FAMEC 2008.pmd
Transcrição
FAMEC 2008.pmd
Faculdade Metropolitana de Camaçari - FAMEC DIRETORIA GERAL Profª Celene Maria de Oliveira Santos EDITOR RESPONSÁVEL Profª Drª Arlinda Paranhos Leite Oliveira CONSELHO EDITORIAL Profª Celene Maria de Oliveira Santos (FAMEC) Profª Drª Arlinda Paranhos Leite Oliveira (FAMEC, UNEB, UFBA, UCSAL) Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo (UFBA) Prof. Dr. Olival Freire Júnior (UFBA) Prof. Dr. Robson Moreira Tenório (UFBA) Prof. Dr. Carlos Geraldo D’Andrea Espinheira (UFBA) FICHA CATALOGRÁFICA Jucilene de Oliveira Santos Tempo Revista Científica da Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMEC Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 Editada pela Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMEC Localizada à Avenida Eixo Urbano Central, s/n° - Centro – Camaçari – Bahia CEP.: 42800-000 – Fone (71) 3621-5157 / 2101-3250 e-mail: [email protected] Ficha Catalográfica Tempo: Revista Científica. Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMEC v.5, n.1 (dez/2007) Camaçari, 2008 Anual 1. Educação 2. Ensino 3. Aprendizagem 4. Informação 5. Periódico I. FAMEC II. Tempo CDU 050 Sumário PROBLEM-BASED LEARNING NO ENSINO DE CIÊNCIAS Ariston de Lima Cardoso, Augusto Thadeu Vidal ............................................................................................................. 7 CARTEIRAS DE INVESTIMENTOS COM O MÉTODO DE ELTON-GRUBER EM PERÍODOS DE INSTABILIDADE ECONÔMICA NO BRASIL Utilan da Silva Ramos Coroa, Tatiana Gargur dos Santos .................................................................................................. 13 UNIVERSIDADE CORPORATIVA COMO UMA ESTRATÉGIA DE RENOVAÇÃO NA EDUCAÇÃO ORGANIZACIONAL Ana Lucia Antunes Faria, Eliaura Maria Brito Santos ......................................................................................................... 28 A INCLUSÃO DO ALUNO COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR Telma Brito Rocha ............................................................................................................................................................ 40 A COMUNIDADE CIENTÍFICA E DISSEMINAÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO Patrícia Fernandes, Jucilene Santos .................................................................................................................................. 46 CENÁRIO DO DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS DE QUEBRA DE AMÊNDOAS Djane Santiago de Jesus, Carla Renata Santos dos Santos, Genice de Jesus Santana, Carla Renata Santos dos Santos . 51 CULTURA ESCOLAR E (DES)ENCONTRO COM A DIVERSIDADE Antonio José Tavares Lima ............................................................................................................................................... 56 EDUCAÇÃO COMO PILAR PARA O DESENVOLVIMENTO: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL Maria Raidalva Nery Barreto ............................................................................................................................................... 65 IDENTIDADE E EDUCAÇÃO EM PERSPECTIVA: INCURSÕES NO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E ESTRANGEIRA Fernanda Mota .................................................................................................................................................................. 69 EDUCAÇÃO NA SAÚDE: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA A QUALIDADE DE SOBREVIDA EM CRIANÇAS DE PRIMEIRO ANO DE VIDA, EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL Mara Regina Cerqueira Nogueira Malafaia, Eva Santos da Cruz; Gabriel de Lima Simões, Zelândia Marques, Amanda Prado Almeida, Antonieta Priscila Pereira Oliveira, Jéssica Letícia Barbosa Cardoso, Priscila de Jesus Assunção, Vivaldo A lmeida Braga .................................................................................................................................................................. 77 INVENÇÃO E MEMÓRIA – A CONSTRUÇÃO NARRATIVA DE LYGIA FAGUNDES TELLES Marielson Carvalho ........................................................................................................................................................... 84 NOVAS REFLEXÕES SOBRE BIOÉTICA E BIOTECNONOLOGIA EM FACE DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA Ana Thereza Meirelles Araújo ............................................................................................................................................ 94 PERFORMANCE DE EMPRESAS SOCIALMENTE RESPONSÁVEIS NA BOVESPA: APLICAÇÃO DA ANÁLISE DE C LUSTER Ailton Passos Ferreira .................................................................................................................................................... 107 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 5 Apresentação A Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMEC empenha-se em lançar a quarta edição da Revista Tempo a qual se constitui em um periódico, que busca socializar as inquietações científicas dos profissionais das diferentes áreas de conhecimento que integram este espaço educativo. Assim, cabe-me especificar cada um dos onze artigos trabalhados pelos professores. Artigos esses que certamente possibilitarão ao leitor uma relação direta com as diversificadas análises contemporâneas do conhecimento • Cultura escolar e (des) encontro com a diversidade • Invenção e memória - a construção narrativa de Lygia Fagundes Telles • Novas Reflexões sobre Bioética e Biotecnologia em Face do Direito Fundamental a Vida • Performance de Empresas Socialmente Responsáveis na BOVESPA: Aplicação da Análise de Cluster • Cenário do Desenvolvimento de Tecnologias de Quebra de Amêndoas • Educação na saúde: uma nova perspectiva para a qualidade de sobrevida em crianças de primeiro ano de vida, em situação de risco social • Identidade e educação em perspectiva: incursões no ensino de língua materna e estrangeira • A Inclusão do Aluno com Necessidades Educativas Especiais na Educação Superior. • Problem-Based Learning no Ensino de Ciências • A comunidade científica e disseminação do conhecimento científico • Educação como pilar para o desenvolvimento local: políticas públicas para assistência estudantil. Por fim, esta nova edição tem como objetivo visualizar a aplicação pratica de temas específicos nos diversos campos, como também dividir com os nossos leitores o pensamento dos educadores da FAMEC, acreditando que os grandes processos de transformação ocorrem quando acontece a socialização do conhecimento. Registro nesta oportunidade meu reconhecimento a Coordenação de Editoração pelos redobrados esforços na elaboração e na continuidade do projeto da Revista Tempo e o empenho do Conselho Editorial, na captação de artigos e na avaliação dos mesmos. Agradecimento especial aos professores colaboradores deste número que revelam estar motivados para a construção e análise de temas que contemplam o seu cotidiano acadêmico, o que reflete o desenvolvimento do fazer pedagógico pautado em princípios analítico, crítico e reflexivos. Celene Maria de Oliveira Santos Diretora Geral Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 7 Problem-Based Learning no Ensino de Ciências Ariston de Lima Cardoso1 Augusto Thadeu Vidal2 RESUMO: A Aprendizagem Baseada em Problemas ou PBL (Problem-Based Learning) é uma estratégia centrada no estudante, que o ajuda a desenvolver o raciocínio e a comunicação. Diferentemente dos métodos de ensino convencionais que colocam problemas de aplicação após a introdução de conceitos, temos o uso de problemas para iniciar e motivar a aprendizagem da teoria no ensino de Ciências. Esta experiência de natureza qualitativa buscou investigar uma possível proposta para implementar a metodologia PBL no ensino de física para cursos de engenharia. Os resultados mostram que, apesar de diferentes contextos, as turmas reagiram positivamente a PBL, desde que alguns aspectos sejam redimensionados e que não deve ser utilizado como única ferramenta pedagógica, mas uma complementação no processo complexo do ensinoaprendizagem. PALAVRAS-CHAVE: PBL. Ensino de Ciências. Metodologia. 1. INTRODUÇÃO: As seqüentes e aceleradas transformações que acontecem no campo da tecnologia e da informação geram uma mutação constante no conhecimento humano. Acompanhamos nas últimas décadas mudanças significativas na maneira que nos comunicamos, acessamos informações e observamos o mundo. A educação, que é uma atividade crucial à humanidade através das épocas, está fortemente atrelada a estas mudanças, pois é responsável pela criação, disseminação e construção das Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 alterações que refletem a sociedade (BOTOMÉ,1994). Dentre as várias áreas do conhecimento que são afetadas por este ritmo frenético de descobertas, destaca-se a área das ciências, 1 Mestre em Física – Universidade Federal da Bahia. Professor da Faculdade Metropolitana de Camaçari. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Ciências dos Materiais – Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares IPEN/USP, Professor da Faculdade Metropolitana de Camaçari. E-mail: [email protected] 8 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC já que esta é o pilar estrutural para a construção de tecnologias e vive cada vez mais alteração gradativa. Assim, este fenômeno produz inovações no conhecimento científico, que afetam o ensino de ciências, em particular o ensino de física. Estas inovações estimulam as universidades e faculdades a produzirem a pesquisas voltadas ao levantamento de perfis profissionais desejáveis junto a empregadores e especialistas, construindo atributos que ultrapassam os conhecimentos técnicos sólidos. Alguns atributos mais citados nessas pesquisas são: (a) conhecimentos: domínio dos princípios fundamentais da ciência e tecnologia, conhecimentos em computação, impacto da tecnologia no meio ambiente e nas pessoas, etc.; (b) habilidades: comunicação e relação interpessoal, desenvolvimento de projetos, solução de problemas, síntese de soluções refinadas a prática em uso, etc.; e (c) atitudes: ética, integridade e responsabilidade com a sociedade, preocupação com o meio ambiente, motivação para o aprendizado contínuo em suas carreiras etc. Embora se reconheça a importância destes atributos, haja vista que no Brasil muitos deles estão contemplados nas diretrizes curriculares nacionais (BRASIL, 2008) a questão que se coloca para as faculdades e universidades de modo geral é: como incorporar um corpo crescente de conhecimentos e como desenvolver habilidades e atitudes necessárias a boa atuação profissional sem sobrecarregar os currículos ou estender os cursos? Com base na máxima construtivista, segundo a qual o aprendiz, através de um ativo envolvimento, é o construtor, o arquiteto do seu próprio conhecimento (CAVALCANTE, 2000), a Aprendizagem Baseada em Proble- mas (PBL) é, essencialmente, um método de aprendizado a partir de experiências sócioculturais e acadêmicas acumuladas ao longo da sua vida. Nesta perspectiva, entende-se ser o estudante o construtor da sua aprendizagem e o professor o mediador deste processo. Logo, este método da PBL, tem por objetivo envolver o estudante nos programas de Iniciação de Pesquisa, auxiliando-o na construção do conhecimento de forma sistematizada e apoiado nos princípios epistemo-lógicos, científicos e técnicos. Este caminho, utilizado como modelo, torna o ensino das ciências físicas e exatas mais próximos do sujeito da aprendizagem; e possui todo meu aporte motivacional para o ensino desta ciência. PROBLEM-BASED LEARNING ( PBL) O ensino baseado em PBL, surgiu na década de 60 na Faculdade de Medicina da Universidade de McMaster no Canadá (Boud & Feletti, 1997). Esta metodologia não demorou a propagar-se por todas as Faculdades de Medicina, pois conseguia desenvolver um conjunto de competências que extrapolava a mera aquisição de conhecimentos conceituais. De fato, a PBL proporcionou não só a compreensão dos princípios científicos que se encontram subjacentes ao problema (Dochy et al 2003), mas também ao desenvolvimento integrado de competências e habilidades. O primeiro, por desenvolver desde o conhecimento substantivo e processual, do raciocínio e a comunicação, o segundo, por construir competências gerais relacionadas à tomada de decisão, à resolução de problemas, aprender a aprender, pesquisa e utilização de informação, autonomia e criatividade. A PBL é uma metodologia educacional “centrada no estudante”. Entende-se que as Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC oportunidades devam ser relevantes aos estudantes e que seus objetivos sejam, ao menos parcialmente, determinados pelos próprios estudantes (UCI, 2000). Este delegar de autoridade com responsabilidade sobre a aprendizagem, prepara-os para se tornarem aprendizes por toda a vida (Barrows, 2001). Ainda que eles sejam, em última análise, sempre responsáveis pela aprendizagem independentemente do método de ensino adotado, já que nada ou ninguém pode forçá-los a aprender quando eles mesmos não empreendem esforços no processo de aprendizagem (Tardif, 2002). É fundamental que na abordagem PBL, a responsabilidade pela aprendizagem seja explicitamente delegada. Ou melhor, assumir responsabilidade pela própria aprendizagem. Em um ambiente educacional PBL, implica no cumprimento das seguintes tarefas (Woods, 2001): • Exploração do problema, levantamento de hipóteses, identificação de questões de aprendizagem e elaboração das mesmas; • Tentativa de solução do problema com o que sabem, observando a pertinência de seu conhecimento atual; • Identificação do que não sabem e do que precisam saber para solucionar o problema; • Priorização das questões de aprendizagem, estabelecimento de metas e objetivos de aprendizagem, alocação de recursos de modo a saberem o que, quando e quanto é esperado deles; • Planejamento e delegação de responsabilidade para o estudo autônomo da equipe; • Compartilhamento eficaz do novo conhecimento de forma que todos os memVolume 05 – Número 01 – Ano 2008 9 bros aprendam os conhecimentos pesquisados pela equipe; · Aplicação do conhecimento na solução do problema; · Avaliação do novo conhecimento, da solução do problema e da eficácia do processo utilizado e reflexão sobre o processo. As mudanças que a implementação de um ensino orientado para a PBL exige nas concepções e práticas dos professores, enormes obstáculos à sua implementação. Isto se deve às dificuldades na quebra de paradigmas na atuação dos docentes em relação a metodologias largamente utilizadas no ensino de ciências, derivadas de um tradicionalismo de exemplos extraídos de literaturas e experimentos laboratoriais purame nte objetivados em ilustrar conceitos básicos envolvidos. O PROCESSO PBL Originalmente, a PBL é implementada em todo o curso e orienta por um conjunto de problemas que formam a espinha dorsal de seu currículo. Porém, existem relatos de aplicação bem sucedida da PBL como uma estratégia educacional parcial, isto é, em disciplinas isoladas dentro de um currículo convencional (WILKERSON; GIJSELAERS, 1996) ou mesmo em partes de disciplinas (STEPIEN; GALLAGHER, 1998), referência a qual aportamos para o desenvolvimento do nosso estudo. As diferentes implementações da PBL têm em comum um processo que pode ser resumido no seguinte conjunto de atividades (DUCH, 2000; BARROWS, 2001): (1) apresenta-se um problema aos alunos que, em grupos organizam suas idéias, tentam defini-lo e solucioná-lo com o conhecimento que já pos- 10 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC suem; (2) por meio de discussão, os alunos levantam e anotam questões de aprendizagem (learning issues) acerca dos aspectos do problema que não compreendem; (3) os alunos priorizam as questões de aprendizagem levantadas e planejam quando, como, onde e por quem estas questões serão investigadas para serem posteriormente partilhadas com o grupo; (4) quando os alunos se reencontram, exploram as questões de aprendizagem anteriores, integrando seus novos conhecimentos ao contexto do problema; e (5) depois de terminado o trabalho com o problema, os alunos avaliam o processo, a si mesmos e seus pares de modo a desenvolverem habilidades de auto-avaliação e avaliação construtiva de colegas, imprescindíveis para uma aprendizagem autônoma eficaz. Considerando a formação de estudantes e pesquisadores, o uso de metodologias como a PBL só teria a acrescer, posto que seu processo se assemelha muito ao método científico. Suas fases de definição e análise do problema, levantamento de hipóteses, busca de fundamentação teórica e aplicação desta na sua solução, trocam de informações, apresentação de resultados, síntese dos conhecimentos adquiridos etc. pode contribuir tanto para o domínio dos conceitos da área de conhecimento do estudante e do pesquisador, quanto para o aprimoramento de habilidades necessárias à sua atuação como tal, uma vez que a pesquisa científica envolve muitas atividades que requerem habilidades comunicativas e interpessoais (KAUFMAN; MANN, 2001). EXPERIÊNCIAS COM A PBL OBJETIVOS EDUCACIONAIS NA PBL É importante ressaltar que, nesta abordagem apesar de técnicas de solução de problemas serem fundamentais, a PBL não se resume nelas. Nesta metodologia, o conhecimento construído na busca da solução dos problemas e as habilidades e atitudes desenvolvidas neste processo são mais relevantes que a solução per si. Barrows (1996) identifica alguns objetivos educacionais da PBL para o ensino de medicina aplicáveis ao ensino de outras áreas de conhecimento: (a) a aquisição de uma base de conhecimento integrada; (b) a aquisição de uma base de conhecimento estruturada ao redor de problemas reais encontrados no campo de atuação do profissional em questão; (c) a aquisição de uma base de conhecimento vinculada a processos de solução destes problemas e o desenvolvimento de um processo eficaz e eficiente de solução de problemas; e (d) o desenvolvimento de habilidades de aprendizagem autônoma eficaz e de habilidades de trabalho em grupo. No ambiente do espaço institucional da FAMEC foram realizadas pelos autores experiências de ensino utilizando a ferramenta da PBL como uma metodologia complementar no transcorrer de disciplinas da Física ministrada nos cursos de Engenharia no período de 2006 a 2007. Portanto, partindo da demanda existente na relação entre a teoria e prática da disciplina Física Geral e Experimental III – Fundamentos de Eletricidade e Magnetismo, foram desenvolvidas como complementos à disciplina, atividades que envolveram exploração do tópico Magnetismo em que os estudantes foram impelidos à pesquisa bibliográfica e construção, inicialmente, de um dispositivo que envolvesse o estudo de Indução Eletromagnética. Em princípio, foi identificado pelos estudantes, que a construção de um transformador atenderia às necessidades do estudo proposto. Na construção foram identificados como entraves o projeto, os materiais a serem utilizados que minimizassem a dissipaVolume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC ção de energia por efeito Joule, dimensionamento e alinhamento das espiras e escolha do diâmetro dos fios. O fato de trabalharem em equipes suscitou a necessidade de planejamento através da delegação de responsabilidade aos componentes da equipe, desde a pesquisa, tempo de execução e concepção do trabalho. As vantagens apontadas pelos estudantes foram atribuídas principalmente ao fato de esta metodologia de ensino ser motivadora, tornar a aula dinâmica e estimular o desenvolvimento de habilidades interpessoais e de pesquisa, como colocam : “A aula torna-se mais dinâmica e assim é mais facilmente entendida; os alunos aprendem a buscar o conhecimento e [...] a trabalhar em grupo (o que é mais complicado e importante de ser treinado)” e “A vantagem é de não ter o conhecimento pronto para ser digerido, mas ter que buscálo e a troca de conhecimentos foi muito satisfatória” Outras vantagens elencadas foram a possibilidade de “Aprender a [...] solucionar um problema na prática” e “A integração de conhecimentos e de diferentes visões que cada um passou a ter sobre o tema”. Para os Motores Síncronos, os estudantes dividiram-se em equipes onde cada equipe a partir de pesquisas realizadas, identificaram diversas formas de implementar a montagem dos motores. Algumas equipes construíram motores que envolviam ciclos completos ou meio-ciclos para o seu funcionamento. Os obstáculos encontrados estiveram concentrados na obtenção do material para a pesquisa bibliográfica, que não amplamente divulgada na literatura atual, na montagem e na engenharia para obtenção dos motores em si. RESULTADOS E CONCLUSÕES Considerando que o pleito dos estudantes estava fundamentado na dificuldade de conheVolume 05 – Número 01 – Ano 2008 11 cimento conceitual quando aplicado ao raciocínio lógico e experimental no ensino do eletromagnetismo; a aplicação da PBL trouxe a contemplação de maior qualidade e melhor entendimento dos conceitos envolvidos. Isto ficou evidente nas intervenções efetuadas pelos estudantes sobre os defeitos que foram apresentados em alguns protótipos montados pelas equipes. A maturidade acadêmica adquirida veio de encontro ao tripé ensino, pesquisa e extensão, alicerce do ensino de graduação nas diversas áreas do conhecimento. Além disso, os estudantes que fizeram par te desta metodologia obtiveram rendimento destacado quando comparados a estudantes que não foram submetidos ao método. Esta evidência foi bastante observada, quando os estudantes foram bastante elogiados, pela primeira vez desde a fundação do curso de Engenharia de Controle e Automação, pelo desempenho obtido no ciclo profissional nas disciplinas interligadas conceitualmente à Física Geral e Experimental III, já que os discentes tinham uma grande facilidade de realizar a conexão teoriaprática. Contudo, é importante deixar claro que a formação de estudantes e pesquisadores em quaisquer campos de conhecimento é reconhecidamente um processo complexo, portanto, não é desejo simplificá-la ou considerar as experiências aqui relatadas suficientes para esta finalidade. Ao contrário, este trabalho tem a intenção de mostrar caminhos alternativos para a prática pedagógica, tentando contribuir com outros enfoques para o aprimoramento do ensino. Finalmente, fica a alerta aos docentes quanto à percepção se o pleito dos estudantes é legitimo ou apenas para angariar números em disciplinas. 12 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC REFERÊNCIAS BOTOMÉ, S.P. Contemporaneidade, ciência, educação e ... verbalismo! Erechim: Editora da URI, 1994. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Diretrizes curriculares nacionais para os cursos de engenharia. Disponível em: <http:// www.mec.gov.br>. Acesso em: 03 dez. 2008 CAVALCANTE, J.F. Educação Superior: conceitos, definições e classificações. Brasília: MEC/INEP,2000. DOCHY,F. ; SEGERS, M.: VAN DEN BOSSCHE, P.; GIJBELS,D. Effects of problem-basec learning, a meta-analysis. Learning and Instruction, v.3, p. 533-568, 2003. BARROWS,H.S. A taxonomy of problem-based learning methods. Medical Education, v.20, p. 481-486, 1986. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. WILKERSON, L.; GIJSELAERS, W. H. Bringing Problem- based Learning to higher education. San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1996. p.23-32. KAUFMAN, D. M.; MANN, K. V. I don’t want to be a groupie. In: SCHWARTZ, P.; MENNIN, S.; WEBB, G. (Ed.). Problem-based Learning: case studies, experience and practice. Londres: Kogan Page, 2001. p.142-150. BOUD, D.; FELETTI,G. The challenge of problem-based-learning. Londres: Kogan Page, 1999. UCI, What is PBL? Disponível em: University of California-Irvine Web Site, http://www.pbl.uci. edu/whatispbl.html, acesso em 20 set. 2008. DUCH, B. J. Wath is Problem-based Learning? Disponível em: \http://www.udel.edu/pbl/cte/jan95/what.html. Acesso em 26 set. 2008. WOODS,D.R. Problem-based learning: how to get teh most out of PBL. Disponível em: <http:/ /biology.iupui.edu/Biology> acesso: 15 de set. 2008. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 13 Carteiras de Investimentos com o Método de EltonGruber em Períodos de Instabilidade Econômica no Brasil Utilan da Silva Ramos Coroa1, Tatiana Gargur dos Santos2 RESUMO A essência da administração do risco está em maximizar as áreas onde temos certo controle sobre o resultado, enquanto minimizamos as áreas onde não temos absolutamente nenhum controle sobre a conseqüência e onde o vínculo entre efeito e causa está oculto à nossa percepção. Essa nova visão foi ampliada a partir do trabalho de Markowitz (1952), que buscava através da diversificação, reduzir o risco de uma carteira de investimento. Outros autores como Sharpe (1963), Treynor (1965), Elton e Gruber (1977) vêm contribuindo de forma significativa para a eficiência e prática desta técnica através dos seus métodos e/ou índices. O desenvolvimento econômico proporcionado pelo mercado de capitais é evidente em países desenvolvidos e/ou em ambientes macroeconômicos estáveis. E o que ocorre em países com constante instabilidade? Este trabalho tem como objetivo analisar a rentabilidade e o risco do modelo de seleção da carteira ótima de Elton-Gruber em ambientes macroeconômicos instáveis, com sucessivos planos econômicos, no período de 1986 a 1995, especificamente no Brasil. Procurou mostrar que, apesar da instabilidade, investimentos em ativos de renda variáveis são viáveis a longo prazo, ou seja, pode-se auferir lucros acima da média do mercado aplicando em ações. Nos resultados encontrados das carteiras ótimas sob a metodologia de Elton-Gruber, comparado com o Ibovespa, observou-se que as carteiras construídas possuem desempenhos passados superiores, com menor risco, medidos pelos índices de Sharpe e de Treynor. Contudo, quando postos à prova através de investimentos futuros, as carteiras só superam o índice quando o mercado de capitais oferece baixa rentabilidade. PALAVRAS-CHAVE: modelo Elton-Gruber; retorno; risco; ações. 1 2 Doutorando em Difusão do Conhecimento / FACED-UFBA e Mestre em Administração / FEA-UFBA. E-mail: [email protected] Mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social / FVC. E-mail: [email protected] Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 14 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 1. INTRODUÇÃO Os mercados de capitais são fundamentais para o desenvolvimento econômico de um país, por alocar poupança a recursos de investimentos, função que, ao ser desempenhada, fornece sinais importantes à formação dos preços dos títulos, que devem refletir as informações existentes no sistema econômico a qualquer tempo (FAMA, 1970). Para ter sucesso no mercado acionário o investidor deverá conhecer as características desse mercado, os prazos e formas de aplicações, o risco e retorno do seu investimento e uma maneira de análise de seu portfólio. ações que são bastante arriscadas individualmente quando medidas por seus desvios-padrão e formar uma carteira completamente livre de risco. Elton e Gruber (1995) desenvolveram um modelo que possui como vantagens a facilidade dos cálculos na montagem das carteiras e também torna claros os motivos que levam uma ação a compor ou não uma carteira eficiente. “Este método toma como parâmetro o Modelo do Índice Único que representa o mercado como um todo e os retornos esperados das ações serão relacionados com este índice e não entre si.” (SANTOS; COROA; MATSUMOTO, 2003). O retorno de uma carteira de ativos é uma média ponderada dos retornos dos ativos individuais. O peso aplicado a cada retorno corresponde à fração do valor da carteira aplicada naquele ativo. A existência de risco significa que o investidor não pode mais associar um único número ou resultado ao investimento em qualquer ativo. O resultado precisa ser descrito por um conjunto de valores e suas probabilidades de ocorrência, ou seja, por uma distribuição de freqüência ou de retornos. “Os dois atributos mais utilizados nas distribuições dos retornos são a medida de tendência central, chamada de retorno esperado, e uma medida de risco ou dispersão em torno da média, chamada de desvio-padrão.” (ELTON et. al., 2004, p. 62). Constata-se ainda que as Bolsas de Valores possuem uma metodologia própria para compor uma carteira teórica de ações que difere em alguns aspectos dos modelos tradicionais, possibilitando, assim, a utilização de variadas técnicas de formação de portfólios. O risco em uma carteira é mais complexo do que uma média simples dos riscos dos ativos individuais. Depende da possibilidade de que os retornos dos ativos variem na mesma direção, ou de que os resultados de alguns ativos sejam bons em relação a outros. O mercado de capitais e, principalmente, o mercado de ações contribuem positivamente para o desenvolvimento econômico de um país, à medida que: incentiva a formação de poupança interna, ao carregar recursos dos poupadores e disponibilizá-los para uso de investidores; fornece prêmios, via maximização dos retornos, uso eficiente dos recursos e momento correto da tomada de decisão, tor- Para Brigham, Gapenski e Ehrhardt (2001, p.185) é teoricamente possível combinar O objetivo deste trabalho é analisar a rentabilidade e o risco do modelo de seleção da carteira ótima de Elton-Gruber em ambientes macroeconômicos instáveis com sucessivos planos econômicos no período de 1986 a 1995. Procurará mostrar que, apesar da instabilidade, investimentos em ativos de renda variáveis são viáveis a longo prazo. 2. REFERENCIAL TEÓRICO Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC nando o próprio mercado cada vez mais eficiente e esse efeito é transmitido aos demais setores da economia; e consolida um mercado de ações eficiente e desenvolvido, atraindo capital externo. Esse desenvolvimento econômico, proporcionado pelo mercado de capitais, é evidente em países desenvolvidos e em ambientes macroeconômicos estáveis. Mas, conforme procurará demonstrar este artigo, em momentos instáveis pode-se auferir lucros acima do mercado, principalmente a longo prazo. 15 maior abertura do comércio exterior; redução do papel do estado na economia; e busca do equilíbrio orçamentário. O país foi marcado neste triênio por elevada taxa de inflação e forte contração da atividade econômica. Apesar desse cenário desfavorável, destaca-se a ação do governo no sentido de realizar mudanças estruturais na economia brasileira com o objetivo de maior abertura externa e redefinição do papel do Estado na economia, cuja principal diretriz foi a desestatização, que teve continuidade nos governos que se seguiram (FURTADO, 2000, p.227). 2.1 Período 1986-89 2.3 Período de transição e o Plano Real Os planos Cruzado, Bresser e Verão, apesar da ênfase da política econômica, não produziram mais do que um controle temporário da inflação, uma vez que não foram solucionados quaisquer dos conflitos distributivos de renda que poderiam ser considerados focos de pressão inflacionária a médio prazo (ABREU,1992, p.382). Não se buscou reduzir as transferências de cursos reais para o exterior. O desequilíbrio das contas do governo se agravou. A política monetária não produziu efeito satisfatório. O setor empresarial passou a se defender de qualquer tipo de prejuízo, ou de ameaças de prejuízos oriundos dos preços em relação dos custos. E os trabalhadores demonstraram sua insatisfação quanto ao poder de compra dos salários. Desta forma, restou apenas aos dirigentes do país promover desindexação e, em seguida, tentar administrar as altas taxas de inflação. 2.2 Período 1990-92 No período 1990-92, o Brasil foi governado pelo presidente Fernando Collor, que teve um cenário econômico marcado por: dois planos de estabilização econômica; inflação persistente; retração das atividades econômicas; Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 O Vice-Presidente da República Itamar Franco, assumiu o cargo de Presidente com a renúncia de Fernando Collor, exercendo o mandato de outubro de 1992 a dezembro de 94, quando ocorreu a posse do novo Presidente eleito Fernando Henrique Cardoso. A economia do período de transição encontrava-se em recuperação. Houve aumento da captação de recursos externos, através da emissão de bônus, notas e commercial papers, iniciada em 1991; aumento do fluxo de entrada de capitais estrangeiros; crescimento da massa salarial em decorrência mais do aumento da oferta de empregos do que do valor dos salários reais; e aumento da receita de exportação. O governo Itamar Franco foi marcado pelos seguintes fatos: queda brusca da inflação; progressiva melhora das contas públicas em decorrência da queda dos juros, cortes de despesas e alongamento da dívida pública federal com emissão de novos títulos de prazo mais longo; aumento da credibilidade do país no exterior; e prosseguimento do processo de abertura da economia; 16 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC O programa de estabilização econômica, que ficou conhecido como Plano Real, foi executado em três fases: Primeira fase: Início em março de 1994 com a aprovação do fundo social de emergência, teve por finalidade estabelecer o equilíbrio orçamentário, mediante o aumento de impostos e cortes de gastos públicos; Segunda fase: Criação da unidade de referência de valor (URV), que substituiu a UFIR e serviu de padrão de valor monetário; Terceira fase: Em 1º de julho de 1994, ocorreu a reforma monetária adotando o real como moeda corrente. Para Markowitz (1952), de acordo com seus estudos, estratégias de diversificação “simples”, ou seja, aquelas que realizam a divisão do capital em partes iguais entre os ativos escolhidos, são suficientes para se obter uma significativa redução do risco do portfolio. Porém, de acordo Elton e Gruber (1977, p. 417), investimentos utilizando pesos iguais são válidos apenas quando o investidor não possui qualquer informação sobre as médias, variâncias e covariâncias dos retornos futuros dos ativos. Não há um modelo ideal - um fim da história - há sim um caminho aberto para novas pesquisas e inovações a favor da dinâmica, da eficiência do mercado de capitais (COROA; SANTOS; MATSUMOTO, 2003). 2.4 Administração de Carteiras 2.5 Contribuição de Sharpe A administração de carteira, como toda ciência financeira, busca novas formas de maximizar os recursos (retornos) e minimizar os custos (riscos). O risco em Finanças é dividido em diversificável que está relacionado com o ativo ou negócio e o não diversificável ou de mercado que é exógeno ao ativo ou negócio. Para um investidor com visão generalista, um modo mais eficiente de obter redução dos riscos é através da aplicação da carteira de ativos. Figura 1: A redução do risco pela diversificação William Sharpe elaborou na década de 60 um modelo simplificado para avaliação de fundos de investimento, ao qual denominou Modelo Diagonal ou Modelo do Índice Único. Ele expressa a relação retorno/risco e informa se o fundo oferece rentabilidade com o risco a que o investidor está exposto. Para que o índice seja confiável é necessário que tenha sido apurado de acordo com os critérios seguintes: • É necessário que, para o cálculo, seja considerado um mínimo de 24 dados. Quanto maior o período mais confiável o índice; Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC • O indexador escolhido como livre de risco tem que ter relação com o segmento a que pertence o fundo. A escolha de um Risk Free que não tenha relação com o objetivo de rentabilidade do fundo pode distorcer a informação; • Não se deve utilizar o índice para análise de todo e qualquer tipo de fundo. Deve-se utilizá-lo para medição de desempenho de fundos que contenham riscos; O índice de Sharpe, como já foi dito, indica a relação retorno/risco e sua interpretação configura o seguinte: • Quanto maior o índice, melhor; • O numerador é uma informação de rentabilidade real média; • O denominador é o indicador de risco. 2.6 O Índice Bovespa O Índice Bovespa é o mais importante indicador do desempenho médio das cotações do mercado de ações brasileiro, porque retrata o comportamento dos principais papéis negociados na Bovespa. Podemos descrever o Ibovespa como o somatório dos pesos das ações integrantes de sua carteira teórica formado pela quantidade teórica de cada ação multiplicado pelo último preço da mesma, conforme fórmula abaixo: Onde: IbovespaT= Índice Bovespa no momento T; n = número total de ações componentes da carteira; QT= último preço da ação no momento T; QT= quantidade teórica da ação no momento T. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 17 Cada índice tem um critério diferenciado para ser composto. Segundo Assaf (2001), o índice da Bolsa de Valores de São Paulo considera, em sua carteira teórica, somente ações com maior grau de negociabilidade. Além disso, para ser incluída na carteira teórica do Ibovespa, é necessário que a ação tenha boa participação em termos de volume. As ações selecionadas devem representar 80% do volume negociado no mercado a vista nos últimos 12 meses e apresentar, ainda, um mínimo de 80% de presença nos pregões da bolsa no mesmo período. Esta fórmula, , é utilizada para calcular o Índice de Negociabilidade para cada uma das ações nela negociadas nos últimos doze meses, onde: n = número de negócios com a ação, realizados no mercado a vista, nos últimos 12 meses; N = número de negócios total do mercado a vista dos últimos 12 meses; v = valor em moeda corrente movimentado com a ação no mercado a vista nos últimos 12 meses; V = valor em moeda corrente total do mercado a vista nos últimos 12 meses. Esses índices são listados em ordem decrescente. Em seguida, calcula-se a participação em percentuais de cada índice do somatório desses, listando-se as ações até que o montante das participações atinja 80%. As ações assim selecionadas irão compor a carteira do índice, desde que atendam aos outros dois critérios citados anteriormente. TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 18 Dentre outras funções, o Ibovespa serve de indicador de tendência do desempenho da economia, como instrumento de suporte para a gerência de investimentos e como instrumento de negociação em mercados futuros. Onde: βp = beta da carteira; wi = fração da carteira investida na ação i; βi = coeficiente beta da ação i. 2.7 O Coeficiente Beta 2.8 Contribuição de Treynor O Coeficiente Beta, simbolizado pela letra grega â, mede a sensibilidade da taxa de retorno de uma ação em relação ao movimento do mercado. Segundo Brigham (2001, p. 194), o beta mede a volatilidade de uma ação com relação a uma ação média, que tem por definição β = 1,0. Uma ação ou carteira de ações com β= 1 subirá ou cairá de acordo com as médias do mercado. Ações ou carteiras com beta acima de 1 são mais arriscadas que a média do mercado, ou seja, tendem a subir ou cair mais do que o mercado. Caso uma ação ou carteira tenha β = 0,5, terá somente metade da volatilidade do mercado ou seja, metade do risco. O beta de uma ação depende de sua correlação com o mercado de ações e de sua própria variabilidade em relação à variabilidade do mercado. Desta forma, o beta pode ser definido pela seguinte equação matemática: O Índice de Treynor, assim como o de Sharpe, mede o desempenho de carteiras de títulos (ex-post) com a diferença de que, em vez de usar como medida de risco o desviopadrão, usa o coeficiente Beta. Ela é uma medida de excesso de retorno em relação ao beta. Quanto mais alto o seu valor melhor é o portfolio. O risco de ativos individuais ou de um pequeno grupo de ativos pode ser definido pelo seu co-movimento com o mercado (Beta). Sendo assim, este índice se torna útil quando a carteira do investidor é uma das muitas carteiras incluídas num grande fundo. Segundo Assaf (2001, p. 327), podem ser encontrados resultados diferentes no desempenho de uma carteira quando avaliada pelo índice de Sharpe e pelo índice de Treynor. O índice de Treynor relaciona o prêmio unicamente com a medida de risco sistemático (coeficiente beta), enquanto o índice de Sharpe adota o desvio-padrão (risco total: sistemático e diversificável) como medida de risco. 2.9 Contribuição de Elton e Gruber Onde: cov (Re, Rm) = covariância entre os retornos do ativo e o retorno de mercado; = variância dos retornos do mercado. Uma outra observação realizada por Brigham (2001, p. 195) é que uma carteira formada por títulos de baixo beta terá ela mesma um baixo beta, pois o beta de uma carteira é a média ponderada dos betas dos títulos individuais: Os professores Edwin Elton e Mar tin Gruber desenvolveram um modelo para montagem de carteiras ótimas que, além de ter uma metodologia de cálculo simples, demonstra o porque de uma ação pertencer a uma carteira ótima. Esse modelo utilizará as seguintes variáveis para um determinado período de tempo: Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC • Retorno esperado de cada ação – Ri ; • Beta de cada ação - βi ; • Retorno do título de renda fixa sem risco - RF ; • Risco diversificável de cada ação - σei ; • Risco da carteira de mercado - σM. A metodologia segue 3 fases que são descritas abaixo. 