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Faculdade Metropolitana de Camaçari - FAMEC
DIRETORIA GERAL
Profª Celene Maria de Oliveira Santos
EDITOR RESPONSÁVEL
Profª Drª Arlinda Paranhos Leite Oliveira
CONSELHO EDITORIAL
Profª Celene Maria de Oliveira Santos (FAMEC)
Profª Drª Arlinda Paranhos Leite Oliveira (FAMEC, UNEB, UFBA, UCSAL)
Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo (UFBA)
Prof. Dr. Olival Freire Júnior (UFBA)
Prof. Dr. Robson Moreira Tenório (UFBA)
Prof. Dr. Carlos Geraldo D’Andrea Espinheira (UFBA)
FICHA CATALOGRÁFICA
Jucilene de Oliveira Santos
Tempo Revista Científica da Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMEC
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
Editada pela Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMEC
Localizada à Avenida Eixo Urbano Central, s/n° - Centro – Camaçari – Bahia
CEP.: 42800-000 – Fone (71) 3621-5157 / 2101-3250
e-mail: [email protected]
Ficha Catalográfica
Tempo: Revista Científica. Faculdade Metropolitana de Camaçari –
FAMEC
v.5, n.1 (dez/2007) Camaçari, 2008
Anual
1. Educação 2. Ensino 3. Aprendizagem 4. Informação 5.
Periódico I. FAMEC II. Tempo
CDU 050
Sumário
PROBLEM-BASED LEARNING NO ENSINO DE CIÊNCIAS
Ariston de Lima Cardoso, Augusto Thadeu Vidal .............................................................................................................
7
CARTEIRAS DE INVESTIMENTOS COM O MÉTODO DE ELTON-GRUBER EM PERÍODOS DE INSTABILIDADE
ECONÔMICA NO BRASIL
Utilan da Silva Ramos Coroa, Tatiana Gargur dos Santos ..................................................................................................
13
UNIVERSIDADE CORPORATIVA COMO UMA ESTRATÉGIA DE RENOVAÇÃO NA EDUCAÇÃO ORGANIZACIONAL
Ana Lucia Antunes Faria, Eliaura Maria Brito Santos .........................................................................................................
28
A INCLUSÃO DO ALUNO COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Telma Brito Rocha ............................................................................................................................................................
40
A COMUNIDADE CIENTÍFICA E DISSEMINAÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
Patrícia Fernandes, Jucilene Santos ..................................................................................................................................
46
CENÁRIO DO DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS DE QUEBRA DE AMÊNDOAS
Djane Santiago de Jesus, Carla Renata Santos dos Santos, Genice de Jesus Santana, Carla Renata Santos dos Santos .
51
CULTURA ESCOLAR E (DES)ENCONTRO COM A DIVERSIDADE
Antonio José Tavares Lima ...............................................................................................................................................
56
EDUCAÇÃO COMO PILAR PARA O DESENVOLVIMENTO: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL
Maria Raidalva Nery Barreto ...............................................................................................................................................
65
IDENTIDADE E EDUCAÇÃO EM PERSPECTIVA: INCURSÕES NO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E ESTRANGEIRA
Fernanda Mota ..................................................................................................................................................................
69
EDUCAÇÃO NA SAÚDE: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA A QUALIDADE DE SOBREVIDA EM CRIANÇAS DE
PRIMEIRO ANO DE VIDA, EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL
Mara Regina Cerqueira Nogueira Malafaia, Eva Santos da Cruz; Gabriel de Lima Simões, Zelândia Marques, Amanda
Prado Almeida, Antonieta Priscila Pereira Oliveira, Jéssica Letícia Barbosa Cardoso, Priscila de Jesus Assunção, Vivaldo
A lmeida Braga ..................................................................................................................................................................
77
INVENÇÃO E MEMÓRIA – A CONSTRUÇÃO NARRATIVA DE LYGIA FAGUNDES TELLES
Marielson Carvalho ...........................................................................................................................................................
84
NOVAS REFLEXÕES SOBRE BIOÉTICA E BIOTECNONOLOGIA EM FACE DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA
Ana Thereza Meirelles Araújo ............................................................................................................................................
94
PERFORMANCE DE EMPRESAS SOCIALMENTE RESPONSÁVEIS NA BOVESPA: APLICAÇÃO DA ANÁLISE DE C
LUSTER
Ailton Passos Ferreira ....................................................................................................................................................
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
5
Apresentação
A Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMEC empenha-se em lançar a quarta edição da
Revista Tempo a qual se constitui em um periódico, que busca socializar as inquietações científicas
dos profissionais das diferentes áreas de conhecimento que integram este espaço educativo.
Assim, cabe-me especificar cada um dos onze artigos trabalhados pelos professores. Artigos
esses que certamente possibilitarão ao leitor uma relação direta com as diversificadas análises
contemporâneas do conhecimento
• Cultura escolar e (des) encontro com a diversidade
• Invenção e memória - a construção narrativa de Lygia Fagundes Telles
• Novas Reflexões sobre Bioética e Biotecnologia em Face do Direito Fundamental a Vida
• Performance de Empresas Socialmente Responsáveis na BOVESPA: Aplicação da Análise de
Cluster
• Cenário do Desenvolvimento de Tecnologias de Quebra de Amêndoas
• Educação na saúde: uma nova perspectiva para a qualidade de sobrevida em crianças de
primeiro ano de vida, em situação de risco social
• Identidade e educação em perspectiva: incursões no ensino de língua materna e estrangeira
• A Inclusão do Aluno com Necessidades Educativas Especiais na Educação Superior.
• Problem-Based Learning no Ensino de Ciências
• A comunidade científica e disseminação do conhecimento científico
• Educação como pilar para o desenvolvimento local: políticas públicas para assistência estudantil.
Por fim, esta nova edição tem como objetivo visualizar a aplicação pratica de temas específicos
nos diversos campos, como também dividir com os nossos leitores o pensamento dos
educadores da FAMEC, acreditando que os grandes processos de transformação ocorrem
quando acontece a socialização do conhecimento.
Registro nesta oportunidade meu reconhecimento a Coordenação de Editoração pelos redobrados
esforços na elaboração e na continuidade do projeto da Revista Tempo e o empenho do Conselho
Editorial, na captação de artigos e na avaliação dos mesmos.
Agradecimento especial aos professores colaboradores deste número que revelam estar
motivados para a construção e análise de temas que contemplam o seu cotidiano acadêmico, o
que reflete o desenvolvimento do fazer pedagógico pautado em princípios analítico, crítico e
reflexivos.
Celene Maria de Oliveira Santos
Diretora Geral
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
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Problem-Based Learning no Ensino de Ciências
Ariston de Lima Cardoso1
Augusto Thadeu Vidal2
RESUMO:
A Aprendizagem Baseada em Problemas ou PBL (Problem-Based Learning) é uma estratégia
centrada no estudante, que o ajuda a desenvolver o raciocínio e a comunicação. Diferentemente
dos métodos de ensino convencionais que colocam problemas de aplicação após a introdução
de conceitos, temos o uso de problemas para iniciar e motivar a aprendizagem da teoria no
ensino de Ciências. Esta experiência de natureza qualitativa buscou investigar uma possível
proposta para implementar a metodologia PBL no ensino de física para cursos de engenharia.
Os resultados mostram que, apesar de diferentes contextos, as turmas reagiram positivamente
a PBL, desde que alguns aspectos sejam redimensionados e que não deve ser utilizado como
única ferramenta pedagógica, mas uma complementação no processo complexo do ensinoaprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE: PBL. Ensino de Ciências. Metodologia.
1. INTRODUÇÃO:
As seqüentes e aceleradas transformações
que acontecem no campo da tecnologia e da
informação geram uma mutação constante no
conhecimento humano. Acompanhamos nas
últimas décadas mudanças significativas na
maneira que nos comunicamos, acessamos
informações e observamos o mundo. A educação, que é uma atividade crucial à humanidade através das épocas, está fortemente atrelada a estas mudanças, pois é responsável
pela criação, disseminação e construção das
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
alterações que refletem a sociedade
(BOTOMÉ,1994).
Dentre as várias áreas do conhecimento
que são afetadas por este ritmo frenético de
descobertas, destaca-se a área das ciências,
1
Mestre em Física – Universidade Federal da Bahia. Professor da Faculdade Metropolitana de Camaçari. E-mail:
[email protected].
2
Mestre em Ciências dos Materiais – Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares IPEN/USP, Professor da Faculdade Metropolitana de Camaçari. E-mail:
[email protected]
8
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
já que esta é o pilar estrutural para a construção de tecnologias e vive cada vez mais alteração gradativa. Assim, este fenômeno produz inovações no conhecimento científico, que
afetam o ensino de ciências, em particular o
ensino de física.
Estas inovações estimulam as universidades e faculdades a produzirem a pesquisas
voltadas ao levantamento de perfis profissionais desejáveis junto a empregadores e especialistas, construindo atributos que ultrapassam os conhecimentos técnicos sólidos. Alguns atributos mais citados nessas pesquisas são: (a) conhecimentos: domínio dos princípios fundamentais da ciência e tecnologia,
conhecimentos em computação, impacto da
tecnologia no meio ambiente e nas pessoas,
etc.; (b) habilidades: comunicação e relação
interpessoal, desenvolvimento de projetos,
solução de problemas, síntese de soluções
refinadas a prática em uso, etc.; e (c) atitudes: ética, integridade e responsabilidade com
a sociedade, preocupação com o meio ambiente, motivação para o aprendizado contínuo
em suas carreiras etc.
Embora se reconheça a importância destes atributos, haja vista que no Brasil muitos
deles estão contemplados nas diretrizes
curriculares nacionais (BRASIL, 2008) a questão que se coloca para as faculdades e universidades de modo geral é: como incorporar
um corpo crescente de conhecimentos e
como desenvolver habilidades e atitudes necessárias a boa atuação profissional sem sobrecarregar os currículos ou estender os cursos?
Com base na máxima construtivista, segundo a qual o aprendiz, através de um ativo
envolvimento, é o construtor, o arquiteto do
seu próprio conhecimento (CAVALCANTE,
2000), a Aprendizagem Baseada em Proble-
mas (PBL) é, essencialmente, um método de
aprendizado a partir de experiências sócioculturais e acadêmicas acumuladas ao longo
da sua vida. Nesta perspectiva, entende-se ser
o estudante o construtor da sua aprendizagem e o professor o mediador deste processo.
Logo, este método da PBL, tem por objetivo envolver o estudante nos programas de
Iniciação de Pesquisa, auxiliando-o na construção do conhecimento de forma sistematizada e apoiado nos princípios epistemo-lógicos, científicos e técnicos. Este caminho, utilizado como modelo, torna o ensino das ciências físicas e exatas mais próximos do sujeito
da aprendizagem; e possui todo meu aporte
motivacional para o ensino desta ciência.
PROBLEM-BASED LEARNING ( PBL)
O ensino baseado em PBL, surgiu na década de 60 na Faculdade de Medicina da Universidade de McMaster no Canadá (Boud &
Feletti, 1997). Esta metodologia não demorou
a propagar-se por todas as Faculdades de
Medicina, pois conseguia desenvolver um
conjunto de competências que extrapolava a
mera aquisição de conhecimentos conceituais.
De fato, a PBL proporcionou não só a compreensão dos princípios científicos que se
encontram subjacentes ao problema (Dochy
et al 2003), mas também ao desenvolvimento
integrado de competências e habilidades. O
primeiro, por desenvolver desde o conhecimento substantivo e processual, do raciocínio e a comunicação, o segundo, por construir competências gerais relacionadas à tomada de decisão, à resolução de problemas,
aprender a aprender, pesquisa e utilização de
informação, autonomia e criatividade.
A PBL é uma metodologia educacional
“centrada no estudante”. Entende-se que as
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oportunidades devam ser relevantes aos estudantes e que seus objetivos sejam, ao menos parcialmente, determinados pelos próprios estudantes (UCI, 2000). Este delegar de
autoridade com responsabilidade sobre a
aprendizagem, prepara-os para se tornarem
aprendizes por toda a vida (Barrows, 2001).
Ainda que eles sejam, em última análise, sempre responsáveis pela aprendizagem independentemente do método de ensino adotado, já
que nada ou ninguém pode forçá-los a aprender quando eles mesmos não empreendem
esforços no processo de aprendizagem (Tardif,
2002).
É fundamental que na abordagem PBL, a
responsabilidade pela aprendizagem seja explicitamente delegada. Ou melhor, assumir
responsabilidade pela própria aprendizagem.
Em um ambiente educacional PBL, implica
no cumprimento das seguintes tarefas
(Woods, 2001):
• Exploração do problema, levantamento
de hipóteses, identificação de questões
de aprendizagem e elaboração das mesmas;
• Tentativa de solução do problema com
o que sabem, observando a pertinência
de seu conhecimento atual;
• Identificação do que não sabem e do que
precisam saber para solucionar o problema;
• Priorização das questões de aprendizagem, estabelecimento de metas e objetivos de aprendizagem, alocação de recursos de modo a saberem o que, quando e quanto é esperado deles;
• Planejamento e delegação de responsabilidade para o estudo autônomo da
equipe;
• Compartilhamento eficaz do novo conhecimento de forma que todos os memVolume 05 – Número 01 – Ano 2008
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bros aprendam os conhecimentos
pesquisados pela equipe;
· Aplicação do conhecimento na solução
do problema;
· Avaliação do novo conhecimento, da
solução do problema e da eficácia do
processo utilizado e reflexão sobre o processo.
As mudanças que a implementação de um
ensino orientado para a PBL exige nas concepções e práticas dos professores, enormes
obstáculos à sua implementação. Isto se deve
às dificuldades na quebra de paradigmas na
atuação dos docentes em relação a
metodologias largamente utilizadas no ensino de ciências, derivadas de um
tradicionalismo de exemplos extraídos de literaturas e experimentos laboratoriais
purame nte objetivados em ilustrar conceitos
básicos envolvidos.
O PROCESSO PBL
Originalmente, a PBL é implementada em
todo o curso e orienta por um conjunto de
problemas que formam a espinha dorsal de
seu currículo. Porém, existem relatos de aplicação bem sucedida da PBL como uma estratégia educacional parcial, isto é, em disciplinas isoladas dentro de um currículo convencional (WILKERSON; GIJSELAERS, 1996)
ou mesmo em partes de disciplinas (STEPIEN;
GALLAGHER, 1998), referência a qual
aportamos para o desenvolvimento do nosso
estudo.
As diferentes implementações da PBL têm
em comum um processo que pode ser resumido no seguinte conjunto de atividades
(DUCH, 2000; BARROWS, 2001): (1) apresenta-se um problema aos alunos que, em grupos organizam suas idéias, tentam defini-lo e
solucioná-lo com o conhecimento que já pos-
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suem; (2) por meio de discussão, os alunos
levantam e anotam questões de aprendizagem
(learning issues) acerca dos aspectos do problema que não compreendem; (3) os alunos
priorizam as questões de aprendizagem levantadas e planejam quando, como, onde e por
quem estas questões serão investigadas para
serem posteriormente partilhadas com o grupo; (4) quando os alunos se reencontram,
exploram as questões de aprendizagem anteriores, integrando seus novos conhecimentos ao contexto do problema; e (5) depois de
terminado o trabalho com o problema, os alunos avaliam o processo, a si mesmos e seus
pares de modo a desenvolverem habilidades
de auto-avaliação e avaliação construtiva de
colegas, imprescindíveis para uma aprendizagem autônoma eficaz.
Considerando a formação de estudantes e
pesquisadores, o uso de metodologias como
a PBL só teria a acrescer, posto que seu processo se assemelha muito ao método científico. Suas fases de definição e análise do problema, levantamento de hipóteses, busca de
fundamentação teórica e aplicação desta na
sua solução, trocam de informações, apresentação de resultados, síntese dos conhecimentos adquiridos etc. pode contribuir tanto para
o domínio dos conceitos da área de conhecimento do estudante e do pesquisador, quanto para o aprimoramento de habilidades necessárias à sua atuação como tal, uma vez
que a pesquisa científica envolve muitas atividades que requerem habilidades comunicativas e interpessoais (KAUFMAN; MANN, 2001).
EXPERIÊNCIAS COM A PBL
OBJETIVOS EDUCACIONAIS NA PBL
É importante ressaltar que, nesta abordagem apesar de técnicas de solução de problemas serem fundamentais, a PBL não se
resume nelas. Nesta metodologia, o conhecimento construído na busca da solução dos
problemas e as habilidades e atitudes desenvolvidas neste processo são mais relevantes
que a solução per si. Barrows (1996) identifica alguns objetivos educacionais da PBL
para o ensino de medicina aplicáveis ao ensino de outras áreas de conhecimento: (a) a
aquisição de uma base de conhecimento integrada; (b) a aquisição de uma base de conhecimento estruturada ao redor de problemas reais encontrados no campo de atuação do profissional em questão; (c) a aquisição de uma base de conhecimento vinculada a processos de solução destes problemas
e o desenvolvimento de um processo eficaz
e eficiente de solução de problemas; e (d) o
desenvolvimento de habilidades de aprendizagem autônoma eficaz e de habilidades de
trabalho em grupo.
No ambiente do espaço institucional da
FAMEC foram realizadas pelos autores experiências de ensino utilizando a ferramenta da
PBL como uma metodologia complementar no
transcorrer de disciplinas da Física ministrada
nos cursos de Engenharia no período de 2006
a 2007.
Portanto, partindo da demanda existente
na relação entre a teoria e prática da disciplina
Física Geral e Experimental III – Fundamentos
de Eletricidade e Magnetismo, foram desenvolvidas como complementos à disciplina, atividades que envolveram exploração do tópico Magnetismo em que os estudantes foram
impelidos à pesquisa bibliográfica e construção, inicialmente, de um dispositivo que envolvesse o estudo de Indução Eletromagnética. Em princípio, foi identificado pelos estudantes, que a construção de um transformador atenderia às necessidades do estudo proposto. Na construção foram identificados
como entraves o projeto, os materiais a serem utilizados que minimizassem a dissipaVolume 05 – Número 01 – Ano 2008
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ção de energia por efeito Joule, dimensionamento e alinhamento das espiras e escolha
do diâmetro dos fios. O fato de trabalharem
em equipes suscitou a necessidade de planejamento através da delegação de responsabilidade aos componentes da equipe, desde a
pesquisa, tempo de execução e concepção do
trabalho.
As vantagens apontadas pelos estudantes
foram atribuídas principalmente ao fato de esta
metodologia de ensino ser motivadora, tornar
a aula dinâmica e estimular o desenvolvimento de habilidades interpessoais e de pesquisa, como colocam : “A aula torna-se mais dinâmica e assim é mais facilmente entendida;
os alunos aprendem a buscar o conhecimento e [...] a trabalhar em grupo (o que é mais
complicado e importante de ser treinado)” e
“A vantagem é de não ter o conhecimento
pronto para ser digerido, mas ter que buscálo e a troca de conhecimentos foi muito
satisfatória” Outras vantagens elencadas foram a possibilidade de “Aprender a [...] solucionar um problema na prática” e “A integração
de conhecimentos e de diferentes visões que
cada um passou a ter sobre o tema”.
Para os Motores Síncronos, os estudantes
dividiram-se em equipes onde cada equipe a
partir de pesquisas realizadas, identificaram
diversas formas de implementar a montagem
dos motores. Algumas equipes construíram
motores que envolviam ciclos completos ou
meio-ciclos para o seu funcionamento. Os
obstáculos encontrados estiveram concentrados na obtenção do material para a pesquisa
bibliográfica, que não amplamente divulgada
na literatura atual, na montagem e na engenharia para obtenção dos motores em si.
RESULTADOS E CONCLUSÕES
Considerando que o pleito dos estudantes
estava fundamentado na dificuldade de conheVolume 05 – Número 01 – Ano 2008
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cimento conceitual quando aplicado ao raciocínio lógico e experimental no ensino do
eletromagnetismo; a aplicação da PBL trouxe
a contemplação de maior qualidade e melhor
entendimento dos conceitos envolvidos. Isto
ficou evidente nas intervenções efetuadas
pelos estudantes sobre os defeitos que foram
apresentados em alguns protótipos montados
pelas equipes.
A maturidade acadêmica adquirida veio de
encontro ao tripé ensino, pesquisa e extensão, alicerce do ensino de graduação nas diversas áreas do conhecimento. Além disso,
os estudantes que fizeram par te desta
metodologia obtiveram rendimento destacado quando comparados a estudantes que não
foram submetidos ao método. Esta evidência
foi bastante observada, quando os estudantes foram bastante elogiados, pela primeira vez
desde a fundação do curso de Engenharia de
Controle e Automação, pelo desempenho obtido no ciclo profissional nas disciplinas interligadas conceitualmente à Física Geral e Experimental III, já que os discentes tinham uma
grande facilidade de realizar a conexão teoriaprática.
Contudo, é importante deixar claro que a
formação de estudantes e pesquisadores em
quaisquer campos de conhecimento é reconhecidamente um processo complexo, portanto, não é desejo simplificá-la ou considerar as experiências aqui relatadas suficientes
para esta finalidade. Ao contrário, este trabalho tem a intenção de mostrar caminhos alternativos para a prática pedagógica, tentando
contribuir com outros enfoques para o aprimoramento do ensino.
Finalmente, fica a alerta aos docentes quanto à percepção se o pleito dos estudantes é
legitimo ou apenas para angariar números em
disciplinas.
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
REFERÊNCIAS
BOTOMÉ, S.P. Contemporaneidade, ciência,
educação e ... verbalismo! Erechim: Editora
da URI, 1994.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura.
Diretrizes curriculares nacionais para os cursos de engenharia. Disponível em: <http://
www.mec.gov.br>. Acesso em: 03
dez. 2008
CAVALCANTE, J.F. Educação Superior: conceitos, definições e classificações. Brasília:
MEC/INEP,2000.
DOCHY,F. ; SEGERS, M.: VAN DEN BOSSCHE,
P.; GIJBELS,D. Effects of problem-basec
learning, a meta-analysis. Learning and
Instruction, v.3, p. 533-568, 2003.
BARROWS,H.S. A taxonomy of problem-based
learning methods. Medical Education, v.20,
p. 481-486, 1986.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
WILKERSON, L.; GIJSELAERS, W. H. Bringing
Problem- based Learning to higher education.
San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1996.
p.23-32.
KAUFMAN, D. M.; MANN, K. V. I don’t want to
be a groupie. In: SCHWARTZ, P.; MENNIN, S.;
WEBB, G. (Ed.). Problem-based Learning: case
studies, experience and practice. Londres:
Kogan Page, 2001. p.142-150.
BOUD, D.; FELETTI,G. The challenge of
problem-based-learning. Londres: Kogan
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UCI, What is PBL? Disponível em: University of
California-Irvine Web Site, http://www.pbl.uci.
edu/whatispbl.html, acesso em 20 set. 2008.
DUCH, B. J. Wath is Problem-based Learning?
Disponível em: \http://www.udel.edu/pbl/cte/jan95/what.html. Acesso em 26 set. 2008.
WOODS,D.R. Problem-based learning: how to
get teh most out of PBL. Disponível em: <http:/
/biology.iupui.edu/Biology> acesso: 15 de set.
2008.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
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Carteiras de Investimentos com o Método de EltonGruber em Períodos de Instabilidade Econômica no Brasil
Utilan da Silva Ramos Coroa1, Tatiana
Gargur dos Santos2
RESUMO
A essência da administração do risco está em maximizar as áreas onde temos certo controle
sobre o resultado, enquanto minimizamos as áreas onde não temos absolutamente nenhum
controle sobre a conseqüência e onde o vínculo entre efeito e causa está oculto à nossa
percepção. Essa nova visão foi ampliada a partir do trabalho de Markowitz (1952), que buscava
através da diversificação, reduzir o risco de uma carteira de investimento. Outros autores como
Sharpe (1963), Treynor (1965), Elton e Gruber (1977) vêm contribuindo de forma significativa
para a eficiência e prática desta técnica através dos seus métodos e/ou índices. O desenvolvimento
econômico proporcionado pelo mercado de capitais é evidente em países desenvolvidos e/ou
em ambientes macroeconômicos estáveis. E o que ocorre em países com constante instabilidade?
Este trabalho tem como objetivo analisar a rentabilidade e o risco do modelo de seleção da
carteira ótima de Elton-Gruber em ambientes macroeconômicos instáveis, com sucessivos planos
econômicos, no período de 1986 a 1995, especificamente no Brasil. Procurou mostrar que,
apesar da instabilidade, investimentos em ativos de renda variáveis são viáveis a longo prazo,
ou seja, pode-se auferir lucros acima da média do mercado aplicando em ações. Nos resultados
encontrados das carteiras ótimas sob a metodologia de Elton-Gruber, comparado com o Ibovespa,
observou-se que as carteiras construídas possuem desempenhos passados superiores, com
menor risco, medidos pelos índices de Sharpe e de Treynor. Contudo, quando postos à prova
através de investimentos futuros, as carteiras só superam o índice quando o mercado de capitais
oferece baixa rentabilidade.
PALAVRAS-CHAVE: modelo Elton-Gruber; retorno; risco; ações.
1
2
Doutorando em Difusão do Conhecimento / FACED-UFBA e Mestre em Administração / FEA-UFBA.
E-mail: [email protected]
Mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social / FVC.
E-mail: [email protected]
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
1. INTRODUÇÃO
Os mercados de capitais são fundamentais para o desenvolvimento econômico de um
país, por alocar poupança a recursos de investimentos, função que, ao ser desempenhada, fornece sinais importantes à formação dos
preços dos títulos, que devem refletir as informações existentes no sistema econômico a
qualquer tempo (FAMA, 1970).
Para ter sucesso no mercado acionário o
investidor deverá conhecer as características
desse mercado, os prazos e formas de aplicações, o risco e retorno do seu investimento
e uma maneira de análise de seu portfólio.
ações que são bastante arriscadas individualmente quando medidas por seus desvios-padrão e formar uma carteira completamente livre de risco.
Elton e Gruber (1995) desenvolveram um
modelo que possui como vantagens a facilidade dos cálculos na montagem das carteiras e também torna claros os motivos que levam uma ação a compor ou não uma carteira
eficiente. “Este método toma como parâmetro
o Modelo do Índice Único que representa o
mercado como um todo e os retornos esperados das ações serão relacionados com este
índice e não entre si.” (SANTOS; COROA;
MATSUMOTO, 2003).
O retorno de uma carteira de ativos é uma
média ponderada dos retornos dos ativos individuais. O peso aplicado a cada retorno
corresponde à fração do valor da carteira aplicada naquele ativo. A existência de risco significa que o investidor não pode mais associar um único número ou resultado ao investimento em qualquer ativo. O resultado precisa
ser descrito por um conjunto de valores e suas
probabilidades de ocorrência, ou seja, por
uma distribuição de freqüência ou de retornos. “Os dois atributos mais utilizados nas
distribuições dos retornos são a medida de
tendência central, chamada de retorno esperado, e uma medida de risco ou dispersão em
torno da média, chamada de desvio-padrão.”
(ELTON et. al., 2004, p. 62).
Constata-se ainda que as Bolsas de Valores possuem uma metodologia própria para
compor uma carteira teórica de ações que difere em alguns aspectos dos modelos tradicionais, possibilitando, assim, a utilização de
variadas técnicas de formação de portfólios.
O risco em uma carteira é mais complexo
do que uma média simples dos riscos dos
ativos individuais. Depende da possibilidade
de que os retornos dos ativos variem na mesma direção, ou de que os resultados de alguns ativos sejam bons em relação a outros.
O mercado de capitais e, principalmente, o
mercado de ações contribuem positivamente
para o desenvolvimento econômico de um
país, à medida que: incentiva a formação de
poupança interna, ao carregar recursos dos
poupadores e disponibilizá-los para uso de
investidores; fornece prêmios, via maximização
dos retornos, uso eficiente dos recursos e
momento correto da tomada de decisão, tor-
Para Brigham, Gapenski e Ehrhardt (2001,
p.185) é teoricamente possível combinar
O objetivo deste trabalho é analisar a rentabilidade e o risco do modelo de seleção da
carteira ótima de Elton-Gruber em ambientes
macroeconômicos instáveis com sucessivos
planos econômicos no período de 1986 a
1995. Procurará mostrar que, apesar da instabilidade, investimentos em ativos de renda
variáveis são viáveis a longo prazo.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
nando o próprio mercado cada vez mais eficiente e esse efeito é transmitido aos demais
setores da economia; e consolida um mercado de ações eficiente e desenvolvido, atraindo capital externo.
Esse desenvolvimento econômico, proporcionado pelo mercado de capitais, é evidente
em países desenvolvidos e em ambientes
macroeconômicos estáveis. Mas, conforme
procurará demonstrar este artigo, em momentos instáveis pode-se auferir lucros acima do
mercado, principalmente a longo prazo.
15
maior abertura do comércio exterior; redução
do papel do estado na economia; e busca do
equilíbrio orçamentário.
O país foi marcado neste triênio por elevada
taxa de inflação e forte contração da atividade
econômica. Apesar desse cenário desfavorável, destaca-se a ação do governo no sentido
de realizar mudanças estruturais na economia
brasileira com o objetivo de maior abertura externa e redefinição do papel do Estado na economia, cuja principal diretriz foi a desestatização,
que teve continuidade nos governos que se
seguiram (FURTADO, 2000, p.227).
2.1 Período 1986-89
2.3 Período de transição e o Plano Real
Os planos Cruzado, Bresser e Verão, apesar da ênfase da política econômica, não produziram mais do que um controle temporário
da inflação, uma vez que não foram solucionados quaisquer dos conflitos distributivos de
renda que poderiam ser considerados focos
de pressão inflacionária a médio prazo
(ABREU,1992, p.382). Não se buscou reduzir
as transferências de cursos reais para o exterior. O desequilíbrio das contas do governo
se agravou. A política monetária não produziu efeito satisfatório. O setor empresarial passou a se defender de qualquer tipo de prejuízo, ou de ameaças de prejuízos oriundos dos
preços em relação dos custos. E os trabalhadores demonstraram sua insatisfação quanto
ao poder de compra dos salários. Desta forma, restou apenas aos dirigentes do país promover desindexação e, em seguida, tentar
administrar as altas taxas de inflação.
2.2 Período 1990-92
No período 1990-92, o Brasil foi governado pelo presidente Fernando Collor, que teve
um cenário econômico marcado por: dois planos de estabilização econômica; inflação persistente; retração das atividades econômicas;
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
O Vice-Presidente da República Itamar Franco, assumiu o cargo de Presidente com a renúncia de Fernando Collor, exercendo o mandato de outubro de 1992 a dezembro de 94,
quando ocorreu a posse do novo Presidente
eleito Fernando Henrique Cardoso.
A economia do período de transição encontrava-se em recuperação. Houve aumento da captação de recursos externos, através
da emissão de bônus, notas e commercial
papers, iniciada em 1991; aumento do fluxo
de entrada de capitais estrangeiros; crescimento da massa salarial em decorrência mais
do aumento da oferta de empregos do que
do valor dos salários reais; e aumento da receita de exportação.
O governo Itamar Franco foi marcado pelos seguintes fatos: queda brusca da inflação;
progressiva melhora das contas públicas em
decorrência da queda dos juros, cortes de
despesas e alongamento da dívida pública federal com emissão de novos títulos de prazo
mais longo; aumento da credibilidade do país
no exterior; e prosseguimento do processo de
abertura da economia;
16
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
O programa de estabilização econômica,
que ficou conhecido como Plano Real, foi executado em três fases:
Primeira fase: Início em março de 1994 com
a aprovação do fundo social de emergência,
teve por finalidade estabelecer o equilíbrio orçamentário, mediante o aumento de impostos e cortes de gastos públicos;
Segunda fase: Criação da unidade de referência de valor (URV), que substituiu a UFIR e
serviu de padrão de valor monetário;
Terceira fase: Em 1º de julho de 1994, ocorreu a reforma monetária adotando o real como
moeda corrente.
Para Markowitz (1952), de acordo com
seus estudos, estratégias de diversificação
“simples”, ou seja, aquelas que realizam a divisão do capital em partes iguais entre os ativos escolhidos, são suficientes para se obter
uma significativa redução do risco do portfolio.
Porém, de acordo Elton e Gruber (1977, p.
417), investimentos utilizando pesos iguais
são válidos apenas quando o investidor não
possui qualquer informação sobre as médias, variâncias e covariâncias dos retornos futuros dos ativos.
Não há um modelo ideal - um fim da história - há sim um caminho aberto para novas
pesquisas e inovações a favor da dinâmica,
da eficiência do mercado de capitais (COROA;
SANTOS; MATSUMOTO, 2003).
2.4 Administração de Carteiras
2.5 Contribuição de Sharpe
A administração de carteira, como toda ciência financeira, busca novas formas de
maximizar os recursos (retornos) e minimizar
os custos (riscos).
O risco em Finanças é dividido em
diversificável que está relacionado com o ativo ou negócio e o não diversificável ou de
mercado que é exógeno ao ativo ou negócio.
Para um investidor com visão generalista,
um modo mais eficiente de obter redução dos
riscos é através da aplicação da carteira de
ativos.
Figura 1: A redução do risco pela diversificação
William Sharpe elaborou na década de 60
um modelo simplificado para avaliação de fundos de investimento, ao qual denominou Modelo Diagonal ou Modelo do Índice Único. Ele
expressa a relação retorno/risco e informa se
o fundo oferece rentabilidade com o risco a
que o investidor está exposto.
Para que o índice seja confiável é necessário que tenha sido apurado de acordo com os
critérios seguintes:
• É necessário que, para o cálculo, seja
considerado um mínimo de 24 dados.
Quanto maior o período mais confiável
o índice;
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
• O indexador escolhido como livre de risco tem que ter relação com o segmento
a que pertence o fundo. A escolha de
um Risk Free que não tenha relação com
o objetivo de rentabilidade do fundo
pode distorcer a informação;
• Não se deve utilizar o índice para análise de todo e qualquer tipo de fundo.
Deve-se utilizá-lo para medição de desempenho de fundos que contenham
riscos;
O índice de Sharpe, como já foi dito, indica a
relação retorno/risco e sua interpretação configura o seguinte:
• Quanto maior o índice, melhor;
• O numerador é uma informação de rentabilidade real média;
• O denominador é o indicador de risco.
2.6 O Índice Bovespa
O Índice Bovespa é o mais importante indicador do desempenho médio das cotações
do mercado de ações brasileiro, porque retrata o comportamento dos principais papéis
negociados na Bovespa.
Podemos descrever o Ibovespa como o
somatório dos pesos das ações integrantes
de sua carteira teórica formado pela quantidade teórica de cada ação multiplicado pelo
último preço da mesma, conforme fórmula
abaixo:
Onde:
IbovespaT= Índice Bovespa no momento T;
n = número total de ações componentes da
carteira;
QT= último preço da ação no momento T;
QT= quantidade teórica da ação no momento T.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
17
Cada índice tem um critério diferenciado
para ser composto. Segundo Assaf (2001), o
índice da Bolsa de Valores de São Paulo considera, em sua carteira teórica, somente ações
com maior grau de negociabilidade. Além disso, para ser incluída na carteira teórica do
Ibovespa, é necessário que a ação tenha boa
participação em termos de volume. As ações
selecionadas devem representar 80% do volume negociado no mercado a vista nos últimos 12 meses e apresentar, ainda, um mínimo de 80% de presença nos pregões da bolsa no mesmo período.
Esta fórmula,
,
é utilizada para calcular o Índice de Negociabilidade para cada uma das ações nela negociadas nos últimos doze meses, onde:
n = número de negócios com a ação, realizados no mercado a vista, nos últimos 12 meses;
N = número de negócios total do mercado a
vista dos últimos 12 meses;
v = valor em moeda corrente movimentado com
a ação no mercado a vista nos últimos 12 meses;
V = valor em moeda corrente total do mercado
a vista nos últimos 12 meses.
Esses índices são listados em ordem decrescente. Em seguida, calcula-se a participação em percentuais de cada índice do
somatório desses, listando-se as ações até
que o montante das participações atinja 80%.
As ações assim selecionadas irão compor a
carteira do índice, desde que atendam aos
outros dois critérios citados anteriormente.
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
18
Dentre outras funções, o Ibovespa serve
de indicador de tendência do desempenho da
economia, como instrumento de suporte para
a gerência de investimentos e como instrumento de negociação em mercados futuros.
Onde: βp = beta da carteira;
wi = fração da carteira investida na ação i;
βi = coeficiente beta da ação i.
2.7 O Coeficiente Beta
2.8 Contribuição de Treynor
O Coeficiente Beta, simbolizado pela letra
grega â, mede a sensibilidade da taxa de retorno de uma ação em relação ao movimento
do mercado. Segundo Brigham (2001, p.
194), o beta mede a volatilidade de uma ação
com relação a uma ação média, que tem por
definição β = 1,0.
Uma ação ou carteira de ações com β= 1
subirá ou cairá de acordo com as médias do
mercado. Ações ou carteiras com beta acima
de 1 são mais arriscadas que a média do mercado, ou seja, tendem a subir ou cair mais do
que o mercado. Caso uma ação ou carteira
tenha β = 0,5, terá somente metade da
volatilidade do mercado ou seja, metade do
risco.
O beta de uma ação depende de sua correlação com o mercado de ações e de sua própria variabilidade em relação à variabilidade do
mercado. Desta forma, o beta pode ser definido pela seguinte equação matemática:
O Índice de Treynor, assim como o de
Sharpe, mede o desempenho de carteiras de
títulos (ex-post) com a diferença de que, em
vez de usar como medida de risco o desviopadrão, usa o coeficiente Beta. Ela é uma
medida de excesso de retorno em relação ao
beta. Quanto mais alto o seu valor melhor é o
portfolio. O risco de ativos individuais ou de
um pequeno grupo de ativos pode ser definido pelo seu co-movimento com o mercado
(Beta). Sendo assim, este índice se torna útil
quando a carteira do investidor é uma das
muitas carteiras incluídas num grande fundo.
