Antologia - Fundação Cultural de Paranavaí
Transcrição
Antologia - Fundação Cultural de Paranavaí
FEMUP 45º Festival de Música e Poesia 42º Concurso Literário de Contos de 14 a 20 de novembro de 2010 Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa Paranavaí – Cidade Poesia Paranavaí – PR 1 Capa Fundação Cultural de Paranavaí Revisão David Arioch Desenhos Darlan Alves e Kreslen Matsumoto Troféu (idealização) Saulo Suguimati Composição e Impressão Gravil Artes Gráficas Ltda FEMUP – 45º Festival de Música e Poesia 42º Concurso Literário de Contos Paranavaí - PR Fundação Cultural de Paranavaí Novembro, 2010 144 páginas Poesias, Contos e Músicas Brasileiras 1ª edição: 1.000 exemplares 2 PARANAVAÍ – CIDADE POESIA Não foi por acaso que se escolheu o codinome “Cidade-Poesia” para definir Paranavaí no que diz respeito as artes plásticas, as músicas de diversos timbres, notas, ritmos; as poesias soltas, livres e emocionantes; aos contos concisos, precisos e densos. E que nasce já com uma história linda e contagiante de ser contada. Poesia no sentido da arte de criar imagens, de sugerir contentamento por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados múltiplos, oportunidade em que a cultura do povo é realçada, ganha vida, faz vibrar os corações e se fixa em deleites de emoções. Não é a toa que afluem para cá artistas de todo o Brasil que quando não podem vir pessoalmente, por motivos vários, mandam suas obras que compõem o acervo rico das músicas, poesias e contos do nosso FEMUP – Festival de Música e Poesia que neste ano completa sua 45ª edição. Cidade-Poesia que tem a capacidade de congregar diversas ações no campo das artes-aprendizados e nas artes-diletantes não menos nobres que as artes profissionais dos grandes centros, porque tudo o que aqui se faz tem na receita a temperança, o prazer e o respeito. Por isso é sempre bem feito. De 1966 para cá, os vários tropeços (financeiros, políticos e administrativos) – se é que possamos chamar de tropeços as dificuldades vencidas – não tiveram força suficiente para superar a vontade de fazer, o desejo de realizar e de mostrar que quando se quer os passos, mesmo que miúdos, têm dimensão maior que a medida das pernas de gigante, porque são dados com a certeza de que a caminhada tem o princípio que é seu propósito, o meio que são ações empreendidas para realizá-lo e o fim que é o balanço lucrativo no fim de cada evento. Parabéns ao senhor de meia-idade, o FEMUP. Parabéns a cidade que o abriga, a Cidade-Poesia. Parabéns a quem nele se insere independente de função. Parabéns a quem dele participa, afinal, a poesia, a música e as peças literárias pouco servem se não forem expostas ao público. Renato Benvindo Frata, advogado, contador, atual presidente da Academia de Letras e Artes de Paranavaí. 3 4 COMISSÃO JULGADORA ELMITA SIMONETTI PIRES, graduada em Letras, com mestrado em Estudos Literários. É docente das disciplinas de Teoria da Literatura, Metodologia do Ensino da Literatura e Literatura Infanto Juvenil, da Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (FAFIPA). Coordena a pesquisa Literatura, Memória e Oralidade: práticas narrativas da região Noroeste do Paraná. ROSI SANGA, graduada em História, com especialização em História da Cultura e da Arte pela FAFIPA. É atriz, professora, diretora do Grupo de Teatro Cia.Oficinas , Coordenadora da Casa da Cultura de Paranavaí e membro da Associação dos Artistas (Asas). RITA DE CÁSSIA FURLAN, graduada em Letras (FAFIPA/2003), especialista em Literatura Brasileira, professora de Língua Portuguesa e Língua Inglesa da Rede Estadual de Educação. Apreciadora de poemas e contos e incentivadora da arte da declamação na escola. GLAUCIA MINCOFF DE CASTRO PALMA PERON BERNARDO, Arte Educadora, pós graduanda em Patrimônio Cultural. Professora de arte na rede pública e privada e integrante do projeto Viva a Escola. Participou durante anos em vários corais. Apreciadora da poesia e da literatura. 5 FRAGMENTOS QUARESMEIRAS E OUTRAS PAIXÕES QUE NÃO ROXEAM Roberto Gonçalves Paranavaí - PR Éder Rodrigues Belo Horizonte - MG ABÁ-PE ENDÉ? Altair Cirilo dos Santos Paranavaí - PR RASANTE Ricardo Viola Lambari - MG AMOR vs VIDA Valdeci Alves de Almeida Cruzeiro do Sul - PR RITO DE PASSAGEM Angra Belém - PR DES/ESPERANÇA Maria A. S. Coquemala Itararé - SP BRINCO DE LEMBRAR Daniel Retamoso Palma Santa Maria - RS DIONÍSIO, UMA TRAGÉDIA Felipe Figueira Paranavaí - PR EU VÔ FIÁ NO MEU FUSO MIÃ LIÃ D’HORIZONTE ECCE HOMO! Joilson Melo Ibotirama - BA Gabriel Bicalho Mariana - MG OS ÁTILAS Adriano Wintter Porto Alegre - RS 6 FRAGMENTOS _ _ _ _ _ _ _ _ _ Roberto Gonçalves Paranavaí - PR _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ O poeta é o traficante da liberdade (Júlio Barroso) Amanheço fragmentos e durmo ilusão de conjunto na mais total incompletude (2008 - Sérgio Bernardo) Em meio à madrugada Amanheço Procuro em meio às palavras (e madrugadas) Expressar as madrugadas que ainda não vieram Há uma madrugada que ainda nasce em mim Acordo (insisto) Procuro (em meio às palavras) Libertar as várias madrugadas Que os poetas ainda verão nascer “Quantas madrugadas teremos que nascer Para que os poemas acordem dentro de nós?” Meu gato Era rajado De madrugada vivia no teto lambendo as estrelas (1987 - Marco Aurélio Cremasco) “Quantos poemas teremos que tecer Para que as madrugadas nasçam dentro de nós?” Tecer o poema Como quem vai tecendo Os fragmentos do cordão umbilical (1989 - Hélder Louis Rodrigues) “Quantas almas teremos que silenciar Para que o poeta (fragmentado) escute a alma tecida no silêncio?” 7 Eu não me escuto Quando todas as almas falam juntas Oh peso da pura existência! (1989 - Adriana Cristina Pazia) Escutar a alma do poeta Como quem busca A sobriedade de um silêncio Insano Bêbado Que grita em meio às palavras Que ainda não vieram (nas madrugadas) Meu silêncio É feito de palavras Expor-me É o jeito que encontrei De me esconder (1995 - Nailor Marques Júnior) Ah, silêncio de todas as almas Ah, silêncio insano Que tece poetas Expõe nas madrugadas Fragmentos de gritos Libertos Nos caminhos que insistimos Buscar (precisamos) Há uma criatura em mim que Sempre que há silêncio Me faz querer gritar (1996 - João Anzanello Carrascoza) Ruas vazias Almas repletas de caminhos Caminha Passos lentos Trôpegos Em busca do desequilíbrio da alma (nas madrugadas) Toda vez levanto o pé E logo vem o caminho Apressado colar de novo Em minha sola (1998 – Thaís Nogueira Camargo) “Quantos caminhos teremos que descobrir Para equilibrar a alma do poeta?” 8 Desde que se ergueu sobre duas patas o homem é um ser desequilibrado (2001 – Oriomar Skalinski Júnior) “Quantas almas teremos que equilibrar Para descobrir o caminho da existência do poeta?” Pelos caminhos sem volta De tantas sendas abertas, Fui a múltiplos lugares E descobri, de repente: Nunca saí de mim mesmo. (2002 – Luiz Francisco Guill) Na madrugada (descoberto por si mesmo) Envolto em silêncios o poeta se encontra no abrigo da solidão - chove solidão dentro de mim (1995 - Sérgio Bernardo) Lentamente abre sendas E colhe poemas expostos à fúria do mar do abandono (fendas?) Deixa que à luz dos teus olhos Eu navegue e vague Pelo tenebroso mar do abandono! (2001 – Pedro Dias de Souza) “Quantos mares teremos que navegar Para chegar ao cais da alma do poeta?” O que ontem valeu Hoje é vento Não procure respostas Os navios não esperam no cais. (1997 – Sérgio Napp) “Quantos ares teremos que voar Para abrigar o poema escondido no cais da alma do poeta?” Vou pra onde voam pássaros e estrelas Muito além do velho cais. (2000 - Cláudio Souza Farias) “Quantas noites teremos que amanhecer Para encontrar num vôo os versos insones Abrigados nos fragmentos do poeta?” 9 (insanos) E agora, as andorinhas? Voltarão para a noite À procura de abrigo? Ou correrão aos bares, Como eu, em busca de nada. (2001 – Paulo Campos) Em transe (só) O poeta navega em terra firme E na busca incessante (do nada) Encontra o toque sublime do poema Estou só e me faço multidão no vazio dos sentidos (2007 - Delermando Vieira Sobrinho) Só Na madrugada Fragmenta seus pensamentos Em versos que brilham Na imensidão que vem do céu (em terra firme) O poeta e o tempo são dois irmãos Vaga-lumes que brilham na escuridão Em versos o tempo se esvai Poesia são muitos quintais A nos guardar... (2004 - João Aluá) Deita na relva (só) Vê refletir (na madrugada) As cores do poema Que o tempo (entre muros e quintais) fez questão de lhe guardar Revisto-me Não incólume, o tempo é um bêbado Encostado nos muros da vida da gente (1988 - José Marinho do Nascimento) “Quantas luas teremos que inventar Para moldar (na madrugada) a alma reticente do poeta?” 10 Coloca na tela branca da minha imagem A transparente e volátil divindade Das tuas mãos de artista E teus pincéis de mago Para fazer-me inteira E esculturar minha alma... (1986 – Linda Brandão Dias) “Quantos poemas teremos que moldar para iluminar o sono precioso da alma do poeta?” Por favor não me acorde Prefiro (preciso) Dormir ao relento... À luz do luar... (2003 – Kellen Wiginescki) Na madrugada (no tempo) Nos olhos abertos do poeta (que sonha acordado) Poemas que pululam Saltam da alma Sonhos que ainda não foram sepultados (os mortos não sepultados não morrem por inteiro) (1993 - José Ubirajara Galli Vieira) Os passos do passado Insistem revisitar Em fragmentos A alma insone do poeta (na madrugada) (re-inventar) O poeta in-venta Pelas frestas um coro De sonâmbulos Uivando a senha Dos teus passos (2007 - Daniel Retamoso Palma) Passos Paz (sós) O poeta e a madrugada Juntos (a sós) Buscam no passado Passo a passo Fragmentos Frag (mo) mentos Que a alma anseia buscar 11 “o passado é uma duna e nada há que possa ser feito” (2008 - Altair Cirilo dos Santos) O passado é morto Mas não se deixa enterrar (2008 - Roberto Gonçalves) Na madrugada O poeta desenterra Fragmentos insepultos Mortos para alguns Vivos para ele Reconstrói-se libertando o poema (de sua alma) Eu, insepulto, sou um cadáver no tempo (2004 - Márcio Davie Claudino da Cruz) Na madrugada o poeta empunha A navalha que corta o passado (do fundo da alma) “Quantos passados teremos que cortar Para consolar a alma do poeta?” O poema é navalha que corta e consola; O poeta, um maestro de facas! (2000 - Carlos William Leite) O poeta é um herói Insone Em busca de palavras que venham libertar As madrugadas que ainda verá nascer (que luta) “Quantas madrugadas teremos que libertar Para empunhar a palavra que conjugue a alma do poeta?” Não tenho a palavra na mão, Na mão apenas sopeso o futuro Esse verbo que não aprendi a conjugar (1992 - Hélder Louis Rodrigues) Tece o poema com as palavras Que a madrugada Conjuga dentro de sua alma Vivifica o verbo esquecido Que não se fez carne Mas habita entre os tempos Que aprendeu conjugar (em silêncio) 12 A gramática da vida Me ensinou a conjugação De um verbo obsoleto Que tentei conjugar Em mais de um tempo Sem saber que ele flexiona bastante Mas é inconjugável no futuro E inconquistável no presente (1985 - Sérgio Rubens Sossélla) Reinventa verbos Re-inventa versos Sopra de sua alma (in)venta A sonoridade de cada verso Se os versos que inventei parecem tolos Que dirão na hora que não canto? (2000 - Roberto Simões) Em meio à madrugada O poeta canta Um canto sem rima (in) venta Instaura A brisa que consola sua alma (na madrugada) Eu instauro meu canto E encontro Oceanos... (1973 - Antônio de Pádua Basseto Carvalho) O poeta canta (e chora) O choro dos felizes Dos que cantam (na madrugada) Insones Sem dor Mas com lágrimas Ninguém chorará a dor das águas, Que por si só Se nutrem de lágrimas (1982 - José Marinho do Nascimento) Bebe o cálice (de lágrimas) Que borbulha Na (in) consciência de seus poemas “Quantas lágrimas teremos que chorar Para lavar a alma do poeta?” 13 Lágrimas... O refúgio dos fracos A coragem dos fortes (...) Atemporais Sem convite Surgem... E forte como são Deixam suas marcas Por onde passam (2001 - Kellen Wiginescki) Na madrugada o poeta está só Sorri e chora Ao mesmo tempo Embriagado de poemas Fragmentos Recolhidos de outros tempos Exploram sua mente Frag(mo)mentos “Quantos momentos teremos que explorar Para borbulhar a alma embriagada do poeta?” Grávida de sonhos, Na madrugada escura, A consciência borbulha (2007 - Roseli Broering dos Santos) E o poeta na madrugada que viu nascer Boêmio Gira em torno da lua Dança Por dentro da alma Embriagado Pelos poemas que libertou Dança com a madrugada Dorme com o dia “Quantos poemas teremos que dormir Para acordar a alma boêmia do poeta?” (na madrugada) 14 Os poêmios bebem a noite inteira (...) até que a noite tire do bolso o dia E a poemada toda em algaravia Pára no caminho pra comer bombom Onde justamente outro poêmio dorme Como a pedra enorme De Drummond. (1992 - Antônio de Pádua Barreto Carvalho.) “Na colagem de cada poema Fiz um mosaico das almas Que por aqui passaram...” Todos os fragmentos referem-se à FEMUPs anteriores Natural de Paranavaí, é servidor Público Estadual desde 1997. Graduado em Letras (2001 – FAFIPA) e pós-graduado em Língua Portuguesa e Literatura (2002). Escreveu os primeiros contos e poesias em 1999. No FEMUP, já ganhou oito barrigudas e uma “barrigudinha” pelo oitavo lugar em 2002 no Festival Zé Maria de declamação. 15 ABÁ-PE ENDÉ? _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Altair Cirilo dos Santos Paranavaí - PR O espelho me devolve os deuses antigos e suas efígies na face do mar que mantêm longe o dragão do fim do mundo. O espelho me devolve um navio negreiro, um rinoceronte, um ponto de santo, palavras d’água que me enraízam, gingantes, ao chão, à erva, ao peixe. Também devolve uma cimitarra, uma lua crescente, um numeral. O espelho me devolve a dança da chuva, a planta sagrada, os signos de origem e fim, o fluir infinito de animais, árvores, lugares que escorrem da língua e através dos ventos e rios atingem a todos, até bem depois do pó, do sonho, da lembrança. O espelho me devolve o perdão setenta vezes sete, a culpa por ser tão eu que fracasso em ser outro mais perfeito, o remorso pelo que não foi, ou sendo não devesse, a expiação sempre avara e tardia. 16 Devolve a secreta esperança de que tudo seja mínimo e o saldo favorável. O espelho me devolve correnteza, pântano, arbusto, pássaro, nuvem, grão, tumulto. E sedimento, policromia, rebelião. Me devolve shamizen, Marais e a viola da gamba, Harry Partch e sua diamond marimba. Notas: Aba-pe endé: Quem és tu? Em tupi-guarani. Shamizen ou shamísen: intrumento musical da tradição japonesa. Marin Marais (1656 – 1728): compositor francês do período barroco, notável por peças para a viola da gamba. Harry Partch (1901 – 1974): compositor de vanguarda norte-americano. Diamond Marimba: instrumento musical inventado por Harry Partch. Policial militar, graduado em Letras e Direito, o autor é veterano em participações no FEMUP e em outros concursos nacionais de poesia e contos. Tem várias obras publicadas. 17 AMOR vs VIDA _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Valdeci Alves de Almeida Cruzeiro do Sul - PR “Tu apareceste com tua boca fresca” Mario Quintana Dos dez ou doze morri por Rose! Dos doze aos quinze por Denise! Dos quinze aos dezessete, Elizabete! Dos dezessete aos vinte Fabiane foi minha morte seguinte... E crendo já o Tártaro profundo não ter saída, surgiste, enfim, Beatriz, e, com um beijo, transplantaste teu coração no oco do meu peito! E me deste uma nova vida... Graduado em Letras, nasceu em Nova Esperança, mas reside em Cruzeiro do Sul. Já participou e foi premiado em diversos concursos literários, entre os quais o FEMUP. Pela conquista, agradece a Deus, a todos os envolvidos na produção do festival, aos familiares e a sua namorada e musa inspiradora Ângela Maria Cipriano. 18 DES/ESPERANÇA _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Maria A. S. Coquemala Itararé - SP Nenhum reflexo do sol no fio das enxadas, foices e facões. Não brilham os olhos dos fabianos na retirada dos meios urbanos, expulsos pela globalização... Urubus em círculos pontilham o céu sem nuvens. A paisagem é graciliana. Mãos encardidas caçam piolhos aninhados nos emaranhados dos cabelos infantis... Na terra seca se ajeitam, com pouco sobrevivem. Uma voz comanda, António Conselheiro. Biblicamente faz brotar esperanças, do árido chão há de brotar o verde... Terra para os Sem-Terra Canaã. O sol é uma bola dourada no poente. Trilham os caminhos, os poucos trastes carregando... O calor não ameniza, chuva nenhuma. Se chovesse, uma copa de árvore bastaria, habituados à vida sob as pontes... António Conselheiro sabe incluí-los, sem conflitos. Teto para os Sem-Teto... O canavial farfalha verdes esperanças... Canaã. Calor sufocante... Estrada poeirenta... Abre sulcos, o suor, na poeira dos rostos, queimados pelo sol... Miragem? Os olhos se espantam! Lá o verde das lavouras, o azul do lago, pomares, flores nos jardins... Trabalho sobrando para quem chegar munido de vontade. Nenhum contrato, papel nenhum, confiança é documento bastante. Folhas verdes são mensagens de esperança. Emprego para os Sem-Emprego. Canaã. 19 Pela ardência dos caminhos, vêm os marginalizados, mendigos, meninos abandonados, mulheres desvalidas... Repete-se o milagre da multiplicação dos pães. Jorra o vinho de tonéis nunca esgotados... Vinho e pães igualmente repartidos. Canaã E vieram de carro os profissionais liberais, e a cidade se encheu de doutores; vieram de avião os empresários e o azul do céu foi se tornando cinza; vieram de helicóptero os banqueiros e cifrões se infiltraram até nos corações; vieram nos mais variados veículos, os políticos e com eles a corrupção; vieram os corretores e os bens anônimos tiveram possuidores: Com-Terra, Com-Teto, Com-Emprego. O farfalhar dos canaviais se enfraquecia entre as vozes midiáticas... Canaã? Casebres, fumaça, urubus, lixões, crianças na rua, pedintes nas esquinas... António Conselheiro é uma pálida lembrança... Flores do campo crescem na sua humilde sepultura, onde pousam borboletas azuis. Canaã? Nenhum reflexo do sol no fio das enxadas, foices e facões... Não brilham os olhos dos fabianos na anti-retirada dos meios urbanos, expulsos pela globalização. Urubus em círculos pontilham o céu sem nuvens. A paisagem é graciliana... Paranaense, professora de Língua e Literatura Portuguesa, especializada em Linguística. Colunista de “O Guarani”, jornal de Itararé, São Paulo, cidade onde reside. É autora de poemas, crônicas e contos premiados no Brasil e exterior. 20 DIONÍSIO, UMA TRAGÉDIA _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Felipe Figueira Paranavaí - PR e alguma coisa dentro dele iluminou-se para sempre Sossélla I) Sinto-me como um jardineiro cuidando de flores que não são suas, como um marinheiro velejante nessa balsa inglória chamada história a traçar horizontes e construir castelos que não serão seus... nem teus. (virei minha ampulheta) II) Bebi a trilogia da angústia: solidão, companhia e tédio. Brindei os momentos e as ausências, as formas e as carências. Minha ampulheta se volta sempre à “poeirinha da poeira”. (virei minha ampulheta) III) Narrarei o teu amanhã em cima duma ruína augusta em que somente pássaros avessos à luz habitarão... (virei minha ampulheta) 21 IV) Que trágico destino tens gerado em tua vida. Nos moinhos da existência vejo o eterno retornar sempre o mesmo. Fatalidade de muitos... (virei minha ampulheta) V) Goethe, Kaspar Hauser, Hölderlin, Schopenhauer, Wagner, Nietzsche, Benjamin, Adorno, Horkheimer, Álvares de Azevedo, Machado de Assis, Clarice Lispector, Drummond, Mário Quintana, Sossélla. Assim me tornei o que sou. (virei minha ampulheta) VI) Nas cicatrizes do meu espelho verdade e dor sinonimizam-se em Esfinge: “Decifra-me ou te devoro”. Eis minha essência, eis também minha aparência, um pecado original. (virei minha ampulheta) VII) Se a minha dignidade se perder num abismo de mil e uma solidões, que Hermes a encontre para Ariadne. Sou Dionísio... tupiniquim. (virei minha ampulheta) 22 VIII) Entre parênteses vejo o enredo atuar como um diretor de filmes de cowboy que contracena Claire Trevor e John Wayne no velho saloon mascarado. (virei minha ampulheta) IX) O santo, o artista e o filósofo saúdam de longe o gênio em seu segredo mais profundo, em sua inocência mais íntima, em seu instante mais derradeiro. “Quem acreditará que nós acreditamos nisso?” (virei minha ampulheta) X) No itinerário político, fascismo e comunismo encontram seus discípulos, constroem seus pactos, destroem seus críticos... são dois lados duma mesma miragem? (virei minha ampulheta) XI) Sinto-me como um réu envergonhado que desfila de costas em cima dum burro, mas, que agradece a Deus cada segundo por não ter de se preocupar com o Império Romano. Sino da vergonha! (virei minha ampulheta) 23 XII) Devemos existir em nós mesmos se quisermos existir em outros. Nada de novo aparece neste jogo de baralho. A vida, sem a música, continua um erro... (virei minha ampulheta) XIII) Ariadne, cruze os braços àquele que não lhe tratar com respeito. Deita-te, não fique em pé! Colocá-la de ponta-cabeça é optar pela cicuta, vício dos suicidas. (virei minha ampulheta) XIV) Vivo hoje, mas não apenas hoje. Entre crises, risos e crimes nasce um manancial de destinos nesta ave de rapina assassina. Forjo minha máscara, torno-me meu carrasco. (virei minha ampulheta) XV) Abismo, penhasco, paciência, tumba, ilha, aparência, distância, labirinto, clemência, aurora, crepúsculo, ausência, Ariadne, Dionísio, essência. (virei minha ampulheta) 24 XVI) Afasto-me; ela me encontra. Corro; ela está sempre na frente. Tramas, destinos, encontros, abismos. Metafísica real da Ariadne leal. Tragédia; mil vezes vivida. (virei minha ampulheta) XVII) Vejo um horizonte imenso nesta linha asfixiando-se. Vejo uma canoa em movimento e, tão logo, uma fatalidade, uma ponte não encontrada. (virei minha ampulheta) XVIII) Nos versos do poeta, amizades e máscaras tornam-se acordes de solidão. Ai daquele que não afinar o violão! Ai daquele que não souber dançar! Ai daquele que viver da ampulheta... e não se aguerrir! (virei minha ampulheta) XIX) A ampulheta cansou de ser “artista”, de se mascarar e prosseguir as viras da vida. Suas poeirinhas se perderam... na poeira. 25 XX) A ampulheta que se virava perenemente esgotou-se, sua função exauriu-se. O destino de Dionísio, pelo contrário, continuamente reaparece: “Garanta-se – lute -, lembre-se!” Estes labirintos trazem uma brisa agradável e perene, esteticamente vista, tragicamente vivida... Autor de “O corporativismo acadêmico” e “Amplitude e complexidade da ação pedagógica”. É editor da revista Pontes e tem publicações em diversos periódicos de História, Pedagogia e Filosofia. Estuda o pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. 26 ECCE HOMO! _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Gabriel Bicalho Mariana - MG quando o último pôr-do-sol cruzar o nosso horizonte eu vos indagarei : a que servem tantas flores? há verde muito verde pelos caminhos vossos e de mim não teríeis mais que um instante de plena e louca poesia : e deixais-me ainda conduzir os vossos passos de livre e leve bailarina sobre as pétalas tantas de vossas primaveras? no entanto é chegado o inverno e minh’alma permanecerá gelada: tempo de solidão! é quando de repente e sem um vivo aviso cessa a insólita ceifa de nossas estações e frutos sazonados murchamos esquecidos e caímos do galho para o apodrecimento final em retorno ao ventre da terra: 27 morrer é cultuar o sonho que se acaba no reverso! então: quantas borboletas ornamentarão as nossas vidas? tempo de abandono e quereis a mim? ouvi-me: “agora que vos tenho conquistada afastai-vos de mim: talvez zaratustra vos tenha traído!” ainda ficaríeis à cata de flores em nosso inóspito e sombrio jardim? quando o último pôr-do-sol cruzar o nosso filme eu vos devolverei todas as primaveras! mas a que vos servirão tantas flores? zaratustra impreciso preciso outonar-me na gaia ciência entre o que se faz efêmero e a nossa permanência! Delegado da União Brasileira de Trovadores (UBT) de Mariana, Minas Gerais. Membro correspondente da Academia Brasileira de Trova (ABT), do Rio de Janeiro, e da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais. Fundador e Presidente da Aldrava Letras e Artes; Jornal Aldrava Cultural e Editora Aldrava Letras e Artes. Já publicou cinco livros. 28 OS ÁTILAS _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Adriano Wintter Porto Alegre - RS até o fim seremos hunos, caçando a presa do sexo (o terno antílope do afeto sequer interessa) por estepes de ouro tundras de prata e de cetros cavalgamos, saqueadores a pisar (oh prazer!) o crânio flébil das flores somos os broncos que nas grutas sob espessa neblina de frituras, nicotina ao recordar o Eterno (porque cansados ou ébrios) “o Eterno!” “o Eterno!” correm ao totem da web ou adoram dvds que amenizam o tédio iluminado, talvez algum de nós vira místico monge, poeta – um dentre milhões! – então, maior que a chibata e melhor que o desprezo a incompreensão é o castigo com que o banimos até o fim mijaremos no cadáver das preces e diarreias poremos na goela dos versos 29 para nós um arbusto será sempre um arbusto uma pedra uma pedra a mulher a mulher não importa o crepúsculo o perfil níveo da árvore um voo vermelho de pássaro lua e estrelas, para nós? são referências geográficas só tememos os olhos de nossas crianças por isso violamos sua carne tão cedo: que se pervertam que cresçam a pureza a pureza é o inimigo! só vencemos fraquezas com delícias e vícios - eis o segredo da rudeza perpétua até o fim seremos: átilas Gaúcho de Porto Alegre, onde reside, o autor permanece inédito e participa pela primeira vez deste grande festival. 