CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO JURÍDICO DE EMPRESA
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CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO JURÍDICO DE EMPRESA
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO JURÍDICO DE EMPRESA À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO Rosiane Sasso* Introdução Com o fim de atender às transformações econômicas e sociais experimentadas pelo cenário nacional nas últimas décadas, o novo Código Civil, Lei n.º 10.406 de 10 de janeiro de 2002, introduziu importante inovação no ordenamento jurídico brasileiro ao promover a codificação unitária de normas civis e mercantis, mantendo, entretanto, a autonomia doutrinária e científica de cada disciplina. Dessa forma, o Código Comercial de 1850, em sua parte geral, foi revogado pelo novo Código Civil que passou a disciplinar os domínios do direito empresarial. O regramento da atividade empresarial está contido no Livro II do novo Código Civil, sob o nome de “Direito de Empresa”, que trata basicamente da caracterização do empresário, das sociedades empresárias, das sociedades simples e de outros aspectos inerentes à atividade empresarial. Ocorre que tais dispositivos não fornecem uma definição legal de empresa. Diante de tal circunstância, faz-se necessário o delineamento da chamada teoria da empresa, para que se possa entender o que vem a ser juridicamente a empresa e distinguir as atividades empresariais das não empresariais, tomando por base a noção de empresário fornecida pelo novo Código Civil. O objetivo do presente trabalho consiste, portanto, em analisar as implicações da adoção da teoria da empresa pelo novo Código Civil pátrio, na seara da conceituação jurídica da empresa. * Advogada e Mestre em Direito Empresarial. 25 1 A teoria da empresa no âmbito da evolução histórica do Direito Comercial O papel que a empresa desempenha na sociedade contemporânea é de vital importância, tendo em vista sua participação na produção e circulação de bens e riquezas, na organização do trabalho, na influência da fixação do comportamento de outras instituições, envolvendo, concomitantemente, interesses públicos e privados. Com efeito, a empresa faz parte da realidade e o direito não pode ignorála. Tanto que afirma Fábio Konder Comparato: Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa 1. Dessa forma, a empresa, em sua existência econômica e social, de longa data, passou a merecer a atenção dos juristas. Assim, para uma melhor compreensão desse fenômeno na atualidade, faz-se necessário situá-lo dentro da evolução histórica do Direito Comercial, que pode ser dividida em quatro fases, didaticamente dispostas em: fase primitiva; fase corporativa; fase do ato de comércio e fase da empresa2. Cada uma dessas fases corresponde às necessidades humanas da época, conforme revelam as palavras de Rubens Sant’Anna: Na evolução histórica do comércio, cuja atividade remonta aos mais recuados tempos, certos períodos foram marcados por transformações profundas na vida da sociedade, criando entidades novas compatíveis com a realidade emergente 3. 1 COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995.p.3. 2 SALLES, Marcos Paulo de Almeida. A visão jurídica da empresa na realidade brasileira atual. In RDM, Ano XXXIX, n.º 119, nova série. São Paulo: Malheiros Editores, Jul. – set. 2000. p. 94 -108. 3 SANT’ÁNNA, Rubens. A falência da empresa. Realidade contemporânea e perspectivas futuras. In RDM, Ano XXV, n.º 64. São Paulo: RT, out-dez. 1995.p.37. 26 A primeira fase é marcada pela economia de troca dos produtos excedentes entre os indivíduos pertencentes a primitivos grupos sociais. A evolução dessa atividade de troca acabou por acarretar o surgimento da moeda como medida de valor para a compra e venda de produtos. Nessa fase, contudo, as atividades comerciais eram regidas basicamente por costumes, exceto o comércio marítimo, para o qual foram desenvolvidas normas jurídicas próprias. Com a especialização da produção, a partir do século XII, tem início a segunda fase da história do direito comercial, onde os mercadores e artesãos passaram a se organizar em corporações de ofício, ou seja, em ordens protecionistas entre os praticantes de um mesmo ofício, transformando os costumes em regras escritas, denominadas de Estatutos. A