A literatura faz parte da minha vida

Transcrição

A literatura faz parte da minha vida
OUT/NOV/DEZ • 2010 • Ano 9 • nº 37
P A P E L
C H A MOIS
a arte de
ler
Biblioteca Nacional
200 anos de história
Rachel de Queiroz
Dona da vida e de si
A literatura faz
parte da minha vida
Milton Hatoum
Sumário
04
Publicação trimestral da MD PAPÉIS LTDA.
Rua Dr. Moisés Kahan, 140
Barra Funda – São Paulo - SP – 01139-040
Tel.: 11 3613 5225
Conselho Editorial:
André Assis Pinto
Francine Felippe dos Santos
Ruy Marum
Tadeu Souza
10
03. editorial
Palavras
04. história
BibliotecaNacional,
200anosdehistória
Agradecimentos:
Benildes Leite
Bertrand Brasil
Fundação Biblioteca Nacional
Companhia das Letras
Difel
Fábio Bahr
Globo
Hubert Alquéres
Imprensa Oficial
José Olympio
Laerte Coutinho
Lú Fernandes Comunicação
Luiza Trindade
Maria Amélia Mello
Mario Vargas Llosa
Milton Hatoum
Mirtes Camargo
Objetiva
Roberto Pantoja
Rocco
Projeto Gráfico/Editorial
05. leituraemdestaque
NelsonMandela,conversas
quetivecomigo
06. consciência
ImprensaOficial,compromisso
comaleitura
08. entrevista
MiltonHatoum
10. vida
12
MarioVargasLlosa
Mario
11. homenagem
11.
RacheldeQueiroz
Rachel
12. perfil
12.
LaerteCoutinho
Laerte
14. leituraquetransforma
Lerémuitobom
15. gentequelê
16. chamoisemdestaque
Rua Turiassu, 390 - cj. 112
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Coordenação Geral
Ruy Marum ([email protected])
Mara Ribeiro ([email protected])
Redação
Mara Ribeiro
Ruy Marum
Direção de arte
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Estagiários
Ludmilla Cristina S. Rueda
Nathália Tourais
Thiago Lanzoni Brito
Atendimento ao leitor
[email protected]
Pré-impressão e Impressão
RR Donnelley
Tiragem
2.300 exemplares
Impresso em papel Chamois Bulk Dunas 90 g/m2,
certificado FSC e fabricado pela MD Papéis,
em harmonia com o meio ambiente.
É proibida a reprodução total ou parcial
de textos, fotos e ilustrações por qualquer
meio sem a prévia autorização.
Editorial
um ano
para sonhar
e realizar
S
onhamos com um mundo mais justo. Um mundo formado por pessoas íntegras, éticas e mais
conscientes.
Pessoas que respeitam o próximo e saibam o quão importante é cuidar do Planeta. Afinal,
preservá-lo é a melhor forma de investir no futuro.
Investir no futuro também é cuidar da educação do nosso povo, libertando-o das amarras da ignorância. Livre, ele
poderá ir o mais longe que sua imaginação permitir, não encontrará limites para sonhar. Livre, poderá realizar.
Assim sonhamos e essa é uma das razões para levantarmos a bandeira do livro, da leitura, da informação, do
conhecimento. A bandeira da transformação cultural que um dia foi levantada por ninguém menos que Rachel de
Queiroz, que tão bem representou a literatura brasileira e que nesta edição merece a nossa homenagem.
Levantamos também a bandeira da qualidade e com ela, esperamos que cada leitor se transforme em multiplicador
de bons livros e de grandes autores dos quatro cantos no mundo, mas, principalmente, que se destaque por conhecer
e reconhecer os nossos talentos, como Milton Hatoum, que, como nós, busca qualidade em tudo o que faz, assim
como o cartunista Laerte, ícone de uma geração e referência para os artistas dos quadrinhos.
Qualidade também é a bandeira levantada por Hubert Alquéres, presidente da Imprensa Oficial e também um
importante militante do mundo das letras, aliás, letras que em 2010 coroou o escritor peruano Mario Vargas Llosa
como Prêmio Nobel de Literatura.
Viver num mundo onde reine a Paz, este o sonho de Nelson Mandela, que a ela dedicou a maior parte de sua vida e,
numa luta solitária, foi a voz de seu povo, tornando-se um dos mais importantes militantes pela liberdade e igualdade
entre os povos em todo o mundo. Dos anos em silêncio nasceu “Nelson Mandela – conversas que tive comigo”, que
traz relatos e sentimentos, um verdadeiro desabafo do pai da Africa do Sul.
Para finalizar, tomamos a libertade de sugerir aos nossos leitores um roteiro turístico bem especial. Nele, um misto
de história, cultura e, principalmente, livros. E o melhor, em um único lugar. Para isso, basta visitar a exposição em
comemoração aos 200 anos da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, que acontecerá até o dia 2 de fevereiro de
2011. Obras de arte trazidas pela Família Real portuguesa estarão expostas juntamente com relíquias da literatura
mundial, como a primeira edição de “Os Lusíadas”, farão brilhar os olhos dos nossos leitores.
Mais que uma dica, este é um convite à arte, à cultura e à leitura, porque ler, é muito bom.
Muito sucesso a todos e que 2011 seja um ano de muitos sonhos e realizações.
Boa leitura e até a próxima edição.
CHAMOIS NOTÍCIAS 3
Fotos: Fundação Biblioteca Nacional
História
BiBlioteca
NacioNal
A
200 anos
tecnologia está em alta e muda a cada minuto.
