administração de empresas em revista

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administração de empresas em revista
ADMINISTRAÇÃO DE
EMPRESAS EM
REVISTA
ENTIDADE MANTENEDORA:
ADMINISTRADORA EDUCACIONAL NOVO ATENEU
ISSN 1676-9457
Administração de Empresas em Revista
Curitiba
a. 9
n. 10
p. 1-248
2010
2
EXPEDIENTE
ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS EM REVISTA é uma publicação do UNICURITIBA
Endereço: Rua Chile, 1.678 – CEP 80220-181 – Curitiba, PR – Brasil
Telefone: (41) 3213-8700
Site: www.unicuritiba.edu.br
E-mail: [email protected]
UNICURITIBA
Reitor Acadêmico: Rainer Czajkowski
Pró-Reitor Administrativo: Jamil Abdanur Júnior
Comissal Editorial: Cristina Luiza C. Surek, Isaak Newton Soares, Marlus Vinicius Forigo, Nilson Cesar Fraga,
Fábio Tokars e Fabiano Pucci.
Revisão: Antonio Carlos Amaral Lincoln
Diagramação: Tatiane Andrade de Oliveira
Impressão: Administradora Educacional Novo Ateneu (AENA)
Tiragem: 400 exemplares
Data: 2010
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca do Centro Universitário Curitiba
Administração de empresas em revista / UNICURITIBA – Centro Universitário
Curitiba. – A.1, n. 1 (2002) . - Curitiba: UNICURITIBA, 2002 - .
24 cm.
Anual.
A partir do ano 3, n. 3, 2004, a revista sofreu reformulações quanto à
padronização.
ISSN 1676-9457
1. Administração – Periódicos. 2. Administração de empresas – Periódicos.
I. UNICURITIBA.
CDD (21. ed.) – 658.05
3
CONSELHO CIENTÍFICO
Cláudio José Luchesa
Edson Ademir Mantovan
Glávio Leal Paura
João Gustavo da Silva Freire Ritter
Marcelo Fassina
Marlus Vinicius Forigo
Luciano Kingeski
Mônica de Faria Mascarenhas e Lemos
Patrícia Tendolini Oliveira de Melo
CONSELHO EDITORIAL
Ana Paula Celso de Miranda (FBV)
Andreia Marize Rodrigues (FCAV-UNESP)
Antonio Gonçalves de Oliveira (UTFPR)
Edelvino Razzolini Filho (FCSA/UTP)
Fernando António Gimenez (PUCPR)
Ivan Carlos Vicentim (UFTPR)
José Augusto Guagliardi (FEA/USP)
Lucia Izabel Czerwonka Sermann (FAE)
Marcelo Giroto Rebelato (FCAV-UNESP)
Maria Henriqueta Sperandio Garcia Gimenes (UFPR)
Olga Maria Coutinho Pepece (UEM)
Paulo Muller Henrique Prado (UFPR)
Pedro José Steiner Neto (UFPR)
Renato Zancan Marchetti (PUCPR)
EDITOR
Isaak Newton Soares
COORDENADOR EDITORIAL
Nilson Cesar Fraga
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5
APRESENTAÇÃO
Entregamos à comunidade acadêmica brasileira a nova edição de Administração de
Empresas em Revista, o que se torna um amplo espaço para discussão das mais diferentes e
dinâmicas vertentes da pesquisa, do conhecimento e da prática administrativas no País.
Publicar um periódico em Administração é sempre um desafio, em função da pluralidade de
seus assuntos, construtos, experiências administrativas, além, é claro, das inúmeras possibilidades
na aplicação de métodos de pesquisa e análise.
Nesta edição, serão encontrados diferentes tipos de pesquisa, por meio de uma
diversificação de métodos, como no caso da pesquisa documental avaliando distintas formas de
fusões e aquisições. O método de estudo de caso é visto na análise da cultura organizacional da
empresa Natura – o uso de métodos quantitativos para a validação de escala no comportamento de
uso de serviços fisioterapêuticos. São observadas as técnicas qualitativas, como as utilizadas na
análise da adaptação estratégica do Senac do Estado de Santa Catarina, entre tantas outras
aplicadas nos demais trabalhos.
Em termos de pluralidade de assuntos, pode-se garantir que as várias áreas da
Administração estão nesta edição: assuntos relativos à área de Produção & Qualidade, como no
trabalho que analisa a integração de ferramentas de melhoria contínua; estudo sobre o impacto do
Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Hábitat (PBQP-H), em empresas do setor de
Construção Civil, na cidade de Londrina (PR); temas referentes à Mercadologia, como o de serviços,
por meio do trabalho que analisa as escolhas estratégicas operacionais dos clientes de um hotel da
região das Missões (RS); endomarketing, em que outro trabalho analisa a aplicação das ferramentas
desses construtos em uma revenda autorizada de veículos, em Curitiba (PR).
A área de RH tem um artigo bem pertinente, tratando da dimensão estratégica do
Recrutamento e Seleção. Pela área de Finanças, apresenta-se o trabalho sobre a comparação entre
a estrutura de capital e os níveis de governança corporativa. Na área de Estratégia, conta-se com o
trabalho de análise da estratégia de internacionalização em um curso de graduação em Relações
lnternacionais. E, ainda, o assunto Planejamento é discutido pela óptica do desenvolvimento urbano.
Destacam-se dois trabalhos referentes a Competências Organizacionais. No primeiro, os
autores fazem uma rica discussão, reforçada em uma pesquisa qualitativa, sobre a ligação entre as
competências individuais e as organizacionais. No outro trabalho, as competências individuais e
organizacionais são vistas dentro do modelo de gestão da empresa Volvo do Brasil.
Diferentes tipos de organizações, sejam pequenas ou grandes, privadas ou públicas,
comerciais ou educacionais, são analisadas neste periódico. É o caso do trabalho sobre a gestão
financeira em prefeituras brasileiras, depois da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Como editor, agradeço a todos os autores, revisores, conselheiros e Reitoria do
UNICURITIBA, por acreditarem neste “produto de ampliação de conhecimento”, com o título de
Administração de Empresas em Revista.
Boa leitura.
Isaak Newton Soares
EDITOR
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SUMÁRIO
DESENVOLVIMENTO E VALIDAÇÃO DE UMA ESCALA DE AVALIAÇÃO
DA QUALIDADE PERCEBIDA E DAS ATITUDES E INTENÇÕES
COMPORTAMENTAIS DE CLIENTES DE SERVIÇOS DE FISIOTERAPIA
Flávio Henrique Furtado Vieira, Gustavo Quiroga Souki,
Mário Teixeira Reis Neto e Cid Gonçalves Filho ............................................................................... 11
UMA PROPOSTA DE INTEGRAÇÃO ENTRE FERRAMENTAS
PARA A MELHORIA CONTÍNUA
Marcelo Giroto Rebelato,Cláudia Meloni e Andréia Marize Rodrigues ............................................. 25
OPERAÇÕES PROBLEMÁTICAS DE FUSÕES E AQUISIÇÕES
Roberto Minadeo ............................................................................................................................... 45
ESCOLHAS ESTRATÉGICAS OPERACIONAIS DE UM
HOTEL DA REGIÃO DAS MISSÕES COMO FATOR
DE EXCELÊNCIA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
Paula Maines da Silva ....................................................................................................................... 65
COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS E COMPETÊNCIAS
ORGANIZACIONAIS: PROPOSIÇÃO DE UMA LÓGICA
DE ACONTECIMENTO SIMULTÂNEA E CONCOMITANTE
Luciano Munck e Rafael Borim de Souza .......................................................................................... 75
DIMENSÃO ESTRATÉGICA DO RECRUTAMENTO
E SELEÇÃO DE PESSOAL
Maria Lúcia Simas Paulino ................................................................................................................ 95
SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE NA CONSTRUÇÃO
CIVIL: UM ESTUDO COM BASE NA EXPERIÊNCIA DO
PBQP-H EM EMPRESAS CONSTRUTORAS DA CIDADE
DE LONDRINA
Ulysses Amarildo Januzzi e Cristiane Vercesi ................................................................................. 111
COMPARAÇÃO ENTRE ESTRUTURA DE CAPITAL
E NÍVEL DE GOVERNANÇA
Thaís Cristine Ripka, Luiz Fernando Berbetz Martins
e Ana Paula Mussi Szabo Cherobim ................................................................................................ 131
PLANEJAMENTO A LONGO PRAZO:
PARADIGMAS DA COMPOSIÇÃO DOS
PLANOS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL
Fernando Simas e Nilson Cesar Fraga ........................................................................................... 143
8
ADAPTAÇÃO ESTRATÉGICA EM INSTITUIÇÃO DE
ENSINO: ESTUDO DA TRAJETÓRIA DO SENAC
DE SANTA CATARINA
Alexsandro Heleodoro Silveira, Gabriela Gonçalves
Silveira Fiates e André Luiz da Silva Leite ...................................................................................... 155
GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA NOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS DE PORTE MÉDIO DEPOIS DA LRF
Willson Gerigk, Ademir Clemente, Marinês Taffarel ........................................................................ 173
GESTÃO DO CONHECIMENTO E CULTURA
ORGANIZACIONAL: ESTUDO DE CASO
SOBRE A NATURA COSMÉTICOS S.A.
