A DIALÉTICA HEGELIANA: UMA TENTATIVA DE COMPREENSÃO

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A DIALÉTICA HEGELIANA: UMA TENTATIVA DE COMPREENSÃO
A DIALÉTICA HEGELIANA: UMA TENTATIVA DE COMPREENSÃO
A DIALÉTICA HEGELIANA: UMA TENTATIVA DE
COMPREENSÃO
Fernando Guimarães Ferreira1
RESUMO
O presente artigo, preocupado com a influência simplificadora do senso
comum, objetiva apresentar, de forma sintética, a noção de dialética
utilizada no sistema hegeliano, não como um mero sistema argumentativo,
mas como um sistema de compreensão da realidade, em que os elementos
constituidores de sua tríade (tese – antítese – síntese) não possuem
caráter de exclusão, mas de superação e conservação, na busca de uma
interminável e crescente determinação. É esclarecido, ainda, de que forma
a lógica dialética hegeliana supera os limites da dialética tradicional
grega, ao realizar a percepção racional e filosófica do mundo, permitindo
compreender a forma do desenvolvimento histórico da realidade.
Palavras-chave: Sistema dialético hegeliano. Conceito. Dialética grega.
ABSTRACT
This paper, concerned with the simplifying influence of common sense,
aims to present, in summary form, the notion of dialectic used in the
Hegelian system, not as a mere argumentative system, but as a system of
reality understanding, in which the building elements of his triad (thesis antithesis - synthesis) do not have not character of exclusion but of resilience
and conservation, in search of an endless and growing determination. It is
clear, though, how the Hegelian dialectic logic overcomes the limits of
traditional Greek dialectic, to make rational and philosophical perception
of the world, allowing understand the historical development of reality.
Keywords: Hegelian dialectic system. Concept. Greek dialetics.
1 Mestre em Direito pela PUCRS (2006). Bacharel em Direito pela UFRGS (1989).
Procurador-Geral da Assebleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.
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1 INTRODUÇÃO
Como escreveu Back (1998, p. 7), “os grandes pensadores são
reconhecidos na História quando sobrevivem ao tempo”, em outras
palavras, quando seu pensamento influencia as gerações seguintes de
pensadores, constituindo a base de um novo conhecimento a ser produzido.
Para ele, nesse sentido, Hegel poderia ser reconhecido como um dos mais
expressivos filósofos da humanidade, na medida em que o então inovador
debate filosófico por ele proposto, na passagem do século XVIII para o
XIX, permanece atual e efetivo, em razão de sua extraordinária capacidade
de haver “apreendido seu tempo em pensamento”, conferindo caráter
universal à sua Filosofia. A complexidade do sistema filosófico construído
por Hegel impõe, desde sua publicação, grandes dificuldades a seus
intérpretes, bem como grandes equívocos em sua invocação.
Modernamente, o senso comum popularmente estabelecido tem
tratado o sistema dialético hegeliano – normalmente reconhecido pela tríade
tese, antítese e síntese – tão somente como um sistema argumentativo, sem
a observância, contudo, de seu real funcionamento, tal como concebido
por Hegel, visto ser usual a equivocada e limitada compreensão de que
a síntese hegeliana representaria a “vitória” do melhor argumento, o que
não corresponde à sua efetiva função, como será demonstrado no decorrer
deste estudo.
Em realidade, a dialética hegeliana constitui, já adiantando a conclusão
final, um sistema de compreensão da realidade, diante de um processo
em contínuo movimento no qual o antecedente se supera e conserva no
precedente, se transformando, imediatamente, em um novo antecedente,
a ser novamente superado e conservado, e assim por diante, em um ciclo
interminável de crescente determinação. Por isso, interessa, sobremaneira,
um adequado entendimento desse conceito filosófico, tão popularmente
invocado.
O presente trabalho será desenvolvido em três partes. Inicialmente,
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contém uma apresentação geral e sintética sobre a noção de dialética no
transcorrer da história da Filosofia, apontando as quatro principais acepções
do termo, conforme leciona Abbagnano. Em seguida, realiza-se uma breve
referência ao contexto sócio-político em que Hegel estava localizado,
numa Alemanha que assistia às grandes revoluções européias do final do
século XVIII e ao crescimento da influência dos ideais Iluministas. Por
fim, será realizada uma tentativa de apresentar uma compreensão para o
sistema da dialética hegeliana.
2 NOÇÃO GERAL DE DIALÉTICA
O termo “dialética” não possui, na história da filosofia, uma
significação unívoca, tendo, ao longo do tempo, apresentado diferentes
acepções e inter-relações, não sendo possível, de tal modo, a construção
de um conceito comum. De qualquer forma, conforme Abbagnano (1999,
p. 269), podemos distinguir quatro significados fundamentais, decorrentes
das principais doutrinas que influenciaram a história da filosofia: a) a
dialética como método da divisão (Platão); b) a dialética como lógica do
provável (Aristóteles); c) a dialética como lógica (estóicos); e, por fim, d) a
dialética como síntese dos opostos (Hegel). Urge, neste ponto, brevíssimas
pinceladas sobre essas principais formas da dialética.