Livros eletrônicos prometem substituir os impressos, tornando-se também fiéis companheiros. E mais, prometem fazer história... Será? Para os leitores, aficcionados e encantados por livros, a tecnologia de fato poderá
fazer grandes coisas, como já fez até aqui, mas nunca, jamais conseguirá reproduzir a agradável sensação de se folhear um bom livro. Nunca proporcionará ao seu leitor o prazer de transportar a
versão eletrônica, jamais terá um lugar de destaque na estante da
sala. A tecnologia muda a cada minuto, torna-se obsoleta rapidamente e mais rápido ainda vira sucata. É logo substituída por uma
melhor, mais moderna e eficiente. Mas como seria o mundo e qual
seria a sua história se este conceito
se aplicasse para os livros impressos? Como podemos ver, as versões
impressa e eletrônica levam em sí
diferenças e conceitos nada sutís. E
é justamente por essas diferenças
de conceitos que hoje podemos comemorar os 200 anos da Biblioteca
Nacional. Sua história está direramente ligada a um dos momentos
mais importantes da história do
país: a transferência da Família Real
e da corte portuguesa para o Rio de
Janeiro, em 1808. Na bagagem, um
acervo com cerca de 60 mil peças,
entre livros, manuscritos, mapas, estampas, moedas e medalhas, que
ocuparam uma das salas do Convento da Ordem Terceira do Carmo.
Em 29 de outubro de 1810, um de4
CHAMOIS NOTÍCIAS
de história
creto do Príncipe Regente determinou que o lugar acomodasse a
Real Biblioteca. Já em 29 de outubro de 1910, 100 anos depois,
foi inaugurada, em novo prédio, a Fundação Biblioteca Nacional.
Considerada pela Unesco uma das dez maiores bibliotecas nacionais do mundo, ela guarda mais de 9 milhões de obras. Entre elas,
preciosidades como a “Bíblia de Mogúncia” (1462), impressa por
ex-sócios de Gutenberg, criador da imprensa; um “Livro de Horas”
(livro de orações) da Idade Média, com pinturas a ouro; a primeira
edição de “Os Lusíadas”, de Luís de Camões; “A menina do narizinho arrebitado”, de 1920, de Monteiro Lobato; peças que integram a Coleção Teresa Cristina Maria, doada à instituição por
D. Pedro II; edições de periódicos como a revista Tico Tico e O Pasquim; manuscritos de Clarice Lispector, Raul Pompéia, Castro Alves, Graciliano Ramos e Carlos Drummond
de Andrade; a ópera O Guarani
(1857), de Carlos Gomes. Estes são
alguns dos tesouros guardados há
dois séculos pela Biblioteca Nacional,
que misturam-se aos 800 manuscritos referentes à história brasileira,
arquivos literários, fotografias tiradas
por D. Pedro I e registros da época.
Por mais de 200 anos, obras produzidas com blocos de madeira, metal e
pedra, folhas de bananeira,
peles de animais, papiros e pergaminhos, foram artesanalmente cuidadas e protegidas das
ações do tempo e dos homens. Essas obras pode-
rão ser vistas e apreciadas na exposição
Biblioteca Nacional 200 anos: uma defesa
do infinito. Lá, até o dia 25 de fevereiro de
2011, 200 peças originais farão brilhar os
olhos dos visitantes e mostrarão apenas
uma pequena parte da grande história da
biblioteca e, consequentemente, do Brasil.
Quem visita a exposição sai mais encantado com ele, o livro impresso, e também
com a certeza ainda maior de que o eletrônico não irá substituí-lo jamais. n
Exposição: Os 200 anos da Biblioteca Nacional
Local: Espaço Cultural Eliseu Visconti
Rua México, s/nº (entrada pelo jardim, fundos da BN)
Segunda a sexta, das 10h às 17h. Entrada franca.
Leitura em Destaque
nelson mandela, conversas que tive comigo
E
m tempos de tristeza, a antiga África do Sul estabelecia a separação entre brancos, mulatos, negros e asiáticos e, os
negros faziam parte da mais baixa escala
social. Viviam em bairros separados, possuíam uma área restrita para circular, eram
proibidos de utilizar quaisquer objetos de
uso público e também não eram autorizados a casar com pessoas de outras etnias.
As crianças negras possuíam educação diferenciada e sofriam preconceito explícito,
acompanhado de torturas.
O cenário do Apartheid é realmente monstruoso, mas, na África do Sul, a voz de um
homem se sobressaiu entre as muitas outras que pediam socorro. Voz que lutou,
brigou, defendeu e, enfim, libertou aqueles que, futuramente, fariam parte de seu
povo. “Conversas que tive comigo” é o
retrato de Nelson Mandela longe de toda
a sua figura pública. Suas páginas
aproximam o líder político do
leitor através de diários
pessoais, rascu-
nhos de cartas e discursos, rabiscos feitos
durante reuniões e relatos de sonhos. O
livro é dividido em quatro partes ; compostas por cartas que escreveu na prisão, conversas gravadas de encontros íntimos e
informais, cadernos com registros de viagens, notas sobre aprendizados, reflexões
pessoais, notas sobre o apoio dos líderes
de outros países e o caminho para a liberdade. Anotações desde a sua rotina na
prisão até cartas endereçadas à Universidade da África do Sul e também aquelas
que escrevera, de forma emocionada, às
suas filhas.
É impossível não admirar sua história. Pai
da África do Sul multiracial, Nelson Mandela pôs fim à “vida separada” dos anos
90 e foi a mais forte voz pela luta dos direitos humanos dos negros, pela igualdade dos povos e pela essência da vida. Hoje,
é símbolo de luta, perseverança, sonhos e
esperança, além de ser um dos líderes políticos mais conhecidos e respeitados do
mundo.Em um relato direto e absoluto, no
livro “Conversas que tive comigo”, o pai
da nova África multiracial brinda o leitor
com impressões, pensamentos e sentimentos que revelam o todo de um homem comum e, ao mesmo tempo, fascinante. Vale conferir! n
CONVERSAS QUE TIVE COMIGO
Editora: Rocco
Autor: Nelson Mandela
Páginas: 416
Impresso em papel Chamois
Fine Dunas 80 g/m2
Consciência
Imprensa OfIcIal,
compromisso com a leitura
H
á mais de um século, com o objetivo de dar transparência às informações oficiais e facilitar o acesso das pessoas aos atos públicos, nasceu a Imprensa Oficial de São Paulo. Inicialmente com a impressão do
Diário Oficial do estado, e depois, ampliando seus horizontes, passou a testemunhar acontecimentos do Brasil e do mundo, registrando grandes guerras, revoluções e marcos políticos, sociais e
econômicos.