Antonio Roberto da Costa ................................................................................................................ 191
ANÁLISE DO ENDOMARKETING DE UMA
EMPRESA DE REVENDA DE VEÍCULOS
PELO DO MÉTODO SERVQUAL
Eduardo dos Santos Simões, Gíllian Fernanda Geremia,
Keilla Suzan Farinacio e Isabella Andreczevski Chaves .................................................................. 201
REFORMULAÇÃO NO MODELO DE GESTÃO
POR COMPETÊNCIAS NA VOLVO DO BRASIL
Tatiane Luzia Bora e Diego Maganhotto Coraiola ........................................................................... 213
PERCEPÇÃO DE VANTAGEM COMPETITIVA
ORGANIZACIONAL ATRAVÉS DA ESTRATÉGIA
DE INTERNACIONALIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA
Larissa Cristina Dal Piva e Cleverson Cunha .................................................................................. 229
NORMAS EDITORIAIS .................................................................................................................... 245
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11
DESENVOLVIMENTO E VALIDAÇÃO
DE UMA ESCALA DE AVALIAÇÃO
DA QUALIDADE PERCEBIDA E DAS
ATITUDES E INTENÇÕES
COMPORTAMENTAIS DE CLIENTES
DE SERVIÇOS DE FISIOTERAPIA
FLÁVIO HENRIQUE FURTADO VIEIRA
Mestre em Administração
Centro Universitário de Lavras - UNILAVRAS
GUSTAVO QUIROGA SOUKI
Doutor em Administração
Centro Universitário UNA
MÁRIO TEIXEIRA REIS NETO
Doutor em Administração
Centro Universitário UNA
CID GONÇALVES FILHO
Doutor em Administração
Universidade Fumec
12
RESUMO
Existem diversas escalas para avaliação da qualidade percebida por clientes de serviços na área de
saúde, disponíveis na literatura técnico-científica. Entretanto, são raras as escalas desenvolvidas
especificamente para avaliar serviços de fisioterapia. Além disso, a percepção dos clientes e exclientes de serviços de fisioterapia em relação às atitudes e intenções comportamentais tem sido
pouco contemplada em tais instrumentos. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho foi desenvolver e
validar uma escala de avaliação da qualidade percebida, atitudes e intenções comportamentais em
serviços de fisioterapia. Foi realizado um levantamento do tipo survey envolvendo 412 clientes que
estavam em tratamento, que abandonaram o tratamento ou que haviam concluído o tratamento. A
análise fatorial identificou nove fatores relacionados à qualidade percebida: relacionamento,
funcionários, infraestrutura e equipamentos, autointeresse, comunicação do fisioterapeuta com os
clientes, horários de atendimento, marca e tradição, qualificação profissional do fisioterapeuta e
comodidade. Foram realizados testes para verificar a consistência interna e utilizadas técnicas de
análise fatorial confirmatória para validação da escala. A escala desenvolvida neste estudo
apresentou níveis adequados de confiabilidade e validade convergente e discriminante.
Palavras-chave: qualidade da assistência à saúde, satisfação do paciente, fisioterapia, atitudes e
pesquisa comportamental.
ABSTRACT
There are different scales for assessing the quality perceived by customers in health services
available in technical and scientific literature. However, few of them have been developed specifically
to evaluate physiotherapy services. Moreover, the perception of customers and former customers of
physiotherapy services about their attitudes and behavioral intentions have been little considered in
such instruments. In this sense, the objective of this study was to develop and validate a scale of
perceived quality and attitudes and behavioral intentions in physiotherapy services. A survey
research was conducted involving 412 clients who were in treatment, have left the treatment or who
had completed the treatment. The factor analysis has identified nine factors related to perceived
quality: relationship, staff, infrastructure and equipment, self-interest, communication between
physiotherapist and customers, schedule, mark and tradition, professional qualification of the
physiotherapist and comfort. Tests were run in order to verify the internal consistency and
confirmatory factorial analysis techniques were used for validation of the scale. The developed scale
in this study presented adequate levels of reliability and convergent and discriminating validity.
Keywords: quality of health care, patient satisfaction, physical therapy, attitudes and behavioral
research.
13
1 INTRODUÇÃO
A avaliação da qualidade de serviços de saúde vem sendo estudada há tempos (BOPP,
1990). Entretanto, a maior parte dos trabalhos apresentados até o momento tem sua origem em
países desenvolvidos, onde a saúde pública apresenta características muito diferentes dos países
em desenvolvimento (FRANCO; CAMPOS, 1998).
Os trabalhos que avaliam a qualidade dos serviços de saúde e a satisfação dos pacientes,
em sua maioria, enfocam os serviços hospitalares e ambulatoriais nas mais diversas especialidades
da área da saúde. Todavia, são poucos os estudos específicos para os serviços de fisioterapia
(BEATTIE; PINTO; NELSON, 2002). Goldstein, Elliot e Guccione (2000) relatam que os instrumentos
desenvolvidos para a área da saúde, seguindo critérios metodológicos rigorosos, não são
específicos para atender às especificidades existentes na área da fisioterapia. Beattie et al. (2002)
acreditam que pacientes ambulatoriais de serviços de fisioterapia apresentam características
particulares, como a frequência de atendimento e a permanência prolongada do paciente na clínica,
o que requer escalas específicas para a avaliação da satisfação com os serviços.
A maioria dos sistemas de avaliação da satisfação em serviços de reabilitação é focalizada
na percepção da qualidade de serviços (KEITH, 1998). Segundo Parasuraman, Zeithaml e Berry
(1988), instrumentos de avaliação da satisfação, de forma geral, têm avaliado a qualidade percebida
e não a satisfação propriamente dita. Isso pode ser bem observado nos itens das escalas de
avaliação de satisfação em serviços de fisioterapia encontrados na literatura estrangeira (ROUSH;
SONSTROEM, 1999; GOLDSTEIN, ELLIOT; GUCCIONE, 2000; OERMANN, SWANK; SOCKRIDER,
2000; BEATTIE, PINTO; NELSON, 2002; MONNIN; PERNEGER, 2002), assim como na escala de
satisfação desenvolvida por Mendonça e Guerra (2007), para o contexto brasileiro. Dessa forma, o
desenvolvimento de escalas e modelos próprios para a avaliação da qualidade de serviços em
fisioterapia, em que a satisfação seja compreendida como um dos construtos que sofrem impacto
direto da qualidade de serviços necessários.
Outros aspectos importantes na avaliação dos serviços são as atitudes e intenções
comportamentais. Alguns instrumentos acrescentam, além da qualidade e da satisfação, questões
relativas à propensão a lealdade, que possibilita avaliar se o consumidor voltaria a utilizar aquele
serviço, e a comunicação boca a boca, que avalia se o consumidor indicaria esse serviço a terceiros
(GOLDSTEIN; ELLIOT; GUCCIONE, 2000; MONNIN; PERNEGER, 2002; BETTIE et al., 2005).
Esses atributos são de grande relevância ao se avaliar o comportamento do consumidor, pois o fato
de o cliente estar satisfeito com o serviço não significa que retornará ao serviço, caso seja
necessário, assim como recomendá-lo a outra pessoa. Em casos de insatisfação, essa lógica
também se aplica. Portanto, os instrumentos de avaliação de serviços devem apresentar indicadores
relativos às atitudes e intenções comportamentais. Ademais, outras dimensões das atitudes e
intenções comportamentais podem ser úteis na avaliação dos serviços, como o comprometimento,
arrependimento, valor percebido e confiança.
No Brasil, os estudos sobre qualidade e satisfação na área da saúde ganharam força depois
de 1990, quando houve um fortalecimento do controle social, no âmbito do SUS, por intermédio da
participação da comunidade nos processos de planejamento e avaliação desses serviços
(ESPERIDIÃO; TRAD, 2006). Contudo, trabalhos específicos para serviços de fisioterapia são raros
(MENDONÇA; GUERRA, 2007).
Considerando o exposto, o problema da pesquisa fundamenta-se no fato de que há uma
carência de escalas específicas na avaliação da qualidade percebida em serviços de fisioterapia
dentro do contexto brasileiro. Além disso, as escalas atuais são pobres em relação à avaliação dos
impactos da qualidade sobre as diversas atitudes e intenções comportamentais, como a satisfação,
arrependimento, propensão à lealdade, comunicação boca a boca, confiança, gratidão, valor
percebido e os comprometimentos afetivo, normativo, instrumental e conativo. Desse modo, o
objetivo do presente estudo foi desenvolver e validar uma escala de avaliação da qualidade
percebida e das atitudes e intenções comportamentais em serviços de fisioterapia.