Segundo Assaf (2001, p. 327), podem ser
encontrados resultados diferentes no desempenho de uma carteira quando avaliada pelo
índice de Sharpe e pelo índice de Treynor. O
índice de Treynor relaciona o prêmio unicamente com a medida de risco sistemático (coeficiente beta), enquanto o índice de Sharpe
adota o desvio-padrão (risco total: sistemático e diversificável) como medida de risco.
2.9 Contribuição de Elton e Gruber
Onde: cov (Re, Rm) = covariância entre os retornos do ativo e o retorno de mercado;
= variância dos retornos do mercado.
Uma outra observação realizada por Brigham
(2001, p. 195) é que uma carteira formada por
títulos de baixo beta terá ela mesma um baixo
beta, pois o beta de uma carteira é a média
ponderada dos betas dos títulos individuais:
Os professores Edwin Elton e Mar tin
Gruber desenvolveram um modelo para montagem de carteiras ótimas que, além de ter
uma metodologia de cálculo simples, demonstra o porque de uma ação pertencer a uma
carteira ótima.
Esse modelo utilizará as seguintes variáveis para um determinado período de tempo:
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• Retorno esperado de cada ação – Ri ;
• Beta de cada ação - βi ;
• Retorno do título de renda fixa sem risco
- RF ;
• Risco diversificável de cada ação - σei ;
• Risco da carteira de mercado - σM.
A metodologia segue 3 fases que são descritas abaixo.
1ª fase. Deve-se calcular o retorno esperado por ação em percentuais ( Ri), seus respectivos retornos excessivos ( Ri – RF ) também em percentuais, betas (βi ) e o índice de
atratividade ( Ri – RF ) / βi , que nada mais é do
que o retorno excessivo dividido pelo beta de
cada ação.
Nesta representação do Índice de Atratividade (IA), está implícito que o investidor não
pode esperar ser remunerado no seu investimento por assumir o denominado risco
diversificável (σei) isto porque esse risco poderá ser eliminado por um processo de diversificação eficiente. Portanto, o investidor só
pode exigir uma remuneração adicional sobre
a rentabilidade do título de renda fixa sem risco em virtude daquele risco que ele é sempre
obrigado a correr (o risco não diversificável
ou sistemático) se ele optar por investir em
ativos com risco (de retorno incerto). Se as
ações forem classificadas de acordo com esse
IA, sua atratividade estará definida, uma vez
que quanto maior esse índice para a ação maior
a rentabilidade excedente esperada por unidade e risco sistemático. (TOSTA DE SÁ,
1999, p. 103).
2ª fase. Nesta fase, deve-se listar em ordem decrescente do índice de atratividade todos os dados calculados anteriormente por
ação. Logo após, calcula-se o ponto de corte
(C*) com o objetivo de selecionar as ações
que vão compor a carteira ótima. As ações
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
19
que possuírem Índices de Atratividades superiores aos pontos de corte comporão a carteira, ao contrário, deverão ser descartadas.
Segundo Elton e Gruber (1995, p. 184) o
valor de C* é computado a partir das características de todas as ações que pertencerão ao
portfolio ótimo. Para determinar C* é necessário calcular seus valores como se houvesse diferentes números de ações no portfolio
ótimo.
A fórmula do ponto de corte é a seguinte:
3ª fase. Calcula-se o percentual dos recursos disponíveis que devem ser investidos em
cada ação selecionada anteriormente do
portfolio ótimo, utilizando a seguinte fórmula:
Onde: X1= percentual a ser investido em
cada ação; e
.
Após estas três etapas, conclui-se o processo de formação da carteira ótima de Elton-Gruber.
3. METODOLOGIA E ANÁLISE DOS
RESULTADOS
3.1 População e Amostra
Para compor a carteira ótima de acordo
com a teoria de Elton-Gruber apresentada
anteriormente, foram coletados preços de fechamento mensais dos anos de 1986, 1987,
20
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
1989, 1990 e de 1993 a 1995, que correspondem respectivamente a períodos dos planos econômicos: Cruzado, Bresser, Verão,
Collor e Real. Em cada intervalo de tempo
houve seleção de amostras de ações que tiveram, como critério, o fato de estarem com
presença acima de 95% em negociações na
Bolsa de Valores de São Paulo. De 539 ações
registradas na Bovespa, em 1986, de acordo
com o critério de presença, foram selecionadas 82 ações, em 87 foram 84, em 1989 a
amostra foi de 93 ações, 1990 foram 40 ações
e no período entre 93 e 95 foram extraídas 46
ações.
do pela variância na maior parte dos períodos
analisados, se compararmos à poupança, à taxa
Selic e ao CDI.
Para o cálculo do risco da carteira de mercado (σM), foi efetuado levantamento dos retornos do Índice Bovespa (Ibovespa) como
representativo do mercado de capitais brasileiro. A tabela 1 a seguir exibe os retornos e
as variâncias calculados por período.
Tabela 1: Retornos e Variâncias do Ibovespa
3.2 Cotações, Retornos e Riscos
As cotações das ações utilizadas são dos
últimos dias úteis do mês (fechamento), estão em reais ajustadas por proventos, incluindo dividendos, e foram extraídas do sistema
de informações Economática® .
Após a extração das cotações calcularamse as taxas de retorno mensais das referidas
ações (Ri), suas respectivas médias anuais
(Ri), riscos total (σi2) e diversificável (σei2) de
cada ação medidos pela variância.
O ativo de renda fixa sem risco utilizado para
compor o modelo foi a TR acumulada (ex-ORTNOTN-BTN) que teve 1,85% de retorno em 86, e
nos anos de 1987, 1989, 1990 e 1993-1995,
teve respectivamente os seguintes retornos,
13,93%, 24,98%, 22,53% e 19,40%, também
extraídos do sistema Economática®. A TR foi
escolhida como ativo de renda fixa sem risco
neste modelo por possuir menor risco calcula-
Os betas de cada ação para os períodos
citados também foram extraídos do mesmo
banco de dados.
3.3 Teste de Normalidade e Análise de
Regressão
Antes da elaboração das carteiras de ações,
os retornos e os riscos anuais das ações da
amostra foram tabulados e avaliados.
Inicialmente calculou-se o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov, por período para
verificação da distribuição dos dados. Este
teste foi executado no programa MINITAB®
versão 14.12.0. O resultado está exposto na
tabela 2 a seguir:
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
21
Tabela 2: Teste de normalidade por período dos retornos e riscos das ações
O teste mostra que todas as médias dos
retornos das ações, com exceção do período
93 a 95, possuem distribuição normal. As
médias dos riscos apresentaram distribuição
não normal por ter p-values menores que o
nível de significância (a) de 5% em todos os
períodos avaliados. Pode ser que a não normalidade dos retornos no período de 93 a 95
seja em função do fato de ter sido utilizado
período mais longo que os anteriores para a
análise. Este evento poderá ser avaliado em
estudos posteriores.
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Visando analisar a influencia do risco medido pela variância - sobre o retorno, utilizou-se a análise de regressão. Este teste mostrou-se ser adequado pelo fato da variável
dependente (retorno) ter apresentado distribuição normal na maior parte dos períodos.
Constata-se, através da análise de regressão, que os riscos totais (mercado +
diversificável) influenciam nos retornos das
ações, embora em graus diferenciados por
período.
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22
Conforme Figura 2 a seguir referente ao
ano de 1986, o resultado do R2 indica que
58,72% do retorno pode ser explicado pela
variação do risco. Ao mesmo tempo, a inclinação da reta exibe uma influência positiva
entre estas duas variáveis, o aumento do risco leva a um aumento do retorno da ação.
Figura 2: Regressão Linear entre Risco e
Retorno - 1986
3.4 A montagem da carteira eficiente de
ações de Elton-Gruber
Dois tipos de informações podem ser empregados na construção de portfolios ótimos:
informações passadas, onde se supõem ser
o futuro uma continuação do passado e informações futuras, que são construídas com
base na crença de um ou mais analistas sobre o comportamento futuro dos ativos analisados. (MARKOWITZ, apud BRUNI; FAMÁ,
1999).
Neste trabalho, os valores calculados para o período analisado foram assumidos como os valores
esperados para o período
imediatamente posterior.
Os resultados dos testes de regressões de
todos os períodos estão expostos na tabela a
seguir:
Tabela 3: análise cruzada entre risco e retorno das ações por período
r2
Período
Equação da reta
1986
y = 0.3165x + 0.0204
0.5872
1987
y = 0.0659Ln(x) + 0.2455
0.2546
1989
y = 0.2849x + 0.3016
0.1104
1990
y = 0.118Ln(x) + 0.3826
0.2997
1993 a 1995
y = 0.6726x + 0.1979
0.2367
Como este teste prova a existência, mesmo em graus distintos, da interferência do risco sobre o retorno, pode-se, através da elaboração de carteiras eficientes, selecionar
ações que resultem em menores riscos com
maiores retornos.
Em seguida, com o objetivo de melhor desenvolver o modelo de construção de carteira de EltonGruber inseriram-se os
dados na planilha eletrônica Microsoft Excel®,
e calculou-se o Índice de Atratividade (retorno excessivo dividido pelo beta) de cada ação
e por período.
Logo após, ordenou-se a tabela por ordem
decrescente do Índice de Atratividade com o
objetivo de calcular o ponto de corte (C*), ou
seja, o ponto que define as ações que deverão compor ou não a carteira ótima. Para que
uma ação possa fazer parte da carteira, deverá possuir um Índice de Atratividade superior
ao ponto de corte. As ações com Índices de
Atratividade inferiores a este ponto deverão
ser descartadas.
A tabela 4 a seguir expõe, após o cálculo
de C*, as ações que deverão compor a carteira ótima para o período de 1986.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
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23
Tabela 4: Cálculo do Ponto de Corte (C*)
1986
Das 82 ações selecionadas inicialmente do período de 1986, apenas 6 deverão compor a carteira ótima. A próxima etapa é definir o percentual de recursos de cada ação na carteira, conforme
a tabela 5.
Tabela 5: Cálculo do percentual de participação da ação na carteira (Xi)
1986
As carteiras dos anos seguintes formadas pelo mesmo método, assim como seus respectivos percentuais de participação, estão expostas na tabela 6 a seguir:
Tabela 6: Ações por carteira e percentual de participação
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
24
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
De acordo com os resultados obtidos, observa-se que o fator decisivo para definir a
participação na carteira é o risco diversificável,
próprio de cada ação. Ou seja, independente
do Índice de Atratividade - que expressa o retorno excessivo por beta - se uma determinada ação tiver um elevado risco sistêmico, terá
seu percentual de participação na carteira reduzido. É o que explica o fato da Electrolux PN
participar com 9,82% de recursos na carteira
possuindo o menor I.A. de 13,42, enquanto
o Bradesco PN, que possui 14,92 de I.A. representar apenas 3,29% de recursos na carteira de 86.
3.5 Análise dos resultados
Visando verificar se realmente os retornos
das ações que compõem a carteira ótima selecionada pelo método de Elton Gruber iria ter
desempenho diferenciado do Ibovespa, foi
calculado o Coeficiente de Correlação entre o
Ibovespa e carteira construída. Caso o coeficiente apontasse um valor muito próximo ou
igual a 1 (um) indicaria que não haveria oportunidade de ganhos entre uma ou outra escolha. Qualquer opção levaria a um resultado
semelhante para o investidor. Mas, o resultado mostrou que, depois de selecionadas as
ações da carteira, o Coeficiente de Correlação
entre as ações e o Ibovespa diminuiu, fato que
leva ao indício de que a escolha por uma carteira de ações poderá ser mais vantajosa que
a opção por um Índice de ações conforme
dados na tabela a seguir:
Após finalizada a construção da carteira
eficiente, comparamos os resultados obtidos
com o desempenho da carteira teórica da
Bovespa. Os dados do Ibovespa foram extraídos do sistema Economática® no mesmo
período em análise. Foram utilizados cinco
critérios de comparação entre o portfolio e o
mercado.
Primeiramente calculamos os retornos esperados do portfolio e do Ibovespa. O retorno esperado da carteira pode ser calculado
pela soma das médias dos retornos de cada
ação ponderados pelos respectivos
percentuais de participação, conforme segue:
Onde Rp é o retorno esperado da carteira
construída.
Da mesma forma que o retorno, o beta da
carteira pode ser obtido calculando-se a média ponderada dos betas de cada ação pelo
seu percentual de participação. Já o beta do
mercado é 1.
Quanto ao risco total da carteira medido
pela variância, pode ser obtido pela fórmula:
Tabela 7: Coeficiente de Correlação entre o retorno do Ibovespa e a média dos
retornos as ações da amostra e Coeficiente de Correlação entre o retorno do Ibovespa
e Ações da carteira de Elton Gruber
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A primeira parcela da equação anterior,
, representa a variabilidade do retorno da carteira em relação à carteira de mercado. Já a segunda etapa da equação,
, associa o
percentual de participação da ação que compõe a carteira à variabilidade do risco não
sistêmico.
Os retornos, os riscos e os betas de cada
carteira se encontram na tabela 8 abaixo:
Tabela 8: Retornos, riscos e betas por carteira ótima
Ao compararmos com a tabela 1, percebemos que os novos portfolios superam em rendimento a carteira de mercado em todos os
períodos.
Com exceção do período de 1993 a 1995,
todos os outros anos tiveram betas inferiores
ao de mercado, que é 1.
Apesar das rentabilidades das carteiras
superarem em todos os períodos as rentabilidades da carteira de mercado, com o risco o
mesmo não ocorreu.
Outro critério de comparação utilizado foi
o Índice de Sharpe. Neste aspecto, as carteiras formadas pelo método de Elton-Gruber
superaram a do Ibovespa.
Pode-se também analisar o desempenho
das carteiras pelo Índice de Treynor. Da mesma forma que o I.Sharpe, o desempenho das
atuais carteiras são superiores à do mercado
conforme a tabela 9 abaixo:
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
25
Tabela 9: Índices de desempenho
Comparando os resultados das carteiras
ótimas sob a metodologia de Elton-Gruber,
com os desempenhos das car teiras da
Bovespa (Ibovespa) por período, observa-se
que as carteiras construídas possuem desempenhos superiores.
Partindo do pressuposto que rentabilidades passadas são bons parâmetros para ganhos futuros, se um investidor tivesse efetuado um investimento em 02/01/87 de U$1,000,
de acordo com os dados obtidos do ano de
1986, seguindo fielmente a proposta sugerida
pelo método de Elton-Gruber, e tivesse resgatado no dia 30 de setembro de 2002, teria
adquirido 124% sobre o investimento inicial,
ou seja, teria resgatado U$2,238.91. Se tivesse investido No Ibovespa teria tido apenas
30% de rentabilidade.
Se o mesmo investidor tivesse efetuado
investimento do mesmo valor em 02/01/88
com dados da carteira montada de 1987, teria obtido de ganho U$ 11.070,92 se resgatasse em 30 de setembro de 2002, o que equivale a 1.007% sobre o investimento inicial. E,
caso optasse por um investimento na carteira
de mercado, teria apenas 362% de retorno.
O mesmo não ocorreu com o ano de 1989.
Apesar de neste ano o mercado de capitais
ter proporcionado excelente rentabilidade expost desta car teira, a rentabilidade do
Ibovespa superou a rentabilidade da carteira
de Elton-Gruber. O Ibovespa rendeu 48% enquanto a carteira obteve 34% no período de
dezembro de 1989 a 30 de setembro de 2002.
26
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
No ano de 1990 ocorre o mesmo fenômeno. Conforme visto na tabela 4, apenas a ação
da Bombril PN deveria estar presente na carteira deste ano. O rendimento desta ação considerando a aplicação de U$1,000 com resgate em 30 de setembro de 2002 foi de 29%
enquanto neste mesmo período o Ibovespa
obteve 443%.
O período de 93 a 95 foi registrado por perdas em investimentos. Tanto o Ibovespa quanto a carteira ótima tiveram prejuízo mas, com
distintos valores. O portfolio perdeu apenas
30% enquanto o Ibovespa teve queda de 50%.
Se o mesmo investidor tivesse efetuado todas as aplicações após cada período coletado,
teria obtido de retorno U$13,641.34. Caso tivesse aplicado no índice de mercado teria tido
apenas U$8,327.58 em setembro de 2002.
4. Considerações finais
Este artigo objetivou comprovar que, nos
períodos analisados sob condições de fortes
incertezas ou instabilidades econômicas, investimentos em carteiras construídas sob a
metodologia Elton-Gruber teriam maiores rentabilidades, com menores riscos, do que investimentos na carteira teórica da Bovespa
(Ibovespa).
O modelo apresentado mostrou-se eficaz
para a formulação do portfolio ótimo, já que
conseguiu reduzir o risco não sistemático nos
períodos analisados. Através dos resultados
obtidos observou-se que, ações selecionadas
para compor a carteira que possuíam maiores riscos diversificáveis, participavam menos,
em termos percentuais, na composição da
carteira, como foi o caso do Bradesco PN, que
possuía alto retorno excessivo sobre o beta e,
no entanto, tinha a menor participação na carteira elaborada do ano de 1986.
O Índice Bovespa, conforme apresentado
anteriormente, representa o desempenho
médio das cotações do mercado de ações
brasileiro porque retrata o comportamento
dos principais papéis negociados na Bovespa.
Desta forma, ferramentas que procurem eliminar ações com alto risco diversificável, tenderá a superar a carteira de mercado, já que
esse critério não compõe o método de composição da carteira teórica da Bovespa. Apenas nos anos de 89 e 90 o Ibovespa foi superior à carteira ótima mas, na soma de todos
os investimentos feitos deste o início de 86
até dezembro de 95, o portfolio construído
pelo modelo Elton-Gruber superou o índice
em 63,8%.
Devido à sua simplicidade comparada ao
método de Markowitz, o modelo de EltonGruber se apresenta como uma ferramenta a
ser considerada para investidores e administradores de carteira de ações, tendo em vista
que indica as razões que levam um determinado ativo a pertencer ou não a uma carteira
ótima. A aplicação deste modelo, devido às
suas características, pode proporcionar retornos maiores que aplicações em índices de
bolsa a longo prazo, com menores riscos,
conforme sugerido neste estudo.
5. Referências
ABREU, Marcelo de Paiva (Org.). A Ordem do
Progresso: cem anos de política econômica
republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
ASSAF NETO, Alexandre. Mercado Financeiro. São Paulo: Atlas, 2001.
BRIGHAM, Eugene F.; GAPENSKI, Louis C.;
EHRHARDT, Michael C. Administração Financeira: teoria e prática. São Paulo: Atlas,
2001.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
BRUNI, A.; FAMÁ, R. Moderna teoria de
portfólios: é possível captar, na prática, os
benefícios decorrentes da sua utilização? Resenha BM&F, n° 128, p. 19-34, 1999.
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
28
Universidade Corporativa como uma Estratégia de
Renovação na Educação Organizacional
Ana Lucia Antunes Faria*
Eliaura Maria Brito Santos**
RESUMO
Este estudo apresenta um panorama teórico sobre a educação corporativa e sua efetivação
através da criação de Universidade Corporativa (UC). Discute os motivos de seu surgimento e
busca analisar seus fundamentos educacionais e características de propósitos. A metodologia
utilizada baseou-se na pesquisa bibliográfica. Como aspecto conclusivo destaca-se a importância
da Universidade Corporativa para o desenvolvimento de novas competências uma vez que se
constitui numa reestruturação do ambiente de aprendizagem nas organizações elevando a
educação a um valor estratégico. Recomenda-se, no entanto, que os princípios norteadores de
sua ação renovada não integrem uma visão instrumental da educação para o trabalho.
Palavras-chave: Universidade corporativa. Educação Organizacional. Gestão do conhecimento.
INTRODUÇÃO
Numa economia marcada pela incerteza, o
conhecimento é uma das principais vantagens
competitivas para garantir a permanência da
empresa no mercado. Ao criarem sistematicamente novos conhecimentos e rapidamente os incorporarem em novas tecnologias e
produtos, as organizações mais facilmente
atingem o sucesso. Tal agilidade é elemento
definidor de uma empresa criadora de conhecimento. Segundo Davenport (1998), cada vez
mais as empresas serão diferenciadas com
base naquilo que sabem. O conhecimento
pode propiciar uma vantagem sustentável, no
sentido de gerar retornos crescentes.
Para Meister (1999) o desafio das empresas no século XXI deve ser a criação de uma
infra-estrutura que garanta um aprendizado
contínuo, pois a sustentação da vantagem
competitiva se dará através do aprendizado
*
Coordenadora do curso de Administração da FAMEC.
[email protected]
**
Professora da FAMEC
[email protected]
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
permanente e de um excepcional desempenho das pessoas. O termo Educação
Corporativa surge como uma resposta a este
desafio e enfatiza o processo de desenvolvimento dos profissionais, para favorecer o alto
desempenho da organização. Com esse
enfoque de educação, as organizações buscam, de acordo com Eboli (2001, p.111): “[...]
energia geradora de sujeitos modernos, capazes de refletir de maneira crítica sobre a realidade da empresa, bem como de construíla e de modificá-la sempre que for preciso em
nome da competitividade e do sucesso.”
Para autores como Chiavanato (1999),
Dutra (2001), Eboli (2004), Gdikian e Silva
(2002), Meister (1999), Souza (2001), dentre
outros, a Educação Corporativa representa um
processo contínuo e abrangente que objetiva
transformar a empresa em uma organização
de aprendizagem. Propõe-se a deslocar o foco
de um evento único e presencial de treinamento e desenvolvimento para um processo de
ensino-aprendizagem, no qual as pessoas
possam compartilhar e disseminar o conhecimento no dia-a-dia das organizações.
Para Eboli (2004, p.54), as empresas devem “[...] criar um ambiente e uma cultura
empresarial cujos princípios e valores disseminados sejam propícios a processos de
aprendizagem ativa e contínua [...] e assim
despertem e estimulem nas pessoas a postura do autodesenvolvimento.” Acrescenta ainda essa autora:
[...] do ponto de vista do indivíduo, este precisa alcançar um patamar de maturidade e
autoconhecimento que lhe proporcione uma
conscientização e internalização do real sentido da aprendizagem e desenvolvimento contínuos, para garantir as competências humanas fundamentais ao sucesso da empresa
onde trabalha. (EBOLI, 2004, p.44).
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
29
Os propósitos da educação corporativa indicam para aspectos importantes a serem revistos nas empresas, no que se refere ao estímulo e ambiência para o desenvolvimento
humano. Acreditamos que são grandes os
desafios para a sua concretude, pois, mais do
que a modernização tecnológica das ferramentas de educação, envolve, prioritariamente, a
formação de uma verdadeira cultura empresarial de competência e resultado, o que supõe profundas mudanças não só na estrutura, nos sistemas, nas políticas e nas práticas
de gestão, como também, essencialmente, na
mentalidade organizacional e individual.
(EBOLI, 2004, p.38).
As Universidades Corporativas surgem
neste contexto, apoiando os novos
paradigmas vigentes na sociedade do conhecimento e assumem as diretrizes de aprendizagem organizacional que, aliado às
tecnologias busca proporcionar mudanças
individuais e comportamentais nas organizações.
EDUCACAO
Do ponto de vista da etimologia, o termo
educação, conforme Mariotti (1999, p.25):
“[...] vem do latim ex ducere, que significa
conduzir (ducere) para fora valores que já existem nas pessoas em forma de potencial.”
Subjaz a esta definição um movimento que
resgata o valor humano, através de um
“quefazer” educativo, como diz Paulo Freire.
No entanto, esta definição nem sempre esteve internalizada ao fazer educativo. Segundo
Charlot (1983, p.31): “A educação é, ao mesmo tempo, um processo cultural individual e
um fenômeno social.”
Na perspectiva filosófica, a educação é vista sob três vertentes. Alguns autores a entendem como responsável pela reprodução da
30
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
sociedade (educação como Reprodutora). Para
outros ela é responsável pela direção da sociedade, na medida em que é capaz de direcionar
a vida social para novos rumos (educação como
Redentora). Há autores que a vêem ainda como
uma instância mediadora de uma forma de entender e viver a sociedade (educação como
transformação) (LUCKESI, 1994).
Os autores que interpretam a educação
como reprodutora defendem que ela faz parte integral da sociedade e a reproduz. A educação é uma instância dentro da sociedade e
exclusivamente a seu serviço (FREITAG,
1980).A corrente que defende a educação
como redentora, considera que ela tem como
objetivo adaptar o indivíduo à sociedade.
Na tendência que considera a educação
como transformadora da sociedade, os autores, dentre eles Saviani (1995), vêem a educação como meio, ao lado de outros meios,
para realizar projetos sociais. Eles pretendem
demonstrar que é possível compreender a
educação dentro da sociedade, com seus
determinantes e condicionantes, mas pretendendo trabalhar pela sua democratização. Esta
tendência é chamada de “crítica”, na medida
em que interpreta a educação com possibilidade de agir estrategicamente (Ibidem).
Um outro teórico das questões da educação, que comunga desta última tendência é
Freire (1983; 1987). Para ele, a educação precisa não só voltar-se para a realidade, mas,
principalmente, transformá-la. Toda a sua
potencialidade deve atender aos interesses
dos indivíduos e às necessidades sociais. Precisa-se buscar uma educação que não seja
apenas uma aquisição individual de técnicas
e de competências especializadas, mas a formação de homens e mulheres autônomos e
polivalentes, capazes de se inserir em comunidades dinâmicas e em constante mutação.
Para Freire (1987), a educação deve ter
como objetivo promover a ampliação da visão de mundo do ser humano e isso só acontece quando essa relação é mediada pelo diálogo, partindo do estudo da realidade. A educação deve estar centrada no educando, em
vez de centrar-se no professor ou no conteúdo; o aluno deve tomar conta de sua aprendizagem.
Segundo Krishnamurti (1994, p.13): “[...]
a educação deve ajudar-nos a descobrir valores perenes [...] Infelizmente, o nosso atual
sistema de educação nos torna subservientes, mecânicos e fundamentalmente incapazes de pensar; embora desperte nosso intelecto [...]” . Conforme o autor, a educação não
deve visar produzir apenas técnicos e caçadores de empregos, mas homens e mulheres
integrados, livres de todo o temor. Somente
desta forma ela propiciará a sobrevivência da
humanidade.
Segundo Freire (1983), a educação precisa propiciar a ampliação da visão de mundo
dos indivíduos. Sendo assim, as pessoas terão maior oportunidade para desenvolver, por
exemplo, a criatividade e, como conseqüência, dinamizar o processo de inovação nas
organizações, tão necessário à permanência
das mesmas no mercado. Do pensamento de
Krishnamurti (1994), extraiu-se a necessidade de estar atentos à responsabilidade da educação quanto à ajudar as pessoas a descobrirem valores de vida permanentes, contribuindo para a formação de homens e mulheres
livres e integrados.
EDUCAÇÃO CORPORATIVA
A educação não se completa no período
escolar. Ela imprime a formação integral do
homem, transformando-o em alguém capaz
de pensar, participar, trabalhar, a adaptar-se
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
às novas transformações, aos novos conceitos, a uma vida renovada. Esta educação não
pode ser entendida apenas pela identificação
com os meios convencionais de ensino. Ela é
distribuída ao longo da vida, através de situações diferentes, conseqüência da interação do
homem com o seu trabalho, amigos, família
etc., auxiliando-o a acompanhar as alterações
que ocorrem no mundo, em todos os campos do conhecimento (MATOS, 1998).
A partir dos anos 80, as organizações despertaram para a importância de desenvolver
ações abrangentes e que extrapolassem a
aquisição de conhecimentos, em longo prazo, visando uma aprendizagem mais completa de seus profissionais.
Uma mudança no antigo processo de
capacitação das pessoas ocorre migrando para
um novo modelo de educação nas organizações. O Quadro 1 apresentado a seguir é
ilustrativo de alguns aspectos dessa mudança:
Ação Tradicional
Este novo modelo de educação, conforme
Gdikian e Silva (2002, p.55): “[...] subverte
diversas práticas comuns do modelo de treinamento e desenvolvimento. A capacitação
para o cargo é substituída pelo desenvolvimento com foco em competências.” Vale
acrescentar que a introdução do conceito de
competência muda profundamente o caráter
da ação tradicional de educação empresarial,
pois este ajuda a direcionar as empresas a um
alinhamento no desenvolvimento das pessoas em relação às estratégias organizacionais.
Usualmente, entendemos por competência a capacidade, aptidão e habilidade decorrente de profundo conhecimento que alguém
tem sobre um assunto. Essa definição não se
distancia das encontradas nos dicionários. As
diferentes definições propostas por vários
estudiosos sobre o termo nas últimas três
décadas, foram compiladas por Gdikian e Silva (2002) em dois blocos de entendimento:
um deles conceitua competência como o conjunto de características básicas que permite
Ação Renovada
- Desenvolver habilidades
OBJETIVO
- Desenvolver as competências
criticas
- Aprendizado individual
FOCO
- Aprendizado organizacional
- Tático
ESCOPO
- Estratégico
- Necessidades individuais
ENFASE
- Estratégias de Negócios
- Interno
PÚBLICO
- Interno e externo
- Espaço real
ESPAÇO
- Espaço Real e Virtual
- Aumento de habilidades
RESULTADO
- Aumento da Competitividade
QUADRO 1 – AÇÃO TRADICIONAL E AÇÃO RENOVADA DE EDUCAÇÃO EMPRESARIAL
Fonte: EBOLI, 2003.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
que uma pessoa tenha um desempenho superior no trabalho; o outro amplia o conceito,
focando-o na entrega, nos resultados, nas
realizações da pessoa, adicionando valor ao
negócio.
Corroborando o entendimento do conceito ampliado, A. Fleury e M.T. Fleury (2001,
p.21) assim definem competência: “[...] um
saber agir responsável e reconhecido, que
implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem
valor econômico à organização e valor social
ao indivíduo.” Trata-se de uma definição completa, por explicitar a preocupação com a agregação de valor não só para a organização como
também para o indivíduo.
As novas competências exigidas pelo mercado são definidas por Meister (1999) como
o conjunto de qualificações, conhecimentos
explícitos e implícitos necessários para superar o desempenho da concorrência. Perrenoud
(2004, p.1), assim define competência: “[...]
a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar uma série de
situações.” Segundo Meister (1999), os empregadores estão exigindo as seguintes competências no ambiente de negócios: aprender
a aprender; comunicação e colaboração; raciocínio criativo; conhecimento tecnológico;
conhecimento de negócios globais; desenvolvimento de liderança e autogerenciamento de
carreira.
Um aspecto evidenciado pela educação
corporativa diz respeito à preocupação em
priorizar os aprendizados relevantes e um cuidado especial nas situações elaboradas de
aprendizagem para que sejam acessíveis e
convenientes ao modo como os adultos
aprendem: na prática e com os próprios colegas de trabalho. Isto significa, segundo Senge
(1999, p.38): “[...] ver a aprendizagem como
inseparável do trabalho cotidiano.”
No tocante ao cuidado para a promoção
de aprendizados relevantes, Meister (1999,
p.148) destaca a utilidade e conveniência da
criação de um banco de dados de conhecimentos que elabore para as empresas:
[...] perfis de conhecimento para os principais cargos a fim de saber qual é o conhecimento existente, quais são as melhores práticas desempenhadas pelos principais profissionais e o que é preciso, em termos de qualificações, conhecimento e treinamento, para
executá-las. Depois então é possível desenvolver métodos de aquisição e compartilhamento de conhecimento para capturar e disseminar informações ricas em conteúdo, de
maneira acessível e agradável.
Além disso, Souza (2001, p.7) considera
que os mais bem-sucedidos programas de
educação corporativa devem contar “[...] com
os líderes empresariais como co-responsáveis
pela aprendizagem organizacional e algumas
vezes investidos no papel de treinadores e
tutores de outros líderes.”
Isto reforça ainda mais a necessidade de
uma mudança de mentalidade das lideranças,
tendo em vista que o compromisso dos dirigentes com o cultivo e gerenciamento do
aprendizado das pessoas nas organizações
passa a ser fundamental para criar um ambiente favorável à sua manifestação.
Para Meister (1999, p.29), a educação
corporativa pretende funcionar como “[...] um
guarda-chuva estratégico para desenvolver e
educar funcionários, clientes, fornecedores e
comunidade, a fim de cumprir as estratégias
da organização.”
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
A intensificação de treinamentos à distância
é outra faceta da educação empresarial e, necessariamente, não é um treinamento individualizado. Pode envolver equipes de profissionais,
através de uma tecnologia de aprendizagem
cooperativa, para tratar de um tema relacionado ao ambiente de negócios da empresa. Nas
várias simulações a que o tema é submetido
examinam-se as melhores estratégias e soluções em tempo real. Esta é uma forma de aprendizagem denominada por Meister (1999,
p.110) de aprendizagem através da ação:
Na aprendizagem através da ação, a organização converte a aprendizagem individual em
Know-how organizacional, porque aborda problemas reais [...] conduzida em equipe a aprendizagem é compartilhada por todos os membros, o relacionamento entre os integrantes é
encorajado e novas perspectivas surgem.
As novas tecnologias adotadas, portanto,
não só ajudam a tratar dos conhecimentos explícitos, como também do conhecimento tácito existente nas práticas e nos relacionamentos que ocorrem no ambiente de trabalho.
Meister (1999, p.109, grifo do autor) acrescenta:
[...] trabalho e aprendizagem tornam-se atividades sociais e o que mantém a comunidade unida é um sentimento comum de
propósito e necessidade de saber o que
cada membro da comunidade sabe... O termo “comunidade de aprendizado” foi cunhado por Etienne Wenger e Jean Lave em
seu livro de 1991, Situated Learning, no
qual descrevem uma comunidade de
aprendizado como um grupo de pessoas
que partilham um modo de pensar sobre
como realizar um trabalho e, mais importante, aprendem trabalhando juntas.
O avanço da tecnologia tem ajudado as
empresas a instituir uma filosofia da aprendizagem e desenvolvimento contínuo, alardeada
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
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pelo modelo de educação corporativa, facilitando a distribuição dos meios de aprendizagem
por toda a organização, a qual pode se caracterizar também como uma aprendizagem
autodirigida, em que o próprio participante pode
determinar o ritmo de sua aprendizagem.
Alertamos, no entanto, sobre as conseqüências dessas tecnologias. Se por um lado
minimizam o efeito das distâncias geográficas
e reduzem as despesas com deslocamentos
dos profissionais para o local do curso, por
outro diminuem o contato humano entre as
pessoas, participantes e instrutores. Acreditamos que o ideal é buscar um equilíbrio,
mesclando-se ações educacionais à distância
e presenciais.
A implantação de programas educacionais
customizados para as reais necessidades
organizacionais é outro imperativo a que a
educação empresarial se propõe. Como forma de melhor estruturar o sistema de aprendizagem, possibilitando o engajamento de funcionários, clientes e fornecedores, algumas
empresas estão criando suas universidades
próprias: as Universidades Corporativas (UC).
Para Eboli (2004, p.47-48), a implantação
de uma Universidade Corporativa (UC) se dá
quando as empresas percebem “[...] a necessidade de repensar seus tradicionais centros
de T&D, de modo que possam contribuir com
eficácia e sucesso para a estratégia empresarial agregando valor ao resultado do negócio”.
UNIVERSIDADE CORPORATIVA
A associação da palavra “universidade”
com a imagem de campus, edifícios, reitores
e professores passa longe da versão Universidade Corporativa, na visão empresarial. Trata-se mais de um processo dinâmico, em que
todos os níveis da empresa são envolvidos na
aprendizagem, na qual os funcionários aprendem uns com os outros, compartilham inova-
34
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
ções e melhores práticas, visando superar sua
performance no trabalho e, conseqüentemente, aumentar a produtividade na empresa.
mento de ferramentas que propiciem,
de forma intensa, captação do conhecimento presente na organização (através
de seus profissionais, clientes, fornecedores e comunidade) e sua adequada disseminação, para que seja de fácil utilização por todos, sempre que necessário;
5. têm público alvo amplo, não se restringindo ao público interno, mas entendendo que o conhecimento é desenvolvido
e utilizado por toda a rede de profissionais que envolvem cada organização;
6. procuram acompanhar a utilização prática do conhecimento, ou seja, a transformação do conhecimento em vantagem competitiva, gerando capital intelectual para as organizações.
Meister (1999) ressalta que as empresas
querem usar a metáfora da universidade para
criar a imagem da grande finalidade da iniciativa: prometer a seus participantes e seus patrocinadores que a Universidade Corporativa
irá prepará-los para o sucesso no trabalho
atual e na carreira futura.
No Brasil, essas universidades começaram
surgir na década de 1990, quando as empresas começaram a perceber a necessidade de
renovar seus tradicionais centros de Treinamento e Desenvolvimento, de modo a contribuir com eficácia e sucesso para a estratégia
empresarial, agregando valor ao resultado do
negócio (EBOLI, 1999).
De acordo com pesquisa desenvolvida por
Gdikian e Silva (2002, p.75), envolvendo empresas do Estado de São Paulo1: “Em 59% das
empresas pesquisadas, há Universidades
Corporativas implantadas ou em processo de
instalação.”
