Justiça manda maçonaria devolver doação ilegal

Transcrição

Justiça manda maçonaria devolver doação ilegal
Vistos etc.
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual em face do Estado de
Mato Grosso e do Grande Oriente do Mato Grosso - GOE/MT, com pedido de declaração de
nulidade do Convênio nº 001/2003, firmado entre eles e que viabilizou a liberação de verba
pública ao Grande Oriente de Mato Grosso, por entender que o referido ato administrativo
contrariou dispositivos constitucionais e legais.
Relata o Autor que, por meio do Inquérito Civil - Geap nº 000347-023/2009 (Portaria nº
003/2010), constatou-se que, em novembro de 2002, no decorrer da votação do projeto de Lei
Orçamentária Anual (LOA) para o ano de 2003, foi aprovada emenda parlamentar de nº
44/2002, por força da qual deslocou-se a importância de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) da
verba publicitária da Secretaria de Estado de Planejamento-SEPLAN e da Secretaria de Estado
de Comunicação – SECOM, com vistas a colaborar na construção da sede da Loja Maçônica,
localizada na Av. Historiador Rubens de Mendonça, nº 4733, nesta cidade, cujo edifício
recebeu o nome de “Palácio da Paz”.
Assevera que, a partir daí o Estado de Mato Grosso e o Grande Oriente do Mato Grosso –
GOE/MT firmaram o mencionado convênio nº 001/2003, que fixou, em síntese, o objeto do
acordo, o modo e prazo de repasse da verba, o valor de uma contrapartida e, por fim, o dever
de prestar contas.
Cumprindo o acordo, a verba foi liberada e a prestação de contas apresentada
oportunamente, quando foram informados os gastos de R$ 123.258,28 (cento e vinte e três
mil, duzentos e cinquenta e oito reais e vinte oito centavos) com a aquisição de materiais de
construção; R$ 77.071,62 (setenta e sete mil e setenta e um reais e sessenta e dois centavos)
com estrutura metálica e, finalmente, R$ 112.925,37 (cento e doze mil, novecentos e vinte
cinco reais e trinta e sete centavos) com mão-de-obra.
Sustenta que, das investigações envidadas, concluiu-se que a liberação de verba pública
estadual para construção do templo maçônico feriu a Lei Federal nº 4320/64 e a Lei
Complementar nº 101/2000, violou princípios constitucionais e causou considerável dano ao
erário, motivo pelo qual, pleiteia a anulação do referido ato e o ressarcimento dos prejuízos
sofridos pelos cofres públicos.
Ao final, pleiteia o autor a procedência dos pedidos para anular o Convênio nº 001/2003, a
condenação do Grande Oriente do Mato Grosso – GOE/MT no dever de ressarcir aos cofres
públicos o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), recebidos irregularmente do Estado de
Mato Grosso, devidamente corrigidos e a consequente condenação dos réus ao ônus da
sucumbência.
Finaliza o autor prequestionando a matéria legal e constitucional envolvida na causa.
Com a inicial vieram acostados os documentos de fls. 029/994.
Os réus foram devidamente citados às fls. 999 e 1020, respectivamente.
O Estado de Mato Grosso contesta a ação (fls. 1.000/1.010), defendendo a legalidade do
Convênio nº 001/2003, primeiro porque o repasse efetuado atendeu ao disposto no artigo 26
da Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo porque não há indícios de que os recursos
repassados ao co-réu tenham sido desviados para outra finalidade, nos termos da Lei Estadual
aprovada.
Ressalta a existência de Lei Estadual Orçamentária nº 7.880/02 para o exercício de 2003, que
autorizou o citado repasse, por meio de dotação “auxílio a entidades assistenciais e clubes de
serviço”, ou seja, que a referida subvenção foi endereçada a entidade sem fins lucrativos.
Alega que também dão base legal ao referido convênio a Lei 4.320/64 (art. 19) e a Lei Estadual
7.711/2002 (art. 25), além do fato do Grande Oriente de Mato Grosso ser entidade filantrópica
e reconhecida como de utilidade pública (Leis Estaduais nº 5.411/88 e 7.691/2002).
Igualmente, para embasar a tese da legalidade, colaciona voto proferido em consulta levada
ao Tribunal de Contas do Estado, que considerou regular o repasse de valores efetuados pelo
Município de Campo Verde ao Sindicato Rural daquele Município para a realização da VII
Expoverde.
Finalmente, pleiteia a improcedência dos pedidos vertidos nos autos, uma vez que o ato
administrativo atacado é legal, ausente qualquer dano ao erário e porque os réus agiram em
perfeita consonância com a legislação constitucional e complementar, não havendo prova de
que o Estado de Mato Grosso tenha praticado atos contrários à lei.
Acompanham a contestação os documentos de fls. 1.011/1.017. Outros documentos foram
trazidos às fls. 1095/1419.
O requerido Grande Oriente de Mato Grosso, por sua vez, em sede de contestação (fls.
1.021/1033), consignando não restar a menor dúvida de que a presente ação não merece
prosperar; alega, em síntese, a legalidade do Convênio nº 001/2003 por atender às exigências
previstas na Lei Complementar nº 101/2000 e na Lei Estadual nº 4.320/64, bem como, aos
princípios constitucionais da Moralidade Administrativa e da impessoalidade. Por ser ato
jurídico perfeito e acabado e em face ao princípio da Segurança Jurídica.
