TQ 7 Artigo Marcial - Teologia de Fronteira

Transcrição

TQ 7 Artigo Marcial - Teologia de Fronteira
1
O CAMINHO ECUMÊNICO
Dr. Pe. Marcial Maçaneiro, SCJ
Aos quarenta anos do Concílio Vaticano II, seria pretensão fazer um
balanço exaustivo do caminho ecumênico, consideradas sua complexidade,
amplidão e prospectivas. Para ser mais precisos, tomamos o decreto Unitatis
redintegratio como ponto de partida e nos concentramos nas realizações
ecumênicas mais significativas no cenário católico internacional. Abordamos em
primeiro lugar a “teologia da unidade” que floresceu a partir do Concílio, coroada
pela espiritualidade ecumênica. Esclarecemos a visão eclesiológica que distingue
Igrejas e Comunidades eclesiais. Destacamos a unidade na diversidade, enquanto
realização da comunhão multiforme da Igreja. Apresentamos os resultados mais
significativos do diálogo ecumênico desde Paulo VI aos nossos dias e encerramos
nosso artigo com a recente contribuição de Bento XVI. Para concluir, cinco
considerações finais.
1. TEOLOGIA DA UNIDADE
Desde Unitatis redintegratio em 1964 até nossos dias, o magistério, a
teologia, a pastoral e a reflexão ecumênica têm construído uma luminosa “teologia
da unidade”. Participaram desta construção as Igrejas e Comunidades mais
empenhadas no diálogo, a oração perseverante, os Conselhos e Assembléias
ecumênicos, os teólogos e pastores que prosseguem as perspectivas abertas pelo
movimento ecumênico internacional e pelo Concílio Vaticano II, as instituições
inter-confessionais, as comunidades consagradas à unidade como Taizé,
Chevetogne, Bose, Focolari e outras, sem esquecer a participação do Povo de
Deus nas várias Comunhões cristãs. Em geral, a “teologia da unidade” tem um
compasso ternário: a Trindade (princípio da comunhão), a Igreja (ícone da
Trindade) e a humanidade redimida (chamada em Cristo à unidade salvífica entre
a pessoas e destas com Deus Uno e Trino). Com esse triplo compasso teológico
executamos a sinfonia da unidade – da qual Unitatis redintegratio é como uma
partitura. Comecemos, então, com algumas de suas notas.
A koinonia trinitária:
Já nas primeiras linhas o Decreto Unitatis redintegratio define o
ecumenismo como “movimento da unidade” e diz que “dele participam os que
invocam o Deus Trino e confessam a Jesus como Senhor e Salvador” 1. A
“invocação” da Trindade, aqui citada, remonta ao “patrimônio comum” a todas as
1
Decreto Unitatis redintegratio 1 (a seguir, indicada pela sigla UR).
2
“comunhões” cristãs2. A fé trinitária é eminentemente bíblica, sugerida nas
Escrituras Judaicas e explicitada pelos autores do Novo Testamento. As primeiras
gerações cristãs acolheram a revelação de Deus Trino, aplicando-lhe o olhar da
contemplação e a inteligência da fé. Exemplo disto são a teologia patrística e o
magistéio inicial da Igreja, que desenvolveram brilhantemente a doutrina de Deus
Uno e Trino – Pai, Filho e Espírito – três hipóstases na koinonia de uma só
divindade3.
A fé na Trindade que todos nós cristãos confessamos segundo as
Escrituras, é um dos alicerces da Igreja Una. Na comunhão do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, que juntos (co)operam para a salvação universal, se encontra a
arché (princípio) donde se desenvolve e manifesta o mistério da Igreja: sua
natureza e sacramentalidade, seu significado e realização, se vinculam
fontalmente à koinonia trinitária4. A Igreja é esboçada no desígnio salvífico do Pai,
fundada historicamente pelo Messias Jesus e manifestada universalmente pelo
Espírito Santo em Pentecostes. “Desta maneira aparece a Igreja toda como o
povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”5.
O “depositum fidei” e a “communio” da Igreja indivisa:
A expressão Igreja indivisa engloba o primeiro milênio do cristianismo,
antes do cisma entre Ocidente e Oriente, em 1054 6. Hoje, cheios de esperança,
voltamos o olhar a este primeiro milênio cristão 7. Ali todos nós – católicos,
ortodoxos, reformados, anglicanos e evangélicos – nos situamos num terreno
comum, que foi semeado pela tradição apostólica, fértil de intuições teológicas,
florescente na liturgia e exemplar pela comunhão plural que tal época soube
manter. Pois, nas Igrejas do primeiro milênio, ritos e disciplinas diferentes
conviviam sem romper a unidade sacramental. Celebravam-se sínodos e os
episkopoi exerciam fraterna colegialidade. As sedes episcopais de Jerusalém,
Antioquia, Alexandria e Constantinopla se reconheciam mutuamente, ao lado de
Roma, que as presidia na caridade8. O texto de Unitatis redintegratio nos recorda:
Durante muitos séculos, as Igrejas do Oriente e do Ocidente seguiram por
caminhos próprios, porém unidas pela comunhão fraterna e sacramental. Quando
entre elas surgiam dissenções em questão de fé e disciplina, a Sé romana as
dirimia de comum consenso. 9
2
UR 4 e 12, respectivamente.
Cf. UR 2, final do parágrafo.
4
Cf. especialmente na Constitutição Dogmática Lumen gentium 1-4 (a seguir, indicada pela sigla
LG).
5
LG 4.
6
Cf. UR 14.
7
Procedimento de João Paulo II na Encíclica Ut unum sint 54-55 (a seguir, indicada pela a sigla
UUS).
8
Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Roma e Constantinopla: patriarcados apostólicos da chamada
“pentarquia”. Com o tempo, acrescentaram-se outros.
9
UR 14.
3
3
Obviamente, acolher os valores do primeiro milênio cristão não significa
transplantar, de modo anacrônico, certos esquemas. Mas o depositum fidei que
aquele período preservou (registrado na litrugia, na teologia patrística, nas
proclamações conciliares, na tradição monástica, na arte e na vida espiritual) e a
communio ecclesiarum daqueles séculos (cultivada pela caridade, pela coparticipação nos sacramentos, pelo colégio episcopal e pelo martírio) são um
referencial permanente e inspirador para nossas Igrejas e Comunidades cristãs.
O caminho ecumênico, via de regeneração e unidade:
Nisto se manifestou a caridade de Deus para conosco, a saber: que o Filho
Unigênito de Deus foi enviado ao mundo pelo Pai, a fim de que – feito homem –
remisse todo o gênero humano e assim o regenerasse e unificasse.10
A busca da unidade é nossa resposta à Trindade e constitui uma pedra-detoque para a veracidade do cristianismo ao longo dos tempos: ou a fé cristã se
realiza como proposta de comunhão entre os seres humanos e destes com Deus,
ou deixa de ser autêntica. A própria Igreja se inclui nesta condição de
autenticidade evangélica quando proclama a si mesma “sacramento de união” 11,
destinado a “regenerar e unificar” a todos em Cristo12. Deste modo, o amor
comunional dos batizados já realiza entre eles a unidade (chamada a manifestarse sempre mais plenamente) e brilha no mundo como sinal indicativo da
comunhão de todos na una humanidade reconciliada. Por isso, o movimento
ecumênico não se satisfaz com as resultados já alcançados, mas se amplia
evangelicamente a todas as igrejas e, destas, à humanidade inteira. O
ecumenismo tem alcance universal, não por estratégia ou vontade humana, mas
porque o Evangelho de Jesus é universal, bem como a comunidade messiânica
que ele fundou (cf. Mt 28,19). A proposta de unidade é essencial à identidade
cristã e constitui o horizonte trinitário modelar de cada Igreja e Comunidade
concreta: “Que todos sejam um” (Jo 17,21). Mas, como sugere Unitatis
redintegratio, há situações em que a unidade só será possível se nossas
comunidades passarem por uma processo de regeneração de sua fé, esperança e
caridade.
Concepção teológica da “ecumene”:
Para os gregos, ecumene designava a Terra habitada. Compreensão que o
cristianismo herdou e reelaborou teologicamente. No âmbito da fé, o adjetivo
ecumênico significa mais do que extensão geográfica. Significa co-participação
10
UR 2, remetendo a 1Jo 4,9; Col 1,18-20 e Jo 11,52.
Cf. LG 1 e 48, especialmente.
12
UR 2.