Estas universidades, física ou virtualmente
instaladas nas organizações, apresentam, de
acordo com Costa (2001), algumas características específicas, para atender às novas
necessidades organizacionais, que diferem
das tradicionais áreas de treinamento e desenvolvimento (T&D):
1. são proativas, com ações totalmente
voltadas ao ambiente de negócio de cada
organização;
2. atuam no desenvolvimento de competências essenciais e são inovadoras nas
formas de viabilizar o conhecimento;
3. têm como premissa a disseminação do
conhecimento em qualquer momento,
em qualquer lugar;
4. atuam no desenvolvimento e gerencia-
Estas universidades representam para as
organizações, segundo Eboli (1999), uma redução de custos com programas de educação
continuada, já que contam com um público
mais amplo e com ações bem dimensio-nadas.
As universidades corporativas, portanto, não
visam substituir ou disputar espaço com as
universidades tradicionais. Pelo contrário, elas
são complementares, na medida em que a universidade tradicional fornece toda a formação
conceitual e metodológica aos profissionais,
enquanto a corporativa oportu-niza o aprimoramento nas competências essenciais ou críticas de cada organização. São fortes as possibilidades e os casos de sucesso de alianças
estabelecidas entre as universidades
corporativas e as universidades tradicionais.
Por intermédio do quadro 2, pode-se
visualizar com mais clareza a diferença do
papel da Universidade Tradicional e da Universidade Corporativa:
1
Empresas indicadas Melhores Empresas para se
Trabalhar pelas edições da Revista Exame anos
1999 e 2000.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
UNIVERSIDADE FORMAL
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UNIVERSIDADE CORPORATIVA
Desenvolve competências essenciais para o mundo
do trabalho;
Desenvolve competências essenciais para o sucesso
do negócio;
Aprendizagem baseada em sólida formação
conceitual e universal;
Aprendizagem baseada em prática dos negócios;
Sistema Educacional Formal;
Sistema de Desenvolvimento de Pessoas pautado
pela gestão de Competências;
Ensina crenças e valores universais;
Ensina crenças e valores da empresa e do ambiente
de negócios;
Desenvolve cultura acadêmica;
Desenvolve cultura empresarial;
Forma cidadãos competentes para gerar o sucesso
das instituições e da comunidade;
Forma cidadãos competentes para gerar o sucesso
da empresa e dos clientes;
QUADRO 2 - PAPEL DAS UNIVERSIDADES TRADICIONAIS X CORPORATIVAS
Fonte: EBOLI, 1999, p.117.
Da mesma maneira que a universidade formal possui currículo, as corporativas também
o têm e é justamente isto que as distingue dos
departamentos tradicionais de treinamento,
que historicamente estavam voltados para as
habilidades técnicas imediatamente necessárias ao trabalho.
Para a construção de seus programas de
aprendizagem, as UCs se preocupam em compreender e satisfazer as necessidades de seus
clientes, desenvolver idéias orientadas para o
negócio da empresa, vinculadas às questões
estratégicas e, segundo Eboli (2004), disseminar os valores e cultura da organização de
forma consistente, para que eles sejam incorporados pelas pessoas, tornando-se
norteadores de seu comportamento e permitindo o direcionamento entre objetivos e valores individuais e organizacionais, construindo-se assim a identidade cultural.
De acordo com Gdikian e Silva (2002, p.37),
as UCs:
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
[...] podem oferecer cursos e programas
com características de educação formal [...]
também com o objetivo de migração de créditos, isto é, o aproveitamento dos estudos
realizados no ambiente da corporação para
a educação formal. Também podem atuar
[...] na área de especialização profissional, em cursos de pós-graduação, ou de
formação profissional, incluído o ensino à
distância.
Em suma, a emergência das UCs é uma
realidade e, como constata Meister (1999,
p.23), instigam as organizações a
reestruturarem “[...] os ambientes de aprendizagem para que eles sejam proativos, centralizados, determinados, e realmente estratégicos por natureza.” Mais do que reunir o treinamento corporativo, o conceito de UC tem o
objetivo principal de instituir o aprendizado
permanente, vinculado às metas empresariais, para um público que extrapola os limites
das empresas, de forma rápida e acessível a
todos.
36
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
A missão de uma UC, de acordo com Eboli
(2004, p.48): “[...] consiste em formar e desenvolver talentos na gestão dos negócios,
promovendo a gestão do conhecimento
organizacional [...] por meio de um processo
de aprendizagem ativa e contínua.”
ASPECTO RELEVANTE PARA GESTÃO
EDUCACIONAL DA UC
Estamos diante de uma evolução e de um
grande ganho, quanto ao entendimento, pelo
empresariado, da importância da educação
para a organização, do uso da tecnologia como
facilitadora da disseminação e construção do
conhecimento. Entendemos, porém, que o
importante, independente de se dar a educação empresarial a partir de um setor interno da
empresa, área de RH ou T&D, ou ainda da instituição de uma UC, é que a educação
corporativa tenha como filosofia onde o ser
humano é o principal bem das organizações.
A educação empresarial, repetimos, não
deve se constituir em uma atitude utilitarista,
isto é, colocada a serviço do lucro e da produtividade apenas, mas atender a uma necessidade inerente à condição humana, ajudando cada pessoa no processo de auto-descoberta, de crescimento pessoal e de libertação
do potencial interior.
Sabemos que ser eficaz em termos de produtividade é uma questão de sobrevivência.
A educação tem uma contribuição fundamental, mas também não se pode colocar em segundo plano o cumprimento de um imperativo moral e ético que é reconhecer o ser humano em sua condição de ser integral e estimular seu desenvolvimento em todas as suas
dimensões, preparando-o para atuar como
agente de transformação do cenário produtivo. Como diz Eboli (2004 p.54): “Só através
das pessoas será construído um sistema de
educação verdadeiramente eficaz”.
Dando-se o desenvolvimento humano nas
organizações apenas pelo caminho racional,
com conteúdos cognitivos ligados ao negócio e às atividades empresariais, por exemplo, teríamos uma repetição do que mais se
fez em termos de treinamento e desenvolvimento nas empresas, cujos resultados são
hoje questionados. Conforme alertam Davel e
Vergara (2001, p.42):
[...] focalizar a dimensão intelectual ou puramente instrumental das pessoas, tão em
moda nos dias atuais, sem considerar, ou
pouco considerando, as dimensões física,
emocional e espiritual, é um desbalanceamento que pode trazer para as empresas resultados não desejados.
Temos ainda a ponderar que a relação do
indivíduo no contexto corporativo é carregada de subjetividade, ou seja, a pessoa está
em constante ação e em permanente interação
com o ambiente da empresa e consigo mesma, e a qualidade desta relação certamente
interferirá no indivíduo e em sua prontidão para
internalizar o conhecimento.
Outra questão a ser pontuada é a forma
superficial com que podem ser tratados aspectos educacionais, a exemplo da referência
de Meister (1999) quanto a necessidade de
desenvolver, no indivíduo, a atitude de aprender a aprender. Segundo a autora, aprender a
aprender é necessário, pois:
[...] os trabalhadores precisam de um conjunto mais amplo de qualificações, compreender não apenas seu próprio trabalho, mas
também os cargos nos departamentos imediatos e estar sempre pensando em como
melhorar seu processo de trabalho. (MEISTER,
1999, p.105).
Este tipo de aprendizagem é puramente
racional e um processo simples de assimilação de conhecimento.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
Meister (1999) ainda considera as seguintes ações como componentes da habilidade
de aprender a aprender, corroborando a definição proposta pela American Society of
Training Development (ASTD)2: fazer perguntas certas; identificar os componentes essenciais dentro de idéias complexas; encontrar
meios informais de medir o conhecimento que
se tem do material pertinente; e aplicar estas
técnicas às metas de tarefas específicas do
cargo. Além do propósito mecanicista, tais
ações são passos de uma análise cognitiva
do indivíduo. Ao se falar em educação não se
pode partir, unicamente, da racionalidade comum às ciências positivas, em que a análise
recorta e reduz o objeto, prejudicando a visão
do seu todo e acarretando um olhar superficial sobre o mesmo.
Estes aspectos evidenciam que não será
suficiente para o sucesso de um novo modelo de educação corporativa a penas a criação
de oportunidades de aprendizado contínuo,
se revestidas de superficialidade racional e
imediatismos, com foco único nos resultados
empresariais. Há de estar fundamentado em
uma concepção de educação transformadora
da sociedade. É preciso muito mais do que
oferecer os meios e a ambiência de aprendizagem, é preciso saber que tipo de aprendizagem se deseja estimular, entender o ser
humano em sua subjetividade, defender a
educação em sua essência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação corporativa revela-se de fundamental importância para o processo de desenvolvimento das pessoas e de permanência da organização no mercado, uma vez que
se propõe a arregimentar e estruturar as condições para que o processo de aprendizagem
organizacional se faça de forma ágil, contínua
e alinhada à estratégia das organizações, conVolume 05 – Número 01 – Ano 2008
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siderando a cultura organizacional, o contexto organizacional, as competências essenciais e as necessidades de desenvolvimento integral das pessoas.
A sociedade do conhecimento e a implantação das Universidades Corporativas revestem-se do uso da tecnologia e da informação,
porém não sobrepuja a necessidade de pessoas capazes de refletir criticamente sobre a
realidade organizacional e de construí-la e
transformá-la para a melhoria da qualidade de
vida e da sociedade.
Reitera que o modelo “Universidade
Corporativa” torna-se promissor desde que
instrumentalize a visão da educação como
estratégica para os processos de mudanças
que a sociedade demanda, respeitando a concepção de educação que privilegie a capacidade de aprendizagem das pessoas como
potencial de transformação e evolução humana, para interagirem e interferirem em seu processo produtivo. A produtividade empresarial
seria, portanto, conseqüência natural dessa
evolução.
O modo de vida atual é a expressão de
comportamentos longamente condicionados
pela educação convencional, mas a empresa,
como um local onde se dá, cada vez mais,
uma parcela significativa do ensino e do aprendizado, deve inovar através de uma revisão
profunda em sua forma de educar. Mesmo que
o conhecimento e a informação sejam, hoje,
as bases da produção, a mais importante capacidade que uma pessoa pode ter é a sua
2
Criada em 1944, hoje é a principal líder em estudos
relacionados à performance profissional e
formação de líderes. A ASTD tem 70.000 membros
e associados em mais de 100 países e centenas de
organizações: corporações multinacionais,
pequenas e médias empresas, governos etc.
(MEISTER, 1999).
38
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
disposição para aprender incessantemente. O
seu desenvolvimento, portanto, deve se dar
nos quatro níveis do ser – físico, emocional,
mental e espiritual –, visando o ajustamento
integrado de sua totalidade. Desenvolver as
habilidades mentais de raciocínio, análise,
processamento inteligente de informações e
o uso adequado de conhecimentos são importantes, mas os conteúdos que estimulam
a reflexão sobre atitudes, valores individuais e
coletivos, sobre o conhecimento de si mesmo, sobre a existência, são tão importantes
quanto os conteúdos lógicos e objetivos.
A uma nova educação corporativa não cabe
priorizar a formação profissional de cunho técnico e instrumental, mas vislumbrar a concepção mais ampla de uma educação ao longo de toda a vida, concebida como condição
de desenvolvimento harmonioso e contínuo
da pessoa.
Não se desconhece a complexidade que
envolve a temática aqui estudada. Espera-se,
contudo, ter contribuído para a compreensão
dos aspectos a serem analisados na concepção da educação corporativa, evitando-se
distorções em seus propósitos. Em relação
às lideranças, ressalta-se a necessidade de
atuarem como mediadoras do processo de
aprendizagem; aos profissionais, de maneira
geral, é sempre oportuno o entendimento de
que é preciso investir permanentemente no
autodesenvolvimento, pois este investimento,
além de propiciar o crescimento profissional,
repercute positivamente no desenvolvimento
pessoal.
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39
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
40
A Inclusão do Aluno com Necessidades Educativas
Especiais na Educação Superior
Telma Brito Rocha*
RESUMO
É inegável o papel social da universidade e seu compromisso de proporcionar um processo
educacional mais justo e democrático para a elaboração de conhecimentos e efetivação de
políticas inclusionistas. A sociedade, no seu dia-a-dia, precisa se adaptar às necessidades das
pessoas com deficiência, dividindo espaços com igualdade e, principalmente, com respeito e
aceitação às diferenças. As formas limitadas como as escolas e instituições ainda atuam, têm
levado grande parcela dos alunos à exclusão, principalmente das minorias - sejam elas sociais,
sexuais, de grupos étnicos ou de pessoas com deficiência. A base da inclusão consiste no
conceito de que toda pessoa tem o direito básico à educação e que esta deve levar em conta
seus interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem. Nesse sentido, que Instituições
de Ensino Superiores invistam na definição de uma política institucional para a construção de
práticas inclusivas que beneficiem o processo de ensino e aprendizagem dos estudantes com
deficiência, para promoção e equalização de oportunidades.
Palavras-chave: Ensino Superior; Necessidades Educativas Especiais; Inclusão Social.
INTRODUÇÃO
A sociedade, no seu dia-a-dia, precisa se
adaptar às necessidades das pessoas com
deficiência, dividindo espaços com igualdade
e, principalmente, com respeito e aceitação
às diferenças. As formas limitadas como as
escolas e instituições ainda atuam, têm levado grande parcela dos alunos à exclusão, principalmente das minorias - sejam elas sociais,
sexuais, de grupos étnicos ou de pessoas com
deficiência. A base da inclusão consiste no
conceito de que toda pessoa tem o direito
básico à educação e que esta deve levar em
conta seus interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem.
De acordo com estudos de Fortes (2005)
é através de Instituições de ensino regular que
se deve combater as atitudes discriminatórias,
propiciando condições para o desenvolvimento de comunidades integradas, que é a base
da construção da sociedade inclusiva e con* Doutoranda em Educação- Universidade Federal da
Bahia; Professora Faculdade Metropolitana de CamaçariFamec (e-mail:[email protected])
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
41
seqüentemente obtenção de uma real educação para todos.
prática pedagógica da educação inclusiva,
destacam-se:
Embora, a implementação dessa sociedade inclusiva esteja apenas começando, a consecução do processo de inclusão de todos
os alunos na escola básica ou na universidade não se efetua apenas por decretos ou mesmo leis, pois requer uma mudança profunda
na forma de encarar a questão e de propor
intervenções e medidas práticas com a finalidade de transpor as barreiras que impedem
ou restringem o acesso e permanência de
pessoas com deficiência.
• Constituição federal, Título VIII, artigo 208
e 227;
• Lei nº. 7.853/89. Dispõe sobre o apoio
às pessoas com deficiência, sua
integração social, assegurando o pleno
exercício de seus direitos individuais e
sociais;
• Lei nº. 10.098/00. Estabelece normas
gerais e critérios básicos para promoção
da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras providências.
• Lei 10.172/01 que aprova o Plano Nacional de Educação e estabelece objetivos
e metas para a educação de pessoas com
necessidades educacionais especiais;
• Decreto nº. 5.296/04. Regulamenta as
Leis nº. 10.048/00, que dá prioridade de
atendimento às pessoas com deficiência,
e 10.098/00, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção
da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.
• Lei 9.394/96 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional;
• Decreto nº. 3289/99 que regulamenta a
Lei nº. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida
as normas de proteção e dá outras providências;
• Portaria MEC nº. 1.679/99. Dispõe sobre os requisitos de acessibilidade a pessoas portadoras de deficiência para instruir processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições;
A legislação sobre o tema
As últimas décadas foram marcadas por
movimentos sociais importantes, organizados
por pessoas com deficiência e por militantes
dos direitos humanos, que conquistaram o
reconhecimento do direito das pessoas com
deficiência à plena participação social. Essa
conquista tomou forma nos instrumentos internacionais que passaram a orientar a
reformulação dos marcos legais de todos os
países, inclusive do Brasil. Ao concordar com
a Declaração Mundial de Educação para Todos, firmada em Jomtien, na Tailândia, em
1990, e ao mostrar consonância com os postulados produzidos em Salamanca (Espanha,
1994) na Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e
Qualidade, o Brasil fez opção pela construção
de um sistema educacional inclusivo. Esses
documentos ressaltam que os sistemas
educativos devem ser projetados e os programas aplicados de modo que tenham em vista
toda gama das diferentes características e
necessidades dos alunos
Dentre os principais instrumentos nacionais que orientam a educação para uma aproximação sucessiva dos pressupostos e da
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
Apesar de existirem dispositivos legais desde a constituição de 1988, onde se estabele-
42
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
ce normatização, de modo que se assegure a
eqüidade de oportunidades e a valorização da
diversidade ético-político de todos, nas diferentes esferas de poder, é somente, a partir
de 1996, com a lei n. 9394/96, que as instituições de educação superior mais especificamente começam a discutir a questão, já
que a legislação ora citada, estabelece responsabilidades bem definidas para a operacionalização de ações dirigidas a inclusão do aluno
com deficiência em instituições de ensino.
Com o considerável número de dispositivos legais na forma de Leis, Decretos, Portarias, Resoluções e Instruções no âmbito da
Legislação Federal, as principais, elencadas
acima, estas instituições começam a organizar-se com relação ao ingresso desse alunado.
A circular n°277 MEC/GM a exemplo sugere
os encaminhamentos que cada instituição de
ensino superior deva ter para o processo de
ingresso do aluno com deficiência, sobretudo na seleção pública por meio do vestibular,
e chama a atenção para que as mesmas desenvolvam ações que possibilitem a
flexibilização dos serviços educacionais, de
infra-estrutura, de capacitação de recursos
humanos, de modo que atendam uma permanência de qualidade a esses alunos.
No entanto, vai ser a Portaria 3.284/2003
MEC/GM que revogou a Portaria MEC n° 1.679/
1999, que irá dispor sobre os requisitos de
acessibilidade a pessoas com deficiências para
instruir processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento
de instituições de ensino superior no país. Por
meio desta, o cumprimento destas normas,
se encontra atrelada à condição de avaliação
da instituição.
A partir desta determinação legal, diretamente relacionada à sua autorização de funcionamento, é que muitas universidades co-
meçaram a criar ações que garantam acessibilidade em sua estrutura arquitetônica, embora, segundo pesquisa realizada pelas autoras deste texto, e tratadas a seguir, em uma
instituição federal de ensino, revelem que o
atendimento apenas a infra-estrutura espacial, não conseguem minimizar a exclusão destes alunos no ensino superior, aspectos como
as condições didático-pedagógica de trabalho de professores, comprometido pela falta
de tecnologias de ajuda para operacionalização
de um processo de aprendizagem e inclusão
deste aluno de modo pleno, se encontra entre as principais obstáculos verificadas em seu
estudo.
Sendo assim, o Ministério da Educação tem
que criar além de legislação, programas que
permitam a aquisição de materiais tecnológicos
e capacitação docente é fundamental para o
desenvolvimento da educação superior do
deficiente.
A Universidade e a inclusão de alunos com
deficiência no Brasil
Apesar de o ingresso do aluno com necessidades educacionais especiais na universidade terem aumentado nestes últimos anos
como apontam pesquisas do Instituto Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Dado do censo
em 2005, indicaram que as matrículas passaram de 2.155 para 6.022 em cinco anos, se
considerados os alunos superdotados, os
matriculados subiram de 2.173 para 6.328
e o aumento percentual foi de 191%.
Isto certamente representa um avanço,
mas ainda há muito trabalho a ser feito para
que se concretize sua inclusão plena. Visto
que, existe um contraste muito grande nas
diversas regiões do país, o Nordeste e o Norte, estão entre menores índices de matriculaVolume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
dos. Os dados deste mesmo Censo revelam
que 49% das 6.328 matrículas de alunos com
necessidades especiais estão em Instituições
de Educação Superior localizadas na Região
Sudeste. A seguir vêm o Sul, com 24% desse
total, e o Centro-oeste, com 14%. O Nordeste
e o Norte concentram, respectivamente, 9% e
4% desse universo de estudantes.
Por outro lado, os índices sobre o tipo de
deficiência mais freqüente entre os alunos
com necessidades especiais matriculados nas
Instituições de Educação Superior é a física
(38%). A seguir vêm os estudantes com deficiência visual, que representam 32% do total.
Já os deficientes auditivos detêm 23% dessas
matrículas.
O Censo aponta também que o maior crescimento foi nas instituições de ensino
superior privadas. Em 2000, as universidades públicas tinham 52,23% (1.135 alunos)
do total de matriculados com necessidades
especiais (incluindo os superdotados) e as
privadas, 47,77% (1.038 estudantes). Já os
números de 2005 mostram que 67% (4.247)
dos alunos nessa categoria estudavam em
entidades particulares.
Apesar dos quantitativos mostrarem um
salto no número de matrículas, o desafio de
uma educação inclusiva na educação superior precisa ainda alcançar dados qualitativos. Segundo Miranda (2006, p.07) “o Brasil
está em um momento, no qual a democratização do acesso e permanência na universidade de grupos socialmente desfavorecidos
está obtendo maior espaço”. No entanto, é
preciso que a legislação sobre acessibilidade
da pessoa com deficiência no ambiente universitário seja mais respeitada, e o atendimento das especificidades de cada tipo de deficiência sejam implementadas tanto por instituiVolume 05 – Número 01 – Ano 2008
43
ções públicas como privadas, aqui o MEC deve
estar acompanhando não apenas a autorização, mas o funcionamento das instituições.
Pois,
[...] enquanto os alunos com deficiência física têm como critério para sua acessibilidade
a existência de espaços físicos adaptados
(rampas, corrimões, trincos de porta, banheiros, bebedouros, telefones públicos, etc.), em
relação à deficiência visual, a acessibilidade
depende de materiais como computadores
com softwares adequados, impressoras
Braille, etc. No concernente a surdez, o aluno
deve ter direito a um intérprete em Língua Brasileira de sinais – LIBRAS- por exemplo.
(MIRANDA, 2006, p. 6)
A construção de uma educação inclusiva
requer uma reestruturação dos sistemas de
ensino que devem organizar-se para dar respostas às necessidades educacionais de todos os alunos. Esse propósito exige ações
práticas e viáveis que tenham como perspectiva operacionalizar a inclusão social e escolar
de todas as pessoas, independente de suas
necessidades.
Neste sentido o papel social da universidade é fundamental, ela não poderá ser indiferente à diferença, é necessário que se busque
um processo educacional mais justo e democrático. É preciso que o estado assuma uma
dívida histórica com a educação da pessoa
com deficiência. Contudo, aspectos legislativos, como as normas apenas, não vão dar
conta da demanda para o setor, é preciso políticas públicas dirigidas com investimentos na
qualificação de professores, e recursos
tecnológicos, além da assistência estudantil
nas universidades públicas em especial, para
que se possa garantir a permanência desses
estudantes.
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
44
Para Marilena Chauí,
[...] se quisermos tomar a universidade pública por uma nova perspectiva, precisamos começar exigindo, antes de tudo, que
o Estado não tome a educação pelo prisma do gasto público e sim como investimento social e político, o que só é possível
se a educação for considerada um direito
e não um privilégio, nem um serviço.
(2003, p.6)
Sendo a universidade uma instituição social, ela não pode continuar reagindo de forma omissa as questões da sociedade desigual, ela como espaço de produção de conhecimento e intervenção social deve colaborar com a superação dos padrões e rótulos
que tradicionalmente classificaram diferença
e inferioridade como sinônimos, por isso “[...]
a relação entre universidade e Estado não pode
ser tomada como relação de exterioridade[...]”.
(Chauí, 2003, p.2)
No entanto, vemos ainda no espaço da
universidade pública e em toda sociedade brasileira, práticas segregadoras, onde se exige
um padrão de “normalidade”, em nome de
uma igualdade, que põem no mesmo nível
valores intelectuais e físicos, logo, as pessoas com características diferentes são discriminadas e estigmatizadas. Ao se definir na
nossa sociedade normas e padrões para todos os homens, a exemplo, as formas de acesso à instituição de nível superior, o exame de
vestibular, percebe-se nitidamente a padronização do desempenho de candidatos que
possuem habilidades e competências diferenciadas. Nesse sentido, é preciso a universidade trabalhe com igualdade de oportunidades
reformulando toda sua forma de ingresso. Só
assim ela estaria contribuindo com a superação do discurso sobre a desvantagem e descrédito à pessoa com deficiência.
Rocha (2007) em estudos realizados sobre a inclusão dos alunos com necessidades
educativas especiais na Universidade Federal
da Bahia (UFBA), constatou ser necessário que
a instituição promova políticas mais diretivas
para a inclusão da pessoa com deficiência no
ambiente acadêmico.
O pouco número de alunos com deficiência que têm acesso a UFBA é insignificante,
em face, ao número de estudantes que tem a
instituição, aproximadamente 20.000 alunos.
Verifica-se, que além de uma política de permanência, a universidade deve promover uma
discussão na sociedade sobre a política de
acesso ao ensino superior, oportunizando alternativas, tais como curso de pré-vestibular,
entre outras ações, que minimizem a falta de
oportunidade desses estudantes excluídos de
contextos educativos regulares.
Por outro lado, a partir do momento em
que a Universidade promova o acesso da pessoa com deficiência na Instituição, deve oferecer condições pedagógicas e tecnológicas
adequadas. Com isso, certamente, teremos
um maior número de deficientes sendo encorajados a ingressarem na instituição.
Portanto, a instituição deve promover a
sensibilização de equipes diretivas das unidades acadêmicas, dos professores e dos funcionários técnico-administrativos, para que
possa haver maior interação entre o aluno
deficiente e a comunidade acadêmica. Além
disso, a criação de um laboratório de apoio
pedagógico, onde o aluno contasse com ajuda de tecnologias e profissionais, tais como:
pedagogo, psicólogos, psicopedagogos,
fonoaudiólogos, profissionais da computação
entre outros, disponíveis para criar soluções
tecnológicas e pedagógicas para o atendimento aos estudantes.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
46
A Comunidade Científica e Disseminação do
Conhecimento Científico
Patrícia Fernandes*
Jucilene Santos*
RESUMO
Este estudo realizado em fontes de pesquisas secundárias aborda a importância da comunidade
científica, para a manutenção do conhecimento científico, haja vista, serem responsáveis pela
disseminação de novos conhecimentos através da comunicação científica. Na trajetória da
evolução humana temos a linguagem oral como origem do desenvolvimento das tecnologias
que acompanha o ser humano em todo o seu desenvolvimento. Com o surgimento da escrita
como forte aliada da linguagem à relação do homem com o mundo passa a ser mais sólida,
partindo a registrar a história humana, e assim, a criar e preservar o conhecimento. Nesta
perspectivas as Universidades e Instituições de Ensino Superior aparecem como formadoras
oficiais do conhecimento e a tudo que a ele está relacionado, criando comunidades científicas
que venha a disseminar o conhecimento por ela produzido. A divulgação desses conhecimentos
é também responsável pelo desenvolvimento de políticas em ciências e tecnologias além do
desenvolvimento socioeconômico e cultural de um país.
Palavras-Chave: Comunidade científica; Comunicação Científica; Comunicação; Universidade;
Instituições de Ensino Superior.
1 INTRODUÇÃO
Na evolução humana temos a linguagem
oral como origem do desenvolvimento das
tecnologias que acompanha o ser humano em
toda a sua trajetória. Com o surgimento da
escrita como forte aliada da linguagem à relação do homem com o mundo passa a ser mais
sólida, partindo assim a registrar a história
humana, e o homem começa criar e preservar o conhecimento.
Assim, a transmissão do conhecimento
passou a depender de quem soubesse registrar, e interpretar, ou seja, ler e escrever, desta
forma, pode afirmar que a escrita assegura à
humanidade as condições estruturais para a
ampliação do seu processo de aprendizagem,
elas são as essências da comunicação humana, desencadeando o processo da organiza* Bibliotecárias. Faculdade Metropolitana de Camaçari
[email protected]
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
ção e do desenvolvimento social econômico
e político.
É através da escrita, que o homem começa
um relacionamento mais amplo e diferente com
o mundo que o cerca, levando-o a uma evolução mais rápida, passando a armazenar, transportar, difundir e perpetuar o conhecimento.
A Comunicação escrita que começou com
o pictograma (representação gráfica de idéias
através de desenhos); passou pelo papiro (escrita na planta); pelo pergaminho (no couro);
até chegar ao papel (descoberto na China há
mais de 10 séculos, chegando à Europa só
no século XII.). Um estágio moderno da comunicação humana é a invenção da prensa
tipográfica por Gutemberg em 1450, símbolo
igualmente de uma nova época, a Idade Moderna. Propiciando desta forma uma maior
velocidade no processo disseminação do conhecimento. Neste contexto Morim (1999)
apud Santos (2002) destaca que:
O ato do conhecimento, ao mesmo tempo
biológico, cerebral, espiritual, lógico,
lingüístico, cultural, social, histórico faz com
que o conhecimento não possa ser dissociado
da vida humana (...)
De acordo com o acima exposto temos nas
Instituições de Ensino Superior – IES, o estabelecimento social, científico e educativo, cuja
identidade está fundada em princípios, valores, regras e formas de organização que lhe
são inerentes. O seu reconhecimento e sua
legitimidade social perpassam historicamente, à sua capacidade autônoma de lidar com
as idéias, buscar o saber, descobrir e, também, de inventar o conhecimento.
Neste contexto, as IES são ao mesmo tempo, espaço de socialização do saber, na medida em que divulga e dissemina o saber nela
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
47
e por ela produzido, tendo como um dos principais compromissos a disseminação dos
conhecimentos gerados, os quais servirão
para o desenvolvimento da ciência e conseqüentemente o surgimento de novas frentes
de estudo e pesquisa.
A partir do momento em que os cientistas
começam as suas investigações, da formulação do problema até a apresentação dos resultados, já se observa um longo processo
de comunicação entre eles, ou seja, há uma
troca de informações sobre os trabalhos que
estão sendo desenvolvidos, estimulando debates acerca das opiniões que poderão ser
levantadas sobre as interpretações de assuntos afins. A essa troca de informações entre
si, em que o desenvolvimento da ciência depende do nível de comunicação estabelecido
nesse processo, é dado o nome de Comunicação Científica, a qual ocorre em todas as
etapas da pesquisa, visando facilitar a disseminação do conhecimento, não só em campos específicos, mas em toda área do conhecimento e para toda sociedade.
A divulgação desses conhecimentos gerados através dos canais formais e informais da
comunicação cientifica, nos diferentes formatos, é chamada de produção científica, as
quais são realizadas pelas suas respectivas
comunidades, aqui definidas como Comunidade Científica.
2 COMUNIDADES CIENTÍFICAS
“Se enxerguei mais longe
foi porque me apoiei nos
ombros de gigantes”
Isaac Newton
As comunidades científicas têm a publicação como sendo o meio mais reconhecido para
a divulgação dos estudos das pesquisas,
48
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
transformando-as em mola propulsora, na
medida em que é recuperada e divulgada,
impulsionando o desenvolvimento intelectual
e a realimentação da produção científica.
A comunidade cientifica exerce a comunicação, tanto nas redes de organizações como
nas relações sociais formais e informais, sendo de grande importância o papel dessa comunicação, que consiste em assegurar a troca de informações. Os pesquisadores têm
necessidade de se manter em contato com
seus colegas para se informar e informá-los
acerca de trabalhos de pesquisa em andamento ou concluídos.
Assim, Para ter valor, o trabalho científico
tem que sair das mãos do seu produtor e ser
divulgado, passando antes por uma avaliação
que pode ser feita de muitas formas. Demo
(apud RODRIGUES; LIMA; GARCIA, 1998, p.
148) destaca que um dos critérios pode ser a
análise do trabalho sob duas formas: “o seu
conteúdo e sua forma, que ele traduz como
qualidade política e qualidade formal”. A primeira consiste em colocar a questão dos fins,
dos conteúdos, da prática histórica. Já a qualidade formal, é compreendida como a propriedade lógica, tecnicamente instrumentada,
dentro de padrões acadêmicos usuais.
Esta produção científica gerada e divulgada
pelos documentos vem sendo avaliada com
o propósito de servir de subsídios para
credenciamentos, obtenção de fundos de
agência de fomento, progressão na carreira
acadêmica, ascensão profissional do pesquisador, como também para o pesquisador adquirir status intelectual e reconhecimento profissional pelos pares, em concursos seletivos.
Como afirmam Bertin; Forteza; Suhet:
No meio científico, o prestígio dos periódicos
é determinado por um sistema de avaliação
baseado em vários indicadores, como: quantidade de artigos publicados, índice de citação e visibilidade internacional. As principais
bases que fazem o levantamento desses dados são o Institute for Scientific Information
(ISI), nos Estados Unidos, e a Scientific
Electronic Library Online (SciELO), no Brasil.
A ciência é um sistema de conhecimento,
pelo qual, cientistas através da necessidade
de conhecer o desconhecido, têm a idéia de
pesquisar a gênese dessas indagações e curiosidades, buscando respostas e tentando
sistematizar o conhecimento científico.
Este conhecimento é formado da reciprocidade que os pesquisadores promovem
objetivando a compreensão dos fenômenos
sociais e naturais, para a partir desta compreensão encontrar soluções. Para Gomes; Lose
(2007) todo trabalho acadêmico e científico é
iniciado com a busca de informações relacionadas ao assunto pesquisado, já que o conhecimento científico é resultado de uma ação
coletiva. Esta dinâmica constitui-se na denominada comunicação científica que Garvey
(1979, apud BERTIN, 2007, p.03) apresenta
como:
[...] o campo de estudo do espectro total de
atividades informacionais que ocorrem entre
os produtores da informação científica, desde o momento em que eles iniciam suas pesquisas até a publicação de seus resultados e
sua aceitação e integração a um corpo de
conhecimento científico.
A atividade de produção do conhecimento
cientifico exige grupo de pessoas devidamente
organizados e comprometidos com a pesquisa e a tudo que a ela está relacionado, esse
conjunto de pessoas denomina-se Comunidade Científica. Assim, para existir uma comunidade científica precisa haver instituições
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
fortes e estáveis que abriguem grupos de
pesquisa, recursos humanos qualificados canais de comunicação. De acordo com Kuhn
(2000) apud Oliveira (2004):
Uma Comunidade Científica é formada pelos praticantes de uma especialidade científica. Estes foram submetidos a uma iniciação
profissional e a uma educação similares, numa
extensão sem paralelos na maioria das outras
disciplinas. Neste processo absorveram a
mesma literatura técnica e dela retiraram muitas das mesmas lições. Normalmente as fronteiras dessa literatura-padrão marcam os limites de um objeto de estudo científico e em
geral cada comunidade possui um objeto de
estudo próprio.
A comunidade científica é responsável
pelo desenvolvimento da pesquisa, desta
forma Poblacion; Oliveira (2006) afirmam que
na medida em que se delineia a política de
apoio à pesquisa torna-se necessário criar
condições para o desenvolvimento e acompanhamento das diferentes fases do processo de execução, dos projetos avaliando a
contribuição que é oferecida para o avanço
da Ciência no Brasil.
49
permite saber se esta produção vem influenciando o meio científico com o estabelecimento
de padrões que permitam traçar metas ou
ações com tomadas de decisões em programas de políticas científicas.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Universidade tem a missão de formar
profissionais e pesquisadores de alto nível para
atender as demandas materiais e espirituais
da sociedade, bem como a de transmitir, produzir e conservar o conhecimento racional de
mais alto grau. Para realizar essa missão com
eficiência associada à eficácia é preciso o uso
de normas e ritos para sua elaboração, apresentação, encaminhamento e desenvolvimento, apresentando aos pares e à sociedade os
resultados do que foi investigado.
No entanto, se torna necessário a criação
de espaços e mecanismos para o escoamento da publicação científica, estimulando desta
forma a comunidade científica e fortalecendoa no que se refere a participação em eventos
e divulgação da sua pesquisa, seja em formatos digitais, sejam em formatos tradicionais.
REFERÊNCIAS
Neste contexto a comunicação científica é
de extrema importância para a ciência, pois,
ela só se faz legitima, quando é comunicada
aos seus pares. Para Meadows (1999) qualquer que seja o ângulo pelo qual a examinemos, a comunicação eficiente e eficaz constitui parte essencial do processo de investigação científica. Os estudos avaliativos da produção intelectual permitem também delinear
campos e áreas específicas do conhecimento, detectando tendências temáticas,
metodológicas, e mesmo a evolução do conhecimento em frações temporais e espaciais, esses estudos além de permitir o reconhecimento do que está sendo pesquisado,
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
BERTIN, Patrícia Rocha B.; FORTALEZA,
Juliana Meireles; SUHET, Aller t Rosa.
Paradigma atual da comunicação científica e
introdução da revista Pesquisa Agropecuária
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GOMES, Henriette Ferreira; LOSE Alícia Duhá.
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50
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KUHN, T. S. A estrutura das evoluções científicas. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992.
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da epistemologia genética à epistemologia da
complexidade. In: Revista Tempo. Camaçari,
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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
51
Cenário do Desenvolvimento de Tecnologias
de Quebra de Amêndoas
Djane Santiago de Jesus1
Carla Renata Santos dos Santos2
Genice de Jesus Santana3
Carla Renata Santos dos Santos4
RESUMO
Inovar significa trabalhar em busca de um método acabado que possibilite o reconhecimento da
necessidade de uma sociedade. A abertura de mercados, ocasionada pela mundialização da
economia, tem proporcionado uma crescente preocupação com o desenvolvimento da tecnologia,
tornando-a, juntamente com o conhecimento e a inovação, fatores preponderantes para a melhoria
não só da economia, como também no auxílio na construção do Desenvolvimento Sustentável.