14
2 METODOLOGIA
No afã de responder ao objetivo proposto, a pesquisa foi dividida em duas fases: a primeira
de natureza qualitativa (exploratória) e a segunda de caráter quantitativo.
Na primeira fase, buscou-se levantar os atributos de qualidade percebida por pacientes de
serviços de fisioterapia. Para tanto, além de uma ampla revisão da literatura, foram realizadas 26
entrevistas em profundidade envolvendo fisioterapeutas (13), clientes e ex-clientes de serviços de
fisioterapia (10) e pessoas que nunca se submeteram ao tratamento fisioterápico (3). Todos os
entrevistados eram residentes em Belo Horizonte (MG), e as entrevistas foram orientadas por meio
de dois roteiros desenvolvidos pelos autores.
Na segunda fase, foi realizado um levantamento tipo survey, em um período de 15 dias, com
base em um corte transversal, envolvendo 412 pacientes em tratamento, ex-pacientes que
abandonaram o tratamento ou que concluíram o tratamento fisioterapêutico, na cidade de Belo
Horizonte, onde a seleção dos respondentes foi feita por conveniência.
Para esse levantamento, foi elaborado e aplicado um questionário estruturado, utilizando os
atributos levantados na primeira fase e aplicado, em uma escala tipo likert, variando de 0 (discordo
totalmente) a 10 (concordo totalmente), e ainda da opção "NS/NA" (Não sei/não se aplica). Esse tipo
de escala permite mais precisão de resposta, levando a uma maior consistência dos dados
(SPECTOR, 1992). O questionário apresentava 63 itens relacionados à qualidade percebida e 32
itens relacionados às atitudes e intenções comportamentais. Foi utilizado um cabeçalho com
explicação detalhada de como os entrevistados deveriam responder às questões que foram lidas
pelo entrevistador antes de se iniciar a coleta:
Com relação a ..., favor marcar um X nas opções que melhor representem sua opinião, sendo 0
para DISCORDO TOTALMENTE e 10 para CONCORDO TOTALMENTE. Favor marcar valores
intermediários para níveis médios de concordância ou discordância. Caso o entrevistado não saiba
avaliar ou a questão não se aplique, favor marcar “Não sei /Não se aplica (NS/NA)”.
Por fim, questões sociodemográficas foram incluídas, a fim de caracterizar a amostra. Os
critérios de exclusão foram indivíduos que apresentavam incapacidade de responder às questões,
quem nunca havia sido submetido a tratamento fisioterapêutico ou foram tratados há mais de seis
meses.
Os dados obtidos foram analisados por meio dos softwares Microsoft Excel®, SPSS® (versão
13.0) e Amos® (versão 5.0). Os critérios utilizados para desenvolver e validar a escala foram
separados em nove etapas: (1) revisão da literatura sobre o tema; (2) elaboração de um roteiro de
entrevista em profundidade; (3) realização de entrevista em profundidade com pacientes, não
pacientes e ex-pacientes; (4) análise de conteúdo das entrevistas; (5) desenvolvimento do
questionário para a survey; (6) coleta e tabulação dos dados da survey; (7) análise descritiva da
amostra; (8) análise exploratória dos dados – avaliação de viés de não-resposta, missing values,
outliers e pressupostos (normalidade e linearidade); (9) análise fatorial de dimensionalidade,
confiabilidade e consistência interna dos construtos e validade de construto – convergente e
discriminante (KUMA; AAKER; DAY, 1999; SPECTOR, 2002; HAIR et al., 2005).
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados sociodemográficos obtidos demonstram que entre os 412 pacientes e expacientes de serviços de fisioterapia da região metropolitana de Belo Horizonte, 41% são do sexo
masculino e 59% são do sexo feminino. A média de idade encontrada foi de 47,28 ± 16,95 anos, e a
faixa de renda familiar predominante era de até R$ 4.000,00 (79%). Constatou-se ainda uma
distribuição bastante uniforme dos respondentes com relação à etapa em que eles estavam no
tratamento, sendo 39,1% de pacientes que concluíram o tratamento, 35,9% de pacientes que
abandonaram o tratamento e 25% de pacientes que estavam em tratamento. A maior parte dos
respondentes era de indivíduos casados/amigados (52,2%), seguidos pelos solteiros (32,3%),
divorciados/separados (7,8%) e viúvos (7,8%). Finalmente, constatou-se que a maioria dos pacientes
apresentava nível educacional até o Ensino Médio (40%), enquanto entrevistados com nível superior
15
incompleto (13,1%) ou superior completo (23,5%) também se apresentavam como categorias
relevantes. Uma menor parcela foi representada por pacientes com Ensino Fundamental (15,3%),
Especialização (7,3%) e com Mestrado e Doutorado (0,7%).
3.1 ANÁLISE EXPLORATÓRIA DOS DADOS (AED)
Iniciou-se o processo de AED pela análise da consistência do banco de dados, isto é,
buscou-se encontrar valores inconsistentes, logicamente incoerentes ou erros de digitação
(MALHOTRA, 2006). Na pesquisa, não foram encontrado valores fora dos limites previstos das
escalas (0 a 10) utilizadas.
Para avaliar o pressuposto de linearidade entre os pares de indicadores, empregou-se o
método de avaliação da significância dos coeficientes de correlação de Pearson. Segundo
resultados dos testes t, 3.494 correlações da matriz são diferentes de zero, o que representa 72%
das células da matriz Rxx. Foram analisados 30 diagramas de dispersão, visando identificar possíveis
desvios da linearidade entre os pares de variáveis. No entanto, nenhum padrão não-linear foi notado.
Em consequência, assume-se que existem relações lineares significativas para a maior parte das
variáveis incluídas neste estudo, justificando a aceitação da hipótese de linearidade dos dados.
3.2 FIDEDIGNIDADE DAS MEDIDAS DO INSTRUMENTO
Para realizar a análise da fidedignidade do instrumento, foi necessário explorar a
dimensionalidade dos construtos incluídos no estudo. Segundo Nunnaly e Bernstein (1994), cada
construto teórico deve tratar de dimensões distintas do fenômeno estudado, ou seja, os
construtos devem contemplar o pressuposto da unidimensionalidade.
Cabe destacar que, conforme Dunn et al. (1994), uma escala pode ser considerada como
unidimensional quando, ao aplicar a análise fatorial com extração de componentes principais,
considerando os fatores com autovalor (eigenvalue) superiores a um, cada indicador apresente uma
carga fatorial de pelo menos 0,400 com o fator que está vinculado. Hair Jr. et al. (2005) enfatizam
que, em amostras grandes, cargas fatoriais superiores a 0,300 já podem ser consideradas
significantes. A carga fatorial permite interpretar o papel que cada variável tem na definição do fator
e representa a correlação de cada variável com seu respectivo fator.
Uma série de regras para verificar se existem condições adequadas para o uso da análise
fatorial exploratória deve ser observada. Inicialmente, é necessário observar se a medida de
adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que é um índice comparativo da correlação
observada versus a correlação parcial da matriz, possui um valor superior à 0,600 (LATIF, 2004).
Além disso, é esperado que a solução fatorial consiga explicar pelo menos 60% da variância total
dos dados, o que indica que a redução de dados consegue explicar uma parcela considerável da
variação existente (HAIR et al., 2005). Também é conveniente verificar a magnitude das
comunalidades (H2), observando se a análise fatorial é capaz de explicar pelo menos 40% da
variância dos dados (DUNN; SEAKER; WALLER, 1994).
Neste trabalho, procurou-se identificar as dimensões latentes do construto qualidade
percebida global pelos pacientes atuais, pacientes que concluíram e pacientes que abandonaram o
tratamento. Para tanto, empregou-se a análise fatorial exploratória, por meio da extração de
componentes principais, utilizando-se um procedimento ortogonal (varimax) com normalização do
tipo Kaiser.
Após um procedimento de várias etapas, em que todos os indicadores que apresentaram
comunalidades inferiores a 0,400, sem nenhuma carga fatorial superior a 0,300 ou apresentando
cargas cruzadas em dois ou mais fatores, foram progressivamente excluídos, foi possível
encontrar uma solução fatorial com nove dimensões latentes do construto qualidade percebida
global. Tais fatores foram assim denominados (tabela 1): fator 1 – relacionamento; fator 2 –
funcionários; fator 3 – infraestrutura e equipamentos; fator 4 – auto-interesse; fator 5 – comunicação
do fisioterapeuta com os clientes; fator 6 – horários de atendimento; fator 7 – marca e tradição; fator
8 – qualificação profissional do fisioterapeuta; fator 9 – comodidade (estacionamento).
Entende-se, portanto, que os nove fatores encontrados nessa solução fatorial foram
capazes de explicar 70,85% da variância total dos dados. Considerando-se que esse valor supera
16
o limite sugerido de 60% e que a medida de adequação da amostra de KMO foi de 0,926, pode-se
afirmar que todos os construtos mostraram evidências concretas em favor da unidimensionalidade,
ou seja, que a solução fatorial obteve resultados satisfatórios (HAIR et al., 2005).