30 QUARESMEIRAS E OUTRAS PAIXÕES QUE NÃO ROXEAM _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Éder Rodrigues Belo Horizonte - MG As quaresmeiras de outrora sentenciavam aqueles tempos : cobriam o chão de roxo bordando rastros nos meus pés. I - Ramos A barba de vovô crescia naquela época e encobria os cantos-desertos do seu rosto todo. Devia ter areia demais na vida dele. (Quando os rastros desaparecem no chão e a saudade pesa no corpo, falta já não faz a terra que tão logo sepultará àqueles que caem pela cruz enraizada nas costas.) Vovô tinha silêncios de doer quaresmas inteiras. As palavras em abscessos morriam na sua boca. Eu ainda não tinha pelos na face e os que vingavam eram arrancados à força. (Medo em deixar de ser menino) Por isso demorei o quanto pude nos alçapões, nas rolimãs, no gude das bolinhas de vidro, nas pipas que prendia em linha com cerol ralo para que voltassem sempre para mim. Gostava de pedir a benção e sentir o frescor dos ramos e dos domingos que banhavam o resto daquela infância. II - Da paixão Tardei a deixar de chorar naquelas sextas. Noturno por não saber quem era, apalpava meu corpo olhando fundo no peito de São Sebastião. Verde na moldura e sozinho no olhar. (O retrato dele e os sorrisos envelheciam pregados na parede). Eu já sentia na coxa uma fisgada que lembrava fogo Um sopro no coração que encharcava a cama 31 Uma cruz que pingava morte nas raízes frouxas do que parecia amor. Num desses dias santos, de palha seca no quintal, vovô resmungou que toda mulher escondia no dentro dela um gosto de vinho seco. Falou isso e caiu ébrio por sobre o vinil, que tocou mais tarde Dio como ti amo no meu ouvido. Na frente de casa, uma quaresmeira roxeava a sola de quem por ali passasse. Tempo de jejuar do corpo. Tempo em que menino acendia o fogão de barro, para tocar no dolorido da memória coisas que já não ardiam. (Desejo-mingante em pegar pirilampos com as mãos) Na quaresma de nossa família : parentes vinham de todos os cantos. O cheiro de Minas vindo da cozinha, temperava minha vontade em provar do mar. Forjava saudades no gosto que eu achava que tinha. (Mas do mar mesmo: só a salmoura dos peixes) Vinham todos chorar a morte do Cristo que já sabiam vivo no terceiro dia. O viço daquelas noites rasgava meus olhos, que cediam aos limites de minhas calças curtas. Do fogaréu, eu guardava a distância, frente ao medo de inundar a cama ou de matar os sonhos com a ardência do querosene. Mamãe espremia os seios fartos de solidão e arregalava os olhos quando Verônica no agudo que nina acalmava seu ventre vazio. A procissão arrastava velas e discórdias O véu vedava ainda mais o silêncio das mulheres E os homens fingiam respeito na missa, enquanto coçavam na barba o gosto pelo resto de cachaça amoitada no assoalho. Menino, eu provava destes esconderijos. Já sabia das latas amarradas nos pés das vacas, dos mistérios do joio e do trigo. Só não sabia ainda como chorar a tristeza dos homens sufocada no cortejo dos carros de boi. Alegria em ver gente andando sem saber porquê. Em ver gente rezando sem saber o quê. Andava espiando mantos, imaginando o gosto da hóstia, sentindo o corpo de Deus derreter na minha boca. 32 Não sabia pedir perdão. Nunca soube o ato de contrição de cor (Para mim: Deus largava de tudo e ia ser menino quando o incomodavam com tanto choro). E todos nós, depois dos pés lavados Esquentávamos o corpo, como se lá fora fizesse frio. Enganávamos o sono com as carrancas do caminho. Na parede o sagrado coração aguardava o jejum desfeito para se calar no sepulcro inviolável daquelas noites. Iam dormir, enquanto eu bicava aguardente no céu e provava do inferno do corpo. O menino que tinha medo de deixar de ser Não teve berço. Não beijou mulher. Não sangrou no primeiro dia do gozo. III - Da aleluia Na casa de vovô, quase não se falava nessa época. (Nem em qualquer outra) O farpado da cerca afastava os bichos A matraca impunha medo. O peixe da sexta era o mesmo de sábado. Reproduziam a ceia, como se a fartura que sacia pudesse ser servida à mesa. E não havia sangue. (Só naquela sexta em que Rosinha virou mulher) E não se comia carne. (Só naquela paixão de quando amanheci homem) A fumaça completava o cio num caminho próprio, adentrando chaminés e deixando cinzas, rumo ao avesso da terra. Para apagar o fogo, vovô cuspia silêncios e limpava com a língua a falta dos dentes. (Não entendiam a loucura dele). Os feixes gritavam a inquisição próxima e morriam junto ao que me era incerto, e que ainda nem sabia o nome. Jejuei do corpo que me molhou os pêlos Dos parentes que aliviavam a febre no escuro De Sodoma que ardeu no fogão rasteiro movido à lenha molhada. (Paixão que vinha em lábios sem batom) Lá todos dormiam cedo, enquanto eu esperava as aleluias encherem o céu de salvas 33 para que sozinho ousasse arrepios pelo corpo afora. Era essa minha maneira de ser devoto. Esta a sacra via do distante para o fundo de mim. O que não era grito. O que não era choro. Os pecados que escorriam por medo de não morrer. Cor sanguínea a daqueles tempos! Em que a pão e água descobria morrer nas barbas de vovô e no baldio de mim a falta que eu ainda não tinha. Sumidouro dos primos. Semana santa a esperar no corpo, uma ciranda ainda sem leito. Judas ardendo pelo fogo que enlutei por ele. Saudade para mim tinha gosto de ferrugem e a forma de violetas pisoteadas ao chão. IV – Da ressurreição Quaresmeiras de dias mansos sulcadas pela primavera que não conhecem. No terceiro dia, eu sempre subia aos céus, e lá de cima perdia no dentro de mim a enfermidade do meu corpo-causa, o prazer do meu catecismo-amém. O cansaço das minhas mãos perpétuas pelos domingos sem espuma. (Alegria de manhãs sem chocolate) Tempos que não cicatrizam o esfolado da meninice em vão. No derradeiro silêncio a gente encharca pomada, senão a chaga alastra em carne viva. Acenos à fumaça onde embarcamos as marias que aliviam nossos desejos deixados para depois. (E eu querendo continuar menino nessa memória fraturada em pecados que viveram por mim) A barba de vovô foi migrando aos poucos. E o silêncio dele, já morava em mim, quando bempertim ele deixou escapar naquele derradeiro sopro “que paixão era o pior trem da vida”. 34 V – Nos tantos domingos do tempo comum O menino morreu numa sexta que agora chega sem ninguém. O desejo envelheceu ao dormir sem sono naqueles quarenta dias das mesmas rezas, junto às cinzas do fogão em brasas. Será que também deixei a areia matar meus passos ou desertar meu rosto? Após o terceiro dia de tantos tempos, ressuscitam ainda as chamas que sangravam na paixão das sextas. O impossível de toda crença vasculha solidão no quase branco de minhas próprias barbas. Tantos domingos enterrados a sete palmos no berço que vovô levou para colecionar a sua maneira íntima de rezar assim. Eu devia dizer tudo que ele calava naquele tempo de deserto e outros escuros. Mas cansado por tanta vida, paixão e sorte Foi migrando da minha boca um silêncio vivo, como se palavra fosse. Sufocando a voz rouca e cansada, que morre pedindo benção ao dizer: “Você viu a minha infância por aí?” *** As quaresmeiras de antes hoje não dão mais flor : cobrem o chão de nada e roçam as paixões que não chorei. Poeta, contista, dramaturgo e ensaísta. Recebeu os prêmios: SESC de Literatura (2008), Josué Guimarães de Literatura (2009) e foi três vezes finalista do FEMUP na categoria poesia. 35 RASANTE _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Ricardo Viola Lambari - MG De Heliodora a Grão-Mogol, de Jesuânia ao Urucuia, da Serra das Almas a Lambari, aquela noite todo mundo viu. o quê ? no céu ? Metade rezou, um terço estava de fogo e parecia habituado a ver Mãe-do-Ouro passar. Um sexto correu a comparar estrelas. Na Mata da Sanfona e na Pedra do Tatu, todo mundo viu. O prefeito pensou que era o Dilúvio, Simeão gritou que era gol, e Rita Maria me mostrou a lua, me pegou pela mão. Um bando de violas disparou. E oito relógios-cuco também. A chaminé pensou que era greve, o general achou que era chuva. O gato miou. A estrelidão toda piscou, cúmplice, e pegou a rir. A estrelitude toda de Minas, e diz-que do mar também. O invencivel Padre Getulio continuou a jogar xadrez, mas supôs que finalmente era o dia de levar o primeiro xeque mate, só sobrarem os bispos. Se os cavalos fugiram, e a rainha badalando sem parar não estava na Capital. 36 -1As montanhas rugiram. As meninas sonharam com sapos. Os vereadores tropeçaram. Os deputados se delataram ao sair da festa com garfos no bolso. Na Toca do Urubu e na Residência Oficial, o termômetro excedeu todos os graus do mercúrio. “Começou lá na roça”, alguém boatou. E as bancas de bicho pagaram em dobro, num superavit comercial. “Começou lá na selva”, alguém cochichou. E o batuque ferveu. A cruz se tornou espada e a espada virou borracha. O canário cantou. “Em plena noite ?”, perguntaram. E se olharam, vendo assombração, vendo assombração, vendo assombração. Súbito, o crioulinho se levantou, e, angelicalmente calmo, disse: “Uai, gente, não é nada.” E desligou o radio, bem na Hora do Brasil. -2É compositor e canta, toca flauta, violão, viola caipira, bandolim e teclado. Já gravou um disco e está preparando um novo álbum. Executa há mais de 25 anos um trabalho de pesquisa do folclore musical do Sul de Minas Gerais. É integrante de grupos de congada e folia de reis. Também é poeta, contista, cronista e tem dois livros inéditos. 37 RITO DE PASSAGEM _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Angra Belém - PA Passei horas diante do espelho não por mim (mas) por ele vi que meus olhos estavam tristes rasos d´água me planteirepintei-me raiz me fiz bonita ao pé da noite até sorri estanquei lágrimas veio o frio, veio o negror nebulosasnão por mim as estrelas cadentes (mais) por ele os presságios (voltas quando?) me entregava, amante ecoa ainda penélopepela casa ao vaziopelo espelho que a distância impelia aço entrem em casagolpe voltei ao espelho relógio (quando voltas?) imantou-se na noite mergulheiespera e sonho De Belém, Pará, a poeta que também é letrista já participou como compositora de alguns festivais de música. 38 BRINCO DE LEMBRAR _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Daniel Retamoso Palma Santa Maria - RS Venho do interior do menino que já fui... fui... fui desmaiar pandorgas bem longe do arraial fui dono de circo de miniaturas e carcereiro de impérios de quintal menino fui... fui caçador e fui refém mas por Júpiter, que fui imperador também! e daqueles que dão pão e circo ao povo imaginado Aliás, para o meu circo, não havia lonas para os meus prisioneiros, não havia celas... fazia meus templos em vidros de café cortando cheiro às travessuras que a mãe da gente tem faro farol e pouca fé nos santos milagres que a gente esconde Apanhava cigarras quais frutas cantantes às árvores do pátio – onde meus cortes e minha corte em palmo de terra plantava arenas para colher, das formigas, meus gladiadores caçava borboletas, libélulas em bando caçoava do sol que me roubava os dias com lampiões de vaga-lumes a respirarem luz dentro das noites de betume Por fim, brinco de lembrar que fui carcereiro de impérios de quintal prendia cigarras e formigas prendia até a res-piração do sol e de poças rasas eu pescava pérolas Brinco de lembrar que eu também sabia libertar meus helicópteros das libélulas Brinco de lembrar que o meu império virou ruínas e um menino vem de mim prender o choro, confesso... Brinco de lembrar que à tua orelha, menina foi que eu prendi meu primeiro verso. De Santa Maria, Rio Grande do Sul, já foi premiado várias vezes no Concurso Literário Felippe D’Oliveira. Teve um poema finalista do 42º FEMUP em 2007; duas menções honrosas no Prêmio Nacional de Poesia, em Ipatinga, Minas Gerais, em 2007 e 2009. Ficou em 2º lugar no Prêmio Sesc de Poesia Carlos Drummond de Andrade, de Brasília, Distrito Federal, em 2008. Também recebeu outras premiações. 39 EU VÔ FIÁ NO MEU FUSO MIÃ LIÃ D’HORIZONTE _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Joilson Melo Ibotirama - BA Eu sô caboco andario Sei dos camim do sertão Faço calo em miã mão Construino um novo trio Versos do meu istribio São da miã vida a fonte Nasce o sol distrais do monte Miã mente in parafuso Eu vô fiá no meu fuso Miã liã d’horizonte Sô da caatinga sufrida Lumiada em candiêro No açoite derradêro Duma alma disvalida Tem coraje distimida Qui desse suó da fronte Cum as nutiça de onte Soluço triste e confuso Eu vô fiá no meu fuso Miã liã d’horizonte Água mina dos meu zoi Eita qui vida marvada! Na panela quase nada No peito sodade dói A seca qui nus distrói Tem força de mastodonte E antes qui me confronte Com um palpite de intruso Eu vô fiá no meu fuso Miã lia d’horizonte O meu ferrão istradêro Duma navaia afiada Será o fim da jornada? Num galope bem ligêro Foi o canarim chapadêro 40 Qui vivia aqui cantante Cum essa água zoante Pescadô fica confuso Eu vô fiá no meu fuso Miã liã d’horizonte Pote seco da sodade Gamela,cuia e bruaca Cala te boca,matraca! Viveno sem vaiadade Mesmo cum toda verdade Dá natureza gigante Teço balaio e barbante As veis eu cunsulto os buso Eu vô fiá no meu fuso Miã liã d’horizonte Ocê nunca sintiu fome? Nem muito meno trumento? Pergunte eu,meu jumento! Sofro martiro,seu homi! Eu nem tenho um sobrenome Mas nun vô pulá da ponte E quando fico difronte Isperto,as veis eu fujo Eu vô fiá no meu fuso Miã liã d’horizonte Inquanto tivé istrada Inquanto raiá o dia Vô rasgano a noite fria Infrentano essa jornada Abro portêra e picada Carregano o meu simonte Antis qui a gripe disponte Pra vacina ser incluso Eu vô fia no meu fuso Miã liã d’horizonte Onde panela num freve O fio chora cum fome E a mãe ali não drome Burocracia num serve Tomara qui a morte leve 41 Todo esse povo irritante Arriscá,sonhá,mutante Acho lindo,sô cafuso Eu vô fiá no meu fuso Miã liã d’horizonte Natureza né curpada Das demanda do sertão Os home fais da razão Binifiço da iscalada Sem sintido da risada Do sonho de Zé do monte Mas isso ai foi dontonte Honradez ta in disuzo Eu vô fiá no meu fuso Miã liã d’horizonte Quem tem fé um dia tem E vive cumo cristão Ispantano a solidão Procuro fazê o bem Nessa terra de ninguém Nunca penso em remonte Nunca gostei de turbante Mas chapéu de côro eu uso Eu vô fiá no meu fuso Miã liã d’horizonte Poeta, compositor, coordenador do Ponto de Cultura Tarrafa Cultural. Possui premiação em vários festivais de música e poesia na Bahia. 42 43 COMISSÃO JULGADORA ANDRÉ FRANCO, mestre em Direito Processual. Professor adjunto do Curso de Direito da Universidade Paranaense – Unipar. Membro fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí. Autor de livros e artigos científicos. DAVID ARIOCH, graduado em jornalismo, é especialista em crítica de cinema, documentarismo, jornalismo online, jornalismo cultural, jornalismo literário e novas tecnologias da comunicação. Coordena a página DN Cultura, da Fundação Cultural, publicada aos domingos no Diário do Noroeste. Também é jornalista freelancer e proprietário do blog de temáticas regionais David Arioch – Jornalismo Cultural. O endereço é http://davidarioch.wordpress.com. MARIA ESTHER FEREZIN CAMARGO, graduada em letras pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Tem pós-graduação em Métodos e técnicas de ensino pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e Universidade Aberta do Brasil (UAB). Sempre atuou na área de educação como professora ou coordenadora pedagógica. Também desenvolve atividades de formação de grupos de contadores de estórias. RAFAEL PETERMANN, natural de São Carlos do Ivaí (PR), é acadêmico do curso de Letras da FAFIPA e professor da rede municipal de educação de São Carlos do Ivaí e da rede privada de ensino de Paranavaí. Atua como pesquisador do projeto “Literatura, Memória e Oralidade: práticas narrativas da região noroeste do Paraná”, coordenado pela Professora Elmita Simonetti Pires. Também é bolsista do PIBIC (FAFIPA-Fundação Araucária) com o projeto “Literatura e Oralidade: do causo à história e ao conto”. FRANCIS DE LIMA AGUIAR, professor de Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Médio, graduado em Letras (FAFIPA), especialista em Literaturas de Língua Portuguesa (FAFIPA) e mestre em Literatura Comparada (UEL), com enfoque nos contos de Lygia Fagundes Telles. 44 A PEROBA VIVE Parreiras Rodrigues Santa Izabel do Ivaí - PR CONTO NÚMERO QUATRO Ubiratan Moreno Soares Santos - SP SAMARICA ENROLADEIRA DE PITO Ernesto Silva Dianópolis - TO ÚLTIMO DOMINGO AO MAR Éder Rodrigues Belo Horizonte - MG UM QUASE SOLITÁRIO Gustavo Cardoso Paranavaí - PR FLORAÇÃO DAS GABIROBAS J. H. Henriques Uberaba - MG ELA NÃO ERA MARIA-CHUTEIRA Cristina Leite Goetten Paranavaí - PR O DENTE E A FRUTA Marcelo Biar Rio de Janeiro - RJ 45 A PEROBA VIVE _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Parreiras Rodrigues Santa Izabel do Ivaí - PR Uma viagem de jardineira da Aza Branca de Santa Isabel do Ivaí até Paranavaí demorava quase um dia inteiro, isso em 1954. Tinha até parada de almoço no hotel da família Sirena, em Planaltina. Quem não almoçava, a maioria, engolia um arregala-zóio ou um engasgagato, uns bolinhos secos que para descerem goela abaixo precisavam da ajuda de um guaraná Garoto. Em cima do ônibus, que tinha uma escadinha na traseira, se amontoavam sacos e malas de fibra que eram recheados de tudo quanto era coisa de uso pessoal e mais moinho e torrador de café, panela, frigideira, caldeirão, penico, foice, machado, enxada, gaiola de papagaio, cachorro amarrado, cartucheira de dois canos, quadros de santos, corotes d’água, mantas de jabá, rolos de fumo e tonéis de pinga. O chofer era autoridade e o cobrador bastante respeitado quando exigia mais um passinho prá trás. Tempo seco, areiões de cinco quilômetros. Chuvoso, Deus nos livre da subida do córrego do Paixão, logo depois da Jurema, hoje, Amaporã. Pontas de eixo, feixes de molas, parafusos de centro quebrados, eram a alegria do nosso Koike e do patrão do Trajano, o velho Bergamini, o pioneiro de auto-peças na antes Fazenda Brasileira. Radiador fervia, viajantes solidários na busca da água nas minas e nos córregos da beira da estrada. Ônibus encalhado, todo mundo, “inté muié buchuda”, descia prá empurrá-lo. O converseiro dentro da jardineira era quase um só: “Vô buscá a véia e os meninos que ficaram em Teofótoni”, “Toinho sarô da caganeira e danô cume. Tá gordo qui nem um cachaço”. Prosa correndo solta e jardineira comendo chão. Quando pegava quarenta, os passageiros se espantavam: “Virge Nossa Senhora da Aparecida, agora danou-se!”. O homem no último banco – a chamada cozinha, pensou: “Na volta, depois de levá Lelo pro dotô Zé Vaiz, vô metê o trançador naquela peroba no meio do terrerão”. Apagou a brasa do palheiro entre o polegar e o indicador, ajeitou a bituca na orelha encostada no cabelo pixaco, abraçou o menino, fechou os olhos e cochilou. Cochilou e sonhou com o moleque lhe pedindo: “Pai, derruba a peroba não... nela tem um ninho de maritaca e uma abeiarada de mé”. Pacheco Preto acordou, esfregou os olhos, encostou a mão calo só na testa 46 do filho e sentiu febre não. Beijou a medalhinha de Nossa Senhora de Fátima que trazia pendurada no pescoço e pensou um graças a Deus para a sua devoção. Lá do fundo da jardineira, o negrão gritou pro Mané Dantas, motorista da Aza Branca: “Breca a jardineira aí, cumpadi. Vô apiá aqui mesmo!”. O ônibus já estava no Córrego do Joaquim das Éguas, pertinho de Paranavaí. Desceram pai e filho. Andaram uns quilômetros a pé quando pegaram carona num caminhão de toras até chegarem ao café do Domingão na beira do Todos os Santos. A peroba está lá até hoje: seca, preta, desfolhada. Sem ninho de maritacas, nem colmeia de abelha jataí. Ninguém meteu o machado nela não. Jornalista e ambientalista. Autor dos livros “2 de julho” e “Coco”. É idealizador dos projetos Cultivo do coco no Noroeste do Paraná, Muralhas Verdes, Bebedouro e Plantio de bambu para erradicação de voçorocas. Escreveu o poema “A árvore e eu”, transformado em peça e apresentado no Teatro Guaíra, em Curitiba, em setembro de 1983. Com a obra “Terra Pelada” obteve um 5º lugar no FEMUP e um 3º em concurso literário em Pato Branco, no Sudoeste Paranaense. 47 CONTO NÚMERO QUATRO _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Ubiratan Moreno Soares Santos - SP Quando mudamos para o dois quartos da Pedro Américo, os americanos acabavam de descer na Lua com a Apolo 11. Considerando as condições do lugar de onde eu vinha, morar próximo ao Gonzaga era para mim um salto equivalente àquele dado pelos norte-americanos ao pisar naquele nosso satélite. No início, um dos quartos era inteiramente meu, era o máximo, eu me perdia nele. Agora teria onde me masturbar seguidamente sem ser incomodado, por isso, colei nas paredes os vários calendários que resgatei no lixo duma oficina mecânica, apesar de sujos de graxa eles continham imagens celestiais. O meu imenso quarto tinha uma janela, dessas que se abre puxando uma fita de lona. Ela dava para o imenso quintal de um casarão antigo, vizinho ao nosso prédio. O número do prédio de dois andares era 74 e do nosso apartamento no primeiro, 34. Foi aí que eu passei a implicar e gostar do número 4. Em meus lúbricos sonhos solitários comecei a imaginar, teria quatro mulheres, com cada uma delas teria quatro filhos e cada um deles me daria quatro netos, e por aí vai. Uma coisa legal que havia no tal quintal era um frondoso pé de carambola plantado logo abaixo de minha janela retrátil. Lembro-me de ter perdido noites inteiras maquinando uma forma de pegar pelo menos umas das suculentas carambolas que teimosamente amadureciam inalcançáveis bem na direção da minha janela. Tentei de tudo, mas desisti, meu esforço nunca rendeu sequer uma carambola daquele pé. Hoje, é só eu ver carambolas a venda, seja na feira ou num mercado, não resisto e compro. É um fruto que me atiça a memória e me traz muitas lembranças, algumas doces, outras nem tanto. É lógico que eu também não consegui ainda ter as quatro mulheres que planejei, talvez por isso, eu continue me apaixonando tanto. O sonho de meu quarto exclusivo durou pouco. Minha mãe, alegando estar colaborando com a sobrinha de uma colega de trabalho e ao mesmo tempo aliviando-se do peso do aluguel do apartamento, resolveu sublocá-lo. Claro que percebi que o segundo argumento era muito mais consistente que o primeiro. Afinal, o aluguel de um apê como aquele, próximo ao Gonzaga, era muito pesado para uma comerciária que vivia de parcos salários e irrisórias comissões. Por isso, me resignei e sem reclamar aceitei transferir-me para o sofá da sala, sem meus calendários, que retornaram para o baú de tranqueiras. Francamente, a primeira impressão que tive de Ana não foi muito satisfatória. Acho que o fato de ela ser nove anos mais velha que eu pesou muito. Naquela época, nove anos era uma diferença e tanto, eu tinha acabado de sair da puberdade, fazia pouco que experimentara o primeiro orgasmo. Sentia-me quase um super-homem, minhas tensões não dependiam mais das involuntárias e incontinentes pululações que em alguns casos me deixaram em 48 maus lençóis. Agora eu tinha em minhas mãos o controle do mundo. Por isso talvez eu me interessasse e me excitasse muito mais pelo corpo carnudo e bem definido de Maria Rita, uma negra de dezoito anos que costumava fazer faxina, a cada quinze dias, no “apê”. Eu ficava esgotado nesses dias, ela costumava usar roupas de algodão fino e, provavelmente, por sentir-se mais a vontade, dispensava as peças de baixo a medida que a faxina avançava. O tecido de sua saia e blusa grudava no corpo molhado de água do tanque ou do seu próprio suor, eu enlouquecia maravilhado com a exuberância das curvas insinuantes da bela negra. Não preciso dizer que eu acompanhava minuciosamente todos os gestos e movimentos de Maria Rita, com pequenos intervalos no banheiro pra descarregar a tensão acumulada. Eram esgotantes essas faxinas quinzenais. Ana não me empolgou. Era branca. Mais que isso, pálida. Cabelos ruivos descoloridos, usava roupas simplórias e largas, quase desleixadas. Suas vestes impediam que eu pudesse fazer qualquer avaliação abusada do conteúdo. Como disse, não me interessei muito por ela. Muito pelo contrário, havia algo nela que me incomodava, não pelo fato de ocupar o meu quarto, mas o seu olhar. Ana tinha olhos claros e tristes, mais que tristes, melancólicos, amedrontados. Assim, mesmo com a chegada de Ana, minha atenção continuou dirigida para as grossas coxas e seios rijos de bicos saltados da bela negra Maria Rita que perambulava faceira por minhas orgias imaginárias. No final daquele ano o sacrifício de dormir no sofá da sala finalmente foi recompensado, minha mãe comprou uma televisão, uma maravilhosa Colorado RQ. Até hoje não sei o que significa esse RQ, mas era o máximo ter uma televisão. Agora eu poderia ver TV na minha própria casa. Outra maravilha tecnológica que minha mãe adquiriu naquele mesmo final de ano foi uma geladeira, uma Gelomatic. Esta, além de refrescar meus dias, contribuiu com meus lúbricos sonhos eróticos, pois passei a dividir meu tempo assistindo a TV e admirando excitado o enrijecimento dos bicos dos seios de Maria Rita toda vez que ela abria a geladeira pra pegar a garrafa de água. Impressionante a sede que eu sentia naquele tempo. Foi a partir dessa época que comecei a reparar com um pouco mais de atenção nossa triste inquilina. Ana era muito estranha, não assistia aos dramáticos capítulos do faroeste nacional Irmãos Coragem, mas bastava o Cid Moreira anunciar com sua indefectível voz que em Brasília já eram vinte horas, ela pedia licença e acompanhava atenta o “Jornal Nacional”, decididamente uma atitude pouco feminina. Era costume nessa época assistir televisão com as luzes apagadas. Assim, de meu canto, na ponta do sofá bem em frente da poltrona de curvim onde ela geralmente se acomodava, eu aproveitava a penumbra e olhava ela com bastante atenção. Um dos poucos luxos que Ana se dava era o longo tempo que gastava no chuveiro, coisa que irritava minha mãe, incomodada com a conta de luz. Já a minha preocupação era outra, conseguir desobstruir a fechadura da porta do banheiro para que eu pudesse fazer uma avaliação 49 mais precisa dos atributos físicos dela. Infelizmente, repeti o insucesso do caso das carambolas, não consegui superar esse desafio. Decididamente, me convenci que engenharia não era o meu forte. Aconteceu numa noite calorenta de abril, eu assistia um episódio do “M.A.S.H.”, série imperdível que passava no Canal 4, Ana veio até a sala, acabara de sair do banho, por isso recendia a sabonete Palmolive, e sem dizer palavra sentou-se na poltrona em frente ao sofá em que eu estava espalhado. O Alan Alda e outros malucos conseguiram arrancar sorrisos comedidos dela que, ao terminar o filme, inesperadamente perguntou-me: - Você gosta desse seriado? Desconfiado, respondi: - Gosto, esse é o meu preferido. Minha resposta agradou Ana que, de forma ágil, cruzou as pernas na poltrona. Um ligeiro arrepio percorreu meu corpo, ela vestia um short de flanela bem largo, isso me permitiu vislumbrar, apesar da penumbra, as dobras internas de suas coxas. Ela continuou: - Você sabe qual guerra que essa série trata? A série se passava num acampamento médico em meio a uma guerra que eu não sabia exatamente qual era, mesmo assim arrisquei: - Acho que é na Coréia. Respondi inseguro. Ela se impressionou com a resposta, e antes de fazer nova pergunta fez outro movimento com as pernas, alguma coisa começou a crescer em mim: - Isso! Agora, você sabe quando e por que aconteceu essa guerra? Menos preocupado com a guerra, e mais interessado em manter aquela conversa esperando outros movimentos de minha interlocutora fui bem franco: - Não tenho a menor idéia. Naquela