(v.1). - Peoples

Transcrição

(v.1). - Peoples
avaLIação de
PoLÍtICas PÚBLICas:
ReFleXÕes acadêmicas sobRe o
desenvolvimento social e o combate à Fome
1. Introdução e Temas Transversais
2. Transferência de Renda
3. Assistência Social e Territorialidades
4. Segurança Alimentar e Nutricional
5. Inclusão Produtiva
Presidenta da República Federativa do Brasil
Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Tereza Campello
Secretário Executivo
Marcelo Cardona
Secretário de Avaliação e Gestão da Informação
Paulo de Martino Jannuzzi
Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Arnoldo Anacleto de Campos
Secretário Nacional de Renda de Cidadania
Luis Henrique da Silva de Paiva
Secretária Nacional de Assistência Social
Denise Colin
Secretário Extraordinário de Superação da Extrema Pobreza
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Dilma Rousseff
Tiago Falcão
Expediente: Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. SECRETÁRIO
DE AVALIAÇÃO E GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Paulo de Martino Jannuzzi; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE AVALIAÇÃO:
Júnia Valéria Quiroga da Cunha; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE MONITORAMENTO: Marconi Fernandes de
Sousa; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Caio Nakashima; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE
FORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO: Patricia Augusta Ferreira Vilas Boas.
Introdução e
temas transversaIs
© Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação.
Este livro apresenta, em cinco volumes, um conjunto de artigos elaborados com base na
experiência de construção e resultados do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq n.º 36/2010.
Coordenação Editorial: Kátia Ozório
Equipe de apoio: Victor Gomes de Lima, Valéria Brito, Roberta Cortizo e Clécio Fernandes
Diagramação: Tarcísio Silva e Jonathan Phelipe
Bibliotecária: Tatiane Dias
Revisão: Alexandro Rodrigues Pinto, Júnia Valéria Quiroga da Cunha, Luciana Monteiro
Vasconcelos Sardinha, Renata Mirandola Bichir, Renato Francisco dos Santos de Paula.
Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o desenvolvimento social e o combate à fome, v.1: Introdução e temas transversais
-- Brasília, DF: MDS; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2014.
277p.
1. Política social, Brasil. 2. Desenvolvimento social, Brasil. 3. Políticas
públicas, avaliação, Brasil. I. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação.
CDU 304(81)
Abril de 2014
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação
Esplanada dos Ministérios Bloco A, 3º andar, Sala 340
CEP: 70.054-906 Brasília DF – Telefones (61) 2030-1501
http://www.mds.gov.br
Central de Relacionamento do MDS: 0800-707-2003
FICHA
TÉCNICA
Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Organizadores
Júnia Valéria Quiroga da Cunha
Alexandro Rodrigues Pinto
Renata Mirandola Bichir
Renato Francisco dos Santos de Paula
Agradecimentos
Os organizadores agradecem aos especialistas que se dispuseram a participar como comentaristas nas oficinas de acompanhamento dos projetos.
Gratidão especial também aos pareceristas, que dispuseram de seu tempo
e experiência para contribuir com os autores dos artigos seguem listados, respeitando a opção daqueles que não autorizaram a publicação de
seu nome.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Pareceristas
Alberto Albino dos Santos
Lucélia Luiz Pereira
Alcides Fernando Gussi
Luciana Maria de Moura Ramos
Aldaíza Sposati
Luís Otávio Pires Farias
Alexandro Rodrigues Pinto
Luiz Rafael Palmier
Ana Maria Segall Corrêa
Marconi Fernandes de Sousa
Andrea Butto
Marcos Costa Lima
Antonio Eduardo Rodríguez Ibarra
Mariana Helcias Côrtes
Bruno Barreto
Mariana López Matias
Carla Cristina Enes
Marina Pereira Novo
Crispim Moreira
Marta Arretche
Daniela Sherring Siqueira
Marta Battaglia Custódio
Dirce Koga
Milena Bendazzoli Simões
Eduardo Cesar Leão Marques
Neuma Figueiredo de Aguiar
Eduardo Salomão Condé
Onaur Ruano
Elizabete Ana Bonavigo
Paula Montanger
Elza Maria Franco Braga
Paulo de Martino Jannuzzi
Fabio Veras Soares
Pedro Antônio Bavaresco
Fátima Valéria Ferreira de Souza
Pedro Israel Cabral de Lira
Fernanda Pereira de Paula
Rafael Guerreiro Osorio
Frederico Luiz Barbosa de Melo
Renata Mirandola Bichir
Haroldo Torres
Renato Francisco dos Santos de Paula
Igor da Costa Arsky
Rodrigo Constante Martins
Jeni Vaitsman
Rômulo Paes de Sousa
Juliana Picoli Agatte
Sergei Suarez Dillon Soares
Júlio César Borges
Silvia Maria Voci
Júnia Valéria Quiroga da Cunha
Simone Amaro dos Santos
Kyara Michelline França Nascimento
Simone de Araújo Góes Assis
Leonor Maria Pacheco Santos
Sonia Lucia Lucena Sousa de Andrade
Letícia Bartholo
Walquiria Leão Rego
Luana Simões Pinheiro
APRESENTAÇÃO
No contexto de complexidade da ação governamental no Brasil, de arranjos federativos e articulação intersetorial na gestão e operação dos programas sociais,
de volume de recursos e de profissionalização do setor público, as atividades de
levantamento e organização de dados e produção de estudos e pesquisas de avaliação são fatores críticos para garantir – potencialmente – maior efetividade à Política Social. Informação e conhecimento, sistematizados de forma prática e operacional, atualizados no tempo e referidos nos domínios territoriais adequados
e com escopo abrangente e multidisciplinar constituem-se em insumos básicos
para a tomada de decisão técnico-política em qualquer momento do ciclo de vida
ou maturação de uma política ou programa social. Dados, indicadores, estudos e
pesquisas de campo são fundamentais no levantamento de evidências empíricas
na formulação de uma estratégia de superação ou mitigação de uma problemática
social específica, no planejamento de um arranjo operativo que permita colocá-la em ação, na coordenação de um conjunto escolhido de agentes públicos, de
instituições privadas ou do terceiro setor, no monitoramento das atividades planejadas, e, enfim, na avaliação dos resultados e esforços empreendidos.
No Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a produção de
informação e conhecimento para aprimoramento do desenho e gestão de políticas e programas tem sido uma atividade permanente desde sua criação em 2004,
com a instituição de uma unidade de monitoramento e avaliação com status de
Secretaria Nacional: a Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI). Em
parceria com as secretarias finalísticas deste Ministério, a SAGI tem produzido um
conjunto considerável de pesquisas e estudos avaliativos que contribuem para
conhecer melhor os diversos públicos-alvo das políticas de desenvolvimento social, os desafios da implementação dos programas, os resultados e impactos dos
serviços e ações.
Este livro é, nesse sentido, mais uma contribuição para Avaliação de Políticas e
Programas do MDS. Mais especificamente, trata-se de uma publicação, organizada em cinco volumes temáticos, com estudos produzidos no âmbito de edital de
fomento à pesquisa – Edital nº 36/2010 – do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por um conjunto amplo de pesquisadores
de diversas instituições, de norte a sul do País.
Com diferentes perspectivas disciplinares, modelos teórico-conceituais e estratégias de pesquisa, os autores dedicam-se a diferentes temáticas e problemáticas das
políticas e programas do Ministério, trazendo também suas interfaces com outras
políticas sociais em educação, saúde e trabalho. É uma boa amostra da abordagem
multidisciplinar e multi-métodos de produção de estudos avaliativos adotados pela
SAGI em seus dez anos. Neste sentido, é oportuno registrar nessa introdução alguns
princípios epistêmicos, aspectos conceituais e metodológicos sobre o que se entende por Avaliação, e como ela vem se estruturando na Secretaria.
9
Avaliação de Políticas Públicas tem recebido as mais diferentes definições na literatura especializada, segundo os diversos modelos conceituais, paradigmas teóritração Pública, tomando a avaliação em perspectiva mais geral como componente
integrante da Análise de Políticas Públicas, como instrumento de Sistemas de Monitoramento e Avaliação de programas governamentais ou, em uma concepção
mais restrita, avaliação como um tipo particular de investigação empírica acerca
de programas e projetos sociais, como as avaliações de impacto experimental
ou quasi-experimental. Em uma definição mais pragmática e aplicada ao campo
da Gestão Pública, Avaliação refere-se ao conjunto de procedimentos técnicos
para produzir informação e conhecimento para desenho ex-ante, implementação
e validação ex-post de programas e projetos sociais, por meio das diferentes abordagens metodológicas da Pesquisa Social, com a finalidade de garantir o cumprimento dos objetivos dos programas e projetos (eficácia), seus impactos mais
abrangentes em outras dimensões sociais, para além dos públicos-alvo atendidos
(efetividade), e a custos condizentes com a escala e complexidade da intervenção
(eficiência).
Nesta definição, Avaliação não é entendida tão somente como uma investigação
com métodos validados cientificamente para analisar diferentes aspectos sobre
um programa – o que se constituiria em uma investigação de cunho acadêmico –,
mas um levantamento consistente, sistemático e replicável de dados, informações
e conhecimentos para aprimoramento da intervenção programática, versando sobre características essenciais do contexto de atuação, os públicos-alvo, o desenho,
os arranjos de implementação, os custos de operação, os resultados de curto prazo, os impactos sociais e de mais longo prazo de um programa. Enfim, na definição
aqui advogada, Avaliação tem o objetivo de produzir evidências, compilar dados
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
cos e linhas de pesquisa da Ciência Política, Ciências Sociais, Economia e Adminis-
e sistematizar estudos que contribuam para o aperfeiçoamento dos programas e
projetos sociais e a consecução de seus objetivos.
Avaliações que, de fato, têm uso efetivo na intervenção são desenhadas conforme as demandas de informação e conhecimento ao longo do ciclo de maturidade do programa ou projeto social. Podem ser de natureza diagnóstica – Avaliação
Diagnóstica –, apoiada em fontes de dados já existentes, produzidas pelo IBGE,
nos registros e cadastro públicos dos ministérios, para permitir um rápido dimensionamento e caracterização da questão social a ser objeto de intervenção. Para
a formulação de programa ou projeto de mitigação ou equacionamento da problemática social identificada, em geral, são necessários novos esforços de levantamentos de campo – para o aprofundamento do diagnóstico das condições de
vida, contexto econômico, restrições ambientais, capacidade de gestão e oferta
de serviços – e de compilação de estudos já realizados na temática, abordando
determinantes da problemática em questão e eventuais programas e projetos já
idealizados, que constituem o que se denomina Avaliação de Desenho. Definidos
os públicos a atender e os arranjos operacionais do programa ou projeto social, é
preciso colocá-lo em ação, realizando as atividades planejadas, acompanhando
sua execução mediante indicadores de gestão e de monitoramento, e identificando problemas na oferta, na regularidade e na qualidade dos serviços por meio de
pesquisas de Avaliação da Implementação.
Reconhecidos e, tanto quanto possível, sanados os desafios da implementação, as
demandas de informação e conhecimento voltam-se para a Avaliação de Resultados e Impactos do programa ou projeto social. Trata-se de momento de investigação mais exaustiva sobre os diversos componentes de uma intervenção, abordando não apenas o cumprimento dos seus objetivos, mas seu desenho, seus arranjos
operacionais, seus impactos sociais mais abrangentes – no tempo e no território
– e sobre a capacidade de inovação e redesenho frente ao contexto dinâmico em
que operam os programas e projetos. Cabe nesse momento avaliar se a intervenção programática formulada conseguiu provocar mudanças na realidade social
que a originou, considerando naturalmente a complexidade do seu desenho e dos
arranjos operacionais, além da criticidade da questão social enfrentada. Identificar
o momento adequado de avaliações dessa natureza é um misto de técnica, política
e arte: avaliações precoces podem colocar a perder a legitimidade de um programa e projeto meritório que ainda não teve tempo de se estruturar; avaliações tardias podem comprometer recursos e esforços que poderiam ser usados de forma
mais eficiente e eficaz na mitigação da problemática social em questão. Enfim, se
o programa e projeto produzem resultados e impactos, é necessário analisar os
custos envolvidos na operacionalização de suas atividades, equipamento e pessoal – Avaliação Custo-Efetividade. O custo-efetividade das intervenções, isto é, o
valor gasto para produzir unidades de resultados e impactos em um período de
tempo e território específicos, é certamente uma informação fundamental para
avaliar a sustentabilidade dos programas e projetos no futuro e em outros contextos. Ademais tais avaliações, se bem realizadas – com contabilidade precisa de
custos e vetor abrangente de indicadores de resultados – fornecem parâmetros
cruciais para comparar diferentes intervenções sociais e informar gestores nas decisões técnicas e políticas acerca da continuidade, descontinuidade e expansão
de programas e projetos.
Em uma perspectiva metodológica, os esforços de Avaliação podem se estruturar
em quatro tipos de produtos mais gerais, com maior ou menor aderência e especificidade ao problema social ou intervenção programática desenhada: Estudos
Avaliativos – análises com base em dados secundários ou compilação de artigos
e trabalhos já realizados anteriormente na temática, com maior ou menor abrangência; Pesquisas de avaliação – levantamentos primários, quali ou quantitativos,
desenhadas com objetivos de produção de evidências mais específicas necessárias ao aprimoramento da intervenção; Meta-avaliações – recensões sobre estudos
avaliativos, pesquisas e experiências nacionais, subnacionais e internacionais de
programas e projetos implementados; Relatórios-síntese de Avaliação e portais
Web com informação mais sumária, na forma de indicadores em geral, para comunicação mais objetiva acerca de aspectos do diagnóstico, implementação e resultados do programa e projetos.
As pesquisas de campo podem ser mais estruturadas, como as enquetes quantitativas com marco amostral probabilístico – necessárias para produção de indicadores de dimensionamento de públicos-alvo ou inferência representativa quanto aos resultados dos programas – ou com amostras intencionais – mais rápidas,
menos custosas, mas com limitado poder de generalização dos seus resultados.
Podem ser menos estruturadas, mais exploratórias, de cunho qualitativo, como
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grupos de discussão ou entrevistas em profundidade, dirigidas a usuários e beregados da operacionalização dos serviços. São especialmente importantes para
identificar questões latentes acerca da implementação dos programas, não antecipados quando de seu desenho. Um tipo particular de instrumento estruturado,
as pesquisas com delineamento quasi-experimental – também denominadas de
avaliação de impacto – certamente são importantes instrumentos de avaliação de
programas, mas pelo tempo, recursos e conflitos éticos que estes levantamentos
envolvem, têm uso muito mais dirigido para a análise do mérito e da contribuição
específica das intervenções, para fins de prestação de contas a agentes financiadores do programa ou projeto.
Não existe um método ou estratégia “padrão-ouro” para a produção de uma Avaliação. O melhor método é o que produz as evidências que respondem de forma
consistente às demandas requeridas, ao tempo de serem utilizadas para decisões
na Gestão Pública. Informação precisa mas produzida a custos e tempo não condizentes com a tempestividade da gestão ou informação rapidamente produzida
mas não consistente nem robusta em termos metodológicos certamente não se
prestam a orientar decisões cruciais acerca dos rumos de um programa ou projeto
social. Perspectiva multidisciplinar de investigação, triangulação de métodos e de
sujeitos entrevistados, esforços combinados de avaliação interna – com gestores
e técnicos que conhecem os problemas e as atividades do programa e projeto – e
de avaliação externa – com pesquisadores especializados e apoio de equipe de
campo – é que garantem a credibilidade e robustez necessárias ao aprimoramento
da gestão e do desenho das intervenções programáticas.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
neficiários de programas e projetos, assim como aos gestores e técnicos encar-
Por fim, mas não menos importante: a efetividade das Avaliações não pode ser
medida pelo número de sugestões e recomendações aportadas nas pesquisas e
estudos avaliativos nos programas e projetos. Avaliações produzem informação e
conhecimento que, desde que devidamente estruturados e disseminados, podem
e devem ser usados para interferir cotidianamente na ação do gestor estratégico
e do técnico na ponta, cujo registro formal é difícil de realizar. Ademais, e fundamentalmente, programas e projetos sociais são empreendimentos complexos,
seja em termos de contexto político-institucional e escala, seja em arranjos de
implementação e pessoal técnico envolvido. A introdução de inovações, redesenho de processos, descontinuidade de atividades, contratação de novos agentes
e serviços – típicas recomendações derivadas de avaliações de implementação
− cumprem um calendário que deve compatibilizar a agenda de prioridades de
correção de problemas com as janelas de oportunidades de mudanças, sem o risco
de interrupção das atividades para os públicos atendidos.
Os estudos resultantes do referido edital do CNPq aqui compilados – assim como
outros produzidos por consultores, empresas contratadas ou pela equipe SAGI
– guardam similitude com algumas das tipologias e classificações aqui apresentadas. Mas o mais importante é a contribuição substantiva que aportam para o
debate sobre as políticas e programas do Ministério.
A SAGI agradece o empenho dos pesquisadores, a participação dos técnicos e gestores do MDS que se envolveram ao longo da execução dos projetos, e a competência do Departamento de Avaliação na condução de todo o processo de gestão
do Edital, que culminou com a organização dessa relevante publicação.
Boa leitura!
13
INTRODUÇÃO
MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS: UMA
COMPILAÇÃO CONCEITUAL E METODOLÓGICA PARA
16
ORIENTAR A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO APLICADO
PARA APRIMORAMENTO DA GESTÃO PÚBLICA
Paulo de Martino Jannuzzi
A PESQUISA APLICADA ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS E A POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE UMA AGENDA ESTRATÉGI-
56
CA DE AVALIAÇÃO ENTRE ACADEMIA E GOVERNO
Júnia Quiroga
Alexandro Rodrigues Pinto
Renata Mirandola Bichir
Renato Francisco dos Santos de Paula
EDITAL nº 36/2010: O DESAFIO
Mariomar Almeida
Renata Gracioso Borges
Marcelo Gonçalves Valle
Roberto Camargos Antunes
Josiane B. Santos
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
SUMÁRIO
68
TEMAS TRANSVERSAIS
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: PERSPECTIVAS A PARTIR DO OLHAR DE GÊNERO E
82
DA DIVERSIDADE SOCIOCULTURAL DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS
Marcelo Cardona Rocha
Teresa Sacchet
Kátia Favilla
1.
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DOS ASPECTOS SOCIODEMO-
GRÁFICOS E DAS ROTINAS DE CRIANÇAS NOS CONTEXTOS URBANO E RIBEIRI-
94
NHO AMAZÔNICO
2.
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E AS RELAÇÕES DE GÊNERO E GERAÇÃO
3.
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA VOZ DAS PESCADORAS ARTESANAIS DO
4.
ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DA FOME E CONSTRUÇÕES DE GÊ-
122
NA AGRICULTURA FAMILIAR DO SEMIÁRIDO DO NORDESTE
LITORAL DE PERNAMBUCO.
148
170
NERO: O cotidiano das quebradeiras de coco babaçu da região dos
cocais- MA
5.
SEGURANÇA ALIMENTAR E ACESSO AOS PROGRAMAS DE DESENVOL-
VIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME DE COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO
202
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
6.
DO PONTO DE VISTA DAS CRIANÇAS: Uma avaliação do Programa
7.
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E O ACESSO À EDUCAÇÃO ESCOLAR EM
Bolsa Família
COMUNIDADES INDÍGENAS KAINGANG E GUARANI NO PARANÁ
216
238
8.
MULHER E TRABALHO NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
264
Paulo de Martino Jannuzzi2
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
monitoRamento e avaliação de
PROGRAMAS: UMA COMPILAÇÃO CONCEITUAL E
METODOLÓGICA PARA ORIENTAR A PRODUÇÃO
de conHecimento aplicado paRa
APRIMORAMENTO DA GESTÃO PÚBLICA1
1
ESTE TExTo é vERSão REvISADA DE ouTRo PRoDuzIDo CoMo MATERIAL DE REFERÊNCIA BÁSICA PARA
CuRSoS DE AvALIAção DE PRoGRAMAS SoCIAIS DA ESCoLA IBERoAMERICANA DE ADMINISTRAção E PoLÍTICAS PúBLICAS,
oFERECIDoS NA ESCoLA NACIoNAL DE PoLÍTICAS PúBLICAS DESDE 2009, PuBLICADo EM DuAS PARTES (JANNuzzI
2011A E 2011B). A REPRoDução DoS MESMoS DE FoRMA INTEGRADA E REvISADA NESSA CoLETâNEA JuSTIFICA-SE PELA
oPoRTuNIDADE DE DISSEMINAR uMA CoMPILAção úTIL DE ASPECToS HISTÓRICoS, CoNCEITuAIS E METoDoLÓGICoS
ACERCA DE MoNIToRAMENTo E AvALIAção DE PRoGRAMAS No PAÍS JuNTo À CoMuNIDADE ACADÊMICA BRASILEIRA,
INCITADA A PARTICIPAR MAIS DIRETAMENTE DA PRoDução DE CoNHECIMENTo PARA AS PoLÍTICAS E PRoGRAMAS Do
MINISTéRIo DE DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME, PELoS EDITAIS DE FoMENTo À PESQuISA Do CNPQ.
2
PRoFESSoR DA ESCoLA NACIoNAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS Do INSTITuTo BRASILEIRo DE GEoGRAFIA
E ESTATÍSTICA, PESQuISADoR Do CNPQ No PRoJETo PQ “INFoRMAção ESTATÍSTICA E SISTEMAS DE MoNIToRAMENTo
E AvALIAção DE PoLÍTICAS E PRoGRAMAS SoCIAIS No BRASIL E AMéRICA LATINA”. ATuALMENTE ExERCE A FuNção DE
SECRETÁRIo DE AvALIAção E GESTão DA INFoRMAção (SAGI) Do MINISTéRIo DE DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE
À FoME (MDS).
INTRODUÇÃO
A crescente atuação do Estado Brasileiro na promoção de políticas sociais, em especial a partir da Constituição Federal de 1988, tem sido acompanhada, com alguma defasagem, pelo aprimoramento da capacidade de formulação e avaliação de
programas públicos no país. De modo geral, os estudos de avaliação de demandas
sociais, os diagnósticos propositivos para intervenções específicas, os sistemas de
indicadores de monitoramento e as pesquisas de avaliação de programas vêm se
tornando mais consistentes e presentes no cotidiano dos gestores públicos, ainda
que em um ritmo menos veloz que o necessário e de forma bastante desigual
pelas esferas de governo e regiões do país. Em que pesem os avanços na capacidade de gestão de programas, ainda são expressivos os contrastes que se podem
observar, por exemplo, no acompanhamento dos programas nas áreas da saúde
e da qualificação profissional, ou entre equipes de gestores do governo federal e
técnicos de prefeituras de pequenos municípios no interior do país.
Há mesmo quem diga – nos círculos acadêmicos e nas diferentes esferas da administração pública – que não é por falta de estudos, diagnósticos e indicadores que
os programas sociais não conseguem alcançar os resultados e impactos esperados
no Brasil. Afinal, é fato que centros de pesquisa, universidades, empresas de consultoria e equipes de técnicos do setor público têm produzido, de forma sistemática ou por meio de projetos contratados, um amplo conjunto de trabalhos, artigos
e estudos sobre diferentes aspectos da realidade social, referidos direta ou indiretamente ao contexto de operação dos vários programas públicos. Entretanto também é verdade que muitos desses trabalhos, mesmo os contratados para subsidiar
a formulação de programas específicos, acabam se revelando como diagnósticos
descritivos bastante gerais, aplicáveis a diferentes programas sociais, com contribuições certamente relevantes, mas desprovidas de informações mais particulares
e “customizadas” para formatação de ações públicas mais dirigidas, no grau que se
requer atualmente. Nos diagnósticos contratados pelo setor público, contribuem
para isso, sem dúvida, as imprecisões ou lacunas dos termos de referência – que
espelham, muitas vezes, a falta de clareza dos objetivos e natureza do programa
público a ser implementado, fato decorrente, por sua vez, das deficiências de formação do gestor público – e a exiguidade de tempo e recursos para realização
de levantamentos de campo específicos. Nesse contexto, acabam se justificando
estudos diagnósticos mais gerais, baseados em trabalhos anteriores e em fontes
de dados e pesquisas já disponíveis.
Também é preciso reconhecer as limitações das pesquisas de avaliação de programas públicos como fontes de informação para readequação dos programas
existentes ou proposição de novos. Nas avaliações de impacto, as constatações
empíricas acerca da efetividade dos programas são, não raras vezes, ambíguas ou
pouco consistentes. Nos casos em que se adotam delineamentos metodológicos
quasi-experimentais, as condições para garantir a validade interna dos estudos
acabam por inviabilizar a apropriação e a generalização dos resultados para avaliações mais abrangentes dos programas3.
3
WORTHERN et al., 2004.
17
Vários estudos avaliativos focados no processo de implementação dos programas
bre as atividades desenvolvidas e o papel dos agentes institucionais envolvidos nos
programas, seja pelas limitações ou inexistência de sistemas de informações de monitoramento, seja pelas decisões metodológicas quanto às técnicas, amostras e aos
casos investigados, muitas vezes escolhidos mais em função dos prazos e recursos
disponíveis do que pelas perguntas as quais se quer responder. Avaliações voltadas
à análise da consistência teórica e do desenho lógico de programas – que poderiam
gerar conhecimento mais generalizável na área – são menos frequentes ou, pelo
menos, menos conhecidas do que outros tipos de estudos avaliativos no país.
Enfim, em que pesem os avanços na área, é preciso reconhecer que a insatisfação
com esses estudos ainda é mais frequente do que o desejável. Como já revelava
Cotta há mais de dez anos:
As metodologias de avaliação de programas sociais têm sido
objeto de severas críticas. Basicamente, afirma-se que, na
prática, as avaliações não subsidiam o processo decisório porque
seus resultados são inconclusivos, inoportunos e irrelevantes.
Inconclusivos em função das próprias limitações deste tipo
de estudo, inoportunos devido à morosidade do processo
avaliativo e irrelevantes porque não respondem às demandas
informacionais de todos os agentes sociais afetos à intervenção.4
Situação semelhante parece ter passado os Estados Unidos (EUA) nos anos 1970, a
julgar pelo relatório do General Accounting Office, que, mobilizado por demanda do
Senado americano em 1974, constatou que as informações das pesquisas sociais e
estudos avaliativos financiados com recursos públicos não contribuíam para o de-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
acabam tendo baixo poder de generalização devido às lacunas de conhecimento so-
senho das políticas públicas, pela dispersão e fragmentação de temas investigados,
falta de coordenação e orientação do que era de interesse governamental investigar,
dificuldade de acesso e compreensão dos relatórios de pesquisas.5
Mesmo mais recentemente têm-se constatado limitações e problemas nos estudos avaliativos de programas públicos nos EUA, às vezes com desdobramentos até
piores que os descritos por Cotta. De fato, como colocam Worthern et al. :
De vez em quando, uma “avaliação” mal concebida ou mal
executada produz informações que, no melhor dos casos,
seriam enganosas e, no pior, absolutamente falsas. Embora
essas ocorrências sejam raras, podem causar problemas graves.
Como geralmente tem ar de respeitabilidade, essas avaliações
não costumam ser questionadas, e o resultado é que decisões
importantes sobre programas e serviços essenciais baseiam-se
inadvertidamente em informações falaciosas.6
4
COTTA, 1998, p.118.
5
GAO, 1977.
6
WORTHERN et al., 2004, p.44.
Conspiram para a conformação de tais problemas, entre tantos fatores, a crença
desmesurada na capacidade de antecipação e implementação de programas por
parte de técnicos de alto escalão que, ao não incorporar a contribuição de agentes
envolvidos no trabalho, acabam por desenhar processos e rotinas que desconsideram as distintas realidades de operação dos programas. Esse tecnocratismo
ingênuo invariavelmente se esquece das dificuldades de articulação e colaboração dos três níveis de governo ou de pastas sociais em uma mesma esfera e das
diferenças de capacidade de gestão e controle social país afora. Tão ou mais grave,
também desconsidera, na formulação dos programas, a heterogeneidade socioeconômica da população demandante, considerando-a como único público-alvo,
para o qual se deve disponibilizar um mesmo conjunto de serviços, de Norte a Sul,
do centro à periferia das cidades. Assim, com problemas nas fases iniciais do ciclo
de gestão de programas – no reconhecimento das questões sociais e no desenho
das intervenções idealizadas para mitigá-los – não se poderiam esperar resultados, de fato, impactantes.
Desconhecimento sobre o estágio de avaliabilidade dos programas é outro fator a
minar a credibilidade dos instrumentos de monitoramento e avaliação. A prematuridade na encomenda de estudos avaliativos de resultados e impactos, quando se
sabe que o programa ainda se encontra em fase de implantação ou com problemas
de gestão; e a antecipação de avaliações externas, com natureza mais de auditoria
em detrimento de avaliações de caráter mais formativo, conduzidas internamente
e voltadas ao aprimoramento incremental do programa constituem-se problemas
mais frequentes do que se poderia esperar. São aportados volumes significativos
de recursos em pesquisas de avaliação, procurando garantir representatividade
amostral de resultados em nível nacional, esquecendo-se de estruturar painéis
ou sistemas de indicadores de monitoramento que – com todas as limitações de
cobertura, mas com a tempestividade devida – permitiriam identificar boa parte
dos problemas em tempo de serem corrigidos.
De fato, um dos achados sistemáticos das avaliações de programas realizadas pelo
Tribunal de Contas da União é a inexistência de sistemas de informação para o
acompanhamento das atividades dos programas. É ilustrativa, nesse sentido, a
constatação, reproduzida a seguir, acerca da avaliação do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), operado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar (FNDE) do Ministério da Educação (MEC), com objetivo de distribuir acervo de
livros para formação de bibliotecas nas escolas.
O trabalho constatou que o FNDE tem mostrado grande
eficácia operacional na distribuição dos acervos do Programa
para as escolas beneficiadas. Foram atendidas 20 mil escolas
em 1998 e 36 mil em 1999, com previsão de atendimento de
139 mil escolas em 2002.
Todavia, também se verificou que o PNBE não tem atividades
de monitoramento e avaliação bem estruturadas. O MEC não
dispõe de informações que permitam conhecer o nível de
utilização dos acervos, bem como os problemas que podem estar
afetando a efetividade do uso dos livros no desenvolvimento
19
Para isso contribui o estágio do conhecimento do campo aplicado de monitoramento e avaliação de programas no Brasil. Enquanto nos EUA e em países europeus desenvolvidos a cultura de avaliação de programas já se encontra em estágio
maduro, depois de mais de três ou quatro décadas de desenvolvimento, com marcos conceituais abrangentes e testados, com profissionais de formação multidisciplinar e com instituições especializadas, no Brasil, a institucionalização do campo
é bem mais recente.
Como comentam Worthern et al.7, a cultura de monitoramento e avaliação de
programas nos Estados Unidos – assim como os instrumentos de planejamento e
programação orçamentária – começou a se fortalecer nos anos 1960 no Governo
Lyndon Johnson, quando da estruturação de vários programas sociais em nível
federal, no contexto do que se denominou Great Society, e da necessidade, portanto, de garantir melhor gestão dos programas públicos naquele país. Rossi et al.8
identificam esforços sistemáticos em avaliação de programas sociais norte-americanos, já a partir da década de 1930, como desdobramento do papel crescente do
Estado americano no financiamento de serviços sociais (respondendo aos efeitos
da crise de 1929). A avaliação de programas, que se concentrava, inicialmente,
nas áreas de educação (sobretudo na investigação de programas de alfabetização), de saúde pública (nas ações de combate à mortalidade por doenças infecto-parasitárias) e de qualificação profissional, passa, no pós-guerra, a abranger áreas
como prevenção da violência juvenil, planejamento familiar, nutrição, programas
habitacionais, desenvolvimento rural.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
escolar dos alunos nas escolas beneficiadas. Tal fato é mais
preocupante justamente no momento em que aumenta a escala
de atendimento do Programa. (TCU, 2002, p.10).
No entanto, nos anos 1960, o campo da avaliação de programas passa por uma alta
repentina e significativa, com a já mencionada ampliação dos programas sociais, e
também, como lembram Rossi et al.9, com o avanço e a disseminação das técnicas
aplicadas da pesquisa social, desenvolvidas nas universidades americanas.
Ao contrário do que se poderia imaginar, nas décadas seguintes, a ênfase na
desregulamentação e descentralização da prestação de serviços públicos e no
questionamento sobre a pertinência e o tamanho dos programas sociais nos governos republicanos conservadores, que assumiram o poder mais tarde, acabou
por valorizar a prática da avaliação, ao disseminar a cultura de monitoramento
e avaliação para governos estaduais, municipais e organizações não governamentais. Afinal, mesmo um “estado regulador” requer instrumentos de medição de resultados para acompanhar a prestação dos serviços financiados com
recursos públicos, até para justificar, com alguma base técnica e transparência,
a descontinuidade de programas sociais “ineficazes” e redirecionar os gastos
para outras áreas (como para as despesas militares da Guerra do Vietnã, no governo Nixon, e para defesa militar no Governo Reagan). Respondendo a essas
7
Worthern et al., 2004.
8
Rossi et al., 2004.
9
Rossi et al., 2004.
demandas, comentam os autores que, nos anos 1970, são estruturados cursos
de pós-graduação, de natureza disciplinar e, mais tarde, multidisciplinar, com
forte ênfase em técnicas de pesquisa (quantitativas e qualitativas), abrindo a
possibilidade para criação de uma comunidade profissional de avaliadores.10
A avaliação de programas deixaria de ser preocupação apenas de cientistas sociais, em temas de pesquisas acadêmicas nas universidades, ganhando projeção
e interesse na comunidade de gestores públicos como ferramenta para aprimoramento dos serviços públicos. Essa mudança qualitativa da produção e apropriação
de conhecimentos na área – que parece se processar neste momento no Brasil – é
muito bem registrada pela seguinte passagem de Rossi et al.:11
In its early years, evaluation was shaped mainly by the
interests of social researchers. In later stages, however, the
consumers of evatuation research exercised a significant
influence on the filed. Evaluation in now sustained primarily
by funding from policymakers, program planners, and
administrators who use the findings and by the interests of
general public and the clients of the programs evaluated.
Evaluation results may not make front-page headlines, but
they are often matters of intense concern to informed citizens,
program sponsors, and decisionmakers, and those whose lives
are affected, directly or indirectly, by the programs at issue.
No caso brasileiro, atualmente, parte significativa da avaliação de programas públicos tem sido realizada por equipes de centros de pesquisa e universidades,
com boa experiência em análise de macropolíticas, conjuntura social ou projetos
de pesquisa acadêmicos, mas, em geral, sem experiência na implementação real
de programas e sem reunir o conhecimento multidisciplinar requerido para a abordagem dos problemas complexos em que os programas procuram atuar.12 Não há
10
Vide, por exemplo, as publicações, eventos e sites das associações profissionais ou acadêmicas de
avaliação nesses países, entre os quais: American Evaluation Association (www.eval.org); Canadian Evaluation
Society (www.evaluationcanada.ca); European Evaluation Society (www.europeanevaluation.org); e
Societé
Française d’Evaluation (www.afe.asso.fr).
11
Rossi et al., 2004, p.9.
12
De fato, no Brasil, os trabalhos de avaliação de programas públicos e seus autores encontram-se
dispersos pelas principais associações científicas disciplinares, tais como: Anpad (administração e administração
pública); Anpec (economia); Anpocs (ciências sociais); Anped (educação); Abep (estudos populacionais); Abet (estudos do
trabalho); Abrasco (saúde coletiva). Vale destacar alguns dos principais periódicos em que se pode encontrar estudos
avaliativos: Revista do Serviço Público; Revista Brasileira de Ciências Sociais; Revista de Administração Pública; Revista
São Paulo em Perspectiva; Textos de Discussão (Ipea); Planejamento e Políticas Públicas; Pesquisa de Planejamento
Econômico; Texto de Discussão Ence, entre outros (alguns desses periódicos estão disponíveis no portal www.scielo.
br. A partir dos anos 2000, foram criados espaços mais multidisciplinares para discussão e apresentação de estudos
de avaliação de políticas públicas, entre eles a Associação Brasileira de Avaliação Educacional (www.abave.org.br); a
Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação (http://redebrasileirademea.ning.com); o portal Políticas Públicas em
Foco (www.boletim-fundap.cebrap.org.br), mantido pela Fundap e Cebrap; o sítio do Tribunal de Contas da União (www.
tcu.gov.br) e da Controladoria-geral da União (www.cgu.gov.br ), além dos fóruns criados pelos programas de pósgraduação lato e stricto sensu, acadêmicos e profissionais, e das linhas de pesquisa nesse sentido em programas de
pós-graduação em administração pública, economia social, saúde coletiva, direito etc.
21
dúvidas de que, em geral, essas avaliações de programas contam com equipes
de técnicas quantitativas e qualitativas de coleta e análise de dados. Como nas
pesquisas acadêmicas, é fundamental garantir o rigor metodológico nos estudos
avaliativos, para permitir conhecimento mais circunstanciado dos problemas, as
soluções idealizadas para mitigá-los e para conferir legitimidade técnica-científica
na avaliação da ação governamental. Mas, como já alertado em um dos primeiros
manuais abrangentes de avaliação de programas no início dos anos 1970, programas sociais são “objetos de pesquisa” inerentemente difíceis de serem tratados,
pelo ambiente muitas vezes inóspito e pouco colaborativo, pelo contexto político
menos ou mais favorável, pela natureza fugidia das perguntas e questões que o
avaliador deve responder, pela menor ou maior disponibilidade de dados, pelo
tempo e recursos disponíveis para conduzir análises mais consistentes.13 Em manuais mais recentes, como os já citados de Worthern et al. e Rossi et.al., recomenda-se que os estudos avaliativos sejam realizados por pesquisadores com conhecimento técnico e metodológico apropriado à temática em questão, mas também
com experiência empírica anterior e, sobretudo, com desprendimento para inovar
e improvisar nas diversas circunstâncias e dificuldades que insistem em aparecer
no cotidiano prático da área. Não é incomum, pois, que estudos avaliativos realizados por “puristas metodológicos” cheguem a resultados já conhecidos do gestor
de programas, ou concluam – com ingênua assertividade – acerca da necessidade
de descontinuidade do programa avaliado, pela suposta baixa efetividade apurada, segundo suas escolhas metodológicas sobre o que investigar e como fazê-lo.
Essas considerações iniciais – um tanto extensas, mas necessárias para contextualização e justificativa da discussão aqui pretendida – procuram situar o quadro de deficiência de sistemas de monitoramento para acompanhar as ações e os
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
competentes no emprego das boas práticas da pesquisa social e no uso rigoroso
programas governamentais no Brasil e os frequentes problemas de especificação
de pesquisas de avaliação desses programas na gestão pública no país. Não é
tão comum encontrar, nos gabinetes e escritórios de gestores e técnicos do setor
público, especialmente em nível estadual e dos grandes municípios, sistemas de
monitoramento que permitam acompanhar, por meio de um conjunto consistente
e atualizado de indicadores, a ação governamental, desde a alocação do gasto
público ao impacto junto aos públicos beneficiários. Muitos são os exemplos de
pesquisas de avaliação que, mesmo motivadas por preocupação legítima e meritória com a eficácia e efetividade do gasto público, revelam, infelizmente, resultados triviais, metodologicamente questionáveis ou com baixa apropriação para
reformulação dos programas.
Este texto procura trazer alguma contribuição de natureza conceitual e metodológica para ajudar a “debelar os males” apontados anteriormente; isto é, para auxiliar
na estruturação de sistemas de monitoramento e na especificação de pesquisas
de avaliação que realmente se prestem ao objetivo de permitir o acompanhamento contínuo e o efetivo aprimoramento da ação governamental e, portanto, da gestão de programas.
13
WEISS, 1972.
Inicia-se com uma exposição do Ciclo de Formulação e Avaliação de Políticas Públicas e Programas, para em seguida discutir como os sistemas de indicadores de
monitoramento e as pesquisas de avaliação podem e devem se integrar naquele.
Esse caminho escolhido parte da hipótese de que as dificuldades apontadas no
monitoramento e avaliação de programas no Brasil – e as frustrações daí decorrentes – são consequência, em boa medida, de desenvolvê-los seguindo modelos
e prescrições muito particulares e padronizados, sem a devida “customização” que
deveriam ter em função do estágio de maturidade dos programas – ou do momento do “ciclo de vida” em que eles se encontram –, ou, ainda, de conduzi-los sem
uma análise prévia do grau de avaliabilidade dos programas e sem uma compreensão de que essas atividades se integram a processos mais amplos, igualmente
importantes, da gestão de programas.
Forçando um pouco o argumento para torná-lo mais claro – ainda que em prejuízo
do reconhecimento do esforço meritório e do trabalho competente observado em
diversos setores da administração pública brasileira –, o fato é que as lacunas de
formação e o pouco domínio de conceitos e técnicas no campo de monitoramento
e avaliação, na comunidade de gestores, acabam trazendo problemas na especificação dos instrumentos de monitoramento e avaliação das ações governamentais.
Isso leva às conhecidas frustrações com resultados tão ansiosamente esperados e
aos questionamentos sobre a utilidade dos estudos.
Explicitando melhor a motivação para elaboração desse texto – agora sob o risco
de simplificar demais a natureza e minimizar o alcance dos estudos avaliativos
conduzidos por colegas pesquisadores nas universidades e centros de pesquisa
no país –, a abordagem marcadamente disciplinar da pesquisa aplicada no campo,
a sobrevalorização de algumas abordagens e modelos específicos de avaliação, o
desconhecimento do contexto de operação da ação pública e da forma com que
os resultados dos estudos podem ser usados mais efetivamente pelos gestores
são elementos que também contribuem para conformação de tal quadro. Este texto procura, assim, em uma perspectiva modesta em substância, mas comprometida
em seu sentido público, colaborar para a melhoria na especificação da demanda
de instrumentos de monitoramento e pesquisa de avaliação por parte da comunidade de gestores públicos e na estruturação dos serviços a serem oferecidos pela
comunidade de pesquisadores acadêmicos e profissionais.
Antes de passar a uma explicação mais detalhada de cada etapa desse ciclo, vale
formalizar dois termos citados correntemente no texto – políticas públicas e programas. Isso é importante para circunstanciar os limites do campo de diálogo estabelecido neste texto, já que avaliação de políticas públicas e avaliação de programas públicos são termos muito imbricados, mas referem-se a contextos muito
diferentes (em amplitude) da análise da intervenção estatal.
Evitando entrar em uma discussão muito extensa sobre os diferentes significados
do termo – sistematizados em Villanueva14 – política pública é, na definição de
Nascimento15, o conjunto de decisões tomadas por aqueles que detêm competên14
VILLANUEVA, 2006.
15
NASCIMENTO, 1991.
23
cia legal para deliberar em nome da coletividade – as instituições de Estado – via intenção de orientar sua evolução para um fim estabelecido como o desejável.
Como esclarece Saravia, em
[...] uma perspectiva mais operacional, poderíamos dizer que
ela [a política pública] é um sistema de decisões públicas
que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas,
destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários
setores da vida social, por meio da definição de objetivos e
estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários
para atingir os objetivos estabelecidos.16
As decisões que conformam tal política pública – distributiva, redistributiva ou
regulatória, universal ou focalizada – assumem diferentes formatos: podem ser
enunciados de diretrizes estratégicas de governo, leis e decretos normativos,
que especificam de forma mais clara e operacional tais diretrizes, a criação de
organizações ou programas que vão conferir operacionalidade às diretrizes, leis
e normas.17
O programa público é, pois, um dos instrumentos operacionais das políticas públicas. Mais especificamente, trata-se de um conjunto sistêmico de ações programadas e articuladas entre si, com objetivo de atender uma demanda pública
específica, encampada na agenda de prioridades do Estado ou governo quanto a
essas políticas. Assim, um programa social é um conjunto de atividades direcionadas para solucionar um problema vivenciado pela sociedade, em seu conjunto
ou por grupos.18
Avaliação de políticas públicas, ou melhor, análise de políticas públicas, termo
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
sando à solução de um problema ou ao redirecionamento de uma tendência, com
preferido por Owen19, é, pois, uma atividade muito mais ampla que a avaliação de
programas. Trata do contexto político-social de surgimento da política, dos atores participantes. Volta-se mais ao esclarecimento de seu processo de construção
do que da recomendação prática de como aprimorá-la, constituindo, na realidade, um campo de investigação mais propriamente acadêmico que a perspectiva
técnica-profissional em que se realiza a avaliação de programas. Vale observar
que há Programas, inclusive, com escopo temático e escala de operação muito
mais abrangente que o usual, revelando-se mais como um guarda-chuva de outros
programas mais específicos. Outros podem ser projetos de curto alcance, ou atividades que visam à produção de um produto ou serviço finalístico ou da área-meio.
A discussão aqui empreendida é suficientemente ampla para contemplar essas
modalidades.
16
SARAVIA, 2006, p.29.
17
VILLANUEVA, 2006.
18
ROSSI et al., 2004.
19
OWEN, 2007.
O Ciclo de Políticas Públicas e Programas
Nos manuais clássicos de Ciência Política, o processo de formulação de políticas
públicas tem sido apresentado recorrentemente pelo ciclo de etapas sucessivas
(Policy Cycle), com mais ou menos estágios, como ilustrado no Diagrama 120. Em
que pesem as críticas de longa data quanto à forma simplificada com que esse
diagrama apresenta o processo político e sua própria veracidade empírica, a separação em etapas se presta aos objetivos de evidenciar, ao longo do processo,
ênfases diferenciadas no planejamento, na operação ou avaliação dos programas.
Justifica-se ainda para fins didáticos e para orientar o recorte analítico na pesquisa
acadêmica na área.21
Nesse modelo, a primeira etapa – Definição da Agenda Política (Agenda-Setting)
– corresponde aos múltiplos caminhos e processos que culminam com o reconhecimento de uma questão social como problema público e da necessidade da ação
governamental para sua solução; isto é, a legitimação da questão social na pauta
pública ou agenda das políticas públicas do país, em determinado momento. A
etapa seguinte – Formulação de Políticas e Programas (Policy Formulation) – refere-se aos processos e atividades relacionados à construção de possíveis soluções,
encaminhamentos e programas para lidar com a questão recém-legitimada na
agenda. É preciso, então, em sequência – na Tomada de Decisão Técnica-Política
(Decision Making) –, escolher o rumo a seguir, de ação efetiva ou não, decidindo-se
por uma ou algumas das alternativas formuladas. A quarta etapa – Implementação de Políticas e Programas (Policy Implementation) – corresponde aos esforços
de execução da ação governamental, na alocação de recursos e desenvolvimento
dos processos previstos nas alternativas e programas escolhidos anteriormente.
Por fim, é preciso analisar se os esforços empreendidos estão atuando no sentido
esperado de solucionar o problema original – etapa de Avaliação das Políticas e
Programas (Policy Evaluation). É necessário avaliar se é preciso realizar mudanças
nos programas implementados para garantir sua efetividade; descontinuá-los, se o
problema deixou de compor a agenda; ou então adaptá-los a uma nova realidade,
reiniciando o ciclo.
É oportuno registrar que a avaliação, como etapa do ciclo, realiza-se após a implementação. Trata-se de um momento de natureza mais reflexiva para continuidade
ou não do programa. Distingue-se, portanto, das atividades de monitoramento e
avaliação, que se realizam mediante os sistemas de indicadores e as pesquisas de
avaliação, instrumentos investigativos que podem ser empregados a qualquer momento do ciclo, conforme discutido mais adiante. Denominar essa etapa decisiva
do ciclo como avaliação somativa talvez ajudasse a evitar o duplo sentido que o
termo assume na área.
20
Como apresentado nos vários textos reunidos na valiosa coletânea sobre políticas públicas
organizada por Saravia e Ferrarezi (2006), publicada pela ENAP e disponibilizada em seu sítio eletrônico
(www.enap.gov.br), o Ciclo de Políticas Públicas pode ser descrito com um número maior ou menor
de etapas. De modo geral, distinguem-se pelo menos três macroetapas: formulação (na qual estaria a
formação da agenda), a implementação e a avaliação. Essa publicação, organizada segundo as etapas do
ciclo, traz artigos clássicos que aprofundam a vasta discussão envolvida em cada uma delas.
21
NASCIMENTO, 1991.
25
A agenda política corresponde ao conjunto de assuntos e problemas que os gestores públicos e a comunidade política entendem como mais relevantes em dado
momento e, não necessariamente, à lista de preocupações da sociedade ou destaques da imprensa.22 Afinal, o reconhecimento de uma questão social como problema de governo ou Estado não é um processo simples e imediato, que responde
automaticamente às estatísticas disponíveis, por mais reveladoras que sejam da
gravidade da questão, quando comparada a outros países ou a outros momentos
do passado. Não é a vontade de um técnico do setor público, um pesquisador aca-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
DIAGRAMA 1: O CICLO DE POLÍTICAS E PROGRAMAS PÚBLICOS
dêmico ou governante eleito, portador de conhecimento empírico consistente da
realidade ou com uma visão ousada, que garante imediatamente sua incorporação
na agenda formal de governo. Como coloca Parada, “no toda idea entra a la agenda. No todos temas de la agenda se convierten em programas”.23
Quando existe a convicção de que um problema social precisa ser dominado política e administrativamente, é que ele se transforma em uma questão pública.24
Se parece haver solução técnica viável e factível para determinada questão social,
essa entra mais facilmente na agenda. Afinal, a estrutura do setor público, pelos
mecanismos institucionais existentes e operantes, é um ambiente que “digere”
inovações a seu próprio tempo e estilo.25
22
JANN; WEGRICH, 2007.
23
PARADA, 2006, p.73.
24
FREY, 1997.
25
A resistência à mudança e à incorporação de inovações não é problema só no setor público,
mas também nas empresas privadas. Os mecanismos de motivação, pressão e coerção nessas últimas
acabam mobilizando mudanças, às vezes a elevados custos pessoais e institucionais. No setor público, os
instrumentos para mobilização envolvem, em tese, mais coordenação de esforços e convencimento, até
porque as resistências podem ser bastante legítimas. Ou seja, nem toda mudança é necessariamente uma
inovação “positiva”. Para o bem ou para o mal, são conhecidos os casos em que a resistência da burocracia
pública acaba revertendo ou minando propostas consideradas muito ousadas.
Há várias interpretações de como a agenda é construída. Em todas as perspectivas,
ela é entendida como um processo coletivo e conflituoso de definição, como assinalam Howlett & Ramesh.26 Vai sendo formada por meio de diferentes mecanismos de pressão externa de grupos organizados em partidos políticos, sindicatos,
associações patronais, imprensa e outras instituições, pelas temáticas por eles entendidas como relevantes; por iniciativa interna do governo e mobilização social
em função de compromissos assumidos nas eleições; pela atuação da burocracia
pública no encaminhamento das demandas setoriais etc.
Os atores políticos se constituem em elementos catalisadores desse processo.
Eles são diversos e possuem características distintas: políticos e burocratas; empresários, trabalhadores/sindicatos, servidores públicos e os meios de comunicação.27 Grandes empresários, individualmente ou por meio de seus lobbies (grupos de pressão), encaminham suas demandas e pressionam os atores públicos,
nas decisões governamentais, em favor de seus interesses. Outro ator político de
grande importância são os agentes internacionais, tais como o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU), a
Organização Mundial do Comércio (OMC) etc.; ou ainda os países com os quais o
Brasil mantém relações políticas. Esses atores podem afetar não apenas a economia, como também a política interna do país.28 Além desses, os meios de comunicação são outros agentes importantes no processo – de modo especial, a televisão,
com difusão massificada em todas as camadas da população – pois dispõem de
recursos para influenciar a opinião pública na formação das demandas.29 Enfim,
as organizações políticas – partidos, sindicatos, grupos de interesse – são fundamentais para que as demandas entrem na agenda política do governo e para que,
uma vez nela presentes, possam se transformar em ações e programas concretos.
A amplitude da agenda política estaria condicionada também ao nível de desenvolvimento econômico e tecnológico do país, já que tais fatores, ao viabilizar ganhos crescentes de produtividade na economia, permitiriam o atendimento de demandas de grupos de interesse organizados, pela ampliação da oferta, cobertura e
diversidade dos serviços sociais.30 O ritmo de constituição de tal agenda de bem-estar social seria potencializado, em contextos de maior liberdade e participação
política, com maior atuação de partidos políticos, sindicatos, imprensa e outros
grupos de interesse. Os níveis de urbanização e envelhecimento populacional
também seriam outros condicionantes importantes para entender a formação da
agenda política, pela visibilidade e concretude que conferem aos problemas sociais deles decorrentes.
26
HOWLETT & RAMESH, 2003.
27
RUA, 1998.
28
Idem, ibidem.
29
FREY, 1997.
30
CAREY, 2006.
27
Na etapa da formulação da política, os problemas, as propostas e demandas exIsto é, a formulação de política envolve a busca de possíveis soluções para as
questões priorizadas na agenda. Nesse momento, os elementos operacionais da
política em questão precisam ser evidenciados: diretrizes estratégicas, propostas de leis, decretos normativos, programas e projetos. Em uma visão simplificada – e um tanto romântica e ingênua, como diria Charles Lindblom –, tais
programas e propostas seriam elaborados pelo emprego de técnicas gerais de
planejamento de projetos; conhecimentos setoriais específicos; análise de viabilidade política, de custo-benefício ou custo-efetividade das soluções; revisão
crítica de experiências anteriores e boas práticas identificadas. Essas tarefas são
conduzidas por técnicos do setor público, com maior ou menor participação de
consultores externos, seguindo orientações emanadas de gestores públicos no
topo da hierarquia.
Em função da natureza do problema e orientação geral de governo, os programas
propostos se classificariam em ações de cunho distributivo, redistributivo ou regulamentório.31 Na realidade, essa fase não está tão desvinculada do cotidiano
da política ou tão isolada das influências das propostas dos grupos de interesse,
como se supõe. Muitas vezes, as propostas de encaminhamento de soluções chegam junto com as pressões para introduzir a questão na agenda formal de governo.
Se não, colocada a questão, há sempre atores com maior ou menor influência na
formatação dos possíveis programas e ações.32
Levantadas as diferentes alternativas para uma dada questão social, é preciso escolher qual deverá ser adotada. Enquanto que na definição da agenda política e
formulação de programas a participação de agentes não pertencentes ao governo
ou Estado desempenha papel central, a tomada de decisão envolve os gestores e
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
plicitadas na agenda transformam-se em leis, programas e propostas de ações.
técnicos mais diretamente relacionados à política ou ao programa. Esse é o ônus
e o bônus do exercício da atividade pública. Isso não significa que outros agentes
e atores não estejam ativos no processo, de modo a influenciar a decisão em um
ou outro sentido, introduzindo – legitimamente em muitos casos – considerações
de ordem política em rotinas de cunho mais eminentemente técnico. Como bem
colocam Howlett & Ramesh:
These actors can and do, of course, engage in various kinds
of lobbying activities aimed at persuading, encouraging,
and sometimes even coercing authoritative office-houlders
to adopt options of which they approve. However, unlike
office-holders, those other actors have, at best, a voice in the
decision-making process, but they do not have a vote per se.33
31
HOWLETT & RAMESH, 2003
32
JANN; WEGRICH, 2007.
33
HOWLETT & RAMESH, 2003, p.163.
Chega então o momento da implementação dos programas, projetos e ações pontuais
ou mais abrangentes. A fase de Implementação é o momento em que a política pública começa a ser executada, em que os recursos alocados passam a se transformar em
ações capazes de agir e mudar certa realidade. Aqui, a política adquire uma concretude objetiva maior e, por isso, começa a revelar mais explicitamente as dificuldades
de sua introdução e operação pelos agentes encarregados de “pôr a mão na massa”.34
Trata-se da gestão das ações para fazer uma política sair do papel e funcionar efetivamente, compreendendo o conjunto de ações realizadas, por grupos ou atores de natureza pública ou privada, para a consecução de objetivos definidos. Envolve programação de atividades, previsionamento de recursos financeiros, alocação de recursos
humanos, mobilização de agentes, interlocução com atores estratégicos, manejo dos
mecanismos que assegurem a governabilidade das atividades e correção de cursos,
caso se identifiquem obstáculos ou surpresas não antecipadas.
É na avaliação – ou melhor, na avaliação somativa – que são confrontados os resultados esperados com os resultados alcançados. É o momento em que se dá um retorno à etapa inicial de formulação, com correções no plano de ação, caso seja uma
política de ordem contínua; ou quando se decide pelo encerramento da política. É
também uma etapa de verificação dos impactos desejados e indesejados. Trata-se
de verificar os efeitos obtidos para deduzir consequências indesejadas nas ações
e programas futuros. Como bem coloca Frey,35 a avaliação é imprescindível para o
desenvolvimento e a adaptação contínua das formas e dos instrumentos de ação
pública, o que pode ser denominado como a fase de “aprendizagem política”.
O ciclo de políticas públicas tal como descrito é, certamente, um modelo idealizado, com aderência bastante limitada ao cotidiano verificado no Brasil ou em outros
países. Como bem observa Saravia, “o processo de política pública não possui uma
racionalidade manifesta. Não é uma ordenação tranquila na qual cada ator social
conhece e desempenha o papel esperado”.36 Pelo que sugere Lindblom,37 atualização da agenda, formulação de políticas e programas, implementação e avaliação
seriam estágios permanentes e concomitantes do processo político. A atualização
da agenda política e as inovações dos programas seriam, de fato, muito mais incrementais e contínuas do que gostariam os gestores públicos. Tampouco haveria,
segundo Parada, um momento de avaliação cabal das políticas e programas, sendo
“[...] más habitual que cambien o se combinen com outras. Se há llegado a decir
que lãs políticas públicas son imortables”.38
Boa parte da crítica feita a esse modelo se refere ao fato de ele sugerir que a
administração pública, seus gestores, os atores políticos e os técnicos atuem de
forma bastante sistemática e cooperativa, como se estivessem todos envolvidos
na resolução de um problema consensualmente percebido, empregando métodos
34
NASCIMENTO, 1991
35
FREY, 1997.
36
SARAVIA, 2006, p.29.
37
LINDBLOM, 2006.
38
PARADA, 2006, p.72.
29
racionais e objetivos na busca da solução, de acordo com uma sequência linear
racionalidade técnica no processo, a análise exaustiva dos problemas, a busca de
soluções ótimas e a crença no poder revelador e conciliador do discurso técnico-científico – tão presentes nos órgãos de planejamento público – não seriam empiricamente constatáveis, nem factíveis e muito menos desejáveis.
Na realidade, a formulação de políticas configura-se como um processo que envolve a interação de muitos agentes, com diferentes interesses. É marcada por apoios
entusiasmados de alguns, resistências legítimas ou não de outros. Está repleta de
avanços e retrocessos, com desdobramentos não necessariamente sequenciais e
não plenamente antecipáveis. Como observam Jann & Wegrich:
Policy process rarely features clear-cut beginnings and
endings. At the same time, policies have always been
constantly reviewed, controlled, modified and sometimes
even terminated; policies are perpetually reformulated,
implemented, evaluated and adapted. […] Moreover, policies
do not develop in a vacuum, but are adopted in a crowded
policy space that leaves little space for innovation […].40
Contudo, na visão de Howlett & Ramesh,41 esse modelo de representação tem a
grande virtude de facilitar o entendimento do processo complexo de interação
de diversos agentes, nos múltiplos estágios por que passa a formulação de políticas públicas, oferecendo um marco metodológico geral para análises isoladas de
cada etapa do processo ou das relações de cada uma com as demais, à frente ou
à jusante. Esse modelo seria também suficientemente geral para ser aplicado no
entendimento do processo na maioria dos âmbitos e contextos de formulação de
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
de etapas bem definidas. Como diria Lindblom,39 mais uma vez, o imperativo da
políticas e programas – em nível federal, estadual, local e mesmo setorial.
Jann & Wegrich42 acrescentam ainda que o sucesso e a “resiliência” desse modelo clássico às críticas de pesquisadores acadêmicos é que ele parece como um
modelo prescritivo ideal a ser adotado, em que gestores eleitos governam com
corpos burocráticos dotados de grande capacidade de diagnóstico de problemas,
com posturas ativas e inovadoras na formulação de programas, operando com racionalidade técnica na tomada de decisões, com controle efetivo das atividades
na implementação dos programas públicos e objetividade na avaliação desses.
Os sistemas de indicadores de monitoramento no Ciclo
de Políticas e Programas
A preocupação com a construção de indicadores de monitoramento da ação governamental é tão ou mais antiga que a própria avaliação de programas públicos,
39
LINDBLOM, 2006.
40
JANN; WEGRICH, 2007, p.44-45.
41
HOWLETT & RAMESH, 2003.
42
JANN & WEGRICH, 2007.
se forem consideradas as medidas de performance mais geral do setor público baseadas na entrega de obras e produtos e na computação de indicadores de custos de serviços, a partir da execução orçamentária. Como
registram Mcdavid e Hawthorn em livro que procura oferecer uma visão integrada entre avaliação de programas e medição do desempenho governamental:
While we have tended to situate the beginnings of
performance measures in the United States, in the 1960s, with
the development of performance management systems such
as programmed planned budgeting systems (PPBS) […] there is
good evidence that performance measurement and reporting
was well-developed in some American local governments
early in the 20th century.43
Os autores citam as iniciativas de alguns governos locais nos EUA, antes da 2ª
Guerra Mundial, na elaboração de relatórios com computação regular de medidas de eficiência dos serviços públicos então oferecidos, como a construção e
manutenção das ruas e rodovias, distribuição de água e recolhimento de lixo. Os
produtos e serviços disponibilizados pelo setor público municipal eram bastante
simples e tangíveis, assim como a contabilização dos custos para sua produção.
Mas foi a introdução das técnicas de programação orçamentária por programas no
Governo Kennedy que marcaria um momento de maior aprimoramento na medição do desempenho – expresso por indicadores de eficiência e efetividade – na
esfera federal americana. Ao propor a estruturação do orçamento segundo conjunto de atividades e programas afins – agora bem mais complexos que os oferecidos
pelos municípios na primeira metade do século XX – e não segundo as agências e
organizações que as executavam, esperava-se conseguir apurar resultados e custos mais consistentes dos serviços públicos disponibilizados e, portanto, medidas
de eficiência mais precisas.44
Em que pesem o fracasso na implementação do orçamento-programa – na vinculação entre recursos-produtos ao nível de programas – e o contexto de crise fiscal do
Estado, comentam os autores que a orientação voltada à medição dos resultados
ganhou força nos anos 1970 e na década seguinte. Os governos conservadores
desse período (em especial na Inglaterra, com Thatcher, e nos EUA, com Reagan)
imprimem reformas no setor público, que vieram a ser conhecidas como o movimento da Nova Administração Pública, preconizando a adoção de instrumentos de
controle e gestão de resultados do setor privado.
Sem entrar na discussão acerca dos excessos, limitações e aspectos meritórios de
tal movimento – debate esse já empreendido no Brasil por vários autores, com
muito mais competência, autoridade e espaço do que o disponível para este texto –, o legado de preocupação com a transparência e responsabilização pública
criou oportunidades para aprimoramento da gestão de programas, seja para a
43
MCDAVID; HAWTHORN, 2006, p.283.
44
MCDAVID; HAWTHORN, 2006.
31
estruturação de sistemas de indicadores de monitoramento, seja para a realização
instrumentos de gestão: os sistemas de monitoramento.
O modelo idealizado de “ciclo de vida” de políticas e programas apresentado anteriormente é uma referência conceitual interessante para ilustrar como os sistemas
de indicadores de monitoramento podem ser estruturados e como as pesquisas
de avaliação podem ser especificadas de forma a potencializar seu emprego na
gestão dos programas. A proposta básica desta seção é mostrar a importância de
se dispor de indicadores relevantes e periodicamente atualizados para acompanhar as atividades e a produção de serviços dos programas, que permitam corrigir desvios, reprogramar atividades ou mesmo especificar pesquisas de avaliação
para entender por que determinados processos não estão se encaminhando no
sentido idealizado originalmente.
Como discutido em texto anterior,45 as atividades de cada etapa do ciclo apoiam-se
em um conjunto específico de indicadores. Na definição da agenda, os indicadores
são recursos valiosos para dimensionar os problemas sociais, servindo como instrumentos de advocacy e pressão de demandas sociais não satisfeitas. Indicadores
produzidos pelas instituições oficiais de estatísticas – sobretudos os computados
a partir de censos demográficos e pesquisas amostrais regulares – prestam-se bem
a esse papel, pela legitimidade que gozam perante diferentes públicos. No Brasil,
o relatório “Síntese de Indicadores Sociais”, publicado anualmente pelo IBGE, é
uma referência importante nesse sentido, provocando grande interesse na mídia
quando de sua divulgação.46 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) computado para países, municípios, mulheres e negros é outro bom exemplo de como
uma medida simples pode mobilizar os veículos de comunicação e recolocar anualmente o debate sobre desigualdade social e os impactos das políticas públicas
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
das pesquisas de avaliação. Neste tópico do texto, discute-se o primeiro desses
na mídia e nas esferas de governo.47
Na elaboração dos diagnósticos para formulação de programas, os indicadores
são imprescindíveis para qualificar os públicos-alvo, localizá-los e retratá-los de
modo tão amplo e detalhado quanto possível. É preciso adequar as intervenções
às características e necessidades dos demandantes dos programas. De modo geral, na elaboração de diagnósticos socioeconômicos propositivos para programas
públicos, empregam-se indicadores de várias áreas temáticas analíticas ou de atuação governamental. Para desenvolver programas no campo da educação básica,
por exemplo, é preciso conhecer não apenas as condições de acesso à escola, a
infraestrutura escolar, o desempenho dos alunos, mas também aspectos relacionados às condições de vida dos estudantes, como moradia, nível de pobreza e
45
Jannuzzi (2005), disponível para download na Revista do Serviço Público, v.56, n.2, em www.
enap.gov.br. Outra referência para aprofundamento nesse campo é Jannuzzi (2004).
46
Essa publicação do IBGE, assim como diversas outras da instituição, está disponível para
download em www.ibge.gov.br.
47
(2005).
Uma discussão dos limites e potencialidades do IDH pode ser vista em Guimarães e Jannuzzi
renda familiar, acesso a serviços de saúde, escolaridade dos pais, fatores esses que
certamente podem afetar ou potencializar as ações programáticas específicas.48
Indicadores construídos a partir dos censos demográficos são particularmente
úteis nessa fase, pela amplitude do escopo temático investigado e pela possibilidade de desagregação territorial ou por grupos sociodemográficos específicos.
O Censo Demográfico 2010 potencializará ainda mais essas duas características
– escopo e desagregabilidade –, constituindo-se em marco importante para reavaliação das demandas sociais da população brasileira, nesse momento de ampliação da estrutura de proteção social no país.
Na seleção de alternativas programáticas idealizadas para atender à questão pública colocada na agenda e eleger prioridades de intervenção, é preciso dispor de
indicadores que operacionalizem os critérios técnicos e políticos definidos. Indicadores sintéticos, como o já citado Índice de Desenvolvimento Humano, o Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica, o Índice da Pegada Humana (Footprint
Index) ou as classificações geradas por técnicas de análise multicritério podem ser
úteis para apoiar decisões nessa fase do ciclo,49 como discutido em Scandar et al.50
e Jannuzzi et al.51
Para acompanhar a implementação dos programas e, posteriormente, para gestão, quando eles entrarem em plena operação, são necessários indicadores que
permitam acompanhar regularmente as ações programadas, do previsionamento e
alocação do gasto à produção dos serviços e, idealmente, aos eventuais resultados
e impactos esperados quando da idealização dos programas. São os indicadores
que estruturam processos formais de monitoramento, entendido, nas palavras de
Coutinho, como “um processo sistemático e contínuo que, produzindo informações sintéticas e em tempo eficaz, permite rápida avaliação situacional e a intervenção oportuna que confirma ou corrige as ações monitoradas”.52
Dispostos em painéis ou em sistemas informatizados, os indicadores de monitoramento devem ser atualizados com regularidade e tempestividade adequada à tomada de decisão. Idealmente, esses indicadores devem ser específicos e sensíveis
às ações programadas, a fim de se tornarem, de fato, úteis para inferir se o programa está sendo implantado conforme planejado ou para permitir as correções de
rumo (aspectos que só poderão ser comprovados mais precisamente por meio de
pesquisas de avaliação específicas, durante ou após a implantação).
48
Um bom exemplo de indicadores para diagnósticos de programas setoriais é demonstrado
na publicação “Construindo o diagnóstico municipal”, disponível em www.cepam.sp.gov.br. Outro exemplo
de diagnóstico apoiado em indicadores multitemáticos é o Diagnóstico para Programa de Qualificação
Profissional do Estado de São Paulo, disponível em www.emprego.sp.gov.br.
49
No sítio www.anipes.org.br está disponível um aplicativo (Pradin) que permite entender o
potencial da Análise Multicritério na tomada de decisão em políticas públicas.
50
SCANDAR et al., 2006.
51
JANNUZZI et al., 2009.
52
COUTINHO, 2001, p.11.
33
Para isso, esses painéis ou sistemas de indicadores de monitoramento devem se
dos pelos gestores e operadores envolvidos nos programas. Devem estar interligados aos sistemas informatizados de gestão do programa, no qual são registrados
atendimentos prestados, informações dos agentes que o operam, características
dos beneficiários, processos intermediários, que produzirão os efeitos idealizados
pelo programa. Diferentemente do que se passa nas pesquisas de avaliação, na
estruturação de sistemas de monitoramento não se prevê levantamentos primários de dados. Pode ser necessário criar rotinas de coleta de dados que operem
fora dos círculos normais de produção de serviços dos programas, mas é preciso
fazer esforços para aproveitar as informações geradas no âmbito de operação cotidiana dos programas. A criação de mais uma rotina para registro de informação,
pelo beneficiário do programa ou pelo agente envolvido na implementação, pode
implicar atrasos indesejados e, pior, declarações mal preenchidas que acabam não
se prestando à sua finalidade original.
Vale observar que, em geral, as informações compiladas e enviadas para atualização
dos registros de acompanhamento do Plano Plurianual, no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, são somente a ponta do iceberg de dados armazenados
em planilhas eletrônicas e gavetas nos escritórios da administração pública. Aliás, é
curioso que, nas médias e altas gerências do setor público – prefeituras, secretarias
de estados ou ministérios –, reclame-se de falta de informação para gestão em meio
a tanta informação continuamente produzida nas unidades de prestação de serviços
públicos (escolas, postos de saúde, delegacias, centros de referência da assistência
social, postos de intermediação de mão de obra, agências do INSS etc.). Para superar
esse paradoxo da “escassez na abundância”, é preciso aprimorar os processos de
gestão da informação nos escritórios em que se planejam e coordenam as políticas
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
valer dos dados continuamente atualizados nos cadastros e registros administra-
e programas públicos. Os fluxos de informação, os processos de tratamento, validação, classificação e, naturalmente, de armazenamento precisam ser pensados de
forma articulada, valendo-se de aplicativos e ferramentas de integração de dados (e
não dos custosos – em planejamento, tempo é dinheiro – sistemas informatizados
de 4ª, 5ª ou enésima geração propostos por consultorias experientes em automação de processos na iniciativa privada, mas pouco conhecedoras da complexidade
operacional da gestão de programas públicos).
É possível que algumas informações produzidas pelas agências estatísticas – no
caso brasileiro, o IBGE, o Datasus, o Inep, entre outros53 – possam ser úteis para
a construção de indicadores de monitoramento de programas, sobretudo de natureza universal ou com público-alvo numeroso. Em geral, essas fontes proveem
informações para avaliações de políticas ou para um conjunto de políticas e macroações governamentais – mais adequadas para composição de mapas estratégicos da ação governamental – e não para os propósitos de monitoramento de
programas específicos, em função da escala territorial de desagregação dos dados
ou do tempo que levam para serem produzidas. Esse quadro pode mudar para
melhor com as transformações anunciadas nas pesquisas amostrais do IBGE para
53
As pesquisas e dados destas instituições podem ser consultadas, respectivamente, em www.
ibge.gov.br, www.datasus.gov.br, www.inep.gov.br. No portal www.anipes.org.br, podem ser acessados
sítios eletrônicos de órgãos subnacionais de estatística no Brasil.
a década de 2010, com maior integração conceitual, maior possibilidade de incorporação de temas suplementares, ampliação e adensamento da amostra pelo
interior do país. Não só se poderá dispor de um escopo mais amplo de estatísticas
e indicadores sociais divulgados mais regularmente ao longo do ano, como também referidos para domínios territoriais e grupos sociodemográficos bem mais
diversos. Aos indicadores mensais de emprego, hoje restritos às seis principais regiões metropolitanas, somar-se-ão muitos outros – educacionais, habitacionais, de
rendimentos etc. –, divulgados em base trimestral (semestral ou anual) para todos
os estados brasileiros. Mediante o emprego de métodos estatísticos avançados,
usando informação combinada dessas pesquisas com outras fontes de dados, pesquisadores de centros de análise de políticas públicas e universidades poderão
estimar indicadores sociais com bom grau de precisão para domínios territoriais
ainda mais específicos.54
De qualquer forma, as informações estatísticas mais gerais são úteis para que se
possam disponibilizar alguns indicadores de contexto socioeconômico no âmbito
do sistema de monitoramento. Afinal, todo sistema aberto, como são os programas
públicos, está sujeito aos efeitos de fatores externos, que podem potencializar ou
atenuar resultados. Sistemas de indicadores de monitoramento de programas de
qualificação profissional, por exemplo, devem dispor de indicadores de mercado
de trabalho e de produção econômica como informações de contexto, pelos impactos que uma conjuntura econômica menos ou mais favorável podem ocasionar
na operação do programa.
Como alternativa ou complemento às pesquisas estatísticas oficiais, é possível
construir indicadores de contexto ou mesmo de monitoramento de programas, a
partir dos registros administrativos de programas de grande cobertura populacional, como o Cadastro Único de Programas Sociais do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome; a Relação Anual de Informações Sociais e o Cadastro
Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho; e o Cadastro
Nacional de Informações Sociais do INSS/Ministério da Previdência. Naturalmente, os registros de provimento e execução orçamentária do Sistema Integrado de
Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) também são importantes fontes de informação para construção de indicadores de monitoramento (sobretudo
porque permitem computar indicadores de regularidade de repasse de recursos,
dimensão crucial para programas que envolvem diversas ações intermediárias
para viabilizar a consecução das atividades mais finalísticas). Vale registrar que
os ministérios responsáveis pela gestão desses cadastros têm feito esforços importantes com o objetivo de disponibilizar as informações neles depositadas para
pesquisadores e público em geral.55
54
Vide, nesse sentido, o que as agências estatísticas americanas produzem regularmente,
acessando o portal www.fedstats.gov. O Bureau of Labor Statistics gera, por exemplo, estimativas mensais
de taxa de desemprego para 372 áreas metropolitanas e taxas anuais para os mais de 3 mil condados e as 50
maiores cidades americanas. O Bureau of Census, por sua vez, traz anualmente estimativas populacionais
para mais de 20 mil localidades e indicadores sociais referidos a mais de 10 temáticas – de ocupação,
moradia à educação – para municípios acima de 65 mil habitantes.
55
Vide, nesse sentido, os aplicativos da Senarc/MDS (www.mds.gov.br), os sistemas de consulta
on-line da Rais e do Caged no MTE (www.mte.gov.br), e os dados da Previdência na ferramenta Infologo em
www.dataprev.gov.br.
35
Um bom sistema de indicadores de monitoramento não é necessariamente comfoi selecionada de diferentes fontes e está organizada de forma sintetizada e mais
adequada ao uso analítico pelos diferentes gestores (Diagrama 2). É preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre o “caos informacional”, potencialmente gerado pela estruturação de sistemas de monitoramento construídos de baixo para
cima (em que participam inicialmente técnicos e gestores da base e depois de
níveis táticos e mais estratégicos), e a pobreza analítica das propostas desenvolvidas de cima para baixo. Um sistema de indicadores de monitoramento não é
um sistema de gestão operacional do programa, que provê acesso aos incontáveis
registros diários e individuais de operação de convênios, prestação de serviços,
recursos transferidos, projetos e atividades concluídas. Um sistema de monitoramento vale-se do(s) sistema(s) de gestão dos programas para buscar informações, integrá-las segundo unidades de referência comum (município, escola etc.),
sintetizá-las em indicadores e conferir-lhes significado analítico. Ao apresentar
informações sintetizadas na forma de indicadores, que podem ser analisados no
tempo, por regiões e públicos-alvo, ou comparados com metas esperadas, esses
sistemas permitem ao gestor avaliar se os diversos processos e inúmeras atividades sob sua coordenação estão se “somando” no sentido preconizado. Um sistema
de monitoramento não é, pois, um conjunto exaustivo de medidas desarticuladas,
mas uma seleção de indicadores de processos e ações mais importantes.
Um sistema que não provê acesso orientado às centenas de indicadores disponíveis talvez não se preste ao propósito de monitoramento (ainda que possa ser
útil como base de dados para estudos avaliativos a posteriori). Também não se
vale ao monitoramento um sistema em que a informação não está organizada se-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
posto de grande quantidade de informação, mas uma rede em que a informação
gundo o nível de relevância operacional-estratégica do gestor usuário. Ao gerente
de processos operacionais básicos, deve estar disponível a informação essencial
para o bom desempenho das atividades de seus coordenados. Ao gestor mais estratégico, devem estar disponíveis indicadores que lhe permitam acompanhar os
macroprocessos segundo o modelo lógico do programa.
DIAGRAMA 2: INTEGRAÇÃO DE INFORMAÇÕES DE DIFERENTES
FONTES NA ESTRUTURAÇÃO DE UM SISTEMA DE INDICADORES DE
MONITORAMENTO
Para um e para outro gestor, os indicadores devem ser os pertinentes à sua esfera
de decisão, ajustados à referência temporal e territorial que lhes compete e interessa. As novas ferramentas de integração de dados permitem construir painéis
de indicadores de forma “customizada”, possibilitando, inclusive, acesso a informação mais detalhada se assim o gestor o desejar. Podem-se construir painéis em
camadas “explicativas”, isto é, organizando indicadores segundo uma estrutura
nodal, em que um primeiro conjunto reduzido de indicadores estratégicos seja
acompanhado de um segundo conjunto mais amplo de indicadores mais específicos, que ajudem a entender o comportamento e a evolução dos primeiros, e assim
por diante. Na realidade, trata-se de um sistema de monitoramento que reúne
informações sintéticas – para análise de tendências gerais das atividades estratégicas – e informações analíticas – para entendimento mais aprofundado das tendências observadas. A proposta de acompanhamento das metas de inclusão social
nos países da Comunidade Europeia segue essa lógica de estruturação, dispondo
os indicadores em três painéis articulados:56
Nível 1 – conjunto restrito de indicadores-chave (lead indicators) cobrindo as dimensões consideradas mais importantes para acompanhar a exclusão social.
Nível 2 – indicadores complementares em cada dimensão, que ajudam a interpretar cada um dos indicadores-chave.
Nível 3 – indicadores que cada país-membro decidir incluir para acompanhar as
especificidades nacionais e que ajudem a entender aqueles dos níveis 1 e 2.
56
ATKINSON et al., 2005.