E assim, desde o seu início, até hoje, a Imprensa Oficial tornou-se
referência de qualidade e confiabilidade para profissionais, clientes, funcionários públicos e tantas outras pessoas. Uma garantia
de transparência e segurança na informação.
No ano de 2003, a empresa assumiu a função de editora e, Hubert
Alquéres a presidência. Com o entusiasmo, a paixão e a experiência de um profissional ligado à educação e cultura, Alquéres, entre
outras coisas, se dedicou e contribuiu com ações de incentivo à
leitura, ao livro e à cultura.
Foi pioneira na utilização da tecnologia de certificação digital na
administração pública e autoridade certificadora oficial do Governo do Estado, “hoje, a Imprensa Oficial produz e estimula a cultura, participa de ações sociais com o terceiro setor e oferece serviços gráficos de utilidade pública aos três poderes”, diz o
presidente Hubert Alquéres.
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CHAMOIS NOTÍCIAS
O nome do presidente também tem sido referencial no empenho
pela conquista de novos leitores. Neste ano, foi agraciado pela
CBL (Câmara Brasileira do Livro) com o prêmio Amigo do Livro,
reconhecimento àqueles que se dedicam à causa de transformação do Brasil em um país de leitores. Em sua gestão, a Imprensa
Oficial ganhou 20 prêmios Jabuti, o mais importante prêmio literário do País. Também conquistou os troféus do Livro do Ano, na
categoria de ficção e melhor livro de não-ficção; três certificados
de mérito Premier Print Awards, de qualidade da indústria gráfica
mundial; Prêmio de Excelência Gráfica Fernando Pini, que é referencial de excelência no mercado brasileiro. Cinco prêmios Mário
Covas e o troféu APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte),
em reconhecimento ao incentivo às artes.
Hoje, a Imprensa Oficial, dividida entre serviços gráficos, editora,
diário oficial, comunicação e produção técnica, é considerada uma
das editoras mais importantes do país. Possui anualmente 700 títulos, entre produções próprias e com as principais editoras, como
a Editora USP, Unicamp e Unesp, também de instituições como o
Museu Afro Brasil e o Instituto Tomie Ohtake. Lançou, ainda, títulos da coleção Imprensa em Pauta, incluindo biografias de Paulo
Francis e José Ramos Tinhorão, dentre outros jornalistas importantes. A Imprensa já distribuiu mais de 430 mil livros para bibliotecas
públicas e a renomadas fundações, como: Fundação Casa, Centro
Cultural São Paulo, FUNARTE, bibliotecas
universitárias, Memorial da América Latina, Instituto Brasil Leitor e Secretaria de
Estado da Cultura. Tem ainda o compromisso de intensificar sua
modernização,
renovar
processos de gestão,
elevar investimentos
em tecnologia da informação e consolidar parcerias, garantindo sempre à
sociedade o acesso
democrático às informações de interesse público do setor público e privado.
Com mais de 100 anos de
história, a Imprensa Oficial conta com cerca de 900 funcionários
que, segundo o presidente,“não
só vestem a camisa como também levantam a bandeira da
empresa”.
Atualmente, divulga a campanha “Quem
lê, vive o espetáculo”, da Coleção Aplauso, veiculada no rádio e no cinema, além
de disponibilizar em seu site o
download completo e grátis
dos livros, o que também
é uma forma de conquistar leitores.
Campanhas como
estas estimulam a
venda dos livros e o
acesso aos sites da
Imprensa Oficial, Livraria Virtual, Coleção Aplauso e Imprensa
Social
e,
também, o prestígio da
empresa junto às entidades
voltadas para o livro e o mercado livreiro. Mas, para Alquéres, “entrar no
metrô e ver alguém lendo um livro da Coleção Aplauso, ou esbarrar com livros publicados por nós em escolas e universidades, isso é realmente gratificante”. n
Fotos: Divulgação Imprensa Oficial
“Hoje, a Imprensa Oficial
produz e estimula a cultura,
participa de ações sociais com
o terceiro setor e oferece serviços
gráficos de utilidade pública
aos três poderes”
Bel Pedrosa
Entrevista
a Literatura
faz parte da
minha vida
milton hatoum
N
Foto: Divulgação
um primeiro momento, difícil saber a origem de
Milton Hatoum. Descendente de libaneses, nascido em Manaus, morou na França, Madri, Barcelona e, atualmente reside em São Paulo. Marcado por realidades socioculturais distintas, carrega consigo aspectos e referências de
cada lugar por onde passou, mas suas raízes mantiveram-se no
Brasil, “geralmente me apresento como um brasileiro de Manaus.
Minha relação com a cidade onde nasci é muito forte e talvez seja,
das muitas cidades em que vivi, a que mais me sensibiliza. Porém,
sou um brasileiro de Manaus que já tem uma parte considerável de
sua vida em São Paulo. Na verdade, sou paulistano de Manaus”.
Conhecido por misturar experiências e lembranças pessoais ao
contexto da Amazônia e do Oriente, sua escrita faz o leitor sentir o
poder da boa literatura. Milton Hatoum inspira paixão em cada
palavra escrita. Falar com o escritor é também compreender que o
ato de escrever é apaixonar-se pelas palavras. É conhecê-las a fundo, respirá-las e saboreá-las.