calorenta noite de abril, eu fui informado que o mundo estava a beira de uma terceira guerra mundial, isso por conta do imperialismo norte-americano que em sua sanha de defender os interesses das grandes corporações multinacionais, ameaçava o mundo livre. Fui informado também que a guerra da Coréia tinha ocorrido entre 1950 e 1953 quando os EUA, liderando uma força multinacional de países fantoches, reagiram a tentativa de libertação promovida pelo grande líder da socialista Coréia do Norte, Kim Il Sung. Ana me explicou que essa guerra foi o primeiro embate entre o mundo livre e o império capitalista dominado pelos ianques, um conflito que, segundo ela, era chamado de Guerra Fria. Acompanhei com bastante atenção o discurso empolgado de minha vizinha de cômodo. A televisão ficou ligada apenas para iluminar com seu brilho os movimentos cada vez mais descontraídos dela. A descontração foi tanta que eu não consegui acompanhar seu entusiasmo ao falar sobre o que tinha ocorrido em Cuba e de um cara com nome de gaúcho, acho que um tal de Tchê. Mas naquelas alturas eu não cabia em mim. 50 Foi então que comecei a perceber que Ana, apesar de não ter as curvas fortemente delineadas de minha musa Maria Rita, tinha outro tipo de atrativo, eu não sabia bem ainda qual era, mas ela tinha sim algo especial, algo que aprendi a gostar, ou melhor, a desejar, mesmo sabendo que ela tinha idade pra ser minha mãe. Resolvi então dar mais atenção ao Cid Moreira e menos atenção ao João Coragem. A cada episódio do M.A.S.H. que eu e Ana assistíamos no escurinho da sala, eu ficava embriagado pelo cheiro de sabonete Palmolive e pela visão delicada das pernas brancas dela displicentemente cruzadas na poltrona. E a cada noite dessa eu aprendia um pouco mais sobre a tal guerra fria. Interessei-me muito sobre a questão do Vietnã. Ana contou-me que naquela região chamada de Indochina, em 1955, o povo liderado pelo partido comunista conseguiu libertar-se do domínio colonial francês, mas novamente a cavalaria Ianque, a serviço do capitalismo internacional e contra a liberdade, resolveu meter o bedelho e criou no sul da península um Estado tutelado, o Vietnã do Sul, isso explicava a guerra que estava acontecendo por lá. Mas, segundo Ana, os gringos não perdiam por esperar, o grande Ho Chi Min iria dar uma lição neles. Fiquei fascinado com a explicação dada por minha colega de poltrona sobre o que estava acontecendo no Vietnã. Naquela época, era comum eu ver nos telejornais imagens de uma guerra que estava ocorrendo naquele outro lado do mundo. Eram imagens dramáticas, não pareciam em nada com os empolgantes filmes de guerra que eu gostava muito. Neles, os soldados vestindo belas fardas eram leais e nunca morriam, ao contrário, sempre voltavam pra casa, onde bonitas namoradas os esperavam. As reportagens sobre a Guerra do Vietnã não eram bem assim, nelas apareciam em imagens confusas, soldados maltrapilhos fumando cigarros amassados, com caras de bobos e, em geral, estavam sempre correndo e carregando em macas corpos ensangüentados para dentro de helicópteros sem portas. E misturado em meio a estes soldados, eu via crianças magérrimas com cara de chinês, e chineses magérrimos com cara de criança. Aquela guerra não seguia os roteiros dos filmes de guerra. Com o passar do tempo, meu interesse por Ana aumentou muito. Desisti de resolver o problema da fechadura do banheiro e me dispus a fazer de tudo pra agradá-la, e pra isso eu percebi que precisaria fazer o que ela fazia e muito, ler. Ela sempre trazia livros consigo e enquanto assistíamos novelas e filmes, Ana ficava trancada em seu quarto. Eu sabia que ela estava lendo. Então eu precisava ler e aprender sobre as coisas, pois não queria que ela me visse como um garoto babaca adolescente que estivesse, somente interessado em suas delicadas pernas. Eu queria que ela gostasse de estar comigo naquela sala tanto quanto eu gostava de estar com ela. Neste ponto, é importante explicar que além de assistir televisão, acompanhar as faxinas de Maria Rita e descarregar as tensões acumuladas em sucessivas sessões no banheiro, não necessariamente nessa ordem, eu 51 também estudava, quero dizer, eu ia a escola. Entretanto, no ano anterior, ano de importantes mudanças, afinal, além dos americanos terem caminhado na Lua e eu ter mudado pra perto do Gonzaga, eu também tinha mudado de escola, e outra coisa, a escola também mudou, ou seja, foi muita mudança pra minha cabeça. Depois de fazer o exame de admissão fui estudar no Ginásio Marquês de São Vicente, um prédio antigo de janelas enormes voltadas para o canal 2. Para ir a escola, eu pegava um ônibus, o Circular 21, e quando chegava perto dela, eu dormia e quando acordava estava em São Vicente. Eu aproveitava pra ficar passeando na praia do Gonzaguinha. Acompanhava os pescadores perto da Ponte Pênsil ou subia o Morro dos Barbosas e ficava lá de cima admirando a bela paisagem. O ano foi passando e eu passeando em São Vicente, lógico que tomei bomba. Neste ano que começava, eu estava disposto a levar as coisas mais a sério, mas surgiu outro problema. Logo no primeiro dia de aula a diretora da escola explicou que por causa da nova lei, aprovada no ano anterior, uma tal de LDB, não entendi muito o que ela explicou, só sei que a partir daquela tal lei não era mais ginásio o nome do nosso curso, era Primeiro Grau, e que também não teria mais o tal de Exame de Admissão. Mas o que percebi de cara foi que meu número na chamada, que sempre ficara entre 28 ou 29, passou a ser 53. Quer dizer, não dava mais pra arrumar um canto na sala de aula pra dormir sossegado, muito menos pra prestar atenção nas aulas, então resolvi colaborar. Eu descia no ponto da escola e ficava sentado na mureta do canal 2 olhando o amontoado de alunos dentro da sala de aula. Aos poucos, me enturmei com um pessoal e, juntos, passávamos agradáveis horas naquela mureta vendo de longe as aulas acontecerem lá dentro. Não preciso dizer que estava a caminho de tomar outra bomba. Decididamente, se eu quisesse aprender alguma coisa, não seria na escola que isso iria acontecer, eu teria que me virar por conta própria. Resolvi mergulhar de cabeça na literatura. Até que eu me considerava um cara letrado, eu colecionava gibis, guardava satisfeito alguns números do “Mandrake”, do “Fantasma”, do “Tarzan”, do “Billy de Kid”, e, meus prediletos, três edições especiais dos “Sobrinhos do Capitão” lia-os e relia-os, era divertido. Na sessão de obras raras, a grande relíquia que eu possuía era um pequeno “catecismo”, nome dado a uma sagrada e caríssima revistinha, muito requisitada em determinadas horas, desenhado por um tal de C. Zéfiro. Meu catecismo eu guardava com muito cuidado, e sempre que me sentia vazio, era nele que eu buscava inspiração. Entretanto, como disse, o mundo estava mudando e eu já tinha visto estupefato que os dias de glória da pequena obra-prima de C. Zéfiro estava chegando ao fim. Recentemente, o dono da banca que ficava próxima a escola tinha me mostrado umas revistas suecas com fotos coloridas que eram uma loucura, dava pra caminhar na Lua com elas. Porém a questão era outra, não era esse o tipo de leitura que eu 52 precisava, por isso fui um pouco mais fundo em meu baú de revistas usadas e retirei dele uns números antigos de Seleções que eu também mantinha guardado. Achei que aquela era a leitura que eu carecia e me pus avidamente a devorar aquelas revistinhas de formato estranho. Depois de ter digerido os quatro exemplares, cheguei a algumas conclusões, as piadas escritas neles não tinham graça nenhuma e, como Ana, as Seleções também citavam muito a sociedade norte-americana, a diferença é que, enquanto as revistas exaltavam as qualidades, Ana falava muito mal dos gringos. Por via das dúvidas, pra não contrariar minha companheira de jornada televisiva, resolvi omitir os conhecimentos que obtive lendo as Seleções do Reader’s Digest. Passei então a fuçar o guarda-roupa de minha mãe, pois sabia que nele haviam alguns livros guardados, pra não dizer escondidos. Era isso que eu precisava, livros, leitura séria adulta que me garantisse formação e informação. Encontrei uma coleção com quatro livros de um cara chamado J. G. de Araújo Jorge, li algumas páginas e logo os abandonei, pois percebi que o assunto tratado neles não era a Guerra Fria. Mas os outros dois, eu li com avidez, um cujo título era “Eu e o Governador”, de uma escritora chamada Adelaide Carraro. No início, pensei que através de sua leitura eu iria aprender sobre política, mal e rápido percebi que o assunto era sacanagem, o que dava no mesmo. O outro que também li com muito interesse foi “O Retrato de Dorian Gray”, de um autor chamado Oscar Wilde, esse, por sinal, me impressionou muito. Cheguei à conclusão que o C. Zéfiro, autor dos disputados “catecismos”, provavelmente tinha lido aqueles dois livros também. Cumprida minha epopéia literária, inseguro, achei que eu ainda não estava preparado para conversar com Ana sobre livros. Mas não demorou muito pra eu ver que meu esforço não havia sido em vão. Naquela quarta-feira eu estava muito agitado, tanto que apesar de ser dia de faxina quase não dei atenção para Maria Rita. Eu disse quase. Cheguei afobado do colégio e fiquei grudado no rádio, atento aos boletins que interrompiam a programação normal trazendo informações diretamente do México. Assim, entre as interjeições pseudofilosóficas emitidas em tom intimista pelo narrador de voz exuberante, eu ficava sabendo o que estava acontecendo com a seleção brasileira. Hélio Ribeiro era um campeão de audiência, suas traduções livres, narradas em sincronia e ritmo, dos clássicos da World Music, eram impagáveis. Foi ouvindo sua transcrição de “Me and Ms Jones” que passei a ver o adultério como algo tremendamente excitante. A seleção brasileira iria estrear na Copa do Mundo enfrentando a temida Tchecoslováquia. Lembro-me que minha preocupação, pra não dizer medo dos tchecos, somente foi atenuada quando pouco antes do início do jogo fui comprar pão, mortadela e tubaína na padaria da Rua Amazonas. Ali, pra meu alívio fiquei sabendo que os nossos adversários não eram de nada e que naquela noite o Brasil faria um passeio no Estádio de Guadalajara. Foi o que bastou, fiquei tranqüilo e confiante, pois aquela informação tinha legitimidade cartorial e aqueles que a emitia eram exímios estudiosos de 53 vários assuntos. Entre um jogo de palitinho e muitos copos de cerveja, não raro, eles encontravam consensualmente soluções simples e óbvias para as questões mais complexas e controversas, inclusive futebol. Este por conhecimento e causa, eles eram titulares no veterano do Palmerinhas da Arnaldo de Carvalho. Todos os finais de tarde, eles se debruçavam no balcão da padaria e discutiam acaloradamente sobre os vários problemas que afligiam o mundo, da corrida armamentista, passando pelo terrorismo internacional protagonizado pelas Brigadas Vermelhas ou pelos Tupamaros, chegando até a grave situação do Corinthians que há dezesseis anos não ganhava um título sequer. Assim, eu as médias, a mortadela e a tubaína voltamos satisfeitos, apesar de o mundo estar sob sérias ameaças, pelo menos o jogo daquela noite estava ganho. Aquela Copa do Mundo prometia ser inesquecível, e foi. Eu achava que seria inesquecível porque eu iria assistir aos jogos em casa e ao vivo, coisa que, segundo o “Amaral Neto, o Repórter”, nós brasileiros deveríamos agradecer e exaltar o governo militar brasileiro que havia nos introduzido na era do satélite e logo, segundo o mesmo e bem informado repórter, um foguete partiria direto da “Barreira do Inferno” para a Lua. Sempre achei esse nome “Barreira do Inferno” bem sugestivo. Mas foi inesquecível porque foi quando eu me apaixonei por Ana. Naquela noite enchi-me de coragem e bati na porta do quarto de Ana, quando ela abriu, o aroma de sabonete Palmolive envolveu-me e eu tonteei. Ela estava escovando os cabelos, ainda úmidos, vestia um pijama curto e uma fina camiseta de meia, não usava sutiã, eu enlouqueci. Ainda escovando os cabelos ela disse displicentemente: - Oi, entra. Eu fiquei paralisado na porta, não sabia o que fazer, a visão de Ana que havia sentado descontraidamente com as pernas cruzadas sobre a cama de solteiro junto à janela retrátil me hipnotizou. Percebendo meu embaraço, com um sorriso que eu nunca tinha visto em seu rosto, ela insistiu gesticulando: - Entra, eu quero mostrar umas coisas pra você. Eu entrei, um pouco sem jeito, então percebi que além dela e dos móveis que eu já conhecia, havia outras coisas naquele quarto, como um pôster colado na parede. Nele, havia a foto em preto e branco de um homem barbudo usando uma boina esquisita com uma estrelinha na ponta. Ela explicou-me que era seu ídolo, um grande homem. Eu não quis me aprofundar muito sobre o tal cara por ciúmes e pra não demonstrar minha completa ignorância sobre coisas que ela gostava. Só depois eu fiquei sabendo que o nome do tal cara não se escrevia Tchê e também que ele não era gaúcho. Confirmou-se aquilo que eu já desconfiava, livros, ela os tinha e muitos, e pelo que pude perceber, vendo vários deles empilhados sobre o criadomudo ao lado da cama, ela lia mais de um ao mesmo tempo. Ana recostou-se na cabeceira da cama, eu me sentei na outra ponta, tímido. Foi a primeira vez que eu fiquei num quarto e na mesma cama com uma mulher. A partir daquele 54 momento entendi que ela era uma das quatro mulheres que eu desejava ter. Esses pensamentos enrubesceram meu rosto, acho que ela percebeu, pois me encarou com um sorriso divertido antes de perguntar: - Você gosta de ler? Procurei recuperar a calma e respondi: - Gosto. Leio muitos gibis. Não tive tempo de me arrepender da bobagem que havia dito. Ana completou: - Legal! Eu também gosto de gibis. Mas gosto mais ainda de livros. Quando leio um bom livro me sinto com se estivesse viajando. Aproveitando a deixa, e tentando desviar o assunto, pois, abobado do jeito que eu era, logo ia acabar falando do Carlos Zéfiro ou, o que seria pior, da Seleções de Reader’s Digest, eu desconversei: - Eu também gosto muito de viajar, dia desses, eu e a mãe fomos numa colônia de férias na Vila Mirim. – e emendei – Você é daqui de Santos mesmo? Percebi que Ana incomodou-se por ter que falar de si mesma. - Não, sou do interior. – sem entrar em detalhes ela retomou o tema – Mas e livros, você já leu algum? Preocupado por ter que enveredar por um terreno tão perigoso, instantaneamente vieram a minha mente os livros do J. G. de Araújo Jorge e da Adelaide Carraro, seguidos de uma luz vermelha piscando, eu os descartei, só me restou citar: - Li o “Retrato de Dorian Gray”. A demonstração de surpresa na face de Ana, imediatamente após o meu anúncio, deixou-me preocupado, mas em seguida fiquei muito orgulhoso quando ela completou: - Oscar Wilde! Nossa, um clássico, muito bem. Ela se levantou, abriu a porta do guarda-roupa e de uma mala retirou alguns livros e entregou-me: - Então acho que você vai gostar dos meus, escolhe um desses. Colocou os livros sobre a cama ao meu lado. Eram quatro volumes, dois de um mesmo autor. De Jorge Amado, “Capitães de Areia” e “Seara Vermelha”, um outro de John Reed, “Dez Dias Que Abalaram o Mundo”, e ainda um com uma capa marrom sem título, ao abrir na folha de rosto estava escrito em letras grandes e estilizadas, “Crime e Castigo”, este último chamou minha atenção. Ana ainda escovando os cabelos, aprovou com um sorriso que a deixava cada vez mais bonita: - Dostoiévski?! Muito bom, pelo jeito você gosta mesmo de clássicos. E “Crime e Castigo” é um desses. Acho que vou ter com quem discutir sobre a avareza humana e a gênese da sociedade burguesa. Sem compreender “lhufas” de seu comentário final, mas satisfeito com a reação de Ana, fiquei segurando o livro e não confessei a ela que o meu interesse por ele fora despertado pelo nome do autor, escrito em letras menores abaixo do título, parecia com os nomes de alguns jogadores da 55 seleção da Tchecoslováquia. Convencer Ana a assistir a estréia da seleção na Copa do Mundo não foi muito difícil. Do jeito que ela narrou o episódio ocorrido dois anos antes, quando o povo tcheco resistiu bravamente a uma tentativa de golpe patrocinada pela agência norte-americana, a CIA, e foram salvos pelos tanques soviéticos saudados entusiasticamente por eles em sua capital, Praga, cheguei a pensar que ela até torcia para os nossos adversários. Por isso preferi não informá-la que nós daríamos uma surra neles. No começo da transmissão, Ana parecia pouco entusiasmada, pra não dizer irritada com as demonstrações de patriotismo explícita do narrador, e eu não entendia por que. Era emocionante ver que até os mexicanos cantavam “Eu ti amo meu Brasil, eu ti amo...”. Ouso dizer que ela até sorriu quando um daqueles brancarrões com nome esquisito marcou o primeiro gol da partida. Mas ao final quando Jairzinho chapelou o goleiro e marcou o último dos quatro gols do Brasil ao som de “Pra Frente Brasil” nós pulamos e gritamos, eu, Ana, minha mãe e Maria Rita. Foi uma sensação de alegria espontânea e indescritível. Ao fim daquela quarta-feira eu me sentia duplamente satisfeito, pela vitória do Brasil no jogo de estréia e, principalmente, pela intimidade cúmplice compartilhada com Ana. Ficamos os dois na penumbra da sala até tarde da noite, fui dormir sabendo que “Cortina de Ferro” não era uma grande persiana metálica, mas uma expressão criada maldosamente pra impedir que o mundo sob o jugo do capitalismo ianque tivesse oportunidade de ver como viviam em harmonia e paz os povos de toda a Europa Oriental, da Tchecoslováquia, da Bulgária, da Hungria, da Polônia e da Romênia. Nessa noite, eu peguei no sono pensando como seria maravilhoso viajar com Ana para a Tchecoslováquia e lá, quem sabe, ter com ela os primeiros quatro filhos, a um deles daríamos o nome de Fiódor Dostoiévski. As duas semanas em que transcorreram as Oitavas de Final e Quartas de Final foram incríveis, a cada jogo o Brasil dava um show. Lógico que pouco antes das partidas começarem eu sempre arrumava um jeito de ir a padaria da Rua Amazonas para me inteirar das análises técnicas emitidas com propriedade e imparcialidade inquestionável pelos ilustres veteranos do glorioso Palmeirinhas da Arnaldo de Carvalho. Essa estratégia, além de aplacar minha ansiedade quanto ao resultado da partida, me municiava de informações que depois, sem citar as fontes, eu orgulhosamente repassava para a assistência de casa, formada por minha mãe, por Maria Rita, que escolhera nosso “apê” pra acompanhar os jogos do Brasil na Copa, e principalmente por Ana. Depois de cada jogo e vitória do Brasil eu me encantava com o sorriso cada vez mais cintilante e com as pernas cada vez mais irresistíveis de Ana. Ela descrevia com entusiasmo a situação política, econômica e social de cada um dos países cujas seleções se curvavam ante a destreza de Pelé e companhia. Na sexta-feira anterior ao domingo em que o Brasil jogaria com a 56 Inglaterra, eu finalmente tinha terminado a leitura de “Crime e Castigo” e as coisas começaram a mudar. Não sei se por causa do depressivo e angustiante universo criado por Dostoiévski ou do medo do jogo que iria ocorrer no domingo, neste o Brasil enfrentaria a campeã do mundo, a poderosíssima Inglaterra, não sei exatamente por que, mas eu me sentia incomodado com um mau pressentimento. Na tarde daquela sexta-feira uma coisa estranha ocorreu, um homem apresentando-se como funcionário do DNER, o Departamento Nacional de Estrada de Rodagem, bateu à porta procurando por um fulano chamado Marcos. Depois de eu explicar que naquela casa não havia nenhum Marcos, estudante universitário que fizera um trabalho escolar cujo tema era o Sistema Rodoviário de Integração Nacional, e ainda, dar o nome de cada um dos que moravam no apê, além de mim, o homem que tinha cara de tudo menos de funcionário do DNER, deu-se por satisfeito e, sem ao menos se despedir, retirou-se. Achei aquilo estranho. Outra coisa que aconteceu naquela sexta-feira, que me incomodou mais ainda, foi o fato de minha mãe ter chegado do trabalho no horário normal, às 19h, mas não estava acompanhada por Ana como era o habitual. Sem saber exatamente por que, eu fiquei com medo, muito medo. Quando perguntei sobre ela, minha mãe não soube responder do seu paradeiro, disse apenas que ela não estava no ponto do bonde 42, na Praça Mauá, no horário em que as duas costumavam se encontrar e virem juntas para casa. Minha mãe não demonstrou nenhuma preocupação com o fato, segundo ela, certamente Ana tivera que fazer algum serviço extra e logo estaria em casa. Lógico que isso não me acalmou. Foi então que eu soube que Ana trabalhava como uma espécie de secretária num escritório de advocacia que ficava na Praça Barão de Rio Branco. Depois eu ficaria sabendo que esse escritório pertencia a dois advogados, um deles chamado Marcelo Gato. A noite daquela sextafeira foi angustiante, passava já da meia-noite quando minha mãe mandou eu desligar a televisão e ir dormir. Desliguei o aparelho de TV, mas não dormi. Eu nem deitei, apaguei a luz e, no escuro, fiquei de cotovelos pregados no batente do janelão de correr da sala vigiando o corredor de entrada do prédio. Foi a primeira vez na vida que experimentei a desagradável sensação de esperar por alguém muito querido que insiste em não chegar. Torci para que fosse a última, mas infelizmente não foi. Passavam alguns minutos da uma da manhã quando um vulto cruzou ligeiro o portão de entrada, aliviado constatei que era ela. Ana em passo acelerado caminhou na direção da porta de entrada de nosso bloco, fiquei mais satisfeito ainda quando vi que ela estava só. Pensei em abrir a porta da sala e, antes que ela pisasse dentro de casa, bombardeá-la com várias perguntas tipo, onde você estava? Por que demorou? Por que não avisou? Mas, amedrontado e consciente de que eu não tinha esse direito, não fiz, e mesmo que tivesse algum direito, não teria coragem de fazê-lo. Eu tinha medo de perder Ana, ela que sequer era minha. Talvez esse tipo de medo 57 tenha sido responsável por eu ter perdido outras pessoas também muito queridas. Resolvi deitar no sofá e fingir que estava dormindo, e dormi. Na tarde do sábado, véspera do jogo com a Inglaterra eu já havia esquecido a sexta-feira. Minha atenção estava completamente voltada para os nossos adversários, os ingleses. Foi então que eu descobri uma fissura naquele bloco monolítico anticapitalismo ocidental encarnado por Ana, e foi por acaso. No Canal 2, a TV Cultura ia apresentar um especial sobre a Inglaterra, nossos adversários de domingo e a apresentação inicial do programa, como não podia deixar de ser, foi ilustrada com a reprodução do verdadeiro “hino” da Inglaterra. Bastaram soar os primeiros acordes de uma guitarra elétrica seguidos de “Help! I need somebody; Help! Not just anybody; Help! You know I need someone; Heeelp!...”, Ana veio rápido ver o que estava passando. Um pouco a contragosto teve que confessar, ela era uma beatlemaníaca. Neste ponto novamente acho fundamental fazer algumas explicações. Meu conhecimento sobre música estava no mesmo nível que minha formação literária, ou seja, conhecia menos que nada. Sobre música, lembrome vagamente de ter acompanhado na casa dos meus avós os históricos festivais de música popular da Record. Apesar da eloqüência das letras e originalidade dos arranjos daqueles compositores e intérpretes que figuravam o movimento denominado MMPB, o Movimento da Música Popular Brasileira, como Edu Lobo e principalmente Geraldo Vandré, minha ignorância permitiu que eu fosse bem eclético no gosto musical. Por isso, também ouvia e gostava de outros ritmos e de outros movimentos, até porque não sabia que havia diferença entre eles. Eu acompanhava pelo rádio os rocks que chegavam do exterior, também ouvia as versões nacionais do ié, ié, ié ou Jovem Guarda, como era conhecido esse estilo. Era um fã incondicional da Elis e gostava até de ouvir o hino do estado de São Paulo executado pela banda da Força Pública todos os domingos pela manhã na rádio Eldorado. Na época, além do rádio eu tinha um toca-discos portátil, uma sonata, e meu acervo discográfico resumia-se a um bolachão de 78 rotações do cantor mexicano Javier Solis que cantava no Lado A o antigo sucesso Moliendo Café. Tinha um LP do Helbert Alber e Tijuana Brass, além de um compacto duplo com as músicas temas dos seriados Bonanza e Chaparral no lado B, e dos filmes Vou Mato e Volto e O Bom, o Mal e o Feio no lado A. Como é possível perceber, meu gosto musical era mais que eclético, era exótico. Esse econômico e esquisito acervo era resultado de minhas limitações orçamentárias, ou seja, eu não tinha grana nenhuma, portanto não podia me dar ao luxo de pensar em comprar um disco, estes que eu tinha foram fruto de herança, doação ou presente, tudo nessa mesma ordem. Feitos esses esclarecimentos sinto-me a vontade para dizer que, apesar de tudo, nesse campo, eu tinha opinião. Por isso, mesmo com toda a aclamação da crítica e do público eu não era um fanático pelos Beatles. Gostava muito mais de ouvir The Monkees e os Novos Baianos, Sempre achei “I’m a Believer” muito mais dançante que “Help” ou “Ticket to Ride”, além 58 disso, sempre achei de um escracho bem revigorante pra época uma letra cujo trecho trazia “pluft,pluft,pluft... É ferro na boneca. É no gogó neném...”