37
Tal proposta de organização vem com algumas premissas básicas para escolha de
outras aplicações (Quadro 1). Vale registrar que tal escolha deveria se orientar
também pela análise da aderência dos indicadores às propriedades de relevância social, validade de constructo, confiabilidade, periodicidade, sensibilidade às
mudanças, especificidades das ações programadas, como discutido em Jannuzzi.57
QUADRO 1: PREMISSAS PARA ESCOLHA DE INDICADORES
DE MONITORAMENTO DA INCLUSÃO/EXCLUSÃO SOCIAL NA
COMUNIDADE EUROPEIA
•
O conjunto de indicadores não pode se pretender exaustivo e deve ser
equilibrado entre as dimensões da exclusão social (saúde, educação,
moradia etc.). Um conjunto muito amplo de indicadores leva à perda de
objetividade, perda de transparência e credibilidade.
•
Os indicadores devem ter uma interpretação normativa claramente definida (Para monitorar a exclusão social a taxa de desemprego cumpre tal
requisito; já um indicador de produtividade do trabalho não).
•
Os indicadores devem ser mutuamente consistentes, isto é, não devem
sugerir tendências inconsistentes (indicadores de desigualdade como o
Índice de Gini e a Proporção de Massa Salarial Apropriada podem ter
comportamentos diferentes ao longo do tempo, já que medem aspectos
distributivos diferentes).
•
Os indicadores devem ser inteligíveis e acessíveis a toda a sociedade.
São preferíveis medidas simples, de fácil entendimento. Deve-se resistir
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
indicadores que parece oportuno resgatar neste texto, pois podem ser úteis em
às simplificações indevidas (indicadores sintéticos).
Se o programa foi especificado segundo as boas práticas e técnicas de planejamento de projetos, deve haver um desenho lógico de encadeamento de atividades e etapas. Tal sistema deve conseguir oferecer evidências acerca da execução
do gasto, da produção, eficiência e qualidade dos serviços, do consumo e usufruto
por parte do público-alvo e, se possível, antecipar dimensões impactadas pelo
programa. Isto é, um bom sistema de monitoramento deve prover indicadores de
insumo, processo, resultado e possíveis impactos do programa. Exemplificando,
tal sistema deve permitir monitorar, simultaneamente: o dispêndio realizado por
algum tipo de unidade operacional prestadora de serviços ou subprojeto; o uso
dos recursos humanos, financeiros e físicos; a geração de produtos e a percepção
dos efeitos gerados pelos programas. Em Resende e Jannuzzi,58 é apresentado o
exemplo de Painel de Indicadores de Monitoramento do Plano de Desenvolvimen
57
JANNUZZI, 2005.
58
RESENDE; JANNUZZI, 2008.
to da Educação (PDE) estruturado na lógica insumo-processo-resultado-impacto.
Na dimensão insumo, deu-se prioridade aos indicadores voltados para o financiamento da educação. Para a dimensão processo, foram definidos indicadores que
pudessem ser produzidos com certa regularidade e estivessem relacionados ao
processo de ensino-aprendizagem, como percentual de docentes com nível superior, percentual de alunos atendidos por turno integral, entre outros. Como medida
de resultados, os indicadores de proficiência da Prova Brasil, defasagem idade-série e taxa de abandono. Como apontamentos de impactos potenciais, o ingresso
de jovens no ensino superior.59
Os aplicativos voltados à disponibilização de indicadores da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate
à Fome- como a MI-Social, DataSocial e Monib- são referências certamente úteis
para estruturação de sistemas de monitoramento de programas nessa perspectiva
processual, não apenas no âmbito do ministério, mas de outros setores da administração pública.60
O documento “Guia metodológico para construção de indicadores do PPA”,61 elaborado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, é outra referência
importante para especificação de sistemas de indicadores de monitoramento de
programas, pela extensa revisão bibliográfica empreendida em sua elaboração;
pela preocupação em incorporar aspectos de propostas desenvolvidas em outros
estados e contextos do setor público brasileiro; pela experiência de mais de dez
anos na elaboração de planos plurianuais no governo federal; e pela preocupação
com clareza na exposição de conceitos, etapas e fontes de dados.
Em geral, há maior disponibilidade de indicadores de processos, que espelham
os esforços e produtos gerados nas ações programadas, para os quais há registros
formais e maior controle operacional pelos gestores. Ainda assim, em alguns casos,
é possível dispor, no painel de monitoramento, de indicadores de resultados e impactos junto ao público-alvo dos programas, buscando informações nos registros
e cadastros públicos citados anteriormente. No caso do Sistema de Indicadores
de Monitoramento de Programas de Qualificação Profissional, ilustrado há pouco,
seria possível dispor de alguma medida de impacto do programa, com a integração
de informações cadastrais dos trabalhadores qualificados com os dados da Rais
ou mesmo do CadÚnico, mediante o uso do Número de Identificação do Trabalhador ou do CPF (de fato, procedimentos análogos são usados correntemente pelo
Ministério do Desenvolvimento Social para fins de fiscalização na concessão de
benefícios do Programa Bolsa Família).
59
No referido texto, empregou-se o aplicativo Monit – disponível em www.anipes.org.br – para
compor um painel situacional com gráficos dos indicadores escolhidos para duas unidades territoriais
de interesse de monitoramento. Uma breve apresentação do aplicativo é encontrada em Jannuzi e Miranda
(2008), disponível no Boletim de Estatísticas Públicas n.4, no mesmo site.
60
Consultar o “Dicionário de variáveis, indicadores e programas sociais” no endereço http://
aplicacoes.mds.gov.br/sagi/dicivip. Esse dicionário também está disponível para download em www.mds.
gov.br/sagi.
61
MPO, 2009.
39
Com o avanço da informatização no setor público brasileiro, é possível também
cas (em tese, escolas, hospitais, postos policiais etc.), com boa periodicidade de
atualização (frequência escolar mensal, atendimentos ambulatoriais semanais
etc.), o que permitiria a construção de indicadores de monitoramento relacionados ao contexto de vivência dos beneficiários de programas e ao tempo adequado
de tomada de decisão. De fato, projetos sociais de alcance local têm recorrido à
busca periódica de informações nesses postos de prestação de serviços públicos como estratégia de monitorar resultados e impactos de sua ação. Centros de
promoção de cursos de artesanato, atividades culturais e esportivas voltados à
reintegração social de jovens em comunidades muito violentas, projetos que vieram a surgir com frequência nos últimos anos, pela ação direta de prefeituras ou
organizações filantrópicas, podem ter seus resultados e impactos inferidos pelo
eventual aumento das taxas de frequência à escola, diminuição dos atendimentos
ambulatoriais decorrentes de ferimentos ou das ocorrências policiais envolvendo
jovens, entre outras informações coletadas localmente.
Naturalmente, nos dois casos aqui exemplificados – programa de Qualificação
Profissional e projeto social de reintegração social de jovens – os indicadores citados podem estar sendo afetados por outros fatores (conjuntura mais favorável do
mercado de trabalho, no primeiro caso; policiamento mais ostensivo, no segundo)
e não propriamente pela excelência do programa ou projeto. Não seriam, pois,
exatamente indicadores de impacto, mas talvez indicações potenciais de impacto, que para efetiva atribuição ou vinculação causal com o programa ou projeto
requereriam uma pesquisa de avaliação específica. Diferentemente dessas últimas, em que a investigação da atribuição de um efeito a um programa pode ser
uma questão a avaliar para inferência a posteriori; em sistemas de monitoramento,
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
obter informações referidas a unidades de prestação de serviços muito específi-
assume-se a priori, acreditando-se na validade do desenho de implementação, a
vinculação de ações (e de seus indicadores) com os resultados (na forma como
podem ser medidos pelas informações geradas pelo programa e outras fontes secundárias de baixo custo de aquisição).62
Indicadores de eficiência, produtividade na prestação dos serviços, de cobertura
de público-alvo, de qualidade de produtos ou satisfação dos beneficiários também deveriam constar da matriz de indicadores de monitoramento. Em programas
de qualificação profissional, por exemplo, com base nos registros de operação deles próprios, é possível computar indicadores como custo de formação por aluno,
número médio de alunos formados por entidade credenciada, taxa de frequência
ou abandono de qualificandos.
Como já assinalado, um bom sistema de monitoramento deve permitir a análise comparativa dos indicadores ao longo do tempo e para distintas unidades de
prestação dos serviços ou atendimento do programa, assim como em relação a
padrões normativos de referência. A análise da evolução dos indicadores, de seus
62
MCDAVID; HAWTHORN, 2006.
avanços, retrocessos e permanências permite identificar falhas operativas do programa, ainda que, em geral, não possibilite a explicação dessas. Esta aí uma diferença básica entre os sistemas de monitoramento e as pesquisas de avaliação: os
primeiros, ao assumir que existe uma lógica de encadeamento de atividades, delineiam comportamentos esperados aos indicadores; nas pesquisas de avaliação,
alertados pelos desvios não esperados na evolução dos indicadores, buscam-se as
explicações valendo-se dos métodos e técnicas da pesquisa social.63
No exemplo apresentado anteriormente, se um gestor precisar entender porque a
taxa de abandono de alunos em cursos de qualificação em dada localidade ou em
uma instituição está aumentando, talvez ele consiga alguma interpretação em seu
próprio sistema de monitoramento – se este for um sistema que dispõe de informações analíticas, além de sintéticas. Pode ser que haja indicadores de contexto
que mostrem forte aumento das vagas no mercado de trabalho regional (daí a
evasão). A extração de informações do sistema para um pacote estatístico ou aplicativo de mineração de dados pode permitir ao gestor refinar sua hipóteses, se ele
dispuser de conhecimento ou consultoria especializada no uso das ferramentas.64
Ou talvez ele não tenha qualquer pista adicional e busque uma explicação com o
dirigente da instituição ou gestor responsável pela área. É o que Worthern et al.
classificam como avaliação informal, que ocorre “sempre que uma pessoa opta por
uma entre várias alternativas existentes, sem antes ter coletado evidência formal
do mérito relativo dessas alternativas”. Embora não sejam pautadas em procedimentos sistemáticos, tais avaliações nem sempre “ocorrem no vácuo”: “A experiência, o instinto, a generalização e o raciocínio podem, todos eles, influenciar o
resultado das avaliações informais, e qualquer desses fatores, ou todos eles, pode
ser a base de bons julgamentos.”.65
Se o seu conjunto de indicadores de monitoramento não lhe permite chegar a
explicações satisfatórias; se suas estratégias de visitação ou contato informal não
lhe agregam evidências convincentes; ou se o processo de evasão ganha dimensões preocupantes em algumas áreas e não em outras: talvez seja o momento de
o gestor pensar em encomendar uma pesquisa de avaliação.
As pesquisas de avaliação no Ciclo de Políticas e Programas
O fato de se denominar avaliação a fase posterior à implementação de programas
no Ciclo de Políticas e Programas cria uma distinção artificial entre as atividades
de monitoramento, exercida com base nos sistemas de indicadores descritos no
tópico anterior, e as de realização de pesquisas de avaliação, que podem ser feitas
a qualquer momento do ciclo.
63
Idem, ibidem.
64
Um pacote estatístico gratuito de ampla difusão é o Epi-info, disponível em www.lampada.uerj.
br/, em que se pode encontrar também material de consulta e treinamento. O Weka, disponível em www.
cs.waikato.ac.nz/ml/weka, é um aplicativo gratuito para mineração de dados, isto é, dispõe de rotinas para
análise descritiva e exploratória de dados.
65
WORTHERN et al., 2004, p.38.
41
Na realidade, monitoramento e avaliação de programas são termos cunhados para
cados na análise da eficiência, eficácia e efetividade, visando ao aprimoramento
da ação pública.66 Monitoramento e avaliação são processos analíticos organicamente articulados, que se complementam no tempo, com o propósito de subsidiar
o gestor público de informações mais sintéticas e tempestivas sobre a operação
do programa –resumidas em painéis ou sistemas de indicadores de monitoramento – e informações mais analíticas sobre o funcionamento desse, levantadas nas
pesquisas de avaliação.
Como bem conceitua o documento do Tribunal de Contas da União:
O monitoramento e a avaliação dos programas de governo
são ferramentas essenciais para a boa prática gerencial. A
avaliação é um procedimento que deve ocorrer em todas as
etapas permitindo ao gestor federal o acompanhamento das
ações e sua revisão e redirecionamento quando necessário.
Enquanto o monitoramento é uma atividade gerencial
interna, que se realiza durante o período de execução e
operação, a avaliação pode ser realizada antes ou durante
a implementação, como ao concluir uma etapa ou projeto
como um todo, ou mesmo algum tempo depois, devendo se
preocupar com o impacto provocado pela intervenção pública
em seus beneficiários.67
As tipologias clássicas usadas para classificar as pesquisas de avaliação acabam
também favorecendo alguma confusão, por exemplo, considerar monitoramento
como avaliação de processo. Esta última é aquela realizada quando se requer ava-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
designar procedimentos técnicos formais de acompanhamento de programas, fo-
liar as atividades de implementação dos programas, a extensão de cobertura do
público-alvo atendido, a qualidade dos serviços oferecidos ou, ainda, entender as
dificuldades que estão “emperrando” a efetiva operação do programa, em contraposição à pesquisa de avaliação de resultados e impactos, realizada idealmente
depois de resolvidos os problemas de gestão, quando se requer, já na fase de avaliação do ciclo, uma resposta cabal às perguntas: O problema social que originou
o programa foi equacionado? Qual a contribuição desse programa para isso? O
programa deve continuar, ser expandido ou descontinuado?68
Cohen e Franco69 as classificam, respectivamente, como avaliações formativas e avaliações somativas. Estas últimas seriam avaliações do tipo ex-post, distintas das avaliações ex-ante, que se destinam a estudos de necessidade e viabilidade de criação
de um programa. Worthern et al.70 resgatam outra classificação clássica, diferenciando as pesquisas de avaliação segundo seus protagonistas. Tem, então, a avaliação
interna, conduzida pela equipe do programa; a avaliação externa, realizada por equi66
COHEN; FRANCO, 2000.
67
TCU, 2006, p. 75.
68
CARVALHO, 2003.
69
COHEN; FRANCO, 1994.
70
WORTHERN et al., 2004.
pe de consultores externos contratados; a avaliação mista, que prevê a interação dos
dois grupos; e a avaliação participativa, construída juntamente com os beneficiários
dos programas (que também contribuem para o planejamento).
Cada modalidade tem vantagens e limitações. Se a avaliação externa parece permitir um olhar externo não enviesado e comprometido com a continuidade do programa, conferindo maior isenção à análise (supondo que os consultores são absolutamente profissionais, não preocupados com as chances de contratação em uma
próxima demanda de avaliação); a avaliação interna, a mista e a participativa parecem permitir aportes mais circunstanciados na análise dos processos e resultados,
além de facilitar a incorporação de melhorias na gestão do programa – objetivo
último da avaliação. Avaliações internas podem ser rápidas e baratas, ao contrário
das outras modalidades. As participativas podem viabilizar aprimoramentos mais
efetivos, pelo envolvimento dos beneficiários no sucesso do programa.
Uma tipologia de pesquisas avaliativas particularmente interessante, diante de
sua aderência ao Ciclo de Políticas e Programas já exposto, é proposta por Rossi
et al.,71 como ilustrado no Diagrama 3. Para esses autores, os estudos avaliativos
deveriam compor um programa de investigação completo, seguindo a lógica implícita do “ciclo de vida” dos programas. Antes de tudo, seria preciso analisar a
pertinência do programa na Agenda de Políticas Públicas (Needs Assessment), investigando se responde a uma demanda social efetivamente existente.
Se o programa existe para responder a uma demanda pública de fato, e não a
uma necessidade de autopreservação de uma estrutura organizacional criada em
algum momento do passado, deveria se investigar a teoria ou o modelo de intervenção em que o programa se assenta (Design Assessment). Afinal, este é o melhor
desenho lógico de intervenção, no quadro de relações institucionais prevalecente
entre as esferas de governo? E frente às distintas capacidades de gestão e controle social pelo país afora? Respondidas essas questões, faria sentido, então, investigar o processo de implementação do programa (Program Process Assessment), e,
caso constatada a inexistência de graves problemas quanto à entrega dos serviços
ao público-alvo, faria sentido avaliar impactos e resultados do programa (Impact
Assessment). Ao final, tendo-se apurado que o programa é socialmente justificável,
conta com um desenho de implementação adequado, com procedimentos operacionais bem estabelecidos e com resultados efetivamente comprovados, passar-se-ia para a Avaliação da Eficiência ou Custo-Efetividade (Efficiency Assessment),
para responder se o custo da operação do programa legitima-se pelos efeitos obtidos e se é replicável para outras escalas de operação.
A proposta de Rossi et al.72 é certamente um avanço conceitual na forma de se entender os diferentes focos dos estudos avaliativos, para além daquelas dicotomias
“avaliação de processos/avaliação de impactos”, “avaliação ex-ante/avaliação ex-post” etc. Ao propor ênfases avaliativas para cada etapa do “ciclo de vida” do
programa, os autores oferecem um plano de avaliação abrangente, orientando a
71
ROSSI et al., 2004.
72
ROSSI et al., 2004.
43
especificação das pesquisas de avaliação segundo uma lógica de abordagem que
proposta ajudaria a definir melhor a questão crucial para o sucesso de uma pesquisa de avaliação de programas: que aspectos do programa devem ser avaliados
e quais devem ser abordados posteriormente, em função do estágio de maturidade do programa, para maximizar as chances de se obter informações úteis e
relevantes para seu aprimoramento no momento.
When developing the questions around which the plan for an
evaluation will resolve, therefore, it is best for the evaluator
to start at the bottom of the evaluation hierarchy [Avaliação
da necessidade do programa] and consider first what is known
and needs to be known about the most fundamental issues.
When the assumptions that can be safely made are identified
and the questions that must be answered are defined, then it
is appropriate to move to the next level of hierarchy. ….
By keeping in mind the logical interdependencies between
the levels in the evaluation hierarchy and the corresponding
evaluation building blocks [técnicas e instrumentos
apropriados da pesquisa social], the evaluator can focus the
evaluation on the questions most appropriate to the program
situation.73
Afinal, não caberia especificar uma pesquisa de avaliação de resultados e impactos se há dúvidas com relação ao estágio de maturidade dos processos e das ações
previstas na implementação do programa ou, ainda, se existem suspeitas de que
o desenho de implementação padece de supostos não sustentáveis em sua estru-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
tenderia a garantir, a priori, resultados relevantes e úteis ao final do processo. Tal
tura lógica de intervenção. Não caberia proceder-se a investigações complexas de
Análise de Custo-Efetividade se não há certeza de que os resultados e impactos
gerados pelo programa são significativos. Enfim, evidências de baixa efetividade
do programa poderiam ser consequências menos de falhas no desenho ou da forma como ele foi implementado e mais da própria inadequação da existência do
programa, como parece ser o caso dos programas voltados a oferecer experiência
de primeiro emprego para jovens.74
73
ROSSI et al., 2004, p.81.
74
MADEIRA, 2004.
DIAGRAMA 3: INDICADORES E AS PESQUISAS DE AVALIAÇÃO NO
CICLO DE POLÍTICAS E PROGRAMAS
A hierarquia de focos avaliativos de Rossi et al.75 não implica que o gestor só possa
dispor de informações acerca da eficiência, da qualidade dos serviços, da cobertura de atendimento do público-alvo nas fases mais adiantadas do “ciclo de vida”
do programa. Pressupõe-se que há um sistema de indicadores de monitoramento
já estruturado que reúne informações indicativas nesse sentido. Pode até ser necessário encomendar pesquisas de avaliação de resultados e impactos ou estudos
mais aprofundados de avaliação da eficiência em estágios ainda incipientes da
implementação do programa, para responder a demandas externas de avaliação.
O que os autores defendem é que se organize um plano consistente de avaliação
em todas as etapas do “ciclo de vida” do programa, e que se resista à tentação
de “colocar a carroça antes dos bois”, encomendando pesquisas de avaliação de
forma precoce e desarticulada. É preciso ser diligente com o risco de produção de
resultados irrelevantes ou, pior, com a produção de resultados precipitados em
pretensa legitimidade científica.
Cada um desses tipos de estudos avaliativos requer uma abordagem metodológica e/ou disciplinar diferente. Estudos de viabilidade ou necessidade de programas
podem se valer de análises documentais comparativas, de recurso às técnicas de
análise econômica ou mesmo às análises institucionais típicos da Ciência Política.
Análise de desenhos lógicos de implementação envolve revisão de documentos
usados quando da formulação do programa, emprego das técnicas de planejamento de projetos e de comparação com outros modelos de intervenção social
semelhantes em outros contextos e momentos.
75
ROSSI et al., 2006.
45
A avaliação de processos pode requerer emprego de técnicas variadas de coleta
por sua vez, pode demandar emprego de entrevistas com agentes institucionais,
grupos de discussão com beneficiários dos programas, pesquisas amostrais, delineamentos quasi-experimentais ou estudos comparativos de casos.
A especificação do delineamento metodológico adequado aos objetivos da pesquisa de avaliação pretendida é, pois, aspecto crucial. A avaliação de programas é
um empreendimento técnico-científico de uso de métodos da pesquisa social para
investigar a situação, problemas e diferentes aspectos da gestão de um programa
público, ao longo de seu “ciclo de vida”, sua concepção ao usufruto dos produtos
e serviços por ele disponibilizado, considerando o contexto organizacional e político em que ele se insere, com a finalidade última de informar as necessidades de
aprimoramento de suas ações, de modo a contribuir, juntamente com outros programas, na melhoria das condições sociais da população. Como empreendimento
técnico-científico, tal como na condução de pesquisas acadêmicas, a escolha do
método depende dos objetivos específicos almejados pelo avaliador. A busca de
dados secundários, a observação e suas variantes – visitação, observação participante etc. –, as entrevistas – semiestruturadas ou estruturadas –, os grupos de
discussão, as pesquisas de campo com questionários – com amostras probabilísticas ou intencionais –, e os desenhos quasi-experimentais e não experimentais são
algumas das estratégias metodológicas mais empregadas no Brasil.
Cada técnica tem suas características, vantagens e limitações. Os métodos quantitativos, organizados sob a égide do modelo hipotético-dedutivo, como os levantamentos
amostrais e os experimentos, compreendem técnicas bastante estruturadas – destinadas à investigação de problemas específicos –, voltadas ao dimensionamento de
quantidades ou da intensidade de relações entre variáveis, supondo distanciamen-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
de informações usadas na pesquisa social. A avaliação de resultados e impactos,
to do pesquisador quanto ao objeto investigado. Os métodos qualitativos, baseados
no princípio da produção do conhecimento pela lógica indutiva, do particular para
o geral, como a observação, as entrevistas e os grupos de discussão, compreendem
técnicas pouco ou semiestruturadas, para investigar exploratoriamente problemas
complexos, pressupondo proximidade do pesquisador ao objeto avaliado.
Foge ao escopo deste trabalho detalhar prescrições metodológicas acerca do emprego de uma ou outra técnica, dada a complexidade de cada uma e pela disponibilidade
de manuais brasileiros de métodos e técnicas de pesquisa social, como os de Laville
e Dionne,76 Cano,77 Richardson et al.78 e Babbie79, entre outros. Vale incluir nessa lista, como importante material de referência para delineamento metodológico de
pesquisas de avaliação, o documento organizado pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome.80 São
apresentados 18 estudos, em sua maioria pesquisas de avaliação de programas do
ministério nas áreas de assistência social, segurança alimentar e nutricional, e renda
76
LAVILLE; DIONNE, 1999.
77
CANO, 2002.
78
RICHARDSON et al., 2002.
79
BABBIE, 1999.
80
MDS, 2007. Vide www.mds.gov.br, menu “Institucional – Sagi”.
da cidadania. Na exposição do estudo avaliativo de cada programa, são apresentados
as instituições e pesquisadores participantes, o período de realização, os objetivos da
avaliação, os aspectos metodológicos acerca das técnicas de coleta de dados empregadas, as características da amostra e dos sujeitos entrevistados. As bases de dados
de algumas dessas pesquisas de avaliação foram disponibilizadas no Consórcio de
Informações Sociais da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais (Anpocs), permitindo a pesquisadores e avaliadores buscar respostas preliminares para questões de outros programas similares.81
Esse material evidencia, na prática, como a natureza do programa, o estágio em
que ele se encontra, os objetivos de avaliação, a disponibilidade de tempo e de
recursos acabam orientando as decisões metodológicas acerca de instrumentos
e técnicas de pesquisa, o tamanho, intencionalidade ou não das amostras das
pesquisas de avaliação encomendadas pela Sagi. Ilustra-se como pesquisas de
avaliação de processo conduzidas para vários programas procuram garantir levantamento de informações por meio de entrevistas semiestruturadas com agentes
públicos em diferentes posições da produção dos serviços (gestores municipais,
técnicos atendentes do público), em localidades intencionalmente selecionadas
(segundo tempo de implantação do programa, por exemplo). Percebe-se, contudo,
predominância de uso de questionários bastante estruturados, mesmo em estudos avaliativos de natureza mais exploratória. Constata-se também que há pouco
emprego de grupos de discussão e não se utilizam ferramentas de análise estruturada de textos, mesmo nos estudos avaliativos que compreenderam mais de
uma centena de entrevistas. Worthen et al. reputam essas técnicas como avanços
metodológicos significativos nas abordagens qualitativas de avaliação.82
Grupos de discussão com equipes técnicas envolvidas nos programas e, sobretudo, com beneficiários desses permitem levantar rapidamente informações cruciais
para aprimoramento de procedimentos e ações dos programas e também para
captar dimensões de impacto não facilmente tangíveis. Exemplo ilustrativo da técnica é descrito por Carvalho, na estratégia para avaliar os resultados e impactos
do programa Jovem Cidadão em São Paulo. Esse programa visava proporcionar aos
estudantes de 16 a 21 anos da rede pública estadual de Ensino Médio a primeira
oportunidade de experiência profissional no mercado de trabalho.
Por se tratar de um público composto por jovens, a técnica
utilizada foi a de grupos de discussão, aplicando-se
“dinâmicas que estimulam e facilitam a manifestação dos
participantes, como simulações e jogos, tornando a pesquisa
quase lúdica. Tais dinâmicas ajudam a atenuar dificuldades
como inibição, timidez, desconfiança de determinados
públicos. Isso é particularmente útil no caso de jovens,
segmento que geralmente se caracteriza por falas lacônicas,
em código, em especial diante de adultos” [...].83
81
Vide www.nadd.prp.usp.br/cis.
82
WORTHEN et al., 2004.
83
CARVALHO, 2003, p.189.
47
A análise estruturada de textos é uma técnica usada para interpretar relatos de enfrases, parágrafos como entidades empíricas, permitindo contabilizar frequências,
recorrências e relacionamentos entre ideias de um conjunto de textos e documentos. No campo dos estudos de avaliação de programas, em especial nas pesquisas
de satisfação ou avaliação de impacto junto a beneficiários de programas sociais,
a técnica pode ser utilizada como recurso analítico para sistematizar, de forma
mais objetiva e padronizada, as manifestações, opiniões e críticas presentes nos
discursos dos entrevistados, e como estratégia metodológica para garantir maior
replicabilidade das avaliações em outros contextos territoriais e temporais.84
Vale observar que as pesquisas de avaliação não implicam necessariamente o levantamento de dados por meio de algumas das técnicas anteriormente relacionadas. Os dados disponíveis nos registros operacionais do programa, o sistema de
indicadores de monitoramento, as pesquisas do IBGE e dados de outros órgãos
podem permitir fazer análises preliminares a baixo custo e tempo. O problema é
que, em geral, não têm a especificidade necessária para responder questões mais
particulares do gestor.
Outras fontes úteis de informação secundária são os relatórios de avaliação de
programas do Tribunal de Contas da União (TCU) e os da Controladoria-geral da
União (CGU). Os relatórios do primeiro,85 elaborados desde 1998, são organizados
em grandes tópicos, iniciando-se com a exposição dos objetivos da avaliação do
programa (seção “O que foi avaliado”), da justificativa para sua realização (“Por
que foi avaliado”), dos aspectos metodológicos da pesquisa avaliativa, explicitando métodos e técnicas de coleta e análise dos dados, as amostras e sujeitos
investigados (“Como se desenvolveu o trabalho), e uma breve apresentação do
programa (“Histórico do Programa”). Os resultados (“O que o TCU encontrou”) são
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
trevistas ou de grupos de discussão de forma mais estruturada, tratando palavras,
apresentados em seções, organizadas segundo os objetivos da avaliação. Ao final,
sistematizam-se as sugestões de aprimoramento para o programa (“O que pode
ser feito para melhorar o programa”).
Os relatórios de avaliação da execução dos programas federais, conduzidos pela
Controladoria-geral da União,86 na forma de sorteios sistemáticos de estados e
municípios desde 2003, são também fontes de informação muito interessantes
para avaliações preliminares de processo de implementação de programas públicos. Um exemplo nesse sentido é o de Vieira,87 que empregou os relatórios da CGU
para identificar os problemas de gestão municipal do Programa de Assistência Farmacêutica, em uma amostra de 597 municípios.
Não existe a priori um método universal, mais legítimo ou com maior “status científico” para toda e qualquer pesquisa de avaliação, como não existe um único método para as pesquisas acadêmicas. Como bem assinalado em um importante manual da Pesquisa Social Americana acerca da prática da pesquisa científica:
84
85
86
87
JANNUZZI 2011c.
Vide www.tcu.gov.br, menu “Avaliação de Programas de Governo”.
Vide www.cgu.gov.br, menu “Auditoria e Fiscalização”.
VIEIRA, 2008.
1. It seems to us futile to argue whether or not a certain design is “scientific” […] It is not a case of scientific or not scientific, but rather one of
good or less good design […]
2. The proof of the hypotheses is never definitive […]
3. There is no such thing as a single “correct” design. Different workers
will come up with different designs favoring their own methodological
and theoretical predispositions […]
4. All research design represents a compromise dictated by the many
practical considerations that go into social research. None of us operates except on limited time, money, and personnel budgets […] A research
design must be practical.
5. A research design is not a highly specific plan to be followed without
deviation, but rather a series of guideposts to keep one headed in the
right direction [...].88
É estranho, pois, que ainda persista, em certas comunidades, o mito de que os delineamentos experimentais ou quasi-experimentais constituem-se nos métodos
mais adequados e legítimos cientificamente para avaliação de impactos.
Esses desenhos metodológicos de avaliação são inspirados no formato clássico do
experimento nas Ciências Naturais. Tal modelo tem o objetivo de investigar a estrutura e intensidade de causalidade entre uma variável-efeito dependente e seus
fatores determinantes. Para isso, é preciso garantir o controle da situação experimental em laboratório e o emprego de grupos tratamento (beneficiários de programas) e controle (não beneficiários) escolhidos de forma aleatória. Nos desenhos
quasi-experimentais, uma das condições básicas que definem o experimento não é
verificada, em geral, a designação aleatória em grupos experimental e de controle.
Como ilustrado no Quadro 2 , o desenho visa avaliar a evolução dos dois grupos –
supostamente idênticos no começo do experimento –, ao longo de tempo, e constatar se ao final há evidências de que o primeiro mostrou melhor performance que
o segundo, em uma variável entendida como reveladora dos efeitos do programa.
Programa
O1 ----------------à O2
-----------------------------------------------C1
----------------à C2
Medida
Pré-programa
Medida
Pós-programa
O: Grupo de tratamento (beneficiário do programa).
C: Grupo de controle (similar ao outro grupo, mas não é beneficiário).
Grupos de indivíduos O e C definidos por designação aleatória.
Se O2 – O1 > C2 – C1,
ou se O1 = C1 e O2 > C2, então o programa produz impacto.
88
SUCHMAN in MILLER, 1991, p.98.
49
Na realidade, tal delineamento de pesquisa – experimental ou quasi-experimental
melhor ou mais factível. Nesse tipo de desenho avaliativo, há problemas éticos
(Como escolher e justificar quem vai ser beneficiário e quem vai ficar de fora do
programa?); operacionais (Como evitar a evasão dos beneficiários? Como garantir
que os efeitos medidos são apenas do programa em foco, em meio a um contexto
crescente de intervenções sociais?); metodológicos (O indicador empregado é a
melhor medida para captar a dimensão impactada? O que se supõe como dimensão impactada guarda, pelo desenho lógico do programa, vinculação estreita com
as ações e atividades desse? O impacto deve ser medido sobre os beneficiários ou
junto à comunidade a que pertencem?); e epistemológicos (Como os esforços de
garantia da validade interna do experimento conspiram contra a generalização dos
resultados? Como garantir que um programa bem avaliado em circunstâncias tão
artificiais possa repetir o êxito em situações normais?)89.
Ainda que todos esses problemas fossem contornáveis, restaria um de natureza
prática: se os efeitos potenciais do programa, tal como medidos em uma determinada variável, não forem elevados – algo que o incrementalismo de Lindblom
sugeriria –, as amostras de beneficiários atendidos e do grupo controle teriam que
ser consideravelmente grandes para que os testes estatísticos possam ser aceitos
sem hesitação.90
A mitificação desse desenho na avaliação de programas se deve, em alguma medida, pela origem dos estudos avaliativos centrados na investigação de programas
nas áreas de educação e saúde pública, como já mencionado, nas quais esses modelos podem se viabilizar mais concretamente – pelas condições de simulação de
“laboratório” em salas de aula ou pela tradição dos ensaios de tratamento clínico
de doenças. A hegemonia circunstancial dos modelos quantitativos importados da
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
– é um dos métodos usados para avaliação de impacto, não necessariamente o
pesquisa em Ciências Naturais, no debate sobre a cientificidade dos métodos de
pesquisa a serem ensinados e adotados na pesquisa social americana nos anos
1960 – momento de expansão dos estudos avaliativos naquele país, como já mencionado – também é outro fator explicativo. Nesse contexto, como sugerem Worthern et al., o livro Experimental and Quasi-Experimental Designs for Research,
escrito pelos psicólogos Donald Campbell e Julian Stanley, publicado em 1966,
acabou sendo adotado como o manual de referência metodológica da comunidade de avaliadores que ora se formava. Afinal, apesar das advertências sobre as
dificuldades de replicação das condições de controle laboratorial no contexto de
operação dos programas sociais, “a elegância e a precisão do método experimental levaram a maioria dos avaliadores de programa a vê-lo como ideal”.91
89
WEISS, 1972; MOHR, 1995; CANO, 2002.
90
ROSSI et al., 2004.
91
WORTHERN et al., 2004, p.116.
As críticas que se seguiram nas décadas seguintes sobre aspectos éticos, factibilidade operacional e poder de generalização dos resultados de desenhos experimentais – e suas aproximações quasi-experimentais –, seja na pesquisa acadêmica, seja na pesquisa de avaliação de programas, a incorporação de avaliadores
provenientes das várias disciplinas das Ciências Sociais – antropólogos, sociólogos, comunicólogos etc. – e a formalização mais rigorosa de abordagens de investigação mais qualitativas, mais adequadas aos problemas complexos e pouco estruturados da realidade social, acabaram por consolidar a percepção, na comunidade
de avaliadores nos EUA, de que os estudos avaliativos requerem certo ecletismo
metodológico, integrando métodos quantitativos e qualitativos.
Na verdade, a maioria dos avaliadores sérios começou a entender que as abordagens quantitativas e naturalistas têm padrões metodológicos e rigor que são diferentes, e não ausentes. A maioria dos avaliadores passou a aceitar a existência das
múltiplas realidades ou pelo menos das múltiplas percepções da realidade. Com
essa consciência e uma legitimidade maior, a avaliação qualitativa surgiu como
alternativa real – ou complemento – da abordagem quantitativa tradicional.92
Ainda assim, continuam os autores, alertando que o debate não está encerrado, na
medida em que:
Aqueles que preferem o uso exclusivo ou majoritário de métodos quantitativos
estão, em sua maior parte, aborrecidos com a aceitação dos estudos qualitativos
(apesar do fato de o trabalho quantitativo ainda manter sua posição como abordagem dominante da avaliação e pesquisa [...] Esses críticos da avaliação qualitativa
queixam-se com frequência da subjetividade de muitos dos métodos e técnicas
qualitativos, mostrando a preocupação de que a avaliação tenha abandonado a
objetividade em favor de uma subjetividade exercida inabilmente.93
Dada a complexidade operacional, os contextos de implementação, os desenhos
institucionais e a diversidade de públicos-alvo dos programas públicos no Brasil,
não se pode definir uma técnica de investigação como melhor em qualquer situação. Muitos programas operam em contextos complexos, pouco estruturados para
abordagens quantitativas (e muito menos para desenhos quasi-experimentais).
Nessas situações, abordagens metodológicas menos estruturadas podem levantar
evidências mais relevantes e úteis para o aprimoramento dos programas. É possível que permitam a estruturação de questões mais específicas a investigar, para
aplicação posterior de desenhos quantitativos de pesquisa. Abordagens quantitativas e qualitativas não são mutuamente excludentes em um projeto de pesquisa
ou avaliação. São complementares, compatíveis e conectáveis.
92
WORTHERN et al., 2004, p.117.
93
Idem, ibidem.
51
Pluralismo metodológico, enfoques avaliativos mistos, triangulação de abordada pesquisa de avaliação de programas partilhadas pelos autores das duas principais referências bibliográficas aqui citadas – Worthern et al. e Rossi et al. Rigor
metodológico, capacidade de improvisação e maleabilidade técnica diante da
complexidade do objeto de estudo, estas são as prescrições generalizáveis para
qualquer equipe – necessariamente multidisciplinar – que queira encarar responsavelmente a pesquisa aplicada na avaliação de programas.
Considerações finais
A ampliação do gasto social no Brasil e a diversificação dos programas voltados a
atender às diversas demandas públicas vêm pressionando o setor público a melhorar suas práticas de gestão. Nesse sentido, a preocupação com o aprimoramento técnico na elaboração de diagnósticos e nas atividades de monitoramento e
avaliação de programas vem crescendo.95
Sistemas ou Sistemáticas de Monitoramento e Avaliação constituem-se em conjunto de atividades – articuladas, sistêmicas e tecnicamente orientadas – de registro, produção, organização, acompanhamento e análise crítica de informações
geradas na Gestão de Políticas Públicas, para identificação de demandas sociais,
desenho, seleção, implementação e avaliação de soluções para as mesmas, com a
finalidade de subsidiar a tomada de decisão de técnicos e gestores envolvidos nas
diferentes etapas do ciclo de vida ou maturação das Políticas e seus Programas.
Estruturar melhor os sistemas de indicadores de monitoramento e especificar pesquisas de avaliação mais consistentes são desafios que precisam ser rapidamente
enfrentados nos três níveis de governo – federal, estadual e municipal –, sob pena
de estender, por mais tempo ainda, a superação das iniquidades sociais no país e
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
gens investigativas,94 complementaridade de técnicas – são essas as perspectivas
sob o risco de se perder a crença de que os programas públicos podem ser vetores
impactantes da mudança social no Brasil.
Este texto procurou mostrar que tais instrumentos precisam ser especificados, respondendo às demandas de informação do gestor nas diferentes fases do “ciclo
de vida” do programa, de acordo com o estágio de maturidade desse. Não há uma
receita única, pronta e acabada para desenhar esses instrumentos. Existem experiências, recomendações e boas práticas.
94
Triangular significa abordar o objeto de pesquisa com três (ou mais) técnicas diferentes de
investigação, como linhas não paralelas na forma de um triângulo cercando o objeto de pesquisa ao
centro.
95
Vale registrar, nesse sentido, a proposta de realização de cursos de Graduação e de
Especialização em Gestão Pública a distância pela Universidade Aberta do Brasil, vinculada ao Ministério
da Educação (www.uab.mec.gov.br), e operada pelas universidades e institutos federais, iniciativa
fundamental para se imaginar alguma parcela dos 1,7 milhão de servidores municipais com Ensino Médio e
1,3 milhão com Ensino Superior contabilizados em 2008 nos mais de 5.500 municípios brasileiros.
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55
Júnia Quiroga1
Alexandro Rodrigues Pinto2
Renata Mirandola Bichir3
Renato Francisco dos Santos de Paula4
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
A PESQUISA APLICADA ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS
e a possibilidade de constRUção de Uma
AGENDA ESTRATÉGICA DE AVALIAÇÃO ENTRE
ACADEMIA E GOVERNO
1
DouToRA EM DEMoGRAFIA PELo CENTRo DE DESENvoLvIMENTo E PLANEJAMENTo REGIoNAL DA
uNIvERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (CEDEPLAR/uFMG) E DIREToRA DE AvALIAção Do MINISTéRIo Do
DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME (MDS).
2
MESTRE EM FARMACoLoGIA CLÍNICA PELA uNIvERSIDADE FEDERAL Do CEARÁ (uFCE) E CooRDENADoR
GERAL DE AvALIAção DA DEMANDA Do MDS.
3
DouToRA EM CIÊNCIA PoLÍTICA PELo INSTITuTo DE ESTuDoS SoCIAIS E PoLÍTICoS DA uNIvERSIDADE
Do ESTADo Do RIo DE JANEIRo (IESP/uERJ) E PRoFESSoRA ADJuNTA DA uNIvERSIDADE DE São PAuLo (uSP). FoI
CooRDENADoRA GERAL DE AvALIAção DE RESuLTADoS E IMPACTo No MDS ENTRE 2011 E 2013.
4
DouToR EM SERvIço SoCIAL PELA PoNTIFÍCIA uNIvERSIDADE CATÓLICA DE São PAuLo (PuC-SP) E
CooRDENADoR Do CuRSo DE SERvIço SoCIAL DA uNIvERSIDADE FEDERAL DE GoIÁS (uFG). FoI CooRDENADoR-GERAL
DA ÁREA DE GESTão Do TRABALHo E EDuCAção PERMANENTE Do SISTEMA úNICo DE ASSISTÊNCIA SoCIAL (SuAS) ENTRE
2005 E 2009, ASSESSoR DA SECRETARIA NACIoNAL DE ASSISTÊNCIA SoCIAL (SNAS) Do MDS ENTRE 2009 E 2012 E vICEPRESIDENTE Do CoNSELHo NACIoNAL DE ASSISTÊNCIA SoCIAL (CNAS) ENTRE 2008 E 2012.
INTRODUÇÃO
Este artigo reflete sobre a construção da agenda de avaliação de políticas públicas
e, mais particularmente, sobre a experiência de definição conjunta de uma agenda
entre academia e governo materializada por uma seleção pública de propostas de
estudos e avaliação das ações do desenvolvimento social e combate à fome.
Conceitualmente, não há consenso estabelecido sobre o conceito de avaliação a
ser aplicado na análise de políticas públicas. Há, contudo, suficiente entendimento de que a avaliação de políticas públicas diz respeito ao julgamento de valores
associados a distintas etapas do processo de produção de políticas públicas. Trevisan e Van Bellen (2008) realizam uma revisão teórica sobre tal conceito bem como
dos avanços dessa prática avaliativa no Brasil. Os autores citam Garcia (2001), que
cunhou um conceito abrangente pautado pelas contribuições de diversos autores:
Avaliação é uma operação na qual é julgado o valor de uma iniciativa organizacional, a partir de um quadro referencial ou padrão comparativo previamente definido. Pode ser considerada, também, como a operação de constatar a presença
ou a quantidade de um valor desejado nos resultados de uma ação empreendida
para obtê-lo, tendo como base um quadro referencial ou critérios de aceitabilidade pretendidos (Garcia (2001:31) apud Trevisan e Van Bellen, 2008).
À luz desse conceito, o julgamento de valores deve ser associado a um quadro de
referência, e o seu resultado potencialmente leva à estimação da quantidade ou
qualidade de determinada ação ou política. No caso da produção acadêmica brasileira na avaliação de políticas públicas, constata-se forte subordinação da agenda
de pesquisa à agenda política (Arretche, 2003).
Com efeito, embora a avaliação de políticas públicas não tenha trajetória consolidada no país, e nem acúmulo teórico suficiente, avolumam experiências de avaliação advindas de estudos de caso ou análises pontuais de políticas específicas.
Longe de estar adequadamente sistematizado, esse conhecimento produzido tem
fortalecido a formação de avaliadores no país e, também, incitado debates importantes, sobretudo quanto aos efeitos das políticas, programas, serviços e ações.
Como estratégia de governo, a prática de avaliação tem crescido ao longo dos
anos. De maneira ainda tímida, porém crescente, formam parte das estruturas da
administração direta e indireta algumas unidades de avaliação e de estudos, em
geral pequenas, dedicadas a subsidiar gestores de políticas na construção e aperfeiçoamento dos programas que integram as políticas específicas.
A experiência mais exitosa no âmbito da administração federal direta é a da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI) que integra a estrutura do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) desde 2004 e que
avalia e monitora políticas, programas, ações e serviços nas áreas de transferência
de renda, segurança alimentar e nutricional, assistência social e inclusão produtiva, além de contribuir com a formação de gestores públicos e sociais e disseminar
conteúdo técnico.
Seguindo parâmetros internacionais que estimulam que a avaliação de programas
seja feita externamente à estrutura de implementação, muitas das pesquisas ava-
57
liativas da SAGI se enquadram nesse modelo e derivam da contratação de instiutilizaram um modelo “misto”, com desenho metodológico interno – dialogado
com as secretarias finalísticas e as instituições contratadas – e execução externa.
Há ainda um terceiro conjunto de estudos que foram concebidos e conduzidos
diretamente pela equipe interna, notadamente é um caso recorrente nas pesquisas de abordagem qualitativa. Envolvendo diferentes formas de contratação, bem
como arcabouços metodológicos, o longo dos anos, entre 2004 e março de 2014,
a SAGI contratou mais de 100 estudos de avaliação sobre as diversas políticas,
programas, serviços e ações do MDS.
Seguindo a legislação nacional e as orientações dos órgãos de controle, o processo licitatório é muito empregado nas contratações realizadas. Com isso, zela-se
pelo erário público e a sua adequada utilização. Contribui-se, ainda, para a transparência do Estado no sentido de que sejam garantidas as condições para a competição aberta entre os proponentes. Contudo, a despeito das diversas qualidades
dos processos licitatórios para a contratação de estudos, os mesmos geram alguns
impasses à prática da avaliação. O principal impasse que cumpre mencionar é o
fato de que muitas universidades, talvez a maioria delas, sente-se inibida na participação de processos licitatórios, ora porque sua estrutura interna não permite
que a candidatura ofereça preços suficientemente competitivos com o mercado
de institutos de pesquisa, já que o overhead pago às fundações universitárias aumenta muito os seus orçamentos, ora por despreparo administrativo para esse tipo
de competição, ora por discordâncias filosóficas sobre o papel da universidade e
o entendimento de muitos acadêmicos de que as instituições públicas não devem participar de processos licitatórios – os quais se adequariam às estruturas de
mercado – mas sim executar pesquisas por outras vias de financiamento e apoio.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
tuições públicas ou privadas de pesquisa. Em outros casos, as avaliações da SAGI
Independentemente das razões da ausência recorrente das universidades nos
processos licitatórios, fato é que tal ausência representa potencial prejuízo à
construção de conhecimento sobre as políticas públicas. A identificação dessa ausência preocupou o Departamento de Avaliação do MDS, que buscou modos de
aproximar a academia da prática de avaliação dos programas, ações e serviços sob
a coordenação do Ministério.
Um certo incômodo relativo à ausência de uma parceria na construção da agenda
de avaliação se somava à preocupação de que importantes questionamentos e
provocações apresentados em estudos ou originados nos debates acadêmicos sobre as políticas de desenvolvimento social pudessem não estar chegando até o nível federal, por falta de espaços formais de interlocução. A participação em encontros, seminários e fóruns de debate tem sido recorrente para os gestores públicos,
e provoca o encontro com a academia, porém a falta sentida era do processo de
construção conjunta e do acompanhamento sistemático. Essa falta de porosidade
entre academia e gestão também era percebida no desenvolvimento e estudo de
tecnologias sociais voltadas para a promoção do desenvolvimento social.
Assim, amparado por Termo de Cooperação firmado entre o MDS e o Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)5, o MDS propôs ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), fundação pública vinculada ao
MCTI que tem por finalidade promover e fomentar o desenvolvimento científico e
tecnológico do país e contribuir na formulação das políticas nacionais de ciência
e tecnologia, a construção de um edital de seleção pública de estudos junto às
instituições públicas de ensino e pesquisa.
MATERIALIZAÇÃO DA COOPERAÇÃO: A CONCEPÇÃO DO
EDITAL N.º 36/2010
Uma das iniciativas resultantes da cooperação política, técnica e programática firmada entre MDS e MCTI foi a celebração, em 2010, do Termo de Cooperação n.º
001/2010, entre o MDS e o CNPq. O acordo propiciou, por sua vez, o lançamento
pelo CNPq do Edital n.º 36/2010 destinado à seleção de projetos de pesquisa
sobre temas afetos ao MDS.
Por meio do apoio a projetos de pesquisa ancorados em universidades brasileiras, o referido edital inaugurou uma nova abordagem no desenvolvimento
de estudos e pesquisas avaliativos sobre ações do MDS. Ao invés de especificar uma a ação a ser investigada, definir os parâmetros dessa investigação e
contratar uma empresa ou consultor para realizá-la, o Ministério propôs-se a
financiar iniciativas desenvolvidas pelo meio acadêmico, desde que eles se
enquadrassem em linhas temáticas prioritárias para a agenda social do governo federal.
A ação possibilitou, ainda, a aproximação do MDS, representado pela SAGI, com as
universidades públicas, por meio da prospecção de pesquisas em desenvolvimento nessas instituições sobre temas de interesse do Ministério.
O Edital foi publicado em setembro de 2010 e buscou conhecer e fomentar a
produção acadêmica a respeito das iniciativas recentes de proteção e desenvolvimento social e combate à fome que pudessem oferecer recomendações
para melhorar ações, procedimentos ou técnicas, bem como identificar tecnologias sociais relacionadas ao desenvolvimento das políticas de transferência
de renda, segurança alimentar e nutricional e assistência social produzidos
pela academia brasileira.
Os projetos propostos deveriam se enquadrar em ao menos um dos dezessete
subtemas agregados em cinco grandes temas:
5
Portaria Interministerial No 261, de 20 de abril de 2009. Institui Termo de Cooperação entre
o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o Ministério da Ciência e Tecnologia para a
implementação de ações integradas com vistas ao Compromisso Nacional pelo Desenvolvimento Social e
inclusão e tecnológica dos beneficiários dos programas sociais do Governo Federal. Publicada no DOU em
22 de abril de 2009.
59
1.1) Aspecto de implementação, financiamento e avaliação dos efeitos do
Benefício de Prestação Continuada (BPC – LOAS) no Brasil;
1.2) O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e sua implantação no
contexto federativo do país.
2. Segurança Alimentar e Nutricional
2.1) Aspectos da implantação do SISAN (Câmaras intersetoriais, conselhos, conferências e planos) e sua institucionalização em estados e municípios;
2.2) O desenvolvimento de tecnologias para captação de água da chuva
para produção e consumo de alimentos de subsistência das famílias no
semiárido brasileiro;
2.3) Modelos de construção de cisternas para captação de água da chuva
para consumo humano.
3. Bolsa Família – Estratégias para alívio e superação da pobreza
3.1) O Índice de Gestão Descentralizada (IGD) no aprimoramento da qualidade de gestão local do Bolsa Família;
3.2) As estratégias de acompanhamento familiar e de gestão das condicionalidades do Programa Bolsa Família;
3.3) Bancarização na ampliação do crédito, na aquisição de serviços e no
uso de recursos financeiros pelas famílias beneficiárias.
4. Inclusão Produtiva
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
1. Assistência Social
4.1) Formas de Gestão para Implantação de Centrais de Intermediação de
Profissionais Autônomos;
4.2) Avaliar os efeitos da implantação de grandes investimentos sobre a
população cadastrada: aspectos de inclusão produtiva.
5. Integração
5.1) Dinâmica demográfica e sua interrelação com políticas de desenvolvimento social e combate à fome;
5.2) Analisar a integração entre serviços socioassistenciais, benefícios,
transferência de renda e ações de segurança alimentar e nutricional na
gestão local das políticas de desenvolvimento social e combate à fome;
5.3) Desenvolver e operacionalizar o conceito de territorialidade na
promoção de ações integradas de desenvolvimento social;
5.4) Os Recursos Humanos voltados às políticas de Desenvolvimento Social e Combate à Fome: segurança alimentar, assistência social, transferência de renda e inclusão produtiva;
5.5) O acesso, a implementação e os efeitos dos programas, ações e servi-
ços de Desenvolvimento Social e Combate à Fome entre povos e comunidades tradicionais;
5.6) O acesso, a implementação e os efeitos dos programas, ações e serviços de Desenvolvimento Social e Combate à Fome entre pessoas em situação de rua e catadores de materiais recicláveis;
5.7) A dinâmica familiar, as relações de gênero e as políticas de Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Os temas e subtemas foram definidos em uma série de reuniões do Grupo de Trabalho em Avaliação e Monitoramento (GTMA) do MDS. Destinado a formular anualmente um plano de avaliação e monitoramento dos programas do MDS, o GTMA conta
com a participação de representantes de todas as secretarias do Ministério, bem
como do gabinete ministerial. Ao longo das reuniões, uma lista original de mais de
30 ideias originalmente apresentadas pelas diferentes unidades do MDS foi organizada em torno das prioridades que o Ministério vislumbrava naquele momento. A
priorização foi estabelecida com base em critérios de relevância para a ação política
e de insuficiência de conhecimento sobre o tema por parte da gestão.
O Edital foi destinado somente às instituições públicas de ensino e pesquisa, por
entender-se que os grupos de pesquisa dessas instituições tendem a ser mais
perenes. Optou-se, ainda, pela aceitação de que o coordenador do projeto tivesse
formação mínima de mestrado, por entender que a exigência do nível de doutor
para a coordenação dos projetos era uma restrição que poderia inibir a participação de pesquisadores cujos estudos fossem relevantes para o objetivo pretendido, a despeito de seu nível de formação.
Como a motivação do Edital foi a de provocar a aproximação entre a agenda de
pesquisa da academia e a agenda de avaliação do Ministério, exigiu-se como contrapartidas, além do tradicional relatório final de pesquisa, que os pesquisadores
pudessem ser convocados a reuniões e apresentações sobre as suas pesquisas ao
longo do processo de sua elaboração e que produzissem um artigo que poderia vir
a ser publicado pelo MDS.
Após o período regulamentar de publicação do Edital (45 dias), foram apresentados 77 projetos oriundos de instituições de todas as grandes regiões do país.
Dentre os projetos apresentados, 39 foram selecionados para financiamento por
um comitê de cinco pareceristas especialistas nas diferentes temáticas abrangidas pelo edital, que foram escolhidos pelo CNPq a partir de sua plataforma de
pesquisadores de produtividade. Os projetos selecionados são coordenados por
pesquisadores vinculados a 28 instituições públicas de ensino e pesquisa do país.
À época da elaboração do Edital, cogitou-se pontuar diferentemente os projetos
oriundos das Regiões Norte e Nordeste, com vistas a garantir maior acesso potencial dos pesquisadores dessa região aos recursos. Embora a decisão final não
tenha sido essa, cumpre observar que 18 das 39 (portanto, 46%) propostas aprovadas são oriundas dessas regiões.
O prazo de execução dos projetos selecionados deveria ser igual ou inferior a seis
meses, prorrogáveis mediante a apresentação de justificativa pelo coordenador
61
do projeto e aprovação pelo CNPq, não podendo exceder 12 meses. O valor mádos em custeio (até o limite máximo de 20% do total do financiamento) e bolsas
(modalidades “Iniciação Tecnológica e Industrial” - ITI nível A e “Desenvolvimento
Tecnológico e Industrial” - DTI níveis 1, 2 e 36). O montante de recursos de fato
executado foi de R$ 1.442.598,00, totalizando, portanto, o investimento médio de
R$36.989,70 por projeto.
FORMATO DE ACOMPANHAMENTO DOS ESTUDOS
Conforme mencionado anteriormente, a parceria estabelecida gerou no MDS o desejo de compartilhar o processo de elaboração e avanço dos projetos. Entendeu-se que isso seria positivo tanto para a gestão como para a academia, pois alimentaria a gestão com conhecimentos que viriam do acompanhamento e não só do
acesso a resultados finais e fortaleceria a qualidade dos projetos desenvolvidos
ao facilitar aos pesquisadores o acesso a um conjunto de dados e contatos com a
gestão que de outra forma seriam mais demorados.
Assim, o Departamento de Avaliação da SAGI/MDS delegou pares de técnicos para
serem interlocutores permanentes de cada projeto, de forma que os pesquisadores tivessem acesso ágil à gestão. Além disso, o Departamento capitaneou a
realização de duas oficinas de acompanhamento intermediário dos projetos, uma
delas pouco após o início dos mesmos e a outra próxima à conclusão desses7.
Nessas ocasiões, os pesquisadores foram expostos, em plenária, a diversos sistemas de informação do MDS e a exposições sobre os programas e o então recém-lançado Plano Brasil Sem Miséria. Além disso, em um dia inteiro de ambas as oficinas, os representantes dos projetos foram reunidos em discussões que ocorreram
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
ximo de financiamento para cada projeto foi estipulado em R$ 60.000,00, dividi-
simultaneamente em diferentes salas temáticas e expuseram os avanços de seus
projetos para os seus pares e para debatedores oriundos das diferentes unidades
da estrutura do MDS, de outros ministérios, e do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA).
O desenho das oficinas de acompanhamento foi reconhecido como proveitoso
tanto pelos participantes da academia como da gestão e, de fato, cumpriu o propósito da aproximação das partes ao longo do processo. A apresentação do desenho
das pesquisas em estágio ainda inicial, na primeira oficina realizada, foi importante para que os pesquisadores recebessem sugestões dos demais pesquisadores
de sua área temática e também de gestores do MDS, possibilitando importantes
desenvolvimentos teóricos e metodológicos. Por outro lado, a apresentação dos
resultados finais dos diversos estudos consolidou o êxito dessa experiência, indicando a pertinência de sua continuidade.
O encerramento da segunda oficina se deu com uma reflexão sobre a experiência
do Edital por parte dos pesquisadores, do CNPq, do MCTI e do MDS. De forma ge6
À época da execução dos projetos, os valores das bolsas que poderiam ser contempladas
nos projetos variavam entre R$ 161,00 e R$ 3.169,37.
7
Ambas as oficinas foram realizadas em Brasília. A primeira delas ocorreu em 6 e 7 de abril de
2011 e a segunda em 29 e 30 de novembro do mesmo ano.
ral, avaliou-se positivamente a experiência, tendo sido valorizados os momentos
de encontro entre a academia e a gestão; as salas temáticas que fomentaram o
estabelecimento de redes entre os próprios pesquisadores, a exemplo de encontros regionais que foram concebidos a partir da parceria estabelecida nas oficinas
de acompanhamento; e, com particular entusiasmo, os coordenadores com nível
de mestrado sentiram-se estimulados pelo fato de terem sido elegíveis ao Edital.
Houve, no entanto, críticas ao curto tempo de duração dos projetos; à dissonância
entre o tempo de duração das bolsas e o tempo de duração dos projetos, sendo o
primeiro mais curto que o segundo; e, finalmente, a algumas questões relativas ao
formato de desembolso dos valores.
RESULTADOS DO EDITAL
Talvez devido ao caráter inovador de muitos dos programas de desenvolvimento social sob a responsabilidade do MDS, que têm consolidação recente na agenda brasileira de políticas públicas, percebemos com este edital o grande interesse que temas
como transferência de renda, inclusão produtiva, segurança alimentar e nutricional e
assistência social suscitam entre os acadêmicos. Entretanto, considerando as formas
de abordagem e enquadramento desses temas, percebemos também a pertinência
da avaliação realizada por Arretche (2003) há mais de dez anos atrás: boa parte da
agenda de estudos da academia continua bastante associada à agenda do governo.
Por outro lado, foram percebidas também algumas dissonâncias entre certos temas e questões considerados cruciais para o aprimoramento e desenvolvimento
dos programas, políticas e serviços, por parte do governo, que não encontraram lugar entre as pesquisas propostas pelos pesquisadores. Em sentido inverso, alguns
questionamentos trazidos nas pesquisas às vezes tendiam a refletir dimensões
não mais consideradas prioritárias na agenda do governo. Pode-se pensar, nesse
sentido, que o dinamismo dos processos decisórios e das transformações institucionais dos programas nem sempre anda no mesmo compasso da agenda das pesquisas acadêmicas, colocando desafios para uma agenda conjunta de avaliações.
Ainda assim, considera-se que o esforço de retroalimentação das agendas é válido
e oportuno e, portanto, optou-se, em 2013, por repetir a experiência e empreender
a elaboração de um novo edital conjunto entre a SAGI/MDS e o CNPq/MCTI8. A boa
avaliação levou a um aumento dos recursos investidos e as críticas feitas à estrutura
anterior foram incorporadas. Assim, o prazo de realização dos projetos foi estendido
e aumentaram-se os limites dos valores dos novos projetos (limite de R$ 60 mil,
para projetos coordenados por mestre, e R$ 100 mil para projetos coordenados por
doutor). Ademais, a estrutura de acompanhamento dos estudos será mantida.
8
Em setembro de 2013 a cooperação entre o MDS e o MCTI materializou-se em mais um edital para
a seleção de estudos por intermédio do CNPq. Foi lançada a Chamada MCTI-CNPq/MDS – SAGI Nº 24/2013 com
o objetivo de fomentar projetos de pesquisa relativos às políticas de proteção de populações vulneráveis,
assim como relativas ao desenvolvimento social e segurança alimentar e nutricional. O montante total
investido nessa Chamada foi de R$ 2.747.795,00, tendo sido recebido um total de 292 propostas, totalizando
uma demanda de recursos equivalente a R$ 21.460.730,10.
63
Entende-se, portanto, que o fomento temático à pesquisa acadêmica pode ser um
se concretize na academia e no governo. Nesse sentido, este livro é mais uma
contribuição a esse esforço.
Uma das contrapartidas ao financiamento foi a entrega de artigos com base nos
principais resultados das pesquisas realizadas. Uma vez entregues, cada artigo foi
submetido a dois pareceristas vinculados à temática pertinente sendo, necessariamente, um deles vinculado ao MDS e outro externo. Os pareceristas externos
incluíam professores universitários, pesquisadores, ou especialistas. Um total de
60 pareceristas contribuiu com a revisão dos artigos. Após a revisão dos autores
com base nos pareceres, avaliou-se a pertinência da publicação de cada artigo,
eventualmente retornando os artigos para os pareceristas.
Os cinco volumes que integram esta publicação representam a entrega final dos
resultados do Edital n.º 36/2010. Os projetos de pesquisa financiados deram origem aos 34 artigos que são apresentados neste livro, organizado em cinco seções
temáticas, sempre antecedidas por artigos institucionais que visam apresentar a
visão do MDS a respeito de temas transversais como gênero, raça, povos e comunidades tradicionais, transferência de renda, assistência social, segurança alimentar
e nutricional e inclusão produtiva.
Este primeiro volume do livro reúne artigos institucionais elaborados por representantes do MDS ressaltando a relevância dessa aproximação entre a agenda de
pesquisas da academia e os temas afetos ao desenvolvimento social e combate à
fome. Em primeiro lugar, o Secretário de Avaliação e Gestão da Informação, Paulo
Jannuzzi, apresenta a publicação e, em artigo subsequente, discute aspectos teóricos e metodológicos do monitoramento e avaliação de políticas públicas. Em
seguida, no presente artigo, os organizadores do livro – Júnia Quiroga, Alexandro
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
estímulo importante para que o estabelecimento de uma estratégica de avaliação
Pinto, Renata Bichir e Renato de Paula – discutem as oportunidades e os desafios
na construção de uma agenda de avaliação que combine de maneira estratégica
os olhares da academia e do governo. Os principais desafios para a realização do
Edital que originou esta publicação são apresentados pelo CNPq, em artigo de
autoria de Mariomar Almeida e colegas.
Adicionalmente, esta primeira seção do livro reúne artigos abordando os chamados “temas transversais”, que se referem a abordagens integrais e intersetoriais
das temáticas afetas ao desenvolvimento social, incluindo temas como gênero,
raça, povos e comunidades tradicionais, dinâmicas familiares, entre outras. O artigo elaborado pelo Secretário Executivo do MDS, Marcelo Cardona, em coautoria
com Teresa Sacchet e Kátia Favilla, introduz essa discussão ao abordar os desafios
para a construção de políticas voltadas a povos e comunidades tradicionais, bem
como para a inserção de temas como gênero, raça e etnia na agenda das políticas
públicas, levando em consideração a contribuição dos artigos que compõem essa
seção temática. Em seguida temos oito artigos abordando essas temáticas transversais, oriundos das pesquisas fomentadas pelo Edital, elaborados por autores
com distintas afiliações institucionais. Assim, os artigos de Afonso et. al. (UFPA) e
Pires (UFPB) contemplaram recortes geracionais, especificamente a infância, na
relação com o Programa Bolsa Família. O artigo de Favero e Santos (UNEB) discute a
noção de território e a convivência com o Semiárido, sob a perspectiva de gênero.
Tal perspectiva é adotada também por Leitão e Inácio (UFRPE), Albuquerque et.
al. (IFMA/Campus Codó) e Silva (UEPA) que estudaram mulheres de comunidades
pesqueiras, quebradeiras de coco e ribeirinhas. Comunidades específicas foram
abordadas por Bairros e Neutzling (UFRGS), Faustino et. al. (UEM) em artigos que
se debruçaram, respectivamente sobre a insegurança alimentar em comunidades
quilombolas do Rio Grande do Sul e a condição dos indígenas no Estado do Paraná
sua situação escolar e o seu acesso ao Programa Bolsa Família.
Na segunda seção do livro são apresentados os artigos que abordam, sob diversos ângulos e aspectos, os programas de transferência, em particular o Programa
Bolsa Família e suas múltiplas dimensões – processo de cadastramento, acompanhamento de condicionalidades, formas de gestão local, entre outras. Na introdução desta seção, temos o artigo elaborado pelo Secretário Nacional de Renda de
Cidadania, Luis Henrique Paiva, em coautoria com a Secretaria Adjunta da Senarc,
Letícia Bartholo, discorrendo sobre a trajetória de dez anos de Programa Bolsa
Família, seus avanços e os desafios para o futuro, bem como sobre a perspectiva
adotada pelos autores que compõem essa seção temática. Esta segunda seção
reúne quatro artigos, que abordam a temática das condicionalidades – artigos de
Rogério Medeiros (UFPB) em coautoria com Nínive Machado (UFPB) e artigo de
Giselle Lavinas Monnerat (UERJ) com Juliana França Nogueira (UFF) –, as condicionalidades e a gestão do Programa, por meio do Índice de Gestão Descentralizada
(IGD) – Maria Ozanira da Silva e Silva (UFMA) e Maria Virgínia Guilhon (UFMA) e
também o Cadastro Único – artigo de Renato Veloso (UERJ).
Temas relacionados à assistência social e às territorialidades são abordados na
terceira seção, a qual é introduzida por artigo elaborado pela Secretária Nacional
de Assistência Social, Denise Colin, em parceria com Juliana Fernandes e Renato
de Paula, discorrendo sobre os desafios atuais para a área. Na sequência, temos
dez artigos que abordam diversas dimensões das desigualdades sócio-territoriais
e da vulnerabilidade das famílias, além de abordarem distintas metodologias, políticas e estratégias no campo da assistência social. Novamente, estes artigos foram
elaborados por pesquisadores e professores oriundos de diferentes instituições:
Melazzo e Magaldi (UNESP); Vaz e Avritzer (UFMG); Bazzi, Gaviolli, De Paula, et al
(UTFPR); Dedecca, Belik, Trovão e Souza(UNICAMP); Oliveira e Kassouf (ESALQ/
USP); Magalhães, Ramos, Bodstein, et al (FIOCRUZ); Montali, Garcia, Lima, et al (UNICAMP); Paiva, Rocha, Carraro, et al (UFSC); Souza, Paiva, Cavalcante, et al (UFRN).
A quarta seção traz a discussão referente à temática da segurança alimentar e nutricional, sendo introduzida pelas reflexões do secretário nacional da área, Arnoldo
Anacleto de Campos, acerca dos desafios atuais para a área e a contribuição dos
estudos apresentados. Esta seção reúne dez artigos que versam sobre o estado da
segurança alimentar e nutricional na população (Vianna - UFPB) et. al.; Sperandio e
Priore (UFV); Florêncio – UFAL- et. al.); o desenvolvimento de tecnologias de captação de água para consumo humano (Pereira da Silva - IFBaiano); Batista; (UFERSA);
desenvolvimento de instrumentos de medição da insegurança alimentar e nutricional (Gigante – UFPEL- et. al.); desenvolvimento de sistemas locais de segurança
alimentar e nutricional (Kepple, Siliprandi – UNICAMP- e Meira - Secretaria Munici-
65
pal de Ação Social de Rio Claro); Palmeira (UFCG) et. al.; Burlandy – UFF- et. al. e o
Por fim, a quinta seção abarca os desafios da inclusão produtiva no Brasil, conforme a discussão apresentada pelo Secretário Extraordinário para Superação da
Extrema Pobreza, Tiago Falcão, e o ex-chefe de gabinete da SESEP, Ricardo Karam.
Essa seção reúne artigos que discorrem sobre os desafios da qualificação profissional e inclusão produtiva para a população de baixa renda – artigo de Eucidio
Pimenta Arruda (UFU) e Durcelina Ereni Pimenta Arruda –, os efeitos de programas
de capacitação na inclusão produtiva de jovens – Frida Marina Fischer (USP) e Andréa Aparecida da Luz (USP) – e uma avaliação de metodologias de capacitação
profissional associada a programas de transferência de renda – artigo elaborado
por Sibelle Diniz (UFMG), Elizabeth Filizzola (IASIN), Jacqueline E. Rutkowski (Instituto Sustentar), Thiago Araújo do Pinho (UFMG), Luisa F. Lima (UFMG), Patrícia
Vargas (UFMG) e Roberto L. M. Monte-Mór (UFMG).
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Programa de Aquisição de Alimentos (Cavalli – UFSC- et. al.).
REFERÊNCIAS
ARRETCHE, Marta. Dossiê agenda de pesquisa em políticas públicas. Revista Brasileira
de Ciências Sociais, São Paulo, v. 18, n. 51, p. 7-9, fev. 2003.
TREVISAN, AP; VAN BELLEN, HM. Avaliação de políticas públicas: uma revisão teórica
de um campo em construção. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro 42 (3):
529-50 maio/jun. 2008.
67
Mariomar Almeida1
Renata Gracioso Borges2
Marcelo Gonçalves valle3
Roberto Camargos Antunes
Josiane B. Santos4
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
EDITAL nº 36/2010: O DESAFIO
1
BACHAREL EM SECRETARIADo PELA uFPE, MESTRE EM ExTENSão RuRAL E DESENvoLvIMENTo LoCAL PELA
uFRPE. ASSISTENTE EM C&T DA FuNDAJ/CNPQ - [email protected]
2
BACHAREL EM ADMINISTRAção PúBLICA, MESTRE E DouToRA EM PoLÍTICA PúBLICA DE ALIMENToS E
NuTRIção PELA uNESP. ANALISTA EM C&T Do CNPQ - [email protected]
3
BACHAREL EM CIÊNCIAS SoCIAIS, MESTRE E DouToR EM ECoNoMIA DA TECNoLoGIA PELA uNICAMP.
ANALISTA EM C&T Do CNPQ - [email protected]
4
BACHAREL EM ADMINISTRAção HoSPITALAR PELA uNEB. SECRETÁRIA DA CoAGR/CNPQ.
INTRODUÇÃO
O objetivo desse artigo é apresentar os desafios da construção e acompanhamento do Edital nº 36/2010 – seleção pública de propostas de estudos e avaliação das
ações do desenvolvimento social e combate à fome, desenvolvido pelo Ministério
de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) por meio da Secretaria de
Avaliação e Gestão da Informação (SAGI), em parceria com o Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O CNPq, criado em 1951, constitui-se em uma agência de fomento de pesquisa
científica e tecnológica e à formação de recursos humanos para a pesquisa no
país, sendo órgão vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. O
mesmo possui em sua história uma parceria com órgãos nacionais e internacionais, gerindo os recursos para fomento de pesquisa diretamente ligada ao desenvolvimento científico e tecnológico do país (BRASIL a).
A parceria do CNPq com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, antigo Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar (MESA), teve início
em 2003, com a publicação do Edital nº 01/2003, o qual teve como proposta a
seleção pública para apoio a Projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação
em Segurança Alimentar no Agronegócio (BRASIL b).
O MESA, criado em 2003, foi responsável pela implementação da Estratégia Fome
Zero, política impulsionada pelo governo federal para assegurar o direito humano
à alimentação adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Tal
estratégia inseriu-se na promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional buscando a inclusão social da população mais vulnerável à fome (BRASIL c).
Em 2004, o MESA foi incorporado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que tem como missão “promover a inclusão social, a segurança
alimentar, a assistência integral e uma renda mínima de cidadania às famílias que
vivem em situação de pobreza” (BRASIL d).
Em 2007, o MCTI e o CNPq, em parceria com a Secretaria da Agricultura Familiar do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA) e a Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (SESAN/MDS) lançaram o Edital nº 36/2007, o qual teve como foco o
desenvolvimento de tecnologias voltadas para a agricultura familiar.
Em 2008, dando continuidade à parceria CNPq e MDS, foi lançado o Edital nº 38/2008,
o qual teve por objetivo apoiar atividades de extensão, mediante a seleção de propostas para projetos multidisciplinares que desenvolvam diagnósticos e planejamentos
territoriais por meio de ações de extensão universitária, visando à promoção de segurança alimentar e desenvolvimento local em territórios prioritários no âmbito do
CONSAD – Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local.
Atinente aos recursos financeiros, esse Edital teve um montante de R$ 3.000.000,00,
sendo 35% para as rubricas Capital e Custeio, além de 65% para a rubrica Bolsa
que, após o julgamento por um Comitê ad hoc composto por especialistas, recomendou a contratação de um total de doze projetos.
69
A proposta para o lançamento do Edital nº 36/2010 ocorreu no dia 29/02/2010,
quinhentos mil) apenas para as rubricas Custeio e Bolsa. O CNPq viu como um
desafio, pois além do recurso ser baixo, só atendia às rubricas citadas, estando o
Edital desprovido de recursos para capital.
A construção desse artigo busca elencar os resultados alcançados, além de pontuar os aspectos positivos e negativos no desenvolvimento do projeto.
Busca ainda realizar uma análise da parceria realizada entre CNPq e MDS, tendo
como instrumento um edital de seleção pública, numa perspectiva de identificar
os fatores relevantes e possibilidades de futuras parcerias.
EDITAL Nº 36/2010
O Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq nº 36/2010 foi lançado em 23/09/2011, conforme
Diário Oficial da União. Teve como objetivo apoiar estudos com a finalidade de trazer elementos de avaliação que pudessem auxiliar na condução ou indicar ajustes
aos programas sociais conduzidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, de acordo com cinco linhas temáticas (BRASIL e):
1. Assistência Social
2. Segurança Alimentar e Nutricional
3. Bolsa Família – Estratégias para alívio e superação da pobreza
5. Integração
Com relação aos objetivos específicos, o propósito do edital foi conhecer e fo-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
com um montante de recursos no valor total de R$ 1.500.000,00 (um milhão e
mentar a produção acadêmica a respeito das iniciativas recentes de proteção e
desenvolvimento social e combate à fome que pudessem oferecer recomendações para melhorar ações, procedimentos ou técnicas; identificar as tecnologias
sociais relacionadas ao desenvolvimento das políticas de transferência de renda,
segurança alimentar e nutricional e assistência social produzidos pelas academias
brasileiras.
Os projetos deveriam priorizar estudos e avaliações ligados à proteção e ao desenvolvimento social no âmbito de programas, ações, serviços do MDS, que se
enquadrassem nos temas e nas linhas de ações temáticas apresentadas.
O recurso global do edital foi de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), oriundos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),
Programa de trabalho: 08.121.1006.4923.0001 - Gestão da Política de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ação orçamentária 4923 - Avaliação da política
de desenvolvimento social e combate à fome.
Os projetos teriam o valor máximo de financiamento de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), sendo financiáveis itens de bolsa e custeio, sendo que não poderia
ser gasto mais de 20% do valor total solicitado em custeio. As propostas que não
atendessem a este critério seriam desclassificadas.
Os projetos desse edital tiveram vigência de doze meses, sem prorrogação, com
bolsas aprovadas para um período máximo de seis meses.
O julgamento do edital ocorreu no período de 30/11 a 02/12/2010, com cinco
especialistas nos temas abordados para julgar as 75 propostas apresentadas.
Consoante à habilitação para participação na pesquisa, exigiu-se que o proponente do projeto tivesse título de mestre e/ou de doutor e vínculo celetista ou estatutário com a instituição de execução do projeto. Ademais foi permitida a participação de pesquisadores aposentados, desde que os mesmos comprovassem manter
atividades acadêmico-científicas e encaminhassem declaração da instituição de
pesquisa ou de pesquisa e ensino concordando com a execução do projeto.
A contrapartida do proponente foi o envio do Relatório Final e a Prestação de Contas ao CNPq e um artigo sobre a pesquisa ao MDS, com detalhamento de todas as
atividades desenvolvidas durante a execução do projeto e o registro de todas as
ocorrências que afetaram o seu desenvolvimento.
CONSTRUÇÃO DO EDITAL Nº 36/2010
A primeira reunião para discussão sobre a construção do citado edital ocorreu no
dia 29/02/2010, idealizando quem seriam seus proponentes, bolsistas e prazo
para desenvolvimento do projeto. Para melhor desempenho, os gestores deveriam
ler sobre o Programa Bolsa Família e Territórios da Cidadania.
O prazo do projeto foi bastante discutido, pois só haveria doze meses para ser desenvolvido sem prorrogação. O proponente teria no mínimo a titulação de Mestre,
não sendo vedada bolsa para pós-graduando que estivesse trabalhando com os
temas abordados no Edital.
Ainda nessa reunião, os gestores do MDS/SAGI ficaram responsáveis pelo envio do
escopo do Plano de Trabalho, do Termo de Referência e do Termo de Cooperação.
1. ITENS IMPORTANTES PARA CONSTRUÇÃO DO EDITAL
O primeiro passo foi construir o Termo de Referência para determinar os termos das
ações e embasar os seus objetivos e recursos. O segundo passo foi construir o Plano
de Trabalho para estabelecer objetivos e diretrizes para execução das ações e atividades pretendidas. O terceiro momento foi a assinatura do Termo de Cooperação, que é
uma determinação jurídica que se concretiza entre as instituições parceiras, conforme
Portaria Interministerial MPOG/MF/CGU nº 127, de 29 de maio de 2008 (BRASIL f).
Com esses elementos em mãos, iniciou-se a construção de uma minuta do Edital,
que junto com uma Nota Técnica e uma Resolução Normativa, informavam o gestor
e o substituto do Edital. Tais documentos foram encaminhados à Instância Deliberativa do CNPq, a DEX, que é composta pelo presidente e dois diretores.
Após a deliberação, a minuta do Edital e do Termo de Cooperação foram encaminhados à Procuradoria Jurídica para analise e diligência necessária para publicação do Edital.
71
O parecer jurídico questionou o tipo de edital proposto, não considerando que
disso, questionou o fato da exigência de titulação ser de mestre e não no mínimo
de doutor, como é de praxe.