Nesse contexto, a prospecção tecnológica surge como uma ferramenta de grande importância na
tomada de decisão. O objetivo do presente trabalho concentrou-se no mapeamento e avaliação da
evolução do número de documentos de patentes relacionadas às tecnologias de quebra de
amêndoas nas últimas onze décadas, bem como na identificação de países em que há maior
concentração de depósitos ou patentes e depósitos de tecnologias de quebra de amêndoas
existentes na base de busca do escritório europeu de patentes – espacenet. Ao analisar os
documentos levantados e indexados em um banco de dados, observou-se que há um número
bastante reduzido de documentos de patentes na área e a Grã-Bretanha domina fortemente o
cenário, no tocante à origem das tecnologias estudadas, tendo ali concentrada mais de 80% dos
documentos pesquisados, seguido pela frança, com 16%. Assim como ocorre em outros países
em desenvolvimento, não foram encontrados documentos de patentes nesse aspecto no Brasil.
Palavras-chave: Inovação, Prospecção Tecnológica, Máquina de Quebra, Amêndoa,
Desenvolvimento Sustentável.
1. INTRODUÇÃO
Inovar significa trabalhar em busca de um
método acabado que possibilite o reconhecimento, bem como a satisfação da necessidade de uma sociedade.
Com a globalização - que ocasionou a abertura e flexibilização dos mercados, internacionalizando as economias - a inovação e o coVolume 05 – Número 01 – Ano 2008
nhecimento têm se tornado fatores preponderantes num ambiente cada vez mais competitivo, de forma a viabilizar não só a melhoria
da economia, como também contribuindo na
busca por um Desenvolvimento Sustentável,
cujo conceito, conforme Nobre (2002), se
1
2
Centro federal de Educação Tecnológica da Bahia –
CEFET-BA.
Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMEC.
52
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
concentra na satisfação das necessidades atuais sem comprometer as necessidades das
gerações futuras satisfazerem as suas necessidades.
Neste contexto, o uso da informação como
ferramenta estratégica competitiva, torna-se
fundamental, onde, para Antunes et al (2002),
o domínio do seu fluxo, juntamente com o
Know-How tecnológico são indispensáveis
para o momento científico e técnico, pilares
importantes na estratégia de inovação.
Os primeiros registros de utilização sistemática das informações como peça estratégica, na afirmação de Antunes et al (2000), são
datados da década de 50, cuja finalidade primordial era a redução do tempo entre a invenção e a disposição dos produtos novos
no mercado. A essa atividade, dá-se o nome
de Prospecção Tecnológica. Prospecção
Tecnológica, tema muito debatido nos ambientes acadêmico e empresarial, pode ser conceituado como sendo um mapeamento e análise acerca de direcionamentos futuros de desenvolvimentos científicos e tecnológicos, de
maneira à auxiliar e influenciar nas decisões
de uma indústria, cidade, região ou até mesmo de um país.
“Além de identificar os avanços científicos e
tecnológicos, a prospecção permite colher informações do ambiente para ser utilizada para: (i) Identificar as tendências da concorrência; (ii) Evidenciar às
possíveis mudanças de comportamento do mercado e público-alvo; e, (iii) Analisar à estrutura necessária para atender essa demanda.” RUTHES, NASCIMENTO, SOUZA (2005).
Os estudos prospectivos, apesar da sua
recente utilização no Brasil, já é utilizado há
anos nas políticas e estratégias de Inovação,
onde, conforme afirma Zackiewicz,
BONACELLI e SALLES (2005), em sua origem,
buscavam o aumento da habilidade de previsão dos seus avanços, o que caracterizou as
décadas de 50 e 60.
Entre as fontes de informação mais sólidas a serem utilizadas na sua realização dos
estudos prospectivos destacam-se os documentos de patentes que, na visão de Antunes
et al (2000), apresentam as melhores qualidades no que se refere à pesquisa, possuindo, principalmente, uniformidade de registro
de dados bibliográficos e informações
tecnológicas, permitindo resultados mais precisos e confiáveis.
O artigo em questão diz respeito ao procedimento metodológico de análise de documentos de patentes relacionadas à tecnologias
de quebra de amêndoas depositados e/ou
publicados no escritório europeu de patentes
(espacenet), entre os anos de 1901 e 2007,
tendo como objetivo mostrar a visão dessas
tecnologias ao longo do tempo, a origem das
mesmas, as principais empresas detentoras
e outras informações relevantes relacionadas
à cadeia produtiva, visando auxiliar, principalmente, pesquisadores da área de engenharia
mecânica do Centro Federal de Educação
Tecnológica da Bahia, que estão desenvolvendo um novo modelo de máquina de quebra
de amêndoa de um fruto específico, parte
integrante de um projeto multidisciplinar desenvolvido na Instituição supracitada voltado
para a geração de renda e Desenvolvimento
Sustentável no semi-árido baiano.
2. METODOLOGIA
Para o levantamento de patentes referentes ao desenvolvimento de tecnologias de
quebra de amêndoas, bem como a identificação dos dados referenciais existentes nos
documentos e a indexação dessas informações em um banco de dados.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
O levantamento foi realizado em setembro
de 2007, a partir das patentes depositadas no
escritório europeu de patentes – espacenet -,
utilizando a cobertura da base Wordwide, que
contém documentos depositados e publicados em mais de 70 países.
A busca na base de dados foi feita através
do critério de combinação de palavras-chave,
na categoria resumo.
Assim, as combinações e estratégias utilizadas, bem como os resultados obtidos podem ser visualizados na Tab (1).
O resultado escolhido foi o da estratégia
de combinação “machine*+ break + nut”, a
qual se aproximou mais dos objetivos almejados, resultando em um levantamento de 180
(cento e oitenta) documentos de patentes.
Ao realizar o levantamento de patentes, as
informações contidas nos documentos foram
indexadas em uma tabela denominada “Máquinas de Quebras”, a qual continha como
principais campos:
•
•
•
•
•
•
•
•
Número da patente;
Data e ano de publicação
País de origem;
Título;
Nome do Inventor (ES);
Nome dos detentores dos direitos;
Número da Prioridade;
Resumo
Após desenvolvimento do banco de dados,
foi realizada uma apuração nos resultados, a
fim de evitar não só repetição de patentes,
como também a permanência no banco de
dados de patentes que não estão relacionadas ao tema em questão – Tecnologias de Quebra de Amêndoas. Com isso, foram
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
53
identificada, dos 180 documentos de patentes pesquisados, apenas 06 referentes a
tecnologia de quebra de amêndoas.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 Origem das tecnologias
A análise do banco de dados no que se
refere aos países de origem das tecnologias
patenteadas, expõem que na Grã- Bretanha
está dominando fortemente o cenário, pois ali
está localizada cinco documentos de patentes, o que representa mais de 80% dos documentos analisados. A França vem em seguida, com números não tão expressivos, 16%.
Observou-se a inexistência de documentos de patentes nessa área nos países em desenvolvimento, o qual pode-se incluir, especialmente, o Brasil. Veja, na Fig. (1), a síntese
dessas informações.
3.2 Evolução das tecnologias ao longo dos
anos
O resultado da análise no tocante à evolução das tecnologias ao longo dos anos, conforme mostra a Fig. (2), permitiu observar que
nas décadas de dez e sessenta são onde há
uma maior incidência de depósitos das patentes de quebra de amêndoas. A década de
50 e 90 aparecem em seguida, ambas com a
identificação de um documento de patente
cada.
3.3 Empresas detentoras das Tecnologias
Após analisar os detentores das
tecnologias de quebra de amêndoas, foi verificado que cada documento de patente analisado possui um detentor diferente, sendo que
apenas duas dessas patentes possuem detentores localizados em países diferentes dos
da origem das mesmas.
54
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
4. CONCLUSÃO
O desenvolvimento do presente trabalho
permitiu, primeiramente, a confirmação de que
os documentos de patentes são uma ferramenta de grande valia no auxílio à tomada de
decisão, visto que as mesmas, além de serem documentos públicos, permitem uma excelente visualização de informações importantes, de forma consistente e precisa.
O estudo de prospecção de tecnologias
de quebra de amêndoas indicou que a área
em questão é pouco explorada, até mesmo
em países considerados desenvolvidos.
O presente estudo representa apenas uma
parcela do universo de informações que poderão ser obtidas a partir de análise de documentos de patentes. Espera-se que o presente estudo sirva como auxílio para realização
de novas pesquisas na área, bem como contribuam para as áreas de gestão da produção
em engenharia mecânica, bem como de
prospecção tecnológica e/ou áreas afins.
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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
56
Cultura escolar e (des)encontro com a diversidade
Antonio José Tavares Lima1
RESUMO
O artigo realiza uma avaliação do conceito de cultura escolar, suas especificidades e principais teorias, visando situar as possibilidades, enquanto categoria de análise, para pensar a
problemática da diversidade cultural no contexto escolar. Parte de uma análise do conceito de
cultura, sua história e marcha pela filosofia, antropologia até a educação. Situa os múltiplos
interesses implícitos nas formas de usos do conceito, as conexões ideológicas e políticas envolvidas. Analisa a estrutura tradicional de poder da educação, seus dispositivos e propósitos,
tendo em vista problematizar os papéis da escola em função das novas demandas que lhe são
dirigidas. No caso do Brasil, onde o contexto escolar encontra-se atravessado pelo encontro de
culturas diferentes, surge o desafio de contemplar a diversidade, sem perder de vista um certo
sentido de universalidade. Este desafio assinala um paradoxo intrínseco a educação escolar,
posto que as escolas não foram concebidas para gerenciar diversidades mas para produzir
homogeneidades. Seus rituais envolvem práticas minuciosas de controle sobre os alunos, através de dispositivos que Foucault chamou de disciplinas. As disciplinas anunciam o modelo de
poder próprio da modernidade que substituiu os castigos físicos medievais. Dentro desta perspectiva, uma prática pedagógica multicultural implica em romper com este modelo e instituir
outras concepções de poder, mais flexíveis e negociáveis. Contudo, isto não possibilita gerar
uma escola livre de conflitos. O convívio com a diversidade necessariamente gera estranhamentos
e tensões. Um dos maiores desafios da escola, nos cenários contemporâneos brasileiros, é
conseguir aprender a mediar este encontro de culturas, assegurando direito de fala às múltiplas
vozes presentes no seu cotidiano.
Palavras chave: Cultura escolar, rede de significações, cotidiano, diversidade, mediação, poder
disciplinar
1
Graduado em História e Psicologia (UFBA), Especialista em Educação (UFBA). Aluno especial do mestrado em
Educação e Contemporaneidade (UNEB). Leciona na Graduação do curso de Psicologia da FAMEC e na Pós Graduação
em Docência do Ensino Superior da ABEC/Cairu.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
INTRODUÇÃO
A educação escolar, no mundo ocidentalizado, encontra-se em um momento crítico
em relação aos imperativos de se contextualizar com as demandas contemporâneas. Demandas que, no caso específico do Brasil, se
deparam com um desafio histórico: contemplar a diversidade cultural. Um desafio que põe
em suspeição a função básica das escolas,
que sempre foi formar certo tipo de pessoa
para determinado tipo de sociedade ou seguimento da sociedade.
Embora a educação escolar tenha sido
constituída para produzir homogeneizações,
tem sido palco de diferentes formas de adesão a suas ofertas. Isto porque, mesmo sendo da mesma origem cultural ou até familiar,
as pessoas não são iguais e não processam
as informações do mesmo jeito. Contudo,
estas diferenças foram toleradas pelas instituições de ensino na medida em que não se
distanciassem muito da regra, quando isto
acontecia, à escola fechava suas portas. As
sociedades modernas sempre foram
assumidamente excludentes. Neste contexto,
não constituía tabu excluir o aluno indesejado.
Foi somente a partir das décadas de 60/70 do
século passado, com o fim da segunda guerra mundial, que uma série de mudanças na
dinâmica da sociedade possibilitou que jovens,
mulheres, grupos étnicos, ecologistas, homossexuais, dentre outros, anunciassem suas
vozes como em nenhum outro momento da
história. A chave para o debate sobre direitos
humanos estava descoberta. A partir deste
contexto, nas instituições das sociedades urbanas ocidentais, surge o imperativo de aprender a “tolerar” a diferença.
Umas das instituições que vivencia de forma particularmente dramática esta nova referência social são as escolas. Estas instituições
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
57
aparecem na modernidade como peça chave
de um novo modelo de governo das populações: o disciplinar. A idéia de poder disciplinar, como anuncia o pensador francês Michel
Foucault (1984), substitui o modelo coercitivo, dos castigos físicos medievais, pela educação. Dentro desta perspectiva, a educação
produz o indivíduo moderno a partir de um
processo minucioso de controle do seu corpo e do tecido social no qual ele se inscreve.
Este formato de educação não foi concebido para gerenciar diversidades. Contudo, a
partir do último quartel do século XX, por conta de uma série de fatores emergentes, as escolas passam a ser palco do encontro de pessoas oriundas de diferentes contextos culturais. Este processo de encontro de culturas
tem potencializado um complexo jogo de
reelaborações e reconstruções. O convívio
com a diferença força a tessitura de novas
redes de significação para dar conta de experiências cotidianas de estranhamento, lutas,
resistências, conspirações, criações, rebeldias, dentre outras, que passaram a se desdobrar no interior da escola.
Compreender a escola não apenas como
espaço de reprodução, mas também como
espaço de produção de sentidos, implica em
pensar no conceito de cultura. Este conceito
prenhe de significações encontrou terreno de
problematizações, inicialmente, no campo filosófico, mas foi no terreno da antropologia
que mais se desenvolveu. Atualmente, o conceito de cultura foi apropriado por várias áreas do conhecimento, se constituindo em um
dos campos de discussões que mais aparece
nos espaços acadêmicos contemporâneos.
Na área educacional, o conceito de cultura
tem inspirado muitas discussões e tendências pedagógicas. Um campo significativo que
emerge neste cenário é o que discute a noção
58
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
de cultura escolar. Um importante teórico
deste campo é Jean Claude Forquin (1992),
que pensa a escola como um espaço de transmissão da cultura. Estes estudos encontram
seu norte no conceito de “transposição didática”. Outro nome relevante é André Chervel
(1990), que irá defender a especificidade da
cultura que a escola produz. Este autor pensa
a escola não apenas como um espaço de reprodução, mas também um espaço de geração de cultura.
O presente estudo pretende, a partir de um
passeio pela marcha das concepções de cultura, situar seu encontro com a área educacional, tendo em vista avaliar as contribuições
do conceito de cultura escolar como categoria de análise para pensar a questão da diversidade no contexto das escolas.
CONCEITO DE CULTURA
A palavra cultura é de origem latina. O radical da palavra, o verbo colo, tem como sentido original “cultivar”. O vocábulo latino cultus,
portanto, possui, inicialmente, o sentido de
cultura da terra. Na língua francesa, a palavra
cultura (culture) aparece em fins do século XIII
para designar uma parcela de terra cultivada.
No início do século XVI, esse termo figura não
mais como um produto (terra cultivada), mas
como uma ação, ou seja, o fato de cultivar a
terra. O sentido figurado aparece somente no
meio século XVI, quando cultura passa a significar também o produto de outras ações,
como, por exemplo, a cultura de uma Universidade. Contudo, este sentido só ganha força
a partir do século XVIII, quando aparece no
Dicionário da Academia Francesa (edição de
1718).
Foi nos contornos do Iluminismo que a
palavra cultura ganhou o sentido de “formação” ou “educação” do espírito. Segundo
Cuche (2002, p. 19), “No século XVIII, cultura
é sempre empregada no singular, o que reflete o universalismo e o humanismo dos filósofos: a cultura é própria do Homem (com maiúscula), além de toda distinção de povos ou
de classes”. Cultura passa a ser associada às
noções de educação, progresso, evolução,
razão, isto é, os conceitos centrais do movimento Iluminista.
Na língua alemã, kultur, no sentido figurado aparece no século XVIII, de forma muito
parecida com o sentido francês impresso ao
termo. Contudo, a transformação deste sentido inicial leva a uma perspectiva muito específica na língua alemã. A partir do século XIX,
a noção alemã de kultur vai se direcionar cada
vez mais para a afirmação das diferenças nacionais. Trata-se de uma perspectiva
particularista que se opõe a visão francesa
universalista. Essa formulação deu subsídios
para o desenvolvimento do nacionalismo. A
cultura vem da alma, do gênio de um povo.
Ela constitui o patrimônio de uma nação: as
suas conquistas artísticas, intelectuais e morais.
É creditado ao antropólogo inglês Edward
Burnett Tylor (1832-1914) a primeira definição etnológica de cultura:
Cultura e civilização, tomadas em seu sentido etnológico mais vasto, são um conjunto
complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, o costume e
as outras capacidades ou hábitos adquiridos
pelo homem enquanto membro da sociedade
(1871, p.11), apud Cuche (2002, p.35).
Na concepção de Tylor a cultura era um
fenômeno natural e, desta forma, poderia ser
analisado sistematicamente, tendo em vista
formular leis que explicassem sua gênese
e transmissão. A diversidade cultural era comVolume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
preendida por Tylor como resultado da desigualdade nos estágios evolutivos de cada sociedade. Assim, caberia à antropologia a tarefa de estabelecer uma escala civilizatória com
dois pólos: um representado pelas sociedades européias; e o outro pelas comunidades
periféricas, ficando claro o princípio evolucionista unilinear.
A reação ao evolucionismo de Tylor veio
através de Franz Boas (1858-1942), o primeiro antropólogo a fazer pesquisa de campo,
considerado o inventor da etnografia. Seus
estudos caminham na direção de pensar a
diferença. Combateu o conceito de raça e as
idéias que estabeleciam relações entre traços
físicos e mentais. Atribui à antropologia as tarefas de reconstruir a história dos povos e de
comparar a vida social de diferentes povos,
vislumbrando o particularismo histórico.
A antropologia americana, tomada por um
esforço constante de interpretação das diferenças culturais nos grupos humanos, vai
tomar o caminho para problematizar os vínculos que se formatam entre o indivíduo e sua
cultura. Como os seres humanos incorporam
e vivem sua cultura? Surge então a corrente
denominada “cultura e personalidade”. A
questão central colocada aqui é: por quais
mecanismos de transformação, indivíduos de
natureza idêntica a princípio, acabam adquirindo diferentes tipos de personalidade, característicos de grupos particulares.
Aluna e assistente de Boas, Ruthe Benedict
(1887-1948), dedica sua obra em grande
medida para tentar definir os chamados “tipos culturais”. A autora lança mão da hipótese da existência de um “arco cultural” que incluiria todas as possibilidades culturais em
todos os âmbitos, cada cultura podendo tornar real apenas um seguimento particular deste
arco cultural. Benedict afirma que a variedaVolume 05 – Número 01 – Ano 2008
59
de de culturas é redutível a um certo número
de tipos caracterizados. Toda cultura se caracterizaria então pelo conceito de pattern, que
pode ser traduzido por uma certa configuração, um certo estilo, um certo modelo de existência. Este modelo existiria de acordo com
objetivos visados no conjunto das escolhas
culturais possíveis e implica na idéia de totalidade homogênea e coerente.
Outro nome significativo da antropologia
americana é Margaret Maed (1901-1978). No
seu mais importante estudo, ela pesquisou
três sociedades da Nova Guiné , os Arapesh,
os Mundugomor e os Chabuli (1935). Ela revelou neste estudo que as pretensas personalidades masculina e feminina, que consideramos naturais, não existem enquanto tal, mas
são forjadas pela cultura.
A antropologia americana sofreu vários ataques sob vários aspectos. No entanto, o tema
da totalidade cultural foi retomado sob uma
nova perspectiva em Claude Levi-Strauss
(1959), que definiu cultura como:
Toda cultura pode ser considerada como
um conjunto de sistemas simbólicos. No primeiro plano desses sistemas colocam-se a linguagem, as regras matrimoniais, as relações
econômicas, a arte, a ciência, a religião. Todos estes sistemas buscam exprimir certos
aspectos da realidade física e da realidade
social, e mais ainda, as relações que estes dois
tipos de realidade estabelecem entre si e que
os próprios sistemas simbólicos estabelecem
uns com os outros.
Lévi-Strauss apresenta uma concepção
bem singular de cultura. Na sua visão estruturalista, a antropologia constitui um método
para tentar entender a história de sociedades
que não a têm. Lévi-Strauss vê a cultura como
sistemas estruturais. A tarefa da antropologia
60
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
seria descobrir os princípios da mente que geram esses sistemas invariantes, isto é, os materiais culturais sempre idênti-cos de uma cultura a outra, necessariamente em número limitado em função da unidade do psiquismo humano. O exem-plo mais típico destas regras
universais que o estruturalismo analisa é a proibição do in-cesto, que tem como fundamento
a necessidade das trocas sociais. É importante observar que, nesse sentido, o homem é
visto como dependente da cultura, um ser
inacabado que se completa com ela, no processo conduzido pelos agentes culturais.
Ainda na esteira de pensar a cultura como
um sistema simbólico, o antropólogo americano Clifford Geertz (1973, p.15) anuncia as
sociedades como análogas a textos. Max
Weber definiu o homem como um animal que
vive preso a uma teia de significados por ele
mesmo criada. Par tindo desse raciocínio,
Clifford Geertz sugere que essa teia seja o que
chamamos de cultura. O trabalho de interpretação dessa teia seria a missão do antropólogo, de forma a possibilitar uma leitura
semiótica do objeto analisado. Uma boa interpretação só será possível, segundo o autor,
através de um levantamento etnográfico.
CULTURA ESCOLAR
Os estudos sobre cultura escolar se iniciaram na década de oitenta do século passado,
mas somente se intensificaram a partir da
década de noventa. O caminho trilhado pelo
sociólogo francês Jean Claude Forquin
(1992), ao caracterizar a escola, situa as relações e implicações da cultura mais precisamente no currículo escolar. O autor se reporta ao papel social desemque ao lturalona de
produçscolares externos a escola e ortanto,
que a escola desempenha na sociedade ocidental, desde que educação deixou de ser uma
tarefa doméstica e passou a ser uma atividade em que a sociedade delega a alguns/as
professores/as. Ele reconhece o caráter conservador da escola, mas anuncia a possibilidade desta reinterpretar e criar a partir da
herança cultural.
Segundo Forquin (1992, p. 25-27), o currículo enquanto herança cultural é um conjunto de conhecimentos selecionados culturalmente, estratificados hierarquicamente, dividido em disciplinas escolares para fins didáticos e ideológicos. Ao discernir “cultura
escolar” e “cultura da escola”, ele enfatiza que
o currículo é a peça central quando se trata
de cultura escolar, que é definida como o “conjunto de conteúdos cognitivos e simbólicos
que, selecionados, organizados, “normatizados” e “rotinizados”, sob o efeito dos imperativos da didatização, constituem habitualmente
o objeto de uma transmissão deliberada no
contexto das escolas” (transposição didática).
A cultura da escola é a produção e a gestão
de símbolos, ritos e linguagens específicos
de uma unidade escolar.
De acordo com o autor, ensinar é colocar
alguém em presença de certos elementos da
cultura, elementos estes que foram selecionados e discriminados a partir de critérios
geralmente denominados “universais”. Enfim,
para este autor, o objetivo da educação é transmitir algo da cultura, elementos da cultura que
podem ter origem em fontes ou épocas diferentes para a socialização das novas gerações.
O conceito de transposição didática foi elaborado, originalmente, pelo sociólogo Michel
Verret, em 1975. Porém, em 1980, o matemático Yves Chevallard retoma essa idéia, fazendo dela uma teoria e com isso analisando
questões importantes no domínio da Didática
da Matemática. Chevallard (1991) analisou
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
como o conceito de “distância” nasce no campo da pesquisa em matemática pura e reaparece modificado no contexto do ensino de
Matemática. Ele define a “transposição didática” como um instrumento eficiente para analisar o processo através do qual o saber produzido pelos cientistas se transforma naquele
que está contido nos programas e livros didáticos e, principalmente, naquele que realmente aparece nas salas de aula,
BROCKINGTON (2006).
Segundo essa formulação, o autor afirma
que um conceito, ao ser transferido de um contexto ao outro passa por profundas modificações. Ao ser ensinado, todo conceito mantém
semelhanças com a idéia originalmente presente em seu contexto da pesquisa, porém adquire outros significados próprios do ambiente
escolar para o qual será transposto. De maneira geral, Chevallard pretende que os conhecimentos (saberes) presentes no ensino não sejam meras simplificações de objetos tirados do
contexto de pesquisas com o objetivo de permitir sua apreensão pelos jovens. Trata-se, pois,
de “novos” conhecimentos capazes de responder a dois domínios epistemológicos diferentes: ciência e sala de aula.
O historiador Dominique Julia (2001, p. 10)
compreende a cultura escolar como “um conjunto de normas que definem conhecimentos
a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão
desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”. O conceito de cultura
escolar, dentro desta perspectiva, anuncia um
olhar para o interior da escola, ou seja, para
seu funcionamento interno. Um olhar para as
relações que os professores entabulam com
as regras instituídas, quais as formas de resistência e de luta, quais aos os usos dos dispositivos pedagógicos postos a circular.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
61
Sem querer em nenhum momento negar
as contribuições fornecidas pelas problemáticas da história do ensino, estas têm-se revelado demasiado “externalistas”: a história
das idéias pedagógicas é a via mais praticada e a mais conhecida; ela limitou-se, por
demasiado tempo, a uma história das idéias,
na busca, por definição interminável, de origens e influências, - a his-tória das instituições (quer se trate de instituições militares,
judiciais etc.). A história das populações escolares, que emprestou métodos e conceitos da sociologia, interessou-se mais pelos
mecanismos de seleção e exclusão social
praticados na escola que pelos trabalhos
escolares, a partir dos quais se estabeleceu
a discriminação.
Seguindo outra direção, André Chervel
(1990), defendia a capacidade da escola produzir uma cultura específica, singular e original. Questionava a perspectiva que situa a escola como simples agente de transmissão de
saberes elaborados fora dela, lugar, portanto,
do conservadorismo, da rotina e da inércia.
Na sua concepção, a escola fornece à sociedade uma cultura constituída de duas partes:
os programas oficiais, que explicitam sua finalidade educativa, e os resultados efetivos
da ação da escola, os quais, no entanto, não
estão inscritos nessa finalidade. A escola é
capaz de produzir um saber específico cujos
efeitos estendem-se sobre a sociedade e a
cultura, e que emerge dos determinantes do
próprio contexto institucional.
Viñao Frago (1995) apud Gonsalves (2005,
p 147) afirma que “cultura escolar recobre a
diferentes manifestações das práticas instauradas no interior das escolas, transitando de
alunos a professores, de normas a teorias. Na
sua interpretação englobava tudo que acontecia na escola”.
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
Verificamos, então, a escola como uma
instituição singular, que se constitui sobre processos, normas, valores, significados, rituais,
formas de pensamento, formatadores da cultura própria, que não é fechada, nem estática,
nem replicável. A cultura atravessa todas as
ações do cotidiano escolar, tanto na influência dos seus ritos como sobre a sua linguagem, tanto na determinação das suas formas
de organização e de gestão, como na constituição dos sistemas curriculares. Segundo
Silva (2006, p. 206):
Diversidade cultural
Seja cultura escolar ou cultura da escola,
esses conceitos acabam evidenciando praticamente a mesma coisa, isto é, a escola é
uma instituição da sociedade, que possui suas
próprias formas de ação e de razão,
construídas no decorrer da sua história, tomando por base os confrontos e conflitos
oriundos do choque entre as determinações
externas a ela e as suas tradições, as quais
se refletem na sua organização e gestão,
nas suas práticas mais elementares e cotidianas, nas salas de aula e nos pátios e corredores, em todo e qualquer tempo, segmentado,
fracionado ou não.
Um exemplo interessante pode ser pensado com os negros que foram escravizados no
Brasil por quatro séculos. Apesar deste processo de desestruturação social e cultural
quase absoluta, criaram culturas originais e
dinâmicas. Dentro desta perspectiva, Bastide
(1995), apud Cuche (2002, p.137), se opõe a
concepção de estrutura de Levi-Strauss, que
ele considera demasiadamente estática. Ao
invés de “estrutura”, ele anuncia “estruturação”, “desestruturação” e “reestruturação”. A
cultura é uma construção “sincrônica” que se
elabora a todo instante através deste tipo de
movimento.
A escola, como já foi comentado, tem uma
função social que vai além da dimensão especificamente instrucional. A dinâmica das
relações que se estabelecem no seu interior
não obedece apenas uma lógica. Como afirma Silva (2006, p.203), “a escola é uma totalidade mais ampla”. Ela extrapola os limites dos
ordenamentos burocráticos e dos planejamentos pedagógicos, possibilitando a
tessitura de uma rica rede de significações.
Dito de outra forma, a escola “reelabora, segundo a sua dinâmica interna, as normas,
valores, práticas comunitárias, dando-lhes
uma coloração nova, mas nem por isso alheia
ao encadeamento geral da sociedade” Cândido (1964), apud Silva (2006, p 203)
Dentro de uma perspectiva mais contemporânea, o conceito de cultura é pensado sempre como resultado, em níveis diversos, de
processos de contatos com outras culturas.
Não existem culturas puras. Elas se estruturam
como processos permanentes de construção,
desconstrução e reconstrução. O que varia é
a importância de cada fase. Surge aqui a noção de culturação para sublinhar esta dimensão dinâmica da cultura.
A noção de cultura escolar situa a escola
não apenas como um espaço de reprodução,
como marca, por exemplo, Bourdieu e
Passeron (1975), mas também como um espaço de produção de cultura. Um percurso
marcado pelo encontro de discursos
hegemônicos, que imprimem formatos e ditam regras, mas que não silenciam as vozes
de outras culturas. Vozes que nem sempre são
ouvidas, porque não costumam freqüentar as
salas de aula, mas que não cessam de falar
nos corredores, nos pátios e portões, muros
e cantinas. Essas narrativas produzem novos
textos culturais híbridos, forjados a partir do
choque de culturas, assim como a capoeira e
o candomblé se constituíram a partir do choque entre os mundos branco e negro.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
Dentro desta perspectiva, perceber a escola como uma grande encruzilhada, zona
de mistura entre mundos diferentes, pressupõe aprender a mediar estes processos
culturais. Processos carregados de emoção
e marcados por oposições e conflitos diversos. Importante situar a complexidade destas mediações. Ao instituir a escola como
uma zona de encontro da diversidade, fica
implícita a impossibilidade de promover uma
pretensa harmonia definitiva entre os atores
envolvidos.
Considerar o conflito, dentro de suas múltiplas manifestações, como um processo intrínseco à educação, pressupõe a construção de um outro olhar. Um dos principais objetivos do poder disciplinar é docilizar os corpos dos alunos e mantê-los devidamente
quietos, “bem comportados”. Qualquer tipo
de conflito aqui é lido como indisciplina e
passível de punição. As escolas sempre tentaram impor, frequentemente de forma violenta, a paz entre os alunos. Prática totalmente coerente com os propósitos
homogeneizadores que se propunham. Uma
educação multicultural precisa abrir mão deste tipo de dispositivo e pensar outros princípios para legitimar sua autoridade. Reside
aqui, talvez, o grande desafio deste novo
olhar: instituir outros formatos para o poder.
Outros padrões de autoridade, mais flexíveis
e dialógicos. O que não significa dizer que a
escola precisa se adaptar de forma unilateral
aos padrões culturais dos alunos. Importante lembrar que a escola também precisa ser
respeitada, sob pena de se gerar outro tipo
de tirania. A educação sempre será um processo tensivo e envolverá algum nível frustração em todos os atores envolvidos. Pensar uma escola onde todos estão sempre satisfeitos é ingenuidade.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
63
COMENTÁRIOS FINAIS
Falar sobre cultura é sempre uma aventura
homérica, mesmo que dentro das pretensões
limitadas deste artigo. O Brasil é um país que
sempre importou modelos de outros paises
para aplicar em suas realidades, não apenas
na área educacional, mas em diferentes seguimentos da vida social. Esta prática deve
ser revista. A educação escolar precisa se inspirar em referências pedagógicas contextualizadas, que contemplem nossos cenários. Pensar a escola como um espaço de encontro de
culturas implica em pensar a importância de
possibilitar que estas vozes possam falar, não
exatamente visando eliminar conflitos, posto
que o estranhamento diante da diferença é
inevitável, mas para conhecer suas dinâmicas
e potencializar ações.
A educação escolar, nos diferentes níveis
de ensino e, praticamente em todas as escolas do mundo, é norteada por currículos e
por programas de cursos que, em momento
algum, foram concebidos considerando-se
a opinião do público a que ela se direciona.
Este formato unilateral evidencia uma concepção de ensino distorcida. O aluno aqui é
visto como um ser sem cultura ou de cultura
inferior, que precisa, por tanto, ser
aculturado. O nosso velho Paulo Freire sempre chamou a atenção para a importância de
se considerar a cultura de referência dos alunos em qualquer processo pedagógico. Esta
distorção evidencia um campo rico para novas possibilidades de pesquisas. Quais redes de significações são tecidas entre os alunos nos seus cotidianos escolares? Quais
representações fazem da escola? Conhecer
estes elementos pode fornecer pistas muito
valiosas para os que perseguem a trilha de
uma práxis pedagógica contextualizada com
nossas realidades.
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
Em grande medida, o fracasso escolar pode
ser pensado não apenas sob o ponto de vista
cognitivo, mas também simbólico. Não se perceber pertencendo a um determinado grupo
ou sentir-se excluído por este grupo, devido
aos seus valores e crenças, seguramente não
constitui clima favorável para o aprendizado. O
conceito de cultura escolar, portanto, pode oferecer uma rica contribuição como categoria de
análise para pensar a questão da diversidade
no contexto escolar. Pode oferecer subsídios
para compreender as redes de significação que
aí se tecem, e formular projetos que contemplem não apenas a questão da “transposição
didática”, mas também considerem a importância de mediar os processos culturais.
FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura: as
bases sosciais e epsitemológicas do conhecimento escolar. Por to Alegre: Ar tes Médicas,
1992.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento
da Prisão. Petrópolis: Vozes, 2003.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas.
Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
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das Culturas e das Práticas Escolares. In: SOUZA, R. & VALDEMORIN, V. (Orgs). A cultura Escolar em Debate: questões conceituais,
metodológicas e desafios para a pesquisa. Campinas/SP: Autores Associados, 2005
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BROCKINGTON, G & PIRTROCOLA, M. Serão as
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conceitos de Física Moderna? Investigações em
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LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, 2, 1990.
MEAD, Margaret. Sexo e Temperamento. São
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CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru/SP: EDUSP, 2002.
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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
65
Educação como pilar para o desenvolvimento:
Políticas públicas para assistência estudantil
Maria Raidalva Nery Barreto*
RESUMO
Para compreender a impor tância do Ensino Superior no Brasil se faz necessário uma
contextualização do mesmo no Brasil, ao tempo em que se verifica a importância das Políticas
Públicas de Assistência Estudantil, no sentido de viabilizar a permanência dos estudantes na
Educação Superior. O presente artigo apresenta alguns exemplos dessas políticas na Bahia,
assim como as solicitações e sugestões apresentadas por estudantes universitários da Bahia.
Palavras-chave: Política Públicas – Educação Superior - Universidade
O ensino superior segundo a UNESCO
Segundo o relatório da UNESCO: Educação – um tesouro a descobrir, “as universidade têm certas particularidades que as tornam
locais privilegiados para desempenhar estas
funções”. Elas se constituem “o conservatório vivo do patrimônio da humanidade,
patrimônio sem cessar renovado pelo uso que
fazem dele professores e pesquisadores.”
fins de 1996, novas perspectivas foram colocadas e sonhadas para a sociedade brasileira. A reconstrução de um sistema educacional de qualidade, eqüitativo e eficiente, trouxe
novos e constantes desafios. A expansão é
necessária, mas com um mínimo de planejamento; a equidade – um grande desafio, pois
as desigualdades são enormes; qualidade-
1
O ensino Superior no Brasil
No Brasil, com o advento da nova Constituição em 1988 e a promulgação e da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional em
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
A Professora Maria Raidalva Nery Barreto é Licenciada
em Pedagogia, Especialista em Administração Pública,
Mestranda em Políticas Pública, Gestão do
Conhecimento e Desenvolvimento Regional pela
Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Atua na
Coordenação de Educação Superior – CODES da
Secretaria da Educação do Estado da Bahia – SEC e na
Faculdade Metropolitana de Camaçari - FAMEC. Email: [email protected].
66
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
principal objetivo e adequação - imperativo
para que o sistema responda às aspirações,
necessidades e anseios da sociedade brasileira, representada pelos milhares de alunos
que batem às portas da Universidade procurando formação e informação.
A educação superior, que havia atravessado um prolongado período de estagnação
entre 1980 e 1993, durante o qual incorporou apenas 271 mil matrículas – um crescimento acumulado de 15,78%, em 14 anos –
retornou, na segunda metade da década de
90, o mesmo vigor com que se expandira na
década de 70. A diferença, no entanto, é que
esse novo ciclo de crescimento tem sido caracterizado pelo domínio crescente do setor
privado, que cresceu 58,4% , entre 1994 e
1999, quase três vezes o aumento do setor
público no mesmo período (20,5%) (PLANK,
2001).
O aumento do número de vagas no ensino superior representa um bom indicador, visto que, a atividade fundamental da universidade é o educar, em todos os sentidos. A educação é à base de uma sociedade pluralista,
democrática, em que a cidadania não é um
conceito garantido apenas formalmente na lei,
mas é exercida plena e conscientemente por
seus membros.
A importância das Políticas Públicas de Assistência Estudantil
Uma universidade se distingue de qualquer
outro tipo de instituição de ensino superior
por ser o espaço privilegiado em que os participantes do processo educacional interagem
proficuamente, desenvolvendo e adquirindo
conhecimentos e habilidades com o objetivo
de entender e agir sobre a realidade que os
cerca. Este processo resulta não apenas na
capacitação dos alunos, técnica e formalmente
para desempenhar suas atividades no seio da
sociedade, mas deve proporcionar o desenvolvimento de uma visão sistêmica desta realidade. Agrega, assim, compreensão do mundo à sua volta e tolerância às visões distintas,
características essenciais de uma cidadania
integrada e ativamente democrática.