principal função destas corporações era a de dirimir conflitos envolvendo os seus membros, aplicando-se as normas previstas nos Estatutos. A referida fase evolutiva é também denominada de subjetiva pelo fato de que somente aqueles que estivessem matriculados em uma corporação de ofício eram considerados comerciantes. O âmbito de incidência do direito comercial é, portanto, delimitado por um critério subjetivo. O terceiro período ou fase da evolução histórica do direito mercantil, tem início após a Revolução Francesa, com a promulgação do Código Comercial francês de 1807, que substituiu o sistema subjetivo até então vigente pelo sistema objetivo dos atos de comércio. De acordo com este último sistema somente era considerado comerciante quem praticava um dos atos taxativamente enumerados pela lei. A teoria dos atos de comércio, desde então, passou a ser adotada por diversas codificações do mundo ocidental, inclusive anos mais tarde pelo Brasil. A expansão da economia no século XIX promovida pelo liberalismo e acentuada pela Revolução Industrial fez, contudo, que a teoria dos atos de comércio cedesse gradativamente lugar à teoria da empresa. Com efeito, as transformações de ordem econômica ocorridas no seio da sociedade civil acabam sempre por refletir seus efeitos no âmbito do Direito. Dessa forma, a partir das transformações operadas pela Revolução Industrial, a empresa tornou-se figura de grande destaque, 27 merecendo a atenção dos juristas e ensejando formulações acerca de uma teoria jurídica da empresa. Nessa nova ordem, inscreve-se o Código Civil italiano de 1942, considerado marco inicial da última fase evolutiva do direito comercial, que, além de fundar-se totalmente na teoria da empresa, inovou ao disciplinar num mesmo diploma legal a matéria civil e comercial4, acabando com a dicotomia do direito privado no país5. Apesar do referido diploma legal não ter fornecido uma definição jurídica de empresa, abarcou uma visão de seus principais aspectos, captando no mundo jurídico o fenômeno econômico. A questão essencial que passou a preocupar os juristas, desde então, traduz-se na busca de um conceito jurídico para a empresa. 2 A controvérsia acerca do conceito jurídico de empresa Como ponto de partida, faz-se oportuno esclarecer que, ao longo de mais de um século, os juristas têm se dedicado à busca de uma definição jurídica para a empresa, ensejando diversas formulações teóricas, sendo difícil expor com precisão uma sistematização sobre o tema. 4 A propósito, Betyna Ribeiro de Almeida. Aspectos da teoria jurídica da empresa In RDM, Ano XXXIX, n.º 119, nova série. São Paulo: Malheiros Editores, jul.- set. 2000.p. 243, leciona: “ De fato, a dicotomia do Direito Privado já era objeto de preocupação para a doutrina italiana desde o fim do século passado. Em 1892 Vivant defendeu o fim da autonomia do direito Comercial na aula inaugural de seu curso na Universidade de Bolonha, apontando diversas razões em favor da unificação do Direito Privado”. 5 Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial. 5.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001.vol 1.p.17, lembra que: “É fato que a uniformização legislativa do direito privado já existia em parte na Suíça, desde 1881, com a edição de código único sobre obrigações, mas será o texto italiano que servirá de referência doutrinária porque, embora posterior, apresenta uma teoria substitutiva à dos atos do comércio. Com certeza, não basta a reunião da disciplina privada das atividades econômicas num mesmo diploma legal, para que se eliminem as diferenças de tratamento entre as comerciais e as civis. É necessária ainda uma noção teórica capaz de constituir o modelo para esta disciplina, um sistema que se componha ao francês e o supere. Se a legislação suíça já não apresenta diferenças entre as atividades dos comerciantes e a dos não - comerciantes, sob o ponto de vista da disciplina das obrigações, não veio a inovação acompanhada de uma reflexão doutrinária mais abrangente, que projetasse seus efeitos no mundo jurídico de tradição romanística”. 