A dialética em Platão (método da divisão) constituía uma técnica de
investigação conjunta (um processo de diálogo), realizada por intermédio
da colaboração de duas ou mais pessoas, efetivamente comprometidas
com a busca da verdade, através da qual a mente, partindo das aparências
sensíveis, alcança as realidades inteligíveis (ideias). Para tal objetivo é
utilizado o método socrático de perguntar e responder, sendo composta de
dois momentos distintos. No primeiro, as coisas dispersas eram remetidas,
inicialmente, para uma idéia única, que permitia construir a sua definição,
a qual era comunicada a todos. No segundo, essa idéia era dividida de
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novo em suas espécies, seguindo suas interações naturais. Como aponta
Abbagnano (1999, p. 270), a dialética platônica “não é um método dedutivo
ou analítico, mas indutivo e sintético, mais semelhante aos procedimentos
da pesquisa empírica (...) do que aos procedimentos do raciocínio a priori
ou do silogismo”. A crítica à dialética platônica se localiza no risco do
relativismo, uma vez que o compromisso com certeza surge apenas em
última instância.
A dialética aristotélica (lógica do provável), por sua vez, dentro de
um contexto dialógico, é constituída de mero procedimento racional não
demonstrativo, cujo silogismo, ao invés de partir de premissas verdadeiras,
toma como ponto inicial premissas prováveis, geralmente admitidas – mas
sujeitas à refutação, pelo seu caráter eminentemente probabilístico de suas
ideias -, entendendo Aristóteles, como provável “o que parece aceitável a
todos, à maioria ou aos sábios, e, entre estes, a todos, à maioria ou aos mais
notáveis e ilustres” (ABBAGNANO, 1999, p. 271). A crítica existente estaria em que esta dialética não se ocuparia, como objetivo finalístico, da
verdade, mas, por ser essencialmente demonstrativa, tão somente do próprio processo argumentativo. Atualmente, a dialética aristotélica foi retomada por Perelman, em sua “nova retórica”, possuindo grande importância
no campo do Direito, uma vez que os silogismos jurídicos são dialéticos e
não analíticos, ou seja, a lógica jurídica não visa à demonstração formal,
mas à argumentação, através de provas dialéticas, objetivando o convencimento do juiz no caso concreto, independentemente da realidade subjacente, almejando a melhor decisão possível.
A terceira dialética, a mais difundida na Antiguidade e na Idade
Média, refere-se ao estoicismo, doutrina fundada principalmente por
Zenão de Cício (335-264a.C.), e evoluída por várias gerações de filósofos,
caracterizada por uma ética constituída por um sistema monístico, em que
a pessoa sábia é aquela que se conforma com a natureza, ou seja, de forma
desapaixonada, via aceitação, resignadamente, do destino. Esse homem
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sábio seria o único apto a experimentar a verdadeira felicidade, tendo, por
tal motivo, causado profunda influência na ética cristã. O ideal estóico,
de tal modo, estaria na apatia (apatheia), entendida como a ausência de
paixão, permitindo, como já aduzido, a aceitação das ações do cosmos
e da inexorabilidade da morte, tornando livre o homem. Os estóicos
identificaram a dialética “com a lógica em geral, ou, pelo menos, com a parte
da lógica que não é retórica” (ABBAGNANO, 1999, p. 272), entendendo-a
como “a ciência do discutir corretamente nos discursos que consistem em
perguntas e respostas” (ABBAGNANO, 1999 p. 272).
A quarta forma principal da dialética (como síntese dos opostos), que
encontra em Hegel seu principal expoente, será o efetivo objeto do presente
estudo, em que se pretende realizar uma exposição sintética da dialética
hegeliana, a qual compreende a realidade sensível como um dinâmico e
contraditório movimento, constituído por três distintos momentos, processo
esse que pode ser constatado tanto no pensamento humano como nos
fenômenos do mundo material.
3 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL DE HEGEL
A compreensão do pensamento filosófico de Hegel (1770-1831)
demanda o prévio conhecimento de seu contexto histórico específico,
caracterizado por um mundo em mutação.
Importante apontar que diversos dos princípios teóricos da filosofia
moderna foram defendidos pelo Iluminismo, servindo de suporte às
transformações políticas ocorridas na Idade Moderna, especialmente no
que tange ao absolutismo, o qual, fundado em um dado Direito Divino – do
soberano e da nobreza – estabelecia uma estratificação social imobilizada,
que veio a tolher o avanço capitalista da burguesia em ascensão que, por
ser juridicamente vinculada ao povo, não era beneficiada pelos privilégios
da nobreza.
