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ITER CRIMINIS
C A P Í T U L O
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ITER CRIMINIS
\\ LEIA A LEI:
ͳͳ arts. 14, 15, 16 e 17 do Código Penal.
ͳͳ art. 4° do Dec.-Lei 3.688/41
1. NOÇÕES PRELIMINARES
Alguns institutos complementam o fato típico e são capazes, inclusive, de afastar a tipicidade da conduta. São eles: a tentativa, a desistência voluntária, o arrependimento eficaz, o arrependimento posterior e,
por fim, o crime impossível.
Para compreendê-los, é preciso estudar antes o iter criminis ou
percurso do crime.
2. FASES DO CRIME
A)Cogitação: a cogitação é a fase interna, momento em que o sujeito ainda está planejando o crime. Alguns autores dividem a
cogitação em três etapas: idealização, deliberação e resolução.
Em nenhuma hipótese a mera cogitação poderá ser punida,
pois isto seria ferir o Princípio da Lesividade, já estudado em
capítulo próprio.
B)Preparação: os atos de preparação são o momento em que o
agente identifica e obtém as ferramentas necessárias à prática
do delito. Por si só, os atos preparatórios jamais poderão ser
criminalizados, salvo expressa previsão legal, como ocorre com
os delitos de Associação Criminosa (art. 288, CP) e de Petrechos
para Falsificação de Moeda (art. 291, CP). Em ambos os casos,
o simples fato de associar-se para o cometimento de crimes ou
de possuir instrumentos para a falsificação de moeda é punido,
ainda que os delitos preparados não cheguem a ser praticados.
C)Execução: nos atos executórios, efetivamente se inicia a prática
do delito, ou seja, a prática da conduta descrita no tipo penal.
D)Consumação: o crime consumado é aquele que reúne todos os
elementos da definição típica (art. 14, I, CP).
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E)Exaurimento: há situações nas quais determinada conduta representa não mais a execução da conduta prevista no tipo penal, mas seu exaurimento, que é o excesso de conduta. O exaurimento se localiza após a consumação do delito, como ocorre
com a entrega da vantagem indevida no crime de extorsão mediante sequestro, por exemplo.
\\ ATENÇÃO
Parte da doutrina entende que o exaurimento não integra o iter criminis.
2.1 ATOS PREPARATÓRIOS X ATOS EXECUTÓRIOS
Um dos temas mais tormentosos do Direito Penal é a identificação
dos atos preparatórios e executórios. Há casos em que restam claros
os referidos atos, mas há situações nas quais o liame é deveras tênue.
Neste sentido, algumas teorias buscam esclarecer a matéria e, sem que
haja unanimidade na doutrina.
Teoria Subjetiva
Teoria Objetivo-formal
A execução se inicia quando o sujeito já exteriorizou a vontade de cometer a conduta. É subjetiva porque
analisa, tão somente, o agente da
conduta delituosa, satisfazendo-se
com a exteriorização do seu animus.
O começo da execução se dá com o
início da realização do núcleo do
tipo, ou seja, o verbo penal (ex: no
crime de furto, o início da conduta
de "subtrair").
Para o início da execução não basta
começar a realizar núcleo do tipo,
sendo necessário ir além, de modo a
provocar a exposição do bem jurídico a perigo de lesão.
A execução começa quando o bem
jurídico for efetivamente agredido.
Teoria Objetivo-material
Teoria da Hostilidade ao Bem
Jurídico
Embora a teoria da hostilidade ao bem jurídico seja muito bem
quista no Brasil, para Rogério Greco, nenhuma dessas teorias é capaz
de estabelecer com precisão o que são atos preparatórios e executórios,
devendo, portanto, ser analisado cada caso concreto. O que é unânime,
todavia, é que, restando dúvida, o caso será decidido em favor do réu.
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3. TENTATIVA
Ocorre a tentativa ou conatus quando o delito não se consuma por
circunstâncias alheias à vontade do agente. Prevista no art. 14, II, CP,
a tentativa é verdadeira norma de extensão, conduzindo à adequação
típica mediata.
