1 (4) 19-26_Reparação de nervos periféricos pela técnica de

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1 (4) 19-26_Reparação de nervos periféricos pela técnica de
MANGUITO ROTATOR
Reparação de nervos periféricos pela
técnica de sutura epineural
Cláudio Roberto Martins Xavier1, Roberto Della Torre dos Santos1
Fabiano de Araújo Frade2
RESUMO
Os autores discutem as técnicas mais freqüentemente utilizadas para a reparação
das lesões de nervos periféricos, dando ênfase à sutura epineural, utilizada em nosso
serviço para tratamento da maioria dessas lesões , analisando suas vantagens e desvantagens.
Descritores: Nervos perféricos; Sutura
SUMMARY
The authors discuss the frequent techniques utilized for peripheral nerve lesions
repair, with emphasis to epineural suture. This technique is prefered in our hospital
for treatment of the majority of these lesions, analysing the advantages and disadvantages of the method.
Key Words: Periferics nerves; Suture
1. Médicos assistentes do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual –
IAMSPE – São Paulo - SP
2. Médico residente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual –
IAMSPE – São Paulo – SP
Técnicas em Ortopedia 2001; 4:19-26
Técnicas em Ortopedia
INTRODUÇÃO
No nervo periférico, distinguimos quatro estruturas conjuntivas que funcionam como envoltórios : epineuro, perineuro, endoneuro, e mesoneuro.
O epineuro compreende a bainha que rodeia todo o nervo e o tecido intersticial
que está entre os fascículos. O perineuro é uma bainha conjuntiva, laminar, resistente
que envolve cada fascículo de fibras nervosas; o endoneuro está constituído por um
tecido conjuntivo frouxo de fibras colágenas dispostas em sentido longitudinal e um
componente vascular; e o mesoneuro aporta a vascularização do nervo(1).
São conhecidas várias formas de lesionar um nervo periférico, sendo as principais causadas por acidentes e traumatismos , e as lesões iatrogênicas(2).
Numa reparação nervosa, é necessário unir os fascículos motores e os fascículos
sensitivos , sob o risco de perda de função. Deve-se valorizar esta questão quando se
considera uma lesão distal, pois nesta região os fascículos são bem diferenciados; já
na zona proximal de um nervo, o grupo fascicular é sempre misto(3).
Entre as diversas alternativas descritas na literatura para reparação nervosa, as mais freqüentemente encontradas são: sutura epineural, perineural,
interfascicular, uso de adesivo de fibrina e o enxerto de nervo.
A sutura epineural consiste na união do nervo com pontos através do
epineuro. Quando a reparação do nervo lesado é retardada, há retração dos
cotos e interposição de tecido cicatricial, impedindo a reparação direta sem
tensão. Este problema tem sido solucionado com o uso de enxerto nervoso,
que permite a união entre os cotos, com anastomoses livres de tensão (2). Entre as possíveis áreas doadoras de enxerto, o nervo sural é o mais usado,
devido ao fácil acesso para removê-lo, e menor prejuízo local.
Entre todas as alternativas possíveis para reparar um nervo lesado, a que utilizamos em nosso serviço, naqueles casos recentes e de porções distais do nervo , onde a
retração elástica do tecido ainda não impede a sutura direta sem tensão, é a sutura
epineural externa, por se tratar de procedimento relativamente simples e rápido quando realizado por equipe treinada e utilizando magnificação óptica e instrumental adequados, apresentando resultados tardios satisfatórios e semelhantes às outras técnicas(2). Nos casos crônicos, onde a retração e fibrose impedem a sutura sem tensão, a
preferência é pelo enxerto de nervo.
INDICAÇÕES
Na presença de um déficit nervoso periférico , a exploração do nervo estará indicada quando:
1-Uma ferida incisa secciona obviamente um nervo;
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SUTURA EPINEURAL
2-Feridas contusas e avulsão, onde a condição do nervo é desconhecida, a exploração é necessária para a identificação da lesão nervosa e para marcar as extremidades
do nervo com fios para reparo subsequente;
3-Déficit nervoso acompanhado de um traumatismo contuso ou fechado, onde
não houve evidência clínica ou elétrica de regeneração após um período de tempo
apropriado.
4- Déficit nervoso acompanhado de uma ferida penetrante como aquela causada
por um projétil de baixa velocidade, após observada ausência de sinais de regeneração
nervosa em período de tempo apropriado(5).
PLANEJAMENTO PRÉ-OPERATÓRIO
Uma reparação nervosa é iniciada com a decisão entre reparação primária
ou secundária.
Reparação primária é definida como sendo a reparação feita imediatamente após
a admissão do paciente no serviço, ou após 24 a 48 horas. Ela geralmente é realizada
quando há uma lesão limpa do nervo, quando não há defeitos na pele, ou quando não
há dificuldade de localização dos cotos nervosos, além da possibilidade de uso de
equipamentos adequados e presença de pessoal treinado.
A reparação secundária é definida como reparação nervosa em segundo
tempo, após dias ou semanas do ferimento. O tempo depende da cicatrização do ferimento primário, da
magnitude das outras complicações, e do estado geral do
paciente. A desvantagem é
que uma segunda cirurgia
faz-se necessária; de outro
lado, a reparação pode ser feita como um procedimento
eletivo, sob melhores condições. A maior desvantagem
da reparação secundária é que
a retração dos cotos faz-se
pela fibrose, tornando mais
difícil a coaptação direta, o
que quase sempre torna necessário o uso de enxerto (6).
Selecionando-se bem os casos para sutura primária, esta
poderá mostrar grande chance de
sucesso; em caso de dúvida, a
reparação secundária é preferida.
