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PITA, Manuel
NOTAS SOBRE O REGIME DE DA CONTRATAÇÃO
ELECTRÓNICA
Manuel Pita
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa;
Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa;
Professor Convidado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
Introdução
O comércio electrónico está especialmente regulado pelo Decreto-Lei n.º 7/2004, de
7 de Janeiro (―Lei do comércio electrónico – LCE‖), a qual transpôs para a ordem
jurídica nacional a Directiva n.º 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade
de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno (―Directiva
comércio electrónico‖). Para além da delimitação do objecto e âmbito e das
disposições finais, o regime do comércio electrónico foi distribuído por cinco
capítulos, assim denominados:
- Prestadores de serviços da sociedade da informação
- Responsabilidade dos prestadores d serviços em rede
- Comunicações publicitárias em rede e marketing directo
- Contratação electrónica
- Entidades de supervisão e regime sancionatório
As notas que se seguem têm por objecto apenas o capítulo da contratação
electrónica, formado pelos artigos 24.º a 34.º. Foram escritas com o objectivo restrito
de responder a esta pergunta: o chamado comércio on line criou um modelo especial
de formação do contrato?
Dividimos a nossa exposição em duas partes: numa primeira parte, analisaremos o
modelo de contratação on-line; numa segunda parte, apresentaremos ao leitor a
parte relevante do texto da LCE, por nós anotada. Esta exposição do texto da lei
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poderá servir, naturalmente, de apoio à análise do modelo de contratação
electrónica.
1 O Modelo de Contratação on-line
Tradicionalmente, integram o processo de formação do contrato a proposta e a
aceitação ou, num outro modelo, que poderemos chamar tripartido, o convite a
contratar, a proposta e a aceitação. Numa primeira interpretação, a Lei do Comércio
Electrónico (LCE), no artigo 32.º, n.º1, está aberta aos dois modelos: a oferta de
produtos em linha, pode representar uma proposta contratual, concluindo-se o
contrato com a sua aceitação pelo destinatário; ou, ao invés, representar um simples
convite a contratar, hipótese em que o processo de formação incluiria tês actos
jurídicos: o convite do prestador de serviços, a proposta do destinatário e,
finalmente, a aceitação pelo prestador do serviço.
No entanto, outras normas trouxeram para o processo de formação do contrato
elementos que não estão presentes no modelo de contratação mais usual. Com
efeito, estão previstos, no artigo 29.º, especialmente no n.º5, como actos normais do
processo de contratação, a encomenda, o aviso de recepção e a confirmação da
encomenda.
Consideremos os factos pela ordem por que aparecem no regime legal acima
descrito.
A contratação através da Internet exige, em primeiro lugar, uma página na Web
através da qual uma entidade - o prestador de serviços da sociedade de informação,
na terminologia da lei - declara a sua intenção de vender bens ou prestar serviços.
Essa página deve conter a informação prévia exigida pelo artigo 28.º, bem como os
chamados dispositivos de identificação e correcção de erros estabelecidos no artigo
27.º.
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Mediante um clic, o cliente - o destinatário, na terminologia da lei -, as mais das
vezes um consumidor1, acede a essa informação. Poderá, depois, tomar a decisão
de contratar: se for esse o caso, deverá exteriorizar a sua vontade mediante um acto
a que o artigo 29.º dá o nome de encomenda.
A encomenda é uma declaração negocial receptícia, tem um destinatário que é a
entidade titular da página na Web. Este, ao receber a encomenda, que atitude
deverá tomar? A resposta da lei é dada no n.º1 do artigo 29º: logo que receba uma
ordem de encomenda por via exclusivamente electrónica, o prestador do serviço
deve acusar a recepção igualmente por meios electrónicos.
Este aviso de recepção é também uma declaração receptícia, tem por destinatário o
autor da encomenda.
Que atitude o destinatário deverá tomar ao recebê-lo? Deverá confirmar a ordem de
encomenda, segundo o que se estabelece no n.º5 do art. 29.º: a encomenda tornase definitiva com a confirmação do destinatário, dada na sequência do aviso de
recepção, reiterando a ordem emitida. No dizer da lei, é o acto de confirmação do
destinatário que torna a encomenda definitiva.
Assim, o modelo de contratação aparece integrado pelos seguintes elementos:
- Web site do prestador de serviços, a oferta em linha
- Encomenda do destinatário
- Aviso de recepção da parte do prestador de serviços
- Confirmação da encomenda pelo destinatário
A originalidade deste modelo, face ao Código Civil, assentaria em dois aspectos:
a) O aviso de recepção seria sempre necessário, mesmo na
hipótese em que a página Web contivesse todos os elementos
de uma proposta;
1
A LCE não se aplica apenas a relações entre o empresário e o consumidor, o B to C, cobrindo
também as relações entre profissionais, o B to B; no entanto, só cuidaremos das primeiras.
87
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b) A vontade do destinatário teria de ser expressa duas vezes,
através de dois actos, a ordem de encomenda e a confirmação
da encomenda.
Não existe consenso na doutrina portuguesa acerca da caracterização dogmática
deste modelo de contratação.
Uns autores negam a sua originalidade, recusando atribuir valor constitutivo do
negócio, quer ao aviso de recepção, quer à confirmação: o aviso de recepção e a
confirmação seriam deveres contratuais posteriores à celebração do contrato,
justificados pelas características do meio tecnológico em causa 2.
Uma segunda corrente procura acomodar as novidades no quadro dos tradicionais
elementos do negócio jurídico, reconduzindo o aviso de recepção ao cumprimento
de uma obrigação e vendo na confirmação uma condição legal necessária à eficácia
mas não à formação do negócio3 4.
Uma terceira posição defende que o contrato só estará concluído com a confirmação
da ordem de encomenda, atribuindo autonomia a este modelo 5.
1.1 Caracterização do modelo de contratação
A caracterização do modelo depende, em especial, da natureza jurídica que for
reconhecida às figuras novas introduzidos pela lei do comércio electrónico, a saber,
a ordem de encomenda, o aviso de recepção e a confirmação da encomenda.
2
Cf. Susana Larisma,‖Contratação Electrónica‖, in O Comércio Electrónico em Portugal - O Quadro
legal e o Negócio, Anacom, Lisboa, 2004, p. 168. A falta de originalidade do modelo é afirmada por
Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 3. Coimbra, 2005, p. 151.