Acompanham a contestação os documentos de fls. 1034/1051. Posteriormente, o réu trouxe
aos autos documentos alusivos à legislação vigente que subsidiou sua defesa (1052/1093).
Impugnação às contestações rechaçando os fundamentos das respectivas defesas (fls.
1420/1428), bem como, aduzindo a intempestividade da defesa firmada pelo Grande Oriente
de Mato Grosso.
É o relato do necessário. Decido.
Analisando as alegações e documentos apresentados por ambas as partes, entendo que a
produção de provas, além das já existentes nos autos, é desnecessária, motivo pelo qual se
impõe o julgamento antecipado da lide, conforme o art. 330, inciso I do Código de Processo
Civil.
Não há preliminares a serem decididas. Imperiosa, tão-somente, a análise da tese do
Ministério Público acerca da intempestividade da contestação firmada pelo réu Grande
Oriente de Mato Grosso e do pedido de desentranhamento da peça de defesa e documentos
juntados às fls. 1034/1051 e 1052/1093.
Segundo o Parquet, em peça de impugnação de fls. 1420/1428, a juntada aos autos do
mandado de citação do referido réu deu-se no dia 20/10/2011 (quarta-feira), razão pela qual o
prazo para contestação, em dobro (30 dias), findou-se em 19/11/2011 (sexta-feira),
entretanto, o réu somente protocolizou sua defesa em 23/11/2011 (fl. 1021).
A certidão de fl. 1094 dá conta da tempestividade de aludida defesa, entretanto,
posteriormente, foi certificada, acertadamente, a intempestividade (fl. 1429).
As anotações da juntada de mencionado mandado de citação positivo e o rosto da peça de
defesa do réu Grande Oriente de Mato Grosso confirmam os fatos trazidos à tona pelo
Ministério Público, merecendo, assim, guarida.
Destarte, decreto a revelia do réu Grande Oriente de Mato Grosso. Contudo, deixo de aplicar
os efeitos previstos no art. 319 do Código de Processo Civil em razão de o outro integrante do
pólo passivo ter contestado o pedido, de modo que somente incidirá sobre este os efeitos do
art. 322 do Estatuto Processual.
Quanto ao pedido de desentranhamento da contestação (fls. 1021/1033) e documentos que a
acompanham (fls.1034/1051), não merece guarida, senão vejamos:
É incontroverso que a apresentação da contestação deu-se de forma extemporânea. Todavia,
desnecessário o seu desentranhamento, tampouco das peças que a acompanham, visto que,
de acordo com o Parágrafo único do artigo 322 do CPC, ao revel é dado o direito de intervir no
processo em qualquer fase, contudo, recebendo-o no estado em que se encontra.
Sobre o tema:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANOS ECONÔMICOS. AÇÃO DE COBRANÇA. EXPURGOS
INFLCIONÁRIOS. INTEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO. REVELIA. A decretação da revelia,
pela intempestividade da contestação, não implica, necessariamente, no desentranhamento
da peça contestatória. Assim, diante da inteligência do artigo 322, parágrafo único, do CPC, em
que permite a intervenção do réu nos autos a qualquer tempo, a contestação deve ser tomada
como simples manifestação da parte ré em face da livre apreciação da prova pelo juiz.
AGRAVO PROVIDO (Agravo de Instrumento Nº 70037113206, Segunda Câmara Especial Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernando Flores Cabral Junior, Julgado em 25/08/2010)”
AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEPARAÇÃO JUDICIAL. AÇÃO DE PARTILHA DE BENS. REVELIA.
EFEITOS. DESENTRANHAMENTO. DA CONTESTAÇÃO. DESNECESSIDADE. A intempestividade da
resposta do réu implica em decretação de sua revelia. Não configurada a exceção do art. 320,
II, do CPC, por se tratar de ação de partilha de bens, na qual se discute direitos patrimoniais. A
presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial, no entanto, é relativa. Embora
reconhecida a revelia, é desnecessário o desentranhamento da contestação, que poderá
permanecer nos autos como simples manifestação do réu. Ausência de previsão legal no
desentranhar. Os efeitos da revelia são aqueles previstos nos arts. 319 e 322 do CPC,
descabendo a imposição de qualquer outra sanção. AGRAVO DE INSTRUMENTO
PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70038292751, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 20/08/2010)”
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL.
CONTESTAÇÃO. DESENTRANHAMENTO. A apresentação extemporânea da contestação não
induz, por si só, ao desentranhamento daquela peça. O revel tem o direito de intervir nos
autos a qualquer tempo, considerando que a revelia importa na veracidade dos fatos alegados,
não impedindo a discussão da causa. Inteligência do art. 322, parágrafo único, CPC. DADO
PROVIMENTO, em decisão monocrática. (Agravo de Instrumento Nº 70037713427, Primeira
Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Balson Araújo, Julgado em
29/07/2010).”
Do mesmo modo não merece amparo à pretensão de desentranhamento dos documentos
juntados às fls. 1052/1093 (Cópia do convênio de cooperação mútua firmado entre os réus e
os textos “secos” das Leis 4.320/64, 5.411/88 e 6.072/92), pois em nada podem causar
prejuízo ao autor.
