Uma história… de vida - Revista Equitação Online
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Uma história… de vida - Revista Equitação Online
ENTREVISTA LIVRO "O MENINO E O CAVALO" Uma história… de vida Rupert Isaacson é jornalista e estava habituado a contar história, dificilmente lhe passaria pela cabeça, que a sua família fosse a protagonista de uma. Aos três anos, foi diagnosticado Autismo a Rowan, filho deste britânico e de Kristin, professora catedrática de Psicologia. "O Menino e o Cavalo" (ou "The Horse Boy", na versão original) é o relato da viagem desta família até às distantes estepes da Mongólia, pelo amor do filho e na esperança de um milagre, onde os cavalos foram personagens principais. á uns anos atrás, Rowan não falava, não reagia, refugiava-se no seu mundo, resistindo a terapias e escolas especiais, até que um dia, literalmente se atirou para debaixo de um cavalo (Betsy), que, ao vê-lo, baixou a cabeça e nada lhe fez. Rowan, pela primeira vez, começou a falar. Desde o regresso desta família da sua aventura à Mongólia, muito mudou. A Portugal, Rupert e Kristin chegaram sozinhos. Rowan, hoje com 7 anos, ficou com a avó em Londres, onde agora estuda. "O facto de podermos realizar uma viagem como esta só os dois é extraordinário. Há 18 meses teria sido impensável!" disse para início de conversa. Amante de cavalos e do Lusitano em particular, Rupert já mais do que uma vez passou pelo nosso país. A EQUITAÇÃO, foi conhecer este pai e um pouco mais da sua história. Moravam no Texas e optaram por viajar até à Mongólia, na busca de uma solução para Rowan. Porquê a opção de uma viagem até tão longe? O Rowan não falava de maneira nenhuma e vi-o ganhar toda uma linguagem por montar. Foi uma resposta radical a um estímulo. O mesmo aconteceu quando esteve em contacto com um grupo de curandeiros que foi às Nações Unidas em 2004, ano em que lhe foi diagnosticado o autismo. Trabalhei em Direitos Humanos em África e estou familiarizado com rituais de xamãs e curandeiros, pois todas as tribos por onde passei, ti- H 78 R EVISTA E QUITAÇÃO N .º 79 J ULHO /A GOSTO nham uma forte tradição nesta área. Acho que a medicina e terapia ocidental são fantásticas, sempre as fizemos e vamos fazer, mas nunca tive nenhum problema em acreditar na eficácia do processo de tratamento xamânico. A dada altura comecei a interrogar-me sobre que local no planeta combinaria estes rituais, com cavalos, e o que aconteceria se levasse o Rowan até lá. Fiz alguma pesquisa e encontrei a Mongólia. Se ele se interessasse por comboios ou bicicletas, por exemplo, teríamos feito algo com isso. Apenas fui onde ele mostrou que poderia funcionar com ele. Num dado momento da viagem, Rowan não queria montar. O que aconteceu? Aconteceu na Mongólia e assustoume muito. Acho que o motivo foi o cansaço. No segundo dia, o cavalo em vez de representar algo que lhe dava prazer, passou a ser sinónimo de uma coisa que ele era obrigado a fazer e onde não queria estar. Acho que foi a sua primeira expressão de autonomia. Como se me dissesse "vai-te lixar pai, eu não quero fazer o que tu queres.". Aí fiquei mesmo apavorado, interrogando-me se teria estragado tudo, se o havia pressionado demasiado. Optei por aceitar o facto de ele não querer montar e prosseguiu na carrinha. Sabia que, para chegar aos xamãs mais poderosos, ele teria que voltar ao cavalo. Entretanto fiz um intervalo de cerca de 10 dias e voltei a insistir. Primeiro continuava a não querer, mas depois, com umas piadas à mistura o humor dele foi modificando e de repente, voltou a gostar de estar em cima do cavalo. A partir desse ponto monta regularmente. Hoje, por exemplo, chega a fazê-lo três vezes ao dia, e sozinho! Aconselha outros pais a realizar esta viagem? Pensa que pode resultar com outras crianças ou não é necessário ir tão longe? Há muitas opções na vida. Os pais nesta situação, todos os dias viajam até à Mongólia dentro das suas salas. O mais difícil, quando se tem uma criança assim, é ir ao supermercado, andar na rua, e a criança ter uma recaída. Temos que saber lidar com os olhares recriminatórios de quem nos vê como maus pais. E isso requer muita coragem. Daí dizer que vão à Mongólia ENTREVISTA todos os dias. Hoje sabe-se que o movimento repetitivo, de montar, abre o centro de recepção de aprendizagem no cérebro e também leva o corpo a produzir uma hormona, a "oxytocin", conhecida como a hormona do "sentir bem", por isso, num ápice passamos a ter uma criança que está num ambiente óptimo para aprender, simplesmente porque está em cima de um cavalo. Terapias que incluam cavalos, estão cada vez mais disponíveis e aconselho os pais a experimentarem. Não funciona com 100% das crianças, mas devem tentar para saber. Nós também tentámos coisas que não funcionaram. O tempo e natureza ajudam muito. E é possível fazer isto num parque da cidade, onde se permite que a criança explore, num sentido sensorial, o ambiente natural que a envolve. Quase existem locais naturais tão fenomenais e se tem os melhores cavalos do mundo, os pais aqui estão em posição vantajosa! Acredita que enquanto o Rowan estiver perto da natureza e dos cavalos, irá manter-se estável? Como diz no livro, é um tratamento não uma cura… Agora ele está estável em quase todos os ambientes. Todas as crianças e adultos, quanto mais