3
Reconduzindo a confirmação a uma condição legal, cf. Jorge Morais de Carvalho, ―Comércio
electrónico e Protecção dos Consumidores‖, a publicar in THEMIS, mas disponível neste momento,
Junho de 2006, na página da disciplina de Direito do Consumo da Licenciatura de Direito da
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Esta posição é defendida também na
anotação ao art. 29.º da Lei do Comércio Electrónico Anotada, Ministério da Justiça, Coimbra Editora,
2005, p.118.
4
Joel Timóteo Ramos Pereira entende ser distinto o regime da perfeição contratual conforme a oferta
dos produtos e serviços represente uma proposta contratual ou um simples convite á contratação
(Compêndio Jurídico da Sociedade da Informação, Lisboa, Quid Juris, 2004, p. 428).
5
Neste sentido, Ana Paula da Costa e Silva, ―Contratação Electrónica‖, in Lei do Comércio
Electrónico Anotada, Ministério da Justiça, Coimbra Editora, 2005, p.188.
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1.1.1 Oferta em linha e encomenda
A iniciativa de realizar contratos por via electrónica, a chamada oferta em linha, pode
representar uma proposta ou um convite a contratar, declara a lei no n.º1 do art.32.º:
será uma proposta quando contiver todos os elementos necessários para que o
contrato fique concluído com a simples aceitação do destinatário, representando,
caso contrário, um convite a contratar6. Os termos utilizados naquela norma são os
geralmente aceites pela doutrina portuguesa. Por isso, a oferta em linha, com este
alcance, é uma entidade jurídica que encontra fácil acolhimento no sistema 7. Já não
é possível formular o mesmo juízo sobre os termos utilizados para designar os
passos subsequentes. Vejamos em que condições o sistema pode receber a
novidade que representa a ordem de encomenda.
Na fattispecie da contratação electrónica, a encomenda constitui o primeiro acto do
destinatário da oferta que é dirigido ao prestador de serviços (designação que a lei
dá o autor da oferta em linha); a encomenda vem por este modo ocupar dois lugares
diferentes no sistema de contratação tradicional: o lugar que corresponde à proposta
inicial mas também o lugar que corresponde à aceitação. Com efeito, na perspectiva
do sistema jurídico português, esta encomenda configura uma proposta, quando a
oferta em linha se apresente como um convite a contratar; ao contrário, assume o
papel de aceitação quando a oferta em linha tiver todos os elementos de uma
proposta. Por que razão duas realidades diferentes, no contexto do processo
tradicional de formação do contrato, forma designadas com o mesmo nomen juris8?
6
A Convenção das Nações Unidas sobre a Compra e Venda internacional de Mercadorias adoptou
orientação diversa para delimitar a proposta e o convite a contratar. O artigo 14 está assim redigido:
«1- Uma proposta tendente à conclusão de um contrato dirigida a uma ou várias pessoas
determinadas constitui uma proposta contratual se for suficientemente precisa e se indicar a vontade
do autor se vincular em caso de aceitação…2- Uma proposta dirigida a pessoas indeterminadas é
considerada apenas como um convite a contratar, a menos que a pessoa que fez a proposta tenha
indicado claramente o contrário.» Sobre o conceito e o alcance da proposta e do convite a contratar,
cf., especialmente, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, 3.ªed., p. 99 ss..
7
Através do n.º1 do art.32.º o legislador limitou-se a receber na lei a doutrina geralmente seguida. A
vontade dos autores parece ter sido a de afastar, ainda que indirectamente, uma doutrina, muito
difundida noutros sistemas jurídicos, segundo a qual a oferta de contrato através de um site na Web
seria sempre e apenas um convite a contratar. A argumentação que suporta essa construção pode
ler-se em Elsa Dias Oliveira, A Protecção dos consumidores nos contratos celebrados através da
Internet, Coimbra, Almedina, 2002, p. 81 ss.; cf. também Jean Beauchard, L´offre dans le commerce
électronique , in Le Contrat électronique Au coeur du commerce électronique, Université de Poitiers,
LGDJ, 2005, p.39.
8
O legislador português considerou-se vinculado às palavras da Directiva cujo artigo 11.º tem, na
versão portuguesa, a epígrafe ―Ordem de encomenda‖, sendo esta expressão usada, no n.º1 do art.
10.º, para denominar o primeiro acto jurídico do destinatário do serviço. A ambiguidade do termo é
explicada pelas divergências entre os Estados membros a propósito da natureza jurídica da oferta de
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A questão assume especial pertinência, na medida em que, em relação à oferta em
linha, que também poderia ter um duplo significado, o legislador entendeu
necessário esclarecer o seu alcance.
O intérprete não pode fugir a esta pergunta, sob pena de estar a concluir, sem ter
ainda demonstrado, que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em
termos adequados.Em boa hermenêutica, é obrigado a admitir, como ponto de
partida, que o acto jurídico que a LCE designa por encomenda, sob algum aspecto
substantivo ou processual, poderá ser diferente quer da proposta quer da aceitação,
reguladas no Código Civil9.
A título de conclusão preliminar, afirmamos que a encomenda engloba quer a
proposta, quer a aceitação da parte do destinatário da oferta em linha, mas deverá
ser diferente delas sob algum aspecto substantivo ou processual.
1.1.2 Aviso de recepção
À ordem de encomenda do destinatário segue-se o aviso de recepção do prestador
do serviço. Procuremos o conteúdo, os efeitos e a natureza deste acto.
Constitui um dever legal que nasce no momento da recepção da encomenda e que
se cumpre através de uma comunicação para o endereço electrónico que foi
indicado ou utilizado pelo destinatário do serviço.
O seu conteúdo é delimitado pelo n.º3 do artigo 29.º: deve conter a identificação
fundamental do contrato a que se refere.
A lei não determina positivamente os seus efeitos; no entanto, esclarece, no n.º2 do
artigo 32.º, que o mero aviso de recepção da ordem de encomenda não tem
significado para a determinação do momento da conclusão do contrato. Por via
produtos ou serviços em linha (Florence Mas, La Conclusion des Contrats du Commerce
Électronique, Paris, LGDJ, 2005, p.167; cf. também, Thibault Verbiest e Etienne Wéri, Le droit de
l´internet et de la société de l´information, Bruxelas, Larcier, 2001,p. 296 ss.).
