no congresso - Portal IMPRENSA

Transcrição

no congresso - Portal IMPRENSA
TORTURA DA EQUIPE DE O DIA PROVOCA TENSÃO NO RIO DE JANEIRO
TELEFONIA:
A REVOLUÇÃO 3G
E O NOVO MERCADO
PUBLICITÁRIO
JORNALISMO E COMUNICAÇÃO
ELEIÇÕES:
PROMOTORES CONDENAM
ENTREVISTAS
COM CANDIDATOS
00236
7 701030 650083
JULHO 2008 | ANO 21 | Nº 236 | R$ 8,90
www.portalimprensa.com.br
BARRADOS
MANAUS, SANTARÉM, BOA VISTA E RIO BRANCO (VIA AÉREA): R$ 11,50
NO CONGRESSO
DEPUTADOS SE IRRITAM
COM PERGUNTAS DO CQC
E IMPEDEM GRAVAÇÃO
DO PROGRAMA NA CÂMARA
MARCELO TAS:
“O HUMOR É UMA LENTE
PARA ENXERGAR A NOTÍCIA
SOB OUTRO ÂNGULO”
GANDOUR: “JORNALISMO NÃO PODE SE RENDER AO MERCADO”
CAPA1.indd 1
6/25/08 9:06:01 PM
t e l e v i s ã o
Ataque aos risos
EQUIPE DO CQC É PROIBIDA DE TRABALHAR NO CONGRESSO NACIONAL. VETO ESTIMULA
DEBATE SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E LIMITES ENTRE HUMOR E JORNALISMO
Por Julia Baptista
Fotos: Pya Lima
implacáveis
Equipe do cqc suscita
questões nacionais,
faz críticas profundas,
estimula o riso
e aumenta o ibope
22
imprensa | julho 2008
CQC.indd 2
6/26/08 5:28:55 PM
D
epois de ter sido informado que o
CQC não poderia mais gravar no
Congresso Nacional, o repórter
Danilo Gentili olha para a câmera
e afirma que “os políticos só querem responder as perguntas que são convenientes. Não é uma ditadura, mas a censura está aí”.
Momentos antes, a matéria mostrava o repórter
entrevistando o presidente da Câmara, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), sobre a reforma
tributária e a sonegação de impostos. Em seguida, Gentili tenta fazer perguntas ao deputado
José Genoino (PT-SP), que repete apenas um
raivoso “estou trabalhando”, ao que o repórter
responde “eu também estou trabalhando”. Na
edição final do trecho, o deputado ganhou uma
coleira e dentes pontiagudos, garantindo comicidade à cena, por meio da representação de um
cão bravo. O vídeo está no YouTube.
A equipe do programa da Band foi a Brasília
produzir uma matéria sobre o funcionamento da
política brasileira e, obviamente, fazer perguntas
aos parlamentares. Uma autorização provisória
expedida pela Secom (Secretária de Comunicação)
da Câmara dos Deputados garantia-lhe o direito
de gravar e fazer entrevistas no Congresso
Nacional por 30 dias. Desses, a equipe conseguiu
permanecer apenas dois.
Para justificar a proibição, a Câmara alegou
que o programa da Band é humorístico e não
jornalístico. Afirmou ainda que não fornece credencial provisória para um programa de humor.
“Nós não temos autorização para ceder espaço
público como locação para uma emissora privada
realizar quadro permanente de programa dessa
natureza. Solicitações semelhantes foram negadas para os programas 'A Praça é Nossa' [SBT] e
'Pânico' [Rede TV!], além do quadro 'Central de
Boatos', do 'Fantástico' [Globo]”, explica o assessor de imprensa da casa, Cid de Queiroz.
Segundo o assessor, o Congresso vive um
clima de tensão permanente. “A gente tem de ter
critérios para a coisa não desandar”. O CQC foi
“aceito” baseado nesses critérios, mas, para a
Câmara, “eles não fizeram mais do que reprodu-
zir os clichês que a imprensa tradicional reproduz”. Rir do Parlamento e fazer graça dos políticos, na opinião de Queiroz, são exemplos desses
clichês. Marcelo Tas, um dos três âncoras e líder
do programa, rebate: “Qualquer assunto você
pode abordar com humor, até tragédias. O
humor é uma lente que você bota no olho para
enxergar a mesma notícia sob outro ângulo”.