Realizou-se ainda a análise fatorial dos construtos relacionados às atitudes e intenções
comportamentais dos pacientes. Todos os construtos que mensuram as atitudes e intenções
comportamentais dos pacientes mostraram evidências em favor de sua correta dimensionalidade.
Nota-se que foi feita uma análise em separado para cada construto, tal como mostra a tabela 2.
Como para todos eles, a variância total dos dados foi maior que o limite mínimo de 60% e a
medida KMO foi superior a 0,600, sugere-se que os resultados sejam satisfatórios.
TABELA
1
estru
tura
e
equi
pam
ento
funcionários
relacionamento do fisioterapeuta com os clientes
FATORES
– FATORES DE
DIMENSIONALIDADE
ATRIBUTOS
QUALIDADE
ENCONTRADOS
CAR-GA
FATO-RIAL
1 Tem um ótimo relacionamento
0,803
comigo.
2 Sempre respeita minha
0,799
privacidade.
3 Sempre me trata com o maior
0,789
respeito.
4 É uma pessoa legal.
0,764
5 Está sempre motivado para
0,762
atender os clientes.
6 Sempre procura manter um clima
0,750
amigável e descontraído durante
meu tratamento.
07) sempre demonstra ter um
0,733
elevado interesse pelo meu caso
08) me chama pelo meu nome
0,725
09) sempre busca me manter
0,703
motivado com o tratamento
10 Sempre escuta atentamente o
0,698
que eu tenho a dizer.
11 Dedica tempo suficiente para
0,681
acompanhar meu caso
pessoalmente.
12 Inspira-me total confiança.
0,626
13 Sempre mantém uma postura
0,618
bastante profissional.
14 Examina-me cuidadosamente
0,576
antes de iniciar o tratamento.
15 Possui funcionários que sempre me
0,775
atendem com educação e cordialidade.
16 Tem funcionários que buscam atender
0,748
prontamente às consultas, dúvidas,
solicitações e reclamações dos clientes.
17 Tem funcionários honestos e confiáveis. 0,724
18 Tem funcionários sempre interessados
0,712
em atender bem aos clientes.
19 Tem funcionários que estão sempre bem
0,701
aparentados.
20 Tem funcionários que se preocupam em
0,684
resolver os problemas dos clientes de
maneira rápida e eficaz.
21 Possui instalações com excelente
0,824
aparência.
H2
NA
AVALIAÇÃO
AUTO-VALOR
VA-RIÂNCIA
EXPLI-CADA (%)
0,797
0,752
0,749
0,718
0,720
0,673
0,702
0,633
90,490
23,147
0,709
0,605
0,671
0,541
0,713
0,509
0,810
0,766
0,702
0,746
4,374
10,669
3,312
8,078
0,701
0,649
0,800
DA
17
comodidade qualificação
(estaciona- profissional do
mento)
fisioterapeuta
marca e
tradição
horários de
atendimento
comunicação do
fisioterapeuta com
os clientes
autointeresse
22 Tem um ambiente com instalações
físicas agradáveis.
23 Tem uma sala de espera confortável.
24 Tem acesso fácil (com portas largas,
rampas de acesso, piso antiderrapante,
etc.).
25 Tem todos os equipamentos necessários
para meu tratamento.
26 Marca o atendimento de muitos
pacientes ao mesmo tempo para ganhar
mais dinheiro.
27 Preocupa-se apenas em ganhar
dinheiro.
28 Marca mais sessões do que o
necessário para ganhar mais dinheiro.
29 Preocupa-se apenas com seus
próprios interesses.
30 Definiu objetivos de curto, médio e
longo prazo para meu tratamento.
31 Fez uma previsão de tempo para a
solução de meu problema antes do início
do tratamento.
32 Fornece informações completas e
detalhadas sobre o problema que eu
tenho.
33 Tem um horário de funcionamento que
atende minhas necessidades.
34 Sempre tem horários disponíveis para
que eu seja atendido(a).
35 Sempre realiza o atendimento no
horário marcado.
0,775
0,765
0,685
0,640
0,684
0,614
0,492
0,493
0,821
0,744
0,816
0,722
0,801
0,715
0,696
0,597
0,857
0,833
0,835
0,796
0,716
0,702
0,714
0,713
0,681
0,691
0,586
0,596
36 Tem uma marca forte e consolidada no
mercado.
0,896
37 Tem um nome bastante reconhecido no
mercado.
0,884
0,896
38 Mantém-se informado sobre os últimos
avanços da profissão.
0,773
0,742
39 Tem uma elevada qualificação
profissional.
0,751
0,757
40 Tem estacionamento próprio e gratuito.
0,824
0,742
41 Tem locais fáceis para estacionamento
próximo.
0,782
0,706
2,778
6,776
2,330
5,684
1,999
4,876
0,922
1,817
4,432
1,499
3,655
1,448
3,532
FONTE: dados da pesquisa.
Observações: todas as cargas fatoriais foram significativas (>0,400). Os valores h2 são as
comunalidades e indica o percentual de variância explicada de cada um dos indicadores. O Autovalor
corresponde à decomposição da variância dos dados segundo cada fator. A variância explicada é o percentual
de variância de cada fator, sendo que o total de variância explicada pelos nove fatores foi de 70,85%.
18
TABELA 2 – AVALIAÇÃO DA DIMENSIONALIDADE DOS CONSTRUTOS RELACIONADOS ÀS
ATITUDES E INTENÇÕES COMPORTAMENTAIS DOS RESPONDENTES
CONSTRUTOS INDICADORES
42 Eu me sinto frustrado(a) por ter escolhido essa
clínica para realizar meu tratamento.
43 Eu acredito que tomei uma péssima decisão em
me tratar nessa clínica.
Arrepen-dimento
44 Eu estou arrependido(a) por ter optado por essa
clínica.
45 Se eu pudesse recomeçar, escolheria uma outra
clínica para me tratar.
46 Caso eu venha a precisar me submeter a um
outro tratamento fisioterápico, utilizarei novamente
os serviços dessa clínica, mesmo se outras
propen-são à
pessoas recomendarem um outro local.
lealdade
47 Caso eu venha precisar me submeter a um
outro tratamento fisioterápico, sem dúvida, irei
procurar essa clínica novamente.
48 Eu só faço observações positivas sobre a clínica
comunicação para meus parentes e amigos.
boca-a-boca 49 Eu recomendaria às pessoas que se tratassem
nessa clínica.
50 Eu estou satisfeito(a) com minha decisão em
me tratar nessa clínica.
51 O resultado do tratamento está atendendo
satisfação
totalmente às minhas expectativas.
52 Eu realmente gosto de utilizar os serviços dessa
clínica.
53 Eu confio bastante no trabalho desenvolvido
pela equipe dessa clínica.
54 Eu confio bastante no trabalho desenvolvido por
confiança
meu fisioterapeuta.
55 Eu me sinto seguro(a) por estar sendo tratado
nessa clínica.
56 Eu tenho um sentimento de gratidão em relação
ao fisioterapeuta responsável por meu tratamento,
porque ele tem feito mais do que suas obrigações
para solucionar meu problema.
gratidão
57 Eu tenho um sentimento de gratidão em relação
à equipe responsável por meu tratamento, porque
os profissionais têm feito mais do que suas
obrigações para solucionar meu problema.
58 Considerando a qualidade dos serviços
prestados e o valor cobrado, eu acredito que está
valendo a pena fazer o tratamento nessa clínica.
valor
59 Eu acredito que os benefícios que tenho
recebido por parte da clínica são compatíveis
(justos) em relação ao valor pago em meu
tratamento.
CARGA
FATO-RIALA
H2 (B)
0,941
0,886
0,912
0,832
0,883
0,779
0,826
0,683
0,952
0,907
0,952
0,907
0,965
0,932
0,965
0,932
0,922
0,850
0,923
0,852
0,946
0,895
0,959
0,897
0,952
0,919
0,947
0,906
0,972
0,945
0,972
0,945
0,915
0,838
0,915
AUTOVALORC
VARIÂN-CIA
EXPLI-CADAD
3,179
79,481
1,814
90,720
1,863
93,136
2,597
86,590
2,723
90,754
1,889
94,457
1,675
83,765
0,838
FONTE: dados da pesquisa.
Observações: nesta tabela foi feita uma análise fatorial para cada conjunto de variáveis: a) cargas
fatoriais foram significativas (>0,400); b) valores h2 são as comunalidades e indicam o porcentual de variância
explicada de cada um dos indicadores; c) os autovalores correspondem à decomposição da variância dos
dados segundo cada fator; d) a variância explicada é o porcentual de variância de cada fator. A análise foi
capaz de explicar mais de 70% da variância de cada conjunto de dados, e a medida KMO, superior a 0,80.
19
Conclusão similar foi obtida para o construto comprometimento com o tratamento (tabela 3), que apresentou
quatro dimensões (somente uma análise fatorial).
