administração de empresas em revista
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ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS EM REVISTA ENTIDADE MANTENEDORA: ADMINISTRADORA EDUCACIONAL NOVO ATENEU ISSN 1676-9457 Administração de Empresas em Revista Curitiba a. 9 n. 10 p. 1-248 2010 2 EXPEDIENTE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS EM REVISTA é uma publicação do UNICURITIBA Endereço: Rua Chile, 1.678 – CEP 80220-181 – Curitiba, PR – Brasil Telefone: (41) 3213-8700 Site: www.unicuritiba.edu.br E-mail: [email protected] UNICURITIBA Reitor Acadêmico: Rainer Czajkowski Pró-Reitor Administrativo: Jamil Abdanur Júnior Comissal Editorial: Cristina Luiza C. Surek, Isaak Newton Soares, Marlus Vinicius Forigo, Nilson Cesar Fraga, Fábio Tokars e Fabiano Pucci. Revisão: Antonio Carlos Amaral Lincoln Diagramação: Tatiane Andrade de Oliveira Impressão: Administradora Educacional Novo Ateneu (AENA) Tiragem: 400 exemplares Data: 2010 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca do Centro Universitário Curitiba Administração de empresas em revista / UNICURITIBA – Centro Universitário Curitiba. – A.1, n. 1 (2002) . - Curitiba: UNICURITIBA, 2002 - . 24 cm. Anual. A partir do ano 3, n. 3, 2004, a revista sofreu reformulações quanto à padronização. ISSN 1676-9457 1. Administração – Periódicos. 2. Administração de empresas – Periódicos. I. UNICURITIBA. CDD (21. ed.) – 658.05 3 CONSELHO CIENTÍFICO Cláudio José Luchesa Edson Ademir Mantovan Glávio Leal Paura João Gustavo da Silva Freire Ritter Marcelo Fassina Marlus Vinicius Forigo Luciano Kingeski Mônica de Faria Mascarenhas e Lemos Patrícia Tendolini Oliveira de Melo CONSELHO EDITORIAL Ana Paula Celso de Miranda (FBV) Andreia Marize Rodrigues (FCAV-UNESP) Antonio Gonçalves de Oliveira (UTFPR) Edelvino Razzolini Filho (FCSA/UTP) Fernando António Gimenez (PUCPR) Ivan Carlos Vicentim (UFTPR) José Augusto Guagliardi (FEA/USP) Lucia Izabel Czerwonka Sermann (FAE) Marcelo Giroto Rebelato (FCAV-UNESP) Maria Henriqueta Sperandio Garcia Gimenes (UFPR) Olga Maria Coutinho Pepece (UEM) Paulo Muller Henrique Prado (UFPR) Pedro José Steiner Neto (UFPR) Renato Zancan Marchetti (PUCPR) EDITOR Isaak Newton Soares COORDENADOR EDITORIAL Nilson Cesar Fraga 4 5 APRESENTAÇÃO Entregamos à comunidade acadêmica brasileira a nova edição de Administração de Empresas em Revista, o que se torna um amplo espaço para discussão das mais diferentes e dinâmicas vertentes da pesquisa, do conhecimento e da prática administrativas no País. Publicar um periódico em Administração é sempre um desafio, em função da pluralidade de seus assuntos, construtos, experiências administrativas, além, é claro, das inúmeras possibilidades na aplicação de métodos de pesquisa e análise. Nesta edição, serão encontrados diferentes tipos de pesquisa, por meio de uma diversificação de métodos, como no caso da pesquisa documental avaliando distintas formas de fusões e aquisições. O método de estudo de caso é visto na análise da cultura organizacional da empresa Natura – o uso de métodos quantitativos para a validação de escala no comportamento de uso de serviços fisioterapêuticos. São observadas as técnicas qualitativas, como as utilizadas na análise da adaptação estratégica do Senac do Estado de Santa Catarina, entre tantas outras aplicadas nos demais trabalhos. Em termos de pluralidade de assuntos, pode-se garantir que as várias áreas da Administração estão nesta edição: assuntos relativos à área de Produção & Qualidade, como no trabalho que analisa a integração de ferramentas de melhoria contínua; estudo sobre o impacto do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Hábitat (PBQP-H), em empresas do setor de Construção Civil, na cidade de Londrina (PR); temas referentes à Mercadologia, como o de serviços, por meio do trabalho que analisa as escolhas estratégicas operacionais dos clientes de um hotel da região das Missões (RS); endomarketing, em que outro trabalho analisa a aplicação das ferramentas desses construtos em uma revenda autorizada de veículos, em Curitiba (PR). A área de RH tem um artigo bem pertinente, tratando da dimensão estratégica do Recrutamento e Seleção. Pela área de Finanças, apresenta-se o trabalho sobre a comparação entre a estrutura de capital e os níveis de governança corporativa. Na área de Estratégia, conta-se com o trabalho de análise da estratégia de internacionalização em um curso de graduação em Relações lnternacionais. E, ainda, o assunto Planejamento é discutido pela óptica do desenvolvimento urbano. Destacam-se dois trabalhos referentes a Competências Organizacionais. No primeiro, os autores fazem uma rica discussão, reforçada em uma pesquisa qualitativa, sobre a ligação entre as competências individuais e as organizacionais. No outro trabalho, as competências individuais e organizacionais são vistas dentro do modelo de gestão da empresa Volvo do Brasil. Diferentes tipos de organizações, sejam pequenas ou grandes, privadas ou públicas, comerciais ou educacionais, são analisadas neste periódico. É o caso do trabalho sobre a gestão financeira em prefeituras brasileiras, depois da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Como editor, agradeço a todos os autores, revisores, conselheiros e Reitoria do UNICURITIBA, por acreditarem neste “produto de ampliação de conhecimento”, com o título de Administração de Empresas em Revista. Boa leitura. Isaak Newton Soares EDITOR 6 7 SUMÁRIO DESENVOLVIMENTO E VALIDAÇÃO DE UMA ESCALA DE AVALIAÇÃO DA QUALIDADE PERCEBIDA E DAS ATITUDES E INTENÇÕES COMPORTAMENTAIS DE CLIENTES DE SERVIÇOS DE FISIOTERAPIA Flávio Henrique Furtado Vieira, Gustavo Quiroga Souki, Mário Teixeira Reis Neto e Cid Gonçalves Filho ............................................................................... 11 UMA PROPOSTA DE INTEGRAÇÃO ENTRE FERRAMENTAS PARA A MELHORIA CONTÍNUA Marcelo Giroto Rebelato,Cláudia Meloni e Andréia Marize Rodrigues ............................................. 25 OPERAÇÕES PROBLEMÁTICAS DE FUSÕES E AQUISIÇÕES Roberto Minadeo ............................................................................................................................... 45 ESCOLHAS ESTRATÉGICAS OPERACIONAIS DE UM HOTEL DA REGIÃO DAS MISSÕES COMO FATOR DE EXCELÊNCIA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO Paula Maines da Silva ....................................................................................................................... 65 COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS E COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS: PROPOSIÇÃO DE UMA LÓGICA DE ACONTECIMENTO SIMULTÂNEA E CONCOMITANTE Luciano Munck e Rafael Borim de Souza .......................................................................................... 75 DIMENSÃO ESTRATÉGICA DO RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE PESSOAL Maria Lúcia Simas Paulino ................................................................................................................ 95 SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE NA CONSTRUÇÃO CIVIL: UM ESTUDO COM BASE NA EXPERIÊNCIA DO PBQP-H EM EMPRESAS CONSTRUTORAS DA CIDADE DE LONDRINA Ulysses Amarildo Januzzi e Cristiane Vercesi ................................................................................. 111 COMPARAÇÃO ENTRE ESTRUTURA DE CAPITAL E NÍVEL DE GOVERNANÇA Thaís Cristine Ripka, Luiz Fernando Berbetz Martins e Ana Paula Mussi Szabo Cherobim ................................................................................................ 131 PLANEJAMENTO A LONGO PRAZO: PARADIGMAS DA COMPOSIÇÃO DOS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL Fernando Simas e Nilson Cesar Fraga ........................................................................................... 143 8 ADAPTAÇÃO ESTRATÉGICA EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO: ESTUDO DA TRAJETÓRIA DO SENAC DE SANTA CATARINA Alexsandro Heleodoro Silveira, Gabriela Gonçalves Silveira Fiates e André Luiz da Silva Leite ...................................................................................... 155 GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA NOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS DE PORTE MÉDIO DEPOIS DA LRF Willson Gerigk, Ademir Clemente, Marinês Taffarel ........................................................................ 173 GESTÃO DO CONHECIMENTO E CULTURA ORGANIZACIONAL: ESTUDO DE CASO SOBRE A NATURA COSMÉTICOS S.A. Antonio Roberto da Costa ................................................................................................................ 191 ANÁLISE DO ENDOMARKETING DE UMA EMPRESA DE REVENDA DE VEÍCULOS PELO DO MÉTODO SERVQUAL Eduardo dos Santos Simões, Gíllian Fernanda Geremia, Keilla Suzan Farinacio e Isabella Andreczevski Chaves .................................................................. 201 REFORMULAÇÃO NO MODELO DE GESTÃO POR COMPETÊNCIAS NA VOLVO DO BRASIL Tatiane Luzia Bora e Diego Maganhotto Coraiola ........................................................................... 213 PERCEPÇÃO DE VANTAGEM COMPETITIVA ORGANIZACIONAL ATRAVÉS DA ESTRATÉGIA DE INTERNACIONALIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA Larissa Cristina Dal Piva e Cleverson Cunha .................................................................................. 229 NORMAS EDITORIAIS .................................................................................................................... 245 9 10 11 DESENVOLVIMENTO E VALIDAÇÃO DE UMA ESCALA DE AVALIAÇÃO DA QUALIDADE PERCEBIDA E DAS ATITUDES E INTENÇÕES COMPORTAMENTAIS DE CLIENTES DE SERVIÇOS DE FISIOTERAPIA FLÁVIO HENRIQUE FURTADO VIEIRA Mestre em Administração Centro Universitário de Lavras - UNILAVRAS GUSTAVO QUIROGA SOUKI Doutor em Administração Centro Universitário UNA MÁRIO TEIXEIRA REIS NETO Doutor em Administração Centro Universitário UNA CID GONÇALVES FILHO Doutor em Administração Universidade Fumec 12 RESUMO Existem diversas escalas para avaliação da qualidade percebida por clientes de serviços na área de saúde, disponíveis na literatura técnico-científica. Entretanto, são raras as escalas desenvolvidas especificamente para avaliar serviços de fisioterapia. Além disso, a percepção dos clientes e exclientes de serviços de fisioterapia em relação às atitudes e intenções comportamentais tem sido pouco contemplada em tais instrumentos. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho foi desenvolver e validar uma escala de avaliação da qualidade percebida, atitudes e intenções comportamentais em serviços de fisioterapia. Foi realizado um levantamento do tipo survey envolvendo 412 clientes que estavam em tratamento, que abandonaram o tratamento ou que haviam concluído o tratamento. A análise fatorial identificou nove fatores relacionados à qualidade percebida: relacionamento, funcionários, infraestrutura e equipamentos, autointeresse, comunicação do fisioterapeuta com os clientes, horários de atendimento, marca e tradição, qualificação profissional do fisioterapeuta e comodidade. Foram realizados testes para verificar a consistência interna e utilizadas técnicas de análise fatorial confirmatória para validação da escala. A escala desenvolvida neste estudo apresentou níveis adequados de confiabilidade e validade convergente e discriminante. Palavras-chave: qualidade da assistência à saúde, satisfação do paciente, fisioterapia, atitudes e pesquisa comportamental. ABSTRACT There are different scales for assessing the quality perceived by customers in health services available in technical and scientific literature. However, few of them have been developed specifically to evaluate physiotherapy services. Moreover, the perception of customers and former customers of physiotherapy services about their attitudes and behavioral intentions have been little considered in such instruments. In this sense, the objective of this study was to develop and validate a scale of perceived quality and attitudes and behavioral intentions in physiotherapy services. A survey research was conducted involving 412 clients who were in treatment, have left the treatment or who had completed the treatment. The factor analysis has identified nine factors related to perceived quality: relationship, staff, infrastructure and equipment, self-interest, communication between physiotherapist and customers, schedule, mark and tradition, professional qualification of the physiotherapist and comfort. Tests were run in order to verify the internal consistency and confirmatory factorial analysis techniques were used for validation of the scale. The developed scale in this study presented adequate levels of reliability and convergent and discriminating validity. Keywords: quality of health care, patient satisfaction, physical therapy, attitudes and behavioral research. 13 1 INTRODUÇÃO A avaliação da qualidade de serviços de saúde vem sendo estudada há tempos (BOPP, 1990). Entretanto, a maior parte dos trabalhos apresentados até o momento tem sua origem em países desenvolvidos, onde a saúde pública apresenta características muito diferentes dos países em desenvolvimento (FRANCO; CAMPOS, 1998). Os trabalhos que avaliam a qualidade dos serviços de saúde e a satisfação dos pacientes, em sua maioria, enfocam os serviços hospitalares e ambulatoriais nas mais diversas especialidades da área da saúde. Todavia, são poucos os estudos específicos para os serviços de fisioterapia (BEATTIE; PINTO; NELSON, 2002). Goldstein, Elliot e Guccione (2000) relatam que os instrumentos desenvolvidos para a área da saúde, seguindo critérios metodológicos rigorosos, não são específicos para atender às especificidades existentes na área da fisioterapia. Beattie et al. (2002) acreditam que pacientes ambulatoriais de serviços de fisioterapia apresentam características particulares, como a frequência de atendimento e a permanência prolongada do paciente na clínica, o que requer escalas específicas para a avaliação da satisfação com os serviços. A maioria dos sistemas de avaliação da satisfação em serviços de reabilitação é focalizada na percepção da qualidade de serviços (KEITH, 1998). Segundo Parasuraman, Zeithaml e Berry (1988), instrumentos de avaliação da satisfação, de forma geral, têm avaliado a qualidade percebida e não a satisfação propriamente dita. Isso pode ser bem observado nos itens das escalas de avaliação de satisfação em serviços de fisioterapia encontrados na literatura estrangeira (ROUSH; SONSTROEM, 1999; GOLDSTEIN, ELLIOT; GUCCIONE, 2000; OERMANN, SWANK; SOCKRIDER, 2000; BEATTIE, PINTO; NELSON, 2002; MONNIN; PERNEGER, 2002), assim como na escala de satisfação desenvolvida por Mendonça e Guerra (2007), para o contexto brasileiro. Dessa forma, o desenvolvimento de escalas e modelos próprios para a avaliação da qualidade de serviços em fisioterapia, em que a satisfação seja compreendida como um dos construtos que sofrem impacto direto da qualidade de serviços necessários. Outros aspectos importantes na avaliação dos serviços são as atitudes e intenções comportamentais. Alguns instrumentos acrescentam, além da qualidade e da satisfação, questões relativas à propensão a lealdade, que possibilita avaliar se o consumidor voltaria a utilizar aquele serviço, e a comunicação boca a boca, que avalia se o consumidor indicaria esse serviço a terceiros (GOLDSTEIN; ELLIOT; GUCCIONE, 2000; MONNIN; PERNEGER, 2002; BETTIE et al., 2005). Esses atributos são de grande relevância ao se avaliar o comportamento do consumidor, pois o fato de o cliente estar satisfeito com o serviço não significa que retornará ao serviço, caso seja necessário, assim como recomendá-lo a outra pessoa. Em casos de insatisfação, essa lógica também se aplica. Portanto, os instrumentos de avaliação de serviços devem apresentar indicadores relativos às atitudes e intenções comportamentais. Ademais, outras dimensões das atitudes e intenções comportamentais podem ser úteis na avaliação dos serviços, como o comprometimento, arrependimento, valor percebido e confiança. No Brasil, os estudos sobre qualidade e satisfação na área da saúde ganharam força depois de 1990, quando houve um fortalecimento do controle social, no âmbito do SUS, por intermédio da participação da comunidade nos processos de planejamento e avaliação desses serviços (ESPERIDIÃO; TRAD, 2006). Contudo, trabalhos específicos para serviços de fisioterapia são raros (MENDONÇA; GUERRA, 2007). Considerando o exposto, o problema da pesquisa fundamenta-se no fato de que há uma carência de escalas específicas na avaliação da qualidade percebida em serviços de fisioterapia dentro do contexto brasileiro. Além disso, as escalas atuais são pobres em relação à avaliação dos impactos da qualidade sobre as diversas atitudes e intenções comportamentais, como a satisfação, arrependimento, propensão à lealdade, comunicação boca a boca, confiança, gratidão, valor percebido e os comprometimentos afetivo, normativo, instrumental e conativo. Desse modo, o objetivo do presente estudo foi desenvolver e validar uma escala de avaliação da qualidade percebida e das atitudes e intenções comportamentais em serviços de fisioterapia. 14 2 METODOLOGIA No afã de responder ao objetivo proposto, a pesquisa foi dividida em duas fases: a primeira de natureza qualitativa (exploratória) e a segunda de caráter quantitativo. Na primeira fase, buscou-se levantar os atributos de qualidade percebida por pacientes de serviços de fisioterapia. Para tanto, além de uma ampla revisão da literatura, foram realizadas 26 entrevistas em profundidade envolvendo fisioterapeutas (13), clientes e ex-clientes de serviços de fisioterapia (10) e pessoas que nunca se submeteram ao tratamento fisioterápico (3). Todos os entrevistados eram residentes em Belo Horizonte (MG), e as entrevistas foram orientadas por meio de dois roteiros desenvolvidos pelos autores. Na segunda fase, foi realizado um levantamento tipo survey, em um período de 15 dias, com base em um corte transversal, envolvendo 412 pacientes em tratamento, ex-pacientes que abandonaram o tratamento ou que concluíram o tratamento fisioterapêutico, na cidade de Belo Horizonte, onde a seleção dos respondentes foi feita por conveniência. Para esse levantamento, foi elaborado e aplicado um questionário estruturado, utilizando os atributos levantados na primeira fase e aplicado, em uma escala tipo likert, variando de 0 (discordo totalmente) a 10 (concordo totalmente), e ainda da opção "NS/NA" (Não sei/não se aplica). Esse tipo de escala permite mais precisão de resposta, levando a uma maior consistência dos dados (SPECTOR, 1992). O questionário apresentava 63 itens relacionados à qualidade percebida e 32 itens relacionados às atitudes e intenções comportamentais. Foi utilizado um cabeçalho com explicação detalhada de como os entrevistados deveriam responder às questões que foram lidas pelo entrevistador antes de se iniciar a coleta: Com relação a ..., favor marcar um X nas opções que melhor representem sua opinião, sendo 0 para DISCORDO TOTALMENTE e 10 para CONCORDO TOTALMENTE. Favor marcar valores intermediários para níveis médios de concordância ou discordância. Caso o entrevistado não saiba avaliar ou a questão não se aplique, favor marcar “Não sei /Não se aplica (NS/NA)”. Por fim, questões sociodemográficas foram incluídas, a fim de caracterizar a amostra. Os critérios de exclusão foram indivíduos que apresentavam incapacidade de responder às questões, quem nunca havia sido submetido a tratamento fisioterapêutico ou foram tratados há mais de seis meses. Os dados obtidos foram analisados por meio dos softwares Microsoft Excel®, SPSS® (versão 13.0) e Amos® (versão 5.0). Os critérios utilizados para desenvolver e validar a escala foram separados em nove etapas: (1) revisão da literatura sobre o tema; (2) elaboração de um roteiro de entrevista em profundidade; (3) realização de entrevista em profundidade com pacientes, não pacientes e ex-pacientes; (4) análise de conteúdo das entrevistas; (5) desenvolvimento do questionário para a survey; (6) coleta e tabulação dos dados da survey; (7) análise descritiva da amostra; (8) análise exploratória dos dados – avaliação de viés de não-resposta, missing values, outliers e pressupostos (normalidade e linearidade); (9) análise fatorial de dimensionalidade, confiabilidade e consistência interna dos construtos e validade de construto – convergente e discriminante (KUMA; AAKER; DAY, 1999; SPECTOR, 2002; HAIR et al., 2005). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados sociodemográficos obtidos demonstram que entre os 412 pacientes e expacientes de serviços de fisioterapia da região metropolitana de Belo Horizonte, 41% são do sexo masculino e 59% são do sexo feminino. A média de idade encontrada foi de 47,28 ± 16,95 anos, e a faixa de renda familiar predominante era de até R$ 4.000,00 (79%). Constatou-se ainda uma distribuição bastante uniforme dos respondentes com relação à etapa em que eles estavam no tratamento, sendo 39,1% de pacientes que concluíram o tratamento, 35,9% de pacientes que abandonaram o tratamento e 25% de pacientes que estavam em tratamento. A maior parte dos respondentes era de indivíduos casados/amigados (52,2%), seguidos pelos solteiros (32,3%), divorciados/separados (7,8%) e viúvos (7,8%). Finalmente, constatou-se que a maioria dos pacientes apresentava nível educacional até o Ensino Médio (40%), enquanto entrevistados com nível superior 15 incompleto (13,1%) ou superior completo (23,5%) também se apresentavam como categorias relevantes. Uma menor parcela foi representada por pacientes com Ensino Fundamental (15,3%), Especialização (7,3%) e com Mestrado e Doutorado (0,7%). 3.1 ANÁLISE EXPLORATÓRIA DOS DADOS (AED) Iniciou-se o processo de AED pela análise da consistência do banco de dados, isto é, buscou-se encontrar valores inconsistentes, logicamente incoerentes ou erros de digitação (MALHOTRA, 2006). Na pesquisa, não foram encontrado valores fora dos limites previstos das escalas (0 a 10) utilizadas. Para avaliar o pressuposto de linearidade entre os pares de indicadores, empregou-se o método de avaliação da significância dos coeficientes de correlação de Pearson. Segundo resultados dos testes t, 3.494 correlações da matriz são diferentes de zero, o que representa 72% das células da matriz Rxx. Foram analisados 30 diagramas de dispersão, visando identificar possíveis desvios da linearidade entre os pares de variáveis. No entanto, nenhum padrão não-linear foi notado. Em consequência, assume-se que existem relações lineares significativas para a maior parte das variáveis incluídas neste estudo, justificando a aceitação da hipótese de linearidade dos dados. 3.2 FIDEDIGNIDADE DAS MEDIDAS DO INSTRUMENTO Para realizar a análise da fidedignidade do instrumento, foi necessário explorar a dimensionalidade dos construtos incluídos no estudo. Segundo Nunnaly e Bernstein (1994), cada construto teórico deve tratar de dimensões distintas do fenômeno estudado, ou seja, os construtos devem contemplar o pressuposto da unidimensionalidade. Cabe destacar que, conforme Dunn et al. (1994), uma escala pode ser considerada como unidimensional quando, ao aplicar a análise fatorial com extração de componentes principais, considerando os fatores com autovalor (eigenvalue) superiores a um, cada indicador apresente uma carga fatorial de pelo menos 0,400 com o fator que está vinculado. Hair Jr. et al. (2005) enfatizam que, em amostras grandes, cargas fatoriais superiores a 0,300 já podem ser consideradas significantes. A carga fatorial permite interpretar o papel que cada variável tem na definição do fator e representa a correlação de cada variável com seu respectivo fator. Uma série de regras para verificar se existem condições adequadas para o uso da análise fatorial exploratória deve ser observada. Inicialmente, é necessário observar se a medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que é um índice comparativo da correlação observada versus a correlação parcial da matriz, possui um valor superior à 0,600 (LATIF, 2004). Além disso, é esperado que a solução fatorial consiga explicar pelo menos 60% da variância total dos dados, o que indica que a redução de dados consegue explicar uma parcela considerável da variação existente (HAIR et al., 2005). Também é conveniente verificar a magnitude das comunalidades (H2), observando se a análise fatorial é capaz de explicar pelo menos 40% da variância dos dados (DUNN; SEAKER; WALLER, 1994). Neste trabalho, procurou-se identificar as dimensões latentes do construto qualidade percebida global pelos pacientes atuais, pacientes que concluíram e pacientes que abandonaram o tratamento. Para tanto, empregou-se a análise fatorial exploratória, por meio da extração de componentes principais, utilizando-se um procedimento ortogonal (varimax) com normalização do tipo Kaiser. Após um procedimento de várias etapas, em que todos os indicadores que apresentaram comunalidades inferiores a 0,400, sem nenhuma carga fatorial superior a 0,300 ou apresentando cargas cruzadas em dois ou mais fatores, foram progressivamente excluídos, foi possível encontrar uma solução fatorial com nove dimensões latentes do construto qualidade percebida global. Tais fatores foram assim denominados (tabela 1): fator 1 – relacionamento; fator 2 – funcionários; fator 3 – infraestrutura e equipamentos; fator 4 – auto-interesse; fator 5 – comunicação do fisioterapeuta com os clientes; fator 6 – horários de atendimento; fator 7 – marca e tradição; fator 8 – qualificação profissional do fisioterapeuta; fator 9 – comodidade (estacionamento). Entende-se, portanto, que os nove fatores encontrados nessa solução fatorial foram capazes de explicar 70,85% da variância total dos dados. Considerando-se que esse valor supera 16 o limite sugerido de 60% e que a medida de adequação da amostra de KMO foi de 0,926, pode-se afirmar que todos os construtos mostraram evidências concretas em favor da unidimensionalidade, ou seja, que a solução fatorial obteve resultados satisfatórios (HAIR et al., 2005). Realizou-se ainda a análise fatorial dos construtos relacionados às atitudes e intenções comportamentais dos pacientes. Todos os construtos que mensuram as atitudes e intenções comportamentais dos pacientes mostraram evidências em favor de sua correta dimensionalidade. Nota-se que foi feita uma análise em separado para cada construto, tal como mostra a tabela 2. Como para todos eles, a variância total dos dados foi maior que o limite mínimo de 60% e a medida KMO foi superior a 0,600, sugere-se que os resultados sejam satisfatórios. TABELA 1 estru tura e equi pam ento funcionários relacionamento do fisioterapeuta com os clientes FATORES – FATORES DE DIMENSIONALIDADE ATRIBUTOS QUALIDADE ENCONTRADOS CAR-GA FATO-RIAL 1 Tem um ótimo relacionamento 0,803 comigo. 2 Sempre respeita minha 0,799 privacidade. 3 Sempre me trata com o maior 0,789 respeito. 4 É uma pessoa legal. 0,764 5 Está sempre motivado para 0,762 atender os clientes. 6 Sempre procura manter um clima 0,750 amigável e descontraído durante meu tratamento. 07) sempre demonstra ter um 0,733 elevado interesse pelo meu caso 08) me chama pelo meu nome 0,725 09) sempre busca me manter 0,703 motivado com o tratamento 10 Sempre escuta atentamente o 0,698 que eu tenho a dizer. 11 Dedica tempo suficiente para 0,681 acompanhar meu caso pessoalmente. 12 Inspira-me total confiança. 0,626 13 Sempre mantém uma postura 0,618 bastante profissional. 14 Examina-me cuidadosamente 0,576 antes de iniciar o tratamento. 15 Possui funcionários que sempre me 0,775 atendem com educação e cordialidade. 16 Tem funcionários que buscam atender 0,748 prontamente às consultas, dúvidas, solicitações e reclamações dos clientes. 17 Tem funcionários honestos e confiáveis. 0,724 18 Tem funcionários sempre interessados 0,712 em atender bem aos clientes. 19 Tem funcionários que estão sempre bem 0,701 aparentados. 20 Tem funcionários que se preocupam em 0,684 resolver os problemas dos clientes de maneira rápida e eficaz. 21 Possui instalações com excelente 0,824 aparência. H2 NA AVALIAÇÃO AUTO-VALOR VA-RIÂNCIA EXPLI-CADA (%) 0,797 0,752 0,749 0,718 0,720 0,673 0,702 0,633 90,490 23,147 0,709 0,605 0,671 0,541 0,713 0,509 0,810 0,766 0,702 0,746 4,374 10,669 3,312 8,078 0,701 0,649 0,800 DA 17 comodidade qualificação (estaciona- profissional do mento) fisioterapeuta marca e tradição horários de atendimento comunicação do fisioterapeuta com os clientes autointeresse 22 Tem um ambiente com instalações físicas agradáveis. 23 Tem uma sala de espera confortável. 24 Tem acesso fácil (com portas largas, rampas de acesso, piso antiderrapante, etc.). 25 Tem todos os equipamentos necessários para meu tratamento. 26 Marca o atendimento de muitos pacientes ao mesmo tempo para ganhar mais dinheiro. 27 Preocupa-se apenas em ganhar dinheiro. 28 Marca mais sessões do que o necessário para ganhar mais dinheiro. 29 Preocupa-se apenas com seus próprios interesses. 30 Definiu objetivos de curto, médio e longo prazo para meu tratamento. 31 Fez uma previsão de tempo para a solução de meu problema antes do início do tratamento. 32 Fornece informações completas e detalhadas sobre o problema que eu tenho. 33 Tem um horário de funcionamento que atende minhas necessidades. 34 Sempre tem horários disponíveis para que eu seja atendido(a). 35 Sempre realiza o atendimento no horário marcado. 0,775 0,765 0,685 0,640 0,684 0,614 0,492 0,493 0,821 0,744 0,816 0,722 0,801 0,715 0,696 0,597 0,857 0,833 0,835 0,796 0,716 0,702 0,714 0,713 0,681 0,691 0,586 0,596 36 Tem uma marca forte e consolidada no mercado. 0,896 37 Tem um nome bastante reconhecido no mercado. 0,884 0,896 38 Mantém-se informado sobre os últimos avanços da profissão. 0,773 0,742 39 Tem uma elevada qualificação profissional. 0,751 0,757 40 Tem estacionamento próprio e gratuito. 0,824 0,742 41 Tem locais fáceis para estacionamento próximo. 0,782 0,706 2,778 6,776 2,330 5,684 1,999 4,876 0,922 1,817 4,432 1,499 3,655 1,448 3,532 FONTE: dados da pesquisa. Observações: todas as cargas fatoriais foram significativas (>0,400). Os valores h2 são as comunalidades e indica o percentual de variância explicada de cada um dos indicadores. O Autovalor corresponde à decomposição da variância dos dados segundo cada fator. A variância explicada é o percentual de variância de cada fator, sendo que o total de variância explicada pelos nove fatores foi de 70,85%. 18 TABELA 2 – AVALIAÇÃO DA DIMENSIONALIDADE DOS CONSTRUTOS RELACIONADOS ÀS ATITUDES E INTENÇÕES COMPORTAMENTAIS DOS RESPONDENTES CONSTRUTOS INDICADORES 42 Eu me sinto frustrado(a) por ter escolhido essa clínica para realizar meu tratamento. 43 Eu acredito que tomei uma péssima decisão em me tratar nessa clínica. Arrepen-dimento 44 Eu estou arrependido(a) por ter optado por essa clínica. 45 Se eu pudesse recomeçar, escolheria uma outra clínica para me tratar. 46 Caso eu venha a precisar me submeter a um outro tratamento fisioterápico, utilizarei novamente os serviços dessa clínica, mesmo se outras propen-são à pessoas recomendarem um outro local. lealdade 47 Caso eu venha precisar me submeter a um outro tratamento fisioterápico, sem dúvida, irei procurar essa clínica novamente. 48 Eu só faço observações positivas sobre a clínica comunicação para meus parentes e amigos. boca-a-boca 49 Eu recomendaria às pessoas que se tratassem nessa clínica. 50 Eu estou satisfeito(a) com minha decisão em me tratar nessa clínica. 51 O resultado do tratamento está atendendo satisfação totalmente às minhas expectativas. 52 Eu realmente gosto de utilizar os serviços dessa clínica. 53 Eu confio bastante no trabalho desenvolvido pela equipe dessa clínica. 54 Eu confio bastante no trabalho desenvolvido por confiança meu fisioterapeuta. 55 Eu me sinto seguro(a) por estar sendo tratado nessa clínica. 56 Eu tenho um sentimento de gratidão em relação ao fisioterapeuta responsável por meu tratamento, porque ele tem feito mais do que suas obrigações para solucionar meu problema. gratidão 57 Eu tenho um sentimento de gratidão em relação à equipe responsável por meu tratamento, porque os profissionais têm feito mais do que suas obrigações para solucionar meu problema. 58 Considerando a qualidade dos serviços prestados e o valor cobrado, eu acredito que está valendo a pena fazer o tratamento nessa clínica. valor 59 Eu acredito que os benefícios que tenho recebido por parte da clínica são compatíveis (justos) em relação ao valor pago em meu tratamento. CARGA FATO-RIALA H2 (B) 0,941 0,886 0,912 0,832 0,883 0,779 0,826 0,683 0,952 0,907 0,952 0,907 0,965 0,932 0,965 0,932 0,922 0,850 0,923 0,852 0,946 0,895 0,959 0,897 0,952 0,919 0,947 0,906 0,972 0,945 0,972 0,945 0,915 0,838 0,915 AUTOVALORC VARIÂN-CIA EXPLI-CADAD 3,179 79,481 1,814 90,720 1,863 93,136 2,597 86,590 2,723 90,754 1,889 94,457 1,675 83,765 0,838 FONTE: dados da pesquisa. Observações: nesta tabela foi feita uma análise fatorial para cada conjunto de variáveis: a) cargas fatoriais foram significativas (>0,400); b) valores h2 são as comunalidades e indicam o porcentual de variância explicada de cada um dos indicadores; c) os autovalores correspondem à decomposição da variância dos dados segundo cada fator; d) a variância explicada é o porcentual de variância de cada fator. A análise foi capaz de explicar mais de 70% da variância de cada conjunto de dados, e a medida KMO, superior a 0,80. 19 Conclusão similar foi obtida para o construto comprometimento com o tratamento (tabela 3), que apresentou quatro dimensões (somente uma análise fatorial). TABELA 3 – AVALIAÇÃO DA DIMENSIONALIDADE DOS CONSTRUTOS RELACIONADOS AO COMPROMETIMENTO DOS RESPONDENTES CONS-TRUTOS INDICADORES 60 Tenho-me esforçado para cumprir as atividades indicadas pelo fisioterapeuta, pois acredito que realmente resolverão meu problema. comprometimen-to 61 Eu me sinto comprometido(a) com nor-mativo o tratamento que estou realizando. 62 Eu acredito que, depois de concluir o tratamento, terei meu problema solucionado. 63 Tenho-me esforçado durante o tratamento porque gosto das pessoas comproque trabalham nessa clínica. metimen-to 64 Eu tenho um vínculo de amizade afetivo com as pessoas que trabalham nessa .clínica 65 O tratamento que estou fazendo compropassou a ser um hábito para mim. metimen-to 66 Eu não interrompi o tratamento, cona-tivo pois já estou acostumado(a) a fazê-lo. 67 Tenho-me esforçado durante o tratamento, apenas porque é o único comproque tenho condições financeiras de metimen-to ins- fazer. trumental 68 Eu já gastei muito dinheiro durante o tratamento, para interrompê-lo antes de receber alta. CARGA FATORIAL 2 H 0,885 0,807 0,807 0,690 0,774 0,617 0,860 0,837 0,773 0,811 0,774 0,806 0,888 0,769 0,858 0,800 0,819 AUTOVALOR VARIÂN-CIA EXPLI-CADA 2,130 21,290 1,655 16,550 1,969 19,690 1,576 15,757 0,716 FONTE: dados da pesquisa. 3.3 CONFIABILIDADE Após a avaliação da unidimensionalidade, qualificou-se a extensão em que os construtos do estudo produziam resultados coerentes, quando medidas repetidas dos objetos foram efetuadas, denotando a extensão dos erros aleatórios sobre as escalas (NUNNALY; BERNSTEIN, 1994). A consistência interna foi avaliada por meio do coeficiente alfa de Cronbach (α), que indica o porcentual de variância das medidas que estão livres de erros aleatórios (NUNNALY; BERNSTEIN, 1994; HAIR, 2005). Buscou-se, portanto, avaliar a confiabilidade das escalas por meio de tal coeficiente, que é considerado adequado, quando são obtidos valores superiores a 0,800. Entretanto, valores superiores a 0,600 são aceitáveis para escalas em desenvolvimento, tais como as empregadas neste estudo (MALHOTRA, 2006). A tabela 4 demonstra a confiabilidade das escalas. 3.4 VALIDADE CONVERGENTE Após a etapa de avaliação da confiabilidade, foi feita a avaliação da validade convergente das medidas, buscando identificar se os indicadores são suficientemente correlacionados com seus 20 respectivos construtos, a fim de evidenciar sua adequação para medir as dimensões latentes de interesse (BAGOZZI; PHILIPS, 1991). O método utilizado neste trabalho, para avaliar a validade convergente, foi o proposto por Bagozzi e Philips (1991), que sugerem que a análise fatorial confirmatória (AFC) pode ser usada para verificar se os indicadores estão significativamente relacionados aos construtos de interesse. Para identificar os construtos latentes, fixou-se à variância dos fatores a variância de um dos indicadores. Dessa forma, considerando-se o critério de validade convergente sugerido por Bagozzi e Philips (1991), todos os indicadores atingiram os valores mínimos necessários para atender ao pressuposto de validade convergente. TABELA 4 – COEFICIENTES ALFA DE CRONBACH DOS FATORES fatores de qualidade CONSTRUTOS fator 1 – relacionamento do fisioterapeuta com os clientes 0,947 fator 2 – funcionários 0,919 fator 3 – infraestrutura e equipamentos 0,828 fator 4 – autointeresse 0,826 fator 5 – comunicação do fisioterapeuta com os clientes 0,863 fator 6 – horários de atendimento 0,778 fator 7 – marca e tradição 0,924 fator 8 – qualificação profissional do fisioterapeuta 0,677 fator 9 – comodidade (estacionamento) 0,671 atitudes e intenções comportamentais arrependimento propensão à lealdade comunicação boca a boca confiança satisfação gratidão valor comprometimento ALPHA DE CRONBACH comprometimento normativo comprometimento afetivo comprometimento instrumental comprometimento conativo 0,909 0,898 0,927 0,947 0,919 0,941 0,806 0,778 0,685 0,771 0,695 FONTE: dados da pesquisa. Apesar de os fatores comprometimento afetivo com o tratamento, comprometimento conativo com o tratamento, comodidade e qualificação profissional terem obtido alfas muito próximos do limite 21 mínimo recomendado para escalas em fase de desenvolvimento (0,600), todos os valores encontrados superam tal parâmetro, indicando uma satisfatória consistência interna. 3.5 VALIDADE DISCRIMINANTE Para avaliar a validade discriminante dos construtos, ou seja, verificar se os construtos efetivamente medem diferentes aspectos do fenômeno de interesse, empregou-se o método desenvolvido por Fornell e Larcker (1981). Usualmente, a validade discriminante entre dois construtos é um pré-requisito para que se aceite que os construtos estão, de fato, medindo aspectos diferentes do fenômeno de interesse. Notou-se que a variância média compartilhada entre os indicadores e seus respectivos construtos foi superior à variância compartilhada entre os construtos em todos os casos, demonstrando que todas as escalas medem efetivamente construtos diferentes. Nesse sentido, pode-se afirmar que todos os construtos do estudo apresentaram evidências de validade discriminante. 4 CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS Os resultados obtidos na pesquisa permitiram concluir que a qualidade percebida por clientes de serviços de fisioterapia é um construto multidimensional que pode ser avaliado por meio de nove fatores latentes. A avaliação da confiabilidade da escala foi realizada pela avaliação da consistência interna das variáveis e apresentou valores superiores ao exigido, indicando uma satisfatória consistência interna. Foi possível concluir que os construtos apresentaram evidências de validade convergente e discriminante. Dessa forma, é possível afirmar que a escala apresentou níveis adequados de confiabilidade e validade. As dimensões comprometimento afetivo e conativo com o tratamento, comodidade e qualificação profissional do fisioterapeuta apresentaram alfas próximos do limite recomendado. Sugere-se que, em estudos futuros envolvendo tais dimensões, sejam buscadas alternativas para a melhoria da confiabilidade da escala, tais como aumentar o número de itens ou, ainda, depurar mais adequadamente as questões. O questionário final apresenta 41 questões em relação à qualidade percebida e 27 questões em relação às atitudes e intenções comportamentais (tabelas 1, 2 e 3). Esse instrumento pode ser útil na avaliação da qualidade percebida e atitudes e intenções comportamentais de clientes de serviços de fisioterapia, assim como no respectivo monitoramento. Acredita-se, depois de ampla revisão da literatura, que esse seja o primeiro instrumento para avaliar a qualidade percebida e as atitudes e intenções comportamentais em serviços de fisioterapia. No entanto, essa escala foi desenvolvida e validada em língua portuguesa e em uma população de pacientes e ex-pacientes de serviços de fisioterapia em nível ambulatorial. Diante disso, novos estudos são necessários para considerar sua validade e confiabilidade em outras populações e ambientes, como em hospitais e centros de saúde. REFERÊNCIAS BAGOZZI, Richard P.; YI, Youjae; PHILIPS, Lynn W. Assessing construct validity in organizational research. Administrative Science Quartely, v. 36, n. 3, p. 421-458, Sept. 1991. BEATTIE, Paul F. et al. Patient satisfaction with outpatient physical therapy: instrument validation. Physical Therapy, v. 82, p. 557-565, 2002. ______. et al. The medrisk instrument for measuring patient satisfaction with physical therapy care: a psychometric analysis. Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy, v. 35, n. 1, p. 24-32, Jan. 2005. 22 BEATTIE P. F.; NELSON R. M.; LIS, A. Spanish-language version of the medrisk instrument for measuring patient satisfaction with physical therapy care (MRPS): preliminary validation. Physical Therapy, v. 87, p. 793-800, 2007. BOPP, K. D. How patients evaluate the quality of ambulatory medical encounters: a marketing perspective. Journal of Health Care Marketing, v. 10, n. 1, p. 6-15, Mar. 1990. ESPERIDIÃO, Monique A.; TRAD, Leny A. B. Avaliação de satisfação de usuários: considerações teórico-conceituais, Cad. Saúde Pública, v. 22, n. 6, p. 1.267-1.276, jun. 2006. DUNN, Steven C.; SEAKER, Robert F.; WALLER, Mattew A. Latent variable in business logistics research: scale development and validation. Journal of Business Logistics, v. 15, n. 2, p. 145-173, 1994. FORNELL, C.; LARCKER, D. F. Evaluating structural equation models with unobservablevariables and measurement error. 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Development of the physical therapy outpatient satisfaction survey (PTOPS). Physical Therapy, v. 79, n. 2, p. 159-170, Feb. 1999. SPECTOR, Paul E. Summated rating scale construction: an introduction. Newbury Park: Sage University, 1992. 24 25 UMA PROPOSTA DE INTEGRAÇÃO ENTRE FERRAMENTAS PARA A MELHORIA CONTÍNUA A PROPOSAL OF INTEGRATION AMONG TOOLS FOR THE CONTINUOUS IMPROVEMENT MARCELO GIROTO REBELATO UNESP (Jaboticabal) CLÁUDIA MELONI UNESP (Jaboticabal) ANDRÉIA MARIZE RODRIGUES UNESP (Jaboticabal) 26 RESUMO Na atualidade, a maioria das organizações que aplica os diferentes métodos voltados à gestão da qualidade não consegue entender como eles podem trabalhar de forma integrada. Essa falta de visão integrativa dificulta a ação gerencial. Este artigo tem o objetivo de explorar a integração entre métodos voltados à melhoria contínua da qualidade. Para isso, foram selecionados da literatura especializada os seguintes métodos: brainstorming, diagrama de afinidades, diagrama de Ishikawa, diagrama de Pareto, diagrama de relações, histograma, método de solução de problemas e FMEA. Buscou-se a integração entre as ferramentas de modo a encontrar a concatenação lógica entre suas entradas e saídas. Conclui-se que a abordagem integrativa proposta contribui para que as empresas não operem um gerenciamento fragmentado da qualidade. Palavras-chave: ferramentas da qualidade, integração entre ferramentas da qualidade, melhoria contínua. ABSTRACT In the current days, most of the organizations that applies the different methods turned to the management of quality are not able to understand how they can work in the integrated form. This lack of integrative vision difficults the management action. This article has the objective to explore the integration between methods turned to the continuous improvement of quality. For this, the following methods were selected from the specialized literature: Brainstorming, Affinities Diagram, Ishikawa Diagram, Pareto Diagram, Relations Diagram, Histogram, Problem Solving Method and FMEA. It looked for the integration between the tools in order to find the logical concatenation between their entries and exits. It concludes that the proposed integrative approach contributes to the enterprises do not operate a broken quality management. Keywords: quality tools, integration between quality tools, continuous improvement. 27 INTRODUÇÃO Com o acirramento da competição entre as empresas, como consequência da economia globalizada, a questão da adequada abordagem da qualidade passou a ser uma necessidade de sobrevivência no mundo atual e, em virtude de tal constatação, a gestão da qualidade vem obtendo contínuos e gradativos aprimoramentos no tocante ao direcionamento da ação gerencial. Na década de 50, surgiu a preocupação com a gestão da qualidade, o que trouxe nova filosofia gerencial com base no desenvolvimento e na aplicação de conceitos, ferramentas e técnicas adequadas a outra nova realidade. Dessa forma, a gestão da qualidade marcou o deslocamento da análise do produto ou serviço para a concepção de um sistema de qualidade. Esta deixou de ser um aspecto do produto e responsabilidade apenas de departamento especifico. Passou a ser um problema da empresa, abrangendo, como tal, todos os aspectos de sua operação (LONGO, 1996). Diante desse cenário, especialistas, organizações e governos estão empenhados em criar e utilizar ferramentas aplicadas à melhoria contínua da qualidade. Conforme Jha et al. (1996), a melhoria contínua busca incrementar a eficiência organizacional, a competitividade e a satisfação do consumidor por meio da identificação e solução de problemas. Nesse caminho de incrementar continuamente os processos, afirma Fernandes (2005) que existe uma grande diversidade de métodos atualmente disponíveis aos gestores. Para qualquer um dos processos da gestão da qualidade, pode-se encontrar uma ferramenta útil ao gestor. Entretanto, a maioria das organizações que aplica essas “iniciativas da qualidade” não consegue visualizar cada uma das ferramentas em foco e ao mesmo tempo visualizar o todo e entender como podem estas trabalham em harmonia. A falta de continuidade e dinamismo na aplicação dos métodos da qualidade pelas empresas se dá pelo fato de que cada método ou ferramenta foi criado a seu tempo, por uma organização específica (ou especialista distinto), que possuía um problema gerencial pontual e tinha o objetivo de saná-lo. Dessa forma, os métodos não contêm interfaces previstas de aplicação com outros métodos, tornando-se evidente o fato de que a falta de integração dificulta a ação gerencial. Portanto, as empresas que não conseguem visualizar as lacunas de integração que existem na grande variedade de métodos a serem aplicados e que não trabalham para repará-las, operam inevitavelmente um gerenciamento fragmentado (KELLER, 2003). Diante da problemática apresentada, este artigo tem como objetivo identificar e explorar as interfaces entre as seguintes ferramentas para a melhoria contínua: brainstorming, diagrama de afinidades, diagrama de Ishikawa, diagrama de Pareto, diagrama de relações, histograma, método de solução de problemas e análise de modos e efeitos de falhas (Failure Mode and Effect Analysis – FMEA), mostrando como essas podem se encadear efetivamente. 2 FUNDAMENTAÇÃO A seguir, iniciando-se com o brainstorming, identificam-se as entradas, o tipo de processamento e as saídas de cada um dos oito métodos ou ferramentas selecionados para, em seguida, propor-se sua integração total. 2.1 BRAINSTORMING O brainstorming é uma técnica de geração de ideias em grupo que envolve a contribuição espontânea de todos os participantes. Sua utilização propõe soluções criativas e inovadoras para os problemas, a qual tem o propósito único de produzir uma lista extensa de ideias que possa ajudar no desenvolvimento do tema (SEBRAE, 2005). Recomenda-se essa técnica para a geração de um grande número de ideias, a exploração de alternativas melhores e a identificação de oportunidades destacadas pelos que estão mais próximos de tal técnica (DELLATERI, 1996). Segundo Dellareti, a preparação de uma sessão de tempestade de ideias é constituída das seguintes etapas: a) seleção dos participantes – selecionar pessoas que possam contribuir para o tema que está sendo desenvolvido. Não se refere somente aos especialistas e sim a todos que possam trazer informações importantes; 28 b) circulação do enunciado – circular, entre os participantes, um enunciado, ainda que preliminar ao tema. Os participantes precisam de tempo para se familiarizar com o assunto da reunião, portanto o tema precisa ser explicado da forma mais geral possível, para evitar a criação de “linhas preferenciais de pensamento”, o que destrói o aspecto multidimensional. Dellareti (1996) esclarece que, para o sucesso de uma sessão de brainstorming, é muito importante a condução deste e, para isso, os seguintes passos devem ser seguidos: a) apresentação das regras – logo no inicio da sessão, é conveniente que se apresentem aos participantes as regras que serão conduzidas a reunião; b) esquecer críticas – nenhuma oposição das ideias geradas pode ser utilizada; c) treino de aquecimento – convém conduzir um ou mais treinos de aquecimento, com problemas simples não relacionados ao tema principal; d) apresentação dos problemas – uma oportunidade de se eliminar duvidas que qualquer participante porventura ainda tenha; e) geração de ideias – pode ser por rodízio (as ideias são geradas sequencialmente, numa ordem preestabelecida), por geração espontânea (as ideias são apresentadas espontaneamente pelos participantes, à medida que elas surgem); f) registro de idéias – conforme cada ideia for sendo gerada, deverá ser registrada e afixada de modo que seja perfeitamente visível a cada participante. Encerrada a fase de geração, cada dado, correspondendo a uma ideia, deve ser analisado quanto à pertinência ao tema, sendo separados aqueles que parecem alheios a ele. Os dados úteis serão compactados. A figura 1 representa as entradas, processamento e saídas da técnica do brainstorming. FIGURA 1 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO BRAINSTORMING entradas processamento - problemas apresentados - geração de ideias Saídas - Idéias filtradas, registradas e compactadas FONTE: Elaborado pelos autores 2.2 DIAGRAMA DE AFINIDADES O diagrama de afinidades é designado para coleta de fatos, opiniões e ideias sobre áreas desconhecidas ou inexploradas. Quando as ideias formam um caos e quando o tema é muito amplo ou muito complexo, o diagrama de afinidades pode comportar-se como um “mapa geográfico”, permitindo que as diversas variáveis inerentes ao problema possam ser ordenadas e agrupadas de forma a facilitar a compreensão geral do problema e sua resolução (DELLARETI, 1996). O diagrama de afinidades é uma representação gráfica de categorias originais ou criativas ou dimensões de ideias. Destina-se a reunir fatos e ideias acerca de áreas desconhecidas ou inexploradas que estão em completo estado de desorganização. Os dados compõem-se naturalmente de acordo com afinidade mútua. Assim, as áreas de dados se expressam em forma narrativa em vez de quantitativa (MIZUNO, 1993). O desenvolvimento de um diagrama de afinidades envolve uma série de etapas (MOURA, 1994): 29 a) escolher o tema – pode referir-se às situações de tipos (pensamentos, opiniões e ideias estão incertas e desorganizadas; situações de dificuldade de entendimento dos fatos, falta de unidade de um grupo heterogêneo para desenvolver um trabalho em equipe) e com isso favorecer o entendimento mútuo); b) coletar os dados verbais – podem ser fatos, pensamentos ou opiniões. Existem várias maneiras de se coletarem dados verbais, entre as quais o brainstorming é uma das técnicas de destaque; c) transferir os dados para cartelas – devem ser revisados de modo a conter ideias, opiniões e pensamentos individuais, na forma de frases independentes, com um único e claro significado, e deve-se usar uma cartela para cada frase; d) agrupas as cartelas – devem ser bem embaralhadas e espalhadas na superfície de trabalho, de modo que todos os membros do grupo possam lê-las; e) rotular os grupos de cartelas – devem receber rótulos que descrevam sua afinidade. Os rótulos são propostos e escolhidos por consenso, em equipe, após a leitura das cartelas; f) desenhar o diagrama – uma vez definidos os grupos, setas podem ser usadas para indicar as inter-relações entre os grupos e cartelas. FIGURA 2 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO DIAGRAMA DE AFINIDADES processamento entradas - fatos, dados e ideias - Organizar os fatos, dados e ideias. Agrupar os fatos, dados e ideias. Criar rótulos de identificação. Saídas - Fatos, dados e idéias agrupados e organizados FONTE: Elaborado pelos autores 2.3 DIAGRAMA DE ISHIKAWA (DIAGRAMA DE CAUSA E EFEITO) O diagrama de causa e efeito, conhecido como diagrama de Ishikawa, permite estruturar hierarquicamente as causas de determinado problema ou oportunidade de melhoria. Pode ser utilizado com outros propósitos, além do apresentado, por permitir estruturar qualquer sistema que resulte em uma resposta (uni ou multivariada) de forma gráfica e sintética (ISHIKAWA, 1982). O diagrama de Ishikawa tem por objetivo a visualização de um processo, ou seja, o mapeamento entre uma série de fenômenos que se sucedem e que são ligados entre si pelas relações de causa e efeito (SELNER, 1999). Com a forma de uma espinha de peixe, o modelo sugere quatro grandes grupos de causas que devem ser analisadas. Esses quatro grupos (também conhecidos como quatro Ms) são: materiais, mão de obra, métodos e máquinas. Versões mais recentes desse diagrama sugerem a análise orientada por seis grandes grupos de causa: materiais, mão de obra, métodos, máquinas, medidas e meio ambiente (VIEIRA, 1994). Para a construção de um diagrama de Ishikawa é necessário (SELNER, 1999): a) identificar o problema ou, inversamente, definir o objetivo a atingir; b) colocar o problema a identificar em uma caixa à direita; c) conduzir uma sessão com o grupo para formular e clarificar todas as causas e fatores que potencialmente influenciam o problema; d) verificar a identificação das verdadeiras causas e não apenas sintomas; 30 e) reformular as causas e efeitos identificados de modo a garantir que são variáveis do processo; f) organizar as variáveis em grupos ou famílias afins, que relacionam estas entre si; g) colocar as variáveis no diagrama, de acordo com os grupos a que foram atribuídas; h) rever todos os ramos do diagrama, verificando se cada variável pode ser decomposta em subcausas. As entradas, processamento e saídas do diagrama de causa e efeito estão representadas na figura a seguir. FIGURA 3 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO DIAGRAMA DE ISHIKAWA entradas - causas potenciais sobre o problema ou fenômeno processamento - estruturação e classificação das causas dos problemas Saídas - Causas categorizadas segundo famílias afins FONTE: Elaborado pelos autores 2.4 DIAGRAMA DE RELAÇÕES O diagrama de relações é uma ferramenta que, com base em uma ideia, um problema ou ponto considerado central, constrói um mapa de relações lógicas ou sequenciais entre fatores relacionados (LIMA, 2008). Este se inicia com uma ideia central, conduz à geração de grande quantidade de ideias e depois ao delineamento dos modelos observados. Segundo Lima (2008), o diagrama de relações tem a finalidade de permitir o entendimento dos problemas que apresentam relações complexas de causa e efeito e relações complexas de meios para objetivos; viabilizar a adoção do pensamento multidirecional permitindo que se explorem possíveis círculos de causalidade entre as ideias geradas por um conjunto de pessoas; isolar os poucos elementos vitais para a situação em análise, identificando as distintas relações e instruindo todo o pessoal envolvido para que se entenda rapidamente o que é preciso ser feito. Segundo Moura (1994), a sistemática de construção do diagrama de relações é: a) formação da equipe – o indicado é uma equipe multidepartamental e multidisciplinar de 4 a 6 pessoas; b) definição do tema – os participantes, por meio de um consenso, devem definir um tema (podem utilizar o brainstorming para isso); c) coleta de dados verbais – pode ser realizada de diversas maneiras, como, por exemplo, mediante brainstorming, diagrama de Ishikawa e diagrama de afinidades. De acordo com Moura (1994), inicia-se a construção do diagrama com o espalhamento de cartelas (dados) sobre a superfície de trabalho. Escolhe-se uma cartela e faz-se a seguinte pergunta: “Esta cartela tem relação direta com as demais cartelas, influenciando ou sendo influenciada por elas?” Deve ser lido em voz alta, pelo líder, o conteúdo das cartelas, ao se buscar a relação entre elas. Ao identificar uma relação de uma cartela com outra, se deve traçar a seta causa-efeito ou meio-objetivo. Devem-se evitar setas de duplo sentido para não gerar confusão. Todas as cartelas devem ser verificadas uma contra as outras, e o grupo deve revisar e aplicar correções, caso sejam 31 necessárias. Em seguida, é realizada a seleção dos itens críticos, verificando-se aqueles com maior número de setas saindo (tendem a ser causas primárias) ou com maior número de setas entrando (podem ser “gargalos”). Os itens críticos devem ser devidamente realçados, com contorno duplo (MOURA, 1994). A figura a seguir ilustra as entradas, processamento e saídas do diagrama de relações. FIGURA 4 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO DIAGRAMA DE RELAÇÕES entradas processamento - ideias, fatos ou problemas Identific ar as relaçõe se depend ências entre fatos, dados e ideias. Saídas - Relações de dependências identificadas FONTE: Elaborado pelos autores 2.5 DIAGRAMA DE PARETO O diagrama de Pareto é uma ferramenta utilizada para registrar e analisar dados relacionados a um problema de maneira a destacar áreas, entradas de dados ou questões mais importantes; alem de revelar que um pequeno número de falhas, é responsável pela maior parte de custos com qualidade (SMITH, 1997). A analise de Pareto torna visivelmente clara a relação açãobeneficio, ou seja, prioriza a ação que trará o melhor resultado. O diagrama consiste em um gráfico de barras que ordena as frequências das ocorrências da maior para a menor e permite a localização de problemas vitais e a eliminação de perdas. Pode ser constituído com base no custo, em vez da frequência, de eventuais ocorrências. Na realidade, a abordagem pelos dois ângulos pode ser útil, pois nem sempre os eventos mais frequentes ou de maior custo são os mais importantes (CALDEIRA, 2004). O diagrama de Pareto revela que, em muitos casos, a maior parte das perdas que se fazem sentir são causadas por um pequeno número de defeitos considerados vitais (vital few). O defeitos restantes, que dão origem a poucas perdas, são considerados triviais (trivial many) e não constituem qualquer perigo sério. Uma vez identificados os defeitos vitais, dever-se-á proceder à sua análise, estudo e estruturação de processos que conduzam à sua redução ou eliminação (NUNES, 2008). De acordo com Caldeira (2004), o diagrama de Pareto é utilizado para identificar os problemas; descobrir as causas que atuam em um defeito; visualizar melhor a ação; priorizar a ação; confirmar os resultados de melhoria; verificar a situação antes e depois do problema, em função das mudanças efetuadas no processo; detalhar as causas maiores em partes específicas, eliminado a causa; estratificar a ação; identificar os itens que são responsáveis pelos maiores impactos; definir as melhorias de um projeto, tais como principais fontes de custo e causas que afetam um processo na escolha do projeto, pelo numero de não-conformidades. Segundo Kume (1993), as etapas de construção do diagrama de Pareto consistem em: 32 a) decidir quais problemas serão investigados, quais dados serão necessários e como serão classificados; b) determinar o método da coleta de dados e o período durante o qual serão coletados; c) criar uma folha de contagem de dados listando os itens, com espaço para registrar o numero de vezes que cada item foi observado e o numero total de observações; d) preencher a folha de contagem de dados; e) preparar uma planilha de dados para o diagrama de Pareto listando seus itens, suas observações individuais, suas observações acumuladas, as porcentagens sobre as observações gerais e as porcentagens acumuladas; f) dispor os itens em ordem decrescente de quantidade e preencher a planilha de dados para o diagrama; g) traçar dois eixos verticais (um eixo esquerdo com escala de 0 até o valor total geral e um eixo direito com escala de 0 a 100%) e um eixo horizontal dividido com número de intervalo igual ao numero de itens da classificação; h) construir um diagrama de barras; i) desenhar a curva acumulada; j) anotar outras informações no diagrama, como, por exemplo, título, caso forem necessárias. A figura a seguir ilustra um exemplo do gráfico de Pareto, em que se pode observar que as causas A, B, e C juntas representam 80% do problema em análise. FIGURA 5 – DIAGRAMA DE PARETO FONTE: EAP – FMUSP, 2010. A próxima figura ilustra as entradas, processamento e saídas do diagrama de Pareto. 33 FIGURA 6 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO DIAGRAMA DE PARETO processamento Saídas entradas - histórico dos dados - Registrar e analisar os dados. Identificar causas principais do problema. - Causas principais do problema identificadas FONTE: Elaborado pelos autores 2.6 HISTOGRAMA O histograma é um gráfico de barras verticais que apresenta valores de uma certa característica agrupados por faixas. É uma ferramenta que permite a visualização de uma grande quantidade de dados de amostra de uma população. É um método rápido para exame, que, por meio de uma organização de muitos dados, permite conhecer a população de maneira objetiva (KUME, 1993). O histograma demonstra visualmente a variabilidade das medidas de uma característica do processo em torno da média, como na figura a seguir. FIGURA 7 – EXEMPLO DE UM HISTOGRAMA FONTE: EAP – FMUSP, 2010. Segundo Kume (1993), as etapas de construção do histograma se constituem em: a) marcar o eixo horizontal com uma escala em folha de papel quadriculado, sendo essa escala baseada na unidade de medida dos dados e não nos limites de intervalo das classes; 34 b) marcar o eixo vertical do lado esquerdo com uma escala de frequência e, se necessário, traçar o eixo vertical do lado direito com uma escala de frequência relativa; c) marcar os valores dos limites das classes no eixo horizontal; d) desenhar um retângulo cuja altura corresponda à frequência dessa classe, usando-se o intervalo de classe como base; e) traçar uma linha no histograma para representar a média e, se for o caso, os limites da especificação; f) anotar o histórico dos dados (período em que os dados foram coletados), a quantidade de dados, a média e o desvio-padrão numa área em branco do histograma. A próxima figura exemplifica as entradas, processamento e saídas do histograma. FIGURA 8 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO HISTOGRAMA Saídas entradas processamento - histórico dos dados - Identificar o comportamento da dispersão dos dados. - Comportamento da dispersão dos dados identificados FONTE: Elaborado pelos autores 2.7 MÉTODO DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS A solução estruturada de um problema é um modo sistemático de se usar fatos e dados para resolver problemas. A diferença fundamental entre a solução estruturada de um problema e outros métodos é a determinação da causa raiz, pois se esta não for eficazmente eliminada, o problema ocorrerá novamente, causando perdas de recursos usados na sua investigação (HOONEY; HOPEN, 2004). De acordo com Campagnaro (2007), existem diversas maneiras de representar um método de solução de problemas, e o desenvolvido por Sipper e Bulfin (1997) consiste em: a) identificar o problema – a identificação de um problema ocorre quando, ao comparar-se o estado desejado com o estado atual, se observa uma discrepância entre eles, a qual precisa ser corrigida; b) entender o problema – significa entender como o problema está inserido dentro de um sistema e sua interação com este, qual o impacto e extensão que tal problema causa no sistema, conceituando-se a questão como recorrente ou surgimento inicial; c) desenvolver um modelo – com base no entendimento pormenorizado do problema, desenvolve-se um modelo que o represente. Os modelos são desenvolvidos para testar uma alternativa e escolher a que melhor se adequou ao estudo, prever o comportamento de um sistema ou explorar questões do tipo “o que/se”. Para se desenvolver um modelo são precisos dados que auxiliam na identificação e entendimento do problema. Trabalhamse os dados para gerar informação; 35 d) testar o modelo – ao testar o modelo e descobri-lo eficiente está-se indiretamente solucionando o problema. Se necessário, fazer ajustes no modelo; e) interpretar a solução – significa questionar se a solução proposta resolveu o problema e se é a mais robusta; f) estruturar a solução – acompanhar seu desempenho dentro do sistema e, se necessário, voltar aos passos anteriores para novos ajustes. Ao organizar a solução, torna-se possível um sistema de controle dessa solução, evitando-se repetição do problema, para se obter melhoria contínua do sistema. A figura 9 representa o método de solução de problemas com base em Sipper e Bulfin (1997). A figura 10 ilustra as entradas, processamento e saídas desse tipo de ferramenta. FIGURA 9 – MÉTODO PARA SOLUÇÃO DE PROBLEMAS ADAPTADO DE SIPPER E BULFIN (1997) FONTE: CAMPAGNARO, 2007, p. 91. FIGURA 10 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDA DO MÉTODO DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS processamento entradas - dados, comportamento dos dados, fatos, ideias e relações sobre o problema - - FONTE: Elaborado pelos autores Definir tipo de modelo que será adotado para solução do problema. Testar o modelo e interpretar a solução. Estruturar a solução. Saídas - Modelo de solução definido e solução implementada 36 2.8 FAILURE MODE AND EFFECTS ANALYSIS (FMEA) A análise FMEA é uma metodologia que objetiva avaliar e minimizar riscos por meio da determinação da causa e efeito, bem como risco de cada tipo de falha, com execução de ações para aumentar a confiabilidade. Pode-se aplicar a analise FMEA nas seguintes situações: para diminuir a probabilidade da ocorrência de falhas em projetos de novos produtos ou processos; para diminuir a probabilidade de falhas potenciais em produtos e processos já em operação; para aumentar a confiabilidade de produtos ou processos já em operação por meio da analise de falhas que já ocorreram; para diminuir os riscos de erros e aumentar a qualidade em procedimentos administrativos (TOLEDO, 2009). Conforme Stamatis (2003), o FMEA deve ser aplicado nas fases iniciais de projeto de sistemas, produtos, componentes, serviços ou processos e deve ser continuamente reavaliada durante toda a vida do sistema, produto, componente, serviço ou processo. O FMEA traz uma sequência sistemática de avaliar as formas possíveis pelas quais um sistema ou processo está mais sujeito a falhas. Essa ferramenta avalia a severidade das falhas, a forma como ocorrem e como eventualmente poderiam ser detectadas antes de ocasionarem reclamações do cliente. Assim, com base em três quesitos (severidade, ocorrência e detecção), o FMEA leva a uma priorização de quais modos de falha criam maior risco ao cliente. O índice de severidade deve refletir a gravidade do efeito da falha sobre o cliente. Os efeitos das falhas devem ser examinados, classificando-se quanto ao grau de insatisfação que poderão trazer ao cliente. Deve-se correlacionar cada efeito a uma escala de severidade, geralmente escalonada de 0 a 10, com proporção direta entre o número da escala e a severidade correspondente. A tabela 1 demonstra um exemplo dessa relação para indústria automotiva (MIGUEL, 2001). TABELA 1 – ÍNDICES DE SEVERIDADE ÍNDICE 1 CRITÉRIO sem gravidade 2 OBSERVAÇÃO A ocorrência não causará nenhum efeito no sistema. O cliente não será capaz de notar a ocorrência da falha. Os efeitos quase não são percebidos. gravidade baixa 3 O cliente não notará perda de desempenho do sistema. 4 perda progressiva de desempenho 5 gravidade moderada O cliente notará a falha e ficará insatisfeito. 6 baixa eficiência 7 gravidade alta 8 O sistema poderá deixar de operar. O cliente perceberá a falha e ficará muito insatisfeito. 9 Pode envolver problemas de segurança. gravidade muito alta 10 FONTE: MIGUEL, 2001. O cliente perceberá a falha e ficará muito insatisfeito. 37 A possibilidade de ocorrência é uma estimativa de probabilidades combinadas de ocorrência de uma causa de falha e é determinada mediante uma “nota” para cada causa dessa falha. Se for um produto ou processo novo, esse índice poderá ser determinado por dados estatísticos ou relatórios de falhas de componentes similares. Se for um produto ou processo já existente, poderão ser utilizados relatórios de falhas internas, gráficos de controle, dados de fornecedores ou dados obtidos de controle estático do processo entre outros. A tabela 2 demonstra um critério de avaliação sugerido. TABELA 2 – ÍNDICES DE OCORRÊNCIA ÍNDICE 1 2 3 CRITÉRIO PROBABILIDADE possibilidade remota 0 rara 1 / 10.000 1 / 2.000 possibilidade moderada 1 / 1.000 6 7 8 9 10 excepcional 1 / 20.000 possibilidade baixa 4 5 OCORRÊNCIA ocasional 1 / 200 possibilidade alta 1 / 100 possibilidade muito alta 1 / 10 frequente 1 / 20 inevitável 1/2 FONTE: MIGUEL, 2001. O índice de detecção, geralmente em escala numérica de 1 a 10, estima a probabilidade de detecção da causa/mecanismo potencial ou a habilidade dos controles previstos em projeto de detectar o modo de falha antes do sistema, subsistema ou componente ser liberado para a produção (MIGUEL, 2001). A tabela a seguir apresenta um exemplo. TABELA 3 – ÍNDICES PARA DETECÇÃO ÍNDICE 1 PROBABILIDADE DE DETECÇÃO OU PROBABILIDADE DO DEFEITO CHEGAR AO CLIENTE muito alta 2 0–5% 6 – 15 % alta 3 4 16 – 25 % moderada 26 – 35 % 38 5 36 – 45 % 6 46 – 55 % 7 56 – 65 % baixa 8 66 – 75 % 9 76 – 85 % muito baixa 10 86 – 100 % FONTE: MIGUEL, 2001. Calcula-se o número de prioridade de risco (RPN – risk priority number) para cada falha levantada. O método mais utilizado para se medir o risco associado a cada modo de falha é a multiplicação da pontuação dada para as classificações da severidade, ocorrência e detecção. Com isso, tem-se uma escala que vai de 1 a 1.000 pontos, sendo 1 (um) baixíssimo risco ao cliente e 1.000 um risco crítico MIGUEL (2001). Esse índice é calculado pelo produto dos três índices anteriores por meio da fórmula a seguir. RPN = O x S x D, sendo: RPN = número de prioridade de risco; O = possibilidade de ocorrência; S = índice de severidade; D = índice de detecção. Após a priorização dos riscos, definem-se medidas para a redução ou eliminação dos maiores riscos. Segundo orientação do manual FMEA da QS9000 (CHRYSLER et al., 1997), deverão ser estabelecidas ações para pontuações acima de 125 ou quando a severidade for igual a 10. Na próxima figura, podem-se visualizar as entradas, processamento e saídas da FMEA. FIGURA 11 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO MÉTODO FEMA entradas processamento Saídas - requisitos dos - Modos de falhas priorizados conforme o clientes, dos produtos, - Descrever modos de falhas, efeitos, causas, meios de prevenção e de detecção. dos processos e do - Classificar a severidade, a controle de processos ocorrência e a detecção dos modos de falhas e suas causas. - informações históricas de falhas e confiabilidade FONTE: Elaborado pelos autores risco ao cliente - Meios para detectar e prevenir os modos de falha - Priorizar e definir ações que - Ações para minimizar os minimizem ou eliminem os riscos de falhas. riscos de falhas 39 3 METODOLOGIA Conforme Cervo e Bervian (2002), as pesquisas podem ser classificadas pela natureza, forma de abordagem, caráter do objetivo e procedimentos técnicos. Quanto à natureza, é um trabalho aplicado, isto é, tem os conhecimentos gerados aplicáveis em um problema prático. Quanto à forma de abordagem, pode-se classificar o trabalho como qualitativo, pois as avaliações e discussões são subjetivas e baseadas na interpretação dos fatos. No tocante ao objetivo, pode ser classificado como exploratório, pois, pela exploração das interfaces entre os métodos da qualidade, propõe-se a integração deles. Em relação aos procedimentos técnicos, é uma pesquisa bibliográfica. Para o alcance do objetivo traçado, seguiram-se as seguintes etapas de desenvolvimento: a) determinação da abrangência da abordagem integrativa. Aqui, tomou-se como linha de contorno da proposta de integração as ferramentas da qualidade mais úteis no processo de melhoria contínua da qualidade, ou seja, ferramentas direcionadas à coleta de dados, análise do problema, análise de falhas, solução de problemas e incremento da confiabilidade; b) identificação do funcionamento de cada método. A etapa foi realizada para a identificação das entradas, do tipo de processamento e das saídas de cada ferramenta; c) identificação e análise da integração entre os métodos. A análise foi conduzida com base na lógica de concatenação entre os requisitos de entrada de cada ferramenta e suas saídas, de modo a obter um quadro ou figura capaz de evidenciar como as ferramentas podem ser concatenadas mutuamente. 4 INTEGRAÇÃO ENTRE FERRAMENTAS A figura 12 ilustra a integração entre as oito ferramentas destacadas. O processo integrado se inicia (olhando a figura de cima para baixo) com o brainstorming, que tem como sua entrada “problemas apresentados”, registrado na coluna “entradas externas” à direita do quadro. As entradas externas foram criadas de forma a diferenciá-las das “entradas internas”, que podem ser identificadas internamente no quadro. Por exemplo, “fatos, dados e ideias agrupados e organizados” são entradas internas das ferramentas: diagrama de relações, diagrama de Ishikawa e método de solução de problemas (conforme se pode verificar pelas setas). Voltando ao brainstorming, seu processamento se dá na forma de “geração de ideias”, de maneira que suas saídas (“ideias filtradas, registradas e compactadas”) se constituem automaticamente em entradas para o diagrama de afinidades. O diagrama de afinidades, por sua vez: a) organiza os fatos, dados e ideias; b) agrupa os fatos, dados e ideias; c) cria rótulos de identificação. Esse processamento do diagrama de afinidades tem como saídas “fatos, dados e ideias agrupados e organizados”. Seguindo a figura 12, vem o diagrama de relações, o qual tem como entradas a apresentação dos problemas (entrada externa), as saídas do brainstorming e as saídas do diagrama de afinidades. O diagrama de relações identifica as relações e dependências entre fatos, dados e ideias (processamento) para gerar as saídas as “relações de dependência identificadas”. Depois, vem o histograma, que tem como entrada externa o “histórico dos dados“. O histograma identifica o comportamento da dispersão dos dados (processamento) para gerar as saída “comportamento da dispersão dos dados identificados”. O diagrama de Pareto, a seguir, tem como entrada o “histórico dos dados” (entrada externa). O diagrama de Pareto registra e analisa os dados, bem como identifica as causas principais do problema. Como saídas, ele gera as “causas principais do problema identificadas”. 40 O diagrama de Ishikawa (causa e efeito) tem como entradas: as saídas do brainstorming, as saídas do diagrama de afinidades, as saídas do diagrama de relações, as saídas do histograma e as saídas do diagrama de Pareto. O diagrama de Ishikawa estrutura e classifica as causas dos problemas (processamento) para gerar como saídas as “causas dos problemas, classificadas segundo famílias afins”. Abaixo vem o FMEA, o qual tem como entrada externa as “informações históricas sobre falhas e sobre confiabilidade” e “os requisitos dos clientes, dos produtos, dos processos e do controle de processos”. Tem como entradas internas as saídas do histograma, as saídas dos diagrama de Pareto e as saídas do diagrama de Ishikawa. O FMEA descreve modos de falhas, efeitos, causas, meios de prevenção e de detecção; classifica a severidade, a ocorrência e a detecção dos modos de falhas e suas causas; prioriza e define ações que minimizem ou eliminem os riscos de falhas. O FMEA tem como saídas os “meios de detecção e prevenção de falhas”. Em último lugar, vem o método de solução de problemas, que tem como entradas as saídas de todas as ferramentas anteriores. O método de solução de problemas: a) define o tipo de modelo de solução do problema que será adotado; b) testa o modelo e interpreta a solução; c) estrutura a solução. Como saída do método de solução de problemas, tem-se um modelo de solução definido e, finalmente, a solução estruturada para o problema. Note-se que a saída do método de solução de problemas é a única saída (saída externa) de todas as ferramentas integradas. FIGURA 12 – INTEGRAÇÃO ENTRE AS FERRAMENTAS ENTRADAS EXTERNAS Problemas apresentados SAÍDA EXTERNA PROCESSAMENTO INTEGRADO BRAINSTORMING Idéias filtradas, registradas e compactadas DIAGRAMA DE AFINIDADES Fatos, dados e idéias agrupados e organizados DIAGRAMA DE RELAÇÕES Problemas apresentados Relações de dependência identificadas Histórico dos dados HISTOGRAMA Comportamento da dispersão dos dados identificados Histórico dos dados Modelo de solução definido e solução implementada DIAGRAMA DE PARETO Causas principais do problema identificadas Requisitos dos clientes, dos produtos, dos processos e do controle de processos Informações históricas de falhas e confiabilidade DIAGRAMA DE ISHIKAWA Causas classificadas segundo famílias afins FMEA Meios de detecção e prevenção de falhas MÉTODO DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS 41 FONTE: Elaborado pelos autores 5 CONCLUSÕES As diferentes ferramentas voltadas ao planejamento e controle da qualidade, disponíveis aos gestores, se, por um lado, se mostram eficazes na realização de objetivos, por outro lado, são tratadas de forma individual. Sem a integração entre elas, o gerenciamento da qualidade tende a ser um processo fragmentado, incompleto e pouco eficiente. Essas ferramentas, da forma individual como foram propostas, necessitam de interfaces com outras ferramentas. A abordagem de integração aqui proposta vem ao encontro dessa necessidade gerencial, na medida em que identifica e explora as possibilidades de entrelaçamento entre as ferramentas apontadas. Trata-se de uma abordagem integrativa de ampla aplicação, ou seja, que se ajusta tanto em ambientes de manufatura quanto em ambientes de prestação de serviços. Entre todas as ferramentas propostas, destaca-se a importância da análise FMEA e o método de solução de problemas, pois são as ferramentas que apresentam o maior número de entradas dentre todas as outras e são as únicas que interferem diretamente no processo. Dessa forma, são os métodos mais impactantes na melhoria contínua, cerne do movimento da qualidade total. Por essa interferência direta no processo, são “ferramentas-fim”, enquanto as demais ferramentas, brainstorming, diagrama de afinidades, diagrama de relações, diagrama de Pareto, histograma e diagrama de Ishikawa fornecem resultados parciais: informações que devem ser analisadas e processadas e levadas adiante para se obter o fim preconizado pela melhoria contínua – uma solução estruturada do problema. O FMEA é a única ferramenta que atua efetivamente em falhas potenciais, além de analisar o prejuízo que a falha pode causar, a possibilidade de ocorrência da falha e como essa falha pode ser detectada antes que o produto chegue ao cliente. Por outro lado, o método de solução de problemas desenvolve um modelo para testar uma alternativa de solução e escolher a que melhor se adequou ao estudo e prever o comportamento do sistema. Dessa forma, ao se testar o modelo e descobri-lo eficiente, indiretamente se soluciona o problema. Quando a abordagem integrada estiver sendo executada com vistas a corrigir pequenos erros ou falhas, isto é, atuando sobre o sistema produtivo (que se descontrolou), para que os processos voltem aos padrões operacionais previamente definidos, o processamento integrado estará agindo no que se pode denominar “melhoria de controle”. Ao aplicar-se a abordagem integrativa em processos originalmente ruins (processos originalmente incapazes) com o objetivo de melhorar esses processos em termos da redução da sua variabilidade, o enfoque da melhoria contínua é o de “melhoria reativa”. De outra maneira, a abordagem integrativa pode ser utilizada no estudo de problemas potenciais que concernem ao atendimento das expectativas dos clientes. Esse tipo de melhoria será classificado como melhoria proativa. REFERÊNCIAS CALDEIRA, O. F. Uso de ferramentas da qualidade na melhoria dos processos de fabricação de tubos PVC extrudados. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica) – Programa de PósGraduação, UNESP, Ilha Solteira, 2004. CAMPAGNARO, C. A. Proposição de uma estrutura referencial para tratamento de nãoconformidades em componentes produtivos do setor automotivo. 1990. 92 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção e Sistemas) – Programa de Pós-Graduação, PUCPR, Curitiba, 2007. CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002. 42 CHRYSLER CORPORATION; FORD MOTOR COMPANY; GENERAL MOTORS CORPORATION. Advanced Product Quality Planning (APQP) and Control Plan. IQA, 1997. DELLARETI, F. O. As sete ferramentas do planejamento da qualidade. Belo Horizonte: Fundação Christiano Ottoni, 1996. EAP – FMUSP: Estudo e análise de problemas. Faculdade de Medicina da USP. Disponível em: <www.saudepublica.bvs.br>. Acesso em: 5 jan. 2010. FERNANDES, M. Uma proposta de integração entre métodos para o planejamento e controle da qualidade. 2005. 145 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção e Sistemas) – Programa de Pós-Graduação, PUCPR, Curitiba, 2005. ISHIKAWA, K. Guide to quality control. Tokyo: Kraus Asian Productivity Organization, 1982. JHA, S.; NOORI, H.; MICHELA, J. The dynamics of continuous improvement: aligning organizational attributes and activities for quality and productivity. International Journal of Quality Science, v. 1, n. 1, p. 19-47, 1996. KELLER, C. W. QOS – a simple method for a big or small. Quality Progress, Chicago, v. 36, n. 9, p. 28-39, July 2003. KUME, H. Métodos estatísticos para a melhoria da qualidade. 7. ed. São Paulo: Gente, 1993. LIMA, T. F. O. As sete ferramentas gerenciais da qualidade. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/6614752/As-Sete-Ferramentas-Gerenciais>. Acesso em: 4 jan. 2010. LONGO, R. M. J. Gestão da qualidade: evolução histórica, conceitos básicos e aplicação na educação. Seminário “Gestão da Qualidade na Educação: em busca da excelência”. Texto para discussão n. 397. Brasília, 1996. MIGUEL, Paulo A. C. Qualidade: enfoques e ferramentas. São Paulo: Artliber, 2001. MIZUNO, S. Gerência para a melhoria da qualidade: as sete novas ferramentas de controle da qualidade. Rio de Janeiro: LTC, 1993. MOURA, Eduardo. As sete ferramentas gerenciais da qualidade: implementando a melhoria contínua com maior eficácia. São Paulo: Makron, 1994. NUNES, P. Conceito do diagrama de Pareto. 2008. Disponível em: <http://www.knoow.net/cienceconempr/gestao/diagramadepareto.htm:. Acesso em: 12 dez. 2009. ROONEY, J.; HOPEN, D. On the trial to a solution: part 2 – what is in? what is out? Defining your problem. The Journal for Quality and Participation, v. 27, n. 4, p. 34-37, 2004. SEBRAE. Manual de ferramentas da qualidade. Disponível em: <http://www.dequi.eel.usp.br/~barcza/FerramentasDaQualidadeSEBRAE.pdf>. Acesso em: 13 out. 2009. SELNER, C. Análise de requisitos para sistemas de informações, utilizando as ferramentas da qualidade e processos de software. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção e Sistemas) – Programa de Pós-Graduação, UFSC, Florianópolis, 1999. 43 SIPPER, D.; BULFIN, R. Production: planning, control and integration. Singapore: McGraw-Hill, 1997. SMITH, S. Resolva o problema: ferramentas testadas e aprovadas para o aprimoramento contínuo. 2. ed. São Paulo: Clio, 1997. STAMATIS, D. H. Failure mode and effect analysis: FMEA from theory to execution. 2. ed. Milwaukee: ASQ Quality Press, 2003. TOLEDO, J. C; AMARAL, D. C. FMEA: análise do tipo e efeito de falha. Grupo de Estudos e Pesquisa em Qualidade – UFSCAR. Disponível em: <http://www.gepeq.dep.ufscar.br/arquivos/FMEA-APOSTILA.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2009. VIEIRA, S. R. W. As 7 ferramentas estatísticas para controle da qualidade. Brasília: QA&T Consultores Associados, 1994. 44 45 OPERAÇÕES PROBLEMÁTICAS DE FUSÕES E AQUISIÇÕES PROBLEMS IN OPERATIONS OF MERGERS AND ACQUISITIONS PROBLEMAS EN OPERACIONES DE FUSIONES Y ADQUISICIONES ROBERTO MINADEO Doutor em Engenharia de Produção, Professor e pesquisador do Mestrado em Administração – UNIEURO 46 RESUMO Os diversos estudos que tratam de fusões e aquisições (F&As) tendem a enfatizar os aspectos positivos – ou sua necessidade enquanto parte de uma necessária consolidação de um setor da economia. O presente artigo visa constituir um contraponto; assim, realiza uma categorização de operações problemáticas, com o intuito de auxiliar o tomador de decisões a ter algo bem mais amplo do que um simples check-list, ao verificar se de fato a F&A em foco está ajustada aos mais amplos objetivos estratégicos de um negócio. Algumas operações foram comentadas, porém uma análise ampla de cada operação descaracterizaria a finalidade do artigo, bem como as limitações de espaço. Palavras-chave: fusões e aquisições, estratégia empresarial, gestão empresarial. ABSTRACT The various studies dealing with mergers and acquisitions (M&As) tend to emphasize the positive side of the question – or the need of them as part of one necessary consolidation of certain sector of the economy. This article is intended as a counterpoint, so place a categorization of operations, in order to assist the decision maker to go beyond than a simple checklist, verifying if indeed the M&As planned is adjusted to the broader strategic objectives of the long term of the business. Some M&As were commented, bun one deep analysis of each one was not the articles purpose, and would extrapole the space of the article. Keywords: mergers and acquisitions, business strategy, management. RESUMEN Los distintos estúdios que se ocupan de las fusiones y adquisiciones tienden a enfatizar los aspectos positivos – o su necesidad como parte de una necesaria consolidación de um determinado sector de la economía. Este artículo está pensado como un contrapunto, para realizar una categorización de las operaciones de cuestiones a fin de ayudar a la toma de decisiones en estas operaciones. El texto represental algo mucho más grande que una simple lista de verificación, intentando verificar se La fusión o adquisición está ajustada a los objetivos estratégicos más amplios y de longo plazo del negocio. Algunas operaciones fueron comentadas, todavia, una ampla análisis de todas no constituía la finalidad del artículo, ní habia espacio para que se llevara adelante. Palabras claves: fusiones y adquiciones, estrategia de negócios, gestión. 47 1 INTRODUÇÃO Os seguintes elementos já foram exaustivamente divulgados: a) o acirramento da concorrência; b) o advento da Tecnologia da Informação e suas consequências; c) o maior nível cultural médio dos funcionários; d) um maior conjunto de elementos padronizados entre consumidores de todo o mundo – apesar de haver espaço para preferências locais; e) os inúmeros efeitos do que se convencionou denominar globalização. Como consequência, diminui-se o número de players, mediante consolidações, havendo necessidade de maior capacidade de escala para se manter em inúmeros mercados. O presente artigo pretende apresentar um contraponto ao amplamente conhecido tema das fusões e aquisições (F&As), mostrando operações problemáticas. Após um breve referencial teórico focalizado em F&As, relacionam-se diversas categorias de operações que apresentaram problemas. Algumas delas mereceram breves análises – porém não haveria espaço para que todas passassem por um maior aprofundamento, enquanto, por outro lado, esse não representa o objetivo do artigo, que pretende demonstrar a gestores dos mais diversos tipos de stakeholders alguns problemas ocorridos, de modo a orientar possíveis operações, a fim de evitar a repetição de alguns desses erros. 2 REFERENCIAL TEÓRICO O crescimento do interesse do público por um novo produto, como os computadores pessoais, significa um potencial de obtenção de margens de rentabilidade atrativas, ingressando novos players no setor e acirrando a concorrência. Todavia, com o tempo, o crescimento passa a ser menor, e, em inúmeros setores da economia, tem-se observado uma tendência de consolidações em um número menor de players, mas capacitados aos fortes investimentos necessários para se manterem competitivos. Normalmente, ocorrem operações de fusões e aquisições (F&As) como instrumento dessa consolidação. Por exemplo, de 1957 a 1973, a norte-americana Emerson Electric adquiriu 22 empresas (GRIFFIN, 1996). Segundo Porter (1993), na Grã-Bretanha a rivalidade é tradicionalmente cavalheiresca, sendo a fusão, ao invés da competição, a opção mais utilizada, o que perpetua a falta de dinamismo e corrói ainda mais a posição de mercado dos produtores locais. Assim ocorreu com a indústria automobilística, na fusão da Austin com a Morris, criando a British Motor Corp., em seguida fundida com a Leyland, originando a British Leyland. O autor aduz que British Leyland, Imperial Chemical Industries e Alfred Herbert também são exemplos de que a consolidação de uma indústria nacional raramente é bem-sucedida. Afirma ainda que as fusões, aquisições e alianças que envolvem líderes setoriais deveriam ser proibidas. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a outro setor em que a indústria britânica fora líder, o de motocicletas, que veio a ruir ante a concorrência com os fabricantes japoneses, apesar de inúmeras fusões realizadas. A situação britânica parecia não diferir totalmente de outros países europeus, até alguns anos atrás, ao menos em alguns setores. Assim, a Comissão Europeia multou a alemã E.ON e sua rival francesa, GDF Suez, em € 553 milhões cada uma, por recusar a competir. O organismo regulador afirmou que uma unidade da E.ON, a Ruhrgas, e a GDF Suez concordaram, em 1975, em não vender o gás importado da Russia aos mercados domésticos atendidos pela outra, após fazerem um gasoduto conjunto da Rússia à Europa Ocidental; a Gaz de France detinha monopólio, na França, o qual expirou no ano 2000. A situação da Ruhrgas era mais complexa, entretanto, a partir de 1998 não mais teria direitos monopolísticos. Tanto a E.ON quanto a GDF Suez têm sido poderosas em seus mercados domésticos. As pesadas multas enviam ao mercado um sinal forte de que a comissão não tolerará qualquer forma de comportamento anticompetitivo. Os consumidores de dois dos maiores mercados europeus pagam mais enquanto suas companhias lucram com a situação. O acordo foi mantido mesmo após a liberalização do mercado do gás natural europeu, e apenas abandonaram definivamente a prática em 2005. A E.ON adquiriu a Ruhrgas, renomeada E.ON Ruhrgas, em 2003. A Gaz de France se fundiu com a Suez em 2008, surgindo a GDF Suez (SALTMARSH, 2009). O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) fora criado em 1962, no Brasil, contudo, segundo Câmara et al. (2009) foi praticamente recriado em 1994, pois a Lei 8.884/94 48 propiciou maior autonomia perante o governo. Essa medida deu-se por fatores como a abertura da economia, a privatização, a desregulamentação e a estabilização monetária. As principais causas que reclamam a atuação do CADE são aquelas que: a) desencorajam o ingresso de novos concorrentes – o que pode levar à prática de preços abusivos; b) levam à redução do número de concorrentes; c) podem produzir eficiência duvidosa. A literatura econômico-financeira internacional, produzida nos EUA, assinala quatro ondas de F&As, que desempenharam um papel crucial na concentração de capitais, reestruturação operacional e consolidação de setores econômicos. Foram elas: The Great Merger Wave (18871904); The Merger Movement (1916-1929); The 1960s Conglomerate Merger Wave e The Wave of the 1980s (SCHERER; ROSS, 1990). Apenas entre 1895 e 1904, ocorreram 157 transações relevantes, excluídas as do setor ferroviário. Alfred Chandler – iniciador da área de pesquisa em história empresarial de Harvard – conclui que as empresas que continuaram independentes o fizeram ao alcançar importantes eficiências operacionais mediante esforços de verticalização. Aproximadamente um terço das independentes faliu um ano após importantes consolidações no setor (MORRIS, 2005). Além dessas ondas, destacam-se movimentos consolidadores, pelos quais uma companhia adquireiu várias outras de seu setor, ganhando escala. Assim, Camargos e Minadeo (2007) apontam a Varig, que, mediante inúmeras aquisições chegou a deter cerca de 50% do mercado interno da aviação e 100% dos voos internacionais com a bandeira brasileira. Segundo Cartwright e Schoenberger (2006), há três motivos que trazem problemas em F&As: a) as empresas estão realizando aquisições não motivadas por interesses de maximização; b) as prescrições das pesquisas acadêmicas não estão atingindo a comunidade dos executivos; c) as pesquisas até o momento estão incompletas em certo sentido. No primeiro caso, mencionam uma pesquisa em que 26% das F&As internacionais feitas por empresas norte-americanas foram guiadas por razões que beneficiavam mais os executivos do que as companhias. Quanto ao segundo motivo, afirmam que as pesquisas surgem com frequencia na mídia; porém cabe argumentar se o executivo – cada vez mais atormentado e exigido na atualidade – possui condições de compreender pesquisas difíceis, mesmo para pesquisadores de tempo integral, em função da linguagem hermética usada em alguns casos ou de modelagens matemáticas de compreensão problemática. Em relação à terceira causa, apontam duas meta-análises, que coincidem ao afirmarem que, no tocante aos resultados pós-aquisição, há falta de modelos que auxiliem na compreensão dos resultados. Uma meta-análise é uma técnica estatística que integra os resultados de dois ou mais estudos sobre certa questão, mediante uma sistemática revisão de literatura. Segundo Halsall (2008), é errônea a visão de que há vencedores e vencidos no processo de F&As – erro esse que atrapalha uma análise serena das operações. Assim, desde 2000, as maiores empresas de mídia demonstraram em seus balanços perdas de ativos em cerca de US$ 200 bilhões, o que ultrapassa o valor de aquisições, investimentos estratégicos e contratos de novos talentos. Isso parece encaixar-se no tipo de aquisição que beneficia mais os executivos do que as empresas adquirentes. Uma análise mais ponderada atribui grande parte dessas perdas ao advento de novas tecnologias atreladas ao fenômeno da Internet, porém muitos bilhões foram perdidos em aquisições a preços acima do razoável ou em operações sem sinergias, como Knee e Greenwald (2009 apud HURT III, 2009) apresentam nos quadros 2 e 7. Em relação à repercussão das pesquisas na mídia, cabe apresentar duas operações ocorridas em 1999, envolvendo empresas alemãs e britânicas: a compra hostil da Mannesmann pela Vodafone e a venda de quase toda a Rover pela BMW, após a soma prejuízos nos cinco anos em que a Rover esteve sob o controle da BMW. Se uma oferta for considerada hostil, por não atender aos melhores interesses dos acionistas, pelos gestores da adquirida, a decisão irá diretamente aos acionistas, e esses gestores perderão seus cargos, caso a operação for consumada. Depois de inúmeras polêmicas com governantes e empresários – apelando-se a vários argumentos preconceituosos –, a reação nacionalista alemã à oferta hostil da Vodafone foi desproporcional, sendo sinal de maturidade que tenha sido consumada, após aceita pelos acionistas. Por outro lado, a venda da Rover foi tratada na Inglaterra de modo mais hostil do que a compra amigável da RollsRoyce pela Volkswagen – desconsiderando-se os aspectos empresariais de uma decisão racional por envolver uma empresa deficitária. Aliás, parte Rover foi adquirida por um grupo local de 49 investidores, com apoio do governo, contudo faliu, com alguns ativos adquiridos posteriormente por firmas chinesas. Ainda podem ser mencionadas F&As que auxiliam algumas companhias com recursos públicos, todavia de duvidoso interesse social. Assim, F&As de bancos agravaram a crise financeira ao transformar empresas que já eram grandes em gigantes, afirmou Nouriel Roubini, professor da Universidade de New York, o qual previra a crise financeira dos empréstimos subprime, iniciada em 2008. Os maiores negócios foram: a) o JPMorgan Chase & Co. adquiriu o Bear Stearns, com a ajuda do Federal Reserve; b) o Bank of America Corp. adquiriu a Merrill Lynch & Co.; c) o Wells Fargo & Co. adquiriu o Wachovia; d) o PNC Financial Services Group adquiriu o National City Corp. Roubini afirma que esses grandes bancos se tornaram grandes demais para falir, de modo que obrigaram o governo a auxiliá-los, o que Roubini não considera a melhor alternativa. Os bancos do mundo inteiro somaram US$ 1,29 trilhão em prejuízos com crédito vinculados à crise de imóveis residenciais desde 2007. Esse fato criou a primeira recessão simultânea em EUA, Europa e Japão desde a II Guerra e obrigou o governo dos EUA a comprometer US$ 12,8 trilhões para estabilizar o sistema bancário e revitalizar a economia – o que significa US$ 42.105 por cidadão do país (THOMASSON; KEENE, 2009). Até caberia discutir se não seria mais produtivo emprestar recursos diretamente aos cidadãos envolvidos na crise – isso poderia ser mais facilmente administrável e menos polêmico do que envolver recursos dez vezes superiores aos bancos em uma problemática tentativa de salvar instituições que cometeram uma gestão ao menos temerária. Ainda em relação à crise bancária, John Reed, que foi um dos responsáveis pela fusão do Citicorp (atividades bancárias) com o Travellers (seguros e corretagem), em 1998, originando o Citibank. Em abril de 2008, passou a desculpar-se publicamente com a operação, vendo-se pai de um “frankenstein”, e pedindo maior controle das autoridades, além de não ser mais favorável a que uma mesma companhia atue em todos os setores da área financeira (I´M SORRY..., 2009). Assim, existem F&As problemáticas – objeto principal deste artigo. Já existem inúmeras críticas a esse respeito: John LaMattina aposentou-se da presidência de Pesquisa & Desenvolvimento da Pfizer, em 2007, publicou uma obra afirmando que a consolidação do setor farmacêutico provavelmente estava influindo sobre a invenção e o desenvolvimento de novos medicamentos, por causa do fechamento de vários centros de pesquisa. James Block teve papel crucial em dois medicamentos (o propranolol, primeiro betabloqueador a combater a hipertensão, e a cimetidina, que atua contra a úlcera péptica), recebendo o Nobel de Medicina em 1988. Aos 83 anos, Block desconfia das megafusões entre os grandes laboratórios – como a compra da Wyeth pela Pfizer por US$ 68 bilhões em 2009, sugerindo que a nova entidade ficaria paralisada dois anos e perderia muito de sua capacidade de inovação. De fato, em novembro de 2009, a Pfizer anunciou o fechamento de seis de seus 20 centros de pesquisa – cortando aproximadamente dois mil cientistas. Outra situação problemática advinda de F&As: em 2009, com a queda das vendas de veículos e a desaceleração econômica, o diversificado grupo indiano Tata, dos maiores do país, apresentou prejuízos, em parte por ter adquirido a siderúrgica europeia Corus e as montadoras britânicas Jaguar e Land Rover (JACK, 2009a; JACK, 2009b; LEAHY, 2009; PFIZER VAI..., 2009). 3 ASPECTOS METODOLÓGICOS A pesquisa pode ser classificada como exploratória e analítica, com enfoque qualitativo, pois, além de classificar diversos processos problemáticos de fusões e aquisições (F&As), analisou diversos aspectos relacionados às estratégias e aos equívocos cometidos. Quanto ao método, tratase de uma análise, realizada com base em dados secundários, sem pretender esgotar os exemplos de nenhuma categoria. Ainda quanto ao método, a pesquisa também foi histórica – método que pressupõe as instituições terem-se originado no passado, sendo necessário pesquisar suas raízes, visando compreender sua natureza e função. Esse método consiste em investigar ocorrências, processos e instituições do passado para verificar sua influência no presente (LAKATOS; MARCONI, 1991). 50 A pesquisa documental teve como principais fontes de informação: a) dissertações, artigos e livros acadêmicos, de negócios e de históricos empresariais, no tocante ao tema de F&As e empreendedorismo; b) imprensa especializada: Exame, O Estado de S. Paulo, Época Negócios, IstoÉ Dinheiro e Aero Magazine. Para que as referências on-line não se repetissem, não foram colocados em cada artigo a fonte e o dia de acesso, quando este foi no próprio dia de sua publicação. As fontes on-line foram: BBC Online: <http://www.bbc.com>; Business Week Online: <http://www.businessweek.com>; Portal Exame: <http://www.exame.com.br>; Portal Terra: <http://www.terra.com.br>; O Estado de S. Paulo Online: <http://www.estadao.com.br>; Folha de S.Paulo: <http://www.folha.com.br>; Valor Online: <http://www.valor.com.br>; Chicago Tribune Online: <http://www.chicagotribune.com>; Los Angeles Times Online: <http://www.latimes.com>; USA Today Online: <http://www.usatoday.com>; The New York Times Online: <http://www.nytimes.com>. A coleta de dados foi feita mediante um acompanhamento dessas fontes, visando encontrar operações problemáticas de F&As. As categorias de divisão das F&As problemáticas foram de criação do autor, sem pretender esgotar as possibilidades existentes, conforme tabela 1. TABELA 1 – APRESENTAÇÃO DOS QUADROS COM OS CRITÉRIOS DE CATEGORIZAÇÃO ADOTADOS. QUADRO CRITÉRIOS DE CATEGORIZAÇÃO 1 operações problemáticas por falta de integração 2 operações problemáticas por falta de sinergia 3 problemas em função de resultados fracos ou problemas da adquirida 4 problemas sobre diferença entre as culturas das organizações 5 operações que representaram injusta diminuição da concorrência 6 demora na reestruturação, na comunicação ou perda de motivação 7 falhas por: preço elevado, equipamentos obsoletos, timing inadequado ou endividamento elevado 8 acordos confusos ou envolvendo interferências governamentais 9 problemas em função de elevado endividamento Foi necessário estudar cuidadosamente cada operação visando enquadrá-la na categoria julgada mais apropriada pelo autor. Isso foi possível em função de um certo trabalho de garimpagem já ao buscar F&As problemáticas, objetivando desde o início o estabelecimento das causas dos problemas, para sua posterior categorização, mediante uma análise individualizada. Observe-se que cabem interpretações diversas na categorização de certa operação, ou seja, não há regras fixas ou matemáticas nesse tema. 4 RESULTADOS E ANÁLISES Note-se que podem parecer semelhantes falta de integração e falta de sinergia. Considerouse falta de sinergia quando dois negócios não possuem quaisquer pontos em contato. Já a falta de 51 integração existe quando, mesmo havendo possíveis sinergias, essas não foram estruturadas pela equipe gestora. QUADRO 1 – OPERAÇÕES PROBLEMÁTICAS DEVIDAS À FALTA DE INTEGRAÇÃO 1 A GM, liderada por Durant, adquiriu inúmeras montadoras e fábricas de autopeças, porém cada administrador de divisão comprava seus materiais de forma independente – inclusive de concorrentes da própria empresa. Quando Sloan e DuPont assumiram a empresa, no início dos anos 20, os estoques somavam astronômicos US$ 200 milhões, em valores da época. Não fossem os recursos imensos auferidos com os lucros da DuPont durante a I Guerra, não teria havido condições para a sobrevivência da GM (LIVESAY, 1979). 2 À beira da falência, a Standard-Triumph, produtora de automóveis esportivos e de uso familiar, foi adquirida em 1960 pela Leyland Motor Corp., maior produtora britânica de ônibus e caminhões e que reestruturou a adquirida, conseguindo algum equilíbrio em seus resultados. Mas, com a maior concorrência, em 1968, a Leyland-Triumph se fundiu à BMC – outra produtora problemática de veículos. Percebeu-se logo, todavia, que ambas estavam com equipamentos obsoletos e sem recursos para modernizações. Houve falhas na integração, com imediatas hostilidades entre as equipes das empresas que estavam tentando se fundir. Em 1981, a produção foi encerrada; a Volvo adquiriu os negócios de produção de ônibus e a holandesa DAF os de caminhões, mas ambas operações foram encerradas ao início dos anos 90 (GRIFFIN, 1996). 3 Em 1968, a General Foods – produtora de alimentos – adquiriu a Burger Chef – cadeia de fast-food com 700 restaurantes – por US$ 16 milhões. A operação foi uma resposta diante da proibição imposta pela Federal Trade Commission a que a General Foods adquirisse empresas que vendessem a supermercados. Somente em 1972, a Burger Chef teve prejuízos de US$ 83 milhões (AAKER, 1998). 4 Em 1991, a Matsushita adquiriu a MCA por US$ 5,6 bilhões. A adquirida detinha ativos como Universal Pictures, um catálogo de filmes e músicas, os parques temáticos da Universal, editoras (Grosset & Dunlap, Putnam´s e Perigee), 33% da United International Pictures, 49% da Cinema Inernational, MCA TV e Home Video. Entretanto, quatro anos depois, a Matsushita vendeu 80% da MCA à Seagram, realizando US$ 1,2 bilhão de prejuízos (GRIFFIN, 1996). 5 Entre 1988 e 1996, mediante uma agressiva política de aquisições, o faturamento da ABB atingiu US$ 34 bilhões com US$ 1,2 bilhão de lucros e valor de mercado de US$ 40 bilhões. Em 1997, a empresa começou a se afastar da indústria pesada e a diversificar; em 2001, suas ações caíram 70% em relação ao pico do ano anterior. Em 2002, já havia perdido US$ 600 milhões em receitas fixas, e as dívidas cresciam rapidamente (ROSENZWEIG, 2008). 6 A Pharmacia e a Upjohn se fundiram em 1995, porém nunca houve integração das atividades. A Pharmacia buscava distribuição nos EUA, enquanto a Upjohn estava carecendo de novos produtos em desenvolvimento. A fusão em nada resolveu esses pontos e não trouxe sinergias. Houve problemas culturais: os suecos ficaram atordoados com a rigorosa abordagem de missão dos norte-americanos; estes, por sua vez, estranharam os hábitos de férias dos europeus. No ano 2000, a Pharmacia & Upjohn e a Monsanto se fundiram, mas o negócio foi desfeito por causa da falta de sinergias entre a Monsanto e uma produtora de medicamentos. A Pharmacia & Upjohn veio a ser adquirida pela Pfizer (KANTER; DRETLER, 1998; ROBERT, 1988; KOTABE; HELSEN, 2000; FOSTER; KAPLAN, 2002). 7 A fusão entre a AOL e a Time Warner, ocorrida em 2000, ainda não estava mostrando resultados positivos sete anos depois. Os setores de alta tecnologia e de telecomunicações apresentam inúmeras F&As mal-sucedidas por causa do elevado aparato regulatório e das constantes mudanças tecnológicas, o que pode desnortear os tomadores de decisões (ROSENBUSH, 2007). 8 O grupo Pão de Açúcar fez 26 aquisições de 1996 a 2006; a estrutura inchou, e as receitas não subiram de 2004 a 2006. Os lucros desse último ano foram os menores desde 1999. As despesas operacionais do Pão de Açúcar foram de 20,9% em 2004, contra 19% dos rivais Carrefour e Wal-Mart. Assim, em 2006, houve 100 demissões em cargos executivos, redução de níveis hierárquicos, e a agência de publicidade interna reentrou em cena. As bandeiras Extra, Pão de Açúcar, CompreBem, Sendas e Extra Eletro haviam-se tornado quase empresas independentes (MEYER, 2007). 9 Com o final das taxas de corretagens fixas nos EUA, em 1975, a Paine Webber ingressou no setor de bancos de investimentos e ampliou sua presença geográfica. Diversas tentativas de fusões não 52 foram bem-sucedidas. A fusão com o banco de investimentos Blyth Eastman Dillon, em 1979, foi um fiasco, pois coincidiu com uma explosão no volume de vendas de ações, emperrando os sistemas das duas companhias, perdendo-se negócios e tingindo o balanço desse ano de vermelho (GRIMES, 2009). 10 Em 1984, a IBM adquiriu a Rolm Corp., que detinha 9.902 funcionários A aquisição foi um fiasco, pois a tecnologia da Rolm a que a IBM visava era a de produtos para PBX. Ao integrar a Rolm, os ativos foram minados, pois suas margens eram menores do que as praticadas pela IBM (PUGH, 1995; CHRISTENSEN, 2001). 11 Em 2009, a Warner Bros. adquiriu a Midway Games, da Viacom, por US$ 33 milhões. A Viacom comprara a Midway cinco anos antes, porém jamais lucrara em sua gestão, tendo perdido cerca de US$ 700 milhões no negócio, sem integrá-la às suas demais atividades (FRITZ; PHAM, 2009). 12 A Alcatel e a Lucent se fundiram em 2006. Mas, após a fusão, em seis trimestres houve prejuízos superiores a US$ 4,5 bilhões, e o valor da empresa caiu pela metade. A Lucent – parte da qual era cindida do monopólio AT&T – era muito centralizada, e sua integração ao grupo francês foi complexa. Dado que a Lucent possuía longos relacionamentos com poucos clientes, sua área de marketing era fraca. Pelo contrário, a Alcatel operava como uma federação, dotando os líderes regionais de forte autoridade, e seu marketing era forte. Foi criado um comitê de 14 pessoas, equilibradas entre Lucent e da Alcatel. Todavia, após 11 meses, o grupo foi cortado pela metade, e um tempo precioso se perdera. Os clientes foram aos concorrentes, e a Alcatel-Lucent começou a fazer grandes descontos, minando seus lucros. O fato de a presidente, Patricia Russo, estar em Paris atrapalhou o relacionamento com seus conhecidos clientes dos EUA (BOSSIDY; CHARAN, 2005; MATLACK; SCHENKER, 2008). 13 A AT&T cindiu sua área de P&D, criando a Bell Labs, que se fundiu à Western Electric, base da Lucent. Esta não se organizou, por exemplo; investiu para instalar o software de gestão da SAP, entretanto não mudou seus processos de trabalho, de modo a se beneficiar do melhor fluxo de informações. A Lucent fez aproximadamente 30 aquisições, crescendo 50% em sua força de trabalho e chegando a 160 mil pessoas, o que gerou redundâncias, custos excessivos e menor visibilidade. Além disso, as dívidas geradas pelas aquisições quase levaram a empresa à quebra (BOSSIDY; CHARAN, 2005). FONTE: compilado pelo autor. Ao se analisar a retrospectiva da Lucent, com esse elevado volume de aquisições em pouco tempo, uma fusão com outra grande organização não parece, ao menos à primeira vista, o mais oportuno a se fazer. Ou seja, nada substituiria o trabalho interno de reestruturação, eliminação de duplicidades e criação de valor com as sinergias obtidas mediante as aquisições, desde que essas tivessem de fato sido norteadas por uma racional estratégica. A General Foods apenas seguiu a moda de empresas produtoras de alimentos tentarem verticalizar rumo à compra de cadeias de fast-food, e todas essas operações revelaram um fiasco. QUADRO 2 – OPERAÇÕES PROBLEMÁTICAS DEVIDAS À FALTA DE SINERGIA 1 Nos anos 80, a agência de propaganda Saatchi & Saatchi adquiriu inúmeras empresas de consultorias, relações públicas e de apoio, vindo a enfrentar sete anos de prejuízos e revendendo várias dessas empresas com prejuízos (ZOOK; ALLEN, 2001; ROSENBUSH, 2007). 2 Nos anos 80, a cervejaria Anheuser-Busch adquiriu a Eagle Snacks, vendida na década seguinte à Frito-Lay, após US$ 120 milhões em prejuízos, pois não houve sinergia entre cerveja e salgadinhos, apesar de o consumo poder ser simultâneo (ZOOK; ALLEN, 2001; ROSENBUSH, 2007). 3 A Mattel ingressou em software, adquirindo a The Learning Co., da área tecnológica, por US$ 3,8 bilhões em 1999, revendida logo, após prejuízos que quase custaram a sobrevivência da empresa e a 53 saída de seu presidente, Jill Barad (ZOOK; ALLEN, 2001; ROSENBUSH, 2007). 4 As tentativas da Allegis em atender às necessidades do viajante, integrando United Airlines, locadora Hertz e hotéis Westin foi um fiasco (GRANT, 1995). 5 Em junho de 2008, a Fender Musicals Instruments adquiriu a Groove Tubes, produtora de válvulas, com quase 30 anos de existência e 35 funcionários. Contudo, a demanda por válvulas não era mais suficiente, e anunciou-se a descontinuidade das operações da Groove, em novembro, apesar de ser o melhor fabricante desse produto e ter sobrevivido sobre seus concorrentes (HSU, 2008). 6 Em 1983, a Quaker adquiriu a fabricante do Gatorade –praticamente o único produto dessa categoria que apresentava rápido crescimento. Em 1993, a Quaker comprou a Snapple por US$ 1,7 bilhão. Quatro anos depois, a Snapple foi revendida com prejuízo de US$ 1 bilhão. Havia pouca sinergia entre o Gatorade e a Snapple. Em função disso, em 2000, a Pepsi, interessada no Gatorade, adquiriu toda a Quaker (GRIFFIN, 1996; DEIGHTON, 2002; ZOOK; ALLEN, 2001). 7 A Pan Am adquiriu a National Airlines, por US$ 374 milhões, pelo fato de apenas deter linhas aéreas internacionais desde os EUA e não contar com ligações domésticas. Logo após a compra, em 1978, veio a desregulamentação, ou seja, adquiriu-se caro algo que teria sido gratuito logo depois. Outro problema: as empresas não tinham nenhuma sintonia (UBIRATAN, 2008a). 8 Em 1986, a GE adquiriu a Kidder Peabody, empresa de investimentos, porém a maior parte dos ativos desta foi vendida à Paine Webber, em 1994 (MARTIN, 2009). 9 A esperada sinergia quando da compra da Capital Cities/ABC pela Disney, em 1996, não só não ocorreu como também a rede adquirida caiu da primeira à terceira posição, e os lucros da Disney foram ampliados pelos aumentos dos preços de seus parques (KNEE; GRENNWALD, 2009). 10 Ao longo de 12 anos, a Cendant, controlada pelo empresário Henry R. Silverman, adquiriu empresas diversas, como as redes de hotéis Howard Johnson e Days Inn, Century 21 (de intermediações imobiliárias, a locadora Avis, a central de reservas Galileo) e empresas de serviços financeiros, incluindo preparação de impostos e seguros. A empresa chegou a 2002 com dívidas de US$ 5,2 bilhões. A bolsa cotava suas ações a uma relação preço/lucro de apenas sete (BARRETT, 2002). FONTE: compilado pelo autor. Cabe observar que a falta de integração do quadro anterior se refere a empresas do mesmo setor de atividade. O quadro 2 trata de aquisições de empresas de setores diversos ou complementares, à espera de obtenção de ganhos em função de sinergia. QUADRO 3 – PROBLEMAS EM FUNÇÃO DE RESULTADOS FRACOS OU PROBLEMAS DA ADQUIRIDA 1 Em 2006, a AMD adquiriu a ATI Technologies Inc. por US$ 5,6 bilhões, lançando grande parte desse valor como prejuízo, em função da performance abaixo do esperado da ATI. Além disso, a Advanced Micro atrasou o lançamento de seu chip Opteron perdendo competitividade com a Intel e cortando 10% de seus trabalhadores, ou 1.800 pessoas (SAMUELS, 2008). 2 Em 2004, o grupo Saúde ABC adquiriu a carteira de 166 mil clientes da Interclínicas, plano de saúde que estava sob intervenção da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e enfrentava dificuldades – com dívidas de R$ 100 milhões. De acordo com a ANS, a Saúde ABC se comprometeu a preservar aos associados da Interclínicas as condições contratuais de atendimento, preço e carência. A Saúde ABC assumiu a operação do Hospital Evaldo Foz e dos 12 centros médicos da Interclínicas. Fundada em 1995, a Saúde ABC detinha uma carteira de 175 mil clientes e faturamento anual de R$ 178 milhões. Em 2004, a Avimed absorveu o grupo Saúde ABC. No início de 2009, com 216 mil vidas, foi a vez de a Avimed enfrentar problemas, pois 57% de seus planos eram 54 representados por pessoas físicas – grande parte deles herdados da antiga Interclínicas (KOIKE, 2009). 3 Em 2009, o Yahoo anunciou o fechamento do GeoCities, serviço gratuito que hospeda páginas pessoais de consumidores, o qual fora adquirido por mais de US$ 4 bilhões dez anos antes (FIM..., 2009). 4 Em 2008, a japonesa Daiichi Sankyo adquiriu 64% da fabricante de genéricos indiana Ranbaxy, cuja direção já se encontrava na terceira geração e estava em um momento de dificuldades com as autoridades norte-americanas reguladoras do setor. Logo em seguida, a queda de 40% das exportações da adquirida aos EUA e a queda do valor das ações fizeram a Daiichi publicar prejuízos de US$ 3,7 bilhões por conta dessa aquisição (LAMONT; WHIPP, 2009). 5 Em 2008, formou-se a Santelisa Vale, pela fusão das usinas Santa Elisa, Vale do Rosário e outras cinco. A compra da Vale do Rosário pela Santelisa representou R$ 1,3 bilhão em dívidas. Assim, ante o clima econômico mundial, em pouco tempo, as dívidas da nova empresa chegaram a R$ 3 bilhões. Nunca foram levados avante planos para buscar sinergias entre as diversas usinas (eram esperados em R$ 150 milhões ao ano). No lugar disso, houve esforços dispersos, como planos de R$ 2 bilhões para criar mais uma empresa de etanol e outra de biodiesel. No ano seguinte, a trading francesa Louis Dreyfus Commodities adquiriu 83% das ações, ficando o restante com as famílias Biagi e Junqueira Franco (JULIBONI, 2009; SCARAMUZZO, 2009). FONTE: compilado pelo autor. QUADRO 4 – PROBLEMAS CAUSADOS PELA DIFERENÇA ENTRE AS CULTURAS DAS ORGANIZAÇÕES 1 Logo após a aquisição da Vasp pelo grupo Canhedo, foram feitas várias encomendas de aviões, criaram-se 14 destinos internacionais – incluindo o Marrocos. Criou-se a Vasp Air System, com a aquisição de empresas latino-americanas: LAB, da Ecuatoriana e TAN. A receita subiu de US$ 479 milhões em 1990 para US$ 1,5 bilhão em 1997. Mas, o caixa zerou, e as dívidas no exterior deixaram de ser pagas, inclusive contratos de leasing, salários e taxas aeroportuárias. Em 2000, foram devolvidos nove MD-11 e alguns 737. A frota reduziu-se a 30 unidades, todas antigas e com manutenção à base de peças de aviões que tinham parado de voar. Em novembro de 2004, a maior parte dos 737 foi proibida de voar, e as operações foram suspensas em janeiro de 2005 (UBIRATAN, 2008b). 2 A operação Daimler-Chrysler foi inicialmente alardeada como fusão entre iguais, porém, em menos de dois anos, todos os principais executivos norte-americanos se retiraram. A Daimler gastou mais de 15 anos para lidar com o elevado custo de aquisições e alianças desastrosas – a maior parte delas do período do antigo presidente, Jüergen Schrempp, que teria pilotado a compra da Chrysler por US$ 36 bilhões. O valor de mercado da DaimlerChrysler caiu de US$ 96,06 por ação, em 31/12/1998, para US$ 48,05, em 31/12/2004, ou seja, a aquisição não apenas deixou de acrescentar valor, como corroeu valor da adquirente. Enquanto a Daimler lidava com os problemas da Chrysler e da Mitsubishi, a BMW superou a Mercedes em vendas mundiais, em 2005. Além disso, o diferencial de preço pago por automóveis de luxo caiu 45% em 14 anos. Em maio de 2007, a Daimler encerrou a mal-sucedida aquisição da Chrysler, feita nove anos antes. Pela total ausência de sinergia; foram injetados US$ 675 milhões na Chrysler como atrativo para a Cerberus Capital adquirir 80,1% de suas ações, levando aproximadamente US$ 18 bilhões de dívidas com planos de pensão. O grupo alemão reteve 19,9% da Chrysler, renomeou-se Daimler e teve prejuízos em 2008, por causa dessa participação. Lee Iacocca afirmou que a compra da Chrysler pela Daimler não foi bem-sucedida porque não havia qualquer sinergia e porque os alemães possuem uma forma de operar diversa da norte-americana. Após 37 anos na Toyota, na qual ocupava a maior posição nos EUA, James E. Press aceitou a Presidência da Chrysler, fez cortes de salários, anunciou planos de encerrar a produção de quatro modelos e cortes de produção de um milhão de unidades ao ano e fez uma aliança com a Nissan para fornecer pick-ups em troca de pequenos modelos e um acordo com a chinesa Chery. Em abril de 2009, a Daimler perdoou os empréstimos que a Chrysler detinha com ela e abriu mão de sua participação remanescente (NORBERTO, 2004; BADRTALEI; BATES, 2007; EDMONSON, 2007; ROSENBUSH, 2007; TAYLOR, 2007; BENZINGER; ZIMMERMAN, 2008; DAIMLER..., 2009; SCHÄFFER, 2009a). FONTE: compilado pelo autor. 55 A aquisição da Chrysler pela Daimler pode ser compreendida no quadro mais amplo da busca de internacionalização da adquirente, do fortalecimento de sua presença nos EUA, do aumento de seu portfólio de marcas e da participação mais significativa em um segmento do mercado em que ela não se destacava. Badrtalei e Bates (2007) aduzem que o presidente da Daimler temia pelo potencial de crescimento da Mercedes-Benz, em especial, tentado pelo lançamento do Classe A – modelo, porém, que se viu dotado de tecnologias caras demais de modo a atingir maior base de clientes. Diante desse quadro, uma aquisição pareceu uma solução mais rápida de crescimento. Todavia, diante de todos os percalços ocorridos: a) a BMW superou a Mercedes-Benz; b) a marca Míni (de veículos pequenos Premium da BMW) teve amplo sucesso desde o início enquanto a Mercedes-Benz apresentou inúmeros problemas com a Smart; c) a política de aquisições desviou a direção da empresa de sua principal tarefa – produzir bons veículos para seu público-alvo e gerar rentabilidade, ou seja, uma compra de participação minoritária na tradicional japonesa Mitsubishi era de alto risco desde o início. A compra da Chrysler não apresentava sinergias; para executivos da indústria, deveria ter sido percebido o elevado risco dessa montadora em função de sua forte concentração no mercado dos EUA; pelo fato de estar focalizada em sport-utilities, de elevado consumo, pois o mundo já assistira a várias crises de aumentos drásticos dos preços do petróleo. Houve algumas operações recentes no setor automobilístico: Chrysler-Jeep (1987), RenaultNissan e Ford-Volvo (1999). Nesse campo também houve compras problemáticas: a) a da Rover pela BMW, que significou seis anos de problemas à adquirente; b) a da Lancia pela Fiat – que pode ser considerada uma falha após 34 anos; c) a da Jaguar pela Ford, pois após 14 anos não se vislumbrava uma possibilidade de se recuperar o capital investido; d) a compra da Saab pela General Motors – após 13 anos se mostrava de impossível recuperação financeira, tanto que em 2009 a GM anunciou publicamente estar à busca de algum comprador para essa companhia. As compras da VW, Lamborghini, Bentley e Bugatti, ainda eram verdadeiros pontos de interrogação sob o ponto de vista de geração de valor aos acionistas (BADRTALEI; BATES, 2007; BUNKLEY; VLASIC, 2009). Corroborando, em 2008, a Ford vendeu as marcas Jaguar e Land Rover à Tata Motors, que produzia veículos na Índia, por US$ 2,3 bilhões. A Ford contribuiu com US$ 600 milhões ao fundo de pensão das duas montadoras, além de ter tido US$ 10 bilhões em prejuízos desde que adquirira as empresas. Até o momento, nenhum produto da Tata obteve sucesso fora do país. Em 2003, a empresa falhou em vender seu modelo Indica, com a marca City Rover, na Europa. Depois disso, a empresa adquiriu a unidade de caminhões da Daewoo. O grupo Tata detém 98 empresas em áreas como produção de aço, chá, relógios de pulso, medicamentos, automóveis e equipamentos médicos (OS RISCOS..., 2008; ROWLEY; LAKSHMAN, 2008). A situação da Vasp é mais simples: um empresário de outro ramo, em uma privatização do governo estadual, adquiriu a empresa, porém os poucos fatos já resumidos demonstram que a gestão foi feita sem qualquer conhecimento do setor da aviação comercial. Esse tipo de improvisação não apresenta mais espaço no mercado. QUADRO 5 – OPERAÇÕES QUE CONCORRÊNCIA REPRESENTARAM INJUSTA DIMINUIÇÃO DA 1 Em 1991, o diário The News adquiriu o Dallas Times Herald e encerrou as operações deste, no dia seguinte (MARTIN, 2008). 2 Em 1975, a GTE Sylvania adquiriu a fábrica e os equipamentos de um pequeno concorrente, a Union Electric, e colocou os ativos em um navio, que foi afundado no Oceano Pacífico (GHEMAWAT; NALEBUFF, 1985). FONTE: compilado pelo autor. O diário adquirido poderia estar em uma situação financeira problemática, entretanto haveria a possibilidade de representar o ingresso de algum grupo com dezenas de jornais nos EUA no 56 mercado de Dallas. As autoridades de defesa da concorrência deveriam ter previsto essa possibilidade, de modo a impedir uma compra para o simples encerramento das operações da adquirida. Isso – guardadas as diferenças – poderia ser dito em relação à fábrica afundada pela GTE. Ora, uma fábrica pode falir, como tantas, não sendo aceitável um grande player adquiri-la e destruí-la. QUADRO 6 – DEMORA NA REESTRUTURAÇÃO, NA COMUNICAÇÃO OU PERDA DE MOTIVAÇÃO 1 Em 1994, a United inovou: o controle das ações foi passado a seus funcionários, passando a ser a maior empresa do mundo controlada pelo pessoal, convertendo em concessões salariais US$ 4,9 bilhões em ações. A decisão foi um grande destaque por toda a mídia. O Conselho de Diretores recebeu três membros representando os empregados. Contudo, houve uma grande perda do entusiasmo, por causa da lentidão na estruturação da efetiva passagem de controle ao pessoal (VALENTE, 1995). 2 Em 1996, a Paranapanema foi adquirida por um conjunto de fundos de pensão, liderados pela Previ; em 12 anos, exigiu R$ 3 bilhões em novos aportes dos acionistas. As dívidas apresentam uma causa simples: apenas em 2004 a empresa iniciou um processo de reestruturação (LIMA, 2008). 3 Em 2005-2006, o grupo de mídia britânico Mecom adquiriu três jornais e dez web sites alemães. No início de 2009, essas empresas foram revendidas a um grupo alemão liderado por M. DuMont Schauberg, pois as medidas de contenção de custos que haviam sido previstas não foram estruturadas e as adquiridas sempre representaram prejuízos, apesar de a adquirente deter cerca de 300 veículos de mídia na Europa (PFANNER, 2009). 4 Das seis redes adquiridas pelo Carrefour, entre 1999 e 2000, houve o fechamento de aproximadamente 80 lojas ao longo de sete anos. Assim, para evitar repetir problemas com a compra do Atacadão, dois de seus antigos controladores, Farid Curi e Herberto Uli Schmeil, continuam indo à empresa duas vezes por semana, reportando-se a diretores do Carrefour. Além disso, a sede da empresa continua na sobreloja da unidade de Vila Maria, na capital paulista, e foi mantido o esforço por controlar os custos, como, por exemplo, o corpo de executivos se resume a 34 gerentes-gerais, um por loja. Após a compra da rede Mineirão pelo Carrefour, o número de vezes que essa rede ofereceu a Cesta Básica pelo menor preço caiu de 35, em 1999, para 8 vezes, em 2000. O presidente da rede, José Luis Duran, afirma que as aquisições realizadas no Brasil entre 1999 e 2000 trouxeram repercussões negativas de 2001 a 2003. Essas compras foram feitas pela obsessão de continuar na liderança. Entre 2004 e 2005, a rede tomou três decisões: a) fechar ou vender os supermercados deficitários e com pouca visibilidade, chegando a cerca de cem fechamentos; b) atuar com a bandeira Carrefour Bairro; c) retomar o programa de expansão – em 2005 foram abertas cinco lojas, e mais sete no ano seguinte (OLIVEIRA; MACHADO, 2003; DANTAS; CALAIS; GRINBAUM, 2007; COSTA, 2007). 5 Em 1994, a United inovou: o controle das ações foi passado a seus funcionários, tornando-se a maior empresa do mundo controlada pelo pessoal – converteram-se aproximadamente US$ 4,9 bilhões de ações em concessões salariais. O Conselho de Diretores recebeu três membros representando os empregados. Entretanto, houve uma grande perda do entusiasmo, por causa da lentidão da estruturação da efetiva passagem de controle ao pessoal. A decisão foi um grande destaque por toda a mídia. Expressões como "A maior compra pelos empregados de toda a história" e "Venha voar em nossos amigáveis céus" se tornaram manchetes (VALENTE, 1995). 6 Em 2006, a Adidas adquiriu a Reebok para concorrer com sua principal adversária, a Nike. Contudo, o início de qualquer atividade de reestruturação levou um período inadmissível de tempo. Por exemplo, no primeiro trimestre de 2009, a Reebok teve prejuízos de € 96 milhões – valor elevado, mesmo se considerado o clima de recessão global. A Adidas admitiu que a Reebok, adquirida por US$ 3 bilhões, estava longe de ser globalizada, pois estava focalizada nos EUA e Grã-Bretanha (SCHÄFFER, 2009b). 7 A DreamWorks foi criada em 1994 e vendida à Viacom em 2006, porém o relacionamento foi sempre tenso. Além disso, diversas de suas produções resultaram em retumbantes fracassos de bilheteria e prejuízos. Em 2008, uma equipe liderada por Spielberg, um dos fundadores da DreamWorks, saiu para fundar sua própria companhia, levando cerca de cem dos 150 funcionários e contando com US$ 550 milhões do grupo indiano Reliance, que ficaria com 50% do capital da nova entidade. A 57 Paramount manteve direitos de codistribuir e(ou) cofinanciar de 15 a 20 filmes. Ao mesmo tempo, uma equipe conjunta tentaria lidar com cerca de 40 filmes pendentes (ELLER, 2008; GIGANTE..., 2008; PAE; ELLER, 2008). 8 A McKinsey comprou a ICG (da área de TI), em 1989, mas a maior parte dos 200 funcionários da adquirida foi embora (SVEIBY, 1998). FONTE: compilado pelo autor. Parece que o consagrado cineasta Spielberg não se acostumou a uma vida de executivo ou de subalterno em um grande grupo, perdendo a motivação criadora e tendo a necessidade de retomar sua liberdade perdida, mediante maior controle de sua nova empresa. Um paralelismo importante se observa em algumas aquisições de agências de propagandas ou de quaisquer outros empreendimentos nos quais os principais ativos sejam as pessoas. Não há garantias de que a “compra” se efetue, pois há poucos ativos tangíveis a serem transferidos. QUADRO 7 – FALHAS POR: PREÇO ELEVADO, EQUIPAMENTOS OBSOLETOS OU TIMING INADEQUADO 1 Em 2008, a Laep Investments Ltd., controladora da Parmalat Brasil, adquiriu por R$ 50 milhões da Danone a marca Poços de Caldas e o licenciamento da marca Paulista no Brasil, Bolívia e Paraguai pelo período de 15 anos. Além da marca Poços de Caldas, a transação engloba os ativos estratégicos relacionados a essa marca, incluindo os equipamentos da linha de produção de requeijão. Em 2008, um investidor que detinha 24,36% dos recibos de ações (BDRs) da Laep, controladora da Parmalat, zerou sua participação. No ano, o BDR acumulou queda de 82%. A Laep, ao comentar seu desempenho no segundo trimestre, admitiu que a administração errou ao dobrar a empresa de tamanho em um momento em que o mercado estava adverso, por conta dos preços do leite, em queda em função de superestoque da indústria; os bancos cortaram o crédito à Laep. Em 2008, quatro meses depois de ter adquirido a Poços de Caldas, a Laep a revendeu a Laticínios Morrinhos, controlada pela GP Investimentos, pelos mesmos R$ 50 milhões gastos em sua aquisição (RAGAZZI, 2008; ROCHA, 2008a, 2008b). 2 A Procter & Gamble ingressou no Brasil pela compra da Phebo, em 1988, por US$ 50,5 milhões. Depois de oito anos e US$ 250 milhões investidos, os resultados ainda eram pífios. A aquisição foi mal-sucedida, uma vez que a Phebo possuía um parque industrial obsoleto e a estrutura de distribuição era fraca – apesar de sua marca ser conhecida. Em 1996, dos oito diretores, sete ainda eram estrangeiros. Além disso, lançou produtos inadaptados ao mercado local, como a fralda Pampers Fases, avançada e cara para o País (VASSALLO, 1996). 3 Em 2008, o Bank of America adquiriu o Merryl Lynch, que estava em problemática situação. Em janeiro de 2009, a adquirente soube do tamanho dos problemas: US$ 15,3 bilhões de prejuízos apenas no último trimestre, o que o obrigou a solicitar US$ 20 bilhões adicionais de auxílio do governo. Em função disso, o presidente da Merryl Lynch, John Thain, solicitou demissão, por ter perdido a confiança da adquirente (HAMILTON, 2009). 4 Em 2007, a eBay admitiu ter pago US$ 2,6 bilhões a mais pela Skype, em 2005. Assumiu US$ 1,4 bilhão em prejuízos e os criadores da Skype, Niklas Zenströom e Janos Friis, se retiraram (ROSENBUSH, 2007). 5 Nos anos 60 e 70, a Chrysler buscou um processo de internacionalização mediante a aquisição de empresas europeias ultrapassadas e obsoletas, fracassando nas tentativas de ingressar no Velho Continente e perdendo preciosos recursos que poderiam ter sido empregados no fortalecimento em seu tradicional mercado (DRUCKER, 1991). Whoriskey (2009) afirma que a Chrysler teve seus problemas amplificados pelo fato de não ser internacionalizada. Badrtaley e Bates (2007) sustentam que a Chrysler praticamente abandonou a Europa no final da década de 70. 6 Em 2005, o Frigorífico Marabá vendeu sua unidade em Promissão (SP) por US$ 8 milhões ao investidor britânico Terry Johnson. A empresa se renomeou Frigoclass. Mas, com o problema da febre aftosa na região, a unidade fechou depois de 18 meses. (BRASILPAR, 2005). 7 A produtora alemã de pneus Continental sofreu com a queda do mercado automobilístico, em particular nos EUA, após adquirir a VDO da Siemens, em 2007, por € 11 bilhões, ficando com uma 58 grande dívida e tornando-se vulnerável a um takeover (GERMAN..., 2008). 8 Em 2009, o investidor Sam Zell admitiu ter sido muito otimista ao comprar o Chicago Tribune, dois anos antes, em uma operação de US$ 8,2 bilhões. A empresa foi à concordata em 2008, por causa de US$ 13 bilhões em dívidas. A adquirida controlava o Los Angeles Times, alguns canais de TV e outros ativos. Zell admitiu não ter previsto a queda das receitas publicitárias e de circulação em função da internet (ROSENTHAL, 2009; SAM..., 2009). 9) Em 2008, a Bain Capital e a THL Partners adquiriram a Clear Channel Communications, por US$ 17,9 bilhões. Depois de dois anos de difíceis tratativas; fizeram um esforço de corte de custos, excluindo 1.850 empregos, equivalentes a 9% de sua força de trabalho. No primeiro trimestre de 2009, as receitas caíram 23%, para US$ 1,2 bilhão, enquanto as dívidas somavam US$ 21 bilhões – o triplo do ano anterior (MERCED, 2009). 10 A GP Investimentos e outros fundos, como o Temasek, de Cingapura, e o Amber, dos EUA, adquiriram a San Antonio da Pride International, em 2007 – maior perfuradora de poços de petróleo em terra – algo pouco comum no mercado brasileiro. Ou seja, parte substancial do valor de compra foi pago com um empréstimo tomado da própria companhia. Em 2008, a San Antonio faturou cerca de US$ 1,3 bilhão. Com a vertiginosa queda dos preços do petróleo, os clientes da San Antonio pararam de investir (ADACHI, 2009). 11 A compra da divisão de TV a cabo da AT&T, em 2001, pela Comcast por US$ 70 bilhões foi muito cara, valendo os ativos no máximo US$ 50 bilhões. Isso destruiu qualquer possibilidade de êxito na operação (KNEE; GRENNWALD, 2009). 12 Em 2002, o HSBC adquiriu o norte-americano Household International por US$ 14,7 bilhões, em função de dois ativos principais: cartões de crédito e sua atuação no mercado imobiliário, o que veio abaixo com a crise dos empréstimos subprime, completamente previsíveis (HSBC PUTS..., 2009). 13 Em 2009, a Porsche demitiu seu presidente, Wendelin Wiedeking, que recebeu € 50 milhões de indenização, pelo fracasso em adquirir o controle da Volkswagen, tentativa que levou a empresa a um custoso endividamento. Em seguida, a Volkswagen se comprometeu a adquirir 42% da Porsche, avaliados em US$ 17,726 bilhões, e a iniciar os passos necessários à integração entre as duas companhias (COMPRA DA PORSCHE..., 2009; PORSCHE..., 2009). FONTE: compilado pelo autor. Na compra do Chicago Tribune, ante a queda das receitas publicitárias e da circulação, por causa do crescente uso da internet como meio de informação, os vendedores saíram-se muito bem, e os resultados de um endividamento tão elevados eram previsíveis – inclusive em função da elevada complexidade da operação, ao ser anunciada. Além disso, o investidor em questão não foi o mais prejudicado, cabendo esse difícil papel aos credores que, depois, retomaram trabalhosamente o controle, tentando obter algum valor de um conjunto de ativos que nunca fora unido. QUADRO 8 – ACORDOS CONFUSOS GOVERNAMENTAIS OU ENVOLVENDO INTERFERÊNCIAS 1 Os ativos do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, se fundiram com os da Sendas, em uma empresa igualitária, controlada pela primeira, em 2004. O Grupo Sendas processou o controlador três anos depois, alegando que, em função de o grupo francês Casino passar a deter 50% do Pão de Açúcar, haveria o direito a que suas ações fossem adquiridas – previsto no contrato. A CVM julgou que o controle foi alterado, pois o Casino possui o direito de adquirir uma ação adicional por R$ 1 e passar a ser seu controlador, portanto pagou um prêmio pelo controle às ações da família Diniz. Em função desse julgamento, a CVM obrigou a compra das demais ordinárias pelo mesmo valor, o que representou pequeno desembolso, em função de poucas em circulação no mercado. Com base nessa decisão da CVM, a família Sendas ingressou na Justiça e perdeu em primeira instância (ADACHI, 2008). 2 Em 1982, a Bendix comprou a Martin Marietta, que revidou de modo espetacular, tentando comprar a própria Bendix com apoio da United Technologies. A situação, além de confusa, apenas interessou aos bancos, pois ambas as empresas se endividaram para a operação. Em 1983, a Bendix Corp. foi 59 adquirida pela Allied Corp., e a Martin Marietta permaneceu independente (AAKER, 1998). 3 Em 1984, a Texaco adquiriu a Getty Oil Co., com reservas de 1,9 bilhões de barris de óleo e de 2,8 trilhões de pés3 de gás, além de direitos em várias partes do mundo. A Pennzoil Co. moveu um processo contra a Texaco, pois assinara um acordo para adquirir parte da Getty. Ao final de 1985, a Texaco foi condenada a pagar US$ 11,1 bilhões à Pennzoil, chegando-se a um acordo no valor de US$ 3 bilhões, o que levou a Texaco à concordata, da qual emergiu em 1988, porém ao custo de se desfazer de ativos, no total de US$ 5 bilhões. A aquisição da Getty custou a própria aquisição da Texaco pela Chevron, no ano 2000 (MINADEO, 2002; TEXACO, s.d.). 4 Em 1988, o First Deposit Insurance Corp. (FDIC) promoveu uma aquisição do First Republic, criado no ano anoterior, por uma fusão, patrocinada pelo FDIC, entre o Republic Bank e o Interfirst. Os prejuízos públicos imediatos foram de cerca de US$ 500 milhões. Depois, o North Caroline National Bank of Charlotte absorveu os ativos bons do First Republic, mediante mais US$ 3 bilhões de perdas ao FDIC (MAYER, 1997). 5 Com o apoio do Morgan Grenfell, em 1986, Ernest Saunders adquiriu mais de 50% da National Distillers (detentora de marcas como Guinness, Johnnie Walker, Haig, White Horse, Booth e Gordon), por aproximadamente £ 2,53 bilhões, com apoio de vários investidores. O próprio Morgan adquiriu £ 180 milhões em ações, sendo seu capital de £ 170 milhões. Esse comportamento foi julgado tão irresponsável que levou a medidas do Bank of England. No ano seguinte, alguns funcionários do Morgan foram presos em função de problemas ligados a essa aquisição, e os antigos acionistas receberam £ 85 milhões em compensações (CHERNOW, 1990). 6 Um exemplo apenas das inúmeras aquisições dos anos 80 nos EUA: em 1986, a Jefferson Smurfit e o Morgan Stanley alocaram US$ 10 milhões para adquirir a Container Corp. of América, da Móbil, por US$ 1,2 bilhão. O banco lançou US$ 700 milhões em junk bonds, e o restante foi emprestado. O banco teve lucros imediatos de US$ 32,4 milhões (CHERNOW, 1990). FONTE: compilado pelo autor. No início do governo Thatcher, que assumiu em 1979, cabe contextualizar: o número de acionistas na Grã-Bretanha triplicou para 9 milhões, e surgiram as primeiras aquisições hostis – comuns nos EUA (CHERNOW, 1990). Quanto à aquisição da Container Corp., apesar de uma possível pressa da Mobil em realizar a venda, os problemas diversos derivados desses títulos, a rápida e exagerada remuneração por um trabalho relativamente modesto do banco e as inúmeras outras situações que não foram concluídas a contento – incluindo prisões de famosos líderes dessas operações – permitem classificá-los como problemáticos. Em outras palavras, não passam pelo teste de responsabilidade social exigido pela atividade financeira – sem entrar em eventuais faltas de transparência ou outras ilegalidades, como a ocorrência na situação da Guinness. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS As operações de F&As representam importante papel na economia, porém não podem ser buscadas a qualquer custo, como o adquirente do Chicago Tribune admitiu por ter incorrido em elevado endividamento, o que comprometeu a possibilidade de se obter bons resultados mediante a gestão do negócio, tendo havido a natural intervenção dos credores, por declaração da concordata. O estudo permitiu apontar uma riqueza de situações – fruto do uso de dados secundários –, enquanto, por outro lado, não tornou possível que se aprofundasse nas inúmeras situações mencionadas, o que não era o objetivo do artigo, pois o tornaria muito extenso, dado o número de operações categorizadas. Outros estudos poderiam contemplar análises pormenorizadas de operações de F&As problemáticas por meio da técnica de estudo de caso. Poderiam surgir estudos focalizados em setores específicos ou, ainda, comparados em desempenhos intersetoriais. 60 REFERÊNCIAS AAKER, D. Administração estratégica de mercado. Porto Alegre: Bookman, 1998. ADACHI, V. Pão de Açúcar vence Sendas em caso de R$ 700 milhões. Valor Online, 6 maio 2008. ______. San Antonio, controlada pela GP, renegocia dívida. Valor Online, 9 jul. 2009. BADRTALEI, J.; BATES, D. L. Effect of organizational cultures on mergers and acquisitions: the case of DaimlerChrysler. International Journal of Management, v. 24, n. 2, p. 303-317, jun. 2007. BARRETT, A. Keep It simple, cendant. Business Week Online, 14 out. 2002. BENSINGER, K.; ZIMMERMAN, M. New Chrysler executive James Press tries to jump-start the troubled auto company. Los Angeles Times Online, 4 set. 2008. BOSSIDY, L.; CHARAN, R. 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O cliente exige cada vez mais agilidade e qualidade quando adquire um serviço, o que demanda das organizações uma base operacional alinhada, para que o resultado seja o mais positivo possível. O presente estudo analisou como ocorrem as escolhas estratégicas operacionais de um hotel da região das Missões, como fator de excelência na prestação de serviço, de acordo o modelo proposto por Voss, Roth e Chase (2008). Palavras-chave: operações em serviço, excelência em serviço, turismo e hotelaria. ABSTRACT The constant search for excellence in service delivery is the challenge of modern organizations. The client requires more agility and quality when they purchase a service, which requires organizations operating a base line so that the result is as positive as possible. This study examined how strategic choices occur in an operating hotel in the region of the missions as a factor of exllence in the provision of service according to the model proposed by Voss, Roth and Chase (2008). Keywords: operation in service, excellence in service, tourism and hospitality. 67 1 INTRODUÇÃO A sociedade passou por grandes mudanças. Atualmente, vivemos numa era globalizada em que os mercados se expandem constantemente; o uso da tecnologia deixou de ser supérfluo para se tornar essencial ao desenvolvimento e sobrevivência das empresas; a concorrência se tornou muito acirrada; o cliente passou a ter um novo papel nas relações de negócios, sendo o enfoque principal das grandes organizações. Esse não é apenas um cenário do setor secundário; também o de serviços reflete as consequências do desenvolvimento, como, por exemplo, a hotelaria. A oferta hoteleira cresce desordenadamente. A cada dia um novo hotel é inaugurado, fazendo com que a fatia de mercado dos já existentes diminua. E, para se diferenciar no mercado, prestando um serviço de excelência, é necessário que as operações internas do hotel estejam alinhadas. Com base nesse cenário é que o objeto deste estudo será desenvolvido, buscando analisar como ocorrem as escolhas estratégicas operacionais de um hotel da região das Missões (RS), como fator de excelência na prestação de serviço. O trabalho está dividido em referencial teórico em que conceitos fundamentais sobre relacionamento com o cliente, o cliente e operações estratégicas em serviço serão abordados. Posteriormente, realiza-se um estudo de caso das escolhas estratégicas operacionais de um hotel e, por fim, são apresentadas as principais conclusões a respeito do tema. 2 RELACIONAMENTO COM CLIENTE Possuindo um papel de destaque nas relações empresariais, o cliente começou a exigir produtos e serviços com qualidade e atendimento personalizado. Com isso, as empresas passaram a se relacionar mais com os clientes, buscando conhecer melhor o comportamento de seu consumidor. Solomon (2002, p. 24) define o comportamento do consumidor como o [...] estudo dos processos envolvidos quando indivíduos ou grupos selecionam, compram, usam ou dispõem de produtos, serviços, ideias ou experiências para satisfazer necessidades e desejos. A falha das organizações é continuar trabalhando com atendimento em massa, o que ocasiona um serviço com tratamento rotineiro, impessoal e sem variações. Atualmente, as pessoas exigem um tratamento diferenciado, levando em consideração suas necessidades. Com a personalização dos serviços, as empresas estão criando um valor exclusivo para os clientes. Pine II e Gimore (1999, p. 83) comentam que uma atividade econômica oferece um valor exclusivo para o cliente quando é: • específica para clientes individuais – tornada real para esse exato cliente em um momento determinado; • particular em suas características – planejada para atender às necessidades do cliente (embora outro cliente possa ter as mesmas necessidades, portanto adquirir a mesma coisa); • singular em seu propósito de beneficiar o cliente – não tentando ser mais nem menos do que isso e oferecendo apenas e somente o que cliente deseja. As organizações não estão adicionando valor de serviço. E essa criação de valor é um conjunto de processos dentro das organizações, o que deve ocorrer de forma sistêmica. Quanto a isso, Greenhalgh (2002, p. 35) afirma que: Tradicionalmente, os estudiosos se concentraram nos produtos e serviços que as organizações oferecem quando avaliam a atratividade do mercado. Mas é mais inteligente enfocar os processos. Suponha, por exemplo, que você precise de um quarto de hotel para uma viagem de negócios. Objetivamente, você está alugando uma cama. Mas você não tira proveito da cama grande parte do tempo porque está dormindo. O que cria valor são processos eficientes. Você quer ir até seu apartamento o mais rápido possível: você não quer ficar na fila esperando para se registrar. O mesmo acontece quando vai fechar a conta. E você quer que a comida que pediu no quarto chegue quase que imediatamente, não meia hora depois, conforme a conveniência do hotel. Os processos criam valor. 68 O atendimento prestado pelas companhias pode ser outro fator que faz com que os clientes optem pela concorrência. Muitas pessoas já foram mal atendidas num restaurante ou num balcão de companhia aérea, por exemplo. Quanto ao atendimento em serviços, Silva (2004, p. 123) aborda que [...] há empresas que investem muito em capacitar o seu pessoal, entretanto nunca atingem resultados significativos, pois possuem um corpo de funcionários desmotivados, descontentes e estressados. Isso ocasiona a troca de estabelecimento ou de empresa, mesmo que tenha existido apenas uma vez um mau atendimento. Os indivíduos recordam muito mais as más experiências do que um serviço bem prestado A retenção do cliente é uma forma de aumentar o lucro das organizações, pois o consumidor tende a indicar novos usuários. Quando um é perdido, não apenas uma transação atual com esse indivíduo é perdida, mas também todas as futuras transações, pois as pessoas fazem propaganda boca a boca, sem se falar no custo de conquistar uma nova clientela, que custa cinco vezes mais do que o custo de se manter um cliente antigo. Os antigos são mais lucrativos do que os novos, apesar de o custo inicial de conquistá-los ser alto. Todavia, com o tempo o valor se dilui em cada transação; os que continuam com a empresa gastam mais, pois adquirem outros serviços e, às vezes, estão dispostos a pagar um preço maior por eles; o atendimento aos regulares é mais barato, pois já há uma relação entre o prestador de serviço e o usuário, o que facilita os procedimentos administrativos (CLUTTERBUCK; CLARK; ARMISTEAD, 1994, p. 143). No turismo e como em outras atividades relacionadas a serviços, há que se buscar atender às expectativas dos clientes. Com isso, se criam maior fidelidade e maior divulgação de pessoa para pessoa, além de uma repetição de negócios. A criação de relacionamento com os clientes ocorrerá quando foram estabelecidos diálogo e feedback. Identificar e desfrutar do benefício da satisfação do cliente individual, ou detectar e prevenir a insatisfação e a deserção individuais só se verificam quando a empresa abre um canal de diálogo com as pessoas. Cada indivíduo tem uma percepção diferente sobre cada serviço, e essa interação entre ambos proporciona um maior conhecimento acerca das necessidades e desejos. Peppers e Rogers (1996, p. 62) comentam que, para manter um cliente duradouro, a empresa deve apresentar “[...] um produto de qualidade, um serviço de alta qualidade e a capacidade de satisfazer plenamente o cliente.” Depois de estabelecido um relacionamento com os clientes, apresentando um serviço de qualidade, o passo seguinte da empresa é fidelizá-lo. Uma das formas de fidelização ocorre por meio de incentivos que Peppers e Rogers (1996, p. 101) denominam “lealização” com os clientes. Companhias aéreas, por exemplo, recompensam seus clientes mais fiéis com prêmios de milhagem, upgrades, ou seja, concedem lugares preferenciais para a primeira classe e classe executiva (pagando-se a passagem de classe econômica), linhas telefônicas especiais para reservas, sala vip e balcões especiais para check-in. Em hotelaria, são concedidas tarifas especiais e upgrades. O processo de fidelização ocorre por 4 etapas: o senso cognitivo, a fidelidade afetiva, a fidelidade conativa e a fidelidade ativa (OLIVER, 1997, apud OLIVER, 1999). O senso cognitivo, em que a informação disponível ao consumidor sobre determinado produto/serviço irá indicar se este é preferível em detrimento de outro. Entretanto, é uma situação superficial, pois, caso se torne uma relação rotineira, o cliente não terá mais nenhuma satisfação. A segunda etapa, a fidelidade afetiva, ocorre com base no acúmulo de momentos de satisfação pelo uso do produto/serviço, tendo como apoio o afeto. O consumidor sente que suas necessidades são supridas, gerando prazer. Contudo, ainda não está garantida a fidelidade do cliente. A fidelidade conativa, também denominada intenção comportamental, mostra que o consumidor é influenciado por repetidos episódios de satisfação. Contudo, a fidelidade se refere à intenção de compra, somente relacionada com a intenção. 69 E a quarta etapa, a fidelidade ativa, mostra que a intenção se torna ação. Assim, o consumidor tem a intenção que, agregada à motivação, leva à fidelidade. Para o desenvolvimento da lealdade é preciso verificar sete etapas, como mostra Griffin (1995, p. 34). a) estágio 1: suspeitos – são todos os possíveis compradores do produto ou serviço; são [...] “suspeitos” pois se acredita, ou “suspeita-se” que eles possam comprar, mas não se tem certeza; b) estágio 2: possíveis compradores – são aqueles que precisam do produto, e têm habilidade em comprá-lo, mas ainda não compraram; c) estágio 3: possíveis compradores desqualificados – são aqueles consumidores que se sabe não precisar ou não ter habilidade em comprar o produto ou serviço; d) estágio 4: consumidor pela primeira vez – adquiriu o produto ou serviço pela primeira vez e continua comprando dos concorrentes; e) estágio 5: consumidor repetitivo – consumidor que adquiriu o produto ou serviço duas vezes ou mais; f) Estágio 6: cliente – consumidor que compra frequentemente, possuindo uma forte relação com a empresa; g) estágio 7: defensor – além de manter uma relação forte com a empresa e efetuar compras frequentemente, encoraja outros a comprarem. Alguns erros são cometidos quando da busca da fidelização dos clientes por parte das empresas. Zenone (2004) explica que o excesso de abordagem por parte das empresas, por maladireta, telemarketing ativo ou comunicação via e-mail, ações promocionais sem nenhum diferencial, desenvolvimento de ações isoladas sem levar em conta todos os envolvidos no processo – extrapolando o limite da privacidade – são cuidados que as empresas devem tomar para não afastar o consumidor. 2.1 CLIENTE Todos os setores da economia trabalham voltados para o cliente, pois ele é o elemento vital das organizações. O agricultor desempenha seu trabalho no campo para depois vender a algum indivíduo; as indústrias fabricam produtos para depois vender a outras indústrias ou diretamente ao consumidor; o setor de serviços tem sua base no trabalho ao cliente. Com isso, o freguês, o consumidor ou o cliente são a existência de todas as operações. As organizações trabalham com dois tipos de clientes: os internos e os externos. Cliente interno é toda a pessoa que presta serviços para uma empresa, ou seja, todos os funcionários; cliente externo sé a pessoa ou empresa que usufrui produtos ou serviços das companhias. A relação dos fornecedores (produtores, comerciantes e prestadores de serviços) com os clientes mudou muito ao longo do tempo. Na época feudal, os produtores mantinham contato direto com seus clientes e monitoravam constantemente as necessidades e interesse dos compradores. Na época da Revolução Industrial, os produtores começaram a se afastar cada vez mais dos clientes para produzir os bens em grande escala e atender aos consumidores, sem se importar com a qualidade e com as necessidades dos clientes. Foi uma época em que a procura pelos produtos era maior que a oferta, e com isso o cliente passou a ser considerado, conforme Almeida (1995, p. 60): “[...] um mal necessário, era visto como uma multidão, não tinha voz nem vez, era um consumidor feroz e era desprovido de senso crítico.” Na atualidade, estamos na era do cliente, o qual passou a ter um papel de destaque nas relações comerciais, sendo produzidos bens e serviços que atendam diretamente a suas necessidades. A decisão dos clientes em optar pela compra de um determinado bem ou serviço é apurada mediante uma análise de valor, que é a relação qualidade-preço. E, para poder atender-lhes, as empresas estão implementando planos ou programas de serviços a clientes. Oliveira (apud BLOCH; HABABOU; XARDEL, 1994, p. 8) menciona 18 passos para a elaboração de um plano de serviços: I - fixar um objetivo claro, destinado a melhorar tudo que diga respeito a serviço aos clientes; II - sensibilizar os empregados para prestarem aos clientes um serviço de alta qualidade; III - dar aos empregados a oportunidade de experimentarem eles próprios o serviço da empresa, na qualidade de clientes; IV - avaliar a competência e as atitudes de todos os que têm contato com os clientes; V - fazer um diagnóstico do serviço prestado pela empresa; 70 VI - observar o serviço prestado pelos concorrentes e estabelecer comparações com o serviço da companhia; VII - estipular pequenos serviços adicionais ao cliente, que tenham valor para ele; VIII - simplificar procedimentos, facilitando a vida de empregados e clientes; IX - fixar padrões claros e rigorosos para o serviço aos clientes e não abrir mão deles; X - determinar, com cada empregado, padrões de desempenho apropriados e objetivos mensuráveis para seu desempenho; XI - atribuir responsabilidade aos empregados quanto ao serviço a clientes e fazer pelos empregados o que se espera que eles façam pelos clientes; XII - investir constantemente em treinamentos e desenvolvimento do pessoal; XIII - disponibilizar recursos de informática e novas tecnologias, a fim de aumentar a eficácia dos empregados; XIV - desenvolver, por parte de todos na organização, a atitude de ouvir ativamente; XV - manter empregados e clientes permanentemente informados acerca do que ocorre na empresa, bem como acerca do desempenho desta; XVI - reconhecer e motivar os empregados que se destacam quanto à qualidade de serviços aos clientes; XVII - desenvolver um sentimento generalizado e compartido de adesão a valores comuns e de pertencimento a uma cultura; XVIII - inserir o serviço excelente aos clientes como um valor da empresa. Um fator determinante para a plena satisfação do cliente é conciliar a prestação de um serviço de qualidade com a oferta de um bom produto, pois a satisfação do cliente está intimamente ligada à complexa percepção que ele tem do todo a seu redor, gerando consequências de todos os tipos (Silva, 2004, p. 129). 3 OPERAÇÕES ESTRATÉGICAS EM SERVIÇOS As empresas possuem o desafio de encantar permanentemente os clientes, pois dessa forma eles retornam outras vezes, aumentando seus gastos e divulgam suas experiências bem-sucedidas para outros pares. Para que isso ocorra, é necessário haver um alinhamento entre o marketing e a parte de operações, pois, de acordo com Goldstein et al. (2002), o conceito de serviço é o cruzamento inseparável de marketing e operações que existe na maioria das organizações de serviço. Ainda em relação ao conceito de serviço, ele pode ser conceituado sob quatro tipos, conforme Goldstein et al. (apud JOHNSTON; CLARK, 2002). I - operação de serviço: a maneira de como o serviço é entregue; II - experiência de serviço: a experiência do cliente direto com o serviço; III - resultado do serviço: os benefícios e os resultados do serviço para o cliente; IV - valor do serviço: os benefícios que o cliente percebe como inerente do serviço prestado versus o valor do serviço. Em relação à experiência de serviço Voss, Roth e Chase (2008) redesenharam um modelo da conceitualização da estratégia de operações em serviço dividido em três áreas (figura 1). FIGURA 1 – EXPERIÊNCIA CENTRADA EM SERVIÇOS 71 FONTE: Voss, Roth e Chase (2008). As estratégias de operações englobam algumas escolhas, sendo a primeira stageware – que pertence à estrutura física, incluindo layout de facilidades, tecnologia de processos e fluxos. O segundo conjunto de escolhas envolve orgaware – sistemas de gestão de infraestrutura e políticas. Uma das escolhas fundamentais de gestão é a forma de organizar e treinar as pessoas para a experiência e criar um ambiente e cultura para cativar os clientes. O terceiro conjunto de opções se refere a customerware – criação e gerenciamento do ponto de contato, ou seja, o local onde os clientes interagem com a entrega do serviço. E o quarto conjunto de escolhas é linkware – mecanismos de comunicação que filtram informações de toda a empresa para todos os níveis. Com as escolhas haverá os resultados diretos do sistema de prestação do serviço, o qual compreende o que o cliente percebeu da experiência total da interação com o serviço, ou seja, emoções e respostas. E a interação das escolhas mais os resultados da prestação do serviço resultarão no valor percebido pelo cliente, composto da fórmula valor percebido do cliente = f (pacote de serviços + fatores de experiência/preço). 