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Figura 1: Instrumental para microcirurgia
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TÉCNICA OPERATÓRIA
Como condição fundamental, é obrigatório o
uso de instrumental para microcirurgia (figura
1), que permita uma técnica adequada e cause
menor dano ao nervo; igualmente importante é
o uso de magnificação óptica através de microscópio (figura 2), que permite uma melhor visualização das estruturas, facilitando a identificação
dos grupos fasciculares correspondentes, assim
favorecendo uma sutura anatomicamente mais
perfeita. Aconselha-se também o uso de torniquete pneumático para que a cirurgia seja exangue. A incisão deve estender-se acima e abaixo
da lesão e, quando possível, deve seguir o trajeto do nervo; esta nunca deverá cruzar em ângulo
reto e as pregas flexoras da pele (5). Após a incisão, temos que evidenciar bem a lesão e avaliar a
extensão do dano (figura 3). Começaremos então a preparar os cotos nervosos, através da ressecção do tecido danificado, na reparação primária, e ressecção do tecido fibroso na reparação secundária. (figura 4)
Figura 2: Microscópio cirúrgico
Figura 3: Lesão completa do nervo
mediano
Figura 4: Isolamento da lesão
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SUTURA EPINEURAL
A sutura deve ser realizada com o uso de fios
adequados, como os monofilamentares de nylon
9-0 ou 10-0, e com a menor quantidade possível
de pontos que permitam uma coaptação satisfatória dos cotos.
Depois dos dois cotos terem sido preparados,
eles são aproximados; isto deve ser feito colocando-se a primeira sutura na superfície posterior ou profunda do nervo, na região do epineuro,
e deixar o ponto longo para tornar mais fácil a
apresentação do nervo. Aplicar em seguida os três
próximos pontos, nos três quadrantes restantes
do nervo e deixá-los longos também. A seguir
fazemos pontos separados no epineuro, com progressão centrípeta, utilizando naylon 9-0 ou 100, suficientemente para produzir uma neurorrafia satisfatória (figura 5: A, B, C, D e E). É recomendável a colocação de um anteparo colorido
por baixo do nervo, para produzir contraste visual e permitir um manuseio menos incômodo
dos pontos (figura 6).
Depois da aproximação e da sutura ter sido
feita, a sustentação da união é determinada pela
A
B
C
D
E
Figura 6: Sutura epineural
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Figuras 5 (A, B, C, D e E): Esquema da sutura
epineural externa
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tensão do reparo; se não houver tensão, a sutura simples que foi usada para aproximar os grupos fasciculares, é suficiente para manter o reparo através do coágulo de fibrina que se forma ao redor da lesão reparada (7) .
Tendo realizado a reparação, roda-se o nervo com os
pontos dos quadrantes para certificar-se que houve um
reparo satisfatório. Remove-se então os quatro pontos
de apoio, e fecha-se as partes restantes da ferida (figura
7). Retira-se o torniquete pneumático e observa-se a perfusão distal do membro. Curativo deve ser feito sobre a
incisão, e a extremidade é imobilizada com tala gessada,
mantendo-se as articulações na mesma posição em que
foi realizada a neurorrafia.
Se a sutura sem tensão não for possível, o enxerto de
nervo é realizado imediatamente, para permitir de maneira indireta a união entre os dois cotos (6).
Figura 7: Sutura da ferida
CONDUTA PÓS-OPERATÓRIA
A imobilização deve ser mantida por um período máximo de 10 dias. Duas
semanas após, tratamento com corrente elétrica estimulatória pode ser iniciada e o paciente deverá ser encorajado a mover todas as articulações envolvidas ativamente; além de exercícios passivos com o auxílio de fisioterapeutas.
O processo de regeneração pode ser seguido através da observação do
sinal de Tinel-Hoffmann (figura 8), onde o choque se propagando distalmente à lesão é sinal de evolução e bom prognóstico; se não puder ser detectado
progresso em 3 a 4 meses, um bloqueio na linha distal da sutura pode ser
aventado. Isto é indicação para nova exploração da sutura e realização de
nova neurorrafia (6) .
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reparação epineural trata-se de procedimento de baixo custo, ao alcance
de qualquer centro que possua microscópio cirúrgico e pessoal treinado, é de
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SUTURA EPINEURAL
rápida execução e não invade o conteúdo intra neural. Seus resultados são
satisfatórios quando bem indicada e realizada dentro da técnica microcirúrgica , mostrando-se em geral semelhantes à sutura interfascicular nas lesões
distais. As desvantagens da reparação epineural incluem a dificuldade no
correto posicionamento dos grupos fasciculares, a execução por pessoas
não treinadas dada a simplicidade do procedimento, e tensão residual na linha de anastomose, exigindo geralmente muitos pontos para completar a sutura, o que favorece a proliferação de fibrose tecidual (9).
Existem fatores que afetam o resultado da reparação do nervo periférico :
a idade do paciente, nervo periférico envolvido, nível da lesão, tipo e extensão da lesão nervosa, associação com danos teciduais, tempo decorrido entre
o dano e a reparação, e a qualidade técnica e tipo de reparação (9).
A sutura epineural tem-se mostrado satisfatória em nossa experiência para o
tratamento das lesões recentes nas porções distais dos nervos periféricos e, sua
falha parece estar relacionada principalmente a erros técnicos como suturas sob
tensão, uso de fios inadequados ou excesso de pontos na reparação, levando a um
excesso de fibrose e formação de granulomas de corpo estranho(2,6,8,10).
Figura 8: Teste de Tinel-Hoffmann
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REFERÊNCIAS
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