TABELA 3 – AVALIAÇÃO DA DIMENSIONALIDADE DOS CONSTRUTOS RELACIONADOS AO
COMPROMETIMENTO DOS
RESPONDENTES
CONS-TRUTOS
INDICADORES
60 Tenho-me esforçado para cumprir
as atividades indicadas pelo
fisioterapeuta, pois acredito que
realmente resolverão meu problema.
comprometimen-to 61 Eu me sinto comprometido(a) com
nor-mativo o tratamento que estou realizando.
62 Eu acredito que, depois de concluir
o tratamento, terei meu problema
solucionado.
63 Tenho-me esforçado durante o
tratamento porque gosto das pessoas
comproque trabalham nessa clínica.
metimen-to
64 Eu tenho um vínculo de amizade
afetivo
com as pessoas que trabalham nessa
.clínica
65 O tratamento que estou fazendo
compropassou a ser um hábito para mim.
metimen-to
66 Eu não interrompi o tratamento,
cona-tivo
pois já estou acostumado(a) a fazê-lo.
67 Tenho-me esforçado durante o
tratamento, apenas porque é o único
comproque tenho condições financeiras de
metimen-to ins- fazer.
trumental
68 Eu já gastei muito dinheiro durante
o tratamento, para interrompê-lo
antes de receber alta.
CARGA FATORIAL
2
H
0,885
0,807
0,807
0,690
0,774
0,617
0,860
0,837
0,773
0,811
0,774
0,806
0,888
0,769
0,858
0,800
0,819
AUTOVALOR
VARIÂN-CIA
EXPLI-CADA
2,130
21,290
1,655
16,550
1,969
19,690
1,576
15,757
0,716
FONTE: dados da pesquisa.
3.3 CONFIABILIDADE
Após a avaliação da unidimensionalidade, qualificou-se a extensão em que os construtos
do estudo produziam resultados coerentes, quando medidas repetidas dos objetos foram
efetuadas, denotando a extensão dos erros aleatórios sobre as escalas (NUNNALY; BERNSTEIN,
1994).
A consistência interna foi avaliada por meio do coeficiente alfa de Cronbach (α), que indica o
porcentual de variância das medidas que estão livres de erros aleatórios (NUNNALY; BERNSTEIN,
1994; HAIR, 2005). Buscou-se, portanto, avaliar a confiabilidade das escalas por meio de tal
coeficiente, que é considerado adequado, quando são obtidos valores superiores a 0,800.
Entretanto, valores superiores a 0,600 são aceitáveis para escalas em desenvolvimento, tais como
as empregadas neste estudo (MALHOTRA, 2006). A tabela 4 demonstra a confiabilidade das
escalas.
3.4 VALIDADE CONVERGENTE
Após a etapa de avaliação da confiabilidade, foi feita a avaliação da validade convergente
das medidas, buscando identificar se os indicadores são suficientemente correlacionados com seus
20
respectivos construtos, a fim de evidenciar sua adequação para medir as dimensões latentes de
interesse (BAGOZZI; PHILIPS, 1991).
O método utilizado neste trabalho, para avaliar a validade convergente, foi o proposto por
Bagozzi e Philips (1991), que sugerem que a análise fatorial confirmatória (AFC) pode ser usada
para verificar se os indicadores estão significativamente relacionados aos construtos de interesse.
Para identificar os construtos latentes, fixou-se à variância dos fatores a variância de um dos
indicadores. Dessa forma, considerando-se o critério de validade convergente sugerido por Bagozzi
e Philips (1991), todos os indicadores atingiram os valores mínimos necessários para atender ao
pressuposto de validade convergente.
TABELA 4 – COEFICIENTES ALFA DE CRONBACH
DOS FATORES
fatores de qualidade
CONSTRUTOS
fator 1 – relacionamento do fisioterapeuta com os clientes
0,947
fator 2 – funcionários
0,919
fator 3 – infraestrutura e equipamentos
0,828
fator 4 – autointeresse
0,826
fator 5 – comunicação do fisioterapeuta com os clientes
0,863
fator 6 – horários de atendimento
0,778
fator 7 – marca e tradição
0,924
fator 8 – qualificação profissional do fisioterapeuta
0,677
fator 9 – comodidade (estacionamento)
0,671
atitudes e intenções
comportamentais
arrependimento
propensão à lealdade
comunicação boca a boca
confiança
satisfação
gratidão
valor
comprometimento
ALPHA DE CRONBACH
comprometimento normativo
comprometimento afetivo
comprometimento instrumental
comprometimento conativo
0,909
0,898
0,927
0,947
0,919
0,941
0,806
0,778
0,685
0,771
0,695
FONTE: dados da pesquisa.
Apesar de os fatores comprometimento afetivo com o tratamento, comprometimento conativo
com o tratamento, comodidade e qualificação profissional terem obtido alfas muito próximos do limite
21
mínimo recomendado para escalas em fase de desenvolvimento (0,600), todos os valores
encontrados superam tal parâmetro, indicando uma satisfatória consistência interna.
3.5 VALIDADE DISCRIMINANTE
Para avaliar a validade discriminante dos construtos, ou seja, verificar se os construtos
efetivamente medem diferentes aspectos do fenômeno de interesse, empregou-se o método
desenvolvido por Fornell e Larcker (1981). Usualmente, a validade discriminante entre dois construtos
é um pré-requisito para que se aceite que os construtos estão, de fato, medindo aspectos diferentes do
fenômeno de interesse.
Notou-se que a variância média compartilhada entre os indicadores e seus respectivos
construtos foi superior à variância compartilhada entre os construtos em todos os casos,
demonstrando que todas as escalas medem efetivamente construtos diferentes. Nesse sentido,
pode-se afirmar que todos os construtos do estudo apresentaram evidências de validade
discriminante.
4 CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA
FUTURAS PESQUISAS
Os resultados obtidos na pesquisa permitiram concluir que a qualidade percebida por clientes
de serviços de fisioterapia é um construto multidimensional que pode ser avaliado por meio de nove
fatores latentes. A avaliação da confiabilidade da escala foi realizada pela avaliação da consistência
interna das variáveis e apresentou valores superiores ao exigido, indicando uma satisfatória
consistência interna. Foi possível concluir que os construtos apresentaram evidências de validade
convergente e discriminante. Dessa forma, é possível afirmar que a escala apresentou níveis
adequados de confiabilidade e validade.
As dimensões comprometimento afetivo e conativo com o tratamento, comodidade e
qualificação profissional do fisioterapeuta apresentaram alfas próximos do limite recomendado.
Sugere-se que, em estudos futuros envolvendo tais dimensões, sejam buscadas alternativas para a
melhoria da confiabilidade da escala, tais como aumentar o número de itens ou, ainda, depurar
mais adequadamente as questões.
O questionário final apresenta 41 questões em relação à qualidade percebida e 27 questões
em relação às atitudes e intenções comportamentais (tabelas 1, 2 e 3). Esse instrumento pode ser
útil na avaliação da qualidade percebida e atitudes e intenções comportamentais de clientes de
serviços de fisioterapia, assim como no respectivo monitoramento.
Acredita-se, depois de ampla revisão da literatura, que esse seja o primeiro instrumento para
avaliar a qualidade percebida e as atitudes e intenções comportamentais em serviços de fisioterapia.
No entanto, essa escala foi desenvolvida e validada em língua portuguesa e em uma população de
pacientes e ex-pacientes de serviços de fisioterapia em nível ambulatorial. Diante disso, novos
estudos são necessários para considerar sua validade e confiabilidade em outras populações e
ambientes, como em hospitais e centros de saúde.
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24
25
UMA PROPOSTA DE INTEGRAÇÃO
ENTRE FERRAMENTAS
PARA A MELHORIA CONTÍNUA
A PROPOSAL OF INTEGRATION
AMONG TOOLS FOR THE
CONTINUOUS IMPROVEMENT
MARCELO GIROTO REBELATO
UNESP (Jaboticabal)
CLÁUDIA MELONI
UNESP (Jaboticabal)
ANDRÉIA MARIZE RODRIGUES
UNESP (Jaboticabal)
26
RESUMO
Na atualidade, a maioria das organizações que aplica os diferentes métodos voltados à gestão da
qualidade não consegue entender como eles podem trabalhar de forma integrada. Essa falta de
visão integrativa dificulta a ação gerencial. Este artigo tem o objetivo de explorar a integração entre
métodos voltados à melhoria contínua da qualidade. Para isso, foram selecionados da literatura
especializada os seguintes métodos: brainstorming, diagrama de afinidades, diagrama de Ishikawa,
diagrama de Pareto, diagrama de relações, histograma, método de solução de problemas e FMEA.
Buscou-se a integração entre as ferramentas de modo a encontrar a concatenação lógica entre suas
entradas e saídas. Conclui-se que a abordagem integrativa proposta contribui para que as empresas
não operem um gerenciamento fragmentado da qualidade.