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As revoluções liberais do final do século XVIII acarretaram profunda
modificação na ordem política, social, econômica e jurídica do mundo
ocidental, uma vez que a supra mencionada ascensão da burguesia rompeu
a lógica governamental anterior, impondo uma lógica econômica capitalista,
em que houve o fortalecimento dos Estados em que os interesses dessa nova
classe dominante eram preponderantes. Como resultado, a filosofia política,
influenciada por essa realidade transformadora, adotou novos paradigmas
jurídicos de sustentação dessa inovadora ordem sócio-política, defendendo
os ideais de liberdade, de igualdade, bem como de direitos naturais2 - não
criados pelo homem, mas pelo espírito natural, pela história -, inerentes ao
homem, que pudessem ser invocados contra o poder absoluto do governante.
Essa filosofia iluminista, evidentemente antiabsolutista, adotou como pontos
de maior importância a “igualdade de todos perante a lei e a ampla liberdade
de negócios” (MASCARO, 2002, p. 39).
Numa Europa marcada por revoluções, a experiência alemã
acompanhou de forma própria a vitória da burguesia e dos ideais iluministas,
uma vez que
não sendo ainda uma nação liberal, mas um grande
número de países em estado absolutista e com relações
próximas do feudalismo, o espírito alemão traz da
Revolução Francesa e do Iluminismo muito mais uma
inspiração filosófica, teórica, que propriamente um
pensamento para a ação prática (MASCARO, 2002,
p. 70-71).
Essa tendência foi referida por Marx e Engels na obra “Ideologia
Alemã”.
Ciente dessa perspectiva transformadora, Hegel construiu seu
pensamento centrado, tal como percebia em sua realidade concreta, na
questão da processualidade da história e da transformação, objetivando
2 O reconhecimento dos direitos naturais, universais e próprios a todos os indivíduos, era
uma necessidade da ordem burguesa que, pretendendo romper os paradigmas anteriores,
propagava a adoção de um único regramento, a ser aplicado tanto à nobreza, como à
burguesia e ao povo em geral.
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alcançar a compreensão das motivações e das formas das mudanças,
ou seja, percebia a filosofia como processualidade e historicidade3,
diferentemente de Kant (retoma a noção aristotélica, denominando-a
de “lógica da aparência”), para o qual “as questões filosóficas a serem
trabalhadas eram sempre compreendidas em termos de estruturas que se
assentavam aprioristicamente” (HEGEL, 2000, p. 72).
A filosofia Hegeliana, como aponta Mascaro, seria um típico
produto da tradição idealista alemã, tendo Hegel, no entanto, de forma
diversa de Kant, construído sua filosofia como uma dicotomia entre
o mundo da racionalidade e o mundo da realidade, apontado uma
“interligação necessária entre o plano da idéia e o plano da realidade”
(HEGEL, 2000, p. XXXVI e p. 73). Abandona, com isso, o tradicional
afastamento que havia entre o idealismo e a história, fazendo Hegel, assim,
“da filosofia um fator histórico concreto” (MARCUSE, apud MASCARO,
2002, p. 70-71), uma vez que o fato histórico, quando compreendido em
toda a sua diversidade, enfraquece e destrói o idealismo, de forma que, para
Hegel, a compreensão da história é a compreensão da razão e da realidade.
Afirma, ainda, que a realidade é a racionalidade e que a racionalidade é a
realidade; realizou uma grande transformação em seu mundo, nitidamente
vinculado à tradição idealista, visto que, mais uma vez diferentemente de
Kant, entendia o primeiro que a “realidade histórica vai conformando sua
própria razão, concretizando-a” (MASCARO, 2002, p. 76). A superação da
tradição dicotômica entre sujeito e objeto, reconhecendo-se a possibilidade
de se estabelecer um relacionamento entre a filosofia e a realidade concreta,
uma total e necessária identificação do real e com o racional (HEGEL,
p. XXXVI), abriu um extraordinário mundo de perspectivas à filosofia, a
3 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. XXXVII: “No que se refere aos indivíduos, cada um é filho do
seu tempo; assim também para a filosofia que, no pensamento, pensa o seu tempo. Tão
grande loucura é imaginar que uma filosofia ultrapassará o mundo contemporâneo como
acreditar que um indivíduo saltará para fora do seu tempo, transporá Rhodus. Se uma
teoria ultrapassar estes limites, se construir um mundo tal como entenda deva ser, este
mundo existe decerto, mas apenas na opinião, que é um elemento inconsciente sempre
pronto a adaptar-se a qualquer forma”.
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qual se destina a desvendar “o que é”, “porque o é” e “a razão”.
Um dos alicerces de Hegel para a compreensão da identificação
entre a racionalidade e a realidade está no seu conceito de totalidade, que
pressupõe um amplo entendimento destas, sendo que o conhecimento
da história torna-se possível apenas pela devida percepção do real e do
racional, através tanto dos instrumentos da lógica como de gnose da
realidade (HEGEL, 1998, p. 208).