Verifica-se que nos últimos vinte anos o
número de estudantes que concluem o ensino médio aumentou cerca de 250% (MEC,
2006), aumentando a demanda de vagas e a
preocupação em relação ao acesso à Universidade; porém, tem sido discutida também a
questão da permanência dos alunos egressos de escolas públicas na Universidade.
Santos (2006, p. 68) afirma que:
Talvez seja mais correto designar a área do
acesso como acesso/permanência ou mesmo acesso/permanência/sucesso, uma vez
que o que está em causa é garantir não só o
acesso, mas também a permanência e o sucesso dos estudantes oriundos de classes
ou grupos sociais discriminados.
Nessa perspectiva, verifica-se que apenas
o acesso de alunos carentes à Universidade
talvez não seja suficiente, uma vez que se faz
necessário que seja garantida a sua permanência.
Para democratização do ensino superior,
onde todos os cidadãos tenham acesso a esse
nível de escolaridade, tornam-se necessárias
políticas públicas da assistência estudantil,
voltadas para o acesso e a permanência do
estudante na universidade.
No que diz respeito à permanência dos estudantes das classes populares nas Universidades Públicas Estaduais da Bahia parece remeter ao enfrentamento de um grave probleVolume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
ma: a evasão (causada por problemas econômicos). Como solução para esse grave
problema (a evasão) sugere-se a criação de
políticas públicas voltadas para a permanência desse estudante na Universidade.
Toma-se como exemplo a caso da Universidade Federal da Bahia – UFBA, pois, segundo Barreto (2007), cerca de 34% de alunos
que conseguem ingressar na citada Universidade não conseguem completar o curso no
prazo máximo regulamentar e existem evidência que os estudantes negros e egressos de
escolas públicas são especialmente afetados
com o problema: 50% dos aprovados no Vestibular 2003 eram negros e 33% eram egressos de escola pública: apenas 43% dos
graduandos daquele ano eram negros e 19%
de escola pública (SANTOS, APUD BARRETO,
2007)
Diante do problema acima citado, a UFBA
criou o Programa de Ação Afirmativa, que provê a adoção de três medidas visando o apoio
e a permanência do estudante na Universidade: revisão da grade de horário de modo a
permitir a combinação entre estudo e trabalho, que inclui a abertura de cursos em horários noturnos e aulas concentradas em finais
de semana; implementação de um programa
amplo de tutoria social, reforço escolar e
acompanhamento acadêmico que atenda a
todos os estudantes que demandarem; a ampliação da capacidade de atendimento dos
programas de apoio estudantil, com mais bolsas de trabalho, bolsas- residência e auxílio
alimentação (BARRETO, 2007).
Vale ressaltar que o Ministério da Educação - MEC têm implementado alguns programas dirigidos para o ensino superior que consideram a condição sócio-econômica e étnico-racial dos estudantes, a exemplo do Programa Universidade Para Todos - PROUNI (volVolume 05 – Número 01 – Ano 2008
67
tado para o financiamento dos gastos com
mensalidades em universidades particulares),
o Projeto Universidade para Todos (que propicia a preparação dos estudantes baianos
para os processos seletivos das universidades), o Conexões de Saberes e o Uniafro (que
apóiam a permanência de estudantes através
da concessão de bolsas para aqueles que
conseguiram aprovação nos processos seletivos de universidades públicas). O BRASIL
AFROATITUDE é outra iniciativa de apoio à
permanência através da concessão de bolsas,
visando exclusivamente estudantes negros
beneficiados pelos sistemas de cotas já criados em universidades públicas brasileiras, que
resultou de uma parceria entre o Programa
Nacional DST-AIDS, do Ministério da Saúde,
a Secretaria Especial dos Direitos Humanos,
da Presidência da República, e a SEPPIR. A
existência de tais programas é conseqüência
da articulação existente no âmbito do Governo Federal entre setores ou órgãos que, ao
formatar e implementar programas de promoção da igualdade racial buscam responder às
demandas dos movimentos sociais e, ao mesmo tempo, obter o apoio político e financeiro
por parte de outras instâncias governamentais necessário para a consolidação de uma
política pública nessa área (BARRETO, 2006).
Salienta-se, ainda, que o apoio dos organismos internacionais (como a UNESCO) e das
fundações privadas (como a Ford Foundation)
nesse tipo de articulação também tem sido
bastante significativa, seja através da criação
de programas autônomos que induziram a
implementação de projetos nas instituições
públicas de ensino superior, ou através do financiamento de programas que têm sido
implementados por órgãos governamentais
(BARRETO, 2007).
As ações desenvolvidas pelas Universidades, pelo MEC, pelos organismos internacio-
68
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
nais e pelas fundações privadas, ainda não
são suficientes para contemplar o universo de
estudantes das classes populares que ingressam na universidade e não concluem o curso
no prazo mínimo ou que são obrigados abandonar seus estudos por questões socio-econômicas.
Nessa perspectiva, o Fórum dos Diretórios
Centrais de Estudantes - DCEs das Universidades Estaduais Baianas - UEBAs, reunido no
dia 26 de julho de 2007, na cidade de Salvador, discutiu os problemas enfrentados pelas
UEBAs ao longo dos últimos anos (UNEB,
2007). Os estudantes chegaram à conclusão
de que a situação das Instituições de Ensino IES públicas estaduais não possibilita o cumprimento de papel social que as mesmas devem exercer. Eles reivindicam a elaboração e
implementação de políticas públicas, de dever do Estado, que visem garantir o acesso e
permanência, bem como a formação plena
dos estudantes universitários, priorizando a
assistência a segmentos historicamente excluídos, com destaque para:
- Rubrica específica para a assistência estudantil na matriz orçamentária do Estado.
- Alimentação - Restaurantes Universitários
de qualidade e com preços populares.
- Transporte - Fiscalização efetiva por parte
da AGERBA da qualidade dos serviços
prestados e meia passagem para o transporte intermunicipal.
- Moradia - Construção, estruturação e manutenção de Residências Universitárias em
todas as UEBAs, de acordo com suas demandas específicas.
Infere-se, que além das reivindicações dos
estudantes das Universidades Estaduais
Baianas, cabe também aos Estados refletir
sobre essas e outras políticas que viabilizem
o acesso e a permanência dos estudantes nas
Universidades Públicas Estaduais da Bahia.
REFERÊNCIAS
BARRETO, Paula Cristina da Silva Barreto. Apoio
e Permanência de Estudantes de Escolas Públicas e Negros em Universidades Públicas Brasileira: as expetiências dos projetos tutoria e Brasil afroatitude na UFBA. Disponível em: http://
w w w. i f c s . u f r j . b r / ~ o b s e r v a / r e l a t o r i o s /
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MEC. Programa Universidade para todos. Disponível em: http://prouni-inscrição.mec. gov.br/
prouni. Acesso em 27 de junho de 2007.
PLANK, David N. Política Educacional no Brasil: Caminhos para a Salvação Pública. Por to
Alegre: Editora Artmed, 2001.
SANTOS, Boaventura de Souza. A universidade
no século XXI: para uma reforma democrática e
emancipatória da universidade. São Paulo:
Cortez. 2004.
UNEB. Notícias: Fórum dos Diretórios Centrais de
Estudantes das Universidades Estaduais. Disponível em: <www.uneb.br/exibe_noticia.jsp
?pubid=1985>. Acesso em 29 de agosto de 2007.
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Identidade e educação em perspectiva: incursões
no ensino de língua materna e estrangeira
Fernanda Mota1
RESUMO
Neste artigo, propõe-se uma reflexão sobre o ensino de língua materna e estrangeira, em sua
relação com acepções de identidade. Para subsidiar essa relação, foi empreendida a leitura de
dois textos que se apresentam como eixos desse estudo, a saber: A identidade cultural na pósmodernidade, de Stuart Hall, e “Texto e contexto”, de Maria Pauliukonis. Da leitura do texto de
Hall, foram destacadas definições de identidade a partir de três categorias de sujeito: o sujeito
do iluminismo, o sociológico e o pós-moderno. Tais categorias, em especial, a primeira e a
terceira, foram articuladas à discussão de fases do ensino de língua materna – com recorte
específico no ensino de leitura –, apresentadas por Pauliukonis. No que pese ao ensino de
língua estrangeira, as discussões direcionaram-se para fazer uma crítica sobre uma prática
pedagógica que prima pela assimilação passiva de aspectos lingüísticos. Entre as abordagens
que se inserem nessa prática, destaca-se o método audiolingual, que objetiva o ensino de um
idioma purificado das marcas da identidade lingüística dos falantes, desconsiderando, por conseguinte, a subjetividade dos aprendizes, cujos objetivos e anseios são, não raro, suprimidos
em nome de uma padronização lingüística. A título de ilustração das questões que permeiam
este artigo, foram comentados o filme O sorriso de Mona Lisa – como exemplo de contraponto
a aulas que seguem moldes tradicionais – e a peça Pigmaleão, do dramaturgo irlandês George
Bernard Shaw – com base na qual é discutido o ensino de língua estrangeira em que, normalmente, se observa a ênfase em planos e projeções do professor em detrimento dos objetivos
dos próprios educandos.
Palavras chave: educação; identidade; leitura; língua.
1
Fernanda Mota Pereira é doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal
da Bahia, na linha de pesquisa: Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura. Leciona a disciplina Lingüística na Faculdade
Metropolitana de Camaçari (FAMEC) e Língua Inglesa e Literatura Anglófona na Faculdade Dom Pedro II.
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
Identidade e educação em perspectiva:
incursões no ensino de língua materna e
estrangeira
Para começo de partida: alguns pontos
Nesse artigo, será abordado o ensino de
língua materna e estrangeira articulado a uma
acepção contemporânea de identidade, pontuando a sua interrelação com a
(re)configuração de sujeitos aprendizes e professores. Devido aos diversos pontos de vista que circundam esse tema e os vários caminhos abertos por ele, as discussões propostas serão orientadas por uma questão que
engendrou o ponto de partida para as considerações que tomarão as linhas e entrelinhas
que se seguem, qual seja: Que relação pode
ser estabelecida entre identidade e educação?
A partir da questão supracitada, outra se
apresenta: essa relação é contemplada na prática pedagógica dos mais diversos docentes no
contexto educacional? Dessas duas questões,
serão puxados fios tecidos com o intuito de
encontrar respostas a respeito das quais já se
reconhece, aqui, o seu caráter provisório.
Para responder essas indagações, três
pontos principais serão enfocados ao longo
deste texto, a saber: um breve percurso sobre o conceito de identidade e sua acepção
na pós-modernidade; o ensino de português
como língua materna; e o ensino de língua
estrangeira.
Um olhar sobre a identidade na contemporaneidade pelas lentes de Stuart Hall
Na contemporaneidade, é possível vislumbrar facilmente, nas mais diversas formas de
discurso, a emergência de discussões acerca
da multiplicidade que perfaz a identidade cultural na pós-modernidade. Tal multiplicidade
encontra, em um eixo paradigmático, alguns
outros termos, a ela associados, que compõem um mosaico de palavras que desenham
um possível conceito sobre a identidade. Entre essas, destacam-se a transitoriedade e a
fragmentação. Esses termos estilhaçam a imagem plena e coesa que outrora era atribuída
ao sujeito, como afirma Stuart Hall (2003) em
A identidade cultural na pós-modernidade. De
acordo com Hall, “as velhas identidades, que
por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas
identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado” (p. 7).
A unificação, mencionada por Hall, foi paulatinamente sendo diluída e misturada às coloridas estampas que compõem o cenário
cultural pós-moderno, no qual se reconhece
que o sujeito é constituído por traços que são
redefinidos ou acionados conforme o contexto em que ele se encontra. Por isso, segundo
o referido autor, “a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado
ou representado” (p. 21). Nessa perspectiva,
reconhece-se o jogo de identidades que marca a relação entre o eu e o outro, em que esses, de forma dialética, estão em permanente
reconfiguração e podem ter suas identidades
(re)delineadas de acordo com essa dinâmica.
Para ilustrar essa questão, Hall menciona um
exemplo, aqui reportado, em que os diversos
traços que constituem um sujeito estão em
jogo, mudando as suas peças a depender das
regras de cada partida:
Em 1991, o então presidente americano, Bush,
ansioso por restaurar uma maioria conservadora na Suprema Corte americana, encaminhou a indicação de Clarence Thomas, um
juiz negro de visões políticas conservadoras.
No julgamento de Bush, os eleitores brancos
(que podiam ter preconceitos em relação a
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um juiz negro) provavelmente apoiaram
Thomas porque ele era conservador em termos de legislação de igualdade de direitos, e
os eleitores negros (que apóiam políticas liberais em questões de raça) apoiaram
Thomas porque ele era negro. Em síntese, o
presidente estava ‘jogando o jogo das identidades’. (H
sistema ou mesmo a uma didática que prima
pela homogeneização dos saberes. Saberes
que atuam, sobremaneira, no processo de
constituição dos sujeitos, cuja intermediação
com o mundo ocorre através da linguagem,
inevitavelmente influenciada pelos conhecimentos desenvolvidos nos centros educacionais.
Com base no exemplo apresentado por Hall,
nota-se que a identidade é constituída por uma
série de traços que são destacados conforme
as demandas do contexto em que o sujeito
está inserido.
No que concerne ao conceito de identidade, Stuart Hall apresenta três principais, representados através do sujeito do iluminismo,
o sociológico e o pós-moderno. Sobre o primeiro, se supunha a existência de uma essência e uma unidade que o tornava coeso e
imutável. O sujeito sociológico, por sua vez, é
constituído mediante as influências do meio
que atuam sobre a sua “essência interior”. Por
fim, o sujeito pós-moderno pode ser mais precisamente definido pelo termo “identificações”,
em virtude de ser a sua identidade constituída por diversos fragmentos que são acionados ou deflagrados conforme a dinâmica e as
demandas de cada contexto.
A constituição fragmentária do sujeito instiga, desse modo, a necessidade de deslocar
acepções de identidade que a concebem como
imutável e uniforme. Tais acepções podem ser
observadas em instituições educacionais nas
quais ainda há professores que se orientam
pelo princípio de homogeneização, ditado pela
definição pouco flexível dos conteúdos e abordagens de ensino. Nesse sentido, as discussões sobre identidade encontram ressonâncias nos debates contemporâneos em torno
da educação, uma vez que, em sala de aula,
tem-se acesso a apenas algumas das possíveis faces dos aprendizes, que, mesmo assim, nem sempre são lidas ou consideradas
pelo professor no processo de configuração
dos caminhos a serem seguidos em sala de
aula no que concerne à metodologia, habilidades e conteúdos que são desenvolvidos.
Questões que, muitas vezes, se pautam em
um planejamento construído antes mesmo de
conhecer os discentes.
Nesse sentido, a extensão das reflexões de
Hall sobre o tema enfocado em seu livro às
discussões acerca da relação ensino-aprendizagem justifica-se por serem encontradas,
em sala de aula, identidades múltiplas e
mutáveis, que são por vezes impostas a um
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O ensino de língua materna
A partir das considerações de Hall, é possível identificar alguns momentos da história
do ensino de língua materna, em especial, no
que concerne à abordagem de leitura em sala
de aula, articulados, aqui, ao conceito de identidade explicitado pelo autor, com ênfase no
que define o sujeito do iluminismo e o pósmoderno.
Os estágios do ensino de leitura foram pontuados com base no estudo de Maria
Aparecida Pauliukonis (2007), em “Texto e
contexto”, e serão relidos, neste artigo, a partir das concepções de sujeito definidas por Hall.
A primeira delas se refere ao momento em que
o ensino de leitura de texto – ou, em um âmbito geral, o ensino de língua – é abordado
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com uma finalidade moralizante e voltado para
questões estéticas. Destaca-se, dessa fase, a
concepção de que o texto deve ser um espelho da figura sacralizada do autor, refletindo a
sua essência e apresentando-se como um
modelo de escrita que deveria ser seguido e
imitado pelos aprendizes. Nessa fase, os
aprendizes eram considerados como alunos,
no sentido etimológico do termo, isto é, desprovidos de luz, que devem, portanto, ser preenchidos pelos ensinamentos transmitidos
pelo texto e imitar o seu estilo. Essa atitude
desconsidera que o estilo de escrita de um
aprendiz já é uma expressão de traços de sua
identidade, que, quando obliterados em nome
da mera reprodução de modelos pré-estabelecidos, reverberam em uma negação de traços identitários dos sujeitos aprendizes.
Na segunda e terceira fase, no compasso
de uma regência estruturalista, os alunos partem em busca da identificação de uma verdade, que deve ser investigada e decifrada no
texto, com o objetivo de obter o máximo de
informação possível. A decodificação do texto e a memorização de informações – mesmo
quando desvinculadas da realidade – são os
objetivos que orientam as atividades de compreensão de texto, ou melhor, de mapeamento
de dados e sua memorização.
A essas três primeiras fases – em que se
busca, cartesianamente, o sentido do texto,
desconsiderando a sua pluralidade de significações –, pode ser relacionado o conceito de
identidade do sujeito iluminista que, por ter
uma consciência plena de si, está afinado com
a investigação de uma verdade única – como
unificado é o centro que o constitui. Desse
modo, para esse sujeito e de acordo com as
fases descritas, a informação deve superar a
capacidade de interpretação da vida
transubstanciada em letras nas páginas de
uma narrativa.
Em um sentido contrário ao da ânsia pela
assimilação passiva de conteúdos e da verdade presumivelmente existente em um discurso, apresenta-se a interrelação da aprendizagem com a vida que pode ser ilustrada
com a tarefa de uma professora de arte do
filme O sorriso de Mona Lisa (2003). Nesse
filme, a referida professora tem um primeiro e
frustrante enfrentamento com alunas capazes
de memorizar páginas inteiras de um livro e
que acreditam, com isso, terem chegado a uma
aprendizagem efetiva das lições da escola.
Diante das primeiras aulas, em que diversos
trechos de textos eram citados pelas alunas,
a professora decide apresentar uma aula que
transponha os limites das páginas do livro e
se estenda para lições de vida que não
reproduzam o instituído, mas, sim, redimensionem a perspectiva das alunas sobre a arte,
levando-as, em um jogo especular, a ressignificarem e reconfigurarem os seus projetos de
vida e a descortinarem ou mesmo engendrarem traços de suas identidades.
A atitude da professora de arte, cujo papel
é interpretado por Julia Roberts, representa a
última fase do percurso sobre ensino, delineado por Pauliukonis (2007). Essa fase está em
consonância com discussões contemporâneas acerca do ensino de língua materna, principalmente, de leitura, sob a contribuição inegável de Paulo Freire. Tais discussões substanciam a necessidade de configurar lições que
se emaranhem, em suas linhas e entrelinhas,
à visão de mundo dos aprendizes. Afinal, se
de acordo com Paulo Freire (1981), a “leitura
do mundo precede a leitura da palavra”, esse
mundo pode ser relido através da produção
de sentido sobre palavras que preenchem
páginas de livros e ressignificam o texto da
vida, que deflagra, na esteira de Stuart Hall,
novas “identificações” – termo que para esse
autor define de forma mais precisa a identidade na contemporaneidade, uma vez que essa
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é marcada por uma multiplicidade de traços
plurais, descontínuos e por vezes até
conflitantes, (re)constituídos em relação dinâmica com o outro.
A pluralidade de identidades que perfaz a
sala de aula torna-se ainda mais profícua
quando voltada para explorar as potencialidades de leitura de mundo dos aprendizes,
em uma pré-leitura, acionando-as ao ler um
texto, que se constitui como apenas mais um
diante de tantos outros que eles lêem todos
os dias, a exemplo de noticiários, histórias em
quadrinhos, tirinhas, bulas de remédio, emails, outdoors. Resta saber, então, se, de
fato, essa pluralidade textual é abordada em
aula e se essas diversas identidades, que se
projetam na cena da leitura ou no estudo de
gramática e mesmo na aquisição de uma segunda língua, são levadas em consideração
pelo professor e, ainda, se este permite que
essa rica diversidade redimensione a sua própria prática pedagógica. Ou, esta seria outra
hipótese: não seriam as próprias identidades
dos professores – ou o que esses projetam
nos aprendizes – que orientariam, unilateralmente, as aulas? Com base nessas reflexões,
cabe a pergunta: será que se deve dar aula
aos alunos ou com eles? Diante do que foi até
aqui discutido, sinaliza-se como alternativa
para responder essas indagações o desenvolvimento de aulas em que os professores entrem em compasso com os aprendizes, trocando, não raro, papéis, para permitir que o
conhecimento dos educandos também venha
à baila e possa até mesmo mudar ou reorientar
o ritmo de sua metodologia e os conteúdos
que ensina.
Nota-se, no entanto, que a concepção de
que o aprendiz é uma tabula rasa, em termos
de conhecimento lingüístico, ainda é muito
comum e encontra respaldo no modo como
tradicionalmente se ensina a língua materna,
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a exemplo do português. São muitos os professores que chegam a afirmar que os alunos
– e eles mesmos admitem! –desconhecem a
sua própria língua, tendo-a até mesmo como
um idioma estrangeiro. Tal “desconhecimento” encontra suas causas no não reconhecimento do sujeito enquanto usuário da língua,
da qual se vale para comunicar-se com aqueles que pertencem à mesma comunidade e
que, com ele, mantêm a língua viva em toda a
sua diversidade. Pois a língua é constituída
por variações, como ensina Marcos Bagno
(2001), em A língua de Eulália, e, assim sendo, é composta não por um grupo isolado de
sujeitos, mas por toda uma coletividade que
assegura o seu caráter dinâmico e heterogêneo, garantindo mudanças que a enriquecem.
No entanto, nem sempre essa diversidade
lingüística é abordada no ensino de língua
portuguesa, no qual se privilegia a já tão legitimada norma padrão, ensinada nas páginas
frias e pouco instigantes da Gramática Tradicional. Pouco instigantes porque os aprendizes nelas não se projetam, vendo-as apenas
como um espectro de um lugar de fala e de
poder ao qual parecem estar fadados a não
alcançar pela impossibilidade de entender e
aplicar próclises, ênclises e mesóclises tão
menos interessantes do que os neologismos
aos quais estão expostos em sua comunidade geográfica e, por vezes, virtual. Desinteresse que pode ser justificado, ainda, por esses sujeitos preferirem não assimilar tal norma, por estarem mais voltados para uma variação mais pulsante, ouvida e sentida nas ruas
entre aqueles que expressam a falta de medida e as subversões das paixões, dos amores,
dos versos, da poesia, distantes das regras
que engessam e silenciam vozes, vidas, identidades.
Nessa perspectiva, diante de aulas sobre a
conjugação verbal, em que é ensinado o pre-
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térito mais que perfeito, o aprendiz direciona
o seu olhar para fora da janela da sala de aula,
pensando nos universos em que sua constituição enquanto sujeito encontra as devidas
ressonâncias, devaneia sobre seus projetos
pessoais e pensa em uma multiplicidade de
outras questões que lhe parecem mais significativas. Toda a problemática trazida na
contemporaneidade que se mostra como
grande desafio para a educação é, então, estabelecer interrelações entre conteúdos ensinados e a identidade do sujeito. Identidade,
por assim dizer, cultural e subjetiva, em todas
as suas cores.
Salienta-se que a diversidade, quando considerada, leva aqueles que acusaram grupos
sociais de incompetência lingüística a repensar esse julgamento. E, assim, compreendese que o que se julgava como fruto da ignorância de falantes não cultos nada mais era
do que uma avaliação resultante do desconhecimento, ou melhor, da insensibilidade de
reconhecer a pluralidade que caracteriza as línguas, a exemplo do português, e não perceber o caráter lógico e sistemático que existe
no “erro”, aqui considerado, na esteira de
Marcos Bagno, como “desvio” da norma padrão.
O ensino de segunda língua
Se uma excessiva preocupação com a norma culta acomete professores de língua materna, levando-os a convencer os aprendizes
a rechaçarem a sua identidade lingüística em
nome da assimilação de regras da Gramática
Tradicional, no ensino de língua estrangeira
ocorre essa mesma tentativa de
homogeneização. Tal tentativa é promovida,
principalmente, por uma abordagem de ensino de segunda língua (L2): o audiolingual
method (método audiolingual). Esse método
tem, como um de seus objetivos, a aquisição
de uma pronúncia autêntica através de um
treinamento exaustivo com o objetivo de apagar o sotaque, entre outras marcas, que constituem a identidade da língua materna do falante, visando à aquisição de mais uma identidade lingüística, diferente e distante da que
já possui.
É reconhecida a noção de que, ao se aprender uma segunda língua, tem-se acesso à
identidade lingüística da cultura da língua estrangeira. Mas se a aprendizagem da L2 implica em uma imersão na cultura do outro, essa
não deve ser meramente assimilada, mas, sim,
antropofagicamente deglutida pelo sujeito,
formando não mais uma identidade lingüística, mas, sim, outra identidade lingüística, em
que estejam aglutinados traços e cores de
ambos os idiomas, sendo que, normalmente,
os tons mais fortes sempre serão os da língua materna, por ser materna e, portanto,
estar associada a toda uma memória afetiva
primordial.
Em virtude da forte relação existente entre
identidade e idioma – pois não é possível se
conceber senão através da linguagem e, portanto, da língua –, algumas resistências podem
surgir quando o aprendiz se vê impelido a
aprender a falar inglês como um nativo, por
exemplo. Essa ânsia pode resultar de duas possíveis relações de alteridade: o aprendiz acredita que, para falar bem uma segunda língua, é
necessário falar como um nativo; ou, como
ocorre na maioria dos casos, em especial, seguindo a abordagem mencionada, o professor
instiga o aprendiz a falar conforme os padrões
que acredita serem os que garantem o seu sucesso enquanto falante da segunda língua e o
próprio sucesso do professor enquanto profissional e “criador” de falantes. Criador, pois,
o que muitas vezes os professores pretendem
fazer é criar falantes, seguindo os seus próprios anseios e objetivos.
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O ímpeto de querer transformar uma pessoa conforme seu próprio desejo é chamado de “efeito Pigmaleão”. Síndrome baseada no mito de Pigmaleão, que, de acordo com
René Ménard (1991), consiste na história de
um escultor que vivia na ilha de Chipre, conhecida pela existência de muitas cortesãs.
Avesso a mulheres com essas características, decidiu manter-se em celibato e, guiado
pelos seus desejos, esculpiu uma mulher de
grande beleza e que trazia em suas feições a
castidade e a pureza. De tão perfeita, apaixonou-se por ela e pediu a Vênus que a tornasse real. A deusa o ouviu e atendeu o seu
pedido.
Esse mito inspirou um dramaturgo irlandês, George Bernard Shaw, a escrever uma
peça chamada Pigmaleão, adaptada para o
cinema como My Fair Lady, traduzido no Brasil como Minha Bela Dama. A história traz a
problemática de Eliza Doolittle, que sonhava
em mudar sua condição social. Ela falava um
dialeto, característico das classes menos privilegiadas, o cockney, o que a impedia, ao lado
do seu comportamento pouco polido, de se
tornar uma dama. A oportunidade de mudança ocorreu quando ela encontrou, por acaso,
um foneticista, Professor Higgins, que copiava a sua fala na rua. Durante o contato, marcado por insultos do professor diante do inglês pouco refinado de Eliza, este afirmou que
poderia torná-la uma dama em seis meses.
Surgiu, então, para a sonhadora florista, a
chance de aprender a falar “melhor”. Ela procura-o e, então, inicia-se uma exaustiva batalha para aprender a língua de Milton e
William Shakespeare, conforme as idealizações e projetos do professor que, em certa
medida, desviam-se dos objetivos da própria
“criatura” e, em virtude desse desvio, representam as discrepâncias entre as metas que
os aprendizes esboçam para si e os projetos
de seus mestres.
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Últimas e inconclusas palavras
A proposta delineada neste artigo não defende a total exclusão do ensino da Gramática
Tradicional ou de métodos de ensino de língua estrangeira como o audiolingual, mas,
sim, o seu redimensionamento para um ensino mais significativo para os aprendizes, de
modo que, nos conteúdos e competências
ensinados, sejam consideradas as subjetividades, anseios, desejos e cultura dos aprendizes. Para isso, é necessário reconhecer que,
assim como planos da aula consistem em recortes do que os docentes conhecem e julgam essencial para a aprendizagem de suas
turmas, os aprendizes também têm suas eleições. Eleições, escolhas, identificações que,
quando rejeitadas, resultam em ações por
vezes interpretadas como dispersão, incompetência, pouco estudo e falta de dedicação,
que desviam os educandos do caminho da
escola.
Cabe aos professores abrirem, em sala de
aula, um espaço para que sejam colocadas
em cena as subjetividades dos aprendizes,
envolvendo-os em reflexões que os levem a
um maior conhecimento de si. Conhecimento
que implica em uma reconfiguração de alguns
traços desses aprendizes e dos professores,
já que a aprendizagem tem um caráter de troca com o outro que leva a uma revisão de
crenças, valores, hábitos, saberes, constituindo linhas que se emaranham na composição da identidade.
Se essas demandas forem atendidas, serão evitadas aulas que tenham como marcas
apenas aquelas advindas da identidade
iluminista de alguns professores, que podem
ser qualificadas como teacher-centered-class,
ou seja, aula que tem como centro o professor. Ao distanciarem-se desse tipo de aula,
os docentes estarão ampliando a noção de
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democratização da educação – por vezes entendida como uma mera multiplicação de escolas – para compartilhar o espaço escolar
com a multiplicidade de anseios, desejos e
leituras que se expressam por gestos, perguntas e olhares em busca de saberes e palavras
que, apesar de normas e correções em vermelho, querem ser transubstanciadas em signos lingüísticos e alçar vôo.
Se o professor contemplar em suas aulas
desejos, anseios e conhecimentos dos seus
aprendizes, serão, então, vislumbradas identidades interrelacionadas com uma forma de
educação efetivamente democrática e plural,
com tintas coloridas em um quadro de giz não
mais de uma única cor.
REFERÊNCIAS
FileDetails.aspx?IDFile=101875>. Acesso
em: 15 out. 08.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pósmodernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva; Guaracira Lopes Louro. 7. ed. Rio de Janeiro: DP & A, 2003.
MÉNARD, René. Pigmaleão e a sua estátua.
In: ______. Mitologia Greco-romana. Tradução Aldo Della Nina. Vol. 2, São Paulo: Opus,
1991, p. 250-252.
O SORRISO de Mona Lisa. Direção: Mike
Newell. Roteiro: Lawrence Konner e Mark
Rosenthal. Columbia Pictures / Sony Pictures
Entertainment, 2003. (125 min).
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela
sociolingüística. 11. ed. São Paulo: Contexto,
2001.
PAULIUKONIS, Maria Aparecida. Texto e contexto. In: VIEIRA, Sílvia Rodrigues; BRANDÃO,
Silvia Figueiredo. Ensino de Gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007, p.
239-258.
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler:
em Três Artigos que se Completam. Disponível em: <http://www.cipedya.com/web/
SHAW, George Bernard. Pigmaleão: um romance em cinco atos. Tradução Millôr
Fernandes. Porto Alegre: L&PM, 2007.
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Educação na saúde: uma nova perspectiva para a
qualidade de sobrevida em crianças de primeiro ano de
vida, em situação de risco social.
1
Mara Regina Cerqueira Nogueira Malafaia
Eva Santos da Cruz; Gabriel de Lima Simões; Zelândia Marques
3
Amanda Prado Almeida; Antonieta Priscila Pereira Oliveira;
Jéssica Letícia Barbosa Cardoso; Priscila de Jesus Assunção;
Vivaldo Almeida Braga
2
RESUMO
Este estudo tem como objetivo ressaltar a importância de um trabalho de orientação sistemática
do binômio mãe-bebê iniciada no período gestacional até o final do primeiro ano de vida, como
fator de interferência positiva para a qualidade de vida. Foram acompanhadas 66 mães, onde 26
iniciaram o atendimento durante o período gestacional e 40 mães já após o nascimento do seu
bebê. O grupo-controle foi montado a partir de dados obtidos na literatura sobre a avaliação do
desenvolvimento neuro-sensório-motor em bebês considerados no padrão de normalidade. A
avaliação para acompanhamento, foi seguida pela escala de Gesell. A despeito da falta de poder
estatístico do presente estudo, os resultados apontaram para o fato de que a orientação adequada e o acompanhamento sistemático podem interferir de forma significativa na qualidade de
vida da criança no primeiro ano de vida.
Palavras-chave: Orientação familiar. Prevenção. Desenvolvimento neuropsicomotor. Bebê
de risco.
1 Introdução
Nas últimas décadas, o interesse pelo desenvolvimento integral da criança tem crescido em todo o mundo como resultado do aumento constante da sobrevivência infantil e do
reconhecimento de que a prevenção de problemas ou patologias nesse período, exerce
efeitos duradouros na constituição do ser
humano (Fuayana; Diament, 1996; Lopes,
1999). Nos paises em desenvolvimento, as
crianças estão expostas a um número muito
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grande de risco, devido a uma cadeia de eventos negativos entre eles gestações desfavoráveis e/ou incompleta e a de viverem em condições socioeconômicas adversas e esses fa1
2
3
Fisioterapeuta, profª. de neurociências da FAMEC,
UNIRB e UNIDERP, especialista em neurofuncional,
formação nas técnicas de Bobath, Vojta, Pontos Motores
e Estimulação Essencial, Coordenadora do Programa de
Orientação Mãe-Filho. E-mail: [email protected]
Acadêmicos de Fisioterapia da FAMEC
Acadêmicos de Enfermagem da FAMEC
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
tores contribuem para atrasos em seu potencial de crescimento e desenvolvimento (Alves
& Correia 1990; Fontes, 2004; Diament, 2002).
O período gestacional, o parto e a sua evolução durante o primeiro ano de vida são etapas do processo natural e fisiológico do crescimento do bebê, mas isso não quer dizer que
não aconteçam intercorrências que possam
mudar a correta organização funcional da vida
do indivíduo nesse período. Sameroff &
Chandler (1975), no seu “modelo transacional”
de desenvolvimento, relacionam entre si os
efeitos da família, do meio ambiente e da sociedade sobre o desenvolvimento humano.
Esse modelo considera como sendo único e
peculiar, de tal forma, que o resultado final
seria o balanço entre os fatores de risco e de
proteção, onde fatores biológicos podem ser
modificados por fatores ambientais e determinadas situações de vulnerabilidade podem
ter etiologia relacionada com fatores sociais e
do meio ambiente. (Sameroff & Chandler,
1975)
Os fatores de risco sócio-ambiental-cultural estão geralmente ligados às mulheres de
baixa renda que trazem já em si diversos fatores de risco como desnutrição, gravidez não
planejada, tentativa de abortamento e ausência de pré-natal. Geralmente trabalham muito,
sem orientação adequada e excesso de esforço por trabalhos físicos (Alves e Correia, 1990;
Marba e Mezzacapa, 1998).
Com relação ao crescimento, cada criança
possui seu ritmo próprio. A participação dos
pais, as diversas maneiras de estimulo e a regularidade dessas ações, irão definir o melhor ambiente de crescimento. Desde cedo, a
mãe representa um espelho para seu bebê e,
se não existir ou se não for trabalhada essa
referência, a criança poderá ter um desenvolvimento de personalidade e motricidade, com
atrasos e desvios. (Spitzz, 1998; Coryat, 1975;
Malafaia, 2003; Lent, 2004).
Após o nascimento, pela própria imaturidade, o Recém-nascido é ainda muito vulnerável, seu sistema nervoso está aberto a impressões, seu desenvolvimento está por fazer, a movimentação ativa e a percepção necessitam de refinamento para a adaptação
extra-utero (Coryat, 1975; Bishop, 1982; Fontes, 1984; Mello-Araujo, 1998).
A criança se incumbe o papel de aprender,
quando o ambiente é estruturado, afetivo e
estimulante, não é preciso forçá-la a ter atividade, basta ser sensível á sua natureza curiosa e ter bom senso (Malafaia, 2006).
O presente estudo foi voltado a oferecer à
gestante e ao seu concepto uma melhor qualidade de vida, avaliando assim a interferência
da orientação global na relação mãe-bebê para
o desenvolvimento neuropsicomotor da criança durante o primeiro ano de vida.
2 Metodologia
A mãe é o principal membro da família
como agente de estimulação. O próprio ato
de amamentar favorece o vínculo afetivo indispensável para o desenvolvimento afetivoemocional durante o primeiro ano de vida,
Inicialmente a criança conquista o mundo ao
seu redor através da mão e esta será a primeira referência externa que o bebê seguirá
para iniciar suas descobertas (Spitz, 1998).
Sujeitos
Fizeram parte desse estudo, 66 mães e 46
crianças. As mães com faixa etária entre 14 e
34 anos e as crianças entre 00 e 06 meses.
Todas as famílias trabalhadas eram de baixa
renda. Todos os sujeitos tiveram autorização
por escrito dos pais para a participação no
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
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estudo. Foram excluídos do estudo os bebês
portadores de alterações genéticas, deficiência auditiva e visual e portadores de alterações graves do sistema nervoso central.
anormal quando a criança apresentasse pelo
menos uma avaliação alterada entre os quatros
setores (motor, adaptativo, linguagem e pessoal-social), sugeridos pelo mesmo autor.
Materiais e métodos:
Procedimentos:
Este foi um estudo observacional, analítico, transversal e controlado, entre outubro
de 2007 a outubro de 2008. Os entrevistadores eram acadêmicos dos cursos de fisioterapia e enfermagem.