Palavras-chave: ferramentas da qualidade, integração entre ferramentas da qualidade, melhoria
contínua.
ABSTRACT
In the current days, most of the organizations that applies the different methods turned to the
management of quality are not able to understand how they can work in the integrated form. This lack
of integrative vision difficults the management action. This article has the objective to explore the
integration between methods turned to the continuous improvement of quality. For this, the following
methods were selected from the specialized literature: Brainstorming, Affinities Diagram, Ishikawa
Diagram, Pareto Diagram, Relations Diagram, Histogram, Problem Solving Method and FMEA. It
looked for the integration between the tools in order to find the logical concatenation between their
entries and exits. It concludes that the proposed integrative approach contributes to the enterprises
do not operate a broken quality management.
Keywords: quality tools, integration between quality tools, continuous improvement.
27
INTRODUÇÃO
Com o acirramento da competição entre as empresas, como consequência da economia
globalizada, a questão da adequada abordagem da qualidade passou a ser uma necessidade de
sobrevivência no mundo atual e, em virtude de tal constatação, a gestão da qualidade vem obtendo
contínuos e gradativos aprimoramentos no tocante ao direcionamento da ação gerencial.
Na década de 50, surgiu a preocupação com a gestão da qualidade, o que trouxe nova
filosofia gerencial com base no desenvolvimento e na aplicação de conceitos, ferramentas e técnicas
adequadas a outra nova realidade. Dessa forma, a gestão da qualidade marcou o deslocamento da
análise do produto ou serviço para a concepção de um sistema de qualidade. Esta deixou de ser um
aspecto do produto e responsabilidade apenas de departamento especifico. Passou a ser um
problema da empresa, abrangendo, como tal, todos os aspectos de sua operação (LONGO, 1996).
Diante desse cenário, especialistas, organizações e governos estão empenhados em criar e
utilizar ferramentas aplicadas à melhoria contínua da qualidade. Conforme Jha et al. (1996), a
melhoria contínua busca incrementar a eficiência organizacional, a competitividade e a satisfação do
consumidor por meio da identificação e solução de problemas. Nesse caminho de incrementar
continuamente os processos, afirma Fernandes (2005) que existe uma grande diversidade de
métodos atualmente disponíveis aos gestores. Para qualquer um dos processos da gestão da
qualidade, pode-se encontrar uma ferramenta útil ao gestor. Entretanto, a maioria das organizações
que aplica essas “iniciativas da qualidade” não consegue visualizar cada uma das ferramentas em
foco e ao mesmo tempo visualizar o todo e entender como podem estas trabalham em harmonia.
A falta de continuidade e dinamismo na aplicação dos métodos da qualidade pelas empresas
se dá pelo fato de que cada método ou ferramenta foi criado a seu tempo, por uma organização
específica (ou especialista distinto), que possuía um problema gerencial pontual e tinha o objetivo de
saná-lo. Dessa forma, os métodos não contêm interfaces previstas de aplicação com outros
métodos, tornando-se evidente o fato de que a falta de integração dificulta a ação gerencial.
Portanto, as empresas que não conseguem visualizar as lacunas de integração que existem na
grande variedade de métodos a serem aplicados e que não trabalham para repará-las, operam
inevitavelmente um gerenciamento fragmentado (KELLER, 2003).
Diante da problemática apresentada, este artigo tem como objetivo identificar e explorar as
interfaces entre as seguintes ferramentas para a melhoria contínua: brainstorming, diagrama de
afinidades, diagrama de Ishikawa, diagrama de Pareto, diagrama de relações, histograma, método
de solução de problemas e análise de modos e efeitos de falhas (Failure Mode and Effect Analysis –
FMEA), mostrando como essas podem se encadear efetivamente.
2 FUNDAMENTAÇÃO
A seguir, iniciando-se com o brainstorming, identificam-se as entradas, o tipo de
processamento e as saídas de cada um dos oito métodos ou ferramentas selecionados para, em
seguida, propor-se sua integração total.
2.1 BRAINSTORMING
O brainstorming é uma técnica de geração de ideias em grupo que envolve a contribuição
espontânea de todos os participantes. Sua utilização propõe soluções criativas e inovadoras para os
problemas, a qual tem o propósito único de produzir uma lista extensa de ideias que possa ajudar no
desenvolvimento do tema (SEBRAE, 2005). Recomenda-se essa técnica para a geração de um
grande número de ideias, a exploração de alternativas melhores e a identificação de oportunidades
destacadas pelos que estão mais próximos de tal técnica (DELLATERI, 1996). Segundo Dellareti, a
preparação de uma sessão de tempestade de ideias é constituída das seguintes etapas:
a) seleção dos participantes – selecionar pessoas que possam contribuir para o tema que
está sendo desenvolvido. Não se refere somente aos especialistas e sim a todos que
possam trazer informações importantes;
28
b) circulação do enunciado – circular, entre os participantes, um enunciado, ainda que
preliminar ao tema. Os participantes precisam de tempo para se familiarizar com o assunto
da reunião, portanto o tema precisa ser explicado da forma mais geral possível, para evitar
a criação de “linhas preferenciais de pensamento”, o que destrói o aspecto
multidimensional.
Dellareti (1996) esclarece que, para o sucesso de uma sessão de brainstorming, é muito
importante a condução deste e, para isso, os seguintes passos devem ser seguidos:
a) apresentação das regras – logo no inicio da sessão, é conveniente que se apresentem aos
participantes as regras que serão conduzidas a reunião;
b) esquecer críticas – nenhuma oposição das ideias geradas pode ser utilizada;
c) treino de aquecimento – convém conduzir um ou mais treinos de aquecimento, com
problemas simples não relacionados ao tema principal;
d) apresentação dos problemas – uma oportunidade de se eliminar duvidas que qualquer
participante porventura ainda tenha;
e) geração de ideias – pode ser por rodízio (as ideias são geradas sequencialmente, numa
ordem preestabelecida), por geração espontânea (as ideias são apresentadas
espontaneamente pelos participantes, à medida que elas surgem);
f) registro de idéias – conforme cada ideia for sendo gerada, deverá ser registrada e afixada
de modo que seja perfeitamente visível a cada participante.
Encerrada a fase de geração, cada dado, correspondendo a uma ideia, deve ser analisado
quanto à pertinência ao tema, sendo separados aqueles que parecem alheios a ele. Os dados úteis
serão compactados. A figura 1 representa as entradas, processamento e saídas da técnica do
brainstorming.
FIGURA 1 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO BRAINSTORMING
entradas
processamento
- problemas apresentados
- geração de ideias
Saídas
- Idéias filtradas, registradas
e compactadas
FONTE: Elaborado pelos autores
2.2 DIAGRAMA DE AFINIDADES
O diagrama de afinidades é designado para coleta de fatos, opiniões e ideias sobre áreas
desconhecidas ou inexploradas. Quando as ideias formam um caos e quando o tema é muito amplo
ou muito complexo, o diagrama de afinidades pode comportar-se como um “mapa geográfico”,
permitindo que as diversas variáveis inerentes ao problema possam ser ordenadas e agrupadas de
forma a facilitar a compreensão geral do problema e sua resolução (DELLARETI, 1996).
O diagrama de afinidades é uma representação gráfica de categorias originais ou criativas ou
dimensões de ideias. Destina-se a reunir fatos e ideias acerca de áreas desconhecidas ou
inexploradas que estão em completo estado de desorganização. Os dados compõem-se
naturalmente de acordo com afinidade mútua. Assim, as áreas de dados se expressam em forma
narrativa em vez de quantitativa (MIZUNO, 1993).
O desenvolvimento de um diagrama de afinidades envolve uma série de etapas (MOURA,
1994):
29
a) escolher o tema – pode referir-se às situações de tipos (pensamentos, opiniões e ideias
estão incertas e desorganizadas; situações de dificuldade de entendimento dos fatos, falta
de unidade de um grupo heterogêneo para desenvolver um trabalho em equipe) e com
isso favorecer o entendimento mútuo);
b) coletar os dados verbais – podem ser fatos, pensamentos ou opiniões. Existem várias
maneiras de se coletarem dados verbais, entre as quais o brainstorming é uma das
técnicas de destaque;
c) transferir os dados para cartelas – devem ser revisados de modo a conter ideias, opiniões
e pensamentos individuais, na forma de frases independentes, com um único e claro
significado, e deve-se usar uma cartela para cada frase;
d) agrupas as cartelas – devem ser bem embaralhadas e espalhadas na superfície de
trabalho, de modo que todos os membros do grupo possam lê-las;
e) rotular os grupos de cartelas – devem receber rótulos que descrevam sua afinidade. Os
rótulos são propostos e escolhidos por consenso, em equipe, após a leitura das cartelas;
f) desenhar o diagrama – uma vez definidos os grupos, setas podem ser usadas para indicar
as inter-relações entre os grupos e cartelas.