11
4
salvífica. Unidade. Comunhão. Em uma palavra: koinonia13. Pois toda relação
“ecumênica” vincula-se à koinonia trinitária de modo fontal: o ecumenismo se
compreende na ação regeneradora e unificante que a própria Trindade exerce no
mundo (pela mediação da Igreja primeiramente, mas também além da Igreja). Na
comunhão trinitária o ecumenismo tem sua raiz; na união dos cristãos tem sua
realização:
Lembrem-se todos os fiéis de Cristo que tanto melhor promovem e até exercem a
uniãos dos cristãos, quanto mais se esforçarem por levar uma vida mais pura
conforme o Evangelho. Quanto mais unidos estiverem em comunhão estreita com
o Pai, o Verbo e o Espírito, tanto mais íntima e facilmente conseguirão aumentar a
mútua fraternidade.14
O protagonismo do Espírito Santo:
Desde 1948, quando surgia o Conselho Mundial de Igrejas, a Santa Sé
observava a evolução dos fatos, entre reservas e esperanças. Diante deste
quadro histórico, o Concílio dá um passo significativo ao reconhecer o diálogo
ecumênico como evento pneumatológico. Na iniciativa conjunta das confissões
cristãs o texto de Unitatis redintegratio discerne o protagonismo do Espírito Santo.
Primeiramente de forma implícita, ao dizer que o ecumenismo provém da
“compunção de coração” e do sincero “desejo de união”15 – graças “derramadas”
por Deus sobre os cristãos e cristãs. O verbo “derramar” acena à ação do
Paráclito, conforme linguagem bíblica (cf. Rm 5,5) e seu uso pneumatológico em
Unitatis redintegratio 2. Assim como em Pentecostes, “muitos homens, por toda a
parte, sentiram o impulso desta graça”16. Depois explicitamente, quando diz: “E
também, por obra do Espírito Santo, surgiu, entre nossos irmãos separados, um
movimento sempre mais amplo para restaurar a unidade de todos os cristãos.
Este movimento de unidade é chamado movimento ecumênico”17. Ao dizer isto, o
Concílio introduz a Igreja Católica oficialmente neste movimento, encontrando-se
com os “irmãos separados” no mesmo “desejo de restaurar a unidade entre todos
os discípulos de Cristo”18.
O Paráclito é dom pascal que o Crucificado-Ressuscitado nos envia da
parte do Pai. Foi prometido por Jesus e derramado na sua glorificação messiânica.
13
Koinonia é o termo grego correlato ao latim communio. Aproxima-se também da noção de
sobornost da Igreja Ortodoxa Russa. A compreensão de koinonia engloba unidade, interação,
convivialidade, participação e inclusão. Não significa singularismo, monismo ou uniformidade, mas
sim a conciliação de diferenças numa comunhão duradoura e includente, plasmada pelo amor. Neste
sentido o termo é abordado por João Paulo II: UUS 9 e 82-85.
14
UR 7.
15
UR 1.
16
Idem, ibidem.
17
Idem, ibidem.
18
Ainda UR 1.
5
Por este mesmo Espírito, Jesus chamou e congregou na unidade da fé, da
esperança e da caridade, o Povo da nova aliança, que é sua ekklesía (Igreja)19. O
batismo é o sacramento desta unidade: “Com efeito, „todos quantos fostes
batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo (...). Pois todos vós sois um em
Cristo Jesus‟(Gl 3,27-28)”20.
Sacramento cuja eficácia é garantida na e pela economia do Pneuma,
sendo ele o princípio da unidade: “O Espírito Santo, que habita nos crentes, que
enche e governa toda a Igreja, é quem realiza aquela admirável comunhão dos
fiéis e une todos tão intimamente em Cristo, de modo a ser o princípio da unidade
da Igreja”21. Sob sua ação, o povo de Deus cresce no amor e consolida a
“comunhão na unidade (communio in unitate) na profissão de uma única fé, na
comum celebração do culto divino e na fraterna concórdia da família de Deus” 22.
Portanto, a vocação e realização da Igreja de Cristo na unidade acontece na e
pela economia do Espírito Santo, mediante sua atuação: ele vivifica, santifica e
une.
Batismo e eucaristia, sacramentos da unidade:
A participação na graça e na verdade salvadora – que o Espírito Santo
concede a todos os cristãos – é sustentada na fé em Jesus Cristo pela escuta da
Palavra de Deus, pela celebração memorial da Ceia do Senhor, pela oração e pela
vida em comunidade eclesial, florescendo ainda nas virtudes teologais. Tudo isto
importa ecumenicamente e é afirmado em Unitatis redintegratio 23. É quando o
documento trata da importância do batismo, sacramento que nos incorpora a
Cristo e início de nossa participação na graça e na verdade comunicadas pelo
Espírito do Ressuscitado: “Justificados pela fé no batismo, eles são incorporados a
Cristo e, por isso, com razão, honrados com o nome de cristãos e merecidamente
reconhecidos pelos filhos da Igreja católica como irmãos no Senhor”24.
Donde a unidade e igualdade essencial, no plano salvífico-trinitário, entre
nós católicos e os demais cristãos batizados: “O batismo, pois, constitui o vínculo
sacramental da unidade que liga todos os que foram regenerados por ele”25. Por
isso, todos nós batizados vivemos numa “real comunhão, embora imperfeita”.
Ainda que nos falte a plena comunhão que nos permitiria comungar juntos a Ceia
do Senhor, permanece aquela real comunhão garantida sacramentalmente pelo
batismo.
Ecumenismo e catolicidade da Igreja:
19
UR 2.
Idem, ibidem.
21
Idem, ibidem.
22
Idem, ibidem.
23
Cf. UR 3.
24
Idem, ibidem.
25
UR 22.
20
6
A definição de diálogo ecumênico em sentido estrito (diálogo de batizados
em vista da unidade da Igreja de Cristo) inclui na sua compreensão a humanidade
inteira e una, na diversidade das línguas, culturas e nações, diante das quais a
Igreja se apresenta como “sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com
Deus e da unidade de todo o gênero humano”26. Neste sentido, o ecumenismo
promove a “plena catolicidade” da Igreja27, ao contemplar, desde a comunidade
batismal, todas as comunidades humanas. Quanto mais for promovida e
restaurada aquela unidade que Cristo confiou à sua ekklesía, mais plenamente a
Igreja cumprirá sua missão de congregar num só Povo de Deus todos os remidos,
“do justo Abel ao último dos eleitos”28. Igreja una e universal, porque destinada à
una humanidade, como também una é a Trindade da qual provém 29. Disto
podemos concluir que a Igreja é chamada a ser ecumênica, tanto quanto o
ecumenismo é chamado a ser eclesial, porque ambos se encontram no mysterium
unitatis que o Pai decretou, o Filho inaugurou e o Espírito suscita continuamente,
nos coraçãos e nas comunidades30.
2. IGREJAS E COMUNIDADES ECLESIAIS
O magistério católico reserva o título de Igreja às comunidades batismais
que preservaram íntegra a substância eucarística, em virtude do sacramento da
Ordem inserido na sucessão apostólica31. Em muitos aspectos, esta afirmação
polemiza com outras noções de igreja, diferentes da perspectiva católica 32. Em
vista do diálogo responsável, esclarecemos aqui que o magistério católico
distingue Igrejas e Comunidades eclesiais, sem preterir os autênticos valores de
Igreja que as outras Confissões possuem.
A “Igreja de Cristo” é una, santa, católica e apostólica:
Na teologia católica, o título de “Igreja” se refere antes de tudo à “Igreja de
Cristo” (Ecclesia Christi) – una, santa, universal e apostólica – que comporta, além
de sua conseqüente manifestação histórica, os elementos espirituais-sacramentais
que o próprio Senhor lhe concedeu e que nela se renovam pelo sopro do Espírito
Santo. A Igreja de Cristo é a comunidade messiânica da nova aliança. Qual videira
que Deus cultiva, ela foi plantada no tempo com a encarnação do Verbo, floresceu
na sua Páscoa e frutificou admiravelmente a partir de Pentecostes. De um lado, a
ekkesía identifica-se com Cristo porque está sacramentalmente incorporada a ele
pelo batismo e pela eucaristia: ela é seu Corpo. De outro, a ekklesía distingue-se
26
LG 1 e 48.
UR 4.
28
Pensamento de Agostinho, apud LG 3. Sobre o novo e universal Povo de Deus, veja LG 13.
29
Cf. LG 2-4.
30
Idem, ibidem.
31
Cf. UR 15-16 e Declaração Dominus Iesus 17 (adiante, indicada pela sigla DI).
