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DE BEBÉ A CRIANÇA: CARATERÍSTICAS E INTERAÇÕES Isabel Simões Dias(IPL-ESECS- Portugal) RESUMO: Este artigo teórico visa descrever as principais caraterísticas do desenvolvimento nos primeiros 3 anos de vida e refletir sobre a educação para o desenvolvimento na primeira infância, em contexto educativo. Adotando uma lógica cronológica, procura-se apresentar e discutir o desenvolvimento da criança de uma forma integrada e situar a Creche/Educação Infantil como contexto educativo facilitador da interação da criança/adulto e promotora da educação para o desenvolvimento da criança. Os dados levantados sugerem a curiosidade, a espontaneidade, a aquisição da locomoção e da linguagem como evidências do desenvolvimento e a interação responsiva como estratégia promotora do desenvolvimento holístico. Palavras-chave: Desenvolvimento.Educação Infantil. Interação FROM BABY TO CHILD: CHARACTERISTICS AND INTERACTIONS ABSTRACT: This theoretical paper aims to describe the main characteristics of development during the first three years of life, and reflect on education for early childhood development within an educational context. Adopting a chronological logic, we seek to present and discuss children's development in an integrated manner and situate the Day Care/Child Education as a facilitating educational context of the child/adult interaction that promotes education for the development of the child. The data collected suggests curiosity, spontaneity, the acquisition of locomotion and language as evidence of the development, and the responsive interaction as a strategy to promote holistic development. Keywords: Development. Early Childhood Education. Interaction Isabel Simões Dias Introdução No contexto educativo, trabalhar com crianças até aos 3 anos exige um conhecimento profundo das caraterísticas desenvolvimentais desta faixa etária e uma reflexão profunda do significado da educação para o desenvolvimento na primeira infância. Assim, assumindo o risco de incidir sobre uma fase da vida que envolve mudanças significativas a nível físico-motor, cognitivo, linguístico, sócio afetivo e que retrata a base da formação da personalidade da criança enquanto ser humano, abordamos esta etapa de uma forma geral (conscientes de que as crianças podem omitir e/ou viver de maneira distinta esta fase de desenvolvimento - não há uma criança única, mas crianças com numerosas diferenças individuais) e ensaiamos uma discussão sobre a interação responsiva como pilar da educação para o desenvolvimento nos primeiros anos de vida. De bebé a criança: percurso dos 0 aos 3 anos A Psicologia do Desenvolvimento pretende descrever e explicar as mudanças psicológicas, comportamentais e de funcionamento que ocorrem no ser humano ao longo do tempo (MATTA, 2001). Neste sentido, no âmbito da Psicologia, equacionase o desenvolvimento como um processo dinâmico, longo e complexo que se inicia na concepção e perdura até à morte. Este processo de mudança engloba as dimensões afetiva, cognitiva, linguística, social, físico-motora que, ao interpenetrarem-se, ao influenciarem-se mutuamente, originam o desenvolvimento harmonioso do sujeito. Na primeira infância este processo ocorre de forma rápida e, desejavelmente, integrada. Com o nascimento começa um novo período na vida do ser humano. Este período propicia ao bebé momentos de crescimento rápido acompanhado por (des)equilíbrios e/ou relativa calma ou consolidação. Enquanto recém-nascido, o bebé não distingue o Eu do não-Eu, sendo profundamente inconsciente (adualismo do recém-nascido) e regulado por reflexos. Como já defendia Gaupp (1934, p. 27/28), […] por movimentos tumultuosos e gritos desarticulados pode exprimir as suas necessidades. Esses gritos e movimentos representam quase em absoluto o carácter de puros movimentos reflexos, isto é, são produtos de excitações exógenas ou endógenas que se sucedem Rev.Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 06, n. 11, p. 158-172, jan.