FIGURA 2 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO DIAGRAMA DE AFINIDADES
processamento
entradas
- fatos, dados e ideias
-
Organizar os
fatos, dados e
ideias.
Agrupar os
fatos, dados e
ideias.
Criar rótulos de
identificação.
Saídas
- Fatos, dados e idéias
agrupados e organizados
FONTE: Elaborado pelos autores
2.3 DIAGRAMA DE ISHIKAWA (DIAGRAMA DE CAUSA E EFEITO)
O diagrama de causa e efeito, conhecido como diagrama de Ishikawa, permite estruturar
hierarquicamente as causas de determinado problema ou oportunidade de melhoria. Pode ser
utilizado com outros propósitos, além do apresentado, por permitir estruturar qualquer sistema que
resulte em uma resposta (uni ou multivariada) de forma gráfica e sintética (ISHIKAWA, 1982).
O diagrama de Ishikawa tem por objetivo a visualização de um processo, ou seja, o
mapeamento entre uma série de fenômenos que se sucedem e que são ligados entre si pelas
relações de causa e efeito (SELNER, 1999).
Com a forma de uma espinha de peixe, o modelo sugere quatro grandes grupos de causas
que devem ser analisadas. Esses quatro grupos (também conhecidos como quatro Ms) são:
materiais, mão de obra, métodos e máquinas. Versões mais recentes desse diagrama sugerem a
análise orientada por seis grandes grupos de causa: materiais, mão de obra, métodos, máquinas,
medidas e meio ambiente (VIEIRA, 1994).
Para a construção de um diagrama de Ishikawa é necessário (SELNER, 1999):
a) identificar o problema ou, inversamente, definir o objetivo a atingir;
b) colocar o problema a identificar em uma caixa à direita;
c) conduzir uma sessão com o grupo para formular e clarificar todas as causas e fatores que
potencialmente influenciam o problema;
d) verificar a identificação das verdadeiras causas e não apenas sintomas;
30
e) reformular as causas e efeitos identificados de modo a garantir que são variáveis do
processo;
f) organizar as variáveis em grupos ou famílias afins, que relacionam estas entre si;
g) colocar as variáveis no diagrama, de acordo com os grupos a que foram atribuídas;
h) rever todos os ramos do diagrama, verificando se cada variável pode ser decomposta em
subcausas.
As entradas, processamento e saídas do diagrama de causa e efeito estão representadas na
figura a seguir.
FIGURA 3 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO DIAGRAMA DE ISHIKAWA
entradas
- causas potenciais sobre o
problema ou fenômeno
processamento
-
estruturação e
classificação das
causas dos
problemas
Saídas
- Causas categorizadas
segundo famílias afins
FONTE: Elaborado pelos autores
2.4 DIAGRAMA DE RELAÇÕES
O diagrama de relações é uma ferramenta que, com base em uma ideia, um problema ou
ponto considerado central, constrói um mapa de relações lógicas ou sequenciais entre fatores
relacionados (LIMA, 2008). Este se inicia com uma ideia central, conduz à geração de grande
quantidade de ideias e depois ao delineamento dos modelos observados.
Segundo Lima (2008), o diagrama de relações tem a finalidade de permitir o entendimento
dos problemas que apresentam relações complexas de causa e efeito e relações complexas de
meios para objetivos; viabilizar a adoção do pensamento multidirecional permitindo que se explorem
possíveis círculos de causalidade entre as ideias geradas por um conjunto de pessoas; isolar os
poucos elementos vitais para a situação em análise, identificando as distintas relações e instruindo
todo o pessoal envolvido para que se entenda rapidamente o que é preciso ser feito.
Segundo Moura (1994), a sistemática de construção do diagrama de relações é:
a) formação da equipe – o indicado é uma equipe multidepartamental e multidisciplinar de 4 a
6 pessoas;
b) definição do tema – os participantes, por meio de um consenso, devem definir um tema
(podem utilizar o brainstorming para isso);
c) coleta de dados verbais – pode ser realizada de diversas maneiras, como, por exemplo,
mediante brainstorming, diagrama de Ishikawa e diagrama de afinidades.
De acordo com Moura (1994), inicia-se a construção do diagrama com o espalhamento de
cartelas (dados) sobre a superfície de trabalho. Escolhe-se uma cartela e faz-se a seguinte pergunta:
“Esta cartela tem relação direta com as demais cartelas, influenciando ou sendo influenciada por
elas?” Deve ser lido em voz alta, pelo líder, o conteúdo das cartelas, ao se buscar a relação entre
elas. Ao identificar uma relação de uma cartela com outra, se deve traçar a seta causa-efeito ou
meio-objetivo.
Devem-se evitar setas de duplo sentido para não gerar confusão. Todas as cartelas devem
ser verificadas uma contra as outras, e o grupo deve revisar e aplicar correções, caso sejam
31
necessárias. Em seguida, é realizada a seleção dos itens críticos, verificando-se aqueles com maior
número de setas saindo (tendem a ser causas primárias) ou com maior número de setas entrando
(podem ser “gargalos”). Os itens críticos devem ser devidamente realçados, com contorno duplo
(MOURA, 1994).
A figura a seguir ilustra as entradas, processamento e saídas do diagrama de relações.
FIGURA 4 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E
SAÍDAS DO DIAGRAMA DE RELAÇÕES
entradas
processamento
- ideias, fatos ou
problemas
Identific
ar as
relaçõe
se
depend
ências
entre
fatos,
dados e
ideias.
Saídas
- Relações de
dependências identificadas
FONTE: Elaborado pelos autores
2.5 DIAGRAMA DE PARETO
O diagrama de Pareto é uma ferramenta utilizada para registrar e analisar dados
relacionados a um problema de maneira a destacar áreas, entradas de dados ou questões mais
importantes; alem de revelar que um pequeno número de falhas, é responsável pela maior parte de
custos com qualidade (SMITH, 1997). A analise de Pareto torna visivelmente clara a relação açãobeneficio, ou seja, prioriza a ação que trará o melhor resultado.
O diagrama consiste em um gráfico de barras que ordena as frequências das ocorrências da
maior para a menor e permite a localização de problemas vitais e a eliminação de perdas. Pode ser
constituído com base no custo, em vez da frequência, de eventuais ocorrências. Na realidade, a
abordagem pelos dois ângulos pode ser útil, pois nem sempre os eventos mais frequentes ou de
maior custo são os mais importantes (CALDEIRA, 2004).
O diagrama de Pareto revela que, em muitos casos, a maior parte das perdas que se fazem
sentir são causadas por um pequeno número de defeitos considerados vitais (vital few). O defeitos
restantes, que dão origem a poucas perdas, são considerados triviais (trivial many) e não constituem
qualquer perigo sério. Uma vez identificados os defeitos vitais, dever-se-á proceder à sua análise,
estudo e estruturação de processos que conduzam à sua redução ou eliminação (NUNES, 2008).
De acordo com Caldeira (2004), o diagrama de Pareto é utilizado para identificar os
problemas; descobrir as causas que atuam em um defeito; visualizar melhor a ação; priorizar a ação;
confirmar os resultados de melhoria; verificar a situação antes e depois do problema, em função das
mudanças efetuadas no processo; detalhar as causas maiores em partes específicas, eliminado a
causa; estratificar a ação; identificar os itens que são responsáveis pelos maiores impactos; definir
as melhorias de um projeto, tais como principais fontes de custo e causas que afetam um processo
na escolha do projeto, pelo numero de não-conformidades.
Segundo Kume (1993), as etapas de construção do diagrama de Pareto consistem em:
32
a) decidir quais problemas serão investigados, quais dados serão necessários e como serão
classificados;
b) determinar o método da coleta de dados e o período durante o qual serão coletados;
c) criar uma folha de contagem de dados listando os itens, com espaço para registrar o
numero de vezes que cada item foi observado e o numero total de observações;
d) preencher a folha de contagem de dados;
e) preparar uma planilha de dados para o diagrama de Pareto listando seus itens, suas
observações individuais, suas observações acumuladas, as porcentagens sobre as
observações gerais e as porcentagens acumuladas;
f) dispor os itens em ordem decrescente de quantidade e preencher a planilha de dados para
o diagrama;
g) traçar dois eixos verticais (um eixo esquerdo com escala de 0 até o valor total geral e um
eixo direito com escala de 0 a 100%) e um eixo horizontal dividido com número de
intervalo igual ao numero de itens da classificação;
h) construir um diagrama de barras;
i) desenhar a curva acumulada;
j) anotar outras informações no diagrama, como, por exemplo, título, caso forem necessárias.
A figura a seguir ilustra um exemplo do gráfico de Pareto, em que se pode observar que as
causas A, B, e C juntas representam 80% do problema em análise.
FIGURA 5 – DIAGRAMA DE PARETO
FONTE: EAP – FMUSP, 2010.
A próxima figura ilustra as entradas, processamento e saídas do diagrama de Pareto.
33
FIGURA 6 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO
DIAGRAMA DE PARETO
processamento
Saídas
entradas
- histórico dos dados
-
Registrar e
analisar os
dados.
