Entrevista sobre o cancer do intestino

Transcrição

Entrevista sobre o cancer do intestino
Todos sabem que o intestino compreende duas grandes regiões. Uma parte mais fina chamada intestino delgado que está
relacionada com a digestão e a absorção dos alimentos, e uma mais grossa, o intestino grosso, responsável pela absorção da
água, armazenamento e eliminação dos resíduos da digestão.
Câncer nessa região mais fina do intestino é muito raro. Em geral, ao longo de toda a carreira, o médico não vê mais do que
meia dúzia de casos. Em compensação, câncer no intestino grosso é muito frequente. A doença começa sempre como uma
lesão benigna que vai evoluindo lentamente até transformar-se num tumor maligno.
Na fase de benignidade, que é longa, é possível retirar a lesão e com isso impedir sua degeneração e o aparecimento do
câncer.
SINTOMAS
Hoje se sabe que a incidência de câncer de intestino é alta, em particular a de câncer de cólon. Como esse tema deve
ser tratado?
É importante falar sobre câncer de intestino, porque ele é muito mais frequente do que se possa imaginar. No Brasil, a
incidência está aumentando cada vez mais, apesar de ser um câncer que pode ser prevenido e que tem bom prognóstico.
O câncer de intestino, quando se manifesta, que sintomas provoca?
O câncer de intestino é traiçoeiro. Quando se manifesta, o tumor já é razoavelmente grande porque, na fase inicial, costuma
ser assintomático.
Dependendo da localização, os sintomas são diferentes. Se estiver situado do lado direito do intestino, os principais serão
enfraquecimento, anemia e alteração da frequência da defecação. Se estiver do lado esquerdo, há alteração do ritmo
intestinal com predominância de constipação intestinal, ou seja, prisão de ventre. No reto, o principal sintoma é o
sangramento. Sangue e puxo, ou tenesmo, caracterizado pela vontade periódica de ir ao banheiro e insatisfação provocada
pela sensação de evacuação incompleta são sinais de câncer ou de doença inflamatória no reto.
O câncer de intestino é um câncer traiçoeiro, repito. Qualquer alteração no ritmo intestinal, constipação, diarreia, anemia,
sangue ou catarro nas fezes e emagrecimento são indícios de que a pessoa pode estar com a doença.
“FIQUE DE OLHO”
Com relação ao sangramento. Exista um número incrível de pessoas com sangramento intestinal por meses, às vezes
anos, que foi atribuído às hemorroidas e só tardiamente ficaram sabendo que eram portadoras de um tumor
maligno. Esse tipo de mal entendido é frequente?
É super comum. Há pacientes que operam as hemorroidas sem saber que logo acima, no canal anal, existe um tumor de reto.
Por isso, escrevemos um folheto explicativo chamado “Fique de olho” com o objetivo de informar a população a respeito do
assunto e o primeiro item mencionado é este: “Nem tudo que sangra é hemorroida. Hemorroida sangra, mas câncer de
intestino também”.
Entretanto, há uma pequena diferença entre o sangramento da hemorroida, um sangue vivo não misturado às fezes, e o do
câncer que, embora também seja vivo, vem misturado com elas. Para o paciente leigo é muito difícil estabelecer essa
distinção. Como consequência, toda a pessoa que tem sangramento pelo ânus deve procurar o médico para submeter-se ao
exame de toque retal e passar um aparelho a fim diagnosticar corretamente a doença.
Infelizmente também acontece de a pessoa ser vigilante, perceber o sangramento, ir ao médico que o atribui
erroneamente às hemorroidas e continuar desenvolvendo câncer de intestino.
O paciente precisa também aprender a defender-se. Não deve dar-se por satisfeito. quando perde sangue e o médico
classifica o sangramento como hemorroida sem fazer pelo menos o exame de toque retal.
Que exames o médico deve normalmente fazer?
Primeiro, o exame de toque retal, um exame importantíssimo que deveria ser considerado de rotina. Além desse, no próprio
consultório do gastrenterologista ou do coloproctologista, é possível fazer um exame endoscópico que permite atingir e
avaliar 20cm da parte terminal do intestino grosso. Esse aparelho se chama retossigmoidoscópio. Com ele, se faz uma
endoscopia semelhante à do estômago para examinar a região e colher material para biopsia quando existirem lesões.
Você aconselha que todas as pessoas que têm sangramento, mesmo as que sabem que têm hemorroidas, procurem
um médico para fazer pelo menos um exame de toque retal?