4 METODOLOGIA DA PESQUISA O método a ser utilizado será o estudo de caso do Hotel Maerkli, localizado em Santo Ângelo, uma das mais importantes cidades da região das Missões. O estudo de caso, segundo Yin (2001, p. 27), é a estratégia escolhida ao se examinarem acontecimentos contemporâneos e visa responder a perguntas do tipo “como” e “por que” sobre um conjunto de fatos sobre os quais o pesquisador tem pouco ou nenhum controle. Será utilizada como instrumento de pesquisa a análise de entrevistas com o proprietário do hotel, por ser uma das mais importantes fontes de informações para um estudo de caso (Ibid., p. 112). E a forma empregada de entrevista será a entrevista focal, que é espontânea e assume o caráter de uma conversa informal, seguida de um conjunto de perguntas que se originaram do protocolo de estudo de caso. 5 ESTUDO DE CASO A região das Missões está localizada no noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. É composta de 46 municípios que contêm a história dos Sete Povos. É uma região rica em patrimônios culturais que ainda hoje possibilitam a sensação de fazer parte do cenário que unia a antiga província jesuítica do Paraguai, hoje distribuída pelas fronteiras do Mercosul. A Rota das Missões com sua história, sua imagens sacras, seus museus e seus prédios que ecoam a narrativa dos grandes feitos do passado e a Rota do Rio Uruguai banhada pelas águas do orgulhoso limite da fronteira brasileira, abundante em festas, atividades de lazer e natureza, são destinos certos de uma viagem pelo tempo, pela força da água do Rio Uruguai, pelo cheiro da natureza e pelo olhar dos herdeiros da grande epopeia jesuítico-guarani (SETUR, 2009). Santo Ângelo é considerada a “capital das Missões”. De acordo com dados da Secretaria de Turismo do Estado do Rio Grande do Sul (SETUR), a cidade foi o último município dos Sete Povos das Missões a ser fundado, em 1706, pelo jesuíta Diogo de Haze, belga de nascimento. Mesmo com uma estrutura semelhante às demais reduções, o povo de Santo Ângelo prosperou muito economicamente, tornando-se, na época, o maior produtor de erva-mate e o mais rico da região. A derrocada do Sétimo Povo das Missões Orientais do Uruguai ocorre pelas mesmas causas das outras seis reduções: o litígio formado com a demarcação estabelecida pelo Tratado de Madrid (1750) e suas consequências políticas. Seus primeiros habitantes, descendentes de paulistas e imigrantes alemães, aproveitaram as pedras do antigo colégio e da igreja jesuítica para edificar suas casas e uma outra igreja no mesmo lugar da antiga, mas sem afetar o traçado urbanístico missioneiro. Na cidade encontra-se o Hotel Maerkli, fundado no ano de 1942 pelos suíços Eduardo e Margareth Maerkli, que executaram a obra do primeiro prédio (hotel antigo). Eles foram os primeiros fundadores e diretores da empresa, provenientes do povoado de Rapperswil, na Suíça, e vieram 72 casar no Brasil, na cidade de Porto Alegre. Após o casamento, por intermédio de pessoas conhecidas, resolveram dar início a uma nova jornada na cidade de Santo Ângelo. Eduardo Maerkli começou com uma serralheria; depois de alguns anos, por causa da revolução, decidiu mudar de ramo e iniciou o projeto do hotel. Johann e Maria Margarith Gisler (sobrinha do casal), também suíços, ele proveniente de Luzern e ela de Brig, sucederam os primeiros diretores em meados de 1957, mantendo a filosofia e tornando realidade as novas instalações do hotel. O prédio atual foi construído no ano de 1970 em duas etapas: a primeira com recursos próprios oriundos de reservas dos proprietários, resultando na construção de 32 apartamentos; a segunda parte da obra, que destruiu uma parte do antigo hotel, deu início, então, às atividades no prédio novo com recursos provenientes de financiamento. Em 1990, o casal Eduardo (ele filho – 3ª geração) e Maria Zuleica Gisler assumiram a direção da empresa, iniciando uma série de investimentos como a construção de um restaurante, piscina, instalação de uma sala de jogos e de uma central telefônica informatizada. Transformaram assim o estabelecimento no primeiro hotel a ter três estrelas em Santo Ângelo. Em 2002, por meio de um financiamento foi possível fazer toda a remodelação dos apartamentos e a renovação da parte elétrica e hidráulica, tornando-os mais modernos e confortáveis. Atualmente, o hotel conta com 62 apartamentos, divididos em duas categorias: standard superior e standard, todos equipados com arcondicionado, televisão e frigobar. Conta ainda com piscinas adulta e infantil, wireless, lavanderia e duas salas de reuniões – uma com capacidade para 40 e outra para 100 pessoas. Os clientes que se hospedam no Hotel Maerkli compreendem 70% de executivos de empresas, 25% de profissionais liberais e 5% de turistas. Todos esperam agilidade no atendimento, um apartamento com uma boa cama, um bom chuveiro e internet rápida. Para atender às necessidades dos hóspedes, o hotel conta com uma equipe de 27 funcionários. A contratação de novos profissionais é obtida por meio de uma empresa especializada em recrutamento e seleção, sendo o treinamento realizado no próprio hotel pelos colegas e algumas vezes por profissionais externos. Os ambientes de interação com o cliente ocorrem na recepção e no salão do café da manhã, principalmente com os recepcionistas e com o gerente de recepção, exigindo que os profissionais sejam aptos a cativar o hóspede em cada interação. De acordo com o proprietário do hotel, Gisler (2009), alguns funcionários sabem cativar os hóspedes, notadamente os mais antigos, que já sabem o nome e as preferências dos visitantes. O desafio é tornar isso uma realidade para os outros, pois, nesse caso de interação com o hóspede, é preciso tempo e experiência. Com isso, trabalha-se para reduzir o turnover. Os colaboradores possuem uma relação muito próxima com os clientes, especialmente os habituais que são tratados pelo nome e interagem de maneira quase familiar com a equipe. Apesar dessa proximidade, o hotel possui mecanismos de registros das informações dos hóspedes por software de gerenciamento, caderno de anotações com sugestões e reclamações e uma pesquisa de satisfação disponibilizada nos apartamentos. E, visando competir no mercado atual, o Hotel Maerkli se associou a uma rede de hotéis, a Versare, que conta com 27 estabelecimentos localizados no Rio Grande do Sul, Uruguai e Manaus. Todas as ações são realizadas para proporcionar uma estrutura que vise atender melhor ao cliente e, na medida do possível, buscar melhorias internas. 6 RESULTADO DA PESQUISA Com base no referencial teórico de Voss, Roth e Chase, mais especificamente no modelo da experiência centrada em serviços, comparado com a operação do hotel Maerkli, percebe-se que o modelo é válido e traz um resultado significativo para a organização. Na fase do stageware, o Hotel Maerkli investe permanentemente na melhoria de sua estrutura física, adequando seu equipamento às necessidades do mercado. Em relação ao orgaware, o hotel procura contar com profissionais que possam prestar o melhor serviço ao hóspede, buscando cativar este constantemente. O customerware refere-se ao ponto de interação com o cliente, principalmente na recepção e no salão do café da manhã, onde o cliente exige um atendimento ágil e qualificado. E o último ponto se refere 73 ao linkware em que o hotel utiliza softwares para armazenar as informações/necessidades dos clientes e deixar isso disponível para a parte operacional. Como o hotel visa trabalhar com todas as escolhas estratégicas, nota-se que o resultado é positivo no sentido de que o hóspede acabe retornando ao hotel, pois, segundo o proprietário Gisler (2009), 96% das pessoas jurídicas se hospedam mais do que duas vezes e 83% das pessoas físicas retornam mais do que duas vezes, por ano. 7 CONCLUSÃO Esta pesquisa teve como objetivo analisar como ocorrem as escolhas estratégicas operacionais de um hotel da região das Missões, como fator de excelência na prestação de serviço. Para isso, buscou-se identificar, por meio do modelo teórico sobre experiência centrada em serviços, sua aplicabilidade numa organização hoteleira. Uma das contribuições teóricas, portanto, surge dos resultados encontrados. Verifica-se que, para satisfazer os clientes e torná-los fiéis, é preciso utilizar as escolhas estratégicas operacionais: stageware, orgaware, customerware e linkware. Destaca-se que o Hotel Maerkli prioriza a escolha do stageware, tendo em vista que, desde sua fundação, a prioridade foi a melhoria da estrutura física para satisfazer o hóspede. A análise sobre as estratégias operacionais não foi integralmente exaurida. Diversos outros estudos podem ser desenvolvidos por pesquisas diretas em outros hotéis visando aprofundar como ocorrem as escolhas estratégicas operacionais, assim como estudos em outros segmentos. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Sérgio. Cliente eu não vivo sem você: o que você não pode deixar de saber sobre qualidade em serviços e clientes. Salvador: Casa da Qualidade, 1995. CLUTTERBUCK, David; CLARK, Graham; ARMISTEAD, Collin. Serviço inspirado no cliente: estratégias para qualidade do serviço. São Paulo: IMAM, 1994. GISLER, Geovani. Escolhas das estratégias operacionais. Porto Alegre, 3 jan. 2009. Entrevista cedida a Paula Maines da Silva. GOLDSTEIN, Susan Meyer; JOHNSTON, Robert; DUFFY. Joan; RAOD, Ray. 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Rio de Janeiro: Campus, 1999. SILVA, Fernando Brasil da. A psicologia dos serviços em turismo e hotelaria: entender o cliente e atender com eficácia. São Paulo: Pioneira-T. Learning, 2004. SOLOMON, Michael R. O comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2002;. VOSS, Chris; ROTH, Aleda V.; CHASE, Richard B. Experience, service operations strategy, and service as destinations: foudations and exploratory investigation. Production and Operations Management. v. 17, n. 3, p. 247-266, 2008. ZENONE, Luiz Cláudio. CRM: do conceito à prática. Consumidor Moderno, 27/10/2004. Disponível em: <http://www.consumidormoderno.com.br/ler_materia.asp?id=5638>. Acesso em: 27 fev. 2005. 75 COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS E COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS: PROPOSIÇÃO DE UMA LÓGICA DE ACONTECIMENTO SIMULTÂNEA E CONCOMITANTE INDIVIDUAL AND ORGANIZATIONAL COMPETENCES: THE PROPOSITION OF A SIMULTANEOUS AND CONCOMITANT LOGIC OF HAPPENING COMPETENCES INDIVIDUELLES ET COMPETENCES ORGANISATIONNELLES: LA PROPOSITION D'UNE LOGIQUE DE L'ÉVENEMENT PARALLELES ET SIMULTANEES LUCIANO MUNCK Doutor em Administração pela FEA/USP, Coordenador do Mestrado em Administração da UEL RAFAEL BORIM DE SOUZA Mestre em Administração pelo PPA – UEM/UEL 76 RESUMO Este artigo tem como objetivo principal propor uma lógica de acontecimento das competências dos indivíduos e das competências das organizações por etapas simultâneas e concomitantes. Para tanto foi realizada uma pesquisa qualitativa, exploratória e bibliográfica. Foram abordadas discussões a respeito das origens e evolução das discussões sobre os estudos das competências. Em sequência, houve a opção de privilegiar o tratamento das competências dos indivíduos e das competências das organizações. Condicionados todos os fatores da discussão, chegou-se à conclusão de que o indivíduo se dispõe a somar o entendimento de si mesmo, a compreensão do trabalho que realiza, a convivência de seus pares e a utilização das ferramentas lhe concedidas em distintas formas de expressão de suas competências, as quais moldam e configuram as competências organizacionais. Palavras-chave: competências, indivíduos, organizações. ABSTRACT This article intends to propose a logic of happening of the individual and organizational competences in simultaneous and concomitant steps. It was realized a qualitative, exploratory and bibliographic research. There were mentioned discussions about the origins and the evolution of the discussions about the study of competences. After this there were introduced the individual and de organizational competences. For all the discussions developed, it is argued that the man disposes himself in adding the understanding of him, the comprehension of the work which realizes, the act of living together with his pairs and the use of the tools offered to him in distinct forms of expression of his competences, which are responsible for molding, configuring and expressing the organizational competences. Keywords: competences, people, organizations. RÉSUMÉ Cet article vise à proposer une logique de passe des compétences individuelles et organisationnelles dans les étapes simultanée et concomitante. Il s'agissait d'une étude qualitative exploratoire et la littérature. Il y avait fait état de discussions sur les origines et l'évolution des discussions sur l'étude des compétences. Séquence avait la possibilité de soutenir le traitement des compétences des gens et des compétences des organisations. Grâce à l'ensemble des facteurs de la discussion est arrivée à la conclusion que l'individu est prêt à ajouter la compréhension de soi, la compréhension du travail accompli, la coexistence de leurs pairs, et l'utilisation des outils que vous avez fournis dans différentes formes d'expression de ses pouvoirs, qui moule et la forme du sens de l'organisation. Mots-clés: compétences, les humains, organizations. 77 1 INTRODUÇÃO Os contextos organizacionais são analisados por uma série de metodologias que procuram verificar, em suma, o grau de eficiência das ações dos indivíduos e como tais ações contribuem para o alcance de melhores retornos financeiros. A relação entre indivíduo e organização, em princípio, era tratada por uma ótica de subordinação, na qual a organização sobrepunha os anseios humanos. Com o decorrer da história, de acordo com Zarifian (2003), começou-se a observar que os indivíduos poderiam ser qualificados não somente como os braços que desenvolviam as atividades operacionais das empresas, mas também, e principalmente, como os cérebros responsáveis por processos estratégicos que conferiam as organizações um patamar diferenciado de competitividade. Reconhecida a relevância do fator humano nas organizações, gradativamente observou-se o interesse de se investigar uma metodologia imparcial de qualificar os indivíduos. Essa resposta, em parte concedida por McClelland (1973), surgia com mais relevância na década de 70, período em que as competências dos indivíduos começaram a ser pesquisadas com maior densidade, uma vez que por meio delas se observava um caminho efetivo para retirar o funcionamento da sociedade das mãos de uma elite minoritária e dominante. Ser competente é um status que depende de uma série de fatores muitas das vezes totalmente alheios à vontade do indivíduo que se analisa (DREJER, 2002). Um indivíduo é admitido como competente somente se seus históricos pessoais, educacionais e profissionais se somarem e resultarem na expressão de atos coerentes para com a problemática vivenciada em um momento especificamente crítico (BOYATZIS, 1982). Logo, para uma organização a competência é fenômeno diretamente relacionado ao contexto sobre o qual suas atividades operacionais são desenvolvidas. De acordo com Smith (2008), as organizações não existem sem os indivíduos, assim as organizações apenas serão competentes se os indivíduos nela inseridos também forem competentes. Por meio dessa lógica relacional entre indivíduos e organizações, desenvolveu-se o presente artigo com o objetivo principal de propor uma lógica de acontecimento das competências dos indivíduos e das organizações por etapas simultâneas e concorrenciais. 2 METODOLOGIA Foi realizada uma pesquisa qualitativa, exploratória e bibliográfica (MARTINS; THEÓPHILO, 2007). O quadro 1 relaciona quais os principais assuntos em análise neste artigo, o que se desejou investigar em cada um deles e os principais autores que contribuíram em relação à análise. QUADRO 1 – ESTRUTURA DE INVESTIGAÇÃO TEMÁTICA E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA TEMAS Origens e evoluções das discussões As competências dos indivíduos O QUE INVESTIGAR? Como se originaram as discussões sobre as competências e como essas se desenvolveram ao longo do tempo. Por quais etapas ocorrem e se manifestam as competências dos indivíduos. As competências das organizações Por quais etapas ocorrem e se manifestam as competências das organizações. PRINCIPAIS AUTORES Boyatzis (1982) McClelland (1973) White (1959) Alvesson, Willmott (2002) Focault (1972, 1982, 1988) Heidegger (1996) Drejer (2002) Freiling, Gersch, Goeke (2008) Shackle (1972) 78 3 COMPETÊNCIAS: ORIGENS E EVOLUÇÃO DAS DISCUSSÕES Taylor (1911), no início de suas contribuições para a administração científica, já moldava estudos que revelariam como um ser humano poderia desempenhar melhor uma função dentro dos contextos industriais. Embora suas considerações não possam ser comparadas com as proposições mais recentes a respeito dos estudos sobre competências, elas, por meio das noções bem disseminadas sobre os tempos e movimentos, ensinaram os gestores dessa época a recrutarem, desenvolverem, reterem e avaliarem as pessoas por métodos que verificavam, em essência, a viabilidade dos processos e a eficácia organizacional. Estudos diretamente relacionados às competências começaram a ser apresentados com maior frequência na década de 50, em específico por meio das pesquisas de Flanagan (1954) e White (1959). As ideias de Flanagan (1954) pouco se distanciavam das afirmações e dos objetivos de Taylor (1911), já os estudos de White (1959) unidos aos propósitos de McClelland (1973) começaram a evidenciar uma nova abordagem para o tratamento das competências nos ambientes organizacionais. Os estudos de White (1959) residiram em algo estritamente científico, enquanto os de McClelland (1973) adicionaram, além das contribuições científicas inegáveis, uma densa crítica ao sistema imperante de valorização dos indivíduos nas organizações. Este, por seus relatos, confirmou o que toda uma sociedade pensava, o fato de uma elite dominante não poder ditar as competências necessárias para qualificarem os indivíduos como aptos ou inaptos quanto à realização de seus exercícios profissionais. Barrett e Depinet (1991), em um artigo equivocado e fora de qualquer parâmetro científico de comparação, tentaram, mas não conseguiram desqualificar as críticas denunciadas por McClelland (1973). As considerações de White (1959) e McClelland (1973) foram abordadas como referência por muitos outros pesquisadores. Dentre eles, destacam-se os esforços de pesquisa de Boyatzis (1982), o qual determinou empiricamente as características profissionais de gerentes que faziam deles funcionários diferenciais, independente de suas posições de liderança. Essa sequência de estudos acabou por conferir à competência uma conceituação pluralista, característica admirada por alguns autores e contestada por outros. Zemke (1982), contemporâneo de Boyatzis (1982), gastou longo tempo de pesquisa para alcançar uma conclusão óbvia já observada por outros estudiosos: não existe um conceito validado sobre o que vem e o que não vem a ser uma competência. Segundo Sandberg e Pinnington (2009), os estudos iniciais sobre as competências estavam diretamente relacionados aos indivíduos e, por isso, se vinculavam às investigações sobre as capacidades cognitivas destes em identificar a contribuição de sua historicidade para o desenvolvimento de competências específicas. Os autores comentam que inicialmente as competências eram propriedades de estudo exclusivas da Psicologia, fato comprovado por seus primeiros e mais relevantes cientistas – Flanagan (1954), White (1959) e McClelland (1973). Todavia, as contribuições envoltas aos estudos psicológicos começaram a se desenvolver e alcançar áreas das ciências naturais – Medicina e Enfermagem –, das ciências exatas – Engenharia –, das ciências sociais – Sociologia – e das ciências sociais aplicadas – Administração e Direito (SANDBERG; PINNINGTON, 2009). Zarifian (2003) comenta que essa evolução nos estudos sobre as competências se deu em razão de inúmeras mudanças sociais e econômicas, as quais começaram a exigir que estudos de determinados fenômenos passassem a ser orientados por diferentes ciências em um mesmo período de tempo. O autor salienta que as principais transformações ocorrentes foram: a emergência da individualidade (os sujeitos não são mais prisioneiros de espaços disciplinares), o nível de interdependência e de espaço dessa emergência (o trabalho se torna um fenômeno simultaneamente individualista e coletivista) e, por fim, a incerteza tornando-se a regra (a incerteza se torna uma expressão de transformação nas próprias condições de produtividade). Apesar de serem interessantes, foram por essas pesquisas multidisciplinares sobre as competências que os discursos a respeito do assunto começaram a se proliferar no mundo dos negócios e em todas as esferas da sociedade por uma confusão conceitual impossível de ser controlada (TANGUY, 1997). A década de 90 sinalizou um período marcado pela expressão de diferentes formas de pensamento em relação às competências, mas todas elas ainda alicerçadas em 79 seus primeiros estudos, como demonstra o artigo escrito pelo próprio McClelland (1998), por meio do qual o conceito conferido não passa de uma exploração mais esmiuçada de suas primeiras análises. Os primeiros anos que seguiram o fim dos anos 90 foram caracterizados por estudos que procuraram vincular os estudos sobre as competências com diferentes teorias e posições filosóficas (AUGIER; TEECE, 2008). Esses estudos permitiram que os conceitos concedidos ao fenômeno “competências” se desenvolvessem de maneira muito reveladora. Em prol de oferecer ao leitor a possibilidade de visualizar a evolução desses conceitos, apresenta-se o quadro 2, composto dos conceitos de competências mais relevantes, conferidos por diferentes autores desde o início de pesquisas relacionadas ao assunto. Conforme afirmam Dubois e Rothwell (2004), poder observar os conceitos de competências concedidos ao longo do tempo permite a quem estuda uma observação de um movimento histórico, acadêmico e prático que evidencia a complexidade do termo como um quesito necessário de ser gerido com os indivíduos e em escalas organizacionais. QUADRO 2 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE COMPETÊNCIAS AUTOR Taylor (1911) Flanagan (1954) White (1959) McClelland (1973) Klemp (1980) Boyatzis (1982) McLagan (1989) Spencer; Spencer (1993) Tanguy (1997) McClelland (1998) Drejer (2002) Zarifian (2003) Chen; Naquim (2006) DEFINIÇÃO A competência compreende a habilidade mecânica de os indivíduos realizarem suas atividades em tempos cronometrados por meio de movimentos precisamente especificados e desenhados. A competência representa o potencial identificado e incentivado a se expressar mediante o enfrentamento de problemas adversos, a fim de que os princípios psicológicos envolvidos em tais traços pessoais sejam gradativamente aperfeiçoados. A competência é uma necessidade humana expressa por uma busca incessante de maestria e proficiência nos processos sociais vivenciados pelos indivíduos. As competências compõem os determinantes sociais para o desenvolvimento dos indivíduos. Ela corresponde ao elemento crucial do ser humano que lhe garante a possibilidade de sobressair. As competências são essencialmente funcionais, logo formam-se por características que fundamentam o desempenho superior de uma pessoa, comprovado por resultados efetivos. A competência é uma característica oculta de um indivíduo, resultante em desempenho eficaz e(ou) superior. A efetividade dela ocorrerá se as funções e responsabilidades dos cargos, o ambiente organizacional e as competências individuais estiverem relacionados. As competências representam o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes fundamentais, para que resultados específicos sejam alcançados. As competências simbolizam características estruturais que sustentam o desempenho diferenciado de um indivíduo em situações particulares e de serviço. As competências são, então, influenciadas por questões como motivações, traços, autoconceito, conhecimentos e habilidades. As competências compõem o conjunto de conhecimentos e experiências de um assalariado, confirmados pelo respectivo nível de formação e pelo domínio das funções exercidas por ele. As competências compreendem habilidades e disposições que vão além das habilidades cognitivas do ser humano, tais como autorreconhecimento, autocontrole e habilidades sociais. A competência é um fenômeno constituído de quatro elementos e suas respectivas relações: tecnologias, pessoas, estrutura organizacional e cultura organizacional. A competência é possuída e utilizada pelo indivíduo que trabalha, bem por isso se manifesta sempre em relação a uma situação específica e exige a mobilização de uma ampla gama de recursos organizacionais e individuais. As competências se referenciam a características não aparentes, mas relacionadas ao desenvolvimento do trabalho, que estimulem desempenhos expressivos em cargos funcionais, situação em que o padrão de sucesso é fator inerente aos propósitos estratégicos da organização. FONTE: contribuições dos autores identificados no quadro 2. 80 Pelos conceitos apresentados no quadro 2, admoesta-se que as competências residem em fenômenos simultaneamente individuais e coletivos e que estão a serviço de melhores desempenhos organizacionais. Pela adoção contínua desse raciocínio, as competências têm sido admitidas como a lógica necessária para se realizar uma efetiva gestão de recursos humanos, interessada em alinhar discursos organizacionais e anseios individuais (DUBOIS; ROTHWELL, 2004). Essa relação entre organização e indivíduo, nos estudos sobre as competências, ainda permanece em investigação por muitos estudiosos, inclusive por aqueles que procuram desenvolver modelos de competências capazes de serem utilizados em diferentes contextos organizacionais (SPENCER; SPENCER, 1993). A estratificação das pesquisas relacionadas às competências entre aquelas vinculadas à investigação dos indivíduos e às interessadas em analisar as organizações, embora bastante presente no meio científico, nada mais representa do que duas lentes com foco na observação de fenômenos complementares. Sem pessoas não há organização, e sem competências dos indivíduos não existirão as competências das organizações, logo a relação de desenvolvimento e evolução recíproca entre indivíduos e organizações é estabelecida por um ciclo ininterrupto de cessão e aquisição, tanto por parte dos indivíduos quanto por parte das organizações (SMITH, 2008). Em face dessa notória segmentação entre os estudos sobre as competências dos indivíduos e as competências das organizações, apresentam-se na sequência seções que tratem desses assuntos separadamente para depois uni-los por meio de uma proposição de uma lógica de acontecimento simultânea e concomitante. 4 COMPETÊNCIAS DOS INDIVÍDUOS Le Deist e Winterton (2005), bem como Sandberg e Pinnington (2009), concordam sobre uma ausência de consenso sobre o que vem a ser as competências dos indivíduos, enquanto fenômenos de pesquisa em organizações. Por essa realidade, os autores comungam sobre a possibilidade de se distinguir três grandes abordagens conceituais que relacionam as competências dos indivíduos aos contextos organizacionais: a competência como pré-requisito, evidenciada pelo nível educacional do indivíduo e pelos treinamentos participados na organização, ambos consideráveis para decidir se uma pessoa está apta para ocupar determinada posição funcional; a competência como um resultado, um desempenho realizado dentro de um padrão de comportamento esperado; a competência como uma capacidade exercitada com o intuito de alcançar e realizar trabalhos específicos – abordagem classificada por Gherardi (2000) como a escola da realização prática. Uma vez que um dos propósitos deste artigo é investigar como se dá o acontecimento das competências dos indivíduos, optou-se por selecionar, principalmente, as contribuições inseridas nos estudos pertencentes à terceira abordagem. Essa abordagem é subdividida em duas vertentes mais relevantes, sendo elas as que possuem os estudos com base nas organizações e nos estudos focalizados nas perspectivas relacionais. Os estudos com base nas organizações consideram as competências como um corpo de conhecimento científico aplicado e como propriedades inerentes ao corpo humano dos indivíduos (McCLELLAND, 1973). Os estudos focalizados nas perspectivas relacionais entendem as competências como um fenômeno advindo de interações promovidas pelos exercícios práticos realizados pelos indivíduos, logo assume uma visão de pesquisa que qualifica a competência, simultaneamente, como algo individualista e coletivista (WENGER, 2000). Os adeptos dos estudos das competências individuais relacionados às organizações fixam-se na importância de se obter um corpo de conhecimento científico, o qual deve ser unido a um conjunto de conhecimentos tácitos e outros atributos relevantes, tais como determinadas atitudes e algumas características pessoais. Os defensores dos estudos das competências individuais relacionados às perspectivas relacionais são irredutíveis quanto à imprescindibilidade de se constituir a competência de um indivíduo pelo conhecimento em ação, pela compreensão do trabalho e pela prática (SANDBERG; PINNINGTON, 2009). Mediante tais considerações, acredita-se que os estudos vinculados às perspectivas relacionais sejam mais coerentes para com os objetivos da pesquisa em desenvolvimento. Wenger (2000) argumenta que as discussões proferidas em uma comunidade prática definem as competências dos indivíduos por meio de processos relacionais que são constituídos pelos seguintes elementos: uma compreensão coletiva do que vem a ser uma empresa articulada, 81 engajamento mútuo quanto às normas já estabelecidas para uma coerente interação entre os participantes dos processos e um repertório coletivo sobre os recursos organizacionais comuns, assim como linguagens, rotinas, redes, histórias e ferramentas. Embora os defensores dessa perspectiva considerem a competência como consequência do acontecimento dos sistemas de relacionamentos sociais, eles não a engessam como um fenômeno unicamente dependente das organizações (BLACKLER, 1995). Para essa vertente, em suma, as competências dos indivíduos estão inseridas em um movimento cíclico, aberto e ininterrupto de negociações sociais, ou seja, para a concepção efetiva de suas competências, os indivíduos precisam considerar seu desenvolvimento educacional, sua evolução profissional e sua historicidade pessoal (McCRACKEN; WINTERTON, 2006). Embora essa perspectiva seja mais inclusiva, ela ainda falha na explicação de como os aspectos práticos se tornam integrados para a formação de uma competência individual específica que venha a contribuir para melhores desempenhos. Em face dessa crítica, Sandberg e Pinnington (2009), ao usufruíremse de maneira muito coerente das premissas da ontologia existencial de Heidegger (1996), propuseram que a competência de um indivíduo é resultante da maneira de ser do humano, do relacionamento do humano com os demais e da compreensão da utilidade das ferramentas que o circundam. Por meio desse entendimento, os autores admitem que o autoentendimento do indivíduo, somado à compreensão de seu trabalho, à convivência com os pares e à utilização coerente das ferramentas, unem-se e resultam em distintas formas de expressão das competências dos indivíduos nas organizações. Os autores que escrevem este artigo concordam com Sandberg e Pinnington (2009), mas observam que existe uma lacuna científica entre as proposições de Heidegger (1996) e a lógica de acontecimento das competências individuais defendidas Sandberg e Pinnington (2009). Em suma, acredita-se que muitas outras partes devem compor o processo de análise científica, para se verificar o acontecimento de uma competência individual. Em prol de buscar fundamentações teóricas que viabilizem o debate em proposição, aborda-se em sequência a exploração da ontologia existencial de Heidegger (1996), a lógica e a força do discurso defendida por Focault (1972, 1982, 1988) e o conceito de microemancipação introduzido por Alvesson e Willmott (2002). 4.1 ONTOLOGIA EXISTENCIAL DE HEIDEGGER A ontologia existencial de Heidegger (1996) de acordo com Sandberg e Pinnington (2009) oferece uma base para o desenvolvimento de uma concepção alternativa e mais integrativa do que vem a ser a competência de um indivíduo. A utilização do termo integrativo não significa que a perspectiva da ontologia existencial venha a representar uma meta-perspectiva que traga consigo todas as demais, mas, ao invés disso, ela adota uma análise mais compreensiva e integrativa sobre o que constitui a competência de um indivíduo no desempenho de suas funções organizacionais. De fato, a estrutura da ontologia existencial abordada por Sandberg e Pinnington (2009) engloba muitos dos componentes da perspectiva relacional prática, a qual considera que a competência do indivíduo se desenvolve pelo desempenho dos processos de realização do trabalho. A estrutura dessa ontologia existencial enfatiza os pares do indivíduo e as ferramentas concedidas a ele como centrais para a constituição de uma competência individual. Por esse raciocínio, a estrutura da ontologia existencial de Heidegger (1996) possibilita uma análise mais completa, ao descrever a analisar como vários aspectos das práticas dos seres humanos nas organizações, tais como o conhecimento, o conhecimento em ação, as pessoas e os artefatos utilizados pelos indivíduos, são colocados em conjuntos diversos de compreensão e expostos por distintas formas de expressão de uma competência individual (SANDBERG; PINNINGTON, 2009). Três raciocínios analíticos compõem a estrutura da ontologia existencial: a maneira de ser do humano, os outros e a maneira de ser do humano e as coisas e a maneira de ser do humano (HEIDEGGER, 1996). Pelo estudo aprofundado dessas três partes integrantes da ontologia existencial de Heidegger (1996), Sandberg e Pinnington (2009) afirmam que elas se identificam com os componentes responsáveis por ativar o acontecimento de uma competência individual. Cada uma dessas dimensões é explorada no quadro 3. 82 AS COISAS E A MANEIRA DE SER DO HUMANO OS OUTROS E A MANEIRA DE SER DO A MANEIRA DE SER DO HUMANO QUADRO 3 – DIMENSÕES QUE ESTRUTURAM A ONTOLOGIA EXISTENCIAL DE HEIDEGGER (1996) A maneira de ser do humano é algo que vai além da relação entre sujeito e objeto, por ressaltar que o agir humano se manifesta como algo superior e anterior a essa distinção simplista entre subjetivo e objetivo, uma vez que é pela maneira de ser do humano que ele é permitido a compreender-se como um sujeito específico e os objetos como elementos dotados de respectivas e indissociáveis particularidades. É o significado existencial das maneiras específicas de ser do humano que possibilitam que ele se entenda como um profissional específico inserido em um contexto de compreensão singular, dentro do qual ele realiza atividades selecionadas, utiliza objetos aceitos como ferramentas auxiliares e toda essa lógica com um propósito racional a ser atingido. A segunda dimensão se relaciona e analisa o acontecimento do humano “ser” e “estar” com os outros. “Ser” e “estar” com os outros representam fenômenos de vivência constitutivos a todas as maneiras de ser do humano, pois ele, enquanto indivíduo integrante de uma sociedade, somente pode desenvolver-se ao observar e selecionar maneiras de ser dos outros humanos. Quando os humanos agem, seus pares são abalados pela expressão de uma maneira de ser diferenciada, mediante a validação dessa realidade. Começa-se uma procura por um consenso, ou seja, uma posição de comportamento sobre determinadas maneiras de expressão que compõem o existir de um humano. Esse consenso composto gera duas possíveis consequências: uma percepção positiva ou uma percepção negativa, ambas alheias e independentes daquele que profere o ato em análise. É por meio dos outros que a maneira de ser do humano seleciona o que é apropriado, o que é permitido e o que não é. As coisas desempenham fundamental representação para o desenvolvimento das maneiras de ser do humano. As coisas compõem tudo o que está relacionado com as ferramentas que auxiliam o humano a expressar sua maneira de ser. Essas ferramentas são quaisquer objetos naturais dos cotidianos dos humanos e vinculados aos contextos de suas práticas profissionais. As características mais básicas dessas ferramentas não são definidas, em princípio, por suas qualidades e qualificações, mas por sua utilidade na maneira de ser de um indivíduo em específico. Uma ferramenta é ainda definida por sua comparação e confrontação com as demais ferramentas com as quais o ser humano convive. As ferramentas não são apenas definidas pelos níveis de suas utilidades e pela referenciação com as demais que concorrem por um espaço de apreciação do indivíduo, mas também pelo específico significado existencial que representam no ambiente em que o humano precisa expressar suas maneiras de ser. FONTE: contribuições de HEIDEGGER (1996). A maneira de ser do humano constitui a dimensão principal por sugerir que as competências dos indivíduos não representam algo já possuído por eles, mas sim um fenômeno que se desenvolve, se expressa e se reconstrói. É o significado existencial de uma específica maneira de ser do humano, no entanto, que distingue e integra os aspectos do exercício prático, tais como o que o indivíduo compreende em relação a seu autoentendimento, ao reconhecimento de quais atividades são essenciais para o desempenho cotidiano de suas funções, ao relacionamento com as pessoas e a representatividade das ferramentas a ele oferecidas para o desenvolvimento de suas competências em um contexto de trabalho específico. A segunda dimensão sugere que a competência individual é construída socialmente, uma vez que o ser humano faz (existe) em tempo simultâneo que é (expressa sua existência), situação somente possibilitada por uma coerência de ações participada com seus pares de relação inseridos em um mesmo contexto analítico. Por fim, a terceira dimensão sugere que as ferramentas e, especialmente, a utilidade delas, auxiliam o humano a expressar sua maneira de ser e a desempenhar relacionamentos com seus pares (SANDBERG; PINNINGTON, 2009). Entre conhecer-se a si mesmo, valorizar e aprender com determinado grupo e ter a capacidade de utilizar as ferramentas com elevada coerência, estabelece-se uma sequência de processos e raciocínios que transformam a realidade que circunda o indivíduo em complexa e cíclica, por essa razão Heidegger (1996), Sandberg e Pinnington (2009) afirmam categoricamente que essas três dimensões são interligadas, simplesmente por acontecerem simultaneamente nas rotinas de sociabilização do ser humano. Os próprios autores concordam sobre a complexidade do acontecimento das competências dos indivíduos, as quais se desenvolvem por etapas gradativas de acontecimento e expressão. Propõe-se que essas etapas vão além das três dimensões da ontologia 83 existencial de Heidegger (1996), bem por isso abordam-se nos próximos tópicos as contribuições de Focault (1972, 1982, 1988) e de Alvesson e Willmott (2002). O que se pretende por esses tópicos é complementar o estudo realizado por Sandberg e Pinnington (2009), que foi fundamentado na ontologia existencial de Heidegger (1996). 4.2 LÓGICA DO DISCURSO DEFENDIDA POR FOCAULT Fergus e Rowney (2005), ao procurarem integrar as perspectivas históricas e filosóficas das pesquisas de Focault (1972), perceberam que este não ficou retido na missão de desenvolver uma teoria definitiva, ou uma estrutura de referências permanente e inflexível (BURRELL, 1998). A abordagem predominante dos estudos de Focault (1972) se interessa em utilizar a história para diagnosticar as patologias contemporâneas por meio de acontecimentos passados. Por esse olhar diferenciado, ele assumiu uma diferenciação de outras perspectivas teleológicas que tentaram trabalhar por fundamentações históricas (BURRELL, 1998; FERGUS; ROWNEY, 2005). Essa linhagem de Focault (1982) é conhecida como a ‘história do presente’, em que o presente é um fenômeno contemporâneo a quem pesquisa e em constante transformação (FERGUS; ROWNEY, 2005). Focault (1972) considera que o poder simboliza um algo inexistente, se considerado como uma variável de mensuração de forças, contudo como fenômeno existente, se compreendido como algo impregnado e inserido em cada relacionamento social. Em outras palavras, o poder está, ao mesmo tempo, em todos os lugares e em lugar nenhum (BURRELL, 1998; FERGUS; ROWNEY, 2005). O poder não constitui algo que possa ser atribuído a alguém ou a alguma coisa, mas algo a ser entendido em termos de relações, especificamente as relações entre forças de dominação e resistência (FOCAULT, 1972, 1982). Uma importante origem de tais forças é o discurso, a utilização da linguagem. Por meio da comunicação de um com o outro (os outros e a maneira de ser do humano), o ser humano constrói valores pessoas e desenvolve seus próprios contextos. Esse processo forma blocos fundamentais para a interpretação do mundo por parte do indivíduo (FOCAULT, 1972; HEIDEGGER, 1996). Fergus e Rowney (2005), em relação à força do discurso, admitem que os atores sociais podem sentir que eles possuem certa habilidade de independência e uma influência relativa sobre o contexto de interpretação de seu mundo pessoal. Entretanto, o nível dessa interdependência pode ser enganoso, em função do poder de serem deturpadas as estruturas contextuais que os demais atores sociais também possuem. Os atores, quando tentam recriar uma interpretação contextual da realidade observada por eles, estão inconscientes quanto a uma construção atual do contexto e quanto às forças e valores que estão por traz dessa construção (BURRELL, 1998). De acordo com a perspectiva de Focault (1988), a recriação do mundo de um indivíduo é influenciada por forças desconhecidas que se manifestam e influenciam os seres humanos por meio de discursos. Para Focault (1988), alguém pode até imaginar ser capaz de interpretar seu próprio mundo por meio de processos individuais e independentes, mas, em verdade, tal pensamento não passa de uma ilusão. O autor ressalta que realmente se trata de um equívoco humano entender que um indivíduo, por si só, possui o poder de interpretar todo o contexto de uma realidade sobre o qual se cria e se molda um discurso por meio desse mesmo discurso (FOCAULT, 1972). Um discurso consiste de declarações que interagem com outras declarações. Assim, quando os sujeitos procuram recriar seus contextos ambientais, eles são afetados por dois tipos de situações: o engajamento e a existência das interações históricas do discurso. O caráter desse discurso histórico, em termos de uma estrutura epistemológica coerente, é fundamental para o processo de reconstrução e construção da realidade do indivíduo. Dentro dessa lógica, considera-se que uma declaração é uma função de identificação da existência que coerentemente se relaciona a sinais e a bases sobre as quais os indivíduos podem decidir, por vias analíticas ou intuitivas, se ela é ou não coerente (FOCAULT, 1972). Em continuidade a esse raciocínio, o próprio Focault (1982), em suas assertivas a respeito do poder do discurso, oferece algumas contribuições relacionadas à subjetividade. Esta é compreendida como a constituição dos indivíduos via processos de formação da identidade e identificação dela com os propósitos organizacionais. Autores como Newton (1998) desenvolveram estudos para evidenciar insuficiências dos esclarecimentos de Focault (1988), quanto ao paradoxo 84 dialético entre poder e conhecimento. Para muitos, existe uma tendência de os indivíduos serem inseridos em determinadas molduras sociais e sujeitarem-se como personagens passivas em uma subjetivação discursiva do poder. Logo, emancipa-se como primordial as normas organizacionais, e subestimam-se as regras sociais representantes de uma ideologia maior (FINCH-LEES; MABEY; LIEFOOGHE, 2005). Newton (1998) em particular enfatiza os limites dos estudos de Focault (1972, 1982, 1988) pela incapacidade deles em demonstrar como os atores organizacionais agem dentro de práticas discursivas. Nesse sentido, para complementar a ausência proposta por Newton (1998), apresenta-se em sequência o conceito de microemancipação introduzido por Alvesson e Willmott (2002). 4.3 CONCEITO DE MICROEMANCIPAÇÃO INTRODUZIDO POR ALVESSON E WILLMOTT Alvesson e Willmott (2002) argumentam que, embora o desenvolvimento da subjetividade por vias discursivas possa ser uma metodologia de controle organizacional consistente, ela não deveria ser concebida como um fenômeno que imponha constrangimentos totalizadores e desmedidos aos sujeitos humanos. Para os autores, os seres humanos estão conscientes sobre seus limitados espaços de atuação, uma vez que inconscientemente dependem do conhecimento direto de seus pares, do conhecimento daqueles que melhor os auxiliarão no desenvolvimento de suas atividades, do conhecimento da linguagem organizacional utilizada no ambiente de trabalho, da compreensão dos valores éticos e morais que regem a organização, da construção de conhecimentos e habilidades que sejam coerentes com as expectativas e metas organizacionais, da afiliação e participação de grupos formais e informais, do respeito às posições hierárquicas, do estabelecimento de regras transparentes e de uma definição particular do contexto sobre o qual vivencia suas atividades profissionais (ALVESSON; WILLMOTT, 2002). A observação desses nove níveis de dependência insere o indivíduo em um ciclo de padronização de sua identidade – procedimento instigado e informado pela identidade do trabalho (atividade organizacional interpretativa) que, por sua vez, é retrabalhada e induzida pelas identidades pessoais (precárias narrativas pessoais), as quais são concebidas, responsáveis e resistentes a essa padronização. Mediante tal lógica, simples atos de treinamento e desenvolvimento possuem influência sobre a formação e direcionamento das identidades dos indivíduos (ALVESSON; WILLMOTT, 2002). Para Finch-Lees, Mabey e Liefooghe (2005), as considerações de Alvesson e Willmott (2002) constituem interessantes argumentos a respeito da fluidez, instabilidade e reflexividade dos processos de padronização da identidade, os quais promovem oportunidades de microemancipação e resistência, assim como subordinação e opressão. De acordo com os mesmos autores, o termo “emancipação” provém de processos pelos quais os indivíduos e os grupos de indivíduos adquirem liberdade de condições sociais e ideológicas amparadas por repreensões, principalmente aquelas que impedem o desenvolvimento e a articulação da consciência humana. Apesar de amplamente criticados, Alvesson e Willmott (2002) introduziram a ideia de microemancipação como um meio de se alcançar objetivos grandiosos. Esse termo prioriza dilemas, ambiguidades, contradições e incertezas das ferramentas gerenciais, atividades organizacionais, formas e técnicas de gestão, ou seja, questiona todas as manifestações visíveis das ideologias gerenciais. A microemancipação alcança um escopo mais limitado e finito da reflexão crítica dentro de uma organização, composto de obstáculos inerentes aos contextos de gestão, tais como tempo, espaço e sucesso (ALVESSON; WILLMOTT, 2002; FINCH-LEES, MABEY, LIEFOOGHE, 2005). O que se intentou por essas apreciações, antes de se dar sequência ao acontecimento das competências de um indivíduo, foi demonstrar que o ser humano é um agente social complexo que requer liberdade, mas que conscientemente assume que não pode usufruir dela plenamente. Por meio das contribuições de Focault (1972), cabe ao indivíduo, pela subjetividade de seu agir e ser, aceitar um discurso como lógico ou não. No entanto, existem mecanismos sociais que tentarão promover a ideia de que tais discursos necessitam ser aceitos, tais como as ideologias organizacionais. Esses processos interagem com a subjetividade do indivíduo, e essa integração é condenada por alguns autores e vista como necessária por outros. Em verdade, a tentativa de Alvesson e Willmott (2002) de propor uma padronização de identidade não teve como intuito 85 legitimar o ser humano como uma personagem sujeita a ordens inquestionáveis de uma organização, porém propor mecanismos de relacionamentos que lhe propiciem compreender se o discurso organizacional a que está submetido é coerente com seus padrões de identidade ou divergente de seus valores essenciais. Exploradas as contribuições teóricas que compõem a lógica de acontecimento das competências dos indivíduos a ser apresentada, passa-se para a discussão dela. 4.4 ACONTECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS DOS INDIVÍDUOS Em face de toda essa análise é possível conceber a competência de um indivíduo como um fenômeno tanto individual quanto coletivo; individual no sentido de que é o indivíduo que a possuirá e a desenvolverá; coletiva em razão de essa competência ser dependente de fatores alheios aos atos individuais e necessária de ser expressa mediante grupos. O estado de autoconhecimento do ser humano é a primeira fase que permite a ele tentar ser competente em algo. O nível de seu relacionamento com seus pares interfere consideravelmente sobre o desempenho de suas competências. A noção sobre a utilidade dos recursos ofertados em prol da estruturação de melhores competências finaliza a primeira etapa de acontecimento das competências de um indivíduo, uma vez que ele, por uma sociabilização consciente, passa a conhecer a si mesmo, seus pares e as ferramentas que lhe são úteis (HEIDEGGER, 1996; SANDBERG; PINNINGTON, 2009). Participante desse grau de compreensão da realidade, o indivíduo ainda assim não possui condições de interpretar o cenário no qual está inserido por uma via unilateral. Ele depende da observação, articulação, aceitação e negação daquilo que lhe é apresentado. Começa assim a segunda etapa de acontecimento das competências de um indivíduo. Finalizada a primeira fase, o indivíduo precisa reconhecer nos discursos expostos uma lógica que demonstre coerência para com aquilo que lhe é prometido e exigido. Essa lógica é subjetiva e imensurável, ou seja, é personificada pelas ações e raciocínios de cada ser humano (FOCAULT, 1972, 1982, 1988). Verificada a existência dessa lógica, cabe ao indivíduo aceitá-la ou negá-la. Essa fase de aceitação e negação indica a terceira etapa de acontecimento das competências individuais. O indivíduo, enquanto ser social pensante e influente sobre os acontecimentos organizacionais, possui o poder, ainda que reduzido, de reconhecer uma lógica como existente, todavia como incoerente para com seus valores e identidades. Não existirá assim uma subjetividade afim entre o indivíduo e o discurso proposto. Caso seja constatada essa situação, observar-se-á que a competência do indivíduo, para aquele contexto em observação, não acontecerá, pois ele optará pela investigação de outro cenário sobre o qual sua identidade sofra uma padronização menos prejudicial às suas crenças pessoais. No entanto, quando existe uma aceitação, passa-se para a próxima etapa de acontecimento das competências do indivíduo (ALVESSON; WILLMOTT, 2002). Quando o indivíduo e a lógica dos discursos se alinham por meio de mecanismos institucionais, existe uma noção já tida como certa de que há uma necessidade implícita de cessão e trocas. O indivíduo permite que sua identidade seja padronizada em prol de uma meta maior a ser alcançada, bem por isso assume que está microemancipado. O indivíduo, assim, admite que tem seu poder de manifestação reduzido a um determinado espaço de discussão, no qual certos limites de valores e pré-requisitos processuais já foram estabelecidos. Quando esse espaço de atuação do indivíduo é comungado com a organização, ele está firme sobre o significado existencial de sua maneira de ser, ou seja, de como expressar seus atos perante um determinado grupo. Por essa realidade, inconscientemente, o autoentendimento de sua maneira de ser e de expressar-se leva o indivíduo a compreender melhor seu trabalho, a obter uma convivência mais saudável com seus pares, a utilizar de maneira coerente os recursos a ele fornecidos, a fim de que toda essa lógica conflua na manifestação de distintas competências individuais nos ambientes organizacionais. Dizse, então, que a competência de um indivíduo está apta a ser demonstrada, ou expressa, para o meio (ALVESSON; WILLMOTT, 2002; FINCH-LEES; MABEY; LIEFOOGHE, 2005; HEIDEGGER, 1996; SANDBERG; PINNINGTON, 2009). Apresentadas as etapas pelas quais as competências dos indivíduos acontecem e se manifestam, passa-se para discussões que envolvam as competências das organizações. 86 5 COMPETÊNCIAS DAS ORGANIZAÇÕES Quando se refere às competências das organizações, ou das competências organizacionais, não se menciona a ideia de ter a organização como competente por si mesma, mas se concebe a organização competente em determinados aspectos pela consequente competência de gerir suas redes de relacionamento e desenvolver as competências inseridas nessas redes. Como afirma Boyatzis (1982), as competências confluem do contexto das organizações. Cada empresa é constituída por suas políticas internas, procedimentos-padrão e reflexos do ambiente organizacional sobre as respectivas estruturas e sistemas de relacionamento organizacionais. A organização existe em um contexto amparado por um ambiente que vai além de seus limites físicos, composto de comunidades políticas, práticas industriais e ciclos econômicos. O ambiente interno, então, institucionaliza as mensagens externas para os membros organizacionais, responsáveis por ações e resultados a serem valorizados por rotinas inseridas no acontecimento diário das organizações (SMITH, 2008). As competências, como é defendido neste artigo, podem ser utilizadas para comporem as qualificações dos indivíduos e das organizações. Woodruffe (1992) conceitua a competência como um grupo de comportamentos-padrão promovidos por necessidades apresentadas e interessadas em desempenhar ações condizentes e eficientes em relação às tarefas organizacionais propostas. Essa valorização das competências, de acordo com Townley (1994), pode ser observada como uma tentativa de as organizações descobrirem a fundamentação de práticas gerenciais por meio de uma abordagem taxonômica validada por considerações behavioristas insinuantes de determinados conhecimentos, habilidades, aptidões e situações como liderança, resolução de problemas, trabalho sob pressão, tomada de decisões, criatividade, trabalho em equipe e empreendedorismo. Quando relacionadas às organizações, a perspectiva das competências reconhece a importância do tempo e da historicidade em questões que se referem às decisões econômicas, para que haja uma continuidade no desempenhar de seus serviços. As competências explicam o porquê de cada organização representar uma entidade equipada com seus respectivos recursos e uma identidade específica, os quais são influenciados por fatores diversos como conhecimentos tácitos, complexidade social, rotinas organizacionais e as próprias competências (DIERICKX; COOL, 1989). Drejer (2002) complementa afirmando que as competências das organizações compõem o ponto inicial de muitas atividades organizacionais complexas realizadas em grupos e times, mas não individualmente. Com o intuito de investigar as etapas que culminam na expressão das competências organizacionais, toma-se como parâmetro de análise as considerações de Dierickx e Cool (1989), Foss (1993), Maggi (2006), Ng e Tseng (2008), Prahalad e Hamel (1990), Shackle (1972) e Teece (2007), que, unidas à lógica de acontecimento das competências das organizações proposta por Freiling, Gersch e Goeke (2008), confluirão na constituição de uma lógica proposta pelos autores deste artigo. 5.1 ACONTECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS DAS ORGANIZAÇÕES Quando do interesse em realizar um estudo capaz de evidenciar uma lógica que expressasse o acontecimento das competências das organizações, optou-se por investigar uma relação analítica que destacasse a relevância do ser humano nos contextos organizacionais, para que essas competências possam ser efetivamente instigadas e desenvolvidas. Orientados pelas considerações de Lakatos (1970), os autores Freiling, Gersch e Goeke (2008), em relação às pesquisas sobre as competências das organizações, chegaram a seis elementos principais que alicerçam o acontecimento das competências das organizações (subjetividade, incerteza radical, individualismo metodológico, agir humano, voluntarismo moderado e relevância do tempo). Esses elementos centrais, pelas considerações de Lakatos (1970), devem auxiliar e promover o desenvolvimento de avanços teóricos e empíricos e não limitá-los. Assim, tais elementos centrais não são finitos em si mesmos, mas constituem partes essenciais para a observância do que precisa ser alterado ou até mesmo excluído, a fim de que as proposições teóricas em construção alcancem seus objetivos principais. O quadro 4 discrimina esses elementos com a respectiva explanação. Posteriormente à 87 apresentação do quadro, os temas de relevância são retomados para a explicação da lógica do acontecimento das competências das organizações. VOLUNTARISMO MODERADO AGIR HUMANO INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO INCERTEZA RADICAL SUBJETIVIDADE QUADRO 4 – ELEMENTOS QUE COMPÕEM O ACONTECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS DAS ORGANIZAÇÕES Os agentes econômicos diferem em relação à informação que possuem, a seus anseios e às suas competências. Os indivíduos realizam decisões por si mesmos, ou seja, guiados pelo ponto de vista que a realidade oferece e que é capaz de assimilar. Logo, tais decisões são inteiramente dependentes da capacidade interpretativa do humano. Propõe-se que cada indivíduo esteja equipado com específicos conhecimentos, motivações, expectativas e habilidades. Esses itens mencionados estão sujeitos a transformações drásticas ao longo do tempo (treinamento, aprendizagem. etc.) que podem resultar na emergência de novas assimetrias entre ambiente, organização e indivíduo. A subjetividade possui uma representação crucial para explicar essa natureza idiossincrática da firma, uma vez que ela é participante necessária para a compreensão da visão organizacional baseada nos recursos e nos processos de gestão orientados pelas competências. A subjetividade revela que os indivíduos possuem conhecimentos incompletos para realizarem decisões e ações dentro das organizações. Este segundo elemento vai além ao considerar que a história futura que acontecerá em consequência das decisões humanas não existe até que essas decisões tomem a forma efetiva de expressão. Logo, o que não existe não é conhecido. As competências organizacionais então se desenvolvem sobre um cenário de incerteza radical, assim como os defendidos pelos adeptos e estudiosos das teorias baseadas em processos e mercados. O individualismo metodológico significa que todas as decisões tomadas nas organizações podem ser remetidas a indivíduos em específicos e suas respectivas contribuições em referência a um determinado fenômeno em análise (aprendizagem organizacional, cultura organizacional, etc.). Com o intuito de viabilizar o tratamento desses fenômenos organizacionais em maneiras coerentes, mas sem se desvincular dos pontos de vista individuais, faz-se menção a um individualismo metodológico moderado. Este demonstra que, ao menos metaforicamente, as instituições exercem influência sobre o comportamento dos indivíduos. De maneira similar, as competências das organizações podem ser explicadas pela análise intra e intercomportamental dos seres humanos. Esse entendimento é selecionado como necessário pela compreensão de que a organização é um agente econômico dependente das ações humanas. Em termos sociológicos, conceitos como interacionismo metodológico podem enaltecer a riqueza do relacionamento entre organizações e indivíduos. Em face da observação dos demais elementos, observa-se que a noção de homem econômico valorizado pelo modelo econômico tradicional não se ajusta ao tom das discussões. Faz-se necessário compreender o indivíduo como um homem que age, como um participante ativo que permanentemente busca novas oportunidades que permitam melhorias em sua sobrevivência. As combinações de objetivos, meios e alternativas estão sujeitas à ação empreendedora e a modificações, a fim de que toda essa lógica seja expressa em resultados favoráveis. Em particular, duas características são indispensáveis para que o ser humano possa agir: precaução, uma vez que se vive em um padrão de incerteza radical, e economia, o que implica necessidade de se realizar escolhas racionais e limitadas que ajam em coerência com o cenário em análise. Altamente relacionado com o agir humano e combinado com a incerteza radical, o voluntarismo moderado exige que os agires, quando ocorrentes, devem ter algum impacto relevante sobre o ambiente no qual exerce algum nível de influência, por atos que condições favoráveis surjam e possam ser divididas por processos proativos e criativos de gestão. Não obstante, o poder de um agente é restrito, ou seja, a fim de que seus argumentos sejam postos em práticas algumas barreiras precisam ser ultrapassadas: sistema legal, padrões de mercado e movimentação dos concorrentes. Esses obstáculos indicam que, apesar de um voluntarismo já ser moderado, dentro desse caráter moderado nem todos os desejos são possíveis de serem alcançados. RELEVÂNCIA DO TEMPO 88 O tempo possui uma representatividade considerável nas pesquisas sobre competências, em função da historicidade e da não-consumação de determinados eventos. A historicidade apresenta possíveis irreversibilidades oriundas de algumas decisões que afetam o desenvolvimento das organizações, interna e externamente. A trilha de acontecimento desses impactos possui um impacto ambíguo. Por um lado, ela confina as opções de desenvolvimento individuais e organizacionais, uma vez que nem todas as ações futuras podem ser preditas, ainda que consideradas todas as decisões passadas e o desenvolvimento histórico das organizações. Por outro lado, os efeitos dessa trilha histórica permitem que os agentes individuais e as organizações acumulem conhecimentos para a realização dos mais diversos processos. Mediante esse raciocínio concede-se ao tempo duas qualificações: seus fatos históricos e contemporâneos estão intertemporalmente vinculados e bem por isso são autoenergizadores de si mesmos. As ações não são cercadas somente por outras ações, mas pelas consequências e efeitos dessas ações, bem por isso admite-se que a busca por resultados seja aberta, logo aplica-se o argumento da irreversibilidade. FONTE: DIERICKX & COOL (1989); FOSS (1993); FREILING; GERSCH; GOEKE, 2008, MAGGI (2006); NG & TSENG (2008); PRAHALAD & HAMEL (1990); SHACKLE (1972); TEECE (2007). Propõe-se que os elementos relacionados no quadro 4 coincidam com os componentes que permitem o acontecimento das competências das organizações. Com o intuito de melhor explicar ao leitor essa proposição, redige-se a seguir sobre a hierarquização das etapas que propiciam a expressão dessas competências. A organização, compreendida como um agente econômico, realiza seu agir por meio de uma série de premissas, dentre as quais a que mais se destaca é a observação constante da historicidade dos eventos direta e indiretamente relacionados ao contexto e ao cenário sobre o qual realiza suas atividades operacionais. A relevância do tempo precisa acolher a historicidade por uma ótica construtiva de acúmulo de acontecimentos e não por uma via que promova a estagnação do desenvolvimento organizacional. Ao ter os fatos passados como parâmetro para a tomada de decisões, procura-se não se repetir determinados erros e, principalmente, intenta-se não gerar consequências irreversíveis (DIERICKX; COOL, 1989). Apesar de a história fornecer informações imprescindíveis para a rotina de gestão de uma organização, ela não possui o poder de demonstrar se os mesmos cenários passados se repetirão contemporaneamente ou em tempos futuros. Assim, a segunda premissa sobre a qual o agir de uma organização se fundamenta é a de que a única certeza que se possui sobre atos organizacionais é a de que eles estão imersos em uma rede de relacionamentos impregnada por uma incerteza radical, por meio da qual se entende o óbvio, ou seja, assume-se como verdade a ideia de que o que não existe ainda não é conhecido (SHACKLE, 1972). As bases do agir de uma organização são simultaneamente sólidas e fracas (MAGGI, 2006), uma vez que se possui a noção de duas características principais para o acontecimento: a relevância ponderada da historicidade da organização e a incerteza radical que impera no contexto de estabelecimento de diferentes decisões. Essa complexidade aumenta quando se admite a proposição de que a organização somente existe em decorrência das ações dos seres humanos e de que eles possuem, independente de sua trajetória de vida e qualificações, sempre conhecimentos incompletos para com o fenômeno organizacional que se analisa (FOCAULT, 1972; FREILING; GERSCH; GOEKE, 2008). Quando a organização passa a ter consciência da incompletude científica dos indivíduos que nela exercem suas funções, ela deixa de relegá-los e passa a valorizá-los por compreender a necessidade de se desvincular da personagem “homem econômico”, tão valorizada pelo sistema imperante e aderir aos propósitos de um “homem social organizacional”, mais preocupado com as crises econômicas, sociais e ambientais da modernidade. O homem econômico tem o propósito de prever seu comportamento e observar as escolhas interativas por métodos individualistas, imediatistas e puramente econômicos. Já o homem social organizacional constitui um ator interessado em cumprir com as normas legais por meio de uma interdependência comunitária, explicada não completamente pela fundamentação racional, mas principalmente pelo engajamento em promover uma maior participação social (NG; TSENG, 2008). 89 Esse homem social organizacional busca incessantemente novas oportunidades que concedam ao agir humano uma coerência para com os objetivos estabelecidos pelas organizações, mas existe uma preocupação de orientar suas atitudes por duas preocupações principais: precaução e economia (FREILING; GERSCH; GOEKE, 2008). Precaução por reconhecer a noção de individualismo metodológico moderado, defendida por Foss (1993), que considera que na relação entre indivíduo e organização existe um jogo de cessão e aquisição de valores, pelo qual se verifica nitidamente que as organizações têm o poder de influenciar o comportamento dos seres humanos. Economia por reconhecer que todos os agires humanos e organizacionais possuem custos e participam de consequências nas diversas esferas da sociedade (PRAHALAD; HAMEL, 1990). Essas conseqüências, quando positivas ou negativas, são promovidas e sofridas pelos seres humanos dentro dos ambientes organizacionais. Bem por isso adere-se à ideia de Teece (2007), que tem como necessária a divisão desses acontecimentos entre organizações, indivíduos e ambiente. Vale a ressalva de que a expressão dessas consequências (o acontecimento das competências das organizações) é dependente de um cenário restrito de discussão e ação. Essa restrição tem relação direta com o agir das organizações e o desempenhar de suas competências; logo, sobre os indivíduos também. Em suma, o comportamento dos indivíduos determina como será o acontecimento e a expressão das competências organizacionais (FOSS, 1993; FREILING; GERSCH; GOEKE, 2008; TEECE, 2007). Resumidamente, o acontecimento das competências das organizações se efetiva em decorrência do acontecimento das competências dos indivíduos, desde que nas etapas se priorizem atenção a eventos que valorizem a acumulação de conhecimentos, a redução da incerteza radical, o agir humano participativo aliado a um individualismo metodológico moderado e a um voluntarismo moderado, a fim de que desses comportamentos a subjetividade dos conhecimentos individuais se alinhem aos propósitos organizacionais e permitam a expressão das competências das organizações (SMITH, 2008). Estabelecida a lógica de acontecimento das competências das organizações, na sequência esboça-se uma análise que integra o raciocínio das competências individuais e das competências organizacionais, a fim de se demonstrar que essa complementaridade existe e se estabelece nos dois modelos de compreensão de expressão das competências previamente apresentados. 6 UMA LÓGICA SIMULTÂNEA E CONCORRENCIAL PARA O ACONTECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS E ORGANIZACIONAIS Parte-se do princípio de que as organizações dependem de dois sustentáculos para expressarem suas competências: a historicidade deve importar no quesito de enriquecimento do intelecto organizacional por meio do acúmulo de conhecimentos (DIERICKX; COOL, 1989) e o contexto sobre o qual a organização desempenha suas atividades apenas possui a certeza de uma incerteza radical, por meio da qual se sabe que tudo o que não existe não pode ser conhecido (SCHACKLE, 1972). Em face desse cenário, o indivíduo começa a desenvolver a necessidade de expressar suas competências, mas antes e de acordo com a historicidade dos eventos pessoais e organizacionais e de uma incerteza radical, ele precisa conhecer e aprender sua maneira de ser, relacionar-se com seus pares e conhecer a utilidade das ferramentas lhes concedidas para o exercício de seu papel na organização (HEIDEGGER, 1996; SANDBERG; PINNINGTON, 2009). Ciente de sua representatividade para si mesmo, para seus próximos e para os recursos utilizados por ele, o indivíduo adquire a condição de agir, ou seja, de expressar-se enquanto humano. Esse agir é subjetivo, porque depende do contexto organizacional sobre o qual a organização se desenvolve e dos conhecimentos participados pelo sujeito em análise, bem como de sua capacidade de assimilação (NG; TSENG, 2008). Por essa subjetividade cabe ao indivíduo procurar e aceitar uma lógica entre o que organização propõe e o discurso que apresenta. Se aceita essa lógica do discurso (FOCAULT, 1972, 1982, 1988), ele cede espaço para a manifestação de um individualismo metodológico moderado, que, em poucas palavras, ressalta o poder de influência que uma organização possui sobre o agir dos indivíduos (FOSS, 1993). Essa influência é forte, porém limitada, uma vez que cabe ao indivíduo, mesmo que já aceita a lógica do discurso, decidir se ele 90 vinculará sua identidade a esse mesmo discurso apresentado pela organização (ALVESSON; WILLMOTT, 2002). Caso ocorra essa vinculação, o indivíduo admite que em seu relacionamento com a organização os resultados terão de ser divididos por espaços de ações restritos como sugere a proposição do voluntarismo moderado (TEECE, 2007). Ao ter ciência do espaço limítrofe de manifesto de seus interesses e habilidades, o ser humano, no contexto organizacional, entende, conscientemente, seu estado de microemancipação (ALVESSON; WILLMOTT, 2002). Condicionados todos esses fatores, o indivíduo se dispõe a somar o entendimento de si mesmo, a compreensão do trabalho que realiza, a convivência de seus pares e a utilização das ferramentas a ele concedidas em distintas formas de expressão de suas competências, as quais moldam e configuram a expressão das competências organizacionais (FREILING; GERSCH; GOEKE, 2008). A figura 1 ilustra as discussões desenvolvidas com o intuito de alcançar a lógica explicada nesta seção. FIGURA 1 – UMA LÓGICA SIMULTÂNEA E CONCOMITANTE PARA O ACONTECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS E ORGANIZACIONAIS O ACONTECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS DAS ORGANIZAÇÕES FREILING; GERSCH; GOEKE (2008) O ACONTECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS DOS INDIVÍDUOS SANDBERG; PINNINGTON (2009) Historicidade ( acúmulo de conhecimento) DIERICKX; COOL (1989) A maneira de ser do humano, os outros e as coisas e a maneira de ser do humano HEIDEGGER (1996) Redução da Incerteza Radical (o que não existe não é conhecido) SHAKLE (1972) Agir Humano / Subjetividade (conhecimentos incompletos) NG; TSENG (2008) Lógica do discurso percebida pela capacidade interpretativa do indivíduo FOCAULT (1972) Individualismo Metodológico Moderado (influência entre organização indivíduo) FOSS (1993) Vinculação entre a lógica do discurso e a identidade do indivíduo ALVESSON; WILLMOTT (2002) Voluntarismo Moderado (espaço de ação restrito) TEECE (2007) A consciência do indivíduo sobre sua micro-emancipação ALVESON; WILLMOTT (2002) Expressão das Competências das Organizações Auto-entendimento Compreensão do Trabalho Convivência com os Pares Utilização coerente das Ferramentas Expressão das Competências dos Indivíduos FONTE: contribuições de ALVESSON e WILLMOTT (2002); DIERICKX e COOL (1989); FOCAULT (1972); FOSS (1993); FREILING, GERSCH e GOEKE, 2008; HEIDEGGER (1996); NG e TSENG (2008); SANDBERG e PINNINGTON (2009); SHAKLE (1972); TEECE (2007). 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo foi desenvolvido com o objetivo principal de propor uma lógica simultânea e concomitante para as competências individuais e organizacionais. Para tanto adotou-se uma postura metodológica orientada por uma pesquisa qualitativa, exploratória e bibliográfica. Em razão do 91 propósito estabelecido foram abordadas discussões a respeito do histórico e evolução dos estudos sobre as competências e, também, sobre as competências dos indivíduos e as competências das organizações, para que somente após este exercício de levantamento e confrontações teóricas se pudesse ofertar um modelo que vislumbrasse a concomitância em investigação neste estudo. O mesmo foi objeto de análise da última seção teórica deste artigo, a qual antecedeu as considerações finais. Quando se fala em uma lógica de acontecimento que seja simultânea e concomitante em relação às competências dos indivíduos e as competências das organizações, assume-se que o contexto de análise, em âmbitos teóricos e empíricos, é a organização. É possível perceber, pelo quadro teórico desenvolvido, que as competências dos indivíduos estão sujeitas a pré-disposição de acontecimento das competências organizacionais. A historicidade organizacional, ou como bem define Smith (2008), a competência da experiência organizacional é fator condicionante de como o ser humano pode expressar sua maneira de ser, de como ele pode relacionar-se com os seus pares e de como ele está permitido a utilizar as ferramentas que lhe são apresentadas para o desempenho de seu trabalho. A organização, ou aqueles que se incumbem de gerenciá-la, assume esta identidade pouco flexível com o intuito de reduzir a incerteza radical que impera nos sistemas sociais, nos cenários econômicos e nas relações com os seus diversos stakeholders. Mediante tal situação existe o reconhecimento de que os seres humanos são necessários, uma vez que por seus atos subjetivos a organização participa de uma potencialidade de construir cenários futurísticos de gestão, os quais podem permitir a previsão de uma série que patologias mercadológicas passíveis de serem prevenidas. Mesmo com o reconhecimento da relevância do ser humano junto ao contexto de gestão das organizações, ainda prevalece uma ditadura discursiva, sobre a qual o indivíduo, por mais capacitado que seja, possui uma racionalidade limitada e não usufrui de condições intelectuais de assimilar, ou até mesmo combater, os discursos organizacionais unilaterais. Nota-se, claramente, que a organização estabelece uma rotina de atos e uma linha de discurso pouco aberta a discussões e transformações, bem por isso, a lógica apresentada por Alvesson e Willmott (2002) é válida ao considerarem que quando o indivíduo cede sua identidade para a formulação, ou para a perpetuação de um discurso organizacional, ele automaticamente consente que a influência exercida pela organização em relação a ele é tamanha que restringe seu espaço de atuação e, por tal circunstância, é incontestável a assunção que ele está microemancipado, ou seja, retido em uma rotina de valores e ações que permitem a ele um agir moderado e mensurável dentro de determinados limites de observação. Por mais rica que seja esta discussão e por mais interessante que seja tal constatação, a de que as competências individuais e as competências organizacionais ocorrem de maneira simultânea e concomitante, resta a questão: as organizações seriam então espaços prisionais incumbidos de limitar ainda mais a racionalidade dos indivíduos nela inseridos por intermédio da permissão do desenvolvimento aprimorado e controlado de competências que não venham a prejudicar ou ameaçar uma identidade organizacional maior, constituída de mitos e ritos já legitimados e não passíveis de serem discutidos? A resposta para tal indagação é uma provocação para estudos futuros. Faz-se necessário ressaltar que tais discussões não se esgotam por este estudo, uma vez que este está aberto a críticas e confrontações que possam vir a ser realizadas por pesquisadores que compreendam o acontecimento do fenômeno aqui observado por uma diferente perspectiva científica. Para estudos futuros propõe-se que o modelo de compreensão de acontecimento destas competências, apresentado na figura 01, seja estendido por uma agenda de pesquisa que se interesse por verificar, empiricamente, quais os processos ocorrentes nos contextos organizacionais que mais contribuem para esta concomitância entre as competências dos indivíduos e as competências das organizações. 92 REFERÊNCIAS ALVESSON, M.; WILLMOTT, H. Identity regulation as organizational control: producing the appropriate individual. Journal of Management Studies, v. 39, n. 5, p. 619-644, 2002. AUGIER, M.; TEECE, D.J. Strategy as evolution with design: the foundations of dynamic capabilities and the role of managers in the economic system. Organization Studies, v. 29, n. 8, p. 1.187-1.208, 2008. BARRETT, G.; DEPINET, R. A reconsideration of testing competencies rather than intelligence. American Psychologist, v. 46, n. 10, p. 1.012-1.024, 1991. BLACKLER, F. 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A população foi constituída por 258 empresas, integrantes da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRHPR) e participantes do Congresso Paranaense de Recursos Humanos (CONPARH) – 2009, excluindo-se as estatais. Utilizou-se um questionário para a coleta de dados, enviado por e-mail a toda população, obtendo-se um retorno de 7,75% do total enviado. Os resultados evidenciam uma evolução nas políticas e práticas de R&S para uma dimensão estratégica, porém revelam que o ponto crítico está na definição e uso de indicadores de mensuração e avaliação dos processos seletivos. Palavras-chave: recrutamento e seleção de pessoal, administração de recursos humanos, dimensão estratégica. ABSTRACT This study aimed to identify whether the policies and practices of recruitment and personnel selection adopted in enterprises account for a more strategic dimension, or even retain the operational character arising from the Taylorist model. The methodological research was a descriptive type, of quantitative character and perspective cross. The study population consisted of 258 companies associated with the Brazilian Association of Human Resources-Parana (ABRH-PR) and participants of the Paranaense Congress Human Resources (CONPARH) – 2009, excluding the state enterprises. We used a questionnaire to collect data, sent by email to the entire population, resulting in a return of 7.75% of the total sent. The results show an evolution in policy and practice of R & S for a strategic dimension, but suggest that the critical point is the definition and use of indicators for measuring and evaluating selection processes. Keywords: recruitment and selection of personnel, management of human resources, strategic dimension. RESUMEN Este estudio tuvo como objetivo identificar si las políticas y las prácticas de reclutamiento y selección de personal adoptadas en las empresas por cuenta de una dimensión más estratégica, o incluso mantener el carácter operativo que surgen del modelo taylorista. Se utilizó una investigación descriptiva, de carácter cuantitativo y transversal la perspectiva.La población de estudio estaba constituido por 258 empresas entre los asociados a la Asociación Brasileña de Recursos Humanos – Paraná (ABRH-PR) y las empresas participantes em el Congreso Paranaense de Recursos Humanos (CONPARH) – 2009, con excepción de las empresas estatales. Se utilizó un cuestionario para recoger datos, enviados por correo electrónico a toda la población, obteniendo información del 7,75% del total enviado. Los resultados muestran una evolución en la política y la práctica de R & S para una dimensión estratégica, pero sugieren que el punto crítico es la definición y uso de indicadores para medir y evaluar los procesos de selección. Palabras claves: reclutamiento y selección de personal, gestión de recursos humanos, dimensión estratégica. 