32
Cf. WOLFF, Elias. Caminhos do ecumenismo no Brasil. S. Paulo: Paulus, 2002, p. 233-257.
27
7
do seu Senhor, enquanto comunidade dos remidos, sempre serva e peregrina: ela
é Esposa, a caminho das núpcias escatológicas.
A Igreja de Cristo subsiste integralmente na Igreja Católica:
Posto isto, vem a questão: Onde estaria, hoje, esta Igreja de Cristo? Onde
continuaria a ekklesía una, santa, universal e apostólica que Jesus iniciou com os
Doze, sob a Unção do Paráclito? A resposta do Concílio não se baseia na simples
identificação, mas esclarece que a Igreja Católica “é” a Igreja de Cristo, no sentido
em que a Igreja de Cristo “subsiste na” Igreja Católica (subsistit in)33. A intenção
do Concílio é pontual: quer afirmar que a Igreja de Cristo – una, santa, universal e
apostólica, instituída por Jesus na sua Páscoa e manifestada pelo Espírito Santo
em Pentecostes – perdura integral e historicamente na Igreja Católica, presidida
pela Sé episcopal petrina34.
O magistério usa justamente a expressão subsiste, porque Igreja de Cristo
– ao mesmo tempo em que perdura integralmente na Igreja Católica – é uma
realidade que abraça as demais Igrejas Ortodoxas e Orientais em função da
eucaristia que elas celebram, e alcança inclusive os cristãos reformados e
evangélicos, em função do batismo que eles validamente ministram. Estes
vínculos sacramentais unem os fiéis a Cristo de tal modo, que eles são realmente
congregados na sua Igreja – enquanto comunhão espiritual que une todos os
batizados no único Corpo de Cristo (Igreja em mistério). É uma realidade espiritual
e efetiva, faltando, porém, a visibilidade de uma comunidade eucarística que
congregue todos na mesma Ceia do Senhor. Chegar a esta visibilidade eucarística
– ainda em falta – é o objetivo mais nobre da busca da unidade entre os cristãos.
Enquanto damos passos pacientes nesta direção, já podemos partilhar a
comunhão batismal que nos faz irmãos em Jesus. Por causa do batismo e da
ação do Espírito Santo, todos nós cristãos – católicos, ortodoxos, reformados,
evangélicos e pentecostais – já possuímos uma “real comunhão, embora
imperfeita”35. Urge, pois, termos consciência disso, para darmos um testemunho
fraterno comum.
A Igreja de Cristo mantém uma “presença operante” nas demais Confissões
cristãs:
Por causa da eucaristia (caso dos ortodoxos e orientais) e do batismo (caso
dos demais cristãos que o ministram validamente) – sem esquecer a graça
santificante do Espírito Santo – a Igreja de Cristo mantém uma “presença
33
LG 8 e UR 4.
Cf. SULLIVAN, Francis A. “El significado y la importancia del Vaticano II de decir, a propósito
de la Iglesia de Cristo, no que ella es, sino que ella subsiste en la Iglesia católica romana”. In
LATOURELLE, René (ed.). Vaticano II: balance y perspectivas. Salamanca: Sígueme, 1990, p.
608-616.
35
UUS 96.
34
8
operante” nas demais Igrejas e Comunidades cristãs36. Esta “presença” da Igreja
de Cristo nas outras Confissões cristãs não diminui em nada sua plena
subsistência na Igreja Católica. Ao contrário, afirma a extensão universal da Igreja
(sua “catolicidade”) e mostra o quanto nossas divisões são uma ferida lamentável
no Corpo de Cristo.
Portanto, como nos diz João Paulo II, “para além dos limites da comunidade
católica não existe o vazio eclesial. Pois muitos elementos – e alguns de grande
valor – que estão integrados na Igreja Católica na plenitude de meios salvíficos e
dons de graça que a edificam, encontram-se também nas outras Comunidades
cristãs”37.
Valores eclesiais presentes nas comunidades batismais não-católicas:
Considerando o sacramento do batismo, a ação do Espírito Santo e a
Palavra de Deus vivida e proclamada, a Igreja Católica reconhece “autênticos
valores eclesiais presentes nas outras Igrejas e Comunidades cristãs” 38 – além da
eucaristia validamente celebrada pelas Igrejas Ortodoxas, Orientais e Véterocatólicas. O decreto Unitatis redintegratio chega mesmo a enumerar estes “valores
eclesiais” presentes nas demais Confissões cristãs:
-
o sacramento do batismo
a Palavra de Deus
a vida da graça
as virtudes teologais (fé, esperança, caridade)
os dons interiores do Espírito Santo (carismas)
o rito memorial da Ceia do Senhor
a contemplação do mistério de Cristo na Palavra meditada
a oração
o culto congregacional de louvor e adoração
o zelo pela justiça
a fé operante, testemunhada pela caridade
o martírio 39
Donde a conclusão: em seu conjunto, estes elementos “produzem
realmente a vida da graça” e dão acesso à “comunhão salvífica” com Deus Trino40.
Todos estes elementos são dons do Senhor Jesus para a edificação do seu
Corpo, no Espírito Santo: “elementos com os quais, em seu conjunto, a própria
Igreja é edificada e vivificada”41. É por meio deles qua Igreja de Cristo mantém
36
UUS 11.
UUS 13.
38
COMISIÓN TEOLÓGICA INTERNACIONAL. “Temas selectos de eclesiología”. In
Documentos. Madrid: BAC, 1998, p. 368 – alusão a UR 3 e UUS 13.
39
Cf. UR 1, 3, 4, 21, 22, 23 e 24.
40
UR 23.
41
UR 3.
37
9
uma “presença operante” nas demais Igrejas e Comunidades eclesiais, além da
Igreja Católica42.
Igrejas e Comunidades eclesiais:
Assim, as confissões cristãs nascidas da Reforma – embora distintas na
doutrina – cultivam a vida da graça, fazem memória do Senhor no rito da Ceia e
possuem valores de Igreja, motivo pelo qual são chamadas Comunidades
eclesiais. Enquanto que as comunidades ortodoxas e orientais – em virtude da
sucessão apostólica e da eucaristia que conosco preservam integralmente – são
chamadas Igrejas em sentido pleno e, inclusive, Igrejas irmãs em relação à Igreja
Católica, por sua origem apostólica comum.
3. O PRIMADO ESPIRITUAL
O primado espiritual (ou o primado da oração, em senso estrito) é o tópico
que coroa de modo admirável a “teologia da unidade”. É também a plataforma de
sustentação do diálogo entre as Igrejas e Comunidades cristãs. Pois a oração em
comum corrobora a comunhão espiritual que nos une em Cristo, sustenta o
testemunho e possibilita um diálogo teológico frutuoso. Deste modo, a graça é
acolhida pelas mentes e corações dos que se dedicam ao estudo e discernimento
ecumênico da verdade cristã. Investigar temas doutrinais em conjunto, supõe orar
em conjunto para que o Espírito Paráclito – artífice da unidade – presida os
esforços ecumênicos som sua sabedoria e luz. É um dado de fé irrenunciável por
todos os que servem à causa ecumênica, sobretudo pastores e teólogos.
A oração, porém, não aparece sozinha nas recomendações do magistério
católico. Unitatis redintegratio e Ut unum sint relacinam oração, conversão e
reforma da Igreja como fios que tecem a unidade cristã43. Por sua vez, Lumen
gentium 4 e 8 coloca a conversão e a renovação da Igreja sob a ação carismática
do Espírito Santo. Deste modo, podemos dizer que a oração caminha lado a lado
com a conversão interior, ambas promovendo a renovação ou reforma da Igreja.
Esta reforma não é vista como um fato luterano ou calvinista, circunscrito ao
século XVI e XVII, mas sim como evento pneumatológico e dimensão permanente
da vida da Igreja, que é ecclesia semper reformanda 44.
Por isso, a oração perseverante e a conversão interior constituem o cerne
espiritual do ecumenismo. João Paulo II diz:
No magistério conciliar há um nexo claro entre renovação, conversão e reforma: “a
Igreja peregrina é chamada por Cristo a essa reforma perene. Como instituição
humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma. Assim, se em
42
Como afirma UUS 11.
Cf. UR 6-8 e UUS 15-17.
44
Cf. UR 6 e Constituição pastoral Gaudium et spes 43, final.
