Análise de processos fonológicos observados na Escola Municipal
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Análise de processos fonológicos observados na Escola Municipal
Análise de processos fonológicos observados na Escola Municipal Vista Alegre, do município de Terra Nova do Norte - MT Sidnei Alves da Rocha1 [email protected] Valdenor Santos Oliveira (FCSGN)2 [email protected] Resumo: O presente trabalho objetivou identificar e coletar os processos fonológicos mais comuns ou mais interessantes encontrado em uma turma do 8º Ano da Escola Municipal Vista Alegre, localizada no município de Terra Nova do Norte-MT e teve como suporte teórico os estudos da Fonética e da Fonologia do português brasileiro, que foram utilizados para analisar as ocorrências de processos fonológicos identificados na tentativa de compreender os motivos da existência de cada um deles para possíveis tomadas de decisão a fim de saná-los a posterior e, por fim discuti-los com cada aluno envolvido nos principais processos fonológicos analisados com o intuito de torná-los cientes do ―problema‖, tendo sido embasado teoricamente por Ercília Simões, Marcos Bagno, Leonor Scliar, Ana Luiza Bustamante Smolka, dentre outros. A metodologia utilizada foi a prática de produção de texto, tendo sido trabalhado o reconto de mitos produzidos pelos alunos como uma das avaliações bimestrais, que foram lidos, analisados e, em seguida, selecionados aqueles que possuíam as ocorrências mais interessantes para figurar no presente artigo. Palavras-chave: Processos fonológicos, análises, incoerências na escrita e na fala Abstract: This study aimed to identify and collect the most common or most interesting phonological processes found in a class of the 8th year of the Municipal School Vista Alegre, in the municipality of Newfoundland North-MT and had as theoretical support the study of phonetics and phonology Brazilian Portuguese, which were used to analyze the occurrences of phonological processes identified in trying to understand the reasons for the existence of each of them for possible decision making in order to heal them later and finally discuss them with each student involved in major phonological processes analyzed in order to make them aware of the "problem", having been theoretically grounded by Ercília Simões, Marcos Bagno, Leonor Scliar, Ana Luiza Bustamante Smolka, among others. The methodology used was the text production practice, having worked the retelling of myths produced by students as one of the bimonthly assessments, which were read, analyzed and then selected those who had the most interesting events to appear in this Article. Keywords: Phonological processes, analyzes, inconsistencies in writing and in speech 1 Professor especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (2000), formado pela FIP – Faculdades Integradas de Patrocínio-MG e em Tecnologia em Educação (2011), formado pela PUC-RJEducação (EAD), atualmente é mestrando do PROFETRAS – Mestrado Profissional em Letras, pela UNEMAT – Campus de Sinop-MT. 2 Valdenor Santos Oliveira, Licenciado e Bacharel em Educação Física (UNIJUI, Ijuí - RS, 2006), mestre em Educação pela UFMT e atualmente professor da rede Estadual de ensino do Estado de Mato Grosso e da Faculdade de Ciências Sociais de Guarantã do Norte (FSCGN). e-mail: [email protected]. Julho de 2015. 1. INTRODUÇÃO O ambiente escolar é propício para a coleta de inúmeros processos fonológicos comuns no português brasileiro, pois, mesmo que os encontremos em diversas conversas ouvidas em todos os espaços sociais, em placas, outdoors, comunicados, jornais etc., é no ambiente escolar que temos o privilégio de conviver quase que diariamente com nossos ―objetos de estudos‖, de dialogarmos com nossos alunos, de recebermos suas anotações e produções e de analisar e de manusear todo esse rico material que nos chega às mãos. Portanto, os objetivos do trabalho foram os de coletar os processos fonológicos mais comuns encontrados na