97 1 INTRODUÇÃO Diante do contexto cada vez mais complexo e turbulento, há sobre as organizações uma contínua exigência por competitividade, capacidade de adaptação, flexibilidade, criatividade e inovação para enfrentar as mudanças e novas demandas de mercado. A sobrevivência vinculada ao fornecimento de respostas diferenciadas e inovadoras fez emergir uma conscientização para “o valor do capital humano como um diferencial competitivo” (ALMEIDA, 2008, p.16). A gestão desse capital passou a ter uma dimensão estratégica para a organização, exigindo a pesquisa, o planejamento, o desenvolvimento e a estruturação de políticas, práticas e ferramentas que possibilitem a atração, a captação, a retenção, a valorização, a emergência de potenciais e o desenvolvimento contínuo de pessoas que efetivamente venham agregar valor ao negócio e contribuir com os ideais organizacionais. A área de Administração de Recursos Humanos (ARH) que antes exercia um papel mais reativo, responsabilizando-se pelo cumprimento daquilo que era determinado pela cúpula da organização, tem sido demandada a assumir uma postura mais proativa, participando e influindo nas decisões, assim como conduzindo projetos na área de gestão de pessoas que possam impactar diretamente nos resultados organizacionais, ou seja, tem sido ela própria demandada a assumir uma dimensão mais estratégica do que tática e operacional. Cada vez mais lhe é exigido um profundo conhecimento do negócio e do mercado, bem como o alinhamento de suas políticas e práticas com ideais organizacionais para promoção do desenvolvimento e sustentabilidade das organizações. Embora haja o discurso e o imperativo para uma ARH estratégica, Fleury e Fleury (2008, p. 80) destacam que as empresas brasileiras, “[...] em sua grande maioria, ainda se defrontam com modelos bem tradicionais de gestão de pessoas.” Fernandes (2002, p. 4), corroborando os autores citados destaca: “[...] por mais que se argumente em prol de uma ARH estratégica, não é frequente verificar na prática empresas cuja gestão de pessoas seja efetivamente estratégica.” Citando Lacombe e Tonelli (2001), o autor afirma: “Neste campo, o discurso tende a se distanciar da prática.” Indissociado da própria concepção de RH, o recrutamento e a seleção de pessoal (R&S) apresentam desempenho semelhante. Segundo Almeida (2008, p. 21), as organizações continuam a manter suas formas tradicionais de captar e selecionar pessoas, ou ainda encontram-se em fase de transição para uma abordagem mais moderna. Questões como falta de apoio da direção, desconhecimento das novas tendências, falta de recursos, má condução dos processos, questões culturais (supervalorização de outras áreas em detrimento das pessoas) e um foco mais direcionado nos lucros evidenciam uma distância considerável entre a teoria e a prática, constituindo-se, em última instância, em aspectos dificultadores para uma dimensão diferenciada (SILVA et al., 2006, p. 1). O presente estudo, visando contribuir com a elucidação dessa questão, contou com o seguinte objetivo: identificar se as políticas e práticas de recrutamento e seleção de pessoal adotadas nas empresas correspondem a uma dimensão mais estratégica, ou ainda conservam o caráter imediato e estritamente operacional advindo do modelo taylorista. O trabalho justificou-se por três razões principais. Primeiramente, pela importância que o R&S vem assumindo dentro de um contexto estratégico da organização, como aponta pesquisa realizada pela consultoria Watson Wyatt Worldwide, do Canadá (BATES, 2001; BROWN, 2001 apud OLIVEIRA; ALBUQUERQUE; MURITIBA, 2003, p.10), com 750 empresas norte-americanas e europeias, correlacionando as práticas de RH com o sucesso financeiro em um estudo longitudinal entre 1999 a 2001, que concluiu que as empresas que mais investiram em gestão de pessoas tiveram seu valor de mercado aumentado, em média, 47% nos dois anos, e que os investimentos em recrutamento e seleção e retenção de talentos podem aumentar o valor de mercado da empresa em 7,9%, enquanto outras práticas, como estruturação de programas de mudança cultural, avaliação de desempenho 360º e treinamentos comportamentais, poderiam diminuir o valor de mercado da empresa. Em segundo lugar, destaca-se a pouca produção científica acerca do tema. Tonelli et al. (2003) traça um perfil da produção acadêmica na área, com base na análise de todos os artigos publicados em periódicos científicos e anais do Enanpad na década de 90, concluindo por um aumento de 106% entre 1991 a 2000. Entretanto, a temática denominada Funções de RH 98 (constituída pelos subsistemas tradicionais de RH, incluindo recrutamento e seleção) apresentou a menor representatividade em relação a outras temáticas (Comportamento Organizacional e Políticas de Recursos Humanos), com 21%, e decresceu em relação ao total de estudos realizados em 1991. Se, por um lado, deixa evidente uma preocupação mais focalizada em aspectos estratégicos e comportamentais da gestão de pessoas; por outro, deixa de elucidar como as práticas e os processos podem contribuir efetivamente com essa nova postura que se requer. Vale ressaltar, ainda, que o subtema R&S apareceu em último lugar entre os conteúdos da categoria Funções de RH. Em terceiro lugar, o trabalho visa agregar valor para a ABRH-PR, considerando que se trata de uma instituição sem fins lucrativos, que congrega profissionais da área de Recursos Humanos e Gestores de Pessoas, e possui como objetivo a disseminação do conhecimento e a criação de oportunidades de interação, influenciando no sistema de gestão e no desenvolvimento de pessoas e organizações. Como tal, possui grande interesse em ser uma fonte de referência nos assuntos relacionados à gestão e ao desenvolvimento de pessoas. A pesquisa, além do ineditismo, auxilia a entidade no estudo e proposição de estratégias que venham a contribuir na atração, captação e seleção de talentos. 2 REFERENCIAL TÉORICO A seguir, contextualiza-se a administração de recursos humanos, apresentando sua evolução histórica e finalizando com o que se entende por uma dimensão estratégica de recrutamento e seleção de pessoal. 2.1 CONTEXTUALIZANDO A ADMINISTRAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS Inicialmente proposta como uma extensão das demais funções administrativas da organização, a administração de recursos humanos (ARH) surgiu com a ideia de otimizar o recurso humano como qualquer outro recurso, assumindo um caráter meramente instrumental e prescritivo e supondo previsibilidade e controle do comportamento humano. Acompanhando o contexto histórico sobre o qual a organização se estrutura, a ARH, segundo Fischer (2002, p. 19), “[...] é resultado do desenvolvimento empresarial e da evolução da teoria organizacional nos Estados Unidos.” Iniciou-se com o surgimento dos departamentos pessoais para [...] estabelecer um modelo pelo qual os gerentes pudessem discernir melhor entre a extensa e diversificada massa de candidatos a emprego, que indivíduos poderiam tornar-se empregados eficientes ao menor custo possível. (SPRINGER; SPRINGER, 1990 apud FISCHER, 2002, p.19). Compatível com a administração científica, o modelo praticado começa a entrar em descompasso com o surgimento do movimento das relações humanas que, promovendo experiências que aproximaram a Administração da Psicologia, colocou em cheque os pressupostos tayloristas e fez emergir uma nova fase na ARH, que Fischer (2002, p. 21) intitula “modelo de gestão de pessoas como gestão do comportamento humano”. Fortemente influenciada pelo behaviorismo e, em seguida, por autores como Maslow, Herzberg, McGregor e Argyris, a ARH na década de 60, deixa de focalizar-se em aspectos contábeis e econômicos e passa a intervir no comportamento humano, incorporando conceitos-chave como motivação e liderança e valorizando as funções de avaliação do desempenho, treinamento e desenvolvimento de pessoas. O trabalho humano passa a ser visto como o principal ativo de uma organização, e, diferentemente dos demais recursos, as relações entre pessoas e empresas passam a ser tratadas como essencialmente humanas, implicando consciência e vontade própria de dois agentes e não só de um, como prescrevia o modelo anterior (FISCHER, 2002, p. 22). Na década de 80, emergiu um novo modelo que vinculava a gestão de pessoas às estratégias da organização. Iniciando-se com pesquisadores da Universidade de Michigan, a “[...] visão desses autores era de que a gestão de recursos humanos deveria buscar o melhor encaixe 99 possível com as políticas empresariais e os fatores ambientais.” (STAEHLE, 1990 apud FISCHER, 2002, p. 24). A motivação e a satisfação das pessoas, propostas pela escola comportamental, deixam de ser vistas como garantia para o cumprimento das diretrizes estratégicas, apesar de sua influência. Foi com a abordagem de Harvard que essa perspectiva se desenvolveu, propondo que as decisões de ARH devem estar pautadas na conciliação dos interesses dos stakeholders com as pressões ambientais e integrar a influência sobre os funcionários, os processos e sistemas de RH e a organização do trabalho com as estratégias corporativas. A gestão de pessoas passou a ser vista como um problema do negócio e um elemento de diferenciação (FISCHER, 2002, p. 24). Michael Porter, em 1989, ao introduzir a noção de agregação de valor para o negócio e os clientes, e Prahalad e Hammel, em 1990, ao proporem que o portfólio de recursos físicos, financeiros, intangíveis, organizacionais e humanos consubstanciados em competências e capacitações confere diferenciação e competitividade, ainda que diferentes em suas abordagens (o primeiro, de fora da organização para dentro, enquanto os segundos, de dentro para fora), fazem emergir o pressuposto de que o ser humano é fonte de vantagem competitiva, cabendo ao RH o estímulo e o desenvolvimento de competências humanas que viabilizem as competências organizacionais (FISCHER, 2002, p. 26). Assim, a ARH passa a incorporar o conceito de competência à estratégia organizacional e a diferenciar-se de uma abordagem tática e operacional, adquirindo um novo status na organização, caracterizado pelos seguintes aspectos, segundo Fischer (2002), Almeida (2008) e Fleury e Fleury (2008): • participação ativa nas decisões e assessoria à cúpula da organização no que diz respeito à gestão das pessoas e desenvolvimento organizacional; • integração de todas as funções de RH, tendo como foco a missão, os objetivos e as estratégias organizacionais; • valorização das pessoas, baseada em suas entregas (atos, realizações e comportamentos observáveis) e não em suas tarefas – “[...] a unidade de gestão é o indivíduo e não o cargo.” (FLEURY, 2008, p. 80); • descentralização de atividades e parceria com as outras áreas da organização (clientes internos), obtendo a legitimidade como decorrência dessa interrelação; • atuação como um órgão facilitador dos processos de comunicação na organização; • políticas diferenciadas de desenvolvimento, valorização e remuneração do desempenho com flexibilidade de negociação para com profissionais que mostram diferenciação na performance e contribuem efetivamente com a consecução das estratégias organizacionais; • políticas e práticas para o fortalecimento da cultura organizacional e da identificação com os valores, gerando maior engajamento e comprometimento dos colaboradores; • foco em resultados medidos por meio de indicadores precisos de avaliação, acompanhamento e controle de desempenho da área e suas funções; • profissionais assumindo múltiplos papéis em quatro dimensões de atuação, incluindo as estratégicas e as operacionais – administração das estratégias pertinentes à gestão de pessoas (parceiro estratégico), das mudanças que devem ser iniciadas na organização (agente de mudança), da infraestrutura (especialista administrativo) e da contribuição dos colaboradores (defensor dos funcionários) (ULRICH, 2001); • network qualificado e estratégico para influir em todas as instâncias de relacionamento da organização (stakeholders), incluindo aquelas que possibilitem atualizações na legislação, considerando-se uma ação mais globalizada. 2.2 DIMENSÃO ESTRATÉGICA DO RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE PESSOAL (R&S) Como uma função da ARH, o recrutamento tem por objetivo atrair e captar candidatos potencialmente qualificados para ocupar os postos de trabalho disponíveis dentro da organização. A 100 seleção, por sua vez, visa à comparação, classificação e escolha daquele que possui as competências necessárias e diferenciais para obter êxito no desempenho do posto vago (CHIAVENATO, 1999, p. 92). Adler (2003 apud ALMEIDA, 2008, p. 30) apresenta as seguintes etapas para o processo, enfatizando a integração entre eles: FIGURA 1 – FAES DO PROCESSO DE CAPTAÇÃO E SELEÇÃO 4 Decisão 3 Avaliação 2 Triagem 1 Atração FONTE: ADLER apud ALMEIDA, 2008, p. 30. A fase 1 representa todas as ações utilizadas para atrair candidatos; a fase 2 possui todas as ações voltadas para eliminação de candidatos; a fase 3 contém todas ações voltadas para a avaliação de qualificações e competências dos candidatos; a fase 4 compõe-se pelas ações para decidir entre os candidatos finais. O foco da captação e seleção deve centralizar-se nos períodos de avaliação e decisão final. Esses serão tanto mais efetivos quanto mais estruturados forem os procedimentos e instrumentos para minimizar o subjetivismo e proporcionar a visualização do desempenho futuro do candidato (ADLER, 2003 apud ALMEIDA, 2008, p. 30). Almeida (2008, p. 31) enfatiza que os melhores processos seletivos “[...] são os que utilizam um modelo longitudinal, com avaliações periódicas ao longo do tempo”, destacando, como exemplos, os programas de trainees e de estagiários. Propõe que o uso de indicadores, como número de candidatos qualificados, tempo para preenchimento de vaga e satisfação do cliente interno, é de fundamental importância para o aprimoramento do processo. Quanto à combinação de técnicas de seleção, explica que (p. 33) [...] cada processo seletivo tem sua própria característica em função da modalidade de contratação e exigências. Seu planejamento deve ser feito juntamente com o cliente interno, prevendo-se ações nos quatro estágios do processo. Já para Marras (2005, p. 261-262), na dimensão tática e operacional, o processo seletivo tem como principal objetivo colocar “a pessoa certa no lugar certo”. Numa dimensão estratégica, a preocupação deixa de ser o nível micro para voltar-se ao macro da organização, preocupando-se em colocar a pessoa certa para a empresa certa. Os limites de um cargo são extrapolados para os da estrutura organizacional como um todo e para os componentes que a permeiam, incluindo sua cultura. A qualificação e a experiência anterior do candidato deixam de ser preponderantes, e o potencial que traz consigo, assim como suas competências individuais e diferenciais se tornam os principais determinantes. Buscam-se profissionais sintonizados com o “momento” e com os objetivos de longo prazo da organização. Agindo desse modo, a organização volta-se para o futuro, e o R&S assume uma função de longo prazo. Considerando os postulados de Almeida (2008) e Marras (2005), a dimensão estratégica do R&S no presente estudo se constitui pelas seguintes políticas e práticas: 101 • planejamento prévio de pessoal de acordo com os objetivos, as estratégias e os projetos a serem desenvolvidos pela organização; • políticas agressivas de atração de profissionais, principalmente voltadas à imagem e reputação da organização, com disponibilidade de informações para o mercado sobre o que é trabalhar na empresa, cultura e políticas de ARH; • realização de estudos e pesquisas do mercado de recursos humanos para identificação das melhores fontes de captação de candidatos potenciais e passivos (aqueles que estão empregados); • captação contínua de profissionais, independente da existência de vagas; • manutenção de um banco de talentos internos para servir de fonte de recrutamento, oportunizar crescimento do pessoal interno e melhorar aproveitamento das competências existentes; • automatização das funções operacionais de R&S, com o uso de consultorias on-line e softwares específicos para captação de candidatos, triagem, administração de currículos, avaliação de qualificações e ajuste à cultura, realização de testes e entrevistas, gerenciamento dos dados; • adoção de programas de trainees e(ou) de estágio focalizando o desenvolvimento de futuros líderes, gestores e especialistas; • parceria com as áreas requisitantes de pessoal para o planejamento e a condução dos processos seletivos; • planejamento sistemático dos processos seletivos com a construção do perfil e a escolha de estratégias e técnicas baseadas na cultura corporativa, no tipo de contratação, na natureza da atividade que vai ser desenvolvida e, principalmente, nas competências consideradas necessárias a uma performance desejável ou superior; • metodologia de seleção determinada caso a caso, não sendo padronizada ou somente adaptada, mas combinando diferentes técnicas, preferencialmente as que privilegiam a observação do comportamento e da performance dos candidatos; • critérios objetivos e claros de avaliação, classificação e escolha de candidatos, incluindo a participação da equipe com a qual o possível finalista irá trabalhar; • treinamento e preparo dos profissionais responsáveis pela condução dos processos, incluindo os responsáveis diretos pela contratação; • indicadores específicos para avaliação, acompanhamento e controle dos resultados dos processos de R&S. Assim entendida a dimensão estratégica do R&S, apresenta-se a seguir o procedimento metodológico adotado no estudo. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Visando ao cumprimento dos objetivos propostos, o presente estudo utilizou a pesquisa do tipo descritiva, de caráter quantitativo e perspectiva transversal. A escolha do método descritivo deu-se em razão da finalidade de se traçar as características acerca de uma determinada população e um determinado fenômeno. Gil (1995, p. 28) destaca que o estudo descritivo tem como principal objetivo abranger aspectos gerais e amplos de um contexto social, como a descrição das características de uma determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Uma de suas principais características está na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados, como questionários, testes estandardizados, entrevistas, observações e técnicas empregadas em outras modalidades de pesquisas. Já a escolha do método quantitativo decorreu do fato de se querer apurar uma opinião, ou mesmo uma atitude consciente efetuada pelas organizações em estudo, por meio de um instrumento padronizado em que se sabe exatamente o que se quer perguntar para atingir o objetivo proposto. Patton (1990 apud OLIVEIRA; ALBUQUERQUE; MURITIBA, 2003, p. 4) refere que a pesquisa de 102 natureza quantitativa assume ser possível medir os fenômenos em termos numéricos e busca fazer avaliações de porções ou frações mais significativas da população em estudo. Para Gil (1995, p. 91), população “[...] é um conjunto definido de elementos que possuem determinadas características.” Considerando-se esse conceito, a população que este estudo abrangeu trata-se de organizações com as quais a ABRH-PR mantém um contato mais estreito, no caso as associadas à entidade (152) e as que participaram do Congresso Paranaense de Recursos Humanos (CONPARH) – 2009 (106), excluindo-se as empresas estatais e totalizando uma população composta de 258 empresas de diferentes segmentos. Optou-se por essa população pela proximidade com a entidade e acessibilidade aos dados. Para a coleta de dados foi utilizado um questionário composto de questões fechadas e de múltipla escolha, abordando os seguintes aspectos: segmento, origem de capital, número de funcionários, cargo do respondente, estrutura, atuação e funções da ARH; políticas e práticas de R&S, incluindo base de dados utilizada na construção de perfil, tipos e fontes de recrutamento, métodos de triagem e pré-qualificação de candidatos, métodos e técnicas de seleção e critérios de escolha de candidatos, bem como indicadores e métodos de coleta de dados utilizados para mensuração e avaliação de processos de R&S. Os questionários foram enviados em julho de 2009 por e-mail, com uma mensagem de solicitação de preenchimento para os responsáveis pela função de R&S das respectivas empresas e solicitação de retorno em 20 dias. Decorrido o prazo, foi computado para os resultados o total de 20 respondentes, o que correspondeu a 7,75% do total enviado. Em se tratando de e-mail survey, Graeml e Csillag (2008, p. 42) revelam que 7% foi o retorno obtido em pesquisas realizadas com esse procedimento. Já a apuração dos dados e análise de resultados privilegiou o cálculo das frequências de respostas com a utilização do software SPSS (Statiscal Package for de Social Scienses). 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Objetivando mais clareza na apresentação e discussão dos resultados, dividiu-se a apresentação em dois blocos, sendo o primeiro constituído pelas informações gerais dos respondentes e a caracterização da área de RH. O segundo contemplou as políticas e práticas de R&S. 4.1 INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE AS EMPRESAS E CARACTERIZAÇÃO DO RH Dos profissionais que responderam à pesquisa, 40% ocupam posição gerencial e 20% nível de coordenação, 15% são analistas e 10%, diretores, podendo-se afirmar que são pessoas que estão diretamente vinculadas à elaboração, à participação ativa ou transmissão das políticas e à práticas da ARH. Das organizações que responderam à pesquisa, 60% são de capital nacional, 35%, multinacional e 5%, de capital misto. Quanto à atividade desenvolvida, 25% dos respondentes são do segmento de serviços, 20% são do segmento Industrial, 10% são do segmento automotivo, enquanto outros 45% pertencem a diferentes segmentos. O número total de funcionários, entre contratados e terceiros, apresenta a seguinte distribuição: TABELA 1 – NÚMERO TOTAL DE FUNCIONÁRIOS Abaixo de 120 120 – 590 590 – FREQUÊNCIA (#) FREQUÊNCIA (%) 1 5,0 6 30,0 4 20,0 103 1.060 1.060 – 1.530 1.530 – 2.000 Acima de 2.000 Total 2 10,0 4 20,0 3 15,0 20 100,0 FONTE: Dados da pesquisa. Observa-se que a grande maioria das empresas respondentes (95%) possui mais que 120 funcionários, consideradas, portanto de médio e grande porte, segundo a classificação proposta pelo SEBRAE (1998), que considera empresas de médio porte as que possuem entre 100 e 499 funcionários, enquanto as de grande porte as de 500 funcionários. Em 85% das empresas respondentes, há uma estrutura formal de RH, ou seja, há uma área com clareza na divisão de atividades e interligação entre elas, níveis de especialidade do trabalho bem definidos, com formalidade na disposição da hierarquia e nas relações de subordinação (STONER, 1985). Nesse sentido, a área ou função de RH ocupa o nível hierárquico correspondente à Diretoria em 40% das empresas respondentes, sendo seguido pelo nível de Gerência em 35%, Chefia de Divisão em 15% e 10% outros níveis. Quanto à atuação do RH na empresa, 65% das respondentes referem que o RH participa e assessora a organização na formação das estratégias e macrodiretrizes, responsabilizando-se por agregar valor pela gestão do capital humano, o que faz sentido quando se associa esse dado ao que o RH ocupa posição diretiva ou gerencial em 75% das empresas respondentes, conforme dados apresentados. Isso sugere um relevante nível de influência da área na política organizacional. Por outro lado, 60% dos respondentes apontam que o RH é tático e operacional, ou seja, executa as atividades pertinentes a seus subsistemas, de acordo com as demandas específicas das áreas ou unidades de negócio, enquanto somente 35% das respondentes apontam também que o RH é parceiro de outras áreas da organização, ou seja, que utiliza o modelo de consultoria interna viabilizando projetos acerca da gestão de pessoas, terceirizando as funções operacionais. Assim sendo, mesmo influindo na estratégia e macrodiretrizes das empresas, o RH ainda é apontado pela maior parte como tático e operacional (60%), e esse fato faz sentido ao se analisar a distribuição das funções de RH desempenhadas pelas empresas. 104 O gráfico demonstra que as funções tradicionais da área de RH, como R&S, treinamento, administração de pessoal, remuneração, benefícios, continuam a ser as mais desempenhadas em detrimento das funções consideradas mais estratégicas como desenvolvimento organizacional, relações com a comunidade, responsabilidade social e, principalmente, gestão da cultura organizacional (ALMEIDA, 2008). Por outro lado, os programas de trainees e estagiários adotados por 85% dos respondentes, até em detrimento de programas de suporte ao planejamento de carreira adotados por 70% das empresas, evidenciam a tendência na formação de mão de obra qualificada e compatível com a cultura, com os objetivos e as estratégias organizacionais. Para Fleury e Fleury (2008, p. 79), os programas de trainnes são práticas das empresas mais avançadas que, além de atrair novos talentos, “[...] acena com a possibilidade de renovação futura dos quadros e questiona os procedimentos vigentes com os gestores mais antigos.” Considerando-se que 100% das empresas respondentes desempenham a função de recrutamento e seleção, obteve-se uma significativa representação das políticas e práticas desenvolvidas. 4.2 POLÍTICAS E PRÁTICAS DE RECRUTAMENTO E SELEÇÃO Com relação às políticas de recrutamento e seleção, tem-se a representação a seguir, considerando que as respondentes foram solicitadas a assinalar se cada uma delas correspondia, ou não, ao que era praticado em sua empresa. 105 LEGENDA V1: os processos de recrutamento e seleção de pessoal acontecem à medida que surgem vagas em decorrência de substituições ou aumento de quadro (novos postos de trabalho). V2: há programa de integração e adaptação do novo funcionário. V3: há o uso de consultorias on-line e softwares específicos para captação de candidatos, triagem, administração de currículos, avaliação de qualificações e ajuste à cultura, realização de testes e entrevistas, bem como gerenciamento dos dados do processo. V4: há parceria com as áreas requisitantes para o planejamento, a escolha dos métodos e a execução dos processos seletivos. V5: há planejamento prévio de pessoal de acordo com as estratégias, os objetivos e os projetos que a empresa pretende desenvolver para um determinado período. V6: o RH disponibiliza treinamento e preparo para os profissionais que participam da seleção de pessoal, para a condução de entrevistas e observação de comportamento em dinâmicas de grupo e simulações. V7: todos os candidatos recrutados recebem retorno sobre a respectiva participação. V8: a metodologia utilizada nos processos de recrutamento e seleção de pessoal é padronizada, sendo adaptada às vagas disponíveis. V9: há realização de estudos e pesquisas do mercado de recursos humanos para identificação das melhores fontes de captação de candidatos potenciais e passivos (os que estão empregados). V10: a empresa disponibiliza informações para o mercado de recursos humanos, sobre o trabalho desenvolvido, cultura e políticas de RH. V11: há captação contínua de profissionais independente da existência de vagas. V12: a metodologia utilizada nos processos de recrutamento e seleção de pessoal é determinada caso a caso. V13: as equipes com a qual os candidatos irão trabalhar participam do processo seletivo e da escolha do que se mostra mais adequado. V14: há manutenção de um banco de talentos internos como fonte de recrutamento, aproveitamento das competências existentes e oportunidade de crescimento. V15: há parceria com as áreas requisitantes somente para o levantamento do perfil das vagas disponíveis e conclusão dos processos. Os dados revelam que 95% das empresas respondentes referem que os processos seletivos ocorrem à medida que surgem vagas, o que é política tradicional da função, assim como a realização de programas de integração. Por outro lado, 80% referem que há um planejamento prévio de pessoal de acordo com estratégias, objetivos e projetos que a empresa pretende desenvolver. Considerando, ainda, que 55% das respondentes afirmaram que há captação contínua de profissionais independente da existência de vagas, percebe-se que há uma tendência a uma visão 106 de mais longo prazo e não somente para atender a uma necessidade imediata, embora esta não deixe de ser a preponderante. A informatização da função apontada por 80% das respondentes é relevante para uma prática mais estratégica, uma vez que [...] possibilita atingir maior número de candidatos, aumentando as possibilidades de se encontrar novos talentos, alcançar candidatos passivos e permite a padronização de informações curriculares de interesse da empresa. (ALMEIDA, 2008, p. 38). A parceria com as áreas requisitantes desde o planejamento dos processos seletivos até a execução, adotada como uma política por 80% e não somente para o levantamento do perfil e conclusão, apontada por 40% (porcentuais que evidenciam que algumas empresas adotam as duas formas de relacionamento com as áreas), trata-se, segundo Almeida (2008, p. 26), de uma premissa básica da moderna Administração, porque aumenta a probabilidade de atendimento de expectativas dos gerentes contratantes, contribuindo com uma imagem positiva da área de RH e das funções desta. A disponibilidade de treinamento e preparo para os profissionais que participam do processo, apontada por 75% das empresas é uma política que aumenta consideravelmente o êxito na contratação (ALMEIDA, 2008, p. 32). O fato de as respondentes apontarem que 95% dos profissionais que atuam no RH de suas empresas possuem graduação em Ciências Humanas e 75% possuem pós-graduação em RH/Gestão de Pessoas também aumenta a garantia do êxito e possibilita uma atuação mais estratégica do que operacional, já que esses profissionais almejam aplicar os conhecimentos adquiridos em suas respectivas áreas de especificidade. Almeida (2008, p. 26) explica: “As organizações pautadas por uma política definida para talentos precisa contar com seus melhores profissionais à frente da área de captação e seleção.” Quanto à metodologia utilizada nos processos seletivos, o gráfico demonstra que 60% dos respondentes referem que se trata de um processo padronizado e 50% referem que ela é determinada caso a caso. Destaca-se, entretanto, que 10% (2) dos respondentes apontaram as duas formas, o que evidencia uma incongruência, talvez relacionada à própria construção do questionário. Por outro lado, apesar do apontamento do uso de metodologia padronizada, as empresas evidenciam o uso de diversificada base de dados para construção do perfil assim como o uso de diferentes técnicas de seleção, como mostram os gráficos 3 e 4. Nota-se no gráfico 3 que o foco nas competências e evidências comportamentais, assim como nos valores e cultura corporativa, mesmo tendo o conteúdo do cargo como fonte de referência, aponta, segundo Almeida (2008, p. 23), para um novo paradigma com foco mais estratégico, porque o tradicional indicava a escolha certa para o cargo certo, e este emergente indica a escolha da pessoa que “[...] se identifica com a cultura da organização e que pode agregar valor a ela”, havendo a valorização do comportamento e da atitude no trabalho. 107 Quanto aos tipos de recrutamento, percebe-se uma mudança, uma vez que o recrutamento interno aparece como uma prática de 80% das empresas respondentes, quase na mesma proporção do externo (85%), denotando que a captação voltada simplesmente para a admissão está se voltando para a ascensão profissional, formação de equipes e aproveitamento dos talentos internos. Todavia, há que se notar que somente 50% mantêm um banco de talentos internos. Além disso, a realização de estudos e pesquisas do mercado de recursos humanos para identificação das melhores fontes de captação de candidatos potenciais e passivos, apontados como uma política por 55%, evidencia uma crescente preocupação em se conhecer melhor onde se localizam os candidatos potenciais, como eles procuram trabalho, como fazem suas escolhas e que tipo de proposta mais os atraem. Por outro lado, as indicações e os sites de busca foram as fontes de recrutamento mais mencionadas pelas respondentes, com 90% e 80%, respectivamente. O uso de consultoria para cargos diretivos e gerenciais foi informado como fonte por 70% dos respondentes. Outro fato que merece destaque nesse sentido é que 55% das respondentes afirmam que disponibilizam informações para o mercado de recursos humanos, sobre o trabalho desenvolvido, cultura e políticas de RH, o que permite aos profissionais uma escolha consciente sobre o local onde desejam trabalhar, considerando que essa escolha se relaciona com a imagem que a empresa passa e de sua reputação no mercado. Por outro lado, uma prática que pode comprometer a imagem da empresa é o não-retorno aos candidatos sobre as respectivas participações e, nesse sentido, 75% das respondentes afirmam ter tal política. Quanto aos métodos e técnicas de seleção de pessoal, tem-se a representação a seguir. Percebe-se que as empresas combinam várias técnicas e métodos de seleção, o que potencializa a capacidade de prever o desempenho futuro dos candidatos, sendo a entrevista e os testes de conhecimento mencionados por 90% e 85% dos respondentes, respectivamente. Chama a atenção o fato de as dinâmicas de grupo serem citadas como técnica por 75% das respondentes, até em detrimento do uso de testes psicológicos ou padronizados, que no modelo mais tradicional eram os preferidos. As dinâmicas de grupos e entrevistas comportamentais possuem como foco o comportamento e as competências, e não a vida pessoal e a trajetória profissional – foco da entrevista tradicional e dos testes. Almeida (2008, p. 31) afirma que quanto maior o número de técnicas que permitam a observação do comportamento do candidato maior a efetividade do processo. Entretanto, nota-se que as simulações ainda não são muito difundidas, sendo isso alegado por 25% das respondentes. O fato de 50% das respondentes terem mencionado que as equipes participam dos processos seletivos e da escolha do melhor candidato, já mostra um avanço em direção a uma 108 prática mais moderna e estratégica, pois aumenta a possibilidade de efetividade, responsabiliza e delega a equipe, empoderando-a (ALMEIDA, 2008, p. 36). O uso de critérios objetivos, claros, específicos e compartilhados para a escolha de finalistas e do candidato a ser contratado, evidencia a modernidade do processo e a preocupação em diminuir o subjetivismo, que sempre acompanhou a função de R&S. Nesse sentido, o critério considerado mais importante para a escolha de candidatos em cargos operacionais, técnicos, gerenciais e diretivos é o grau de conformidade à cultura e aos valores organizacionais. Além destes, para os cargos operacionais condições satisfatórias de saúde e características pessoais, são critérios muito importantes. Para os cargos técnicos, gerenciais e diretivos, a postura, os comportamentos e a comunicação apresentados nas várias etapas do processo foram destacados como muito importantes. A experiência e os resultados apresentados em empregos anteriores aparecem como muito importantes somente para cargos gerenciais e diretivos. Critérios como escolaridade, conhecimentos gerais e específicos foram preteridos por critérios comportamentais, o que mostra uma evolução para um paradigma mais moderno e estratégico. Por fim, Fernandes (2003, p. 3) destaca que “[...] uma atuação verdadeiramente estratégica pressupõe definição de indicadores para monitoramento e controle, bem como avaliação de resultados.” Nesse sentido, os indicadores a seguir foram mencionados. Verifica-se a discrepância em relação a outras políticas e práticas estratégicas, uma vez que os indicadores continuam sendo aqueles tradicionais, ou seja, taxa de turn over e tempo de preenchimento de uma vaga, informados, respectivamente, por 80% e 65% dos respondentes, e algumas empresas não citaram indicadores. Os métodos de coleta de dados para mensuração e avaliação mais citados foram: levantamento de índices de movimentação de pessoal e pesquisas documentais, respectivamente por 75% e 70% das respondentes. O levantamento de custos, índices de produtividade das áreas requisitantes e investimentos efetuados para realização, foram declarados por apenas 35%, 25% e 25% das empresas respondentes, respectivamente, o que confirma a proposição de Fernandes (2003, p. 3): é um ponto crítico no que se refere a uma atuação estratégica. Esclarece o autor: 109 [...] só se pode praticar gestão estratégica se há mecanismos de controle e indicadores que permitam verificar o grau de implementação da estratégia. De nada adiantará planejar, se não houver um sistema de controle para monitorar o nível de alcance dos objetivos planejados. Portanto, reside nesse aspecto um ponto a ser desenvolvido na dimensão estratégica do R&S. 5 CONCLUSÃO Muito embora o estudo não permita generalizações para a população pesquisada ou mesmo para afirmativas acerca do assunto, percebe-se uma evolução crescente nas políticas e práticas de R&S para uma dimensão estratégica. Aspectos como planejamento prévio de pessoal, de acordo com objetivos, estratégias e objetivos organizacionais; parceria com as áreas requisitantes para o planejamento dos processos; automatização das atividades mais burocráticas e operacionais; preparo e treino da equipe para a participação nos processos; adoção de programas de trainees e estagiários; uso de diversificada base de dados para construção do perfil; diferentes tipos de recrutamento; combinação de métodos e técnicas de seleção; valorização do grau de conformidade a cultura corporativa, da postura e dos comportamentos apresentados pelos candidatos em detrimento da escolaridade e do conhecimento, evidenciam essa evolução. Há que se considerar, entretanto, que as empresas respondentes participam da ABRH-PR, que tem por política difundir as melhores políticas e práticas de RH, assim como se mantêm atualizadas na medida em que enviam profissionais da área para um destacado e tradicional congresso (CONPARH), o que pode contribuir para adoção de políticas e práticas mais estratégicas. As empresas que não participam não deixam de acompanhar essa evolução, mas é uma variável que merece evidência e futura investigação. Por outro lado, aspectos como captação contínua de profissionais independente da existência de vagas, manutenção de banco de talentos internos, metodologia determinada caso a caso e participação das equipes nos processos seletivos são políticas de uma dimensão estratégica que ainda não estão presentes nas práticas de RH em boa parte das empresas pesquisadas. Contudo, o ponto mais crítico para uma atuação verdadeiramente estratégica do R&S está na mensuração e avaliação da efetividade dos processos seletivos, em que somente a taxa de turn over e o tempo de preenchimento de uma vaga se constituem indicadores na maior parte das empresas pesquisadas. Esse aspecto, portanto, deve ser desenvolvido pelo RH, inclusive para maior credibilidade e reconhecimento da área na contribuição efetiva com o negócio. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Walnice. Captação e seleção de talentos: repensando a teoria e a prática. São Paulo: Atlas, 2008. CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999. FERNANDES, Bruno H. Rocha. Restrições à atuação estratégica da área de recursos humanos: um caso de uma empresa do setor de saneamento. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO (ENANPAD), 2002, Salvador. Anais..., Salvador, 2002. FISCHER, André Luiz. 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São Paulo: Futura, 2001. 111 SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE NA CONSTRUÇÃO CIVIL: UM ESTUDO COM BASE NA EXPERIÊNCIA DO PBQP-H EM EMPRESAS CONSTRUTORAS DA CIDADE DE LONDRINA QUALITY MANAGEMENT SYSTEM IN CIVIL CONSTRUCTION: A STUDY FROM THE EXPERIENCE OF PBQP-H IN CONSTRUCTIONS COMPANIES OF THE CITY OF LONDRINA SISTEMA DE GESTIÓN DE LA CALIDAD EN LA CONSTRUCCIÓN: UN ESTUDIO A PARTIR DE LA EXPERIENCIA DE LO PBQP-H JUNTO DE LAS EMPRESAS DE CONSTRUCCIÓN DE LA CIUDAD DE LONDRINA ULYSSES AMARILDO JANUZZI Mestre pela UEL, Coordenador do Módulo de Gestão Industrial da INESUL CRISTIANE VERCESI Doutora pela UEL, Chefe do Departamento de Psicologia Social e Institucional da UEL 112 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar os impactos advindos da execução do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat (PBQP-H) nas empresas de construção civil, depois de um período considerado suficiente para o amadurecimento do programa na empresa. A pesquisa analisou oito empresas sediadas na cidade de Londrina, utilizando-se como método a aplicação de um questionário em quatro empresas e o desenvolvimento de um estudo de casos múltiplos em outras quatro. As constatações da pesquisa resultaram em três principais sugestões de melhorias: 1) necessidade da formação de uma cultura da qualidade na empresa, previamente à sua normalização; 2) adaptação de requisitos pontuais na norma onde se constataram dificuldades em todas as empresas; 3) adoção de níveis evolutivos de certificação de acordo com o porte da empresa. Palavras-chave: qualidade, construção civil, institucionalização, ISO 9001, PBQP-H. ABSTRACT This study aims to analyze the impacts from the implementation of the Brazilian Program for Quality and Productivity at Habitat (PBQP-H) in construction companies, after a period deemed sufficient for the maturation of the program in the company. The study examined eight companies based in the city of Londrina, using as a method of applying a questionnaire in four companies and the development of a multiple case study in the other four. The research findings have resulted in three main suggestions for improvements: 1) need for training a culture of quality in the company, prior to normalization; 2) adaptation to specific requirements in the standard where they found difficulties in all companies; 3) adoption of evolutionary levels of certification according to company size. Keywords: quality, civil construction, institutionalization, ISO 9001, PBQP-H. RESUMEN Este trabajo tiene como objetivo analizar los impactos resultantes de la aplicación del Programa Brasileño de Calidad y Productividad en Hábitat (PBQP-H) en las empresas de construcción, después de un período se considera suficiente para la maduración del programa en la empresa. El estudio examinó a ocho empresas con sede en la ciudad de Londrina, utilizando como método de aplicación de un cuestionario en cuatro empresas y el desarrollo de un estudio de casos múltiples en las otras cuatro. Los resultados de la investigación han dado lugar a tres principales sugerencias de mejora: 3) necesidad de capacitación una cultura de calidad en la empresa, antes de la normalización; 2) la adaptación a las necesidades específicas en el nivel donde se encuentran las dificultades en todas las empresas; 3) la adopción de los niveles de la evolución de la certificación de acuerdo al tamaño de la empresa. Palabras claves: calidad, construcción, institucionalización, ISO 9001, PBQP-H. 113 1 INTRODUÇÃO O setor da construção civil sempre ocupou uma posição importante no panorama econômico brasileiro, representando uma participação de 5,1% do total do produto interno bruto (PIB), em 2008 (MDIC, 2009). Nesse ano, quando o Brasil apresentou crescimento do PIB de 5,8% no primeiro trimestre, em relação a igual período de 2007, o setor da construção civil se destacou dentre os setores produtivos que compõem o PIB, registrando um crescimento de 8,8% (IBGE, 2009). Com relação à empregabilidade, em 2007 o setor foi responsável por 6,36% da população ocupada no Brasil, correspondendo a aproximadamente 1,8 milhões de pessoas (CBIC, 2009) e 5,6% do valor total da remuneração paga em todo o País (ABRAMAT, 2009). Apesar da evidente importância para o setor econômico brasileiro, a construção civil é caracterizada por muitos autores como tradicional, conservadora, nômade, de produtos únicos e não seriados, longo ciclo de aquisição-uso-reaquisição e mão de obra de baixa capacitação (MESEGUER, 1991), figurando-se, dessa forma, como grande geradora de empregos para uma mão de obra de perfil de baixa qualificação técnica e educacional (AMBROZEVICZ, 2003a). Por decorrência da instituição do Plano Real em 1994, mudanças estruturais impostas à conjuntura econômica determinaram uma revisão profunda nesses conceitos. Com a queda dos índices de inflação, o capital foi gradativamente redirecionado para atividades produtivas em busca de taxas de retorno mais atraentes, e, por consequência, o próprio mercado consumidor acabou impondo ao setor produtivo nacional exigências crescentes de padrões de qualidade que acabaram por se tornar critério diferencial de grande peso diante de um cenário mais competitivo. Por influencia desse cenário, a partir de meados da década de 90, vários esforços começaram a ser empreendidos no setor por meio de programas em nível estadual, em busca de maior produtividade e melhor qualidade. Uma pesquisa realizada pela McKinsey, em 1998 (Mello, 2006, p. 67), demonstrou que a construção civil ainda não havia conseguido se igualar ao nível da qualidade, produtividade e competitividade de outros setores da economia brasileira, estando bastante distante dos índices da construção civil norte-americana. O Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Hábitat (PBQP-H), resultado de todos esses esforços, representa, desde 2001, a ferramenta mais poderosa na busca por competências diferenciais para atingir os objetivos almejados pelo setor. Entretanto, como o PBQP-H é um programa relativamente novo, e – de acordo com ABNT (2009) – antes dele poucas construtoras possuíam a ISO 9001, as pesquisas disponíveis até então analisaram apenas a situação de empresas recém-certificadas ou certificadas há um período de, no máximo 18 meses. Desse modo, essas pesquisas não puderam apresentar muitos resultados relativos a mudanças efetivas e impactos causados pelo programa na rotina e na cultura das empresas, limitando-se à análise do processo de implantação e certificação, além de avaliar expectativas futuras. Dessa forma, este estudo estabelece como objetivo: analisar os impactos nas empresas de construção civil da cidade de Londrina, decorridos pelo menos 30 meses da primeira certificação no nível A do PBQP-H. Como não existem pesquisas disponíveis que determinem com precisão um limite de tempo de amadurecimento, tanto da ISO 9001 como do PBQP-H, introduzido em uma empresa construtora, o período de 30 meses de operação depois da certificação – como estabelecido no objetivo – baseou-se em informações obtidas em entrevistas com engenheiros do SENAI, envolvidos diretamente no programa desde 2001. A fundamentação teórica e empírica empreendida neste trabalho resultou na formulação de três hipóteses que serviram ao propósito de detalhar os objetivos e indicar caminhos ao investigador, bem como na orientação da procura pela explicação do problema pesquisado e assinalar rumos à investigação (RICHARDSON, 2008). Sendo assim, a pesquisa se iniciou da hipótese de que empresas que investiram em pessoal, capacitando-o e diminuindo a rotatividade, conquistam maiores benefícios decorrentes do PBQP-H, em relação às demais. As empresas que introduziram o PBQP-H e função de motivos internos conquistam maiores benefícios decorrentes dele, em relação àquelas que se guiaram por motivos externos. O modelo atual do PBQP-H é realmente eficaz para todas as empresas construtoras, independente do tamanho delas. Como o contexto organizacional sob o qual se desenvolve o presente estudo é predominantemente caracterizado por instituições que seguem um modelo de gestão funcionalista, elegeu-se a teoria institucional como o ambiente teórico ideal para o desenvolvimento da pesquisa. 114 Sendo assim, este artigo apresenta na sequência, uma síntese da fundamentação teórica desenvolvida dentro deste estudo sobre os principais tópicos em que se sustenta esta pesquisa. Dentro da teoria institucional, buscou-se, sobretudo, o processo de institucionalização elegendo-se o modelo teórico de Tolbet e Zucker (1999) para servir de base da pesquisa. Dentro dos sistemas de gestão da qualidade (SGQ), direcionou-se o foco para a ISO 9001 e, mais precisamente, para o PBQP-H. Na quarta seção, o artigo detalha os aspectos metodológicos para, posteriormente, serem apresentados os resultados e a análise acerca dos dados da pesquisa empírica e, por fim, apresentar as considerações finais do trabalho. 2 TEORIA INSTITUCIONAL E PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO De 1880 até a metade do século XX, a teoria institucional desenvolveu suas primeiras formulações. Nesse período, muitos pensadores anteciparam distinções e percepções mais tarde redescobertas por analistas contemporâneos (SCOTT, 2001, p. 14). Segundo R. Lourau (1975, p. 118): O institucionalismo de Emile Durkheim (1858-1917), combatido à direita pelo marxismo e à esquerda pela fenomenologia, marca, contudo, as grandes construções sociológicas do século XX. A Sociologia moderna deu sua contribuição à teoria institucional por meio da dedicação de muitos sociólogos ao estudo das organizações. De acordo com R. Lourau (1975, p. 93), a Sociologia moderna “[...] nasceu na ilusão de uma institucionalização total e definitiva das ideias positivas, da adequação tão perfeita quanto possível entre sociedade civil e as ideias dos sociólogos.” Apesar da dedicação desses sociólogos, considera-se que foi o trabalho de Robert Merton (1968) e seus discípulos, no fim da década de 40, que as colocou na condição de objetos distintos e merecedores de estudos sociológicos próprios. Foi com base em seu trabalho, focalizado na dinâmica da mudança social, que houve o reconhecimento de que as organizações são “[...] atores sociais independentes” e que “[...] as estruturas existentes contribuem para o funcionamento de um sistema social.” Nessa visão, “[...] os componentes estruturais de um sistema devem ser integrados para que o sistema sobreviva.” (TOLBERT; ZUCKER, 1999, p. 197-198). Uma abordagem de importância central para o presente trabalho é a que trata do processo de institucionalização nas organizações. Dentro dessa abordagem, são importantes os trabalhos identificados com a tradição filosófica da fenomenologia de Berger e Luckmann (1967) apud Tolbert e Zucker (1999), que identificaram a institucionalização como um processo central na criação e perpetuação de grupos sociais duradouros. Berger e Luckmann (1967) apud Tolbert e Zucker (1999, p. 202) consideram como “[...] uma tipificação de ações tornadas habituais por tipos específicos de atores” o resultado ou fase final de um processo de institucionalização. Essas “ações tornadas habituais” referem-se a comportamentos que se desenvolvem empiricamente e foram adotados por um ator ou grupo de atores, com a finalidade de resolver problemas recorrentes. Tais comportamentos são tornados habituais à medida que são evocados com um mínimo esforço de tomada de decisão por atores em resposta a estímulos particulares. Já a tipificação envolve o desenvolvimento recíproco de definições compartilhadas que estão ligadas a esses comportamentos tornados habituais. Tais análises fenomenológicas institucionais sugerem, segundo Tolbert e Zucker (1999), três processos sequenciais envolvidos na formação inicial das instituições e em seu desenvolvimento, discriminados a seguir. Habitualização: classificado como a etapa de pré-institucionalização, refere-se ao desenvolvimento de comportamentos padronizados para a solução de problemas e a associação desses comportamentos a estímulos particulares. Esses tipos de estrutura tendem a durar geralmente o período de adaptação à cultura da organização. Objetivação: etapa da “semi-institucionalização”, o movimento em direção a um status mais permanente e disseminado. A organização passa a buscar a teorização e a experiência para avaliar 115 os riscos de adoção da nova estrutura. Nesse período, o ímpeto de difusão da estrutura ou sistema adotado passa a adquirir uma base normativa. Sedimentação: fase em que ocorre a institucionalização total, “[...] tanto pela propagação, virtualmente completa, de suas estruturas por todo o grupo de atores teorizados como adotantes adequados como pela perpetuação de estruturas por um período consideravelmente longo de tempo.” (TOLBERT; ZUCKER, 1999, p. 209). Segundo Zucker (1977) apud Tolbert e Zucker (1999), o aumento do grau de objetivação e sedimentação de uma ação aumenta o grau de institucionalização (indicado pela conformidade dos indivíduos ao comportamento de outros). Quando a institucionalização é alta, a transmissão da ação, a manutenção dessa ação ao longo do tempo e sua resistência à mudança também são altas. Para concluir, ressalta-se – segundo Tolbert e Zucker (1999) – a falta consenso em relação a alguns conceitos da teoria institucional, que ainda estão se institucionalizando em meio aos estudos organizacionais. 3 SISTEMAS DE GESTÃO DA QUALIDADE (SGQ) A qualidade é definida por Juran e Gryna (1991) como adequação ao uso. Esse conceito, de ampla aceitação, possui dois aspectos que se complementam. Primeiramente, qualidade consiste nas características de um produto que atende as necessidades dos clientes, propiciando a satisfação em relação ao produto. Outro sentido de qualidade é a ausência de defeitos. Surgem assim dois enfoques para a qualidade, que são, respectivamente, a qualidade de projeto e a qualidade de conformação. Dessa forma, a qualidade de projeto estabelece as características do produto (físico ou serviço), e a qualidade de conformação busca a correta realização dessas características. Portanto, de acordo com Paladini (2004), qualidade de projeto e qualidade de conformação são dois conceitos que se complementam. O sentido do termo “qualidade” é resultado da evolução do conceito desde a década de 50. Feigenbaum (1994) afirma que as condições de competitividade induzem os gestores de negócios a melhorar a qualidade de muitos produtos, ao mesmo tempo em que devem reduzir substancialmente os custos para manter a qualidade. Para isso, o autor sugere a adoção do conceito de Total Quality Control – TQC (Controle da Qualidade Total). Uma evolução do conceito de TQC ocorre com o surgimento da Total Quality Management – TQM (Gestão da Qualidade Total), o que leva a um conceito mais abrangente. J. M. Juran e F. M. Gryna (1991, p. 210) consideram a TQM como uma “[...] extensão do planejamento dos negócios da empresa que inclui o planejamento estratégico da qualidade.” Entretanto, todos os manuais, procedimentos e políticas da qualidade não são suficientes para garantir que uma organização trabalhe com qualidade. De acordo com W. E. Deming (1994), nem mesmo o trabalho duro, maiores esforços, equipamentos eletrônicos computadores ou investimentos em máquinas podem assegurar a qualidade. Pode-se concluir que, uma vez que dinheiro e credibilidade representam a força vital das organizações, como afirma P. B. Crosby (2004), o ideal seria que os executivos distribuíssem seus esforços igualmente entre finanças, relacionamentos e qualidade, em vez de concentrarem-se basicamente nos aspectos financeiros dos negócios. Desse modo, observa-se que a qualidade exige uma abordagem abrangente, pois é responsabilidade de todos, nas organizações, e exerce influência sobre diversas áreas, desde a satisfação dos clientes até o impacto positivo (ou negativo) na lucratividade da empresa. A maneira mais adotada pelas empresas para guiar a aplicação de um sistema de gestão da qualidade (SGQ) é evidenciar externamente estas ações por meio da certificação – segundo normas específicas – no caso da indústria da construção civil no Brasil, o PBQP-H. O modelo de certificação de SGQ mais difundido no mundo é a padronização baseada na família de normas ISO 9000. Estas normas foram elaboradas pela International Organization for Standardization (ISO), uma organização não-governamental com sede em Genebra, na Suíça, composta de mais de 162 países (ISO, 2009), inclusive do Brasil, com o objetivo de promover o desenvolvimento de normas internacionais. A família de normas ISO 9000 é conhecida como normas genéricas de sistemas de gestão. Genérico, nesse caso sugere, segundo L. C. B. B. Mello (2006), 116 que a mesma norma pode ser aplicada a qualquer tipo de organização, grande ou pequena, seja qual for seu produto ou serviço, em qualquer setor de atividade, e seja qual for seu meio de negócio. De acordo com a ABNT (2009), a primeira versão da ISO 9000 surgiu em 1987, traduzida em 1990. As séries ISO 9000:1987 já passaram por três revisões desde então, gerando as versões ISO 9000:1994, ISO 9000:2000 e, atualmente, a série ISO 9000:2008. As versões 1987 e 1994 das normas ISO 9000 eram excessivamente focalizadas nos processos e, por essa característica, exigiam uma gama muito grande de documentos e registros para evidenciar a padronização e conformidade dos processos e dos produtos como garantia da qualidade. Em função de tal característica, muitos pesquisadores, acadêmicos e profissionais questionavam sobre os benefícios que a certificação estaria gerando para as organizações, uma vez que existia uma grande distância entre a gestão da qualidade e a mera normalização. Entre esses críticos, pesquisas de D. Vloeberghs e J. Bellens (1996), Johan F. Devos, José L. Guerrero-Gusumano e Willen J. Selen (1996) e Roberth Gustafsson et al. (2001) concluíam que o custo e o tempo de estruturação eram dois elementos significantes para a avaliação do processo de instituição da ISO 9000. P. H. L. Ambrozewicz (2003) salienta que a falta de um sistema bem estruturado e a falta de comprometimento da direção e dos funcionários podem aumentar o tempo e o custo da certificação. A versão 1994 permaneceu nas empresas até final de 2002, quando foram definitivamente substituídas pela versão 2000. Depois disso, a família de normas ISO 9000 deixou de ser um sistema de garantia da qualidade e passou a se caracterizar como um sistema de gestão da qualidade (SGQ). Desde então, a nova versão procura suprir as lacunas tão criticadas, passando a ser menos prescritiva e burocrática e mais flexível, com maior ênfase na melhoria e na gestão dos processos com o foco na satisfação dos clientes. Justifica O. J. Branchini (2002, p. 71): Agora as empresas devem demonstrar sua capacidade de atingir a satisfação do cliente, com a aplicação da melhoria contínua de seus processos e da prevenção de não conformidades. 3.1 O PBQP-H Os primeiros movimentos pela qualidade na construção civil no Brasil surgiram no início da década de 90, decorrentes de um período de mudanças em um setor caracterizado por grande competitividade. Embalado por essa atmosfera de grandes mudanças, o governo federal lançou o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), envolvendo todos os setores industriais. No setor da construção civil, mereceram destaques nessa época, os trabalhos de F. A. Picchi (1993) e de S. B. Melhado (1994), responsáveis pelas primeiras aplicações de conceitos gerais da qualidade focalizando a construção civil e apresentando um sistema da qualidade baseado nas normas ISO 9000:1987. Melhado (1994) aponta para a parceria criada em 1993 entre o Centro de Tecnologia em Edificações (CTE) e o Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) como o marco para o grande impulso que o setor da construção civil recebeu em direção aos programas setoriais da qualidade (PSQs). Esses PSQs são acordos firmados pelos governos estaduais ou municipais, entidades de classe, associações nacionais e os agentes financiadores, com a finalidade de regulamentar os requisitos de qualificação no setor. Como resultado de todo esse movimento no setor da construção civil, o Ministério do Planejamento e Orçamento, pela Portaria nº 134, de 18/12/1998, instituiu o Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade no Hábitat (PBQP-H), um desdobramento do PBQP. De acordo com esse ato, o PBQP-H tem por objetivo básico apoiar o esforço brasileiro de modernidade e promover a qualidade e produtividade do setor da construção habitacional, com vistas a aumentar a competitividade de bens e serviços por ele produzidos. Com esse intuito, o PBQP-H se propõe oficialmente a organizar o setor da construção civil, melhorar a qualidade do hábitat e a modernização produtiva, estruturar um novo ambiente tecnológico e de gestão para o setor da construção civil e estimular o uso eficiente das diferentes fontes de financiamento, tais como FGTS, poupança, etc. (MCIDADES, 2009). É importante ressaltar que, apesar de se tratar de um programa de adesão voluntária desde sua concepção, os agentes financiadores e o setor público utilizam o poder de compra e fomento como fator de pressão para o desenvolvimento do programa. A estrutura do programa é baseada na série de normas ISO 9000 e o PBQP-H vem sofrendo atualizações periódicas que acompanham as 117 revisões das normas ISO, de modo a manter a compatibilidade com elas, sendo seu formato atual fundamentado nas normas ISO 9001:2000. Dentro desse formato, o programa adota a abordagem de processo para o desenvolvimento, estruturação e melhoria da eficácia do SGQ da empresa construtora. Uma das características que difere o PBQP-H da ISO 9001 é o caráter evolutivo, ou seja, existem quatro níveis de qualificação progressivos (D, C, B e A), nos quais a empresa construtora pode ser certificada. Segundo M. H. Silveira, M. Lima e A. L. B. Almeida (2000), um sistema evolutivo possui um efeito pedagógico no progresso do estabelecimento do sistema, que objetiva a melhoria contínua. De acordo com o PBQP-H (MCIDADES, 2009b), o nível A da norma SiAC atende integralmente às exigências da NBR ISO 9001:2000, podendo a empresa construtora solicitar certificação simultânea à do PBQP-H, segundo este referencial normativo. A operacionalização do PBQP-H se dá pela estruturação de uma série de projetos objetivando solucionar problemas específicos na área de qualidade. Dentre eles vale ressaltar o Sistema de Avaliação da Conformidade de Serviços e Obras (SiaC), considerado o principal projeto do programa por ser responsável por suas diretrizes. Aprovado pela Portaria no18, de 15/3/2005, o SiAC baseia-se nas normas ISO 9001:2000, substituindo o Sistema de Qualificação de Empresas de Serviços e Obras (SiQ-Construtoras), fundamentado nas normas ISO 9001:1994. O principal acordo do PBQP-H é com a Caixa Econômica Federal (CEF), que tem sido o principal agente e parceiro ao que se refere à utilização do poder de compra. A CEF oferece financiamentos específicos para as empresas de construção civil que aderiram ao PBQP-H e, dessa forma, atua como indutora do processo. Além disso, como a grande operadora dos recursos do Ministério das Cidades, tem tido grande responsabilidade na aplicação eficaz dos recursos. Já foram realizados acordos setoriais em quase todos os Estados brasileiros, estabelecendo metas regionais com o objetivo de estimular a evolução dos níveis e a adesão. 4 METODOLOGIA 4.1 CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA O presente estudo contempla características de cunho predominantemente qualitativo e exploratório. É predominantemente qualitativo porque o principal método de pesquisa utilizado foi o estudo de casos múltiplos dentro de um específico contexto: empresas de construção civil do tipo hábitat certificadas com o PBQP-H. Optou-se pelo estudo de casos múltiplos porque, de acordo com R. K. Yin (2008), o objetivo do estudo de caso é compreender e interpretar mais profundamente fatos e fenômenos normalmente isolados. É predominantemente exploratório porque, de acordo com Yin (2008), o problema de pesquisa implica questões norteadoras que começam com “quais” (Quais são os impactos e quais foram os efeitos deles?). Além disso, foram formuladas hipóteses com a finalidade de aprofundar os estudos e foram levantados questionamentos e recomendações na conclusão, sugerindo futuras pesquisas. 4.2 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS A presente pesquisa ocorreu entre os meses de outubro e dezembro de 2009. O marco zero da pesquisa se deu por meio de uma entrevista com o engenheiro Júlio Cotrin, do SENAI de Londrina. Cotrin é considerado um dos profissionais mais experientes sobre o PBQP-H, participando ativamente como coordenador do programa desde 2001. Foram feitas reuniões com profissionais de duas instituições com interesses ao objeto de estudo: SEBRAE e Sinduscon-Norte/PR. Nesses contatos, o Sinduscon-Norte/PR manifestou a necessidade de desenvolver uma pesquisa para atender a objetivos específicos da entidade, focalizando o sistema de gestão das empresas construtoras de Londrina. Partindo dessa necessidade, foi desenvolvido um instrumento de pesquisa semiestruturado com questões fechadas e abertas que, além de atender prioritariamente aos objetivos do Sinduscon-Norte/PR, contribuiu 118 para este trabalho ao descrever o perfil básico das empresas e delimitar a amostra da próxima e principal pesquisa. No inicio de novembro de 2009, quando já se dispunha de boa parte do retorno desta pesquisa, que o artigo passa a denominá-la de 1ª Etapa, foram iniciados os contatos com as empresas que preenchiam os requisitos básicos para participarem da próxima fase da pesquisa, que o artigo passa a denominar de 2ª Etapa. Esta fase compreende a aplicação de um instrumento de coleta de dados com questões abertas e fechadas focalizando o objeto da pesquisa. As questões desse instrumento seguiram um modelo já testado e aplicado em pesquisas anteriores dos seguintes autores: M. Casadesús e G. Gimenez (2000), D. Vloeberghs e J. Bellens (1996); R. Jones, G. Arndt e R. Kustin (1997) e, mais recentemente, M. D. Depexe e E. P. Paladini (2006). Foi adotada como metodologia de resposta a escala Likert com pesos variando de 1 a 5, de acordo com o grau de relevância de cada alternativa. As referidas questões abordaram os seguintes aspectos dentro das empresas: (1) Quanto à utilização e apoio de consultoria externa para a manutenção do SGQ; (2) Os motivos que levaram a empresa a instituir o PBQP-H; (3) As dificuldades e obstáculos no desenvolvimento e manutenção do PBQP-H; (4) Os custos adicionais advindos do SGQ, percebidos pela empresa; (5) As atividades que a empresa considera que facilitariam o processo de aplicação do PBQP-H; (6) Os principais benefícios observados pela empresa por decorrência do SGQ. Com relação ao aspecto 2, os motivos que levaram a empresa a introduzir o PBQP-H foram divididos em duas categorias: motivos internos, que se referem ao desejo de aumentar a produtividade e a rentabilidade, melhorar o planejamento e métodos de execução de obra e disseminar a cultura para a qualidade; motivos externos, que se referem à exigência de órgão públicos e fomentadores (principalmente a CEF) e ao emprego da certificação como estratégia de marketing. Com relação ao aspecto 6, os benefícios observados pela empresa por decorrência do SGQ foram divididos em duas categorias: benefícios internos, que são aspectos operacionais e relacionados aos funcionários; benefícios externos, que são aspectos relacionados aos clientes e aspectos financeiros/administrativos. Para as empresas que concordaram em participar do estudo de casos múltiplos, todas as coletas de dados do referido questionário se deram por meio de visitas à sede das empresas e a suas obras onde as entrevistas eram gravadas e, posteriormente, transcritas para arquivos em computador. Em todas essas empresas, foram entrevistados basicamente: o RD (representante da Direção), pelo menos um engenheiro, pessoal do departamento de RH, um mestre de obras e, em um das empresas, o almoxarife. Para as demais empresas, os questionários foram enviados por email e depois foram feitos diversos contados no sentido de orientar e de sanar dúvidas em seu preenchimento. Em uma dessas empresas foi possível aplicar o questionário por entrevista com seu RD. A aplicação desse método permitiu que se criasse uma base quantitativa mensurável de respostas, possibilitando assim a comparação estatística dos resultados da pesquisa em contribuição ao levantamento qualitativo desenvolvido por entrevistas. Com o propósito de se obter o máximo de confiabilidade dos resultados, foi acordado entre os participantes e os autores preservar a identidade dos entrevistados e das empresas, para que se sentissem mais à vontade em relatar fatos e expressar seus pareceres. 4.2.1 TRATAMENTO DOS DADOS Os dados da pesquisa foram organizados e tabulados, utilizando-se como ferramenta a planilha eletrônica Excel. O padrão observado dos resultados levou os autores a analisar as respostas considerando o resultado geral e as respostas segmentadas em grandes e pequenas empresas. A classificação das empresas, considerando seu porte foi baseada nos critérios do SEBRAE (2009), que classifica o porte de acordo com a quantidade de pessoas ocupadas dentro delas. De acordo com esse critério, no presente estudo fazem parte do grupo das pequenas empresas, as consideradas microempresas e as de pequeno porte. Já as empresas consideradas de médio ou grande porte fazem parte do grupo das grandes empresas neste estudo. 119 Para cada questão foram calculadas as médias das pontuações sobre: todas as opções de resposta, de cada empresa; todas as empresas sobre cada opção de resposta; todas as grandes e todas as pequenas empresas, sobre cada opção de resposta. Por fim, foi aferido o desvio-padrão observado sobre cada levantamento. 4.3 CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA De acordo com o Sinduscon-Norte/PR (2009), existem, oficialmente em Londrina, aproximadamente 550 empresas ligadas à construção civil. Desse total, aproximadamente 275 são construtoras de obras do tipo hábitat (escopo do PBQP-H) e estão ativas. Por meio da aplicação do instrumento de coleta de dados da 1ª etapa da pesquisa, obteve-se um retorno de 75 questionários, aproximadamente 27% do total dessa população. Extraíram-se da amostra 11 empresas que atendiam aos requisitos para participarem da 2ª etapa da pesquisa – certificadas no nível A do PBQP-H há pelo menos 30 meses. Todas essas empresas foram contatadas e convidadas a responder ao questionário da 2ª etapa. O resultado obtido com esses contatos foi o que consta a seguir. TABELA 1 – RELAÇÃO DAS EMPRESAS PARTICIPANTES DA PESQUISA HISTÓRICO DO PROGRAMA PORTE* nível D em 1º nível A em Situação PARTICIPOU DO ESTUDO DE CASOS A grande porte 2003 1/2005 vigente SIM B grande porte 2001 1/2003 vigente SIM C grande porte 2004 12/2005 vigente NÃO D grande porte 2005 11/2006 vigente NÃO E grande porte 2003 7/2005 vigente NÃO F pequeno porte 2005 6/2007 vigente NÃO G pequeno porte 2005 5/2007 vigente SIM 2001 12/2002 Não renovado desde 2006. SIM pequeno porte H (*) De acordo com os critérios do SEBRAE (2009). FONTE: elaboração dos autores, 2009. Observa-se na tabela 1 que quatro das oito empresas participaram do estudo de casos múltiplos, sendo duas que se encaixam no grupo das pequenas empresas e duas no grupo das grandes empresas, de acordo com o critério adotado para este estudo. 120 A empresa H, cuja certificação nível A não é renovada desde 2006, participou do primeiro programa de aplicação do PBQP-H promovido pelo SENAI em 2001. De acordo com as declarações feitas por Cotrin na referida entrevista, “[...] esta empresa foi uma das primeiras, senão a primeira a se certificar nível A em Londrina.” Cotrin afirmou que, apesar de a empresa não renovar sua certificação desde 2006, ela pode ser considerada “[...] um belo exemplo de empresa que assimilou os princípios do Programa e que vem praticando muito das normas sem a necessidade da pressão das auditorias.” Mediante os dados coletados na presente pesquisa, conclui-se pelo seguinte perfil básico das empresas construtoras do tipo hábitat da cidade de Londrina. De acordo com o critério do SEBRAE (2009), 81,33% das empresas construtoras da região são micro ou de pequeno porte, 12% são médio porte e 6,67% são de grande porte. As médias e grandes empresas atuam predominantemente em obras privadas de incorporação de empreendimentos residenciais (na maior parte) e comerciais. Nas micro e pequenas empresas predomina a atuação em obras privadas – geralmente obras residenciais pequenas (casas) para terceiros – e, em menor grau, obras públicas. O tempo médio de atuação das empresas da região é de 16 anos, sendo 15 anos as micro e pequenas empresas e 19 anos as médias e grandes empresas. Com relação a obras atualmente em execução, considerando-se apenas as do tipo hábitat dentro da cidade de Londrina, variam desde 5 até 12 obras para as médias e grandes empresas e em média duas obras para as pequenas empresas. Salienta-se que o tamanho médio de cada obra em andamento das grandes empresas é de aproximadamente 10.000 m2. Já para as pequenas empresas, o tamanho médio das obras é de 700 m2. Nas grandes empresas a função do RD, ou seja, a função que responde pela manutenção do PBQP-H na empresa está a cargo de um engenheiro, que cuida especificamente (ou principalmente) desse ofício. Já nas pequenas empresas, o RD é o proprietário acumulando a função de engenheiro responsável pelas obras, além gestor administrativo. 5 RESULTADOS E ANÁLISE É importante relembrar que o presente trabalho se desenvolve sob as lentes dos três processos sequenciais de institucionalização sugeridos por P. S. Tolbert e L. G. Zucker (1999), que incluem as fases de habitualização, objetivação e sedimentação. Guiando-se por essa óptica, estabelece-se que o fato de a empresa se certificar no nível A não significa que o processo de institucionalização do PBQP-H está sedimentado na empresa. Com o objetivo de se adotar um indicador que possibilite atingir o objetivo do trabalho, considera-se que as empresas que possuem o PBQP-H bem-sucedido são as que, dentro do processo de institucionalização do PBQP-H na empresa, atingiram um elevado grau de sedimentação dos requisitos da norma em sua estrutura. Em síntese, são as empresas cujo PBQP-H já se encontra praticamente sedimentado na cultura da empresa. Com esse intuito, elaborou-se um método de análise que permite demonstrar de forma sistêmica o resultado da pesquisa e, ao mesmo tempo, analisar mais detalhadamente os principais requisitos que formam a essência da norma, utilizando-se como indicador os três processos sequenciais de institucionalização de P. S. Tolbert e L. G. Zucker (1999). O presente método se propõe a contribuir para os objetivos deste estudo, trazendo respostas aos seguintes questionamentos: a) quais itens da norma se sedimentam na estrutura e nos hábitos das empresas, a ponto de não mais haver a necessidade da pressão de auditorias ou de uma norma para serem praticados; b) quais itens da norma não se sedimentam e em que fase eles se encontram; c) quais os fatores que levaram a empresa a essa fase; d) comparar essa situação entre os grupos de pequenas e grandes empresas e entender as diferenças e igualdades. O método foi aplicado de forma efetiva nas empresas A, B e H, por terem elas participado do estudo de casos múltiplos, possibilitando levantar os dados de maneira mais aprofundada. O quadro a seguir apresenta uma síntese do referido método. 121 ASPECTOS DA NORMA qualificação de fornecedores ANÁLISE Empresa H: pratica informalmente sem a necessidade dos registros. Os funcionários já assimilaram a pratica. Justificativa: a quantidade de fornecedores e o volume de compras não justificam a formalização. Empresas A e B: pratica plenamente. Justificativa: o procedimento é útil, trouxe melhorias e benefícios. Grande volume de fornecedores e compras. controle de distribuição de documentos indicadores de qualidade controle de ação corretiva/ preventiva auditoria interna da qualidade materiais controlados/ FVM CONCLUSÃO/ STATUS parcialmente sedimentado prática: sedimentada formalização: não habitualizada sedimentado Empresa H: ajudou na padronização e organização geral, porém não usam registros de controle de distribuição de cópias. Justificativa: baixo fluxo de documentos e registros. Seria uma burocracia desnecessária. parcialmente sedimentado prática: sedimentada formalização não habitualizada Empresas A e B: praticam à risca. Estão partindo para a automatização dos registros e digitalização de cópias. Justificativa: necessário devido ao grande volume diário. sedimentado Empresa H: utiliza controle de BDI por necessidade e exigência de contrato, mantém controle informal de desperdícios, não utiliza indicador de satisfação do cliente. Justificativa: o baixo volume de obras não justifica. não habitualizado Empresas A e B: usam formalmente diversos indicadores. Justificativa: Importantes para tomada de decisão. sedimentado Empresa H: nunca usou procedimento formal e documentado, mas estão habituados a praticá-lo informalmente. Justificativa: nunca viu utilidade no uso formal. parcialmente objetivado prática: objetificada formal: não habitualizada Empresas A e B: não praticam formalmente. Todavia, a prática informal de disposições já faz parte da cultura. Justificativa: dificuldades em praticá-lo formalmente. parcialmente sedimentado prática: sedimentada formalização: habitualizada Empresa H: apenas para atender à norma. Justificativa: não enxergam utilidade prática. habitualizado Empresas A e B: praticam plenamente. A empresa B passou a adotar auditorias sem prévio aviso. Justificativa: muito útil para corrigir e aprimorar o SGQ. sedimentado Empresa H: pratica os princípios, mas eliminou registros. Justificativa: fluxo relativamente baixo, não justificava o acumulo de papéis. Empresas A e B: praticam plenamente, mas têm dificuldade em justificar sua utilidade. Não estenderam seu uso aos demais materiais não controlados. Justificativa: utilização por exigência da norma. parcialmente sedimentado prática: sedimentada formal: não habitualizada objetificado 122 serviços controlados/FVS manutenção e calibração de ferramentas Empresa H: o procedimento está sendo executado, mas não documentado como pede a norma. Justificativa: os registros de acompanhamento e checagem nunca serviram para nada na prática – só para a auditoria. parcialmente sedimentado. prática: sedimentada formalização: não habitualizada Empresas A e B: apesar de utilizarem, os encarregados alegam muita perda de tempo. Há consenso de sua importância, mas “poderia haver melhor alternativa.” Justificativa: fonte de informações para gerar importantes dados estatísticos – uma forma de manter o pessoal alerta. objetificado prática: - empresa a: objetivada - empresa B: sedimentada formalização: objetivada Empresa H: limita-se a fornecer uma trena por obra. Justificativa: praticou à risca por quatro anos sem registrar uma única irregularidade. “Era só perda de tempo e dinheiro.” não habitualizado Empresas A e B: procedimento é praticado à risca. Justificativa: importante para a qualidade da obra. sedimentado FONTE: elaboração dos autores, 2009. Os aspectos escolhidos para serem analisados no referido método, além de fazerem parte do núcleo da Norma SiAC por sua relevância, foram justamente aqueles em que as empresas analisadas evidenciaram por meio da presente pesquisa – maior dificuldade na sua sedimentação. Com base nessa análise, foi possível estabelecer um ranking das 8 empresas pesquisadas com relação ao grau de institucionalização dos referidos aspectos analisados, usando-se como indicador o processo de institucionalização de P. S. Tolbert e L. G. Zucker (1999), conforme demonstrado no gráfico a seguir. GRÁFICO 1 – GRAU DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA NORMA SIAC DENTRO DAS EMPRESAS PESQUISADAS FONTE: elaboração dos autores, 2009. Observa-se nesse gráfico que os resultados levantados na análise mostram que, das empresas que participaram da pesquisa, todas as grandes, além da pequena empresa H, atingiram grau relativamente alto de institucionalização da norma em sua estrutura. O gráfico 1 demonstra que elas se encontram em uma situação “azul”, representando “tranquilidade” em relação à norma. As empresas A e B alcançam respectivamente uma média de 80% e 90% de sedimentação, encontrando-se em uma situação ainda mais “tranquila”. Os resultados da presente pesquisa comprovam que boa parte dos requisitos da norma está sedimentada na cultura destas duas empresas, sendo eles praticados de forma consciente sem a necessidade de fiscalização. Pôde-se constatar, conforme apresenta o gráfico 1, que as empresas C, D e E se encontram em um avançado período de amadurecimento do SGQ em suas estruturas. Evidenciou-se pela pesquisa que tais empresas possuem uma cultura sensivelmente voltada para a qualidade, com 123 mais ênfase à empresa E que, segundo seu RD: “[...] existe na empresa uma cultura de valorização de seus funcionários, devido a origem japonesa de seus proprietários.” Já com relação às empresas F e G, a situação é de “alerta”, figurando-se com a cor amarela no gráfico 1. Constatou-se pela pesquisa que, após 30 meses da certificação no nível A, a norma ainda se encontra em uma fase entre a habitualização e a objetivação. Seus funcionários parecem não estar dispostos a enxergar os benefícios ou a praticidade da norma, impondo barreiras em sua aceitação, apesar de, por imposição, estarem praticando-a no dia a dia. Apresentam-se seguir, de forma objetiva, os principais resultados da pesquisa sob a ótica das três hipóteses levantadas e apresentadas no início deste estudo. 