-jun. 2014 159 Isabel Simões Dias instintivamente sem participação de processos psíquicos conscientes. O bebé não necessita de ser ensinado a mover as suas pernas, a chupar ou a chorar e depressa aprende a chamar a atenção de quem o poderá aliviar da sua fome ou do seu mal-estar. Conforme defende Avô (2000), o bebé nasce com todo o equipamento sensorial e percetivo para se relacionar com o mundo exterior, provocando, através do olhar, dos gestos e das atitudes, os comportamentos que satisfaçam as suas necessidades. À medida que as áreas motoras e percetivas do cérebro se desenvolvem, ocorrem mudanças significativas nas suas capacidades físico-motoras. É capaz de se sentar, de agarrar objetos, de controlar um pouco melhor o seu corpo, de segurar a sua cabeça, de levar as mãos ao peito, de coordenar a visão e a preensão, de brincar com os seus dedos, de apreciar o barulho das suas mãos quando arranha uma superfície, de explorar e/ou de examinar objetos levando-os à boca. Esta passagem da passividade à atividade solicita repetição de ações interessantes e reconhecimento de objetos significativos em contextos situados. Estas novas possibilidades permitem-lhe ir compreendendo a permanência das pessoas, mas não ainda a dos objetos. Os sons vão surgindo, soltando frequentemente gorjeios ou balbucinações. O sorriso e o contato visual começam a surgir de uma forma regular, solicitando jogos sociais com adultos. Segue faces com o olhar, seleciona imagens do seu campo visual, vira a cabeça para ruídos ou vozes, imita expressões faciais, acompanha com movimentos o discurso do adulto. Por volta dos sete meses, o bebé começa a apreciar as suas duas mãos e descobre os pés. Vai conseguindo agarrar com segurança dois objetos, um em cada mão simultaneamente. Aos oito meses senta-se firmemente no chão, estendendo-se em todas as direções à procura de brinquedos que estejam no seu campo de visão e ao alcance dos seus braços. Explora e experimenta intencionalmente o meio, distinguindo pessoas estranhas de familiares, reagindo à sua presença. Por volta dos nove/dez meses torna-se consciente da permanência dos objetos, o que pressupõe a localização do objeto, a organização do espaço e de relações particulares (por cima/ por baixo, por exemplo). Esta noção, não é, portanto, inata. Exige alguns meses para se construir. Para Matta (2001, p. 177), “ […] só com a emergência da permanência do objecto que uma nova compreensão da deslocação, mudança de posição e mudanças de estado é possível”. Olhando um novo brinquedo atentamente por uns instantes (como que analisando as suas qualidades), satisfaz as suas Rev.Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 06, n. 11, p. 158-172, jan.-jun. 2014 160 Isabel Simões Dias curiosidades. Adquirindo outras possibilidades motoras, atira brinquedos para o chão e interessa-se por ver e ouvir a sequência dos acontecimentos. Como afirmava Piaget (1977, p. 16), O encontrar de um objecto exterior desencadeará a necessidade de brincar, a sua utilização para fins práticos […] a acção termina logo que se dê a satisfação das necessidades, isto é, quando se restabelece o equilíbrio entre o facto novo, que desencadeou a necessidade […]. As capacidades motoras do bebé desenvolvem-se e rapidamente começa a permanecer de pé e a andar. Com a evolução da sua mobilidade, aproxima-se mais da figura materna, procurando a sua colaboração nas brincadeiras. Na rotina da vivência familiar, a criança aprende que as coisas mantêm a sua propriedade e que o comportamento das pessoas vai mudando conforme as situações. Aos poucos, vai pronunciando as primeiras palavras e compreendendo entoações vocais, palavras singulares, pequenas instruções ou proibições em forma de frases simples (BARBEIRO, 2000). As conversas dos adultos do seu mundo familiar interessam-lhe, gostando de os ouvir falar, que falem com ele, que brinquem com ele, que o acariciem. As suas primeiras ações dependem muito da afeição e do carinho na sua relação dual com a mãe. Como defende Caldeira (2008), o afeto da mãe pelo seu filho facilita as ações e influencia o desenvolvimento da personalidade da criança - desde os primeiros anos de vida, a criança necessita deste contato social conforme prova o síndrome de hospitalismo de Spitz (2004). Durante o período dos doze aos dezoito meses produz-se um avanço notório nos diversos domínios do desenvolvimento. A criança desenvolve a sua destreza motora, coloca questões, afirma a sua vontade, tornando-se, por vezes, difícil de controlar. Necessita de assumir um papel participativo/ativo, observando tudo com atenção e explorando o seu mundo exterior. Utiliza de uma forma (mais) prolongada os objetos, manipula caixas, mexe nos armários, maneja cubos, manifestando uma preensão adequada, rasga papéis, empurra e puxa brinquedos, bebe líquidos utilizando o copo. Preparado para fazer uma série de (novas) aquisições, inicia o seu processo de controle esfincteriano, tendo a possibilidade de expulsar ou reter, expelir ou conservar conforme a sua vontade. Este desejo da criança de controlar as suas eliminações junta-se à sua vontade de dirigir tudo, fugindo ao domínio dos adultos. Rev.Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 06, n. 11, p. 158-172, jan.-jun. 2014 161 Isabel Simões Dias Comunica as suas necessidades e sentimentos numa mistura de gestos expressivos e vocalizações audíveis num repertório de palavras soltas usadas correta e espontaneamente. Com o aperfeiçoamento do seu corpo e dos seus membros, a criança começa a empenhar-se em atividades motoras como o puxar, o empurrar, o transportar objetos e o subir degraus. As suas explorações são infindáveis e, como o seu sentido de perigo, a sua compreensão e linguagem ainda são limitados, requer uma atenção constante por parte do adulto. Interessa-se por atividades que desenvolvam a sua motricidade fina como mexer no conteúdo de gavetas, desfazer objetos, meter os dedos em buracos, construir torres com cubos, brincar na areia ou fazer desenhos (apesar de ainda não passar do nível do risco muito espalhado). Por volta dos dois anos, a sua atividade mais caraterística é o faz de conta, o fingir, representando o mundo exterior mentalmente com imagens, memórias e símbolos. Os seus interesses associamse à realidade familiar quotidiana, começando a desenvolver alguns episódios de role play relacionados com a sua rotina (utiliza objetos domésticos como o cesto de comprar, o balde, as chávenas, os pires, o telefone, …). Começa a juntar duas ou mais palavras para formar pequenas frases do tipo agente-ação-objeto que se referem a assuntos familiares ou a necessidades e acontecimentos do aqui e agora. Comunica os seus desejos, recusas, preferências, utilizando vocalizações e o gesto (aponta o dedo, por exemplo). Compreende o que lhe dizem, fazendo eco da palavra final quando a frase lhe é dirigida, imitando o adulto. Adquire o gosto por brinquedos em miniatura, sendo capaz de compreender que representam coisas e pessoas do mundo real. Utiliza-os para reproduzir situações da vida quotidiana, sabendo qual o papel que têm nestas situações. Mostra-se confusa com o tamanho dos objetos relativamente ao seu próprio corpo, justificando a razão pela qual tenta, por exemplo, sentar-se numa cadeira em miniatura, montar num cavalo ou entrar num veículo motorizado. Quando compreende que isso não é possível, substitui-os por ursos de peluche ou bonecas grandes - o brinquedo ajuda a criança a fazer a transição do pensamento imaginário para o real (ANDRADE, STADLER, & PILLATI, 2009). Ressente-se com qualquer contrariedade e tem ainda dificuldades em mostrar consideração pelos outros, principalmente os seus pares, crianças mais novas ou desprotegidas. É uma fase natural de socialização e não de inveja ou agressão (FREITAS, 2002). Rev.Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 06, n. 11, p. 158-172, jan.-jun. 2014 162 Isabel Simões Dias A partir dos dois anos torna-se mais hábil em todas as formas de atividade motora. Transporta, trepa, salta, corre, pontapeia, atira objetos (ainda que de uma forma desajeitada), constrói torres com cerca de 10 cubos, segura um lápis e faz gatafunhos, aprecia puzzles simples, abre portas, joga à bola, sobe escadas, etc. A aquisição do não marca o início da autonomia, a capacidade para realizar as suas atividades sem a ajuda do adulto (VIEIRA, 2009). Conquistando a afirmação do Eu como individualidade distinta dos outros, começa a utilizar pronomes pessoais e possessivos (meu/minha, o meu/a minha), indicando o nascimento da noção de propriedade. Para a criança desta idade, uma boneca ou um boneco de peluche pode não ter uma conotação afetiva apesar de gostar de os transportar para todo o lado e de resistir quando lhos tentam tirar (pertencem-lhe!). Devido à sua preocupação imatura com o Eu e uma realização muito primitiva do não-Eu, a criança tende a tratar os bonecos e outras crianças, com aparente falta de afeição ou de preocupação. O egocentrismo leva-a à convicção