A ética de Kant era assentada no dever-ser, aspecto idealista
proveniente dos imperativos categóricos apriorísticos, enquanto que Hegel
construiu sua teoria sobre o “ser” e o “real”, diluindo o dever-ser no ser, de
modo que “o que é deve ser” (MASCARO, 2002, p. 76). Como resultado,
a noção de justiça em Kant é idealista, enquanto que em Hegel é real e
histórica.
Como resultado do pensamento hegeliano, o tradicional idealismo
alemão perde força e se transforma.
4 DIALÉTICA EM HEGEL
Como referido anteriormente, a processualidade e a historicidade
- ou seja, o processo histórico de transformação das coisas – conferem
substância ao fundamento filosófico do pensamento hegeliano, sendo que
o modo pelo qual opera, na história, a mudança constitui a sua dialética.
Refere-se, novamente, como realizado no início da presente
exposição, que a Filosofia, desde a tradição grega, se debruçou sobre a
problemática da dialética, notadamente Platão e Aristóteles, conferindolhe, no entanto, sentido específico, diferente do peculiar conteúdo
modernamente conferido por Hegel. A dialética grega era, inicialmente,
a arte do diálogo, tendo se transformado, posteriormente, na arte de,
através do diálogo, realizar a demonstração de uma determinada tese
por intermédio de uma argumentação apta a possibilitar a clara e precisa
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definição e consequente distinção dos conceitos envolvidos na discussão
realizada. Em síntese, a dialética grega continha um conflito ideal entre
argumentos (MASCARO, 2002, p. 76), que podia ser reduzida “à mera
exposição formal das regras do pensar” CIOTTA, 1994, p. 9) correto, o que
ocasiona a separação entre o sujeito e o objeto (CIOTTA, 1994, p. 9)4.
Na concepção hegeliana, a dialética então proposta não mais
seria, como antes, um processo cognoscente humano tendente a
solucionar conflitos estabelecidos entre dois conceitos aparentemente
opostos. Essa tradição aristotélica, de cunho tomista – utilizada, inclusive,
por Kant – compreendia que essa aparente oposição de conceitos seria
resolvida pela mediação argumentativa. É por esse motivo que a dialética
grega tradicional constitui um processo essencialmente argumentativo,
cuja solução se dá pela revelação das eventuais oposições existentes. É
exatamente nesse ponto que se estabelece a confusão hoje adotada pelo
senso comum, qual seja, entender a dialética hegeliana como expressão da
tradição filosófica aristotélica, limitando sua compreensão a mero processo
de solução de conflitos argumentativos.
A inovação introduzida pela dialética hegeliana está na compreensão de que o conflito entre os opostos – tese e antítese – não é ideal, mas
real, “tanto no plano de sua efetividade quanto no de sua racionalidade,
pois o real e o racional se confundem” (MASCARO, 2002, p. 78). A superação desses conflitos, na síntese hegeliana, não representa, como na lógica
formal, uma correção no conteúdo dos argumentos utilizados, mas, diferentemente, um outro momento – em que o próprio conflito se transmuta
para um novo patamar, pela negação da negação da tese, produzindo, na
4 “A lógica formal limita-se a apresentar as regras do pensar correto e com isso separa
o sujeito do objeto. Refere-se somente ao campo do conhecimento. Nesse domínio, o
pensamento elabora seus próprios instrumentos (conceitos), que assumem uma validade
universal, dado que seu caráter puramente formal independe do tempo e do espaço;
referem-se exclusivamente ao campo do conhecimento. É com estes recursos que o
pensamento tem acesso aos diferentes domínios do conhecimento. Por um lado tem-se o
sujeito e por outro o objeto ao qual se aplica de forma exterior os conceitos elaborados
pelo pensamento. Neste caso, o conhecimento é a correspondência entre a representação
do objeto no intelecto e o objeto que está fora do pensamento”.
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história, algo novo, não dado previamente –, cujo surgimento ou definição,
ressalta-se, não decorre de procedimentos ideais, mas de uma superação
original, na qual se perfaz o processo histórico.
Adialética em Hegel não seria, assim, “um mero recurso metodológico,
ou seja, um instrumento do pensamento para o conhecimento” (CIOTTA,
1994, p.9), inexistindo, em sua abordagem, a dita separação entre o sujeito e
o objeto, entre a lógica e a ontologia5, tal como na lógica formal aristotélica,
visto serem aqueles inseparáveis, interdependentes e reciprocamente
constituintes (CIOTTA, 1994, p. 10) – “um não é o que é sem o outro”
-, admitindo que “por detrás de toda a multiplicidade existente há uma
unidade última-primeira que congrega sujeito e objeto” (CIOTTA, p. 10),
unidade essa dada pela razão, não dependente de nenhum fundamento
exterior a si mesma, não sendo, de tal modo, “derivada de nada e por isso
constitui-se em fundamento de todas as coisas” (CIOTTA, 1994, p. 11).
