PALITANDO O JOHNSON VIKING VALIANT

Transcrição

PALITANDO O JOHNSON VIKING VALIANT
PALITANDO O JOHNSON VIKING VALIANT
Artigo de Saulo Quaggio – PY2KO
Depois de gastar muitos fins de semana recuperando o receptor National HRO50, e com o
espaço no shack acabando, pensei em não mais me meter com esses “boatanchors”. Mas
este transmissor, além de fazer um magnífico par com o HRO, está em ótimo estado, não
requerendo nenhum trabalho de recuperação estética. Em compensação, o funcionamento
era nada bom: potência baixa, qualidade de áudio péssima. Resolvi consertar, e claro,
modificar um pouquinho... Acho legal melhorar esses projetos antigos mantendo a
originalidade, ou seja, usar sempre que possível componentes existentes na época em que
foram fabricados. Temos a vantagem de ter mais informação sobre os problemas devido ao
tempo de uso dos equipamentos, coisa que os seus projetistas não tinham. E temos a Internet,
essa incrível fonte de informação que nenhuma obra de ficção científica previu que pudesse
um dia existir!
Tirar o bruto da caixa requer cuidado, pesa mais de 30 Kg e não tem onde segurar. Na
bancada, a primeira inspeção revelou que uma das três válvulas 6146 da RF estava com o
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filamento queimado. Testei as demais 6146 e havia outra meio baleada, com baixa emissão.
Troquei por novas, mas a potência de RF continuou abaixo de 100W.
Curiosamente a corrente de placa parecia normal, 400mA, o que levou à primeira mexida: O
resistor shunt do miliamperímetro, um pedaço de fio de níquel cromo, que não pega solda,
“soldado” porcamente nos terminais, provocando uma indicação de corrente maior do que a
real. Não sei se a autoria disso é da fábrica, ou se foi algum antigo dono, um gringo meio sem
noção como veremos a seguir. Parafusei as extremidades do fio em dois terminais extras, que
foram soldados nos pontos originais, e calibrei para fundo de escala 500mA ajustando o
comprimento do fio. Aí carregou uns 100W em 40 metros, embora com umas esquisitices na
sintonia.
O shunt corrigido
Botei no ar, e veio a reportagem de ronco de 60Hz no áudio. Eletrolítico pifado, claro... Mas aí
chequei e estavam perfeitos, embora montados de modo perigoso, encostados no chassi. Por
via das dúvidas, troquei por novos, de valor maior e tomando os cuidados necessários para
evitar futuros curtos. E o ronco continua.
Olhando a RF no osciloscópio: sem modulação tudo normal, mas quando modula aparecem
uns cortes estreitos. Olhando a tensão de grade screen das 6146 do modulador, regulada por
duas VR105 em série, esta apresentava pulsos negativos estreitos dos 250v para zero,
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repetidos a 60 Hertz. Minha experiência com válvulas não é lá essas coisas, mas nunca vi uma
reguladora a gás fazer isso: um oscilador de relaxação sincronizado com a rede elétrica! Não
havendo duas VR105 à mão para substituir, taquei um eletrolítico de 47uF em paralelo com
elas e a coisa sumiu. Solução meio porca, mas resolveu e mal não faz, pelo contrário, ajuda a
manter a tensão de screen nos picos de modulação. Por via das dúvidas botei um resistor de
220 ohms em série com as VR105 para evitar oscilações de baixa amplitude que podem
ocorrer quando se liga capacitância em paralelo com essas válvulas. Não parece ser a causa
desses pulsos que ocorreram, vamos tirar isso a limpo quando eu conseguir VR novas.
Agora melhorou, mas a sintonia em 40 e 80m é irregular, apresentando dois “dips” próximos.
Verifiquei os capacitores C38 e C39 em paralelo com os variáveis do tanque final, e vi que
depois de uns minutos a plena potência começam a fumegar! O gringo substituiu os
capacitores de mica originais por 4 capacitorzinhos de mica prateada, incapazes de aguentar a
tensão e corrente de RF. Troquei por capacitores AVX cerâmicos da série HQCC para
transmissão (US$10.00 cada um, mas aguentam 10A de RF com isolação de 5KV), e finalmente
temos uns 120W de saída. No lugar dos AVX poderiam ser usados “doorknobs” cerâmicos, ou
mesmo aqueles bolachões antigos de mica caso eu os tivesse à mão.