9
Seja essa diferença uma qualidade do acto ou uma relação com outros actos. Sobre as espécies de
efeitos jurídicos e a sua causalidade, cf. A. Von Tuhr, Derecho Civil, Volume II, Los Hechos Jurídicos,
Madrid, Marcial Pons, 2005, p. 3 ss.
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desta norma sabemos o que, segundo a vontade do legislador histórico, o aviso de
recepção não é; mas continua por esclarecer o que ele é.
Admitamos que o prestador de serviços recebe a encomenda mas não emite o aviso
de recepção. É legítimo declarar que com esta omissão violou a lei, mas não
encontramos na LCE a indicação da sanção aplicável ao violador.
A resposta terá de ser encontrada pela doutrina a partir do regime estatuído.
Se o contrato se considerar concluído no momento em que segundo o Direito a
encomenda foi recebida, o aviso de recepção é um acto exterior ao processo de
formação do contrato, não interfere com a sua validade, nem representará o
cumprimento de um dever contratual10.
Porém, se atribuirmos ao n.º5 do art. 29.º um sentido chegado à letra da lei, recorde-se que segundo a sua letra, a encomenda torna-se definitiva com a
confirmação do destinatário, dada na sequência do aviso de recepção, reiterando a
ordem emitida -, teremos de concluir que, enquanto faltar o aviso de recepção, a
encomenda não será definitiva. Nesta interpretação, o aviso de recepção é um
elemento da fattispecie contratual: a sua falta suspende o processo, impedindo que
seja praticado o seu último acto, a confirmação da encomenda 11. Segundo este
último entendimento das coisas, o aviso de recepção teria, em relação ao
destinatário, pelo menos a função de iniciar o tempo de que dispunha para confirmar
a encomenda12.
10
Este dever de acusar a recepção estaria mais próximo do ónus ou encargo do que do dever no
sentido estrito do termo: se o acto não for praticado o interesse do prestador de serviços não poderá
ser alcançado.
11
A confirmação é, no Código civil, um instituto previsto no art. 288.º destinado a sanar a
anulabilidade de negócios. A função da confirmação na LCE não é, seguramente, a de um acto
destinado extirpar um vício de que padece a ordem de encomenda. Em geral sobre a confirmação, na
acepção civilista, v. RUI DE ALARCÃO, A confirmação dos negócios anuláveis, Atlântica Editora,
Coimbra 1971, especialmente pág. 87 ss..
12
Esta construção corresponde ao duplo clic de que fala a doutrina francesa e parece ter sido
acolhido pelo legislador no actual artigo 1369-5 do Code Civil redigido nos seguintes termos: ―Pour
que le contrat soit valablement conclu, le destinataire de l´offre doit avoir eu la possibilité de vérifier sa
commande et son prix total, et de corriger d´éventuelles erreurs, avant de confirmer celle-ci pour
exprimer son acceptation‖. Cf. David Noguero, «L`acceptation dans le contrat électronique», in Le
contrat électronique, Université de Poitiers, LGDJ, 2005, p.67 (La rencontre des volontés).
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Esta regra do n.º5 do artigo 29.º não era imposta ao legislador português pela
directiva comunitária13. A Directiva regula o aviso de recepção, no artigo 11.º, n.º1,
primeiro como dever do prestador de serviço e, depois, na sua qualidade de acto
receptício, para determinar o momento da sua recepção. Nada se dispõe acerca do
respectivo conteúdo ou sobre uma eventual relação substantiva ou processual com
outros actos que lhe devam suceder.
Porém, ao longo dos trabalhos preparatórios, numa das versões a proposta de
Directiva estabelecia, para a conclusão do contrato, uma norma muito próxima
daquela que veio a ser adoptada pelo legislador português no actual n.º5 do art.
29.º. O artigo 11.º, relativo ao momento da celebração do contrato, tinha um número
1, cuja alínea a) rezava o seguinte:
1. …:
a) o contrato encontra-se celebrado quando o destinatário do serviço:
- tiver recebido do prestador, por via electrónica, o aviso de recepção da
aceitação pelo destinatário do serviço e
14
- tiver confirmado a recepção desse aviso…
A matéria a regular por esta norma era o momento da celebração do contrato; para
esse objectivo estabelecia-se um regime próximo do que veio a ser adoptado pelo
legislador português; próximo mas não idêntico: note-se que naquela proposta de
directiva, a confirmação do destinatário tinha por objecto a recepção do aviso e não
a reiteração da encomenda.
Vejamos como é que alguns Estados membros regularam esta matéria.
a) O direito francês dispõe, no actual artigo 1369-5 do Code Civil, que o autor da
oferta deve acusar a recepção, sem demora injustificada e por via electrónica, da
encomenda que lhe foi dirigida; esta norma representa uma recepção, quase ipsis
verbis, do primeiro travessão do n.º1 do art. 11.º da Directiva CE; mas não se
13
Nem sequer a regra do n.º3 relativa ao conteúdo do aviso de recepção consta da Directiva (cf. Lei
do Comércio Electrónico anotada, ob. cit., p.117.
14
Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certos aspectos jurídicos do
comércio electrónico no mercado interno (1999/C 30/04) (Texto relevante para efeitos do EEE) COM
(1998) 586 final - 98/0325(COD). Este texto está publicado em apêndice a Alexandre Libório Dias
Pereira, Comércio Electrónico na Sociedade da Informação: da Segurança Técnica à Confiança
Jurídica, Coimbra, Almedina, 1999, p.121 ss., em especial, p. 132. Uma breve análise sobre o
alcance das soluções propostas quanto ao momento e ao lugar da conclusão do contrato pode ler-se
em Glauco Riem, ―Il commercio elettronico‖, in I contrati in generale, II, p. 175 ss, Turim, UTET, 2000.
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encontra qualquer aditamento que estabeleça alguma dependência entre o aviso de
recepção e a conclusão do contrato. Refira-se, porém, que, no mesmo artigo, o
primeiro parágrafo ordena para que o contrato seja validamente concluído, que o
destinatário da oferta deve ter tido a possibilidade de verificar os elementos da sua
encomenda e o seu preço total, e de corrigir eventuais erros, antes de confirmar
aquela para exprimir a sua aceitação. A confirmação da aceitação pelo destinatário
é, assim, no direito francês, um acto que precede o aviso de recepção do prestador
do serviço; é um acto que tem lugar depois de verificados e corrigidos os elementos
da encomenda. A confirmação da encomenda representa a aceitação da oferta por
parte do destinatário15.
