TeseSelma2.compressed - Instituto Gestalt de São Paulo

Transcrição

TeseSelma2.compressed - Instituto Gestalt de São Paulo
Ciornai
12
Menopower pra quem foge às regras
Menomale quando roça esfrega
Menopower pra quem nunca se entrega...
(Música de Rita Lee e Mathilda Kovak)
Ciornai
13
2
REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O TEMA
O FATOR BIOLÓGICO: MITOS, PESQUISAS, TRATAMENTOS E
CONTROVÉRSIAS
CLIMATÉRIO: SINTOMAS RELACIONADOS
Metaforicamente podemos fazer uma analogia entre o climatério e o período de
turbulência que um avião entra ao passar por nuvens antes de chegar à um novo platô de
estabilidade e equilíbrio. É uma fase de transição. Em termos biológicos, o climatério
envolve dois estágios: o primeiro, quando inicia-se um processo de marcante instabilidade
seguido de acentuado decréscimo nos níveis hormonais com os períodos menstruais ainda
presentes. Esta fase, também chamada pré-menopausa, começa por volta do 40 a 45 anos. A
segunda fase é a da menopausa, quando os períodos menstruais cessam totalmente,
seguida da pós-menopausa, período em que o corpo ainda está tentando alcançar um novo
patamar de equilíbrio. No entanto, freqüentemente os termos “climatério” e “menopausa”
são usados como sinônimos, já que tem sido reconhecido que esta fase de transição começa
bem antes das irregularidades e do término das menstruações.
De acordo com vários autores, sintomas distintos de intensidades e duração variadas
podem surgir neste período, tais como calores repentinos (muitas vezes alternados com
períodos de frio), suores, insônia, tonturas, aumento de peso, fadiga, diminuição do desejo
sexual, perda da umidade e elasticidade vaginal assim como da pele de modo geral, dores
de cabeça, inchaços e retenção de líquidos, incontinência urinária, dores nas juntas,
mudanças repentinas de humor tais como irritabilidade, ansiedade e depressão etc.
Entretanto, é impossível predizer como será a experiência de uma mulher durante o
período de climatério e a menopausa, e muito menos afirmar qual é a forma “normal” ou
“certa” de vivenciar esta fase da vida. Se para algumas esta passagem na vida é uma fase
bastante sofrida, com sintomas intensos por alguns ou vários anos, outras passam por este
período da vida assintomaticamente, ou com quase nenhum sintoma. “Menopausa é como
Ciornai
14
uma impressão digital,” escreve Sheehy (1991, p. xvi), referindo-se à natureza individual
pela qual cada mulher experiencia a menopausa. Igualmente, Perlmutter et al. (1994)
afirmam: “Para cada mulher para quem a experiência da menopausa é uma tormenta, existe
outra que diz que é uma brisa.” (p.78)
Porém, até os anos 90, pouco ou nada era dito ou escrito à respeito, e informações
em relação à esta fase tão importante da vida de uma mulher eram pouco disponíveis e
escassas. Ao contrário dos períodos de adolescência e gravidez, sobre os quais existem um
número enorme de livros, cursos e profissionais especializados, a maioria das mulheres
entra na fase de climatério sem a menor noção de que estão entrando numa fase especial
que pode trazer tensões físicas e psicológicas. Freqüentemente não relacionam o que
sentem à alterações hormonais (com exceção aos famosos “calores”), e muitas vezes nem
sabem que transformações biológicas importantes estão ocorrendo em seu organismo,
somente notando que uma mudança está ocorrendo quando seu ciclo menstrual torna-se
irregular e finalmente cessa.
É comum à profissionais de saúde, tanto do campo da medicina como da psicologia
(com exceção aos endocrinologistas e ginecologistas), não considerar esta fase como
possível fator desencadeante ou correlacionado aos sintomas físicos e de humor
apresentados por suas pacientes, especialmente no período que precede a irregularidade e
subsequente término dos ciclos menstruais. Entretanto, de acordo com uma pesquisa
realizada com 15,000 mulheres pela revista “Prevention” em conjunto com o Centro de
Saúde da Mulher do Centro Médico Presbiteriano de Colúmbia em Nova York, são
precisamente as mulheres na pré-menopausa as que declaram estar tendo o maior número
de sintomas. Os resultados desta pesquisa indicam que “a perimenopausa é, na realidade, o
período mais difícil. É muito como a puberdade; as flutuações hormonais são mais severas
neste período, tornando a vida temporariamente mais difícil.”(Perlmutter et al., 1994, p.
86). Na mesma linha, Sheehy (1995) escreve:
A primeira fase, a pré-menopausa, é a parte menos compreendida, e com maior
potencial para desnortear, de toda a passagem da menopausa. A pré-menopausa é
muito parecida com a puberdade. Os altos e baixos nos hormônios são bastante
sérios e imprevisíveis. O estrogênio está envolvido em pelo menos 300 processos no
Ciornai
15
corpo. Portanto, quando ele cai abaixo de níveis dos quais o corpo dependeu ao
longo de 30 anos ou mais, é previsível que ocorra um desequilíbrio. (p.231)
Psicoterapeutas, psiquiatras e médicos (alopatas ou alternativos), ouvem com
freqüência queixas
de depressão, ansiedade, instabilidade e flutuações de humor de
mulheres na faixa dos 40 e 50 anos, prescrevendo anti-depressivos, ansiolíticos,
psicoterapia e até internações psiquiátricas, sem levar muito em consideração possíveis
relações entre estes sintomas e as mudanças hormonais da idade. Uma repórter da revista
Time (Wallis, 1995) escreveu:
As mulheres geralmente ficam chocadas quando sintomas de menopausa
surgem no início dos seus 40 anos. Afinal, sabe-se que a idade média para o
aparecimento da menopausa é 51 anos. A maioria sabe muito pouco sobre a
perimenopausa, e seus médicos não ajudam muito.... Até recentemente, os médicos
“simplesmente não estavam muito cientes da perimenopausa,” admite o
endocrinologista Howard Zacur do hospital Johns Hopkins em Baltimore.
“Mudanças no ciclo neste período de vida eram erroneamente interpretadas e mal
diagnosticadas....” Devido à má compreensão médica de seus sintomas, muitas
mulheres foram submetidas à desnecessárias histerectomias, e à dilatação e
curetagem -- um procedimento de raspagem da parede uterina. Praticamente 1 em
cada 4 americanas é levada à “menopausa cirúrgica,” tendo seu útero e ovários
removidos ao invés de chegar naturalmente à menopausa. (pp. 50-51)
Neste sentido Greer (1991) escreve: “ O obscurantismo que existe em relação à
menopausa, é parte da névoa geral de incompreensão sobre o estado de saúde da mulher de
meia idade” (p. 158).
Mulheres freqüentemente procuram um profissional atrás do outro em busca de
ajuda para lidar com as mudanças físicas ou psicológicas que muitas vezes as perturbam de
forma intensa. Nesta peregrinação, não só continuam a não entender o que lhes está
acontecendo, como também, além de sentirem-se incompreendidas, ainda têm que lidar
com interpretações e diagnósticos que não só não vêm de encontro às suas necessidades
imediatas, como muitas vezes as deixam ainda mais confusas e aturdidas. Ao não conseguir
encontrar ajuda eficaz para contextualizar e significar de forma coerente o que experiencia,
Ciornai
16
a mulher freqüentemente sente-se só e perdida neste período. Não é sem razão que
Mankowitz (1984) se refere à esta passagem como “a crise negligenciada.”(p.27)
O fato é que o se climatério de forma geral é um período de marcantes
transformações fisiológicas e mudanças na vida das mulheres que para uma grande
porcentagem delas traz sintomas de vários tipos, intensidade e duração, tanto as próprias
mulheres quanto profissionais de saúde deveriam estar mais bem informados e conscientes
dos possíveis sintomas que podem apontar para um quadro de climatério, a fim de evitar
erros de diagnóstico.
Alguns autores contestam esta visão dizendo que menopausa não é doença, mas sim
uma fase natural da vida de uma mulher, e que portanto a maioria destas queixas devem ser
vistas meramente como “chiliques” de mulheres frustradas. Hirsh (1994) por exemplo,
reconhece que calores e secura vaginal têm mesmo a ver com a redução do estrogênio, mas
descarta totalmente a possibilidade de outras relações. Ela escreve:
Não há por que encarar a menopausa como doença, crise ou transtorno, usando-a
como pretexto para ter todos os calores, chiliques, depressões e espasmos
emocionais que ficaram trancados até então.... Até a geração passada esperava-se
que a mulher sofresse horrores ao atingir a “fase crítica”, o que se espera agora é
que não sofra absolutamente nada. (p. 69)
Citando pesquisas sobre o assunto cujos resultados apontam que apenas 25% das
mulheres na menopausa têm sintomas severos, 50% poucos sintomas, e que 25% passam
por esta fase de forma totalmente assintomática1, Hirsh comenta ironicamente que “as
masoquistas ficam arrasadas com esta notícia”(p. 69). No entanto sabe-se muito bem que
outras transformações “naturais” na vida de uma mulher tais como gravidez e parto, apesar
de não serem “doenças” podem eventualmente acarretar em
sérios problemas para a
mulher. Porque então a dificuldade em se aceitar que o mesmo possa ocorrer durante o
climatério e a menopausa?
De acordo com a perspectiva sistêmica2, uma pessoa deve ser vista como uma
totalidade integrada, e se uma parte do sistema fica instável, me parece bastante razoável
considerar que isto afetará também as outras partes deste sistema.
1
2
Grant 1990; Greenwood, 1984.
von Bertallanfy, 1956, 1962, 1981.
Ciornai
17
Por outro lado, existem médicos que apesar de reconhecer que pode haver alguma
relação entre o que suas clientes descrevem e as transformações hormonais deste período de
vida, o fazem a partir de uma postura paternalista e autoritária na relação com suas clientes,
prescrevendo medicamentos sem informar-lhes sobre os prós e contras de tais tratamentos,
e sem discutir outras possibilidades e opções.
Assim, é importante trazer esta questão à baila, tornando-a foco de nossa atenção,
para que mulheres possam compreender suas experiências de forma que lhes faça sentido,
sentindo-se compreendidas pelos profissionais que as atendem. Necessitamos poder obter
informações confiáveis sobre os prós e contras das várias opções médicas e tratamentos
existentes, para que possamos chegar a escolhas e decisões conscientes de como lidar com
as transformações deste período.
A CONTROVÉRSIA EM RELAÇÃO À TERAPIA DE REPOSIÇÃO HORMONAL
A terapia estrogênica foi oficialmente introduzida em 1929, quando Adolf
Butenandt, prêmio Nobel de Química, isolou o hormônio na urina de mulheres grávidas.3
Mas o uso de estrógeno para tratar sintomas relacionados à menopausa iniciou-se quando
Wilson (1966) publicou seu famoso livro Feminina Para Sempre. Neste trabalho, Wilson
impiedosamente descreve as mulheres na menopausa com “caricaturas do que foram
anteriormente,” recomendando doses adequadas de estrógeno a fim de mantê-las
“femininas para sempre,” da adolescência ao fim da vida. Ele proclamava que o estrógeno
é a “cura” para a menopausa da mesma forma que a insulina o é para a diabete, e
recomendava enfaticamente às mulheres que tomassem estrógeno como elixir da juventude
antes que os danos causados pela menopausa pudessem ocorrer.
Este ponto de vista foi subseqüentemente defendido por vários autores que
escreveram sobre este período de vida da mulher,4 e também pelos autores de Saúde e
Bem-Estar Quando a Menopausa Chegar (Fernandes et al., 1993), livro publicado pela
Sobrac (Sociedade Brasileira Para Estudo do Climatério) e gratuitamente distribuído em
1994 a todas as participantes do II Encontro Brasileiro Sobre Menopausa e Climatério.
3
4
Trien 1986, p. 110.
Por exemplo Cooper 1976; Cutler et al., 1983; Fonseca, 1992; Goldin et al., 1993; Sand, 1993.
Ciornai
18
Neste Congresso, que incluiu palestras específicas à Mulheres Não Médicas, a mensagem
transmitida pelos médicos que lá se apresentaram era a de que, com raras exceções, todas
as mulheres deveriam tomar hormônios pelo resto de suas vidas pois isto certamente lhes
será benéfico. Em todos estes textos e palestras, as alternativas descritas para as mulheres
que não usam a proteção dos hormônios são bastante sombrias. A lista do que uma mulher
pode esperar inclui:
•
osteoporose
•
vulnerabilidade à doenças coronarianas
•
ressecamento e atrofia vaginal
•
perda do desejo sexual
•
perda dos contornos femininos
•
perda do tonus e elasticidade da pele
•
perda da aparência jovial
•
perda de cabelo
•
perda da atratividade sexual (o que inclui a perda do odor que atrai o macho)
•
perda de vitalidade e energia etc.
No entanto, outros livros e artigos escritos por mulheres da área de saúde5 assim
como por outros pesquisadores6 apontam para os possíveis riscos e benefícios da terapia de
reposição hormonal (TRH), enfatizando a necessidade de que cada mulher esteja bem
informada sobre os prós e contras deste tratamento para poder tomar uma decisão
consciente. Estas publicações apontam que a TRH, pode provocar:
*
aumento do risco de câncer de seio após uso prolongado
*
aumento de risco de problemas e eventual cirurgia na vesícula biliar
*
aumento de retenção de fluidos (o que exige especial atenção dos médicos às
condições diretamente por isto afetadas como asma, epilepsia, enxaquecas, doenças
cardíacas e renais).
*
possíveis mudanças nos níveis de insulina necessários à mulheres com diabetes.
*
possível
sangramento uterino e eventuais sintomas pré-menstruais tais como
fadiga, irritablidade, tensão, mudanças de humor, dores de cabeça, ganho de peso, retenção
5
Por ex., Doress-Worters & Siegal, 1995; Greenwood, 1984; Soffa, 1996; Trien, 1986.
Ciornai
19
de líquidos, inchaço e dores nos seios que podem ocorrer para mulheres ainda com útero e
que têm que tomar progesterona para prevenir câncer no endométrio (parede que reveste o
útero).
*
Possível deficiência de vitamina B6. Como decorrência desta deficiência podem
ocorrer sintomas tais como: depressão, instabilidade emocional, fadiga, insônia, dificuldade
de concentração e perda de libido que podem ser resolvidas com o suplemento desta
vitamina.
*
Outros possíveis problemas tais como aumento da pressão arterial, enxaquecas,
alteração nos padrões de coagulação e mudança na curvatura da córnea, o que vir a
impossibilitar o uso de lentes de contato.
Em relação aos benefícios, praticamente todos os autores recomendam o TRH
quando uma reposição é realmente necessária, como em esterecotomias onde os ovários
foram removidos antes dos 45 anos, quando existe alto risco de fraturas, e também quando
o desconforto de sintomas relacionados ao climatério é severo. Porém, mesmo nestes casos
a maioria dos autores concordam que, como qualquer outro medicamento, é importante usálo sabiamente, i.e., “apenas quando realmente necessário, na dose mais baixa e eficaz, e
pelo menor tempo necessário” ( Greenwood, 1984, p. 38).
No entanto outros pontos usualmente mencionados como benefícios não são tão
rapidamente endossados por estes autores. Discussões e controvérsias continuam. Após ler
vários livros e artigos, incluindo aqueles que defendem os benefícios da TRH, assim como
aqueles que cabalmente a criticam, a leitora não-médica sente-se confusa devida às
diferentes ênfases dadas aos prós e contras mencionados. Ou seja, se após ler um certo livro
a leitora sente-se inclinada a utilizar a TRH, após a leitura de um segundo tende a concluir
o oposto. Os livros se contradizem em vários aspectos, como por exemplo em relação ao
uso do TRH em mulheres com alta taxa de colesterol e história de problemas cardíacos na
família. Enquanto vários autores7 afirmam que a TRH é altamente recomendável nestes
casos por proteger a mulher devido à ação do estrogênio, outros autores8 afirmam que é
contraindicado, dado que a combinação de progesterona com estrogênio utilizada para
6
Greer 1991; Hahn & Murphy, 1993; Perlmutter et al., 1994; Sheehy, 1991.
Por exemplo Fernandes et al., 1993; Sheehy, 1991.
8
Por exemplo Hahn & Murphy, 1993; Trien, 1986.
7
Ciornai
20
proteger a mulher de câncer uterino (por mantê-la menstruando) pode causar ataques do
coração e derrame. Já Greenwood (1984) adota uma posição intermediária, e escreve que
apesar da progesterona anular os benefícios do estrogênio, parece ser que não os anula
totalmente, e portanto recomenda o TRH nestes casos.
Em junho de 1995, a revista Time publicou um artigo de cobertura de duas páginas
entitulado “O Dilema do Estrogênio”(Wallis, 1995). Neste artigo, o cabeçário da primeira
página era: “A menopausa é desnecessária: Graças à Terapia Hormonal a mulher poderá
ter a esperança de bem estar e juventude mais prolongados” (pp. 50-51). O texto da primei
página informava à leitora que a TRH era recomendada a fim de prevenir as misérias que a
mulher atravessa na menopausa -- doenças do coração, osteoporose, deterioração mental,
envelhecimento da pele, câncer de cólon, contribuindo até mesmo para a melhoria das
funções mentais e a prevenção da doença de Alzheimer. Porém, na segunda página, o
cabeçário dizia:
“Ginecologistas estão recomendando substitutos hormonais como se
fossem pastilhas de chocolate, mas todos nós sabemos que o lanche não é de graça” (pp.
52-53). Nesta página estava escrito que “a maioria dos estudos de controle feitos sobre
terapia com estrogênio têm sido de curta duração e não esclarecem os riscos que podem
ocorrer à longo prazo” (p. 53). O artigo explica que o resultado dos estudos de longaduração é o de que quanto mais tempo o estrogênio é usado, tanto maiores os riscos do seu
uso, e cita um estudo patrocinado pela Sociedade Americana de Câncer que verificou que
em 240,000 mulheres que tomaram estrogênio durante pelo menos 6 anos, o risco de câncer
fatal de ovário aumentou 40%, e que nas que usaram estrogênio durante 11 anos ou mais, o
risco aumentou 70%.
Na mesma linha, Soffa (1996) cita o “Estudo Sobre a Saúde das Enfermeiras”9, o
maior estudo sobre a saúde da mulher feito nos Estados Unidos no qual 121.700 mulheres
foram acompanhadas durante 10 anos. Ela escreve: “Este estudo verificou que mulheres
que usam estrógeno têm 40% mais de chance de desenvolver câncer de seio do que as que
não o usam. Soffa relata que um desdobramento posterior deste estudo foi realizado com a
finalidade de verificar o grau de segurança da combinação terapêutica estrogênioprogesterona 10, e que este estudo verificou um aumento de 40% na incidência de câncer de
9
Colditz et al., 1990.
Colditz et al., 1995
10
Ciornai
21
seio em mulheres com idades entre 50 e 64 anos que usaram TRH durante 5 anos ou mais e
um aumento de 70 % em mulheres entre 65 e 69 anos de idade”( pp. 34-35).
Em 1997, a revista American Psychologist publicou uma série de estudos
coletivamente entitulados “Iniciativa de Saúde da Mulher,” que envolveu 164.500 mulheres
na pós-menopausa em tratamento clínico e estudos de observação (Mathews et al., 1997).
O artigo afirma que doenças cardiovasculares, câncer de seio do colo e do reto, e fraturas
osteoporóticas são a maior causa de morbidez e mortalidade nos anos de pós-menopausa, e
que a doença cardiovascular é a causa de morte número um em mulheres mais velhas,
matando 11 vezes mais do que o câncer de seio. Pesquisando a ação positiva da TRH vis-àvis os riscos de doenças coronarianas, câncer e osteoporose, este estudo verificou:
1. Quase todos os estudos que avaliaram a associação entre a TRH e doenças
cardiovasculares obtiveram seus dados numa época em que a TRH significava usualmente
estrogênio puro por via oral (isto é, sem progesterona). Como estrogênio exógeno puro
tornou-se associado ao aumento de risco de câncer no endométrio em mulheres com útero,
as mulheres começaram a tomar estrogênio em combinação com progesterona porque esta
combinação praticamente elimina este risco.
Embora pouco se duvide que a progesterona proteja o endométrio, existe a
preocupação de que os progestágenos possam também atenuar os efeitos benéficos
do estrogênio nos fatores de risco de doenças coronarianas, pois possuem uma
atividade de tipo androgênica. Sintetizando os resultados de 5 estudos de curta
duração sobre lipídios, Pike, Henderson, Mack, Lobo e Ross (1989) anunciaram que
os progestágenos em combinação com a TRH estavam associados com cerca de
metade do aumento na alta densidade de lipo-proteínas encontradas sem reposição
estrogênica, sugerindo que a progesterona pode reduzir o efeito benéfico da TRH
nos fatores de risco das coronárias.... Diversos estudos em andamento... estão
atualmente testando se a substituição hormonal previne a recorrência de doença
coronária em mulheres com doenças cardíacas; porém, não respondem se TRH
protege contra o desenvolvimento inicial de doenças coronarianas.(Mathews et al.,
1977, p.103)
2. Citando a pesquisa conduzida por Colditz et al. (1995) afirma também que
embora os usuários atuais do TRH corram maior risco de adquirir câncer de seio, o mesmo
Ciornai
22
não se dá com as ex-usuárias. Eles escrevem: “pesquisadores levantam a hipótese de que o
estrogênio afeta o tecido mamário de tal forma que este se torna suscetível à transformações
malignas através do estímulo metabólico dos derivados da progesterona” (Mathews et al.,
1977, p. 103).
3. Em relação à osteoporose, eles afirmam que “o estrogênio sozinho.... e a
combinação TRH, podem conservar a ossatura em mulheres na pós-menopausa. Os dados
fortemente suportam a idéia de que o estrogênio tem uma função chave na manutenção da
estrutura óssea e sugere que tratamento contínuo e desde cedo pode minimizar a perda
óssea” (Mathews et al., 1977, pp. 103-104).
Portanto, estes são dados que nos fazem especular se daqui a dez anos estaremos
todas dizendo que o deveríamos ter tomado, ou que ao contrário, que não deveríamos tê-lo
tomado. Porém, quanto mais esclarecidos estivermos, tanto mais teremos recursos para
tomar decisões que dizem respeito à nossa vida e saúde.
TERAPIAS ALTERNATIVAS
Por outro lado, a medicina alopata Ocidental convencional não é a única filosofia
existente sobre saúde, nem a única fonte de alívio para sintomas que afetam mulheres nesta
fase de suas vidas. Vários trabalhos já foram publicados sobre modos alternativos de
promover o bem-estar de mulheres maduras e de meia-idade, modos alternativos de
prevenir osteoporose, doenças coronarianas, e outros sintomas relacionados ao climatério e
menopausa.11 Estes trabalhos recomendam exercícios físicos como maneira de prevenir
estes problemas, e também como maneira de promover o bem estar de forma geral; dão
orientações nutricionais e recomendam mudanças na alimentação. Também fornecem
sugestões sobre tratamentos herbais, homeopáticos, e suplementos vitamínicos e minerais
para esta fase da vida. Alguns médicos prescrevem alimentos especiais (como produtos de
soja), e certas cápsulas de óleos naturais que não só provêm estrógeno vegetal, como
11
Greenwood, 1984; McGarey, 1995; Sander, 1991; Sharan, 1994; Trien, 1986; Weed, 1992.
Ciornai
23
estimulam a produção endógena de estrógeno, que ao contrário do que usualmente se crê ,
não deixa de ser produzido mesmo depois da menopausa.12
A homeopatia, a medicina Chinesa, a medicina Aiurvédica e a medicina
Antroposófica são outras modalidades alternativas de tratamento e prevenção dos sintomas
relacionados ao climatério e menopausa.
Para a médica e acupunturista M.G. E. de Vicco13 com formação tanto em medicina
Chinesa como na medicina ocidental, os conceitos destas duas escolas médicas diferem
bastante, e a única coisa em comum no nível verbal entre ambas é o entendimento de que
todos nós temos uma energia vital, que na medicina chinesa chama-se Qi. Segundo esta
profissional, para a medicina Chinesa tudo no universo é regido por polaridades. Como os
átomos da matéria e de cada uma de nossas células têm cargas positivas e negativas (os
ions), tudo é visto como sendo basicamente regido por energias de dois tipos: “Yin” e
“Yang,” e também pelos princípios dos 5 elementos (madeira, ferro, terra, água e metal).
Todos os distúrbios físicos e psicológicos são vistos como tendo uma natureza energética,
não há separação entre o físico e o psicológico, cada órgão é concebido como regendo
certas emoções. A relação entre órgãos e as emoções é a seguinte
• medo e insegurança estão ligados ao rim e bexiga
• raiva, ódio e irritabilidade estão ligados ao rim e vesícula biliar
• tristeza está ligada ao pulmão e intestino grosso
• racionalidade ao estômago, baço e pâncreas
• alegria e euforia ao coração e intestino delgado
De acordo com de Vicco, devido ao desequilíbrio energético destes órgãos sintomas
vão aparecer. Estes desequilíbrios podem ser diagnosticados através do exame da língua e
do pulso (do braço, da jugular e do pé), e os tratamentos em acupuntura são sempre na
direção de sedar, ou de estimular e tonificar os órgãos, pontos e meridianos de energia.
Durante o período de climatério e a menopausa, distúrbios físicos ou psicológicos
são considerados sinais de desequilíbrio na energia da mulher. Segundo de Vicco, a maioria
das patologias na menopausa são causadas por um “vazio do Yin” do fígado e dos rins.
Esta denominação pode parecer estranha, mas os diagnósticos na medicina chinesa usam
nomenclaturas como plenitude, vazio, calor, frio, umidade, para indicar os diversos tipos de
12
Dra. Lucia de Fátima C.Costa Heim, M.D., ginecologista. Comunicação pessoal, setembro de 1996.
Ciornai
24
desequilíbrios energéticos. Como todos os hormônios são elementos comandados pelo rim,
se há problemas na energia deste órgão, durante o climatério e a menopausa os hormônios
sofrerão alterações marcantes. Isto é, como está relacionado a um tipo de emoções, se estas
são muito freqüentes na vida de uma pessoa o rim é solicitado demais e sua energia
esvazia-se,
iniciando assim um processo de adoecer. Já o fígado, órgão ligado
energeticamente ao rim, também vai também se enfraquecer devido ao excesso de emoções
à ele ligadas.
Assim, de acordo com esta médica acupunturista, o mesmo desequilíbrio pode
manifestar-se diferentemente nas diversas faixas etárias. Como o rim comanda os órgãos
sexuais (útero, ovários, seios, próstrata e a energia sexual), pode-se dizer que uma menina
criada com medo e insegurança provavelmente irá desenvolver desequilíbrios na energia do
rim, e ao crescer provavelmente será uma jovem com uma síndrome pré-menstrual
marcante (cólicas, acne, edemas, mudanças de humor), mais tarde uma mulher com
dificuldades durante a gravidez, parto e amamentação, mais à frente uma mulher madura
com sintomas de climatério e menopausa (calores, insônia, tonturas, depressão etc.), e mais
adiante uma senhora com problemas de osteoporose. Assim, para a medicina Chinesa os
sintomas relacionados à fase de climatério e menopausa não são vistos apenas como
decorrentes da diminuição e alterações hormonais características do período, mas como
desequilíbrios energéticos do organismo como um todo.
Minha intenção ao prover esta explicação mais ampla sobre esta linha alternativa de
tratamento de saúde, não é a de fazer uma defesa desta linha de tratamento alternativo em
particular, mas a de ampliar horizontes mostrando que realmente existem outras formas e
filosofias de pensar e cuidar da saúde da mulher neste e em outros períodos de vida. No
entanto, enquanto Sand (1993) sarcasticamente descreve sua peregrinação por uma
infinidade de distintas opções de tratamento, para finalmente chegar à TRH, existem
igualmente outras mulheres que sentem-se gratas e satisfeitas com a ajuda recebida em
terapias alternativas. Na verdade, provavelmente não há receita que sirva à todas, porém,
acredito que o conhecimento das diversas opções de tratamento inclusive preventivos,
podem dar à mulher uma perspectiva mais ampla das possibilidades de ajuda a que pode
recorrer tanto para seu bem-estar geral como em períodos de sofrimento e aflição.
13
Dra. Maria da Graça Esteves de Vicco, médica e acupunturista. Comunicação pessoal, outubro de 1996.
Ciornai
25
MENOPAUSA -- UM EVENTO BIOLÓGICO NÃO-NATURAL?
Certos profissionais afirmam que a vida após a menopausa é em si um evento nãonatural, e que, como a longevidade da mulher é cada vez maior, elas terão que encarar
problemas que as mulheres não tiveram anteriormente. Trien (1986) por exemplo escreve
que a não muito tempo atrás a maioria das mulheres morria antes de atingir a menopausa
ou pouco depois da mesma, e que pela primeira vez na história mulheres estão tendo uma
sobrevida de 1/3 a mais após a menopausa.
Embora eu acredite que nosso funcionamento tenha ultrapassado em muitos
aspectos as explicações puramente biológicas ou genéticas, a perspectiva sociobiológica de
Diamond (1996)
me pareceu bastante interessante
por minar teorias e crenças que
diminuem a auto-estima da mulher usando conceitos cientificamente fundamentados que
nos valorizam. Este autor questiona a habilidade dos paleodemógrafos em diferenciar
esqueletos de 40 anos dos de 55 anos de idade, e portanto de determinar a faixa etária das
mulheres em tempos passados. Considerando que a maioria dos animais selvagens
conservam-se férteis até a morte -- como acontece com os seres humanos de sexo
masculino (embora alguns eventualmente percam um pouco desta fertilidade), pergunta -porque esta situação é diferente para a mulher? Ele escreve: “Para o biólogo evolucionista
isto é uma aberração paradoxal no reino animal.... Como poderia a seleção natural resultar
em mulheres
que tenham genes que impeçam sua habilidade de deixar mais
descendentes?” ( p.131)
Afirmando que de forma alguma considera que o papel da mulher seja apenas o de
permanecer em casa e produzir bebês, explica que se utiliza do raciocínio evolutivo padrão
a fim de explicar por que considera a menopausa um traço biológico mais evoluído,
essencial ao ser humano, e que faz com que sejamos qualitativamente diferentes dos
macacos. Diamond contesta aqueles que afirmam que o sistema reprodutor da mulher foi
programado para deixar de funcionar após os 50 anos, perguntando porque o mesmo não
aconteceu com outras funções do organismo. Considerando que a natureza conseguiu
produzir animais cujos óvulos permanecem viáveis por pelo menos 60 anos ( elefantes,
tartarugas, baleias) ele pergunta a seguir: “porque a seleção natural programou as mulheres
Ciornai
26
de forma que seus óvulos tornam-se estéreis ou envelhecidos após os quarenta?” (pp.134135). O autor sugere duas causas para isto:
A primeira é que no que a mulher envelhece, ela pode fazer mais para aumentar o
numero de descendentes que carregam seus gens ao devotar-se mais à prole já existente,
seus netos potenciais e seus outros parentes do que produzindo mais um filho,
especialmente se considerarmos que o ser humano na infância depende por um prazo mais
longo de seus pais do que qualquer outra espécie animal ( p.135) .
A segunda razão que fornece tem a ver com a importância que as pessoas mais
velhas têm como transmissoras de sabedoria, conhecimento e experiência, especialmente
em sociedades que não foram alfabetizadas -- o que, de acordo com ele, significa toda
sociedade humana até o advento da escrita na Mesopotâmia por volta dos 3300 BC (p.136).
Ele escreve “Os homens mais velhos não corriam o risco de parto ou da responsabilidade
exaustiva da lactação e o cuidar das crianças, e portanto não desenvolveram proteção
através da menopausa” (p. 137) .
E ele conclui seu artigo afirmando que em sua opinião, a seleção natural
provavelmente concluiu que “os benefícios da menopausa são maiores do que os custos, e
que [após os cinqüenta] a mulher pode fazer mais fazendo menos” (p.137).
Este trabalho me parece pois extremamente interessante por focalizar e questionar
nossas crenças implícitas e internalizadas sobre quais são as funções essenciais da mulher
na sociedade, estabelecendo uma ligação sistêmica entre as inferências biológicas, míticas e
psicológicas de estudos sobre o tema.
FATORES PSICOLÓGICOS
As mulheres têm maior tendência à mudanças de humor, depressão, angústia,
melancolia, ansiedade e irritabilidade durante a fase de climatério e a menopausa? Se sim,
será isto provocado pela queda dos níveis hormonais, por crises de vida pessoal que
ocorrem coincidentemente neste período de vida, ou ainda, como reação ao modo como a
sociedade concebe e estigmatiza a mulher de meia idade ?
Esta parece ser uma questão bastante debatida e complexa. A maioria dos autores
concordam que crises de vida pessoal e fatores culturais contribuem para alterações em
Ciornai
27
estados psicológicos, porém, enquanto alguns autores firmemente afirmam que as mulheres
não estão condenadas pelos hormônios à depressões e mudanças drásticas de humor, outros
afirmam que as mudanças hormonais deste período de vida podem ser fatores
desencadeadores importantes nas mudanças de estados psicológicos e de humor.
A INFLUÊNCIA DOS HORMÔNIOS
Hirsh (1994) afirma categoricamente que “calores e secura vaginal têm mesmo a
ver com a redução de estrogênio. Mas problemas emocionais, não.”(p.69). Na mesma linha,
em 1995 na revista American Health News, o artigo “Boas Notícias Sobre a Menopausa”
anunciava “São os problemas familiares e não o climatério que causa a depressão da meia
idade.” O artigo relatava uma pesquisa feita com 2000 mulheres pelo que procurou
responder à seguinte questão: A menopausa causa melancolia e depressão?” Segundo os
autores do artigo os resultados indicam que “a ligação de longa data, entre a menopausa e
melancolia decorre do fato de que mulheres que se queixam da menopausa a seus médicos
têm maior probabilidade de sofrer de uma depressão preexistente” (p.52).
Levando em consideração os que defendem estas posições, Sheehy (1991) nos
previne que se os médicos lêem livros que afirmam não haver uma real ligação entre
depressão e menopausa, estarão evidentemente considerando as queixas de suas clientes
nessa faixa de idade como um sinal de doença ou patologia . Ela escreve: “É verdade que
... a irritabilidade e a depressão em mulheres de meia-idade têm várias outras origens. Mas
se as mudanças de humor são tão freqüentemente mencionadas por mulheres na fase de
pré-menopausa, porque elas são informadas de que não há razão hormonal para sentirem-se
deprimidas? (p.116). Citando seu estudo anterior ela afirma: “A maioria das mulheres
entre 46 e 50 anos de idade, quando pesquisadas, mostrou sinais claros de que estavam
atravessando uma zona de perigo. Estratégias de enfrentamento que haviam funcionado
perfeitamente para elas em fases anteriores já não pareciam adiantar diante dos piques
transitórios de otimismo e depressão que caracterizam esta faixa de idade” (p.119).
Já Fonseca (1992) escreve que a depressão é um sintoma típico de climatério, e que
a idéia de uma causa química para a depressão nesta fase da vida tem sido defendida por
Ciornai
28
alguns autores desde a metade do século. “A causa da depressão não está totalmente
esclarecida, mas acredita-se que ela esteja ligada a fatores genéticos, reações endógenas
ligadas às modificações dos níveis dos próprios hormônios femininos e outros (dopamina,
serotonina, noradrenalina). [No entanto] problemas pessoais e familiares sempre estão
presentes em maior ou menor intensidade nas pacientes com crises depressivas na
menopausa” (p.66). Trien (1986) escreve que foi observado pelos cientistas que os mesmos
sintomas físicos e emocionais , tais como mudanças de humor, insônia, depressão,
irritabilidade, cansaço, tonturas, dores de cabeça, palpitações e câimbras nas extremidades
freqüentemente ocorrem juntos, porém, que ainda persiste a questão de serem estes
provocados pela queda nos níveis hormonais ou pelas tensões emocionais da meia idade,
escrevendo que em sua opinião provavelmente há uma dose de verdade nas duas
suposições. Também Greenwood (1984), analisando os dois pontos de vista, afirma que
“embora a opinião de que muitos dos problemas psicológicos durante a menopausa estão
diretamente relacionados à redução dos níveis de estrogênio seja impopular entre as
feministas, pois apresenta uma imagem da mulher como um ser irracional à mercê dos seus
hormônios”(p.84), um componente bioquímico parece estar também presente. Ela escreve:
“estudos recentes indicam que isto vem acompanhado de uma queda nos níveis de betaendorfina no cérebro. Como as beta-endorfinas são elementos químicos associados às
sensações de bem-estar, esta
mudança pode desencadear depressão ou ansiedade em
algumas pessoas suscetíveis ”(p.85). E conclui:
Está claro que nossa psicologia e nossa visão de vida são afetadas pelo mundo que
nos cerca e pela nossa biologia interna. As interações entre todos estes fatores são
tão íntimas que seria artificial tentar separá-los. Durante os anos da menopausa o
corpo sofre uma grande transição que é sentida de maneira diferente por cada
mulher, dependendo de sua saúde em geral, do conhecimento do seu corpo, e da
rapidez na queda dos seus hormônios. Sua reação psicológica à essa fase de
transição será determinada tanto por sua bioquímica quanto pelas circunstâncias
externas que a cercam. ( p.86)
O artigo “Enfermidades Afetivas Relacionadas à Menopausa: Uma Justificativa
Para Estudos Mais Profundos” publicado em 1991 na Revista Americana de Psiquiatria
(American Journal of Psychiatry) diz:
Ciornai
29
A existência de síndromes afetivas específicas relacionadas com o climatério ou
menopausa permanece uma questão controvertida, a despeito de relatórios datando
do Séc. XVIII já fazerem uma associação entre distúrbios do comportamento e
afetividade e o período da vida reprodutiva. As conclusões de que não existem
síndromes de humor relacionadas à menopausa refletem, pelo menos em parte, uma
interpretação seletiva de dados, falta de precisão metodológica, e falha em
considerar-se que outras síndromes afetivas além da depressão podem estar
associadas ao climatério e/ou menopausa. Recentes avanços em pesquisas sobre a
endocrinologia reprodutiva continuam a esclarecer a neurobiologia do processo de
menopausa, e contribuirão para uma melhor compreensão do papel do declínio da
função ovariana na produção de sintomas afetivos e comportamentais... de forma
que irá possivelmente avançar tanto nossa precisão terapêutica quanto nossa
compreensão da relevância das mudanças endócrinas sobre o comportamento.
(Schmidt & Rubinow, 1991, pp. 850-851)
A fim de melhor entender as relações dinâmicas entre os hormônios e os estados
emocionais, entrevistei a psiquiatra Dra. M.A.Miranda, que tem pesquisado os distúrbios
psiquiátricos que ocorrem em mulheres.14 Perguntei-lhe inicialmente se existe de fato uma
relação entre níveis hormonais e estados emocionais, ao que ela
respondeu que na
realidade o que se sabe a respeito não é só em relação ao climatério e à menopausa, pois
não só mulheres têm uma maior incidência de sintomas depressivos ao longo de suas vidas
do que os homens, como há certos períodos na vida de uma mulher em que ela está mais
predisposta a apresentar sintomas depressivos, e que isto, ao que parece, independe da
cultura, raça ou classe social. Esclarecendo que em sua opinião não há uma única
explicação para isto, disse que um fator que estes períodos indiscutivelmente têm em
comum é que estes são períodos em que ocorrem quedas repentinas nos níveis dos
hormônios femininos.
O que a gente percebe é o seguinte: primeiro, as mulheres em geral têm mais chance
de se deprimir do que os homens. Enquanto que as mulheres têm 20% de chance
de ficar deprimidas ao longo da vida, para os homens a taxa é de 8% (Kessler et
14
Drª Mary Alves Miranda. Comunicação pessoal, Maio de 1996. Entrevista gravada. As referências
bibliográficas aos autores citados foram posteriormente documentadas.
Ciornai
30
al., 1994).... Segundo, existem algumas fases da vida em que as mulheres têm
maior chance de apresentar sintomas depressivos. Fica-se tentando achar uma causa
única.... provavelmente existem muitas causas envolvidas neste processo. Mas o que
se sabe é que nos períodos em há maior chance de se fazer quadros psiquiátricos em
mulheres, ocorrem quedas hormonais. Isto ocorre primeiramente no puerpério,
período logo após o nascimento do bebê, que é um momento em que há uma queda
hormonal abrupta e muito intensa nos níveis de estrogênio e progesterona. O
segundo pico de incidência de transtornos psiquiátricos nas mulheres ocorre por
volta dos 38 a 45 anos de idade, na verdade mais dos 42 aos 45 (Sherwin, 1996) ....
i.e., no climatério, que é um período em que o ovário começa a ter uma produção
desigual de estrógeno e progesterona. Mas isto também ocorre... na tensão prémenstrual (TPM) da fase lútea tardia, às vésperas da menstruação, em que
geralmente grande parte das mulheres se queixam de alguns sintomas psiquiátricos
desconfortáveis, como maior irritabilidade, insônia, tristeza etc. E este também é
um momento em que as taxas hormonais estão decaindo.... Então existem algumas
suspeitas de que estes hormônios femininos, tanto o estrógeno quanto a
progesterona, possam estar envolvidos no desencadeamento destes quadros
psiquiátricos.
Dr.Miranda falou a seguir sobre a existência de pesquisas relacionando variações
nos hormônios femininos à mudanças em estados de humor. Afirmou que foi descoberto
que o estrogênio tem uma função anti-depressiva importante, pois tanto aumenta o nível da
seretonina, como, ao diminuir a atividade da MAO--mono-amino-oxidase (uma enzima
responsável por degradar os neurotransmissores), aumenta o número de neurotransmissores
na fenda sináptica.
Existem alguns outros estudos...
sobre o papel do estrógeno na vida humoral das
mulheres. Parece que o estrógeno tem uma ação anti-depressiva importante, parece
que ele aumenta a disponibilidade do triptofano.... O triptofano aminoácido é uma
substância que é utilizada para a fabricação da seretonina, um neurotransmissor que
em alguns sistemas tem uma ação euforizante, e que, se acredita, esteja bastante
envolvida nas questões de humor, tanto em homens como em mulheres.
Ciornai
31
.... Uma outra questão em relação ao estrógeno, é que ele diminui a atividade da
MAO -- mono amino oxidase -- que é uma enzima responsável por degradar os
neurotransmissores. Se a MAO está diminuída, consequentemente você tem um
aumento destes neurotransmissores.
Neurotransmissor é uma substância excretada pelas células. Normalmente as células
armazenam os neurotransmissores. Quando ocorre um estímulo qualquer, as células
botam uma parte daqueles transmissores para fora.... e estimula as demais através
deles, i.e., uma quantidade de neurotransmissores é derramada na fenda sináptica.
Estes neurotransmissores são utilizados e logo degradados pela MAO.... Parece que
o estrógeno diminui a disponibilidade desta enzima que degrada, e se a MAO está
diminuída, é como se houvessem “menos lixeiros limpando a rua.” Isto acaba
fazendo com que os neurotransmissores fiquem mais tempo na fenda, i.e., ocorre
um aumento, um acúmulo de neurotransmissores na fenda sináptica.
Por isto existem remédios anti-depressivos que são chamados de I-MAO, inibidores
da MAO.... e outros anti-depressivos (como a fluoxetina), que aumentam o nível de
serotonina, pois são inibidores da recaptação da serotonina (SSRI).
Subseqüentemente, perguntei-lhe como é que o aumento do níveis de serotonina
ou o aumento nos níveis de neurotransmissores na fenda sináptica podem estar relacionados
à estados de humor, ao que ela respondeu que na verdade, não se sabe muito bem ainda
como estes mecanismos ocorrem:
Estamos falando de achados isolados e grosseiros, porque na verdade sabe-se muito
pouco a respeito de quanto isso repercute em vivo no sistema nervoso central. Por
exemplo, 2 horas após administrarmos um SSRI, já há um aumento da serotonina
no sistema nervoso central, mas isso não quer dizer que a simples elevação dos
níveis de serotonina melhore a depressão. Em geral há uma demora de 20 a 30 dias
para a pessoa melhorar da depressão....
Sabemos muito pouco a respeito de tudo isso. Qual é a repercussão de uma maior
consistência de neurotransmissores na fenda é uma tentativa de compreensão dos
efeitos da maior parte dos anti-depressivos. O que a gente sabe é que a médio e
longo prazo começa a ocorrer uma dessensibilização nos receptores pós-sinápticos.
A parede das células têm receptores, como se fossem tomadinhas que as conectam
Ciornai
32
com outras células. Com os quadros depressivos o que a gente sabe é que existe um
aumento muito grande nos receptores das células. Quando você normaliza a
quantidade de neurotransmissor, a tendência é que a quantidade de receptores volte
ao normal. É isso que se chama dessensibilização, e isto estaria ligado a uma
provável resposta anti-depressiva. Isto é um dos mecanismos para se explicar
porque quando você toma Prozac aumenta a serotonina, mas demora 15 a 20 dias
para fazer efeito, porque provavelmente as paredes das células como que precisam
de um tempo para cicatrizar-se, para dessensibilizar-se....
Todas estas coisas são bastante e arduamente estudadas, mas ainda não temos nada
comprovado. obrigatoriamente testado e tal, porque se tivesse isso você teria cura
para todas as depressões, e isso não é verdade.... Falamos de uma célula, de um
estímulo, de um neurotransmissor e um receptor na célula seguinte, mas dentro
desta célula ocorrem inúmeras reações sobre as quais a gente tem muito pouco
domínio... nossa técnica ainda é muito grosseira para acompanhar o que se passa no
nível intracelular...
Dr. Miranda falou a seguir de outras relações encontradas entre as mudanças
hormonais em mulheres e estados de humor:
Por outro lado a progesterona é uma substância que pode ser depressogênica, pode
dar sono. Enquanto o estrogênio aumenta a excitabilidade neuronal, a progesterona
a diminui (Backstrom, 1977).... Os ovários são responsáveis por 95% da produção
de estradiol (estrogênio). Após a menopausa os ovários deixam de produzi-lo.
Porém, em adição à falência ovariana, também ocorrem alterações hipotalâmicas
relacionadas à idade.... Tem sido demonstrado que existem receptores específicos de
estrogênio em várias áreas do cérebro, especialmente nas áreas relacionadas às
emoções e à sexualidade. (Sherwin, 1996).
E, ela concluiu reafirmando que, em sua opinião, mesmo face à estas descobertas
científicas, não é possível atribuir apenas à mudanças hormonais as explicações sobre
mudanças de estados de humor em mulheres, pois estes são processos multi-fatoriais:
Estou falando de algumas idéias, algumas hipóteses que podem tentar explicar isto,
mas dois seres humanos podem ter respostas diferentes porque os seres humanos
são muito complexos. Nós não vamos poder dizer que depressão é causada apenas
Ciornai
33
por aumento ou deficiência de estrógeno ou progesterona. Isto são indícios,
possibilidades.... Estamos falando de um processo multi-fatorial que envolve fatores
ovarianos e neuronais. (M.A. Miranda, comunicação pessoal, Setembro de 1996)
O conjunto destas informações nos leva a ponderar que a depressão, assim como
outros distúrbios psicológicos como alternâncias de humor, angústia, melancolia, ansiedade
e irritabilidade, não devem ser descartados como possíveis sintomas de climatério e
menopausa. Se nem todas as mulheres têm este tipo de experiências, muitas as têm, e estas
experiências necessitam ser respeitadas, reconhecidas e apropriadamente cuidadas por
profissionais
capazes de levar em conta que as mudanças nos níveis de hormônios
femininos nesta faixa etária têm sido consideradas um possível fator contribuidor ao
desencadeamento destes estados -- mesmo que seus efeitos e intensidade variam de mulher
para mulher .
A INFLUÊNCIA DAS CRISES DE VIDA PESSOAL
Alguns autores, escrevem sobre o período de climatério e menopausa como um
período onde ocorrem não só mudanças de caráter biológico, mas também crises de vida
pessoal que podem provocar fortes mudanças nos estados emocionais e psicológicos15.
Alguns mencionam que neste período os filhos usualmente deixam a casa dos pais,
e que mulheres que são donas de casa e passaram a vida cuidando dos outros podem entrar
num estado doído de luto pela perda do papel materno, experienciando a chamada síndrome
do ninho vazio. Porém, mulheres profissionais que têm interesses fora do lar também
podem experienciar sentimentos agudos de perda nesta ocasião. Por outro lado, Trien
(1986) aponta que freqüentemente o ninho vazio se torna uma oportunidade para a mulher
fazer coisas que sempre desejou (p.65), e/ou
enriquecer a intimidade do casal,
mencionando que para algumas esta fase vem a ser uma segunda lua de mel (p.70). No
entanto, para algumas este período justamente coincide com a crise de vida e masculinidade
15
Por ex. Bart,1971; Fraiman, 1995; Lane et al., 1986; Lemos, 1994; Mankowitz, 1984; Pereira et al., 1994;
Rubin, 1979; Sand, 1993; Sheehy, 1991; Taylor & Sumrall, 1991b; Thiriet & Képès, 1981, Trien, 1986.
Também na biblioteca do Depto de Psicologia da Universidade de São Paulo encontrei algumas teses
sobre o tema : Grant, 1990;da Silva, 1991; Savoia, 1985.
Ciornai
34
do companheiro, que pode causar o término da relação com abandono, divórcio ou mesmo
viuvez, fatores obviamente bastante estressantes.
Outra razão mencionada é que este é um período em que muitas mulheres fazem
uma avaliação de seus caminhos na vida, do que conseguiram ou não realizar, do que foi
desejado, pretendido, e que não foi alcançado. Algumas escrevem que para aquelas que
adiaram a decisão de ter ou não filhos, dar-se conta de que o tempo para isto já passou pode
trazer um certo desespero.
Ocorre também que muitas vezes neste período o papel de cuidador em relação aos
próprios pais se inverte, e a possibilidade de morte, tanto deles como de outros parentes
passa a ser mais freqüente do que antes.
Na literatura psicanalítica, Deutsch (1945) é talvez a autora mais conhecida que
escreveu sobre o climatério. Para ela, as crises que acompanham o climatério na mulher
são inevitáveis, pois este gera um estado psicológico que ela nomeou de “mortificação
narcísica” (pp. 456-457). A autora vê nas reações somáticas e psicológicas do climatério
uma repetição da menarca ( início da menstruação), com a diferença que tudo o que uma
menina ganha na menarca ela perde na menopausa. Para Deutsch, a natureza das
dificuldades pessoais nestes períodos deve-se à uma incapacidade de realização: muito cedo
para as meninas, e muito tarde para as mulheres no climatério. No entanto, Greer (1991)
apontou que “antes de atravessar o climatério, Helene Deutsch tinha a perspectiva
pessimista que os anos da pós-menopausa representavam um retrocesso da genitalidade à
imaturidade. Na velhice, sua opinião mudou”(p. 54). Greer ilustra esta afirmação com uma
citação do texto de Deutsch (1973) no qual, rememorando sua adolescência como um
período turbulento de conquistas, ela escreveu:
Sinto que meu período de Sturm und Drang [impulsos e turbulências], que
perdurou por muitos dos anos da minha maturidade, ainda está vivo em mim e
recusa-se a terminar .... Sinto que ainda existem em mim êxtases e paixões, e que
estes sentimentos estão enraizados em minha adolescência. Pode ser que sejam
formações reativas à ameaça de morte, porém, ao mesmo tempo, representam os
impulsos generosos do período mais energetizado de minha vida. ( Deutsch, 1973,
pp. 215-216)
Ciornai
35
O livro de Mankowitz (1984) Menopausa, Tempo de Renascimento, é um relato de
um processo de terapia Jungiana com uma paciente atravessando a menopausa. Através de
seus sonhos, a autora extrai temas e questões relativas à experiência interna da menopausa.
Os temas psicológicos identificados pela autora são relativos aos sentimentos de medo,
vergonha e perda (perda da juventude, da atratividade feminina, da fertilidade), que
resultam em uma dificuldade em lidar e aceitar estas perdas. Esposando a escolha de
Deutsch do termo mortificação narcísica para este período de vida, ela também aponta que
a consciência do que não foi vivido, i.e., da vida não vivida, e a percepção de se ter perdido
as possibilidades da juventude podem ser uma fonte angustiante de sofrimento.
A autora também aponta a relação entre menopausa e envelhecimento, que por sua
vez implica em aproximação da morte, e a importância simbólica de fim da fertilidade, que
segundo ela, “representa inevitavelmente o poder constante de renovação”(pp.136-137),
trazendo sentimentos de perda, tristeza e desespero. Ela escreve: “Na menopausa esse poder
cessa, e para a mulher na menopausa parece, de início, que a esperança se foi para sempre,
que é tarde demais, que o futuro é vazio”(p.137).
No entanto, a autora também identifica conotações positivas deste período de vida
nos capítulos finais, observando que “das cinzas da criatividade biológica poderia nascer
uma criatividade de natureza mental”(p.98). No capítulo “Criatividade e Individuação”
escreve que vê a menopausa como um período que propicia uma importante integração da
totalidade da personalidade, e em sua última frase, a autora reafirma sua esperança de que
com a menopausa a mulher redescubra sua criatividade em uma nova direção” (p.137)
Estas foram as referências que encontrei quando decidi realizar este trabalho como
tese de doutorado. No entanto, de 1994 a 1997, período em que nela trabalhei, localizei
alguns textos novos que apresentam algumas similaridades com minha proposta inicial.
Mulheres da 14ª Lua: Escritos Sobre a Menopausa (Taylor & Sumrall, 1991b), é
uma coleção de ensaios literários e poemas escritos por mulheres para contar e escutar
“Meu problema é aqui, é aqui que dói, e ter alguém respondendo, Eu também. E o que eu
fiz foi o seguinte” (Paley, 1991, p.xi). Na introdução do livro, Taylor and Sumrall (1991a)
escrevem: “Quando percebemos que estávamos à beira da menopausa, fomos atrás de
estórias de mulheres que descrevessem em suas próprias palavras este período de suas
vidas.... Esperávamos encontrar experiências comuns como calores, sentimento de perda, e
Ciornai
36
uma sensação generalizada de desânimo. Ao invés, encontramos uma enorme diversidade e
individualidade nos relatos.... Mulheres da 14ª Lua é um começo, a primeira onda que,
esperamos, trará muito mais estórias de mulheres sobre a menopausa. O título foi tirado de
uma das contribuições ao livro que diz:... “se existem 13 luas cheias durante o ano, uma
mulher que não menstruou durante um ano estará iniciando uma nova fase de vida na 14ª
lua cheia” (xvii-xix).
No Brasil, Mulher 40 Graus à Sombra: Reflexões Sobre a Vida a Partir dos 40
Anos (Pereira et al., 1994) é um livro escrito por 3 psicanalistas que inclui entrevistas com
22 homens e mulheres de distintas profissões: escritores, artistas, empresários etc. Neste
livro, temas e experiências desta fase de vida são relatados de forma sensível e bem
humorada procurando descrever como a mulher de mais de quarenta “sente, pensa e faz
para conseguir reger sua Sonata de Outono” (p.3). O livro toca temas importante deste
período como depressão (“crise fé, de qualquer fé,” p. 5), solidão, a reavaliação dos
caminhos escolhidos (“a crise tem mais a ver com as coisas que gostaria de ter feito mas
não fiz” p. 9), a crise de identidade sentida especialmente através do reconhecimento das
mudanças na identidade física, e vários outros temas relativos à aspectos culturais e ao
imaginário social. O livro contém uma parte especialmente interessante dedicada à história
dos personagens femininos de filmes que viveram momentos de crise e transformação de
vida como as personagens de Telma e Louise, Babette de A Festa de Babette, e a Jasmin de
Bagdah Café.
E finalmente, Quarenta, a Idade da Loba (Lemos, 1994), é uma coletânea de 96
entrevistas com mulheres de classe média alta, de profissões variadas de todo o país, que
contam suas estórias e compartilham suas experiências desta fase da vida. As entrevistadas
apresentam diferentes “maneiras de viver a crise da meia-idade e todas as questões
relacionadas... sem conselhos nem fórmulas, mas em toda a sua diversidade e
originalidade... [traçando] um panorama da história feminina da vanguarda no Brasil,
mostrando... a formação e a experiência dessas mulheres que estão hoje influenciando a
cultura e a formação de novas gerações”(pp. 21-22).
Ciornai
37
SEXUALIDADE NESTE PERÍODO DE VIDA
A percebida perda da atração sexual e da própria libido são alguns dos medos e
horizontes sombrios que, para ambos os gêneros, envolvem a perspectiva de vida na meia e
terceira idade. Em nossa cultura, ficamos surpreendidos ao ouvir falar que uma pessoa mais
velha ainda é ativa sexualmente, freqüentemente considerando o fato ridículo,
inapropriado, ou até, se a atitude for benevolente, “uma gracinha.” Os meios de
comunicação, com raras exceções, nos provêm continuamente com piadinhas e imagens
de escárnio sobre a sexualidade de pessoas mais velhas. No entanto, embora esta atitude
seja pervasiva em relação à pessoas idosas de forma geral, mulheres na meia e terceira
estão muito mais sujeitas à discriminação social do que homens na mesma faixa etária. E
este é um fator importante de se levar em conta ao questionarmos a sexualidade das
mulheres de meia e terceira idade, pois se Clint Eastwood aos 67 anos ainda é um galã que
provoca suspiros no público feminino, dificilmente hoje em dia uma mulher nesta idade
provocaria tal reação em um público masculino.
Ao pesquisar a literatura existente sobre a sexualidade da mulher durante os anos da
menopausa, Terhune-Young (1993) diz ter verificado que esta questão ainda está carregada
de contradições, informações e interpretações errôneas. Para ilustrar esta afirmação, cita
autores como Barbach (1993) que considera que a perda do desejo e resposta sexual em
mulheres após a menopausa é confirmada pelo corpo de pesquisas atuais; Kinsey et al.
(1953), que afirmam
inexistir relação entre idade e declínio do interesse sexual em
mulheres, e Greer (1991), que defende a idéia de que o declínio do desejo sexual serve
como função adaptativa às mulheres que não têm parceiros sexuais. A verdade é que
sexualidade é uma área complexa, íntima e delicada onde uma multiplicidade de fatores
atuam de forma interrelacionada.
Ao considerar fundamentalmente o fator biológico, vários autores afirmam que, em
decorrência do declínio dos hormônios femininos, a libido da mulher diminui nesta fase da
vida16. Porém, Trien (1986) sugere uma perspectiva diferente:
Sexo pode ser até mais agradável para você depois da menopausa. Embora
os níveis de estrogênio caiam na menopausa, seus ovários e glândulas supra-renais
continuam a produzir andrógenos, ou hormônios masculinos. Agora, sem a oposição
Ciornai
38
dos estrógenos, eles exercem uma influência mais poderosa do que nunca sobre a
libido.
De um ponto de vista puramente físico a capacidade de prazer sexual
aumenta com a idade. Mulheres com experiência sexual têm uma rede de veias
maior e mais complexa na área genital, principalmente depois que têm filhos.
Quando esta camada venosa fica ingurgitada durante a excitação sexual, isso pode
contribuir para elevar as sensações de tensão sexual . (p.173)
Masters e Johnson (1970), autores renomados na área da sexualidade, também se
posicionam contra a idéia de que a mulher perde a capacidade de responder sexualmente
após a menopausa -- para eles isso é uma falácia cultural. No entanto nos previnem que
como qualquer outra função humana, para não perder é necessário usar, ressalvando que
para algumas mulheres a reposição hormonal é necessária para que o tecido pélvico possa
retornar a um estado similar ao do período da pré-menopausa pois a diminuição dos
hormônios femininos pode produzir ressecamento nas paredes vaginais, e, sem o uso da
TRH ou de cremes apropriados, o sexo pode ser dolorido. Neste sentido, ao descrever suas
experiências pessoais, Sand (1993) escreve: “é difícil decidir o que vem primeiro: não
desejar fazer sexo, ou não querer porque dói.”(p.113 )
Outros autores abordam a sexualidade da mulher mais velha de uma perspectiva
mais ampla. Contestando a crença que o término da fertilidade implica no término da
sexualidade,
Greenwood (1984) escreve que “[embora] a menopausa seja o fim da
fertilidade de uma mulher... ela continua sendo um ser sexual capaz de dar e receber amor
de todas as formas ”(p. 41). Na mesma linha Pereira et al. (1994) opinam que apesar de que
“ há séculos a perda da capacidade reprodutora vem sendo associada à perda da
feminilidade e da possibilidade de prazer sexual....
fertilidade e sexualidade não são
sinônimos” (p.15).
Ultimamente, nos meios de comunicação tem começado a aparecer algumas
matérias mais positivas a este respeito. No encarte Jornal da Família da
edição de
domingo do jornal O Globo por exemplo, foi publicado um artigo entitulado “Sexy na
Terceira Idade: Pesquisa mostra que não há limite de idade para o prazer sexual” (Froés
& Marinho, 1995) Os subtítulos eram: “As várias receitas de orgasmo aos 60,” e
16
Por exemplo Cooper 1976; Cutler et al., 1983; Fernandes et al., 1993; Fonseca, 1992; Wilson, 1965 .
Ciornai
39
“Preconceito social inibe amor entre pessoas idosas.” O artigo defendia a posição que a
idéia que pessoas mais velhas são dessexualizadas
deve ser revertida, e entrevistava
psicólogos, médicos e pessoas na faixa dos 60 anos de idade que têm uma vida sexual ativa
e feliz.
Livros sobre o assunto, trazendo uma perspectiva mais inovadora têm também
começado a ser publicados. Quarenta, a Idade da Loba (Lemos, 1994), reuniu depoimentos
de 96 mulheres desta faixa etária que trazem uma imagem da “quarentona” que em termos
de sexualidade desafia e transcende os estereótipos culturais. Ao contar como vivenciam a
sexualidade nesta faixa de idade, muitas relataram por exemplo interesse por homens mais
jovens com os quais estão relacionando-se com muita satisfação.
Fraiman (1995), em Coisas da Idade levanta um outro ponto. Ela escreve que a
atividade sexual na vida adulta em geral é uma atividade desvinculada de sensualidade,
afeto ou ludicidade, uma atividade feita rapidamente e sem intimidade, resultante de uma
sociedade com uma ideologia de consumo onde tudo é rápido e descartável. Para ela, o
grande entrave não é de ordem sexual, pois “o sexo, hoje, reduzido à busca do prazer, nos
rouba a dimensão do envolvimento.... A maior barreira sexual é, em qualquer idade, a
mordaça que se coloca na voz do coração.” (pp. 67-68).
Já para Mankowitz (1984) o problema da sexualidade na menopausa não é que a
mulher deixe de sentir desejo sexual, mas sim que sua capacidade de despertar o desejo em
outros começa a diminuir. “O que está em jogo é seu poder feminino e não sua capacidade
sexual” (p.71). Por outro lado, reconhecendo que transformações de fato ocorrem neste
período de vida tanto para a mulher como para o homem, considera:
Se pudéssemos imaginar... que o pêndulo afastou-se da imagem da menopausa sem
sexo, mas não ao outro extremo da não-mudança, não-envelhecimento e
sexualidade, a mulher mais velha poderia, em tal ambiente, envelhecer mais
graciosa e com mais propriedade. Poderia descobrir...que se sua vida sexual já foi
boa, ainda poderia continuar sendo; mas que suas necessidades sexuais eram
menores do que antes e que seu interesse por sexo estava cedendo lugar a outras
preocupações. Ela em geral tem medo de admitir isso, por temer não se manter à
altura do parceiro masculino. Ele porém é igualmente pressionado, se não mais, a
manter uma potência exuberante até idade avançada.... Ele também, se ouvir as
Ciornai
40
necessidades de seu corpo em envelhecimento, pode descobrir que as necessidades
são menos urgentes do que antes, e sentir-se aliviado por diminuir o ritmo,
acertando o passo com sua parceira de longa data (p.72)
Um outro fator importante é a história pessoal da sexualidade de cada mulher.
Algumas autoras17 escrevem que mulheres que tiveram uma vida sexual satisfatória ao
longo de suas vidas, costumam continuar a tê-la, e que aquelas que não a tiveram
dificilmente irão tê-la agora. Mas Thiriet e Képès (1981) sem descartar a importância das
experiências anteriores, apontam que neste terreno não é possível predizer,
pois há
mulheres que experienciaram orgasmo pela primeira vez aos 50 anos e até mais (p. 94).
Isto nos leva a considerar que é sempre importante lembrar e levar em conta que a
sexualidade é um fenômeno relacional, i.e., que sua qualidade depende tanto de nossa
capacidade de amar, de soltura, de entrega -- muitas vezes só aprendidas nos anos de mais
maturidade, como também do outro, do parceiro. A construção de uma relação amorosa
satisfatória, não é, em nenhuma idade, uma questão simples e banal. Neste sentido,
considerando a sexualidade de mulheres de 50 anos ou mais, Thiriet e Képès ( 1981)
escrevem:
As mudanças físicas podem, em certa medida, desempenhar um papel desfavorável,
pois suprimem alguns estímulos hormonais ligados às diferentes fases do ciclo. Mas
será que elas eram tão importantes em nossa vida amorosa anterior? Nossa
disposição sexual era feita de outros elementos que podem permanecer intactos:
aqueles que emanam da qualidade da oferta e da demanda de nossos parceiros com
sua carga sentimental e erótica, e aqueles da nossa imaginação, por si só mais
poderosa que todas as nossas glândulas para matar ou estimular nossos desejos ( pp.
92-93).
Ao mesmo tempo, os efeitos castradores e opressivos que as crenças e atitudes
sociais em relação à mulher mais velha, nossos conceitos sobre o envelhecer, e nossos
temores do julgamento de outros, são indubitavelmente fatores que permeiam de forma
marcante nossas experiências e a percepção de nossas possibilidades amorosas nesta idade:
Se uma mulher chega a esta fase com a idéia de que é indecente continuar a vida
amorosa com os cabelos grisalhos, então esta mentalidade puritana, um pouco
17
Sheehy (1991); Trien, 1986.
Ciornai
41
ultrapassada mas ainda encontrada, poderá efetivamente ser concretizada por
reticências nas relações amorosas. Estas reticências, por sua vez, implicarão em
uma moderação na demonstração da ternura, no aparecimento da excitação, e haverá
“falhas” no prazer. Logo esta mulher encontrará a confirmação de que isto não é
mais próprio da sua idade, que ela não tem mais bastante vitalidade ou hormônios
suficientes para fazer amor ( p.96).
Sheehy (1991), adotando um ponto de vista mais pragmático, escreve :
A vida sem sexo pode ser mais feliz para algumas mulheres do que continuar no
mesmo padrão de frenesi emocional -- aberta à humilhação, rejeição, ansiedade e
miséria, assim como aos prazeres do sexo...Isto pode explicar porque algumas
mulheres começam a substituir seus hormônios e depois param. Enquanto não
estavam muito com seus próprios hormônios em circulação, o desejo pode ter
lentamente declinado.... Porém, se este é reestimulado pela ingestão de hormônios
... suas opções são satisfazê-lo ou sofrer de uma carência inconsolável. (p. 145)
Enfim, revendo a literatura existente sobre a sexualidade da mulher de meia e
terceira idade, torna-se evidente que a sexualidade nesta fase da vida é um tema
controverso e que enche de temores mulheres à beira da menopausa. Neste sentido, o
estudo de Terhune-Young’s (1993) traz uma conclusão que me parece um fechamento
ainda bastante apropriado para este tópico:
O estudo da sexualidade da mulher nos anos da menopausa é uma área que implora
por mais pesquisas e definições. Áreas que justificam estudos mais conclusivos
incluem os fatores psicológicos que influenciam o funcionamento sexual, as atitudes
em relação à menopausa, a qualidade dos relacionamentos, fatores de stress, e a
extensão pela qual a auto-estima de uma mulher está baseada em sua percepção de
sua condição reprodutiva. Estudos que examinem os fatores psicológicos que
influenciam a sexualidade na menopausa, se existentes, foram, até hoje, muito
poucos. (p. 19)
Ciornai
42
ESTUDOS TRANSCULTURAIS, DE CLASSE, E SOBRE O IMAGINÁRIO
SOCIAL
A sociedade e a cultura em que vivemos influenciam nossas formas de sentir, nos
comportar, pensar, desejar e nos relacionar conosco e com os outros. Influenciam também
as formas com que lidamos com a vida e a morte, as formas como compreendemos nossa
feminilidade e lidamos com nossa sexualidade. Influenciam tanto o modo com que nos
relacionamos com nossas realidades externas e internas, como o modo pelo qual os outros
relacionam-se conosco. Nas palavras de Feinstein, Krippner (1988):
Sua mitologia pessoal está enraizada no seu ser mais profundo, sendo também o
reflexo da mitologia produzida pela cultura em que você vive. Todos nós criamos
mitos baseados em fontes internas e externas, e vivemos segundo estes mitos .... Até
certo ponto, sua mitologia é a mitologia de sua cultura em microcosmo. Tudo o que
você faz e todos os seus pensamentos trazem a marca distintiva da mitologia da
cultura em que você foi criado. ( pp. 4- 5)
O IMAGINÁRIO SOCIAL NA SOCIEDADE OCIDENTAL
As sociedades ocidentais tipicamente vêem a menopausa como o fim da
feminilidade e juventude da mulher, como o primeiro degrau de uma escada descendente
de onde o único cenário é a descida inexorável à deterioração e à morte. Em uma sociedade
onde a juventude é exaltada e apontada nos meios de comunicação como padrão de beleza,
sexualidade, bem-estar, sucesso, etc.-- i.e., como “o desejável,” não é de surpreender que a
chegada ao climatério tenha a conotação negativa de descida à um status inferior.
NA LINGUAGEM MÉDICA
Esta postura tem aparecido de forma mais ou menos explícita nos escritos médicos
sobre a menopausa. Em 1966 Wilson lançou o famoso livro Feminina Para Sempre e em
1976 Cooper publicou Sem Mudança. Os dois livros como os títulos indicam, oferecem às
mulheres através da TRH juventude eterna e ciclos menstruais até o fim de suas vidas. No
Ciornai
43
Brasil, Fonseca (1991) publicou Menopausa: Para Sempre Mulher, uma coletânea de
artigos publicados no Caderno Feminino do Estado de Minas Gerais, na qual descreve a
TRH como o maior avanço médico do século para a mulher. Assim como estas publicações,
outros livros, artigos e palestras afirmam conhecer a receita daquilo que é visto como de
mais alto valor e desirabilidade para a mulher: juventude e feminilidade perpétuas.