turma ou mesmo os mais incomuns, tendo como suporte teórico os estudos da Fonética e da Fonologia do português brasileiro, analisá-los e compreender os motivos da existência de cada um desses processos fonológicos para possíveis tomadas de decisão a fim de saná-los a posterior e, por fim, discutir com cada aluno envolvido nos principais processos fonológicos analisados com o intuito de torna-los cientes do ―problema‖. A metodologia utilizada ocorreu em diversos momentos, sendo que o primeiro passo foi solicitar aos alunos que produzissem textos como atividades normais de sala de aula; na sequência as produções foram recolhidas e analisadas cuidadosamente uma a uma com o intuito de fazer um levantamento dos principais processos fonológicos utilizados pelos alunos e, por último, foi feita a seleção dos textos que seriam analisados por conterem ocorrências mais interessantes, que culminou na análise fonológica. Vale salientar que esses processos fonológicos são bastante comuns em nossas salas de aula, mas nem sempre foram aceitos ou vistos com bons olhos, entretanto, aqueles que condenavam e combatiam exageradamente a diversidade linguística tempos atrás sofreram um duro golpe com o advento, em 1997, dos PCN, que trouxeram importantes contribuições para o ambiente escolar, ligadas, especialmente, às mudanças na concepção de ensino de língua nas escolas brasileiras. Nesse sentido, Bagno (2007) afirma que ―[...] a variação linguística não entrava nos planos de ensino, era invisível e inaudível, relegada ao submundo do ‗erro‘.‖ (Bagno, 2007. p. 33), porém, quando se possibilita o acesso obrigatório à educação básica de crianças de 7 a 14 anos, adicionando posteriormente as crianças de 6 anos (ensino fundamental de nove anos) e atualmente, com a aprovação do PNE, a obrigatoriedade ao atendimento das crianças de 4 e 5 anos a partir de 2016, tem-se um aumento considerável no número de matrículas e uma diversidade de alunos com características e dificuldades de escrita muito mais abrangente e cada vez mais complexas. Bagno (2007) em seu livro Nada na língua é por acaso, transcreve o seguinte fragmento dos antigos PCN: A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum considerar as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas. O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma ―certa‖ de falar — a que se parece com a escrita — e o de que a escrita é o espelho da fala — e, sendo assim, seria preciso ―consertar‖ a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um dado momento histórico. (BAGNO, 2007. p. 27) O autor afirma que ―ao lado de outros aspectos igualmente importantes para a renovação do ensino de língua no Brasil, os PCN introduziram alguns conceitos [...] provenientes de uma disciplina relativamente nova dentro dos estudos da linguagem, a Sociolinguística.‖ (BAGNO, 2007. p. 28). Essa disciplina procura estudar a língua levando em conta também a sociedade em que ela é falada, que incluía o estudo da variação e da mudança na perspectiva sociolinguística. Devemos, claro, ensinar o português padrão, pois será esse que vai ser cobrado no futuro do aluno, seja para fazer um curso universitário, cursinhos, abrir seu próprio negócio ou mesmo para arranjar um emprego, sem, no entanto, desmerecer ou estigmatizar o seu dialeto, herdado culturalmente de sua família ou de sua comunidade. Sabendo que não há como, num passe de mágica, transformar todos os falantes do português brasileiro em sujeitos dotados de uma linguagem extremamente correta do ponto de vista dos gramáticos, uma vez que, para Bagno, nem eles, nem nós, professores, conseguimos falar utilizando-nos de um português tão formal, à moda lusitana, cabe a nós tentarmos estudar e procurar resolver alguns processos fonológicos comuns aos nossos alunos. 