Diante do exposto, indefiro o pedido formulado pelo Ministério Público, para determinar a
permanência nos autos da contestação e dos documentos por ela juntados.
Retornando ao tema sub judice, consigne-se, por oportuno, que a questão de mérito deste
feito é eminentemente de direito, vez que os réus, em suas defesas, não negam os fatos
trazidos pelo autor, sequer serem maçons o deputado estadual autor da Emenda Parlamentar
nº 044/2002 e a pessoa que assinou o Convênio nº 001/2003, possibilitando a liberação da
verba.
A controvérsia versa a legalidade ou não do Convênio nº 001/2003, mais precisamente,
consiste em saber se a transferência do dinheiro pelo Estado ao segundo requerido é legal ou
ilegal, constitucional ou inconstitucional.
Após a aprovação da Emenda Parlamentar nº 44/2002, proposta no decorrer da votação do
projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA-2003 – Lei nº 7880/2002) para o ano de 2003, o
Governo do Estado procedeu à transposição de recursos alocados como verba publicitária da
Secretaria de Estado de Planejamento – SEPLAN e da Secretaria de Estado de Comunicação –
SECOM, para o segundo réu. O Convênio nº 001/2003, firmado entre o Estado de Mato Grosso
e o Grande Oriente de Mato Grosso, foi o instrumento formal que permitiu o repasse de verba
pública daquele em favor deste, no importe de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).
Enfatiza o autor que aludida liberação de verba pública estadual para construção do Templo
Maçônico feriu a Lei nº 4320/64 e a Lei Federal nº 101/2000, violando princípios
constitucionais e causando considerável dano ao erário.
Consigna ser requisito essencial de qualquer despesa pública, inclusive a destinação de verbas
a entidades privadas, que o dinheiro repassado atenda ao interesse público, seja ele primário
(da comunidade como um todo) ou secundário (interesse do Estado), tendo a Lei
Complementar Federal nº 101/2000 acrescido requisitos formais à destinação de qualquer
espécie de recursos do erário, fixando em seu artigo 26, que “a destinação de recursos para,
direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas
deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes
orçamentárias e estar prevista no orçamento, ou em seus créditos adicionais”.
Em consonância com a norma acima, continua o autor, a Lei de Diretrizes Orçamentárias do
Estado de Mato Grosso, referente ao ano de 2003 (Lei Estadual nº 7.711/2002) dispôs, em seu
art. 25, que é vedada a inclusão de dotações, na Lei Orçamentária e em seus créditos
adicionais, a título de “auxílios” para entidades privadas, ressalvadas as sem fins lucrativos,
desde que observado o disposto no art. 26 da Lei Complementar Federal nº 101/2000.
Desse modo, argumenta o Ministério Público, a liberação de verba destinada a entidades
privadas, prevista na Lei Orçamentária de Mato Grosso referente ao ano de 2003, somente
poderia ocorrer nos casos de entidades sem fins lucrativos, obedecidos, sempre, os requisitos
do artigo 26 da Lei Compl. Fed. 101/2000, ou seja, atender à LDO, ser autorizada por lei
específica e estar prevista no orçamento ou nos créditos adicionais. Enfim, toda destinação de
verba pública a entidades privadas deve cumprir o requisito essencial de estar vinculada ao
interesse público, bem como a liberação do recurso estar condicionada ao cumprimento dos
requisitos formais da autorização por lei específica, previsão em orçamento e atendimento à
Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Aliado a isso, o autor ressalta que o repasse de verba ao Grande Oriente de Mato Grosso
também é indevido, pois atendeu a interesse meramente particular, que em nada reverteu ao
bem comum, vez que destinado para a construção de sua sede (Templo), atividade esta que
em nada beneficia a sociedade, pois o edifício “Palácio da Paz” é de acesso restrito aos
membros da entidade maçônica GRANDE ORIENTE. Não há qualquer finalidade pública na
construção do imóvel, o qual será usado para fins tão somente de interesse da ré. (sic).
Alerta o Parquet não questionar o fato de que a entidade possua a filantropia como uma de
suas metas, nem tampouco seja considerada de utilidade pública pelo Estado, mas, sim, que o
dinheiro público repassado deveria ter sido usado em alguma atividade assistencial da
Maçonaria e não para construção de edifício sem qualquer proveito para a sociedade.
Conclui essa tese afirmando que a despesa denominada “Auxílio a entidades assistenciais e
clubes de serviços”, prevista no orçamento de 2003, não encontra respaldo constitucional e
legal, posto que totalmente desvinculada do interesse público.
Traz à tona a inobservância aos princípios da impessoalidade e moralidade administrativas, vez
que tanto a destinação quanto a liberação da verba contou com a atuação de agentes públicos
vinculados à Maçonaria, pois a emenda parlamentar, que deu origem à rubrica orçamentária
em tela é do maçom, à época, Deputado Estadual Humberto Melo Bosaipo e a assinatura do
Convênio 001/2003, que possibilitou a liberação da verba é de responsabilidade do também
maçom, Yenês Magalhães, ficando aí demonstrada a ausência de neutralidade da atividade
administrativa em tela.