É um modo de ver, uma forma de viver. Em seus livros encontramos
beleza literária e estética, muita sabedoria e aprendizado. Admirável escritor, ser humano cativante, considerado um fenômeno na
literatura brasileira contemporânea, Milton Hatoum hoje tem o
merecido reconhecimento pelo que escreveu e por tudo o que ainda vai nos proporcionar, belas palavras para ler, reler, sentir, guardar
e amar.
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CHAMOIS NOTÍCIAS
CHAMOIS NOTÍCIAS: Por favor nos fale como começou o seu
interesse pelo mundo das letras... Como foi a transição da
arquitetura para a literatura?
MILTON HATOUM: Na minha juventude li alguns livros que foram fundamentais na minha formação de leitor. Por sorte, meus
professores indicaram ótimos romances e contos para leitura: “Vidas secas”, “Infância” (Graciliano Ramos), “Capitães da areia”
(Jorge Amado), “O continente” (Erico Verissimo), contos de Flaubert e Machado de Assis.
Na década de 1970, quando estudava arquitetura na Fau-USP, lia
mais poesia do que prosa. Escrevi alguns contos, que nunca foram
publicados. Fiz alguns projetos de arquitetura, lecionei “História
da arquitetura” numa faculdade do interior de São Paulo e publiquei um livrinho de poesia. Queria escrever, mas nem pensava em
viver de literatura. A transição da arquitetura para a literatura
aconteceu quando, em dezembro de 1979, fui morar na Espanha.
Ainda assim, só publiquei meu primeiro romance “Relato de um
certo Oriente”, em 1989. Durante 15 anos lecionei francês e literatura francesa na Universidade Federal do Amazonas. Em 1998,
abandonei a universidade para escrever o romance “Dois irmãos”
(2000), que foi escrito em São Paulo, onde moro até hoje.
CN: Milton Hatoum leitor. Como você se define, qual o seu
gosto literário e que autores o inspiram?
MH: Não leio qualquer tipo de livro porque não gosto de literatura “comercial”, nem tenho tempo para ler tudo. Romances
fáceis demais, do tipo thriller ou suspense, como são os bestsellers, não problematizam a vida, não causam perplexidade, não surpreendem e não deixam transparecer
um trabalho com a linguagem. Não considero a
literatura como um mero entretenimento. Claro
que há o prazer da leitura, o envolvimento com
a linguagem e a trama, mas um romance deve
evocar, em profundidade, os dramas e relações
humanas e o tempo em que vivemos.
“Uma tarde destas”, o extraordinário livro de contos de José Roberto
Melhem, foi praticamente ignorado pela crítica.
CN: Na sua opinião, o que é fundamental para a formação de
leitores?
MH: O ensino na escola pública deve ser consistente. A formação de
jovens leitores depende da qualidade do ensino e isso envolve um
conjunto de fatores. Primeiro, os professores devem ganhar um salário digno e, ao mesmo tempo, ter uma boa formação. Esse é o primeiro passo. Além disso, as escolas devem ser bem equipadas, com
biblioteca e computadores. E o próprio projeto de arquitetura das
escolas deve atender a uma prática prazerosa de ensino e pesquisa.
Infelizmente no Brasil quase todos os projetos de escolas e habitação
popular são vergonhosos. É como se os pobres não tivessem direito
a uma moradia e a uma escola dignas.
CN: Muito se questiona a forma como o livro é
indicado nas escolas, quase como obrigação.
A seu ver, essa é uma forma de levar a literatura até o aluno ou ele tem efeito contrário?
MH: Tudo depende do repertório e da formação dos alunos e dos professores. Aos 13
anos de idade li um livro de contos de Machado de Assis. Gostei da leitura e me interessei
pelos outros livros de contos desse autor. Mas
não teria a mesma reação se tivesse lido um romance Machadiano. Há diferentes graus de complexidade na obra de qualquer escritor. E é isso que cada escola
deve considerar quando indica um livro.
“A literatura representa
um modo de ver o mundo,
de imaginá-lo por
meio da linguagem”
CN: Como você interage com os seus leitores?
MH: Nos eventos literários de que participo há um
diálogo com leitores. Às vezes falo sobre literatura em
escolas e universidades.
CN: O que a literatura representa na sua vida?
MH: A literatura faz parte da minha vida. Representa um modo
de ver o mundo, de imaginá-lo por meio da linguagem.
CN: Como é ser escritor no Brasil, um país enorme composto por poucos leitores?
MH: Acho que o Brasil mudou muito nas duas últimas décadas.
O público leitor cresceu, e me refiro também ao leitor de qualidade. Mas só pude viver de literatura quando publiquei “Dois irmãos”, um romance que foi lido por um público relativamente
grande. Desde então, vivo de direitos autorais e de palestras.
CN: Na sua avaliação como os autores nacionais são tratados pelo mercado editorial? Eles têm o merecido respeito?
MH: Atualmente há muitas maneiras de divulgar uma obra de
ficção. Não há mais monopólio desse ou daquele órgão de imprensa quanto à divulgação de um livro. A internet e os sites literários
adquiriram grande importância. Se o livro for consistente, ele pode
entrar num circuito de leitores. E quem faz a história de um livro é
o conjunto de leitores talentosos, leitores que sabem muito bem a
diferença entre um livro de autoajuda, um best-seller e um bom
romance. Mas há também descaso ou indiferença. Por exemplo,
CN: Como escritor, você se sente realizado?
MH: Certamente não. Em todo caso, me sinto muito mais realizado
como leitor.
CN: Aos futuros escritores, que anseiam viver exclusivamente da literatura, que conselho daria?
MH: Acho que não sou um bom conselheiro, pois comecei a viver
de literatura aos 50 anos de idade. Penso que um jovem escritor
não deve se preocupar com o sucesso comercial de seus livros. Sei
que é importante ter leitores, de preferência bons leitores. Mas,
com poucas exceções, um livro de qualidade exige tempo, às vezes
um tempo longo para ser lido por mais de uma geração de críticos
e leitores.