Confrontando a tentativa com as fases do crime, percebe-se que ela
inicia a fase da execução (fase C, acima), porém não alcança a consumação (fase D), sempre por circunstâncias que fogem à vontade do sujeito.
3.1 Teorias acerca da punibilidade da tentativa
A) Teoria Subjetiva
Preocupada tão somente com a intenção do agente, a teoria subjetiva defende que o sujeito do crime tentado deve ser punido na mesma
proporção do crime consumado.
B) Teoria objetiva
Acolhida pelo Código Penal, ensina que a caracterização da tentativa deve compreender uma causa de diminuição de pena. Nesta perspectiva, o art. 14, p. único, CP, prevê a redução de 1/3 a 2/3 da pena.
\\ ATENÇÃO
O Código Penal admite exceções em que a modalidade tentada será punida como consumada, a exemplo do crime inserto no art. 352, CP (fuga violenta de preso). Por este
motivo, é possível falar-se em Teoria Objetiva moderada.
3.2 Aplicação da diminuição de pena
A tentativa será punida com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de 1/3 a 2/3.
O quantum da diminuição será inversamente proporcional à proximidade da consumação. Assim, quanto mais próximo da consumação
do crime, menor a diminuição em razão da tentativa.
3.3 Infrações penais que não admitem tentativa
Não admitem tentativa:
• contravenções penais, por expressa previsão do art. 4° do Dec.-Lei 3.688/41 - Lei de Contravenções Penais;
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• crimes habituais, porque esta espécie de infração pressupõe a
reiteração de condutas, sendo um indiferente penal o ato isolado. Assim, não há como tentar praticar uma conduta habitual ou ela é habitual ou não é.
\\ ATENÇÃO
Crime habitual e crime permanente não se confundem. O crime permanente é aquele
em que a conduta se prolonga no tempo, enquanto o crime habitual se configura com a
reiteração da conduta. O crime permanente admite tentativa.
• crimes unissubsistentes, cuja conduta é constituída de apenas
um ato, inviabilizando o fracionamento (ex: crime contra honra
praticado verbalmente, como a calúnia). Por outro lado, admite-se tentativa nos crimes plurissubsistentes, aqueles cuja conduta
se desdobra em vários atos - sendo a conduta dividida, pode-se
estabelecer uma divisão entre atos preparatórios, executórios e
exaurimento;
• crimes omissivos próprios, cuja definição típica já pressupõe
a omissão, a exemplo do crime de omissão de socorro (art. 135,
CP). Por serem crimes unissubsistentes caracterizados por um
não fazer, não pode haver tentativa. A tentativa de um não fazer
seria um fazer, desnaturando a omissão.
\\ ATENÇÃO
Os crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão admitem a tentativa.
• crimes culposos, já que nestes delitos o gente não quer o resultado, tampouco assume o risco de praticá-lo. Como a tentativa representa a não consumação do delito por circunstâncias
alheias à "vontade" do agente, existe uma incompatibilidade entre os dois institutos (tentativa e culpa).
\\ ATENÇÃO
Excepcionalmente, admite-se tentativa na culpa imprópria, também chamada de culpa
por extensão ou por assimilação, caracterizada quando há uma conduta dolosa na qual
houve um erro de tipo. Exemplo: em um local de caça, "A" atira pensando ser um animal,
mas, em verdade, era uma pessoa, que foi atingida, mas não morreu (tentativa, portanto). Neste caso, o agente tinha o dolo de matar o animal que ele pensava estar vendo.
Tendo em vista o erro de tipo, excluído está o dolo, permitindo-se a caracterização do
homicídio culposo (na modalidade tentada);
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• Crimes praticados com dolo eventual, segundo parte da doutrina, não admitem tentativa. Entende-se que no dolo eventual o
que se faz presente é uma indiferença para com o resultado e não
propriamente a vontade de obtê-lo. Ausente a vontade, inviável
admitir a tentativa.
\\ POSIÇÃO DO STJ
Em que pese o entendimento doutrinário, o STJ manifesta entendimento pela admissibilidade da tentativa de crimes dolosos eventuais. "Admissível a forma tentada do crime
cometido com dolo eventual, ja que plenamente equiparado ao dolo direto; inegável que
arriscar-se conscientemente a produzir um evento equivale tanto quanto querê-lo" (Quinta Turma, RHC 6.797, de 16/02/1998 - ver também REsp 1199947).