No entanto, autores como Logothetis (1991) e Hahn and Murphy (1993), criticam a
noção de “doença” que a medicina tradicional dá à menopausa ao denotá-la como uma fase
de “deficiência hormonal” ao mesmo tempo em que louva a TRH como a forma de evitar e
livrar-se “destes processos indesejáveis.” Segundo Beyene (1986), autoras feministas e o
movimento da Organização Nacional de Saúde da Mulher nos Estados Unidos, têm
contestado o modelo de doença da menopausa argumentando que os mitos sobre
menstruação e a menopausa são uma forma de controle social através da qual o sistema de
assistência à saúde na cultura Ocidental legitima o sexismo e o preconceito contra a idoso
sob a máscara de ciência.
O artigo de Logothetis (1991), “Nossa Herança : O Olhar dos Médicos Sobre a
Mulher na Menopausa,” é uma revisão da literatura médica nos anos 1960, 1970, e 1980
sobre a menopausa com o objetivo de analisar que imagem de mulher está implícita em
seus escritos. Na introdução de seu artigo ela assim resume o que encontrou:
A mulher na menopausa parece provocar um tipo particular de virulência e
negatividade na maioria dos médicos.... Ela tem sido retratada como experienciando
a menopausa como um processo degenerativo .... Na literatura médica foram
encontradas três imagens da mulher na menopausa: como fisicamente em
deterioração, psicologicamente incapacitada, e socialmente desvalorizada (p. 40).
Mais especificamente em relação às atitudes médicas em relação ao corpo da mulher
na menopausa, ela escreve:
A descrição do corpo da mulher na menopausa é geralmente repulsiva.... Os
termos médicos comummente utilizados para descrever estas transformações no
corpo da mulher na menopausa criam em si ainda maior negatividade. Por exemplo,
a palavra “atrofia” utilizada para descrever mudanças genitais.... “deficiência
estrogênica,” ...“vaginite senil”.... Implícito nestes rótulos médicos está implícita
Ciornai
44
uma visão extremamente negativa da mulher como um ser assexuado com o corpo
em ruínas.... ” (p.41)
A seguir, considerando os aspectos psicológicos da mulher nesta fase, a autora
continua dando exemplos de como a mulher na menopausa é descrita de forma rude e hostil
na literatura existente, sendo caracterizada entre outros exemplos como “sofrendo de
distúrbios neuróticos e psicossomáticos”(Kistner,1978, p. 552), e cuja “enciclopédia de
queixas’ inclui “depressão, irritabilidade... clara mesquinhez” (Easley,1983, p.371).
(Logothetis, 1991, pp. 42-43).
E, em relação à questão do valor social, a autora dá exemplos de como a mulher na
menopausa é definida na literatura médica em função de sua sexualidade e valor
reprodutivo. Ela passa a considerada como passando a um status social inferior em vista de
seu papel reprodutor ter terminado, e por socialmente não ser mais considerada atraente
para o homem. Entre os vários exemplos encontrados a autora menciona os seguintes:
Infelizmente , sem o estrogênio “que produz a beleza, a sedução que atrai o macho”
(Wilson & Wilson, 1972, p.521).... Ela se torna “ a casca enrugada de uma mulher,
gasta, seca, assexuada, e, em comparação com suas boas lembranças dos tempos
passados de glória e romance,” passa a não ser nada mais que um monte ossos
(Sillman, 1986, p.166). Sua “importância social e sua feminilidade desaparecem na
menopausa” quando “seu valor como parceira sexual diminui”(Easley, 1983, p.373)....
Com estrogênio ela se tornará “muito mais agradável à convivência e não se tornará
insípida e pouco atraente”(Wilson & Wilson, 1972, p.523). ( Logothetis, 1991, p. 43)
E ela conclui:
Declarações sobre a mulher expressas através da ideologia médico-científica vêm
imbuídas de prestígio e autoridade. Em vista disto os médicos têm um enorme poder
em definir e manipular a realidade feminina. Quando mulheres são vistas como
fisicamente, psicologicamente e socialmente incapacitadas devido à menopausa, o
sexismo e o determinismo biológico perpetuam-se.... As mulheres devem unir
esforços para rejeitar a imagem médica da menopausa como doença e resgatá-la
como uma fase normal do seu ciclo de vida. (Logothetis, 1991, pp. 44-45)
Ciornai
45
NAS QUESTÕES DE IDADE E VELHICE
Consequentemente, mulheres não só sentem-se relutantes em admitir estar na
menopausa, mas são também encorajadas a escondê-la e negá-la como se fosse uma
gravidez indesejável que deve ser ocultada. Na obsessão de evitar ou retardar o máximo
possível a passagem para esta fase “indesejável”, proclama-se os hormônios como pílulas
da eterna juventude. No entanto, à parte da polêmica sobre serem os hormônios seguros ou
não de tomar, não só eles não revertem o relógio para ninguém como impedem a mulher de
alcançar um novo nível de desenvolvimento metabólico, psicológico e espiritual.
Dentro destes parâmetros, a menopausa é equacionada como a porta de entrada para
a velhice, carregando junto a discriminação e os preconceitos sociais em relação ao idoso.
A este respeito, em A Velhice, de Beauvoir (1970) escreve:
A situação dos idosos hoje é escandalosa (p.205). Para a sociedade a velhice aparece
como uma espécie de segredo vergonhoso, do qual é indecente falar.... Aí está
justamente porque escrevo este livro: para quebrar a conspiração de silêncio .... Com
relação às pessoas idosas, essa sociedade não é apenas culpada, mas criminosa.
Abrigada por trás dos mitos de expansão e abundância, trata os velhos como párias.
(p.8)
Ora, se a mídia, especialmente a indústria cinematográfica, apresenta os velhos às
vezes como charmosos com histórias passadas “dignas de um filme”, às vezes como
impossíveis e cheios de manias, não é comum ver-se uma pessoa mais velha retratada
como uma pessoa inteira, profissionalmente e sexualmente ativa, participando da vida com
alegria e vigor.
Falando sobre este assunto, Lieboff (1995) coordenador do setor de programas do
Departamento da Terceira Idade da prefeitura de Los Angeles, Califórnia, em um estudo
apresentado no Congresso Panamericano de Gerontologia em São Paulo, defendeu a idéia
de mudar a imagem do trabalhador aposentado. Seu estudo lista várias razões pelas quais
trabalhadores mais velhos deveriam interessar às indústrias, como o sentido mais elevado
de responsabilidade, conhecimento e experiência em sua área de trabalho, o fato de já
terem seus filhos crescidos e educados, etc., e relata que o governo americano está
implantado uma política de incentivos financeiros às indústrias que empregarem
trabalhadores mais velhos.
Ciornai
46
Fodor (1990), em um artigo sobre terapia com mulheres de meia-idade, afirma que
terapeutas precisam confrontar seus próprios preconceitos antes de trabalhar com clientes
de meia-idade (p.39). Citando Sontag (1980) que escreveu sobre o duplo padrão de
envelhecimento para homens e mulheres, Fodor constata que enquanto as mulheres são
consideradas velhas aos trinta anos, os homens de meia idade ainda são considerados em
plena forma, e que este duplo padrão cria, para homens e mulheres, diferentes ansiedades
em relação ao medo de envelhecer e à necessidade de manter-se jovem”(p.39). Para esta
autora, a terapia com clientes de meia-idade deve necessariamente incluir o favorecimento
de uma mudança de paradigmas em relação aos estereótipos culturais internalizados como
esquemas internos (p.42).
EM RELAÇÃO À “BELEZA” E AOS ESTEREÓTIPOS SOBRE A MULHER
OS estereótipos internalizados do imaginário social têm muito a ver com a aparência
física da mulher. A mulher tem sido apreciada mais por sua aparência física do que por
qualquer outra coisa em nossa sociedade, e como o padrão ideal de figura física, moda ou
beleza é sempre a juventude, torna-se difícil para a mulher valorizar-se e sentir-se neste
sentido à medida em que chega à meia-idade
Interessantemente, ao analisar pinturas de artistas europeus retratando mulheres,
Berger (1972) também escreveu sobre este duplo padrão em relação às imagens de homens
e mulheres retratados. Segundo ele, como as mulheres eram normalmente pintadas por
homens, quase nunca eram retratadas como seres que percebem, pensam, sentem ou que
têm uma interioridade, mas sim como objetos do desejo masculino. Ilustrando esta idéia
com uma impressionante galeria de exemplos ele assim descreve esta percepção:
Os homens agem, as mulheres aparecem. Os homens olham para as mulheres. As
mulheres se vêm sendo olhadas. Isto determina não só a maior parte das relações
entre homens e mulheres como também a relação das mulheres consigo mesmas. O
observador interno de uma mulher é masculino: a observada, a mulher. Assim ela se
transforma em um objeto -- e mais particularmente em um objeto visual: uma
visão. (p. 47)
Ravena (1996), psicóloga e arte terapeuta, pesquisou esta questão relacionando-a à
mulher madura. Também buscando as imagens de mulheres representadas por artistas que
Ciornai
47
através da história compuseram uma verdadeira “iconografia do feminino,” conclui que os
padrões convencionais de beleza feminina foram concebidos basicamente por homens, e
que estes padrões de beleza socialmente equacionados à juventude e ao poder da atração
sexual, excluem as mulheres mais velhas.
A autora defende a importância de questionar estes estereótipos estabelecidos,
contrapondo a noção de beleza como uma qualidade em si -- uma essência, à noção de
beleza como um processo relacional. Ela escreve:
Quando... homens e mulheres organizam elementos de sua relação com o mundo
dos fenômenos, e, numa perspectiva também existencial, esses elementos podem significar
todos juntos e ao mesmo tempo harmonia, proporção, integração e expressividade, nasce a
percepção de um estado diferenciado que, intensamente carregado de afeto, pode criar a
vivência de um deslumbramento. Na sua plenitude esse deslumbrar-se é nomeado “O
Belo”. ( p.79)
Esta maneira de conceber o “belo” é muito semelhante à concepção de Knill (1995)
, artista e arte terapeuta também por ela citado que assim escreve sobre o conceito da
beleza na arte :
É necessário dar um salto além da concepção tradicional da estética formal que se
preocupa com formas ideais, e também, além da afirmação simplista de que “a
beleza está nos olhos de quem vê” (p.1) .... A presença da beleza não está ligada à
concretização ou abstração do tema ou objeto apresentado. A beleza irradia através
dos meios e maneiras pelas quais o emergente -- concebido originalmente com
amorosa afeição -- nos acerca. (p. 3)
Baseando-se nestas premissas e preocupada com a internalização dos estereótipos
sociais, Ravena conduziu um pequeno estudo em que explorou os conceitos pessoais sobre
beleza de 6 mulheres maduras, concluindo que “que com um trabalho interno profundo,
com compromisso com o próprio amor de si mesma e com a liberdade de olhar abertamente
para si, a mulher madura pode descobrir sua Beleza.” (p.80).
Ciornai
48
NOVOS PERFIS PARA A MULHER MADURA
Recentemente tem havido um certo esforço de alguns setores da mídia de passar
imagens positivas da mulher de meia idade. Entrevistas com mulheres, especialmente
mulheres famosas que estão hoje na faixa dos 40, 50 anos começaram a aparecer
lentamente em revistas e na televisão, mostrando um “novo perfil” da mulher de 40, 50
anos. No entanto, com freqüência oferecem mensagens ambíguas. Por exemplo, a revista
Veja publicou um artigo sobre mulheres que estão hoje se aproximando dos anos da
menopausa. O título do artigo que aparecia na capa da revista era: “A Batalha Começa aos
40: Hormônios, Ginástica, Cosméticos -- Como as Mulheres Estão Enfrentando a
Menopausa?”( Capriglione & Leite 1995), título que claramente dá a menopausa a
conotação de algo indesejável à ser combatido.
Na literatura feminista, o tema da experiência feminina da menopausa também
começou a aparecer em algumas publicações. Em “Enfoque Feminista,” Teles (1995)
escreve que percebe uma resistência nas mulheres que têm estado na liderança dos
movimentos feministas, hoje na faixa etária dos 40, 50 anos, a enfrentar a menopausa e
reconhecer o próprio envelhecer. Ela escreve: “Temos que assumir nosso envelhecimento
com independência, sabedoria, bom humor, e principalmente, com senso crítico”(p.38).
Com uma intuição similar à que orientou meu interesse em realizar este trabalho, ela
considera:
Se soubermos aproveitar nossa capacidade de ousar e nos rebelar, enfrentaremos
com maior fôlego os preconceitos e conseguiremos dar a volta por cima.
Poderemos viver com mais segurança. Poderemos aceitar nossas rugas e nossos
seios flácidos, como aceitamos com orgulho a experiência que o tempo nos deu.
Para criar uma nova abordagem que resgate a menopausa de maneira digna, nós,
mulheres, feministas ou não, precisamos agir coletivamente. (p.38)
Por outro lado, alguns livros têm aparecido encorajando mulheres a definir por si
mesmas o que desejam honrar e o que consideram sagrado, proporcionando uma
perspectiva nova e positiva da menopausa como a porta de entrada para um
desenvolvimento espiritual mais elevado.18 Os escritos destas autoras nos possibilitam
18
E.g, Anderson & Hopkins, 1991; Andrews, 1993 ; Gray 1994; Horrigan, 1996.
Ciornai
49
entrever possibilidades de considerar a menopausa e a mulher mais velha de formas
diferentes das usuais, sugerindo e encorajando a criação de práticas, cerimonias e rituais
que nos honrem. Da mesma forma, lentes culturalmente distintas podem nos levar a
considerar a subjetividade e relatividade de nossas “verdades” ao apresentarem
perspectivas totalmente diferentes sobre o mesmo fenômeno biológico.
ESTUDOS EM DIFERENTES CLASSES SOCIAIS
No ensaio sobre as pesquisas transculturais em relação à mulher e menopausa
Terhune-Young (1994) levantou a dúvida se experiência do climatério e menopausa seria
significantemente distinta entre mulheres de diferentes camadas sociais. Ela introduz o
tema citando Greene (1990), que escreveu: “Há algum tempo tem estado na moda encararse a preocupação com a menopausa como peculiar às classes média e alta da sociedade,
ocorrendo entre mulheres que, não tendo necessidade de trabalhar, pouco têm a fazer além
de se preocupar com o envelhecimento e suas manifestações físicas”(p.80).
No entanto, ao resenhar a bibliografia existente sobre o assunto, a autora afirma que
“esta não endossa esta conclusão” (p. 3). Entre os vários estudos que a autora cita como
exemplos, ela menciona o estudo de Jaszmann, Van Lith,
and Zatt (1969)
sobre o
climatério entre mulheres holandesas, que “conclui que vários sintomas da menopausa eram
muito mais altos em mulheres de baixa renda e nível de educação baixo,” embora este
estudo, segundo a autora, “não fizesse distinção entre sintomas vasomotores (i.e., ondas de
calor e suor), e sintomas não vasomotores” (Terhune-Young, 1994, pp. 3-4). A autora
menciona também o estudo de Greene and Coke (1980) sobre um grupo de mulheres
escocesas , resumindo os resultados como segue:
Este estudo não encontrou relação entre sintomas vasomotores e condição social,
mas encontrou uma forte associação entre condição social e outros sintomas. Os
resultados deste estudo indicam que durante os anos do climatério (entre 40 e 55
anos ) a freqüência de sintomas em mulheres de condição sócio-econômica inferior
aumentavam mais que aqueles de mulheres de condição socio-economica superior,
e permaneciam mais altos durante o período pós-climatério. O efeito entretanto, é
Ciornai
50
maior para sintomas psicológicos, o que faz com que a diferença de classe durante o
auge do climatério alcance um nível estatístico significativo. (pp. 3-4)
Outro exemplo que ela apresenta é o estudo de Campagnoli et al (1981) sobre
mulheres italianas, que também verificou que “a classe sócio-econômica não está
relacionada com sintomas vasomotores, mas mulheres de classe social inferior tendem a
queixar-se mais de sintomas psicológicos mais severos (tais como ansiedade, irritabilidade,
depressão etc.) do que mulheres de condição social mais elevada.”(Terhune-Young,1994,
p.4)
Portanto, se por um lado estes estudos nos dizem que o aparecimento de sintomas
pode variar em grau e intensidade em diferentes classes sociais, eles também indicam que
sintomas vasomotores e psicológicos ocorrem na experiência de mulheres de todas as
classes sociais no Ocidente.
Na biblioteca do Deptº de Psicologia da USP encontrei 3 teses sobre o assunto. São
3 pesquisas dirigidas à mulheres de classe média e baixa que, comparadas às dirigidas à
mulheres de classe média e alta que mencionei antes19 indicam que diferenças sócioeconômicas constituem um fator importante no considerar a experiência de mulheres
durante o climatério e a menopausa .
“Vivência da Menopausa,” dissertação de mestrado em Psicologia de Pereira da
Silva (1981), é uma pesquisa com 15 mulheres mineiras de classe média nascidas entre
1920 e 1930 residentes em Belo Horizonte. Suas conclusões são que “suas vidas estão
associadas a muitas perdas” (Abstract) e que “o corpo parece falar de uma sexualidade
negada, ou vivida com culpa e medo de solidão e abandono”(p. 50). No último parágrafo
ela fala de sua esperança de que através do compartilhar de experiências, a fenomenologia
da menopausa que se configurou para ela em “um estudo de perdas, abandono e
envelhecimento” possa “transformar cada etapa da existência em um momento vivido em
sua integridade, evitando-se que o presente seja uma espera ansiosa” (p. 52) .
O segundo, “Estudo Exploratório Sobre a Repercussão Psicológica da menopausa
em Um Grupo de Mulheres de um Hospital Público” dissertação de mestrado de Savoia
(1985), é um estudo piloto com 16 pacientes menopausadas de baixa renda, em uma
ambulatório de psicologia de hospital público em Campinas. A pesquisa procurou acessar a
19
(Mankowittz,1984; Taylor, & Sumrall,1991; Pereira, Pimentel, & Fontes,1994; Lemos, 1994),
Ciornai
51
repercussão psicológica da menopausa nas vidas destas mulheres através de entrevistas
abertas com questões norteadoras sobre tópicos variados tais como sexualidade, vida
afetiva, renda etc. As mulheres foram divididas em 2 grupos básicos, o das que tinham
calores como o único sintoma de menopausa, e das que sentiam outros sintomas como
tonturas, insônia, dores de cabeça, dores nas pernas, depressão e irritação. A autora
procurou verificar se seria possível relacionar os sintomas relatados à diferenças em suas
experiências de vida. Suas conclusões foram que, como
não houveram diferenças
significativas nas respostas dos 2 grupos, lhe parece que o uso do termo “crise da
menopausa” não se justifica para o grupo pesquisado.
Além disto, a autora conclui
considerando que fora “calores”, os outros sintomas poderiam ser considerados
somatizações, relacionando frases das participantes à citações de autores sobre possíveis
bases psicológicas para sintomas de menopausa, tais como insatisfações prévias e
presentes, formação reativa à sentimentos de frustração, medo de degradação física etc.
O terceiro e mais recente, “Climatério: Tempo de Mudança,” tese de doutorado de
Grant (1990), foi uma pesquisa realizada em instituições públicas de saúde com um grupo
de mulheres de baixa renda da periferia da cidade de São Paulo. Através de entrevistas, a
autora procurou entender os correlatos psicológicos das mudanças somáticas que ocorrem
neste período de vida da mulher. As conclusões da autora foram que de seus discursos
sobre esta fase da vida emergiram imagens caracterizando-a como entrada para a velhice,
pautadas pela perda dos atributos femininos (p.xii). “As mudanças que ocorrem nesta fase
de vida são significadas por perdas, e o resultado é um discurso caracterizado por
lamentações”( p.127). A autora afirma que “os resultados indicam que a tentativa da mulher
buscar na beleza, no amor, na maternidade, marcas que a identifiquem como mulher, é
seriamente abalada no climatério”(p.xiii).
ESTUDOS EM DIFERENTES CULTURAS
Estudos médico-antropológicos têm criticado a biomedicina ocidental por conceber
e definir a menopausa como doença e não como processo natural, baseando-se em alguns
estudos que sugerem que a reação à menopausa está condicionada ao contexto cultural. De
acordo com Beyene (1986), “tais estudos consideram a cultura como um sistema
Ciornai
52
organizado que atribui significados à realidade.... [e] como tais significados variam de
cultura à cultura, diferenças podem estar relacionadas à menopausa”(p.49)
Estudos feitos com mulheres de diferentes grupos étnicos, revelam que à mulher de
meia-idade atribuem-se usualmente valores bastante distintos. Por exemplo, em algumas
destas culturas, embora as distinções entre homens e mulheres estejam rigidamente
definidas através de sanções sociais e as mulheres sejam extremamente reprimidas, na pós-menopausa elas freqüentemente recebem mais poder, respeito, privilégios e honrarias
especiais20. São liberadas da reclusão, lhes é permitido andar sem véu e podem conversar e
beber junto com os homens (Beyene, 1986, p.49). De acordo com estes autores, nestas
culturas as mulheres apresentam muito menos sintomas relacionados à menopausa do que
as mulheres ocidentais, e estas diferenças são atribuídas ao fato de que a menopausa lhes
traz um status e uma mudança de papel mais positivos.21
Flint (1975) por exemplo, antropóloga, pesquisou 483 mulheres menopausadas da
casta Rajput na Índia. De acordo com esta antropóloga, poucas mulheres tinham problemas
com a menopausa além da mudança na menstruação. Depressão ou qualquer outro dos
sintomas usualmente associados não foram relatados; na realidade, a grande parte destas
mulheres esperava ansiosamente pela menopausa ou tinham dela uma aceitação positiva.
Porque isto? Flint explica que neste grupo as mulheres jovens têm que viver em “purda,”
o que significa que têm que usar véus e viver reclusas, à parte dos homens à exceção de
seus maridos. É só depois da menopausa que têm permissão de deixar os aposentos das
mulheres e sair à rua, beber bebidas alcoólicas, e conversar com homens em reuniões
sociais. Citando este estudo, Machado (1994) conclui: “Dá para concluir que, enquanto o
declínio dos níveis de estrogênio na menopausa é universal, a visão negativa dela e da
mulher que a vive, não o é.” (p.14).
Também escrevendo sobre a questão das diferenças culturais neste período de vida
Mankowitz (1984, pp. 32-34) cita 2 pesquisadoras que realizaram estudos semelhantes. A
primeira, Mead (1949), assim descreve a situação das mulheres em Bali:
A mulher depois da menopausa e a jovem virgem trabalham juntas em cerimônias
das quais são excluídas as mulheres em idade de procriar. Espera-se recato ao falar e
20
21
Por exemplo Lock 1993a, 1993b.
Beyene, 1986; Griffen, 1977,1982).
Ciornai
53
no agir das mulheres jovens, porém, tal comportamento deixa de ser cobrado das
mulheres mais velhas que podem usar linguagem obscena tão livremente quanto
qualquer homem, ou até mais livremente (p.180).
A segunda, Weideger (1977), assim descreve a situação da mulher menopausada na
China: “Na China de antes da revolução a mulher pós-menopausa tinha uma posição segura
e cobiçada; pela primeira vez em sua vida ela podia libertar-se do domínio do homem e,
com a aprovação da sociedade, até mesmo assumir o domínio sobre os homens” ( p. 216).
No entanto, outros profissionais, apesar de reconhecerem todas estas possibilidades,
questionam alguns destes estudos e conclusões alegando que nestas populações as
dificuldades em obter dados e chegar a conclusões consistentes é enorme, além do que,
outros fatores como tipo de dieta e genética não estão sendo levados em consideração. Em
1986, uma edição especial
sobre “Abordagens Antropológicas da Menopausa” foi
publicada em Cultura, Medicina e Psiquiatria - Revista Internacional de Pesquisa
Comparativa Transcultural. Na Introdução, Lock (1986b) afirma que até hoje “na verdade
nada se conhece sobre a relação entre genética, meio-ambiente, dieta e o nível de estrogênio
circulante armazenado, nem sobre o inter-relacionamento entre as variáveis psicológicas, os
níveis de estrogênio, e a medida objetiva, ou a experiência subjetiva dos sintomas da
menopausa” (p. 3). Neste mesmo número, Beyene (1986) acrescenta uma outra razão para
esta atitude de cautela. Ele escreve:
Tentativas de fazer distinções entre experiências de menopausa na mulher baseadas
apenas em fatores sociais e culturais dão origem à conclusões ilusórias....
Comparações entre as experiências de menopausa entre mulheres de distintas
sociedades não-industrializadas são necessárias antes que possamos falar com
segurança sobre diferenças nas manifestações fisiológicas, sociais e culturais da
menopausa.(p.49)
Nesta linha, Lock (1986b) conclui a introdução deste número especial, traçando
um panorama geral dos resultados contraditórios que estão começando a surgir das
pesquisas transculturais. Ela assim resume os estudos existentes:
Entre os Índias Maias (Beyene, 1986) as residentes norte-africanas em Israel,
(Walfish et al., 1984), as Rajput da Índia (Flint, 1974), e Japonesas (Lock, 1986), a
ocorrência de sintomas somáticos tem sido apontada como baixa ou ausente,
Ciornai
54
enquanto Wright (1983) verificou que embora a prevalência de fluxos de calor entre
as Navahos e as anglo-saxônicas seja similar, sua freqüência é bem diferente
(enquanto que 65-70% das participantes Anglo-saxônicas relataram experienciar
fluxos de calores todos os dias, apenas 17% das Navaho relatou tê-los com esta
frequencia). Por outro lado, estudos na América do Norte e na Europa
(Beyene,1986; Jaszmann et al., 1969; Kaufert, 1980; McKinlay & Jeffereys, 1974;
McKinlay & McKinlay, 1985; Thompson et al.., 1973) e dois outros estudos, um
em Zinbabwe (Moore, 1981) e o outro em Varanasi, India ( Sharma & Saxena,
1981) elicitaram bem mais relatos de sintomas somáticos. Falta verificar se estes
achados representam diferenças reais ou se são simples artefatos na elaboração e
administração
da
pesquisa.
Acredito
que
existam
diferenças
genuínas,
provavelmente tanto biológicas como socioculturais, mas também que algumas das
variações encontradas são realmente devidas à métodos de pesquisa falhos. (p.3)
CONCLUINDO...
Os estudos e variáveis relacionados nesta revisão de literatura
indicam que o
climatério e a menopausa são experiências sistêmicas multifatoriais, nas quais fatores
interdependentes ambientais, biológicos, psicológicos, e culturais interagem. Ao rever a
literatura exposta não pude deixar de considerar como este é um tema carregado de
preconceitos e comentários derrogatórios que, sob a égide de ciência, colorem reações de
pessoas das mais educadas em relação à mulheres neste período de passagem
No trabalho “Perspectivas transculturais Sobre Mulheres e Menopausa: Um
panorama das pesquisas existentes,” Terhune-Young (1994) afirma que “estudos
transculturais sobre mulher e menopausa sugerem que a experiência feminina da
menopausa é significantemente afetada pelo contexto cultural, social e interpessoal no que
ocorre
(p.2)....
[no entanto], pouco esclarecem a natureza interna da experiência da
menopausa para a própria mulher” (p. 19).
Este é precisamente o foco de meu interesse neste estudo. A compreensão da
experiência do climatério e menopausa não pode ocorrer a partir de uma única perspectiva,
pois é uma experiência onde a mitologia coletiva e o imaginário social misturam-se tanto às
experiências como às mitologias pessoais de cada pessoa. Assim, pareceu-me importante
Ciornai
55
debruçar-me sobre a dimensão psicológica desta experiência neste estudo, sabendo que está
relacionada à todos os fatores anteriormente mencionados, presentes em combinações
sempre únicas, pessoais e privadas, particulares à vida e à história de cada mulher
57
Ser...
Mulher: carinho, suavidade
doçura, valentia
força
Ter...
48 anos: carinho, carências,
doçura, incompreensão
coragem, cobranças,
experiência.
Eu sou: menina, mulher, amiga, amante, perfume,
flor, filha, mãe, carinho, luz, paz, só...
Eu tenho: 48 anos, e quatro filhos.
(Elisa - Participante da Pesquisa)
58
3
PARTICIPANTES DA PESQUISA E SUAS
HISTÓRIAS
DESCRIÇÃO DAS PARTICIPANTES
Trinta mulheres de profissões e idades diferentes (de 43 a 57 anos) habitantes da
cidade de
São Paulo participaram desta pesquisa. Todas têm nível universitário e
identificaram-se como tendo participado, com formas e níveis distintos de envolvimento,
dos movimentos de contracultura dos anos 60 e 70. Por ocasião da pesquisa 14 moravam
maritalmente com um companheiro e filhos; 7 sem conviver com um companheiro
moravam com filhos ; e 9, sem filhos, moravam sós.
A fim de manter o compromisso de anonimato com as participantes, sem
descaracterizar a riqueza e a fidelidade dos depoimentos, procurei eliminar dos dados
biográficos
particularidades que poderiam identificá-las. A única alteração aos dados
originais foi nos nomes, que evidentemente foram trocados. Com uma única exceção:
Maria Amélia de Almeida Telles fez questão de que seu nome verdadeiro conste em todos
os trechos da pesquisa que se referem à seu depoimento à pesquisadora. Obrigada a viver
clandestina na época da ditadura militar, pensa que esta é uma razão forte para nunca mais
usar nomes fictícios.
Para cuidar que as identidades das participantes se mantenham em sigilo, e também
para simplificar a apresentação inicial de cada uma, as idades exatas de seus filhos não são
reveladas. Cito-os apenas como pertencentes a certas faixas etárias: pequenos ( de menos
de 1 a 10 anos ), pré-adolescentes e adolescentes (de 11 a 17 anos), jovens (de 18 a 24
anos) e adultos (de 24 anos em diante).
E finalmente, como esta é por excelência uma pesquisa qualitativa, optei por não
utilizar nenhum tipo de tabela na apresentação dos dados biográficos.
59
IDADE, FORMAÇÃO, ÁREA DE TRABALHO, ESTADO CIVIL, FAIXA ETÁRIA
DAS CRIANÇAS E MODO DE MORADIA DAS PARTICIPANTES POR OCASIÃO
DA PESQUISA:
Paula, 54 anos, formada em Pedagogia, é coordenadora de recursos humanos em uma
estatal. Divorciada, mora maritalmente a muitos anos com um companheiro. Tem duas
filhas adultas do primeiro casamento (uma já casada) e também uma netinha.
Inês, 48 anos, formada em Historia e Psicopedagogia, trabalha como psicopedagoga.
Casada, tem duas filhas jovens (uma já casada) e um filho adulto. Mora com o marido e o
filho.
Rosana, 49 anos, formada em Psicologia e Psicopedagogia, trabalha em consultório e
ensino nas duas áreas. Casada, mora com o marido e uma filha adolescente.
Marcia, 47, formada em Pedagogia e Psicopedagogia, trabalha em consultório e ensino nas
duas áreas. Casada, mora com o marido, e dois filhos adolescentes, uma moça e um rapaz.
Stela, 51 anos, formada em Educação e Filosofia, trabalha como professora e orientadora
educacional. Divorciada, sem filhos, mora sozinha.
Julia, 50 anos, formada em Direito , atualmente cursando mestrado na área, trabalha como
advogada. Divorciada, sem filhos, mora sozinha.
Nira, 47 anos, formada em Sociologia, está atualmente cursando doutorado na área.
Separada e posteriormente viúva, mora com duas filhas, uma filha pré-adolescente e uma
filha adolescente
Andréa , 47 anos, formada em Psicologia, trabalha em empresa na área de Recursos
Humanos. Solteira, sem filhos, mora sozinha.
Norma, 47 anos, formada em Arquitetura, trabalha como arquiteta e em
política. Divorciada, sem filhos, mora sozinha.
militância
Frida, 57 anos, formada em Direito, trabalha em serviço público na área de formação de
trabalhadores da saúde e em militância política. Casada pela segunda vez, tem dois filhos
adultos do primeiro casamento e uma filha jovem do segundo casamento.
Elaine, 45 anos , formada em Artes Plásticas com especialização em Arte terapia, trabalha
em escolas, atelier e na área de recursos humanos. Casada, mora com o marido e 3 filhos
jovens.
Lucia, 47 anos, formada em Ciências Sociais, trabalha como professora universitária e
pesquisadora. Separada, sem filhos, mora sozinha.
60
Mariana , 52 anos. Formada em Psicologia, trabalha como psicoterapeuta. Divorciada e
posteriormente viúva, tem um filho jovem e um filho adulto já casado. Mora com a mãe e
o filho mais moço.
Fernanda, 46 anos. Formada em Economia e Sociologia, com pós-graduação em Ciências
Políticas, trabalhou em centros de pesquisa durante muito tempo. Atualmente trabalha em
fundação estatal na área de planejamento e avaliação do atendimento. Solteira, sem filhos,
mora sozinha.
Rebeca, 49 anos. Formada em Educação e Psicologia. Com experiência em Orientação
Educacional, trabalha como psicoterapeuta.. Casada, mora com o marido e uma filha
jovem.
Sandra, 49 anos. Formada em Sociologia, trabalhou como socióloga na área de cultura,
educação e educação informal, e está engajada no movimento de garantia dos direitos da
criança e do adolescente. Casada, tem dois filhos jovens, um rapaz e uma moça.
Vera, 51 anos, formada em Psicologia, trabalha como psicoterapeuta. Casada há 28 anos,
mora com marido e filho. Tem dois filhos jovens, um já casado, e uma netinha.
Maria Amélia, 51 anos, é professora primária de formação. Militante feminista desde 75,
foi do Conselho Estadual da Condição Feminina, dirige a União de Mulheres de São Paulo
e pertence à Comissão de Familiares de Desaparecidos Políticos. Casada, mora com o
marido e a irmã. Tem uma filha e um filho já adultos.
Renata, 44 anos, formada em Arquitetura e Urbanismo, trabalha como arquiteta e na
coordenação de um centro de atendimento à mulher. É divorciada, sem filhos e mora
sozinha.
Cecília, 48 anos, formada em Física, conduz uma mini produção na área da indústria
agrícola. Divorciada, mora com os pais e dois filhos adolescentes, uma moça e um rapaz.
Sonia, 51 anos, formada em Artes e em Pedagogia, está atualmente fazendo doutorado na
área de Psicologia Educacional. Trabalhou em escola como pedagoga, e hoje trabalha na
área de formação de professores. Separada a 18 anos mora com dois filhos jovens, um
rapaz e uma moça.
Léa, 46, formada em Psicologia, trabalha como produtora de eventos culturais. Divorciada,
sem filhos, mora sozinha .
Silvia, 43 anos, formada em Filosofia e Ciências Políticas, trabalha como escritora de
estórias infantis e em capacitação de educadores em entidades de crianças carentes.
Desquitada e posteriormente viúva, mora maritalmente com um companheiro e com duas
filhas do primeiro casamento, uma jovem e uma adolescente.
Laura, 44 anos, assistente social e sanitarista, dirige um centro budista. Mora maritalmente
com um companheiro, com quem tem uma filha pequena.
61
Ana, 52 anos, formada em Ciências Econômicas e Biologia, trabalha como bióloga.
Solteira, sem filhos, mora sozinha.
Rubia, 46 anos, formada em Psicologia, trabalha como psicoterapeuta. Casada há 25 anos,
mora com o marido e 3 filhos jovens, um rapaz e duas moças.
Elisa, 48 anos, formada em Pedagogia e Psicopedagogia, faz mestrado em Educação
Especial. Diretora de escola para deficientes mentais, até pouco tempo atendia em clínica
psicopedagógica. Separada há 4 anos, mora com seus quatro filhos, dois jovens e dois
adultos.
Tereza, 50 anos, formada em Odontologia, trabalha como dentista. Divorciada, tem 3
filhos jovens, e mora com os dois filhos mais moços.
Miriam, 43 anos, formada em Artes Plásticas com especialização em Gerontologia,
trabalha como arte educadora. Casada, mora com o marido e duas filhas, uma jovem e uma
adolescente.
Jussara, 53 anos, formada em Educação. Divorciada, mora com seus três filhos, dois jovens
e um adulto.
HISTÓRIAS PESSOAIS DE ENVOLVIMENTO NOS MOVIMENTOS
DE CONTRACULTURA DESDE OS ANOS 60 E 70.
Ao longo dos workshops e entrevistas individuais, tive o privilégio de escutar
histórias de vida das trinta mulheres que entrevistei.
Os movimentos de contracultura que ocorreram na maioria dos países ocidentais nos
anos 60 e 70 estão vivamente presentes em seus relatos. São mulheres que estiveram
envolvidas nos intensos movimentos estudantis da época, no movimento feminista, nos
movimentos da Igreja Católica ligados à Teologia da Libertação,
nos movimentos
inovadores em educação, no movimento “hippie,” nos círculos de artistas de vanguarda,
nos movimentos das terapias alternativas, em movimentos místicos, ou em vários destes
movimentos alternada ou concomitantemente. Algumas não participaram diretamente
destes movimentos mas sentiram suas influências e com elas se transformaram.
62
No entanto, além dos movimentos que ocorreram em outros países, tivemos no Brasil
assim como em muitos países da América Latina, um período negro de ditadura militar.
Em decorrência disto algumas destas mulheres são mulheres que lutaram e sofreram muito.
Duas das entrevistadas foram duramente torturadas, várias foram presas , algumas tiveram
que viver clandestinamente, muitas se arriscaram para ajudar de diversas formas pessoas
que estavam em perigo nesta época, duas tiveram que sair do país e se exilar, e algumas
falaram do receio de ter filhos, e da decisão de não tê-los, por temor que pudessem vir a
ser torturados. São mulheres de uma fibra impressionante. A história destas mulheres, que
estiveram ativamente engajadas em militância política desde jovens, de certa forma se
entremeia com a história do nosso país, e vê-las tão inteiras, abrindo o coração para falar
de suas experiências de vida e de mulher, realmente foi uma lição de vida.
Ao ler o conjunto deste depoimentos, percebe-se que são relatos de experiências
provindas de formas muito diversas de participação nos movimentos de contracultura da
época, que variam na forma, nível de intensidade , e até em termos de duração e período.
Certamente naquela época, integrantes mais ativas de um movimento, se sentiriam
extremamente diferenciadas de integrantes de outro, achando-as, no mínimo, “alienadas,”
“burguesas,” ou “caretas.” No entanto, todas foram “contra” a cultura vigente, e apesar das
diferenças, o experimentar de novos padrões de comportamento na vida mais pessoal lhes
foi comum. Por este motivo, escolhi não classificar seus depoimentos por tipo de
participação --
militância política, movimento feminista, movimento hippie etc., mas
apresentá-las em conjunto.
Por outro lado, na parte de seus depoimentos que se refere às suas vivências nos anos
60 e 70, vivências de cunho mais político e outras de cunho mais íntimo e pessoal se
entremeiam, como de fato acontecia nas experiências daquela época. Para não trair-lhes o
espírito, ao invés de fragmentar esta parte em ítems referentes aos diversos aspectos de suas
vidas de então - vida política, vida sexual, etc., preferi enxugar e reduzir o relato de cada
uma aos trechos que me pareceram mais importantes e apresentar cada relato por inteiro,
com suas várias facetas.
Finalmente, na medida em que colocá-los todos tornaria esta capítulo muito longo,
selecionei alguns que me pareceram bem representativos da época.
63
Naquela época eu participava muito de movimentos estudantis e de movimentos
universitários cristãos de esquerda, que eram movimentos dirigidos por padres envolvidos
na Teologia da Libertação. Eu trabalhava em favelas com jovens e no final dos anos 70,
junto com uma equipe, comecei um trabalho de formação de educadores para populações
carentes. Eu acreditava no socialismo, em uma busca de novos padrões para humanidade,
mas não me identificava com os movimentos mais agressivos. Eu buscava uma ação que
não negasse a subjetividade. Quando entrei no psicodrama, tinha um estar olhando a
construção individual das pessoas, uma coisa de achar que a revolução vinha de dentro
pra fora, que me agradou muito. ( Marcia )
Tive uma atuação política muito intensa no
movimento estudantil. Eu era de
diretório, de linha de frente, de ir a todas as passeatas, de apanhar na rua, de ter que sair
pra clandestinidade, ser presa, tudo aquilo....
E não tinha aquela coisa de proteger mulher, cada um que se cuidasse. Se você não
levasse o teu lenço, o teu amoníaco, se ferrava. Como família era considerada instituição
careta, eu tinha preocupação de que o meu apartamento não parecesse uma casa de
família tradicional. Não podia ter muitos pratos, prato era meio comunitário, pra passar
de um pro outro. Minha casa era um “aparelho,” vivia cheia de gente que eu nem
conhecia. Me lembro de 10 na sala, não sei quantos na cozinha, colchão no corredor, não
tinha privacidade. E eu era criticada por ter casado e por querer ter um quarto só pra nós,
diziam que era um “resquício burguês”! (Inês)
Participei dos movimentos estudantis da época, passeatas, concentrações, e estava
vinculada aos movimentos de esquerda da Igreja. Apesar de não participar de
organizações como AP [Ação Popular] e JUC [ Juventude Universitária Católica], eu
participava da Missa Universitária onde o pessoal dessas entidades se juntava. E lá
fazíamos reuniões para discutir qual deveria ser a nossa atuação como cristãos dentro do
processo político, para ajudar a criar um mundo melhor . Discutíamos também questões
como sexo, amor livre, havia uma preocupação muito grande com o psicológico, com a
pessoa, que acho é algo que diferia de outros movimentos da época. Também em 1968
participei do Projeto Rondon [projeto que levava estudantes das capitais para assistir
64
populações carentes no interior do Brasil ] por uns dois meses. Tinha uma coisa minha de
buscar ser diferente, de desafiar a família viajando sozinha com namorado. Mais tarde, já
nos anos 70 quando a repressão estava muito mais forte ajudei muitos colegas, acolhendoos dentro da minha casa ou arranjando dinheiro para sobreviverem. (Rosana).
Como secundarista, eu participava do movimento estudantil na Maria Antonia, no
famoso prédio da Filosofia. [Maria Antonia : rua que se tornou famosa nos anos 60 por
abrigar o setor de Ciências Humanas da USP, reduto de esquerda, e por ter sido local onde
ocorreram vários conflitos entre estudantes da USP e estudantes da faculdade Mackenzie,
reduto de direita, também localizada na mesma rua] A gente passava as noites lá, nos
mimeógrafos, rodando panfleto e distribuindo à noite nas ruas. Lembro muito das
passeatas, a gente marcava pontos de encontro, cada
grupo vinha de um canto,
tomávamos o centro da cidade, os policiais jogavam troços em cima da gente, mas a gente
era muito idealista e se sentia muito forte. Eu nunca fui presa, mas amigos meus foram
presos, desapareceram, alguns fugiram do Brasil e ficaram foragidos até 80 e pouco. E
tinha o movimento feminista, que era uma coisa que me chamava muito. Me atraia a
possibilidade da mulher se libertar, não depender de homem. Eu lia Simone de Beauvoir,
achava lindo a relação dela com o Sartre, queria as experiências dela pá mim, queria
morar numa casa separada da do companheiro. (Andréa)
A gente queria um mundo melhor, queria mudar o mundo com nossas mãos. Era essa
coisa do sonho. Com todas as desgramas que aconteceram, tinha muita solidariedade,
muita cooperação, muita cumplicidade entre a gente. Eram só coisas ilícitas, desde a
esquerda, sexo, até drogas, mas a prática das drogas era uma busca por outros estados
de consciência, tinha uma ideologia, não era uma prática esvaziada. A gente vivia às
margens, e o que a gente viveu está segurando a gente até hoje.
Nós éramos um grupo que tinha o estigma de surrealistas, e a gente adorava esse
estigma. Fiz um ano de Filosofia na Maria Antonia, e aí eu fui fazer Sociologia em Israel.
Eu vivi os anos 60 lá, com muita música, muito psicodelismo, muita “viagem” (a gente
fumava haxixe), e também com os problema de Israel, porque a gente vivia intensamente
a política de lá. Na universidade a gente tinha juntado estudantes de esquerda, árabes,
65
feministas, e israelenses de kibutz numa frente acadêmica que depois se tornou um
partido de esquerda. Reunia muitos dos estudantes sul-americanos que estavam fugidos
dos movimentos políticos em seus países. Também trabalhei muito tempo num refúgio de
mulheres espancadas, e experimentei todos os workshops e terapias alternativas da época,
Gestalt terapia, Bioenergia, teatro... Tudo era tesão, a gente ia viver tudo “agora”! Eu
realmente acho que a gente foi extremamente privilegiada, por ter conseguido viver, nem
que fosse por pouco tempo, uma conjuntura onde isso tudo parecia possível. Eu sinto que
essa sensação até hoje nos diferencia. (Nira)
Em 1968 eu entrei na PUC com tudo o que podia entrar: tomamos a faculdade,
dormimos lá dentro, fizemos tudo o que tínhamos direito! Na época eu tinha amigos que
estavam presos, em partidos clandestinos, tinha polícia vigiando a casa, era o clima da
época. Participei dessas coisas não como protagonista central, mas como era amiga das
pessoas as coisas passaram muito perto. Me formei em 1970, e daí pra frente participei
politicamente de
associações profissionais, partidos, reuniões feministas, comícios,
encontros, essas coisas, quer dizer, tava sempre presente nas coisas que acontecem com
uma intelectual de esquerda. De carteirinha mesmo participei do MDB.
Do ponto de vista profissional eu acho que eu tive uma participação política,
racional, objetiva, que é o lado comprometido com o país onde vivo e que me fez ir fazer
Ciências Sociais. Participei de instituições de pesquisa, dei aulas, mas sempre tinha um
outro lado que queria expressão, uma coisa muito subjetiva que não cabia, que eu não me
permitia. Eu me lembro de aos 16 anos ter escrito assim: “Eu quero escrever! Mas qual é
o cabimento de escrever sobre meus sentimentos quando existe a fome, a guerra, o
subdesenvolvimento, a pobreza, a ditadura ?”
E aí veio os anos 80, que foi uma época de grande experimentação. Em 81 me
separei e fui para outra cidade, o que foi uma coisa radical de ruptura com a minha
cidade, minha família, meus amigos, o partido que eu trabalhava, com aquele monte de
coisas que você vai pendurando em você. Foi uma coisa de ir pra um lugar onde ninguém
me conhecesse. E aí eu comecei a escrever! Então pra mim foi um longo percurso de
conseguir dar expressão a um lado meu que eu acho que nessa geração foi muito abafado,
pelo menos pra pessoas como eu que são cerebrinas, que se defendem e saem pelo
66
intelectual. A sensibilidade não era muito permitida, ficava uma coisa meio babaca, meio
piegas, porque a gente achava que havia coisas mais sérias a serem feitas. . . (Lucia)
Em 64 eu tinha 16 anos. Um pouco antes de 64 eu tive a oportunidade de conhecer
gente que participava de política. Eu acho que foi uma sorte ter conhecido gente que
participava com ideais socialistas antes do golpe, porque depois as pessoas começaram a
ficar quietas, falar menos, tinha-se menos oportunidades na imprensa, na televisão, onde
quer que fosse. A partir daí, acho que a minha vida rolou por ciclos com duas constantes.
Uma é a atividade política. Claro que em 64 ninguém me conhecia, mas pra mim a política
ocupava um lugar grande. Acordava de manhã, ia fazer minhas coisinhas,
e ficava
pensando como é que eu ia derrubar a ditadura! Em 68 eu já estava casada. O meu exmarido era de uma organização, o pessoal fazia reuniões na minha casa, e me chamavam
de massa avançada, uma qualquerzinha ali, esclarecida, que podia ajudar alguma coisa,
mas ninguém discutia política comigo. O meu ex-marido estava num grupo que o
pressionava para que ele passasse a fazer ações na clandestinidade, assaltar banco e
tal, colocando que se ele não topasse, a situação pra ele ficaria difícil. Aí resolvemos ir
para o exterior, mas como eu quis muito voltar a gente acabou voltando em 70. Em 71
voltei pra faculdade. Todo mundo com medo da sombra, aquela situação terrível. De lá pra
cá eu acho que eu nunca mais fiquei fora de qualquer coisa que foi feita nesse país. Até
acabar a ditadura, eu participei de tudo, absolutamente tudo o que aconteceu aqui. Um
ciclo importante foi entrar no movimento sindical, outro foi o PT . Eu fazia parte de um
monte de listas, mas nunca fui presa. Uma vez eu apanhei da polícia numa greve de forma
muito violenta, tive que tomar pontos, não consegui suportar isso internamente, me senti
arrasada. Isso já nos anos 80. Eu peguei militância, a dureza de você lutar contra a
ditadura, depois, a disputa política, tudo isso era muito duro, não dava pra ser gentil, era
um universo muito masculino!
A outra constante , é um gosto muito especial por transar. . . Mas o primeiro
namorado que eu tive, eu nunca vou me perdoar de não ter dado pra ele, eu morria de
tesão, mas achava que tinha que casar virgem. . . (Norma)
67
A minha liberação sexual ocorreu nos anos 60, depois que eu casei. Eu entrei no
movimento estudantil de cabeça, e comecei a trair o meu primeiro marido, pai das minhas
filhas, com quem fiquei quatro anos casada. Quando eu tinha 25 anos, nós nos separamos,
as meninas eram pequenininhas e foram pro Rio com a minha mãe. E aí por dois anos
liberei geral mesmo. Fui morar num apartamento na frente da faculdade com uma colega.
E era uma “zona” aquele apartamento! Como eu era muito atuante na faculdade,
passeatas e tal, vivia tendo reuniões lá em casa, entrava e saia gente que eu nem conhecia.
Às vezes ela transava no quarto, eu na sala, em apartamento de quarto e sala era um
horror. Em dois anos eu devo ter tido uns 20 caras, tive todos os homens que eu quis,
liberei que foi uma beleza, transgredi todos os parâmetros. E tudo isso na surdina, eu
tinha cara de que eu jamais faria esse negócios! E eu fiz coisas “do arco da velha”! Mas
como eu tive uma educação muito rígida, não tava preparada pra isso, acabei ficando com
uma coisa de culpa muito grande. O emocional não acompanhava as mudanças de
comportamento... (Paula).
Nos anos 60 eu tinha dez anos de idade, tava ainda na escola fazendo admissão. Meu
colégio era no Largo São Francisco em São Paulo, e eu assistia todo aquele movimento.
Eu não tinha muita consciência do que estava acontecendo, mas via os tumultos, tava no ar
a coisa. Depois, lá pelos meus 16 anos, chegavam ecos até mim, eu assistia a todos os
festivais de música, ia muito em teatro, e isto começou a se refletir nas minhas roupas, no
jeito de me colocar nas coisas, na filosofia de vida que eu tinha, no achar que mulher tinha
que trabalhar fora, ter sua independência, conquistar sua liberdade. Aos 20 anos eu casei,
e um ano depois fui fazer Faculdade de Artes. Nesta época, apesar de ter um pé na
burguesia eu tinha muita influência do movimento “hippie,” e eu sinto que até hoje o
fundamental pra mim tem muito dessa coisa de paz e amor mesmo da época, eu sinto essa
influência até hoje no tipo de trabalho que faço, no meu jeito de ser. Eu estudava arteeducação, e acreditava no poder transformador da arte, na importância do
desenvolvimento da sensibilidade e da criatividade na educação não só a nível pessoal,
mas a nível do social também. Isso era muito forte na época. (Elaine)
68
Minha participação sempre foi política, desde a entrada na faculdade em 58 no
Nordeste, onde eu nasci. Faculdade pra mim foi faculdade de política, porque na realidade
a gente participava de diretório, DCE, UNE, eu era inclusive representante da UNE e
terminei a faculdade no ano do golpe, embora o que eu fiz enquanto cursava a faculdade
foi fundamentalmente política estudantil. Além do movimento político, eu havia sido
também da JUC, Juventude Universitária Católica, que foi precursora de vários grupos
políticos em termos de participação ativa nas questões sociais e políticas. Vim pra São
Paulo por conta de que meu ex-marido havia sido preso por razões políticas. Muitas
pessoas amigas estavam indo embora nesta época, mas eu não quis sair do país, preferi vir
pra São Paulo, porque eu acreditava que as coisas tinham que continuar e que era
importante ficar aqui. Eu costumo dizer que o meu exílio foi aqui porque realmente São
Paulo era bem diferente do Nordeste, apesar de que nós tivemos muito apoio de pessoas
desde o momento de chegada. Em São Paulo militei em uma organizações clandestina, e
depois junto com outras pessoas criamos uma outra organização política, dissidência desta
primeira. Em 68 a minha casa era um grande aparelho! As pessoas iam, se reuniam,
acontecia muita coisa lá. Já com dois filhos, eu participava ativamente. Em 71 fui presa.
Fiquei presa onze meses. A violência que se exerceu sobre uma geração que foi presa, foi
um negócio de louco. Eu fui bastante torturada, e por muito tempo eu não falei nisso. A
imagem que eu tenho, e que eu tive lá dentro, era de uma casa caindo e você tentando
segurar os tijolos. Porque eles querem te destruir com aquilo. E eles conseguiram destruir
muita gente.A guerra era como não se deixar destruir. Tudo isso me deu um
reconhecimento da minha fragilidade e ao mesmo tempo da minha resistência. Eu fiquei
muito acabada lá, muito desmontada. A prisão pra mim foi um momento de uma
intensidade muito grande, uma coisa fortíssima, mas foi também um momento de pensar a
vida toda de antes e o que eu faria dali pra frente, tanto individualmente quanto
coletivamente. E nesse sentido foi bom. Parece um absurdo, mas eu fiquei dez anos pra
separar, e foi só neste momento drástico da vida que eu consegui dizer que eu não queria
mais. Conheci o homem que hoje é meu marido na prisão, e quando saí, separei. Aí veio a
perspectiva de um novo partido, o PT , discussões no sindicatos, e lá fui eu outra vez! E
estou nisso até hoje. . . . (Frida)
69
Tive uma adolescência muito sufocada, muito reprimida, moral rígida de família
metodista de cidade de interior. Aos 14 anos eu tive a minha primeira grande crise
religiosa, questionando tudo, chegando a me sentir completamente atéia. Me casei em
1963 e fiquei grávida. Naquela época eu era super burguesa, família rica, marido rico,
mas extremamente possessivo e autoritário. Me lembro dele dizer pra mim: “ Ou você é
casada ou você estuda.” Trabalhar era a mesma coisa que ser puta. Com o meu marido
tive uma vida sexual medonha. Quando eu me separei, eu tinha 28 anos e se abriu um
mundo novo pra mim em todos os sentidos. Daí eu passei um período ótimo no começo dos
anos 70 de libertação sexual, de descoberta de vida, onde eu caí numa coisa que hoje
poderia ser chamada até de promíscua, mas pra época não era. Transei muito, tive muitos
namorados, muitos parceiros, muitos encontros e desencontros amorosos, fiz tudo que
podia fazer. Sexualidade livre pra mim era uma forma de contestação, de libertação.
Comecei a usar roupas bem alternativas, cabelo compridão, a mudança foi muito forte. Os
meus filhos estranhavam mas aí foram assimilando que: “a mamãe é assim.”
Em 1980, eu me acendi pelo movimento do Rajneesh [líder espiritual indiano], e em
82 eu fui pra comunidade do Oregon, mas fiquei lá pouco tempo. Eu fiz parte deste
movimento, fiz todos aqueles trabalhos de grupo. Alguns foram muito bons, outros foram
muito violentos pra mim, hoje eu questiono uma série de coisas. Mas você tem que se
apaixonar, se entregar, pra depois se afastar, elaborar, e extrair uma síntese pessoal. Eu
filtrei as coisas, tirei o sumo do que é importante, e isso abriu muito a minha cabeça. Eu
acho que essa foi a minha forma de atuar na transformação do mundo e na contracultura.
Pra mim a grande transformação veio no nível espiritual. Embora eu consiga ver essas
coisas do social, também fico puta e tal, eu não acredito mais que movimentos coletivos,
sistemas políticos e de governo, consigam modificar o ser humano. Acho que o ser humano
precisa se transformar pra transformar o mundo. Por isso a minha relação hoje com o
grupo Rajneesh é de muita gratidão, porque essa síntese veio pra mim de tudo o que eu vivi
ligado a eles. (Mariana)
70
68 é muito vivo. Eu me engajei no movimento estudantil e no movimento hippie.
Participei dos primeiros ensaios no TUCA [ teatro da PUC, onde várias peças de vanguarda
foram encenadas nos anos 60 e 70] de “Arena Conta Zumbi”1.
Depois, no início da década de 70, eu cheguei a fazer parte do grupo que vendia
artesanato na Praça da República. Eu me lembro que uma vez minha mãe teve uma puta
crise porque me viu vestida com um terno de homem, e com um monte de margaridinha
enfiada na trança. Era a coisa da contracultura, mesmo, você queria vestir o que o outro
não vestia, ser o que o outro não era. Ser “hippie” era negar sobretudo o consumo. Era
não se engajar nesse afã de consumir, negar a coisa da opulência, da tradição. Tinha a
Guerra do Vietnã também, que pegava muito a gente, então a gente achava que o negócio
era paz e amor mesmo. Eu vivi em comunidade na década de 70. A vontade era ir pro
campo, aquela coisa natureza, a gente tinha isso como ideologia. Mas eu não fiz parte dos
grupos que conseguiram viver em comunidade rural. A gente acabou fazendo uma
comunidade urbana, ao lado do DOI-CODI ! 2
Era um sobrado grande e
nós éramos 8 pessoas. Como a gente acabou se
transformando num grupo de atuação política, a gente achava, e foi verdade, que essa
vizinhança era um jeito da gente se preservar da repressão. Cada um de nós atuava fora,
mas a gente não falava no grupo, porque se alguém fosse preso e torturado isso podia sair.
Todos trabalhavam e faziam universidade: tinha vários jornalistas, eu e uma amiga
fazendo Ciências Sociais, tinha uma artista plástica, a comunidade era um centro de
convergência, de encontros e de discussões. Alguns viraram casal, o que era extremamente
criticado no grupo, porque isso era negar a militância, era burguês, e vinha cobrança
ideológica. Não que a gente achasse que devia haver troca de parceiros, tinha até um
respeito nisso. Aliás, hoje a gente quando se encontra fala: “pô, se fosse hoje ninguém
garantia ninguém! ” A gente hoje dá risada lembrando! Mas a consolidação formal do
casamento era burguês, e a gente era anti-burguês. Eu acho que desde o movimento
“hippie,” até esses movimentos mais políticos dos anos 70, o denominador comum era a
negação dos padrões burgueses. Por exemplo, o casal não podia fazer feira junto, isso era
1
Na época a peça foi considerada subversiva, sob a alegação de incitar subversão à ordem instituída e
luta armada.
71
burguês. O cara já dorme junto, já tem um projeto de vida junto, ainda vai na feira junto?!
Então no final de semana a gente ia na feira e fazia almoço com o marido de outra. E a
gente viveu assim intensamente durante anos. Nada era de ninguém, materialmente tudo
era dividido. Outra coisa é que a gente não podia ter filhos. Como é que a gente ia militar
politicamente com barriga ou com filho? Aí teve um momento que a gente sofreu
perseguição, tivemos que sumir com livros, e a gente “desarticulou o aparelho. ” Eu e
meu companheiro, que tinha nacionalidade estrangeira, resolvemos casar, pra eu ter a
dupla nacionalidade, pois caso a gente precisasse fugir do país, isso facilitaria. O grupo
acabou se separando, cada um foi morar sozinho, mas a gente continuou se encontrando
muito, as crianças foram criadas muito juntas. Aí me tornei mãe, e comecei a atuar na
construção de uma escola alternativa. Nos anos 80 eu me engajei no movimento feminista
e no movimento negro, militância que já havia se iniciado no final dos anos 70. E a partir
dos anos 80 entrou a arte, e as terapias alternativas. E tinha também a coisa do fumo. Eu
fumo até hoje, faz parte da educação dos meus filhos esse item. A gente não chama
maconha de droga, chama de fumo. Pra mim é tão sério, tão militante, tão ideológico, e
tão espiritual como todas as coisas que a gente falou. O pessoal da militância política não
permitia droga, isso era imperdoável e visto como alienante, mas eu comecei a assumir e
não responder a essas cobranças. Se eu olhar pra todas essas participações, acho que o
denominador comum seriam duas palavras chaves: “liberdade e direito.” O
reconhecimento do direito das pessoas serem tratadas com dignidade e com igualdade. E a
esperança. Pra mim a esperança tá muito ligada com a ação. (Sandra)
Fui criada no clima de pós guerra, com o compromisso de defender a democracia.
Isso estava nos meus pais, meus professores , meus colegas, em todo o lugar tinha pessoas
preocupadas com isso. Eu me entendo como participante da vida política deste país desde
1950. Fui membro do partido comunista de 1960 a 1987. Em 64 , ano do golpe militar, eu
tinha 20 anos, e entrei na clandestinidade. Meu pai foi preso, e eu fui presa para responder
a um IPM (inquérito policial-militar). O golpe mudou muito a minha vida, porque aí foi
uma perseguição constante contra mim, minha família e meus amigos. Fui pra oposição da
2
Destacamento de Operações e Informações do Comando Operacional de Defesa Interna. Órgão da
polícia civil, local para onde pessoas eram levadas e torturadas extra-oficialmente para a obtenção de
infomações.
72
forma mais contundente. Entrei na clandestinidade em 68, fui presa em 72, e fiquei presa
de final de 72 a começo de 74.
Naquela época quem era revolucionário tinha que fazer sacrifícios pessoais, não
podia ficar grávida. Minha primeira discussão dentro do partido foi em relação à minha
gravidez, porque todo mundo achou que eu devia fazer aborto, e só eu achei que não. Mas
na prisão dei razão à eles, porque ser presa e torturada sozinha é uma coisa, e com filho é
outra. Fiquei presa com uma filha de 5 anos, e um filho de 4. Meus filhos me viram ser
torturada, sofreram traumas terríveis, e eu sofri muito com isso, foi uma história muito
dura pra mim . A prisão foi um momento em que eu pude me descobrir mulher. O que eles
fazem com a gente em termos de abuso sexual, eles não fazem com os homens. Eu vi
homem sendo torturado, choques nos órgãos genitais, isso eles faziam com mulher e com
homem. Mas nunca vi preso político sendo estuprado dentro do presídio. As mulheres,
além da tortura tinham que enfrentar abuso sexual, um torturador querendo fazer sexo
com você. Então ali foi um momento da gente fazer muita discussão a respeito da nossa
condição de mulher. Acho que ali despertou uma coisa da gente sentir que em toda a nossa
trajetória política, em todo o nosso discurso político, estava faltando alguma coisa em
relação a nós próprias. E eu me tornei militante feminista, desde 1975. Logo que saí da
prisão começou a discussão do feminismo, daí logo se articulou a questão da anistia para
os presos políticos com um jornal chamado Brasil Mulher que tratava da questão da
mulher e da anistia. De lá prá cá eu só fiz trabalho feminista. Fui da Sociedade Brasil
Mulher até 1980, do Núcleo de Mulheres do Centro de Cultura Operária, do Conselho
Estadual da Condição Feminina, em 1981 fundamos a União de Mulheres de São Paulo, e
daí mais um monte de coisas até agora. Do partido fui expulsa em 87. Eu era muito
perseguida no partido por ser uma feminista dentro de um partido comunista porque tinha
que priorizar a luta de classes, e a gente priorizava a luta de sexos. (Maria Amélia)
Participei dos grupos de alfabetização de adultos de Paulo Freire nos anos 60, e me
formei em 1968. Acompanhei atentamente os desenvolvimentos políticos e culturais da
época. E desde os anos 70 participei de várias vivências, workshops e treinamentos, que
fizeram parte do movimento de desenvolvimento de potencial humano na Psicologia.
(Vera)
73
Meu pai trabalhava em uma fábrica na periferia de São Paulo, e na juventude tinha
participado de movimentos políticos, tendo vindo viver clandestino em São Paulo. Desde
que eu me conheço por gente, eu via ele falando pros conhecidos que a reforma agrária
nesse país só se faria na base da bala, que qualquer mudança mais profunda de justiça
nesse país tinha que ser com arma na mão, eu fui criada ouvindo esse tipo de coisa. Na
época de 64, o meu pai fazia umas reuniões clandestinas no fundo da casa, de madrugada,
eu ia lá e ficava tentando escutar. Quando ele ia fazer pixação de madrugada, ele me
levava, foi uma coisa que me marcou muito.
Por outro lado, quando adolescente éramos um grupo de seis meninas, e a gente
namorava um grupo de seis rapazes. Todas elas concordavam que o rapaz dez horas da
noite podia sair prá andar com as piranhas deixando cada uma dentro da sua casa. Eu
não aceitava isso do meu namorado, e todos ficavam contra mim, ele , elas, era uma
brigaiada. Eu queria ser que nem elas, mas eu não conseguia. Eu dizia pro meu namorado:
prá mim ela é uma mulher que nem eu, vamos transar nós, tem pílula”. E ele, achava que
eu era louca, que eu tinha que esperar virgem até o dia de casar. E eu sofria, esvaziava os
pneus do carro dele prá ele não sair mais com elas, era uma piração!
Com 18 anos eu fiz faculdade de Belas Artes, depois é que eu fiz Arquitetura. Rompi
com família, com namorado, com todo mundo, e fui morar na Casa da Mulher
Universitária. Escolhi morar lá porque eu li no jornal que a casa havia sido vendida pra
uma multinacional japonesa, e que elas tavam resistindo, então fui prá lá pra ajudá-las a
resistir. Um dia eu escutei com elas a Rádio de Pequim, onde saíam notícias do PC do B, e
apareceu uma mensagem dos guerrilheiros do Araguaia. E aí eu me decidi, porque eu
lembrava do meu pai falando na luta armada. Eu lia muito aquelas coisas do Vietnã,
acompanhava aquelas guerrilhas. Entrei pro PC do B em 74 de cabeça.
Eu engravidei no final de 75. Quando fiquei sabendo que eu estava grávida, fiquei
em conflito: eu tinha vontade de ter e não tinha. Eu achava que se eu fosse presa, iria
entregar tudo por não agüentar ver tortura física em filho, eu não ia segurar torturarem
minha criança, e eu sabia de casos que torturaram criança. E aí resolvi fazer o aborto. Foi
difícil... Engravidei novamente cinco anos depois, justamente uma semana depois da
anistia. Foi mesmo uma coisa de liberar prá engravidar, mas aí, eu perdi...
74
Em 1975 eu estava ainda na Casa da Mulher Universitária discutindo o primeiro
número que saiu de “Brasil Mulher”, achamos super interessante.
Era o Ano
Internacional da Mulher, e organizamos um debate chamando as feministas. E de lá prá cá
participei de vários grupos de estudo sobre a questão da mulher, ajudei a organizar
encontros e participei da fundação e organização de algumas associações de mulheres.
(Renata)
Comecei a me envolver politicamente ainda antes de 64, no movimento secundarista,
que era um movimento muito forte e radical. Eu fui exatamente a geração de fronteira, a
geração do corte. Entrei na Universidade Federal do RJ em 1964, no ano do golpe. Minha
geração entrou e deu de cara logo com soldados lá dentro, foi muito dramático. Aquele
ano foi um ano de agitação política incrível, inclusive fiquei em dependência na metade
das matérias, porque não tinha tempo pra estudar.
Eu sempre conto uma história que marca minha geração. Eu me lembro que em 64
a minha turma tinha uns 120 alunos, e as poucas moças que não eram virgens eram
apontadas no corredor como “galinhas”. Era uma coisa assim: fulana “dá”! E em março
de 66, me dei conta de uma coisa absolutamente inacreditável. Havia uma única “virgem”
na minha sala, e ela era apontada nos corredores como devendo ter algum problema muito
sério. De março de 64 a março de 66 aconteceu isso!
Em 67 eu estava no último ano. Este último ano eu não pude fazer. A situação
política ficou muito difícil, e como eu não queria sair do país vim para São Paulo, achando
que ia ficar aqui até as coisas esfriarem. Mas aí as coisas esquentaram. Depois do AI-53
houve uma escalada de repressão muito grande e as circunstâncias um pouco fizeram com
que eu não pudesse voltar. Eu não era uma figura central, mas eu era alguém que eles
achavam que era relacionada com pessoas que eram. Hoje eu olhando à distância, eu vejo
que não tinha sentido eu ficar aqui. Eu vivia em um estado de semi-clandestinidade,
quando as coisas apertavam eu sumia por uns tempos, depois reaparecia. Trabalhava pra
3
Ato Institucional nº 5. Editado e imposto pelo governo em dezembro de 1968, permitiu o
fechamento do Congresso e a cassação de mandatos de deputados, vereadores e prefeitos. Em caso de
atividades consideradas pelos militares como crimes contra a segurança nacional, a medida permitia a
suspensão do habeas-corpus e a censura da imprensa. Além disto, este decreto autorizava a prisão e
averiguação de cidadãos quando encontrados em via pública em número superior a dois, sob a alegação de
reunião subversiva.
75
pra mandar as pessoas pra fora do país, gastava tudo o que eu ganhava com compra de
documentos, mandar gente pra fora, isso rolou até final de 82. E eu não podia estudar,
não podia ser uma aluna oficialmente inscrita em nenhum lugar. Eu chorei que nem louca
quando entrei pela primeira vez numa universidade depois disso. Eu não tinha me dado
conta que eu havia estado marginalizada....
Fui trabalhar em uma escola de esquerda. Ser de esquerda naquela época era ser
anti-autoritário, porque o país estava em uma ditadura. Tinha essa coisa da contracultura,
na escola era
todo mundo meio “hippie,” meio de esquerda, mas sem maiores
comprometimentos. Eu achava que a escola tinha uma função política, que a gente tinha
que romper este círculo vicioso da escola fabricar o analfabetismo, no sentido de fabricar
o sentimento de incompetência e incapacidade de aprender. Isso em um momento em que
todo mundo achava que a escola era um aparelho que não tinha solução, que tinha que se
fazer revolução fora dela.