5.1 CAPACITAÇÃO E CULTURA PARA A QUALIDADE Das quatro empresas que participaram do estudo de casos múltiplos, três atribuíram grande parte do sucesso atual do PBQP-H à cultura voltada para a qualidade, que foi desenvolvida e amadurecida na empresa ao longo do processo de introdução. Os entrevistados das pequenas empresas G e F foram os únicos que não mencionaram esse fato. Constatou-se pela pesquisa que ambas registram uma alta rotatividade dos funcionários de obra – justificada por elas pelo limitado fluxo de obras. Ambas foram certificadas mais recentemente (há cerca de 30 meses) em relação às demais. Constatou-se também que essas empresas não foram orientadas com relação à importância de se criar uma cultura voltada para a qualidade, no sentido de despertar a consciência de seus colaboradores sobre esses valores. Como consequência dessa postura, percebe-se que não existe um clima de equipe ou de melhoria contínua entre os funcionários de tais empresas. O relacionamento entre o pessoal dos níveis técnico/gerencial e o operacional é formal e limitado, não havendo um clima de envolvimento e contribuição mútua, o que foi constatado nas demais empresas. Essa constatação confirma a explicação de M. F. Pereira e M. S. Cunha (2004) de que qualquer grupo com uma participação estável e uma história de aprendizado compartilhado terá desenvolvido algum nível de cultura, mas um grupo que possua um alto índice de rotatividade de seus membros e líderes poderá não ter nenhuma suposição compartilhada. Com relação à liderança, de acordo com P. Jaime Junior (2002), toda organização tem uma cultura, seja ela formal ou informal, e a liderança é o processo que determina a formação e a mudança da cultura, sendo esse um dos papéis mais importantes dos lideres nas organizações. O que se percebeu nesta pesquisa é que, normalmente, o proprietário das pequenas empresas são os próprios engenheiros – sendo essa a realidade das empresas G, F e H – que acumulam outras funções gerenciais. Sabe-se que os engenheiros geralmente recebem em sua formação profissional uma grande carga de disciplinas técnicas e muito pouca carga de disciplina gerencial, psicológica ou sociológica. Dessa forma, pode-se deduzir que os líderes de tais empresas acabam tendo pouca consciência da importância de uma liderança autêntica, transformando-se mais em autênticos patrões (aquele que manda) e menos em líderes (aqueles que promovem mudanças). Esses patrões acabam por gerar uma cultura voltada apenas para a busca por resultados técnicos imediatos e, aliado à alta rotatividade, formam funcionários não comprometidos com a empresa. Já nas grandes empresas pesquisadas, como na pequena empresa H, o clima percebido foi outro. As declarações feitas pelo responsável pelo RH da empresa A sintetizam o sentimento percebido pelos funcionários das referidas empresas. Segundo ele, [...] a cultura é de investir no funcionário e mantê-lo na empresa [...] você nunca vê funcionários discutindo um com o outro, sempre um funcionário tá colaborando um com outro, dessa forma o clima na empresa é o melhor possível. Enfatizou ainda que “[...] aqui é uma maravilha para trabalhar em todos os sentidos.” O que chama a atenção é que a empresa H possui as mesmas características estruturais e funcionais das demais pequenas empresas, além do mesmo fluxo de obras. Mesmo assim, os fatores que levaram as demais grandes empresas a conquistarem esse clima favorável e contribuíram para o maior sucesso na institucionalização do PBQP-H serviram também para levar a empresa H a esse mesmo status. 124 Sendo assim, a presente análise confirma a hipótese levantada de que as empresas que investiram em pessoal, capacitando-o e diminuindo a rotatividade alcançam maior sucesso com o SGQ em relação às demais. 5.2 MOTIVOS INTERNOS E BENEFÍCIOS DA NORMA Com o intuito de analisar a relação e influência dos motivos que levam as empresas a se certificarem no PBQP-H e seu o grau de benefícios conquistados, empreendeu-se o cruzamento dos resultados da questão da pesquisa que trata dos motivos que levaram as empresas a se certificarem com outros importantes aspectos levantados na pesquisa, conforme mostra a tabela 2 a seguir, dentro de uma dinâmica causa-efeito, na busca pelo entendimento de suas relações. TABELA 2 – RELAÇÃO ENTRE MOTIVOS QUE LEVARAM A INSTITUIR O PBQP-H X CULTURA X ROTATIVIDADE MOTIVOS EMPRESA pequena grande internos externos JÁ POSSUÍAM UMA CULTURA DA QUALIDADE ANTES DO PBQP-H ALTO INVESTIME NTO EM CAPACITA ÇÃO E CONSCIEN TIZAÇÃO PARA A QUALIDAD E ÍNDICE DE ROTATIVIDADE A 4,3 2,0 Sim Sim Baixo B 4,3 1,0 Sim Sim Baixo C 4,3 2,7 N/D Sim Baixo D 4,0 2,7 N/D Sim Baixo E 4,3 2,3 Sim Sim Baixo F 2,0 4,7 Não Não Alto G 3,3 4,7 Não Não Alto H 4,7 2,7 Sim Sim Baixo FONTE: elaboração dos autores, 2009. Constata-se na tabela que todas as grandes empresas entrevistadas consideraram categoricamente que os motivos internos foram os que pesaram para sua decisão, enquanto as pequenas empresas, com exceção da empresa H, fizeram o contrário. Com relação às grandes empresas entrevistadas, mais a pequena empresa H, constatou-se que, mesmo antes da decisão pela introdução do PBQP-H, elas já vinham desenvolvendo uma cultura voltada para a qualidade mediante investimentos constantes em treinamento e capacitação de seus funcionários (não foi possível confirmar com as empresas C e D se elas já investiam nesse 125 aspecto antes da execução do programa). Com o tempo, todas essas ações proporcionaram um alto grau de institucionalização do SGQ nessas empresas. Por outro lado, pequenas empresas, como a F e G, visivelmente ainda não criaram uma cultura da qualidade em seus funcionários, mesmo após 30 meses da certificação. Por consequência, o grau de institucionalização da norma nessas empresas é quase nulo, estando elas apenas mantendo a certificação em função de o mercado estar aquecido e da necessidade de fontes de financiamento das obras. Ao comparar a postura dessas pequenas empresas pesquisadas com o padrão de adesão ao PBQP-H, das empresas da região desde 2001, pode-se concluir que essa postura é seguramente o motivo de o PBQP-H não ter-se consolidado entre as empresas. Constata-se por meio de dados fornecidos pelo PBQP-H (MCidades, 2009) e confirmados pelo engenheiro Cotrin que, apesar do programa estar sendo desenvolvido em Londrina pelo SENAI desde 2001, a quantidade de empresas ativas no nível A não progrediu. O gráfico 2 a seguir demonstra essa realidade ao comparar a evolução da quantidade de empresas londrinenses que participaram do programa de aplicação do PBQP-H pelo SENAI, a evolução do número de empresas que mantêm sua certificação nível A e a relação dessas variáveis com os programas e ações institucionais no período de 2001 a 2009. GRÁFICO 2 – COMPARAÇÃO: QUANTIDADE DE EMPRESAS PARTICIPANTES DO PBQP-H PELO SENAI X TOTAL DE EMPRESAS COM CERTIFICAÇÃO NÍVEL “A” VÁLIDA FONTE: elaboração dos autores, 2010. Observa-se no gráfico que, em 2001, havia um grande interesse na modalidade de financiamento da CEF identificada pela sigla PAR, que, na época, já estava atrelada à exigência do PBQP-H, motivando um número significativo de empresas a aderir ao programa. Com o passar do tempo, em 2004, a CEF ampliou as exigências das empresas para o acesso a esse financiamento, levando as empresas a perderem o interesse pelo PAR. Isso fez com que quase todas essas empresas na época não renovassem suas certificações, chegando a ponto de nenhuma empresa se interessar pelo PBQP-H, em 2005, segundo Cotrin. Por consequência disso, na época, o SENAI estruturou ações de divulgação do programa na região, surtindo em uma reação tímida até 2008. Só a partir de 2008, com o anúncio do programa “Minha Casa Minha Vida’, as empresas voltaram a se interessar, somando-se atualmente mais de 20 empresas participantes da aplicação do programa. Dessa forma, caso as pequenas empresas F e G não venham a mudar sua postura em relação ao PBQP-H e quebrar as resistências que já se formaram em sua cultura, elas irão apenas gerar despesas para manter a certificação em dia e, quando acabar a motivação externa que as impulsionaram para o programa (o que historicamente sempre acontece), restará a elas seguir o 126 caminho da maioria das outras: abandonar o SGQ, sem ter usufruído o mínimo de benefícios que ele poderia ter proporcionado. Diante de todas essas evidências, conclui-se que a grande maioria das empresas que, introduziram o PBQP-H e deixaram de renová-lo ao longo do tempo, buscaram a certificação por motivos externos, basicamente pela exigência da CEF, enquanto as empresas que até hoje mantêm a certificação – basicamente as que participaram desta pesquisa – buscaram a certificação por motivos predominantemente internos, sendo justamente as que alcançaram elevado índice de institucionalização da norma em sua estrutura. Sendo assim, a presente análise confirma a hipótese levantada de que as empresas que adotaram SGQ por motivos internos alcançam maior sucesso com o PBQP-H em relação àquelas que se guiaram por motivos externos. 5.3 O PORTE DAS EMPRESAS E A NORMA A presente pesquisa evidenciou que nas grandes empresas o grau de institucionalização da norma, em geral, é elevado, principalmente, pelo elevado e constante fluxo de obras. A administração delas se torna uma tarefa complexa, exigindo-se a necessidade de padronizar cada vez mais as rotinas e procedimentos, tanto em obras como na área gerencial. A busca pela eficácia e pela produtividade se torna quase obrigatória, e isso só se consegue por meio de informações atualizadas e alto grau de padronização. O processo de institucionalização do SGQ nessas empresas encontra-se sedimentado a ponto de elas admitirem que, caso deixassem de renovar a certificação, provavelmente elas não deixariam de praticar o SGQ da maneira que já vêm praticando. De acordo com o engenheiro da empresa B, Hoje se alguém propuser deixar tudo de lado e voltar como era antes, não tem como, não se admite mais. Se você pensar hoje em qualidade, produtividade e satisfação do cliente, [...] é consequência disso (SGQ). Qualidade, produtividade e satisfação do cliente, tudo isso reflete bem a cadeia e é fruto de uma política de qualidade. Um exemplo de como se dá a institucionalização da norma na empresa é a experiência relatada pelo RD da empresa A. Segundo ele, há cerca de um ano a empresa adotou um procedimento de desenvolvimento e revisão periódica de todos os procedimentos, registros e documentos “[...] com as pessoas que realmente os usam.” Esta é a essência do SGQ: tornar o processo prático, útil e benéfico para a empresa, ao mesmo tempo em que atende à norma. Ele relatou que [...] o que acontecia até então é que foi imposto um procedimento com os registros e documentos pensando apenas em atender à norma e não na funcionalidade dela. Dessa forma acaba havendo uma burocratização do processo, sem benefícios e sem funcionalidade. O que se vê nessa prática é que a empresa já passou pelo processo de objetivação ou semiinstitucionalização e entrou no processo de sedimentação ou de institucionalização total da norma, segundo o modelo de P. S. Tolbert e L. G. Zucker (1999). O próprio RD da empresa declarou: “O que se quer é que as pessoas entendam a utilidade dos procedimentos e não apenas preencham papel porque têm que preencher o papel.” Para ele, “[...] o programa tem que trazer benefícios, senão não existe fundamento para isso. As pessoas têm que entender a utilidade e o benefício de se estar fazendo daquela forma.” Já para as pequenas empresas, a prática literal de muitos requisitos, da maneira como está especificada na norma, parece não fazer sentido para a realidade delas. A estrutura organizacional dessas empresas é, geralmente, de baixa complexidade, apenas o suficiente para atender a um volume relativamente baixo de obras e, geralmente, de obras menores e menos complexas. Dessa meneira, muitos desses requisitos acabam sendo praticados de forma coercitiva, não atingindo legitimidade e não se sedimentando na estrutura da empresa. De acordo com a percepção do próprio RD da empresa A, [...] como em empresas menores a constância de obras é menor, a rotatividade aumenta e a manutenção do sistema se torna mais penosa, necessitando de treinamentos constantes e dando a 127 impressão de se partir sempre do zero. Nesse ambiente, a melhoria contínua em obras é quase uma ilusão. Dentro dessa realidade, a empresa H mereceu especial atenção nessa fase, pelo fato de estar trabalhando desde 2006 dentro de um SGQ com base na norma SiAC, sem a pressão de sanções ou punições dos agentes externos (auditorias). Desse modo, ela conseguiu moldar seu SGQ, adaptando-o para a realidade das pequenas empresas, atingindo um grau relativamente alto de institucionalização de seus requisitos. De posse de todas essas informações, pode-se concluir seguramente que o processo de institucionalização dos requisitos da norma SiAC se dá de maneira bem distinta entre grandes e pequenas empresas, rejeitando-se assim, a hipótese de que o modelo atual do PBQP-H é eficaz para todas as empresas construtoras, independente do tamanho destas. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Um aspecto positivo observado neste trabalho foi a grande receptividade dos entrevistados, facilitando a construção do estudo. Essa atitude reflete o interesse e a preocupação de empresas em promover melhorias no programa. Sendo assim, em retribuição à dedicada colaboração de todos os participantes, apresenta-se, nesta última seção, uma síntese das principais recomendações e sugestões de melhoria, tanto da estrutura da norma como do processo de aplicação. As sugestões e recomendações a seguir, têm por objetivo: obter o máximo grau de institucionalização da norma na estrutura das empresas; conquistar níveis mais elevados de satisfação de seus integrantes; e reduzir o número de empresas que abandonam a certificação. As sugestões estão discriminadas na sequência: 1) A formação de uma cultura da qualidade: recomendação de maior potencial para levar o programa a atingir os referidos objetivos. Sugere-se que, previamente à adoção do PBQP-H, seja desenvolvido um programa de capacitação de seus integrantes, com a finalidade de formar uma base de conscientização dos funcionários, focalizando a qualidade, a liderança e o trabalho em equipe. Esses valores são essenciais na formação de uma cultura sólida voltada para a qualidade e melhoria contínua. Todas as empresas pesquisadas que demonstraram elevado grau de institucionalização da norma evidenciaram ter tido essa base antes da aplicação do PBQP-H e, por meio dela, construíram uma sólida cultura organizacional pautada na qualidade; 2) Adequação dos procedimentos de controle de materiais e serviços controlados: a aplicação destes procedimentos da norma foram os que se mostraram mais problemáticos na presente pesquisa. Recomenda-se neste caso um reestudo na estrutura desses dois procedimentos, com base nas experiências e sugestões dos próprios usuários, cuja norma se encontre em elevado grau de institucionalização. Pelo menos três empresas entrevistadas apresentaram sugestões de melhorias em relação a esses itens. Em síntese, as sugestões foram: (1) sugestão aplicável a ambos os grupos de empresas – criar um diário de obra em que se registraria o acompanhamento dos serviços, recebimento de materiais e qualificação de fornecedores. Apenas quando houvesse uma não-conformidade é que se abriria uma ficha para registrá-la e por esta tomar-se-iam as devidas providências e disposições; (2) sugestão de Ficha de Verificação de Serviço (FVS), recomendada para incorporação de torres e conjuntos habitacionais – adotar uma única ficha por unidade habitacional, fazendo-se o registro e acompanhamento de todos os serviços que estariam sendo executados. Seriam desenvolvidas fichas para cada fase da obra, e o encarregado faria o acompanhamento e disposições de não-conformidades. 3) Elaboração de níveis evolutivos de certificação diferenciados de acordo com o porte das empresas: A presente experiência poderia contribuir, tanto para definir os critérios de diferenciação do porte, como para estabelecer diferentes níveis de complexidade dos itens da norma para as empresas de menor porte. Dessa forma as pequenas empresas teriam um nível de certificação A adaptável à realidade delas. As constatações e conclusões do presente trabalho permitem que sejam feitas mais sugestões que contribuam para a melhoria do PBQP-H, desde novos critérios de conformidade para as consultorias até pormenores técnicos em requisitos específicos da norma. Entretanto, seriam necessários mais tempo e recursos para um maior aprofundamento no tema. Fica assim evidenciada a necessidade do desenvolvimento de mais pesquisas que venham contribuir para o aprimoramento das propostas apresentadas e para a melhoria continua da qualidade na gestão de um setor de 128 relevante representatividade na economia nacional e ainda carente em pesquisas sobre o presente tema. Ressalta-se a necessidade de se aplicar o método utilizado neste trabalho, em outras localidades e com amostras de maior representatividade, no intuito de evoluir a ferramenta, comparar os resultados, aprimorar as sugestões e propor novas ações. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE MATERIAL DE CONSTRUÇÃO (ABRAMAT). 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Porto Alegre: Bookman, 2005. 131 COMPARAÇÃO ENTRE ESTRUTURA DE CAPITAL E NÍVEL DE GOVERNANÇA THAÍS CRISTINE RIPKA Mestranda em Contabilidade (UFPR) LUIZ FERNANDO BERBETZ MARTINS Mestrando em Contabilidade (UFPR) ANA PAULA MUSSI SZABO CHEROBIM Doutora e professora do Mestrado em Contabilidade – UFPR 132 RESUMO Com vistas a minorar os efeitos da falta de transparência, a BMF&Bovespa lançou níveis diferenciados de governança corporativa e incentiva que empresas adentrem a maiores níveis. Neste estudo, pressupoem-se que empresas com melhores práticas de transparência obtêm recursos de terceiros mais facilmente e a taxas de juros menores, gerando maior endividamento. Objetivo: investigar se o nível de endividamento das empresas participantes do nível Novo Mercado é maior em comparação às demais empresas listadas em Bolsa. Metodologia: a amostra foi composta de 314 empresas e destas 88 estão inseridas no Novo Mercado. A base de dados econômico-financeiros foi constituída a partir do Economática, para o período de 2002 a 2009. Tevese como principal indicador de endividamento a estrutura de capital. As técnicas empregadas foram análise gráfica por boxplot e comparação entre médias pelo teste t. Resultados: a análise gráfica não demonstra aumento de endividamento a partir do indicador de endividamento utilizado, já que este decresce de 24% (2002) para 17% (2009) para 1º quartil e de 70% para 49 para a mediana e quartil. Conclusão: a análise do nível de endividamento como realizada nesta pesquisa, não permite afirmar que as empresas com maior nível de governança apresentam maior nível de endividamento. Palavras-chave: BMF&Bovespa, níveis de governança, endividamento. ABSTRACT In order to alleviate the effects of lack of transparency, BMF& Bovespa launched levels of corporate governance and encourages companies to enter into the higher levels. In this study, it is assumed that companies with best practices of transparency obtain third-party resources more easily and at lower interest rates, generating more debt. Objective: To investigate whether the level of indebtedness of the companies participating in the New Market level is higher compared to other companies listed on the Stock Exchange. Methodology: The sample consisted of 314 companies and 88 of these are located in New Market. The basis of economic and financial data was obtained from the Economática for the period 2002 to 2009. Had to be the main indicator of the debt capital structure. The techniques were employed by boxplot graphical analysis and comparison between means by t test Results: The graphical analysis shows no increase in debt from the debt indicator used, as it decreases from 24% (2002) to 17% (2009) for the first quartile and 70% to 49 for the median and quartile. Conclusion: The analysis of the level of indebtedness as performed in this research did not show that firms with higher levels of governance have a higher level of indebtedness. Keywords: BMF & Bovespa, levels of governance, indebtedness. 133 1 INTRODUÇÃO Com vistas a minorar os efeitos perversos da falta de transparência, a Bovespa lançou, em 2001, os níveis diferenciados de governança corporativa entre as empresas listadas e vem fortalecendo os incentivos para que as empresas adentrem a mais elevados níveis de governança. Os escândalos financeiros de empresas como Amro e Banco Behrings e a crise financeira mundial que, entre outros destaques, mostrou a fragilidade da contabilização de operações financeiras, corroboram o estudo do tema. Por outro lado, a questão da estrutura de capital é discussão antiga na academia e nas empresas, porquanto não se tem ainda consenso quanto à existência ou não de uma estrutura ótima de capital para as empresas. Ou seja, não se sabe qual o melhor nível de endividamento para as empresas. Este artigo apresenta as primeiras conclusões de uma pesquisa que se insere nesse contexto e tem por objetivo investigar se o nível de endividamento das empresas participantes do nível de governança no novo mercado é maior em comparação às demais empresas listadas em bolsa. O pressuposto é que as empresas com melhores práticas de transparència conseguem obter recursos de terceiros mais facilmente e a taxas de juros menores, o que as levaria a maior nível de endividamento. 2 REFERENCIAL TEÓRICO O embasamento conceitual necessário para a investigação científica do tema exige a compreensão das teorias de estrutura de capital e endividamento e a conceituação de governança corporativa. 2.1 ESTRUTURA DE CAPITAL As decisões de financiamento estão relacionadas ao estudo da estrutura de capital das empresas, o qual, segundo Cherobim (2008), está diretamente relacionado às fontes de financiamento da empresa, que se dividem em dois grandes grupos: o capital próprio, representado pelos recursos que os acionistas aplicaram na empresa, e o capital de terceiros, que é constituído por diferentes formas de endividamento de longo prazo. Damodaran (2002) explica a diferença fundamental entre dívida (capital de terceiros) e ação (capital próprio): aquela confere ao portador direitos sobre um conjunto controlado de fluxos de caixa (normalmente juros e pagamentos do principal), enquanto a segunda confere ao portador direitos sobre quaisquer fluxos de caixa residuais depois de terem sido cumpridos todos os demais compromissos. Para Copeland, Weston e Shastri (2005), detentores de títulos de dívida (capital de terceiros) são investidores que abrem mão de dinheiro no presente pela promessa de pagamentos futuros, que englobam valor principal e juros. Já os investidores em patrimônio líquido (capital próprio), abrem mão de seu capital pela expectativa de ganhos futuros, condicionados à geração de riqueza pela empresa. Além desses, ainda existe um terceiro tipo de título, denominado híbrido, que possui alguma característica de dívida (capital de terceiros) e alguma característica de ação (capital próprio) – por exemplo, as ações preferenciais. As discussões sobre a otimização ou não da estrutura de capital de uma empresa permeiam por décadas a área de finanças. As teorias mais difundidas são: (1) teoria da irrelevância da estrutura de capital, (2) teoria da estrutura ótima de capital e (3) teoria da hierarquia – pecking order. A teoria da irrelevância da estrutura de capital foi primeiramente apresentada, em 1958, por Franco Modigliani e Merton Miller (MM). Cherobim (2008) afirma que a maior importância dessa teoria está no pioneirismo em utilizar o método científico para analisar a composição de capital das empresas, até então estudada por meios descritivos. Em contraposição aos trabalhos de MM, DeAngelo e Masulis (1980) demonstram que o teorema da irrelevância apresentado é extremamente sensível à realidade e a pequenas 134 modificações nos parâmetros, como inclusão de custos de falência, de monitoramento ou alteração nas premissas de tributação. Em seu modelo, DeAngelo e Masulis (1980) inferem que existe uma estrutura ótima de capital para cada empresa em cenário de equilíbrio de mercado. A teoria apresentada também é encontrada na literatura como teoria do trade off. Conforme explicam Bradley, Jarrell e Kim (1984), a estrutura ótima de capital de uma empresa envolve a troca entre as vantagens tributárias obtidas na tomada de crédito e os vários custos relacionados ao impulso, como o de falência e de agência. Segundo Damodaran (2002), se a decisão sobre financiamento envolve uma opção entre as vantagens e os custos da dívida, os benefícios marginais serão compensados precisamente pelos custos marginais somente em casos excepcionais. Na maioria das vezes, uma das variáveis será maior do que a outra. Dessa maneira, existe uma estrutura ótima de capital na qual o valor da empresa é maximizado. Os precursores da terceira teoria, a da hierarquia, foram Myers e Majluf (1984) e Myers (1984). Para eles, os executivos detêm mais informações sobre a empresa do que investidores externos (assimetria informacional). Para os autores, as empresas não tomam decisões para atingir a estrutura ótima de capital, a fim de maximizar o valor da empresa. É mais interessante reaplicar os lucros da empresa nos novos projetos do que fazer novas captações junto a acionistas. A divulgação é trabalhosa e tem custos, além de municiar a concorrência com informações sobre produtos a serem lançados, sobre novas tecnologias e sobre detalhes do planejamento. (CHEROBIM, 2008). De acordo com Damodaran (2002), essa teoria reconhece que as empresas seguem uma hierarquia de financiamento: lucros acumulados é a opção preferida para financiamento, seguida de dívida, novas ações ordinárias e novas ações preferenciais. Os administradores dão valor à flexibilidade e ao controle. Financiamentos externos reduzem a flexibilidade de uma empresa, e novas ações e contratos de dívida fazem com que os controladores percam controle por conta de eventual diminuição de sua participação no capital total e também por cláusulas contratuais, respectivamente. O arcabouço teórico da pesquisa que originou este artigo não pressupõe superioridade de uma ou de outra teoria da estrutura de capital. Utiliza a estrutura de capital de cada uma das empresas pesquisadas para estabelecer seu grau de endividamento, permitindo a relação com os níveis de governança em que essas empresas estão listadas. 2.2 GOVERNANÇA CORPORATIVA Governança corporativa para o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) [...] são as práticas e os relacionamentos entre os Acionistas/Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o acesso ao capital.” Além disso, a expressão é utilizada para abranger os [...] assuntos relativos ao poder de controle e direção de uma empresa, bem como as diferentes formas e esferas de seu exercício e os diversos interesses que, de alguma forma, estão ligados à vida das sociedades comerciais. (IBGC, 2003). A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em sua cartilha de recomendações sobre governança corporativa (2003: 1), a conceitua como [...] o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. A análise das práticas de Governança Corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve, principalmente: transparência, equidade de tratamento dos acionistas e prestação de contas. 135 As empresas brasileiras de capital aberto estão sujeitas à classificação de suas práticas de governança em níveis diferenciados estabelecidos pela então Bovespa, em 2001. As empresas com melhores práticas de governança estão listadas no novo mercado, seguidas pelas empresas de nível 2, nível 1 e mercado geral, estas obedecendo apenas aos requisitos legais de transparência, para manterem suas ações listadas em bolsa. O novo mercado é um segmento do mercado acionário destinado à negociação de ações emitidas por empresas que se comprometem, voluntariamente, com a adoção de práticas de governança corporativa e disclosure adicionais em relação ao que é exigido pela legislação. A premissa básica do novo mercado é de que a valorização e a liquidez das ações de um mercado são influenciadas positivamente pelo grau de segurança que os direitos concedidos aos acionistas oferecem e pela qualidade das informações prestadas pelas empresas (BM&FBOVESPA, 2004). A BM&FBovespa estabelece que a principal inovação do novo mercado, em relação à legislação, é a proibição da emissão de ações preferenciais. Todavia, essa não é a única. Resumidamente, a companhia aberta participante do novo mercado tem como obrigações adicionais: a) realização de ofertas públicas de colocação de ações por meio de mecanismos que favoreçam a dispersão do capital; b) manutenção em circulação de uma parcela mínima de ações, representando 25% do capital; c) extensão a todos os acionistas das mesmas condições obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia – tag along; d) estabelecimento de um mandato unificado de um ano para todo o Conselho de Administração; e) disponibilidade de balanço anual, seguindo as normas internacionais de contabilidade; f) introdução de melhorias nas informações prestadas trimestralmente, entre as quais a exigência de consolidação e de revisão especial; g) obrigatoriedade da realização de uma oferta de compra de todas as ações em circulação pelo valor econômico, nas hipóteses de fechamento do capital ou cancelamento do registro de negociação no novo mercado; h) cumprimento de regras de disclosure em negociações envolvendo ativos de emissão da companhia por parte de acionistas controladores ou administradores da empresa. As boas práticas de governança não se exaurem nas exigências da BMF&Bovespa. Padrões internacionais e exigências específicas de grupos de acionistas podem levar a empresa a dar maior visibilidade às suas decisões e resultados. Tendo em vista a dificuldade em mapear a diversidade dessas práticas, a pesquisa que originou este artigo limitou-se a estabelecer como pressuposto que as empresas listadas no novo mercado são as de melhores práticas de governança. 3 METODOLOGIA A abordagem metodológica da pesquisa que originou este artigo é quantitativa, a análise é descritiva e o corte é longitudinal. A população é formada por todas as empresas listadas na BM&FBovespa e a amostra inicial foi composta de empresas listadas no sítio da BM&Bovespa, totalizando 547. Dessas, inicialmente foram desconsideradas 165 empresas por não possuírem informações no banco de dados do software de coleta utilizado e ainda outras 68 pertencentes ao setor financeiro, dadas as especificidades do setor. A amostra final é composta de 314 empresas, das quais 88 estão inseridas no novo mercado, conforme figura 1. As demais, 226 empresas, ou estão classificadas como nível 1, 2, Balcão Organizado, Bovespa Mais, BDR nível 3 ou não apresentam classificação conforme coleta de dados realizada na BM&FBovespa. 136 FIGURA 1 – COMPOSIÇÃO DA AMOSTRA Com relação aos dados econômico-financeiros, a base de dados foi constituída com fundamento em Economática, software especializado em informações para o mercado de capitais. O principal indicador de endividamento, utilizado na análise foi a estrutura de capital, calculada da seguinte maneira: exigível de longo prazo/(exigível lp + patrimônio líquido). O banco de dados Economática também apresenta esse indicador calculado com base no valor de mercado, mas pelas discrepâncias verificadas e pela própria vulnerabilidade do preço da ação que determina este valor, tal procedimento não foi utilizado. O período de tempo da análise foi de 2002 a 2009, e as informações de 2002 a 2008 são referentes a 31/12 do ano em questão, enquanto a informação de 2009 advém do ITR3. A análise dos dados se deu pelo boxplot, gráfico que possibilita representar a distribuição de um conjunto de dados com base em alguns de seus parâmetros descritivos: a mediana (q2), o quartil inferior (q1), o quartil superior (q3) e intervalo interquartil (IQR = q3 - q1). A análise primeiramente ocorreu comparando-se o gráfico boxplot de endividamento das empresas pertencentes ao novo mercado com as não pertencentes ao novo mercado. Já para a segunda medida de comparação, avaliou-se somente o segmento de construção das empresas pertencentes ao novo mercado com o mesmo setor das empresas não pertencentes. Esse setor específico foi selecionado pela elevada concentração de empresas no total da amostra e também por possuir representatividade nos dois grupos pesquisados. Como comparação final, confrontou-se o segmento de construção, que pode ser tomado como segmento tradicional, com os segmentos de tecnologia de informação e telecomunicações, que, por sua vez, podem ser tidos como segmentos contemporâneos. Na primeira análise, foram excluídas duas empresas do total de 88 participantes do novo mercado, pois elas apresentavam níveis de endividamento fora dos padrões da amostra (outliers) e também foram desconsideradas 60 das 226 empresas não participantes do novo mercado, pelo mesmo motivo. Já para a segunda análise, foram desconsideradas três empresas do total de 24 participantes do novo mercado e do setor de construção e outras 4 das 12 não participantes do novo mercado desse mesmo setor. No caso do setor de TI e telecomunicações, das 21 empresas listadas, 6 participam do novo mercado e 15 estão fora dele. Os mesmos parâmetros de inclusão na amostra foram considerados; expurgando-se os outliers, têm-se respectivamente, para as comparações finais, 2 e 14 empresas. A fim de ampliar a robustez da análise, aplicou-se estatística inferencial pelo software estatístico SPSS, utilizando-se o teste paramétrico t de Student para amostras independentes, com o objetivo de comparar a variação das médias entre os diferentes grupos, sendo adotado como parâmetro p <0,05. Um dos grupos foi constituído pelas empresas participantes do novo mercado e outro grupo pelas demais empresas. No caso desse teste, utilizaram-se dados de 2009 e optou-se por manter as empresas cujo balanço se apresenta positivo, assegurando a normalidade da 137 amostra, a qual foi atestada pelo teste Kolmogorov-Smirnov. Totalizaram-se 85 as empresas pertencentes do novo mercado (grupo 1) e 163 demais empresas (grupo 2). 4 ANÁLISE DOS DADOS O nível de endividamento é considerado na forma do porcentual da estrutura de capital composta de endividamento de longo prazo. A técnica do boxplot permitiu segmentar as empresas, conforme o nível de endividamento em quatro grupos, das menos endividadas às mais endividadas. O nível de endividamento das empresas participantes do novo mercado apresenta queda no período de análise, a começar pelo 1º quartil (25% do total), que vai de 24% em 2002 para 17% em 2009. A tendência permanece a mesma para as empresas que constituem a mediana e quartil superior (50% do total). Nessas, o ínterim de endividamento apresentava-se nos níveis de 25% a 70% em 2002, passando para, no máximo, 49% em 2009. No ano de 2008, mesmo com a interrupção da tendência de queda verificada desde 2002, o endividamento é bem mais baixo, se comparado a 2002 (54% versus 70%). A análise das empresas participantes do novo mercado perante as que não participam é que, enquanto aquelas apresentam tendência de queda, estas mantêm o nível de endividamento, já que 75% do total apresentam nível máximo de 56% em 2009 diante de 60% em 2002. FIGURA 2 – NÍVEL DE ENDIVIDAMENTO PARTICIPANTES DO NOVO MERCADO 138 FIGURA 3 – NÍVEL DE ENDIVIDAMENTO NÃO PARTICIPANTES DO NOVO MERCADO A verificação de queda no nível de endividamento das empresas participantes do novo mercado não corrobora a ideia de essas empresas serem favorecidas com melhores taxas de juros, o que levaria a opção por mais endividamento, haja vista maior nível de transparência. De outra forma, não é possível afirmar que haja relação entre o grau de impulso de uma empresa com seu nível de governança. Para aproximadamente 25 empresas, representando pouco mais que 10% em 2009, que não fazem parte do novo mercado, o indicador de estrutura de capital resulta negativo porque o total de PL mais exigível de longo prazo é menor que o exigível de longo prazo, porque essas empresas vêm tendo prejuízo em montante superior a seu capital social. De acordo com classificação de segmento, proposta pela BMF&Bovespa, do total de 88 empresas pertencentes ao novo mercado, 27,3%, ou 24 empresas, são do setor de construção, 9,1% do setor de alimentos processados e 8,0% da área de saúde. Já para o grupo de 226 empresas que não participam do novo mercado, o segmento de energia elétrica tem 15,9% das empresas, seguido por tecidos, vestuários e calçados com 11,1%, e o grupo de construção aparece na sexta colocação com 5,3% ou 12 empresas. Utilizou-se setor especifico para uma nova comparação, pois o mix de participação dos segmentos existentes nas duas amostras é diferente, podendo distorcer a análise dos resultados, já que cada segmento possui características específicas na captação de recursos. As figuras 4 e 5 mostram os resultados das análises boxplot do endividamento das empresas nos anos de 2007, 2008 e 2009. 139 FIGURA 4 – NÍVEL DE ENDIVIDAMENTO PARTICIPANTES DO NOVO MERCADO – SETOR CONSTRUÇÃO FIGURA 5 – NÍVEL DE ENDIVIDAMENTO NÃO PARTICIPANTE DO NOVO MERCADO – SETOR CONSTRUÇÃO Mesmo utilizando somente um setor específico para eliminar o possível viés do mix de participação entre segmentos, não é conclusiva a análise de que as empresas de construção do novo mercado são mais impulsionadas que as empresas não pertencentes a esse mercado por causa do maior nível de governança. 140 Quando se analisam os anos de 2007 e 2008, no todo, as participantes do novo mercado apresentam nível de endividamento mais elevado; porém, em 75% do todo, essas não apresentam grande diferenciação diante de não participantes, chegando, inclusive, a apresentar menor endividamento. Na comparação entre segmentos, construção versus TI e telecomunicações, no caso das não participantes do novo mercado, observa-se maior endividamento no conjunto das empresas que constituem 75% do todo em níveis e 5 a 10 p.p. Cabe destacar que, nos anos de 2007 e 2008, as empresas no quartil superior no setor de TI e telecomunicações estavam com nível de endividamento bem acima do setor em comparação (setor de construção), o que poderia ser reflexo da expansão dos segmentos. A comparação das participantes do novo mercado para o setor de TI e telecomunicações ficou comprometida pela reduzida quantidade de empresas. FIGURA 6 – NÍVEL DE ENDIVIDAMENTO NÃO PARTICIPANTES DO NOVO MERCADO – SETOR TECNOLOGICA DA INFORMAÇÃO E TELECOMUNICAÇÕES No que tange ao resultado do teste t: para o grupo 1 (G1) obteve-se um total de 85 empresas com porcentual médio ± desvio-padrão de 34,98 ± 2,35 pontos porcentuais quanto ao indicador de endividamento utilizado neste estudo (exigível de longo prazo/exigível lp + patrimônio líquido). As empresas do grupo 2 (G2) totalizaram um n de 163 empresas com média ± desvio-padrão de 40,48 ± 2,00%. Apesar de uma maior média para as empresas do G2, não foi constatada diferença estatística quando comparadas ao G1, sendo p = 0,077. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise do nível de endividamento, da maneira como foi realizada nesta pesquisa, não permite afirmar que as empresas com maior nível de governança apresentam maior nível de endividamento. Mesmo considerando as especificidades setoriais, ao analisar o endividamento das empresas listadas em um setor mais tradicional como o de construção, também não se pode concluir que as empresas de construção do novo mercado são mais impulsionadas que as empresas não pertencentes a esse mercado, em função do maior nível de governança. No caso do setor de tecnologia de informação e telecomunicações, as empresas mais contemporâneas e em fase de crescimento apresentam-se com maior nível de endividamento 141 perante o de construção. Contudo, pela limitação na quantidade de empresas não foi possível comparar o nível de endividamento entre empresas participantes do novo mercado e as não participantes. Podem ser agregadas novas análises que considerem a capacidade de captação de recursos próprios no período, cotejadas ao nível de taxas de juros praticados no mercado e no setor em estudo. REFERÊNCIAS BRADLEY, M.; JARRELL, G. A.; KIM, E. Han. 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INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA (IBGC). Governança corporativa. Disponível em: <www.ibgc.org.br>. Acesso em: jan. 2010 MODIGLIANI, F.; MILLER, M. H. The cost of capital, corporation finance and the theory of investment. The American Economic Review, v. 48, n. 3, p. 261-297, 1958. MYERS, S. C. The capital structure puzzle. The Journal of Finance, v. 39, n. 3, p. 575-592, 1984. MYERS, S. C.; MAJLUF, N. S. Corporate financing and investment decision when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, Amsterdam: North Holland, v. 13, jul. 1984. 142 143 PLANEJAMENTO A LONGO PRAZO: PARADIGMAS DA COMPOSIÇÃO DOS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL FERNANDO SIMAS Arquiteto e urbanista Mestrando em Organizações e Desenvolvimento, da FAE [email protected] NILSON CESAR FRAGA Geógrafo, Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR, Professor no Programa de Mestrado em Organizações e Desenvolvimento, da FAE, e de Geografia, da UFPR [email protected] 144 RESUMO O presente trabalho é uma investigação sobre os planos e as teorias para o desenvolvimento local, guiado pela real necessidade do processo de endogenização das características e da incorporação das externalidades do mundo globalizado. Sugerindo a necessidade de formalização dos aspectos metodológicos de uma dinâmica variável de demandas a incorporar aos planos de desenvolvimento e as ações das políticas públicas, propõe uma reflexão sobre modelos prontos de fácil interpretação, mas com resultados abaixo do projetado. Com uma breve análise do modelo de colonização da imigração alemã na cidade de Blumenau, apresenta dados sobre o determinismo de modelos prontos. Palavras-chave: desenvolvimento regional e local, modelos endógenos, políticas públicas, Blumenau, imigração alemã. ABSTRACT The present work is an investigation on the plans and theories for the local development, guided for the real necessity to process the endogenous of the local features and the incorporation the externalities of the globalized world. Suggesting the necessity of formalization the methodological aspects of a variable dynamics that demands to incorporating the development plans and the action of public policy, also propose a reflection to the ready models of easy interpretation but with results under the projected. With soon analysis of the settling model of german immigration in the city of Blumenau, presents given on the determinism of ready models. Keywords: regional and local development, endogenous development models, public politics, Blumenau, german immigration. 145 1 INTRODUÇÃO Muito se discute sobre um desenvolvimento local sustentável, pois a importação de modelos prontos, ou mal traduzidos, inviabilizam o processo de planejamento em longo prazo, já que não aborda as questões mais determinantes de um desenvolvimento contínuo. Contudo, a criação do processo de desenvolvimento em um plano totalmente local é de custo tecnológico e cientifico alto. Para tanto, são necessários alguns questionamentos, entre os quais o melhor caminho a seguir; compreender os problemas de planejamento de países semelhantes, suas soluções e efeitos (bons ou ruins); um acompanhamento dos caminhos de pesquisa dos países desenvolvidos para conceber um plano de desenvolvimento ou a busca incerta por um novo modelo que endogenize as necessidades locais. Os aspectos metodológicos da opção por modelos para o desenvolvimento representam uma clara opção por sistemas lineares e de aplicação por uma dinâmica vertical. A metodologia horizontal, em rede, dentro de um processo de localização, com uma grande complexidade de processos e da dinâmica em determinados espaços, dificulta sua incorporação às formas tradicionais de instituições, entre elas o Estado. Mas a auto-organização dentro de um processo endógeno pode ser a forma constituinte ideal para um modelo aberto de desenvolvimento local sustentável, em que importantes questões estão ainda em solidificação na agenda global, como a preservação do meio ambiente e a redução do impacto na dinâmica climática do planeta. As teorias estáticas, no entanto, sempre apresentaram formas atraentes e consistentes, por isso há necessidade de formalizar os aspectos metodológicos de um planejamento endógeno, com mecanismos de autorreforço interno e adaptação (e incorporação) das externalidades.1 O que incentiva essa investigação são as alternativas que os países em desenvolvimento possuem de encontrar novos modelos de desenvolvimento regional e local, com soluções inovadoras, que incorporem os atuais fenômenos econômicos, sociais e ambientais, constituindo-se, assim, não só em um grande desafio, mas também em uma grande oportunidade para os países em desenvolvimento. O artigo em questão apresenta uma base teórica sobre modelos de desenvolvimento, seus paradigmas e a determinação das fontes dos aspectos endógenos. Em seguida, introduz ao leitor as ideias que justificam essa abordagem, principalmente as sugeridas por Myrdal, de abolir padrões de colônia aos países em desenvolvimento. Ideia também compartilhada pelo físico Fritjof Capra (1982, p. 217), quando cita Henderson: “Eles nos falam de atraentes iguarias e roupas, mas esquecem de mencionar a perda de belos rios e lagos.” Alerta para os perigos do desenvolvimento sem limites e a necessidade de incorporar novas expectativas e valores para a vida humana. E, por fim, apresenta o modelo de ocupação da cidade de Blumenau, exemplificando os moldes de desenvolvimento exógeno e endógeno, discutindo as características envolvidas nessa questão. Encerra verificando os pontos de convergência nos conceitos de desenvolvimento endógeno. 2 PLANEJAMENTO E SEUS MODELOS O planejamento requer um conhecimento profundo da realidade em que se está inserido para prever os acontecimentos. Assim, para facilitar o processo de planejamento, limitar o campo de investigação ao simples “processo econômico nuclear”, sempre foi uma alternativa para os modelos de desenvolvimento. Furtam-se a questão ética da distribuição dos poderes, a questão ambiental do consumo dos recursos naturais e a qualidade dos cidadãos à margem desse desenvolvimento. A natureza é o corpo inorgânico do homem – isto é, a natureza, na medida em que ela própria não é o corpo humano. “O homem vive na natureza” significa que a natureza é seu corpo, com o qual ele deve permanecer em contínuo intercurso se não quiser morrer. (MARX, 1844, p. 58 apud CAPRA, 1982, 205) 1 Podem-se considerar como externalidades os efeitos positivos ou negativos gerados por um agente econômico, os quais atingem os demais agentes, sem que estes tenham oportunidades de impedi-los ou a obrigação de pagá-los. É o impacto de uma decisão sobre aqueles que não participam dessa decisão (COASE, 1937). 146 A mudança do mundo, a globalização e as alterações de fluxos de capitais levam as economias a se voltarem de maneira exacerbada para o exterior e a não se prender à terra, uma vez que as prende a realidade. Assim, torna-se cada vez mais necessário entender a realidade local e a natureza que cerca as instituições, para criar modelos adaptados a essa realidade, considerando-se sua frequência de alterações naturais e artificiais. Modelos e teorias, marxistas e não marxistas – ainda estão profundamente enraizados no paradigma cartesiano e, por conseguinte, são inadequados para descrever o sistema econômico global de hoje, estreitamente interligado e em contínua mudança. (CAPRA, 1982, p. 204). Deixar o encontro com a realidade, quando se propõem conceitos que devem ser convertidos em projetos, em planejamento, em manuais e principalmente em leis, garante a frustração de quem imaginou nessas ações uma oportunidade de solução para os problemas reais e a renovação de valores desatualizados. [...] o crescimento econômico e tecnológico é considerado essencial por virtualmente todos os economistas e políticos, embora nesta altura dos acontecimentos já devesse estar bastante claro que a expansão ilimitada num meio ambiente finito só pode levar ao desastre. (Ibid., 1982, p. 204). A importação de modelos prontos dos países desenvolvidos parte do princípio de que, se as ações planejadas foram bem-sucedidas nestes, serão igualmente eficientes para realidades distintas. Assim, a falta de interpretação da realidade heterogênea que a sociedade constitui desrespeita as individualidades e particularidades que compõem uma sociedade local. Portanto, o que pode ser gratificante e adequado para determinada sociedade pode não se enquadrar nos anseios de outras sociedade, que, sem aderência, perdem o sentido de ação para quem as executará. [...] está relacionada com as noções newtonianas de espaço e tempo absolutos e infinitos. É um reflexo do pensamento linear, da crença errônea em que, se algo é bom para um individuo ou um grupo, então, quanto mais desse algo houver melhor será [...] a abordagem competitiva e autoafirmativa da atividade econômica é parte do legado do individualismo atomístico de John Locke; na América, ela era vital para o pequeno grupo dos primeiros colonos e exploradores, mas agora se tornou prejudicial, incapaz de lidar com a intricada teia de relações sociais e ecológicas características das economias maduras. (Ibid., 1982, p. 205). O crescimento é a meta de todos os povos e está enraizada nas instituições de maneira a promover o crescimento. Como a estrutura conceitual da economia é inadequada para explicar os custos sociais e ambientais gerados por toda a atividade econômica, os economistas tendem a ignorar esses custos, rotulandoos de variáveis “externas” que não se ajustam a seus modelos teóricos. E como a maioria dos economistas são empregados por grupos de interesse privados para preparar análises de custo/lucro que são, na maior parte dos casos, fortemente inclinadas a favor dos programas de seus empregadores, existem pouquíssimos dados sobre “externalidades”, mesmo aquelas que são facilmente quantificáveis. (Ibid., 1982, p. 217). Um interessante posicionamento sobre as externalidades e suas consequências no planejamento, ou sua ausência nos modelos de desenvolvimento, é a falta da aderência percebida nas teorias que moldam as características das variáveis compositivas de um modelo teórico. A segunda maior causa de inflação são os custos sociais sempre crescentes engendrados pelo crescimento não-diferenciado. Em suas tentativas de maximização de seus lucros, indivíduos, companhias e instituições procuraram “externalizar” todos os custos sociais e ambientais; tentam excluí-los de seus próprios balancetes e empurrá-los para diante, passando-os de uns para outros dentro do sistema, para o meio ambiente e para as gerações futuras. Gradualmente, esses custos acumulam-se e manifestam-se como custos de ações judiciais, controle do crime, coordenação burocrática, regulamentação federal, proteção ao consumidor, assistência medica, etc. Nenhuma dessas atividades acrescenta seja o que for à produção real; todas elas contribuem significativamente para aumentar a inflação. (Ibid., 1982, p. 219). 147 Os custos de transação envolvidos nesse caso são considerados como “[...] distintas formas de institucionalidade na medida em que os resultados das ações e decisões dependem de eventos futuros que não podem ser de maneira probabilística.” (PONDÉ, 1994, p. 3). Williamson (1993) desenvolveu uma teoria pela qual as instituições permitem organizar decisões e condutas adaptativas e sequenciais, sendo os agentes econômicos tomadores de decisões inseridos em uma rede de relações mútuas recorrentes. Williamson afirma ainda que os custos de transação ex ante estão presentes com maior intensidade em situações em que é difícil estabelecer as precondições para que a transação em foco seja efetuada de acordo com parâmetros planejados. Essa situação é muito comum nas instituições públicas com novas demandas, remanescendo a finalização de importantes ações anteriormente planejadas. Mesmo os órgãos governamentais que controlam e avaliam as ações de planejamento acabam por criar externalidades ao processo. Os custos ex post se referem à adaptação de relação a novas circunstâncias. Esses custos podem assumir, segundo Williamson, quatro formas: custos de má adaptação, custos de negociar e corrigir o desempenho das transações, custos para manter estruturas de gestão das transações e custos com garantias para efetuar comprometimentos. A internalização em estruturas hierárquicas requer a criação de incentivos alternativos – na função de sancionar, punir ou premiar a conduta dos agentes – e mecanismos de controle para coordenar a interação das distintas atividades envolvidas, em um ajuste ao ambiente em constante transformação. Essa busca, por economizar os custos de transação, não pode representar um repasse de custos entre os envolvidos, mas uma forma de minimizá-los. A redução a zero, proposta por Coase, como forma de avaliação das instituições pode ser uma forma de análise, entretanto uma forma de compreender essa necessidade de criar uma gestão dinâmica local que não aumente custos para adaptações e interações ambientais. Nesse contexto, surge a discussão dos vínculos entre lucros privados e custos públicos e a real atribuição das instituições públicas. De acordo com Leo Kissler, professor de Sociologia Política das universidades de Hagen e de Marburg, na Alemanha, [...] quanto mais o setor industrial ostenta seu potencial destrutivo contra as pessoas e a natureza, tanto mais o setor público se dedica ao desenvolvimento das ações sociais necessárias à reparação dos danos. A eficiência de uma companhia é medida em termos de lucros, mas, como esses lucros estão sendo obtidos cada vez mais à custa do povo, temos que perguntar: “Eficientes para quem?” Quando os economistas falam em eficiência, referem-se à eficiência em nível individual, da companhia, social ou em nível do ecossistema? (CAPRA, 1982 p. 220). A reavaliação da economia não é uma tarefa meramente intelectual, mas deverá envolver profundas mudanças em nosso sistema de valores. A própria ideia de riqueza, que é central para a economia, está inextricavelmente ligada às expectativas, valores e estilos de vida humanos. Definir riqueza dentro de um contexto ecológico significará transcender suas atuais conotações de acumulação material e conferir-lhe o sentido mais amplo de enriquecimento humano. (Ibid., 1982, p. 222). Quando se pensa em um modelo, podem ser encontrados modelos incríveis, com propostas revolucionárias, que rompem com um padrão da sociedade. Esse é um outro aspecto dos planos que não precisam ser excepcionais, inovando e rompendo gratuitamente com um movimento anterior. Os grandes movimentos das artes – a ruptura de um modelo eclético para uma linguagem moderna – vieram atender a uma demanda de consumo que precisava garantir moradias para uma grande população ascendente, transporte e tecnologia para uma demanda cada vez maior de recursos. E até a arte deveria ser democratizada, representando o movimento (o fluxo dessa época). Mas os modelos podem ser tradicionais e conservadores, caso não haja uma demanda para romper com esse movimento. Essa demanda pode ser denominada crise. Portanto, em alguns momentos precisamos romper com o movimento anterior, todavia, em outros, precisamos agregar e construir a realidade com ações que estabilizem o movimento (os fluxos). Nesse processo ações entrópicas, internas ao movimento, conduzem a uma força por seu processo de repetição. 148 O alto valor espiritual atribuído ao trabalho entrópico nessas tradições provém de uma profunda consciência ecológica. Executar um trabalho que tem de ser feito repetidamente ajuda-nos a reconhecer os ciclos naturais de crescimento e declínio, de nascimento e morte, e a adquirir, portanto, consciência da ordem dinâmica do universo. O trabalho ‘ordinário’, como o significado radical da palavra indica, está em harmonia com a ordem que percebemos no meio ambiente. (Ibid., 1982, p. 224). A crise ambiental que vivemos deveria levar a uma ruptura do ciclo capitalistas, com novos valores para construir modelos que se adequem a essa nova agenda do desenvolvimento. Não podemos virar as costas para os problemas latentes que o planeta tem a resolver e assim, as externalidades devem ser internalizadas nos nossos modelos de desenvolvimento. Isso trará reflexos na administração pública, que estará em sintonia com os problemas mas também as potencialidades do território em que se está inserido, produzindo integração entre solução e ação de crescimento para o desenvolvimento sustentável. Para tanto, será discutido no próximo item o processo de endogenização dos problemas locais nos modelos de desenvolvimento. 3 PLANEJAMENTO LOCAL: UM NOVO MODELO POSSÍVEL? Durante uma conferência na metade do século XX, no Cairo, Gunnar Myrdal, professor de Economia da Universidade de Estocolmo e secretário-executivo da Comissão Econômica das Nações Unidas, falava sobre o papel dos economistas jovens nos países subdesenvolvidos. Pediu que se abandassem as teorias estruturalmente irrelevantes e inadequadas, mas que se tomassem como base reflexões sobre elas, bem como os estudos sobre os problemas das realidades em que vivemos e das necessidades locais. “Isto os conduziria bem além do campo superado da economia liberal do Ocidente e do marxismo.” (MYRDAL, 1965, p. 156). Essa deve ser a estratégia para um novo modelo de desenvolvimento, congregando os pontos fracos das nações em desenvolvimento, criando uma terceira via entre os modelos prontos e os modelos naturalizados (uma estratégia de vanguarda que permita uma nova política, uma agenda estratégica com a rede de participação da política local) e formulando o plano para o desenvolvimento. Somente nesse contexto local poderá ser formulada uma estratégia real, pois, segundo Myrdal (Ibid., p. 153), [...] a literatura sobre desenvolvimento de países subdesenvolvidos é, até hoje, produzida em sua quase totalidade nos países adiantados. Felizmente, como um todo, essa literatura carece de perspectiva teórica, o que constitui uma vantagem enquanto a teoria econômica não se ajustar melhor ao tratamento dessa questão. Muitas dessas obras de economia não tomam como ponto de partida os interesses dos países subdesenvolvidos, mas, consciente ou inconsciente, equacionam os problemas do ângulo dos interesses políticos nacionais de um dos países adiantados ou de um grupo destes. Tal situação se tornou muito pior sob o impacto da guerra fria, quando, muitas vezes, os problemas nacionais que motivaram a analise se reduziram a meros interesses estratégicos no conflito mundial. Ainda nessa visão, Myrdal observa que as mudanças se iniciaram no desenvolvimento de tecnologias e da reflexão nas universidades nacionais dos países em desenvolvimento, com teorias econômicas e sociais que atendam a essa demanda local. As nações em desenvolvimento se tornaram capazes de exprimir seus desejos e preocupações. “Os problemas econômicos terão de ser, de modo progressivo, estudados do ponto de vista dos seus interesses.” Esse é também o ponto de vista do ideal de igualdade, que possui a base de seu conceito no Iluminismo e em uma justiça de igualdade entre os povos e mais atualmente com a solidariedade intergeracional2. Myrdal ainda argumenta que teoremas antigos e muito divulgados passem a ser úteis, quando ajustados a uma nova estrutura, e que parte da humanidade pertencente a esses países “desperte” para essa possibilidade de desenvolvimento, conduzindo a novas descobertas cientificas. 2 A solidariedade Intergeracional é ato individual ou coletivo com o fim único de preservar determinados recursos materiais ou naturais para o uso e gozo das gerações futuras. 149 Os modelos criados e desenvolvidos localmente podem ser iniciados pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) na execução do estudo da dimensão territorial, para obter resultados e propostas para uma abordagem original do território como elemento estratégico para subsidiar o planejamento governamental de longo prazo – estudo de dimensão territorial como um levantamento de dados para guiar a ação pública e a resolução dos problemas estruturais de desenvolvimento em determinados espaços. 4 MODELO DE OCUPAÇÃO DA IMIGRAÇÃO ALEMÃ EM BLUMENAU Hermann Bruno Otto Blumenau, alemão nascido em Hasselfelde, em 1819, complementando seus estudos na cidade de Braunschweig, capital do Ducado de Brunswick, e finalizando sua aprendizagem em farmácia na cidade de Erfurt, onde foi contratado como diretor de uma fábrica de produtos químicos. Duas semanas antes de sua primeira viagem ao Brasil, Hermann Blumenau conquistou o grau de doutor em Filosofia pela Universidade de Erlangen (SILVA, 1995, p. 16). Essa foi a formação e a rica experiência em cidades desenvolvidas na Europa e depois buscou aplicá-las nas terras à margem do Rio Itajaí-Açu. A historiadora Maria Renaux Hering defende, em seu livro Colonização e indústria no vale do Itajaí: o modelo catarinense de desenvolvimento, a ideia de que existe um “modelo”, enfatizando o caráter schumpteriano do empresário catarinense, ao encontrar uma teoria do desenvolvimento econômico com bases étnicas. Isso corresponde a explicar que Blumenau possui um modelo adaptado do modelo trazido pelos colonizadores. Já o cientista social Cristiano Lenzi (2000. p. 238), por sua vez, procura desmistificar essa ideia de um modelo industrial catarinense endógeno: Segundo Hering (1987) o desenvolvimento em Santa Catarina foi condicionado “[...] por fatores de ordem interna, obedecendo a uma dinâmica própria”. No entanto, como ela mesma notará, esse processo estaria associado à uma divisão do trabalho que ocorreu no Estado-nação como um todo. Segundo ela, a expansão das fábricas passava a integrar a região no processo global da industrialização do país. [...] para a abordagem de Hering a conclusão de que a industrialização catarinense é parte não só do “modelo”, mas também o resultado de uma especialização que ocorre em todo o território nacional, onde o que conta são as potencialidades de cada região para fazer parte desse processo de desenvolvimento econômico nacional. Por esse fato, seria justo afirmar, consoante a esse argumento, que toda região “periférica” que conseguisse alcançar um sucesso na integração na nova economia industrial do país, seria ela um “modelo de desenvolvimento”, bastando para o cientista social explicitar as potencialidades regionais que viabilizaram essa integração. A justificativa de Lenzi, para contrapor a historiadora está, embasada teoricamente em uma literatura do desenvolvimento regional endógeno, que negligencia a relação do local ou da região com o todo nacional. Mas é certo que o pesquisador se esqueceu das relações existentes em todo o território nacional – regras comuns, políticas macroeconômicas e o sistema político administrativo. A combinação do desenvolvimento regional endógeno com o comportamento do tipo cooperativista da região/indivíduo em relação ao todo nacional é necessária para “[...] evitar que o bem-estar, para algumas regiões, signifique o mal-estar para outras regiões.” (AMARAL FILHO, 2001, p. 282). O economista Paul Singer (1968. p. 86) aborda o “modelo” trazido durante o processo de colonização alemã – um “modelo” já esgotado na Alemanha e introduzido na Colônia Blumenau com as mesmas premissas e formato do modelo europeu, deixando marcas estruturais em sua ocupação territorial e no seu modo produtivo: As razões que levaram milhões de alemães a emigrar foram basicamente, as mesmas que induziram irlandeses, italianos e outros povos marginalizados (pelo menos transitoriamente) pelo processo de industrialização, a adotar atitude idêntica. Qualquer grupo humano em crescimento, cuja técnica de produção não se desenvolve, acaba esgotando os recursos naturais do território em que vive. O aumento demográfico tem que, mais cedo ou mais tarde, esbarrar com a disponibilidade limitada destes recursos, disponibilidade esta que só pode ser ampliada através do uso de técnicas novas, o que geralmente implica uma mudança do modo de produção vigente. Desta maneira cada modo de produção estabelece o seu próprio ótimo populacional e, quando o crescimento 150 demográfico ultrapassar este "ótimo", surge um excesso de população, para o qual se coloca o dilema de encontrar novos recursos (via conquista, colonização, imigração, etc.) ou perecer. Sob esse enfoque é perceptível que a economia acaba por refletir aquilo que a sociedade cria, mesmo que inconscientemente. Muitas vezes o comportamento dos atores e dos detentores de capital é nocivo à própria sustentabilidade deste. O conceito da otimalidade de Pareto propõe que a utilidade ou bem-estar de qualquer pessoa não se aumenta sem reduzir a utilidade ou o bem estar de alguma outra. Como em todo a sua obra, o desenvolvimento está ligado à liberdade, nesse caso a liberdade de discussão pública e de decisões participativas sobre o crescimento demográfico e do limite recursos naturais de cada território (SEN, 1999. p. 148). A ascensão da manufatura ocorreu em Blumenau, quando, na Alemanha, artesãos arruinados pela concorrência das grandes indústrias, em meio a um excedente populacional, vieram, a partir de 1880, para as colônias, instalar suas atividades de indústria doméstica (ver tabela 1). Mas a criação de indústrias ocorreu em outras partes do País, inicialmente voltadas para seus respectivos mercados regionais. TABELA 1 – FASES DE DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA REGIONAL (THEIS, 1997) PERÍODO século XVII-1880 FASE DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL da economia de subsistência à economia primário-exportadora 1880-1914 emergência e formação da indústria 1914-1945 ascensão da indústria tradicional 1945-1965 diversificação da indústria e ascensão dos gêneros dinâmicos 1965-1980 aceleração da acumulação de capital e consolidação da indústria 1980-1995 crise da economia regional no contexto da crise econômica brasileira e gradual perda de importância da indústria tradicional 1995- ... gradual ascensão de estruturas de acumulação flexível Fonte; Theis (1997) Dessa forma, o modelo de desenvolvimento adaptava-se às mudanças globais pela vinda de mão de obra excedente, sempre em atraso ao que estava em voga e em instalação na Europa. O que Myrdal observa quanto às políticas economia dos países desenvolvidos tem como base próprios interesses deles, consciente ou inconscientemente, equacionando problemas do ângulo dos interesses políticos nacionais. É possível sugerir um viés endógeno para a época, que da experiência europeia com a falta de recursos naturais, preservasse a vegetação das áreas mais sensíveis. Também sugerir um ajuste as externalidades, como as inundações frequentes do Rio Itajaí-Açu, de um plano de ocupação rural/urbana adequado a esse fenômeno natural. Os incentivos alternativos que poderiam punir ou premiar a correta ocupação e o controle desse ambiente em constante adaptação seria uma opção para internalizar situações ambientais catastróficas e reduzir os custos de transação, não aumentando o custo das instituições colonizadoras. Essa alternativa poderia ser aplicada à realidade atual. Mas a discussão do fim do “modelo catarinense de desenvolvimento” transcorre mesmo ao término dos recursos locais para manter o crescimento econômico – um problema europeu de 160 anos atrás. Mesmo filósofos como Dr. Blumenau e o naturalista Fritz Muller não conseguiram prever nem criar medidas para evitar essa situação no futuro de sua colônia. 151 Como afirma Lenzi (2000), a ideia de endogenismo proposta pela Comissão Econômica para a America Latina e Caribe (CEPAL) era a crença de que, superados os limites internos, o desenvolvimento nacional dar-se-ia de maneira quase espontânea. Assim o subdesenvolvimento não era resultado do sistema industrial capitalista, contudo resultado de sua ausência. Já por uma visão exógena, o subdesenvolvimento é fruto da expansão do capitalismo, uma ação externa ao Estado-nação, o que impede o desenvolvimento autônomo proposto pela CEPAL, estando os limites para o crescimento no exterior. Blumenau foi muito privilegiada com sua fundação na segunda metade do século XIX, período em que o País retomou o crescimento econômico e passou a ter um papel mais ativo no apoio ao desenvolvimento (LEFF, 1982). O que reforça a tese de que Blumenau foi também privilegiada por ações exógenas são as pesquisas comparativas de Michael Ax-Wilhelm sobre o desenvolvimento econômico de São Pedro de Alcântara e de Blumenau, cidades com imigração alemã. Conclui o autor: “A comparação das experiências das colônias de São Pedro de Alcântara e de Blumenau cria dificuldades para a aplicação da teoria schumpeteriana ao caso de Blumenau.” Sua analise demonstra que ambas apresentavam condições étnicas, religiosas e com a qualificação profissional dos colonos semelhantes, porém com desfechos distintos: desfavorável em relação a São Pedro de Alcântara sob a óptica econômica e social. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base nos dados considerados, pode-se concluir que o desenvolvimento não deve apresentar um caráter somente endógeno, fechado para o aprendizado externo das demais experiências e realidades globais. O desenvolvimento endógeno é o potencial intrínseco de determinada área para o otimizar o crescimento e sua sustentabilidade advém da capacidade de esse planejamento entender os ciclos de recursos naturais e sociais. Assim, faz-se necessário compreender que existem limites de crescimento local, inerentes na região. Alem disso, há limites globais que influenciam na tomada de decisões e na articulação das políticas públicas. A história e o tempo para o desenvolvimento são de grande relevância para a definição do processo endógeno, porque, na formação de uma cidade, os elementos exógenos devem ser considerados como um aprendizado do qual o planejamento se apropria, iniciando seus processos de diretrizes a uma população que já apresenta determinados conhecimentos e práticas. Saliente-se o desejo comum de parte dos pesquisadores de endogenizar as fontes de crescimento e o desenvolvimento econômico, como fica claro no trabalho da historiadora Maria Luiza Hering Renaux para o “modelo catarinense de desenvolvimento”. Todavia, a metodologia nem sempre deixa clara essas intenções de pesquisa, gerando grandes discussões sobre as fontes de determinado desenvolvimento econômico, social ou ambiental. Aplicando-se os conceitos de desenvolvimento local e regional à cidade de Blumenau, faz-se necessário valorizar o processo de articulação de alianças estratégicas entre as várias esferas públicas – a Associação de Municípios do Médio Vale do Itajaí (AMMVI), os institutos de pesquisa, a universidade e instituições de ensino (FURB – Fundação Universitária Regional de Blumenau, FAE – Centro Universitário Franciscano, UNIASSELVI – Centro Universitário Leonardo da Vinci), as empresas, consórcios municipais, redes de colaboração internacionais, as associações empresariais, os sindicatos de trabalhadores, entre muitas outras –, constituindo-se assim em uma rede de informações que devem ser analisadas para encontrar os indicadores que serão convertidos em políticas públicas. Assim, torna-se possível identificar as oportunidades de atuação, internalizando as fragilidades econômicas, sociais e ambientais do desenvolvimento pregresso e não polarizando como uma simples questão de desenvolvimento endógeno ou exógeno, mas uma combinação entre ambos. O estudo não se encerra por aqui. A pesquisa de diferentes formas para o desenvolvimento local segue uma longa trajetória na busca de um modelo que se adapte às necessidades locais, em 152 um processo endógeno e exógeno. A compreensão de diversos estudos como, por exemplo, a teoria do crescimento endógeno3 permanece em pauta para futuras discussões. REFERÊNCIAS AMARAL FILHO, J. A Endogenização no desenvolvimento econômico regional e local. Revista de Planejamento e Políticas Públicas, n. 23, jun. 2001. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/pub/ppp/ppp23/Parte7.pdf>. Acesso em: 9 dez. 2009. AX-WILHELM, Michael; SANSON, J. O imigrante germânico e o desenvolvimento econômico de São Pedro de Alcântara e de Blumenau. 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Sendo o setor da educação altamente regulamentado e as mudanças correntes, exigindo-se dos gestores habilidade na capacidade de adaptabilidade. Nessa perspectiva, o objetivo deste artigo é compreender a trajetória estratégica percorrida pelo Senac de Santa Catarina desde 1998, analisando-se o processo, o contexto e o conteúdo das mudanças ocorridas com base na percepção da coalizão dominante. Fundamentando-se em uma metodologia qualitativa do tipo interpretativa, procurou-se analisar as mudanças ocorridas durante uma trajetória cronológica, observando-se como as estratégias mudam no tempo. Isso permitiu a identificação de eventos críticos e decisivos de 1998 até a atualidade, os quais foram agrupados em períodos estratégicos. Palavras-chave: mudança organizacional, instituição de ensino, estratégia. ABSTRACT The education institutions have supported enterprising initiatives that take care of to the new demands and requirements of the market of the education. Being the sector of the education highly regulated, and the current changes, demand of the managers ability in its capacity of adaptability. In this perspective, the objective of this article is to understand the strategical trajectory covered by the Senac of Santa Catarina since 1998, analyzing the process, the context and the content of the occured changes from the perception of the dominant coalition. Basing itself on a qualitative methodology of the interpretativa type, it was looked to analyze the occured changes during a chronological trajectory, analyzing as the strategies move in the time. This allowed the identification of critical and decisive events of 1998 until the present date, which had been grouped in strategical periods. Keywords: organizacional change, institution of education, strategy. 157 1 INTRODUÇÃO Desde a segunda metade dos anos 90, o sistema de ensino no Brasil vem passando por um período de crescimento sem precedentes, com base, sobretudo, na criação e expansão de uma rede de instituições privadas. Essas transformações são, ainda, decorrentes do aumento do número de concluintes do Ensino Médio, da exigência do mercado por mão de obra cada vez mais qualificada e profissional e pelo impulso dado pelas políticas estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC), principalmente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e o Plano Nacional de Educação, de 2001, culminando no aumento do número de instituições de ensino no País (www.inep.gov.br). Essa pressão regulamentadora força os dirigentes a preverem os impactos das forças externas e responderem a estes em um curto espaço de tempo. Observa-se assim, que, muitas vezes, a sobrevivência da organização é parcialmente explicada pela habilidade de lidar com as contingências ambientais, como afirmam Pfeffer e Salancik (1978). Assim como as organizações empresariais, as instituições de ensino estão inseridas em um ambiente de mudanças no qual as inovações são constantes e a competição são os elementos de maior destaque. Nesse contexto, as instituições de ensino evoluem, adaptam-se, renovam-se e aperfeiçoamse de acordo com sua natureza, missão e suas circunstâncias concretas. As ideias adquirem vida e sofrem o embate da confrontação, da crítica, do mundo envolvente em constante ebulição e da busca de novas condições de equilíbrio. O próprio processo epistemológico e dialético desencadeia e estimula a ânsia de ampliação de horizontes, gerando inconformidade com situações ultrapassadas ou não adequadas para o momento presente (ALPERSTEDT; CUNHA, 2000). Muito embora os últimos anos sejam marcados por uma importante produção intelectual, que favoreceu o entendimento das organizações e a forma cada vez mais eficiente de alcançar os objetivos a que elas se propõem, o campo de estudo sobre estratégias em instituições de ensino ainda merece novas e profundas investigações. Posto isso, este artigo tem como objetivo analisar a capacidade de adaptação estratégica do Senac de Santa Catarina, observando-se a trajetória estratégica desde 1998 até a presente data. Dá-se ênfase nesta análise à influência do cenário, às regulamentações e às exigências macroeconômicas do período no desempenho da instituição depois da adaptação estratégica empreendida. A contribuição do artigo é mostrar que mesmo em um cenário turbulento e regulamentado, o Senac pode ser competitivo, a partir da adoção não apenas de uma postura adaptativa ao ambiente, mas também com uma abordagem sobretudo voluntarista. Para que seja alcançado o objetivo, o artigo está dividido em mais quatro seções, além desta introdutória. A seção seguinte discute, de forma breve, o conceito de mudança organizacional e adaptação estratégica, bem como as diferentes maneiras de se analisar esse conceito e, principalmente, seus determinantes. A terceira seção apresenta os procedimentos metodológicos utilizados para o desenvolvimento desta pesquisa. A seção posterior destaca a análise do caso em estudo, que considera a mudança (adaptação estratégica), considerando-se o envolvimento de contexto (aqui caracterizado pelas variáveis macroeconômicas), processo (percebido pela análise) e conteúdo (ações estratégicas empreendidas) do Senac de Santa Catarina. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O ambiente externo nem sempre foi visualizado como um fator determinante de ações e decisões. As organizações eram tratadas como sistemas fechados, em que a ênfase recaía, exclusivamente, sobre o planejamento interno e sobre o aperfeiçoamento do processo produtivo, segundo Morgan (1996). Com o passar do tempo, passou-se a considerar as organizações como sistemas abertos, que interagiam com o ambiente, influenciando-o e sendo por ele influenciadas. Sendo assim, as organizações e seu ambiente interagem, de tal maneira que exige das próprias organizações ajustes que podem ser entendidos como adaptação organizacional. O ambiente pode adaptar-se às mudanças provocadas pelas organizações. O ambiente engloba todos os fenômenos externos que afetam a vida e o desenvolvimento das organizações (ANDREWS, 1991). 