Outro aspecto também macula o aludido convênio, alerta o autor, mais precisamente, a
ausência de publicação de norma específica destinando o numerário para o réu Grande
Oriente de Mato Grosso, não bastando, para tanto, apenas a dotação orçamentária, exigência
contida no caput do art. 26, LCF 101/2000.
Em razão disso, pretende seja anulado o ato viciado e ressarcidos os cofres públicos.
O Estado de Mato Grosso e o Grande Oriente de Mato Grosso, em sede de contestação (fls.
1000/1010 e 1021/1033), refutam as teses do autor, defendendo a legalidade do Convênio
0001/2003:
Defendendo a validade do Convênio 001/2003, os réus afirmam que o repasse da verba em
comento atendeu ao disposto no art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal e que não há
indícios de que os recursos repassados tenham sido desviados de sua finalidade, em desacordo
com a Lei Estadual aprovada, tendo havido, inclusive, prestação de contas que demonstrou a
aplicação da verba para a construção do templo da loja maçônica, nos exatos termos do
convênio, assumindo, portanto, o Grande Oriente a sua contrapartida.
Enfatizam os réus a existência de lei autorizando o citado repasse, mais precisamente, a Lei
Estadual Orçamentária Anual nº 7.880/2002, para o exercício de 2003, por meio da dotação
“auxílio a entidades e clubes de serviços”, ou seja, a referida subvenção foi endereçada a
entidade sem fins lucrativos.
Também alega o Estado de Mato Grosso que o repasse em tela atendeu ao disposto no artigo
19, da Lei 4.320/64, que dispõe que “a Lei de Orçamento não consignará ajuda financeira, a
qualquer título, a empresa de fins lucrativos, salvo quando se tratar de subvenções cuja
concessão tenha sido expressamente autorizada em lei especial”, bem como, as condições
previstas no art. 25 da Lei de Diretrizes Orçamentárias do Estado de Mato Grosso vigente à
época dos fatos (Lei Estadual nº 7.711/2002), que permite a inclusão de dotações, a título de
auxílio, para as entidades sem fins lucrativos, desde que observado o disposto na LC 101/2000.
O Grande Oriente de Mato Grosso, por sua vez, acrescenta que o repasse também atendeu os
critérios estabelecidos pela Lei do Orçamento, na medida em que se trata de uma subvenção
social, nos termos do seu art. 12, § 3º.
Argumentam os réus que, no caso em questão, é plenamente possível a liberação de verba
para entidades privadas, a título de auxílio, contanto que a mesma seja sem fins lucrativos e
que seja observada a Lei nº 101/00. Ressaltam que o Grande Oriente de Mato Grosso é pessoa
jurídica de direito privado, possuindo natureza filantrópica, sem fins lucrativos e de inegável
alcance social, conforme se infere da Lei Estadual nº 5.411/88, que a reconhece como de
utilidade pública e que, mais tarde, através da Lei da Lei Estadual nº 6.072/92, o segundo réu
adquiriu todas as prerrogativas de sua condição de utilidade pública.
Por derradeiro, defendendo a legalidade do Convenio 001/2003, afirma que o réu Grande
Oriente de Mato Grosso apresentou prestação de contas dos valores a ele repassados, sem ter
sido apontado qualquer indício de desvio de recursos e, corroborando seu entendimento,
apresenta voto proferido em consulta levada a efeito no Tribunal de Contas do Estado, que
considerou regular o repasse de valores efetuados pelo município de Campo Verde ao
Sindicato Rural de Campo Verde para a realização da VII Expoverde, finalizando com pedido de
improcedência dos pedidos da inicial, ante a legalidade do referido ato administrativo e da
ausência de qualquer dano ao erário.
O Grande Oriente de Mato Grosso consigna que a doação atendeu a todos os requisitos
exigidos pela legislação vigente à época da sua consumação, consolidando-se através de um
ato jurídico perfeito e acabado e eventual invalidação deste será um atentado ao princípio da
segurança jurídica, por ser uma das vigas mestras do Estado de Direito, portanto, a matéria
debatida está intimamente ligada à necessidade de maior estabilidade das situações jurídicas.
Assim, ainda que tenham apresentados vícios de legalidade na sua origem, devem ser
mantidas por respeito àquele princípio. Além disso, atendidos todos os requisitos intrínsecos e
extrínsecos para sua formação, aperfeiçoado o ato jurídico, seu beneficiário está imune às
novas oscilações impostas até mesmo por lei superveniente.
A defesa do Grande Oriente do Mato Grosso também traz à tona o princípio da presunção de
legitimidade dos atos administrativos, argumentando que cabe ao autor da demanda
comprovar a ilegalidade do convênio telado, o que não o fez, tendo restado comprovado, ao
contrário, que inexiste qualquer ilegalidade no repasse da referida verba à entidade requerida,
não merecendo prosperar, sob nenhum ângulo, o pedido da inicial. Além disso, não houve
dano ao erário, tendo o segundo réu cumprido toda a contra partida exigida pelo Estado
através do convênio 001/2003, consoante a vasta documentação de fls. 421/941.
Finaliza o Grande Oriente do Mato Grosso por pleitear o reconhecimento da litigância de máfé do autor, condenando a entidade autora às penas previstas nos arts. 17 e 18 da lei nº
7.347/85, por ter alterado a verdade dos fatos em seu benefício.