• crime preterdolosos, assim considerados aqueles em que há
dolo na conduta e culpa no resultado. Se o resultado é alcançado
de forma culposa, é óbvio que não houve a vontade de alcançá-lo;
se não há vontade, não há que se falar em tentativa.
3.4 Classificação da tentativa
A tentativa poderá ser classificada como:
• branca ou incruenta, caracterizada quando a vítima sequer é
atingida;
• vermelha ou cruenta, quando a vítima é atingida, mas o resultado pretendido não ocorre;
• perfeita ou crime falho, quando o agente exauriu tudo o que
estava ao seu alcance para a consumação do crime, mas ainda assim não alcançou o resultado (ex: todos os seis projéteis constantes do cartucho foram disparados, porém a vítima não morreu);
• imperfeita, quando o agente não consegue exaurir todos os atos
que estavam ao seu alcance (ex: no terceiro disparo a arma trava, de
modo que o agente não consegue efetuar os outros três disparos).
\\ ATENÇÃO
Chama-se tentativa inidônea o instituto do crime impossível, estudado adiante.
4. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA
Ocorre a desistência voluntária quando o agente desiste voluntariamente de prosseguir executando o crime (art. 15, 1ª parte, CP). Trata-se
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da hipótese em que o agente abandona de forma voluntária o seu dolo
inicial estando ainda na fase de execução do delito.
A desistência voluntária não pode ser confundida com a tentativa.
Para distinguir os institutos, aplica-se a "fórmula de Frank":
Tentativa
Desistência voluntária
Quero prosseguir, mas não posso.
Posso prosseguir, mas não quero.
É requisito essencial da desistência a voluntariedade, que não se
confunde com espontaneidade. A intenção de desistir pode partir do
próprio agente ou de um conselho a ele dirigido e será voluntária; caso
fosse exigida espontaneidade, apenas a vontade nascida do agente, sem
interferência, seria admitida. Em síntese, aquilo que é espontâneo é, necessariamente, voluntário, mas o inverso não é verdadeiro.
VOLUNTARIEDADE
Espontaneidade
\\ ATENÇÃO
Não se admite a desistência voluntária em caso de coação do agente, ou quando sua
decisão é de algum modo viciada.
4.1 CONSEQUÊNCIAS DA DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA
O agente que desiste voluntariamente de prosseguir na execução será punido pelos atos até então praticados. Ao contrário da tentativa, em que o sujeito responde pelo crime consumado com a pena
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diminuída, na desistência voluntária a punição se dará de acordo com
os atos já realizados pelo agente.
Exemplo:"A" deseja matar "B" e utiliza uma arma de fogo para tanto.
Após o primeiro disparo, a vítima cai ao chão. Veja as possibilidades e
consequências.
Tentativa
Desistência
voluntária
“A” tenta realizar o disparo
fatal, mas é impedido pelo
policial, que o atinge e o imobiliza.
"A" se aproxima da vítima,
mas desiste de dar o disparo
fatal.
“A” responderá pelo crime de homicídio, sendo a
pena diminuída de 1/3 a
2/3.
“A” responderá apenas
pela lesão anterior causada em "B"
A desistência se verifica apenas quando o agente tem o controle sobre a situação. Quando circunstâncias alheias o impedem de continuar
a execução, não se reconhece este instituto, mas sim a tentativa.
Exemplo1: "A" deseja estuprar "B", mas não consegue obter ereção
naquele momento e "desiste" de praticar o constrangimento com fins
libidinosos.
Exemplo2: "Z" pretende furtar bens de um imóvel, porém, após ingressar na residência, o alarme soa, "desistindo" "Z" de prosseguir no
seu intento.
Ambos os exemplos tratam de circunstâncias alheias à vontade,
configurando-se, portanto, tentativa de estupro (art. 213, CP) e tentativa de furto (art. 155, CP).