Eu não participei de grupos feministas no sentido de ter sido este o canal da minha
militância, apesar de sentir solidariedade com as feministas. Acho que havia uma questão
de escolher quem era a vítima que se elegia lutar por. E desde a adolescência, eu escolhi
as crianças das classes oprimidas. Mas eu me aproximei de todas as militâncias. (Sonia)
Nos anos 60 e 70 eu tinha uma vida cultural intensa. Freqüentava teatros de
vanguarda como o Oficina e círculos de artistas escritores e poetas de vanguarda , onde
experimentei de tudo, de sexo livre a maconha, sempre buscando experiências novas e
inusitadas.. Lembro de viver o clima de desafio aos costumes e valores da época, de uma
entrevista de Gaiarsa [terapeuta Reichiano, figura polêmica nos anos 70]
na revista
“Realidade” defendendo o fim da virgindade e o prazer que achei o máximo. Freqüentava
também os artesãos da Praça da República em São Paulo, que na época era
marcadamente um lugar alternativo, e cheguei a fazer bijuterias tipo colares de miçangas
para vender lá. O pessoal que participava da Praça da República era chamado de
“hippies” e defendiam e viviam valores alternativos como a liberdade sexual, a busca do
prazer, e a busca de experiências de estados alterados de consciência, que abriam a
percepção, como viagens de ácido, maconha etc.
76
Eu estudava psicologia na época, e sentia uma enorme identificação com a música
do Caetano Veloso e Gilberto Gil, que cantavam o que eu sentia, o clima da época. Lembro
de “Sala de Jantar Burguesa” dos Mutantes, de “Sem Lenço nem Documento” de
Caetano, eu adorava a Tropicália, os Beatles , Janis Joplin, os Rolling Stones , lia Sartre,
Simone de Beauvoir, curtia o clima “beat.” Juliette Greco toda enigmática vestida de
preto era uma ídola. Vivenciei os movimentos estudantis da época , indo nas passeatas
etc., mas nunca me engajei pessoalmente em militância, partidos clandestinos, apesar de
que tive muitos amigos presos e exilados que eu ajudava. Olhando em retrospecto, acho
que estávamos vivendo e experimentando um processo de libertação dos valores burgueses
convencionais. Fiz psicodrama e participei do famoso congresso de Psicodrama no MASP
[Museu de Artes de São Paulo] no início do anos 80. Depois fiz terapia Jungiana, que me
proporcionou uma maior compreensão de mim
mesma. Hoje sinto-me satisfeita e
privilegiada de ter vivido esta época onde se ousou sair dos modelos convencionais, e abrir
novos horizontes. Acho que nesta época se propunha uma vida nova, diferente do padrão,
uma vida com mais lugar para o pessoal, para o prazer, em uma outra poética.(Léa)
Comecei no movimento estudantil como secundarista, mas nem cheguei a participar
muito de movimento estudantil, logo veio o engajamento em uma organização política
clandestina. Eu morava num aparelho, pra ter uma fachada legal. Daí fui presa e fiquei
presa 5 meses. Consegui sair por influência familiar e saí do país. Fui pra Europa em
1970 como exilada e lá fiquei 9 anos. Eu tinha 18 anos na época. Lá fizemos uma
organização que promovia discussões sobre a esquerda brasileira e trabalhei no
movimento pela anistia. Também participei de movimentos de outros países porque meu
marido era estrangeiro. Voltei em 78 e logo me engajei no movimento de mulheres.
Fundamos uma associação de mulheres, ajudamos a lançar o jornal feminista “Nós
Mulheres,” fizemos o tribunal Berta Lutz [pioneira na luta pelos direitos da mulher no
Brasil], que foi uma simulação de tribunal pra julgar os crimes contra a mulher em várias
situações de discriminação, organizamos o Congresso da Mulher Brasileira que reuniu
vários grupos feministas, e a partir daí, eu e outras mulheres entramos de cabeça no
governo Montoro.
77
Por outro lado, depois de uns 4, 5 anos após meu retorno ao Brasil, comecei a ter
um interesse não especificamente pelo budismo, mas pelo espiritualismo de uma maneira
geral, uma abertura no sentido de imaginar que a coisa não é só aqui e agora. Aí fui
evoluindo de uma maneira “light” e finalmente há 2 anos eu me engajei pra valer. Hoje
dirijo um centro Budista. (Laura )
Eu participei no Rio, do movimento estudantil da época da ditadura. Eu era muito
empolgada, muito ligada naquilo tudo, muito rebelde. Eu estudava na PUC, e peguei toda
aquela efervescência da rebeldia estudantil. Me lembro que na última grande passeata,
levei borrachada nas costas, fiquei toda roxa, o cavalo quase pisou em cima de mim,
porque os policiais estavam à cavalo e de cassetetes atrás dos estudantes! Che Guevara
era um ídolo para mim, eu convivia com Vladimir Palmeira e aqueles líderes estudantis
todos, que eram as pessoas com quem eu sentia sintonia, tanto no ter capacidade de
romper com o tradicional como na ousadia de fazer coisas novas. Tinha também as
revistas “Realidade” e ”Pasquim” que discutiam virgindade, casamento, o papel da
mulher, tudo quê era tabu, e que mexeram muito com a gente. (Rubia)
Ciornai
78
Ser mulher com 53 anos é perceber com tranquilidade que
mutações sempre farão parte da sua vida,
é não perder o elo com o mistério, e penetrar no
mistério de ser mulher em todos os aspectos da vida.
(Jussara - participante da pesquisa)
Ciornai
79
4
FENOMENOLOGIA DA PASSAGEM
Vinte a trinta anos depois, esta geração de mulheres hoje na faixa dos quarenta,
cinqüenta anos, está vivendo a passagem para a meia idade. E esta é uma fase de vida em
que mudanças bastante significativas ocorrem em vários níveis.
Em termos sociais, a chegada da meia idade acarreta mudanças no modo da mulher
ser percebida que vão influenciar sua percepção de si. Na vida pessoal, acontecem
mudanças muitas vezes bem marcantes na relação com os filhos, com os companheiros, e
eventualmente na relação com os próprios pais. E com a chegada da menopausa ou do
período que a antecede -- o climatério, em muitas mulheres ocorrem
sintomas
especificamente relacionados com as mudanças hormonais do período.
A mulher muitas vezes sente coisas que nunca havia sentido, tanto física como
emocionalmente. Para muitas mulheres estes sintomas chegam a ser devastadores, enquanto
outras nem se dão conta. Mas freqüentemente estes não são vistos como estando ligados à
questão hormonal, nem pela mulher, nem pelos profissionais que as atendem -- médicos ou
terapeutas. Certas mulheres peregrinam de médico em médico atrás de uma explicação
para sintomas que muitas vezes lhe parecem inexplicáveis, sentindo-se muitas vezes
incompreendidas, e sendo muitas vezes mal diagnosticadas. Na verdade, ao ouvir de
participantes da pesquisa relatos de sintomas e perturbações descritos na literatura
especializada como possivelmente ligados à mudanças hormonais, muitas vezes me
surpreendi ao saber que esta possibilidade não havia sequer sido levantada como hipótese
pelos profissionais que consultaram.
No entanto, algumas mulheres que inicialmente afirmaram não ter sentido nenhum
sintoma de climatério ou menopausa, ao ouvir
relatos das
companheiras
e
tomar
conhecimento dos sintomas que podem estar relacionados à transformações hormonais,
pela primeira vez se deram conta que alterações físicas e certos estados emocionais desta
fase de suas vidas talvez pudessem estar relacionados à estas mudanças. Isto foi tão
marcante, que a partir do terceiro workshop cuidei de colocar a questão de forma ampla,
Ciornai
80
i.e., não como uma pergunta sobre sintomas de climatério e a menopausa, mas como uma
pergunta geral sobre mudanças físicas e psíquicas ocorridas neste período.
Além disto, ao compartilhar suas vivências deste período de vida, algumas mulheres
passam por situações onde o que sentem, de forma velada ou explícita, é ridicularizado, ou
atribuído à fricotes de mulher insatisfeita e não realizada -- às vezes até por mulheres que
tendo tido uma experiência tranqüila e assintomática desta passagem, escolhem assim
interpretar o que não experienciaram. Outras lidam com o que sentem de forma muito
solitária. E algumas percebem em familiares e no social de forma geral, uma expectativa de
que sintam e experienciem coisas que de fato não sentem, relatando experiências que
virtualmente diferem do esperado.
Assim, minha intenção nesta parte do trabalho não é a de dizer o que as mulheres
que estão por chegar no climatério e na menopausa irão sentir, estabelecer relações causais,
criar explicações interpretativas, ou chegar à conclusões estatísticas, mas apenas a de
registrar relatos das transformações sentidas por estas mulheres, nos vários âmbitos do seu
existir : físico, sexual, psicológico, espiritual, afetivo, social. Alguns relatos confirmaram
de certa forma o que eu esperava encontrar. Outros me surpreenderam, revelando aspectos
e vivências deste período de vida que eu não imaginava encontrar. Portanto, minha intenção
com estes relatos é a de mostrar que é necessário ouvir, com respeito, com uma escuta
isenta de preconceitos , isenta de “a-prioris”, o que as próprias mulheres relatam de si, em
suas próprias palavras.
Apresento aqui seus depoimentos, organizando-os em tópicos, sem me dirigir ainda
neste momento à questão colocada na primeira parte deste trabalho, i.e., se estas mulheres,
que foram protagonistas dos movimentos de contracultura dos anos 60 e 70, apresentam ou
não alguma especificidade em sua maneira de vivenciar e de se relacionar com a fase de
climatério e menopausa.
Devido à natureza tanto da pesquisa como das entrevistas, voltadas à experiência
singular e à qualidade do vivido por cada participante, e também pelo fato de que algumas
delas já estavam na menopausa há alguns anos enquanto para outras isto ainda viria a ser
um evento futuro, seus depoimentos não foram quantitativamente comparados em tabelas,
mas apresentados como um quadro de possibilidades.
Ciornai
81
MUDANÇAS FÍSICAS
Das mulheres entrevistadas, algumas disseram não sentir, ou não ter sentido, nada
que não fosse apenas conseqüências naturais do envelhecer. O relato de uma das
participantes exemplifica bem isto :
Faz três anos que parou minha menstruação. Eu não tive problema de calor,
de insônia, de nada. O médico me disse que os sintomas iam começar depois, mas
já passaram três anos e eu continuo não sentindo nada. Eu tenho irmãs e cunhadas
que não se conformam. Ficam me dizendo : “Não acredito, você esconde”! Mas eu
não sinto mesmo, eu não sinto aquelas aflições, aquele desespero que eu
acompanhei em minhas irmãs e cunhadas, e mesmo na minha mãe. (Elisa)
Outras descreveram mudanças especificamente relacionadas às transformações
hormonais. A relação abaixo reflete a variedade de sintomas e mudanças descritas em seus
depoimentos.
OSCILAÇÕES DE TEMPERATURA
Provavelmente o sintoma mais popularmente relacionado à menopausa, os famosos
calores , muitas vezes seguidos da sensação de frio, trazem grande desconforto físico para
a mulher. Além disto, mobilizam fortes emoções devido à exposição que acarretam, pois
seus efeitos são facilmente visíveis. Vergonha, constrangimento, angústia, sensação de
vulnerabilidade e desproteção,
foram sentimentos compartilhados pelas participantes da
pesquisa que os conheceram. A sensação de perda ligada à menopausa no imaginário
social e pessoal, também está presente em um dos depoimentos, acompanhando a vivência
destas oscilações de temperatura. Os 6 relatos abaixo, às vezes com uma pitada de humor,
bem descrevem suas experiências.
O último, o de Julia, nos conta de uma mulher que aprendeu a transformar os
calores em aliados, fontes de prazer e criatividade. Acredito que seu relato possa servir de
inspiração e ajuda para que mulheres consigam criar maneiras positivas e alternativas de
com eles lidar.
Ciornai
82
O que provocam em si
Eu sentia muito calor, era uma coisa absurda! Tava o maior inverno, todo
mundo de capote de lã, e eu literalmente me abanando. Todo mundo percebia, e
quanto mais percebiam e faziam gracejos, mais eu me afogueava, porque aí vem
toda a vergonha de ficar exposta. Fica assim uns 3, 4 minutos, daí passa, abranda,
e aí você começa a sentir frio. Então era um tal de põe roupa, tira roupa , bota
capote, tira capote, olha, puta que o pariu! (Paula)
A palavra calor não define o que a gente sente. Eu chamo de fogacho. Me
lembra o fogo do chuveiro de gás de rua, que a gente deixa na chama piloto, e
quando liga o cioso faz: “Vuu!” É um negócio que sobe. Às vezes é rapidiinho, e às
vezes dura muito, e quanto mais você quer controlar, mais ruim fica.
E é
acompanhado de um profundo mal estar. É um mal estar indefinível. Quando passa,
vem um alívio, mas vem também uma espécie de depressãozinha rápida, um
amolecimento do corpo, como se eu estivesse desfalecendo, me esvaindo...
Ao mesmo tempo que eu sabia que aquilo era hormonal, que aquilo tinha a
ver com menopausa,
eu percebia que tinha a ver também com momentos
emocionais. Se eu me angustiava um pouco, se eu me afobava, se uma situação tava
me sufocando um pouco, aí batata, aquilo vinha: “Vvuu”! Na hora é uma sensação
muito angustiante . Eu até fiz questão de ter um carro com ar condicionado porque
ar condicionado é abençoado nesta fase! Eu entro no carro e crau ! “Ahhhhhh,” é
um alívio! (Mariana)
Comecei a ter disritmia térmica, ondas de calor extremamente
desagradáveis,
absolutamente de surpresa. Eu sempre me ruborizei muito
facilmente quando alguma coisa me embaraçava. Se eu quisesse perguntar algo
para o professor, eu sabia que eu ia ficar vermelha se levantasse a mão. Então pra
não ficar vermelha eu nem levantava à mão, embutia as minhas questões. De
repente eu não tava fazendo nada, pensando em nada, discutindo nada, e vinham
as ondas, que me remetiam à sensação muito adolescente de vergonha. E fora isso
Ciornai
83
uma coisa física muito desagradável, porque eu suava muito , me ensopava de
molhar cabelo, e aí pressão baixava e muitas vezes depois da onda de calor eu me
sentia desmaiante . Isso independente da atividade que eu estivesse fazendo, podia
estar trabalhando, andando, fazendo nada! E de noite eu tinha que levantar da
cama e trocar de camisola várias vezes, porque eu ensopava as camisolas. Aí
trocava de roupa, parava de suar, morria de frio, puxava a coberta, 5 segundos
depois jogava tudo fora e começava a suar de novo. Era uma coisa muito cansativa
. E imagine, enquanto terapeuta, trabalhando com os clientes, eu tinha que explicar
que o meu corar não tinha nada a ver com o que as pessoas estavam me dizendo,
que era eu que estava com ondas de calor! Essa fase foi muito complicada! (Vera)
Minha menstruação acabou faz um ano e o desconforto que aparece com os
calores em determinadas circunstâncias é muito grande. Eu tô quietinha lá no meu
canto, e de repente parece que acende o fogo. Quando começam aqueles suores,
aqueles calores, todo mundo vendo o que eu tô sentindo, eu me sinto
incomodadíssima - me sinto desprotegida. Porque eu não queria que ninguém visse
que eu estou suando, me sentindo desconfortável, me sentindo mal... Eu aprendi em
terapia a conviver com minhas próprias emoções, foi um processo longo de tomar
posse de mim mesma , uma longa batalha aprendendo a me resguardar, e de
repente fico exposta de novo. Essa sensação é muito desconfortável. (Rebeca)
Eu sempre gostei muito de pouca roupa, e agora eu tenho um motivo a mais
pra pôr pouca roupa! Porque é um horror esse calor, esse suadouro interminável.
E ainda por cima tenho que usar bloqueador solar pra não acabar com a minha
pele. Junta o bloqueador com o calor, e fica uma pasta! Então tem as manchas,
tem o calor, e eu fico derretendo . Quando ele vem, eu me sinto esvaecer. Acho
que essa palavra é fantástica pra descrever a sensação que sinto, porque realmente
é uma coisa que vem, e vai gradativamente te esvaecendo... (Sandra)
Meus calores me faziam passar momentos constrangedores de suadeira. Um
dia eu estava dirigindo no transito à duas horas da tarde, o calor era infernal, e em
Ciornai
84
determinado momento foi tão intenso, que eu achei que não ia agüentar. Aí parei
numa rua lateral, e comecei a respirar fundo, aplicando técnicas que eu estava
aprendendo no tai-chi e na ioga. Fechei os olhos e fui respirando naquele calor,
que sempre ficava muito no peito e no coração como uma coisa angustiante me
agoniando. E com a respiração fui jogando aquele calor prá baixo, levando aquele
calor mais pro meu centro, pro umbigo. E pra meu espanto comecei a sentir prazer!
Eu comecei a sentir gozo com meu calor, ele se transformou num orgasmo! Foi uma
sensação tão gostosa de prazer, que eu mesma me assustei. Foi uma experiência
incrível! Daí em diante, todas as vezes que o calor vinha, eu procurava uma forma
de transformar esse calor. Então quando ele vem, eu “vejo” o meu calor, respiro
nele, jogo o calor prá ponta dos pés, e deixo que ele entre na terra. Normalmente eu
me encosto ou boto o pé numa coisa fria, ou então encaro a parede e vou
respirando, faço mil coisas prá desconcentrar esse calor. Quando comecei a
participar de um grupo de terapia para mulheres na menopausa, aprendi uma
outra técnica além do respirar, que foi a de pintar com guache. Agora minhas
ondas de calor diminuíram, mas quando eu estou mais agitada, reaparecem, e aí eu
respiro e penso: “O que é que eu vou criar aqui com você?” Uma vez eu estava em
um ônibus e o calor veio intenso.. E aí veio a imagem de uma garrafa de onde
saiam cores que se esparramavam: laranja, vermelho, violeta. Era como se eu fosse
a garrafa, e meu calor começasse a se esparramar lindamente pela cadeira, pelas
pessoas, pelo ônibus, depois saía pela janela do ônibus e entrava na Av. Paulista,
foi bárbaro! Eu sempre procuro uma forma de transformar o calor prá ele não ficar
em mim, porque se ele ficar realmente me incomoda.
Eu também percebo que quando estou mais agitada, quando as coisas se
acumulam, ele vem mais. Então eu digo: “Oi! Eu já sei que você está querendo que
eu me acalme.” E aí eu procuro respirar, pintar, começo a escrever. O meu calor
vinha com taquicardia, nunca veio só. Então eu me assustava muito, porque o medo
de enfartar vinha junto. Mas agora eu respiro muito na barriga, e transformo esse
calor e essa taquicardia em aliados meus. Eu os encaro hoje como sinais pra mim.
É como se me dissessem: desacelera! (Julia)
Ciornai
85
O que provocam no outro
Meu marido fala assim: “Mas não tá calor!” É muito incômodo porque ele
fica irritado comigo. Na cama ele quer cobrir, e eu quero descobrir. Então fica um
negócio complicadíssimo... (Rebeca)
À noite, eu sentia calor e tirava toda a coberta. Punha as pernas pra fora
da cama, pra refrescar um pouco, e como eu não fazia isso de uma forma delicada,
ele acordava todo assustado e perguntava: “O que que houve?! Que que é?!
Porque é que você tá me descobrindo ?! E eu dizia: “Tô com calor.” Ele ficava
assustado e me dizia: “Você precisa procurar um médico, criatura, não pode ficar
com essas suas alterações, não é possível!” Na verdade ele não queria conversar
muito sobre isso. Ele se assustou muito, porque também ele sentia perda, também
tava perdendo com isso... (Paula)
INSÔNIAS E ALTERAÇÕES DA QUALIDADE DO SONO
Das mulheres entrevistadas,
várias se queixaram de insônias e alterações da
qualidade de sono, geralmente em períodos onde outras perturbações físicas ou emocionais
marcantes se faziam presentes:
Tive uns 2, 3 meses de muita insônia – eu dormia um pouco, acordava às 2,
3 horas da manhã e não dormia mais. Isso me deixava super mal... (Ana)
Olha, é uma insônia que eu desconhecia. Eu era conhecida na família como
uma pessoa que dormia muito, pesado, e bem. Tipo a empregada passar
a
enceradeira e eu continuar dormindo. Quando tive filho, tive muita dificuldade
naquela coisa de ter que acordar pra atender filho à noite, porque eu dormia muito
pesado. Aí eu comecei a ter insônia, uma coisa de querer dormir e não conseguir.
E não é aquela insônia em que você tá desperta pra ler, cozinhar, conversar, é uma
insônia bodeada...
Ciornai
86
Mas o pior pra mim não é nem a insônia, é a qualidade do sono que
mudou, é uma coisa de dormir mal. Antigamente, não só eu dormia muito e bem,
mas pra fazer a cama de manhã era a coisa mais fácil do mundo, meu lençol tava
todo esticadinho. Atualmente amanhece tudo amarfanhado! Porque eu passo a
noite inteira no que eu chamo de ‘fritando bife’ - viro pra cá, viro pra lá, viro pra
cá, viro pra lá, chuta lençol, puxa lençol, graças a Deus que eu não tenho homem
na minha cama, porque eu acho que ele ia sofrer, coitado! (Mariana)
Eu acordava às quatro horas da manhã e não conseguia dormir mais...
(Sonia)
Eu sou uma pessoa que sempre dormi pouco então insônia era um estado
meio normal. Então, não é que eu passei a ter insônia na menopausa. Mas antes, se
eu ficava com insônia, eu lia um livro a noite inteira numa boa. Já na insônia da
menopausa eu não tinha vontade de fazer merda nenhuma. É uma insônia ruim, um
cansaço enorme, vontade de dormir e não conseguir. E além disto a qualidade do
sono também mudou, mesmo dormindo durmo mal. (Rebeca)
RESSECAMENTO VAGINAL
Ressecamento vaginal é algo que freqüentemente acontece com mulheres após o
cessar das menstruações. E de fato, as participantes da pesquisa que falaram sobre isto já
estavam na menopausa. As que fizeram tratamento de reposição hormonal, relataram que
com o tratamento este sintoma melhorava muito ou até desaparecia. Mas algumas,
preocupadas com os possíveis efeitos colaterais dos hormônios, escolheram não tomá-los
ou parar de tomá-los, e tiveram que lidar com este problema em suas relações sexuais com
parceiros através do uso de gel lubrificante.
As mulheres casadas, que estão em uma relação longa e estável
com um
companheiro, relataram conseguir lidar com isto na relação de casal sem grandes
problemas. No entanto, para as que não estão em relações duradouras, este problema pesa
mais, e chega a ser um fator de impedimento em seus envolvimentos afetivos com homens
:
Ciornai
87
Dá problemas de lubrificação vaginal mesmo, mas hormônio ajudou
bastante. (Sandra)
Em termos de diferença de corpo, inegavelmente a coisa da secura vaginal
atrapalhou bastante a relação sexual, mas logo a gente achou uma pomada legal.
(Vera)
Entrei na menopausa a uns 5 anos atrás, e de uns 4 anos pra cá que eu
acho que isso se manifestou mais. Na relação sexual, arde mesmo, dói, é uma coisa
que incomoda. Agora, se usar creme supera. Como nós somos casados há muito
tempo, tem toda uma forma de saber o que fazer com isso entre nós. (Frida)
Quero falar o que é a menopausa pra uma mulher que vive sozinha. Eu tive
uma menopausa muito cedo. Com 43 anos eu parei de menstruar, assim, pum! Não
senti calores, dores, nada, mas minha vagina secou. E é secura mesmo. E em que
hora que você sente isso ? Na hora em que você tá morrendo de tesão, e a tralha do
homem te machuca, não entra direito. E aí você pensa: Mas por quê?! Se tá tudo
certo, se você tá super excitada, se você tá ali, no ponto! Mas isso não adianta
nada, a coisa raspa, parece uma lixa, e se não tiver o tal do gelzinho, mas não
entra nem a pau, dói mesmo ! É quase como ser violentada, não é legal...
E aí uma coisa é você estar casada com um cara e ir transando a história de
lubrificante, gel e tal . Mas o tal do gel, quando você está transando com um
homem pela primeira vez , não é assim tão simples. Você está ali pela primeira vez
entrando num jogo íntimo com o cara , e botar camisinha, enfiar gel, não
conhecendo o cara direito, é um bruta de um rolo, não é tão tranquilo.
Então o
que tá acontecendo é que eu estou me retraindo, já de antemão acho que não vai
dar certo, porque uma ou duas vezes não deu. Só vai dar certo quando eu conseguir
tomar hormônio e lubrificar de novo a vagina, porque aí eu vou voltar a ter
problema só com a camisinha. Então essa coisa da vagina seca complicou muito a
minha vida... (Norma)
Ciornai
88
TONTURAS
Dos sintomas relacionados à fase de climatério e menopausa, tontura é um dos
menos conhecidos. Mariana só foi se dar conta da possibilidade que suas tonturas
estivessem ligadas à questão hormonal, ao ler uma bula de hormônio para menopausa que
listava os sintomas que o hormônio poderia solucionar.
As outras, só chegaram à
considerar esta possibilidade ao compartilhar suas experiências com as demais colegas de
grupo durante a pesquisa.
Uns dois, três anos antes de entrar na menopausa, eu sentia mal estares
repentinos, tonturas, coisas que nunca havia sentido antes. Cheguei até a achar que
talvez fosse labirintite.(Frida)
Eu sentia muita tontura. Passei por essa via sacra por volta dos 43, 45.
Cheguei até a achar que eu tinha um tumor no cérebro, porque eu tinha tonturas
violentas. E no meu trabalho como terapeuta isso é uma coisa horrorosa, porque te
faz perder o foco, perder a atenção. Em psicoterapia você tem que estar ali, com
presença inteira em cima do cliente, tem que estar ligadona, né ? E de repente você
não consegue focalizar direito nem visualmente, tá semi-ligada, dá uma angústia
muito grande.
Hoje eu acho que estas tonturas estão ligadas tanto à fatores emocionais
como à questão hormonal, porque antes do climatério eu nunca tive essas coisas.
Às vezes a tontura é leve, fica o dia inteiro assim : ‘uuuuu’, é incômoda mas dá pra
guiar, pra falar, pra trabalhar, aí eu tomo meio Lexotan [tranquilizante] de três
miligramas. Os médicos dizem que é placebo, mas pra mim faz efeito, eu acalmo um
pouquinho e a tontura melhora. Mas às vezes fica muito violenta, daquelas que o
quarto roda, e aí eu não consigo sair pra trabalhar, tenho que desmarcar os
clientes, fico super mal, mesmo tomando remédios mais fortes como Estugeron que
é um remédio para labirintite que leva tempo para fazer efeito, e que como é um
remédio forte, te deixa meio bodeada. (Mariana)
Ciornai
89
Há dez anos atrás eu tive um aneurisma cerebral. Fui operada, e passei de
vez em quando a ter umas coisas de tontura, parecia que eu ia desmaiar. Mas de
uns 3 anos pra cá, eu tenho tido isso com muito mais freqüência. Parece o se
esvair, mas é uma coisa física mesmo. Saem as forças, eu não consigo prestar
atenção no que as pessoas tão falando. Me parece que eu quero dormir um
pouquinho, parece que eu vou desmaiar. Uma coisa que me ajuda muito é mexer.
Levanto, ando, vou lavar a louça, e dá uma melhorada. ( Fernanda)
OSTEOPOROSE
Sintoma que quando aparece, geralmente aparece anos após a menopausa, se fez
presente no relato de poucas participantes, mas mais agudamente em Marcia :
Aos 40 anos tive uma questão na coluna, fui fazer exame, e o médico falou
que eu tava com perda de cálcio, que era importante eu estar fazendo algum
tratamento porque eu já estava num processo da diminuição hormonal. E esta
osteoporose mexeu muito comigo, porque minha mãe tem, ela não se tratou, e eu
vejo o estado que ela ficou de envelhecimento, facilidade de cair e quebrar osso,
realmente não tenho vontade de me ter uma velhice igual a da minha mãe. (Marcia)
Fiz o exame de osteoporose, e já deu uma coisa, pequena mas deu.
(Mariana)
NÓDULOS E MIOMAS
Muitas mulheres relataram problemas de nódulos e miomas nos seios e no útero
nesta faixa etária:
Há um ano e meio senti um caroço no seio. Tratei com homeopatia,
acupuntura, mas no fim tive que operar mesmo. Graças a Deus não era maligno.
(Rosana)
Eu comecei com hormônios sem querer, por causa da osteoporose. Aí me
apareceu um caroço no seio, e acabei tendo que tirar com cirurgia.( Marcia)
Ciornai
90
Quando eu tinha 45 anos eu tive um mioma. O médico me mandou fazer
um levantamento das taxas hormonais, e descobriu que o hormônio feminino
tinha baixado. (Sandra)
Comecei a reclamar que eu estava tendo cólicas de menstruação e de
ovulação muito fortes, e aí foi descoberto que eu tinha um mioma. Eu espero que
eu não tenha que operar porque como eu já devo estar perto de chegar na
menopausa o mioma tende a decrescer.(Sílvia)
Tive um nódulo maligno no seio a um ano e meio atrás. Eu não tinha noção
de que nessa faixa dos 40, antes da menopausa, uma em cada 10 mulheres tem
câncer de mama. (Miriam )
DISTÚRBIOS NO FLUXO MENSTRUAL
Várias relataram alterações no fluxo menstrual. Menstruações muito fortes
ou
muito frequentes e longas, às vezes com cólicas, inchaços, hemorragias, fluxos ora
minguados ora abundantes :
O meu processo menopáusico veio com muito distúrbios, não é comum
mulheres passarem o que eu estou passando. Inclusive fui operada recentemente,
tive que tirar o endométrio. Foram dois anos que eu fiquei com fortes hemorragias.
É terrível o que você passa, porque você sente esvair sua energia, fica debilitada no
organismo todo, se sente sempre cansada. E eu era uma mulher de muito
dinamismo, de fazer qualquer coisa, a qualquer hora, a qualquer dia, não sentia
problemas de saúde. E minha saúde ficou muito abalada, mesmo agora eu não
voltei a ser o que eu era. (Maria Amélia).
Tive algumas hemorragias fortes que se normalizaram com Premarim.
(Renata)
Ciornai
91
Eu tenho tido uma menstruação muito prolongada, isso tem me deixado com
a xoxota irritada e me incomoda demais. (Rosana)
Passei a ter menstruações muito fortes, com inchaços. (Léa)
Uma coisa que eu também tô sentindo, que a médica diz que é do mioma, é
diferenças no fluxo menstrual. Ora vem pouquinho, de repente vem bastante, meio
parecido com adolescência. (Silvia)
MUDANÇAS NA QUALIDADE DA PELE E NO TONUS CORPORAL
De todas as entrevistadas, não houve uma que não houvesse
mencionado as
mudanças de pele e de corpo que se evidenciam nesta idade. Este sem dúvida foi o ítem
onde houve maior concordância, e a mudança sentida como mais dramática.
Nunca fui de ligar pra cremes, limpeza de pele, nada, mas ultimamente
tenho me preocupado com isso, tô ligada nas rugas que tão aparecendo.(Eliane)
Minha pele secou totalmente. E minha pele era gordurosa, tenho marcas de
quem teve espinhas e cravos a vida inteira. Nessa idade, pra nós que somos
clarinhas, a pele fica cheia de pelotas, de manchas, cai, enruga, é uma desgraça!
(Fernanda)
Agora tem rugas, papada, quando me olho no espelho eu penso : tá tudo
horrível e caído... ( (Rebeca)
Estou com quase 49 anos, e neste último ano, tenho notado uma diferença
física muito grande no meu corpo. Os tecidos não têm mais a mesma firmeza, a
qualidade da pele é outra, inegavelmente teve uma perda do viço, do tonos .
(Cecília)
Ciornai
92
Me incomoda muito as estrias. Os olhos e o pescoço é dramático. E tem
uma coisa que eu tô descobrindo: o joelho também é dramático. Também tô
começando a ter celulite faz uns 5 anos, e sendo negra, tenho um problema sério de
manchas na pele. Mas na verdade eu sou muito relaxada e preguiçosa. Eu sou
daquelas pessoas que saio, compro “um kit completo” de cremes, e uso uns dias
só, porque eu não tenho o menor saco pra essas coisas. Se você me falar assim:
‘Vai pra ginástica ficar linda ou vamos pro bar beber?’ Eu vou responder: ‘Vamos
pro bar beber! E que caia!’ E aí de repente eu olho e falo pra mim mesma: ‘Ai, que
merda, caiu! Por que eu não fiz ginástica, não passei o creme?! ’ Mas eu não tenho
saco. Então é complicado, mas ao mesmo tempo eu também me aceito... (Sandra)
Eu me olho no espelho e vejo que por mais que eu me cuide, estou
perdendo a vitalidade do corpo. As coisas vão caindo, não tem jeito! Por mais que
você faça esforço, por mais que você faça ginásticas, não dá mais a mesma
resposta que a gente tinha antes. (Mariana)
Cai mesmo, a gente não é mais o que era... (Paula)
Apesar de eu fazer muito exercício sempre, começou a aparecer flacidez e
rugas no braço, na mão e no joelho. É um processo que se acelerou muito de uns 6
meses prá cá, desde que eu fiz 52 anos. Aí eu penso: ‘Meu Deus! Se isso for rápido
desse jeito, daqui há cinco anos, eu estou acabada!’ E isso tem me dado um certo
grilo.(Ana)
Pra quem como eu que sempre tive uma relação ruim com o meu corpo,
quando chega nesta idade, fica pior, quer dizer, se eu já achava feio, agora acho
feio e despencado. Ou seja, já era um problema e ficou um problema um pouco
pior. Mas pra quem era bonita deve ser mais assustador, mais dramático... (Sonia)
Ciornai
93
MUDANÇAS NO NÍVEL DE ENERGIA
Outro fator mencionado por quase todas mulheres como marcante mudança física,
é a percepção de que a energia pra fazer e realizar coisas variadas diminuiu, que houve
uma perda de vitalidade significante, e que coisas que antes eram tranquilas, como passar
uma noite em claro, hoje não são mais. Selecionei algumas falas relativas à esta mudança:
Antes eu podia trabalhar o dia inteiro, e à noite eu ainda queira sair para
dançar. Passava a madrugada inteira dançando, voltava às 5 horas da manhã,
tomava um banho e às 8 tava trabalhando de novo numa boa, com uma excitação
muito grande. E lá ia eu o dia inteiro de novo! Eu era uma pessoa muito agitada. As
pessoas diziam: ‘Que energia! Que resistência! Como é que você aguenta?’ Minhas
amigas diziam que eu parecia uma maluca, que não aguentavam o meu ritmo , mas
para mim era tranquilo. Mas de uns tempos pra cá já não sinto assim, sinto que
meu corpo me diz que quer dormir, que está cansado. Eu tô com outro ritmo
agora, não aguento mais o de antes. (Marcia)
Tenho sentido necessidade de fazer uma economia de energia. Até
sexualmente, pra ter uma energia sexual eu sinto que preciso fazer uma economia
das minhas energias de maneira geral. (Rosana)
A nível físico minha onipotência foi pro vinagre, hoje em dia sou muito mais
cautelosa . Me canso com mais facilidade, e respeito o cansaço. Antes eu não
media conseqüências.(Vera)
Eu era uma mulher de muito dinamismo, de fazer qualquer coisa, a qualquer
hora, a qualquer dia, prá mim tanto fazia carregar esse livro como carregar uma
sacola pesada, e isso mudou. (Maria Amélia)
Eu costumava ser elétrica, fazia mil coisas sem cansar. Hoje eu não tenho
mais o mesmo fôlego que tinha antes. (Renata)
Ciornai
94
Estou mais cansada, preciso dormir um determinado número de horas.
Antigamente eu aguentava perfeitamente uma noitada, um papo longo, hoje estas
coisas me deixam mal no dia seguinte. (Cecília)
Sinto que eu estou com necessidade de dormir mais. Mesmo dormindo bem à
noite, no final de tarde tem me dado sono.(Ana)
Já não me sinto tão disposta pra uma série de coisas como antes. O que eu
fazia há alguns anos atrás quando eu tinha três, quatro empregos e uma série de
coisas, hoje realmente é mais complicado. (Jussara)
AUMENTO DE PESO
Várias mulheres contaram que engordaram nos últimos anos, algumas até bastante,
e que sentem uma dificuldade cada vez maior em reduzir o peso :
Eu engordei muito, engordei 20 quilos nesses últimos 11 anos.(Mariana)
Eu pesava 55 quilos e hoje estou com quase 80, tô gorda. E a pior hora da
minha vida é ir comprar roupa. Porque, aí não bate a imagem daquilo que eu
gostaria de estar pondo, com aquilo que eu posso usar. Nada serve, nada fica bom,
a barriga aparece, dá uma sensação muito ruim. (Rebeca)
Tô mais gorda, com celulite, barriga, estrias. (Fernanda)
Também engordei demais, nesses dois últimos anos eu engordei 15 quilos.
(Maria Amélia)
Tenho sentido cada vez mais dificuldade de emagrecer. (Cecília)
Ciornai
95
PROBLEMAS DE VISÃO
Um outro problema que se configura para algumas nesta idade, são as dificuldades
com a visão, que trazem a necessidade de usar óculos :
Eu vou até tirar essa óculos! Cacete, viu! É a concretização da perda!
(Paula)
Meu primeiro choque foi começar a me sentir com braço curto, eu ia ler um
livro e tinha que afastar o livro cada vez mais para poder enxergar. Eu que sempre
enxerguei muito bem sem óculos, descobrir que estava com necessidade de óculos
para a leitura. E eu achei que a meia idade tinha chegado na hora que eu botei os
óculos. Então o primeiro impacto tipo ‘estou começando a envelhecer’, ‘meu corpo
está mudando’ foi a questão dos óculos. (Vera)
Eu tô enxergando cada vez pior... (Fernanda)
Eu enxergava muitíssimo bem pra ler . Passei a ter dificuldades, e ao brigar
com isso, aumentava a minha tontura, porque eu
me recusava à ir
ao
oftalmologista. Agora não, já tô usando óculos, já me rendi a isso. (Rebeca)
PROBLEMAS NAS ARTICULAÇÕES E AUMENTO DE COLESTEROL
Algumas mulheres mencionaram aumento de nível de colesterol, e duas falaram de
problemas nas juntas. O relato de Rosana bem descreve este problema :
Tenho tido problemas nas articulações da mão. Às vezes quando acordo
estão inchadas e doloridas. O médico disse que tem a ver com a chegada da
menopausa, que com a diminuição hormonal o ácido úrico tende a aumentar.
Estou procurando controlar mais a dieta
ingerindo
menos proteínas,
pois
provocam aumento do ácido úrico. Quando os dedos estão assim, faço bastante
exercícios, e com os movimentos a dor acaba passando. Mas estou ficando com as
articulações grossas, porque incham, e esteticamente isto está me incomodando.
(Rosana)
Ciornai
96
MEMÓRIA
E finalmente, alterações na capacidade de memória também foram mencionadas. Os
depoimentos abaixo são um exemplo :
Há uns 3 anos, eu tomo Geriavit. Tomo um de manhã cedo, e se eu tenho
que produzir até tarde num trabalho intelectual, eu tomo outro lá pra umas quatro
da tarde, pra ficar em pé, pra produzir, pra ter lucidez. Eu sempre tive problema de
memória e de concentração, mas agora piorou fantásticamente.(Sandra)
Tenho tido uns problemas de memória, e até brinco assim: é a menô!
(Jussara)
Eu tive sempre uma memória fantástica. Como sou terapeuta, eu trabalho
com memória. Lembrava de sonhos que paciente contou pra mim há dez anos atrás.
Às vezes ele podia esquecer, mas eu não esquecia em hipótese alguma! E comecei a
esquecer. Comecei a ficar um pouco assustada, porque a minha memória passou a
falhar com algumas coisas, e a concentração diminuiu. (Rebeca)
MUDANÇAS SEXUAIS
A presença do desejo e da atividade sexual não é uma questão simples, envolve
uma série de fatores. Apesar de não haver regras neste terreno, e cada caso ser um caso, ao
ouvir os depoimentos das participantes, pude perceber que haviam algumas variáveis
importantes, que listo a seguir.
O FATOR BIOLÓGICO
Mudanças hormonais podem estar ligadas à alterações na libido. No relato de várias
mulheres, este fator é freqüentemente mencionado entremeado com o emocional, o
psicossocial, e com as alterações físicas muitas vezes bem desagradáveis do período. No
Ciornai
97
entanto, algumas mulheres relatam ter sentido esta mudança, mesmo sentindo-se bem. Já
outras, continuam a sentir-se igual ao que sempre foram.
Frida por exemplo, está na menopausa há alguns anos, aparentemente pareceu estar
muito bem tanto em sua vida profissional, sua vida pessoal, como na relação com o marido
por quem dizia-se ainda apaixonada. No entanto, ao falar de sexualidade, disse:
Acho que a sexualidade tá muito menor, eu tenho menos vontade. Porque
também meu marido tem me procurado menos. A gente transa, mas com menos
freqüência , é uma coisa mais tranqüila. De vez em quando me dá alguns grilos e eu
fico pensando: puxa vida, será que isso vai acabar como uma grande amizade, será
que a gente vai ficar só amigo ? Mas eu acho que é assim mesmo... (Frida)
O FATOR RELACIONAL E O FATOR PSICO-SOCIAL
A segunda variável, é que as experiências das mulheres que estão em uma relação
duradoura e estável com um companheiro com quem mantêm relacionamento sexual, se
diferenciam em certos aspectos das experiências de mulheres que estão sós - sejam elas
solteiras, separadas ou viúvas. Enquanto para as primeiras existe uma intimidade e uma
confiança construída permeando suas relações sexuais com o parceiro, independente de
que esta relação lhes seja ou não satisfatória, e independente de ansiarem ou não por outras
relações, para as que estão sós, a inexistência desta condição facilitadora chega muitas
vezes a ser um sério impedimento para a atividade sexual. Três razões básicas para isto
emergiram de seus relatos:
1) A vivência de um imaginário social desfavorável à mulher nesta faixa etária,
que se entremeia à uma percepção pessoal, também por este tecida, muitas vezes
extremamente crítica e negativa de si em termos estéticos, aliada à constatação de que
homens desta faixa etária freqüentemente preferem mulheres bem mais moças, faz com
que muitas mulheres não se sintam “mulheres desejáveis”, capazes de atrair e provocar
desejo. Apesar de que isto também pode ocorrer com a mulher que tem um companheiro,
para a mulher que não tem, isto muitas vezes traz como conseqüência uma ausência de
relações sexuais em sua vida.
Ciornai
98
2) Freqüentemente se percebendo com uma sexualidade diferente da que tinham
antes, às vezes até ainda por descobrir e experienciar, o que se evidencia por exemplo no
desejo de uma relação mais lenta, na necessidade de mais tempo para se excitar, e na
necessidade muitas vezes da ajuda de um lubrificante vaginal com o qual não têm ainda
experiência, a perspectiva de relacionamento sexual com um novo parceiro
vem
acompanhada de um sentimento de insegurança e desconforto. Pensar em estar se
experimentando e experimentando novos recursos em uma área tão íntima, com alguém
com quem não têm uma intimidade e uma confiança construída, para algumas vem a ser
muito desencorajador, como nos conta o relato de Norma à algumas páginas atrás, ao falar
das dificuldades que o ressecamento vaginal que adveio com a menopausa trouxe aos seus
relacionamentos. Estes fatores se mesclam e estão presentes no relato de Mariana:
Faz 10 anos que eu não tenho vida sexual. Também a AIDS começou nesse
período, e eu fiquei apavorada com a AIDS. Eu não sei mais o que é o toque de um
homem. No começo foi terrível, terrível! Eu subia pelas paredes, eu queria morrer,
mas fui acostumando. Hoje
eu não sinto falta.
Eu ouço pessoas dizerem
ultimamente que eu estou bonita, atraente, mas eu não me sinto assim. Odeio meu
corpo, me acho horrorosa, sinto que tô velha, e que já acabou pra mim. Sexo é
uma coisa que não existe na minha vida, mas eu também sinto que a libido
diminuiu, diminuiu o desejo. Acho que pra quem tem um parceiro é mais fácil. E eu
não sei dizer o quanto disso tem a ver com minha fase de menopausa, ou o quanto
tem a ver com minha parte emocional que fechou...
Tenho tesão esporádicos. Na maior parte das vezes eu não tô ligada, não
quero nem saber. Mas às vezes eu sinto uma coisa que sobe, uma vontade. Mas
nunca é cena de sexo que me excita, são cena de amor, cenas de carinho, de toque
que me motivam. Não é tanto genital, é uma coisa que se esparrama pelo corpo,
uma sensualidade. Eu me masturbo às vezes, quando eu me sinto sozinha. Acho que
a razão disso é que sou tão invadida na minha vida, que quando eu tô sozinha,
tranqüila, não tem ninguém em casa e eu sinto o espaço da casa só pra mim, o meu
corpo começa a soltar e vem uma sensualidade. Nesses momentos eu sinto um
tesão se espalhando e às vezes eu me masturbo. E aí é gostoso. E às vezes é meio
triste pela solidão, pela ausência de um parceiro...
Ciornai
99
Além disto me assusta muito a idéia de começar um relacionamento nesta
idade, quando a sexualidade tá diferente, já não responde como antes , quando tem
que ser mais suave, mais devagar, com maior estimulação pra ter lubrificação. Eu
imagino que pra uma mulher que é casada, que tá há 25 anos com um
companheiro, onde o afeto, o companheirismo, a amizade e a cumplicidade estão
presentes,
isso venha
naturalmente. Foi acontecendo, e os dois foram se
adaptando, e continuaram se curtindo. Mas a minha fantasia de começar um
relacionamento agora é muito assustadora. (Mariana)
3) Também a AIDS veio a complicar bastante a vida das mulheres e de todos
aqueles que não têm um parceiro único e fixo. Tereza por exemplo, diz isto claramente:
De uns três, quatro anos para cá, eu transo eventualmente. Não que eu não
tenha vontade, mas eu aprendi a conviver com o meu desejo sem transar. Não faço
mais concessão, porque a história da AIDS complicou as coisas. A gente até sai,
bate papo, o cara fala que você é sensual, sedutora, mas aí, na hora do vamos ver
mesmo, deixo para amanhã. O que felizmente eu fiz há quinze anos atrás, ainda em
tempo de descobrir minha sexualidade , eu não faria hoje.(Tereza)
Por outro lado,
há mulheres que estão sós e que relatam experiências
distintas com homens :
A minha atividade sexual não é muito forte, mas é gostosa. E eu aprendi
como torná-la gostosa só depois que eu me separei. Tenho 2 parceiros com quem
que eu transo já há bastante tempo, e não sinto nenhum pudor disso. São 2 homens
casados, que eu vejo muito eventualmente. (Julia )
Desde que me separei do meu marido de quem depois fiquei viúva, tive
alguns encontros esporádicos, sem nenhum “grilo” pra mim enquanto mulher, mas
sem envolvimento afetivo, sem muito prazer, não significaram nada pra mim.
(Nira)
Ciornai
100
Uma coisa que eu acho que me aconteceu ultimamente, na relação com
homem, é que eu antigamente gostava muito das preliminares. Tinha até um
namorado que me falava: ‘você cansa, demora muito!’ Hoje eu tô muito mais
afoita, muito mais ansiosa. Lembro de uma piadinha que fala: Legal é transar com
velho porque ele sempre pensa que é a última, então ele dá tudo o que pode. Vai ver
que é isso o que anda acontecendo comigo! (Fernanda )
MULHERES COM PREFERÊNCIA POR RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS
Já a experiência de mulheres que têm preferência por relações homossexuais, se
diferencia das demais por não ter que lidar com alguns dos fatores presentes nas relações
heterossexuais. Nos depoimentos abaixo, Ana está em uma relação relativamente recente, e
Sandra, casada com um companheiro, se permite relacionamentos hetero e homossexuais.
Eu nunca fui uma mulher dada a sexo por sexo. E eu acho que a questão da
libido tem a ver com isso: quando você encontra pessoa com quem você tem uma
sintonia, aí rola. Como existe essa sintonia agora com uma mulher, eu acho minha
libido perfeitamente normal, porque eu tenho uma parceria muito gostosa, muito
agradável. ( Ana)
Desde os anos 80 eu também tenho relações com mulheres. Mas eu não
consigo dizer assim: ‘eu sou bissexual, sou pansexual’, não consigo me encaixar
nessa terminologia. Mas eu me permiti me relacionar também com mulheres. E
relações muito duradouras. Acho que essa possibilidade de eu me relacionar com
uma mulher dá um equilíbrio nessa coisa de chegar aos 50 anos e ter toda uma
mudança corporal, essa coisa da lubrificação, todas essas questões. A relação
sexual de uma mulher com uma mulher é muito diferente de um homem com uma
mulher, mesmo que ele seja um homem bastante sensível e de afagos. Porque tem
uma coisa muito afetiva, muito mais sensual e menos sexual, e muito, muito de
cumplicidade. (Sandra)
Ciornai
101
MUDANÇAS NA FREQUÊNCIA E QUALIDADE DAS RELAÇÕES
SEXUAIS
Um outro fator mencionado por todas as que relataram continuar tendo atividade
sexual, refere-se às transformações sentidas na freqüência e qualidade das relações sexuais.
Das mulheres que estão mantendo um relacionamento sexual constante com parceiros,
enquanto muitas relataram uma diminuição na freqüência das relações sexuais, a maioria
relata uma transformação para melhor na qualidade da experiência sexual. A presença de
fantasias sexuais também faz parte de alguns relatos. Como ilustração, alguns relatos de
mulheres que vivem com um companheiro :
Eu tenho uma vida sexualmente ativa com meu marido, que aliás, foi meu
único parceiro. E a sexualidade junto com ele, sempre foi muito boa, muito intensa,
muito essa coisa da descoberta da sexualidade como uma coisa gostosa. De uns
anos pra cá, sinto que houve em mim uma diminuição da libido, um certo
desinteresse, uma diminuição do desejo corporal. O desejo da fantasia, esse não,
porque as fantasias apesar de incluir desejo são mais românticas. Acho que
diminuiu o libido e aumentou a fantasia romântica do cortejamento, do passar a
mão. Tenho que falar: ‘Vai mais devagar, por que é que você tá com pressa?’
Diminuiu completamente o desejo de coisa rápida. Eu quero bem
devagarzinho, porque se for depressa não dá. Mas se for devagar começa a surgir.
Deixou de ser uma coisa de ímpeto pra ser uma coisa bem mais suave. Aliás, como
a minha libido era muito maior do que a dele, ao diminuir encontrou um pouco
mais com a dele. Fico às vezes incomodada porque ele está afins e eu não, ele
ainda tem muito tesão por mim. Mas acho que tô com uma sexualidade mais
integrada com o afetivo, mais devagar, mais sensual. O orgasmo às vezes é muito
maior até do que quando eu era mais jovem, porque quando eu era jovenzinha era
mais segurado. Agora não, quando vem, vem bem lento, como uma coisa de
conquista, como uma coisa gostosa, sinto muito mais liberdade pra me soltar.
Antes, soltar era uma coisa que assustava, agora não assusta mais. (Rebeca)
Ciornai
102
Em termos de libido acho que a mudança que teve foi pra melhor. Eu acho
que é a sabedoria do mais velho. Falam muito que as mulheres mais velhas são
sexualmente muito mais experientes, até mais gostosas de transar, porque sabem
lidar melhor com a sua sexualidade. Alguém tava falando outro dia que pros
jovens é melhor transar com mulheres mais velhas, e que pras jovens é melhor
transar com os homens mais velhos. Mas eu não tenho a menor vontade de transar
com jovenzinhos. Nenhuma atração. Mas acho que a mulher mais velha fica mais
sábia em todos os sentidos, inclusive sexualmente.(Silvia)
Pra mim essa coisa da sensualidade, da sexualidade, sempre foi uma coisa
de muita vida. Eu sempre adorei transar. Sempre, nossa, que delícia! Gostava
muito. Eu tive e tenho uma vida sexual boa , acho que eu tenho um saldo gostoso
nesse território. Eu tenho um casamento de 25 anos. Com meu marido, com certeza
hoje tô mais pra um chazinho, uma passadinha de mão. Mas ele é artista, então a
gente tem uns recursos muito gostosos, a gente tem uma vida sexual legal. Agora, a
freqüência das relações sexuais diminuiu, com certeza. Além disto, pra gente teve
uma mudança assim: ele sempre foi um cara muito lento, é aquariano, artista, tá
sempre nas nuvens. Essa coisa do ritmo da sexualidade, foi uma coisa que a gente
sempre precisou estar ajeitando. Então pra nós, agora o casamento ficou melhor,
porque eu entrei num ritmo mais próximo do dele. E a gente tem feito uso de
recursos eróticos também. A gente que nunca via esses filmes, agora vê, lê Playboy,
eu acho que a gente incorporou isso, que a gente não tinha antes, na nossa relação.
Agora, em relação à qualidade, eu acho que tem ficado cada vez melhor. Cada vez
eu me sinto mais livre.
Também costumo me masturbar, isto é um recurso que eu sempre usei muito
depois que eu consegui me safar da minha educação cristã. Aliás a fantasia é um
recurso que a essa altura é fantástico. ( Sandra).
Em relação ao tesão, à libido, essas coisas, eu sempre suprimi muito meu
tesão, então acho que eu agora tô mais atenta ao meu tesão, fico com mais
vontade de explorar e de ser explorada no sentido corporal, mais do que antes. Eu
Ciornai
103
era uma pessoa que foi muito tomada pela questão cristã e tal, queriam que eu
fosse freira de qualquer jeito, por pouco eu não fui. Não me lembro na adolescência
de me masturbar. Eu me masturbava através das imagens, lendo romances, não
era um contato físico, não era manipulatório, era uma masturbação através do
imaginário. Então agora na verdade eu tô descobrindo o meu corpo, vivo agora
muito intensamente essa familiaridade com o meu corpo, esse carinho, esse gostar.
Na relação a dois, apesar da freqüência ter diminuído,
também sinto meus
orgasmos tendo melhor qualidade, são mais soltos, mais intensos. (Marcia)
O FATOR TEMPORAL
Outra variável importante, é o fator temporal. Mulheres que estão tendo ou tiveram
um período pesado e sofrido , tanto física quanto psicologicamente, ligado às mudanças
hormonais, relatam sentir a libido praticamente desaparecer nesta fase. Em algumas no
entanto, após esse período mais sofrido e agoniado, o desejo sexual muitas vezes reaparece.
No entanto, algumas das mulheres que participaram desta pesquisa estavam no
início do climatério, i.e., talvez pudessem vir ainda a vivenciar um período mais turbulento,
outras se descreviam em plena “borrasca”; enquanto outras já estavam “olhando para trás.”
E o que percebi de seus relatos é que a vivência de sexualidade de uma mulher aos 47 anos,
pode ser muito mais negativa, sombria, desinteressada, e desvitalizada , do que a vivência
de sexualidade desta mesma mulher aos 52. Aliás, períodos de depressão e/ou fortes
incômodos físicos, não costumam ser acompanhados de tesão em ninguém , em nenhuma
faixa etária, nem aos 20, nem aos 50 anos. Os relatos abaixo bem ilustram isto :
Eu acho que eu tenho tido menos desejo sexual, mas eu não sei se é porque
eu estou numa fase mais deprimidinha. Eu me sinto com menos tesão. Eu não tenho
mais a necessidade da mesma freqüência que eu tinha antes, fico meia devagar.
Mas quando passa um tempo, eu digo: “Ôpa, nossa que falta, faz tempo que eu não
transo. Que vontade.” Aí, vem. Mas eu sinto que é muito menos do que antes
(Rubia)
Ciornai
104
Eu tenho tido uma menstruação muito prolongada, e isso me afeta
sexualmente, porque eu fico irritada, sem vontade de ter relação com ninguém,e
isso atrapalha meu casamento, porque meu marido me solicita muito. Aliás eu acho
que na verdade, nesse momento, ele me procura mais do que eu, eu ando mais
desanimada, sem vontade, parece que é uma coisa de um esforço enorme. Depois
eu acho ótimo, mas, pra eu drenar a energia, não é fácil! No entanto, apesar da
freqüência ter diminuído, a qualidade tá mais inteira, no sentido de afeto e de
entrega. (Rosana)
Já o relato de Paula e Vera ilustram bem que a vivência da sexualidade na
menopausa também varia com o fator temporal, i.e., não é uma condição imutável que se
adquire.
Eu tô perdendo a vontade de transar. Eu sempre fui muito fogueteara,
sempre tive muito tesão, e eu não tô tendo. E não tem nada a ver com o gostar ou
não gostar do meu companheiro. Eu gosto muito dele. Não tem nada a ver. Mas eu
tô tendo dificuldade. Durante o período mais barra do climatério, eu não tinha nem
vontade de me masturbar, não tinha vontade de nada, apagou. Quando meu
companheiro me procurava eu pensava: “Que saco, puta merda, de novo!” Agora,
isso tá passando. Eu continuo com menos vontade, mas não é como antes. Tô
redescobrindo meu corpo . E eu já sei que meu corpo ainda tá muito vivo . (Paula)
Enquanto eu estava deprimida evidentemente que a libido desceu. Mas hoje
em dia eu tenho muita clareza do que é que eu quero, quando eu quero e como eu
quero, é muito nítido. Quando você está cheia de hormônios, a libido é muito
misturada. Eu raramente tive a sensação de estar com tesão e ter que trepar de
qualquer jeito, não se manifestava nunca assim pra mim. Tinha sempre que ter um
clima, uma idéia
romântica, uma palavra, um toque especial, um poema, o
romantismo e as brumas ao redor da relação eram pra mim mais atraentes que o
ato de fazer amor em si., e só muito depois é que eu vim a nomear estas coisas de
sexualidade. E hoje em dia eu vou mais direto ao assunto, tenho muito claro
Ciornai
105
quando é uma coisa sensual, sexual. Parece que descomplicou, ficou menos
enevoado, me tornei muito mais clara pra mim mesma neste aspecto. Acho que
melhorou muito. (Vera)
MUDANÇAS PERCEBIDAS NOS PARCEIROS
E finamente, um fator que não poderia faltar, é a percepção de mudanças na
sexualidade do parceiro. Afinal, eles também estão envelhecendo e passando por mudanças
físicas, psíquicas e hormonais:
Eu acho que atualmente, meu marido não tem mais tanto interesse sexual,
nem por mim nem por ninguém. Ele era uma pessoa super atraente, vivia
galinhando, e hoje eu sinto que ele não está mais desse jeito. Quer dizer, a gente
tem relação sexual, mas é muito pobre, muito pobre. Não é aquele foguete que era.
(Paula)
Meu marido também tem me procurado menos. (Frida)
Eu que tô solteira, e tenho transado aqui e ali, percebo que eles também
querem agora uma coisa mais lenta. (Fernanda)
Eles também descobriram que é mais gostoso devagar. (Sandra)
Eu vejo que ele também não tem mais a mesma frequência. Percebi que
quando eu ficava exigindo muito, às vezes ele dava uma disfarçada e não queria.
Algumas vezes ele até falou: “ Ah não está dando não.” (Rubia)
MUDANÇAS EM ESTADOS EMOCIONAIS
Ciornai
106
Das mulheres que participaram da pesquisa, muitas relataram ter sentido em certos
períodos desta fase de vida grandes alterações nos estados de alma e de humor, que até
então lhes eram desconhecidas. Seus relatos falam de período bastante críticos e dolorosos
de estados como depressão, tristeza, vazio, irritabilidade, angústia, desamparo, ansiedade,
melancolia, insegurança e medos.
De seus relatos percebe-se que o sofrimento e agonia destes períodos é muitas
vezes agravado pelo fato de que freqüentemente a mulher não entende o que lhe está
acontecendo, não consegue dar sentido ao que está experienciando, e tão-pouco se sente
compreendida pelos companheiros, amigos, e até mesmo pelos profissionais que procura.
Talvez por este motivo, muitas das mulheres que passaram por estes períodos contaram têlos vivenciado de forma muito solitária. Abaixo , alguns exemplos :
O humor mudou terrivelmente, eu tive muitos lances de extremo mau humor.
E eu sempre fui uma pessoa extremamente bem humorada, muito estável em termos
de humor. E fiquei muito irritadiça, com o pavio curtíssimo. Se me falavam
alguma coisa, eu nem ouvia direito o que tavam falando, já dava uma resposta
atravessada. Minhas atitudes eram super intempestivas e impensadas. Trabalhei
anos em uma companhia, me aborreci e saí sem negociar nada, de arroubo mandei
tudo à puta que pariu. Quando eu poderia ter negociado numa boa, ficado lá. Isso
foi a três anos atrás, eu tava no auge dos meus calores e da minha solidão, foi um
período muito difícil. Senti muita ansiedade, muita depressão, muita melancolia e
muita incompreensão em relação às pessoas. Eu também tava muito centrada em
mim, tipo “não entendo”, você me fala e eu não quero nem saber , fora o que
também não conseguia raciocinar muito bem e não entendia mesmo. Hoje ,
olhando pra trás, eu compreendo que é difícil prestar atenção nos outros quando a
gente está mal, mas eu não tinha nenhuma clareza de porque eu estava daquele
jeito. E eu sofria muito com isso. (Paula)
Fiquei muito deprimida e dizem que eu estava muito irritada. Fiquei muito
assustada, meus filhos ficaram muito assustados, todo mundo ficou assustado.
(Sonia)
Ciornai
107
Tive uma depressão muito forte aos 45 anos, com muita ansiedade e
instabilidade emocional. Tinha tendência depressiva anteriormente, mas nunca da
forma forte e arrasadora como a depressão se manifestou neste período, tive que
buscar ajuda psiquiátrica. (Léa)
Nunca tomei nem calmantes nem anti-depressivos. Eu não conheço essa
história. Meu calmante é tomar banho, se eu começo ficar agoniada, me enfio
dentro da água. Mas tenho estado de baixo astral de uns dois anos pra cá. Tenho
tido uns ataques de angústia. (Rebeca)
Entrei na menopausa a cinco anos atrás. Esse período não foi fácil, me
sentia muito insegura, com medos descabidos, tinha medo até de sair na rua. Eu
lembro que houve um tempo que eu pensei: “Será que eu tô com a síndrome do
pânico?” Porque me dava agonia em alguns lugares, eu queria sair correndo,
chegar logo em casa. Sentia agonia com freqüência, ficava tensa, ansiosa e não
sabia porque. Mas eu não associava estas coisas com climatério e menopausa,
aliás, quando a Selma me disse pelo telefone que uma porcentagem de mulheres
passavam por essa fase sem sintomas, eu achei que era uma delas. (Frida)
Com quarenta e três anos, eu fiquei mal, comecei a não ter mais controle
sobre as minhas emoções. Eu me emocionava muito, chorava à toa, ia prá reunião e
eu não conseguia raciocinar, não conseguia falar. Me vinha uma espécie de
bloqueio mesmo de raciocínio. Eu ficava muito nervosa, levantava e ia chorar no
banheiro. Isso começou a se agravar, e eu pedi licença, disse à minha chefia que
eu não estava bem de saúde. Minha médica disse : Isso está com cara de síndrome
de pânico, vou te dar Anafranil, e vai cuidar disso em terapia.
Agora com 52 anos voltei a me sentir deprimida. A velhice começou a me
assustar. Eu estou com medo, coisa que eu nunca tive. De morte, de doença. Com a
depressão, o medo fica pior ainda. Eu vivo muito sozinha. E aprendi a viver só,
sobreviver só, superar, suplantar os problemas só. E de repente nesse momento, eu
Ciornai
108
estou sentindo que estou frágil, física e emocionalmente. A força que eu tinha, a
sensação de poder conseguir conquistar tudo, agora está indo embora. Não sei
mais o que dizer, não sei se alguém tem interesse em ouvir o que eu tenho a dizer, e
não sei se também sou eu que não estou querendo ouvir muito o que o outro tem a
me dizer. Eu me sinto emburrecendo, estou com muita dificuldade de concentração,
com um raciocínio muito lento. As vezes me dá vontade de ‘dizer: ‘Olha. Me
esqueçam! Me deixa lá no cantinho batendo carimbo, qualquer coisa.” É uma
sombra que não vai embora. Tem que agitar isso, porque viver assim... (Ana)
Por outro lado, ao compartilhar estas vivências, algumas mulheres não só não
conseguiam relacioná-las à causas específicas, como contavam que uma característica
marcante destes estados de alma e de humor, ao contrário dos de outras épocas da vida, era
a sensação de que estas vivências eram meio que desprovidas de conteúdo. Descreviam
períodos de infinita tristeza, de profunda sensação de vazio e desânimo, de ansiedade
ininterrupta, de depressões violentas, muito sentidas como sensações essencialmente
físicas, sem motivos claros e específicos, entendendo as mudanças do climatério e
menopausa como fatores desencadeantes destes estados, como exemplificado nos relatos
abaixo:
MUDANÇAS SENTIDAS COMO NÃO RELACIONADAS À CAUSAS
ESPECÍFICAS
Veio uma depressão intrinsecamente muito física. Nas depressões anteriores
que conheci , a depressão é muito cheia de conteúdos, emoções, abandonos,
decepções,
quer dizer, tem motivos, alguma coisa deu errada, você tá triste, tá
mexida por alguma coisa. Mas essa era uma depressão muito esquisita, como se eu
fosse feita de palha, como se eu não tivesse nada dentro dentro do meu corpo. É
uma sensação de vazio, de uma tristeza ancestral , que absolutamente você não
sabe de onde vem , uma coisa muito esquisita. ( Vera ).
Ciornai
109
Eu me sentia muito deprimida, não tinha vontade de sair da cama. O esforço
pra me levantar, pra ir trabalhar, pra fazer qualquer coisa era imenso. Eu tinha
crises de choro convulsivo, e eu não identificava uma causa específica para nada
disso. Antigamente eu “ficava na fossa”. Mas a fossa tinha a ver com namorado,
tinha motivos. Agora aquela coisa física eu não conhecia. Eu sempre fui uma
pessoa muito viva, cheia de vida , alegre, brincalhona, nunca fui dada a fossas e
depressões. E eu comecei a ficar melancólica, triste, não tinha vontade de brincar,
não tinha força... A sensação que eu tinha é que pra levantar da cama de manhã ia
precisar pegar me botar num guindaste e me puxar. O corpo todo doía, eu me
sentia pesando 300 quilos em cada perna e cada braço. Não sei se era uma coisa só
física, acho que não, mas eu não me lembro de ter vivido isso antes, nunca.
(Mariana)
MUDANÇAS SENTIDAS COMO RELACIONADAS À CAUSAS ESPECÍFICAS
Já outras mulheres relacionaram estes períodos à fatos específicos em suas vidas,
compreendendo as mudanças hormonais resultantes da fase de climatério e menopausa
como um fator a mais, que combinado à outros, contribui para a emergência destes estados
internos. Outras, só consideraram esta possibilidade durante o próprio workshop; e outras,
não estabeleceram esta relação, e até questionaram esta hipótese..
Olha a combinação de coisas dentro de mim. Aos 43 eu parei de menstruar.
Quando eu tinha 40, o meu pai ficou muito doente, foi ficando cada vez mais
doente, e faleceu quando eu tinha 44. A única figura masculina constante da minha
vida indo embora e a menstruação, que é a coisa da maternidade, indo embora na
mesma época. Eu não liguei isso naquele momento, mas olhando pra trás , eu
percebo que esses dois acontecimentos tiveram a ver com uma depressão muito
forte que eu tive, foram anos de depressão por causa da doença do meu pai, e no
momento da morte foi uma barra, despiroquei total. (Norma)
Ciornai
110
Eu tive uma menopausa cirúrgica, tive que fazer uma histerectomia aos 45
anos e tirei o útero. E é brutal, é uma puta de uma cirurgia. Tive uma carga
emocional de depressão, de tentativa de suicídio muito complicada. Eu não sabia o
que tava acontecendo comigo e cheguei a querer me matar. Era uma tristeza, uma
tristeza... e era nada. Eu não via possibilidade de nada... Eu nunca tinha sentido
isso antes. Além disso eu estava desempregada, e me deu medo de estar velha, de
não conseguir me empregar mais... e pirei. Hoje acho que tinha esses componentes
mas também a coisa hormonal. Aí fui num médico que me deu Lexotan e mais um
outro troço. Eu comecei a tomar, e aí morri, porque Lexotan me acaba. Um dia que
eu consegui apesar de estar apagada, ter uma luz na minha frente, eu pensei: ‘Eu
não investi tanto na minha vida pra ficar desse jeito. Eu não quero isso.’ E aí eu
retomei a coisa da acupuntura que sempre foi o meu eixo. Eu tô de agulha agora.
Mas quando baixa pesado, porque às vezes tenho crises depressivas, eu tomo
Prozac, porque eu não tenho tempo a perder.
Faço psicanálise há muito tempo, e nesse momento solidão é o meu tema na
análise. Eu tenho um parceiro, tenho relações extra-conjugais, e sinto solidão. Eu
às vezes curto, vivo a solidão prazerosamente, porque como tem gente em casa o
tempo inteiro, às vezes é uma delícia ficar só. Agora, tem uns pedaços que são
muito desprazerosos. Procurando entender essa solidão dentro do meu momento de
vida, encontrei a coisa do vazio, fui elaborar o meu vazio, e achei o desamparo.
Me sinto desamparada mesmo com gente em volta... (Sandra)
Irritabilidade, sensibilidade à flor da pele, depressão, melancolia,
desamparo, senti tudo isso. Não conseguia me relacionar com ninguém, nem dava.
Foi uma fase muito difícil da minha vida. Briguei com meu pai, fiquei sem
emprego... Eu não sabia por onde começar. Foi, depressão total. Só não morri
porque tinha que criar crianças. E eu não ligo isso com a passagem, ligo isso com
todas as perdas que eu tive.(Nira)
Acho que a grande crise para mim foi aos 37 anos, quando comecei a
questionar o que eu estava fazendo com a minha vida. Larguei o lugar onde eu
Ciornai
111
trabalhava,
foi um período super difícil pra mim. Comecei a ter pânicos e
inseguranças que não tinham nada a ver com nada. Era uma coisa completamente
doida. De repente eu tinha medo de sair na rua porque eu achava que o pé direito
não ia na frente do pé esquerdo. Tinha pânico de assinar meu nome e tremer a mão
Não dá nem pra falar dos pânicos, porque era coisa louca. Eu que sempre tive tanta
energia, tanta vontade de viver, que acordava de manhã a mil ! Tudo estava ótimo,
tudo estava maravilhoso, e de repente ficou tudo sombrio, a sensação que eu tinha
era assim: “devo estar ficando louca, não tô entendendo o que tá acontecendo”.
