A nossa MEzzO-SOPRANO

Transcrição

A nossa MEzzO-SOPRANO
música | festival em trancoso
A nossa mezzo-soprano
Uma das promessas do
canto lírico, a brasileira
Josy Santos foi destaque
do festival de música em
Trancoso, evento que
atrai para o pequeno
paraíso tropical baiano
músicos do mundo
inteiro e, em sua terceira
edição, inaugura um
dos mais arrojados
anfiteatros do País
por Carla Matsu
D
10 6 brasileiros.com.br
abril 2014
noites clássicas Josy Santos empolga o público ao interpretar Habanera, da ópera Carmen
em Araras, uma pequena vila do município de Campo Formoso, a cerca de
400 km de Salvador, deixou a terra natal
com os pais e os irmãos para assumir
novos destinos no litoral paulista, em
Caraguatatuba. Josy tinha 5 anos. Aos
12, entrou para o Projeto Guri, programa que prevê a inclusão sociocultural
por meio da educação musical. E não
parou. Aos 14 integrou o Coro Municipal da Cidade e teve a certeza: seguiria
com a música a partir dali.
Propor-se a viver do contexto
da música erudita poderia ser um
empecilho dentro de uma família sem
tradições de músicos. Mas não foi o
que aconteceu. “As coisas são muito naturais dentro da minha família.
Não temos essa pressão para eu ser
uma advogada ou arquiteta. O que
minha mãe sempre diz é ‘filha, se
você estiver feliz, também estou’.”
Apresentar-se para uma plateia
com mais de mil pessoas começou a
se tornar frequente depois que Josy
se mudou para São Paulo para cursar música. No ano passado, integrou o elenco da ópera O Menino e
f o to : J e a n d e M att e i s / d i v u l g a ç ã o
esde que deixou o Brasil, em
novembro de 2013, para morar
em Frankfurt, na Alemanha,
Josy Santos viu a vida assumir
novas dimensões e desafios. Mas não
são as baixas temperaturas do inverno
alemão que diminuem o sorriso da moça
de 25 anos. É a falta que ela sente da
cultura, mais especificamente do calor
do povo brasileiro, que deixa algumas
reticências no sonho que destinou para
si desde que começou a levar a sério a
carreira como cantora lírica, já na adolescência. “Sinto falta dessa nossa coisa
expansiva, de chegar e dar risada. De
abraçar e conversar”, diz, como se já
previsse a saudade que sentiria. Em
uma semana, Josy deixaria a cidadezinha turística de Trancoso, no litoral
da Bahia, para voltar à Alemanha, onde
irá concluir o mestrado em música.
Josy é a própria descrição do perfil
brasileiro que ela gostaria de encontrar com mais frequência nas ruas de
Frankfurt. A mezzo-soprano é do tipo
que sorri enquanto fala e doa abraços
fortes. Ao deixar a Bahia, ela também
carrega uma nostalgia a mais. Nascida
a Liberdade, do compositor carioca
Ronaldo Miranda. A ópera, interpretada em português, revela a história
de um menino que, nos anos 1950,
questiona os mais diversos significados da palavra liberdade.
Poder cantar no próprio idioma
também traz uma satisfação a mais:
“É quando posso colocar o meu idioma para todos ouvirem. É através da
música que posso passar a minha mensagem. O canto é a única expressão
da música que tem um texto, é a que
mais alcança porque tem a fala. Da
música brasileira erudita, as pessoas
só conhecem o Villa-Lobos e a gente
tem tantos outros músicos”.
Um dos destaques da programação
do Música em Trancoso, que aconteceu entre 15 e 22 de março, Josy
também recebeu a responsabilidade
de estrear o festival. Acompanhada
pela Orquestra Jovem do Estado de
São Paulo (OJESP) e sob regência do
maestro Cláudio Cruz, foi ela quem
deu voz ao Hino Nacional. Na segunda e na penúltima noite, interpretou
a ópera Carmen, de Georges Bizet, e
O Barbeiro de Sevilha, de Gioachino
Rossini. Foi aplaudida em pé. “Ela tem
uma linda voz e já é cotada para se
apresentar na Europa”, conta Sabine
Lovatelli, uma das idealizadoras do
festival e presidente do Mozarteum
Brasileiro, instituição que promove
e fomenta a música erudita no Brasil
desde 1981. Foi por meio do Mozarteum que Josy conseguiu a bolsa de
estudos que a levou à Alemanha.
Estar no mesmo país, cuja tradição
da música erudita nasce com nomes
como os de Johann Sebastian Bach,
Ludwig van Beethoven e Richard Wagner, sustenta mais os planos de Josy,
mesmo entre as saudades. “Olha, não
vou dizer que é fácil”, sorri ao ser perguntada sobre a experiência fora do
País. “Mas estou lá com um objetivo.
Esse mestrado foi um sonho, algo que
almejei muito.” E reflete reticente:
“A saudade ameniza quando penso
nesse ponto”.
Ivan Lins. O jazz ocupou o auditório
no quarto dia, quando uma das revelações do estilo, a americana Jane
Monheit, subiu ao palco.
Mesmo com uma programação
variada, o festival defende sua identidade voltada para a música erudita.
Prova disso foi a escalação da OJESP
em quatro noites. Formada por jovens
de 12 a 26 anos, a orquestra se apresentou pela segunda vez em Trancoso. O repertório tocado este ano,
segundo o maestro Cláudio Cruz, foi
mais desafiador que o anterior. “Não
somente pelo número de concertos.
Mas pela qualidade, dificuldade e