4.2 NATUREZA JURÍDICA DA DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA
Para a doutrina majoritária, a natureza jurídica da desistência voluntária é de causa de atipicidade da conduta, uma vez que a conduta
praticada é desnaturada e transformada em outro crime. O dolo inicial
do agente é abandonado e, em razão disto, sua punição se dá à luz de outro tipo penal. Dito de outra forma, se o agente quer matar seu desafeto
e não consegue por circunstâncias alheias à sua vontade, será punido
por tentativa; se quer matar seu desafeto, atinge-o com dois projéteis e
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interrompe a fase de execução de maneira voluntária, o homicídio será
desnaturado e transformado, punindo-se o agente apenas pelos atos já
praticados, conforme o caso concreto.
\\ ATENÇÃO
Ainda que o agente desista de prosseguir na execução, caso os atos já praticados tenham
causado o resultado inicialmente pretendido, a punição se dará conforme seu dolo inicial.
5. ARREPENDIMENTO EFICAZ
O arrependimento eficaz ocorre quando, após exaurir a fase de execução do crime, o agente atua de maneira voluntária para impedir a
consumação do delito e efetivamente consegue que ele não se consume
(art. 15, 2ª parte, CP).
Exemplo: "A" deseja matar "B" por atropelamento. Ao descer do
carro e ver "B" ainda vivo, resolve prestar-lhe socorro, conduzindo ao
hospital mais próximo. "B" sobrevive, ficando com incapacidade permanente em um dos braços. Trata-se de hipótese de arrependimento
eficaz.
\\ ATENÇÃO
O arrependimento deve ser eficaz. No exemplo acima, apesar do esforço de "A", caso
houvesse o óbito de"B", não seria reconhecido o arrependimento, devendo o agente responder por homicídio consumado.
O arrependimento eficaz depende, tal qual a desistência voluntária,
do requisito da voluntariedade. Dessa maneira, beneficia-se do instituto o agente que se arrepende por um conselho de terceiro ou que, por
si só, entende devido salvar a vítima da sua conduta. Por outro lado, em
caso de coação ou vício da vontade, não será válido o arrependimento.
5.1 CONSEQUÊNCIA E NATUREZA JURÍDICA DO ARREPENDIMENTO
EFICAZ
Aquele que se arrepende de maneira eficaz responderá pelos atos
já praticados. Assim, conclui-se que a natureza jurídica do arrependimento eficaz é a mesma da desistência voluntária, ou seja, é causa de
atipicidade da conduta.
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No exemplo anterior, "A" responderá por lesão corporal de natureza
grave, já que se arrependeu de seu dolo inicial (homicídio) e conseguiu
prestar socorro eficaz à vítima.
6. ARREPENDIMENTO POSTERIOR
Arrependimento posterior é o ato voluntário do agente que, após a
consumação do delito praticado sem violência ou grave ameaça, repara
o dano ou restitui a coisa até o recebimento da denúncia ou queixa (art.
16, CP).
Exemplo: "X "furta a bolsa de sua amiga "Y", mas, no dia seguinte,
arrepende-se do seu ato e resolve devolver o bem. O crime de furto está
consumado, porém "X" poderá se beneficiar do arrependimento posterior.
São requisitos do arrependimento posterior:
• Ato voluntário do agente (recorde-se que o ato voluntário abrange o ato espontâneo).
• Crime praticado sem violência ou grave ameaça (ex: furto, apropriação indébita, receptação etc).
• Reparação do dano ou restituição da coisa
Prevalece na doutrina e jurisprudência a exigência da reparação integral do dano causado.
\\ POSIÇÃO DO STJ
Nesse sentido é o entendimento do STJ: "O entendimento desta Corte é no sentido de
que a minorante do ressarcimento posterior do dano, prevista no art. 16 do Código Penal, deve observar a voluntariedade do Acusado e o integral ressarcimento do prejuízo”
(Quinta Turma, HC 156424, de 03/10/2011).
\\ POSIÇÃO DO STF
Em sentido contrário, o STF admitiu a reparação parcial: "A norma do artigo 16 do Código Penal direciona à gradação da diminuição da pena de um a dois terços presente a
extensão do ato reparador do agente" (Primeira Turma, HC 98658, de 15/02/2011).