. Pra mim, não havia nada mais estimulante do que cantar isso durante as aulas de Educação Moral e Cívica. Mas é claro que estas considerações eu guardei pra mim, sabia que Ana não concordaria com elas. E, sinceramente, adorei ouvir cada uma das inúmeras vezes que “Revolver”, o “Álbum Branco” e alguns compactos dos quatro de Liverpool foram reproduzidos em minha sonata. Nalguns momentos, embriagados por tanta coca-cola, eu e Ana arriscamos acompanhar em dueto a balada deles que, ainda hoje, eu gosto mais, “get back”. Nessa maravilhosa noite de sábado, ao som de Beatles, Javier Solis e Morricone, Ana mostrou-se bem alegre e extrovertida, tanto que acabou enveredando por um assunto muito delicado pra mim: - Você tem namorada? Ela perguntou de surpresa, eu provavelmente corei, pois senti minha face ficar bem quente. Envergonhado, respondi meio sem jeito: - Namorada!? Não, não tenho. Ela insistiu: - Não acredito. Você está no ginásio, é nessa fase que a gente começa a namorar, que se apaixona e... - súbito ela parou de falar, percebi um pouco de tristeza emergir de sua fala, resolvi interceder: - É que mudei de escola faz pouco tempo, não conheço quase ninguém – menti. - Mas você já se apaixonou ou se interessou por uma garota? Ana voltou ao estado anterior de euforia, seja o que quer que a tenha entristecido já havia sido esquecido. Com o rosto pegando fogo e incomodado com o assunto eu me precipitei: - Já, mas não da Escola. - Ah! Eu sabia, e quem é ela? Já arrependido do que havia falado, continuei: - Ela não é daqui. - Não! Então, de onde e como ela é? - Acho que é de São Paulo, ela é mais velha que eu. Ela é muito, muito bonita. Ana olhou-me com atenção, e estranhando insistiu: - Como assim: você acha? - É que eu nunca conversei com ela e ela nunca me viu e nem sabe que eu existo. - Mas quem é essa garota que você se apaixonou que é mais velha que você e que nem o conhece? Foi em tom de confissão que eu pacientemente expliquei: - A primeira vez que vi, fiquei vidrado nela. Foi num daqueles festivais da Record, ela, uma vocalista loira, com tranças e um coração desenhado no rosto, até hoje sou apaixonado por ela. 59 - Rita Lee! Você está falando da Rita Lee, dos Mutantes. Eu me senti ridículo por dois motivos, foi a primeira vez que eu falei de algo tão íntimo, e, além disso, declarei gostar de alguém que não existe, a não ser virtualmente em imagens de televisão. Eu sabia que minha declaração era de uma infantilidade, pra não dizer imbecilidade, primitiva. Entretanto, mais que envergonhado, lembro-me de ter ficado aliviado, era a primeira vez que eu falava de sentimentos desse tipo para alguém. Minha satisfação aumentou na mesma proporção que minha adoração por Ana quando ela sorriu de forma compreensiva e sincera e ainda me segredou: - Eu também tenho um amor desse tipo. Eu sou louca por ele e ele nem ao menos sabe que eu existo, e como você ele também é uma imagem que eu só vejo através de fotos ou filmes – Ana pegou o álbum dos Beatles abriu e apontou. - George Harisson – eu falei num tom espantado. - Ele mesmo. Aquela declaração de Ana, apesar de eu saber que ela a fizera para me confortar, me fez gostar ainda mais dela. Por isso, eu aproveitei para conhecê-la um pouco mais: - Mas e namorado, você tem ou já teve? Eu perguntei um pouco ressabiado, pois além de ter medo da resposta, sabia que ela não gostava de falar de si mesma, mas achei que aquela noite quente, ouvindo “Yesterday” ela resolvesse se abrir um pouco mais. Eu estava certo: - Namorado? Tenho, quero dizer, acho que tenho, faz mais de um ano que eu não o vejo. - Como assim? Eu insisti. E o olhar triste, melancólico de Ana voltou, cheguei a me amaldiçoar por ter insistido naquele assunto, eu não suportava a idéia de causar tristeza a ela, mas pareceu-me que ela estava disposta e até querendo falar mais sobre o assunto: - A última vez que nós conversamos foi na semana do natal do ano retrasado – ela se levantou e da mala onde estavam guardados os livros e os discos, tirou um compacto duplo – Este era o presente que eu ia dar pra ele – os olhos dela estavam brilhando, uma lágrima escorreu do lado esquerdo de sua face, eu queria fazer alguma coisa pra parar com seu sofrimento, mas não sabia o quê, levantei coloquei Revolver pra tocar pela quarta vez – é do Simon e Garfunkel, ele adorava, por isso eu consegui que um colega de faculdade trouxesse dos EUA, sei que Marcos ia adorar – agora as lágrimas caíam em profusão demonstrando o quanto ela devia estar sofrendo e, pelo jeito, o quanto também, ela tinha reprimido aquele choro. Resolvi não falar nada, achei que apenas ouvir seria uma forma de confortá-la – ele me disse que iria a um encontro com o pessoal do sindicato, não sei se ele foi ou não ao encontro, não tive mais notícias dele. Ana postou-se junto à janela retrátil que estava aberta, eu me aproximei 60 e nós dois ficamos lado a lado recostados no batente da janela. Lá fora, a escuridão da noite realçava o brilho das estrelas, o céu estava limpo, Ana respondeu a uma pergunta que eu não fiz: - Marcos veio pra Santos logo depois que trancou matrícula no curso de filosofia. Diferente de mim, ele nunca se interessou muito por política. Fez parte do Diretório Acadêmico apenas por que gostava de jogar futebol, era o que ele dizia, mas eu sei que ele queria me impressionar. Enquanto Ana falava baixinho, como se falasse somente para ela mesma, o ruído da agulha raspando no batente do disco ecoando pelo quarto dava um tom melancólico ao final daquela noite. Não sei por que, o nome Marcos, chamou minha atenção. Mas de uma coisa tenho certeza, foi ali, naquela noite estrelada, debruçado na minha janela e sentindo bem próximo o calor do corpo da primeira mulher real que amei em minha vida que eu aprendi como é bom amar alguém, mas como é dolorido também. No domingo, quando cheguei da padaria da Rua Amazonas, eu estava tenso. Os veteranos do Palmeirinhas estavam divididos, não havia garantia de vitória contra a poderosa esquadra britânica, a única certeza era de um jogo duro de placar apertado, e foi. Foi o jogo mais disputado e difícil que o Brasil enfrentou em toda a Copa, o goleiro, uma muralha inglesa que respondia pelo nome de Banks, acho que Gordon Banks, parecia intransponível, mas não era. O único gol da partida foi brasileiro, e foi chorado. Nessas oitavas de final aprendi que na Romênia, outro daqueles progressistas países da Cortina de Ferro, fica a Transilvânia, terra de Vlad O Empalador, personagem que inspirou a criação de um dos gibis que eu gostava muito, o Drácula. Para Ana, tanto Vlad como o Drácula eram metáforas, eles representavam o furor burguês em sua sanha por sugar o sangue da classe trabalhadora. Desnecessário dizer que eu não sabia o que significava metáfora, mas estava longe de me preocupar com isso, pois enquanto Ana falava, eu como um vampiro sonhava sentir o gosto de seu delicado e alvo pescoço. Já nas quartas-de-finais aprendi que o Peru fora a sede de um poderoso império pré-colombiano, o Inca, que dominou grande extensão da Cordilheira dos Andes. Mas a semana da semifinal foi marcada por um clima contraditório de euforia e ansiedade. Euforia porque havia uma grande confiança em nossa seleção que se classificara invicta e dando show nas oitavas-de-final, mas também de ansiedade porque os nossos próximos adversários eram os uruguaios, os mesmos que humilharam o Brasil em 1950. Ao mesmo tempo em que o jogo era visto como uma oportunidade de vingança, também se temia que a inquestionável garra dos nossos vizinhos platinos pudesse nos surpreender. A celeste Olímpica freqüentou os sonhos e pesadelos de muitos brasileiros naqueles dias. Como eu não entendia nada de futebol, não compreendi a dimensão do drama vivido pela torcida brasileira durante os primeiros dias daquela semana, minha preocupação foi outra. Tive a impressão de ter avistado por 61 várias vezes, duas com certeza, bem próximo de casa, o tal funcionário do DNER, que não parecia ser funcionário do DNER. No início, eu achei que fosse uma coincidência. Sempre fui muito lento pra compreender e inter-relacionar eventos. Foi somente na terça-feira que eu associei aquela misteriosa figura ao nome do namorado de Ana. Sem compreender bem por que, fiquei muito apreensivo. Quando minha mãe chegou do trabalho, acompanhada de Ana, naquele início de noite, eu as aguardava aflito e imediatamente falei a Ana, antes mesmo de cumprimentá-la: - Será que eu poderia escolher outro daqueles livros? Ana e minha mãe olharam pra mim surpresas, lógico que estranharam minha intempestividade. Minha mãe mais ainda, pois não sabia de minhas incursões pela literatura. Ana sem ainda perceber minha intenção de falar a sós com ela, respondeu: - Claro! Qual deles você quer? Com sinais e gestos pouco discretos, dei a entender a ela o que eu realmente queria, sem compreender muito bem, Ana cedeu: - Ah! Sem problemas, acho melhor você vir escolher qual livro prefere. Talvez toda aquela encenação fosse dispensável, pois minha mãe estava muito mais interessada no “Nino, o italianinho”, novela da Tupi que, agora terminada a saga dos Irmãos Coragem, ela assistia. Ao terminar meu relato sobre a visita que recebera na última sextafeira, complementado por considerações preocupadas e detalhadas sobre as características físicas do tal funcionário, percebi que Ana empalideceu. Ela ficou mais aflita quando completei dizendo ter visto o fulano rondando nossa casa nos últimos dias. Ana me explicou o motivo de sua preocupação e isso foi também um aprendizado para mim. Aprendi que, em determinadas épocas, o simples desejo de querer que as coisas fossem melhores consistia num risco e, naquela época, não foram poucos os que se arriscaram por esse simples desejo, e muitos desses pagaram de diversas formas por isso. Mas, se é inaceitável você sujeitar-se ao pagamento de uma pena por simplesmente e conscientemente contrapor-se as idéias dos mais poderosos, é muito cruel você ser violentamente punido sem nem ao menos saber o motivo. Ana e Marcos se conheceram no ano do III Festival da Canção, o mesmo ano que eu me apaixonei pela vocalista dos Mutantes. Eles eram estudantes secundaristas e estavam sempre discutindo acalorada e entusiasticamente com seus colegas, Ela sobre política, ele sobre futebol. Ela pretendia fazer História ou Ciências Sociais, ele ainda não tinha parado pra pensar nisso. Mas, como disse, eles se conheceram naquele festival de “Alegria, Alegria”, daquele cara queixudo de riso debochado, aí tudo mudou. Ele deixou de ir jogar bola nos campos da Aclimação pra ir levar ela no cine Paramount todos os fins-de-semana. Algumas vezes, ele a convenceu a trocar um filme do Bergman por um Palmeiras e Santos no Pacaembu. Ela, pra azar dele, acabou torcedora do Palmeiras, por isso, ele, apesar de santista, sujeitava-se a ficar nas arquibancadas junto da torcida do Palmeiras, sufocando a alegria 62 da comemoração de um gol praiano, lamentando-se com os torcedores esmeraldinos ou contendo a tristeza de um gol palmeirense sorrindo amarelo pra disfarçar. Mas valia a pena, ele a amava, tanto que por ela desistiu de fazer engenharia no Mackenzie e se matriculou no curso de Filosofia da F.F.L.C.H.- USP, a mesma faculdade em que Ana sonhava um dia fazer seu curso de História. Mas no ano seguinte, quando ele começou o curso as coisas começaram a ferver, ela, empolgada e acreditando que eles iriam mudar o mundo, falava de seus sonhos, ele sonhando apenas voltar a bater uma bolinha nos campos da Aclimação, ficava cada vez mais apaixonado por ela que o encantava com seu jeito, com sua força, com seus desejos, tanto que ele, pra satisfazer a ela mais ainda, ingressou no Diretório Acadêmico e foi a um congresso de estudantes. É bem verdade que ele foi levado ao encontro menos pela sua consistência ideológica e muito mais pelas habilidades como meia-armador. Tinha um belo chute de canhota, reforço indispensável para o time do D.A. da USP no torneio que ocorreria paralelamente aos trabalhos e oficinas acadêmicas. Mas em Ibiúna não chegou a ter torneio, o jogo foi jogado no porão do DOPS, na Rua Tutóia. Marcos nunca soube por que o levaram para aquele lugar, muito menos por que perguntaram coisas que ele não sabia responder. Marcos também não sabia, porque esqueceu o que aconteceu nos dias que ele passou lá. Só lembrava da escuridão e da dor. Quando saiu, ele trancou matrícula, não conseguia mais ficar numa sala de aula com a porta fechada. Ele veio pra Santos, somente a praia e o mar tinham a dimensão que poderia abrigar sua angústia, sentimento sufocante que nem sabia que tinha ou por que tinha. Ana ficou em São Paulo, ela perdeu a vontade de mudar a história estudando na Faculdade de História, preferiu trabalhar pra tentar esquecer seus sonhos e seus desejos. Pretendia, assim que pudesse, vir definitivamente para Santos pra ficar junto dele. Ela estava disposta a ir toda semana com ele na Vila Belmiro e assistir jogos do time dele. Mesmo quando fosse um Santos e Palmeiras, ela se resignaria e ficaria ao seu lado, junto com a torcida do Santos reprimindo o grito de alegria de um gol palmeirense ou sofrendo contidamente por um gol peixeiro. Nos finais de semana que não tivesse jogo, eles caminhariam de mãos dadas pelos jardins da Praia e respirariam os ares soprados do mar, ares vindos de longe, ares carregados de salitre, de maresia e liberdade. Mas na semana do Natal em que Ana conseguiu o Simon e Garfunkel foi a última vez que ela conversou com ele. Por telefone, Marcos disse que ia numa reunião, ela se preocupou, pois sabia que ele esforçava-se por agradá-la, por isso estaria disposto a restabelecer contato com organizações políticas de esquerda, particularmente muito ativas naquele ano. Entretanto ela sabia que isso lhe trazia dolorosas recordações, então tentava impedir o seu sofrido esforço falando do campeonato e incentivando-o a participar do aspirantes do Jabaquara. Ele tinha qualidades pra isso, porém não tinha mais vontade. 63 Naquela terça-feira, não demos atenção ao episódio do M.A.S.H. Ana, apesar de ocupar seu lugar habitual cruzando as pernas sobre a poltrona em frente ao sofá de onde eu, de coração apertado perdia-me em seu olhar distante, senti que ela não estava ali e eu procurava acompanhá-la, não conseguia. Quando os ruídos exteriores superavam o volume de som do aparelho de TV, Ana retornava. Nesses momentos, ela demonstrava estar como no dia em que chegou a nossa casa, amedrontada. Eu, apesar de tudo, não sabia muito bem o que estava acontecendo, entretanto medo era um sentimento que eu já conhecia muito bem. Talvez porque minha mãe adotasse o medo como um instrumento auxiliar na minha educação. Ela sutilmente invocava o pavor em mim para que eu agisse conforme suas regras, por outro lado, lembro-me que quando essa estratégia falhava, e isso acontecia algumas vezes, ela abandonava a sutileza e fazia uso de uma escova de roupas improvisada como palmatória, esta, um instrumento eficiente e definitivo de convencimento. Hoje, eu acredito que o medo foi, de forma geral, o dispositivo de dominação imposto aos indivíduos de minha geração. Tínhamos medo de tudo, a começar das improvisadas e tirânicas palmatórias e depois, já adultos, passamos a vivenciar outros medos, medo da mula-sem-cabeça ou da mulher vestida de noiva à beira da estrada nas noites de lua cheia. Tínhamos medo do bandido da luz vermelha e da rádio-patrulha, medo dos comunistas ou até de falar a palavra “comunista”. Tínhamos medo dos professores tirânicos que nos agrediam na sala de aula por qualquer bobagem, tínhamos medo do diabo por não sermos maus e tínhamos muito mais medo de Deus por sermos maus. Medo do juizado de menores, da ROTA, do esquadrão da morte, medo do Marighela, do capitão Lamarca, medo do delegado Fleury, do capitão Erasmo, medo de disco voador e de marcianos verdes de pele escamosa. Tínhamos medo da terceira guerra Mundial e do fim do mundo. Medo era tão importante naquela época que um dos programas de grande sucesso do Canal 7 era “Quem Tem Medo da Verdade?”. Nós, todos nós tínhamos. Foram naqueles dias que eu também aprendi que havia luz querendo quebrar as trevas. Ana, intrépida, arrojada, ousada, sincera, com o brilho de seu olhar ingênuo, com sua fé na humanidade, demonstrava acreditar que era possível através da mobilização, do convencimento, enfrentar e superar todos esses medos. Pessoas como ela existem para mostrar às pessoas como eu que a existência por si tem um sentido positivo, sentido cujo valor não está expresso na cor, na forma, ou na substância. Seu valor está no gesto, no enfrentamento e na ação. São pessoas como Ana, como Marcos que somente por existir transcendem a sua própria existência, e quando desaparecem deixam espaços vazios, fazem diferença. Ana e Marcos eram de um outro mundo, um mundo muito maior que o meu, que não cabia num quarto como o meu. O mundo de Ana e Marcos sequer cabia no mundo lá de fora, o mundo deles necessitava de um outro 64 universo para ser contido. Marcos e Ana eram tantos que não cabiam em si. Eu, desoladamente naquela noite, aprendi que seriam pessoas como Ana e como Marcos que eu me apaixonaria, mas elas, Ana e outras Anas, por não caberem em si eram muito maiores que eu, portanto seriam inatingíveis e intangíveis para mim. Na quarta-feira eu não fui à padaria da Rua Amazonas, eu não me acomodei no sofá da sala, à noite, eu não assisti ao jogo da semifinal. Eu não vi, nem vibrei, jamais soube ou quis saber quanto foi aquele jogo. Na quartafeira, eu fiquei sozinho perdido no meu quarto, um quarto que era muito maior que meu mundo tão pequeno. Na quarta-feira, sozinho no meu mundo dentro do meu quarto, eu liguei a sonata no último volume, não queria que o mundo lá de fora ouvisse o meu choro. Eu chorei alto, quase tão alto quanto o som do Simon e Garfunkel que Ana me deixou de presente, doía muito a falta dela. No final da noite daquela quarta-feira, eu debrucei no batente da janela retrátil soluçando, fiquei observando o que jamais teria: as carambolas. 53 anos. Graduado em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Estadual de São Paulo (USP). Exerce a Função de professor de história na rede particular e pública de ensino. 65 SAMARICA ENROLADEIRA DE PITO _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Ernesto Silva Dianópolis - TO Era a era das calças curtas quando Samarica deu de ajudar com as coisas em casa. O chinelinho puído nos calcanhares e onde mais o peso dos pés desse de fazer a pressão de seus trinta quilos aproximados sustentava um eito de estrada até a Fazenda Oitão, de onde era vizinha de propriedade. Lá, era pau pra toda obra, mas o ofício principal era cuidar de Virginiana, com a metade do peso e da idade de Samarica. Quando não estava com a menina escangalhada na cintura direita, meio envergada para esquerda, para ajudar na distribuição do peso, sentava-se ao lado do chiqueirinho que o pai da criança mesmo fizera com a madeira que abundava ali, e pajeava o crescimento do mundo. Outrora na arrumação da casa, lavando roupa, varrendo os terreiros. E no tempo em que a terra - semi-esterilizada pela escassez de chuva e pelos séculos em que o chão do Tocantins era profundeza de mar verdinho - dava sua colheita parca, era o espantalho na roça de milho. Mas, ora veja, desde pequetita que Samariquinha era menina esprevitada. Nasceu com os olhos de quem enxerga tudo ao contrário e vê coisa além das coisas. Então nessa leva de variantes ofícios, foi também a enroladeira de pito da patroa. O pau ronca já existia nas vendas de Barreiras desde um tempo em que Samarica morava num lugar difícil de precisar, porquanto se morava nalgum lugar. Tempo em que não se achava pijama que servisse em polícia e nem travesseiro de jagunço. A patroa mandava vir da Bahia os rolos enegrecidos, e por vezes, do pardo, que fumo pardo era danado de forte, mas bom de tragar por causa de ser suave. De vez em quando dava um beliscão na ponta despontada da corda e levava o naco à boca, mascava e depois cuspia o resto de nicotina com o bagaço. Samarica via tudo. Tinha olhos de aprender como funcionava o mundo, seus detalhes eternos, como borrada de passarinho em pleno voo. Tinha que experimentar, o cheiro do fumo novo revestido com a borra preta e pegajenta fazia atiçar o que já era curioso assaz. Um dia desses que mantém barbas de papai noel suspensas no céu, fez um pito a mais e guardou na ilharga da calcinha rota. Sabia que tinha que vigiar a roça e esperou a ordem da patroa para apanhar a cabaça pequena com água e subir até o roçado. Ansiava a expectativa de burlar uma lei que já sabia que existia e ficava afivelada à cintura do pai. Um só objeto para duas serventias. A correia de couro de anta curtido e lasseado amarrada pela fivela de ferro sempre fora ameaçadora. Mas à ideia não cabia mais retrocesso. Mal inclinada essa Samarica, menina de topete alto, desde pequerrucha. Passou a mão na cabacinha e no bornal com o apito e outros petrechos e subiu com passo mais rápido que o contumaz. Não pensava em 66 periquito nem macaco. Pensava no pito. No trajeto, dentro do trilho pisado pelas vaquinhas, a cada cinco passos conferia se o cigarro estava onde o arranchara. Fazia, primeiro porque o elástico da calcinha estava relaxado, e depois, claro, pela segurança de saber que a experiência seria fecundada de fato. Chegando na roça, caçou meio de se esconder detrás de uns pés de milho, a plantação ficava a vista da casa da fazenda. A lavoura rala levou-a a se embrenhar um pouco mais para diante, queria a segurança. Não achou nada que pudesse se sentar além de um toco carbonizado. Sentou sem se preocupar com o carvão. Arregalou os olhos arredondados e vivos, tirou do bornal uma binga velha que ela mesma abastecera para a ocasião, consertou os amassados na palha que envolvia o pito, concertou com maestria, passou mais cuspe e levou-o a boca de maneira que ficasse a metade abocanhada. Enrolar sabia, fumar não. E, por um momento, viu sua empresa ameaçada porque a binga lencara fogo até a décima tentativa. Entretanto Samariquinha não nascera com aqueles olhos de ver detrás das coisas a toa. Arrancou o pavio da parte debaixo da binga e soprou o combustível para a ponta. Ficou com gosto de querosene na boca, mas aquilo pesava pouco diante da vontade de chamuscar fogo na intenção. Com a metade do cigarro na boca, via a palha queimando e apagando antes de o fogo chegar no fumo. Obstinada, mandava fogo outra vez. Até que o fumo foi aceso e pode sentir pela primeira vez o gosto encorpado do pau ronca. Crescera com esse nome gravado nas artimanhas da memória. O pai é exímio pitador desde os oito anos e veio a conhecer cigarros de papel na época em que apareceu um povo esquisito, de cidade, nas cercanias de seu sertão, até então habitado somente por jegues macilentos, calangos, morcegos e boiciningas de bigode branco, de tão eradas. Esse povo aparecia em nome da amizade e do companheirismo, e até conseguiram a confiança de seu Serafin, mas só até o exército pulverizar o alerta soturno de que se tratava de gente perigosa, que comia crianças cozinhadas em enormes panelas pretas nas beiras de rio. O tempo nesse ermo de sertão do Norte passava longe de relógios que fossem mecânicos. Nem tanto quando Samarica do Espírito Santo veio ao mundo, pois aí as coisas da modernidade já subiam ao Norte à maneira diferente dos vapores e bruacas. Estradas de rodagem já haviam sido abertas onde antes passavam os carros de bois e comitivas a cavalo, já, bem depois de Anhanguera. Ainda assim fica sendo injustiça menosprezar a pujança que o vapor levava a Barreiras no tempo em que só lobo e bugres comiam o bruto despencado. Samarica crescia. Um dia foi surpreendida por um pequeno feixe de fios de cabelos pretos já crescidos no púbis. Foi num dia de domingo, quando se banhou com a luz do dia para cumprir a missa no povoado das Missões. Crescia de virar moça e seus olhos agora eram uma descoberta pronta, mas eram muito mais uma descoberta por vir. Estavam na divisa de uma fronteira que deixava para traz um terreno macio feito colo de mãe e avistava uma razão grande para transgredir o medo do que o pai trazia 67 a cintura. Hormônios. Os dias passavam assim-assim-assim. Encadeados. Iguaizinhos. O sol fazia todo bicho encostar debaixo de um pé de pau porque os agostos acossam o lombo dos couros que mamam. Deus foi duro quando criou o mês de agosto aplicado ao norte, mas como não poderia deixar a fama esvaecer, providenciou o vento. E era com as abas do vestido batendo nas coxas taludas e roxas que Samarica divisava uma cerca de bambu seco para fazer fogo ao cigarro de palha. Nessas alturas já era habituada a fumar. Embora escondida, usava os utensílios, palha, fumo e binga do pai. Aproveitava a saída dele à peleja e cigarrava sossegada debaixo de uma sombra de pequizeiro. Chegou num ponto em que não achou mais motivo para esconder da mãe que, ao saber do enunciado da boca da própria filha, manteve a postura de sempre. A catinga já havia denunciado Samarica. A velha não era boba nem aqui nem na China. Se Samarica teve de onde puxar, foi dela. Mas alertou. _ Seu pai te pega e tá o vespeiro mexido. Samarica deixava o olhar na inércia do rosto da mãe e virava a cabeça com força e desdém para o rumo de seu mundo, só seu. Descobriase. Vigiava ali o galo arrastando as asas para a galinha pedrês e desenhava um namorado lá nas lonjuras onde a vista chegava. Oxalá anunciado pela cadela Tainha, abrindo a porteira do terreiro, um homem bonito de chapéu de feltro e terno branco, igualzinho ao que vira numa revista exibida por sua tia na festa das Missões. Desses que moram num lugar chamado capital. A imagem da revista só saíra de sua cabeça quando conheceu o único amor de sua vida. Nesse tempo viu que um homem pode oferecer elástico à felicidade, mais ainda do que pensava. Mas que esse elástico por vezes rompe. Numa tarde dessas em que os anus fuçam em ramos rente ao chão caçando um pitéu e menosprezam a existência de todo e qualquer ser humano, Samarica tomou um gole de café quente servido do bule, sentouse no rabo do fogão e com um tição atacou a ponta do pito com a brasa. Fumava e apalpava os peitos sem resguardo de sutiãs ou qualquer coisa que os cerceasse, só a correia do pai era a exceção. Estavam soltos dentro das alças do vestido velho e florido e não balançavam. Absorta num mundo que era o maior de todos e somente, quando cuida e que não, o pai entra de supetão com uma foice na mão um bornal de ferramentas atravessado ao ombro. De imediato estaca imóvel até digerir a cena e depois solta o cabo da foice ao léu, avança em suas mãos e toma o cigarro aceso, com olhos de surto e raiva. Com força e truculência dá uns safanões na menina com uma só mão e com a outra preservava o cigarro aceso. _Põe a língua pra fora que eu vou te ensinar a fumar. Resmunguenta e descabelada Samarica se viu obrigada a atender a ordem do pai para evitar dano maior. Meio desconsertada, com uma sola do pé apoiando o rabo do fogão e a outra no chão, devagar foi tirando a língua para fora da boca e a manteve de fora enquanto o pai reacendia o cigarro no mesmo tição que a menina usara antes. Enquanto acendia o 68 cigarro tirou dois tragos. Os olho de Samarica viam agora uma greta e do lado de lá estava uma autoridade irredutível. Sua autoliderança adquirida pela força da puberdade estava em frangalhos. Calada, resignada a menina sentiu a estupidez da brasa queimar o centro de sua língua molhada. A dor abrupta, intensa. Deu um gemido e com a um pedaço da língua ainda solta do lado de fora fitou os olhos do pai. Saiu ao terreiro e não esboçou uma lágrima sequer. A mãe assistiu tudo a distância, calada. Antes, porém, que saísse, o pai jurou dar-lhe uma surra de deixar lembranças caso a pegasse de novo com cigarro na boca. O certo é que a reprimenda não fez efeito. A moça mantinha um serviço na Vila, passava vinte dias em Conceição do Norte e dez dias em casa, ganhava seu dinheirinho e mesmo ajudando em casa sobravam-lhe uns trocados. Coisas necessárias, sobretudo em situações das regras. Não