Nesses casos, os gestores justificaram que com a nova demanda social solicitada
ao CNPq, outro tipo de necessidade emergia e diante disso, outros tipos de propostas devem ser abarcadas, tal como o ocorrido em outros editais, entre eles:
•
CT-Agro/CT-Hidro/MCT/CNPq nº 018/2005 - Seleção Pública de Propostas
para Apoio a Projetos de Tecnologias Sociais para Inclusão Social dos Catadores de Materiais Recicláveis
•
CT-AGRO/CT-HIDRO/MCT/CNPq - nº 019/2005 - Seleção Pública de Propostas para Apoio a Projetos de Extensão e Disponibilização de Tecnologias para Inclusão Social
•
MCT/CNPq/MDA/CT-Agro - nº 020/2005 - Seleção Pública de Propostas
para Apoio a Projetos de Geração e Disponibilização de Tecnologias de
Base Ecológica Apropriadas à Agricultura Familiar
•
Edital MCT/CNPq/CT-Agronegócio/ MDA – Nº 23/2008 – Programa Intervivência Universitária
•
MCT/MDS/CNPq Nº 038/2008 - Edital Josué de Castro: Promoção de Segurança Alimentar e Nutricional em Territórios CONSAD – Etapa 1 mobilização
e planejamento
•
MCT/CNPq Nº 029/2009 - Seleção Pública de Propostas de Pesquisa, Desenvolvimento Científico e Extensão Tecnológica para Inclusão Social.
Dessa forma, ratificou-se a conveniência da Instituição em celebrar o Edital nº
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
esse atendia a missão da instituição de pesquisa em Ciência e Tecnologia. Além
36/2010 com o MDS, que teve por objetivo apoiar estudos com a finalidade de
trazer elementos de avaliação que possam auxiliar na condução ou indicar ajustes
aos programas sociais conduzidos pelo Ministério de Desenvolvimento Social e
Combate à Fome. Também, justificou que a titulação mínima exigida de mestre não
impedia a participação de doutores.
Após análise por parte das consultoria/procuradoria jurídicas das duas instituições sobre os Planos de Trabalho, Termo de Cooperação e o Edital final os mesmos
foram encaminhados para assinatura os dois primeiros foram assinados no dia
15/09/2010 e o Edital foi publicado no dia 23/09/2010, o qual ficou aberto 45
dias para receber propostas das academias.
2. JULGAMENTO E RESULTADO
A seleção de membros para julgar esse Edital apresentou certas dificuldades, visto
que o período previsto para julgamento, de 30/11 a 03/12/2010, era concomitante com o fechamento da avaliação das disciplinas universitárias e seleção de
candidatos para mestrado e doutorado.
No dia 09/11/2010, um dia após a data limite para submissão das propostas, foi realizado um levantamento da demanda e foram detectadas 75 (setenta e cinco) propostas.
os gráfico 1 e 2 mostram as propostas por região geográfica, por Estado e por
tema.
GRáFICO 1: PERCENTUAL DE PROPOSTAS APRESENTADAS POR
REGIÃO GEOGRáFICA.
Fonte: Elaboração dos autores.
GRáFICO 2: PERCENTUAL DE PROPOSTAS APRESENTADAS POR
estado.
Fonte: Elaboração dos autores.
As regiões que mais apresentaram propostas foram o Nordeste e Sudeste, com
32% e 39% das propostas respectivamente. Com relação aos Estados, Minas Gerais aparece, conforme Figura 2, com maior número de propostas.
A tabela 1 apresenta a distribuição temática da demanda apresentada no edital,
segundo a região do proponente.
73
Temas
Co
NE
N
SE S
Total
TEMA 1: Assistência Social
-
1
1
2
6
TEMA 2: Segurança Alimentar e Nutricional
-
7
-
4
TEMA 3: Bolsa Família – Estratégias para alívio e superação da pobreza
1
6
-
7
4
18
TEMA 4: Inclusão Produtiva
2
1
3
1
7
TEMA 5: Integração
-
10
4
13
6
33
Total Global
3
24
6
29 13 75
2
11
Fonte: Elaboração dos autores.
Dentre as propostas apresentadas, 39 (trinta e nove) projetos foram aprovados,
com 216 bolsas, nas modalidades Desenvolvimento Tecnológico e Industrial (DTI)
em todos os níveis e Iniciação Tecnológica e Industrial (ITI), nível A.
os gráficos 3 e 4 apresentam características das propostas selecionadas.
Gráfico 3: Percentual de Propostas selecionadas por região
geográfica.
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
tabela 1: distribuição das propostas por tema e região, em
números absolutos.
Fonte: Elaboração dos autores.
Gráfico 4: Percentual de Propostas selecionadas por Estado.
Fonte: Elaboração dos autores.
A tabela 2 descreve a distribuição temática segundo a região de origem dos projetos aprovados.
Tabela 2: Distribuição das propostas selecionadas por tema e região, em números
absolutos.
Temas
CO
NE
N
TEMA 1: Assistência Social
-
1
1
TEMA 2: Segurança Alimentar e Nutricional
-
3
-
TEMA 3: Bolsa Família – Estratégias para alívio e superação da pobreza
-
3
TEMA 4: Inclusão Produtiva
1
-
TEMA 5: Integração
-
Total Global
1
SE
S
Total
1
3
1
-
4
-
4
2
9
-
2
-
3
7
3
6
4
20
14
4
13
7
39
Fonte: Elaboração dos autores.
O Nordeste se destacou no tema 5, contemplando sete proponentes; o Sudeste,
por seu turno, com seis projetos. Porém, o tema 3, no Sudeste sobressaiu-se com
quatro propostas. No total, o Nordeste teve 14 propostas aprovadas.
É de praxe após a publicação do resultado no site do CNPq, que os candidatos
não-contemplados, ou contemplados, recorram à decisão no período de dez dias.
Contudo, apenas onze proponentes solicitaram revisão, sendo que um já tinha
sua proposta aprovada. O embasamento das justificativas de reconsideração não
questionavam o mérito do julgamento, e na sua maioria foram desclassificados por
ultrapassar os 20% do valor da rubrica Custeio.
3. Acompanhamento dos projetos
O MDS se propôs a acompanhar os projetos de forma didática e parceira dos pesquisadores contemplados, de maneira técnica e criativa. Os técnicos da SAGI/MDS
organizaram a I Oficina de Debates, nos dias 6 e 7 de abril de 2011, com os proponentes dos projetos. Compareceram ao evento 29 (vinte e quatro) coordenadores
dos projetos, além da presença do diretor da DABS e dos gestores do edital do CNPq.
No mesmo modelo da oficina anterior, ocorreu a IIª Oficina, nos dias 29 e 30 de
novembro de 2011, contando com a presença de 31 (trinta e um) pesquisadores.
Nessas oficinas, os mesmos tiveram a oportunidade de discutir os seus trabalhos e
trocar experiências entre si, apresentando as metodologias utilizadas e resultados
parciais dos seus projetos, além de conhecerem ferramentas do MDS como: CadÚnico, MI Social e Censo SUAS.
CONCLUSÃO
O prazo de elaboração dos editais é de no mínimo de quatro meses, em função de
diversos trâmites internos. Ademais, em editais de convênios, que dependem da
liberação das Assessorias Jurídicas dos órgãos envolvidos, podem sofrer dilação.
Editais voltados para demanda de políticas sociais, nos formatos aqui apresentados, foram frutos das políticas implementadas a partir de 2003 - Edital MCT/CNPq/
MESA/CT - Agro nº 01/2003 –Seleção Pública de Propostas para Apoio a Projetos
75
de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Segurança Alimentar no Agronegó-
expandir a produção do conhecimento básico e aplicado sobre
Segurança Alimentar no âmbito do Agronegócio, contribuindo
para a garantia do acesso ao alimento em quantidade,
qualidade e regularidade suficientes para nutrir e manter
a saúde da população, por intermédio do apoio a projetos
de pesquisa, desenvolvimento e inovação, executados por
pesquisadores ou grupos de pesquisa atuantes no tema
(BRASIL g).
A inclusão de proponentes com a titulação de mestre gerou nova oportunidade e
concorrência positiva no aperfeiçoamento dos projetos. Normalmente, o perfil do
proponente exigido nos editais é com a titulação de doutor.
A falta de adequada leitura dos editais é um dos grandes problemas para construção do projeto. Dessa forma mais de 50% das propostas apresentadas não foram
enquadradas nos termos do Edital e foram desclassificadas.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
cio, com o objetivo de:
Editas temáticos, tais como os aqui apresentados, não tem a avaliação de comitê
ad hoc, e são temas, na sua maioria, específicos, os quais necessitam da escolha
por comitê de especialistas.
Existe consenso entre os membros do comitê que em pesquisas na área social, há
necessidade de melhor fundamentação teórico-metodológica. Concordam entretanto que editais estimulam o envolvimento entre a academia e a sociedade civil,
necessitando no entanto da participação dessa desde a elaboração do projeto até
sua conclusão.
É válido destacar a necessidade de investir em editais com essa abordagem; incluir
visitas dos gestores do CNPq à área dos projetos, além de desenvolver fóruns de
discussões entre os ministérios envolvidos, os gestores dos editais e os proponentes sobre cada projeto contemplado, a exemplo feito pelo Edital nº 36/2010.
Esse formato de edital contribuiu para analisar e avaliar as políticas públicas sob
um olhar nem sempre percebido pelos gestores dos Ministérios, contribuindo assim para a melhoria e o aperfeiçoamento destes e para o desenvolvimento de
novos programas.
77
BRASIL a - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Apresentação. Em: http://www.cnpq.br/cnpq/index.htm. Acesso em: 03/03/2012.
BRASIL b-. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Relatório de Gestão Institucional 2003. Em: http://www.cnpq.br/cnpq/docs/relatorio_gestao_2003.pdf. Acesso em: 09/03/2012.
BRASIL c - Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (MESA).
Cartilha para prefeituras. Em: http://www.fomezero.gov.br/publicacoes/publicacoes/
arquivos/cartilha_prefeito.pdf. Acesso em: 09/03/2012.
BRASIL d - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Sobre o
ministerio. Em: http://www.mds.gov.br/sobreoministerio. Acesso em: 09/03/2012.
Brasil e - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq Nº 36/2010. Em: http://www.cnpq.br/editais/ct/2010/036.
htm. Acesso em: 09/03/2012.
Brasil f – Portaria Interministerial MPOG/MF/CGU nº 127, de 29 de maio de 2008. Em:
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/downloads/Portaria_Convenio.pdf.
Acesso
em: 13/03/2011.
Brasil g - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Edital MCT/CNPq/MESA/CT-Agro nº 01/2003. Em: http://www.cnpq.br/editais/ct/2003/
docs/01_ct-agro.pdf. Acesso em: 12/03/2012.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
REFERÊNCIAS
APÊNDICE – GLOSSÁRIO
Bancarização – Incentivo do governo para estimular população de baixa renda, por
meio de abertura de contas eletrônicas (COSTA, Fernando Nogueira da. Microcrédito
no Brasil. In: Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 175, abr. 2010.
Desenvolvimento Tecnológico e Industrial (DTI) – modalidade de bolsa de longa
duração utilizada pelo CNPq, com a finalidade de possibilitar o fortalecimento da
equipe responsável pelo desenvolvimento de projeto de pesquisa, desenvolvimento ou inovação, por meio da incorporação de profissional qualificado para a
execução de uma atividade específica (http://www.cnpq.br/normas/rn_10_015_
anexo1_dti.htm).
CadÚnico – O Cadastro Único para Programas Sociais é um instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda,
entendidas como aquelas com renda igual ou inferior a meio salário mínimo por
pessoa (per capita) ou renda familiar mensal de até três salários mínimos. Suas
informações podem ser utilizadas pelos governos federal, estaduais e municipais
para obter diagnóstico socioeconômico das famílias cadastradas, para desta forma,
possibilitar a análise das suas principais necessidades (http://www.mds.gov.br/
falemds/perguntas-frequentes/bolsa-familia/cadastro-unico/beneficiario/cadunico-inclusao).
Iniciação Tecnológica e Industrial (ITI) – Modalidade de bolsa de longa duração utilizada pelo CNPq, com a finalidade de estimular o interesse para a pesquisa e o
desenvolvimento tecnológico em estudantes do nível médio e superior ou de graduados em nível médio (http://www.cnpq.br/normas/rn_10_015_anexo1_iti.htm).
MI Social – A Matriz de Informação Social (MI Social) é uma ferramenta de gestão da
informação que reúne uma série de aplicativos que permitem monitorar os programas sociais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) por
meio de dados e indicadores gerenciais. Ela disponibiliza informações e indicadores
sociais específicos de estados, municípios e Distrito Federal, além de regiões especiais como o Semiárido, a Bacia do Rio São Francisco e os Territórios da Cidadania
(http://www.mds.gov.br/gestaodainformacao/gestao-da-informacao/tipos-de-ferramentas/matriz-de-informacao-social).
Rede SUAS - A Rede SUAS, responsável pela operacionalização dos sistemas de informação do SUAS, alinhada com as estratégias e objetivos do MDS, visa proporcionar as melhores condições para o atendimento das metas da Política Nacional de
Assistência Social (PNAS) (http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/censo2011/auth/index.
php?faq=1).
79
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: contribuições
REFLEXÕES acadêmicas
acadêmicas
sobre
sobre
o Desenvolvimento
o Desenvolvimento
Social
Social
e o Combate
e o Combate
à Fome
à Fome
81
TEMAS
TRANSVERSAIS
Marcelo Cardona Rocha1
Teresa Sacchet2
kátia Favilla3
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: PERSPECTIVAS
A PARTIR DO OLHAR DE GÊNERO E DA
diveRsidade sociocUltURal de povos e
comUnidades tRadicionais
1
BACHAREL EM CIÊNCIAS CoNTÁBEIS PELA uNIvERSIDADE FEDERAL Do RIo GRANDE Do SuL (uFRGS) E
SECRETÁRIo ExECuTIvo Do MINISTéRIo Do DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME (MDS).
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DouToRA EM CIÊNCIA PoLÍTICA PELA uNIvERSIDADE DE ESSEx – REINo uNIDo, ASSESSoRA DA SECRETARIA
ExECuTIvA Do MDS E PESQuISADoRA SÊNIoR Do NúCLEo DE PESQuISAS EM PoLITICAS PúBLICAS DA uNIvERSIDADE DE
São PAuLo (uSP).
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ESPECIALISTA EM GESTão AMBIENTAL PELA uNIvERSIDADE DE BRASÍLIA, ASSESSoRA DA SECRETARIA
ExECuTIvA Do MDS.
INTRODUÇÃO
Esta seção discorre sobre os efeitos das políticas do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em particular do Programa Bolsa Família
(PBF), na experiência de vida das mulheres e de povos e comunidades tradicionais. Os oito artigos que a compõem apresentam resultados de pesquisas que,
partindo de diferentes questões teóricas e enfoques metodológicos, chegam
a conclusões similares. Sem negar os desafios necessários para aprofundar os
efeitos das políticas de proteção social frente aos objetivos a que elas se propõem, há consenso sobre suas significativas contribuições para a superação da
pobreza e ampliação da cidadania de seus beneficiários.
As ações do MDS são voltadas para os grupos mais vulneráveis da população.
Políticas de assistência social, de transferência de renda, segurança alimentar e
nutricional e de inclusão produtiva urbana e rural têm como desafio criar políticas e serviços que atendam às necessidades destes segmentos, contribuindo
para maior acesso aos direitos e expansão de sua cidadania. Esta tarefa, porém,
requer compreender as desigualdades em suas especificidades. Assim, ao mesmo tempo em que o MDS desenha e implementa políticas gerais para atender os
socialmente vulneráveis, diminuir as disparidades sociais e superar a extrema
pobreza há o desafio para a construção de mecanismos específicos que possam
lidar adequadamente com as persistentes desigualdades regionais, de gênero,
raça e etnia dentre outras. Atingir este objetivo é uma tarefa complexa e implica
em fazer escolhas por opções às vezes controversas.
Nem sempre os direitos são acessados por aqueles que mais necessitam deles. Alguns grupos, dado sua condição de elevada vulnerabilidade, tornam-se
invisíveis ao Estado. A invisibilidade social pode ser consequência de inúmeros
fatores que vão desde a ausência de direitos sociais básicos, como acesso ao
registro civil de nascimento, que favorece o acesso às políticas públicas, até o
desconhecimento da existência de direitos. Os povos indígenas e os povos e
comunidades tradicionais podem ser citados como grupos que, por diversos fatores como distância dos seus territórios, dificuldades com a língua portuguesa,
preconceitos dos gestores públicos, se encontram em situação de grande vulnerabilidade e de desconhecimento de seus direitos. Alcançar esta população,
levando até ela uma rede de proteção social e serviços públicos que respondam
as suas necessidades, é um dos objetivos e ao mesmo tempo desafios do Estado
brasileiro. A eficácia das políticas do Estado vai depender de sua habilidade de
ir ao encontro desta população, de dialogar com a diversidade dos segmentos
sociais e as especificidades regionais, e de levar em conta as desigualdades de
gênero, raça e etnia, dentre outras.
A Busca Ativa é uma estratégia do Plano Brasil Sem Miséria4- BSM - cujo objetivo é
levar as políticas públicas àquelas famílias que se encontram em situação de gran-
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O Plano Brasil Sem Miséria é uma iniciativa do Governo Federal coordenada pelo MDS que
por meio de parcerias com diferentes ministérios visa estender os benefícios de transferência de renda
do Programa Bolsa Família a todos os membros da população em situação de extrema pobreza (em torno
de dezesseis milhões de pessoas), enquanto ao mesmo tempo oferece oportunidade de superação desta
condição através de inclusão produtiva urbana e rural e acesso a serviços públicos.
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de vulnerabilidade social e que possuem renda per capita de até R$ 70,00 (seainda não acessam as políticas as quais têm direito, invertendo, desta forma, a
tradicional lógica de que os cidadãos procuram o Estado para serem atendidos.
Esta estratégia possibilita ao governo: a) Incluir as famílias pobres e extremamente pobres no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
(Cadastro Único); b) permitir o acesso de famílias elegíveis aos programas de
transferência de renda, como o PBF; c) propiciar acesso a serviços de assistência social, saúde, educação, dentre outros; d) orientar para inclusão produtiva,
por meio de capacitações, mediação de contratações, acesso aos instrumentos de crédito, fomento para atividades produtivas e assistência técnica rural.
O Cadastro Único é um cadastro público que auxilia o planejamento de políticas para inclusão social e econômica de famílias com renda total de até três
salários mínimos ou com renda per capta de até meio salário mínimo. Os dados
coletados neste cadastro possibilitam um diagnóstico sócio econômico que
permite a construção de iniciativas específicas, as quais são postas em prática por meio da articulação de diferentes ministérios e secretarias de Estado,
bem como da parceria entre União, estados e municípios. Assim, por exemplo,
questões relativas aos problemas de povos e comunidades tradicionais - como
comunidades quilombolas, povos e comunidades de terreiro, ribeirinhos e extrativistas - podem ser vistas em suas especificidades e atendidas por políticas
mais adequadas.
Este cadastro permite mapear os diferentes problemas e vulnerabilidades sociais, favorecendo, além de uma gestão mais eficiente de recursos, o desenho
de políticas efetivas para atender necessidades específicas. A partir da identificação do público mais vulnerável e de sua inserção no Cadastro Único são
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
tenta reais). Ela consiste na identificação e inserção pelo Estado de cidadãos que
planejadas ações tendo em vista considerar as diferenças e diminuir as desigualdades sociais.
O PROTAGONISMO DAS MULHERES NO DESENHO DE
POLÍTICAS SOCIAIS
Uma questão polêmica no debate sobre políticas de transferência de renda
condicionadas refere-se ao seu foco nas mulheres e as implicações disso para
as relações de gênero e autonomia feminina. Nos países que implementam
programas desta natureza há uma orientação para que o benefício seja pago
às mulheres. No Brasil, o PBF atende 13,8 milhões de famílias que vivem em
situação de pobreza e extrema pobreza, por intermédio da transferência direta
de renda que é acessada por meio de um cartão magnético. De acordo com
dados recentes da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc), 93%
da titularidade destes cartões está com as mulheres.
Pesquisas revelam que as mulheres tendem a gastar os recursos do benefício
em provisões e serviços que favorecem toda a família (FIALHO, 2007; MARIANO e CARLOTO, 2009). Esta informação é corroborada por artigos desta seção,
como o de Albuquerque et al, que destacam que os recursos do PBF são predominantemente utilizados na compra de alimentos, no pagamento de contas
de serviços como água, luz e gás, na compra de material escolar, em transporte
e em remédios. São as mulheres também que, como destacado no artigo de
Favero e Santos nesta seção, se responsabilizam por assuntos relacionados a
atividades escolares das crianças e seu cuidado médico. Assim, parece racional
a decisão de repassar o recurso para quem melhor faz uso dele.
Estudos sobre esta política no Brasil e no mundo consideram as possibilidades,
os limites e os desafios de ter as mulheres como principais beneficiárias destes programas. Se por um lado a transferência do benefício para as mulheres
é considerada um fator positivo, na medida em que contribui para a sua autonomia econômica, fortalecendo a ingerência e poder de influência delas sobre
as decisões familiares, aumentando sua autoestima e status comunitário, por
outro, ela é vista como um meio de reforço de uma identidade feminina ligada
ao cuidado e a maternidade, que reproduz um modelo de relação de gênero
fundado na desigualdade.
Uma das principais críticas é que o foco nas mulheres tem por base uma visão
naturalizada e tradicional do papel social das mulheres, relacionado à sua condição de mãe, mas que as condições necessárias para o seu desenvolvimento
humano e empoderamento pessoal, econômico e político tendem a ser secundarizadas (MOLYNEUX, 2009; JENSON, 2009). Este debate é central em estudos
sobre estes programas a partir de uma perspectiva de gênero, e está presente
na maioria dos artigos desta seção que tratam do tópico, tendo sido evidenciado no de Celso Antonio Favero e Stella Rodrigues dos Santos.
Apesar da constatação sobre a possibilidade de naturalização dos papéis de
gênero, a maioria dos autores que utilizam uma perspectiva de gênero para
analisar o PBF não se opõem ao fato de que o benefício seja pago às mulheres,
já que, como demonstrado nas pesquisas, isso não apenas têm uma função
instrumental, senão que também favorece as mulheres. Entretanto, eles argumentam que o valor pago é insuficiente para promover a autonomia econômica
delas e não permite mudanças significantes na sua condição de vida, sendo necessário para isso o planejamento de ações complementares especificamente
voltadas para e ampliação de sua autonomia e empoderamento.
As mulheres têm, sem dúvida, contribuído com as políticas de desenvolvimento e inclusão social por intermédio do uso efetivo que fazem dos recursos repassados pelo PBF e da observação das suas condicionalidades, porém, deve
ser destacado que ações voltadas para a sua autonomia pessoal e econômica
não têm ficado fora do planejamento das políticas do governo federal e em
particular do MDS. No BSM, por exemplo, há um número de iniciativas neste
sentido. Programas de inclusão produtiva urbana e rural têm contribuído para
a capacitação técnica e profissional e para a entrada no mercado de trabalho
dos beneficiários do PBF. Iniciativas como o Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e o Programa Mulheres Mil auxiliam na
formação profissional e intermediação para o trabalho destes beneficiários. O
primeiro - que segundo dados do SPP/Sistec de abril de 2013 já capacitou mais
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de 405 mil trabalhadores e tem média mensal de adesão de 23,4 mil alunos
mente na capacitação profissional delas.
Para as mulheres pobres um grande desafio é como conciliar trabalho remunerado e participação social e política, com responsabilidades familiares, como
destacam artigos nesta seção como os de Maria do Rosário de Fátima Andrade
Leitão e Pedro Henrique Dias Inácio. A população de baixa renda tende a ter
acesso limitado a serviços públicos de cuidado para crianças de zero a cinco
anos.
No que diz respeito à política de creches foi recentemente criada pelo governo
federal a Ação Brasil Carinhoso, que além de aumentar os benefícios das famílias que recebem o PBF, cria incentivo para a ampliação do número de vagas em
creches, por intermédio de um aumento no repasse de recursos. O programa
aumenta em 50% o valor do repasse do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb) para creches públicas e conveniadas com as secretarias municipais
de Educação (creches confessionais, filantrópicas e comunitárias), por vaga ampliada para filhos de beneficiários do PBF em idade até 48 meses. Em 2012,
mais de 381 mil crianças com este perfil foram atendidas em 22,8mil creches.
Sobre as escolas em tempo integral, o Programa Mais Educação impulsionou
um aumento expressivo nesta modalidade de educação desde 2008. Segundo
dados do MEC enquanto em 2008 havia apenas 1.374 de escolas em tempo
integral, em 2013 elas somam 47.000 unidades. Além do aumento no número
de escolas, o cruzamento dos dados do Cadastro Único e do Ministério da Educação (MEC) a partir de 2011 permitiu uma focalização desta política, conduzindo a expansão de escolas em tempo integral em áreas com maior incidência
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
– tem 66% de suas vagas ocupadas por mulheres, e o segundo foca exclusiva-
de beneficiários do PBF. Em 2008 este público representava apenas 28% dos
beneficiários desta política em 2013, porém, eles somam 55%.
A expansão no número de creches e escolas em tempo integral além de contribuir para a educação das crianças promove a autonomia das mulheres, na
medida em que cria incentivos para que as usuárias destes serviços se capacitem profissionalmente e entrem ou ampliem sua participação no mercado de
trabalho. Ou seja, nos últimos anos o governo tem intensificado a implementação de políticas que potencializam um aumento do nível de participação social,
econômica e política das mulheres.
Outra questão importante, diz respeito à capacitação dos servidores da rede
socioassistencial. Os papéis tradicionais de gênero e as relações de poder entre homens e mulheres tendem a ser reafirmadas e reproduzidas no contato
da população com os serviços públicos, na medida em que há uma propensão
para que os servidores tenham visões de gênero compatíveis com os valores
de sua sociedade. O MDS, a partir de um planejamento conjunto com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, passou a incluir tópicos de gênero na capacitação dos profissionais da rede Suas. Os cursos introdutórios e de atualização
dos profissionais da redesocioassistencial agora incluem uma perspectiva de
gênero e módulos específicos, tendo em vista instruí-los em conceitos, prá-
ticas e serviços relacionados ao tópico. Esta medida visa desconstruir visões
tradicionais sobre gênero e orientar políticas e iniciativas específicas voltadas
para as mulheres como aquelas relacionadas à violência de gênero. Neste sentido, ela pode ser de grande relevância para aumentar a autonomia pessoal das
mulheres, particularmente dado que são elas que constituem o maior púbico
atendido por profissionais da rede socioassistencial.
No que diz respeito às políticas de inclusão produtiva rural existem iniciativas
específicas voltadas para o fortalecimento das mulheres e suas organizações.
Alguns exemplos são: a) No Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) está
previsto reserva de recursos para organizações constituídas por mulheres e
percentuais mínimos de participação de mulheres nas suas diferentes modalidades (40% na modalidade compra e doação simultânea e 30% na modalidade formação de estoques e incentivo a produção e ao consumo de leite);
b) As políticas de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) têm focado nas
necessidades específicas das mulheres, bem como aumentado o número de
extensionistas do sexo feminino. Estas iniciativas visam à construção da autonomia das mulheres no campo que em sua maioria, embora contribuam de forma significativa para a produção da família, têm acesso limitado aos recursos
provenientes da mesma.
Além das ações citadas acima o MDS tem buscado adotar um recorte transversal de gênero em suas políticas públicas. Desde março de 2012, um Comitê de
Políticas para as Mulheres e de Gênero, coordenado pela Secretaria Executiva
do MDS, se reúne regularmente para discutir as políticas deste ministério a
partir de uma perspectiva que inclui as necessidades específicas das mulheres
e questões de gênero e para propor iniciativas no intuito de promover a cidadania das mulheres e a igualdade de gênero. Este comitê contribui também
para melhor articular políticas centrais e da Secretaria de Políticas para as Mulheres às políticas do MDS.
DIVERSIDADE SOCIOCULTURAL DE POVOS E
COMUNIDADES TRADICIONAIS: ACESSO E INSERÇÃO
DIFERENCIADA EM POLÍTICAS PÚBLICAS
Diversas pesquisas foram realizadas, dissertações e teses escritas sobre povos
indígenas e povos e comunidades tradicionais, entretanto, ainda há necessidade de aprofundamento de estudos de efeitos produzidos por políticas públicas, sejam universais ou específicas, implementadas junto a estes segmentos. Na presente seção deste livro, a parceria governo federal e universidades
produziu estudos neste sentido, avaliando políticas sociais junto aos povos
indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos da Amazônia, quebradeiras
de coco babaçu, pescadoras artesanais.
Os estudos aqui apresentados trazem conclusões diversas e inferências sobre a atuação governamental junto a estes segmentos, comum a eles, porém, é a interpretação sobre a relevância do acesso às políticas públicas, ainda que estas necessitem
de adequações às diversidades socioculturais de povos e comunidades tradicionais.
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Na pesquisa sobre segurança alimentar e nutricional em comunidades quilomUniversidade Federal deste estado, os resultados apontam, por exemplo, para
a necessidade de ampliação do acesso a programas de incentivo à produção
local de alimentos e do acesso a informações sobre educação alimentar. Além
de apresentar quadro de acesso a políticas públicas pelas comunidades estudadas e demonstrar que, no momento da realização da coleta dos dados, havia
vulnerabilidades sociais mesmo dentre as famílias que acessavam programas e
políticas, como a Ação de Distribuição de Alimentos e o PBF.
Com relação às questões referentes ao PBF e à permanência das famílias em
situação de extrema pobreza, com a Ação Brasil Carinhoso e o Benefício para
a Superação da Extrema Pobreza todas as famílias que estão beneficiárias do
PBF recebem, quando necessário, complemento na transferência de renda garantindo pelo menos R$ 70,00 (setenta reais) per capita. Com estas duas ações
todas as famílias incluídas no PBF, pelo critério da renda, não mais estão em
situação de extrema pobreza, sendo necessárias outras ações para melhoria do
acesso às políticas públicas e inclusão produtiva.
Ainda no âmbito do BSM tem sido implementadas ações específicas, dentro
do escopo de atendimento universal às famílias em situação de extrema pobreza, voltadas aos povos e comunidades tradicionais, como a construção de
chamadas públicas para a realização de serviços de assistência técnica e extensão rural direcionadas ao atendimento destes segmentos, respeitando suas
especificidades. Estas chamadas tem a particularidade de buscar construir não
somente com as famílias beneficiárias, mas também com as comunidades a
que elas pertencem, projetos que potencializem a sua vocação produtiva. Para
viabilizar os projetos, as famílias beneficiárias além de receberem a assistência
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
bolas do Estado do Rio Grande do Sul, realizada por equipe de pesquisa da
técnica recebem transferência de renda não reembolsável no valor máximo de
R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais) e o acesso a insumos para a produção, como sementes.
Ações como esta do BSM buscam em um primeiro momento garantir um aumento da segurança alimentar e nutricional destas famílias, provendo insumos
e assessoria técnica para iniciar ou potencializar a produção de alimentos, primordialmente. Em um segundo momento, a ação visa à inclusão destas famílias como fornecedores de alimentos ou produtos, que poderão ser adquiridos
tanto em mercados locais como por meio de compras públicas, como é o caso
do PAA. Este programa tem potencializado ações de inclusão de povos e comunidades tradicionais como fornecedores de produtos da agricultura familiar e
não somente como consumidores das cestas de alimentos fornecidas por meio
de parcerias entre o MDS, a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB),
Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (SEPPIR) e a Fundação Cultural Palmares (FCP).
Conforme demonstrado no artigo de Fernanda Souza de Bairros e Marilda Borges Neutzling, o governo federal ainda tem desafios a serem enfrentados tanto
no aperfeiçoamento de políticas públicas, como na construção de especificidades que atendam à sociodiversidade de povos indígenas e povos e comunida-
des tradicionais e no direcionamento de ações para inclusão destes segmentos
em políticas e programas. Os dados levantados no artigo poderão ser mais bem
avaliados em conjunto com os dados da pesquisa realizada em 2011/12 pelo
MDS - Avaliação da Situação de Segurança Alimentar e Nutricional em Comunidades Quilombolas Tituladas - a ser brevemente lançada.
No artigo elaborado pela equipe de pesquisa do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), com as quebradeiras de coco babaçu
da região dos cocais no Estado do Maranhão, há, assim como na pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Maringá, constatação pelas quebradeiras
de coco beneficiárias do PBF de que houve melhoria na qualidade de vida e no
acesso a bens e serviços. Relatam que antes do beneficio - não precisando este
tempo, podendo estar relacionado a situações vivenciadas por suas mães que
também quebravam coco - passavam muita necessidade, incluindo episódios
de fome pela ausência completa de alimentos.
Entre as quebradeiras é ainda mencionado como positivo a constância mensal
do recebimento do benefício, garantia de que não haverá “sustos” de ficarem
sem esta fonte de renda, desde que cumpridas as condicionalidades. Esta constância de recursos permitiu que estas fizessem mudanças na rotina de trabalho, podendo ficar ao menos um dia por semana sem realizar a quebra do coco.
Destacam, entretanto, que o benefício tem o caráter de “ajuda”, não sendo dependentes deste, pois já realizavam seu trabalho e não deixaram de trabalhar
por estarem recebendo o benefício. Desta forma, há uma manutenção de sua
tradicionalidade ligada ao trabalho de quebra do coco e a relação com o acesso
e uso de recursos naturais, não sendo, portanto, o beneficio encarado como fator
desestruturador ou desagregador da sua organização cultural e socioeconômica.
O artigo fruto da pesquisa realizada por equipe da Universidade Estadual de
Maringá (UEM) junto aos povos indígenas do Estado do Paraná das etnias Kaingang e Guarani apresenta dados sobre os efeitos do PBF entre os indígenas,
especialmente no tocante à condicionalidade de educação integrante do Programa. O PBF é um programa de transferência condicionada de renda, possuindo duas condicionalidades a serem observadas pelas famílias beneficiárias. Há
condicionalidade de saúde, que se relaciona ao acompanhamento de saúde
realizado por crianças até sete anos de idade (acompanhamento vacinal, de
crescimento e desenvolvimento) e de gestantes e nutrizes (acompanhamento
pré-natal e das nutrizes).
No que concerne à educação, a condicionalidade é voltada ao acompanhamento da frequência escolar de crianças, adolescentes e jovens com idade entre
seis e dezessete anos. Para as crianças e adolescentes entre seis e 15 anos,
há obrigatoriedade de pelo menos 85% de frequência escolar e para jovens
de 16 e 17 anos de frequência de 75%. O cumprimento das condicionalidades tem aferição periódica pelo Estado, assegurando, assim, a permanência
das crianças nas escolas e o seu acompanhamento médico, condições estas
centrais para o desenvolvimento social. O cumprimento das condicionalidades
permite ainda criar incentivos por intermédio da demanda por serviços para a
ampliação e melhoria no provimento das políticas públicas.
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A pesquisa desenvolvida entre os indígenas Kaingang e Guarani do Estado do Paficiárias, apresentando percentuais de cumprimento da condicionalidade de educação entre 63 e 77% das famílias beneficiárias, sendo possível verificar, ainda, a
diminuição da ausência escolar das crianças indígenas que antes acompanhavam
os pais em atividades de coleta, confecção e venda de produtos artesanais.
Em pesquisa sobre os impactos do PBF, realizada em 2009, pelo Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares5 e pela Datamétrica, constatou-se que frequência escolar entre crianças de famílias beneficiárias do PBF é 4,4%
pontos percentuais maior em comparação com crianças que não são de famílias
beneficiárias. Destacando ainda que a progressão de ano é 6% maior entre as
crianças do Programa (SAGI/MDS, 2010).
Os dados sobre as pesquisas, tanto a de impacto do PBF quanto a realizada pela
UEM, demonstram que o Programa tem conseguido atingir um de seus objetivos
que é o de aumentar o nível de escolaridade das crianças das famílias beneficiárias, provendo, desta forma, meios para quebra no ciclo intergeracional de pobreza.
A pesquisa realizada pela UEM constata que apesar das famílias beneficiárias do
PBF ainda se encontrarem em situação de vulnerabilidade social há um aumento
da possibilidade de aquisição de gêneros de primeira necessidade (como alimentos
e remédios), antes não acessados pela baixa renda das famílias ou até mesmo pela
inexistência de renda. Constata, ainda, que apesar de lentamente, há uma melhoria
do acesso destas populações a bens e políticas públicas, como saúde e educação.
Atualmente o MDS está em fase de contratação de estudo de caráter etnográfico
que realizará uma avaliação dos efeitos do Programa Bolsa Família especificamente entre os povos indígenas. A pesquisa será realizada em sete Terras Indígenas e
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
raná apresenta um aumento da frequência escolar das crianças de famílias bene-
busca concentrar informações sobre o acesso ao PBF, formas de saque, utilização
dos recursos, além de buscar informações sobre a organização socioeconomica
das comunidades, atividades produtivas, acesso a políticas públicas, segurança
alimentar e nutricional.
Os estudos serão realizados em Terras Indígenas pertencentes a Distritos Sanitários Indígenas (DSEI), que estão também sendo avaliados em pesquisa sobre o
acompanhamento da condicionalidade de saúde entre os povos indígenas. O MDS
tem buscado, desta forma, concentrar informações sobre o acesso e adequação de
suas políticas públicas aos povos indígenas e às suas especificidades. Esta ação
soma-se aos esforços aqui representados nos artigos constantes desta seção resultados de pesquisas sobre efeitos de políticas públicas, neste caso o PBF, sobre
mulheres e sobre segmentos diversos.
5
International Food Policy Research Institute (IFPRI)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fazendo uma análise das políticas do MDS no enfoque desta seção podemos concluir que, embora existam ainda desafios para a superação da pobreza e construção da cidadania social dos grupos aqui considerados, houve avanços significativos que nos permitem afirmar que estamos no rumo certo. Nos próximos
parágrafos, citamos alguns.
Um dos mais significativos impactos do PBF foi a retirada de 22 milhões de pessoas
da extrema pobreza, representando uma conquista sem precedentes em um país
historicamente marcado pela extrema desigualdade de renda e exclusão social.
O PBF propiciou aos beneficiários uma ampliação do seu acesso a alimentos que
antes não eram consumidos, contribuindo para a segurança alimentar e nutricional
destes, bem como a compra de insumos como material escolar, remédios, etc., que
beneficiaram as crianças e a família como um todo, conforme grande parte dos
depoimentos apresentados nos estudos desta seção.
Possibilitou também a documentação de pessoas da cidade e do campo fundamental para o exercício da cidadania e acesso a vários direitos.
No que concerne à perspectiva de gênero, embora os artigos desta seção apontem
para desafios importantes no sentido de empoderamento das mulheres, eles reconhecem a contribuição do benefício em várias áreas. As mulheres se beneficiaram da transferência de renda tornando-se menos dependentes de seus maridos/
companheiros, melhorando sua autoestima e poder de ingerência sobre as decisões familiares. Com o acesso a renda houve também um aumento no status social
delas. As beneficiárias alegam que os comerciantes locais passaram a focar nelas
como consumidoras, ofertando-as crédito para compras a prazo.
Estes são destaques apenas de um número de impactos positivos citados nos textos. A expectativa é que estes resultados somados a outros derivados de políticas
de inclusão produtiva urbana e rural e da iniciativa recente de ampliação da rede
de serviços públicos para a área de cuidado com as crianças irão fomentar uma
maior autonomia feminina.
Na perspectiva dos povos e comunidades tradicionais há nos estudos também
a constatação de que o PBF favoreceu o acesso a gêneros alimentícios, sem que
houvesse rompimento das atividades econômicas executadas por estes grupos.
Os artigos também permitem concluir que em consequência do cumprimento das
condicionalidades, houve melhora significante na frequência escolar de filhos dos
beneficiárias do PBF, e no seu acompanhamento médico, o que constitui-se em
fator essencial para o desenvolvimento social das gerações futuras.
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As condicionalidades do PBF conduziram também a um aumento no acesso a pomanda por estes serviços.
Em termos de desafios, ainda são muitas as iniciativas políticas necessárias para
o desenvolvimento pleno da cidadania dos beneficiários das políticas do MDS.
Dentre estas foram destacadas nos artigos a necessidade de aprofundamento de
estratégias de igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, e a ampliação de equipamentos sociais.
Sobre a proposta de ampliação do número de vagas em creches, vale destacar,
porém, que a iniciativa do governo federal de ampliação do número de creches
públicas no país, bem como de ampliação de vagas naquelas já existentes, deve
em um curto período de tempo criar impactos positivos neste sentido.
É também destacado a importância de os beneficiários do PBF conhecer mais a
fundo o próprio Programa, reconhecendo-o como um direito de cidadania, podendo em contrapartida contribuir com seu aporte para o planejamento de ações do
programa.
Por fim, um desafio permanente posto é a necessidade de monitoramento e avaliação das políticas do governo. Assim, a realização de outras pesquisas sobre os
efeitos de políticas sociais do MDS para as mulheres e entre povos indígenas e povos e comunidades tradicionais podem contribuir para aprofundar os resultados
dos estudos aqui apresentados, bem como elucidar novas questões, importantes
para a análise das políticas correntes e planejamento das ações futuras.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
líticas públicas como de saúde e educação, na medida em que geraram maior de-
BIBLIOGRAFIA
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MDS Policies and Programs – Results. V. 2. Brasília: MDS, 2007.
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Tatiana Afonso - universidade Federal do Pará (uFPA)
Maria Elizabeth Costa Araújo - universidade Federal do Pará (uFPA)
Daniela Castro dos Reis - universidade Federal do Pará (uFPA)
Simone Souza da Costa Silva - universidade Federal do Pará (uFPA)
Fernando Augusto Ramos Pontes - universidade Federal do Pará (uFPA)
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE
DOS ASPECTOS SOCIODEMOGRÁFICOS E
das Rotinas de cRianças nos conteXtos
URBANO E RIBEIRINHO AMAZÔNICO
INTRODUÇÃO
Os estudos sobre rotinas permitem identificar o modo como crianças e jovens de
diferentes contextos utilizam seu tempo avaliando tanto as atividades quanto os
ambientes e as companhias. A análise do uso do tempo mostra-se capaz de revelar
carências, dificuldades, assim como oportunidades de desenvolvimento e socialização (HUSTON; WRIGHT; MARQUIS; GREEN,1999; LARSON; VERMA, 1999).
Cada atividade realizada em momentos específicos de tempo apresenta padrões
caracteristicamente distinguíveis de comportamento, em que o participante se
engaja por meio de regras, roteiro, papéis e objetivos em associação com diferentes experiências emocionais e motivacionais (SIMIONATO-TOZO; BIASOLI-ALVES,
1998). Exemplos de categorias fundamentais de atividade são: o trabalho doméstico, as tarefas escolares e o brincar (SILVA; PONTES; SANTOS; MALUSCHKE; MENDES; REIS; SILVA, 2010).
Os estudos sobre orçamento de tempo de crianças têm sido realizados principalmente em países desenvolvidos, como Estados Unidos e alguns países europeus.
No Brasil, tais análises giram em torno das diferenças entre classes sociais. Carvalho e Machado (2006) em ampla e aprofundada pesquisa, compararam o uso
do tempo de crianças das classes popular e média alta a partir de estudantes de
escola pública e particular de Porto Alegre – RS, mapeando as atividades realizadas pelas crianças quando não estão na sala de aula, traçando assim comparações
quanto ao gênero (entre meninos e meninas) e quanto aos diferentes grupos sociais (classe popular e classe média alta).
As mesmas autoras ressaltaram o gênero como sendo “um dispositivo simbólico
e categórico, criado culturalmente, transformado historicamente e sustentado socialmente, que interfere diretamente nos usos do tempo das crianças e na organização interna das famílias” (CARVALHO & MACHADO, 2006, pp.72). E sendo assim,
considera-se gênero como elemento importante nesta análise, somando-se a essa
o contexto cultural no qual a criança está inserida.
A diferença de gênero tende a ser maior na adolescência e particularmente entre as famílias pobres, já que em muitos lugares, os pais valorizam o trabalho
doméstico das meninas e preocupam-se em investir mais nos meninos (CARVALHO & MACHADO, 2006). Em estudos sobre populações ribeirinhas amazônicas
(SILVA & cols., 2010) o gênero é um fator que demarca quais são as atividades
desenvolvidas por cada membro familiar e nesse sentido, “as mulheres são responsáveis pelos cuidados domésticos e atividades executáveis dentro da casa, à
medida que o homem trabalha e realiza suas ocupações nos espaços exteriores”
(SILVA & cols., 2010, p. 348).
Associado ao gênero, tem-se o tempo destinado à escolaridade que na maioria
das informações sobre as atividades, agrega dados sobre quem está ou não está
frequentando a escola. Diversi, Filho e Morelli (1999) relataram que em comunidades pobres no Brasil, o dia escolar se resume em uma hora e meia, isso para que as
escolas possam acomodar de 4 a 5 grupos de estudantes por dia. Outro dado de
pesquisa demonstra que em muitas populações em transição, os garotos frequentam mais a escola do que as garotas (LARSON; VERMA, 1999).
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AMAZÔNICO
Diferenças sobre as rotinas de crianças entre populações (industrializadas ou não,
per capita) podem ser medidas a partir da quantidade de tempo gasto com tarefas
diárias, como as escolares. As tarefas escolares são tidas como práticas culturais
que ressaltam as relações da família com a escola (CARVALHO, 2004). Esse tipo de
atividade é mais comum, no entanto, em contextos industrializados e acentuadamente mais frequentes, no caso brasileiro, em famílias que têm filhos em colégios
particulares, onde são reconhecidas por pais e professores como ocupação adequada às crianças por se apresentar como um componente importante do processo ensino- aprendizagem (CARVALHO, 2004).
Não apenas as tarefas escolares ensinam e direcionam a aquisição de habilidades
complexas para uma criança, mas o brincar e todas as atividades associadas a essa
importante categoria se apresenta como um meio pelo qual uma criança aprende e
interage com o mundo real, assim como com o universo cultural/simbólico no qual
está inserida (REIS, 2007). A brincadeira representa um fator de grande importância
no processo de desenvolvimento e de socialização da criança, proporcionando-lhe
novas descobertas a cada momento, refletindo assim, o contexto no qual está inserida. Pesquisas apontam, no entanto, que a diminuição do espaço físico e temporal
destinado ao jogo, provocado pelo crescimento da indústria de brinquedos, pela
influência da televisão e de toda mídia eletrônica, se apresentam como elementos
indicadores de preocupações com a atividade lúdica (NETO, 1995).
Neto (1995) destaca inclusive que as alterações ocorridas na estrutura social e
econômica das sociedades, devidas ao processo de modernização e inovação tecnológica, geraram transformações nos hábitos cotidianos e na sua relação com os
fatores ecológicos. Volpato (1999) afirma que as questões de tempo e de espaço
para o jogo, a brincadeira e o uso do próprio brinquedo é um problema essencial
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
presentes em contextos ecológicos diferenciados e com maior ou menor renda
das sociedades contemporâneas ou pós-industriais, entendendo que o uso do espaço, objetos de jogo e o tempo disponível para tal devam ser reconsiderados de
acordo com as mudanças e razões de mobilidade de cada população, seja no meio
urbano, nas periferias ou nas zonas rurais.
Numa leitura ecológica, aquilo que a criança faz, os papéis desempenhados pelas
pessoas ao seu redor e as relações marcadas pelas trocas afetivas, estruturam seus
microssistemas experenciados (BRONFENBRENNER, 1996). Tais microssistemas
apontam de maneira indissociável para as características de ordem microssistêmica desses ambientes, ou seja, a composição familiar, características dos familiares, contextos que influenciam suas rotinas (escola, vizinhança, trabalho dos pais
dentre outros) e os aspectos de ordem macrossistêmica que se refere à educação,
pobreza, violência, oferta de trabalho, renda familiar e políticas públicas que visam garantir os direitos à alimentação, saúde, educação, moradia e trabalho aos
desfavorecidos economicamente.
Sobre o microssistema familiar, muito tem sido considerado pelas ciências sociais
e pela psicologia. Sabe-se que esse sistema vem sofrendo transformações importantes ao longo dos anos, no entanto, apresenta ainda uma rígida divisão sexual
dos papéis e atribuições a partir do isolamento da mulher no espaço doméstico-familiar e a socialização do trabalho dos homens. Nesse sentido, as mulheres
passam ingressar na produção social, mas continuam responsáveis pela esfera
doméstica (LAVINAS, 1996; SANCHES, 2001).
Diante das possíveis configurações familiares, ganham destaque as monoparentais femininas. Tal fenômeno cresce principalmente entre as famílias mais pobres
e está relacionado à menor capacidade de ganho das mulheres, provocada por
diversos fatores cujo principal vetor é a condição de gênero articulado à classe
e etnia (BUTTO, 1998; CARLOTO, 2005; LAVINAS, 1996). Segundo dados do Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) (1990) metade das mulheres
que trabalham está no setor informal, destituída de direitos previdenciários. Elas
trabalham majoritariamente em tempo parcial, contra apenas 15,5% dos homens.
Dentre os trabalhadores que desenvolvem atividades em seu próprio domicílio,
82,2% são mulheres, indicando que as oportunidades de multiplicar suas atividades são restritas à possibilidade de compatibilização entre os limites do espaço e
as atividades domésticas (PNAD, 1990).
Segundo Sanches (2001), em pesquisa desenvolvida em regiões metropolitanas,
os lares mantidos por mulheres possuem renda familiar inferior aos lares onde
os homens são os principais contribuidores. Para a autora, nas famílias mantidas
por mulheres, encontram-se as maiores taxas de desemprego. Segundo dados
do Censo Demográfico de 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), aproximadamente 25% das famílias brasileiras são lideradas
por mulheres e esta não é apenas mais uma forma alternativa de família dentre tantas outras, já que a monoparentalidade pode ser uma dificuldade a mais
que sobrecarrega, em geral, a figura feminina (YUNES, GARCIA & ALBUQUERQUE,
2007). Para as autoras, isso sugere que as mulheres de classes de baixa renda
e no papel de provedoras enfrentam uma somatória de problemas e mudanças
que transcendem a questão da pobreza em si, sendo de extrema importância
a manutenção de políticas públicas que visam diminuir os efeitos da pobreza
sobre suas famílias.
Em relação às políticas públicas de ordem macrossistêmica, ganha destaque no
caso brasileiro o Programa Bolsa Família. Este programa surgiu a partir do Fome
Zero com a expansão recente de programas de transferência de renda direta com
condicionalidade focalizado na população em situação de pobreza e de pobreza
extrema, contribuindo para uma ampla redistribuição de renda entre as famílias
e atuando diretamente no rendimento familiar. Para as famílias com rendimento
familiar per capita de até ¼ de salário mínimo, os rendimentos de outras fontes
(como o recebimento do Bolsa Família) representavam 28,0%, em 2009, do total
da renda familiar, ao passo que, em 1999, essa participação era de apenas 4,4%
(IBGE, 2010).
Diante deste cenário, reconhece-se a importância de equipes de pesquisas brasileiras nas mais diversas áreas do conhecimento em participarem de trabalhos
que busquem maior entendimento sobre os impactos dos programas que visam à
redução da pobreza na vida da população. Este desafio exige técnicas e metodologias adequadas e refletem a parceria entre ciência e políticas públicas.
Não é de hoje que o conhecimento científico e as políticas públicas buscam de
maneira integrada respostas aos principais problemas socioeconômicos que im-
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pactam de forma negativa a promoção do desenvolvimento humano. Dentre os
produções que desde o final da década de 70 vem auxiliando na geração de métodos sensíveis à relação entre pessoas e instituições presentes nos contextos dos
quais fazem parte (BRONFENBRENNER, 2011).
Bronfenbrenner (1979/1996) em sua obra destaca a importância das políticas públicas não apenas aos sujeitos em desenvolvimento, mas também aos pesquisadores uma vez que serão tais políticas que apontarão os caminhos orientadores
de suas questões. E desse modo, pesquisadores de áreas diferenciadas buscam
construir procedimentos que tornem as ações governamentais mais eficazes nos
seus propósitos desenvolvimentistas.
Dos programas governamentais das últimas décadas no Brasil tem se destacado, devido sua abrangência, o PBF, instituído em 2004 pela Lei 10.836, de 09 de janeiro de
2004, e regulamentado pelo Decreto nº 5.209/04, de 17 de Setembro de 2004. Foi
organizado a partir da aglutinação de outros programas sociais como o Bolsa Escola
vinculado ao Ministério da Educação; o Auxilio Gás do Ministério de Minas e Energia;
e o Cartão Alimentação do Ministério da Saúde. O PBF, portanto, surgiu como o programa que propõe uma ação inovadora de redução da pobreza ao longo da história
brasileira, tendo como meta, além da redução da pobreza econômica, promover a
permanência da criança na escola e o acompanhamento sistemático na saúde.
O PBF se apresenta como um programa de transferência direta de renda com condicionalidades. Além de cumprir o critério de viver em condição de pobreza, a família contemplada pelo programa deve garantir a frequência escolar mínima de 85%
para crianças entre 6 e 15 anos e de 75% para adolescentes entre 16 e 17 anos.
Somada a essa condicionalidade, o PBF exige ainda que as famílias acompanhem o
calendário vacinal e do crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
teóricos interessados por esta relação, ganha destaque Ürie Bronfenbrenner, com
anos e por fim, realize o pré-natal das gestantes e acompanhamento das nutrizes
na faixa etária de 14 a 44 anos. Nesse sentido, em longo prazo, espera-se que estas
famílias consigam romper com o ciclo de pobreza que se mantém por gerações.
A transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde
e assistência social. A gestão do PBF é descentralizada e compartilhada por União,
estados, Distrito Federal e municípios. Os três entes federados trabalham em conjunto para aperfeiçoar, ampliar e fiscalizar a execução do Programa. A lista de beneficiários é pública e pode ser acessada por qualquer cidadão.
Diante da abrangência do Programa e tendo em vista sua importância para as rotinas
familiares frente às condicionalidades estabelecidas, o presente trabalho teve por
objetivo principal descrever o orçamento de tempo de crianças atendidas pelo PBF
em contextos empobrecidos economicamente e distintos em suas ecologias: a periferia urbana da capital do Pará e a região ribeirinha amazônica (PA). O foco foi compreender a distribuição das atividades diárias das crianças atendidas pelo Programa
em tais contextos, pois se acredita que o modo como estas crianças usam seu tempo
pode oferecer elementos indicadores de seu desenvolvimento ao longo do tempo.
Entende-se que a caracterização dos contextos aliados à rotina das crianças permitiu verificar: 1) o uso que as crianças fazem de seu tempo, 2) a diferença de
gênero no uso do tempo e 3) as diferenças do uso desse tempo em função das
características das populações.
MÉTODO
Participantes
Participaram deste estudo 60 crianças (Participantes-Alvo), sendo 30 pertencentes à população urbana (15 meninos e 15 meninas) e 30 pertencentes à Ilha do
Combu, região ribeirinha amazônica (16 meninas e 14 meninos).
Critérios de inclusão
A escolha das famílias se deu pelos seguintes critérios: as crianças deveriam estar
cursando entre a 1ª e a 4ª série do ensino fundamental; ser aluno (a) matriculado
(a) regularmente nas escolas municipais escolhidas e ser beneficiário do PBF.
Ambiente
Contexto urbano: periferia de Belém
A escolha pela unidade pedagógica, localizada no bairro do Condor, levou em consideração a facilidade de acesso, assim como a parceria firmada com as instâncias
educativas referentes às coordenadorias locais e Secretaria Municipal de Ensino.
Esse contexto apresentou características dos bairros periféricos em que as casas
e a própria escola são construções em alvenaria e/ou madeira, marcados pelo empobrecimento local e carente de alguns serviços eficientes, como exemplo, a segurança. No entanto, possuía infraestrutura básica em relação ao saneamento ambiental como coleta regular de lixo e água encanada. A escola selecionada foi uma
escola municipal de ensino infantil e fundamental, pioneira no bairro (inaugurada
em 1951) e sede da escola ribeirinha anexa. Possui 10 salas de aula, um laboratório de informática, quadra esportiva, local com mesas e cadeiras coberto onde
as crianças aguardam seus pais e uma biblioteca. Funciona em três turnos: uma
turma de educação infantil e as demais de ensino fundamental organizados em
ciclos de formação – C1 (3 anos) e C2 (2 anos). A coordenadoria não dispunha de
informações referentes ao número de crianças que recebiam o benefício do PBF.
Contexto ribeirinho amazônico
Realizou-se a pesquisa em uma comunidade localizada na Ilha do Combu, que dista aproximadamente 15 minutos da capital com acesso exclusivo por via fluvial, a
ilha é considerada como área de proteção ambiental, localizada à margem esquer-
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da do rio Guamá, com extensão de 15 Km². A comunidade selecionada encontracaracterizada pelo peculiar estuário amazônico com fauna e flora diversificadas,
típicas da região.
As moradias são de madeira, cobertas com telhas de barro ou amianto, construídas
em palafitas e distante, aproximadamente 30 metros umas das outras. A energia
elétrica antes de julho de 2011 não existia. Não há tratamento de água, sendo que
a água potável é obtida em uma torneira pública, em Belém, e transportada em
baldes e embalagens plásticas até a comunidade. Em termos de infraestrutura, a
comunidade não possui espaços planejados para o lazer, sendo assim, as crianças
participam de todas as atividades presentes na comunidade, juntamente com seus
pais e demais familiares.
A escola pertencente à comunidade está localizada no igarapé Piriquitaquara, caracterizada pelo estilo amazônico ribeirinho, construída em madeira sobre palafitas. Composta por duas salas de aula, pátio, copa, banheiros e sala de coordenação, além de uma área na parte externa, disponível para recreação quando o nível
do rio encontra-se baixo. Possui salas multisseriadas, sendo no período matutino
a educação infantil e o ciclo 1 e à tarde, o ciclo 2 que abrange crianças de 6 a 10
anos de idade. Durante as reuniões com a coordenação, os pesquisadores puderam conhecer a rotina da escola e adquirir uma lista com os nomes das crianças,
obtendo ainda a informação de que todas recebiam o PBF.
Procedimentos adotados na coleta dos dados
Inserção da equipe na escola da periferia urbana
Introdução e Temas transversais
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-se às margens dos rios Piriquitaquara, Furo da Paciência e Furo de São Bendito,
Após a autorização da coordenação escolar, a equipe acordou com a escola os horários de coleta, que ocorreram no intervalo entre os horários das aulas, nos turnos
da manhã, intermediário e tarde. As abordagens aos responsáveis aconteceram no
pátio da escola, no momento em que estes buscavam ou deixavam os filhos. O
período de coleta correspondeu os meses entre abril e novembro de 2011.
Inserção da equipe no contexto ribeirinho amazônico
Primeiramente foram realizados contatos com a associação de moradores e a escola, através dos quais se obteve uma lista com os nomes das crianças participantes.
A unidade pedagógica da ilha dispõe de serviço de condução fluvial das crianças
e jovens que frequentam tanto a própria unidade quanto escolas de ensino fundamental e médio de Belém. Por meio de um ofício, foi autorizada a viagem da equipe de pesquisa junto aos dois barqueiros que percorrem as residências, levando
e trazendo as crianças da escola. Nesta oportunidade, foi possível a confecção de
um mapa dos igarapés e furos que compõem a ilha, onde foram identificadas as
casas dos participantes da pesquisa. A coleta dos dados ocorreu durante as visitas,
respeitando a disponibilidade dos moradores, no período entre outubro de 2010
e abril de 2011.
Considerações éticas
A fim de resguardar os direitos dos participantes foi utilizado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em que se esclarecia sobre a pesquisa
fornecendo o contato dos membros da equipe, caso houvesse necessidade de
maiores orientações. Submeteu-se a aprovação do TCLE (Desenvolvido pelo LED-Laboratório de Ecologia de Desenvolvimento) e da pesquisa pelo Comitê de Ética
da Universidade Federal do Pará, aprovado sob o número do protocolo (CAEE –
0146.0.073.000-11).
Sobre os instrumentos
Inventário Sociodemográfico (ISD)
Utilizou-se inventário elaborado pelo grupo de pesquisa LEDH (que o utiliza desde
2006), no entanto, mudanças e inclusões de novos itens foram realizadas tendo
em vista o objetivo de investigar especificidades do PBF. O instrumento apresenta
os seguintes itens: identificação (nome, idade, gênero, parentesco, estado civil,
cidade de origem, número de uniões e ano da atual união); dados sobre o benefício (titular do cartão, como conseguiu o cadastro, quanto tempo demorou para
receber, a quanto tempo é beneficiário do Programa, quem vai ao banco sacar o
benefício, valor do benefício e como gastou esse valor no mês anterior); orçamento familiar (quantos e quais membros contribuem para o orçamento; responsável
pelo controle do dinheiro e número de famílias que sobrevivem do orçamento);
caracterização do domicílio (se a moradia é própria, tipo de construção, número de
cômodos, equipamentos e móveis, energia elétrica, abastecimento e tratamento
da água, destino do esgoto e do lixo familiar).
Inventário de Rotinas (IR)
O inventário de rotinas utilizado vem sendo aperfeiçoado pelo LEDH, sua aplicação tem permitido descrever o modo de vida das populações ribeirinhas (SILVA
& cols., 2010). As entrevistas foram realizadas individualmente, solicitando ao
entrevistado que descrevesse a sequência de atividades típicas desenvolvidas, a
companhia e o local durante um dia da semana (segunda a sexta). O instrumento
foi apresentado na forma de tabela com a disposição gráfica da divisão de um dia
a partir das grandes categorias: tempo, atividade e companhia (anexo 2).
A categoria tempo abarcou a representação de todos os turnos: madrugada, manhã, tarde e noite, com seis horas cada um, sendo cada hora dividida em quatro
quadrantes menores que representam 15 minutos da hora referida, totalizando
24 horas de registro. Os quadrantes eram preenchidos pelo aplicador seguindo a
ordem: um, dois, três e quatro, no sentido horário.
As categorias relacionadas às atividades e companhias foram geradas a priori, tendo em vista a experiência acumulada pelo grupo com pesquisa sobre rotinas com
população ribeirinha amazônica (SILVA e cols.,2010). A categoria atividade se subdividiu em subcategorias indicadas a partir de siglas, representando as atividades
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realizadas pelas crianças tais como: DA-dormir; H-higiene pessoal; A-alimentação;
DC-dever de casa; AP-atividades programadas; C0-conversar; L-leitura, FC-festa/
comemoração; ER-evento religioso e outros. Para orientação dos aplicadores disponibilizou-se uma legenda localizada ao final da folha de aplicação. Além das
subcategorias referentes às atividades, o instrumento contemplou ainda o registro
das companhias, com siglas para pai ou mãe, pais, irmãos, toda a família, avós,
parentes próximos, amigos e sozinho(a) (anexo 2).
Procedimento de coleta e análise dos dados
A aplicação dos dois instrumentos se deu por meio de entrevistas com os pais ou
responsáveis, individualmente, solicitando-se ao entrevistado que descrevesse a
sequência de atividades desenvolvidas, a companhia e o local onde eram realizadas tais ações durante um dia da semana (segunda a sexta). Solicitava-se, a fim de
padronizar as respostas, que relatassem sobre o dia anterior caso fosse um dia da
semana, do contrário, a sexta-feira.
Os entrevistadores participaram de um treinamento prévio e as entrevistas ocorriam sempre na presença de dois desses, sendo um mais experiente (estudante da
pós-graduação) que conduzia a entrevista e o outro que realizava o preenchimento dos protocolos (estudante da graduação).
Os dados obtidos pelos instrumentos foram dispostos em planilhas no programa
Excell, sendo os dados filtrados e transformados em planilhas dinâmicas de maneira que pudessem gerar dados por meio de estatística descritiva, utilizando a
técnica de descrição tabular e paramétrica.
Introdução e Temas transversais
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D-deslocamento; E-escola, B-brincar; TV-televisão, R-rádio; TD-tarefa doméstica;
As análises partiram primeiramente das informações obtidas a partir do ISD, considerando os aspectos estruturais (organização das famílias e escolaridade) e aspectos financeiros (renda geral e benefício- PBF), subdivididos em contextos urbano
e ribeirinho amazônico, a fim de comparação. Para este trabalho não foram utilizadas todas as informações contidas no inventário, selecionando-se as aquelas que
segundo a equipe estariam diretamente relacionadas às análises sobre rotinas. As
demais compõem um banco de dados para trabalhos futuros a serem realizados
pelo grupo de pesquisa - LEDH.
Os dados de rotina foram agrupados conforme os contextos a partir das atividades
executadas pelas crianças urbanas e ribeirinhas em um dia da semana. Organizaram-se os dados conforme a variável gênero (feminino e masculino) e companhia
(sozinho, mãe, pai, avô/avó, irmãos, parentes próximos e amigos). Considerou-se
no ambiente escolar os amigos como as principais companhias.
Os resultados se apresentam na forma de porcentagem para melhor compreensão,
o cálculo das porcentagens correspondentes a cada categoria se deu pela soma
dos minutos em que a criança permaneceu em uma determinada atividade, tendo
por base a soma dos minutos de um dia, ou seja, 1440 minutos (24 horas). Ressalta-se o fato de que as porcentagens têm abrangência no limite desse estudo, sem
significância estatística.
Resultados e discussão
Estrutura familiar
Entrevistou-se 26 famílias no contexto urbano e 24 na comunidade do Combu. As
famílias urbanas eram compostas por no mínimo 2 e no máximo 10 pessoas, quantidade não equivalente ao número de filhos, dada a presença na mesma residência
de parentes como avós, tios, primos, sobrinha, cunhada e padrasto.
Em relação às estruturas familiares encontradas, no contexto urbano, 50% apresentavam estrutura nuclear, 38% eram monoparentais femininas e em 30% havia
a presença de tios e avós, principalmente quando se tinha mais de um filho, 23%
dos casos. Esses achados refletem o número cada vez maior de famílias monoparentais femininas, o que se apresenta como preocupante, já que os dados estatísticos
oficiais do IBGE (2010) demonstram que são as mais pobres. A situação de pobreza
aliada ao arranjo familiar monoparental feminino favorece a presença de fatores de
risco ao desenvolvimento das crianças, uma vez que as mães acumulam atividades
do trabalho e cuidados aos filhos, necessitando de suporte familiar e social (SANCHES, 2001; COLE & COLE, 2003; YUNES, GARCIA & ALBUQUERQUE, 2007).
Na comunidade ribeirinha, a quantidade de parentes em uma mesma residência
variou entre três e 13 pessoas, sendo identificados além do núcleo familiar, parentes como avós, tios e primos. Nesse contexto, ressalta-se o fato de que 75% das
famílias apresentavam a estrutura nuclear, sendo a maioria numerosa com três ou
mais filhos (88%), o que se mostra de acordo com a estratégia de sobrevivência
desenvolvida pelos moradores em manterem-se próximos em famílias nucleares
e numerosas (SILVA, 2006).
Escolaridade dos pais
No contexto urbano houve um número maior de pais nos ensino fundamental e
médio, principalmente entre as mulheres. Registrou-se quatro pais e seis mães
com ensino fundamental incompleto e com o fundamental completo três pais e
três mães. Dentre os que chegaram ao ensino médio, quatro pais e oito mães e três
pais e nove mães não concluíram.
No contexto ribeirinho amazônico, os moradores tendem a abandonar a escola
durante o ensino fundamental, já que na ilha, o ensino é oferecido até a 4ª série.
Nesse sentido, 16 pais e 14 mães apresentaram ensino fundamental incompleto,
quatro mães e um pai com fundamental completo, cinco mães e um pai com ensino médio incompleto e um pai analfabeto.
Aspectos financeiros
O número expressivo de pessoas compartilhando um mesmo domicílio pode influenciar na qualidade de vida destas, já que a renda reunida passa a ser dividida
em um orçamento comum a todos, satisfazendo ou não as necessidades de cada
membro. Em ambos os contextos, as famílias viviam em situação de forte empobrecimento e relataram ganhos inferiores ao salário mínimo (R$ 545,00). Os valo-
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res declarados pelos participantes incluíram o próprio benefício, aposentadorias e
No contexto urbano, 46% das famílias investigadas relataram ganhos que apontaram renda per capita de até ¼ do salário mínimo; 24% relataram viver com renda
de até ½ salário mínimo; 15% em torno de um salário e 15% não responderam.
No contexto ribeirinho amazônico 71% das famílias sobreviviam com renda de
até ¼ do salário mínimo; 21% com renda de até ½ salário mínimo e 8% não
responderam.
No que diz respeito ao benefício do PBF, as famílias relataram receber entre R$
60,00 e R$ 200,00. o gráfico 1 demonstra a porcentagem de famílias que recebiam valores correspondentes aos seguintes intervalos: entre R$ 60,00 a 100,00
e entre R$101,00 a 200,00.
Gráfico 1 - Intervalos de valor do benefício em reais nos
contextos urbano e ribeirinho (%)
Fonte: Elaboração LEDH.
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
os ganhos formais e informais.
o valor em reais referente ao PBF recebido pelas famílias urbanas foi superior a R$
101,00 em 81% dos casos. Para 19% dos beneficiários, o valor pago pelo governo variou entre R$ 60,00 e R$100,00. Para os ribeirinhos, os intervalos adotados
beneficiavam 50% das famílias respectivamente.
No contexto urbano, 50% das famílias que tinham dois filhos recebiam valores
referentes ao intervalo de R$ 101,00 a 200,00. Nesse mesmo intervalo de valores,
foram encontradas 23% de famílias com três filhos e 8% das famílias com um
filho. Em relação ao intervalo com menores valores pagos (R$ 60,00 a R$100,00)
surgiram 15% das famílias com um filho, no entanto, em 4% dos casos foram
encontradas famílias que apresentavam três filhos. o que demonstra o não cadastramento de todos os filhos.
o mesmo ocorreu no contexto ribeirinho em que 4% das famílias com dois filhos
e 8% das famílias com três filhos recebiam os valores menores. As demais famílias
ribeirinhas apresentaram recebimentos com valores menores para famílias com
um filho e maiores com famílias com dois ou mais filhos. No entanto, não apenas
o número de filhos determina a quantia recebida, dependendo também da renda
familiar per capita, o número e a idade dos filhos.
Sabe-se que o controle da renda perpassa pela estrutura familiar, e nesse sentido,
no contexto urbano, a mãe surgiu como a principal figura no controle dos gastos,
já que em 38% dos casos (famílias monoparentais femininas) ela era a única ou
a principal responsável pelos filhos. Diante desse cenário, surgem como apoios
importantes, avós e tios que passam a dividir os cuidados com as crianças, o convívio e até mesmo o domicílio. Fato que em parte explica o índice de 35% de parentes assumindo o controle da renda familiar. Em relação às famílias ribeirinhas,
observa-se o controle compartilhado da renda entre os pais, aspecto que condiz
com a estrutura nuclear apresentada em 75% das famílias.
Aliado aos dados de quantia e controle dos gastos houve a necessidade de se
reconhecer o local em que as famílias receberam informações sobre o cadastro
do benefício PBF. Em 69% dos casos relacionados ao contexto urbano, as famílias relataram que adquiriram o cadastro através dos Centros de Referência de
Assistência Social (CRAS), 11% por meio dos postos de saúde, em 8% dos casos
a própria escola informou; 4% a prefeitura e 8% outros locais. No contexto ribeirinho o CRAS não surgiu como o principal meio de se conseguir informação sobre
o cadastro, sendo citado em apenas 4% dos casos. Chama a atenção o número de
entrevistados que não deram respostas (29%), somado a outros locais (17%). Os
locais que somados atingem 50% dos casos foram a escola e o posto de saúde.
Não apenas o local em que as famílias foram informadas sobre o cadastramento,
mas o tempo de espera até o recebimento apresenta-se como importante informação para compreensão da dinâmica do Programa. No contexto urbano, pouco
menos da metade das famílias entrevistadas (46%) esperaram até dois anos. De
dois a quatro anos foram encontradas 27% das famílias, no entanto, no intervalo
de 4 a 8 anos de espera foram encontradas 19% das famílias.
No contexto ribeirinho, a porcentagem de famílias que esperaram até 2 anos cai
para 29%, de 2 a 4 anos obteve-se 21% e de 4 a 8 anos 37%. Evidencia-se desse
modo, a dificuldade no recebimento do benefício por tais famílias e sendo assim,
os resultados apontam para a necessidade de maior agilidade ao repasse dos benefícios para as famílias cadastradas.
Por fim, foi perguntado às famílias como foi gasto o valor referente ao benefício
no mês anterior à coleta, conforme gráfico 2. As respostas dadas indicam necessidades diferenciadas entre os contextos; para as famílias da periferia urbana, o
principal destino do benefício foi o auxílio no pagamento das contas domésticas
como luz, aluguel, compras no mercado dentre outras, somada à categoria alimento que foi significativamente citada. Na Ilha do Combu, no período em que foi realizada esta pesquisa, não havia energia elétrica disponível, e em comparação com
o contexto urbano, os moradores da Ilha também não pagavam aluguel, IPTU, gás e
serviço de água encanada. Utilizavam os recursos da floresta como água, madeira,
peixes, camarões e frutos. Nesse sentido, as categorias mais citadas foram aquelas
relacionadas principalmente com vestuário e material escolar.
A
categoria
vestuário,
material
escolar
e
alimento
(vestuário+material
escolar+alimento) se mostrou expressiva em ambos os contextos, com uma margem maior na porcentagem do contexto urbano, conforme gráfico 2.
105
PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA: UMA ANÁLISE
DOS ASPECTOS
SOCIODEMOGRÁFICOS
E DAS ROTINAS DE
CRIANÇAS NOS
CONTEXTOS URBANO
E RIBEIRINHO
AMAZÔNICO
Fonte: Elaboração LEDH.
os dados apresentados até então, auxiliam na descrição das famílias participantes,
tendo em vista aspectos demográficos, escolares, habitacionais, sociais e aqueles
relacionados ao recebimento do benefício. A seguir serão apresentados os dados
coletados a partir do Inventário de Rotina em que se evidenciou a dinâmica das
famílias participantes.
dados de Rotina
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
Gráfico 2 - Como foi gasto o benefício no último mês nos dois
contextos
atIvIdades reaLIzadas PeLas CrIanças durante a semana
no ConteXto urBano
As meninas, moradoras da periferia urbana de Belém apresentaram 43% de seu
tempo ligado ao descanso, seguida por lazer (26,5%). Educação surgiu com 17,1%;
alimentação com 5,7%; higiene 4%, deslocamento 2,4% e evento religioso 1%.
Entre os meninos, as categorias com maiores porcentagens, foram descanso
(45,4%) seguida por lazer (22%). Educação surgiu com 16,5%; alimentação com
6,6%; higiene 5%, deslocamento 2,99% e evento religioso 1,04%. A realização
de tarefas domésticas não apareceu neste contexto (Gráfico 3).
Gráfico 3. Categorias de atividade realizadas por meninas e
meninos no contexto urbano em um dia da semana (%)
meninas
meninos
Fonte: Elaboração LED.
Pode-se concluir que as meninas passaram quase 70% do tempo em descanso e
envolvidas com brincadeiras. Já os meninos passaram maior tempo em descanso,
no entanto, o tempo para lazer foi menor e apresentaram pequeno decréscimo em
atividades relacionadas à educação.
A categoria educação foi subdividida em categorias menores, a saber: o tempo em
que a criança permanece na escola; o tempo que gasta com dever de casa e leitura. Sendo assim, as meninas passaram 91,87% do tempo gasto com educação em
atividades realizadas na escola, 6,5% em tarefas ligadas ao dever de casa e 1,63%
do tempo em atividade de leitura. os meninos, habitantes da periferia urbana,
gastaram 90,3% do tempo ligado à educação em atividades realizadas na escola e
9,7% com tarefas associadas ao dever de casa. Não foi citada atividade de leitura.
outra categoria relevante para esta análise refere-se ao tempo dedicado ao lazer,
que, para este trabalho, envolvia as seguintes atividades: brincadeiras diversas e jogos infantis, assistir Tv e/ou DvD, conversar, jogar vídeo game ou usar o computador.
o tempo dedicado ao lazer representou mais de 20% para ambos os sexos, as
crianças passaram a maior parte do tempo com brincadeiras em geral, sendo que
as meninas brincavam durante 52,35% e os meninos, 49,21% do tempo; o tempo
destinado a assistir televisão, no contexto urbano, também foi relevante para ambos os sexos 39,79% e 36,59% para meninas e meninos, respectivamente.
Em associação ao orçamento do tempo gasto com educação pelas crianças beneficiadas, foi perguntado ainda se estas realizavam alguma atividade programada durante
a semana. Ao avaliar tais atividades, citada pelos responsáveis, observou-se que no
contexto urbano, a necessidade dos pais em auxiliar seus filhos nos estudos, gerou
a opção pelo reforço escolar. Neste contexto, o exercício de algumas programações
extracurriculares foi registrado em seis famílias: uma menina realizava aulas de balé
e outra, aulas de reforço em casa; dois meninos praticavam futebol e natação, sendo
que um desses frequentava aulas de violino, flauta e aulas de reforço; os outros dois
realizavam aula de reforço, sendo que um também realizava aulas de música.
107
PRoGRAMA BoLSA
FAMÍLIA: uMA ANÁLISE
DoS ASPECToS
SoCIoDEMoGRÁFICoS
E DAS RoTINAS DE
CRIANçAS NoS
CoNTExToS uRBANo
E RIBEIRINHo
AMAzÔNICo
A categoria atividade programada mostrou-se significativa, principalmente entre
ninos e meninas. os comportamentos de conversar e participar de algum evento
festivo não apareceram neste contexto.
atIvIdades reaLIzadas PeLas CrIanças durante a semana
no ConteXto rIBeIrInHo
De maneira geral as crianças no contexto ribeirinho amazônico passam a maior
parte de seu tempo, quando não estão dormindo ou descansando, em atividades
ligadas ao lazer e em atividades na escola. o gráfico 3 apresenta a porcentagem
equivalente aos minutos correspondentes às categorias: descanso, lazer, alimentação, higiene, tarefa doméstica, deslocamento, evento religioso e outros.
As meninas descansam 40,40% do tempo, seguida por lazer com 22%, educação
surgiu com 19,9%, alimentação 5,6%, higiene 4,4%, tarefa doméstica 3,6%, deslocamento 2,4%, evento religioso 0,6% e outros 0,3%. os meninos, entretanto, passaram 43% e 21% de seu tempo nas categorias descanso e lazer, respectivamente.
Em relação à categoria educação, os meninos gastaram 16,6% do tempo. Na categoria tarefa doméstica, o percentual encontrado foi de 3,8%, os demais índices apresentados foram: 6,3% em alimentação, 4,8% com higiene, 3,3% em deslocamento,
0,7% em eventos religiosos e 0,4% com outras atividades (Gráfico 4).
Gráfico 4. Categorias de atividade realizadas por meninas e
meninos no contexto ribeirinho em um dia da semana (%)
meninas
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
os meninos; o tempo destinado ao uso do computador e DvD foi similar para me-
meninos
Fonte: Elaboração LEDH.
os meninos descansam mais e passam menos tempo em atividades ligadas à categoria lazer e em atividades ligadas à categoria educação em comparação com as
meninas, conforme gráfico 3.
A análise das subcategorias estabelecidas para a educação ressalta os seguintes
dados: no contexto ribeirinho amazônico as meninas gastaram 85,94% do tempo
com educação em atividades na escola, 13,4% com dever de casa e 0,66% leitura.
os meninos gastaram 97,3% do tempo ligado à educação com atividades realizadas na escola e 2,7% com dever de casa. A atividade leitura não foi citada.