43
10
vista das circunstâncias das coisas e dos tempos houve deficiências, tudo seja
reto e devidamente restaurado no momento oportuno”(UR 6). Nenhuma
Comunidade cristã pode furtar-se a este apelo.45
Depois:
Esta conversão do coração e esta santidade de vida, juntamente com as orações
particulares e públicas pela unidade dos cristãos, devem ser consideradas a alma
de todo o movimento ecumênico e com razão podem ser chamadas de
“ecumenismo espiritual” (UR 8).46
Pois “quando os cristãos rezam juntos, a meta da unidade fica mais
próxima. A longa história dos cristãos, marcada por múltiplas fragmentações,
parece recompor-se tendendo para a Fonte da sua unidade que é Jesus Cristo.
Ele „é sempre o mesmo, ontem, hoje e por toda a eternidade‟ (Hb13,8). Na
comunhão de oração, Cristo está realmente presente. Ele ora em nós, conosco e
por nós. É ele que guia a nossa oração no Espírito Consolador, que prometeu e
deu à sua Igreja no cenáculo de Jerusalém, quando a constituiu na sua unidade
original”47.
Em seus recentes discursos, também Bento XVI insiste na oração e na
conversão como pressupostos a todo o caminho ecumênico. Chega mesmo a
recordar o carisma e o empenho de Paul Couturioer e Roger Schutz – a quem o
papa chama de “pais espirituais” do ecumenismo48.
Em 1934 Paul Couturier lançava a Semana de Oração pela Unidade dos
Cristãos, que pretendia unir os fiéis numa grande intercessão, vista por ele como
um “mosteiro invisível” que abraçava toda a ecumene. Roger Schutz, fundador da
comunidade ecumênica de Taizé e morto em 2005, deixou-nos um testemunho
sólido de vocação e oração ecumênicas. Ao lado destes acrescentamos Ignace
Spencer, Paul Wattson, Pierre Michalon, Maurice Villain, Max Thurian, Geneviève
Micheli, Joseph Mercier, Agostino Bea, João XXIII, Paulo VI, Atenágoras, Lambert
Beauduin, Basilea Schlink, Chiara Lubich, Giulio Penitenti, Enzo Bianchi e outros
mestres espirituais do ecumenismo. De seu carisma nasceram comunidades
ecumênicas como:
45
Irmãos de Taizé (Roger Schutz e Max Thurian)
Mosteiro bizantino-católico de Chevetogne (Lambert Beauduin)
Irmãs de Grandchamp (Geneviève Micheli)
Comunidade monástica de Bose (Enzo Bianchi)
Cidade ecumênica Taddeide (Giulio Penitenti)
Irmandade evangélica de Maria (Basilea Schlink)
UUS 16.
UUS 21.
47
UUS 22.
48
Cf. Discurso por ocasião do encontro ecumênico no palácio episcopal de Colônia (19-8-2005),
disponível em <www.vatican.va> acessado no dia 8 de novembro de 2005.
46
11
-
Movimento dos Focolares (Chiara Lubich)
Cidadela ecumênica Ottmaring (Focolares)
Comunità di Gesù (Matteo Calisi)
4. UNIDADE EM DIVERSIDADE
Contemplando a Trindade, que é una na diversidade das três Pessoas,
entendemos que a unidade não se faz pela uniformidade, mas pela comunhão. A
tese da unidade na diversidade é coerente com a fé trinitária e dela se deduz. Por
isto é postulada repetidamente nos documentos eclesiais e na reflexão teológica 49.
Igualmente no Decreto Unitatis redintegratio: a koinonia do Pai e do Filho e do
Espírito Santo é designada “modelo supremo” da unidade da Igreja 50. Depois
acrescenta que a unidade da Igreja na variedade de ministérios é obra do Espírito
Santo51. Sem esquecer que o Paráclito é princípio de unidade, o documento
adverte que o mesmo Paráclito é também princípio da diversidade 52. Afinal,
unidade e diversidade se conjugam na mesma comunhão. Não é este o exemplo
da pericorese trinitária? Similarmente, não é a variedade de membros que forma o
corpo? E nem por isso a diversidade significa divisão, ou a variedade de membros
impede o movimento conjunto e articulado de todo o corpo (cf. 1Cor 12,12-30). É
claro que Unitatis redintegratio não cita todas as expressões de pluralidade
eclesial. Mas apresenta cinco aspectos importantes:
a) Diversidade de meios de salvação: a expressão “meios de salvação”53
corresponde ao que Pedro denomina “multiforme graça de Deus”(1Pd 4,10) e o
magistério traduz como consilia salutis: as diversas disposições da Sabedoria
divina em benefício da salvação humana54. Há um só plano de salvação
(designium salutis) executado mediante vários instrumentos da graça (consilia
salutis). Estes instrumentos pluriformes da graça – presentes na Igreja Católica –
promovem a salvação também nas outras Confissões cristãs:
Mesmo as Igrejas e Comunidades separadas, embora creiamos que tenham
deficiências, de modo algum estão destituídas de significado e importância no
mistério da salvação. O Espírito Santo não recusa empregá-las como meios de
salvação, embora a virtude desses derive da mesma plenitude de graça e verdade
que foi confiada à Igreja Católica.55
49
Cf. UUS 61.
UR 2.
51
“É Ele (o Espírito Santo) quem opera a distribuição das graças e dos ministérios, enriquecendo a
Igreja de Jesus Cristo com diferentes dons „a fim de capacitarem os santos para a tarefa do
ministério, na edificação do corpo de Cristo‟(Ef 4,1)” (UR 2).
52
Como se conclui de UR 2, citado acima, em sintonia com LG 4. No Novo Testamento, são
clássicos os textos paulinos, sobretudo Rm 12,3-8 e 1Cor 12,4-11.
53
UR 3.
54
1Pd 4,10 e Ef 3,10 apontam para a multiforme ação salvífica de Deus. A expressão consilia
salutis está na Declaração Nostra aetate 1.
55
UR 3, retomado em DI 17.
50
12
b) Um só batismo, na variedade de Comunhões cristãs: Apesar da divisão
visível das igrejas, o batismo nos une em Cristo sacramentalmente, garantindo
uma unidade espiritual efetiva entre todos os cristãos: “Pois o batismo constitui o
vínculo sacramental da unidade que liga todos os que foram regenerados por
ele”56. Por isso, é importantíssimo que as Confissões cristãs esclareçam sua
doutrina com base nas Escrituras, dialoguem mais e oficializem o reconhecimento
mútuo do batismo por elas ministrado, evitando rebatismos abusivos.
c) Uma Igreja, muitos ministérios: embora o documento não descreva os
ministérios existentes na Igreja e outras Confissões cristãs, diz claramente que a
“unidade da Igreja” se realiza “na diversidade de ministérios”, por “obra do Espírito
Santo”57.
d) Uma só fé, diferentes expressões: “Há um só Senhor, uma só fé e um só
batismo”(Ef 4,4-5) expressos segundo a graça plural do Espírito Santo58. A
variedade de tematizações teológicas, ritos litúrgicos e tradições espirituais realça
ainda mais “as insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3,8)59 confiadas à Igreja:
Resguardando a unidade nas coisas necessárias, todos na Igreja, segundo o
munus dado a cada um, conservem a devida liberdade, tanto nas várias formas de
vida espiritual e de disciplina, quanto na diversidade de ritos litúrgicos, e até
mesmo na elaboração teológica da verdade revelada. Mas em tudo cultivem a
caridade. Agindo assim, manifestarão sempre mais plenamente a verdadeira
universalidade e apostolicidade da Igreja.60
e) Doutrina única, com disciplinas distintas: falando às Igrejas Ortodoxas e
Orientais, Unitatis redintegratio esclarece que
longe de obstacular a unidade da Igreja, certa diversidade de usos e costumes
antes aumenta-lhe o decoro e contribui positivamente para que ela cumpra sua
missão. Por isto, este sagrado sínodo, para tirar toda dúvida, declara que as
Igrejas do Oriente, lembradas da necessária unidade de toda a Igreja, têm a
faculdade de se governar segundo as disciplinas próprias, mais conformes à
índole de seus fiéis e mais aptas para atender ao bem das almas. A observância
deste tradicional princípio, nem sempre respeitado, é condição prévia
indispensável para a restaração da união.61
Seguindo esta visão, João Paulo II usou a expressão “unidade na
diversidade”62. Recentemente, Bento XVI reafirmou esta perspectiva: “A unidade
56
UR 22.
UR 2.
58
A unidade da fé na pluralidade de expressões está em UR 2.
59
Consideradas veladamente em UR 4 e claramente em UR 11.