No mínimo, um exame de toque retal. Isso é imperativo porque o câncer de reto é muito frequente e um simples toque retal
permite examinar, além do ânus e do reto, a próstata nos homens e útero, colo do útero e vagina nas mulheres.
O exame de toque retal precisa deixar de ser tabu. Os pacientes devem ficar à vontade e não se recusar a fazê-lo, pois assim
estarão evitando complicações que podem ser sérias.
FATORES DE RISCO
Quais são as pessoas que correm maior risco de desenvolver câncer de intestino?
O câncer de intestino, como todos os outros, é favorecido na sua incidência pelo fator idade. Quem vive muito tempo
provavelmente terá câncer, porque certas anormalidades na divisão celular vão tornado mais frequentes mutações erradas
que favorecem o aparecimento do tumor maligno. Além disso, quanto mais idade, maior será a exposição da pessoa aos
fatores de risco ambientais.
Com que idade a pessoa começa a ficar mais vulnerável?
Começa aos 40 anos e a cada década que passa dobra a possibilidade de desenvolver um câncer colorretal. Além disso, se a
pessoa tiver parentes próximos – mãe, pai, irmão, tio ou avô – que faleceram por causa de câncer de intestino, o risco
aumenta muito. Por isso, a partir dos 40 anos, quem tem na família caso de câncer no intestino deve fazer um exame
especializado que se chama colonoscopia.
ALIMENTAÇÃO IDEAL
Já citamos a idade e os fatores genéticos nos casos de câncer de cólon. E a alimentação?
O câncer de intestino têm fatores de risco genéticos hereditários e genéticos ambientais. Neste último grupo, os fatores
dietéticos são muito importantes. Alimentação rica em gordura animal, pobre em fibra e rica em corantes favorece a
incidência desse tipo de câncer. Gosto de citar os corantes, porque são elementos que poderiam ser eliminados sem prejuízo,
principalmente no Brasil onde existem pigmentos naturais que colorem os alimentos. Corantes são fator de risco, porque
liberam nitrosaminas no intestino, substâncias reconhecidamente carcinogênicas. Se prestarmos atenção, veremos que
atualmente as crianças ingerem uma quantidade enorme de corantes nos doces, balas, pirulitos. Na verdade, até o algodão
doce não é mais branco. É verde, cor-de-rosa…
Vamos especificar o que é uma dieta rica em gordura e pobre em fibras?
Na dieta rica em gordura, predominam as carnes gordas. A carne em si não é um fator muito agressivo, mas a gordura que a
acompanha é bastante. Especialmente, quando a carne levada à brasa, é muito ruim. O problema é que o carnívoro, em geral,
não come verduras, frutas e cereais. Come carne.
Os defumados, assim como os corantes, contêm substâncias carcinogenéticas. Embora possamos usar azeite, as frituras
devem ser evitadas, porque a gordura se decompõe quando vai ao fogo. Digo evitar e não abolir, pois a alimentação deve ser
agradável ao paladar e variada. Se a pessoa gosta de gordura animal, por exemplo, não deve privar-se de saboreá-la, mas
deve aumentar a quantidade de cereais ingeridos. Cereais são ricos em fibras que realmente protegem o intestino, porque
facilitam a evacuação, uma vez que aumentam o bolo fecal, aceleram o trânsito intestinal e diminuem o tempo de contato
das substâncias cancerígenas com a parede do intestino.
HÁBITOS INTESTINAIS
Para a mucosa intestinal é sempre mais interessante que o bolo fecal seja grande e passe rapidamente?
A evacuação ideal deve ser diária e caracterizar-se pelo bolo fecal consistente sem ser duro ou pétreo nem líquido, uma vez
que a evacuação diarreica é ruim para a nutrição da mucosa intestinal.
Os hábitos de evacuação, às vezes, se transformam num verdadeiro martírio para as pessoas que têm dificuldade
para usar o banheiro e estabelecer horários para o intestino funcionar. Parece que é ele que comanda a pessoa e não
o contrário como se espera.
Eu diria que a cabeça comanda o intestino, porque na realidade é ela que comanda tudo. Quem tem intestino ressecado
geralmente come mal. As pessoas pensam que se alimentam bem, mas uma folhinha de alface no prato é o suficiente para
acharem que comeram salada.
Na verdade, é preciso comer um prato enorme de salada para ingerir os ideais 20 ou 30 gramas de fibras. Quem não
consegue fazer isso, deve complementar com duas colheres de farelo de trigo ou de outro produto que contenha fibras. Há
vários no mercado que devem ser ingeridos preferencialmente de manhã adicionados ao leite ou ao suco de laranja, por
exemplo.