158 Para a compreensão desse processo de estratégia, Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) afirmam ter revisado perto de 2.000 publicações, que crescem a cada dia, o que comprova a extensão dos estudos e pesquisas sobre o assunto. Mesmo com a vasta literatura, o tema não se esgota no campo do aprendizado organizacional. A palavra-chave do aprendizado organizacional pode ser "adaptação", pois, em princípio, é possível discutir tudo o que foi escrito a respeito de administração. Esses autores afirmam, ainda, que aquilo que os biólogos escreveram a respeito da adaptação das espécies (por exemplo, "equilíbrio interrompido") pode ter relevância para a compreensão da estratégia como posição de mercado. Aquilo que os historiadores concluem a respeito de períodos no desenvolvimento das sociedades (tais como "revolução") pode ajudar a explicar diferentes etapas nos desenvolvimentos organizacionais. O ajuste da organização a seu ambiente pode ser entendido como adaptação organizacional. O processo pressupõe que tanto a organização quanto o ambiente se modificam, originando uma relação mútua e dinâmica. Pettigrew (1985) propõe a utilização de novas metodologias que levem em consideração aspectos contextuais e processuais da mudança. As mudanças organizacionais, nesse sentido, quase sempre são tratadas como episódios isolados ou separados de seus antecedentes históricos que os proporcionam forma, significado e substância, além de gerar a transformação organizacional. O que se percebe é que este estudo não é uma questão nova dentro da literatura sobre organizações, sendo possível inclusive visualizar uma grande convergência entre alguns dos textos mais antigos e outros atuais tratando desse assunto. O ritmo e a força surgem como a novidade com que as alterações do ambiente vêm sendo impostas às organizações. Silva (1997) explica que estamos vivendo uma mudança de época e não uma época de mudanças, em função da profundidade das alterações na estrutura social, as quais vêm ocorrendo desde o final do século passado. Rondeau (1999) sugere que as organizações mudam porque a maneira de pensar a gestão também sofre modificações com o tempo. Isso ocorre tanto pelo surgimento de novos modelos de gestão e novas ferramentas quanto pela própria evolução das correntes de pensamento em administração e gestão de empresas. Para Souza Silva (2003), os gerentes da época do industrialismo são racionais, enquanto os da época emergente são conceituais, contextuais e com grande sensibilidade humana, social, cultural, ecológica e comunicativa. Sua reflexão rejeita a concepção da organização percebida como “algo” objetivo e independente de nossa percepção. Nessa visão, a mudança é tratada como um instrumento para mudar coisas, mas não para mudar pessoas. As pessoas costumam ser pressionadas para adaptar-se às mudanças realizadas na dimensão dura das organizações, porém suas concepções de mundo, da natureza, da organização, do futuro e dos fins não mudam. Porras e Robertson (1992) ressaltam que a mudança planejada é resultante de intervenções do desempenho organizacional e busca melhoria do desempenho do indivíduo, pela mudança de seu comportamento no trabalho. Para os autores, a mudança no comportamento dos membros da organização é a essência da mudança organizacional, e, além disso, qualquer mudança de sucesso só consegue persistir no tempo, se, em resposta às mudanças nas características organizacionais, os indivíduos alteram seu comportamento de maneira apropriada. Com base nessas considerações, o conceito proposto por Lima (2003) para mudança organizacional e que será considerado neste trabalho, é [...] qualquer alteração, planejada ou não, nos componentes organizacionais - pessoas, trabalho, estrutura formal, cultura – ou nas relações entre a organização e seu ambiente, que possam ter consequências relevantes, de natureza positiva ou negativa, para eficiência, eficácia e/ou sustentabilidade organizacional. Ainda segundo Lima (2003), a tipologia de mudança organizacional mais amplamente divulgada refere-se à mudança transformacional versus incremental. Surge, portanto, um forte debate em torno da adaptação estratégica, e nesse contexto duas são as perspectivas que ajudam a definir o processo de adaptação estratégica das organizações. A visão determinista é a primeira delas, pois considera o ambiente como o grande determinante do sucesso e da sobrevivência organizacional, excluindo a organização em sua escolha estratégica. Nesse caso, a base da relação entre a empresa e o ambiente é a submissão das empresas a ele. 159 Segundo essa concepção, como o ambiente é preponderante sobre as organizações, as margens de manobra estratégica das empresas devem basear-se no escaneamento das características do ambiente e na luta pela sobrevivência adaptativa. Dentro da abordagem determinista, a seleção natural considera que os fatores ambientais selecionam determinadas características organizacionais que são mais compatíveis com as condições do ambiente, segundo Hall (1990) e a escola isomórfica (teoria institucional). Para DiMaggio e Powell (1991), o isomorfismo é um processo que constrange e força uma unidade em uma população a assemelhar-se com as outras unidades que estão expostas às mesmas condições ambientais. É necessário alertar que a escolha de DiMaggio e Powell (1991) entre outros institucionalistas, pela homogeneidade nas formas organizacionais, não consiste no corolário da não-existência de mudanças, conflitos e diversidade, entre outros fenômenos, dentro de um campo organizacional. Implica escolha de análises sobre o que é homogêneo ao que é diverso. Assume-se aqui, a postura de que um campo organizacional, em especial o analisado, prevê a coexistência de harmonia, homogeneidade, conflito e heterogeneidade em meio a uma diversidade de processos regulares e dinâmicos, os quais oferecem estabilidade e incerteza. De acordo com DiMaggio e Powell (1983), as três formas de isomorfismo – coercitivo, normativo e mimético – são consideradas como tipos ideais, e as distinções entre os três tipos são analíticas e não necessariamente empíricas. O isomorfismo coercitivo é, no mínimo, em primeira instância análogo às formulações do modelo de dependência de recursos, no qual as organizações são vistas como constrangidas por aquelas com as quais se tem dependência de recursos (Mizruchi, 1999). Essa constatação pode corroborar a proposição de que o isomorfismo coercitivo é mais provável quando organizações subsidiárias são compelidas a adotar práticas, avaliações de desempenho e planos orçamentários que são compatíveis com as políticas da organização-mãe. O isomorfismo coercitivo também pode ser mais sutil e menos explícito (DiMaggio e Powell, 1991). As estruturas normativas estão relacionadas a valores e normas que determinam o meio apropriado para se atingir fins justificados dentro de um campo organizacional. Essa lógica do apropriado é desenhada com apoio em papéis socialmente construídos que norteiam as ações dos atores que assumem esses papéis. À medida que há um compartilhamento dessas normas no interior do campo, formas comuns de interpretação de ação vão desencadeando-se e legitimando orientações previamente definidas que levam a um determinado grau de homogeneização, denominado isomorfismo normativo (DiMaggio e Powell, 1991). Para Machado-da-Silva, Fonseca e Fernandes (1999, p. 140), o isomorfismo mimético consiste na [...] adoção por parte de uma organização, de procedimentos e arranjos estruturais implementados por outras organizações, a fim de reduzir a incerteza ocasionada por problemas tecnológicos, objetivos conflitantes e exigências institucionais. O mimetismo ocorre pela observação entre os iguais que estão diante de ambientes institucionais semelhantes, provocando no campo organizacional certa ortodoxia nas ações. Já a outra visão é a voluntarista, que atribui à organização e seus atores a capacidade de escolha e criação de condições para a mudança (ACUÑA; FERNANDEZ, 1995). Ou seja, o sucesso da organização estaria nas mãos de seus líderes. De acordo com tal viés, a relação da empresa com seu ambiente é determinada pela escolha estratégica dos indivíduos que compõem a organização. E esses indivíduos, mais comumente os líderes, podem decidir como querem que as empresas funcionem, sobre as estratégias e mesmo sobre o resultado que desejam alcançar. Os processos e valores individuais dos líderes e mesmo seu carisma e formação seriam preponderantes para o futuro de sucesso ou de fracasso da organização. São representantes de tais teorias todas as correntes derivadas do Strategic Choice (CHILD, 1972) ou do líder visionário (WESTLEY; MINTZBERG, 1989). Dentro da abordagem voluntarista, existe, por exemplo, a escolha estratégica que enfatiza as pessoas como responsáveis pela tomada de decisão organizacional. Os líderes ou coalizões, não só adaptam a estrutura e os processos organizacionais às demandas ambientais, mas também são 160 responsáveis por manipular o ambiente no sentido de fazer com que entre em conformidade com os objetivos organizacionais (MILES; SNOW, 1978; MILES; CAMERON, 1982). O processo de adaptação organizacional ocorre, portanto, quando as organizações desenvolvem suas estratégias com base na análise do meio em que está inserida. Em se tratando de estratégia, Mintzberg (1987) conceitua a maneira de pensar no futuro integrada ao processo decisório da organização, além de ser um procedimento formalizado e articulador de resultados. O conceito de estratégia traz a possibilidade de escolha de arranjos de estrutura organizacional, funções, políticas, objetivos e metas. A estratégia não se encontra articulada com o prescricionismo administrativo, mas com o arbítrio de meios, tendo em vista certos fins, por isso sua estreita relação com o meio. Nesse meio, o ambiente de turbulência econômica dos mercados parece inevitável no cenário de globalização. O ambiente está associado ao desenvolvimento tecnológico acelerado e cada vez mais integrado às mudanças de processos e legislação, assim como ao paulatino crescimento da competição local e global serão decisivos no sucesso ou fracasso das instituições, caso não se adaptem às mudanças, ou mesmo sejam promotoras de novas mudanças, conforme preceitos do voluntarismo. Com esse enfoque, as instituições se veem mergulhadas em um ambiente em que a competitividade é uma característica permanente e exige muita atenção. Como afirma Stamer (1999), condições macroeconômicas turbulentas são sempre desfavoráveis, tanto no plano geral como no tocante às atividades locais. Ao tratar de competitividade, Michael Porter (1980) fez estudos nessas duas décadas e analisou os mecanismos de competição das empresas, identificando posições que asseguravam vantagens competitivas e relativizando a ideia weberiana e da administração clássica prescricionista, que pugnava pela eficiência operacional como fator determinante do sucesso empresarial. No artigo "A vantagem competitiva das nações", Porter (1993) afirma que [...] em um mundo de crescente competição global, as nações tornam-se mais importantes. À medida que a base da competição se voltou mais e mais para a criação e assimilação do conhecimento, o papel da nação cresceu. A vantagem competitiva é criada e sustentada por meio de um processo altamente localizado. Diferenças de valores, culturas, estruturas econômicas, instituições e histórias entre as nações contribuem para o sucesso competitivo. Há diferenças marcantes nos padrões de competitividade em cada país; nenhuma ação conseguirá ser competitiva em todos ou mesmo na maioria dos setores industriais. Finalmente, as nações têm sucesso em certos setores industriais porque seu ambiente interno é o mais avançado, dinâmico e desafiador. Em relação à perspectiva da estratégia empresarial, Fleury e Oliveira Junior (2001), afirmam que [...] os nexos entre competitividade e gestão do conhecimento têm sido objeto de atenção crescente. A perspectiva hegemônica em administração estratégica tem-se debruçado sobre a análise do ambiente em que a empresa está inserida e em como a empresa deve-se posicionar em relação às forças desse ambiente competitivo, o que se pode chamar de abordagem de fora para dentro. Nesse contexto competitivo, exigindo uma postura adaptativa determinada pelo ambiente ou proativa, o posicionamento estratégico passa ser uma decisão fundamental de permanência da instituição no mercado. De uma maneira processual, Ansoff, Declerck e Hayes (1981) conceituaram o posicionamento como a identificação dos objetivos da empresa e a análise da adequação de seus mercados e produtos, para que os objetivos sejam atingidos, determinando-se, em seguida, as capacidades, a prospecção dos impulsos alternativos de crescimento e a avaliação do potencial desses impulsos e gerando uma nova atitude estratégica. Porter (1986) conceitua o posicionamento como a compatibilização dos pontos fortes e fracos da empresa com determinada estrutura setorial, descobrindo-se posições no setor onde as forças competitivas sejam mais fracas, a fim de, em seguida, adotar as estratégias genéricas para o lançamento do produto no mercado. Para Parnell et al. (2000), o posicionamento estratégico é formulado para o gerenciamento de incertezas sobre competidores, clientes e o ambiente. Mintzberg e Quinn (2001) utilizam a metáfora do foguete para afirmar que a empresa analisa o dispositivo de lançamento (organização), os projéteis (produtos e serviços), o alvo (mercados) e os rivais (concorrentes) para a adoção das estratégias a serem seguidas com vistas à junção dos produtos aos mercados. Diante desses 161 conceitos, compreende-se que o posicionamento é análise e decisão. Para a definição das posições a adotar, torna-se necessário analisar a indústria na qual a empresa está inserida, sob os mais diversos aspectos: objetivos estabelecidos, mercados, lucratividade, portfólio de produtos ofertados, concorrência, recursos e competências requeridos e tantos outros fatores que subsidiem a adequada formulação das estratégias. Avaliando o objetivo proposto e revisando a base teórica em torno dos conceitos da adaptação organizacional, da mudança organizacional, da competitividade e do posicionamento estratégico, procura-se, a seguir, demonstrar alguns dos resultados alcançados com a pesquisa realizada no Senac de Santa Catarina. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A abordagem da pesquisa é a qualitativa, que se fundamenta no estudo que descreve e analisa uma situação à luz de uma teoria. Trata-se de uma pesquisa ex-post-facto, ou seja, que se realiza depois de terem ocorrido os fatos. A pesquisa tem por finalidade aprofundar a descrição de determinada realidade, ao longo do tempo, com base nas mudanças no ambiente de negócios. Do ponto de vista formal, o estudo é classificado como exploratório porque permite ao pesquisador aumentar sua experiência em torno de determinado problema; é descritivo porque pretende apresentar com exatidão fatos e fenômenos de determinada realidade. A pesquisa sob esse ângulo pode ser entendida como uma técnica particular de estudo de caso. Trata-se, também, de um estudo longitudinal por envolver análise relativa às mudanças que ocorrem num período de tempo e que permitem examinar tendências (TRIVIÑOS, 1987). A presente pesquisa objetiva estudar o processo de adaptação estratégica e consequente desempenho competitivo por meio da análise contextualista proposta por Pettigrew (1985), que considera essencial o estudo da mudança (adaptação estratégica), considerando o envolvimento entre contexto (aqui caracterizado pelas variáveis macroeconômicas), processo (percebido pela análise) e conteúdo (ações estratégicas empreendidas). Para a coleta de dados foi realizada uma consulta como forma adequada de abordagem que consistiu no estudo de documentos e sua interpretação. A investigação foi realizada mediante o uso de documentação indireta, como a pesquisa bibliográfica, relatórios da empresa ou de informações obtidas, via internet. Foram utilizadas ainda fontes primárias por meio de depoimentos de executivos da empresa, coletados em entrevistas estruturadas. A amostra foi intencional, e o critério de seleção foi a área de atuação dos gestores. Como o presente trabalho não aborda atividades internas nem tampouco o comportamento organizacional da empresa, a pesquisa limita-se às áreas que têm relação direta com seu objetivo, ou seja, as áreas de planejamento. Assim, houve realização de entrevistas com o diretor do Senac de Santa Catarina e o gerente financeiro da faculdade. Na análise de conteúdo, Bardin (2002) considera como pilares a fase da descrição ou preparação do material, a inferência ou dedução e a interpretação. Dessa forma, os principais pontos da pré-análise são a leitura flutuante (primeiras leituras de contato com os textos), a escolha dos documentos (no caso os relatos transcritos), a formulação das hipóteses e objetivos (relacionados com a disciplina), bem como a preparação do material. Por isso, todas as entrevistas foram transcritas no preenchimento do quadro 1, e os textos passaram por pequenas adaptações. Todavia, não se eliminou o caráter espontâneo das falas. Além disso, a análise documental esteve presente para facilitar o manuseio das informações, já que, de acordo com a autora, se constitui uma técnica que visa representar o conteúdo de um documento diferente de seu formato original, agilizando consultas. Já a última fase, do tratamento e inferência à interpretação, permite que os conteúdos recolhidos se constituam em análises reflexivas, em observações individuais e gerais das entrevistas. Para esta pesquisa utilizou-se um quadro comparativo, levando em conta a mudança ocorrida, o contexto e o processo. Durante a coleta dos dados primários, procurou-se atentar para informações que revelassem as decisões estratégicas importantes. Em seguida, de posse dos dados secundários e com o conhecimento da interpretação dos entrevistados, procurou-se, com apoio na análise global da história do Senac, identificar os eventos realmente decisivos para a compreensão do processo de 162 adaptação estratégica da instituição. Para a identificação das decisões estratégicas relevantes, a base foi a análise das entrevistas com os integrantes das coalizões dominantes da organização nos diferentes períodos. 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DO CASO EM ESTUDO 4.1 DADOS HISTÓRICOS Criado em 10 de janeiro de 1946, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) é uma instituição de educação profissional aberta a toda sociedade. Sua missão é desenvolver pessoas e organizações para o mundo do trabalho, com ações educacionais e disseminando conhecimentos em comércio de bens e serviços. Cabe à Confederação Nacional do Comércio (CNC) a administração, em cumprimento aos Decretos-lei 8.621 e 8.622, que deram origem à instituição. Ao longo desse período de atividades, o Senac preparou mais de 40 milhões de pessoas para o setor de comércio e serviços, contribuindo para a valorização do trabalhador por meio de capacitação profissional em diversas áreas de formação. Por intermédio de diferentes modalidades de ensino, a instituição se faz presente em mais de 1.850 municípios, capacitando para o mundo do trabalho aproximadamente 1,7 milhões de brasileiros, a cada ano. Esses números tornam-se completos, considerando as 500 unidades operativas por todo o território brasileiro, as 60 unidades móveis (caminhões e barcas) e, principalmente, os 16.000 docentes. 4.2 SENAC EM SANTA CATARINA O Senac de Santa Catarina é formado por uma rede composta de sete Faculdades de Tecnologia, 12 Centros de Educação Profissional, dois Centros Especializados, três Postos Avançados, quatro carretas, além da Administração Regional. Dispõe de uma estrutura física com mais de 29 mil m² de área construída e um corpo funcional com mais de 1.400 colaboradores. Nos municípios e localidades onde não há uma unidade do Senac, é possível oferecer cursos à comunidade com a utilização do Senac Móvel, 4 carretas com salas equipadas para atender à demanda de alunos nos cursos (www.sc.senac.br). Ao longo de um pouco mais de 10 anos (período coberto por esta pesquisa), o Senac lutou para se adaptar ao ambiente externo de várias formas, mas muito mais por iniciativa própria, contrárias às perspectivas de mercado e do sistema de ensino. O quadro 1 apresenta, exatamente, as mudanças ocorridas no período de 1998 até a atualidade. QUADRO 1 – MUDANÇA, CONTEXTO E PROCESSO CONTEÚDO (MUDANÇAS) 1998 • Ampliação do escopo de atuação, oferecendo cursos na modalidade de ensino técnico. CONTEXTO PROCESSO ANÁLISE • O Senac faz uso da LDB como forma apoiadora no processo de expansão • O Senac passa a instalar sistema de custo para gerir melhor a receita própria e começa o caminho do crescimento no Estado. Segundo o diretor regional, “A LDB, quando para muitas instituições pareceu ser uma ameaça, nós do Senac de Santa Catarina enxergamos como grande oportunidade de conquistar novos (MOTIVO) • O cenário trazia um caminho contrário à ampliação do escopo. • A LDB surge como uma grande oportunidade. • O Sebrae mostrase em retração no cenário. • A imagem era negativa no cenário 163 nacional. • Dúvida em relação ao governo FHC, com seu plano econômico. • O Senac já estava pensando na graduação. mercados. Tomamos a decisão de caminharmos com nossas próprias pernas, gerando receita operacional que pudesse promover nosso crescimento sustentável. Foi o que aconteceu.” 1998 • Ofere-ce cursos de pósgraduação lato sensu em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) . • Busca-se a capacitação da gestão Senac (investir nas pessoas). • Qualifi-car os diretores com os MBAs da FGV. • A FGV como estratégia de atração. • Para o empresariado de Chapecó, havia um investimento muito alto na capacitação (FGV) fora da cidade. A ideia foi lançar a parceria de FGV e Senac em Chapecó. • Redu-ção do investimento dos empresários no curso da FGV. • Traz o empresário para dentro do Senac, conquistando um público fundamental na ampliação de seu mercado. • A exigência do mercado em cursos mais rápidos e com foco na profissionaliza-ção. • Há um aprendizado importante com a parceria do Senac com a FGV. • Com o público empresarial no Senac, percebe-se a possibilidade de entrar com graduação. • Man-têm-se o posiciona-mento e as caracterís-ticas do Senac com a profissionalização. • Ou-tras parcerias surgiram naturalmente. 2003 • Atua-ção na modalidade de ensino superior de graduação tecnológica, • Ofere-ce curso de pós-graduação lato sensu em parceria com a Pontifícia Universidade Católica (PUCPR). 2004 • Ofere-ce curso de pós-graduação lato sensu a distância em • A modalidade a distância passa a ser um produto muito explorado • O Senac já atuava com o EAD, apenas em um outro Tem o perfil de uma decisão determinista e voluntarista. Segundo Rudney Raulino, “Queríamos ganhar know-how com a parceria da FGV e, no futuro, nos preparamos para entrar forte na pós-graduação. Além disso, é um público seleto que tem o perfil da instituição, pois vem do mercado e traz o mercado para dentro do Senac. Para o público do oeste, foi uma grande vantagem de custo e nos aproximou ainda mais do empresa-riado.” Característi-cas de uma decisão determinista. Para Rudney Raulino: “O mercado evolui e exige novas posturas e 164 parceria com a Rede Senac de Educação a Distância. e exigido pelo mercado, em função do tempo e do investimento. formato. • Uso da Rede Senac. • Se-nac Nacional: centralização do investimento. Decisão voluntarista 2005 • Criação dos centros especializados: Senac Tecnologia da Informação, Centro Senac de Desenvolvimento Social e Senac Bistrô Johannastift; • Criação do NESS em Blumenau – Núcleo de Estudos e Serviços Senac; • Introdução da metodologia de Excelência na Gestão – MEG; • Criação do Comitê Estadual para Desenvolvimento do Programa de Qualidade; • Implantação do 5 Ss do Senac/SC; • Criação dos Grupos de Estudos nas Unidades operativas e Administração Regional; • Participação no PCE – Prêmio Catarinense da Excelência. formas de educar que andem com a mesma rapidez que a tecnologia. Tivemos que nos adaptar, mas, mais do que isso, precisamos superar o que o mercado espera de nós.” • Visão sistêmica das áreas de gestão – integração TI e gestão. • Blume-nau como referência na gatronomia. • Preser-vação da cultura gatronômica alemã. • Regiões ricas em cultura e com uma geografia privilegiada. • Neces-sidade de ingressar em serviços exigidos pela legislação vigente e pelo mercado. • Exigên-cia na padronização, profissionaliza-ção e na qualidade dos serviços prestados. • A faculdade de Florianópolis obrigou a um novo olhar para a gestão e para a TI. • Pen-sar a TI dentro das áreas de gestão. • A área de TI passa a ter um foco na gestão e na integração das áreas. • Trans-formar a Unidade de Blumenau em centro de gastronomia. • De-senvolver projetos sociais (explorar as ações sociais como promoção cultural e econômica da região). • Inves-tir no desenvolvi-mento sustentável. • Esti-mular o voluntariado na instituição. • Responsabilidade empresarial. • Profissionalização da ONG – NESS – trabalho de incorporação. • Parti-cipação ativa no Movimento Catarinense pela Excelência (MCE). • O Prêmio Catarinense da Excelência é uma forma Pontos relatados pelo diretor da faculdade: – Passamos a ver a área de TI como subsídio fundamental na tomada de decisão. A gestão foi vista de maneira muito mais integrada. – A região de Blumenau é rica em gastronomia. Entrar nesse segmento, era retomar as tradições e incentivar a cultura. – As questões sociais despertaram como grandes oportunida-des de ações que aproximaram a comunidade e o Senac. – Empreen-dimentos surgiram com a criatividade e a visão estratégica do Senac, olhando a privilegiada geografia da região. – A participação do MCE foi um grande 165 de medir e avaliar os processos e os resultados, além de perceber o crescimento das pessoas. • Ma-peamento dos processos e das competências. • Dar foco ao direcionamen-to institucional Visão institucional 2006 • Introdu-ção do Programa de pósgraduação lato sensu, desenvolvendo seus próprios produtos. • Mape-amento e padronização dos processos de trabalhos críticos. • Criação de campanhas internas visando à manutenção do 5 Ss. • Partici-pação do PCE. • Recebimento do Prêmio Catarinense da Excelência – PRATA 2007 - • Passar a ter independência e desenvolver cursos de pós-graduação próprios. • Conhe-cimento adquirido com a FGV. • Exigên-cia de padrões de qualidade • Padro-nização do portfólio dos cursos das modalidades Formação Inicial e Continuada e Ensino Médio Técnico. • Abertu-ra das primeiras turmas de pós-graduação presencial lato sensu. • Elabo-ração do mapeamento dos processos Senac/SC. • Cons-trução do Balanced Scorecard corporativo e desdobramento das unidades de negócios. • Aumen-ta considerável-mente a concorrência no mercado da educação. • A participação no MCE e a execução do programa não foi algo imposto, mas amadurecido com todos os profissionais. • O Café Mensal Senac se revela um ponto muito positivo de integração e valorização, não só do corpo administrativo, mas também da equipe docente. • Cami-nho para a gestão de portfólio de produto. • Pen-sar a instituição como um conjunto de produtos – foco específico em produtos e caracterização. • Mudar o conceito de sistema. • Valo-rização das pessoas “pratas da casa”. • Ges-tão dos indicadores estratégicos. desafio. – Tivemos que ter coragem de participar do movimento e muito mais coragem em colocarmos a instituição para ser avaliada. – A participação do Senac no movimento foi muito mais como estratagema para uma autoavalia-ção do que a busca por um prêmio. – Mapear os processos foi uma forma de reforçar a organização e definir claramente o fluxo de atividades. – Em termos ainda de organização, o programa 5 Ss tem o caráter de manter o ritmo do ambiente saudável e equilibrado. Mantém um perfil voluntarista Argumentos do diretor: – Novamente o Senac está olhando o mercado e seu comporta-mento. Em face, toma novas estratégias focalizadas no portfólio de produtos. – Mantém uma visão estratégia inovadora voltada para a qualidade do ensino e formação das pessoas. – Passa a gerenciar suas decisões com o 166 uso de indicadores estratégicos. FONTE: Dados primários e secundários coletados na pesquisa. As primeiras decisões, isso já em 1998, apresentam fortes características de uma “organização empreendedora”. Em Mintzberg (1998), o modo empreendedor de formulação de estratégias se caracteriza pela figura forte de um líder que administra a organização de uma forma autocrática, aliado a uma estrutura organizacional simples, e seu poder e controle estão centralizados no líder/fundador. Para Child (1972), nesse caso o staff é reduzido, chegando o líder a se confundir com a própria coalizão dominante. É o líder quem avalia o campo organizacional e define as estratégias para a organização. Muito embora o líder estabeleça o direcionamento da organização de forma centralizada, existe a consideração de determinados atores, tanto do ambiente externo quanto do ambiente interno à organização. A instituição buscou formas de negociar com o ambiente, a fim promover o crescimento num ambiente que se mostrava contrário, caracterizando o modelo da dependência de recursos ou a abordagem da limitação dos recursos. Esse fato é evidenciado durante o processo em que se iniciavam seus cursos técnicos. Na segunda metade da década de 90, muitas instituições de ensino viram a LDB como mecanismo dificultador e ameaçador. O Senac, por sua vez, percebeu ali o momento de crescer e expandir sua atuação, até então limitada aos cursos rápidos. Com a definição da nova política para a educação superior brasileira, marcada por acentuado crescimento do número de vagas oferecido nesse nível de ensino, especialmente a partir de 1998 e pela edição de duas leis: a 9.131/95, que institui o Programa Nacional de Avaliação da Educação Superior, e a 9.394/96, que dita as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Essas leis traçam as linhas fundamentais para a educação superior e abrem espaço para a edição de numerosas normas regulamentadoras. São várias as inovações trazidas para a educação superior do Brasil nesse cenário: a) a criação de duas novas modalidades de instituição de ensino superior, conforme a classificação do artigo 8º do Decreto 2.306/97, dentre as quais merecem destaque as faculdades e faculdades integradas; b) o artigo 46 da Lei 9.394/96 impõe a necessidade de recredenciamento periódico das instituições de ensino superior, aumentando a fiscalização imposta à rede escolar (SOUZA E SILVA, 1997). A esse sistema agrega-se a necessidade de renovação do reconhecimento dos cursos superiores a cada cinco anos, e isso força as instituições a manterem uma estrutura pesada em um ambiente de alta competitividade. O processo de avaliação, tanto das instituições de ensino superior como dos cursos, tem seus requisitos detalhadamente expressos na legislação e engloba: a) a titulação e regime de trabalho do corpo docente, em especial para as universidades onde o porcentual de mestres e doutores, bem com de professores em regime de tempo integral, devem manter-se em 30%; b) a organização didático-pedagógica, relacionada aos currículos dos cursos estruturados de acordo com as diretrizes curriculares editadas pelo MEC; c) a infraestrutura que abrange bibliotecas, laboratórios, salas especiais e salas de aula. Essas pressões decorrentes da legislação, que fixa critérios mínimos que devem ser respeitados, para que as instituições de ensino superior possam continuar a realizar suas atividades. Alia-se a isso o aumento significativo da concorrência entre as universidades, centros universitários e 167 faculdades isoladas/integradas, o que afeta a forma como as instituições de ensino realizam suas atividades. As organizações, ao se depararem com pressões institucionais de natureza coercitiva, podem alterar seu posicionamento estratégico, com o objetivo de se adaptarem às exigências trazidas pelo contexto externo. Nesse processo, as organizações foram obrigadas a repensar seu posicionamento. Em termos de sustentabilidade financeira, até 1998, toda receita era recurso compulsório que segurava todas as despesas da entidade, limitando assim o crescimento desta. A partir daí, o Senac passou a ter um foco na receita gerada com seus produtos, superando a receita compulsória e dando ao Senac uma sustentabilidade operacional. Foi, sem dúvida, uma decisão que contrariava os preceitos do Senac nacional e que mostrou ser uma postura visionária e empreendedora. Compreende-se, então, que as ações desse ponto em diante seriam muito voltadas ao voluntarismo. Mesmo assim, o que se observará em algumas passagens é que as limitações e imposições de mercado fariam com que o Senac procurasse avaliar condições e recursos para se adaptar e crescer nesse mercado. Uma característica profundamente determinista mostra que ambas as visões são essenciais para uma descrição precisa da adaptação organizacional (ASTLEY; VAN DE VEN, 1983). Ao oferecer cursos de pós-graduação em parceria com a FGV, o Senac se aproxima ainda mais do público empresarial, facilitando o acesso deste aos cursos de pós-graduação, adquirindo know-how nesse segmento, no qual, tempo depois, entraria com marca própria. Além disso, pensando no futuro em cursos tecnológicos, esse mesmo público seria fundamental para a consolidação de cursos de graduação voltada à especialização e ao mercado de trabalho, como era a proposta do curso de tecnologia. Tais ações demonstram a construção de estratégia dirigida à competitividade. Em 2003, além da parceria com a PUCPR para cursos de pós-graduação, o Senac iniciou sua atuação na modalidade de ensino superior de graduação tecnológica, com objetivo de profissionalizar e formar profissionais para o mercado de trabalho. Isso levaria o Senac ao título de Faculdade de Tecnologia. Logo depois, iniciou os cursos a distância em parceria com a Rede Senac de Educação a Distância. O Senac de Santa Catarina utiliza uma estrutura e aperfeiçoa sua metodologia, dando a essa modalidade um caráter atrativo. Não é uma decisão inovadora, nem tampouco pioneira. Trata-se de uma atitude de rápida adaptação e responsável. Já em 2005 o número de funcionários tinha quintuplicado (gráfico 1) e a área física quase triplicada (gráfico 2). Surgiram os centros especializados, como o Senac Tecnologia da Informação, o Centro Senac de Desenvolvimento Social e o Senac Bistrô Johannastift. O Senac de Santa Catarina passou a ver a área de TI como parte integrada às demais áreas de gestão. Com o Bistrô, o Senac resgatou a cultura e a gastronomia alemã na região de Blumenau. GRÁFICO 1 – NÚMERO DE COLABORADORES FONTE: Dados secundários coletados na pesquisa. 168 GRÁFICO 2 – ÁREA FÍSICA FONTE: Dados secundários coletados na pesquisa. Nesse mesmo ano o Senac tomou uma decisão importante: passou a fazer parte do Movimento Catarinense para Excelência, introduzindo a metodologia de excelência na gestão, o MEG. A característica mais importante do MEG á a de ser um modelo sistêmico (entendimento das relações de interdependência entre os diversos componentes de uma organização, bem como entre a organização e o ambiente externo); portanto, como benefício de buscar a estruturação e o alinhamento dos componentes da gestão das organizações sob a ótica de um sistema. (FNQ, 20092010). Tudo isso como foco em sua visão, cujo horizonte era até 2010 ser reconhecido como referência em ações educacionais e disseminação do conhecimento. Daí, a faculdade passou a ter uma meta que iria muito além de uma premiação. Ela é encarada como uma forma de autoavaliação e de melhoria contínua. Vão inserindo-se no cotidiano da faculdade ferramentas e programas de qualidade como os 5 Ss até o mapeamento do processo. Como forma de integração e disseminação dos conceitos, a faculdade adotou o Café Senac, que se revela um ponto muito positivo de integração e valorização de todos os profissionais da instituição. A pós-graduação lato sensu, como produto próprio do Senac, foi instituída em 2006 e nesse mesmo ano o Senac recebeu, pela participação no PCE (Prêmio Catarinense da Excelência) o Troféu Prata, o que demonstrou que a faculdade caminha rumo a excelência na área de educação. Nos anos seguintes a faculdade de Santa Catarina reforçou sua posição quanto á metodologia de gestão, usando como avaliação de desempenho o BSC (Balanced Scorecard). Desse ponto em diante, percebe-se a maturidade e os novos desafios semeados pela postura empreendedora nos últimos anos. Analisando todo o processo, observa-se que as estratégias da organização parecem ter sido influenciadas em parte pelo movimento de mercado e pelas exigências da clientela e das regulamentações. Esse movimento dinâmico de mercado despertou o empreendedorismo com o objetivo de preencher os espaços deixados pelas concorrentes. Outro salto do Senac de Santa Catarina, identificado no período de expansão empreendedora, provocou um grande crescimento de infraestrutura, de pessoal e de abrangência. Tal fato gerou impacto no fluxo de comunicação, nos processos internos e na definição dos papéis organizacionais, entre outros fatores, além do efeito na situação financeira da instituição. Para isso, a faculdade teve como apoio metodológico o MEG. Nesse sentido, Mintzberg (1998) chama a atenção para o fato de que, depois das mudanças em larga escala, as organizações necessitam de alguma estabilidade, a fim de ordenar o caos resultante. No processo de adaptação estratégica do Senac, é possível identificar tanto a existência de estratégias planejadas quanto de estratégias emergentes. Um exemplo disso foi a decisão de expandir seu portfólio. As ações nesse sentido foram sendo feitas gradativamente, testando o 169 mercado. Com isso, poucas estratégias são puramente deliberadas. Da mesma forma, poucas são totalmente emergentes. Todas as estratégias da vida real precisam misturar as duas de alguma forma, exercendo o controle e ao mesmo tempo fomentando o aprendizado (MINTZBERG, 2000). No que diz respeito à postura estratégica da faculdade, pode-se afirmar que a coleta de dados foi, no todo, analista (MILES; SNOW, 1978). Organizações analistas adotam comportamentos mistos, variando entre defensoras e prospectoras/exploradoras. Ao mesmo tempo em que atuam de forma rotineira e eficiente, utilizam estrutura e processos formalizados. Essas organizações acompanham seus competidores, adotando as ideias que lhes sejam mais promissoras. Com isso, entre as várias tipologias que procuram classificar as organizações quanto a seu comportamento estratégico, a de Miles e Snow (1978) parece ser a mais coerente para o caso do Senac de Santa Catarina, pois fundamenta-se na perspectiva da escolha estratégica, considerando-se as organizações em interação dinâmica com o ambiente. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A história do Senac de Santa Catarina apresenta características que permitiram o estudo de fenômenos pouco discutidos na literatura sobre instituições de ensino. Fatos ocorridos pela decisão da coalizão dominante chamaram a atenção dos pesquisadores. Mencionam-se o crescimento acelerado nos últimos anos, a entrada com produtos até então fora de seu portfólio e a força do acaso moldando as estratégias da organização. De acordo com as análises teóricas dos períodos, torna-se possível fazer algumas considerações sobre o processo de adaptação estratégica do Senac de Santa Catarina. 1 O processo de adaptação foi fortemente influenciado pela regulamentação, em especial, pela LDB, depois de 1996. 2 O mercado, embora em expansão, havia deixado um espaço a ser preenchido por instituições competentes, empreendedoras e disciplinadas. 3 Diante das considerações anteriores, pode-se afirmar que as teorias que não reconhecem o governo e a comunidade como importantes forças do ambiente organizacional tem, pelo menos para esse caso, pouco poder explicativo. 4 As características do processo de formulação de estratégias dependem muito do estilo gerencial do líder ou coalizão. 5 O processo de adaptação estratégica da faculdade envolve tanto aspectos institucionais como o governo e a comunidade quanto técnico-econômicos como clientes e colaboradores internos, os quais se mesclam de uma forma extremamente complexa, confirmando as constatações de Scott (1983) quando afirma que, muitas vezes, torna-se difícil distinguir esses dois aspectos do ambiente. Pettigrew (1985) considera que a adaptação organizacional envolve vários níveis não só da organização, mas também do ambiente, sendo esta influenciada tanto por coalizões internas quanto por coalizões externas, o que se tornou um forte argumento para esta pesquisa. Os resultados, ainda, nos levam a refletir sobre algumas metodologias utilizadas em estudos sobre adaptação estratégica. Em essência, conclui-se que foi o processo simultâneo de coleta e análise dos dados que permitiu obter uma descrição do processo rica em pormenores. Assim, as informações importantes, mas muitas vezes imprecisas, obtidas por meio do contato direto com os informantes, são complementadas à medida que são confrontadas com os dados já coletados e com as explicações teóricas em construção. Assim, acredita-se que para o entendimento global, integral e holístico da mudança ou da adaptação organizacional, a metodologia adotada deve contemplar técnicas qualitativas de análise que englobem o conteúdo, o contexto e o processo das mudanças. A principal contribuição deste estudo refere-se justamente à metodologia utilizada. Pode-se buscar o entendimento de uma determinada mudança pelo isolamento de uma variável. Logo, podese concluir que o estudo, o qual busca compreender o contexto, o conteúdo e o processo da mudança, parece de fato ser o mais apropriado para se estudar a adaptação organizacional. Ainda com relação à contribuição deste estudo, observa-se que a evolução do Senac de Santa Catarina caminha para um posicionamento estratégico olhando produtos e serviços, o que representa a gestão baseada no portfólio. Os esquemas interpretativos desse tipo de 170 posicionamento serão identificados com base nas crenças e valores compartilhados pelos dirigentes do nível estratégico das organizações, o que gerará futuros estudos prescritivos. REFERÊNCIAS ACUÑA, E.; FERNÁNDEZ, F. Análise de mudanças organizacionais: utilidades para políticas sociais. Revista de Administração Pública, v. 29, n. 2, p. 80-109, 1995. ASTLEY, W. Graham; ANDREW, H. Van de Vem. Central perspectives and debates in organization theory. Administrative Science Quarterly, 28:245-273, 1983. ALPERSTEDT, Graziela Dias; CUNHA, C. J. C. A. Adaptação estratégica em organização universitária: um estudo de caso na Universidade do Sul de Santa Catarina. 2000. ANDREWS, Kenneth, R. The concept of corporate strategy. In: MINTZBERG, Henry; QUINN, James Brian. The strategy process. 2. ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall, 1991. ANSOFF, H. Igor; DECLERCK, Roger P.; HAYES, Robert L. Do planejamento estratégico à administração estratégica. 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Special Issue. 172 173 GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA NOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS DE PORTE MÉDIO DEPOIS DA LRF THE FINANCIAL MANAGEMENT AND BUDGET OF THE BRAZILIAN MEDIUM-SIZED MUNICIPALITIES AFTER LRF LA GESTIÓN FINANCIERA Y PRESUPUESTARIA DE LOS MUNICIPIOS BRASILEROS DE TAMAÑO MEDIO DESPUÉS DE LA LRF WILLSON GERIGK Mestre em Contabilidade, Professor de Ciências Contábeis (UNICENTRO) ADEMIR CLEMENTE Pós-doutor pela Universidade de Londres, Professor do Mestrado em Contabilidade (UFPR) MARINÊS TAFFAREL Mestre em Contabilidade, Professora de Ciências Contábeis (UNICENTRO) 174 RESUMO O objetivo deste artigo é verificar o comportamento da gestão pública municipal depois do advento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e nos períodos subsequentes à sua vigência. A amostra é formada pelos municípios brasileiros que, no exercício de 1998, apresentavam população entre 100 mil e 1 milhão de habitantes. O período de análise compreende os exercícios de 1998, 2000, 2004 e 2008. A metodologia aplicada caracteriza a pesquisa como descritiva, bibliográfica e documental. A abordagem do problema é quantitativa, com emprego da técnica estatística de diferenças de médias. Conclui-se que a vigência da LRF impactou positivamente a gestão dos municípios brasileiros de porte médio e que, nas gestões seguintes à sua vigência, houve maior controle sobre a execução orçamentária municipal. Palavras-chave: municípios brasileiros, gestão financeira municipal, Lei de Responsabilidade Fiscal. ABSTRACT This paper aims at investigating the behavior of municipal public administration since the advent of the Fiscal Responsibility Law (LRF) and subsequent periods. The sample comprises the municipalities that in fiscal year of 1998 had population between 100,000 and 1 million inhabitants. The period of analysis covers the fiscal years of 1998, 2000, 2004 and 2008. The methodology is characterized as descriptive, bibliographical and documental. The approach is quantitative, employing the statistical technique of mean differences. We conclude that the LRF presented positive impact on the management of medium-sized municipalities and that the administrations following the LRF enactment presented better control over the municipal budget execution. Keywords: brazilian municipalities, municipal financial management, Fiscal Responsibility Law. RESUMEN El objetivo de este trabajo es investigar el comportamiento de la administración pública municipal desde el advenimiento de la Ley de Responsabilidad Fiscal (LRF) para los períodos subsiguientes de validez. La muestra se compone de los municipios que en el año fiscal 1998 tenía una población entre 100.000 y 1 millón de habitantes. El período de análisis abarca los años 1998, 2000, 2004 y 2008. La metodología se caracteriza por ser una investigación descriptiva literatura, y de los documentos. El enfoque es un problema cuantitativo, empleando la técnica estadística de las diferencias de medias. Llegamos a la conclusión de que la duración de la LRF ha impactado positivamente la gestión de los municipios de tamaño medio y que la administración siguiente al de su duración fue mayor control sobre la ejecución del presupuesto municipal. Palabras claves: municipios brasileños, gestión financiera municipal, Ley de Responsabilidad Fiscal. 175 1 INTRODUÇÃO A administração pública no Brasil, nos últimos anos, vem convivendo com profundas mudanças de ordem financeira, estrutural e comportamental. Um dos principais fatores que contribui para esse processo é a aprovação da Lei Complementar nº 101, de 4/5/2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que foi instituída com o objetivo de disciplinar a administração pública em todos os níveis de governo, buscando o controle, normalização e fiscalização dos gestores públicos. Dentre os principais objetivos da LRF, destaca-se o combate aos déficits crônicos da administração pública brasileira, por intermédio do aprimoramento do processo de planejamento, de maior rigidez na execução dos orçamentos e do controle do endividamento. Ao impor normas de planejamento e controle mais completas e rigorosas, a LRF contribui para que a contabilidade pública amplie sua utilidade informacional e atue como sistema de apoio fundamental ao processo decisório dos gestores públicos e de acompanhamento de resultados. Para Jund (2008, p. 04), as exigências da LRF “[...] fizeram com que a Contabilidade Governamental deixasse de ficar restrita [...] ao objetivo da prestação de contas.” A partir desse fato, o gestor público passou a ter de estudar formas que permitam o controle efetivo do governo, com o objetivo de buscar sempre a transparência das demonstrações contábeis e financeiras, a fim de que todos os cidadãos possam compreender a ação dos governantes. No Brasil, a Constituição Federal assegura aos municípios capacidade tributária plena, além de garantir-lhes participações nas receitas tributárias dos Estados e da União. Os municípios de menor porte apresentam maior dependência em relação às transferências constitucionais provenientes dos Estados e da União, em decorrência de menor capacidade de geração de receitas próprias. Os municípios de maior porte mostram capacidade de arrecadação mais expressiva e, consequentemente, menor dependência financeira relativamente aos Estados e a União, conjuntamente. Entretanto, os municípios brasileiros de porte médio, apesar de contarem com maior capacidade de arrecadação, demonstram pesadas e crescentes demandas por serviços públicos, o que os obriga a aplicar quase a totalidade de seus recursos na manutenção de estruturas operacionais básicas (pessoal e outras despesas correntes). Tais estruturas atingem elevada complexidade, exigindo dos gestores municipais enorme capacidade administrativa, operacional e financeira. Os municípios brasileiros de porte médio, para fins desta pesquisa, são os que possuem população entre 100 mil e 1 milhão de habitantes. A tabela 1 destaca características relevantes desse segmento e permite a comparação com o total de municípios. TABELA 1 – CARACTERÍSTICAS DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS DE PORTE MÉDIO (BASE 2008) CARACTERÍSTICAS MUNICÍPIOS PORTE MÉDIO 5.563 239 184 63 orçamento per capita 1.381,09 1.313,97 transferências dos Estados em relação às receitas totais 23,36% 26,00 % quantidade população – em milhões de habitantes 176 transferências da União em relação às receitas totais 17,90% 11,62% receitas tributárias em relação às receitas totais 17,45% 18,45% gastos com pessoal em relação às receitas correntes 40,08% 40,45% outras despesas de manutenção em relação às receitas correntes 40,64% 39,70% investimentos em relação às despesas totais 12,69% 11,93% FONTE: Os autores (2010). Os municípios de porte médio representam aproximadamente 5% do número total, mas congregam mais de um terço da população brasileira. Seu valor orçamentário per capita é pouco inferior à média. São relativamente mais aquinhoados com transferências dos Estados, menos beneficiados com transferências da União e apresentam capacidade tributária pouco superior à média dos municípios. Os gastos com pessoal como proporção das receitas correntes se situam levemente acima da média, enquanto apresentam pequena economia em relação a outras despesas com manutenção. Para os municípios de porte médio, a participação dos investimentos nas despesas totais se posiciona abaixo da média, o que revela capacidade relativamente reduzida de ampliar e melhorar os serviços públicos. Em consonância com as alterações observadas na economia global, a administração pública de todas as esferas tem buscado abandonar o enfoque exclusivamente legalista e emprestar maior importância aos resultados (OSBORNE; GAEBLER, 1995). Apesar de a administração pública no Brasil ter concluído, no final de 2008, dois mandatos municipais sob a vigência da LRF, ainda não são claras as mudanças proporcionadas pela lei, nem mesmo se essas modificações realmente ocorreram. Então, diante da relevância das finanças públicas e da importância econômica dos municípios brasileiros de porte médio, o presente artigo busca responder ao seguinte questionamento: que impactos a LRF provocou sobre a gestão financeira dos municípios brasileiros de porte médio? O objetivo geral é identificar o comportamento da gestão pública municipal diante do advento da LRF e nos períodos subsequentes à sua vigência, nos municípios brasileiros com população entre 100 mil e 1 milhão de habitantes. O presente artigo é composto de cinco seções. Após a introdução, aborda-se a fundamentação teórica. Em seguida, apresenta-se a metodologia utilizada. Na outra seção, são apresentados e discutidos os resultados da pesquisa empírica. Por fim, apresenta-se a conclusão. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Os fundamentos teóricos apresentados a seguir se referem à administração pública municipal, à gestão financeira municipal e à LRF. 2.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL E GESTÃO FINANCEIRA MUNICIPAL Os objetivos dos entes públicos (Federal, estaduais e municipais) são atender às necessidades da população, as quais são crescentes, mediante a administração dos recursos públicos. Segundo Bobbio (1998 apud MATIAS-PEREIRA, 2008, p. 61), a administração pública [...] designa o conjunto das atividades diretamente destinadas à execução das tarefas ou incumbências consideradas de interesse público ou comum, numa coletividade ou numa organização estatal. 177 Para Meirelles (2003, p. 63), o governo é responsável pela condução dos negócios públicos, utilizando os poderes e órgãos que o integram para atingir os objetivos dele. O autor afirma, também: “A Administração é o instrumental de que dispõem o Estado para pôr em prática suas opções de Governo.” (Ibid., p. 64). Assim, o Estado, que tem a responsabilidade de atender às demandas da sociedade, com serviços públicos de qualidade, os realiza por meio da administração pública. O município, como unidade político-administrativa, surgiu com a República Romana, interessada em manter a dominação pacífica sobre as cidades conquistadas. Os vencidos ficavam sujeitos, desde a anexação, às imposições do Senado, mas, em troca da fiel obediência às leis romanas, a República concedia-lhes certas prerrogativas, que variavam de simples direitos privados até ao privilégio político de eleger seus governantes e dirigir suas cidades (MEIRELLES, 2003, p. 3132). Na opinião de Slomski (2003), os municípios, no Brasil, existem desde o período colonial e tiveram na Constituição de 1988 seu ápice no que diz respeito à autonomia. Para Menezes (2002), o município é reconhecido como a instituição que pode levar de forma mais eficiente e eficaz a presença do poder público ao interior do País, além de poder desempenhar o papel de agente do desenvolvimento econômico local. Matias e Campello (2000) corroboram esse entendimento afirmando que é no município, a menor unidade administrativa da Federação, onde se apresentam as condições mais adequadas para que seja formado um quadro nacional democrático e onde são geradas as situações mais favoráveis para intervenção. O poder público local está mais próximo dos problemas e é suscetível a controle mais direto da sociedade. Para atender às demandas e aos anseios da população, as administrações municipais prestam serviço público, direta ou indiretamente, respeitando suas competências e seus limites territoriais. A gestão pública envolve a interpretação de objetivos a fim de transformá-los em ação organizacional por meio do planejamento, da organização, da direção e do controle, devendo ser entendida como o conjunto de ideias, atitudes, normas e processos que determinam o modo de distribuir e exercer a autoridade política, e de atender aos interesses públicos (MATIAS-PEREIRA, 2007, p. 5). A função da gestão pública é disponibilizar os serviços públicos necessários à população, mediante a execução do orçamento público. Em relação aos municípios, a gestão está associada às questões de interesse local e abrange aspectos orçamentários, financeiros e patrimoniais. As melhorias da gestão pública, em seus aspectos financeiros, econômicos, sociais e de gestão dependem da correta e persistente gestão dos recursos financeiros, porque no ambiente público municipal, como de resto em todo o setor público, tais melhorias estão ligadas às receitas e às despesas, ou seja, revelam-se como relações basicamente financeiras. 2.2 LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (LRF) Até 1929 a gestão econômica exigia orçamentos equilibrados, despesas nunca maiores do que as receitas. O poder público possuía funções limitadas, e predominava o pensamento clássico da economia política. Com a crise de 1929, que levou à depressão mundial, com falências em série e desemprego generalizado, foi colocado em prática o modelo keynesiano, pensado para combater a crise, que se baseava no déficit governamental. Os gastos deficitários estimularam a atividade econômica, atenuando as frequentes crises da economia de mercado e garantiram investimentos em infraestrutura, modelo que perdurou até a década de 80 (TOLEDO JR.; ROSSI, 2005, p. 7-8). Na metade da década de 80, entrou em crise o modelo político do Estado Provedor do BemEstar Social (Welfare State), com base no modelo keynesiano. Tornaram-se evidentes as insuficiências das concepções que enxergavam no Estado o provedor direto do bem-estar da população, incluindo o emprego. Desencadeou-se um processo no sentido de repensar a administração pública, tendo como referência as reais possibilidades orçamentárias, bem como suas finalidades principais (MATIAS-PEREIRA, 2006, p. 95). 178 Na década de 80, o Brasil passou por uma transição de regime político, com o afastamento dos militares. No encerramento do período militar, em 1984, a situação econômica e financeira do País era gravíssima. O primeiro governo civil, após o período militar foi marcado por vários planos econômicos visando controlar a inflação e fomentar o crescimento econômico, os quais não deram resultados. O segundo governo civil também instituiu planos econômicos sem sucesso, não conseguindo conter a inflação nem promover o crescimento econômico. Como agravante, houve o impeachment do presidente. O vice-presidente assumiu em 1992, afirmando que o combate à inflação deveria começar pelo controle do déficit público e de outras reformas necessárias, como a administrativa. As medidas adotadas pelo Plano Real promoveram a estabilidade econômica no País e a derrubada da inflação, o que garantiu a eleição de seu idealizador em 1994 (NASCIMENTO, 2006). Nas duas gestões presidenciais subsequentes (1995 a 2002), foram promovidas várias reformas visando ao fortalecimento da economia, das finanças públicas e da estrutura do Estado brasileiro com o objetivo de adaptá-lo às novas realidades da economia mundial, tais como reforma administrativa e previdenciária, desregulamentação de mercados, flexibilização das regras de contratação de mão de obra, privatizações (NASCIMENTO, 2006). Foram criados e regulamentados os programas de Estabilidade Fiscal (PEF), Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER), Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal de Estados, Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, medidas que objetivavam manter a estabilidade fiscal. A tarefa de tornar o Estado menos caro e eficiente exige um maior controle dos gastos públicos e uma maior transparência na aplicação dos recursos. O Brasil, como outros países, vem desenvolvendo medidas para alcançar um Estado menor, mais ágil e inteligente. A proposta da elaboração e aprovação da LRF surgiu nesse contexto (MATIAS-PEREIRA, 2006, p. 306). Depois de maio de 2000, o plano de estabilização fiscal recebeu um reforço importante, com a promulgação da Lei Complementar n° 101, a LRF, com o objetivo de intensificar o controle da dívida pública, expandido as premissas do Plano Real a todas as esferas de governo. Com o equilíbrio das contas públicas, Estados e municípios, assim como o governo federal, foram inseridos em um programa de desenvolvimento autossustentável, o que implica restringir os gastos de acordo com as receitas (NASCIMENTO, 2006, p. 31). Segundo Nascimento e Debus (2002), a LRF traz uma nova noção de equilíbrio para as contas públicas: o equilíbrio das contas primárias, traduzido no resultado primário equilibrado. Significa, em outras palavras, que o equilíbrio a ser buscado é o equilíbrio autossustentável, ou seja, o que prescinde de operações de crédito, portanto não implica aumento da dívida pública. Para os autores, a dívida pública é o principal problema de ordem macroeconômica enfrentado pelo País nos últimos tempos, em todos os níveis de governo, e o controle da dívida pública é um dos principais motivos para a adoção de uma lei como a LRF. A LRF, segundo Nascimento e Debus (2002), Toledo Jr. e Rossi (2005), além de Nascimento (2006), incorpora alguns princípios e normas decorrentes de experiências internacionais aplicadas à correção de problemas semelhantes. No quadro 1, são apresentadas as principais características das experiências internacionais sobre ajuste fiscal. QUADRO 1 – PRINCIPAIS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS SOBRE AJUSTE FISCAL EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS Fundo Monetário Internacional – Fiscal Transparency Comunidade Econômica Europeia – Tratado de Maastricht PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS 1 Transparência dos atos que envolvam atividades fiscais passadas, presentes e programadas ou futuras. 2 Reforça o planejamento. 3 Informações orçamentárias apresentadas periodicamente aumentando a publicidade e a prestação de contas. 1 Critério para verificação da sustentabilidade financeira dos Estados membros. 2 Comprometimento dos membros com metas fiscais e com déficits fiscais excessivos. 179 Nova Zelândia – Fiscal Responsibility Act EUA – Budget Enforcement Act 3 Metas orçamentárias e para o endividamento, monitoradas por uma comissão. 1 O Executivo tem liberdade para orçar e gastar, porém exige-se forte transparência sobre esses itens. 2 Redução das dívidas públicas a níveis prudentes. 3 Alcançar e manter níveis de patrimônio líquido para enfrentar possíveis riscos fiscais. 4 Gerenciamento dos riscos fiscais existentes. 1 Aplicado apenas ao governo federal. 2 Congresso fixa metas de superávit, e os mecanismos de controle seguem as regras do Budget Enforcement Act. 3 Sequestration: limitação de empenho para garantir limites e metas orçamentárias. 4 Compensação orçamentária: atos que levem ao aumento das despesas devem ser compensados com redução de outras despesas ou aumento de receitas. FONTE: Adaptação de Nascimento e Debus (2002); Toledo Jr. e Rossi (2005) e Nascimento (2006). A gestão fiscal responsável é caracterizada pela fiel observância dos preceitos constitucionais e legais, resultando na correta aplicação dos recursos pelas entidades públicas nos três níveis de governo, nos três poderes e no Ministério Público. Em resumo, a LRF tem por objetivo prevenir os déficits nas contas públicas, manter sob controle o nível de endividamento público, impedindo que os gestores assumam obrigações e encargos sem a correspondente fonte de receita ou redução da despesa, pois impõe a imediata correção dos desvios na conduta fiscal, com a finalidade de assegurar o equilíbrio permanente das finanças públicas. 2.3 GESTÃO FINANCEIRA E LRF A gestão pública envolve a interpretação de objetivos a fim de transformá-los em ações por meio do planejamento, da organização, da direção e do controle. Compreende o conjunto de ideias, atitudes, normas e processos que determinam a forma de distribuir e de exercer a autoridade política e de se atenderem aos interesses públicos (MATIAS-PEREIRA, 2007). Para Silva (2004, p. 179), a gestão pública está relacionada com “[...] os processos que visam à obtenção, transformação, circulação, aplicação e consumo de bens com o fito de atingir a finalidade proposta pela administração”. A função da gestão pública é disponibilizar os serviços necessários à população, mediante a execução orçamentária. Em relação aos municípios, a gestão está associada às questões de interesse local e abrange aspectos orçamentários, financeiros e patrimoniais. Segundo D’Auria, (1962, p. 63), as finanças públicas [...], em sua vasta e ilimitada atuação, enfrentam e resolvem os problemas de natureza econômica que se desencadeiam da função de governo, donde se conclui que a função financeira se enquadra na ordem política e econômica do Estado. Matias e Campello (2000, p. 40), afirmam que “[...] finanças públicas referem-se ao conjunto de problemas relacionados ao processo de receitas-despesas governamentais e dos fluxos monetários.” Os entes públicos possuem a responsabilidade de viabilizar o funcionamento dos serviços públicos essenciais demandados pela coletividade. Para atingir esse objetivo, necessitam de recursos financeiros, que são obtidos por meio de várias fontes. O custeio das necessidades públicas realiza-se por meio da transferência de parcelas dos recursos dos indivíduos e das empresas para os governos, completando assim o círculo financeiro entre sociedade e Estado (MATIAS-PEREIRA, 2006, p. 133-134). Essa relação é a principal preocupação das finanças públicas. Segundo o mesmo autor, o objeto precípuo das finanças públicas é a atividade fiscal desempenhada com o propósito de obter e aplicar recursos para o custeio dos serviços disponibilizados aos cidadãos, sendo orientada segundo duas direções: a) política tributária, que se 180 materializa na captação de recursos, para atendimento das funções da administração pública; b) política orçamentária, que se refere especificamente aos gastos, ou seja, aos atos e medidas relacionados com a forma da aplicação dos recursos, levando em consideração a dimensão e a natureza das atribuições do poder público, bem como a capacidade e a disposição para seu financiamento pela população. No âmbito municipal, a gestão financeira refere-se aos procedimentos empregados na obtenção e administração dos recursos financeiros (receitas públicas), necessários para a realização dos serviços públicos e dos programas de interesse local, que constam no orçamento municipal e são executados ou desenvolvidos por intermédio das despesas públicas. Os municípios, para o desempenho de suas atividades e realização de seus fins, precisam obter meios financeiros, pela exploração de seu patrimônio, pelas contribuições representadas pelos tributos municipais e pela participação nas receitas do governo estadual e da União. Essa atividade que os municípios desenvolvem para atendimento das necessidades públicas é denominada, por Silva (2004) gestão e administração financeira e consiste em obter, criar, gerir e despender os recursos financeiros indispensáveis àquelas necessidades. A gestão financeira preocupa-se com os recursos financeiros para o desenvolvimento das atividades inerentes à administração pública municipal, tanto no que se refere às atividades-meio como às atividades-fim, que devem ser geridas pelo ente local. Na figura 1, é apresentado o ciclo da gestão financeira municipal. FIGURA 1 – CICLO DA GESTÃO FINANCEIRA MUNICIPAL FONTE: Os autores (2010). A gestão financeira municipal é baseada na relação entre receitas e despesas: as receitas são administradas com a finalidade de prover a realização dos serviços públicos municipais, que são efetivados por meio das despesas. Nos pequenos municípios, as receitas que têm origem em seu espaço geográfico, tributos municipais, são geralmente menos expressivas do que as participações constitucionais nas receitas federais e estaduais. Os munícipes contribuem diretamente para as receitas do município, por meio dos cobrados, assim como com os demais contribuintes para as receitas da União e dos Estados. Tais tributos, 181 contribuições e serviços são, em parte, repassadas aos municípios na forma de transferências (constitucionais ou voluntárias) ou, ainda, na forma de empréstimos. 3 METODOLOGIA A metodologia aplicada caracteriza a pesquisa como descritiva quanto aos objetivos. Os procedimentos foram realizados por meio de pesquisa bibliográfica e documental. A abordagem do problema é quantitativa, com o emprego da técnica estatística de análise de diferenças de médias. O universo da pesquisa compreende os municípios brasileiros com população entre 100 mil e 1 milhão de habitantes. A amostra é constituída pelos municípios que se encontravam nessa faixa populacional, no exercício de 1998, totalizando 168. Os dados relevantes são analisados para esses municípios no final das três gestões, propiciando, dessa forma, a possibilidade de comparação. Os dados utilizados foram coletados na base Finanças do Brasil (FINBRA), da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que apresenta as contas públicas de Estados e municípios brasileiros. O período de análise é mostrado na figura 2. FIGURA 2 – ESTÁTICA COMPARATIVA ADOTADA NA PESQUISA 1998 Antes da LRF 2004 1ª Gestão Pós LRF 2008 2ª Gestão Pós LRF FONTE: Os autores (2010). As variáveis empregadas referem-se aos indicadores de gestão apresentados no quadro 1, por meio das quais se analisaram a liquidez, a situação financeira, o resultado orçamentário e o comprometimento, além da aplicação das receitas correntes, possibilitando demonstrar o desempenho dos municípios estudados. 182 QUADRO 2 – VARIÁVEIS DA PESQUISA VARIÁVEIS DE FÓRMULA INDICAÇÃO GESTÃO Liquidez imediata (LI) LI = Liquidez geral (LG) LG = Ativo Financeiro Passivo Financeiro + Passivo Permanente Recursos financeiros (disponibilidades + créditos) em relação às obrigações totais. Índice de investimento próprio (IIP) IIP = Desp. Investimentos - Rec. de Capital Receitas Correntes Montante das receitas correntes aplicadas em novos investimentos públicos. Índice de encargos da dívida (IED) IED = Desp. Juros + Desp. Amortizações Receitas Correntes Montante das receitas correntes empregadas nos encargos da dívida pública. Índice de poupança própria (IPP) IPP = Superávit Corrente Receitas Correntes Porcentual de poupança das receitas correntes, conseguido na execução orçamentária. Índice de superávit do orçamento corrente (ISOC) ISOC = Disponibilidades Passivo Financeiro Receitas Correntes - Despesas Correntes Despesas Orçamentárias Totais Disponibilidades em relação às obrigações financeiras de curto prazo. Porcentual das despesas orçamentárias custeadas pelo superávit do orçamento corrente. FONTE: Adaptado de Matias e Campello (2000); Kohama (2000); Andrade (2007). Para verificar se existem evidências de alteração no comportamento das médias das variáveis de gestão nos municípios brasileiros de porte médio, diante do advento da LRF e nos dois períodos administrativos subsequentes a sua vigência, formularam-se as seguintes hipóteses estatísticas: Vigência da LRF 1ª Gestão pós LRF 2ª Gestão pós LRF H0 : µ1998 = µ2000, a média do período de 1998 é igual à média observada em 2000. H1 : µ1998 ≠ µ2000, a média do período de 1998 é diferente da média do período de 2000. H0 : µ2000 = µ2004, a média do período de 2000 é igual à média observada em 2004. H1 : µ2000 ≠ µ2004, a média do período de 2000 é diferente da média observada em 2004. H0 : µ2004 = µ2008, a média do período de 2004 é igual à média observada em 2008. H1 : µ2004 ≠ µ2008, a média do período de 2004 é diferente da média observada em 2008. Os testes de hipótese foram realizados com nível de significância de 5%. 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Nesta seção, os resultados são apresentados e analisados, assim como são efetuados os testes das hipóteses da pesquisa. 183 4.1 ANÁLISE DOS EXERCÍCIOS DE 1998 E 2000 A primeira hipótese refere-se aos exercícios de 1998 e 2000, objetivando verificar se as variáveis estudadas se modificaram significativamente com a vigência da LRF. Os resultados obtidos constam da tabela 2. TABELA 2 – TESTE DE DIFERENÇA DE MÉDIAS ENTRE OS EXERCÍCIOS DE 1998 E 2000 VARIÁVEIS DE EXERCÍCIOS GESTÃO Liquidez imediata (LI) ESTATÍS- MÉDIAS ESTATÍSTICA SIG. TICA SIG. GRUPOS F (0,05) t (0,05) 1998 0,2776 2000 0,5940 1998 0,1860 2000 0,2222 1998 0,0779 2000 0,0695 1998 0,0386 2000 0,0241 1998 0,0504 2000 0,1117 1998 0,0592 2000 0,1155 21,5808 4,9502 0,0000 0,0268 df -3,6960 0,0003 334,00 -3,6960 0,0003 221,35 -1,2379 0,2166 334,00 -1,2379 0,2167 316,65 0,9290 0,3536 334,00 0,9290 0,3538 255,41 4,5093 0,0000 334,00 4,5093 0,0000 254,41 -3,8291 0,0002 334,00 -3,8291 0,0002 239,52 -5,0546 0,0000 334,00 -5,0546 0,0000 329,96 Liquidez geral (LG) Índice de investimento próprio (IIP) Índice de encargos da dívida (IED) Índice de poupança própria (IPP) Índice de superávit do orçamento corrente (ISOC) 9,4025 19,4576 3,9000 0,9298 0,0023 0,0000 0,0491 0,3356 FONTE: Os autores (2010). Como se observa, a estatística F da variável índice de superávit do orçamento corrente é igual a 0,9298 com significância de 0,3356. Assim, assume-se que a variável foi extraída de populações com a mesma variância, mas, para as demais variáveis, rejeita-se tal suposição. Nesse 184 caso, deve ser analisada a segunda linha da estatística t, para testar a hipótese de igualdade das médias das variáveis entre os exercícios estudados. A variável indicativa de liquidez imediata apresenta estatística t igual a -3,6960 e significância igual a 0,0003, demonstrando que existem diferenças significativas entre as médias dos exercícios de 1998 e 2000. Os resultados das variáveis índice de encargos da divida, índice de poupança própria e índice de superávit do orçamento corrente, de forma semelhante, revelam a existência de diferenças entre as médias de 1998 e 2000. Os resultados obtidos para as variáveis liquidez geral e índice de investimento próprio, com estatística t igual -1,2379 e 0,9290, bem como significâncias iguais a 0,2167 e 0,3538, respectivamente, implicam não rejeitar a hipótese nula de igualdade entre as médias dessas variáveis para os municípios brasileiros de porte médio. 4.2 ANÁLISE DOS EXERCÍCIOS DE 2000 E 2004 A comparação entre os exercícios de 2000 e 2004 busca observar o comportamento da gestão financeira dos municípios de porte médio no período imediato após a LRF. Os resultados são mostrados na tabela 3. TABELA 3 – TESTE DE DIFERENÇA DE MÉDIAS ENTRE OS EXERCÍCIOS DE 2000 E 2004 VARIÁVEIS DE GESTÃO EXERCÍCIOS MÉDIAS ESTATÍSTICA GRUPOS F 2000 0,5940 2004 2,4916 2000 0,2222 2004 0,4246 2000 0,0695 2004 0,0771 2000 0,0241 2004 0,0268 2000 0,1117 2004 0,1674 2000 0,1155 7,4652 SIG. (0,05) 0,0066 ESTATÍSTICA t SIG. df (0,05) -2,1110 0,0355 334,00 -2,1110 0,0362 169,61 -3,3074 0,0010 334,00 -3,3074 0,0011 220,21 -1,3790 0,1688 334,00 -1,3790 0,1689 322,51 -1,2923 0,1971 334,00 -1,2923 0,1971 333,06 -6,6073 0,0000 334,00 -6,6073 0,0000 300,21 -6,5119 0,0000 334,00 Liquidez imediata (LI) 7,4685 0,0066 Liquidez geral (LG) Índice de investimento próprio (IIP) Índice de encargos da dívida (IED) Índice de poupança própria (IPP) Índice de superávit do 5,6539 0,4340 11,2339 5,9378 0,0180 0,5105 0,0009 0,0153 185 orçamento corrente (ISOC ) 2004 0,1765 -6,5119 0,0000 313,58 FONTE: Os autores (2010). Como se observa na tabela 3, a estatística F da variável índice de encargos da dívida igual a 0,4340 e significância de 0,5105, demonstra que a variável é extraída de populações com a mesma variância, porém, para as demais variáveis rejeita-se tal suposição. De acordo os resultados obtidos, as variáveis liquidez imediata, liquidez geral, índice de poupança própria e índice de superávit do orçamento corrente apresentam valores da estatística t superiores ao valor crítico. Dessa forma, aceita-se, para essa variáveis, que existem diferenças significativas entres as médias dos exercícios de 2000 e 2004, nos municípios brasileiros com população entre 100 mil e 1 milhão de habitantes. As variáveis índice de investimento próprio e índice de encargos da divida com valores da estatística t de -1,3790 e -1,2923, assim como significância de 0,1688 e 0,1971, respectivamente, apresentam igualdade de médias entre os exercícios de 2000 e 2004. 4.3 ANÁLISE DOS EXERCÍCIOS DE 2004 E 2008 A terceira comparação envolve os exercícios de 2004 e 2008, tendo por finalidade verificar o comportamento das variáveis estudadas na segunda gestão após LRF. A tabela 4 apresenta os resultados obtidos. TABELA 4 – TESTE DE DIFERENÇA DE MÉDIAS ENTRE OS EXERCÍCIOS DE 2004 E 2008 VARIÁVEIS DE GESTÃO EXERCÍCIOS MÉDIAS GRUPOS Liquidez imediata (LI) 2004 2,4916 2008 2,5740 2004 0,4246 2008 0,5933 2004 0,0771 2008 0,0716 2004 0,0268 2008 0,0291 ESTATÍSTICA F 1,2745 1,8270 SIG. (0,05) 0,2597 0,1774 ESTATÍSTICA t SIG. df (0,05) -0,0864 0,9312 334,00 -0,0864 0,9312 210,14 -2,2623 0,0243 334,00 -2,2623 0,0243 325,91 1,0157 0,3105 334,00 1,0157 0,3105 326,48 -1,2051 0,2290 334,00 -1,2051 0,2290 332,86 Liquidez geral (LG) Índice de investimento próprio (IIP) Índice de encargos da dívida (IED) 5,7963 0,4564 0,0166 0,4998 186 2004 0,1674 2008 0,1893 Índice de superávit do orçamento 2004 0,1765 Corrente (ISOC) 2008 0,2020 Índice de poupança própria (IPP) 2,9108 4,1346 0,0889 0,0428 -2,9573 0,0033 334,00 -2,9573 0,0033 327,85 -2,8396 0,0048 334,00 -2,8396 0,0048 322,80 FONTE: Os autores (2010). Como se observa na tabela 4, a estatística F das variáveis liquidez imediata, índice de investimento próprio e índice de encargos da dívida apresenta significância maior que o nível estabelecido, demonstrando que essas variáveis não apresentam diferenças significativas entre as médias de 2004 e 2008. Os resultados obtidos para os indicadores de liquidez geral, índice de poupança própria e índice de superávit do orçamento corrente, revelam que as diferenças entre os exercícios de 2004 e 2008 são estatisticamente significativas. 4.4 RESUMO DOS RESULTADOS O quadro 3 apresenta os resultados dos testes das hipóteses a respeito da influência da LRF sobre o comportamento das variáveis de gestão dos municípios brasileiros de porte médio. QUADRO 3 – RESUMO DOS TESTES DE HIPÓTESES HIPÓTESES VARIÁVEIS DE GESTÃO vigência LRF (1998 e 2000) 1ª gestão pós LRF 2ª gestão pós LRF (2000 e 2004) (2004 e 2008) Liquidez imediata (LI) H1 : µ1998 ≠ µ2000 H1 : µ2000 ≠ µ2004 H0 : µ2004 = µ2008 Liquidez geral (LG) H0 : µ1998 = µ2000 H1 : µ2000 ≠ µ2004 H1 : µ2004 ≠ µ2008 Índice de investimento próprio (IIP) H0 : µ1998 = µ2000 H0 : µ2000 = µ2004 H0 : µ2004 = µ2008 Índice de encargos da dívida (IED) H1 : µ1998 ≠ µ2000 H0 : µ2000 = µ2004 H0 : µ2004 = µ2008 Índice de poupança própria (IPP) H1 : µ1998 ≠ µ2000 H1 : µ2000 ≠ µ2004 H1 : µ2004 ≠ µ2008 187 Índice de superávit do orçamento H1 : µ1998 ≠ µ2000 H1 : µ2000 ≠ µ2004 H1 : µ2004 ≠ µ2008 Corrente (ISOC) FONTE: Os autores (2010). De acordo com o quadro 3, o índice de liquidez imediata, que representa o montante de recursos disponíveis em relação às obrigações de curto prazo é estatisticamente diferente para os exercícios anteriores à LRF (1998 e 2000), e o impacto ocorre ainda na primeira gestão. A liquidez imediata, conforme as tabelas 2, 3 e 4, era 27%, em 1998; no exercício de 2000, seu valor se elevou mais do que duas vezes e passou para 59%. No último exercício da primeira gestão depois da vigência da LRF (2004), passou para aproximadamente 249%; no exercício de 2008, ficou em torno de 257%. Torna-se perceptível que, mesmo se mostrando crescente em todo o período analisado, o referido indicador é bem mais elevado após a LRF, quando comparado com as médias dos exercícios anteriores à referida lei. O índice de liquidez geral, que se refere ao montante de recursos financeiros em relação às obrigações totais, embora seja crescente para todos os exercícios analisados, apresenta-se estatisticamente diferente para os exercícios posteriores à LRF. O índice de investimento próprio, relativo ao montante das receitas correntes aplicadas em novos investimentos públicos oscila entre 6% e 7%, em todo o período analisado. De acordo com os resultados obtidos, o referido indicador não demonstra nenhum impacto da LRF. Apesar de os resultados mostrarem que o índice de encargos da dívida diminuiu de 0,038, em 1998, para 0,024, no ano de 2000, e essas médias serem estatisticamente significativas, nos exercícios sob a vigência da LRF (2004 e 2008), o referido indicador, mesmo se mostrando crescente, não apresenta modificações significativas do ponto de vista estatístico. O Índice de poupança própria é crescente em todo o período analisado. Como se observa nas tabelas 2, 3 e 4, em 1998, a média para essa variável era de aproximadamente 5%; em 2000, seu montante se elevou para 11%; em 2004 atingiu em torno de 16%; em 2008, 18%. De acordo com as análises, as referidas médias são estatisticamente diferentes entre si. Resultado semelhante foi obtido para as médias do Índice de superávit do orçamento corrente, que objetiva analisar o montante das despesas orçamentárias custeadas pelo superávit orçamentário, cujas médias se mostram estatisticamente diferentes em todo o período analisado. 