60
UR 4.
61
UR 16.
62
UUS 61.
57
13
não significa uniformidade em todas as expressões da teologia e da
espiritualidade, nas formas litúrgicas e na disciplina”, mas requer o “respeito pela
plenitude multiforme da Igreja”63.
5. FORMAÇÃO ECUMÊNICA DOS EVANGELIZADORES
Lamentavelmente, nem sempre esta sadia diversidade incide sobre nossa
reflexão e atuação. Continuam entre nós pessoas equivocadas sobre qualquer
tema ecumênico. Outras, lêem os documentos da Igreja de modo parcial. Às
vezes por despreparo teológico e espiritual. Outras vezes, por indiferença. Ou
ainda por confusão em suas posições doutrinais e identitárias, diante da
proliferação de grupos religiosos sectários e agressivos. De qualquer modo, há
pessoas incapazes de compreender a voz da Igreja, que “exorta todos os fiéis a
que, reconhecendo os sinais dos tempos, participem solicitamente da tarefa
ecumênica”64. Pois a Igreja Católica “não é uma realidade voltada sobre si mesma,
mas aberta permanentemente à dinâmica missionária e ecumênica”65.
Por isso, a Igreja mesma insiste na formação de agentes qualificados para
a tarefa ecumênica – entre clero, religiosos e leigos – que possam compreender o
sentido e o alcance do que o magistério afirma:
O ecumenismo – movimento a favor da unidade dos cristãos – não é um tipo de
apêndice que se junta à atividade tradicional da Igreja. Pelo contrário, pertence
organicamente à sua vida e ação, devendo, por conseguinte, permeá-la no seu
todo, à semelhança de uma árvore que cresce sadia e viçosa até alcançar seu
pleno desenvolvimento. 66
Faz mais de quarenta anos que o Concílio Vaticano II reconheceu a ação do
Espírito Santo no movimento pela unidade dos cristãos. Desde então, temos
colhido muitos frutos. Neste campo, necessitamos de mais agentes de diálogo e
mais bem qualificados. É bom tornar conhecidas as declarações que a própria
Igreja católica tem subscrito no campo do ecumenismo, desde o Concílio. Os
diálogos bilaterais têm produzido bons frutos. Também é oportuno estudar o
Diretório Ecumênico e suas indicações em relação à catequese, à liturgia, à
formação presbiteral e à pastoral. 67
6. RESULTADOS DO DIÁLOGO ECUMÊNICO
63
Respectivamente, Discurso por ocasião do encontro ecumênico no palácio episcopal de Colônia
(19-8-2005) e Discurso à delegação do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla (30-6-2005).
Disponíveis em < www.vatican.va >, acessado em 8-11-2005.
64
UUS 8, relançando o apelo de UR 4.
65
UUS 5.
66
UUS 20.
67
DAp 231.
14
Os últimos quarenta anos estão repletos de resultados ecumênicos. Seria
pretensão elencá-los aqui. Só o resumo das assembléias do Conselho Mundial de
Igrejas já ocuparia dezenas de páginas! Por isso, selecionamos os fatos mais
significativos do cenário católico internacional.
Comissões bilaterais e declarações conjuntas:
Uma amostra do quanto o caminho ecumênico frutificou, tem sido o
desempenho das Comissões bilaterais de diálogo e os decorrentes acordos e
declarações conjuntas entre católicos, luteranos, reformados, anglicanos,
metodistas, vétero-católicos, batistas, pentecostais, ortodoxos e orientais68.
Destacamos alguns, dentre aqueles que a Igreja Católica firmou:
Católicos e anglicanos
-
Doutrina sobre a eucaristia, 1971 (internacional).
Ministério e ordenação, 1973 (internacional).
Unidade cristã e ordenação de mulheres, 1975 (EUA).
Declaração conjunta sobre a infalibilidade, 1980 (Canadá).
Imagem de Deus: reflexão sobre antropologia cristã, 1983 (EUA).
A salvação e a Igreja, 1986 (internacional).
A Igreja como comunhão, 1990 (internacional).
Esclarecimentos sobre eucaristia e ministério, 1993 (internacional).
Viver em Cristo: moral, comunhão e Igreja, 1993 (internacional).
O dom da autoridade, 2000 (internacional).
Maria: graça e esperança em Cristo, 2004 (internacional).
Crescer juntos na unidade e na missão, 2006 ( internacional).
Católicos e batistas
-
Crescer na mútua compreensão, 1972 (EUA)
Testemunhar Cristo hoje, 1988 (internacional).
Católicos, luteranos e reformados
-
68
Acordo doutrinal sobre batismo e matrimônio, 1972 (França).
Cf. Enchiridion oecumenicum vols. 1-6. Bologna: EDB, 1994-2005. COMISSÃO
INTERNACIONAL ANGLICANO-CATÓLICA ROMANA. O dom da autoridade. S. Paulo:
Paulinas, 1999 (A voz do papa 168). FEDERAÇÃO LUTERANA MUNDIAL e IGREJA
CATÓLICA. Declaração conjunta sobre a doutrina da justificação. São Leopoldo: Sinodal;
Brasília: CONIC, 1999. PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A UNIDADE DOS CRISTÃOS.
Diálogo católico-pentecostal – Evangelização, proselitismo e testemunho comum. S. Paulo:
Paulinas, 1999 (A voz do papa 162). COMISSÃO INTERNACIONAL ANGLICANO-CATÓLICA
ROMANA. Maria: graça e esperança em Cristo. São Paulo: Paulinas, 2005. GRUPO DE
DOMBES. Maria no desígnio de Deus e na comunhão dos santos. Aparecida: Santuário, 2005.
15
-
Teologia do matrimônio e a questão dos casamentos inter-confessionais,
1976 (internacional).
Declaração conjunta sobre o batismo, 1990 (Argentina).
Opções éticas e comunhão eclesial, 1992 (França).
Católicos, reformados e vétero-católicos
-
Batismo e pertença eclesial nas famílias confessionais, 1987 (Suíça).
Católicos e luteranos
-
Declaração conjunta sobre o credo de Nicéia, 1965 (EUA).
O evangelho e a Igreja, 1972 (internacional).
Primado pontifício e Igreja universal, 1974 (EUA).
A Ceia do Senhor, 1978 (internacional).
O ministério pastoral na Igreja, 1981 (internacional).
A justificação pela fé, 1983 (EUA).
Sacramento e sacrifício, 1985 (Austrália).
Relatório sobre o ofício episcopal, 1988 (Suíça).
Desafios e compromissos na defesa da vida, 1989 (Alemanha).
O único Mediador, os santos e Maria, 1990 (EUA).
Igreja e justificação, 1993 (internacional).
Declaração conjunta sobre a justificação, 1999 (internacional).
Carta conjunta sobre a unidade, 2010 (São Leopoldo, Brasil).
Católicos e metodistas
-
Santidade e espiritualidade do ministério ordenado, 1975 (EUA).
Declaração sobre a autoridade na Igreja, 1978 (Inglaterra).
A eucaristia e as Igrejas, 1981 (EUA).
Consenso sobre a justificação, 1988 (Inglaterra).
Para uma declaração comum sobre a Igreja, 1986 (internacional).
A tradição apostólica, 1991 (internacional).
Dizer a verdade na caridade, 2000 (internacional).
Católicos e pentecostais:
-
Relatório do diálogo: etapa 1972-1976 (internacional).
Relatório do diálogo: etapa 1977 a 1982 (internacional).
Perspectivas sobre a koinonia: etapa 1984-1990 (internacional).
Evangelização, proselitismo e testemunho comum: 1990-1997 (intern.).
Tornar-se cristão / sobre catecumenato e discipulado: 2006 (intern.).
Memória e discernimento: 2008 (ENCRISTUS, Brasil).
Católicos e reformados (presbiterianos)
16
-
A unidade que buscamos, 1977 (EUA).
A presença de Cristo no Igreja e no mundo, 1977 (internacional).
O ministério, 1984 (Suíça).
Nossa colaboração para a paz e a educação, 1985 (EUA).
Para uma compreensão comum da Igreja, 1990 (internacional).
Católicos e Confissões evangélicas belgas
-
Declaração sobre o reconhecimento do batismo, 1971 (Bélgica).
Grupo de Dombes (católicos, reformados e evangélicos de várias Confissões, com
recepção internacional):
-
Em vista de uma mesma fé eucarística, 1971.
O Espírito Santo, a Igreja e os sacramentos, 1980.