A sintonia ficou legal em todas as bandas, sem dips duplos. Que coisa esses dips, hein? Acho
que a capacitância varia pra valer quando o capacitor ferve e cria duas posições de
ressonância, em duas temperaturas diferentes.
O áudio continua horrível, o clipper esquisito, corta em vez de limitar gradualmente. Verifiquei
os resistores do pré de audio, tinha um (R32) de 270K medindo 1.9M ! Trocando, o áudio ficou
melhor, mas ainda um tanto distorcido e estreito. Esses resistores antigos de carvão pifam com
o tempo, melhor conferir todos com o ohmeter e foi o que fiz. Achei alguns um pouco
alterados mas deixei pra lá, dessoldar esses fios enrolados nos terminais dão um trabalho
insano.
O potenciômetro R34 do clipper estava "raspando", desmontei, abri um pouco o ‘wiper’, o
contato de duas perninhas que encostam na trilha, de forma a encostar num ponto de trilha
boa, lubrifiquei o eixo e ficou bom.
O gringo andou mexendo pra valer, instalou um relé de comutação de antena inexistente no
aparelho original, aproveitando o conector PL259 previsto para um acessório SSB. Matou a
possibilidade de instalar o interessante acessório, um dos primeiros dessa modalidade, e
derrubou 10dB no sinal de recepção graças a um indutor de 1uH inserido em série, não sei
porque. Arranquei tudo fora, voltando à configuração original.
Aí percebi outro problema: a corrente de placa varia sozinha, quando liga desce lentamente
uns 50mA, depois sobe novamente até estabilizar. Medindo a tensão nos resistores, achei o
culpado, mais um resistor de carvão, de 1K 3W (R50) que faz parte do filtro de tensão negativa
da polarização de grade, variando a resistência com a temperatura. Trocado, sumiu o
problema.
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Até agora foi só conserto, vamos então à palitagem! Definição do verbo palitar: "modificar um
projeto com a intenção de melhorá-lo", coisa um tanto arriscada mas muito divertida.
Um bom procedimento é não começar a mexer sem ter certeza que as especificações originais
estão sendo cumpridas, ou seja, o rádio está consertado e funciona como quando era novo.
Mas modificar o que? Muitos aparelhos de antanho como os Collins, National ou Drake tem
excelente engenharia e só se justifica modificá-los para adicionar algum recurso mais
moderno, mas esse Johnson demonstra que o pessoal que o criou não estava lá muito
inspirado, como veremos adiante. Parece pretensão de minha parte meter o pau na decana
engenharia da Johnson, mas a quantidade de modificações para esse rádio existente na
Internet indica que o funcionamento dele nunca foi grande coisa.
Para começar, o áudio deixa muito a desejar: distorção harmônica acima de 20%, e banda um
tanto estreita, confirmado na medição por instrumento: Banda de 300 a 3KHz, (bate com a
especificação do manual) e com variações de ganho ao longo da faixa de áudio. É o “valiant
sound”, citação depreciativa postada pelos gringos, tem até um deles que compara o áudio do
Valiant com telefone de copo de papel, aqueles com um barbante. Das dezenas de
modificações sugeridas para melhorá-lo aproveitei alguma coisa, mas acho que de maneira
geral não resolvem o que interessa ou são muito drásticas.
Quem mexe com transmissão sabe que os bons moduladores à válvula usam triodos e não
pentodos. A razão parece ser que os triodos se comportam como resistores variáveis e tem
inerentemente baixa impedância de placa (veja a curva V-I de uma 811) e portanto a tensão de
modulação é um tanto independente do comportamento da carga, que no caso dos
amplificadores de RF é mal comportada: apresenta variações de impedância conforme o nível
do sinal e ainda por cima é assimétrica, a tensão e corrente sendo sempre positivas. A baixa
impedância de saída do modulador é portanto essencial para um audio limpo.