A literatura exige experiência de vida e de leitura. A única sugestão
que posso dar aos jovens é: não tenham pressa para publicar. E, se
não for pedir muito, penso que os jovens devem ler os clássicos.
Hoje em dia, ler “Grande sertão: veredas”, “Crime e castigo” e “O
processo é um ato corajoso”. E só mais uma coisinha: a vaidade
extremada não serve para nada. n
Visite o site do autor: www.miltonhatoum.com.br
CHAMOIS NOTÍCIAS 9
Mario Vargas llosa:
Intenso, polêmico e, enfim,
o NObel de literatura
M
ario Vargas Llosa fala tão bem quanto escreve. O mestre da ficção é também um encantador através das palavras, que provém de
um raciocínio cristalino e da elegância de um questionador com
argumentos precisos. Acredita que a ficção é uma mentira tão
bem contada, que reordena o caos em que vivemos. Para
Vargas Llosa, a literatura rompe as limitações verbais
e amplia a consciência sobre nós mesmos e, consequentemente, sobre o mundo. O autor compara sua vontade de escrever à sua necessidade
de respirar. Diz que vê na literatura uma forma
de questionar o mundo, uma possibilidade de
transpirar sua rebeldia, provocações e inconformismos. “Talvez seja esta a maior contribuição da literatura, lembrar que o mundo é malfeito, e que poderia ser melhor, mais parecido com o
que a imaginação é capaz de criar. A literatura apazigua essa insatisfação existencial apenas por um momento, mas nesse instante milagroso, nessa suspensão temporária
da vida, somos diferentes, mais ricos, mais felizes, mais intensos,
mais complexos e mais lúcidos”, diz.
Seus 74 anos carregam, além de uma imensidão de méritos literários, produções jornalísticas, e pensamentos intelectuais, percepções da complexa sociedade peruana e também suas atuações
políticas, muitas vezes consideradas polêmicas. Em sua juventude,
defendeu o marxismo e fez parte de um grupo comunista. Nos
anos 1970 desencantou-se com o regime cubano e passou a denunciá-lo como autoritário, nas décadas seguintes caminhou para
uma posição política que ele próprio define como “liberalismo radical” e, nos anos 1990, foi candidato à presidência do Peru, porém, no segundo turno perdeu para Alberto Fujimori. Suas frustrações, fracassos, dores e sofrimentos são, também, muitas de suas
inspirações e, algumas vezes, representam o início de suas obras.
Sua ficção explora a identidade latino-americana e a relação do
continente com regimes autoritários. Com técnicas ousadas, crítica a hierarquia social e racial no Peru e na América Latina. Trata da
luta pela liberdade individual e da realidade opressiva de seu país
natal. Consagrou-se na literatura por suas criações bem estruturadas, e, a cartografia das estruturas de poder e suas incisivas imagens da resistência, revolta e derrota do indivíduo, renderam-lhe, juntamente a outros
aspectos, o Prêmio Nobel de Literatura, com a
obra “Sabres e utopias”.
Llosa disse que, na manhã em que recebeu a
notícia de que ganhara o Prêmio Nobel, pensou que fora vítima de um trote. O escritor,
apesar de estar acostumado com premiações,
ficou estático entre as luzes da manhã daquele
dia, pensando em toda sua trajetória como escritor e, em especial pela sorte que
teve, quando aos 22 anos, decidiu por
não ser advogado e, sim, escritor, relembrando
suas obras e experiências, cada livro foi uma
aventura cheia de surpresas, de descobrimentos, de ilusões e de exaltação,
que sempre compensou muito as dificuldades, dores de cabeça, depressões e bloqueios. “Como é maravilhosa a vida dos homens e
mulheres que inventamos, para
esromper as fronteiras tão es
treitas da vida real, e nos
transportarmos a outra,
mais rica, mais intensa,
mais livre, por meio da
ficção”. n
“O mundo é malfeito,
e poderia ser melhor,
mais parecido com
o que a imaginação é
capaz de criar”
10 CHAMOIS NOTÍCIAS
Foto: Divulgação
Vida
Homenagem
Dona da vida e de sí
Rachel de Queiroz
Ilustração: Suely Avellar
dona das palavras
A
o som do piano tocado pelas moças de sua família e às vozes que liam romances em francês,
obras de Voltaire e Sterne, a futura literata adquiria o gosto pela literatura, a curiosidade pelas raízes do povo
brasileiro e a vontade de escrever. Filha de pai Queiroz e mãe Alencar, ambos de importantes famílias cearenses, Rachel de Queiroz
nasceu e cresceu em uma família de intelectuais. Numa rústica e
modesta casa, discutiam sobre livros, ideologias e pensamentos.
Lá, todos liam e escreviam um bocado, e foi neste ambiente onde
viviam Dostoiévski, Grosky, Eça de Queirós e Balzac, que a cearense
desenvolveu sua herança literária e cultural. Precoce, aprendeu a
ler aos cinco anos de idade e escreveu seu primeiro livro aos 19.
Valente, crítica e de opiniões ácidas, foi militante comunista e fez
oposição ao governo de Getúlio Vargas. Lutou contra a repressão
e a favor da liberdade, defendendo a independência individual. Foi
contra os costumes de sua época, onde, enquanto todas as moças
escreviam de forma encantada, floreada e sentimental, Rachel, rebelde e cheia de personalidade, adquiria o estilo sóbrio, despojado
e totalmente desprendida de sentimentalismo.