gostava do sabugo envolvido em panos para frear o sangue. Aprendeu com a tia a usar o conforto que o mercado já dispunha. Samarica, agora, com mais cuidado, passou a providenciar seu próprio fumo e a fumar em horas mais seguras e locais mais apropriados. Comprava cigarros de papel na venda do Nélio Póvoa quando descia a Dianópolis e os mantinha escondidos em casa. No entanto, quem falou pela primeira vez em liame popular que o mundo dá muitas voltas merece considerações de suma importância. E dá. Um dia é da caça e o outro do caçador. E é. O mesmo risco que corre o pau corre o machado. Dinheiro nos ermos Gerais do sertão do Tocantins nunca foi de dar em loca de pedra nem em oco de pau, tem mais nesses lugares é peçonha de víbora espreitando o filhote abobado do passarinho. Escorpião e aranha medonha. E o sertanejo sabe disso. Assim aplica a maestria e resistência de sobreviver a um lugar inóspito e a um desleixo hostil por parte de autoridades. Mas nesse dia faltou fumo quando não podia faltar. Em nenhum dia podia faltar, pois era ali que o homem escorava o cabo da enxada e se sentia ancorado na ilusão da existência. Ou, no mínimo, um alento para não ser subjugado pela força da natureza ou pela ausência de força sua própria, embora rara em gente assim. Sem dinheiro, o homem chamou a esposa e reclamou da vida, começou a falar dos 62 anos de dificuldades naquele eito de mato, em seguida falou coisas que a esposa não entendeu, coisas desconexas. Coçava a cabeça dos dois lados com força. A falta do tabaco e das condições para comprar implicava nele um juízo solto misturado com cólera. Venderia uma vaca para ter um dinheiro, mas a distância até Conceição do Norte era longa. A abstinência da nicotina refletia inclemente em Serafim Correia do Espírito Santo. Samarica, atenta, acompanhava tudo de ouvidos lá do seu quartinho. Havia chegado da Vila no dia anterior. Ficou aflita de ver o pai naquela situação. Pensava que não era certo ter o cigarro ali e não amenizar seu sofrimento. Era o coração que falava. Mas temia uma repressão como lhe fora jurada. Não, não podia. Era provocar a onça com varinha de condão. Se fizesse isso deveria estar preparada para o pior. O comportamento do pai 69 era de tal modo insano e irascível que via nele completa falta de siso. Era outra pessoa, tal qual nunca havia enxergado ou pensado que existia dentro daquela autoridade séria e inabalável. Temia que num átimo de insanidade lançasse mão a uma peixeira afiada na prateleira de madeira da cozinha e fizesse a besteira. Sem atinar para as coisas de roça, filha, esposa ou o que fosse, o homem andava de um lado a outro em tempo de ficar louco. Numa de suas voltas dá de cara com a filha com um maço de Elmo, sem filtro, previamente aberto, com os cigarros estufados para fora, na mão estendida em oferta. _Tá aí. Agora se quiser por fogo nele põe, e se quiser apagar na minha língua também pode. Meio zonzo e vesgo, pois pensava que a filha havia emendado com a surra e parado de fumar, ainda sem querer acreditar no que via, como num voo cego avançou firme no antebraço de Samarica e segurou trêmulo. Arrancou do maço dois cigarros e num impulso caminhou ao rabo do fogão, onde havia um tição de ipê brocado em brasa, e fez fogo ao primeiro. Beijou o tição com a ponta do cigarro e bombou para dar fumaça grossa, que preenchesse o vácuo abismado em seu peito de peleja perene. Puxou três vezes de enfiada e tragou tudo. Voltando a si diante do terceiro trago, sem querer soltar toda a fumaça que levava ao pulmão, falou em tons quase opostos. Num, aliviado de nervos, noutro, nervoso de alívios. _Porque não mostrou antes, minha filha? Ainda com a mão estendida, Samarica não titubeou. _Pode pegar todos, tenho mais lá dentro. Nascido no Alto Paranaíba em 1973, cresceu a galope. Leituras férteis deram sequência a alfabetização e ao ritmo gradual de encantamento com o que se chama Sertão. Primeiro o jornalista e mais adiante o professor. Ambos afeitos as palavras, convivem e fuçam no grande pasto da língua e seus temperos. Possui artigos publicados fora do país e alguns contos premiados. 70 ÚLTIMO DOMINGO AO MAR _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Éder Rodrigues Belo Horizonte - MG Mar: quando ouvir o que digo e achar que rezo, venha como uma onda que perdoa, e arranca de mim o deus que eu pensava ser de areia. Mar: quando responder ao meu adeus, volta com os braços sujos de sal, sussurra aqueles ditos de espera e me faça viver a calma de um abraço-deserto num breve instante entre nós. I Sentia-se como um cartão-postal dobrado, existindo no pesar de quem amassa os lugares e os corpos por onde já pisou. Pedaço de um papel fotográfico qualquer. Pele sem muito Sol. Qualquer coisa guardada no fundo de uma outra: um bilhete, um pequeno poema, um desenho distraído antes da morte. Qualquer sentimento dormente a espera da morna eternidade. Uma foto era a sensação dele de ser. Talvez ainda existisse alegre num porta-retrato de estante. Desses que recebem e se despedem da visita com o mesmo sorriso. Algo assim: entre os pequeninos recortes que a gente guarda para não esquecer e a tristeza de um postal que só lembra paisagens. Assim era. Ele tinha a dobradura desses cartões. A sola lisa calçava delírios que nunca ultrapassavam a proteção dos calçados. Jamais descalço. Sentira a terra quando criança. Agora prescrevia desses medos de ser tocado. Era pensar no mar e sua boca já salgava. Era adormecer com o pensamento em águas e amanhecia úmido. Concha lavada de pérolas. Corpo sem nada dentro. Um homem que não gostava de palavras de desfecho. Nunca tinha escrito ditos como nunca, adeus, volta. Não provara dessas palavras que bendiziam distância e nem das que traziam proximidade. Não teimava em principiar levantes por já premeditar o tamanho dos fins. Gostava do que era pequeno. De se sentir pequeno. Guardava tudo como se uma coleção o livrasse de se perder em blocos do ser sozinho. Gostava do que podia ter nas mãos. Do que podia acumular nelas pelo simples fato da coletânea. As pequenas coisas são as únicas que sorvem o calor da gente. Anseio por jardins da infância. De imenso: só o mar que guardava no bolso. As fagulhas 71 de areia que impediam que ele sentisse nas partes vivas do coração, aquele céu revirado de água e superfície. II Naquele dia, as ruas estendiam a imensidão de um mar cinzento que se expande em vias de concreto e asfalto de puro piche. A tarde ainda mal acenava. Pessoas de todos os rumos correndo para estarem nas horas certas. Os carros enfileirando demasiada pressa, mas quase nunca se atrevendo ao atrito. Túneis e curvas. Uma pausa para dormir. Uma praia para o amor que urge. Roupas ao chão e o corpo aportando descanso num sossego moleque que escapa para uma pelada antes de seguir para o findar do dia. O Sol morria no horizonte e o Rio continuava um rio intenso, imenso de águas que se juntam num carnaval rotineiro que antes de fazer enredo, brinda a saideira da vez. Ele olhava tudo da fresta da janela. As paisagens das centenas de cartões que tinha remoíam na sua cabeça. Conhecia todos os lugares pelos cartões. Das bordas litorâneas às florestas fechadas do rosto. Das estátuas prosaicas ao deserto de nós. Tudo próximo aos seus dedos, escancarado a um palavrear intelecto que tinha acumulado segundo os estudos que cravava nas noites para compensar as luminárias que lhe faziam companhia. Ás vezes, sentia que tudo era natureza morta. Mas logo um calor vindo das esquinas, dos encontros daqueles que em trânsito desperdiçam mais um dia de mar o encharcava. Coisas que o acalmavam como aquele janeiro em demora, mas que já fazia sentir o carnaval soprar. Alegria pequena, dessas que a gente vasculha e quando encontra percebe que a vida pulsa mesmo sem fantasia. Os braços abertos eram promessas dos postais. Ele ardia em cada abraço não dado, em cada onda que acenava ao longe, o medo de quebrar nas pedras, a fronteira entre molhar-se e continuar em vão. Sete horas. Ele mal percebeu que a noite havia invadido seus deslizes. Guardou todos os pertences como se depositasse saudades numa garrafa. Dessas que às vezes o mar leva sem dúvidas por regresso. Todas as suas coisas estavam meramente arrumadas em suas respectivas ordens, gavetas, armários, cabides, envelopes, caixas suspensas, embrulhos, catálogos. Nunca estiveram assim. III Caminhou então até o espelho e vestiu a sua nudez em pausas substanciais. Foi se cobrindo lentamente como quem sabe para o que se arruma. Lá fora provavelmente o calor latente faria lhe explodir os poros sempre tencionados e fechados. Estava feliz ou era o espelho que 72 desvendava um sorriso? Ouvia um resto de música, começo de noite, tiros suando e escorrendo pelo morro que descia perto. Um rio sempre existiu dentro do seu bolso. Dormia junto dele nas suas madrugadas sozinho e acordava assustado, numa ressaca que o fazia tomar café com a calma de quem só espera. Secou-se e logo já estava impecável no terno que cheirava guardado e tinha riscas de giz. Colocou os sapatos cuidadosamente nos pés, depois de batê-los contra o chão e expulsar os restos de areia que sempre migravam para lá. O gato se atreveu a lustrar os calçados e ele de uma forma estranha aprontou o colo para acariciá-lo de um jeito ensaiado, mas jamais exposto num palco nu. Invejava os pêlos sujos do animal. As patas de ontem. O imundo da barba. O corpo sorrateiro dormindo sempre. A noite revirada nos telhados e desmaiada no cume dos tapetes. Era o gato que lhe falava da vida. Que lhe miava dos pulos que ele só conhecia pelos livros. A liberdade do bichano doía nele. O sexo cansado do felino era uma afronta para o seu desejo cativo. Sentiu o focinho da sua pequena companhia conquistada a custa de muita ração e lhe sussurrou qualquer coisa impossível de se ouvir. IV Sabia pouco do Rio postal e escolhera aquele dia para esse encontro. Vivia no rio do quarto. Num represar de águas paradas que nunca se arriscam. Água que fede a profundidade imóvel do seu represar. Líquido que vai criando barro, lodo, esperas. A ameaça das vidraças, quando fatalmente se ofereciam, fazia com que ele, às vezes, se recolhesse numa praia de poucos, que visitava apenas nas noites em que o escuro lhe ardia no peito. Era estranho. Andava sempre como se soubesse aonde quisesse ir. Por isso não lhe falavam, não lhe paravam, não lhe bebiam. Da vida, colecionava miudezas. Tinha tudo: de selos a conchas sem cor. De maços de cigarro a tampinhas de cerveja. Era engraçado, embora não soubesse disso. Viveu ali como um homem a existir no paraíso sem se dar por isso. A noite ligava para números que não conhecia. Na sua coleção tinha inúmeros comprimidos que sorteava ao léu dos minutos, como afronta para um verso medido ou uma coragem furtiva a desviar suas insônias. Até ligavam, mas ele dispensava conversas. Foi vivendo para dentro, como certas flores do campo que quando tocadas se fecham num gozo só delas. Teve sim as mulheres que quis, deitadas na posição que fosse e também os homens que lhe fizeram gozar como deus. Mas do desejo guardara apenas os momentos de ânsia para lembranças ao ocaso. Depois da epiderme do corpo, ninguém atiça a alma. Ela sempre fica regando um coração aflito que pede para sentir. Até descobriu os cigarros, e tinha dessa 73 companhia nas horas da aflição nossa de cada dia, nos anos que foram se acumulando, na barba que engrossou na moldura da face, nos aniversários que mentia para esquecer. Era um homem comum: belo se saísse. Amante se ficasse. Mas não forjava itinerários. Foi perdendo o viço da descoberta. Foi matando a cidade junto com a multidão que lhe furtou o sabor de festa. Era apenas ele: um homem que lia diários antigos e já não escrevia nada, nem poemas. Jogava bilhetes minúsculos nos dias de chuva, mas ninguém lia. Ninguém se molha num dia desses, nem em qualquer outro. V Depois de passar o olho por cada pedaço daquele arranha-céu, trancou a porta e saiu para o encontro. Tinha óculos escuros. Medo de se afogar nos olhos de um qualquer. Foi andando pelo calçadão que abrigava uma pequena multidão. A primeira vez que viu o Rio no poro úmido de suas praias teve certeza que viveria ali, rodeado de poemas em cada esquina. Os sinais, a brisa, os corpos de areia. Tinha vindo de Minas justamente por isso. Pelo e para o mar. Minas sempre cercada por montanhas, aprisionava todas as vontades em colinas que não se desprendiam nunca. E como se não bastasse, ouvia vozes ou maresias que lhe sopravam convites ao ouvido. Impossível se reter dentro de si. Tinha uma ânsia tão grande pelo oceano que ultrapassou as extensas colinas e um dia foi com malas e coleções a completar. Conhecia só os rios do sertão veredas, e jamais imaginou que todos eles juntos formavam aquela imensidão absurda de água farta. De Minas, trouxe sua coleção de pedras que ganhava preciosidade no intento dele. Duas garrafas grandes de bolinhas de gude que reluziam o viço da infância e outros laços. E tantas outras coleções pequenas, de folhas, de figurinhas coladas no álbum das gomas de mascar, de retratos do chocolate, caixas vazias, lápis de cor, linhas, folhas coladas no caderno de desenho, insetos presos no isopor da escola. Uma coleção de grãos. Tanta coisa pequena que cresceu o homem, mas ficou o menino. Depois de ceder ao desejo de sentir o mar por perto, começou a ouvir aquilo que era só um sopro de voz como um pedido aceso. Um grito sufocado saindo de um lugar que ele não premeditava. A ânsia maior em colecionar pequenitudes não cedeu àquele ensejo de outrora. O mar lhe causou medo. Quase nem pegava conchas. Viveu ali perto, mas nunca conseguiu provar do sal que ameaçava seu sono. E quando os compromissos do homem apertavam o menino que dormia nele, passava horas rememorando cadernos antigos, tentando acender a coleção de caixas de fósforos em forma de dominó. Foi criando barba grossa e como se surpreendeu com um mundo crescido, não expunha vontades. Vivia como tinha de ser. Dizia o que precisava assinar. Beijava o que se mostrava urgente. Um homem como tantos, aterrorizado pelo mar que não descansa e sobretudo sozinho nos momentos de “precisoestar”. O mar. Se soubesse que ao redor dele, as pessoas já estavam tão 74 crescidas, talvez não tivesse vindo. Vencendo as lembranças que vinham dispostas como num álbum certificou-se de ter deixado tudo certo. Já havia acertado as contas do aluguel e condomínio. Pediu o corte de luz que provavelmente aconteceria na segunda. O bichano tinha ficado incomodado com a caixa de madeira que tinha comprado e na qual o havia trancado. Mas seria por pouco tempo. A velhinha do andar de baixo sempre o chamava nas noites de mormaço, só para lhe tratar e sentir um pouco dos miados. O preço da solidão. Ficaria feliz inclusive com o bilhete pregado na caixa: “Não solto pêlos no colo, mas deixo um calor de filho.” Irrecusável. Ficaria bem. VI Naquela noite, o mar bravo prateava sem fôlego náufragos da lua que suspira. Gemia prazeres de amante que por muito tempo não se ouvia. Ele lembrou ainda que seu desejo mirrou no mesmo instante que se sentiu um deserto úmido, ainda que tão próximo ao mar. Mas viveu ali. Dormindo perto dele, mas conservando distância. Água ou areia: o silêncio é sempre o mesmo. As mesmas vozes soprando no seu ouvindo coisas que ele ainda não entendia, e só agora pareciam clarear nos rastros que não deixava. Ele ficou dando voltas no calçadão até tudo se esvaziar. Enumerou as luzes que se acendiam nos edifícios e se sentou próximo a areia. Ficou ali, parado, como somente os homens sozinhos ficam. Pela primeira vez sentia o corpo do mar tão perto. Andara tanto que ficou com as pernas cansadas e com as horas gastas. Falta pouco para meia noite. Na rua, somente aqueles que vagam, aqueles que não esperam tanto. Quase ninguém. Sentiu um aperto no peito. Lembrou-se de Minas. Do gato. Da infância nos olhos. Sempre fora um homem em superfície. Nunca tivera a coragem humana de se entregar a nada, nem ao mar que lhe era tão íntimo e tão distante. E foi andando. Pela primeira vez não sentia a areia como estrangeira. Não tirou também a roupa nem os sapatos. Foi andando em linha reta. Uma friagem igual a que sentia no começo dos invernos que passava no interior. Tinha uma excitação de homem-deus. Não compreendia ainda as vozes, mas agora sentia que estavam mais perto. Aos poucos ia esquecendo das cartas que não escreveu, dos telefonemas que discou apenas nas insônias de geladeira. Do sorriso que nunca fora seu companheiro, do álcool que nunca fez parte do seu carnaval. Lembrou da casa arrumada como se esperasse por alguém. As coleções espalhadas, cores, papéis, cartolinas, vidrilhos, peças de um quebra-cabeça sem encaixe. As miudezas dele espalhadas num formato de parque, num esboço de jardim, infância ou sentimentos adulterados. Recordações dos 75 copos sempre vazios, das paisagens que agora dormiam na distância da natureza em sono, da fresta da janela por onde imaginava grandezas e que já não existia. Sentiu então o mar por entre as pernas. Ninguém ali. Sozinho sempre fora a sua maneira de estar junto. No ouvido: um sopro de última luz. Centelha de quem nina para dormir também. E chorou o amor que não fez, os vinhos que nunca abriu, os presentes que nunca enviou, os anúncios que colocava no jornal e não recebia respostas, o cinema que deixava antes do filme acabar para que não o surpreendessem emocionado ou em estado de paixão. Minas tinha o seu jeito. O Rio era o desejo de ser. E no meio, o mar que ia lhe cobrindo o pescoço. (Solidão não precisa de luminosidade. O escuro basta para sua ardência). Ainda olhou para trás, mirando Cristo no alto do morro. Tinha ciúmes daqueles braços sempre abertos. Queria que os fechasse sobre ele. Sentimentos que não se juntam e morrem antes de nós. Quis gritar alguma coisa, mas as águas abafaram seus ditos. Não tinha motivos para grandes feitos e nem para continuar sendo. E continuou andando, num filme rápido e contínuo que o fazia lembrar das miudezas do dentro e sumindo junto ao domingo que se inundava. Sentindo o mar pelo corpo todo. E uma voz salgada que longe das montanhas entoava um acalanto antigo. Lembranças daquelas coleções de criança pequena que a gente nunca completa. A não ser quando dorme. VII Todo mundo fala da beleza do mar, mas a maioria nunca ultrapassou os limites da areia. Como contista, participou de antologias e coletâneas em vários Estados do Brasil. Em 2009, recebeu o prêmio Josué Guimarães de Literatura na 13ª Jornada Nacional Literária. Tal premiação proporcionou a difusão do seu trabalho na Espanha. 76 UM QUASE SOLITÁRIO _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Gustavo Cardoso Paranavaí - PR Lobo Solitário era como o chamavam, um velho senhor, indigente, que vivia cantarolando Bezerra, com seus óculos escuros que deviam pertencer a outro século. As marcas do tempo já tomavam sua face e tudo o que havia sido lindo e jovial se tornara passado. Uma boina branca, surrada do tempo, fazia um perfeito contraste com aquela pele morena e um sorriso cheio de dentes brancos como neve que o tempo inexplicavelmente manteve. “Banco sete” era sua morada. De pedra pálida, doado por um vereador qualquer, repleto de propagandas e escrito em giz de cera azul: “OCUPADO”. Sei disso porque ficava bem em frente a um ponto de ônibus, ponto esse que me levava a fábrica todas as manhãs. Sua bengala o apoiava e guiava pelo mundo, o “escoro de Deus”, dizia ele. Também levava consigo um ramalhete de rosas que já aparentavam estar sem vida há anos, mas que aos seus olhos ainda tinham o vigor vermelho e aveludado de cada pétala daquelas que antes eram rosas. O tempo nunca tinha me permitido saber mais daquela figura marcante, confesso que o medo também, não o medo físico, mas o medo psicológico. Não ser recebido com muito louvor era normal, talvez por saber que tem poucos amigos, pelo menos nenhum que por ali se conhecesse na verdade. Vivia no seu eu particular, só e sem motivo para continuar pertencendo a tal mundo. Não estava passando por uma das minhas melhores fases da vida, serviço cada vez mais puxado, mulher reclamando da família, das contas, dos filhos, do sexo. E eu novamente arrastando perna sobre perna, me aconchegando com aquela consciência pesada, corpo cansado e cabeça a mil, andando pelas ruas até o “ponto” cotidiano. Nem tinha me banhado. Na verdade, as brigas matinais não me deixavam nem tomar do café preto sem açúcar. Novamente ele me esperava, desta vez deitado com um jornal sobre a face, cobrindo o Sol. Cantarolava, hoje, “Ébrio”. Uma voz grave podia ser ouvida ao longe, na sua “autoviagem” pessoal e musical. Fiquei de costas para o banco, fingindo não notá-lo, até que a música foi trocada pelo ritmo assoviado da mesma. - Conhece esta? - Não sabia que um indigente conhecia Vicente Celestino. - Não sabia que ninguém mais na cidade soubesse. Você me 77 surpreende rapaz. Tentei em vão não dar mais “confiança” para o pobre senhor. - Onde está teu perfume marcante? - ... - És de poucas palavras então? – Falas comigo, senhor? – Senhor não, meu rapaz, tu sabes meu nome. – Sei? Haha... Desculpe senhor, mas acho que esta confundindo as... – Não se faça de desentendido! Já me vê a tantos anos e não me reconhece, jovem Francisco? Estranhamente, ele me chama pelo nome. É verdade que passava por ali há muito tempo, mas nem ao menos um cumprimento eu lhe tinha dado. – Tudo bem, meu senhor, já tenho que ir. O ônibus... – Mas que falta de educação, nem ao menos vai me contar sobre a Clara? – Quem é o senhor? Chega de brincadeiras! – Prazer, “xará”! Chamo-me Francisco. Aquele sorriso não me era estranho. Era tão puro, tão cheio de energia, diferente do que aquele velho ser demonstrava. – Prazer. Mas... Como sabe meu nome? E de minha mulher? Com um aperto firme o cumprimentei. – Clara reclamou esses dias de ti, nesse mesmo ponto. Não “dás na telha” mais então? HAHAHA... Uma gargalhada longa me fez ferver os nervos. Quis arrancar aqueles óculos e mandar aquela criatura de volta pra onde nunca esteve. – Faça-me o favor, não estou numa boa semana, meu senhor. – Perdão. Mil perdões! Só queria amenizar nossa situação com uma brincadeira: Mas venha cá, sente-se aqui comigo - Sentando na pontinha do banco e batendo com a palma da mão no acento - ato esse que me fez pensar duas vezes antes de sentar, mas meu corpo cansado achou que duas vezes não era o bastante. Sentei meio sem jeito, tentando cortar o assunto por ali, mais foi em vão. - Tens fome? Colocando a mão dentro do casaquinho leve, tirou um pedaço seco de algo não identificado do fundo do bolso. Apontou para mim como se fosse um pão de ló. - Obrigado. Bom apetite! – Disse ao velho. - E então, porque desse rosto tão cansado? - A vida pra mim não se resume a pedir dinheiro e comida pelos cantos. Muito menos a morar sem pagar aluguel ou leite para os filhos. 78 - Ei ei ei eiii... Calma lá, meu rapaz, não é bem assim que as coisas funcionam por aqui. Seu olhar ia além de minha face, olhava o nada. Sua boca resmungava com o vento. - Então os problemas só crescem? - É, seo Francisco. Não é nada fácil. Perdoe-me! Não quis ofendê-lo. Mas... Ah! Deixa pra lá, vai... - Tudo bem, tudo bem! Mas venha cá, me responda uma coisa: Já amou alguém de verdade? - Como, seo Francisco? – Amar, ué. Já amou alguém de verdade, jovem Francisco? Tão estranho conversar com um xará. Ele fala seu nome e você fala “teu” nome chamando por “ele”. Estranho também foi como chegou a este assunto tão íntimo. Parece loucura eu falar isso com um estranho. Se eu puxasse o fio da meada, ele faria daquele banco seu divã e seria meu psicólogo diário. Respirei fundo e me preparei agora para mais um daqueles enormes monólogos de indigentes que te contam histórias de vidas durante horas e horas. - Claro! Minha mulher! - Amor mesmo? De chorar, esperar toda a vida e viver num êxtase eterno? - Acredito que sim. Por quê? O senhor já? - Mas é claro! A mais linda mulher de todo esse Paraná. Lindamente estonteante, me fez viajar dentro de “minh’alma”, viver meu nirvana pessoal, me fez amar, me fez acordar cedo e fazer café da manhã, namorar, fazer o melhor sexo da minha vida, dar o melhor beijo de toda a existência, me fez feliz, foi feliz, me ajudou, me apoiou, jurou amor eterno e nunca mais voltou. - Como? Nunca mais voltou? Como assim? - Ela me abandonou, pobre rapaz. Simplesmente foi até o armazém da esquina e sumiu para nunca mais voltar. - Sem explicação? - Em termos. Somente me deixou isto. Mostrando um papel, que devia pertencer aos dez mandamentos de tão velho que se encontrava. Letrinhas redondinhas e garrafais que, de lápis, quase não podiam ser distinguidas. - Lê pra mim? Tirando os óculos, ele mostrou os lindos olhos brancos que tinha. Olhos que enxergavam além da realidade, que me olhavam interiormente. Senti-me nu naquele momento. Não nu em vestimentas, nu em carne, totalmente desprotegido daqueles olhos que enxergavam mais do que a verdade. Enxergavam por detrás de todas as armaduras e máscaras que eu 79 usava para a sociedade. Ele via meu eu que por certas vezes nem eu mesmo conseguia distinguir ao certo o que era. Fiquei um tempo olhando atentamente aquelas obras de arte que um deslize do mundo criou. - Meu Filho, vai judiar do pobre ceguinho? Hahaha! Um riso doce soou. Senti-me em paz, tomei o papelzinho e li pausadamente cada linha daquela poesia. “TU ÉS O MEU HOMEM, AQUELE QUEM MEU FILHO CHAMARÁ DE PAI, AQUELE QUE ME FARÁ ACORDAR DE MADRUGADA SÓ PRA BEIJAR E DIZER QUE ME AMA, AQUELE QUE POVOA MEUS SONHOS, AQUELE QUE NUNCA ESQUECEREI AQUELE QUE PARA SEMPRE SERÁ MEU AMOR, MEU DONO, MEU HOMEM, MEU REI.” As lágrimas não foram contidas. Ele virou o rosto em vão, tentando não demonstrar a tristeza, limpou o rosto rapidamente e tentou explicar, meio sem jeito. - Bonito, né? Nem ao menos colégio ela tinha nessa época. Pagou a uma daquelas moças que ficam escrevendo cartas nas estações de trem, lá de São Paulo, quando passávamos por lá. - Mas por que se foi? - É uma longa história... Teu ônibus já chega, nem vale a pena perder teu tempo comigo. Senti-me tocado. Entreguei o papel para aquele velho senhor e vi que, na total realidade, ele queria apenas ser amado, queria apenas ser visto na sociedade com seus “gostos diferentes” que estranhamente eram muito iguais aos meus. Seu jeitinho especial de falar e a maneira, no mínimo estranha, da situação que me conquistaram não pareciam pertencer a este mundo. Tinha prometido não puxar o fio da meada, mas no momento já não era possível voltar atrás. - Mas então, seu Francisco, por que não a procura? - Oh, meu filho, eu a tenho esperado todo esse tempo. - Esperar? Mas o senhor é cego! Nunca vai achá-la aqui, sentado esperando. - Seu cheiro é inconfundível, seu toque, seu beijo. Eu nunca a esqueceria! Aqui eu a deixei partir e aqui ei de encontrá-la. Meu sonho é esse, encontrá-la! E suas flores eu hei de dar, por isso as carrego por tanto tempo. - Sonhos? Não me iludo com o ilusório. - Não é ilusão, meu filho. Nunca é ilusão. O ônibus atrasado me deixava ansioso. O medo de perder 80 aquela conversa gostosa e a vontade de logo sair dali me dividiam. - Vou te ensinar uma coisa. Existem dois tipos de escolhas que fazem nos seguir em frente: os sonhos e os desejos. - Os desejos, meu filho, são as vontades inesperadas de querer algo, conquistar algo, viver, correr atrás, lutar, beijar a mulher amada, tomar um sorvete, comprar um carro novo. Mas o desejo é passageiro. Depois de um tempo ele some, passa, muda para outro desejo, é esquecido. - Já o sonho, o sonho já não é tão simples. O sonho é algo que vem de dentro, é algo que você carrega consigo desde pequeno, é algo eterno, é algo supremo. É uma coisa que nos faz pensar em como a vida deve ser, é algo que realmente queremos, uma esperança eterna. E o mais importante: É algo que se realmente quisermos vai acontecer. - Mas a vida não é uma trajetória perfeita, seu Francisco. - Sim, eu sei! Por isso que eu amo dormir. O ônibus desponta na esquina e corre ao meu encontro. E eu agora me deparo com um velho falando asneiras depois de um poema tão lindo. “Amo dormir“? Tentei, juro, tentei achar sentido naquilo. - Dormir, seu Francisco? Como assim, dormir? - É, meu filho! Dormir! Não entende, né? - Não, seu Francisco! - Pobre rapaz! AMO DORMIR MESMO!!! - Porque ao dormir eu sonho! E ao sonhar eu vejo novamente, luz, cores, brilho, vida e paixão. Minha paixão, vejo seu rosto, sua face e novamente a felicidade me toma os lábios. Esqueço da tristeza e da fome. Só sua energia e amor me alimenta e me faz bem. Viro você, meu querido, um menino com seus vinte e tantos anos, com energia pra dar e vender. Sou outro! AMO, VIVO e LUTO! Sou meu verdadeiro eu, o sangue volta a ferver. Desejo-a em meu sonho, aquele meu anjo que me perdura vivo. O chão sumira dos meus pés. Impressionante como um homem sem nada tinha mais esperanças e vontades de viver por conta de um amor quase que platônico. Amor esse que eu mesmo tinha ali em minhas mãos, uma família perfeita e uma vida maravilhosa. Justamente tudo o que aquele homem mais sonhava. - VIVA, meu filho! Abrace tua mulher como se fosse a ultima mulher do mundo, ame cada filho como se fosse único. Beije como se fosse o ultimo beijo e olhe bem no fundo dos olhos dela como se fosse a última vez que a visse. Ele segurou com ambas as mãos meu rosto e me invadiu com seus olhos celestes. - E a ame! Ame incondicionalmente e imensuravelmente, sem se doer nem pensar duas vezes. Amanhã você pode estar aqui no meu lugar e se arrepender. Diferente de mim que fiz tudo o que desejei toda minha vida. Mecanicamente, levantei o braço fazendo uma freada brusca ser escutada ao longe. 