Mas o Johnson usa pentodos, que ao contrário dos triodos, se comportam como fonte de
corrente de alta impedância, significando que a tensão de modulação varia bastante em
função da carga representada pelo estágio de saída RF, o que explica os 20% de distorção. Nos
amplificadores hi-fi de áudio corrige-se isso com realimentação negativa. O feedback, além de
reduzir a impedância de saída, aumenta e “aplaina” a banda passante, fazendo o ganho global
do amplificador ficar constante e controlado.
Pois então apliquemos o feedback também no Valiant, que originalmente não o tem: um
resistor de 1M2 em serie com capacitor de 4.7nF ligados entre saída do transformador de
modulação e o catodo da pré driver 6C4 , V14. O ganho interno à malha de realimentação foi
incrementado em 15dB, mudando-se o resistor de carga R36 da 6C4 de 4K7 para 27K. A
realimentação cancela esse aumento do ganho e restaura o seu valor original, só que agora
com banda plana de 200 a 7000Hz, e distorção menor que 2%! Para evitar instabilidade em
frequências abaixo de 100Hz, o ganho foi reduzido nessa faixa trocando-se o capacitor C99 do
catodo da driver V15 de 10uF para 1uF.
É uma considerável mudança de conceito e de funcionamento embora com poucas alterações
no circuito. (ver anotações desenhadas a mão no esquema anexo) Mas porque os Valiant não
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tem realimentação no projeto original? É estranho, já que o Viking Ranger a tem, (o modelo
Johnson de menor potência da mesma época que também usa pentodos) e esse é conhecido
pelo excelente áudio.
Mais uma modificação, esta no filtro de áudio, em benefício da banda passante: o filtro
original é do tipo Butterworth, passa baixos de 3ª ordem com corte de -3dB em 3KHz.
Modificando os capacitores C94 e C95 de 1Kpf na entrada e saída do filtro para 120pF, o filtro
passa ser um tipo Bessel com corte em 5KHz, com a vantagem adicional de melhor resposta de
fase melhorando o funcionamento do clipper, porque distorce menos a forma de onda após a
“clipagem”. Na verdade não há grande diferença audível em limitar com o clipper ou deixar a
sobremodulação rolar, a não ser reduzir o “bigode”, pelo que os colegas vizinhos de frequência
agradecem.
Voltando ao QSO, a resposta de áudio plana não dá bons resultados na prática de AM, a
transmissão agrada mais com um bom reforço nas altas, pelo menos uns 10dB em torno de
2KHz. Para isso instalei um microfone a cristal Aiwa M23 que tem esse reforço natural. Não
ficou hi-fi, mas tem “punch” e inteligibilidade para atravessar muito QRM. Um microfone
dinâmico ou capacitivo, mais uma mesinha para ajustar a tonalidade pode ser interessante.
Mais tarde faremos uns testes, talvez tirando fora o filtro de áudio.
Com o retorno à originalidade, tive de produzir externamente um relé comutador de antena e
“muting” do receptor, dentro de uma caixa de alumínio. Bem maluco o conector do Johnson
para o controle do relé, é um soquete de cristal! Arrebentei um cristal de PX para usar a
caneca como conector, ficou meio esquisito mas funciona.
Comutador de antena e o "conector"
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A cereja no bolo, possível somente nestes tempos de Internet: A tomada de força de baquelite,
que tem dois fusíveis dentro, estava um tanto esmagada. Achei no ebay a original, nova,
comprei e mandaram.
A tomada antiga nova
OK, agora parece ótimo, mas pensando melhor, como é que três válvulas 6146B dão só pouco
mais que 100W de portadora? De acordo com o manual dessa válvula, cada uma delas é capaz
de mandar 70 watts! O manual do Valiant diz que ele fornece 150W de saída em AM para
200W de entrada, com 117VAC de alimentação. Eu diria que esse manual é um tanto otimista.