28 A controvérsia em torno da noção jurídica de empresa, no transcorrer dos anos, entretanto, tem dividido a doutrina em duas principais correntes: uma que defende a simples transposição da noção econômica para o plano jurídico e outra, a tradução desse fenômeno em termos jurídicos. Adepto da primeira teoria, o jurista espanhol Manuel Broseta Pont entende que o conceito jurídico de empresa deve coincidir necessariamente com seu conceito econômico. Para referido autor, a empresa é “una organización de capital y trabajo destinada a la producción o a la mediación de bienes o de servicios para el mercado”6. Esse é o conceito que, em linhas gerais, segue a maioria dos economistas. Sob esse prisma, o direito positivo, ao se referir à empresa, deve fazêlo necessariamente em seu conceito econômico, ou seja, a empresa não pode ser uma realidade distinta para o direito mercantil, para o civil, o fiscal, dentre outros. O conceito jurídico de empresa deve ser válido e aplicável para todas as disciplinas jurídicas, interessando a cada uma delas um diferente aspecto desse conceito unitário. Sob esse prisma, conclui o autor que: “para el ordenamiento positivo debe ser válido el concepto económico de empresa anteriormente postulado del cual debe ser adoptado, pues, como concepto jurídico de empresa” 7. Contrapondo-se ao conceito unitário de empresa válido para todos os ramos do direito, Alberto Asquini, ao analisar o tema conforme trazido à luz pelo Código Civil italiano de 1942, procurou afastar a desorientação doutrinária da época face à ausência de uma definição legal, traduzindo o fenômeno sócio-econômico em termos jurídicos. Para Asquini, a noção de empresa entrou no Código italiano com um determinado significado econômico, mas isso não quer dizer que a noção econômica deva ser utilizada como jurídica. Assim, reconhece a empresa como “um fenômeno econômico poliédrico, o qual tem sob o aspecto jurídico, não um, mas diversos perfis em relação aos diversos elementos que integram”8. Nesse 6 PONT, Manuel Broseta. Manual de derecho mercantil. 10. ed. Madrid: Editorial Tecnos S.A, 1994.p.101. 7 PONT, Manuel Broseta. op.cit.p.102. 8 ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Trad. de Fábio Konder Comparato. In RDM, Ano XXXV, n.º 104, nova série. São Paulo : RT, out.- dez. 1996.p.109. 29 sentido, as definições jurídicas podem ser diversas, conforme o perfil sob o qual o fenômeno econômico é encarado, sendo mais apropriado falar-se em aspectos jurídicos do que em conceito jurídico de empresa. Partindo de tal pressuposto, Asquini identifica quatro perfis para chegar ao que chama de tradução dos termos econômicos para o plano jurídico, compreendendo: o perfil subjetivo (a empresa como empresário); o perfil funcional (a empresa como atividade empresarial); o perfil patrimonial e objetivo (a empresa como patrimônio “aziendal” e como estabelecimento) e o perfil corporativo (a empresa como instituição). O perfil subjetivo identifica-se com a noção de empresário fornecido pelo art. 2082 do Código Civil italiano, como aquele que exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada, tendo por fim a produção ou a troca de bens ou serviços. Do ponto de vista funcional ou dinâmico, a empresa mostra-se como “aquela força em movimento que é a atividade empresarial dirigida para um determinado escopo produtivo”9. O perfil objetivo comporta os instrumentos de que se vale o empresário para o exercício da atividade empresarial, podendo ser compreendido como um complexo de relações jurídicas (patrimônio aziendal) ou como complexo de bens (estabelecimento). E por fim, pelo perfil corporativo, a empresa é considerada uma organização de pessoas, constituída pelo empresário e seus colaboradores em função de um fim comum. A empresa, entendida sob esse último aspecto, conduz ao seu enquadramento jurídico na figura da instituição10. Em síntese, ao analisar os perfis da empresa, Asquini deixa claro que sua definição jurídica pode variar de acordo com os diversos aspectos do fenômeno econômico, ou seja, apresenta diferentes significados no Código Civil italiano, que ora utiliza-a para indicar o sujeito da atividade organizada, ora para indicar o conjunto de bens organizados, outras para exprimir o exercício da atividade 9 ASQUINI, Alberto. op. cit. p. 116. 10 Para Asquini. op. cit. p.12 : “O reconhecimento de uma organização de pessoas como instituição implica somente no reconhecimento de um determinado modo de ser, das relações internas entre os componentes da organização, em relação a um fim comum”. 