A ação é procedente, senão vejamos:
A Constituição Federal, no seu art. 167, VI, estabelece:
Art. 167. São vedados:
I - (...)
VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de
programação para outra ou de um órgão para outro, sem previa autorização legislativa.
José Afonso da Silva, comentando referido dispositivo constitucional ensina que transposição,
remanejamento e transferência “são formas de movimentação de recursos orçamentários que
o Poder Executivo pode efetuar, desde que tenha para tanto autorização legislativa. A
Constituição anterior vedava apenas a transposição, sem prévia autorização legal, de recursos
de uma dotação orçamentária para outra. O inciso sob comentário é mais rigoroso, porque
abrange todos os tipos de movimentação de recursos orçamentários, e não apenas de uma
dotação para outra, mas de uma categoria de programação para outra, assim como de um
órgão para outro.”
E, complementa: “De rigor (observa Ivens Gandra da Silva Martins), as três formas se
assemelham. Tanto a transposição como o remanejamento e a transferência são formas de
retirar recursos de uma programação e passá-los para outra, o que representaria se permitido
fosse, uma real forma de burlar a lei orçamentária. Pois foi para evitar essa burla que se tornou
necessário o emprego dos três termos, porque, quando se usava apenas transposição,
praticava-se outras daquelas formas de movimentação, com o que se frustrava a vedação. A
transferência pelo seu sentido literal se aplica especialmente à retirada de recursos de um
órgão para a administração de outro; já o remanejamento está mais próximo do ato de
recompor os recursos de uma categoria de programa ou de um órgão, enquanto a
transposição para a troca de recursos, anula uma dotação de algum programa ou órgão com o
fito de transportá-la para outro” (Comentário Contextual à Constituição, 4ª Ed., Malheiros, São
Paulo, 2007, p. 698).
No caso, embora o Estado de Mato Grosso alegue que a Lei Estadual Orçamentária nº
7.880/02 para o exercício de 2003 autorizou o citado repasse, por meio de dotação “auxílio a
entidades assistenciais e clubes de serviço”, ou seja, que a referida subvenção foi endereçada
a entidade sem fins lucrativos, não há lei especifica votada e aprovada no Parlamento estadual
autorizando referida transferência, tal como exige a Constituição Federal.
O que ocorreu, tal como afirmou o autor e os requeridos não negam, é que em novembro de
2002, no decorrer da votação do projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) para o ano de 2003,
foi aprovada emenda parlamentar ao orçamento encaminhado pelo Poder Executivo, por força
da qual a importância de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), da dotação prevista em favor da
Secretaria de Estado de Planejamento-SEPLAN e da Secretaria de Estado de Comunicação –
SECOM, foi transferida para a Loja Maçônica requerida.
Tratou-se de uma atuação engendrada no parlamento que representou a anulação de dotação
legitimamente alocada a uma Secretaria de Estado, constante da proposta do Executivo, para
transportá-la para entidade privada à revelia de lei.
Então, a burla à Constituição Federal é patente porque, ao exigir previa autorização legislativa,
quis a Carta Política justamente levar ao debate público a discussão sobre a necessidade, a
conveniência e a oportunidade de retirar recursos previamente destinados a uma atividade ou
finalidade pública para transferi-los a outra, visando impedir conhecidos estratagemas, como o
que se verificou, ou seja, a subreptícia transferência de recursos públicos para uma instituição
privada, sem que ao final se saiba as razões de interesse público que poderiam ter motivado
essa decisão particular de iniciativa parlamentar, de viés claramente patrimonialista,
antirrepublicana e contrária à moralidade administrativa.
Em brilhante artigo doutrinário, José de Ribamar Caldas Furtado Conselheiro do Tribunal de
Contas do Estado do Maranhão, Mestre em Direito pela UFPE, professor de Direito
Administrativo, Financeiro e Tributário da UFMA, instrutor da Escola do Ministério Público do
Maranhão, tratando das hipóteses previstas no art. 167, VI, da CF, ensina:
Como se depreende, as figuras do artigo 167, VI, da Constituição terão como fundamento a
mudança de vontade do Poder Público no estabelecimento das prioridades na aplicação dos
seus recursos, fato que, pela própria natureza, demanda lei específica alterando a lei
orçamentária. É o princípio da legalidade que exige, no caso, lei em sentido estrito; é o
princípio da exclusividade que informa que ela é específica.
Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles pontifica que, havendo necessidade de transposição de
dotação, total ou parcial, será indispensável que, por lei especial, se anule a verba inútil ou a
sua parte excedente e se transfira o crédito resultante dessa anulação [05]. Esse autor diz que
concorda com José Afonso da Silva [06] quanto à tese de que a autorização genérica prevista
no artigo 66, parágrafo único, da Lei nº 4.320/64 [07] é inconstitucional, uma vez que a prévia
autorização legal, a que se refere o inciso VI do artigo 167 da Constituição Federal há de ser
concedida em cada caso em que se mostre necessária a transposição de recursos [08].
E prossegue o autor:
Acrescente-se que carece de regramento jurídico o procedimento de se autorizar, na própria
LOA, a abertura de créditos suplementares. Em conseqüência, comuns são os abusos
resultantes de autorizações sem critérios.