tempo estiverem em contacto com a natureza, melhor. Duvido que o meu filho, quando crescer, vá viver numa cidade. Os interesses dele não estão aí, mas sim no campo. No fundo é como eu. Suportamos a cidade, mas gostamos é do campo. Desde que chegaram da Mongólia, voltaram a realizar algum até outras áreas da nossa vida. Subitamente, passamos a ter um motivo para fazer coisas novas. Devido à doença, que bela desculpa para ir a Portugal, montar um Lusitano, ir até à Austrália, nadar com os golfinhos, etc etc. Se o nosso filho não precisasse disso, não o faríamos, nem teríamos tido essa ideia. A Betsy, ainda está convosco? Está no Texas. Continua com o seu dono, nosso vizinho. É muito feliz lá. O Rowan monta todos os dias depois da escola. Neste momento tenho três cavalos de terapia, dois Quarto de Milha e um Árabe. Acabei de aquirir um Lusitano. Tenho um vício com os PSL. Vim a Portugal à Golegã entre outros sítios para montar esta raça em 2000 e há três anos comprei o meu primeiro a um criador britânico, mas que é filho montar. Podem ir tão mais além do que pensamos que é a terapia. Agora, quando estou a ensinar um piaffer a um cavalo, ou passo espanhol, se for um cavalo calmo, permito ao Rowan estar em cima da sela comigo. Temos um arreio tipo western, com espaço para os dois. Começo a ensinar e o cavalo vai devagar, melhora e está feliz, com o Rowan em cima. O Rowan e os animais têm uma ligação. Vê-se na expressão deles. Gostaria de fazer demonstrações em que possa mostrar o que estes cavalos e estas crianças conseguem fazer juntos. Também tenho um desafio a colocar à comunidade equestre portuguesa: tragam os vossos melhores e mais calmos cavalos, e tornem-nos disponíveis a crianças todas as crianças com esta forma de autismo, PDD-NOS (Pervasive Developmental Disorder) - que é uma forma científica de dizer "não sabemos o que é, mas é parecido com o autismo" - têm um sistema nervoso inflamado, e uma amígdala cerebral maior do que o habitual. Quando o sistema recebe muita informação ao mesmo tempo, e isso atinge a amígdala, desencadeiam-se as crises. O Homem criou ambientes com muito barulho, muitas luzes, que hoje em dia se sabe, accionarem esta parte do cérebro e a obtenção deste tipo de respostas. Por isso vemos com frequência os ataques no supermercado, por exemplo. Se os levarmos para a natureza e se de alguma forma combinarmos natureza e cavalos, passamos de imediato a ter a criança relaxada começando aos poucos a ligar-se ao mundo exterior, de uma forma mais "normal". Não é assim tão estranho, porque estamos geneticamente programados desta forma. Num país como Portugal, em que tipo de rituais? Fazemos uma vez por ano e faria mais até, se pudesse. No ano passado levei-o a curandeiros na Namíbia. Este ano, iremos até à Austrália, para promover o livro e aproveitamos para visitar uma comunidade aborígene, na floresta tropical do norte, em Queensland, onde nos disseram para levar o Rowan. Neste caso, o objectivo será o de tentar trabalhar com golfinhos. As pessoas têm conseguido óptimos resultados com estes animais também. O Rowan só teve contacto com golfinhos uma vez no Sea World, em St. António, Texas, e adorou. O lado bom é este. Podemos olhar para a doença e pensar que é o fim do mundo - como nós fizemos ao início e que é natural ou podemos ver como uma coisa boa, uma experiência incrível e uma aventura. Essa decisão é nossa. A ideia de aventura, não é a Mongólia para toda a gente, claro. Mas dá-nos uma desculpa para quebrar as regras, sair da caixa! Mal se começam a quebrar as barreiras na nossa mente, isso leva-nos de um cavalo que veio de Portugal e ganhou em Cascais no ano passado, o Uivador da Broa. Porque o Rupert decidiu iniciarse na Dressage, certo? Sim e tem a ver com os sonhos de que lhe falava anteriormente e que deviam ser para todos. Quando regressei ao Texas, interroguei-me qual era o meu. Sempre quis praticar Dressage mas pensava que talvez não fosse suficientemente bom ou seria muito difícil. Mas se aprendi algo, foi a fazer o que sonhamos e então comecei. Os portugueses têm os melhores cavalos para Dressage. O Lusitano é muito versátil. É dos cavalos que mais prazer me dá montar. Pretende vir a competir nesta disciplina? Não sei ainda. Em jovem cheguei a entrar em competições de Saltos de Obstáculos e Completo. Para ser sincero, não gosto de competir. Acho muito stressante, até mesmo quando tudo corre bem. Muitas destas crianças autistas sabem mesmo com estes problemas. Podemos trazer as crianças até às vossas propriedades para montar, acampar na natureza, e poder usufruir do contacto com os vossos cavalos e até com os touros. Ajudem-nos e poderão até descobrir que também vos ajuda a vocês. Particularmente num país como este, existem recursos óptimos, com pessoas que entendem verdadeiramente os cavalos. O futuro passa por deixar o jornalismo, dedicar-se mais à Fundação (The Horse Boy Foundation) e ao projecto de hipoterapia para crianças, New Trails? Continuo a ser jornalista, fazer filmes, defender os direitos humanos. Gosto de cavalos e tenho outras pessoas a trabalhar comigo. Tenho amigos que competem e vão lá, trabalham uns dias com as crianças, e quando vão embora saem também felizes. É algo que funciona nos dois sentidos. Ana Filipe ■ R EVISTA E QUITAÇÃO N .º 79 J ULHO /A GOSTO 79