É coisa nossa!

Transcrição

É coisa nossa!
70 :: bula da Catunda
Marcela Catunda
Trabalhou na TV Globo, TV Bandeirantes, TV Gazeta, Manchete e SBT. Foi redatora da DM9DDB
e Supervisora de Criação de Mídia Interativa da Publicis Salles Norton. É sócia do site Banheiro
Feminino, está no Orkut e trabalha como autônoma.
blog - http://pirei.catunda.org
[email protected]
É coisa nossa!
E o estacionamento? É por conta nossa.
E a gasolina? É por conta nossa.
E o almoço perto do cliente? É por conta nossa.
É assim que me sinto muitas vezes indo e voltando das reuniões de freela, num show
de calouros com o som dos anos oitenta pra depois não ganhar nem 10 mangos (que nos
anos oitenta era uma grana). Isso se não tiver pegadinha do “Mallandro”: “Háááááá! Você
pode pegar seu pagamento mês que vem? Glu-gluuu, iê-iééééééééé!!!” Em 2007, gostaria
que as coisas fossem diferentes.
Passei o ano de 2006 como Diretora de Criação, mas resolvi voltar para a vida de ser
freela no ano que tá aí. Tô ficando especialista em pedir demissão. Acho que eu entro na
sala dos caras e eles pensam:
- Lá vem a Catunda se demitir... (risos) E eu me demito mesmo. Seria cômico se não
fosse trágico.
A verdade é que estou ficando mais velha e cada dia com menos paciência para o lado
negro da força dos ambientes coorporativos. Até o mais forte dos Jedis teria problemas
em lidar com uma dedada no olho. Nem Obi Wan Kenobi está preparado para uma briga
de puxão de cabelo e beliscão. Já pensou o Darth Vader brigando igual a uma menininha?
Picuinhas, sacanagens e afins: Tô fora!
D u r a n t e m u i t o t e m p o a c re d i t e i s e r p o s s í v e l m u d a r o m u n d o , a g o r a j á t ô m e
conformando em mudar apenas a minha vida. De repente se cada um de nós fizer uma
mudança pro bem, o mundo muda pra melhor. Eu mudei bem, pra bem longe do endereço
da minha ex-mesa. Agora estou em casa de novo, reaprendendo a ser freela, me adaptando
a escrever sem fumar (larguei o cigarro), longe dos amigos que ficaram lá e pensando
bem antes de sair por aí oferecendo trabalho. Que trabalho? Aquele que te comeu atrás
do “armalho” (que piadinha péssima), mas é sério. A gente precisa tomar cuidado pra na
hora do desespero não pegar a primeira oportunidade e jogar fora nossa liberdade. É
impressionantemente mais fácil encontrar um emprego fixo do que achar empresas que
queiram um relacionamento “freela” com a gente. É sempre aquela coisa: te quero, mas te
quero só pra mim. Te quero muito. Te quero agora, pela manhã, a tarde, a noite. Fala sério!
Que relacionamento mais obsessivo é esse? Me deixa. EU SOU FREE.
O tempo de 2006 passou e agora que eu voltei a ser free já me deparei com a dura
realidade da minha escolha: gastei uns 100 mangos só de estacionamento e queimei uns
bons quilômetros de gasolina. Fora aquele almoço com o cliente, aquele que o cara te leva
num lugar legal achando que você tem grana e na hora da conta divide pelo número de
pessoas presentes na mesa, sem sacar que você comeu tão somente uma salada de alface
bula da Catunda :: 71
"Com menos paciência para o lado negro da força dos
ambientes coorporativos. Até o mais forte dos Jedis teria
problemas em lidar com uma dedada no olho"
com rúcula e rabanetes de 18 mangos (o que já é um assalto). Tenha dó de mim, o senhor comeu um filé
ao molho madeira.
Não é simples ser freela, a gente precisa de fluxo de caixa e aquele pensamento positivo quando
lembra que “não tem nada pra entrar nesse mês”. Auummmm! Mas a vida continua e esse ano vai ser lindo.
Pensamentos positivos nunca são demais, criemos então uma realidade linda e quente onde, caminhando
pela minha marina particular entre iates luxuosos que brilham escandalosamente com o reflexo dourado
do sol de Miami... (me deixa ser cafona que esse peptídeo é meu) passo a mão num daqueles celulares
platinados, cravejados de diamantes e digo “Manda comprar tudo, agora!”. Não sei que “tudo” é esse,
mas os mega milionários do cinema sempre pegam o celular para mandar comprar “tudo”, então eu quero
“tudo” também ora, bolas. O Octopus, do Paul Allen, ia parecer um caiaque perto dos meus iates. O tal
do Airbus 380 ia ser o meu AeroCatunda, ou Catunda Force One.
E essa coisa de criar realidade funciona. Tenho uma amiga que olha o saldo dela negativo de 3 paus
no banco e enxerga um sinal de positivo no lugar do menos e um 8 no lugar do 3. Pô! Em menos de
um minuto, ela sai da miséria e pula pra classe dos bem sucedidos. Tem investimento melhor do que
pensar no positivo?
E pensar pra lá de positivo é uma das minhas promessas para 2007, bem como comprar um bloquinho
de Zona Azul, criar coisas legais, escrever muitos livros* e chegar sempre com o estômago relativamente
forrado em reuniões perto da hora do almoço. Nham! Nham.
* Você já leu “Eu Sento, Rebolo e Ainda Bato um Bolo”? Então, leia! É meu último livro e está à venda nas melhores lojas do ramo. E fique de olho que
virão mais em 2007.