Estudo da Migração do Dourado (Salminus brasiliensis) no Alto Rio

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Estudo da Migração do Dourado (Salminus brasiliensis) no Alto Rio
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Estudo da Migração do
Dourado (Salminus brasiliensis) no Alto Rio
Uruguai, Brasil, com o Uso de Biotelemetria
A. P. O. Nuñer, LAPAD, E. Zaniboni-Filho, LAPAD, J. H. Schütz, LAPAD e S. L. Souza, TBLE
Resumo-O presente estudo foi desenvolvido no rio Uruguai, na
área compreendida entre a região de jusante da barragem da
UHE Itá (SC) e Porto Soberbo (RS) com o objetivo de identificar padrões de deslocamento do dourado (Salminus
brasiliensis), uma espécie migradora de peixe de grande porte,
bem como identificar áreas importantes para o seu ciclo biológico e a existência de homing, que é o retorno dos peixes adultos ao local de seu nascimento. Para tanto os peixes foram monitorados através de biotelemetria, com a implantação de radiotransmissores em cada um dos indivíduos estudados. Dentro
da área estudada ocorre um padrão de deslocamento ascendente e descendente no rio Uruguai, em épocas definidas do ano.
Não foi observado o fenômeno de homing, porém foi detectado
que os peixes tendem a ocupar quatro áreas definidas no rio
Uruguai ao longo do ano.
dessa região, uma vez que as ações antrópicas vêm modificando os ambientes naturais do rio Uruguai.
Neste sentido, a avaliação do padrão de deslocamento
dessa espécie torna-se muito importante, por propiciar informação relevante para a implementação desses tipos de
ação.
Caso o manejo das populações de dourado se faça necessário, o conhecimento dos aspectos migratórios será de fundamental importância para subsidiar a proposição das medidas.
Em função da complexidade do comportamento da espécie estudada, da magnitude e da abrangência da área de estudo, a técnica da biotelemetria foi utilizada, por permitir
respostas mais rápidas e precisas, sendo também uma técnica conservacionista que mantém os estoques naturais intactos.
Palavras-chave—Migração, Salminus brasiliensis, rio Uruguai, Biotelemetria
I. INTRODUÇÃO
O dourado, Salminus brasiliensis (Cuvier, 1816) é uma
espécie piscívora que ocorre em rios importantes da América do Sul, como o rio Paraná e o rio Uruguai [1, 2]. É uma
espécie de grande porte, que realiza longas migrações reprodutivas e cujos machos podem atingir até cinco quilos de
peso, enquanto as fêmeas atingem até 26 kg na
natureza [3].
No rio Uruguai, assim como em outros rios brasileiros, o
dourado é uma espécie muito procurada pelos pescadores
profissionais e amadores. Na região do entorno e no reservatório da UHE Itá a espécie participa com aproximadamente
5,0% da biomassa de peixes capturada, e apresenta ocorrência irregular nos diferentes municípios amostrados junto a
61 pescadores locais [4].
Verifica-se assim, que a ocorrência da espécie é uniforme
na região, sendo necessária a proposição de ações específicas para sua conservação, manejo e/ou recomposição, dentro
Este estudo foi financiado pelo Programa P&D da ANEEL/Tractebel
Energia.
A. P. O. Nuñer trabalha no Laboratório de Biologia e Cultivo de Peixes
de Água Doce/Univ. Federal de Santa Catarina (e-mail: [email protected]).
E. Zaniboni-Filho trabalha no Laboratório de Biologia e Cultivo de Peixes de Água Doce/Univ. Fed. de Santa Catarina (e-mail: [email protected]).
J. H. Schütz trabalha no Laboratório de Biologia e Cultivo de Peixes de
Água Doce/Univ. Federal de Santa Catarina (e-mail: [email protected]).
S. L. Souza trabalha na Tractebel Energia
(e-mail: [email protected])
II. MATERIAIS E MÉTODOS
O estudo foi desenvolvido no rio Uruguai, na área compreendida entre a região de jusante da barragem da UHE Itá
(SC) e Porto Soberbo (RS), no período de julho/2003 a dezembro/2005.
A espécie analisada foi o dourado (Salminus
brasiliensis). Indivíduos dessa espécie foram capturados
com anzol em dois locais, um situado logo abaixo da barragem da Usina Hidrelétrica de Itá e o outro na área do Parque
Florestal Estadual do Turvo, no Rio Grande do Sul.