“O programa usa o humor e a ironia para ilustrar o que estão fazendo, mas não foge do jornalismo. Não concordo com esse corte feito pela
Câmara, com a alegação de que seria um programa humorístico”, defende Gustavo Krieger,
repórter especial de política do Correio
Braziliense. “O pessoal do CQC tem direito de
entrar no Congresso como qualquer cidadão”,
acrescenta Eliane Catanhêde, colunista de política da Folha de S.Paulo. A supressão dos direitos
de liberdade de imprensa e expressão há muito
que deixou de existir, mas o episódio com o
CQC é emblemático, porque prova que a censura não foi esquecida, principalmente por aqueles
que têm mais a esconder do que a mostrar.
“Os políticos estão acostumados a bater e a
apanhar. Eles têm que ter, nessa hora, um comportamento democrático, têm que permitir a
entrada, conversar, dar sua opinião e, eventualmente, rebater o que consideram uma agressão”,
observa Eliane. “Quando ele [o parlamentar] fala
com a imprensa, está dando satisfações à sociedade, a quem o elegeu”, completa Julio Mosquera,
repórter que cobre política na TV Globo.
Enquanto o Congresso decide o que é ou não
jornalismo, o CQC angaria apoio de internautas,
por meio de um abaixo-assinado virtual de
apoio à liberdade de expressão e à volta do programa ao Congresso. O site “CQC no Congresso”,
no ar desde 9 de junho, registrava, até a data do
fechamento desta edição, 168 mil assinaturas.
Essa adesão em massa ao abaixo-assinado corrobora um tanto da imagem pública das instituições brasileiras, de maneira geral, e do Congresso,
no particular. Pesquisa encomendada pela
Associação dos Magistrados Brasileiros e executada pela Opinião Consultoria em agosto do ano
imprensa | julho 2008
CQC.indd 3
23
6/26/08 5:28:56 PM
t e l e v i s ã o
híbridos
gentili, andreoli
e cortez: humor
da experiência
em comédia, aliado
à linguagem
jornalística,
revoluciona tv
passado revela que 80,7% dos entrevistados não
confia no Senado Federal e 83,1% não confia na
Câmara dos Deputados.
A internet, aliás, tem sido uma poderosa aliada
da atração. No YouTube há 5.500 vídeos registrados sob a sigla CQC. Alguns desses já ultrapassaram a marca de 200 mil visualizações.
“Uma coisa que eu tenho visto muito é que, se a
pessoa não consegue assistir ao programa na
segunda-feira, ela fala: 'Ah, na terça ou na quarta eu assisto na internet’”, observa Oscar Filho.
No Orkut, a comunidade oficial do programa tem
mais de 180 mil membros. “Tem gente que nos
conheceu pela internet primeiro e foi surpreendida quando viu o programa”, reforça Tas.
Além dos telespectadores, o CQC foi atrás de
adesões na política e no jornalismo. Entre os dias
17 e 21 de junho, a equipe voltou a Brasília para
gravar o quadro “Proteste Já”, em que ouviram
parlamentares e jornalistas que apóiam a causa
do programa. Os deputados Fernando Gabeira,
Luciana Genro, Frank Aguiar, Arnaldo Farias, a
vereadora Soninha, o presidente da Fenaj, José
Carlos Torves, e os jornalistas Boris Casoy,
Ricardo Boechat, Ernesto Paglia e Ana Paula
Padrão foram alguns nomes que se manifestaram
a favor do CQC. “Todos notam que estamos
numa situação ridícula, impedidos de trabalhar”,
ressalta Rafael Bastos.
CQC no Brasil
O CQC é a versão brasileira do “Caiga Quien
Caiga” e levado ao ar às segundas-feiras à noite,
na Band. Criado em 1995 na Argentina e exportado para o Chile, Espanha e Itália, o CQC faz
24
jornalismo orientado pela sátira e pelo humor,
com uma abordagem mais sagaz e irônica do que
os programas tradicionais de notícias.
A edição brasileira segue o formato e a composição de equipe do modelo importado. Marcelo
Tas comanda a bancada, ao lado do apresentador
Marco Luque e do apresentador-repórter, Rafael
Bastos. Completam o time dos homens de preto
os repórteres Danilo Gentili, Felipe Andreoli,
Oscar Filho e Rafael Cortez.