Dispõe a Constituição Federal, art. 165, § 8º, que a lei orçamentária não conterá dispositivo
estranho à previsão de receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a
autorização para abertura de créditos suplementares [12] e contratação de operações de
crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei. A relação de exceções feita
pelo constituinte nesse dispositivo é taxativa (numerus clausus). Isso significa que a LOA não
pode dar autorização para o Executivo proceder a remanejamentos, transposições ou
transferências de um órgão para outro ou de uma categoria de programação para outra. Ou
ainda, que os procedimentos previstos no artigo 167, VI, devem ser autorizados através de lei
específica.
-----Daí a conclusão de grande relevo: pelo sistema idealizado pelo constituinte de 1988, os
créditos adicionais suplementares abertos com base na autorização concedida na própria lei
orçamentária e com fundamento em aporte de recursos oriundos de anulação parcial ou total
de dotações orçamentárias (Lei nº 4.320/64, art. 43, § 1º, III) só podem ocorrer quando se
tratar de deslocamento de recursos dentro do mesmo órgão e da mesma categoria de
programação [15]. Ou seja, remanejamentos de recursos de um órgão para outro e
transposições ou transferências de uma categoria de programação para outra, somente
podem ser autorizados através de lei específica, sob pena de antinomia com a Lei Maior.
E arremata:
Ressalte-se que incorre no denominado crime de desvio de verbas, tipificado no artigo 315 do
Código Penal, quem der às verbas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei. Desvio de
verba, ensina Hely Lopes Meirelles, "é a transposição de recursos de determinada dotação
para outra sem prévia autorização legal, com infração ao disposto no art. 167, VI, da CF" [17].
(Créditos adicionais versus transposição, remanejamento ou transposição de recursos, in
http://jus.com.br/revista/texto/7715/creditos-adicionais-versus-transposicaoremanejamento-ou-transferencia-de-Recursos).
Por outro lado, é certo que os Senhores Deputados têm a prerrogativa de emendar o projeto
de lei orçamentária, que é de iniciativa reservada ao Chefe do Poder executivo. Todavia,
devem fazê-lo com estrita atenção às condicionantes do art. 166, § 3º da CF, e, conforme se
apontou, no caso concreto não houve qualquer demonstração de compatibilidade da medida
com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias ou que a transferência de
dotação estivesse relacionada “com a correção de erros ou omissões ou com os dispositivos do
texto do projeto de lei” (incisos I e III do art. 166, § 3º, CF).
Inseriu-se na lei orçamentária anual, em verdade, um dispositivo estranho à previsão da
receita e à fixação da despesa, o que é expressamente proibido pelo art. 165, § 8º, da
Constituição Federal, com o que se afrontaram os princípios da reserva de iniciativa e da
separação de poderes.
Afora a manifesta ofensa ao princípio da reserva de lei e à separação de poderes, o ato
impugnado também afrontou as pautas legais que só excepcionalmente autorizam repasse de
subvenções ou auxílios a entidades privadas.
Os requeridos alegam que dão base legal ao referido convênio a Lei 4.320/64 (art. 19) e a Lei
Estadual 7.711/2002 (art. 25), além do fato do Grande Oriente de Mato Grosso ser entidade
filantrópica e reconhecida como de utilidade pública (Leis Estaduais nº 5.411/88 e
7.691/2002).
A leitura da legislação invocada, no entanto, afasta a alegação.
A Lei Federal nº 4.320/64 - Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e
controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito
Federal - na sua seção I, Subseção Única, quanto às transferências correntes, prescreve:
Art. 16. Fundamentalmente e nos limites das possibilidades financeiras a concessão de
subvenções sociais visará a prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e
educacional, sempre que a suplementação de recursos de origem privada aplicados a esses
objetivos, revelar-se mais econômica.
Parágrafo único. O valor das subvenções, sempre que possível, será calculado com base em
unidades de serviços efetivamente prestados ou postos à disposição dos interessados
obedecidos os padrões mínimos de eficiência previamente fixados.
A simplista afirmação de que o Grande Oriente não tem fins lucrativos (art. 19 da Lei 4.320/64
e art. 25 da lei estadual 7.711/2002-LDO) e de ser entidade filantrópica reconhecida como de
utilidade pública (Leis Estaduais nº 5.411/88 e 7.691/2002), não tem o condão de legitimar a
apropriação do dinheiro público, visto que em nenhum momento demonstraram os requeridos
que essa entidade privada se dedicasse a prestação de serviços essenciais de assistência social,
médica e educacional, em atividade de colaboração com o poder público.
Ademais, é patente que a prestação de contas realizada, a prova de que aplicação dos recursos
tenham obedecido a sua finalidade, bem como, o alegado cumprimento da contrapartida
assumida pelo GOE/MT, não legitima a transferência em questão, tampouco refuta o dano ao
erário.
A própria LDO – LEI 7.711/2002 – ao proibir auxílios a entidades privadas, salvo às sem fins
lucrativos, fazia expressa remessa à necessidade de observância ao art. 26 da LC 101/2000 –
Lei de Responsabilidade Fiscal, que prescreve:
Art. 26. A destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de
pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender
às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou
em seus créditos adicionais.