O ministério de comunhão na Igreja universal, 1985.
Pela conversão das Igrejas, 1990.
Maria no desígnio de Deus e na comunhão dos santos, 2004.
Comissão Fé e Constituição (Conselho Mundial de Igrejas e Igreja Católica, com recepção
internacional):
-
-
Declarações sobre “Um só batismo, uma só eucaristia e o reconhecimento
recíproco dos ministérios”, 1974.
Batismo, eucaristia e ministério: documento BEM, 1982.
Também importantes são as declarações cristológicas firmadas pela Igreja
Católica e as Igrejas Copta, Sírio-Malankar e Assíria do Oriente: as declarações
desfazem a suspeita de monofisismo e proclamam nossa fé comum em Jesus
Cristo. Com relação aos greco-ortodoxos, esclarecemos a antiga polêmica do
Filioque sobre a processão do Espírito Santo. O aprofundamento ecumênico da
pneumatologia mostrou que as doutrinas católica e bizantina não se contradizem,
mas se complementam. Encontros mais recentes entre católicos, ortodoxos e
protestantes estão amadurecendo o diálogo sobre colegialidade e ministério
petrino na comunhão eclesial69.
Gestos de aproximação e cura da memória:
Cf. CONSEIL PONTIFICE POUR L‟UNITÉ DES CHRÉTIENS: “La procession du SaintEsprit”. In Enchiridion Vaticanum vol. 14. Bologna: EDB, 1995, p. 1726-1747. HÜNERMANN,
Peter (org.). Papato ed ecumenismo. Bologna: EDB, 1999.
69
17
Além dos documentos, o diálogo ecumênico curou feridas do passado e
consolidou a fraternidade entre os cristãos. Isto, não só através do diálogo
doutrinal, mas também através da oração e dos gestos fraternos.
a) Paulo VI acolheu os delegados não-católicos presentes no Concílio a convite do
seu antecessor, João XXIII. Em 1960 criou o Secretariado para a Unidade dos
Cristãos. Peregrinou a Jerusalém e ali se encontrou com o patriarca ortodoxo
Atenágoras. Em 1965, eles se reencontraram em Roma: abraçaram-se comovidos
e removeram a excomunhão mútua que pesava sobre católicos e ortodoxos. O
gesto resultou na criação da Comissão Católico-Ortodoxa, cujos trabalhos
ecumênicos duram até nossos dias. Em 1969 Paulo VI visitou a sede do Conselho
Mundial de Igrejas, em Genebra. Além disso, manteve contatos com patriarcas da
Igreja Copta, Armena, Grega e outras, com vários líderes protestantes e
anglicanos, como o arcebispo Arthur Ramsey de Cantuária. Foi ainda sob seu
pontificado que a Igreja Católica enviou delegados à Assembléia Geral do
Conselho Mundial de Igrejas, pela primeira vez, em 1961 (Nova Delhi).
b) Com João Paulo II, o Secretariado é reestruturado como Pontifício Conselho
para a Unidade dos Cristãos (1989). Depois, vieram os encontros pela paz em
Assis e Roma, a partir de 1986. Aconteceram visitas entre o Bispo de Roma, os
Patriarcas e suas delegações; os arcebispos anglicanos Donald Coggan, George
Carey e Rowan William de Cantuária; os Bispos luteranos da Finlândia e
Alemanha; os representantes do Conselho Mundial de Igrejas e personalidades
das diferentes organizações confessionais. Em 1993 é publicado o Diretório
ecumênico. Em 1995, João Paulo II lança a encíclica Ut unum sint. Em 1999, sob
seu pontificado, a Igreja Católica e a Federação Luterana Mundial assinam a
Declaração conjunta sobre a Justificação, em Augsburg (Alemanha). Mais tarde,
no dia 18 de janeiro do ano 2000 – inaugurando a Semana de Oração pela
Unidade na Europa – João Paulo II abre a porta santa da basílica de São Paulo
Fora-dos-Muros, em Roma, junto com o primaz anglicano George Carey e o
metropolita ortodoxo Athanásios. Foi uma celebração histórica, marcada pela
centralidade do Evangelho e pelo amor fraterno de 22 confissões cristãs, que
oraram em uníssono junto ao túmulo do apóstolo Paulo. Houve ainda a celebração
ecumênica dos mártires, durante os festejos do Grande Jubileu do Ano 2000 (no
Coliseu de Roma), em vista de um martirológio ecumênico que pudesse ser
mencionado na liturgia das várias Igrejas e Comunidades cristãs. Depois, o
mesmo papa protagonizou gestos de estima e aproximação com os ortodoxos:
devolveu para o Patriarcado de Moscou o ícone da Virgem de Kazan que era
guardado em Roma (25 de agosto de 2004) e entregou ao Patriarcado de
Constantinopla os restos mortais dos santos Gregório Nazianzeno e João
Crisóstomo ( 27 de novembro de 2004). Em Roma, o Centro “Pro Unione” –
dirigido pelos Frades Franciscanos da Reconciliação – promoveu cursos e
simpósios ecumênicos internacionais. Além disso, o seu pontificado acolheu a
fundação do Centro Anglicano de Roma, favorecendo o diáloco católico-anglicano.
Vale acrescentar o encontro internacional de bispos católicos e anglicanos, de 14
a 20 de maio de 2000 , em Mississauga (Canadá) e o apoio que a Igreja Católica
18
tem dado à Década de Superação da Violência em parceria com o Conselho
Mundial de Igrejas, de 2000 a 2010.
c) Enfim, podemos afirmar que a fraternidade entre os cristãos tem sido o grande
fruto do diálogo. Fraternidade que se faz também com o ecumenismo do cotidiano,
da confiança mútua, da amizade e da oração em comum. Esta fraternidade nos
possibilitou maior aproximação com as Famílias Confessionais (reformados,
luteranos, anglicanos, metodistas) e inclusive com os pentecostais, com quem a
Igreja Católica dialoga desde 1972. Recentemente, já sob o pontificado de Bento
XVI, aconteceu, em 1o de setembro de 2005, o Congresso Inter-Cristão de Assis
em torno do tema da eucaristia, com a participação de católicos e ortodoxos.
Nisso tudo constatamos a participação do Pontifício Conselho para a Unidade dos
Cristãos, das Conferências Episcopais, do Conselho Mundial de Igrejas e demais
Conselhos nacionais, dos Sínodos e Bispados, dos organismos ecumênicos, bem
como de muitas comunidades de vida dedicadas à unidade da Igreja. É o Espírito
Consolador a mover as mentes e os corações na direção da unidade, para que os
cristãos brilhem no mundo somo sinal de reconciliação, fraternidade e paz,
segundo a vontade do Senhor: “Que todos sejam um, para que o mundo creia” (Jo
17,21).
7. PASSOS ECUMÊNICOS DE BENTO XVI
Bento XVI inaugurou seu pontificado em abril de 2005. Acreditamos que
sua competência teológica e seu profundo senso de responsabilidade possam
consolidar as perspectivas católicas do ecumenismo, tão bem traçadas pelo
Concílio e pelo magistério de João Paulo II. De momento, Bento XVI nos oferece
alguns discursos e iniciativas localizadas: são os primeiros sinais de que o diálogo
ecumênico ocupa espaço prioritário na sua consciência pessoal e no seu
programa apostólico.
Conversão, diálogo teológico e purificação da memória:
Na sua primeira mensagem pontifícia, aos 20 de abril de 2005, Bento XVI
reafirmou o compromisso do Bispo de Roma com a promoção da unidade dos
cristãos:
Com plena consciência, no início de seu ministério na Igreja de Roma – na qual
Pedro derramou o próprio sangue – seu atual sucessor assume como
compromisso primordial o de trabalhar sem poupar energias na reconstituição da
plena e visível unidade de todos os seguidores de Cristo. Este é seu desejo, este é
seu impelente dever. Ele está consciente de que, para isto, não bastam as
manifestações de bons sentimentos. São necessários gestos concretos que
entrem nos corações e despertem as consciências, enternecendo cada um àquela
19
conversão interior, que é o pressuposto de qualquer avanço no caminho
ecumênico. 70
Após insistir na conversão (exigência evangélica para a reconciliação de
todos os cristãos), Bento XVI cita dois componentes importantes para o
ecumenismo: o diálogo teológico e a purificação da memória. O primeiro, segue a
metodologia do dialogo de convergências, que parte do que é comum na profissão
de fé das Igrejas e Comunidades cristãs. Esta plataforma comum possibilita o
estudo de temas específicos, que exigem profundidade teológica e discernimento
conjunto, em vista do consenso suficiente em questões de fé, sacramentos e
ministérios. Os documentos ecumênicos antes referidos são fruto, em grande
parte, da metodologia do diálogo de convergências.