O estudo foi realizado com a anuência dos
pais e do Comitê de ética do CEP SESAB. Os
bebês foram avaliados mensalmente e acompanhados semanalmente para orientações. As
famílias também foram acompanhadas com
orientações em grupo, durante 10 semanas e
depois de forma individualizada e personalizada. Como grupo-controle foi utilizado os
dados obtidos na literatura sobre a avaliação
do desenvolvimento neuro-sensório-motor
em bebês considerados no padrão de normalidade.
O trabalho consta de atendimento ao
binômio mãe-filho, com atenção voltada desde o período gestacional até a criança de final
de primeiro ano de vida. Os pacientes atendidos formaram 02 grupos distintos e ao mesmo tempo interconectados.
O primeiro grupo foi formado por gestantes que foram acompanhadas com cuidados
próprios do período (controle da PA, glicemia,
ganho ponderal) além de participarem de um
curso de orientação com duração de dez semanas, envolvendo temas que vão desde a
concepção até o nascimento. Ao término do
curso, elas continuaram vindo ao serviço para
ser acompanhadas em cuidados básicos de
relaxação e postura.
O segundo momento é após o parto, quando elas retornavam para o acompanhamento
do concepto durante o primeiro ano de vida e
nesse retorno foi realizado inicialmente entrevista com as mães e avaliação neurológica da
criança. Após o procedimento inicial, essas
crianças foram acompanhadas em sessões
semanais durante o primeiro semestre e em
sessões quinzenais durante o segundo semestre. O acompanhamento do DNPM foi realizado com a comparação com modelos propostos e modificados por Gesell e considerado
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
Para análise dos dados coletados foi observada a sensibilidade do teste de Gesell, utilizado para detectar sinais sugestivos de alterações. As informações processadas constaram de cálculos de média com o teste t de
Student e desvios-padrão dos parâmetros de
normalidade, em comparação com o grupocontrole, também pela análise não paramétrica
chi Quadrado.
3 Resultados
Foram acompanhadas inicialmente 26 gestantes e 40 mães de crianças entre 00 e 08
meses de vida. Das 26 gestantes, 16 delas
retornaram após o nascimento do bebe; as
outras 10, após o termino do curso de orientação, não retornaram mais, sob diversos
motivos. Das 66 mães acompanhadas durante o curso de orientação, 03 tinham mais de
30 anos ( 5%), entre 18 e 29 anos( 98%) e 06
entre 14 e 17 anos ((9%). Das mães acompanhadas, 49 delas eram primigestas, e 17 delas eram multíparas.
80
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
Gráfico IV – Crianças acompanhadas por trimestre
Gráfico I – Nº. de mães que participaram do
estudo, (gestantes e puérperas)
Gráfico II – Idade materna
Dos 46 bebês acompanhados, 28 eram do
sexo masculino (61%) e 18 do sexo feminino
(39%). Na análise da faixa etária das crianças
54% chegaram durante o primeiro trimestre;
33% durante o segundo trimestre e 13% nos
demais. Ainda no estudo, 15 crianças eram
pré-termo e 51crianças à termo.
Não houve diferença no desenvolvimento
neuropsicomotor entre os sexos, embora uma
discreta diferença de percentual para as meninas (10%). As crianças que receberam orientação desde o primeiro mês de vida, apresentaram melhor evolução (97%) do que as
que chegaram a partir do final do 5º mês de
vida ( 55%)
Das 46 crianças acompanhadas, (20%)
delas apresentaram algum desvio de DNPM,
sendo corrigido com estimulação, durante um
trimestre. As demais (80%) evoluíram sem alteração alguma.
Gráfico V – Crianças por desvios X padrão de
normalidade
Gráfico III – Crianças por sexo
As crianças cujas mães foram acompanhadas desde o período da gestação e logo imediato nos primeiros dias de vida, apresentaram melhor desenvolvimento global, em relação as que começaram a freqüentar a partir
do 5ª mês de vida.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
As crianças nascidas com menos de 37
semanas, acompanhadas desde o primeiro
mês de vida, evoluíram com a mesma competência que os bebês à termo, iniciados no
mesmo período.
Todo o trabalho de orientação para posturas e aleitamento materno, aboliu o uso da
chupeta, favorecendo assim o uso precoce da
colher por volta do 4º mês de vida em 100%
das crianças nessa faixa etária e o mesmo
percentual para a introdução do copo por volta
do 6/7 mês de vida. Após a retirada gradual
do leite materno, toda dieta era feita com copo
e colher em 100% dos bebês acompanhados.
Orientação para o uso de brinquedos e
brincadeiras visando estimulação para cada
trimestre, levando-se em conta estímulos
áudio-visuais, táteis e somatosensoriais. Com
relação aos brinquedos, as mães foram orientadas na construção desses brinquedos
com sucatas, em aulas de 02 horas semanais.
A maneira de carregar a criança em cada trimestre, corroborou para evolução psicomotora de forma impar.
Foi observado nesse estudo que as crianças acompanhadas com orientação e cuidados básicos durante o primeiro ano de vida,
evoluíram de forma satisfatória dentro dos
parâmetros apresentados em comparação
com o grupo-controle. Foi observado também
que as mães apresentavam maior segurança
no trato com seus filhos, estando mais aptas
a trabalhar com estímulos próprios para cada
faixa etária.
4 Discussão
Os resultados desse estudo forma obtidos
por meio de avaliações iniciais com os bebês
e reavaliados de forma trimestral até o final do
primeiro ano de vida. Comparando-os com os
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
81
bebês que a literatura apresenta no padrão de
normalidade (Sameroff, 1975; Coryat, 1976;
Funayana; Diament, 1996) foi possível detectar sinais sugestivos de desvios em seu padrão neuro-sensório-motor, principalmente
nas crianças que chegaram após o 5º mês de
vida.
Sweeney & Swanson (1994) estimam que
25 a 30% dos bebês podem ser considerados de risco, sujeitos aos desvios ou a atrasos do DNPM. .Cione e colaboradores (1997)
estimaram que 5 a 15% das crianças prematuras apresentam anormalidades neurológicas
severas e 25 a 50% evoluem com distúrbios
cognitivos e comportamentais. Mas a maioria
da literatura considera a maioria desses sinais,
como sendo transitórios.
As crianças que participaram desse estudo apresentavam fatores de riscos levandose em conta prematuridade, baixo peso, nível socioeconômico baixo, desinformação
materna associada a crendices, entre outros
dados que revelaram um perfil para possíveis atrasos do DNPM. Durante o período de
acompanhamento global, as famílias forma
orientadas em como proceder em casa, estimulando seus filhos durante as atividades da
vida diária. O banho, o sono, o sol, a dieta,
as posturas, os brinquedos, sem que isso
sobrecarregasse a mãe, mas com influenciaram de forma positiva na formação do seu
DNPM.
5 Conclusão
As orientações semanais, os estímulos próprios em cada fase do desenvolvimento foram fatores determinantes para a aquisição da
formação global da criança nesse estudo. São
sugeridos novos estudos, com uma população maior para melhor validação desse trabalho.
82
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
Verificou-se através desse estudo que
os fatores de risco apontados comumente
como suspeitos para desvios do desenvolvimento neuropsicomotor, ainda não estão presentes de forma significativa na população
estudada. Levando-se em conta o papel da
informação e orientação em tempo hábil, o
estudo revela seu potencial como interventor
na interferência desses riscos.
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84
Invenção e memória – a construção narrativa de
Lygia Fagundes Telles
Marielson Carvalho*
UNEB
RESUMO:
Analiso duas obras de Lygia Fagundes Telles, Invenção e memória (2000) e Durante aquele
estranho chá – perdidos e achados (2002), com o intuito de identificar elementos constitutivos
de sua criação literária, pontuando a estrutura de seus contos e crônicas. Velhice, infância e
amizade são temas recorrentes na obra de LFT, em especial nesses livros, pois tratam de narrativas que reinventam passagens da vida da autora com a família, amigos e escritores. A seleção
dos textos citados neste ensaio corresponde a uma leitura articulada de abordagens teóricas
sobre intenção e recepção, ficção e biografia, memória e verdade, mostrando, ainda que de
forma introdutória, como a escritora constrói suas histórias com elementos aparentemente
dissociáveis, ou seja, ficção e realidade, mas que se complementam, na medida em que a
linguagem literária com seu recurso mimético recria e ressignifica o mundo.
PALAVRAS-CHAVE: Lygia Fagundes Telles – prosa de ficção – criação literária – memória
Lygia Fagundes Telles, 85, é autora de romances e contos conhecidos da literatura brasileira contemporânea. Em mais de 60 anos
de vida literária, a escritora paulista conquistou público e crítica com Ciranda de pedra,
As meninas, As horas nuas (romances), As
formigas, Venha ver o pôr-do-sol e Natal na
barca (contos). Em Invenção e memória e
Durante aquele estranho chá – perdidos e
achados, Lygia consolida seu estilo límpido e
fluido com a soma equilibrada de ficção e realidade.
Em Invenção e memória, lançado em
2000, ela revisita (e recria) fatos e momentos
que viveu em diferentes fases de sua vida.
Segundo a autora, a invenção e a memória
são inseparáveis porque fazem parte de vasos comunicantes, de modo que a narrativa
não pode ser construída sem a presença da
*
Bacharel em Letras Vernáculas (UFBA), Mestre em
Literatura e Cultura (UFPB), Professor de Literatura da
UNEB (Campus XVI) e da Faculdade Metropolitana de
Camaçari (FAMEC)
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
memória, tampouco esta não pode ser
evocada sem a linguagem. Nos quinze contos do livro, Lygia deixa entrever a troca incessante dessa alquimia, sem revelar ao leitor
quantos gramas entrou de imaginação e verdade.
Considerado o primeiro livro de não-ficção
de Lygia, Durante aquele estranho chá –
perdidos e achados (2002), traz já no subtítulo uma referência ao cascavilhar das lembranças. Organizado pelo jornalista Suênio
Campos de Lucena, o livro reúne crônicas,
depoimentos e artigos dispersos em jornais e
revistas, alguns até esquecidos pela escritora. A revisão desses textos ativou a memória
da autora, que a fez se redescobrir de momentos afetivos, de tão vívidos e reais com
que afloraram, o que deu ao livro um tom
nostálgico, com leves pitadas de biografia.
Não sendo propriamente um livro de contos, gênero em que a escritora tem mais publicações, Durante aquele estranho chá mostra em algumas crônicas que os limites entre
os dois gêneros são quase imperceptíveis, na
medida em que ambos exploram elementos
ficcionais coincidentes, em especial por serem narrativas curtas, com linguagem geralmente concentrada na ação do(s) personagem(ns). É ela mesma quem sugere isso,
quando fala que proporciona ao leitor “um
meio de conhecer Mário de Andrade, por
exemplo, através da minha palavra.” Entendo
que Lygia fala aqui em invenção, embora tenha tido o cuidado de não ir muito além do
que aconteceu de fato, afirmando sempre que
foram fatos reais. Lembrar é também narrar e
narrar é expressar com singularidade uma
experiência vivida. A palavra de Lygia, como
já deu prova disso, não se alimenta apenas
da realidade factual, mas também de uma realidade idealizada.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
85
Perguntada sobre os recursos narrativos
usados em Invenção e memória, Lygia
Fagundes Teles respondeu: “A memória sempre esteve a serviço da invenção e a invenção
a serviço da memória. Quando eu vou contar
um fato, de repente estou inventando, acabo
mentindo, mas não, não é bem mentira. Na
verdade, eu floreio, estou dando ênfase àquilo
que eu quero.” (TELLES, 2001, p.6) A partir
dessa declaração, podem-se entrever desde
já três pontos importantes a serem discutidos na ficção de Lygia: a representação (que
realidade os contos narram?), intenção (quem
os escreve?) e recepção (quem os lê?).
O projeto de construção narrativa que a
escritora desenhou para Invenção e memória parece definido, fechado, principalmente
quando encontra uma resposta favorável de
um tipo específico de leitor: o implícito. Neste caso, o autor implícito (ou narrador) mostra as trilhas pelas quais o seu correspondente no leitor (ou narratário) deverá seguir.
É um pacto no qual são definidos, no texto,
o papel do autor e do leitor reais. Há casos
em que o leitor implícito não tem escolha diante da leitura, sua condição passa a ser de
passividade e de alter ego ou de substituto
do autor, porque é ele quem orienta. Por
outro lado, o autor dá ao leitor possibilidades de movimento, porque pensa que se não
tornar o texto atraente não será lido. Para
Lygia, o “leitor gosta e aceita um livro na
medida em que se transporta, em que se
encontra no livro.” (apud BRAIT, 1998, p.81)
A correspondência desse autor com o leitor
ideal constitui para alguns teóricos, como
Umberto Eco, o jogo da ficção. Ele acredita
que a norma básica numa obra de ficção é
definida pela “suspensão da descrença”, em
que o autor finge dizer a verdade, enquanto
o leitor finge que aquilo que é narrado de
fato aconteceu. Mas não é o que pensa
Roland Barthes:
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
A imagem da literatura que se pode encontrar na cultura corrente está tiranicamente centralizada no autor, sua pessoa, sua história,
seus gostos: a crítica consiste ainda, o mais
das vezes, em dizer que a obra de Baudelaire
é o fracasso do homem Baudelaire, a de Van
Gogh é a loucura, a de Tchaikovski é o seu
vício: a explicação da obra é sempre buscada do lado de quem a produziu. (BARTHES,
1988, p. 66)
Assim, o sentido intencional legitima o estatuto do autor na história literária e, por conseguinte, torna a crítica e a teoria inúteis, porque para interpretar o texto basta saber o que
autor quer dizer. Longe de considerar a intenção como critério básico para explicar a literatura, Barthes na sua tese de morte do autor
mostra que o escritor nasce ao mesmo tempo com o texto, aqui e agora, não pode representar nada anterior à sua enunciação como
sujeito, porque ele se realiza à medida que
escreve. Par tindo desse princípio antiintencionalista, Barthes substitui o autor como
produtor original pela linguagem impessoal e
anônima. Como não tem origem, o texto é um
tecido de citações, composto de escrituras
múltiplas, em que cabe ao escritor mesclá-las
e ao leitor reuni-las. A unidade do texto não
está mais na origem, mas no seu destino, daí
que o nascimento do leitor deve pagar-se com
a morte do autor.
O debate em torno do lugar do autor e do
leitor na literatura é um dos pontos mais controvertidos da Teoria da Literatura. As teses
da explicação (intenção do autor) e da interpretação (descrição das significações da obra)
podem partir de constatações diferentes, podem traçar conclusões diferentes, mas o que
está no centro de suas inquietações é entender a literatura como representação e linguagem. Para Lygia, que não gosta de teorizar,
“porque na teoria acabo por me embrulhar
feito um caramelo em papel transparente”
(TELLES, 2002, p.122), escrever é recompor
mundos e paraísos perdidos. Mais: “Quero
apenas que meu leitor seja o meu parceiro e
cúmplice no ato criador que é ansiedade e
sofrimento. Busca e celebração.” ( idem, p.
126)
Quais mundos e paraísos perdidos Lygia
recompõe? Em Invenção e memória é a infância, a adolescência, a faculdade, o casamento... Em “Que se chama solidão”, conto
que abre o livro, o narrador revela imagens
de seus primeiros anos. O narrador já começa a história apresentando índices de imaginação e verdade, de forma a atrair o leitor para
o mundo possível da ficção. Ao tempo em que
fala em fixidez, fala também em instabilidade:
“Chão da infância. Algumas lembranças me
parecem fixadas nesse chão movediço.” Os
personagens (as pajens, a tia, o pai e a mãe),
os ambientes (a casa, o quintal, a escola), os
objetos (o piano, o charuto, o tacho de goiabada), os acontecimentos (as mudanças constantes de cidade, as estripulias de suas pajens, a hora de contar histórias fantásticas)
estão todos lá, mas o que entra de ficção e
realidade não é mostrado pelo narrador, nem
interessa. Lygia diz que não quer ser compreendida, no sentido mesmo de não se preocupar em dar ao leitor uma explicação definitiva
dos fatos narrados. Ainda assim, se o leitor
insistir em entender partes ambíguas ou obscuras do texto, pode recorrer a uma estratégia de análise chamada de “passagens paralelas”.
Esse método, que segundo Antoine
Compagnon (2001, p. 69) é a “técnica de base”
da pesquisa e dos estudos literários, consiste
em comparar ou procurar uma passagem paralela no mesmo texto ou em outro texto do
autor para esclarecer a parte problemática. Na
busca de uma resposta, o leitor duvidoso pode
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
considerar, com base em suas convicções, as
recorrências textuais como reais ou imaginárias. Embora seja um recurso interessante, esconde armadilhas. Vejamos como isso pode
ocorrer nos livros da escritora.
Em outros contos de Invenção e memória, personagens e histórias se repetem. O
narrador faz referências à sua mãe (sempre
envolvida com os trabalhos domésticos ou
com o piano), ao pai (com seus charutos, jogos e viagens) e a si mesma (como criança
ou adolescente) em “Suicídio na granja”, “A
dança com o anjo”, “Cinema Gato Preto”,
“Heffman”, “Potyra” e “Nada de novo na frente ocidental”. O esforço de pesquisa pode confirmar a veracidade de todas essas referências, pelo fato de serem reiterativas e com
pouquíssimas diferenças de um conto para
outro, mas é em Durante aquele estranho
chá que podemos encontrar uma saída definitiva. Enquanto em Invenção e memória
Lygia teve liberdade de inventar, no livro posterior isso não foi possível, porque foi feito
com a reunião de textos de não-ficção, segundo sua própria classificação. Com esta indicação, talvez fique fácil para o leitor confirmar
ou não suas desconfianças. Em crônicas
como “No princípio era o medo”, “Depoimento de uma escritora”, “Resposta a uma estudante de Letras” e “Mysterium”, a escritora
volta a falar da infância e da família. Aquelas
imagens misturadas de sonho e realidade narradas no livro Invenção e memória são
reproduzidas com a mesma intensidade de
emoção. Ao comparar os textos de ambos os
livros, a conclusão do leitor é a de que as histórias do primeiro são verídicas, portanto, mais
reais do que imaginativas ou ficcionais. Mas é
nessa confirmação do real através das repetições que o perigo está escondido, as tais armadilhas da ficção. O narrador pode contar
uma invenção repetidas vezes e de forma tão
enfática em diversos textos que termina se
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
87
transformando em verdade. O leitor depois de
algum tempo de leitura pode não distinguir o
mundo em que se encontra, por conta de as
referências do mundo ficcional e do mundo
real estarem intimamente ligadas e
embaralhadas.
Em “Mysterium”, ela dá pistas de como
isso acontece em seus contos e romances.
Em relação ao personagem de ficção, diz que
ele pode ser aparente ou inaparente, único ou
se repetir. Conta ainda que uma personagem
sua recorreu à mascara para não ser descoberta, “quis voltar num outro texto e usou de
disfarce, assim como faz qualquer ser humano para mudar de identidade.” (TELLES, 2002,
p. 122) Lygia quis dizer que da mesma forma
que pode estar falando de uma personagem
ou história com aparência de verdade, pode
apresentar uma outra real com aparência de
mentira. Quem se arrisca a compreendê-la? O
leitor mais uma vez nas mãos do autor. Assim
como acontecia na infância dela, quando contava histórias assustadoras para crianças e
velhos: “Algumas histórias eram repetidas,
mas no auge da emoção, acabava por trocar
os nomes das personagens ou mudar o enredo. (...) Eu me lembro, alguém protestou:
Mas o lobisomem não sabia que essa criança
era o filho dele? Prossegui implacável, Nessa
hora ele não reconhece ninguém!” (idem, p.
107)
A questão da representação do mundo
como característica fundadora da literatura é
outro ponto que desde a Poética sempre exaltou os ânimos dos estudiosos da literatura. O
termo mimèsis pode ser traduzido por uma
extensa lista de acepções, mas que no final
das contas dificulta seu sentido original, tal
como Aristóteles estabeleceu. Na Poética, o
conceito de mimèsis, diferentemente do que
Platão concebeu na República, não é mais
uma noção distintiva do texto dramático e épico
88
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
através da presença do discurso direto ou indireto. Em sua obra, Aristóteles “não acentua
o objeto imitado ou representado, mas o objeto imitador ou representante, isto é, a técnica da representação, a estrutura do muthos
(história). (...) O que lhe interessa, no texto
poético, é sua composição, sua poiésis, isto
é, a sintaxe que organiza os fatos em história
e em ficção.” (COMPAGNON, 2001, p. 104)
Aristóteles falou de narração, e não de descrição, de modo que sua obra trata da mimèsis
como a representação de ações humanas pela
linguagem ou como arranjo narrativo dos fatos. Um texto não ganha o estatuto de ficção
por contar uma história mais realista ou menos realista, mas como cria nessa interface
um mundo possível.
Umberto Eco usa a metáfora de um bosque cheio de trilhas e rumos como forma de
entender o texto narrativo. Como o bosque, o
mundo ficcional tem limites, mas o seu tamanho não é determinado. Seguindo por um
caminho sugerido ou ainda não explorado, o
leitor-caminhante pode encontrar uma cerca
que o impede de ir além. É dentro das fronteiras desse bosque possível, que ele o explora
com profundidade, usando toda sua imaginação para percorrê-lo. Quanto mais íntimo
esse mundo lhe parecer, mais excitante torna
seu passeio ou leitura. O universo ficcional não
termina com a história, devido às infinitas possibilidades de criação, às vezes mais
prazerosas do que o mundo real. É por isso
que a ficção fascina tanto quem lê quanto
quem escreve. Para Lygia, é o ofício do prazer, da paixão.
Ao entrar no bosque de Invenção e memória, o leitor percebe que existem caminhos
que se bifurcam, se entrecruzam e se encontram indefinidamente, ou seja, os tais vasos
comunicantes entre o sonho e a realidade. Um
labirinto de palavras e experiências, mesmo
que ele tenha sido construído em um gênero
considerado fechado, como é o conto. Fechado, mas não restritivo. Estudos sobre a teoria
dos gêneros consideram a classificação das
obras como modelo de leitura. Segundo esse
código literário, o leitor já saberia de antemão
que o conto tem estruturas sólidas e definitivas de interpretação. Como se não bastasse
a intenção do autor, o leitor agora se vê diante
de outra amarra. O próprio escritor neste caso
também está preso, porque sua criação está
sujeita a um padrão, que se não for respeitado não ganha a chancela do cânone como
texto literário.
Embora seja uma exímia contista, Lygia não
segue rigidamente o cânone do gênero. Subverte a linguagem, o enredo, o tempo, o espaço. Mas o faz porque considera a insatisfação, a criatividade e a infinitude como traço
marcante da arte. “É preciso pesquisar, se
aventurar por novos caminhos, desconfiar da
‘facilidade’ com que as palavras se oferecem.”
(TELLES, 2002, p.173)
A forma do conto como propõe Massaud
Moisés em A criação literária: prosa, se comparada com o conto lygiano, mostra muitas
diferenças, algumas semelhanças. Em relação
ao ponto de vista, a preferência de Lygia pela
primeira pessoa domina quase todos os contos do livro. Talvez por se tratar de histórias
em que há um tom confessional, que não seria narrado senão pelo próprio personagem,
os contos, por exemplo, “A dança com anjo”,
“Nada de novo na frente ocidental” e “Dia de
dizer não” apresentam um protagonista central voltado para si mesmo, para sua subjetividade mais latente e pulsional. Para Massaud,
isso pode prejudicar a narrativa, visto que
implica uma visão limitada das coisas, ou seja,
o narrador-personagem não teria o
distanciamento necessário para contar sua
própria história. “Tal individualismo pode
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
comprometer a plausibilidade psicológica da
história, pois o narrador tende a oferecer-nos
de si uma imagem sempre otimista.” (MOISÉS,
[19—], p. 35)
Em “Dia de dizer não”, a personagem já no
título expressa seu pessimismo. Neste conto,
a narradora decide por um dia negar tudo que
sua moral a obriga a aceitar.
Estamos nesta cidade aqui embaixo onde tem
invasor de todo tipo, desde os extraterrestres
(em geral, mais discretos ) até aqueles mais
ambíguos: o invasor da vontade. Esse vem
mascarado. Aproveitando-se, é claro, do mais
comum dos sentimentos, o da culpa. No
imenso quadro do ‘mea culpa’, a postura fácil é a da humildade que quer dizer fragilidade. (TELLES, 2002, p. 59)
Na primeira parte do conto, ela justifica a
atitude que tomará em seguida, mostrandose em todo tempo revoltada com a hipocrisia,
com o comodismo e com o materialismo dos
seres humanos, principalmente dos políticos.
É na segunda parte que o enredo se desenrola. No táxi, em meio a um trânsito frenético e
congestionado, ela nega pedidos de dinheiro
de mendigos, ofertas de ambulantes que vendem morangos, panos de limpeza, chicletes e
vassouras. Mas é o vendedor de papéis de
carta perfumados, um menino magro, dentuço e deficiente físico que chama a atenção da
personagem. Ele insistentemente empurra pela
janela os papéis, tentando convencê-la mais
pelo prazer que ela teria em enviar uma carta
a um amigo ou namorado (a personagem
parece uma mulher solitária), do que por sua
pobreza evidente e necessidade de ganhar um
trocado. Embora o motorista, solidário, sugerir à personagem a compra, por causa do bom
perfume dos papéis, ela continuou na decisão de dizer não. Depois de alguns afazeres
que a levaram aos Correios e ao banco, ela,
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
89
criticada por outro mendigo que diante de uma
negativa lhe diz que seu coração é de pedra,
pede ao motorista para retornar à rua onde o
“menino das muletas” estava, a fim de comprar todas as suas cartas. Não conseguiu
encontrá-lo, perguntou aos outros ambulantes se tinham visto “o menino das cartas perfumadas”, mas era tarde demais. A mea culpa que tanto evitava, impôs-se e de forma
bastante dura e incisiva.
A narradora não se apresenta otimista nem
superior aos outros personagens pelo simples fato de ser uma voz de primeira pessoa;
pelo contrário, revela-se individualista, insegura e frágil, mesmo que isso deponha contra si, segundo os padrões morais de sua sociedade, é seu interior, confessando o que
pensa de verdade, que lhe dá uma identidade
mais natural. Mas é o próprio Massaud quem
mostra o outro lado do emprego desse tipo
de foco narrativo. Para o crítico, a história ganha verdade aos olhos do leitor, quando entre este e o narrador não existe intermediário,
pois a comunicação é direta. “Os dramas individuais adquirem eloqüente força quando
nos são transmitidos pelas próprias pessoas
que os suportaram.” (MOISÉS, [19—], p. 35)
Com uma estrutura menor do que a do
romance, o conto é apresentado como uma
“obra fechada, dramaticamente circunscrita”.
Uma de suas partes constituintes mais discutidas talvez seja a que diz respeito à trama. O
conto tem de ser linear e já começar com vistas a seu epílogo, que pode ser ou não enigmático, imprevisível e surpreendente. Segundo esse padrão, o autor deve se preocupar
como introduzir a narrativa, porque é a partir
do que for lançado nas primeiras linhas que o
leitor sentir-se-á estimulado a seguir até o fim.
“O contista não perde tempo em delongas,
que enfastiariam o leitor, interessado em logo
chegar ao âmago da história, para apreendê-
90
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
la dum só fôlego”, conclui Massaud Moisés
(idem, p. 43). Em “Nada de novo na frente
ocidental”, a personagem conta sua participação como voluntária do Exército nos tempos da 2ª Guerra. Sua função era de orientar
a população em caso de blecaute em São Paulo, caso os alemães bombardeassem a cidade. Inserida nesta história, outra acontece, que
é a conversa entre ela e a mãe sobre seu
envolvimento na guerra. Na tarde em que esse
assunto é tratado, a mãe se prepara para viajar ao interior, enquanto a narradora fica em
casa, onde espera o telefonema de um colega
que confirmaria o passeio numa casa de chá.
A história aparentemente caminha para este
final, no qual sua expectativa seria o chamado, por isso acomoda-se confortavelmente na
poltrona diante do telefone, “sonhando e esperando por alguma coisa que vai acontecer.”
(TELLES, 2000, p. 125) O leitor já sabe que
não é o colega quem ligaria, e sim um homem que anuncia a morte de seu pai. Ela revela o final do conto não no seu epílogo, mas
no desenrolar da história. Mesmo assim, o
leitor não sabe até a última linha do conto que
este é o seu desfecho, ou pelo menos, o que
a narradora sugere.
Nessa mesma tarde, (...) uma voz de homem
me anunciava pelo telefone que meu pai tinha morrido subitamente num quarto de hotel (...). Mas espera um pouco, estou me precipitando, por que avançar no tempo? Ainda
não tinha acontecido nada, era manhã quando minha mãe se preparava para a viagem, ia
ver minha madrinha e eu ia ver o meu poeta,
espera! Deixa eu viver plenamente aquele instante enquanto comia o pão com queijo quente (...). A hora ainda era do sonho. (...) Então
o homem disse com voz grave, uma notícia
triste, acontece que o seu pai... ele não era o
seu pai? Espera um pouco por amor de Deus,
espera! Acontece que ainda é manhã e estou
tão contente (idem, p. 123-4).
Com a mesma proposta de antecipação do
final, mas sem dar pistas ao leitor do que seria o desfecho, a escritora retoma esse estilo
em “Onde estiveste de noite?”, de Durante
aquele estranho chá. Ela inicia a crônica falando de sua estada em Marília, interior
paulista, onde faria uma palestra na Faculdade de Letras. No quarto de hotel, de madrugada, ela é acordada por uma andorinha que
entrou “Deus sabe por onde”, já que a janela
estava fechada. A ave estava assustada e esbaforida por tentar fugir. A personagem abre
a janela, mas em vez de a andorinha sair, pousou sobre a trave de madeira dos pés da cama.
Ficou assim de frente, me encarando, as asas
um pouco descoladas do corpo e o bico entreaberto, arfante. (...) Mas esta é hora de andorinha ficar assim solta? (...) Ela não respondeu
mas inclinou a cabeça para o ombro e, sorriu,
aquele era o seu jeito de sorrir. (...) Com a mão
do pensamento consegui alcançá-la e delicadamente fiz com que se voltasse para a janela. Adeus, eu disse. Então ela abriu as asas e
saiu num vôo alto. Firme.” (TELLES, 2002, p.
18)
Na outra parte do conto, ela relembra alguns momentos passados com a escritora
Clarice Lispector em um congresso de escritores latino-americanos na Colômbia. Conta que ambas, enfadadas de tantas palestras
(Clarice disse que os escritores deviam estar
em suas casas escrevendo), passam um tempo no bar do evento tomando champagne e
vinho, e conversando sobre coisas mais amenas do que o duro ofício da escrita. Depois
dessas “demoradas lembranças”, a escritora retorna ao momento em que estava em
Marília. Diz que ao chegar à Faculdade é interpelada por uma jovem que informa a morte de Clarice Lispector durante a noite. Lygia
abraça a mocinha e fala: “Eu já sabia, disse
antes de entrar na sala. Eu já sabia.” (idem,
p. 22)
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
Assim como a morte de seu pai, a de
Clarice é também revelada com antecedência.
Especialmente na crônica, a indicação textual
não se faz tão clara, até porque o leitor numa
primeira leitura pensa que se trata de duas
histórias sem conexões, mais parecendo um
relato de lembranças fragmentadas. Só no final é que todas se entrecruzam e o leitor sabe
que aquela andorinha foi o aviso de que algo
havia acontecido. Antes da revelação a escritora descreve que a andorinha “antes de desaparecer na névoa traçou alguns hieróglifos
no azul do céu.” A certeza de Lygia sobre a
morte de Clarice talvez tenha vindo da decifração da mensagem escrita no ar pela ave.
Esse é o texto de Durante aquele estranho
chá que mais se aproxima da ficção, tornando os limites entre crônica e conto
impalpáveis. Podemos considerar que ao narrar sobre a andorinha no quarto os recursos
ficcionais são bastante evidentes, como o uso
de uma linguagem mais subjetiva e envolvente.
Quanto à parte do evento no exterior, a escritora fala por si mesma, sem precisar de uma
personagem como recurso discursivo, embora nos dois momentos use a primeira pessoa.
Em nenhum dos dois textos aqui comentados, o epílogo acontece de forma impactante
como sugere Massaud Moisés, embora em
outros contos de fases anteriores, como “Venha ver o pôr do sol” e “Antes do baile verde”,
o desfecho seja surpreendente.
Talvez o estilo de Lygia, especialmente em
seus dois últimos títulos, esteja mais próximo
da proposta de Ricardo Piglia no que se refere a contar duas histórias que deságuam num
final só, mas com um detalhe diferente: os finais são sempre abertos. Segundo o escritor
argentino, “a arte do contista consiste em saber cifrar a história 2 nos interstícios da história 1. Uma história visível esconde uma história secreta, narrada de um modo elíptico e fragmentário.” (PIGLIA, 1994, p. 37)
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
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Outro ponto que se deve destacar nos contos de Invenção e memória é a recorrência
da morte, na mesma proporção em que a infância aparece. São temas que nas memórias
da autora estão sempre circulando, às vezes
sendo evocados no mesmo instante, como
que completando o significado de um e de
outro na história. É o caso de “Suicídio na
granja”, onde a menina pergunta ao pai sobre
a morte de um homem que encheu os bolsos
de pedra e se jogou no rio. Questionou ainda
se os animais também se matam, e o pai respondeu que só gente cometia suicídio. A imaginação da criança era mais forte do que a
resposta seca e racional do pai. Ela conta a
história de amizade entre um ganso, Platão, e
o galo, Aristóteles. Numa clara intenção de
transformá-los em personagens de uma fábula, a personagem narra as aventuras dos
dois bichos, como o passeio e a procura de
comida no terreiro. Mas os donos da granja
decidiram matar o ganso para um banquete.
Triste com a separação de forma tão cruel, o
galo definhou, sua crista murchou, o olhar
esvaziou e foi encontrado morto ao lado do
tanque onde o companheiro costumava se
banhar.
A morte nem sempre em seus contos se
apresenta de forma tão pueril, como em “Suicídio na granja”. Em “O menino e o velho”, a
infância representada não é a da narradora,
mas a de uma criança pobre que é acolhida
por um senhor rico. A história se passa em
três momentos num restaurante à beira mar.
No primeiro contato da narradora com os
dois, ela identifica que entre o velho e o menino não existia nenhum laço de parentesco, por
conta das diferenças sociais aparentes. Percebeu que o homem evitava o olhar dela, enquanto ele conversava em tom baixo com o
menino, como que o convencendo a fazer algo
que ninguém mais podia ouvir. Num segundo
momento, semanas depois, ela nota que o
92
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
aspecto do menino melhorou bastante. Vestia
roupas novas, tinha unhas e cabelos cortados, parecia mais feliz. Na terceira parte da
história, alguns meses mais tarde, ela entra
no restaurante de novo, mas não vê os dois.
O garçom informa que o menino enforcou o
velho com um cordão de náilon, roubou seu
dinheiro e fugiu. Ele foi encontrado nu e com
escoriações pelo corpo.
gem, de uma frase que se ouve ao acaso. “A
idéia do enredo pode ainda se originar num
sonho. Tentativa vã de explicar o inexplicável,
de esclarecer o que não pode ser esclarecido
no ato da criação. A gente exagera, inventa
uma transparência que não existe porque –
no fundo sabemos disso perfeitamente – tudo
é sombra. Mistério. O artista é um visionário.
Um vidente.” (TELLES, 2002, p. 170-171)
Talvez esse seja o conto mais “redondo”
do livro. Aqui o enredo é estruturado para dar
à narrativa um encadeamento de ações até o
final, sem fragmentações nem evasivas. Os
personagens são bem delineados, embora em
alguns momentos a escritora prefira dar um
tom misterioso à relação dos dois. Ela utiliza
o mar em frente ao restaurante como espelho
do comportamento do velho e do menino. O
mar se repetia em ondas, mas também era
irrepetível (representava o contraste entre os
dois), o mar e o céu formavam uma única tonalidade (o contraste se desfaz entre os dois)
e o mar era pesado e rugia rancoroso (algo
de errado acabou com a amizade de forma
trágica). A história oculta, de que fala Piglia,
emerge aqui num final surpreendente e enigmático. O que teria acontecido entre eles para
que houvesse um assassinato? Será que o
garoto já planejava a morte do velho para
roubá-lo ou foi por legítima defesa que o menino o matou? Em todo caso, essa criança
não é a mesma do conto “Suicídio na granja”,
principalmente quando se destaca a ingenuidade como traço do comportamento infantil.
O menino usou sua ingenuidade para matar,
enquanto a menina compreendeu a morte
através de uma visão pueril do mundo e das
relações sentimentais.
A concepção de Lygia da criação literária
sempre gira em torno da invenção e da memória, correspondendo assim a proposta que
ultimamente tem desenvolvido e que está expressa na frase de Paulo Emílio Sales Gomes,
citado como epígrafe de Invenção e memória: “Invento, mas invento com a secreta esperança de estar inventando certo.” É tão inconstante o limite entre a ficção e a realidade
nos textos da escritora que, embora ela própria tente apresentar uma justificativa plausível sobre suas histórias, isso não resolve muito
quando se lê um conto ou uma crônica sua.
Tome-se como exemplo a própria classificação dos livros aqui analisados. Sob a categoria de conto, pensa-se que “Rua Sabará, 400”
apresenta a estrutura de um texto ficcional, e
o leitor acredita nisso. Mas quão surpreso ele
fica quando sabe que essa história é a “mais”
real de todos os textos de Invenção e memória. Ela explica que é a ênfase que dá o estatuto de ficção ou de não-ficção a seus textos.