Assim, desafiando todos os limites e superando as expectativas da
sociedade em que vivia, foi considerada a figura feminina mais
importante do século passado. Sua obra, desde a estréia em “O
quinze”, até seu último romance, “Memorial de Maria Moura”,
dava vida a heroínas, mulheres fortes e decididas, transformandoas em grandes personagens da vida. Desta forma, a escritora deu
importantes passos no cenário literário e também na sociedade.
Rachel abriu espaço para a mulher no Brasil, dando a ela lugar de
destaque. Quebrou paradigmas e, como suas personagens, foi
dona de sua vida, mulher independente que não se intimidava por
pouca coisa. Mulher que foi longe, até onde se podia imaginar. E,
assim, como quem não planejou, foi aonde até então nenhuma
mulher havia ousado entrar. Eis que as portas da casa de Machado
de Assis se abriram para ela e dessa forma se transformou na primeira mulher imortal brasileira. Em 4 de novembro de 1977, a
escritora tomou posse e passou a ocupar a cadeira de número 5
da Academia Brasileira de Letras. A partir daí, a casa deles, também era dela. Da senhora dos cabelos grisalhos e grandes óculos,
dona de uma voz poderosa e um riso que parecia debochar do
mundo, que contrastava com seu jeito sereno e amável, que marcou sua passagem pela terra do nordeste, por Quixadá, pelo Brasil
e, enfim, pela literatura.
Rachel de Queiroz fez história, foi pioneira no gênero sertanejo e
também um grito, pois através de sua obra, outros autores puderam olhar para essa região excluída. Ícone da literatura nacional,
foi considerada uma das mais lúcidas observadoras da cena social
brasileira, possuía grande capacidade de apresentar e representar
a cultura, o ser humano e a sociedade sertaneja, que marcou sua
obra e personalidade, além da paixão pela vida e pelo ser humano.
Em 4 de novembro de 2003 Rachel de Queiroz se despediu, coincidentemente, o mesmo dia em que se tornou imortal. Fazendo o
uso de suas próprias palavras “o tempo
não apaga, o tempo adormece” e, dessa
forma, ela adormeceu, deixando em seu
lugar a saudade e um gostinho de quero
mais. Deixou também uma legião de leitores e admiradores ávidos pela próxima
obra. Esta não virá, assim como não haverá outra Rachel, ela era única.
Em 2010 foi o ano da comemoração do
seu centenário. Dia 17 de novembro de
1910 ela nasceu e no decorrer de sua
vida, escreveu sua própria história. Ela
pode ser lida em cada livro seu e, a
cada página virada, a certeza de que
a escritora nunca esteve tão viva. E
assim será, até a última página. n
Perfil
livre para pensar,
criar e agir
D
espertando o interesse e curiosidade dos meios
de comunicação, “Laerte crossdressing”, tem
sido chamado para falar de sí e de sua nova fase.
O cartunista, considerado um gênio dos quadrinhos e também
uma referência no assunto, mostra que tem muito mais a mostrar.
Irreverente e inquieto, ele mudou. Passou por um período de conflitos, reavaliou seu trabalho, abriu mão de alguns personagens e
investiu tempo em outros. Seu mais recente livro, “Muchacha”, é
reflexo deste processo. Mas se por um lado, vestir-se de mulher
pode causar um choque aos menos avisados, por outro mostra de
fato quem é e como pensa Laerte Coutinho, um homem livre de
preconceitos, livre para pensar, agir e se expressar. Um homem
que num primeiro momento chocou a família e amigos, mas mostrou que fora a aparência, a essência, os ideais e o senso crítico
(peculiar entre os cartunistas) continuavam os mesmos. Foi com
estes atributos que ele construiu sua rica trajetória, com passagem
pelos principais jornais do Brasil e conquista de importantes prêmios. E, para falar um pouco de sua história, convidamos o cartunista para um bate-papo. Aqui, você poderá conferir um pouco
das ideias do artista e também do seu trabalho, razão pela qual ele
é lembrado, respeitado e querido. Vale conferir!
CHAMOIS NOTÍCIAS: Como era o Laerte de 40 anos atrás?
E como é hoje?
LAERTE COUTINHO: Há 40 anos eu tinha 20 anos. Estava na faculdade (entrei em 69 na ECA, USP), pensava de forma meio indefinida sobre o futuro. Sabia que haveria de ser algo no campo da
expressão artística, mas não tinha certeza se seria teatro, cinema,
música ou artes plásticas. Atualmente, revisito essas dúvidas, mas
com menos energia; não estou mais “começando” um caminho.
12 CHAMOIS NOTÍCIAS
CN: Como adquiriu o gosto pelos desenhos e em que momento teve a certeza de que eles seriam a sua escolha profissional?
LC: Como toda criança, eu desenhei bastante. Em certo momento, consegui entender essa atividade como algo importante na
minha vida, na medida em que me permitia prolongar e elaborar
à minha vontade todos os sentimentos levantados pelas obras que
me encantavam – filmes, livros, quadrinhos etc.
CN: Teve a influência de alguém?
LC: Tive influência de muita gente.Trabalhos e autores (sem muito
rigor cronológico) que eu curti, (sobre os quais) babei, chupei, venerei, algumas vezes plagiei sem querer ou “sem querer”.
CN: Como é o seu contato com os outros cartunistas da sua
geração e há algum que você admire?
LC: Os cartunistas da minha geração são, em geral, meus amigos.
O mais próximo, mesmo, é o Angeli. É ele, também, o alvo da
minha maior admiração.
CN: E da nova geração?
LC: Gosto bastante, também, do pessoal mais novo – meu filho
Rafael Coutinho, Fábio Moon, Gabriel Bá, Grampá, Rafael Sica, o
pessoal da Beleléu, da Samba, da Grafitti etc.
CN: De onde surgem suas ideias e inspirações?
LC: É quase impossível responder essa pergunta, mas – tentando
ser objetivo – digo que a maior parte delas vem da elaboração de
outras ideias, por outros autores. Acredito que esse seja o principal
mecanismo de surgimento dos trabalhos artísticos e culturais.