diversidade”, conta.
À frente da OJESP desde 2012,
Cruz acompanha não só a evolução
dos jovens músicos, mas acaba também lidando com expectativas. Se há
ansiedade, segundo ele, não vem tanto
dos jovens, e sim dele. “Talvez por não
se darem conta ainda do tamanho da
responsabilidade.” Ele mesmo, com
uma trajetória que soma mais de 30
anos e prêmios importantes, diz que
aprende administrar a própria ansiedade e a impressão é de que ela aumenta
a cada ano. De Trancoso, Cruz seguiria para Israel, convidado para reger
a Israel Netanya Kibbutz Orchestra. Nas duas últimas apresentações
da OJESP, o convite para regê-la foi
estendido ao maestro espanhol Antonio Méndez, outro jovem talento que,
em 2012, recebeu o prêmio do Nikolai
Malko Competition for Young Condutores, em Copenhague, na Dinamarca.
Perfeição em Trancoso
Durante os oito dias de programação, o Música em Trancoso reuniu
músicos da França, Áustria, Polônia,
Inglaterra, Estados Unidos e Brasil. As
duas primeiras noites foram destinadas à música de concerto, já a terceira
à bossa nova, com o pianista Cesar
Camargo Mariano, acompanhando
O anfiteatro
No primeiro dia do festival Música
em Trancoso, o céu limpo não poderia
indicar que uma chuva atingiria logo a
metade da apresentação da OJESP. A
plateia de mais de 1.100 pessoas escutava atentamente o primeiro movimento de Prelúdio à Tarde de um Fauno,
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música | festival em trancoso
anfiteatro mozarteum Com capacidade para 2.200 pessoas, conta com dois palcos,
um a céu aberto, outro subterrâneo e um prédio anexo com salas de ensaio e bar
salas de ensaio e um bar. Intitulada
de Facilities, a construção segue as
mesmas linhas orgânicas do auditório e recebeu placas de cobre triangulares, feitas pela artista plástica
Maria Bonomi. Nelas, Maria conta
um pouco sobre a história do Descobrimento do Brasil.
Valentiny, amigo de Sabine, é também um dos idealizadores do Música
em Trancoso, que teve em sua primeira edição um palco provisório.
Segundo Sabine, a ideia de oferecer
um festival que se dividisse entre
música clássica e popular partiu do
austríaco Reinold Geiger, presidente da marca L’Occitane e principal
mantenedor do festival. Devido ao
Orquestra Jovem do Estado de São Paulo, sob regência do maestro Cláudio Cruz
e o contrabaixista australiano Matthew McDonald, na segunda noite do festival
10 8 brasileiros.com.br
abril 2014
sucesso da primeira edição, Geiger e
os amigos decidiram levar a ideia do
festival adiante. E deu certo.
Nesta edição, os ingressos, todos
gratuitos e disponibilizados na Internet, se esgotaram em apenas uma
manhã. Além disso, as inscrições para
as masterclasses – aulas de música
ministradas por solistas – tiveram a
procura de jovens músicos de diferentes estados do País.
Segundo Sabine, uma das intenções do festival é que ele também
possa promover não só Trancoso e o
Brasil como referência para a música clássica, mas também impulsionar a economia local em momentos
de baixa temporada.
Outro ponto alto do evento é sua
vocação à educação. Ao aproximar
jovens músicos de outros consagrados,
Sabine diz que a intenção é a de eliminar uma barreira. “Às vezes, existe
uma barreira entre a música erudita
e o público. Queríamos derrubá-la.
Acho que conseguimos”, conta. “Não
esperamos que todos esses jovens se
tornem músicos profissionais. Mas
para nós também é importante formar um público que entenda a música, pois o fato de saber interpretá-la, de dialogar com ela, é algo que
desenvolve massa crítica entre eles e
os ajuda a tomarem conta da própria
vida”, completa Sabine. I
f o to : J e a n d e M att e i s / d i v u l g a ç ã o
de Claude Debussy. Era noite quando
a chuva exigiu que toda a orquestra e
público descessem para o andar inferior do Anfiteatro Mozarteum, instalado
em um campo verde de 300 hectares
sobre as falésias de Trancoso.
O projeto do anfiteatro, concebido
pelo arquiteto luxemburguês François
Valentiny, previu as interferências do
instável clima baiano, mas não só isso.
O centro cultural, com seus 2.750 m²,
é um projeto único que também se
preocupou em atender demandas que
incluem ensaios, aulas e outros tipos
de apresentações. “É um projeto feito
por mim, mas para as pessoas”, conta um Valentiny sorridente e curioso
para ver, na ocasião, a inauguração
do auditório. Além da integração e o
respeito ao entorno, uma das grandes
preocupações do projeto dizia a respeito da acústica do local. “Quando
você está nesse teatro precisa ouvir
exatamente o que vê. O som reflete
de todos os lados”, explica o arquiteto, também responsável pela Casa
Mozart, na Áustria.
Sobre a construção, Sabine Lovatelli não esconde a admiração: “Não
há nada igual no mundo, não?”. O
Anfiteatro Mozarteum compreende
dois auditórios gêmeos, um a céu
aberto e outro subterrâneo, ambos
com capacidade para 1.100 pessoas.
Além dele, há um prédio anexo com

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