5 CONCLUSÃO O presente artigo pretende contribuir para identificar os impactos da LRF sobre a gestão financeira dos municípios brasileiros de porte médio, bem como para avaliar tais impactos. A pesquisa teve por propósito verificar a existência de evidências estatísticas de alteração de comportamento das variáveis representativas da gestão financeira municipal com o advento da LRF e nas duas gestões subsequentes à vigência desta, nos municípios brasileiros com população entre 100 mil e um milhão de habitantes. Os resultados da pesquisa revelam que a LRF influenciou o controle da execução orçamentária dos municípios brasileiros de porte médio, propiciando a geração de superávits correntes (IPP e ISOC) e trazendo alterações na liquidez imediata dos municípios pesquisados. Ocorreram, ainda, mudanças nas despesas com encargos das dívidas contratadas, que diminuíram de 1998 para 2000. Todavia, nesse período, a liquidez geral e o índice de investimento próprio não foram impactados pela LRF. Os indicadores, na primeira gestão pós LRF, apresentaram alterações quanto aos superávits da execução orçamentária e provocaram mudanças na liquidez imediata e geral dos entes municipais analisados de 2000 para 2004, demonstrando que um dos objetivos da LRF – o controle 188 da execução de receitas e despesas – ocorreu de forma efetiva nos municípios brasileiros de porte médio. Na segunda gestão pós-LRF, verifica-se que o controle sobre a execução orçamentária fazse presente, melhorando os indicadores de superávits e de liquidez. Nota-se que os dispêndios com o endividamento público se apresentaram estáveis, mantendo os níveis estruturais registrados no final da primeira gestão. Constatou-se que a LRF não provocou mudanças na capacidade de investimento próprio dos municípios pesquisados. Conclui-se que a LRF impactou de forma positiva a gestão nos municípios brasileiros de porte médio, propiciando a geração de superávits orçamentários e financeiros. Nas duas gestões seguintes à sua vigência, observa-se maior controle sobre a execução dos orçamentos públicos e, consequentemente, sobre as contas públicas municipais – uma das premissas da referida lei. Ressalte-se que os resultados obtidos estão limitados aos municípios brasileiros com população entre cem mil e um milhão de habitantes e aos exercícios financeiros analisados. A limitação está relacionada, também, às variáveis selecionadas, bem como à exatidão das informações disponibilizadas pela base de dados FINBRA/STN. REFERÊNCIAS ANDRADE, Nilton Andrade. Contabilidade pública na gestão municipal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2007. BRASIL. Secretaria do Tesouro Nacional (STN). FINBRA – Finanças do Brasil. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br>. Acesso em: 10 fev. 2010. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A 7ao.htm>. Acesso em: 21 jan. 2010. ______. Lei complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/LCP/Lcp101.htm>. Acesso em: 21 jan. 2010. ______. Senado Federal. Resolução n° 40/2001. Dispõe sobre os limites globais para o montante da dívida pública consolidada e da dívida pública mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em atendimento ao disposto no artigo 52, VI e IX, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/legislacao/download/estados/Resolucao_do_Senado_nao_consolidada.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2010. ______. Senado Federal. Resolução n° 43/2001. Dispõe sobre as operações de crédito interno e externo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive concessão de garantias, seus limites e condições de autorização, e dá outras providências. 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Contabilidade governamental: um enfoque administrativo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2004. SLOMSKI, Valmor. Manual de contabilidade pública: um enfoque na contabilidade municipal, de acordo com a lei de responsabilidade fiscal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. TOLEDO JR, Flávio. C.; ROSSI, Sergio. S. Lei de responsabilidade fiscal: comentada artigo por artigo. 3. ed. São Paulo: NDJ, 2005. 190 191 GESTÃO DO CONHECIMENTO E CULTURA ORGANIZACIONAL: ESTUDO DE CASO SOBRE A NATURA COSMÉTICOS S.A. ANTONIO ROBERTO DA COSTA Mestrando em Administração (Universidade Metodista de São Paulo) 192 RESUMO Este artigo propõe-se a fazer uma reflexão sobre cultura organizacional, inteligência competitiva, gestão da informação e do conhecimento, para a compreensão de alguns conceitos e a aplicabilidade prática na empresa Natura Cosméticos S.A. Trata-se de um estudo que objetiva mostrar como a inteligência competitiva, a cultura e a gestão do conhecimento e da informação e que constitui um aprimoramento da informação que leva uma organização a perceber as mudanças do ambiente externo e garantir sua permanência no mercado cada vez mais competitivo. E, para isso, utiliza-se o método de estudo de caso, de natureza bibliográfica. Os resultados deste estudo revelam as principais práticas adotadas pela Natura e como se destaca e se mantém no mercado como uma das empresas mais admiradas do Brasil, num setor altamente competitivo. Concluímos que a Natura, maior fabricante de cosméticos do País, apesar das crises mundiais, continua a crescer e a dar lucro. Palavras-chave: gestão do conhecimento, cultura organizacional e inteligência competitiva. ABSTRACT This article is due to provoke a reflection on Organization Culture, Competitive Intelligence, Information and Knowledge Management, and intend to show how Natura Cosmeticos S.A. uses this issues. This is a study which intends to show how Competitive Intelligence and Knowledge and Culture Management work and that they are an innovation that leads an Organization to notice external environmental changings and guarantee high levels of competitiveness, using Case Studies and bibiographical search. The results of this search show the main practices used by Natura and how the Company remains as one of the most admired in its so remarkable market specialities. We got to a conclusion that Natura, great manufacturer of Cosmetics in Brazil, besides mondial crisis, keeps on growing on profits . Keywords: knowledge management, organizational culture, competitive intelligence. 193 1 INTRODUÇÃO Este artigo foi desenvolvido como parte das atividades da disciplina de Inteligência Competitiva, do Mestrado em Administração, da Universidade Metodista de São Paulo. No mercado competitivo e globalizado, as empresas precisam desenvolver ou adquirir o conhecimento e as habilidades necessárias, para que suas estratégias deem certo. De acordo com seu presidente, em entrevista a uma revista de grande circulação no Brasil, a receita do sucesso adquirido pela Natura, que é uma empresa líder do mercado de cosméticos, está relacionada, por exemplo, com o bem-estar, responsabilidade social e utilização de matéria-prima biodegradável. Criada há 40 anos, a Natura aposta no desenvolvimento de seus produtos e embalagens com o uso de materiais que não agridem a natureza, além de investir em um programa de incentivo à pesquisa. A empresa valoriza os recursos naturais e investe muito em inovação e tecnologia na substituição, por exemplo, de matérias-primas sólidas para produtos biodegradáveis. Além disso, as embalagens contam com uma tabela ambiental, em que o consumidor pode acompanhar quais materiais biodegradáveis estão sendo utilizados no produto. Segundo Porter (1991), a finalidade principal no processo de elaboração de estratégias e inovação é a de relacionar a empresa ao ambiente, ou seja, aos aspectos sociais, culturais, políticos, econômicos e ao setor em que a empresa compete. Ainda para Porter (1991), quando uma empresa participa de um determinado mercado, a competição não se manifesta somente pelos concorrentes de um setor. Isso depende das cinco forças competitivas: ameaças de entrada, poder de negociação dos fornecedores, poder de negociação dos compradores, ameaça de produtos substitutos e rivalidade entre concorrentes. As empresas vivem em um ambiente de mudanças rápidas, em que as informações são muito abundantes e em que a gestão do conhecimento e a inteligência competitiva são peças fundamentais para o crescimento dos negócios. A missão da Natura é a "Criação e comercialização de produtos e serviços que contemplem e promovam o binômio bem-estar/estar bem", pois bem-estar é a relação harmoniosa e agradável do indivíduo, consigo mesmo e com seu corpo. Estar bem é a relação empática, bem-sucedida, prazerosa do indivíduo com o outro, com seu mundo. Pelos dados de uma revista de grande circulação no Brasil, a Natura, empresa do setor de cosméticos, iniciou suas atividades em 1969 como uma modesta loja e de consultoria personalizada de tratamento de beleza, com sete funcionários. Em 1980, já eram 200 funcionários e uma rede de duas mil consultoras, espalhadas pelo País, prestando serviço personalizado de consultoria de beleza e revendendo seus produtos. Nessa década, cresceu 35 vezes. Chegou a 1990 com 1.800 funcionários e 50 mil consultoras. Entre os anos de 1993 a 1997, cresceu 5,5 vezes. Iniciou 1997 como a maior empresa brasileira de cosméticos, com 3.000 funcionários, 145 mil consultoras no Brasil e cerca de 10 mil na América Latina. Em 2009, já eram um pouco mais de 6.000 funcionários e cerca de 1.000.000 de consultoras. Esse crescimento, rápido e significativo, com resultados bastante arrojados, reflete o desempenho geral do negócio e uma cultura e conjunto de crenças e valores focalizados no ser humano e sua relação consigo e com o mundo. Tal cultura, crenças e valores se fazem presentes nos produtos desenvolvidos e fabricados, demonstrando um trabalho orientado pela relação da empresa com o consumidor, com as consultoras, com os colaboradores, com os fornecedores e parceiros, enfim, com a sociedade. Ainda os dados mostram que em 2008 o faturamento da Natura chegou 4,9 bilhões de reais, com um crescimento de 14% em relação a 2007, e o lucro líquido alcançou 542 milhões de reais. Quase 70% da receita vieram de produtos lançados nos últimos dois anos – uma clara evidência de sua capacidade de inovação, apoiada, sobretudo, no apelo sustentável. O desempenho da Natura ajuda a compor o cenário de um Brasil que resiste à crise mundial, pois 94% de suas receitas vêm do mercado interno, e esses números refletem de maneira direta a expansão do consumo no Brasil. Nos últimos quatro anos, aproximadamente 23 milhões de brasileiros ingressaram na classe C. É gente que passou a consumir mais, de maneira mais variada e que vê nas marcas um símbolo de elevação de status. O mercado brasileiro de cosméticos atualmente ocupa a terceira posição de vendas no mundo, atrás apenas do Japão e dos Estados Unidos. Todavia, é o que mais cresce entre os dez maiores mercados e movimentou 28,7 bilhões de dólares em 2008, 27% mais em relação ao ano anterior. 194 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 INTELIGÊNCIA COMPETITIVA A inteligência competitiva pode ser conceituada como um processo de coleta, análise e disseminação de informações dos ambientes interno e externo, das quais farão uso todos os níveis da organização, interagindo estrategicamente no processo de tomada de decisões, de acordo com suas necessidades (MILLER, 2002). Conforme Teixeira (2000), existem alguns passos que devem ser seguidos: definir os temas de interesse; mapear o ambiente competitivo; identificar as fontes de informação pertinentes; efetuar uma pesquisa preparatória de material básico a respeito de cada tema, para estabelecer um contexto de análise; definir a estratégia de coleta de informações; estruturar a atividade de pesquisa, coleta e registro das informações; identificar especialistas para darem apoio técnico à análise; definir os métodos de análise que serão empregados; criar as bases de dados de referência para cada tema. Teixeira (2000) afirma, ainda, que a aplicação do conceito de inteligência competitiva nas organizações não é recente e que esse conceito já foi aplicado em muitas empresas. O fato é que, se há troca comercial, então há fluxo de informação, e esse fluxo é a base dos processos de inteligência competitiva. Isso é diferente de “espionagem”, uma vez que são respeitados os aspectos éticos e legais da atividade. Na opinião de Miller (2002), existem diferenças entre a gestão do conhecimento e a inteligência competitiva. A princípio, ambas têm como objetivo proporcionar conhecimento e informação para as pessoas certas no momento certo. Em muitos casos, a diferença pode ser pouco mais do que de perspectiva e uma questão de como satisfazer da melhor maneira um objetivo ou necessidade imediata da empresa. A missão dos profissionais da inteligência competitiva em uma organização inclui a aquisição, análise, interpretação e encaminhamento de informações aos executivos. Já a missão dos profissionais da gestão do conhecimento se concentra em identificar, classificar, organizar e encaminhar conhecimentos úteis às áreas da organização, responsáveis pela tomada de decisões, análise das necessidades do setor e solução dos problemas. Mas, afinal, o que é inteligência competitiva? Para Miller (2002, p. 97), [...] é qualquer informação ou conhecimento relativo ao mercado que mantenha nossa empresa competitiva. Captamos informações sobre nossos concorrentes e sobre o que acontece no mercado e tentamos usá-las em nosso benefício. 2.2 GESTÃO DO CONHECIMENTO Schein (1992) considera a gestão do conhecimento como um conjunto de crenças compartilhadas pelas pessoas da organização, orientando e influenciando as ações da coletividade independentemente das circunstâncias de curto prazo. Para Bukowitz e Williams (2002, p. 17), “[...] a gestão do conhecimento é o processo pelo qual a organização gera riqueza, a partir do seu conhecimento ou capital intelectual.” De acordo, ainda, com esses autores, a gestão do conhecimento se refere ao desenvolvimento de sistemas e processos que visam à criação, identificação, integração, recuperação, compartilhamento e utilização do conhecimento dentro da empresa. Ela volta-se para a criação e a organização de fluxos de informação entre os vários níveis organizacionais, no sentido de gerar, incrementar, desenvolver e partilhar o conhecimento dentro da organização, com o objetivo de aumentar o aprendizado individual e grupal. Dessa forma, cria competências exclusivas que diferenciarão a organização no mercado em que compete. Pesquisa realizada pela Management Review (2000, p. 53), no final de 1998, com 1.626 entrevistados, constatou que 79% dos respondentes acreditavam que a gestão do conhecimento era vital para o sucesso futuro de suas empresas. 195 De acordo com Nonaka e Takeuchi (1997), obtém-se a construção do conhecimento organizacional mediante a relação sinérgica entre conhecimento tácito e conhecimento explícito, quando novos conhecimentos são criados pela conversão do conhecimento tácito em explícito. O conhecimento explícito pode ser facilmente processado por um computador, transmitido eletronicamente ou armazenado em banco de dados. Em consequência de sua natureza subjetiva e intuitiva, o conhecimento tácito não pode ser processado ou transmitido por qualquer método lógico. Para que possa ser compartilhado, o conhecimento tácito precisa ser convertido em conhecimento explícito. Ainda conforme Nonaka e Takeuchi (1997), a gestão do conhecimento impõe o conceito de organizações que aprendem. Uma organização que aprende é aquela que desenvolve uma capacidade de mudar e se adaptar continuamente. 2.3 CULTURA ORGANIZACIONAL Por cultura organizacional, Schein (1992) esclarece que é o que diferencia as organizações na forma como novos membros aprendem a maneira correta de perceber, pensar e sentir-se em relação aos problemas que afetam a organização. Fleury (1989, p.10), por sua vez, conceitua a cultura organizacional como [...] um conjunto de valores, expressos em elementos simbólicos e em práticas organizacionais, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elementos de comunicação e consenso, como expressam e instrumentalizam relações de dominação. Segundo Schein (1992), cultura organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas da adaptação externa e integração interna e que funcionou bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar, agir, em relação a esses problemas. Do ponto de vista de Schein (1992), se a organização vivenciou experiências comuns, pode existir uma forte cultura organizacional que prevaleça sobre as várias subculturas das unidades. Ele atribui, no entanto, a maior importância ao papel dos fundadores da organização no processo de moldar seus padrões culturais. Os primeiros líderes, ao desenvolverem formas próprias de equacionar os problemas da organização, acabam por imprimir sua visão de mundo aos demais e também sua visão do papel que a organização deve desempenhar no mundo. 3 METODOLOGIA Para Lakatos e Marconi (1992, p. 43), [...] a pesquisa é um procedimento formal com método de pensamento reflexivo, que requer tratamento científico e se constitui no caminho para conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais. Segundo Gil (1999), a pesquisa envolve habitualmente levantamento bibliográfico e documental, entrevistas não padronizadas e estudos de caso. Tem como objetivo proporcionar visão geral acerca de determinado fato. O presente estudo é de caráter descritivo e bibliográfico. Inspirou-se na metodologia de estudo de caso, por meio de visitas técnicas, que, de acordo com Yin (2001), é uma estratégia de pesquisa que busca examinar um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto, revelando-se apropriado para investigação de processos. Ao abordar os procedimentos para a elaboração de um projeto de pesquisa, Yin (1989), considera projeto de pesquisa como "[...] a sequência lógica que conecta os dados empíricos às questões iniciais de estudo da pesquisa e, por fim, às suas conclusões.” 196 3.1 UMA HISTÓRIA DE RELAÇÕES, CRENÇAS E VALORES A razão de ser da Natura é criar e comercializar produtos e serviços que promovam o bem estar bem, em que “bem estar” é entendido como a relação harmoniosa e agradável do indivíduo consigo mesmo, com seu corpo. E “estar bem” é entendido como a relação empática, bem-sucedida e prazerosa do indivíduo com o outro e com o mundo. A mesma harmonia e prazer da relação do indivíduo consigo mesmo e com o mundo norteia todas as relações internas e externas da empresa, que são sustentadas pelos valores a seguir. 1 Humanismo, que cultiva as relações, valorizando-as. É o potencial humano, que respeita e estimula a individualidade, enriquece a diversidade e busca contribuir para o aperfeiçoamento da sociedade e da qualidade das relações em cada uma de suas ações. 2 Equilíbrio, que se inspira na harmonia e dinâmica da natureza, percebendo o homem como parte à qual deve harmonizar-se e interagir. 3 Transparência, que se deixa conhecer, que vive seus processos abertamente, de maneira franca, sem ambiguidades e discriminações, e que busca a qualidade, reconhecendo imperfeições, compartilhando dúvidas e buscando respostas. 4 Criatividade para ousar e inovar, buscando relações inovadoras com alegria, determinação e paixão. Tem como objetivo o aperfeiçoamento contínuo, com intuição, sensibilidade e conhecimento. Cultivar relações é harmonizar e interagir, compartilhar e ousar de maneira a inovar, se deixar conhecer e buscar o aperfeiçoamento por meio do conhecimento. É a mais autêntica expressão e prática da gestão do conhecimento, conforme Ikujiro Nonaka e Hirotaka Takeushi na obra pioneira Criação do conhecimento na empresa (1997). Segundo esses autores, “[...] o conhecimento, diferentemente da informação, refere-se a crenças e compromissos”. A Natura não somente identificou tal perspectiva muito antes que Nonaka e Takeushi como também, desde então, segue fortalecendo no dia a dia, práticas e valores corporativos que estimulam a gestão do conhecimento de maneira espontânea e não dependente, necessariamente de ferramentas e tecnologias. Ao longo de seus 40 anos de existência, a Natura tem sido reconhecida pelo alto grau de inovação de seus produtos e pelo pioneirismo em iniciativas e conquistas que valorizam a prática de relacionamentos. São iniciativas que vão desde o aprimoramento e valorização da venda por relacionamentos. Ao contrário do até então conhecido sistema de venda direta, que se limitava a revender produtos pelo sistema porta a porta, buscam a relação de confiança e proximidade entre o revendedor e os clientes, até o compromisso com um modelo de negócio que promova o desenvolvimento sustentável, por meio da relação do homem com a natureza, muito antes de qualquer outra empresa do País. 3.2 GESTÃO DO CONHECIMENTO NA NATURA: O BRASIL QUE CONHECE O BRASIL Muito se comenta sobre a importância da gestão do conhecimento enquanto prática que busca registrar, compartilhar e reter, na empresa, os “fazeres” e os “saberes” exclusivos que podem conferir valor e diferencial competitivo ao negócio. Contudo, pouco se sabe acerca dos resultados concretos de projetos de gestão do conhecimento realizados no Brasil. Entre os poucos conhecidos, percebe-se grande dificuldade em identificar ou mensurar retornos, geralmente porque se limitaram à introdução de tecnologias que nada mais são do que as ferramentas e que não se constituem na gestão em si. Criou-se, assim, um falso entendimento sobre quais empresas reúnem condições para fazer gestão do conhecimento, como se apenas as grandes corporações, que dispõem de recursos significativos para investimentos em tecnologia, pudessem ou devessem inovar (REZENDE, 2001). 197 Ainda segundo Rezende (2001), mais do que simplesmente adotar nas empresas nacionais soluções espelhadas em experiências de países de cultura e economia diversas da brasileira, é premente uma reflexão crítica sobre o que o Brasil, em contrapartida, pode criar e, porque não, oferecer ao mundo em termos de metodologias de gestão do conhecimento sintonizadas a uma realidade em que pequenas e médias empresas são maioria que dispõe de escassos recursos para investir em tecnologia voltada à gestão do conhecimento. Há ainda a grande quantidade de microempresas e de pequenos negócios familiares, muitas vezes informais, que detêm significativo grau de conhecimento transmitido entre gerações e que, até o momento, têm sido completamente ignorados pelo business tecnológico da gestão do conhecimento. Esquece-se de que gestão do conhecimento pode ser feita por todo e qualquer tipo de empresa: das empresas da economia da informação às de serviços, indústrias e até as atuantes nos segmentos agropecuários, esportivos, artesanais, culturais, de ensino, entre outros. Quanto mais informal for a empresa e intangíveis forem os ativos envolvidos até se chegar a um serviço ou produto final diferenciado, mais necessária e economicamente atrativa será a gestão do conhecimento envolvido. O desafio da gestão do conhecimento no Brasil é o país, antes de tudo, conhecer a si próprio. A experiência de gestão do conhecimento na Natura oferece uma boa oportunidade de reflexão, ao salientar a importância das relações intersubjetivas, ou seja, a interação entre as pessoas em detrimento da mera introdução de tecnologias. Mostra que as tecnologias são, antes de tudo, apenas meios e, ao contrário das pessoas, nada criam. 3.3 GESTÃO DA INFORMAÇÃO NA NATURA: DO ACERVO AO ACESSO OU QUANDO É VIRTUOSO SER VIRTUAL Segundo Rezende (1997), o reconhecimento do valor e da importância estratégica da informação para a gestão do negócio fez com que, em 1992, a Natura aplicasse o primeiro sistema virtual de informações do País. O sistema é conhecido como a primeira biblioteca virtual que, contrariando os tradicionais sistemas armazenadores de informação, prima pela busca ágil e inteligente de dados e informações sintonizados com o contexto dos conceitos, crenças e valores da empresa e com a busca constante de inovação. Nele, a agilidade é proporcionada por ferramentas de tecnologias da informação e a inteligência é garantida pelos especialistas da área de informação que as operam e interpretam conteúdos, com base numa sólida experiência em atividades de brokerage – pioneira no Brasil – e em suas relações interpessoais, somadas às diferentes visões de mundo e conhecimentos específicos. O diferencial do sistema virtual das informações da Natura é permitir o acompanhamento do que de mais moderno e inovador está ocorrendo no mundo, nas áreas de interesse do negócio, como cosméticos e cosmetologia, venda direta, dermatologia, moda, processos de fabricação de cosméticos, embalagens, qualidade, proteção à biodiversidade e meio ambiente, fitoterapia, psicologia, hábitos de consumo e acompanhamento de empresas concorrentes. Com a sua biblioteca virtual, a Natura quebrou o paradigma dos centros de documentação de empresas, em que se acreditava. Uma coleção de livros e periódicos especializados, pequena ou grande, poderia suprir as necessidades de informação para atualização tecnológica e acompanhamento de mercado ao repetir, dentro da empresa, a estrutura de recursos e serviços de uma “biblioteca tradicional”, mas, na realidade, na maioria das vezes, acabava transformando-se numa “biblioteca de lazer” ou numa “biblioteca do grêmio” dos funcionários. Já na época da introdução de seu sistema virtual de informações, em 1992, era perceptível para a Natura que, num cenário de globalização de mercados e acirramento da concorrência, ganhos de tempo e de competitividade não poderiam ter limites. Da mesma maneira, o acesso à informação não poderia estar restrito e limitado à informação que pudesse ser armazenada numa sala ou num acervo. Mais importante do que ter a informação é saber onde encontrá-la de maneira rápida e eficaz. “Guardar” não significa “dispor”, quando se necessita, e guardar informação, no sentido de manter uma biblioteca ou arquivo dentro da empresa, tem um custo geralmente subestimado, quando se pretende dispor de um sistema de informação custo-efetivo. O esforço de busca da informação deve 198 ser direcionado para um espectro mais amplo quanto à probabilidade de encontrar a informação procurada e, ao mesmo tempo, deve implicar menor dispêndio de recursos e energia, de maneira a possibilitar flexibilidade e agilidade de respostas diante das mudanças. Seguindo esse raciocínio, a administração de acervos ou arquivos de documentos não deve ser o foco de um sistema de informação, cujo objetivo é a inovação e a gestão do negócio. Por que repetir, dentro da empresa, uma estrutura de acervos ou arquivos como os de uma biblioteca, quando, na realidade, fosse possível equipar-se para acessar a informação e os conteúdos de acervos e arquivos já existentes. De acordo ainda com Rezende (1997), é com essa concepção de acesso à informação, em detrimento de manter acervos de documentos, que a Natura iniciou uma política de incremento de acesso e intercâmbio com organizações produtoras de informação e mantenedoras de acervos, em nível nacional e internacional, principalmente por meio de bancos de dados on-line. Concomitantemente, desenvolveu-se um sistema interno de bases de dados para disponibilizar, de maneira ordenada e inteligente, a grande quantidade de informações capturadas externamente. Surgiu, assim, a primeira biblioteca virtual do País. O acervo não é físico, mas composto do conjunto de possibilidades de acesso à informação existente em qualquer lugar do mundo, por intermédio de ferramentas de tecnologia informação aliadas ao conhecimento inerente às pessoas que as operam. A “biblioteca” da Natura é virtual porque não cabe numa sala. Sua dimensão não é limitada por paredes. Ela é o próprio mundo: o “mundo de informações” que passa ser possível acessar. O foco de atuação da área de informações da Natura é a pesquisa e a prospecção de dados e informações técnico-científicas e de mercado, bem como sua disseminação ágil dentro da empresa e consequente disponibilidade para acesso por um sistema interno de bases de dados, bases de armazenagem de informações e registro de conhecimento. Além da pesquisa, da prospecção de informações e do desenvolvimento e manutenção de bases de dados, de informações e de conhecimento, a área de informações da Natura possui um acervo, único de que se tem notícia no mundo, com cerca de dez mil produtos cosméticos de abrangência internacional, devidamente registrado e descrito em base de dados (REZENDE, 1997). 4 CONCLUSÕES A Natura conseguiu se manter no mercado em função de sua capacidade de inovar. Essa inovação atende a fortes exigências do mercado de cosméticos e corresponde ao desejo de pioneirismo da empresa. A Natura sempre se preocupa com a sustentabilidade desde sua fundação, lançando seus primeiros cosméticos com ativos naturais. A Natura procura disseminar o relacionamento ideal do ser com o próprio corpo, e o cultivo de suas melhores qualidades diante do mundo apresentou ao mercado valores básicos de seus produtos e serviços. Na gestão, a Natura consegue conciliar informalidade, intuição, liberdade de propor a agilidade, inovação com a previsão e controle necessário à sua operação. Agilidade e flexibilidade na tomada de decisão são características que ajudaram no crescimento da Natura. Numa prática nem sempre comum entre as empresas brasileiras, as ações da Natura são, de fato, reflexo do que está estabelecido num trecho de sua missão: Devemos investir na construção e cultivo de um amplo e diversificado conjunto de relações éticas, transparente, calorosas, afetuosas e enriquecedoras para todas as partes. Sabe-se que muitas empresas brasileiras ainda se ressentem da falta de instrumentos adequados e de profissionais habilitados para lidar com a informação, na tentativa de agregar-lhe valor. Na Natura, por exemplo, a Gerência de Inteligência Competitiva, que está subordinada à Diretoria de Comunicação e Marketing, foi criada em 2004, e muito tem contribuído para o sucesso da empresa, antecipando-se às tendências e aos concorrentes e inovando em informações e conhecimento. 199 Este estudo procurou apresentar uma reflexão sobre a possibilidade de adoção de um modelo de inteligência competitiva e de gestão de conhecimento, para as empresas, usando como estudo de caso, a empresa Natura Cosméticos S.A. Finaliza-se, enfatizando que não se trata de um modelo pronto, porque, em projetos de inteligência competitiva, há casos de sucesso e de insucesso. O maior crédito não fica por conta dos modelos, das ferramentas ou das técnicas que são sugeridas, mas no potencial humano como uma proposta unificada de valorização e busca constante de novos conhecimentos, porque todos os desafios requerem motivação, esforço, humildade e, sobretudo, coragem. Embora o ambiente organizacional brasileiro experimente mudanças significativas, ainda persistem elementos culturais que dificultam a estruturação de técnicas mais atualizadas de gestão, como é o caso da gestão do conhecimento. O desafio que se impõe aos gestores é articular as novas teorias organizacionais com a cultura organizacional existente e avançar no sentido de criar uma lógica de gestão que leve em consideração nossas peculiaridades culturais. A gestão do conhecimento só será eficaz se ocorrer uma ampla mudança nas normas e nos valores que orientam a gestão das pessoas na organização. A grande virtude da inteligência competitiva é apresentar as tendências e apontar caminhos, para que empresas e instituições possam se adiantar à concorrência e demais forças presentes no ambiente. A inteligência competitiva deve detectar as necessidades de informação. Depois, a empresa deve dispor de uma boa equipe de coleta e pesquisa dos dados. A análise também deve dispor de um grupo de trabalho especializado e bastante focalizado. Por fim, a inteligência – informação relevante submetida ao processo de análise – precisa chegar às pessoas certas. Para isso, o processo de disseminação é essencial. Todas essas etapas precisam do suporte de boas ferramentas computacionais e de interação entre os envolvidos. A empresa é um espaço sociocultural. Essa perspectiva não pode ser esquecida pelos gestores ao se definirem pela execução de um processo de gestão do conhecimento. Antes de decidir por sua estruturação, é importante ter presente quais são as normas e os valores da sociedade brasileira e como se expressam na gestão das empresas. As empresas precisam de estratégias e recursos apropriados ao ambiente atual. O problema é que a elaboração de uma estratégia de sucesso é uma busca infinita. As empresas precisam visualizar o futuro, ter coragem para agir e tomar decisões, melhorar a produtividade de mão de obra e aumentar a eficiência operacional, melhorar o retorno sobre o capital empregado, criar oportunidade de crescimento, construir competência, ampliar as capacidades organizacionais e focalizar-se no que faz de melhor e no que traz maior rentabilidade, além de criar metas ousadas. É, preciso analisar o perfil da liderança, montar uma equipe, a mais perfeita possível, criar outras marcas e vários produtos para ampliar o portfólio, acreditar, ter fé e ter visão possível de ser realizada. REFERÊNCIAS BUKOWITZ, W. R.; WILLIAMS, R. L. Manual de gestão do conhecimento. Porto Alegre: Bookman, 2002. EXAME. São Paulo, ago. 2009. Maiores e Melhores. FLEURY, M. T. L.; FISCHER, R. M. (Coord.). Cultura e poder nas organizações. São Paulo: Atlas, 1989. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. 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Entre os benefícios oferecidos está o acesso a informações e a conhecimentos que contribuem para a capacitação do colaborador no desempenho das atividades e, consequentemente, o apoio à organização em atingir os objetivos. O presente trabalho analisa a aplicação das ferramentas de endomarketing em uma revenda autorizada de veículos, localizada na cidade de Curitiba. A empresa oferece serviços de manutenção, venda de peças e veículos novos e seminovos. Este trabalho tem como objetivo servir como parâmetro para a empresa mensurar, por meio do método estatístico SERVQUAL, o grau de satisfação e motivação de seus colaboradores. Palavras-chave: administração, endomarketing, SERVQUAL. ABSTRACT Through the instruments of internal marketing can improve the way people communicate in the organization. Among the benefits offered is access to information and knowledge that contribute to the empowerment of the employee in the performance of activities and thus supporting the company in achieving its goals. This study examines the application of internal marketing tools in an authorized reseller of vehicles in the city of Curitiba. The company provides maintenance services, sale of new vehicles and parts. This paper aims to serve as a baseline for the company to assess the degree of satisfaction and motivation of its employees through the statistical method SERVQUAL. Keywords: administration, internal marketing, SERVQUAL. 203 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho utiliza como base de análise uma concessionária de veículos localizada na cidade de Curitiba. A empresa oferece serviços de manutenção, venda de peças e veículos novos ou seminovos. Atua no mercado da capital paranaense e região metropolitana. Busca manter-se no mercado pela diferenciação nos serviços. As organizações são responsáveis em fornecer o suporte necessário a seus membros, em torno de objetivos, valores, ações e comportamentos. Muitas vezes, as mudanças necessárias a tornar a empresa mais competitiva esbarram em formas tradicionais e conservadoras de transmissão de informações, o que impede o desenvolvimento de suas atividades. O marketing tem entre suas funções lançar em produtos e serviços das empresas os valores que compõem suas identidades corporativas. Cabe ao endomarketing o papel, igualmente relevante, de garantir que o mesmo efeito seja sentido pelos mercados em relação a seus recursos humanos. O instrumento poderoso da união e motivação entre as equipes e os colaboradores aparece nesse cenário. O endomarketing trabalha em torno dos objetivos e proporciona o aproveitamento otimizado dos recursos humanos, obtendo o máximo desempenho e aumentando o potencial da atuação grupal. O resgate da humanização empresa-consumidor atribuirá ainda mais responsabilidade aos colaboradores pela fidelidade da imagem corporativa, delegando a função de permear o meio em que atua com os valores e a cultura da organização da qual faz parte e amparando a consolidação da sua imagem e participação nos mercados. A rapidez da automação dos processos, fenômeno sentido, principalmente, na década de 90, no segmento de serviços, projeta a diminuição gradual do número de contatos entre as empresas e seus clientes. A carência desses momentos, uma vez que o acesso a produtos e serviços considerados “de linha” pelas empresas se dará por meio de sistemas de custo mais baixo, assinala para uma forte intenção de valorização da profissionalização, de forma a garantir o máximo da aplicação dessas oportunidades. A quantidade será substituída pela qualidade, administrando aos recursos humanos grande responsabilidade pelo atendimento das necessidades dos consumidores por produtos e serviços não padronizados. A cultura organizacional, comunicação e as ferramentas de endomarketing podem influenciar na motivação do cliente interno, ou seja, a motivação que o funcionário sente em trabalhar na a empresa. Os instrumentos de endomarketing são: normas, vídeos, jornais, correio eletrônico, intranet e palestras internas. Suposto a isso surge o instrumento de pesquisa que este trabalho pretende identificar: os instrumentos de endomarketing utilizados no processo de comunicação pela empresa são satisfatórios para o atual processo de gestão? Este trabalho serviu como parâmetro na intenção de mensurar o grau de satisfação e motivação de seus colaboradores por um método estatístico denominado SERVQUAL. 2 METODOLOGIA A estatística é uma poderosa ferramenta que está sendo cada vez mais aplicada nos campos científicos. É utilizada para planejar experimentos; obter dados e organizá-los, resumi-los, interpretálos e desses extrair conclusões e previsões (TRIOLA, 2005). Com isso, estão surgindo inúmeras técnicas e processos matemáticos mais rigorosos, além de variados softwares que facilitam em muito o serviço dos que atuam na área (CASTRO, 1967). A demanda por informações tem feito com que as empresas que trabalham com estatística venham a se modernizar para poder atender à grande quantidade de clientes que recorrem a estas. Os serviços oferecidos pelas empresas no setor automobilístico estão sendo amplamente avaliados, principalmente a respeito da qualidade nos serviços prestados. Este estudo vem ao encontro da necessidade de se estabelecer parâmetros que a empresa possa seguir. A comunicação interna estará relacionada à motivação dos funcionários em desempenharem suas tarefas. Isso inclui todas os colaboradores da empresa, da base ao topo da pirâmide organizacional. 204 2.1 MÉTODO SERVQUAL O método SERVQUAL é uma técnica usada para medir a qualidade de serviços. Os primeiros estudiosos desse método foram Parasuraman, Berry e Zeithaml (1985). Esses pesquisadores são considerados os pioneiros no estabelecimento do marketing de serviços como uma área diferente do marketing de produtos. Em 1990, apresentaram os conceitos da pesquisa SERVQUAL. Os autores partiram da ideia de comparar o desempenho de uma empresa diante de um ideal, como princípio de desenvolvimento do método. O modelo desenvolvido inclui outros atributos que são considerados universais e denominados pelos autores dimensões da qualidade. As cinco dimensões da qualidade dos serviços encontradas são: tangibilidade, confiabilidade, compreensão, segurança e empatia. Tangibilidade refere-se aos elementos físicos, tais como: murais, computadores, jornais internos, palestrantes, funcionários, boa disposição física dos líderes. Confiabilidade é a habilidade de se ter o que foi prometido, na data prevista, isto é, obter as informações necessárias e atualizadas da empresa por meio dos canais de comunicação do endomarketing. Compreensão é a habilidade de entender os problemas de falta de informações da empresa a seus funcionários. Um exemplo é um líder de setor conversar informalmente com o funcionário para eliminar dúvidas ou passar alguma informação necessária e atualizada da empresa. Segurança é percepção que o funcionário tem dos meios de comunicação que a empresa oferece. Uma informação importante rapidamente é repassada a todos os funcionários por diversas ferramentas de comunicação que a empresa possui. Esse evento transmite segurança ao funcionário. Empatia é a disposição que o líder ou funcionário tem e manifesta nos cuidados e atenção individualizados prestados ao novo funcionário. Um exemplo pode ser o de um gerente que apresenta o novo funcionário da empresa a todos os integrantes dela, passando todas as informações da organização, seus objetivos, valores, visão, missão. Outras dimensões podem ser agregadas conforme seja o objeto da avaliação. Na execução de uma avaliação pelo método SERVQUAL consideram-se três instantes distintos e devem ter uma seqüência. 1o Ao funcionário é perguntado, primeiramente, como ele imagina a empresa ideal, ou seja, o desempenho ideal que desejaria receber e, então, quantifica-se isso por um escore (nota). 2o Depois, pergunta-se ao funcionário qual seria o desempenho mínimo da empresa analisada que ele aceitaria e, da mesma forma, quantifica-se sua opinião em escores (nota). 3o Da mesma forma, questiona-se ao colaborador qual é o desempenho percebido da empresa e quantifica-se a percepção do funcionário em escores (notas). Com os escores obtidos, faz-se a comparação entre uma empresa ideal, cujo desempenho é o desejável (a empresa real) e uma empresa que apresenta um desempenho mínimo aceitável. De acordo com Parasuraman, Berry e Zeithaml, o método SERVQUAL baseia-se em um questionário que pode consistir de, no mínimo, 22 itens (perguntas) ou mais. O questionário compõese de uma quantidade de itens que devem produzir informações sobre as cinco (ou mais) dimensões da qualidade. Dessa forma, os itens devem estar distribuídos dentro das dimensões e abordar assuntos relativos a elas. As informações sobre aspectos próprios das dimensões da qualidade são obtidas por meio dos escores de cada pergunta. O mesmo questionário é aplicado para quantificar os três níveis de percepção: nível mínimo aceitável, nível máximo desejável e o nível percebido. Então, é construída uma faixa de tolerância entre o desempenho mínimo e o desempenho ideal. Com isso, espera-se que os valores obtidos estejam dentro da faixa de tolerância em todos os itens avaliados. Com base nos resultados da pesquisa, os valores inferiores aos encontrados na faixa de tolerância são interpretados como falhas que podem ser localizadas e corrigidas pela atuação 205 gerencial da direção da empresa. O método aponta as áreas fortes da empresa (valores superiores aos da faixa de tolerância), que podem ser usadas como vantagens competitivas. Brum (2007) sugeriu um questionário que visa analisar as ferramentas de endomarketing nas organizações, que serviu de parâmetro para o desenvolvimento do questionário aplicado aos funcionários da empresa estudada. O modelo de sistema de gestão utilizado pela empresa, que atualmente possui 160 funcionários diretos, é o familiar. Trata-se de uma empresa de médio porte. A figura 1 demonstra o organograma dessa empresa. FIGURA 1 – ORGANOGRAMA DA EMPRESA PRESIDÊNCIA DIRETORIA ADMINISTRAÇÃO VEÍCULOS NOVOS VEÍCULOS SEMINOVOS SERVIÇOS PEÇAS MARKETING FONTE: Montado pelos autores O presente trabalho analisou os meios de comunicação interna mediante pesquisa (questionário) aos funcionários nos diversos setores da empresa. A análise dos resultados pode ser utilizada, na aplicação de novas ferramentas de comunicação, bem como na reestruturação de algumas já existentes. Pode, inclusive, sugerir o aperfeiçoamento de líderes, gerentes e funcionários, assim como a melhoria na motivação dos colaboradores e no clima organizacional. Primeiramente, depois de uma visita técnica foram identificadas as seguintes ferramentas de comunicação interna utilizadas pela empresa: • • • • intranet; informativo anual; edital de parede ou mural; reuniões. Todos os instrumentos mencionados foram identificados nos setores de administração, peças, serviços, serviços gerais, veículos novos e seminovos, bem como de marketing. O trabalho de pesquisa foi iniciado com um questionário elaborado dentro de normas preestabelecidas para pesquisas tipo SERVQUAL. Esse questionário é constituído de 30 (trinta) itens (questões). Assim, cada questão (item) é avaliada em três situações possíveis: nível mínimo aceitável (NMA), nível percebido (NP) e nível máximo desejável (NMD). Os entrevistados que participaram da pesquisa foram os funcionários de todos os setores da empresa. Inicialmente, foram 206 aplicados 10 questionários para identificar a compreensão dos funcionários com relação às questões e ao método. Com base nos resultados estatísticos obtidos, dimensionou-se a amostra final de tamanho 40. 2.2 ANÁLISE DOS RESULTADOS Após aplicação dos 40 questionários, os resultados foram compilados em uma planilha eletrônica (EXCEL), obtendo-se assim as médias NMA, NMD e NP. A tabela 1 apresenta os escores obtidos com o questionário elaborado de acordo com o método SERVQUAL, aplicado aos colaboradores da empresa. Para melhor compreensão dos resultados obtidos, foi utilizada uma escala de cores: os valores em vermelho representam escores médios abaixo do NMA e os valores em verde significam os escores médios situados entre o NMA e o NMD. NMA NMD NP 1 A empresa mantém uma comunicação ágil e eficaz com seus colaboradores. 5,8750 8,3750 3,8750 2 Os canais de comunicação interna têm aumentado o nível de informação sobre a empresa aos funcionários. 5,6585 7,8049 3,0976 3 A empresa expõe claramente sua missão, visão, valores e princípios. 5,9744 8,0256 2,5385 4 A empresa oferece as informações institucionais, como abertura de novas lojas, conquista de novos mercados, prêmios recebidos pela empresa, objetivos a serem cumpridos, regras e procedimentos. 5,9500 8,1250 3,7250 5 A empresa divulga informações corporativas sobre processos, programas e projetos de RH por meio de canais de comunicação interna. 5,1463 7,1220 3,0244 6 Os objetivos, metas e desafios são bem definidos no setor em que você trabalha. 7,1750 8,6750 6,3000 7 O diretor-operacional da empresa tem acesso à opinião dos funcionários sobre diversos assuntos, mesmo por canais internos. 6,2750 8,1250 3,8500 8 Os canais de comunicação interna mostram que a empresa realmente se preocupa com o ser humano, segurança e bem-estar dele. 7,2750 8,6000 2,4500 207 9 Você é atendido com presteza e cordialidade quando necessita de informações de outros setores da empresa. 6,8000 8,4250 4,3250 10 Você se sente à vontade no setor em que trabalha e convive bem com seus colegas. 7,2250 8,7500 6,8750 11 Você recebe frequentemente informativo da empresa. 4,4000 6,2750 2,5750 12. O funcionário sempre lê o informativo da empresa. 5,0000 6,7000 2,6500 13. Você sempre lê as informações divulgadas no edital de parede ou mural da empresa. 5,7500 7,7250 5,6000 14 Você percebe a mudança dos cartazes ou informações contidas no edital de parede da empresa. 4,3659 6,3659 3,8750 15 Você costuma acessar a intranet da empresa. 5,4103 7,2821 5,5897 16 Você tem encontrado no espaço de RH as informações de que necessita e sempre recebe algum retorno sobre o que solicitou. 6,3500 8,4000 6,1750 17 No setor no qual você trabalha, realiza-se frequentemente reunião de equipe. 5,7097 7,9032 4,4194 18 As informações repassadas na reunião de equipe são importantes. 7,0000 8,4000 4,6000 19 A quantidade de canais de comunicação interna que a empresa oferece é suficiente para manter informados e atualizados os funcionários. 6,2750 8,1000 4,0500 20 Você se lembra de campanhas de comunicação interna que a empresa veiculou no último ano para contato com seus colaboradores. 4,7750 6,8000 3,0500 21 As quantidades de campanhas internas realizadas pela empresa são suficientes para divulgar benefícios, programas de incentivo, conquistas, etc. 6,0250 7,9250 3,4750 22 As campanhas internas realizadas pela empresa para divulgar benefícios, programas de incentivo, conquistas, etc., são atrativas. 6,1000 8,1250 3,1750 208 23 As campanhas internas realizadas pela empresa conseguem motivá-lo(a), ou seja, consegue fazer com que você se interesse em participar, produzir, se engajar, etc. 7,0000 8,6250 3,1750 24 Seu superior tem feito reuniões frequentemente com a equipe, para repassar informações corporativas (da empresa). 6,1000 8,0250 3,5000 25 Seu superior é considerado um “agente de comunicação” da empresa. 6,5000 8,1250 3,8500 26 Quando necessita de uma informação e não encontra em um dos canais de comunicação interna da empresa, você procura seu superior e pergunta a ele. 6,2195 8,2195 6,5854 27 Seu superior se preocupa em fazer com que os colaboradores tenham acesso a todos os canais de comunicação interna da empresa. 6,6000 8,2500 3,9750 28 A empresa prepara e instrumentaliza seus líderes para que repassem informações a suas equipes. 6,9500 8,4750 4,7500 29 Seu superior conversa frequentemente com sua equipe, fora de reuniões formais. 5,5250 7,6500 3,8250 30 Quando você possui uma informação nova ou sugestão importante para a empresa, sente-se à vontade para propor a seu superior uma reunião em equipe. 6,4250 8,2000 4,2000 FONTE: Autores (2009). Analisando a tabela 1, observa-se a relação entre as colunas NMA, NMD e NP. Os valores atribuídos aos dois primeiros níveis, NMA e NMD, são as notas (valores) que estimam os respectivos limites mínimos e máximos em que o desempenho da comunicação interna da empresa deverá estar inserido. Os itens (questões) que obtiveram notas, no NP, abaixo do NMA, são os pontos em que a empresa possui deficiências. Na tabela, esses se encontram em vermelho. Os outros itens, que estão em verde, são os pontos que estão dentro do que o entrevistado espera; quanto mais perto do valor máximo desejável for à nota do NP, será sinal de que a organização está atuando muito bem, ou seja, são os pontos fortes dela. Pode-se concluir que, de maneira geral, os colaboradores valorizam a comunicação interna. As notas obtidas para NMD identificam sua importância. Todavia, NP na empresa está abaixo do mínimo aceitável. 209 As últimas três linhas da tabela 2 contêm as médias calculadas para os valores (notas) de cada um dos níveis de avaliação da empresa. A primeira linha apresenta a média dos valores (notas) em vermelho, ou seja, os resultados considerados abaixo do NMA. Na segunda linha, tem-se a média dos valores em verde, isto é, resultados considerados acima do NMA. TABELA 2 – MÉDIA DOS VALORES TOTAIS (NOTAS) MÉDIAS DOS VALORES TOTAIS (NOTAS) Médias dos valores abaixo do (NMA) Médias dos valores acima do (NMA) Média NMA Média NMD Média NP 5,3270 6,0876 6,0612 7,9199 4,1052 FONTE: Autores (2009). GRÁFICO 1 – MÉDIA GERAL Média Geral 9,0 8,5 8,0 7,5 7,0 6,5 6,0 5,5 5,0 4,5 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 Médias dos Médias dos valor es em valores em verde Média NMA Média NMD Média NP ver melho FONTE: Autores (2009). Analisando os resultados obtidos por meio da pesquisa, constata-se que 93,33% do NP ficou abaixo do NMA, fato que é facilmente constatado no gráfico 1. Isso demonstra que a empresa tem dificuldades em desenvolver uma comunicação interna eficaz com seus colaboradores. Os únicos itens que apresentaram médias superiores ao NMA foram acesso à intranet (questão 15), o que demonstra o interesse dos funcionários em manter-se atualizados. Outra questão em destaque é a de número 26, que representa a flexibilidade da empresa em relação à comunicação dos colaboradores com os superiores. Permanece o foco da gestão familiar, em que as informações são centralizadas nos níveis superiores da organização. Apesar da maioria dos funcionários acessar a intranet, a empresa não utiliza essa ferramenta de forma eficiente. As informações oferecidas são desatualizadas. O colaborador não tem acesso a programas de desenvolvimento intelectual, ou seja, treinamentos e informativos. 210 Tendo em vista que a organização não possui missão, visão e valores definidos, os colaboradores acabam trabalhando individualmente, sem objetivos coletivos. Mesmo a empresa tendo instrumentos de endomarketing, não é possível ter uma relação objetivos da empresacolaborador. Como base nisso, podem ser comparadas as questões 3 (visão, missão e valores da empresa) e 6 (objetivos e metas por setor) do questionário, relatando a individualidade do setor e não o objetivo comum da empresa. Outro ponto relevante da pesquisa foi a questão 8, que trata da segurança, bem-estar e preocupações que a empresa tem com o ser humano. Foi percebida uma diferença entre o NMA e o NP de 4,8250 pontos, demonstrando uma insatisfação dos funcionários, relacionada ao lado humano da organização. GRÁFICO 2 – ESCORES GERAIS DA EMPRESA Escores gerais da empresa 1 29 30 9,0 2 8,5 8,0 7,5 7,0 6,5 6,0 5,5 5,0 4,5 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 28 27 26 25 24 3 4 5 6 7 8 23 9 22 10 21 11 20 12 19 13 18 17 15 16 14 Nível mínimo aceitável Nível máximo desejável Nível percebido FONTE: Autores (2009). Pelo gráfico 2, nota-se nitidamente que o NMA está entre o NMD e o NP. O correto seria os valores do NP ficarem entre os valores de NMA e NMD. Esse fato demonstra, de maneira geral, que a empresa não possui comunicação interna eficiente. 3 CONCLUSÕES A partir do método estatístico SERVQUAL foi possível avaliar de maneira satisfatória o nível de percepção dos colaboradores em relação às ferramentas de endomarketing utilizadas pela empresa. Verificou-se que a maioria dos entrevistados, mesmo não tendo conhecimento a respeito do tema proposto, avalia elementos como a comunicação interna com extrema importância para o desempenho de suas atividades, além da obtenção de maiores informações a respeito da organização onde trabalham. Esse fato ficou comprovado durante o preenchimento do questionário, quando se constatou que os funcionários perceberam que as ferramentas de endomarketing utilizadas pela empresa não eram satisfatórias. 211 Com relação aos instrumentos de endomarting utilizados pela empresa, pode-se concluir que esses existem, porém não são utilizados de forma adequada. A intranet, por exemplo, é utilizada por grande parte dos colaboradores, mas a empresa não utiliza essa ferramenta como um canal de comunicação com os funcionários, mas como um meio de comunicação entre os funcionários. A maioria dos colaboradores recorre a seus superiores, quando surge alguma dúvida. Isso demonstra que os meios de comunicação não são suficientes ou eficientes para suprir as informações necessárias aos funcionários. Como consequência, os gestores ficam sobrecarregados, pois tornam-se a principal fonte de informações dentro da empresa. Ainda dentro desse contexto, levando-se em consideração o objetivo geral do trabalho, é possível constatar que em função de uma gestão empresarial familiar, as informações ficam centralizadas nos níveis mais altos da hierarquia. Finalmente, considerando todos os dados e informações levantadas por este trabalho e analisando os referenciais teóricos pesquisados e apresentados, conclui-se que a ferramenta de endomarketing está diretamente ligada à imagem corporativa. O endomarketing, além de melhorar a comunicação entre os níveis hierárquicos e setoriais, reforça os valores que compõem a identidade empresarial, contribuindo para esses sejam percebidos por todos. REFERÊNCIAS BRUM, Analisa de Medeiros. Endomarketing de A a Z. Porto Alegre: D. Luzzatto, 2007. CASTRO, Lauro Sodré Viveiros de. Pontos de estatística. 14. ed. Rio de Janeiro: Científica. 1967. PARASURAMAN, A., ZEITHAML, Valarie A. & BERRY, Leonard L. A conceptual model of service quality and its implications for future research. Journal of Marketing , 49, 1985, p. 41-50. TRIOLA, Mario F. Introdução à estatística. 9. ed. São Paulo: Editora LTC, 2005. 212 213 REFORMULAÇÃO NO MODELO DE GESTÃO POR COMPETÊNCIAS NA VOLVO DO BRASIL TATIANE LUZIA BORA Administradora DIEGO MAGANHOTTO CORAIOLA Mestre em Administração pela UFPR 214 RESUMO Nos últimos anos, temas relacionados à gestão por competências foram amplamente discutidos, tanto no ambiente acadêmico quanto no empresarial, associado às diferentes instâncias de compreensão: no nível da pessoa (à competência do indivíduo) e das organizações (às core competences). Tendo em vista o cenário competitivo e a necessidade de gerenciar pessoas, apresenta-se um estudo acerca da gestão de competências no intuito de contribuir para a reflexão e a busca de soluções efetivas dessa problemática. Esta pesquisa foi realizada por meio de um estudo de caso realizado na empresa Volvo do Brasil. As informações sobre a reformulação no modelo foram obtidas mediante consulta nos documentos da empresa e entrevistas realizadas com gerentes. A organização já possuía um modelo de gestão por competências, mas decidiu realizar a reformulação na estrutura do modelo em função da perda de eficácia para a gestão das competências organizacionais e como forma de adequar-se às últimas práticas desenvolvidas e disseminadas no mercado. Palavras-chave: gestão por competências, Volvo do Brasil, avaliação de desempenho, remuneração. ABSTRACT In recent years, issues related to competency management have been widely discussed, both in academia and in business, coupled with different levels of understanding: the level of the person (the competence of the individual) and organizations (the core competences). Given the competitive landscape and the need to manage people, a study about competence management is presented in order to contribute to the discussion and development of effective solutions to this problem. This research was conducted through a case study conducted at Volvo do Brasil. The information about the changes in the model were gotten at corporation documents and interviews with managers. The organization already had a competence based model but decided to reformulate it due to efficacy losses at the management of organizational competences and as a way to freshen the model with new practices shared at industry. Keywords: competency management, Volvo do Brasil, performance evaluation, compensation. 215 1 INTRODUÇÃO Atualmente, a atuação de uma empresa no mercado é de extrema importância para o sucesso frente à concorrência. A empresa deve estar atenta às demandas do mercado e oferecer o de que os clientes necessitam. Para isso, a organização precisa ter a competência necessária para oferecer produtos de qualidade, com menor preço e rapidez, entre outros requisitos. Ao observar as constantes mudanças no cenário competitivo e, consequentemente, as mudanças no ambiente interno das organizações, percebe-se a necessidade de uma participação mais efetiva das pessoas no intuito de tornar a empresa mais ágil e responder melhor às necessidades competitivas. As organizações estão cada vez mais conscientes de que seu sucesso será determinado por seus diferenciais competitivos, que são produto das competências individuais oferecidas pelos funcionários. Dessa forma a gestão por competências tem se apresentado uma ferramenta útil no processo de gerenciar as pessoas, pois une a necessidade de as organizações criarem um diferencial competitivo, por meio das competências organizacionais, à medida que oferece benefícios para os indivíduos que trabalham na organização, como um plano de remuneração adequado e plano de carreira. Com o advento desse novo conceito, as áreas de recursos humanos das organizações tiveram que repensar o modelo de gerenciar as pessoas. Os gestores de RH partiram para uma gestão estratégica dos recursos humanos, pois são as pessoas com suas competências individuais que proporcionam à organização um conhecimento coletivo capaz de gerar um diferencial competitivo que será percebido pelos clientes. Sendo assim, a reflexão sobre novas formas de gerenciamento de pessoas resultou no desenvolvimento de modelo de gestão por competências, que rapidamente ascendeu ao posto de principal modelo de gestão para os setores de recursos humanos ou gestão de pessoas nas organizações, que em boa parte vêm reformulando seus sistemas com base na ideia de competências. Apesar disso, ressalva-se que o modelo não se trata de concepção simples e facilmente aplicável, mas, como qualquer outro tipo de mudança, envolve uma série de dimensões e elementos complicadores, que precisam ser levados em consideração e envolvidos no modelo, para que este seja bem-sucedido. Ainda que a literatura especializada apresente diversos títulos explicando como essas mudanças devem ser feitas e tragam recomendações quanto aos cuidados que devem ser tomados, quando da introdução de um modelo de gestão por competências, as dimensões e potenciais problemas que devem ser incorporados permanecem restritos à própria situação de aplicação ou à organização em que se pretende adotar o modelo. Nesse sentido, é fundamental o desenvolvimento de trabalhos de pesquisa que objetivem apresentar casos sobre a introdução do modelo de gestão por competências, sejam eles tentativas bem-sucedidas ou malsucedidas, como forma de gerar orientações e recomendações para subsidiar futuros projetos de aplicação ou mesmo para a melhoria dos processos de gestão adotados pelas empresas. No esteio dessa contribuição, o presente trabalho apresenta pesquisa desenvolvida na empresa Volvo do Brasil, com o objetivo de verificar o processo de estabelecimento, revisão e adequação do modelo de gestão por competências utilizado pela empresa. Em 1999, a Volvo deu início à efetivação de um modelo de gestão por competências. Essa tarefa foi conduzida pelo Departamento de Remuneração e seguiu a abordagem que estava em voga na época. Quatro anos depois, em função de o modelo se tornar desajustado, a empresa contratou uma consultoria externa para fazer um diagnóstico, e alguns problemas foram encontrados. Com base nessa análise, foi proposta uma revisão do modelo, a fim de alinhá-lo às estratégias da organização. Na sequência deste artigo, são apresentados os conceitos de competência e gestão por competências, o modelo de gestão e suas dimensões e a relação do modelo com as demais atividades de gestão de pessoas existentes na organização. Após essas questões teóricas, são descritos os procedimentos metodológicos empregados na realização do estudo de caso. A seção seguinte compreende breve histórico do caso estudado e a narrativa dos processos de mudança, problemas e soluções encontradas. Por fim, são apresentadas as conclusões e as referências utilizadas. 216 2 QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA Nas próximas seções serão apresentados os conceitos teóricos que fundamentaram esta pesquisa sobre os temas relacionados à gestão por competências, como as competências essenciais, gestão estratégica de pessoas, modelos de gestão de pessoas, práticas de remuneração e avaliação de desempenho. 2.1 COMPETÊNCIAS ESSENCIAIS E GESTÃO ESTRATÉGICA A competitividade entre as organizações é um fator muito importante a ser considerado. As organizações devem produzir bens e serviços que atendam às necessidades dos consumidores e lhes superem as expectativas. Devem criar bens e serviços que tenham um valor considerado para o consumidor. Sendo assim, as organizações devem concentrar-se no que melhor elas fazem, no que as diferencia das demais e naquilo que gera valor competitivo. Esse valor é a competência organizacional ou essencial. Para Prahalad e Hamel (1990), competências essenciais nas organizações (core competences) são aquelas que conferem vantagem competitiva, geram valor distintivo percebido pelos clientes e são difíceis de serem imitadas pela concorrência. Segundo Fernandes e Berton (2005), as organizações de sucesso apoiam-se em alguns recursos especiais, qualificados como competências essenciais. Tais competências conferem a uma organização vantagem competitiva sustentável, constituindo as “raízes da competitividade”. Competência essencial é “[...] a aprendizagem coletiva na organização, especialmente relacionada a como coordenar diversas habilidades de produção e integrar múltiplos streams de tecnologia.” Em outras palavras, “[...] competências essenciais são o conjunto de habilidades e tecnologias que habilitam uma companhia a proporcionar um benefício particular para os clientes.” É mais do que uma habilidade ou tecnologia isoladamente, como explicam Fleury e Oliveira (2001 apud PRAHALAD; HAMEL, 1994, p. 203). Para reconhecer as competências essenciais de uma empresa, é necessário entender por que uma empresa alcança melhores resultados, lucros e quais são as capacidades que as diferenciam das outras para sustentar esses resultados. Como afirmam Fleury e Oliveira (2001), competências ou capacidades de um indivíduo possuem um caráter dinâmico, pois precisam ser alteradas com o objetivo de atender às mudanças no ambiente competitivo, em um processo ininterrupto. A organização é quem possui as competências essenciais, porém quem oferece subsídios para que essas competências sejam mantidas ou desenvolvidas e para que a organização consiga alcançar todos os seus objetivos são as pessoas que estão inseridas nela. É por meio das competências de cada indivíduo que a organização consegue manter o valor esperado pelo consumidor. Nesse sentido, a gestão estratégica de pessoas se tornou um ponto muito importante na área de gestão. A necessidade de inovar na maneira de gerenciar pessoas surgiu basicamente na área de recursos humanos. Percebeu-se a exigência de gerenciar o capital humano das organizações estrategicamente, criando assim não só benefícios para a organização como também para os próprios colaboradores. As áreas de RH das empresas tiveram que repensar e reorganizar seu modelo de gestão. Segundo Teixeira et al. (2006, p. 13), “[...] é de extrema necessidade repensar a gestão de pessoas, no sentido de mudá-la de uma gestão técnico-funcional para uma gestão estratégica, na qual os empregados agregam valor às organizações e se constituem em um importante diferencial competitivo.” Com esse novo processo de gestão estratégica sendo desenvolvido nas organizações, observou-se a necessidade de melhorar o processo de gerenciamento de pessoas, alocando as pessoas adequadas nos lugares certos, com as capacidades necessárias para determinada função. Nesse contexto, pode-se observar o surgimento e desenvolvimento de conceitos e modelos com novas formas de gerenciar as competências humanas e organizacionais, resumidos na ideia de gestão por competências. 217 2.2 COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS E ORGANIZACIONAIS No fim da Idade Média, a expressão competência era associada essencialmente à linguagem jurídica. Competência dizia respeito à faculdade atribuída a alguém ou a uma instituição para apreciar e julgar certas questões. Os juristas declaravam que determinada corte ou indivíduo era competente para um dado julgamento ou para realizar certo ato. Por extensão, o termo veio a designar o reconhecimento social sobre a capacidade de alguém pronunciar-se acerca de determinado assunto. Mais tarde, o conceito de competência passou a ser utilizado de forma mais genérica, para qualificar o indivíduo capaz de realizar determinado trabalho (ISAMBERT-JAMATI, 1997). É possível perceber a existência de dois pensamentos relacionados à competência: um, representado por autores norte-americanos, entende a competência como um estoque de qualificações (conhecimentos, habilidades e atitudes) que credencia a pessoa a exercer determinado trabalho; outro, representado por autores franceses, associa a competência não a um conjunto de qualificações do indivíduo, mas às realizações da pessoa em determinado contexto, ou seja, àquilo que ela produz ou realiza no trabalho (DUTRA, 2004). Assim, torna-se possível classificar competências como humanas (as relacionadas ao indivíduo ou à equipe de trabalho) e organizacionais (as que dizem respeito à organização ou a uma de suas unidades), ressaltando-se que o conjunto de competências profissionais, aliado aos processos e outros recursos, é o que dá origem e sustentação à competência organizacional. (CARBONE et al, 2006). Na visão de Durand (1998 apud BRANDÃO; GUIMARÃES, 2009), o conceito de competência abrange três dimensões fundamentais: conhecimento, habilidade e atitude. Engloba não somente questões técnicas, mas também a cognição e as atitudes relacionadas ao trabalho. Com base nesses componentes principais apresentados pelo autor, é possível compreender a ideia de competência como o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes interdependentes e necessárias à consecução de determinado propósito. Tais dimensões são interdependentes, pois a exposição ou adoção de determinado comportamento exige do indivíduo a detenção de conhecimentos e técnicas específicas. Da mesma forma, para utilizar uma habilidade, presume-se que a pessoa tenha conhecimento a respeito de determinado processo. Durand (1998) acrescenta que o desenvolvimento de competências ocorre por meio da aprendizagem individual e coletiva, envolvendo simultaneamente as três dimensões do modelo, isto é, pela assimilação de conhecimentos, integração de habilidades e adoção de atitudes relevantes para um contexto organizacional específico ou para a obtenção de alto desempenho no trabalho. Fleury e Fleury (2001, p. 21) destacam a ideia de que as competências agregam valor à organização e ainda chamam a atenção para o fato de que essas competências trazem valor ainda ao indivíduo também. Para eles, competência é “[...] um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos; recursos, habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo.” Dutra (2001) associa a ideia de competência à entrega de tais capacidades à organização. Afirma que o fato de o indivíduo obter um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes não quer dizer necessariamente que a organização vai beneficiar-se dessas qualidades do indivíduo, se este não entregar tais capacidades que possui em benefício das atividades da empresa. Por outro lado, as competências organizacionais estão ligadas às competências que a empresa possui, como tecnologia, habilidades, conhecimentos, diferenciais, entre outras. Essas competências podem ser classificadas de acordo com sua natureza. Zarifian (2001) as classifica como competências sobre processos, competências técnicas, competências sobre a organização, de serviço e sociais. Para Hanashiro et al. (2007), competência organizacional é o resultado de uma combinação estratégica de recursos, habilidades e processos organizacionais, os quais são orientados e integrados para o atendimento de uma ou mais necessidades de clientes. O resultado dessa combinação de recursos contribui de forma relevante para a geração de valor e para a formação de vantagem competitiva sustentável. Prahalad e Hamel (1990) consideram a competência organizacional como um conjunto de habilidades e tecnologias que geram vantagem competitiva para a organização. São difíceis de ser copiadas e ainda contribuem para o valor percebido pelos clientes. 218 As competências essenciais ou organizacionais devem ser bem gerenciadas para que proporcionem melhores resultados. Para isso, é muito importante que a organização tenha um processo de gestão por competências bem estruturado e um processo contínuo de avaliação de desempenho das pessoas, para verificar se elas estão atingindo todas as metas e objetivos, pois são as pessoas, com suas competências individuais, que oferecem para a organização o de que ela precisa para manter suas competências essenciais, tornando-se assim mais competitiva e perene no segmento de mercado em que atua. 2.3 ORIGENS DA GESTÃO POR COMPETÊNCIAS A preocupação das organizações em contar com indivíduos preparados para o desempenho eficiente de determinada função não é recente. Taylor (1970) já alertava a necessidade de as empresas contarem com pessoas eficientes, ressaltando que a procura por competentes excedia à oferta. Baseadas no princípio taylorista de seleção e treinamento do trabalhador, as empresas procuravam aperfeiçoar em seus empregados as habilidades necessárias para o exercício de atividades específicas, restringindo-se às questões técnicas relacionadas ao trabalho. Posteriormente, em decorrência de pressões sociais e do aumento da complexidade das relações de trabalho, as organizações passaram a considerar, no processo de desenvolvimento profissional de seus empregados, não só questões técnicas, mas também os aspectos sociais e comportamentais do trabalho. A gestão por competências teve sua origem na necessidade de dar respostas aos desafios que a nova ordem econômica mundial trouxe para as empresas no mundo todo. Segundo Fleury (1999), três foram os fatores principais que forçaram essa mudança: a passagem de um mercado regido pelo vendedor para um regido pelo comprador, a globalização dos mercados e da produção e o advento da economia fundamentada no conhecimento. Esses fatores pressionaram a criação de novas formas de gerir as organizações – de um modo em geral e em particular, uma nova forma de gerir as pessoas. A área de recursos humanos adquiriu um papel estratégico que antes não lhe era solicitado, passando a ser parceira importante da empresa no incremento dos negócios. Nesse sentido, a gestão por competências tem sido enfatizada como modelo gerencial alternativo aos instrumentos tradicionalmente utilizados pelas organizações. Para Brandão e Bahry (2005), baseando-se no pressuposto de que o domínio de certos recursos é determinante do desempenho superior de pessoas e organizações, esse modelo propõe-se fundamentalmente a gerenciar o gap ou lacuna de competências, ou seja, a reduzir ao máximo a discrepância entre as competências necessárias à consecução dos objetivos organizacionais e aquelas já disponíveis na organização. A redução ou eliminação de eventuais lacunas de competências está condicionada ao mapeamento das competências necessárias à consecução da estratégia organizacional. Para realizar esse mapeamento, a organização pode fazer uso de diversos métodos e técnicas de pesquisa social, que auxiliam na realização de um diagnóstico, permitindo não apenas a identificação da lacuna de competências, mas também o planejamento de ações de recrutamento, seleção e desenvolvimento profissional. De acordo com Brandão e Guimarães (2001), a gestão por competências propõe-se a orientar esforços para planejar, captar, desenvolver e avaliar, nos diferentes níveis da organização (individual, grupal e organizacional), as competências necessárias à consecução de objetivos. 2.4 AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO Desde o momento em que é feita a introdução de um modelo de gestão por competências, em que os resultados individuais (competências individuais) influenciam no desenvolvimento da organização, na geração de valor de produtos para seus clientes (competências organizacionais), se faz necessária a criação de métodos de avaliação para verificar se os colaboradores estão de fato demonstrando todas as competências requeridas pela empresa. Para Gramigna (2007), houve um tempo em que a tarefa de avaliar era realizada sigilosamente. De responsabilidade exclusiva das chefias, a estratégia era completamente unilateral, e o empregado não tinha acesso nem mesmo aos indicadores de desempenho constantes do 219 formulário. Além da forma autoritária como era aplicada a avaliação, algumas chefias incorriam em injustiças por não serem bem preparadas para avaliar. A regularidade da aplicação dessas avaliações era questionada, uma vez que era feita apenas uma vez no ano. Esse processo vem sofrendo várias modificações, sempre sinalizando para a abertura e descentralização. Vários fatores, como autoavaliação, percepção do empregado em relação à avaliação, metas, resultados e competências, estão sendo discutidos nas avaliações de desempenho. A autora propõe um modelo de avaliação em rede, também conhecido como avaliação 360º. A sistemática do modelo prevê o recebimento de diversos feedbacks das pessoas que fazem parte da cadeia produtiva interna e externa: clientes e fornecedores. De posse do resultado, o avaliado parte para a correção e o ajuste em seu desempenho, de forma a atender às expectativas da organização. Gillen (2000) chama atenção para a importância de distinguir os dois tipos de avaliação: a formal, usualmente feita uma vez por ano, sendo conduzida como parte da política da organização; a rotineira ou informal, levada a efeito mais frequentemente como um assunto da competência do gerente e seu pessoal, pode ser feita por meio de pequenas observações e elogios no dia a dia. Geralmente o processo de avaliação de desempenho está vinculado a um plano de remuneração e(ou) plano de carreira. Dependendo do desempenho do indivíduo, ele pode ser promovido, ou realocado em alguma outra faixa salarial, por isso é importante que a organização que tenha iniciado um modelo de gestão por competências tenha um plano de cargos e salários bem definido. 2.5 CARGOS E SALÁRIOS A remuneração de um indivíduo está ligada às competências que ele possui dentro da organização, ou seja, ao conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que ele entrega de fato para a manutenção das competências essenciais da organização. Para se definir as competências exigidas por um cargo, deve-se elaborar um plano de cargos com as respectivas competências exigidas e com um salário equivalente. De acordo com Gil (2001), as organizações são concebidas como sistemas de papéis em que cada indivíduo que ocupa uma posição na organização é solicitado a desempenhar um conjunto de atividades e a manter determinados comportamentos. Assim, os gestores de pessoas procuram selecionar seus empregados de tal forma que eles passem a exercer a respectiva função com a maior eficácia possível. Quando percebem alguma discrepância entre os papéis ideais e o desempenho real de cada funcionário, as organizações promovem programas de capacitação, porém, quando verificam que as pessoas capazes de desempenhar certos papéis são raras, oferecem maiores salários e outros benefícios com o objetivo de mantê-las na organização. Por isso, é necessário definir com clareza os papéis de cada indivíduo. Para Chiavenato (1994), a remuneração é a recompensa proporcionada para as pessoas por um trabalho executado e possui várias funções tanto para a empresa como para as pessoas. Para a empresa podem ser mencionadas as seguintes funções: a) atrair e manter pessoas altamente qualificadas, as pessoas tendem a procurar empresas onde as recompensas são mais elevadas, também serve para a retenção de talentos; b) recompensar os serviços prestados como um meio de reconhecer o desempenho passado; c) motivar o desempenho futuro – as recompensas podem ser usadas como objetivos ou metas para as pessoas; d) assegurar equidade do ponto de vista interno e externo; e) atender às normas legais. Do ponto de vista das pessoas, as funções da remuneração podem ser: a) a recompensa que proporciona um sentimento de segurança, pois o salário define o padrão de vida da pessoa e de seus dependentes; b) a recompensa que é uma fonte de reconhecimento, uma vez que ela eleva o indivíduo que está trabalhando bem; 220 c) a recompensa que serve como um objetivo a ser atingido pela pessoa, já que um certo nível de salário e as expectativas de promoção são ambições que as pessoas se esforçam em concretizar. Dutra (2002, p. 181) considera a remuneração como “[...] a contrapartida econômica e/ou financeira de um trabalho realizado pela pessoa”. Muitos autores tratam a remuneração como um fator de recompensa extrínseco, porém Dutra (2002) acredita ser um fator intrínseco, pois traduz em muitas situações a importância relativa da pessoa para a empresa e seu status profissional para o mercado. De acordo com esse autor, a remuneração pode ser dividida em duas categorias: - remuneração direta: o total de dinheiro que a pessoa recebe em contrapartida ao trabalho realizado; e - remuneração indireta: o conjunto de benefícios que a pessoa recebe em contrapartida pelo trabalho realizado. Uma das novas estratégias de remuneração é a por competências. Esse tipo de remuneração é constituído pelas competências que o indivíduo possui. O cargo que ocupa e o tempo de serviço têm um papel secundário, e os salários, por consequência, são diretamente vinculados a um processo de certificação, no qual o empregado precisa demonstrar sua competência (avaliação de desempenho). Os aumentos de salários não estão vinculados à promoção, como ocorre nos processos tradicionais (GIL, 2001). Dutra (2002, p. 192-193) vem de encontro a esse pensamento de Gil, trazendo a abordagem da remuneração como função de complexidade, e chama atenção aos seguintes passos: a) estabelecer os principais eixos de carreira da empresa; b) definir as competências a serem entregues em cada eixo de carreira; c) estabelecer os degraus de complexidade de cada competência dentro do mesmo eixo de carreira; d) construir faixas salariais para cada nível de complexidade; e) enquadrar as pessoas nos diferentes graus de complexidade. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O presente estudo utilizou a pesquisa qualitativo-descritiva, uma vez que as informações utilizadas no desenvolvimento do estudo de caso foram quase exclusivamente de caráter qualitativo em sua natureza, assim como os procedimentos de coleta e análise que serviram de subsídio para a elaboração de narrativa compreendendo a descrição do processo de introdução e reformulação do modelo de gestão por competências na Volvo do Brasil (CERVO; BERVIAN, 1996). Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas, que envolvem a preparação de roteiro dos assuntos a serem abordados com o entrevistado (MARCONI; LAKATOS, 2009). Dessa forma, o pesquisador pode, no momento da entrevista, incluir questões que sejam necessárias para uma boa conversação sobre o objeto investigado. As entrevistas foram realizadas com gestores da área de recursos humanos que foram os responsáveis pelo estabelecimento do modelo de gestão por competências na organização. Foram realizadas três entrevistas para um melhor entendimento do processo, e cada entrevista teve a duração de, aproximadamente, uma hora. Neste trabalho, os dados primários foram coletados com os funcionários da organização, tenham eles participado ativamente da introdução do modelo de gestão por competências ou tenham tido seu trabalho influenciado pela mudança. Os dados secundários foram obtidos por meio da consulta aos relatórios, apresentações e modelos de gestão por competências disponíveis na organização. Depois da obtenção dos dados e dos resultados, é necessário realizar a análise e a interpretação dos dados, que, constituem o núcleo central da pesquisa (MARCONI; LAKATOS, 2009). Os dados foram analisados qualitativamente e encadeados de modo a permitir o desenvolvimento de narrativa dos acontecimentos ressaltando-se os aspectos problemáticos e de melhoria levantados na reformulação do modelo de competências. 221 4 GESTÃO POR COMPETÊNCIAS NA VOLVO DO BRASIL Fundada em 1928, a Volvo é um dos maiores grupos industriais do mundo, com mais de 70 mil empregados e presente em mais de 100 países. É respeitada mundialmente e reconhecida por seus valores essenciais: qualidade, segurança e respeito ao meio ambiente. Aprimoramento contínuo, inovações tecnológicas e esforços constantes para reduzir o impacto ambiental de seus produtos fazem da Volvo uma marca conhecida e destacada. Nos últimos anos, o Grupo Volvo decidiu concentrar-se fortemente na produção e comercialização de produtos relacionados ao transporte: caminhões, ônibus, equipamentos de construção, motores marítimos e industriais, turbinas e propulsores para aeronaves comerciais e foguetes espaciais. A unidade da Volvo, em Curitiba, é considerada uma “fábrica de soluções para transporte”. De sua linha de montagem saem os mais modernos caminhões pesados, semipesados e as melhores soluções para o transporte de passageiros. A empresa não apenas se mantém na vanguarda em desenvolvimento de novas tecnologias, qualidade de produtos, processos e serviços, como também na prática de conceitos inovadores de relações humanas, preservação ambiental e segurança. Com uma área construída de 96 mil metros quadrados, a Volvo foi uma das primeiras empresas a se instalar na Cidade Industrial de Curitiba, onde ocupa um terreno de 1,3 milhão de metros quadrados. Foi a primeira montadora de veículos de transporte de carga e passageiros a ser instalada no Paraná, ainda na década de 70, dando origem ao polo automotivo paranaense. Hoje a fábrica tem aproximadamente 2.600 funcionários. A Volvo do Brasil foi uma das organizações pioneiras no uso do conceito de competências como parâmetro para decisões em remuneração, utilizando-o, desde 1999, para todo o contingente de profissionais. Desde o início, o conceito de competências foi aplicado com o objetivo de oferecer referências que subsidiassem as decisões de lideranças da empresa quanto à gestão de pessoas nos diversos processos de recursos humanos, ou seja, os resultados esperados não se resumiam à dimensão da remuneração, pretendendo-se subsidiar os gestores nas diversas decisões sobre pessoas. No entanto, segundo entrevistas com os gestores de RH da Volvo, o trabalho de concepção e estruturação do modelo em 1999 foi conduzido principalmente pela área de remuneração e, dessa forma, foi visto pela organização como tendo no aspecto recompensas seu principal propósito. O sistema adotado na ocasião seguiu abordagem em voga na época, ou seja, entendia as competências como uma extensão do conceito de habilidades, só que orientado para o público de nível superior. Alinhava-se a um modelo no qual se especificavam as habilidades/competências exigidas para determinados cargos, caracterizados de forma ampla, e a aquisição ou o aumento na proficiência delas é que condicionava a progressão na faixa salarial. Com faixas salariais amplas, os pontos críticos do sistema passam a ser a legitimidade e a consistência dos critérios para posicionamento dos profissionais na faixa salarial. Na ocasião, adotou-se um modelo em que esse posicionamento era dado pela pontuação obtida pelo profissional, num processo de avaliação que considerava competências genéricas e competências específicas. O peso de cada competência nesses grupamentos poderia variar por posição, e, conforme o nível obtido na avaliação, gerava-se certa pontuação. Essa pontuação era remetida a degraus salariais, os quais definiam a remuneração a ser recebida pelo profissional. A figura 1 procura ilustrar essa dinâmica. 222 FIGURA 1 – DINÂMICA DE FUNCIONAMENTO DA SISTEMÁTICA POSICIONAMENTO SALARIAL NA FAIXA AMPLA FONTE: Documentação interna. Nas entrevistas realizadas com os gestores, eles informaram que, em 2003, a Volvo contratou uma consultoria externa para fazer um diagnóstico da prática remuneratória adotada pela organização. A consultoria realizou esse estudo com profissionais de gestão de pessoas e, sobretudo, gestores de outras áreas da empresa. Alguns problemas foram apontados, destacandose: a) foco do sistema na remuneração, levando à não-aplicação do processo avaliativo quando da ausência de verba para aplicar na progressão salarial. Perdia-se, com isso, a oportunidade de se estabelecer um momento de diálogo entre gestor e profissional em torno do desenvolvimento, além de gerar enorme expectativa e pressão em relação ao momento e aos resultados das avaliações; b) percepção de fragilidade dos critérios de alocação das pessoas nas faixas salariais, decorrente, sobretudo, do excesso de subjetividade nos itens de avaliação e do desalinhamento entre os critérios utilizados para a progressão salarial e a lógica de carreira e desenvolvimento; c) a complexidade do modelo levava à dificuldade de sinalizar as possibilidades de carreira, de subsidiar decisões, de traduzir a atuação real de alguns profissionais e de passar uma percepção do todo; d) com o tempo, foi a uniformidade dos critérios aplicados na organização foi sendo perdida, pelo fato de cada gestor atualizar as habilidades/competências a seu modo. Na ocasião foi observada uma mesma competência possuindo diferentes sentidos; e) aumento do número de cargos nos anos antecedentes ao diagnóstico, uma vez que as descrições de competências/habilidades continuavam a se relacionar com eles. Esse aumento era decorrente da necessidade de se diferenciarem as competências específicas para cada cargo e, às vezes, dentro de um mesmo cargo que atuava em diferentes áreas; f) número excessivo de competências; g) volatilidade das competências, especialmente as calcadas em conhecimentos; 223 h) pressão sobre a massa salarial, uma vez que a aquisição e a aplicação de novas competências implicariam aumento remuneratório. Controlar essa progressão por meio de dimensionamento de necessidades de competências não se demonstrava suficiente. Segundo entrevista com o analista de recursos humanos, o processo de revisão do sistema de gestão por competências, estruturado em 1999, contou com o apoio de consultoria externa e com a mobilização dos gerentes da organização e da comissão de fábrica (representante dos trabalhadores), sob a coordenação dos profissionais de gestão de pessoas. O grande envolvimento da empresa possibilitou incorporar, no processo de revisão, toda a experiência obtida com a prática anterior e, em função disso, direcionar as análises de modo a mitigar as dificuldades encontradas naquele modelo e reforçar seus aspectos positivos. Ao final da revisão do modelo, este foi amplamente divulgado para os profissionais no processo de estruturação meio de jornais institucionais, site corporativo, mensagens espalhadas pela organização (murais e quadros). As principais mudanças efetuadas nessa revisão estão listadas no quadro 1. QUADRO 1 – COMPARATIVO DOS MODELOS DE GESTÃO POR COMPETÊNCIAS MODELO INICIALMENTE ADOTADO (1999) foco principal na remuneração MODELO REVISADO (2003) foco na integração de gestão de pessoas – entre seus processos e com o negócio aquisição de conhecimento interferindo em remuneração aquisição de conhecimento não interferindo na remuneração – foco na contribuição faixas salariais largas (broadbanding); faixas salariais por níveis de complexidade definição de necessidade organizacional (quadro de demanda) por competência definição de necessidade organizacional (quadro de demanda) por eixo de carreira e nível de complexidade visão pontual das áreas visão integral da empresa e das oportunidades de desenvolvimento atualização do sistema complexa e demandante simplificação no processo de atualização e gestão do sistema níveis de exigência diferentes para cada competência em função do cargo níveis de exigência nas competências alinhados conforme os níveis de complexidade do trabalho ausência de uniformidade nos critérios entre as áreas uniformização nos critérios entre as áreas rigidez na gestão de pessoas respeito às características e contribuições individuais FONTE: Documentação interna da empresa. As competências necessárias para cada tipo de tarefa, bem como sua complexidade, são definidas por eixo de carreira que foram adotados pela Volvo: tecnologia de gestão, técnico, operacional e mercadológico. O eixo de carreira de tecnologia de gestão compreende as posições responsáveis por oferecer à organização tecnologias de gestão, como, por exemplo, analistas administrativos, contábeis, assistente executivo, entre outras. No eixo de carreira técnica, são compreendidas as posições que demandam aplicação de conhecimentos da área tecnológica (engenheiros, técnicos, entre outras). No eixo operacional, são compreendidas as posições com ação direta ou indireta sobre o produto (operador, montador, pintor, soldador, entre outras). E por 224 fim, no eixo mercadológico, são compreendidas as posições com atuação predominantemente focalizadas para fora da organização (analista de comércio exterior, comprador, representante comercial, entre outras). Na figura, 2 é possível observar a divisão por eixos de carreira. FIGURA 2 – EIXOS DE CARREIRA DA EMPRESA VOLVO FONTE: Documentação interna (com adaptações). Para se fazer a estruturação de um modelo de gestão por competências, ou sua revisão, é de extrema importância que a organização possua um sistema de descrição de cargos e salários, pois este é referência para os processos de gestão de pessoas e para os empregados. Ele demonstra o papel a ser desempenhado, requisitos, competências demandadas, entre outros aspectos. As informações básicas são: título, código, missão, área de atuação, eixo de competências, requisitos. Uma descrição de cargos e salários apresenta a escala de capacidades, competências do eixo e capacidades do cargo. A revisão do plano de cargos e salários da Volvo seguiu a lógica da complexidade, Nesse modelo, a remuneração é definida com base nos eixos de carreira, mas conta com os níveis de complexidade, ou seja, quanto mais complexa for a tarefa maior será a remuneração. Na figura 3, todos os cargos pertencem ao mesmo eixo de carreira (operacional). Dessa forma, a única variante na remuneração é a complexidade; em outras palavras, um montador I tem a remuneração igual ao de um controlador de materiais I e operador I, da mesma maneira que um ajustador III é remunerado igualmente a um pintor IV. Todavia, se os eixos forem diferentes (técnico, operacional, mercadológico ou tecnologia de gestão), a remuneração será diferenciada para a mesma linha de complexidade. 225 FIGURA 3 – ASSOCIAÇÃO ENTRE CARGOS E NÍVEIS DE COMPLEXIDADE DEFINIDOS PARA A TRAJETÓRIA DE CARREIRA OPERACIONAL níveis de complexidade materiais montagem cabines motores VI montador multifuncional II eletricista autos III ajustador III controlador materiais VI pintor IV funileiro IV operador VI técnico de usinagem V montador multifuncional I eletricista autos II ajustador II controlador materiais V soldador V pintor V funileiro IV operador V técnico de usinagem IV montador volante II eletricista autos I ajustador I controlador materiais IV soldador funileiro pintor IV IV IV operador IV técnico de usinagem III montador volante I controlador materiais III operador III soldador pintor III III operador III II montador II controlador materiais II operador II operador II I montador I controlador materiais I operador I operador I pintor FONTE: Documentação interna. O foco deste modelo de gestão é o desenvolvimento de competências essenciais para o negócio Volvo, que oferece benefício tanto para os empregados como para suas lideranças e, consequentemente, para a organização. Para os empregados, esse modelo deve suprir as informações necessárias sobre o papel a ser desempenhado na empresa, além dos requisitos e competências relacionados ao cargo e posição ocupados. Ainda, apresenta os referenciais de todos os cargos estruturados na carreira Volvo, para que o empregado possa planejar a carreira e decidir as ações para seu desenvolvimento. Para as lideranças esse modelo de gestão de pessoas tem por objetivo oferecer referências que subsidiem as decisões de gestão de pessoas nos diversos processos de recursos humanos: recrutamento e seleção, treinamento, desenvolvimento, avaliação de competências, de desempenho, desenvolvimento profissional e pessoal, sucessão, salário, carreira, etc. A fim de que esse modelo de gestão por competências funcione bem, se faz necessário possuir um sistema de avaliação de desempenho adequado para se gerenciar o desenvolvimento de competências que suportem os planos estratégicos, táticos e operacionais da organização. É de responsabilidade da liderança conciliar a necessidade de competências da empresa e os anseios pessoais e profissionais dos empregados. É de responsabilidade do empregado planejar seus objetivos profissionais e pessoais, bem como conhecer o modelo de gestão estruturado na empresa, para tomar as decisões que afetem a própria carreira, principalmente sobre o desenvolvimento pessoal. A avaliação formal é realizada uma vez por ano, porém as informais devem ser feitas no dia a dia como forma de motivação ou tentativa de correção de algum aspecto negativo. Os resultados dessa avaliação devem ser divulgados para os empregados, que devem estar alinhados às competências necessárias, atual e futuramente (médio prazo), pois são a base para a gestão de pessoas. Na Volvo, a avaliação de desempenho que existe se denomina Personal Business Plan (PBP). Tal avaliação é feita anual e individualmente. É realizada pela liderança com base em indicadores de desempenho (Key Performance Indicators - KPIs), que são metas que o funcionário deve atingir. Para a realização dessa avaliação de desempenho existe uma reunião inicial em que são apresentadas ao funcionário as metas que ele deve atingir ao longo do ano. O funcionário tem a liberdade de expor sua opinião sobre as metas e de falar sobre seus anseios e intenções de crescimento ou mudanças dentro da organização. Ao final do ano é realizada outra reunião, para verificar se as metas foram atingidas e para fazer um feedback das atividades desenvolvidas. A avaliação de desempenho influencia diretamente na remuneração variável do funcionário. Essa remuneração variável é proporcional ao resultado da avaliação de desempenho, ou seja, caso o funcionário atinja 100% de suas metas verificadas na avaliação, receberá 100% do valor da PLR. Se o funcionário atingir apenas 50% de suas metas, receberá apenas 50% do valor da PLR. O PBP, 226 além de ser uma ferramenta para avaliar o funcionário, possibilita a visão de desenvolvimento dentro da organização. Com base no que foi exposto, por meio de entrevistas e materiais internos da organização, pode-se observar que a empresa inicialmente optou por um modelo de gestão por competências que estava mais focalizado em remuneração. Depois disso, observou-se a necessidade de reformular esse modelo, pelos diversos motivos mencionados. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O sistema de gestão por competências vem despontando como alternativa real aos métodos tradicionais de se estruturarem as ações de recursos humanos. É possível concluir que a elaboração e a aplicação de um sistema de gestão por competências podem trazer vários benefícios à gestão de pessoas, auxiliar no estabelecimento de critérios de avaliações, promoções e, principalmente, contribuir para que a organização se torne mais competitiva e perene no segmento de mercado em que atua. No entanto, há que se verificar continuamente a adequação do modelo aos objetivos e às necessidades da empresa, monitorando o desempenho do modelo de competências adotado, realizando as adequações necessárias e visando preservar os benefícios obtidos pela empresa com a adoção desse modelo. Inicialmente a Volvo estruturou um modelo de gestão por competências mais focalizado em remuneração, talvez porque as pessoas responsáveis por esse trabalho eram da área. O modelo trouxe benefícios por certo período, porém, com o passar dos anos e as mudanças ocorridas no conceito de gestão por competências, desenvolveu-se na empresa sentimento quanto à necessidade de reformulação dos critérios do modelo. A reformulação do modelo, em 2003, abrangeu diversas mudanças nos critérios adotados em 1999, entre os quais é possível mencionar: maior foco na integração de gestão de pessoas, mudanças na forma de aquisição de conhecimento, faixas salariais incluindo o conceito de complexidade, uniformização dos critérios entre as áreas, entre outros tópicos que melhoraram o modelo e trouxeram mais benefícios para a organização e seus colaboradores. Não foram realizadas novas mudanças no modelo depois das alterações efetuadas em 2003, o que significa que o modelo desenvolvido tem servido de base para as decisões relacionadas à gestão de pessoas da organização, há aproximadamente 7 anos. De acordo com a avaliação dos gestores, por enquanto esse modelo está proporcionando à organização e aos funcionários os resultados esperados, não demandando nenhum ajuste ou adaptação Essa é uma constatação importante do trabalho. Mesmo depois de passados alguns anos desde a última modificação do modelo, ele ainda é percebido como atual e atendendo adequadamente aos objetivos da organização. Considerando o consenso estabelecido quanto à velocidade das transformações e mudanças do mundo contemporâneo, assim como a constante necessidade de adequação e adaptação das organizações ao ambiente, a manutenção de determinado modelo de gestão, sem quaisquer alterações, poderia soar como bizarrice incômoda. Nesse sentido, como sugestão para futuras pesquisas, sugere-se a possibilidade de analisar em maior profundidade a manutenção desse modelo e suas características, buscando evidenciar os processos e elementos responsáveis por sua permanência na organização, além da identificação e da análise de outros modelos e práticas administrativas vigentes e estabelecidas em outras empresas e setores organizacionais. REFERÊNCIAS ANDRADE. M. Introdução à metodologia do trabalho científico. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003. BRANDÃO, H. 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São Paulo: Atlas, 2001. 229 PERCEPÇÃO DE VANTAGEM COMPETITIVA ORGANIZACIONAL POR MEIO DA ESTRATÉGIA DE INTERNACIONALIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA PERCEPTION OF ORGANIZATIONAL COMPETITIVE ADVANTAGE THROUGH STRATEGY OF UNIVERSITY INTERNATIONALIZATION PERCEPCIÓN DE LA VENTAJA COMPETITIVA DE LA ORGANIZACIÓN POR MEDIO DE LA ESTRATEGIA DE INTERNACIONALIZACIÓN UNIVERSITÁRIA LARISSA CRISTINA DAL PIVA Mestranda em Administração (UFPR) CLEVERSON CUNHA Professor de Pós-Graduação em Administração (UFPR) 230 RESUMO O objetivo deste trabalho é analisar se a estratégia de internacionalização universitária, através das oportunidades de contato internacional articuladas pelo setor de relações internacionais, é percebida como um diferencial competitivo da organização por seus alunos e professores. A metodologia utilizada consiste em uma pesquisa qualitativa com método de estudo de caso e com técnica de entrevistas em profundidade com alunos e professores de uma instituição privada de ensino superior de Curitiba. Como resultado foi possível perceber que para a instituição melhor se inserir no mercado educacional, é preciso oferecer ao seu público a oportunidade de intercâmbio acadêmico, o que proporciona a troca de conhecimentos e de contatos profissionais além das fronteiras nacionais. Assim, as ações do setor de relações internacionais passam a ser percebidas como fonte de vantagem competitiva organizacional. Palavras-chave: administração estratégica, percepção de vantagem competitiva organizacional, internacionalização universitária. ABSTRACT The objective of this study is to analyze if the internationalization strategy of a private university, through opportunities to connect internationally articulated by the sector of international relations, is perceived as an organizational competitive advantage by its students and teachers. The methodology consists of a qualitative research with method of case study and technical of in-depth interviews with students and professors from a private institution of higher education located in Curitiba-ParanáBrazil. As a result, it was observed that to enter at the educational market, the institution need to give to professors and students the opportunity for academic exchange, which allows the exchange of knowledge and professional contacts across national borders. Thus, the activities of the international relations department are perceived as a source of organizational competitive advantage. Keywords: strategic management, competitive advantage perception, university internationalization. RESUMEN El objetivo de este estudio es analizar si la estrategia de internacionalización de una universidad, por medio de las oportunidades articuladas por el sector de las relaciones internacionales, es percibida como una ventaja competitiva de la organización por sus estudiantes y profesores. La metodología consiste en un método de investigación cualitativa de estudio de caso y técnica de entrevistas en profundidad con los estudiantes y profesores de una institución privada de educación superior ubicada en Curitiba-Paraná-Brasil. Como resultado se observó que para entrar en el mercado educativo la institución necesita dar a su público la oportunidad de intercambio académico, que permite el intercambio de conocimientos y contactos profesionales a través de las fronteras nacionales. Por lo tanto, las acciones del sector de las relaciones internacionales son percibidas como ventaja competitiva de la organización. Palabras claves: gestión estratégica, percepción de la ventaja competitiva, internacionalización de la universidad. 231 1 INTRODUÇÃO A internacionalização do ensino superior tem sido cada vez mais presente e necessária na rotina das instituições. Em função da importância de alunos e professores terem uma visão globalizada dos conteúdos e suas aplicações práticas, é imprescindível o apoio da instituição de ensino em capacitá-los para tal desafio. Com vista nessa realidade, uma das formas para a instituição melhor se inserir no mercado educacional é por meio de oportunidades de intercâmbio acadêmico, de mobilidade de conhecimentos e de contatos profissionais e interinstitucionais, além das fronteiras nacionais. Essas ações e serviços de cooperação acadêmica no espaço internacional são gerenciados por setores próprios de Relações Internacionais das instituições de ensino. Esses departamentos de Relações Internacionais necessitam de uma administração estratégica para tornarem-se um diferencial competitivo das instituições de ensino no mundo globalizado. O gerenciamento estratégico envolve a definição de estratégias com fundamento em uma análise das oportunidades e ameaças do ambiente externo à organização até a análise de seus pontos fortes e fracos como instituição e como departamento, para então definir uma estratégia de ação que traga reconhecimento no mercado e vantagem competitiva para a organização. Embasado nesses pressupostos, o problema de pesquisa do presente trabalho está vinculado ao setor encarregado da internacionalização de uma instituição privada de ensino superior de Curitiba. Apresenta-se assim a seguinte questão problema deste trabalho: as oportunidades de contato internacional, articuladas pelo setor de Relações Internacionais, são percebidas como um diferencial competitivo da instituição de ensino superior “X” de Curitiba? O objetivo do presente trabalho é analisar se a estratégia de internacionalização de uma instituição de ensino superior privada, mediante as oportunidades de contato internacional articuladas pelo setor de Relações Internacionais, é percebida por seus alunos e professores como um diferencial competitivo da organização. A metodologia utilizada neste trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa que, quanto aos fins, pode ser classificada como descritiva e, quanto aos meios, como estudo de caso. A pesquisa foi realizada por técnicas de entrevista focalizada com professores e alunos, bem como por pesquisa documental a dados secundários, como documentos fornecidos pela instituição. Este trabalho busca contribuir de forma empírica para o campo teórico de administração estratégica, englobando internacionalização e vantagem competitiva dentro dos estudos organizacionais, principalmente em relação ao campo relacionado a universidades. 2 GLOBALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO E INTERNACIONALIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA A globalização, segundo Ianni (2004), pode ser considerada a intensificação das relações sociais em escala mundial, ligando localidades distantes de tal maneira que os acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a milhares de quilômetros de distância e vice-versa. Para corroborar essa ideia, Held e McGrew (2001) afirmam que a globalização denota a aceleração e o aprofundamento do impacto dos fluxos e padrões inter-regionais de interação social. Dessa forma, refere-se a uma mudança ou transformação na escala da organização social que liga comunidades distantes e amplia o alcance das relações de poder nas grandes regiões e continentes do mundo. Sobre a data em que a globalização teria começado, vários autores a localizam no século XVI, com o início das Grandes Navegações, da expansão capitalista e da modernidade ocidental. Outros datam a origem em meados do século XX, quando as inovações tecnológicas e comunicacionais passaram a articular os mercados em escala mundial, consolidando-se com o desaparecimento da União da República Socialista Soviética (URSS) e o advento forte do capitalismo. Com o deslocamento dos eixos de poder do mundo, as relações entre os países modificaram-se e, em decorrência, também o papel das instituições de ensino superior dentro das suas próprias nações e entre elas. Nesse contexto, governos, empresas, instituições e pessoas passaram a ter no conhecimento o grande diferencial para planejar o futuro. Assiste-se, assim, à emergência de um novo paradigma econômico-produtivo no qual o fator mais importante não é a disponibilidade de capital, mão de obra, 232 matérias-primas ou energia, mas o uso intensivo do conhecimento. Bernhein (2006) afirma que uma das características da sociedade contemporânea é o papel central do conhecimento em processos produtivos, pois a denominação mais frequente que se costuma atribuir é “sociedade do conhecimento”. Corroborando essa ideia, de acordo com Gottifredi (2002), os analistas observam um aumento na demanda pelo ensino superior no mundo inteiro, tendo em vista que a sociedade do conhecimento exigirá, de maneira crescente, pessoas cada vez mais qualificadas. Como espaço gerador de conhecimento, a universidade tem contribuído para as rápidas transformações tecnológicas, para a evolução dos meios de comunicação e para a velocidade com que circulam as informações, que têm aproximado os povos e têm feito com que as populações tenham acesso muito rápido e direto ao que está ocorrendo nos lugares mais longínquos do globo, gerando um acelerado processo de internacionalização (STALLIVERI, 2002). Percebe-se uma mudança nos paradigmas, que segue na mesma direção da reformulação trazida pela globalização e que caminha lado a lado com a evolução das sociedades. Com o processo de massificação do ensino superior, já que há várias instituições privadas no mercado, foram abertas as portas da universidade para análise de diversos setores da sociedade (TROW, 1970). Assim, estudantes, pais, governo, agências financiadoras de crédito educativo, agências de fomento para pesquisa e o mercado passaram a ser “clientes”, agindo de forma ativa na escolha de instituições de ensino para “comprar” educação, sendo avaliadores dos próximos rumos das universidades. Essa nova situação pode ser ilustrada pela necessidade que os estudantes têm de obter uma experiência acadêmica reconhecida, as exigências do mercado de trabalho por um determinado perfil profissional, a questão das avaliações da qualidade do ensino, os quesitos para garantir financiamento de projetos, bem como credenciamento dos programas e cursos. Dessa forma, apesar da consequente diminuição da autonomia das instituições, uma vez que há vários quesitos a serem preenchidos, como, por exemplo, atividades extensionistas, as atividades de cooperação internacional acabam por garantir à escola uma boa imagem institucional e legitimidade perante a sociedade, o governo e o mercado. Sobre a internacionalização da educação superior, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2006) afirma que mais e mais estudantes optam por estudar no exterior, inscrever-se em programas educacionais estrangeiros, ou simplesmente utilizar a internet para fazer cursos em outros países. Esse crescimento é o resultado de várias forças, mas não mutuamente exclusivas: o desejo de promover entendimento mútuo; a migração de trabalhadores qualificados numa economia globalizada; o desejo das instituições de obter outras fontes de financiamento; a necessidade de construir uma força de trabalho mais qualificada nos países de origem, geralmente nas economias emergentes. Com suporte nessa realidade, ao ingressar no século XXI, o desafio que a universidade deve enfrentar é avançar aceleradamente pelo caminho do crescimento para assegurar coesão social e, ao mesmo tempo, incorporar-se à nova economia baseada em conhecimentos – a sociedade da informação e a cultura global. Atualmente, nenhuma universidade pode subtrair-se das relações internacionais e dos intercâmbios acadêmicos com o estrangeiro. Conforme argumenta Stalliveri (2002), diante do acelerado processo de internacionalização percebido principalmente nas duas últimas décadas e mais efetivamente em nível científico tecnológico, as universidades passam a buscar seu espaço diante desse novo panorama. Trata-se até de uma questão de sobrevivência, ou seja, é necessário internacionalizar para poder competir em níveis de igualdade com as melhores instituições de ensino superior nacionais e estrangeiras. O processo de internacionalização das universidades pressupõe cooperação em todas as suas formas: científica, tecnológica, acadêmica; e em seus diferentes níveis, tanto a cooperação horizontal e vertical quanto bilateral, multilateral, etc., principalmente voltadas para o âmbito da cooperação institucional (STALLIVERI, 2002). Entre as formas de internacionalização universitária, podem ser mencionadas: presença de estrangeiros e estudantes convênios num determinado campus; número e magnitude de concessões de pesquisa internacional, projetos de pesquisas internacionais cooperativas; universidades com metas internacionais; sociedades internacionais envolvendo assistência para universidades estrangeiras; cooperação internacional e colaboração entre escolas, conselhos e faculdades numa determinada universidade, grau de imersão internacional no currículo; aumento de contato com estudantes internacionais e membros de 233 faculdades; estabelecimento, via internet, de campi em outros países, ou oferecimento de contratos de educação a distância; atração de estudantes internacionais, formando colaborações de pesquisa, promovendo cursos de treinamento em outros país, bem como outras relações que a universidade pode estabelecer no meio internacional. Além das diversas formas de internacionalização mencionadas, Gornés (2001) afirma que a cooperação acadêmica se vê como a capacidade que as instituições de educação superior podem desenvolver para relacionar-se com outras instituições acadêmicas, governamentais e sociais, mediante o intercâmbio de produtos acadêmicos (sejam de docência, investigação, extensão, difusão ou serviços acadêmico-profissionais), com a finalidade de empatar necessidades com possibilidades. Com isso, para a universidade, a cooperação acadêmica internacional tem-se revelado de grande importância, tanto no sentido de atualizar professores e alunos como de lhes proporcionar condições de diálogo e trabalho, visando à exploração das fronteiras do conhecimento. Para complementar, segundo Bernhein (2006), cabe aludir ao caráter internacional do conhecimento contemporâneo, porque se os estados têm fronteiras, o conhecimento tem horizontes. De acordo com Stalliveri (2002), oferecer a seus cidadãos a oportunidade de experiências internacionais para que se tornem mais competitivos no mercado global faz parte do papel das instituições que buscam o equilíbrio entre as expectativas regionais e nacionais, por um lado, e os desafios internacionais, por outro. Esses desafios impelem a universidade a revisar e atualizar suas estratégias, a fim de que seus estudantes e seus egressos passem a contar com as competências essenciais, acadêmicas e profissionais, que lhes permitam interagir numa sociedade cada vez mais multicultural e internacional, com rápidas mudanças em seu sistema (Ibid., 2002). As universidades brasileiras, como exemplo, têm desenvolvido papel bastante importante no que diz respeito ao intercâmbio acadêmico. No final dos anos 80 e início dos 90 (século XX), surgiram setores como as assessorias internacionais para se conectar às constantes da globalização. Assim, muitas universidades passaram a ter estrutura para cooperação direta, que até então era privilégio de órgãos oficiais como o governo. Cabe ressaltar que essas ações e serviços de mobilidade acadêmica internacional são organizados e gerenciados pelos departamentos de Relações Internacionais das instituições de ensino. Com esse pressuposto, é necessário ter um planejamento de ação para que sirva como estratégia empresarial e diferenciação para a instituição no mercado educacional atual. 3 ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA E VANTAGEM COMPETITIVA No campo da ciência da Administração, a estratégia ganhou destaque pelo fato de que, com a globalização e o mundo cada vez mais competitivo, as organizações devem superar os desafios das ameaças e oportunidades externas, necessitando, assim, de um guia e orientação estratégica para o rumo que deverá tomar. Ansoff (1990, p. 93) defende que a estratégia, por ele conceituada como “[...] novas regras e diretrizes para a decisão, que orientam o processo de desenvolvimento de uma organização.” Isso antes não era explícito e, por si só, não resulta em qualquer ação imediata ou resultado para a empresa. Nesse sentido, por um lado, a estratégia clara pode gerar coordenação e coerência nas atividades organizacionais; por outro, a estratégica implícita pode ser fonte de vantagem competitiva. A vantagem competitiva surge, de acordo com Porter (1999), de uma compreensão das regras da concorrência, e a meta final é lidar com essas regras e, em termos ideais, modificá-las a seu favor. Em qualquer organização, seja ela doméstica ou internacional, que ofereça um produto ou serviço, as regras para análise da concorrência estão englobadas em cinco forças competitivas: a entrada de novos concorrentes, a ameaça de substitutos, o poder de negociação dos compradores, o poder de negociação dos fornecedores e a rivalidade entre os concorrentes existentes. Na busca da vantagem competitiva, Porter (1999, p. 63) estratégia deve “[...] criar uma posição exclusiva e valiosa, envolvendo um diferente conjunto de atividades.” Dessa forma, o autor não aborda o mérito da estratégia ser explícita ou implícita, mas defende o posicionamento como fonte de estratégia competitiva para enfrentar as cinco forças anteriormente mencionadas, sendo possível três 234 estratégias genéricas: liderança em custo, diferenciação e nicho/enfoque. A seguir são apresentadas de forma esquemática e resumida as principais características de cada uma dessas estratégias genéricas de Porter (1999). 3.1 LIDERANÇA NO CUSTO TOTAL Consiste em atingir liderança no custo total por meio de um conjunto de políticas funcionais voltadas para esse objetivo. Prevê a construção de instalações em escala eficiente, reduções de custo pela experiência, controle rígido do custo e das despesas gerais, minimização de custos em áreas como pesquisa e publicidade. Custo baixo em relação aos concorrentes torna-se o tema central da estratégia, embora a qualidade, assistência e outras áreas não possam ser ignoradas. Podem ser resultados: retornos acima da média, defesa contra a rivalidade dos concorrentes, defesa contra compradores poderosos (só podem baixar preços ao nível do concorrente mais eficiente) e fornecedores poderosos (maior flexibilidade para enfrentar aumentos de insumos), barreiras de entrada (economia de escala, vantagem de custo) e posição favorável em relação aos produtos substitutos de seus concorrentes. Essa estratégia exige alta parcela de mercado, posições vantajosas (por exemplo, acesso favorável a matérias-primas), projeto de produtos para simplificar fabricação, manutenção de uma vasta linha de produtos relacionados para diluir custos, investimento pesado de capital em equipamento atualizado e fixação agressiva de preço. Entre os riscos da aplicação dessa estratégia, estão: a) mudança tecnológica que anula o investimento ou o aprendizado anteriores; b) aprendizado de baixo custo por novas empresas que entrem na indústria ou por seguidores, por meio da imitação ou de sua capacidade de investir em instalações modernas; c) incapacidade de ver a mudança necessária no produto ou em seu marketing em consequência da atenção colocada no custo; d) inflação em custos que estreitam a capacidade de a firma manter o diferencial de preço suficiente para compensar a imagem da marca do produto em relação ao preço dos concorrentes ou outras formas de diferenciação. 3.2 DIFERENCIAÇÃO Consiste em distinguir o produto ou serviço oferecido pela empresa, criando algo que seja considerado único no âmbito de toda a indústria. Isso é possível por meio da aplicação de inovação em projeto ou imagem da marca, tecnologia, peculiaridades, serviços sob encomenda, rede de fornecedores, entre outras ações. Como resultado, pode-se observar: retornos acima da média em uma indústria, isolamento contra a rivalidade competitiva em face da lealdade dos consumidores em relação à marca e menor sensibilidade ao preço, aumento de margens (o que exclui necessidade de posição de baixo custo), facilidade do poder dos compradores e fornecedores (faltam-lhes alternativas comparáveis) e melhor posicionamento em relação aos produtos substitutos. Essa estratégia implica trade-off com a posição de custo, pois as atividades necessárias são caras, como pesquisa extensiva, projeto do produto, materiais de alta qualidade e apoio intenso ao consumidor. Nem todos os clientes estarão dispostos ou terão condições de pagar altos preços. Entre os riscos da aplicação dessa estratégia, estão: a) diferencial de custos entre concorrentes de baixo custo, e a empresa diferenciada torna-se muito grande para que a diferenciação consiga manter a lealdade à marca. Os compradores podem sacrificar, assim, algumas das características, serviços ou imagem da empresa diferenciada em troca de grandes economias de custos; b) necessidade dos compradores em relação ao fator de diferenciação diminui. Isso pode ocorrer à medida que a imitação reduz a diferenciação percebida, e essa é uma ocorrência comum quando a indústria amadurece. 235 3.3 ENFOQUE A estratégia consiste em focalizar determinado grupo comprador, um segmento da linha de produtos ou mercado geográfico. As estratégias de baixo custo e diferenciação visam a toda indústria, e a de enfoque visa atender muito bem ao alvo determinado. Cada política funcional é desenvolvida levando isso em conta. Como resultado há retornos acima da média. Entretanto, essa estratégia implica algumas limitações na parcela total de mercado que pode ser atingido, além de trade-off entre rentabilidade e volume de vendas. Entre os riscos da aplicação dessa estratégia, estão: a) diferencial de custos, entre concorrentes que atuam em todo o mercado e as empresas que adotaram enfoques particulares, se amplia de tal modo que elimina as vantagens de custos de atender a um alvo estreito ou anula a diferenciação alcançada pelo enfoque; b) diferenças nos produtos ou serviços pretendidos entre o alvo estratégico e o mercado como um todo se reduzem; c) concorrentes encontram submercados dentro do alvo estratégico e desfocalizam a empresa que utiliza estratégia de enfoque. Porter (1999) defende que o meio-termo, ou seja, mescla na escolha de uma estratégia pode comprometer o resultado final da empresa de rentabilidade. Além disso, provavelmente sofre de uma cultura indefinida e de um conjunto conflitante de arranjos organizacionais e sistemas de motivação. Assim, torna-se possível que, ao estarem no “meio”, as empresas menores (concentradas em enfoque ou diferenciação) e as maiores (liderança de custo) sejam as com maior rentabilidade e as empresas de porte médio sejam as com menores lucros. Porter complementa que a estratégia e eficiência operacional são essenciais para um desempenho excelente, o que é o objetivo principal de toda e qualquer empresa. Entretanto, para uma organização ultrapassar seus concorrentes deverá preservar uma característica única, que só possível mediante agregação de valor aos consumidores e(ou) criação de valores a custos mais baixos. Como instrumento de diagnóstico da busca de vantagem competitiva, Porter apresenta a cadeia de valor (composta de atividades primária, como logística, operações, marketing e vendas, bem como atividades de apoio, que são: infraestrutura, recursos humanos, tecnologia de informação e aquisição), além de categorizar tipos de escopo competitivo, como de segmento, vertical, geográfico e de indústria. Ainda nesse sentido, Porter propõe uma metodologia de análise da concorrência, sinais do mercado e movimentos competitivos. A tomada de decisão sobre posicionamento determina, além das atividades que a empresa exercerá, como essas atividades irão relacionar-se entre si. De acordo com Porter, se a eficiência operacional visa atingir excelência nas funções individuais, a estratégia visa combinar as atividades, diferenciando a empresa de suas rivais e gerando um sucesso sustentável. Por tratar-se de um mercado globalizado, de acordo com a cadeia de valor de Porter (1985), no livro A vantagem competitiva das nações, o desenho de estratégias internacionais baseia-se na combinação entre a vantagem comparativa dos países e a vantagem competitiva das empresas. Esses dois fatores ajudam a responder a questões: onde a cadeia de valor deve ser quebrada por meio das fronteiras e em qual atividade funcional uma empresa deve concentrar seus recursos. Na cadeia da vantagem comparativa, o ambiente internacional difere do ambiente doméstico por causa de: a) fatores institucionais e culturais que estabelecem fortes barreiras à livre transferência das vantagens competitivas das empresas entre países; b) fatores de custo (salário, matéria-prima, imposição sobre o capital) que se diferenciam de um país para outro. De acordo com Porter (1985), em mercados altamente competitivos, a cadeia de valor é definida em termos da contribuição de cada elo ao custo total e, logo, devem ser localizados os fatores críticos de sucesso. Já em mercados menos competitivos, a cadeia de valor é definida em termos da contribuição de cada elo ao valor de mercado. Assim, torna-se importante mapear os 236 atributos dos produtos mais desejados pelos consumidores, significando redirecionar ativos ou continuar com as competências tradicionais. A seguir, perceber-se-á como essas estratégias genéricas de Porter (1999) em busca de vantagem competitiva podem ser aplicadas no contexto das instituições de ensino superior e, principalmente, em relação à estratégia de internacionalização por intermédio das atividades desenvolvidas pelo setor de Relações Internacionais. 4 VANTAGEM COMPETITIVA E ESTRATÉGIA DE INTERNACIONALIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA As cinco forças e as três estratégias genéricas em busca vantagem competitiva abordadas por Porter (1999) podem ser percebidas no contexto da internacionalização universitária mediante estratégias utilizadas pelas instituições de ensino e atividades desenvolvidas por seus setores de Relações Internacionais em busca de um diferencial competitivo para destacar-se no mercado local e global. Pode-se relacionar o campo universitário com a indústria mencionada por Porter, e, assim, cada universidade, principalmente as privadas, que vêm aumentando em função da massificação do ensino superior (TROW, 1970), devem enfrentar concorrentes para sobreviver no mercado. Dessa forma, ao enfrentar as cinco forças competitivas no campo universitário, conforme será visto mais detalhadamente no capítulo 5 deste trabalho em análise ambiental do setor de Relações Internacionais das instituições de ensino superior localizadas em Curitiba, a estratégia de internacionalização universitária de aliar-se a instituições de ensino no exterior (STALLIVERI, 2002) pode ser considerada uma diferenciação e fonte de vantagem competitiva. Nesse sentido, a estratégia de internacionalização universitária, dentro das estratégias genéricas de Porter (1999), pode ser encaixada tanto como uma estratégia de diferenciação quanto estratégia de enfoque, porque há tanto o diferencial de convênio com o exterior, como pode ser focalizado o país com que serão realizadas parcerias para ações internacionais. No diagnóstico da busca de vantagem competitiva, a cadeia de valor de Porter auxilia para se categorizar tipos de escopo competitivo, como o de segmento e o geográfico. Com isso, pode-se estabelecer o desenho da estratégia internacional com base na combinação de vantagem comparativa dos países com vantagem competitiva da própria universidade. Uma distinção que se pode encontrar de forma mais amena é a questão dos fatores de custo (PORTER, 1985), pois, no caso da internacionalização universitária por meio de convênios com universidades no exterior, esses serão imperceptíveis em comparação com uma empresa que pretende montar uma filial no estrangeiro. Ressalte-se ainda que os fatores institucionais e culturais podem estabelecer tanto barreiras quanto pontes à livre transferência das vantagens competitivas das universidades entre países. Na sequencia deste trabalho, por uma metodologia qualitativa com estudo de caso de alunos de uma instituição privada de ensino superior privada de Curitiba, essa relação entre as forças competitivas e as três estratégias genéricas de Porter (1999) poderão ser observadas na prática do campo universitário. Outra questão a ser analisada é a percepção de vantagem competitiva dessa instituição em função de sua estratégia de internacionalização. 5 METODOLOGIA A presente pesquisa consiste em uma abordagem qualitativa que, de acordo com Creswell (2010), é um meio de explorar e entender o significado que os indivíduos ou grupo atribuem a um problema social. Nesse sentido, é preciso fazer uma interpretação e análise dos significados dados para compreensão de como a realidade é socialmente construída. Conforme Vergara (2007), a pesquisa, quanto aos fins, pode ser classificada como descritiva e, quanto aos meios, como estudo de caso. A pesquisa descritiva expõe características de determinado fenômeno sem o compromisso de explicá-lo, mesmo servindo de base para tal. Já o estudo de caso tem caráter de profundidade e detalhamento. 237 O objeto delimitado ou problema de pesquisa deste trabalho pode ser observado pelo questionamento: as oportunidades de contato internacional, articuladas pelo setor de Relações Internacionais, são percebidas como um diferencial competitivo da instituição de ensino superior “X”, localizada em Curitiba? Para responder essa questão, foram seguidos os seguintes passos: descrição do ambiente do setor de Relações Internacionais das instituições privadas de ensino superior, localizadas em Curitiba; identificação de estratégias competitivas utilizadas pelo setor de Relações Internacionais. Na sequencia, são realizadas as entrevistas sobre se e como a estratégia de internacionalização da instituição de ensino superior privada é percebida pelos alunos e professores da organização. Dessa forma, foi possível alcançar o objetivo de analisar se a estratégia de internacionalização de uma instituição de ensino superior privada, por meio das oportunidades de contato internacional articuladas pelo setor de Relações Internacionais, é percebida como um diferencial competitivo da organização por seus alunos e professores. Segundo Yin (2006), estudo de caso investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, em que múltiplas fontes de evidência são utilizadas. No presente trabalho, as fontes de pesquisa foram entrevistas com os professores e alunos da instituição “X”, selecionados conforme acessibilidade visando à continuidade da pesquisa. Foram entrevistados quatro professores e oito alunos em profundidade. Mencionam-se ainda como fonte de pesquisa os dados secundários: web site e documentos em geral disponibilizados pela instituição e seu setor de Relações Internacionais. Estes dados podem ser somados a uma pesquisa documental ao buscar material que não foi editado, como memorandos e avaliações (MARTINS; THEÓPHILO, 2009). A análise dos dados, principalmente os primários obtidos por técnica de entrevista, é feita por meio da análise de discurso. Esse tipo de análise pressupõe a significação de textos (verbais ou escritos), inseridos em um contexto e em uma história, exibindo propriedades estruturais que são implícitas, intertextuais, transtemporais e transituacionais. Quanto à questão da confiabilidade e validade desta pesquisa, Gibbs (2007 apud Creswell, 2009) afirma que a confiabilidade qualitativa revela que a abordagem do pesquisador é consistente entre diferentes pesquisadores e projetos, e a validade qualitativa significa que o pesquisador verifica a precisão dos resultados empregando alguns procedimentos. Neste trabalho, os procedimentos utilizados para garantir confiabilidade e validação qualitativa foram: verificação da transcrição dos membros para determinar a precisão dos resultados qualitativos; triangulação com diferentes fontes de informação e verificação de possíveis evidências; apresentação das informações negativas ou discrepantes, as quais se opõem à vantagem competitiva ou a afetam negativamente, aumentando a credibilidade do relato (CRESWELL, 2010). Por fim, percebe-se que a metodologia aqui descrita e empregada foi adequada ao permitir o alcance do objetivo geral deste trabalho: compreender como o público-alvo, composto de alunos e professores, percebe as oportunidades de intercâmbio acadêmico e executivo oferecido pelo setor de Relações Internacionais como um diferencial competitivo da instituição. Com isso, pôde-se chegar a um resultado final sobre a percepção de vantagem competitiva mediante a estratégia de internacionalização. 6 ANÁLISE AMBIENTAL DO SETOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR LOCALIZADAS EM CURITIBA Para análise ambiental do setor de Relações Internacionais das instituições de ensino de Curitiba, são descritos a seguir seus concorrentes, assim como especificada a ocorrência das cinco forças competitivas de Porter (1999). 6.1 CONCORRENTES Os concorrentes das instituições privadas de ensino superior de Curitiba, ao levar-se em conta o mundo globalizado e a atuação do setor de Relações Internacionais, não são só as instituições de ensino locais, mas também as globais. Como ponto positivo, para atingir um convênio 238 em âmbito internacional, pode-se mencionar a união, tanto com empresas locais quanto parcerias de cooperação, com instituições estrangeiras e agências de turismo locais. Como pontos fracos, estão: a) concorrentes locais que já possuem convênios internacionais para intercâmbio; b) existência de agências locais especializadas em realizar intercâmbio; c) cursos a distância que são de menor custo que os realizados no exterior. Para acrescentar informação, no quadro 1 segue o número de instituições de ensino superior de Curitiba. Essas instituições são concorrentes diretas do setor de Relações Internacionais porque podem ter um departamento que cuide das questões internacionais e(ou) que ofereça os mesmos produtos e tipos de serviços do setor de Relações Internacionais. QUADRO 1 – INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR POR ORGANIZAÇÃO ACADÊMICA ORGANIZAÇÃO ACADÊMICA Centros Universitários Faculdades Faculdades de Tecnologia Faculdades Integradas Instituto ou Escola Superior Universidades TOTAL NÚMERO DE INSTITUIÇÕES 3 24 13 3 7 5 55 FONTE: INEP/MEC, 2008. Após análise dos concorrentes, segue de forma esquemática análise das cinco forças competitivas de Porter (1999). 6.2 AMEAÇAS DE ENTRADA Para enfrentar e colocar ameaças de entrada, pode-se destacar a diferenciação do produto oferecido pelo setor de Relações Internacionais, como o atendimento customizado e o programa de intercâmbio executivo. A customização dos programas de intercâmbio os torna únicos e de acordo com o desejo do cliente, fazendo com que seja um diferencial no mercado competitivo de viagens internacionais, tanto por instituições quanto por agências de turismo. 6.3 INTENSIDADE DA RIVALIDADE DOS CONCORRENTES A rivalidade dos concorrentes é intensa quando os clientes não estão em busca de cursos no exterior, porque os cursos que o setor de Relações Internacionais oferece são customizados, o que demanda um valor a ser pago. Logo, esse valor torna a viagem mais cara do que somente um pacote oferecido por uma agência de tujrismo ou de intercâmbio local. Dessa forma, é difícil concorrer com cursos não tão atraentes ou então com destinos que sejam mais comuns nas agências de turismo. 6.4 PRESSÃO DE PRODUTOS SUBSTITUTOS Em relação à intensidade de concorrentes, os programas de intercâmbio realizados em destinos mais acessíveis e comuns, como Estados Unidos, concorrem fortemente com viagens de turismo a esse país, reduzindo o retorno potencial de clientes para o programa de intercâmbio. A 239 ameaça tornar-se-á maior quanto melhor for a alternativa preço-desempenho dos produtos substitutos, ou seja, se o curso for muito caro e não for altamente interessante, os clientes preferirão pagar por um pacote de turismo a viajar para conhecer o lugar em função do programa de intercâmbio. 6.5 PODER DE BARGANHA COMPRADORES Para barganhar com seus clientes, compradores dos produtos do setor de Relações Internacionais, uma alternativa encontrada são os descontos oferecidos para grupos de interessados/participantes de cursos no exterior, porque quanto maior o número de pessoas maior será a economia de escala para as ações do setor de Relações Internacionais. 6.6 PODER DE BARGANHA FORNECEDORES É relevante para que o setor de Relações Internacionais possa oferecer oportunidades de intercâmbio acadêmico com menor valor para seus consumidores. Dentre os fornecedores destacam-se tanto instituições no exterior quanto agências de turismo e assessoria para vistos. Em relação às instituições estrangeiras, o poder de barganha das instituições privadas de ensino ainda é baixo, pois para realizar um curso deve-se pagar um determinado valor para a instituição. Já em relação às agências de turismo, o poder de barganha aumenta com a realização de cotação com diferentes agências, bem como quando se realiza parceira com determinada agência que oferece um valor de custo-benefício superior. As agências de intercâmbio geralmente se encarregam de passagens aéreas, hospedagem e traslados para os intercâmbios executivos. No próximo item, serão descritas e analisadas as estratégias do setor de Relações Internacionais para desenvolver ações de âmbito internacional com o intuito de, na sequencia, observar se e como o setor de Relações Internacionais é percebido pelo público da instituição “X” como um diferencial competitivo no mercado local, nacional e global. 7 IDENTIFICAÇÃO DE ESTRATÉGIAS COMPETITIVAS UTILIZADAS PELO SETOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Como parte da estratégia de internacionalização buscando vantagem competitiva, as principais atividades que foram e estão sendo efetuadas pelo setor de Relações Internacionais da instituição privada de ensino superior “X” estão relacionadas às práticas de intercâmbio acadêmico e executivo, pois, ao unir esforços com instituições estrangeiras, é possível oferecer formação e visão internacional aos professores, alunos e membros de empresas parceiras da instituição. Além dessa atividade principal, devem ser destacadas as atividades táticas e operacionais, como, por exemplo, a elaboração de material institucional em línguas estrangeiras (inglês e espanhol), principalmente para realizar contatos com organizações do exterior, e de material burocrático como minutas modelos de acordos de cooperação para convênios com instituições estrangeiras. Ainda outra forma de atuação operacional com vistas na estratégia de internacionalização é a participação e realização de eventos de caráter internacional, seja levando professores e alunos ao exterior, seja trazendo professores de renome para palestras na instituição. Essas atividades e seu caráter estratégico, tático e operacional podem ser percebidas no quadro 2 a seguir. 240 QUADRO 2 – ATIVIDADES DO SETOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E SEU CARÁTER ESTRATÉGICO, TÁTICO E OPERACIONAL NÍVEL ATIVIDADES DO SETOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS estratégico intercâmbio acadêmico e executivo participação em redes universitárias e organizações internacionais tático estabelecimento de parcerias e convênios de cooperação internacional participação em eventos de caráter internacional operacional material institucional em inglês e espanhol divulgação vínculos que a instituição possui com o exterior orientação sobre trâmites burocráticos e choque cultural comissão e material de recepção de estrangeiros Já analisando, de acordo com as três estratégicas genéricas de Porter (1999) na busca de vantagem competitiva, infere-se que foi e é realizada a estratégia de enfoque. Essa identificação surge tanto do contexto da análise ambiental do setor de Relações Internacionais da instituição de ensino superior “X” quanto de suas atividades e público atingido. A estratégia de enfoque fica mais perceptível ao se analisar que o setor de Relações Internacionais procura satisfazer as necessidades de clientes especializados, como é o caso dos professores e alunos que realizam e têm interesse em realizar intercâmbio por meio de produtos e serviços altamente diferenciados, tendo uma demanda de mercado, apesar de baixa, constante e com determinação de preços altos. Nesse sentido, a estratégia de internacionalização com enfoque no produto intercâmbio acadêmico e executivo prevê, para ser competitiva, atingir o ideal de venda e diferenciar-se dos concorrentes com um curso em um destino inovador para um público seleto que reconhece o valor de uma experiência internacional e está disposto a pagar o preço justo, mesmo acima do valor ofertado no mercado, por não ser tão sensível a preço dos produtos, mas mais sensível à qualidade e diferenciação do curso/programa internacional que irá realizar. Ainda sob o ponto de vista das teorias de Porter (1999), pode-se identificar, dentro da estratégia genérica de enfoque, a diferenciação vinculada à estratégia de internacionalização, como, por exemplo, no posicionamento de diferenciação, em função da customização e da flexibilidade dos programas de intercâmbio internacionais. Dentre as facilidades e benefícios da flexibilidade e customização, destacam-se a possibilidade de ingresso no curso no decorrer do ano, ou seja, o aluno pode realizar seu intercâmbio em qualquer mês do ano; a flexibilidade na grade do curso, isto é, o aluno escolhe as disciplinas que vai cursar durante intercâmbio; a flexibilidade financeira para efetuar pagamento parcelado. Além disso, em relação à estratégia de internacionalização da instituição privada de ensino superior “X”, pode-se mencionar o aproveitamento da carga horária realizada no exterior nos cursos da instituição. Assim, tem-se o fato de que dois alunos, por mais que tenham feito os mesmos cursos acadêmicos formais, poderão ter currículos diferenciados ao adicionarem uma experiência customizada de aprendizagem no exterior. Por fim, quando a estratégia de internacionalização da instituição de ensino superior “X” estiver legitimada, tanto no ambiente local quanto nacional e internacional, ela então poderá partir para um passo de maior planejamento financeiro, estabelecendo uma filial no exterior para obter maior reconhecimento e competitividade no mercado. 8 PERCEPÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DO SETOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COMO VANTAGEM COMPETITIVA Pelas entrevistas realizadas com professores e alunos da instituição de ensino superior “X” pôde-se realizar uma análise de discurso e perceber que todos pensam ser importante a realização de intercâmbio internacional. Na fala de um dos alunos que já foi intercambista, percebe-se o valor 241 que ele dá ao produto intercâmbio. Infere-se que é uma percepção de vantagem competitiva, tanto do setor de Relações Internacionais quanto da instituição de ensino superior “X”, por oferecer essa oportunidade: “É uma experiência única, tanto no mundo acadêmico como no mundo dos negócios, e faz com que o participante expanda sua visão de mundo e cultura, o que atualmente é algo muito valioso.” Esse mesmo discurso da importância do produto intercâmbio também fica perceptível na fala de outro aluno, que ainda não foi intercambista: “É uma experiência para desenvolver várias habilidades, tais como aperfeiçoar outro idioma, ter contato com outras culturas, fazer novas amizades, conhecer outros países, expandir horizontes e aumentar rede de relacionamento.” Quanto à oportunidade de realização de intercâmbio, por acreditarem ser de importância pessoal e profissional, os professores e alunos expuseram em suas falas o desejo de participar, tanto de intercâmbio acadêmico quanto executivo. Percebe-se assim que, independentemente da já realização ou não de intercâmbio pelo setor de Relações Internacionais da instituição “X”, esse é um produto de valor e pode ser considerado como fonte de vantagem competitiva da organização. Entre os objetivos de intercâmbio, alguns alunos expõem seus interesses pessoais, como, por exemplo, “[...] com objetivo de adquirir novas experiências e conhecimentos para meu papel de empresário, com o objetivo de aplicar em meus negócios.” Já o professor acrescenta que: “Se a posição profissional da pessoa não permite uma visão globalizada, acredito que o intercâmbio acadêmico será importante para aprimorar os conhecimentos referentes a determinados assuntos, conhecer uma nova cultura e observar melhores práticas acerca de determinado processo.” Ao questionar os objetivos da realização de intercâmbio, pode-se inferir então que a uma resposta para o mesmo ser considerado como um diferencial competitivo, tanto para o aluno e professor no mercado profissional quanto para a instituição de ensino superior “X” em relação às demais instituições de ensino de Curitiba que não oferecem esse produto. Essa última afirmação tem uma justificativa clara quando os entrevistados são questionados quanto à escolha de realizar curso na instituição privada de ensino superior “X”, pois nas respostas foram mencionados diferenciais e posicionamento que a escola oferece, e, de acordo com alguns alunos, o fato de oferecer intercâmbio internacional foi um fator que influenciou a escolha de estudar na instituição. Um aluno acrescenta que o setor de Relações Internacionais “[...] com certeza é um argumento importante na hora de escolher a instituição, mas deve estar bem claro no site, no folder e outras propagandas da escola.” Quanto ao conhecimento do setor de relações internacionais da instituição privada de ensino superior “X”, alguns alunos o conhecem e deram sua opinião a respeito, como, por exemplo: “Acredito que, apesar das dificuldades de conseguir um grupo grande para intercâmbios, o núcleo deve continuar a promover as relações internacionais, a fim de firmar-se como um diferencial da instituição privada de ensino superior “X” e conseguir parcerias cada vez mais importantes.” Dessa forma, percebe-se que, em função da importância dada e já reconhecida da realização de intercâmbio acadêmico e executivo internacional, a divulgação do setor de Relações Internacionais pode ser considerado um fator importante no momento de escolha de instituição para matricular-se em uma graduação ou pós-graduação. Conclui-se assim que, ao divulgar a existência e as ações do setor de Relações Internacionais, esse pode servir como uma vantagem competitiva para a instituição privada de ensino superior “X” perante seu público de interesse e, principalmente, os potenciais alunos da instituição. 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS Para alcançar o objetivo do presente artigo, que se propõe analisar se a estratégia de internacionalização de uma instituição privada de ensino superior é percebida como um diferencial competitivo da organização por seus alunos e professores, foi utilizada a metodologia de pesquisa qualitativa descritiva com estudo de caso. Ao abordar o referencial teórico das cinco forças competitivas e das estratégias genéricas de Porter (1999) em busca de vantagem competitiva no campo universitário e não na indústria, foi 242 possível perceber que, apesar das diferenças de setor, as forças competitivas existem e que podese escolher e aplicar uma estratégia genérica para diferenciação organizacional. Nesse sentido, a estratégia de internacionalização universitária, dentro das estratégias genéricas de Porter (1999), pode ser encaixada tanto como uma estratégia de diferenciação quanto estratégia de enfoque, porque há tanto o diferencial de convênio com o exterior como pode ser focalizado o país com que serão realizadas parcerias para ações internacionais. Conclui-se assim que, com pressuposto no exposto ao longo deste trabalho, a estratégia de internacionalização da instituição de ensino superior “X” de Curitiba, realizada por meio de atividades de seu setor de Relações Internacionais, é percebida como uma fonte de vantagem competitiva organizacional por seus alunos e professores. Quanto às recomendações para as instituições privadas de ensino superior, sugere-se continuar a explorar a estratégia competitiva porteriana de enfoque para o melhor reconhecimento do setor de Relações Internacionais pelo público da organização. Seguindo essa estratégia focalizada, o serviço de programas de intercâmbio internacional oferecido pela instituição deve ser considerado por seus clientes como diferenciado no âmbito do mercado local. Como resultados, esperam-se isolamento contra a rivalidade competitiva em função da lealdade dos consumidores em relação à marca e menor sensibilidade ao preço e melhor posicionamento em relação aos produtos/serviços substitutos. Para finalizar, ressalta-se que a internacionalização de instituições universitárias é considerada como um princípio para a melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa. Logo, criamse as condições necessárias para o desenvolvimento dos países. Sendo assim, a realização deste trabalho, bem como a de outras pesquisas envolvendo a internacionalização das instituições de ensino, pode ser considerada como mais uma contribuição para o desenvolvimento da educação não só localmente, mas também na rede globalizada da educação, proporcionando aprimoramento intelectual e desenvolvimento de novas tecnologias e qualidade de vida no mundo. REFERÊNCIAS BERNHEIN, Carlos Tünnermann. La autonomia universitária frente al mundo globalizado. Universidades, n. 31, p. 17-40, jan./jun. 2006. CASTELLS, M. A sociedade em rede: a era de informação – economia, sociedade e cultura. Porto Alegre: Paz e Terra, 1999. CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. GORNÉS, Luis Nuñez. Por qué cooperación acadêmica? Cooperación Acadêmica, v. 1, n. 1, abr. 2001. GOTTIFREDI, Juan Carlos. A universidade latino-americana frente aos desafios do mundo atual. In: PANIZZI, Wrana Maria (Org.). 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Porto Alegre: Bookman, 2006. 244 245 NORMAS EDITORIAIS 246 NORMAS EDITORIAIS A Administração de Empresas em Revista, publicação oficial do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), de circulação nacional e internacional, com periodicidade anual, destina-se à veiculação de artigos científicos e resenhas, frutos das atividades de pesquisas, leituras e discussões acadêmicas relativas a todos os assuntos de relevância para a área de Administração tanto de micro, pequena, média ou grande Empresa, em diálogo interdisciplinar. Sua principal vocação é agregar valor científico ao debate sobre os temas relacionados à Administração de Empresas, trazendo a contribuição de trabalhos vinculados a programas de graduação e pós-graduação do Brasil e do exterior. Visando à qualificação dos debates e tendo em vista o projeto de inserção da Revista no sistema Qualis, da CAPES (órgão oficial do Ministério da Educação brasileiro), rege-se a publicação pelas normas editoriais a seguir, para a elaboração, a apresentação e a análise de textos, propostas pela Editoria da Revista e aprovadas pela Comissão Editorial Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). 1) Só veicula artigos inéditos, os quais deverão contribuir para a compreensão da Administração de Empresas. Deverão ser enviados à Editoria da Revista, em meio eletrônico (arquivos para o seguinte endereço: [email protected]), conforme datas a serem estipuladas anualmente nas chamadas de artigos para a Revista. 2) Todos os artigos devem apresentar a seguinte estrutura: a) como elementos pré-textuais – título (em FONTE tamanho 14, em negrito e centralizado, com versões em inglês e em algum outro idioma de caráter internacional) seguido, à direita, da identificação da autoria e das credenciais desta (nomes completos de autores e co-autores, titulações, vínculos institucionais e atividades profissionais atuais), menção às subvenções recebidas, apoios e financiamentos, sumário (contendo os tópicos em que se divide o artigo, logo abaixo do título e dos nomes dos articulistas), resumo e palavraschave em língua vernácula, resumo e palavras-chave em inglês e resumo e palavraschave em outra língua estrangeira; b) como elementos textuais – introdução, desenvolvimento e conclusão; c) como elementos pós-textuais – lista de referências (somente as obras efetivamente citadas no texto deverão aparecer nas referências). 3) Os trabalhos para a seção “Artigos Científicos” deverão ter entre 10 e 25 páginas e ser digitados em Word 7.0 ou versão mais atualizada, formato do papel A4, FONTE arial tamanho 12 e com espacejamento 1,5 entre as linhas, para o texto normal; para as citações diretas de mais de três linhas, notas de rodapé, paginação e legendas de ilustrações e tabelas, o tamanho da FONTE passa a ser o 10, e o espacejamento, simples. 4) As páginas devem apresentar margem esquerda e superior de 3 cm, direita e inferior de 2 cm, e as citações diretas de mais de três linhas devem ser destacadas em parágrafo próprio com recuo de 4 cm da margem esquerda e sem aspas. 247 5) No texto, as citações devem ser indicadas pelo sistema de chamada autor-data (exemplo: WARAT, 1985, p. 30), o qual admite somente notas de rodapé explicativas. 6) As referências bibliográficas devem vir em lista única ao final do trabalho, ordenadas pelo sistema alfabético, digitadas em espaço simples, separadas entre si por espaço 1,5. 7) As locuções em língua estrangeira e destaques deverão ser redigidos em itálico. 8) Todos os textos devem seguir as demais normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) sobre citações e notas de rodapé, referências em documentos e outras especificidades (ver, notadamente a NBR 14724, a NBR 10520 e a NBR 6023, todas de agosto de 2002). 9) Os artigos (de ambas as seções) deverão ter suas introduções antecedidas por resumos em português e correspondentes em inglês (abstract) e em mais um idioma de divulgação internacional que não o do próprio texto (résumé, resumen, riassunto, resumo etc.) de até 10 linhas, bem como de 3 a 6 palavras-chave também com as correspondentes em inglês (keywords) e em mais um idioma de caráter internacional que não o do próprio texto (mots clés, palabras clave, parole-chiave, palavras-chave etc.), para fins de adequada indexação. 10) As colaborações para a seção “Resenha” deverão conter de 2 a 5 páginas, enquadrar-se na temática do número da Revista e versar sobre obra clássica, ainda não publicada no Brasil ou muito recente, desde que tenha impacto na temática da Revista, nada obstando que a obra reúna mais de uma dessas características 11) Artigos científicos e resenhas não poderão ser assinados por meio de pseudônimos. A identificação da autoria das resenhas segue os mesmos requisitos da dos artigos. 12) Tanto no caso de artigos quanto no de resenhas, os autores ou co-autores deverão encaminhar seus trabalhos com ofício datado, contendo a declaração de ineditismo do texto, além dos seguintes dados: título do trabalho, nomes completos, endereços completos (inclusive os eletrônicos) e telefones. Deverão ainda veicular a autorização para a publicação e a cedência formal dos direitos de publicação, pelo preenchimento e anexação da Ficha de Autorização de Publicação de Obra Intelectual, disponível em www.unicuritiba.edu.br, link Núcleo de Pesquisa → Publicações → Revista de Relações Internacionais no Mundo Atual. 13) A permissão para o uso de ilustrações, imagens, tabelas, etc., extraídas de outras publicações, bem como quaisquer outras licenças ou aprovações perante entidades detentoras de direitos autorais, é de plena responsabilidade dos autores dos artigos e das resenhas. 14) Os artigos ou resenhas internacionais redigidos em espanhol deverão ser encaminhados e serão publicados em seu idioma original, caso em que, além dos resúmenes e palabras clave traduzidos em inglês, poderão também ter esses correspondentes em língua portuguesa. 14.1) Artigos ou resenhas internacionais redigidos em outros idiomas, que não o espanhol, deverão ser encaminhados nos idiomas originais e terão tradução para o vernáculo (publicação bilíngue). 14.2) Artigos ou resenhas escritos por acadêmicos somente serão recebidos para análise se apresentados em co-autoria com professores orientadores de projetos de pesquisa, de extensão, de 248 trabalhos de conclusão de cursos de graduação ou de pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado). 15) A publicação das colaborações recebidas estará condicionada à avaliação do Conselho Científico da Revista e de eventuais avaliadores ad hoc, que poderão aprová-las na íntegra, sugerir alterações ou recusá-las definitivamente. 16) A Editoria da Revista enviará correspondência eletrônica confirmando o recebimento dos trabalhos, bem como a lista daqueles que forem selecionados para a respectiva publicação. 17) A Editoria da Revista poderá executar, com ou sem recomendação do Conselho Científico e dos avaliadores ad hoc, pequenas alterações de caráter meramente formal nos textos recebidos, de modo a adequá-los aos padrões da ABNT, não sendo admitidas modificações de estrutura, conteúdo ou estilo, sem o prévio consentimento dos autores. 18) Os autores de artigos e resenhas aprovados para publicação com sugestões de alterações (correções de linguagem, adequações à ABNT etc.) por parte dos avaliadores ou da Editoria da Revista serão contatados pela Instituição para realizá-las e, depois disso, emitir nova autorização de publicação. A Editoria pode recusar a publicação dos artigos ou das resenhas em relação aos quais foram feitas ressalvas pelos avaliadores, caso essas não tenham sido consideradas pelos respectivos autores. 19) É o Conselho Editorial, integrado por membros dotados de maturidade científica e senioridade em pesquisa, representantes de mais de um Estado da Federação brasileira e futuramente de alguns países, que auxilia a Editoria na definição do projeto editorial (temática) de cada número da Revista e na resolução de dúvidas a ele pertinentes. 20) É o Conselho Científico, composto pelos professores do Curso de Administração de Empresas do UNICURITIBA e de alguns convidados externos, que auxilia a Editoria da Revista tanto na revisão dos artigos recebidos (Ficha de Avaliação de Artigos) e na indicação de avaliadores ad hoc (internos ou externos à Instituição), quando necessário, como na captação de artigos conforme as temáticas da Revista. Na avaliação dos artigos serão mantidas em sigilo suas autorias. 21) A Revista adota uma política de combate à endogenia, seguindo as diretrizes da CAPES, no sentido de que seja o menor possível o número de artigos publicados de autoria de professores da própria Instituição. 22) A publicação não implica nenhuma espécie de remuneração, somente cabendo aos autores de artigos e resenhas o encaminhamento, gratuito, de 3 (três) exemplares do número da Revista em que tiver sido veiculada sua colaboração, havendo também o encaminhamento de 1 (um) exemplar para cada membro dos conselhos e aos revisores ad hoc. Curitiba, 09 de dezembro de 2010. COMISSÃO EDITORIAL e EDITORIA DA REVISTA