2. VARIAÇÃO LINGUÍSTICA DE FORMA ORDENADA A convivência com a variação linguística na escola, seja ela social, regional, profissional, de gênero, idade, entre outras, principalmente do professor de língua portuguesa é diário, pois seus estudos lhe permite perceber mais claramente essas ocorrências não só nos alunos, mas também nos demais professores tanto na fala quanto na escrita. Bagno (2007, p. 40) afirma que ―um dos postulados básicos da Sociolinguística é o de que a variação não é aleatória, fortuita, caótica – muito pelo contrário, ela é estruturada, organizada, condicionada por diferentes fatores.‖ E conclui afirmando que ―a Sociolinguística trabalha com o conceito de heterogeneidade ordenada.‖ Nesse sentido, a variação linguística com a qual nos deparamos em sala de aula não é algo realizado ao acaso. Há nela envolvidos inúmeros processos fonológicos de complexo entendimento e de fácil resolução, em alguns casos, mas de difícil solução em inúmeros outros. Essa parte da linguística é estudada pela Fonética, definida por HORA (2009, p. 3) como ―o estudo sistemático dos sons da fala, [...] levando em consideração o modo como eles são produzidos, percebidos e quais aspectos físicos estão envolvidos na sua produção‖ e pela Fonologia, que, segundo Hora (2009, p. 11) ―[...] está ligada aos sistemas e padrões que os sons possuem.‖. Para Seara (2011, p. 11) ―[...] tanto a Fonética quanto a Fonologia têm como objeto de estudo os sons da fala.‖ Tanto uma quanto a outra ―investigam como os seres humanos produzem e ouvem os sons da fala.‖ Dermeval da Hora (2009), em seu livro Fonética e Fonologia, expõe, logo na introdução, que a Linguística pode ser definida como [...] o estudo científico da estrutura da língua. Ela reúne estudos em diversos campos, dentre eles, a Sintaxe, a Morfologia, a Semântica, que se preocupam com unidades maiores, e a Fonologia que se volta para as unidades linguísticas menores. Ao lado da Fonologia, que visa ao estudo sistemático dos sons, temos a Fonética, que se volta para a produção, propagação e percepção dos sons. (HORA, 2009. p. 2). Por essa definição, percebe-se o trabalho árduo que a criança, principalmente, e qualquer outro brasileiro realiza para falar ou escrever utilizando a norma-padrão da língua, pois a linguagem coloquial que ele usa é definida por muitos linguistas como ―erros‖, por outros como ―deslizes na grafia‖, alguns ainda ―incoerências gráficas‖ e uns quantos os denominam simplesmente de ―variação linguísticas‖ que, segundo Bagno (2007) faz parte do cotidiano linguístico de 100 por cento dos brasileiros. Bagno vai ainda mais longe, mostrando no fragmento que segue que algumas variações são estigmatizadas, sofrem ―maior carga de discriminação e preconceito‖, mas, por outro lado, outras variações, por não chamarem tanto a atenção e pelo fato de fazerem ―parte do vernáculo brasileiro mais geral‖, são até consideradas variedades prestigiadas. Quais são os falantes do português brasileiro que pronunciam como [o] o ditongo escrito ou, como em ROUPA, POUCO, OURO, LOUCO, COMPROU, AMOU etc.? Resposta: todos os falantes. A prova disso é que essa pronúncia não provoca nenhuma reação negativa: ninguém interrompe uma conversa para corrigir seu interlocutor por ter pronunciado ―rôpa‖, ―pôco‖, ―ôro‖, etc. Conclusão: a pronúncia [o] para o antigo ditongo ou faz parte do vernáculo brasileiro mais geral. Quais são os falantes do português brasileiro que pronunciam como [ , o dígrafo escrito LH, como em TELHA, ABELHA, PALHA, TRABALHA etc.? Resposta: os falantes das variedades mais estigmatizadas, sem prestígio social. (BAGNO, 2007. p. 142). 