• Reparação feita até o recebimento da denúncia ou queixa
Não se deve confundir o oferecimento da inicial acusatório com o seu
recebimento. Até o recebimento, o agente pode reparar o dano ou restituir a coisa. Após o recebimento e até a sentença, a conduta reparadora
configurará circunstância atenuante prevista no art. 65, III, "b", CP.
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6.1 CONSEQUÊNCIA E NATUREZA JURÍDICA DO ARREPENDIMENTO
POSTERIOR
O arrependimento posterior conduz à redução da pena de 1/3 a
2/3. Logo, possui natureza jurídica de causa de diminuição de pena, tal
qual a tentativa.
Discute-se se esta causa de diminuição de pena é objetiva, estendendo-se do agente que efetua a reparação para o corréu que não a efetuou; ou subjetiva, beneficiando apenas o agente que voluntariamente
repara o dano ou restitui a coisa. Prevalece na jurisprudência o primeiro entendimento.
\\ POSIÇÃO DO STJ
Com efeito, indicando a natureza objetiva, entende o STJ que “Apesar de a lei se referir
a ato voluntário do agente, a reparação do dano, prevista no art. 16 do Código Penal,
é circunstância objetiva, devendo comunicar-se aos demais réus" (Quinta Turma, REsp
264283, de 19/03/2001)
6.2 MODALIDADES ESPECÍFICAS DE ARREPENDIMENTO POSTERIOR
O arrependimento posterior é instituto que beneficia o réu, tendo
em vista a diminuição da pena de 1/3 a 2/3. Entretanto, há casos em
que a lei trouxe previsão ainda mais favorável ao agente, devendo ser
aplicada a norma específica, afastando-se o art. 16 do Código Penal.
• No caso do crime de peculato culposo (art. 312, §2º, CP), a reparação do dano ou restituição da coisa até a sentença definitiva
é causa de extinção da punibilidade do agente. Após a sentença definitiva, a pena será diminuída de 1/2.
• No estelionato cometido mediante emissão de cheque sem fundos, o pagamento do valor correspondente até o recebimento da
denúncia ou queixa é também causa de extinção da punibilidade
(súmula 554 do STF).
• Nos crimes contra a ordem tributária, o pagamento do tributo
sonegado é causa de extinção da punibilidade (art. 9º, §2º, Lei
10.684/2003; art. 69, Lei 11.941/2009).
7. CRIME IMPOSSÍVEL
Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio
ou absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o
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crime (art. 17, CP). Também chamado de tentativa inidônea, o crime
impossível se configura quando, apesar da intenção do agente, o meio
por ele escolhido (instrumentos/modo de execução) ou o objeto atingido (coisa sobre a qual recai o delito) tornam inviável a sua consumação.
Exemplo1: “A” pretende matar “B” com uma arma de brinquedo,
meio absolutamente ineficaz para tanto.
Exemplo2: "X" pretender furtar coisa alheia móvel de "Y", mas
"Y"não traz nos seus bolsos qualquer pertence.
7.1 TEORIAS ACERCA DA PUNIÇÃO DO CRIME IMPOSSÍVEL
Acerca da punição do crime impossível, duas teorias se apresentam:
A) Teoria subjetiva: a conduta do agente que optou pelo meio
absolutamente ineficaz ou que atingiu objeto absolutamente
impróprio deve ser punida normalmente, pois a sua conduta
revela vontade reprovável.
B) Teoria objetiva
• Teoria objetiva pura: não se deve punir o agente quando a impropriedade do objeto ou a ineficácia do meio são absolutas ou
relativas.
• Teoria objetiva temperada: acolhida pelo Código Penal, prevê
que a conduta do agente não será punida quando houver a absoluta ineficácia do meio ou absoluta impropriedade do objeto.
Desta forma, sendo relativamente ineficaz, deverá a punição ser
aplicada.
Com base na teoria objetiva temperada, adotada pelo Código Penal,
deve-se identificar se a impropriedade ou a ineficácia são absolutas ou
relativas.
• O meio é absolutamente ineficaz quando de modo algum produz o resultado pretendido.
Exemplo: envenenar alguém se utilizando de doses de açúcar.