Em relação ao tempo dedicado ao lazer, as brincadeiras diversas fizeram parte de
73,49% do tempo dos meninos e de 61,91% do tempo das meninas ribeirinhas.
O tempo dedicado a TV apareceu como o segundo tipo de lazer mais comum neste
contexto, sendo 33,72% do tempo das meninas e 25,44% do tempo dos meninos. O comportamento de conversar apareceu principalmente no repertório das
meninas ribeirinhas (4,36%), em detrimento aos meninos que dedicaram 1,06%
do seu tempo para tal atividade.
Companhia durante as atividades no contexto urbano
As meninas do contexto urbano passavam 38,54% de seu tempo sozinhas,
16,04% com amigos, 12,78% com a mãe, 11,32% com irmãos, 7,22% mãe e irmãos, 6,81% parentes próximos e 4,10% com a família. Já os meninos passavam
34,4% de seu tempo sozinhos e suas principais companhias foram: irmã(s)(ãos)
(22,4%), amigos (16,7%), mãe (9,9%), mãe e irmãos(ãs) 7%, parentes próximos
4,1%, família (3,7%) e 1,2% pai e mãe.
As meninas passavam mais tempo sozinhas, em comparação com os meninos; amigos foi a segunda categoria mais citada que esteve relacionada ao tempo gasto no
ambiente escolar. Fora da escola, a mãe se mostrou a principal companhia seguido
por irmãos(ãs).
A principal companhia dos meninos foram os (as) irmãos (ãs), seguido por amigos,
e em terceiro, a mãe. Nesse sentido, o orçamento de tempo dos meninos quando
comparado ao das meninas evidencia maior disposição de compartilhamento das
atividades com outras crianças e jovens.
Outro aspecto relevante destaca o pouco tempo compartilhado com o pai, bem
abaixo da categoria parentes próximos tanto para meninas, como meninos. Esse
dado mostra-se consonante a pesquisas que destacam que em poucas sociedades
os homens cuidam de suas crianças no dia-a-dia, e assim, continuam sendo considerados, na sua maioria, pelos papéis que exercem fora do âmbito das interações
familiares (LEWIS & DESSEN,1999).
Companhia durante as atividades no contexto ribeirinho
No contexto ribeirinho, as meninas permaneceram sós em 49% de seu tempo,
16,7% com irmãos, amigos vêm em terceiro com 15,5% do tempo, parentes próximos 9,2%, 3,1% com o pai e a mãe e 2,2% a família. Os meninos passavam 38,9%
de seu tempo a sós, 19,87% com irmãos (ãs), 17,04% com amigos, 11,46% parentes próximos, 7,59% mãe e 2,31% pai e mãe. Observou-se desse modo, que
meninos e meninas ribeirinhas passavam a maior parte de seu tempo em companhia de outras crianças, principalmente irmãos. Esse dado condiz com trabalhos
realizados em populações tradicionais ribeirinhas (BAIA-SILVA, 2006) que aponta
a importância das relações estabelecidas entre os irmãos para o aprendizado e
desenvolvimento das crianças. Segundo Silva e cols. (2010) os filhos constituem
um subsistema separado, que realiza atividades particulares e passa grande parte
do tempo em conjunto, o que é uma característica da socialização local.
109
PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA: UMA ANÁLISE
DOS ASPECTOS
SOCIODEMOGRÁFICOS
E DAS ROTINAS DE
CRIANÇAS NOS
CONTEXTOS URBANO
E RIBEIRINHO
AMAZÔNICO
CONCLUSÃO
extrema pobreza em que se desenvolvem as famílias, e buscam romper o ciclo de
pobreza e adoecimento das crianças a partir de medidas que impõem frequência
mínima na escola e acompanhamento do calendário vacinal. Como política pública, acarreta em mudanças sistêmicas nas vidas dessas famílias, principalmente
nas rotinas das crianças que passaram a frequentar assiduamente a escola. Porém,
ainda apresenta desafios, principalmente em relação a contextos ecológicos distintos, como no caso do contexto ribeirinho amazônico, onde apesar das famílias
receberem o benefício, essas ainda encontram-se distantes dos serviços médicos
e educacionais presentes nos centros urbanos.
Quanto às rotinas diárias das crianças beneficiárias, a pesquisa evidenciou elementos importantes para compreensão das estruturas e dinâmicas apresentadas.
Primeiramente, os arranjos familiares que conduziram a diferentes organizações
das rotinas das famílias: em ambos os contextos as famílias se mostraram numerosas, com parentes morando junto ao núcleo pais/filhos e no caso ribeirinho,
destacou-se a presença de muitos irmãos. Tais arranjos mostraram-se ligados aos
contextos dos quais participavam, ressaltando as estratégias adotadas pelas famílias na sobrevivência e no cuidado das crianças, em que se destacou o auxílio de
avós, tios e irmãos mais velhos.
Outros elementos relevantes à compreensão das rotinas das crianças dizem respeito ainda aos arranjos familiares (famílias nucleares, monoparentais masculina
e feminina) e a escolaridade dos pais. No contexto urbano foram observadas famílias nucleares e um número significativo de famílias monoparentais femininas, número que corrobora com o IBGE (2010) que ressalta o crescente número de mães
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
As condicionalidades impostas pelo PBF visam em primeira instância amenizar a
assumindo sem a presença dos pais, os cuidados dos filhos, situação que requer
suporte social e amparo de políticas públicas, como o PBF. Em relação à escolaridade, esta variou do ensino fundamental incompleto ao ensino médio completo,
com maioria no ensino fundamental completo.
No caso das famílias ribeirinhas amazônicas houve prevalência de famílias nucleares com muitos filhos. Isto se explica pelo fato de viverem em isolamento provocado pela água, e sendo assim, tais famílias tendem a se manterem unidas, aspecto
que garante a vivência em meio à floresta. No entanto, esse isolamento dificulta
o acesso à educação e desse modo, a maioria dos pais entrevistados relataram
baixa escolaridade, sendo encontrado caso de analfabetismo e a maioria parou os
estudos no ensino fundamental.
A partir do panorama social apresentado, as rotinas infantis refletiram tanto as
diferenças contextuais quanto semelhanças, já que ambos se apresentam como
contextos empobrecidos. Em relação às categorias descanso e lazer, as crianças
urbanas apresentaram maior tempo gasto, com destaque à atividade assistir TV.
Em comparação às crianças ribeirinhas, houve uma significativa redução nas categorias descanso e lazer (que também foram as mais significativas) e surgiu a
categoria tarefa doméstica que não fora citada no contexto urbano e mostrou-se
ligada às rotinas das famílias na aquisição e preparo dos alimentos como a pesca,
limpar o peixe, coleta e preparo do açaí, lavar roupas no rio, caçar, limpar a casa,
alimentar os irmãos mais novos, entre outras.
Em relação à categoria educação, pôde-se observar que o acompanhamento da
atividade escolar no domicílio pelos responsáveis ainda é um tempo praticamente
inexistente na rotina diária em ambos os contextos. Isso reflete diretamente as
possibilidades dos pais e/ou responsáveis acompanharem a realização das tarefas
escolares e aponta inclusive para questão da baixa escolaridade. Muitas famílias
ainda encontram-se despreparadas para esse acompanhamento, já que grande
parte dos pais desconhecem os conteúdos apresentados nas escolas e não dispõe
de tempo suficiente para o acompanhamento escolar dos filhos.
Tais tendências ganham maior agravo em comunidades vivendo afastadas, pouco
visíveis ao poder público, com famílias numerosas em que as crianças cuidam de
seus irmãos e não apresentam estrutura doméstica que favoreça a aprendizagem
escolar. Além dessas dificuldades, a análise das rotinas das crianças ribeirinhas
demonstrou a pouca oferta de atividades programadas nesse contexto relacionadas à música, artes e esporte, além do reforço escolar que fora citado no contexto
urbano apenas.
As rotinas apresentadas, da maneira que estão estruturadas, oferecem pouco ao
aprendizado escolar, situação que requer sintonia entre a família e a escola. No
entanto, ao compartilharem pouco tempo e atividades com seus filhos, os pais deixam de promover laços importantes inclusive às adaptações no ambiente escolar
que passa a ser visto com pouca motivação e distante daquilo que é realizado fora
da escola.
Evidencia-se desse modo a importância de ações que favoreçam a interlocução
entre os membros familiares, tendo um olhar diferenciado às comunidades ribeirinhas amazônicas a partir de ações que reforcem, valorizem e adéquem serviços
segundo as características contextuais, apresentando desse modo ferramentas
para o rompimento do ciclo de pobreza. Diante dessa percepção social, e (ainda)
com pesquisas preliminares, principalmente no contexto amazônico, ressalta-se
a limitação desse trabalho que, apesar de ter sido executado no período de um
ano, ainda necessita de continuidade, já que pouco se sabe sobre as rotinas das
crianças que recebem PBF.
Falta muito a ser feito para que se possam obter dados concretos e amplos sobre as atividades diárias em contextos distintos, o que não reduz a necessidade
em estuda-los para que se possa garantir a efetividade dos direitos das crianças
amazônicas. Ressalta-se inclusive que a pesquisa foi feita em uma pequena comunidade ribeirinha, existindo uma grande população disposta em dezenas de
ilhas, vivendo às margens dos rios cuja rotina diária ainda é desconhecida e que,
portanto, precisa ser investigada.
As primeiras garantias para as mudanças desejáveis à garantia dos direitos à alimentação, saúde e educação já foram dadas a partir do PBF. No entanto, apesar das
crianças beneficiadas apresentarem rotinas que contemple a frequência escolar,
111
PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA: UMA ANÁLISE
DOS ASPECTOS
SOCIODEMOGRÁFICOS
E DAS ROTINAS DE
CRIANÇAS NOS
CONTEXTOS URBANO
E RIBEIRINHO
AMAZÔNICO
ainda não é o bastante. As famílias precisam ser orientadas e apoiadas para que
desse modo, possam redirecionar as tendências desenvolvimentais apresentadas.
Para tanto, um passo possível aponta no sentido do reconhecimento da rotina das
crianças e especificidades contextuais, pensando em futuras adaptações entre
família-escola e inclusão escolar efetiva no processo educacional, caminho pelo
qual se pode reduzir o avanço dos ciclos de pobreza e miséria social.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
possam estruturar seus ambientes domésticos às atividades escolares para que,
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113
PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA: UMA ANÁLISE
DOS ASPECTOS
SOCIODEMOGRÁFICOS
E DAS ROTINAS DE
CRIANÇAS NOS
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E RIBEIRINHO
AMAZÔNICO
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115
PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA: UMA ANÁLISE
DOS ASPECTOS
SOCIODEMOGRÁFICOS
E DAS ROTINAS DE
CRIANÇAS NOS
CONTEXTOS URBANO
E RIBEIRINHO
AMAZÔNICO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM TEORIA E PESQUISA DO COMPORTAMENTO
LABORATÓRIO DE ECOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
INVENTÁRIO BIOSÓCIODEMOGRÁFICO
I – DADOS GERAIS DA FAMÍLIA
1. Aplicador: _____________________________Data: ____/____/____ Família: nº. _____
___________________________________________________________________________
2. Questionário respondido por:
mãe
pai
responsável
3. Comunidade: _____________________________________________________________
II - COMPOSIÇÃO FAMILIAR
NOME
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Anexo 1. Inventário Sociodemográfico
STATUS
FAMILIAR
IDADE
ESTADO
CIVIL
OCUPAÇÃO/
LOCAL
ESCOLARID.
LOCAL
DOCUMENTAÇÃO*
CN
CI
CPF
CTPS
TE
CR
*CN = Certidão de Nascimento / CI = Carteira de Identidade / CPF = Cadastro de Pessoa
Física / CTPS = Carteira de Trabalho e Previdência Social / TE = Título de Eleitor / CR =
Carteira de Reservista
Há quanto tempo você mora na comunidade? ___________________________________
____________________________________________________________________________
Você tem mais algum parente que more na comunidade? Quem? ________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Quantas famílias moram na residência? _________________________________________
Cidade de origem:____________________________________________________________
Em que ano se casou na atual união:____________________________________________
Número de uniões: __________________________________________________________
Como você imagina que será a vida dos seus filhos daqui a dez anos? ______________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Por que você quer que seus filhos frequentem a escola? __________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
III – CARACTERÍSTICAS DO DOMICÍLIO
1. MORADIA: Própria ( ) Alugada ( ) Cedida ( ) OUTRA ________________________
___________________________________________________________________________
2. TIPO DE CONSTRUÇÃO: Alvenaria ( ) Madeira ( ) Taipa/Barro ( ) Mista ( ) Material
reaproveitado ( ) Outros___________________________________________
4. Nº DE CÔMODOS: ________________________________________________ 5. Quais:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________ ________________
6. EQUIPAMENTOS E MÓVEIS:
Geladeira ( )
Fogão (
) Televisão ( ) Rádio ( )
Cama ( )
Outros: _____________________________________________________________________
7. ENERGIA ELÉTRICA: Relógio de controle próprio ( )
provisada (gato) ( )
Gerador particular (
)
Im-
Sem energia ( ) Relógio Comunitário ( ) Lamparina ( )
8. ABASTECIMENTO DE ÁGUA: Rede Pública (encanada) ( ) Poço ( ) Torneira Coletiva
( ) Barco de distribuição (
)
9. Recebe algum tipo de tratamento? S( ) N( )
10. Qual?___________________________________________________________________
11. DESTINO DO LIXO DOMICILIAR: Coleta ( )
Via Pública/ Corrente de água Natural
( ) Queimado ( ) Enterrado ( ) Outro________________________________________
12. DESTINO DO ESGOTO DOMICILIAR: Rede Pública ( ) Céu aberto ( ) Fossa ( ) Outro _________________________________________________________________________
13.
Quais
são
as
doenças
mais
frequentes
na
família?
____________________________________________________________________________
117
PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA: UMA ANÁLISE
DOS ASPECTOS
SOCIODEMOGRÁFICOS
E DAS ROTINAS DE
CRIANÇAS NOS
CONTEXTOS URBANO
E RIBEIRINHO
AMAZÔNICO
______________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
IV – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS
1. Renda Familiar Mensal: _____________________________________________________
2. Quais os membros que contribuem para o orçamento familiar: __________________
___________________________________________________________________________
3. Quem controla o dinheiro da família: ________________________________________
___________________________________________________________________________
4. Beneficiária de algum programa de transferência de renda? S( ) N( )
5. Qual(s)? _________________________________________________________________
6. Há quanto tempo? _________________________________________________________
7. Quem é o titular do cartão? _________________________________________________
___________________________________________________________________________
8. Quem vai ao banco receber o benefício? _____________________________________
___________________________________________________________________________
9. Qual o valor do benefício? ________________________________________________
9. Referente a quantas crianças?_____________________________________________
10. Como você gastou o benefício no mês passado? ______________________________
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
14. Quais são os remédios utilizados? __________________________________________
___________________________________________________________________________
11. Como você conseguiu o cadastro? __________________________________________
____________________________________________________________________________
12. Quanto tempo demorou para você receber o benefício? (tempo entre o cadastro e
o recebimento) ______________________________________________________________
____________________________________________________________________________
13. Atualmente você recebe (recebeu) a visita de técnicos ou profissionais de saúde/
educação? __________________________________________________________________
Observações:
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Anexo 2. Protocolo de aplicação Inventário de Rotinas
HORA
ATIVIDADE
DA H A D DC B TV R TD AP CO L
FC ER OUTRO
MADRUGADA
00h-01h
01h-02h
02h-03h
03h-04h
04h-05h
05h-06h
MANHÃ
06h-07h
07h-08h
08h-09h
09h-10h
10h-11h
11h-12h
TARDE
12h-13h
13h-14h
14h-15h
15h-16h
16h-17h
17h-18h
NOITE
18h-19h
19h-20h
20h-21h
21h-22h
22h-23h
LEGENDAS
dormir, descansar ou acordar
R
rádio/DVD
brincar L
Leitura
atividades programadas
P
pai
S - sozinho
D
Deslocamento
PP - parentes próximos
TD
tarefas domésticas
H
higiene pessoal
FC
festa/comemoração
TV
televisão
AV
avó/avô
CO
Conversar
E Escola
M - mãe
DC
dever de casa
AM - amigos
ER
evento religioso
A
I - irmãos
DA
B
AP
Alimentação
Atividades que a criança realiza normalmente, mas que não foram citadas:
119
PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA: UMA ANÁLISE
DOS ASPECTOS
SOCIODEMOGRÁFICOS
E DAS ROTINAS DE
CRIANÇAS NOS
CONTEXTOS URBANO
E RIBEIRINHO
AMAZÔNICO
Anexo 3. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
crianças atendidas pelo Programa Bolsa Família (PBF)
A presente pesquisa pretende analisar as dimensões econômicas e sociais do Programa Bolsa Família (PBF) sobre o uso do tempo de crianças atendidas pelo referido programa. As informações recolhidas serão utilizadas apenas para os objetivos do estudo
proposto, salvo em caso de participação em eventos acadêmicos.
Afirmo que é praticamente nula a existência de riscos para os sujeitos envolvidos,
seja de situação constrangedora ou de alteração do ambiente e do comportamento
destes. Os benefícios desta pesquisa para o participante serão resultantes da análise
que apontará sugestões para a problemática envolvida, no sentido de que possam
efetivamente melhorar a qualidade do Programa Bolsa Família.
Informo que apesar da possibilidade de risco nesta pesquisa ser quase inexistente,
caso haja danos provocados comprovadamente pela pesquisa, os participantes serão
amparados e/ ou reparados pela pesquisa.
Ressalto que os sujeitos envolvidos nesta investigação são livres para participar e/ ou
para retirar-se da pesquisa a qualquer momento, solicito apenas que seja avisada sua
desistência.
Pesquisadora responsável: Tatiana Afonso
Endereço: Travessa Mariz e Barros, 2715, AP. 1301, Ed. Torre de Itaúna – Marco. Belém/
PA Fone: (91) 3032-9594
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Declaro que li as informações acima sobre a pesquisa e que me sinto perfeitamente
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Projeto de Pesquisa: Dinâmica de famílias ribeirinhas e urbanas: o uso do tempo de
esclarecido (a) sobre o conteúdo da mesma, assim como os seus riscos e benefícios.
Declaro ainda que, por minha livre vontade, aceito participar desta pesquisa, bem
como aceito a participação das crianças que se encontram sob minha responsabilidade.
Belém, _____ de ___________ de ______.
______________________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Anexo 4. Aprovação da Pesquisa pelo ComitÊ de Ética
121
Celso Antonio Favero
Stella Rodrigues dos Santos
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E AS RELAÇÕES DE
GÊNERO E GERAÇÃO NA AGRICULTURA FAMILIAR
do semiÁRido do noRdeste1
1
o ARTIGo é RESuLTADo DE PESQuISAS REALIzADAS CoM BASE No PRoJETo “A APRoPRIAção, o uSo E A
REPRESENTAção DAS PoLÍTICAS DE DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME PELoS AGRICuLToRES FAMILIARES Do
SEMIÁRIDo NoRDESTINo E oS DESLoCAMENToS NAS ESTRuTuRAS E NAS DINâMICAS FAMILIARES”, CoM FINANCIAMENTo
Do CNPQ, EDITAL MCT/CNPQ N. 036/2010. AS PESQuISAS FoRAM REALIzADAS PELo GRuPo DE PESQuISA TERRITÓRIoS,
HEGEMoNIAS, PERIFERIAS E AuSÊNCIAS” CoM A CoNTRIBuIção SIGNIFICATIvA DoS SEGuINTES ESTuDANTES Do DCH1 DA
uNEB (ToDoS BoLSISTAS ITI, Do CNPQ): ANA TERRA PAES MIRANDA DE oLIvEIRA, CARoLINE DuMAS oLIvEIRA, CARoLyNE
CAETANo SANToS Do RoSÁRIo, IÊDA CARvALHo MARTINS, JoSé SILvANo S. RIoS JúNIoR, LARISSA ELISIA CoSTA DoS
SANToS, LuANA FLoRA vEIGA SouTo, LuANNA MARTINS SANToS SouzA, MAIARA BATISTA DouRADo, PAuLA CoSTA
REzENDE E THAMIRES DE JESuS SANToS.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, o Semiárido do Nordeste do Brasil reapareceu no mapa como
“fronteira” ou lugar onde se revelam, de modos mais plenos, os encontros/desencontros entre a humanização e a desumanização, o interno e o externo, o ordinário
e o extraordinário (MARTINS, 2008, p. 9-10); é nesse Semiárido que o “homem
comum” (MARTINS, 2008), “simples” (IANNI, 1968), “ordinário” (CERTEAU, 1994) e
“sem qualidades” (MUSIL, 2006), na figura do agricultor familiar, ao mesmo tempo
em que se acomoda se rebela e produz efeitos sobre o “homem de qualidade”,
cuja expressão maior é, hoje, o Agente/Estado.
Neste trabalho, considerando esse contexto, a intenção é fazer um mapa dos encontros/desencontros entre esses personagens e, essencialmente, dos modos
como o agricultor familiar, apropriando-se e usando programas de políticas como
o Programa Bolsa Família (PBF), que o transformou de agricultor em “beneficiário”,
refaz as tramas do que constitui a sua vida ordinária, torna-se sujeito e produz
a “Convivência com o Semiárido”2. Destituído dessa sua qualidade, o agricultor/
beneficiário retorna como agricultor, afeta o “homem de qualidades”, tornando-se para ele “um perigo” e provocando a sua reação (MUSIL, 2006, p. 86). O Estado, expressão do “homem de qualidades”, agente de transferência de dinheiros e
“sistema de peritos” (GIDDENS, 1991), e os agricultores familiares, “beneficiários”,
são, portanto, os sujeitos principais dessas tramas.
É, pois, pelas portas do PBF e da “Convivência com o Semiárido” que, neste trabalho, se faz a aproximação com o agricultor familiar e, através dele, com o Estado.
A “Convivência” constitui-se como uma fenda através da qual se encontram os
agricultores familiares envolvidos na produção do chão onde cultivam a sua vida;
a “Convivência” expressa, igualmente, as contradições entranhadas nas relações
do agricultor com outros personagens nos processos de produção desse chão;
mas, contraditoriamente, hoje, em meio às perturbações do novo tempo, tem-se a
impressão que essa mesma “Convivência” tende a ser um “fio da meada” perdido.
2
Nas últimas décadas, a “Convivência com o Semiárido” tornou-se um lema ao redor do qual se
articulam atores e projetos acadêmicos, políticos, sociais, culturais e de produção de vida. No entanto,
ainda atualmente, três outras leituras do Semiárido competem com esta. Na primeira, tradicional, a região
emerge como uma espécie de caricatura, onde a dissimulação e a teatralização tomam o lugar da realidade,
transformando-a num símbolo que é fonte de uma profusão de sentimentos, visões e compreensões, tais
como medo, vergonha, espanto, intolerância, horror; essa visão é, ainda, fortemente vinculada à de
exclusão social, lugar de carência e de ausência de dinâmicas socioeconômicas relevantes, inibindo a
percepção de expressões como a revolta. Como reação das elites modernizantes contra essa visão que ela
considera “negativa”, nas últimas décadas, produziu-se outra, como uma espécie de contraponto “positivo”,
que abre o Semiárido para empreendimentos externos considerados portadores da modernidade, do bem
contra o mal, da racionalidade contra a irracionalidade; nessa perspectiva, para o desenvolvimento
da região, se requer uma consciência social e política empreendedora, que seria produzida pela via da
disseminação de projetos com caráter “quase” missionário e salvador e da inclusão das populações locais
ao espírito empreendedor pela via da “capacitação”. A terceira abordagem, mais recente, entende que o
empreendedorismo instituiu a competição não apenas entre atores sociais e econômicos, mas também entre
regiões, dando origem a regiões produtoras de riquezas e, ao mesmo tempo, a regiões consumidoras de
riquezas. Mas, dentro dessa visão, para enfrentar esse desequilíbrio regional produzido pela competição,
que seria “natural” ao capital, e em nome do próprio capital, o Estado assume o papel de distribuidor
de riquezas, gerando um mapa onde se combinam regiões produtoras de riquezas com regiões de
transferência de recursos, principalmente de renda. As Políticas Públicas de Transferência Condicionada
de Renda se enquadram perfeitamente nesse modelo de crescimento econômico.
123
OPROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA E
AS RELAÇÕES DE
GÊNERO E GERAÇÃO
NA AGRICULTURA
FAMILIAR DO
SEMIÁRIDO DO
NORDESTE
O PBF, por sua vez, permite ingressar num sistema de produção de aparatos simé entendido, aqui, como “programa oficial” e, ao mesmo tempo, como mecanismo
de um sistema que só se realiza quando absorvido e refeito nas tramas da vida dos
seus “beneficiários”. Ele constitui-se, assim, do mesmo modo que a “Convivência”,
como espaço de produção de tensões e conflitos, como afirmação e negação, para
o que a transferência de dinheiro, as “condicionalidades” e os conselhos dos peritos são os termos mais significativos.
Mas, se a agricultura familiar é o chão da pesquisa, os personagens que estão na
“porta” deste chão são famílias de agricultores “beneficiárias” do PBF. Mas, além
de ser o personagem que está na porta, e além de constituir-se como a unidade
básica desta investigação, a família aparece como um personagem que produz e
participa de redes sociais que envolvem, entre outras, figuras como a do “fazendeiro”, do dono do mercado e do Agente/Estado, principalmente o Estado do PBF.
A família é, ao mesmo tempo, uma unidade na interior da qual, principalmente nos
momentos de crise, as contradições e os conflitos tendem a colocar em evidência
as relações de gênero e gerações. Homens e mulheres, adultos, jovens e crianças:
as posições desses personagens no campo/família, além das suas disposições, tornam-se problemas, objetos de disputas. É assim que, seguindo os trajetos dessas
famílias ou de alguns dos seus membros, torna-se possível identificar, inclusive, os
contornos dessas redes ou dos territórios que elas produzem. Semiárido, Agricultura Familiar, Políticas Públicas de Transferência Condicionada de Renda e Gênero/
Geração são as chaves que permitem abrir as portas para a realização do estudo.
A agricultura familiar do Semiárido, chão/personagem da pesquisa, não é homogênea e destituída de história. Nas últimas décadas, a ideia de “Convivência com
o Semiárido” tornou-se um novo modo de aproximação desse personagem/região,
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
bólico-normativos que é, igualmente, um “sistema de peritos”, de modo que ele
da sua diversidade e da sua história; tornou-se, também, um lema ao redor do
qual se articularam projetos acadêmicos, políticos, sociais, econômicos, culturais
e de produção de vida; tornou-se, principalmente, arena para o enfrentamento de
outras designações do Semiárido, que transformaram a região na sua caricatura,
num modo de dissimulação e teatralização e em fonte de uma profusão de sentimentos, visões e compreensões, tais como medo, vergonha, espanto, intolerância,
horror. Transformada em sinônimo de irracionalidade, entre os anos 1970-2000
tornava-se legítima e necessária, em nome do seu desenvolvimento, a atração de
agentes externos portadores da modernidade e da racionalidade, e de projetos
com caráter “quase” missionário e salvador, que deram origem, primeiro, a territórios empreendedores e a territórios perdedores (HARVEY, 2006) e, mais recentemente, a territórios produtores de riquezas e outros consumidores de riquezas,
com o que se esvai a própria ideia de “Convivência com o Semiárido”.
Evidentemente, nenhuma dessas leituras do Semiárido é neutra. Elas pautam projetos, políticas, debates. Criam personagens e desqualificam outros. Produzem semiáridos e, igualmente, políticas para esses semiáridos. É nesse contexto, ainda,
que sujeitos sociais – indivíduos, grupos sociais e territórios – produzem trajetos
e deslocamentos, transformando o próprio “chão” da vida e as rotinas do seu cotidiano. Nesses trajetos que passam por “entre objetos cujas propriedades interagem com as suas capacidades” (GIDDENS, 2003, p. 132), os agentes produzem os
contornos dos seus territórios e, às vezes, os “desencaixes” (GIDDENS, 1991) ou
deslocamentos.
Para Giddens, destacam-se, atualmente, dois tipos de mecanismos de desencaixe
que estão “intrinsecamente envolvidos no desenvolvimento das instituições sociais modernas”. O primeiro tipo ele denomina “fichas simbólicas”, que seriam os
“meios de intercâmbio que podem ser ‘circulados’ sem ter em vista as características específicas dos indivíduos ou grupos que lidam com eles em qualquer conjuntura particular” (GIDDENS, 1991, p. 25). De acordo com este autor, apesar de
reconhecermos diversos tipos de fichas simbólicas, atualmente, a mais importante
é, sem sombra de dúvidas, o dinheiro, que “possibilita a realização de transações
entre agentes amplamente separados no tempo e no espaço”; e, principalmente,
na medida em que “dessocializa” relações sociais (IBID, p. 27). O segundo tipo de
mecanismo de “desencaixe” é constituído pelos “sistemas de peritos” ou de “excelência técnica”, “que organizam grandes áreas dos ambientes material e social
em que vivemos hoje”, e que se impõem, em grande medida, por meio de crenças
que alicerçam vidas. Em comum com o dinheiro, os sistemas de peritos “removem
as relações sociais das imediações do contexto” (IBID, p. 31).
Ao se apropriarem do PBF - que se apresenta dinheiro e sistema de crenças que
alicerça vidas - e ao assimilá-lo como ingrediente extraordinário para a produção
da vida ordinária, portanto, os “beneficiários” agricultores familiares requalificam-no requalificando a própria realidade que constitui a sua vida-rotina. Com esse
ato desloca-se, por exemplo, o eixo que estruturava os modos de produção da
vida, que transitará do campo da “produção agropecuária” no estabelecimento
para o da produção/apropriação de dinheiros. Exceto em algumas áreas do Semiárido, como nas irrigadas, a qualidade “agricultor familiar” quase desapareceu
para reaparecer na identidade do “beneficiário” de políticas de assistência e do
consumidor. Mas, ao mesmo tempo, ela não aniquila o agricultor familiar que, na
sua rotina, modela a vida nos termos da agricultura familiar, transformada pela
presença/ação do Estado.
Falou-se durante muito tempo que o agricultor familiar é um personagem pluriativo. Nas novas circunstâncias, ele se torna ainda mais complexo. Essa constatação
coloca, já de saída, um problema para os estudos sociológicos sobre a agricultura
familiar: o que é essa agricultura familiar? Quem é o agricultor familiar no Semiárido do Nordeste?
Não é o caso, neste trabalho, de retomar o fio do debate teórico, frequentemente bastante emotivo, sobre a agricultura familiar, mesmo porque já se dispõe de
material bastante razoável tratando disso (SABOURIN, 2009; WANDERLEY, 2009;
CAZELLA, BONNAL e MALUF, 2009). Em contrapartida, em termos mais propriamente descritivos, para as finalidades deste trabalho, parte-se da ideia de que a
agricultura familiar no Semiárido não se constitui como um ente dessocializado
e deslocado das dinâmicas sociais, políticas e econômicas; que ela se produz no
encontro/desencontro com outros personagens e dinâmicas.
Eric Sabourin, por exemplo, ao introduzir os seus estudos sobre o problema, retoma a distinção feita por Eme e Laville entre “a economia mercantil capitalista
(a troca), a economia pública (associada à redistribuição do Estado) e a economia
125
OPROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA E
AS RELAÇÕES DE
GÊNERO E GERAÇÃO
NA AGRICULTURA
FAMILIAR DO
SEMIÁRIDO DO
NORDESTE
gratuita, não mercantil, ou não monetária, assimilada ao princípio da reciprocidao autor recupera o fio da discussão elaborada por Odile Castel, que distingue os
motivos que estruturam cada um desses três regimes de economia:
o enriquecimento pessoal, por meio da maximização do lucro,
motivo das atividades de troca capitalista; o compartilhamento,
por meio da redistribuição praticada pelo Estado (serviços
e auxílios públicos) ou por meio das atividades de proteção
a bens e pessoas (seguros das associações e sociedades
mutualistas); e a solidariedade econômica, realizada pela
reciprocidade, motivo que fundamenta não só as atividades
de ajuda mútua, como também as cooperativas e associações
(SABOURIN, 2009, p. 259).
Com isso, Castel, e em seguida Sabourin, recolocam o problema da tensão entre as
situações objetivas postas pela economia e pela política e os interesses subjetivos
dos sujeitos sociais. Além disso, no seu trabalho, Sabourin situou na história a tensão entre os três regimes de economia para mostrar como, nos diversos territórios
do Semiárido brasileiro, os atores recombinam de modos originais essas economias para produzirem distintos sistemas de sociabilidade e distintas trajetórias.
Considerando essa trajetória que coloca em evidência as tensões entre as três economias e, desse modo, as tensões entre personagens situados em campos distintos,
convém destacar que, a partir dos anos 1980, quando o Estado (economia pública)
tornou-se o agente principal para a produção desses territórios, criando, inclusive,
as condições para a expansão da economia mercantil e para o encolhimento da
economia gratuita (e das relações sociais de reciprocidade que acompanham essa
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
de (SABOURIN, 2009, p. 258). Em seguida, como desdobramento dessas ideias,
economia), os modos de sua presença passaram por grandes mudanças até chegarmos ao Estado Assistente Social pautado por políticas públicas de transferência
condicionada de renda e, principalmente, pelo PBF. É, enfim, desse Estado, na sua
relação com o agricultor familiar “beneficiário” dessas políticas, que se trata neste
trabalho.
Para a produção deste trabalho, além de deslocamentos no plano teórico, foram
introduzidos outros no plano metodológico, que permitem a percepção da produção das políticas públicas nesse encontro/desencontro entre o Estado e os
“beneficiários”3. Para isso foi elaborada uma estratégia que permitiu ao investigador fazer uma maior aproximação do agricultor que, de um jeito ou de outro,
sempre e silenciosamente, escapa às conformações estabelecidas pelos mecanismos de dominação e de organização da vida social que lhe atribuem um lugar, um
papel e produtos a consumir. Entendeu-se, também, que o modo mais adequado
para apreender/sistematizar conhecimentos passa pela produção de mapas. Supõe-se, para isso, que
3
O agricultor é coautor dessas políticas, o que o retira do campo dos beneficiários (passivos)
e o recoloca no dos agentes (ativos).
todos os conceitos com que representamos a realidade e à
volta dos quais construímos as diferentes ciências sociais
e suas aplicações, a sociedade e o Estado, o indivíduo e a
comunidade (...), todos estes conceitos têm uma contextura
espacial, física e simbólica, que nos tem escapado pelo fato
de nossos instrumentos analíticos estarem de costas viradas
para ela, mas que, vemos agora, é a chave da compreensão
das relações sociais de que se tece cada um destes conceitos
(SANTOS, B., 2000, p. 197).
Os mapas servem, portanto, como matrizes das referências que localizam os conceitos nos espaços. Isso não significa, como alerta o autor, que os mapas existem,
mas que são modos de representar, apreender e organizar o real; são “distorções
reguladas da realidade, distorções organizadas de territórios que criam ilusões
credíveis de correspondência” (IBID, p. 197).
Figura 1:
127
OPROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA E
AS RELAÇÕES DE
GÊNERO E GERAÇÃO
NA AGRICULTURA
FAMILIAR DO
SEMIÁRIDO DO
NORDESTE
Fonte: http://www.seagri.ba.gov.br/mapa_baciadojacuipe.pdf
Para atender as demandas da produção de informações, primeiro, retomaram-se resultados de investigações anteriores realizadas no mesmo território, e, em seguida,
concentrou-se a investigação em cinquenta famílias (50) de agricultores “beneficiárias” do PBF, vinculadas a cinco comunidades localizadas em cinco municípios do
Território de Identidade Bacia do Jacuípe (TIBJ), localizado no semiárido da Bahia4.
Após a identificação das comunidades participantes, os pesquisadores, munidos
de técnicas artesanais, foram para as comunidades onde fizeram observação. Além
4
A divisão da Bahia em territórios de identidadefoi realizada em 2003, e, em 2007, foi incorporada
pelo governo nas suas estratégias de planejamento. Ver: http://www.seplan.ba.gov.br/mapa_territorios.
html.
de ficarem durante três dias nas casas das famílias envolvidas na pesquisa, com
a finalidade de conhecerem os trajetos e as redes de sociabilidade das famílias e
dos seus membros e de, a partir desses caminhos nos espaços/tempos, conhecerem deslocamentos sociais.
Não se pretende, no entanto, neste trabalho, fazer um mapeamento exaustivo das
continuidades/deslocamentos que afetam, atualmente, as relações de gênero e
geração na agricultura familiar do TIBJ. Pretende-se elaborar um conjunto de mapas que permitam identificar esses movimentos, considerando, especificamente,
os sistemas e as estratégias familiares de produção de vida, os sistemas de distribuição das tarefas nas unidades familiares, as ações de produção de sociabilidades e os processos de reestruturação dos hábitos alimentares e dos cardápios
familiares.
Para a sua apresentação, o trabalho foi estruturado em duas partes, além desta introdução, onde são apresentadas as linhas gerais das abordagens teórica e metodológica que estruturaram o trabalho. Segue-se com a caracterização da agricultura familiar do TIBJ e dos “beneficiários” do PBF e, finalmente, com a apresentação
e análise dos resultados da pesquisa qualitativa.
CARACTERIZAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR, DAS
POLÍTICAS PARA A AGRICULTURA FAMILIAR E DOS
BENEFICIARIOS DO PBF
Quais são as características principais da agricultura familiar do TIBJ? Quem são
os agricultores “beneficiários” do PBF? Quais são as características das políticas
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
membros dessas famílias, visitaram feiras, postos de saúde, escolas, igrejas, com
públicas atualmente dominantes na agricultura familiar do Território? Que importância elas apresentam para a sustentabilidade dessa agricultura? Nesta parte do
trabalho, com base em dados secundários, são delineadas algumas dessas características, o que favorecerá, para o próximo capítulo, o entendimento da relação
entre esses personagens e o Estado.
A agricultura familiar do TIBJ
O TIBJ tem 10.954 Km² e 233.682 habitantes segundo Censo Demográfico (IBGE, 2010).
Nos últimos vinte anos, perdeu populações de modo significativo: entre 1991 e 2000, a
população total do Território diminuiu em 13,9% e, entre 2000 e 2010, em 2,77%. Mas,
enquanto alguns municípios viveram processos intensos de evasão populacional, como
Gavião (-53,6%) e Capela do Alto Alegre (-48,7), em outros, como Pintadas (-0,61%)
e Várzea do Poço (-2%), a evasão foi menos significativa. O fenômeno é parte de uma
tendência geral dos últimos vinte anos para todo o Semiárido do Nordeste.
O que mais chama a atenção, no entanto, nesse contexto, é a evasão de populações rurais. Apesar das dificuldades que se tem para distinguir, nessa região, o rural
do urbano5, e considerando os dados das coletas feitas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), percebe-se que a assimetria entre o rural e o urbano
no que se refere à evasão de populações é bastante evidente. Entre 1991 e 2007,
a população rural do Território diminuiu em 57,2%; chama a atenção, igualmente,
a mudança nas proporções entre população urbana e população rural: em 1991, a
população rural equivalia a 72% do total; em 2000, ela havia caído para 58%. Isso
significa, por um lado, que a evasão de populações rurais é maior que a urbana; por
outro, que parte dos que saem do campo podem ser reencontrados nas cidades da
própria região. Mas, foi exatamente no primeiro período (1991-2000) que a evasão
rural foi mais significativa no Território: em nove anos ela atingiu mais de 41%.
No panorama social, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS), em dezembro de 2008, o TIBJ detinha um dos
mais altos índices de pobreza de todo o Semiárido (78% das famílias eram consideradas pobres) e um dos maiores índices de “beneficiários” do PBF (74% da
população, e 80% dos agricultores familiares eram beneficiárias do PBF)6. A taxa
de analfabetismo era de 32 %; a de abastecimento de água, 35,1% e a de esgotamento sanitário urbano, 30,6%.
Um olhar para a estrutura fundiária do Território contribui para melhor entender
essa situação. De acordo com dados do Censo Agropecuário do IBGE, em 2006 o TIBJ
possuía 27.429 estabelecimentos rurais. Desses, mais da metade (51,5%) tinham
menos de 10 hectares e mais de 94% tinham até 100 ha.; 70 estabelecimentos
(0,25% do total) tinham mais de 1.000 ha7. Além disso, de acordo com o “Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável” do TIBJ (CODES, 2010), atualmente, mais
da metade das terras dos municípios da Bacia é devoluta e 105 imóveis do Território,
envolvendo 76.771,50 ha de terras (quase 8% do total das terras), são improdutivos.
A contribuição da agricultura familiar na produção de valor não mudou muito entre 1990 e 2007. De acordo com dados do IBGE, em 2007, ela participava com
93% dos estabelecimentos, 54,6% da área8 e 66% do valor bruto. O valor médio anual bruto produzido por estabelecimento agropecuário era, então, de R$
5
José Eli da VEIGA (2004) propõe como modelo para o estabelecimento da distinção entre urbano
e rural a combinação de três variáveis principais: 1) o “grau de artificialização dos ecossistemas”, que seria
decorrente da ação da “espécie humana”; e que, para a América Latina, somadas as áreas artificializadas e
semi-artificializadas, não ultrapassa os 38% (Veiga, 2004: 39): 2) a densidade populacional, para o que ele
indica alguns parâmetros, como o da OCDE para a União Europeia, onde se considera rural uma área com
menos de 150 habitantes por Km²; 3) o grau de desenvolvimento rural.
6
Em dezembro de 2008, havia 35.698 famílias beneficiárias; em agosto de 2009, este número subiu
para 37.985 (o que provoca um impacto significativo nos índices relativos, certamente).
7
Segundo o que estabelece a Lei 8.629/1993, pequena propriedade é o estabelecimento com
até quatro módulos fiscais; para o Semiárido do Nordeste, o módulo fiscal tem entre 25 e 35 hectares.
Portanto, quase 95% dos estabelecimentos rurais do TIBJ são pequenas propriedades.
8
A área média desses estabelecimentos é de 19,2 hectares e 51,5% do total dos estabelecimentos
têm menos de 10 hectares.
129
OPROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA E
AS RELAÇÕES DE
GÊNERO E GERAÇÃO
NA AGRICULTURA
FAMILIAR DO
SEMIÁRIDO DO
NORDESTE
1.101,81 (com valor médio mensal de R$ 91,81)9, ou seja, valores que indicam a
no estabelecimento.
Essas informações permitem a elaboração de um perfil socioeconômico para a
agricultura familiar do Território, onde se conjugam: 1) consideráveis perdas de
populações; 2) amplo predomínio da agricultora familiar; 3) persistência de uma
produção agropecuária de baixa produtividade, relativamente pouco extensa, utilizadora de tecnologias bastante simples e voltada essencialmente para a subsistência; 4) situação generalizada de pobreza; 5) diversidade de situações vividas
pelas populações e, principalmente, diversidade de situações de pobreza, marcadas por diferentes combinações de formas de carências materiais desdobradas em
uma multiplicidade de planos ou de âmbitos de vida.
Políticas públicas que afetam a agricultura familiar do
TIBJ
Hoje, três conjuntos/tipos de políticas afetam mais diretamente, cada um de seu
modo, a agricultura familiar do TIBJ: as políticas de desenvolvimento (e de combate à pobreza), de previdência e de assistência social. Mas, para os fins deste
trabalho, limitamo-nos a esboçar linhas gerais de políticas que influenciam mais
profundamente nos modos de produção de vida na agricultura familiar da região.
Uma das maiores fontes de transferência de dinheiro para o TIBJ são as aposentadorias. Em 2008 havia 38.971 benefícios previdenciários (aposentadorias e pensões) no TIBJ; desse total, mais de 81% eram rurais. O total de recursos transferidos pela previdência nesse ano, para o Território foi de R$ 200.396.411,00, ou
seja, mais que o total das transferências municipais. Alguns casos aparecem como
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
insustentabilidade das famílias quando pensada unicamente a partir da produção
singulares. Por exemplo, o município de Serra Preta, que tinha 15.039 habitantes
em 2007, contava com 4.164 benefícios previdenciários (28% ou 1/3 da população; ou um benefício para cada 3,6 pessoas). Para o conjunto do Território, havia
um benefício para cada 6,1 habitantes. Mais curioso, ainda, fica quando comparamos a população rural do Território e o número de benefícios previdenciários:
31.645 benefícios para 125.546 habitantes, ou seja, um benefício para 3,96 habitantes . Entende-se, com isso, a importância que tem essa política para a eco10
nomia daquela população e, igualmente, os efeitos que ela produz em termos da
aglutinação da população em torno de idosos.
9
Conforme dados da SEI/SEAGRI, considerando o conjunto da produção agropecuária do
território com base em séries históricas por produto, obtemos as seguintes informações: 1) considerando
os principais produtos, a produção de 2008 é, aproximadamente, a mesma de 1990; 2) em 2000 houve um
grande salto em termos de área plantada e de produto (no caso do feijão), a produção foi quase seis
vezes maior que a de 1995); em seguida, inicia-se uma curva declinante atingindo, em 2007, patamar próximo
ao de 1990; 3) a série histórica é marcada por grandes oscilações para a maior parte dos produtos e,
considerando todo o período, pela permanência. Mas, finalmente, considerando o valor médio produzido
por estabelecimento da agricultura familiar, sente-se a necessidade de conhecer as outras fontes de
renda dessas famílias e em que proporções médias elas são combinadas.
10
Uma das explicações para essa singularidade é que os beneficiários de aposentadoria rural
nem sempre são habitantes de espaços rurais.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) é o principal instrumento de Política de Desenvolvimento para a agricultura familiar brasileira. No TIBJ, em 2008, ele injetou em torno de R$ 8.316.000,00 para 2.715 contratos (média de R$ 3.063,00 por contrato); menos de 10% dos estabelecimentos
familiares do Território foram inseridos no programa. Isso significa, entre outras
coisas, que, considerando o número de contratos e a média de valor alocado por
contrato, do ponto de vista do Estado, a política pública de incentivo à agricultura familiar, pelo menos neste Território, não é uma política potencializadora do
crescimento econômico ou do desenvolvimento rural11. A maior parte (em torno
de 90%) das famílias de agricultores do Território não é reconhecida por este
instrumento de política.
Ainda nos anos 1980, a agricultura familiar do Semiárido foi incluída numa grande diversidade de programas de “desenvolvimento rural” e “combate à pobreza”.
Desde o final dos anos 1980, num processo de descentralização, os estados nordestinos emergiram como os principais propositores/gestores desses programas.
Na Bahia, a gama de programas que se situam nesse campo é relativamente larga
e envolve, entre outros, os seguintes: Sertão Produtivo, Garantia Safra, Produzir,
Semeando, Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e Água Para Todos12.
Considerando as informações disponíveis a respeito do desempenho desses programas para o período 2007-2010, constata-se que: mesmo tomados no seu conjunto, eles atingem cerca de 10% das famílias de agricultores do Território, o que
coincide com os dados do PRONAF; a quantidade de recursos transferidos foi pouco significativa, de modo que, por exemplo, entre 2006-2010, o Produzir, que é o
programa mais importante para a agricultura familiar do Território considerando
o número de beneficiários e as quantias de benefícios, envolveu 3.417 famílias
(cerca de 10% dos agricultores familiares do TIBJ) e R$ 5.156.239,24, média de R$
1.509,00 por família (para cinco anos).
As políticas de Assistência Social e as Famílias Assistidas
De acordo com dados do Cadastro Único do MDS, entre 2007 e 2010, considerando
o número de beneficiários do PBF, local de moradia (urbano e rural), gênero e frequência à escola, houve no TIBJ uma relativa estabilidade para essas variáveis. Apesar
dessa estabilidade, dois pontos chamam a atenção. Primeiro, em 2010, quando a
população era de 233.682 habitantes (IBGE, Censo de 2010), o número de beneficiários era de 50.889, sendo que aproximadamente 22% da população eram beneficiários do programa, sendo que 38% são de origem urbana e 62% são rurais.
Com relação à inclusão dos beneficiários no mercado de trabalho, considerando
o total de declarantes (menos os que declararam que não trabalham e os aposentados), o número de trabalhadores sobe de 5.457 em 2007 para 6.703 em 2008,
11
Considerando os dados de uma pesquisa de campo, de 450 famílias entrevistadas, 20,8 afirmaram
que, em algum momento, fizeram financiamento via PRONAF, e apenas 4 famílias receberam financiamento via
outros programas. Das 450 famílias, apenas 11% receberam assistência técnica em algum momento.
12
Embora sejam geridos pelo estado/Bahia, grande parte dos recursos alocados é federal.
131
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AS RELAÇÕES DE
GÊNERO E GERAÇÃO
NA AGRICULTURA
FAMILIAR DO
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NORDESTE
desce para 6.051 em 2009 e sobe novamente para 6.338 em 2010. Finalmente, de
pelo menos, o caráter distinto do trabalho rural13.
No que tange à situação da casa dos beneficiários do PBF, considerando o período
2007-2010 verifica-se, primeiro, a diminuição do número de declarantes que moram em domicílio próprio e, na mesma proporção, inversamente, o crescimento do
número dos que moram em domicílios não próprios; segundo, cresce o número de
casas de tijolo/alvenaria e, nas mesmas proporções, diminui o número de casas de
taipa e adobe; terceiro, cresce significativamente o número de casas cujo tipo de
construção é situado entre “outros” (cresce em quase 236%).
As situações relativas ao abastecimento/tratamento de água, iluminação e esgotamento sanitário são as que mais chamam a atenção nesse campo. Com relação à
água (rede pública, poço e outros), verifica-se um pequeno crescimento no número das casas que dispõem de abastecimento via rede pública, passando de 36,3%
em 2007 para 42,4% em 2010 (63,7% em 2007 e 57,6% em 2010 situavam-se
fora da rede pública)14. Nos quatro anos, em torno de 1/3 dos cadastrados se situaram entre “outros”, termo que pode envolver os que dispõem de cisternas para
captação de águas de chuvas15. Mas, em todos esses casos, trata-se da disponibilidade de água para o consumo humano. Para o consumo animal e para a produção
agrícola, a situação é muito mais precária. São raros no Território os agricultores
familiares que dispõem desse tipo de água, o que afeta de modo considerável a
produção agropecuária das famílias16.
Com relação ao tratamento da água (cloração, fervura, filtração, sem tratamento e
outros), houve pequenas oscilações ao longo dos quatro anos. A cloração – passou
de 9,1% em 2007 para 8,8% em 2010 - é feita, em geral, em águas de cisternas
(captadas de chuvas); a utilização da fervura passou de 3,4% para 2,4%; a utili-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
todos os que se declararam “trabalhadores”, mais de 90% são rurais, o que indica,
zação da filtração (que é feita, em geral, em filtros simples de barro) passou de
66,8% para 73%; a não utilização de tratamentos caiu de 18,6% para 13%, que é
um número ainda bastante significativo. Em 2010, cerca de 1/6 dos beneficiários
do PBF no TIBJ consumiam água sem qualquer tipo de tratamento ou se situava
em “outros”.
13
Se cada domicílio tem, em média, 4,5 moradores, o número de famílias “beneficiárias” do PBF
no TIBJ é de cerca de 10.000. O número dos beneficiários inseridos no mercado de trabalho variou entre
5.457, em 2007, e 6.703, em 2008. Pode-se deduzir, portanto, que 3/5 das famílias têm pelo menos um membro
inserido no mercado de trabalho e 2/5 das famílias estão fora desse mercado (não trabalham). Esses dados
remetem, certamente, ao que se define, no TIBJ, como “trabalho”.
14
Dispor de abastecimento de água via rede pública não significa, sempre, que a água chega até a
casa; em muitos casos, ela se encontra disponível em chafarizes coletivos.
15
Conforme declaração feita em 2010, pelo secretário de agricultura de um dos municípios do
TIBJ, em torno de duas mil famílias do seu município não dispunham naquele momento de qualquer sistema
de armazenamento de água, mesmo cisternas ou caixas.
16
. Convém lembrar que, numa perspectiva histórica, o significado da não disponibilidade de água
para o consumo animal tem uma dimensão muito mais agressiva hoje do que, digamos, trinta anos atrás.
O deslocamento ou a circulação de animais para aguadas, por exemplo, era algo comum, o que hoje não é
mais (impedimentos sanitários, fechamento de aguadas, a disponibilidade da “ajuda” ou da mão de obra da
criança, etc.).
Em 2010, de acordo com os dados do CadÚnico, mais de 70% dos beneficiários
do PBF tinham acesso à rede pública de energia elétrica (em contrapartida, cerca
de 30% das residências continuam excluídas). Mas, se cresceu o acesso à rede
de energia elétrica, o mesmo não se verifica com relação à rede de saneamento
básico, principalmente no que se refere aos sistemas de esgotamento sanitário17.
Nos quatro anos (2007-2010) permaneceu relativamente estável e muito baixo o
número das moradias que dispunham de acesso a redes públicas de esgotamento
sanitário: em 2010, atingia apenas 27,5% (esse número se refere, provavelmente,
aos moradores de cidades). Pior ainda, mais de 45% não dispunham de qualquer
sistema de esgotamento ou se situavam em “outros”; enquanto isso, 23,5% dispunham unicamente de fossa rudimentar.
Em síntese, as Políticas de Desenvolvimento Rural e de Combate à Pobreza, incluindo o PRONAF, são seletivas e excludentes: apenas 10% dos agricultores familiares do Território acessam efetivamente essas políticas. Além disso, de modo
geral, os que acessam o PRONAF são os mesmos que acessam as políticas estaduais de desenvolvimento e combate à pobreza.
Trabalho e Previdência são os instrumentos que mais injetam dinheiros nas famílias. A importância da Assistência Social, particularmente do PBF, para a agricultura
familiar do Território tem origem menos na quantidade de dinheiro transferido
para cada família e mais na sua qualidade e no grau da sua universalidade: o dinheiro chega como “uma benção”, carrega consigo um sistema de crenças (o que
remete ao “sistema de peritos”) e condições, privilegia o vínculo com a mulher e as
crianças, insere a família (principalmente a mulher e as crianças) em novas redes
de sociabilidade e de controle político (principalmente as Secretarias Municipais
de Assistência Social). O dinheiro do PBF é um dinheiro diferente, produz novos
circuitos e afeta as estruturas de posições e de disposições dos membros da casa.
O PBF não atua como saneador de precariedades, mas, essencialmente, como mecanismo para o deslocamento do centro do sistema de precariedades, que vai da
comida para as condições de humanidade. Por um lado, efetivamente, coloca-se
mais quantidade e variedade de comida na mesa das famílias; por outro, no entanto, as situações estruturantes (acesso à terra, à água, ao saneamento básico, às
tecnologias para a produção agropecuária, ao financiamento...) não foram alteradas. No dia-a-dia, as famílias precisam continuar inventando modos de produzir a
sua vida (buscar diárias em fazendas vizinhas, migrar para terras distantes, fazer
coleta e artesanato, adquirir sementes e plantar na parca terra cuja titularidade é,
muitas vezes, de outros...). Nos períodos de estiagem, cada vez mais frequentes (a
natureza parece mais desequilibrada) e longos, essa precariedade manifesta-se
ainda mais evidente, principalmente quando se tem que buscar, em lugares não
muito próximos, a água para beber; ou quando se tem que esperar a chegada do
carro pipa da prefeitura, com as suas condições.
17
O acesso à energia elétrica contribui de forma mais significativa para a inclusão nos mercados
como consumidores, o que se adequa mais claramente aos interesses embutidos nos novos sistemas de
políticas.
133
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AS RELAÇÕES DE
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NA AGRICULTURA
FAMILIAR DO
SEMIÁRIDO DO
NORDESTE
As condicionalidades embutidas no PBF escondem, além disso, por trás da comida,
dução da “Convivência com o Semiárido”, pelo menos na perspectiva do Estado,
torna-se mito, coisa do passado, substituída pela ideia da necessidade de convivência com o mercado (como consumidor e não como produtor).
DOS DESLOCAMENTOS NA AGRICULTURA FAMILIAR DO
TIBJ
O PBF foi inventado pelo Estado com a intenção de inserir famílias nas redes de
consumo. Mas, ao mesmo tempo, ele produz deslocamentos nas estruturas e nos
modos de viver das populações situadas abaixo da linha da pobreza. Neste, mergulhando no miúdo da vida, procura-se identificar essas continuidades e mudanças no contexto da vida-rotina das famílias, provavelmente; poucas delas imaginadas pelos produtores do programa ou mesmo passíveis de identificação quando
se considera a partir da dimensão normativa. A imersão dos pesquisadores na vida
rotina dos “beneficiários” permite uma melhor apreensão dos modos como esses
personagens desorganizam/reorganizam a sua realidade (as suas relações com os
objetos que os cercam, as suas ações no mundo, as relações com outros personagens e, inclusive, os modos como produzem as representações sociais).
Quatro portas permitem a imersão dos pesquisadores nessa realidade: a das estratégias/ações de produção da vida, a da distribuição das tarefas entre os membros
da casa, a das redes de sociabilidade e a dos cardápios/hábitos alimentares. É
importante relembrar, ainda, que nesta parte do trabalho se lida com informações
qualitativas produzidas no contato com 50 famílias de agricultores familiares “beneficiárias” do PBF. Além disso, considerando essas famílias como unidades pri-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
a necessidade de ajustamento à regulação de quem domina, desumaniza. A pro-
meiras da investigação, o foco se dirigiu para as relações entre os seus membros e,
essencialmente, para as relações de gênero e geração: como elas são reconstruídas
(ou não) a partir da apropriação e do uso, na unidade familiar, do dinheiro do PBF.
Sobre os sistemas familiares de produção de vida
Nas últimas décadas, o TIBJ tornou-se um “território do dinheiro” (SANTOS, M.,
1999); o dinheiro, a mais importante das “fichas simbólicas” (GIDDENS, 1991),
tornou-se o sujeito principal na produção do Território e da agricultura familiar no
Território. Além disso, a agricultura, que se fazia quase exclusivamente na articulação entre as economias gratuita e mercantil, viu a economia pública (o Estado
“sistema de peritos”) tornar-se hegemônica nos processos de sua produção. Além
de o dinheiro assumir o lugar das gentes e das coisas, o dinheiro público substituiu
outros dinheiros, inclusive o do trabalho, alçando o Estado ao centro do campo da
produção da vida.
Durante a realização da pesquisa, percebeu-se que, considerando a região e os
seus personagens centrais, o entendimento dos deslocamentos nos sistemas e
nos modos de produção da vida passa, primeiro, pela decifração do termo “trabalho” e, em seguida, dos lugares/trabalhos dos membros da casa. Para o agricultor
familiar do TIBJ, as atividades que contribuem para a produção da vida são plurais,
e o trabalho é uma delas. Além da palavra “trabalho”, para identificar essas atividades, fala-se de “labuta”, “lida-lida”, “ajuda”, “adjutório”, “macacada”, “venda de
diárias”, “bicos” e “assalariamento”. Aparentemente, elas se referem a um mesmo
objeto (ações de produção de vida); no entanto, elas designam diferentes posições
sociais e formas de estruturar relações, de modo que se pode agrupá-las em três
conjuntos de sentido: 1) o trabalho como dito (ação produtiva “do homem” realizada no estabelecimento e que resulta em “produtos” para o consumo e/ou para a
venda); 2) a “ajuda”, a “lida-lida” ou a “labuta” (as ações “das mulheres” e/ou “das
crianças”, e, também, as ações repetitivas, mesmo quando realizadas por homens,
como a de buscar água ou alimentar animais); 3) a “venda de diárias” a “macacada”,
o “dia de macaco” e o assalariamento (atividades realizadas fora do estabelecimento, mediadas por terceiros e que têm a finalidade de produzir dinheiro).
Tradicionalmente, na região, o “trabalho” é atribuição do homem; mulheres e crianças “ajudam”. Mesmo no interior do estabelecimento (do sítio), o filho homem só
“trabalha” quando é “liberado” pelo pai e/ou pela lei (as condicionalidades do
PBF); ou quando casa: “desde os doze anos, eles ficam na angústia de quando poderão trabalhar”, dizia um agricultor de Pintadas. Só casa o homem que já trabalha,
de modo que todo homem casado trabalha. Com a liberação para o trabalho, o
filho/homem pode, também, trabalhar fora – “macacada”, “dia de macaco”, “venda
de diárias”, “assalariamento” – para ganhar o seu dinheiro (frequentemente, isso
se faz nas fazendas de café, laranja e cana do Sudeste).
Portanto, a ação do homem, além de ser ação “produtiva” (produz alimentos e
dinheiro), cria o próprio homem (se torna homem pelo trabalho); extensivamente,
cria a mulher e a criança como os que ajudam (excluídos do campo do trabalho).
A ação da mulher pode ser reconhecida em alguns casos como trabalho: quando
não há homem na casa. Mas, essencialmente, o trabalho produz o homem e, negativamente, a mulher e a criança, de modo que não é o trabalho que caracteriza a
mulher e a criança, mas a ajuda, que é a negação do trabalho.
Esse modo tradicional de representar a produção dos indivíduos e da sociedade
permanece na região, apesar de encontrarmos alguns sinais que apontam para o
seu rompimento, tanto no âmbito das falas quanto da própria prática, como nos
casos de grupos de mulheres que se associam para produzirem. Dois mecanismos contribuem, sobremaneira, para essa ruptura: a monetarização dos modos
de produzir a vida (a chegada dos dinheiros de políticas públicas e a expansão
do “trabalho assalariado”) e a “presença” das “condicionalidades” do PBF. Por um
lado, não é mais só o trabalho (atributo do homem) que dá acesso ao dinheiro, de
modo que o dinheiro deixa de ser coisa só de homem; por outro, com as crenças
embutidas nos requerimentos das condicionalidades, a criança já não ajuda, ela
estuda. O campo da ajuda encolhe: o jovem (homem) passa diretamente do “estudar” para o “trabalhar”, sem passar pela fase da ajuda; a jovem (mulher); intercala
ajuda e estudo na preparação para o casamento. Além disso, hoje, entre os jovens,
é quase unânime a voz que diz que o trabalho é um dos meios de obter dinheiro
(o trabalho produz dinheiro). Poucos jovens homens consideram a possibilidade
de trabalhar na própria roça.
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NORDESTE
Com essa monetarização das relações, com a quase universalização do PBF na agrio mercado, são reestruturados os sistemas e os modos de produzir a vida. Essas
mudanças se revelam na tensão entre trabalho e dinheiro e se desdobram nas relações entre os dinheiros de transferências públicas e dinheiros do trabalho; elas
se revelam, igualmente, nas relações entre os sistemas significativos/normativos
(Estado) e a vida-rotina dos agricultores.
Mas, ao mesmo tempo, salta aos olhos a naturalização que vem se estruturando
nos modos de cumprimento das condicionalidades do PBF, sob a responsabilidade da mulher. Quase sempre sozinhas, as mulheres respondem pelas decisões
de levar os filhos ao posto de saúde, pelo acompanhamento do calendário de
vacinação, pelo controle do cartão de vacina e da matricula escolar, mesmo nos
casos em que contam com a presença do marido/companheiro na casa. Apenas
em um dos casos, entre os cinquenta estudados, se afirmou que o homem divide
essas tarefas. A responsabilização da mulher é acrescida, ainda, em decorrência,
por exemplo, da ausência de um cônjuge (marido ou companheiro), cujos motivos
envolvem desde a busca, por este, de trabalho em outras regiões do país, passando por separações conjugais de fato, ou pela inexistência de vínculos conjugais
(mães solteiras).
Essa naturalização da responsabilidade pelas condicionalidades produz, pelo menos, dois efeitos. O primeiro remete à restauração - que está subjacente na formulação do Programa - do papel atribuído à mulher na “reprodução” da vida, nos
“cuidados” com os filhos, na administração das coisas da casa, fixando e essencializando a mulher a partir das funções biológicas. A restauração desse papel foi fartamente verificada em conversas com agentes governamentais locais – assistentes
sociais, agentes de saúde, diretoras de escolas e professores -, quando inquiridos
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
cultura familiar e com o adensamento das relações entre agricultores, o Estado e
sobre o cumprimento das condicionalidades. O segundo ponto se refere ao consenso que se estabeleceu sobre a legitimidade da preferência das mulheres pelo
Programa. Entende-se, nas comunidades visitadas, que o acompanhamento do calendário de vacinas e da vida escolar é um atributo “natural” da mulher, que cuida
melhor da casa e sabe melhor das necessidades.
Em síntese, com a apropriação de dinheiros e de crenças embutidas nas políticas
públicas, particularmente nas condicionalidades, os agricultores familiares do TIBJ
reestruturaram os modos tradicionais de produzir a vida: 1) o dinheiro tornou-se a
“ficha simbólica” e o personagem principal, subordinando a ele o próprio trabalho;
2) o trabalho no sentido estrito mantém-se como atribuição do homem; 3) o trabalho no sentido largo (combinação de uma multiplicidade de atividades incluindo
a ajuda) torna-se uma atribuição do adulto e exclui a criança/adolescente (divisão
por idade); 4) o cuidado da casa e de tudo que isso implica (condicionalidades)
é atribuição quase exclusiva da mulher; 5) o sistema de produção de vida, que
resultava da tensão entre as economias gratuita e mercantil, estrutura-se hoje na
combinação/descombinação de três economias, com a hegemonia da economia
pública e do seu dinheiro; 6) o Estado “sistema de peritos” torna-se a ficha simbólica mais importante para a definição, na agricultura familiar do Território, do que é
certo e errado, justo e injusto; 7) com a apropriação dos dinheiros dos programas
de políticas públicas, principalmente do PBF, com as suas condicionalidades, foi
reajustada para cima a escala de inserção das famílias na sociedade/mercado; 8)
na nova escala de inserção, a contribuição solicitada de cada uma das economias
para a produção da vida foi requalificada; 9) o dinheiro do PBF se torna central na
nova escala de inserção social: o fortalecimento do consumo de bens e serviços no
mercado; 10) adultos e crianças, mulheres e homens: as suas posições e funções
nas estruturas dos sistemas de produção de vida foram alteradas, dando origem a
novas tensões entre eles.
A distribuição de tarefas nas unidades familiares
Dessa monetarização das relações sociais e das estratégias de produção de vida
decorrem mudanças nas estruturas de posições dos indivíduos nas unidades familiares e na distribuição das tarefas em, pelo menos, três campos: 1) desvincula-se a criança/adolescente dos ambientes da produção de alimentos/bens e da
produção de renda/dinheiros para situá-lo na escola (condicionalidade); 2) com
relação à produção de alimentos/bens para a unidade familiar e a produção de
renda/dinheiro para o acesso ao mercado de bens e alimentos, o eixo forte tende a deslocar-se do primeiro para o segundo (produção de renda/dinheiros)18; 3)
opõem-se as diversas formas de produção/acesso ao dinheiro, dando origem aos
diversos dinheiros: o dinheiro que resulta diretamente do trabalho, o dinheiro do
PBF, o dinheiro dos bicos, o dinheiro das aposentadorias/pensões, o dinheiro do
jovem. Com essas mudanças que estabelecem o primado do dinheiro, enquanto
alguns dinheiros são vinculados ao homem, outros são da mulher e outros dos
jovens. Essas diferenças entre os dinheiros dos indivíduos se manifestam, essencialmente, no seu uso: quem decide sobre o seu uso e em que é usado. Mas, se
produção/apropriação de renda/dinheiros torna-se estruturante nos modos de
produzir a vida, a economia gratuita não desaparece, mas se refaz nas novas circunstâncias, ganhando novos sentidos. Essas mudanças nos sistemas de produção
de vida repercutem nas estruturas de distribuição de tarefas entre os membros
das unidades familiares, dando origem a novas combinações/descombinações.
No que diz respeito à divisão sexual do trabalho no âmbito das unidades familiares, aos homens cabe, ainda hoje, a responsabilidade pelas atividades ditas “produtivas”: trabalhar, vender, trocar, comprar, decidir sobre o que produzir e o que
comprar; à mulher cabe cuidar da casa, dos filhos, dos pequenos animais, da horta,
do artesanato feito “nas horas vagas”, buscar ajuda de parentes e vizinhos, providenciar água para o consumo; aos filhos cabe estudar; aos jovens cabe preparar-se
para o casamento (emancipação). Ou seja, as tarefas da mulher são vinculadas aos
usos e ao consumo da família. Essa divisão de tarefas é portadora de um caráter
valorativo, que repercute, por exemplo, pelo menos no plano da representação,
em maior ou menor autoestima. Esta continuidade na divisão sexual das tarefas
legitima o homem no exercício do controle e da gestão dos recursos financeiros
18
A economia gratuita ou economia do dom (estabelecida na relação com vizinhos e parentes),
embora importante para a produção/reprodução das famílias na região, sempre foi considerada como uma
forma complementar de obtenção de meios de vida.
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gerados na família e vincula o homem à produção, seja no estabelecimento ou fora
para o mundo, repete as atividades de sempre.
Mas, com o PBF, abriu-se para a mulher um novo campo de atividades, sem alterar
significativamente o anterior: ela é a responsável junto ao Estado, responsabilidade que envolve a realização das condicionalidades do programa. Em uma das
rodas de conversa, foi emblemática a fala de uma das mulheres: “a mulher trabalha
na casa e na roça também, enquanto o homem faz serviços fora ou presta diária
na terra de outras pessoas”. A mulher sempre foi para a roça, sempre “ajudou” o
homem no seu trabalho na roça; mas, atualmente, quando aumenta o tempo do
homem fora da própria roça, aumenta o tempo da mulher na roça, onde ela assume, frequentemente, a direção da atividade.
Na fala da mulher está em jogo o “fora” e o “dentro”, como demarcadores de lugares e de posições que homem e mulher ocupam na distribuição das tarefas no
âmbito da unidade familiar. Por um lado, o trabalho “dentro” é assumido majoritariamente pelas mulheres e aquele realizado “fora” é atribuído ao homem; por
outro, está em andamento um processo de redefinição sobre o que é dentro e
o que é fora, de modo que o fora que se concentrava na roça se torna cada vez
mais o fora do estabelecimento. Além disso, quanto mais se desloca a atividade
do homem para fora do estabelecimento, mais ele carrega consigo o conteúdo do
termo trabalho: trabalhar é uma atividade feita fora: “o homem trabalha quando
arranja serviços”. A ação da mulher na roça, que antes era própria do homem, é
desqualificada.
Contribui para a produção/reprodução dessa desigualdade de gênero o desencontro entre as políticas de desenvolvimento rural, como o PRONAF, vinculado principalmente ao homem (são raras as mulheres no Território que acessam o PRONAF),
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dele: “se não tiver trabalho por aqui, eu vou sair pelo mundo”. A mulher não sai
e as políticas de assistência social, como o PBF, explicitamente vinculado à mulher.
Essa divisão – com raízes nas estratégias ideológicas e normativas do Estado e
que envolvem, na ponta de baixo, os seus agentes extensionistas e de assistência
social – contribui significativamente para a demarcação e a naturalização dessa
divisão sexual das atividades na família. O Estado ganha substância enquanto “sistema de peritos”.
Essa assimetria nas relações de gênero nos sistemas de distribuição das tarefas
nas unidades familiares se reproduz nas relações entre gerações. Na distribuição
das tarefas nas unidades familiares referentes aos filhos e filhas, se reproduz o
mesmo padrão verificado na relação entre o pai e a mãe. Se, por um lado, a ajuda
das crianças e dos adolescentes foi transformada em trabalho e substituída pela
escola (condicionalidade), por outro, as expectativas que se tem com relação ao
menino e à menina diferem. Na convivência diária com muitas famílias percebeu-se que as meninas dividem o seu tempo ajudando a mãe nos afazeres domésticos
e na dedicação aos estudos; enquanto isso, alguns dos filhos mais velhos acompanham o pai em atividades da roça. Mas, em geral, eles não vão para a roça para
não perderem aula: “eles gostam de estudar, não perdem aula e querem continuar
estudando pra mudar de vida”. Curiosa é a fala dos meninos com relação às colegas na Escola Família Agrícola de Jabuticaba: “há disciplinas como zootecnia, que
as meninas não têm jeito para laçar um garrote”; um deles acrescenta: “só conheci
na escola uma única menina que sabia ordenhar”; e outro: “as meninas preferem
arrumar os quartos e limpar a escola”. A inscrição da ordem masculina nos discursos interdita tacitamente a inserção das meninas em determinadas atividades
destinadas para os homens. Enfim, durante a pesquisa foi possível perceber a força expressiva com que as famílias projetam o futuro dos filhos a partir da crença
na escola e no ganhar dinheiro. É com base nessas crenças que, muitas vezes, os
filhos são poupados do envolvimento com afazeres domésticos ou de trabalho na
roça. Pais e mães justificam o esforço que fazem para que os filhos estudem: “(...)
quero que eles tenham um futuro que infelizmente não consegui conquistar”.
Trajetos e redes de sociabilidades das famílias
Em quase todas as famílias que participaram da pesquisa, a mulher detém o “cartão” do PBF, o que lhe dá o acesso ao dinheiro e à definição do seu destino e a
torna reconhecida pelo Estado e no mercado. A posse do cartão afeta profundamente as suas rotinas e os seus trajetos, requalificando e alargando a sua rede
de relações. Na pesquisa, acompanhando trajetos de mulheres e homens, jovens
e crianças, foi possível identificar as “estações” (GIDDENS, 2003) ou os lugares
no trajeto onde se adensam o tempo/espaço da realização da vida. Além da casa,
posto de saúde, escola, feira, mercado, casa lotérica, banco, igreja e vizinhança são
paradas obrigatórias onde se materializam a apropriação e os usos do PBF pelas
famílias, com a mulher protagonizando as ações. Mas, cada membro da família tem
as suas próprias estações. Seguindo as suas trajetórias e observando onde param
e o que fazem nessas paradas, pode-se dimensionar o que são, para esses personagens, as suas redes de sociabilidade.
A forte presença de mulheres nas rodas de conversa realizadas ao longo das pesquisas, mesmo quando se teve o cuidado de convidar a comunidade, indica que
é consenso na região que PBF se liga à mulher. Provocadas a falarem sobre o assunto, as mulheres, por unanimidade, concordaram em afirmar que cabe a elas a
apropriação e o uso do dinheiro, pois, de acordo com as suas representações, elas
sabem dar melhor destino ao dinheiro, que é destinado ao atendimento do que
elas consideram as principais necessidades da casa. É um dinheiro para a casa e,
portanto, deve ser gerido por elas. Ao serem provocadas pela pergunta: “(...) e se
fosse o homem o que recebesse o dinheiro?”, a resposta começa com risos e com
uma exclamação que faz coro: “hum... ficava metade no meio do caminho;” outras
diziam: “todo não chegava em casa”; outra: “a mulher é que sabe o que precisa
dentro de casa”.
Essa unanimidade forma redes sociais, estabelece vínculos e, principalmente,
altera a posição da mulher na sociedade. Ela afeta a própria autoestima da mulher. A sua disposição para participar de encontros referentes ao PBF, chegando a
enunciar iniciativas e/ou promessas de rompimento de relação de subordinação
ao homem/marido, foi bem traduzido pela resposta de uma delas, quando a amiga lhe perguntava com quem havia deixado “os meninos”: “Ah! Deixei com ele e
disse que tinha uma reunião do ‘Fome Zero’, e que ele tomasse conta dos meninos
porque eu não sabia que horas ia voltar”. A fala, acompanhada de expressão de
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AS RELAÇÕES DE
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NORDESTE
contentamento e risos, indica um misto de vitória e dúvida. Atitudes assim foram
neficiárias do programa, que possibilitam ampliar as suas redes de relações, já que
agora elas andam por outros caminhos e demoram em outras estações, para além
das estações tradicionais da mulher local: a casa, os vizinhos e a igreja.
Mas, a despeito desses deslocamentos nas rotinas e nos trajetos que tornam as
mulheres visíveis no comércio, nas filas das casas lotéricas e em estações que
se tornaram obrigatórias para os beneficiários do Programa, e apesar de se ter
instituído e legitimado a ideia de que o recebimento do beneficio deve ser feito
“preferencialmente” por mulheres, na pesquisa ficou nítida a impressão de que
tudo isso é ainda insuficiente para produzir deslocamentos mais profundos nas
relações hierárquicas de subordinação homem-mulher e, sobretudo, quando se refere à participação na esfera pública. Ficou visível que se reforça com o Programa, na
prática e nas representações, o lugar/papel tradicional da mulher de cuidar da casa.
Produz-se uma espécie de desencontro entre o alargamento “físico” dos trajetos e
a manutenção da ideia de que o lugar da mulher é a casa. Se, por um lado, é quase
nula a presença de mulheres em organização sociais tradicionais (associações comunitárias, sindicatos, cooperativas) e que se situam para além dos trajetos “obrigatórios”, por outro, elas criam e ingressam em novas redes, e se encontram com mais
frequência com pessoas que antes não faziam parte das suas redes.
Esses novos trajetos e paragens complexificam o seu território, abrindo o leque das
sociabilidades advindas dos conteúdos novos de informações que são obrigadas a
adquirir para atender às novas demandas do ser mulher, como a de ser responsável
pela administração do cartão do PBF. Acompanhando mulheres nos seus trajetos,
foi possível observar, por exemplo, para além das relações de mercado, o estabelecimento “espontâneo” de uma rede de “entre ajuda” e solidariedade que funciona,
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
verificadas em muitas comunidades, apontando para mudanças na rotina das be-
por exemplo, quando convém esclarecer dúvidas sobre os locais próprios para tirar
a documentação ou sobre exigências do Programa e, ainda, para facilitar estratégias
de acesso a locais e pessoas mais indicadas para resolver problemas.
Nas comunidades locais, o PBF estabeleceu-se como espaço de apoio mútuo, rompendo com a sua formalidade, que exclui relações de horizontalidade19. Os encontros se refazem em lugares tradicionais, como nas rodas de “cata/quebra de licuri”,
ou em lugares novos, como postos de saúde.
Certeza e medo – medo por que não é um direito, é uma espécie de dádiva e é
incerta – se misturam refazendo a vida da mulher. Se, por um lado, o dinheiro do
Programa é certo (quantidade certa), contraditoriamente, é produtor de medo (a
sua chegada é incerta). “Todo final de mês o medo bate”; por quê? “Medo de botar
o cartão e não sair dinheiro; com que vou pagar as dívidas?” Os relatos expressam
o caráter dessa vida precária, dessa nova precariedade, não mais necessariamente
da falta de comida, mas de uma vida sujeita a determinações incontroláveis, cada
19
O PBF é baseado em relações verticais tendo nos extremos o Estado e a família/indivíduo,
mediado por um sistema técnico e pelas condicionalidades, que transformam o beneficiário em objetos
de controle.
vez mais fluídas e modeladas por programas que embutem incerteza, inconstância, imprevisibilidade. Institui-se um modo de vida que exige autorização do outro.
“Hoje tem, amanhã não se sabe”. É assim também com o trabalho: não é “fixo” e
nem “certo”. Daí os dias vividos sob-riscos e medos. Fragmentação, instabilidade,
incerteza e fé (rezam muito) integram o cotidiano das famílias e afetam, sobremaneira, a mulher na condição de responsável pela casa, educação e saúde dos
filhos, com o dinheiro “certo”, mas “incerto”.