1ª fase. Deve-se calcular o retorno esperado por ação em percentuais ( Ri), seus respectivos retornos excessivos ( Ri – RF ) também em percentuais, betas (βi ) e o índice de atratividade ( Ri – RF ) / βi , que nada mais é do que o retorno excessivo dividido pelo beta de cada ação. Nesta representação do Índice de Atratividade (IA), está implícito que o investidor não pode esperar ser remunerado no seu investimento por assumir o denominado risco diversificável (σei) isto porque esse risco poderá ser eliminado por um processo de diversificação eficiente. Portanto, o investidor só pode exigir uma remuneração adicional sobre a rentabilidade do título de renda fixa sem risco em virtude daquele risco que ele é sempre obrigado a correr (o risco não diversificável ou sistemático) se ele optar por investir em ativos com risco (de retorno incerto). Se as ações forem classificadas de acordo com esse IA, sua atratividade estará definida, uma vez que quanto maior esse índice para a ação maior a rentabilidade excedente esperada por unidade e risco sistemático. (TOSTA DE SÁ, 1999, p. 103). 2ª fase. Nesta fase, deve-se listar em ordem decrescente do índice de atratividade todos os dados calculados anteriormente por ação. Logo após, calcula-se o ponto de corte (C*) com o objetivo de selecionar as ações que vão compor a carteira ótima. As ações Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 19 que possuírem Índices de Atratividades superiores aos pontos de corte comporão a carteira, ao contrário, deverão ser descartadas. Segundo Elton e Gruber (1995, p. 184) o valor de C* é computado a partir das características de todas as ações que pertencerão ao portfolio ótimo. Para determinar C* é necessário calcular seus valores como se houvesse diferentes números de ações no portfolio ótimo. A fórmula do ponto de corte é a seguinte: 3ª fase. Calcula-se o percentual dos recursos disponíveis que devem ser investidos em cada ação selecionada anteriormente do portfolio ótimo, utilizando a seguinte fórmula: Onde: X1= percentual a ser investido em cada ação; e . Após estas três etapas, conclui-se o processo de formação da carteira ótima de Elton-Gruber. 3. METODOLOGIA E ANÁLISE DOS RESULTADOS 3.1 População e Amostra Para compor a carteira ótima de acordo com a teoria de Elton-Gruber apresentada anteriormente, foram coletados preços de fechamento mensais dos anos de 1986, 1987, 20 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 1989, 1990 e de 1993 a 1995, que correspondem respectivamente a períodos dos planos econômicos: Cruzado, Bresser, Verão, Collor e Real. Em cada intervalo de tempo houve seleção de amostras de ações que tiveram, como critério, o fato de estarem com presença acima de 95% em negociações na Bolsa de Valores de São Paulo. De 539 ações registradas na Bovespa, em 1986, de acordo com o critério de presença, foram selecionadas 82 ações, em 87 foram 84, em 1989 a amostra foi de 93 ações, 1990 foram 40 ações e no período entre 93 e 95 foram extraídas 46 ações. do pela variância na maior parte dos períodos analisados, se compararmos à poupança, à taxa Selic e ao CDI. Para o cálculo do risco da carteira de mercado (σM), foi efetuado levantamento dos retornos do Índice Bovespa (Ibovespa) como representativo do mercado de capitais brasileiro. A tabela 1 a seguir exibe os retornos e as variâncias calculados por período. Tabela 1: Retornos e Variâncias do Ibovespa 3.2 Cotações, Retornos e Riscos As cotações das ações utilizadas são dos últimos dias úteis do mês (fechamento), estão em reais ajustadas por proventos, incluindo dividendos, e foram extraídas do sistema de informações Economática® . Após a extração das cotações calcularamse as taxas de retorno mensais das referidas ações (Ri), suas respectivas médias anuais (Ri), riscos total (σi2) e diversificável (σei2) de cada ação medidos pela variância. O ativo de renda fixa sem risco utilizado para compor o modelo foi a TR acumulada (ex-ORTNOTN-BTN) que teve 1,85% de retorno em 86, e nos anos de 1987, 1989, 1990 e 1993-1995, teve respectivamente os seguintes retornos, 13,93%, 24,98%, 22,53% e 19,40%, também extraídos do sistema Economática®. A TR foi escolhida como ativo de renda fixa sem risco neste modelo por possuir menor risco calcula- Os betas de cada ação para os períodos citados também foram extraídos do mesmo banco de dados. 3.3 Teste de Normalidade e Análise de Regressão Antes da elaboração das carteiras de ações, os retornos e os riscos anuais das ações da amostra foram tabulados e avaliados. Inicialmente calculou-se o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov, por período para verificação da distribuição dos dados. Este teste foi executado no programa MINITAB® versão 14.12.0. O resultado está exposto na tabela 2 a seguir: Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 21 Tabela 2: Teste de normalidade por período dos retornos e riscos das ações O teste mostra que todas as médias dos retornos das ações, com exceção do período 93 a 95, possuem distribuição normal. As médias dos riscos apresentaram distribuição não normal por ter p-values menores que o nível de significância (a) de 5% em todos os períodos avaliados. Pode ser que a não normalidade dos retornos no período de 93 a 95 seja em função do fato de ter sido utilizado período mais longo que os anteriores para a análise. Este evento poderá ser avaliado em estudos posteriores. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 Visando analisar a influencia do risco medido pela variância - sobre o retorno, utilizou-se a análise de regressão. Este teste mostrou-se ser adequado pelo fato da variável dependente (retorno) ter apresentado distribuição normal na maior parte dos períodos. Constata-se, através da análise de regressão, que os riscos totais (mercado + diversificável) influenciam nos retornos das ações, embora em graus diferenciados por período. TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 22 Conforme Figura 2 a seguir referente ao ano de 1986, o resultado do R2 indica que 58,72% do retorno pode ser explicado pela variação do risco. Ao mesmo tempo, a inclinação da reta exibe uma influência positiva entre estas duas variáveis, o aumento do risco leva a um aumento do retorno da ação. Figura 2: Regressão Linear entre Risco e Retorno - 1986 3.4 A montagem da carteira eficiente de ações de Elton-Gruber Dois tipos de informações podem ser empregados na construção de portfolios ótimos: informações passadas, onde se supõem ser o futuro uma continuação do passado e informações futuras, que são construídas com base na crença de um ou mais analistas sobre o comportamento futuro dos ativos analisados. (MARKOWITZ, apud BRUNI; FAMÁ, 1999). Neste trabalho, os valores calculados para o período analisado foram assumidos como os valores esperados para o período imediatamente posterior. Os resultados dos testes de regressões de todos os períodos estão expostos na tabela a seguir: Tabela 3: análise cruzada entre risco e retorno das ações por período r2 Período Equação da reta 1986 y = 0.3165x + 0.0204 0.5872 1987 y = 0.0659Ln(x) + 0.2455 0.2546 1989 y = 0.2849x + 0.3016 0.1104 1990 y = 0.118Ln(x) + 0.3826 0.2997 1993 a 1995 y = 0.6726x + 0.1979 0.2367 Como este teste prova a existência, mesmo em graus distintos, da interferência do risco sobre o retorno, pode-se, através da elaboração de carteiras eficientes, selecionar ações que resultem em menores riscos com maiores retornos. Em seguida, com o objetivo de melhor desenvolver o modelo de construção de carteira de EltonGruber inseriram-se os dados na planilha eletrônica Microsoft Excel®, e calculou-se o Índice de Atratividade (retorno excessivo dividido pelo beta) de cada ação e por período. Logo após, ordenou-se a tabela por ordem decrescente do Índice de Atratividade com o objetivo de calcular o ponto de corte (C*), ou seja, o ponto que define as ações que deverão compor ou não a carteira ótima. Para que uma ação possa fazer parte da carteira, deverá possuir um Índice de Atratividade superior ao ponto de corte. As ações com Índices de Atratividade inferiores a este ponto deverão ser descartadas. A tabela 4 a seguir expõe, após o cálculo de C*, as ações que deverão compor a carteira ótima para o período de 1986. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 23 Tabela 4: Cálculo do Ponto de Corte (C*) 1986 Das 82 ações selecionadas inicialmente do período de 1986, apenas 6 deverão compor a carteira ótima. A próxima etapa é definir o percentual de recursos de cada ação na carteira, conforme a tabela 5. Tabela 5: Cálculo do percentual de participação da ação na carteira (Xi) 1986 As carteiras dos anos seguintes formadas pelo mesmo método, assim como seus respectivos percentuais de participação, estão expostas na tabela 6 a seguir: Tabela 6: Ações por carteira e percentual de participação Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 24 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC De acordo com os resultados obtidos, observa-se que o fator decisivo para definir a participação na carteira é o risco diversificável, próprio de cada ação. Ou seja, independente do Índice de Atratividade - que expressa o retorno excessivo por beta - se uma determinada ação tiver um elevado risco sistêmico, terá seu percentual de participação na carteira reduzido. É o que explica o fato da Electrolux PN participar com 9,82% de recursos na carteira possuindo o menor I.A. de 13,42, enquanto o Bradesco PN, que possui 14,92 de I.A. representar apenas 3,29% de recursos na carteira de 86. 3.5 Análise dos resultados Visando verificar se realmente os retornos das ações que compõem a carteira ótima selecionada pelo método de Elton Gruber iria ter desempenho diferenciado do Ibovespa, foi calculado o Coeficiente de Correlação entre o Ibovespa e carteira construída. Caso o coeficiente apontasse um valor muito próximo ou igual a 1 (um) indicaria que não haveria oportunidade de ganhos entre uma ou outra escolha. Qualquer opção levaria a um resultado semelhante para o investidor. Mas, o resultado mostrou que, depois de selecionadas as ações da carteira, o Coeficiente de Correlação entre as ações e o Ibovespa diminuiu, fato que leva ao indício de que a escolha por uma carteira de ações poderá ser mais vantajosa que a opção por um Índice de ações conforme dados na tabela a seguir: Após finalizada a construção da carteira eficiente, comparamos os resultados obtidos com o desempenho da carteira teórica da Bovespa. Os dados do Ibovespa foram extraídos do sistema Economática® no mesmo período em análise. Foram utilizados cinco critérios de comparação entre o portfolio e o mercado. Primeiramente calculamos os retornos esperados do portfolio e do Ibovespa. O retorno esperado da carteira pode ser calculado pela soma das médias dos retornos de cada ação ponderados pelos respectivos percentuais de participação, conforme segue: Onde Rp é o retorno esperado da carteira construída. Da mesma forma que o retorno, o beta da carteira pode ser obtido calculando-se a média ponderada dos betas de cada ação pelo seu percentual de participação. Já o beta do mercado é 1. Quanto ao risco total da carteira medido pela variância, pode ser obtido pela fórmula: Tabela 7: Coeficiente de Correlação entre o retorno do Ibovespa e a média dos retornos as ações da amostra e Coeficiente de Correlação entre o retorno do Ibovespa e Ações da carteira de Elton Gruber Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC A primeira parcela da equação anterior, , representa a variabilidade do retorno da carteira em relação à carteira de mercado. Já a segunda etapa da equação, , associa o percentual de participação da ação que compõe a carteira à variabilidade do risco não sistêmico. Os retornos, os riscos e os betas de cada carteira se encontram na tabela 8 abaixo: Tabela 8: Retornos, riscos e betas por carteira ótima Ao compararmos com a tabela 1, percebemos que os novos portfolios superam em rendimento a carteira de mercado em todos os períodos. Com exceção do período de 1993 a 1995, todos os outros anos tiveram betas inferiores ao de mercado, que é 1. Apesar das rentabilidades das carteiras superarem em todos os períodos as rentabilidades da carteira de mercado, com o risco o mesmo não ocorreu. Outro critério de comparação utilizado foi o Índice de Sharpe. Neste aspecto, as carteiras formadas pelo método de Elton-Gruber superaram a do Ibovespa. Pode-se também analisar o desempenho das carteiras pelo Índice de Treynor. Da mesma forma que o I.Sharpe, o desempenho das atuais carteiras são superiores à do mercado conforme a tabela 9 abaixo: Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 25 Tabela 9: Índices de desempenho Comparando os resultados das carteiras ótimas sob a metodologia de Elton-Gruber, com os desempenhos das car teiras da Bovespa (Ibovespa) por período, observa-se que as carteiras construídas possuem desempenhos superiores. Partindo do pressuposto que rentabilidades passadas são bons parâmetros para ganhos futuros, se um investidor tivesse efetuado um investimento em 02/01/87 de U$1,000, de acordo com os dados obtidos do ano de 1986, seguindo fielmente a proposta sugerida pelo método de Elton-Gruber, e tivesse resgatado no dia 30 de setembro de 2002, teria adquirido 124% sobre o investimento inicial, ou seja, teria resgatado U$2,238.91. Se tivesse investido No Ibovespa teria tido apenas 30% de rentabilidade. Se o mesmo investidor tivesse efetuado investimento do mesmo valor em 02/01/88 com dados da carteira montada de 1987, teria obtido de ganho U$ 11.070,92 se resgatasse em 30 de setembro de 2002, o que equivale a 1.007% sobre o investimento inicial. E, caso optasse por um investimento na carteira de mercado, teria apenas 362% de retorno. O mesmo não ocorreu com o ano de 1989. Apesar de neste ano o mercado de capitais ter proporcionado excelente rentabilidade expost desta car teira, a rentabilidade do Ibovespa superou a rentabilidade da carteira de Elton-Gruber. O Ibovespa rendeu 48% enquanto a carteira obteve 34% no período de dezembro de 1989 a 30 de setembro de 2002. 26 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC No ano de 1990 ocorre o mesmo fenômeno. Conforme visto na tabela 4, apenas a ação da Bombril PN deveria estar presente na carteira deste ano. O rendimento desta ação considerando a aplicação de U$1,000 com resgate em 30 de setembro de 2002 foi de 29% enquanto neste mesmo período o Ibovespa obteve 443%. O período de 93 a 95 foi registrado por perdas em investimentos. Tanto o Ibovespa quanto a carteira ótima tiveram prejuízo mas, com distintos valores. O portfolio perdeu apenas 30% enquanto o Ibovespa teve queda de 50%. Se o mesmo investidor tivesse efetuado todas as aplicações após cada período coletado, teria obtido de retorno U$13,641.34. Caso tivesse aplicado no índice de mercado teria tido apenas U$8,327.58 em setembro de 2002. 4. Considerações finais Este artigo objetivou comprovar que, nos períodos analisados sob condições de fortes incertezas ou instabilidades econômicas, investimentos em carteiras construídas sob a metodologia Elton-Gruber teriam maiores rentabilidades, com menores riscos, do que investimentos na carteira teórica da Bovespa (Ibovespa). O modelo apresentado mostrou-se eficaz para a formulação do portfolio ótimo, já que conseguiu reduzir o risco não sistemático nos períodos analisados. Através dos resultados obtidos observou-se que, ações selecionadas para compor a carteira que possuíam maiores riscos diversificáveis, participavam menos, em termos percentuais, na composição da carteira, como foi o caso do Bradesco PN, que possuía alto retorno excessivo sobre o beta e, no entanto, tinha a menor participação na carteira elaborada do ano de 1986. O Índice Bovespa, conforme apresentado anteriormente, representa o desempenho médio das cotações do mercado de ações brasileiro porque retrata o comportamento dos principais papéis negociados na Bovespa. Desta forma, ferramentas que procurem eliminar ações com alto risco diversificável, tenderá a superar a carteira de mercado, já que esse critério não compõe o método de composição da carteira teórica da Bovespa. Apenas nos anos de 89 e 90 o Ibovespa foi superior à carteira ótima mas, na soma de todos os investimentos feitos deste o início de 86 até dezembro de 95, o portfolio construído pelo modelo Elton-Gruber superou o índice em 63,8%. Devido à sua simplicidade comparada ao método de Markowitz, o modelo de EltonGruber se apresenta como uma ferramenta a ser considerada para investidores e administradores de carteira de ações, tendo em vista que indica as razões que levam um determinado ativo a pertencer ou não a uma carteira ótima. A aplicação deste modelo, devido às suas características, pode proporcionar retornos maiores que aplicações em índices de bolsa a longo prazo, com menores riscos, conforme sugerido neste estudo. 5. Referências ABREU, Marcelo de Paiva (Org.). A Ordem do Progresso: cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1992. ASSAF NETO, Alexandre. Mercado Financeiro. São Paulo: Atlas, 2001. BRIGHAM, Eugene F.; GAPENSKI, Louis C.; EHRHARDT, Michael C. Administração Financeira: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2001. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC BRUNI, A.; FAMÁ, R. Moderna teoria de portfólios: é possível captar, na prática, os benefícios decorrentes da sua utilização? Resenha BM&F, n° 128, p. 19-34, 1999. COROA, Utilan da Silva Ramos; SANTOS, Tatiana Gargur dos; MATSUMOTO, Alberto Shigueru. A comparação do modelo de EltonGruber com o Ibovespa na seleção da carteira eficiente. In: XXXVIII ASAMBLEA ANUAL CLADEA, 2003, Lima. Anais da XXXVIII Asamblea Anual CLADEA. 2003. 27 MARKOWITZ, Harry. Portfolio Selection. The journal of finance. Vol. 7, nº 1, p. 77-91, Mar. 1952. SANTOS, Tatiana G.; COROA, Utilan S.R.; MATSUMOTO, Alberto S. Análise do modelo de Elton-Gruber em cenários com instabilidade econômica no Brasil. In: 3º Congresso USP de Controladoria e Contabilidade, 2003, São Paulo. Anais do 3º Congresso USP. São Paulo: USP, 2003. ELTON, Edwin J.; GRUBER, Martin J., Modern Portfolio Theory and Investment Analysis, 5th ed. New York: John Wiley & Sons, Inc, 1995. SHARPE, W. F. Asset Allocation: Management Style & Per formance Measurement. The Journal of Portfolio Management, p. 7-19, Winter 1992. ______. Risk reduction and portfolio size: an analytical solution. Journal of Business, vol. 50, n° 2, p. 415-437, Oct. 1977. ______. A Simplified Model for Por tfolio Analyzes. Management Science, v. 9, nº 12, p. 277-293, Jan. 1963. ELTON, Edwin J. et al. Moderna teoria de carteiras e análise de investimentos. São Paulo: Atlas, 2004. TOSTA DE SÁ, Geraldo. Administração de Investimentos: Teoria de Car teiras e Gerenciamento do Risco. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 1999. 376 p. FAMA, Eugene F. Efficient capital markets: a review of theory and empirical work. Journal of Finance, vol. 25, p.383-417, May 1970. FURTADO, Milton Braga. Síntese da economia brasileira. Rio de Janeiro: LTC, 2000. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TREYNOR, J. L. How to rate management of investment funds. Harvard Business Review, p. 63-75, Jan./Feb. 1965. TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 28 Universidade Corporativa como uma Estratégia de Renovação na Educação Organizacional Ana Lucia Antunes Faria* Eliaura Maria Brito Santos** RESUMO Este estudo apresenta um panorama teórico sobre a educação corporativa e sua efetivação através da criação de Universidade Corporativa (UC). Discute os motivos de seu surgimento e busca analisar seus fundamentos educacionais e características de propósitos. A metodologia utilizada baseou-se na pesquisa bibliográfica. Como aspecto conclusivo destaca-se a importância da Universidade Corporativa para o desenvolvimento de novas competências uma vez que se constitui numa reestruturação do ambiente de aprendizagem nas organizações elevando a educação a um valor estratégico. Recomenda-se, no entanto, que os princípios norteadores de sua ação renovada não integrem uma visão instrumental da educação para o trabalho. Palavras-chave: Universidade corporativa. Educação Organizacional. Gestão do conhecimento. INTRODUÇÃO Numa economia marcada pela incerteza, o conhecimento é uma das principais vantagens competitivas para garantir a permanência da empresa no mercado. Ao criarem sistematicamente novos conhecimentos e rapidamente os incorporarem em novas tecnologias e produtos, as organizações mais facilmente atingem o sucesso. Tal agilidade é elemento definidor de uma empresa criadora de conhecimento. Segundo Davenport (1998), cada vez mais as empresas serão diferenciadas com base naquilo que sabem. O conhecimento pode propiciar uma vantagem sustentável, no sentido de gerar retornos crescentes. Para Meister (1999) o desafio das empresas no século XXI deve ser a criação de uma infra-estrutura que garanta um aprendizado contínuo, pois a sustentação da vantagem competitiva se dará através do aprendizado * Coordenadora do curso de Administração da FAMEC. [email protected] ** Professora da FAMEC [email protected] Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC permanente e de um excepcional desempenho das pessoas. O termo Educação Corporativa surge como uma resposta a este desafio e enfatiza o processo de desenvolvimento dos profissionais, para favorecer o alto desempenho da organização. Com esse enfoque de educação, as organizações buscam, de acordo com Eboli (2001, p.111): “[...] energia geradora de sujeitos modernos, capazes de refletir de maneira crítica sobre a realidade da empresa, bem como de construíla e de modificá-la sempre que for preciso em nome da competitividade e do sucesso.” Para autores como Chiavanato (1999), Dutra (2001), Eboli (2004), Gdikian e Silva (2002), Meister (1999), Souza (2001), dentre outros, a Educação Corporativa representa um processo contínuo e abrangente que objetiva transformar a empresa em uma organização de aprendizagem. Propõe-se a deslocar o foco de um evento único e presencial de treinamento e desenvolvimento para um processo de ensino-aprendizagem, no qual as pessoas possam compartilhar e disseminar o conhecimento no dia-a-dia das organizações. Para Eboli (2004, p.54), as empresas devem “[...] criar um ambiente e uma cultura empresarial cujos princípios e valores disseminados sejam propícios a processos de aprendizagem ativa e contínua [...] e assim despertem e estimulem nas pessoas a postura do autodesenvolvimento.” Acrescenta ainda essa autora: [...] do ponto de vista do indivíduo, este precisa alcançar um patamar de maturidade e autoconhecimento que lhe proporcione uma conscientização e internalização do real sentido da aprendizagem e desenvolvimento contínuos, para garantir as competências humanas fundamentais ao sucesso da empresa onde trabalha. (EBOLI, 2004, p.44). Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 29 Os propósitos da educação corporativa indicam para aspectos importantes a serem revistos nas empresas, no que se refere ao estímulo e ambiência para o desenvolvimento humano. Acreditamos que são grandes os desafios para a sua concretude, pois, mais do que a modernização tecnológica das ferramentas de educação, envolve, prioritariamente, a formação de uma verdadeira cultura empresarial de competência e resultado, o que supõe profundas mudanças não só na estrutura, nos sistemas, nas políticas e nas práticas de gestão, como também, essencialmente, na mentalidade organizacional e individual. (EBOLI, 2004, p.38). As Universidades Corporativas surgem neste contexto, apoiando os novos paradigmas vigentes na sociedade do conhecimento e assumem as diretrizes de aprendizagem organizacional que, aliado às tecnologias busca proporcionar mudanças individuais e comportamentais nas organizações. EDUCACAO Do ponto de vista da etimologia, o termo educação, conforme Mariotti (1999, p.25): “[...] vem do latim ex ducere, que significa conduzir (ducere) para fora valores que já existem nas pessoas em forma de potencial.” Subjaz a esta definição um movimento que resgata o valor humano, através de um “quefazer” educativo, como diz Paulo Freire. No entanto, esta definição nem sempre esteve internalizada ao fazer educativo. Segundo Charlot (1983, p.31): “A educação é, ao mesmo tempo, um processo cultural individual e um fenômeno social.” Na perspectiva filosófica, a educação é vista sob três vertentes. Alguns autores a entendem como responsável pela reprodução da 30 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC sociedade (educação como Reprodutora). Para outros ela é responsável pela direção da sociedade, na medida em que é capaz de direcionar a vida social para novos rumos (educação como Redentora). Há autores que a vêem ainda como uma instância mediadora de uma forma de entender e viver a sociedade (educação como transformação) (LUCKESI, 1994). Os autores que interpretam a educação como reprodutora defendem que ela faz parte integral da sociedade e a reproduz. A educação é uma instância dentro da sociedade e exclusivamente a seu serviço (FREITAG, 1980).A corrente que defende a educação como redentora, considera que ela tem como objetivo adaptar o indivíduo à sociedade. Na tendência que considera a educação como transformadora da sociedade, os autores, dentre eles Saviani (1995), vêem a educação como meio, ao lado de outros meios, para realizar projetos sociais. Eles pretendem demonstrar que é possível compreender a educação dentro da sociedade, com seus determinantes e condicionantes, mas pretendendo trabalhar pela sua democratização. Esta tendência é chamada de “crítica”, na medida em que interpreta a educação com possibilidade de agir estrategicamente (Ibidem). Um outro teórico das questões da educação, que comunga desta última tendência é Freire (1983; 1987). Para ele, a educação precisa não só voltar-se para a realidade, mas, principalmente, transformá-la. Toda a sua potencialidade deve atender aos interesses dos indivíduos e às necessidades sociais. Precisa-se buscar uma educação que não seja apenas uma aquisição individual de técnicas e de competências especializadas, mas a formação de homens e mulheres autônomos e polivalentes, capazes de se inserir em comunidades dinâmicas e em constante mutação. Para Freire (1987), a educação deve ter como objetivo promover a ampliação da visão de mundo do ser humano e isso só acontece quando essa relação é mediada pelo diálogo, partindo do estudo da realidade. A educação deve estar centrada no educando, em vez de centrar-se no professor ou no conteúdo; o aluno deve tomar conta de sua aprendizagem. Segundo Krishnamurti (1994, p.13): “[...] a educação deve ajudar-nos a descobrir valores perenes [...] Infelizmente, o nosso atual sistema de educação nos torna subservientes, mecânicos e fundamentalmente incapazes de pensar; embora desperte nosso intelecto [...]” . Conforme o autor, a educação não deve visar produzir apenas técnicos e caçadores de empregos, mas homens e mulheres integrados, livres de todo o temor. Somente desta forma ela propiciará a sobrevivência da humanidade. Segundo Freire (1983), a educação precisa propiciar a ampliação da visão de mundo dos indivíduos. Sendo assim, as pessoas terão maior oportunidade para desenvolver, por exemplo, a criatividade e, como conseqüência, dinamizar o processo de inovação nas organizações, tão necessário à permanência das mesmas no mercado. Do pensamento de Krishnamurti (1994), extraiu-se a necessidade de estar atentos à responsabilidade da educação quanto à ajudar as pessoas a descobrirem valores de vida permanentes, contribuindo para a formação de homens e mulheres livres e integrados. EDUCAÇÃO CORPORATIVA A educação não se completa no período escolar. Ela imprime a formação integral do homem, transformando-o em alguém capaz de pensar, participar, trabalhar, a adaptar-se Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC às novas transformações, aos novos conceitos, a uma vida renovada. Esta educação não pode ser entendida apenas pela identificação com os meios convencionais de ensino. Ela é distribuída ao longo da vida, através de situações diferentes, conseqüência da interação do homem com o seu trabalho, amigos, família etc., auxiliando-o a acompanhar as alterações que ocorrem no mundo, em todos os campos do conhecimento (MATOS, 1998). A partir dos anos 80, as organizações despertaram para a importância de desenvolver ações abrangentes e que extrapolassem a aquisição de conhecimentos, em longo prazo, visando uma aprendizagem mais completa de seus profissionais. Uma mudança no antigo processo de capacitação das pessoas ocorre migrando para um novo modelo de educação nas organizações. O Quadro 1 apresentado a seguir é ilustrativo de alguns aspectos dessa mudança: Ação Tradicional Este novo modelo de educação, conforme Gdikian e Silva (2002, p.55): “[...] subverte diversas práticas comuns do modelo de treinamento e desenvolvimento. A capacitação para o cargo é substituída pelo desenvolvimento com foco em competências.” Vale acrescentar que a introdução do conceito de competência muda profundamente o caráter da ação tradicional de educação empresarial, pois este ajuda a direcionar as empresas a um alinhamento no desenvolvimento das pessoas em relação às estratégias organizacionais. Usualmente, entendemos por competência a capacidade, aptidão e habilidade decorrente de profundo conhecimento que alguém tem sobre um assunto. Essa definição não se distancia das encontradas nos dicionários. As diferentes definições propostas por vários estudiosos sobre o termo nas últimas três décadas, foram compiladas por Gdikian e Silva (2002) em dois blocos de entendimento: um deles conceitua competência como o conjunto de características básicas que permite Ação Renovada - Desenvolver habilidades OBJETIVO - Desenvolver as competências criticas - Aprendizado individual FOCO - Aprendizado organizacional - Tático ESCOPO - Estratégico - Necessidades individuais ENFASE - Estratégias de Negócios - Interno PÚBLICO - Interno e externo - Espaço real ESPAÇO - Espaço Real e Virtual - Aumento de habilidades RESULTADO - Aumento da Competitividade QUADRO 1 – AÇÃO TRADICIONAL E AÇÃO RENOVADA DE EDUCAÇÃO EMPRESARIAL Fonte: EBOLI, 2003. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 31 32 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC que uma pessoa tenha um desempenho superior no trabalho; o outro amplia o conceito, focando-o na entrega, nos resultados, nas realizações da pessoa, adicionando valor ao negócio. Corroborando o entendimento do conceito ampliado, A. Fleury e M.T. Fleury (2001, p.21) assim definem competência: “[...] um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo.” Trata-se de uma definição completa, por explicitar a preocupação com a agregação de valor não só para a organização como também para o indivíduo. As novas competências exigidas pelo mercado são definidas por Meister (1999) como o conjunto de qualificações, conhecimentos explícitos e implícitos necessários para superar o desempenho da concorrência. Perrenoud (2004, p.1), assim define competência: “[...] a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar uma série de situações.” Segundo Meister (1999), os empregadores estão exigindo as seguintes competências no ambiente de negócios: aprender a aprender; comunicação e colaboração; raciocínio criativo; conhecimento tecnológico; conhecimento de negócios globais; desenvolvimento de liderança e autogerenciamento de carreira. Um aspecto evidenciado pela educação corporativa diz respeito à preocupação em priorizar os aprendizados relevantes e um cuidado especial nas situações elaboradas de aprendizagem para que sejam acessíveis e convenientes ao modo como os adultos aprendem: na prática e com os próprios colegas de trabalho. Isto significa, segundo Senge (1999, p.38): “[...] ver a aprendizagem como inseparável do trabalho cotidiano.” No tocante ao cuidado para a promoção de aprendizados relevantes, Meister (1999, p.148) destaca a utilidade e conveniência da criação de um banco de dados de conhecimentos que elabore para as empresas: [...] perfis de conhecimento para os principais cargos a fim de saber qual é o conhecimento existente, quais são as melhores práticas desempenhadas pelos principais profissionais e o que é preciso, em termos de qualificações, conhecimento e treinamento, para executá-las. Depois então é possível desenvolver métodos de aquisição e compartilhamento de conhecimento para capturar e disseminar informações ricas em conteúdo, de maneira acessível e agradável. Além disso, Souza (2001, p.7) considera que os mais bem-sucedidos programas de educação corporativa devem contar “[...] com os líderes empresariais como co-responsáveis pela aprendizagem organizacional e algumas vezes investidos no papel de treinadores e tutores de outros líderes.” Isto reforça ainda mais a necessidade de uma mudança de mentalidade das lideranças, tendo em vista que o compromisso dos dirigentes com o cultivo e gerenciamento do aprendizado das pessoas nas organizações passa a ser fundamental para criar um ambiente favorável à sua manifestação. Para Meister (1999, p.29), a educação corporativa pretende funcionar como “[...] um guarda-chuva estratégico para desenvolver e educar funcionários, clientes, fornecedores e comunidade, a fim de cumprir as estratégias da organização.” Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC A intensificação de treinamentos à distância é outra faceta da educação empresarial e, necessariamente, não é um treinamento individualizado. Pode envolver equipes de profissionais, através de uma tecnologia de aprendizagem cooperativa, para tratar de um tema relacionado ao ambiente de negócios da empresa. Nas várias simulações a que o tema é submetido examinam-se as melhores estratégias e soluções em tempo real. Esta é uma forma de aprendizagem denominada por Meister (1999, p.110) de aprendizagem através da ação: Na aprendizagem através da ação, a organização converte a aprendizagem individual em Know-how organizacional, porque aborda problemas reais [...] conduzida em equipe a aprendizagem é compartilhada por todos os membros, o relacionamento entre os integrantes é encorajado e novas perspectivas surgem. As novas tecnologias adotadas, portanto, não só ajudam a tratar dos conhecimentos explícitos, como também do conhecimento tácito existente nas práticas e nos relacionamentos que ocorrem no ambiente de trabalho. Meister (1999, p.109, grifo do autor) acrescenta: [...] trabalho e aprendizagem tornam-se atividades sociais e o que mantém a comunidade unida é um sentimento comum de propósito e necessidade de saber o que cada membro da comunidade sabe... O termo “comunidade de aprendizado” foi cunhado por Etienne Wenger e Jean Lave em seu livro de 1991, Situated Learning, no qual descrevem uma comunidade de aprendizado como um grupo de pessoas que partilham um modo de pensar sobre como realizar um trabalho e, mais importante, aprendem trabalhando juntas. O avanço da tecnologia tem ajudado as empresas a instituir uma filosofia da aprendizagem e desenvolvimento contínuo, alardeada Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 33 pelo modelo de educação corporativa, facilitando a distribuição dos meios de aprendizagem por toda a organização, a qual pode se caracterizar também como uma aprendizagem autodirigida, em que o próprio participante pode determinar o ritmo de sua aprendizagem. Alertamos, no entanto, sobre as conseqüências dessas tecnologias. Se por um lado minimizam o efeito das distâncias geográficas e reduzem as despesas com deslocamentos dos profissionais para o local do curso, por outro diminuem o contato humano entre as pessoas, participantes e instrutores. Acreditamos que o ideal é buscar um equilíbrio, mesclando-se ações educacionais à distância e presenciais. A implantação de programas educacionais customizados para as reais necessidades organizacionais é outro imperativo a que a educação empresarial se propõe. Como forma de melhor estruturar o sistema de aprendizagem, possibilitando o engajamento de funcionários, clientes e fornecedores, algumas empresas estão criando suas universidades próprias: as Universidades Corporativas (UC). Para Eboli (2004, p.47-48), a implantação de uma Universidade Corporativa (UC) se dá quando as empresas percebem “[...] a necessidade de repensar seus tradicionais centros de T&D, de modo que possam contribuir com eficácia e sucesso para a estratégia empresarial agregando valor ao resultado do negócio”. UNIVERSIDADE CORPORATIVA A associação da palavra “universidade” com a imagem de campus, edifícios, reitores e professores passa longe da versão Universidade Corporativa, na visão empresarial. Trata-se mais de um processo dinâmico, em que todos os níveis da empresa são envolvidos na aprendizagem, na qual os funcionários aprendem uns com os outros, compartilham inova- 34 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC ções e melhores práticas, visando superar sua performance no trabalho e, conseqüentemente, aumentar a produtividade na empresa. mento de ferramentas que propiciem, de forma intensa, captação do conhecimento presente na organização (através de seus profissionais, clientes, fornecedores e comunidade) e sua adequada disseminação, para que seja de fácil utilização por todos, sempre que necessário; 5. têm público alvo amplo, não se restringindo ao público interno, mas entendendo que o conhecimento é desenvolvido e utilizado por toda a rede de profissionais que envolvem cada organização; 6. procuram acompanhar a utilização prática do conhecimento, ou seja, a transformação do conhecimento em vantagem competitiva, gerando capital intelectual para as organizações. Meister (1999) ressalta que as empresas querem usar a metáfora da universidade para criar a imagem da grande finalidade da iniciativa: prometer a seus participantes e seus patrocinadores que a Universidade Corporativa irá prepará-los para o sucesso no trabalho atual e na carreira futura. No Brasil, essas universidades começaram surgir na década de 1990, quando as empresas começaram a perceber a necessidade de renovar seus tradicionais centros de Treinamento e Desenvolvimento, de modo a contribuir com eficácia e sucesso para a estratégia empresarial, agregando valor ao resultado do negócio (EBOLI, 1999). De acordo com pesquisa desenvolvida por Gdikian e Silva (2002, p.75), envolvendo empresas do Estado de São Paulo1: “Em 59% das empresas pesquisadas, há Universidades Corporativas implantadas ou em processo de instalação.” Estas universidades, física ou virtualmente instaladas nas organizações, apresentam, de acordo com Costa (2001), algumas características específicas, para atender às novas necessidades organizacionais, que diferem das tradicionais áreas de treinamento e desenvolvimento (T&D): 1. são proativas, com ações totalmente voltadas ao ambiente de negócio de cada organização; 2. atuam no desenvolvimento de competências essenciais e são inovadoras nas formas de viabilizar o conhecimento; 3. têm como premissa a disseminação do conhecimento em qualquer momento, em qualquer lugar; 4. atuam no desenvolvimento e gerencia- Estas universidades representam para as organizações, segundo Eboli (1999), uma redução de custos com programas de educação continuada, já que contam com um público mais amplo e com ações bem dimensio-nadas. As universidades corporativas, portanto, não visam substituir ou disputar espaço com as universidades tradicionais. Pelo contrário, elas são complementares, na medida em que a universidade tradicional fornece toda a formação conceitual e metodológica aos profissionais, enquanto a corporativa oportu-niza o aprimoramento nas competências essenciais ou críticas de cada organização. São fortes as possibilidades e os casos de sucesso de alianças estabelecidas entre as universidades corporativas e as universidades tradicionais. Por intermédio do quadro 2, pode-se visualizar com mais clareza a diferença do papel da Universidade Tradicional e da Universidade Corporativa: 1 Empresas indicadas Melhores Empresas para se Trabalhar pelas edições da Revista Exame anos 1999 e 2000. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC UNIVERSIDADE FORMAL 35 UNIVERSIDADE CORPORATIVA Desenvolve competências essenciais para o mundo do trabalho; Desenvolve competências essenciais para o sucesso do negócio; Aprendizagem baseada em sólida formação conceitual e universal; Aprendizagem baseada em prática dos negócios; Sistema Educacional Formal; Sistema de Desenvolvimento de Pessoas pautado pela gestão de Competências; Ensina crenças e valores universais; Ensina crenças e valores da empresa e do ambiente de negócios; Desenvolve cultura acadêmica; Desenvolve cultura empresarial; Forma cidadãos competentes para gerar o sucesso das instituições e da comunidade; Forma cidadãos competentes para gerar o sucesso da empresa e dos clientes; QUADRO 2 - PAPEL DAS UNIVERSIDADES TRADICIONAIS X CORPORATIVAS Fonte: EBOLI, 1999, p.117. Da mesma maneira que a universidade formal possui currículo, as corporativas também o têm e é justamente isto que as distingue dos departamentos tradicionais de treinamento, que historicamente estavam voltados para as habilidades técnicas imediatamente necessárias ao trabalho. Para a construção de seus programas de aprendizagem, as UCs se preocupam em compreender e satisfazer as necessidades de seus clientes, desenvolver idéias orientadas para o negócio da empresa, vinculadas às questões estratégicas e, segundo Eboli (2004), disseminar os valores e cultura da organização de forma consistente, para que eles sejam incorporados pelas pessoas, tornando-se norteadores de seu comportamento e permitindo o direcionamento entre objetivos e valores individuais e organizacionais, construindo-se assim a identidade cultural. De acordo com Gdikian e Silva (2002, p.37), as UCs: Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 [...] podem oferecer cursos e programas com características de educação formal [...] também com o objetivo de migração de créditos, isto é, o aproveitamento dos estudos realizados no ambiente da corporação para a educação formal. Também podem atuar [...] na área de especialização profissional, em cursos de pós-graduação, ou de formação profissional, incluído o ensino à distância. Em suma, a emergência das UCs é uma realidade e, como constata Meister (1999, p.23), instigam as organizações a reestruturarem “[...] os ambientes de aprendizagem para que eles sejam proativos, centralizados, determinados, e realmente estratégicos por natureza.” Mais do que reunir o treinamento corporativo, o conceito de UC tem o objetivo principal de instituir o aprendizado permanente, vinculado às metas empresariais, para um público que extrapola os limites das empresas, de forma rápida e acessível a todos. 36 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC A missão de uma UC, de acordo com Eboli (2004, p.48): “[...] consiste em formar e desenvolver talentos na gestão dos negócios, promovendo a gestão do conhecimento organizacional [...] por meio de um processo de aprendizagem ativa e contínua.” ASPECTO RELEVANTE PARA GESTÃO EDUCACIONAL DA UC Estamos diante de uma evolução e de um grande ganho, quanto ao entendimento, pelo empresariado, da importância da educação para a organização, do uso da tecnologia como facilitadora da disseminação e construção do conhecimento. Entendemos, porém, que o importante, independente de se dar a educação empresarial a partir de um setor interno da empresa, área de RH ou T&D, ou ainda da instituição de uma UC, é que a educação corporativa tenha como filosofia onde o ser humano é o principal bem das organizações. A educação empresarial, repetimos, não deve se constituir em uma atitude utilitarista, isto é, colocada a serviço do lucro e da produtividade apenas, mas atender a uma necessidade inerente à condição humana, ajudando cada pessoa no processo de auto-descoberta, de crescimento pessoal e de libertação do potencial interior. Sabemos que ser eficaz em termos de produtividade é uma questão de sobrevivência. A educação tem uma contribuição fundamental, mas também não se pode colocar em segundo plano o cumprimento de um imperativo moral e ético que é reconhecer o ser humano em sua condição de ser integral e estimular seu desenvolvimento em todas as suas dimensões, preparando-o para atuar como agente de transformação do cenário produtivo. Como diz Eboli (2004 p.54): “Só através das pessoas será construído um sistema de educação verdadeiramente eficaz”. Dando-se o desenvolvimento humano nas organizações apenas pelo caminho racional, com conteúdos cognitivos ligados ao negócio e às atividades empresariais, por exemplo, teríamos uma repetição do que mais se fez em termos de treinamento e desenvolvimento nas empresas, cujos resultados são hoje questionados. Conforme alertam Davel e Vergara (2001, p.42): [...] focalizar a dimensão intelectual ou puramente instrumental das pessoas, tão em moda nos dias atuais, sem considerar, ou pouco considerando, as dimensões física, emocional e espiritual, é um desbalanceamento que pode trazer para as empresas resultados não desejados. Temos ainda a ponderar que a relação do indivíduo no contexto corporativo é carregada de subjetividade, ou seja, a pessoa está em constante ação e em permanente interação com o ambiente da empresa e consigo mesma, e a qualidade desta relação certamente interferirá no indivíduo e em sua prontidão para internalizar o conhecimento. Outra questão a ser pontuada é a forma superficial com que podem ser tratados aspectos educacionais, a exemplo da referência de Meister (1999) quanto a necessidade de desenvolver, no indivíduo, a atitude de aprender a aprender. Segundo a autora, aprender a aprender é necessário, pois: [...] os trabalhadores precisam de um conjunto mais amplo de qualificações, compreender não apenas seu próprio trabalho, mas também os cargos nos departamentos imediatos e estar sempre pensando em como melhorar seu processo de trabalho. (MEISTER, 1999, p.105). Este tipo de aprendizagem é puramente racional e um processo simples de assimilação de conhecimento. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC Meister (1999) ainda considera as seguintes ações como componentes da habilidade de aprender a aprender, corroborando a definição proposta pela American Society of Training Development (ASTD)2: fazer perguntas certas; identificar os componentes essenciais dentro de idéias complexas; encontrar meios informais de medir o conhecimento que se tem do material pertinente; e aplicar estas técnicas às metas de tarefas específicas do cargo. Além do propósito mecanicista, tais ações são passos de uma análise cognitiva do indivíduo. Ao se falar em educação não se pode partir, unicamente, da racionalidade comum às ciências positivas, em que a análise recorta e reduz o objeto, prejudicando a visão do seu todo e acarretando um olhar superficial sobre o mesmo. Estes aspectos evidenciam que não será suficiente para o sucesso de um novo modelo de educação corporativa a penas a criação de oportunidades de aprendizado contínuo, se revestidas de superficialidade racional e imediatismos, com foco único nos resultados empresariais. Há de estar fundamentado em uma concepção de educação transformadora da sociedade. É preciso muito mais do que oferecer os meios e a ambiência de aprendizagem, é preciso saber que tipo de aprendizagem se deseja estimular, entender o ser humano em sua subjetividade, defender a educação em sua essência. CONSIDERAÇÕES FINAIS A educação corporativa revela-se de fundamental importância para o processo de desenvolvimento das pessoas e de permanência da organização no mercado, uma vez que se propõe a arregimentar e estruturar as condições para que o processo de aprendizagem organizacional se faça de forma ágil, contínua e alinhada à estratégia das organizações, conVolume 05 – Número 01 – Ano 2008 37 siderando a cultura organizacional, o contexto organizacional, as competências essenciais e as necessidades de desenvolvimento integral das pessoas. A sociedade do conhecimento e a implantação das Universidades Corporativas revestem-se do uso da tecnologia e da informação, porém não sobrepuja a necessidade de pessoas capazes de refletir criticamente sobre a realidade organizacional e de construí-la e transformá-la para a melhoria da qualidade de vida e da sociedade. Reitera que o modelo “Universidade Corporativa” torna-se promissor desde que instrumentalize a visão da educação como estratégica para os processos de mudanças que a sociedade demanda, respeitando a concepção de educação que privilegie a capacidade de aprendizagem das pessoas como potencial de transformação e evolução humana, para interagirem e interferirem em seu processo produtivo. A produtividade empresarial seria, portanto, conseqüência natural dessa evolução. O modo de vida atual é a expressão de comportamentos longamente condicionados pela educação convencional, mas a empresa, como um local onde se dá, cada vez mais, uma parcela significativa do ensino e do aprendizado, deve inovar através de uma revisão profunda em sua forma de educar. Mesmo que o conhecimento e a informação sejam, hoje, as bases da produção, a mais importante capacidade que uma pessoa pode ter é a sua 2 Criada em 1944, hoje é a principal líder em estudos relacionados à performance profissional e formação de líderes. A ASTD tem 70.000 membros e associados em mais de 100 países e centenas de organizações: corporações multinacionais, pequenas e médias empresas, governos etc. (MEISTER, 1999). 38 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC disposição para aprender incessantemente. O seu desenvolvimento, portanto, deve se dar nos quatro níveis do ser – físico, emocional, mental e espiritual –, visando o ajustamento integrado de sua totalidade. Desenvolver as habilidades mentais de raciocínio, análise, processamento inteligente de informações e o uso adequado de conhecimentos são importantes, mas os conteúdos que estimulam a reflexão sobre atitudes, valores individuais e coletivos, sobre o conhecimento de si mesmo, sobre a existência, são tão importantes quanto os conteúdos lógicos e objetivos. A uma nova educação corporativa não cabe priorizar a formação profissional de cunho técnico e instrumental, mas vislumbrar a concepção mais ampla de uma educação ao longo de toda a vida, concebida como condição de desenvolvimento harmonioso e contínuo da pessoa. Não se desconhece a complexidade que envolve a temática aqui estudada. Espera-se, contudo, ter contribuído para a compreensão dos aspectos a serem analisados na concepção da educação corporativa, evitando-se distorções em seus propósitos. Em relação às lideranças, ressalta-se a necessidade de atuarem como mediadoras do processo de aprendizagem; aos profissionais, de maneira geral, é sempre oportuno o entendimento de que é preciso investir permanentemente no autodesenvolvimento, pois este investimento, além de propiciar o crescimento profissional, repercute positivamente no desenvolvimento pessoal. REFERÊNCIAS COSTA, Ana Claudia Athayde da. Educação corporativa: um avanço na questão integrada do desenvolvimento humano. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. CHIAVENATO, Idalberto. Recursos humanos. ed. compacta. São Paulo: Atlas, 1985. ______. Como transformar RH de um centro de despesa em um centro de lucro. São Paulo: Makron Books,1996. ______. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999. DAVENPORT, Thomas H. Conhecimento empresarial: como as organizações gerenciam o seu capital intelectual. Tradução de Lenke Peres. Rio de Janeiro: Campus, 1998. DUTRA, Joel Souza (Org.). Gestão por competências: um modelo avançado para o gerenciamento de pessoas. São Paulo: Gente, 2001. EBOLI, Marisa. Educação para as empresas do século XXI. São Paulo: Schmukler Editores, 1999. ______. Educação corporativa como vantagem competitiva. Palestra realizada no Fórum Universidades . EBOLI, Marisa. Um novo olhar sobre a educação corporativa – desenvolvimento de talentos no século XXI. In: DUTRA, Joel Souza (Org.). Gestão por competências: um modelo avançado para o gerenciamento de pessoas. São Paulo: Gente, 2001. p. 109-128. ______. Educação corporativa no Brasil: mitos e verdades. São Paulo: Gente, 2004. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Tradução de Moacir Gadotti e Lílian Lopes Martin. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e sociedade. 4. edição. São Paulo: Moraes, 1980. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC FLEURY, Afonso; FLEURY, Maria Tereza L. Aprendizagem e inovação organizacional: as experiências de Japão, Coréia e Brasil. São Paulo: Atlas, 1997. ______;______. Estratégias empresariais e formação de competências: um quebracabeça caleidoscópico da indústria brasileira. São Paulo: Atlas, 2001. GDIKIAN, Elizabeth Ayres; SILVA, Moisés Correia. Educação estratégica nas organizações: como as empresas de destaque gerenciam o processo de educação corporativa. Rio de janeiro: Qualitymark; São Paulo: ABRH, 2002. KRISHNAMURTI. A educação e o significado da vida. 14. ed. Rio de Janeiro: Cultrix, 1994. LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994. (Coleção magistério, 2º grau. Série formação do professor). MARIOTTI, Humber to. Organizações de aprendizagem: educação continuada e a Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 39 empresado futuro. 2. ed. Ver. e atual. São Paulo: Atlas, 1995. MATOS, Francisco Gomes de. Empresa feliz. São Paulo: Makron Books, 1998. PERRENOUD, Philippe. O desenvolvimento de competências. Disponível em: SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura de vara, onze teses sobre educação e política. Campinas, SP: Autores Associados,1995. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, v.5). MEISTER, Jeanne C. Educação corporativa. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1999. SENGE, Peter. A quinta disciplina. São Paulo: Best Seller, 1990. ______. A dança das mudanças: o desafio de manter o crescimento e o sucesso em organizações que aprendem. Rio de Janeiro: Campus, 1999. SOUZA, César. Talentos & competitividade, clientividade. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 40 A Inclusão do Aluno com Necessidades Educativas Especiais na Educação Superior Telma Brito Rocha* RESUMO É inegável o papel social da universidade e seu compromisso de proporcionar um processo educacional mais justo e democrático para a elaboração de conhecimentos e efetivação de políticas inclusionistas. A sociedade, no seu dia-a-dia, precisa se adaptar às necessidades das pessoas com deficiência, dividindo espaços com igualdade e, principalmente, com respeito e aceitação às diferenças. As formas limitadas como as escolas e instituições ainda atuam, têm levado grande parcela dos alunos à exclusão, principalmente das minorias - sejam elas sociais, sexuais, de grupos étnicos ou de pessoas com deficiência. A base da inclusão consiste no conceito de que toda pessoa tem o direito básico à educação e que esta deve levar em conta seus interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem. Nesse sentido, que Instituições de Ensino Superiores invistam na definição de uma política institucional para a construção de práticas inclusivas que beneficiem o processo de ensino e aprendizagem dos estudantes com deficiência, para promoção e equalização de oportunidades. Palavras-chave: Ensino Superior; Necessidades Educativas Especiais; Inclusão Social. INTRODUÇÃO A sociedade, no seu dia-a-dia, precisa se adaptar às necessidades das pessoas com deficiência, dividindo espaços com igualdade e, principalmente, com respeito e aceitação às diferenças. As formas limitadas como as escolas e instituições ainda atuam, têm levado grande parcela dos alunos à exclusão, principalmente das minorias - sejam elas sociais, sexuais, de grupos étnicos ou de pessoas com deficiência. A base da inclusão consiste no conceito de que toda pessoa tem o direito básico à educação e que esta deve levar em conta seus interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem. De acordo com estudos de Fortes (2005) é através de Instituições de ensino regular que se deve combater as atitudes discriminatórias, propiciando condições para o desenvolvimento de comunidades integradas, que é a base da construção da sociedade inclusiva e con* Doutoranda em Educação- Universidade Federal da Bahia; Professora Faculdade Metropolitana de CamaçariFamec (e-mail:[email protected]) Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 41 seqüentemente obtenção de uma real educação para todos. prática pedagógica da educação inclusiva, destacam-se: Embora, a implementação dessa sociedade inclusiva esteja apenas começando, a consecução do processo de inclusão de todos os alunos na escola básica ou na universidade não se efetua apenas por decretos ou mesmo leis, pois requer uma mudança profunda na forma de encarar a questão e de propor intervenções e medidas práticas com a finalidade de transpor as barreiras que impedem ou restringem o acesso e permanência de pessoas com deficiência. • Constituição federal, Título VIII, artigo 208 e 227; • Lei nº. 7.853/89. Dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiência, sua integração social, assegurando o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais; • Lei nº. 10.098/00. Estabelece normas gerais e critérios básicos para promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras providências. • Lei 10.172/01 que aprova o Plano Nacional de Educação e estabelece objetivos e metas para a educação de pessoas com necessidades educacionais especiais; • Decreto nº. 5.296/04. Regulamenta as Leis nº. 10.048/00, que dá prioridade de atendimento às pessoas com deficiência, e 10.098/00, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. • Lei 9.394/96 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional; • Decreto nº. 3289/99 que regulamenta a Lei nº. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção e dá outras providências; • Portaria MEC nº. 1.679/99. Dispõe sobre os requisitos de acessibilidade a pessoas portadoras de deficiência para instruir processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições; A legislação sobre o tema As últimas décadas foram marcadas por movimentos sociais importantes, organizados por pessoas com deficiência e por militantes dos direitos humanos, que conquistaram o reconhecimento do direito das pessoas com deficiência à plena participação social. Essa conquista tomou forma nos instrumentos internacionais que passaram a orientar a reformulação dos marcos legais de todos os países, inclusive do Brasil. Ao concordar com a Declaração Mundial de Educação para Todos, firmada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e ao mostrar consonância com os postulados produzidos em Salamanca (Espanha, 1994) na Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade, o Brasil fez opção pela construção de um sistema educacional inclusivo. Esses documentos ressaltam que os sistemas educativos devem ser projetados e os programas aplicados de modo que tenham em vista toda gama das diferentes características e necessidades dos alunos Dentre os principais instrumentos nacionais que orientam a educação para uma aproximação sucessiva dos pressupostos e da Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 Apesar de existirem dispositivos legais desde a constituição de 1988, onde se estabele- 42 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC ce normatização, de modo que se assegure a eqüidade de oportunidades e a valorização da diversidade ético-político de todos, nas diferentes esferas de poder, é somente, a partir de 1996, com a lei n. 9394/96, que as instituições de educação superior mais especificamente começam a discutir a questão, já que a legislação ora citada, estabelece responsabilidades bem definidas para a operacionalização de ações dirigidas a inclusão do aluno com deficiência em instituições de ensino. Com o considerável número de dispositivos legais na forma de Leis, Decretos, Portarias, Resoluções e Instruções no âmbito da Legislação Federal, as principais, elencadas acima, estas instituições começam a organizar-se com relação ao ingresso desse alunado. A circular n°277 MEC/GM a exemplo sugere os encaminhamentos que cada instituição de ensino superior deva ter para o processo de ingresso do aluno com deficiência, sobretudo na seleção pública por meio do vestibular, e chama a atenção para que as mesmas desenvolvam ações que possibilitem a flexibilização dos serviços educacionais, de infra-estrutura, de capacitação de recursos humanos, de modo que atendam uma permanência de qualidade a esses alunos. No entanto, vai ser a Portaria 3.284/2003 MEC/GM que revogou a Portaria MEC n° 1.679/ 1999, que irá dispor sobre os requisitos de acessibilidade a pessoas com deficiências para instruir processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições de ensino superior no país. Por meio desta, o cumprimento destas normas, se encontra atrelada à condição de avaliação da instituição. A partir desta determinação legal, diretamente relacionada à sua autorização de funcionamento, é que muitas universidades co- meçaram a criar ações que garantam acessibilidade em sua estrutura arquitetônica, embora, segundo pesquisa realizada pelas autoras deste texto, e tratadas a seguir, em uma instituição federal de ensino, revelem que o atendimento apenas a infra-estrutura espacial, não conseguem minimizar a exclusão destes alunos no ensino superior, aspectos como as condições didático-pedagógica de trabalho de professores, comprometido pela falta de tecnologias de ajuda para operacionalização de um processo de aprendizagem e inclusão deste aluno de modo pleno, se encontra entre as principais obstáculos verificadas em seu estudo. Sendo assim, o Ministério da Educação tem que criar além de legislação, programas que permitam a aquisição de materiais tecnológicos e capacitação docente é fundamental para o desenvolvimento da educação superior do deficiente. A Universidade e a inclusão de alunos com deficiência no Brasil Apesar de o ingresso do aluno com necessidades educacionais especiais na universidade terem aumentado nestes últimos anos como apontam pesquisas do Instituto Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Dado do censo em 2005, indicaram que as matrículas passaram de 2.155 para 6.022 em cinco anos, se considerados os alunos superdotados, os matriculados subiram de 2.173 para 6.328 e o aumento percentual foi de 191%. Isto certamente representa um avanço, mas ainda há muito trabalho a ser feito para que se concretize sua inclusão plena. Visto que, existe um contraste muito grande nas diversas regiões do país, o Nordeste e o Norte, estão entre menores índices de matriculaVolume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC dos. Os dados deste mesmo Censo revelam que 49% das 6.328 matrículas de alunos com necessidades especiais estão em Instituições de Educação Superior localizadas na Região Sudeste. A seguir vêm o Sul, com 24% desse total, e o Centro-oeste, com 14%. O Nordeste e o Norte concentram, respectivamente, 9% e 4% desse universo de estudantes. Por outro lado, os índices sobre o tipo de deficiência mais freqüente entre os alunos com necessidades especiais matriculados nas Instituições de Educação Superior é a física (38%). A seguir vêm os estudantes com deficiência visual, que representam 32% do total. Já os deficientes auditivos detêm 23% dessas matrículas. O Censo aponta também que o maior crescimento foi nas instituições de ensino superior privadas. Em 2000, as universidades públicas tinham 52,23% (1.135 alunos) do total de matriculados com necessidades especiais (incluindo os superdotados) e as privadas, 47,77% (1.038 estudantes). Já os números de 2005 mostram que 67% (4.247) dos alunos nessa categoria estudavam em entidades particulares. Apesar dos quantitativos mostrarem um salto no número de matrículas, o desafio de uma educação inclusiva na educação superior precisa ainda alcançar dados qualitativos. Segundo Miranda (2006, p.07) “o Brasil está em um momento, no qual a democratização do acesso e permanência na universidade de grupos socialmente desfavorecidos está obtendo maior espaço”. No entanto, é preciso que a legislação sobre acessibilidade da pessoa com deficiência no ambiente universitário seja mais respeitada, e o atendimento das especificidades de cada tipo de deficiência sejam implementadas tanto por instituiVolume 05 – Número 01 – Ano 2008 43 ções públicas como privadas, aqui o MEC deve estar acompanhando não apenas a autorização, mas o funcionamento das instituições. Pois, [...] enquanto os alunos com deficiência física têm como critério para sua acessibilidade a existência de espaços físicos adaptados (rampas, corrimões, trincos de porta, banheiros, bebedouros, telefones públicos, etc.), em relação à deficiência visual, a acessibilidade depende de materiais como computadores com softwares adequados, impressoras Braille, etc. No concernente a surdez, o aluno deve ter direito a um intérprete em Língua Brasileira de sinais – LIBRAS- por exemplo. (MIRANDA, 2006, p. 6) A construção de uma educação inclusiva requer uma reestruturação dos sistemas de ensino que devem organizar-se para dar respostas às necessidades educacionais de todos os alunos. Esse propósito exige ações práticas e viáveis que tenham como perspectiva operacionalizar a inclusão social e escolar de todas as pessoas, independente de suas necessidades. Neste sentido o papel social da universidade é fundamental, ela não poderá ser indiferente à diferença, é necessário que se busque um processo educacional mais justo e democrático. É preciso que o estado assuma uma dívida histórica com a educação da pessoa com deficiência. Contudo, aspectos legislativos, como as normas apenas, não vão dar conta da demanda para o setor, é preciso políticas públicas dirigidas com investimentos na qualificação de professores, e recursos tecnológicos, além da assistência estudantil nas universidades públicas em especial, para que se possa garantir a permanência desses estudantes. TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 44 Para Marilena Chauí, [...] se quisermos tomar a universidade pública por uma nova perspectiva, precisamos começar exigindo, antes de tudo, que o Estado não tome a educação pelo prisma do gasto público e sim como investimento social e político, o que só é possível se a educação for considerada um direito e não um privilégio, nem um serviço. (2003, p.6) Sendo a universidade uma instituição social, ela não pode continuar reagindo de forma omissa as questões da sociedade desigual, ela como espaço de produção de conhecimento e intervenção social deve colaborar com a superação dos padrões e rótulos que tradicionalmente classificaram diferença e inferioridade como sinônimos, por isso “[...] a relação entre universidade e Estado não pode ser tomada como relação de exterioridade[...]”. (Chauí, 2003, p.2) No entanto, vemos ainda no espaço da universidade pública e em toda sociedade brasileira, práticas segregadoras, onde se exige um padrão de “normalidade”, em nome de uma igualdade, que põem no mesmo nível valores intelectuais e físicos, logo, as pessoas com características diferentes são discriminadas e estigmatizadas. Ao se definir na nossa sociedade normas e padrões para todos os homens, a exemplo, as formas de acesso à instituição de nível superior, o exame de vestibular, percebe-se nitidamente a padronização do desempenho de candidatos que possuem habilidades e competências diferenciadas. Nesse sentido, é preciso a universidade trabalhe com igualdade de oportunidades reformulando toda sua forma de ingresso. Só assim ela estaria contribuindo com a superação do discurso sobre a desvantagem e descrédito à pessoa com deficiência. Rocha (2007) em estudos realizados sobre a inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais na Universidade Federal da Bahia (UFBA), constatou ser necessário que a instituição promova políticas mais diretivas para a inclusão da pessoa com deficiência no ambiente acadêmico. O pouco número de alunos com deficiência que têm acesso a UFBA é insignificante, em face, ao número de estudantes que tem a instituição, aproximadamente 20.000 alunos. Verifica-se, que além de uma política de permanência, a universidade deve promover uma discussão na sociedade sobre a política de acesso ao ensino superior, oportunizando alternativas, tais como curso de pré-vestibular, entre outras ações, que minimizem a falta de oportunidade desses estudantes excluídos de contextos educativos regulares. Por outro lado, a partir do momento em que a Universidade promova o acesso da pessoa com deficiência na Instituição, deve oferecer condições pedagógicas e tecnológicas adequadas. Com isso, certamente, teremos um maior número de deficientes sendo encorajados a ingressarem na instituição. Portanto, a instituição deve promover a sensibilização de equipes diretivas das unidades acadêmicas, dos professores e dos funcionários técnico-administrativos, para que possa haver maior interação entre o aluno deficiente e a comunidade acadêmica. Além disso, a criação de um laboratório de apoio pedagógico, onde o aluno contasse com ajuda de tecnologias e profissionais, tais como: pedagogo, psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, profissionais da computação entre outros, disponíveis para criar soluções tecnológicas e pedagógicas para o atendimento aos estudantes. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC REFERÊNCIAS BRASIL, Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais para a educação especial na educação básica. Brasília, MEC/SEESP - Secretaria de Educação Especial, 2001. ________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Direito à Educação: subsídios para a gestão dos sistemas educacionais: orientações gerais e marcos legais. Brasília, MEC/SEESP, 2004. ________.Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Acessibilidade. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2005. ________. Ministério da Educação. Portaria nº 3.284, de 7 de novembro de 2003. Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições. Diário Oficial da União da República Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 45 Federativa do Brasil. Brasília, DF, de 03/12/ 1999. CHAUI, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, n. 24, 2003. Disponível em: <http:/www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S1413-24782003000300002&lng =en&nrm= iso>. Acesso em: 06 May 2007. GONZÁLEZ, José Antônio Torres. Educação e diversidade: bases didáticas e organizativas. Porto Alegre: ARTMED Editora, 2002. MIRANDA. Theresinha Guimarães. A inclusão de pessoas com deficiência na universidade. Anais do II Seminário de Pesquisa em Educação Especial. UFES: Vitória/ES,2006. ISBN 85-99643-03-7. ROCHA, Telma. Brito. Universidade e a inclusão do aluno com deficiência: promoção do acesso e permanência por meio das tecnologias Assistivas. Revista Panorâmica Multidisciplinar, v. 8, p. 101-118, 2007. TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 46 A Comunidade Científica e Disseminação do Conhecimento Científico Patrícia Fernandes* Jucilene Santos* RESUMO Este estudo realizado em fontes de pesquisas secundárias aborda a importância da comunidade científica, para a manutenção do conhecimento científico, haja vista, serem responsáveis pela disseminação de novos conhecimentos através da comunicação científica. Na trajetória da evolução humana temos a linguagem oral como origem do desenvolvimento das tecnologias que acompanha o ser humano em todo o seu desenvolvimento. Com o surgimento da escrita como forte aliada da linguagem à relação do homem com o mundo passa a ser mais sólida, partindo a registrar a história humana, e assim, a criar e preservar o conhecimento. Nesta perspectivas as Universidades e Instituições de Ensino Superior aparecem como formadoras oficiais do conhecimento e a tudo que a ele está relacionado, criando comunidades científicas que venha a disseminar o conhecimento por ela produzido. A divulgação desses conhecimentos é também responsável pelo desenvolvimento de políticas em ciências e tecnologias além do desenvolvimento socioeconômico e cultural de um país. Palavras-Chave: Comunidade científica; Comunicação Científica; Comunicação; Universidade; Instituições de Ensino Superior. 1 INTRODUÇÃO Na evolução humana temos a linguagem oral como origem do desenvolvimento das tecnologias que acompanha o ser humano em toda a sua trajetória. Com o surgimento da escrita como forte aliada da linguagem à relação do homem com o mundo passa a ser mais sólida, partindo assim a registrar a história humana, e o homem começa criar e preservar o conhecimento. Assim, a transmissão do conhecimento passou a depender de quem soubesse registrar, e interpretar, ou seja, ler e escrever, desta forma, pode afirmar que a escrita assegura à humanidade as condições estruturais para a ampliação do seu processo de aprendizagem, elas são as essências da comunicação humana, desencadeando o processo da organiza* Bibliotecárias. Faculdade Metropolitana de Camaçari [email protected] Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC ção e do desenvolvimento social econômico e político. É através da escrita, que o homem começa um relacionamento mais amplo e diferente com o mundo que o cerca, levando-o a uma evolução mais rápida, passando a armazenar, transportar, difundir e perpetuar o conhecimento. A Comunicação escrita que começou com o pictograma (representação gráfica de idéias através de desenhos); passou pelo papiro (escrita na planta); pelo pergaminho (no couro); até chegar ao papel (descoberto na China há mais de 10 séculos, chegando à Europa só no século XII.). Um estágio moderno da comunicação humana é a invenção da prensa tipográfica por Gutemberg em 1450, símbolo igualmente de uma nova época, a Idade Moderna. Propiciando desta forma uma maior velocidade no processo disseminação do conhecimento. Neste contexto Morim (1999) apud Santos (2002) destaca que: O ato do conhecimento, ao mesmo tempo biológico, cerebral, espiritual, lógico, lingüístico, cultural, social, histórico faz com que o conhecimento não possa ser dissociado da vida humana (...) De acordo com o acima exposto temos nas Instituições de Ensino Superior – IES, o estabelecimento social, científico e educativo, cuja identidade está fundada em princípios, valores, regras e formas de organização que lhe são inerentes. O seu reconhecimento e sua legitimidade social perpassam historicamente, à sua capacidade autônoma de lidar com as idéias, buscar o saber, descobrir e, também, de inventar o conhecimento. Neste contexto, as IES são ao mesmo tempo, espaço de socialização do saber, na medida em que divulga e dissemina o saber nela Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 47 e por ela produzido, tendo como um dos principais compromissos a disseminação dos conhecimentos gerados, os quais servirão para o desenvolvimento da ciência e conseqüentemente o surgimento de novas frentes de estudo e pesquisa. A partir do momento em que os cientistas começam as suas investigações, da formulação do problema até a apresentação dos resultados, já se observa um longo processo de comunicação entre eles, ou seja, há uma troca de informações sobre os trabalhos que estão sendo desenvolvidos, estimulando debates acerca das opiniões que poderão ser levantadas sobre as interpretações de assuntos afins. A essa troca de informações entre si, em que o desenvolvimento da ciência depende do nível de comunicação estabelecido nesse processo, é dado o nome de Comunicação Científica, a qual ocorre em todas as etapas da pesquisa, visando facilitar a disseminação do conhecimento, não só em campos específicos, mas em toda área do conhecimento e para toda sociedade. A divulgação desses conhecimentos gerados através dos canais formais e informais da comunicação cientifica, nos diferentes formatos, é chamada de produção científica, as quais são realizadas pelas suas respectivas comunidades, aqui definidas como Comunidade Científica. 2 COMUNIDADES CIENTÍFICAS “Se enxerguei mais longe foi porque me apoiei nos ombros de gigantes” Isaac Newton As comunidades científicas têm a publicação como sendo o meio mais reconhecido para a divulgação dos estudos das pesquisas, 48 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC transformando-as em mola propulsora, na medida em que é recuperada e divulgada, impulsionando o desenvolvimento intelectual e a realimentação da produção científica. A comunidade cientifica exerce a comunicação, tanto nas redes de organizações como nas relações sociais formais e informais, sendo de grande importância o papel dessa comunicação, que consiste em assegurar a troca de informações. Os pesquisadores têm necessidade de se manter em contato com seus colegas para se informar e informá-los acerca de trabalhos de pesquisa em andamento ou concluídos. Assim, Para ter valor, o trabalho científico tem que sair das mãos do seu produtor e ser divulgado, passando antes por uma avaliação que pode ser feita de muitas formas. Demo (apud RODRIGUES; LIMA; GARCIA, 1998, p. 148) destaca que um dos critérios pode ser a análise do trabalho sob duas formas: “o seu conteúdo e sua forma, que ele traduz como qualidade política e qualidade formal”. A primeira consiste em colocar a questão dos fins, dos conteúdos, da prática histórica. Já a qualidade formal, é compreendida como a propriedade lógica, tecnicamente instrumentada, dentro de padrões acadêmicos usuais. Esta produção científica gerada e divulgada pelos documentos vem sendo avaliada com o propósito de servir de subsídios para credenciamentos, obtenção de fundos de agência de fomento, progressão na carreira acadêmica, ascensão profissional do pesquisador, como também para o pesquisador adquirir status intelectual e reconhecimento profissional pelos pares, em concursos seletivos. Como afirmam Bertin; Forteza; Suhet: No meio científico, o prestígio dos periódicos é determinado por um sistema de avaliação baseado em vários indicadores, como: quantidade de artigos publicados, índice de citação e visibilidade internacional. As principais bases que fazem o levantamento desses dados são o Institute for Scientific Information (ISI), nos Estados Unidos, e a Scientific Electronic Library Online (SciELO), no Brasil. A ciência é um sistema de conhecimento, pelo qual, cientistas através da necessidade de conhecer o desconhecido, têm a idéia de pesquisar a gênese dessas indagações e curiosidades, buscando respostas e tentando sistematizar o conhecimento científico. Este conhecimento é formado da reciprocidade que os pesquisadores promovem objetivando a compreensão dos fenômenos sociais e naturais, para a partir desta compreensão encontrar soluções. Para Gomes; Lose (2007) todo trabalho acadêmico e científico é iniciado com a busca de informações relacionadas ao assunto pesquisado, já que o conhecimento científico é resultado de uma ação coletiva. Esta dinâmica constitui-se na denominada comunicação científica que Garvey (1979, apud BERTIN, 2007, p.03) apresenta como: [...] o campo de estudo do espectro total de atividades informacionais que ocorrem entre os produtores da informação científica, desde o momento em que eles iniciam suas pesquisas até a publicação de seus resultados e sua aceitação e integração a um corpo de conhecimento científico. A atividade de produção do conhecimento cientifico exige grupo de pessoas devidamente organizados e comprometidos com a pesquisa e a tudo que a ela está relacionado, esse conjunto de pessoas denomina-se Comunidade Científica. Assim, para existir uma comunidade científica precisa haver instituições Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC fortes e estáveis que abriguem grupos de pesquisa, recursos humanos qualificados canais de comunicação. De acordo com Kuhn (2000) apud Oliveira (2004): Uma Comunidade Científica é formada pelos praticantes de uma especialidade científica. Estes foram submetidos a uma iniciação profissional e a uma educação similares, numa extensão sem paralelos na maioria das outras disciplinas. Neste processo absorveram a mesma literatura técnica e dela retiraram muitas das mesmas lições. Normalmente as fronteiras dessa literatura-padrão marcam os limites de um objeto de estudo científico e em geral cada comunidade possui um objeto de estudo próprio. A comunidade científica é responsável pelo desenvolvimento da pesquisa, desta forma Poblacion; Oliveira (2006) afirmam que na medida em que se delineia a política de apoio à pesquisa torna-se necessário criar condições para o desenvolvimento e acompanhamento das diferentes fases do processo de execução, dos projetos avaliando a contribuição que é oferecida para o avanço da Ciência no Brasil. 49 permite saber se esta produção vem influenciando o meio científico com o estabelecimento de padrões que permitam traçar metas ou ações com tomadas de decisões em programas de políticas científicas. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Universidade tem a missão de formar profissionais e pesquisadores de alto nível para atender as demandas materiais e espirituais da sociedade, bem como a de transmitir, produzir e conservar o conhecimento racional de mais alto grau. Para realizar essa missão com eficiência associada à eficácia é preciso o uso de normas e ritos para sua elaboração, apresentação, encaminhamento e desenvolvimento, apresentando aos pares e à sociedade os resultados do que foi investigado. No entanto, se torna necessário a criação de espaços e mecanismos para o escoamento da publicação científica, estimulando desta forma a comunidade científica e fortalecendoa no que se refere a participação em eventos e divulgação da sua pesquisa, seja em formatos digitais, sejam em formatos tradicionais. REFERÊNCIAS Neste contexto a comunicação científica é de extrema importância para a ciência, pois, ela só se faz legitima, quando é comunicada aos seus pares. Para Meadows (1999) qualquer que seja o ângulo pelo qual a examinemos, a comunicação eficiente e eficaz constitui parte essencial do processo de investigação científica. Os estudos avaliativos da produção intelectual permitem também delinear campos e áreas específicas do conhecimento, detectando tendências temáticas, metodológicas, e mesmo a evolução do conhecimento em frações temporais e espaciais, esses estudos além de permitir o reconhecimento do que está sendo pesquisado, Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 BERTIN, Patrícia Rocha B.; FORTALEZA, Juliana Meireles; SUHET, Aller t Rosa. Paradigma atual da comunicação científica e introdução da revista Pesquisa Agropecuária Brasileira (PAB) no canal eletrônico. Perspectiva em ciência da informaçõa. Belo Horizonte, v. 12, n. 3, 2007. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php. Acesso em: 07 Jul 2008. GOMES, Henriette Ferreira; LOSE Alícia Duhá. Documentos científicos: orientação para elaboração e apresentação de trabalhos acadêmicos. Salvador: Edições São Bento, 2007. 50 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC KUHN, T. S. A estrutura das evoluções científicas. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. MEADOWS, A. J. A comunicação científica. Brasília, DF: Brinquet de Lemos, 1999. OLIVEIRA, M.; MOTA, F. R. L.; URBIZAGÁTESGUI ALVARADO, R. Comunidade científica e cientificidade em Ciência da Informação. In: Congresso nacional de bibliotecários, arquivistas e documentalistas, 8., 2004, Estoril. Anais... Lisboa: ABAD, 2004. p. 1-12. Acesso em 30 maio 2008. POBLACION, Dinah Aguiar; OLIVEIRA, Marlene de. Input e output: insumos para o desenvolvimento da pesquisa. In: Comunicação e produção científica: contexto, indicadores, avaliação. São Paulo: Angellara, 2006. SANTOS, Ana Kátia Alves do. (RE) Significando a produção construtiva do conhecimento: da epistemologia genética à epistemologia da complexidade. In: Revista Tempo. Camaçari, 2002. v. 01. n. 01. p 79-99. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 51 Cenário do Desenvolvimento de Tecnologias de Quebra de Amêndoas Djane Santiago de Jesus1 Carla Renata Santos dos Santos2 Genice de Jesus Santana3 Carla Renata Santos dos Santos4 RESUMO Inovar significa trabalhar em busca de um método acabado que possibilite o reconhecimento da necessidade de uma sociedade. A abertura de mercados, ocasionada pela mundialização da economia, tem proporcionado uma crescente preocupação com o desenvolvimento da tecnologia, tornando-a, juntamente com o conhecimento e a inovação, fatores preponderantes para a melhoria não só da economia, como também no auxílio na construção do Desenvolvimento Sustentável. Nesse contexto, a prospecção tecnológica surge como uma ferramenta de grande importância na tomada de decisão. O objetivo do presente trabalho concentrou-se no mapeamento e avaliação da evolução do número de documentos de patentes relacionadas às tecnologias de quebra de amêndoas nas últimas onze décadas, bem como na identificação de países em que há maior concentração de depósitos ou patentes e depósitos de tecnologias de quebra de amêndoas existentes na base de busca do escritório europeu de patentes – espacenet. Ao analisar os documentos levantados e indexados em um banco de dados, observou-se que há um número bastante reduzido de documentos de patentes na área e a Grã-Bretanha domina fortemente o cenário, no tocante à origem das tecnologias estudadas, tendo ali concentrada mais de 80% dos documentos pesquisados, seguido pela frança, com 16%. Assim como ocorre em outros países em desenvolvimento, não foram encontrados documentos de patentes nesse aspecto no Brasil. Palavras-chave: Inovação, Prospecção Tecnológica, Máquina de Quebra, Amêndoa, Desenvolvimento Sustentável. 1. INTRODUÇÃO Inovar significa trabalhar em busca de um método acabado que possibilite o reconhecimento, bem como a satisfação da necessidade de uma sociedade. Com a globalização - que ocasionou a abertura e flexibilização dos mercados, internacionalizando as economias - a inovação e o coVolume 05 – Número 01 – Ano 2008 nhecimento têm se tornado fatores preponderantes num ambiente cada vez mais competitivo, de forma a viabilizar não só a melhoria da economia, como também contribuindo na busca por um Desenvolvimento Sustentável, cujo conceito, conforme Nobre (2002), se 1 2 Centro federal de Educação Tecnológica da Bahia – CEFET-BA. Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMEC. 52 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC concentra na satisfação das necessidades atuais sem comprometer as necessidades das gerações futuras satisfazerem as suas necessidades. Neste contexto, o uso da informação como ferramenta estratégica competitiva, torna-se fundamental, onde, para Antunes et al (2002), o domínio do seu fluxo, juntamente com o Know-How tecnológico são indispensáveis para o momento científico e técnico, pilares importantes na estratégia de inovação. Os primeiros registros de utilização sistemática das informações como peça estratégica, na afirmação de Antunes et al (2000), são datados da década de 50, cuja finalidade primordial era a redução do tempo entre a invenção e a disposição dos produtos novos no mercado. A essa atividade, dá-se o nome de Prospecção Tecnológica. Prospecção Tecnológica, tema muito debatido nos ambientes acadêmico e empresarial, pode ser conceituado como sendo um mapeamento e análise acerca de direcionamentos futuros de desenvolvimentos científicos e tecnológicos, de maneira à auxiliar e influenciar nas decisões de uma indústria, cidade, região ou até mesmo de um país. “Além de identificar os avanços científicos e tecnológicos, a prospecção permite colher informações do ambiente para ser utilizada para: (i) Identificar as tendências da concorrência; (ii) Evidenciar às possíveis mudanças de comportamento do mercado e público-alvo; e, (iii) Analisar à estrutura necessária para atender essa demanda.” RUTHES, NASCIMENTO, SOUZA (2005). Os estudos prospectivos, apesar da sua recente utilização no Brasil, já é utilizado há anos nas políticas e estratégias de Inovação, onde, conforme afirma Zackiewicz, BONACELLI e SALLES (2005), em sua origem, buscavam o aumento da habilidade de previsão dos seus avanços, o que caracterizou as décadas de 50 e 60. Entre as fontes de informação mais sólidas a serem utilizadas na sua realização dos estudos prospectivos destacam-se os documentos de patentes que, na visão de Antunes et al (2000), apresentam as melhores qualidades no que se refere à pesquisa, possuindo, principalmente, uniformidade de registro de dados bibliográficos e informações tecnológicas, permitindo resultados mais precisos e confiáveis. O artigo em questão diz respeito ao procedimento metodológico de análise de documentos de patentes relacionadas à tecnologias de quebra de amêndoas depositados e/ou publicados no escritório europeu de patentes (espacenet), entre os anos de 1901 e 2007, tendo como objetivo mostrar a visão dessas tecnologias ao longo do tempo, a origem das mesmas, as principais empresas detentoras e outras informações relevantes relacionadas à cadeia produtiva, visando auxiliar, principalmente, pesquisadores da área de engenharia mecânica do Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia, que estão desenvolvendo um novo modelo de máquina de quebra de amêndoa de um fruto específico, parte integrante de um projeto multidisciplinar desenvolvido na Instituição supracitada voltado para a geração de renda e Desenvolvimento Sustentável no semi-árido baiano. 2. METODOLOGIA Para o levantamento de patentes referentes ao desenvolvimento de tecnologias de quebra de amêndoas, bem como a identificação dos dados referenciais existentes nos documentos e a indexação dessas informações em um banco de dados. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC O levantamento foi realizado em setembro de 2007, a partir das patentes depositadas no escritório europeu de patentes – espacenet -, utilizando a cobertura da base Wordwide, que contém documentos depositados e publicados em mais de 70 países. A busca na base de dados foi feita através do critério de combinação de palavras-chave, na categoria resumo. Assim, as combinações e estratégias utilizadas, bem como os resultados obtidos podem ser visualizados na Tab (1). O resultado escolhido foi o da estratégia de combinação “machine*+ break + nut”, a qual se aproximou mais dos objetivos almejados, resultando em um levantamento de 180 (cento e oitenta) documentos de patentes. Ao realizar o levantamento de patentes, as informações contidas nos documentos foram indexadas em uma tabela denominada “Máquinas de Quebras”, a qual continha como principais campos: • • • • • • • • Número da patente; Data e ano de publicação País de origem; Título; Nome do Inventor (ES); Nome dos detentores dos direitos; Número da Prioridade; Resumo Após desenvolvimento do banco de dados, foi realizada uma apuração nos resultados, a fim de evitar não só repetição de patentes, como também a permanência no banco de dados de patentes que não estão relacionadas ao tema em questão – Tecnologias de Quebra de Amêndoas. Com isso, foram Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 53 identificada, dos 180 documentos de patentes pesquisados, apenas 06 referentes a tecnologia de quebra de amêndoas. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1 Origem das tecnologias A análise do banco de dados no que se refere aos países de origem das tecnologias patenteadas, expõem que na Grã- Bretanha está dominando fortemente o cenário, pois ali está localizada cinco documentos de patentes, o que representa mais de 80% dos documentos analisados. A França vem em seguida, com números não tão expressivos, 16%. Observou-se a inexistência de documentos de patentes nessa área nos países em desenvolvimento, o qual pode-se incluir, especialmente, o Brasil. Veja, na Fig. (1), a síntese dessas informações. 3.2 Evolução das tecnologias ao longo dos anos O resultado da análise no tocante à evolução das tecnologias ao longo dos anos, conforme mostra a Fig. (2), permitiu observar que nas décadas de dez e sessenta são onde há uma maior incidência de depósitos das patentes de quebra de amêndoas. A década de 50 e 90 aparecem em seguida, ambas com a identificação de um documento de patente cada. 3.3 Empresas detentoras das Tecnologias Após analisar os detentores das tecnologias de quebra de amêndoas, foi verificado que cada documento de patente analisado possui um detentor diferente, sendo que apenas duas dessas patentes possuem detentores localizados em países diferentes dos da origem das mesmas. 54 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 4. CONCLUSÃO O desenvolvimento do presente trabalho permitiu, primeiramente, a confirmação de que os documentos de patentes são uma ferramenta de grande valia no auxílio à tomada de decisão, visto que as mesmas, além de serem documentos públicos, permitem uma excelente visualização de informações importantes, de forma consistente e precisa. O estudo de prospecção de tecnologias de quebra de amêndoas indicou que a área em questão é pouco explorada, até mesmo em países considerados desenvolvidos. O presente estudo representa apenas uma parcela do universo de informações que poderão ser obtidas a partir de análise de documentos de patentes. Espera-se que o presente estudo sirva como auxílio para realização de novas pesquisas na área, bem como contribuam para as áreas de gestão da produção em engenharia mecânica, bem como de prospecção tecnológica e/ou áreas afins. 5. REFERÊNCIAS ALBLAGLI, Sarita. Maciel, Maria Lúcia. Informação e o Conhecimento na inovação e no desenvolvimento.Ciência da Informação. Brasília. V.33, n3, p.9-16, set/dez 2004. 55 Revista Polimeros , Ciencia e Tecnologia, v. X, p. 56-63, 2000. GRANDO, Francelino Larry de Miranda. Inovação Tecnológica – Marco Teórico. In: Parcerias Estratégicas – Seminários Temáticos para a 3º Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Nº 20 – parte 3 – Junho de 2005. MARTIN, A. R. ; FARIA, L. I. L. ; OPRIME, P. C. ; AZZI, G. ; ROSSI, J. F. J. ; HOFFMANN, W. A. M.; GREGOLIN, J. A. R. . Prospecção Tecnológica sobre Tecnologias de Fabricação de Moldes para Injeção de Plásticos. In: 3o. Workshop Brasileiro de Inteligência Competitiva e Gestão do Conhecimento - KM Brasil 2002, 2002, São Paulo. Anais do 3o. Workshop Brasileiro de Inteligência Competitiva e Gestão do Conhecimento KM Brasil 2002, 2002. NOBRE, Marcos. Desenvolvimento Sustentável: origens e significado atual. In. NOBRE, Marcos;AMAZONAS, Mauricio de Carvalho(org). Desenvolvimento Sustentável: A institucionalização de um Conceito.Brasília: Ibama, 2002. PIO. M.J.; Maldonado, L.M.O.. Cadeias Produtivas e Competitividade: estudos de prospecção tecnológica. In: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Instituto Euvaldo Lodi. (Org). O Futuro da Indústria: Cadeias Produtivas. 01 ed. Brasília: Athalaia Gráfica e Editora, 2005, v.01, p.91-111 ANTUNES, A. M. S. . Metodologia do Estudo da tragetória de Patenteamento da Industria de elastômeros através da Elaboração de uma Bases de Dados. In: KM Brasil 2002, 2002, SP. 3º Workshop Brasileiro de Inteligência Competitiva e Gestaõ de Conhecimento. SP : Editora e Serviços Graficos Gamathi Ltda, 2002. RUTHES, Sidarta ; NASCIMENTO, Décio Estevão Do ; SOUZA, Marília de . A Prospecção enquanto Ferramenta de Desenvolvimento Tecnológico Local. In: I Encontro Estadual de Engenharia da Produção e I Simpósio de Gestão Industrial, 2005, Ponta Grossa. Workshop Tecnológico 2005. Ponta Grossa : PPGEP/UTFPR - PG, 2005. ANTUNES, A. M. S. ; GIANNINI, R. ; BORSCHIVER, S. . Tendencias Tecnologicas de Polietilenos e Polipropilenos atraves da Prospeccao em Documentos de Patente nos Estados Unidos e na Europa - 1990-1997. ZACKIEWICZ, M ; BONACELLI, M B M ; SALLESFILHO, S. L. M. . Estudos prospectivos e a organização de sistemas de inovação no Brasil. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 115-121, 2005. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 56 Cultura escolar e (des)encontro com a diversidade Antonio José Tavares Lima1 RESUMO O artigo realiza uma avaliação do conceito de cultura escolar, suas especificidades e principais teorias, visando situar as possibilidades, enquanto categoria de análise, para pensar a problemática da diversidade cultural no contexto escolar. Parte de uma análise do conceito de cultura, sua história e marcha pela filosofia, antropologia até a educação. Situa os múltiplos interesses implícitos nas formas de usos do conceito, as conexões ideológicas e políticas envolvidas. Analisa a estrutura tradicional de poder da educação, seus dispositivos e propósitos, tendo em vista problematizar os papéis da escola em função das novas demandas que lhe são dirigidas. No caso do Brasil, onde o contexto escolar encontra-se atravessado pelo encontro de culturas diferentes, surge o desafio de contemplar a diversidade, sem perder de vista um certo sentido de universalidade. Este desafio assinala um paradoxo intrínseco a educação escolar, posto que as escolas não foram concebidas para gerenciar diversidades mas para produzir homogeneidades. Seus rituais envolvem práticas minuciosas de controle sobre os alunos, através de dispositivos que Foucault chamou de disciplinas. As disciplinas anunciam o modelo de poder próprio da modernidade que substituiu os castigos físicos medievais. Dentro desta perspectiva, uma prática pedagógica multicultural implica em romper com este modelo e instituir outras concepções de poder, mais flexíveis e negociáveis. Contudo, isto não possibilita gerar uma escola livre de conflitos. O convívio com a diversidade necessariamente gera estranhamentos e tensões. Um dos maiores desafios da escola, nos cenários contemporâneos brasileiros, é conseguir aprender a mediar este encontro de culturas, assegurando direito de fala às múltiplas vozes presentes no seu cotidiano. Palavras chave: Cultura escolar, rede de significações, cotidiano, diversidade, mediação, poder disciplinar 1 Graduado em História e Psicologia (UFBA), Especialista em Educação (UFBA). Aluno especial do mestrado em Educação e Contemporaneidade (UNEB). Leciona na Graduação do curso de Psicologia da FAMEC e na Pós Graduação em Docência do Ensino Superior da ABEC/Cairu. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC INTRODUÇÃO A educação escolar, no mundo ocidentalizado, encontra-se em um momento crítico em relação aos imperativos de se contextualizar com as demandas contemporâneas. Demandas que, no caso específico do Brasil, se deparam com um desafio histórico: contemplar a diversidade cultural. Um desafio que põe em suspeição a função básica das escolas, que sempre foi formar certo tipo de pessoa para determinado tipo de sociedade ou seguimento da sociedade. Embora a educação escolar tenha sido constituída para produzir homogeneizações, tem sido palco de diferentes formas de adesão a suas ofertas. Isto porque, mesmo sendo da mesma origem cultural ou até familiar, as pessoas não são iguais e não processam as informações do mesmo jeito. Contudo, estas diferenças foram toleradas pelas instituições de ensino na medida em que não se distanciassem muito da regra, quando isto acontecia, à escola fechava suas portas. As sociedades modernas sempre foram assumidamente excludentes. Neste contexto, não constituía tabu excluir o aluno indesejado. Foi somente a partir das décadas de 60/70 do século passado, com o fim da segunda guerra mundial, que uma série de mudanças na dinâmica da sociedade possibilitou que jovens, mulheres, grupos étnicos, ecologistas, homossexuais, dentre outros, anunciassem suas vozes como em nenhum outro momento da história. A chave para o debate sobre direitos humanos estava descoberta. A partir deste contexto, nas instituições das sociedades urbanas ocidentais, surge o imperativo de aprender a “tolerar” a diferença. Umas das instituições que vivencia de forma particularmente dramática esta nova referência social são as escolas. Estas instituições Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 57 aparecem na modernidade como peça chave de um novo modelo de governo das populações: o disciplinar. A idéia de poder disciplinar, como anuncia o pensador francês Michel Foucault (1984), substitui o modelo coercitivo, dos castigos físicos medievais, pela educação. Dentro desta perspectiva, a educação produz o indivíduo moderno a partir de um processo minucioso de controle do seu corpo e do tecido social no qual ele se inscreve. Este formato de educação não foi concebido para gerenciar diversidades. Contudo, a partir do último quartel do século XX, por conta de uma série de fatores emergentes, as escolas passam a ser palco do encontro de pessoas oriundas de diferentes contextos culturais. Este processo de encontro de culturas tem potencializado um complexo jogo de reelaborações e reconstruções. O convívio com a diferença força a tessitura de novas redes de significação para dar conta de experiências cotidianas de estranhamento, lutas, resistências, conspirações, criações, rebeldias, dentre outras, que passaram a se desdobrar no interior da escola. Compreender a escola não apenas como espaço de reprodução, mas também como espaço de produção de sentidos, implica em pensar no conceito de cultura. Este conceito prenhe de significações encontrou terreno de problematizações, inicialmente, no campo filosófico, mas foi no terreno da antropologia que mais se desenvolveu. Atualmente, o conceito de cultura foi apropriado por várias áreas do conhecimento, se constituindo em um dos campos de discussões que mais aparece nos espaços acadêmicos contemporâneos. Na área educacional, o conceito de cultura tem inspirado muitas discussões e tendências pedagógicas. Um campo significativo que emerge neste cenário é o que discute a noção 58 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC de cultura escolar. Um importante teórico deste campo é Jean Claude Forquin (1992), que pensa a escola como um espaço de transmissão da cultura. Estes estudos encontram seu norte no conceito de “transposição didática”. Outro nome relevante é André Chervel (1990), que irá defender a especificidade da cultura que a escola produz. Este autor pensa a escola não apenas como um espaço de reprodução, mas também um espaço de geração de cultura. O presente estudo pretende, a partir de um passeio pela marcha das concepções de cultura, situar seu encontro com a área educacional, tendo em vista avaliar as contribuições do conceito de cultura escolar como categoria de análise para pensar a questão da diversidade no contexto das escolas. CONCEITO DE CULTURA A palavra cultura é de origem latina. O radical da palavra, o verbo colo, tem como sentido original “cultivar”. O vocábulo latino cultus, portanto, possui, inicialmente, o sentido de cultura da terra. Na língua francesa, a palavra cultura (culture) aparece em fins do século XIII para designar uma parcela de terra cultivada. No início do século XVI, esse termo figura não mais como um produto (terra cultivada), mas como uma ação, ou seja, o fato de cultivar a terra. O sentido figurado aparece somente no meio século XVI, quando cultura passa a significar também o produto de outras ações, como, por exemplo, a cultura de uma Universidade. Contudo, este sentido só ganha força a partir do século XVIII, quando aparece no Dicionário da Academia Francesa (edição de 1718). Foi nos contornos do Iluminismo que a palavra cultura ganhou o sentido de “formação” ou “educação” do espírito. Segundo Cuche (2002, p. 19), “No século XVIII, cultura é sempre empregada no singular, o que reflete o universalismo e o humanismo dos filósofos: a cultura é própria do Homem (com maiúscula), além de toda distinção de povos ou de classes”. Cultura passa a ser associada às noções de educação, progresso, evolução, razão, isto é, os conceitos centrais do movimento Iluminista. Na língua alemã, kultur, no sentido figurado aparece no século XVIII, de forma muito parecida com o sentido francês impresso ao termo. Contudo, a transformação deste sentido inicial leva a uma perspectiva muito específica na língua alemã. A partir do século XIX, a noção alemã de kultur vai se direcionar cada vez mais para a afirmação das diferenças nacionais. Trata-se de uma perspectiva particularista que se opõe a visão francesa universalista. Essa formulação deu subsídios para o desenvolvimento do nacionalismo. A cultura vem da alma, do gênio de um povo. Ela constitui o patrimônio de uma nação: as suas conquistas artísticas, intelectuais e morais. É creditado ao antropólogo inglês Edward Burnett Tylor (1832-1914) a primeira definição etnológica de cultura: Cultura e civilização, tomadas em seu sentido etnológico mais vasto, são um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, o costume e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade (1871, p.11), apud Cuche (2002, p.35). Na concepção de Tylor a cultura era um fenômeno natural e, desta forma, poderia ser analisado sistematicamente, tendo em vista formular leis que explicassem sua gênese e transmissão. A diversidade cultural era comVolume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC preendida por Tylor como resultado da desigualdade nos estágios evolutivos de cada sociedade. Assim, caberia à antropologia a tarefa de estabelecer uma escala civilizatória com dois pólos: um representado pelas sociedades européias; e o outro pelas comunidades periféricas, ficando claro o princípio evolucionista unilinear. A reação ao evolucionismo de Tylor veio através de Franz Boas (1858-1942), o primeiro antropólogo a fazer pesquisa de campo, considerado o inventor da etnografia. Seus estudos caminham na direção de pensar a diferença. Combateu o conceito de raça e as idéias que estabeleciam relações entre traços físicos e mentais. Atribui à antropologia as tarefas de reconstruir a história dos povos e de comparar a vida social de diferentes povos, vislumbrando o particularismo histórico. A antropologia americana, tomada por um esforço constante de interpretação das diferenças culturais nos grupos humanos, vai tomar o caminho para problematizar os vínculos que se formatam entre o indivíduo e sua cultura. Como os seres humanos incorporam e vivem sua cultura? Surge então a corrente denominada “cultura e personalidade”. A questão central colocada aqui é: por quais mecanismos de transformação, indivíduos de natureza idêntica a princípio, acabam adquirindo diferentes tipos de personalidade, característicos de grupos particulares. Aluna e assistente de Boas, Ruthe Benedict (1887-1948), dedica sua obra em grande medida para tentar definir os chamados “tipos culturais”. A autora lança mão da hipótese da existência de um “arco cultural” que incluiria todas as possibilidades culturais em todos os âmbitos, cada cultura podendo tornar real apenas um seguimento particular deste arco cultural. Benedict afirma que a variedaVolume 05 – Número 01 – Ano 2008 59 de de culturas é redutível a um certo número de tipos caracterizados. Toda cultura se caracterizaria então pelo conceito de pattern, que pode ser traduzido por uma certa configuração, um certo estilo, um certo modelo de existência. Este modelo existiria de acordo com objetivos visados no conjunto das escolhas culturais possíveis e implica na idéia de totalidade homogênea e coerente. Outro nome significativo da antropologia americana é Margaret Maed (1901-1978). No seu mais importante estudo, ela pesquisou três sociedades da Nova Guiné , os Arapesh, os Mundugomor e os Chabuli (1935). Ela revelou neste estudo que as pretensas personalidades masculina e feminina, que consideramos naturais, não existem enquanto tal, mas são forjadas pela cultura. A antropologia americana sofreu vários ataques sob vários aspectos. No entanto, o tema da totalidade cultural foi retomado sob uma nova perspectiva em Claude Levi-Strauss (1959), que definiu cultura como: Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simbólicos. No primeiro plano desses sistemas colocam-se a linguagem, as regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião. Todos estes sistemas buscam exprimir certos aspectos da realidade física e da realidade social, e mais ainda, as relações que estes dois tipos de realidade estabelecem entre si e que os próprios sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros. Lévi-Strauss apresenta uma concepção bem singular de cultura. Na sua visão estruturalista, a antropologia constitui um método para tentar entender a história de sociedades que não a têm. Lévi-Strauss vê a cultura como sistemas estruturais. A tarefa da antropologia 60 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC seria descobrir os princípios da mente que geram esses sistemas invariantes, isto é, os materiais culturais sempre idênti-cos de uma cultura a outra, necessariamente em número limitado em função da unidade do psiquismo humano. O exem-plo mais típico destas regras universais que o estruturalismo analisa é a proibição do in-cesto, que tem como fundamento a necessidade das trocas sociais. É importante observar que, nesse sentido, o homem é visto como dependente da cultura, um ser inacabado que se completa com ela, no processo conduzido pelos agentes culturais. Ainda na esteira de pensar a cultura como um sistema simbólico, o antropólogo americano Clifford Geertz (1973, p.15) anuncia as sociedades como análogas a textos. Max Weber definiu o homem como um animal que vive preso a uma teia de significados por ele mesmo criada. Par tindo desse raciocínio, Clifford Geertz sugere que essa teia seja o que chamamos de cultura. O trabalho de interpretação dessa teia seria a missão do antropólogo, de forma a possibilitar uma leitura semiótica do objeto analisado. Uma boa interpretação só será possível, segundo o autor, através de um levantamento etnográfico. CULTURA ESCOLAR Os estudos sobre cultura escolar se iniciaram na década de oitenta do século passado, mas somente se intensificaram a partir da década de noventa. O caminho trilhado pelo sociólogo francês Jean Claude Forquin (1992), ao caracterizar a escola, situa as relações e implicações da cultura mais precisamente no currículo escolar. O autor se reporta ao papel social desemque ao lturalona de produçscolares externos a escola e ortanto, que a escola desempenha na sociedade ocidental, desde que educação deixou de ser uma tarefa doméstica e passou a ser uma atividade em que a sociedade delega a alguns/as professores/as. Ele reconhece o caráter conservador da escola, mas anuncia a possibilidade desta reinterpretar e criar a partir da herança cultural. Segundo Forquin (1992, p. 25-27), o currículo enquanto herança cultural é um conjunto de conhecimentos selecionados culturalmente, estratificados hierarquicamente, dividido em disciplinas escolares para fins didáticos e ideológicos. Ao discernir “cultura escolar” e “cultura da escola”, ele enfatiza que o currículo é a peça central quando se trata de cultura escolar, que é definida como o “conjunto de conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, “normatizados” e “rotinizados”, sob o efeito dos imperativos da didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas” (transposição didática). A cultura da escola é a produção e a gestão de símbolos, ritos e linguagens específicos de uma unidade escolar. De acordo com o autor, ensinar é colocar alguém em presença de certos elementos da cultura, elementos estes que foram selecionados e discriminados a partir de critérios geralmente denominados “universais”. Enfim, para este autor, o objetivo da educação é transmitir algo da cultura, elementos da cultura que podem ter origem em fontes ou épocas diferentes para a socialização das novas gerações. O conceito de transposição didática foi elaborado, originalmente, pelo sociólogo Michel Verret, em 1975. Porém, em 1980, o matemático Yves Chevallard retoma essa idéia, fazendo dela uma teoria e com isso analisando questões importantes no domínio da Didática da Matemática. Chevallard (1991) analisou Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC como o conceito de “distância” nasce no campo da pesquisa em matemática pura e reaparece modificado no contexto do ensino de Matemática. Ele define a “transposição didática” como um instrumento eficiente para analisar o processo através do qual o saber produzido pelos cientistas se transforma naquele que está contido nos programas e livros didáticos e, principalmente, naquele que realmente aparece nas salas de aula, BROCKINGTON (2006). Segundo essa formulação, o autor afirma que um conceito, ao ser transferido de um contexto ao outro passa por profundas modificações. Ao ser ensinado, todo conceito mantém semelhanças com a idéia originalmente presente em seu contexto da pesquisa, porém adquire outros significados próprios do ambiente escolar para o qual será transposto. De maneira geral, Chevallard pretende que os conhecimentos (saberes) presentes no ensino não sejam meras simplificações de objetos tirados do contexto de pesquisas com o objetivo de permitir sua apreensão pelos jovens. Trata-se, pois, de “novos” conhecimentos capazes de responder a dois domínios epistemológicos diferentes: ciência e sala de aula. O historiador Dominique Julia (2001, p. 10) compreende a cultura escolar como “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”. O conceito de cultura escolar, dentro desta perspectiva, anuncia um olhar para o interior da escola, ou seja, para seu funcionamento interno. Um olhar para as relações que os professores entabulam com as regras instituídas, quais as formas de resistência e de luta, quais aos os usos dos dispositivos pedagógicos postos a circular. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 61 Sem querer em nenhum momento negar as contribuições fornecidas pelas problemáticas da história do ensino, estas têm-se revelado demasiado “externalistas”: a história das idéias pedagógicas é a via mais praticada e a mais conhecida; ela limitou-se, por demasiado tempo, a uma história das idéias, na busca, por definição interminável, de origens e influências, - a his-tória das instituições (quer se trate de instituições militares, judiciais etc.). A história das populações escolares, que emprestou métodos e conceitos da sociologia, interessou-se mais pelos mecanismos de seleção e exclusão social praticados na escola que pelos trabalhos escolares, a partir dos quais se estabeleceu a discriminação. Seguindo outra direção, André Chervel (1990), defendia a capacidade da escola produzir uma cultura específica, singular e original. Questionava a perspectiva que situa a escola como simples agente de transmissão de saberes elaborados fora dela, lugar, portanto, do conservadorismo, da rotina e da inércia. Na sua concepção, a escola fornece à sociedade uma cultura constituída de duas partes: os programas oficiais, que explicitam sua finalidade educativa, e os resultados efetivos da ação da escola, os quais, no entanto, não estão inscritos nessa finalidade. A escola é capaz de produzir um saber específico cujos efeitos estendem-se sobre a sociedade e a cultura, e que emerge dos determinantes do próprio contexto institucional. Viñao Frago (1995) apud Gonsalves (2005, p 147) afirma que “cultura escolar recobre a diferentes manifestações das práticas instauradas no interior das escolas, transitando de alunos a professores, de normas a teorias. Na sua interpretação englobava tudo que acontecia na escola”. 62 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC Verificamos, então, a escola como uma instituição singular, que se constitui sobre processos, normas, valores, significados, rituais, formas de pensamento, formatadores da cultura própria, que não é fechada, nem estática, nem replicável. A cultura atravessa todas as ações do cotidiano escolar, tanto na influência dos seus ritos como sobre a sua linguagem, tanto na determinação das suas formas de organização e de gestão, como na constituição dos sistemas curriculares. Segundo Silva (2006, p. 206): Diversidade cultural Seja cultura escolar ou cultura da escola, esses conceitos acabam evidenciando praticamente a mesma coisa, isto é, a escola é uma instituição da sociedade, que possui suas próprias formas de ação e de razão, construídas no decorrer da sua história, tomando por base os confrontos e conflitos oriundos do choque entre as determinações externas a ela e as suas tradições, as quais se refletem na sua organização e gestão, nas suas práticas mais elementares e cotidianas, nas salas de aula e nos pátios e corredores, em todo e qualquer tempo, segmentado, fracionado ou não. Um exemplo interessante pode ser pensado com os negros que foram escravizados no Brasil por quatro séculos. Apesar deste processo de desestruturação social e cultural quase absoluta, criaram culturas originais e dinâmicas. Dentro desta perspectiva, Bastide (1995), apud Cuche (2002, p.137), se opõe a concepção de estrutura de Levi-Strauss, que ele considera demasiadamente estática. Ao invés de “estrutura”, ele anuncia “estruturação”, “desestruturação” e “reestruturação”. A cultura é uma construção “sincrônica” que se elabora a todo instante através deste tipo de movimento. A escola, como já foi comentado, tem uma função social que vai além da dimensão especificamente instrucional. A dinâmica das relações que se estabelecem no seu interior não obedece apenas uma lógica. Como afirma Silva (2006, p.203), “a escola é uma totalidade mais ampla”. Ela extrapola os limites dos ordenamentos burocráticos e dos planejamentos pedagógicos, possibilitando a tessitura de uma rica rede de significações. Dito de outra forma, a escola “reelabora, segundo a sua dinâmica interna, as normas, valores, práticas comunitárias, dando-lhes uma coloração nova, mas nem por isso alheia ao encadeamento geral da sociedade” Cândido (1964), apud Silva (2006, p 203) Dentro de uma perspectiva mais contemporânea, o conceito de cultura é pensado sempre como resultado, em níveis diversos, de processos de contatos com outras culturas. Não existem culturas puras. Elas se estruturam como processos permanentes de construção, desconstrução e reconstrução. O que varia é a importância de cada fase. Surge aqui a noção de culturação para sublinhar esta dimensão dinâmica da cultura. A noção de cultura escolar situa a escola não apenas como um espaço de reprodução, como marca, por exemplo, Bourdieu e Passeron (1975), mas também como um espaço de produção de cultura. Um percurso marcado pelo encontro de discursos hegemônicos, que imprimem formatos e ditam regras, mas que não silenciam as vozes de outras culturas. Vozes que nem sempre são ouvidas, porque não costumam freqüentar as salas de aula, mas que não cessam de falar nos corredores, nos pátios e portões, muros e cantinas. Essas narrativas produzem novos textos culturais híbridos, forjados a partir do choque de culturas, assim como a capoeira e o candomblé se constituíram a partir do choque entre os mundos branco e negro. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC Dentro desta perspectiva, perceber a escola como uma grande encruzilhada, zona de mistura entre mundos diferentes, pressupõe aprender a mediar estes processos culturais. Processos carregados de emoção e marcados por oposições e conflitos diversos. Importante situar a complexidade destas mediações. Ao instituir a escola como uma zona de encontro da diversidade, fica implícita a impossibilidade de promover uma pretensa harmonia definitiva entre os atores envolvidos. Considerar o conflito, dentro de suas múltiplas manifestações, como um processo intrínseco à educação, pressupõe a construção de um outro olhar. Um dos principais objetivos do poder disciplinar é docilizar os corpos dos alunos e mantê-los devidamente quietos, “bem comportados”. Qualquer tipo de conflito aqui é lido como indisciplina e passível de punição. As escolas sempre tentaram impor, frequentemente de forma violenta, a paz entre os alunos. Prática totalmente coerente com os propósitos homogeneizadores que se propunham. Uma educação multicultural precisa abrir mão deste tipo de dispositivo e pensar outros princípios para legitimar sua autoridade. Reside aqui, talvez, o grande desafio deste novo olhar: instituir outros formatos para o poder. Outros padrões de autoridade, mais flexíveis e dialógicos. O que não significa dizer que a escola precisa se adaptar de forma unilateral aos padrões culturais dos alunos. Importante lembrar que a escola também precisa ser respeitada, sob pena de se gerar outro tipo de tirania. A educação sempre será um processo tensivo e envolverá algum nível frustração em todos os atores envolvidos. Pensar uma escola onde todos estão sempre satisfeitos é ingenuidade. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 63 COMENTÁRIOS FINAIS Falar sobre cultura é sempre uma aventura homérica, mesmo que dentro das pretensões limitadas deste artigo. O Brasil é um país que sempre importou modelos de outros paises para aplicar em suas realidades, não apenas na área educacional, mas em diferentes seguimentos da vida social. Esta prática deve ser revista. A educação escolar precisa se inspirar em referências pedagógicas contextualizadas, que contemplem nossos cenários. Pensar a escola como um espaço de encontro de culturas implica em pensar a importância de possibilitar que estas vozes possam falar, não exatamente visando eliminar conflitos, posto que o estranhamento diante da diferença é inevitável, mas para conhecer suas dinâmicas e potencializar ações. A educação escolar, nos diferentes níveis de ensino e, praticamente em todas as escolas do mundo, é norteada por currículos e por programas de cursos que, em momento algum, foram concebidos considerando-se a opinião do público a que ela se direciona. Este formato unilateral evidencia uma concepção de ensino distorcida. O aluno aqui é visto como um ser sem cultura ou de cultura inferior, que precisa, por tanto, ser aculturado. O nosso velho Paulo Freire sempre chamou a atenção para a importância de se considerar a cultura de referência dos alunos em qualquer processo pedagógico. Esta distorção evidencia um campo rico para novas possibilidades de pesquisas. Quais redes de significações são tecidas entre os alunos nos seus cotidianos escolares? Quais representações fazem da escola? Conhecer estes elementos pode fornecer pistas muito valiosas para os que perseguem a trilha de uma práxis pedagógica contextualizada com nossas realidades. 64 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC Em grande medida, o fracasso escolar pode ser pensado não apenas sob o ponto de vista cognitivo, mas também simbólico. Não se perceber pertencendo a um determinado grupo ou sentir-se excluído por este grupo, devido aos seus valores e crenças, seguramente não constitui clima favorável para o aprendizado. O conceito de cultura escolar, portanto, pode oferecer uma rica contribuição como categoria de análise para pensar a questão da diversidade no contexto escolar. Pode oferecer subsídios para compreender as redes de significação que aí se tecem, e formular projetos que contemplem não apenas a questão da “transposição didática”, mas também considerem a importância de mediar os processos culturais. FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura: as bases sosciais e epsitemológicas do conhecimento escolar. Por to Alegre: Ar tes Médicas, 1992. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Petrópolis: Vozes, 2003. GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. GONÇALVES, I.A. & FARIA FILHO, L.M.. História das Culturas e das Práticas Escolares. In: SOUZA, R. & VALDEMORIN, V. (Orgs). A cultura Escolar em Debate: questões conceituais, metodológicas e desafios para a pesquisa. Campinas/SP: Autores Associados, 2005 REFERÊNCIAS BOURDIEU, P. & PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de janeiro: Francisco Alves, 1975. JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto historiográfico. Revista Brasileira de História da Educação, São Paulo, n. 1, 2001, p. 944. BROCKINGTON, G & PIRTROCOLA, M. Serão as regras de transposição didática aplicáveis aos conceitos de Física Moderna? Investigações em ensino de ciências, htpp://www.if.ufrgs.br/public, v.10, n.3, 2006. LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, 2, 1990. MEAD, Margaret. Sexo e Temperamento. São Paulo: Perspectiva, 1999. CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru/SP: EDUSP, 2002. LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e História. Lisboa, Presença, 1996. SILVA, F.C.T. Cultura Escolar: quadro conceitual e possibilidades de pesquisa. Educar em Revista, vol. 28, p. 201-216, 2006. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 65 Educação como pilar para o desenvolvimento: Políticas públicas para assistência estudantil Maria Raidalva Nery Barreto* RESUMO Para compreender a impor tância do Ensino Superior no Brasil se faz necessário uma contextualização do mesmo no Brasil, ao tempo em que se verifica a importância das Políticas Públicas de Assistência Estudantil, no sentido de viabilizar a permanência dos estudantes na Educação Superior. O presente artigo apresenta alguns exemplos dessas políticas na Bahia, assim como as solicitações e sugestões apresentadas por estudantes universitários da Bahia. Palavras-chave: Política Públicas – Educação Superior - Universidade O ensino superior segundo a UNESCO Segundo o relatório da UNESCO: Educação – um tesouro a descobrir, “as universidade têm certas particularidades que as tornam locais privilegiados para desempenhar estas funções”. Elas se constituem “o conservatório vivo do patrimônio da humanidade, patrimônio sem cessar renovado pelo uso que fazem dele professores e pesquisadores.” fins de 1996, novas perspectivas foram colocadas e sonhadas para a sociedade brasileira. A reconstrução de um sistema educacional de qualidade, eqüitativo e eficiente, trouxe novos e constantes desafios. A expansão é necessária, mas com um mínimo de planejamento; a equidade – um grande desafio, pois as desigualdades são enormes; qualidade- 1 O ensino Superior no Brasil No Brasil, com o advento da nova Constituição em 1988 e a promulgação e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 A Professora Maria Raidalva Nery Barreto é Licenciada em Pedagogia, Especialista em Administração Pública, Mestranda em Políticas Pública, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Atua na Coordenação de Educação Superior – CODES da Secretaria da Educação do Estado da Bahia – SEC e na Faculdade Metropolitana de Camaçari - FAMEC. Email: [email protected]. 66 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC principal objetivo e adequação - imperativo para que o sistema responda às aspirações, necessidades e anseios da sociedade brasileira, representada pelos milhares de alunos que batem às portas da Universidade procurando formação e informação. A educação superior, que havia atravessado um prolongado período de estagnação entre 1980 e 1993, durante o qual incorporou apenas 271 mil matrículas – um crescimento acumulado de 15,78%, em 14 anos – retornou, na segunda metade da década de 90, o mesmo vigor com que se expandira na década de 70. A diferença, no entanto, é que esse novo ciclo de crescimento tem sido caracterizado pelo domínio crescente do setor privado, que cresceu 58,4% , entre 1994 e 1999, quase três vezes o aumento do setor público no mesmo período (20,5%) (PLANK, 2001). O aumento do número de vagas no ensino superior representa um bom indicador, visto que, a atividade fundamental da universidade é o educar, em todos os sentidos. A educação é à base de uma sociedade pluralista, democrática, em que a cidadania não é um conceito garantido apenas formalmente na lei, mas é exercida plena e conscientemente por seus membros. A importância das Políticas Públicas de Assistência Estudantil Uma universidade se distingue de qualquer outro tipo de instituição de ensino superior por ser o espaço privilegiado em que os participantes do processo educacional interagem proficuamente, desenvolvendo e adquirindo conhecimentos e habilidades com o objetivo de entender e agir sobre a realidade que os cerca. Este processo resulta não apenas na capacitação dos alunos, técnica e formalmente para desempenhar suas atividades no seio da sociedade, mas deve proporcionar o desenvolvimento de uma visão sistêmica desta realidade. Agrega, assim, compreensão do mundo à sua volta e tolerância às visões distintas, características essenciais de uma cidadania integrada e ativamente democrática. Verifica-se que nos últimos vinte anos o número de estudantes que concluem o ensino médio aumentou cerca de 250% (MEC, 2006), aumentando a demanda de vagas e a preocupação em relação ao acesso à Universidade; porém, tem sido discutida também a questão da permanência dos alunos egressos de escolas públicas na Universidade. Santos (2006, p. 68) afirma que: Talvez seja mais correto designar a área do acesso como acesso/permanência ou mesmo acesso/permanência/sucesso, uma vez que o que está em causa é garantir não só o acesso, mas também a permanência e o sucesso dos estudantes oriundos de classes ou grupos sociais discriminados. Nessa perspectiva, verifica-se que apenas o acesso de alunos carentes à Universidade talvez não seja suficiente, uma vez que se faz necessário que seja garantida a sua permanência. Para democratização do ensino superior, onde todos os cidadãos tenham acesso a esse nível de escolaridade, tornam-se necessárias políticas públicas da assistência estudantil, voltadas para o acesso e a permanência do estudante na universidade. No que diz respeito à permanência dos estudantes das classes populares nas Universidades Públicas Estaduais da Bahia parece remeter ao enfrentamento de um grave probleVolume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC ma: a evasão (causada por problemas econômicos). Como solução para esse grave problema (a evasão) sugere-se a criação de políticas públicas voltadas para a permanência desse estudante na Universidade. Toma-se como exemplo a caso da Universidade Federal da Bahia – UFBA, pois, segundo Barreto (2007), cerca de 34% de alunos que conseguem ingressar na citada Universidade não conseguem completar o curso no prazo máximo regulamentar e existem evidência que os estudantes negros e egressos de escolas públicas são especialmente afetados com o problema: 50% dos aprovados no Vestibular 2003 eram negros e 33% eram egressos de escola pública: apenas 43% dos graduandos daquele ano eram negros e 19% de escola pública (SANTOS, APUD BARRETO, 2007) Diante do problema acima citado, a UFBA criou o Programa de Ação Afirmativa, que provê a adoção de três medidas visando o apoio e a permanência do estudante na Universidade: revisão da grade de horário de modo a permitir a combinação entre estudo e trabalho, que inclui a abertura de cursos em horários noturnos e aulas concentradas em finais de semana; implementação de um programa amplo de tutoria social, reforço escolar e acompanhamento acadêmico que atenda a todos os estudantes que demandarem; a ampliação da capacidade de atendimento dos programas de apoio estudantil, com mais bolsas de trabalho, bolsas- residência e auxílio alimentação (BARRETO, 2007). Vale ressaltar que o Ministério da Educação - MEC têm implementado alguns programas dirigidos para o ensino superior que consideram a condição sócio-econômica e étnico-racial dos estudantes, a exemplo do Programa Universidade Para Todos - PROUNI (volVolume 05 – Número 01 – Ano 2008 67 tado para o financiamento dos gastos com mensalidades em universidades particulares), o Projeto Universidade para Todos (que propicia a preparação dos estudantes baianos para os processos seletivos das universidades), o Conexões de Saberes e o Uniafro (que apóiam a permanência de estudantes através da concessão de bolsas para aqueles que conseguiram aprovação nos processos seletivos de universidades públicas). O BRASIL AFROATITUDE é outra iniciativa de apoio à permanência através da concessão de bolsas, visando exclusivamente estudantes negros beneficiados pelos sistemas de cotas já criados em universidades públicas brasileiras, que resultou de uma parceria entre o Programa Nacional DST-AIDS, do Ministério da Saúde, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, da Presidência da República, e a SEPPIR. A existência de tais programas é conseqüência da articulação existente no âmbito do Governo Federal entre setores ou órgãos que, ao formatar e implementar programas de promoção da igualdade racial buscam responder às demandas dos movimentos sociais e, ao mesmo tempo, obter o apoio político e financeiro por parte de outras instâncias governamentais necessário para a consolidação de uma política pública nessa área (BARRETO, 2006). Salienta-se, ainda, que o apoio dos organismos internacionais (como a UNESCO) e das fundações privadas (como a Ford Foundation) nesse tipo de articulação também tem sido bastante significativa, seja através da criação de programas autônomos que induziram a implementação de projetos nas instituições públicas de ensino superior, ou através do financiamento de programas que têm sido implementados por órgãos governamentais (BARRETO, 2007). As ações desenvolvidas pelas Universidades, pelo MEC, pelos organismos internacio- 68 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC nais e pelas fundações privadas, ainda não são suficientes para contemplar o universo de estudantes das classes populares que ingressam na universidade e não concluem o curso no prazo mínimo ou que são obrigados abandonar seus estudos por questões socio-econômicas. Nessa perspectiva, o Fórum dos Diretórios Centrais de Estudantes - DCEs das Universidades Estaduais Baianas - UEBAs, reunido no dia 26 de julho de 2007, na cidade de Salvador, discutiu os problemas enfrentados pelas UEBAs ao longo dos últimos anos (UNEB, 2007). Os estudantes chegaram à conclusão de que a situação das Instituições de Ensino IES públicas estaduais não possibilita o cumprimento de papel social que as mesmas devem exercer. Eles reivindicam a elaboração e implementação de políticas públicas, de dever do Estado, que visem garantir o acesso e permanência, bem como a formação plena dos estudantes universitários, priorizando a assistência a segmentos historicamente excluídos, com destaque para: - Rubrica específica para a assistência estudantil na matriz orçamentária do Estado. - Alimentação - Restaurantes Universitários de qualidade e com preços populares. - Transporte - Fiscalização efetiva por parte da AGERBA da qualidade dos serviços prestados e meia passagem para o transporte intermunicipal. - Moradia - Construção, estruturação e manutenção de Residências Universitárias em todas as UEBAs, de acordo com suas demandas específicas. Infere-se, que além das reivindicações dos estudantes das Universidades Estaduais Baianas, cabe também aos Estados refletir sobre essas e outras políticas que viabilizem o acesso e a permanência dos estudantes nas Universidades Públicas Estaduais da Bahia. REFERÊNCIAS BARRETO, Paula Cristina da Silva Barreto. Apoio e Permanência de Estudantes de Escolas Públicas e Negros em Universidades Públicas Brasileira: as expetiências dos projetos tutoria e Brasil afroatitude na UFBA. Disponível em: http:// w w w. i f c s . u f r j . b r / ~ o b s e r v a / r e l a t o r i o s / permanenciaUFBA.pdf. Acesso em 29 de agosto de 2007. MEC. Programa Universidade para todos. Disponível em: http://prouni-inscrição.mec. gov.br/ prouni. Acesso em 27 de junho de 2007. PLANK, David N. Política Educacional no Brasil: Caminhos para a Salvação Pública. Por to Alegre: Editora Artmed, 2001. SANTOS, Boaventura de Souza. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez. 2004. UNEB. Notícias: Fórum dos Diretórios Centrais de Estudantes das Universidades Estaduais. Disponível em: <www.uneb.br/exibe_noticia.jsp ?pubid=1985>. Acesso em 29 de agosto de 2007. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 69 Identidade e educação em perspectiva: incursões no ensino de língua materna e estrangeira Fernanda Mota1 RESUMO Neste artigo, propõe-se uma reflexão sobre o ensino de língua materna e estrangeira, em sua relação com acepções de identidade. Para subsidiar essa relação, foi empreendida a leitura de dois textos que se apresentam como eixos desse estudo, a saber: A identidade cultural na pósmodernidade, de Stuart Hall, e “Texto e contexto”, de Maria Pauliukonis. Da leitura do texto de Hall, foram destacadas definições de identidade a partir de três categorias de sujeito: o sujeito do iluminismo, o sociológico e o pós-moderno. Tais categorias, em especial, a primeira e a terceira, foram articuladas à discussão de fases do ensino de língua materna – com recorte específico no ensino de leitura –, apresentadas por Pauliukonis. No que pese ao ensino de língua estrangeira, as discussões direcionaram-se para fazer uma crítica sobre uma prática pedagógica que prima pela assimilação passiva de aspectos lingüísticos. Entre as abordagens que se inserem nessa prática, destaca-se o método audiolingual, que objetiva o ensino de um idioma purificado das marcas da identidade lingüística dos falantes, desconsiderando, por conseguinte, a subjetividade dos aprendizes, cujos objetivos e anseios são, não raro, suprimidos em nome de uma padronização lingüística. A título de ilustração das questões que permeiam este artigo, foram comentados o filme O sorriso de Mona Lisa – como exemplo de contraponto a aulas que seguem moldes tradicionais – e a peça Pigmaleão, do dramaturgo irlandês George Bernard Shaw – com base na qual é discutido o ensino de língua estrangeira em que, normalmente, se observa a ênfase em planos e projeções do professor em detrimento dos objetivos dos próprios educandos. Palavras chave: educação; identidade; leitura; língua. 1 Fernanda Mota Pereira é doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal da Bahia, na linha de pesquisa: Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura. Leciona a disciplina Lingüística na Faculdade Metropolitana de Camaçari (FAMEC) e Língua Inglesa e Literatura Anglófona na Faculdade Dom Pedro II. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 70 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC Identidade e educação em perspectiva: incursões no ensino de língua materna e estrangeira Para começo de partida: alguns pontos Nesse artigo, será abordado o ensino de língua materna e estrangeira articulado a uma acepção contemporânea de identidade, pontuando a sua interrelação com a (re)configuração de sujeitos aprendizes e professores. Devido aos diversos pontos de vista que circundam esse tema e os vários caminhos abertos por ele, as discussões propostas serão orientadas por uma questão que engendrou o ponto de partida para as considerações que tomarão as linhas e entrelinhas que se seguem, qual seja: Que relação pode ser estabelecida entre identidade e educação? A partir da questão supracitada, outra se apresenta: essa relação é contemplada na prática pedagógica dos mais diversos docentes no contexto educacional? Dessas duas questões, serão puxados fios tecidos com o intuito de encontrar respostas a respeito das quais já se reconhece, aqui, o seu caráter provisório. Para responder essas indagações, três pontos principais serão enfocados ao longo deste texto, a saber: um breve percurso sobre o conceito de identidade e sua acepção na pós-modernidade; o ensino de português como língua materna; e o ensino de língua estrangeira. Um olhar sobre a identidade na contemporaneidade pelas lentes de Stuart Hall Na contemporaneidade, é possível vislumbrar facilmente, nas mais diversas formas de discurso, a emergência de discussões acerca da multiplicidade que perfaz a identidade cultural na pós-modernidade. Tal multiplicidade encontra, em um eixo paradigmático, alguns outros termos, a ela associados, que compõem um mosaico de palavras que desenham um possível conceito sobre a identidade. Entre essas, destacam-se a transitoriedade e a fragmentação. Esses termos estilhaçam a imagem plena e coesa que outrora era atribuída ao sujeito, como afirma Stuart Hall (2003) em A identidade cultural na pós-modernidade. De acordo com Hall, “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado” (p. 7). A unificação, mencionada por Hall, foi paulatinamente sendo diluída e misturada às coloridas estampas que compõem o cenário cultural pós-moderno, no qual se reconhece que o sujeito é constituído por traços que são redefinidos ou acionados conforme o contexto em que ele se encontra. Por isso, segundo o referido autor, “a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado” (p. 21). Nessa perspectiva, reconhece-se o jogo de identidades que marca a relação entre o eu e o outro, em que esses, de forma dialética, estão em permanente reconfiguração e podem ter suas identidades (re)delineadas de acordo com essa dinâmica. Para ilustrar essa questão, Hall menciona um exemplo, aqui reportado, em que os diversos traços que constituem um sujeito estão em jogo, mudando as suas peças a depender das regras de cada partida: Em 1991, o então presidente americano, Bush, ansioso por restaurar uma maioria conservadora na Suprema Corte americana, encaminhou a indicação de Clarence Thomas, um juiz negro de visões políticas conservadoras. No julgamento de Bush, os eleitores brancos (que podiam ter preconceitos em relação a Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 71 um juiz negro) provavelmente apoiaram Thomas porque ele era conservador em termos de legislação de igualdade de direitos, e os eleitores negros (que apóiam políticas liberais em questões de raça) apoiaram Thomas porque ele era negro. Em síntese, o presidente estava ‘jogando o jogo das identidades’. (H sistema ou mesmo a uma didática que prima pela homogeneização dos saberes. Saberes que atuam, sobremaneira, no processo de constituição dos sujeitos, cuja intermediação com o mundo ocorre através da linguagem, inevitavelmente influenciada pelos conhecimentos desenvolvidos nos centros educacionais. Com base no exemplo apresentado por Hall, nota-se que a identidade é constituída por uma série de traços que são destacados conforme as demandas do contexto em que o sujeito está inserido. No que concerne ao conceito de identidade, Stuart Hall apresenta três principais, representados através do sujeito do iluminismo, o sociológico e o pós-moderno. Sobre o primeiro, se supunha a existência de uma essência e uma unidade que o tornava coeso e imutável. O sujeito sociológico, por sua vez, é constituído mediante as influências do meio que atuam sobre a sua “essência interior”. Por fim, o sujeito pós-moderno pode ser mais precisamente definido pelo termo “identificações”, em virtude de ser a sua identidade constituída por diversos fragmentos que são acionados ou deflagrados conforme a dinâmica e as demandas de cada contexto. A constituição fragmentária do sujeito instiga, desse modo, a necessidade de deslocar acepções de identidade que a concebem como imutável e uniforme. Tais acepções podem ser observadas em instituições educacionais nas quais ainda há professores que se orientam pelo princípio de homogeneização, ditado pela definição pouco flexível dos conteúdos e abordagens de ensino. Nesse sentido, as discussões sobre identidade encontram ressonâncias nos debates contemporâneos em torno da educação, uma vez que, em sala de aula, tem-se acesso a apenas algumas das possíveis faces dos aprendizes, que, mesmo assim, nem sempre são lidas ou consideradas pelo professor no processo de configuração dos caminhos a serem seguidos em sala de aula no que concerne à metodologia, habilidades e conteúdos que são desenvolvidos. Questões que, muitas vezes, se pautam em um planejamento construído antes mesmo de conhecer os discentes. Nesse sentido, a extensão das reflexões de Hall sobre o tema enfocado em seu livro às discussões acerca da relação ensino-aprendizagem justifica-se por serem encontradas, em sala de aula, identidades múltiplas e mutáveis, que são por vezes impostas a um Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 O ensino de língua materna A partir das considerações de Hall, é possível identificar alguns momentos da história do ensino de língua materna, em especial, no que concerne à abordagem de leitura em sala de aula, articulados, aqui, ao conceito de identidade explicitado pelo autor, com ênfase no que define o sujeito do iluminismo e o pósmoderno. Os estágios do ensino de leitura foram pontuados com base no estudo de Maria Aparecida Pauliukonis (2007), em “Texto e contexto”, e serão relidos, neste artigo, a partir das concepções de sujeito definidas por Hall. A primeira delas se refere ao momento em que o ensino de leitura de texto – ou, em um âmbito geral, o ensino de língua – é abordado 72 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC com uma finalidade moralizante e voltado para questões estéticas. Destaca-se, dessa fase, a concepção de que o texto deve ser um espelho da figura sacralizada do autor, refletindo a sua essência e apresentando-se como um modelo de escrita que deveria ser seguido e imitado pelos aprendizes. Nessa fase, os aprendizes eram considerados como alunos, no sentido etimológico do termo, isto é, desprovidos de luz, que devem, portanto, ser preenchidos pelos ensinamentos transmitidos pelo texto e imitar o seu estilo. Essa atitude desconsidera que o estilo de escrita de um aprendiz já é uma expressão de traços de sua identidade, que, quando obliterados em nome da mera reprodução de modelos pré-estabelecidos, reverberam em uma negação de traços identitários dos sujeitos aprendizes. Na segunda e terceira fase, no compasso de uma regência estruturalista, os alunos partem em busca da identificação de uma verdade, que deve ser investigada e decifrada no texto, com o objetivo de obter o máximo de informação possível. A decodificação do texto e a memorização de informações – mesmo quando desvinculadas da realidade – são os objetivos que orientam as atividades de compreensão de texto, ou melhor, de mapeamento de dados e sua memorização. A essas três primeiras fases – em que se busca, cartesianamente, o sentido do texto, desconsiderando a sua pluralidade de significações –, pode ser relacionado o conceito de identidade do sujeito iluminista que, por ter uma consciência plena de si, está afinado com a investigação de uma verdade única – como unificado é o centro que o constitui. Desse modo, para esse sujeito e de acordo com as fases descritas, a informação deve superar a capacidade de interpretação da vida transubstanciada em letras nas páginas de uma narrativa. Em um sentido contrário ao da ânsia pela assimilação passiva de conteúdos e da verdade presumivelmente existente em um discurso, apresenta-se a interrelação da aprendizagem com a vida que pode ser ilustrada com a tarefa de uma professora de arte do filme O sorriso de Mona Lisa (2003). Nesse filme, a referida professora tem um primeiro e frustrante enfrentamento com alunas capazes de memorizar páginas inteiras de um livro e que acreditam, com isso, terem chegado a uma aprendizagem efetiva das lições da escola. Diante das primeiras aulas, em que diversos trechos de textos eram citados pelas alunas, a professora decide apresentar uma aula que transponha os limites das páginas do livro e se estenda para lições de vida que não reproduzam o instituído, mas, sim, redimensionem a perspectiva das alunas sobre a arte, levando-as, em um jogo especular, a ressignificarem e reconfigurarem os seus projetos de vida e a descortinarem ou mesmo engendrarem traços de suas identidades. A atitude da professora de arte, cujo papel é interpretado por Julia Roberts, representa a última fase do percurso sobre ensino, delineado por Pauliukonis (2007). Essa fase está em consonância com discussões contemporâneas acerca do ensino de língua materna, principalmente, de leitura, sob a contribuição inegável de Paulo Freire. Tais discussões substanciam a necessidade de configurar lições que se emaranhem, em suas linhas e entrelinhas, à visão de mundo dos aprendizes. Afinal, se de acordo com Paulo Freire (1981), a “leitura do mundo precede a leitura da palavra”, esse mundo pode ser relido através da produção de sentido sobre palavras que preenchem páginas de livros e ressignificam o texto da vida, que deflagra, na esteira de Stuart Hall, novas “identificações” – termo que para esse autor define de forma mais precisa a identidade na contemporaneidade, uma vez que essa Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC é marcada por uma multiplicidade de traços plurais, descontínuos e por vezes até conflitantes, (re)constituídos em relação dinâmica com o outro. A pluralidade de identidades que perfaz a sala de aula torna-se ainda mais profícua quando voltada para explorar as potencialidades de leitura de mundo dos aprendizes, em uma pré-leitura, acionando-as ao ler um texto, que se constitui como apenas mais um diante de tantos outros que eles lêem todos os dias, a exemplo de noticiários, histórias em quadrinhos, tirinhas, bulas de remédio, emails, outdoors. Resta saber, então, se, de fato, essa pluralidade textual é abordada em aula e se essas diversas identidades, que se projetam na cena da leitura ou no estudo de gramática e mesmo na aquisição de uma segunda língua, são levadas em consideração pelo professor e, ainda, se este permite que essa rica diversidade redimensione a sua própria prática pedagógica. Ou, esta seria outra hipótese: não seriam as próprias identidades dos professores – ou o que esses projetam nos aprendizes – que orientariam, unilateralmente, as aulas? Com base nessas reflexões, cabe a pergunta: será que se deve dar aula aos alunos ou com eles? Diante do que foi até aqui discutido, sinaliza-se como alternativa para responder essas indagações o desenvolvimento de aulas em que os professores entrem em compasso com os aprendizes, trocando, não raro, papéis, para permitir que o conhecimento dos educandos também venha à baila e possa até mesmo mudar ou reorientar o ritmo de sua metodologia e os conteúdos que ensina. Nota-se, no entanto, que a concepção de que o aprendiz é uma tabula rasa, em termos de conhecimento lingüístico, ainda é muito comum e encontra respaldo no modo como tradicionalmente se ensina a língua materna, Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 73 a exemplo do português. São muitos os professores que chegam a afirmar que os alunos – e eles mesmos admitem! –desconhecem a sua própria língua, tendo-a até mesmo como um idioma estrangeiro. Tal “desconhecimento” encontra suas causas no não reconhecimento do sujeito enquanto usuário da língua, da qual se vale para comunicar-se com aqueles que pertencem à mesma comunidade e que, com ele, mantêm a língua viva em toda a sua diversidade. Pois a língua é constituída por variações, como ensina Marcos Bagno (2001), em A língua de Eulália, e, assim sendo, é composta não por um grupo isolado de sujeitos, mas por toda uma coletividade que assegura o seu caráter dinâmico e heterogêneo, garantindo mudanças que a enriquecem. No entanto, nem sempre essa diversidade lingüística é abordada no ensino de língua portuguesa, no qual se privilegia a já tão legitimada norma padrão, ensinada nas páginas frias e pouco instigantes da Gramática Tradicional. Pouco instigantes porque os aprendizes nelas não se projetam, vendo-as apenas como um espectro de um lugar de fala e de poder ao qual parecem estar fadados a não alcançar pela impossibilidade de entender e aplicar próclises, ênclises e mesóclises tão menos interessantes do que os neologismos aos quais estão expostos em sua comunidade geográfica e, por vezes, virtual. Desinteresse que pode ser justificado, ainda, por esses sujeitos preferirem não assimilar tal norma, por estarem mais voltados para uma variação mais pulsante, ouvida e sentida nas ruas entre aqueles que expressam a falta de medida e as subversões das paixões, dos amores, dos versos, da poesia, distantes das regras que engessam e silenciam vozes, vidas, identidades. Nessa perspectiva, diante de aulas sobre a conjugação verbal, em que é ensinado o pre- 74 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC térito mais que perfeito, o aprendiz direciona o seu olhar para fora da janela da sala de aula, pensando nos universos em que sua constituição enquanto sujeito encontra as devidas ressonâncias, devaneia sobre seus projetos pessoais e pensa em uma multiplicidade de outras questões que lhe parecem mais significativas. Toda a problemática trazida na contemporaneidade que se mostra como grande desafio para a educação é, então, estabelecer interrelações entre conteúdos ensinados e a identidade do sujeito. Identidade, por assim dizer, cultural e subjetiva, em todas as suas cores. Salienta-se que a diversidade, quando considerada, leva aqueles que acusaram grupos sociais de incompetência lingüística a repensar esse julgamento. E, assim, compreendese que o que se julgava como fruto da ignorância de falantes não cultos nada mais era do que uma avaliação resultante do desconhecimento, ou melhor, da insensibilidade de reconhecer a pluralidade que caracteriza as línguas, a exemplo do português, e não perceber o caráter lógico e sistemático que existe no “erro”, aqui considerado, na esteira de Marcos Bagno, como “desvio” da norma padrão. O ensino de segunda língua Se uma excessiva preocupação com a norma culta acomete professores de língua materna, levando-os a convencer os aprendizes a rechaçarem a sua identidade lingüística em nome da assimilação de regras da Gramática Tradicional, no ensino de língua estrangeira ocorre essa mesma tentativa de homogeneização. Tal tentativa é promovida, principalmente, por uma abordagem de ensino de segunda língua (L2): o audiolingual method (método audiolingual). Esse método tem, como um de seus objetivos, a aquisição de uma pronúncia autêntica através de um treinamento exaustivo com o objetivo de apagar o sotaque, entre outras marcas, que constituem a identidade da língua materna do falante, visando à aquisição de mais uma identidade lingüística, diferente e distante da que já possui. É reconhecida a noção de que, ao se aprender uma segunda língua, tem-se acesso à identidade lingüística da cultura da língua estrangeira. Mas se a aprendizagem da L2 implica em uma imersão na cultura do outro, essa não deve ser meramente assimilada, mas, sim, antropofagicamente deglutida pelo sujeito, formando não mais uma identidade lingüística, mas, sim, outra identidade lingüística, em que estejam aglutinados traços e cores de ambos os idiomas, sendo que, normalmente, os tons mais fortes sempre serão os da língua materna, por ser materna e, portanto, estar associada a toda uma memória afetiva primordial. Em virtude da forte relação existente entre identidade e idioma – pois não é possível se conceber senão através da linguagem e, portanto, da língua –, algumas resistências podem surgir quando o aprendiz se vê impelido a aprender a falar inglês como um nativo, por exemplo. Essa ânsia pode resultar de duas possíveis relações de alteridade: o aprendiz acredita que, para falar bem uma segunda língua, é necessário falar como um nativo; ou, como ocorre na maioria dos casos, em especial, seguindo a abordagem mencionada, o professor instiga o aprendiz a falar conforme os padrões que acredita serem os que garantem o seu sucesso enquanto falante da segunda língua e o próprio sucesso do professor enquanto profissional e “criador” de falantes. Criador, pois, o que muitas vezes os professores pretendem fazer é criar falantes, seguindo os seus próprios anseios e objetivos. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC O ímpeto de querer transformar uma pessoa conforme seu próprio desejo é chamado de “efeito Pigmaleão”. Síndrome baseada no mito de Pigmaleão, que, de acordo com René Ménard (1991), consiste na história de um escultor que vivia na ilha de Chipre, conhecida pela existência de muitas cortesãs. Avesso a mulheres com essas características, decidiu manter-se em celibato e, guiado pelos seus desejos, esculpiu uma mulher de grande beleza e que trazia em suas feições a castidade e a pureza. De tão perfeita, apaixonou-se por ela e pediu a Vênus que a tornasse real. A deusa o ouviu e atendeu o seu pedido. Esse mito inspirou um dramaturgo irlandês, George Bernard Shaw, a escrever uma peça chamada Pigmaleão, adaptada para o cinema como My Fair Lady, traduzido no Brasil como Minha Bela Dama. A história traz a problemática de Eliza Doolittle, que sonhava em mudar sua condição social. Ela falava um dialeto, característico das classes menos privilegiadas, o cockney, o que a impedia, ao lado do seu comportamento pouco polido, de se tornar uma dama. A oportunidade de mudança ocorreu quando ela encontrou, por acaso, um foneticista, Professor Higgins, que copiava a sua fala na rua. Durante o contato, marcado por insultos do professor diante do inglês pouco refinado de Eliza, este afirmou que poderia torná-la uma dama em seis meses. Surgiu, então, para a sonhadora florista, a chance de aprender a falar “melhor”. Ela procura-o e, então, inicia-se uma exaustiva batalha para aprender a língua de Milton e William Shakespeare, conforme as idealizações e projetos do professor que, em certa medida, desviam-se dos objetivos da própria “criatura” e, em virtude desse desvio, representam as discrepâncias entre as metas que os aprendizes esboçam para si e os projetos de seus mestres. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 75 Últimas e inconclusas palavras A proposta delineada neste artigo não defende a total exclusão do ensino da Gramática Tradicional ou de métodos de ensino de língua estrangeira como o audiolingual, mas, sim, o seu redimensionamento para um ensino mais significativo para os aprendizes, de modo que, nos conteúdos e competências ensinados, sejam consideradas as subjetividades, anseios, desejos e cultura dos aprendizes. Para isso, é necessário reconhecer que, assim como planos da aula consistem em recortes do que os docentes conhecem e julgam essencial para a aprendizagem de suas turmas, os aprendizes também têm suas eleições. Eleições, escolhas, identificações que, quando rejeitadas, resultam em ações por vezes interpretadas como dispersão, incompetência, pouco estudo e falta de dedicação, que desviam os educandos do caminho da escola. Cabe aos professores abrirem, em sala de aula, um espaço para que sejam colocadas em cena as subjetividades dos aprendizes, envolvendo-os em reflexões que os levem a um maior conhecimento de si. Conhecimento que implica em uma reconfiguração de alguns traços desses aprendizes e dos professores, já que a aprendizagem tem um caráter de troca com o outro que leva a uma revisão de crenças, valores, hábitos, saberes, constituindo linhas que se emaranham na composição da identidade. Se essas demandas forem atendidas, serão evitadas aulas que tenham como marcas apenas aquelas advindas da identidade iluminista de alguns professores, que podem ser qualificadas como teacher-centered-class, ou seja, aula que tem como centro o professor. Ao distanciarem-se desse tipo de aula, os docentes estarão ampliando a noção de 76 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC democratização da educação – por vezes entendida como uma mera multiplicação de escolas – para compartilhar o espaço escolar com a multiplicidade de anseios, desejos e leituras que se expressam por gestos, perguntas e olhares em busca de saberes e palavras que, apesar de normas e correções em vermelho, querem ser transubstanciadas em signos lingüísticos e alçar vôo. Se o professor contemplar em suas aulas desejos, anseios e conhecimentos dos seus aprendizes, serão, então, vislumbradas identidades interrelacionadas com uma forma de educação efetivamente democrática e plural, com tintas coloridas em um quadro de giz não mais de uma única cor. REFERÊNCIAS FileDetails.aspx?IDFile=101875>. Acesso em: 15 out. 08. HALL, Stuart. A identidade cultural na pósmodernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva; Guaracira Lopes Louro. 7. ed. Rio de Janeiro: DP & A, 2003. MÉNARD, René. Pigmaleão e a sua estátua. In: ______. Mitologia Greco-romana. Tradução Aldo Della Nina. Vol. 2, São Paulo: Opus, 1991, p. 250-252. O SORRISO de Mona Lisa. Direção: Mike Newell. Roteiro: Lawrence Konner e Mark Rosenthal. Columbia Pictures / Sony Pictures Entertainment, 2003. (125 min). BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2001. PAULIUKONIS, Maria Aparecida. Texto e contexto. In: VIEIRA, Sílvia Rodrigues; BRANDÃO, Silvia Figueiredo. Ensino de Gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007, p. 239-258. FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em Três Artigos que se Completam. Disponível em: <http://www.cipedya.com/web/ SHAW, George Bernard. Pigmaleão: um romance em cinco atos. Tradução Millôr Fernandes. Porto Alegre: L&PM, 2007. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 77 Educação na saúde: uma nova perspectiva para a qualidade de sobrevida em crianças de primeiro ano de vida, em situação de risco social. 1 Mara Regina Cerqueira Nogueira Malafaia Eva Santos da Cruz; Gabriel de Lima Simões; Zelândia Marques 3 Amanda Prado Almeida; Antonieta Priscila Pereira Oliveira; Jéssica Letícia Barbosa Cardoso; Priscila de Jesus Assunção; Vivaldo Almeida Braga 2 RESUMO Este estudo tem como objetivo ressaltar a importância de um trabalho de orientação sistemática do binômio mãe-bebê iniciada no período gestacional até o final do primeiro ano de vida, como fator de interferência positiva para a qualidade de vida. Foram acompanhadas 66 mães, onde 26 iniciaram o atendimento durante o período gestacional e 40 mães já após o nascimento do seu bebê. O grupo-controle foi montado a partir de dados obtidos na literatura sobre a avaliação do desenvolvimento neuro-sensório-motor em bebês considerados no padrão de normalidade. A avaliação para acompanhamento, foi seguida pela escala de Gesell. A despeito da falta de poder estatístico do presente estudo, os resultados apontaram para o fato de que a orientação adequada e o acompanhamento sistemático podem interferir de forma significativa na qualidade de vida da criança no primeiro ano de vida. Palavras-chave: Orientação familiar. Prevenção. Desenvolvimento neuropsicomotor. Bebê de risco. 