30 organizada e finalmente a organização de pessoas que exercem a atividade econômica. A respeito, conclui o autor: ...a técnica do direito não pode dominar o fenômeno econômico da empresa para dar uma completa disciplina jurídica, sem considerar distintamente os diversos aspectos, em relação aos diversos elementos que nela existem 11. A teoria formulada por Asquini foi imprescindível para uma compreensão da empresa no plano jurídico, servindo de paradigma às novas concepções teóricas, que passaram a apreciá-la criticamente, privilegiando um ou mais perfis em detrimento de outros. Dessa forma, não logrou solucionar a controvérsia acerca da conceituação jurídica da empresa. É certo que o perfil que obteve uma posição de maior destaque é o que identifica a empresa como atividade econômica organizada e, pois, pelo perfil funcional. Ressalte-se que todos os aspectos jurídicos pelo qual o fenômeno é encarado são importantes, mas somente a atividade serve de elemento qualificador dos agentes da produção como empresários (sujeito) e do complexo de bens como estabelecimento (objeto), revelando uma íntima conexão entre os três conceitos. Dessa forma, pode-se dizer que não há empresário ou estabelecimento sem que haja uma atividade econômica organizada exercida profissionalmente. 3 A teoria jurídica da empresa no Brasil A palavra empresa foi introduzida no ordenamento jurídico nacional pelo art. 19, § 3º do Regulamento 737 de 1850, que a incluiu dentre os atos considerados de mercancia12. A partir desta aparição e, ante a falta de uma definição jurídica, a 11 Ibidem .op.cit.p.125. 12 O art.19, § 3º do Regulamento 737/50 considera como mercancia : “ as empresas de fábrica, de comissões, de depósito, de expedição, consignação e transporte de mercadorias, de espetáculos públicos”. 31 empresa passou a ser objeto de estudo dos juristas brasileiros. Salienta-se que, embora o Código Comercial brasileiro de 1850 adotasse o sistema francês dos atos de comércio, a legislação pátria13 conciliada à doutrina14 e à jurisprudência15, de longa data vinha caminhando no sentido da adoção do sistema italiano da teoria da empresa. Essa teoria já se faz presente há algum tempo no ordenamento jurídico nacional, como se pode inferir pela análise das várias referências à empresa feitas pela legislação constitucional e infraconstitucional. Verifica-se, contudo, que em diversos diplomas legais a palavra é empregada ao sabor das circunstâncias, conforme a necessidade e os objetivos pretendidos pelo legislador sem a observação de maiores rigores técnicos16. Dentre os juristas brasileiros que mais profundamente se dedicaram ao tema, encontra-se Waldírio Bulgarelli17, para quem a conceituação jurídica da empresa deve partir da captação da essência desse fenômeno sócio-econômico no plano jurídico. Daí para traduzir a significação global do fenômeno em sua tridimensionalidade, utiliza-se da expressão “empresarialidade”18, que engloba os conceitos de empresário, empresa e estabelecimento. Na visão de Bulgarelli, a empresa pode ser entendida analiticamente como uma: “atividade econômica 13 Nesse sentido as Leis n.º 4.504/64 (Estatuto da Terra); 8.078/90 (Código de Defesa do consumidor); 8.245/91 (Lei de Locações); 8.934/94 ( Dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins) , dentre outras. 14 Seguem tal posicionamento: Sylvio Marcondes, Oscar Barreto Filho, Rubens Requião, Fábio Konder Comparato, Ruy de Souza. Apud BULGARELLI, Waldírio. A teoria jurídica da empresa: uma análise da empresarialidade. São Paulo: RT, 1985. p. 259. 15 Em RT 536/126, 555/191, 565/174, 566/170. 16 A esse respeito, Waldírio Bulgarelli. Sociedades Comerciais.8.ed. São Paulo: Atlas, 1999.p.316, esclarece que: “Inúmeras são as leis que se referem à empresa tanto que seria impossível relacioná-las, mas pode-se perfeitamente anotar que realmente não imprimem ao termo empresa o sentido de precisão técnica necessário, ora querendo significar empresário, ora estabelecimento, ora sociedade estritamente, ora objeto de atividade, enfim uma verdadeira miscelânea que em nada contribui para o seu perfeito entendimento, exigindo do intérprete esforços inauditos”. 17 Ibidem. A teoria jurídica da empresa. cit. p.72 18 Explica Bulgarelli. A teoria jurídica da empresa. cit. p.19: “Termo que utilizamos para exprimir numa idéia geral e abstrata aquilo que é próprio da empresa” . 