Deslocamentos nos hábitos alimentares e nos cardápios
Embora a presença de produtos como o feijão, a farinha de mandioca, o feijão de
corda e o fubá de milho, tradicionais produtos agrícolas das famílias, sejam consumidos quase todos os dias em quase todas as famílias pesquisadas, é em termos
de continuidade/descontinuidade de hábitos alimentares, inscrita, inclusive, numa
ordem geracional, que se expressam algumas exigências, antes ausentes, agora
“naturalizadas”. Chamam a atenção, nas rodas de conversa, os conflitos de mães
com relação a exigências de filhos pela inserção de alguns elementos no cardápio
diário, marcando um ponto de clivagem na mudança de hábitos e de gosto:
[...] na mesa tem cuscuz e café, e o menino pergunta: cadê
a manteiga? Não tem manteiga, não. Então eu não quero; é
assim que eles respondem. A gente nunca teve manteiga e
nunca reclamou; agora não, eles não comem o cuscuz sem
manteiga. Vocês lembram? Era cuscuz seco [...].
O grupo confirma com entusiasmo e relata episódios semelhantes para confirmar:
“hoje está tudo mudado”. Desses relatos pode-se inferir que, hoje, a decisão sobre
o que consumir é pautada cada vez mais pela geração que experimenta o viver
numa organização social definida pelo dinheiro e pela escola (merenda escolar),
principalmente o dinheiro da economia pública, que traça contornos nas relações
e nas dinâmicas sociais do TIBJ. No plano simbólico, nomes de alimentos antes
comuns, a exemplo do “bengo” (animal parecido com o sariguê), “fufuta” (milho
torrado, pisado no pilão, misturado com rapadura e cessado na peneira), “rabo
seco” (mistura de farinha, pimenta e sal), dentre outros, são pronunciados pelas
mulheres (nas rodas de conversa) como acidentes de vida cercados de um antes
e um depois. É com certo constrangimento e como memória que os nomes desses
alimentos aparecem nas conversas, diferente do modo como se referem aos alimentos adquiridos no mercado.
Durante as visitas, saltava aos olhos a presença marcante da bolacha, exibida em
vasilhames para os pesquisadores e saboreada por crianças, numa expressão de
detentora de um gosto de prestígio social, contrastando, no entanto, com as condições precárias de vida. Dados quantificados com base em questionário resultante
de uma pesquisa anterior indicam que mais da metade dos produtos alimentares consumidos pelas famílias são obtidos por meio da compra e não mais da
produção direta. Produtos até recentemente considerados estranhos, como pão,
macarrão, embutidos industrializados, produtos enlatados, frutas, como a maçã e
a uva, ingressaram no cardápio das famílias; enquanto isso, produtos de consumo
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tradicional, como feijão, farinha de mandioca e milho são adquiridos no mercado,
Essa combinação de produtos tradicionais com novos e, também, a presença crescente de produtos adquiridos no mercado são indícios de uma continuidade/descontinuidade nos hábitos alimentares, favorecendo uma disposição de gosto por
produtos produzidos fora do domicílio. Isso decorre em grande medida, da tendência para a monetarização das relações sociais e dos sistemas produtivos, articulada
com a tendência de urbanização de hábitos, para o que contribui de modo significativo o ingresso das crianças na escola e, principalmente, em escolas localizadas na
cidade. Essa disposição para a mudança dos hábitos alimentares é reforçada, ainda,
pelo acesso à televisão, presente em quase todos os domicílios pesquisados.
Com relação aos hábitos alimentares, chamou a atenção, nas pesquisas, o pequeno
peso relativo do consumo de aves e porco. Há não muito tempo, criar e consumir
galinha, e também porco, era algo quase inerente ao ser agricultor familiar na região. Além de diminuir a produção desses animais, no mercado, a preferência recai
sobre outras carnes, consideradas mais nobres, inclusive embutidos. Nas rodas de
conversas ouviu-se muito falar do pão e do macarrão, dando a impressão de que
são alimentos de todos os dias. Durante uma visita, perguntou-se a um grupo de
crianças: “se chegasse alguém na escola e dissesse: hoje vocês poderão escolher
entre feijão e macarrão, o que vocês escolheriam?” A resposta veio na forma de um
grito: “macarrão!”. Com relação ao feijão e ao arroz, que se acreditava estarem em
todas as mesas da população do Território, mais de 30% das respostas a um questionário (foram entrevistadas 450 famílias) mencionaram estes produtos entre os
de pouco ou nenhum consumo. Estaria em marcha na região, ao que parece, um
processo de produção de novos padrões alimentares, formador de novos paladares, que exclui o que é da roça, principalmente por ser da roça.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
o que sugere a precariedade da produção no próprio estabelecimento.
Essa percepção não é um atributo exclusivo desta pesquisa. Em um dos municípios do Território, por exemplo, a Secretaria da Agricultura desenvolve um programa visando a interferir nesse processo. Dentre as atividades do programa, são
realizadas oficinas com a finalidade de desenvolver tecnologias para o aproveitamento de produtos da região e de interferir no cenário das representações, produzindo novos nomes para determinados alimentos, frutas e legumes da região. Por
exemplo, com relação ao umbu, fruta típica da região, aprende-se a fazer “conserva”, que é renomeada e chamada “azeitona do sertão”. Azeitona é um símbolo do
mundo urbano.
Entende-se que há distintas maneiras de formar hábitos; e que a formação de
hábitos se vincula às condições materiais dos sujeitos sociais que os produzem;
e que estes sujeitos sociais se inserem em contextos (estruturas de tempos e espaços) determinados. Assim, por exemplo, nas circunstâncias atuais da agricultura
familiar do TIBJ, o PBF constitui-se como elemento estruturante. O dinheiro do
Estado e a voz do Estado (dos seus peritos) que são assimilados pelas famílias com
a mediação das condicionalidades, são portadores de uma enorme capacidade de
determinação: colocam no centro do cenário a mulher, a criança e a compra (de alimentos). Esse poder de interferência é acrescido na medida em que a criança vai
para a escola, na cidade, onde recebe uma merenda que inclui, invariavelmente,
produtos industrializados; enquanto isso, a mulher vai para o Posto de Saúde, onde recebe formação sobre hábitos alimentares. Ora, a mulher é a encarregada de, ouvindo as
crianças, colocar a comida na mesa. Estudo realizado em 2008 pelo Instituto Brasileiro
de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) (Repercussões do Programa Bolsa Família na
Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas chega a conclusões similares às que se chegou neste trabalho: indica-se, por exemplo, que a dieta de 55% das
famílias do PBF é composta por alimentos de maior densidade calórica e menor valor
nutritivo; acrescenta-se, no mesmo estudo, que 21% dos beneficiários do PBF, cerca
de 2,3 milhões de famílias ou 11,5 milhões de pessoas, se encontram em situação de
insegurança alimentar grave; e que 34% dos beneficiários, ou 3,8 milhões de famílias,
ou, ainda, 18,9 milhões de pessoas, estão em situação moderada (IBASE, 2008).
CONCLUSÃO
No TIBJ, a relação dos agricultores familiares com o Estado tornou-se estruturante
nos modos de produção de sua vida. Não se trata, no entanto, de qualquer Estado, mas do Estado do PBF, um Estado que controla, pela via deste programa, dois
poderosos mecanismos de “desencaixe”: as “fichas simbólicas”, particularmente o
dinheiro, e o “sistema de peritos”, ou seja, a capacidade de produzir crenças pela
disseminação de aparatos simbólicos e normativos.
Os agricultores familiares, ao se apropriarem do PBF, assimilando-o na produção
do seu cotidiano, requalificam-se requalificando a própria realidade vivida. O PBF,
na sua efetividade, deixa de ser, assim, apenas o programa formal, para tornar-se
também um ingrediente nas estratégias de produção de vida de uma população. É,
portanto, do encontro/desencontro entre esses dois personagens que emergem as
principais expressões de deslocamentos na realidade dessa população.
Neste trabalho, fixando o olhar neste espaço, e através de pesquisas qualitativas,
procurou-se cartografar expressões desses deslocamentos. Iniciou-se traçando alguns dos contornos do Território e do que caracteriza um dos seus personagens
centrais, o agricultor familiar. Ambos - Território e agricultores familiares - foram
qualificados como realidades situadas na fronteira da produção do humano, ou
onde a desumanização se encontra/rompe com as perspectivas de produção do
humano. A precariedade é o termo que permite ingressar nesse contexto e identificar, por um lado, o Território como território do dinheiro e, por outro, a agricultura
familiar como uma realidade que se constitui na entreface entre as economias
mercantil, pública e gratuita e onde a economia pública torna-se o agente/ingrediente principal para a produção da vida. Mas, para além dos deslocamentos nas
estruturas da realidade, o que interessou neste trabalho foi identificar as mudanças produzidas no âmbito das relações de gênero e geração na agricultura familiar.
A família e, mais especificamente, a família “beneficiário” do PBF foi tomada como a
unidade que estrutura a investigação. Olhando para a família foram abertas quatro
portas que, conforme nosso entendimento, permitiriam o mergulho dos investigadores na realidade dos agricultores: a dos modos/estratégias de produção de vida,
a da distribuição das tarefas na unidade familiar, a dos trajetos dos membros da
família dando origem aos seus territórios e a dos cardápios/hábitos alimentares.
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Situados nesse contexto, como conclusão do trabalho, pode-se alinhavar pelo meda pesquisa, mas abrem portas para estudos futuros) ou ganchos que permitem
identificar deslocamentos nas relações de gênero e geração na agricultura familiar
do TIBJ:
1) A situação de precariedade – traço marcante na vida dessa população – ganha
novos conteúdos e significados. Na agricultura familiar do TIBJ, tradicionalmente,
a precariedade se manifesta nas estruturas fundiárias, nos sistemas de produção
agropecuária, nos sistemas de tecnologias adotadas, nas relações dos agricultores
com os “compradores de diárias” e agenciadores de mão de obra, no sistema de
financiamento da produção e nas estruturas de moradia das famílias. Essa precariedade se desdobra, mais recentemente, com a disseminação pelo Estado/sistema de peritos da crença na superioridade do habitus urbano, com a substituição
de políticas de desenvolvimento por políticas de assistência (de baixo grau de
institucionalidade e pautadas pela transferência de mínimos existenciais), com a
incapacidade das famílias de assegurarem a permanência das novas gerações no
campo (e a reprodução da própria agricultura familiar), com a crescente necessidade de produzir/apropriar-se de mais e mais dinheiros para garantir a sobrevivência
e com a criação de um clima de medo, um medo abstrato, “quase sem objeto”,
inqualificado. É possível afirmar, nessas circunstâncias, que um dos traços mais
marcantes da nova realidade da agricultura familiar do TIBJ consiste na combinação de um forte sentimento de insegurança, medo e fluidez.
2) No campo da produção da vida, as três economias se reconfiguram e se reestruturam as relações entre elas. O campo da produção da vida na agricultura
familiar no TIBJ envolve estratégias onde se combinam/descombinam traços das
três economias: mercantil, pública e gratuita. Mas, olhando numa perspectiva his-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
nos quatro grupos de considerações (que não esgotam a análise dos resultados
tórica, é possível afirmar que a configuração de cada uma dessas economias e,
também, as estruturas e dinâmicas de relações entre elas passaram por grandes
transformações.
Os agricultores familiares continuam produzindo alimentos e uma diversidade
de tipos de bens nos seus próprios estabelecimentos; eles continuam vendendo produtos da roça e da sua arte e comprando nos mercados; eles continuam
vendendo diárias (que, também, continuam sendo chamados “dias de macaco”)
e assalariando-se em regiões distantes para completar a renda e/ou para mudar
de vida; entre vizinhos e parentes, eles continuam trocando e/ou doando ajudas,
trabalho e coisas.
Mas, com a monetarização das relações, cresce a tendência em substituir a produção e a doação de alimentos e bens pela produção e doação de dinheiro. Além
disso, se, por um lado, o lugar da produção de dinheiros tende a se deslocar do
interior do estabelecimento para fora (cresce a importância da venda de força
de trabalho), por outro, com o crescimento relativo da importância da economia
pública pautada na transferência de dinheiros, as estratégias de produção de dinheiros tendem a buscar um ponto de equilíbrio na relação com estratégias de
apropriação de dinheiros.
3) Com as mudanças nas posições (estruturas) e nas disposições (estruturantes)
nas relações entre as economias, mudam igualmente as posições/disposições dos
membros da família na unidade familiar. Essas mudanças podem ser apanhadas
a partir de uma grande diversidade de pontos de vista. No entanto, é no contexto
das relações de gênero e geração que essas mudanças são mais visíveis. Na media
em que o dinheiro se transforma em produtor de posições/disposições (monetarização), em que a apropriação de dinheiros (economia pública) se legitima e desloca (simbolicamente) para segundo plano as estratégias de produção de dinheiros
(economia mercantil), e em que a mulher é alçada como o agente principal na
apropriação de dinheiros (de transferências), alteram-se de uma só vez as posições/disposições dos membros da casa. A mulher deixa de ser aquela que apenas
ajuda para tornar-se portadora de um cartão que lhe permite o ingresso (limitado,
certamente, aos mínimos desses dinheiros) nos mercados e, também, nos sistemas
políticos; por conta das condicionalidades dos sistemas de transferência/apropriação de dinheiros, os filhos deixam a roça para se tornarem estudantes. Na escola
aprendem a “urbanidade” que inclui, por exemplo, hábitos alimentares e de relacionamento com as coisas do mercado. Indo para casa, essa criança passa a ditar
novos hábitos, que produzem novos paladares. Nascem uma nova mulher e uma
nova criança; mas, a “nova” é tão nova quanto precária, apesar de a precariedade,
agora, não residir mais na pobreza de comida, mas na pobreza da desumanização:
para legitimar o poder de quem o tem, ela é destituída pelo sistema de peritos da
sua qualidade; nasce o “homem sem qualidade”, de Robert MUSIL (2006).
4) Produz-se, enfim, um deslocamento que não é, provavelmente, um verdadeiro
deslocamento, pelo menos se considerado da perspectiva do Estado: da “Convivência com o Semiárido” para as rotinas do consumo. Nos tempos – não distantes
- da efervescência dos movimentos sociais e do seu reconhecimento como interlocutores do Estado para a produção do desenvolvimento rural, a “Convivência
com o Semiárido” era o lugar da agregação e de um projeto que se propunha a
romper com séculos de dominação sobre as populações do Semiárido. Tendia-se,
pelo menos no discurso e através de alguns instrumentos de políticas, a fortalecer
a produção nos estabelecimentos de agricultura familiar ou a inserir o agricultor
no mercado, fortalecendo a sua qualidade de produtor. Os novos modelos de políticas que propõem transformar os pobres em consumidores anulam a própria ideia
de “Convivência com o Semiárido”, transformando-a, pelo menos na perspectiva
do Estado, em um novo mito.
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GÊNERO E GERAÇÃO
NA AGRICULTURA
FAMILIAR DO
SEMIÁRIDO DO
NORDESTE
CAZELLA, A., BONNAL, P. e MALUF, R. (ORG). Agricultura familiar: multifuncionalidade
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Introdução e Temas transversais
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WANDERLEY, M. N. B. O mundo rural como espaço de vida – reflexos sobre a propriedade da terra, agricultura familiar e ruralidade. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2009.
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SEMIÁRIDO DO
NORDESTE
Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão1
Pedro Henrique Dias Inácio2
“Denunciei a fome
como flagelo fabricado pelos homens,
contra outros homens”.
Josué de Castro (1980)
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA VOZ DAS
pescadoRas aRtesanais do litoRal de
PERNAMBUCO.
1
DouToRA uNIvERSIDAD CoMPLuTENSE DE MADRID. LÍDER Do GRuPo DE PESQuISA DESENvoLvIMENTo E
SoCIEDADE CNPQ/uFRPE E PARTICIPANTE Do NAvI - NúCLEo DE ANTRoPoLoGIA AuDIovISuAL E ESTuDoS DE IMAGEM DA
uNIvERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – uFSC.
2
MESTRE EM HISTÓRIA, BoLSISTA DE ExTENSão Do CNPQ (ExP-3), PARTICIPANTE Do GRuPo DE PESQuISA
DESENvoLvIMENTo E SoCIEDADE DESDE MARço DE 2011.
INTRODUÇÃO
O artigo aborda o discurso das pescadoras sobre os impactos do Programa Bolsa Família (PBF) na vida destas trabalhadoras da pesca artesanal no litoral de Pernambuco, um tema pouco pesquisado. O texto busca visibilizar o discurso por elas construído sobre a transferência de renda a partir de suas narrativas. Ao mesmo tempo esta
pesquisa dá continuidade a outras experiências de trabalhos acadêmicos resultantes de vários projetos de pesquisa e extensão universitária, desenvolvidos no Grupo
de Pesquisa Desenvolvimento e Sociedade CNPq/UFRPE3 atuante desde 2002.
A pesquisa ancorada na perspectiva dos Direitos Humanos cuja declaração advêm
de 1948, consiste num instrumento que reconhece o direito de liberdade e igualdade entre homens e mulheres e, em outros documentos que foram criados neste
processo de construção de equidade de gênero.
O tema gênero e pesca aqui considerado na perspectiva de transversalidade de
raça e classe social está relacionado ao conceito de patriarcado4, que nos dá subsídios que possibilitam compreendê-lo a partir das desigualdades entre feminino e
masculino. Desigualdades que são historicamente construídas e legitimadas pela
sociedade.
Em todo o processo de pesquisa, o recorte de gênero5 esteve presente, considerando que as mulheres são priorizadas no PBF como sendo a responsável legal e
preferencial para o recebimento do benefício. Além disso, as mulheres pescadoras
vivenciaram durante várias décadas, a precarização do trabalho e a exclusão de direitos sociais. Até o ano de 1979, as Colônias de Pescadores eram controladas pela
Marinha de Guerra, e como esta instituição não aceitava mulheres em seu quadro
de trabalhadores, as pescadoras não podiam ser atores sociais na instituição que
representavam os trabalhadores da cadeia produtiva da pesca. A partir de 1979, as
pescadoras solteiras6 puderam obter seu reconhecimento profissional, mas dependem até hoje, assim como os homens, que o/a presidente de colônia e mais duas
testemunhas atestem que são profissionais da pesca. Apesar de seus papéis ativos
na atividade da pesca, as mulheres são, muitas vezes, consideradas ajudantes ou
companheiras de pescadores, o que revela as dificuldades de reconhecimento de
sua profissionalização na colônia de pescadores e nas instituições7 que validam sua
posição de trabalhadora socialmente reconhecida na cadeia produtiva da pesca.
3
Os projetos envolvem organizações não governamentais e órgãos públicos, como Ministério
da Pesca e Aquicultura (MPA), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Secretaria de Políticas para as
Mulheres (SPM) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
4
Para aprofundar o tema ver (SAFFIOTI, 2004).
5
Para aprofundar o conhecimento sobre estudos de gênero (HEILBORND e SORJ:1999)
6
Na Constituição 1988 as pescadoras tiveram acesso ao Registro Geral da Pesca e
consequentemente aos direitos sociais.
7
No diagnóstico elaborado no projeto “Ações para Consolidar a Transversalidade de Gênero
nas Políticas Públicas para a Pesca e Aquicultura do MPA”, verificou-se nas entrevistas realizadas com
pescadoras de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Pará a existência de queixas em relação ao Instituto Nacional
de Segurança Social, Ministério do Trabalho e, algumas vezes, ao Ministério de Pesca e Aquicultura.
Convênio MPA/078/2009.
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NA VOZ DAS
PESCADORAS
ARTESANAIS
DO LITORAL DE
PERNAMBUCO.
O aporte teórico sobre gênero está fundamentado entre outros/as autores/as em
COVICI, 2009), análise de discurso (FOUCAULT, 1987) e sobre o Programa Bolsa
Família algumas leituras que subsidiaram os debates se concentraram nas seguintes obras: (SUÁREZ e LIBARDONI, 2007; CUNHA, 2009; VIEIRA, 2009; PAES-SOUSA,
2009; MAGALHÃES, 2009; MENEZES, 2010; ANNAND, 2010; SAMPAIO, 2010; ANANIAS, 2010; ABRAMO, 2010; SILVA, BRANDÃO e DALT, 2009; MELO e DUARTE, 2010;
GALVÃO, 2008; CALDEIRA, 2008; LUCAS e HOFF, 2008; KLEIN, 2007 e CRUZ, 2010).
Ao iniciarmos a pesquisa “Relações de Gênero e Políticas de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome: Diagnóstico e avaliação na pesca artesanal do litoral
de Pernambuco”, não imaginávamos que registraríamos as seguintes afirmações,
sobre os impactos do Programa Bolsa Família, na vida das pescadoras artesanais
do litoral de Pernambuco:
“Antes nem pegava em dinheiro...”8
“Melhorou muita coisa...”9
“Agora tenho um dinheiro certo todo mês”10
“Agora a gente tem o que comer...”11
“Antes era na maré, só comia ostra e sururu, agora posso
comer carne e galinha”12
“No inverno ajuda muito, depois disso (do benefício) eu não
me preocupo, tenho o alimento da minha família”13
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
(LEITÃO, 2010), (MANESCHY et al, 1995), (SORJ, 2010); representações sociais (MOS-
“Os homens não sabem das necessidades da mulher”14
“Porque a mulher sabe administrar melhor que o homem”15
“O homem gasta com cachaça”16
“Agora nas festas pode comprar roupa e levar presente”17
8
Para efeito de notação e arquivamento, as entrevistas obedecem a seguinte formação/
chamada: QUEST (Prefixo) + NÚMERO GERAL + ABREVIATURA DE LOCALIDADE. QUEST88SJ
9
QUEST25ITA
10
QUEST87SJ; QUEST85SJ
11
QUEST95SER;
12
QUEST36TEJU
13
QUEST75IGA
14
QUEST67CARNE
15
QUEST60CARNE
16
QUEST72CARNE; QUEST61CARNE
17
QUEST41TEJU
Estes relatos impactantes são ainda muito mais contundentes do que a informação que nos influenciou a trabalhar nesta temática e nos candidatarmos ao edital. A sensibilização para ouvir as pescadoras sobre a política de transferência de
renda aconteceu a partir de conversa informal na sede da Colônia Z-10 com uma
pescadora de Itapissuma que nos confidenciou que utilizaria os recursos do PBF
para pagar as mensalidades do curso de flauta para a filha que havia sido aprovada
no Conservatório Pernambucano de Música. Esta primeira narrativa nos motivou
a conhecer este Programa de transferência de renda a partir da narrativa das pescadoras.
A partir desta introdução, informamos que neste texto sobre o Programa Bolsa Família, resultado da pesquisa, “Relações de Gênero e Políticas de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome: Diagnóstico e avaliação na pesca artesanal do litoral de
Pernambuco”, nossa atenção estará focada em alguns subtemas que se destacam
no discurso das pescadoras, anteriormente citado. Em síntese, nos 10 enunciados
acima mencionados são relevantes as questões que envolvem: 1) acessibilidade
ao recurso financeiro e a segurança do recebimento mensal de um benefício econômico; 2) a presença e evidência do fomento à segurança alimentar destas famílias; 3) as questões que identificam as representações sociais sobre as relações de
gênero, a partir da entrega do beneficio diretamente as mulheres.
MÉTODO
As atividades foram iniciadas com o debate sobre a elaboração do instrumento de
pesquisa coletivamente construído e a coleta no Banco de Teses da Capes, sobre
teses e dissertações relacionadas ao Programa Bolsa Família.
Na coleta de dados no Banco de Teses/Dissertações da CAPES, foram encontradas 09 teses e 99 dissertações. Foram encontrados os dados quantitativos nas
seguintes áreas: 14 trabalhos nas Ciências Sociais; 27 no Serviço Social; 45 nas
Ciências Sociais Aplicadas; 11 na Saúde; 2 em Demografia e 9 em outras áreas. As
dissertações e teses foram elaboradas em Instituições de Ensino Superior, contando 79 nas Públicas e 29 nas privadas. No que se refere à produção bibliográfica na
Pós-Graduação por Região tem-se: 3 na Região Norte; 28 na Região Nordeste; 47
na Região Nordeste; 21 na Região Sul e 9 na Região Centro-Oeste. Quanto a abrangência territorial das pesquisas 43 abordam o Programa numa dimensão nacional,
os outros estudos 65 realizam estudos de casos, deste segundo grupo 04 sobre
Pernambuco e metade, 02, sobre Recife. (LEITÃO e GOMES, 2011).
As etapas seguintes, abaixo citadas, foram consideradas imprescindíveis no processo de execução do projeto, entre elas: nivelamento do conhecimento sobre o
PBF, que foi priorizado para que toda a equipe18 se apropriasse
18
Participaram do Debate: Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão,Anderson Oliveira de Lima,
Claudia Maria de Lima, Clodoaldo de Souza Cavalcante Neto, Dimas Brasileiro Veras, Fernando Antônio
Barros Duarte Barros Jr, Francisco Assis de Andrade Costa, Juliana Gomes de Moraes, Pedro Henrique
Dias Inácio, Pedro Langsch, Phelippo de Oliveira Cordeiro Vanderlei, Iêda Litwak, Ivan Pereira Leitão, Maria
Solange da Silva, Júlia Xavier Souto.
151
O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
NA VOZ DAS
PESCADORAS
ARTESANAIS
DO LITORAL DE
PERNAMBUCO.
da temática necessária à realização de todas as fases do projeto de pesquisa que
dos dados. As reuniões aconteceram de forma periódica, cuja produção resultou
na formação de um “Caderno de Discussões” onde os textos trabalhados no grupo
de estudo envolveram as seguintes temáticas: transferência de renda, condicionalidades, combate a pobreza, desigualdade, inclusão social, cidadania, educação,
trabalho Infantil, políticas de desenvolvimento social, educação, trabalho infantil,
gênero e empoderamento.
As reuniões periódicas do grupo de estudo, possibilitou nos debruçarmos sobre
publicações que esclarecessem objetivos, condicionalidades, modos de execução
do Programa e também a posição crítica dos/as autores/as, reflexões sobre a efetividade do programa de transferência de renda e os impactos no cotidiano das
beneficiárias.
A pesquisa é fundamentalmente qualitativa, por objetivarmos conhecer o discurso
das pescadoras sobre o PBF, em suas especificidades e particularidades. O roteiro
estruturado das entrevistas foi elaborado a partir de uma chuva de ideias com a
participação de todos/as que fazem parte do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento
e Sociedade CNPq/UFRPE. Foram sistematizadas 88 entrevistas respondidas por
pescadoras que recebem benefícios do Programa. Entrevistas realizadas em 11
localidades de 10 municípios do litoral de Pernambuco. As comunidades são: 1)
Brasília Teimosa, 2) Olinda, 3) Pau Amarelo,4) Carne de Vaca, 5) Tejucupapo, 6)
Itamaracá, 7) Igaraçu, 8) São José da Coroa Grande, 9) Serrambi , 10) Jaboatão dos
Guararapes, 11) Abreu e Lima.
O conjunto das respostas nos possibilitará escrever diversos artigos sobre os temas abordados nas entrevistas realizadas com pescadoras residentes no litoral
pernambucano, considerando que são 32 questões sobre: 1) utilização dos recur-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
envolveu a elaboração/aplicação do instrumento de pesquisa e sistematização
sos do Programa Bolsa Família, 2) possibilidade de mudança na dinâmica familiar
com o advento desta transferência de renda diretamente para as mulheres, 3) as
condições de moradia, 4) acesso à saúde e educação, 5) alimentação e 6) pesca
artesanal. Importante ressaltar que estas questões buscaram incluir as diretrizes
dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM).
Também denominados “8 Jeitos de Mudar o Mundo”, o documento consiste num conjunto de metas pactuadas pelos governos dos 191 países-membros da ONU, compromisso estabelecido durante a Cúpula do Milênio, em setembro de 2000 na cidade
de Nova York, com o propósito de contribuir na construção de um mundo mais justo,
solidário e sustentável. Os objetivos priorizam os problemas considerados cruciais
nas áreas de saúde, renda, educação e sustentabilidade, que devem ser debelados
pelas nações até 2015. Resumidamente os 8 objetivos incluem as seguintes metas:
1. Reduzir pela metade o número de pessoas que vivem na miséria e passam
fome.
2. Garantir a educação básica de qualidade para todos.
3. Fomentar a igualdade entre os sexos e mais autonomia para as mulheres. Dois terços dos analfabetos são mulheres.
4. Reduzir a mortalidade infantil.
5. Melhorar a saúde materna.
6. Combater epidemias e doenças.
7. Garantir a sustentabilidade ambiental.
8. Estabelecer parcerias mundiais para o desenvolvimento.
Consideramos necessário abordar nas entrevistas os seis primeiros Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio, com perguntas sobre as temáticas: renda, educação saúde, empoderamento, alimentação, lazer e trabalho. Esta inserção temática
foi feita por considerarmos que estão inclusos na proposta de atuação do PBF a
transferência de renda com condicionalidades na área de educação e saúde, que
garante a titularidade do recebimento do beneficio prioritariamente às mulheres
e envolve obrigatoriedade de frequência escolar; do acompanhamento médico no
crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 07 anos, acompanhamento no pré-natal, da saúde do bebê, da saúde das mulheres com idade entre
16 e 44 anos e de vacinação materna e infantil.
A realização das entrevistas nas 11 comunidades acima citadas foi efetuada pela
equipe de colaboradores/as que atuam no Grupo de Pesquisa Desenvolvimento e
Sociedade CNPq/UFRPE. A equipe é composta principalmente por mestres, mestrandos/as e graduandos/as, nestas visitas as Colônias de Pescadores/as contou
com a participação de líderes do movimento social Articulação de Mulheres Pescadoras de Pernambuco19, elas indicaram e contribuíram no agendamento com as
comunidades a serem visitadas. Considerou-se necessária esta mediação para que
a relação entre os diferentes atores sociais envolvidos, pesquisadores e pesquisadas, apresentasse um clima de confiança que possibilitasse respostas significativas a algumas questões tão pessoais.
Para isso, faz-se importante ressaltar qual o conceito de mediação/moderação estabelecido nesta prática:
Moderação compreende a “condução de processo de
discussão” cujo objetivo é promover a participação ativa de
todos os integrantes do grupo na construção final do produto.
Através de uma discussão objetiva e equilibrada (regulada e
19
A equipe do grupo de Pesquisa Desenvolvimento e Sociedade CNPq/UFRPE desenvolve com
a Articulação de Mulheres Pescadoras de Pernambuco o projeto Gênero, Raça e Pesca: Produção e
Articulação das Pescadoras de Pernambuco/MDA/FADURPE/UFRPE.
Dito projeto realizou 21 Oficinas
Itinerantes para as mulheres nas Colônias de Pescadores do estado e uma I Feira de Economia Solidária da
Pesca Artesanal em Pernambuco. As pescadoras da Articulação que nos acompanharam na coleta de dados
são: Cicera Estevão Batista (COLÔNIA Z-07 em Rio Formoso), Enilde Lima Oliveira (COLÔNIA Z- 09 em São José
da Coroa Grande), Josefa Ferreira da Silva (AMUPESPA no Cabo de Santo Agostinho),Lindomar Rodrigues de
Barros (COLÔNIA Z- 09 em São José da Coroa Grande), Maria Aparecida Santana (COLÔNIA Z- 25 em Jaboatão
dos Guararapes), Maria das Neves dos Santos (COLÔNIA Z- 18 em Lagoa do Carro), Joana Mousinho (COLÔNIA Z10 em Itapissuma), Natércia Mignac da Silva (COLÔNIA Z-1 em Brasília Teimosa), Vera Lúcia Maria da Conceição
(COLÔNIA Z – 14 em Goiana).
153
O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
NA VOZ DAS
PESCADORAS
ARTESANAIS
DO LITORAL DE
PERNAMBUCO.
Importante comentar que na primeira comunidade visitada, Jaboatão dos Guararapes, os dados foram coletados utilizando o instrumento metodológico, grupo
focal, mas foram realizadas entrevistas individuais nas outras 10 comunidades.
A decisão por esta mudança na aplicação do instrumental metodológico se deve
ao fato de que pesquisar sobre o PBF inicialmente gerava, entre as beneficiadas,
certa apreensão sobre as possíveis consequências das respostas20, assim alguns
entraves à comunicação poderiam gerar lacunas ou distorções na coleta de dados.
Consideramos que o período de seis meses para a coleta de dados da pesquisa,
não nos proporcionaria a certeza de que este diálogo mediado, entre diferentes
atores sociais, poderia abrir espaço para troca de saberes, a partir de instrumentos
da metodologia participativa, com a qual estamos acostumadas a trabalhar.
Isso nos levou a um impasse, diminuir o número de comunidades, ou entrevistar
de forma individualizada. Decidimos pela segunda opção, considerando que teríamos uma amostra mais consistente ouvindo relatos de pescadoras de diferentes
localidades, distribuídas na Região Metropolitana do Município de Recife, no litoral norte e sul do Estado.
Neste contexto, as entrevistas possibilitaram levantar dados entre outros aspectos
sobre: 1) histórico e usos: coletamos dados sobre a temporalidade de recebimento
do benefício, gasto/uso do benefício e percepções sobre as mudanças de vida de-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
dentro de “limites justos”) procura-se criar um ambiente de
confiança facilitando a comunicação entre os integrantes do
grupo, orientando suas reflexões em direção aos objetivos
deste para que se chegue aos resultados esperados. É
importante que fomente a criatividade colaboração para um
resultado de efeito expressivo. (COLETTE, 2010, p.14).
pois do recebimento do benefício; 2) mulher e convivência: averiguamos a titularidade e responsabilidade do gasto do benefício, a relação de empoderamento das
mulheres no uso dos recursos da transferência de renda, a relação de convivência
em casa com filhos e ou parentes a partir do recebimento e gestão do PBF; 3) saúde: conhecemos o acesso às diferentes instituições de saúde, clínicas, ambulância,
realização de exames pré-natal, vacinação, recebimento de visitas de agentes de
saúde e agenciamento de serviços nas instituições de saúde, serviços odontológicos, realização de atividades físicas e lazer; 4) alimentação: descobrimos a importância do PBF na segurança alimentar; 5) educação: identificamos a percepção das
mulheres sobre aprendizado e interesse das crianças na escola e a contribuição
do benefício na melhoria da educação; 6) políticas públicas: coletamos dados relacionados ao acompanhamento e disponibilidade das prefeituras sobre políticas
de prevenção ao trabalho infantil, acesso das entrevistadas a outros programas
sociais e sobre suspensão ou cancelamento do benefício; 7) políticas de pesca:
20
As inseguranças das pescadoras em falar publicamente sobre o benefício possivelmente
se deve ao pouco conhecimento que tem sobre os mecanismos de funcionamento do PBF. Sobre a forma
como elas se apropriam do Programa (SUÁREZ e LIBARDONI, 2007, p. 139) comentam que: a apropriação do
Programa pelas beneFIciárias se restringe ao recebimento de um dinheiro FIxo, que possibilita o melhor
cumprimento de sua responsabilidade de cuidar das crianças. Receber o benefício signiFIca, para elas,
cuidar melhor das crianças e, frequentemente, cuidar de mais crianças e, portanto, fortalecer seu papel
central de maternagem e de coesão do grupo doméstico de que são responsáveis.
conhecemos as demandas das mulheres sobre políticas públicas para a pesca, a
existência ou não de políticas locais de incentivo as atividades da pesca, além de
comentários gerais sobre o Programa Bolsa Família.
A VOZ DAS PESCADORAS SOBRE O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA
“Mais grave ainda que a fome aguda e total,
devido às suas repercussões sociais e econômicas,
é o fenômeno da fome crônica ou parcial,
que corrói silenciosamente inúmeras populações do mundo”.
Josué de Castro (1980)
Renda e Cidadania
155
Figura 1. Fotojornalista Juliana Leitão. Itapissuma/PE
As afirmações “agora tenho um dinheiro certo todo mês”; “antes nem pegava em
dinheiro...”,“melhorou muita coisa...”, são algumas das respostas à pergunta sobre
“qual a principal diferença encontrada na vida da pescadora antes e depois de
receber o beneficio do Programa Bolsa Família?”.
Sobre o Programa Bolsa Família (CUNHA, 2009, p. 324) chama a atenção para o
debate internacional relacionado à redução da miséria e da fome, discussão que
identifica como parâmetros fundamentais no processo de erradicação da pobreza
e da redução da desigualdade as políticas sociais de transferência de renda.
(PAES-SOUSA, 2009, p.389) atribui ao Programa a importância semelhante a outras
três políticas sociais, implantadas na segunda metade do século XX: a extensão do
direito previdenciário aos trabalhadores rurais não-contribuintes, nos anos 60; a
implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de 1988; e a ampliação da
cobertura do ensino básico, nos anos 90.
Magalhães destaca a necessidade de planejamento de ações de proteção social;
da inserção das famílias em diversos serviços; do estabelecimento do perfil e grau
O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
NA VOZ DAS
PESCADORAS
ARTESANAIS
DO LITORAL DE
PERNAMBUCO.
de vulnerabilidade social das famílias; do subsídio a análise de casos complexos,
Nas entrevistas respondidas pelas pescadoras artesanais de Pernambuco, se evidencia a carência econômica e a condição de vulnerabilidade social em que vivem, tendo em vista os padrões de rentabilidade do trabalho da pesca artesanal,
onde, segundo seus relatos, atingem uma média de R$ 150,0021 por mês, com
rendas obtidas da venda dos produtos na maré.
Neste contexto, a presença do benefício advindo do Programa Bolsa Família na
composição do orçamento familiar, com acréscimos de recursos econômicos da
transferência de renda variável entre R$ 32,00 e R$ 198,0022, consiste numa importante fonte de ingresso econômico para a manutenção da família.
É importante destacar que existe mercado para os mariscos e crustáceos durante
todo o ano nos bares, restaurantes e supermercados em todo litoral pernambucano, mas a venda não é realizada diretamente pelas pescadoras23, o que dificulta a
geração de renda suficiente para o sustento de uma família, com a coleta, beneficiamento e comercialização destes produtos da pesca artesanal. No verão, a presença de turistas nas praias permite um aumento dos ganhos na venda direta ao
consumidor, no inverno o produto diminui por causa das chuvas24 e as pescadoras
estão mais dependentes da figura do “atravessador”.
As narrativas das pescadoras são repletas de informações sobre as mudanças antes e depois do recebimento do benefício, sempre relacionado à obtenção de uma
renda fixa e segura. Segundo elas antes de receberem os recursos do, qualquer
fenômeno que limitasse os turistas e consequentemente o consumo dos pescados, impactava diretamente na manutenção familiar e na geração de renda das
pescadoras artesanais.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
como os de alta vulnerabilidade. (MAGALHÃES, 2009, p.418)
21
Importante considerar que muitas vendem a atravessadores ou trocam por outros produtos
necessários ao beneficiamento, por exemplo, sal e carvão. Também é importante mencionar que o produto
mesmo produto (siri, caranguejo, aratu) obtêm preços mais competitivos no litoral sul, considerando que
no litoral Norte e Região Metropolitana do Município de Recife seus preços são achatados pela presença
de maior poluição ambiental.
22
Valores referentes ao ano de 2011.
23
Para ter uma ideia concreta da defasagem entre preços de mercado e os por elas praticados,
em situação de distanciamento entre a pescadora e o consumidor final, vamos relatar uma situação vivida
pela equipe de trabalho em abril de 2009, quando na primeira visita a comunidade de Brasília Teimosa para
iniciar um projeto da SPM/BR, as pescadoras ofereceram 6 quilos de siri beneficiado, por um total de R$18,00
dezoito reais, vale ressaltar que o preço de um quilo nos supermercados era de aproximadamente R$15,00.
Outra situação vivenciada em Fortaleza na praia do Mucuripe, um pescador estava com um peixe fresco
grande e queria vender por R$ 60,00 sessenta reais, os feirantes só queriam pagar R$ 43,00 quarenta e três
reais, no restaurante em frente a feira do peixe nós havíamos consumido naquela semana uma peixada com
apenas uma posta de peixe por este valor. Vale ressaltar que o produto perecível os/as tornam muito mais
vulneráveis a estes atravessadores.
24
Afastam-se turistas e veranistas e a situação se agrava no período entre de abril e agosto,
quando as precipitações pluviométricas contribuem na baixa salinidade das zonas estuarinas, em muitas
áreas é praticamente impossível extrair qualquer tipo de molusco durante estes meses, mesmo para a
subsistência.
Tomando por base estes relatos, consideramos que um dos maiores problemas
citados pelas pescadoras, e requisitado como ação para a implementação de políticas públicas para as mulheres trabalhadoras da cadeia produtiva da pesca, situa-se a manutenção dos estoques pesqueiros e a possibilidade de garantia de renda
num fluxo mais constante, sem tanta variação sazonal, o que depende da conservação ambiental, da reprodução das espécies e de um comercio justo.
Segurança Alimentar
A fome se revelou espontaneamente aos meus olhos nos
mangues do Capibaribe, nos bairros miseráveis do Recife Afogados, Pina, Santo Amaro, Ilha do Leite.
Esta foi a minha Sorbonne.
Josué de Castro (2007)
157
Figura 2 e 3. Fotojornalista Juliana Leitão
I Feira de Economia Solidária da Pesca Artesanal
As respostas das mulheres a primeira pergunta da entrevista encontravam-se, sobretudo, relacionadas às novas possibilidades de poder aquisitivo oferecido pelo Programa. As questões possibilitavam as seguintes alternativas: a) compra de alimentos; b) compra de vestuário; c) compra eletrodomésticos; d) investimento em algum
curso profissionalizante; e) pagar contas (água, luz aluguel); Outros/gastos? Quais?
Os relatos das pescadoras, majoritariamente estão relacionados à segurança alimentar, elas expressam os seguintes enunciados: “Agora a gente tem o que comer...”; “Antes era na maré, só comia ostra e sururu, agora posso comer carne e galinha”; “no inverno ajuda muito, depois disso (do benefício) eu não me preocupo,
tenho o alimento da minha família”, também são respostas a indagação sobre qual
a principal diferença encontrada na vida da pescadora antes e depois de receber
o beneficio do Programa Bolsa Família.
As narrativas por elas relatadas indicam problemas, considerados por elas como
relevantes, consiste no caráter “incerto” e “inseguro” dos rendimentos no trabalho
na pesca, por isso os impactos do PBF são tão visibilizados no discurso das trabalhadoras da cadeia produtiva da pesca no litoral pernambucano.
O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
NA VOZ DAS
PESCADORAS
ARTESANAIS
DO LITORAL DE
PERNAMBUCO.
Apesar do Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA, ter propiciado o fortaleciagricultores no país, direcionando os produtos comprados pelo governo federal para
as creches e escolas municipais e estaduais, além de hospitais e demais instituições
públicas que oferecem alimentos aos usuários, sendo considerado um dos mais exitosos programas de consolidação do desenvolvimento social brasileiro, importante
ressaltar que os produtos da pesca são parcialmente excluídos deste Programa.
Entre as comunidades estudadas, o município de Jaboatão dos Guararapes atualmente adquire alimentos produzidos pelos pescadores, sobretudo, peixes de água
salgada. No entanto, a incorporação de moluscos - mariscos, ostras, camarões e
demais frutos do mar, que podem ser coletados e beneficiados pelas mulheres
pescadoras, ainda não são suficientemente aceitos na dieta como alimentação cotidiana, principalmente em escolas e hospitais.
Outro entrave ao ingresso das pescadoras no PAA, consiste na forma em que elas
geralmente realizam o beneficiamento do pescado, a maioria não tem acesso a
áreas impermeabilizadas por azulejos, balcão e cubas de inox, não atendendo as
condições de manuseio estabelecidas pela vigilância sanitária. Esta situação gera
as indagações: como resolver este impasse entre condições das pescadoras e as
exigências sanitárias da segurança alimentar? Quais serão os encaminhamentos
para solucionar estas questões estruturais?
José Graziano Silva relaciona a solução para a fome à gestão participativa e equilíbrio ambiental, portanto, há importância em definir a questão social como elemento estruturador do governo. O autor também destaca que se faz necessária a
multiplicação de mecanismos de compras e vendas diretas para reduzir custos e
que é necessário se debruçar sobre os pressupostos relacionados ao de desenvolvimento local. (SILVA, 2004, p. 13-15).
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
mento da agricultura familiar e contribuído na segurança alimentar de milhares de
Neste contexto, as pescadoras de Pernambuco desempenham suas atividades a
partir de economia familiar, geralmente praticando o extrativismo sem nenhum
planejamento econômico e ambiental, numa sociedade regida pelo mercado e
pela competitividade. Será que neste contexto, a cooperação, o comércio justo,
a Economia Solidária, são algumas alternativas viáveis a estas trabalhadoras? Ou
seja, priorizar a cooperação, a gestão coletiva em detrimento da competição, do
individualismo e da precarização das condições de trabalho destas pescadoras
geralmente marginalizadas de outros possibilidades de emprego e renda, além da
manutenção da cultura gerada na pesca artesanal.
A Economia Solidária, segundo OLIVEIRA e VERARDO, se apresenta como:
[...] perspectiva de desenvolvimento econômico e social
baseado em novos valores culturais e em novas práticas
de trabalho e de relação social. O desenvolvimento não
se restringe ao crescimento econômico e deve abranger
as relações entre as pessoas, a organização do trabalho,
resgatar a dimensão humana na produção, na comercialização
e no consumo. Deve rever as transformações sofridas no
mundo do trabalho recuperando a relação entre trabalho e
tempo livre e a questão socioambiental. Estamos falando de
desenvolvimento que envolve o social, o cultural, o político
e o afetivo a partir do local, do espaço territorial e também
no sentido mais geral, estamos falando de desenvolvimento
sustentável (OLIVEIRA e VERARDO, 2007, p. 08).
Estas questões acima suscitadas, embora não possa ser aprofundada neste artigo,
o será em outras publicações. Tema relacionado à cooperação, ao comércio justo e
a Economia Solidária que podem ser resumidas na letra da música PRESERVANDO
A VIDA25, cujas compositoras são as pescadoras Maria das Neves, Glorinha, Ana
Lúcia e Carminha:
Os rios com água
Eu preciso
Seu doutor
Não privatize
Não mate os peixes
Não sobrevivo
Sou pescador
É preciso apelar para a consciência
Muitas coisas tão fazendo para existência
E permanência de peixes, rios e lagos
Parte do mar já foi privatizado
Lutamos contra.
É violência, está errado.
Lutamos contra o desenvolvimento insustentável
Que mata os peixes e privatiza os nossos lagos.
E o velho Chico está sendo violado.
Nós não queremos
Más ele está sendo rasgado
O que queremos é nosso rio preservado
Viva a vida e o meio ambiente!
A finalização deste projeto apoiado pelo MDS/CNPq, previa um evento com as
pescadoras, assim elaboramos juntamente com 26 pescadoras envolvidas na pesquisa, a I Feira de Economia Solidária da Pesca Artesanal em Pernambuco. Evento
realizado entre dias 25 e 26 de novembro de 2011 no local conhecido como Pátio
do Carmo no bairro de Santo Antônio, de Recife-PE.
25
Oficina realizada no projeto Gênero, Raça e Pesca: Produção e Articulação das Pescadoras de
Pernambuco/ MDA/FADURPE/UFRPE. Letra e música elaborada na oficina sobre meio ambiente na Colônia de
Pescadores Z – 13, Jatobá, em 27de janeiro 2011.
159
O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
NA VOZ DAS
PESCADORAS
ARTESANAIS
DO LITORAL DE
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As pescadoras classificaram a participação na feira como boa e ótima. Nas suas narprojetos, em alguns casos, retorno financeiro significativo, o que fica evidente na
fala de Natércia Mignac -“Ótima! Por que trocamos conhecimentos, lidamos direto
com o consumidor, provamos e conhecemos os produtos das companheiras”.
Relações de gênero
Figura 4.FotojornalistaJuliana Leitão. Itapissuma/PE
No que se refere às relações de gênero, foram realizadas duas perguntas, uma
sobre o recebimento do benefício proveniente do PBF ser pago diretamente as
mulheres e, a segunda questionava se o benefício entregue as mulheres provocou
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
rativas o evento trouxe conhecimento e experiências para novos trabalhos e novos
alguma mudança de convivência familiar, algum conflito e, se havia ocorrido mudanças nas relações familiares com o acesso a esta transferência de renda.
Apesar de serem praticamente unânimes em responder que não existem conflitos
relacionados à titularidade do benefício, algumas respostas são bem expressivas
sobre as vantagens que elas enumeram ao serem sujeitos neste processo, entre
as respostas se destacam: “os homens não sabem das necessidades da mulher”;
“porque a mulher sabe administrar melhor que o homem”; “o homem gasta com
cachaça”; “agora nas festas pode comprar roupa e levar presente”.
Na cadeia produtiva da pesca é notória a situação precária de legitimação das
mulheres como profissionais da pesca artesanal, isto se evidencia nos espaços de
poder e participação política. Por exemplo: nas 11 Colônias de Pescadores pesquisadas no litoral de Pernambuco, apenas uma Colônias é presidida por mulheres.
Vale ressaltar que no total de 31 Colônias de Pescadores em Pernambuco, apenas
cinco26 são presididas por mulheres, e se trata de avanços recentes porque quatro
delas foram eleitas no século XXI.
No que se refere à participação das mulheres nos movimentos sociais da pesca ar26
Itapissuma, Ponta de Pedras, Atapuz, São José da Coroa Grande e Tamandaré.
tesanal, (MANESCHY, ALENCAR e NASCIMENTO, 1995, p. 82) afirma que “rever, questionar e criticar o padrão de relações de gênero e o papel secundário das atribuições
femininas é, portanto, tocar em visões de mundo e em atitudes muito arraigadas”.
As autoras questionam a invisibilidade da pescadora na cadeia produtiva da pesca, considerando que elas geralmente aprenderam a arte de pescar com suas mães
e, geralmente são elas quem transmite o conhecimento e a familiaridade com a
atividade pesqueira as novas gerações, na medida em que necessitam levá-los
muitas vezes as suas atividades laborais, na ausência de creches nestas comunidades. (MANESCHY, 1995, p. 86).
A fragilidade social das mulheres profissionais desta cadeia produtiva tem influenciado nas decisões das pescadoras em se organizarem em movimentos sociais de
resistência. O que representa uma mudança de paradigma em relação à imagem
criada historicamente das pescadoras, que geralmente é compartilhada inclusive
por elas mesmas, como “ajudantes” ou “dependentes”, atribuindo-lhes menor valor. Elas atuam em regime de economia familiar, realizando, na maioria das vezes,
as atividades de tecer redes, beneficiar o pescado, catar mariscos, coletar e cultivar algas, pescar nos mangues e algumas vezes comercializar o produto nas praias.
Pese a esta intensa participação laboral, este trabalho muitas vezes é caracterizado na condição de “ajuda”.
Isto porque o conceito de gênero socialmente construído naturaliza a maternidade e o cuidado nas atividades de reprodução social, como ações inerentes as
mulheres27. Sobre o tema SORJ (2010:57), afirma que “as desigualdades e diferenças de gênero repousam sobre uma norma social que associa o feminino à
domesticidade e que se expressa na divisão sexual do trabalho, atribuindo prioritariamente às mulheres a responsabilidade com os cuidados da família”. Para a
autora, cuidado é:
(...) um termo usado para referir-se a um conjunto de
atividades diversificadas envolvidas no cuidado dos outros
e pode assumir a forma de trabalho não pago, dedicado aos
membros da família, ou de trabalho pago feito para outros.
Concretamente essas atividades incluem cuidar das crianças,
idosos, doentes, deficientes, bem como realizar tarefas
domésticas como limpar, arrumar, lavar, passar, cozinhar etc.
(SORJ, 2010, p.58)
Relacionado à sobrecarga nas mulheres de atribuições que envolvem as atividades de reprodução social, SUÁREZ e LIBARDONI, na pesquisa sobre O Impacto do
Programa Bolsa Família: Mudanças e Continuidades na Condição Social das Mulheres , explicam que:
O cumprimento das condicionalidades envolve
27
Numa reunião em Itapissuma em 11 de março de 2009, foi solicitado a um grupo de
aproximadamente 100 mulheres, que elas se apresentassem, elas se identificaram com o nome, o endereço
de onde residiam e a quantidade de filhos e netos. Uma mulher se identificou com nome e endereço
e complementou afirmando nunca haver tipo filhos. Não foi sugerido este tipo de informação na
apresentação.
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Neste contexto a teoria das representações sociais, nos instrumentaliza a compreender o lugar que é atribuído às mulheres na pesca artesanal. Moscovici afirma
que todas as pessoas enxergam o que as convenções, a cultura, a memória social
e histórica permitem ver, e que não estaremos nunca livres de todos os preconceitos. (MOSCOVICI, 2009, p.40)
Pensar, refletir, debater sobre o lugar das mulheres como sujeitos sociais na pesca
artesanal brasileira, nos conduz a reflexões teóricas que dialoga com a imagem
socialmente construída e a possibilidade de discurso legitimado numa sociedade
que cristaliza as desigualdades sociais. Moscovici afirma que:
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
principalmente as mulheres que recebem o benefício, em
virtude da figura do marido ou companheiro estar ausente
em muitos deles. Além disso, a presença do cônjuge, na
maioria dos grupos domésticos, não influi muito quanto
ao cumprimento das condicionalidades porque a postura
da mãe pesa mais do que a do pai na tomada de decisões
referentes à educação, saúde e tudo que tenha a ver com
os filhos. Sozinhas ou acompanhadas, a feminilidade das
mulheres entrevistadas se firma na maternagem, entendida
como o desempenho do papel de cuidar de crianças, seja
na qualidade de mãe, seja na de mãe substituta. (SUÁREZ e
LIBARDONI, 2007, p.124 ).
De modo geral, minhas observações provam que dar nome
a uma pessoa ou coisa é precipitá-la (como uma solução
química é precipitada) e que as características daí resultantes
são tríplices: a) uma vez nomeada, a pessoa ou coisa pode ser
descrita e adquire certas características, tendências etc.; b) a
pessoa, ou coisa, torna-se distinta de outras pessoas ou objetos,
através dessas características e tendências; c) a pessoa ou coisa
torna-se o objeto de uma convenção entre os que adotam e
partilham a mesma convenção (MOSCOVICI, 2009, p.67).
Sobre o discurso e legitimidade, FOUCAULT destaca que:
En toda sociedad la producción del discurso está a la vez
controlada, seleccionada y redistribuida por cierto número de
procedimientos, que tienen por función conjurar los poderes
y peligros, dominar el acontecimiento aleatorio y esquivar su
pesada y temible materialidad (1987:11).
No diálogo com os autores acima citados, resgatamos a letra da música28, que se
constitui em palavra de ordem no cotidiano de luta do movimento social Articulação das Pescadoras de Pernambuco e que atribui à mulher um espaço de poder,
geralmente invisibilizado nas relações de gênero e trabalho na pesca artesanal de
Pernambuco:
Agora chegou a vez de mostrar mulher pescadora também
chega lá.
Norte ao Sul do nosso país, estamos aqui, só porque Deus quis.
Mulher pescadora tem valor, e os nossos direitos não é um favor.
Para mudar a sociedade, do jeito que a gente quer
Participando sem medo de ser mulher.
Sem a mulher a pesca sai pela metade.
Participando sem medo de ser mulher
Buscamos junto direito de igualdade.
Participando sem medo de ser mulher
Pra preservar meio ambiente, do jeito que a gente quer.
Participando sem medo de ser mulher
Pra fazer a pesca boa, do jeito que a gente quer.
Participando sem medo de ser mulher.
Nesta música, cuja letra está adaptada, é relevante a concepção de que a pescadora conseguirá se projetar na sociedade, que elas têm valor e que a conquista dos
direitos não é uma dádiva. O texto relaciona a mudança de acessibilidade das mulheres aos direitos sociais ao exercício da cidadania, à participação e à construção
da igualdade de gênero.
3. CONCLUSÃO
Apesar de algumas dificuldades em se trabalhar com entrevistas elaboradas a partir de perguntas abertas, a pesquisa possibilitou conhecer vários aspectos da vida
das pescadoras do litoral pernambucano e os impactos que a transferência de
renda do Programa Bolsa Família apresenta em suas vidas.
28
A letra da música cantada pelas pescadoras nos momentos de exaltação da luta das
mulheres pelos direitos sociais inicia a partir de analogia a composição de: Benito Di PaulaMulher
Brasileira.
Agora chegou a vez, vou cantar
Mulher brasileira em primeiro lugar
Agora chegou a vez, vou cantar
Mulher brasileira em primeiro lugar
Norte a sul do meu Brasil
Caminha sambando quem não viu
Mulher de verdade, sim, senhor
Mulher brasileira é feita de amor
163
O PROGRAMA
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Nas suas narrativas ficou evidenciada a condição de exclusão social deste grupo sona rentabilidade do trabalho da pesca. No entanto, ao ouvir as pescadoras sobre o
recebimento do benefício, com condicionalidades, são evidenciados alguns traços
de como o impacto do recebimento do benefício é marcante e importante para as
comunidades e famílias das pescadoras beneficiárias, principalmente na alimentação, na vida escolar das crianças e na saúde de gestantes e recém-nascidos.
As pescadoras insistiram que existe uma demanda por creches, o que é evidenciado na presença das crianças muitas vezes com as mães nas atividades laborais,
nos turnos em que não estão na escola. Também foi sinalizado pelas pescadoras
que não existe onde deixá-las com segurança e ainda foi apontada que muitas
contam com o beneficio para pagar reforço escolar.
No que se refere ao conjunto dos dados, percebemos que apesar das três diferentes sub-regiões do litoral ter características bem específicas, ou seja, maior
incidência de atividade turística no sul, maior possibilidades de comercialização
do pescado na região metropolitana e maior caráter de subsistência no norte, as
famílias pescadoras apresentam problemas, demandas e um perfil bem semelhante quanto ao recebimento e usos do benefício, cujo valor médio de recebimento
está situado ao redor de R$ 90,00 (noventa reais).
De modo geral o benefício garante às famílias maior rendimento do que teriam
numa intensificação, com as atuais condições, da extração e comercialização dos
produtos da pesca, principalmente durante o inverno.
No que se refere à alimentação um dos pontos mais importantes da pesquisa, foi
evidenciado que a maioria das entrevistadas relatou sobre mudanças positivas na
dieta alimentar, ao informar sobre as possibilidades de consumir maior variedade
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
cial, habitantes, muitas vezes, em localidades sem infraestrutura, com dificuldades
e quantidade de alimentos e a inclusão de outras formas de proteínas, além de
vegetais, frutas e alguns alimentos industrializados.
Quanto a rotina alimentar, as entrevistadas responderam que preparam as
refeições frequentemente em casa e que a merenda escolar geralmente não
substitui uma alimentação principal. No entanto, em algumas famílias a merenda possui um destaque diferente, muitas vezes substituindo o desjejum,
almoço ou jantar.
Assim destacamos o papel preponderante do benefício na compra de alimentos. No
conjunto de ações relacionadas ao uso do recurso financeiro, havia também citações
dispersas relacionadas a outros gastos, essencialmente, com “transporte e deslocamento”, tanto dos filhos, quanto das próprias pescadoras – mesmo para ir receber
o benefício no centro da cidade, além de “material escolar”, “remédios”, “óculos”.
No caso do deslocamento percebemos o quanto o isolamento de algumas comunidades dificulta o acesso das famílias a melhores condições de aquisição de alimentos e gasto do benefício29. Do mesmo modo, ter acesso a hospitais e realizar
exames, representa custos de deslocamentos a ser realizado pelas famílias.
29
Por exemplo, na localidade “Carne de Vaca” ir e voltar para o centro de Goiana custa R$ 8,00
(oito reais), ou cerca de 10% do valor médio de recebimento do benefício.
Quanto à habitação, na sistematização dos dados do perfil das beneficiárias, a
grande maioria das entrevistadas não paga aluguel, embora as condições de muitas moradias sejam bastante precárias e não tenham o acesso à água tratada e ao
saneamento.
No que diz respeito à família e ao lugar da mulher neste deslocamento de titularidade,
elas afirmam, majoritariamente, que são as responsáveis pelo gasto do benefício e,
que não se apresentaram conflitos em casa devido ao recebimento do mesmo. Também aplaudem a centralidade do pagamento nas mulheres, fundamentalmente pelo
compromisso das mulheres com as necessidades domésticas e foram recorrentes as
afirmações de que “os homens gastam com bebidas”. Sobre as relações familiares,
44 entrevistadas relataram que até houve melhoras gerais nos relacionamentos. Esta
respostas são ratificadas no texto publicado por SUÁREZ e LIBARDONI ao afirmar que:
Não é tão claro que em toda parte o Programa tenha
favorecido a capacidade das mulheres de tomar decisões e
de negociar seu status na estrutura hierarquizada por gênero
do âmbito doméstico. A dificuldade radica em que, diferente
do prestígio outorgado à maternagem, não existe na cultura
portada por essas famílias a ideia de que mulheres devem
ter liberdade de tomar decisões e, ainda menos, de alterar
as posições na hierarquia de gênero. (SUÁREZ e LIBARDONI,
2007, p. 146).
O que nos conduz a reflexões sobre as relações de gênero, são muitas controversas, e opiniões sobre o Programa Bolsa Família no que diz respeito ao lugar da
mulher a partir do deslocamento da sua situação de coadjuvante para a posição
de titular do beneficio. Esta mudança vem a empoderar ou cristalizar ainda mais
os papeis femininos que a resumem ao espaço socialmente construído e naturalizado de cuidadora da família?
Sobre o tema, é relevante o posicionamento de SUÁREZ e LIBARDONI ao indicar que:
Há fortes indícios de que o benefício vem gerando inquietudes
e novas percepções sobre si mesmas nas mulheres, e,
teoricamente, também nos homens, já que a mudança de um
ator social necessariamente tem repercussões nos outros. Essa
mudança na subjetividade individual, em si mesma, é já um
grande ganho. (SUÁREZ e LIBARDONI, 2007, p. 147).
Finalizamos com a síntese dos principais problemas apontados pelas entrevistadas em relação à questão do trabalho na pesca: 1 – Baixa produtividade/remuneração do trabalho; 2 – Dificuldades de manutenção das atividades da pesca durante todo o ano; 3 – Precarização do trabalho e necessidades de outros trabalhos
complementares ao da pesca; 4 – demanda de formação profissional e aprendizagem; 6 – Parcerias entre instituições públicas nas diferentes instancias – Federal,
Estadual, Municipal, na busca de soluções à problemática por elas apresentada.
De modo geral, vale ressaltar que as entrevistadas referiram-se aos custos com os
filhos como principais responsáveis pelo gasto do benefício.
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O PROGRAMA
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Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
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167
O PROGRAMA
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169
Erika Felipe de Albuquerque - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia
do Maranhão – IFMA/campus Codó.
Martina Ahlert - universidade de Brasília (uNB).
Tatiane dos Santos Duarte - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia
do Maranhão - IFMA/campus Codó.
Marineide Bezerra Ferreira - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia
do Maranhão - IFMA/campus Codó.
Joana Etiene Lima e Silva - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do
Maranhão - IFMA/campus Codó.
Anderson Pereira Bezerra - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia
do Maranhão - IFMA/campus Codó.
Atalicio Gomes de Sousa Moreira - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão/ IFMA - Campus Codó.
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DA FOME E
CONSTRUÇÕES DE GÊNERO: O COTIDIANO DAS
QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU DA REGIÃO
dos cocais- ma
Eliana Silva Teles - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão/IFMA - Campus Codó. Emanuelly karoline de Souza - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão/IFMA - Campus Codó. khety Elane Holanda de oliveira - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão/IFMA - Campus Codó.
INTRODUÇÃO
A atividade do extrativismo do coco de babaçu é tradicionalmente ligada ao trabalho feminino no estado do Maranhão. Segundo Barbosa (2006), aproximadamente
10,3 milhões de hectares são ocupados por babaçuais neste estado, somando cerca de 400 mil famílias vivendo da economia do babaçu. Na cidade de Codó, região
dos cocais, estima-se intensa participação das mulheres na quebra do coco.
A análise da atividade do extrativismo do coco de babaçu, segundo autores como
Rego e Andrade (2006) e Barbosa (2006), não pode prescindir de uma discussão
sobre a forte presença das mulheres no desempenho desta prática. Nesse sentido
é importante ter clareza de que não se está falando de mulheres abstratas, mas
daquelas provenientes de famílias de baixa renda e muitas delas auto identificadas como pardas e negras, especialmente no estado do Maranhão. O município de
Codó alcança Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0558 (PNUD, 2008),
tem uma população estimada em 118.038 habitantes (CENSO, 2010) e cerca de
50% de sua população se autodeclarou negra. Parte da população tem como fonte
de renda a atividade oriunda da agricultura, pecuária e da quebra do coco babaçu.
Durante os anos 1950, do século XX, passam a existir as primeiras mobilizações na
luta pela possibilidade de manter a atividade da quebra de coco no estado do Maranhão, especialmente em virtude de leis sobre o uso da terra e o acesso aos babaçuais (como, por exemplo, a lei conhecida como Lei Sarney de 1969). Em 1990
foi criada Associação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (AMIQCB) que integra os estados de Tocantins, Maranhão, Piauí e Pará. Essas
mobilizações impulsionaram a organização das quebradeiras de coco babaçu. Na
cidade de Codó, as “quebradeiras de coco” constituíram associações, sendo estas
organizações coletivas uma das formas de relação destas mulheres com o Estado.
Para além dessa relação, esta pesquisa procurou pensar em outra forma de relação
destas mulheres com o Estado: aquela dada a partir do recebimento do benefício
do Programa Bolsa Família (PBF)1. As mulheres identificadas como “quebradeiras
de coco” formam parte do público ao qual se destina o Programa. No município de
Codó, cerca de 18.894 famílias são atendidas pelo Programa (MDS, 2011). Neste
sentido, este projeto procurou avaliar o impacto do recebimento do benefício do
PBF na constituição da rotina destas mulheres, de sua identidade e de seus modelos familiares, considerando que o benefício está vinculado, prioritariamente,
às mulheres/mães. Sendo também o recebimento do benefício, por parte deste
público, um momento interessante para perceber como um elemento externo e
provindo de uma relação com o governo ingressa num cotidiano marcado por características de gênero e classe.
1
O Programa Bolsa Família é um programa de transferência condicionada de renda que
teve início no Brasil na primeira gestão do presidente Luis Inácio Lula da Silva, no ano de 2003, tendo
continuidade no governo da então presidente Dilma Rousseff. A partir do PBF, famílias com renda mensal de
até 140 reais per capita, através do Cadastro Único, podem receber o benefício de R$ 32 até R$ 306 mensais,
de acordo a existência/número de filhos. (MDS, 2011). O Programa Bolsa Família integra o Programa Fome
Zero, marcado por diferentes medida (estruturais e emergenciais) de combate à fome no Brasil e, por esta
via, de enfrentamento da pobreza.
171
ESTRATÉGIAS DE
ENFRENTAMENTO
DA FOME E
CONSTRUÇÕES DE
GÊNERO:
O cotidiano das
quebradeiras
de coco babaçu
da região dos
cocais MA
MÉTODO
culadas às associações de quebradeiras de coco babaçu da cidade de Codó/MA,
as quais foram acompanhadas em seu cotidiano doméstico, laboral e associativo. Diante dessa perspectiva, a metodologia adotada considerou duas dimensões
analíticas: a dimensão histórica e cultural (de classe e de gênero) que delineou o
perfil identitário do grupo e a dimensão social do trabalho - marcado pelas representações do capitalismo na base da organização comunitária e campesina das
quebradeiras de coco babaçu e suas representações geracionais.
Desta forma, procurou-se apreender os sistemas de representação e de classificação do universo de pesquisa bem como as lógicas e as práticas do cotidiano das
quebradeiras de coco babaçu de Codó/MA através da observação participante, da
construção de diários de campo, da aplicação de questionários socioeconômicos
e da condução de entrevistas semi-estruturadas.
A aplicação de questionários, como um dos procedimentos metodológicos adotados para a coleta de dados, teve como meta traçar o perfil socioeconômico das
quebradeiras de coco babaçu vinculadas às associações de quebradeiras de coco
do município de Codó/MA2.
O questionário foi formado por perguntas fechadas que abrangeram questões fundamentais como perfil pessoal e familiar (idade, estado civil, religião, casamentos,
quantidade de filhos, idade dos filhos, residência); trajetória de trabalho (tempo na
“quebra de coco”, outras atividades laborais paralelas, experiências de trabalho anteriores, envolvimento geracional na atividade da quebra de coco); participação na
associação (tempo de participação, cargos desempenhados, participação em grupo
semelhante anteriormente); participação em programas governamentais (de quais
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
O estudo teve como sujeitas da pesquisa doze (12) quebradeiras de coco vin-
programas participaram, participação no Programa Bolsa Família, participação em
outras iniciativas estatais de combate à fome); e orçamento familiar (renda dos
membros da família, renda proveniente da quebra de coco, outras fontes de renda).3
Esta pesquisa adotou também como procedimento metodológico para coleta de
dados a realização de entrevistas semi-estruturadas com as doze mulheres quebradeiras de coco escolhidas4 para serem acompanhadas pela equipe do projeto
2
As associações acompanhadas durante a pesquisa foram: Associação das quebradeiras
e quebradores de coco babaçu do bairro Nova Jerusalém, com 362 associadas (os) e a Associação do
Beneficiamento do coco babaçu do bairro Poraquer com 280 associadas (os).
3
Este levantamento inicial deveria contemplar todas as mulheres pertencentes às duas
associações de “quebradeiras de coco” que definem o universo da pesquisa. Todavia, as atividades
realizadas pela associação não são freqüentadas por todas as quebradeiras de coco associadas. Por isso,
adotou-se como parâmetro a aplicação de 50 questionários em cada uma das associações, totalizando,
pois, 100 questionários válidos para análise.
4
A escolha das doze mulheres a serem acompanhadas se deu através da indicação das
presidentes das associações. Pedimos para que as presidentes considerassem, além do recebimento do PBF,
que as mulheres indicadas tivessem as seguintes características: incluissem mulheres casadas, solteiras,
divorciadas, viúvas; com composição familiar variada (tanto as que morassem com seus companheiros
e filhos, como as que tivessem outros arranjos familiares); tanto tivessem a quebra de coco como única
atividade geradora de renda como quebrassem coco e tivessem outra atividade geradora de renda e, que
fossem de idades diversificadas.
em seu cotidiano doméstico, laboral e associativo, e com as duas presidentes das
AQCB´s da cidade. Para tal, dois roteiros compostos por um esquema pré-definido
de perguntas não fechadas5 foram elaborados para cada um destes grupos6.
Marco teórico-conceitual
Para entender os cotidianos e as relações nas quais se envolvem as quebradeiras
de coco de babaçu da cidade de Codó, sujeitas desta pesquisa, foi considerada a
articulação entre as categorias de gênero e classe.
As categorias de gênero e classe são pensadas no âmbito desta pesquisa de forma dialética e não estanques entre si. Retomando Aguiar (2007, p.83), podemos
auferir que as hierarquias sociais “fazem parte do senso comum das pessoas e das
formas como elas se classificam ou classificam as outras.” Para o autor, as formas
de discriminação e de preconceito estão vinculadas, portanto, aos modos como as
pessoas classificam-se.
Para Aguiar (2007, p.83), a noção de classe vincula-se a posse do capital, quando
a detenção o
u ausência do c apital define o p
ertencimento do indivíduo a uma determinada classe. É neste sentido que o autor considera que “as classes sociais são
realidades objetivas decorrentes de posições que os sujeitos ocupam na esfera
produtiva.” Segundo Thompson (1987, p.9), as classes são “um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência.”
Já para Bourdieu (1996, p.26-27) “classes sociais não existem. [...]. O que existe é um
espaço social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum modo
em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de
fazer.” Todavia, para o sociólogo francês as classes são objetivamente relacionadas
à posição social segundo o conjunto dos recursos econômicos, sociais, culturais e
simbólicos utilizados pelos agentes para conservar sua posição, a própria estrutura
do capital e a trajetória social do agente indicada ao longo dos eixos espaciais.
O conceito de raça7, sociologicamente, é uma construção social que opera na vida
social, pois, os seres humanos se pensam e se classificam enquanto diferentes.
Logo, a cor de uma pessoa está associada a um significado simbólico. Deste modo,
5
A opção pelo roteiro de perguntas não fechadas tem como vantagem obter informações
enunciadas de forma mais livre, uma vez que, possui caráter situacional, na forma de diálogo livre quando
as respostas não são condicionadas a uma padronização de alternativas. O roteiro de perguntas não
fechadas permite ao entrevistador adequar o script a uma linguagem mais inteligível para o entrevistado
facilitando o tom de coloquialidade. Deste modo, procurou-se abrir espaço para o entrevistado sentir-se
respeitado, qualquer que seja o seu “capital cultural”, inibindo tanto quanto possível o “monopólio da
palavra” por parte do entrevistador (BOURDIEU, 1999).
6
O primeiro roteiro de entrevistas elaborado para as doze quebradeiras de coco abrangeu
cinco eixos analíticos – trajetória, perfil e dinâmica familiar; trajetória na quebra do coco; Bolsa Família:
usos e representações sobre o programa; fome, estratégias e políticas; gênero – contendo trinta e oito
perguntas no total. O segundo roteiro, elaborado para as presidentes das AQCB´s abrangeu três eixos
analíticos – trajetória, perfil e dinâmica familiar, a quebra de coco em Codó, a associação – contendo
l.
quarenta e três perguntas no tota
7
Embora a categoria raça tenha sido apontada para análise não obtivemos dados suficientes
para discuti-la.
173
ESTRATÉGIAS DE
ENFRENTAMENTO
DA FOME E
CONSTRUÇÕES DE
GÊNERO:
O cotidiano das
quebradeiras
de coco babaçu
da região dos
cocais MA
a raça e a cor funcionam como um critério relevante na ocupação de posições
no acesso ao mercado de trabalho e outros setores da sociedade (AGUIAR, 2005).
O autor destaca-se, por sua vez, que raça não é pensada como uma categoria biológica, relacionada ao material genético de cada indivíduo, mas é pensada como
uma categoria social, construída historicamente e que estrutura desigualdades
existentes na sociedade brasileira.
No Brasil, a fronteira entre raça e classe é muito tênue. Pode-se, portanto, afirmar
que no país a pobreza tem cor. A “raça” ou “cor” é uma entre as muitas representações do universo social que orientam os critérios empregados para enfatizar e
legitimar outras divisões da sociedade que nutrem as relações de poder de muitos
e contraditórios modos. Logo, raça e classe se relacionam e são conceitos essenciais para se pensar as hierarquias sociais (MELO, 2005).
Outra categoria fundamental acerca das hierarquias sociais é a de gênero. O conceito de gênero foi introduzido como categoria útil de análise pelos estudos feministas
para interpretar as relações entre homens e mulheres. Tal categoria designaria significados simbólicos e sociais associados ao sexo. Permitindo, assim, entender que
certas atividades vinculadas ao feminino não eram uma atribuição “natural”, mas
sim, uma construção sociocultural, por isso mesmo, sexo e gênero seriam categorias
diferenciadas (NICHOLSON, 2000). Ora, as funções associadas às mulheres como
maternidade e o cuidado do lar eram entendidas como atribuições “naturais” do
sexo feminino. A categoria gênero pretende, pois, entender na relação entre homens
e mulheres os signos que estruturam assimetrias e desigualdades entre os sexos.
Assim, gênero vem à baila para dizer que as relações entre homens e mulheres não
podem ser explicadas apenas no terreno da natureza e da biologização, pois,
Gênero é a organização social da diferença sexual. Mas isso não significa que o
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
sociais na estrutura de classes, ou seja, como mecanismo criador de desvantagens
gênero reflita ou produza diferenças físicas fixas e naturais entre mulheres e homens; mais propriamente, o gênero é o conhecimento que estabelece significados
para diferenças corporais. [...] Não podemos ver as diferenças sexuais a não ser
como uma função de nosso conhecimento sobre o corpo, e esse conhecimento
não é puro, não pode ser isolado de sua implicação num amplo espectro de contextos discursivos (NICHOLSON, 2000, p. 2).
Nesse mesmo sentido, para Grossi (s/d, p.4), o conceito gênero (gender) tem como
origem social “as identidades subjetivas” versus a determinação biológica diferencial dos sexos. A autora diz que o gênero considera o indivíduo na relação, logo,
é uma categoria usada para pensar as relações sociais que
envolvem homens e mulheres, relações historicamente
determinadas e expressas pelos diferentes discursos sociais
sobre a diferença sexual. Gênero serve, portanto, para
determinar tudo que é social, cultural e historicamente
determinado. No entanto, como veremos, nenhum indivíduo
existe sem relações sociais, isto desde que se nasce. Portanto,
sempre que estamos referindo-nos ao sexo, já estamos agindo
de acordo com o gênero associado ao sexo daquele indivíduo
com o qual estamos interagindo (GROSSI, s/d, p. 5).
Outra definição trazida por Grossi (s/d) para significar as relações entre homens e
mulheres são os papéis de gênero que seriam “Tudo aquilo que é associado ao sexo
biológico fêmea ou macho” (GROSSI, s/d, p.76). Por fim, Grossi (s/d) traz à ideia de
identidade de gênero: a sexualidade, os papéis de gênero e o significado social da
reprodução para os indivíduos em uma determinada cultura. Assim, se o sexo ilustra a diferença biológica entre homens e mulheres, o gênero remete à construção
cultural coletiva dos atributos de masculinidade e feminilidade (papéis sexuais) e a
identidade de gênero é a categoria pertinente para pensar o lugar do indivíduo no
interior de uma cultura determinada. Contudo, gênero não é pensado apenas como
uma categoria relacional e social, mas também como uma categoria que supõe hierarquias entre pólos, com os homens ocupando posições de maior poder.
Ora, classe, raça e gênero são categorias que devem ser pensadas em relação e
não como uma soma de discriminações/desigualdades/assimetrias que perpassam a vida das quebradeiras de coco babaçu da região de Codó/MA. Se gênero,
classe e raça acionam hierarquias de poder e signos “naturalizados”, são também
categorias úteis para analisar identidades e relações entre os agentes sociais. Esta
perspectiva ora adotada considera que atributos morais e sociológicos (por exemplo, ser mulher e pobre) são representações por meio das quais os indivíduos
são classificados nos espaços sociais, segundo critérios culturais. Contudo, vale
destacar que a questão racial ultrapassa a questão da classe e que, apesar de se
reforçarem mutuamente, estas possuem dinâmicas independentes.
Todavia, privilegiou-se analisar estas mulheres no discurso e na ação, procurando
entender como elas se envolvem nos “negócios humanos” do mundo do trabalho,
em certos espaços tidos como privados (o cotidiano do lar e da família) e nas
esferas tidas como públicas (na associação, em reuniões com políticos) desprivilegiando a acepção de mulheres, pobres, analfabetas e sofredoras. Procurou-se,
portanto, através do exercício de relativização, conferir positividade às suas vidas
apontando como elas negociam representações e como constroem relações de
gênero e a identidade de quebradeira de coco nas redes de relações mais amplas
e diversificadas nas quais elas interagem, para além do desempenho de papéis
sociais estigmatizados.
Portanto, o artigo aborda: o perfil socioeconômico das quebradeiras de coco em
Codó; a entrada das mulheres na quebra de coco e transmissão do saber; a dinâmica do trabalho; as relações familiares e de gênero implicadas em seu fazer laboral;
a construção de sua identidade - como se vêem/sentem; analisa o Bolsa Família
e os modelos e dinâmicas familiares das quebradeiras de coco beneficiadas pelo
programa; o impacto do Bolsa Família entre as mulheres acompanhadas; e apresenta o olhar das quebradeiras sobre o programa, sua lógica de funcionamento,
limites e possibilidades.