\\ POSIÇÃO DO STF
Nos termos da súmula 145 do STF, é ilícito o denominado "flagrante preparado", em razão da absoluta ineficácia do meio. Trata-se das hipóteses em que ocorre a utilização
de um agente provocador com o fito de estimular a pessoa à prática delitiva e, então,
prender-lhe em flagrante delito. “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela
polícia torna impossível a sua consumação” (súmula 145).
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• O meio é relativamente ineficaz quando, no caso concreto, não
foi capaz de produzir o resultado, porém era possível atingi-lo.
Exemplo: "A" aplica dose de veneno para matar "B", mas a dose é
insuficiente para causar-lhe a morte. Caracteriza-se a tentativa.
\\ POSIÇÃO DO STJ
Para a jurisprudência do STJ o sistema eletrônico de monitoramento (câmeras de vídeo
instaladas no estabelecimento) é uma hipótese de meio relativamente ineficaz, havendo
tentativa do crime de furto: "Conforme jurisprudência desta Corte, o fato do agente estar
sendo vigiado por sistema de segurança do estabelecimento comercial não impede, por
inteiro, a consumação do delito patrimonial, afastando-se, portanto, a figura do crime
impossível" (Quinta Turma, REsp 1350754, de 15/02/2013).
• A absoluta impropriedade do objeto se dá quando a pessoa ou
coisa sob a qual recai a conduta criminosa já não mais existe.
Exemplo1: quem está morto não se enquadra no elemento "alguém", previsto na definição do crime de homicídio (art. 121, CP). A
conduta também não se amolda ao crime de vilipêndio ao cadáver porque não houve dolo para tanto. Trata-se de fato atípico.
Exemplo2: "A" toma a bolsa nas mãos de"B" pretendendo subtrair
os pertences que estão dentro, mas a bolsa estava completamente vazia. A bolsa vazia torna impossível a consumação do crime de furto.
• Ocorre relativa impropriedade do objeto se a pessoa ou coisa
existe, mas naquele caso em concreto o agente não consegue
alcançá-lo.
Exemplo: "A" caminha de maneira distraída na calçada quando "B",
sorrateiramente, põe a mão no seu bolso esquerdo. "B" não encontra
nada neste bolso, porém sabe-se que a carteira de "A" estava no bolso
direito. A impropriedade do objeto é relativa, e a conduta é punida na
forma tentada.
Em síntese:
Crime impossível teoria objetiva temperada
Absoluta
Ineficácia do meio
Impropriedade do objeto
Crime impossível
Crime impossível
Relativa
Tentativa
Tentativa
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TÓPICO SÍNTESE
ITER
CRIMINIS
ITER CRIMINIS
- Cogitação, preparação, execução, consumação e
exaurimento.
- O delito não se consuma por circunstâncias
alheias à vontade do agente
TENTATIVA
DESISTÊNCIA
VOLUNTÁRIA
- A pena será reduzida de 1/3 a 2/3 (causa de diminuição de pena).
- Não admitem tentativa: contravenções penais,
crimes habituais, crimes unissubsistentes, crimes
omissivos próprios, crimes culposos, crimes dolosos eventuais (ver jurisprudência) e crimes preterdolosos.
- O agente desiste voluntariamente de prosseguir
na execução do crime e será responsabilizado pelos ato já praticados.
- Trata-se de causa de atipicidade da conduta.
ARREPENDIMENTO
EFICAZ
- Após exaurir a fase de execução, o agente atua
voluntariamente para impedir que o resultado se
produza, sendo punido pelos atos já praticados.
- Trata-se de causa de atipicidade da conduta.
ARREPENDIMENTO
POSTERIOR
- É o ato voluntário do agente que, após a consumação, restitui a coisa ou repara o dano, desde que
em crime praticado sem violência ou grave ameaça
e até o momento do recebimento da denúncia ou
queixa.
- É causa de redução de pena de 1/3 a 2/3, existindo modalidades especiais mais benéficas.
CRIME IMPOSSÍVEL
- Não se pune a tentativa quando, por ineficácia
absoluta do meio ou impropriedade absoluta do
objeto, é impossível consumar-se o crime.
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