A identidade entre lógica e ontologia decorreria, em seu pensamento, de
um constante devir, do “movimento imanente do ser e do conceito no seu
desenvolvimento” (CIOTTA, 1994, p. 11).
A grande contribuição do pensamento filosófico de Hegel se dá
exatamente na tentativa de construção de uma alternativa às barreiras
impostas pelos limites da compreensão, através de um sistema no qual “os
próprios conceitos são a tradução viva e orgânica do movimento (devir)
constitutivo, não só das regras do pensar correto, mas do próprio ser”
(CIOTTA, 1994, p. 11). Ou seja, a excepcionalidade de Hegel está em
propor uma “nova compreensão sistêmica tanto do ser quanto do pensar”,
fundada em uma “exposição da realidade como um todo orgânico mediante
o qual os conceitos são traduções efetivas do movimento do seu devir nos
distintos momentos de mediação” (CIOTTA, 1994, p. 11).
Importante acrescentar que a dialética hegeliana não importa na
5 A dialética hegeliana não separa a lógica, enquanto campo das leis do pensamento, da
ontologia, como reino do ser, da mesma forma que não difere método de conteúdo,
diferentemente da antiga ontologia e da metafísica, as quais entendiam haver uma
separação estanque entre o mundo dos objetos e o mundo do pensamento.
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exclusão dos princípios aristotélicos da identidade e da contradição, mas,
num novo contexto, os supera e conserva no único princípio da dialética,
reconhecendo que as coisas são, em si, contraditórias e inacabadas, estando
sujeitas a um permanente devir, num “movimento de diferenciação que
põe sempre novas determinações” (CIOTTA, 1994, p. 12).
De tal modo, a contradição não seria decorrente de um equívoco
racional, mas de um princípio natural do ser, que o impulsiona,
constantemente, a novos parâmetros de determinação, em que há a superação
das contradições anteriores e o estabelecimento de níveis de determinação
crescentemente concretos. Em outras palavras, a contradição, por não ser
uma falha do sujeito que conhece, mas princípio constitutivo tanto do ser
quanto do pensar, não estabelece uma barreira a ser superada, por uma
melhor compreensão, entre o pensamento e a realidade, constituindo,
em realidade, “a força que sustenta a vida sempre renovada nos distintos
modos e momentos do ser” (CIOTTA, 1994, p. 13).
Da mesma forma, o princípio dialético hegeliano apresenta ao
princípio da identidade uma significação diversa da conferida pela lógica
formal. Para esta, haveria uma separação definida entre o pensamento e
a coisa pensada, de modo que seria possível abstrair desta seu conteúdo,
possibilitando uma identidade puramente lógica entre o conceito e a coisa,
em que o pensamento repetiria a coisa na forma do conceito -, uma vez
que o caráter constitutivo da contradição do ser e do pensar torna as coisas
idênticas e, ao mesmo tempo, diversas, em face ao permanente movimento
de transformação a que estas estão sujeitas. Importante compreender que
Hegel junta a forma e o conteúdo, conceitos separados pela lógica formal,
uma vez que, para ele, “apreender a coisa na forma do conceito consiste
pois em percorrer o movimento de determinação da coisa que passa da
identidade à diferença de si mesma” (CIOTTA, 1994, p. 13).
Há, portanto, a superação da dualidade da lógica formal aristotélica,
pela lógica dialética hegeliana, ao reunir esta a forma e o conteúdo, sendo
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superada a linearidade da primeira pelo princípio da circularidade (automovente-que-se-move-a-si-mesmo) da segunda (CIRNE-LIMA apud
CIOTTA, 1994, p. 14)6, num movimento de determinação que passa do
Ser ao Nada e do Nada ao Ser que é o Devir, ou seja, num movimento
de mediatização do imediato (determinação), em que o Devir constitui a
unidade do Ser e do Nada (primeira tríade da dialética hegeliana).
Urge esclarecer que a passagem do Ser ao Nada, mediante o Devir,
não ocorre como um “salto no vazio”, no dizer de Ciotta (1994, p. 17), mas
como uma mediação, numa concepção com significância de superação,
guarda e conservação em nível superior (Aufhebung), com o atingimento
de níveis cada vez mais determinados de conteúdo.
Por fim, o mencionado “Aufhebung” deve ser compreendido como
um processo em constante superação do que veio preteritamente, sem, no
entanto, a eliminação dos elementos a ele anteriores, uma vez que seu fim,
ao contrário, é a constituição de “momentos de mediação que carregam
consigo todos os momentos anteriores para guardá-los e conservá-los num
nível superior de determinação” (CIOTTA, 1994, p. 18).