Tem um primeiro período que você nem fala sobre o que você tá passando com
ninguém. Mas quando a gente começa a poder falar, melhora. Hoje acho que teve a
ver com essa mudança de vida que eu tive. Você tá ascendendo profissionalmente,
aí pára , repensa tudo, daí vêm os medos, as inseguranças e provavelmente o estar
chegando perto dos 40 deve ter tido a haver também. Engraçado que tive dois
médicos nesse período, falei várias vezes de fazer medição hormonal, e não fizeram.
Fiz exame neurológico, me mandaram fazer o diabo, e não me mandaram fazer
exame hormonal.
Mas nunca, nem me passou pela cabeça que pudesse ser
hormonal, porque ninguém levantou essa possibilidade.(Silvia)
Quando eu senti todo esse fluir de depressão, de ansiedade, eu era uma
mulher só, que estava tomando uma decisão muito forte na minha vida. Resolvi
romper com tudo e me aposentar. Teve um momento em que eu tava com pressão
alta, cheguei a parar de respirar e fui parar no Pronto Socorro. Mas fico em
dúvida de colocar tudo isso como uma conseqüência da menopausa. Porque foi um
troço que eu estava vivendo muito forte, eram raivas que estavam dentro de mim
vindo à tona, decisões importantes na minha vida sendo tomadas, e isso tudo
explodiu em um estresse muito violento. Então eu vejo assim : há uma
transformação biológica, psicológica, que influencia, claro, mas não acho que é o
mais importante. Acho que o mais forte é o social, o cultural. (Julia)
Eu acho difícil avaliar até onde as mudanças que a gente sofre, o estado de
espírito, é influência do climatério, ou até onde é da vida mesmo. Eu perdi papai
no ano passado. Quer dizer, a época da menopausa é mais ou menos a época de
Ciornai
112
perder pai e mãe. Passei por outras coisas difíceis também, então é difícil
distinguir. (Lucia)
EXPERIÊNCIAS COM ASSISTÊNCIA MÉDICA E
PSICOLÓGICA
Durante o período que se estende do início do climatério à alguns anos após a
menopausa, muitas mulheres passam por fases difíceis, quando, devido às mudanças
sentidas e à sintomas às vezes bastante desagradáveis que surgem, procuram a assistência
de profissionais da área médica e psicológica. Mas estes nem sempre estão atentos à
possibilidade de que o que a mulher experimenta possa estar de alguma forma relacionado
às mudanças hormonais do período.
À psicoterapeutas e psiquiatras, muitas vezes não ocorre considerar que as
depressões, tristezas, medos e ansiedades apresentadas por suas clientes, possam ter um
fundo ou um fator biológico.
Em contrapartida, não só muitos médicos (exceção à ginecologistas e
endocrinogistas)
freqüentemente
procuram
causas
para
sintomas
possivelmente
relacionados às transformações hormonais, sem sequer aventar esta hipótese, como muitas
vezes lhes falta tato e sensibilidade humana para atender às mulheres que os procuram. Nos
relatos das mulheres que participaram desta pesquisa, se a relação com os profissionais da
área médica em alguns casos suscitou gratidão, em outros apareceu ligada à experiências
de humilhação, indignação e revolta.
Assim, a questão da ajuda profissional, é sem dúvida, uma questão delicada.
TERAPIA DE REPOSIÇÃO HORMONAL : ORIENTAÇÕES CONTROVERSAS.
Médicos refletem em seu atendimento e orientação, as divergências atuais sobre a
questão da necessidade ou não de reposição hormonal, muitas vezes sem se preocupar em
Ciornai
113
informar às mulheres que atendem sobre o teor destas controvérsias, i.e., sobre os possíveis
riscos e benefícios de um ou outro tratamento, para que possam fazer opções que afinal,
dizem respeito ao seus corpos e às suas vidas. Uns são favoráveis à que todas as mulheres
tomem hormônios desde a fase do climatério, exceções à casos de avaliação médica
especial, outros
são à favor apenas na ocorrência de certos sintomas, e outros
são
radicalmente contra, como atestam os depoimentos abaixo:
Eu falava com a minha mãe, que vai fazer 80 anos, sobre menopausa, e ela
dizia: “Todo mundo passa pela menopausa. Isso é uma coisa normal da vida, é
natural, não tem que fazer nada! ” Mas hoje não é mais assim, hoje tem quinhentas
possibilidades: toma hormônio, não toma hormônio, hormônio de adesivo,
hormônio pra tomar, um médico diz que precisa, o outro diz que não, a gente tá
completamente numa coisa nova onde a gente não sabe o que fazer! ( Fernanda)
Meu ginecologista acha que toda mulher tem que tomar hormônio desde
antes da menopausa, pra se preparar. Ele tinha dúvidas, era contra, mas agora é a
favor. Diz que agora tem um negócio que toma junto e diminui os efeitos colaterais
do hormônio, mas eu ainda não resolvi. Ele me disse:
“O teu útero já está
branquinho, sequinho, você precisa tomar hormônio agora.” Mas eu não sei, não
me decidi ainda. (Norma)
Minha ginecologista sempre me acalma dizendo assim: “Você tem que
andar, fazer exercícios, fazer exames periodicamente, mas hormônio não precisa
tomar”, ao contrário de um outro que disse que eu teria que tomar hormônio a
qualquer custo. Também fui consultar uma terceira pessoa, um geriatra, e o que
ele me disse foi: “Olha, são muitas as conseqüências de tomar os hormônios,
estrogênio principalmente. Eu tenho recebido aqui pessoas com problemas de
disfunções de todo tipo por tomar hormônio.” Ele acha que se a pessoa está bem,
não tem porquê tomar. Acho que ele tem uma posição mais com os pés na terra,
não quer arriscar e experimentar com as pessoas, o que eu acho uma coisa séria.
Então não estou tomando nada. (Frida )
Ciornai
114
A um tempo atrás, uma colega estava com essa coisa de toma ou não toma
hormônio, começou a conversar com as pessoas, várias mulheres estavam com esta
dúvida, e ela resolveu fazer uma reunião com uma médica pra discutir essa
história. Fui à reunião, e saí de lá com uma única conclusão : é polêmico, e é uma
decisão pessoal. Me pareceu que pra certas pessoas é indicado, pra certas pessoas
não é indicado, mas que é uma decisão que cada pessoa tem que tomar em relação
ao seu próprio corpo. E ponto. E que é uma decisão que você vai ter que tomar
sem muita certeza. (Lucia)
EXPERIÊNCIAS COM A TERAPIA DE REPOSIÇÃO HORMONAL
Esta pesquisa não teve como objetivo estabelecer correlações entre o uso da TRH e
a presença ou não de sintomas, mas apenas o de registrar a variada gama de experiências
das mulheres que a adotam. Assim, enquanto algumas mulheres que estavam ou haviam
estado em tratamento de reposição hormonal por ocasião da pesquisa, relataram dar-se bem
com o tratamento, outras o interromperam devido ao medo ou ao advento de seqüelas:
Por causa de uma osteoporose precoce, eu tive que entrar nos hormônios. E
eu me dou muito bem. (Stela)
Há 2 anos comecei a fazer reposição hormonal com adesivos, porque
descobriu-se que sou diabética, e preciso tomar hormônio senão a insulina não
funciona e a diabete toma conta. E me dou bem. (Tereza)
Quando eu comecei a sentir os calores, minha médica me passou hormônios.
Eu tomei, e esses hormônios, e pelo menos em mim, se transformaram num pólipo
endometrial. Eu sentia cólicas insuportáveis. Resolvi tentar homeopatia, e com o
tratamento homeopático o pólipo desapareceu. E aí eu decidi: “Eu não vou mais
tomar hormônio.” Comecei a questionar: “Por que eu tenho que tomar?” Então
estou vendo se posso viver sem a terapia de reposição hormonal. Eu faço ginástica
Ciornai
115
todos os dias, Tai-Chi, ando, corro, faço alimentação natural, não tomo
refrigerante, não como açúcar, faço terapia individual e de grupo, pinto, enfim,
estou procurando me equilibrar, realizar coisas que eu gosto. Quanto à
osteoporose, estou com o meu complexo vitamínico, com os meus cálcios, com a
minha alimentação natural, com a minha andança todo dia, fazendo o meu lado
também. Minha vó tem 91 anos, minha mãe é uma mulher fortíssima, meu pai está
com quase 80, e ninguém lá em casa teve osteoporose! Será que eu, que tenho uma
alimentação saudável, que caminho, que ando, que respiro, será que eu vou ter?
(Julia)
Eu tinha nóia de tomar hormônio por causa do câncer. Morria de medo,
então não tomava. Eu experimentei por um mês, e realmente os sintomas saíram.
Sumiu tudo!
Sumiu insônia, sumiu calor, sumiu depressão, eu fiquei ótima,
maravilha. Mas aí o medo era tão grande que eu larguei. Agüentei à seco. Mas
também eu não fiz mais nada, não apelei pra acupuntura, nada. Os piores anos i.e.,
do período que começou a falhar até a menopausa propriamente dita 3 anos atrás,
eu agüentei sozinha, sem remédio, sem apoio, sem médico. Aí fui procurar uma
médica porque foi detectado um problema de hipotireoidismo, uma pequena
elevação no colesterol, uma coisa pequena de osteoporose, o sono ainda tava ruim,
engordei muito, e comecei a fazer um tratamento mais geral. Ela me convenceu,
embora eu ainda sinta um puta medo, que o benefício do hormônio é maior do que
os possíveis danos. O que ela explicou é que o hormônio não é uma coisa só pra
menstruação, mas que tem uma função em todo o sistema. Então eu tô tomando. Eu
botei o adesivo por um período, mas criei alergia. Em todo lugar que eu punha,
ficava toda cheia de bola. Aí ela suspendeu e me deu um hormônio muito fraco.
Agora, tem uma série de outros medicamentos que são coadjuvantes. Eu tomo
vitamina E, vitamina C diariamente, e tomo Cálcio pra prevenir a osteoporose. É
um kit anti-velhice! (Mariana)
Quando eu descobri que tinha um mioma e que estava com o hormônio
feminino baixo, meu médico me falou de estudos pioneiros que estavam sendo feitos
Ciornai
116
nos Estados Unidos que revelavam que apesar da mulher de meia idade ter hoje a
capacidade de estar socialmente ativa, biologicamente o corpo da mulher não
havia acompanhado isso, e as mulheres estavam envelhecendo osseamente,
enquanto suas cabeças estavam no auge da produção. Ele me falou: Tá pequeno o
seu mioma. Você vai ter que fazer uma escolha : se você tomar hormônio, vai
alimentar esse mioma, e se não tomar, vai estar deixando de se precaver pra sua
velhice E eu comecei com o hormônio.
Mas tô meio invocada com ele agora, porque eu tenho displasia mamaria, e
consultei um oncologista que não queria que eu tomasse hormônios enquanto ele
não fizesse uma série de exames. O medo da displasia mamaria me faz sempre
tomar hormônio com um pouco de preocupação. É verdade que o tempo que eu
tomei o hormônio deu um conforto muito grande pros calores, pra insônia, pra
tudo. Mas aí eu comecei a pensar: ‘E se eu ficar com câncer?’ Eu perdi a minha
mãe com câncer, na minha família todas as irmãs de minha mãe tiveram câncer,
comecei a ficar com o fantasma do câncer. Meu marido tá fazendo acupuntura, e eu
tô realmente considerando ir por esse caminho também... ( Rebeca)
A OPÇÃO POR TRATAMENTOS ALTERNATIVOS
Por outro lado, homeopatia, acupuntura, medicina chinesa, medicina
antroposófica etc., foram
tratamentos procurados por algumas mulheres como
opções alternativas à medicina alopata :
Procurei homeopatia, e meu desconforto foi diminuindo gradativamente.
Ajudou muito.(Paula)
Nunca entrei nessa coisa de hormônio, eu sempre tive uma postura muito
alternativa. Pra mim é terapia, acupuntura, trabalho corporal, sempre fui em busca
desses trabalhos. (Rosana)
Ciornai
117
Comecei a fazer acupuntura por indicação de uma amiga que se sentiu
muito ajudada numa época de climatério que foi braba pra ela, e tô adorando, sinto
que me faz um super bem. (Nira)
COMPLICAÇÕES MAIS GRAVES: A INSENSIBILIDADE MÉDICA
Algumas mulheres relataram ter passado por problemas mais graves, e seus
relatos sobre a maneira como foram tratadas, reflete a insensibilidade de certos
médicos em relação à mulher. Maria Amélia teve que lidar com fortes hemorragias,
e todos os médicos que consultou lhe aconselharam à retirar o útero; mas uma
médica lhe ajudou a resolver este problema sem que isto fosse necessário. Miriam,
surpreendida com a presença inesperada de nódulos malignos no seio, contou ter
resolvido participar desta pesquisa para poder dar um depoimento à outras mulheres
sobre a maneira desnecessariamente insensível e brutal como os vários médicos
oncologistas que procurou a trataram, e de como o último médico, um médico mais
velho, soube relacionar-se com ela de forma sensível e empática.
Na época em que estava tendo hemorragias terríveis, nos médicos senti
muita incompreensão e ignorância, exceção à minha médica atual. Não que ela
atinasse com a coisa de cara, ela patinou também, mas ela buscou uma primeira
informação: ver se eu não tinha câncer. Descartou essa. Depois, quis garantir o
meu útero. Todos os médicos que eu fui, achavam que eu devia tirar o útero. Todos.
Porque como é do útero que vem a hemorragia, em vez de tratar eles querem tirar.
Um médico do Hospital das Clínicas me disse: “Minha filha, pra que é que uma
mulher de 50 anos precisa de um útero?” Mas como eu já tinha previsto isso, já
tinha preparado uma resposta , e eu respondi : “ E por que é que um homem de 50
anos quer manter a próstata? Porque os homens quando precisam operam a
próstata em vez de tirar?”
Ele não soube responder, ficou embananado, nervoso, e respondeu : Quem
estudou aqui fui eu.” Aí eu falei: “ Que pena, que foi o senhor que estudou. Porque
se fosse eu, com certeza, as mulheres iam ter outro tratamento.” Eu não tenho os
Ciornai
118
números, mas eu ouvi falar em 200 mil casos por ano! A revista Saúde publicou
que nos Estados Unidos se tira 700 mil úteros por ano ! (Maria Amélia)
Eu passei há um ano atrás, aos 42 anos, uma experiência muito forte na
minha vida. Eu sempre me tratei com antroposofia, medicina alternativa. E um dia
eu passei a mão no meu seio e senti um nódulo. Fiquei apavorada. Eu estava
viajando, voltei, corri no médico, fiz mamografia, ultrassom, todas essas coisas. O
médico disse que era benigno, que não precisava operar, que a gente faria um
tratamento e tudo ficaria bem. Mas tempos depois,
ele falou que apesar do
tratamento estar indo bem, ele havia repensado e achava que seria mais adequado
tirar o nódulo. Como eu tinha mesmo vontade de fazer uma plástica no seio, eu
topei. Eles tinham tanta certeza que não era maligno que não fizeram o exame na
hora. Mas, três ou quatro dias após a operação, quando eu voltei ao consultório do
médico pra pagar, ele me disse que o resultado do exame não tinha sido bom, que
eu tinha tido um nódulo maligno, e que eu tinha que procurar um oncologista.
Pareceu que o mundo acabou naquele minuto. Foi uma sensação de morte muito
forte, fiquei em estado de choque. Eu acho que passei um mês da minha vida sem
dormir! Eu achava que eu ia morrer, foi uma coisa muito, mas muito forte mesmo.
E aí tive que começar a procurar médico, a me inteirar do assunto, ainda mais que
eu nunca havia tratado com alopatia. O médico da antroposofia era contra tirar,
mas eu achei que a coisa era séria demais e não dava para arriscar. Inclusive
porque eu sempre fui uma pessoa que fiz medicina antroposófica preventiva, fazia
terapia, tava sempre procurando cuidar da alma pra que as coisas não chegassem
no corpo. E de repente tomei uma cacetada que me derrubou.
Fui em vários médicos oncologistas, e cada vez que eu conversava com um,
eu saía da consulta em estado de choque, já nem chorava mais. Eles me diziam :
“Você quer viver? Então tem que arrancar tudo pra salvar a sua vida. E aí você vai
ter uns 80 % de chance de sobreviver.” Imagina você, com 42 anos, ouvindo que
tem 80% de chance de continuar a viver! E não tinha essa de dizer que pode fazer
reconstituição. Vão logo dizendo que vai ter que arrancar tudo, fazer
quimioterapia, se preparar pra ficar careca, comprar peruca. Falam na lata , é
Ciornai
119
uma coisa muito brutal. E além disso, ainda me disseram: “Você deverá entrar
numa menopausa precoce, provavelmente não vai ter mais menstruação, porque a
quimio acaba mesmo.” Gente, escutar aquilo foi muito violento, muito violento, até
hoje pra contar é difícil. Fui, em vários médicos. Teve um que chegou a falar, sem
exagero, exatamente o seguinte: “Olha, você vai passar uns dois anos da sua vida
se achando um lixo, vai se sentir a pior mulher do mundo, e vai ficar um lixo
mesmo, vai ficar horrorosa. Teu marido vai até querer se separar de você, vai te
odiar. Mas depois que você passar este período, tudo vai voltar ao normal. Você
vai poder fazer uma plástica, e você vai ser uma nova mulher. ” Juro por Deus.
Nunca imaginei
que eu pudesse ouvir um troço desses, eu ficava arrasada.
Consultei uns 6 médicos, todos absolutamente insensíveis e brutais. E isso não foi
a 20 anos atrás não, foi a um ano e meio atrás! Até que eu encontrei um senhor de
60 anos, contei meu caso, ele se sensibilizou e falou: “A gente vai pensar junto,
nós vamos fazer a coisa juntos. Claro que eu não posso dizer pra você que isto não
é nada. É uma coisa grave, e a gente não sabe em que pé está. Mas nós vamos fazer
uma cirurgia de axila. Nós vamos abrir embaixo do teu braço tirar todos os
nódulos linfáticos e analisar pra ver se tem algum comprometimento. Se tiver, a
gente abre e tira um quadrante. Mas acho que o primeiro passo é este, não
arrancar tudo. Inclusive porque
isto está te ameaçando muito, e acho
que
psicologicamente (foi o primeiro médico que falou no psicológico!), a gente tem
que fazer a coisa devagar, pra não te agredir muito.” E foi uma benção achar este
homem! (Mirian)
A VIA SACRA DOS DIAGNÓSTICOS
Várias mulheres relataram ter tido que passar por uma verdadeira via sacra atrás de
um diagnóstico para sintomas caracteristicamente relacionados à alterações hormonais, sem
que esta hipótese tenha sido levantada pelos médicos
que consultaram :
Também fiz a via sacra : labirinto, não sei o quê, fui a neurologista, fui à
clínico geral, à otorrinologista, fiz curva glicêmica, e no final deu uma síndrome
Ciornai
120
cervical, que “poderia” explicar o que eu estava sentindo. Mas, numa bula de
hormônio pra menopausa, li sobre os possíveis sintomas de menopausa, e quando
li sobre tonturas, eu pensei: ‘Ah! Achei! Achei! Tontura também pode ser sintoma
de menopausa, na bula diz que pode! Mas nenhum médico que eu consultei me disse
minhas tonturas poderiam estar associadas à menopausa!
Eu não
identificava
as
coisas que eu sentia com menopausa. Por
desconhecimento desta possibilidade, eu procurava assim: Tontura? Procurava
médico de tontura. E não se falava em menopausa, só se falava da tontura. Ficava
muito separado uma coisa da outra. E eu tinha uma médica que eu consultava pra
aquelas coisas, papa-nicolau, mamografia, densitometria, exames preventivos pra
ver se não tem câncer e tal. Mas era: tem - não tem, chau- chau, p.t. saudações.
Finalmente procurei uma médica amiga da gente que tem uma visão mais global,
com quem tô me dando muito bem. (Mariana)
Na época das tonturas, fui ao médico. Cheguei a perguntar “Isso não pode
ser menopausa?” Mas ele disse que não, que não tinha nada a ver. Pediu exame de
hipoglicemia e outras coisas, disse que eu tenho uma coisa chamada síndrome da
fadiga crônica, e me receitou Anafranil [antidepressivo]. (Fernanda)
Eu fico um pouco assustada com esses
neurologistas, com a falta de
informação deles pros nossos estados. Isso me assusta muito! Porque eu acho que
eles não tão informados desta questão. E aí eles dão diagnósticos e medicações
pesadas, e que não são boas... (Rebeca)
AJUDA PSICOTERAPÊUTICA
A maioria das mulheres que estiveram ou estavam em terapia por ocasião da
pesquisa, consideraram a ajuda psicoterápica muito positiva, e especialmente valiosa neste
período de vida. No entanto, nem sempre psicoterapeutas estão atentos e alertas para a
possibilidade de um componente hormonal nas queixas de suas clientes. Abaixo alguns
exemplos :
Ciornai
121
Eu faço psicanálise já há algum tempo, tem me ajudado muito... (Sandra)
A melhor ajuda de todas foi a minha terapia. Eu entrei em terapia em um
período muito duro da minha vida, porque minha única filha, que eu amo de
paixão, teve uma crise de diabete, foi internada na UTI, e ficou em coma durante
seis dias, foi uma coisa terrível. Eu tava com 40 anos, desde então tem sido um
grande suporte pra mim. (Rebeca)
Estou fazendo terapia individual e de grupo, um grupo fantástico sobre
menopausa, com uma psicóloga e uma médica, que era pra ser curto, de dois
meses, e como a gente pediu pra continuar, continuou. Lá eu descobri muita coisa
em mim mesma, me ajudou demais. (Julia)
Na época em que eu estava pior, a terapia não ajudou muito. Era uma
tristeza enorme, uma agonia física, uma sensação de fragilidade total, e eu não
sabia porque, a impressão é que eu estava desmoronando. E o movimento do
terapeuta de procurar desencavar raivas não expressas na relação amorosa, de
voltar à relação com meu pai e tal,
estranha além de só,
fazia com que eu me sentisse ainda mais
porque a sensação que eu tinha era que nada daquilo
realmente me alcançava... (Nira)
Terapia é um fator que tem me ajudado muito a nível de compreensão e
aceitação de mim mesma. Porque na medida em que você vai se aceitando,
aceitando a sua idade, o seu corpo, isso também vai gerando menos tensão e
menos sintomas. (Mariana)
PROCESSOS PSICOLÓGICOS COMUNS DESTE PERÍODO DE
VIDA
VIVÊNCIAS DE ISOLAMENTO E SOLIDÃO
Ciornai
122
Enquanto algumas das participantes da pesquisa relataram passar por esta fase
quase que sem se dar conta, de forma assintomática, a maioria das
mulheres que
experienciaram transformações marcantes neste período de vida, sejam estas no âmbito
físico, psíquico, da sexualidade, ou da percepção de si enquanto mulher, relataram viver
estas transformações de forma extremamente solitária. As razões para isto são várias.
O desconhecimento dos sintomas que podem estar associados às transformações
hormonais especialmente no climatério, fase que antecede a menopausa, faz com que a
mulher muitas vezes não entenda o que lhe passa, e atribua o que sente à doenças e
descompensações de cunho estritamente pessoal, sem dar-se conta de que várias mulheres
de sua faixa etária passam por coisas semelhantes, e que existe uma vivência comum a ser
compartilhada. Isto às vezes é reforçado pelo fato de que os médicos e psicoterapeutas que
as atendem, muitas vezes não chegam sequer a considerar
a possibilidade de que
transformações hormonais deste período de vida possam estar relacionadas às queixas de
suas clientes, não despertando assim, atenção para essa questão.
Além disto, a dificuldade de algumas em compartilhar aspectos de sua intimidade,
seja por
uma formação ideológica como nos
conta Sônia em seu relato, seja pela
sensação de perda, angústia, e vergonha que freqüentemente permeiam a vivência do
climatério e a menopausa para a mulher, também contribuem para isso. Os depoimentos
abaixo são exemplos :
Eu nunca tinha conversado com ninguém a respeito das transformações da
idade. A gente pensa que aquilo está acontecendo só com a gente, vive isso de
forma solitária. Muito solitária... (Ana)
Eu acho que a gente é muito sozinha nisso. Eu nunca falo sobre as
transformações que estou vivendo, nem sobre meu casamento, com absolutamente
ninguém. Eu não sei se é por característica minha, eu sou reservada mesmo, ou se é
porque mulheres falam pouco sobre isso. Eu acho que seria melhor se a gente
tivesse espaços onde essas questões fossem discutidas. Talvez a gente não se
permita isto, e também as pessoas não querem saber disso porque é um assunto
incômodo. Então você acaba se isolando cada vez mais, se protege se isolando ...
Ciornai
123
Eu não tenho amigas com quem falo de intimidades, e faz falta, porque
tem todo um ponto de vista, um jeito de pensar que é feminino, e se você vive só em
relação com homens, o raciocínio deles tem um outro viés, não é o nosso. Talvez
seja uma coisa que eu tenha que desenvolver, porque eu acabo ficando muito
sozinha com minhas considerações... (Frida)
Na época eu não tive trocas, no sentido de compartilhar experiências com
outras mulheres. Eu não transo muito essa coisa de auto ajuda, isso pra mim
sempre foi incomodo. Talvez tenha sido isso o que me fez nunca ter sido uma
militante feminista. Para mim sempre foi incomodo a idéia de fazer do centro da
minha vida, alguma coisa minha ou algum desconforto meu. Não sei direito
porque, não sei explicar...(Ri). Acho que isso me parece uma coisa “feia!” Porque
comunista não faz isso, (rindo) comunista se preocupa com os outros, não fica que
nem borboleta andando em volta de si mesmo! É a mesma coisa que andar com
jóias, é de mau gosto isso!
Mas eu percebi que as pessoas ficavam chocadas e
meio desconfortáveis quando eu comentava .E eu comentava como quem comenta
qualquer outra coisa, sei lá, uma pedra no rim, uma hérnia de disco, para mim era
igual.(Sônia)
Pra mim a coisa começou muito cedo, e foi um processo muito sofrido. Aos
43 anos comecei a ter falhas de menstruação e muitos sintomas. Eu sofri muito com
a menopausa, com o climatério, em todos os níveis. Os piores anos foram os do
período que começou a falhar até a menopausa, 3 anos atrás, quando eu tinha 46
anos. E pensando na minha experiência, foi uma coisa muito solitária mesmo, muito
solitária. Misturava vergonha
com não ter muito com quem falar. Eu tinha
vergonha de conversar com amigas e deixá-las saber o que estava se passando,
porque eu achava que era muito cedo pra mim, que eu era muito nova pra isso...
(Mariana)
Eu passei por esse período absolutamente só, não tendo com quem dividir.
Meu companheiro dizia: “você precisa ir ao médico mulher!" Mas não era
Ciornai
124
problema médico, era uma perda, era estar perdendo uma fase da minha vida, e
isso dá uma angústia profunda porque você não sabe direito como vai ser depois.
A partir dessa perda como é que é eu vou ser fisicamente? Como vai ficar a questão
do tesão ? Você não sabe... Pra mim foi um processo muito difícil, muito dolorido.
Além das coisas físicas que eu tive, como calores horrorosos. É uma fase
complicada, e você vive isso muito só . E isso é muito triste... (Paula)
Eu tenho tido amigas com quem compartilhar as experiências desta fase da
vida, mas por mais que a gente possa compartilhar, tem uma solidão que é da gente
nisso, a sensação de perda é muito pessoal... (Rosana)
VIVÊNCIAS DE INCOMPREENSÃO
Algumas mulheres relataram que além da dificuldade em lidar com uma
sintomatologia muitas vezes violenta e dolorosa,
à esta muitas vezes se somou a
incompreensão de familiares e mesmo de amigas, que atribuíam o que relatavam sentir, à
fricotes, frustrações e sintomas de mulher mal amada e pouco realizada. Considerando que
estes comentários chegam à uma mulher que está fragilizada e muitas vezes sem entender o
que lhe passa, pode-se imaginar os sentimentos que provocam : humilhação, vergonha,
raiva, e talvez mas que tudo, solidão. Um exemplo marcante à este respeito, e que
surpreendentemente fala da dificuldade sentida entre as próprias companheiras de
movimento feminista, é o relato de Maria Amélia :
Uma das grandes bandeiras do movimento femista é a saúde. Foi a primeira
bandeira formulada.
Eu fui uma pessoa que acompanhei esse processo intensamente, construí
essa política de saúde junto com as outras companheiras. E eu não fui uma pessoa
que usei meu conhecimento só prá fora. Desde o dia que eu entendi o que é um
“papa-nicolau,” não passei um ano sem fazer um, e achava que pelo fato de ser
feminista
e estar me cuidando, não ia ter problemas, ou pelo menos eu iria
esclarecê-los rapidamente.
Ciornai
125
E de repente eu não só me vi com um problema, tinha hemorragias
terríveis, como me deparei com as mulheres do movimento me cobrando: “Isso é
porque você não dá atenção às suas questões pessoais, porque você não se cuida?”
Teve
companheira dizendo até que eu devia ter dificuldades com a minha
sexualidade, e que por isso é que eu tinha esse problema. E eu respondia: “Mas se
eu tenho dificuldades com a minha sexualidade, tem mulheres com dificuldades
muito mais acentuadas e que não estão com hemorragias, como é que se explica
isso?” O que eu vivi por parte do movimento, foi um certo preconceito pelo fato de
eu estar mal. Quer dizer, procuraram dar uma justificativa teórica completamente
afastada da realidade. Eu sou o que sou graças ao movimento feminista, e de
repente me senti só, não vi nenhum reconhecimento de que eu que estava numa
fase de vida de transição hormonal que estava me trazendo sintomas mais graves.
Eu senti assim: uma ignorância . Não tinha outro termo. De repente em um
movimento que tem tanto mulheres acadêmicas como mulheres de pouco
conhecimento, em relação à menopausa eram todas iguais. Acredito que isso possa
ter a ver também com o fato que as feministas sempre batalharam pela igualdade
de condições com os homens, e talvez seja difícil aceitar que existam diferenças,
que nesta época a mulher fica mais fragilizada mesmo. (Maria Amelia )
VIVÊNCIAS DE MEDO E EVITAÇÃO
Por outro lado, a reação de algumas mulheres face ao desconhecido que se aproxima
e do qual não se fala abertamente, é de evitação e até medo, como nos relatos abaixo:
Estou num momento de pavor. Comigo ainda não está acontecendo nada,
mas é um pouco esta história, ninguém fala em menopausa, é um tabu. Então aqui
estou eu com 46 anos, com toda uma história de vida, mestranda, com experiência
de morar fora do Brasil, e não sei como é que isso funciona! Não conheço nada. E
também não vou atrás por minha própria conta, eu não quero falar nisso, porque
quero fingir que isso não vai acontecer, quero fingir que isso é mentira. Quando
Ciornai
126
vou aos médicos, eles falam assim: “que bobagem, não precisa pensar nisso ainda,
tá cedo.” Bom, mas alguém tem que me preparar pra essa história!
Outro dia eu tava lendo uma revista dessas, Cláudia, aí tava lá: “Por que
ter medo da menopausa? Isso não é nada.” Eu pensei: tá aqui o artigo que serve
pra mim! Comecei a ler: “Isso é uma coisa normal, as pessoas falam muito que é
um horror, mas não é nada disso. Mas pode dar calores, insônia, osteoporose,
depressão, isso, aquilo, até bexiga caída!” Pô! Não quero isso! Como “por que
ter medo da menopausa?!”
Uma das coisas que me preocupa com a menopausa é que eu sou uma
mulher de cio. No período antes da menstruação, eu tenho um tesão enlouquecido,
depois passa, e tenho medo de perder isso na menopausa. E aí, eu nunca mais vou
ter tesão na vida? Eu tô com medo de como vai ser! Quando chegar a menopausa
pára tudo? Então eu fico apavorada. Não vou mais poder procriar, o tesão vai
acabar, a bexiga vai cair, periga ter ou câncer ou osteoporose, meu Deus, não
quero nem pensar! (Fernanda)
Menopausa foi uma coisa que nunca me preocupou, na minha cabeça era
um processo normal de desenvolvimento que a mim não ia abalar em nada. Talvez
porque eu nunca tive cólica, dor de cabeça, síndrome pré-menstrual, nada, então eu
esperava que fosse igual. Mas há uns dois anos atrás, algumas alterações
começaram a aparecer. Uns dois dias antes de menstruar vinha dor de cabeça, e
além disto, eu que era super regulada, menstruação era três dias, no quarto dia
vinha muito pouco e acabou, de repente fiquei dez dias menstruada, e dali a quinze
dias mais dez dias menstruada. Aí fui ao ginecologista e descobri que tanto isso
como a dor de cabeça tinha a ver com estar no climatério. Fui no homeopata,
regularizou, mas há 6 meses as alterações voltaram. E fui administrando isso
solitariamente, com os médicos, achando que isso era uma "coisa minha." Não
troquei nem com meu companheiro. Eu não procurava espaço de troca, não sentia
necessidade.
O que me atraiu em participar desta pesquisa, foi saber que era dirigido às
pessoas que viveram os anos 60, os movimentos políticos, a liberação sexual, e
Ciornai
127
como eu tive uma participação intensa nisso, achei que tava dentro. Não foi a
questão do climatério, da menopausa que me motivou. Agora o engraçado é que
escutando o depoimento das pessoas, confesso que vejo o quanto é forte meu
movimento de não querer entrar em contato com certas coisas... (Inês)
VIVÊNCIAS DE RENOVAÇÃO
Em contrapartida, mulheres que anteriormente viveram
situações opressivas e
limitadoras em sua vida, e especialmente em suas relações conjugais,
relataram
experiências virtualmente opostas nesta fase de vida :
Em 77, depois de muito transtorno, me separei. Um ano antes disso, comecei
a ter hemorragias. Como meu ex-marido me podava muito, acho que meu centro de
criatividade adoeceu: eu formei um tumor no útero, e dez dias depois do desquite
eu fiz uma esterectomia. Sou esterectomizada desde os trinta e sete anos. Se você
trouxer uma fotografia minha daquela época, vai dizer que eu tinha sessenta,
porque eu estava um trapo, uma velha. E comecei a viver a partir daí. Isso é uma
coisa incrível porque as pessoas quando fazem esterectomia, geralmente entram em
depressão, e eu acordei da cirurgia para a vida. Passei a ter uma vida sexual
maravilhosa, e também de aparência fui melhorando.
Então, como é que eu me sinto com cinqüenta anos? Como estou na
menopausa ? Não sinto calores, não sinto nada. Eu nunca estive tão bem! Este ano,
fiz cinqüenta anos, e fiz uma festa pra comemorar, eu me homenageei. Tenho três
filhos maravilhosos, amigos, sou uma pessoa que estou realmente em paz e feliz. E
me dei de presente a primeira viagem internacional. Fui para a Itália e andei por lá
um mês sozinha de mochila nas costas! Então eu acho que eu estou na contra
história! O que vocês viveram de maravilhoso antes, eu estou vivendo agora. Estou
sem namorado no momento, pela primeira vez eu consigo estar sem namorado e
não estar desesperada porque eu fazia qualquer coisa para ter uma companhia
masculina. Hoje já não fantasio que o outro é príncipe, porque já não sou mais a
Gata Borralheira que eu era. Claro que olhar no espelho e ver que eu estou
Ciornai
128
envelhecendo é uma coisa que me angustia. Mas a menopausa para mim tem sido
uma fase boa, de paz interior, de um bom conceito de mim.. Acho que é o melhor
momento que eu estou vivendo na minha vida. (Tereza)
O meu marido era alcoólatra. Só ouvir o barulho da chave dele na porta era
um terror, porque eu não sabia nunca como ele ia chegar. E ele fez cenas
horrorosas, me fez passar muitos vexames. Eu me separei com 38 anos, e posso
dizer que passei a viver muito melhor depois dos 40. Mais segura, mais dona do
meu corpo, mais dona do meu nariz e das minhas decisões. (Jussara)
REMEMORANDO MEMÓRIAS DA MENOPAUSA MATERNA
A memória da menopausa materna deixa sua marca na maneira como a menopausa
e este período de vida é percebido pelas mulheres. Lembrar disto, se por um lado ajudou
perceber como esta foi uma forte influência na visão que cada mulher tem deste período de
vida, por outro, em certos relatos se configurou em motivação para um movimento de
resgate e aproximação da figura materna :
O que minha mãe passou quando ela atingiu a menopausa, era
absolutamente incompreendido por mim e pelas outras pessoas. Eu tinha 17 anos
na época. Ela espirrava com qualquer coisa, ficava enlouquecida, qualquer
contrariedade, se ela estivesse com um prato na mão, a resposta dela era jogar no
chão, chutar, e eu tinha verdadeiro horror, tinha ódio disso. Mas hoje eu entendo
que ela sofria prá caramba, porque o período que eu passei foi mais ou menos
assim, eu só não jogava prato no chão...(Paula)
Lembro de minha mãe, quando ela estava passando por esta fase, dizendo
que eu tava incomodando , que eu era uma merda, que eu era terrível, que eu dava
trabalho, que eu era uma adolescente rebelde, que eu não sei quê. Eu não era nada
disso, mas antigamente não se falava em depressão como se fala agora. Meus filhos
hoje em dia já me falam: ‘Estou deprimido’. Mas a gente não tínha esse recurso, e
Ciornai
129
muito menos nossas mães, era tudo arremetido para o externo : culpados eram os
filhos, marido, os irmãos, a falta de dinheiro.
E como minha mãe, eu também vivi o coincidir da minha menopausa com a
adolescência da minha filha. Que tragédia! Quer dizer, são dois processos difíceis
de você viver. São duas mulheres em processo de mudança hormonal. Então hoje,
ao lembrar da minha mãe naquela época, eu entendo de outro jeito o que ela
estava passando... (Sandra)
Minha mãe sofreu muito com a menopausa. Tinha descompensação
emocional, chorava à toa, foi muito pesado. (Elisa)
Minha mãe foi um “bode” na menopausa. Ela sempre falou da menopausa
como uma coisa difícil. Emocionalmente ela ficou muito perturbada, muito nervosa,
muito descontrolada. E sofreu com a coisa dos calores, de não dormir à noite,
tomava 500 remédios pra dormir e não adiantava nada, ela ficava desesperada,
numa neura total, e ficava um desgaste emocional pra todos, uma coisa que me
dava muita aflição. Se bem que agora que eu passei pela experiência do que é
não dormir, do que é ver as horas passando, fica mais fácil entender.
Por outro lado, eu me lembro de uma vez em que eu fui em um médico
oncologista, desses horríveis que foi logo dizendo que com a quimio eu ia entrar
em menopausa precoce. E eu comentei com a minha mãe: “ Eu sou tão nova ainda
pra entrar na menopausa, eu queria me preparar melhor pra isso, entrar na idade
certa.” Então minha mãe falou: “Olha, minha filha, eu vou te contar uma coisa pra
você ficar mais tranqüila : na verdade, não muda nada quando a gente entra na
menopausa, nem sexualmente”. Eu achei isso o máximo! Foi a primeira vez que
minha mãe falou em sexo comigo! Ela ficou preocupada de eu achar que poderia
ficar menos mulher. Isso foi bárbaro, e uniu muito a gente. (Miriam)
Ciornai
130
MUDANÇAS PSICO-SOCIAIS
COMO A MULHER SE PERCEBE
Como estas mulheres se percebem hoje ? A percepção de si se dá a partir de um
sujeito que percebe seu objeto de percepção, no caso si próprio, de uma forma que não é
imparcial, ingênua e desprovida de a-prioris. O olhar da mulher sobre si mesma passa
pelo filtro da história da relação da mulher consigo mesma em termos de auto-estima e
auto conceito; passa por suas vivências pessoais, acadêmicas, profissionais, culturais ou
sociais e por como as internalizou ao longo de sua vida; passa pela história das relações da
mulher com seus outros significantes em termos de como se sentiu percebida por aqueles
que fizeram parte de sua vida pessoal - i.e., de quanto e como se sentiu amada, desejada,
valorizada , confirmada, respeitada, ou, ao contrário, desqualificada, rejeitada, etc; quer
dizer, passa por sua postura interna, confluente ou não, em relação à estes vários fatores.
O conjunto destes elementos compõe as crenças internas que a mulher tem sobre si
mesma, i.e., sua mitologia pessoal, e
age como um filtro de luz através do qual as
experiências dos seus sentidos são interpretadas, e através do qual novas informações são
processadas (Feinstein & Krippner 1988b,p.27). A forma como a mulher se sente percebida
e a forma como se percebe, são processos em constante inter-relação. A percepção de si e o
auto-conceito têm sempre um aspecto psico-social.
Quase todas as entrevistadas são mulheres que, em termos profissionais, estão
ativas, muitas até em uma fase áurea da carreira em termos de criação, realizações e cargos
ocupados -
apesar de algumas verbalizações sobre temores com o futuro, demissões e
dificuldade
de
emprego para a mulher mais velha. Quase todas se sentem mais
amadurecidas em sua capacidade de reflexão e compreensão, e quero pontuar que estarei
abordando os ganhos sentidos nesta fase de vida mais adiante. Nesta parte porém, estarei
focando especificamente em como estão se percebendo enquanto mulheres.
E em relação à isto, significativamente, a grande maioria, referiu-se ao aspecto
visual -- talvez até por ser este um aspecto que as incomoda demais neste período de vida.
Ciornai
131
Esta predominância da visão como canal perceptivo em seus relatos, se nos fala de um
incômodo presente, sem dúvida nos fala também de uma cultura que valoriza e julga pela
aparência. No entanto, sobre o olhar, Arnheim(1974), no livro cujo subtítulo é justamente
A Psicologia do Olhar Criativo, afirma que “toda percepção é também pensamento... toda
observação também é invenção.” ( p.5), ou seja, o olho que vê , ao ver já configura, julga, e
valora. Portanto, ao se falar de olhar, se por um lado estamos inseridos em uma cultura
cada vez mais visual, faz-se mister considerar também, que o olho que olha, traz um olhar
impregnado de história, de mitos e de subjetividade.
No próximo capítulo, estarei apresentando os mitos culturais sobre a mulher
madura, menopausa e velhice que emergiram nos depoimentos das participantes. Apesar
de intimamente interligados à percepção que cada mulher tem de si, estarei nesta seção
focalizando especificamente o que cada mulher disse de si própria. Assim, todos os trechos
selecionados se caracterizam por serem falas na primeira pessoa, por serem afirmações
pessoais sobre si : “eu me acho,” “eu me vejo,” eu estou,” ou “eu me sinto.”
O relato de Rosana, é um exemplo de como a percepção interna de si se contrapõe
ao olhar pra si. Além disto, o olhar pra si vem tanto como o imaginado olhar do outro, que
Rosana na mesma frase fala de si, “não sou mais a mesma coisa”, e fala para si, “você não
pode ficar achando que você ainda é jovem!”
Eu me sinto muito jovem ainda pra estar na menopausa, pra ter essa perda,
como se eu tivesse ainda muito o que viver. E eu só percebi
isso
vendo a
exuberância da minha filha, só aí parece que eu tomei consciência de que eu tava
envelhecendo. Antes eu não tinha tomado consciência, porque eu não me sinto
envelhecendo. Mas quando eu comecei a olhar mais pra minha filha, quando saio
com ela pra ir a shopping comprar roupa pra nós, e olho pra mim e pra ela frente
ao espelho, é que eu percebo o quanto eu perdi. Porque ela é muito parecida
comigo quando eu era jovem, e olhando pra ela, pra exuberância de corpo dela,
quando eu olho assim eu e ela junto, eu me digo : "Ave Maria! Não sou mais a
mesma coisa, não adianta, você não pode ficar achando que você ainda é
jovem!”(Rosana)
Ciornai
132
Outros relatos revelam como o olhar sobre si mesma, e a percepção da própria
aparência, trazem como conseqüência a percepção de si como uma mulher que não pode
mais atrair um homem e que não tem mais possibilidades de estabelecer um relacionamento
amoroso.
A gente muda muito fisicamente mesmo, hoje não tô mais com a bola toda
pra atrair pessoas. (Paula).
Eu me sinto uma pessoa que já entrou na velhice, que não está mais no
mercado da “caça.” Não só não me sinto mais capaz de atrair um homem, como
não me sinto capaz de entrar na briga, porque um negócio que eu sempre adorei, é
o desafio de entrar “num pau” por um homem.
Na universidade onde estou
fazendo doutorado, como eu polemizo, defendo os anos 60, as drogas, a liberdade,
e de alguma maneira represento a liberdade , e as meninas e mulheres minhas
colegas, se abrem comigo. Muitas vem fazer confissões, e o meu preconceito em
relação à minha idade e a minha velhice é tão grande, que eu chegava a pensar
que elas falavam assim comigo porque eu já estava tão descartada do mercado que
dava, que elas podiam sentir confiança. Foi essa a interpretação que eu dei pra
essa abertura. Agora que estou mais ousada, estou descobrindo que elas sempre me
viram competindo. No entanto, elas até podem me dar essa colher de chá , mas
pra mim é difícil aceitar isso.” ( Nira)
Outro dia eu estava com a minha sobrinha no carro. Aí, na rua, de repente,
ela diz: “Tia, o cara está te paquerando!”. Eu falei: “Não é pra mim, é pra você,
imagina se é pra mim!” E ela caiu na risada: “Tia, era pra você!” Aí me dei conta
que as pessoas também olham a gente, mas que a gente nem percebe, porque não
acha possível.(Frida)
Tenho um sentimento de menos valia no sentido do feminino. Estou velha, e
estou feia. E não acho que é só por causa da idade , porque eu observo mulheres da
minha idade que estão mais bonitas que eu, mais em forma, e me comparo. E tem
uma coisa que em pequenos momentos rápidos eu capto e fico muito triste : me
Ciornai
133
pego sentindo que eu não tenho o direito de amar, de ser amada e de ser tocada,
porque eu tô velha, feia e gorda. Uma mulher desse tipo é ridícula se quiser ter
alguma coisa assim. Que grande pretensão! Racionalmente eu sei que é absurdo,
mas fôda-se, é o que eu sinto. (Mariana)
Mas o olhar depreciativo sobre si, traz às vezes uma percepção limitante não só de si
enquanto mulher capaz de atrair e ser amada por um parceiro, mas generaliza-se, limitando
possibilidades de contatos nutritivos e vivificantes também em outras relações :
Eu estou ficando velha, e tem muitos grilos que vão aparecendo em função do
corpo que vai ficando diferente. De uns anos pra cá, eu já estava achando difícil me
relacionar com alguém emocionalmente. Porque começa o problema com as rugas,
o corpo vai tendo modificações, começam a aparecer dobrinhas, e pra mim que
sempre tive um corpo bonito, essas alterações começaram a incomodar muito. Dá
vontade de descobrir um comprimido mirabolante que vai segurar, mas não tem
jeito. Eu me sinto deteriorando gradativamente. Então eu estou me depreciando
muito depois que entrei na menopausa. Acho que todo mundo está vendo que eu
estou ficando velha e que a minha cara está caindo. Quando eu vejo que eu vou
encontrar gente conhecida desvio “ não vou por aqui , vão achar que eu estou
velha, que eu estou horrorosa, não quero encontrar com aquelas pessoas.” Tem
momentos assim... (Ana)
Eu era muito bonitinha. Não sou mais. Eu pesava 55 quilos e tô com quase
80. O cabelo era bonito. O olho era bonito. A pele era perfeita. Nunca tive mancha,
nunca tive espinha, nada, e agora tem papada , tá começando a ter ruga e tô gorda.
Quando eu olho no espelho o que me vem é: “ Tô muito feia., tá tudo horrível, tá
tudo caído.” Como imagino que me vêem? Ah, que eu tô feia, que eu tô velha, que
eu já sou carta virada que não serve mais pra nada...(Rebeca)
Ciornai
134
Já outras mulheres revelaram em seus depoimentos uma percepção mais positiva
de si, às vezes acompanhada de uma percepção crítica da visão de mulher madura ou
velhice socialmente difundida:
Eu fico olhando essa questão da velhice. Eu tenho 50 anos. E não sei definir
se eu estou velha, acho que estou no limiar. Mas eu acho que eu tenho dentro de
mim, ou eu busco, uma vitalidade, uma energia, um vigor tão grande, que eu não
me sinto velha. Com 50 anos eu sou uma pessoa que consigo atrair. Velhice pra
mim é coisa de idéia, porque tem horas em que eu tenho uma vitalidade, uma
vontade de realizar, selecionando o que eu quero realizar, que eu não tinha com 20
anos. (Julia)
Eu, com 53 anos, me sinto ainda uma mulher atraente. (Jussara)
Eu me vejo muito bem, ainda me sinto uma mulher desejável, mas não sei
até quando vai durar isso. E eu acho engraçado isso, porque lembro que quando
minha mãe tinha 28 anos eu achava ela velha, e agora eu acho que quem tem
cinqüenta é jovem. O pessoal com quem eu ando tem a minha faixa de idade, e eu
acho todo mundo muito jovem! E por outro lado, eu tenho certeza que os jovens
acham a gente velhos. Mas e daí? É assim mesmo. Outro dia eu tava com uma
amiga e a gente viu uma pessoa que a gente não via há muito tempo. Ela virou pra
mim e falou: ‘Puxa, você viu como ela tá acabada?’ Mas pra te dizer sinceramente,
o que eu acho é o seguinte: ela também deve ter achado a gente acabada!
A gente vai ficando mais flácida, mais enrugada, e eu acho que isso é
inexorável mesmo, acho que a gente tem que trabalhar o saber envelhecer. Sempre
fui relaxada, mas de repente comecei a fazer hidratação da pele uma vez por mês e
passo creme todo dia. Não acho que isso vai fazer com que a minha pele volte a ser
como quando eu tinha vinte anos, mas eu acho que é uma coisa legal de fazer pra
se sentir envelhecendo legal, a pele fica mais saudável, mais corada. Por outro
lado, eu percebo que tem algumas pessoas que ficam desesperadas com o
envelhecimento, todo ano estão fazendo uma plástica. E não vai adiantar nada., a
gente tem que aprender a conviver com isso.(Silvia)
Ciornai
135
Quando eu olho no espelho acho que as coisas estão caídas, mas de roupa
eu sou ótima, então, eu vou seduzir de roupa . Mas, depois, eu vou ficar sem roupa,
eu acho que o cara que se vincular, não vai se iludir de que não caiu. Eu não
preciso ter peito durinho pra ter orgasmo ou pra provocar o orgasmo. Eu tenho
certeza disso. E o homem que tiver uma relação comigo, não vai se iludir que
quando eu tô de sutiã é assim e que quando eu tirar vai ser igual. Ele sabe. Ele vai
saber. E aí vai ser numa outra base. Então não acho que não dá mais tempo, que a
menopausa vai atrapalhar, isso absolutamente não me limita .(Inês)
E outras mulheres, sentem-se oscilar na maneira de se ver e perceber. O relato de
Sandra é um exemplo:
Há momentos que eu me acho maravilhosa, puta mulherão, não fisicamente,
mas mulherão no sentido de uma mulher cheia de força, vitalidade, que dá conta
de recados em vários setores: financeiro, afetivo, existencial. E tem outras horas
em que eu me sinto (pausa) --. sabe iogurte vencido? Que você olha a validade na
prateleira do supermercado e já venceu ? Mas não é só pela menopausa, é também
pela mentalidade, valores.
Eu me vejo uma mulher desejável momentos sim, momentos não, mas
predominantemente não me vejo. Eu nunca tive uma beleza padrão, então não acho
mesmo que um homem vai olhar pra mim e babar. Lógico que não! Mas eu acho
que as minhas conquistas agora são conquistas mais pelo meu interno. A pessoa
tem que se aproximar de mim, me conhecer, o fascínio é outro, não é uma coisa
física. Especialmente por causa da idade. Eu noto alguns homens me olhando. Mas
não é como antes, não é como antes. Por outro lado tem uns homens que eu já
conheço que dão conta da minha vaidade. Mas eu penso ‘Meu Deus! Quanto
tempo será que eu ainda tenho? Quanto tempo ainda esses homens vão cuidar da
minha vaidade?’ (Sandra)
Ciornai
136
Uma outra questão que aparece, é a questão das limitações auto-impostas à maneira
de se comportar e vestir, que está ligada à postura do meio social em relação à mulheres
mais velhas. Nos relatos abaixo, três mulheres nos falam de seus conflitos :
Eu sinto hoje algumas dificuldades com roupa. Eu sempre gostei de pouca
roupa, de quanto menos pano melhor. Então isso pra mim me traz um conflito. Pô,
eu sou uma senhora, e eu ando meio pelada, não fica bem! Também reassumi o
biquíni. Porque é uma coisa que eu não me permitia mais: ‘Ah, não tenho mais
corpo pra isso!’, essa coisa da autocrítica. Tem roupas que eu gosto, que eu vejo
que absolutamente são “minhas”, que têm a ver comigo internamente, tipo esses
vestidos curtinhos de alcinha e tal, e eu penso: ‘Ah, mas na minha idade não dá!
Eu tenho uma preocupação grande em não ser ridícula, e tô sempre pensando e
perguntando pra minha filha: ‘Tô ridícula?’ Isso pra mim traz muito conflito.
Porque por um lado eu tenho certeza que eu tô ótima, batalhei pra caramba pra
poder responder isso pra mim mesma. Mas tem hora que pega. Minha filha, meu
filho, meu marido, todo mundo diz: ‘Não, tá ótimo.’ Mas eu penso: ‘Pô, será que
esses caras não tão enxergando? (Sandra)
Eu super curto umas roupas mais “chans”, mas se a gente quer pôr umas
roupinhas mais sensuais, a gente é chamada de perua e de ridícula com muita
facilidade. (Marcia)
Às vezes eu dou uma cruzada
de perna super sensual,
descobrindo,
insinuando e tal. Mas de repente eu penso: Não posso mais, não tenho mais 20
anos pra sentar assim! A perna tá com celulite, tá mais gorda, não dá, é ridículo
uma mulher da minha idade sentar assim!
historinha, a cultura. (Fernanda)
Não deveria ser, né?
Mas é
a
Ciornai
137
COMO A MULHER SE SENTE PERCEBIDA
Por Homens
Uma impressão presente em grande parte das mulheres que participaram da
pesquisa, é a de que homens de sua faixa etária estão interessados em mulheres bem mais
jovens:
Eu vejo os meus amigos descasados, que estão na mesma faixa de idade que
eu, buscando mulheres de 20 a 30 anos. Dificilmente eu vejo um amigo meu de
quarenta e poucos anos, buscando uma mulher da mesma idade. Por outro lado eu
vejo o jovem olhando muito pra nós como mulher, até um pouco fascinado, mas
acho que é um fascínio mais por esse jeito mais maduro da gente, por essa
inteireza que a gente tem hoje. Talvez tenha até uma busca meio que mais de mãe
do que realmente uma busca da nossa sensualidade, da nossa sexualidade.
(Rosana)
Homem não gosta de mulher velha. Existem exceções? Existem , mas essas
nunca passaram do meu lado, homens mais sensíveis, homens mais sensoriais. Em
conversa alguns homens já me disseram: “a sexualidade nessa idade é diferente, a
coisa visual vai dando lugar pra uma coisa mais sensorial, o que encanta um
homem numa mulher nessa idade é outro tipo de coisa.” Mas pra mim é blá-bláblá. Porque eu não vejo isso acontecer, nem comigo, nem com as outras mulheres.
Excepcionalmente eu conheço casos. Tem mulher que vai atrás, vai pra “single”
bar, vai pro caramba a quatro e até arranja um namoradinho. Mas pra mim são
exceções. Homem gosta de mulher magra, bem feita e de corpo e jovem. Então eu
já nem me exponho. Eu me fecho. Não procuro, não percebo, não olho pra
ninguém. Eu rejeito antes que me rejeitem. Bem curto e grosso, é isso. (Mariana)
Ciornai
138
Por outras pessoas
Por outro lado, ao falar de como se percebem vistas pelas pessoas que conhecem,
algumas mulheres se referiram ao olhar crítico do outro, ao constrangimento que às vezes
impõe, ou à graça que provocam:
Minha filha e minha família me podam muito. Vivem me dizendo : “Isso é
ridículo para uma pessoa da sua idade! ” (Rebeca)
Minha filha morre de vergonha de como eu me visto, acha que eu não
pareço uma mãe séria como as mães das amigas dela ! (Nira)
Minhas filhas e as amigas delas, vêem mulheres mais velhas como peruas,
ou, no meu caso, como bicho-grilo. (Laura)
No entanto, como falas anteriores (como as de Nira, Júlia e Sandra) revelam, o
olhar sobre si é às vezes bem mais crítico do que o olhar do outro ( ou pelo menos de
alguns outros) :
O que eu recebo de feedback das pessoas é uma coisa assim: ‘Imagina, você é uma
mulher interessante, você é uma mulher bonita! ’, inclusive dito pelos meus filhos que são
dois homens de 29 e 31 anos e que me dão muita força. De outros vem uma coisa assim:
“Você é bonita, atraente, mas precisa fazer um regime, você tá um pouco gorda e isso não
te favorece.” Como eu não sou completamente louca, eu acho que tem uma possibilidade
que as pessoas me vejam assim. Mas eu não consigo botar isso pra dentro de mim. O que
eu vejo é: uma mulher velha, feia, gorda e sem direito. E o que eu percebo no cultural e
no social reforça. (Mariana)
Ciornai
139
Na mídia
E finalmente. todas as mulheres se referiram à imagem negativa da mulher nesta
idade, que, com raras exceções, é transmitida pelos meios de comunicação. O depoimento
de Márcia é um exemplo:
Assistindo televisão, tenho reparado na frequência das indiretas e
colocações negativas em relação às mulheres mais velhas que aparecem, e que
mostram uma sensualidade. Os comentários são sempre no sentido de colocá-las
no lugar de ridículas, de “peruas”. E isso me emperra muito. Outro dia em uma
cena de novela por exemplo, iam dar um jantar elegante, e uma mulher dizia que
devia-se pôr cartões com nomezinhos nos lugares em que cada um ia sentar. E aí
entra um cara mais jovem com o seguinte comentário: "Poxa, mas essa aí é
inimiga das mulheres! Vai obrigar as peruas a por óculozinho pra saber aonde
que vão sentar!” As novelas estão cheias de coisas assim . (Marcia)
RELAÇÕES AFETVAS
RELAÇÕES AMOROSAS
Mulheres Que Convivem Com Um Companheiro
Com Relacionamentos Satisfatórios
Das 30 mulheres que participaram da pesquisa, 14 conviviam com um companheiro.
Destas, ao falar sobre sua vida amorosa, algumas se descreveram afetivamente satisfeitas
com este relacionamento.
142
Do ponto de vista afetivo, como estou há muitos anos vivendo de um jeito
gostoso com um companheiro que me adora, a idade não é uma coisa que interfere.
(Laura)
Sinto que meus filhos estão crescidos, e tenho a sensação de volta ao casal,
quer dizer, a relação com meu marido está se tornando outra vez muito mais só nós
dois como foi no começo, e sinto o quanto a gente está precisando ser companheiro
agora para envelhecer junto. E é uma coisa diferente, porque a preocupação com
as crianças sempre me tomou muito espaço. Temos hoje uma relação amorosa
muito legal. Não foi fácil me manter casada, a gente quase separou mil vezes, não
foi nada de um mar de rosas, mas hoje eu e meu marido estamos numa coisa muito
gostosa e eu me sinto muito em paz na relação com ele. Gosto de sair com ele, de
ficar na casa de praia com ele, a gente é muito bom companheiro de viagem. E ele
é carinhoso, me acolhe, sexualmente ele é ótimo, potente, gostoso, me completa
muito como homem. Se eu disser: “estou triste, estou mal, ” ele logo me fala: “vou
te levar para comer uma coisa gostosinha, você quer viajar?” Ele sabe todas as
coisas que eu gosto e faz para mim. E eu acho isso um super colo, acho que é uma
conquista de quase trinta anos juntos. Às vezes eu me sinto totalmente apaixonada,
dá até medo. Porque mesmo com um parceiro só, dentro de uma relação tem um
renovar do amor e das emoções. (Rubia)
A minha descoberta sexual, desde o comecinho, foi com meu marido. É o
único parceiro que eu conheço, e a sexualidade junto com ele sempre foi muito
boa, muito intensa, muito essa coisa da descoberta da sexualidade como uma coisa
gostosa. Será que casamento é sempre careta e monótono? Eu acho que não,
porque eu acho que eu me casei muitas vezes com o mesmo homem,
nosso
casamento passou por muitas reformulações. (Rebeca)
Meu marido e eu nos damos super bem, e sinto que ele sente muito tesão
por mim. (Silvia)
143
No meu casamento eu sempre estive absolutamente apaixonada. Ainda
estou, mas hoje é diferente. Estou lendo “A Cerimônia do Adeus, ” da Simone de
Beauvoir. É uma coisa belíssima e terrível também, porque
ela relata
esmiuçadamente a doença final do Sartre, mas com uma solidariedade muito
grande, mostrando um conhecimento muito profundo dele. E eu achei isso muito
importante, quer dizer, como você demonstra solidariedade em cada ato, como
você multiplica e deixa transparecer em cada atenção o amor que existe o tempo
todo. No casamento isso tem que ser buscado. Não precisa necessariamente estar
junto, grudado, porque ele teve outras pessoas, e ela também. Então o que quero
dizer, é que casada ou não casada é muito bom poder ter um companheiro-amante.
E conservar dá um certo trabalho! (Frida)
Com Relacionamentos Parcialmente Satisfatórios
Em contrapartida, algumas mulheres que convivem maritalmente com um parceiro,
não se sentiam totalmente satisfeitas com este relacionamento. Algumas, como Elaine,
desejam uma relação mais completa :
Eu hoje me vejo mais exigente, estou querendo um encontro de alma, uma
coisa mais amorosa de carinho, amizade, além do sexual. E isso me faz pensar se
a relação que tenho com meu marido vai poder me dar isso... As mulheres que
estão sozinhas falaram desta busca, mas eu como casada, também estou buscando
isso. Quero sentir companheirismo, aceitação, quero me sentir bem amada, bem
tratada, uma série de coisas que sexo só não traz. Tenho desejo de uma relação
mais profunda, espiritual, que nunca exigi do casamento. Eu fui me desenvolvendo
nesse sentido, e quero ter alguém pra realmente compartilhar isso. (Elaine)
Outras, apesar de ter uma boa relação com o companheiro, sentindo que em sua
juventude tiveram a sexualidade e a feminilidade muito reprimidas, anseiam por outras
relações, onde possam estar tanto se experimentando enquanto mulher, quanto
experimentando seu poder de sedução:
144
.
O que tenho a meu favor que me ajuda muito, é que meu marido tem muita
atração por mim. Eu acho que tem uma coisa forte entre a gente, muito forte, que
me alimenta. Mas não me basta. Porque é como se eu precisasse ter tido um tempo
de estar mostrando eu mulher no coletivo que não tive. Me vêm imagens de ser
uma mulher que atrai todo mundo, uma “mulher fatal.” Eu não pude experimentar
isso, e eu queria ter experimentado! Acho que a minha relação com meu marido
sempre foi um ponto sadio no meu processo, que cria até uma certa dependência
com ele. Mas eu queria ter mais confiança em mim e em minha autonomia, prá não
depender isso. (Marcia)
Tenho vontade de ter outros tipos de relacionamento, de experimentar sair
um pouco da coisa do casamento fechado. Prá mim tem sido uma busca antiga, mas
a proximidade da menopausa tá me trazendo uma certa urgência. (Rosana)
No entanto, em um contato posterior com a pesquisadora um ano e meio após sua
participação na pesquisa, Rosana falou de como sente ter mudado neste período, o que nos
chama a atenção para o fator temporal, de momento de vida, inevitavelmente presente em
todos os relatos :
Uma coisa que mudou de lá pra cá é que não tenho tido mais vontade de
procurar aventuras fora do casamento. E uma coisa nova que está acontecendo
comigo é a valorização do companheirismo, que está sendo pra mim uma coisa
super importante. Não é que eu não tivesse, mas eu não valorizava, não dava o
valor que eu dou hoje à troca com o companheiro. (Rosana, um ano e meio depois)
Já esta necessidade de outras experiências e relacionamentos, é vivida por Sandra
como uma relação aberta, o que ideologicamente era bastante defendido
em alguns
movimentos de contra-cultura dos anos 60 e 70 (apesar de nem sempre vivido com tanta
facilidade) :
145
No meu casamento, a gente teve um acordo de ter um casamento aberto. A
gente se conheceu dentro do movimento hippie; depois tivemos envolvimentos
políticos diversos: eu fui atuar em movimento feminista, em movimento negro,
nosso casamento teve vários sub-casamentos. Hoje eu considero que a gente é um
casal velho. É interessante isso, e muito gostoso, a gente se desafia. Mas tem
momentos difíceis da nossa relação, por essa permissividade, por essa construção
de códigos novos. (Sandra)
Há também, mulheres que tendo uma história de frustração sexual na relação com o
marido, anseiam por viver relações mais satisfatórias :
Eu fui uma moça muito sensual e atraente, e eu era fogo, nunca tinha um
namorado só, tinha três, quatro. Eu tive um exercício amoroso, enquanto jovem,
muito intenso, que não era o normal na minha época. Eu vivia sempre num limiar
tênue prá não passar prá situação de “galinha”. Eu fazia de tudo com um prazer
tremendo, e só não chegava à relação sexual propriamente porque eu tinha certeza
que se eu perdesse a virgindade eu não conseguiria casar.
Quando casei, casei virgem. Amava meu marido ,e ele me dava tudo, menos
satisfação sexual. Meu movimento pra lidar com isso foi estudar muito, trabalhar
muito e negar minha sexualidade. Engordei, fiquei feia, parei de cuidar do corpo,
passei a usar roupas de senhora, e fui empurrando pro fundo do baú esse problema,
sublimando a questão sexual e exacerbando todos os outros ganhos que eu tinha
na relação com ele. Aí vem os filhos, você passa noites sem dormir, e se ocupa
com aquelas histórias de limpar bumbum, fralda, dar comida, aquele negócio todo,
não dá nem pra pensar.
Mas quando os filhos cresceram eu comecei a ficar muito pirada. O que eu
tinha feito do meu corpo? Aonde estava aquele corpo de “Miss” que eu tinha? Tava
muito feio, muito envelhecido, eu tava gorda, muito senhora, não tinha
sensualidade. Aí fui buscar terapia, comecei a emagrecer e ficar bonita e atraente
de novo. Eu dizia pro meu terapeuta: “Eu preciso de um amante.” Cheguei a ter
uma experiência com um homem com quem tive uma relação sexual muito
146
satisfatória. Eu pretendia administrar essa coisa de viver com o marido e ter
satisfação sexual com um amante. Mas aí o cara morreu, e hoje não quero mais
viver com meu marido, porque eu não tenho cabeça pra viver com ele e ter um
outro. Mas ainda não consegui me separar, não é fácil...(Inês)
E finalmente, os homens também estão passando pelo climatério masculino, a
andropausa, o que traz alterações nem sempre prazerosas para o relacionamento:
Meu marido tá um homem ranzinza. Porque ele também entrou no
climatério. Só que ele não sente calores, as reações dele são outras. A primeira
reação que percebo é desinteresse, desinteresse das coisas . Por exemplo, caiu a
cortina na minha casa, e a cortina tá despencada, ele não recoloca a cortina a
cortina tá caída já há um ano, e ele sempre costumou fazer esse tipo de coisas!
Então tem o desinteresse pelas coisas, de fazer coisas, de organizar as coisas.
Também tem desinteresse sexual. Eu não digo que há um desinteresse muito
grande, mas há. Há uma diferença entre a nossa vida sexual anterior à entrada dele
no climatério e agora. E terceiro : ele está ficando ranzinza! E com premonições
de catástrofes! (Ri) Com um pessimismo atroz! E parece que ele acaba atraindo
coisas negativas mesmo ! Teve um vazamento lá na minha casa, chamamos o cara
prá consertar, e falou assim: “Isso não vai parar por aí.” E não é que agora
entupiu?! Filho da puta! Conseguiu premonizar que depois do vazamento, vinha o
entupimento, e entupiu mesmo! Eu disse à ele: “Que saco que nós estamos!”
Então é mais ou menos por aí. Agora, acho que varia de homem pra homem
porque meu companheiro é uma pessoa rígida. Ele até se permite fazer um monte
de coisas que acha que os outros não devem fazer, mas não se abre para a vida
com tranqüilidade. Ele usa a inteligência dele pro saber, não mobiliza pro querer,
pro cotidiano. Então ele tá ficando velho e ranzinza. Isso vinha vindo, mas agora
com o climatério dele, infernou! Às vezes até penso em me separar! (Paula)
Mulheres Que Não Convivem Com Um Companheiro
Envolvidas Em Relacionamentos Amorosos Satisfatórios
Algumas mulheres que não convivem com um companheiro, relataram estar
atualmente vivendo relacionamentos amorosos satisfatórios dos mais variados :
147
Tenho um relacionamento amoroso há dez anos, cada um na sua casa. Ele
também é separado, e a gente vai vivendo muito bem assim. (Jussara)
Tenho uma relação afetiva com um rapaz de 33 anos, bem mais moço do
que eu . Acho que é uma relação moderna, tão anos 60! Eu gosto de me relacionar
com homens mais jovens. Sinto que o que tenho em comum com um rapaz de 33, é o
gosto da liberdade. Ele gosta das mesmas músicas que eu, Rolling Stones por
exemplo. Mas temos uma relação de amantes. Conhecer os amigos só iria melar....