O segundo parágrafo do artigo 1396-5 determina que «L´auteur de l´offre doit
accuser la réception sans délai injustifié et par voie électronique de la commande qui
lui a été ainsi adressée». Na fattispecie, o aviso de recepção é, portanto, um acto
posterior à formação do contrato.
b) A lei espanhola dedicou a esta matéria dois artigos16. No primeiro, regulou as
obrigações prévias ao início do procedimento de contratação (art.27) e no segundo
cuidou de traçar a informação posterior à celebração do contrato (art. 28). É a
segunda norma que nos interessa agora; contém o seguinte texto:
1. El oferente está obligado a confirmar la recepción de la aceptación al que
la hizo por alguno de los siguientes medios:
a. El envío de un acuse de recibo por correo electrónico u otro medio de
comunicación electrónica equivalente a la dirección que el aceptante haya
señalado, en el plazo de las veinticuatro horas siguientes a la recepción de la
aceptación, o
b. La confirmación, por un medio equivalente al utilizado en el procedimiento
de contratación, de la aceptación recibida, tan pronto como el aceptante haya
completado dicho procedimiento, siempre que la confirmación pueda ser
archivada por su destinatario.
O objecto da norma é a confirmação da recepção da aceitação, acto a praticar pelo
oferente. Estabelece-se que o oferente pode cumprir essa obrigação por dois meios:
15
Sobre o direito francês, cf. Thibault Verbiest, Le nouveau droit du commerce électronique, LarcierL.G.D.J., 2005; Verbiest e Wéri, ob. cit.; Mas, ob. cit.; Cyril Rojinsky e Guillaume Teissonniere,
L´encadrement du commerce électronique par la loi française du 21 juin 2004, «pour la confiance
dans l´économie numérique», Lex Electonica, vol. 10, n.º 1 (artigo disponível em http://www.lexelectronica.org/articles/v10-1/rojinsky_teissonniere.htm).
16
Ley 34/2002, de 11 julio (Ley de Servicios de la Sociedad de la información y de Comercio
Electrónico). Pode consultar-se, nomeadamente, em Javier Ribas Alejandro, Aspectos Jurídicos del
Comercio Electrónico en Internet, Thomson Aranzadi, 2.ª ed., 2003, p. 332.
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«un acuse de recibo» a enviar no prazo de vinte e quatro horas após a recepção da
aceitação; ou a «la confirmación …de la aceptación recibida». Contudo, estes actos
são regulados como actos posteriores à celebração do contrato.
c) O direito luxemburguês adoptou um modelo idêntico ao francês; admite, no
entanto, que «…no caso em que seja pedido ao destinatário do serviço que
expresse o seu consentimento utilizando meios tecnológicos, para aceitar a oferta do
prestador, o contrato está concluído quando o destinatário do serviço tiver recebido,
por via electrónica, da parte do prestador o aviso de recepção da aceitação do
destinatário do serviço.»17. O aviso de recepção tem, então, o papel de definir o
momento da conclusão do contrato, não sendo, porém, seguido de qualquer
confirmação do destinatário do serviço.
Esta breve incursão por sistemas jurídicos estrangeiros evidencia que o aviso de
recepção foi instituído, em todos eles, como um acto posterior à conclusão do
contrato.
O aviso de recepção realiza, no sistema da LCE, a função de dar conhecimento ao
destinatário que a sua ordem de encomenda foi recebida pelo prestador de serviços:
atendendo ao seu conteúdo, tem a natureza de uma declaração de conhecimento e
não uma declaração de vontade negocial 18. Apesar disso, é um acto que introduz
uma modificação na ordem jurídica: depois de o receber segundo o direito - ou seja,
logo que tenha a possibilidade de aceder ao endereço electrónico, nasce na esfera
jurídica do destinatário a faculdade de confirmar a ordem de encomenda.
Em conclusão, diremos que o aviso de recepção é uma declaração de conhecimento
que na LCE tem o efeito especial de fazer nascer na esfera jurídica do destinatário o
poder de confirmar a ordem de encomenda 19.
17
Lei de 14 -8-2000, art. 52 (cf. Mas, ob. cit., p. 200, nota 232).
Sobre a declaração de conhecimento, cf. Von Tuhr, ob.cit., p. 103.
19
A lei, com a ―expressão mero aviso de recepção‖ admite uma outra modalidades de aviso de
recepção, que não seja mero aviso; ao mero aviso, poderíamos chamar o aviso simples, ao aviso que
não se destine apenas a dar conhecimento de que alguma coisa aconteceu com conhecimento do
autor do aviso, mas que tenha um conteúdo mais amplo, poderíamos chamar aviso complexo. Nesta
maneira de ver as coisas, o que acabamos de dizer no texto aplica-se ao mero aviso, o aviso simples;
a outra modalidade, dotada de conteúdo mais alargado, combinará a declaração de conhecimento
com a declaração de vontade negocial; terá, por isso, uma natureza mista. Enquanto o mero aviso de
recepção não tem significado para o momento da conclusão do contrato, este outro aviso já poderá
18
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1.1.3 Confirmação da encomenda
A confirmação da encomenda é o último acto do processo de contratação
electrónica. É emitida na sequência do aviso de recepção; tem por conteúdo,
segundo a lei, a reiteração da ordem de encomenda emitida; o seu efeito é o de
tornar definitiva a encomenda.
O significado deste preceito não pode ser esclarecido à luz da Directiva CE. Não só
o texto definitivo não tem qualquer referência a uma confirmação da encomenda a
ser dada pelo destinatário depois de receber o aviso de recepção, como também o
texto da versão anterior o não previa: a confirmação então projectada tinha apenas o
objectivo de dar conhecimento ao prestador de serviços que o seu aviso de
recepção tinha sido recebido.
Algum apoio pode ser colhido pelo intérprete informação sobre a transposição da
directiva noutros Estados membros. Vamos partir da comparação entre o direito
francês e o direito português para colocar as duas alternativas que se apresentam.