6 “A passagem de Aristóteles para Hegel faz-se pela circularidade ou reflexão, pela flexão
que volta para trás para reencontrar-se consigo mesma. Pois no pensamento aristotélico
todas as coisas, toda lógica, toda a linguagem baseiam-se, em última análise, no primeiro
movente imóvel. O princípio, o primeiro fundamento, a ‘arkhé’ de tudo e de todos é a
imobilidade eterna do primeiro movente imóvel. O imóvel é o não-movido. Em Hegel,
o primeiro e o último princípio não é o não-movido, mas o auto-movido. A passagem do
negativo, o não-movido, para a reflexão do auto-movente-que-se-move-a-si-mesmo é a
chave de compreensão do pensamento de Hegel, é a diferença entre o sistema lógicoanalítico de Aristóteles e o sistema lógico-dialético de Hegel”.
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5 CONCLUSÃO
Em suma, a dialética concebida por Hegel, como processo de entendimento
do mundo (DUJOVNE, p. 85)7, superando os limites da dialética tradicional
grega, procurou realizar a percepção racional e filosófica do mundo, além de
compreender a forma do desenvolvimento histórico da realidade (MASCARO,
2002, p. 78-79)8, de forma que, ilustrativamente, o indivíduo, num primeiro
momento, percebe o conflito existente e compreende, racional e dialeticamente,
a realidade em que esse conflito está inserido, passando, por fim, à cognição da
razão associada a este ser (SCHEIBLER, 1984, p. 22-23)9. Windelband (apud
DUJOVNE, p. 85) assim expõe o método dialético hegeliano:
7 “En la concepción de Hegel, la dialéctica es una teoría de la evolución de aquello que
el hombre quiere conocer y es un método de conocimiento. La evolución de lo que se
conoce, o, mejor dicho, lo conocido como evolución, se explica por el pensamiento
dialéctico, que es un pensamiento que se rige por unos princípios que no son de la
‘lógica antigua’ o ‘formal’. Los princípios de esta última lógica son: el de identidad,
el de contradicción y el del tercero excluído. El método dialéctico de pensar importa
em rechazo de estos três princípios estrechamente ligados entre ellos. Y así es porque
niega al principio de contradicción, que resume tambiém a los otros dos y que expresa
que ninguna cosa puede encerrar em si misma su própria contradicción. Para Hegel,
conforme lo declara em el segundo tomo de la Ciencia de la Lógica, ‘todas las cosas son
em si contradictorias’. Es decir, entonces, que lo ‘simple e immediato’ que puede ser
pensado según los princípios de la lógica formal, solo representa una imagen estática, o
un momento visto como estático, del processo de cambio próprio de lo que encierra en
si contradicciones”.
8 “No entanto, é também processo de desenvolvimento histórico do mundo. A realidade,
pois, tem em si, essencialmente, o elemento da contradição. Nisso Hegel se inscreve na
tradição filosófica do conflito, do qual o próprio Heráclito foi expoente nos pré-socráticos.
Essa contradição move o processo histórico de tal forma que sua manifestação sintética,
que supera os conflitos, faz por tornar a razão e a realidade momentos absolutos, em que
a consciência definitivamente concilia e identifica o racional com o real. Na contradição,
razão e realidade estão afastadas, contratando-se. Na síntese, razão e realidade estarão
conciliadas”.
9 “Hegel viveu a derrocada de um mundo e o surgir de outro; razão, por vezes, do abalo de
suas próprias idéias. Esse processo é coerente com a diretriz geral de sua dialética, a qual
considera o mundo em fluxo como um estágio de evolução: cada um de seus momentos
contém os precedentes, de onde se origina; e cada momento supera os momentos
anteriores de tal modo que se aproxima sempre mais da perfeição. Tal processo evolutivo
constitui o progresso. Esse progresso não é linear, porém dialético. Faz da dialética
uma poderosa arma que pode ser usada para retorcer uma idéia em seu oposto. Aliás,
Hegel concebe-a em ampla medida com finalidade de perverter as idéias de 1789. É que
ele está convicto de que a Revolução Francesa resultou da filosofia; cabendo-lhe, por
isso, a tarefa imediata do contra-impulso. Faz do drama do mundo o seu próprio drama.
A dupla face está sempre presente no processo dialético: cada passo novo contém os
passos anteriores e os conserva, sem quebra de continuidade. Porém esta conservação é
um ato de revogação. O que se torna ser por esse processo dialético tem a sua realidade
isolada anulada. A existência finita perece e dá lugar a novas formas mais perfeitas.
Conforme o sistema dialético, o espírito absoluto realiza o seu caminho; pois o Espírito
Absoluto tem como destinação nascer sempre de novo para a objetividade”.
Rev. Estudos Legislativos, Porto Alegre, ano 7, n. 7, p. 167-184, 2013
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A DIALÉTICA HEGELIANA: UMA TENTATIVA DE COMPREENSÃO
Las contradicciones son la esencia de la realidad, pero
la realidad contiene al mismo tiempo su conciliación.