(Léa)
A minha preferência é por mulheres. Transo com homens esporadicamente
também, é uma coisa gostosa , mas a minha afetividade, a sintonia emocional. está
mais voltada para uma pessoa do mesmo sexo. E há dois meses encontrei uma
moça e eu estou me relacionando com ela. E ter alguém me acompanhando nesse
momento é muito gostoso.(Ana)
Desejantes de encontrar um companheiro
No entanto, seja vivendo um relacionamento pouco satisfatório, seja estando no
momento ou há bastante tempo sem nenhum relacionamento amoroso, muitas mulheres
expressaram o desejo de encontrar um companheiro. Porém, enquanto algumas parecem
ter clareza do que procuram, outras dizem-se confusas e aturdidas, percebendo-se neste
momento de vida, surpreendentemente sem saber pra que tipo de homem olhar, que homem
desejar. Ao lado disto, a dificuldade em conseguir parceiros da mesma faixa etária, pois
muitas relatam perceber que uma característica marcante dos homens de sua idade é
procurar mulheres bem mais jovens, aliada muitas vezes à falta de interesse por homens
mais velhos, acaba dificultando bastante a possibilidade de encontrar um parceiro. Assim,
enquanto
várias mulheres
se descrevem abertas à um relacionamento,
outras não
acreditam mais nesta possibilidade. Além disto , fatores psicológicos individuais, tais
como experiências pessoais e familiares negativas em relação à envolvimentos amorosos,
148
têm também um papel importante, às vezes até impeditivo, na vivência de relacionamentos
amorosos, e nos relatos abaixo, aparecem em alguns depoimentos.
São 2 parceiros que eu tenho hoje , e não sinto nenhum pudor nisso, porque
são 2 pessoas que eu vejo muito eventualmente. Um mora num estado e outro no
outro, e eu, lamentavelmente prá eles, ou felizmente prá mim, gosto dos dois. Mas
são pessoas casadas, e eu não quero manter mais este tipo de relação. Hoje quero
um parceiro, um companheiro que esteja mais presente na minha vida... (Julia)
Pela experiência que eu tive, eu decidi que com cada pessoa a gente tem um
tipo de relação. Com um homem, você quer ser absolutamente monogâmica e fiel,
com outro você adora sair com mais um, fica mais gostoso. Eu tenho um caso com
um homem casado há 15 anos. Não estou mais a fim, mas a gente é tão amigo, já
faz tão parte da vida, que continuo nesta história um pouco por inércia. E tem a
Aids agora, eu não posso mais fazer o que eu fazia! Eu não posso mais me
encantar com um homem e levar ele pra minha casa por uma noite ou duas, ou ir
pra casa dele por um mês! Então o que acontece? Entra a camisinha! Mas aí é
perfil do brasileiro achar que a camisinha complica., né?
Eu me sinto numa fase de transição, meio que tateando. Eu me olho eu não
consigo me ver com a cara que eu tenho. Olho pra um homem da minha idade, e
acho ele velho, não consigo pensar uma relação com um homem desses! Então eu
tô um pouco perdida, sem saber onde pôr o desejo, não sei direito pra quem olhar.
E isso não quer dizer que eu olho pra um menininho de 20 anos e fico com vontade,
não fico mesmo .
Hoje eu queria ter um companheiro-amante. Uma relação com componente
sexual, intimidade física, carinho, afeto. Mas eu não quero conta de luz no meu
caminho, se você começar a ter que discutir conta de luz não dá certo. Eu quero um
cara como eu, que viva só, que tenha sua privacidade, sua profissão, sua vida, e
que a gente se encontre. (Norma)
149
Em relação à homens, esses meus últimos cinco anos foram muito difíceis.
Eu me separei com 31 anos, e na década dos 80 eu fiz de tudo, me pendurei no
lustre, fui pra Marte, fiz tudo o que quis. Realizei rigorosamente todas as minhas
fantasias sexuais! E aí veio a história da Aids, fiquei com um caso pendurado com
um cara casado que não ia nem vinha até que acabou por si mesmo, e aí não
arrumei outro. Então eu estou agora meio sem saber... A essa altura do
campeonato, eu tô a fim é de um caso de amor, porque sexo eu já tive o que eu
queria. Mas acontece que eu olho ao redor nos lugares onde eu estou, e eu não sei
que tipo de homem eu devo, ou quero procurar...( Lucia)
Já faz bastante tempo que eu não tenho ninguém. De marido já tive a minha
cota, e a idéia de um outro marido me arrepia de ponta a ponta . Já um namorado
eu gostaria de ter. Mas um homem de 60 anos não me apetece mesmo, eu realmente
não consigo sentir um mínimo de tesão por um homem mais velho. Me apeteceria
um homem no máximo da minha idade, e isso cria uma situação dificílima, porque
um homem de 50 anos está interessado hoje em mulheres de 30. E biológicamente,
se você pensar como bicho, parece muito coerente que o impulso seja em direção
à mulheres férteis. Já com homens mais novos ou da minha idade, até sinto, mas o
problema é que os homens que encontro em geral são maridos de amigas, então há
uma série de restrições sociais e você acaba pondo certos limites até para os
sentimentos. Então ... (Sonia)
Não tenho relacionamento amoroso com homem há dez anos. Eu nunca
mais prestei atenção se um homem olha pra mim. Eu tenho uma amiga que diz:
‘Puta que pariu, mas você nem olha! Pode ser, mas acho que o tempo pra mim já
passou...(Mariana)
Sinceramente casar eu nunca quis, prá mim sempre foi uma coisa
assustadora pelo modelo que tive em casa. O que eu gostaria é de ter um
companheiro, um parceiro, um grande amigo. Eu poderia até ser fiel sexualmente
se isso fosse necessário prá ele, mas a individualidade dele e a minha teriam que
150
estar garantidas o tempo todo. E eu não encontro esse homem. Os homens que eu
conheço, ou são homens casados que querem uma amante, ou que querem uma
mulher prá cuidar deles, fazer comida, supermercado, lavar roupa. Então, fico
sozinha. (Andréa)
Quando me separei, me deu um grande vazio. Num primeiro momento eu
pensei: “Preciso arrumar um namorado.” Depois eu achei que eu poderia me
envolver com uma relação onde iria me magoar mais. Pessoas tentavam se
aproximar de mim, mas eu fiquei defendida, meia fria nesse sentido. Quando eu
percebo que vai existir um envolvimento eu corto, pulo fora . Mas tenho vontade de
encontrar um companheiro que além de carinhoso e bom de cama
não seja
irresponsável, porque de Vadinho [personagem do filme Dona Flor e Seus Dois
Maridos] na minha vida, chega. (Elisa)
Tenho a impressão que a minha solteirice, já nasceu comigo.. Desde o meu
primeiro namorado foi sempre uma coisa complicada. Eu namorei vários homens,
transei muito, e nos anos 70 eu me apaixonei perdidamente por uma mulher. Nunca
tinha acontecido, e eu praticamente casei com ela. Hoje eu não procuro o
casamento, o que quero mesmo é ter uma pessoa pra estar junto, porque sempre
tive medo de uma ligação afetiva e emocional mais permanente. Mas o problema é
que os homens da nossa idade estão casados. Os bons estão casados. (Fernanda)
Tive muitos namoros desde que me separei. Faz um ano que estou sem
ninguém, e não tenho sentido falta. Não tenho mais ilusão de achar o príncipe
encantado. Esse companheiro idealizado que nós queremos, não existe.
Companheiro que te ouve, que te dá ombrinho? Eu sou muito prática, muito
objetiva, já procurei muito. Ele quer mais é falar que é forte e que você pegue ele
no colo. Eu já tive horror a ter um homem que é meio filhão, mas hoje: “Ah, você
tem essas carências?” Se ele for legal, eu até pego no colo. O que eu quero hoje de
um homem é assim: não precisa ser bonito, não precisa ser charmoso, não precisa
ser jovem, mas tem que ser sincero, saber levar a vida com bom humor, e não ficar
151
mentindo e inventando. São essas as coisas que eu preciso. Agora, se for um pouco
frágil, medroso, cheio de dúvidas, que precise da minha intuição, da minha
experiência, é uma coisa que hoje eu aceito. Não me importo que eu seja mais forte
emocionalmente. O problema é que os homem de cinqüenta anos não querem uma
mulher de cinqüenta anos. Eles estão se relacionando com mulheres de uma faixa
muito menor que a nossa, trinta, trinta e cinco, ou até menos . Eu levo um pouco de
vantagem por ser muito alegre, brincalhona, me visto de forma jovem, sou miúda,
não aparento. Mas quando digo a idade que tenho, eles se retraem. E os homens
na faixa de sessenta, já estão com problema de próstata, gente, um em cada três! E
pra ser enfermeira do cidadão não dá , né ?
Acho que hoje tenho abertura para um relacionamento maduro. Antes não
estava pronta para isso, tanto é que de todos os homens que passaram por mim não
fiquei com nenhum, eu os espantei com a minha imaturidade, com minhas
necessidades. Eles
vinham
ao encontro de uma mulher sedutora, e quando
começava o ‘vamos ver’ mesmo, aparecia uma menininha chorosa. Hoje, depois de
muito trabalho em terapia, eu sinto que não vou espantar um homem legal, que a
minha parte está feita. Porém, levando em conta o número reduzido de homens
disponíveis para mulheres da nossa idade, não sei se existe a possibilidade desse
encontro. As chances hoje são muito menores, cada vez menores para nós, mulheres
de mais idade. ( Tereza)
FILHOS
Mulheres Que Tiveram Filhos
Para as mulheres que participaram da pesquisa e que são mães, a relação com os
filhos é básica em suas vidas e parte orgânica de suas identidades. No entanto, se neste
período esta relação tem uma presença afetiva importante para a mulher, no sentido de
encontrar nos filhos um continente afetivamente seguro, gratificante e estimulador, a
mulher está em um período muitas vezes delicado, em que sua disponibilidade interna
para o outro não é mais a mesma do que há 20, 30 anos atrás. Além disto, para algumas
mulheres este período de passagem vem paralelo à um outro, a adolescência dos filhos,
152
que com todos os conflitos típicos de adolescência, a pegam justamente em uma fase de
transformações nem sempre agradáveis e fáceis de se lidar. Já para outras, este período
vem paralelo ao período de maioridade, independência, e o sair de casa dos filhos, o que
sem dúvida traz modificações significativas no relacionamento com os pais. E em relação à
isto, houveram relatos de sentimentos tanto de perda e dor, como também de um certo
alívio e tranqüilidade.
As mulheres que participaram desta pesquisa e são mães, têm filhos em idades
distintas (como se pode ver em “Descrição das Participantes”), e além disso convivem com
os filhos de formas diversas, já que algumas vivem com um companheiro enquanto outras
são viúvas ou separadas. Assim, ao falar de filhos, abordaram aspectos distintos de sua
vivência materna, e seus depoimentos de certa forma refletem tanto a diversidade de suas
experiências, como os aspectos desta vivência que lhes estavam sendo mais relevantes por
ocasião da pesquisa:
A Relação Com os Filhos
O amor que eu tenho pelos filhos é muito forte. Eu tenho muitas amigas que
não têm filhos, e eu acho que elas estão perdendo muita coisa. Mesmo as brigas e
os sofrimentos que os filhos trazem pra gente é uma coisa muito boa. É a melhor
parte de mim, ser mãe pra mim, é uma coisa muito rica. E nós temos uma coisa de
ser muito amigos, uma relação de amor muito grande. Mas eu já cheguei a ponto
de dizer “Cata as tuas coisas e vai uns tempos na casa do teu pai que eu quero
ficar um pouco longe de você.” Nós expressamos muito o que uma incomoda a
outra, e isso é muito legal. (Tereza)
Eu tenho uma relação de proximidade, de amizade, muito legal com as
minhas duas filhas, tem uma coisa de amor muito mais gostosa do que eu tive com
a minha mãe. (Miriam)
Adoro as minhas filhas, ser mãe é uma coisa muito importante na minha
vida, sou com elas a mãe que eu gostaria de ter tido. Me delicio com elas, somos
muito amigas, elas são bárbaras, mas também me irrito e me desespero com elas.
153
Tenho amigas que não tiveram filhos que dizem que tem horas em que elas têm
inveja de mim, mas tem horas em que eu também tenho inveja delas ! Acho que tô
numa idade em que estar sempre cuidando do outro fica mais difícil, que quero
receber também, e minhas filhas não tão muito aí pra dar ou cuidar. Se quero um
tempo pra poder estudar, não adianta, se elas estão em casa, enquanto elas estão
acordadas, não dá! Então isso em mim acaba às vezes sendo um pouco ambíguo :
adoro a intimidade com elas, mas às vezes elas são um saco, me requisitam
demais. Elas tomam muito espaço! Não vejo a hora delas crescerem pra eu pegar
tênis e mochila e sair por aí! (Nira)
Eu não quero mais ficar tão preocupada com filho. Acho que tá relacionado
com menopausa ser o fim da fertilidade, porque eu estou sentindo que acabou
minha fertilidade pra filho, e não só no sentido concreto. Minha filha mais nova
no fim de semana faz a malinha, vai pra casa do namorado, e eu fico muito bem
com isso. Meu filho está muito independente, muito homem. Já a outra anda com
uns problemas sérios que me preocupa muito, que me pega na coisa de culpa, de
talvez não ter sido boa mãe, que realmente me derruba às vezes. E eu sinto que
estou querendo sair desse estilo de vida de “ser mãe,” estou querendo que eles vão
embora, pra ver se eu me acho. Sempre fui muito super mãe, acho que estou muito
fundida neles, então estou sentindo psicologicamente a necessidade de abrir mão
de pensar neles pra eu poder me perceber, porque eu não dou espaço pra mim.
Meu movimento agora é muito de dar um tempo pra mim e estar mais com o meu
marido, só eu e ele... (Rubia)
Acho que para uma mulher “do lar” como minha mãe, no que começa a ver
os filhos crescerem, a função acaba, fica um vazio. Mas pra mim, que sou uma
mulher super ativa profissionalmente, quando hoje meu filho fala “Ah mãe, eu vou
morar sozinho” ou “acho que vou casar”, é tranquilo, eu até encorajo.(Elisa)
Outro dia minha nora não estava bem e meu filho disse “vou pra casa
cuidar da família, ” e me dei conta que realmente a casa dele não é mais a minha,
154
que a família dele agora é outra. Claro que vou sempre ser a mãe dos meus filhos,
sei que eles me adoram e vão sempre gostar de mim, mas tem uma perda nessa
separação que pra mim está sendo muito dolorosa. E isso não foi uma coisa que
eu senti logo que ele casou, foi uma coisa que só fui perceber mesmo alguns anos
depois. Por outro lado adoro minha nora, fico super orgulhosa do meu filho ser
um bom marido e um bom pai., quer dizer , não tenho raiva nem ressentimento de
ninguém, só dor... (Mariana)
O que me tocou mais nesta época, foi o crescimento dos filhos... o fim da
maternidade, da minha função maternal, é uma coisa pra mim muito dolorosa.
(Chorando) a função maternal acabou, o fato de um filho ainda morar em casa não
altera isso... É a única perda que eu realmente sinto... (Sonia)
Minha filha quis ir passar um ano sozinha na Europa, e foi. E desde que ela
voltou, sinto que ela tá num movimento de se diferenciar da gente, vendo o que do
nosso jeito ela quer conservar pra ela, o que não, e por mais que eu ache isso super
legal pra ela, tem um aspecto que me é doído nisso... (Rosana)
Comparando gerações
Eu invejo na minha filha o poder mostrar o tesão, manifestar a sexualidade,
acho que ela conseguiu isso em um tempo muito mais curto do que eu. Ela se
permitiu experimentar o “ficar,” que era tudo o que eu queria, experimentar uma
transação sexual sem muitos comprometimentos, uma coisa de explorar a
sexualidade sem ter que ficar com o cara amanhã. Pra mim isso foi uma coisa
que limitou muito, e eu sinto que eles tão podendo experimentar isso sem ser
escondido, e até
com uma certa permissividade da gente. Eles contam das
galinhagens deles pra gente numa boa. Depois tem um momento em que eles
começam a querer resgatar o namoro, e aí é uma coisa inteira, de companheiro, de
querer estar experimentando até uma coisa de ficar junto, de casamento. E eu acho
bárbaro que eles estejam tendo a possibilidade de estar experimentando essas
155
coisas antes de qualquer definição mais existencial. Nisso minha filha tá muito mais
na frente do que eu, e às vezes eu tenho inveja, e me realizo com ela.
Por outro lado, eu sinto que eu tive que lutar muito pra quebrar coisas que
minha filha não precisou quebrar, e eu não sinto por parte dela o movimento de
romper, de contestar que a gente tinha , porque tá tudo fácil demais , disponível
demais , então tem momentos que eu sinto que eles se acomodam muito e ficam
passivos diante de enfrentamentos. Às vezes penso: “será que a gente não tá
facilitando demais?” Mas fui descobrindo que os desafios deles são outros. Quando
ela enfrenta o vestibular, conflitos em relações vinculares mais profundas, eu vejo
que ela tem causa sim, e vislumbro uma outra guerreira. E aí fico me perguntando:
“Será que eu não quero que eles sejam os espelhos dos guerreiros que a gente
precisou ser? Pode ser que tenham um outro caminho...”, e isso me faz refletir
também no que a gente perdeu tendo que ser tão guerreira assim” (Marcia)
Eu não queria casar, sempre achei que papel não adiantava nada, isso foi
a última concessão que eu fiz pra minha família.
Então eu tava preparada pros
meus filhos terem vida sexual com vários parceiros, escolher, e daí se juntar. Aí a
minha primeira filha quis casar com todas as pompas, véu, grinalda e igreja! Pra
mim foi uma coisa terrível! Eu tive que trabalhar muito na terapia pra aceitar que
aquele era o sonho dela, porque eu tava puta, achava aquilo um horror. Então acho
que ela é mais quadrada, mais burguêsa, mais família do que eu. Por outro lado a
minha segunda filha é muito parecida comigo, fica muito na coisa do ficar, do
transar, acha ótimo. Mas, pras duas a fidelidade é vital. Quando namoram não tem
ficar, experimentar, flertar, não tem nada, porque elas são “fiéis! ” (Inês)
As minhas filhas são minha cópia carbono. As duas são guerreiras,
terrivelmente guerreiras, e têm um equilíbrio que eu invejo. Nisso eu fui o modelo
de vida pra elas. Mas essa coisa da fidelidade chega a me irritar, elas não traem de
jeito nenhum ! E olha que desde pequenas a gente conversou a respeito de sexo, de
transa assim, assado, de ficar, de tudo o que se possa imaginar... (Paula)
156
Eu sinto essa coisa de guerreira , que foi uma coisa muito da nossa
geração, muito forte na minha filha. Sinto nela uma energia muito parecida com a
minha na busca de coisas. Mas eu sinto que ela quer comer tudo, todos os pratos,
porque pra ela tem um leque muito grande de possibilidades disponíveis! Então eu
acho que ao contrário da gente, o grande desafio pra ela é discriminar a escolha.
(Rosana)
Mulheres Que Não Tiveram Filhos
Mulheres Que Desejaram Tê-los
A questão da maternidade para mulheres que não estão vivendo com um
companheiro é uma questão delicada, em função da existência ou não de um homem com
quem se queira ter um filho e que esteja disponível para isso, ou, em caso contrário, de
uma resolução interna pela opção de adotar uma criança, ou de ter um filho sozinha, como
produção independente. E a estas questões, somam-se evidentemente fatores como idade,
saúde, forma de vida e
condições financeiras. Assim,
para as que não são mães e
desejaram sê-lo, o término do projeto de ter filhos e da própria esperança de vir à tê-los,
geralmente vem até um pouco antes do término da possibilidade biológica de tê-los. E neste
ponto, se para algumas esta porta se fecha de forma razoavelmente tranqüila, podendo até
reconhecer e tirar proveito da liberdade que o não ter que cuidar de filhos traz, para outras
ela se fecha com dor. Dor pela vivência da maternidade não realizada, pela vivência de um
aspecto do humano que não foi possível experienciar.
Menopausa é um marco que sinaliza pra quem nunca teve filhos, a
impossibilidade de tê-los, e isto traz uma certa amargura... (Léa)
Não ter filhos foi frustrante. Eu já chorei muito por isso, trabalhei muito em
terapia esse problema de mãe com o filho que não pari. Me casei com perspectiva
de filho, marido, aquela coisa toda pra qual a gente foi criada. Mas não tive, nunca
engravidei. Fiz todos os exames e nunca acharam nada de errado comigo. Meu
157
marido sempre ser recusou a fazer qualquer tipo de exame. Depois da gente se
separar, produção independente eu nunca quis, e com os namorados que eu tive,
nunca encontrei um parceiro com quem eu tivesse uma convivência intensa e
contínua que me permitisse perceber se eu podia ou não engravidar. (Julia)
Ter filho ou não é uma história muito diferente pras mulheres sozinhas. A
decisão final: “bom, não tive até agora, ultima escolha: vou ter ou não vou ter?”,
foi há anos atrás pra mim, porque com mais de 40 anos eu já não ia ter mais filho,
mesmo não estando ainda na menopausa. Eu sou de uma família de seis irmãos,
sempre cuidei dos pequenos, sempre gostei muito de crianças. Então, eu sempre
achei que eu ia ter filhos, era algo que seria natural pra mim. Por outro lado,
quando eu fiquei adulta, eu tinha cá comigo que eu não ia casar, porque tinha um
outro lado meu que queria ser independente, eram dois lados meus que conviviam.
Aí me casei, mas meu marido não estava a fim de ter filho. E como eu usava DIU,
não dava pra ter filho por acaso, não dava pra “esquecer” de tomar pílula. Uma
colega minha me disse uma vez: “Você não teve filho porque não quis. Se você
tivesse querido mesmo, você tinha retirado o DIU, engravidava, e dava a notícia”.
Mas não estava em mim fazer isso, eu queria ter filho com pai. Eu me lembro que
ele me dizia: “ Se você quiser muito ter filho, tenha, mas você cuida, eu não vou
querer nem saber!” E assim eu não queria. Não sei se era falta de vontade ou de
estrutura, alguma coisa faltou. O fato é que desse jeito eu não topei. Acho que tem
a coisa simbólica de filho ser uma coisa feita a dois, que você quer e o outro
também quer. Eu queria ter um filho assim, não queria ter um filho só meu pra eu
cuidar. É meio como se eu me masturbasse... então eu não tive.
Depois eu me separei e nunca mais tive nenhuma outra relação que levasse
ao casamento. Os homens por quem eu me interessei, me apaixonei, e tive casos,
não eram homens casáveis. Eu sempre quis homens que alargassem a minha
experiência de vida, com quem eu sentisse coisas novas, homens com quem eu
crescesse... e não calhou que aparecesse na minha frente algum homem assim que
também fosse casável. Tive uma vez vontade de ter filho com um cara com quem eu
tive um caso longo. Perguntei à ele: Você toparia ter um filho comigo?” Mas ele
158
não quis. E produção independente eu não queria, já não tinha querido com meu
marido. Acho muito complicado, e inclusive caro, sem pai é uma puta
responsabilidade, não é uma coisa que eu acho que dá certo. A hora de eu ter tido
um filho teria quando eu estava casada. Se eu tivesse tirado o DIU , bancado a
aposta e esperado pra ver que bicho ia dar. Mas isso eu não quis fazer na época, e
também não tenho clareza de que se eu fosse fazer de novo, eu faria diferente. Se eu
vivesse em outra circunstância, tivesse conhecido outras pessoas, tivesse... aí sei
lá! Agora, se fossem as mesmas circunstâncias e eu igualzinha, provavelmente eu
teria feito a mesma coisa, porque eu não teria condição de fazer diferente.
Mas eu gostaria de ter tido filho sim, acho que é uma das dores que eu
tenho. Essa experiência ficou por explorar... e o que eu acho chato é que eu vou
morrer sem saber o que é isso. Eu penso às vezes em adotar uma criança, mas as
escolhas que eu fiz pra minha vida me dão uma renda muito pequena, não ia dar
pra bancar.
Agora, eu me permito um grau de liberdade a que eu acho que eu faço jus,
porque eu não tenho filho, não tenho família. Eu arco com as dores de não ter isso
mas também tenho os prazeres, porque se eu arcar só com as dores eu sou uma
idiota, não é ? ( Lucia)
Eu tinha uma decisão que não queria ter filho. Porque eu queria estudar, e
também porque eu queria derrubar a ditadura, e como teve caso de levaram bebê
pra torturar , eu pensei: “eu não vou ter filho, não vou expor uma criança a isso.”
O meu ex-marido queria que queria, mas eu não quis. Tempos depois, eu tive um
caso com um aluno bem mais novo do que eu. E pela primeira vez na minha vida
eu tive vontade de ter filho com ele. Tirei o DIU, programamos tudo pra eu ficar
grávida de forma a emendar com as férias da Universidade , estava tudo certinho.
Mas fui demitida, ao mesmo tempo a mãe dele que era quase da minha idade
bombardeou, o cara não suportou , e a nossa relação acabou indo pro brejo.
Houve uma outra ocasião em que pensei em ter um filho. Eu tenho um caso há 15
anos com um cara casado, e teve um momento em que eu fiquei grávida. Isso há
11 anos, eu estava com 36, e eu achava que era dele. Cheguei a conversar com ele
159
e ele disse que assumiria, que não tinha nada a ver com a gente morar junto, mas
que ele seria o pai. Mas refazendo as contas, vi que não era dele e tirei. E
engravidar dele propositalmente eu não quis, porque ele não queria e eu não ia
forçar ninguém a ter filho. Então foram os dois únicos momentos da minha vida em
que eu realmente tive vontade de ter filho.
Hoje eu não quero. Há momentos, por exemplo, quando meu pai morreu,
que eu senti um vazio enorme, e pensei que se eu tivesse um filho eu teria um colo...
Então eu diria o seguinte: eu não me arrependo do que eu fiz. Não sofro: “Ai se eu
tivesse filho! Eu preciso ter um filho!” Tenho amigas que não sossegaram enquanto
não tiveram um filho, em termos de se sentir mulher e tal. Crise deste tipo eu não
tive. Agora, olhando pra trás eu teria filho se eu pudesse refazer a história da
minha vida. Mas não a ponto de adotar uma criança hoje. Então, a passagem da
menopausa não me pegou por aí... (Norma)
Mulheres Que Não Desejaram Tê-los
Por outro lado, há mulheres que relatam nunca ter realmente desejado ter filhos. E
para estas, o término da possibilidade de ser mãe, não acarreta perda ou frustração :
Eu nunca pensei em ter filho com homem algum a não ser naquele momento
do grande amor, depois daquela trepada, daquela puta paixão... ‘Ai, eu queria
tanto ter um filhinho de você aqui na barriga’. Mas assim: acabou, levantei pra ir
buscar água, esqueci! Não tenho vontade, nunca tive... (Fernanda)
Em relação à possibilidade de gerar um filho,
não senti o deixar de
menstruar como perda, porque eu nunca tive vontade de ser mãe , de engravidar.
Eu nunca me senti muito equilibrada prá ser uma boa mãe. Acho que eu cairia no
amor sem limite, nessa coisa de se apoderar do ser e sufocar. E também sempre
teve o problema da figura masculina, porque eu não queria casar. Então prá mim
filho já teria que começar como produção independente, já pesado, ônus demais
para mim. Por outro lado, ao contrário da maioria das mulheres da minha idade
que casou e teve filhos, eu me sinto muito solta prá fazer qualquer coisa. Eu posso
160
ter o exercício dessa liberdade o quanto eu quiser, em qualquer lugar do planeta, e
gosto disso. (Andréa)
AVALIANDO
MUDANÇAS
O
VIVIDO:
Percebendo Transformações
PERDAS,
GANHOS,
E
OUTRAS
161
Parando para Balanço
Comum à todas as mulheres que participaram desta pesquisa neste período de vida,
é a experiência de um certo balanço dos caminhos percorridos; do que foi realizado, do que
não foi, das chances que foram aproveitadas ou não, do que se aprendeu, dos sonhos que
tornaram-se ou não realidade ou que deixaram de ser sonhos e foram esquecidos. Junto à
isso, ao lado de todas as experiências e mudanças já abordadas anteriormente, emerge
também um pensar nas escolhas por vir, um considerar das possibilidades e desejos de
enveredar por novos caminhos e tomar novos rumos. Um pensar sobre o que
verdadeiramente se quer e o que não se quer preservar. Enfim, um olhar avaliativo do que
ficou para trás, de onde se está, e também de como e para onde se quer seguir. Quem sou eu
hoje, o que vivi, o que deixei de viver, onde estou, para onde quero ir, com o que quero me
comprometer, são perguntas que tiveram forte presença nos relatos das participantes, e que
caracterizam este momento e vida. Abaixo alguns relatos que descrevem este processo:
Esta é uma idade onde a gente repensa a vida, pensa no que fez, no que não
fez, no que pode ainda vir a fazer, quer dizer, faz uma garimpagem e tira o que é
realmente essencial. Eu me sinto profundamente adolescente neste momento da
minha vida. E é curioso como ás vezes me vêm fragmentos de sensações corporais
e de imagens do tempo de adolescente, como se eu estivesse voltando no tempo.
Talvez porque nesse momento da minha vida também está presente uma certa
adolescência, no sentido de um brotar, um surgir de algo novo. (Stela)
No meu aniversário de 41 anos que eu não quis conversar com ninguém, eu
queria aquele espaço pra mim. Eu passei o fim de semana inteiro ouvindo músicas
do passado, resgatando todos os meus desejos, todas as minhas vontades de mulher
que não realizei, todos os amores recalcados, eu vivi isso profundamente , foi um
negócio muito significativo. E saí disso encarando esse momento. (Marcia)
Estou num momento em que me sinto em uma reflexão muito funda: “ Que
sonhos foram esses dos meus vinte anos? O que é que eu realizei? O que que eu não
162
realizei? O que valeu a pena? O que não valeu a pena?” É uma época de balanço,
e tá uma coisa fortíssima viver isso. Por outro lado, eu me sinto refletindo também
“Que é que eu quero prós próximos 20 anos? Que mulher eu quero ser aos 65? E
olhando pra minha mãe, me pergunto também: o que eu quero e o que eu não quero
que a minha mãe tem?”
Em relação ao casamento me pega um pouco pensar que eu não tive
experiências com outros homens. Fui criada numa família que freqüentava igreja
protestante, eu tinha aquelas regras, tal, mas isso era muito meu também. Se tinha
um namorado, era aquele namorado. Comecei a namorar com meu atual marido
aos 16 anos, e casei virgem. A nossa vida sexual foi uma coisa muito legal de
aprendizagem, de troca, mas eu vivi isto com um homem só. E de certa forma isso
pesa pra mim atualmente. Porque todo mundo casou, descasou, teve trocentos
homens, e eu tive um. Então fazendo um balanço da minha vida 25 anos com um
homem só, penso : Será que eu quero mais 25 anos pela frente? E me incomoda por
aí, quer dizer, conquistei um lado super arrojado no trabalho, e me faltou coragem
nesse outro lado. E pensar que eu como mulher joguei a vida numa cartada só, me
faz mal... (Elaine)
A chegada da menopausa é um momento que traz muitas reformas a nível
corporal, e vem junto com um momento em que você começa a se preocupar com o
que é que você fez, o que valeu a pena, o que não valeu a pena, o que é que ainda
pode ser feito, é uma reflexão em que você fica muito agudamente consciente de
que você está na sua etapa mais madura de vida... Tenho sentido necessidade de
descobrir caminhos novos, tem umas coisas velhas que eu tô querendo jogar fora,
como quando você tá fazendo uma limpeza: algumas coisas você quer conservar,
outras você vê que é um velho que não serve mais, que só amarrou, e quer jogar
fora. (Rosana)
A minha vida basicamente foi muito pautada em muito trabalho. Hoje estou
refletindo muito sobre isso, sentindo que deixei de fazer muitas coisas. Sinto que
163
esqueci muito de mim, que não prestei muita atenção nas coisas que estavam
acontecendo comigo...(Ana)
Tenho feito muito um balanço da minha vida nos últimos anos, pensado que
a minha vida correu por um caminho completamente diferente do que eu imaginava
que fosse. Porque não era pra ser assim, eu para eu ser uma mulher, com uma
família, bem sucedida profissionalmente, com uma casa não sei o quê, com um
marido não sei o que lá, e não essa pessoa turbulenta, atrapalhada. Eu investi na
minha vida pessoal um tempo inacreditável, eu não conheço ninguém que tenha
investido tanto tempo fazendo análise, pensando na vida e tal. Eu banquei pra mim
mesma um tempo que eu sei que por outros critérios meus mesmos deveriam ser
pra outras coisas. Trabalhei anos pra viabilizar o meu próprio interior pra poder
me haver com a vida de uma maneira razoável nas frentes que eu tenho .
Provavelmente muitas pessoas diriam, “você perdeu um tempo louco!” Mas o que
as pessoas vêem dentro da gente? As pessoas me conhecem profissionalmente, lêem
os artigos que eu escrevo, me vêem em congressos, assistem cursos que eu dou,
participam de reuniões em que eu vou, mas isso é só um lado de mim... (Lucia)
Considerando o Envelhecer
Acompanhando este balanço de vida, um outro fator mencionado por várias
mulheres é a consideração do envelhecer, do perceber-se envelhecer, que marcadamente se
diferencia da sensação de imortalidade e onipotência da juventude. Algumas mulheres
relataram inclusive estar percebendo em si um novo olhar, uma atenção curiosa e
interessada em relação às pessoas mais velhas. Os depoimentos abaixo são exemplos:
Aos 49 anos tive sérios problemas devidos a fortes hemorragias. Isso foi
uma mudança muito forte pra mim, porque para uma pessoa revolucionária, para
uma feminista, envelhecimento não existe. Se você tem idéias revolucionárias,
sente que tem que construir todo um mundo novo, está sempre disposta a enfrentar
164
tudo, a questionar, subverter a ordem, isso é o anti-envelhecimento, entendeu?
Então perceber isso foi muito forte. (Maria Amélia)
Tem uma coisa do velho com a qual começo a dialogar, porque me vejo
mais próxima disto. Me pego pensando: Qual é a velha que eu quero ser? E de
repente eu tô muito ligada na minha avó, é uma coisa louca este resgate da avó!
Ultimamente eu vejo a minha avó sabe como? No espelho! Eu me olho, faço careta,
franzo o rosto e me vejo com noventa e poucos anos, como ela. E eu não me
projeto só fisicamente, eu me projeto inteira mesmo. Aliás, tem uma particularidade
que quero contar. Há una 10 anos atrás, a minha mãe entrou de repente no quarto
dela e pegou a minha avó se masturbando. Com oitenta e poucos anos, entendeu ?
Quer dizer, tá lá o tesão, né? Ela tava viva, super viva! E eu acho que também vou
estar! (Paula)
Eu tenho me percebido preocupada com o tempo que me resta, com o que é
que eu vou fazer, porque eu não tenho mais o tempo todo do mundo... Sinto que
preciso aproveitar os meus anos e planejar pra quando não tiver mais vontade de
trabalhar tanto. E me encontro pensando como minha mãe deve se sentir aos
setenta e tantos anos. Se eu me sinto às vezes sem vontade, como é que eu me
sentirei quando tiver a idade dela? Então tenho me percebido mais observadora do
que ela faz, do que é que a motiva, pensando em quais serão as minhas motivações
quando eu tiver a idade dela. Porque hoje eu tenho como motivação os meus filhos,
coisas que eu gostaria de ver, mas de repente daqui a 20 anos isso não será mais
motivação para mim. Tenho me percebido pensando muito neste tipo de coisa...
(Cecília)
Mudando o jeito de ser
Também acompanhando este balanço de vida, algumas mulheres relatam estar
vivendo uma transformação marcante no jeito de ser. Umas mais intencionalmente, em uma
busca por maior autenticidade, mais satisfação, e por dar espaço à aspectos seus antes
165
pouco desenvolvidos; outras por sentir mudar a qualidade de sua energia, de seus interesses
e motivações :
De repente parei pra pensar se fico no que eu estava fazendo ou se mudo.
Estou selecionando muito mais no que quero me envolver, deixando de fazer
algumas coisas, talvez até porque eu esteja mais cansada às vezes, mas tenho
procurado fazer coisas nas quais eu sinto que posso contribuir verdadeiramente e
de um jeito que me seja mais satisfatório...(Frida)
Estou sendo seletiva. Eu estou procurando fazer só as coisas que me dão
prazer, as coisas que eu gosto de fazer. Inclusive viver as emoções, coisa que eu
não me permitia porque eu sempre fui muito racional. Quero poder ir ao teatro ou
ao cinema à hora que eu quiser, pesquisar o que eu quiser, viajar prá onde eu
quiser, viver a minha sexualidade como e com quem eu quiser. E abri mão da
segurança pra isso. Por isso eu digo que parece que eu sou uma adolescente
agora. (Julia)
A minha vida inteira eu cuidei dos outros, nunca cuidei de mim. E agora eu
presto atenção em mim. Faço força, nem sempre consigo, mas fico muito atenta em
não fazer coisas que não quero. Às vezes escapa, eu faço, e fico muito brava. E isso
é uma coisa nova. Hoje eu consigo dizer não, até para os meus filhos. (Elisa)
Sinto que eu estou mais reflexiva, que tenho hoje uma energia diferente, uma
energia para buscar mais a paz. Eu não quero mais “mudar,” eu quero “aproveitar
as conquistas.” E isso está mexendo profundamente comigo. Pra mim, entrar na
menopausa significa sossegar o fogo. E não acho isso ruim, eu não estou querendo
mais essa energia intensa, batalhadora, que eu tive a minha vida inteira. Eu tenho
mudado muito em termos de personalidade, tô querendo uma coisa mais serena.
Antigamente eu era uma mulher que tinha que sair de noite, fim-de-semana,
passear, fazer, era eu não fazer isso que você ia me ver de mau humor. A minha
vida era um agito no sentido de programas, viagens, e tal. Agora não, se eu tiver
166
que ficar em casa, eu fico numa boa, fico legal. Continuo adorando sair pra
dançar, comer fora, viajar, eu tenho uma casa na praia, que a gente vai muito, e eu
adoro ir. Mas é uma coisa mais serena. Eu quero curtir meu marido, minha relação
amorosa, ficar no meu canto na praia, nadar e olhar o mar, serenamente...(Rubia)
Eu estou mais cuidadosa. Aos trinta e cinco anos tive meus últimos lances de
“porraloquisse,” peguei um avião e fui passar um mês sozinha na Europa. Sem
nenhum projeto, sem nenhuma reserva, sem hotel, sem plano, sem nada! E isso
sempre foi um traço meu. Pra me mudar de universidade, de cidade, de amigos, não
precisava de muita coisa, não ficava três anos pensando, em um mês eu decidia
que ia e ia! Hoje eu não faria isso de jeito nenhum, não me lanço mais nas coisas
como me lançava. Porque eu não sou mais só eu, sou eu e a minha história, com
pessoas, obrigações, o fato de você ter um passado é uma coisa impressionante.
(Sonia)
Abrindo mais espaço para o Feminino
Uma outra mudança que se evidenciou em vários relatos, é o estar abrindo espaço
para os aspectos mais femininos, receptivos, delicados e suaves de si. A geração de
mulheres que participou ativamente dos movimentos políticos dos anos 60 e 70, se
caracterizou de certa forma por
ser uma geração de
guerreiras. Reivindicando,
contestando, desafiando, ousando experimentar novos comportamentos. O clima da época,
especialmente nos países onde houve ditadura militar, trouxe um endurecer pra quem
militava politicamente, e além disto, o movimento feminista nos vários países onde se
espraiou, fomentou inicialmente nas mulheres, uma postura belicosa no contestar as
desigualdades de gênero, o que posteriormente,
se modificou no próprio movimento
feminista, como se lê por exemplo em Friedan (1981) A Segunda Etapa. Assim, várias
destas mulheres, estão somente hoje se permitindo deixar emergir certos aspectos do seu
feminino.
167
Eu sempre tive uma vida de muito trabalho, comecei a trabalhar aos 13
anos. E além disso, pra participar tanto no movimento feminista quanto na luta
contra a ditadura, tinha que ser muito guerreira.
Então pra mim hoje,
é
desmanchar o homem que eu precisei ser. De uns 7 anos pra cá, na verdade, eu tô
tentando achar a mulher em mim, resgatar a feminilidade, a suavidade... (Sandra)
Nos anos 60 e 70, a mulher tinha uma ambiguidade muito grande como
mulher. Ser feminina era ser burguesa, precisava ser guerreiro, precisava ser
muito macho pra mudar o mundo.
Não podia usar maquiagem, roupa sensual,
sapato alto. Tinha que ser estilo guerrilheira! Eu deixei de tocar piano, e eu
adorava tocar piano, deixei de dançar, porque isso tudo era tido como coisa
burguesa. Acho que se por um lado nos tornamos muito guerreiras naquela época,
por outro houve um entrave da mulher não-guerreira, que é um outro tipo de
heroína, heroína do ponto de vista do acolher, do afeto, da sensualidade, do corpo - da não-ação.
Acho que durante muito tempo isso continuou na gente
internamente, e exigiu muito trabalho pessoal pra resgatar esse feminino que
tivemos que negar. (Marcia)
Com tudo aquilo que a gente viveu, sinto às vezes que endureci muito. Tanto
que agora que estou me sentindo nesta passagem de idade, estou com uma proposta
de não ficar mais lutando tanto, chega. Tenho muita vontade de viver o meu lado
mais feminino, mais meigo, que não tinha muito lugar na guerreira contestadora.
Acho que eu fui muito com o masculino na minha coisa de batalhadora. Em casa
meu marido é que era o doce, o que brincava com as crianças; já eu era a que
educava, a que tinha que dizer “isso não pode”, porque mesmo que ele estivesse do
lado ele não abria a boca. Então hoje, às vezes eu falo para o meu marido: “Ah,
toma conta das coisas, toma conta de mim, vá?” E ele dá risada e fala: “Poxa,
você mudou, hem? Agora você vem me dizer que você quer um machão? Sinto
muito, mas eu não sou.” Então nós vamos ter que achar um meio termo... (Rubia)
168
A minha sensação é que eu virei homem pra poder enfrentar, os 18, 20
anos, na hora em que quis entrar na universidade, e resolvi ser independente,
autônoma, ter uma profissão e vencer na vida. E mais ainda depois, quando quis
ser de esquerda, militante, não sei o quê, transformar o mundo . Porque pra isso
você tinha que virar homem, no papel feminino que eu conhecia não cabia isso,
não tinha instrumentos pra fazer isso. O único modelo que a gente tinha era o
modelo masculino, muito patriarcal, muito autoritário e cruel. E eu percebo que
por um modelo masculino adotado muito rígido, eu fui cruel comigo mesma em
termos de repressão, de autoridade, de muita recriminação em relação à minha
fragilidade, meus defeitos, minhas dificuldades. Pra enfrentar meu pai, a família, eu
tive que assumir o guerreiro porque é uma guerra masculina, você briga no
campo masculino! E nos lugares em que fui trabalhar como socióloga, só tinha
homem! Então hoje eu tô procurando recuperar o meu feminino e tentando mudar
o masculino briguento em mim. Trabalho num ambiente predominantemente
masculino, e me permito fazer gracinha, me permito até ser sedutora, mas
escrachadamente, todo mundo vendo, sedução não como arma de poder, mas como
graça feminina. Hoje a minha relação de trabalho é muito agradável com os
homens, eu chego, faço questão de dar beijinho em todo mundo,
e eles também
cobram o meu beijinho. Tem um certo modo de relação que é muito afável ,
afetivo, onde fica muito presente que somos homens e mulheres, e que convivemos
profissionalmente continuando a ser homens e mulheres.. No entanto, apesar dessa
mudança, só o fato de ser uma profissional bem sucedida já assusta muito os
homens. Aquilo que é uma qualidade nossa, muitas vezes vira obstáculo à
convivência com um parceiro... (Lucia)
Percebendo Perdas
A perda do que foi vivido
Este é um tema que já apareceu anteriormente, nas vários partes deste trabalho que
tratam das mudanças percebidas nesta passagem : mudanças físicas, mudanças sexuais,
169
mudanças psico-sociais, etc. Selecionei aqui no entanto, dois depoimentos que falam de
sensações de perda diferentes. A primeira, da sensação do menstruar, vivida por uma das
mulheres como uma experiência prazerosa; a segunda, a de um modo de ser, vem junto
com uma certa saudade por um tempo vivido como muito especial:
Eu sempre gostei muito de ficar menstruada, pra mim sempre foi um prazer.
Talvez até porque eu nunca tive cólica, tensões pré-menstruais, sempre foi uma
coisa de sentir aquele alívio , de me sentir viva, de me sentir mulher. E pra mim eu
acho que vai ser meio complicado não ter mais aquela sensação... (Silvia)
Sinto a perda da juventude, daquele corpinho bonitinho, daquela graça, isso
não é nada fácil. Mas além disso, sinto saudade da Rubia rebelde, que se metia em
tudo, que contestava tudo, eu adorava ser assim! Acho que a rebeldia foi uma
característica muito grande na minha vida. Eu incomodei muita gente com a minha
rebeldia, com os meus gritos, minhas falações. Às vezes, as pessoas me dizem:
“nossa, não fica brava,” e eu não estou brava, é que eu tenho um jeito apaixonado
de falar, eu me empolgo, ou então eu fico arrasada, nada é no meio termo. E
ultimamente eu me percebo ficando mais quieta, mais madura, sabendo até
equilibrar melhor a minha emoção, mas sinto falta da menina que eu fui... Isso tem
vindo junto com uma certa nostalgia, porque eu tenho filhos jovens entrando na
idade adulta, e o que eles estão vivendo, é tão diferente do momento que eu vivi! A
gente tinha tanto ideal, tinha tanta coisa para lutar, tanta coisa para fazer, para
ler, para entender e trocar... Eu realmente acho que a gente tinha um mundo muito
mais amplo do que eu vejo que meus filhos tem agora. Então quando eu vejo na
moda, na música, “a volta dos anos sessenta, dos anos setenta” eu fico
profundamente irritada. Não tem nada a ver! A gente tinha “outra” cabeça para
usar aquelas roupas, aqueles coletes, tudo tinha um sentido! Eu penso “aquele foi o
nosso momento, não mexam!” Para eles tem um significado mais engraçado, é uma
coisa até alegórica, só de forma, e para gente tinha um significado profundo, a
gente botava aqueles saiões, aqueles colares e saia levantando a cabeça : “Sou
mesmo e daí? Quero ver quem vai me prender!” Era muito isso... (Rubia)
170
O luto pelas experiências não vividas
Na parte deste trabalho relativa à relação com filhos, houveram depoimentos de
sentimentos de perda por parte de mulheres que não tiveram filhos e desejaram tê-los, no
sentido de sentirem-se não podendo mais experienciar este aspecto do feminino.
No entanto, além disto, para algumas mulheres em graus e modos distintos, os
quarenta vieram junto à uma sensação distinta de falta, que também diz respeito a um
aspecto não realizado do feminino: o do luto pelas experiências amorosas e sensuais não
vividas, e que com a idade ficam mais difíceis de realizar. Para algumas, o intenso
envolvimento interno em vários tipos de lutas onde tinham que assumir uma postura
guerreira -- por justiça social, por conquistar poder, direitos e posições em todas as áreas
(na família, no social, no profissional, e até no campo sexual), contribuiu para que não
vivessem relações amorosas onde realmente tenham se entregue e se aberto à um parceiro;
não se deram espaço para este aspecto do ser mulher, e, como anteriormente mencionado
no item “Abrindo mais espaço para o feminino, ” muitas somente agora estão resgatando
(ou tentando resgatar), esta experiência e este aspecto de si mesma.
Para outras, como descrito nos depoimentos abaixo, uma educação sexualmente
repressora, muitas vezes até religiosa, impediu a descoberta e a exploração da sensualidade
e afetividade feminina :
Eu tenho a sensação que eu fui descobrir a minha
sensualidade num
momento onde eu já não tava com todos os viços com os quais poderia tirar
proveito dela. Passei grande parte da minha vida travada, com vergonha do meu
corpo, achando que era feio, que eu não podia mostrar... Mas, depois de muita
elaboração interna, quando fui descobrir que até que não era feio, que até dava prá
olhar, já tava meio tarde. E isso de uma certa maneira eu não aceito ainda...
Porque eu sinto uma vontade, um desejo muito grande de estar descobrindo essa
minha sensualidade com todos os instrumentais corporais possíveis a meu favor.
Eu até tento viver a descoberta da minha sensualidade comigo mesma, dançando,
me olhando, não sei o quê, mas não é a mesma coisa, não é suficiente, o olhar do
171
homem é muito importante prá mim. Mas aí você vai descobrindo que as pessoas já
não te olham mais do mesmo jeito que antes, que a você já passa despercebida ao
olhar dos homens, quando você anda na rua não te fazem mais aqueles gracejos,
você já não desperta mais desejo... Te chamam de senhora, de tia, é muito
decepcionante. Teve uma época que eu me iludi com os rapazes mais jovens, mas é
uma outra coisa que desperta, pode até ter algo de sensualidade misturado, mas
não é esse objeto que eu quero ser... Eu queria estar despertando desejo como
mulher, e não penso se é no jovem de 25 ou no homem de 50, eu queria despertar
isso no homem . E eu sinto que pra gente já é difícil, já é difícil, e isso é uma perda
muito doída prá mim. Agora, o que tenho a meu favor e que me ajuda muito, é que
meu marido sente muita atração por mim. Eu acho que tem uma coisa forte entre a
gente, muito forte. Então isso me alimenta, mas não me basta. Porque é como se eu
precisasse ter tido um tempo de estar mostrando eu mulher no coletivo. Me vêm
imagens de ser uma mulher que atrai todo mundo, uma mulher fatal - eu não pude
experimentar isso, e eu queria ter experimentado... (Marcia)
Eu comecei muito tarde a me soltar e me abrir prá um monte de coisas, tive
antes que
trabalhar e limpar uma série de coisas minhas que
estavam me
amarrando. No início na minha vida sexual por exemplo, eu tive muitos problemas,
eu não sentia tesão sexual, eu não conseguia me entregar, era uma amarra minha.
E quando pude me soltar como pessoa, me abrir mais, eu já estava muito perto do
climatério. Quando eu fiz 40 anos, procurei terapia novamente porque de repente
eu percebi que estava entrando na idade adulta,
mas me sentindo “super”
adolescente, me abrindo pela primeira vez pras coisas variadas,
pra
relacionamentos fora do casamento, mais livres com os homens, e tal . Eu tinha a
sensação que tinha muita coisa que eu não tinha feito e ainda queria fazer, que só
agora tava conseguindo ter coragem de olhar e estar vivendo, mas que eu já tava
entrando nos quarenta, e que já estava tarde... Em tudo que eu tava fazendo antes
já tinha estas buscas, mas só aos 40 é que eu consegui me apropriar de eu-mulher,
eu-sexualidade, eu-charme, no sentido de perceber como jogo charme,
sensualidade, e ... não me sinto tão sensual como eu poderia ter sido quando eu
172
tinha 30 anos. Porque prá você ser sensual, não é só o teu papo, não é só teu jeito,
é o teu corpo também. Então eu acho que é isso que eu perdi...
Nesse período de vida a gente tem a sensação de perder a ilusão. Ilusão de
viver aventuras amorosas, de conquistar e de ser conquistada, talvez até de
desmanchar o casamento pra viver totalmente uma paixão com um outro homem,
vir a ter outro filho... E tem uma coisa difícil na perda da ilusão, porque a ilusão
para mim, mesmo que eu não a realize, já me dá tesão...(Rosana)
Interessantemente, em contato posterior com Rosana um ano e meio depois, estes
sentimentos haviam se modificado, o que me faz considerar a importância do momento, do
fator temporal neste processo. Para Rosana, parece que houve um período de sofrimento
pelas perdas, um período de luto que se fechou, abrindo espaço para novas experiências :
Eu tinha uma sensação de ter perdido o tempo, eu hoje já não tô sentindo
assim, não estou mais em uma busca frenética pelo que não vivi. Hoje eu sinto que
tenho uma nova perspectiva, ainda não sei direito qual é, mas sei que não é tão
ameaçadora, algumas coisas eu até vislumbro. É uma coisa de investir também,
tenho procurado me sentir bem, me sentir bem vestida por exemplo. E tenho
buscado minha sensualidade de um outro jeito, mais suave, não tão afoita. Tenho
sentido necessidade de descobrir caminhos novos, mas algumas coisas que me
afligiam no sentido de não ter mais tempo, eu não quero mais, não faz mal se eu
não usei bem, se perdi, realmente já não quero mais... (Rosana - um ano e meio
depois do workshop )
Percebendo Ganhos
Ganhando sabedoria, inteireza, e maior sensibilidade com os outros
A grande maioria das mulheres entrevistadas, de uma forma ou outra, falaram de
como hoje se sentem muito mais sábias, inteligentes, seguras e integradas nos diversos
aspectos de si. Algumas falaram do perceber-se mais espertas e hábeis no relacionamento
com os outros e no lidar com distintas situações. Outras, de sentirem-se mais tolerantes e
173
pacientes, e de, por não estarem mais tão auto-centradas, poderem perceber os outros de
forma mais sensível, dando-lhes mais atenção. No geral, com exceção das que estavam em
uma fase de franca depressão, todas reconheceram ter conquistado um ganho significativo
em sabedoria de vida.
Eu me vejo, tanto pessoalmente quanto profissionalmente, buscando uma
integração de coisas, da mente com o corpo, do não-verbal com o verbal, do
sentimento com a racionalidade; ora me volto pra atividades artísticas, ora prá
uma coisa mais cognitiva, fico fazendo essa dança. Teve alguns momentos que eu
vislumbrei que eu pudesse fazer "a integração”. Hoje, na minha maturidade, eu
descubro que isso também é processo, acho que esse meu período de vida está me
dando essa sabedoria. (Marcia)
Toda minha história de vida foi em cima de racionalidade, de conquistas,
de me tornar capaz de solucionar e vencer dificuldades. E com isso eu deixei
deliberadamente de lado partes minhas. A uns anos atrás comecei a querer resgatálas e ser mais inteira, tanto profissional quanto pessoalmente.(Ines)
Eu costumava ser elétrica, fazia mil coisas sem cansar. Hoje eu não tenho
mais o mesmo fôlego que tinha antes, mas eu acho que eu tenho muito mais
qualidade. Sou mais centrada, mais madura, acho que essa é a melhor fase da
minha vida... (Renata)
Sinto que profissionalmente, tenho ainda muito pra dar, porque tenho a
maturidade da experiência, o equilíbrio da idade, contatos, conhecimento da
profissão, e ao mesmo tempo o saber usar - fiquei esperta, habilidosa. (Cecília)
Com o câncer que tive no seio, e todo o processo que isto envolveu, eu estive
muito próxima da morte. Então eu senti neste último ano, uma coisa de despertar,
de ter mais consciência. Hoje eu me sinto mais segura de mim, não tenho mais
medos. Quando você entra em contato com a morte você muda... (Miriam )
174
Uma coisa nova nesta fase da minha vida, é que estou querendo mais
tempo pra pensar, pra andar, pra nadar, pra desenvolver mais o lado espiritual,
pra encontrar mais harmonia e serenidade, sei lá, pra mim. Só que pra isso, tem a
questão de saber organizar a vida, saber lidar com o tempo, não ficar desesperada
pra trabalhar. Pra poder dar mais atenção pras pessoas, pra minha mãe, pro sogro
que tá sozinho...
A imagem que vem é a imagem de uma cacica índia, de
sabedoria. Porque quando você sente mais sábia, você se sente mais ligada aos
outros, você se sente mais tolerante, mais paciente. Tem umas coisas que tão
acontecendo nesse sentido comigo que eu tô curtindo demais, e que acho que é
coisa do envelhecimento mesmo., tem esse lado super legal. Quando você tem
trinta, você tá subindo na cabeça de todo mundo, é “aquela” competição, política,
profissional, sexual, o que for, né? E de repente você começa a perceber que
acalmou. Eu acho isso fantástico, é não girar tanto em torno do próprio umbigo,
não ser tão auto-centrada, de repente, você começa a perceber que não precisa
ser assim. (Silvia)
A Luz no Fim do Túnel
Ao longo da pesquisa, algumas mulheres que relataram ter passado por uma fase
bem difícil, sofrida, e até desesperante, tanto física quanto psicologicamente, durante um
período do climatério e/ou início da menopausa, contaram que após a menopausa ter se
instalado de forma mais definitiva, sentiram um abrir de novos horizontes, um resgatar da
satisfação de viver, e, parodiando Huxley, um verdadeiro “abrir das portas da percepção.”
Essa ‘luz no fim do túnel,” veio a confirmar o que eu havia lido sobre PMZ (Pós
Menopausal Zest), nome dado por Mead à incrível sensação de ânimo e bem-estar que
sentiu após a menopausa. É verdade que isto não transpareceu em todas as participantes da
pesquisa que já estavam na menopausa de forma tão marcante como nos dois primeiros
depoimentos abaixo. O terceiro depoimento por exemplo, também de uma mulher já na
menopausa, tem certamente um tom menos entusiasmado, mas apesar disto,
pontos em comum com os dois primeiros.
tem vários
175
Percebi porém, como foi alentador e importante para as mulheres que estavam no
momento da pesquisa passando por um período difícil e não muito ensolarado de climatério
ou menopausa, poder vislumbrar, a partir dos relatos de mulheres que já estavam na
menopausa, a possibilidade de uma primavera ao final desta passagem.
Tem uma coisa muito interessante: passado um estreitamento de canal
muito difícil e muito apertado em vários níveis, passada a coisa específica da
menopausa, eu me vejo emergindo muito mais natural, mais simples, com uma
lucidez e uma clareza extraordinária. Apesar de precisar dos óculos, a gente vê
mais claro as situações, a relação é mais direta, a gente sofre menos com as coisas
emocionais, vem um período de tranquilidade sem tumulto. É um período de ver e
discriminar as coisas com muita clareza. Eu sinto que o período da paixão, por
qualquer pessoa ou qualquer idéia passou, e o declínio do desejo e o declínio do
erótico te dá uma liberdade extraordinária de usufruir qualquer coisa que seja.
Você é capaz de achar graça nas coisas mais inacreditáveis, você acha graça em
contatos mais simples, o padeiro da esquina, alguém que você conhece e repara em
você, você não tem aquele anseio, aquela nostalgia, aquela coisa que não sai da
barriga, e portanto a gente fica mais livre. Eu acho que fiz muita besteira porque
tava presa nos hormônios, sabe quando você é “prisioneira dos hormônios?”
Aquelas coisas que você depois que passa se diz “Meu Deus do céu, aonde é que eu
estava com a cabeça, que burra!” Os hormônios maquiam as coisas !
Sinto também que me contento com muito menos hoje. Antes quando eu tava
numa certa alegria , uma mania, uma coisa apaixonada, eu entrava num shopping
center e achava tudo desejável. Hoje em dia sou capaz de passar por um shopping
center, tomar um café, comer um pão de queijo e ficar contente, uma coisa de
prescindir de coisas materiais que antes eram tão importantes. Por outro lado, dá
um pouco de saudade daqueles picos de paixão cega, quando você cavalga a
paixão sem avaliar sua energia. Eu faço menos besteiras hoje em dia, mas a paixão
é embriagadora, dá um barato especial do qual eu sinto falta às vezes.
Por outro lado, a sensação de proximidade com a morte, que “daqui pra
frente é só pra baixo,” que vivi muito intensamente antes, também reformulei
176
internamente. Inclusive
em relação à coisa da dor da separação dos
filhos
crescidos, de repente você chegar em casa e a casa estar do jeito que você deixou
quando saiu, de repente você ser dona do seu tempo, é uma coisa muito boa, te dá
mais espaço de buscar coisas boas. ( Vera )
Eu tô num momento de explosão, uma coisa interessante, por um lado uma
potência enorme, e ao mesmo tempo num processo de humildade para aprender as
pequenas coisas. Então assim: (gesto amplo pra fora de si) "plum" explode... e
volta (gesto pra si ). Então é um momento muito incrível o que eu tô sentindo esse
ano. É uma apropriação daquilo que eu sempre acreditei, mas para mim, podendo
realmente aplicar isso na minha vida sem medos. É uma apropriação mais
profunda dos conhecimentos a nível do sentimento.
Acho que fiquei mais
inteligente! É um crescimento em termos da minha vida interior que tá sendo
muito rico prá mim. Então não tô parada nas perdas, eu tô tendo ganhos também.
Eu tô ganhando em sabedoria das coisas,
na minha relação afetiva com as
pessoas, sinto que sou capaz de maior compreensão, de realmente perceber o
outro. Por exemplo, meu companheiro tá ranzinza, porque ele também está no
climatério. Olho pra ele e consigo perceber o que se passa , vejo dimensões dele
que não conseguia ver antes. E percebo o ganho dessa maturidade, dessa coisa de
estar entendendo mais o outro. Com compaixão. Essa palavra é muito forte pra
mim, é estar “junto ” com amor... (Paula)
Existe um ganho consolidado sem dúvida, os anos te ensinam a manejar
melhor até a capacidade de sentir prazer, você aprende a se divertir com muito
menos e com menos sofrimento. Porque você consegue discriminar as coisas com
mais clareza, e isso, é o tempo que te dá. Acho que a gente aprende a manejar a
infelicidade... Você passa a juventude buscando a felicidade, mas você não sabe o
que é que ela é, e a maturidade te ensina a não ser infeliz, o que é uma coisa
diferente de buscar a felicidade... (Sonia)
177
Resgatando a guerreira para romper amarras
Várias mulheres relataram que só depois dos quarenta tiveram coragem de romper
amarras pessoais e realizar seus desejos. Algumas, só nesta idade conseguiram se mobilizar
para romper casamentos que há muito as oprimiam; outras, só nesta idade conseguiram
mobilizar coragem para lançar-se em aventuras que há muito acalentavam. Os dois relatos
abaixo são exemplos :
Eu sinto que eu tenho hoje mais coragem de fazer coisas aventureiras, de
empreender buscas que me trazem uma integridade grande. Como a viagem que eu
fiz sozinha pra Europa, me meti pelo mundo com pessoas novas, gente diferente ,
isso me deu uma sensação de inteireza muito grande.(Rosana)
Pra mim o que veio foi uma modificação interior, de repente eu resolvi não
continuar casada com um homem com quem eu não tinha mais nada a ver, que me
fez sofrer muito. Então aos 47 anos, finalmente me separei! E me sinto
recomeçando a vida , como se eu fosse uma flor que só estivesse brotando agora.
Nunca me senti tão livre. (Elisa)
Tecendo o fio da história
Por outro lado, ser vista e sentir-se no papel da transmissora das tradições é
uma experiência que foi sentida por uma das participantes da pesquisa como ganho
significativo desta fase de vida, o que foi corroborado pelas outras mulheres que
participaram do mesmo workshop :
Tem me pintado uma coisa muito gostosa, que eu descobri: estou me
encaminhando pra ancestralidade! Eu vejo ancestralidade como uma coisa do
histórico coletivo, me vejo inserida neste histórico , e aí eu penso : que legal os
futuros humanos me terem como ancestral, os depoimentos que eu vou ter pra dar
vão ser ótimos! E isso tem sido uma sacada. A minha família tem uma coisa
ritualista, de tradição, coisa de baiano, e nas festas de final de ano, desde que
178
papai morreu à 6 anos, minha mãe passou pra mim o compromisso de organizar as
festas da família. Isso me deu um susto pela minha própria trajetória; eu que neguei
família, neguei festa, neguei Natais, neguei tudo, de repente fui retomando isso, e
agora não só retomei como me tornei a filha responsável pela ancestralidade.
Então, porra! Que legal! Tem esse barato também...(Sandra)
Descobrindo a espiritualidade
E finalmente, várias mulheres relataram que buscar e experienciar o desenvolver
da espiritualidade, foi um ganho deste período :
Há 13 anos que eu pratico Zen-Budismo. Quando agora na nossa idade a
gente fala de proximidade da morte, é muito reconfortante pra mim o apoio do
Zen-Budismo, porque o medo é grande, e eles ensinam o tempo todo que morte é
uma coisa de transformação, um novo nascimento prá alguma outra coisa. Você
sai disso que os sentidos alcançam, esse modo da gente se aproximar da realidade,
e vai prá outra coisa. (Andréa)
Eu estou na Ordem Rosa Cruz desde que eu tinha 42 anos. Tem 10 anos. É
uma linha de estudos voltado pro auto-conhecimento e o desenvolvimento de si
mesmo, não é uma religião, e tem sido muito importante pra mim. E tem rituais
muito bonitos que se reportam a rituais do Egito Antigo.. (Ana)
O desenvolvimento espiritual veio com a idade, e a relação com o budismo
acabou me ajudando muito. Porque quando a gente fala de envelhecimento, a gente
tá falando de morte, de uma decadência que é inexorável, que não há nada que vá
mudar isso, que é inevitável. E o budismo ensina a lidar com isso com muita
tranquilidade, com muita sabedoria, até porque você começa a cuidar exatamente
de uma coisa que não termina, você começa a se preocupar com o espírito.
E com isso, também meus valores mudaram. Ascensão, projeção
profissional, cursos, viagens, festas, coisas que eu achava o máximo, hoje em dia
179
não têm a menor importância, é tudo muito ego, muito “”EU , EU, EU.” E na
medida em que você começa a mudar o eixo, de atividade pra fora para atividade
pra dentro, a trabalhar a mente, naturalmente os valores vão mudando. É uma
passagem para um movimento mais de introspecção, o que não impede que eu
como coordenadora de um centro budista trabalhe também pra fora, mas é com
outra energia. Por exemplo, como professora aqui, entendo que o principal papel
do professor é sair da frente e comunicar as idéias do Budda Sakiamuni , não tem
nada de original, de “EU acho”, que infle o ego. Não é por aí, e isso é uma coisa
que a idade dá... (Laura)
180
A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota
exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas
jovens tagarelando nas manhãs....
Cada idade tem seu esplendor. Ë um equívoco pensá-lo
apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e
pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é
importante que cada um descubra o fulgor do próprio corpo...
Affonso Romano de Sant’Anna (1987, p.9-11)
181
5
MITOLOGIA DA PASSAGEM
Um dos principais objetivos deste trabalho, foi pesquisar se a geração de mulheres
que vivenciou os movimentos alternativos, libertários e contestatórios dos anos 60 e 70,
iria, também nesta fase da vida, ter um papel transformador em relação à maneira com que
mulheres, e a sociedade como um todo, se relacionam com o climatério e a menopausa.
Esta questão advém do fato de que, apesar de viverem em uma cultura carregada de
preconceitos e negatividade em relação à mulher mais velha e à menopausa, estas mulheres
co-criaram, experienciaram e apreenderam um outro conjunto de valores :
os dos
movimentos de contra cultura, que, apesar de todas as suas vastas e marcantes diferenças,
tiveram em comum a contestação dos padrões de comportamento nas relações de gênero,
na vida pessoal, familiar e social, o experimentar da sexualidade e de novas formas de
relacionamento afetivo.
Porem, se as vivências e valores dos movimentos dos anos 60 e 70 ainda lhes estão
presentes mesmo que transformados, se
ainda colorem o modo de perceberem e
criticamente considerar o social, inevitavelmente estamos diante de dois conjuntos de
valores que podem se contrapor, ou, nas palavras de Feinstein & Krippner (1988), diante
de um conflito mítico -- i.e., mitos que abrigam afirmações contraditórias sobre a mesma
questão. Por exemplo: a mulher que chega à menopausa, se por um lado recebe do social a
mensagem de que esta é um marco que determina o término de sua vida como uma mulher
que possa inspirar paixão e desejo, por outro lado, aprendeu nos movimentos dos anos 60 e
70 a não aceitar limites externamente impostos, a questionar preconceitos e a desafiar o
“status-quo.” Aprendeu inclusive a não aceitar passivamente as regras e limites que o social
lhe impõe e a se colocar como agente de transformação na sociedade. Então, o que ocorre
interiormente com as mulheres que, tendo participado dos movimentos de contra-cultura,
estão hoje com 40, 50 anos, chegando ao climatério e à menopausa ? Esta resposta não é
simplesAo analisar diferentes exemplos de confrontos míticos na história, Krippner (1986)
coloca que estes podem ser resolvidos de modos diferentes: ou um conjunto de mitos se
sobrepõe ao outro anulando-o, ou os dois conjuntos de alguma forma coexistem ( por ex.,
em certas situações o primeiro conjunto atua, enquanto que em outras o segundo é o que
182
predomina e conduz), ou, os dois, através de um processo dialético geram um novo, que
contém aspectos de ambos.
Nesta pesquisa, ao longo das entrevistas e dos workshops, pude observar a presença
de elementos dos dois conjuntos míticos nos depoimentos da maioria das participantes.
Para estas, os dois conjuntos míticos coexistem em diferentes áreas de suas vidas sem
conflito aparente -- por exemplo, às vezes, enquanto na educação dos filhos, no vestir, na
casa, no trabalho ou na política os valores da contra-cultura parecem prevalecer,
nas
esferas mais íntimas da vida pessoal, i.e., na vida amorosa e sexual, o social parece estar
mais presente. Já para poucas outras, os valores e práticas dos movimentos de contracultura pareceram prevalecer de forma uniforme nas várias áreas de suas vidas. No entanto,
sem sombra de dúvida os workshops trouxeram estes conflitos à tona tanto à percepção
individual quanto coletiva, jogando luz sobre seus elementos e fazendo-os emergir como
figura à consciência.
Escolhi portanto organizar o material desta parte do trabalho em dois tópicos: o
primeiro, referente aos mitos coletivos sobre climatério, menopausa e a mulher mais velha
que emergiram de seus
depoimentos. O segundo referente aos mitos e valores dos
movimentos de contracultura que apareceram e se fizeram igualmente presentes. Como os
trechos escolhidos estão precedidos dos nomes (fictícios) das participantes da pesquisa, é
interessante comparar inclusive as falas de algumas pessoas que aparecem em ambos.
MITOS SOCIAIS E
ENVELHECIMENTO
PESSOAIS
SOBRE
MENOPAUSA
E
Esta parte do trabalho diz respeito às crenças, valores e mitos sobre menopausa e
envelhecimento que perpassam as vivências descritas no capítulo anterior. (Feinstein &
Krippner, 1988a, 1988b) . É através de suas óticas que significados são atribuídos às
experiências vividas, pois as pessoas interpretam tanto o vivido como o que se delineia por
viver, com os valores, cores e conteúdos de suas mitologias internas. Estas, por sua carga
afetiva, não só colorem experiências
conferindo-lhes significados específicos, como
também, muitas vezes, contribuem em graus variados para gerá-las.