Segundo o direito francês, a confirmação da aceitação deve ocorrer depois de o
destinatário da oferta ter tido a possibilidade de verificar os detalhes da sua
encomenda, incluindo o preço total a pagar, e de ter a possibilidade de corrigir
eventuais erros. Estas condições de revisão da encomenda terão de lhe ser
proporcionadas sob pena de invalidade do contrato: podem, com propriedade,
chamar-se condições de validade do contrato electrónico. Só depois de emitir esta
confirmação é que o destinatário está vinculado à aceitação20.
O
legislador
português
estabeleceu
procedimentos
diversos
e
omitiu
os
pressupostos substantivos do acto: colocou a confirmação da ordem de encomenda
depois do aviso de recepção e, com relevância para o conteúdo, apenas declara que
ter significado também nesse ou noutros domínios. Mas esse outro efeito não é um efeito especial da
LCE.
20
Pela mesma ordem de razões, só depois de receber esta confirmação é que o prestador de
serviços pode considerar formado o acordo contratual. O envio do aviso de recepção, a que fica
obrigado o prestador dos serviços, é um acto exterior às condições de validade do contrato, posterior
à sua formação e destinado a dar conhecimento dos termos do contrato.
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a confirmação se faz «reiterando a ordem emitida»; o seu efeito é tornar a
encomenda definitiva.
Poderá afirmar-se que esta confirmação é, também no nosso direito, uma condição
de validade do contrato, como fez o legislador francês?
A comparação com o regime francês torna clara a dificuldade em que o intérprete se
encontra. Em França, a lei define as condições que devem rodear a confirmação da
aceitação da oferta sob pena de invalidade do contrato: a sanção denota a natureza
do acto e evidencia a imperatividade dos seus pressupostos. Ao contrário, o direito
português não descreve as actividades que precedem o acto de confirmação da
encomenda, nem indica qualquer pressuposto substantivo que a condicione,
limitando-se a declarar que ela se faz reiterando a ordem emitida. Por simetria,
omitiu a sanção aplicável em caso de não confirmação ou de confirmação viciada.
A nossa lei, apesar disso, não é totalmente omissa neste plano: declara que a
encomenda se torna definitiva com a confirmação, o que, logicamente, significa que
antes desse acto a encomenda não possui a qualidade de definitiva. Ora bem, esta
mudança qualitativa está presente nos dois direitos: a confirmação da ordem de
encomenda exprime, no direito francês, a aceitação da oferta, isto é, torna a
aceitação definitiva; do mesmo modo, no direito português, a confirmação torna a
encomenda definitiva.
Em nosso entender, é neste ponto que o intérprete deve centrar a sua análise. Não
sendo a encomenda definitiva, poderá considerar-se o contrato já concluído antes
dela?
A resposta afirmativa pressupõe, em nosso entender, que o destinatário esteja
despojado de liberdade contratual, isto é, liberdade para modificar a encomenda,
corrigindo-a, ou até a liberdade para, em última instância, desistir do contrato. Na
ausência desta liberdade contratual, a confirmação será um acto devido do
destinatário, com a função de levar ao conhecimento do prestador de serviços que o
seu autor tomou conhecimento dos termos do contrato e que reitera a ordem
emitida: já estaremos, então, fora do plano da formação do contrato e das suas
condições de validade. A esta luz, a confirmação é um elemento da fattispecie legal,
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— sem dúvida, uma condição legal21, mas não uma condição de validade do
contrato, porque o contrato já está validamente concluído antes dela. Nesta
perspectiva, a confirmação configura-se como um requisito de eficácia em sentido
estrito, requisito exterior aos elementos internos do contrato, um acontecimento
futuro e incerto ao qual a lei subordinada a produção dos efeitos22.
A alternativa é, pois, elemento externo ao contrato, simples condição legal de
eficácia, ou último acto do processo de exteriorização da intenção de se vincular
juridicamente e, por isso, condição de validade do contrato23.
A LCE declara que a encomenda se torna definitiva com a confirmação do
destinatário. O sentido desta proposição não é claro, pois o legislador utiliza aqui
termos que não utiliza nos lugares onde regula a perfeição da declaração negocial,
em especial nos artigos 224.º a 235.º do Código Civil. Admitamos, porém, a hipótese
em que a encomenda da LCE é uma proposta no sentido do Código Civil. Que
qualidade, das previstas no Código civil para classificar a proposta, pode ser
utilizada para classificar uma proposta não definitiva? Em nosso entender, essa
qualidade é a revogabilidade e a mutabilidade: proposta não definitiva poderá ser
equivalente a proposta revogável ou proposta susceptível de modificação.
Admitamos que proposta não definitiva significa proposta susceptível de revogação.
Se for o caso, a LCE veio estabelecer, em benefício do destinatário da oferta em
linha24, o princípio da revogabilidade da proposta enquanto não tiver lugar a
confirmação, afastando o regime geral do artigo 230.º do Código civil. Interpretada a
lei neste sentido, enquanto não houver confirmação, a proposta poderá ser
21
No mesmo sentido, Morais de Carvalho, ob. cit., p.10; este autor parece configurar a confirmação
como um dever contratual, embora só atribua expressamente essa natureza ao aviso de recepção.
Sobre a possibilidade de certos eventos serem configurados como condição e como obrigação
contratual, cf. Francesco Galgano, Il Negozio Giuridico, 2ª ed., 2002, p. 166 (n.º 41.1.) .
22
Sobre a chamada condição legal, cf. Pietro Rescigno, Condizione, in Enc. Dir., VIII, p. 796 ss.; E.
Betti, Teoria geral do negócio jurídico, III, p.109; Galgano, ob. cit., p. 164 (n.º40); Luigi Cariota
Ferrara, Il Negozio Giuridico nel dirritto privato italiano, Nápoles, Morano editore, p. 654 ss.; Inocêncio
Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 4.ed., 2002, p.261; Von Tuhr, ob. cit., p.253; Karl
Larenz, Derecho Civil, Parte General, Edersa, 1978, p.679; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral
do Direito Civil, 4. ed., p. 562.
23
Sobre esta distinção entre negócio condicional e negócio imperfeito, cf. Betti, ob. cit., p. 105 ss.