2.1 Processos fonológicos Com tantas demandas e com vários processos fonológicos existentes no ambiente escolar, o professor de língua materna tem, a sua frente um trabalho bastante difícil, pois ele precisa corrigir processos prejudiciais ao aluno, mas não tem formação para isso. Além do mais, teóricos, estudiosos, linguistas, profissionais da comunicação e até mesmo outros professores expõem que esses são meros erros e que os alunos ―incompetentes linguisticamente‖ devem ser reprovados eternamente, porém isso não resolve, aliás, só piora a situação, trazendo desmotivação a eles e por que não dizer também aos professores. A revista Língua Portuguesa, Ano 8, nº 85, de 2012, por exemplo, trata o tema como ―Caos na ortografia‖ e traz, em suas páginas o título ―As arapucas da grafia torta‖. Em trechos da reportagem, no entanto, a matéria questiona a eficácia dos ditados exigidos por muitas empresas para preenchimento de vagas de emprego, argumentando que elas podem conter ―pegadinhas‖, sugerindo redações em seu lugar como meio mais eficaz para mostrar as capacidades dos candidatos. Antes de partirmos para a análise de alguns processos fonológicos dos alunos, é fundamental expor aqui as considerações da linguista Stella Maria Bortoni-Ricardo sobre esses processos no seu artigo sobre consciência fonológica, no qual informa que, Por meio da decodificação fonológica, o aprendiz traduz sons em letras, quando lê, e faz o inverso, quando escreve. Reconhecem esses pesquisadores, entretanto, que tanto o processo da leitura quanto o da escrita envolvem muito mais que a compreensão do princípio alfabético, que estabelece a correspondência entre grafemas e fonemas. Ler e escrever são processos complexos – o segundo ainda mais complexo que o primeiro –, que exigem conhecimentos de natureza sintática, semântica e pragmático-cultural, que o leitor vai adquirindo à medida que amplia o seu léxico ortográfico, nos estágios subsequentes à fase de alfabetização. Mas ressalve-se que, na fase inicial da aprendizagem da leitura, a competência essencial a ser desenvolvida é a decodificação de palavras, o que, por sua vez, implica um processamento fonológico. (BORTONI-RICARDO, 2006. p. 204) 2.2 Processos fonológicos observados Segundo Stampe (1973), um processo fonológico é uma operação mental que se aplica à fala para substituir, no lugar de uma classe de sons ou de uma sequência de sons que apresentam uma dificuldade específica comum para a capacidade de fala do indivíduo, uma classe alternativa idêntica, porém desprovida da propriedade difícil. (STAMPE 1973, p. 1 apud OTHERO 2005, p. 3) Ou seja, os processos fonológicos servem para facilitar a produção de sons utilizados pelo falante, trocando-se um som de propriedade difícil por outro com características semelhantes, mas que proporciona maior facilidade na sua emissão por ser desprovido dessa complexidade. 2.3 Análise de processos fonológicos de alunos do ensino Fundamental II Foram selecionadas palavras encontradas nos textos de duas alunas do 6º ano que serão transcritas e analisadas a seguir. Observe a palavra transcrita neste exemplo peculiar: qlal, variação interessante de qual Esse exemplo de processo fonológico não foi encontrado por mim em nem uma das referências bibliográficas estudadas na disciplina, tampouco encontrei exemplo parecido na internet. Em redes sociais encontrei várias ocorrências dessa palavra escrita apenas com a troca do l final pelo u, ficando escrito ―quau‖. A aluna autora do texto no qual estava escrita a palavra dessa forma está em defasagem idade/série e estuda no 6º ano. A aluna ainda demonstra dificuldade em usar corretamente o dígrafo ―qu‖ e, devido à pronúncia idêntica das duas letras (consoante l e semivogal u) por parte da maioria dos falantes do português brasileiro, ela deve tê-las confundido. Há, como se vê, lacunas de letramento nas escritas dessas alunas. Outro processo encontrado na fala e na produção de outra aluna do 6º Ano é a constante troca que ela faz do /p/ pelo /b/, em palavras como pepezinho, em lugar de bebezinho; pola, no lugar de bola, pata, em lugar de bata (no caso do último par, a troca traz mudança de significado). Além dessas mais comuns, há inúmeras outras trocas de letras feitas pela aluna, como na frase ―Costo de chocarpola‖ que, na análise das trocas dos pares mínimos seguir-seão praticamente os mesmos critérios e as mesmas regras. No caso de chocar, há também mudança de significado da palavra. Percebe-se nessa frase uma fala muito próxima à fala de criancinhas de até 3, 4 