CN: O que o seu trabalho representa para você e em que
momento o realiza por satisfação e em que momento por
obrigação (se houver)?
LC: Faço meu trabalho sem pensar muito no que ele representa.
Quase sempre o faço sob uma mistura de imposições externas e
internas – oportunidades, deveres e desejos.
CN: Como foi para você adotar o estilo crossdresser. É definitivo? O que representa para você?
LC: Crossdressing – ou travestilidade, como prefiro chamar – não é
um “estilo”. Corresponde a uma necessidade de expressão. O fato
de ter descoberto essa possibilidade apenas agora e não há mais
tempo não muda esse fato. Não sei se é definitivo. É necessário.
CN: Que motivo o levou a abandonar seus antigos personagens ?
LC: Achei que já havia cumprido um ciclo e que precisava partir
pra novas possibilidades. Junto com eles abandonei um modo específico de produzir histórias e situações de humor.
CN: Você é conhecido e respeitado pela sua trajetória profissional. Em momentos de questionamento, pensou em mudar de profissão?
LC: Espero não ter que mudar de profissão, assim, de forma total.
Mudar os procedimentos – como tenho feito – dentro da minha
profissão já é algo bem complicado!
CN: Nos fale um pouco sobre o álbum “Muchacha” e a influência deste trabalho em sua vida.
LC: MUCHACHA nasceu “de dentro” do trabalho que deu origem
ao livro LAERTEVISÃO – onde eu combinei as memórias da televisão no Brasil com minhas prórpias memórias e fantasias. Parti dos
seriados de aventuras que havia nos anos 50, na época anterior ao
vídeotape – uma dramaturgia ao vivo. Construi alguns enredos a
partir dos bastidores de um programa desses.
CN: Em relação aos cartunistas, você acha que o Brasil reconhece os seus talentos?
LC: Acho que sim. Se é que podemos falar de um “Brasil” assim,
meio antropomorfizado…
CN: Se pudesse voltar no tempo, faria alguma coisa diferente?
LC: Faria tudo diferente, claro. n
CHAMOIS NOTÍCIAS 13
Leitura que transforma
Ler
é Muito
bOM
D
as mais lúdicas estórias
infantis aos grandes
clássicos, de uma palavra isolada à enciclopédia, ler é bom, faz
bem à alma e ao coração. É companhia
para os solitários, é visão aos cegos, voz
aos mudos. É o despertar para um novo
mundo, sem fronteiras, um mundo livre.
Nesse plano, a imaginação corre solta,
não tem limites e a ousadia nos leva aonde quisermos. Foi assim com o cavaleiro
dos sonhos impossíveis, um perfeito representante da materialização dos benefícios
da leitura. Homem de poucas posses que
de nobre só tinha o nome, Alonso Quixano. Em sua casa, uma livraria repleta de
livros, onde a maioria, falava de cavaleiros.
14 CHAMOIS NOTÍCIAS
Este foi o passaporte que ele precisava
para embarcar no fantástico mundo da
fantasia, transformando-o no mais famoso e carismático cavaleiro de todos os
tempos, "Dom Quixote de La Mancha".
De tudo o que lia nos livros, ele fazia pequenas mas significativas adaptações.
Como um bom cavaleiro, precisava de um
alazão. Na falta dele, transformou seu velho pangaré, batizando-o de Rocinante.
Como também não tinha uma donzela
apaixonada, lembrou-se da camponesa
Aldonça (seu amor do passado), que de
feia e desajeitada transformou-se na bela
e delicada Dulcinéia de Toboso. Fantasias
à parte, foi com este enrredo escrito no
século XVII, que Miguel de Cervantes en-
trou para a história da literatura mundial.
Com ele, o homem comum deixou-se levar totalmente pela imaginação vivenciando experiências e aventuras que até então
lhe pareciam distantes, inimagináveis.
Para ele, ler foi bom, muito bom.
Assim também é para cada pessoa que se
permite viver esta aventura. Não estamos
falando aqui de fantasias, grandes transformações, mas sim do simples gesto de
abrir um livro de deixar-se levar. Não conduzir, mas ser conduzido por ele, entrar
em seu mundo, viajar a sua viagem, falar a
sua língua, experimentar todas as sensações que sua estória proporciona. E, como
já dizia o querido José Mindlin, quem entra neste mundo, não sai dele, jamais. n
Gente que lê
Foto: divulgação
Foto: divulgação
Foto: divulgação
Mirtes caMargo
Milton hatouM
gerente de Merchandising
escritor
dona de casa
“Estou lendo o livro do Arnaldo Antunes,
ideal para quem gosta de poesia, música,
arte e chistes. Nele, o artista, conhecido por
sua versatilidade, nos mostra mais uma vez
seu talento e inteligência, nos brindando
com um livro maravilhoso e bem escrito,
que traduz a essência do autor.”
“Acabo de ler dois livros: “Do fundo do
poço se vê a Lua” (Companhia das Letras).
Gostei muito desse romance de Joca Reiners
Terron. Terron é um dos narradores mais talentosos da nova geração. Li também um
livro de crítica: “Como funciona a ficção”,
de James Wood (CosacNaify). É um ensaio
sobre os fundamentos do romance, em que
o autor discorre sobre a arte da ficção.”
“Os dois últimos livros que li, são diferentes, porém ao mesmo tempo muito parecidos. “Adeus, China: o último bailarino de
Mao”, conta a vida do bailarino Li Cunxin,
e “Não há silêncio que não termine”, que
relata os anos de cativeiro na selva colombiana de Ingrid Betancourt. Digo serem
diferentes pois são culturas completamente diferentes, lugares, modos de vida mas
também parecidos, pois ambos nos mostram políticas radicais, como pessoas subjulgam pessoas, e como a força de vontade, a disciplina e a perseverança podem
mudar a vida que a princípio parecia imutável. Para aqueles que gostam de histórias
reais, recomendo.”
sinopse
Um dos maiores nomes da música popular
brasileira da atualidade, Arnaldo Antunes
é também um nome de referência da
nossa poesia mais recente, assim como
das artes visuais. Este livro reúne os
melhores poemas, ensaios, letras de
música e caligrafias, acrescidos de um
livro inédito de poemas e muito mais.