81 Subi as escadas sem dar sequer uma palavra. Tudo era muito forte pra minha cabeça que estava em turbilhão. Sentei na primeira poltrona que vi, e observei-o atentamente, atento a cada movimento seu. Olhando-o acenando levemente com a mão e um sorriso leve no rosto como dizendo um adeus. Nunca mais o vi depois daquele dia. Hoje não sei se encontrou sua amada...Se morreu de fome, ou de frio...Se fugiu para um lugar qualquer...Mas o mais impressionante não é isso...O mais impressionante é saber que já sem família, sem morada, ele ainda tinha muita história pra contar, pra viver e, mais ainda, pra ensinar. Estranho. Amar sem ver, sem sentir, sem tocar. Um amor ilusório. Mais estranho ainda é escrever isso aqui, sentado novamente no meu banquinho de pedra pálida do vereador, repleto de propagandas que eu mesmo assinei como “ocupado”, e me enganar nessa alusão a realidade. Estranho ainda é falar de si próprio em terceira pessoa. Criar o ilusório. Formar aos outros a ideia de que não estou sozinho, quando, na verdade, minha única companhia é meu alter ego, de vinte anos, jovial, cheio de vida, que esporadicamente deixo dar o ar da graça e vir me visitar. Alter ego esse que busca o futuro e está sempre na luta por si e sua família. Família que ainda hei de ter. Muitos falam que falo sozinho, mas não é sozinho. Falo comigo mesmo. Falo com minha essência. No mais infinito pesar de uma alma cristã que se acha normal e não acredita em amigos imaginários. Agente de viagens da cidade, acadêmico do curso de Matemática da FAFIPA e coralista do Coral Viva Voz de Paranavaí. 82 FLORAÇÃO DAS GABIROBAS _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ J. H. Henriques Uberaba - MG Depois que foi desenganado pelo doutor Randolfo, meu pai tornouse uma sagração de cuidados diante dos meus olhos. Fosse assim, que me dissera, a manhã estivada com suas bordas de sol e um quebrado de sombra que já descia sobre as paineiras e algum angico, o toldado de toda carga de canarinho-da-terra, o mais dourado que há, falou. - Vou tirar o carapiá para fazer remédio. Ainda dele se acha em atitude de fartura e quantia nas subidas do cerrado. Com o embornal meado, volto ligeiro e almoçamos na hora certa! Era de sua mania o sair da cama muito cedo e ficar por ali, a assuntar o nascer do Sol, a cantiga dobrada de tudo quanto é passupreto desse mundo nas folhas desenhadas de moita de bambu. Desenganado pelo doutor, o que dissera, o coração não tinha mais a mesma competência dos tempos de antigamente. Meu pai com seus hábitos velhos, desde que eu me entendia por gente, saía da cama e se banhava em água fria, depois saía à varanda pequena da casa e admirava-se da natureza em iluminação pelo Sol que saía, os cabelos grisalhos e espetados a pingar água do banho recente. Acendia um pito de palha e mirava as alturas. Coisa antiga dele, ser assim, afora a necessidade de fazer o pó do carapiá para aliviar essas criaturas sofridas que acham de ter mazela alguma no nariz e em partes próximas dele. Dizer a verdade sobre o caso, eu sofria com a maneira de olhar a sua figura ali, tão levantado de vida e desenganado por conta de um coração que não podia mais velejar como nos tempos em que mostrava tutano e nada de errado com seus passos. Naquela manhã, com o enxadão nas costas, um facão na mão livre, tinha me avisado que ia buscar a raiz, a erva que era milagrosa para essas gargalheiras, conforme era a crença funda e evidenciada nos resultados que obtinha. Distribuía aquilo a quem queria. Era das suas manias, meu pai era um homem quase planejado em tudo que fazia nessa vida. Por conta de querer poupar dele o esforço e as energias, temeroso de que houvesse de sua parte um perigo qualquer, eu mesmo fui junto dele, apartei a palavra mais sensata para dizer. - Sô Geraldo, que vou com o senhor. Somente um tempo para que calce as botinas e já saímos ao carapiá! Falei pouco que era para ele não se sentir melindrado com a minha policiada referência, os cuidados. Podia desconfiar que eu temia que lhe ocorresse um mal qualquer ali pelos meios dos cerrados e isso traria a ele um certo desconforto e estado beligerante. Sempre que me dirigia a ele, fosse da minha forma mais respeitosa, nunca o dizia pelo nome de pai. Dizia sempre 83 sô Geraldo, entretanto, sem que isso abrisse um demérito ou falta de respeito para com sua presença. A dizer mesmo a verdade, eu também era Geraldo e meu filho era Geraldo Neto e meu bisavô, finado, fora José Geraldo. Tudo devesse ser em honra e memória do Santo, o mais bonito em estampas de parede, dessas que trazem o rosto escorreito e um ramo de flores brancas atravessado ao peito. Santo bonito assim é até muito difícil se imaginar, a não ser dentro da luz grande que brilha em Fátima, aí sim, de se comparar. Ocorre que para a Santa traduzir essa imensidão de ternura é muito mais fácil do que para um Santo se bater com as mesmas virtudes. Sô Geraldo respondeu imediato. - Não carece não! Ora, era mesmo a resposta que podia ser esperada. Porém, eu já estava com uma botina no pé e outra na mão; tinham dormido as minhas botinas debaixo do banco da varanda, de tal sorte que eu batia com ela emborcada contra o braço mais forte do madeiro, prevenia que alguma lacraia tivesse se enfiado nela para passar a noite mais quente, sendo assim, se estivesse ali, ia me ferrar o dedo e depois adeus marcha em rumo dos cerrados. - Sô Geraldo, acontece que eu quero ir! Aí, diante desse argumento, ele se calou e apanhei de seu ombro o enxadão e deixei com ele o facão de cabo de osso, era uma forma de fazêlo entender que antes com o facão do que com o enxadão, as diferenças de suor despendido entre um e outro costumam ser grandes demais. Se agisse assim, não ia ferir seus brios. Não ia mexer com sua sensibilidade. Meu temor maior era que se ofendesse diante da inutilidade que poderia traduzir os excessos. Melindrar sô Geraldo ia me fazer mais inútil e culposo do que ele mesmo seria. A hora já ia toda iluminada porque passava das seis da manhã. Ainda me ocorreu que devesse beber mais um gole de café antes de sair pela estrada arriba, que era meu ofício fazer o café e preparar as merendas, sempre foi assim e nunca destoava tal rotina. Depois que enfiara a segunda botina conferida e sem lacraias, busquei duas canecas de café sem açúcar e bebemos daquilo, quase que em silêncio, a não ser pelo momento em que contei uma anedota curta para que ele risse. Diante do efeito bom dos ditos, observara depois que umas nuvens se formavam para o Norte, sinal de que mais tarde ia chover e ninguém poderia mudar tal rumo das coisas. Entrei para deixar sobre a mesa as canecas usadas e a voz dele anunciou. - Geraldinho, deixa de empatar mais meu tempo! Eu tinha que enfrentar a situação porque entendia que a paciência dele era meio parca em casos assim. Era o mês de outubro e o verde já tomava conta de tudo, apesar das chuvas ainda estarem minguadas e a seca anterior ter sido muito braba. Ali o lugar era chamado de Mandioca, mesmo a nossa gleba, pequena, porém sadia, também era a Mandioca. E o corgo que descia nos fundos era conhecido como corgo da Mandioca. Isso facilitava 84 demais a compreensão das coisas, não era preciso forçar a cabeça para entender que tudo era muito simples e munido de singelezas. Escutei a voz do Geraldo Neto lá no curral, estava a ordenhar uma meia dúzia de vacas para o leite do gasto da casa. Geraldo Neto tinha alguma necessidade de mais trabalho. Tinha dezoito anos de idade e sonhava em montar seu próprio destino. Nada errado. Tudo muito conforme com o progresso honesto que se quer. Deixar de empatar mais o tempo dele, de Sô Geraldo. Por isso, saí ligeiro e ganhamos a estrada arriba, uma vertente que uma vez vencida, deixava para trás as guarirobas e os baguaçus, uma faixa mais além de macaúbas e depois a borda do cerrado. A Mandioca era cerrado quase que só, a não ser pelas vargens de beirada de corgo, ali era potente o capimmeloso e a preservação de todas as lindezas do lugar. Outubro é danado de fatal para passar susto em quem está sem abrigo, longe de um telhado. Quando menos se espera, vem uma pancada de chuva, a manga desce azulada e tempera a terra sem dó. Tem os dias, mantém-se até por dia inteiro, não dá trégua alguma e o corgo ameaça se encher lá embaixo, carrega gravetos dentro da sua potencialidade de meiaenchente. Todavia, aquele era dia muito espetacular. A luz era soberba, massacrante até. As nuvens acolá, as que ameaçavam e era sabido que depois do meio dia ia chover, não traziam nenhum artefato de medo. Era preciso buscar o carapiá. Era preciso cuidar de sô Geraldo, era preciso olhar para mim mesmo porque, deveras, sô Geraldo era uma jóia preciosa dentro de nosso mundo de compreensão. Cuidando de um dava cuidados aos demais. Hora mais alevantada do chão. Um sangue-de-boi surgiu ali adiante, quando principiamos a subir a vertente em rumo do cerrado. Pousado na cerca de arame farpado. Pode ser que o mundo inteiro desconheça um passarinho mais bonito que aquele. De um rubro quase impossível de ser copiado, coisa mais delicada e que furava as vistas da gente com vontade de dar um beijo numa mulher ilusória. Ora, era assim mesmo e eu não temia errar diante desses fatos que são incontestáveis. O passarinho acompanhou-nos a marcha, voando de ponto em ponto ao longo da cerca de arame. A femeazinha dele era parda, amarelada, sem a desinência sanguínea e grandiosa do macho. Ela ia ao largo da viagem, de pau-terra em pau-terra, a grandeza do retrato que eu sabia de cor e sempre estaria presente em todas as nossas divagações dentro da terra da Mandioca. Minha marcha arriba tinha que ser mais folgada, mais leve. Não podia apertar o passo porque sô Geraldo não conseguia acompanhar a pressa. Faltava-lhe o fôlego. Mesmo de vez em quando, disfarçava o que sentia. Parava um pouco, punha as mãos a cintura e olhava o telhado da casa lá embaixo, o fio de fumaça subindo da chaminé, achava uma frase que devesse fazer efeito enquanto se recuperava. - Geraldinho, o certo mais certo é que hoje vem chuva! Eu percebia o que ele fazia. Sentava-me a um barranco e esperava por ele. Esperava que se restabelecesse. Até vazar no rumo das bordas do cerrado mais grosso, o esperado era que parasse umas três vezes mais. O 85 sangue-de-boi se debandou e uma vaca mugiu conhecido. - O berro da Estrela pode ser separado no meio de centenas de vacas, não é assim, sô Geraldo? - Ora, vaca é que nem mulher. Quando abre a boca para reclamar, a gente já entende o recado do mal-servido! Falou assim e dei uma risada larga por ter apreciado a maneira de ele se conduzir. Enquanto estivesse com essas saídas cheias de anedota, era sinal que a vida lhe assistia de maneira mais completa, sem arestas de sofrimento. Estava outra vez pronto para continuar. Foi naquele momento que escutei o tropel de um animal de sela. E logo depois da primeira curva surgiu a cabeça de uma égua castanha, magra. E montado nela, em pêlo, vinha o Lourival. O Lourival da Luzia. A égua era baixota e ele somente não arrastava os calcanhares no chão porque era também baixote se comparado com a montaria. Saudou-nos da maneira trivial para aquelas horas e lugar. Então afastou a bunda meio de lado, retirava o rego de sobre a espinha dura da égua. Repousava um pouco e tentava evitar a sua mesma pisadura. A égua parada deu um bufado de repouso. Lourival falou em assunto direto. - Sô Geraldo, estou num defluxo que não acha meio de ter fim. O senhor tem o pó de carapiá para me ceder? Tampado daqui até a nuca. Tudo tampado e agora a cabeça me desanca a doer! - Vamos tirar agora mesmo a matéria-prima para o remédio. Do meiodia para a tarde tu podes passar lá em casa e pegar a parte que te cabe pra se aliviar da mazela. Vamos antes da chuva! Eram o Lourival e a égua castanha baixota um esmeril que comeria para sempre dentro da minha memória. As coisas simples, da forma como elas são, a lividez que o tempo acaba por cortinar, como se esses brilhos não surgissem apenas de um golpe de vida aflorada de outros dias, de outros espíritos muito mais sábios do que simplesmente cabíveis na dimensão das imagens. Depois das primeiras chuvas o tempo se firmou naquele tipo de umidade elevada que se embala sempre do mês de novembro. Na Mandioca tudo ficou verde. Tudo agia de conformidade com fartura. Sô Geraldo dava de piorar um pouco do peito, regrava-se em fôlego mais curto e tinha que sair de madrugada para o terreiro para garimpar mais ares puros; todo ar para ele ficava minguado. Ainda assim, sentava-se à varanda pela manhã, os cabelos espetados a pingar a água do banho recente. Fazia um fogo ao pito de palha e esperava que eu lhe trouxesse uma caneca de café sem doce. Geraldo Neto ordenhava as vacas de sempre, o berro da Estrela chamava pelo bezerro e os passupretos recomeçavam a grande cantiga de alvorecer, a orquestra não mudava a toada do bico, as flautas todas comendo soltas até na hora do almoço. Mais tardar, almoço era às nove da manhã. Mais tardar. Sô Geraldo gostava que fosse assim, não abusar das horas porque meio-dia é hora de merenda e não mais hora de almoço. Essa rotina se estivava a cada dia e nada destoava. 86 Entretanto, numa daquelas matinadas comuns, saí da cama e ainda eram meados de novembro que se aliciava, escutei o berro da Estrela e Geraldo Neto zanzando no curral atrás de vacas e bezerros. Um vazado azulado de luz vinha da outra banda de lá, ao sul de horizontes. Era sinal de que em um quarto de tempo a manhã estaria assuntando a grandeza do dia. Fui a varanda e não encontrei sô Geraldo. Não estava lá, a pingar água da cabeça molhada – nunca se enxugava com toalha depois que se banhava. Pensei que devia estar dormindo até mais tarde naquele dia. Enquanto isso, na rabinha de ferro a água fervia para o café. Eu tinha atiçado a lenha e fagulhas zuniam quando um nó da madeira pegava a estalar. Era barulho só de berro de bezerro. Naquele momento, um passupreto cantou dobrado numa catana de baguaçu. Era o despertar das canções. Por isso, fiquei atento ao estado das coisas. A luz jamais apanhava meu pai na cama, mesmo que fosse eu dias de suas mais perrengues obstinações. Deu-me um senso lamentado de desconfiança. Corri ao quarto dele porque temia pelo mais grave. Estava desenganado pelo doutor. Minha surpresa e susto porque ele não estava lá. As cobertas afastadas da dormida noturna e nem sinal de sô Geraldo. Eu tinha largado o café ao coador e o cheiro já inundava a casa. Seu prazer mais fundo era beber a primeira xícara de café do dia, ali à varanda e a assuntar os motivos do tempo, se ia chover ou não, estas coisas que podem ser deduzidas até mesmo de um vôo de tesourinha, esse passarinho mais delicado que a conformidade de sua forma. Apanhei a caneca e enchi de café, levei à varanda. Pensei comigo mesmo. O cheiro há de ter atraído sô Geraldo, vou levar o café e a caneca cheia vai topar com ele na varanda. Ledo engano. Aproveitando que estava quente, eu mesmo bebi e cheguei a pensar que por algum motivo da precariedade de nossos fossos e buracos no chão como privadas, sentindose desconfortável, poderia ter entrado num cabeço de mato ali por perto para poder desovar o miolo das tripas. Esperei mais um quarto de tempo e a luz do dia explodiu em mil cristais açucarados sobre a terra da Mandioca. E nada de sô Geraldo aparecer. Fui à janela da sala e gritei com Geraldo Neto, se acaso ele vira o seu avô por aí. Não. Não tinha visto. Perguntei. - Nem mais cedo? Não. Nem mais cedo. Então, com tanta luz e tanto estilhaço de sol, comecei a deserdar meus domínios de calma. Sô Geraldo estava desenganado. Sem ter outra coisa que fazer, resolvi bater em busca dele. Subi a mesma estrada que nos levara um dia a busca do carapiá e ao encontro do Lourival montado em sua égua baixota. Subi com fôlego curto porque tinha pressa e temia demais encontrar uma coisa de retrato desagradável. Quando me aproximei das bordas do cerrado mais fechado, os calhaus ditando chiado sob as botinas e tanajuras saindo alto para a última revoada do ano, o dia estava alto e o orvalho dava brilho de tinido às ervas mais baixas. Quando a estrada se amiudou e que se fechou para formar o cerco de árvores, avistei sô Geraldo lá adiante, de pé e a meditar sobre algo que não sabia eu o que 87 fosse. Cheguei a pensar que pela primeira vez na vida eu veria sô Geraldo chorando. Impressão efêmera, todavia. Aproximei-me dele depressa, percebi que seu rosto estava seco, sem lágrimas, os cabelos espetados não estavam molhados e seus modos estavam absorvidos por um mundo branco em torno. Era evidente que tinha percebido meu desespero, meu jeito assustado e a voz que transmutava todo o sentimento que me surgia no peito. Troquei o nome dele. Falei. - Pai... O que está havendo? Quer nos matar do coração? Então ele olhou em torno e respondeu com a intenção mais simples que poderia haver em um homem que está absorvido pelos elementos que lhe são fundamentos de identidade e lembrança. - Estou admirando a floração das gabirobas. Pode ser que no ano que vem eu não possa fazer isso outra vez! Olhei em torno e somente então vi o espetáculo mais bonito que já pude contemplar em toda a minha vida. As gabirobeiras estavam floridas ao grau mais apical do branco, em véu, todas cobertas e rastejadas no meio do grosso do cerrado. O cheiro que vinha delas era de um teor abissal, doce e ao mesmo tempo administrado por uma lavanda que pela primeira vez eu aspirava com a ilusão de um mundo sem fim. Sobre as floradas, enxames de abelhas, todas elas reunidas em conjunto de zumbido e a toada era zunzum de uma dimensão de barítono que me trouxe a divagação da leveza e da mais pura divindade que pode haver sobre essa terra. Meu pai naquele instante tinha um cascalho fino de lágrima no canto do olho. Como deveras seria o caso, no outro ano ele não veria a floração das gabirobeiras. Desenganado, meu pai não foi além das marcas de março do ano seguinte. Quando chegou o mês de novembro, eu subi a estrada muito antes do Sol sair. Queria estar lá, no mesmo lugar, quando a infestação do cheiro, do som e das cores estivesse em seu projeto máximo e cavalgada de abelhas. Estava ali, plantado e a estudar a saudade que me vinha dele – a cabeça a pingar água do banho recente e o estudo que fazia em torno do carapiá e da saúde de quem requeria o pó -, quando surgiu Geraldo Neto. Vinha apressado e com jeito de susto. Olhou-me com os olhos meio esgazeados e ainda tinha baba de bezerro nas mãos. - Pai, quer me matar do coração? Nem café o senhor fez hoje! Respondi. - Pode ser que no ano que vem eu não possa mais ver esses reflexos do teu avô dentro do imenso fundo da superfície dessa terra! E tinha um cascalho miúdo de lágrima no canto do meu olho. Eu estava desenganado de tanto louvor, alvura e mel. O cerrado sozinho executava todos os instrumentos de luxúria divina. Médico. Mestre e Doutor pela USP. Publicou 29 livros, entre romance, novela, ensaio, poesia e conto. 88 ELA NÃO ERA MARIA-CHUTEIRA _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Cristina Leite Goetten Paranavaí - PR 1 Jussara chegou trôpega, carregando nos braços a filha. Parecia carregar junto com a criança os seus mal vividos dezenove anos. Flashes espocavam na mente atordoada, lembrando o recente passado que a fizera chegar até ali. 2 Queria encontrá-lo e mostrar a ele o serzinho inocente parido e por ele tão desprezado. Pensava com seus botões: a bichinha é forte, sobreviveu. Daqui para frente, num tapa só, vai ganhar a vida para ela e para mim. O quartinho que pudera pagar era imundo. Uns lençóis cheirando a sebo passado, em cor acastanhada, um tapetinho puído e poeirento no chão avermelhado. A jarra embaçada estava cheia de água. Água limpa, pelo menos. De um gole só, bebeu um copo de plástico cheio e puxou o peito para fora para amamentar a pequena, que de forte nada tinha. Franzina, carequinha, com as unhas ainda compridas porque a vizinha lhe dissera que antes de batizar a criança não se pode lhe cortar a unha; e um suspiro fraquinho que pouco mexia o peito. Mal dado o alimento, abriu a pequena sacola de cor verde encerado que ganhara da ex-patroa e tirou uma roupinha nova, vermelha de bolinha rosa, dura de goma de loja, ainda com a etiqueta pregada. Arrancou a papeleta para não ferir a menina. Foi a primeira vez que trocara a roupa do bebê durante a viagem de ônibus da cidadezinha do interior até a capital, onde iria procurar o marmanjo que uma vez se disse famoso cantor de um disputado boteco na Praia Negra. Trocou apenas umas três fraldas descartáveis que comprou antes de sair na rodoviária e deu de mamar para a ratinha, como a chamava, não chorar, pois a única coisa que dizia não aguentar era criança chorando ou se esganiçando. 3 Conheceu-o na festa de peão boiadeiro de sua terrinha natal. Três dormidas juntos, um cheiro de perfume de pinho silvestre que ela aspirava feliz, barriga feita. Avisado por telefone do grande feito, aquele a chamou de esperta e mandou que sumisse para não sobrar sujeira por conta daquela m... 89 E nestas alturas passou de cantor famoso para desempregado fazedor de bico num bar de um português incompreensível que se pintasse rolo não pagava nem o que já lhe devia. E se dizendo impotente frente a situação, pediu que ela sumisse e o esquecesse. 4 Trocou a criança, botou roupa limpa. Deixou-a sozinha deitadinha na cama e saiu para procurar um banheiro. Achou no fundo do corredor uma porta cinza com a pintura descascada escrito “Damas” e se sentindo uma, lavou as mãos e o rosto. Passou batom cor de amora, penteou os cabelos negros, assentou duas fivelas douradas do lado direito, tirou uns fios da sobrancelha, e se achou bonita para procurar seu ganha-pão, ou seja, o pai da pequena infeliz que parecia não ter fôlego nem para um chorar fininho. 5 - A hora que ele me vir não vai aguentar, - pensava feliz, sem enxergar sua tez pálida e os olhos amarelecidos; apenas por relembrar os elogios feitos ao pé do ouvido quando ele a conhecera. Tirou da calça jeans um papelzinho amarfanhado escrito “Ponto da Ponta da Praia”, na praia Negra, altura da Rua do Aldeão, que ele lhe dera antes do acontecido, quando ainda não sabia da sua gravidez. Já se imaginou chegando com a bebezinha e o Adolfo largando a viola e correndo pela areia para abraçá-la, tirando seu batom com os lábios grossos e fugindo com ela do malvado português para qualquer lugar onde morariam juntos e ela nunca mais voltaria a lavar panela e banheiro para a dona Inês da churrascaria. E ainda com direito a beijo na boca todo dia. “E como ele beijava bem” - suspirava. 6 Afinal, ele tinha prometido tirá-la daquela vida. Foi quando faltou no emprego os quatro dias em que ele ficou com ela na festança; e depois disse a patroa que estava com gripe daquelas que pareciam uma gripe suína, pois nem conseguia parar em pé de tanta febre que ardia o corpo por dentro e por fora. A mulher, emburrada, nada respondera, mas lhe entregara satisfeita o tanque cheio de roupa amontoada para lavar. 7 Jussara nem nome havia dado a menina que já contava com vinte e sete dias. Era melhor ele escolher o nome logo, havia dito a sua colega 90 que trabalhava num pedágio de autoestrada. E a colega recomendou: - Bote cuidado na viagem, se a polícia te pegar sem documentação leva vocês duas: uma para cada lugar, você em cana e a outra para adoção - sentenciou. E assim viajando no pensamento, resolveu ir até a porta da pensão e perguntar para a senhora gorda e mal humorada do balcão, como fazer para chegar até o tal bar. A dona dos quartos, de olhar miúdo, sorriu com a boca torta e disse que o lugar era um puteiro, que era de boa maneira ela se banhar e trocar roupa por coisa mais apropriada. Senão nada ia arrumar por lá. E que levasse a pequena bem escondida, pois se a polícia pegasse criança por lá levava as duas: - uma para cada lugar: você para o DP e a outra direto para o Tutelar Aconselhou azeda. 