32 organizada de produção e circulação de bens e serviços para o mercado exercida pelo empresário, em caráter profissional, através de um complexo de bens”19. Vêse, por tal prisma, que a noção de empresa corresponde à de empresarialidade, já que esta atinge o cerne daquele fenômeno através dos três conceitos interpolarizados, excluindo somente o aspecto corporativo20. É importante esclarecer que, com a entrada em vigor do novo Código Civil brasileiro, Lei n.º 10.406/2002, a teoria jurídica da empresa foi adotada em substituição a dos atos de comércio, promovendo, conseqüentemente, a unificação do direito privado nacional. Referido diploma legal trata na Parte Especial, Livro II, do Direito de Empresa, definindo em seu art. 966 a figura do empresário como aquele que: “...exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços”. O parágrafo único do citado artigo, no entanto, exclui do conceito de empresário aqueles que exercem atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou de colaboradores, salvo se constituir o exercício da profissão elemento de empresa, ou seja, se a atividade específica dos mesmos se inserir numa organização empresarial. Caso contrário, mesmo que empregue terceiros, continuará sujeito ao regime próprio de sua categoria profissional. De outra parte, quanto ao empresário rural e ao pequeno empresário, dispõe que a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado quanto à inscrição e aos efeitos que daí decorrem. E em seu art.971, estabelece que o empresário cuja atividade rural constitua sua principal profissão pode, observadas as formalidades exigidas pelo art. 968, requerer sua inscrição no Registro Público 19 Ibidem. A teoria jurídica da empresa. cit. p.154. 20 Nota-se que Bulgarelli. A teoria jurídica da empresa. cit. p. 140, não inclui em sua empresarialidade o quarto perfil identificado por Asquini, ou seja, o perfil corporativo. Sobre o assunto referido autor explica que a noção jurídica de empresa passou a ser identificada pela ótica das categorias jurídicas fundamentais, o sujeito, o objeto e os atos ou fatos, na primeira compreendida o empresário, na segunda o estabelecimento e nestes últimos, a atividade, deixando a organização dos colaboradores das empresas para o âmbito das relações trabalhistas, onde à falta de uma categoria jurídica própria (porque e quando rejeitada a perspectiva contratual), recorreu-se à instituição, embora sem maior relevo técnico - jurídico. 33 de Empresas Mercantis, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro. A princípio, os exercentes de atividades rurais estão dispensados dessa inscrição, mas não restaram excluídos do conceito de empresário, podendo, por meio de ato unilateral de vontade, ficar sujeitos ao regime geral imposto aos demais. Com isso, nota-se que, embora a Lei n.º 10.406/2002 tenha sido influenciada pelo sistema italiano, ganhou contornos próprios na realidade jurídica brasileira. 4 A supremacia do aspecto funcional na conceituação jurídica de empresa Frise - se que a palavra empresa é utilizada no plano jurídico com um variado número de significados, porém, há que se observar que as diversas posições tomadas frente ao tema convergem sempre num mesmo sentido: partem da idéia do fenômeno como unidade organizacional. Há que se ressaltar, porém, que a captação de seu significado jurídico encontra-se ligada à idéia de organização ajustada a uma atividade. O relevo dado ao aspecto funcional da empresa como critério qualificador daqueles que devem ficar sujeitos ao regime jurídico específico do empresário, levou à busca da conceituação e qualificação da atividade. Dentre os autores italianos que mais detidamente dedicaram-se ao assunto encontram-se Ascarelli e Pannuccio21, que efetuaram estudos sobre a atividade em seus aspectos gerais, procurando distinguí-la da noção de ato. Partindo da separação conceitual entre a atividade e os atos que a integram, Ascarelli posiciona-se frente ao tema concluindo que ambos não se confundem tendo em vista os princípios norteadores que os cercam, ou seja, a efetividade e o resultado. Assim, a atividade não significa ato, mas o exercício efetivo de uma série 21 ASCARELLI, Tulio, PANNUCCIO, Vicenzo Apud BULGARELLI, Waldírio. A teoria jurídica da empresa. cit. 182. 