anos, no máximo, ou, se fosse a aluna descendente de alemães, poderia se justificar melhor tal ocorrência, mas isso não acontece. Nos exemplos: pepezinho, pola, pata, há a ocorrência de pares mínimos, sendo que, nesse caso, a distinção é vista somente pelo vozeamento ou sonoridade, p é surdo e b é sonoro. Para saber mais, acesse: “Fonética articulatória – Consoantes do Português” – Disponível em http://www.fonologia.org/fonetica_consoantes.php. 2.3.1 Analise de alguns processos fonológicos de um aluno do 8º ano – Produção: Reconto de mito A produção do aluno do reconto do mito Ícaro está transcrita abaixo. ―icaroicaro um ser salvador de jenteo pai de icaro estava num hospital e icaro foi com a intenção de tirar o pai dele do hospital, e ele tinha asa para voar e ele bate asas e voa e o pai dele fica triste, e icaro fica feliz em ver o azul do céu, ele nunca sabia e era tão bonito. e vai para italia e lá ele faz um tenpo em adorar seus deus apolo, e que significa luz e vida, e o pai dele estava chorando pedindo ao seus deuses que cuida do seu filho icaro, e tanbém de suas asas, e icaro lá sorrindo, e alegre nem alenba do seu pai, mais seu pai alenbra dele e lá ele conheceu muitas cidade, sicilia, e tanbém muitos italianos da africa e da américa, e por muito tenpocomeçou a alenbar do seu pai, as vezes até mesmo centado no banco da cidade começava a chorar e os que conhecia e falava, que ele estava ficando doido até cunversavam com ele falando o que, que era, ele falava, com saldade do pai lá no basil.‖ Pondo em um mesmo bloco de análise as palavras jente,tenpo (duas ocorrências), tanbém (duas ocorrências), centado, cunversavam e saldade.Em relação às três primeiras ocorrências temos as transcrições: Nos exemplos acima e nas três formas do verbo lembrar escritas no texto, percebe-se uma confusão ainda grande com relação ao uso de m antes de p e b, diferença que não se percebe na pronúncia. As letras m e n, em início de sílaba tem mudança na pronúncia, pois ambas possuem o mesmo modo de articulação (lateral) e o mesmo tipo de vozeamento (vozeada). Quanto ao ponto de articulação, m é bilabial e n, palatal e o modo de articulação dos dois fonemas é nasal. Porém, tal diferenciação não acontece nos exemplos acima, já que, usando o exemplo tempo para compará-lo com vento, percebe-se que a pronúncia nasal de em e en são as mesmas, o que pode gerar a confusão na escrita do aluno. Com a palavra jente, a possibilidade de troca é ainda maior, já que ambas, nesse caso, têm a mesma pronúncia. O mesmo fato ocorre entre os pares mais (conforme grafado no texto do aluno) e o mas (palavra que ele tencionava escrever). O primeiro é advérbio de intensidade e o segundo é conjunção coordenativa adversativa, porém, no português brasileiro, a maior parte das pessoas fala assim, ou seja, pronuncia-se mais referindo-se a mas e, como aconteceu em exemplos anteriores, os alunos tendem a passar para a escrita o seu modo de falar, por acharem que é tudo igual. Em relação a centado, em um ou outro momento o aluno demonstrar conhecer um pouco da complexidade do fonema /s/ em ambientes distintos, mas ―a dificuldade ortográfica carreada pelo som /s/ em português, que tem oito formas gráficas possíveis ([c] [ç] [s] [ss] [sc] [sç] [x] [xc]), o alfabetizando resolve o problema estabelecendo a correspondência biunívoca entre fonema e letra.‖ (SIMÕES, 2006. p. 53). A troca do u por l já foi comentado e segue em saldade a mesma confusão do exemplo citado qlal e dos exemplos anteriores sobre a letra s. Já cunversavam é uma ocorrência interessante, já que a conjugação verbal está perfeita em relação à concordância com o sujeito, porém a (semi)vogal u em lugar da vogal o foge um pouco à regra da pronúncia da maioria dos brasileiros, mas talvez siga o mesmo esquema de confusão de cunzinha, pronunciado por inúmeros falantes, mas que, geralmente, são ocorrências isoladas. A variação do verbo lembrar (alenba / alenbra / alenbar) é, segundo Bagno (2007, p. 146), um ―léxico característico, variável de região para região: fruita, luita, oitubro, cunzinha, drumi, percurá, despois, antonce, arrespondê, alembrar, dereito, menhã, vosmecê etc.