de que todas as coisas lhe pertencem por direito. A sua filosofia é eu vejo, agarro e aquilo que eu tenho é meu. A sua maturação cognitiva e emocional ainda não lhe permite fazer a distinção entre o Eu e o não-Eu, entre o Eu e o Tu e entre o Nós e o Eles. Só com a perceção intuitiva entre o Eu e o mundo exterior poderá estabelecer trocas dirigidas, conscientes, formuladas, articuladas e descentradas. A descoberta da sua própria individualidade origina as primeiras manifestações de personalidade e carácter. Como argumentam Edwards e Rinaldi (2009, p. 88) “(…) the awareness of being and the means of expressing his ‘me-ness’ which are absolutely essential for becoming autonomous and distinguishing ourselves from other people and things (…)”. Usa instintivamente uma comunicação composta de palavras, mímica e, ocasionalmente, códigos linguísticos. Esta evolução reflete-se nas suas brincadeiras. Segue os adultos, imitando-os nas suas atividades domésticas, pedindo encorajamento e colocando inúmeras questões. O adulto é envolto numa auréola, uma vez que pode tudo, sabe tudo, vê tudo. Estende os role play a pequenas situações que inventa como tomar conta de bebés, cozinhar, fazer as camas, servir refeições. Estes episódios da vida quotidiana tornam-se cada vez mais organizados e prolongados sendo realizados com seriedade. Durante estas realizações, a criança pequena fala em voz alta para si mesmo, descreve e explica o que está a fazer, formula as suas preocupações, dá-se instruções, brinca para si, fala sem se dirigir a alguém em particular e sem se preocupar em ser escutada. Rev.Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 06, n. 11, p. 158-172, jan.-jun. 2014 163 Isabel Simões Dias Depois dos dois anos e meio, o seu espaço continua maioritariamente relacionado consigo mesmo. Está, todavia, preparada para consentir, por uns instantes, que um ou duas crianças, que lhe sejam familiares, entrem no seu mundo de brincar, aventurando-se igualmente no deles. Apesar de brincarem próximos uns dos outros, cada um brinca para si mesmo, cada um tem os seus próprios brinquedos, o seu próprio espaço. O seu desenvolvimento social é ainda imaturo, não permitindo, por isso, a coordenação nem uma relação estável entre pares (VYGOTSKY, 1991). Necessita de um espaço e brinquedos próprios, pois compreende os seus direitos, mas não os direitos dos outros. Entre os dois e os três anos, a destreza manual amplia-se, permitindo-lhe pintar, com traços que gradualmente se vão aperfeiçoando. Pode realizar jogos de encaixe, de desenroscar, de perfurar. As leitura de histórias entusiasmam-na, podendo passar folha a folha com os seus próprios dedos (NÚNEZ, 2005). À medida que a criança cresce e se desenvolve, vai ganhando força, precisão e controlo corporal, progredindo ao nível das interações que vai celebrando. A par destas transformações físicas e motoras, começam a surgir as primeiras palavras e, posteriormente, as primeiras frases. Esta crescente capacidade linguística traz inúmeras implicações ao nível da comunicação com os outros. A criança começa a conversar, a questionar, a querer saber sempre mais, numa tentativa de compreender o mundo que a rodeia. As potencialidades desenvolvidas ao longo dos primeiros três anos de vida levam o bebé a transformar-se numa criança com caraterísticas próprias e singulares. O Educador Infantil, conhecendo as caraterísticas desenvolvimentais e respeitando a criança pequena enquanto ser individual, educa-a para o desenvolvimento, escutando-a nas suas múltiplas linguagens. A interação responsiva na Educação Infantil O desenvolvimento na primeira infância é um processo essencialmente interno e socialmente mediado, assistido e apoiado (BRUNER, 1988; VYGOTSKY, 1978) que solicita o cuidar e o educar do adulto. Em Portugal, as crianças até aos 3 anos de idade têm acesso à Creche (resposta social nacional que visa cuidar e educar as crianças em parceria com os pais) e a educadores infantis com formação própria que sustentam a sua ação educativa em modelos pedagógicos cientificamente testados. Estando afetivamente disponíveis para o envolvimento com as crianças (NÚNEZ, 2005), Rev.Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 06, n. 11, p. 158-172, jan.