Além disso, com 117V o transformador de baixa tensão esquenta uma barbaridade, outro
problema de projeto! Ligado em 110v, a tensão nominal no meu shack, o trafo não esquenta,
mas a potência na antena não passa de 120W.
O aparelho é grande, o transformador de alta tensão tem cara de aguentar 1kW, bobinas
enormes, três 6146 e só 120 watts? Resolvi envenená-lo um pouco: Após as retificadoras 866
tem um choque seguido dos capacitores eletrolíticos. Botei capacitores antes do choque
também, e a tensão foi de 600 e poucos volts para cerca de 800. Foi necessário também
adicionar um resistor de 2k2 3W entre o potenciômetro de ajuste de polarização de grade da
RF e o terra, e outro de 1k 3W no ajuste de grade do modulador, porque essas tensões tem de
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ser mais negativas para manter as mesmas correntes de polarização e ficaram fora do alcance
do ajuste .
Opa, agora dá 150W em 40 metros e puxando um pouco mais vai a 200... e aí a alegria acaba
num barulho de fritura seguido da queima do fusível.
Encurtando a história: ao tentar obter uma potência mais razoável, estourou um capacitor de
mica esquisito ainda original, e abriu um arco na chave de onda quase derretendo os contatos.
Verificando o local do arco, achei mais uma falha de projeto: Os caras usaram uma única
pastilha da chave para comutar os capacitores auxiliares de sintonia de placa, uma seção de
cada lado, e entre os rebites do rotor há um espaço de menos de meio milímetro para isolar
toda a tensão de RF... O tal capacitor também não merecia confiança, é uma espécie de torre
metálica octogonal contendo pequenos discos de mica prateada, formando 3 capacitores
diferentes e sem nenhum isolamento externo. Já vimos que mica prateada não se dá bem com
altas correntes de RF: uns watts a mais e estourou.
A chave de onda e a “torre” originais
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Chave modificada e capacitores cerâmicos
Para separar as seções da chave seria necessário conseguir outra pastilha idêntica, o que não é
fácil. Por sorte havia na minha sucata uma antiga chave de onda cerâmica, do tamanho exato.
Acertando os contatos do rotor e o furo central com uma dremel, ficou perfeita. Montei essa
outra seção ao lado da já existente na chave, separando as seções onde ocorre o faiscamento,
e troquei a torre por três capacitores cerâmicos de alto desempenho já citados (sobrou apenas
um bolachão de mica que aguenta bem), e agora parece tudo OK.
Tudo? Ainda não... Um apito de áudio quando se aumenta o ganho de microfone! Constatei
que a RF é captada pela válvula 12AX7 pré de microfone, é demodulada, realimenta e provoca
a oscilação. A blindagem do estágio de potência é apenas um biombo de alumínio que não
blinda coisa alguma, o jeito foi arrumar uma caneca de blindagem e adaptá-la na 12AX7.
Funcionou!
Conclusão: o Johnson Viking Valiant em geral é superdimensionado, mas tem pontos fracos
que em vez de serem resolvidos, limitou-se a potência de saída, num exemplo de má
engenharia. Corrigidos esses pontos, temos um transmissor com excelente modulação (o
aumento da alta tensão aumentou proporcionalmente a potência de áudio também) e sem
aquecimentos, faiscamentos ou instabilidades.
Valeu o esforço! O resultado geral é ótimo, tanto pela instrumentação como nas reportagens.
Os quase 200W de saída do Johnson são respeitáveis, e com uma modulação forte e limpa
como está agora, compensa o espaço ocupado por ele no shack. O seu aspecto impõe ainda
mais respeito, e justiça seja feita, é um transmissor antigo dos mais bonitos.
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O esquema com as modificações
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Se alguém aí não estiver satisfeito com o desempenho do seu Johnson Viking Valiant estou a
disposição no e-mail [email protected] para um papo técnico. É provável que alguns
dos problemas encontrados neste aqui se repitam em outros e possam ser solucionados da
mesma forma. Mesmo que as modificações para aumento de potência não sejam feitas por
serem um tanto drásticas, a melhoria do áudio é fácil e não há contra-indicação.
Saulo – PY2KO
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