183
Por outro lado, a cultura em que a pessoa vive (seja esta a cultura dominante, ou
qualquer sub-cultura a que se sinta pertencer), sendo consonante ou dissonante aos valores
e mitos que esta pessoa abriga em sua mitologia pessoal,
terá também um papel
importante na geração de suas vivências e experiências, pois cada pessoa é um ser-nomundo, um ser relacional, que não pode ser compreendido isoladamente, à parte do mundo
e da cultura onde vive. Não só valores e crenças do contexto social são muitas vezes
internalizados pela pessoa tornando-se parte de sua mitologia pessoal, como também, a
pessoa depende de outros e de contextos sociais (mesmo quando criticamente selecionados)
para trabalhar, conviver, trocar experiências, sentir-se aceita, valorizada, reconhecida,
desejada e amada.
Uma grande parte das descrições que compõem “Fenomenologia da Passagem,”
estão de forma mais ou menos óbvia, carregadas de mitos sobre menopausa, a mulher mais
velha, e envelhecimento de forma geral. Sentimentos, vivências, estados internos, a maneira
como a pessoa se percebe e se sente percebida, os caminhos que se permite considerar e as
experiências que considera possíveis viver, seus projetos, sonhos e esperanças, são
fenômenos embebidos em valores e mitos culturalmente internalizados e/ou vividos.
Um exercício típico que se usa em Gestalt terapia é pedir para que se descreva
sensações sem julgá-las, i.e., descrevendo como se manifestam,
sentimentos
a elas associados -- porque a mesma sensação
e não através dos
pode
dar margem
à
sentimentos distintos; um fremir no peito e na barriga junto à uma respiração mais
acelerada, pode ser nomeado de medo, mas também pode ser nomeado de excitação.
Nesta pesquisa, as súbitas ondas de calor, típicas de climatério e menopausa, para a
maioria das mulheres entrevistadas vieram associadas à mal estar, incômodo, e também à
vergonha -- por motivar risos e um certo desprezo do social ao revelarem a presença de
uma fase de vida da mulher não valorizada culturalmente. No entanto, como sugere
Andrews (1995) ao escrever sobre menopausa e espiritualidade, estas mesmas ondas de
calor podem ser vistas como tendo um poder alquímico, como sendo o acender de um
fogo interior que surge para purificar o corpo e o espírito de energias negativas e preparar a
mulher para a fase de maior desenvolvimento de seu poder espiritual. Em uma cultura que
assim as considerasse, as ondas de calor seriam provavelmente extremamente bem-vindas e
valorizadas, e as palavras e adjetivos escolhidos para descrevê-las seriam também bastante
184
distintos -- à mesma sensação de súbito fogacho a que é atribuído o adjetivo “horrível”
nesta cultura, em outra talvez fosse atribuído o adjetivo “maravilhoso.”
Portanto, é percebendo esta complexa configuração de fatores múltiplos que se
interinfluenciam, e a inevitável interligação entre a fenomenologia da experiência, e a
mitologia que a permeia, que torno figura à nossa percepção neste momento as crenças e
mitos sobre menopausa e envelhecimento que emergiram dos depoimentos das mulheres
que participaram desta pesquisa .
Menopausa como término dos atributos femininos
Um dos mais fortes mitos coletivos que apareceu, foi o de que a menopausa assinala
para a mulher o término não só do seu poder reprodutor, mas também o de ser considerada
uma mulher sexualmente desejável, atraente, bonita, capaz de suscitar paixão. Nossa
sociedade não só hiper valoriza estes atributos, como também os limita a uma determinada
faixa etária, estipulando como padrão referencial ideal as características da mulher jovem.
A mulher mais velha se vê passada à categoria de cidadã de segunda classe, e enquanto
mulher “perde seu poder,” e com isto, sente-se perdendo também a possibilidade de poder
vir a realizar alguns de seus anseios. Disto decorre que junto ao sentimento de perda dos
atributos femininos, surge também o sentimento de vergonha - por passar a ser considerada
alguém que já não possui aquilo que confere status, admiração e poder social. Os
depoimentos abaixo são exemplos:
Quando alguém, às vezes mais velha que eu dizia: “não, não tô por aí,” aí é
que eu me fechava mesmo. Eu me sentia envergonhada de estar dizendo às outras
pessoas que eu, aos 43 anos, estava deixando de ser mulher. Que é aquela idéia : tá
ficando velha, tá perdendo a sua função. Todo aquele peso da menopausa vem pra
gente. Passa, não sei como, mas passa... (Mariana)
Eu acho a partir de uma determinada idade, lá pros quarenta, você já
começa a ser vista na sociedade como como uma mulher velha. Coisa que não
acontece com os homens. Socialmente a mulher mais velha deixa de ser desejável, o
homem não. Ter cabelo grisalho por exemplo, em homem é muito atraente, mas em
185
mulher não é, a gente sai correndo pra pintar o cabelo! E isso eu acho que é uma
questão muito difícil pra mulher de conviver. Muito mais difícil que pro homem,
quer dizer, não sei, não tô dentro da cabeça dos homens, acho que eles também
devem ter um revertério, não é à toa que os homens a partir dos quarenta e pouco
começam a procurar jovenzinhas, provavelmente se sentem inseguros quanto à sua
potência, quanto à sua sexualidade. Mas eles têm uma aceitação social que a
mulher a partir de uma determinada idade não tem. Veja Clint Eastwood, Paul
Newman -- só pra citar alguns exemplos, são homens na faixa dos sessenta ainda
considerados atraentes e desejáveis; mas quantas mulheres nesta faixa etária
recebem o mesmo tratamento? (Silvia)
Tem uma coisa de feio, de vergonha em relação a isso, de ser o seu fim
enquanto mulher. A gente está impregnada de valores assim...(Marcia)
Eu vejo a menopausa como a ante-sala da velhice, e no plano de cabeça,
acho que o que mais me pega é essa coisa de eu pensar que eu vou perder as
formas, que eu vou me olhar no espelho sem roupa e não vou gostar, não vou
mais ser bonita.... (Andréa)
Menopausa traz a vergonha de estar ficando velha, de estar perdendo a
função de mulher, de ter a vida acabando. Vem um terror que
entrou na
menopausa tudo vai acabar. Tem um simbolismo milenar que a mulher procria e
que na hora em que ela pára de poder procriar... pra que serve? Então tem essa
coisa histórica, arquetípica que tá dentro da gente, e dá uma puta ansiedade...
(Fernanda)
A imagem que eu tinha de menopausa era de uma coisa ruim, aquela coisa
de perder a juventude mesmo, deixar de ser uma mulher atraente . Eu vi amigas da
minha mãe competindo com as próprias filhas, porque quando a mulher está
entrando na menopausa, se tem filha, ela está no auge da beleza. Na geração da
minha mãe vi muito essa coisa de não querer encarar a idade. Mas hoje eu penso:
186
se é natural da vida, tem que passar como uma coisa natural. Você não vai querer
com 50 e tantos anos, ter corpinho de 20. Hoje eu já começo a me relacionar
diferente com isso, não tenho medo do envelhecimento,
acho que
é preciso
encarar com sabedoria. E não é fazendo plástica, não é ficando quinhentas horas
na academia, ou se vestindo como uma jovem de 20. A gente tem que se preocupar
com passar alguma coisa da nossa experiência de vida. Porque com 20 anos você
está jovem, tem um corpo lindo, tem tudo bonitinho, mas você não tem experiência.
E aí é que está a beleza da idade, é uma beleza interna, é saber usar isto. (Miriam)
Menopausa como passagem para o fim da vida
No entanto, a menopausa não é só vista como pontuando o término dos atributos
femininos; em adição a isto, muitas mulheres que participaram desta pesquisa relataram
vê-la também como um marco do início do fim de tudo, como marco do início de uma fase
de declínio em direção à morte -- que por sua vez, nesta cultura, é extremamente temida.
Sentir a chegada da menopausa foi uma época muito difícil. De marcar
uma transição em direção à morte, uma aproximação da minha morte. Uma coisa
assim: acabou, acabei... Não que eu me sentisse velha , mas a mudança corporal te
faz sentir estar nitidamente caminhando para a velhice, uma sensação de que
acabou a vida, que daqui pra frente é só pra baixo... (Vera)
Lembro da minha mãe na menopausa, com muitos calores, aquela imagem
de ser uma pessoa já “velha.” Ela tinha uns 44 anos ! A menopausa vinha
associada com “fim de linha... ”(Laura)
Há um choque de pensar “estou na menopausa.” Porque você de repente
entra na cultura de dizer: “fim da menstruação, eu estou velha, e proxima da
morte...” (Julia)
187
Pra mim, a chegada da menopausa veio como uma “passagem para o fim
da vida...” (Léa)
O envelhecimento é apavorante. Mas pra mim não foi tanto o
envelhecimento físico não, foi a concretização da idéia de morte. Eu era eterna, a
morte pra mim seria um acidente, não era um inevitável, e o que existe hoje é o
medo da morte. De repente você começa a perceber que o pico da sua vida já
passou, e a sensação é que daqui pra frente o processo é só pra baixo...
E eu não consigo aceitar e entender pessoas que depois de velhas se voltam
para soluções irracionais! Fico muito impressionada com este encaminhamento de
entrada no místico que as pessoas estão dando para o medo da morte, acho que
isso é muito mais uma vontade de acreditar do que de uma crença verdadeira. As
pessoas que sempre foram místicas, encontram nestas crenças um comforto
verdadeiro, mas acho que pra quem virou místico depois de velho, isto vem
acompanhado de pânico, não é desprovido de sofrimento. Porque a questão da
morte é uma questão muito séria, pensar que as pessoas se vão... isso é muito duro
e traz muito sofrimento... (Sonia)
O que eu observo no social , no cultural, e que reforça o meu sentimento, é
que a mulher velha não tem chance... Além dos fogachos e tal, a menopausa é
terrível por quê? Porque o social, o cultural, o hormonal se juntam pra dizer:
“Você está no fim, você é um iogurte vencido, você é uma mulher em fim de
linha.” E isso conscientemente ou não, te remete à morte. Porque a referência que
a gente sempre teve foi que vida é sexo, juventude e trabalho... (Mariana)
Menopausa e a imposição de novos limites
Junto com a chegada da menopausa e da idade madura, chega também para a
mulher, uma série de injunções do social sobre como ela deve ou não deve se
comportar nesta idade, e sobre o que ela deve ou não deve mais ser, fazer e querer.
Nos exemplos abaixo, percebe-se que se em alguns estas injunções transparecem
188
internalizadas pela mulher, em várias outros aparecem provocando revolta e desejo
de constestação.
Tenho vontade de sair como antigamente, mas aí eu penso: Mas como é
que eu vou sair desse jeito? Não dá mais pra usar roupa toda decotada, como é que
vão me ver? (Sandra)
Veja só, eu me visto como sempre me vesti, com roupas soltas, leves,
descontraídas. Mas uma pessoa da minha idade, se sai na rua vestida assim chama
a atenção, as pessoas acham estranho, ridículo. Então eu acho que as pessoas que
fizeram parte da contra-cultura e que têm de um jeito ou de outro uma visão
diferente de mundo, têm que começar a impor esse jeito. (Laura)
Eu acho que o social é muito preconceituoso, embora a gente saiba que há
mesmo as mudanças biológicas da mulher, isso não há como negar. Mas a
sociedade parece que espera que aconteçam coisas, a gente fica ouvindo “você
agora vai sentir calores, dores nas juntas, se preparar para uma ostereoporose” -é uma imagem de decadência! Além disso parece que você tem obrigação de se
comportar como uma “senhora de cinqüenta anos.” Você não pode mais nem
querer namorar porque vão logo achando que “pô, não tem vergonha, com
cinqüenta anos querer namorar?!” (Elisa)
Conheço uma mulher de 47 que tá morando com um menino que tem 19. Ela
sempre foi “mucho loca.” E eu olho pra ela e a acho ridícula. Porque ela quer ter o
pique do menino de 19. Mas eu procuro defendê-la pra família dizendo: “Esse é o
canto do cisne dela, deixa ela viver a última aventura.” (Rebeca)
Acho engraçado eu estar tão tranqüilamente me dizendo: “ agora eu vou
arrumar homem para ter um caso de amor,” quando eu estou na beira da
menopausa, porque menopausa pro imaginário em geral é um certo fecho da vida.
É um pouco incongruente, se bem que na minha experiência familiar, meu pai
189
separou-se de minha mãe, e aos 60 anos casou-se de novo com uma mulher de 64 e
foram muito felizes. E minha mãe sempre foi uma mulher muito serelepe, sempre
gostou muito de transar . Eu me lembro que quando ela tinha 65 anos, eu tive a
ousadia de fazer um comentário tipo : “Também quando eu tiver 65 anos, não vou
estar mais querendo nada. ” Ela me deu aquela bronca, ficou tão indignada
comigo! Falou: “O quê?! Você pensa isso de uma mulher de 65 anos? Pois saiba
que isso, que aquilo.” Não era nem o caso de pedir desculpa pra ela, era o caso de
pedir desculpas pra mim por ter sido tão estúpida de ter uma idéia tão ridícula do
meu próprio porvir . Então eu acho que, pelo que eu vejo na minha mãe e no meu
pai é uma coisa que depende das pessoas... (Lucia)
Com a chegada da menopausa, a gente vê o futuro fechado em determinados
pontos pra nós, daí a coisa da angústia, do sentir-se estar só, sentir fechado o
futuro...(Mariana)
Você não é um ser isolado, você está numa conjuntura de preconceitos, e
você vive esses preconceitos. Por exemplo, a gente vive escutando: “você está velha
para isso!” Você entrou na menopausa, você está excluída do processo da história!
“Seu tempo, passou minha filha, acabou. Deixa o lugar pros jovens.” O mundo é
dos teens, o mundo é do jovem. Tudo na mídia é em defesa da juventude, do
estereótipo de beleza de juventude... Agora, eu estou reconhecendo e batalhando
esses preconceitos. Estou aprendendo a lidar melhor com a ansiedade, o medo da
morte, o medo de envelhecer, o medo da rejeição porque o corpo está mudando,
enfrentando cara a cara isso, sempre deixando bem claro que eu estou na
menopausa e não tenho vergonha de dizer isso. Porque o que eu não quero é que a
cultura estabeleça meus limites, tô querendo que a menopausa me seja não um
drama, mas uma coisa prazerosa. (Julia)
Eu acho que a sociedade tem uma visão muito negativa da mulher mais
velha. Uma coisa assim : Agora que você já tem essa idade, chega, sossega.” E eu
vejo muitas mulheres aceitando isso, achando que a época boa já se foi, e que
190
agora têm quase que se preparar para o fim. Acho isso muito triste. Mas, por
outro lado, no último ano tá passando na televisão a novela “Idade da Loba,” tem
livros interessantes sendo lançados, tem tido muito artigo nas revistas femininas
sobre menopausa , parece que o pessoal está acordando um pouco para valorizar
essa faixa da idade da mulher...(Rubia)
Menopausa e culpa
Algumas mulheres comentaram durante a pesquisa, ter ouvido de colegas e
pessoas variadas, preciosidades como “cada mulher tem a menopausa que merece,”
“só sofre na menopausa a mulher que não se realizou sexual e afetivamente” e
outras coisas do gênero, depreciativas e humilhantes, além de cruéis. Assim como
outros pré-conceitos internalizados, este tipo de pensamento também apareceu na
fala de uma das participantes:
E aí chega o climatério, que loucura, não tava claro pra mim, agora eu
acho que tá ficando mais claro, é como se eu estivesse resgatando a puta que eu fui
por dois anos na época da faculdade. Eu tinha que pagar a reparação de dois anos
de galinhação que eu tive. Algo assim: Fez ? Agora paga! Foi assim que percebi
internamente essa mudança de não ter mais tesão sexual. (Paula)
Velhice e desvalorização social
Apesar de que a maioria das mulheres entra na menopausa por volta dos 50, e
considera-se pessoas de terceira idade aquelas com mais de 60, a entrada para a menopausa
foi freqüentemente equacionada como entrada para a velhice. E neste sentido, um outro tipo
de conteúdo valorativo que emergiu com freqüência dos depoimentos das participantes
como mito individual e coletivo,
foi a constatação da desvalorização da velhice na
sociedade atual. Se ser velho é ruim, é não estar na crista da onda, é ser cidadão de
191
segunda classe, é não ter oportunidades de trabalho, é ser feio, gasto, desnecessário,
desrespeitado e indesejado - como não ter medo de envelhecer ?
Olhar no espelho e ver que eu estou envelhecendo é uma coisa que me
angustia... (Tereza)
Eu não posso negar que eu me olho no espelho e minha idade está lá, e esse
departamento é ruim. Eu tenho a impressão que saber que você está envelhecendo
não é legal para ninguém, não só para a mulher. (Elisa)
Tem uma outra coisa, que eu acho que perpassa um pouco todo mundo, que
é a coisa da velhice. Gente, a velhice não é fácil! É barra! É uma virada na vida
que você não tem como não passar em alguns momentos por depressão, porque
não é fácil mesmo. A meu ver, a questão grave não é a menopausa. A questão
grave é você estar entrando nessa porra dessa terceira idade, é você estar
envelhecendo... (Fernanda)
Deixar de estar menstruada era o limite : daí pra frente eu ia ser uma
pessoa da terceira idade. Hoje eu sou uma pessoa da terceira idade. No entanto, eu
não me assumo como da terceira idade! Eu não me coloco como uma pessoa que já
está na menopausa, quer dizer, que está ficando velha, porque pra mim menopausa
é isso, é encarar que você ficou velha. Outro dia eu estava dirigindo o carro, um
carro tava me atrapalhando, e fui chamando o homem de ô vé....! E comecei a rir,
porque eu sou velha, vou xingar o outro de velho? Parei no meio e pensei : mas por
que é pejorativo ser velho?! (Frida)
Eu sou uma profissional autônoma, se fosse empregada certamente estaria
me aposentando. Isso é esquisito, porque mesmo me sentindo com toda a
potencialidade, muito provavelmente se eu estivesse procurando emprego não teria
a mínima chance. (Cecília)
192
Tive um choque quando minha filha com 18 anos engravidou, e eu tive uma
neta; depois foi meu filho. Essa coisa de virar avó me deu um sacolejo, de certa
forma os dois netos me me fizeram ver e pensar a vida de outro jeito. A diferença
de idade com o meu marido que é mais novo do que eu, também me causava uma
preocupação enorme. Quando eu fiz 50 anos ele me fez uma festa surpresa; eu
queria esconder um pouco os meus 50 anos e não consegui.
Hoje essa questão da idade é muito tranqüila pra mim. Quando eu tinha 35
anos eu ficava me olhando e pensando: “Puxa vida, tem uma ruga aqui, daqui a
pouco eu vou ter que fazer alguma coisa, tinha uma preocupação extrema com
isso. Hoje , passado o tempo, eu acho muito engraçado lembrar disso.
Por outro lado, quando o meu filho teve um filho, ele e a mulher tinham
esperança que eu passasse a tomar conta do neném. Acho que até hoje eles não
conseguem entender que esta avó tem vida própria!(Frida)
A
sociedade
é
absolutamente cruel com a mulher mais velha,
em
particular no Brasil, em termos das oportunidades de trabalho, da maneira como
você é tratado. Na Europa por exemplo, tingem muito menos os cabelos do que aqui
no Brasil. Na California, é incrível a quantidade de casais que se encontram e
começam a construir uma vida aos 60 anos, tem muito mais pessoas idosas
dirigindo automóveis nas ruas, tem uma quantidade de pessoas ativas e idosas
fantástica, é uma vida mais digna. No Brasil as pessoas mais velhas não são
tratadas com dignidade, talvez pelo fato do Brasil ser um país mais jovem. (Laura)
Ser velha aqui no Brasil não é fácil. A gente não vê muito velho na rua. Na
Europa, geração de cabelo branco é direto, todo mundo na rua. Vi mulheres idosas
de tailleur e sapato alto com suas cestinhas fazendo compras de manhã, grupos de
mulheres em museus, assistindo palestras, se divertindo. Aqui é difícil a gente ir em
festas, teatro, lugares públicos em geral, ou mesmo em reuniões profissionais,
congressos etc, e encontrar gente que seja mais velha que você. Eu sou sempre a
geração mais velha nestes lugares!
193
Veja só, aqui, se a gente não tinge o cabelo é vista como desleixada, mas
na Europa e nos EUA as pessoas assumem seus cabelos brancos. Acho que tem
menos espaço pros velhos aqui no Brasil. A gente como mulher madura é muito mal
pensada e tratada aqui.
Então não é fácil aceitar que a gente está se
encaminhando pra velhice. (Vera)
194
CONTRACULTURA: MITOS QUE PERDURARAM
O outro conjunto de mitos e valores que também emergiu dos depoimentos das
participantes, foram os relacionados aos movimentos de contra cultura dos anos 60 e 70.
Muitos já apareceram, mesclados a alguns dos depoimentos dos capítulos precedentes.
No entanto, os depoimentos abaixo correspondem em sua maioria à pergunta “O que ficou
daquela época em você?” feita durante os workshops. Neles, de forma marcante,
apareceram os seguintes mitos e valores :
1- A crença no poder de se ser sujeito ativo de sua história, agente transformador
tanto de sua própria vida como da sociedade como um todo, apareceu de modo
pervasivo. Os
jovens daquela época que participaram dos movimentos de
contracultura
rebelavam-se contra o status quo, participando e fundando
movimentos de protesto, partidos clandestinos e comunidades alternativas.
2- Outro aspecto marcante que emergiu, foi a crença na possibilidade de se criar
modelos alternativos de comportamento sexual, de gênero, moral, familiar, e
social -- contrários aos padrões vigentes, pois os movimentos de contra-cultura
se caracterizaram por buscar experimentar e implantar práticas alternativas de
vida em vários âmbitos, do estritamente pessoal ao político e comunitário.
3- O espírito justiceiro - movidos por um ideal revolucionário e humanitário de
justiça e pela crença no potencial de vir a ser agentes de uma nova era,
procurava-se
naquela época defender o direito, a dignidade humana e a
igualdade de oportunidades para pessoas de ambos os sexos e diferentes classes
sociais.
4- O espírito crítico - percebendo a violência, a massificação e a repressão que
dominavam o social, acreditava-se na necessidade e possibilidade de questionar,
discutir, contestar e desafiar o estabelecido : as regras, idéias, pre-conceitos, a
prática e a política tanto do micro, como do macrocosmo em que se vive.
195
5- A busca e o direito ao prazer – buscando
sexualidade mais livre,
liberar e
experimentar uma
as mulheres, através dos movimentos feministas,
defendiam o direito da mulher ao prazer sexual.
6- A crença na possibilidade do ser humano de libertar-se de suas amarras, tanto
externas
como internas. Enquanto muitos partiram para as lutas políticas,
outros procuraram uma vida criativa, prazerosa e em harmonia com a natureza,
onde a pessoa pudesse ser mais livre e autêntica.. Isto resultou, para alguns, na
busca por terapias alternativas e pelas experiências dos movimentos de
desenvolvimento do potencial humano, pois procurava-se através destas práticas
a liberação dos padrões burgueses sentidos como amarras internas.
7- E finalmente,
creio ser importante
pontuar que, permeando todos os
depoimentos sobre as participações nos diversos movimentos de contra-cultura,
apesar de suas diferenças,
dois fatores estiveram fortemente presentes:
o
idealismo e a esperança.
O que restou daquilo? Eu hoje vejo com naturalidade a possibilidade que as
pessoas têm de serem protagonistas nessa vida. ( Paula)
Eu me considero uma pessoa aberta, que procura as coisas, que questiona,
que vai atrás, que não aceita tudo consolidado. E eu acho que ter participado
ativamente de movimentos políticos, feministas, essa coisa toda dos anos 60 e 70,
foi fundamental pra eu ter a estrutura de pensamento que eu tenho hoje. Eu não
tenho a menor dúvida disso. (Silvia)
Dos anos 60 e 70, acho que uma coisa que ficou é o não se deixar levar por
estereótipos e saber questioná-los, porque eles não estão fora da gente, estão
dentro. Outra coisa
que tem ver com a
contra-cultura, é o
não se deixar
influenciar, mudar o estilo de vida ou o jeito de ser, porque você tem tal ou tal
196
idade, o que é uma coisa muito cruel, né, você muda por que você muda, não
porque as pessoas acham que pela tua idade você não tem mais direito de fazer
algumas coisas, como por exemplo usar biquini, roupa decotada e tal. Eu, por
exemplo, quando não tô a fim, não depilo nem a perna nem debaixo do braço, tô
pouco ligando pro que as pessoas vão achar. (Laura)
Eu acho que a prática do experimentar o poder da gente, de sentir que a
gente pode romper e transformar estruturas,
rituais,
esse laboratório de
experimentar que a gente teve, foi muito importante. A gente fazia trabalhos até
entre a gente, saía em grupo e ia pra um lugar pra vê se a gente conseguia viver em
comunidade, viver o socialismo na prática. Às vezes dava brigas enormes por causa
de bobagens, mas era uma experiência. Nos assumíamos, pá, pá, quebrando tudo !
Então isso pra mim foi um legado muito importante. Em termos do social, não dá
mais pra ser ingênua e alienada. Mas acho que houve uma ampliação daquele
espírito justiceiro, hoje ele está mais presente no cotidiano, muito mais ampliado,
não é focalizado numa questão só .Acho que é uma visão de política mais ampla,
mais integrada que a gente tem, que aparece nas mínimas coisas, no
posicionamento em relação às filhas, nas discriminações que voce vai fazendo.
Tenho contato com pessoas que viveram aquela época e ficaram estanques,
pra elas “o sonho acabou.” Mas pro pessoal como nós que foi procurar terapias e
trabalhos de crescimento pessoal, a busca continuou em termos de descoberta
interior além do processo político, nossa trajetória foi
capacidade de sonhar não acabou.
diferente, a nossa
(Marcia)
Acho que ficou essa busca de uma justiça maior, até para mim mesma.
Porque se com a sua atuação você busca uma justiça maior para a mulher que
você é, você também busca para a mulher sua filha, para a mulher grupo geral.
Acho que a busca por justiça social de antes, hoje está presente na busca da
minha sensualidade, da minha sexualidade, na busca de um feminino melhor, mais
justo. Minha postura perante a vida tem raízes nesse meu passado. Acho que o que
também ficou foi meu idealismo diante da vida, minha garra de luta por valores
197
que eu ainda acredito, e até minha ligação com trabalhos pouco remunerados, com
uma clientela menos favorecida economicamente. E por valores me refiro a valores
humanos mesmo, respeito à necessidade das de pessoas terem meios mínimos de
subsistência, de terem uma existência digna, e também, o acreditar na pessoa
humana, acreditar que as pessoas podem crescer, mudar, descobrir novas coisas,
se desenvolver, se transformar. Acho que essa fé tá muito neste passado da minha
vida. (Rosana)
Eu me sinto hoje, com 47 anos, totalmente imbuída dos valores que abraçei
nos anos 60. É o que eu sou, o que me sustenta interiormente. E fico pensando que
se antigamente nós tínhamos uma postura muito clara sobre o quão diferente a
gente queria ser das nossas mães, hoje eu também sinto necessidade de enfrentar
diferentemente essa nova idade... (Nira)
Sinto que a experiência de 60, 70 , está hoje mais amadurecida. Se naquela
época eu, como outras mulheres, briguei pelo feminismo, briguei prá trabalhar,
prá ser a mulher que queima o sutiã, que tira o sutiã e tal, hoje estamos na
menopausa e continuamos lutando. Os conteúdos e as formas podem ser diferentes,
até porque temos mais experiência e maturidade. Mas não é o meu físico que vai me
impedir, é a morte das minhas idéias; aí eu morro mesmo. (Julia)
Eu acho que a minha cabeça sempre foi à procura da liberdade, de ser uma
mulher livre, de romper os limites impostos, culturais. Acho que esse avançar os
limites em todas as áreas, é uma coisa realmente muito da geração da gente.
(Lucia)
Se eu tivesse que dar um nome pra esse grupo, eu daria “mulheres
transformadoras”.
Porque de uma forma ou de outra, dentro de atuações
diferentes, o que eu percebo em cada trabalho, cada coisa íntima relatada, é esse
poder transformador. Acho que isso é uma característica forte da nossa geração.
(Elaine)
198
De todas as participações que eu tive, acho que o denominador comum foi
a busca da liberdade e do direito, uma coisa de reconhecimento do direito das
pessoas serem tratadas com dignidade e com igualdade. Isto ainda está em mim,
mas cada vez mais suave, o meu fazer foi se reformulando, adquirindo uma nova
forma. Outra coisa que ficou foi a busca do prazer .
Por outro lado tem o peso do social, mas eu diria assim: social tem vários.
Tem um social burguês, tradicional, para o qual eu sou uma mulher já velha. Mas
esse me interessa menos. Me atinge, lógico, porque eu tô vivendo nesse meio. No
entanto, o fato de eu ter feito parte deste segmento social anterior de contracultura, me dá uma outra perspectiva. Eu me sinto extremamente privilegiada de
ter feito parte disso. Nós tínhamos, temos, e vamos continuar a ter valores
diferenciados, isto faz parte do meu ser, mesmo que alguns valores estejam muito
reformulados.
Por exemplo, quando minha filha tinha 9 anos perguntou: “Mãe você é
hippie?” Surpresa, perguntei pra ela: “Mas por quê?” E ela disse :“ o pessoal da
rua entra aqui e fala que nossa casa é hippie.” Aí eu comecei a olhar pra minha
casa, e pensei: “Mas é lógico!” A sala era de caixote do Ceasa cheia de obras de
arte que todo mundo inventa. Não tinha cama, dormia-se em tatami. Então eu
cheguei pra ela e falei: Minha filha, nós somos hippies sim.” Também essa
semana aconteceu uma coisa muito interessante. Eu tenho um jardim muito grande,
com tartaruga, bromélias, cachorro, e tem uma piscina de plástico, dessas que se
tem quando se tem bebê, e que eu chamo de “meus mil litros de felicidade”. Um
eletricista foi na minha casa, olhou e perguntou: “a senhora tem criança?” Mas
hoje a gente tem piscina pra mim e meu marido, adolescente não quer saber de
ficar na piscina com pai, mãe e amigo velho. Nós dois fazemos daquilo um lugar de
profundo prazer, a gente nada nu de noite, fica olhando estrela, eu acendo meu
cigarrinho, meu baseado... faço questão de ter uma vida regada de muito prazer.
(Sandra)
A vivência da contra-cultura é uma coisa muito integrada em mim. Não tem
nada que eu possa pensar: “Ó meu Deus, que loucuras que eu fiz, agora vou
199
mudar.” É uma coisa que vai sendo elaborada, mas que é germinal, tá aí. Sou eu.
Quando eu tinha 20 anos enfrentei a homossexualidade, tenho 47 e vou enfrentar
a menopausa, e quando eu tiver 80 e estiver velha, isto também vai se manifestar.
Eu acho que este aspecto rebelde, de contestação eu tenho desde menina , eu já
respondia
“Não faço. Não vou fazer”. Por exemplo, eu nunca participei de
movimento feminista, não bate comigo. Mas minhas amigas falam: “Como não?
Você é completamente feminista!”, porque estou sempre nas batalhas com elas. É
aquela coisa: precisa de gente, precisa de movimento, vamos lá. Pra mim
a
questão é a do direito, da liberdade, do direito a poder se expressar, do direito a
poder viver e transformar. Sempre fui assim. (Fernanda)
Desde criança eu fui uma feminista. Aos 7, 8 anos de idade, tendo um irmão
homem, eu brigava pelo meu direito de menina. Então tem a coisa do ser rebelde,
ser contra, ser alternativo, contra-cultura, acho que você já nasceu com isso, já
nasceu esperneando, mesmo que às vezes a gente se submeta. É uma forma de ser,
independente de ter participado disso ou daquilo. Eu entendo que contra-cultura é
transformar o status quo estabelecido, e com todas as minhas mazelas e
dificuldades pessoais, isso tá presente hoje em tudo o que eu faço, em tudo o que eu
sinto, tudo o que eu digo, tudo o que eu sou. Mas eu também acho a gente é um ser
social, um ser cultural, um ser que sofre as influências e as pressões do mundo. E
não é nem pouco nem sem dor. (Mariana)
Sem dúvida aquele espírito de luta está na mulher que eu sou hoje. E eu
continuo sentindo que eu tenho uma fala diferente, que é a mesma coisa que eu
sentia quando ia para as passeatas com o grupo da faculdade. As amigas falam
que é porque eu sou psicóloga. Mas não é por isso, eu acho que eu tenho mesmo
essa veia de ser diferente, de questionar, de desafiar. E tenho orgulho disso. Sinto
que a rebelde que eu fui ainda está em mim, me emociono quando escuto coisas da
nossa época. Eu me casei de mini-saia e com música dos Beatles, foi um escândalo,
e eu reconheço isso ainda em mim, isso não vai morrer. Porque é uma coisa muito
minha. (Rubia)
200
Sinto que até hoje não me enquadro em padrão nenhum. Posso estar com
gente chique, com gente simples, mas nunca caibo completamente nos padrões
vigentes. Namoro um rapaz de 33 anos numa boa, e acredito que só tenho esta
liberdade por ter vivido o que vivi ( Léa)
Acho que as vivências dos anos sessenta ficaram, porque eu não sou o que
esperam que uma mulher da minha idade seja: não sair mais, ficar triste, ter
calores, dores, depressão. Vivem me dizendo: “Voce vai fazer outro curso ?
Mestrado, nessa idade, pra que ?” Vão todo mundo pra puta que pariu! Eu não
tenho que fazer o que eles querem, eu não tenho que sentir o que eles acham que eu
tenho que sentir ! Tanto que quando a Selma me disse no telefone: “nós nunca
ouvimos a voz das próprias mulheres,” eu topei direto, fui logo dizendo : “Pode
contar comigo! ”(Elisa)
Eu acho que tudo que a gente viveu ficou impregnado, a gente tem uma
outra atitude na vida até hoje. (Miriam)
Eu continuo a participar, a querer descobrir coisas novas, a rever e
questionar meus valores. Ainda acho que há coisas a serem combatidas mas
sobretudo, o que realmente vejo que se mantém, é que eu continuo a ter esperança.
(Jussara)
Um dia eu fui no médico, falei que a menstruação tava vindo de 15 em 15
dias, que tava uma coisa muito chata, e ele me disse que eu já estava na prémenopausa .Eu fiquei uma fera com ele. “A sua avó está na pre-menopausa! Que é
isso, você tá louco?” Eu tinha uma idéia da menopausa, que quando vem a
menopausa, acabou tudo. Uma coisa meio de uma decadência, de calores, muito
ligado a parar em relação ao mundo, sair das atividades. E aí eu fiquei pensando
que a gente tem que pensar a questão da menopausa. Veio a idéia de nos juntarmos
pra pensar junto o que significa isso nas nossas vidas, e criamos um grupo de
201
reflexão. Porque uma experiência que no feminismo foi muito forte pra mim, foi a
de perceber que um problema que você está vivendo, no fundo não é só você que
está vivendo, é uma geração inteira. E quando as mulheres começam a falar
sobre isto, o problema praticamente acaba, você percebe que não é só você, que
somos milhares, e você começa a pensar junto que medidas tomar. Então eu acho
que a idéia de fazer este grupo partiu um pouco daí, da experiência com o
feminismo, e foi maravilhoso.
Foi um grupo super informal, só com pessoas
amigas, de idades diferente. Conversávamos sobre as experiências de cada uma,
relações com os filhos, como os filhos nos viam, como a gente encarava as nossas
mães. E uma vez convidamos os homens pra vir contar como nos viam.(Laura)
202
Ser mulher de 47 é bonito.
É ser bonita e gostosa
com mais firmeza, mais integridade
É ser bonita de dentro e para fora
se gostando, se explorando, e mostrando
o que ela mesma não via
de si e dos demais;
o que ela sempre quis
e pensava não ser capaz.
Mas fui
Fui capaz de coisas inimaginadas
e incapaz ( espantosamente) em coisas esperadas.
Afinal, fui capaz - apenas e tão somente -de ser eu.
O que não é pouco!
(Poesia conjunta de Elaine, Lucia e Norma,
participantes da pesquisa)
203
6
REFLEXÕES SOBRE A PASSAGEM
REFLEXÕES ARTISTÍCAS SOBRE “ANTES” E “AGORA”
Durante os workshops, além dos relatos verbais das participantes, experimentos
plásticos e poéticos provindos de minha experiência com a arte terapia, foram propostos ao
grupo como forma de expressar e refletir sobre o vivido.
Para as mulheres que participaram da pesquisa, esta vivência foi muito significativa.
Em todos os workshops, o compartilhar dos poemas e trabalhos plásticos realizados
abriram portas para momentos de uma qualidade de intimidade diferente, menos defendida
e mais profunda do que o compartilhar verbal havia proporcionado. Inclusive, algumas
mulheres cujos relatos verbais se caracterizaram por um discurso de cunho mais racional,
somente nestes momentos se permitiram realmente abrir seus corações e falar de suas
fragilidades, suas emoções, de suas vidas íntimas e afetivas. Por outro lado, o movimento
de contato até então intenso com o grupo, neste momento retraiu-se, passando a ser um
movimento de contato apenas consigo mesmas e suas interioridades. De repente não
tinham que falar, ouvir, dar opiniões, ocupar um espaço no grupo, relacionar-se com os
outros, descriminar o que falar ou não, mas apenas entregar-se à um outro tipo de reflexão:
o deixar-se sentir, experienciar, deixar-se adentrar no mundo das formas, das cores, e das
palavras soltas que nascem do coração.
Como os workshops foram realizados em uma sala acarpetada cheia de almofadas,
inicialmente pedia às
participantes que nelas se acomodassem de forma a ficarem
confortáveis, e , colocando uma música suave, conduzi um relaxamento corporal e mental.
A seguir, sugeria que, deixando o corpo relaxado, se reportassem na imaginação à um
período anterior ao que estavam vivendo no presente. Cada uma poderia deixar-se retornar
ao período de vida que lhe ocorresse, desde que fosse marcadamente sentido como um
período de vida anterior a este em termos existenciais.
204
Sugeria que cada uma se lembrasse de como era fisicamente, como se vestia e
penteava, onde vivia, como era o mundo a seu redor, o que fazia, quem eram as pessoas
com quem se relacionava, e também, que se lembrasse de quais eram seus desejos, seus
sonhos, seus medos e conflitos naquela época. Pedia que se deixassem presentificar aquele
momento de suas vidas, imaginando-se voltar a ser a pessoa que tinham sido naquela época,
deixando-se re-experienciar internamente as sensações corporais, os movimentos, e o jeito
de olhar a si, o mundo, e as pessoas de então.
A seguir, eu procurava aquecê-las para o trabalho expressivo perguntando:
Se o
seu existir naquela época tivesse uma ou mais cores, que cores seriam? Cores frias,
quentes, contrastantes, brilhantes, foscas? Eu lhes pedia também que procurassem perceber
qual era o movimento de suas existências naquele período de vida, i.e., se era um
movimento de expansão ou de contração, ordenado ou desordenado, contínuo ou
fragmentado, agitado ou calmo, de adágio, allegro, staccatto ou andante -- enfim, pedialhes que procurassem imaginar qual o ritmo, a direção, as formas e as cores de seu existir
naquela época.
A seguir, deixando que cada uma tomasse o tempo que fosse necessário para esta
visualização, pedia que fossem abrindo os olhos. No chão haviam folhas de tamanhos
diferentes e materiais plásticos diversos -- giz de cera, bastões de pastel oleoso, canetas
hidrográficas coloridas e tintas guache de cores diversas. Solicitava então que sem cortar o
contato interno com os conteúdos vivenciados, utilizassem os materiais a seu dispor para
criar uma representação simbólica deste momento do seu existir, escolhendo o tamanho de
folha e os materiais que lhes parecessem mais apropriados. No que cada uma foi
terminando o trabalho, eu pedia que escrevessem palavras ou frases soltas, em forma
poética ou não (como se sentissem mais à vontade), referentes ao que havia sido vivido e
representado.
No que todas terminaram seus trabalhos e escritos, eu lhes pedia que fechassem
novamente os olhos, e o mesmo processo de imaginação criativa era sugerido em relação
ao momento presente de suas existências.
Ao término deste processo, cada uma à sua vez mostrou os dois trabalhos realizados,
compartilhando o que haviam representado e lendo o que havia escrito sobre cada um. A
seguir, as demais participantes do grupo também compartilhavam suas impressões sobre os
205
trabalhos, sempre cuidando de comunicar suas impressões através de frases que claramente
expressassem percepções pessoais (o que eu percebo é..., o que eu vejo é..., isso me
parece... ), e não através de interpretações explicativas ou julgamentos sobre o trabalho do
outro (o que você representou aí é... ) -- o que é um cuidado de extrema importância.
Além disto, para facilitar que a pessoa pudesse aguçar sua percepção sobre seus
trabalhos, e a partir deles chegar à uma consciência mais profunda de si, utilizei em certos
casos algumas técnicas da arte terapia Gestáltica. Por exemplo, descrever elementos do
trabalho (figuras, formas, traços) na primeira pessoa dando-lhes uma voz ( Eu sou forte,
precisa, com alguns traços frágeis e pouco definidos, minha direção principal é para cima
mas me espalho em várias direções ...) , e outras mais, que, ao invés de prover significados
e interpretações às formas representadas, têm o objetivo de facilitar com que a própria
pessoa perceba, descubra e crie os significados a elas relacionados.
Na impossibilidade de apresentá-los todos, entre os 22 trabalhos realizados,
selecionei 15 que me pareceram mais representativos e diferenciados. É importante frisar
que, na transcrição das fitas, me ative apenas ao que a própria pessoa falou , i.e., por mais
interessantes que os comentários das outras participantes ou da coordenadora pudessem ter
sidos, registrei apenas àqueles com os quais a participante explicitamente concordou. Sem
nada acrescentar, enxuguei seus relatos para que coubessem cada um em uma página.
Assim, nas páginas que se seguem, à cada página onde um relato está registrado,
correspondem os dois trabalhos plásticos da página seguinte.
Apenas as frases entre colchetes não são da participante. Referem-se à comentários
da coordenadora ou à comentários de outras pessoas que foram acolhidos pelas
participantes como significativos , i.e., como comentários que lhe fizeram sentido.
206
REFLEXÕES ARTISTICAS SOBRE OS TRABALHOS DE CADA MULHER
Isso aqui sou eu hoje, inteira, com todas as minhas energias, captando a energia
das pessoas, do mundo, do universo, que entram e explodem em ações, de ajuda pros
outros, de compaixão, de junção. E ao mesmo tempo que saem eu também recebo. O em
volta é o universo. Eu fiz com muito prazer esse desenho, com muito carinho. Meu cuidado
atual com meu corpo tá aí também, porque tem um ir em direção a mim mesma também. É
a explosão da minha consciência, no sentido de eu me apropriar das minhas capacidades,
e também de poder me dizer “sou incapaz agora, mas posso não ser depois”. O traço
vermelho é a minha força. Eu sou uma pessoa extremamente forte e determinada nas
minhas decisões, nas minhas conquistas, eu não esmoreço. E gosto de ser assim. Não que
eu não tenha o outro lado, mas eu tô sempre vencendo barreiras. Enxergo uma barreira e
penso: “Vou conseguir transpor essa barreira.” E ponto. Mobilizo energia pra isso..
[ Ao lhe ser apontado que apesar dela se identificar com a forma feita com cores e
traços fortes, a suavidade e delicadeza do trabalho em volta, que ocupam a maior parte do
espaço, também fazem parte de sua representação de si.] É, acho que tem uma coisa nova
sim, eu não mostrava o lado mais frágil, mais delicado, mais vulnerável! Tô curtindo cada
coisa que me acontece, cada coisa que aprendo, e descarto também o que não me serve,
meus valores não estão mais rígidos quanto antigamente. Então eu estou gostando muito
de mim neste período de vida, tô fazendo muitas coisas gostosas! E escrevi:
Inteira, todinha aqui, em ebulição o sentir,o pensar, o agir
Buscando fora, buscando dentro, harmonizando, me apropriando e
que alegria... Explodindo de paixão pela vida!
Já o segundo, me representa a 10 anos atrás. Sou eu mais compartimentada,
cristalizada, sem muita integração do pensar, do sentir e do agir. São cristais mesmo, não
é uma coisa fluida. Escrevi :
Meus valores e crenças , teus valores e crenças.
Meus motivos , teus motivos, meus cristais, teus cristais
Juntos, realizando o movimento de vida.
O outro está mais harmonioso, os elementos são mais integrados uns com os outros,
este é mais segmentado. E mais dolorido. Acho que aqui tem mais dor, tem mais coisa
pontuda, entrando, se chocando e se ferindo
(Paula)
207
208
No primeiro momento, é bem o que escrevi:
Sensualidade tropical
frescor, calor,
paixão, tesão.
Fim, perda,
recolhimento
parar-filtrar
e tudo recomeçar!
É sol e lua. O sol tem tudo a ver com a minha “baianice”, é a sensualidade
tropical mesmo, irradiando, explodindo pra tudo quanto é lado, é essa exuberância baiana,
e tem a ver também com a figura forte do meu pai, dominador, que permitia ou não
permitia, que julgava. As luas têm a ver com contenção, com a insegurança que eu tinha
como mulher, com recolhimento, e também com a força escondida, com a mãe. Então era
assim , ou oito ou oitenta, ou sol ou lua. Já no segundo, escrevi :
Semente aberta,
corpo que palpita,
útero que recebe
como cálice que acolhe.
Fogo que se expande
e que transborda.
Corpo que filtra e limita,
Corpo que busca
a relva, a água, a selva.
Contenção,
expansão,
contemplação,
ação,
a busca da minha satisfação...
Tem aí um útero que recebe, filtra, com muita luz em volta. As fronteiras não são
rígidas, são permeáveis... Vejo a forma também como um cálice, que simboliza a inteireza
feminina.
Como se tivesse um fluir entre contenção e expansão, mas sem trancos.
Comparando com o primeiro, tem sem dúvida uma harmonia e uma integração muito
maior entre os elementos... E eu realmente me sinto assim..
(Marcia)
209
210
No momento atual, estou buscando integrar em minha vida os sentidos, o prazer, a
sexualidade, dos quais durante muito tempo abri mão. Eu era muito cabeça, pernas e
braços, só pensar e agir, só pensando em realizar coisas, ter sucesso profissional. Hoje
eu quero cuidar da minha inteireza, buscando o que deixei de viver. A repressão da minha
sexualidade em um casamento frustrante nesta área foi muito forte. Tive um amante
durante um período, mas fiquei com medo de começar a fazer coisas que poriam em risco
o casamento e acabei me fechando. Hoje não quero mais que mande a razão. Escrevi :
Hoje eu quero ser inteira, unir o que faltava,
Assumir o que era negado, sentir,
agir sem hierarquias,
permitir o prazer sem sublimações
Resgatar a chama abafada pelo poder da razão.
Já o primeiro momento, que me representa a dez anos trás, é uma chama pobre,
fria, represada.
Começa vermelha, com energia, saindo de um fogo, e depois
vai
passando por um canal e se esvaindo. Eu quis fazer uma bola rosa dentro porque o rosa
prá mim é uma cor gostosa, de satisfação, de prazer, e pus um roxo escuro em volta pra
que isso fosse que nem uma brasinha com cinzas queimadas em volta, que parece que tá
apagada, mas que é só soprar que ela reacende. E as palavras que escrevi foram :
Chama represada filtrada, é brasa, quase apagada.
[Ao lhe ser apontado a linha azul muito marcada e definida em torno do corpo de
mulher como um limite, e a divisão do corpo em partes, a de cima e a de baixo com cores
quentes, movimento, e uma parte intermediária que as separa.] É verdade, faz muito
sentido para mim. Acho que nunca pude experienciar o me soltar juntando a sexualidade
com afeto. Ou eu tinha só muito afeto e tinha que controlar a sexualidade, ou tinha que
controlar o afeto pra ter só a sexualidade. Então faz muito sentido essa coisa estar assim,
separada, em baixo a ebulição dessa sexualidade que não se espalha, eu até tentei um
pouco mas não consegui. Engraçado, ao olhar de novo para esse desenho da chama, vejo
a cabeça de um pássaro.... Se eu fosse esse pássaro, eu voaria tanto, tão alto, tão solto,
tão colorido.... Mas eu não tive a coragem de chutar tudo e ir viver o que eu queria
(pausa) ah, como eu queria ter tido essa coragem em algum momento! (Pausa) Mas não tô
morta, né, não tô morta não! Acho que ainda tem tempo...(Inês)
211
212
No primeiro momento que representei, tinha muita angústia, muita angústia. Vejo
este
primeiro
reviravolteando-se,
trabalho muito amarrado, cheio de nós,
quase sem um fluir. Nesta época fui até
a energia truncada,
procurar aprender a
trabalhar com aquarela, que é um meio mais fluido; mas trabalhar com aquarela dava
medo, medo da água, medo do fluir da emoção que vinha na aquarela. E escrevi :
Ilusões, sensações
angústias
explosões
dificuldades
alegrias
impotência...
O que é afinal?
Doi!
Carícias ...
Sempre presente a ilusão!
Sempre busca, busca, busca...
Já hoje estou podendo lidar com os problemas da minha vida de forma mais flúida,
mais equilibrada, estou podendo resolver melhor as coisas. Então no segundo trabalho
vejo um vulto de mulher se confundindo com um vulto de pássaro, tem água, verde, terra
e fogo presentes. Mas apesar de estar muito mais fluido e muito mais solto do que o
primeiro, ainda tem controle, menos mas ainda tem.
E no que fui escrevendo, voltei pro desenho pra colocar uns limites... Vejo também
que ainda tem alguns nós, mas são bem mais laceados do que os do primeiro traballho, dá
pra sair deles com mais facilidade. E escrevi :
Chorar, pensar...
rir, brincar, mergulhar....
Coração alegre, e ao mesmo tempo triste e duro...
Será isto amadurecer ? Não sei...
Faz-me sentir, pensar, degustar...
O que afinal?
Acho que eu mesma, a minha inteireza...
(Rosana)
213
214
Percebo que o segundo trabalho decorre do primeiro, como se o núcleo do primeiro
tivesse crescido, adquirido novas cores, nova forma, e ido para o centro do segundo. Este
núcleo tem um movimento interno muito grande, que procura se expressar e interagir com
as outras pessoas, não fica fechado no centro, ora rodopia para dentro de si, ora para
fora de si. O primeiro tem uma coisa inquieta, de estar sempre pensando no futuro, um
movimento circular de ficar buscando, buscando, buscando. Tem o sentir, o pensar e o
fazer. No segundo aparece esse quadrado, uma coisa mais sólida, mais
fechada,
representando um quarto elemento, muito recente pra mim, que é o julgar, o analisar com
juízo. Uma busca de assumir meus valores com uma postura firme, amadurecida, menos
ingênua, sem tantas ilusões, que me dá uma base melhor. Quer dizer, no primeiro tem uma
energia que vai pra fora indiscriminadamente, e no segundo tem este quadrado como
proteção. Percebi que tinha que pôr alguma coisa pra proteger um pouco esse núcleo na
interação com o mundo, com as pessoas.
No primeiro escrevi: “Ilusões, movimento, sonhos, pesquisa, realizações,
construção, exploração, o três, o futuro, ingenuidade.”
No segundo escrevi : “realidade, profundidade, passo a passo, apropriação de mim
mesma, solidificação, julgamento, análise, o quatro, o presente, maturidade.”
Aí , olhando os dois, veio:
Antes a ilusão, hoje a realidade.
Sonhos do passado são presente.
O três se fez quatro,
a abertura em solidez,
o abrir em diminuir e dividir.
Uma constante : o amor
O caminho - da sabedoria , da maturidade
Ainda estou aprendendo a lidar com este elemento, é muito novo pra mim, estou
experimentando, procurando ver como posso integrar estes aspectos opostos, como ficar
mais resguardada e ao mesmo tempo ainda estar aberta.
Pra mim é muito importante que o que sai pra fora, toda essa coisa que vai de
mim para o mundo, venha muito de dentro; talvez por isso as cores de fora são as
mesmas das dentro. Ao mesmo tempo o de fora também entra ao interagir com o de
dentro, tanto é que o núcleo do segundo trabalho tem mais cores do que o primeiro...
( Elaine)
215
216
O primeiro trabalho representa eu no final do meu casamento e eu separada.
Depois que separei eu mudei de cidade e desbundei. Foi um período de muita sexualidade
e afetividade. Olhando o desenho, acho estranhíssimo ter feito isso. Eu sou contundente
comigo mesma, contundente com os outros, é uma coisa que me incomoda, e nada pode
ser mais contundente do que esse negócio. Eu me representei como uma coisa dura e reta à
esquerda, e depois, à direita, começando a ter curvas, a quebrar. É a mesma forma que
perdeu a rigidez. Esta época é o movimento de passagem de uma para a outra. A forma
preta sou eu, e o em volta é o clima dos sentimentos. Eu acho que o principal recheio desta
forma é aquela imagem que você tem de si mesma, que vai ser socióloga, que você vai
fazer tais coisas, que você é de esquerda, rótulos que você se coloca e dos quais decorrem
certos projetos. Eram projetos abstratos pra uma pessoa que eu imaginava que eu fosse,
mas que não tinha nada a ver com o que eu realmente era. E fui escrevendo palavras sem
nenhuma censura, parei na hora em que acabou a página. Escrevi:
Transição
abertura
procura
escuridão
alegria
fechamento
sufocamento
respiração
magreza
bonita e gostosa
clausura
alívio e tristeza
trabalho
sucesso obscuro
companhia
tristeza
mudança
salto no escuro.
Coisas opostas que conviviam. Já no momento atual, me vejo saindo de um
período de sofrimento muito grande, a emoção ainda está muito intensa. Nos últimos cinco
anos tive um movimento de volta pro meu interior, acho que por excesso de exposição. E
estou numa mudança, não assumi minha cara nova ainda, não sei que homem eu quero,
não sei bem qual é o meu desejo. E o que escrevi foi:
Fusão
integração
interrogação
maciez
maciez e aspereza
dureza renitente
luta
descanso e luta
cansaço
desejo de esperança
descanse da consciência
intuição
entrega
realização.
(Lucia)
217
218
Quando ouvi o convite a uma viagem no tempo, imediatamente me vieram imagens
e sensações do período de 78 a 81. Em 78 eu fiz 30 anos. O que escrevi foi :
Trinta /Trindade --- Trabalho, Militância, Público
--- Sexo, Amor, Maternidade
E as palavras “suave, som, luz e força.” Quatro coisas que me apareceram na
cabeça: Trindade é o lugar onde eu fui com um namorado com quem tive um caso lindo e
intensíssimo, e Mauá é um lugar onde eu passei as férias em 1980, todo dia descobrindo
uma cachoeira mais bonita do que a anterior. Desde então nunca mais tirei férias, então
Trindade e Mauá são dois lugares referencia pra mim. Um é mar, o outro é montanha
mas os dois têm água. Então me veio essa época e me veio uma coisa suave. Cada
componente, cada cor, como um componente do meu ser, pinceladas, desejos, projetos,
tal. Eu queria ter representado isso tudo com mais definição, não gostei do jeito que ficou
o desenho, mas por outro lado a verdade é que eu não tenho muito definido como é que eu
estava. Tem consolidação, amadurecimento e ao mesmo tempo dúvidas. O azul, o verde e
o lilás, são as cores que eu mais gosto, têm muita força pra mim. Já o vermelho é um
contraponto. Eu fui e continuo sendo e sempre serei meio elétrica, acelerada, turbulenta.
Então eu quis colocar o vermelho como uma tensão densa que influencia tudo, mas
inicialmente só fiz os dois pedacinhos que aparecem mais fortes, eu não queria que
ocupasse tanto lugar.
No segundo trabalho que representa meu momento atual, o vermelho permeia,
ocupa, perpassa, pauta, penetra, influencia, já é um componente. No primeiro era um
vermelho adolescente, no segundo já está mais amadurecido. Tudo o que pautou minha
vida no primeiro momento, continua pautando hoje, mas no segundo escrevi :
‘Realização, busca, falta”. Hoje eu me sinto realizada, realizando coisas que antes eram
sonhos, projetos, desejos. Por outro lado tem a falta do lado afetivo, a falta do
companheiro, do amante que eu gostaria de ter do meu lado...
(Norma)
219
220
Fui para uns 10 anos anos atrás. Eu estava muito embutida naquele tempo, muito
voltada pra preocupações com coisas que estavam acontecendo, ansiedades, estava tudo
muito certo e incerto ao mesmo tempo, e eu me sentia fragmentada. E surgiram estes
quadrados cinzas , pretos, representando essa fragmentação. Quando eu comecei a fazer o
círculo, a minha mão fez com que o círculo não se completasse, a linha foi pra fora. E aí o
que eu escrevi foi:
Um quadrado, vários quadrados
O círculo, o caminho, a correção
Preto, cinza
Adequação / inadequação
Beleza, Tristeza
A vida, a quem será que se destina ?
A cajuína transparente em Teresina...
Já quando eu fui pro hoje eu achei que eu desbundei de todo! Eu só pensava no
mar, queria fazer o mar como eu o via quando era criança, com ondas enormes, vagas de
vinte e dois metros e eu entrando debaixo delas, porque desde pequena enfrentar o mar
foi uma coisa muito forte na minha vida. Aí veio a vontade de botar vários círculos
despencando em cima do mar, como se os quadrados do primeiro trabalho estivessem
despencando, se soltando, caindo lá dentro e se acomodando. Eu quis fazer as linhas
quebradas com traços bem certinhos. No começo os lápis estavam pesados, quebrei
alguns, mas aí fui soltando e saiu isso, que pra mim ficou sendo chuva, que representa a
resolução do que foi se acumulando. Um pouco assim : eu e o mar muito leve, muito claro,
já não cinza, e como me sinto hoje, tranqüila. Eu escrevi isso aí :
A beleza do mar,
Uma constante na minha vida
Hoje, ou desde o exílio,
De vez em quando
Tudo começava e terminava
no mar, até as reuniões.
[E Frida concorda com a observação de que talvez o exílio não tenha sido só da
terra natal, mas de aspectos dela de mar, que hoje estão podendo ser resgatados.]
( Frida)
221
222
No primeiro momento eu escolhi a década de 80. Eu estava saindo da década de 70,
aquela coisa desbravada que a gente viveu. Estava com. trinta e poucos anos e estava me
assentando, tendo o segundo filho, muito engajada no movimento das diretas, no
movimento feminista, fazendo dança folclórica e vivendo as minhas primeiras experiências
homossexuais. Aí veio a cor amarelo e movimento, porque movimento e liberdade pra mim
são palavras que se compõem muito. Movimento ascendente, descendente, prá cá, pra lá,
tudo junto. Tinha a coisa da vibração, de muita energia, muita esperança. E as palavras
que me vieram foram: Movimento, Vibração, Esperança e Liberdade.. Tinha também
um recorte muito forte que era busca profissional. “Onde eu vou trabalhar?” Não era só
trabalhar, era escolher pra onde eu ia me direcionar, que caminho ia tomar.
E no segundo, veio o “iogurte vencido,” que é uma definição muito viva pra mim.
E a cor veio lilás, no ato. No sentir, algumas coisas muito : “Não preciso mais brigar, tá
posto. Não tô nem aí pra estar defendendo se sou, se não sou, se faço, se não faço, tô
cagando e andando!” Porque essa história de estar vencido não é só físico, tem a ver
também com postura, valores, que precisam se adequar a esses momentos de final de
século. Porque é a coisa da revisão do olhar mesmo. E eu acho que aí entra a coisa da
esperança. Tinha alguma coisa aqui dentro de mim em que eu acreditava. Eu tinha uma
esperança, batalhava por um tipo de homem, de mundo, que eu não estou vendo... Eu não
achava que ia dar nisso aqui, eu realmente acreditava que o mundo ia mudar, que a
transformação estava ao nosso alcance... E hoje estou mais descrente, me decepciona
muito a qualidade humana de vida das pessoas.....
Então aí entra uma coisa filosófica, mais do que a questão estética Sabor, porque
eu fui no gancho do iogurte, Validade e Vencido extensivos à essas questões que eu estou
falando, e Esperança, que continua. Porque embora eu tenha essa decepção com essa
mudança do curso da história ,eu acredito que a história se ajeita. O fato de eu estar me
afastando desse tipo de trabalho tem a ver com isso também. Então veio, a coisa do
iogurte, a coisa do lilás , mais laissez-faire...
( Sandra)
223
224
O primeiro me reportou a uns 20 anos atrás, e as palavras foram:
Muitas cores, arco-íris, esperança, busca ansiosa, desejo, encontros,
desencontros, vida, futuro, movimento.
Era uma coisa de sensações múltiplas e coloridas, de calor, vida, vibração, de
muito movimento, no sentido de liberdade, como se tivesse uma porta muito grande se
abrindo, e de esperança, no sentido de esperar encontrar . Já no segundo trabalho, escrevi
:
Escuro, tenso, preso, medo.
Movimento contido, aprisionado.
Vulcão, medo e dor.
Anseio, desejo que espera,
busca que movimenta.
Movimento suave de cores pastéis,
de vida tranqüila, de encontro, de paz,
de céu azul, de águas tranquilas .
E silêncio.
Duas palavras muito fortes: dor e liberdade. No primeiro tinha a liberdade de quem
está abrindo, descobrindo, experimentando, conquistando. E liberdade na época era
romper, era ser mulher, era sexualidade, sensualidade.... E no segundo me veio muito uma
sensação de estar com essa vibração toda muito contida numa coisa tensa, difícil, que
representei com a linha preta, e que é dor e aprisionamento. Mas é uma camada muito
fina de aprisionamento. Com uma porta, pra liberdade das cores suaves, que é a coisa da
paz interior mesmo. A liberdade agora mais ligada a isso, a uma sabedoria interna. Eu não
quero mais romper com droga nenhuma, eu quero ter paz interior. Ter céu azul, silêncio,
silêncio que traz a sabedoria de verdade.
Mas sem dúvida nesse momento, a dor e o aprisionamento, e a coisa da liberdade,
da paz interior co-existem. Eu não havia pensado nisso antes, na hora eu só expressei,
saiu. Mas reconheço que são polaridades opostas em mim. Talvez até a linha preta seja
uma linha que não só contém, mas também protege aquilo que naquela outra idade tava
pipocando pra tudo quanto é lado... Protege mas não tampa, tem uma abertura... Por
enquanto tá saindo só os violetas e os azuis, mas eu tô vendo que tem uns rosas, tem uns
vermelhos ali dentro que quem sabe, também poderão vir a sair...
(Mariana)
225
226
No primeiro desenho, o cavalo representa a minha força, e o barco o que eu
gostava de fazer: velejar. Estou no barquinho, viajo solitária, mas é muito agradável. Tem
uma casa do lado esquerdo com telhadinho vermelho e uma lareira soltando fumaça. O
sol, as estrelas, a lua, estão todos alegres, eu tinha muito contato com a natureza naquela
época. As cores são claras muito harmoniosas, verde água, azul mediterrâneo, amarelo da
luz do sol. E o que eu escrevi foi:Suavidade, harmonia com as pessoas, raiva e ira,
alegria, prazer, rigor, seriedade”.. Porque um lado que era muito forte também na
época era raiva e ira. Enraivecia com qualquer coisa, no trânsito, com alguém que fazia
as coisas erradas, e tinha muito rigor com horários. Mas tinha uma vida voltada prá
alegria e pro prazer.
Já no momento atual, o que escrevi foi : “Anti-social, amargura, rudeza, busca
de objetivos: quais ?????, desânimo, falta de interesse, alegria ocasional”. O
trabalho que representa essa fase atual, tem 4 desenhos. O 1º é um grande muro, que é
uma barreira séria prá me comunicar com as pessoas nesse momento, com eu sozinha em
negro atrás e um monte de pessoas do outro lado. Porque eu estou ficando uma pessoa
muito anti-social.... No 2º tem um precipício. Tem um monte de coisa preta lá embaixo,
embora em cima seja muito bonito, tem uma belíssima mata. E eu estou em vermelho,
quase prá cair do abismo, que prá mim é derrota. Eu ser uma perdedora na vida é um
negócio que me dá pânico, e o que está me apavorando hoje é a perda da saúde mental, da
saúde física.. No 3º fiz um túnel preto com eu na entrada. Porque eu me sinto assim,
entrando num túnel onde eu não estou vendo fim, mas quero buscar uma luz na saída. E
esse buraco preto representa a minha vida : O que é que eu vou fazer? Como é que vai ser
daqui prá frente? Ele vai preto, preto, e lá no fundo tem umas rajadas de amarelo e coral,
umas cores fortes de luz..
No 4º tem uma ameba, significando burrice, que é como eu estou me sentindo;
tem também uma parte que é toda pontiaguda, onde tudo machuca. Essa forma, prá lá,
prá cá, é a confusão mental em que eu me encontro. E aquele triângulo virado prá cima é o
que está me machucando. E fiz esse desenho todo em preto e marrom , que são as cores
com que me vejo neste momento...
(Ana)
227
228
O primeiro momento é 76, eu tenho 28 anos, e acabo de entrar no mestrado. Eu
sinto que todas as opções estão abertas, que todas as coisas estão abertas, eu as busco e
vou prá todos os lados. Tem todas as possibilidades, tem muita potência, muito movimento,
muito vigor, e muito vôo. E o texto é curto e grosso:
Movimento, liberdade, virtualidade, sagitalidade, sem raízes, sem filhas.
Áureos tempos.
Hoje sinto que é fundamental essa sensação de sem filhos, de não ter nada que me
acorrente. O momento atual, apesar da imensa escuridão, tudo preto em volta em termos
do mundo, amarras, prisões, menos espaço, tem uma clareira petititica, onde tem praia,
coqueiro, sol, montanhas onde tem uma pequena caverna, e lá dentro estou eu, enrolada
num troço de múmia. Uma múmia, não tem espaço, tá fechada em formol, e o meu felling é
esse, de falta total de espaço. Eu me sinto tão invadida, minhas filhas entram até no meu
pensamento! Então, eu estou mobilizada, mas estou lá. Quer dizer, dentro da falta de
espaço, eu estou num lugar ótimo. O tempo mais brabo de depressão já passou, e o que
escrevi foi:
Amarras . Enterros. Pouco, pouco espaço. Ainda dá prá respirar. Mas só se
for bem de leve.
É assim que eu me sinto hoje. Realmente a minha vida é antes e depois das filhas.
No dia que elas crescerem, nesse dia eu me liberto!
E o que eu estou percebendo agora, é que a assepsia de estar como uma múmia
fechada em formol,
me mantém sem vínculos afetivos... Eu estou muito asséptica à
vínculos, muito só. Mas não sou só múmia, eu vejo minha vida hoje, intermitente, entre
múmia e não-múmia, tanto é que consegui estar fazendo doutorado.
Por outro lado, acho importante dizer que eu estou muito feliz de ter minhas filhas,
eu adoro elas. Mas como o pai delas morreu, o peso todo de cuidar das filhas ficou
comigo, não tem com quem compartilhar, e isso me faz muita falta. Hoje eu não posso ficar
nem ficar doente! Minha fantasia delas crescidas e idas, é poder pegar mochila, tênis, e
sair pelo mundo, essa é a minha grande fantasia : liberdade !
(Nira)
229
230
Voltar no tempo, 10 anos atrás, me deu uma sensação de vazio, de não acontece,
me senti uma coisa muito pastel. Peguei o creme, que foi a cor mais pálida que vi, e fui
pintando, porque eu só via o pálido de não estar acontecendo nada importante. Mas
acabei pondo um pouquinho de amarelo, porque apesar de não estar acontecendo nada
que eu achasse importante, eu estava numa busca muito grande de equilíbrio, de
consciência. Apesar de não precisar trabalhar pra sobreviver,
eu tinha uma busca
profissional. Eu que tinha vivido tantas coisas interessantes na juventude, não queria ser
só dona-de-casa. Se eu fosse em algum lugar, eu era “a esposa do fulano” ou “a mãe.” Eu
estava pálida, apagada. E aí deu câncer, aquela coisa: o corpo fala. Comecei a ter
consciência de que esse tipo de vida não tava legal, e busquei terapia. Vejo o amarelo
como luz, e o azul como treva. E da luz e da treva se equilibrando, sai o verde. Sem querer
ficou meio dividido. Tudo podia acontecer, e não acontecia, como se fossem movimentos
que cada um interrompe o outro. Eu não quis um papel grande, porque eu não conseguia
ocupar muito espaço, mas ao mesmo tempo queria abrir. E eu escrevi:
Tudo podia acontecer, mas nada acontecia.
Bloqueios, inseguranças, ilusões,
busca de consciência, de mudança,
espaço fechado, escondido.
No outro foi como se eu estivesse vendo a imagem de um verde que foi chegando no
lilás, e daí passando para o azul. Lilás é uma cor que me passa paz, espiritualidade,
tranqüilidade e equilíbrio, que é como me sinto hoje. Mas ainda em busca, ainda me
transformando, ainda querendo saber muitas coisas, porque a gente nunca pára.
Eu sinto que o primeiro desenho está duro, rígido, muito difícil de soltar. No
segundo fui soltando mais, está mais colorido e expressivo, mais integrado, tem vontade
de viver, de acontecer. Tem também uma onda, que é um movimento interno, que eu espero
que se transforme e não arrebente. E tive vontade de botar bastante água, que é coisa
gostosa, flúida, que relaxa, que não prende. E eu escrevi:
Busca de equilíbrio, tranqüilidade, encontro,
felicidade verdadeira, despertar da consciência
cura, paz, muitas coisas a fazer,
parar de se esconder.
(Miriam)
231
232
O primeiro é dos 25 aos 36 anos. O dourado sou eu, uma luz muito intensa mas
completamente contida. O cinza contém, tolhe, limita, entristece, impede completamente a
expressão. É a aparência, a identidade aparentemente sólida utilizada no social. Mas
tudo o que era meu mesmo estava oculto. A idéia foi colocar em cima desse quadrado uma
torre de figuras geométricas prá dar uma idéia de pilha está quase prá cair. Eram as
coisas que eu tinha que sustentar prá fazer esse papel e prá conter meu ser. Ser sempre a
primeira, inteligente, requisitada, bem sucedida, o máximo. A exigência sempre foi muito
grande em casa. E quando você escolhe ser o que alguém quis que você fosse, você precisa
por energia em um projeto que não é teu, o que gera muita frustração. Então essa que
aparece é um constructo. À luz do dia virei uma moça convencional, certinha, elegante,
trabalhadora, dedicada. Eu que na juventude tinha desprezado tudo aquilo, fiz o jogo do
sistema e me enquadrei. Com 25 anos de idade eu já estava amordaçada. A sensação dessa
fase da minha vida é a de um tempo de conquistas materiais, mas de muita tristeza na
alma. Eu estava aparentemente bem, mas a alma tinha muita dor. E escrevi assim:
A luz pulsa
encapsulada, contida.