As quebradeiras de coco babaçu em Codó
As quebradeiras de coco babaçu, abordadas por esta pesquisa, estão localizadas
no espaço geográfico maranhense, da área denominada região dos cocais, localizada entre o cerrado e a mata dos cocais. A região dos cocais é composta pelos
municípios de Alto Alegre do Maranhão, Coroatá, Timbiras, Peritoró e Codó. Sua
175
ESTRATÉGIAS DE
ENFRENTAMENTO
DA FOME E
CONSTRUÇÕES DE
GÊNERO:
O cotidiano das
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cocais MA
principal caracterização se dá, em termos de cobertura vegetal, pela intensa prea 4.361,318 Km², prevalece a Floresta aberta ou de babaçu tanto na área urbana
quanto na área rural do município. (PDP - CODÓ, 2006).
O perfil socioeconômico das quebradeiras de coco do município de Codó é aqui
apresentado por meio dos dados coletados através da aplicação dos questionários
entre as 100 mulheres que freqüentavam as associações neste município. Traz,
portanto, uma descrição a respeito de seu perfil pessoal e familiar; de sua trajetória de trabalho; de sua participação na associação; de sua participação em programas governamentais e de seu orçamento familiar.
Em relação ao local de origem, das referidas mulheres, podemos verificar que houve um deslocamento significativo (48%) do local de nascimento, interior de Codó,
para a cidade. Este deslocamento pode estar associado à procura por acesso de
alguns serviços básicos como saúde, educação e trabalho. Vale ressaltar que as
mulheres, apesar de terem migrado do interior, zona rural, para residirem na zona
urbana da cidade, ainda mantém uma ligação intensa com o campo, haja vista,
deslocar-se para a zona rural “mato”, em sua grande maioria, diuturnamente para
a coleta do coco babaçu.
As mulheres contempladas pelos questionários estão, em sua maioria, na faixa
etária entre 41 e 60 anos (54%), são casadas (57%), católicas (92%), têm pouco
estudo (56%) não sabem ler nem escrever ou só sabem assinar o nome e a maioria delas declarou-se parda (69%). Elas têm em média quatro filhos vivos e 76%
delas afirmam estarem seus filhos, em idade escolar, frequentando as instituições
de ensino. Organizam-se em suas residências com um agregado de pessoas, arranjo familiar (65%) para além do que se considera núcleo familiar (mãe, cônjuge/
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
sença das palmeiras nestes territórios. Em Codó, cuja área territorial corresponde
companheiro e filhos (as).
Quanto aos indicadores referentes às condições de moradia, verificou-se que 68%
dos domicílios apresentam características urbanas - considerando-se a proximidade a comércios, postos de saúde, farmácias, correios, etc.; e que 72% dos domicílios foram apresentados como próprios de alvenaria, com ou sem revestimento,
desobrigando as famílias das despesas com aluguel. Contudo, estes domicílios,
em sua maioria, não têm escritura, pois os terrenos em que foram construídas as
residências são oriundos de doações e ainda não foram legalizados.
As residências das mulheres apresentam ter água encanada (94%), iluminação
(94%) e banheiro ou sanitário (56%) com escoamento feito através de fossa séptica (42%). Elas afirmam, em sua grande maioria, terem seu lixo coletado pela rede
pública (73%) e terem pavimentação ou calçamento em frente aos seus domicílios (41%), em oposição a 69% que afirmaram não ter pavimentação/calçamento
total (41%) ou parcial (18%).
Diante dos dados coletados sobre trabalho e renda obtivemos o seguinte perfil
das quebradeiras de coco babaçu associadas: cerca de 80% das mulheres exercem atualmente a atividade de quebra. Para as que não estão exercendo tal atividade, merecem destaque as citações para os motivos do afastamento desta atividade relacionadas, em sua maioria, a doenças e acidentes oriundos da atividade
da quebra de coco. Vale ressaltar que, cerca de 60% das mulheres mencionam
estar há mais de trinta anos na atividade de quebra de coco babaçu.
Dos 76% das mulheres que afirmam quebrar coco atualmente, 37(trinta e sete)
delas disseram ter como única fonte de renda esta atividade e 39(trinta e nove)
dizem também tirar o sustento da família de outras atividades, em especial da
atividade de roça/lavoura. A atividade da roça/lavoura, por sua vez, é realizada por
todos os membros da família. Este trabalho ocorre em territórios ocupados por terceiros, em sua grande maioria, cabendo uma divisão na produção para pagamento
do uso das terras para o plantio, seja de feijão, legumes, frutas, verdura ou arroz,
o chamado arrendamento. Sendo o arroz e o feijão os plantios mais comuns. O
trabalho na roça/lavoura se caracteriza como uma atividade de subsistência contribuindo para a alimentação da família durante o ano.
Muitas mulheres apontam o trabalho do cônjuge/companheiros, filhos (as), como
complementares a renda da família. Dentre os 73% das mulheres que afirmaram
não ser a sua atividade a única renda da família, houve 52(cinquenta e duas) citações para a complementação da renda familiar pelo cônjuge/marido e 29 (vinte
e nove) citações para complementação da renda familiar oriunda do trabalho dos
filhos (as). Contudo, o trabalho das mulheres seja na quebra, seja em outras atividades, está sempre presente nos gastos familiares diários.
Mais da metade das mulheres entrevistadas (69%) afirmaram receber o beneficio
do Bolsa Família, sendo administrado (67%) por elas mesmas, e tendo como destino, prioritário, a compra de alimentos. O fato delas destinarem o recurso, prioritariamente, para a alimentação, demonstra a necessidade mais urgente das famílias,
cujo indicativo se cruza com o de recebimento de alimentos, uma vez que 71%
afirmam receber ou já ter recebido alimentos de alguma entidade – igreja, associação, CRAS e apontam especialmente a CONAB, cuja frequência na entrega dos
alimentos é regular, mas insuficiente.
A participação política em outras entidades coletivas é de apenas 26% das mulheres, Contudo, todas as mulheres contempladas pelos questionários são associadas das AQCB’s há pelo menos um ano (56%) - o que resguarda sua identidade
como quebradeiras de coco babaçu e lhe permite o acesso aos benefícios vindos
através das associações.
A entrada das mulheres na quebra do coco e a
transmissão do saber
Os dados coletados através da aplicação dos questionários expressam, de modo geral, que as quebradeiras de coco do município de Codó, residem com um agregado
de pessoas, cujo trabalho que se destaca como fonte de renda familiar advém da
quebra do coco babaçu, da atividade da roça/lavoura, da atividade de subsistência
e, ou de trabalhos precários e informais realizado por elas ou por algum familiar.
Muitas quebradeiras relataram que se deslocaram, ainda criança, para a zona urbana como forma de enfrentamento à pobreza e à fome e que foi por volta dos
oito anos de idade que tiveram suas primeiras experiências com a quebra do coco
atividade que passou a acompanhá-las durante quase toda a vida.
177
ESTRATÉGIAS DE
ENFRENTAMENTO
DA FOME E
CONSTRUÇÕES DE
GÊNERO:
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quebradeiras
de coco babaçu
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cocais MA
As doze quebradeiras de coco8, acompanhadas durante a pesquisa, referenciam
pois, de um conhecimento tradicional que é transmitido de geração em geração,
frequentemente, entre mulheres. Todavia, muitos homens no universo desta pesquisa falaram que também quebram coco e que seus pais também quebravam. O
conhecimento da quebra de coco é transmitido de pais para filhos a despeito de
muitas filhas de quebradeiras não saberem quebrar coco.
Neste sentido, Gorete afirma que as jovens de sua idade que moram na cidade
de Codó, filhas de quebradeiras de coco, não sabem quebrar ou não “sobem no
caminhão”, pois “tem vergonha” e “preferem ter vida fácil”. Segundo Gorete, estas
jovens apenas se vinculam às associações para “garantir os direitos da aposentadoria” como trabalhadoras rurais. Ela diz que só futuro dirá sobre a continuidade
da tradição da quebra de coco na região, já que, nos dias atuais as jovens preferem
exercer outras atividades laborais.
Neste mesmo sentido, Efigênia falou que tem “muitas moças” na associação que não
sabem quebrar coco, não tem a quebra como trabalho, mas se associam. As mulheres que “quebram mesmo” são bem poucas e, geralmente, são mais velhas. Segundo
Efigênia, poucas jovens são “quebradeiras mesmo”. Ela expressava em suas palavras
que ser quebradeira de coco requer ter a quebra como trabalho diário e não apenas como meio de obter benefícios (Diário de campo 31, 18/05/2011). Dona Ana
relatou que “muitos filhos de quebradeiras têm vergonha delas e que muitas vezes
nem dizem que a mãe quebra coco” (Extrato de diário de campo 05, 11/04/2011).
Outra questão que se relaciona com a falta de jovens na quebra de coco pode ser
explicada pelo exemplo de Gorete que apesar de afirmar de “gostar do mato” e
de quebrar coco, pretende “se formar” para ter futuro melhor, pois, o dinheiro que
ganha com a quebra de coco não supre as necessidades básicas de sua família.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
a aprendizagem da técnica de quebrar coco às suas mães, avós e irmãs. Trata-se,
Deste modo, o futuro que Gorete vislumbra – ter uma vida melhor – não será, segundo ela, através da atividade da quebra de coco. Talvez por isso, a despeito das
doze quebradeiras de coco (bem como as demais) dizer que também ensinaram
a seus filhos (homens e mulheres) a técnica da quebra de coco (exceto Gorete,
Socorro e Marta, pois, têm filhos ainda pequenos) os filhos destas mulheres preferem ter outra atividade laboral. Os filhos de Rosa, Rita e Efigênia, por exemplo, vão
quebrar coco e fazer roça, mas não realizam estas atividades com exclusividade.
Já os filhos de Rosalina, Nazaré, Teodora, Generosa, Delfina não quebram coco. Os
filhos de Jesus sabem quebrar coco, mas trabalham em “firma” [empresa] com isso,
somente as mulheres quebram coco.
Do mesmo modo, elas ressaltam a importância dos estudos como meio de “ser
alguém”, “ter um futuro diferente” a fim de não passar privações, não ter que enfrentar a fome. Por isso mesmo, compreendem o seu lugar social: de mulheres e
pobres. Como ressaltado por Roseli numa reunião na AQCB do Poraquer: “eu quero
8
Gorete, Efigênia, Rosa, Rita, Nazaré, Teodora, Generosa, Delfina, Rosalina, Marta, Socorro,
Jesus são os nomes fictícios das doze quebradeiras acompanhadas durante a pesquisa. Os outros nomes
referem-se às presidentes das associações, maridos/companheiros ou filhos (as) das quebradeiras.
que meus filhos estudem pra ser alguém na vida que eu não fui”. Dona Ana retruca: “e você não é alguém na vida?”. Roseli responde: “sou sim, mas hoje em dia só
é alguém quem tem estudo” (Extrato de diário de campo 05, 11/04/2011). Ora, a
quebradeira de coco, mulher, mãe, pobre e sem estudo “não é ninguém” (Diário de
campo 05, 11/04/2011). Por isso, Roseli quer que seus filhos estudem para “ser
alguém” o que significa ter melhores condições de vida, não passar fome e ter um
trabalho digno e valorizado.
De todo modo, elas valorizam a quebra de coco, pois sempre falam do orgulho
e de como gostam de ser quebradeira de coco e de estar no mato, pois, foi este
aprendizado que tiveram. Durante a quebra de coco com Rita, o local de quebra foi
referenciado como o “escritório” deles: “tô aqui limpando nosso escritório” (Extrato do diário de campo 74, 17/08/2011)
Em uma visita a casa de Rita, Desidério já havia feito esta comparação com a equipe. Segundo ele, as ferramentas de roçar eram a sua lapiseira. Ou seja, valorizam
o aprendizado tradicional que obtém, mas, consideram que “ter estudo” possibilitaria que seus filhos não passassem pelos mesmos “aperreios” que elas passaram.
Por isso mesmo, estas mulheres se mudaram para a cidade a fim de que os filhos
continuassem a estudar. Todavia, este entendimento de que a escolaridade permite acessar um futuro melhor não se constituiu num “projeto de ascensão” como
vislumbrado pelas classes médias. Entende-se, portanto, que no contexto desta
pesquisa, “ter estudo” possibilita que indivíduos cujas famílias são marcadas pela
pobreza tenham mais oportunidade na vida. Percebemos que em algumas falas,
mais oportunidade na vida é não quebrar coco. Para as quebradeiras de coco,
como não tiveram estudo, “o jeito foi ir pra quebra”, Então, é por meio do estudo
que seus filhos podem “ser alguém”.
O trabalho das quebradeiras de coco
A dinâmica da atividade entre as quebradeiras de coco babaçu consiste numa rotina diária de ida para a “mata”, onde existem as palmeiras, e de retorno para a casa
onde, empreendem as atividades rotineiras do lar – cuidar dos filhos e de se prepararem novamente para o outro dia na quebra. Também nos tempos de plantio e
colheita, deslocam-se para a roça.
A rotina diária do trabalho nos babaçuais e de aproveitamento do coco está associada há uma espécie de ritual específico traçado pelas quebradeiras, sendo
seguido rigorosamente durante todos os dias em que saem de suas casas rumo
à mata para desenvolverem a atividade da quebra. “[...]quando dá quatro e meia
a gente já ta acordado aí começa logo a fazer as coisa de dentro de casa quando
dá cinco hora aí já começa a amola machada[amolar o machado], e a arrumando
sacola e bota panela e aí é que a gente vai. ( JESUS, entrevista, 15/08/2011).
Ao chegarem ao babaçual relatam que,
escolhem o local para a quebra e começam a limpá-lo com
facão, cortando e afastando o mato. O local onde Dona
Martinha e Dona Jesus quebram coco é chamado por elas de
rancharia. Depois de escolhido a rancharia elas deixam seus
utensílios no local escolhido para arranchar-se. Pega somente
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ESTRATÉGIAS DE
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CONSTRUÇÕES DE
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O cotidiano das
quebradeiras
de coco babaçu
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cocais MA
Assim, após deixar a casa organizada partem para a avenida para pegar o caminhão,
cedido ela prefeitura, para chegarem ao “mato”. Chegando ao local escolhido, de
acordo com a quantidade de coco existente, preparam o terreno onde vão ficar durante aquele dia. Esta rotina por sua vez, traz consigo uma “incerteza”, posto que
“não há um local especifico pra coletar. Muitas vezes as quebradeiras se “dividem
nas áreas de coleta em equipe de 2, 3 pessoas” (Extrato do diário de campo 16,
04/05/2011). Relatam que cada uma colhe e quebra seu coco, sendo que em algumas situações quebram coletivamente e dividem o “apurado” do dia entre si.
Nas áreas de coleta preparam sua alimentação9, quebram o coco e fazem o carvão
com as cascas, separadas minuciosamente em montes. Conseguem separar, ao fim
do dia, cerca de cinco a oito quilos de amêndoa que são vendidos na volta para a
cidade por cerca de R$1,20, abaixo do preço estabelecido pelo governo (R$1,46).
Algumas vezes, fabricam o azeite, que demanda mais trabalho, contudo vendem
por um “preço melhor” e utilizam, em sua maioria o carvão para cozinharem em
suas casas, o que ajuda a economizar com as despesas com o gás de cozinha.
O trabalho dispensado com a quebra de coco é expresso por Efigênia como uma
obrigação, logo que ingressa como atividade imprescindível para a manutenção da
casa, embora esta não a considere como uma profissão como as demais. Embora
de pouca rentabilidade, as mulheres a mantêm como a atividade principal na vida
diária, haja vista que, se apropriam do babaçual seja em seu uso direto para a alimentação ou sua preparação, no caso do azeite e carvão, seja indiretamente, com
a venda dos produtos gerando dinheiro (moeda) que será também utilizado, em
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
o saco de nylon com as ferramentas de trabalho – machado,
cacete e facão – e começamos a selecionar e coletar o coco
babaçu. (Extrato do diário de campo 54, 02/07/2011).
sua maior parte, para compra de alimentos.
A ocupação em outros trabalhos as impossibilita de irem quebrar. De modo que,
têm quebradeira que mesmo trabalhando a semana em outros serviços mantém a
rotina de quebra aos sábados, pois para ela dá para tirar o “da festa e o da feira de
domingo, ai já economiza.” (GORETE, entrevista, 23/08/2011).
A quebra do coco não se configura para elas um fardo pesado. Segundo as quebradeiras as conversas realizadas durante a quebra e as descontrações coletivas
amenizam os esforços despendidos por elas durante a realização de seu ofício.
Ressaltam, sobretudo, a disponibilidade de tempo e a liberdade que ganham para
realizarem outras tarefas cotidianas.
Expressam que a atividade principal da mulher é a quebra e a do homem a roça ou
lavoura. Embora as duas atividades sejam acessadas pelos dois de acordo com as
9
Durante as atividades de quebra as mulheres também precisam alimentar-se, e essa alimentação
varia de acordo com a quantia em dinheiro que elas dispõem no momento. Assim Leocádia disse que “pra
se alimentarem no campo se leva farinha, tomate, limão, mas que tem dias que quando não dá para levar o
tomate o chibé é feito sem tomate mesmo”. (Extrato de diário 5, 11/05/2011).
necessidades mais urgentes da casa. Desta forma, mulher também roça e alguns
homens também participam das atividades de quebra do coco. De modo que, a produção social da existência implica por sua vez na participação dos dois gêneros.
Relações familiares e de gênero
A despeito da importância do homem provedor no universo desta pesquisa, das
doze mulheres acompanhadas, cinco delas não possuíam marido/companheiro/
homem em casa (Nazaré, Efigênia, Rosalina, Gorete, Generosa). Algumas delas (Nazaré, Rosalina, Generosa, Efigênia) passaram situações difíceis com seus maridos
e hoje não querem ter um companheiro. Alegam que estão “véa” [velhas] ou que
não tem mais paciência para homem. Todavia, destaca-se em suas falas a importância do homem provedor, do homem que deve trabalhar e do homem que dá o
sustento.
Nazaré apontou que “quem não tem homem ganha ajuda”, pois, no contexto cultural no qual vive o homem deve provir o “local do consumo”. Rosa conta que
após ser largada com dois filhos, “foi arranjar outro para ajudar a criar os filhos”.
Como ressaltou Nazaré se o homem não trabalha, não ajuda e atrapalha a mulher.
Nesse sentido, Jesus contou que, depois que seu marido a “largou” ficou sozinha
com seis filhos para criar. Ela fala que para sustentar seus filhos ela já passou por
muito sofrimento, inclusive de ter que ficar com homens para que estes a ajudasse
no sustento de sua família. Assim, Jesus afirmou: “ou eu fazia isso ou meus filho
morria de fome” (Extrato do diário de campo 54, 02/07/2011). Ela considera que
“foi errada”, mas que nunca “fez pouco” da cara das esposas dos homens com os
quais ficava, pois essas sequer sabiam que ela era amante deles (Extrato do diário
de campo 54, 02/07/2011).
Ainda sobre as relações entre afins vale dizer que estas mulheres se casaram jovens, em média, antes dos 18 anos. Todavia, é expressivo o número de relações
amorosas que elas possuem ao longo da vida, pois, “ter um homem” significa tanto
ter um marido para provir a casa quanto ter um parceiro sexual. Por isso, como
disse Ana, após o falecimento de seu primeiro marido não “esperou muito” para
arranjar outro companheiro, pois, não “espero nem os vivos imagine o que tinha
morrido” (Extrato do diário de campo 42, 03/06/2011).
No universo desta pesquisa marca-se também a preeminência do pai ou da mãe
como figura de autoridade. Jesus foi obrigada a se casar depois de “ficar perdida”.
Rita buscou no casamento uma forma de se libertar da mãe. Jesus disse a filha
Gorete que ela deveria cuidar da vida após a separação. Mas, também são os pais
que conferem a estas mulheres solidariedade e ajuda nos momentos difíceis. Nazaré foi ajudada pela mãe quando vivia um casamento infeliz, no qual passava
fome. Socorro mora com o pai que a ajuda com as crianças. Rosa quando “vivia
só” morava com os pais, assim como Jesus. Rosalina diz que depois que sua mãe
morreu “foi que eu fui sofrer”, por isso, “quem quer saber o que é bom fique sem
mãe” (Entrevista, 06/08/2011). Como dito, a despeito da importância do homem,
as relações de sangue se sobrepõem as relações contratuais de casamento. A relação mãe e filho é a preferencial entre as quebradeiras de coco, pois, nesta há um
contrato moral, como ressaltou Rosalina: “o filho deve se curvar à mãe”.
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ESTRATÉGIAS DE
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CONSTRUÇÕES DE
GÊNERO:
O cotidiano das
quebradeiras
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da região dos
cocais MA
Entretanto, mesmo que a figura masculina seja entendida como provedor, Teodora,
nheirismo e divisões de tarefa. Elas não negam a importância do homem provedor,
mas ressaltam a necessidade de se unir para enfrentar a vida cotidiana adversa.
Deste modo, estabelecem relações de parceira com seus maridos: enquanto Socorro está na rua, o marido cuida da casa, Teodora montou uma quitanda por que
seu marido não podia mais trabalhar na roça por problemas de saúde, os filhos de
Rosa fazem o serviço da casa e seu marido também ajuda, mesmo quando ela está
em casa, Rita e Desidério, 41 anos de casamento, lutam juntos pelo bem estar da
família. Nesse sentido, segundo Ahlert (2008, p.22-23).
Na bibliografia sobre grupos populares é recorrente que a
figura dos homens seja associada ao provimento do sustento
da casa, revelando a figura do homem provedor - configurado
como uma presença ambígua (ZALUAR, 1985; SARTI, 1996,
entre outros). Tal ambigüidade estaria relacionada com a
instabilidade em corresponder com tal papel, devido às
condições impostas da desigualdade social brasileira. O
interessante na figura do provedor é sua força, apesar de
sua realização plena ser rara e um tanto dotada de idealismo
(FONSECA, 1995; BRITES, 2000).
Outra questão é que para elas casar requer “ter papel” e não apenas assumir publicamente uma relação conjugal e iniciar uma fase de co-residência (FONSECA,
2005, p. 40). Deste modo, as mulheres que são “junta” não se consideram casadas
(Socorro, Rosa). Algumas falam que não são solteiras, mas não são casadas (Nazaré). Jesus, por exemplo, mora com um companheiro, mas se diz solteira. Fato é que,
ao longo da pesquisa, pode-se perceber que algumas quebradeiras de coco falam
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Rita, Socorro e Rosa narram relações de gênero marcadas por parcerias, compa-
que são solteiras, mesmo morando com um companheiro.
Ou seja, para elas ser solteira possibilita ter acesso a programas do governo, obter
crédito e, no futuro, obter a aposentadoria rural. Todavia, há uma razão simbólica
contida nesta razão prática: como o casamento só é válido “no papel”, elas se
dizem solteiras, pois, trata-se de uma categoria que possibilita quando “largadas”
não ser separadas ou desquitadas. Suspeita-se, neste sentido, que estas mulheres
se importam com o estado civil de desquitada ou separada (legalmente no papel),
a despeito de narrarem como seus companheiros a “largaram” e como elas arranjaram logo outro companheiro.
Destaca-se ainda que as mulheres (Rosa, Jesus, Efigênia, Socorro, Generosa, Rosalina, Nazaré, Gorete) explicitaram as infidelidades masculinas bem como relações
violentas, possessivas e ciumentas (Nazaré, Generosa). E que há homens que agridem suas companheiras (Rosalina, Marta). A despeito dos relatos sobre violência
doméstica (Jesus, Rosalina, Marta, Nazaré) elas se manifestaram e se posicionaram
contrariamente à dominação masculina (especialmente Marta em relação ao seu
pai). Estas mulheres que relataram casos de violência doméstica romperam com
seus companheiros agressores, a despeito da violência física, psicológica e simbólica que sofreram durante o casamento.
Deste modo, a figura do homem provedor e da autoridade e a dominação masculina podem ser lidas como ideais extremamente poderosos, mas não são vividas
de maneira absoluta ou estável na vida cotidiana destas mulheres. Se tais ideias
existem enquanto modelos, na realidade podem ser negociados, abrindo espaço,
portanto, para a agência feminina. Por isso mesmo, considerou-se analisar as relações entre homens e mulheres no universo desta pesquisa na relação e não apenas a partir da concepção de que homens subordinam as mulheres. Os dados aqui
apresentados apontam que há um contexto cultural de dominação masculina, mas
que estas mulheres não respondem “apaticamente a uma dominação masculina”.
(AHLERT, 2008, p. 23), pois, ao passo que há reforço das hierarquias de gênero, há
espaço para a agência feminina.
Como se vêem/sentem
No roteiro da entrevista realizada com as doze quebradeiras de coco foi perguntado se elas gostavam de ser mulher, todas responderam que gostavam, mas as respostas foram diferenciadas. Generosa disse que gosta de “ser muié, [...] Ah porque
é... sei lá minha vida é tranquila né” (Entrevista, 05/07/2011). Para Rosa a mulher
que não tem marido, os homens sempre “qué dizer alguma pilera né, mais quem
tem vai viver mior” (Entrevista, 06/07/2011). Socorro diz que “sempre gostei dessa parte de ser mulher” (Entrevista, 26/07/2011). Para ela, a mulher que tem curso
e certificado “hoje em dia pra emprego ta tendo um pouco mais de facilidade” de
conseguir emprego” Entrevista, 26/07/2011). Rita diz que “pela uma parte é bom
né” ser mulher: ser mãe e “aconselhar seus filhos” (Entrevista, 27/07/2011). Efigênia disse que gosta de ser mulher, mas que “agora eu já to uma velha, mais eu gosto, agora já to mesmo no restinho mais ainda serve[...]” (Entrevista, 04/08/2011).
Mesmo se considerando velha, “sei lá porque é [bom ser mulher] (risos). Porque eu
acho que é bom mesmo num é” (Entrevista, 04/08/2011).
Rosalina disse que “é bom a gente ser muié [risos]”. Perguntada se era melhor do
que ser homem, ela respondeu: “de home eu num sei não, mas de muié e bom
ser muié. Muié se arruma mio, a muié é mais calma, muié tem mais paciência, a
muié é mais tanquila, a muié é mais carinhosa a muié é tudo. Né não?” (Entrevista
06/08/2011). Delfina disse que é bom ser mulher, mas que “mulher passa cada
uma”, mas, “só na hora de ter um filho”, por que segundo ela, “é ruim demais” parir
(Entrevista, 18/08/2011). Nazaré diz que é bom ser mulher por que a mulher sempre é ajudada e o homem não “porque é home” (Entrevista, 19/08/2011). Gorete
diz que “as oportunidades pras mulheres são bem melhores agora né”, além disso,
“ta bom ser mulher agora alguns anos atrás não era bom não, a mulher dependia muito do homem, hoje não hoje a mulher é mais independente dela própria”
(Entrevista, 23/08/2011). Teodora diz que “ser mulher é ótimo”, mas que “só ter
mulher e não ter homem nada feito. Então tem que ser os dois homem e mulher”
(Entrevista, 05/09/2011). Jesus diz que é bom ser mulher por que tem serviço,
mas “viver sozinha” trabalhando para sustentar os filhos é a parte ruim. Todavia,
para um homem viver sozinho é mais difícil, segundo ela. Dona Marta diz que não
sabe por quê ser mulher é bom.
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ESTRATÉGIAS DE
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Ser mulher neste contexto também se inscreve nos corpos destas quebradeiras
Logo, as marcas físicas que este trabalho inscreve em seus corpos denotam o dia-a-dia “difícil” que estas mulheres enfrentam. Todas possuem cicatrizes pelo corpo, especialmente nas mãos ressaltando como a quebra de coco marca seus corpos. Outra questão relacionada aos corpos destas mulheres quebradeiras de coco
são as linhas de expressão, as peles enrugadas, as mãos ásperas, os pés rachados,
o aspecto de maior idade do que possuem. Marcas que também expressam o “trabalho duro” que possuem. Em sua maioria, são mulheres que aos 50 anos se consideram “véa” [velha] (Generosa, Efigênia, Rosalina), não mais atraentes e dispostas
a relacionamentos afetivos e sexuais.
Ainda sobre como o trabalho da quebra de coco marca os corpos destas mulheres,
vamos a um relato de Gorete. Ela diz que as pessoas não acreditam que ela é quebradeira de coco babaçu. Gorete conta que quando estudava no IFMA – Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão -, um dos motoristas não
acreditava que ela era quebradeira de coco. Somente acreditou nela no dia que a
viu em cima do caminhão juntamente com as demais quebradeiras de coco. Para
ela, “acho que é bem pela minha aparência” (Entrevista, 23/08/2011), pois, as
pessoas pensam que as quebradeiras são velhas, com a pele enrugada, maltratadas pelo trabalho no sol. Gorete concorda que “tem, muitas quebradeiras de coco
não cuida, não se cuida entendeu? Pelo fato de quebrar coco acha que deve se
desleixar, e eu não apesar de quebrar coco eu sempre me mantive bem cuidada”
(Entrevista, 23/08/2011).
Vale dizer que, no universo desta pesquisa, as mulheres gostam de conversar sobre
sexualidade, sexo e os parceiros que tiveram. A jocosidade e as conversas “salientes”
são freqüentes nos espaços e no cotidiano destas mulheres. Fonseca (s/d) ressalta
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
que vão para o mato trabalhar na quebra de coco, atividade vinculada ao feminino.
que o humor, as brincadeiras e os comentários sobre as relações conjugais e sexuais
estão presentes no cotidiano das classes populares. Segundo Fonseca (s/d, p. 16)
As famílias ‘populares’ definem-se justamente pelo estilo
jocoso de tratar os assuntos mais prementes da vida social.
E é essa jocosidade que, pela cumplicidade tácita da risada
coletiva, age sub-repticiamente para transformar os diversos
assuntos e as diversas regras (sejam elas oriundas dos grupos
dominantes, dos ‘bons proletários’, ou dos homens) numa
expressão própria aos grupos populares.
As quebradeiras de coco narram também doenças relacionadas ao seu trabalho
como dores nas costas, na coluna e nos joelhos. Delfina além destes sintomas
apresenta pernas inchadas fruto de uma diabete. Efigênia disse que já está cansada desta vida. Elas reclamam do cansaço e da “vida corrida” que levam, pois, o
trajeto até o local de quebra de coco, frequentemente, é penoso. Teodora também
enfrenta alguns problemas de saúde, mas, ela continua a quebrar coco a despeito
da “vista” está ruim, por conta de problema de “nervoso”, ela diz que não usa
óculos, pois, “na hora que boto ele me dá aquela gastura eu fico ruim de mais e a
minha gastrite vem daqui eu to no remédio controlado com um monte de remédio
a lhe eu disse que não ia depender disso” (Entrevista, 05/09/ 2011).
Por fim, ressalta-se que a mesma atividade difícil, dura e penosa da quebra de coco
que imprime marcas físicas nos corpos destas mulheres e ocasiona doenças é a
mesma que as permite “se governar”. O trabalho não valorizado, que não lhes dá
dignidade, reifica seu lugar social de mulheres pobres e escraviza seus corpos (velhice, cicatrizes, doenças) é o que lhes dá liberdade, pois, no mato “ninguém manda”,
não há horários, nem patrão. Assim expressa Marta: “Sou mais ante ir pro mato [...]
por que lá eu me governo quebro meus cocos do jeito que eu quero, faço carvão ai
pronto [...] por que eu não gosto que ninguém me manda (Entrevista, 16/08/2011).
É o ambiente que elas percorrem de forma perceptiva (INGOLD, 2000) diariamente
a fim de exercer um conhecimento tradicional, transmitido de geração em geração,
É porque a gente se interte e faz modo da historia é o que a
gente sabe fazer tem que quebra coco minha família quebra coco
e mora tudo no interior e só sabem fazer isso porque ninguém
estudou mesmo. A eu gosto de fazer o meu serviço quebrar coco
e ele fazer a roça dele (TEODORA, entrevista, 05/07/2011).
Trata-se do território que dá, sobretudo, significado as identidades de gênero e de
quebradeira de coco destas mulheres. Desta forma, podemos identificar uma positividade na agência entre as relações familiares e de gênero de doze quebradeiras de
coco da região de Codó/MA considerando que se “há uma separação que serve de
referência para identificar ‘ser mulher’ e ‘ser homem’ nesse campo vivencial, as relações que lá se estabelecem são tão flexíveis quanto complexas” (BARBOSA, 2006, p.
55). Do mesmo modo, marca que as relações de gênero devem privilegiar, para além
da situação de dependência e de opressão feminina, as agências femininas marcadas
tanto por situações de maior vulnerabilidade quanto situações de maior privilégio.
Nesse sentido, o território da quebra de coco expressa, sobretudo, “relações de gênero e de significados que se estabelecem em seu meio social” (BARBOSA, 2006, p. 35).
Modelos e dinâmicas familiares das mulheres
quebradeiras de coco beneficiadas pelo PBF em Codó
O Programa Bolsa Família (PBF) possui uma concepção de família que espraia a
noção de pai-mãe e filhos, incluindo as famílias sem filhos. No que tange às famílias com a presença de crianças ou adolescentes, o que mais chamou a atenção da
equipe de pesquisa é a plasticidade de tal concepção, já que, diante do cenário
pesquisado, permite que sejam contemplados diversos arranjos e modelos de família como beneficiárias. Essa diversidade que marca os arranjos familiares aponta
para a ideia de família como uma noção construída historicamente (ARIÈS, 1981) e,
portanto, não universal ou pré-determinada (HERITIER, 1989). Contudo, ainda que
reconhecendo o caráter de construção cultural da família, e, portanto de ficção,
como diria Bourdieu (1997), é necessário entender que a família é uma ficção muito poderosa, na medida em que emana dos sujeitos e define sua própria prática10.
10
Como afirma Bourdieu, a concepção moderna de família faz com que se entenda que “a unidade
doméstica é concebida como um agente ativo, dotado de vontade, capaz de pensamento, de sentimento e
de ação e apoiado em um conjunto de pressupostos cognitivos e de prescrições normativas que dizem
respeito à verdadeira maneira de viver as relações domésticas: universo no qual estão suspensas as leis
corriqueiras do mundo econômico, a família é o lugar da confiança e da doação” (BOURDIEU, 1997, p. 126)
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Nas falas das quebradeiras de coco é possível perceber algumas características
famílias modernas. Neste sentido, o uso que as quebradeiras de coco babaçu de
Codó fazem do benefício do Bolsa Família remete exatamente ao âmbito da casa
(o autor destaca a moradia conjunta como traço da família moderna) e também à
importância do cuidado com os filhos. Esta semelhança, contudo, como destacou
Fonseca (2004; 2006) pesquisando famílias de baixa renda no Brasil, não pode
sugerir que se compartilhe de apenas uma noção correta de família. A autora mostra como os modelos de família podem se desviar da noção de família nuclear
(pai-mãe e filhos) e demonstra como, no seu universo de pesquisa, apareciam características importantes de outras possibilidades de família. Entre elas a autora
destaca a força do laço de sangue, de forma que as relações entre consangüíneos
se sobrepõem em importância àquelas de aliança por intermédio de casamento.
Além disso, mostra que o cuidado com as crianças pode ser socializado entre diferentes casas, dependendo do momento da vida das pessoas.
A composição das famílias das quebradeiras de coco é variada e nela se destacam
os filhos e netos de criação. A bibliografia da antropologia destaca esta prática de
“circulação de crianças11” (FONSECA, 2004) como “uma prática familiar, velha de
muitas gerações, em que crianças transitam entre as casas de avós, madrinhas,
vizinhas, e “pais verdadeiros”. Dessa forma as crianças podem ter diversas mães
sem nunca passar por um tribunal” (FONSECA, 2004, p.9).
A prática da criação de filhos (não biológicos) e netos, assim como uma maior fragilidade dos laços de consangüinidade (a pensar pelo número de casamentos e
uniões) (FONSECA, 2002; 2004) faz com que sejam as mulheres, seja na posição
de mães ou de avós, as pessoas que arcam com os maiores cuidados com as crianças e adolescentes. Estas características refletem na forma com que se configura
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muito similares aquilo que Bourdieu (1997) denominou como características das
o cenário da distribuição do benefício do PBF entre as quebradeiras de coco entrevistadas:
Quadro 1 - Distribuição do Programa Bolsa Família entre as Quebradeiras de
Coco
Nome:
Dona Generosa
Dona Delfina
Dona Socorro
Dona Rita
Dona Jesus
Gorete
Marta
Teodora
Efigênia
Nazaré
Rosa
Rosalina
Por quem recebe:
2 netos
1 neta
3 filhos
1 neto
2 netos (e sua nora que mora com ela recebe pelo filho)
1 filho
2 filhos e 1 sobrinha
Benefício básico
Benefício básico
Benefício básico
3 filhos
Não recebe, quem recebe é sua filha que mora em sua casa com o neto.
Fonte: Projeto MDS/CNPq 036/2010
Entre as quebradeiras, contudo, existem diferentes histórias que levaram à criação
de filhos e netos e, diante disso, diferentes formas de se apropriar do dinheiro
do benefício. Dona Delfina, por exemplo, recebe o benefício por uma neta de 10
11
“circulação de crianças, ou seja, o grande número de crianças que passa parte da infância e
juventude em casas que não a de seus genitores” (FONSECA, 2006, p.14).
anos de idade. A menina é filha de uma filha de Delfina, que mora em Brasília.
Delfina diz que a menina está com ela desde “molinha”, ou seja, desde pequena,
porque nasceu em Codó e passou a viver com a avó quando tinha três anos de
idade. Delfina ainda diz que não recebe nenhuma ajuda financeira da filha para
cuidar da neta, apenas a renda do Bolsa Família (cujo cartão está no nome da avó).
Delfina explica que a filha não consegue lhe ajudar porque tem uma nova família
na cidade de Brasília.
Os casos de migração de familiares, especialmente em busca de emprego, para cidades como Brasília, Goiânia e São Paulo, são muito recorrentes na cidade de Codó.
Durante a pesquisa de campo e em conversas com outros moradores, foi possível
perceber que praticamente toda família possui algum membro migrante. Entre as
quebradeiras pesquisadas, a migração não apareceu apenas no caso de Dona Delfina. Dona Marta, por exemplo, além de seus próprios filhos biológicos, cria filhos de
uma irmã que faleceu e de outra irmã que migrou para trabalhar fora do estado do
Maranhão.
Rita fez o cadastro para receber o Bolsa Família em um momento em que tinha um
filho menor de dezoito anos e também um neto que residia com ela, ou seja, que ela
criava. O neto voltou a residir com a mãe depois de um tempo. Contudo, para não
alterar o cadastro, as duas mulheres acordaram com a permanência do menino no
cadastro e, portanto no cartão da avó. O filho de Rita fez dezoito anos e ela ficou recebendo apenas pelo neto e o benefício básico. Ela e a filha dividem o valor do benefício que Rita recebe, ficando cerca de 70% para ela e cerca de 30% para a filha.
Sobre a divisão do dinheiro, outra situação interessante apareceu em campo. No
pátio da casa de Dona Jesus residem diversas pessoas, entre elas sua filha Gorete, com seu próprio filho (que recebe o benefício), mas também Micaela, sua
filha mais velha. Um dos filhos de Micaela é criado por dona Jesus desde que
nasceu e outro criado pela própria Micaela. O cartão do PBF em nome de dona
Jesus contempla estes dois netos. Como recebe o benefício dos dois, ela divide o
valor, ficando com a metade e dando a outra parte para Micaela. O cartão está no
nome de dona Jesus porque quando fez o cadastro para o Programa, Micaela tinha
migrado para trabalhar, junto com o marido, no estado de Minas Gerais e os netos
estavam com dona Jesus.
Diante destes aspectos podemos perceber que a configuração da distribuição do
benefício do Bolsa Família – quando pensamos especialmente a relação entre o
‘nome que está no cartão’ e ‘por quem se recebe’ - tem a ver com diversos fatores
que influenciam, em determinado momento, o arranjo familiar. Assim, a migração,
as dificuldades financeiras, etc., são elementos que influenciam diretamente na
configuração da distribuição do benefício porque são elementos que também
definem as famílias em determinados momentos. Como estes aspectos não são
determinados ou fixados sem possibilidades de mudança – pelo contrário, são
sazonais – quando se alteram, exigem que as pessoas façam pequenos ajustes
na distribuição do dinheiro proveniente do Programa Bolsa Família. Estes ajustes
são internos à própria família e costumam ser negociados entre as mulheres. Em
alguns casos, como pudemos ver, não chegam ao conhecimento do CRAS ou da
Secretaria de Assistência Social.
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Neste sentido, as dinâmicas familiares particulares, imprimem formas de lidar com
são passíveis de serem feitas dentro de sua estrutura). Pensando no impacto sobre as dinâmicas familiares, não é possível medir, a partir dos dados resultantes
da pesquisa, se o recebimento do benefício tem diminuído, ou não, os casos de
migração, por exemplo. O que se pode dizer, a partir de uma fala de Nazaré12 é que
algumas mudanças que eram comuns entre as famílias – especialmente envolvendo deslocamentos para o interior para as colheitas – têm sido repensadas sob a
ótica da manutenção das Condicionalidades.
De maneira geral, a utilização do dinheiro apresenta finalidades semelhantes entre as quebradeiras pesquisadas. Em um primeiro lugar, quando não se consegue
outra forma de renda ou aquisição de alimentos, o dinheiro proveniente do PBF
serve para comprar comida. Tal situação foi apontada por várias quebradeiras. A
utilidade primeira do dinheiro que entra na casa, pelo menos aquele por intermédio das mulheres, é a alimentação. Ainda que destaquem esta finalidade primeira,
ela apareceu ‘sozinha’ em poucas respostas. Ou seja, como as quebradeiras continuaram com outras fontes de renda, afinal, nunca pararam de quebrar coco ou
fazer roça, o dinheiro do benefício espraia-se para além da alimentação. Neste
sentido, é apontado como sendo utilizado, principalmente com duas finalidades:
pagar contas domésticas como água, luz, gás; e para auxiliar nas despesas com
as crianças e adolescentes, principalmente as relativas à escola. Contudo, apesar
destas duas recorrências mais constantes, é possível destacar que o destino do
dinheiro proveniente do benefício depende da necessidade da família naquele
momento do mês, momento no qual acessam o benefício.
O uso do dinheiro proveniente do Programa Bolsa Família está condicionado à situação de vida da família no momento do seu recebimento. Esta forma de repasse
Introdução e Temas transversais
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o Bolsa Família que não estavam previstas na lógica do Programa Social (mas, que
garante, portanto, que as mulheres encontrem algum grau de liberdade na sua
utilização (podem usar para o que estiverem precisando mais naquele momento).
Diante das dificuldades financeiras que marcam o cotidiano das interlocutoras,
contudo, a possibilidade de manipulação deste dinheiro contempla normalmente
as mesmas finalidades.
Os destinos mais apontados pelas interlocutoras da pesquisa foram a alimentação,
o pagamento de contas como água e luz, a compra do gás, gastos com material
escolar e uniforme, roupas e calçados para os filhos. Em menor grau apareceram
compras de eletrodomésticos e melhorias na casa. Pensando a relação entre a família e a utilização do benefício, foi possível notar que a família é a unidade básica
a partir da qual se pensa o uso deste dinheiro.
12
Retomando a fala de Nazaré: “[...] se os pais num tiver incentivando eles, não é todos que se
interessa pra estudar não. E aí eu sempre to ali pra eles estudar e nunca levei assim pro interior [...] se eles
faltasse na escola, uns dez dia, quinze dia, aí já, aí ia sair do programa, aí veio essa ajuda pra gente, aí já dá
pra ajudar, ajudava eles, né, no material, na farda” (NAZARÉ, entrevista, 19/08/2011).
Gênero, casa, criança e o Bolsa Família
O Programa Bolsa Família, na sua estrutura, toma as mulheres como prioritárias no
que concerne ao repasse do benefício. Neste sentido, na maioria dos casos, são os
nomes das mães ou avós que figuram nos cartões do Programa. Pensando neste
elemento cabe explanar sobre como as quebradeiras percebem esta vinculação
entre as mulheres e o benefício do PBF. Esta discussão é amplamente arraigada,
já que em torno da mesma surgem diversas opiniões e afirmações, tanto no senso
comum, quanto no meio acadêmico.
As colocações acerca deste debate normalmente são dicotômicas. Alguns questionam esta vinculação, afirmando que ela recoloca a mulher numa situação de
subordinação no ambiente doméstico, fazendo novamente uma ligação entre sua
identidade e o papel de mãe (e, portanto, seu papel tradicional) e deixando as mulheres mais afastadas do mercado de trabalho13 (ver MEYER, 2005; KLEIN, 2005).
Outros debates sobre este vínculo, pelo contrário, mostram como o benefício recebido pelo PBF empodera mulheres na formação de associações e iniciativas nos
espaços próximos às suas residências.
Alguns cientistas sociais, que pesquisaram famílias de baixa renda, destacaram
que a relação entre o casal era marcada por uma complementaridade (ver SARTI,
1996, ZALUAR, 1985). Concluía-se que havia uma posição estrutural de homem
e outra de mulher (de marido/esposa). Aos homens pertencia o mundo do que é
público, enquanto às mulheres, o domínio era o privado.
As próprias Ciências Sociais passam a questionar estas dicotomias como constitutivas da realidade, as entendendo como um reflexo de categorias do pesquisador,
que, quando aplicadas aos grupos pesquisados, privilegiavam os espaços onde os
homens estavam presentes (STRATHERN, 2006). As quebradeiras de coco babaçu
de Codó, como apontado acima, destacam a importância de seu papel de mães e
do cuidado da casa. Contudo, não possuem seu cotidiano marcado pela presença
no ambiente doméstico, pelo contrário, deslocam-se diariamente para o trabalho.
A partir destas características de suas vidas, assim como a partir dos dados sobre
gênero que serão trazidos abaixo, as interlocutoras desta pesquisa podem ajudar
a repensar algumas destas dicotomias que têm marcado as análises sobre o PBF e
sobre as relações de gênero.
Nas entrevistas as mulheres selecionadas foram inquiridas sobre a prioridade
dada às mulheres no repasse do benefício. Foram perguntadas se o cartão do PBF
deveria estar no nome da mulher ou do homem. Apenas Teodora disse que “tanto
faz” se o cartão estiver com o nome da mulher ou do homem. Garantiu que era
13
Em outro espaço, Dagmar Meyer e Carin Klein apontam para outro enfoque instigante dos
programas de transferência de renda na área da educação e saúde que possuem as mulheres como
“agentes prioritárias de sua implementação” (KLEIN, 2005, p. 31). As autoras remetem à constituição de um
determinado tipo de maternidade que associa “mulher” ao status de “mãe”, reforçando as hierarquias de
gênero que postulam seu espaço como o da casa (não oferecendo acesso ao mercado de trabalho) e o do
cuidado dos filhos
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indiferente porque seu marido sempre sabia “fazer a feira” ou pagar as contas que
teja no nome da mãe/mulher. Para Socorro, é a mulher quem sabe quais são as prioridades da casa, e, por isso, cabe a ela receber e administrar o dinheiro do benefício:
Equipe: E ai se fosse no nome do seu marido, a senhora acha
que ia ter problema?
Socorro: Não, não iria ter porque ele sabe da necessidade dos
filhos, né? Ele sabe, até quando ele tá aqui que ele faz algum
bico, a metade, 60%, 70 é pra dentro de casa, pros meninos.
Aí, nos sempre assim, colocamos os meninos na prioridade,
pra nós, adultos, já fica em segundo plano entendeu? Assim,
criança que eles gostam muito de sair, assim, pro os lugar,
festinha, algum lugar ai. Tem que mais roupa para sair do que
nos. Ai nós se preocupa mais com eles do que com a gente
(Entrevista, 26/07/2011).
De maneira semelhante à fala de Socorro, para dona Generosa, além de serem as
mulheres que sabem o que está faltando dentro de casa, são elas que têm os filhos
como prioridade, não gastam dinheiro “com festa”:
Equipe: Então, conta como assim, o homem não sabe o que
faz?
Generosa: Sabe não, você vê, você compra direito, eles não
compra as coisas direito pra casa, e sendo a mulher é melhor,
é muito melhor ser pago pra mãe do que pro pai.
Introdução e Temas transversais
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chegavam a casa. O restante das quebradeiras disse que é melhor que o cartão es-
[...]
Generosa: É verdade, às vezes num sabe tudo que falta dentro
de casa, às vezes quer sobrar um pouquinho pra ir pra festa,
pra sair na rua e tomar uma cerveja, e mulher não. Eu mesmo
gosto de tomar uma cerveja, mas os luxo assim... Digo é 2,50
uma cerveja, 2,50 eu compro de feijão e fico comendo a
semana todinha, a menina mamãe como é isso, a senhora
faz isso... Eu minha filha, num gasto não. E o homem não ele
quer saber disso né, quer saber que ta brincando. (Entrevista,
05/07/2011).
Portanto, para as quebradeiras entrevistadas, conhecer as despesas da casa, saber
o que comprar e “como” comprar é uma característica das mulheres. Esse conhecimento do mundo doméstico se soma a outro elemento que também funciona
como legitimador dentro dos argumentos das quebradeiras para se posicionar sobre o vínculo entre as mulheres e o benefício: a mulher é quem tem os filhos como
prioridade.
As mulheres, na constatação das quebradeiras entrevistadas, estão mais familiarizadas com o ambiente doméstico, sendo que conhecer e cuidar bem da casa são
elementos que ajudam a definir sua identidade. Contudo, como bem mostra Claudia Fonseca, o universo feminino não se encerra no doméstico como um espaço
separado do mundo da rua (FONSECA, 2004). As quebradeiras, ao valorizarem o
doméstico e também trabalharem ‘fora’ de casa, borram as fronteiras da dicotomia
que toma o mundo do doméstico como separado do mundo do público. O que as
diferencia dos homens não é que elas não circulem amplamente fora do doméstico, mas, é que, diferentemente deles, elas sabem das prioridades da casa e não
utilizam o dinheiro para festas e bebida alcoólica:
As quebradeiras dizem conhecer casos de homens que gastam o dinheiro do benefício com “festa” e “bebida”, contudo, diferente dos argumentos do senso comum
(que tendem a generalizar e condenar tais comportamentos), o fato de algumas
pessoas não saberem se utilizar do benefício (para a casa e para os filhos, que são
gastos legitimados por elas) não invalida o Programa Bolsa Família. Pelo contrário,
destaca como elas são merecedoras do repasse, já que o utilizam com responsabilidade. Na entrevista com Dona Rita, ela e seu marido14, apresentam outro elemento
que ainda não tinha aparecido nas entrevistas (mas, é comentado no dia-a-dia na
cidade): os casos de violência doméstica envolvendo o dinheiro do repasse.
Seu Desidério: Às vezes o homem e vai bebe tudo de cana, ai
ás vezes não tem de comprar o que comer.
Dona Rita: (risos) Aí fica difícil é mesmo.
Equipe: É seu Desidério?
Dona Rita: É, como a gente já viu muita coisa assim mesmo é
do jeito que ele tá falando.
Seu Desidério: Tem, acontece, tem acontecido.
Dona Rita: Até briga o homem batendo na mulher por causa
disso (Entrevista, 27/07/2011).
Em campo pode-se ver que existem casos em que, apesar do cartão estar no nome
da mulher, quem retira o dinheiro do benefício pode ser outro membro da família.
Dona Marta menciona que teve uma situação em que não se sentia bem e seu
marido teve que buscar o benéfico para ela: “Ele recebeu, só que do jeito que eu
faço ele faz certinho. Ele trouxe o dinheiro, do jeito que ele pegou lá ele trouxe pra
mim, não gastou não. Quando ele vendia meus cocos ele não gastava um centavo
ele trazia tudinho” (MARTA, entrevista, 16/08/2011). Marta ressaltou o fato de ser
esporádico, já que, se fosse todos os meses, “não ia dar certo não”. Em um sentido
semelhante, quando perguntada sobre o nome da pessoa que deveria constar no
cartão, dona Rosa disse que, apesar de estar no seu nome, quem retirava o dinheiro e trazia para casa era o seu marido:
14
Em diversas entrevistas as quebradeiras não estiveram sozinhas com a equipe da pesquisa. Isso
aconteceu porque havia mais pessoas nas casas e elas costumavam conversar e participar, inclusive, das
entrevistas.
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GÊNERO:
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Dona Rosa identifica o benefício do Bolsa Família como uma contribuição feminina
pação masculina, a roça. Como afirmou, para ela o homem tem a roça e a mulher
também precisa de uma renda.
Estas afirmações das quebradeiras, sobre a mulher como prioritária no recebimento do benefício, vão construindo imagens distintas do que seriam os homens e as
mulheres. Falando sobre as diferenças entre homens e mulheres, pensando também em relação ao mercado de trabalho, dona Nazaré acredita que
Nazaré: Por que a mulher sempre as pessoa, eles, como é
que quero dizer assim sobre a ajuda, sempre eles se, deixa
pensar aqui... A mulher tem mais facilidade de receber ajuda,
assim tudo por tudo, porque se ela tá, ela num tem o dinheiro,
precisa do, assim alguma coisa pra fazer, porque assim ela no
pode fazer, assim que ela nu sabe fazer, tem muitos homem
que se oferece, uns é com interesse outros sem interesse.
Equipe: E a senhora acha que as pessoas não fazem isso por
homem?
Nazaré: É, e também ajuda porque se eu fosse um homem,
na situação que eu já venho e até onde eu tô, se eu fosse um
homem ninguém ajudava.
Equipe: Mas, porque a senhora acha que ninguém ajudaria?
Nazaré: É porque é homem.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
dentro do orçamento familiar. Isto fica evidente ao comparar com a principal ocu-
Equipe: Ah é.
Nazaré: É e se diz se é homem é que homem trabalha por
qualquer serviço, né? Todo serviço ele pode trabalhar e mulher
não, não é todo serviço que ela pode trabalhar. Ela num pode
cortar um pau pra fazer um carvão assim daqueles pau grosso né,
home não, homem pode fazer. Ela num derruba, ela num broca, o
que ela faz da roça é coivarar, capinar tem delas que até planta. E
aí o homem é muito difícil pra achar assim uma pessoa pra ajudar
e a mulher sempre mais fácil (Entrevista, 19/08/2011).
Mulheres e homens são, portanto, diferentes. Mulheres tendem a privilegiar a casa
e a conhecer melhor o funcionamento da rotina doméstica. Colocam os filhos em
primeiro lugar, antes até delas mesmas. Tendem a contar com uma rede de apoio
e ajuda (como disse Nazaré) maior que os homens, pois são vistas como podendo cumprir alguns trabalhos enquanto os homens podem fazer qualquer tipo de
serviço. A roça e os trabalhos mais duros ligados a ela são vistos como espaços
masculinos - isto, muito embora várias quebradeiras de coco também trabalhem
na roça. O benefício do Programa Bolsa Família, portanto, figura como uma contribuição feminina dentro do espaço doméstico.
Os homens, por sua vez, são menos responsáveis. Tendem a gastar dinheiro com
sua diversão, em festas e com bebidas alcoólicas. Mesmo que os maridos delas
possam ir buscar o benefício pelas mesmas, e isso acontecer sem problemas (ou
seja, lhes entregarem o dinheiro), é preciso manter os olhos sempre abertos, por
que homem “é bicho enrolado”. Elas fazem essa vigilância, mas, reconhecem que
tem outras famílias onde existem casos de violência doméstica por causa do benefício ou onde o marido gasta o dinheiro do mesmo com sua própria diversão.
Dona Rosalina, por sua vez, acrescenta mais um elemento para pensar essa distinção entre homens e mulheres. Para ela, existe um caso em que o benefício não
deveria estar no nome da mãe: quando a mãe tem um comportamento parecido
com aquele esperado do homem
Por que a mãe ou a que seje, assim porque tem muitos pais
irresponsáveis, tem muitos pais irresponsáveis, mas também
tem muitas mães que são irresponsáveis, então a gente tem
que caça uma vó que tem responsabilidade, entrega pra elas,
como velha entendi mais. Tem muitas mãe miserável, eu
conheço muie ai que recebe e tora na cana. Pai, isso ai é pros
fie (filhos) se alimentar, pras crianças, porque nós, na idade
que eu to, vocês não por que é essa dali, nos temos que olha
pra esses ai num é não? (ROSALINA, entrevista, 06/08/2011).
A fala de dona Rosalina tem bastante reflexo no universo pesquisado, já que muitas avós quebradeiras de coco são as pessoas que criam seus netos. Das doze
interlocutoras entrevistadas, 05 delas recebem o benefício porque são as responsáveis por seus netos. Receber o PBF por crianças que são filhos “de criação” é
uma constante. As avós, no processo do envelhecimento, com a possibilidade de
melhoria de vida por causa do ganho da aposentadoria (que algumas recebem
como trabalhadoras rurais) e porque ficam mais circunscritas à cidade (já que as
gerações mais novas migram para outros Estados), se apresentam como alternativa para o cuidado das crianças.
Quando se analisa estas ponderações sobre gênero, pensando-as de forma relacionada ao uso do benefício e aos arranjos e dinâmicas familiares, pode-se perceber
que a dicotomia entre público e privado não se sustenta. Em primeiro lugar porque,
apesar de se orgulharem de serem as conhecedoras e administradoras de suas casas e de colocarem os filhos e netos como prioridade, as interlocutoras de pesquisa
são sujeitos determinados por várias facetas: além de serem mães e donas de casa,
são quebradeiras de coco, tem um envolvimento político a partir das associações,
correm atrás de melhorar suas condições fazendo o cadastro do PBF. Constituem
suas casas como um ambiente privado, mas não como oposto do público, já que a
casa é um espaço de fluxo constante de pessoas, especialmente de crianças. Além
disso, a casa é a unidade básica a partir da qual se colocam diante da relação com o
Estado. É possível concluir, portanto, que as quebradeiras, enquanto mulheres vêem
como positiva a vinculação entre o benefício e a prioridade das mulheres para seu
recebimento. Questionam a associação entre o status de mãe e a casa como papéis
tradicionais que as aprisionam (pura e simplesmente), mostrando, a partir de suas
experiências de vida, que não cabem em pólos opostos e dicotômicos.
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Dito isso, cabe pensar ainda como as quebradeiras, na sua relação com o benefício
experiência como assistencialismo ou direito (AHLERT, 2008b). Para isto, serão apresentadas algumas questões sobre impactos que as quebradeiras identificam que o
PBF causou nas suas trajetórias, assim como suas representações sobre o Programa.
CONCLUSÃO
Existem diferentes formas de medir ou tentar perceber o impacto de um programa social nas experiências de vida do público ao qual o programa se destina. Em
primeiro lugar buscar-se-á tratar de como as interlocutoras percebem, ou não
percebem, uma mudança na melhoria das suas condições de vida por causa do
recebimento do benefício. Quando questionadas sobre esta melhoria, algumas
delas falavam do passado para confirmar uma mudança no presente. Dona Socorro ressaltou a importância no benefício no pagamento das despesas da casa e
disse “lembro quando era criança, minha mãe tinha que quebrar não sei quantos
quilos de coco babaçu pra comprar alguma coisa pra gente” (Extrato de diário de
campo 34, 24/05/11). Em consonância com o que afirmou Dona Socorro, Nazaré e
Generosa disseram que
Equipe: Mas, porque a senhora acha que num passa mais
dificuldade igual, então?
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
do Programa Bolsa Família, questionam outra dicotomia, a que busca classificar esta
Nazaré: Por causa dessa ajuda do, do Bolsa, assim, da Bolsa
Família é só uma vez que vem no mês e o meu é só no final
do mês. [...] Mas, aquela fome que eu passava, que a gente já
passou muita necessidade mesmo, tinha vez que a gente tinha
vontade de botar uma farinha na boca e num tinha ás vezes.
Hoje já tem, a gente tem, também tem, tem, tem... (Entrevista,
19/08/11).
Equipe: Então esse Bolsa família é bom, é?
Generosa: É bom demais, Ave Maria, é uma ajuda muito
grande que o governo mandou pra gente, o presidente.
Equipe: E aí, antes do Bolsa Família como é que era?
Generosa: A gente passava, porque passava mesmo né, mas
ele chegou melhorou a vida da gente demais. Ai eu peguei
esses neto meu e a aposentadoria, ai melhorou mais ainda.
Equipe: É?
Generosa: É, porque nem casa nós tinha, pra morar, e não
tinha nada dentro de casa, não tinha nadinha, só as rede dos
meu filho, a depois disso vocês tão vendo como tão minha
coisinhas (Entrevista, 18/08/11).
A melhoria das condições de vida aparece quando se compara a situação atual
com uma situação do passado, pode ser da infância, em relação à mãe que também quebrava coco (como disse Socorro) ou aos momentos em que se passava
fome ou se tinha uma casa muito mais simples. Diversas vezes, essa mudança é
dita mencionando uma relação entre a mulher e os filhos (com seus pedidos e
necessidades):
Equipe: E mudou como a vida de vocês em receber esse
dinheiro?
Dona Rita: Melhorou, melhorou por que às vezes a gente num
tinha nem dez centavos pra comprar o lápis o fie da gente
ficava pedindo, sem a gente ter (Entrevista, 26/07/11).
Antes a gente passava mais dificuldades, ai às vezes quando
minha filha adoecia, pra mim comprar um remédio era maior
dificuldade, hoje não. Às vezes, eu já com as outras despesas,
já fica mais fácil, quando tem o dinheiro do Bolsa Família
já fica mais fácil pra gente, que é 166 (reais) que eu recebo
deles. Ai eles compra o material da escola, quando tá de férias
é mais só pra parte da alimentação (SOCORRO, entrevista,
26/07/11).
Alguns pedidos das crianças, que ‘agora’ podem ser contemplados, diante das dificuldades financeiras das condições de vida de suas próprias infâncias, podem
até ser considerados uma espécie de luxo. “Hoje eles já dizem assim ‘mamãe eu
quero roupa assim tal’, eu já compro. Hoje já tem assim praticamente um luxo pra
eles, porque antes, quando eu era criança não tinha esse luxo assim, hoje eles já
têm. Aí, eu sempre falo a gente tem que dar valor no que a gente tem (SOCORRO,
entrevista, 26/07/11).
A partir destas considerações pode-se concluir que o benefício do Programa Bolsa
Família é percebido pelas quebradeiras de coco como tendo um impacto positivo,
no sentido de que reconhecem a melhoria de suas condições de vida quando pensam em relação às suas próprias trajetórias (sua infância) e também quando falam
sobre sua vida como mães e avós antes do PBF. Neste sentido e em consonância
com suas falas sobre as finalidades nas quais empregam o uso do dinheiro, uma
grande vantagem deste período (em que recebem o benefício) é poder comprar
utilidades que seus filhos necessitam, assim como dar-lhes um pouco de “luxo” ou
mesmo uma comida diferente daquela que é a comum em épocas de maior aperto
econômico. Dar aos filhos algumas “regalias” que não possuíram em suas infâncias
aparece como algo que as deixa satisfeitas como mães e como avós.
Além disso, outros elementos foram destacados como positivos e tem relação com
o formato do Programa Bolsa Família. Neste sentido, foram mencionadas qualidades do Programa que remetem à constância e ao fato do benefício ser em dinheiro.
São variadas as estratégias utilizadas pelas quebradeiras de coco para combater a
fome e manter suas vidas. A quebra do coco babaçu tem uma lógica muito peculiar
quando se pensa na relação entre tempo e trabalho já que a quebra garante uma
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pequena quantidade de dinheiro no final de cada dia de trabalho. Outros locais
mentos, e mesmo o trabalho na roça, não são formas estáveis de acessar recursos.
Neste sentido, a constância do repasse do Bolsa Família, desde que cumpridas as
Condicionalidades, é um elemento indicado como positivo pelas quebradeiras.
Além disso, também aparecem menções de positividade ao Programa porque, ao
invés de distribuir alimentos, roupas ou mesmo gerar alimentos como as roças, é
uma forma das quebradeiras terem acesso a dinheiro (enquanto moeda).
Nenhuma das quebradeiras de coco pesquisadas parou de quebrar coco babaçu
quando passou a receber o PBF. Para as mulheres selecionadas, o benefício não é
visto como única fonte de renda, mas como uma das fontes.
Apesar de continuarem quebrando coco, as interlocutoras de pesquisa perceberam outro elemento considerado positivo e criado a partir do recebimento do benefício é a ‘flexibilização’ de suas rotinas de trabalho:
Rosalina: Era ruim porque eu tinha que quebrar o coco todo dia
pra dar comida pros fie (filhos). Todo dia eu levantava quatro
hora da madrugada, ajeitava a comida pros menino, lavava
roupa, ajeitava tudo Quando era seis hora eu ia pro carro, aí ia
quebra coco. Quando era de tarde, de noite, eu chegava aí, pra
eles come. Aí deixava a comidinha pra eles almoçar. Quando
eu chegava ia comprar pra jantar e deixar pros outros dias pra
deixar pra eles, pra mim ir pro serviço. Era assim.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
e iniciativas as quais as quebradeiras recorrem para receber proventos, como ali-
Rosalina: E naquele tempo se eu dissesse ‘hoje eu num vou
pro’.[...] Hoje, é domingo, é sábado. Hoje eu quebrei o coco
que só deu pra fazer a despesa de sábado. Domingo eu
tinha que sair brincando por aqui assim, lá pros Monte Videl,
quebrar meu coco, pra de tarde eu comer, cansei de fazer isso
(Entrevista, 06/08/2011).
Pode-se concluir que as quebradeiras acessadas na pesquisa reconhecem um impacto positivo do Bolsa Família, como dito acima, em relação às suas trajetórias e
aos momentos anteriores ao recebimento do benefício. Um elemento muito importante para perceber este impacto positivo foi a possibilidade de uma mudança
em suas rotinas de trabalho. O benefício permitiu que, com algum dinheiro, elas
pudessem ficar algum dia da semana sem fazer a quebra do coco. Em épocas de
maior dificuldade financeira, ou como chamam, de maior “precisão”, as quebradeiras costumam dizer que “quebra coco sábado pra ter o que comer no domingo”. A
constância do repasse do benefício permite uma ‘flexibilização’ desta rotina baseada na “precisão”.
Nos trechos das entrevistas acima citadas é possível notar que a categoria mais
usada pelas interlocutoras para se referir ao benefício do Programa Bolsa Família
é a categoria “ajuda”. Enquanto categoria ‘nativa’, a “ajuda” é dada pelo governo
aos mais pobres e isto é visto, pelas quebradeiras de coco, como uma responsabilidade do Estado. Utilizar a categoria “ajuda” para descrever um programa social
pode ser uma faca de dois gumes, afinal, muitos não considerariam, como papel
do Estado, “ajudar” as pessoas, mas, oportunizar que tenham seus direitos garantidos. Neste cenário mais amplo, o Bolsa Família enquanto “ajuda” seria visto como
meramente ‘assistencialista’, numa oposição clara em relação a o que poderia ser
considerada uma efetivação dos direitos.
Do ponto de vista de perceber a “ajuda” como uma categoria êmica, outros pesquisadores já apontavam que a perspectiva de separação entre ajuda e direito não
costuma encontrar muito reflexo na experiência de vida dos sujeitos (SARTI, 1996).
Analisando a fala de diferentes lideranças envolvidas no Programa Fome Zero na
cidade de Porto Alegre, Ahlert (2008a, 2008b) destaca como a categoria “ajuda”
era utilizada pra descrever atividades que estavam ligadas à política institucional.
Utilizar-se da categoria “ajuda”, portanto, não excluiria a possibilidade de ver esta
“ajuda” também enquanto uma efetivação de direitos.
Dentre as poucas críticas que as quebradeiras fazem ao Programa (que incluem a
demora entre o cadastro e o recebimento do benefício e a distância dos CRAS) o
fato de pessoas que “não precisarem” estarem recebendo aparece com freqüência. A solução para estas situações, tal como apontou Gorete, é a fiscalização, é
“procurar quem realmente necessita”:
Destas críticas cabe destacar alguns elementos. Em primeiro lugar, questionam o
poder público nos atos de fiscalização das famílias que recebem o Bolsa Família.
Elas não vêem, que os funcionários dos CRAS estejam fazendo as visitas domiciliares. Elas notam uma relação entre este mau funcionamento e a lentidão nos cadastros, dando a entender que não tem clareza de que existe um número limitado
de benefícios disponíveis ao município.
Em suas falas, as quebradeiras reconhecem que precisaram de uma orientação
inicial para ficar sabendo sobre o PBF. Ocupando esta função de comunicar estas
informações, aparecem lideranças sociais, funcionários de outros programas como
o PETI, pessoas ligadas a candidatos políticos e funcionários do CRAS. Na mesma
medida que reconhecem como estas pessoas foram importantes para acessarem
o Programa, as quebradeiras percebem que existem outras pessoas que ainda não
conhecem o Bolsa Família.
Identificam que tem pessoas - e indicam os moradores da área rural, que tem maior
dificuldade em acessar estas informações – que são ainda mais pobres que elas e
que nem sequer ficam sabendo do Programa (uma espécie de mais vulnerável entre os vulneráveis). Existem, portanto, diferentes tipos de ‘pessoas’ que podem ser
identificadas nas suas narrativas: aquelas pessoas que recebem e não precisam,
aquelas que precisariam muito, mas, não ficam sabendo como fazer o Bolsa Família, tem outras pessoas que procuraram fazer o cadastro, mas, sem saber a exata
explicação, nunca conseguiram o benefício e tem outro grupo, que são mulheres
que não batalharam o bastante para conseguir:
O que é interessante ressaltar é que, se por um lado, se podia ouvir que “o Bolsa
Família todo mundo tem”, com maior conhecimento do universo de pesquisa é
possível dizer que existe toda uma categorização das pessoas. Esta categorização
as classifica de acordo com terem ou não o benefício e sobre as formas que se
utilizaram para acessá-lo. As quebradeiras que são beneficias mostram nas suas
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narrativas que elas não são como aquelas que não sabem, não são como as que
car seus direitos. Pelo contrário, destacam um papel de agência, uma “luta” para a
conquista do mesmo.
Estas destacam a própria agência no processo de “conseguir” o benefício, ou seja,
fazer o cadastro e continuar se informando sobre ele para enfim, receber o dinheiro. Mas, além disso, suas falas comportam ainda uma concepção de aprendizado
sobre o Programa Bolsa Família. Algumas quebradeiras disseram que tiveram algumas dificuldades iniciais com o PBF, especialmente porque consideraram existir
uma demora entre o seu cadastramento e o recebimento. Às vezes, diante das
situações de bloqueio do benefício, elas procuram ajuda, mas, não encontram as
respostas que procuravam.
Em outros momentos, o caráter de aprendizado sobre o Programa aparece. Como
por exemplo, Dona Delfina disse que não sabia que precisava pesar a criança (ou
seja, que não sabia da existência da Condicionalidades na saúde), mas, que depois
que ficou sabendo, não deixou mais de cumprir com a mesma. Dona Socorro também falou sobre a importância de fazer o recadastramento: “Porque sempre assim,
eles pedem pra gente atualizar os dados eu sempre vou, pra não ter nenhum problema de eu não receber depois” (SOCORRO, entrevista, 26/07/2011).
O caráter de luta e esta característica de aprendizado ajudam a expandir (ou mesmo explodir) o conceito de “ajuda” tal como o senso comum e a mídia costumam
entendê-lo, ou seja, associado ao assistencialismo e, portanto, à passividade dos
pobres e ao pouco desejo de mudança da política pública ou social. Neste caso, a
“ajuda” existe, mas, de nada adiantaria se elas não “corressem atrás” e batalhassem pelo seu cadastro. As quebradeiras criticam sim as mulheres que não fazem
o mesmo, mas, ao mesmo tempo, reconhecem que existem outras mulheres que
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
recebem e não merecem e também não são como aquelas que esperam sem bus-
não tem o acesso às informações que elas possuem. Assim, a forma com que elas
se relacionam com o Programa – lutando para melhorar suas vidas – é a forma com
que elas também lidam com o seu cotidiano – buscando variadas iniciativas para
melhorar as condições de vida em suas casas.
Desta forma, na análise do encontro do Programa Bolsa Família com suas vidas, puderam ser percebidas algumas recorrências. Para as quebradeiras de coco da cidade de Codó, o Programa Bolsa Família deve ser pensado na perspectiva das outras
relações políticas da cidade. Não porque as mulheres não o reconheçam como um
Programa Federal, mas, porque com o atendimento sendo de responsabilidade do
município, é nele que elas “lutam” para conseguir seu cadastro e seu benefício.
No âmbito do município e pensando especialmente no âmbito da atividade da
quebra de coco, não existem canais institucionalizados de comunicação com
o Estado (com a prefeitura). O que as quebradeiras alcançam dos seus pedidos para os políticos locais, são elementos baseados em trocas (votos) e em
promessas – e não em garantias com qualquer forma de estabilidade. O Bolsa
Família é entendido, ou valorizado, em contraposição a este cenário, porque
é reconhecido como um programa que tem constância (todo o mês o dinheiro
está lá, “sem susto”).
Elas questionam ainda outras leituras simplistas sobre o recebimento benefício
do Programa Bolsa Família. Questionam, em primeiro lugar, aquelas afirmações de
que dependem do Programa para viverem. Em diferentes falas deixaram mostrar
que antes do Programa “A gente passava, porque passava mesmo né[...].” (GENEROSA, entrevista, 18/08/2011), ou seja, que antes do PBF elas buscavam outras
formas de prover o sustento de suas casas. Assim como continuam se dedicando a
diferentes atividades, incluindo a quebra do coco.
Assim, o que o benefício permitiu foi uma redução em sua jornada excessiva de
trabalho tendo mais tempo para se dedicaram a outras atividades rotineiras. Também, como possibilidade de comprar material escolar, produtos de higiene e algum “luxo” para os filhos. A constância do Programa as afastou do medo de ficar
sem nenhum recurso para comprar comida, por exemplo.
Importante constatar que estas conclusões estão todas condicionadas a leituras
de diferentes temporalidades. O impacto do benefício é pensando analisando
suas próprias trajetórias de vida, assim como os momentos anteriores ao recebimento do benefício. Dentre os impactos ou as mudanças que o PBF traz, uma delas
é a possibilidade de mudar a rotina da quebra – quando se quebra coco em um dia
para ter dinheiro para comer no próximo. O benefício sendo em dinheiro, permitem que elas lidem com as necessidades que surgem nos diferentes momentos do
mês, de acordo com a “precisão” mais imediata da família. A relação com tempo e o
trabalho é pensada de maneira diferenciada a partir do recebimento do benefício.
As quebradeiras de coco - nas formas com que acessam o Programa recebem o benefício e o utilizam -, mostram a importância de um olhar cuidadoso para a relação
entre o Programa Social e o público-alvo deste Programa.
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O cotidiano das
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Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
201
ESTRATÉGIAS DE
ENFRENTAMENTO
DA FOME E
CONSTRUÇÕES DE
GÊNERO:
O cotidiano das
quebradeiras
de coco babaçu
da região dos
cocais MA
Fernanda Souza de Bairros1
Marilda Borges Neutzling1
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
SEGURANÇA ALIMENTAR E ACESSO AOS
PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL
e combate à Fome de comUnidades
QUILOMBOLAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL.
1
PRoGRAMA DE PÓS-GRADuAção EM EPIDEMIoLoGIA – uNIvERSIDADE FEDERAL Do RIo GRANDE Do SuL
INTRODUÇÃO
As desigualdades e as iniquidades raciais têm sido evidenciadas por diversos estudos e nos mais variados campos da vida social como educação, saúde e economia (IPEA, 2008, PAIXÃO, 2011) As iniquidades raciais em saúde são expressas
pelos diferenciais nos riscos de viver, adoecer e de morrer, originados de condições heterogêneas de existência e de acesso a bens e serviços. As diferenças são
consideradas iníquas se ocorrem em função de escolhas limitadas, acesso restrito
a recursos (alimentação, moradia, serviços de saúde etc.) e exposição a fatores
prejudiciais, por conta de injustiças (SILVA 2002, LUCHESE 2003).
Conforme Valente (2002), o direito à alimentação é um direito humano básico,
sem uma alimentação adequada, tanto do ponto de vista de quantidade como
de qualidade, não há o direito à vida e não há o direito à humanidade. As atuais
políticas e programas voltadas ao desenvolvimento social e combate a fome reconhecem que em algumas populações a vulnerabilidade social é maior, e prioriza
em suas ações povos e comunidades tradicionais como indígenas, quilombolas,
comunidade de terreiro, ribeirinhos entre outras.
Comunidades quilombolas, sujeitos de pesquisa deste estudo, são grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas e com ancestralidade negra relacionada
com a resistência à opressão histórica sofrida, conforme Decreto nº 4887 (BRASIL,
2003). Um levantamento realizado pela Fundação Cultural Palmares do Ministério da Cultura, mapeou no Brasil 3.524 comunidades quilombolas e até início do
ano de 2012, 1820 comunidades haviam sido certificadas. Dentre as comunidades com certificação expedidas, 86 estão localizadas no estado do Rio Grande do
Sul, totalizando aproximadamente 3101 famílias (BRASILb,2012). Trata-se de um
contingente humano considerável para o qual não existem informações sistematizadas sobre sua atual situação alimentar e nutricional.
Portanto, a identificação e o perfil quantitativo das famílias quilombolas beneficiadas por programas de segurança alimentar e nutricional e expostas a maiores
riscos nutricionais (com insegurança alimentar), é elemento importante na formulação, avaliação e monitoramento da Política Nacional de Segurança Alimentar
instituída no Decreto Nº 7272 (BRASILc, 2010). Apesar da carência de informações
específicas sobre a situação alimentar e nutricional de comunidades quilombolas,
estatísticas mostram que a população negra em geral encontra-se em maior vulnerabilidade social comparando-se com população branca. A Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios 2004 (IBGE, 2006) que utilizou pela primeira vez a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, revelou que 13.921 milhões de pessoas
passavam fome no Brasil e que a insegurança alimentar era visível e reforçava a
desigualdade econômica entre raças. No Brasil, 11,5% da população negra apresentava situação de insegurança alimentar grave; entre os brancos o percentual
caia para 4,1%. Além disso, a população que vivia em domicílios com garantia
de acesso aos alimentos em termos qualitativos e quantitativos era 71,9% de
brancos e 47,7% de negros. As diferenças na proporção de insegurança alimentar
grave (os que realmente passavam fome) de acordo com a cor da pele se reproduziram em todos os estados brasileiros, sendo que a região sul foi uma das que
203
SEGURANÇA
ALIMENTAR E
ACESSO AOS
PROGRAMAS DE
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E COMBATE
À FOME DE
COMUNIDADES
QUILOMBOLAS DO
ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL.
apresentaram maior magnitude do problema. Em 2006, a Pesquisa Nacional de
de insegurança alimentar. Na região sul observou-se uma prevalência duas vezes
superior de insegurança alimentar grave em domicílio onde residiam mulheres de
raça/cor negra, comparativamente àqueles onde as entrevistadas eram de raça/
cor brancas (BRASIL, 2008). Por último, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009 apontou que a insegurança alimentar moderada e grave na população
brasileira em geral vêm diminuindo, porém a prevalência dessa insegurança na
população negra é quase três vezes (18,6%) maior do que aquela verificada entre
a população branca (7,7%) (IBGE, 2010).
Dessa forma, estudo sobre o acesso aos programas de desenvolvimento social e
combate à fome, e as prevalências de insegurança alimentar e nutricional das famílias residentes em comunidades quilombolas no estado do Rio Grande do Sul justifica-se pela magnitude dos problemas decorrentes da insegurança alimentar, ausência de dados sobre comunidades quilombolas e pela possibilidade de fornecer
elementos importantes para a elaboração, avaliação e monitoramento de programas
e ações de desenvolvimento social e combate a fome ajustadas a realidade local.