O segundo elemento – purificação da memória – parte do exame das
motivações históricas do quanto as Confissões cristãs disseram e praticaram no
passado, nos contextos de cada época. Este exame das motivações esclarece
fatos históricos complexos e ajuda a distinguir entre questões teológicas
fundamentais e possíveis tematizações secundárias, além de individuar os fatores
políticos, culturais e psicológicos implicados nos conflitos entre cristãos ao longo
dos séculos. Neste sentido, muitas vezes a divisão entre as Confissões cristãs não
é apenas falta de soluções doutrinais, mas falta de reconciliação. Daí a
“purificação da memória” através do perdão entre os discípulos de Cristo, que cura
as mágoas do passado e abre caminho à reconciliação das igrejas. Trata-se de
levar a sério, no método de diálogo ecumênico, a oração do Pai-Nosso: “Perdoainos as nossas dívidas, como nós perdoamos aos nossos devedores” (Lc 11,4).
Aqui, Bento XVI confirma a práxis de João XXIII, Paulo VI e João Paulo II, que
promoveram a reconciliação das igrejas em palavras e atitudes.
A unidade, dom do Espírito Santo para o Corpo de Cristo:
Sempre mais Bento XVI reforça o primado da oração e a docilidade ao
Espírito Santo, sustentáculo do movimento ecumênico:
O caminho rumo à plena comunhão querida por Jesus para seus discípulos exige,
numa docilidade concreta ao que o Espírito diz às Igrejas, coragem, docilidade,
firmeza e esperança de alcançar a finalidade. Exige em primeiro lugar a oração
insistente e de um só coração, para obter do Bom Pastor o dom da unidade para
seu rebanho.71
70
Primeira mensagem do papa Bento XVI (20-4-2005). Este e os demais pronunciamentos citados
estão disponíveis em <www.vatican.va> e foram acessados no dia 8 de novembro de 2005.
71
Discurso aos delegados das outras Igrejas,Comunidades eclesiais e tradições religiosas (25-42005).
20
Apoio a grupos e comissões bilaterais:
Em discursos, Bento XVI cita o Joint Working Group (grupo de trabalho
conjunto) entre a Igreja Católica e o Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Funciona
desde 1965 e responde por várias iniciativas de colaboração entre a Santa Sé e o
CMI, como a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos em nível mundial.
Sobre este Grupo o papa Bento XVI declarou:
Formulo votos e rezo a fim de que sua finalidade e metodologia de trabalho
sejam ulteriormente esclarecidas, em vista de uma compreensão,
cooperação e progresso ecumênico cada vez mais efetivos. (...) Quero
assegurar-vos que ela (Igreja Católica) deseja dar continuidade à
cooperação com o Conselho Mundial de Igrejas.72
Noutra ocasião, o papa cita a Comissão Católico-Ortodoxa, encarregada do
diálogo entre a Igreja Católica com as Igrejas Ortodoxas em seu conjunto. Esta
Comissão tem importância histórica: recebeu os primeiros impulsos com Paulo VI
e Atenágoras em 1965 e redefiniu seu papel de comissão mista internacional em
1980, com João Paulo II e Dimítrios I. O tom nacionalista de algumas Igrejas
Ortodoxas, agravado pela acusação de proselitismo dos católicos em terreno
ortodoxo, como reclama a Igreja Russa, criou tensões nos últimos dez anos.
Situação que piorou com as guerras no Leste Europeu. Apesar de tudo, o
patrimônio teológico-espiritual comum ao Ocidente e Oriente, revigorado pela
oração e pela afirmação sincera da fraternidade, está devolvendo o merecido
impulso a esta Comissão de diálogo. João Paulo II costumava dizer que Oriente e
Ocidente são os dois pulmões com os quais a Igreja de Cristo respira. Bento XVI
reforça esta perspectiva e garante sua disposição para que o diálogo católicoortodoxo prossiga “na caridade” (estima recíproca e oração comum) e “na
verdade” (discernimento conjunto de questões doutrinais ainda pendentes):
A este propósito gostaria de vos manifestar, estimados irmãos, os meus
sentimentos de reconhecimento por Sua Santidade Bartolomeu, que tem se
dedicado generosamente a reativar os trabalhos da Comissão mista
internacional católico-ortodoxa. Desejo vos assegurar que tenho a vontade
decidida de apoiar e encorajar esta ação. A investigação teológica, que
deve enfrentar questões complexas e encontrar soluções não reduzidas, é
um compromisso sério, do qual não podemos nos isentar.73
Bento XVI conclui, dispondo-se a “novos passos e novos gestos” no
caminho da comunhão, que levem católicos e ortodoxos “a ultrapassar as divisões
e incompreensões ainda existentes, tendo em mente o fato de que para
restabelecer a comunhão e a unidade, é preciso „que não se vos imponham outras
72
73
Discurso ao secretário geral do Conselho Mundial de Igrejas (16-6-2005).
Dircurso à delegação do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla (30-6-2005).
21
obrigações além destas, que são indispensáveis‟ (At 15,28)”74. O lembrete é sinal
de que a unidade com os ortodoxos não implica em fusão ou absorção do Oriente
pelo Ocidente, nem do Ocidente pelo Oriente. Pois a tradição disciplinar, teológica,
litúrgica e espiritual dos ortodoxos deverá ser preservada, como patrimônio
legítimo de um dos “pulmões” da Igreja de Cristo. Esta orientação foi dada por
Unitatis redintegratio 18 e reaparece em Ut unum sint 78 (aqui, estendida a todas
as Igrejas e Comunidades eclesiais).
Método do diálogo ecumênico:
Já acenamos para o método do diálogo de convergências, que parte de
uma unidade fundamental de doutrina para discernir, depois, temas específicos ou
controversos. Contudo, este processo não depende apenas da compentência
teológica dos participantes do diálogo (embora imprescindível). Requer que se vá
do “diálogo da caridade” (amor fraterno) ao “diálogo da verdade” (estudo de
questões teológicas), passando muitas vezes pela “cura da memória”
(individuação de fatores teológicos e não-teológicos implicados nas divisões e
celebração do perdão recíproco, pessoal e institucional). A definição deste método
tem promovido avanços no diálogo entre Confissões cristãs, fruto da oração e
perseverança de muitas pessoas e organismos eclesiais. Desde Paulo VI e João
Paulo II ouvimos falar de igrejas reconciliadas e diálogo de convergências
sustentado na oração comum e na graça do Espírito Santo.
Em seus primeiros pronunciamentos, Bento XVI tem valorizado este
método. Exemplo disso foi seu discurso por ocasião do encontro ecumênico em
Colônia, Alemanha, em 19 de agosto de 2005. Constatando o diálogo na caridade,
o papa afirma a fraternidade existente entre católicos e luteranos, especialmente
na Alemanha, país natal da Reforma. Elogia o clima aberto e fraterno, a sincera
estima e o testemunho comum em diversos âmbitos. Trata-se de uma real
comunhão em Cristo, não aparente, mas fundada no sacramento do batismo –
que luteranos e católicos partilham com idêntica convicção e mútuo
reconhecimento. Esta fraternidade ajudou a superar distâncias e favoreceu o
reexame da polêmica sobre a Justificação, que há séculos se interpunha entre
católicos e luteranos. Daí resultou a Declaração conjunta sobre a doutrina da
Justificação, que já mencionamos antes. Este passo – da estima ao consenso
doutrinal – é exemplo claro do diálogo de convergências que vai da “caridade” à
“verdade”. Nesta esteira aparece também a mútua colaboração na defesa da vida
e na promoção da justiça e da paz.
Recentemente, os responsáveis pelo diálogo católico-luterano focaram a
questão do ministério ordenado e da eucaristia como possíveis temas para os
próximos estudos bilaterais. Não como temas isolados, mas implicados no
horizonte maior da eclesiologia. Novamente, vai-se da “caridade” à “verdade”, na
esperança de novas convergências e eventuais consensos doutrinais.
74
Idem, ibidem.