Em entrevista concedida à Clarice Lispector,
a escritora respondeu qual é a raiz de um texto seu, em especial, o conto. Para ela, algumas idéias podem surgir de uma simples ima-
Por esse caminho, pode-se considerar que
a ênfase – não seria intenção? – também está
presente em Durante aquele estranho chá.
A ênfase ficcional neste livro está pulverizada
em todos as crônicas, principalmente quando toca em temas caros a seu imaginário,
como infância, família e morte. Se ela tenta
explicar o que é inexplicável, resta ao leitor não
compreendê-la, mas lembrá-la por algo que
mais o impressionou em seus textos. Pode
ser a andorinha mensageira que invade o quarVolume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
to, o mar que metamorfoseia de acordo com
os sentimentos humanos, a criança que conta histórias fantásticas e se diverte com o
medo alheio. Se a vontade do escritor, segundo Lygia Fagundes Teles, é a de se comunicar com seu próximo, a do leitor é a solidariedade, “que me procura e me abraça.”
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para a infância”. In: A poética do devaneio. São
Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 93-137.
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da cabana”. In: A poética do espaço. São Paulo:
Martins Fontes, 1998. p. 23-53.
BARTHES, Roland. O prazer do texto. Lisboa:
Edições 70, 1988.
BRAIT, Beth. A personagem. São Paulo: Ática,
1998. (Série Princípios)
93
CORTÁZAR, Julio. Alguns aspectos do conto. In:
Valise de cronópio. São Paulo: Perespectiva,
1974. p. 147-166. (Coleção Debates, 104)
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da
ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do conto. São
Paulo: Ática, 1988. (Série Princípios)
MESQUITA, Samira Nahid. O enredo. São Paulo:
Ática, 1997. (Série Princípios)
MOISÉS, Massaud. O conto. In: A criação literária: prosa. São Paulo: Cultrix, [19—]. p. 15-54.
PIGLIA, Ricardo. “Teses sobre o conto”. In: O
laboratório do escritor. São Paulo: Iluminuras,
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TELLES, Lygia Fagundes. Invenção e memória.
Rio de Janeiro: Rocco, 2000
_____. Durante aquele estranho chá: perdidos
e achados. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.
BRUNEL, Pierre (org.). Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.
_____. Invenções da memória. Suplemento Literário de Minas Gerais, Belo Horizonte, n° 73,
p. 4-9, jul. 2001. Entrevista concedida a Suênio
Campos de Lucena.
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: Ed.
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TODOROV, Tzvetan. Linguagem e literatura. In:
As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1970. p. 53-64 (Coleção Debates, 14)
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
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Novas reflexões sobre bioética e biotecnonologia
em face do direito fundamental à vida
Ana Thereza Meirelles Araújo1
RESUMO:
Trabalho destinado à análise das novas questões trazidas pela biotecnologia, interferentes no
bem jurídico vida, à luz do direito constitucional. Avaliação das novas questões que envolvem a
interferência do homem e da ciência na vida, considerando a dignidade da pessoa humana.
Análise da disciplina jurídica do embrião extracorpóreo, da antecipação terapêutica do parto em
caso de feto anencefálico e do prolongamento artificial da vida, tendo como vetor a sistemática
dos direitos fundamentais.
1 INTRODUÇÃO
Contemporaneamente, a associação da
tecnologia às ciências biomédicas tem possibilitado novas conquistas e resultados que,
sob o enfoque primordialmente terapêutico,
representam avanços da ciência, em busca de
benefícios à espécie humana. Essas inovações
biocientíficas evidenciam uma nova visão sobre as ciências da vida, na medida em que
criam uma realidade complexa, composta pela
emersão de conseqüências e questionamentos de ordens ética, moral e jurídica.
Tais transformações fomentaram, significativamente, a necessidade da responsabilidade da própria ciência nos processos que
possam culminar na intervenção do começo
e término da vida, tendo em vista abrangerem
questões de ordem pessoal e filosófica a cerca da humanidade.
Dessa forma, a revolução científicotecnológica trouxe para Biomedicina a instabilidade das novas descobertas, questionando, concomitantemente, os limites de tais
1
Mestranda em Direito Privado e Econômico pela
Universidade Federal da Bahia. Pós-Graduanda em
Direito do Estado pela Fundação Faculdade De Direito
da UFBA. Membro titular do Comitê de Ética em
Pesquisa do Hospital das Clínicas. Orientadora de
Monografia dos cursos de pós-graduação do Juspodivm.
Professora da disciplina Monografia II da Faculdade
Metropolitana de Camaçari. Primeira Colocada no I
Prêmio “Professor Washington Luiz da Trindade”,
edição de 2007, na categoria “Pós-Graduação”.
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
transformações e a força de certos conceitos e costumes tradicionais, de maneira que
o posicionamento sobre a legitimidade e legalidade dos atos nesta seara já não deve
prescindir de uma análise e ponderação do
caso concreto, pertencente a um contexto específico, sob a influência de novos
paradigmas.
Partindo dessa perspectiva, não se pode
negar a necessidade de uma compreensão
que se posicione face aos novos fenômenos
da ciência, para que se possa legitimar determinadas práticas e refutar as que atentem
contra bens jurídicos que devem preponderar sobre possíveis e supervenientes benefícios científicos.
Na Idade Antiga, berço grego dos estudos
filosóficos, a estruturação da pólis culminou
numa nova fase da civilização, visto que, mediante o “conhecimento da razão”, o homem
passou a desenvolver estudos sobre ciência,
justiça e política.
Ao figurar nas relações sociais de modo
geral, a razão passa a contribuir, fundamentalmente, para a concretização de novo momento histórico social, onde o homem começa a se ver como centro dos fenômenos do
universo e as descobertas e explicações científicas se processam consoantes a esse novo
paradigma.
Caminhando nesse sentido, há de se registrar que esse novo momento históricoevolutivo, onde se buscou produzir conhecimento de forma obstinada, motivou a busca
pelas respostas sobre as questões existenciais do homem, referentes a sua origem e
permanência no universo. A razão passa a
se firmar como o elemento que alimenta a
motivação da existência humana, na medida
em que é capaz de propiciar à espécie um
novo sentido de percepção das coisas do
mundo, dos elementos da natureza e dos processos científicos.
No cerne do desenvolvimento biocientíficotecnológico, estão as indagações pertencentes ao campo da Bioética e naturalmente inerentes à sistemática dos direitos fundamentais constitucionalmente previstos. Ao conferir solução aos problemas de origem
biomédica, a Bioética encontra alicerce na
dogmática dos direitos fundamentais e na preservação da moldura principiológica da Carta
Magna.
Dessa forma, qualquer ensaio que vise analisar as disposições vigentes de ordem constitucional, implica na constatação de que a
construção desse sistema teve como alicerce
a proteção da pessoa humana, enquanto razão, sentido e finalidade da tutela para os demais direitos.
2 HOMEM, CIÊNCIA E BIOÉTICA
Não se pode negar que, desde os tempos
remotos de sua existência, a espécie humana
busca respostas para questões de natureza
cosmo-principiológica, atinentes à fenomenologia da vida.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
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O homem concede significado à sua própria existência no mundo. O significado que o
homem oferece a si mesmo advém da sua
capacidade racional de objetivar e construir
toda a realidade que o cerca. O conhecimento
produzido pelo homem proporciona sempre
um novo significado à sua existência; uma
existência que a todo momento se encontra
em reconstrução.2
2
FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos
fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003,
p.49.
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
Na contramão da história evolutiva do
racionalismo, ressalta-se o período medieval,
cuja prevalência da cultura maniqueísta tinha
como escopo afastar, progressivamente, o
homem da razão. A Igreja se incumbiu de camuflar o legado científico ensaiado na antiguidade clássica, passando a pregar idéias
teocentristas, de sorte que, para questões de
naturezas diversas, ao homem da Idade Média, restava o apego à doutrina canônica que
lhe imputava a obrigatoriedade da fé e a condenação das práticas científicas ‘por contraporem a vontade de Deus’.
Simbolizando o retorno dos ideais clássicos, o humanismo renascentista traz a explosão da capacidade racional do homem. Ao
romper com as concepções filosófico-teológicas medievais, o Renascimento resgata a
importância da razão, fato que culminará na
composição de um panorama histórico futuro – o surgimento dos ideais iluministas e,
posteriormente, da Revolução Científica.
Dessa maneira, o aperfeiçoamento da ciência se apresenta como uma nova realidade contemporânea. A razão e a objetividade, enquanto combustíveis para o desenvolvimento, possibilitaram o crescimento de todas as esferas
do conhecimento humano, propiciando novas
visões sobre os processos científicos.
Seguindo a trilha da história da humanidade, surge a necessidade de especializar, cada
vez mais, as áreas do conhecimento. As necessidades sociais passam a reclamar a
segmentação das descobertas científicas, fazendo com que todo e qualquer conhecimento passe a ser esquematizado e integre uma
determinada área, cujos assuntos sejam
interativos e específicos.
Assim, as áreas específicas que compõem
as ciências da saúde, objeto de estudo da
Bioética e do Biodireito, ambos segmentos
científicos que têm como escopo principal a
investigação e limitação do comportamento
humano na seara da Biomedicina, tendo em
vista a necessária preservação dos alicerces
da Ética e do Direito, enquanto balizas indispensáveis à harmonia e pacificação social.
Em uma acepção mais ampla e originalmente proposto por Van Rensselaer Potter,
biólogo e oncologista, na década de 70, o termo bioética surgiu em decorrência da necessidade de disciplinar os problemas ambientais
ligados às questões de saúde. Posteriormente, o fisiologista fetal holandês Andre Hellegers
passará a defender o uso do termo apenas
para as relações do homem com a as ciências da vida e saúde.3 Nesse diapasão, a Bioética
surge como um vetor de valores e princípios
de orientação das condutas humanas e funcionará como um novo paradigma para conduzir as relações do mundo contemporâneo.
Impende registrar que esse panorama
moderno tem como epicentro a fugacidade/
transitoriedade do conhecimento científico.
Para qualquer ramo da Ciência, principalmente para a Medicina, não se tem como engessar
descobertas e conquistas, aprisionando verdades científicas como dogmas para os tempos vindouros. Não há como isentar os conhecimentos (mesmo que imputados até então como verdades absolutas) dos efeitos da
evolução da própria Ciência. E é sob essa perspectiva que incidirá a tutela da Bioética e do
Direito, muitas vezes carente de acompanhamento paralelo, tendo em vista a velocidade
do surgimento de novas conquistas científicas.
3
FABRIZ, Daury César. Op. Cit., 2003, p.73-74.
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3 CONSTITUIÇÃO E BIOÉTICA
As recentes descobertas na área das ciências da saúde, enquanto realidade ascendente do mundo contemporâneo, não podem
encontrar recepção no mundo jurídico, se não
se apresentarem consoantes à preservação
dos direitos de natureza constitucional.
Ainda que colimada de importância singular e posição de supremacia, a tutela constitucional dos direitos fundamentais não pode
refutar a existência, inegável e natural, de uma
nova moldura de descobertas médico-científicas que, a cada dia, tende a contrapor direitos e bens jurídicos protegidos pelo Ordenamento e, conseqüentemente, clamar pelo seu
acompanhamento e adequada disciplina jurídica.
Diversas novas possibilidades, conquistadas pelo crescimento da biotecnologia e situadas no plano da Bioética, denotam indícios
do conflito entre possíveis interesses de natureza privada, portanto atinentes à seara da
autonomia dos indivíduos, versus a preservação de interesses públicos, cujo núcleo se
localiza na proteção dos direitos fundamentais.
3.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E
BIOTECNOLOGIA
Precipuamente, cumpre uma rápida e formal distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, expressões, muitas vezes,
usadas pela doutrina moderna como sinônimas. A distinção reside, fundamentalmente,
num ponto de caráter formal. Conforme entende o professor Ingo Wolfgang Sarlet4, enquanto os direitos fundamentais se encontram
positivados e arrolados na Constituição de
cada Estado, o que evidencia uma perspectiva de norma interna, os direitos humanos
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
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encontram guarida nos tratados e declarações
internacionais, onde se permite reconhecê-los
como alicerce de uma tutela de caráter universal.
Entretanto, é irrefutável que, sob o ponto
de vista material, direitos humanos e/ou fundamentais guardam íntima relação, por terem
como razão primordial o reconhecimento do
valor do homem, caminho proveniente do Direito Natural. Assim, pode-se extrair de uma
análise sobre o constitucionalismo moderno,
a influência concreta do jusnaturalismo na
construção dogmática da teoria dos direitos
fundamentais.
Para compreender o conceito de direitos
fundamentais, deve-se identificar a incidência
de vetores axiológicos, atentando para a evolução normal da sociedade e do Estado, sem
abandonar concepções jusnaturalistas que,
originariamente, justificam a proteção e
positivação de determinados direitos. Assim,
é certo que o significado desses direitos primordiais antecede a existência de qualquer
Ordem Jurídica e seu aparecimento se confunde com o surgimento do estado constitucionalista, que terá, como fundamento e limite de intervenção, o princípio da dignidade da
pessoa humana.
Urge, nessa linha, discriminar as chamadas gerações ou dimensões desse direitos, a
fim de que seja alcançada a compreensão
sobre seu conteúdo e extensão.
Os direitos de 1a geração ou dimensão têm
ligação estreita com os direitos naturais, pertencem à seara individual e são traduzidos
4
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos
fundamentais. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Ed., 2007, p.35-36.
98
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como “direitos negativos”, tendo em vista não
consistirem em prestação específica positiva
do Estado, como é o caso dos direitos à vida,
à igualdade, à liberdade e à propriedade, que
são, muitas vezes, pressupostos para a existência de outras proteções.
Os direitos sociais ou de 2a dimensão estão situados no plano da necessidade de atuação do Estado ou seja, a fim de garantir-lhes
efetividade, o Poder Público deve agir, materializando seu conteúdo. É o que compreende
da saúde, educação, trabalho e salário mínimo, direitos cuja a prestação é passível de ser
exigida.
Os direitos coletivos ou difusos, de 3a dimensão, estão voltados à garantias dos grupos de indivíduos. Tratam de direitos genéricos, que se referem a interesses coletivos,
como a paz, a preservação do meio ambiente
e do patrimônio histórico e cultural e os direitos provenientes das relações de consumo.
Conforme entendimento do professor Paulo Bonavides5, pode-se registrar a possibilidade de reconhecer a 4a geração ou dimensão desses direitos, cujo fulcro reside na
globalização do interesse de sua tutela, expandido ao plano normativo internacional. É o
caso dos direitos à democracia e à informação.
Nem mesmo os direitos fundamentais, que
gozam de proteção e disciplina especiais, escapam do enfrentamento de uma nova realidade social: a evolução desenfreada da
tecnologia e das ciências biomédicas. Nesse
contexto, tais direitos são obrigados a conviver como que se pode chamar de um novo
paradigma – os avanços na área da
Biotecnologia e da Medicina – , que, de forma
gradativa, tendem a reclamar a pacificação de
certos conceitos jurídicos, para que, conse-
qüentemente, seja sedimentada a conclusão
do que pode ser legitimado ou combatido.
Caberá à ciência jurídica encontrar o equilíbrio ou o chamado “caminho do meio” entre
a fenomenologia biotecnológica, que favorece as espécies, e a preservação, necessária e
indispensável, do núcleo de bens jurídicos (e
princípios) que não podem ser dissociados
da existência do homem, como sua vida e dignidade, direitos fundamentais salvaguardados
pelo olhar atento da tutela constitucional.
Em que pese os problemas tratados pela
Bioética estarem no foco das indagações sobre o direito à vida, portanto direito fundamental de 1a dimensão, não se pode refutar a sua
íntima relação com o direito à saúde, visto que
as condutas na área da Biomedicina buscam
o aperfeiçoamento das conquistas terapêuticas, no desenrolar dos processos científicos.
Sob esse prisma, sem prejuízo da evidente
relação da Bioética com o referido direito de
2a dimensão, impende registrar sua estreita
ligação com os demais direitos, como é o caso
da qualidade de vida, que possui caráter coletivo e está situado na 3a dimensão.
3.1.1 Direito à vida e princípio da Dignidade
da pessoa humana
Não se pode negar que a tentativa de
conceituar o fenômeno vida agrega significativa dificuldade, tendo em vista a impossibilidade de considerá-la apenas sob o ponto de
vista biológico. Sua compreensão deve estar
associada a sua dimensão axiológica-filosófica, conforme preleciona o bioeticista Elio
Sgreccia:
5
BONAVIDES, Paulo apud TAVARES, André Ramos.
Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2007, p.431.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
A característica do vivente, sob o ponto de
vista filosófico, está no fato de ele ser capaz
de uma atividade que parte do sujeito vivente
e tende a aperfeiçoar o próprio sujeito: vida é
capacidade de ação imanente. Deixamos de
lado o exame das características físicas, químicas e bioquímicas do ser vivo e examinamos o problema do ponto de vista filosófico.
O salto qualitativo e irredutível do fenômeno
“vida” está, portanto, na capacidade real de
um ser de ser causa e fim da própria ação:
isto significa precisamente “ação imanente”.
No primeiro degrau da vida, a vida vegetativa,
ação imanente tem uma tríplice capacidade:
nutrição, crescimento e reprodução. 6
Assim, não há como dissociar o homem
da dimensão valorativa e filosófica que o torna vivo – a sua alma, essência e espírito. Logo,
a ética e o Direito também não compreenderão a vida a partir de uma limitação estritamente biológica.
o
Vida, no texto constitucional (art. 5 , caput),
não será considerada apenas no seu sentido
biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua
acepção biográfica mais compreensiva. Sua
riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital),
que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando de ser vida para ser morte.7
Pode-se entender que, ao assegurar a
inviolabilidade do direito à vida, a Constituição Federal, em seu artigo 5o, imputou ao referido direito dois sentidos. O primeiro, o direito de permanecer existindo até que as causas naturais interrompam sua continuidade.
O segundo, o direito de percepção de uma
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
99
adequada qualidade de vida, por meio de políticas assistencialistas que visem educação,
saúde, moradia e trabalho, por exemplo.
Enquanto o mais fundamental e razão préexistente para os demais direitos constitucionais, o direito à vida enfrenta, de forma incisiva, um questionamento principal – a determinação do seu termo inicial e final. A Constituição garantiu a preservação desse direito, mas
não determinou o exato momento em que se
estaria diante do seu objeto de proteção – o
fato vida.
As novas possibilidades da tecnologia,
como a fertilização em laboratório e a manutenção artificial da vida, fizeram eclodir os problemas oriundos dessa indefinição, o que
mostra indícios proeminentes da necessidade de refletir sobre o momento de começo e
término da existência humana.
No foco das reflexões que visam construir
a tutela da vida do homem, conforme entende o professor de Ética Médica da Universidade de Lisboa Daniel Serrão, no plano internacional, e mesmo no âmbito da normatividade
interna, para analisar determinadas questões
biomédicas, de ante mão, não se pode perder
de vista a chamada pluralidade ética que
[...] pressupõe que não há valores nem juízos
morais que sejam universalmente aceitos por
todos os cidadãos de um país ou por todos
os Estados da Organização das Nações Unidas. Os valores essenciais para a garantia
da coesão social de um Estado democrático
6
7
SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética I- Fundamentos
e ética biomédica. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola,
2002, p.93.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito
Constitucional Positivo. 28. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 197.
100
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
passam a ser normas jurídicas segundo a regra da maioria – seu cumprimento é obrigatório e seu descumprimento, sancionado. Todos os valores e juízos morais não contemplados no ordenamento jurídico de um Estado de Direito Democrático estão aber tos à
opção livre dos cidadãos, no quadro do que
se chama relativismo cultural. Como não há
critérios objetivos para se poder afirmar que
uma cultura é “melhor ” que outra, o
fundamentalismo cultural é inaceitável no plano ético. 8
Os questionamentos bioéticos que tocam
o núcleo do direito à vida advêm de diferentes
panoramas sócio-culturais, pertinentes aos
diversos Estados. As condutas na área da
Biomedicina se manifestam consoante às concepções íntimas, individuais e culturais naturalmente impregnadas de coeficientes moral
e religioso, e só merecem a subsunção coercitiva do Direito quando afrontam norma jurídica.
Sólo cuando el comportamiento coherente con
tales convicciones íntimas e internas es contrario a una norma jurídica imperativa, surge
un enfrentamiento entre ambos, y es
entonces también cuando la conciencia puede
verse constreñida a manifestarse externamente, como objeción de conciencia 9.
Assim, surge o problema da real extensão
da tutela do direito à vida. Enquanto norma
jurídica constitucional, não pode sofrer violação pelas práticas científicas. No entanto, salienta-se o registro de que essa própria norma não identificou os termos de início e fim
do seu objeto de proteção e fez com que, de
forma natural, os avanços da biotecnologia e
da medicina expandissem os limites de atuação dos cientistas e/ou médicos nas suas áreas
respectivas.
O conceito de direito à vida está associado
ao fundamento que, sobretudo, justifica sua
proteção e supremacia – o princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse diapasão, começa-se a perceber que
a tutela almejada pela Constituição Federal de
1988 não está adstrita a uma proteção biológica, ilustrada pelo simples “respirar” do indivíduo. A dignidade da pessoa humana, erigida
a fundamento do Estado, se apresenta como
um vetor de natureza axiológica que guia a
sistemática dos direitos fundamentais do homem. Essa é a real perspectiva de proteção
do referido bem jurídico que permite a reflexão sobre o surgimento de uma nova terminologia - vida digna.
O conteúdo do princípio da dignidade, dessa maneira, irradiará qualquer relação jurídica, seja de natureza pública ou privada. O seu
papel reside, essencialmente, na necessidade
de observação da primazia dos valores inerentes à pessoa humana, enquanto razão fundamental da Constituição e do Estado Democrático.
As recentes inovações da Medicina e da
biotecnologia que ensaiam tocar nas questões
inerentes ao direito fundamental à vida são: a
destinação dos embriões extracorpóreos excedentes ao processo de fertilização em laboratório, a interrupção da gravidez de feto
anencéfalico e a manutenção artificial da vida
ou eutanásia.
8
9
SERRÃO, Daniel. O Estatuto do Embrião. Revista
Bioética. V. 11, n.2, 2003. Disponível em: <
www.portalmedico.org.br/revista/bio11v2.htm> .Acesso
em: 04 abr. 2007, p. 109-116.
CASABONA, Carlos María Romeo. Libertad de
Conciencia y actividad biomédica. In: SÁ, Maria de Fátima
Freire de (Coord.). Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey,
2002, p.2-3.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
3.1.1.1 O embrião extracorpóreo
A fertilização in vitro é modalidade de reprodução artificial que consiste na retirada de alguns óvulos com o objetivo de associá-los aos
espermatozóides, mediante manipulação em
laboratório. A quantidade dos óvulos e dos
espermas a ser coletada deve refletir a inclusão
do risco do procedimento, pois não se teria
como garantir que a associação de um óvulo a
um espermatozóide configuraria a fecundação,
nem que este único embrião possivelmente
obtido reuniria condições para implantação no
útero ou resistiria perfeitamente às influências
externas. Ao final do processo, alguns dos
embriões produzidos não serão implementados
no útero porque excederam o número recomendado para a transferência ou não reuniram
condições favoráveis para fins de reprodução
(por não terem se desenvolvido normalmente
ou possuírem alguma alteração genética em
sua estrutura cromossô-mica). Assim, urge
solucionar o problema do destino dos embriões remanescentes passíveis de reprodução
em outro momento ou inviáveis para fins
reprodutivos, pela ausência de condições que
possibilitem uma gestação normal.
Diversas são as teorias que visam identificar o início da vida humana. Para a teoria
concepcionista, o embrião (extracorpóreo ou
não) merece o tratamento jurídico de pessoa
porque a vida começa a partir da união do óvulo
com o espermatozóide (instante da concepção).
As teorias genético-desenvolvimen-tistas
condicionam o início da vida ao aparecimento
de fatores biológicos capazes de evidenciar a
existência da individualidade humana. Portanto, não se pode falar em indivíduo enquanto
inexistir diferenciação entre as células do embrião, pois, nas etapas iniciais de seu desenvolvimento, não há caracteres capazes de
individuá-lo como pessoa. A teoria que trata o
embrião como uma potencialidade de pessoa
entende que a sua existência não configura a
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
101
imediata existência de uma pessoa, mas a capacidade para se tornar tal. Assim, agrega os
riscos e peculiaridades que evidenciam a realidade de um embrião in vitro, conferindo-lhe
autonomia e significado embrionários. 10
Sem prejuízo das teorias que tentam disciplinar o começo da existência humana, para
solucionar a problemática dos embriões
extracorpóreos, insta reconhecer, novamente,
o pluralismo e a diversidade que são inerentes
à vida democrática.11 Referendar a pluralidade,
como ponto de solução para algumas questões que envolvem problemas da Bioética é
uma face do Estado Democrático de Direito. Não
se deve dogmatizar concepções que pertencem ao plano pessoal de cada um, sob pena
de vilipêndio ao princípio da dignidade e ao
próprio sentido da democracia.
A lei 11.105/200512 validou esse panorama quando condicionou a consecução das
pesquisas com células-tronco em embriões
10
ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. Ana Thereza
Meirelles. Disciplina Jurídica da destinação do excedente
embrionário da reprodução assistida. Revista do Curso
de Direito da UNIFACS, Salvador, v. 47, 2006, p.232.
11
BARROSO, Luis Roberto. Gestação de fetos
anencefálicos e pesquisas com células-tronco: Dois temas
acerca da vida e da dignidade na Constituição. In:
SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (orgs.).
Direitos Fundamentais: Estudos em homenagem ao
professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar,
2006, p. 677.
12
Dispõe o art. 5o da Lei 11.105/2005: Art. 5o É permitida,
para fins de pesquisa e terapia, a utilização de célulastronco embrionárias obtidas de embriões humanos
produzidos for fertilização in vitro e não utilizados no
respectivo procedimento, atendidas as seguintes
condições: I – Sejam embriões inviáveis; ou II – Sejam
embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data de
publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da
publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três)
anos, contados a partir da data de congelamento. d1o Em
qualquer caso, é necessário o consentimento dos
genitores. d 2o Instituições de pesquisa e serviços de
saúde que realizem pesquisa ou terapia com célulastronco embrionárias humanas deverão submeter seus
projetos à apreciação e aprovação dos respectivos
comitês de ética e pesquisa.
102
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
excedentes ao consentimento de seus
genitores. O embrião, enquanto ser potencial
que é, revela também a potencialidade genética daqueles que o geraram e não parece ter
plausibilidade permitir a prática da fertilização
artificial e imputar a quem a ela se submeta o
ônus de doar seu excedente embrionário para
a reprodução de outros casais. Resguardar o
consentimento dos pais para a destinação é
permitir que eles decidam conforme seus valores pessoais.
Ademais, atenta-se para a oportuna e indispensável manifestação da lei no que tange
à práticas eticamente condenáveis por qualquer Ordenamento Jurídico. A lei de
biossegurança vetou a comercialização ou
negociação onerosa de material biológico, a
clonagem e a eugenia nas células germinativas
humanas.
Analisando a disciplina normativa, vê-se
que a Constituição Federal, em seu art. 5o,
caput, assegurou a inviolabilidade do direito à
vida, enquanto que o Código Civil trouxe o
nascimento como termo de início da personalidade civil, atributo inerente a toda pessoa
humana. O embrião em estágio préimplantatório não é pessoa, haja vista não ter
nascido, nem é nascituro, porque prescinde
do estado de implantado no útero.
À guisa de arremate, a disciplina trazida pela
lei de biossegurança se manteve fiel ao princípio da dignidade porque permitiu que os
embriões fossem submetidos às pesquisas
com células-tronco somente se mostraram
inviáveis para fins de reprodução ou excedentes ao número recomendado à transferência
uterina. Observa-se que somente embriões
obtidos por fertilização artificial podem ser
destinados às pesquisas, restando vedada
qualquer tentativa de produzi-los exclusivamente para esse fim.
3.1.1.2 A interrupção da gestação de feto
anencéfalico
É sabido que o Código Penal tipificou o
aborto como um crime contra a vida, no entanto excluiu a punibilidade dos que forem
praticados quando a gravidez foi decorrente
de estupro (aborto terapêutico) ou quando
não houver outra forma de salvar a vida da
gestante (aborto necessário). Em ambos os
casos, a legislação buscou, através de um juízo
valorativo, proteger os bens jurídicos – vida e
sofrimento da gestante – em detrimento da
vida (ou potencialidade de vida) do embrião
ou do feto. Assim, ponderou os interesses e
os direitos envolvidos e assegurou a tutela
daquele que julgou merecer preponderância.
Cumpre o registro de que não se intenta
questionar o tratamento jurídico já conferido
ao aborto, mas, substancialmente, analisar a
possibilidade de interrupção da gestação de
um feto acéfalo, à luz dos fundamentos que
concorreram para a supramencionada previsão das excludentes de punibilidade associados a outros fatores que podem justificar a
antecipação do parto.
Sob o ponto de vista médico, a anencefalia
ou ausência de cérebro pode ser definida
como “a má-formação fetal congênita por defeito do fechamento do tubo neural durante a
gestação, de modo que o feto não apresenta
os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo
apenas resíduo do tronco encefálico”. 13
13
BEHRMAN, Richard E; KLIEGMAN, Robert M;
JENSON, Hal B; Nelson apud BARROSO, Luis
Roberto. Gestação de fetos anencefálicos e pesquisas
com células-tronco: Dois temas acerca da vida e da
dignidade na Constituição. In: SARMENTO, Daniel;
GALDINO, Flávio (orgs.). Direitos Fundamentais:
Estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo
Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 671.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
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Completa-se que os postulados da ciência
médica refutam qualquer possibilidade terapêutica de reversão desse quadro, o que torna a morte o destino evidente dos fetos nesta
condição. Acrescenta-se, ainda, que a
anencefalia tem se mostrado perigosa para a
saúde da gestante, tendo em vista a grande
possibilidade do óbito intra-uterino em fase
de desenvolvimento já avançado.
Conforme discorrido anteriormente, a ausência de consenso científico ou filosófico a
cerca do início da vida é questão de natureza
ética e moral e pertence à seara pessoal dos
indivíduos. Nesse sentido, o professor Luis
Roberto Barroso:
Não se trata de pregar, naturalmente, um
relativismo moral, mas de reconhecer a
inadequação do dogmatismo onde a vida democrática exige pluralismo e diversidade. Em
situações como essa, o papel do Estado deve
ser o de assegurar o exercício da autonomia
privada, de respeitar a valoração ética de cada
um, sem a imposição externa de condutas
imperativas.
[...]
Relativamente à antecipação terapêutica do
parto, oferece-se à gestante a faculdade de
não levar a termo a gestação inviável.14
A decisão sobre a antecipação terapêutica
do parto de fetos anencefálicos deve cingirse à esfera da autonomia privada por não violar norma jurídica vigente. A ausência de condições normais do feto anula o discurso sobre a violação da sua vida, que, de fato, se
apresenta, desde o começo, como inviável.
Ademais, a exclusão da punibilidade dos abortos necessário e terapêutico já encerra a postura do legislador que transferiu à autonomia
privada a decisão sobre o destino do feto anômalo. Na mesma linha, deve-se enquadrar a
gestação do feto que não apresenta nenhuma condição viável de vida.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
103
Nesse contexto, não se pode perder de vista o princípio da dignidade da pessoa humana, cujo conteúdo corresponde à proteção dos
valores e da integridade moral dos indivíduos. Não parece legítima uma postura do Estado que impute à gestante o dever de completar a gestação de um feto anômalo (que, notoriamente, não agrega condições nenhuma
de vida) e submeter-se ao risco de uma gravidez dessa natureza. À luz da dignidade, as integridades moral e física da gestante não devem ser ameaçadas ou violadas. Ainda no
âmbito constitucional, registra-se que o conflito de direitos ou bens jurídicos pode ser dizimado pela aplicação dos princípios da
proporcionalidade e razoabilidade, que, no
caso in voga, autorizariam a interrupção
gestacional.
3.1.1.3 A manutenção artificial da vida
Ao tratar do tema da eutanásia, porém longe de esgotá-lo, é inevitável vinculá-lo ao princípio da dignidade da pessoa humana, visto
que é a proeminente necessidade de manutenção da dignidade da vida que pode justificar a sua interrupção.
Para parte da doutrina, a eutanásia pode
refutar a característica de indisponibilidade do
direito à vida, por ter como fundamento a preservação do direito à dignidade, consubstanciado pela salvaguarda dos valores e concepções individuais e filosóficas, refletidas pelo
modo autônomo de compreensão dos indivíduos sobre o sentido da existência humana.
Urge promover a delimitação conceitual
sobre a eutanásia propriamente dita. Ela consiste na provocação da morte do paciente
portador de doença incurável que padece de
14
BARROSO, Luis Roberto. Op. Cit, 2006, p.677.
104
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
intenso sofrimento e possui justificativa assentada em razões de ordens moral e pessoal,
motivadas por sentimentos fortes de piedade
e compaixão.
O Ordenamento Jurídico do Brasil não
recepcionou a possibilidade de promoção da
eutanásia, ao contrário, a análise da sistematização penal vigente faz emergir a conclusão
de que a sua prática pode ser enquadrada
como crime de homicídio privilegiado, onde
poderá incidir causa de diminuição de pena,
por ter o agente cometido o crime impelido
por motivo de relevante valor social ou moral.15 No entanto, ainda sob o foco penal da
matéria, é importante ressaltar a ausência de
tipificação específica para a referida conduta.
A possibilidade de promoção da eutanásia
merece forte reflexão no que tange à sua
vedação por norma jurídica, pois, à luz do
princípio da dignidade, está situada na seara
das convicções morais, filosóficas, religiosas
e pessoais, inerentes ao pluralismo cultural da
sociedade.
O livre desenvolvimento da personalidade humana está intrinsecamente ligado à idéia de
autonomia do sujeito, de âmbito de autodeterminação jurídica, pois, a liberdade é imprescindível para a materialização dos direitos da personalidade, para o livre desenvolvimento da pessoa, para sua dignidade. É necessário refletir sobre o grau de autonomia
jurídica que a pessoa tem quanto ao processo de morte.
[...]
Deve-se compreender que a dignidade da pessoa humana não é um conceito objetivo, absoluto, geral, possível de ser abstraído em
padrões morais de conduta e a serem impostos a todas as pessoas. 16
Nesse diapasão, volta-se ao cerne da motivação principiológica da dignidade. As circunstâncias que podem primar por uma morte digna evidenciam a necessidade de relevar
valores e concepções atinentes à autonomia
individual que não devem ser menosprezados
pelo Direito. Para cada caso concreto, há de
se ponderar os motivos justificadores de uma
possível interrupção da vida, que poderá encontrar legitimidade se tiver como fulcro a
manutenção da dignidade humana.
5 CONCLUSÃO
As recentes descobertas da biotecnologia
carecem do acompanhamento paralelo da
Bioética e do Direito por tocarem, muitas vezes, no núcleo de proteção de bens jurídicos
de relevância superior, como a vida e a dignidade humanas. Impende salientar que a intervenção do Direito nesta seara não deve prescindir de uma precisa ponderação dos direitos que se mostrem conflitantes, tendo como
guia a salvaguarda do direito à vida e/ou da
dignidade da pessoa humana.
Assim, não se extrai legitimidade das soluções que vilipendiem o liame traçado pelo princípio da dignidade, quanto à destinação dos
embriões excedentes ao processo de reprodução artificial, à possibilidade de interrupção
da gravidez de feto acéfalo e à consecução da
eutanásia.
Motivado pelo princípio da dignidade da
pessoa humana, o destino dos embriões remanescentes à fertilização in vitro atrela-se à
15
16
Assim dispõe o ä 1o do art. 121 do Código Penal.
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia,
ortonásia e distanásia: breves considerações a partir
do biodireito brasileiro. Ano 10, n.871, 21 nov. 2005.
Disponível em: < www.jus2.uol.com.br/doutrina/
texto.asp?id=7571>. Acesso em: 13 fev. 2007, p. 10.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
manifestação de seus genitores (passível de
restrições se violar disposição normativa), que
podem optar por doá-los às pesquisas com
células-tronco. A possibilidade de interromper a gravidez de feto anencéfalico também é
decisão que deve cingir-se à seara de autonomia privada, tendo em vista a necessária proteção da integridade física, moral e psíquica
dos pais, correlata ao princípio supramencionado. Quanto à eutanásia, há de se salientar a necessidade de ponderação dos direitos
possivelmente conflitantes no caso concreto,
a fim de que não seja sobreposto o de maior
relevância.
A praxe constitucional de ponderação de
princípios, direitos e interesses há sempre de
ser considerada quando se mostre tendente
um conflito ou colisão. As novas conquistas
nas áreas biomédica e biotecnológica não
podem se perder da bússola da dignidade, sob
pena de carecerem da legítima razão que as
tornam bem-vindas – o benefício à espécie
humana.
REFERÊNCIAS
105
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jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571 >.