-jun. 2014 164 Isabel Simões Dias estes educadores guiam e suportam o processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança pequena, organizando o espaço e o tempo e todos os outros recursos necessários para que cada experiência educativa seja promotora de bem-estar da(s) criança(s). Incentivando o interesse pela descoberta, o desejo de aprender e o desenvolvimento do potencial criativo da criança, o educador infantil interage com a(s) criança(s), fomentando a descoberta de novos desafios e dinamizando momentos de auto e hetero conhecimento. Colocando-se à disposição da criança para a ajudar a lidar com eventuais obstáculos ou angústias que possam surgir, cria as condições para que a criança se desenvolva de forma holística e harmoniosa. Deseja-se, assim, que o educador infantil seja sensível e empático e que responda ao que a criança está a sentir e a viver naquele instante situado na sua rotina diária. Por exemplo, nos momentos privilegiados de interação e de intimidade afetiva (como a muda da fralda, a alimentação ou a sesta), almeja-se que o educador usufrua deste momento com a criança, sintonizando-se com o seu ritmo e com as respostas individuais de cada criança (EDWARDS e RINALDI, 2009). É indispensável que o Educador Infantil ouça genuinamente com os olhos, com o coração e com o pensamento e que responda de forma sensível e apropriada à criança, que lhe dê tempo para responder e escutar a sua resposta, apoiando-a nos seus momentos de exploração, acompanhando-a e celebrando o seu potencial. Neste desafio relacional, a flexibilidade e disponibilidade afetiva para interagir com as crianças são essenciais para o desenvolvimento infantil. Conforme Oliveira e Rossetti-Ferreira (1993) defendem, o desenvolvimento infantil solicita o fortalecimento de situações de interação adulto/crianças, numa negociação de significados em ações partilhadas. Conhecendo o nível de atividade de cada criança, as suas caraterísticas de distratibilidade, de intensidade, de regularidade, de limiar sensorial, a sua timidez/ousadia, a sua persistência, humor e/ou reatividade, o educador infantil pensa em cada criança na sua individualidade (CORDEIRO, 2010), construindo com ela interações promotoras de intimidade e satisfação, numa perspetiva de desenvolvimento através da ludicidade afetiva. Sabendo que o brincar é uma necessidade biogenética que a criança tem de se conhecer e de conhecer os outros e o espaço que a rodeia, sempre que o adulto interage com a criança de forma lúdica contribui para a satisfação da sua necessidade de atividade e fomenta aprendizagens diversas (com o adulto, a criança aprende, por exemplo, as propriedades dos objetos e suas funcionalidades, as primeiras noções de ordem, de sequência, de comparação, de classificação, de contagem, aprende a regular o Rev.Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 06, n. 11, p. 158-172, jan.-jun. 2014 165 Isabel Simões Dias seu comportamento e as suas emoções, a resolver problemas, a formular objetivos, a planear, desenvolvendo a sua memória, atenção/concentração ou perceção) (LÉZINE, 1982; DIAS, 2005). Esta intencionalidade educativa sustentada no lúdico pressupõe competências de observação/avaliação/planificação/ação/comunicação/articulação (DECRETO LEI n.º 241/2001, de 30 de Agosto) que devem emergir de forma organizada, rigorosa, tolerante e flexível num educador que acede à perspetiva da criança de forma autêntica. Subentende ambientes lúdicos que respeitem a criança, fomentem a sua autonomia, a interação/comunicação/diálogo com a criança. Conforme Portugal (2008, p.7), As crianças aprendem e desenvolvem-se bem na interacção com pessoas que cuidam delas, que as amam, que as respeitam e lhes conferem segurança; pessoas atentas e sensíveis às suas particularidades, criando espaços equilibrados de estimulação, desafio, autonomia e responsabilidade; pessoas de referência na sua vida, como serão os familiares próximos bem como educadores e professores ao longo da infância. Sendo tarefa do educador infantil estabelecer uma relação educativa de afetos com o(s) bebé(s)/ criança(s), envolvendo-os e estimulando-os nas experiências educativas e avaliando as motivações e o significado de cada uma das ações da(s) criança(s) para o seu desenvolvimento (PORTUGAL, 2009), educar para o desenvolvimento na Educação Infantil implicará: i) considerar o bebé/criança como parceiro (ver os bebés como parceiros, procurando