Esta pesquisa tem como objetivo avaliar o acesso aos programas de desenvolvimento
social e combate à fome e a prevalência de insegurança alimentar e nutricional das
famílias residentes em comunidades quilombolas do Estado do Rio Grande do Sul.
MÉTODO
Foi realizado um estudo transversal de base populacional, incluindo uma amostra
representativa de famílias quilombolas do estado do Rio Grande do Sul. A popula-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Demografia e Saúde também revelou a cor da pele como um indicador importante
ção de estudo foi composta por famílias localizadas em 22 comunidades quilombolas rurais e urbanas no estado (Quadro 1).
Quadro 1. Comunidades quilombolas sorteadas para amostra, Rio Grande do
Sul, 2011.
Município
Comunidade quilombola
Nº de Famílias
Amostra
1. Arroio do Tigre
Sítio novo
28
19
2. Canoas
Chácara das Rosas
32
21
3. Gravataí
Manoel Barbosa
34
23
4. Osório
Morro alto
160
107
5. Porto Alegre
Alpes
61
41
6. Porto Alegre
Areal – Guaranha
78
52
7.Turuçu
Mutuca
21
14
8. Taquara
Paredão
54
36
9. Viamão
Cantão das Lombas
26
17
10. Cachoeira do Sul
Cambará
46
31
11. Canguçu
Passo do Lourenço
44
29
12. Canguçu
Favila
20
13
13. Canguçu
Maçambique
42
28
14. Canguçu
Estância da Figueira
10
7
15. Cristal
Serrinha do Cristal
47
31
16. Formigueiro
Passos do Brum
36
24
17. Jaguarão
Madeira
19
13
18. Pelotas
Algodão
70
47
19. São Lourenço do Sul
Vila do Torrão (Cantagalo)
23
15
20. São Lourenço do Sul
Monjolo (Serrinha)
16
11
21. Pedras Altas
Várzea dos Baianos
27
18
22. Nova Palma
Rincão do Santo Inácio
54
36
948
634
Total
A amostra foi estimada levando-se em consideração a prevalência de insegurança
alimentar moderada e grave na população negra do estado Rio Grande do Sul,
que segundo a PNAD 2009, foi de 9,5 %. Estabeleceu-se (no software epiInfo) um
erro aceitável de 3 pontos percentuais, efeito de delineamento de 1,5, nível de
confiança de 95% e poder estatístico de 80%, totalizando 576 famílias. Ao final
houve um acréscimo de 10% para perdas e recusas. Dessa forma a amostra calculada foi de 634 famílias. O processo de amostragem deu-se em duas etapas: para
seleção dos quilombos utilizou-se amostragem com probabilidade proporcional
ao tamanho. O número de famílias em cada quilombo do Rio Grande do Sul difere
entre 4 e 275, neste sentido atribui-se um peso (ou probabilidade) a cada quilombo proporcional ao número de famílias. Assim, um quilombo com 100 famílias
teve 10 vezes mais chance de ser incluído do que um quilombo com 10 famílias.
O cálculo do número de famílias a serem entrevistadas em cada comunidade quilombola também se deu através da amostragem com probabilidade proporcional
ao tamanho. Posteriormente de posse da lista de todas as famílias residentes em
cada comunidade realizava-se uma amostragem aleatória para seleção das famílias a serem entrevistadas.
O levantamento de dados foi realizado entre os meses de maio e outubro de 2011
por meio de entrevistas domiciliares diretas com um membro responsável pela família, utilizando-se questionários padronizados, pré-codificados e pré-testados. O
questionário, com 120 questões, abordava diversos aspectos: condições demográficas, socioeconômicas segundo critérios da Associação Brasileira de Empresas de
Pesquisa (ABEP) (2012), acesso ao Programa Bolsa Família, Programa de Aquisição
de Alimentos e Distribuição de Cestas a Grupos Específicos, Segurança Alimentar
e Nutricional, (Segall-Corrêa e cols, 2003) entre outros. As condições de segurança
205
SEGURANÇA
ALIMENTAR E
ACESSO AOS
PROGRAMAS DE
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E COMBATE
À FOME DE
COMUNIDADES
QUILOMBOLAS DO
ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL.
alimentar (SA) e os diferentes graus de insegurança alimentar foram classificados
2003), validada para a realidade brasileira e aplicada da PNAD 2009. Coletou-se ainda, medidas de peso, altura e circunferência da cintura nos respondentes
do estudo. O estado nutricional dos responsáveis pelos domicílios foi avaliado
através do cálculo de índice de massa corporal, respeitando as diferenças de classificação por faixa etária preconizados pela OMS (WHO, 1995): Adultos (IMC <
18,5 baixo peso, entre 18,5 e 24,99 eutrofia, de 25 a 29,99 sobrepeso e >= a 30
obesidade) e idosos ( IMC < 22,0 baixo peso, entre 22,0 e 27,0 eutrofia e > 27,00
sobrepeso). Quanto a circunferência da cintura a OMS (WHO, 2000), define como
risco aumentado para doenças cardiovasculares medida da cintura >= 94 cm para
homens e >= 80cm para mulheres. A circunferência da cintura permite identificar a
localização da gordura corporal, já que excesso de adiposidade abdominal em indivíduos adultos tem relação direta com o risco de morbimortalidade por doenças
cardiovasculares. Os questionários, depois de revisados, codificados e revisados
novamente, foram digitados no programa EpiData versão 3.1. Todas as análises
estatísticas foram realizadas no software SPSS versão 18.0.
Antes de sua execução o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e aprovado através do protocolo
20041. Os trabalhos iniciaram-se após apresentação e anuência da pesquisa por
lideranças de cada comunidade quilombola.
RESULTADO
Foram entrevistadas 588 famílias, a taxa de perdas e recusas foi de aproximadamente 7%, não excedendo o valor estipulado aceitável (10%). A maioria dos en-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) (Segall-Corrêa e cols,
trevistados era do sexo feminino (65,1%), estado civil casada ou em união estável
(57,8%) e da raça/cor negra (89,2%). O desemprego foi relatado por 13,7% dos
participantes.
A Tabela 1 mostra que o excesso de peso (sobrepeso + obesidade) esteve presente
em aproximadamente 60% dos entrevistados. Mais da metade (55,4%) dos respondentes tinham adiposidade abdominal e um conseqüente risco elevado para
doenças cardiovasculares
Tabela 1 – Características demográficas, socioeconômicas e nutricionais dos
responsáveis pelos domicílios situados em comunidades quilombolas, Rio
Grande do Sul, 2011
Variável
N
%
Masculino
205
34,9
Feminino
383
65,1
18 – 39 anos
248
42,2
40 – 59 anos
221
37,6
> = 60 anos
119
20,2
Sexo
Idade
Estado civil
Casados ou com união estável
339
57,8
Viúvos
62
29,0
Separados/ divorciados
23
3,9
Solteiros
62
10,6
Preta
283
65,1
Parda
142
24,1
Branca
56
9,5
Outra (amarela e indígena)
7
1,2
Trabalhando
289
49,4
Desempregado
80
13,7
Aposentado/pensionista
96
16,4
Dona de casa
120
20,5
Cor da pele
Trabalhando
Índice de massa corporal
Baixo peso
27
4,9
Eutrófico
198
36,2
Sobrepeso
191
34,9
Obesidade
131
23,9
207
Excesso de adiposidade abdominal*
Sim
302
55,4
Não
243
44,6
* Número máximo de valores ignorados = 43 (Excesso de adiposidade abdominal)
Em relação às variáveis socioeconômicas, a maioria das famílias encontravam-se
na classe econômica C (48,2%), e um percentual considerável nas classes D e E
(47,7%). Do total, 27,9% das famílias quilombolas foram classificadas na categoria de segurança alimentar, predominando, assim, a condição de insegurança
alimentar (72,1%), com percentuais de 24,5% e 14,2% para as formas moderada
e grave respectivamente (Tabela2).
Tabela 2 – Características socioeconômicas e de segurança alimentar das
famílias residentes em comunidades quilombolas, Rio Grande do Sul, 2011
Variável
N
%
A
0
0
B
24
4,1
C
283
48,2
D
209
35,6
E
71
12,1
Classe socioeconômica
Nível de (in) segurança alimentar *
SEGURANÇA
ALIMENTAR E
ACESSO AOS
PROGRAMAS DE
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E COMBATE
À FOME DE
COMUNIDADES
QUILOMBOLAS DO
ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL.
154
27,9
Insegurança alimentar leve
184
33,4
Insegurança alimentar moderada
135
24,5
Insegurança alimentar grave
78
14,2
* Número máximo de ignorados = 37 (Nível de (in)segurança alimentar)
No que se refere às condições de moradia, verifica-se que a maioria dos entrevistados morava em casas de tijolos (61,6%), possuíam energia elétrica (96,9%) e
utilizavam o poço ou nascente como abastecimento de água (44,8%). O lixo era
queimado ou enterrado em 42,7% dos domicílios, e a fossa era utilizada para o
destino das fezes em 70,2% das residências (Tabela3). Salienta-se que não se
levou em consideração a regularidade/irregularidade da energia elétrica.
Tabela 3 – Condições de moradia das famílias residentes em comunidades
quilombolas.
Rio Grande do Sul, 2011
Variável
N
%
Tijolo
362
61,6
Madeira
149
25,3
Mista
63
10,7
Outros (barro, taipa, material reaproveitado)
14
2,4
Sim
570
96,9
Não
18
3,1
Rede pública
181
30,9
Poço ou nascente
245
41,8
Cacimba
132
22,5
Outros
28
4,8
Tipo de casa
Energia Elétrica
Abastecimento de água
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Segurança alimentar
Tratamento de água
Sem filtração
521
88,8
Filtração
11
1,9
Fervura
46
7,8
Cloração
09
1,5
Coletado
318
54,4
Queimado/enterrado
250
42,7
Céu aberto
03
0,5
Coletado e enterrado
14
2,4
Lixo
Destino das fezes*
Sistema de esgoto
117
20,0
Fossa
410
70,2
Céu aberto
57
9,8
* Número máximo de ignorados = 04 (Destino das fezes)
A Tabela 4 apresenta o acesso das famílias quilombolas aos programas de combate à fome. A maioria dos entrevistados já ouviram falar no Programa Bolsa Família (98%), porém apenas 57% conheciam as condicionalidades do programa. O
percentual de famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família e distribuição de
cestas era de aproximadamente 59% e 62% respectivamente. A inclusão no programa de aquisição de alimentos foi referida por apenas 1,7% das famílias, sendo
que a maioria (63,8%) desconhecia do totalmente o programa.
Tabela 4 – Acesso das famílias residentes em comunidades quilombolas aos
programas de segurança alimentar e combate à fome. Rio Grande do Sul, 2011
Variável
N
%
Sim
576
98,0
Não
12
2,0
Sim
329
57,0
Não
248
43,0
Sim
227
58,6
Não
336
41,6
Sim
363
61,9
Não
223
38,1
Sim
88
21,6
Não
319
78,4
Nem sabe o que é
368
63,8
Não
199
34,5
Sim
10
1,7
Já ouviu falar em PBF*
Conhecia as condicionalidades do PBF
Recebe PBF
Já recebeu cesta de alimentos
Recebeu cesta de alimentos nos últimos 30 dias***
Participa do PAA
* Programa Bolsa Família
** Programa de Aquisição de Alimentos
*** Número máximo de valores ignorados = 181 (Recebeu cesta de alimentos nos últimos 30 dias)
A associação de (In)Segurança Alimentar com os indicadores sócio-demográficos
são descritas na Tabela 5. A classe econômica foi a única variável que apresentou
associação estatisticamente significativa (p-valor <0,05) com o desfecho, 63% das
pessoas com insegurança alimentar grave e moderada estão nas classes econômicas de menor poder aquisitivo (D +E), assim como a maioria dos indivíduos com
segurança alimentar e insegurança alimentar leve pertencem as classes econômicas B e C. Apesar da variável sexo não ter apresentado diferença significativa
na análise bivariada, foi possível perceber uma tendência de maior insegurança
alimentar nos domicílios chefiados por mulheres.
O estado nutricional dos responsáveis pelas famílias não apresentou associação
significativa com a condição de segurança/insegurança alimentar dos domicílios
209
SEGURANÇA
ALIMENTAR E
ACESSO AOS
PROGRAMAS DE
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E COMBATE
À FOME DE
COMUNIDADES
QUILOMBOLAS DO
ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL.
quilombolas. O excesso de peso (sobrepeso e obesidade) e adiposidade abdomicondição de segurança/insegurança alimentar.
Tabela 5 – Prevalência de (In) Segurança Alimentar segundo características
demográficas, socioeconômicas e nutricionais de famílias quilombolas, Rio
Grande do Sul, 2011
Variável
Total
Segurança Alimentar
e Insegurança
Alimentar leve
Insegurança
Alimentar
moderada e grave
N (%)
N (%)
Sexo
p-valor
0,061
Masculino
192
128 (37,9)
64 (30,0)
Feminino
259
210 (62,1)
149 (70,0)
Idade
0,376
18 – 39 anos
238
148 (43,8)
90 (42,3)
40 – 59 anos
210
122 (36,1)
88 (41,3)
> = 60 anos
103
68 (20,1)
35 (16,4)
Estado Civil
0,840
Casados ou com união estável
323
195 (57,7)
128 (60,1)
Viúvos
54
33 (9,8)
21 (9,9)
Separados/ divorciados
23
16 (4,7)
07 (3,3)
Solteiros
151
94 (27,8)
57 (26,8)
Trabalhando
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
nal são verificados em mais da metade dos entrevistados, independente da sua
0,116
Trabalhando
273
176 (54,2)
97 (45,8)
Desempregado
78
39 (11,6)
39 (18,4)
Aposentado/pensionista
79
51 (15,2)
28 (13,2)
Dona de casa
118
70 (20,8)
48 (22,6)
Classe Econômica
0,000
Classes B e C
283
204 (60,5)
79 (37,1)
Classes D e E
342
133 (39,5)
134 (62,9)
Índice de Massa Corporal
0,584
Baixo Peso
25
17 (5,4)
08 (4,0)
Eutrófico
182
111 (35,1)
71 (35,3)
Sobrepeso
183
116 (36,7)
67 (33,3)
Obesidade
127
72 (22,8)
55 (27,4)
Excesso de adiposidade abdominal
0,343
Sim
289
171 (54,5)
118 (58,7)
Não
226
143 (45,5)
83 (41,3)
A tabela 6 mostra que as prevalências de insegurança alimentar eram maiores
(56%) naquelas famílias que recebiam os Programas Bolsa Família e Cestas de
alimentos (p<0,05). Devido o baixo percentual (1,7%) de famílias que participaram do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), não se analisou por nível de
insegurança alimentar.
Tabela 6 – Prevalência de (In) Segurança Alimentar segundo estado nutricional
e acesso de famílias quilombolas aos programas de desenvolvimento social e
combate a fome, Rio Grande do Sul, 2011
Variável
Total
Segurança Alimentar
e Insegurança
Alimentar leve
Insegurança
Alimentar
moderada e grave
N (%)
N (%)
Recebe PBF
p-valor
0,000
Sim
226
109 (33,0)
117 (56,0)
Não
313
221 (67,0)
92 (44,0)
Sim
339
220 (65,1)
119 (56,1)
Não
211
118 (34,9)
93 (43,9)
Já recebeu cesta de alimentos
0,036
Recebeu cesta de alimentos nos
últimos 30 dias
0,378
Sim
81
49 (20,0)
32 (23,9)
Não
298
196 (80,0)
102 (76,1)
DISCUSSÃO
Um aspecto a ser destacado nesse estudo é que a amostra pode ser considerada
representativa das comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Sul,
tendo em vista o cuidado metodológico na seleção da amostra, o alto percentual
de indivíduos entrevistados e o baixo índice de perdas e recusas. Outro aspecto
positivo foi à padronização dos métodos de coleta de dados, incluindo o rigoroso
treinamento dos entrevistadores e o controle de qualidade durante todo o período do trabalho de campo. Ressalta-se que esta investigação é inédita no estado
do Rio Grande do Sul, uma vez que ainda não havia sido realizada nenhuma pesquisa de base populacional que contemplasse a caracterização sócio-demográfica,
segurança alimentar, acesso a programas de combate a fome e estado nutricional
dos responsáveis pelos domicílios de famílias pertencentes a comunidades remanescentes de quilombos.
Algumas limitações também precisam ser consideradas. As diferenças entre os
métodos para avaliar segurança/insegurança alimentar podem ter prejudicado a
comparação com outros estudos sobre o assunto. Estudos internacionais (Ramsey,
2011; Willows, 2011), não utilizaram a EBIA para avaliar segurança alimentar e
sim outros instrumentos desenvolvidos especificamente para seus países. Existe
também a possibilidade do viés de causalidade reversa: por se tratar de um estudo transversal não é possível estabelecer relações de causalidade entre acesso a
programas de combate a fome, segurança alimentar e avaliação nutricional. Entretanto este tipo de estudo é possível para verificar associação entre as variáveis
independentes e desfecho.
Nosso estudo mostrou que cerca de metade (47,7%) dos entrevistados residentes em comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Sul pertencia a
classes sociais de menores níveis socioeconômicos (classes D+E), eram do sexo
feminino (65,1%) e de cor de pele preta e parda (89,2%). Resultados similares
foram verificados no inquérito denominado “Chamada Nutricional Quilombola”
211
SEGURANÇA
ALIMENTAR E
ACESSO AOS
PROGRAMAS DE
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E COMBATE
À FOME DE
COMUNIDADES
QUILOMBOLAS DO
ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL.
(BRASIL, 2007), que entrevistou famílias de 2941 crianças quilombolas menores
vida precárias das famílias quilombolas avaliadas neste estudo, observa-se que as
condições de moradia são superiores as encontradas no estudo Chamada Nutricional Quilombola em 2006, onde a cobertura de luz elétrica era de 79,73% e o
esgotamento sanitário de vala ou a céu aberto era de (45,9%). O abastecimento
de água em poço ou nascente foi semelhante nos dois estudos (BRASIL, 2007).
Observou-se nas comunidades quilombolas do RS uma prevalência de baixo peso de
4,9% e 58,8% de so­brepeso/obesidade, o que evidencia o processo de transição nutricional vivenciado no país, independente do nível socioeconômico, como observado
por Monteiro et al. (2004). Drenowsky (2009) enfatiza que a pobreza e a obesidade estão intimamente ligadas. Os resultados encontrados em nosso estudo mostram maior
prevalência de excesso de peso entre adultos quilombolas do que aquelas encontradas pela POF 2008-2009, tanto para homens quanto para mulheres.
Verificou-se que grande parte (70%) dos domicílios de comunidades quilombolas
do estado do Rio Grande do Sul apresenta algum grau de insegurança alimentar.
Essa prevalência é bem superior àquelas relatadas em trabalhos internacionais
acerca de povos e comunidades tradicionais. Estudo de Ramsey (2012) e colaboradores com adultos australianos residentes em zonas urbanas desfavorecidas, constatou que aproximadamente um quarto (25%) das famílias apresentava
algum grau de insegurança alimentar. No Canadá estatísticas nacionais (Willson,
2011) mostraram que cerca de 30% da população aborígene (grupos economicamente marginalizados) experimentou algum grau de insegurança alimentar. Por
outro lado, estudos brasileiros (Vianna, 2008; Favaro, 2007), utilizando a EBIA tem
verificado prevalências semelhantes. Em 2008, Vianna, estudando 14 municípios
do estado da Paraíba constatou 52,5% de prevalência de insegurança alimentar
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
de cinco anos de idade em 22 unidades da federação. Apesar das condições de
e Favaro (2007) avaliando comunidades indígenas de Teréna-MT verificou que
75,5% das famílias apresentavam algum grau de insegurança alimentar.
Chama atenção a prevalência de insegurança alimentar grave encontrada em nosso estudo: 14,2%. Gubert e colaboradores (2010) analisando dados da PNAD
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2004 observaram que a região com
a maior ocorrência de insegurança alimentar grave foi a Região Nordeste, onde
a prevalência média foi de 14,5%, contra 3,6% na Região Sul, a de menor prevalência. Comparando esses resultados com os encontrados na PNAD 2009 para
população negra do Rio Grande do Sul (9,5%), observa-se que as comunidades
quilombolas apresentam maior vulnerabilidade em relação a população negra em
geral, que já se encontra em desvantagem comparando com a população branca.
Esse achado provavelmente se justifica não só pela pobreza das comunidades quilombolas, onde cerca de metade das famílias encontram-se nas classes sociais de
menor poder aquisitivo (D+E), mas também pela exposição ao racismo. Diversos
autores apontam que o racismo tem consequências nocivas na vida da população
e que a variável raça/cor em estudos é uma categoria importante para definir as
populações, pois as diferenças fenotípicas que de fato existem entre elas, podem
acarretar uma distribuição diferencial dos direitos. Além disso, indicadores do
acesso da população a bens e serviços essenciais, como moradia, saneamento e
educação também estão intimamente ligados à pobreza, a fome e a desigualdade
social. (Monteiro, 1995.)
No presente estudo observou-se que a única variável socioeconômica e demográfica significativamente associada com insegurança alimentar foi a classe social
(medida pela posse de determinados bens). Nas classes D e E (mais pobres) a prevalência de insegurança alimentar foi de 62,9%, quase o dobro daquela verificada
nas classes B e C (37,1%) . Essa grande diferença observada nas prevalências de
insegurança alimentar segundo nível socioeconômico sugere diferentes contextos de estratégias de sobrevivência no próprio grupo que poderiam ser melhor
exploradas. Analisando resultados da PNAD 2004, Marin-Leon e colaboradores
(2009) chegam a conclusões semelhantes: condições socioeconômicas mais precárias estão associadas à insegurança alimentar nos domicílios, sendo essa situação agravada naqueles chefiados por mulheres e onde residem pessoas de raça/
cor auto-referida como negra. A ausência de bens identifica, entre os pobres, a
população mais vulnerável à insegurança alimentar e pode se constituir em indicador complementar, sobretudo em estudos locais, onde há escassez de recur­sos
técnicos para coleta de dados e análises mais sofisticadas.
Quanto a participação em programas de combate à fome constata-se que a insegurança alimentar foi maior naquelas famílias pertencentes aos programas Bolsa
Família e Cesta de Alimentos. Corroborando a hipótese de que esses programas
estão realmente direcionados às famílias mais necessitadas. Da mesma forma, em
2010, Lignani e colaboradores, estudando uma amostra de 5000 domicílios com
representatividade nacional constataram que famílias classificadas como tendo
segurança alimentar foram menos dependentes dos benefícios do Programa Bolsa
Família. Ao contrário do encontrado neste estudo, o estudo de Segall-Corrêa e cols.
(2008) analisando dados de 112.716 domicílios brasileiros (PNAD 2004), conclui
que os resultados obtidos em seu estudo indicavam associação positiva da transferência de renda, com a segurança alimentar, independentemente do efeito de
outras condições.
Com base nos resultados obtidos é possível verificar que 2/3 das famílias pertencentes a comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Sul tem acesso
aos programas de Combate à Fome “Bolsa Família” e “Distribuição de Cestas de
Alimentos” e que o PAA é quase inexistente ou desconhecido pela ampla maioria
das famílias. Observou-se que apenas metade (56%) das famílias com insegurança alimentar moderada ou grave já tinha recebido os programas Bolsa família ou
Cesta de Alimentos e que daqueles que recebiam a grande maioria (70%) tinha insegurança alimentar. Ou seja, embora ainda pouco abrangente o maior acesso aos
programas de combate à fome nas comunidades quilombolas estão direcionados
ás populações mais vulneráveis.
213
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ALIMENTAR E
ACESSO AOS
PROGRAMAS DE
DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E COMBATE
À FOME DE
COMUNIDADES
QUILOMBOLAS DO
ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL.
CONCLUSÃO
as comunidades quilombolas do RS, o que chama por ação imediata, aumentando,
por exemplo, o acesso e divulgação dos programas de combate à fome nessas populações. Além disso seria importante a implementação de políticas sociais e de
saúde que visam a promoção da igualdade racial, garantindo a melhoria no acesso
aos bens, serviços e programas para todos os segmentos população. Importante
reforçar que o racismo constitui uma carga adicional para os grupos não dominantes, e a discriminação individual e institucional causa não só impactos negativos
na vida e saúde deste segmento populacional, como também violação dos direitos
humanos básicos. As desigualdades raciais no Brasil configuram-se como um fenômeno complexo, constituindo-se em um enorme desafio para governos e para
a sociedade em geral.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Este estudo identificou uma elevada prevalência de insegurança alimentar entre
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215
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ALIMENTAR E
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DESENVOLVIMENTO
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À FOME DE
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ESTADO DO RIO
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DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E COMBATE
À FOME DE
COMUNIDADES
QUILOMBOLAS DO
ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL.
Flávia F. Pires (universidade Federal da Paraíba/university of Sheffield)
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
do ponto de vista das cRianças:
UMA AVALIAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA
Família1
1
AGRADECIMENToS DEvEM SER PRESTADoS AoS CATINGuEIRENSES, CRIANçAS E ADuLToS, QuE
GENERoSAMENTE PARTICIPARAM DA PESQuISA; À EQuIPE QuE ENFRENTou oS DESAFIoS Do CAMPo CoM vALENTIA E, Ao
CNPQ/MDS, PoR ToRNAR PoSSÍvEL ESSE REvIGoRANTE ExERCÍCIo DE PESQuISA CoLETIvA.
INTRODUÇÃO
Se a antropologia pauta-se desde Malinowski em captar o ponto de vista nativo2,
a ideia aqui é entender o Programa Bolsa Família (PBF), seus efeitos na vida dos
cidadãos, a partir do ponto de vista das crianças, esses sujeitos que constantemente são silenciados nas pesquisas, a despeito da sua crescente importância na
vida social das famílias na contemporaneidade, como salienta Manuel Sarmento
(2008). Fazemos com as crianças o que Suarez et al (2006) e Rego (2008) fazem
com as mulheres: “a partir de[las]” - para usar uma expressão do professor Otávio
Velho (NOGUEIRA & PIRES 2010, PIRES & NOGUEIRA 2011)-, tentamos compreender o funcionamento e os efeitos do PBF3. Isso quer dizer que the voices of
children should not be confined to childish concerns, como afirma Allison James
(2007:267), mas também que as crianças não são apenas um meio pelo qual acessamos uma realidade mais abrangente. Nesse sentido, situamo-nos entre os estudos que recentemente no Brasil vem tomando as crianças como sujeitos e interlocutores da pesquisa sem, no entanto, excluir os adultos, a partir de uma inspiração
nos trabalhos de Christina Toren (1999).
O PBF é um programa de transferência mensal de renda condicionada que surgiu
em 2003 e foi sancionado em 2004, a partir da unificação de uma série de programas sociais. Quando da pesquisa, o direito ao benefício, que varia entre R$ 32 a R$
306, era das famílias com renda per capita de, no máximo, R$140,00. Com menos
de uma década de implantação, o PBF é responsável, junto com outros programas
de transferência de renda, por 21% na queda na desigualdade no Brasil (19952004). Junto com o Benefício de Prestação Continuada foi responsável por 28%
da redução do índice Gini no mesmo período. O PBF também contribuiu para a
entrada massiva das classes D e E no mercado consumidor e a queda da pobreza
extrema de 12% em 2003 para 4,8% em 2008 (IPEA, 2010). O custo do programa
é de cerca de 0,4% do PIB nacional (R$1,4 bilhão em março 2011), ou seja, considerado baixo, tendo em vista seus impactos macroeconômicos e sociais (SOARES
et al, 2006). Como afirmam Medeiros et al (2007, p. 21): “O lado positivo dos programas analisados é indiscutível. Seus impactos sobre pobreza e desigualdade são
visíveis”. (PIRES 2009; MEDEIROS et al 2007; LAVINAS e BARBOSA 2000).
Embora houvesse por parte da academia, no início de sua implantação, uma reação à exigência de condicionalidades que parecem ferir os direitos humanos (ZIMMERMAM 2006; SILVA 2007; DINIZ 2007); frente aos resultados positivos parece-nos que hoje o debate em torno do PBF volta-se para o seu aperfeiçoamento e as
estratégias para lidar com o objetivo último do programa: a quebra do círculo intergeracional da pobreza e criação de uma cultura cidadã, que parecem ainda estar
2
Embora a ideia de captar o ponto de vista nativo seja controversa para Favret-Saada (2005),
Geertz (2002) afirma sua validade.
3
Ideia parecida ao “a partir de” de Otávio Velho pode ser encontrada em Feitosa (2010), quando
lança mão do pensamento de Gregory Bateson: “Ou ainda, no dizer de Gregory Bateson (apud STAR; RUHLEDER,
1995, p.4), “o que pode ser estudado é sempre a relação de um infinito regresso de relacionamentos, nunca
uma ‘coisa’”. Em outras palavras, o que se deve estudar não são as coisas “em si”, mas as coisas “entre si”.
Mais importante que as coisas “nelas mesmas”, são suas relações, suas associações.” (FEITOSA, 2010, p.13).
219
DO PONTO
DE VISTA DAS
CRIANÇAS:
Uma avaliação
do Programa
Bolsa Família
distantes de serem alcançadas. Por isso, vemos crescer os estudos sobre: avaliação4;
membros familiares (REGO 2008, SUÁREZ et AL 2006; PIRES 2009); a escola e os
entraves para uma escolarização de qualidade (MONNERAT et AL 2007); a precária
rede de assistência à saúde (SILVA 2007); o trabalho infantil, dentre outros.
Este artigo tem como objetivo apresentar alguns dos resultados do projeto de
pesquisa “Do Ponto De Vista Das Crianças: o acesso, a implementação e os efeitos
do Programa Bolsa Família no semiárido nordestino” desenvolvido em breves seis
meses durante o ano de 2011 na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob
coordenação da professora Flávia Ferreira Pires, com a equipe de pesquisadores
composta por Patrícia Oliveira Santana dos Santos, Fernando Antonio Dornelas
Belmont Neri, Edilma Nascimento Sousa, Christina Glayds Nogueira Mingarelli, Daniela Oliveira Silveira, Christiane Rocha Falcão. Aqui nos deteremos a realizar uma
avaliação do PBF, levando em conta a opinião e a voz das crianças catingueirenses.
No entanto, a pesquisa sobre os efeitos no PBF na região do semiárido está sendo realizada desde o ano de 2009 e, por isso, esse artigo beneficia-se de dados
produzidos em outros momentos através de outros recortes de pesquisa que, por
exemplo, privilegiaram a voz das mulheres, normalmente mães, através do uso de
entrevistas como técnica de pesquisa (PIRES, 2009). Embora, para esse artigo restringiremos o foco para alguns efeitos não esperados do PBF observados durante
a pesquisa de campo.
Embora breve, a pesquisa propiciou um sem número de importantes debates,
que pela profundidade ainda não puderam ser totalmente analisados. O aprofundamento de algumas das questões que serão aqui levantadas faz-se essencial e
está sendo elaborado a medida em que os pesquisadores concluem seus estudos.
Patrícia Oliveira está dando prosseguimento à pesquisa no Programa de Pós-Gra-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
o empoderamento feminino e a conseqüente reestruturação do poder e status dos
duação em Antropologia (UFPB), no curso do mestrado, dedicando-se a compreender as consequências das condicionalidades, cuja punição apenas incide sobre as
famílias com crianças em idade escolar, tema o qual também foi debatido na sua
monografia de fim de curso (Santos, 2011). Jéssica Silva (2011) dedicou sua monografia de fim de curso a entender a profundidade das mudanças sociais como resultado da expansão do consumo, principalmente infantil, propiciado pelo benefício. Edilma do Nascimento Souza (2011) e George Ardilles Silva Jardim (2010a)
nas suas monografias de fim de curso dedicaram-se à dinâmica familiar geracional
no que diz respeito a escolarização das crianças mais jovens, em detrimento das
gerações anteriores. Além desses, Antonio Silva (2011), Silva e Pires (2011), Benjamin 2010, Pires et al (2011), Fernando Neri (2011), Silva Jardim (2010b) são
apenas alguns estudos realizados pelo nosso grupo de pesquisa CRIAS (Criança:
Sociedade e Cultura) e dialogam intensamente com a pesquisa aqui apresentada.
Nesse sentido, o texto aqui apresentado tem como objetivo cental realizar uma
avaliação do PBF na cidade de Catingueira, Paraíba, a partir das crianças. Para
isso, lançaremos mão de alguns dados empíricos considerados relevantes pelos
4
Em 2009, o CNPq junto com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/MDS,
lançou edital específico para pesquisas de avaliação de políticas públicas no valor total de R$ 1,5 milhão,
pelo qual essa pesquisa foi beneficiada.
próprios nativos quando o assunto é o programa. Em primeiro lugar, dedicaremos
atenção à expansão do consumo como efeito do programa; em segundo lugar, analisaremos o papel da condicionalidade escolar na manutenção do benefício. Para
concluir, discutiremos as consequências do aumento do consumo e da imposição
da frequência escolar para a população estudada.
MÉTODO
Usamos como técnica de pesquisa a observação participante, na medida em que
cada pesquisador ficou “hospedado” na casa de uma família beneficiada, ali realizando suas refeições, as pernoites e, mesmo com as limitações impostas pelo
tempo rápido da pesquisa (5 dias), vivenciando o cotidiano familiar. Além disso,
a equipe realizou “Oficinas de Pesquisa” que funcionaram por dois dias, em dois
turnos e aconteceram em uma das escolas da cidade, em duas salas de aula adequadamente preparadas, durante as férias escolares. As Oficinas de Pesquisa consistiram em 6 grupos focais de aproximadamente 1 hora e 30 minutos, com crianças de 06 a 08 anos (2 grupos), 09 a 10 anos (2 grupos), e 11 a 12 anos (2 grupos),
e desenhos e redações temáticas. Foi solicitado às crianças que desenhassem ou
escrevessem sobre o Programa Bolsa Família e uma vez terminada a atividade, as
crianças apresentaram suas obras para os colegas e os pesquisadores5. As atividades nas “Oficinas de Pesquisa” eram estruturadas da seguinte forma: boas vindas;
solicitação do consentimento das crianças em participar da pesquisa, pedido de
autorização para uso dos desenhos, redações e depoimentos; apresentação de
cada participante através de uma brincadeira; rodada de perguntas (grupo focal
propriamente dito); pausa para lanche; produção de desenhos e redações; socialização dos desenhos e redações; e finalmente a despedida com uma brincadeira.
As perguntas versavam sobre o entendimento e avaliação do PBF, acesso ou não
a bens de consumo e serviços infantis e familiares, empoderamento feminino e
infantil, percepções de classe social, trabalho e escola.
Vários acontecimentos sensibilizariam a equipe, como quando Júlio César, de 07
anos de idade, que ao invés de devorar o seu sanduíche, como as outras crianças
faziam, preferiu guardá-lo para levar para sua avó. As precárias condições de vida
das famílias “hospedeiras”, que em alguns casos não dispunham de água encanada e saneamento básico, levando a pesquisadora a apreciar a água que sai da
torneira na pia da sua cozinha não mais como regra, mas como uma excepcionalidade. O envolvimento afetivo criado entre pesquisadores e as crianças das casas
onde moraram, especialmente em uma casa chefiada pelo pai, cuja mãe estava
5
Recorra a Pires (20011a: 31-62) para uma discussão sobre o uso da técnica do desenho e da
redação, sempre aliado a uma conversação sobre os mesmos com seus autores, de forma que o desenho
sirva como mote para o diálogo entre o pesquisador e as crianças e as crianças entre si. É preciso esclarecer
que as redações das crianças foram editadas e corrigidas a fim de facilitar a compreensão do leitor.
221
DO PONTO
DE VISTA DAS
CRIANÇAS:
Uma avaliação
do Programa
Bolsa Família
ausente. As negociações entre pesquisadores e nativos foram constantes e objeto
tamanha a fecundidade desses debates, no entanto, apresento apenas dois rápidos episódios. Alguns catingueirenses ficaram receosos com a nossa presença,
associando-nos aos “fiscais de governo” que vinham destituí-los de seu direito ao
benefício. Esse medo nos fala da precariedade histórica da garantia dos direitos
sociais, que são entendidos como se pudessem, ao sabor de qualquer evento, serem revogados. Outro evento diz respeito a ajuda de custo que os pesquisadores
deram às famílias, como forma de recompensá-los pela gentileza em nos receber.
No entanto, o dinheiro foi rapidamente isento de seu teor mercantilista na medida em que foi usado para comprar “gentilezas” para o próprio pesquisador, como
bolo, refrigerante, presentes, etc., num estonteamente exemplo do segundo movimento exigido pela dádiva, segundo Marcel Mauss (1974) .
Catingueira, o município escolhido para a realização da pesquisa, é uma cidade
pequena, com 4.812 habitantes segundo o CENSO 2010, IDHM de 0,56 segundo
PNUD 2000, localizada no semiárido do estado da Paraíba, no Alto-Sertão; cuja
população, com raízes camponesas, divide-se entre a zona urbana e a zona rural,
chamada de “sítios”. Um contingente populacional estimado de 2.992 pessoas,
ou seja, 62% da população6 é beneficiário do Programa (foram beneficiadas 813
famílias no mês de setembro de 2011), junte-se a isso a baixa monetização da
região, e temos a constatação de que os efeitos do PBF podem ser ali mais facilmente observados, em comparação às cidades de médio e grande porte, aspecto
também ressaltado pelo Sumário Executivo da Avaliação de Impacto do PBF (CEDEPLAR/UFMG e SAGI/MDS, 2007). Do total de 1.190 famílias cadastradas, 1.151
contam com renda per capita mensal de até 1/2 salário mínimo, o que as caracteriza como extremamente pobres. Do ponto de vista da economia local, as famílias
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
de intensas discussões no grupo de pesquisa; e poderiam ser objeto de um artigo,
sobrevivem através da agricultura de subsistência, pequenos comércios, empregos na prefeitura e benefícios, como o PBF e as aposentadorias.
Imagem 1: Mapa de Catingueira.
6
Calculado a partir da Média de Pessoas por Domicílio (Censo IBGE 2010) (3,68), do número de
habitantes e de famílias beneficiadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Concentramos nosso foco na questão do consumo e da escola, na medida em que
são temas relevantes do ponto de vista das crianças quando o assunto em pauta
é o PBF. Se de um lado é o Programa que garante o acesso a bens de consumo, de
outro, é a escola que garante a sua continuidade.
O acesso ao dinheiro, representando pelo cartão do benefício, a ida ao banco ou a
casa lotérica e o próprio dinheiro (moedas e notas) são constantes dos desenhos
das crianças, a exemplo de:
Imagem 2: Indo retirar o dinheiro na Caixa, o cartão dentro da bolsa da mãe, de
Estefania, 10 anos
223
Imagem 3: Eu indo para lotérica tirar o dinheiro, de Denilson, 9 anos de idade
DO PONTO
DE VISTA DAS
CRIANÇAS:
Uma avaliação
do Programa
Bolsa Família
Embora o dinheiro seja endereçado pelo governo às mães, foi observado que elas
lhes a seguir, mas, também transferem diretamente parte do dinheiro às crianças.
Não é incomum que a criança tenha a senha de acesso ao recurso e esteja habilitada pela mãe a retirá-lo, como mostra a Imagem 2, na qual lê-se: “Eu desenhei
eu indo para lotérica tirar o dinheiro”. Quanto aos valores, as mães geralmente
repassam de R$0,25 a R$2,00/R$5,00 para as crianças pequenas e até R$15,00/
R$20,00 para os adolescentes. Isto funciona como incentivo à escolarização e é
uma forma de fazer justiça para com aquela criança que vem se esforçando nos
estudos. As crianças, por sua vez, entendem que esse dinheiro pertence à mãe ou
à família, embora reivindiquem parte dele, como escreve Silvana (12 anos) na sua
redação:
E aí, quem deveria receber o Bolsa Família, a mãe ou as
crianças? No caso a mãe quem deve receber, mas também
tem que dá um dinheirinho aos filhos.
De maneira sintética poderíamos afirmar que, como as mães de família, as crianças
também priorizam o consumo de alimentos (Pires 2010a, 2010b; Benjamin 2010;
Silva, J. 2011). Há dois conceitos nativos que ajudaram-nos a entender os gastos
com as e das crianças: os brebotos (brebotes) e burigangas, ou seja, comidas de
criança. Os brebotos seriam: bala, pelota ou pirulito, chocolate, chiclete, etc; as burigangas seriam pastel, sanduíche, coxinha, salgadinho e pipoca industrializados,
refrigerante, lanches no colégio ou na rua etc. Os adolescentes acrescentam aos
brebotos e burigangas, compras ligadas ao vestuário, artigos de higiene e beleza
e gastos com diversão (internet). Quando perguntado sobre o destino do dinheiro
do PBF que a mãe lhe dá, Sebastião, (11 anos) confirma:
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
priorizam as crianças no momento das compras, como veremos com maiores deta-
Sebastião: Eu compro o que eu quero.
Pesquisadora Flávia: Você compra o que?
Sebastião: Besteiras que criança gosta.
Pesquisadora Flávia: Tipo o quê?
Sebastião: Pipoca, balinha...
É importante lembrar, todavia, que no caso de famílias extremamente pobres, para
as quais o benefício é a única fonte de renda, seu emprego se dá quase que exclusivamente na alimentação familiar. De fato, Duarte, Sampaio & Sampaio (2009)
estimaram que 88% das transferências foram utilizadas por famílias rurais na
compra de alimentos7. Correa (2008) constata que houve aumento do consumo de
todos os gêneros alimentícios como consequência do PBF. Como deixa evidente a
redação de Francisco (11 anos):
Este cartão serve para tirar o dinheiro do Bolsa Família para a
gente comprar o nosso pão de cada dia [...].
Chama a atenção o fato de que é esse dinheiro que garante a alimentação familiar,
7
Os dados são relativos à pesquisa de campo realizada pela Universidade Federal de Pernambuco
em 2005, com 838 famílias de agricultores familiares de 32 municípios dos estados de Pernambuco, Ceará e
Sergipe (DUARTE, SAMPAIO & SAMPAIO, 2009).
a compra dos alimentos básicos, chamados de “o grosso”, no caso das famílias
extremamente pobres; enfatizando sua importância para a garantia da segurança
alimentar dos beneficiados. Sem dúvida, Paloma (11 anos) está certa quando escreve que: O Programa Bolsa Família serve para aqueles que não têm o que comer.
No grupo focal, Nildo (11 anos), apregoa:
Pesquisadora Flávia: E o que mudou na sua vida depois do
Bolsa Família?
Nildo: Hoje ficou melhor.
Pesquisadora Flávia: Ficou melhor foi? Por que?
Nildo: Por que dá pra comprar as coisas de comer.
Pesquisadora Flávia: Dê um exemplo do que vocês compram
que não compravam antes?
Nildo: Um bocado de coisa.
Pesquisadora Flávia: Bolacha recheada?
Nildo: Não. Comida.
Pesquisadora Flávia: Que tipo de comida?
Nildo: Arroz, feijão, macarrão, carne.
Segundo Correia (2008), quanto mais dependente do benefício a família é, mais
significativo é o aumento do consumo de cereais, açucares, feijões e carnes, nesta ordem, enfatizando a necessidade de ações de educação sobre segurança alimentar para garantir o consumo de alimentos saudáveis. O que, segundo nossa
experiência, mostra-se um tema complexo, pelas seguintes razões, discutidas
alhures: “Em se tratando de comunidades que viviam abaixo da linha da pobreza, em que as mães conviviam com o desgosto de não ter o que dar de comer
aos filhos, o PBF contribui enormemente para o sentimento de dever cumprido
materno, já que agora podem, além de garantir a subsistência, ceder aos prazeres de consumo infantis. Além disso, é muito difícil que uma mãe, que tenha o
dinheiro, negue um pedido alimentar de seu filho tendo em vista a longa história
de privações alimentares, sobretudo, quando ela era criança” (PIRES 2010a:8).
Ao lado disso, pesam também os primeiros casos constatados em Catingueira
de obesidade infantil, mas, que são geralmente vistos, pelas famílias, segundo
o entendimento de que ser gordo é bonito e saudável, como é comum da região
sertaneja.
Em se tratando de famílias pobres, ou seja, que contam com outra fonte de renda além do PBF, o dinheiro é empregado de formas variadíssimas. No que diz
respeito à alimentação, enquanto as famílias extremamente pobres compram o
“grosso”, as famílias pobres podem, com o benefício, diversificar sua dieta, comprando mais carne, ovos, verduras, legumes, frutas. Na sua redação, Jordânia (9
anos), exemplifica:
Todo mundo precisa do Bolsa Família para se alimentar bem,
senão nossa mãe não compra frutas e legumes e muitas coisas
boas e legais.
Além disso, o dinheiro possibilita o pagamento de contas mensais (água, aluguel,
eletricidade); de despesas com a farmácia; do parcelamento de bens, como eletrodo-
225
DO PONTO
DE VISTA DAS
CRIANÇAS:
Uma avaliação
do Programa
Bolsa Família
mésticos e motos8; investimentos no incremento da renda familiar, como a compra
oferta na igreja católica. Por fim, observamos que algumas famílias poupam parte do
recurso, com fins ao planejamento da compra de um bem de valor elevado, como um
terreno ou o material de construção para a casa própria, ou um bem ainda indefinido9.
Às vezes, as crianças e os adolescentes não gastam o dinheiro no decorrer de alguns
dias ou meses, poupando-o para comprar algum bem de maior valor, como uma peça
de vestuário que a mãe não queira lhe oferecer, uma bicicleta, um celular, etc. Existe
em algumas casas o hábito de utilizar o “porquinho” como forma de poupança.10 Vale
destacar, como faz Rego (2008), que a constância do recebimento, o que possibilita o
planejamento familiar, é um aspecto muito ressaltado pelas famílias beneficiadas e,
segundo Hanlon et al (2010), essencial para que as transferências de renda sejam de
fato políticas de desenvolvimento e não apenas assistencialistas.
Na sua redação, Emanuela (11 anos) discorre sobre esses empregos variados do
benefício:
O Programa Bolsa Família é muito importante primeiramente
porque ajuda nas despesas da casa, a comprar material
escolar, roupas, calçados, merenda escolar, comprar pipoca,
balas no dia-a-dia. Ajuda a cuidar dos pais e das crianças,
ajuda a pagar água, luz, supermercado, reforço escolar e etc...
Se o benefício é da família, por que as crianças são priorizadas? É uma pergunta
importante a ser respondida. Em que pese a crescente importância das crianças
na vida familiar, como já destacado, a população local parece lançar mão da historicidade das políticas sociais a fim de dotar ao benefício seu destino. Embora
os gastos com o benefício do PBF não sejam tutelados pelo governo - o que re-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
de gêneros para serem revendidos e até a doação do dízimo da igreja evangélica e a
presenta, segundo Lavinas & Barbosa (2000), um avanço em relação aos outros
programas sociais no Brasil, como o Vale-Gás, o Fome-Zero etc. -, o PBF parece ter
sido assimilado a partir da prioridade às crianças, parcialmente explicado pela sua
semelhança com o Programa Bolsa Escola (PBE). Parece-nos então que, do ponto
de vista nativo, o PBF é entendido como uma continuidade do seu antecessor, o
PBE, e nesse sentido, é importante lembrar que o PBE constituía-se em um recurso
destinado exclusivamente às crianças. Além disso, o PBF utiliza-se da condicionalidade escolar como forma de garantia do benefício, o que acaba por enfatizar o
8
Que além de meio de transporte familiar muito valorizado na região, são usadas com meios de
geração de renda, através, por exemplo, do escoamento de produção agrícola, vendas de porta a porta,
dentre outros.
9
Mas que não se engane o leitor com a ilusão de que o benefício é maior que as necessidades das
famílias; as poucas famílias que poupam chamam a atenção pela planificação otimizada das suas despesas.
Aliás, as crianças avaliaram positivamente o PBF, mas sugeriram o aumento dos valores recebidos, como
forma de aperfeiçoamento da política, assunto ao qual nos deteremos em momento oportuno.
10
Geralmente, é na festa do padroeiro da cidade que a criança quebra o “porquinho” para gastar
o dinheiro com diversões e alimentos que só estão disponíveis na cidade neste período, como algodão
doce e o parque de diversões.
papel das crianças e dos adolescentes no recebimento do dinheiro11. É sobre isso
que discorremos agora.
Associada a expansão das possibilidades de consumo, o PBF traz como prerrogativa fundamental a escola, como primeiro compromisso das crianças. Em consonância com os ideais modernos (ARIÈS 1981), para o PBF lugar de criança é na escola.
Isso se dá através da condicionalidade escolar, que obriga as crianças de 6 a 15
anos de idade a uma freqüência escolar mínima de 85% da carga horária e aos
adolescentes de 16 e 17 anos de idade a uma freqüência escolar mínima de 75%
da carga horária.
Embora a escola já estivesse presente no município para a geração das mães, a
valorização dos estudos por parte da família, principalmente das meninas, não era
largamente observada. Somava-se, para a geração das avós, todavia, a escassez de
escolas no município o que representava um duplo impedimento à escolarização:
escassez de escolas e falta de valorização dos estudos por parte da família. Para as
crianças dos sítios, principalmente os grandes deslocamentos necessários para se
chegar à escola mais próxima eram suficientes para inviabilizar o estudo formal. A
falta de incentivo das famílias foi mais observada no caso das mulheres, que ouviam de seus pais que mulher não precisava aprender a ler e escrever, alardeando
os perigos morais da atividade, já que com essa habilidade elas podiam “escrever
cartas para os namorados”. Embora mesmo no caso dos homens, poucas foram as
famílias entrevistadas em que os pais incentivavam a escolarização.
Hoje o acesso à escolarização é entendido como completamente diferente dos
tempos das avós/avôs e das mães/pais, ressaltando-se a facilidade de acesso à
escola e à escolarização e os avanços alcançados. Uma mãe (40 anos) de dois
adolescentes, quando entrevistada, nos afirmou que sempre aconselha seus filhos
a estudarem, dizendo-lhes:
[...] estudem! Porque hoje é muito fácil, o governo até paga
para vocês estudarem.
Do ponto de vista do MDS, espera-se que a obrigatoriedade da freqüência escolar
como forma de garantir o recebimento do benefício seja capaz de motivar as famílias a mandarem suas crianças para a escola, mesmo no caso daquelas famílias
que não valorizam os estudos, evitando que as crianças sejam assimiladas precocemente e precariamente ao mercado de trabalho. Com olhos no futuro, espera-se
que uma vez na escola, às crianças seja garantida uma melhor empregabilidade
11
Vale a pena pensar também sobre a mudança de status dos membros familiares como um
processo mais abrangente, em que parece pesar uma crescente importância dadas às crianças em detrimento
da prioridade masculina, que era endereçada ao marido/ pai. Isso é observável nas refeições familiares, em
que outrora o marido era o primeiro a ser servido pela esposa, o que parece estar se invertendo nos dias
de hoje, em função da priorização das crianças.
227
DO PONTO
DE VISTA DAS
CRIANÇAS:
Uma avaliação
do Programa
Bolsa Família
quando na idade adulta; assim replicando a ideia de que lugar de criança é na esque vem afetando várias gerações de famílias pobres, que pode ser pensada a
partir da formulação:
Imagem 4 – Ciclo Intergeracional da Pobreza
(elaboração da autora)
As famílias priorizam o consumo infantil e realizam o repasse financeiro direto
para a criança na medida em que entendem que a condicionalidade escolar é a
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
cola para as próximas gerações, e rompendo, por fim, o círculo vicioso da pobreza
que, de fato, conta para o recebimento do benefício, enquanto as condicionalidades ligadas à saúde são mais entendidas como direito, na medida em que não
resultam em punição (suspensões ou cortes). O controle da freqüência escolar é
bastante rígido e, de fato, leva à suspensão e ao corte do benefício, ao passo que
no município ninguém tem conhecimento de benefícios suspensos em função do
não cumprimento das condicionalidades da saúde. Entretanto, crianças e adultos
conhecem pessoas que tiveram seu benefício suspenso ou cortado em função do
não comparecimento ao colégio ou por erro no envio dos dados municipais escolares (PIRES 2011b).
Na cidade pesquisada, a relação do PBF com a escola é tão evidente que uma
criança (Demerson, 10 anos) chegou a dizer que o dinheiro do PBF passava pela
professora: o governo tira o dinheiro do banco, o banco manda para professora.
Uma menina de 10 anos de idade, Fabiola, quando solicitada que desenhasse sobre o PBF desenhou de fato a escola do Bolsa Família, como podemos apreciar:
Imagem 5: Escola do Bolsa Família, de Fabiola, 10 anos
Uma vez que associam o benefício à escola, quando perguntadas de quem é o
benefício, as crianças não hesitam em requerê-lo. Nildo e Paloma, ambos com 11
anos de idade, concordam quando foram perguntados De quem é o benefício?:
Nildo: Eu digo que é a criança que recebe.
Pesquisadora Patrícia: Por quê?
Nildo: Porque ela estuda.
Paloma: Se é ela que estuda aí tem que receber.
Nildo: É porque ela tem que receber se é ela que está
estudando.
Para isso, as crianças lançam mão da linguagem dos direitos, porque entendem que
é o estudo que garante o benefício. Em foco, Lucas (11 anos) e Silvana (12 anos):
Lucas: É importante o Bolsa Família.
Pesquisadora Patrícia: Porque tu acha que é importante?
Lucas: Porque eles devem dá, por que nós estudamos.
Silvana: Nós estudamos e temos o direito de receber.
Pesquisadora Flávia: Então, toda criança que estuda tem o
direito de receber?
Silvana: Tem.
Um dos problemas dos Programas de Transferência Condicionada de Renda (PTCR),
como o PBF, é a necessidade de comprovação da pobreza familiar, o que segundo
Suplicy (2007), leva a estigmatização do pobre. A ideia de uma renda básica da
cidadania, como ocorre no Alaska, USA em que todos os cidadãos, independente
229
DO PONTO
DE VISTA DAS
CRIANÇAS:
Uma avaliação
do Programa
Bolsa Família
da renda comprovada, recebem uma porcentagem do PIB, tem como fim prevenir
ocorre. Já que, segundo elas, o recebimento do PBF está condicionado à freqüência escolar e não à renda da família. Para elas, não importa se a família é rica ou
pobre12, desde que tenha crianças na escola, o recebimento do benefício deveria
ser garantido. De forma que, para as crianças, o programa não estigmatiza o pobre.
Veja o extrato do grupo focal em que falam Lucas (11 anos) e Nildo (11 anos):
Pesquisadora Patrícia: E tem alguém rico aqui em Catingueira
que recebe o Bolsa Família?
Lucas: Tem.
Pesquisadora Patrícia: Tem?
Lucas: Eu acho que tem.
Pesquisadora Patrícia: Porque tu acha que tem?
Lucas: Eu acho que tem. Porque as que filhas dele13 estudam,
aí tem que receber também.
Nildo: Agora não receba14?
Se é a frequência escolar que garante o benefício, logo, entende-se que as famílias
sem criança em idade escolar não deveriam receber. Nathanaelly (10 anos) escreve:
[...] Para as mães poderem receber o Bolsa Família todas as
mães devem ter crianças, se não tiverem crianças não podem
receber.
Isso leva-nos a curiosa constatação de que a punição prevista no programa incide
apenas sobre as famílias com crianças em idade escolar. Em outras palavras, as
famílias sem crianças em idade escolar não estão sujeitas à suspensão ou corte do
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
esse estigma. Todavia, em Catingueira, para as crianças, essa estigmatização não
benefício, uma vez que não se submetem à condicionalidade escolar. Esta consideração atiça o debate em torno da legitimidade do caráter punitivo do direito à
escola, agora de um outro ponto de vista – já que a punição é prerrogativa apenas
de um tipo de família. Aqui temos uma oportunidade para pensar a legitimidade
das condicionalidades e o debate em torno dos direitos humanos e de cidadania
que elas suscitam (ZIMMERMAM 2006; SILVA 2007; DINIZ 2007). As condicionalidades são, de fato, sujeitas à controversas, afinal, o acesso à escola é um direito.
Além disso, concordo com Hanlon et al (2010) quando afirmam que os pobres
querem ver seus filhos escolarizados, mas lhes faltam dinheiro para garantir esse
sonho: transporte escolar, uniforme, calçados, material escolar resultam em despesas. Os autores afirmam que não há nenhuma evidência de que as condicionalidades de fato funcionem (:131). Segundo eles, é acesso ao dinheiro que permite
que as famílias enviem seus filhos para a escola, tornando a condicionalidade
12
Embora não seja o tema do artigo, foram interessantíssimas as conceitualizações das crianças
sobre riqueza e pobreza, os pobres sendo caracterizados como aqueles que não tem onde tomar banho,
têm que implorar por comida ou pegar no lixo, não têm casa (moram na rua) ou família. Os ricos, são os
comerciantes na sua maioria, que podem consumir tudo o que quiserem.
13
Referindo-se ao dono do maior estabelecimento comercial da cidade.
14
Interjeição que, aproximadamente, quer dizer: “Como não receberia?”
desnecessária. Todavia, sendo uma condicionalidade que incide apenas em um
tipo de família, aquelas com crianças em idade escolar, o debate em torno desse
aspecto do Programa merece um esforço de pesquisa ainda mais detalhado.
CONCLUSÕES E LIMITAÇÕES DA ANÁLISE
Nesse artigo realizamos uma breve apresentação de alguns dos resultados da pesquisa “Do Ponto De Vista Das Crianças: o acesso, a implementação e os efeitos do
Programa Bolsa Família no semiárido nordestino”, focando o ponto de vista das
crianças, embora a presença dos adultos se faz evidente em inúmeros momentos
através da fala direta ou de considerações gerais; e enfatizando alguns aspectos
do consumo e da frequência escolar como dois temas importantes no que diz respeito ao PBF. Nesse sentido, o artigo trata sobretudo dos efeitos do PBF.
Sabendo que o recebimento do PBF é direito das crianças e sabedora de que
são elas quem “trabalham15”, ou seja, estudam pela manutenção do benefício, as
crianças estão em condições de negociar, principalmente com a mãe, detentora
do direito ao recebimento do benefício, suas necessidades e seus pequenos luxos, sob a ameaça de não ir à escola. Nestes casos em que a criança não queira ir
ao colégio ocorre uma negociação entre mãe e filho(a). Os termos da negociação
podem ser dinheiro, um pedaço maior de carne, a liberação das atividades domésticas a que a criança é responsável, a escolha do prato a ser preparado, um ovo
no cuscuz, uma peça de vestuário, liberdade para ir à lan-house ou visitar amigos,
dentre outros. Se esses mimos não são suficientes, a mãe, por sua vez, ressalta
a necessidade da freqüência escolar visando o recebimento do benefício, colocando a responsabilidade do sustento familiar e da própria criança, nas mãos do
aluno. A ameaça, no sentido de “se você não for à escola vai faltar o alimento para
todos, especialmente para você”, parece ser o suficiente para convencer a criança
da necessidade de frequentar o colégio. Observamos, então, uma responsabilização da criança pela manutenção do benefício. Responsabilidade a qual ela tem
conhecimento e abraça.16
Como foi dito, mesmo não sendo a elas claramente direcionado, as crianças requerem parte do benefício da família, em um claro exercício político. Os membros
familiares, notadamente a mãe, reconhecem a legitimidade nesse pleito, uma vez
que estudar é entendido como trabalho pesado, cansativo. Na verdade, parece-nos
15
No contexto estudado, a escola pode ter apenas tomado o lugar do trabalho, na medida em
que a atitude da criança frente a sua responsabilidade com a freqüência escolar é da mesma natureza
da sua responsabilidade com o trabalho propriamente dito. Já que mesmo completamente desapontadas
e desinteressadas pelos estudos, as crianças continuam frequentando o colégio. Tememos que a escola
seja entendida pelas crianças como uma nova forma de trabalho e, o que é pior, trabalho forçado. Mas
essa é mais uma hipótese de pesquisa a qual planejamos nos dedicar (PIRES, 2011b).
16
Ao mesmo tempo, a negociação em torno da ida à escola também revela padrões de dependência
da geração mais velha em relação às gerações mais novas, o que parece ser largamente negligenciado nos
estudos socio-antropológicos que tendem a enfatizar justamente o contrário, mas foi ressaltado por
alguns autores como Fortes (1938) e Schildkrout (1978).
231
DO PONTO
DE VISTA DAS
CRIANÇAS:
Uma avaliação
do Programa
Bolsa Família
que é justamente por que a escola é entendida como trabalho pelos membros
ser reconhecidos direitos individuais à riqueza familiar porque entende-se que as
crianças são essenciais para a sua produção; reverberando as ideias do economista
norueguês Jens Qvrotrup (2008) quando afirma que o Estado e a sociedade devem
reconhecer que estudar é a forma de participação das crianças na divisão social
do trabalho nas economias nacionais das sociedades contemporâneas e, portanto,
elas têm direito legítimo a gozar da riqueza da nação, por exemplo, exigindo boas
escolas, adaptação das cidades às suas necessidades, que sejam ouvidas sobre
políticas públicas que as afetam diretamente e naquelas que dizem respeito à
sociedade de modo geral, etc. Nesse sentido, esse exercício político das crianças refere-se, no curto prazo, ao atendimento de demandas imediatas, advindas
da possibilidade de aquisição de novos bens de consumo pelas famílias e pelas
crianças mesmas. Entretanto, não temos condições ainda de vislumbrar a quebra
no círculo vicioso da pobreza em função de um reposicionamento do lugar da
escola para as crianças e os adultos. Embora seja verdadeiro que as crianças estão
na escola, o que as estatísticas mostram, isso não garante que elas estejam sendo
educadas ou que conseguirão realmente quebrar o círculo vicioso da pobreza. Na
verdade, tememos pelo estado precário das escolas e da educação públicas.
Muitos são os campos de investigação abertos por essa pesquisa, apontamos alguns ao longo deste texto, como a necessidade de aprofundar o debate em torno
da educação como dever e do acesso à saúde como direito; as consequências da
punição das condicionalidades incidir apenas sobre famílias com crianças em idade escolar; a escola como nova forma de trabalho forçado, dentre outros. Ademais,
esperamos ter mostrado com esse texto a importância de incluir as crianças nas
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
familiares que, por isso, está sujeito à recompensa. Dessa forma, a elas parecem
nossas pesquisas, como sujeitos e interlocutores legítimos. O conhecimento que
as crianças têm do PBF é acurado e crítico. Se elas são afetadas pelas políticas
sociais, nada mais coerente que ouvi-las.
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233
DO PONTO
DE VISTA DAS
CRIANÇAS:
Uma avaliação
do Programa
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SOUZA, Edilma do Nascimento. As Crianças E O Programa Bolsa Família Em Catingueira (Pb): Uma Reflexão Antropológica Da Condicionalidade Escolar A Partir do Ponto de
Vista das Crianças. Trabalho de Conclusão do Curso de Ciências Sociais, Universidade
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TOREN, Christina. Mind, materiality and history: explorations in Fijian ethnography.
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ZIMMERMANN, Clóvis Roberto. Os programas sociais sob a ótica dos direitos humanos:
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235
DO PONTO
DE VISTA DAS
CRIANÇAS:
Uma avaliação
do Programa
Bolsa Família
Sumário Executivo. Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família. Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional - Cedeplar/UFMG. Secretaria de Avaliação
e Gestão da Informação. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Outubro de 2007.
SUÁREZ et al. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E O ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES DE GÊNERO - O Desafio de Promover o Reordenamento do Espaço Doméstico e o
Acesso das Mulheres ao Espaço Público. Relatório Compreensivo de Pesquisa. Apresentado ao MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME (MDS) e
ao DEPARTMENT FOR INTERNATIONAL DEVELOPMENT (DFID) por AGENDE AÇÕES EM
GÊNERO CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO, 2006.
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – Relatório Nacional de Acompanhamento
– Brasília: Ipea, 2010.
SIGLAS
PBE – Programa Bolsa Escola
PBF – Programa Bolsa Família
PTCR – Programas de Transferência Condicionada de Renda
MDS- Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
UFPB – Universidade Federal da Paraíba
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
RELATÓRIOS DE PESQUISA
237
DO PONTO
DE VISTA DAS
CRIANÇAS:
Uma avaliação
do Programa
Bolsa Família
Rosângela Célia Faustino - universidade Estadual de Maringá (uEM)
Maria Simone Jacomini Novak - universidade Estadual de Maringá (uEM)
keros Gustavo Mileski - uEM - universidade Estdual de Maringá (uEM)
Paulo Caldas Ribeiro Ramon - universidade Estadual de Maringá (uEM)
vanessa de Souza Lança - universidade Estadual de Maringá (uEM)
Mariana Mendonça Bernardino - universidade Estadual de Maringá (uEM)
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E O ACESSO
à edUcação escolaR em comUnidades
INDÍGENAS KAINGANG E GUARANI NO PARANÁ
INTRODUÇÃO
O Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações - LAEE / Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História, desde 1997, desenvolve projetos junto aos
povos indígenas no Paraná. Com característica interdisciplinar, abrange pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento por meio de pesquisas qualitativo-quantitavivas, bibliográfico-documentais e de campo, bem como projetos de
extensão, sociais e pedagógicos em diferentes Terras Indígenas (Tis) no Paraná.
A população indígena no Estado está estimada em mais de 25.000 (vinte e cinco mil
pessoas) sendo que destas, cerca de 15.000 (quinze mil, vive em Terras Indígenas e
os demais nas cidades (BRASIL, 2011; ISA, 2008). O Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), no documento Tendências Demográficas: uma análise dos indígenas, informa serem 32.000 os indígenas do estado. Tal divergência possivelmente
seja oriunda de categorizações, pois a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) trabalha
com dados dos indígenas residentes nas TIs, enquanto o ISA e o IBGE contabilizam
indígenas autodeclarados, incluindo os que não residem permanentemente nas TIs.
Esta população abrange três etnias diferentes, os Guarani, os Kaingang e os Xetá,
vivendo em 30 TIs, demarcadas, rtomadas ou em processo de demarcação. A Funai
se mantém como órgão do Governo Federal responsável pelas políticas públicas
indigenistas principalmente voltadas à questão de terras. A partir da implementação da Lei n.º 8.080, de 1990 (BRASIL, 1990) a Fundação Nacional da Saúde
(FUNASA) foi responsabilizada pela saúde indígena até meados de 2011, quando
reformulações estruturais resultaram na criação do Secretaria Especial de Saúde
Indígena (SESAI), também responsável pela saúde, mas implementada pelo Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM)1.
A pesquisa foi desenvolvida em duas TIs Kaingang do Vale do rio Ivaí e duas TIs
Guarani Nhandewa, no Norte do Paraná. A população total abrangida está estimada em cerca de 2.427 (duas mil quatrocentas e vinte e sete) pessoas. Os indígenas
habitantes da TI Ivaí, no município de Manoel Ribas - PR, e TI Faxinal, no município
de Cândido de Abreu - PR, são da etnia Kaingang, cujo somatório da população
é de cerca de 2.039 (duas mil e trinta e nove) pessoas, todos falantes da língua
indígena kaingang, sendo que jovens e adultos têm maior domínio da língua portuguesa do que crianças e idosos. O uso da norma culta da língua portuguesa, oral
e escrita é praticamente inexistente, inclusive entre os que frequentam a escola.
O povo Kaingang pertence ao tronco linguístico Jê2, sendo referido também como
Jê do Sul, e é o mais numeroso povo indígena do Brasil Meridional, incluindo-se
entre as cinco etnias com maior contingente populacional no Brasil na atualidade
e sendo também um dos maiores grupos falantes da língua indígena no Brasil.
1
A Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), entidade privada sem fins
lucrativos, executa ações complementares, gozando da condição de Certificado de Entidade Beneficente
de Assistência Social (CEBAS), vencedora de chamamento público, EDITAL Nº 01/2011, proposto pelo Ministério
Público Federal em face de Ministério da Saúde – Secretaria Especial de Saúde Indígena. Disponível em
<http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do-mpf/acao-civil-publiva/docs_classificacao_tematica/acao-civilpublica-pr-df-de-05-de-outubro-de-2011> Acesso: 05 de Dezembro de 2012.
2
Conforme quadro de Ayron Rodrigues fazem parte do grupo Macro-Jê os grupos Xavante,
Kayapó, Timbira, Panará Xakriabá, Xerente, Kaingang, Panará, Karajá, Kariri, Maxacali .
239
O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA E O ACESSO À
EDUCAÇÃO ESCOLAR
EM COMUNIDADES
INDÍGENAS KAINGANG
E GUARANI NO
PARANÁ
Os Guarani Nhandewa pertencem aos grupos Tupi-Guarani, do tronco linguístico Tupi3. Foram praticamente dizimados, devido à expropriação e ocupação das
terras da região do Norte do Paraná por companhias exploradoras de capital privado. Nesse processo perderam a língua indígena como língua materna. Apenas
alguns poucos velhos são falantes da língua guarani e os professores indígenas
trabalham em sua revitalização via escola. Atualmente, os Guarani que habitam o
Norte do Paraná ocupam duas terras já demarcados, a TI Laranjinha, localizada
no município de Santa Amélia-PR e a TI Pinhalzinho, localizada no município de
Tomazina - PR, lutam para recuperar uma parte (TI Iwy Porã), antiga extensão da
TI Laranjinha da qual foram expulsos nos de 1960 por fazendeiros da região. Os
grupos habitantes das TIs Laranjinha e Pinhalzinho somam aproximadamente 388
(trezentos e oitenta e oito) pessoas, que vivem de pequenas roças familiares, produção de artesanato e empregos temporários. Do ponto de vista da cultura, vários
grupos familiares lutam pela revitalização das práticas religiosas e linguísticas.
De forma geral, as terras que lhes foram determinadas, além de não ser suficiente
para prover o sustento de todos por meio de roças familiares, tem o solo desgastado, apresentando baixa produtividade. O artesanato, importante fonte de renda
das famílias, encontra-se em condição reduzida, devido ao desflorestamento que
destruiu as matérias-primas (taquara, sementes, penas, cipós, fibras). Os municípios nos quais estão inseridas as TIs oferecem poucas oportunidades de trabalho.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Os Kaigang vivem em áreas demarcadas, as Terras Indígenas (TIs), distribuídas
nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, havendo
ainda aqueles que vivem fora das terras, nas periferias de centros urbanos ou
em zonas rurais destes estados. No Paraná há aldeias urbanas sendo criadas por
grupos antes dispersos, que agora, com os direitos adquiridos a partir da Constituição de 1988, buscam uma reorganização sociocultural e espacial.
Manoel Ribas possui um índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,729, o IDH
de Cândido de Abreu é de 0,666, o de Tomazina é de 0,716 e o de Santa Amélia,
0,711, segundo dados do IBGE (2010). Estes estão entre os municípios do Estado
com mais baixo IDH, ou seja: maior pobreza e menores condições de renda. Nessas condições, a situação é mais grave para os indígenas que sofrem preconceito
tendo dificuldade de qualificação profissional, domínio da língua portuguesa oral
e escrita na norma culta, falta de documentação completa e acesso aos meios de
transporte adequados.
OBJETIVOS
O objetivo principal da presente pesquisa foi identificar e analisar o impacto da
política de distribuição de renda na melhoria do acesso a escola; compreender as
relações contidas na política de transferência de renda; levantar os usos, os bene-
3
De acordo com o lingüista Aryon Dall’Igna Rodrigues, os Nhandewa, Kaiowa e Mbya falam
dialetos do idioma guarani, família lingüística Tupi-Guarani, tronco lingüístico Tupi. Neste rol se
incluiriam também os povos chiriguano, guarani-ñandeva (Chaco paraguaio), ache, guarayos e izozeños,
habitantes da Bolívia e Paraguai. Uma variante do guarani é falada pela população (provavelmente 90%)
não indígena do Paraguai, país bilíngüe guarani/espanhol (ALMEIDA & MURA, 2003).
fícios e as particularidades encontradas no Programa Bolsa Família direcionadas
aos indígenas “aldeadas” no Estado do Paraná. Sobretudo, neste artigo buscou-se
discutir a situação das comunidades indígenas e apresentar dados coletados ao
longo do desenvolvimento do projeto.
MÉTODO
Após seleção e nivelamento da equipe de pesquisa foram realizados levantamentos, estudos teóricos e documentais sobre a questão indígena no Paraná e sobre o
Programa Bolsa Família (PBF). Na sequência foram realizadas visitas às TIs e reuniões comunitárias para explicação dos objetivos da pesquisa e solicitação de Termo
de Anuência dos caciques e lideranças comunitárias.
Foram feitas visitas ao posto da Funai para apresentação do projeto aos técnicos
responsáveis pelas TIs envolvidas e comunicação sobre o pedido de autorização
da pesquisa. Em visitas às unidades de saúde e escolas situadas nas TIs, enfermeiros, equipes pedagógicas, professores, agentes indígenas de saúde e demais
servidores que atuam nas instituições foi informado sobre a pesquisa a ser desenvolvida e solicitado o apoio dos entes governamentais.
Os instrumentos de coleta de dados (questionário estruturado e roteiro de entrevistas dirigidas) foram elaborados e testados entre famílias indígenas beneficiárias nas TIs após os Termos de Anuência.
O questionário foi composto de 21 questões e contemplou identificação da TI,
etnia, residência, número de filhos e dependentes, frequência à escola, uso da
língua indígena, atividade principal e outras questões socioeconômicas e educativas. Com base nos levantamentos (Tabela 3), foi possível realizar um planejamento
do número de questionários a serem aplicados. O questionário foi testado primeiramente na TI Faxinal e Laranjinha, e após os ajustes necessários, aplicado às
demais TIs em um período de seis meses, com visitas semanais. Foram realizados
levantamentos em bases de dados e sites governamentais (FUNASA, Dia a Dia da
Educação-PR). Em seguida procedeu-se à sistematização e análise dos dados no
LAEE / Laboratório de Pesquisa, com vistas à criação de um banco de dados e à
elaboração de relatórios.
Tabela 1 – Número de famílias nas TIs estimando-se o número a ser pesquisado
Famílias
Terra Indígena:
Famílias/Funasa
Faxinal
156
Ivaí
308
Cadastradas
Beneficiárias
274
251
22
Laranjinha
51
61
40
Pinhalzinho
57
29
20
Fonte: Dados coletados no site do MDS (fev. de 2011) e Funasa (fev. de 2011).
241
O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA E O ACESSO À
EDUCAÇÃO ESCOLAR
EM COMUNIDADES
INDÍGENAS KAINGANG
E GUARANI NO
PARANÁ
O trabalho de campo realizou também um levantamento documental em livros de
equipe pedagógica e direção das escolas. A pesquisa de campo extrapolou o âmbito das TIs e estendeu-se aos principais locais de comércio frequentados pelos
indígenas nos municípios do entorno, para um levantamento dos produtos consumidos pelas famílias beneficiárias do Programa.
As informações coletadas em campo foram sistematizados e passaram a compor
um banco de dados, utilizando-se o programa Microsoft Access 2010. A elaboração de um quadro geral revela o trabalho realizado. Das 431 famílias Kaingang
cadastradas no CadÚnico recebem o benefício, ao todo, 347 famílias, das quais
foram entrevistadas 210 famílias. Das 87 famílias Guarani cadastradas, apenas 50
são beneficiárias. Ao todo, foram entrevistadas 49 famílias.
Tabela 4 – Número de famílias beneficiárias por TI
Famílias
Terra Indígena
Famílias/Funasa
Cadastradas
Beneficiárias
Entrevistadas
Faxinal
156
145
101
66
Ivaí
316
286
246
144
Laranjinha
51
58
28
25
Pinhalzinho
57
29
22
24
Dados coletados no site do MDS (Nov. 2011) e dados da pesquisa de campo (2011).
Buscou-se confrontar dados e observar se há perda do benefício por parte de
famílias indígenas e assim elencar elementos que pudessem apontar a relação
entre a condicionalidade (de frequência às escolas) e os movimentos (mobilidade
social), trabalho no artesanato e empregos temporários destas populações.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
matrícula das unidades escolares situadas nas TIs, abrangendo entrevista com a
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os Kaingang das TIs Faxinal e Ivaí
Sobre a presença dos grupos Kaingang no Vale do Ivaí, Mota (2003) evidencia que
está relacionada com a expansão das fazendas de gado nos Campos Gerais e na
região de Guarapuava - PR, ocorrida desde o início do século XIX. Este processo
impeliu os Kaingang a se instalarem nas matas das serras do vale do rio Ivaí, onde
passaram a sofrer a pressão das populações não índias que lá habitavam. A partir
do século XIX, os registros históricos disponíveis documentam a estratégia reivindicatória para manutenção de seus territórios junto ao Estado.
Mota (2009) assim descreve o processo migratório ocorrido nos séculos XIX e XX,
de mineiros, nordestinos e paulistas para o Estado do Paraná, como uma clara expansão capitalista com o intuito de explorar as terras férteis do Norte e Oeste
paranaense:
A frente cafeicultora no Paraná pode ser vista como uma
frente capitalista competitiva, e não como uma “frente
pioneira”, pois admitindo que pioneiro é o que vai adiante,
é o que abre caminho, o lavrador e o pequeno proprietário
são pioneiros; na estrutura em estudo, porém, não coube ao
lavrador a decisão de migrar: os fluxos foram determinados pelo
movimento do capital, ou seja, a frente capitalista, ao fazer a
prévia ocupação dos espaços “vazios” por grandes propriedades,
antes que lá chegassem os lavradores e os pequenos
proprietários, cumpriu o pioneirismo (MOTA 2009 p. 52)
Na ocupação, limpeza (derrubada da mata, extermínio ou expulsão das populações
que habitavam os territórios paranaenses) e venda da terra a proprietários privados, houve uma série de conflitos com os grupos indígenas, que não aceitavam
passivamente a perda de seu espaço de sobrevivência, ou seja, seus territórios.
Conforme Tommasino e Fernandes, em texto elaborado para o Instituto Socioambiental (ISA, 2003), evidencia-se que o contato dos indígenas Kaingang com
a sociedade envolvente efetivou-se no século XIX, quando os primeiros chefes
políticos tradicionais, sem ter outras saídas, fizeram algumas alianças com os conquistadores e ficaram conhecidos como capitães. Os autores afirmam que esses
capitães foram fundamentais na pacificação dos demais grupos arredios vencidos
e aldeados entre 1840 e 1930.
Os conflitos e as estratégias de negociação levaram o Poder Público a atender
parte das reivindicações dos grupos Kaingang. O Governo do Paraná decretou, por
meio da Lei n.º 853/1909, que uma porção de terras na margem direita do rio
Ivaí ficaria reservada aos indígenas. O art. 1º da citada lei assim determinava: “O
governo do Estado fará medir e demarcar as áreas de terras reservadas em tempos
aos índios, em vários pontos do Estado, por decreto do executivo” (MOTA, 2003, p.
93); entretanto, os estudos de Mota e Novak (2010) sobre a questão territorial no
Estado do Paraná apontam que estes mesmos territórios sofreram nova alteração
em 1949, devido a um acordo entre a União e o Governo do Estado, da qual resultou outra redução significativa dos territórios indígenas em quase todo o Paraná.