As idéias, os conceitos,
os papéis e os rótulos
são carregados,
penosamente,
sobre os ombros.
No segundo, o de hoje, eu pedi uma folha maior, porque eu tenho mais espaço no
mundo do que naquele tempo. Meu desenho não tem muitos elementos, é tudo meio
brotando, ainda é um momento de libertação. Eu sou essa luz que agora começa a dançar.
Tenho formas fluidas e meus movimentos são macios, A luz está se soltando pro mundo,
não sei ainda o que vai ser. Sinto que tenho liberdade de ir para qualquer lugar, e posso
me transformar em muitas coisas, não há uma direção específica. E o que escrevi foi:
No tempo do não-ser
a luz estava presa,
impedida.
Hoje ela começa a fluir,
diante de um olho-boca virgem
prestes a se abrir.
(Rosa)
233
234
No primeiro momento me coloquei antes de 78, quando me separei. Essa cruz
representa muito o que eu era, as coisas que eu aprendi de pai, mãe, avô. É toda a carga
de preconceito, do sacrifício, das cobranças, do pecado, da Igreja Católica Apostólica
Romana, toda a coisa de que sexo é pecado, beijo é pecado, masturbar é pecado, de que
vai morrer e vai pro inferno se mexer nos primos, de que eu era uma menina depravada,
sem vergonha, safada, porque vivia no meio de um monte de irmãos e primos. A espiral é
como se eu estivesse me libertando, porque eu sempre vôei muito com o pensamento. Eu
tinha um corpo reprimido, um comportamento crucificado, mas minha visão e minha
sexualidade eram mais soltas, o que represento como um olho e uma boca, que também é
vontade de falar. E o que escrevi foi:
Lembro ou sinto
com boca alerta e aberta
da cruz de dor e morte de mim
que viva estou, que outra luz eu sou.
ou do eu que eu não sabia.
Cruz que era eu casada
Não há mais cruz a mutilar meu verve
constrangida, reprimida
não há mais dor a carregar
sexo e perplexidade enlutados.
Há espirais de esperança
Cruz da qual me separei
um novo olhar, uma luz de mudança
a exalar odores, a expurgar temores
um grito aberto de criança
a gritar para o mundo
que se faz mulher.
No segundo, meu símbolo é o coração, porque uma das coisas mais difíceis com
que eu lidei a vida toda, é a minha emoção. Eu sempre segurei barras, e tinha dificuldade
de sentir. Então é como se o meu coração estivesse abrindo, não tem fim essa abertura. Eu
que sempre fui muito racional, agora quero ser feminina, quero muito o meu lado mulher,
tirar minhas amarras, quebrar as resistências, chorar na hora que eu quiser. Tem laranja
ali, muita luz, tem azul, considerado masculino, e
o rosa da feminilidade. Há uma
integração que no primeiro não tem, há uma essência em expansão, há amplitude, clareza,
transparência, as cores são bonitas, é uma coisa muito profunda. E ao mesmo tempo que o
coração se abre, se você olhar como se fosse o Mar Vermelho, esse mar também está se
abrindo pro coração passar, é uma energia que flui e reflui. E o que escrevi foi:
A minha essência agora é definida,
solta, leve, fluida
Hoje eu sou comigo e com o universo
um grande coração, uma emoção que se amplia
e se mistura com a emoção do Ser Infinito
.
(Julia)
235
236
REFLEXÕES
COLETIVAS
SOBRE
COMUNALIDADES
EM
SEUS
TRABALHOS
Na medida em que todas as participantes concluíram a apresentação de seus
trabalhos, solicitei que
agrupassem todos os seus trabalhos em conjunto,
e que
procurassem perceber se seria possível identificar comunalidades nas transformações
ocorridas entre os primeiros e os segundos trabalhos de todas as participantes do workshop,
acreditando que estas, se existentes, poderiam apontar para comunalidades nos processos
de transformações vividas, para além das diferenças individuais. Os depoimentos abaixo,
colagens de observações feitas pelas participantes de grupos distintos, transmitem estas
percepções:
Comparando com os primeiros, todos os segundos trabalhos refletem um
momento de passagem para um momento de maior fluidez, de maior harmonia, de
maior integração de elementos anteriores. Têm também mais dinamismo , mais
movimento, mais expansão, menos contornos limitadores, menos contenção . São
mais discriminados, sutis e elaborados, constituíndo-se em formas [gestalts] mais
complexas. Na maioria aparece um movimento de expansão suave, que reflete o
poder estar presentemente manifestando
mais a suavidade
e o feminino.
(Conclusões das participantes do 1º workshop)
Todas representaram o momento atual como um momento de uma imensa
vitalidade-- e duas das participantes acharam que isto aponta claramente para o
fato de que esta está sendo a melhor época das suas vidas, um momento de
florescimento, de auto-conhecimento, de maior autenticidade, uma coisa de estar
podendo, com a idade, ter mais liberdade e maior clareza do que realmente se quer.
Nos desenhos isto transparece na maior fluidez, soltura e expansão -- que se
manifestou até de forma até física, o tamanho dos papéis escolhidos para o realizar
o segundo desenho foi maior. (Conclusões das participantes do 2º workshop)
237
Do ponto de vista visual, todos os segundos trabalhos tem uma qualidade
de maior integração que os primeiros. Integração das cores, das formas, das
partes, de tudo. A maioria dos 2º trabalhos, têm uma qualidade de maior abertura
ao espaço, expansão e soltura, porém , no trabalho de uma das participantes o
movimento que antes era muito aberto torna-se inverso : agora filtra , discrimina e
limita mais. (Conclusões das participantes do 4º workshop)
Em termos de cor, tem mais cores primárias nos primeiros : vermelho,
amarelo, etc, e mais lilás nos trabalhos que representam o momento atual, que
também são mais suaves, mais tranqüilos, mais leves, com nuances de cor muito
mais diversificadas. A direcionalidade é muito mais marcada nos primeiros, e a
forma ganha mais expansão em todos os segundos trabalhos. Como composição, os
primeiros são mais simples, mais lineares. Já os segundos são muito mais
complexos, diversificados e elaborados. Até a metáfora do “iogurte vencido,”
como síntese , é uma concepção elaborada. Isso aponta para uma maturidade
maior, e também para um estar se encaminhando pra paz, para uma maior leveza
interior. (Conclusões das participantes do 6º workshop)
238
SONHOS EXPERIENCIADOS DURANTE OS WORKSHOPS
Como os workshops tiveram dois dias de duração, pedi às participantes ao final do
primeiro dia que ficassem atentas aos sonhos que porventura tivessem à noite. Assim, no
início do segundo dia algumas participantes relataram os sonhos que registro a seguir.
Ao escutar estes sonhos e ajudá-las a desvelar os significados neles contidos, lancei
mão em certos casos, de alguns recursos da abordagem gestáltica para trabalhar com
sonhos (Downing 1973, Perls 1969, 1973), que tem fundamentado já há vários anos minha
prática clínica.
Gestalt terapeutas partem do princípio de que cada parte do sonho, cada
personagem, cada objeto, cada elemento, cada ação etc, representa uma parte de si, como se
fossem metáforas que representam diferentes aspectos da experiência pessoal. Gestalt
terapeutas não “interpretam,” mas procuram facilitar com que a própria pessoa possa
encontrar e atribuir significado ao seu sonho ou a partes dele, propondo experimentos que a
ajudem a explorá-lo. Alguns destes experimentos se tornaram bastante famosos, como por
exemplo pedir à pessoa que dê uma voz a um elemento do sonho, que o represente
dramaticamente, ou ainda, que construa diálogos com os diferentes elementos de seu
sonho. Alguns destes experimentos foram utilizados pela pesquisadora como forma de
ajudar as participantes a
desvelar os significados de seus sonhos, e apesar de suas
intervenções não estarem registradas (pois procurei registrar apenas as falas das
participantes), estiveram subjacentes a algumas das falas sobre significados associados aos
sonhos que aparecem no relato das participantes.
Como se pode facilmente observar, comum à todos estes sonhos é a existência de
conflitos (em alguns
mais, em outros menos) o que não só é comum às épocas de
passagem e transformações de forma geral, como também as caracteriza.
Mitos pessoais também transparecem nestes sonhos, que, sob esta ótica, podem
também ser vistos como representando um conflito mítico, i.e., um conflito entre mitos
novos e antigos. Assim, busquei identificar os mitos pessoais que transparecem em alguns
dos sonhos, na medida em que a questão dos mitos é uma das dimensões deste trabalho..
Para isto, procurei me ater ao que me pareceu obviamente representado, evitando
239
interpretações explicativas.
Como anteriormente descrito, o que aparece em itálico
refere-se estritamente à fala das participantes da pesquisa e apenas o que aparece entre
colchetes corresponde às observações da coordenadora.
Saí ontem daqui super bem, sossegada. E essa noite sonhei de novo um
sonho que se repete desde que eu me separei. Não é toda noite, mas constantemente
eu sonho que tem uma criança de quem que eu cuido. Às vezes essa criança é uma
nenê recém-nascida, às vezes tem um aninho, aparece de diversas formas. No sonho
eu sei que ela não é minha, mas é uma criança que eu tenho que cuidar, que está
sob minha responsabilidade. Eu a alimento, cubro, faço dormir, troco, e cuido
dessa criança em lugares onde tem guerra, em lugares onde as casas estão
desmoronando, em lugares muito ruins. Ela é sempre muito bonita, às vezes loira,
às vezes morena, e às vezes menino, às vezes menina. Tenho um carinho muito
grande por esse bebê que eu cuido quando eu durmo, que eu não sei o que é...
[Para a pesquisadora] Você me pergunta o que é novo, recém-nascido em
mim, de repente é uma parte minha mesmo... Porque a vida inteira eu cuidei dos
outros, nunca cuidei de mim [mito antigo] e agora presto atenção em mim [mito
novo, recém nascido, do qual ela sente que tem que cuidar]. Nem sempre consigo,
mas fico muito atenta em não fazer coisas que não quero [novo mito ainda se
instaurando] Às vezes escapa, eu faço, e fico muito brava. E isso é uma coisa nova.
Hoje eu consigo dizer não, até para os meus filhos...(Elisa)
Eu saí tranqüila, refletindo muito,
cansada. E tive um sonho confuso,
lembro de flashes. Eu estava na casa da minha cunhada, e me lembro do marido
dela, que é um cara muito crítico, um homem muito arrogante, olhando pra mim.
Era um jantar em família, e ao passar pelo sala eu disse pro meu marido: “Eu não
vou ficar aqui, vamos pra onde está o pessoal mais novo?” Eu não quis ficar na
sala dos velhos, e fui pra sala dos sobrinhos com quem me dou super bem, mas
minha sobrinha preferida falou alguma coisa negativa pra mim, e ao olhar não era
ela, era uma menina parecida com ela. Aí saí de lá, e me vi numa casa que parecia
ser a minha, mas não era. Era uma casa que tinha janelas muito grandes de vidro.
240
Eu abri e começou a entrar uma ventania. E eu pensei : “não vou aguentar esse
vento, vai voar tudo aqui dentro.” Aí fechei de novo, apareceram duas crianças e
alguém falou que eu tinha que cortar a unha de uma delas. Eu pensei: “mas que
saco!” Mas acabei sentando e cortei a unha da criança. E aí eu acordei.
Então o que eu entendi desse sonho: Meu cunhado é a minha parte crítica.
Eu tenho esse lado, certamente. Eu não me sinto bem mesmo na família do meu
marido, porque eu acho eles muito velhos, muito chatos, muito o estabelecido, todo
mundo quer ser colunável, ter o carro mais legal. Tem uma coisa meio competitiva
que não me atrai. E eu realmente adoro ficar com meus sobrinhos. Me dou muito
bem com eles, gostam de mim, vêm me contar as coisas, eu viro muito criança
quando estou com eles. E vejo como eu prefiro esse lado mais jovem, essa turma
que não está preocupada com como devem ser as coisas, com o convencional.
Agora, essa casa com este vento que invade eu não consegui entender direito...
[Para a pesquisadora] O que é que chegando com de um jeito que eu não consigo
aguentar?
Talvez sejam os problemas da minha filha com os quais não tô
conseguindo lidar... E acho que essa criança que eu tenho que cortar a unha pode
ser a minha filha, porque eu ando mesmo de saco cheio dessa função de mãe de ter
que ficar cuidando tanto deles [mito antigo], tô querendo sair disso [mito novo] .
(Rubia)
Eu saí com uma sensação de muita leveza. E resolvi ficar em casa, ver um
filminho com meu marido, ficamos lá papeando. Eu tava com a sensação gostosa
de ter tido um dia legal. E me lembrava de vários momentos, não ficou nem pesado,
nem triste, ficou tranquilo. E à noite sonhei com roubo, falcatrua. Sonhei que
peguei a mala do meu ex-chefe que foi mandado embora porque tinha desviado
grana, e olhando dentro vi que dentro da mala tinha bilhetes de amor dele pra
amante, que era a secretária dele. Aí , como a mala era muito bonita resolvi ficar
com ela. Joguei no lixo os bilhetes, e tinha uns objetos que deviam ser canetas
coloridas, que achei bonito e resolvi ficar pra mim.
Agora, eu fui secretária do meu atual companheiro por muito tempo, e me
tornei amante dele. Quando a gente começou a namorar ele era infeliz, cheio de
241
problemas, mas casado. Ele se separou, não sei se foi em função minha ou em
função dele mesmo, mas a sensação de que você tá roubando alguém de alguém,
não é agradável, fica [mito antigo]. Eu me lembro que a mulher dele me chamava
de ladra de homens, vagabunda, e daí prá cima. Mas acordei bem por ter ganho a
mala, não fiquei com sensação de culpa não [mito novo]. Acho que tem a ver
também com aprender a discriminar e ganhar coisas boas, porque fiquei com as
coisas que gostei, pelas quais eu optei, joguei fora os bilhetes e fiquei com as
canetas coloridas. E acho que de uns tempos pra cá esse tem sido meu movimento
mesmo[mito novo], jogar fora o que não interessa e reter o que é bom... (Paula).
Foi bom relembrar tudo o que a gente viveu aqui durante o dia, de vez em
quando me vinham lembranças do que a gente conversou aqui. E sonhei muito, foi
um sono muito agitado, sonhava, acordava, sonhava de novo. E foram sonhos que
tinham uma tônica, todos eles discutiam preceitos morais, sociais, o que a mulher
pode ou não transgredir prá não ser marginalizada, pra não ser puta [mito antigo].
Acordei muito cansada, com o peso de ter estado a noite inteira na corda bamba.
Lembro que na minha adolescência eu ouvia: "Cuidado,
tem um ponto na
intimidade com um homem que você não pode ultrapassar”. E esse ponto não era
muito definido pela minha mãe, ela até discutia a coisa de não perder a virgindade,
mas onde é que tava esse ponto, ela deixava prá gente. Este estar no fio da navalha
foi a sensação do sonho [conflito mítico]. Como estou querendo me separar, parece
que volta a questão de qual é o limite da moralidade que eu vou ter que construir, e
que é nova [ procura um contra-mito que possa contrabalançar o mito antigo]. E
uma sensação do cansaço de estar sempre controlando prá não cair do outro
lado...(Ines)
Eu saí com a minha sensorialidade à flor da pele, acho que falar tanto de
sexualidade, relações afetivas e tal, me mobilizou, tava com muito tesão! Cheguei
em casa, quis ficar com meu marido, ir prá piscina com ele, e como ele tava super
receptivo foi delicioso, parecia um programa de lua-de-mel. E sonhei muito. Não
me lembro de imagens, mas tenho a sensação de que tinha a ver com espaço,
242
aproveitamento de espaço, de poder preencher o espaço de uma forma mais
prazeirosa, que é uma preocupação que tenho tido ultimamente . E ao acordar uma
sensação como se eu tivesse trabalhando muito, acordei cansada [novo mito
procurando se implantar].(Marcia)
Saí super bem, encontrei com meu marido e fomos fazer compras numa loja
que tem coisas super boas de comer, porque gosto de comer coisas importadas,
diferentes. Mas saí daqui ontem com um super tesão, parece que eu tinha que me
provar nos meus tesões da vida! Então foi super gostoso, ele tava super me
pararicando, tava ótimo. E sonhei com alguma coisa de viagem, mas não era
minha. Era da minha filha, e quando começo a sonhar com viagem, tem sempre
alguma coisa de mudança interna acontecendo. E sempre é complicada, sempre
perco mala no caminho, perco roupa, perco gente, tem sempre umas coisas difíceis
nos meus sonhos de viagem. E essa daí era também angustiante. Acho que tem a
ver com a minha relação com a minha filha, que tá me mobilizando muito, tô
sentindo ela começando a querer voar mais do que eu posso segurar. Eu sinto que
ela voa muito mais do que eu aguento! E não é em relação à coisa do sexo, que prá
mim não assusta tanto, é mais a coisa aventureira. Ela é assim: "mãe, vou pra
Bahia." "Mas como vai, pera um pouco, com quem que você vai?", ela me deixa
um pouco insegura , angustiada. E ela é que nem eu, super determinada quando
inventa uma coisa, não sai de cima! Então eu sei que tinha uma questão de viagem,
e tinha uma coisa com ela. Pode ser até a parte minha que identifico com ela, acho
que eu ainda tenho muito essa coisa da jovialidade, da aventureira, pode ser que é
isso que ta me dando insegurança, não sei... (Rosana)
243
IMPRESSÕES DA EXPERIÊNCIA NOS WORKSHOPS
Os depoimentos abaixo foram feitos ao final dos workshops pelas mulheres que deles
participaram. No entanto, alguns comentários feitos ao término do primeiro dia do workshop
também foram incluídos e estão assinalados como tal.
Resgatando Valores
Algumas mulheres falaram da importância de ter participado dos workshops, no sentido
de neles poderem ter resgatado as idéias, valores e práticas vivenciados nos movimentos de contra
cultura dos anos 60 e 70 que de certa forma estavam empoeirados, um tanto esquecidos e
encostados, apontando que o workshop serviu para presentificá-los, ou seja, utilizando uma
linguagem Gestáltica, para trazê-los do “fundo” e torná-los “figura” em suas vidas :
Eu gostei muito de ter vindo, foi surpreendente. Eu não pensei que fosse tão
gostoso estar aqui, a gente resgata muita coisa. E achei curioso que quando eu saí daqui
ontem, saí com um pouco desse gosto do resgate na boca, porque no trilhar da vida a gente
vai perdendo esses sabores. Era tudo tão intenso, tão nosso, tão legítimo, e uma parte disso
eu senti que esteve presente aqui . E estar resgatando essa época me faz sentir mais forte.
(Andréa)
Eu saio com uma sensação ótima! Foi super gostoso fazer essa troca, me senti
super à vontade. Me veio uma coisa de: “Puxa! eu vivi uma época fantástica, eu devia ter
aproveitado mais!” Porque a gente pôde fazer um resgate aqui, e isso foi muito bom para
mim. (Miriam)
Foi um momento de voltar às coisas passadas, mas pensadas hoje. Eu achei muito
legal isso. Ver como é que hoje, aos 57 anos, com tantas dificuldades e com tanta coisa
pela frente , a gente resgata coisas que a gente tem, que as outras têm junto com a gente, e
percebe que a gente continua com elas. (Frida)
244
Pra mim foi totalmente transformador, dentro do meu momento foi super forte. E o
que percebo de comum em nós é um ímpeto transformador que parece que vem desde a
juventude. Esse encontro me deu mais consciência disto. Me dá muita força pensar que eu
faço parte dessa história, dessa geração. (Elaine).
A Importância do Compartilhar Com Outras Mulheres
Por outro lado, o encontro com outras mulheres da mesma faixa etária, perceber que as
questões vividas no nível individual são também questões coletivas, comuns à outras mulheres, e a
relação de confiança e cumplicidade que se estabeleceu no trabalho grupal, foram bastante citadas
como elementos facilitadores :
Acho que foi uma sintonia, cada uma à sua maneira abrindo a porta prá que eu me
sentisse bem e conseguisse ser autêntica, senti muita reciprocidade. Eu já fiz parte de
grupos, sou sempre armada, e ontem não era meio-dia e eu já estava chorando! Olha o
clima de eu poder me liberar, eu achei incrível isso! (Stela)
Eu achei maravilhoso a idéia deste grupo, desta pesquisa, porque eu acho que a
gente só sente mesmo o que que é, só se sente em casa e à vontade, quando você conversa
com outras mulheres e vê que elas passam pelas mesmas coisas. Pra mim foi muito bom.
(Mariana)
A gente acaba conhecendo poucas pessoas, mas é muito bom saber que tem pessoas
assim como vocês,
faz com que a gente tenha esperança nas coisas todas que estão por
vir. A gente às vezes fica muito pra baixo, achando que está tudo destruído, mas não, tem
muita gente fantástica!
E pra mim, pessoalmente, foi um momento de pensar as coisas.
Vocês têm razão, eu preciso conversar mais, ter um grupo de amigas mulheres com quem
eu possa trocar experiências. Porque se não você fica muito por fora e sem dividir um
bocado de coisas que se tem pra dividir com os outros. E aqui foi ótimo! (Frida)
Acho que eu estava exatamente em um momento em que estava precisando escutar
mulheres da minha faixa etária, passando por coisas semelhantes,
com uma cabeça
parecida com a minha. Eu acho que eu fico muito fechada com as minhas coisas, com as
minhas dores, minhas fantasias. Então eu estou achando bárbaro, estou curtindo demais,
245
estou sentindo muita identificação. Porque eu estava me sentindo um E.T. no meu momento
atual! E está me fazendo um bem enorme escutar vocês. (Rubia)
Tá sendo muito bom conhecer a experiência da outras
mulheres, é
muito
interessante (Lucia)
A Relação Com a Pesquisadora
A qualidade do contato estabelecido com a pesquisadora foi citada por várias participantes
da pesquisa, como sendo também um elemento facilitador. Apesar de falar pouco de mim e
colocar-me em uma postura de abertura e real interesse em conhecer e registrar a variada gama de
experiências vividas por cada mulher, era claro para todas as participantes que a pesquisadora
também era uma delas, i.e., uma mulher em fase de climatério que havia vivido os movimentos de
contra cultura. Isto ficou evidente não só nas risadas e comentários compartilhados, como também
desde o primeiro contato telefônico, quando, ao convidá-las a participar da pesquisa, referia-me à
importância de registrar o que “nós, mulheres que vivemos movimentos de contra cultura estamos
experienciando nesta fase da vida. O cuidado em criar um ambiente descontraído e acolhedor, tanto
na maneira de recebê-las como oferecendo sucos, chás, café, biscoitos, papéis e materiais para
trabalho artístico de boa qualidade, também foi um fator que contribuiu para que se sentissem à
vontade para falar abertamente de suas experiências pessoais. Por outro lado, o “termo de contrato”
proposto, ajudou a propiciar um clima de confiabilidade e seriedade à pesquisa. Os dois depoimento
abaixo
são exemplos:
Nós não fomos objeto de investigação, mas pessoas que você convidou para
compartilhar com você de um encontro, para expressar sentimentos e emoções que você
vai transportar pro seu trabalho, mas de forma muito verdadeira, muito humanizada, sem
transformar a gente em materiais de pesquisa. Não nos sentimos apenas objetos de
investigação. E acho que o que incentivou essa liberação, foi que : primeiro você garantiu
preservar o anonimato com um compromisso formal. E na medida em que a gente preserva
com você, a gente também preserva entre a gente . Então acho que isso aí deu prá soltar
quem é mais tímido, ou quem se preserva e tem mais resistência. Em segundo lugar, eu
senti o tempo todo que você estava muito junto com a gente, que você é uma de nós
também. Isso deu muito continente e foi super gostoso. (Julia)
246
Achei que a tua atuação foi super acolhedora, tranqüila, não invasiva, você
não forçou nenhuma barra, uma coisa da gente estar se sentindo muito bem aqui,
eu acho que neste sentido tá perfeito. E você não foi diretiva , deixou todo mundo
falar, perguntar, opinar, deixava rolar sem pressa o assunto que estivesse
mobilizando a gente a cada momento, achei o jeito de conduzir o grupo super legal.
(Ines)
A Importância da Experiência Vivida nos Workshops
E finalmente, todas as mulheres que participaram dos workshops que constituíram esta
pesquisa falaram da importância desta experiência para suas vidas. Muitas mencionaram a
importância deste espaço de workshop, pois propiciou-lhes um debruçar-se sobre as experiências
desta fase da vida, que lhes possibilitou qualificá-las, nomeá-las e sobre elas poder refletir de forma
pessoal e coletiva. Este pensar e compartilhar
grupal possibilitou não só uma rica troca de
experiências, como um importante redimensionar de suas vivências tanto atuais como passadas.
Eu achei ótimo. Nossa! Precisava ter esse espaço prá discutir essas coisas ! E foi
bom que foi de uma forma aconchegante e organizada. (Paula).
Tive que fazer esforço aqui pra nomear e qualificar as experiências que tenho
vivido, mesmo em relação à coisas que eu já pensei, já trabalhei em análise, tal, de repente
aqui dentro, ouvindo as outras, fiz umas sínteses que não tinha feito antes. Pra mim, pagou
o dia ! (Norma, ao término do primeiro dia de workshop)
O grupo foi muito marcante. Ontem de manhã, antes de vir pra cá, eu era uma
pessoa. Agora indo pra casa, já sou outra pessoa. Esse momento foi muito importante.
Houve oportunidade da gente se conhecer, e cada vez que uma falava, a gente ouvia um
pedacinho da gente mesma. (Norma, ao término do workshop)
Tá sendo muito legal. Primeiro pela troca, e segundo pela síntese que a gente tem
que fazer da própria experiência . Hoje eu vinha pelo caminho pensando no que que foi a
247
experiência ontem aqui, e achei três palavras: “cutucante, estimulante e excitante.” Acho
que me fez pensar muito, e além disso me excitou a gente falar tanto de homem, de
aspectos dessas relações;
mexeu comigo ver o jeito como cada uma se colocou. (Elaine,
ao término do primeiro dia de workshop)
Eu tive fases diferentes aqui. Cheguei, sem muita vontade de entrar. Depois senti
que eu entrei demais. O que a gente falou mexeu muito comigo, porque a gente vai
empurrando um pouco essas coisas com a barriga, eu não fico pensando nessas questões
no cotidiano, me deparo com elas apenas em alguns momentos. Então eu achei super
intenso. E na medida em que fui me mobilizando, comecei a sentir o “chacra” do peito
ardendo. Daí foi difícil me concentrar, na hora da visualização eu tava muito irritada,
muito com raiva de estar aqui. Depois o desenho me acalmou, mas não o suficiente. Só
quando fui escrevendo as coisas que me vinham na cabeça é que
foi me dando
tranqüilidade. Fui mudando, fui vivendo muito transformações de humor no processo.
Fiquei indo de um polo para o outro, cham--chum, mas depois que todos os meus altos e
baixos passaram, saí super bem. Para mim foi muito bom ter vivido esse processo aqui.
Eu acho que a gente se sente muito solitária nessa coisa, porque por mais que a gente
troque, é diferente você fazer uma reunião só para falar sobre isto, não é? Ë muito bom
estar trocando esse tipo de coisa desse jeito. E acho também que teve coisas interessantes
que eu aprendi com cada pessoa aqui, jeitos diferentes de lidar com esta fase, porque eu tô
sentindo que cada dia mais, eu tô findando uma fase e entrando em uma outra. Então esse
partilhar e aprender com as outras foi super legal. (Rosana)
Por outro lado, o estar em um grupo de mulheres da mesma faixa etária, para muitas foi um
elemento fundamental para que pudessem ultrapassar a vergonha que em geral acompanhava o falar
sobre certos temas em suas vidas. Para outras, foi um fator facilitador do resgate do seu poder
feminino,
fortalecendo-as enquanto mulheres no mundo, e ajudando-as a reconhecer e criar
coletivamente uma identidade mais positiva para a mulher madura do que a socialmente difundida :
Saí daqui com uma sensação muito boa ontem, uma sensação de poder mostrar
minhas coisas e não me sentir envergonhada, que é uma sensação que eu sempre tive.
(Tereza, ao término do primeiro dia de workshop)
248
Tô saindo super bem. Antes de vir fiquei pensando se
eu não iria me sentir
constrangida aqui, mas não, foi um ambiente super acolhedor, legal mesmo. E foi gostoso
estar encontrando um espaço prá cuidar das minhas coisas e de mim. (Ines)
Eu acho que esse trabalho fortalece esse nosso momento enquanto mulher, ajuda a
gente a se ver como mulher integrada, não mulher "sem coisas." Mulher "com!" Eu achei
que foi legal esse momento da gente poder até estar também resgatando e exercitando o
poder da gente, nos afirmando, afirmando os nossos desejos. Por outro lado achei que foi
importante poder estar vendo as minhas coisas, poder mostrar minha fragilidade, estar
compartilhando o difícil desse momento, foi bom ter trocando isso. (Marcia)
Eu achei uma experiência muito enriquecedora. O que eu gostei muito é que são
mulheres diferentes de mim, com experiências muito diferentes, embora a gente seja da
mesma geração, e certamente estivemos nos mesmos lugares, eventos, reuniões, nos
mesmos comícios, nas mesmas passeatas. Eu converso muito com amigas, mas são as
mulheres que eu conheço . Eu me senti em contato com pessoas com caminhos diferentes
dos meus, e que me deram uma referência do feminino muito forte. Eu estava sem
referência, numa coisa de muita introspecção, que foi o que eu fiz nesses últimos tempos,
fiquei meio sem saber até onde é o feminino mais geral, e até onde sou eu mesma. A minha
sensação era de que o feminino era uma coisa meio desorganizada, meio natureza bruta,
essa coisa de só sentimento, e que o organizado era o masculino -- quer dizer, que o
organizado em mim é o masculino que eu absorvi. E percebi que aqui apareceu um
feminino organizado e muito diferente em cada uma, uma forma de misturar inteligência
com sensibilidade, com vivência, com reflexão, com estar no mundo, com agir. A
impressão que me deu foi que pelo menos em nós, que somos da mesma geração, o
feminino tem uma forma muito nítida a despeito das diferenças . E eu fiquei com uma
referência assim: ser mulher é uma coisa muito clara, que você reconhece, com a qual você
se identifica. Foi muito reconfortante pra mim ter essa clareza!
Eu acho que as mulheres desse tempo passam uma experiência muito inédita,
muito luminosa, é uma grande aventura ser mulher nessa época, é uma transformação
muito grande. Então achei muito importante o espaço de troca. Faltam lugares e ocasiões
pra socializar isso. Porque, inclusive, na hora que você divide fica mais leve pra carregar,
e eu sinto isso muito pesado às vezes, é uma carga pesada de levar sozinha . Mas quando
de repente você vê que todo mundo está levando , cada uma do seu jeito, com a sua graça ,
249
a gente percebe que dá pra segurar com mais graça. Senti aqui muita maturidade das
pessoas. Tivemos machucados, dores profundas que hoje estão de alguma maneira
cicatrizados, e acho que o que dá dignidade à gente é muito isso também, eu percebo muita
dignidade em todas. Então eu acho que esta reunião incorporou coisas importantes à
minha história e à minha referência da história das mulheres da minha geração. Além do
que foi muito agradável estar aqui, gostei muito de conhecer as pessoas que conheci
aqui.(Lucia)
E finalmente, muitas falaram da importância de transcender a experiência de solidão das
vivências deste período de vida, e da confirmação e prazer que esta experiência proporcionou,
reconhecendo os ganhos terapêuticos que a experiência de participar nestes workshops lhes trouxe :
Na minha vida, a todo momento eu me deparo com algumas coisas que são
extremamente prazerosas [Chorando] ... e esse encontro é uma delas, muito prazeroso,
muito especial... (Sandra)
Foi muito bom., muito agradável, especialmente pela diversidade, pra gente poder
perceber que todas as experiências são únicas e muito pessoais, apesar dos aspectos em
comum. Cada uma tá passando do seu jeito, vivendo do seu jeito... e que bom! Que bom que
possa ser assim! Que é o que a gente batalha tanto na terapia. Muita gente vem pra
terapia com a impressão de que vai mudar e a primeira coisa que eu falo é: “terapia não
está aqui pra mudar ninguém,
está pra você se revelar, se descobrir, se aceitar, se
incorporar, ficar inteira. ” Sinto que esse grupo teve esta qualidade para mim. Acho que a
gente teve a coragem de compartilhar coisas menos bonitas, mas que também podem se
transformar. (Rebeca)
Foi muito legal pra mim aliviar a ansiedade, ver que que todo mundo tá
passando por essas coisas, perceber que a gente é maravilhosa mesmo. Também gostei
muito de estar com o grupo, foi uma experienciam muito gostosa e para mim, emocionante.
(Fernanda)
Eu fiquei encantada com as histórias, eu me deliciei com as histórias de todas,
porque apesar de diferentes, o que eu achei muito legal foi observar as contradições. Achei
bárbaro! Isso traz uma coisa de humanidade que é muito bacana. Porque a gente é isso,
250
um ser-aí, contraditório. Então, na medida em que a gente sofre toda essa pressão cultural
e social, a gente também escorrega e entra na mesma carneirada. “Será que eu já sou
carta descartada? Será que eu não atraio mais? O iogurte venceu, o peito caiu, a bexiga
despencou, os homens não vão olhar mais pra mim.” Você sofre essas pressões, você tem
esses medos, você fica apavorada com esta
monstra menopausa. Isso traz muito
sofrimento, e não me sinto livre disso. Então curti ver aqui pessoas tão diferentes, com
vidas, histórias e experiências diferentes lidando com as mesmas questões, sofrendo essas
mesmas coisas Muito legal. Talvez , o que nos distinga seja a consciência dessa coisa toda.
Ontem à noite fiquei pensando que eu gostei muito do grupo. Me encantou tanto as
diferenças entre nós que trouxeram uma riqueza muito grande, como também descobrir
pontos comuns. E o respeito. Olhar nos olhos das pessoas , e ver seus olhos olhando
diferenças com respeito e até com certa admiração, sentindo admiração por cada uma
aqui, foi muito especial. A palavra que mais fica pra mim desse trabalho que tivemos aqui,
é “cumplicidade.” A gente teve uma coisa de cumplicidade. Não é que eu vou sair daqui
uma outra pessoa, ou me achando com os peitos menos caídos ou sem estar fora de
validade. Mas dá força, certamente eu me sinto mais forte ao sair daqui. Acho que essa
experiência mais do que interessante, é importante. Valeu mesmo , e deve se difundir, pra
poder ajudar as mulheres em geral. (Mariana)
251
CONCLUSÕES POÉTICAS
Ao término dos workshops, dei a cada uma um papel onde pedi que escrevessem,
como fechamento do workshop vivido, uma conclusão poética sobre o ser mulher desta
idade, sugerindo às que nunca haviam escrito poesia, que se deixassem escrever o que lhes
viesse à cabeça, sem preocupação com lógica, continuidade, sintaxe ou concordância, e que
deixassem fluir as frases e palavras que lhes ocorressem como se fossem imagens de um
sonho.
Como só me ocorreu propor isto à partir do segundo workshop, as participantes do
primeiro estão ausentes nesta parte. Da mesma forma, somente à partir do terceiro
workshop me ocorreu propor que escrevessem estas poesias de fechamento em conjunto, e
não individualmente, assim os textos das participantes do segundo workshop são
individuais.
A proposta foi foi dar a cada mulher uma folha grande de papel, e pedir que como
primeira frase escrevessem : Ser mulher de tantos anos é... , cada uma completando a frase
com a sua idade, e que a partir disto, escrevessem o que lhes ocorresse, até que eu desse
um sinal. Neste momento, terminariam a frase que estavam escrevendo, e dobrariam o
papel, deixando somente a ultima frase à mostra, passando a folha para a companheira do
lado, que por sua vez escreveria o que lhe ocorresse como continuação dessa frase até o
próximo sinal, e assim por diante. Na última rodada eu avisava que as frases que
escrevessem estariam concluindo o poema. Assim, em cada grupo foram feitos tantos
poemas conjuntos quanto o número de participantes.
Aprendi esta técnica de escrita conjunta no período de 1976 a 1978 com um grupo
de poetas surrealistas de São Paulo com quem me relacionava (Cláudio Willer, Juan Sanz
Hernandez, Roberto Piva etc), que por sua vez a aprenderam do movimento surrealista
francês. Um exemplo de um poema por eles assim escrito é A Espécie Humana (Willer
1981), poema escrito à várias mãos. Experimentei tanto com eles, como em várias ocasiões
posteriores este jeito de escrever, que juntei à sugestão de Meserani (1977), de propor a
primeira frase do texto ou poema para facilitar a desinibição da escrita criativa.
Entre todos os textos elaborados, selecionei os poemas individuais e conjuntos que
me pareceram mais representativos para compor esta parte do trabalho. Assim como os que
252
já apareceram nas páginas introdutórias dos capítulos precedentes, foram todos resultantes
desta proposta.
Considerando que a ordem de apresentação do material de pesquisa deste trabalho,
em linhas gerais obedece à seqüência de temas e vivências dos workshops, acredito que
estes textos, por terem sido criados como fechamento de workshops de 12 horas em média
cada, onde se falou sobre vivências e experiências do feminino, espelhem os efeitos
positivos que um trabalho de reflexão e conscientização conjunta pode ter sobre mulheres
nesta passagem da vida.
Ser uma mulher de 47
é ter vivido muito, um bom tempo,
suficiente para aprender a ver a outra pessoa
e a reconhecer em si e nos outros
luzes e sons
na pele e no coração.
É encontrar a vida
porque conheçe um pouco da morte.
Afetos queridos que se foram,
pedaços de si mesma que morreram,
desejos que não resistiram e morreram,
ilusões que se revelaram,
mesclaram, multiplicaram e frutificaram
numa esperança
de um eterno florescimento.
(Poesia conjunta de Norma, Lucia e Elaine, participantes da pesquisa)
Ser mulher de cinquenta anos
Meio século de esperar e sentir
253
de viver e experimentar
de ser o ser.
Mulher com brios
sem o sangue mensal
sem a dor do devir
mulher, apenas mulher
quente, gostosamente mulher
não mulher com face de homem
mas mulher integrada, masculino/feminino
ser universal, movimento, energia
prazer de ser mulher
de ser em harmonia com o cosmos.
Mulher- mudança, mudando
Mulher-transformando
mulher sacando de si mesma
e se unindo aos demais para compor a nova realidade.
Cri-ar, no sentido de
usar sua porção criança
ela, mulher capaz de fazer crianças,
para de novo inventar.
Porque é na criança que está a liberdade, o intuitivo,
o amigo do Ivo
Quero incorporá-la
às argolas dos meus brincos, ao colar que cerca meus chakras,
pois a mulher só pode ser se tiver o dourado.
Quero um encontro d’ouro! Por que não?
Quero um encontro enfeitiçado
Repleto de encantos e prazer.
Que soem os sinos,
Homens e mulheres, chegei!
(Poesia conjunta de Andréa, Julia, Nira, e Stela, participantes da pesquisa)
Ser uma mulher de 52 anos é ser uma constante contradição
Um paradoxo de dor e prazer
Uma cachoeira e um lago tranqüilo
Que vão podendo fertilizar tudo onde passa e o que está ao redor,
254
cada vez mais...
Poder conseguir se transformar.
Com água, com bromélias, com gambás, com girassóis...
sóis com bloqueador solar, e música, sempre música.
Muitos amigos,
amores, erotismo,
e finalmente prazer.
Sempre tem pra quem você dar, receber, transformar, amar, tendo a idade que tiver.
Haverá sempre quem goste.
Talvez melhor que sejam poucos, intensos e belos...
(Poesia conjunta de Fernanda, Mariana, Rebeca e Sandra, participantes da pesquisa)
Ser uma mulher de 45 é
florescer, resplandecer, amadurecer
é se colocar mais fortemente, veemente
se encaminhar para a sabedoria do ser,
do amar, do desejar, do realizar.
Aquilo que se previu? Não.
Que se almejou? Talvez, incertamente,
principalmente, aquilo que a vida revelou
Tomar em suas mãos, agarrar firmemente
o que a vida, trouxe às suas mãos,
e fazer disso algo precioso,
valorizando o brilho precioso, fundamental,
do valor de si, interno,
e que irradia a luz do bem-querer, do bem-amar, da relação,
na serenidade de uma nova idade.
(Poesia conjunta de Norma, Lucia e Elaine, participantes da pesquisa)
Lembrei da jaboticabeira no meu quintal, que vejo da janela do meu quarto. Ela
está linda, crescida, dando frutos. Acompanhei seu crescimento desde pequenininha. Era
uma raminha frágil enfiada na terra. E ela cresceu tão rápido! Tive a sensação de que deu
frutos antes da hora. Durante um ano ela deu frutos sem parar. Fiquei até com medo de
que estivesse se esvaindo, incontida, e que não fosse suportar tamanha sangria. Agora
255
percebo que ela está pausada, dando frutos só na estação certa, sem aquele impulso louco
de gastar toda a sua energia.
Eu sou mais velha do que ela e estou menopausando. Significa que estou madura, e
que minha estação de frutos passou. No entanto, sinto-me como ela, uma jaboticabeira
madura, que nos seus galhos abriga passarinhos com seus ninhos e filhotes. Isso me enche
de alegria. Adoro ouvir seus cantos e me sinto tão orgulhosa de poder servir-lhes de
pousada. A minha copa é enorme, e posso acomodar um pequinique com muita gente
comendo, dando risada, ouvindo música. E o gostoso é que eu não preciso interferir em
nada. As coisas acontecem à minha volta, porque eu estou lá, mas independente da minha
ação.
Essas serenidade eu não troco por nada. Acho que só por um banho de mar. Me
lanço nas ondas, hoje não tão afoita, não tão no alto mar, mas brincando muito, criando
novos movimentos, inventando danças, para a água me massagear e para o sol me pegar
inteira. E vou sair do mar só na hora que eu quiser, correr na areia e subir no morro com
o vento batendo forte no meu rosto. Ah, bendito vento que limpa minha alma, seca meus
cabelos, me proporciona poder gritar, gritar e gargalhar. Estou finalmente livre para ser
eu mesma, pra assumir minha segurança, minha liberdade, minha beleza e a minha
independência. Adorei ter crescido e estar madura. Vou em frente, descobrir o resto do
meu caminho.
(Rubia -Participante da pesquisa)
Adeus óculos...
adeus modess...
adeus impaciencia...
adeus autocrítica cruel...
adeus opinião alheia...
adeus buraco no peito...
adeus ansiedade...
256
adeus...
Serenidade,
compreensão
generosidade
independência emocional
amor,
intuição maravilhosa. ,
De repente, no lugar do vazio,
da solidão,
amigos que me procuram, programas...
Eu sonhei ser uma pessoa solitária e serena.
Hoje sou capaz de ficar sozinha, mas não me sinto só.
Plenitude, saúde, energia,
Portas abertas, janelas abertas,
que venha o amor!
(Tereza - participante da pesquisa)
Ser mulher de 47 anos é
me sentir na metade do caminho,
poder recomeçar de novo
e enxergar mais que antes.
É poder caminhar mais devagar
(a pressa confunde, a gente não vê direito as coisas)
É me sentir mais calma, mais tranquila.
E também é me sentir mais forte, mais plena,
257
mais capaz de interagir com a realidade.
É me sentir mais distante dos pré-conceitos
e mais próxima de mim mesma.
É, também, me sentir mais próxima dos demais,
como se eu fosse os demais, numa intermitência sem fim entre o dentro e o fora.
Deixe que eu lhe diga,
sobre a esperança, sobre um novo rumo.
Há possibilidades de se colher flores mesmo não se tendo certeza do fim do caminho.
Na trilha entravada, no caminho largo,
na mina garimpada, uma nova mulher mulher lapidada, mulher brilhante,
mulher- universo.
(Poesia conjunta de Andréa, Julia, Nira, e Stela, participantes da pesquisa)
258
7
CONCLUSÃO E COMENTÁRIOS FINAIS
Ao chegar ao final deste trabalho leio as questões colocadas no capítulo introdutório
considerando como as responderia agora.
Uma questão básica deste estudo foi verificar se os valores, crenças e práticas
aprendidas e experienciadas nos movimentos alternativos e contestatórios dos anos 60 e 70,
que genericamente chamei de contracultura, ainda estavam presentes para as participantes
da pesquisa, sobrepondo-se à carga de preconceito e negatividade existentes na forma como
a sociedade como um todo relaciona-se com a mulher mais velha e a passagem para a
menopausa. Questionei se, ao contrário, esta mitologia estaria sendo sobreposta pela pesada
carga de preconceito social que constitui nossa mitologia social, ou ainda, se estes dois
conjuntos de mitos estariam coexistindo ou em conflito.
Através dos workshops e entrevistas ficou claro que a mitologia da contracultura
ainda se faz bastante presente em várias áreas das vidas destas mulheres. Em suas opiniões
e posições políticas, em suas atividades profissionais e maneira de nelas estar, em suas
postura crítica em relação à notícias, livros, eventos e questões sociais, no jeito de
administrar e arrumar a casa, nas atitudes em relação à educação dos filhos, nas relações
que estabelecem com amigos íntimos e parceiros, etc. No entanto, apesar de todas terem
uma atitude bastante liberal em relação à questões relativas à sexualidade, e grande parte
delas em relação à sua própria sexualidade,
estes valores não estavam presentes em
algumas das áreas mais íntimas de suas vidas, i.e., em sua identidade enquanto mulher. A
maioria sabia muito pouco de fato sobre a fase de climatério e menopausa, e o silêncio,
vergonha e preconceito social eram bastante pervasivos em seus depoimentos. Com
algumas exceções, a maioria relatou sentir-se perdendo seu poder de atração enquanto
mulher, começando a sentir-se como uma carta descartada enquanto mulher na esfera
social.
No entanto, durante as 12 horas de workshops, à medida em que se recordavam
de
suas experiências da época da contracultura e compartilhavam com as demais participantes
259
suas experiências atuais nos vários áreas de suas vidas, e.g., física, psicológica, sexual,
psico-sexual, etc., suas atitudes foram mudando. Era como se nestas áreas mais íntimas de
suas vidas este valores estivessem esquecidos,
cobertos de pó, e estivessem sendo
subitamente recobrados. Na verdade o que aconteceu é que a experiência dos workshops
acabou sendo uma prática de conscientização em que puderam dar-se conta de como
estavam passivamente aceitando e permitindo que estes mitos sociais se tornassem
internalizados, possibilitando que se questionassem “por que diabos” este estava sendo um
ponto cego. As “conclusões poéticas” que constituíram a parte final dos workshops
refletem de forma significante esta mudança perceptiva.
Portanto, minha resposta à questão que coloquei inicialmente é que apesar de que a
mitologia social esteja de certa forma coexistindo e mesmo se sobrepondo ao conjunto das
crenças, práticas e valores da contracultura sobre questões de gênero e sexualidade, a
experiência dos workshops se constituiu em uma prática fortalecedora que ajudou as
participantes a tirar o parênteses desta área de suas vidas, estendendo as crenças e valores
“de antes” para suas experiências “de agora.”
Evidentemente não falo aqui de uma
transformação milagrosa, mas de um questionamento inicial e de uma nova ótica, que,
apesar de ficarem inicialmente um tanto à frente do nosso sentir mais profundo (tal como
nossos questionamentos e posições sobre a sexualidade dos anos 60 e 70), marcam a
direção da construção de uma nova mitologia sobre a mulher mais velha, a passagem da
menopausa, e o próprio envelhecer.
Quanto àquelas entre nós que estiveram ativamente envolvidas nos movimentos dos
anos 60 e 70, não deixa de ser interessante considerar que, se nos perguntassem como nos
imaginaríamos
com 50 anos quando éramos mais jovens,
nós provavelmente nunca
pensaríamos que chegando à meia idade iríamos ter internalizado tão fortemente aspectos
da mitologia social vigente sobre a mulher mais velha e a menopausa., i.e., nunca
imaginaríamos que
iríamos “cair que nem patinho” em absorvê-los sem nenhuma
consciência crítica.
Por outro lado, as poucas participantes que por razões diversas viveram épocas
difíceis em sua vida conjugal aos 20, 30 anos, relataram estar sendo este o melhor período
de suas vidas. Uma delas inclusive, ao fazer 50 anos, foi viajar sozinha pela Europa de
mochila nas costas. Interessante também foi verificar que todas as participantes que
260
mantinham relações sexuais com um parceiro fixo por ocasião das entrevistas e workshops,
relataram que suas experiências sexuais estavam melhor que nunca em termos de
qualidade. Além disto, em sua grande maioria as participantes relataram perceber-se mais
atentas à si mesmas e ao que realmente estão buscando, percebendo-se mais autênticas, sem
tanta preocupação com as opiniões e expectativas alheias.
Finalmente, todas as participantes dos workshops sentiram-se agradecidas tanto pela
oportunidade de compartilhar suas experiências com outras mulheres como pela
oportunidade
de resgatar e reapropriar-se de valores e experiências da época de
contracultura que estavam esquecidos. Apesar de não terem sido planejados como
workshops terapêuticos, os grupos tiveram a dimensão de ajudar as participantes a dar voz,
iluminar, examinar criticamente, e começar a reconstruir tanto suas percepções sobre si
mesmas como mulheres mais velhas como suas mitologias internas sobre a menopausa e o
envelhecer.
Para mim pessoalmente, o processo de elaboração desta pesquisa teve esta
qualidade. Foi sem dúvida extremamente terapêutico para mim. Aprendi com cada mulher
que participou deste processo, e certamente hoje me sinto bem melhor sobre mim, minha
idade, e as perspectivas que vislumbro adiante.
Isto me levou a perceber como grupos de apoio terapêutico direcionados à mulheres
nesta faixa etária podem ser extremamente valiosos em ajudá-las à lidar com os conflitos e
turbulências específicos deste período de vida – o que é característico aliás de períodos de
mudanças de forma geral. Porém, este é um período de transformações muito especial, pois
envolve uma rede de fatores importantes interrelacionados. É um período de passagem,
onde as questões existenciais bem ou mal resolvidas da vida de uma mulher precisam ser
revistas e alcançar à uma boa resolução interna a fim de abrir espaço para o novo.
No entanto, às vezes este processo não se dá de forma fluída e amena e nossas
questões mais íntimas não ficam bem resolvidas. Às vezes nossas necessidades não se
configuram claramente, sentimo-nos angustiadas, ansiosas, com uma sensação de vazio em
nossas vidas, sem muito contato com o que nos faz sentir assim. Ou, sentimo-nos
desesperançadas, sem opções, sem entrever possibilidades de soluções e caminhos novos
para as situações que nos afligem. Quando isto acontece, nossa energia fica presa em
situações inacabadas mal resolvidas do passado que ficam obstruindo o fluir da nossas
261
possibilidades de percepção e respostas criativas à novas situações no presente. Nestes
casos, a terapia freqüentemente pode ajudar a expandir o fluxo de consciência, liberando a
energia retida. Através do suporte da relação terapêutica, pode-se facilitar a elaboração de
questões da nossa interioridade, o vivenciar de novas experiências, e a compreensão e
eventual transformação dos padrões de relacionamento da mulher consigo própria, com os
outros e com o mundo.
Terapeutas e médicos que mulheres nesta faixa etária possam vir a procurar,
precisam estar atentos não apenas ao quadro biológico ou psicológico mais específico que
apresentem, mas também para a possibilidade de que estes façam parte de um quadro mais
amplo relacionado ao climatério e menopausa, assim como para as dimensões socioculturais desta passagem. Só assim poderão realmente ajudar suas clientes a lidar não só
com as mudanças experienciadas, mas também com a carga de negatividade e preconceito
que impregna nossa mitologia cultural em relação à este período de vida da mulher. Neste
sentido, a abordagem da Gestalt terapia para trabalho com grupos, combinada com o
referencial da Mitologia Pessoal, provou ser um instrumento valioso na facilitação destes
processos.
Finalmente, é importante notar que todas as participantes expressaram seu
contentamento não apenas em participar nos workshops, mas também em estar colaborando
nesta pesquisa, já que mesmo as que manifestaram uma atitude predominantemente positiva
em relação à esta fase da vida, relataram experienciar esta passagem como uma passagem
solitária e silenciosa.
Nos círculos feministas e de mulheres envolvidas nos movimentos de contestação
da década de 60, 70, não se falava sobre a mulher mais velha ou sobre a menopausa porque
éramos todas muito jovens, e também, como era comum dizer-se na época, porque “não
confiávamos em ninguém com mais de 30 anos”. Hoje em dia este silêncio permanece por
outras razões, que necessitamos questionar e contestar. Necessitamos trazer luz e
informações à esta questão, aprendendo sobre nossas experiências através do nosso próprio
compartilhar, a fim de ajudar a de-construir e a re-construir de forma mais positiva, para
homens e mulheres de todas as idades, nossa mitologia cultural sobre a mulher mais velha
e esta passagem na vida de uma mulher.
262
Acredito que esta geração de mulheres pode ter um papel transformador em relação
à maneira pela qual mulheres e a sociedade de forma geral relacionam-se com a mulher
mais velha, o envelhecer e a menopausa. Meu desejo é que esta pesquisa possa ser uma
contribuição neste processo.
Ciornai
263
ANEXO A
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLOGIA DE PESQUISA
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Como o climatério e a menopausa são transições complexas que envolvem variáveis
biológicas, psicológicas e culturais, me pareceu importante abordar a experiência interna de
mulheres neste período de vida, com uma fundamentação teórica que pudesse proporcionar
uma compreensão abrangente das complexas inter-relações entre estes fatores. Encontrei
esta possibilidade em dois referenciais familiares: a abordagem de campo da Gestalt
terapia, e a Mitologia Pessoal.
A Abordagem de Campo da Gestalt Terapia
Ao considerar as experiências de mulheres no período de vida que compreende a
passagem para a menopausa, compreender suas experiências internas como um fenômeno
de campo foi de fundamental importância. Mas em que consiste esta perspectiva?
Para a
Gestalt terapia, o indivíduo só pode ser compreendido enquanto ser
relacional, i.e., a partir de suas relações com o meio onde vive e com as pessoas com quem
convive. A abordagem de campo da Gestalt terapia tem três fontes básicas: a Psicologia da
Gestalt, a teoria de campo de Kurt Lewin, e a teoria organísmica de Kurt Goldenstein.
A Psicologia da Gestalt foi um movimento criado por 3 psicólogos alemães, Max
Wertheimer, Wolfgang Kohler, e Kurt Koffka, que constituiu “a primeira manifestação
importante da influência da moderna teoria de campo na psicologia.”1 Seu objeto de estudo
era basicamente a percepção visual. Para eles a percepção é sempre determinada “por um
campo psicofísico de forças... análoga às de um campo gravitacional ou eletromagnético”2
Como decorrência, um de seus princípios básicos que se tornou famoso é o de que o todo é
1
Hall & Lindzey 1957/1978, p. 383.
2
Hall & Lindzey 1957/1978, p. 383.
Ciornai
264
maior que a soma das partes, e que a percepção de um elemento (figura), é sempre
inevitavelmente influenciada pelo contexto ( fundo ) no qual se insere.
Muito influenciado por estes três psicólogos, Lewin aplicou a teoria de campo à
diferentes áreas da Psicologia. Definindo campo como “a totalidade dos fatores
coexistentes e considerados como mutualmente interdependentes”3, afirmava que todo
comportamento deve ser compreendido em função do campo existente no período em que o
comportamento ocorra.4
Goldstein, neuropsiquiatra, estendeu os princípios da psicologia da Gestalt para o
organismo como um todo, criando uma maneira de compreender fenômenos psicológicos
que passou a ser chamada de “psicologia organísmica”5. Trabalhando com soldados com
lesões cerebrais durante a 1ª Guerra Mundial, chegou à conclusão de que os sintomas
psicológicos apresentados pêlos pacientes não poderiam ser compreendidos apenas como
conseqüência de certas lesões ou doenças, mas teriam que ser considerados como uma
manifestação da totalidade do organismo, pois para ele “as leis do todo governam o
funcionamento das partes diferenciadas.” 6
Nos fundamentos teóricos da Gestalt terapia, estas influências estão bem presentes.
Por exemplo, Perls, Hefferline e Goodman (1951), autores de um dos livros mais básicos e
importantes na Gestalt terapia, escrevem:
Apenas a inter-relação organismo e meio constitui a situação psicológica, e não o
organismo e o meio considerados separadamente (p.xii).Chamemos à essa interação
organismo-meio em qualquer função, de “campo organismo/meio”, e lembremo-nos
que não importa como teorizemos sobre impulsos, drives, etc., sempre estaremos
nos referindo a tal campo de interação e não a um ser isolado. (p. 228)
E em livro subsequente Perls (1973) escreve: “Nossa abordagem, que considera o
ser humano como simultaneamente e por natureza , um indivíduo e um membro do grupo
social, nos fornece uma base operacional mais ampla.” (p. 52).
Entre os teóricos atuais da Gestalt terapia, Yontef (1993) assim define a perspectiva
da teoria de campo:
3
Lewin, 1951, p. 240
Hall & Lindzey 1957/1978, p. 386
5
Goldstein, 1939
6
Hall & Lindzey, 1957/1978, p. 242, 243
4
Ciornai
265
A teoria de campo é um método de exploração que descreve a totalidade do campo
no qual o evento está ocorrendo, ao invés de analisar o evento em termos da classe a
que pertença por sua “natureza” (e.g., classificação Aristotélica), ou de uma
seqüência de causa e efeito linear e histórica (e.g., mecânica Newtoniana). O campo
é uma totalidade em que as partes estão em relação imediata, reativas umas às
outras, onde nenhuma parte deixa de ser influenciada pelo que se passa nas outras
partes do campo (p. 130). . . . Do ponto de vista da teoria de campo, tudo o que
existe consiste em uma rede de relações (p. 298).
Já
Wheeler (1995) escreve que a abordagem de campo em psicoterapia por
conceber o self como relacional, é um paradigma polar ao individualista, que concebe a
experiência humana como função da história pessoal e de mecanismos internos, e o self
essencialmente como uma unidade separada, preexistente às interações.
Partindo da
conceituação da Gestalt terapia de que o self é “o sistema de contatos em qualquer
momento... a fronteira de contato em funcionamento... o integrador... [que] desempenha o
papel crucial de encontrar e construir os significados por meio dos quais crescemos” (Perls,
Hefferline e Goodman (1951, p. 235), Wheeler escreve :
No modelo Gestáltico, self inclui o outro assim como o “self interno,” no sentido
mais antigo do termo. A tarefa da terapia certamente continua ser em certo sentido
a exploração do self e dos processos de self tal como nos modelos dinâmicos
antigos, mas agora com um sentido e espírito totalmente distinto. Onde autoexploração e auto-expressão eram individualizados e separados do campo social,
poderemos agora ver estes processos, em terapia ou na vida, como dando igual peso
tanto à definição das “minhas necessidades” como à considerações interpessoais e
mesmo comunitárias e políticas: minha awareness e articulação do meu mundo
interno e minha sensibilidade ao mundo de outras pessoas são, em um sentido real,
tanto parte de mim como distintas de mim. (p. 43)
Especificamente considerando a questão da vergonha, (que tanto permeou esta
pesquisa), Wheeler (1996) escreve que compreende a vergonha como estando basicamente
ligada à uma sensação de ruptura, à uma sensação de estar existencialmente excluído de
uma relação harmônica com o campo, pois “vergonha tem a ver com como somos
recebidos e aceitos, com nossos vínculos básicos com o campo”(p.50).
Fodor ( 1996),
Ciornai
também Gestalt terapeuta,
266
no artigo “A Mulher e Seu Corpo, Ciclos de Orgulho e
Vergonha,” citando mensagens que mulheres recebem da mídia, afirma que “as mulheres
recebem pouco apoio e aceitação do meio pela maneira como são, e o afeto que acompanha
esta falta de suporte do campo é a vergonha”. Para ela as mulheres “vivem em um campo
de vergonha, e constróem sua realidade e seu sentido de si através de mensagens que
continuamente que desvalorizam o feminino”(p. 229).
A Mitologia Pessoal
A perspectiva da Mitologia Pessoal também constituiu um referencial importante
em termos teóricos para esta pesquisa. Mitos pessoais são crenças profundas que guiam
nossas vidas, servindo para orientar ações e escolhas. Para Feinstein e Krippner (1988a,
1988b, 1989,1997), todas as construções humanas sobre realidade podem ser concebidas
como mitologias. Para estes autores, mitos pessoais são mais do que simples crenças, pois
também se constituem de imagens e emoções. São “modos pelos quais os seres humanos
codificam e organizam suas vidas interiores... [pois] é através dos nossos mitos que
interpretamos a experiência dos nossos sentidos, ordenamos novas informações,
encontramos inspiração e direções, e nos orientamos em relação a poderes no universo que
estão além da nossa compreensão” (1988b, p. 27).
Nas sociedades primitivas os mitos eram apenas culturais e compartilhados por
todos. Mas as sociedades foram se tornando por demais complexas para que uma visão
uniforme do mundo fosse aceita por todos os seus membros. As pessoas se tornaram mais
diferenciadas, e mesmo vivendo na mesma sociedade, passaram à pertencer à diferentes
camadas sociais, grupos e sub-culturas. Desta forma, mitos pessoais foram se formando
para cada indivíduo.
Mitos pessoais estão geralmente fora do campo da consciência, e resultam da
influência do ambiente cultural, familiar, da influência das gerações passadas e de
todos os eventos vividos pelo indivíduo, filtrados pela subjetividade única de cada
pessoa. Assim, alguns mitos pessoais são também mitos grupais compartilhados, e
outros são unicamente individuais..... A mitologia pessoal de uma pessoa inclui
Ciornai
267
todos os pensamentos interativos e às vezes conflituosos que esta tem sobre o
mundo, tanto consciente quanto inconscientemente. Estes pensamentos e
sentimentos formam sua compreensão do que é o mundo, e qual o lugar que nele
pode ocupar. Estes mitos formatam as ações das pessoas e as interpretações que
conferem às suas experiências. (Krippner 1986, p. 454)
Portanto:
Mitos pessoais são modelos internos que, para o indivíduo, interpretam o passado,
explicam o presente e orientam o futuro... [e] dizem respeito a questões de
identidade (quem sou eu?), de direção ( para onde vou?) e de objetivo (por que
vou?). (Feinstein & Krippner 1988b, p. 29)
E, enfatizando a questão da subjetividade em todas as experiências vividas, os
autores escrevem:
A orientação silenciosa de sua mitologia pessoal confere significado a toda situação
que você encontra, e determina sua atitude em relação à ela. Sua mitologia pessoal
atua como uma lente que colore suas percepções, segundo seus próprios valores e
suposições, ressaltando certas possibilidades e obscurecendo outras. (Feinstein e
Krippner ,1988a, p.1)
No entanto, nossa mitologia interna vai evoluindo à medida em que vivenciamos
novas experiências na medida e internalizamos mitos que muitas vezes entram em conflito.
Como somos desafiados pela vida a incorporar novas informações e experiências, as
pessoas ou adaptam suas mitologias internas para se acomodar a estas novas situações ou as
reformulam. Assim nossa compreensão do mundo vai sendo constantemente revisada.
Ao compreender e dar-se conta de seus mitos latentes, as pessoas podem começar a
modificar padrões de vida que antes lhes pareciam incontestáveis, e, ao reconhecer que
padrões do nosso viver são dirigidos por mitos internos que podem ser questionados e
modificados, nossa consciência das escolhas possíveis cresce.
Além disto, em adição à idéia de mito pessoal, Feinstein e Krippner (1988a)
postulam que para cada mito pessoal há um contra-mito, i.e., uma estrutura de crenças e
afeto que se opõe ao mito prevalecente e que geralmente emerge para fortalecer aspectos da
personalidade que não foram apropriadamente desenvolvidos, compensando desta forma as
limitações do mito antigo. Os autores afirmam que mesmo fora do campo da consciência
Ciornai
268
contra-mitos estão presentes na psique, pressionando por expressão. E ao considerarmos os
mitos e preconceitos que rebaixam a valorização e auto-estima da mulher, o conceito de
contra-mito é ser bastante útil.
A Mitologia Pessoal provê uma conexão importante entre a experiência pessoal e as
questões de gênero do campo que influenciam a experiência interna neste período de vida
para a mulher. Provê uma perspectiva de como estas influências afetam cada pessoa de
modo particular e dos mitos que estão em consonância ou em conflito com a psique de cada
pessoa.
METODOLOGIA DE PESQUISA
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores; há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
(Pessoa 1996 , p. 24 )
Os objetivos desta pesquisa tais como descritos no Capítulo Introdutório foram:
1) De forma geral, investigar a experiência interna de mulheres brasileiras, de nível
universitário, na faixa etária dos 40, 50 anos, que se identificaram como tendo participado
dos movimentos de contracultura e contestação dos anos 60 e 70.
Ciornai
269
2) Especificamente, investigar se estas mulheres, que viveram os movimentos dos
anos 60 e 70, apresentam hoje formas de continuidade ou de ruptura em relação ao modo
pelo qual a sociedade de forma geral percebe e relaciona-se com a mulher mais velha e a
menopausa.
A hipótese levantada foi que o potencial contestatório, revolucionário e
transformador dos movimentos de contracultura dos anos 60 e 70 possa estar presente
ainda hoje na experiência das mulheres que deles participaram em termos da maneira de se
relacionarem, à mitologia,
aos valores, e ao imaginário cultural da sociedade a que
pertencem. Pesquisa qualitativa, voltada à qualidade singular das experiências vividas por
cada mulher, o objetivo deste estudo foi o de investigar a variedade de experiências vividas
pelas participantes.
Utilizei-me de uma abordagem combinada, pois me era importante tanto identificar
os temas básicos em seus depoimentos a fim de acessar suas experiências pessoais, como
identificar os mitos que lhes eram subjacentes. Isto foi realizado através da gravação de
workshops de 15 horas de duração e também, de algumas entrevistas individuais de 2 a 3
horas de duração.
A abordagem fenomenológica foi utilizada como atitude norteadora da pesquisa de
forma geral, tanto em termos do cuidado em manter a máxima fidelidade em relação aos
depoimentos das participantes, preservando suas próprias palavras e modos de expressão,
como em termos de extrair títulos e subtítulos temáticos do trabalho de seus depoimentos.
No entanto, não segui etapas preestabelecidas descritas Por algum autor específico na área
da pesquisa fenomenológica em psicologia, preferindo criar meus próprios procedimentos.
Como diz o poeta, não basta abrir a janela para ver... é preciso também não ter
filosofia nenhuma. A sabedoria de Pessoa aponta para o perigo, na vida e em pesquisa, de
ver apenas aquilo que buscamos, de olhar o mundo através das lentes de nossas teorias e
expectativas. Por esta razão minha escolha foi a de utilizar basicamente a abordagem
fenomenológica na coleta e tratamento dos dados, i.e., os workshops e entrevistas foram
conduzidos com a atitude fenomenológica de
abrir a janela para a experiência das
participantes, sem apego à crenças e expectativas prévias, pois o sonho do que se poderia
ver se a janela se abrisse... nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Ciornai
270
Já na análise dos dados, preservando uma atitude fenomenológica, utilizei o método
mítico em combinação com o que pode ser chamado de método temático.
A Abordagem Fenomenológica
Desde Descartes, o método objetivo passou a ser considerado o único meio de
auferir credibilidade científica a uma pesquisa. De acordo com Forghieri (1984)
Tal metodologia está fundamentada no pressuposto de que o sujeito e o mundo, ou
melhor dizendo, o cientista e o objeto que pretende conhecer são completamente
separados e independentes --
ela busca a objetividade através da anulação da
subjetividade. Assim sendo, o cientista é comparável a um espelho que reflete
objetivamente um mundo que existe por si próprio.( p.14)
Este método foi posteriormente adotado em todas as ciências humanas, incluindo a
Psicologia. No entanto, a partir do final do século XIX o pensamento positivista começou a
ser questionado. A crença na possibilidade de um sujeito apreender de modo imparcial e
objetivo a essência de seu objeto de estudo, é sobreposta pela percepção de que a própria
“sombra” do sujeito ao debruçar-se sobre o objeto já o altera, e de que as categorias do
percebido, depreendem do que é importante para o sujeito observar (Ciornai, 1993, p. 4).
Husserl, proponente da fenomenologia, “nega a existência tanto do sujeito quanto
do mundo, como puros e independentes um do outro”(Forghieri 1984, p.15),
fundamentando esta idéia através do conceito de intencionalidade da consciência, de acordo
com o qual toda consciência é sempre consciência algo ou de um objeto, assim como todo
objeto é
sempre objeto para uma consciência. Consciência/sujeito e coisa/objeto
constituem o mesmo fenômeno. Em outras palavras,
consciência e objeto não são
entidades separadas, se definem a partir desta relação, e portanto, o campo da
fenomenologia é perceber a natureza desta relação: o fenômeno tal qual é vivido por nós.
Para Husserl o fenômeno não é a realidade em si, mas apenas aquilo à que temos acesso
imediato. “O fenômeno integra a consciência e o objeto, unidos no próprio ato de
significação.” (Forghieri, 1996, p. 31) .
Estendendo esta abordagem ao campo da psicoterapia, Barroso (1991) escreve:
Ciornai
271
No pensar fenomenológico o conhecimento é, pois, produto da interação entre
“sujeito e “objeto”; não há a oposição subjetividade versus objetividade, há, sim, a
intersubjetividade. Nesse pensar, meu conhecimento, enquanto psicoterapeuta vem,
pois, de minha interação com meu cliente, vem de meu cliente em mim, vem de meu
cliente, com e através de mim, vem de mim em meu cliente ( p.37) .
E mencionando a peculiaridade da relação sujeito-objeto do conhecimento
no
campo das relações humanas ela escreve:
O “objeto” de meu conhecimento, o ser humano, não é precisamente um objeto,
mas sim um “sujeito”, como eu. “Sujeito” como eu, mas totalmente outro, diferente
de mim e de qualquer outro sujeito. O “objeto” de meu conhecimento é, pois,
dotado de subjetividade e singularidade. É também concreto, corporificado, vivo,
quer dizer, não é um ser humano abstrato, mas sim o cliente à minha frente, senhor
de uma história própria. (p. 35)
Neste sentido, abordando a vivência do terapeuta que trabalha com uma orientação
fenomenológica, Augras (1978/1986) escreve:
A objetividade do processo de diagnóstico, preferíamos dizer, do processo de
reconhecimento e compreensão do cliente, fundamenta-se na intersubjetividade.