Benildes leite
sinopse
“Do fundo do poço se vê a Lua” conta a
história de Wilson e William, gêmeos nascidos em São Paulo nos anos finais da ditadura. Com um estilo ao mesmo tempo cômico
e violento, poético e rude, o autor revela
aos poucos uma história sobre o amor fraterno buscando resistir à ameaça insistente
do signo da morte.
adeus, china: o ÚltiMo
Bailarino de Mao
Li Cunxin
Fundamento
400 páginas
coMo é Que
chaMa o noMe
disso
do fundo
do poço se
vê a lua
Arnaldo Antunes
Joca Reiners Terron
Publifolha
Companhia
das Letras
391 páginas
280 páginas
não há silêncio
Que não terMine
Ingrid Betancourt
Companhia das Letras
560 páginas
CHAMOIS NOTÍCIAS 15
Chamois em destaque
ECONOMIA BANDIDA: A NOVA REALIDADE
DO CAPITALISMO
Loretta Napoleoni
Tradução: Jorgensen Jr.
Editora Difel
350 páginas
Impresso em Chamois Fine Dunas 80 g/m2
Loretta Napoleoni escreve em seu livro, de forma alarmante, como as coisas no mundo econômico deram terrivelmente errado. A autora
disseca a extensa rede de ilegalidade existente
no mundo – da indústria de sexo na Europa
Oriental à rede chinesa de pornografia online,
passando pela comercialização do Viagra e
pelo tráfico de diamantes na África. Este é um
livro chocante sobre a transformação do mundo moderno pela ação de forças econômicas
e políticas que aprisionam a população num
mundo de fantasia.
VIDA
Keith Richards
Tradução: M. L. Fernandes, R. Rezende e S. Mourão
Editora Globo
672 páginas
Impresso em Chamois Fine Dunas 80 g/m2
Keith Richards sempre falou o que lhe veio à
cabeça e seguiu suas próprias regras. Livre de
qualquer impedimento, o fora da lei cresceu em
um bairro pobre, ouvindo Chuck Berry e Muddy
Waters. Ligado à música, apaixonado por sua
guitarra, uniu-se com Mick Jagger e mais tarde
formaram o Rolling Stones. Presenciou os altos
e baixos do rock’n’roll, foi preso algumas vezes,
teve muitas mulheres e foi usuário de drogas.
Estas histórias e muitas outras são contadas de
forma intensamente atraente pelo próprio Keith, junto de James Fox.
BALADA DA PRAIA DOS CÃES
ÁGAPE
José Cardoso Pires
Editora Bertrand Brasil
364 páginas
Impresso em Chamois Fine Dunas 80 g/m2
Padre Marcelo Rossi
Editora Globo
128 páginas
Impresso em Chamois Fine Dunas 80 g/m2
Esta história começa com o relatório da descoberta de um cadáver enterrado em uma praia,
graças a alguns cães que, casualmente, encontram com o morto sepultado na areia.
Baseado em fatos reais, José Cardoso Pires traz
em seu livro, de forma envolvente, uma história de assassinato. Balada da praia dos cães
foi produzido a partir dos depoimentos do homem acusado como coautor do crime e de relatos policiais.
Ágape é um livro que pretende retomar e ampliar o sentido do conceito de seu próprio título, que significa todo o amor da amizade,
caridade e do próprio amor. Nesta obra, Padre
Marcelo Rossi apresenta trechos do Evangelho
de São João e os reinterpreta à luz do significado do amor divino. Cada capítulo se encerra
com uma oração, envolvendo os temas examinados pelo autor, que tece suas reflexões sobre
as passagens apresentadas.
A BATALHA (VOL. 4 – AS AVENTuRAS
DO CAçA-FEITIçO)
LIMA BARRETO VERSuS COELHO NETO,
uM FLA-FLu LITERÁRIO
Joseph Delaney
Tradução: Lia Wyler
Editora Bertrand Brasil
352 páginas
Impresso em Chamois Fine Dunas 80 g/m2
Mauro Rosso
Editora Difel – selo editorial da Bertrand Brasil
240 páginas
Impresso em Chamois Fine Dunas 80 g/m2
Considerada uma das séries mais cativantes da
literatura mundial, “A batalha” é uma obra repleta de magia, mistério, aventura e fantasia,
onde Joseph Delaney narra com maestria um
universo místico. Nele, Thomas Ward, o sétimo
filho de um sétimo filho e aprendiz de caçafeitiço, entra em uma batalha para impedir um
mal inimaginável, envocado pelos mais poderosos clãs de bruxas, encarnar o Diabo. Para
vencer esta árdua missão, Tom deverá descobrir obscuros segredos familiares, colocando
assim, a sua família em perigo.
As páginas deste livro traçam a verdadeira batalha pela grande Copa da intelectualidade,
com direito a batebocas, expulsões, ironias e
muito humor. Crônicas e artigos com que Lima
Barreto lançou intransigente crítica-repúdio ao
futebol, e os textos em que Coelho Neto cantou em prosa e verso, que envolvem contextos
históricos, culturais e literários, nos quais se desenrolaram combates e manifestações intelectuais de um e outro time. Lima Barreto versus
Coelho Neto reitera a persistência do futebol
no provocar polêmicas e alegrias, prazer, tristeza, paixões e ódios nos corações e mentes de
todo o país.
CHAMOIS NOTÍCIAS 16