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Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
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Performance de empresas socialmente responsáveis na
BOVESPA: Aplicação da Análise de Cluster
Ailton Passos Ferreira1
RESUMO
Há uma tendência mundial de investidores procurarem empresas socialmente responsáveis,
sustentáveis e rentáveis para aplicar seus recursos. A premissa fundamental para esta mudança é a concepção subjetiva de que empresas sustentáveis gerariam valor para o acionista
no longo prazo, pois estariam mais preparadas para enfrentar riscos econômicos, sociais e
ambientais. Caso esta percepção seja verdadeira, espera-se que os investidores tenham uma
predisposição maior de investir em empresas preocupadas com a responsabilidade social e
com a sustentabilidade empresarial. Este artigo busca testar se as empresas brasileiras,
consideradas socialmente responsáveis, possuem retornos homogêneos e diferenciados na
BOVESPA. Para tanto, utilizou-se a análise de cluster em 171 empresas, no período de 2000
a 2006, das quais 24 foram identificadas como socialmente responsáveis, por comporem o
Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BOVESPA. O resultado revelou que as concepções dos investidores brasileiros, a respeito das ações de responsabilidade social, ainda
são superficiais, pois, outros fatores – como performance dos setores econômicos – ainda
têm o condão de influenciar, de forma mais significativa, as variações dos retornos de ações.
No entanto, o período de 2002 a 2006 apresentou diferenças estatísticas significantes quanto
às variáveis analisadas.
Palavras-Chave Responsabilidade Social. Análise de cluster. Índice de Sustentabilidade Empresarial.
1
Economista, pós-graduado em Informática Avançada, MBA em Finanças e Mercado de capitais, Mestre em
Desenvolvimento Humano e Responsabilidade social. Professor da Faculdade Metropolitana de Camaçari, e-mail:
[email protected]
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INTRODUÇÃO
A responsabilidade social, tal como está
fundamentada atualmente, transcende a esfera assistencialista, englobando também
ações comunitárias mais amplas. Não se admite, portanto, falar em responsabilidade social dissociada, por exemplo, da educação, da
saúde, da habitação, da cultura, da segurança, da defesa das minorias, da capacitação
para o emprego, da melhoria da qualidade de
vida e da preservação do meio ambiente. Generaliza-se, portanto, a percepção que a superação dos grandes desafios na área social
passa pela imperiosa participação do Estado,
dos cidadãos, das empresas e das organizações sociais civis ou não governamentais.
É importante perceber que certos valores
ganharam grande pujança nesta atual conjuntura. Um deles é a solidariedade. O novo conceito de responsabilidade social considera esse
elemento na atuação de diversas entidades movidas por ideários humanitários, filantrópicos e
voluntários. Tornou-se senso comum o entendimento de que a sociedade não pode esperar
que a ação dos governos resolva os problemas sociais que a afligem. (LIMA, 2002)
Lima (2002) afirma ainda que há uma convergência no reconhecimento da negligência
com a cidadania e com o desempenho social,
em razão da crise de tipologias de Estado “
com as perspectivas de sua reformulação “ e
da crise de governabilidade “ com a confusão
das esferas pública e privada.
Também é importante destacar o papel
social da empresa neste novo cenário, marcado por novas demandas do mercado, influenciado por um público muito mais consciente, por investidores e consumidores mais
preparados e por uma concorrência mais acirrada.
Essas condições têm pressionado as organizações para que atuem com mais qualidade e transparência, demonstrando preocupação não só com os aspectos da modificação patrimonial, mas também com o bem-estar social. As empresas, por sua vez, buscam
com esse ingrediente social obter ganhos de
imagem corporativa com reflexos positivos em
seus negócios, e assim o fazem.
Caso essa análise seja precisa, espera-se
que investidores mais conscientes tenham a
predisposição maior de investir em empresas
preocupadas com a responsabilidade social e
com a sustentabilidade empresarial. Inclusive
há uma tendência mundial neste aspecto, de
investidores procurarem empresas socialmente responsáveis, sustentáveis e rentáveis para
aplicar seus recursos. (BOVESPA, 2007).
Considerando os aspectos anteriormente
mencionados, este artigo espera responder a
seguinte problemática: As empresas brasileiras, ditas socialmente responsáveis, têm rentabilidades homogêneas e diferenciadas na
bolsa de valores de São Paulo?
Caso essa resposta seja afirmativa, confirmar-se-á, no Brasil, a tendência mundial de
priorizar investimentos em empresas preocupadas com a sustentabilidade empresarial.
A percepção subjetiva individual deste autor indica que dada à mudança no perfil dos
investidores mundiais, seus pares brasileiros
também devem estar seguindo essa mesma
tendência, e, portanto, haverá uma forte relação existente entre rentabilidade das ações e
o fato da empresa ser ou não ser considerada
socialmente responsável.
Para tanto, será efetuada a análise de cluster
para confirmação ou rejeição dessa hipótese.
A análise de cluster é uma técnica exploratória
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
de análise multivariada, que permite agrupar
sujeitos em grupos homogêneos ou compactos relativamente a uma ou mais características comuns. Cada observação pertencente a
um determinado grupo é similar a todas as
outras pertencentes a esse grupo, e é diferente das observações pertencentes aos outros grupos.
A idéia subjacente é que as empresas consideradas socialmente responsáveis tenderão
a ficar no mesmo grupo e serão estatisticamente diferentes dos outros grupos analisados.
1. RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E MARKETING SOCIETÁRIO
A responsabilidade social corporativa, de
acordo com Tenório (2007, pg. 45): “surge
com a mudança de valores propostos pela
sociedade pós-industrial: a valorização do ser
humano, o respeito ao meio ambiente, a busca de uma sociedade mais justa e uma organização empresarial de múltiplos objetivos”.
Dessa forma, questões como obter eficiência e lucratividade com a preservação da
imagem e reputação da companhia passaram
a integrar os próprios objetivos estratégicos
da empresa. Sobrevivência num mundo extremamente competitivo é o lema da vez. Nessa perspectiva então, torna-se necessária a
agregação de valor social ao negócio, além
da redefinição dos objetivos de marketing da
empresa.
Na verdade, neste novo cenário, as empresas se vêem pressionadas a proteger sua imagem, mediante a justificação de sua missão
social perante uma variedade de agentes portadores de interesses ou interventores potenciais em relação a elas – são os stakeholders.
Tenório (2007, pg. 46)
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Esse ânimo de prestação de contas, instalado no seio das organizações, amplia a noção de responsabilidade social.
Nesta linha, Lima (2002) declara:
Na esteira desse fenômeno, as empresas
começaram a se preocupar com medidas de
natureza social e com a prestação de contas
relativa ao alcance dessas providências, entendendo que a melhor forma de fazer isto,
seria demonstrar numa abordagem
socioeconômica o que elas devolviam à sociedade em troca pelo que dela extraíam.
É importante ressaltar que a percepção, por
parte do empresariado brasileiro, da importância da responsabilidade social para o negócio está crescendo e pode ser demonstrada pelo resultado de pesquisa realizada pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA, 2007) feita entre 2000 e 2004, nas
empresas privadas brasileiras que realizam
ações sociais em benefício das comunidades.
Os resultados finais mostraram um aumento
significativo no período analisado: a participação empresarial na área social subiu de 59%
para 69%. Assim, são 600 mil as empresas
que atuam voluntariamente. Só em 2004 foram aplicados R$ 4,7 bilhões em ações sociais - isso equivale a 0,27% do PIB nacional
daquele ano.
Veja como Kotler e Armstrong (1994, p.35),
provoca uma nova postura empresarial, quando afirma:
O afluente não apenas polui a terra: ele literalmente a consome. Cada vez mais, o consumidor individual está conscientizando-se de
que suas satisfações a cur to prazo, como
consumidor, estão em conflito com seus interesses a longo prazo como cidadão.
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
E ainda nesta linha, Kotler e Armstrong
(1994, pg. 11), conceitua:
O conceito de marketing societário sustenta
que a organização deve determinar as necessidades, desejos e interesses dos mercadosalvo e então proporcionar aos clientes um
valor superior, de forma a manter ou melhorar
o bem-estar do cliente e da sociedade.
Fica evidente então, que este conceito questiona se o conceito tradicional de marketing é
adequado a uma época com problemas
ambientais, escassez de recursos naturais,
crescimento populacional, problemas econômicos, miséria e fome, pois amplia a visão do
mundo relacional da empresa e passa a ponderar o interesse social, como outro fator a
ser considerado na condução do negócio.
1.1. MARKETING SOCIAL VERSUS
MARKETING TRADICIONAL
Já em 1984, Kotler (1984) aponta diferenças básicas entre o marketing, na sua concepção clássica, orientado apenas para os
negócios, e o marketing social. Estas diferenças ainda são atuais. A partir da sua análise é
possível fazer algumas inferências, segundo
lima (2002):
a) Na sua concepção tradicional, o
marketing busca solucionar as necessidades
e demandas identificadas no mercado-alvo; o
marketing societário inclui a tentativa de modificar as atitudes ou o comportamento do
mercado-alvo e mercado adjacente;
b) no marketing tradicional o objetivo é
obter lucro por intermédio do atendimento aos
interesses do mercado-alvo ou da sociedade;
o marketing societário procura servir aos interesses do mercado-alvo ou da sociedade,
obtendo o lucro por conseqüência;
c) o marketing de negócio oferece os produtos e serviços “por intermédio de veículos
de idéias”; o marketing social leva as idéias,
em lugar dos produtos ou serviços.
Na concepção de Pringle e Thompson
(2000, pg. 3), o marketing societário pode ser
analisado, também, pelo que ele representa
sob o ponto de vista da empresa, e nessa
perspectiva, pode ser definido como:
Uma ferramenta estratégica que associa uma
empresa ou marca a uma questão ou causa
social relevante, em benefício mútuo. Essa
ligação pode ocorrer por força da atuação direta da empresa em benefício da causa, ou
por meio de uma aliança estratégica com uma
organização voluntária ou beneficente comprometida com a área de interesse social
definida pela empresa.
1.2. A BOVESPA E A RESPONSABILIDADE
SOCIAL
Segundo a BOVESPA (2007) há alguns
anos iniciou-se uma tendência mundial de investidores procurarem empresas socialmente responsáveis, sustentáveis e rentáveis para
aplicar seus recursos. Essas aplicações, denominadas “investimentos socialmente responsáveis” (SRI), consideram que empresas
sustentáveis geram valor para o acionista no
longo prazo, pois estão mais preparadas para
enfrentar riscos econômicos, sociais e
ambientais. Essa demanda veio se fortalecendo ao longo do tempo e hoje é amplamente
atendida por vários instrumentos financeiros
no mercado internacional.
No Brasil, essa tendência já teve início e há
expectativa de que ela cresça e se consolide
rapidamente. Atentas a isso, a Bovespa, em
conjunto com várias instituições – ABRAPP,
ANBID, APIMEC, IBGC, IFC, Instituto ETHOS e
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Ministério do Meio Ambiente – decidiram unir
esforços para criar um índice de ações que
seja um referencial (“benchmark”) para os investimentos socialmente responsáveis, o ISE
– Índice de Sustentabilidade Empresarial.
(BOVESPA, 2007).
empresas semelhantes para identificar elementos estratégicos comuns e criadores de
modelos financeiros procuram títulos com
princípios semelhantes para criar carteiras de
ação. (HAIR, ANDERSON, TATHAM E BLACK,
2005, PG 380)
O ISE - Índice de Sustentabilidade Empresarial é um índice que mede o retorno total de
uma carteira teórica composta por ações de
empresas com reconhecido comprometimento com a responsabilidade social e a
sustentabilidade empresarial (no máximo 40).
Tais ações são selecionadas entre as mais
negociadas na BOVESPA em termos de
liquidez, e são ponderadas na carteira pelo
valor das ações disponíveis à negociação.
(BOVESPA, 2007)
Existem 3 (três) técnicas de interdependência segundo Hair, Anderson, Tathan e
Black (2005):
2. TÉCNICAS MULTIVARIADAS DE
INTERDEPENDÊNCIA
Diferentemente das técnicas de dependência – análise de regressão múltipla e análise
discriminante múltipla – que possibilitam ao
pesquisador avaliar as relações entre variáveis
dependentes e um conjunto de variáveis independentes. As técnicas de interdependência, em vez de lidar com cada objeto individualmente, parte do pressuposto que é possível caracterizar, classificar e categorizar os
objetos dentro de grupos, separados da perspectiva de dependência entre as variáveis.
Hair, Anderson, Tathan e Black (2005, pg.
379) afirmam: “sabemos que a maioria das
populações tem subgrupos que compartilham
características gerais”. Ainda nessa linha declara:
Comerciantes procuram mercados-alvo de
grupos diferenciados de consumidores homogêneos, estrategistas procuram grupos de
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1. A Análise fatorial;
2. A análise de Conglomerados (cluster);
3. Escalonamento Multidimensional.
Este artigo se propõe a analisar apenas o
item 2 (Análise de cluster).
2.1. ANÁLISE DE CLUSTER OU
CONGLOMERADOS
A principal finalidade desta técnica é agregar objetos com base nas características que
elas possuem, ou seja, é a possibilidade então de combinar itens (por exemplo, indivíduos, marcas, lojas) em grupos de forma que
os elementos em cada grupo sejam semelhantes entre si e diferentes dos elementos dos
outros. A idéia é maximizar a homogeneidade
de objetos dentro de grupos, ao mesmo tempo em que maximiza a heterogeneidade entre
grupos como preconiza Hair, Babin, Money e
Samouel ( 2005, pg. 400).
A definição da variável estatística feita pelo
pesquisador é uma questão central e por que
não dizer, um passo crítico na análise, pois,
como defende Hair, Anderson, Tathan e Black
(2005, pg. 384) “a análise de agrupamentos
é a única técnica multivariada que não estima
a variável estatística empiricamente, mas, ao
invés disso, usa a variável como especificada
pelo pesquisador” e ainda conceitua:
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
A variável estatística de agrupamento é o
conjunto de variáveis que representam as características usadas para comparar objetos na
análise de agrupamentos. Como a variável
estatística de agrupamentos inclui apenas as
variáveis usadas para comparar objetos, ela
determina o “caráter” dos objetos. (HAIR,
ANDERSON, TATHAM E BLACK, 2005, PG 384)
2.2. FUNCIONAMENTO DA ANÁLISE DE
AGRUPAMENTOS
Na visão de Hair, Babin, Money e Samouel
(2005, pg. 402), a análise de conglomerados
envolve três fases distintas: A primeira divide
a amostra em subgrupos menores; a segunda verifica se os grupos são estatisticamente
diferentes e teoricamente significativos e a terceira fase faz o perfil dos conglomerados descrevendo as características de cada um.
Sabendo que o objetivo da análise de agrupamentos é definir a estrutura de dados colocando as observações mais parecidas em grupos, faz-se necessário definir como isso será
feito, para tanto três questões precisam ser
abordadas, como questiona Hair, Anderson,
Tathan e Black (2005, pg. 385):
1. Como medir a similaridade?
2. Como os agrupamentos serão formados?
3. Quantos grupos serão formados?
2.2.1 Como Medir Similaridade
Diversos métodos são possíveis, como
preceitua Hair, Anderson, Tathan e Black
(2005, pg. 385), “incluindo a correlação entre objetos, uma medida de associação usada
em outras técnicas multivariadas, ou talvez
uma medida de sua proximidade em um espaço bidimensional tal que a distância entre
as observações indique similaridade”
No entanto, seguindo a orientação dos referidos autores, para este artigo, será usada a
medida de acordo com a distância euclidiana
(segmento de linha reta) entre cada par de
observações, sabendo que menores distâncias indicam maior similaridade.
2.2.2 Como os Agrupamentos Serão
Formados
Independentemente como a similaridade é
medida, faz-se necessário agrupar as observações que são mais similares em um agrupamento, este procedimento determina a
pertinência a grupo de cada observação, assim afirma Hair, Anderson, Tathan e Black
(2005, PG 385), apesar das muitas propostas
existentes, todas elas podem ser classificadas
em dois tipos: hierárquicas e não-hierárquicas, segundo Hair, Babin, Money e Samouel
(2005, pg. 403) “Ambos os tipos tentam
maximizar as diferenças (distâncias) entre conglomerados em relação à variação dentro deles”
2.2.2.1 Conglomerado Hierárquico
Segundo Hair, Babin, Money e Samouel
(2005, pg. 403):
Um procedimento de conglomerado hierárquico desenvolve uma hierarquia ou um modelo
em formato de árvore. Isso pode ser feito utilizando-se uma abordagem construtiva ou
uma abordagem divisória. A abordagem construtiva, também chamada aglomerativa, inicia com todos os objetos (respondentes)
como conglomerados separados e os combina um de cada vez até que haja apenas um
conglomerado representando todos os objetos. A abordagem divisória inicia com todos
os objetos como um único conglomerado e
então retira um objeto de cada vez até que
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cada objeto esteja em um conglomerado separado.
Vários métodos ainda são possíveis para
cálculo de conglomerados aglomerativos, a
exemplo de: ligação entre grupos, ligação dentro do grupo, vizinho mais próximo, vizinho
mais distante e Ward, que segundo Hair, Babin,
Money e Samouel (2005, pg. 403): “cada uma
dessas opções calcula as distâncias entre conglomerados de maneira diferente”
2.2.2.2. Conglomerado Não-Hierárquico
São chamados de conglomerados Kmeans e diferentemente do conglomerado hierárquico, não envolvem o processo em forma de árvore. Em vez disso, um ou mais elementos são selecionados, e objetos dentro de
uma distância pré-especificada são considerados como pertencentes a um determinado
conglomerado.
Apesar desse tipo de conglomerado apresentar algumas vantagens, como por exemplo, a possibilidade de alguns objetos serem
removidos para outro conglomerado formado na seqüência, o que não é possível no conglomerado hierárquico, a falta de um método
objetivo, teoricamente baseado, para identificar os elementos iniciais do conglomerado,
torna este procedimento não tão utilizado
como o hierárquico, assim define Hair, Babin,
Money e Samouel (2005, pg. 404)
Para este trabalho será utilizado o procedimento hierárquico, com a abordagem
aglomerativa, usando o método Ward, haja
vista o fato de este método ser mais popular
e, segundo Hair, Babin, Money e Samouel
(2005, pg. 403): “tende a resultar em conglomerados com aproximadamente o mesmo
número de objetos”
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
113
2.2.3. Quantos Grupos Serão Formados
De acordo com Hair, Babin, Money e
Samouel (2005, pg. 404-405) o pesquisador
pode saber com antecedência que deseja dois,
três ou algum outro número de conglomerados. Ou mesmo considerações teóricas é que
vão definir este número. É importante salientar que as variâncias de erro são reduzidas à
medida que se passa de um número menor
de conglomerados para um número maior, no
entanto, quando se passa de dois conglomerados para três, quatro e assim por diante, as
variâncias de erro continuam a cair, mas não
tão rapidamente.
Para os autores, um número menor de
conglomerados é fácil de avaliar, por isso recomendam a execução de até quatro conglomerados, selecionando aquele que for mais
lógico e o que mais estreitamente atingir os
objetivos da pesquisa.
2.3. VALIDAÇÃO DOS RESULTADOS
2.3.1. Análise de Variância (ANOVA)
Segundo Hair, Babin, Money e Samouel
(2005, pg. 297-299) A ANOVA é usada para
avaliar as diferenças estatísticas entre as médias de dois ou mais grupos. Este termo quer
dizer Análise de Variância. É um teste de médias para duas populações ou mais. A hipótese nula é de que as médias são iguais.
2.3.2. Análise de Variância Multivariada
(MANOVA)
A MANOVA é bastante semelhante à
ANOVA. Hair, Babin, Money e Samouel (2005,
pg. 305) afirmam que a diferença reside no
fato de que em vez de uma variável dependente métrica, a técnica pode examinar duas
ou mais. O Objetivo é o mesmo: enquanto a
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TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
ANOVA examina diferenças em uma única variável dependente métrica, a MANOVA examina diferença de grupos com diversas variáveis dependentes métricas ao mesmo tempo.
A hipótese nula é de que as médias das diversas variáveis dependentes são as mesmas
entre grupos.
3. ESTUDOS ANTERIORES USANDO
ANÁLISE DE CLUSTERS
Sanvicente e Minardi (1999) aplicaram o
método de análise de clusters para classificação de empresas em um sistema de ratings.
Mediante uma amostra de 92 empresas com
ações negociadas na Bovespa, dentre as quais,
46 foram negociadas como concordatárias no
período de 1986 a 1998. Classificou-as em
sete níveis crescentes de risco, que vão do
AAA ao CCC, sendo o primeiro representando a melhor qualidade de crédito. Os autores
consideraram como satisfatórios os resultados obtidos, embora não sejam concordantes, a descrição e a tabela apresentadas no
artigo. Conseguiram classificar como CCC,
nível mais baixo de crédito, apenas 59,3% das
concordatárias, no ano de ocorrência da
concordata, sendo que para o ano anterior ao
evento, o percentual cai para 41,6%.
Chaves (2005) analisou os diferenciais de
rendimentos dos trabalhadores da indústria
de transformação da Região Metropolitana de
Porto Alegre, no ano de 2002, consoante os
postulados da Teoria do Capital Humano e da
Teoria da Segmentação. Utilizando-se dados
individuais da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) na Região, foram agrupados ramos industriais em dois segmentos, através
da Análise de Cluster, considerando características comuns utilizadas na determinação de
rendimentos. Os resultados obtidos sugerem
que é possível encontrar evidências de
segmentação no mercado de trabalho da indústria de transformação da região.
Oro et al (2005) verificaram o nível de
evidenciação de governança corporativa nos
Relatórios de Administração de companhias
abertas no Brasil. A metodologia utilizada consistiu de pesquisa descritiva, do tipo levantamento ou survey, com análise de clusters. Por
meio do estudo realizado no Relatório da Administração das 45 companhias abertas brasileiras, par ticipantes do Nível 1 e 2 de
Governança Corporativa e do Novo Mercado
da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA),
constataram que as mesmas apresentam níveis relativamente baixos de evidenciação de
governança corporativa, mas que há um aumento no ano de 2004 em relação ao período
2002-2003.
4. METODOLOGIA
O estudo desenvolvido partiu de uma crença subjetiva e intuitiva que as empresas, ditas
socialmente responsáveis, apresentam desempenhos com um alto grau de
homogeneidade na bolsa de valores de São
Paulo. Para tanto, as seguintes hipóteses foram testadas:
H0 = Inexistência de relação entre retorno
e o fato da empresa ser ou não ser socialmente responsável;
H1 = Existe relação entre retorno e o fato da
empresa ser socialmente responsável.
A fim de ratificação dos testes paramétricos,
foi testada a variável “setor da economia”. A
idéia subjacente era averiguar se, além do fato
da empresa ser socialmente responsável, a
performance do setor econômico em que a
empresa está inserida seria uma variável que
melhor explicaria a variação da rentabilidade
das ações analisadas.
Para tanto, testou-se as seguintes hipóteses:
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
H0 = Inexistência de relação entre retorno
e setor da economia;
H1 = Existe relação entre retorno e setor da
economia.
Para a análise multivariada de dados, Utilizou-se o software estatístico Statistical Package
for the Social Sciences (SPSS) 15.0. Utilizouse o procedimento hierárquico, com a abordagem aglomerativa, usando o método Ward, com
mensuração Euclidiana ao quadrado.
Para a análise dos dados utilizou-se a análise de variância (ANOVA).
4.1. AMOSTRA E COLETA DE DADOS
115
EMPRESA
SETOR ECON
Cemig
Coelce
Copel
Dixie_Toga
Embraer
Gerdau
Gerdau_Met
Iochp-Maxion
Perdigão
Petrobras
Sabesp
Sanepar
Suzano_Papel
Tractebel
Ultrapar
Unibanco
Energia_Eletrica
Energia_Eletrica
Energia_Eletrica
Outros
Veiculos_e_pecas
Siderur_&_Metalur
Siderur_&_Metalur
Veiculos_e_pecas
Alimentos_e_Beb
Petroleo_e_Gas
Outros
Outros
Papel_e_Celulose
Energia_Eletrica
Quimica
Financas_e_Seguros
Fonte: Desenvolvida pelo autor
Foram selecionadas 171 (cento e setenta e
uma) empresas de diversos setores da economia do Brasil, no período de dezembro de
2000 a dezembro de 2006, que apresentaram
dados diferentes de nulo na variável “cotação
de fechamento” da ação, em períodos trimestrais, de acordo com a base do Economática®.
Das 171 empresas selecionadas, 24 (vinte
e quatro) foram identificadas como socialmente responsáveis. Foi usado como parâmetro
de seleção o fato destas empresas comporem a carteira teórica do ISE, relacionadas no
sitio da BOVESPA.
TABELA 1: Lista de Empresas Selecionadas
Como Socialmente Responsável
EMPRESA
SETOR ECON
Acesita
Aracruz
Arcelor_BR
Bradesco
Brasil
Braskem
Celesc
Celulose_Irani
Siderur_&_Metalur
Papel_e_Celulose
Siderur_&_Metalur
Financas_e_Seguros
Financas_e_Seguros
Quimica
Energia_Eletrica
Papel_e_Celulose
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
Foi aplicado o critério da ação mais líquida,
para o caso em que a empresa tenha duas ou
mais classes de ações negociadas. Todos os
valores foram ajustados pela inflação.
Para o cálculo dos retornos totais de cada
ação, foi usada a função logarítimica natural,
a fim de proporcionar maior aderência dos
retornos à distribuição normal e, portanto, dar
maior validade aos testes paramétricos a serem usados. Para tanto, usou-se a Equação:
Rit = LN[(Pit + Dit) ÷ Pit-1] – 1
Onde:
Rit é o retorno total da ação i, no dia t;
Pit é cotação de fechamento da ação i, no
dia t
Dit é o dividendo da ação i pago no dia t;
Pit-1 é cotação de fechamento da ação i,
no dia t-1.
4.2. RESULTADOS ENCONTRADOS
Os testes foram efetuados considerando
cinco períodos distintos:
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1. Dez de 2000 a Dez de 2006;
2. Dez de 2000 a Dez de 2003;
3. Jan de 2004 a Dez de 2006;
4. Jan de 2003 a Dez de 2006;
5. Jan de 2002 a Dez de 2006.
período de 2003 a 2006 (item 4). Por último,
verificou-se o período de 2002 a 2006.
Foi avaliado, no primeiro momento, todo o
período referenciado no item 1. No entanto,
considerando o baixo volume de negociação
existente ainda no Brasil e, na opinião deste
autor, considerando ainda a percepção superficial dos atuais investidores brasileiros, no que
tange as ações de responsabilidade social, foi
feito um corte no final do ano de 2003, para
verificar se houve divergência significativa
entre os períodos 2 e 3.. Depois foi avaliado o
Em todos os períodos analisados foram
executados até quatro clusters, conforme orientação de Hair, Babin, Money e Samouel
(2005, pg. 405).
Para determinar se as médias das variáveis são significativamente diferentes, executou-se uma ANOVA. A hipótese nula é a de
que não há diferença nas médias dos grupos.
Vide abaixo tabela que evidencia a posição
das 24 empresas socialmente responsáveis
nos cluster analisados.
Tabela 2: Resultados Alcançados por Quantidade de Cluster
Período
Qtde de cluster
Resultado
OBS
1
1
02
03
1
2
2
2
3
04
02
03
04
02
3
3
4
03
04
02
24 empresas-cluster 1
16 empresas-cluster 2
08 empresas cluster 1
Idem Anterior
24 empresas-cluster 1
24 empresas-cluster 1
24 empresas-cluster 1
12 empresas-cluster 1
12 empresas-cluster 2
Idem Anterior
Idem Anterior
14 empresas-cluster 1
10 empresas-cluster 2
Idem Anterior
Idem Anterior
24 empresas-cluster 1
Idem Anterior
3 empresas –cluster 2
21 empresas- cluster 1
100%
(66,66%)
(33,33%)
Idem Anterior
100%
100%
100%
50%
50%
Idem Anterior
Idem Anterior
4
4
5
5
5
03
04
02
03
04
59,33%41,66%
Idem Anterior
Idem Anterior
100%
Idem Anterior
12%
88%
Fonte: Desenvolvida pelo autor
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
O período 1 (dez de 2000 a dez de 2006)
não apresentou diferenças a par tir de 3
clusters. Das 24 empresas socialmente responsáveis, 16 empresas ficaram no cluster 2
e 8 empresas ficaram no cluster 1.
No período 2 (dez de 2000 a dez de
2003), todas 24 empresas ficaram no cluster
1, independente do número de cluster analisados.
No período 3 (jan de 2004 a dez de 2006),
12 empresas ficaram no cluster 1 e 12 empresas ficaram no cluster 2, independente do
número de cluster analisados.
117
4.2.1. Análise Utilizando a ANOVA
A primeira coluna, das tabelas abaixo representadas, trás os seguintes indicadores
utilizados na análise: RS para o indicador “Responsabilidade Social” e Setor para o indicador “Setor da Economia”.
A última coluna (sig.) refere-se ao nível de
significância (p-value) dos testes avaliados. É
uma mensuração estatística que visa definir, neste caso, se os grupos avaliados são estatisticamente diferentes entre si. A idéia da análise de
cluster é maximizar a homogeneidade de objetos dentro de grupos, ao mesmo tempo em que
maximiza a heterogeneidade entre grupos.
No período 4 (jan de 2003 a dez de 2006),
14 empresas ficaram no cluster 1 e 10 empresas ficaram no cluster 2, também independente do número de cluster analisados.
O objetivo é verificar então se as empresas
ditas socialmente responsáveis tenderão a ficar no mesmo cluster e, ao mesmo tempo,
serão estatisticamente diferentes dos outros
grupos formados.
No período 5 (jan de 2002 a dez de 2006),
as 24 empresas ficaram no cluster 1 com até
3 clusters sendo analisados. Com 4 clusters,
apenas 3 empresas ficaram no cluster 2 e as
21 empresas restantes continuaram no
cluster 1.
Portanto, p-value encontrado abaixo de
0,05 indica que os grupos analisados são
estatisticamente heterogêneos, caso contrário, p-value acima de 0,05, indica exatamente
o contrário: não se pode afirma que os grupos são estatisticamente diferentes entre si.
Período 1 –”2 cluster”
Tabela 3: ANOVA 2000 a 2006
Sum of
Squares
Df
Mean
Square
F
Sig.
RS
Between Groups
Within Groups
Total
,497
20,134
20,632
1
169
170
,497
,119
4,175
,043
Setor
Between Groups
Within Groups
Total
73,416
4248,491
4321,906
1
169
170
73,416
25,139
2,920
,089
Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor)
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
118
Período 1 – “4 cluster”
Tabela 4: ANOVA 2000 a 2006
RS
Setor
Between Groups
Within Groups
Total
Between Groups
Within Groups
Total
Sum of
Squares
Df
,563
20,069
20,632
295,332
4026,575
4321,906
3
167
170
3
167
170
Mean
Square
F
Sig.
,188
,120
1,561
,201
98,444
24,111
4,083
,008
Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor)
Verifica-se que até dois clusters há diferença estatística entre os grupos quanto a “RS”
(Responsabilidade Social) - P-value abaixo de 0,05, no entanto, quando se executam quatro
clusters, essa situação se altera e não se pode mais afirmar que há diferença estatística entre
os grupos analisados (0,201), na verdade, apenas a variável “Setor” apresentou significância
no teste realizado com 4 cluster.
Período 2 – “4 cluster”
Tabela 5: ANOVA 2000 a 2003
RS
Setor
Between Groups
Within Groups
Total
Between Groups
Within Groups
Total
Sum of
Squares
Df
,604
20,028
20,632
194,066
4127,840
4321,906
3
167
170
3
167
170
Mean
Square
F
Sig.
,201
,120
1,679
,174
64,689
24,718
2,617
,05
Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor)
Verifica-se que não há diferença estatística entre os grupos quanto à “RS” (Responsabilidade
Social) (0,174), na verdade, somente a variável “Setor” apresentou p-value igual a 0,05.
Período 3 – “4 cluster”
Tabela 6: ANOVA 2004 a 2006
RS
Setor
Between Groups
Within Groups
Total
Between Groups
Within Groups
Total
Sum of
Squares
Df
,502
20,130
20,632
347,448
3974,458
4321,906
3
167
170
3
167
170
Mean
Square
F
Sig.
,167
,121
1,387
,248
115,816
23,799
4,866
,003
Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor)
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119
Verifica-se que não há diferença estatística entre os grupos quanto à “RS” (Responsabilidade
Social) – (0,248). Apenas a variável “setor” apresentou nível de significância abaixo de 0,05.
Período 4 – “4 cluster”
Tabela 7: ANOVA 2003 a 2006
Sum of
RS
Setor
Mean
Squares
Df
Square
F
Sig.
,760
3
,253
2,130
,098
Within Groups
19,871
167
,119
Total
20,632
170
224,974
\3
74,991
3,057
,030
Within Groups
4096,933
167
24,533
Total
4321,906
170
Between Groups
Between Groups
Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor)
Verifica-se que não há diferença estatística entre os grupos quanto à “RS” (Responsabilidade
Social) – (0,098). Mais uma vez, apenas a variável “Setor” apresentou nível de significância
abaixo de 0,05.
Período 5 – “4 cluster”
Tabela 7: ANOVA 2002 a 2006
Sum of
RS
Setor
Mean
Squares
Df
Square
F
Sig.
1,192
3
,397
3,412
,019
Within Groups
19,440
167
,116
Total
20,632
170
237,906
3
79,302
3,243
,024
Within Groups
4084,000
167
24,455
Total
4321,906
170
Between Groups
Between Groups
Fonte: output do SPSS 15.0 (adaptada pelo autor)
Verifica-se que há diferença estatística entre os grupos tanto para a “RS” (Responsabilidade
Social) quanto para o setor econômico - p-value abaixo de 0,05.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
120
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da tendência mundial de investidores procurarem empresas socialmente responsáveis, sustentáveis e rentáveis para aplicar
seus recursos, o Brasil ainda caminha mais
lento neste processo.
A análise de cluster indicou inclusive que o
período analisado interfere sensivelmente no
resultado dos parâmetros avaliados. Pode-se
inferir, então, que as concepções dos investidores brasileiros a respeito das ações de responsabilidade social, ainda são superficiais,
revelando que outros fatores – como
performance dos setores econômicos – ainda têm o condão de influenciar mais significativamente as variações dos retornos de ações.
No entanto, o período de 2002 a 2006 impressiona, pois os grupos avaliados apresentaram diferenças estatísticas significantes
quanto às variáveis analisadas, tanto responsabilidade social, como setor econômico. Neste caso rejeita-se a hipótese nula, que supunha inexistência de relação entre as variáveis
e o retorno das ações. Isso ocorre também
para o período de 2000 a 2006 (2 cluster)
quanto à variável responsabilidade social.
Em todos os outros períodos analisados
rejeita-se a hipótese nula apenas quanto à
variável “Setor da Economia”, não podendo
fazê-lo quanto à variável “RS” (Responsabilidade Social), confirmando que fatores econômicos ainda têm um peso significativo no
processo de decisão dos investidores.
Uma gama gigantesca de possibilidades de
pesquisa surge a partir de então: análises de
retornos mensais ou mesmo diários poderiam trazer nova luz sobre esse problema; análise comparativa da performance (antes e depois) das empresas agora ditas socialmente
responsáveis; utilização de análises
discriminantes entre outras.
Considerando que a diversificação é a melhor opção para reduzir o risco. Uma utilização, deveras importantes, para o uso da técnica de análise de cluster seria a possibilidade
de formação de carteiras para investidores
com pouco volume de recursos. O investimento se concentraria nas empresas centróides
de cada grupo.
6. REFERÊNCIAS
BOVESPA. ISE Índice de Sustentabilidade Empresarial. Disponível em: <http://www.bovespa.
com.br/Pdf/Indices/ISE.pdf> Acesso em: 10 abr
2007;
CHAVES, André Luiz Leite. Diferenciais dos Rendimentos do Trabalho na Indústria de Transformação da Região Metropolitana de Porto Alegre: linearidade ou dualidade no mercado de trabalho?. Disponível em: <http://www.fee.
rs.gov.br/sitefee/pt/content/eeg> acesso em: 27
abr 2007;
HAIR JR, Joseph F; BABIN, Barry; MONEY, Arthur
H; SAMOUEL, Philip. Fundamentos de Métodos
de Pesquisa em Administração. Porto alegre:
Bookman, 2005
HAIR JR, joseph F.; ANDERSON, Rolph E.;
TATHAN, Ronald L.; BLACK, William. Análise
Multivariada de Dados. 5ª. Edição. Porto alegre: Bookman, 2005
KOTLER, Philip& ARMSTRONG, Gary. Princípios de Marketing. São Paulo: Prentice Hall do
Brasil,1994;
KOTLER, Philip.Marketing para organizações
que não visam o lucro. São Paulo: Atlas,1984.
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
TEMPO REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE METROPOLITANA DE CAMAÇARI – FAMEC
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Responsabilidade social - Prática tem crescido. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/
default.jsp> Acesso em: 15 abr 2007
LIMA, Edinício de Oliveira. Associação do Balanço Social e o Marketing Social: Implicações na
Comunicação da Organização Não Governamental. Disponível em: <http://www.unb.br/cca/posgraduacao/mestrado/disser tacoes/
mest_dissert_011.pdf> Acesso em: 25 abr 2007;
PRINGLE, Hamish & THOMPSON, Marjorie.
Marketing Social: Marketing para Causas Soci-
Volume 05 – Número 01 – Ano 2008
121
ais e a Construção das Marcas. MAKRON Books,
2000
SANVICENTE, Antônio Zoratto; MINARDI, Andrea
Maria A. F. Migração de risco de crédito de empresas brasileiras: uma aplicação de análise de
clusters na área de crédito. FinanceLab Working
Paper – FLWP, n. 10, 1999. Disponível em: <http:/
/www.risktech.com.br/PDFs/migração.pdf>
Acesso em 27 abr 2007;
TENÓRIO, Fernando Guilherme. Responsabilidade Social Empresarial: Teoria e Prática. 2. ed.
Rev. E Ampl. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006

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