Isto supõe, por parte do psicólogo, a observação de sua própria subjetividade. . . .
Longe de deixar-se atemorizar pelo fantasma do receio de “se projetar”, atribuindo
ao outro suas próprias “fantasias”, o psicólogo deve ater-se a pesquisar, dentro de
suas próprias vivências, os caminhos que o possam levar à compreensão do outro....
Assumir a própria subjetividade não é substituir as suas problemáticas aos conflitos
do paciente. É reconhecê-la para delimitá-la, transformando-a em ferramenta para a
compreensão do outro. ( p. 14)
Mas como um psicólogo com orientação fenomenológica deve acercar-se de seus
sujeitos/objetos de estudo? Etimologicamente a palavra fenomenologia significa “o estudo
daquilo que aparece.” No entanto, nem toda observação ou percepção pode ser considerada
fenomenológica. Para Dichtchekenian (1979),
Dependendo da atitude daquele que “vê”, ou da forma como ele se “coloca perante,”
o ver pode-se reduzir à aparência, àquilo que se manifesta; ou seja, o observador
coloca-se em determinado ponto de referência e descreve aquilo que ele pode ver
Ciornai
272
desse ponto. [Mas] este não é o fenômeno em termos fenomenológicos. Nesses
termos o fenômeno tem um sentido, e este sentido se revela no aparecer se este
aparecer é olhado com olhos fenomenológicos. Voltamos à atitude do observador -o deixar aparecer o fenômeno decorre da “atitude” de “perseguir” o fenômeno nas
suas diferentes formas de manifestação. Isto quer dizer que os pontos de referência
não devem ser estáticos.... O “ver” fenomenológico é entendido antes como uma
resposta ao que se insinua no que se manifesta. Quer dizer que é a atitude do
observador, despojado de referenciais preestabelecidos, que possibilita o “aparecer”
em sua originalidade. Neste sentido o imediato não é mediatizado por qualquer
referencial teórico preestabelecido.... A posição crítica da fenomenologia consiste
fundamentalmente nisto: estabelecer pontos de referência e saber que são pontos de
referência apenas. (pp. 69-70)
Como método a fenomenologia vai empregar a “redução fenomenológica,” que é o
colocar todos os conhecimentos e teorias entre parênteses, e voltar “às coisas mesmas”, i.e.,
ao o objeto de meu interesse, ao fenômeno, na medida do possível com “beginners mind”,
sem a-prioris, com abertura para o novo, descrevendo-o tanto quanto possível sem
interpretações. Somente então iremos refletir sobre o vivido, num movimento continuo e
dialético entre a experiência direta e a reflexão sobre esta experiência. (Ciornai 1993, p.4).
“O método fenomenológico propõe caminhos para a compreensão, visando respeitar a
complexidade do real e encontrar o sentido dentro do próprio fenômeno” (Augras,
1978/1986, p.16) .
Porém, à que tipo de saber podemos chegar com esta abordagem, em termos da
necessária compreensão das dificuldades e recursos existenciais de nossos clientes em
nossa prática psicoterápica, ou, do conhecimento das experiências internas de nossos
sujeitos/objetos de estudo em uma pesquisa como esta em particular?
Sublinhando sua inevitável intersubjetividade, a abordagem fenomenológica não
coloca de lado o rigor e a seriedade. Procura chegar sobretudo à descrições acuradas e
atentas do fenômeno percebido em busca de seus significados, num esforço de expandir a
percepção do psicoterapeuta (ou do pesquisador) sobre o que é experienciado na relação.
Para Barroso (1991), teoria e métodos de pesquisa podem vir depois, a fim de organizar
estas percepções, pois “nada substitui o encontro” (p. 38).
Ciornai
273
Escrevendo sobre a abordagem fenomenológica na pesquisa em psicologia,
Forghieri (1996) escreve que ao transpor o método fenomenológico do campo da Filosofia
para o da Psicologia, o objetivo inicial de procurar captar a própria essência do
conhecimento passa a ser o de procurar o sentido que certas experiências ou situações têm
para a pessoa (p. 32). Para alcançar este objetivo, de acordo com Forghieri, o pesquisador
necessita de estar contentemente em um movimento pendular entre deixar-se envolver
existencialmente, deixando brotar sentimentos e sensações que propiciam uma
compreensão intuitiva, pré-reflexiva desta experiência, para em seguida poder estabelecer
uma certo distanciamento que lhe permita uma reflexão onde procurará nomear aquela
vivência de forma descritiva que se aproxime o mais possível do próprio vivido.
No meu entender, a fenomenologia basicamente estabelece a atitude com que me
relaciono com o fenômeno. O ponto fundamental aqui é a primazia da experiência direta
sobre a teoria, e a abertura ao novo sem compromisso com modelos previamente
estabelecidos. Gambini(1996), apontando o que percebe como sendo a essência do método
fenomenológico, comum à todas as suas vertentes (Husserl, Heiddeger, Merleau-Ponty,
etc.), diz que é “uma constante vigilância no sentido de nunca se deixar cristalizar por
qualquer conteúdo do conhecimento estabelecido de antemão, uma atitude de radical
abertura para ser interpelado pelo novo, o permanente cultivo de uma disponibilidade para
ser surpreendido pelo aparecimento sempre inesgotável do mundo” (pp. 49-50). Para
Gambini, é comum à todos os fenomenólogos,
1) Uma insatisfação com os métodos de pesquisa que exijam a adesão a uma
definição prévia do que é o real antes mesmo de abordá-lo.... ; 2) O
reconhecimento de que a experiência humana em geral, e do que denominamos
“dimensão psíquica”... ultrapassa em muito os limites impostos pelos métodos
de investigação de cunho naturalista; 3) Uma necessidade quase visceral de
conservar um frescor do olhar e do pensamento, uma postura que se define
muito mais pelo desejo de aprender com o mundo do que dominá-lo e enquadrálo em categorias pré-definidas de pesquisa e análise; 4) O desejo de encontrar
um método que preserve a multiplicidade e especificidade daquilo que será
estudado, e que possa ser sensível à sua irredutível singularidade. (p. 54)
Ciornai
274
Na Gestalt terapia assim como na Arte Terapia Gestáltica, esta atitude vai se
manifestar na desconfiança com interpretações rápidas provenientes de referenciais
externas à pessoa. Isto não quer dizer que Gestalt terapeutas evitem buscas de significados,
mas que,
Queremos ouvir a história primeiro e deixar o significado desvendar-se, ao invés de
estar
presente com expectativas por certos significados, nos quais todos os
comportamentos devem se encaixar. Apesar de que a busca de significado é um
reflexo humano, a compulsão pelo significado freqüentemente sufoca a
experiência.... Ao invés de jogos intelectuais, preferimos que um cliente adentre sua
própria experiência. (Polster & Polster, 1974, p. 16, 17).
Portanto o terapeuta gestáltico estará atento à presença e comportamento (verbal ou
não verbal) do cliente, focalizando mais em processos do que em conteúdos. Atenção é
sempre dada a como alguém se move e se expressa; a que qualidade de contato é
estabelecida enquanto este ocorre; à ordem e o ritmo com que sentenças, materiais, cores e
formas são escolhidos e trabalhados; a quando o processo de contato e expressão fluem de
maneira contínua e vital e quando se tornam emperrados, desvitalizados ou interrompidos.
Gestalt terapeutas estarão sempre também ajudando seus clientes a entrar em contato com
suas sensações e a usá-las como informação sobre o que está ocorrendo, acreditando que
este processo pode conduzir à “insights” significativos (Ciornai, 1993, p.5). E finalmente,
como a fenomenologia concebe sujeito e objeto do conhecimento como mutuamente
definidos através de sua relação, gestalt terapeutas irão privilegiar a relação. Isto quer dizer
que significados possíveis ou inferidos de um trabalho de arte ou de qualquer
comportamento
verbal ou não verbal só podem ser confirmados, descobertos ou
desvelados no contexto da relação terapêutica.
Na arte terapia gestáltica esta atitude
eventualmente manifesta-se também no trabalho mútuo e no compartilhar de sentimentos e
percepções sobre a expressão artística do cliente. (Ciornai, 1993, p. 60) .
A abordagem fenomenológica sucintamente descrita nas páginas anteriores,
orientou a condução e planejamento desta pesquisa em termos da atitude da pesquisadora
na relação com as participantes, em termos da forma de obtenção e tratamento dos dados de
pesquisa, e também em termos da análise dos dados, no sentido de assegurar-me que cada
Ciornai
275
classificação ou mito identificado realmente refletisse a experiência vivida no contato da
pesquisadora com as participantes.
O Método Mítico e o Método Temático
De acordo com Feinstein e Krippner (1988a, 1988b), construções humanas de
realidades podem ser consideradas mitologias. Mitos pessoais são crenças internas
profundas que podem conter emoções, imagens, e têm importantes conseqüências tanto
comportamentais como nas atitudes relativas à própria pessoa, aos outros, e ao mundo que
nos cerca. Como decorrência, o método mítico consiste em identificar nas narrativas das
pessoas aquelas atitudes interiores, e/ou comportamentos exteriores que revelam mitos
pessoais.
Já o método temático, consistiu para mim, em identificar nos relatos das
experiências das participantes todos os temas que poderiam servir como títulos descritivos
de partes dos seus depoimentos. É importante sublinhar-se que, embora antes dos
workshops e entrevistas eu tivesse algumas idéias sobre os principais tópicos que gostaria
de ver abordados (tais como mudanças físicas, psicológicas, sexuais, relacionamentos
afetivos, etc.), todos os subtítulos surgiram depois da experiência dos workshops e
entrevistas, i.e., originaram-se da identificação de temas ao decorrer da leitura
da
transcrições das fitas. Nesse sentido, tentei incluir tudo que fosse relevante. Assim, podese notar que alguns dos subtítulos representam muitos, poucos, ou apenas um ou dois dos
depoimentos das participantes. No decorrer do processo, estes dois métodos foram
combinados, já que vários temas foram identificados como mitos.
O método mítico, combinado ou não com o método temático, já foi usado também
em outras pesquisas. Pieracci (1990) descreve uma pesquisa
com 20 indivíduos que
haviam estado em psicoterapia. Neste projeto, ele buscou identificar os temas míticos
predominantes em histórias imaginárias contadas pelos pacientes sobre suas experiências
em terapia. Em sua abordagem, Pieracci abraça a visão de mito refletida nos textos de
Feinstein e Krippner (1988a , 1989) no qual este estudo se baseia. Ele escreve: “Vejo como
mito qualquer crença sobre a natureza da realidade e/ou o sentido da existência que
Ciornai
276
implique na execução de uma ação ou a adoção de uma atitude em relação a si próprio ou
ao mundo” (p. 212)
Também Rockefeller (1994) desenvolveu e propôs o método mítico na área das
ciências humanas. Conduziu um estudo sobre experiências individuais com o cinema,
examinando “as associações entre a imagética e a experiência vivenciada nos filmes, e a
imagética da mitologia pessoal de cada um, evidenciada nos sonhos” (p. 187). Nesse
estudo, o procedimento foi incentivar as pessoas para que falassem abertamente sobre as
experiências com cinema que mais as haviam emocionado, examinando em seguida em
suas narrativas e respostas, os conteúdos míticos que pudessem trazer conseqüências
comportamentais (pp. 189-190).
Defendendo uma metodologia de pesquisa que leve em consideração a riqueza,
ambigüidade e diversidade da experiência humana, Rockefeller escreve:
O método mítico não depende de generalizações empíricas, de testes experimentais,
ou observações a partir das quais se possa prever ou controlar o comportamento....
Ao contrário, ele identifica as imagens e
padrões simbólicos, metafóricos e
mitológicos, que criam estruturas cognitivas que influenciam o comportamento (p.
200).
Esta foi, precisamente, a intenção deste estudo.
Seleção Das Participantes
Meu objetivo foi conduzir uma pesquisa qualitativa com mulheres brasileiras na
faixa dos 40, 50 anos, com educação universitária, vivendo na cidade de São Paulo por
ocasião deste estudo, e que se identificaram como
participantes dos movimentos de
contracultura das décadas de 60 e 70. Além disso, as participantes eram mulheres com
estado civis diversos (i.e., casadas, divorciadas, viúvas, solteiras), com ou sem parceiros,
com ou sem filhos, e com profissões variadas, embora a maioria viesse das áreas das
ciências humanas. Como o contato inicial com as participantes foi feito por telefone, outro
critério para a seleção das participantes foi, evidentemente, seu interesse em participar da
pesquisa.
Com relação à escolha das mulheres que participariam dos diferentes workshops, o
critério foi as datas nas quais teriam disponibilidade. Nos casos em que as participantes se
Ciornai
277
conheciam previamente , eram convidadas a participar de workshops diferentes a fim de
evitar constrangimentos.
Número De Participantes
Realizei 7 workshops e 8 entrevistas individuais. Minha intenção original era
realizar 5 workshops com 4 mulheres em cada um e chegar a um total de 20 participantes.
No entanto, como no 3o e no 5O workshop nem todas as 4 mulheres que se comprometeram
a participar da pesquisa compareceram, senti a necessidade de oferecer ao menos mais um
workshop. Além disso, como esta pesquisa destinava-se a oferecer exemplos da vasta gama
de experiências que podem ocorrer nesta fase da vida, e em alguns workshops certos temas
mal
foram abordados enquanto em outros eram bastante discutidos, preferi ter uma
amostragem um pouco maior a fim de poder apresentar resultados mais variados. Por outro
lado, acabei conversando por telefone com muitas mulheres interessantes, e como algumas
delas não poderiam participar dos workshops (por compromissos de trabalho ou de família
durante os fins de semana, ou por conflito de datas), decidi fazer também algumas
entrevistas pessoais. Assim, o número total de participantes foi 30.
Instrumentação
Princípios da Abordagem Gestáltica no Trabalho com Grupos
Organizei workshops intensivos de fins de semana, i.e., sábados das 9 às 17 horas, e
domingos das 9 às 13 horas. Durante os workshops, as participantes tiveram a oportunidade
de falar livremente, de maneira interativa, pois o que uma expressava geralmente
mobilizava as outras. Minha intenção não foi interpretar as experiências pessoais das
participantes durante as sessões de grupo, mas sim, elicitar reações e registrá-las.
Esses workshops foram encontros vivenciais que seguiram a orientação da Gestalt
terapia em relação à maneira de pensar e trabalhar com grupos (Kepner, 1980; Tellegen,
1984; Zinker, 1994). Como psicoterapeuta, venho usando esta ferramenta ao longo de 20
anos de prática clínica com grupos, tanto em psicoterapia como em do treinamento de
terapeutas. Embora esta pesquisa não pretendesse ser um exercício clínico, essas
Ciornai
278
ferramentas, resultantes da minha experiência no trabalho com grupos nestes dois
enquadres, foram fundamentais para trazer à tona o tipo de troca de experiências que
caracterizou os workshops e entrevistas.
A abordagem Gestáltica no trabalho grupal é baseada em uma compreensão
sistêmica, de campo, e utiliza-se de conceitos como relações de campo, formação de
gestalts e relações figura-fundo com o fim de relacionar-se com os processos individuais e
grupais que ocorrem de maneira dinâmica e inter-relacionada. Nesta abordagem, a função
do coordenador é ouvir, acolher, e facilitar a expressão e elaboração de sentimentos e idéias
através de certas intervenções.
No entanto, o processo de escuta do psicoterapeuta não é o de uma mera escuta, mas
é um escutar com uma atitude de genuíno interesse e respeito pela experiência do outro.
Este tipo de escuta, em Gestalt terapia implica em uma atitude de apoio e inclusão -- termo
criado por Buber para denotar o movimento do terapeuta de colocar-se no lugar do outro
buscando penetrar e “incluir-se” experiencialmente no seu universo existencial, porém, sem
perder seu próprio referencial. Esta atitude, que implica também na aceitação e confirmação
da existência do outro tal qual ela é, é fundamental para que uma relação dialógica possa se
estabelecer entre o cliente (ou participante da pesquisa) e o terapeuta (ou coordenador da
pesquisa). Esta atitude deriva da conceitualização Buberiana de relação Eu-Tu (em
contraposição à relação Eu-Isso), que foi posteriormente estendida na literatura Gestáltica à
compreensão do modelo relacional que deve caracterizar a relação terapêutica.7
A relação dialógica em terapia, para Yontef (1981/1993), implica em 5 condições. A
1a, já mencionada, é a atitude de inclusão. A 2a, a presença autêntica, ativa e envolvida do
terapeuta. A 3a, seu compromisso com o diálogo i.e., a atitude de abertura e rendição ao
“entre” que acontece entre duas pessoas e que não pode ser controlado por nenhuma delas.
A 4a, a característica vivencial do diálogo, e a 5a , sua qualidade de não-exploração, i.e., a
não utilização do outro para gratificações narcísicas ou de quaisquer outras necessidades
enquanto movimento manipulatório.
7
A Gestalt terapia sempre privilegiou o indivíduo “em relação” através dos conceitos de contato,
fronteiras e distúrbios de contato, e através da própria definição de self como ‘a fronteira de contato em
ação’. Da mesma forma a Gestalt terapia sempre enfatizou a presença plena e genuína do terapeuta, sendo
comum encontrar na literatura Gestáltica, freqüentemente conjugados, os termos “Aqui e Agora” e “Eu e
Tu.” Porém, foi somente a partir dos anos 80 que o termo ‘relação dialógica’ passou a ser explicitado e
articulado dentro do referencial teórico Gestáltico. (Ciornai, 1991a).
Ciornai
279
No entanto, Hycner (1985) considera que em psicoterapia (assim como nesta
pesquisa), a disposição de estar totalmente com o outro em uma relação Eu-Tu, é apenas
uma dos momentos da relação dialógica, que necessariamente necessita ser alternada com
momentos em que o terapeuta reflete sobre a relação com o cliente, suas percepções, e
considera o que seria apropriado dizer ou propor como experimento a fim de facilitar o
processo do outro. E esta foi a atitude com que, como coordenadora dos workshops e
entrevistadora, procurei me relacionar com as participantes.
Por outro lado, na abordagem Gestáltica de trabalho com grupos, o terapeuta (ou
coordenador) reconhece a existência de 3 níveis de processos que se desenvolvem
concomitantemente. Nas palavras de Kepner ( 1980),
O coordenador que se relaciona com o grupo-enquanto-sistema, assim como com os
processos interpessoais e intrapessoais que estejam acontecendo, é como um
malabarista que tem várias bolas nas mãos, cada uma de cor e tamanho variados,
que necessitam estar sempre em movimento e em equilíbrio. O coordenador tem 3
tipos de escolha de papel que irão determinar o nível em que suas intervenções irão
ocorrer. Pode funcionar como terapeuta de um indivíduo em particular, como
facilitador de processos interpessoais ou como consultor do grupo-como-sistema.
(p.15)
O terapeuta atua de forma a ajudar a reconhecer e focalizar o que emergir como
questões existenciais ou temas que mobilizem a emoção (na linguagem da Psicologia da
Gestalt, as figuras emergentes), facilitando com que estas figuras formem configurações
claras, distintas, definidas e energizadas enquanto temas individuais, ou, na medida em que
mobilizem a energia do grupo, enquanto temas grupais. Muitas vezes também, temas
grupais surgem como decorrência de relatos pessoais, i.e., um tema ou uma questão
levantada por uma pessoa mobiliza a emoção e a energia de todos os membros do grupo
que passam a reconhecer o tema como seu.
Loffredo (1994, capítulo 3) ressalta que um aspecto que caracteriza o trabalho em
Gestalt terapia e que o diferencia de outras abordagens, mesmo as de orientação
fenomenológica, é o método de awareness.
Awareness é uma palavra de difícil tradução em Português, pois implica em um
processo de expansão de consciência, de “dar-se conta”, que não se restringe ao âmbito do
Ciornai
280
mental. Por esta razão, em Gestalt terapia fala-se de awareness organísmica. Para Yontef
(1976/1995), “awareness é uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato
vigilante com os eventos mais importantes do campo indivíduo/meio com total suporte
sensório-motor, emocional, cognitivo e energético”(p. 183). Já para Tellegen (1986), é um
fluxo associativo focalizado. Loffredo (1994) comenta que a definição de Tellegen é
primorosa, pois “nela fica implícito o caráter dinâmico e de processo no termo fluxo; a
finalidade do método, de facilitar a discriminação e de promover a maior precisão no
contato com a figura emergente, através do termo focalizado; e associativo, na medida em
que a focalização pode levar à produção de novas cadeias de relações de significado.”
(p.128).
Em 1991, ao pontuar os parâmetros que a meu ver norteiam o trabalho terapêutico
na abordagem Gestáltica, escrevi:
É nos processos de awareness que o indivíduo aguça e percebe tanto os seus
sentidos como as relações de significado que estabelece entre eles (o “sentido” que
emerge da percepção dos sentidos); que tanto experiência como percebe a forma
como organiza suas experiências, e é por isso que processos contínuos de awareness
são sempre acompanhados de novas in-formações, i.e., a formação de figuras à
percepção que criam um novo saber. Em gestalt terapia este tipo de awareness é
denominado de “awareness criativa”(Ciornai, 1991b, p.32 )
Portanto, o Gestalt terapeuta está sempre atento à qualidade do contato, e também
aos processos de awareness, i.e., ao movimento de perceber as questões existencialmente
relevantes (figuras) que estão presentes, ajudando o cliente ( ou o grupo) a reconhecê-las, e
também a identificar como sua energia e sua awareness estão sendo bloqueadas de forma a
limitar novas possibilidades de contato energizado e gratificante com o meio. Nesta
abordagem, o foco da atenção tanto do terapeuta como do cliente (ou grupo), volta-se,
idealmente, não só para as questões de caráter individual, mas também para a complexa
rede de inter-relações que ocorrem no campo.
A Arte Terapia Gestáltica
Ciornai
281
Como pesquisadora, minha preferência foi a de não me limitar à linguagem verbal e
usar outras formas de expressão, característicamente metafóricas e simbólicas, como parte
da dinâmica dos workshops. No trabalho “Arte Terapia: O Resgate da Criatividade na
Vida” (Ciornai 1995), escrevi:
A atividade artística vai nos proporcionar linguagens mais afinadas à natureza
de nossas experiências internas, [muitas vezes] ainda não traduzíveis em palavras.
(....) Por outro lado, por não implicar a linearidade causal, lógica, temporal e
espacial que a estrutura léxica e sintática da linguagem verbal nos impõe, as
linguagens plásticas, poéticas, musicais etc, podem ser mais adequadas à elaboração
e à expressão daquilo que mal se vislumbra, que é nebuloso, ou que é complexo e
implica em uma apreensão simultânea de várias facetas e níveis de significado. E
esta em geral é a qualidade do que se passa em nossa intimidade psíquica, um
mundo de percepções e sensações concomitantes, pensamentos, fantasias, sonhos e
visões que não respeitam a ordenação lógica e temporal da linguagem. A arte vai
prover portanto, a possibilidade de ampliação de consciência sobre estes fenômenos
internos. Como diz Bachelard, é um “fenômeno da alma.”
(....) Importante adicionar a qualidade mobilizadora da arte em termos de tocar
e trazer à tona conteúdos mais profundos. O momento do fazer artístico, como um
estado alterado de consciência nos facilita focar no nosso universo interno, funciona
como um ligar de um canal mais intuitivo, mágico, onde nos surpreendemos com
nosso próprio fazer e o sentido que nele encontramos. (....) Nas palavras de Ecco, a
arte é uma “obra aberta,” onde estamos sempre buscando e encontrando significados
novos, e, neste sentido é uma mensagem complexa e simbólica do indivíduo tanto
para si mesmo como para os outros, que, ao contrário dos sonhos, inclui tanto
conteúdos inconscientes como intencionalidade. Nestes processos, sentimentos e
experiências tomam concretude, onde a consciência vai se formando no fazer, no
exercício de si mesma (p. 61,62)
Ë importante ressaltar também que as
linguagens expressivas proporcionam a
possibilidade de uma linguagem mais individualizada, mais próxima dos sentidos e
geralmente com menos defesas do que a linguagem verbal usual. Além disto, em processos
de auto conhecimento, os trabalhos criados podem servir de espelhamento, e também de
Ciornai
282
fonte de reflexão para o desvelamento e identificação de nossos movimentos e paisagens
internas (Ciornai, 1994, p.19), pois não há limite para os insights e associações que uma
pessoa pode vir a ter ao dialogar internamente com um único trabalho expressivo ao longo
do tempo.
Em processos de grupo como os desenvolvidos nos workshops desta pesquisa, este
tipo de atividade é valiosa por uma razão adicional: o trabalho plástico, assim como o
poético, criam objetos intermediários que ajudam à comunicação interpessoal e grupal,
assim como a exploração e apreciação mútua da expressão de cada um (Ciornai, 1994,
p.18).
Assim, nesta pesquisa sugeri experimentos sobre temas que pudessem motivar a
expressão e elaboração de sentimentos e idéias em determinadas partes dos workshops.
Neste sentido, fundamentando-se em uma postura fenomenológica, a arte terapia
Gestáltica não busca interpretações baseadas em referenciais externos, mas “sustenta-se na
crença que as pessoas podem ser agentes de sua própria saúde e de seus processos de
crescimento, encontrando sentidos que lhes são pessoalmente relevantes e significativos no
que fazem. Terapeutas funcionam como guias, facilitadores e companheiros de busca, às
vezes sugerindo experimentos que possam ajudar e revelar as realidades interiores e a
descoberta de novos caminhos e direções (Ciornai, 1994, p.6).
A descrição fenomenológica da linguagem visual8 (Arnheim, 1974; Dondis, 1973 ;
Wiart, 1967), e a identificação com seus elementos simbólicos, figurativos e formais
(composição, linhas, formas, movimentos, ritmos, direções, cores, etc.), são práticas
encorajadas como experimentos em arte terapia Gestáltica que pode ajudar a uma pessoa a
perceber e contatar seus padrões e conteúdos emocionais, posto que pressupõe-se que a
expressão plástica possa estar em relação isomórfica com aspectos da realidade interna da
pessoa que a criou9
Esta hipótese vem da pressuposição da Psicologia da Gestalt de que exista uma
relação isomórfica entre estruturas físicas e psicológicas, i.e., entre experiências internas e
aquilo que é expresso plasticamente. Esta abordagem foi desenvolvida na arte terapia
8
9
Arnheim, 1974; Dondis, 1973 ; Wiart, 1967
Arnheim, 1974; Ciornai 1988, 1994a; 1994a; Rhyne, 1973; 1976; 1977.
Ciornai
283
Gestáltica por Rhyne (1973,1976,1977), e posteriormente utilizada como metodologia de
pesquisa por Rhyne (1977) e Ciornai (1983).
Procedimentos Para a Coleta de Dados e Proteção das Participantes
Os procedimentos, antes dos workshops e das entrevistas, foram os seguintes:
Através da indicação de amigos e pessoas de suas relações, ou através de resposta a
um anúncio (ver Apêndice 1) colocado em alguns lugares (clínicas ginecológicas e de
acupuntura, centros de dança e de ginástica, livrarias, quadros de avisos em universidades),
a pessoa era inicialmente contatada por telefone. Durante este contato, era informada sobre
o tema e natureza do estudo, tempo compreendido,
contrato de privacidade, etc., e
questionada sobre sua disposição em participar da pesquisa em uma das datas marcadas.
Um formulário de consentimento (ver Apêndice 2) e o questionário abaixo eram
distribuídos na chegada ao workshop:
1. Nome
2. Idade
3. Lugar de Nascimento
4. Profissão
5. Grau de educação
6. Estado civil (atual e prévios)
7. Tem filhos? Quantos? De que idades? Moram contigo?
8. O que fazia nos anos 60 e 70?
9.
Sente-se de certa forma protagonista da geração dos anos 60 e 70, dos
movimentos de contracultura daquela época? De que forma sente Ter participado?
Isso feito, o trabalho iniciava-se convidando cada pessoa a apresentar-se às demais
participantes do grupo, expondo as razões do seu interesse em participar da pesquisa. A
partir deste ponto não havia um programa fixo. Considerando que a experiência dessa
passagem ocorre num campo de fatores múltiplos, inter-relacionados e interdependentes, a
coordenadora seguia o fluxo dos temas que afloravam, cuidando para que os temas-chave
do workshop fossem abordados: histórias pessoais das vivências nas décadas de 60 e 70;
Ciornai
284
transformações físicas, emocionais, sexuais desta fase da vida, relações afetivas com
parceiros, e filhos, mudanças, perdas e ganhos percebidos nessa fase da vida, etc.
Contudo, cada workshop acabava não só tendo uma ordem temática diferente, como
a ênfase dada a certos temas diferia muito de um workshop para outro (ou de uma
entrevista para outra). Em dois workshops por exemplo, , falou-se muito dos filhos, e de
como suas vivências e valores diferem dos que tínhamos nesta idade, enquanto que nos
outros mal se tocou nesse tema.
Depois da parte inicial de compartilhar verbalmente vivências pessoais, a
coordenadora propunha
os experimentos
já descritos, pedindo às participantes que
compartilhassem o que haviam realizado e suas percepções sobre esses, trabalhos, bem
como o que haviam escrito, i.e., seus textos e poesias.
Este processo era eventualmente facilitado por intervenções e técnicas da arte terapia
Gestáltica para reflexão e contato com significados expressos em trabalhos plásticos10 ,
como por exemplo pedir às pessoas que experimentassem descrever elementos do trabalho
(linhas, formas, cores, movimentos, composição, figuras, etc) na primeira pessoa, “como
se” elas fossem aquelas formas , dando-lhes uma voz ( sou forte, precisa, determinada, me
espalho em várias direções...), ou representando-as por gestos, através de sons, etc, que
são técnicas terapeuticas que ao invés de prover significados e interpretações às formas
representadas, têm o objetivo de facilitar com que a própria pessoa descubra ou crie, os
significados a elas relacionados.
A coordenadora assim como as outras participantes também compartilhavam suas
percepções sobre os trabalhos produzidos, atentas a formular suas impressões como
expressões de suas percepções individuais (o que eu percebo é..., isto me parece..., o que
eu vejo aqui é... ), e nunca como afirmações ou julgamentos sobre o trabalho do outro (o
seu trabalho é ..., o que você representou aí foi ....) -- o que é um cuidado de extrema
importância na postura fenomenológica que fundamenta o trabalho Gestáltico com recursos
artísticos.
Em seguida, a coordenadora pedia que todos os trabalhos produzidos no primeiro
exercício fossem colocados ao lado daqueles do segundo exercício, solicitando que as
10
Ciornai, 1983; 1994a; 1994b; Rhyne, 1973; 1976; 1977; Thompson-Taupin, 1976; Zinker, 1977.
Ciornai
285
participantes procurassem perceber se existiam semelhanças e diferenças nos trabalhos
representativos das fases “Antes” e “Agora” da vida de cada uma em termos de estilo,
linguagem visual, conteúdo temático, etc. Estes processos sempre aprofundavam as
percepções anteriores. assim como nas transformações percebidas entre os trabalhos do
primeiro exercício proposto e os do segundo.
Na última parte dos workshops, a coordenadora propunha a elaboração dos poemas
conjuntos descritos no capítulo “Conclusões Poéticas”, encerrando o processo com a
leitura dos poemas e o compartilhar de impressões sobre o processo vivido.
Como os workshops eram realizados durante fins de semana, no início do segundo
dia a coordenadora pedia que as participantes contassem como haviam se sentido e se
lembravam-se de algum sonho. Da mesma forma, ao final dos workshops, era solicitado
que entrassem em contato posterior com a coordenadora no caso de virem a ter outros
sonhos
que pudessem estar relacionados à experiência do workshop, ou no caso de
qualquer outra necessidade.
Tratamento dos Dados e Procedimentos de Análise
Procedimentos de Análise:
As fitas foram transcritas e organizadas segundo temas e mitos identificados dentro
de quatro categorias básicas:
1. Narrativas de histórias de vida.
2. Descrição de experiências interiores concretas e subjetivas, tais como sensações,
sentimentos, lembranças e atitudes.
3. Identificação de conteúdos míticos pessoais.
4. Sentimentos e conceitos sobre si vis a vis a percepção das possibilidades e
existência nas diferentes fases da vida (nas décadas de 60 e 70, na fase de vida
anterior ao climatério, e a fase atual).
Dada a questão básica deste estudo se o conjunto de mitos, i.e., valores, práticas e
atitudes aprendidas nos anos 60 e 70 estão ou não se sobrepondo, na experiência de cada
Ciornai
286
participante, aos valores convencionais mais difundidos socialmente, minha preferência foi
expor os dois conjuntos míticos que emergiram desta pesquisa separadamente.
Em termos de tratamento dos dados, meu procedimento foi, primeiro, omitir das
transcrições originais sentenças repetitivas ou incompletas, e conversas irrelevantes (como
as sobre a necessidade de intervalo para um café). Segundo, reorganizar os diversos trechos
de seus depoimentos de acordo com temas.
No entanto, às vezes as participantes começavam a falar sobre um tema, passavam a
um outro, e, num momento diferente do workshop, retornavam ao tema anterior, ou a fala
de uma pessoa era intercalada por falas e comentários de outras pessoas. Nestes casos, fiz
uma “colagem” dessas partes, com o cuidado de não adicionar palavras e atenta à não juntálas de forma a alterar o seu significado. Assim, trechos longos são, às vezes, resultado da
colagem de trechos de depoimentos de uma pessoa sobre um mesmo tema em momentos
diversos.
Meu procedimento para a identificação de temas foi organizar todos os dados da
transcrição de cada workshop (cada uma com cerca de 200-250 páginas) em uma lista de
tópicos (e.g., mudanças físicas, relações afetivas), e cada tópico em uma lista de tantos
temas quantos os encontrados como sub-tópicos, colocando abaixo de cada um as partes
dos depoimentos que lhes fossem pertinentes. O mesmo procedimento foi seguido com as
transcrições das entrevistas.
Quanto aos “mitos”, eu os considerei um dos tópicos. Sempre que encontrava frases
que correspondessem ao que Feinstein e Krippner (1988, 1989, 1997) definem como mitos
eu as colocava sob esse tópico. Por exemplo, se a mulher descrevia como o seu corpo
havia mudado, eu colocava esse trecho sob Mudanças Físicas, mas se ela relatava acreditar
não poder mais atrair um homem devido às transformações físicas ocorridas, eu selecionava
essa parte do seu depoimento para Mitologia da Passagem. Evidentemente, nem sempre
era fácil fazer essa distinção, pois as partes dos depoimentos que descrevem as
transformações percebidas, e que coloquei sob o título mais amplo de Fenomenologia da
Passagem, estavam também cheias de julgamentos avaliativos, tais como péssimo, horrível,
feio, ou maravilhoso, ótimo, etc. É claro que alguns destes julgamentos por originarem-se
se em crenças também direcionam atitudes e comportamentos. Contudo, procureei colocar
em Fenomenologia da Passagem os trechos que me pareceram enfatizar mais a descrição de
Ciornai
287
experiências pessoais, e deixei para Mitologia da Passagem, os trechos que me pareceram
conter temas e conteúdos preponderantemente míticos.
Depois desta fase de organização do material transcrito, selecionei os trechos dos
relatos das participantes que pareceram mais diferenciados e representativos para ilustrar
cada tema.
Quanto aos trabalhos plásticos, as próprias participantes teceram suas reflexões
sobre estes segundo os parâmetros da abordagem da arte terapia Gestáltica anteriormente
apresentados.
Limitações e Delimitações
Os resultados limitam-se a mulheres brasileiras que freqüentaram a Universidade
nos anos 60 e 70, e que se identificaram como tendo participado direta ou indiretamente dos
movimentos de contracultura ocorridos nestas décadas.
Embora a energia, valores, características, e impulsos dos movimentos de
contracultura tenham se espalhado de modo rápido e contagiante pelas principais cidades
do ocidente a partir de maio de 1967, Nanterre, França, no Brasil e no resto da América
Latina eles tiveram características específicas. Aqui, a instituição do regime ditatorial
provocou a supressão de liberdade das forças democráticas e de oposição
de forma
arrasadora. Portanto, os movimentos de contestação aqui tiveram características especiais
que podem fazer com que os depoimentos e reflexões das participantes difiram, pelo
menos em parte, de estudos similares que possam ter sido ou vir a ser realizados em outros
países do Ocidente.
Além disto, a amostragem desta pesquisa por ser pequena pode ser atípica, e
tampouco tenho meios de saber o que as participantes podem ter omitido por vergonha ou
falha de memória.
É importante pontuar também que como coordenei pessoalmente os workshops e
entrevistas, minha personalidade e estilo podem ter facilitado e/ou prejudicado a exposição
ou omissão de certos temas. Ademais, sou uma mulher na mesma faixa etária das
participantes. Como elas participei ativamente dos movimentos de contracultura das
Ciornai
288
décadas de 60 e 70, tanto no Brasil como no exterior, e também atravesso o climatério.
Portanto, sem que eu tenha percebido este estudo pode conter viéses.
Finalmente, é importante sublinhar que este estudo não teve por objetivo fazer uma
comparação entre mulheres brasileiras que estiveram envolvidas nos movimentos de
contracultura e aquelas que não estiveram, ou entre grupos de mulheres de diferentes
classes sociais. Este seria um outro estudo, válido, relevante, mas que não foi a proposta
desta pesquisa.
289
ANEXO II: TERMO DE CONSENTIMENTO E ANÚNCIO DA PESQUISA ANÚNCIO DA PESQUISA Você mulher que viveu os anos 60 e 70, como está experienciando a passagem dos 40, 50, o climatério e a menopausa ? Por volta dos 40, 50 anos, mulheres passam por uma fase de transição física, emocional e social da qual pouco se fala, pois está carregada de negatividade social. A maioria vive esta passagem de maneira pouco informada e solitária, com sentimentos de perda, vergonha e negação. Motivada por esta percepção, e por estar pessoalmente experienciando esta passagem, realizei como tese de doutorado uma pesquisa procurando acessar como mulheres que de forma mais ou menos ativa participaram dos movimentos de contestação e contra-­‐cultura dos anos 60 e 70, estão experienciando esta fase de vida nos seus vários aspectos, i.e., físico, sexual, psicológico, afetivo, social, etc.” Realizei esta pesquisa através de 7 workshops intensivos com grupos pequenos de mulheres além de algumas entrevistas individuais, e o primeiro resultado concreto da pesquisa foi ter me dado conta da enorme necessidade deste tipo de grupo, pois os workshops serviram como processos de troca e conscientização mútuas, atestando a relevância que grupos terapêuticos para mulheres podem ter no ajudar-­‐nos a lidar com os conflitos, mitos e transformações desta passagem em nossas vidas. Assim, além de eventuais workshops intensivos de fins de semana, estou coordenando também grupos de mulheres que estão se encontrando semanalmente para compartilhar e elaborar suas experiências, descobrindo também novas possibilidades e caminhos. Apreciaria poder contar com sua colaboração para divulgar este trabalho. O telefone do meu consultório é (nº da época) e posso ser contatada também
pelo E-Mail :
............................
Selma Ciornai . Profª do Instituto sedes Sapientiae 290
TERMO DE CONSENTIMENTO
A informação que se segue lhe está sendo fornecida para que você possa estar tão informada
quanto possível sobre a pesquisa em que vai participar. Se você tiver alguma dúvida a respeito de
qualquer aspecto deste estudo, sinta-se à vontade de solicitar esclarecimento à pesquisadora
deste projeto antes de assinar este termo de consentimento.
PESQUISADORA
A pesquisadora deste projeto de pesquisa é:
Nome: Selma Ciornai
Endereço: (da época)
Telefones: (da época)
OBJETIVOS E BENEFÍCIOS
O objetivo deste estudo é pesquisar a natureza da experiência subjetiva, interior, de mulheres na
fase de climatério e menopausa.. Ao participar desta pesquisa você terá a oportunidade de
compartilhar suas experiências com outras mulheres e, através disto, saber mais sobre si mesma e
sobre suas companheiras neste grupo.
PROCEDIMENTOS:
Este estudo consistirá em um grupo de encontro que ocorrerá sábado de 9:00 às 17:00, e domingo
de 9:00 às 13:00, com 4 participantes. O processo será todo gravado. Em um momento específico,
a pesquisadora lhe sugerirá a realização de um trabalho artístico como forma de expressar sua
experiência não-verbalmente.
PROTEÇÃO AOS PARTICIPANTES :
Sua participação nesta pesquisa é totalmente voluntária. Você tem o direito de se recusar a
responder a qualquer pergunta feita pela pesquisadora ou por outra participante, assim como
interromper seu involvimento nesta pesquisa a qualquer momento deste encontro se você assim o
desejar.
As informações obtidas sobre você, assim como sobre todas as outras participantes neste estudo,
ficarão absolutamente anônimas, e não serão fornecidas à terceiros.
Em relação às fitas gravadas: Este material será confidencial. Somente a pesquisadora e a
profissional encarregada da transcrição terão acesso às fitas. Nomes serão omitidos, assim como
qualquer informação biográfica que possa identificar a participante. No entanto, se mesmo assim
durante o correr do workshop você não quiser que algo que você tenha dito seja transcrito, você
poderá solicitar que esta parte seja omitida.
291
As fitas transcritas serão guardadas por tres anos após o término desta pesquisa, e após este
período serão destruídas.
Em relação aos eventuais trabalhos artísticos( desenhos, pintura, poemas etc): Ser-lhe-á
solicitado que deixe com a pesquisadora os eventuais desenhos, pinturas ou poemas produzidos
durante este encontro pois serão parte importante da pesquisa. No entanto, se ao final do encontro
você decidir que não quer realmente deixá-los, você
terá o direito de levá-los. Os trabalhos
artísticos farão parte da dissertação de doutorado e poderão nela constar. Da mesma forma
poderão também constar de uma eventual publicação futura. Em ambos os casos nomes serão
omitidos.
RISCOS POSSÍVEIS:
Esta pesquisa foi planejada cuidadosamente a fim de não causar conseqüências negativas às
participantes. A expectativa é a de que você terá uma experiência positiva e enriquecedora. No
entanto, se em conseqüência deste encontro você ficar emocionalmente perturbada, ou se a
qualquer momento você tiver preocupações ou questões a respeito desta pesquisa, por favor me
procure e discutiremos formas de ajudá-la a sentir-se melhor. Você pode contatar a pesquisadora
pelos telefones (nºs da época)
Caso contato com a pesquisadora não lhe seja suficiente, como esta pesquisa está sendo
realizada como
dissertação de doutorado,
se você sentir necessidade, poderá contatar o
orientador desta dissertação, Prof. Stanley Krippner, Ph.D., Saybrook Institute, São Francisco,
E.U.A., no telefone (001 - 415) 433-9271, ou o Presidente da Comissão de Revisão de Pesquisa
(Chairperson of the Institutional Review Board) Prof. David Lukoff, Ph.D., no telefone (001-707)
763-3504. O enderêço de ambos é:
Saybrook Institute
450 Pacific Ave, 3rd floor
San Francisco, CA 94133, U.S.
RELATÓRIO DE CONCLUSÃO
Ao término desta pesquisa, será redigido um relatório resumido de seus resultados. Se você quiser
receber uma cópia, por favor escreva abaixo seu enderêço para correspondência:
______________________________________
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------A pesquisadora explicitou acima as condições e componentes desta pesquisa, assim como
deu oportunidade para a participante de esclarecer quaisquer dúvidas a respeito do projeto,
tendo se proposto a esclarecer satisfatoriamente as questões colocadas.
292
______________________________
Pesquisadora
______________
Data
Afirmo que li o texto acima, e tive a oportunidade de fazer perguntas e esclarecer dúvidas a
respeito das informações recebidas sobre esta pesquisa ; que minha participação neste
estudo é totalmente voluntária; e que comprometo-me a não dar entrevistas sobre, publicar
ou utilizar profissionalmente a experiência de participação nesta pesquisa antes de sua
conclusão e publicação.
____________________________
____________
Participante da pesquisa
Data
Ciornai
Women Reach Climacteric
293
BIBLIOGRAFIA :
Aburdene, P., & Nasbitt, J. (1992). Megatendências para as mulheres. Rio de Janeiro:
Editora Rosa dos Tempos, 1993.
Achterberg, J. (1996). Alchemy and the Image of Menopause. Em B. Horrigan (Ed. ),
Red moon passage: The power and wisdom of menopause (pp. 133-161). New
York: Harmony Books.
Ahsen, A. (1996). Menopause: Imagery interventions and therapeutics. Journal of Mental
Imagery, 20, 1-40.
Anderson, S. R., & Hopkins, P. (1991). The feminine face of god: The unfolding of the
sacred in women. New York: Bantam Books.
Andrews, L. V. (1993). A mulher no limiar dos dois mundos: A jornada espiritual da
menopausa. São Paulo: Ágora, 1995.
Arnheim, R. (1974). Art and visual perception: A psychology of the creative eye.
Berkeley: University of California Press.
Aldright, J. M., Baracat, E. C., Fernandes, C. E., Gonçalves, N., de Luca, L. A., Machado,
L. V., de Melo, N. R. , de Sá, M. F. S., de Souza, G. A. & Wheba, S. (1993).
Saúde e bem-estar quando a menopausa chegar: Uma homenagem à mulher
brasileira. São Paulo: Editora Ave Maria.
Augras, M. (1978). O ser da compreensão: Fenomenologia da situação de psicodiagnóstico.
Petrópolis: Editora Vozes, 1986.
Backstrom, T. (1977). Estrogen and progesterone in relation to different activities in the
central nervous system. Acta Obstetrics Gynecologia et Scandinavia, 66, 1-17.
Barbach, L. (1993). The pause: Positive approaches to menopause. New York: Dutton.
Barroso, F. (1991). O que caracteriza uma psicoterapia fenomenológico-existencial? Gestalt
Terapia Jornal, 3, 34-39.
Bart, P. (1971). Depression in middle age women. In V. Gornick & B. K. Moran (Eds.)
Sexist society (pp. 109-112). New York: Basic Books.
Bateson, M. C. (1989). Composing a life. New York: Atlantic Monthly Press.
Beauvoir, S. D. (1970). A velhice. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1990.
Berger, J., Blomberg, S., Fox, C., Dibb, M. , & Hollis, R. (1972). Ways of seeing:
Based on the BBC television series with John Berger. London: Penguin Books.
(Texto original publicado em 1976)
von Bertallanffy, L. (1956). General systems theory. General Systems, 1, 7-12.
von Bertallanffy, L. (1962). General systems theory: A critical review. General Systems
7, 11 - 20.
von Bertallanffy, L. (1981). A systems view of man. Boulder, CO: Westview Press.
Beyene, Y. (1986). Cultural significance and physiological manifestations of menopause:
A biocultural analysis. Culture, Medicine , and Psychiatry (Vol. 10, 1, 47-71).
Ciornai
Women Reach Climacteric
294
Bolen, J. S. (1990). As deusas e a mulher : Nova psicologia das mulheres. São Paulo :
Edições Paulinas. (Texto original publicado em 1984)
Bolen, J. S. (1991a). Foreword. In S. R. Anderson & P. Hopkins (Ed. ), The feminine
face of god: The unfolding of the sacred in women (pp. xi-xiii). New York:
Bantam Books.
Bolen, J. S. (1991b). Wise women archetype: Menopause as initiation. (Audiotape ISBN
1--56455-005-2). Sounds True Recordings, tape #A137. (Sounds True Recordings,
735 Walnut St, Boulder, CO 80302, USA).
Bradley , M. Z. (1982). The mists of Avalon. London: Sphere Books.
Campagnoli, C., Morra, G., Belforte, P., Belforte, L., & Tousjin, L. P. (1981).
Climacteric symptoms according to body weight in women of different
socioeconomic groups. Maturitas, 3, 279-287.
Capriglione, L. , & Leite, V. (Julho 5, 1995) A batalha começa aos quarenta. Veja, 84-90.
Carpenter, B. , & Krippner, S. (1990). The interplay of cultural and personal myths in the
dream of a Balinese artist. The Humanistic Psychologist, 18 (2), 151-161.
Ciornai, S. (1983). Art therapy with working class latino women. The Arts in
Psychotherapy, 10 (2), 63-76.
Ciornai, S. (1988). Arte terapia gestáltica: Uma abordagem fenomenológico-existencial.
Trabalho apresentado no 12º International Congress of Psychopatology of
Expression, Rio de Janeiro.
Ciornai, S. (1991a). Gestalt terapia hoje: Resgate e expansão. Revista de Gestalt, 1, 5-31.
Ciornai, S. (1991b). Em que acreditamos ? Gestalt Terapia Jornal, 1, 30-39.
Ciornai, S. (1994a). Arte terapia Gestáltica: Um caminho para a expansão de consciência.
Revista de Gestalt, 3, 5-31.
Ciornai, S. (1994b). Arte Terapia Gestáltica : Relatos de experiências. Imagens da
Transformação, 1 (1), 40-45.
Ciornai, S. (1995). Arte-terapia: O resgate da criatividade na vida. Em M. M. de Carvalho
(Ed. ), A arte cura? (pp. 59- 63). Campinas : Editorial Psy II.
Ciornai, S. (1996). The importance of the background in gestalt therapy. The Gestalt
Journal, 18, 2, 7-34.
Cohen-Bendit, D. (1986). Nós que amávamos tanto a revolução : 20 anos depois. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
Colditz, G. A., Hankinson, S. E., Hunter, D. J., Willett, W. C., Manson, J. E., Stampfer,
M. J., Hennekens, C. H., Rosner, B. A., & Speizer, F. E. (1995). The use of
estrogens and progestins: Use patterns over time. New England Journal of
Medicine, 332, 1589-1593.
Cooper, W. (1976). No change. New York: Arrow Books .
Crowley, S. L. (1994). Much ado about menopause: Plenty of information but precious
few answers. Bulletin of the American Association of Retired Persons , 35 (5), 2,7.
Ciornai
Women Reach Climacteric
295
Cutler, W. B., Garcia, C., & Edwards, D. A. (1983). Menopausa: Um guia para as
mulheres e para os homens que as amam. São Paulo: Editora Marco Zero, 1988.
Dartigues, A. (1973). O que é a fenomenologia? Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca.
Deutsch, H. (1945). The psychology of women. New York: Grune & Stratton.
Deutsch, H. (1973). Conversation with Myself: An Epilogue. New York: W.W. Norton.
Diamond, J. (1996, July). Why women change. Discovery, 7, 131- 137.
Dichtchekenian, F. (1979). O imediato na fenomenologia. Reflexão, 4 (13), 69-75.
Dondis , D. A. (1973). A primer of visual literacy. Cambridge: MIT Press.
Doress-Worters, P. B. , & Siegal, D. L. (1995, May/June). Managing menopause: New
thinking on an old subject. Modern Maturity, 40-78.
Downing, J., & Marmorstein, R. (Eds. ) (1973). Dreams and nightmares. San Francisco:
Perennial Library.
Easley, E. B. (1983). Important factors about the menopause. North Carolina Medical
Journal , 44, 369-375.
Feinstein, D., & Krippner, S. (1988). Personal mythology. Los Angeles: Jeremy P.
Tarcher.
Feinstein, D., & Krippner, S. (1989). Personal myths: In the family way. Journal of
Psychotherapy and the Family, 4, 111-139.
Feinstein, D. & Krippner, S. (1997). The mythic path: Discovering the guiding stories of
your past--Creating a vision for your future. New York: Jeremy Tarcher/Putnam
Books.
Feinstein, D., Krippner, S. , & Dranger, D. (1988). Mythmaking and human development.
Journal of Humanistic Psychology, 28 (3), 23-50.
Flint, M. (1975). The menopause : Reward or punishment ? Psychosomatics,16, 161-163.
Fodor, I. (1990, February). On turning 50: No longer young/not yet old: Shifting to a new
paradigm. The Behavior Therapist, 39-44.
Fodor, I. (1996). A woman and her body: The cycles of pride and shame. In R. G. Lee &
G. Wheeler (Eds. ), The voice of shame : Silence and connection in psychotherapy
(pp. 229-265). San Francisco: Jossey-Bass.
Fonseca, P. T. (1991). Menopausa : Para sempre mulher. Belo Horizonte : Editora Jornal
Estado de Minas S/A.
Forghieri, Y. C. (1984). Fenomenologia, existência e psicoterapia. Em Y. C. Forghieri
(Ed.), Fenomenologia e Psicologia (pp. 11- 33). São Paulo: Cortez Editora.
Forghieri, Y. C. (1996). A pesquisa fenomenológica na psicologia. Cadernos de Pesquisa
(Setor de Pesquisa, Documentação e Publicação da Clínica Psicológica do Instituto
Sedes Sapientiae), 5, 30-48.
Fraiman, A. (1995). Coisas da idade. São Paulo: Editora Gente.
Ciornai
Women Reach Climacteric
296
Friedan, B. (1981) A segunda etapa. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora,
1983.
Froés, L. , & Marinho, A. (1995, November 5). Sexy na terceira idade. Jornal da Família,
O Globo, pp. 1-2.
Gambini, M. (1996). Pesquisa em psicologia clínica, fenomenologia, e existencialismo:
Uma leitura. Cadernos de Pesquisa (Setor de Pesquisa, Documentação e Publicação
da Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae), 5, 49- 63.
Goldin, A., Coslowsky, S., & Martins, V. (1993). Eclipse da lua : Um dossiê sobre a
menopausa. Rio de Janeiro : Relume Dumará Editora.
Goldstein, K. (1939). The organism. New York: American Books.
Goldstein, K. (1942). After-effects of brain injuries in war. New York: Grune & Stratton.
Good news about menopause. (1995, April ). American Health News, 3, 52.
Grant, W. H. (1990). Climatério: Tempo de mudança. Tese de doutorado. Instituto de
Psicologia, Universidade de São Paulo.
Gray, M. (1994). Red moon: Understanding and using the gifts of the menstrual cycle.
Rockport, MA: Element Books.
Greene, J. G. (1990). Psychosocial influences and life events at the time of the menopause.
In R. Formanek (Ed.), The meaning of menopause: Historical, medical and clinical
perspectives, (pp. 79-115). Hillside, NJ : Analytic Press.
Greene, J. G. & Cooke, D. J. (1980). Life stress and symptoms at the climacteric. British
Journal of Psychiatry, 136, 486-491.
Greenwood, S. (1984). Menopause naturally: Preparing for the second half of life (2nd ed).
Volcano, CA: Volcano Press, 1992.
Greer, G. (1991). The change: Women, aging and the menopause. New York: Fawcett
Columbine.
Griffen, J. (1977). A cross cultural investigation of behavioral changes in menopause. The
Social Science Journal, 14, 49-55.
Griffen, J. (1982). Cultural models for coping with menopause. Em M. Dinnerstein &
A. Voda (Eds.), Changing perspective on menopause (pp. 248-246). Austin:
University of Texas Press.
Guattari, F. , & Rolnik, S. (1986). Micropolítica: Cartografias do desejo. Petrópolis, RJ:
Editora Vozes, 1993.
Gutiérrez, E. (1992). Mulher na menopausa: Declínio ou renovação? Rio de Janeiro:
Editora Rosa dos Ventos.
Hahn, T., & Murphy, C. (1993). The art of menopause. (Palo Alto Acupuncture Center:
599-A Lytton Ave. Palo Alto, CA 94301) .
Hall, C. S. & Lindzey, G. (1959). Theories of personality (3rd ed.). New York: John
Wiley & Sons,1978.
Ciornai
Women Reach Climacteric
297
Hernandes, J. S., Piva, R., & Willer, C. (1981) A espécie humana. Em C. Willer (Ed.),
Jardins da provocação (pp. 91-95). São Paulo: Massao Ono.
Hirsh, S. (1994). Só mulheres. Rio de Janeiro: Caixa Postal 41004, 20232-970 (Free Press).
Hite, S. (1976). O Relatório Hite. Rio de Janeiro: Difel Difusão Editorial, 1978.
Horrigan, B. (1996). Red moon passage : The power and wisdom of menopause. New
York: Harmony Books.
Hycner, R. H. (1985). Towards a Dialogical Psychotherapy. San Diego: California School
of Professional Psychology.
Jaszmann, L., Van Lith, N., & Zaat, J. (1969) The perimenopause symptoms: The statistical
analysis of a survey. Medical Gynecology and Sociology, 4, 268-277.
Kaufert, P. (1980). The menopausal woman and her use of health services. Maturitas, 2,
191-206.
Kepner, E. (1980). Gestalt group process. In B. Feder & R . Ronall (Eds. ), Beyond the
hot seat : Gestalt approaches to group (pp. 5-24). New York : Brunner/ Mazel .
Kessler, R. C., Mc Gonagte, K. A., Zhao, S., Nilson, C. B., Hughes, M., Gelerman, S.,
Wittchen, H. & Dendler, K. S. (1994). Lifetime and 12-month prevalence of
DSM-III-R psychiatric disorders in the United States: Results from the national
community survey. Archives General Psychiatry, 51 (8).
Kinsey, A. C., Pomeroy, W. B., Martin, C. E., & Gebhard, P. H. (1953). Sexual
behavior in the human female. Philadelphia: Saunders.
Kistner, R. B. (1978). The menopause. In R. M. Caplan & B. Sweeney (Eds. ),
Advances in Obstetrics and Gynecology (pp. 551-556). Baltimore: Williams &
Wilkins.
Knill, P. (1995). The place of beauty in therapy and the arts. The Arts in Psychotherapy,
22, 1-7.
Krippner, S. (1986). Dreams and the development of a personal mythology. Journal of
Mind and Behavior, 7, 449-461.
Krippner, S. (Ed.). (1990). Dreamtime and dreamwork: Decoding the language of the
night. New York: Putnam’s Sons.
Lane, E. , Maia, C. A. T. , & Vieira, M. J. N. (1986). Como enfrentar a menopausa. São
Paulo: Ícone Editora.
Lemos, R. (1994). Quarenta: A idade da loba. São Paulo: Editora Globo.
Lewin, K. (1951). Field theory in social science: Selected theoretical papers (R. Cartwight,
Ed.). New York: Harper& Row.
Lieboff, R. A. (1995). Older workers and the workplace: Factors needed to affect
compatibility and sucess. Trabalho apresentado no I Congresso Panamericano de
Gerontologia, São Paulo.
Lock, M. (1986a). Ambiguities of aging: Japanese experience and perception of
menopause. Culture, Medicine, and Psychiatry, 10, 23- 46.
Ciornai
Women Reach Climacteric
298
Lock, M. (1986b). Introduction: Anthropological approaches to menopause: Questioning
received wisdom. Culture, Medicine, and Psychiatry, 10, 1-5.
Lock, M. (1993a). Encounters with aging: Mythologies of menopause in Japan and North
America. Berkeley: University of California Press.
Lock, M. (1993b). The politics of mid-life and menopause: Ideologies for the second sex
in North America and Japan. In S. Lindenbaum & M. Lock (Eds. ), Knowledge,
power and practice: The anthropology of medicine and everyday life. Berkeley:
University of California Press.
Loffredo, A. (1994). A cara e o rosto: Ensaio sobre gestalt terapia. São Paulo: Escuta.
Logothetis, M. L. (1991). Our legacy: Medical views of the menopausal woman. In D.
Taylor & C. Sumrall (Eds), Women of the 14th moon: Writings on menopause
(pp. 40-46). Freedom, CA: The Crossing Press .
Machado, I. (1994). Menopausa- início de uma vida ? Trabalho apresentado no Encontro
Brasileiro Sobre Menopausa e Climatério Para Mulheres Não-Médicas, São Paulo.
Mankowitz, A. (1984). Menopausa, tempo de renascimento. São Paulo: Edições Paulinas,
1987.
Masters, W. H. , & Johnson, V. E. (1970). Human sexual inadequacy. Boston: Little,
Brown.
Mathews, K. A., Shumaker, S. A., Bowen, D. J. , Langer, R. D., Kaplan, R. M., Klesges,
R. C. , & Ritenbaugh, C. (1977, February). Women’s health initiative: Why now?
What is it? What’s new? American Psychologist, 52, 101-116.
McGarey, G. (1995, March/April). Menopause: A power surge, not a hot flash. Venture
Inward, 25.
McKinley, S. , & Jefferys, M. (1974). The menopausal syndrome. British Journal of
Preventive Social Medicine, 28, 108-115.
McKinlay, S. , & McKinlay, J. (1985). Health status and health care utilization by
menopausal women: Aging, reproduction and the climacteric. New York: Plennum.
Mead, M. (1949). Male and female. London: Victor Gollance.
Meserani, S. C. (1977). Redação escolar: Criatividade. São Paulo: Editora Saraiva.
Metz, C. (1982). The imaginary signifier. Bloomington: Indiana University Press.
Moore, B. (1981). Climacteric symptoms in a African community. Maturitas, 3, 25-29.
Paley, G. (1991). Preface. In D. Taylor & C. Sumrall (Eds. ), Women of the 14th moon:
Writings on menopause (pp. xiv-xv) Freedom, CA: The Crossing Press.
Pereira , M. L . , Pimentel, R. M. C. , & Fontes, M. C. (1994). Mulher 40 graus à sombra:
Reflexões sobre a vida a partir dos 40 anos. Rio de Janeiro: Editora Objetiva .
Pereira da Silva, A. S. (1981). Vivência da menopausa. Tese de mestrado. Departamento
de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Ciornai
Women Reach Climacteric
299
Perlmutter, C. , Hanlon, T. , & Sangiorno, M . (1994, August). Triumph over menopause.
Prevention , pp. 79-87, 137, 142.
Perls, F. S. (1969). Gestalt therapy verbatim. Lafayette, CA: Real People Press.
Perls, F. S. (1973). The gestalt approach and eye witness to therapy. Palo Alto, CA:
Science and Behavior Books .
Perls, F. S., Hefferline, P., & Goodman, P. (1951) Gestalt therapy: Excitment and growth
in the human personality. New York : Dell.
Pessoa, F. (1913-1915). Poemas inconjuntos. Em Tabacaria e outros poemas (M. Sardinha
Ed.). Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1996.
Pieracci, M. (1990). The mythopoesis of psychotherapy. The Humanistic Psychologist,
18, 208 -224.
Pike, M. C. , Henderson, B. E. , Mack, T. M. , Lobo, R. A. & Ross, R. K. (1989).
Stroke prevention and estrogen replacement . Lancet, 2 (8670), 1034-1035.
Polster, E. , & Polster, M. (1974). Gestalt therapy integrated. New York: Vintage Books.
Ravena, S. (1996). Um olhar à procura do Belo: Considerações arteterapêuticas sobre o
valor da beleza. (Trabalho de conclusão para o curso de especialização em Arte
Terapia, Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo).
Rhyne, J. (1973). The Gestalt art experience. Monterey, CA: Brooks and Cole.
Rhyne, J. (1976). The Gestalt approach to experience, art and art therapy. In C. Hatcher
& P. Himelstein (Eds. ), The handbook of gestalt therapy (pp. 477-492). New
York: Jason Aronson.
Rhyne, J. (1977). Drawings as personal constructs: A study in visual dynamics.
Unpublished doctoral thesis, University of California, Santa Cruz .
Rockefeller, K. (1994). Film and dream imagery in personal mythology. The Humanistic
Psychologist, 22, 183 -202 .
Roszak,T. (1969). The making of a counterculture: Reflections on the technocratic society
and its youthful opposition. Garden City, NY: Anchor Books.
Rubin, L. B. (1979). Women of a certain age: The midlife search for self. New York,
NY: Harper & Row.
Sand, G. (1993) Está quente aqui ou sou eu: Um exame pessoal dos fatos, equívocos e
sensações da menopausa. São Paulo: Summus Editorial, 1995.
Sander, P. (1991) Natural healing therapies. In D. Taylor & C. Sumrall (Eds. ), Women
of the 14th moon: Writings on menopause (pp. 280-296). Freedom, CA: The
Crossing Press.
de Sant’Anna, A. R. (1987). A mulher madura. Rio de Janeiro: Editora Rocco.
Savoia, M. G. (1985). Estudo exploratório sobre a repercursão psicológica da menopausa
em um grupo de mulheres de um hospital público. Tese de mestrado, Departamento
de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Ciornai
Women Reach Climacteric
300
Schmidt, P. J. , & Rubinow, D. R. (1991). Menopause-related affective disorders: A
justification for further study. American Journal of Psychiatry, 148 , 844-852 .
Sharan, F. (1994). Creative menopause. Boulder, CO: Wisdom Press.
Sharma, V. K. , & Saxena, M. S. L. (1981). Climacteric symptoms: A study in the indian
context. Maturitas, 3, 11-20.
Sheehy, G. (1974). Passagens: Crises previsíveis da vida adulta. Rio de Janeiro: Livraria
Francisco Alves Editora, 1980.
Sheehy, G. (1991). Menopause, the silent passage. New York: Pocket Books .
Sheehy, G. (1995). Novas Passagens: Um roteiro para a vida inteira. Rocco: Rio de Janeiro,
1997.
Sheldrake, R. (1996). Natural grace. New York: Doubeday.
Sherwin, B. B. (1996). Menopause, early aging, and elderly women. In M. F. Jensvold,
U. Halbreich, & J. A. Hamilton (Eds. ), Psychopharmacology and women: Sex,
gender, and hormones ( pp. 225-237). Washington, DC: American Psychiatric
Press.
Sillman, L. R. (1966). Femininity and paranoidism. Journal of Nervous and Mental
Disease, 143, 163-170.
Soffa, V. M. (1996, March). Alternatives to hormone replacement for menopause.
Alternative Therapies, 2, 34-39.
Sontag, S. (1980). The double standard for aging. In, L. Allman & D. Jaffe (Eds.),
Readings in adult psychology: Contemporary perspectives. New York: Harper &
Row.
Taylor, D. , & Sumrall, C. (1991a). Introduction. In D. Taylor & C. Sumrall (Eds. ),
Women of the 14th moon: Writings on menopause (pp. xx-xxii). Freedom, CA:
The Crossing Press .
Taylor, D., & Sumrall, C. (Eds.). (1991b). Women of the 14th moon: Writings on
menopause. Freedom, CA: The Crossing Press .
Tellegen, T. A. (1984). Gestalt e grupos: Uma perspectiva sistêmica. São Paulo: Summus
Editorial.
Telles, M. A. (1995). Do silêncio ao calor das discussões. Enfoque Feminista, 8/9, 3738.
Terhune-Young , M. (1993). Cross-cultural perspectives on women and the menopause:
An overview of existing research.. Ensaio não publicado, Saybrook Institute, San
Francisco, CA.
Terhune-Young, M. (1994). Women’s sexuality during the menopausal years: An
overview of theory and research. Ensaio não publicado, Saybrook Institute, San
Francisco, CA.
Thiriet, M. , & Képès, S. (1981). Mulheres de 50 anos : Como viver plenamente esta nova
idade. Porto Alegre: L&PM Editores. (Texto original publicado em 1994)
Ciornai
Women Reach Climacteric
301
Thompson, B. , Hart, S. , & Durno, D. (1973). Menopausal age and symptomatology in a
general practice. Journal of Biosocial Science, 5, 71-82.
Thompson-Taupin, C. (1976). Where do your lines head? Gestalt art groups. In J.
Downing, (Ed. ), Gestalt awareness (pp. 112-123). New York: Harper & Row.
Toledo, S. (1991, Jun. 6). Éramos rebeldes com causa. Jornal do Brasil, Idéias/Ensaios, p.
7.
Trien, S. F. (1986). Menopausa: A grande transformação. Rio de Janeiro: Editora Rosa
dos Tempos, 1994.
Ventura, Z. (1988). 1968, o ano que não terminou: A aventura de uma geração. Rio de
Janeiro: Editora Nova Fronteira .
Yontef, G. (1976). Gestalt therapy: Clinical phenomenology. In G. Yontef (Ed. ),
Awareness, dialogue and process: Essays on gestalt therapy, (pp. 181- 201).
Highland, NY: Gestalt Journal Press, 1993.
Yontef, G. (1981). Gestalt therapy: A dialogic method. In G. Yontef (Eds. ) Awareness,
dialogue and process: Essays on gestalt therapy (pp. 203- 237). Highland, NY:
Gestalt Journal Press, 1993.
Yontef, G. (1993). Awareness, dialogue and process: Essays on gestalt therapy. Highland,
NY: The Gestalt Journal Press.
Walfish, S., Antonovsky, A., & Maoz, B. (1984). Relationship between biological changes
and symptoms and health behavior during climacteric. Maturitas, 6, 9-17.
Wallis, C. (1995, June 26). The estrogen dilema. Time, 46-53.
Weed, S. S. (1992). Menopausal years: The wise woman way. Woodstock, NY: Ashtree
Publishing.
Weideger, P. (1977). Menstruation and menopause: The physiology and psychology, the
myth and the reality. New York: Delta Books.
Wheeler, G. (1996). Self and shame: A new paradigm for psychotherapy. In R. G. Lee &
G. Wheeler (Eds.), The voice of shame: Silence and connection in psychotherapy
(pp. 23-58). San Francisco: Jossey Bass.
Wiart, C. (1967). Expression picturale et psychopatologie: Essay d’analyse et
d’automatique documentaires. Paris: Editions Doin.
Wilson, R. (1966).
Feminine forever. New York: M. Evans.
Wilson, R. , & Wilson, T. (1972). The basic philosophy of estrogen maintenance. Journal
of the American Geriatrics Society, 11, 347-361.
Wright, A. L. (1983). A cross cultural comparison of menopausal symptoms. Medical
Anthropology, 7(3), 20-35.
Zinker, J. (1977). Creative processes in Gestalt therapy. New York: Vintage Books,1978.
Ciornai
Women Reach Climacteric
302
Zinker, J. (1994). In search of good form: Gestalt therapy with couples and families. New
York: Jossey Bass.
COMUNICAÇÕES PESSOAIS:
- Drª. Lucia de Fátima C.Costa Heim, Médica ginecologista. Setembro de 1996.
- Drª. Maria da Graça Esteves de Vicco, Médica acupunturista. Setembro de 1996.
-Drª Mary Alves Miranda, Médica psiquiatra, Maio de 1996.

Documentos relacionados