Todo, concepto se transforma por necesidad
metafísica en su contrario, pero de la sínteses de los
opuestos resulta el concepto superior de su unión; de
ésta se desarrolla su vez el mismo proceso y este se
continúa hasta la síntesis final y suprema.
A dialética hegeliana, assim, permite a realização de uma ligação
entre o real e o racional, onde a síntese construída “é um processo de
plenificação do absoluto, e este absoluto é a identificação plena entre real
e racional” (MASCARO, 2002, p. 79).
Não podemos deixar de apontar, neste ponto, que o hegelianismo,
por estar inserido na tradição idealista alemã, construiu uma dialética
essencialmente idealista, por entender que esta é movida, no processo
histórico (WOHLFART, 2002), pela ideia, ou seja, de que o “entendimento
dialético é processo da racionalidade humana” (MASCARO, 2002, p. 79)
e que o processo histórico de transformação da realidade se faz por meio da
racionalidade (ALTHUSSER apud MASCARO, 2002, p. 79).
O método dialético constitui um processo de descobrimento do real
que adota, como ponto de partida, o elemento mais abstrato e imediato,
sendo construído por determinações continuamente aprimoradas, ou seja,
por “estruturas de totalidade que vão se sucedendo durante a história e de
um conjunto de totalidades que subsistem num mesmo contexto histórico,
sendo englobados e significados por uma universalidade maior e última”
(WOHLFART, 2002)10.
Althusser, citado por Mascaro (2002, p. 79), apresenta interessante
crítica à concepção hegeliana da história como processo dialético, afirmando
10“Neste sentido, seguimos o processo, por um lado, rigorosamente sistemático e, por
outro, sempre inovador e imprevisível do trabalhoso engendramento do conceito,
constituindo o sistema do real organicamente construído. Esta necessária inclusão das
determinidades neste esquema lhes proporciona uma identidade real, ao mesmo tempo
que inseridas no conjunto. Neste contexto, a tarefa do conhecimento caracteriza-se pela
identificação da especificidade das coisas e pela reconstrução das coisas em sua unidade
fundamental”.
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Rev. Estudos Legislativos, Porto Alegre, ano 7, n. 7, p. 167-184, 2013
A DIALÉTICA HEGELIANA: UMA TENTATIVA DE COMPREENSÃO
ser teleológica a concepção da dialética hegeliana, especialmente no
tocante à Aufhebung (ultrapassagem-conservando-o-ultrapassado-comoultrapassado-interiorizado), a qual se “expressa diretamente na categoria
hegeliana da negação da negação (ou negatividade)”, pois a dialética
hegeliana é, ela também, teleológica nas suas estruturas, uma vez que a
“estrutura chave da dialética hegeliana é a negação da negação, que é a
própria teleologia, idêntica à dialética” 11.
Em síntese, a “dialética em Hegel deve, pois, ser entendida como
uma constante negação onde o ser negado não é eliminado, destruído,
mas sempre remetido a uma nova síntese pela mediação da própria
contradição da qual é portador imanente” (CIOTTA, 1994, p. 18). Como já
exposto anteriormente, a superação desses conflitos, na síntese hegeliana,
não representa, como na lógica formal, uma correção no conteúdo dos
argumentos utilizados, mas, diferentemente, um outro momento, em que
o próprio conflito se transmuta para um novo patamar, pela negação da
negação da tese, produzindo, na história, algo novo, não dado previamente,
cujo surgimento ou definição, ressalta-se, não decorre de procedimentos
ideais, mas de uma superação original, na qual se perfaz o processo
histórico.
A pretensão do presente estudo foi realizar uma breve exposição das
linhas gerais do sistema lógico-dialético de Hegel, o qual estabeleceu uma
ligação necessária entre os mundos da racionalidade e da realidade, não sendo
intenção a construção de uma definição para o termo “dialética”, mas tãosomente apontar algumas de suas principais características. Seu conteúdo,
em que pese sua extrema síntese, permite constatar a diferença existente
entre os sistemas hegeliano e aristotélico, revelando a impossibilidade
de sua confusão: quando utilizamos silogismos argumentativos, onde
11“Quando criticamos a filosofia hegeliana da História por ser teleológica, na medida em
que desde as suas origens ela persegue um objetivo (a realização do Saber absoluto),
quando por conseguinte recusamos a teleologia na filosofia da história, mas quando
ao mesmo tempo, retomamos tal e qual a dialética hegeliana, caímos numa estranha
contradição!”.
Rev. Estudos Legislativos, Porto Alegre, ano 7, n. 7, p. 167-184, 2013
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A DIALÉTICA HEGELIANA: UMA TENTATIVA DE COMPREENSÃO
o objetivo finalístico é a persuasão, o convencimento do interlocutor ou
de terceiros, estamos, em realidade, empregando a dialética aristotélica,
utilizada cotidianamente no campo do Direito.