‖ Uma explicação para essa ocorrência (a presença forte dos vocábulos em determinadas regiões e como características de algumas pessoas oriundas dessas regiões) é que ―a maioria desses vocábulos representam sobrevivências de fases anteriores da língua e podem ser encontrados na literatura medieval e clássica.‖ Nesse caso será feita a transcrição fonética da forma padrão do verbo lembrar: Também nos casos de alenba (sujeito oculto de 3ª pessoa ―ele‖, Ícaro), do verbo no infinitivo alenbar, verifica-se ―o apagamento do /r/ em encontros consonantais quando eles são postônicos, isto é, quando ocorre depois da sílaba tônica. Observe que nas outras posições o /r/ aparece normalmente (presta, trabalho, briga). [...] aqui temos um fenômeno que mostra perfeita regularidade, ou seja, é uma regra daquela variedade linguística específica.‖ (BAGNO, 2007, p. 216). Só para contrariar Bagno e, como toda regra tem exceção, o aluno resolveu grafar a palavra Brasil fazendo o apagamento do /r/, no entanto, nesse caso específico, isso não aconteceu na sílaba postônica, como manda a ―regra‖, sim na pretônica, ficando, na transcrição: mas 3. CONCLUSÃO Convivemos diariamente em nossas escolas com um número bastante grande de processos fonológicos do porte desses que foram apresentados no presente trabalho e mais um número incontável de outros que muitas vezes nos passam despercebidos, fazendo com que o aluno o carregue para o resto de sua vida. Conviver e aceitar em ambiente escolar as diversas variações linguísticas provenientes de nossa população tão diversa cultural e linguisticamente é fator de enriquecimento educacional, mas certos ―vícios‖, certas incoerências no uso da língua devem ser sanadas para que o aluno não sofra preconceito na sociedade, tampouco venha a se prejudicar em seu futuro, na busca por empregos e formações. As aulas de reforço e as discussões com os alunos da turma em relação a esses e a outros processos fonológicos apresentados ajudaram a resolver ou pelo menos amenizar alguns dos problemas, além do encaminhamento de muitos deles para as aulas de reforço e para atendimento com a fonoaudióloga do município, porém, nesse caso, a dificuldade de atendimento e de resolução do problema é enorme, haja vista que há apenas uma profissional da área de fonoaudiologia e esta tem de atender a todas as escolas, a APAE e os casos oriundos do hospital municipal, havendo pouco espaço na agenda para a resolução definitiva de problemas tão graves, como esses que envolvem a fala e, consequentemente, sua transcrição para a escrita. Detectar, discutir e corrigir essas lacunas de letramento é papel da escola, do professor de língua materna e do poder público, por intermédio de profissionais da saúde lotados no município. No entanto, essa não é uma tarefa fácil, mas ficar reclamando e não agir ajuda a agravar o problema. REFERÊNCIAS BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso. 1. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BISOL, Leda (Org.) Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto Alegre: Edipucrs, 2005. Capítulos 1 e 2. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. ‗Métodos de alfabetização e consciência fonológica: o tratamento de regras de variação e mudança‘. Em: SCRIPTA, Revista do Programa de PósGraduação em Letras e do Centro de Estudos Luso-afro-brasileiros da PUC Minas, v.9 nº18, 2006, p.201-220 CABRAL-SCLIAR, Leonor. Guia prático de alfabetização. São Paulo: Contexto, 2003. HORA, D. da. Fonética e Fonologia. UFPB, 2009. Disponível em http://goo.gl/ecYlcAcesso em 10 de junho de 2013. LÍNGUA PORTUGUESA. As arapucas da grafia torta. São Paulo: Segmento, Ano 8, nº 85, novembro 2012. OTHERO, Gabriel de Ávila. Processos fonológicos na aquisição da linguagem pela criança. 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