34 de atos coordenados entre si em função de um fim determinado, que no caso da empresa, refere-se ao objetivo econômico da produção ou distribuição de bens e serviços para o mercado. Há que se observar, contudo, que para a qualificação da atividade como empresarial é necessário acrescentar determinados elementos à sua noção inicial que são: a organicidade, a profissionalidade e a economicidade. Pode-se dizer, portanto, que a atividade empresarial é aquela exercida de forma organizada e profissional para o fim de produção ou distribuição de bens e serviços para o mercado. De fato, pode-se desenvolver determinada atividade econômica sem caráter empresarial, sendo a primeira o gênero da qual derivam as diferentes espécies, dentre as quais se insere a segunda. Nota-se que a atividade empresarial é caracterizada por uma tríplice qualificação que compreende: a) Organicidade: complexo de bens ou de pessoas ou ainda de ambos organizados pelo empresário, ou seja, é a organização dos fatores de produção; b) Profissionalidade: habitualidade, estabilidade, continuidade, é a atividade exercida de maneira sistemática; c) Economicidade: requer a criação de riquezas para o mercado e, portanto, de bens e serviços economicamente avaliáveis. É necessário, portanto, que todos esses elementos estejam presentes no exercício da atividade para qualificá-la como empresarial. A empresa, em seu aspecto funcional, reúne esses três fatores: economicidade, profissionalidade e organicidade, em uma unidade indecomponível. Faltando um desses elementos descaracterizada estará a atividade como empresarial, não havendo que se falar em empresa. 35 Conclusões O direito privado brasileiro encontra-se numa fase de transição entre a teoria dos atos de comércio e a teoria jurídica da empresa, ou seja, está experimentando uma ampla reformulação e atualização na disciplina privada da atividade econômica, concretizada com a entrada em vigor do novo Código Civil, que estabelece um regime jurídico próprio para a empresa, sob o perfil do empresário, da atividade e do estabelecimento. Dessa forma, tem o mérito de transpor para o plano jurídico a realidade sócio – econômica da empresa que há tempos se faz presente no ordenamento jurídico nacional. De acordo com o art. 966 do Novo Código Civil o empresário, pessoa física ou jurídica, é aquele que exerce atividade econômica organizada, não importando a natureza dessa atividade. Em seu parágrafo único, entretanto, exclui do conceito de empresário as profissões intelectuais, abrindo uma exceção: “salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. É certo, contudo, que o novo código não define o que é empresa. Verificou-se ao longo desta exposição que a passagem do fenômeno sócioeconômico da empresa para o plano jurídico, ensejou uma série de discussões acerca de sua definição jurídica, que culminou na preponderância do aspecto funcional sobre os demais, ou seja, a empresa como atividade empresarial. A noção de atividade empresarial surge, portanto, como elemento qualificador básico do empresário e do estabelecimento. Ocorre que para a qualificação da atividade como empresarial é indispensável a inclusão de outros elementos essenciais como: a organicidade, a profissionalidade e a economicidade. O primeiro expressa a organização dos fatores de produção (bens, pessoas e tecnologia); o segundo refere-se à pratica habitual e sistemática de uma atividade e o terceiro à produção e circulação de bens e serviços para o mercado. Presentes esses três elementos, o fenômeno da empresa é reconhecido juridicamente. 36 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALMEIDA, Betyna Ribeiro de. Aspectos da teoria jurídica da empresa. In RDM, Ano XXXIX, n.º 119, nova série. São Paulo: Malheiros Editores, jul.- set. 2000. ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Teoria geral do direito comercial: introdução à teoria da empresa. São Paulo: Saraiva, 1998. ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Tradução de Fábio Konder Comparato. In RDM, Ano XXXV, n.º 104, nova série. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, out. – dez. 1996. BULGARELLI, Waldírio. A teoria jurídica da empresa: análise jurídica da empresarialidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985. ______________. 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