“O programa veio cutucar algumas coisas, falar
com e sobre os políticos, fazer as perguntas que
todo mundo quer ouvir”, explica Marco Luque,
que também é integrante do grupo de comédia
“Terça Insana”. Além dele, há ainda outros três
comediantes entre os homens de preto. Oscar
Filho, Danilo Gentili e Rafael Bastos fazem parte,
ao lado de Marcela Leal e Marcelo Mansfield, do
“Clube da Comédia”, um show humorístico que
segue o estilo da stand-up comedy, popularizado
pela série americana Sienfield. O Clube, que surgiu em 2005, já lançou o primeiro DVD integralmente de stand-up do Brasil.
A mistura de jornalismo com humor parece
ter caído no gosto do telespectador brasileiro, e
os números dão conta disso. Na edição do dia 26
de maio, o semanal rendeu à emissora seis pontos no Ibope, o dobro de quando estreou, em 17
de março. “Eu estou desconfiado de que a internet tem um peso muito grande nisso. Percebo
que grande parte da audiência do CQC é de pessoas que já haviam desistido de ver televisão
aberta”, avalia Tas.
Nos dias de hoje, deixar de ver televisão no
Brasil não é nenhum sacrifício. “A verdade é que
imprensa | julho 2008
CQC.indd 4
6/26/08 5:29:07 PM
iimmpprreennssaa | | jauglohsot o2 020080 7 2 5
CQC.indd 5
6/26/08 5:29:09 PM
t e l e v i s ã o
bastidores
desafio é fazer rir
e apontar questões
sérias ao mesmo tempo.
marcelo tas acumula
expertise desde
ernesto varella
a televisão brasileira é muito, muito ruim”, provoca Antonio Cláudio Brasil, autor de“Antimanual
de Jornalismo e Comunicação” (ed. Senac, 2007).
Para ele, há pouco investimento em pesquisa
séria sobre tevê e “ainda menos na busca de
novas linguagens”. Tas discorda. “Eu acho que a
gente está num momento muito fértil para
exploração de linguagens, porque a internet já é
um terreno que o usuário explora ele mesmo”.
Precursores
De televisão Marcelo Tas entende. Ele participou da criação dos programas infantis “Rá-TimBum", "Castelo Rá-Tim-Bum", do "Vitrine", na
TV Cultura de São Paulo, e "Programa Legal", na
TV Globo. As primeiras experiências foram com o
vídeo, no início da década de 1980. Nessa época,
Tas conheceu o cineasta Fernando Meirelles, que,
junto com amigos, havia fundado a produtora
Olhar Eletrônico, à qual o apresentador se juntou.
Lá, eles criaram o personagem Ernesto Varella,
um repórter nada convencional encarnado por
Tas. Na opinião do apresentador, a experiência
deu duas contribuições para a linguagem televisiva: abordar temas sérios com humor e provocar
um novo formato de telejornalismo.
Com essa fórmula, o repórter-personagem
protagonizou momentos que se tornaram célebres na televisão brasileira. Um exemplo disso é
a entrevista com Nabi Abi Chedi, ex-presidente
regional do PTB e ex-presidente da CBF
(Confederação Brasileira de Futebol), morto em
2006, em que ele se recusou a “misturar futebol
com política” e diz que as perguntas do entrevistador eram “inoportunas e cretinas”. Ao final,
66
2
Varella questiona qual seria a próxima jogada do
político. Irritado, ele afirma que “não joga, trabalha”. Daí, passa a xingar o repórter, que agradece
a entrevista e se afasta. O câmera Valdeci, interpretado por Fernando Meirelles, hoje um dos
nomes mais respeitados do cinema nacional,
capta alguns instantes do descontrole de Nabi.
Humor eficiente
A expressão “próxima jogada”, utilizada na
pergunta feita por Varella, remete a uma conduta
do político e comprova que o humor nunca é
apolítico, como defende Helena Confrotin, doutora em lingüística, no artigo “Leitura do Humor
na Mídia”. Ela afirma ainda que “o homem público existe para o humorista como metáfora, como
símbolo”. Essa lógica vai ao encontro da proposta
do CQC. Isso fica bem claro quando, ao final de
cada programa, Tas se despede do público com a
frase “eles estão à solta, mas nós estamos atrás”.
“O público grava momentos do nosso programa que passaram há dois meses, coisa que é difícil
de lembrar em uma reportagem tradicional. Isso
eu atribuo ao humor, algo que toca as pessoas.