Para que o deslocamento fosse monitorado, os indivíduos
capturados receberam cirurgicamente, em sua cavidade abdominal, radiotransmissores modelo MCFT-3L, fabricados
pela empresa canadense Lotek. Cada transmissor possui
codificação única, o que permite a identificação exata de
cada um dos indivíduos. Os radiotransmissores emitiram
sinais de rádio em intervalos de 2,5 segundos, que foram
armazenados em receptores SRX-400, versão W7, marca
Lotek, instalados em estações fixas de captação de sinais,
distribuídas em cinco pontos do rio Uruguai: a jusante da
barragem da Usina Hidrelétrica de Itá (SC); em Gôio-En, na
região de Chapecó (SC); na foz do rio Chapecó, em São
Carlos (SC), na foz do rio Antas, em Mondaí (SC) e em Porto Soberbo, na região de Tiradentes do Sul (RS), divisa com
a Argentina (Figura 1). Essas estações delimitaram a área de
estudo, que cobriu uma distância de 357 km do rio Uruguai.
As estações fixas registraram a passagem dos peixes marcados com radiotransmissores e armazenaram os sinais recebidos sendo que mensalmente os dados coletados por cada
2
3.4547
y = 2E-06x
2
R = 0.8945
peso (kg)
12
10
3.2583
y = 4E-06x
2
R = 0.9366
8
6
4
2
0
0
20
40
60
80
100
120
comprimento (cm)
Parque do Turvo
3
2
1
Ascendente
Descendente
junho
maio
abril
março
fevereiro
janeiro
dezembro
novembro
outubro
0
Permanência em Itá
4
Permanência em Itá
Figura 3. Distribuição acumulada (junho/2003-dezembro/2005) do número
de Salminus brasiliensis em movimento ascendente, descendente e em
permanência a jusante da barragem da UHE Itá ao longo do ano.
16
14
16
14
12
10
8
6
4
2
0
5
setembro
No período estudado 45 dourados receberam radiotransmissores. Esses animais foram capturados principalmente
em dois pontos do rio: a jusante da barragem da UHE Itá e
no Parque Estadual do Turvo.
Em Itá, todos os dourados capturados apresentaram comprimento total superior a 60 cm e peso total igual ou superior a 3,0 kg, sendo que, em média, o peso desses indivíduos
(5,8±2,3kg) foi superior (P<0,05) ao encontrado nos indivíduos do Parque do Turvo (4,8 ±2,7kg) respectivamente (Figura 2).
6
agosto
III. RESULTADOS E DISCUSSÃO
julho
Figura 1. Localização das estações fixas ao longo do rio Uruguai.
1 = Porto Soberbo. 2 = Mondaí. 3 = Goio-Ên. 4 = Itá.
Desse total, 34,3% (22 indivíduos) foram registrados exclusivamente pelas bases fixas, 21,9% (14) exclusivamente
pelos monitoramentos de barco e/ou avião e 43,8% (28)
foram registrados de ambas as formas.
O movimento dos peixes foi analisado mensalmente acumulando-se os registros dentro dos meses do período estudado (Figura 3). Dentro da área estudada os indivíduos apresentaram movimento ascendente no período entre julho e
fevereiro, movimento que tem como ponto final a região a
jusante da UHE Itá. Como resultado dessa migração, o número de indivíduos em Itá aumenta entre novembro e abril,
uma vez que os dourados não têm como transpor a barragem
da UHE Itá e se acumulam nesse local. No estudo [6] a autora demonstrou que o período reprodutivo do dourado ocorre
na primavera-verão e que a maioria (75%) dos indivíduos
capturados a jusante da barragem de Itá, na região aonde os
peixes se acumulam, encontravam-se em maturação, ou seja,
os indivíduos ainda não estavam aptos a se reproduzir naquele local. Sendo assim confirmou-se que a migração ascendente em direção a Itá é uma migração do tipo reprodutiva.
Ascendente/Descendente
estação foram transferidos para um notebook.
Para complementar os dados registrados pelas estações fixas foram realizados monitoramentos aéreos em todo o trecho exclusivamente brasileiro da área analisada, assim como
monitoramentos de barco pelo rio Uruguai e seus afluentes.
Itá
Figura 2. Relação peso-comprimento dos Salminus brasiliensis capturados
para receber radiotransmissores em Itá e no Parque Estadual do Turvo.
Dados incluem informações de [5] do período de novembro/2001 a setembro/2002.
Considerando-se que dourados com idade mínima de dois
anos já são passíveis de se reproduzir, e que na idade mínima apresentam, de modo geral, comprimento superior a 55
cm e peso superior a 2,0 kg [3], pode-se inferir que os indivíduos que chegam a Itá são indivíduos adultos, plenamente
aptos à reprodução.
Durante o período de estudo foram registrados 64 dourados na área de estudo, uma vez que já existiam indivíduos
com radiotransmissores no rio, oriundos de projeto anterior.