8 Naquela hora, Jussara pediu uma toalha emprestada, que a velha deu recomendando que depois trouxesse uma groja, sua forma de se referir a gorjeta, e voltou para o banheirinho onde se lavou com o sabonete bege rachado, secou e saiu saltitante, embrulhada na toalha pelo corredorzinho estreito rumo ao quarto. Revirou a sacola verde e pegou uma minissaia jeans que trouxera emprestada da colega do pedágio, pois a sua não cabia na cintura, e uma blusa vermelha de malha, decotada, e pôs-se a se enfeitar. Afinal, se lá era puteiro, o Adolfo devia estar acostumado com mulher ajeitada, e ela não ia querer fazer feio. Achou o salto, enfiou no pé, e se deu por pronta. 9 Pegou a pequena de uma braçada só, no outro braço pendurou sua velha bolsa preta de alça prateada e se foi. Não sentiu o coração da pequena, nem olhou seu rostinho. Entrou num coletivo meio vazio, por sorte, e se foi olhando prédios e janelas, e se imaginando vivendo num daqueles apartamentos amontoados um do lado do outro. Mas poderia ser o seu lar, que era tudo e só o que queria. Sua casa, seu amado e limpar seu próprio chão. Sorriu. 10 Praia Negra - viu a placa e saiu em disparada, arfante, para a porta da condução. Desceu e não achou o bar. Foi, voltou, foi, voltou, alucinada pelas luzes coloridas da rua e embevecida pelo som que vinha das barracas. A hora que deu por si, a pequena não estava respirando. O corpinho, soltinho dentro 91 do cobertor, não se mexia. A cabeça começou a rodar, caiu batendo o corpo num banco de cimento enquanto na mente espocavam flashes do Adolfo a enlaçando no rodeio, do telefonema , do ônibus poeirento da viagem e da velha gorda. De longe como um zunido, ouvia vozes dizendo mil bobagens: mal de parto... infecção... pobre coitada... AIDS, enquanto a polícia levava as duas, uma para cada lugar: ela, de maca para um pronto socorro, e a sua menina sem nome, para o IML. Cristina Leite Goetten é jornalista, poeta, declamadora, trovadora, cronista e contista. É coordenadora do Movimento Poético Nacional (MPN), de Paranavaí. Membro-fundadora e vice-presidente da Academia de Letras e Artes de Paranavaí. Coordenadora da Delegacia da União Brasileira de Trovadores (UBT), de Paranavaí, e coordenadora do Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais (InBrasCI), no Paraná. Tem obras publicadas em antologias, no jornal A Voz da Poesia (SP) e Revista Bali (RJ). 92 O DENTE E A FRUTA _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Marcelo Biar Rio de Janeiro - RJ Atordoado. Essa é a melhor palavra para definir seu estado ao chegar naquela cidade. Não sabia mais, ao certo, quanto tempo fazia que partira em disparada, em fuga de si mesmo. Apenas imagens de lembranças desordenadas habitavam sua cabeça. Não havia nenhuma lógica cronológica entre os fatos que assombravam sua memória. Drogas, bebidas e mulheres. A dor moral que latejava tomava a vez da batida de seu coração, e era o seu único sinal vital. E como doía. Seus sentidos confusos com a tormenta cediam a pressa dos seus pés obedientes ao desespero. As cidades haviam se acumulado sem que sua enxaqueca passasse. Sem que percebesse nelas um porto para ao menos um descanso. As gentilezas o afugentavam mais ainda. Certa vez, em uma cidade especialmente pacata, ele avistou uma igreja. Ficava na parte mais alta do vilarejo que já amanhecia na lavoura. Entrou constrangido e se limitou ao último banco por seis dias. Discreto, sentava-se e observava tudo. As dores expostas nas paredes pareciam confortá-lo. De início não sabia rezar. Com o tempo passou a fazê-lo. No sétimo dia, ao chegar a igreja, se assustou com o alvoroço. Havia várias pessoas lá dentro. Era domingo, e o povo foi a missa. Muito contrariado, deu meia volta e ficou da esquina esperando sua vez. Quando todos saíram, entrou e ocupou o seu lugar. O velho padre que já vinha observando-o se aproximou e lhe fez perguntas triviais como seu nome e seu destino. Sem muito sucesso, lhe perguntou onde estava hospedado. Seu aspecto andarilho começava a lhe mudar a identidade. Seus cabelos carentes de corte, seu corpo clamando por banho e sua roupa de bom tecido cedendo ao desbotar do tempo, disfarçavam sua beleza original, assim como sua origem social. Percebendo isso, o pároco ofereceu-lhe abrigo por uns dias. Foi o suficiente para que ele se levantasse e partisse. De outra feita, foi uma senhora quem o afugentou. Cabelos grisalhos e pele esculpida pela dureza dos anos, ela abriu o portão e deu de cara com ele sentado ao meio fio. Passou olhando-o discretamente. Seu vestido de estampa barata que tanto se presta a ficar em casa como a sair a rua e seu chinelo calejado pelo arrastar do chão garantiam seu aspecto inofensivo. Seu retorno foi breve. Ela nunca ia muito longe. Da esquina da padaria até chegar a casa, a velha senhora repousou seu olhar sobre ele mais detidamente. Ele, é claro, percebeu. Chegando perto, passou direto para seu alívio, mas, antes mesmo que relaxasse, com o portão ainda entreaberto, convidou-o para entrar e dividir um prato de comida. Bastou para que se levantasse e partisse apressado sem direção. Ele nunca aceitava nada. Não se sentia digno. Seguindo sua desnorteada peregrinação, algum tempo depois, acabou chegando aqui. Já na estrada de acesso, percebeu a beleza da região. O 93 perfume das frutas plantadas dava uma sensação agradável de pomar. Por tudo isso e pelo clima, devia ser no Sul. Entrando, na cidade propriamente dita, observou a delicadeza de seus canteiros e a harmonia das casas que, mesmo humildes, esbanjavam graça e singeleza. Apesar de tudo isso, se tratava, apenas de mais uma cidade bonita até avistá-la. No centro da praça com um lenço vermelho na cabeça, coroando seus cabelos louros, um vestido branco de tecido rude caprichosamente bordado e bochechas coradas pelo sol da manhã, lá estava ela. Andava de um lado para o outro com um cesto na mão e um sorriso imaculado no rosto. Ele parou debaixo de uma árvore que acreditava o camuflar e ficou vidrado assistindo aquele espetáculo da alvorada. De repente, entre as idas, a moça tomou sua direção. Ele, que se achava invisível ali, ficou paralisado. Quando chegou, esticou o cesto lhe oferecendo algo. Eram pêssegos. Os mais belos que alguém já havia visto. Tenros, macios, rosados. Ele, tomado por um desejo enorme, deu as costas e partiu em passos apressados. Os dias que se seguiram foram de repetida agonia. Logo cedo ele despertava em um estábulo em que conseguiu autorização para dormir e ia para o centro da cidade. Circulava impaciente até encontrar a vendedora de pêssegos. Então passava a observá-la. Como um sol que sempre nasce, ela sempre estava radiante. O cesto em suas mãos obrigava seu corpo a um balé incomparável. A terra suspirava uma brisa movendo os arbustos que tentavam imitar seus movimentos. Nada era mais lindo que ela. Nada era mais puro. Contudo a contemplação acabava quando ela o avistava e lhe oferecia a fruta. Indignado, ele sempre partia. Ele a queria demais. Mas não podia. Seus movimentos de busca e fuga, oferta e negação, sorriso e apreensão, desejo e desejo, passaram a desenhar um inédito tango camponês. Mas o tempo destinado a contemplação era encurtado, dia a dia. Ela, cada vez mais rapidamente, seguia em sua direção, encurtando sua dança. Ele, sempre ligeiro, partia em fuga, experimentando a autoridade sobre seus músculos que ensaiavam se rebelar. Inconformada, ela passou a arriscar um diálogo. Se aproveitando dos segundos catatônicos que sua beleza produzia nele passou a “você quer? Por que não?” E essas frases passaram a ser o sinal para sua partida. A essa altura, vencido pelos seus músculos involuntários, ele já aguardava sua fala. Fugia, mas levava com ele não mais apenas a imagem, mas a melodia que dela saía. Os dias passaram a se resumir nesses segundos. Um enorme texto de poucas palavras, muitas semanas e grandes anseios foi sendo composto. “Você quer?”, ”Por que não?”, “Não tem dinheiro?”, “Mas estou te oferecendo!”, “Prove!”, “Se não gostar não faz mal”, “Queria tanto que aceitasse”. Percebendo que ele aguardava sua fala para, doendo, partir, numa manhã falsamente igual as outras, ela tomou a fruta nas mãos e, ensaiando falar, mas retardando o som, esticou seu braço, esbarrando suave e displicentemente nele. Ah... sua pele rósea, a carne, a fruta, o sumo, o pêssego implorando os 94 dentes... Enquanto ele se tornava cúmplice de seus músculos paralisados ela murmurou “eu quero”. Naquele dia ele se virou lentamente. Seus passos pianíssimos deslizaram pelo tempo. Essa fuga lhe permitiu olhar para trás e assistir aos olhos dela a lhe acompanhar. Andou o resto do dia sem sentir o cansaço ou a fome. Nada mais era terreno. Até que entrou em seu alojamento e se deitou. O sono foi se apoderando dele, embriagando os pensamentos que lhe possuíam. Naquela noite, entretanto, não eram as lembranças do passado que o habitavam, mas as sensações daquela tarde. Sem que percebesse, cedeu ao cansaço e adormeceu de corpo e não de sentidos. O cheiro da fruta ocupou o lugar. Um calor estranho às madrugadas sulistas, acolhedor, o possuiu. Sonhos avessos pernoitaram junto a ele, ao som da melodia da voz dela. Quando abriu os olhos, percebeu que era mais tarde do que de costume. Seus músculos, completamente entregues, apresentavam uma exaustão agradável. A manhã lhe alvorecia uma felicidade discreta. Como ele não tinha lembranças, se espreguiçou longamente e, ao torcer seu corpo, percebeu suas roupas empilhadas ao lado direito. Surpreso, interrompeu seu espreguiçar e sentou-se subitamente. Foi quando, olhando para o outro lado, bem próximo dele, avistou um pêssego mordido. O coração disparou. A cabeça rodou ameaçando latejar, mas, estranhamente, nada mobilizava seus músculos. Levantou-se no ritmo das dúvidas e foi até a praça onde sempre a via. Chegando lá não a avistou. O nervosismo foi tomando conta da situação. Uma voz interna de cobrança começou a ser ouvida. Foi quando, bem mais tarde do que o habitual, ela apareceu. Trajava o vestido branco de sempre. O lenço vermelho também estava lá. O sorriso é que para a surpresa dele estava maior e mais bonito. Dessa vez não bailou pela praça. Tomou sua direção e foi! Frente a frente, ele pôde sentir a alvorada ainda que ao meio dia. Suspirei um alívio de vida inteira. Nos sentamos, fazendo de nossos braços colados um só. Repousou sua cabeça em meu ombro e entreguei a minha sobre a sua. Não ousamos uma palavra sequer. Ela me deu um pêssego e tomou outro em suas mãos. Mordemos. Compositor, escritor, doutorando em história e mestre em serviço social. Tem músicas gravadas por Geraldo Azevedo, Claudio, Nucci, Clara Sandroni e Lô Borges. Já participou do Festival da Música Brasileira, da Rede Globo, Prêmio Visa, Femup e festivais de Ilha Solteira, Alegre, Tatuí, Moenda da Canção, Canto da Lagoa e Boa Esperança. É autor do livro “Antônio Conselheiro – Nem Santo Nem Pecador” e já foi premiado em diversos concursos literários. 95 96 COMISSÃO JULGADORA JUCA FERREIRA, músico integrante do Grupo Gralha Azul. Já foi premiado em várias edições do FEMUP e de outros festivais pelo Brasil. ARNALDO DOS SANTOS, bacharel em música. É professor de viola e violão, regente dos grupos Som da Viola, Amor a Viola e Grupo de Viola de Rondon. Trabalha tanto com a música popular quanto erudita e já gravou muitos discos com artistas locais e da região. CRISTIANO BRUN, músico integrante do Trio Sonoro e Banda Fator RM. Professor de música (violão e guitarra). É acadêmico de Pedagogia da FAFIPA e participou como guitarrista da Orquestra de Sopros Paranavaí (OSP). 97 DE VOCÊ NÃO ELES CONTROLAM VOCÊ PÃO E CIRCO BASTA IMAGINAR DESEJO O TEMPO Dinair Leite e Sirlei Leonardo Paranavaí – PR Jhonatan Aguido Paranavaí – PR MAIS E MAIS SEM DIREÇÃO O DESTINO CARA DE PAU FONTE DE IMAGINAÇÃO CANÇÃO AZUL Viviane Justino Paranavaí – PR Solrac Metall Paranavaí – PR Nayara Faria Sbrussi Paranavaí – PR Daiane Vieira Paranavaí – PR Marcela Martins Paranavaí – PR Antonio Pantarotto Paranavaí – PR Qxinho Paranavaí – PR Sirlei Leonardo e Artur Bellanda Paranavaí – PR Juninho Alves Paranavaí – PR Tiago Oliveira Nova Londrina – PR 98 DE VOCÊ NÃO _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Viviane Justino Paranavaí – PR Já perdi a hora, já perdi o sono Já me perdi lá fora Como um cão sem dono Já perdi as chaves do apartamento Perdi o telefone e a hora pro casamento Perdi o apetite, perdi meu documento Já me deixei levar ao sabor do vento Eu só não me perco de você Eu só não me esqueço de você Já perdi as estribeiras, perdi a cabeça Me perdi na sexta-feira, só me encontrei na terça Perdi o guarda-chuva e minha carteira Já perdi a noção do tempo, já me perdi na feira Já perdi o final do filme e a super promoção O clímax da novela e o controle da televisão Perdi a vergonha e dois quilos no verão Perdi o ritmo e me perdi no tom Já me perdi nas contas e no clima da estação Me perdi em pensamentos em busca da solução É assistente social. Amante da arte em suas variadas formas de expressão. Participou de algumas edições do FEMUP e do FUM – Festival Universitário de Música. 99 PÃO E CIRCO _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Nayara Faria Sbrussi Paranavaí – PR Dança menina Uma doce bailarina Não precisa mais chorar Ela escondeu a minha dor Você me faz tão bem, Uma dose de endorfina E eu sonho com um mundo Que não existe mais Dança Dança pra mim Quando ela dança não existe dor Cria um mundo só de amor Não é real, é fantasia Dança Dança pra mim Tire suas sapatilhas e viva no mundo real Seu mundo e suas mentiras me deixam bem Me deixam bem Dança Tire suas sapatilhas e viva no mundo real Seu mundo e suas mentiras me deixam bem Me deixam bem Me deixam bem Tire suas sapatilhas eu quero ver que é real Já chega de boas mentiras Me cure no mundo real Me cure no mundo real Acadêmica do curso superior de música da Universidade Estadual de Maringá (UEM), toca piano desde criança e atua em diversos corais de Maringá. 100 DESEJO _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Dinair Leite e Sirlei Leonardo Paranavaí – PR Eu desejo viver um amor De ferver sentimentos Com calor sem medir os momentos a se dar A premer O meu corpo em seu corpo E assim me prender Me atar em você Por um beijo de amor Que importa minh’asas queimar Pois só quero viver Esse amor em meu corpo E no seu eu sumir Naufragar Me perder em beijos de fogo Em ternura de amor me achar E vibrar no queimor dos seus braços em abraços lhe ter E me dar No ardor do teu corpo fundir o meu corpo E exprimir todo bem que lhe quero E o que de você advir em vivencias de ânsias ardentes Ser mulher Sua flor e semente E viver esse amor em meu corpo Em seu corpo de mel me fartar de paixão De segredos tão nossos De amar o amor do desejo intocado De um só ser se tornar E em vertigem profana o elo perdido encontrar A fluir de prazer Em favos de néctar Onde amor agonizo em repasto tão vasto E o exorto comigo a esplandecer Mas se nesse enlevo de amor eu morrer Me esquecer em você em ardil Preparado 101 E o meu corpo aquecer no seu corpo queimante Do ardor Da paixão E então reviver outra vez Renascer em você. Sirlei Leonardo é amante da música, quase compositora, quase cantora. Sempre que possível, participa de festivais de música, em vários estilos, nos quais conquistou alguns prêmios. Dinair Leite é poeta, trovadora, dramaturga e atriz. Presidente Nacional da União Hispanoamericana de Escritores (UHE), no Brasil. Embaixadora Universal da Paz da Sociedade Internacional de Poetas e Artistas (SIPEA). 102 MAIS E MAIS _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Marcela Martins Paranavaí – PR Às vezes não consigo Entender como aconteceu Quando ficou comigo Percebi que algo ali nasceu Às vezes, te persigo E você insiste em se culpar Se te encontro é um perigo Mas você me beija e não posso negar Que não será preciso Esconder o que eu sinto por você E sei que quero mais que isso Mas se entrar no carro comigo ao teu lado Eu também sei Que depois daquilo vou me machucar Cada dia mais Eu sabia Que isso não devia acontecer E podia Ter parado antes de eu me envolver Mas me perco Quando beijo tua boca Que ao sorrir me deixa louca por você Eu queria não te querer Mais e mais Mais e mais Mais e mais Sei que não sente o que eu sinto Isso é fato, mas nem ligo Só quando vejo o teu passado ao teu lado E não percebe que comigo Isso ia se tornar um vício Me dê uma chance pra eu te provar Te conquistar E nessa letra eu decidi Que eu não ia mentir escrevendo que te amo Mas gosto muito de você 103 E seria um pecado eu não dizer que por você eu vou mais longe Te alertar com essa canção Que eu vou entrar no teu coração E não adianta negar Não adianta ... Mais eu quero Mais e mais É interprete do projeto Filosofia do Samba e toca em bares e festas. Participou de festivais pela primeira vez em 2005, no FEMUCIC. Participa do Femup desde 2006 e já faturou um 1º lugar como intérprete e um 2º lugar como compositora. Em 2008, venceu o Projeto Estrela e em 2009 gravou o primeiro disco. 104 O DESTINO _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Qxinho Paranavaí – PR Caminhamos tanto tempo juntos Um amor que parecia eterno Um sonho que não se quer acordar O destino e suas armadilhas Preparou ciladas em seu olhar Fez com que tudo se espalhasse pelo ar De repente tudo se acabou Era lindo o nosso amor E nem um motivo nos mostrou Quem de nós que errou A saudade me faz sofrer Tente me entender É impossível te esquecer Professor da escola de música Pixinguinha. Participa do FEMUP desde 2004. 105 FONTE DE IMAGINAÇÃO _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Juninho Alves Paranavaí – PR Eu sonhava que nos horizontes Escondido atrás dos montes A Terra se unia ao Céu E que lá os anjos e os homens Brincavam montando pôneis Em um lindo carrossel Então eu queria ser um passarinho Pra voar, sair do ninho Ir ao longe, não ao léu Pra ouvir as músicas das fadas E tocar em suas harpas Uma canção de cordel Lutar com gigantes Vencer um dragão Banhar-me nas fontes da imaginação Hoje sonho que toda beleza Que vejo na natureza Sempre vai estar aqui Colorindo sonhos de crianças Enfeitando as suas danças Nesse planeta de jardim E que por traz De cada lindo monte Tenha sempre uma fonte De um motivo pra sorrir E que todo sonho encantado Tenha sempre o seu reinado Pra um garotinho ir Compositor, cantor e guitarrista, tem 38 anos e nasceu em Pesqueira, interior de Pernambuco. Exerce a profissão em vários estados brasileiros e até fora do país, fazendo shows e bailes. Atualmente toca violão para duplas sertanejas da região, dá aulas particulares de música e se apresenta como músico de MPB em bares e lanchonetes. 106 ELES CONTROLAM VOCÊ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Solrac Metall Paranavaí – PR O mundo com o tempo Apaga a chama de seu coração Não deixando você ver A razão da sua emoção Fazem de tudo para Alienado você ficar Mostram que é errado ser certo E que é certo você errar Eu quero viver Cada minuto de amor Eu quero te sentir uoh, oh, oh! Eu quero viver A plenitude do amor Eu quero impedir O Mundano horror Triste é se eu aceitar A visão de quem não me vê E vivesse sem pensar No que eu posso fazer por você As pessoas Não param pra pensar E não sabem que o Verdadeiro segredo é amar Compositor e arranjador. É amante da música, em especial o rock e o metal, estilos em que encontra a melhor maneira de expressar sua visão de mundo. Já participou de três edições do FEMUP e agora trás uma composição baseada no rumo que a sociedade atual está tomando. 107 BASTA IMAGINAR _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Daiane Vieira Paranavaí – PR Quando o sono não vem, por cima das nuvens eu vou Faço do oceano um espelho e nele eu vejo meu amor refletir E basta imaginar, pois enquanto eu sonhar Você vai sempre existir Quando desperta a razão com meus pés no chão estou. Abro meus olhos e vejo a verdade sem medo, porque já não há Não há como imaginar minha vida sem você Mesmo longe comigo está Vem pra perto de mim, mais perto assim, pra que eu possa te tocar Sentir seu beijo real, pois não há nada de mal em amar. Quando o sono não vem, em meus pensamentos, tão só. Com o brilho da lua em noites escuras, eu vou te encontrar. E basta imaginar e deixar acontecer Até o dia nascer Quando a noite não tem mais nem um segredo a esconder Olho pro céu e percebo que tudo que eu vejo é o amor a florir E não dá pra imaginar minha vida sem você comigo está Vem pra perto de mim, mais perto assim, pra que eu possa te tocar. Sentir seu beijo real, pois não há nada de mal em amar E não há razão pra esconder tudo que eu sinto aqui dentro do meu coração Quero viver cada minuto com você e não importa onde for! É a terceira vez que participa do FEMUP. Ama violão, guitarra e rock n’roll, porém o romantismo fala mais alto quando o assunto é compor. 108 O TEMPO _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Jhonatan Aguido Paranavaí – PR Tem tempo que se passa Tem tempo que se pensa Tem tempo que se passa adianta a corda arrebenta Veja só que tudo passa o coração não agüenta Tem tempo que passa tudo Tem tempo que passa nada Tem tempo que passará De hora em hora o sino lembra O tempo esta passando. O tempo você não acalma. A vida que passa num tempo. O tempo você não para. A quantidade de um tempo. Você não vai saber Nem se estudar você vai aprender. O tempo é ilusão e você não pode ver. Não se toca, não se prova, nem se cheira, nem se vê. Eu que não vou sentar a ver o tempo passar. Mas é uma dedução, eu vou me congelar. Será que eu vou viver e poder despertar? E ao passar do tempo como é que vou ficar? Participou do FEMUP em 2006. Faz teatro e participa de vários festivais de declamações. 109 SEM DIREÇÃO _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Antonio Pantarotto Paranavaí – PR As folhas balançando Em uma noite que o vento sopra Talvez sem direção Talvez sem direção Algo que habita em mim Até parece explodir No momento em que componho Pra nós dois esta canção ou não Nunca me deixe sozinho Eu preciso lhe mostrar Tudo que aprendi Sei que também não sou real Um personagem pendurado em um pedestal Sozinho Não desisti e vou tentando Alcançar minha glória Talvez fazer uma história Está guardado dentro de mim Mas às vezes transborda Essa vontade que adormece Mas não passa Nunca me deixe sozinho Nunca me deixe sozinho A banda Okzião participou de três edições do FEMUP. Seu estilo é o Pop-Rock. Acreditam que a essência do sucesso é a persistência, a vontade e a determinação. 110 CARA DE PAU _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Sirlei Leonardo e Artur Bellanda Paranavaí – PR Que cara é essa? Tão dura Quem é esse cara? Quem é? Ele é só mais um cara de pau Pena que ele nem percebe Como essa cara lhe cai mal. Palpita, mete a cara onde não é chamado Fala alto, dá vexame, e nem se toca Pensa que sabe de tudo, não sabe nada Não fala nada com nada Só conversa fiada Óleo de peroba é bom, dá brilho e cheira O que será que você passa na sua cara? Óleo de peroba hidrata a madeira Óleo de rícino Só pra relaxar Entra em qualquer festa sem ser convidado Fura fila na caruda, nem olha pro lado Vira político da noite pro dia Dá bom dia pra cachorro Só pra variar Cumaru, peroba, pinho, sibipiruna Aroeira, carnaúba, jequitibá Cerejeira, pau-ferro e copaíba Grevílea, pau-brasil, cedro e jatobá. Sirlei Leonardo é compositora e intérprete, participou de várias edições do FEMUP e outros festivais. Arthur Bellanda é guitarrista, compositor e intérprete. Participou de várias edições do FEMUP. É integrante da Banda Patroa. 111 CANÇÃO AZUL _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Tiago Oliveira Nova Londrina – PR Queria fazer uma canção que despertasse a emoção E tivesse cheiro de flor Que tornasse perto o distante mesmo que por um instante Falasse de amor Uma composição feliz como o sino da matriz que eu ouvi quando menino Que lembrasse aconchego de colo e nas notas do seu solo cantarolasse um hino Queria uma canção tão suave transformando-se na chave Da sensibilidade Que fizesse ruir o rancor e explodisse em amor a rua, o bairro E a cidade Que fosse uma música inquieta Ou com alma de poeta, calma como as lagoas Que fosse toda cantada em coro Com o sabor de namoro e tocasse as pessoas Queria ouvir um estribilho no assobiar de um andarilho Pela calçada Que a canção que hoje faço tivesse o gosto do abraço Da primeira namorada Queria uma canção sem fronteiras, arranjos de cachoeiras E rouxinóis Que as rimas tal qual pirilampos brincassem nos campos De girassóis Que fosse como gotas de orvalho beijando frutas nos galhos Pelos quintais Que a canção que eu componho tivesse a ternura de um sonho E espalhasse a paz Músico há mais de dez anos, se apresenta em casamentos e outros eventos. Já foi premiado em uma edição do FEMUP, festival que conheceu na 40ª edição. Também é vereador em Nova Londrina. 112 113 O VARAL Marinho San e Sandro Livahck Belo Horizonte – MG O SAL Zebeto Corrêa Belo Horizonte – MG SIM Wolf Borges Poços de Caldas – MG DRAMA OU COMÉDIA Paulinho Campos Engenheiro Passos – RJ A LENDA Cris Dalana Campos dos Goytacazes – RJ VEJA VOCÊ Amin Nunes Rio de Janeiro – RJ FILHA DO SOL Mari Tenório Maringá – PR PRAÇA DA SÉ Kaká Silva São Paulo – SP ENQUANTO ISSO Jorge Andrade São Paulo – SP UM DIA MUDO DAQUI Sérgio Augusto e Thiago Augusto São Paulo – SP URBANO FULANO Dayane Delfino e Marco Tureta Londrina – PR TEU AMOR Vavá Ribeiro Teresina – PI 114 O VARAL _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Marinho San e Sandro Livahck Belo Horizonte – MG Acho que já perdi o jeito pra sorrir Acho que não sou feliz Acho que não é também feliz Nossas roupas no varal Já não se enlaçam, nem se tocam Pedem ao vento pra soprar Querem voar, secar noutro lugar Sabe a vida não ensina a somar defeitos Assumir os erros do outro E assim o amor se vai Procurando em lojas roupas novas Para provas não guardar Ao pano usado a sorte nessas trovas Ou aos pés pra se limpar Nossas vestes no quintal recordações Folhas ao vento em um temporal Sujas pelo tempo ao relento A ver o que sobrou Os remendos bem no centro, desatentos A malha fina arrebentou Nem mesmo as amarras que fizemos aos extremos Com tanta emenda o cordão não suportou Pode ser noutro quintal Quem sabe um dia talvez Nossas roupas outra vez Se encontrem num varal Lavadas, passadas, penduradas, perdoadas Sem nenhum rancor Sem mágoas na alma poderemos ser Bons amigos... nada mais. Cantor e compositor eclético que adquiriu experiência tocando em bares, shows e festas.Tem como principal característica a batida forte do violão com muito swing, mas também toca com sutileza melodias suaves e românticas. Gravou participações nos volumes 3, 4, 5 e 6 da coleção FESTIVAIS DO BRASIL. 