24
Mas não em benefício do autor da oferta em linha, que se encontra vinculado nos termos da sua
oferta, segundo o disposto no art.32º, n.º1.
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revogada25 e, consequentemente, o contrato estará em formação até esse último
acto de confirmação da encomenda.
No mesmo plano de análise, se colocam as coisas sob o ângulo da proposta
susceptível de modificação. O princípio da imutabilidade da proposta depois de ser
recebida pelo destinatário estaria afastado pela LCE: o destinatário da oferta em
linha poderia, no momento da confirmação da encomenda, alterar algum dos seus
elementos, após o que ela seria a encomenda definitiva.
Façamos o mesmo exercício para a hipótese em que a encomenda assume a
natureza de aceitação da oferta em linha. Esta aceitação só se tornaria definitiva
com a confirmação da encomenda. Por isso, até esse momento seria revogável ou
modificável. Este regime teria o alcance de afastar o n.º2 do artigo 235.º do Código
civil: até a confirmação, a aceitação poderia ser revogada ou alterada pelo
destinatário26.
A conclusão geral é, assim, a de que, na contratação on-line, a perfeição do contrato
só pode ter lugar depois da confirmação da encomenda pelo destinatário da oferta
em linha.
2 Descrição do regime legal (anexo)
CAPÍTULO V
Contratação electrónica
Artigo 24.º
Âmbito
As disposições deste capítulo são aplicáveis a todo o tipo de contratos celebrados por via electrónica
ou informática, sejam ou não qualificáveis como comerciais.
1. O primeiro dos artigos, o 24.º, define o âmbito desta modalidade de contratação,
estabelecendo que as disposições do capítulo se aplicam a todo o tipo de contratos
celebrados por via electrónica ou informática, sejam ou não qualificáveis como
comerciais. A especificidade do regime advém, assim, do meio de comunicação
utilizado e não do objecto ou da natureza do contrato realizado.
25
Com a eventual responsabilidade pré-contratual da parte do destinatário, nos termos do art. 227.º
do Código Civil.
26
Mas não pelo autor da oferta em linha, que estará vinculado nos termos do n.º1 do art. 32.º.
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PITA, Manuel
2. Este artigo corresponde ao n.º1 do artigo 9.º da Directiva 200/31/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de Junho de 2000, habitualmente chamada
«Directiva sobre o comércio electrónico».
Artigo 25.º
Liberdade de celebração
1 - É livre a celebração de contratos por via electrónica, sem que a validade ou eficácia destes seja
prejudicada pela utilização deste meio.
2 - São excluídos do princípio da admissibilidade os negócios jurídicos:
a) Familiares e sucessórios;
b) Que exijam a intervenção de tribunais, entes públicos ou outros entes que exerçam poderes
públicos, nomeadamente quando aquela intervenção condicione a produção de efeitos em relação a
terceiros e ainda os negócios legalmente sujeitos a reconhecimento ou autenticação notariais;
c) Reais imobiliários, com excepção do arrendamento;
d) De caução e de garantia, quando não se integrarem na actividade profissional de quem as presta.
3 - Só tem de aceitar a via electrónica para a celebração de um contrato quem se tiver vinculado a
proceder dessa forma.
4 - São proibidas cláusulas contratuais gerais que imponham a celebração por via electrónica dos
contratos com consumidores.
1.O artigo 25.º proclama a liberdade de celebração. O princípio consta do n.º1.Está
incluído no corpo do n.º1 do art. 19.º da Directiva CE. Esta liberdade é bilateral: a via
electrónica de contratação não pode ser imposta por uma das partes, nem mesmo
por via de cláusulas contratuais gerais (art. 25.º, n.ºs 1 e 2).
2.O n.º2 estabelece algumas restrições a esta liberdade. Enumera os contratos que
não podem ser realizados por via electrónica. Corresponde ao n.º2 do art. 9.º da
Directiva CE.
Artigo 26.º
Forma
1 - As declarações emitidas por via electrónica satisfazem a exigência legal de forma escrita quando
contidas em suporte que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e
conservação.
2 - O documento electrónico vale como documento assinado quando satisfizer os requisitos da
legislação sobre assinatura electrónica e certificação.
1.O artigo 26.º tem a finalidade de ultrapassar as dificuldades que a existência de
negócios formais poderia levantar à contratação electrónica.
Não será ultrapassado o obstáculo da escritura pública notarial: os chamados
contratos notariais foram excluídos do âmbito da contratação electrónica, como
99
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vimos. Do que o legislador vai curar é do estabelecimento de um meio que permita
superar a exigência legal de forma escrita. O método escolhido foi o de equiparar ao
documento escrito assinado pelas partes o suporte electrónico que ofereça as
mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação. Ficou a porta
aberta para o documento electrónico, desde que preenchidos os requisitos da
assinatura electrónica e certificação.
Refira-se, no entanto, que na ordem jurídica portuguesa as exigências de forma
especial constituem, excepções ao princípio da liberdade da forma, consagrado no
art. 219.º do Código Civil.
2. Esta norma teve a sua fonte no n.º1 do art. 9.º da Directiva CE.
Artigo 27.º
Dispositivos de identificação e correcção de erros
O prestador de serviços em rede que celebre contratos por via electrónica deve disponibilizar aos
destinatários dos serviços, salvo acordo em contrário das partes que não sejam consumidores, meios
técnicos eficazes que lhes permitam identificar e corrigir erros de introdução, antes de formular uma
ordem de encomenda.
1. O artigo 27.º introduziu uma regra de grande alcance prático. Criou uma obrigação
especial para quem pretenda utilizar este meio de contratação.O legislador criou
deste modo a primeira defesa contra a ligeireza do cliente electrónico: antes de
formular uma ordem de encomenda deve ter a possibilidade de rever os dados
introduzidos, de modo a corrigi-los ou decidir não contratar.
2. Este artigo corresponde ao n.º2 do art. 11.º da Directiva CE.
Artigo 28.º
Informações prévias
1 - O prestador de serviços em rede que celebre contratos em linha deve facultar aos destinatários,
antes de ser dada a ordem de encomenda, informação mínima inequívoca que inclua:
a) O processo de celebração do contrato;
b) O arquivamento ou não do contrato pelo prestador de serviço e a acessibilidade àquele pelo
destinatário;
c) A língua ou línguas em que o contrato pode ser celebrado;
d) Os meios técnicos que o prestador disponibiliza para poderem ser identificados e corrigidos erros
de introdução que possam estar contidos na ordem de encomenda;
e) Os termos contratuais e as cláusulas gerais do contrato a celebrar;
f) Os códigos de conduta de que seja subscritor e a forma de os consultar electronicamente.