momentos na rotina para promover trocas emocionais); ii) personalizar as interações com cada bebé/criança (personalizar as interações com cada criança, por exemplo, cantando cantigas com os nomes de cada um dos bebés ou com significado especial para determinada criança); iii) observar as preferências do bebé/criança (observar as crianças para identificar as suas preferências para interagir e/ou fornecer oportunidades ao longo do dia para a criança fazer escolhas); iv) observar o que dá prazer ao bebé/criança (por exemplo, identificar três coisas que dão prazer à criança; v) escolher posições que encorajem trocas emocionais positivas (escolher posições que facilitam a troca positiva Rev.Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 06, n. 11, p. 158-172, jan.-jun. 2014 166 Isabel Simões Dias de emoções como a partilha divertida de descobertas realizadas pela criança); vi) regular a direção das interações para ir ao encontro do ritmo de cada bebé/criança (por exemplo, alterar o tom de voz ou adequar o discurso para apoiar a habilidade da criança para comunicar); vii) tornar as interações previsíveis (tornar as ações consistentes ao longo do tempo - por exemplo, pegar na criança de forma semelhante à que os pais mostram que a criança gosta); viii) fazer parceria com os pais (solicitar aos pais que descrevam interações que os seus filhos gostam e/ou observar os pais para identificar estratégias que usam para personalizar as interações com os seus filhos) (LEIFIELD e SANDERS, 2007). Educar para o desenvolvimento exige, pois, respeito e valorização das potencialidades da criança e um Educador Infantil que não limite a sua ação educativa à satisfação das necessidades básicas da(s) criança(s) mas que fomente a sua liberdade para explorar sensitivamente e para aprender num contexto de exploração. Como afirma Carvalho (2005, p. 40), […] na 1.ª infância a linguagem é primeiramente uma linguagem das sensações, dos sentidos. Na 1.ª infância, sentir, brincar, jogar são aspectos particularmente significativos para a linguagem desenvolvimental da personalidade, do temperamento, das relações emocionais e da inteligência. Nesta interação responsiva, o questionamento surge como estratégia reguladora da ação educativa e como competência a desenvolver: i) Quais os brinquedos ou interações de que o bebé/criança gosta? ii) Como é que o bebé/criança gosta de ser tocado e embalado? iii) Como é que o bebé/acalma quando está agitado? iv) Quais são as reações do bebé/criança aos sons, ao toque/texturas? v) A que objetos/coisas está atento o bebé/criança quando está sozinho? vi) Como é, normalmente, bebé/criança? o estado Rev.Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 06, n. 11, p. 158-172, jan.-jun. 2014 de humor do 167 Isabel Simões Dias vii) Com que frequência o bebé/criança dorme, come, defeca? Ao questionar-se sobre quem é a criança com quem está a interagir, o Educador Infantil cria as condições para proporcionar à criança pequena oportunidades para a exploração com todos os sentidos, valorizando-a enquanto ser individual, único, competente, com caraterísticas próprias e múltiplas linguagens. Ao conhecê-la, compreende e reconhece as suas necessidades, respondendo-lhe de forma adequada. Estabelecendo uma relação de confiança, promove um ambiente seguro, saudável e adequado ao desenvolvimento da criança, proporcionando oportunidades à criança para interagir com outras crianças pequenas, com adultos responsivos e carinhosos e com o mundo físico e real (POST e HOHMANN, 2011). Como defende Portugal (2000, p. 86), […] o bem estar dos mais pequenos requer profissionais com conhecimentos sobre o comportamento e desenvolvimento das crianças, capazes de compreender e reconhecer as suas diferentes necessidades e promover a exploração, respeitando a sua curiosidade natural. Nos primeiros anos de vida, educar para o desenvolvimento da criança será, então, i) conhecer a criança, identificando e compreendendo as pistas comunicacionais (verbais e não verbais) da criança; ii) antecipar as necessidades da criança (quando e o que precisa a criança?); iii) encontrar espaços privilegiados de interação um a um (estar disponível para a criança, ser sociável, amoroso e fisicamente sensível); iv) dar liberdade à criança para se movimentar e descobrir as suas capacidades, no seu tempo; v) enfatizar as rotinas (sesta, vestir/despir, refeições, higiene) como momentos únicos de construção de relações íntimas; vi) acreditar na competência da criança (as crianças são capazes de se descobrir e de descobrir o ambiente nos seus termos); vii) respeitar a criança enquanto caraterísticas próprias; ser Rev.Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 06, n. 11, p. 158-172, jan.-jun. 2014 individual com 168 Isabel Simões Dias viii) assumir que as crianças aprendem quando estabelecem uma relação íntima, responsiva e de confiança (DALLI e KIBBLE, 2010). Para o National Infant & Toddler Child Care Iniciative (2010), a interação adulto/criança nos primeiros anos tem um papel importante no desenvolvimento emocional e social da criança, devendo um trabalho educativo sustentado na interação pressupor o respeito pela pessoa, a sensibilidade pelo contexto de ação, o compromisso com a mudança (por parte de todos os intervenientes), a existência de objetivos comuns (pais e educadores), uma comunicação aberta, uma reflexão sobre a prática e valores comuns (pais e educadores). O educador responsivo será, assim, aquele que i) observa as pistas verbais/não verbais da criança; ii) pergunta a si mesmo qual o significado dessas pistas, adaptando a resposta a dar à criança com base na observação e interpretação da mensagem da criança; iii) segue o caminho da criança; iv) estabelece relações responsivas e calorosas e v) cria um ambiente saudável e seguro. Este educador será um bom ouvinte, capaz de comunicar à família os aspetos positivos do desenvolvimento da criança, de confirmar que a família compreende a mensagem, de descrever comportamentos em vez de rotular a criança, de dar tempo à família para pensar, processar a informação e responder, de pedir feedback e de colocar questões. Será sensível às necessidades emocionais da família, partilhando informações e pensando com a família. Como defendem Dalli e Kibble (2010), ser educador numa lógica de educação para o desenvolvimento é ser como uma árvore. Primeiro estabelecem-se as raízes, conhecendo cada criança e cada família, identificando o que é mais importante para elas (para poder fazer as coisas da mesma forma que a criança já está habituada a fazer). Depois, estabelece-se uma base segura para a criança (o tronco da árvore!), tornando-se a pessoa com quem a criança se sente segura. À medida que a criança se vai desenvolvendo e sentindo (mais) segura, surgem os galhos da árvore que ajudam a criança a atingir e a construir relações com as outras pessoas que as rodeiam. Rev.Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 06, n. 11, p. 158-172, jan.-jun. 2014 169 Isabel Simões Dias Em síntese, nos 3 primeiros anos de vida, educar para o desenvolvimento será escutar a voz da criança e, com ela, encetar experiências de aprendizagem significativa. Será comunicar com os afetos, desfrutar da relação com o Outro, descobrindo-o nas suas caraterísticas próprias. Conclusão A nível individual, o desenvolvimento na primeira infância pressupõe mudanças qualitativas e quantitativas e uma constante reorganização ao nível da perceção/conceção e da ação/atividade (ROGOFF, 1993). A criança desenvolve-se de forma rápida a nível cognitivo, motor e socio afetivo, necessitando da interação com adultos e pares para que o seu desenvolvimento ocorra de forma harmoniosa. O Educador Infantil, conhecedor das caraterísticas da criança, educa para o desenvolvimento sempre que valoriza e respeita as potencialidades da criança, que promove a comunicação/interação num ambiente educativo facilitador da exploração, da experimentação, da observação, da vivência de experiências afetivamente significativas. Referências ANDRADE, P., STADLER, R. & PILLATI, Luís. Pontos e contrapontos nas abordagens de Piaget e Vygotsky: contributos para a educação infantil. I Simpósio Nacional de Ensino de Ciências e Tecnologia, 2009, p.808-823. AVÔ, António. O desenvolvimento da criança. Lisboa: Texto Editora, 2000. BARBEIRO, Luís. Com a linguagem lado a lado dos sons. Leiria: Legenda Edição e Comunicação, 2000. BRUNER, Jerôme. Desarrollo cognitivo y educación. Madrid: Marata, 1988. CALDEIRA, Pedro. Regras e concepções para a escrita científica (área da psicologia). Lisboa: Climepsi Editores, 2008. 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