A partir de abril o número de indivíduos em Itá se reduz
progressivamente até novembro, verificando-se no período
entre janeiro e julho os principais movimentos descendentes,
com pico em abril. A análise demonstrou ainda que as migrações descendentes ocorreram praticamente ao longo de
todo o ano, sendo possível inferir que de fato isso ocorre, o
que poderia ser comprovado com a continuidade do estudo.
A distribuição dos peixes ao longo do rio, obtida pelos
monitoramentos fluvial e aéreo está representada na Figura
4, onde se verificou que os peixes utilizaram preferencialmente quatro áreas dentro do rio, denominadas A, B, C e D.
A área A, mais a jusante, está compreendida entre o rio
Guarita e o Parque Estadual do Turvo, na região de Itapiranga (SC). A área B está situada entre os rios do Mel e das
Antas, na região de Mondaí (SC). A área C se localiza entre
os rios Monte Alegre e Chapecó, na região de Caxambu, e a
área D se situa no ponto mais a montante, entre rio Irani e a
barragem de Itá.
Os peixes utilizaram essas áreas ao longo de todo ano, em
maior ou menor intensidade, destacando-se o fato das áreas
estarem compreendidas em trechos onde existe concentração
de tributários, ainda que de pequeno porte. Na região situada
3
entre o rio Chapecó e o rio do Mel, por exemplo, onde não
existem tributários, não foram detectados peixes com radiotransmissores. Isso sugere que a presença dos dourados nessas regiões está associada à disponibilidade de alimento, que
poderia estar sendo influenciada positivamente pelos tributários.
A velocidade de deslocamento dos dourados no rio Uruguai apresenta valores mais freqüentes entre 4 e 6 km/dia.
Entretanto, velocidades superiores a 16 km/dia foram registradas para alguns indivíduos (Figura 5).
manecer próximos ao local em que se encontravam naquele
momento, mantendo-se protegidos em poções do rio ou
mesmo dentro dos canais. Nesse período tornavam-se alvo
extremamente fácil para os pescadores, já que estavam concentrados nesses locais. Nesse sentido, os períodos de defeso foram de extrema importância, devido à intensa movimentação dos peixes naquele período.
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
Figura 4. Distribuição espacial de Salminus brasiliensis nos monitoramentos fluvial e aéreo entre julho/2003 e dezembro/2005. Área A = região
situada entre rio Guarita e o Parque Estadual do Turvo; Área B = região
situada entre rio do Mel e Rio das Antas; Área C = região situada entre rio
Monte Alegre e Rio Chapecó; Área D = região situada entre rio Irani e a
barragem de Itá. Os pontos pretos dentro dos círculos (■) indicam a localização de tributários do rio Uruguai.
Quando o nível do rio Uruguai se encontrava baixo verificou-se que os peixes tenderam a permanecer estacionados
junto à saída da água turbinada da UHE Itá ou a descer o rio
em busca de locais mais protegidos, como o Parque do Turvo, sendo que poucos sinais de peixes marcados foram captados entre o trecho a montante do município de Mondaí e a
jusante de Paial (SC).
8
número de indivíduos
7
6
5
4
3
2
1
0
2
4
6
8
10
12
14
16 > 16
km/dia
Figura 5. Classes de velocidade de deslocamento (km/dia) de Salminus
brasiliensis no período de junho/2003 a dezembro/2005 no rio Uruguai.
Quando o rio se encontrava em nível acentuadamente baixo, ou seja, quando a água corria principalmente pelo canal
principal do rio, verificou-se que os peixes tenderam a per-
M. P. Paiva, Peixes e Pescas de Águas Interiores do Brasil. Brasília:
Editerra, 1983.
M. P. Godoy, Peixes do Estado de Santa Catarina. Florianópolis:
UFSC-ELETROSUL-FURB, 1987, 571p.
M. B. Morais Filho e O. Schubart, Contribuição ao estudo do dourado (Salminus maxillosus) do Rio Mogi Guassu. São Paulo: Ministério
da Agricultura, 1955, 146p.
E. Zaniboni-Filho, A. P. O. Nuñer, D. Fracalossi, D. A. R. Tataje, S.
Hermes-Silva e M.Weingartner, “Relatório técnico parcial do monitoramento da ictiofauna do reservatório da UHE Itá” , LAPAD, Florianópolis, SC, Relatório Técnico. Março, 2005.
L. Hahn, A. P. O. Nuñer e E. Zaniboni-Filho, “Estudo das migrações
de peixes do alto rio Uruguai com a utilização de técnicas de biotelemetria”, LAPAD, Florianópolis, SC, Relatório Técnico. Set: 2002.
C. Machado, “Aspectos reprodutivos do dourado Salminus brasiliensis (Cuvier, 1816) (Teleostei, Characidae) na região do Alto Rio Uruguai, Brasil,” Dissertação de Mestrado, Departamento de Aqüicultura,
Universidade Federal de Santa Catarina. 2003.

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