2 - O disposto no número anterior é derrogável por acordo em contrário das partes que não sejam
consumidores.
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1.Este artigo prescreve a chamada obrigação pré-contratual de informação.
Que informações devem ser fornecidas ao cliente antes de deliberar contratar?
Por força desta norma, ao abrir a página de uma loja virtual, os consumidores são
informados sobre os procedimentos a seguir para celebrar um contrato.
2.O cumprimento deste dever pelas empresas tem assumido diversas formas.
Alguns cibercomerciantes exigem que, antes da contratar, o consumidor adira à sua
rede, por via da qual é atribuído um número de cliente com uma palavra passe
associada: só depois de registado, o cliente entra na loja como comprador.
Poucos referem a língua ou línguas em que o contrato pode ser celebrado: essa
indicação pode considerar-se implícita na língua utilizada na página.
3.A informação sobre os termos contratuais é fornecida, na maioria das vezes, no
decurso do processo de contratação. A técnica mais utilizada é a de suspender o
processo de negociação num determinado momento reservado para perguntar ao
cliente se aceita as condições gerais de venda, declaração a fazer numa altura em
que se supõe ter lido tais cláusulas. O acesso a estas cláusulas contratuais gerais é
feito, nalguns casos, por via de um link colocado no rodapé da primeira página.
4.A informação sobre os códigos de conduta aparece também nestas cláusulas,
normalmente através de uma declaração sobre a qualidade de membro de uma
associação do ramo do negócio em causa, acompanhada de uma declaração de
aceitação das suas deliberações.
5.A norma correspondente da Directiva consta do art. 10.º.
6.Note-se, no entanto, que este é um dever especial de informação que acresce ao
dever geral estipulado em capítulo anterior, no artigo 10.º
Artigo 10.º
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Disponibilização permanente de informações
1 - Os prestadores de serviços devem disponibilizar permanentemente em linha, em condições que
permitam um acesso fácil e directo, elementos completos de identificação que incluam,
nomeadamente:
a) Nome ou denominação social;
b) Endereço geográfico em que se encontra estabelecido e endereço electrónico, em termos de
permitir uma comunicação directa;
c) Inscrições do prestador em registos públicos e respectivos números de registo;
d) Número de identificação fiscal.
2 - Se o prestador exercer uma actividade sujeita a um regime de autorização prévia, deve
disponibilizar a informação relativa à entidade que a concedeu.
3 - Se o prestador exercer uma profissão regulamentada deve também indicar o título profissional e o
Estado membro em que foi concedido, a entidade profissional em que se encontra inscrito, bem como
referenciar as regras profissionais que disciplinam o acesso e o exercício dessa profissão.
4 - Se os serviços prestados implicarem custos para os destinatários além dos custos dos serviços de
telecomunicações, incluindo ónus fiscais ou despesas de entrega, estes devem ser objecto de
informação clara anterior à utilização dos serviços.
Artigo 29.º
Ordem de encomenda e aviso de recepção
1 - Logo que receba uma ordem de encomenda por via exclusivamente electrónica, o prestador de
serviços deve acusar a recepção igualmente por meios electrónicos, salvo acordo em contrário com a
parte que não seja consumidora.
2 - É dispensado o aviso de recepção da encomenda nos casos em que há a imediata prestação em
linha do produto ou serviço.
3 - O aviso de recepção deve conter a identificação fundamental do contrato a que se refere.
4 - O prestador satisfaz o dever de acusar a recepção se enviar a comunicação para o endereço
electrónico que foi indicado ou utilizado pelo destinatário do serviço.
5 - A encomenda torna-se definitiva com a confirmação do destinatário, dada na sequência do aviso
de recepção, reiterando a ordem emitida.
1. O artigo 29.º dispõe em especial sobre a ordem de encomenda e o aviso de
recepção.
As expressões «ordem de encomenda» e «aviso de recepção» não são utilizadas
habitualmente na linguagem técnico-jurídica, não as encontramos no Código civil
nem no pouco que resta do Código comercial. Têm uma conotação económica e
comercial acentuada. Trata-se de expressões introduzidas no léxico jurídico pela
directiva comunitária: ordem de encomenda está na epígrafe do artigo 11.º da
Directiva CE; a expressão aviso de recepção é utilizada no segundo travessão do
n.º1 deste artigo.
Foi o meio encontrado para superar as divergências entre os Estados membros
sobre a natureza jurídica da oferta realizada através da loja virtual. Note-se, desde
já, que a ordem de encomenda é toda a declaração dirigida ao cibercomerciante
pelo cliente, consumidor ou profissional, que exterioriza a intenção de celebrar um
contrato nos termos expostos na loja virtual. Por seu lado, o aviso de recepção é
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uma declaração dirigida ao cliente pelo cibercomerciante destinada a informar que
foi recebida uma ordem de encomenda.
Este artigo não tem um equivalente na Directiva, embora a sua fonte de inspiração
seja o artigo 11.º.
Artigo 30.º
Contratos celebrados por meio de comunicação individual
Os artigos 27.º a 29.º não são aplicáveis aos contratos celebrados exclusivamente por correio
electrónico ou outro meio de comunicação individual equivalente.
1.O artigo 30.º cria um estatuto particular para os contratos concluídos por correio
electrónico, afastando a aplicação das normas deste capítulo que pressupõem o
automatismo da resposta por parte do gestor da loja virtual.
2. Corresponde ao n.º3 do art. 11.º da Directiva.
Artigo 31.º
Apresentação dos termos contratuais e cláusulas gerais
1 - Os termos contratuais e as cláusulas gerais, bem como o aviso de recepção, devem ser sempre
comunicados de maneira que permita ao destinatário armazená-los e reproduzi-los.
2 - A ordem de encomenda, o aviso de recepção e a confirmação da encomenda consideram-se
recebidos logo que os destinatários têm a possibilidade de aceder a eles.