Essa demarcação deu origem às TIs Ivaí e Faxinal, localizadas na região central do
Estado do Paraná, mais precisamente, nos municípios de Manoel Ribas e Cândido
de Abreu, respectivamente. A primeira, com uma área de 7.306 hectares e uma
população estimada de 1.420 (um mil quatrocentos e vinte) pessoas, composta
por 308 (trezentas e oito) famílias (FUNASA, 2010), teve a sua homologação e regularização em 1991; e a TI Faxinal, que possui uma área de 2.043 hectares e um
população estimada de 619 pessoas, divididas em 156 famílias (FUNASA, 2010),
também teve sua homologação e regularização em 1991.
Tradicionalmente, os Kaingang viviam da caça, pesca e coleta e faziam um complexo manejo ecológico de seus territórios, de forma que a alimentação era farta
o ano todo. Para tanto, tinham um amplo conhecimento sobre a sazonalidade. Conheciam as florestas, os animais, os rios e diferentes tipos de peixes, elaboravam
armadilhas de pesca (a mais conhecida é o pari), e a quantidade de peixes adquiridos era suficiente para alimentar um grupo familiar extenso. Conheciam diversos tipos de abelhas e seus hábitos, tinham sofisticadas técnicas de encontrar as
colmeias e retirar o mel.
243
O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA E O ACESSO À
EDUCAÇÃO ESCOLAR
EM COMUNIDADES
INDÍGENAS KAINGANG
E GUARANI NO
PARANÁ
Em relação ao pinhão, uma das principais fontes tradicionais de alimento dos
grupos no Paraná, os Kaingang tinham sofisticadas formas de coleta, preparação
(sopa, farofa, bolo, pinhão sapecado, etc.) e conservação.
O pinhão é um dos principais alimentos dos Kaingang.
Chegando seu tempo vamos ao mato, limpamos embaixo
do pé, aí cortamos uma árvore comprida pegamos feixes de
taquara e uma taquara bem comprida. Com a árvore comprida
fazemos uma escora no pé de pinhão e vamos fazendo um
tipo de argola com as taquaras e amarrando bem firme no
pinheiro e no pau da árvore cortada até chegar lá em cima.
Uma pessoa que está em baixo alcança a taquara comprida
que ele vai usar para bater nas cabeças de pinhão. Quando
estas estiverem no chão aqueles que estão embaixo vão
empilhando. Quando termina a coleta todos pegam uns paus
de mais ou menos 50 centímetros e vão batendo até partir no
meio. Os que ficam do lado vão escolhendo o pinhão e pondo
nos balaios. (Relato do cacique Pedro Rej Rej Lucas, TI Faxinal).
Nas roças familiares – de toco - cultivavam milho, feijão, batata-doce, abóboras,
mandioca e outros vegetais. Após a colheita, os restos destas roças atraíam ani-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Quando a gente sai pescar observa na beira do rio ou banhado
as abelhas sentadas, aí uma voa e volta sentando no mesmo
lugar. Quando uma voa reto, plainando as asas para subir ela
irá para onde está o enxame então ficamos sabendo onde tem
o mel. (relato do professor indígena Alexandre Krenkag Farias,
TI Faxinal).
mais (pacas, catetos, tatus, codornas, jaús, nambus, jacus e outros), que eram caçados em armadilhas por eles elaboradas. Com o aldeamento esses processos de
trabalho coletivo repleto de regras sociais, se perderam em grande parte, devido à
restrição da terra e destruição da fauna circundante.
A organização Kaingang permitia-lhes uma existência autônoma, e seus conhecimentos, em todas as áreas, garantiam-lhes o enfrentamento e as soluções de
todos os problemas.
Quando a criança indígena ficava doente, os parentes mais
próximos falavam para os mais velhos da família. Sem dizer
nada, o velho levantava, saía e ia ao mato buscar o remédio.
Às vezes ele preparava o remédio na mata mesmo ou trazia
em brotinhos, já amarrados na mão. Chegando a casa colocava
na água ou aplicava direto onde estava a dor. Os velhos não
contam para todo mundo os nomes dos remédios e nem para
quais doenças servem, pois se contarem o remédio perde a
força e não cura mais. Chega uma hora que a pessoa velha
vai contar para a pessoa certa e só para ele, dando conselho
para não contar para os outros. (relato do professor indígena
Alexandre Krenkag Farias, TI Faxinal)
Inúmeros são os relatos orais, a literatura e os documentos que evidenciam o
conhecimento dos povos indígenas e capacidade de viver com autonomia. Parte
desse material foi sistematizada por estudiosos da área, tais como Mota (1998,
2003, 2009), Tommasino (1995), Fernandes, R.C. (2003), Fernandes, L. (1941) entre outros, no entanto grande parte de todo esse conhecimento foi inviabilizado
pela destruição ambiental, que poluiu rios e dizimou muitas espécies animais e
vegetais colocando os indígenas para viverem na dependência do poder público.
Os Guarani das TIs Laranjinha e Pinhalzinho
Os Guarani dividem-se em três grupos: os Nhandewa, os Kaiowa e os M’bya. A
procedência do grupo Nhandewa do Paraná é diversificada. MOTA (2003), TOMMASINO (1995) e ALMEIDA (1981) demonstram que os grupos possuem antecedentes relacionados: 1) com remanescentes dos grupos reduzidos pelos jesuítas,
nas missões, nos séculos XVI e XVII, os quais, depois da destruição destas, ficaram
dispersos nas florestas da região; 2) com os Kaiowa, que foram trazidos por funcionários do Império para a Província do Paraná a partir de 1852, sendo alocados
nos aldeamentos de São Pedro de Alcântara e Santo Inácio; 3) com os Nhandewa
originários do Mato Grosso e Paraguai, que tentavam chegar ao litoral e acabaram
fixando-se ali; e 4) com os Guarani dos vários grupos que foram aldeados por
Curt Nimuendaju no Posto Indígena Araribá, no Estado de São Paulo, nos anos de
1912/1913 e trazidos para a TI Laranjinha - PR no período de 1930 e 1940.
As terras demarcadas para os Guarani, com as invasões de fazendeiros, passaram
por um processo de redimensionamento, demonstrando que as terras reservadas
pelo governo às populações indígenas no início do século XX sofreram contínuas
diminuições (MOTA 2003). As TIs Laranjinha e Pinhalzinho situam-se às margens
do Rio das Cinzas e do Laranjinha. O território (Tekohá) ocupado por essa etnia
é fundamental para sua forma de organização, o (Teko). Almeida e Mura (2003)
afirmam que o Tekohá (a terra, mato, campo, águas, animais e plantas) é o lugar físico onde se realiza a vida guarani, sendo esse o lugar/espaço das relações
familiares, atividades religiosas e de trabalho. Tradicionalmente, o Tekohá deve
ser um lugar que reúna condições físicas (geográficas e ecológicas) e estratégicas
que permitam compor, a partir da relação entre famílias extensas, uma unidade
político-religioso-territorial.
Com o aldeamento, segundo Almeida e Mura (2003), houve uma interrupção da
continuidade territorial na qual se dava a organização sociocultural Guarani, pois
agora estão reunidos em uma pequena parcela de terra cujo entorno está totalmente devastado. Assim, os Guarani das TIs Laranjinha e Pinhalzinho não podem
mais viver como seus antepassados, quando manejavam extensas áreas para a
execução de suas atividades agrícolas, utilização do sistema de rotação de roças
– manejo ecológico – para a produção de alimentos, a caça e coleta. Na impossibilidade de reproduzir seu sistema de reciprocidade, deixaram de usar sua língua
materna e, junto com ela, boa parte de seus conhecimentos e tradições.
Com relação aos indígenas da TI Laranjinha (cerca de 234 pessoas), que vivem em
uma área restrita de 284 (duzentos e oitenta e quatro) hectares – a cidade mais
próxima é Santa Amélia, um pequeno município de quatro mil habitantes, com
245
O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA E O ACESSO À
EDUCAÇÃO ESCOLAR
EM COMUNIDADES
INDÍGENAS KAINGANG
E GUARANI NO
PARANÁ
Nestas TIs, cerca de 50% das famílias (aquelas cujos membros têm um emprego com
remuneração fixa ou aposentadoria) têm alimentação diária e melhores condições
de vida; mas as famílias que dependem exclusivamente dos recursos oferecidos pela
terra enfrentam uma situação de muita pobreza e privações, pois ainda que consigam
produzir os alimentos básicos (arroz, feijão, mandioca, abóboras), quando recebem
as sementes a tempo de fazer o plantio nas devidas estações, não têm como comprar
os demais produtos que precisam (óleo, café, açúcar, sabão, roupas, calçados, etc.).
É drástica a devastação ambiental produziu grande desgaste do solo e não existem no entorno dessas terras áreas de matas nativas preservadas, com exceção
de alguns poucos hectares preservados dentro da própria aldeia. Com a floresta
destruída, as espécies da flora utilizadas para artesanato e medicamento desapareceram. Na pequena mata (cerca de dez alqueires) preservada na TI vivem
alguns animais, como tatu, porco-do-mato, capivara e jaguatirica, alguns pássaros, cuja caça é regulamentada e cada vez mais escassa, porém suas carnes são
as fontes de proteína de algumas famílias.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
um dos piores IDHs do estado, oferecendo, assim, reduzidas oportunidades de trabalho e renda a seus habitantes. Já a TI Pinhalzinho tem uma população de habitantes e 57 famílias, com uma área demarcada de 593 (quinhentos e noventa e três)
ha, nas proximidades da cidade de Tomazina – PR, que também tem um baixo IDH.
Desta forma, os indígenas Guarani vivem muitas dificuldades, que geram tensões
constantes, causadas principalmente pela disputa dos poucos empregos existentes
na área e pelo acesso às roças, que não são suficientes para todas as famílias.
A devastação ambiental do entorno acabou com os animais sagrados com os
quais os antigos rezadores se comunicavam nos sonhos para receber informações, avisos e ensinamentos. Com a perda da língua, ocorrida gradativamente
desde meados de 1940 (FAUSTINO 2006), os valores sagrados, transmitidos por
meio da palavra foram sendo substituídos por novos valores, veiculados pela língua portuguesa, pelos meios de comunicação de massa (rádio e televisão), alterando sobremaneira sua forma de ver e entender o mundo.
Estes elementos, somados às dificuldades de subsistência, cada vez mais têm levado, principalmente os jovens, a sofrerem pela falta de perspectivas de futuro,
que para eles se apresenta muito incerto. Conforme demonstra um estudo realizado sobre os jovens indígenas,
O forte desejo de consumo de produtos industrializados,
estimulado pela mídia que chega cada vez mais aos jovens
indígenas por meio de rádios e televisão; disputas internas,
adultérios, brigas por motivos torpes, espancamentos,
agressões e outras manifestações de violências crônicas
geradas pela falta de perspectivas, pelo alcoolismo, grassam
as aldeias em seu cotidiano, tornando as pessoas, os jovens
particularmente, vulneráveis às alternativas “fáceis” e ilícitas
para ganhar dinheiro, ou às “difíceis” como é o caso de muitos
que, por falta de uma escolarização mais ampla, de acesso
a informações, aceitarem condições de trabalho desumanas
beirando à escravidão (CIMI, 2007, p. 25).
As dificuldades de sobrevivência enfrentadas pelos grupos, além de ter-lhes
causado, em muitas situações, a perda da língua, têm promovido o rompimento
dos laços familiares e grupais, afetando as formas nativas de transmissão dos
conhecimentos da cultura. Neste sentido, considera-se de suma importância o
apoio institucional do governo e das universidades para o fortalecimento das lutas indígenas. Assim, consideramos fundamentais, entre as políticas públicas, as
políticas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família, objeto da
análise subsequente.
Políticas públicas e populações indígenas
No decorrer da história do Brasil, diferentes políticas indigenistas responderam à
situação das populações indígenas, ora visando à guerra, tendo o indígena como
inimigo do projeto colonizador, ora buscando a aculturação e integração deste à
sociedade envolvente por meio da conversão religiosa e da utilização de sua força
de trabalho.
Por orientações dos organismos internacionais como a OIT – Organização do Trabalho (Convenção 107 de 1957 e Convenção 169 de 1989), a legislação brasileira
reconheceu os indígenas como cidadãos, tendo sido estas populações incluídas
nas políticas públicas desenvolvidas a partir do final dos anos de 1980, no contexto das políticas de inclusão social, respeito e reconhecimento à diferença.
A década de 1970 representou o início de um período de crise estrutural da sociedade capitalista, exigindo do sistema reformas para combater o desemprego e a
pobreza estrema de grandes contingentes populacionais em diferentes partes do
mundo. Os chamados “anos de ouro do Capital”, oriundos da produção industrial
do período do Pós-Guerra (1948-1973), haviam chegado ao fim, e com eles ruiu o
estado de bem-estar social4. Nesse período as economias centrais (EUA e Inglaterra) adotaram e implementaram reformas neoliberais, como tentativa de salvaguardar a ordem do sistema. É inerente a essa lógica neoliberal, como marcam Mathis,
Nascimento e Gomes (2010, p.11),
[...] cortar gastos e desativar programas sociais na perspectiva
dos direitos e criar “novos” programas seguindo o princípio
da seletividade e da focalização das ações públicas nos
segmentos mais necessitados da população, uma vez que
a diminuição da pobreza absoluta constitui também uma
condição de estabilidade econômica e política.
De acordo com Faustino (2006, p. 131), os documentos emanados dos organismos
internacionais evidenciam que as populações indígenas estão entre as mais po-
4
O Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), baseado nas ideias de John Maynard Keynes
(1883-1946), constituiu-se de uma série de medidas tomadas para a revitalização do capitalismo. Para
isto foi necessário um forte investimento estatal na economia, incentivando as indústrias de base e de
transformação, o desenvolvimento de políticas públicas, a permissão da sindicalização, o atendimento
às reivindicações trabalhistas por meio da elaboração de legislações protetoras do trabalho livre.
Acreditavam os pensadores defensores dessa intervenção que com o incentivo ao consumo se estimula a
produção. (Faustino, 2006; Netto e Braz, 2007).
247
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bres do mundo. Esta conclusão também está presente em alguns documentos da
tégias do Banco Mundial, da Organização das Nações Unidas, da Organização das
Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (Unesco) e outros, para justificar
a necessidade de intervenção e investimentos (decorrentes de empréstimos) que
visam atacar e aliviar a pobreza extrema no contexto atual. Nesse momento foram
estimulados projetos de desenvolvimento destinados aos grupos vulneráveis e
inclusão desses grupos nas demais políticas públicas.
Ao apresentarem uma revisão das concepções de necessidade e renda mínima,
Mathis, Nascimento e Gomes (2010) salientam a contribuição de Marx, pensador
do século XIX que, juntamente com Engels, formulou o materialismo histórico,
analisou o processo de expropriação/privatização da terra e exploração capitalista que leva à miséria de grandes contingentes humanos em todas as partes do
mundo. A partir desse referencial os autores mostram a preocupação do sistema
capitalista, representado por organismos internacionais como o Banco Mundial,
no início dos anos 1990 e ao longo das duas últimas décadas, é aliviar a pobreza
extrema através de programas que ampliem o acesso dos pobres aos serviços básicos de infraestrutura e criem condições para a geração de renda familiar.
No Brasil, país periférico do sistema (ARRIGHI, 1997), as políticas de redistribuição
de renda se justificam pelos altos índices de concentração de renda. Em um breve
percurso de Gini (medida variável de 0 a 1 que calcula a distribuição de renda: quanto mais próxima a 0, menor a concentração de renda), podemos observar na tabela
abaixo como esse índice se configura ao longo das décadas finais do século XX.
Tabela 2 – Coeficiente de Gini brasileiro
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
política educacional dos anos de 1990, voltada à educação intercultural e às estra-
1970
0,574
1980
0,590
1988
0,600
1989
0,630
1990
0,610
Fonte IBGE 2011
Dados de 2009 trazem um coeficiente de Gini de 0,518 (IBGE, 2010). Já o Paraná
possuia um Gini Estatal de 0,770 no ano de 2006. Assim, comparado a outros países, o Brasil está entre os dez países que mais acumulam renda, e na esfera estatal
o Paraná apresenta um coeficiente alto de concentração de renda.
Tabela 3 – Coeficiente de Gini paranaense
1985
0,749
1995
0,741
2006
0,770
Fonte: IBGE 2006
Ao descreverem os processos econômicos contemporâneos na América Latina,
Baer & Maloney (1997) abordam a origem da política neoliberal no final dos anos
de 1970, no Chile, ampliada pela classe dominante e seus representantes para
todo o continente latino americano ao longo das últimas quatro décadas, consistindo basicamente em uma primazia do setor privado no manejo de recursos
públicos. Sob a vigência desta política econômica, a despeito de seu discurso de
inclusão social e de reconhecimento da diversidade cultural (FAUSTINO, 2006),
para BAER & MALIONEY (1997, p. 49), a concentração de renda se mostra alta:
Esses padrões se intensificaram no primeiro centenário
após a independência na terceira década do século XIX. O
sistema de latifúndio expandiu-se às custas das comunidades
nativas, e assim os benefícios do boom nas exportações
de bens primários, na segunda metade do século, foram
em sua maioria concentrados em um pequeno número de
proprietários de latifúndios e investidores estrangeiros, nas
áreas de minas, utilidades públicas e agricultura.
Após a Constituição de 1988, seguindo as diretrizes internacionais que já apontavam para programas de transferência de renda como forma de combater a pobreza
e a vulnerabilidade de grupos e famílias de baixa renda, as políticas de proteção
social no Brasil, como apontam Vaintsman et al. (2009), iniciaram um processo que
culminaria na criação do PBF e em uma política de assistência social pautada em
direitos.
Conforme Silva (2007), a origem do Bolsa Família ocorreu antes de 2004, ano de
sua oficialização. No estudo desta política pode-se destacar, em 1991, o início dos
debates sobre as dificuldades das famílias que vivem em extrema pobreza para
manter as crianças nas escolas, buscando, por meio de uma política compensatória (remuneração direta), uma política estruturante (manutenção da escolaridade
infantil) diretamente ligada à educação. De acordo com SILVA (2007, p. 1.434),
As famílias extremamente pobres, com renda per capita
mensal de até R$ 60,00, independentemente de sua
composição, e as famílias consideradas pobres, com renda
per capita mensal de entre R$ 50,01 e R$ 120,00, desde que
possuam gestantes, ou nutrizes, ou crianças e adolescentes
entre zero a quinze anos. O primeiro grupo de famílias recebe
um benefício fixo no valor de R$ 50,00, podendo receber
mais R$15,00 por cada filho de até quinze anos de idade, até
três filhos, totalizando o benefício mensal em até R$95,00
por família. As famílias consideradas pobres recebem uma
transferência monetária variável de até R$ 45,00, sendo
R$15,00 mensais por cada filho de até quinze anos de idade.
Ressalta-se que o Bolsa Família vem ampliando seu público
alvo, incluindo o atendimento de famílias sem filhos, como o
caso dos quilombolas, famílias indígenas e moradores de rua.
(SILVA 2007, p.1434)
Campos (2003), ao destacar a origem do Programa, salienta que estava em estudo
desde 1987, na Universidade de Brasília, e em 1995, no mandato do então governador do Distrito Federal Cristovam Buarque (1995-1999), foram implementados
os programas Bolsa Escola e Poupança-Escola, sendo que este último se caracterizava da seguinte forma:
249
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Concomitantemente a este projeto, o município de Campinas - SP, em caráter experimental, implementou um programa de transferência de renda, inicialmente
com dois objetivos básicos. O primeiro deles visava ao combate direto à pobreza,
para assim reduzir o ciclo intergeracional; e o segundo consistia da condicionalidade de frequência à escola e a programas de saúde, acreditando-se que assim
haveria uma melhoria na qualidade de vida e na instrução dos futuros cidadãos.
A partir dos anos 2000 ampliaram-se os debates sobre a criação de programas de
proteção social, com aumento dos recursos investidos e introdução dos programas
de transferência de renda com condicionalidades do Governo Federal. Já nos primeiros anos do governo de Luiz Inacio Lula da Silva,
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Cada família cadastrada recebia um salário mínimo mensal;
em troca, deveria garantir a matrícula e a freqüência de seus
filhos entre 7 e 14 anos na escola. Ao final de cada ano, as
crianças aprovadas recebiam um salário mínimo, que era
depositado na Poupança Escola. Ao final da 4ª e da 8ª séries,
o aluno podia sacar parte dos recursos acumulados e, ao final
do ensino médio, o restante (CAMPOS, 2003 p.187).
A unificação dos programas federais de transferência de
renda no Bolsa Família (exceto o PETI neste momento) foi
um dos primeiros passos para a racionalização da gestão dos
programas contra a fome e a pobreza, o que viabilizaria sua
expansão nacional. Por sua vez, a formação do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em janeiro
de 2004, criou as condições organizacionais para a integração
ou articulação entre os diferentes programas assistenciais.
(VAINTSMAN et al., 2009, p.736).
Originando-se nestas iniciativas, a Lei 10.836, de 2004, instituiiu o PBF como uma
ação unificada de distribuição de renda. Sobre este assunto, Kerstnetzky (2009,
p.73) evidencia que o complemento de renda representado pelos benefícios é
essencial para o alívio das várias privações, das quais a mais crítica é a subnutrição infantil, sobretudo porque pode atingir as capacidades intelectuais da criança,
apresentando-se, ao longo do ciclo da vida, como baixo desempenho escolar e
baixa capacidade para o exercício de muitas outras potencialidades humanas.
Com uma maior cobertura e maiores investimentos, o programa Bolsa Família tornou-se o “carro chefe” da política de proteção social do Governo Lula, incluindo a
população mais pobre e vulnerável ao sistema de proteção e ao mercado de consumo popular e acirrando o debate público (principalmente pela imprensa e partidos
conservadores) sobre o caráter assistencialista e eleitoreiro dessa política; mas o
enfoque no combate à pobreza e inclusão dos mais pobres em uma política de proteção social, de certo modo, de acordo com Vaintsman et al. (2009), deixou em segundo plano as disputas ideológicas envolvendo “focalização versus universalismo”
dando espaço para a ampliação e sucesso do programa governamental. É necessário
acrescentar, de acordo com os pesquisadores, que a atuação de órgãos multilaterais,
principalmente a do Banco Mundial, teve influência tanto no financiamento como
na difusão de experiências em eventos internacionais sobre as políticas adotadas.
Sobre o impacto dessa nova política de assistência social, um de seus efeitos foi:
[...] o significado social, político e simbólico de inclusão de
um amplo segmento populacional a um sistema público
de assistência social por meio da criação de mecanismos
de provisão de benefícios e de serviços fora dos padrões
tradicionais do assistencialismo/clientelismo. Não se trata
apenas de acesso ao consumo via transferência de renda,
mas da criação de bases institucionais e organizacionais
para a incorporação dos segmentos sociais mais pobres e
vulneráveis a um sistema de proteção, em que benefício
assistencial não significa assistencialismo, mas direito. Ainda
que as relações particularistas permaneçam um fenômeno
longe de ter desaparecido da esfera pública, sobretudo
na área da assistência social, a construção do SUAS e a
institucionalização do Programa Bolsa Família como meio de
segurança de renda criaram um campo de ação universalista
para a área da proteção social (VAINTSMAN, 2009, p. 739).
Em relaçção ao acesso à escola, os estudos são quantitativos e poucas são as reflexões e discussões teóricas que contribuem para uma compreensão ampla do
assunto. Com relação às populações indígenas os estudos são ainda mais raros.
A revisão bibliográfica5 não identificou trabalhos sobre a temática do Programa
Bolsa Família entre indígenas no Estado do Paraná. Encontrou-se um estudo sobre
os Terena no Mato Grosso do Sul, de Fávaro et al. (2007), no qual os autores destacam o grande auxílio do Programa para os índios aldeados na TI de Buriti - MS,
principalmente no que tange à alimentação, fato muito similar e até certa medida
genérico em relação a populações não indígenas, mas não necessariamente idêntico. Diante da condicionalidade imposta, os autores destacam o impacto inicial na
educação em confluência com as tradições indígenas.
Em Mato Grosso do Sul, ainda, foram ressaltadas as
dificuldades de indígenas em cumprirem as condicionalidades
escolares, seja pelos problemas de chuvas que isolam as
escolas das áreas onde moram, seja pelos rituais de iniciação
das crianças na vida adulta [...]. Em entrevistas semiestruturadas com gestores, foram expressas dificuldades nas
questões referentes ao acompanhamento do cumprimento
das condicionalidades, como nos municípios de Mato Grosso
do Sul, com famílias que migram (nômades). Essa dificuldade
revela o problema da intensa mobilidade espacial das famílias
de baixa renda (BRASIL, 2008, p.192).
5
O levantamento foi realizado nos periódicos indexados à base de dados do Portal WebQualis,
disponível no endereço virtual <http://qualis.capes.gov.br/webqualis/consulta/periodicos>. Os dados
retornados foram organizados e sistematizados um banco de dados que compõe o atual acervo do LAEE.
251
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No Paraná, coforme a situação apresentada nesse texto, as populações indígenas
grandes distâncas percorridas pelas famílias em busca da matéria prima e, posteriormente na viagem aos municípios maiores, para sua comercialização acarretando longos períodos de ausência que levava a muitas faltas na escola. Não obstante,
a pesquisa evidenciou que, embora a situação permaneça – pois, como o artesanato é uma das principais fontes de renda das famílias e a matéria-prima (Bambusa
vulgaris) está cada vez mais difícil de ser encontrada no entorno, as famílas se
ausentam da TI em busca do produto – porém, a condicionalidade do Programa
tem proporcionado maior conscientização das mães e busca de novas estratégias
para conciliar o trabalho no artesanato e a permanência das crianças na escola
indígena. Outras questões que interferem na codicionalidade da permanência das
crianças na escola indígena são as saídas da família em busca de alguma atividade
remunerada nas cidades, os conflitos internos das facções, as expulsões, a falta de
terra para as roças familiares e de insumos (sementes, ferramentas) e insentivos
para que todos possam trabalhar na própria TI, a desestruturação familiar e o alcoolismo. Estes são alguns dos problemas identificados que podem interferir diretamente nas condicionalidades para participação das famílias indígenas na política
de transferência de renda proposta pelo Programa Bolsa Família no Paraná.
A situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar das populações indígenas contribui para que 86% das famílias indígenas inscritas no Cadastro Único
para programas sociais seja beneficiada com o Bolsa Família, segundo dados apresentados por Carvalho et al. (2008):
Introdução e Temas transversais
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vivenciam inúmeras dificuldades. Entre os Kaingang, um dos problemas são as
Cumpre destacar que o Cadastro Único de Programas Sociais
do Governo Federal se constitui em instrumento de coleta de
dados e informações com o objetivo de identificar as famílias
com renda mensal per capita de até meio salário mínimo. Nesse
sentido, a inserção de famílias na base nacional não significa,
necessariamente, sua inclusão no PBF, uma vez que o programa
beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal
per capita de R$ 60,01 a 120,00) e extrema pobreza (com renda
mensal per capita de até R$ 60,00).Em média, cerca de 86%
das famílias indígenas cadastradas recebem o benefício do PBF,
significando que um alto percentual atende aos critérios de
pobreza e extrema pobreza acima mencionados. O valor médio
do benefício pago a essas famílias é de cerca de R$ 87,42
(oitenta e sete reais e quarenta e dois centavos) mensais, valor
considerado alto se comparado à média nacional de R$ 75,38
(setenta e cinco reais e trinta e oito centavos) (CARVALHO et al.,
2008, p. 61, grifos nossos).
Apresentando dados de 2008, Carvalho et al. (2008, p. 62) apontam que o total
de famílias indígenas cadastradas no CadÚnico e no Bolsa Família no Brasil é de
62.178, as famílias que são efetivamente beneficiárias são em número de 53.513
e o valor em reais que é repassado a estas famílias é R$ 4.678.163,00. Sobre o
estado do Paraná os autores mostram que existiam, até aquele momento, 2.479
famílias indígenas cadastradas, das quais 1.875 eram beneficiárias do Programa,
sendo o valor em reais repassado de R$ 162.218,00.
O gráfico abaixo revela que, nas quatro TIs pesquisadas, a grande maioria dos beneficiários recebe o recurso regularmente. Isto pode estar relacionado ao fato de
o Programa garantir uma renda mínima e assim ter possibilitado uma nova organização das atividades de trabalho no artesanato. Na TI Ivaí identificou-se que mesmo antes do Bolsa Família existia uma organização de mães Kaingang do mesmo
grupo familiar em um sistema semelhante ao mutirão, para a produção do artesanato (FAUSTINO 2006), porém, atualmente, algumas mulheres têm se reunido
em grupos de quinze ou vinte, sendo que umas ficam responsáveis pela busca
da matéria-prima, outras pela confecção e outras pela venda do artesanato, o que
acarreta menos tempo de ausência à escola dos filhos, os quais as acompanham.
Se este sistema pode parecer muito simples para os não índios, é muito complexo
em um grupo de mulheres Kaingang do Ivaí e demandou muito emprenho pois
exige profundas mudanças na organização sociocultural nativa no que se refere à
forma de trabalho, divisão e apropriação de seus resultados.
Tem sido cumprida a condicionalidade de frequência escolar, uma vez que o registro da presença nas escolas é feito diariamente pelos professores e acompanhado
pela equipe pedagógica, pela direção escolar, pelos caciques das Tis, pelos técnicos da FUNAI, pelos Núcleos Regionais de Educação e Secretaria de Estado da
Educação.
253
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Fonte: Banco de dados sistematizado a partir dos dados coletados na pesquisa de campo (2011).
Como um dos objetivos, a pesquisa focalizou também a disseminação das políticas públicas no interior das TIs. Nas duas TIs Kaingang predominam o uso da língua kaingang e a organização sociocultural tradicional nativa (TOMMASINO, 1995;
FERNANDES, 2003; MOTA, 2009; FAUSTINO, 2006), ao nível de exclusão (MOTA et
al., 2003), e grande parte da população adulta tem baixo índice de escolaridade
(FAUSTINO, 2011), o que dificulta a compreensão e acesso a informações. Nesse
sentido, os técnicos da FUNAI e as direções das escolas têm feito um trabalho
junto às lideranças e famílias para melhor acesso das comunidades ao Programa
Bolsa Família.
A pesquisa evidenciou que 38 famílias Kaingang não souberam responder a origem de seu benefício. Para conseguirem a documentação e o cadastramento contaram com o apoio de assistentes sociais e para matricularem e manterem as crian-
ças na escola tiveram a ajuda de professores, da equipe pedagógica, da direção e
instituição contribui para a disseminação do Programa no interior da comunidade,
a providência de documentos e o encaminhamento de famílias a serem atendidas
pela assistência social.
Em relação ao número de dependentes, a pesquisa contou com os registros das
escolas e da unidade de saúde e de informações provenientes de famílias que
responderam ao questionário, chegando aos seguintes resultados:
Fonte: Banco de dados sistematizado a partir dos dados coletados na pesquisa de campo (2011).
Na análise sobre os produtos adquiridos com a renda do Programa Bolsa Família, destacamos que na cidade de Manoel Ribas - PR os comerciantes financiam o
deslocamento dos indígenas da aldeia para a cidade para realizar suas compras
nos mercados, o que acarreta certa dependência; porém, pela distância e dificuldades de acesso a outros centros urbanos, aos Kaingang não restam alternativas.
Observou-se, durante as pesquisas de campo, que o percurso (cerca de 10 km)
é realizado mais de 17 vezes ao longo do dia em períodos do recebimento do
Introdução e Temas transversais
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das lideranças. Na TI Faxinal, onde ainda existe o escritório da FUNAI, o trabalho da
benefício. Esse transporte é feito por caminhões de porte médio, modelo F-2000,
que transporta os indígenas na carroceria. Os caminhões saem dos mercados com
destino à aldeia, e lá chegando, o transporte é organizado por um indígena (contratado pelos comerciantes), que também tem a incumbência de traduzir as informações para os Kaingang sobre a organização para compra e entrega da mercadoria.
Ao chegar à cidade, muitos vão para estabelecimentos como farmácias e lojas de
confecções, mas a grande maioria adquire gêneros alimentícios nos mercados que
financiam o transporte.
Na TI Faxinal o transporte também é realizado por um caminhão, mas este é de
propriedade da comunidade, adquirido em um projeto realizado pelo LAEE/UEM,
com verbas do Programa Fome Zero em 2007, e faz o percurso cidade-aldeia no
máximo duas vezes ao dia.
Quanto ao uso do recurso do Bolsa Família, citamos o relato de um comerciante da
cidade de Manoel Ribas-PR:
[...] as compras aumentaram com o Bolsa Família, os Kaingang
compram comida: arroz, feijão, dorso (carcaça do frango).
Meu caminhão faz muitas viagens para a aldeia, em média
umas 12 a 17 viagens, dependendo do dia; a gente acaba
dando carona para muitos índios que vêm comprar. Não ligo
se eles vêm para comprar no meu ou em outro mercado. [...]
também compram chinelos. que atualmente é o calçado dos
índios. Agora no frio compram cobertor [...] parcelo na folha
de caderno um cobertor de 60,00 a 90,00 em até 6 vezes.
[...], Quando compram vem toda a família [...] antes do Bolsa
Família era só o dinheiro do aposentado, daí ficava difícil para
eles; mas agora tem os dois, o dinheiro dos aposentados, que
nunca deixam de ajudar a família, e dos que recebem Bolsa
Família.” (depoimento coletado com comerciante, dono de um
supermercado em Manoel Ribas. Março de 2011 – Diário de
Campo. Paulo Caldas Ribeiro Ramon, s/p.)
Os coeficientes e índices econômicos supracitados, como também o relato coletado em campo, confirmam que a situação econômica dos indígenas no Paraná é
de extrema pobreza. Por exemplo, na TI Ivaí, de uma população de 1.420 pessoas
apenas 2% têm renda fixa (salário de professores, de motoristas, de agentes de
saúde e aposentadorias (MOTA et al., 2003). A terra é pouco produtiva e as sementes nem sempre chegam no período certo para o plantio.
Com a redução dos territórios de manejo, houve mudanças nas tradições, no trabalho e na forma das moradias. Atualmente as casas indígenas são feitas de alvenaria, financiadas por programas governamentais. Devido à falta de madeiras
e sapé, raramente se vê uma casa tradicional nas Terras Indígenas no Paraná. Há
também uma proibição da FUNASA em relação às construções de madeira com o
argumento de que favorecem a maior proliferação de parasitos e doenças respiratórias. Além de a lenha ser escassa, nas casas de alvenaria não se pode mais fazer
o fogo no interior, e assim os Kaingang vão perdendo sua forma tradicional de
aquecimento e passam a necessitar de gás, agasalhos e cobertores.
Com a criação de animais domésticos (porcos, galinhas, cavalos) na Terra Indígena,
sem o manejo adequado, houve a proliferação de parasitoses, o que gerou a necessidade de usarem calçados e fármacos que nem sempre estão disponíveis nas
unidades de saúde (MOTA, et al, 2003)
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Figuras 1 a 4: Indígenas trabalhando no artesanato
Figura 5. Criança indígena que tem material escolar fazendo tarefa em
casa
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Figura 6. Chinelos adquiridos com o recurso do Bolsa Familia, deixados na
porta da escola indígena.
Pesquisas realizadas nas mesmas TIs em períodos anteriores (FAUSTINO, 2006)
revelaram que um dos maiores problemas da ausência de crianças à escola ocorria
em períodos de inverno rigoroso, devido à falta de roupas de frio e, principalmente, à falta de calçados. Os trajetos apresentam buracos que em períodos de chuva
dificultam a chegada das crianças à escola. Os pais cujos filhos andavam descalços declararam sentir vergonha diante das professoras não índias, de médicos,
dentistas, enfermeiros e outros profissionais que trabalham nas TIs, bem como de
autoridades como prefeito e vereadores, pois sempre eram orientados sobre a necessidade de as crianças andarem calçadas para evitar parasitos e acidentes com
resíduos depositados nos trajetos. Assim justificavam que não mandavam os filhos
para a escola para não expô-los à vergonha diante dos não índios, que andam com
É importante ressaltar que durante muito tempo os Kaingang e Guarani resistiram à oferta de educação escolar, porém, ao perderem grande parte das formas
tradicionais de vida - como caça, pesca, coleta, rituais etc. - aceitaram e passaram
a reivindicá-la, e esta hoje se transformou em uma necessidade tanto para acessarem os conhecimentos técnicos de que necessitam e alimentação para as criança
como para buscarem novas alternativas de vida.
Os dados coletados nas escolas e unidades de saúde ajudaram a elaborar um quadro da situação da frequência escolar nas escolas das TIs Faxinal e Pinhalzinho.
Com os dados possíveis de inferir, encontramos no Pinhalzinho (tabela 6), nas
séries iniciais do Ensino Fundamental, uma situação de 16 alunos matriculados
em 1989, enquanto a população totalizava 80 pessoas. Os dados de matrícula
seguem em declínio, com evidência acentuada em 2005, quando havia apenas
oito crianças matriculadas na escola da comunidade; mas um novo crescimento
do número de matriculados vem se mostrando a partir de 2007. Grande parte dos
acontecimentos que levaram à diminuição do número de escolares na década de
1990 deveu-se tanto à transferência para as escolas da cidade (utilizando o mesmo transporte destinado aos jovens do Ensino Médio), pelo descrédito na qualidade da escola indígena, quanto a mudanças das famílias para outras TIs motivadas
por conflitos políticos internos.
Tabela 4 - Número de alunos matriculados e população na TI Pinhalzinho
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roupas e calçados.
Ano
Número de alunos matriculados
População
1988
Dados não disponíveis
Dados não disponíveis
80
1989
16
1998
11
88
2000
15
Dados não disponíveis
2001
13
Dados não disponíveis
2002
12
Dados não disponíveis
2003
12
Dados não disponíveis
2004
10
Dados não disponíveis
2005
8
Dados não disponíveis
2006
9
Dados não disponíveis
2007
12
Dados não disponíveis
2008
17
Dados não disponíveis
2010
Dados não disponíveis
155
2011
Dados não disponíveis
154
2012
Dados não disponíveis
154
Fonte: Dados coletados na Escola da TI Secretaria Municipal de Manoel Ribas PR e dados da Funasa (2010) e ISA (2008).
Na tabela com os dados coletados na TI Faxinal (tabela 7), em que a administração
da FUNAI era feita por técnicos comprometidos com a melhoria das condições
de vida da comunidade indígena, principalmente pelo senhor Dário Moura e a
senhora Tereza Schactae (por iniciativa pessoal instituíram a Pastoral da Criança,
horta comunitária, sopão, etc., para ajudar na nutrição infantil), mas também pelo
cacique, que permaneceu por quinze anos no poder, acompanhando as famílias e
orientando para que mandassem seus filhos para a escola, foi registrado o crescimento contínuo de matrículas nos anos de 2000, e essa relação está também para
o crescimento da população.
É importante ressaltar que, apesar de atualmente o acesso à educação escolar ser
uma realidade nas TIs, devido às políticas públicas de inclusão social (FAUSTINO,
2006), a escola ainda não atinge a todos, assim como os resultados obtidos por
meio da educação (FAUSTINO, 2011) por si sós não garantirão sucesso no acesso a
bens e serviços e na revitalização dos modos de vida tradicionais. Neste contexto,
a renda mínima alcançada com o PBF mostrou-se de suma relevância para a melhoria das condições de vida dos indígenas no Paraná.
Tabela 5 - Número de alunos matriculados e população na TI Faxinal
Ano
Número de alunos matriculados
População
2002
64
Dados não coletados.
2005
106
442
2008
190
511
2010
214
576
2011
213
576
Fonte: Dados coletados na Secretaria Municipal de Manoel Ribas-PR e dados da Funasa (2010).
259
CONCLUSÃO
Procurou-se neste trabalho evidenciar que, em períodos anteriores à expropriação
das TIs, os Kaingang e Guarani, assim como as demais etnias existentes no Brasil,
tinham nas suas organizações socioculturais a garantia da sobrevivência com abundância de alimentos e saúde, sem dependência. Tais organizações se alteraram drasticamente com a colonização exploratória e a venda de suas terras, pela destruição
do meio ambiente, poluição dos rios e do solo e redução dos territórios tradicionais,
passando os indígenas a viver, em grande parte, na dependência do Poder Público.
As atuais políticas públicas, como o PBF, embora não os tenham tirado da dependência, têm possibilitado o acesso aos gêneros de primeiras necessidades, como
alimentos, e uma maior permanência e aprendizagem das crianças na escola, pois
77,27% delas, como se evidenciou na TI Faxinal, e 63,89, como se observou na
TI Ivaí, cumprem a condicionalidade da frequência escolar e por isso continuam a
receber o benefício. Esses dados demonstram diminuição da ausência escolar de
crianças que acompanhavam os pais na coleta de matérias-primas, na confecção e
venda de artesanato por longos períodos no ano.
Esta política federal, associada a outras iniciativas estaduais e municipais - como
a merenda escolar, a casa da família indígena, o leite das crianças, o material escolar, a formação de professores indígenas em magistério específico, a reforma e
ampliação das escolas, a elaboração de materiais didáticos diferenciados e outras
O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA E O ACESSO À
EDUCAÇÃO ESCOLAR
EM COMUNIDADES
INDÍGENAS KAINGANG
E GUARANI NO
PARANÁ
-, embora lentamente, tem proporcionado a estas populações um melhor acesso a
Pôde-se também evidenciar algumas relações contidas no próprio interesse do
comércio das cidades do entorno em valorizar mais a presença indígena na cidade, uma vez que esta representa incremento nas vendas. Em pesquisas anteriores (FAUSTINO, 2006) ficou demonstrado que os indígenas perambulavam pelas
cidades vendendo ou trocando seu artesanato por alimentos, com pouquíssimas
possibilidades de adquirir roupas e calçados, tendo os grupos de viver de doações e auxílios particulares raros devido o baixo IDH dos municípios do entorno.
O acesso a alimentos de qualidade, em quantidades suficientes e adequadas à
cultura alimentar, ainda é um obstáculo a ser ultrapassado por essa população.
É importante lembrar que o significado da produção de alimentos na cultura dos
Terena, conforme demonstra o estudo apresentado, vai além da manutenção do
corpo e faz parte do modo de ser Terena (FÁVARO et al. 2003). Nesse sentido, a
garantia da terra, tantas vezes reivindicada pelas lideranças, bem como ações de
inclusão e a participação comunitária, devem ser priorizadas a fim de que possam
promover a segurança alimentar e nutricional com maior autonomia aos grupos
étnicos.
Consideramos serem necessários estudos das questões sócio-históricas, econômicas, linguísticas e culturais de cada grupo indígena para que possamos ter uma
melhor compreensão sobre o papel da escola e o pleno acesso a ela para as comunidades em um momento em que não podem mais praticar, na totalidade, suas
formas de vida tradicionais.
Em relação aos Kaingang e Guarani no Paraná, destacamos a importância de as
pesquisas levarem em consideração o papel das lideranças e das instituições so-
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
bens e serviços como educação e saúde.
ciais que com elas interagem, como a Funai, a Funasa, as prefeituras municipais, as
Secretarias de Estado, a SEED - que é encarregada da gestão da educação escolar
nas TIs - e as universidades, quando atuam na captação de recursos para pesquisa
e/ou intervenções sociais, pois ações coordenadas resultam em conquistas mais
duradouras para as comunidades.
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261
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263
O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA E O ACESSO À
EDUCAÇÃO ESCOLAR
EM COMUNIDADES
INDÍGENAS KAINGANG
E GUARANI NO
PARANÁ
Lana Claudia Macedo da Silva1/universidade Estadual do Pará (uEPA)
Introdução e temas transversaIs
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
MULHER E TRABALHO NO PROGRAMA BOLSA
Família
1
AGRADEço A LEITuRA ATENTA Do PRoF. João LuIz DA SILvA LoPES. SuAS oBSERvAçÕES CuIDADoSAS
CoNTRIBuÍRAM PARA o REFINAMENTo Do MATERIAL oRA APRESENTADo.
INTRODUÇÃO E MÉTODO
O texto propõe examinar o efeito do maior programa de transferência de renda
do mundo, o Programa Bolsa Família (PBF), relacionado às categorias trabalho e
família. O PBF integra o núcleo de estratégia do governo federal no enfrentamento
à pobreza, por meio da transferência de renda aos grupos mais pobres da população. Nesse sentido, é interesse deste estudo analisar a quantidade e qualidade do
acesso ao mercado de trabalho entre as mulheres beneficiárias em comparação às
não beneficiárias do Programa.
Embora o PBF não seja direcionado para a integração das mulheres ao mercado de
trabalho, essa análise é possível na medida em que, suas ações têm a mulher como
principal beneficiária.
O estudo compara essas categorias analíticas em uma das capitais daquela que é
a maior região brasileira em termos territoriais e, ao mesmo tempo, a mais escassa
quanto aos índices populacionais. Em uma relação inversa a extensão territorial, o
último Censo Demográfico (2010) aponta a região Norte como a segunda menos
povoada (15.864.454), à frente apenas da Região Centro-oeste (14.058.094).
A Região Norte apresenta o segundo pior percentual no Índice de Desenvolvimento Humano (0,75), do país. A despeito disso, é a que recebe o segundo maior
(19,41%) investimento do governo federal no que diz respeito aos programas de
transferência de renda social, mormente, o PBF, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (2006). A Região ainda apresenta poucos estudos
sobre os impactos dos programas sociais de combate à pobreza.
A Amazônia, tão alardeada nas campanhas ambientalistas, representa um modo de
vida peculiar, por permitir a aproximação entre natureza e cultura. Essa visão romântica é alvo de inúmeras controvérsias entre governo, instituições públicas e privadas,
pesquisadores e população local. A visão idílica da região se espraia para a metrópole de Belém, considerada “portão de entrada da Amazônia”, lugar onde “começa
a Amazônia”, portanto, a “capital da Amazônia”. Mais do que slogans aproximando
a cidade ao espaço natural com claros propósitos turísticos (COSTA, 2006), essas
denominações expressam o imaginário social que acompanha a região e seus habitantes, trazida pelos primeiros viajantes a aportarem na Amazônia no século XVI. O
processo de urbanização de Belém, entre os séculos XVII e XIX, sugere uma cidade
“de costas” para aquela que seria sua maior riqueza natural, a fauna e flora.
A pesquisa possui caráter quantitativo e qualitativo. O aspecto quantitativo do
estudo está presente na leitura dos dados mensuráveis elaborados em formato de
tabelas e gráficos. Esse formato permitiu maior visualização dos dados coletados
em campo.
O caráter qualitativo da pesquisa está presente em todas as fases da pesquisa,
desde a elaboração, passando pela execução e análise do material. Adotou-se a
concepção de pesquisa qualitativa trabalhada por Chizzotti:
265
MULHER E
TRABALHO NO
PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
Nas ciências sociais a abordagem qualitativa de pesquisa possui espaço privilegiado
por acreditar que essa leitura converge para a expressão dos sujeitos socialmente
construídos, por meio da interpretação dos fenômenos segundo seu contexto e, da
compreensão das falas e simbologias, nem sempre explícitas em um primeiro olhar.
Quanto às técnicas de coleta de dados adotadas trabalhou-se o questionário semi-estruturado, a observação, o diário de campo e a entrevista semi-estruturada. O
questionário contemplou questões pré-elaboradas versando sobre diferentes aspectos da vida familiar e trabalhistas dessas mulheres: identificação, informações
gerais sobre os filhos, cuidados com as crianças, distribuição das tarefas domésticas, despesas domésticas, benefício social e situação de trabalho da depoente.
Antes da aplicação dos questionários realizou-se o pré-teste visando verificar a
pertinência do questionário elaborado para a coleta, assim como, sua adequação
aos objetivos da pesquisa e quanto à objetividade das perguntas e dos procedimentos previstos. Esse primeiro teste foi realizado com dez questionários. Somente após a verificação e adequação do instrumento às necessidades do campo
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
“A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há
uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma
interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo
indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do
sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados
isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeitoobservador é parte integrante do processo de conhecimento
e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado.
O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de
significados e relações que sujeitos concretos criam em suas
ações”. (CHIZZOTTI, 2003, p. 79).
procedeu-se a aplicação dos 40 questionários restantes.
A entrevista semi-estruturada com a amostra de 10 mulheres provedoras do domicílio, representado 20% das mulheres pesquisadas. Utilizou-se roteiro previamente estabelecido permitindo o diálogo em outras direções conforme a interação pesquisador e interlocutor. As mulheres foram entrevistadas separadamente,
segundo os locais e horários de sua conveniência. O roteiro constou de perguntas
abertas discorrendo sobre as seguintes categorias: trabalho, filhos, educação, atividade doméstica, família e políticas públicas. Acrescenta-se, porém, que a finalidade do roteiro não é estabelecer limites à entrevista, ao contrário, as perguntas
possuíam caráter aberto permitindo a inclusão de questionamentos outros que
porventura não constassem no roteiro, obedecendo ao próprio fluxo da conversa.
Assim, a entrevistada foi conduzida a falar sobre determinados assuntos pertinentes ao trabalho por meio de perguntas estabelecidas no roteiro.
MULHER NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
Diversos países da América Latina a partir dos anos 90 passam a receber políticas
de combate à pobreza. São programas direcionados aos segmentos pobres da po-
pulação e tem seu benefício condicionado às exigências que devem ser cumpridas
pelo indivíduo e pela família beneficiada. As condicionalidades dizem respeito às
áreas da educação e saúde. No campo da educação, as famílias têm a obrigação
de manter crianças e adolescentes na escola de 06 a 15 anos com freqüência de
no mínimo 85% das aulas por mês. Na área da saúde, as crianças menores de 7
anos que recebe o beneficio assume o compromisso de acompanhar o cartão de
vacinação, além do crescimento e desenvolvimento. As mulheres na faixa de 14 a
44 anos também devem fazer o acompanhamento e, se gestantes ou nutrizes (lactantes), devem realizar o pré-natal e o acompanhamento da sua saúde e do bebê.
O principal objetivo do PBF é a superação da pobreza no seu grau mais extremo,
tendo como eixos principais:
Diminuição imediata da pobreza, por meio da transferência
direta de renda às famílias;
Reforço do direito de acesso das famílias aos serviços básicos
nas áreas de saúde, educação e assistência social, por meio
das condicionalidades, o que contribui para as famílias
romperem o ciclo da pobreza entre gerações;
Integração com outras ações e programas dos governos, nas
suas três esferas, e da sociedade para apoiar as famílias a
superarem a situação de vulnerabilidade e pobreza”. (MDS,
2009, p. 04).
Abramo (2005) considera que o questionamento acerca da abordagem da questão de gênero nas Políticas Públicas brasileira é necessário por dois motivos: em
primeiro lugar, pelo fato das desigualdades e a discriminação de gênero serem
problemas que dizem respeito á maioria da população brasileira, pois neste caso
não estamos falando de grupos específicos da população, ou de minorias, mas,
sim da ampla maioria da sociedade brasileira, visto que, a população brasileira é
constituída em mais da metade por mulheres. O segundo motivo está relacionado
ao fato de que todos os indicadores sociais (educação, emprego trabalho, moradia
dentre outros) mostram existir uma ampla desvantagem das mulheres em relação
aos homens, especialmente quando se analisa a inserção da mulher no mercado de trabalho (SANCHES, 2009; OIT, 2007, 2010; GOLDENBERG, 2000; BORGES,
2007; BRUSCHINI, 1998, UNIFEM, 2004).
Acrescento a esses dois aspectos um terceiro: embora o PBF não seja um programa
direcionado às mulheres, ele acaba por assumir esse papel. Segundo Lima e Silva
(2010) no ano de 2009, a quase totalidade das famílias atendidas (92,0%) dos
responsáveis legais pelo programa eram mulheres, portanto, não se pode analisar
o programa sem perceber a peculiaridade de gênero e a importância que a mulher
assume na família. A opção por priorizar as mulheres como beneficiarias do PBF
encontra respaldo em estudos que afirmam que elas tendem a investir o beneficio na família e nos filhos, enquanto os homens tendem a destinar parte desses
recursos para si próprios (FIALHO, 2007; MARIANO & CARLOTO, 2009, 2011). Tais
análises reafirmam a maternidade como sendo um dos pilares da identidade feminina, enaltecendo a capacidade de “altruísmo” das mães. Impressiona o fato dessa
relação entre essa visão maternal e as políticas públicas de combate à pobreza
267
MULHER E
TRABALHO NO
PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
terem gerado pouco debate em âmbito acadêmico, visto que, as mulheres cada
Não é novidade afirmar que mesmo diante da nova conjuntura no mundo do trabalho, as mulheres continuam ganhando menos que os homens, e, por sua vez, as
mulheres negras recebem menos que as pardas e estas menos que as brancas, revelando a interseccionalidade entre as categorias gênero, raça e classe. O relatório
Igualdade no trabalho: enfrentando os Desafios lançado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2007) apresenta os principais aspectos da discriminação
no mercado de trabalho em contexto brasileiro nos últimos dez anos e pondera:
“Neste cenário de mudanças, talvez as de maior significado
para o futuro sejam a presença definitiva e crescente das
mulheres em busca de oportunidades profissionais e a
intensificação da discussão sobre a desigualdade racial
no país, que se instala na agenda pública, trazendo à tona
dados irrefutáveis sobre a discriminação da população negra
no trabalho, sofrida com dupla intensidade pelas mulheres
negras”. (OIT, 2007, p. 01).
Ainda segundo a OIT (2007) desde 1995, ocorre o aumento da ocupação feminina
em 2,1% ao ano em comparação à masculina. Contudo, o aparente progresso oculta uma situação de discriminação, pois as mulheres permanecem voltadas para
as atividades consideradas de âmbito feminino, tais como, os serviços sociais e o
trabalho doméstico.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
vez mais estão sendo orientadas para o mercado de trabalho.
“O Rio e a Barca: onde tudo começou...
Esse rio é minha rua
Minha e tua, mururé
Piso no peito da lua
Deito no chão da maré”
(Música: Esse rio é minha rua.
Letra: Paulo André Barata e Ruy Barata)
Para além da musicalidade paraense que canta e encanta os nascidos na terra, os
versos acima traduzem a geografia local. A simbiose entre o rio e a rua expressa
o cotidiano de uma comunidade que tem o rio como local de trabalho e sociabilidade. A vivência com as águas está presente desde os primeiros passos, onde
aprendem a nadar, a pescar, a navegar e, principalmente relacionar-se com o meio
circundante.
Assim é o lócus deste estudo, a Vila da Barca, uma das maiores áreas palafíticas
da Região Metropolitana de Belém, as proximidades do centro da cidade. Trata-se
de um bairro periférico, localizado em uma área nobre, com uma área territorial de
2.317 km², segundo dados da prefeitura (PMB, 2003).
Não há consenso quanto ao período de nascimento da Vila. Furtado e Santana
(1974) fazem referência a década de 40, versão contestada por outros estudiosos.
Vilar (2008), Farias Junior (2006) e Santos et al (2010) apontam a década de 1940
como marco no processo de ocupação da Vila da Barca. Diogo (2010) sugere os
anos de 1920, a partir de depoimentos de antigos moradores da localidade, bem
como, de extensa pesquisa bibliográfica baseada em jornais locais, romances e
artigos científicos.
Controvérsias a parte, todos parecem concordar com a origem do nome Vila da
Barca”, conforme reportagem extraída do jornal “O Estado do Pará”:
“Ninguém, poderia nascer com um destino tão bom e
tão humano, como aquela Barca enorme guardando o
característico das Caravelas históricas, construídas no Pará,
com madeiras paraenses e pelos operários. Aquela coisa
nascia com alma, trazia como as criaturas o seu destino e teria
de cumpri-lo, com a mesma paciência dos predestinados, o
mesmo ar inexorável. Chegou ir a Portugal. Levava em seu
bojo rapazes engajados para essa acidentada viagem. Mas,
seria, o seu destino. Em qualquer parte onde ficasse tinha
de ser cumprida a sua sorte. Seria uma Vila, com homens
pobres trabalhando, com mulheres e filhos. A baia a engoliu,
a lama da beirada a chupou. O rio compreendia o porque
daquela volta: a barca seria a companheira das marés das
águas subindo, macias e lânguidas, como se fosse uma
amante enchendo-a de carícias. E talvez contassem histórias.
A barca deveria ter muitas histórias para contar. Jogada na
beirada além do curro Velho, ficou esperando pelo seu futuro”
(PEREIRA, 7/10/1941).
Pesquisadores, habitantes locais e romancistas acreditam estar relacionada a uma
embarcação de origem portuguesa, apreendida pela Capitania dos Portos e que
teria naufragado ou encalhado na área, servindo como moradia a sua tripulação.
Embora tal embarcação nunca tenha sido encontrada, a história parece ter sido
contada e recontada de geração em geração entre seus habitantes, como se contam as narrativas mitológicas da Amazônia.
Também é ponto facultativo entre estudiosos e poetas a formação humilde da vila.
Trecho da reportagem “Os recantos que Belém não conta a ninguém”, descreve
essa gente:
“Outros foram chegando. Aquela gente expulsa da
Penitenciária, vinda de outros logares. E, essa gente, uns
restos de flagelados, pacientes, cosidos nos sofrimentos
mais amplos das torturas incríveis, ficaram pensando.
Nessa Vila da Barca as mulheres perderam o seu verdadeiro
sentido do “porque vieram ao mundo”. Não é o trabalho
que lhes tirou esse sentido. É a luta pela vida. É o modo e as
conseqüências desses trabalhos. Vivem no trabalho desde os
seis anos. São as ‘socorros’ das fábricas de tecidos, meninas
que “servem” os as operários maduros e limpam alguma
coisa ou as ‘escolhedeiras’ das Uzinas de beneficiamento.
269
MULHER E
TRABALHO NO
PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
Um documentário produzido no ano de 1964 também trata a respeito dos primeiros moradores da Vila:
“A maior parte dos habitantes da Vila da Barca vive do
trabalho nas feiras que abastecem diariamente os bairros
pobres de Belém. Os produtos vendidos nas feiras,
principalmente frutas nativas, são adquiridos nos barcos
que vem do interior. Comprando em pequenas quantidades,
individualmente e sem depósitos, além de pagarem preços
já elevados, os feirantes conseguem somente uma pequena
margem de lucro”. (VILA DA BARCA, 1964, s/p)
Trata-se, portanto de “intermediários” responsáveis por adquirir os produtos com
os “atravessadores”, estes sim, fazem o transporte de gêneros alimentícios do interior para abastecer a cidade. Revelando o contínuo campo-cidade e a relação
de dependência desta aos produtos vindos da região insular. A proximidade da
Vila à maior feira aberta da América Latina, o mercado do Ver-o-peso, constitui um
aspecto facilitador dessa relação.
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
São levadas desde criancinhas pelos pais e vão aos poucos
entrando na existência. Desde criancinhas conhecem todas
as amarguras, não chegam a pensar na vida. E, talvez, não
saibamos descobrir a alma dessa gente, o custo da falta desse
conhecimento. Perguntando, responderão prontamente –
Praque? A vida do subúrbio está cheia de ‘Praquês’. Os pais?
Onde encontrá-los? Na fábrica de tecidos, nas Usinas de
beneficiamento, nos curtumes? Não sabem”. (PEREIRA, 1941,
p.01)
Quanto ao aspecto populacional da Vila, Furtado e Santana (1974) chamam a atenção para a renda dos moradores, que oscilava na faixa de um salário mínimo e,
as atividades encontradas: ajudante de pedreiro, lavadeira, vendedor ambulante,
jornaleiro, peixeiro, balconista de mercearia, empregada doméstica, servente de
obras, carregador e outras relacionadas à construção civil.
Mais de trinta anos se passaram após os primeiros escritos acadêmicos sobre a
Vila e seus habitantes sem que nenhum estudo fosse produzido. É, na primeira
década do século XXI que a Vila da Barca volta a despertar o interesse acadêmico,
talvez motivado pelos programas sociais que ali se instalaram nos últimos anos,
como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Em 2003, a Vila da Barca possuía mais de 4 mil pessoas residindo em sua maioria
em área de estivas2. O levantamento sócio econômico realizado pela PMB, por
meio da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), no período de julho a agosto
de 2003, verificou que a maioria da população que aí reside possui baixo poder
aquisitivo em decorrência de uma série de fatores como: a baixa escolaridade e,
2
Denominação utilizada para caracterizar as principais vias de circulação dos moradores das
áreas de baixadas, onde o acesso é efetivado por meio de pontes (estivas) construídas em madeira sobre as
áreas alagadas.
por conseguinte, a precariedade no acesso ao mercado de trabalho formal. A principal fonte de renda dos moradores da área está quase que em sua maioria vinculada ao setor informal de trabalho. Grande parte dos moradores está desempregada; outros vivem de trabalhos esporádicos, o que intensifica a vulnerabilidade da
maioria das famílias.
Segundo Silva, M. (2006), o número de trabalhadores com carteira assinada é
insignificante; são poucos os aposentados e pensionistas. A principal atividade
econômica na comunidade é o comércio, sendo comum a venda de ovos, peixes
e enlatados e gêneros alimentícios da região como o açaí, o tacacá, a farinha de
mandioca, as frutas regionais (cupuaçu, bacuri, taperebá, murici, etc...). A mão-de-obra autônoma é constituída por carpinteiros, pedreiros, encanadores, empregadas domésticas e uma ínfima quantidade de pescadores que ainda sobrevivem do
rio. Segundo Branco:
“Desde o início de sua ocupação, o espaço da Vila da
Barca esteve associado ao estigma de pobreza, violência,
prostituição etc. Sendo que residentes de fora desta área
sempre tiveram uma visão equivocada desta realidade. A
violência urbana, na área, é igual ou inferior aos demais
bairros de Belém, apesar do estereótipo pejorativo, construído
ao longo dos anos acerca deste lugar. Os moradores da área
são penalizados por esta situação e acabam sofrendo diversas
discriminações”. (BRANCO, 2009, p. 104).
Como dito antes, a Vila da Barca faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) implementado pelo governo federal. O projeto foi pensado para 736
famílias, embora na Vila da Barca existam 4.000 famílias. Até o ano de 2004 foram
remanejadas 136 famílias. Há um decreto federal que obriga a entrega dos apartamentos pela prefeitura de Belém até 2012. Representantes da Associação dos
Moradores da Vila da Barda falam a respeito do “choque social”, pois os moradores
nas palafitas não pagavam luz, água, IPTU, DARF, PARF, além dos reparos, lajotas e
outros consertos e coleta de lixo que era inexistente nas palafitas.
Localmente os moradores diferenciam à área de palafitas chamando de “Vila Velha”
e a área onde estão construídos os apartamentos chamando de “Vila Nova”. Em visitas à área podem-se perceber muitos contrastes entre a propaganda de governo e
a realidade enfrentada pelos moradores da área. Contudo, recomendam-se pesquisas sobre o assunto que visualizem as mudanças sócio-ambientais ocorridas após
o PAC, como essa ação está modificando o contexto e a vida dos moradores da Vila.
PERFIL DAS MULHERES PESQUISADAS
A faixa etária das mulheres pesquisadas compreende desde os 24 até os 86 anos,
revelando a diversidade geracional. Esse aspecto apresenta-se como positivo, pois
favorece diferentes gerações falando sobre o tema em questão. Contudo, percebe-se que entre as mulheres que recebem o benefício o maior percentual está na
faixa etária de 25 a 35 anos (10), enquanto que entre as que não recebem o be-
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nefício há uma predominância na faixa de 35 a 44 anos (9). Esse fato pode ser
direcionado às famílias, em situação de pobreza extrema, com crianças e adolescentes em idade escolar.
Quanto à escolaridade das mulheres pesquisadas na Vila da Barca, nota-se a prevalência das mulheres com ensino fundamental incompleto tanto entre as beneficiárias quanto entre as que não recebem o benefício do PBF, 17 e 10 respectivamente. Em seguida, entre as mulheres que completaram o ensino médio o número
se equivale entre as que recebem o PBF e as que não recebem (7). O fundamental
completo foi informado por duas (2) mulheres entre as beneficiárias e mesmo número entre as não beneficiárias. Entre as que não completaram o ensino médio
uma (1) recebe o PBF e duas (2) não são beneficiárias. Uma das mulheres que
recebe o PBF declarou nunca ter estudado, no outro extremo do quadro, uma das
mulheres beneficiárias possui o ensino superior incompleto.
O dado referente a baixa escolaridade das moradoras da Vila da Barca é recorrente em outros estudos sobre a localidade. Farias Júnior (2006) em dissertação de
mestrado apresentada à Universidade Federal do Pará buscou compreender “O
fracasso escolar e a realidade educacional da Vila da Barca” provenientes do processo de exclusão social em que seus moradores se encontram. O autor, morador
das palafitas e, portanto, legítimo representante da Vila considera que:
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
justificado dada a idade reprodutiva das mulheres pesquisadas, visto que, o BF é
“Analfabetismo, não acesso à escola, reprovação, repetência,
defasagem nos estudos e evasão, ainda que permaneçam
vigorantes nesta localidade, já enfrentam uma certa
resistência por parte daqueles que pareciam “predestinados”
ao insucesso escolar. Já começam a perceber que, embora as
condições para se estudar permaneçam difíceis, eles podem
mudar o rumo do que parecia “predestinado” e da própria
história que vivenciam”. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 212-3).
Outros estudos apontam que 80% dos responsáveis legais pelo PBF não possuem
ensino fundamental completo, sendo que as regiões Sul e Sudeste possuem o
menor número de analfabetos, enquanto as regiões Norte e Nordeste apresentam
os piores índices de escolarização (CONSTANZI & FAGUNDES, 2010).
Neste estudo, o percentual de mulheres beneficiárias pelo programa que não concluíram o ensino fundamental é bastante significativo ao representar mais da metade das mulheres pesquisadas nessa situação. Uma visão geral do quadro sugere
que as mulheres que recebem o benefício são aquelas que tiveram menos acesso
e oportunidades de estudo, pois quase dois terços dessas mulheres (71,4%) possuem no máximo o ensino fundamental.
No que concerne a naturalidade, a maioria das mulheres são oriundas da capital
paraense, tanto entre as que recebem o beneficio (18) quanto entre as que não
recebem (14). Em seguida, aparecem as provenientes do interior do Estado do
Pará, oito (8) entre as beneficiárias e cinco (5) entre as que não beneficiárias. E, por
fim, as que migraram de outros Estados como o Amazonas e outras regiões como o
Nordeste (Ceará, Recife e Maranhão), duas (2) entre as que recebem PBF e três (3)
entre as que não recebem. Em outras palavras, 92,9% das mulheres beneficiárias
são provenientes do Estado do Pará, enquanto que entre as que não recebem o
beneficio esse percentual é de 86,3%.
A raça/etnia foi outro elemento presente nos questionários. Optou-se pela auto-classificação e as respostas foram: predominantemente a raça/etnia parda, com
vinte e três (23) entre as beneficiárias e dezenove (19) entre as não beneficiárias,
em seguida vem a branca: três (3) entre as beneficiárias e uma (1) entre as que não
recebem o benefício. Entre as que responderam negra duas (2) estão as beneficiárias do PBF e, igualmente, duas (2) entre as não beneficiárias. Destaque-se que, a
categoria “parda” apresenta outras subcategorias, como por exemplo, a morena, a
morena clara e a cor de jambo.
No que tange a interseccionalidade entre as categorias gênero, classe e raça, nota-se a predominância da cor “parda” no município em estudo. A miscigenação do
povo brasileiro constitui um processo de “embranquecimento” da nação visando
o gradativo desaparecimento do negro. Nesse sentido, Belém reproduz o cenário
de desigualdade encontrado a nível nacional.
Em relação à situação conjugal atual das entrevistadas, obtiveram-se os seguintes
resultados: treze (13) mulheres declararam viver em união estável entre as beneficiárias, enquanto que oito (8) encontram-se em mesma situação conjugal entre
as não beneficiárias. O número de solteiras entre as não beneficiárias equivale ao
número das que vivem em união estável (8), entre o grupo das beneficiárias as
solteiras também representam esse número. As viúvas perfazem quatro (4) entre
as beneficiárias e as não beneficiárias. E, por fim, as casadas estão em menor grupo
entre as beneficiárias (3) e, também, entre as não beneficiárias (1).
Entre as beneficiárias doze (12) se declararam solteiras ou viúvas, portanto, não
contam com a presença masculina, enquanto que entre as não beneficiárias esse
percentual se eleva para dezesseis (16). Nas ciências sociais esse modelo de família é denominado de “família chefiada por mulher” e apresenta um quadro de
complexidade e ambigüidade.
Outro elemento considerado revelador do modo de vida dessas mulheres diz respeito aos filhos. Os dados mostram que doze (12) mulheres tem entre 2 a 3 filhos
entre as que recebem o PBF, e entre as que não recebem, esse número sofre um
acréscimo alcançando quatorze (14) mulheres. Entre as beneficiárias o número de
mulheres que tem acima de 4 filhos chega a treze (13), no grupo das não beneficiárias esse dado está bem abaixo com quatro (4) mulheres. E, entre as mulheres
que possuem somente um filho, entre as beneficiárias representa apenas uma (1)
mulher e as não beneficiárias somam duas (2) mulheres. A média de filhos por
mulher está em 3,1 filho para cada mulher pesquisada na Vila da Barca.
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E A PARTICIPAÇÃO DAS
MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO
Como dito no início do texto, a categoria trabalho servirá de embasamento para
analisar a inserção e participação das mulheres beneficiárias, ou não, do Programa
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PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
Bolsa Família no mercado de trabalho. Entre as mulheres pesquisadas, dezesseis
neficiárias esse percentual sofre ligeira queda perfazendo quatorze (14) mulheres.
Por outro lado, doze (12) mulheres beneficiárias não trabalham, enquanto que no
grupo das não beneficiárias esse número cai para oito (8). Em termos comparativos, o dado mostra que na Vila da Barca, embora o maior número de mulheres
trabalhe, esse número é maior entre aquelas que não recebem o beneficio do governo (63,6%) em contraposição as beneficiárias (57,1%). Outro número revelador, diz respeito a duas (2) beneficiárias que nunca exerceram nenhuma atividade
remunerada, enquanto que no outro pólo, das mulheres não beneficiárias todas
trabalham.
Contudo, afirmar que essas mulheres não trabalham em função do benefício que
recebem constitui uma análise superficial do fenômeno. Igualmente, não se concorda com a análise empreendida por Sorj e Fontes em estudo comparativo nas
Regiões Nordeste e Sudeste sobre a articulação entre trabalho e família, as autoras
consideram que:
“O efeito negativo na quantidade e na qualidade do trabalho
das mulheres é maior no Nordeste do que no Sudeste,
provavelmente porque no Nordeste os recursos monetários
do Bolsa Família rendem mais do que no Sudeste e, por isso,
desestimulam a inserção das mulheres em trabalhos menos
precários”. (SORJ e FONTES, 2010, p. 71).
Embora nosso estudo seja na Região Norte é possível traçar alguns paralelos entre
a pesquisa supracitada, tendo em vista que, a Região Norte e Nordeste apresentam
os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, aproximando-se em
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
(16) beneficiárias desempenham alguma ocupação ou atividade, entre as não be-
relação a alguns aspectos sociais e econômicos. Nota-se que, ambas as regiões há
falta de políticas públicas direcionadas para essas mulheres no que compete ao
campo do trabalho. A baixa escolaridade associada à falta de qualificação profissional impulsiona essas mulheres para atividades de baixo status social, com parcos rendimentos e expostas a condições de trabalho marcadas pela precariedade.
Há que se considerar também, a ausência de creches para atender aos filhos dessas mulheres, pois na condição de mães, a creche e pré-escola constituem condição si ne qua non para que essas mulheres possam trabalhar e ter onde deixar sua
prole em segurança. Contudo, dados do MEC (2010) apontam que somente 5,4%
das crianças de zero a três anos estão matriculadas em creche públicas no município de Belém, que contabilizam 56 creches.
Como o mercado formal exige tempo e dedicação maior, não somente para entrada, mas, sobretudo, para permanência neste setor, é pouco provável que as
mulheres nessas condições tenham dificultado seu acesso ao mercado formal.
Comumente, essas mulheres estão situadas em atividades exercidas em âmbito
doméstico (lavadeira, cozinheira, vendedora de gêneros alimentícios, pequenos
comerciantes, etc..).
Entre as mulheres que exercem alguma atividade laboral, a categoria “autônoma”
foi citada por dez (10) mulheres beneficiárias e sete (7) não beneficiárias do PBF.
Nessa categoria estão: jogo do bicho, confecção de arranjos para noivas, manicure, vendedora de açaí, vendedora de tacacá e, principalmente, pequenos comércios
comumente denominados de “tabernas”. O alto percentual de trabalhadoras nessa
ocupação revela o baixo acesso e participação dessas mulheres no mercado formal.
O serviço doméstico foi igualmente citado tanto pelas quatro beneficiárias (4)
quanto pelas quatro não beneficiárias (4), considerado a porta de entrada no
mercado de trabalho urbano para mulheres migrantes de pouca ou nenhuma escolaridade. Para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2005), o
trabalho doméstico em 2005 abrangia cerca de 6,7 milhões de pessoas, entre as
quais, 93,2% eram mulheres, representando cerca de 16,9% do total do emprego
feminino.
De acordo com Sanches o trabalho doméstico constitui uma das ocupações mais
marcadas pela precariedade dos vínculos e pelo não cumprimento da legislação
do trabalho:
“O trabalho doméstico é classificado como parte da economia
informal. Mais do que por uma correspondência direta com
os diferentes conceitos de informalidade, essa modalidade
de ocupação parece estar assim classificada pela dificuldade
em incluí-la nas definições correntes do trabalho e do
mercado de trabalho, pois estas ainda não incorporam a
esfera da reprodução como criadora de valor. Não é, pois, a
precariedade (real) do trabalho doméstico que o define como
informal, mas o lugar que ocupa na concepção tradicional do
que é uma atividade econômica”. (SANCHES, 2009, p.884).
Nesse sentido, as meninas e mulheres que migram do espaço rural para o urbano,
sem escolaridade e em busca de melhores condições de vida são fortes candidatas a compor o quadro de empregadas domésticas nas grandes cidades brasileiras.
O fato de o trabalho doméstico acontecer em âmbito privado e por ser uma prática
naturalizada, isto é, aceita cultural e socialmente, dificulta a percepção da mesma
como um problema social.
Não raro, nas camadas sociais menos favorecidas o ingresso das mulheres no mercado de trabalho ocorre desde a infância. Nessa fase inicial da vida, o trabalho
consiste em uma “ajuda” ao grupo doméstico caracterizando uma situação de
trabalho infantil. Os dados ratificam a situação de trabalho infanto-juvenil onde
quase a metade das mulheres, isto é, 46,4% das mulheres beneficiárias do PBF
iniciaram suas atividades laborais antes dos 18 anos de idade, enquanto que para
as mulheres não beneficiárias esse percentual se eleva para 72,7%, sendo que
dessas, 13,6% afirmaram ter começado a trabalhar antes dos 10 anos de idade. O
exercício de uma ocupação em idade escolar compromete a escolaridade dessas
mulheres e colocam em risco toda a trajetória desses sujeitos que tendem a reproduzir o modelo de exclusão vivenciado por suas famílias, com o agravante aos
aspectos de gênero, raça/etnia e classe.
Quanto ao rendimento mensal, entre as beneficiárias 46,4% recebem de ½ a 1
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salário mínimo (SM) e entre as não beneficiárias há ligeiro acréscimo de 68,2%.
ficiárias 13,6% recebem entre 2 a 3 salários. Ainda nesse aspecto, entre as beneficiárias sete (7) mulheres começaram a trabalhar após os 30 anos, no grupo das
mulheres não beneficiarias esse dado é inexistente.
A renda familiar das mulheres beneficiárias também suscita informações preciosas
para este estudo, 83,7% recebem menos de 1 salário mínimo3, sendo que 40,5%
recebem menos de ½ salário, entre as não beneficiárias nenhum grupo familiar
recebe menos de ½ salário, em compensação 54,0% recebem 1 salário mínimo.
Os números são reveladores da situação de precariedade em que, principalmente,
as mulheres beneficiárias do programa se encontram, pois 96,4% recebem até 1
salário mínimo, coadunando com as expectativas do Programa de atender as famílias que se encontram em situação de extrema pobreza, recebendo até R$120,00
per capita.
CONCLUSÃO
Sob a ótica de gênero, considera-se que o Programa Bolsa Família possui caráter
paradoxal. Se um lado confere certa autonomia às mulheres beneficiárias na medida em que elas passam a assumir o poder de compra e consumo; por outro lado,
o programa navega no sentido contrário da politização da naturalização do vínculo
existente entre o sexo feminino e as atividades de âmbito doméstico.
No que tange ao acesso ao mercado de trabalho e à qualidade desse trabalho,
ambos os grupos de mulheres encontram-se em situação precária de acesso ao
mercado de trabalho dada a baixa escolaridade e qualificação. Contudo, entre o
Introdução e Temas transversais
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Entre as beneficiárias somente 3,6% recebem 2 SM, enquanto entre as não bene-
grupo das beneficiárias a situação é agravada dada a alta inserção no mercado de
trabalho informal.
Considera-se que, a menor participação no trabalho formal das mulheres beneficiárias ocorre em função da ausência de políticas públicas direcionadas para essas
mulheres no que compete ao campo do trabalho, pois como a maioria possui o
ensino fundamental incompleto, sua inserção ao mercado de trabalho se dá de
3
O salário mínimo corresponde a R$545,00 (quinhentos e quarenta e cinco reais) no ano da
pesquisa (2011).
maneira precária submetida a atividades de baixo status social, com menor rendimento salarial e expostas a condições de trabalho marcadas pela precariedade
conforme observado em outro estudo sobre as condições de trabalho das agentes
comunitárias de saúde no município de Ananindeua, região metropolitana de Belém (SILVA, L., 2011).
Outro dado recorrente diz respeito à ausência de equipamentos públicos para
atender aos filhos dessas mulheres, pois como a maior parte dessas mulheres são
mães, a creche e pré-escola constituem condição si ne qua non para que essas
mulheres possam trabalhar, tendo onde deixar seus filhos em segurança e sob
cuidados de profissionais especializados.
Para que o Programa Bolsa Família alcance seus propósitos, isto é, minimizar os
efeitos e romper o círculo vicioso da pobreza seria importante que paralelo a essas
ações houvesse uma política de formação e qualificação direcionadas às mulheres para inserção ao mercado de trabalho e, não somente, de transferência de
renda como é corrente nos programas governamentais. Contudo, o estilo de vida
urbano-ribeirinho precisa ser reconhecido e respeitado como um modo de vida
peculiar que busca a harmonia entre ambos os espaços. Acredita-se que as políticas devem ser pensadas para e a partir dessas mulheres, contemplando suas reais
necessidades, daí a importância de estudos que venham compreender o modo de
vida dessas comunidades. O estudo ora apresentado revela que as mulheres têm
os pequenos comércios como principal atividade, pois permite ao mesmo tempo,
a conciliação entre as atividades de reprodução e de produção. Nesse sentido,
cursos como: empreendedorismo, manipulação de alimentos e técnicas de venda
pode auxiliar para que elas aprimorem suas atividades laborais, contribuindo para
que as mesmas se projetem enquanto mulheres produtivas.
Reitera-se a importância do Programa Bolsa Família para a maior autonomia das
mulheres no que diz respeito a aquisição e administração do benefício. Contudo,
a maneira como o programa está implementado no município de Belém confere à
mulher o estatuto de esposa e mãe, reforçando as funções maternais e de cuidado;
em oposição à mulher trabalhadora. Assim, o PBF reproduz o dualismo clássico que
associa o espaço doméstico e privado à figura feminina, privando-a da conquista
de sua cidadania, pensada enquanto ser de direitos e deveres.
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