Outra coisa a ressaltar é que as pessoas, sobretudo as mulheres, comem fibras, mas não tomam o líquido necessário para a
formação do bolo fecal. Mulher é avessa a tomar líquido, embora devesse tomar pelos menos dez copos por dia.
PRISÃO DE VENTRE FEMININA
Sua experiência mostra que as mulheres são mais obstipadas que os homens?
Tenho certeza disso. São mais obstipadas, porque se alimentam pior. Gostam de docinhos, ricos em hidrato de carbono e,
como têm a preocupação de não engordar, ingerem uma quantidade menor de alimentos. E também não bebem água.
Além disso, são exigentes e não usam qualquer toalete. Às vezes, têm vontade de ir ao banheiro, mas não vão. O mecanismo
reflexo da evacuação é muito interessante. Se elas deixam escapar aquele momento, o reflexo só reaparece no dia seguinte,
quando as fezes já estão endurecidas, porque houve absorção da água que continham.
Fezes duras, ou fecalitos, são difíceis de eliminar e vêm a dor, a fissura, as hemorroidas. Progressivamente, para se
defenderem, começam a tomar laxantes e instala-se um círculo vicioso. O intestino se acostuma, perde o reflexo, e elas são
obrigadas a tomar quantidades crescentes desses remédios. Esse é um problema que se vê todos os dias no Hospital
Universitário, nos hospitais públicos e no consultório.
Existe um número ideal de evacuações diárias?
É variável. O tamanho do intestino difere de uma pessoa para outra. As que têm intestino mais longo necessitam de
quantidade maior de fibras e evacuam menos. No entanto, não é o número de evacuações diárias que importa. O que importa
é ir ao banheiro uma vez ou duas por dia, ou dia sim, dia não, mas sem fazer força para evacuar. A consistência do bolo fecal
deve proporcionar fácil eliminação. Não pode ser um fecalito duro como pedra, nem diarreia promovida por excesso de
laxantes.
Vida sedentária interfere nos hábitos intestinais?
Interfere, mas quero mencionar outro fator que favorece a constipação intestinal nas mulheres. A gravidez deixa o abdômen
mais flácido e o períneo, ou seja, a musculatura entre o reto e vagina, também mais flácido. Para que as fezes cheguem ao
reto é necessário fazer um movimento de contração abdominal e perineal e é obvio que musculatura flácida torna mais difícil
a eliminação do bolo fecal.
COLONOSCOPIA
Você disse que, com a idade, aumenta o risco de desenvolver câncer de cólon. Disse também que existe um método de
prevenção altamente eficaz que infelizmente a maioria da população não conhece ou não tem acesso a ele. É a
colonoscopia. Em que consiste esse exame?
Antes de falar na colonoscopia, quero dizer que cigarro e álcool também promovem aumento de casos de câncer de intestino
como acontece com os demais órgãos, pulmão, bexiga, etc.
Em relação à prevenção do câncer de reto, o diagnóstico é muito simples, porque pode ser feito pelo exame de toque retal no
consultório. Já o diagnóstico de câncer de cólon exige um exame chamado colonoscopia, cuja descoberta representou o
maior avanço no conhecimento das doenças do aparelho digestivo. Ele começou a ser realizado na década de 1970 e, por
meio da introdução de um aparelho longo, flexível à semelhança do que se usa para o estômago permite a identificação não
só de processos inflamatórios como até de pequenos pólipos.
Pólipo é uma verruga que começa bem pequena, do tamanho de uma cabeça de alfinete, sob a mucosa do intestino. Seu
crescimento (e consequentemente a elevação da mucosa) é lento e ele leva de 10 a 15 anos para degenerar-se num câncer.
Essa é a vantagem do câncer de intestino se comparado com os demais que já se instalam como tumor maligno. É possível
reconhecer o fator que o precede, uma vez que começa como um pólipo que cresce bem devagarinho.
Isso garante uma longa oportunidade de prevenção…
Por isso sou entusiamadíssima com a prevenção do câncer de intestino. A colonoscopia é um exame que detecta
precocemente o câncer, quando ele já existe, e também o previne, pois permite a identificação e a ressecção do pólipo antes
que se torne um tumor maligno. O procedimento é bastante simples. Passa-se uma alça por dentro do aparelho, abraça-se a
cabeça do pólipo, retira-se e manda-se examinar. Sem pólipo, não haverá mais câncer.
Na verdade, a colonoscopia é um exame para diagnóstico, tratamento e prevenção de câncer de intestino.