1 Introdução Nas últimas décadas, o interesse pelo desenvolvimento integral da criança tem crescido em todo o mundo como resultado do aumento constante da sobrevivência infantil e do reconhecimento de que a prevenção de problemas ou patologias nesse período, exerce efeitos duradouros na constituição do ser humano (Fuayana; Diament, 1996; Lopes, 1999). Nos paises em desenvolvimento, as crianças estão expostas a um número muito Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 grande de risco, devido a uma cadeia de eventos negativos entre eles gestações desfavoráveis e/ou incompleta e a de viverem em condições socioeconômicas adversas e esses fa1 2 3 Fisioterapeuta, profª. de neurociências da FAMEC, UNIRB e UNIDERP, especialista em neurofuncional, formação nas técnicas de Bobath, Vojta, Pontos Motores e Estimulação Essencial, Coordenadora do Programa de Orientação Mãe-Filho. E-mail: [email protected] Acadêmicos de Fisioterapia da FAMEC Acadêmicos de Enfermagem da FAMEC 78 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC tores contribuem para atrasos em seu potencial de crescimento e desenvolvimento (Alves & Correia 1990; Fontes, 2004; Diament, 2002). O período gestacional, o parto e a sua evolução durante o primeiro ano de vida são etapas do processo natural e fisiológico do crescimento do bebê, mas isso não quer dizer que não aconteçam intercorrências que possam mudar a correta organização funcional da vida do indivíduo nesse período. Sameroff & Chandler (1975), no seu “modelo transacional” de desenvolvimento, relacionam entre si os efeitos da família, do meio ambiente e da sociedade sobre o desenvolvimento humano. Esse modelo considera como sendo único e peculiar, de tal forma, que o resultado final seria o balanço entre os fatores de risco e de proteção, onde fatores biológicos podem ser modificados por fatores ambientais e determinadas situações de vulnerabilidade podem ter etiologia relacionada com fatores sociais e do meio ambiente. (Sameroff & Chandler, 1975) Os fatores de risco sócio-ambiental-cultural estão geralmente ligados às mulheres de baixa renda que trazem já em si diversos fatores de risco como desnutrição, gravidez não planejada, tentativa de abortamento e ausência de pré-natal. Geralmente trabalham muito, sem orientação adequada e excesso de esforço por trabalhos físicos (Alves e Correia, 1990; Marba e Mezzacapa, 1998). Com relação ao crescimento, cada criança possui seu ritmo próprio. A participação dos pais, as diversas maneiras de estimulo e a regularidade dessas ações, irão definir o melhor ambiente de crescimento. Desde cedo, a mãe representa um espelho para seu bebê e, se não existir ou se não for trabalhada essa referência, a criança poderá ter um desenvolvimento de personalidade e motricidade, com atrasos e desvios. (Spitzz, 1998; Coryat, 1975; Malafaia, 2003; Lent, 2004). Após o nascimento, pela própria imaturidade, o Recém-nascido é ainda muito vulnerável, seu sistema nervoso está aberto a impressões, seu desenvolvimento está por fazer, a movimentação ativa e a percepção necessitam de refinamento para a adaptação extra-utero (Coryat, 1975; Bishop, 1982; Fontes, 1984; Mello-Araujo, 1998). A criança se incumbe o papel de aprender, quando o ambiente é estruturado, afetivo e estimulante, não é preciso forçá-la a ter atividade, basta ser sensível á sua natureza curiosa e ter bom senso (Malafaia, 2006). O presente estudo foi voltado a oferecer à gestante e ao seu concepto uma melhor qualidade de vida, avaliando assim a interferência da orientação global na relação mãe-bebê para o desenvolvimento neuropsicomotor da criança durante o primeiro ano de vida. 2 Metodologia A mãe é o principal membro da família como agente de estimulação. O próprio ato de amamentar favorece o vínculo afetivo indispensável para o desenvolvimento afetivoemocional durante o primeiro ano de vida, Inicialmente a criança conquista o mundo ao seu redor através da mão e esta será a primeira referência externa que o bebê seguirá para iniciar suas descobertas (Spitz, 1998). Sujeitos Fizeram parte desse estudo, 66 mães e 46 crianças. As mães com faixa etária entre 14 e 34 anos e as crianças entre 00 e 06 meses. Todas as famílias trabalhadas eram de baixa renda. Todos os sujeitos tiveram autorização por escrito dos pais para a participação no Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 79 estudo. Foram excluídos do estudo os bebês portadores de alterações genéticas, deficiência auditiva e visual e portadores de alterações graves do sistema nervoso central. anormal quando a criança apresentasse pelo menos uma avaliação alterada entre os quatros setores (motor, adaptativo, linguagem e pessoal-social), sugeridos pelo mesmo autor. Materiais e métodos: Procedimentos: Este foi um estudo observacional, analítico, transversal e controlado, entre outubro de 2007 a outubro de 2008. Os entrevistadores eram acadêmicos dos cursos de fisioterapia e enfermagem. O estudo foi realizado com a anuência dos pais e do Comitê de ética do CEP SESAB. Os bebês foram avaliados mensalmente e acompanhados semanalmente para orientações. As famílias também foram acompanhadas com orientações em grupo, durante 10 semanas e depois de forma individualizada e personalizada. Como grupo-controle foi utilizado os dados obtidos na literatura sobre a avaliação do desenvolvimento neuro-sensório-motor em bebês considerados no padrão de normalidade. O trabalho consta de atendimento ao binômio mãe-filho, com atenção voltada desde o período gestacional até a criança de final de primeiro ano de vida. Os pacientes atendidos formaram 02 grupos distintos e ao mesmo tempo interconectados. O primeiro grupo foi formado por gestantes que foram acompanhadas com cuidados próprios do período (controle da PA, glicemia, ganho ponderal) além de participarem de um curso de orientação com duração de dez semanas, envolvendo temas que vão desde a concepção até o nascimento. Ao término do curso, elas continuaram vindo ao serviço para ser acompanhadas em cuidados básicos de relaxação e postura. O segundo momento é após o parto, quando elas retornavam para o acompanhamento do concepto durante o primeiro ano de vida e nesse retorno foi realizado inicialmente entrevista com as mães e avaliação neurológica da criança. Após o procedimento inicial, essas crianças foram acompanhadas em sessões semanais durante o primeiro semestre e em sessões quinzenais durante o segundo semestre. O acompanhamento do DNPM foi realizado com a comparação com modelos propostos e modificados por Gesell e considerado Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 Para análise dos dados coletados foi observada a sensibilidade do teste de Gesell, utilizado para detectar sinais sugestivos de alterações. As informações processadas constaram de cálculos de média com o teste t de Student e desvios-padrão dos parâmetros de normalidade, em comparação com o grupocontrole, também pela análise não paramétrica chi Quadrado. 3 Resultados Foram acompanhadas inicialmente 26 gestantes e 40 mães de crianças entre 00 e 08 meses de vida. Das 26 gestantes, 16 delas retornaram após o nascimento do bebe; as outras 10, após o termino do curso de orientação, não retornaram mais, sob diversos motivos. Das 66 mães acompanhadas durante o curso de orientação, 03 tinham mais de 30 anos ( 5%), entre 18 e 29 anos( 98%) e 06 entre 14 e 17 anos ((9%). Das mães acompanhadas, 49 delas eram primigestas, e 17 delas eram multíparas. 80 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC Gráfico IV – Crianças acompanhadas por trimestre Gráfico I – Nº. de mães que participaram do estudo, (gestantes e puérperas) Gráfico II – Idade materna Dos 46 bebês acompanhados, 28 eram do sexo masculino (61%) e 18 do sexo feminino (39%). Na análise da faixa etária das crianças 54% chegaram durante o primeiro trimestre; 33% durante o segundo trimestre e 13% nos demais. Ainda no estudo, 15 crianças eram pré-termo e 51crianças à termo. Não houve diferença no desenvolvimento neuropsicomotor entre os sexos, embora uma discreta diferença de percentual para as meninas (10%). As crianças que receberam orientação desde o primeiro mês de vida, apresentaram melhor evolução (97%) do que as que chegaram a partir do final do 5º mês de vida ( 55%) Das 46 crianças acompanhadas, (20%) delas apresentaram algum desvio de DNPM, sendo corrigido com estimulação, durante um trimestre. As demais (80%) evoluíram sem alteração alguma. Gráfico V – Crianças por desvios X padrão de normalidade Gráfico III – Crianças por sexo As crianças cujas mães foram acompanhadas desde o período da gestação e logo imediato nos primeiros dias de vida, apresentaram melhor desenvolvimento global, em relação as que começaram a freqüentar a partir do 5ª mês de vida. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC As crianças nascidas com menos de 37 semanas, acompanhadas desde o primeiro mês de vida, evoluíram com a mesma competência que os bebês à termo, iniciados no mesmo período. Todo o trabalho de orientação para posturas e aleitamento materno, aboliu o uso da chupeta, favorecendo assim o uso precoce da colher por volta do 4º mês de vida em 100% das crianças nessa faixa etária e o mesmo percentual para a introdução do copo por volta do 6/7 mês de vida. Após a retirada gradual do leite materno, toda dieta era feita com copo e colher em 100% dos bebês acompanhados. Orientação para o uso de brinquedos e brincadeiras visando estimulação para cada trimestre, levando-se em conta estímulos áudio-visuais, táteis e somatosensoriais. Com relação aos brinquedos, as mães foram orientadas na construção desses brinquedos com sucatas, em aulas de 02 horas semanais. A maneira de carregar a criança em cada trimestre, corroborou para evolução psicomotora de forma impar. Foi observado nesse estudo que as crianças acompanhadas com orientação e cuidados básicos durante o primeiro ano de vida, evoluíram de forma satisfatória dentro dos parâmetros apresentados em comparação com o grupo-controle. Foi observado também que as mães apresentavam maior segurança no trato com seus filhos, estando mais aptas a trabalhar com estímulos próprios para cada faixa etária. 4 Discussão Os resultados desse estudo forma obtidos por meio de avaliações iniciais com os bebês e reavaliados de forma trimestral até o final do primeiro ano de vida. Comparando-os com os Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 81 bebês que a literatura apresenta no padrão de normalidade (Sameroff, 1975; Coryat, 1976; Funayana; Diament, 1996) foi possível detectar sinais sugestivos de desvios em seu padrão neuro-sensório-motor, principalmente nas crianças que chegaram após o 5º mês de vida. Sweeney & Swanson (1994) estimam que 25 a 30% dos bebês podem ser considerados de risco, sujeitos aos desvios ou a atrasos do DNPM. .Cione e colaboradores (1997) estimaram que 5 a 15% das crianças prematuras apresentam anormalidades neurológicas severas e 25 a 50% evoluem com distúrbios cognitivos e comportamentais. Mas a maioria da literatura considera a maioria desses sinais, como sendo transitórios. As crianças que participaram desse estudo apresentavam fatores de riscos levandose em conta prematuridade, baixo peso, nível socioeconômico baixo, desinformação materna associada a crendices, entre outros dados que revelaram um perfil para possíveis atrasos do DNPM. Durante o período de acompanhamento global, as famílias forma orientadas em como proceder em casa, estimulando seus filhos durante as atividades da vida diária. O banho, o sono, o sol, a dieta, as posturas, os brinquedos, sem que isso sobrecarregasse a mãe, mas com influenciaram de forma positiva na formação do seu DNPM. 5 Conclusão As orientações semanais, os estímulos próprios em cada fase do desenvolvimento foram fatores determinantes para a aquisição da formação global da criança nesse estudo. São sugeridos novos estudos, com uma população maior para melhor validação desse trabalho. 82 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC Verificou-se através desse estudo que os fatores de risco apontados comumente como suspeitos para desvios do desenvolvimento neuropsicomotor, ainda não estão presentes de forma significativa na população estudada. Levando-se em conta o papel da informação e orientação em tempo hábil, o estudo revela seu potencial como interventor na interferência desses riscos. Referências ALVES Filho, N e CORREIA, MD. Manual de Perinatologia. 1990, Editora Medsi, Rio de Janeiro –RJ. BÉZIERS, MM; HUNSINGER,Y. O bebê e a coordenação motora. 2º ed. Summus Editorial. São Paulo.1994. BISHOP, RE. Neural plasticity 2: postnatal maturacion and function- induced plasticity. 1982 CIONI,G; FERRARI,F; EINSPIELER,C; PAOLICELLI,PB; BARBANI,MT; PRECHTL,HFR. Comparision betwen observation of spontaneous movements and neurologic examination in preterm infants. J. pediatrics, 130, 1977. CORIAT, LF. Maduracion psicomotriz em primer año del niño. Editorial Hemisul SRL. Buenos Aires – AR. 1972. DIAMENT, AJ. CYPEL, S. Neurologia infantil. 3º ed. São Paulo. 1996. De MARTINO & MARQUES, AN. Pediatria Social. 1* Edição. Rio de Janeiro. Editora Cultura Médica. 1989. FONTES, JA. Lesão cerebral – causas & prevenção. Ministério do Bem-Estar Social. Corde Coordenadoria Nacional para Integração da pessoa portadora de deficiência. Brasília- DF. 2004. ______. Perinatologia Social. Fundo Editorial Byk-Prociemx. São Paulo – SP. 1984. FUNAYANA, C. Exame neurológico em crianças. Medicina, Ribeirão preto.jan/mar. 1996. GESEEL, A. Diagnóstico del desarrolo. Buenos Aires, paidos; 1945. GESELL, A & AMATRUDA, CS. Diagnóstico del desarrolo del niños del primer año. Editora Hemisul, 1976. ______. Development diagnosis. Paul C. Hoeber, New York, 1956. GUYTON, AC. Neurociência básica: anatomia e fisiologia. 2º ed. Rio de Janeiro. Guanabara koogan. 1993. LENT, R. Cem bilhões de neurônios. Edição revista e atualizada. Atheneu. São Paulo. 2004. LEVY, J. L’éveil du tout-petit –gymnastique du premier âge. 3 ed. Editions du Seuil. 1975. LEFEVRE, AB. Exame neurológico evolutivo. Sarvier, São Paulo, 1972. DIAMENT, AJ. Contribuição para a padronização do exame neurológico do recém-nascido normal. Tese de livre docência, Faculdade de medicina da USP, São Paulo. 1967. LOPES, SM & LOPES, JM. Follow up do Récemnascido de alto risco. 1.ed. Medsi Editora Médica. 1999. Rio de Janeiro-RJ. FLEMING, I. Desenvolvimento normal e seus desvios no lactente. 2.ed.1989 Editora Atheneu. São Paulo-SP. LUNDY-EKMAN, L. Neurociências: fundamentos para a Reabilitação.Editora GuanabaraKoogan.1998. Rio de Janeiro – RJ. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC MARBA, STM & MEZZACAPPA Filho, F. Manual de Neonatologia da UNICAMP. 1.ed. Editora Revister,1998. São Paulo. MALAFAIA, MRN. Educação na saúde – uma nova perspectiva para a qualidade de sobrevida em crianças de primeiro ano de vida, em situação de risco social. Monografia de pós-graduação apresentada á Universidade Cândido Mendes. Rio de Janeiro. 2003. ______. Estimulação essencial – uma nova maneira de crescer. Monografia de pós-graduação apresentada a Unidade Nacional de Ensino Superior – UNESI; Bahia. 2005. MELLO-ARAÚJO, MG. Avaliação Clínico-neurológica de Recém-nascidos subnutridos e normais e seu Desenvolvimento. 1998. Tese apresentada á Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – São Paulo. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Fundamentos teóricocientíficos e orientações práticas para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança. Brasília-DF. 1ª edição; 2001. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 83 SAMEROFF AJ, CHANDLER MJ. Reproductive risk andthe continuum of carataking casualty. In. HOROWITZ FD, Scarr-Salapetek MH, Siegel G, eds. Review of childn development reseaech. Chicago: University of Chicago Press; 1990. SEGRE, A M. S; ARMELLINI, P.A RN. 2º ed. São Paulo. 1981. SANVITO, WL. O cérebro e suas vertentes. 2* Edição editora Rocca. 1998 . São Paulo. SAINT-ANNE DARGASSIES, S. As bases do desenvolvimento neurológico do lactente. Trad. Ernesto Silva. Manole, São Paulo, 1980. SWEENEY, JK; & SWANSON, MW. Neonatos e bebês de risco. Manejo ejm UTIN e acompanhamento. In: UMPRED, DA. Fisioterapia neurológica. Manole, São Paulo, 1994. SPITZ, R. O primeiro ano de vida. 2.ed. 1998. Editora Martins Fontes. São Paulo. TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 84 Invenção e memória – a construção narrativa de Lygia Fagundes Telles Marielson Carvalho* UNEB RESUMO: Analiso duas obras de Lygia Fagundes Telles, Invenção e memória (2000) e Durante aquele estranho chá – perdidos e achados (2002), com o intuito de identificar elementos constitutivos de sua criação literária, pontuando a estrutura de seus contos e crônicas. Velhice, infância e amizade são temas recorrentes na obra de LFT, em especial nesses livros, pois tratam de narrativas que reinventam passagens da vida da autora com a família, amigos e escritores. A seleção dos textos citados neste ensaio corresponde a uma leitura articulada de abordagens teóricas sobre intenção e recepção, ficção e biografia, memória e verdade, mostrando, ainda que de forma introdutória, como a escritora constrói suas histórias com elementos aparentemente dissociáveis, ou seja, ficção e realidade, mas que se complementam, na medida em que a linguagem literária com seu recurso mimético recria e ressignifica o mundo. PALAVRAS-CHAVE: Lygia Fagundes Telles – prosa de ficção – criação literária – memória Lygia Fagundes Telles, 85, é autora de romances e contos conhecidos da literatura brasileira contemporânea. Em mais de 60 anos de vida literária, a escritora paulista conquistou público e crítica com Ciranda de pedra, As meninas, As horas nuas (romances), As formigas, Venha ver o pôr-do-sol e Natal na barca (contos). Em Invenção e memória e Durante aquele estranho chá – perdidos e achados, Lygia consolida seu estilo límpido e fluido com a soma equilibrada de ficção e realidade. Em Invenção e memória, lançado em 2000, ela revisita (e recria) fatos e momentos que viveu em diferentes fases de sua vida. Segundo a autora, a invenção e a memória são inseparáveis porque fazem parte de vasos comunicantes, de modo que a narrativa não pode ser construída sem a presença da * Bacharel em Letras Vernáculas (UFBA), Mestre em Literatura e Cultura (UFPB), Professor de Literatura da UNEB (Campus XVI) e da Faculdade Metropolitana de Camaçari (FAMEC) Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC memória, tampouco esta não pode ser evocada sem a linguagem. Nos quinze contos do livro, Lygia deixa entrever a troca incessante dessa alquimia, sem revelar ao leitor quantos gramas entrou de imaginação e verdade. Considerado o primeiro livro de não-ficção de Lygia, Durante aquele estranho chá – perdidos e achados (2002), traz já no subtítulo uma referência ao cascavilhar das lembranças. Organizado pelo jornalista Suênio Campos de Lucena, o livro reúne crônicas, depoimentos e artigos dispersos em jornais e revistas, alguns até esquecidos pela escritora. A revisão desses textos ativou a memória da autora, que a fez se redescobrir de momentos afetivos, de tão vívidos e reais com que afloraram, o que deu ao livro um tom nostálgico, com leves pitadas de biografia. Não sendo propriamente um livro de contos, gênero em que a escritora tem mais publicações, Durante aquele estranho chá mostra em algumas crônicas que os limites entre os dois gêneros são quase imperceptíveis, na medida em que ambos exploram elementos ficcionais coincidentes, em especial por serem narrativas curtas, com linguagem geralmente concentrada na ação do(s) personagem(ns). É ela mesma quem sugere isso, quando fala que proporciona ao leitor “um meio de conhecer Mário de Andrade, por exemplo, através da minha palavra.” Entendo que Lygia fala aqui em invenção, embora tenha tido o cuidado de não ir muito além do que aconteceu de fato, afirmando sempre que foram fatos reais. Lembrar é também narrar e narrar é expressar com singularidade uma experiência vivida. A palavra de Lygia, como já deu prova disso, não se alimenta apenas da realidade factual, mas também de uma realidade idealizada. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 85 Perguntada sobre os recursos narrativos usados em Invenção e memória, Lygia Fagundes Teles respondeu: “A memória sempre esteve a serviço da invenção e a invenção a serviço da memória. Quando eu vou contar um fato, de repente estou inventando, acabo mentindo, mas não, não é bem mentira. Na verdade, eu floreio, estou dando ênfase àquilo que eu quero.” (TELLES, 2001, p.6) A partir dessa declaração, podem-se entrever desde já três pontos importantes a serem discutidos na ficção de Lygia: a representação (que realidade os contos narram?), intenção (quem os escreve?) e recepção (quem os lê?). O projeto de construção narrativa que a escritora desenhou para Invenção e memória parece definido, fechado, principalmente quando encontra uma resposta favorável de um tipo específico de leitor: o implícito. Neste caso, o autor implícito (ou narrador) mostra as trilhas pelas quais o seu correspondente no leitor (ou narratário) deverá seguir. É um pacto no qual são definidos, no texto, o papel do autor e do leitor reais. Há casos em que o leitor implícito não tem escolha diante da leitura, sua condição passa a ser de passividade e de alter ego ou de substituto do autor, porque é ele quem orienta. Por outro lado, o autor dá ao leitor possibilidades de movimento, porque pensa que se não tornar o texto atraente não será lido. Para Lygia, o “leitor gosta e aceita um livro na medida em que se transporta, em que se encontra no livro.” (apud BRAIT, 1998, p.81) A correspondência desse autor com o leitor ideal constitui para alguns teóricos, como Umberto Eco, o jogo da ficção. Ele acredita que a norma básica numa obra de ficção é definida pela “suspensão da descrença”, em que o autor finge dizer a verdade, enquanto o leitor finge que aquilo que é narrado de fato aconteceu. Mas não é o que pensa Roland Barthes: 86 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC A imagem da literatura que se pode encontrar na cultura corrente está tiranicamente centralizada no autor, sua pessoa, sua história, seus gostos: a crítica consiste ainda, o mais das vezes, em dizer que a obra de Baudelaire é o fracasso do homem Baudelaire, a de Van Gogh é a loucura, a de Tchaikovski é o seu vício: a explicação da obra é sempre buscada do lado de quem a produziu. (BARTHES, 1988, p. 66) Assim, o sentido intencional legitima o estatuto do autor na história literária e, por conseguinte, torna a crítica e a teoria inúteis, porque para interpretar o texto basta saber o que autor quer dizer. Longe de considerar a intenção como critério básico para explicar a literatura, Barthes na sua tese de morte do autor mostra que o escritor nasce ao mesmo tempo com o texto, aqui e agora, não pode representar nada anterior à sua enunciação como sujeito, porque ele se realiza à medida que escreve. Par tindo desse princípio antiintencionalista, Barthes substitui o autor como produtor original pela linguagem impessoal e anônima. Como não tem origem, o texto é um tecido de citações, composto de escrituras múltiplas, em que cabe ao escritor mesclá-las e ao leitor reuni-las. A unidade do texto não está mais na origem, mas no seu destino, daí que o nascimento do leitor deve pagar-se com a morte do autor. O debate em torno do lugar do autor e do leitor na literatura é um dos pontos mais controvertidos da Teoria da Literatura. As teses da explicação (intenção do autor) e da interpretação (descrição das significações da obra) podem partir de constatações diferentes, podem traçar conclusões diferentes, mas o que está no centro de suas inquietações é entender a literatura como representação e linguagem. Para Lygia, que não gosta de teorizar, “porque na teoria acabo por me embrulhar feito um caramelo em papel transparente” (TELLES, 2002, p.122), escrever é recompor mundos e paraísos perdidos. Mais: “Quero apenas que meu leitor seja o meu parceiro e cúmplice no ato criador que é ansiedade e sofrimento. Busca e celebração.” ( idem, p. 126) Quais mundos e paraísos perdidos Lygia recompõe? Em Invenção e memória é a infância, a adolescência, a faculdade, o casamento... Em “Que se chama solidão”, conto que abre o livro, o narrador revela imagens de seus primeiros anos. O narrador já começa a história apresentando índices de imaginação e verdade, de forma a atrair o leitor para o mundo possível da ficção. Ao tempo em que fala em fixidez, fala também em instabilidade: “Chão da infância. Algumas lembranças me parecem fixadas nesse chão movediço.” Os personagens (as pajens, a tia, o pai e a mãe), os ambientes (a casa, o quintal, a escola), os objetos (o piano, o charuto, o tacho de goiabada), os acontecimentos (as mudanças constantes de cidade, as estripulias de suas pajens, a hora de contar histórias fantásticas) estão todos lá, mas o que entra de ficção e realidade não é mostrado pelo narrador, nem interessa. Lygia diz que não quer ser compreendida, no sentido mesmo de não se preocupar em dar ao leitor uma explicação definitiva dos fatos narrados. Ainda assim, se o leitor insistir em entender partes ambíguas ou obscuras do texto, pode recorrer a uma estratégia de análise chamada de “passagens paralelas”. Esse método, que segundo Antoine Compagnon (2001, p. 69) é a “técnica de base” da pesquisa e dos estudos literários, consiste em comparar ou procurar uma passagem paralela no mesmo texto ou em outro texto do autor para esclarecer a parte problemática. Na busca de uma resposta, o leitor duvidoso pode Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC considerar, com base em suas convicções, as recorrências textuais como reais ou imaginárias. Embora seja um recurso interessante, esconde armadilhas. Vejamos como isso pode ocorrer nos livros da escritora. Em outros contos de Invenção e memória, personagens e histórias se repetem. O narrador faz referências à sua mãe (sempre envolvida com os trabalhos domésticos ou com o piano), ao pai (com seus charutos, jogos e viagens) e a si mesma (como criança ou adolescente) em “Suicídio na granja”, “A dança com o anjo”, “Cinema Gato Preto”, “Heffman”, “Potyra” e “Nada de novo na frente ocidental”. O esforço de pesquisa pode confirmar a veracidade de todas essas referências, pelo fato de serem reiterativas e com pouquíssimas diferenças de um conto para outro, mas é em Durante aquele estranho chá que podemos encontrar uma saída definitiva. Enquanto em Invenção e memória Lygia teve liberdade de inventar, no livro posterior isso não foi possível, porque foi feito com a reunião de textos de não-ficção, segundo sua própria classificação. Com esta indicação, talvez fique fácil para o leitor confirmar ou não suas desconfianças. Em crônicas como “No princípio era o medo”, “Depoimento de uma escritora”, “Resposta a uma estudante de Letras” e “Mysterium”, a escritora volta a falar da infância e da família. Aquelas imagens misturadas de sonho e realidade narradas no livro Invenção e memória são reproduzidas com a mesma intensidade de emoção. Ao comparar os textos de ambos os livros, a conclusão do leitor é a de que as histórias do primeiro são verídicas, portanto, mais reais do que imaginativas ou ficcionais. Mas é nessa confirmação do real através das repetições que o perigo está escondido, as tais armadilhas da ficção. O narrador pode contar uma invenção repetidas vezes e de forma tão enfática em diversos textos que termina se Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 87 transformando em verdade. O leitor depois de algum tempo de leitura pode não distinguir o mundo em que se encontra, por conta de as referências do mundo ficcional e do mundo real estarem intimamente ligadas e embaralhadas. Em “Mysterium”, ela dá pistas de como isso acontece em seus contos e romances. Em relação ao personagem de ficção, diz que ele pode ser aparente ou inaparente, único ou se repetir. Conta ainda que uma personagem sua recorreu à mascara para não ser descoberta, “quis voltar num outro texto e usou de disfarce, assim como faz qualquer ser humano para mudar de identidade.” (TELLES, 2002, p. 122) Lygia quis dizer que da mesma forma que pode estar falando de uma personagem ou história com aparência de verdade, pode apresentar uma outra real com aparência de mentira. Quem se arrisca a compreendê-la? O leitor mais uma vez nas mãos do autor. Assim como acontecia na infância dela, quando contava histórias assustadoras para crianças e velhos: “Algumas histórias eram repetidas, mas no auge da emoção, acabava por trocar os nomes das personagens ou mudar o enredo. (...) Eu me lembro, alguém protestou: Mas o lobisomem não sabia que essa criança era o filho dele? Prossegui implacável, Nessa hora ele não reconhece ninguém!” (idem, p. 107) A questão da representação do mundo como característica fundadora da literatura é outro ponto que desde a Poética sempre exaltou os ânimos dos estudiosos da literatura. O termo mimèsis pode ser traduzido por uma extensa lista de acepções, mas que no final das contas dificulta seu sentido original, tal como Aristóteles estabeleceu. Na Poética, o conceito de mimèsis, diferentemente do que Platão concebeu na República, não é mais uma noção distintiva do texto dramático e épico 88 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC através da presença do discurso direto ou indireto. Em sua obra, Aristóteles “não acentua o objeto imitado ou representado, mas o objeto imitador ou representante, isto é, a técnica da representação, a estrutura do muthos (história). (...) O que lhe interessa, no texto poético, é sua composição, sua poiésis, isto é, a sintaxe que organiza os fatos em história e em ficção.” (COMPAGNON, 2001, p. 104) Aristóteles falou de narração, e não de descrição, de modo que sua obra trata da mimèsis como a representação de ações humanas pela linguagem ou como arranjo narrativo dos fatos. Um texto não ganha o estatuto de ficção por contar uma história mais realista ou menos realista, mas como cria nessa interface um mundo possível. Umberto Eco usa a metáfora de um bosque cheio de trilhas e rumos como forma de entender o texto narrativo. Como o bosque, o mundo ficcional tem limites, mas o seu tamanho não é determinado. Seguindo por um caminho sugerido ou ainda não explorado, o leitor-caminhante pode encontrar uma cerca que o impede de ir além. É dentro das fronteiras desse bosque possível, que ele o explora com profundidade, usando toda sua imaginação para percorrê-lo. Quanto mais íntimo esse mundo lhe parecer, mais excitante torna seu passeio ou leitura. O universo ficcional não termina com a história, devido às infinitas possibilidades de criação, às vezes mais prazerosas do que o mundo real. É por isso que a ficção fascina tanto quem lê quanto quem escreve. Para Lygia, é o ofício do prazer, da paixão. Ao entrar no bosque de Invenção e memória, o leitor percebe que existem caminhos que se bifurcam, se entrecruzam e se encontram indefinidamente, ou seja, os tais vasos comunicantes entre o sonho e a realidade. Um labirinto de palavras e experiências, mesmo que ele tenha sido construído em um gênero considerado fechado, como é o conto. Fechado, mas não restritivo. Estudos sobre a teoria dos gêneros consideram a classificação das obras como modelo de leitura. Segundo esse código literário, o leitor já saberia de antemão que o conto tem estruturas sólidas e definitivas de interpretação. Como se não bastasse a intenção do autor, o leitor agora se vê diante de outra amarra. O próprio escritor neste caso também está preso, porque sua criação está sujeita a um padrão, que se não for respeitado não ganha a chancela do cânone como texto literário. Embora seja uma exímia contista, Lygia não segue rigidamente o cânone do gênero. Subverte a linguagem, o enredo, o tempo, o espaço. Mas o faz porque considera a insatisfação, a criatividade e a infinitude como traço marcante da arte. “É preciso pesquisar, se aventurar por novos caminhos, desconfiar da ‘facilidade’ com que as palavras se oferecem.” (TELLES, 2002, p.173) A forma do conto como propõe Massaud Moisés em A criação literária: prosa, se comparada com o conto lygiano, mostra muitas diferenças, algumas semelhanças. Em relação ao ponto de vista, a preferência de Lygia pela primeira pessoa domina quase todos os contos do livro. Talvez por se tratar de histórias em que há um tom confessional, que não seria narrado senão pelo próprio personagem, os contos, por exemplo, “A dança com anjo”, “Nada de novo na frente ocidental” e “Dia de dizer não” apresentam um protagonista central voltado para si mesmo, para sua subjetividade mais latente e pulsional. Para Massaud, isso pode prejudicar a narrativa, visto que implica uma visão limitada das coisas, ou seja, o narrador-personagem não teria o distanciamento necessário para contar sua própria história. “Tal individualismo pode Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC comprometer a plausibilidade psicológica da história, pois o narrador tende a oferecer-nos de si uma imagem sempre otimista.” (MOISÉS, [19—], p. 35) Em “Dia de dizer não”, a personagem já no título expressa seu pessimismo. Neste conto, a narradora decide por um dia negar tudo que sua moral a obriga a aceitar. Estamos nesta cidade aqui embaixo onde tem invasor de todo tipo, desde os extraterrestres (em geral, mais discretos ) até aqueles mais ambíguos: o invasor da vontade. Esse vem mascarado. Aproveitando-se, é claro, do mais comum dos sentimentos, o da culpa. No imenso quadro do ‘mea culpa’, a postura fácil é a da humildade que quer dizer fragilidade. (TELLES, 2002, p. 59) Na primeira parte do conto, ela justifica a atitude que tomará em seguida, mostrandose em todo tempo revoltada com a hipocrisia, com o comodismo e com o materialismo dos seres humanos, principalmente dos políticos. É na segunda parte que o enredo se desenrola. No táxi, em meio a um trânsito frenético e congestionado, ela nega pedidos de dinheiro de mendigos, ofertas de ambulantes que vendem morangos, panos de limpeza, chicletes e vassouras. Mas é o vendedor de papéis de carta perfumados, um menino magro, dentuço e deficiente físico que chama a atenção da personagem. Ele insistentemente empurra pela janela os papéis, tentando convencê-la mais pelo prazer que ela teria em enviar uma carta a um amigo ou namorado (a personagem parece uma mulher solitária), do que por sua pobreza evidente e necessidade de ganhar um trocado. Embora o motorista, solidário, sugerir à personagem a compra, por causa do bom perfume dos papéis, ela continuou na decisão de dizer não. Depois de alguns afazeres que a levaram aos Correios e ao banco, ela, Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 89 criticada por outro mendigo que diante de uma negativa lhe diz que seu coração é de pedra, pede ao motorista para retornar à rua onde o “menino das muletas” estava, a fim de comprar todas as suas cartas. Não conseguiu encontrá-lo, perguntou aos outros ambulantes se tinham visto “o menino das cartas perfumadas”, mas era tarde demais. A mea culpa que tanto evitava, impôs-se e de forma bastante dura e incisiva. A narradora não se apresenta otimista nem superior aos outros personagens pelo simples fato de ser uma voz de primeira pessoa; pelo contrário, revela-se individualista, insegura e frágil, mesmo que isso deponha contra si, segundo os padrões morais de sua sociedade, é seu interior, confessando o que pensa de verdade, que lhe dá uma identidade mais natural. Mas é o próprio Massaud quem mostra o outro lado do emprego desse tipo de foco narrativo. Para o crítico, a história ganha verdade aos olhos do leitor, quando entre este e o narrador não existe intermediário, pois a comunicação é direta. “Os dramas individuais adquirem eloqüente força quando nos são transmitidos pelas próprias pessoas que os suportaram.” (MOISÉS, [19—], p. 35) Com uma estrutura menor do que a do romance, o conto é apresentado como uma “obra fechada, dramaticamente circunscrita”. Uma de suas partes constituintes mais discutidas talvez seja a que diz respeito à trama. O conto tem de ser linear e já começar com vistas a seu epílogo, que pode ser ou não enigmático, imprevisível e surpreendente. Segundo esse padrão, o autor deve se preocupar como introduzir a narrativa, porque é a partir do que for lançado nas primeiras linhas que o leitor sentir-se-á estimulado a seguir até o fim. “O contista não perde tempo em delongas, que enfastiariam o leitor, interessado em logo chegar ao âmago da história, para apreendê- 90 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC la dum só fôlego”, conclui Massaud Moisés (idem, p. 43). Em “Nada de novo na frente ocidental”, a personagem conta sua participação como voluntária do Exército nos tempos da 2ª Guerra. Sua função era de orientar a população em caso de blecaute em São Paulo, caso os alemães bombardeassem a cidade. Inserida nesta história, outra acontece, que é a conversa entre ela e a mãe sobre seu envolvimento na guerra. Na tarde em que esse assunto é tratado, a mãe se prepara para viajar ao interior, enquanto a narradora fica em casa, onde espera o telefonema de um colega que confirmaria o passeio numa casa de chá. A história aparentemente caminha para este final, no qual sua expectativa seria o chamado, por isso acomoda-se confortavelmente na poltrona diante do telefone, “sonhando e esperando por alguma coisa que vai acontecer.” (TELLES, 2000, p. 125) O leitor já sabe que não é o colega quem ligaria, e sim um homem que anuncia a morte de seu pai. Ela revela o final do conto não no seu epílogo, mas no desenrolar da história. Mesmo assim, o leitor não sabe até a última linha do conto que este é o seu desfecho, ou pelo menos, o que a narradora sugere. Nessa mesma tarde, (...) uma voz de homem me anunciava pelo telefone que meu pai tinha morrido subitamente num quarto de hotel (...). Mas espera um pouco, estou me precipitando, por que avançar no tempo? Ainda não tinha acontecido nada, era manhã quando minha mãe se preparava para a viagem, ia ver minha madrinha e eu ia ver o meu poeta, espera! Deixa eu viver plenamente aquele instante enquanto comia o pão com queijo quente (...). A hora ainda era do sonho. (...) Então o homem disse com voz grave, uma notícia triste, acontece que o seu pai... ele não era o seu pai? Espera um pouco por amor de Deus, espera! Acontece que ainda é manhã e estou tão contente (idem, p. 123-4). Com a mesma proposta de antecipação do final, mas sem dar pistas ao leitor do que seria o desfecho, a escritora retoma esse estilo em “Onde estiveste de noite?”, de Durante aquele estranho chá. Ela inicia a crônica falando de sua estada em Marília, interior paulista, onde faria uma palestra na Faculdade de Letras. No quarto de hotel, de madrugada, ela é acordada por uma andorinha que entrou “Deus sabe por onde”, já que a janela estava fechada. A ave estava assustada e esbaforida por tentar fugir. A personagem abre a janela, mas em vez de a andorinha sair, pousou sobre a trave de madeira dos pés da cama. Ficou assim de frente, me encarando, as asas um pouco descoladas do corpo e o bico entreaberto, arfante. (...) Mas esta é hora de andorinha ficar assim solta? (...) Ela não respondeu mas inclinou a cabeça para o ombro e, sorriu, aquele era o seu jeito de sorrir. (...) Com a mão do pensamento consegui alcançá-la e delicadamente fiz com que se voltasse para a janela. Adeus, eu disse. Então ela abriu as asas e saiu num vôo alto. Firme.” (TELLES, 2002, p. 18) Na outra parte do conto, ela relembra alguns momentos passados com a escritora Clarice Lispector em um congresso de escritores latino-americanos na Colômbia. Conta que ambas, enfadadas de tantas palestras (Clarice disse que os escritores deviam estar em suas casas escrevendo), passam um tempo no bar do evento tomando champagne e vinho, e conversando sobre coisas mais amenas do que o duro ofício da escrita. Depois dessas “demoradas lembranças”, a escritora retorna ao momento em que estava em Marília. Diz que ao chegar à Faculdade é interpelada por uma jovem que informa a morte de Clarice Lispector durante a noite. Lygia abraça a mocinha e fala: “Eu já sabia, disse antes de entrar na sala. Eu já sabia.” (idem, p. 22) Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC Assim como a morte de seu pai, a de Clarice é também revelada com antecedência. Especialmente na crônica, a indicação textual não se faz tão clara, até porque o leitor numa primeira leitura pensa que se trata de duas histórias sem conexões, mais parecendo um relato de lembranças fragmentadas. Só no final é que todas se entrecruzam e o leitor sabe que aquela andorinha foi o aviso de que algo havia acontecido. Antes da revelação a escritora descreve que a andorinha “antes de desaparecer na névoa traçou alguns hieróglifos no azul do céu.” A certeza de Lygia sobre a morte de Clarice talvez tenha vindo da decifração da mensagem escrita no ar pela ave. Esse é o texto de Durante aquele estranho chá que mais se aproxima da ficção, tornando os limites entre crônica e conto impalpáveis. Podemos considerar que ao narrar sobre a andorinha no quarto os recursos ficcionais são bastante evidentes, como o uso de uma linguagem mais subjetiva e envolvente. Quanto à parte do evento no exterior, a escritora fala por si mesma, sem precisar de uma personagem como recurso discursivo, embora nos dois momentos use a primeira pessoa. Em nenhum dos dois textos aqui comentados, o epílogo acontece de forma impactante como sugere Massaud Moisés, embora em outros contos de fases anteriores, como “Venha ver o pôr do sol” e “Antes do baile verde”, o desfecho seja surpreendente. Talvez o estilo de Lygia, especialmente em seus dois últimos títulos, esteja mais próximo da proposta de Ricardo Piglia no que se refere a contar duas histórias que deságuam num final só, mas com um detalhe diferente: os finais são sempre abertos. Segundo o escritor argentino, “a arte do contista consiste em saber cifrar a história 2 nos interstícios da história 1. Uma história visível esconde uma história secreta, narrada de um modo elíptico e fragmentário.” (PIGLIA, 1994, p. 37) Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 91 Outro ponto que se deve destacar nos contos de Invenção e memória é a recorrência da morte, na mesma proporção em que a infância aparece. São temas que nas memórias da autora estão sempre circulando, às vezes sendo evocados no mesmo instante, como que completando o significado de um e de outro na história. É o caso de “Suicídio na granja”, onde a menina pergunta ao pai sobre a morte de um homem que encheu os bolsos de pedra e se jogou no rio. Questionou ainda se os animais também se matam, e o pai respondeu que só gente cometia suicídio. A imaginação da criança era mais forte do que a resposta seca e racional do pai. Ela conta a história de amizade entre um ganso, Platão, e o galo, Aristóteles. Numa clara intenção de transformá-los em personagens de uma fábula, a personagem narra as aventuras dos dois bichos, como o passeio e a procura de comida no terreiro. Mas os donos da granja decidiram matar o ganso para um banquete. Triste com a separação de forma tão cruel, o galo definhou, sua crista murchou, o olhar esvaziou e foi encontrado morto ao lado do tanque onde o companheiro costumava se banhar. A morte nem sempre em seus contos se apresenta de forma tão pueril, como em “Suicídio na granja”. Em “O menino e o velho”, a infância representada não é a da narradora, mas a de uma criança pobre que é acolhida por um senhor rico. A história se passa em três momentos num restaurante à beira mar. No primeiro contato da narradora com os dois, ela identifica que entre o velho e o menino não existia nenhum laço de parentesco, por conta das diferenças sociais aparentes. Percebeu que o homem evitava o olhar dela, enquanto ele conversava em tom baixo com o menino, como que o convencendo a fazer algo que ninguém mais podia ouvir. Num segundo momento, semanas depois, ela nota que o 92 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC aspecto do menino melhorou bastante. Vestia roupas novas, tinha unhas e cabelos cortados, parecia mais feliz. Na terceira parte da história, alguns meses mais tarde, ela entra no restaurante de novo, mas não vê os dois. O garçom informa que o menino enforcou o velho com um cordão de náilon, roubou seu dinheiro e fugiu. Ele foi encontrado nu e com escoriações pelo corpo. gem, de uma frase que se ouve ao acaso. “A idéia do enredo pode ainda se originar num sonho. Tentativa vã de explicar o inexplicável, de esclarecer o que não pode ser esclarecido no ato da criação. A gente exagera, inventa uma transparência que não existe porque – no fundo sabemos disso perfeitamente – tudo é sombra. Mistério. O artista é um visionário. Um vidente.” (TELLES, 2002, p. 170-171) Talvez esse seja o conto mais “redondo” do livro. Aqui o enredo é estruturado para dar à narrativa um encadeamento de ações até o final, sem fragmentações nem evasivas. Os personagens são bem delineados, embora em alguns momentos a escritora prefira dar um tom misterioso à relação dos dois. Ela utiliza o mar em frente ao restaurante como espelho do comportamento do velho e do menino. O mar se repetia em ondas, mas também era irrepetível (representava o contraste entre os dois), o mar e o céu formavam uma única tonalidade (o contraste se desfaz entre os dois) e o mar era pesado e rugia rancoroso (algo de errado acabou com a amizade de forma trágica). A história oculta, de que fala Piglia, emerge aqui num final surpreendente e enigmático. O que teria acontecido entre eles para que houvesse um assassinato? Será que o garoto já planejava a morte do velho para roubá-lo ou foi por legítima defesa que o menino o matou? Em todo caso, essa criança não é a mesma do conto “Suicídio na granja”, principalmente quando se destaca a ingenuidade como traço do comportamento infantil. O menino usou sua ingenuidade para matar, enquanto a menina compreendeu a morte através de uma visão pueril do mundo e das relações sentimentais. A concepção de Lygia da criação literária sempre gira em torno da invenção e da memória, correspondendo assim a proposta que ultimamente tem desenvolvido e que está expressa na frase de Paulo Emílio Sales Gomes, citado como epígrafe de Invenção e memória: “Invento, mas invento com a secreta esperança de estar inventando certo.” É tão inconstante o limite entre a ficção e a realidade nos textos da escritora que, embora ela própria tente apresentar uma justificativa plausível sobre suas histórias, isso não resolve muito quando se lê um conto ou uma crônica sua. Tome-se como exemplo a própria classificação dos livros aqui analisados. Sob a categoria de conto, pensa-se que “Rua Sabará, 400” apresenta a estrutura de um texto ficcional, e o leitor acredita nisso. Mas quão surpreso ele fica quando sabe que essa história é a “mais” real de todos os textos de Invenção e memória. Ela explica que é a ênfase que dá o estatuto de ficção ou de não-ficção a seus textos. Em entrevista concedida à Clarice Lispector, a escritora respondeu qual é a raiz de um texto seu, em especial, o conto. Para ela, algumas idéias podem surgir de uma simples ima- Por esse caminho, pode-se considerar que a ênfase – não seria intenção? – também está presente em Durante aquele estranho chá. A ênfase ficcional neste livro está pulverizada em todos as crônicas, principalmente quando toca em temas caros a seu imaginário, como infância, família e morte. Se ela tenta explicar o que é inexplicável, resta ao leitor não compreendê-la, mas lembrá-la por algo que mais o impressionou em seus textos. Pode ser a andorinha mensageira que invade o quarVolume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC to, o mar que metamorfoseia de acordo com os sentimentos humanos, a criança que conta histórias fantásticas e se diverte com o medo alheio. Se a vontade do escritor, segundo Lygia Fagundes Teles, é a de se comunicar com seu próximo, a do leitor é a solidariedade, “que me procura e me abraça.” REFERÊNCIAS BACHELARD, Gaston. “Os devaneios voltados para a infância”. In: A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 93-137. _____. “A casa. Do porão ao sotão. O sentido da cabana”. In: A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 23-53. BARTHES, Roland. O prazer do texto. Lisboa: Edições 70, 1988. BRAIT, Beth. A personagem. São Paulo: Ática, 1998. (Série Princípios) 93 CORTÁZAR, Julio. Alguns aspectos do conto. In: Valise de cronópio. São Paulo: Perespectiva, 1974. p. 147-166. (Coleção Debates, 104) ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do conto. São Paulo: Ática, 1988. (Série Princípios) MESQUITA, Samira Nahid. O enredo. São Paulo: Ática, 1997. (Série Princípios) MOISÉS, Massaud. O conto. In: A criação literária: prosa. São Paulo: Cultrix, [19—]. p. 15-54. PIGLIA, Ricardo. “Teses sobre o conto”. In: O laboratório do escritor. São Paulo: Iluminuras, 1994. p. 37-41. TELLES, Lygia Fagundes. Invenção e memória. Rio de Janeiro: Rocco, 2000 _____. Durante aquele estranho chá: perdidos e achados. Rio de Janeiro: Rocco, 2002. BRUNEL, Pierre (org.). Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997. _____. Invenções da memória. Suplemento Literário de Minas Gerais, Belo Horizonte, n° 73, p. 4-9, jul. 2001. Entrevista concedida a Suênio Campos de Lucena. COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. (Coleção Humanitas) TODOROV, Tzvetan. Linguagem e literatura. In: As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1970. p. 53-64 (Coleção Debates, 14) Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 94 Novas reflexões sobre bioética e biotecnonologia em face do direito fundamental à vida Ana Thereza Meirelles Araújo1 RESUMO: Trabalho destinado à análise das novas questões trazidas pela biotecnologia, interferentes no bem jurídico vida, à luz do direito constitucional. Avaliação das novas questões que envolvem a interferência do homem e da ciência na vida, considerando a dignidade da pessoa humana. Análise da disciplina jurídica do embrião extracorpóreo, da antecipação terapêutica do parto em caso de feto anencefálico e do prolongamento artificial da vida, tendo como vetor a sistemática dos direitos fundamentais. 1 INTRODUÇÃO Contemporaneamente, a associação da tecnologia às ciências biomédicas tem possibilitado novas conquistas e resultados que, sob o enfoque primordialmente terapêutico, representam avanços da ciência, em busca de benefícios à espécie humana. Essas inovações biocientíficas evidenciam uma nova visão sobre as ciências da vida, na medida em que criam uma realidade complexa, composta pela emersão de conseqüências e questionamentos de ordens ética, moral e jurídica. Tais transformações fomentaram, significativamente, a necessidade da responsabilidade da própria ciência nos processos que possam culminar na intervenção do começo e término da vida, tendo em vista abrangerem questões de ordem pessoal e filosófica a cerca da humanidade. Dessa forma, a revolução científicotecnológica trouxe para Biomedicina a instabilidade das novas descobertas, questionando, concomitantemente, os limites de tais 1 Mestranda em Direito Privado e Econômico pela Universidade Federal da Bahia. Pós-Graduanda em Direito do Estado pela Fundação Faculdade De Direito da UFBA. Membro titular do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas. Orientadora de Monografia dos cursos de pós-graduação do Juspodivm. Professora da disciplina Monografia II da Faculdade Metropolitana de Camaçari. Primeira Colocada no I Prêmio “Professor Washington Luiz da Trindade”, edição de 2007, na categoria “Pós-Graduação”. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC transformações e a força de certos conceitos e costumes tradicionais, de maneira que o posicionamento sobre a legitimidade e legalidade dos atos nesta seara já não deve prescindir de uma análise e ponderação do caso concreto, pertencente a um contexto específico, sob a influência de novos paradigmas. Partindo dessa perspectiva, não se pode negar a necessidade de uma compreensão que se posicione face aos novos fenômenos da ciência, para que se possa legitimar determinadas práticas e refutar as que atentem contra bens jurídicos que devem preponderar sobre possíveis e supervenientes benefícios científicos. Na Idade Antiga, berço grego dos estudos filosóficos, a estruturação da pólis culminou numa nova fase da civilização, visto que, mediante o “conhecimento da razão”, o homem passou a desenvolver estudos sobre ciência, justiça e política. Ao figurar nas relações sociais de modo geral, a razão passa a contribuir, fundamentalmente, para a concretização de novo momento histórico social, onde o homem começa a se ver como centro dos fenômenos do universo e as descobertas e explicações científicas se processam consoantes a esse novo paradigma. Caminhando nesse sentido, há de se registrar que esse novo momento históricoevolutivo, onde se buscou produzir conhecimento de forma obstinada, motivou a busca pelas respostas sobre as questões existenciais do homem, referentes a sua origem e permanência no universo. A razão passa a se firmar como o elemento que alimenta a motivação da existência humana, na medida em que é capaz de propiciar à espécie um novo sentido de percepção das coisas do mundo, dos elementos da natureza e dos processos científicos. No cerne do desenvolvimento biocientíficotecnológico, estão as indagações pertencentes ao campo da Bioética e naturalmente inerentes à sistemática dos direitos fundamentais constitucionalmente previstos. Ao conferir solução aos problemas de origem biomédica, a Bioética encontra alicerce na dogmática dos direitos fundamentais e na preservação da moldura principiológica da Carta Magna. Dessa forma, qualquer ensaio que vise analisar as disposições vigentes de ordem constitucional, implica na constatação de que a construção desse sistema teve como alicerce a proteção da pessoa humana, enquanto razão, sentido e finalidade da tutela para os demais direitos. 2 HOMEM, CIÊNCIA E BIOÉTICA Não se pode negar que, desde os tempos remotos de sua existência, a espécie humana busca respostas para questões de natureza cosmo-principiológica, atinentes à fenomenologia da vida. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 95 O homem concede significado à sua própria existência no mundo. O significado que o homem oferece a si mesmo advém da sua capacidade racional de objetivar e construir toda a realidade que o cerca. O conhecimento produzido pelo homem proporciona sempre um novo significado à sua existência; uma existência que a todo momento se encontra em reconstrução.2 2 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p.49. 96 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC Na contramão da história evolutiva do racionalismo, ressalta-se o período medieval, cuja prevalência da cultura maniqueísta tinha como escopo afastar, progressivamente, o homem da razão. A Igreja se incumbiu de camuflar o legado científico ensaiado na antiguidade clássica, passando a pregar idéias teocentristas, de sorte que, para questões de naturezas diversas, ao homem da Idade Média, restava o apego à doutrina canônica que lhe imputava a obrigatoriedade da fé e a condenação das práticas científicas ‘por contraporem a vontade de Deus’. Simbolizando o retorno dos ideais clássicos, o humanismo renascentista traz a explosão da capacidade racional do homem. Ao romper com as concepções filosófico-teológicas medievais, o Renascimento resgata a importância da razão, fato que culminará na composição de um panorama histórico futuro – o surgimento dos ideais iluministas e, posteriormente, da Revolução Científica. Dessa maneira, o aperfeiçoamento da ciência se apresenta como uma nova realidade contemporânea. A razão e a objetividade, enquanto combustíveis para o desenvolvimento, possibilitaram o crescimento de todas as esferas do conhecimento humano, propiciando novas visões sobre os processos científicos. Seguindo a trilha da história da humanidade, surge a necessidade de especializar, cada vez mais, as áreas do conhecimento. As necessidades sociais passam a reclamar a segmentação das descobertas científicas, fazendo com que todo e qualquer conhecimento passe a ser esquematizado e integre uma determinada área, cujos assuntos sejam interativos e específicos. Assim, as áreas específicas que compõem as ciências da saúde, objeto de estudo da Bioética e do Biodireito, ambos segmentos científicos que têm como escopo principal a investigação e limitação do comportamento humano na seara da Biomedicina, tendo em vista a necessária preservação dos alicerces da Ética e do Direito, enquanto balizas indispensáveis à harmonia e pacificação social. Em uma acepção mais ampla e originalmente proposto por Van Rensselaer Potter, biólogo e oncologista, na década de 70, o termo bioética surgiu em decorrência da necessidade de disciplinar os problemas ambientais ligados às questões de saúde. Posteriormente, o fisiologista fetal holandês Andre Hellegers passará a defender o uso do termo apenas para as relações do homem com a as ciências da vida e saúde.3 Nesse diapasão, a Bioética surge como um vetor de valores e princípios de orientação das condutas humanas e funcionará como um novo paradigma para conduzir as relações do mundo contemporâneo. Impende registrar que esse panorama moderno tem como epicentro a fugacidade/ transitoriedade do conhecimento científico. Para qualquer ramo da Ciência, principalmente para a Medicina, não se tem como engessar descobertas e conquistas, aprisionando verdades científicas como dogmas para os tempos vindouros. Não há como isentar os conhecimentos (mesmo que imputados até então como verdades absolutas) dos efeitos da evolução da própria Ciência. E é sob essa perspectiva que incidirá a tutela da Bioética e do Direito, muitas vezes carente de acompanhamento paralelo, tendo em vista a velocidade do surgimento de novas conquistas científicas. 3 FABRIZ, Daury César. Op. Cit., 2003, p.73-74. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 3 CONSTITUIÇÃO E BIOÉTICA As recentes descobertas na área das ciências da saúde, enquanto realidade ascendente do mundo contemporâneo, não podem encontrar recepção no mundo jurídico, se não se apresentarem consoantes à preservação dos direitos de natureza constitucional. Ainda que colimada de importância singular e posição de supremacia, a tutela constitucional dos direitos fundamentais não pode refutar a existência, inegável e natural, de uma nova moldura de descobertas médico-científicas que, a cada dia, tende a contrapor direitos e bens jurídicos protegidos pelo Ordenamento e, conseqüentemente, clamar pelo seu acompanhamento e adequada disciplina jurídica. Diversas novas possibilidades, conquistadas pelo crescimento da biotecnologia e situadas no plano da Bioética, denotam indícios do conflito entre possíveis interesses de natureza privada, portanto atinentes à seara da autonomia dos indivíduos, versus a preservação de interesses públicos, cujo núcleo se localiza na proteção dos direitos fundamentais. 3.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E BIOTECNOLOGIA Precipuamente, cumpre uma rápida e formal distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, expressões, muitas vezes, usadas pela doutrina moderna como sinônimas. A distinção reside, fundamentalmente, num ponto de caráter formal. Conforme entende o professor Ingo Wolfgang Sarlet4, enquanto os direitos fundamentais se encontram positivados e arrolados na Constituição de cada Estado, o que evidencia uma perspectiva de norma interna, os direitos humanos Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 97 encontram guarida nos tratados e declarações internacionais, onde se permite reconhecê-los como alicerce de uma tutela de caráter universal. Entretanto, é irrefutável que, sob o ponto de vista material, direitos humanos e/ou fundamentais guardam íntima relação, por terem como razão primordial o reconhecimento do valor do homem, caminho proveniente do Direito Natural. Assim, pode-se extrair de uma análise sobre o constitucionalismo moderno, a influência concreta do jusnaturalismo na construção dogmática da teoria dos direitos fundamentais. Para compreender o conceito de direitos fundamentais, deve-se identificar a incidência de vetores axiológicos, atentando para a evolução normal da sociedade e do Estado, sem abandonar concepções jusnaturalistas que, originariamente, justificam a proteção e positivação de determinados direitos. Assim, é certo que o significado desses direitos primordiais antecede a existência de qualquer Ordem Jurídica e seu aparecimento se confunde com o surgimento do estado constitucionalista, que terá, como fundamento e limite de intervenção, o princípio da dignidade da pessoa humana. Urge, nessa linha, discriminar as chamadas gerações ou dimensões desse direitos, a fim de que seja alcançada a compreensão sobre seu conteúdo e extensão. Os direitos de 1a geração ou dimensão têm ligação estreita com os direitos naturais, pertencem à seara individual e são traduzidos 4 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos fundamentais. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007, p.35-36. 98 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC como “direitos negativos”, tendo em vista não consistirem em prestação específica positiva do Estado, como é o caso dos direitos à vida, à igualdade, à liberdade e à propriedade, que são, muitas vezes, pressupostos para a existência de outras proteções. Os direitos sociais ou de 2a dimensão estão situados no plano da necessidade de atuação do Estado ou seja, a fim de garantir-lhes efetividade, o Poder Público deve agir, materializando seu conteúdo. É o que compreende da saúde, educação, trabalho e salário mínimo, direitos cuja a prestação é passível de ser exigida. Os direitos coletivos ou difusos, de 3a dimensão, estão voltados à garantias dos grupos de indivíduos. Tratam de direitos genéricos, que se referem a interesses coletivos, como a paz, a preservação do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural e os direitos provenientes das relações de consumo. Conforme entendimento do professor Paulo Bonavides5, pode-se registrar a possibilidade de reconhecer a 4a geração ou dimensão desses direitos, cujo fulcro reside na globalização do interesse de sua tutela, expandido ao plano normativo internacional. É o caso dos direitos à democracia e à informação. Nem mesmo os direitos fundamentais, que gozam de proteção e disciplina especiais, escapam do enfrentamento de uma nova realidade social: a evolução desenfreada da tecnologia e das ciências biomédicas. Nesse contexto, tais direitos são obrigados a conviver como que se pode chamar de um novo paradigma – os avanços na área da Biotecnologia e da Medicina – , que, de forma gradativa, tendem a reclamar a pacificação de certos conceitos jurídicos, para que, conse- qüentemente, seja sedimentada a conclusão do que pode ser legitimado ou combatido. Caberá à ciência jurídica encontrar o equilíbrio ou o chamado “caminho do meio” entre a fenomenologia biotecnológica, que favorece as espécies, e a preservação, necessária e indispensável, do núcleo de bens jurídicos (e princípios) que não podem ser dissociados da existência do homem, como sua vida e dignidade, direitos fundamentais salvaguardados pelo olhar atento da tutela constitucional. Em que pese os problemas tratados pela Bioética estarem no foco das indagações sobre o direito à vida, portanto direito fundamental de 1a dimensão, não se pode refutar a sua íntima relação com o direito à saúde, visto que as condutas na área da Biomedicina buscam o aperfeiçoamento das conquistas terapêuticas, no desenrolar dos processos científicos. Sob esse prisma, sem prejuízo da evidente relação da Bioética com o referido direito de 2a dimensão, impende registrar sua estreita ligação com os demais direitos, como é o caso da qualidade de vida, que possui caráter coletivo e está situado na 3a dimensão. 3.1.1 Direito à vida e princípio da Dignidade da pessoa humana Não se pode negar que a tentativa de conceituar o fenômeno vida agrega significativa dificuldade, tendo em vista a impossibilidade de considerá-la apenas sob o ponto de vista biológico. Sua compreensão deve estar associada a sua dimensão axiológica-filosófica, conforme preleciona o bioeticista Elio Sgreccia: 5 BONAVIDES, Paulo apud TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p.431. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC A característica do vivente, sob o ponto de vista filosófico, está no fato de ele ser capaz de uma atividade que parte do sujeito vivente e tende a aperfeiçoar o próprio sujeito: vida é capacidade de ação imanente. Deixamos de lado o exame das características físicas, químicas e bioquímicas do ser vivo e examinamos o problema do ponto de vista filosófico. O salto qualitativo e irredutível do fenômeno “vida” está, portanto, na capacidade real de um ser de ser causa e fim da própria ação: isto significa precisamente “ação imanente”. No primeiro degrau da vida, a vida vegetativa, ação imanente tem uma tríplice capacidade: nutrição, crescimento e reprodução. 6 Assim, não há como dissociar o homem da dimensão valorativa e filosófica que o torna vivo – a sua alma, essência e espírito. Logo, a ética e o Direito também não compreenderão a vida a partir de uma limitação estritamente biológica. o Vida, no texto constitucional (art. 5 , caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando de ser vida para ser morte.7 Pode-se entender que, ao assegurar a inviolabilidade do direito à vida, a Constituição Federal, em seu artigo 5o, imputou ao referido direito dois sentidos. O primeiro, o direito de permanecer existindo até que as causas naturais interrompam sua continuidade. O segundo, o direito de percepção de uma Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 99 adequada qualidade de vida, por meio de políticas assistencialistas que visem educação, saúde, moradia e trabalho, por exemplo. Enquanto o mais fundamental e razão préexistente para os demais direitos constitucionais, o direito à vida enfrenta, de forma incisiva, um questionamento principal – a determinação do seu termo inicial e final. A Constituição garantiu a preservação desse direito, mas não determinou o exato momento em que se estaria diante do seu objeto de proteção – o fato vida. As novas possibilidades da tecnologia, como a fertilização em laboratório e a manutenção artificial da vida, fizeram eclodir os problemas oriundos dessa indefinição, o que mostra indícios proeminentes da necessidade de refletir sobre o momento de começo e término da existência humana. No foco das reflexões que visam construir a tutela da vida do homem, conforme entende o professor de Ética Médica da Universidade de Lisboa Daniel Serrão, no plano internacional, e mesmo no âmbito da normatividade interna, para analisar determinadas questões biomédicas, de ante mão, não se pode perder de vista a chamada pluralidade ética que [...] pressupõe que não há valores nem juízos morais que sejam universalmente aceitos por todos os cidadãos de um país ou por todos os Estados da Organização das Nações Unidas. Os valores essenciais para a garantia da coesão social de um Estado democrático 6 7 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética I- Fundamentos e ética biomédica. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p.93. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 197. 100 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC passam a ser normas jurídicas segundo a regra da maioria – seu cumprimento é obrigatório e seu descumprimento, sancionado. Todos os valores e juízos morais não contemplados no ordenamento jurídico de um Estado de Direito Democrático estão aber tos à opção livre dos cidadãos, no quadro do que se chama relativismo cultural. Como não há critérios objetivos para se poder afirmar que uma cultura é “melhor ” que outra, o fundamentalismo cultural é inaceitável no plano ético. 8 Os questionamentos bioéticos que tocam o núcleo do direito à vida advêm de diferentes panoramas sócio-culturais, pertinentes aos diversos Estados. As condutas na área da Biomedicina se manifestam consoante às concepções íntimas, individuais e culturais naturalmente impregnadas de coeficientes moral e religioso, e só merecem a subsunção coercitiva do Direito quando afrontam norma jurídica. Sólo cuando el comportamiento coherente con tales convicciones íntimas e internas es contrario a una norma jurídica imperativa, surge un enfrentamiento entre ambos, y es entonces también cuando la conciencia puede verse constreñida a manifestarse externamente, como objeción de conciencia 9. Assim, surge o problema da real extensão da tutela do direito à vida. Enquanto norma jurídica constitucional, não pode sofrer violação pelas práticas científicas. No entanto, salienta-se o registro de que essa própria norma não identificou os termos de início e fim do seu objeto de proteção e fez com que, de forma natural, os avanços da biotecnologia e da medicina expandissem os limites de atuação dos cientistas e/ou médicos nas suas áreas respectivas. O conceito de direito à vida está associado ao fundamento que, sobretudo, justifica sua proteção e supremacia – o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse diapasão, começa-se a perceber que a tutela almejada pela Constituição Federal de 1988 não está adstrita a uma proteção biológica, ilustrada pelo simples “respirar” do indivíduo. A dignidade da pessoa humana, erigida a fundamento do Estado, se apresenta como um vetor de natureza axiológica que guia a sistemática dos direitos fundamentais do homem. Essa é a real perspectiva de proteção do referido bem jurídico que permite a reflexão sobre o surgimento de uma nova terminologia - vida digna. O conteúdo do princípio da dignidade, dessa maneira, irradiará qualquer relação jurídica, seja de natureza pública ou privada. O seu papel reside, essencialmente, na necessidade de observação da primazia dos valores inerentes à pessoa humana, enquanto razão fundamental da Constituição e do Estado Democrático. As recentes inovações da Medicina e da biotecnologia que ensaiam tocar nas questões inerentes ao direito fundamental à vida são: a destinação dos embriões extracorpóreos excedentes ao processo de fertilização em laboratório, a interrupção da gravidez de feto anencéfalico e a manutenção artificial da vida ou eutanásia. 8 9 SERRÃO, Daniel. O Estatuto do Embrião. Revista Bioética. V. 11, n.2, 2003. Disponível em: < www.portalmedico.org.br/revista/bio11v2.htm> .Acesso em: 04 abr. 2007, p. 109-116. CASABONA, Carlos María Romeo. Libertad de Conciencia y actividad biomédica. In: SÁ, Maria de Fátima Freire de (Coord.). Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.2-3. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 3.1.1.1 O embrião extracorpóreo A fertilização in vitro é modalidade de reprodução artificial que consiste na retirada de alguns óvulos com o objetivo de associá-los aos espermatozóides, mediante manipulação em laboratório. A quantidade dos óvulos e dos espermas a ser coletada deve refletir a inclusão do risco do procedimento, pois não se teria como garantir que a associação de um óvulo a um espermatozóide configuraria a fecundação, nem que este único embrião possivelmente obtido reuniria condições para implantação no útero ou resistiria perfeitamente às influências externas. Ao final do processo, alguns dos embriões produzidos não serão implementados no útero porque excederam o número recomendado para a transferência ou não reuniram condições favoráveis para fins de reprodução (por não terem se desenvolvido normalmente ou possuírem alguma alteração genética em sua estrutura cromossô-mica). Assim, urge solucionar o problema do destino dos embriões remanescentes passíveis de reprodução em outro momento ou inviáveis para fins reprodutivos, pela ausência de condições que possibilitem uma gestação normal. Diversas são as teorias que visam identificar o início da vida humana. Para a teoria concepcionista, o embrião (extracorpóreo ou não) merece o tratamento jurídico de pessoa porque a vida começa a partir da união do óvulo com o espermatozóide (instante da concepção). As teorias genético-desenvolvimen-tistas condicionam o início da vida ao aparecimento de fatores biológicos capazes de evidenciar a existência da individualidade humana. Portanto, não se pode falar em indivíduo enquanto inexistir diferenciação entre as células do embrião, pois, nas etapas iniciais de seu desenvolvimento, não há caracteres capazes de individuá-lo como pessoa. A teoria que trata o embrião como uma potencialidade de pessoa entende que a sua existência não configura a Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 101 imediata existência de uma pessoa, mas a capacidade para se tornar tal. Assim, agrega os riscos e peculiaridades que evidenciam a realidade de um embrião in vitro, conferindo-lhe autonomia e significado embrionários. 10 Sem prejuízo das teorias que tentam disciplinar o começo da existência humana, para solucionar a problemática dos embriões extracorpóreos, insta reconhecer, novamente, o pluralismo e a diversidade que são inerentes à vida democrática.11 Referendar a pluralidade, como ponto de solução para algumas questões que envolvem problemas da Bioética é uma face do Estado Democrático de Direito. Não se deve dogmatizar concepções que pertencem ao plano pessoal de cada um, sob pena de vilipêndio ao princípio da dignidade e ao próprio sentido da democracia. A lei 11.105/200512 validou esse panorama quando condicionou a consecução das pesquisas com células-tronco em embriões 10 ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. Ana Thereza Meirelles. Disciplina Jurídica da destinação do excedente embrionário da reprodução assistida. Revista do Curso de Direito da UNIFACS, Salvador, v. 47, 2006, p.232. 11 BARROSO, Luis Roberto. Gestação de fetos anencefálicos e pesquisas com células-tronco: Dois temas acerca da vida e da dignidade na Constituição. In: SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (orgs.). Direitos Fundamentais: Estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 677. 12 Dispõe o art. 5o da Lei 11.105/2005: Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos for fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – Sejam embriões inviáveis; ou II – Sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data de publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. d1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. d 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com célulastronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética e pesquisa. 102 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC excedentes ao consentimento de seus genitores. O embrião, enquanto ser potencial que é, revela também a potencialidade genética daqueles que o geraram e não parece ter plausibilidade permitir a prática da fertilização artificial e imputar a quem a ela se submeta o ônus de doar seu excedente embrionário para a reprodução de outros casais. Resguardar o consentimento dos pais para a destinação é permitir que eles decidam conforme seus valores pessoais. Ademais, atenta-se para a oportuna e indispensável manifestação da lei no que tange à práticas eticamente condenáveis por qualquer Ordenamento Jurídico. A lei de biossegurança vetou a comercialização ou negociação onerosa de material biológico, a clonagem e a eugenia nas células germinativas humanas. Analisando a disciplina normativa, vê-se que a Constituição Federal, em seu art. 5o, caput, assegurou a inviolabilidade do direito à vida, enquanto que o Código Civil trouxe o nascimento como termo de início da personalidade civil, atributo inerente a toda pessoa humana. O embrião em estágio préimplantatório não é pessoa, haja vista não ter nascido, nem é nascituro, porque prescinde do estado de implantado no útero. À guisa de arremate, a disciplina trazida pela lei de biossegurança se manteve fiel ao princípio da dignidade porque permitiu que os embriões fossem submetidos às pesquisas com células-tronco somente se mostraram inviáveis para fins de reprodução ou excedentes ao número recomendado à transferência uterina. Observa-se que somente embriões obtidos por fertilização artificial podem ser destinados às pesquisas, restando vedada qualquer tentativa de produzi-los exclusivamente para esse fim. 3.1.1.2 A interrupção da gestação de feto anencéfalico É sabido que o Código Penal tipificou o aborto como um crime contra a vida, no entanto excluiu a punibilidade dos que forem praticados quando a gravidez foi decorrente de estupro (aborto terapêutico) ou quando não houver outra forma de salvar a vida da gestante (aborto necessário). Em ambos os casos, a legislação buscou, através de um juízo valorativo, proteger os bens jurídicos – vida e sofrimento da gestante – em detrimento da vida (ou potencialidade de vida) do embrião ou do feto. Assim, ponderou os interesses e os direitos envolvidos e assegurou a tutela daquele que julgou merecer preponderância. Cumpre o registro de que não se intenta questionar o tratamento jurídico já conferido ao aborto, mas, substancialmente, analisar a possibilidade de interrupção da gestação de um feto acéfalo, à luz dos fundamentos que concorreram para a supramencionada previsão das excludentes de punibilidade associados a outros fatores que podem justificar a antecipação do parto. Sob o ponto de vista médico, a anencefalia ou ausência de cérebro pode ser definida como “a má-formação fetal congênita por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico”. 13 13 BEHRMAN, Richard E; KLIEGMAN, Robert M; JENSON, Hal B; Nelson apud BARROSO, Luis Roberto. Gestação de fetos anencefálicos e pesquisas com células-tronco: Dois temas acerca da vida e da dignidade na Constituição. In: SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (orgs.). Direitos Fundamentais: Estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 671. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC Completa-se que os postulados da ciência médica refutam qualquer possibilidade terapêutica de reversão desse quadro, o que torna a morte o destino evidente dos fetos nesta condição. Acrescenta-se, ainda, que a anencefalia tem se mostrado perigosa para a saúde da gestante, tendo em vista a grande possibilidade do óbito intra-uterino em fase de desenvolvimento já avançado. Conforme discorrido anteriormente, a ausência de consenso científico ou filosófico a cerca do início da vida é questão de natureza ética e moral e pertence à seara pessoal dos indivíduos. Nesse sentido, o professor Luis Roberto Barroso: Não se trata de pregar, naturalmente, um relativismo moral, mas de reconhecer a inadequação do dogmatismo onde a vida democrática exige pluralismo e diversidade. Em situações como essa, o papel do Estado deve ser o de assegurar o exercício da autonomia privada, de respeitar a valoração ética de cada um, sem a imposição externa de condutas imperativas. [...] Relativamente à antecipação terapêutica do parto, oferece-se à gestante a faculdade de não levar a termo a gestação inviável.14 A decisão sobre a antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos deve cingirse à esfera da autonomia privada por não violar norma jurídica vigente. A ausência de condições normais do feto anula o discurso sobre a violação da sua vida, que, de fato, se apresenta, desde o começo, como inviável. Ademais, a exclusão da punibilidade dos abortos necessário e terapêutico já encerra a postura do legislador que transferiu à autonomia privada a decisão sobre o destino do feto anômalo. Na mesma linha, deve-se enquadrar a gestação do feto que não apresenta nenhuma condição viável de vida. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 103 Nesse contexto, não se pode perder de vista o princípio da dignidade da pessoa humana, cujo conteúdo corresponde à proteção dos valores e da integridade moral dos indivíduos. Não parece legítima uma postura do Estado que impute à gestante o dever de completar a gestação de um feto anômalo (que, notoriamente, não agrega condições nenhuma de vida) e submeter-se ao risco de uma gravidez dessa natureza. À luz da dignidade, as integridades moral e física da gestante não devem ser ameaçadas ou violadas. Ainda no âmbito constitucional, registra-se que o conflito de direitos ou bens jurídicos pode ser dizimado pela aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, que, no caso in voga, autorizariam a interrupção gestacional. 3.1.1.3 A manutenção artificial da vida Ao tratar do tema da eutanásia, porém longe de esgotá-lo, é inevitável vinculá-lo ao princípio da dignidade da pessoa humana, visto que é a proeminente necessidade de manutenção da dignidade da vida que pode justificar a sua interrupção. Para parte da doutrina, a eutanásia pode refutar a característica de indisponibilidade do direito à vida, por ter como fundamento a preservação do direito à dignidade, consubstanciado pela salvaguarda dos valores e concepções individuais e filosóficas, refletidas pelo modo autônomo de compreensão dos indivíduos sobre o sentido da existência humana. Urge promover a delimitação conceitual sobre a eutanásia propriamente dita. Ela consiste na provocação da morte do paciente portador de doença incurável que padece de 14 BARROSO, Luis Roberto. Op. Cit, 2006, p.677. 104 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC intenso sofrimento e possui justificativa assentada em razões de ordens moral e pessoal, motivadas por sentimentos fortes de piedade e compaixão. O Ordenamento Jurídico do Brasil não recepcionou a possibilidade de promoção da eutanásia, ao contrário, a análise da sistematização penal vigente faz emergir a conclusão de que a sua prática pode ser enquadrada como crime de homicídio privilegiado, onde poderá incidir causa de diminuição de pena, por ter o agente cometido o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral.15 No entanto, ainda sob o foco penal da matéria, é importante ressaltar a ausência de tipificação específica para a referida conduta. A possibilidade de promoção da eutanásia merece forte reflexão no que tange à sua vedação por norma jurídica, pois, à luz do princípio da dignidade, está situada na seara das convicções morais, filosóficas, religiosas e pessoais, inerentes ao pluralismo cultural da sociedade. O livre desenvolvimento da personalidade humana está intrinsecamente ligado à idéia de autonomia do sujeito, de âmbito de autodeterminação jurídica, pois, a liberdade é imprescindível para a materialização dos direitos da personalidade, para o livre desenvolvimento da pessoa, para sua dignidade. É necessário refletir sobre o grau de autonomia jurídica que a pessoa tem quanto ao processo de morte. [...] Deve-se compreender que a dignidade da pessoa humana não é um conceito objetivo, absoluto, geral, possível de ser abstraído em padrões morais de conduta e a serem impostos a todas as pessoas. 16 Nesse diapasão, volta-se ao cerne da motivação principiológica da dignidade. As circunstâncias que podem primar por uma morte digna evidenciam a necessidade de relevar valores e concepções atinentes à autonomia individual que não devem ser menosprezados pelo Direito. Para cada caso concreto, há de se ponderar os motivos justificadores de uma possível interrupção da vida, que poderá encontrar legitimidade se tiver como fulcro a manutenção da dignidade humana. 5 CONCLUSÃO As recentes descobertas da biotecnologia carecem do acompanhamento paralelo da Bioética e do Direito por tocarem, muitas vezes, no núcleo de proteção de bens jurídicos de relevância superior, como a vida e a dignidade humanas. Impende salientar que a intervenção do Direito nesta seara não deve prescindir de uma precisa ponderação dos direitos que se mostrem conflitantes, tendo como guia a salvaguarda do direito à vida e/ou da dignidade da pessoa humana. Assim, não se extrai legitimidade das soluções que vilipendiem o liame traçado pelo princípio da dignidade, quanto à destinação dos embriões excedentes ao processo de reprodução artificial, à possibilidade de interrupção da gravidez de feto acéfalo e à consecução da eutanásia. Motivado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, o destino dos embriões remanescentes à fertilização in vitro atrela-se à 15 16 Assim dispõe o ä 1o do art. 121 do Código Penal. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortonásia e distanásia: breves considerações a partir do biodireito brasileiro. Ano 10, n.871, 21 nov. 2005. Disponível em: < www.jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=7571>. Acesso em: 13 fev. 2007, p. 10. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC manifestação de seus genitores (passível de restrições se violar disposição normativa), que podem optar por doá-los às pesquisas com células-tronco. A possibilidade de interromper a gravidez de feto anencéfalico também é decisão que deve cingir-se à seara de autonomia privada, tendo em vista a necessária proteção da integridade física, moral e psíquica dos pais, correlata ao princípio supramencionado. Quanto à eutanásia, há de se salientar a necessidade de ponderação dos direitos possivelmente conflitantes no caso concreto, a fim de que não seja sobreposto o de maior relevância. A praxe constitucional de ponderação de princípios, direitos e interesses há sempre de ser considerada quando se mostre tendente um conflito ou colisão. As novas conquistas nas áreas biomédica e biotecnológica não podem se perder da bússola da dignidade, sob pena de carecerem da legítima razão que as tornam bem-vindas – o benefício à espécie humana. REFERÊNCIAS 105 21 nov. 2005. Disponível em: < http: // jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571 >. Acesso em: 13 fev. 2007. BARROSO, Luis Rober to. Gestação de fetos anencefálicos e pesquisas com células-tronco: Dois temas acerca da vida e da dignidade na Constituição. In: SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (orgs.). Direitos Fundamentais: Estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 669-708. BRASIL, Constituição da Republica Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. ANGHER, Anne Joyce (org.). Vade mecum acadêmico de Direito. 