115 O SAL _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Zebeto Corrêa Belo Horizonte – MG Rio de tanto chorar Lágrimas são o sal que há Caem bem no mar Realçam o doce da lagoa Quando a alma quer sangrar Deixo extravasar Vazo, por considerar Que sufocar a dor demais, magoa Entre um mar/maré de azar E aquela ventania boa Movo o remo no vagar Conduzo minha canoa O rio que em mim aldeia Norteia todo sentimento O pranto que se esvai na areia Lava todo o eu por dentro! Uma calmaria de amargar Me impede o barco de zarpar Qualquer brisa pode ajudar Se der de açular a proa Só o tempo que virá É quem me dirá Se o tempo de rir o chorar Sem saber será Pranto perdido a toa Ou se valeu a pena Esse rio de penas A extravasar nas cheias A aldeia de Pessoa Cantor, compositor, instrumentista e produtor cultural, Zebeto Corrêa já recebeu mais de cem prêmios em festivais e gravou 10 CDs. Em 2008, lançou o CD/livro “Trilhas da literatura brasileira – ouvir para ler” com canções inspiradas na literatura brasileira, compostas em parceria com o poeta Caio Junqueira Maciel. 116 SIM _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Sim, se o universo a conspirar Sim, se nada pode nos calar Sim, se eu já confesso o meu amor Sim, que o não, não vive ao meu redor Sim, eu já repito com paixão Vem, confirme o toque em suas mãos _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Wolf Borges Poços de Caldas – MG Quando o silêncio nos afagou Parando o tempo Brisa e calor Sei que tanto procuramos mar Sei que estava tão perto do cais E quando nem percebemos mais Já um tempo faz vivia em nós Vi que aquilo poderia ser A promessa que queria ter Cantor e compositor que já gravou quatro discos. Seu trabalho é uma MPB de vanguarda nascida da fusão da cultura tradicional brasileira com a modernidade. É considerado referência no sul de Minas Gerais, tendo participado da gravação de CDs de diversos artistas como produtor, compositor e intérprete. 117 DRAMA OU COMÉDIA _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Paulinho Campos Engenheiro Passos – RJ A vida será drama ou comédia? Enfim a nossa trama aonde vai? Aqui é o palco das nossas idéias Ou haverá no além outra platéia? Os atos e as cenas de cada tempo Serão sempre um ensaio do que vem? Pra onde segue o eco das canções Nossos papéis e interpretações? O riso, o choro, os homens, “Guerra e Paz”? O riso, o choro, o sonho pra onde vai? Que tipo somos nós de personagens: Dos livros de Cervantes, Dante ou Homero? Nosso diálogo é de que teatro: De Nélson, Shakespeare ou Pirandello? Vivemos uma “Divina Comédia”, Tragédia Grega ou simples folhetim? Será só essa vida nossa arte Ou parte de uma história que é sem fim...? Cantor e compositor de MPB que já foi premiado em inúmeros festivais por todo o Brasil, principalmente nos últimos vinte anos. Paulinho Campos também é professor e educador da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, além de poeta, escritor e pesquisador com trabalhos expressivos na área pedagógica. 118 A LENDA _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Cris Dalana Campos dos Goytacazes – RJ Há um lugar, há um mês daqui Há uma aldeia lá Há um velho índio que mora ali Que há tempos odeia Alá Porque adora o seu deus Sol Porque adora o Sol e a Lua Há um lugar há uma semana daqui Há uma igreja lá Há um velho bispo que habita ali Que odeia o velho índio deus Alá Porque adora a sua santa Porque adora o santo e a cruz Mas há um lugar além daqui E há uma lenda lá Que todo homem vive em paz Porque adora a lei: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei Amais-vos uns aos outros...amém Músico, compositor e poeta gaúcho, radicado em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro. Participa de festivais por todo o país desde os seis anos. Já gravou dois discos: “Lenda Janela”, de 2005, produzido em Florianópolis, e “Histórias de Bar”, gravado ao vivo em 2008, em Campos, e que traz também um livro com dez contos que se passam em um bar. 119 VEJA VOCÊ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Veja você, nada restou daquele tempo Onde tudo era bem mais simples Tudo era tão bonito até perder a cor _ _ _ _ _ _ _ _ Amin Nunes Rio de Janeiro – RJ Antes do outono chegar E em mim instaurar essa amargura Ah! Tanta alegria já passou por mim Nem sempre fiz canções tão tristes assim Hoje, a poesias que restou, enfim Se entrega ao lamento de um violão Mais uma vez, eu volto ao meu violão Pra remediar a dor que aflige meu peito Tudo mais pode esperar Receio que a dor que eu sinto não vai se apagar Pois eu sei Sei que o lamento é inerente a essa dor Vivo sempre a disfarçar a solidão Solte as notas um acorde tom maior Só você pra me entender meu violão Compositor carioca de 28 anos, toca música brasileira no bairro da Lapa, reduto da música no Rio de Janeiro desde 2002. Participou de inúmeros festivais de compositores pelo Brasil, principalmente Bahia, Paraná, São Paulo e Minas Gerais. 120 FILHA DO SOL _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Mari Tenório Maringá – PR O sol doura minha pele Morena de cor O meu olhar é lança e vai Vai fazer eu chegar lá Minha alegria É quem da o tom Pro meu falar, pro meu cantar Coragem não faltará Guerreira eu sou Sou filha do Sol Meu futuro eu moldo Com as minhas próprias mãos Meu coração me guia Esqueço a razão E mesmo se eu tropeçar Sei que posso chegar lá Este sorriso eu levo Não vou me abalar Nem aceitar o jugo que Alguém tentar me impor Livre das amarras eu sigo a cantar E quem quiser me acompanhar Basta querer se libertar Graduada em pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Desde novembro de 2009 integra o Grupo Abaecatu (homem de bem na língua tupi-guarani), vinculado ao Museu Dinâmico Interdisciplinar da UEM. É cantora, percussionista e declamadora do grupo. Além disso, é coralista, estudou canto erudito, toca contrabaixo e violão. 121 PRAÇA DA SÉ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Da primeira vez ali no centro Estranhei o movimento E por um momento, quase dei no pé De rabo de cobra chinesa A couro de jacaré Malandro vendendo de tudo na Praça da Sé _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Kaká Silva São Paulo – SP Tem o cara do saco Que bate num gato que nunca se vê Um vendedor de poema E a melhor antena pra sua TV Banca de vale-transporte E de roupa esporte pra se divertir Tem garrafada do Norte Remédio que é forte se a coisa cair Aquela chave de fenda Qualquer encomenda para o senhor Olha a calcinha de renda Para sua prenda na hora do amor E o jogo da tampinha Que não é a minha, eu não sou mané E o nosso bom pastor Querendo expor a tal da sua fé Tem canivete, bala chiclete Fumo de rolo, rapé Malandro vendendo de tudo Na Praça da Sé Músico e compositor de samba com passagem pelo samba da Vela (SP), Clube Caiubi de Compositores e Escola de Samba X9 Paulistana. Já participou de pelo menos 12 festivais de música. 122 ENQUANTO ISSO _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Jorge Andrade São Paulo – SP Enquanto dói Meu coração Enquanto não Tenho os meus pés No chão Enquanto estou Ferido de sangrar Transpassado Pelos dardos Do desejo Rasgo as cartas Canto as horas Paro o tempo E o tempo chora De ilusão Dobro as horas Cartas voam Gira o tempo E o tempo chora Na canção Enquanto choro Arrumo as malas Abro a casa Iludo os olhos Na amplidão Enquanto isso Não passar Melhor do que chorar Por te implorar Eu canto, eu canto... Jorge Andrade (autor) é formado em letras pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É poeta, letrista e professor da rede pública de ensino desde 1986. Já faturou prêmios em festivais em São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão. Já escreveu três premiados livros de poemas. Ainda este ano lançará seu primeiro CD de poemas. Ritinha Carvalho (intérprete) é cantora e participou de corais universitários por 15 anos, desenvolvendo técnica vocal e expressão corporal. Integrou o Teatro da Vertigem que já se apresentou em várias cidades do Brasil, Dinamarca e Rússia. Hoje, dedica-se a divulgar a música contemporânea e percorre o país participando de festivais. 123 UM DIA MUDO DAQUI _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Sérgio Augusto e Thiago Augusto São Paulo – SP Tô cansado desse mundo de bagunça, de negócios Quero pra minha alma calma, pro meu corpo quero ócio Na minha cidade grande todo mundo é tão pequeno Na salada tem veneno e a moçada é osso e pele Meu juriti nesse cimento é um pardal sujo e cinzento Na marquise do Martinelli Meu lampião é o Al Capone, meu curió é um Stéreo Sony Meu Mazzaropi, quem diria, aqui é o Indiana Jones Meu pirão e meu curau estão mais pra pizza e canelone Minha viola é uma guitarra tocando Rolling Stones Um dia eu mudo daqui e levo junto você Troco meu apartamento pela sombra de um ipê Meu carro por um jumento, o mocassim pela botina Não gasto mais gasolina, nem pago estacionamento Um dia um mudo daqui e levo junto você Acendo a luz do meu sonho, apago um pouco a TV Meu reino pelo silêncio e o firmamento pra ver Tô cansado desse mundo de bagunça, de negócios Quero pra minha alma calma, pro meu corpo quero ócio Na minha cidade grande todo mundo é tão pequeno Não tem mais o tal sereno nem lembram de Adoniran Minha paisagem de manhã são os marreteiros e um Outdoor Anunciando um sutiã Minha cachoeira é uma goteira escorrendo pelo vitrô Galinha é moça dadeira, tatu aqui faz metrô Minha palhoça só Deus sabe é um “Ap” lá na COHAB Cabe a “mulé” e o moleque, sorte que a sogra num cabe Thiago Augusto é autodidata, toca violão desde os nove anos. Em 2005, ingressou como estudante do curso de “Violão – MPB - Jazz” do Conservatório Dramático e Musical Carlos de Campos, de Tatuí, São Paulo, onde ficou até 2007, quando começou a cursar jornalismo. Thiago se apresenta na noite paulistana e já participou de vários festivais pelo Brasil afora. Também faz parte da equipe do site Festivais do Brasil. 124 URBANO FULANO _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Dayane Delfino e Marco Tureta Londrina – PR Cruzou as pernas e acendeu o cigarro No banco da praça de sol queimando Fumaça, cimento, pessoas passando Bigode escondendo um velho humano Tirou chapéu e antes do cochilo Seu guarda chamou: “- Caminhe daí!” A praça de todos não era pra ele Mas a cidade ainda era sua Caminhou pequeno, sufocando pelos prédios Bambaleando suas pernas de boteco em boteco De esquina em esquina, vai ele e também junto o seu merreco “- Bom dia, passageiro!” “- Boa tarde, sinaleiro!” “- Boa noite, mas um dia sem dinheiro” Martelo, pedreira, avião Por aqui sim, por ali não Metrô, favela, corrimão Com licença, obrigado Obrigado hoje não. “- Bom dia, passageiro!” “- Boa tarde, sinaleiro!” “- Boa noite, mas um dia sem dinheiro” Olhou pra cima, viaduto Pro lado, contra-mão E proutro lado, correria Pra dentro, solidão Olhou pra cima, viaduto Pro lado, contra-mão E proutro lado, correria Pra dentro, solidão “- Cidade grande... Deu saudade do sertão De terra pobre, mas rica no coração Cá não me arribo, ando torto sem meu chão 125 Tô sem estrela, ando na escuridão Durmo sozinho abraçado com a solidão “- Minha terra não é essa, aqui não tem o sabiá As aves que aqui avoam são de ferro e não sabem cantá Nesse céu não tem estrela, tem é prédio e poluição A floresta foi embora e veio a civilização Não me deixe Deus bonito sem passagem pra voltar Que eu ganhe meu dinheiro sem rouba e sem mata Que amanhã eu acorde vivo pra tentar voltar pra lá Porque aqui não tem mais nada, só gente correndo pra trabaiá.” Marco Tureta é compositor do Ballet de Londrina e do Grupo Sansey Cultural e Beneficente de Londrina. Em 2009, o seu grupo Duo de 3 conquistou o 3º lugar na fase nacional do Femup com a música “Encontro” que prioriza a suave mistura de violino com rock clássico. A canção teve ótima aceitação no festival. Dayane Delfino: Poeta, letrista e intérprete. Marcante influência de Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles em suas composições; cantora há 8 anos em bandas para casamento, formaturas e bares em Londrina-PR e região. 126 TEU AMOR _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Vavá Ribeiro Teresina – PI Teu amor é um lugar que eu canto agora Do meu interior É uma estada sem demora e um chorar de dor Teu amor é um olhar que me devora A santa no andor É uma imagem que me adora, que nunca mais voltou Eu amor é tão carente (transparente) É como gostar de gente Teu amor, de longe, é uma estrela Dalva De perto, me incendeia em brasa, quase as horas da manhã E quando é noite, a luz de vela, fico da janela Como quem espera a lua no altar E tenho a esperança de um dia encontrar no amor que se perdeu Minha importância Meu amor, esse amor é teu! Esse amor, bem maior meu Cantor e compositor com 18 anos de carreira que já gravou três discos: Calmaria (2004), Do seu lado (2008), Rotas de Reis (2010). Viaja pelo Brasil participando de festivais e representando o Estado do Piauí. 127 128 DECLAMADORES GISLAINE PINHEIRO ANDRÉ FABRÍCIO Eu vô fiá no meu fuso miã liã d’ horizonte Joilson Melo Ibotirama – BA Abá-pe Endé? Altair Cirilo dos Santos Paranavaí - PR PAULO LIMA DIANE ARTÊMIS Dionísio, uma tragédia Felipe Figueira Paranavaí – PR Os Átilas Adriano Wintter Porto Alegre – RS MILTON FERNANDES DANIELE BONETTI Amor Vs. vida Valdeci Alves de Almeida Cruzeiro do Sul – PR Ecce homo! Gabriel Bicalho Mariana – MG GRUPO DE REPENTE TÂNIA MARA VOLPATO Des/esperança Maria A. S. Coquemala Itararé – SP Brinco de lembrar Daniel Retamoso Palma Santa Maria – RS MÁRCIA FARAUM Quaresmeiras e outras paixões que não roxeam Éder Rodrigues Belo Horizonte – MG AMANDA FERREIRA GRUPO TASP CAMILA BAH Rasante Ricardo Viola Lambari – MG Rito de Passagem Angra Belém - PA Fragmentos Roberto Gonçalves Paranavaí – PR 129 17º FESTIVAL “ZÉ MARIA” DE DECLAMAÇÃO RESULTADOS Amanda Ferreira André Fabrício Camila Bah Daniele Bonetti Diane Artêmis Gislaine Pinheiro Grupo De Repente Grupo TASP Márcia Faraum Milton Fernandes Paulo Lima Tânia Mara Volpato 1º Suplente: Janaína de Assis 2º Suplente: Taylon Silva Comissão Julgadora: Sebastião Soares de Castro, Ana Cláudia Paschoal, Gersonita Elpídio dos Santos e Roberto Gonçalves Os objetivos do “Zé Maria” são: divulgar a arte de declamação de poemas; homenagear o artista e declamador José Maria Cavalcanti; classificar intérpretes para declamar os poemas selecionados para o FEMUP/2010; prestigiar os declamadores de Paranavaí e região, além de revelar novos talentos. 130 LEITURA DRAMATIZADA DOS CONTOS Samarica enroladeira de pito Ernesto Silva - Dianópolis – TO Interpretado por: Grupo de Teatro do Colégio Marins Alves de Camargo e do Cecap Um quase solitário Gustavo Cardoso - Paranavaí - PR Interpretado por: Grupo do Pibid – Pedagogia – Fafipa Floração das gabirobas J. H. Henriques - Uberaba - MG Interpretado por: Grupo Tasp A peroba vive Parreiras Rodrigues - Santa Isabel do Ivaí - PR Interpretado por: Cia. do Circo Ela não era Maria Chuteira Cristina Leite - Paranavaí - PR Interpretado por: Rosi Sanga Último domingo ao mar Éder Rodrigues - Belo Horizonte - MG Interpretado por: Cia. Oficinas O dente e a fruta Marcelo Biar - Rio de Janeiro - RJ Interpretado por: Grupo Médicos do Humor Conto número quatro Ubiratan Moreno Soares - Santos - SP Interpretado por: Cia. Oficinas 131 PREFEITURA MUNICIPAL DE PARANAVAÍ Administração 2009/2012 ROGÉRIO JOSÉ LORENZETTI Prefeito ALZIRO MELLI LOPES Vice-prefeito PAULO CESAR DE OLIVEIRA Diretor-Presidente da Fundação Cultural APARECIDA SILVEIRA GONÇALVES Secretária de Educação PAULO ROBERTO DE SOUZA BRITO Controlador Geral JORGE ROBERTO PEREIRA DA SILVA Secretário de Comunicação Social GILMAR PINHEIRO Secretário de Gestão Pública ANTONIO HOMERO MADRUGA CHAVES Procurador Jurídico ERALDA DAMINELLI GARCIA Secretária de Agricultura JOAQUIM AURÉLIO DA CONCEIÇÃO Secretário de Desenvolvimento Econômico CRISTINA MARQUES DIAS LORENZETTI Provopar 132 SYLVIA HELENA FELIPPE ARCOVERDE ABBOTT Secretária de Desenvolvimento Urbano JOSÉ PARANHOS DE MESQUITA Secretário da Saúde EURÍPEDES LEMES SILVA Secretário de Infra-Estrutura e Serviços Públicos PAULO CÉSAR FRANZINI Diretor-Presidente da Fundação de Esportes ELOÍSA FELIPPE MENDES Secretária de Meio Ambiente MARLY CORREIA FARIA BAVIA Secretária de Desenvolvimento Social MÁRIO HÉLIO LOURENÇO DE ALMEIDA Gabinete JORGE ROBERTO PEREIRA DA SILVA Secretário de Comunicação Social 133 HINO DO FEMUP _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Letra: Cleuza Cyrino Penha Música: Carlos Cagnani Luzes que emanam do alto Iluminando nobres ideais São jovens que querem crescer E um dia hão de vencer Nosso festival se expande projeta talentos, brados culturais Pois seu campo de batalha é a cultura Poemas e canções, de corações a sonhar O FEMUP é um festival Que há de sempre brilhar mais Nossos jovens são assim Decididos a vencer OBS: A letra foi atualizada em 1996 AGRADECIMENTOS • • • • Cleuza Cyrino Penha FIEP - Federação das Indústrias do Estado do Paraná CEF – CAIXA ECONÔNICA FEDERAL SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO - PARANAVAÍ 134 FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ Diretor Presidente Paulo Cesar de Oliveira Diretor Cultural Amauri Martineli Assessora de Projetos Culturais Ivonete Almeida Assessor de Eventos José Elias Sobrinho (Cidão) Coordenadora da Biblioteca Júlia Wanderley Maria Esther Ferezin Camargo Técnica em Atividades Artísticas e Sociais Elza Pavão Comunicação e Jornalismo David Arioch Técnica em Expressões Artísticas e Professora de Teatro Talise Schneider Técnicos de Museu e Atividades Artísticas Jesus Soares Naiara Betin Professora de Teatro Coordenadora de Atividades Artísticas e Museológicas Coordenadora da Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade Rosi Sanga Professora de Teatro - Distrito de Graciosa Graciele Rocha Professor de Desenho e Pintura Kreslen Matsumoto Professores de Flauta Doce Glebson Ribeiro Douglas Assis Professor de Canto Coral e Violão José Carlos 135 Professores de Percussão Glau Ribeiro Rafael Torrente Professores de Capoeira Côco, Henrique e Daniel Professores de Violão Cristiano Brun Fernando Bana José Erasmo Filho (Teclado) Professor de Circo Marcos da Cruz Professor de Hip Hop Daniel Hudson Gerê Rodrigo Silva Iluminador e Cenógrafo Adauto Soares Professora de Dança Juliana Boaretto Ellen Barbosa Professora de Balé Thayna Mateus Rafaela Mazotti Professor de Violino Edson Evangelista Coordenador do Grupo de Violão e Amor à Viola Arnaldo dos Santos Recepcionista Lucilene Félix Atendentes da Biblioteca Ilca Zicka Luísa Grolli Nil Carvalho Bruna Zicka Michael Benvindo Gomes Flávio de Oliveira 136 Equipe de Apoio Maria de Lourdes de Sousa da Silva Maria de Moraes Charlene Pinheiro Sueli Lopes Professor de Acordeon José Alfredo Braga Projeto Clave de Luz Manoel Feliciano (Teoria Musical) Eduardo Amaral (Trombone) Wagner Machado (Trompete) Márcio de Souza (Trompete) Glau Ribeiro (Bateria) Rafael Torrente (Saxofone) Fernando Campos (Clarinete e Flauta Transversal) Coordenadora da Escola de Música Luzia Guina Machado Valdenice Thomé 137 RESULTADOS - 42º FEMUP/2007 POESIA PREMIAÇÃO POESIA AUTOR CIDADE/UF 1º Lugar Comédia profana Delermando Vieira Sobrinho 2º Lugar Canção do anjo exilado Homero Gomes Curitiba/PR 3º Lugar Agosto Éder Rodrigues Belo Horizonte/MG Grão de areia Altair Cirilo dos Santos Paranavaí/PR Melhor Regional Goiânia/GO CONTO PREMIAÇÃO CONTO AUTOR CIDADE/UF 1º Lugar Fiat lux! 2º Lugar Choro de palhaço riso de menina Gislaine Buosi Pouso Alegre/ MG 3º Lugar O retorno de Abdias Gabriel Araujo dos Santos Campinas/SP Beijo de adeus André Moreira Paranavaí/PR Melhor Regional Laércio Nora Bacelar Goiânia/GO DECLAMAÇÃO PREMIAÇÃO DECLAMADOR POESIA 1º Lugar Camila de Aquino Canção do Anjo Exilado 2º Lugar Grupo TASP Agosto 3º Lugar Duda Woyda Um aboio e cinco estâncias MÚSICA PREMIAÇÃO 1º Lugar 2º Lugar 3º Lugar Melhor Regional Melhor Intérprete MÚSICA AUTOR CIDADE/UF Estrada Ruthe Glória Perseguição Denise Reis e Renata Thurler Embolada sertaneja Bilora Contagem/MG Da alma pro papel Chico Ramos e Alvacir Lopes Paranavaí/PR Adro (Joyce Cândido) Mario Martinez São Paulo/SP 138 São Paulo/SP Rio de Janeiro/RJ RESULTADOS – 43º FEMUP/2008 POESIA - NACIONAL PREMIAÇÃO POESIA AUTOR 1º Lugar Movimento de espelhos Sérgio Bernardo 2º Lugar Ecco Falcão 3º Lugar Emoções sempre verdes Gislaine Buosi 4º Lugar Espantalho Delermando Vieira 5º Lugar Casarão das Pitangueiras Didi Villela CIDADE/UF Nova Frigurbo/RJ Bauru/SP Pouso Alegre/MG Goiânia/GO Belo Horizonte/MG POESIA - REGIONAL PREMIAÇÃO POESIA 1º Lugar Asas cansadas 2º Lugar Máscara 3º Lugar Mais leve que o ar AUTOR Roberto Gonçalves Valdeci Alves de Almeida Altair Cirilo dos Santos CIDADE/UF Paranavaí/PR Cruzeiro do Sul/PR Paranavaí/PR CONTO - NACIONAL PREMIAÇÃO 1º Lugar 2º Lugar 3º Lugar 4º Lugar 5º Lugar CONTO Elos Bodas de ouro O brilho da ilusão perfeita Seus perdidos, meus achados Odila AUTOR Marcelo Biar Antonio Cesar Ribeiro José Humberto Henriques Andréia Donadon Leal Claudia Zippin Ferri CIDADE/UF Rio de Janeiro/RJ Curitiba/PR Uberaba/MG Mariana/MG Dois Vizinhos/PR CONTO - REGIONAL PREMIAÇÃO 1º Lugar 2º Lugar 3º Lugar CONTO Degraus Gabriela O filme de logo mais: O soldado Joe, do Kentucky 139 AUTOR Roberto Gonçalves Tiago Veronesi Altair Cirilo dos Santos CIDADE/UF Paranavaí/PR Paranavaí/PR Paranavaí/PR MÚSICA - NACIONAL PREMIAÇÃO MÚSICA AUTOR CIDADE/UF 1º Lugar Amores – A Canção Zebeto Corrêa 2º Lugar É Fácil ser difícil 3º Lugar Olho D‘Água 4º Lugar 5º Lugar Nada a Contestar Efeito Estufa João Leopoldo Dedé e Ivonete Gonçalves Chiquinho D´Ávilla Marinho San Cícero Gonçalves e Paulo Delfino Melhor Intérprete Nos Olhos do Olhar Belo Horizonte/MG Sorocaba/SP Toledo/PR Paranavaí/PR Belo Horizonte/MG São Paulo/SP MÚSICA - REGIONAL PREMIAÇÃO MÚSICA AUTOR CIDADE/UF 1º Lugar Vou Reescrever a Minha História Marcela Martins Paranavaí/PR 2º Lugar Sou Criança Queixinho e Willian Nazário Paranavaí/PR 3º Lugar Apenas mais um Vagabundo Régis “Pedra Azul” Paranavaí/PR DECLAMAÇÃO PREMIAÇÃO DECLAMADOR 1º Lugar Bárbara Monteiro 2º Lugar 3º Lugar 4º Lugar 5º Lugar Luciana Guedes Bruna Boaretto Grupo Tasp Cleiton Oliveira 140 POESIA Suíte para sete movimentos dissonantes Mais leve que o ar Emoções sempre verdes Espantalho Ecco RESULTADOS – 44º FEMUP/2009 POESIA - NACIONAL PREMIAÇÃO 1º Lugar 2º Lugar 3º Lugar 4º Lugar 5º Lugar POESIA AUTOR Aos teus olhos (Orquestra de vagalumes para uma criança cega) A morte, depois (7 movimentos) Casa da memória triste Benjamim, meu Guimarães Júlio César Correia da Silva Rio de Janeiro/RJ Tanussi Cardoso Rio de Janeiro/RJ Márcio Davie Claudino da Cruz Curitiba/PR Laércio Nora Bacelar Goiânia/GO Marcus Vinícius Quiroga Alquimia CIDADE/UF Rio de Janeiro/RJ POESIA - REGIONAL PREMIAÇÃO 1º Lugar 2º Lugar 3º Lugar POESIA AUTOR Forma inacabada Ilha [ancorada em terra firme] Terra santa CIDADE/UF Valdeci Alves de Almeida Cruzeiro do Sul/PR Kellen Wiginescki Paranavaí/PR Cristina Leite Goetten Paranavaí/PR CONTO - NACIONAL PREMIAÇÃO CONTO AUTOR CIDADE/UF Seus 25 anos O valor Amor de cinqüenta anos Andréia Donadon Leal Gregório José Severino Rodrigues Paulista /PE 4º Lugar A noite do garçom Diógenes Feliciano São José dos Campos/SP 5º Lugar Quando nascem os anjos Morgany Batista de A. Peixoto Anápolis/GO AUTOR CIDADE/UF 1º Lugar 2º Lugar 3º Lugar Mariana/MG Uberlândia/MG CONTO - REGIONAL PREMIAÇÃO 1º Lugar 2º Lugar 3º Lugar CONTO Velhas lembranças, boas novas Aos trinta... Como a chuva que cai 141 Deyse da Silva Chagas Sêga Rafael Fermiano Messias Alves de Souza Paranavaí/PR Paranavaí/PR Santa Izabel do Ivaí/PR MÚSICA - NACIONAL PREMIAÇÃO MÚSICA AUTOR CIDADE/UF 1º Lugar Trem de verão Wilson Teixeira e Adilson Casado 2º Lugar Aflição Chiquinho D’Avilla Paranavaí/PR 3º Lugar Encontro Londrina/PR 4º Lugar Vita, Vitalino Marco Tureta Sandro Dornelles e Luís Pimentel 5º Lugar Certeza Ruthe Glória Vanessa Croge São Paulo/SP Melhor Intérprete Só mais um Avaré/SP Rio de Janeiro/RJ Maringá/PR MÚSICA - REGIONAL (para você preencher) PREMIAÇÃO 1º Lugar 2º Lugar 3º Lugar MÚSICA AUTOR Menina dos rios Quem sabe um dia Vivência Tiago Oliveira Alex Rodrigues Sirlei Leonardo CIDADE/UF Nova Londrina/PR Paranavaí/PR Paranavaí/PR DECLAMAÇÃO (para você preencher) PREMIAÇÃO DECLAMADOR 1º Lugar Gislaine Pinheiro 2º Lugar Bruno Belilia 3º Lugar 4º Lugar Janaína de Assis Grupo Leminskizado 5º Lugar Carlos Costa POESIA A mulher do quarto de costuras (Didi Villela) Ilha [ancorada em terra firme] (Kellen Wiginescki) Até tu, Brutus? (Rosana de Hollebem) Um sonho dantesco (Polyana de Almeida) Benjamim, meu Guimarães (Laércio Nora Bacelar) 142 SUMÁRIO Apresentação ............................................................................................. 03 Poesias ...................................................................................................... 04 Contos ........................................................................................................ 43 Músicas - Fase Regional............................................................................. 96 Músicas - Fase Nacional............................................................................113 Declamadores........................................................................................... 128 17º Concurso Zé Maria............................................................................. 130 Prefeitura Municipal de Paranavaí............................................................ 132 Hino do FEMUP........................................................................................ 134 Agradecimentos........................................................................................ 134 Fundação Cultural de Paranavaí ............................................................. 135 Resultados – 42º FEMUP/2007................................................................ 138 Resultados – 43º FEMUP/2008................................................................ 139 Resultados – 44º FEMUP/2009................................................................ 141 143 FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade Museu Municipal de Paranavaí Biblioteca Pública Municipal Júlia Wanderley Escola de Música Luzia Guina Machado Associação dos Artistas - ASAS Orquestra de Sopros Paranavaí Coral Viva Voz Grupo Amor à Viola Grupo Cifras Cia. Oficinas Cia. do Circo Rua Guaporé, 2080 - Cx. P. 511 CEP 87705-120 Paranavaí - PR (44) 3902-1128 [email protected] www.novacultura.com.br 144 DE PARANAVAÍ