil. Revista Brasileira de Educação. ANPED – Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Educação. N.º 14, 2000.
165
Índice de Figuras
ƒ
Fig. 1. Mapa da divisão administrativa do Vale do Paraíba ( Prefeitura
Municipal de Aparecida)
ƒ
Fig. 2 Sanatório Vicentina Aranha (APMSJC)
ƒ
Fig. 3: Mapa de zoneamento de SJC (1930) – Relatório J. F. A. (APMSJC)
ƒ
Fig. 4: Página 166 Relatório do Inspetor João Ferraz do Amaral (APMSJC)
ƒ
Fig. 5: Página 167 Relatório do Inspetor João Ferraz do Amaral (APMSJC)
ƒ
Fig 6: Anúncio do Jornal Correio Joseense (1920) (APMSJC)
ƒ
Fig. 7: Croqui feito pelo Professor Escobar 1855/ (APESP)
ƒ
Fig. 8 Professor Sebastião Hummel/ Almanach de São José dos Campos
para 1922 (APMSJC)
ƒ
Fig.9 Residência e Escola do Professor Sebastião Hummel/ Álbum de São
José dos Campos/ João Netto Caldeira (APMSJC)
ƒ
Fig.10 e 11 Material Didático da Escola Normal Caetano de Campos/
Acervo da Caetano de Campos/ Brás-SP
ƒ
Fig 12. Escola Isolada (década de 1930) (APMSJC)
ƒ
Fig 13. GEOC (Ex residência Família Baracho) (APMSJC)
ƒ
Fig. 14 Grupo Escolar Olímpio Catão em seu 1.º prédio (primeira década do
século XX) (APMSJC)
ƒ
Fig. 15 Externato São José (1926) (APMSJC)
ƒ
Fig. 16 Segundo Grupo Escolar de SJC (1920). (APMSJC)
ƒ
Fig. 17 Liga Paulista Tuberculose/ Correio Joseense / (APMSJC)
ƒ
Fig. 18 GEOC (início do século XX) (APMSJC)
ƒ
Fig.19 Grupo de Escoteiros do GEOC (sem data) (APMSJC)
ƒ
Fig. 20 Correio Joseense 1920/ (APMSJC)
ƒ
Fig. 21 Correio Joseense 1920/ (APMSJC)
ƒ
Fig.22 Jardim interno e varanda dos fundos da Câmara Municipal /Escola
Normal - (APMSJC)
166