Você está selando o entendimento de uma maneira mais concreta e profunda”, destaca Tas.
Ao contrário do que pode parecer, a construção humorística no jornalismo não é uma tarefa
simples. Ela envolve um trabalho sério. O assunto é tão complexo que já foi tema das observações de Freud, ele mesmo, no livro “O chiste e
suas relações com o inconsciente”, de 1905. O pai
da psicanálise afirmava que “ninguém se contenta em fazer um chiste para si”, ou seja, uma piada
precisa, minimamente, de dois interlocutores: o
i mi m
p rp er ne sn as a | | a gj u
o sl th oo 22 00 00 78
CQC.indd 6
6/26/08 5:29:10 PM
que fala e o que escuta. Entre eles, o código pode
ser decodificado de diversas maneiras. “É um
gênero muito difícil, porque se pode cair no
engraçadinho, no fútil. É um fio da navalha”, ressalta Tas. “Uma das coisas mais grandiosas do
humorista é a sua capacidade de criar uma mensagem que provoca interpretações que nem
mesmo ele espera ou prevê”, completa Helena.
O perigo reside, portanto, na transposição da
tênue linha que separa a irreverência do mau
gosto e do desrespeito. “De uma maneira geral,
estamos cuidando muito bem desse limite, de
sermos irreverentes sem sermos desrespeitosos
com os entrevistados, o que é difícil numa
equipe tão jovem”, acredita o apresentador.
Assim, a crítica interna serve como balizador
das ações e frases dos repórteres. Por meio dela,
a equipe pode ver o que aconteceu e o que
poderia ter sido feito. “Como a gente faz um
projeto muito ousado, às vezes a gente passa do
ponto mesmo”, admite Tas.
De fato, seria estranho para uma equipe que
tem quatro comediantes não sucumbir ao exagero e à piada fácil. No entanto, os homens de
preto parecem estar bem cientes da função que
lhes foi atribuída. Na opinião de Rafael Bastos,
a melhor maneira de fazer crítica é através do
humor. “Ele tem uma força muito grande, porque é uma forma muito simples de comunicação”, avalia. Para Oscar Filho, fazer humor com
inteligência significa, por exemplo, não usar
nenhuma característica física. “É o humor que
não deixa ninguém sem graça”, explica. Bem,
parece que na Câmara muitos deputados não
avaliam o CQC dessa forma.
As telas do humor
I
dealizado e produzido pela Comedy Central, “The Daily Show” é
um exemplo de como o jornalismo e o humor podem funcionar
muito bem juntos. Apresentado por Jon Stewart, o irreverente
mestre-de-cerimônia da última edição do Oscar, o talk-show é
transmitido nas noites de segunda a quinta-feira pela CNN. A equipe, formada pelo âncora, cinco correspondentes, e “nenhuma credibilidade”, faz uma leitura satírica do noticiário, da política, da
cultura, das tendências, dos esportes e das personalidades. Por
isso, “The Daily Show” dispensou o fardo da objetividade, da integridade jornalística e da precisão. A primeira edição do programa
foi ao ar em 22 de julho de 1996.
Quatro anos antes, o inglês “Spitting Image” despedia-se do seu
público das tardes de domingo. No ar desde 1984, o programa tinha
como foco a sátira política, por meio da ridicularização do poder,
e da paródia das atrações de massa, como a própria televisão.
“Trata-se do equivalente televisual da caricatura, fundado muitas
vezes sobre a metáfora animal”, explica Arlindo Machado em “A
televisão levada a sério” (ed. Senac, 2000). Para representar as
figuras políticas e personalidades, os criadores usavam bonecos
“maquiavelicamente construídos”.
Esse tipo de abordagem humorística em programas de televisão, no
entanto, não nasceu apenas nas últimas décadas Entre 1951 e 1963, o
comediante americano Ernie Kovacs escreveu, dirigiu e interpretou uma
série de programas humorísticos. Kovac foi pioneiro na experimentação
de técnicas que ficaram conhecidas como desconstrutivas, tais como a
dissociação entre a imagem e o som, revelação dos bastidores da televisão, diálogos com a equipe de câmeras e com o público.
iimmpprreennssaa | | jauglohsot o2 020080 7 2 7
CQC.indd 7
6/26/08 5:29:18 PM