Assim, a simples interpretação literal da legislação aplicável revela que, embora não seja
proibida a destinação de recursos públicos a entidades privadas, a condição essencial é que,
além de essas entidades deverem não ter fins lucrativos, o dinheiro público seja efetivamente
utilizado na prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional (art.
16 da Lei 4.320/64).
E o que os autos demonstram mesmo é que a transferência não atendeu a qualquer finalidade
pública, mas sim a interesse meramente particular, vez que o dinheiro público foi destinado
para e empregado na construção do prédio (Templo) da entidade maçônica GRANDE ORIENTE
DO ESTADO DE MATO GROSSO, “Palácio da Paz”, edifício, inclusive, de acesso restrito aos
membros daquela associação de pessoas.
A prova inconteste do fato está na própria prestação de contas que os requeridos afirmam ter
feito, em atenção à cláusula do convênio, onde se pode constatar que o dinheiro foi aplicado
em obra arquitetônica, autêntica demonstração da prática espúria de privatização do dinheiro
público, em detrimento de toda a população que paga pesados tributos ao Estado e não conta
com a mesma sorte de receber tal privilégio.
Ao comentar o art. 10, inciso XI da Lei nº 8.429/92 que define como improbidade
administrativa a ação ou omissão dolosa ou culposa que causa lesão ao erário, destacando-se
notadamente o ato de liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes
ou influir de qualquer forma para sua aplicação irregular, diz Tércio Sampaio Ferraz Júnior:
A imoralidade do ato não se confunde com a ilegalidade: envolve, ademais desta, a
correspondente vantagem ou ao próprio agente ou a outrem. A imoralidade, nesse sentido,
não está na intenção do agente, mas no conteúdo da própria ação que quebra o equilíbrio, o
respeito devido à coletividade, ferindo o senso comum, ao proporcionar a alguém uma
vantagem que atenta contra a igualdade. Uma despesa, nesse sentido, deve ser proporcional,
como um pagamento não pode ser ordenado por meio de subterfúgios ainda que de aparência
legal.
E conclui o notável Professor:
“Moralidade diz respeito ao ato. Destarte, desvirtuar os motivos do ato para justificar
(motivar) as suas conseqüências fere a moralidade!
A moralidade, desse modo, é base autônoma para uma ação popular. Quando a CF a institui
como principio da administração pública, o faz em nome de uma peculiaridade que a
caracteriza. Ainda que o dolo, como dizia Hungria (1958, p. 150), tenha de ser presumido, já
que não se pode devassar o foro íntimo, essa presunção se manifesta por meio de
circunstâncias externas que mostrem que o agente não poderia deixar de querer o resultado
potencial ou efetivo.
A moralidade, assim, não se expressa nos resultados, mas se manifesta pelos resultados
(efetivos ou potenciais). Ela diz respeito ao ato, não a sua expressão normativa. Esta pode ser
legal ou ilegal. A imputação da imoralidade está na repulsa ao uso do instrumento (mesmo
legal) que fere o sentido público do objetivo normativo, ao pôr-se o ato a serviço de um
resultado (político) subjetivo do agente”. (Direito Constitucional, Editora Manole, Barueri,
2007, PP. 388/389).
A pessoalidade e a imoralidade saltam aos olhos no caso concreto. Os réus em suas defesas,
não negam a afirmação, feita pelo autor, de que tanto o Deputado Estadual Humberto Melo
Bosaipo, autor da Emenda Parlamentar nº 044/2002, quanto o Secretário de Estado de
Planejamento e Coordenação Geral Yenês Magalhães, que assinou o Convênio nº 001/2003,
possibilitando a liberação da verba, eram maçons, circunstância que, por si só, fala sobre o
elemento subjetivo que animaram suas condutas.
Ao utilizarem referidos agentes públicos de instrumentos legais, praticaram ato a serviço de
um interesse subjetivo, em atentado frontal à igualdade, proporcionando vantagem material
indevida à entidade a que se filiavam ou a qual simpatizavam, comportamento tipicamente
abusivo e condenável pela moralidade pública.
Assim, também cai por terra a tese de que a pretensão do Ministério Público não merece
prosperar por se estar diante de um ato jurídico perfeito e em respeito ao princípio da
segurança jurídica, vez que, no presente caso, não há o que se falar em ato jurídico perfeito,
mas, sim, ato ilícito, em detrimento ao erário, pois contrário aos princípios constitucionais e
demais normas acima mencionadas, ensejando, inclusive, a devida reparação, com fulcro no §
5º e caput do art. 37, além do princípio republicano expresso no art. 1º, caput, todos da
Constituição Federal.
Aliás, quando a pretensão for de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário decorrentes
de ato ilícito, não corre a prescrição conforme expressamente determina a Constituição
Federal em seu artigo 37, § 5º, última parte, in verbis:
“Art. 37. § 5º. A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer
agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de
ressarcimento.
Via de conseqüência, como na hipótese dos autos a pretensão é restrita ao ressarcimento dos
danos causados ao erário público, é imprescritível, a teor da norma constitucional.
Sobre a previsão constitucional Alexandre de Moraes traça a seguinte assertiva: “Ressaltamos,
somente, que as ações para obtenção de ressarcimento por dano causado ao erário público
são imprescritíveis, nos termos da citada previsão constitucional.”
Celso Antonio Bandeira de Mello também é preciso quando diz que, “todavia, por força do art.