1. O artigo 31.º regula a apresentação e comunicação dos termos contratuais e das
cláusulas gerais.
2. A matéria indicada na epígrafe é objecto do n.º1 do artigo que reproduz o n.º3 do
artigo 10.º da Directiva; o número 2 corresponde ao segundo travessão do n.º1 do
artigo 11.º.
3.A relevância dos dois números é desigual. O n.º1 define as condições a observar
no cumprimento de um dever de informação que, por força do n.º3 do artigo 29.º,
deverá ser executado por via do aviso de recepção, pois se este deve conter a
identificação fundamental do contrato a que se refere, inclui certamente, de forma
directa ou indirecta, os termos contratuais e as cláusulas gerais.
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O n.º2 deste artigo aprece deslocado em termos sistemáticos: não diz respeito à
apresentação dos termos contratuais e cláusulas gerais, mas sim à eficácia dos
actos que refere, a ordem de encomenda, o aviso de recepção e a confirmação da
encomenda. Deveria formar um artigo autónomo ou, com mais propriedade, integrar
o artigo 32.º. O lugar paralelo no Código civil é o artigo 224.º destinado a regular a
eficácia da declaração negocial. Por força daquele número 2 do art. 31.º, em matéria
de contratação electrónica o momento em que a produção dos efeitos se inicia é
aquele em que o destinatário tem a possibilidade de aceder às declarações que lhe
foram enviadas. Adoptou-se a doutrina da recepção. Recorde-se que aquelas
declarações devem ser enviadas para o endereço electrónico que foi indicado ou
utilizado pelo destinatário do serviço (art. 29.º, n.º4).
Numa primeira leitura, a (des)colocação da regra deveu-se ao facto de o legislador
não ter certezas quanto á natureza jurídica da ordem de encomenda, do aviso de
recepção e da confirmação da encomenda. Serão declarações negociais ou terão
outro objecto? A questão põe-se com mais acuidade em relação ao aviso de
recepção, aparentemente uma declaração destinada a dar conhecimento de um
outro acto, mas que não é, em si mesmo, uma declaração negocial.
Artigo 32.º
Proposta contratual e convite a contratar
1 - A oferta de produtos ou serviços em linha representa uma proposta contratual quando contiver
todos os elementos necessários para que o contrato fique concluído com a simples aceitação do
destinatário, representando, caso contrário, um convite a contratar.
2 - O mero aviso de recepção da ordem de encomenda não tem significado para a determinação do
momento da conclusão do contrato.
1.O artigo 32.º tem por epígrafe ―Proposta contratual e convite a contratar‖. Mas o
seu conteúdo não corresponde á epígrafe. Vejamos o seu texto.
O n.º1 representa a prática de uma acção perigosa por parte do legislador: a tarefa
de definir institutos jurídicos é uma incumbência da doutrina; ao definir, o legislador
corre o risco de fazer uma delimitação que, depois, é ultrapassada pelo regime
estabelecido ou fica aquém dele. Vejamos a utilidade desta acção do legislador. A
disposição legislativa limita-se a receber a orientação que é geralmente aceite pela
doutrina: na ausência deste artigo, a oferta de produtos ou serviços em linha seria
uma proposta quando contivesse todos os elementos necessários para que o
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PITA, Manuel
contrato ficasse concluído com a aceitação do destinatário — e seria um convite a
contratar no caso contrário. Aparentemente, o esforço do legislador foi inútil. Haveria
alguma utilidade se estabelecesse uma orientação diferente da geralmente seguida,
por exemplo, se declarasse que a oferta de produtos em causa seria sempre
considerada, para efeitos de contratação electrónica, como um convite a contratar,
orientação que implicaria que o contrato só estivesse concluído com a aceitação do
oferente, realizada na sequência da encomenda do destinatário. Na ausência de
regra expressa de direito nacional em sentido oposto, e dada a neutralidade da
Directiva que teve o cuidado de não falar em proposta ou convite a contratar, aquele
nº2 do artigo não introduziu qualquer inovação na ordem jurídica portuguesa.
O n.º2 do artigo 3.º declara que o mero aviso de recepção da ordem de encomenda
não tem significado para a determinação do momento da conclusão do contrato. De
algum modo, levanta o véu sobre o sentido do n.º1: o que está em causa, em ambos
os números, é o momento da conclusão do contrato e, na perspectiva do legislador
português, sobre essa matéria o aviso de recepção não tem qualquer significado; o
contrato forma-se sempre através da aceitação de uma proposta num momento que
se determina por outra via.
O legislador não parece, no entanto, absolutamente convencido. Sentimos a sua
falta de certeza no «mero» que antecede o aviso de recepção. Fica aberta a porta
para avisos de recepção que sejam também outra coisa, que não sejam meras
declarações de que algo aconteceu — na hipótese a recepção de uma ordem de
encomenda —, que além de mensageiros sejam eles próprios uma mensagem, uma
declaração de vontade negocial, como poderá ser o caso se o aviso de recepção
contiver a identificação fundamental do contrato (v. art. 29.º, n.º3).
2. Este artigo não tem correspondente na Directiva CE.
Artigo 33.º
Contratação sem intervenção humana
1 - À contratação celebrada exclusivamente por meio de computadores, sem intervenção humana, é
aplicável o regime comum, salvo quando este pressupuser uma actuação.
2 - São aplicáveis as disposições sobre erro:
a) Na formação da vontade, se houver erro de programação;
b) Na declaração, se houver defeito de funcionamento da máquina;
c) Na transmissão, se a mensagem chegar deformada ao seu destino.
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PITA, Manuel
3 - A outra parte não pode opor-se à impugnação por erro sempre que lhe fosse exigível que dele se
apercebesse, nomeadamente pelo uso de dispositivos de detecção de erros de introdução.
1.Esta norma foi introduzida voluntariamente pelo legislador português, pois não foi
objecto da Directiva. Sujeita ao regime de direito comum, ou seja ao direito civil, a
contratação sem intervenção humana.
Artigo 34.º
Solução de litígios por via electrónica
É permitido o funcionamento em rede de formas de solução extrajudicial de litígios entre prestadores
e destinatários de serviços da sociedade da informação, com observância das disposições
concernentes à validade e eficácia dos documentos referidas no presente capítulo.
1. Corresponde ao artigo 17.º da Directiva CE.
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