22
É aqui que Bento XVI incluiu sua opinião, como Bispo de Roma e como
teólogo. Não para negar o método utilizado no diálogo, mas por coerência com
este. Segundo o papa, antes de tratar do ministério e da eucaristia, a Comissão
Internacional Católico-Luterana deveria estudar três pontos específicos presentes
no mesmo horizonte eclesiológico: 1) a Palavra de Deus escrita (hai graphai) e
sua autoridade; 2) a sucessão apostólica e o testemunho da Palavra que ela exige
dos ministros ordenados (ministerium); 3) o serviço interpretativo que a Igreja
exerce perante a Palavra, mediante seu magistério e proclamações decorrentes
(regula fidei).
Por conseguinte, “quando falamos de eclesiologia e de ministério,
deveríamos falar preferivelmente do entrelaçamento de palavras, testemunho e
regra de fé, e considerá-lo como questão eclesiológica e ao mesmo tempo,
portanto, como questão da Palavra de Deus – da sua soberania e da sua
humildade – porque o Senhor confia a sua Palavra à testemunha e concede-lhe a
interpretação, que se deve confrontar sempre com a regula fidei e com a
seriedade da mesma Palavra”75. Em tom fraterno e respeitoso, Bento XVI se
desculpou por expressar diante de todos esta sua opinião, mas disse que lhe
pareceu justo fazê-lo. Certamente, sua sugestão será considerada pelos
responsáveis nas próximas pautas do diálogo católico-luterano.
O autêntico caminho da unidade:
Atento aos sinais dos tempos, Bento XVI esclarece que o restabelecimento
da unidade dos cristãos não se faz por um mero movimento de “volta” aos quadros
católicos, tal qual se vericavam no primeiro milênio ou no contexto europeu em
torno à Reforma. Isto significaria negar a História do ponto de vista dos fatos e
mesmo da teologia, já que o intellectus fidei se desenvolve ao ritmo da Igreja
peregrina, que vai assimilando a verdade revelada de modo cada vez mais
penetrante. Claro que a unidade pretendida pela Igreja Católica será sempre
visível, suficiente e eucarística. Porém, o caminho nesta direção compromete a
todos os cristãos na verdade e na caridade, num processo paciente de conversão
e comunhão, sob a luz sempre nova do Espírito Paráclito. Isto é mais exigente e
mais autêntico, que o simples retorno a uma situação anterior:
Todos nós sabemos que existem numerosos modelos de unidade e vós também
sabeis que a Igreja Católica tem por objetivo alcançar a plena unidade visível dos
discípulos de Jesus Cristo, segundo a definição que dela fez o Concílio Vaticano II
em vários de seus documentos (cf. LG 8 e 13; UR 2 e 4). Esta unidade subsiste –
segundo a nossa convicção – na Igreja Católica sem possibilidade de ser perdida
(cf. UR 4). De fato, a Igreja não desapareceu totalmente do mundo. Contudo, esta
unidade não significa aquilo que se poderia chamar “ecumenismo de volta”: isto é,
renegar e recusar a própria história da fé. Absolutamente, não!76
75
76
Discurso por ocasião do encontro ecumênico no palácio episcopal de Colônia (19-8-2005).
Idem, ibidem.
23
A unidade pluriforme da Igreja:
Em seguida, retomando a perspectiva eclesiológica da unidade na
diversidade, já mencionada acima, Bento XVI afirma que a realização plena da
comunhão eclesial não é uma realidade monolítica, nem arbitrariamente uniforme:
[A unidade da Igreja] não significa uniformidade em todas as expressões da
teologia e da espiritualidade, nas formas litúrgicas e na disciplina. Unidade na
multiplicidade e multiplicidade na unidade: na homilia para a solenidade dos
santos Pedro e Paulo em 29 de junho de 2005, eu esclareci que a plena unidade e
a verdadeira catolicidade, no sentido originário da palavra, caminham juntas. A
condição necessária para que esta coexistência se realize é que o compromisso
pela unidade se purifique, se renove continuamente, cresça e amadureça. O
diálogo pode contribuir para esta finalidade.77
Na seqüência, Bento XVI caracteriza o diálogo ecumênico como partilha de
dons, reafirmando o que disseram o Concílio e seu predecessor:
[O diálogo ecumênico] é mais do que um intercâmbio de idéias ou um
empreendimento acadêmico: é um intercâmbio de dons (cf. UUS 28), no qual as
Igrejas e as Comunidades eclesiais podem pôr à disposição os seus tesouros (cf.
LG 8; UR 3 e 14s; UUS 10-14). É precisamente graças a este compromisso que se
pode prosseguir este caminho passo a passo, até alcançar a unidade plena,
quando – como diz a Carta aos Efésios – finalmente todos chegaremos “à unidade
da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao homem adulto, à medida completa
da plenitude de Cristo”(4,13).78
Papel ecumênico da abadia e basílica de S. Paulo Fora-dos-Muros:
Concluímos, reportando o Motu Proprio pelo qual o papa Bento XVI
reorganiza as competências canônicas e pastorais da Abadia e da Basílica de S.
Paulo Fora-dos-Muros, em Roma. Sem nos perder em detalhes, destacamos a
vocação ecumênica que este complexo monástico-litúrgico demonstrou
ultimamente, sobretudo nas celebrações jubilares promovidas pelo papa João
Paulo II. Além disso, trata-se do túmulo do apóstolo Paulo: um lugar reverenciado
por todos os cristãos; um templo de evidente irradiação para toda a ecumene de
Deus. Ao complexo Abadia-basílica de S. Paulo o papa confia a missão de
promover o diálogo e oração ecumênicos, com relativa autonomia, em
colaboração com o Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos 79. Com isto,
nós cristãos ganhamos, em Roma, um centro ecumênico internacional.
77
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
79
Cf. Motu proprio“A antiga e venerável Basílica” (31-5-2005).
78
24
Considerações finais
a) Repetindo o que a Igreja recomenda, insistimos na necessidade de formar
agentes qualificados de diálogo, entre clero, religiosos e laicato. Nem sempre
verificamos o devido cuidado a este respeito. No campo formativo, em que atuam
Faculdades, Institutos e Centros teológico-pastorais, devemos superar a
impressão de que os responsáveis pelo diálogo sejam os professores de
ecumenismo. É sempre bom lembrar que os primeiros responsáveis são os
bispos, de quem a Santa Sé solicita o estabelecimento de Comissões Diocesanas
de Diálogo80. A decisão de cumprir esta solicitação – aliada à formação qualificada
oferecida pelos Institutos e Faculdades teológicas – é primordial para que o
ecumenismo se torne parte integrante do cotidiano das dioceses.
b) Na via da unidade, é importante articular oração, estudo e ação – na linha dos
três níveis ecumênicos indicados em Unitatis redintegratio 4: espiritual, teológico e
pastoral. As orientações do Diretório ecumênico e Ut unum sint neste sentido
merecem ser conhecidas, assimiladas e praticadas.
c) No atual cenário religioso, mesclam-se denominações autônomas, desconexas
do Protestantismo reformado. Diante disso, o diálogo ecumênico pede
discernimento e informação: Quais os grupos cristãos presentes no nosso meio de
atuação? A qual família confessional eles se ligam? Conhecemos suas
características, linguagem e propostas? Distinguimos de modo respeitoso quem é
quem, segundo sua identidade diferenciada de reformado, luterano, anglicano,
metodista, batista ou pentecostal? O diálogo começa pela definição dos
interlocutores, segundo sua identidade, disposição e reciprocidade.
d) Parece-nos importante recordar que, respeitado o âmbito das Igrejas Locais e
as diretrizes da Conferência Episcopal, se inserem no diálogo ecumênico os fiéis e
os organismos que – fundados no Evangelho e respondendo a um carisma
peculiar – sentem-se movidos pelo sincero desejo da unidade dos cristãos. Daí o
nascimento das comunidades ecumênicas como Taizé, Focolari e outros.
Perguntemo-nos se tais experiências têm recebido a devida atenção e
acompanhamento, para brotar e frutificar de modo adequado em terreno católico.
e) Nos vários continentes crescem as “igrejas livres”, pentecostais e neopentecostais. Estamos informados a respeito deste fenômeno? Conhecemos as
fases e os resultados do diálogo internacional católico-pentecostal? Aplicamos um
olhar teológico e de discernimento pastoral sobre o pentecostalismo? Ou nos
limitamos a atitudes defensivas, miméticas e anti-ecumênicas? Recentemente, o
Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos promoveu simpósios (inclusive
no Brasil) sobre o pentecostalismo. É oportuno estudar o fenômeno, sem esquecer
a dimensão pneumatológica e carismática da Igreja Católica e sua capacidade de
oferecer respostas pastorais.
80
Cf. Diretório ecumênico n. 42.

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