37, § 5º da Constituição, são imprescritíveis as ações de ressarcimento por ilícitos praticados
por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário” .
Na mesma linha de raciocínio é o escólio de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quando esclarece
que:
“a prescrição da ação de improbidade está disciplinada no artigo 23, que distingue duas
hipóteses: pelo inciso I, a prescrição corre cinco anos após o término do exercício do mandato,
de cargo em comissão ou de função de confiança; para os que exercem cargo efetivo ou
emprego, o inciso II estabelece que a prescrição ocorre no mesmo prazo prescricional previsto
em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público. São,
contudo, imprescritíveis, as ações – de ressarcimento de danos causados por agente público,
seja ele servidor público ou não, conforme estabelece o artigo 37, § 5º da Constituição. Assim,
ainda que para outros fins a ação de improbidade esteja prescrita, o mesmo não ocorrerá
quanto ao ressarcimento de danos”
Esse entendimento harmoniza-se com recente orientação do Pleno do Supremo Tribunal
Federal:
BOLSISTA DO CNPq. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE RETORNAR AO PAÍS APÓS
TÉRMINO DA CONCESSÃO DE BOLSA PARA ESTUDO NO EXTERIOR. RESSARCIMENTO AO
ERÁRIO. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. I - O beneficiário de
bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder Público, não pode alegar
desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão
provedor. II - Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau. III - Incidência, na espécie, do
disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no tocante à alegada prescrição. IV Segurança denegada. (STF – MS 26210, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal
Pleno, julgado em 04/09/2008, DJe-192 DIVULG 09-10-2008 PUBLIC 10-10-2008 EMENT VOL02336-01 PP- 00170 RTJ VOL-00207-02 PP-00634 RT v. 98, n. 879, 2009, p. 170- 176 RF v. 104,
n. 400, 2008, p. 351-358 LEXSTF v. 31, n. 361, 2009, p. 148-159)
A Segunda Turma da Suprema Corte também já decidiu no mesmo sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. Incidência, no caso, do disposto no
artigo 37, § 5º, da Constituição do Brasil, no que respeita à alegada prescrição.
Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF – RE 608831 AgR, Relator(a):
Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 08/06/2010, DJe-116 DIVULG 24-06-2010
PUBLIC 25-06-2010 EMENT VOL-02407-06 PP-01245)
O Superior Tribunal de Justiça segue a mesma linha de orientação:
RECURSO ESPECIAL - ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
- CORRÉUS - PRESCRIÇÃO - CONTAGEM INDIVIDUAL - RESSARCIMENTO AO ERÁRIO IMPRESCRITIBILIDADE. 1. As punições dos agentes públicos, nestes abrangidos o servidor
público e o particular, por cometimento de ato de improbidade administrativa estão sujeitas à
prescrição quinquenal (art. 23 da Lei nº. 8.429/92), contado o prazo individualmente, de
acordo com as condições de cada réu. Precedente do STJ. 2.
Diferentemente, a ação de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário é imprescritível
(art. 37, § 5º, da Constituição). 3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (STJ –
REsp 1185461/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/06/2010,
DJe 17/06/2010)
Outros precedentes: ver: STJ – REsp 909.446/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 06/04/2010, DJe 22/04/2010;REsp 718.321/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 19/11/2009; REsp 705.715/SP, Rel.
Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 2.10.2007, DJe 14.5.2008; STJ – REsp
1069723/SP – 2ª Turma – Rel. Ministro Humberto Martins – Julg.: 19/02/2009 – Publ.: DJe
02/04/2009; STJ – REsp 991.102/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA,
julgado em 08/09/2009, DJe 24/09/2009.
Nessa senda, é plenamente possível, a qualquer tempo, o controle judicial do ato ilícito para o
fim de buscar o ressarcimento ao erário.
Por derradeiro, no tocante à alegada má-fé por parte do Autor, uma vez logrado êxito em sua
pretensão formulada na petição inicial, reputa-se prejudicada qualquer tese de que havia
proposto a demanda de forma temerária.
Isto posto, julgo procedente a presente ação civil pública, por conseguinte, declaro a nulidade
da transferência de recursos objeto do Convênio 001/2003, firmado entre o Estado de Mato
Grosso e o Grande Oriente do Estado de Mato Grosso, condenando o último (GOE/MT) a
restituir ao erário o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) recebidos, devidamente
corrigidos monetariamente pelo I.N.P.C., a partir do desembolso pela Fazenda Estadual dos
respectivos recursos públicos, com juros legais de 0,5 % ao mês, estes a partir da citação.
Haja vista que o ESTADO DE MATO GROSSO é isento do pagamento de custas e despesas
processuais, condeno o requerido GRANDE ORIENTE DO ESTADO DE MATO GROSSO a arcar
com apenas 50% (cinqüenta por cento) dessas verbas.
Sem honorários advocatícios, por serem indevidos ao Ministério Público.
Decorrido o prazo para interposição de recurso, independentemente de haver apelação,
remetam-se os autos para o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, a fim de
cumprir com o disposto no art. 475, inciso I do Código de Processo Civil, haja vista o presente
feito não se enquadrar nas hipóteses previstas nos §§ 2º e 3º do supracitado artigo de lei.
Expeça-se o necessário.
Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.