Nesse sentido, Arthur Schopenhauer possui formidável obra
intitulada “Como vencer um debate sem precisar ter razão“, na qual analisa
a possibilidade de ser estabelecida, através de mais de vinte diferentes
estratagemas, uma manipulação persuasiva do raciocínio criando-se um
efeito de verossimilhança em que são indevidamente confundidos opinião
e fato.
Assim, as formas de raciocínio retórico - em que se almeja um efeito
argumentativo ou, em outras palavras, um uso persuasivo da linguagem
- são estudadas pela filosofia da linguagem sob o rótulo de “falácias não
formais” (argumentos de crença), ganhando tal denominação por serem
fundadas em um “conjunto de crenças e opiniões intuitivamente (ou
ideologicamente) aceitas” (WARAT, 1994, p. 155), sendo esses raciocínios,
no entanto, desprovidos de rigor lógico12. De tal modo, por ser possível a
utilização de silogismos erísticos no sistema da lógica formal aristotélica –
em que as proposições não são verdadeiras, mas aparentam sê-lo - jamais
podemos denominar o resultado desse conflito de “síntese”, pois lhe falta
o elemento fundamental estabelecido por Hegel: possuir uma sempre
crescente e superior determinação.
12 Na visão de Warat, as falácias não formais seriam “um conjunto estereotipado de formas
metodológicas que funcionam como princípios de inteligibilidade dos raciocínios
persuasivos” (1994, p. 156), em outras palavras, “um repertório de lugares persuasivos
com os quais se pretende indicar as maneiras em que se trabalham as opiniões
generalizadas ou crenças” - formas ideológicas do senso comum – “para conseguir que
cheguem a ser aceitos” como logicamente demonstrados pontos de vista em realidade
não demonstrados. Importante acrescentar que, atuando o efeito de persuasão no âmbito
das crenças e valores ideologicamente determinados, o processo de adesão ao discurso
falacioso dá-se, frequentemente, de forma totalmente inconsciente. As falácias não
formais, assim, são raciocínios argumentativos que, para alcançarem a persuasão e
consequente adesão do receptor ao discurso proferido, lançam mão de valores, crenças
ou intuições ideologicamente respaldadas. A mecânica não textual da construção dessa
espécie de falácia dá-se pela inserção, no discurso, através de associações evocativas,
de afirmações não demonstradas, mas que tenham a aparência de pertencerem a um
“domínio conotativo comunitariamente aceito” (WARAT, 1994, p. 157).
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Rev. Estudos Legislativos, Porto Alegre, ano 7, n. 7, p. 167-184, 2013
A DIALÉTICA HEGELIANA: UMA TENTATIVA DE COMPREENSÃO
Diversamente, a dialética hegeliana se estabelece dentro de um
sistema de compreensão da realidade, diante de um processo em contínuo
movimento no qual o antecedente (tese) se supera e conserva no precedente
(antítese), se transformando, imediatamente, em um novo antecedente
(síntese), a ser novamente superado e conservado, e assim por diante, em
um ciclo interminável de crescente determinação.
A inovação introduzida pela dialética hegeliana está na compreensão
de que o conflito entre os opostos - tese e antítese - não é ideal, mas real,
e que a superação dessa disputa não representa, como na lógica formal,
uma correção no conteúdo dos argumentos utilizados, mas um outro
momento, em que o próprio conflito se transmuta para um novo patamar,
pela negação da negação da tese, produzindo, na história, algo novo, não
dado previamente, cujo surgimento ou definição, ressalta-se, não decorre
de procedimentos ideais, mas de uma superação original, na qual se perfaz
o processo histórico.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins
Fontes, 1999
BACK, João Miguel. Estado e Liberdade em Hegel: limites e abrangência.
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Filosofia. PUCRS, março
de 1998.
CIOTTA, Tarcílio. Hegel: A fundamentação ética do Estado. Dissertação
para obtenção do Grau de Mestre em Filosofia. PUCRS, novembro de
1994.
DUJOVNE, Leon. La filosofia del derecho de Hegel a Kelsen. Buenos
Aires: Bibliografica Omeba.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. Parte II.
Petrópolis: Vozes, 1998, p. 208.
Rev. Estudos Legislativos, Porto Alegre, ano 7, n. 7, p. 167-184, 2013
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A DIALÉTICA HEGELIANA: UMA TENTATIVA DE COMPREENSÃO
_____. Princípios da Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução à Filosofia do Direito – Dos
Modernos aos Contemporâneos. São Paulo: Atlas, 2002, pp. 70-71.
SCHEIBLER, Selma Amália. A teoria do Estado em Hegel (na perspectiva
da Filosofia do Direito). Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Filosofia. PUCRS, 1984.
WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito – Interpretação da lei:
temas para uma reformulação. Porto Alegre: Fabris Editor, 1994.
WOHLFART, João A. A estrutura e a exposição do método dialético em
Hegel. Filosofazer, Passo Fundo. ano XI, n.º 20, 2002/I.
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