Se o governo tomar consciência dessa verdade, será benéfico para o indivíduo em particular, para a população em geral, e
muito mais econômico para o próprio governo. Do ponto de vista de gastos em reais, é muito menos custoso promover a
prevenção pela colonoscopia do que tratar o câncer de intestino que requer atendimento especializado, demorado e que
envolve alta tecnologia, porque nem sempre só a cirurgia resolve o problema. Com frequência, é preciso recorrer à
quimioterapia e radioterapia.
Adultos com os sintomas já citados, em especial adultos com anemia, devem obrigatoriamente fazer esse exame, já que
nessa faixa etária ela é a causa mais frequente de câncer do lado direito do intestino, uma doença com excelente prognóstico,
quando diagnosticada precocemente.
Para aqueles que não têm sintomas é indicado um exame preventivo chamado rastreamento. Se não nada for encontrado,
esse exame deverá ser repetido só cinco anos depois.
Na imagem 1 aparece um pólipo visto pelo
intestino.
colonoscópio dentro do
Quando o pólipo tem um pedículo, ou seja, esse rabinho parecido com um cogumelo, é mais facilmente retirado pelo
aparelho. Na imagem 2, aparece a pinça que passou por dentro do aparelho e abraçou o pedículo que foi extraído e mandado
para exame microscópico. Diante do resultado, o cirurgião ou o gastroenterologista definirá se essa ressecção foi suficiente
ou não. No caso de degeneração maligna ter comprometido o pedículo, é preciso indicar a ressecção de um segmento do
intestino.
Como nessa fase em que é feita a nova cirurgia a doença é curável em 100% dos casos, o câncer de cólon não
precisaria existir.
É uma doença que poderia ser evitada. Não seria exagero dizer que hoje só terá câncer de intestino quem quiser, pois se
espera que num futuro próximo a população menos favorecida também tenha acesso aos exames colonoscópicos.
Dói fazer esse exame?
Não dói. É um exame rápido, feito sob sedação, que pode ser realizado no consultório, em ambulatório ou até em hospital.
O único desconforto é que exige uma limpeza do intestino, um preparo com limonada purgativa que determina uma diarreia
intensa.
O intestino precisa estar bem vazio para que se possa enxergar direito seu aspecto interno.
Qualquer exame no intestino exige esvaziamento. Atualmente, já existe a colonoscopia virtual que não requer a passagem do
aparelho. É uma tomografia que registra o diagnóstico. No entanto, se for detectado um pólipo, temos de recorrer à
colonoscopia convencional para retirá-lo.
RECOMENDAÇÕES
Quais são as recomendações para as pessoas que têm acesso à colonoscopia? Homens e mulheres devem fazer esse
exame preventivo? Com que idade?
O câncer de intestino incide igualmente em homens e mulheres. Quem tem casos da doença em familiares de primeiro grau
deve começar a fazer esse exame aos 40 anos. Quem não tem, aos 50, no máximo aos 60 anos. No folheto que escrevemos
para alertar a população, falamos 60 anos, mas essa idade foi antecipada, nos Estados Unidos, para 50 anos, porque cada vez
mais operamos jovens, haja vista que eles seguramente estão se alimentando pior. Fast foods, corantes, excesso de álcool e
de cigarros são fatores que promovem o câncer de intestino. Por isso, seria excelente que todas as pessoas pudessem fazer
uma colonoscopia preventiva por volta dos 50, 60 anos. No entanto, aqueles que apresentam algum sintoma não têm
escolha. Devem obrigatoriamente fazer esse exame assim que os sintomas aparecerem.
Com que frequência esse exame deve ser repetido?
Quando dá negativo, o período mínimo de intervalo entre um exame e outro é de três anos. Nos Estados Unidos, a
recomendação é repetir a cada cinco anos. No entanto, quem já extraiu um pólipo deve fazer o exame a cada três anos, no
máximo, porque pode ter tendência a apresentar esses crescimentos anômalos.
Existe alguma indicação específica para a colonoscopia antes dos 40 anos?
Só se existirem sintomas como alteração do ritmo intestinal, anemia, perda de sangue, dor abdominal, emagrecimento, a
colonoscopia é indicada para pessoas com menos de 40 anos.
Você se referiu várias vezes a alterações do hábito intestinal. Seria possível caracterizá-lo melhor?
É o caso do indivíduo que evacuava uma vez por dia todos os dias e de repente passa três ou quatro dias sem evacuar ou a
evacuar quatro vezes no mesmo dia. Ele mudou a frequência, mudou o ritmo intestinal. Se não houve alteração alimentar,
essa mudança por si só é sinal de que deve procurar um médico para avaliação do quadro.