1 ed. São Paulo: Rideel, 2004a. BRASIL, Decreto-lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. ANGHER Anne Joyce (org.). Vade mecum acadêmico de Direito. 1 ed. São Paulo: Rideel, 2004b. BRASIL, Decreto n 5.591, de 22 de novembro de 2005. Disponível em: < www. Planalto.gov.br/ ccivil_03/Ato2004-2006/2005/Decreto/ D5591.htm >. Acesso em: 12 de janeiro de 2007. ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. Disciplina Jurídica da destinação do excedente embrionário da reprodução assistida. Revista do Curso de Direito da UNIFACS, Salvador, v.47,2006, p.227238. BRASIL, Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. ANGHER Anne Joyce (org.). Vade mecum acadêmico de Direito. 1 ed. São Paulo: Rideel, 2004c. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3. ed. São Paulo: Malheios, 2004. BRASIL, Lei n 11.105 de 24 de março de 2005 (lei de biossegurança). Disponível em: <www.planalto.gov.br/legislacao/_Ato20042006/2005/Lei/ L11105.htm>. Acesso: em 12 de janeiro de 2007. BARBOZA, Heloísa Helena; MEIRELLES, Jussara M. L. de; BARRETO, Vicente de Paulo (orgs.). Novos temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortonásia e distanásia: breves considerações a partir do biodireito brasileiro. Ano 10, n. 871, Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 FABRIZ, Daury César. Bioética e Direitos fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991. 106 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito civil Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2002. v 1. GANTHALER, Heinrich. O direito à vida na medicina. Uma investigação moral e filosófica. Trad. de Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2006. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. v.1.São Paulo: Saraiva, 2003. HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta aos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Por to Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991. SÁ, Maria de Fátima Freire de (coord.). Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007. SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (orgs.). Direitos Fundamentais: Estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. SERRÃO, Daniel. Estatuto do Embrião. Revista Bioética. v.11, n.2, 2003, p.109-116. Disponível em: < www. por talmedico.org.br/revista/ bio11v2.htm> . Acesso em: 03 abr. 2007. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética I- Fundamentos e ética biomédica. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. SILVA, Reinaldo Pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. São Paulo: Ltr, 2003. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Direito e Medicina Aspectos jurídicos da Medicina. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. TEPEDINO, Gustavo (coord.). A parte geral do novo Código Civil Estudos na perspectiva civilconstitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito Civil Introdução e Parte Geral. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 107 Performance de empresas socialmente responsáveis na BOVESPA: Aplicação da Análise de Cluster Ailton Passos Ferreira1 RESUMO Há uma tendência mundial de investidores procurarem empresas socialmente responsáveis, sustentáveis e rentáveis para aplicar seus recursos. A premissa fundamental para esta mudança é a concepção subjetiva de que empresas sustentáveis gerariam valor para o acionista no longo prazo, pois estariam mais preparadas para enfrentar riscos econômicos, sociais e ambientais. Caso esta percepção seja verdadeira, espera-se que os investidores tenham uma predisposição maior de investir em empresas preocupadas com a responsabilidade social e com a sustentabilidade empresarial. Este artigo busca testar se as empresas brasileiras, consideradas socialmente responsáveis, possuem retornos homogêneos e diferenciados na BOVESPA. Para tanto, utilizou-se a análise de cluster em 171 empresas, no período de 2000 a 2006, das quais 24 foram identificadas como socialmente responsáveis, por comporem o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BOVESPA. O resultado revelou que as concepções dos investidores brasileiros, a respeito das ações de responsabilidade social, ainda são superficiais, pois, outros fatores – como performance dos setores econômicos – ainda têm o condão de influenciar, de forma mais significativa, as variações dos retornos de ações. No entanto, o período de 2002 a 2006 apresentou diferenças estatísticas significantes quanto às variáveis analisadas. Palavras-Chave Responsabilidade Social. Análise de cluster. Índice de Sustentabilidade Empresarial. 1 Economista, pós-graduado em Informática Avançada, MBA em Finanças e Mercado de capitais, Mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade social. Professor da Faculdade Metropolitana de Camaçari, e-mail: [email protected] Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 108 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC INTRODUÇÃO A responsabilidade social, tal como está fundamentada atualmente, transcende a esfera assistencialista, englobando também ações comunitárias mais amplas. Não se admite, portanto, falar em responsabilidade social dissociada, por exemplo, da educação, da saúde, da habitação, da cultura, da segurança, da defesa das minorias, da capacitação para o emprego, da melhoria da qualidade de vida e da preservação do meio ambiente. Generaliza-se, portanto, a percepção que a superação dos grandes desafios na área social passa pela imperiosa participação do Estado, dos cidadãos, das empresas e das organizações sociais civis ou não governamentais. É importante perceber que certos valores ganharam grande pujança nesta atual conjuntura. Um deles é a solidariedade. O novo conceito de responsabilidade social considera esse elemento na atuação de diversas entidades movidas por ideários humanitários, filantrópicos e voluntários. Tornou-se senso comum o entendimento de que a sociedade não pode esperar que a ação dos governos resolva os problemas sociais que a afligem. (LIMA, 2002) Lima (2002) afirma ainda que há uma convergência no reconhecimento da negligência com a cidadania e com o desempenho social, em razão da crise de tipologias de Estado “ com as perspectivas de sua reformulação “ e da crise de governabilidade “ com a confusão das esferas pública e privada. Também é importante destacar o papel social da empresa neste novo cenário, marcado por novas demandas do mercado, influenciado por um público muito mais consciente, por investidores e consumidores mais preparados e por uma concorrência mais acirrada. Essas condições têm pressionado as organizações para que atuem com mais qualidade e transparência, demonstrando preocupação não só com os aspectos da modificação patrimonial, mas também com o bem-estar social. As empresas, por sua vez, buscam com esse ingrediente social obter ganhos de imagem corporativa com reflexos positivos em seus negócios, e assim o fazem. Caso essa análise seja precisa, espera-se que investidores mais conscientes tenham a predisposição maior de investir em empresas preocupadas com a responsabilidade social e com a sustentabilidade empresarial. Inclusive há uma tendência mundial neste aspecto, de investidores procurarem empresas socialmente responsáveis, sustentáveis e rentáveis para aplicar seus recursos. (BOVESPA, 2007). Considerando os aspectos anteriormente mencionados, este artigo espera responder a seguinte problemática: As empresas brasileiras, ditas socialmente responsáveis, têm rentabilidades homogêneas e diferenciadas na bolsa de valores de São Paulo? Caso essa resposta seja afirmativa, confirmar-se-á, no Brasil, a tendência mundial de priorizar investimentos em empresas preocupadas com a sustentabilidade empresarial. A percepção subjetiva individual deste autor indica que dada à mudança no perfil dos investidores mundiais, seus pares brasileiros também devem estar seguindo essa mesma tendência, e, portanto, haverá uma forte relação existente entre rentabilidade das ações e o fato da empresa ser ou não ser considerada socialmente responsável. Para tanto, será efetuada a análise de cluster para confirmação ou rejeição dessa hipótese. A análise de cluster é uma técnica exploratória Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC de análise multivariada, que permite agrupar sujeitos em grupos homogêneos ou compactos relativamente a uma ou mais características comuns. Cada observação pertencente a um determinado grupo é similar a todas as outras pertencentes a esse grupo, e é diferente das observações pertencentes aos outros grupos. A idéia subjacente é que as empresas consideradas socialmente responsáveis tenderão a ficar no mesmo grupo e serão estatisticamente diferentes dos outros grupos analisados. 1. RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E MARKETING SOCIETÁRIO A responsabilidade social corporativa, de acordo com Tenório (2007, pg. 45): “surge com a mudança de valores propostos pela sociedade pós-industrial: a valorização do ser humano, o respeito ao meio ambiente, a busca de uma sociedade mais justa e uma organização empresarial de múltiplos objetivos”. Dessa forma, questões como obter eficiência e lucratividade com a preservação da imagem e reputação da companhia passaram a integrar os próprios objetivos estratégicos da empresa. Sobrevivência num mundo extremamente competitivo é o lema da vez. Nessa perspectiva então, torna-se necessária a agregação de valor social ao negócio, além da redefinição dos objetivos de marketing da empresa. Na verdade, neste novo cenário, as empresas se vêem pressionadas a proteger sua imagem, mediante a justificação de sua missão social perante uma variedade de agentes portadores de interesses ou interventores potenciais em relação a elas – são os stakeholders. Tenório (2007, pg. 46) Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 109 Esse ânimo de prestação de contas, instalado no seio das organizações, amplia a noção de responsabilidade social. Nesta linha, Lima (2002) declara: Na esteira desse fenômeno, as empresas começaram a se preocupar com medidas de natureza social e com a prestação de contas relativa ao alcance dessas providências, entendendo que a melhor forma de fazer isto, seria demonstrar numa abordagem socioeconômica o que elas devolviam à sociedade em troca pelo que dela extraíam. É importante ressaltar que a percepção, por parte do empresariado brasileiro, da importância da responsabilidade social para o negócio está crescendo e pode ser demonstrada pelo resultado de pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2007) feita entre 2000 e 2004, nas empresas privadas brasileiras que realizam ações sociais em benefício das comunidades. Os resultados finais mostraram um aumento significativo no período analisado: a participação empresarial na área social subiu de 59% para 69%. Assim, são 600 mil as empresas que atuam voluntariamente. Só em 2004 foram aplicados R$ 4,7 bilhões em ações sociais - isso equivale a 0,27% do PIB nacional daquele ano. Veja como Kotler e Armstrong (1994, p.35), provoca uma nova postura empresarial, quando afirma: O afluente não apenas polui a terra: ele literalmente a consome. Cada vez mais, o consumidor individual está conscientizando-se de que suas satisfações a cur to prazo, como consumidor, estão em conflito com seus interesses a longo prazo como cidadão. 110 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC E ainda nesta linha, Kotler e Armstrong (1994, pg. 11), conceitua: O conceito de marketing societário sustenta que a organização deve determinar as necessidades, desejos e interesses dos mercadosalvo e então proporcionar aos clientes um valor superior, de forma a manter ou melhorar o bem-estar do cliente e da sociedade. Fica evidente então, que este conceito questiona se o conceito tradicional de marketing é adequado a uma época com problemas ambientais, escassez de recursos naturais, crescimento populacional, problemas econômicos, miséria e fome, pois amplia a visão do mundo relacional da empresa e passa a ponderar o interesse social, como outro fator a ser considerado na condução do negócio. 1.1. MARKETING SOCIAL VERSUS MARKETING TRADICIONAL Já em 1984, Kotler (1984) aponta diferenças básicas entre o marketing, na sua concepção clássica, orientado apenas para os negócios, e o marketing social. Estas diferenças ainda são atuais. A partir da sua análise é possível fazer algumas inferências, segundo lima (2002): a) Na sua concepção tradicional, o marketing busca solucionar as necessidades e demandas identificadas no mercado-alvo; o marketing societário inclui a tentativa de modificar as atitudes ou o comportamento do mercado-alvo e mercado adjacente; b) no marketing tradicional o objetivo é obter lucro por intermédio do atendimento aos interesses do mercado-alvo ou da sociedade; o marketing societário procura servir aos interesses do mercado-alvo ou da sociedade, obtendo o lucro por conseqüência; c) o marketing de negócio oferece os produtos e serviços “por intermédio de veículos de idéias”; o marketing social leva as idéias, em lugar dos produtos ou serviços. Na concepção de Pringle e Thompson (2000, pg. 3), o marketing societário pode ser analisado, também, pelo que ele representa sob o ponto de vista da empresa, e nessa perspectiva, pode ser definido como: Uma ferramenta estratégica que associa uma empresa ou marca a uma questão ou causa social relevante, em benefício mútuo. Essa ligação pode ocorrer por força da atuação direta da empresa em benefício da causa, ou por meio de uma aliança estratégica com uma organização voluntária ou beneficente comprometida com a área de interesse social definida pela empresa. 1.2. A BOVESPA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL Segundo a BOVESPA (2007) há alguns anos iniciou-se uma tendência mundial de investidores procurarem empresas socialmente responsáveis, sustentáveis e rentáveis para aplicar seus recursos. Essas aplicações, denominadas “investimentos socialmente responsáveis” (SRI), consideram que empresas sustentáveis geram valor para o acionista no longo prazo, pois estão mais preparadas para enfrentar riscos econômicos, sociais e ambientais. Essa demanda veio se fortalecendo ao longo do tempo e hoje é amplamente atendida por vários instrumentos financeiros no mercado internacional. No Brasil, essa tendência já teve início e há expectativa de que ela cresça e se consolide rapidamente. Atentas a isso, a Bovespa, em conjunto com várias instituições – ABRAPP, ANBID, APIMEC, IBGC, IFC, Instituto ETHOS e Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 111 Ministério do Meio Ambiente – decidiram unir esforços para criar um índice de ações que seja um referencial (“benchmark”) para os investimentos socialmente responsáveis, o ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial. (BOVESPA, 2007). empresas semelhantes para identificar elementos estratégicos comuns e criadores de modelos financeiros procuram títulos com princípios semelhantes para criar carteiras de ação. (HAIR, ANDERSON, TATHAM E BLACK, 2005, PG 380) O ISE - Índice de Sustentabilidade Empresarial é um índice que mede o retorno total de uma carteira teórica composta por ações de empresas com reconhecido comprometimento com a responsabilidade social e a sustentabilidade empresarial (no máximo 40). Tais ações são selecionadas entre as mais negociadas na BOVESPA em termos de liquidez, e são ponderadas na carteira pelo valor das ações disponíveis à negociação. (BOVESPA, 2007) Existem 3 (três) técnicas de interdependência segundo Hair, Anderson, Tathan e Black (2005): 2. TÉCNICAS MULTIVARIADAS DE INTERDEPENDÊNCIA Diferentemente das técnicas de dependência – análise de regressão múltipla e análise discriminante múltipla – que possibilitam ao pesquisador avaliar as relações entre variáveis dependentes e um conjunto de variáveis independentes. As técnicas de interdependência, em vez de lidar com cada objeto individualmente, parte do pressuposto que é possível caracterizar, classificar e categorizar os objetos dentro de grupos, separados da perspectiva de dependência entre as variáveis. Hair, Anderson, Tathan e Black (2005, pg. 379) afirmam: “sabemos que a maioria das populações tem subgrupos que compartilham características gerais”. Ainda nessa linha declara: Comerciantes procuram mercados-alvo de grupos diferenciados de consumidores homogêneos, estrategistas procuram grupos de Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 1. A Análise fatorial; 2. A análise de Conglomerados (cluster); 3. Escalonamento Multidimensional. Este artigo se propõe a analisar apenas o item 2 (Análise de cluster). 2.1. ANÁLISE DE CLUSTER OU CONGLOMERADOS A principal finalidade desta técnica é agregar objetos com base nas características que elas possuem, ou seja, é a possibilidade então de combinar itens (por exemplo, indivíduos, marcas, lojas) em grupos de forma que os elementos em cada grupo sejam semelhantes entre si e diferentes dos elementos dos outros. A idéia é maximizar a homogeneidade de objetos dentro de grupos, ao mesmo tempo em que maximiza a heterogeneidade entre grupos como preconiza Hair, Babin, Money e Samouel ( 2005, pg. 400). A definição da variável estatística feita pelo pesquisador é uma questão central e por que não dizer, um passo crítico na análise, pois, como defende Hair, Anderson, Tathan e Black (2005, pg. 384) “a análise de agrupamentos é a única técnica multivariada que não estima a variável estatística empiricamente, mas, ao invés disso, usa a variável como especificada pelo pesquisador” e ainda conceitua: 112 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC A variável estatística de agrupamento é o conjunto de variáveis que representam as características usadas para comparar objetos na análise de agrupamentos. Como a variável estatística de agrupamentos inclui apenas as variáveis usadas para comparar objetos, ela determina o “caráter” dos objetos. (HAIR, ANDERSON, TATHAM E BLACK, 2005, PG 384) 2.2. FUNCIONAMENTO DA ANÁLISE DE AGRUPAMENTOS Na visão de Hair, Babin, Money e Samouel (2005, pg. 402), a análise de conglomerados envolve três fases distintas: A primeira divide a amostra em subgrupos menores; a segunda verifica se os grupos são estatisticamente diferentes e teoricamente significativos e a terceira fase faz o perfil dos conglomerados descrevendo as características de cada um. Sabendo que o objetivo da análise de agrupamentos é definir a estrutura de dados colocando as observações mais parecidas em grupos, faz-se necessário definir como isso será feito, para tanto três questões precisam ser abordadas, como questiona Hair, Anderson, Tathan e Black (2005, pg. 385): 1. Como medir a similaridade? 2. Como os agrupamentos serão formados? 3. Quantos grupos serão formados? 2.2.1 Como Medir Similaridade Diversos métodos são possíveis, como preceitua Hair, Anderson, Tathan e Black (2005, pg. 385), “incluindo a correlação entre objetos, uma medida de associação usada em outras técnicas multivariadas, ou talvez uma medida de sua proximidade em um espaço bidimensional tal que a distância entre as observações indique similaridade” No entanto, seguindo a orientação dos referidos autores, para este artigo, será usada a medida de acordo com a distância euclidiana (segmento de linha reta) entre cada par de observações, sabendo que menores distâncias indicam maior similaridade. 2.2.2 Como os Agrupamentos Serão Formados Independentemente como a similaridade é medida, faz-se necessário agrupar as observações que são mais similares em um agrupamento, este procedimento determina a pertinência a grupo de cada observação, assim afirma Hair, Anderson, Tathan e Black (2005, PG 385), apesar das muitas propostas existentes, todas elas podem ser classificadas em dois tipos: hierárquicas e não-hierárquicas, segundo Hair, Babin, Money e Samouel (2005, pg. 403) “Ambos os tipos tentam maximizar as diferenças (distâncias) entre conglomerados em relação à variação dentro deles” 2.2.2.1 Conglomerado Hierárquico Segundo Hair, Babin, Money e Samouel (2005, pg. 403): Um procedimento de conglomerado hierárquico desenvolve uma hierarquia ou um modelo em formato de árvore. Isso pode ser feito utilizando-se uma abordagem construtiva ou uma abordagem divisória. A abordagem construtiva, também chamada aglomerativa, inicia com todos os objetos (respondentes) como conglomerados separados e os combina um de cada vez até que haja apenas um conglomerado representando todos os objetos. A abordagem divisória inicia com todos os objetos como um único conglomerado e então retira um objeto de cada vez até que Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC cada objeto esteja em um conglomerado separado. Vários métodos ainda são possíveis para cálculo de conglomerados aglomerativos, a exemplo de: ligação entre grupos, ligação dentro do grupo, vizinho mais próximo, vizinho mais distante e Ward, que segundo Hair, Babin, Money e Samouel (2005, pg. 403): “cada uma dessas opções calcula as distâncias entre conglomerados de maneira diferente” 2.2.2.2. Conglomerado Não-Hierárquico São chamados de conglomerados Kmeans e diferentemente do conglomerado hierárquico, não envolvem o processo em forma de árvore. Em vez disso, um ou mais elementos são selecionados, e objetos dentro de uma distância pré-especificada são considerados como pertencentes a um determinado conglomerado. Apesar desse tipo de conglomerado apresentar algumas vantagens, como por exemplo, a possibilidade de alguns objetos serem removidos para outro conglomerado formado na seqüência, o que não é possível no conglomerado hierárquico, a falta de um método objetivo, teoricamente baseado, para identificar os elementos iniciais do conglomerado, torna este procedimento não tão utilizado como o hierárquico, assim define Hair, Babin, Money e Samouel (2005, pg. 404) Para este trabalho será utilizado o procedimento hierárquico, com a abordagem aglomerativa, usando o método Ward, haja vista o fato de este método ser mais popular e, segundo Hair, Babin, Money e Samouel (2005, pg. 403): “tende a resultar em conglomerados com aproximadamente o mesmo número de objetos” Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 113 2.2.3. Quantos Grupos Serão Formados De acordo com Hair, Babin, Money e Samouel (2005, pg. 404-405) o pesquisador pode saber com antecedência que deseja dois, três ou algum outro número de conglomerados. Ou mesmo considerações teóricas é que vão definir este número. É importante salientar que as variâncias de erro são reduzidas à medida que se passa de um número menor de conglomerados para um número maior, no entanto, quando se passa de dois conglomerados para três, quatro e assim por diante, as variâncias de erro continuam a cair, mas não tão rapidamente. Para os autores, um número menor de conglomerados é fácil de avaliar, por isso recomendam a execução de até quatro conglomerados, selecionando aquele que for mais lógico e o que mais estreitamente atingir os objetivos da pesquisa. 2.3. VALIDAÇÃO DOS RESULTADOS 2.3.1. Análise de Variância (ANOVA) Segundo Hair, Babin, Money e Samouel (2005, pg. 297-299) A ANOVA é usada para avaliar as diferenças estatísticas entre as médias de dois ou mais grupos. Este termo quer dizer Análise de Variância. É um teste de médias para duas populações ou mais. A hipótese nula é de que as médias são iguais. 2.3.2. Análise de Variância Multivariada (MANOVA) A MANOVA é bastante semelhante à ANOVA. Hair, Babin, Money e Samouel (2005, pg. 305) afirmam que a diferença reside no fato de que em vez de uma variável dependente métrica, a técnica pode examinar duas ou mais. O Objetivo é o mesmo: enquanto a 114 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC ANOVA examina diferenças em uma única variável dependente métrica, a MANOVA examina diferença de grupos com diversas variáveis dependentes métricas ao mesmo tempo. A hipótese nula é de que as médias das diversas variáveis dependentes são as mesmas entre grupos. 3. ESTUDOS ANTERIORES USANDO ANÁLISE DE CLUSTERS Sanvicente e Minardi (1999) aplicaram o método de análise de clusters para classificação de empresas em um sistema de ratings. Mediante uma amostra de 92 empresas com ações negociadas na Bovespa, dentre as quais, 46 foram negociadas como concordatárias no período de 1986 a 1998. Classificou-as em sete níveis crescentes de risco, que vão do AAA ao CCC, sendo o primeiro representando a melhor qualidade de crédito. Os autores consideraram como satisfatórios os resultados obtidos, embora não sejam concordantes, a descrição e a tabela apresentadas no artigo. Conseguiram classificar como CCC, nível mais baixo de crédito, apenas 59,3% das concordatárias, no ano de ocorrência da concordata, sendo que para o ano anterior ao evento, o percentual cai para 41,6%. Chaves (2005) analisou os diferenciais de rendimentos dos trabalhadores da indústria de transformação da Região Metropolitana de Porto Alegre, no ano de 2002, consoante os postulados da Teoria do Capital Humano e da Teoria da Segmentação. Utilizando-se dados individuais da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) na Região, foram agrupados ramos industriais em dois segmentos, através da Análise de Cluster, considerando características comuns utilizadas na determinação de rendimentos. Os resultados obtidos sugerem que é possível encontrar evidências de segmentação no mercado de trabalho da indústria de transformação da região. Oro et al (2005) verificaram o nível de evidenciação de governança corporativa nos Relatórios de Administração de companhias abertas no Brasil. A metodologia utilizada consistiu de pesquisa descritiva, do tipo levantamento ou survey, com análise de clusters. Por meio do estudo realizado no Relatório da Administração das 45 companhias abertas brasileiras, par ticipantes do Nível 1 e 2 de Governança Corporativa e do Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), constataram que as mesmas apresentam níveis relativamente baixos de evidenciação de governança corporativa, mas que há um aumento no ano de 2004 em relação ao período 2002-2003. 4. METODOLOGIA O estudo desenvolvido partiu de uma crença subjetiva e intuitiva que as empresas, ditas socialmente responsáveis, apresentam desempenhos com um alto grau de homogeneidade na bolsa de valores de São Paulo. Para tanto, as seguintes hipóteses foram testadas: H0 = Inexistência de relação entre retorno e o fato da empresa ser ou não ser socialmente responsável; H1 = Existe relação entre retorno e o fato da empresa ser socialmente responsável. A fim de ratificação dos testes paramétricos, foi testada a variável “setor da economia”. A idéia subjacente era averiguar se, além do fato da empresa ser socialmente responsável, a performance do setor econômico em que a empresa está inserida seria uma variável que melhor explicaria a variação da rentabilidade das ações analisadas. Para tanto, testou-se as seguintes hipóteses: Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC H0 = Inexistência de relação entre retorno e setor da economia; H1 = Existe relação entre retorno e setor da economia. Para a análise multivariada de dados, Utilizou-se o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 15.0. Utilizouse o procedimento hierárquico, com a abordagem aglomerativa, usando o método Ward, com mensuração Euclidiana ao quadrado. Para a análise dos dados utilizou-se a análise de variância (ANOVA). 4.1. AMOSTRA E COLETA DE DADOS 115 EMPRESA SETOR ECON Cemig Coelce Copel Dixie_Toga Embraer Gerdau Gerdau_Met Iochp-Maxion Perdigão Petrobras Sabesp Sanepar Suzano_Papel Tractebel Ultrapar Unibanco Energia_Eletrica Energia_Eletrica Energia_Eletrica Outros Veiculos_e_pecas Siderur_&_Metalur Siderur_&_Metalur Veiculos_e_pecas Alimentos_e_Beb Petroleo_e_Gas Outros Outros Papel_e_Celulose Energia_Eletrica Quimica Financas_e_Seguros Fonte: Desenvolvida pelo autor Foram selecionadas 171 (cento e setenta e uma) empresas de diversos setores da economia do Brasil, no período de dezembro de 2000 a dezembro de 2006, que apresentaram dados diferentes de nulo na variável “cotação de fechamento” da ação, em períodos trimestrais, de acordo com a base do Economática®. Das 171 empresas selecionadas, 24 (vinte e quatro) foram identificadas como socialmente responsáveis. Foi usado como parâmetro de seleção o fato destas empresas comporem a carteira teórica do ISE, relacionadas no sitio da BOVESPA. TABELA 1: Lista de Empresas Selecionadas Como Socialmente Responsável EMPRESA SETOR ECON Acesita Aracruz Arcelor_BR Bradesco Brasil Braskem Celesc Celulose_Irani Siderur_&_Metalur Papel_e_Celulose Siderur_&_Metalur Financas_e_Seguros Financas_e_Seguros Quimica Energia_Eletrica Papel_e_Celulose Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 Foi aplicado o critério da ação mais líquida, para o caso em que a empresa tenha duas ou mais classes de ações negociadas. Todos os valores foram ajustados pela inflação. Para o cálculo dos retornos totais de cada ação, foi usada a função logarítimica natural, a fim de proporcionar maior aderência dos retornos à distribuição normal e, portanto, dar maior validade aos testes paramétricos a serem usados. Para tanto, usou-se a Equação: Rit = LN[(Pit + Dit) ÷ Pit-1] – 1 Onde: Rit é o retorno total da ação i, no dia t; Pit é cotação de fechamento da ação i, no dia t Dit é o dividendo da ação i pago no dia t; Pit-1 é cotação de fechamento da ação i, no dia t-1. 4.2. RESULTADOS ENCONTRADOS Os testes foram efetuados considerando cinco períodos distintos: TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 116 1. Dez de 2000 a Dez de 2006; 2. Dez de 2000 a Dez de 2003; 3. Jan de 2004 a Dez de 2006; 4. Jan de 2003 a Dez de 2006; 5. Jan de 2002 a Dez de 2006. período de 2003 a 2006 (item 4). Por último, verificou-se o período de 2002 a 2006. Foi avaliado, no primeiro momento, todo o período referenciado no item 1. No entanto, considerando o baixo volume de negociação existente ainda no Brasil e, na opinião deste autor, considerando ainda a percepção superficial dos atuais investidores brasileiros, no que tange as ações de responsabilidade social, foi feito um corte no final do ano de 2003, para verificar se houve divergência significativa entre os períodos 2 e 3.. Depois foi avaliado o Em todos os períodos analisados foram executados até quatro clusters, conforme orientação de Hair, Babin, Money e Samouel (2005, pg. 405). Para determinar se as médias das variáveis são significativamente diferentes, executou-se uma ANOVA. A hipótese nula é a de que não há diferença nas médias dos grupos. Vide abaixo tabela que evidencia a posição das 24 empresas socialmente responsáveis nos cluster analisados. Tabela 2: Resultados Alcançados por Quantidade de Cluster Período Qtde de cluster Resultado OBS 1 1 02 03 1 2 2 2 3 04 02 03 04 02 3 3 4 03 04 02 24 empresas-cluster 1 16 empresas-cluster 2 08 empresas cluster 1 Idem Anterior 24 empresas-cluster 1 24 empresas-cluster 1 24 empresas-cluster 1 12 empresas-cluster 1 12 empresas-cluster 2 Idem Anterior Idem Anterior 14 empresas-cluster 1 10 empresas-cluster 2 Idem Anterior Idem Anterior 24 empresas-cluster 1 Idem Anterior 3 empresas –cluster 2 21 empresas- cluster 1 100% (66,66%) (33,33%) Idem Anterior 100% 100% 100% 50% 50% Idem Anterior Idem Anterior 4 4 5 5 5 03 04 02 03 04 59,33%41,66% Idem Anterior Idem Anterior 100% Idem Anterior 12% 88% Fonte: Desenvolvida pelo autor Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC O período 1 (dez de 2000 a dez de 2006) não apresentou diferenças a par tir de 3 clusters. Das 24 empresas socialmente responsáveis, 16 empresas ficaram no cluster 2 e 8 empresas ficaram no cluster 1. No período 2 (dez de 2000 a dez de 2003), todas 24 empresas ficaram no cluster 1, independente do número de cluster analisados. No período 3 (jan de 2004 a dez de 2006), 12 empresas ficaram no cluster 1 e 12 empresas ficaram no cluster 2, independente do número de cluster analisados. 117 4.2.1. Análise Utilizando a ANOVA A primeira coluna, das tabelas abaixo representadas, trás os seguintes indicadores utilizados na análise: RS para o indicador “Responsabilidade Social” e Setor para o indicador “Setor da Economia”. A última coluna (sig.) refere-se ao nível de significância (p-value) dos testes avaliados. É uma mensuração estatística que visa definir, neste caso, se os grupos avaliados são estatisticamente diferentes entre si. A idéia da análise de cluster é maximizar a homogeneidade de objetos dentro de grupos, ao mesmo tempo em que maximiza a heterogeneidade entre grupos. No período 4 (jan de 2003 a dez de 2006), 14 empresas ficaram no cluster 1 e 10 empresas ficaram no cluster 2, também independente do número de cluster analisados. O objetivo é verificar então se as empresas ditas socialmente responsáveis tenderão a ficar no mesmo cluster e, ao mesmo tempo, serão estatisticamente diferentes dos outros grupos formados. No período 5 (jan de 2002 a dez de 2006), as 24 empresas ficaram no cluster 1 com até 3 clusters sendo analisados. Com 4 clusters, apenas 3 empresas ficaram no cluster 2 e as 21 empresas restantes continuaram no cluster 1. Portanto, p-value encontrado abaixo de 0,05 indica que os grupos analisados são estatisticamente heterogêneos, caso contrário, p-value acima de 0,05, indica exatamente o contrário: não se pode afirma que os grupos são estatisticamente diferentes entre si. Período 1 –”2 cluster” Tabela 3: ANOVA 2000 a 2006 Sum of Squares Df Mean Square F Sig. RS Between Groups Within Groups Total ,497 20,134 20,632 1 169 170 ,497 ,119 4,175 ,043 Setor Between Groups Within Groups Total 73,416 4248,491 4321,906 1 169 170 73,416 25,139 2,920 ,089 Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor) Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 118 Período 1 – “4 cluster” Tabela 4: ANOVA 2000 a 2006 RS Setor Between Groups Within Groups Total Between Groups Within Groups Total Sum of Squares Df ,563 20,069 20,632 295,332 4026,575 4321,906 3 167 170 3 167 170 Mean Square F Sig. ,188 ,120 1,561 ,201 98,444 24,111 4,083 ,008 Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor) Verifica-se que até dois clusters há diferença estatística entre os grupos quanto a “RS” (Responsabilidade Social) - P-value abaixo de 0,05, no entanto, quando se executam quatro clusters, essa situação se altera e não se pode mais afirmar que há diferença estatística entre os grupos analisados (0,201), na verdade, apenas a variável “Setor” apresentou significância no teste realizado com 4 cluster. Período 2 – “4 cluster” Tabela 5: ANOVA 2000 a 2003 RS Setor Between Groups Within Groups Total Between Groups Within Groups Total Sum of Squares Df ,604 20,028 20,632 194,066 4127,840 4321,906 3 167 170 3 167 170 Mean Square F Sig. ,201 ,120 1,679 ,174 64,689 24,718 2,617 ,05 Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor) Verifica-se que não há diferença estatística entre os grupos quanto à “RS” (Responsabilidade Social) (0,174), na verdade, somente a variável “Setor” apresentou p-value igual a 0,05. Período 3 – “4 cluster” Tabela 6: ANOVA 2004 a 2006 RS Setor Between Groups Within Groups Total Between Groups Within Groups Total Sum of Squares Df ,502 20,130 20,632 347,448 3974,458 4321,906 3 167 170 3 167 170 Mean Square F Sig. ,167 ,121 1,387 ,248 115,816 23,799 4,866 ,003 Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor) Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 119 Verifica-se que não há diferença estatística entre os grupos quanto à “RS” (Responsabilidade Social) – (0,248). Apenas a variável “setor” apresentou nível de significância abaixo de 0,05. Período 4 – “4 cluster” Tabela 7: ANOVA 2003 a 2006 Sum of RS Setor Mean Squares Df Square F Sig. ,760 3 ,253 2,130 ,098 Within Groups 19,871 167 ,119 Total 20,632 170 224,974 \3 74,991 3,057 ,030 Within Groups 4096,933 167 24,533 Total 4321,906 170 Between Groups Between Groups Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor) Verifica-se que não há diferença estatística entre os grupos quanto à “RS” (Responsabilidade Social) – (0,098). Mais uma vez, apenas a variável “Setor” apresentou nível de significância abaixo de 0,05. Período 5 – “4 cluster” Tabela 7: ANOVA 2002 a 2006 Sum of RS Setor Mean Squares Df Square F Sig. 1,192 3 ,397 3,412 ,019 Within Groups 19,440 167 ,116 Total 20,632 170 237,906 3 79,302 3,243 ,024 Within Groups 4084,000 167 24,455 Total 4321,906 170 Between Groups Between Groups Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor) Verifica-se que há diferença estatística entre os grupos tanto para a “RS” (Responsabilidade Social) quanto para o setor econômico - p-value abaixo de 0,05. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 120 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da tendência mundial de investidores procurarem empresas socialmente responsáveis, sustentáveis e rentáveis para aplicar seus recursos, o Brasil ainda caminha mais lento neste processo. A análise de cluster indicou inclusive que o período analisado interfere sensivelmente no resultado dos parâmetros avaliados. Pode-se inferir, então, que as concepções dos investidores brasileiros a respeito das ações de responsabilidade social, ainda são superficiais, revelando que outros fatores – como performance dos setores econômicos – ainda têm o condão de influenciar mais significativamente as variações dos retornos de ações. No entanto, o período de 2002 a 2006 impressiona, pois os grupos avaliados apresentaram diferenças estatísticas significantes quanto às variáveis analisadas, tanto responsabilidade social, como setor econômico. Neste caso rejeita-se a hipótese nula, que supunha inexistência de relação entre as variáveis e o retorno das ações. Isso ocorre também para o período de 2000 a 2006 (2 cluster) quanto à variável responsabilidade social. Em todos os outros períodos analisados rejeita-se a hipótese nula apenas quanto à variável “Setor da Economia”, não podendo fazê-lo quanto à variável “RS” (Responsabilidade Social), confirmando que fatores econômicos ainda têm um peso significativo no processo de decisão dos investidores. Uma gama gigantesca de possibilidades de pesquisa surge a partir de então: análises de retornos mensais ou mesmo diários poderiam trazer nova luz sobre esse problema; análise comparativa da performance (antes e depois) das empresas agora ditas socialmente responsáveis; utilização de análises discriminantes entre outras. Considerando que a diversificação é a melhor opção para reduzir o risco. Uma utilização, deveras importantes, para o uso da técnica de análise de cluster seria a possibilidade de formação de carteiras para investidores com pouco volume de recursos. O investimento se concentraria nas empresas centróides de cada grupo. 6. REFERÊNCIAS BOVESPA. ISE Índice de Sustentabilidade Empresarial. Disponível em: <http://www.bovespa. com.br/Pdf/Indices/ISE.pdf> Acesso em: 10 abr 2007; CHAVES, André Luiz Leite. Diferenciais dos Rendimentos do Trabalho na Indústria de Transformação da Região Metropolitana de Porto Alegre: linearidade ou dualidade no mercado de trabalho?. Disponível em: <http://www.fee. rs.gov.br/sitefee/pt/content/eeg> acesso em: 27 abr 2007; HAIR JR, Joseph F; BABIN, Barry; MONEY, Arthur H; SAMOUEL, Philip. Fundamentos de Métodos de Pesquisa em Administração. Porto alegre: Bookman, 2005 HAIR JR, joseph F.; ANDERSON, Rolph E.; TATHAN, Ronald L.; BLACK, William. Análise Multivariada de Dados. 5ª. Edição. Porto alegre: Bookman, 2005 KOTLER, Philip& ARMSTRONG, Gary. Princípios de Marketing. São Paulo: Prentice Hall do Brasil,1994; KOTLER, Philip.Marketing para organizações que não visam o lucro. São Paulo: Atlas,1984. Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Responsabilidade social - Prática tem crescido. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/ default.jsp> Acesso em: 15 abr 2007 LIMA, Edinício de Oliveira. Associação do Balanço Social e o Marketing Social: Implicações na Comunicação da Organização Não Governamental. Disponível em: <http://www.unb.br/cca/posgraduacao/mestrado/disser tacoes/ mest_dissert_011.pdf> Acesso em: 25 abr 2007; PRINGLE, Hamish & THOMPSON, Marjorie. Marketing Social: Marketing para Causas Soci- Volume 05 – Número 01 – Ano 2008 121 ais e a Construção das Marcas. MAKRON Books, 2000 SANVICENTE, Antônio Zoratto; MINARDI, Andrea Maria A. F. Migração de risco de crédito de empresas brasileiras: uma aplicação de análise de clusters na área de crédito. FinanceLab Working Paper – FLWP, n. 10, 1999. Disponível em: <http:/ /www.risktech.com.br/PDFs/migração.pdf> Acesso em 27 abr 2007; TENÓRIO, Fernando Guilherme. Responsabilidade Social Empresarial: Teoria e Prática. 2. ed. Rev. E Ampl. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006