Identificar
causas
principais do
problema.
- Causas principais do
problema identificadas
FONTE: Elaborado pelos autores
2.6 HISTOGRAMA
O histograma é um gráfico de barras verticais que apresenta valores de uma certa
característica agrupados por faixas. É uma ferramenta que permite a visualização de uma grande
quantidade de dados de amostra de uma população. É um método rápido para exame, que, por meio
de uma organização de muitos dados, permite conhecer a população de maneira objetiva (KUME,
1993).
O histograma demonstra visualmente a variabilidade das medidas de uma característica do
processo em torno da média, como na figura a seguir.
FIGURA 7 – EXEMPLO DE UM HISTOGRAMA
FONTE: EAP – FMUSP, 2010.
Segundo Kume (1993), as etapas de construção do histograma se constituem em:
a) marcar o eixo horizontal com uma escala em folha de papel quadriculado, sendo essa
escala baseada na unidade de medida dos dados e não nos limites de intervalo das
classes;
34
b) marcar o eixo vertical do lado esquerdo com uma escala de frequência e, se necessário,
traçar o eixo vertical do lado direito com uma escala de frequência relativa;
c) marcar os valores dos limites das classes no eixo horizontal;
d) desenhar um retângulo cuja altura corresponda à frequência dessa classe, usando-se o
intervalo de classe como base;
e) traçar uma linha no histograma para representar a média e, se for o caso, os limites da
especificação;
f) anotar o histórico dos dados (período em que os dados foram coletados), a quantidade de
dados, a média e o desvio-padrão numa área em branco do histograma.
A próxima figura exemplifica as entradas, processamento e saídas do histograma.
FIGURA 8 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO
HISTOGRAMA
Saídas
entradas
processamento
- histórico dos dados
-
Identificar o
comportamento
da dispersão dos
dados.
- Comportamento da
dispersão dos dados
identificados
FONTE: Elaborado pelos autores
2.7 MÉTODO DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS
A solução estruturada de um problema é um modo sistemático de se usar fatos e dados para
resolver problemas. A diferença fundamental entre a solução estruturada de um problema e outros
métodos é a determinação da causa raiz, pois se esta não for eficazmente eliminada, o problema
ocorrerá novamente, causando perdas de recursos usados na sua investigação (HOONEY; HOPEN,
2004).
De acordo com Campagnaro (2007), existem diversas maneiras de representar um método
de solução de problemas, e o desenvolvido por Sipper e Bulfin (1997) consiste em:
a) identificar o problema – a identificação de um problema ocorre quando, ao comparar-se o
estado desejado com o estado atual, se observa uma discrepância entre eles, a qual
precisa ser corrigida;
b) entender o problema – significa entender como o problema está inserido dentro de um
sistema e sua interação com este, qual o impacto e extensão que tal problema causa no
sistema, conceituando-se a questão como recorrente ou surgimento inicial;
c) desenvolver um modelo – com base no entendimento pormenorizado do problema,
desenvolve-se um modelo que o represente. Os modelos são desenvolvidos para testar
uma alternativa e escolher a que melhor se adequou ao estudo, prever o comportamento
de um sistema ou explorar questões do tipo “o que/se”. Para se desenvolver um modelo
são precisos dados que auxiliam na identificação e entendimento do problema. Trabalhamse os dados para gerar informação;
35
d) testar o modelo – ao testar o modelo e descobri-lo eficiente está-se indiretamente
solucionando o problema. Se necessário, fazer ajustes no modelo;
e) interpretar a solução – significa questionar se a solução proposta resolveu o problema e se
é a mais robusta;
f) estruturar a solução – acompanhar seu desempenho dentro do sistema e, se necessário,
voltar aos passos anteriores para novos ajustes. Ao organizar a solução, torna-se possível
um sistema de controle dessa solução, evitando-se repetição do problema, para se obter
melhoria contínua do sistema.
A figura 9 representa o método de solução de problemas com base em Sipper e Bulfin
(1997). A figura 10 ilustra as entradas, processamento e saídas desse tipo de ferramenta.
FIGURA 9 – MÉTODO PARA SOLUÇÃO DE PROBLEMAS
ADAPTADO DE SIPPER E BULFIN (1997)
FONTE: CAMPAGNARO, 2007, p. 91.
FIGURA 10 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDA DO
MÉTODO DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS
processamento
entradas
- dados, comportamento
dos dados, fatos, ideias e
relações sobre o problema
-
-
FONTE: Elaborado pelos autores
Definir tipo de
modelo que será
adotado para
solução do
problema.
Testar o modelo
e interpretar a
solução.
Estruturar a
solução.
Saídas
- Modelo de solução
definido e solução
implementada
36
2.8 FAILURE MODE AND EFFECTS ANALYSIS (FMEA)
A análise FMEA é uma metodologia que objetiva avaliar e minimizar riscos por meio da
determinação da causa e efeito, bem como risco de cada tipo de falha, com execução de ações para
aumentar a confiabilidade. Pode-se aplicar a analise FMEA nas seguintes situações: para diminuir a
probabilidade da ocorrência de falhas em projetos de novos produtos ou processos; para diminuir a
probabilidade de falhas potenciais em produtos e processos já em operação; para aumentar a
confiabilidade de produtos ou processos já em operação por meio da analise de falhas que já
ocorreram; para diminuir os riscos de erros e aumentar a qualidade em procedimentos
administrativos (TOLEDO, 2009).
Conforme Stamatis (2003), o FMEA deve ser aplicado nas fases iniciais de projeto de
sistemas, produtos, componentes, serviços ou processos e deve ser continuamente reavaliada
durante toda a vida do sistema, produto, componente, serviço ou processo. O FMEA traz uma
sequência sistemática de avaliar as formas possíveis pelas quais um sistema ou processo está mais
sujeito a falhas. Essa ferramenta avalia a severidade das falhas, a forma como ocorrem e como
eventualmente poderiam ser detectadas antes de ocasionarem reclamações do cliente. Assim, com
base em três quesitos (severidade, ocorrência e detecção), o FMEA leva a uma priorização de quais
modos de falha criam maior risco ao cliente.
O índice de severidade deve refletir a gravidade do efeito da falha sobre o cliente. Os efeitos
das falhas devem ser examinados, classificando-se quanto ao grau de insatisfação que poderão
trazer ao cliente. Deve-se correlacionar cada efeito a uma escala de severidade, geralmente
escalonada de 0 a 10, com proporção direta entre o número da escala e a severidade
correspondente. A tabela 1 demonstra um exemplo dessa relação para indústria automotiva
(MIGUEL, 2001).
TABELA 1 – ÍNDICES DE SEVERIDADE
ÍNDICE
1
CRITÉRIO
sem gravidade
2
OBSERVAÇÃO
A ocorrência não causará nenhum efeito no sistema. O
cliente não será capaz de notar a ocorrência da falha.
Os efeitos quase não são percebidos.
gravidade baixa
3
O cliente não notará perda de desempenho do sistema.
4
perda progressiva de desempenho
5
gravidade moderada
O cliente notará a falha e ficará insatisfeito.
6
baixa eficiência
7
gravidade alta
8
O sistema poderá deixar de operar.
O cliente perceberá a falha e ficará muito insatisfeito.
9
Pode envolver problemas de segurança.
gravidade muito alta
10
FONTE: MIGUEL, 2001.
O cliente perceberá a falha e ficará muito insatisfeito.
37
A possibilidade de ocorrência é uma estimativa de probabilidades combinadas de ocorrência
de uma causa de falha e é determinada mediante uma “nota” para cada causa dessa falha. Se for
um produto ou processo novo, esse índice poderá ser determinado por dados estatísticos ou
relatórios de falhas de componentes similares. Se for um produto ou processo já existente, poderão
ser utilizados relatórios de falhas internas, gráficos de controle, dados de fornecedores ou dados
obtidos de controle estático do processo entre outros. A tabela 2 demonstra um critério de avaliação
sugerido.
TABELA 2 – ÍNDICES DE OCORRÊNCIA
ÍNDICE
1
2
3
CRITÉRIO
PROBABILIDADE
possibilidade
remota
0
rara
1 / 10.000
1 / 2.000
possibilidade
moderada
1 / 1.000
6
7
8
9
10
excepcional
1 / 20.000
possibilidade
baixa
4
5
OCORRÊNCIA
ocasional
1 / 200
possibilidade
alta
1 / 100
possibilidade
muito alta
1 / 10
frequente
1 / 20
inevitável
1/2
FONTE: MIGUEL, 2001.
O índice de detecção, geralmente em escala numérica de 1 a 10, estima a
probabilidade de detecção da causa/mecanismo potencial ou a habilidade dos controles previstos
em projeto de detectar o modo de falha antes do sistema, subsistema ou componente ser liberado
para a produção (MIGUEL, 2001). A tabela a seguir apresenta um exemplo.
TABELA 3 – ÍNDICES PARA DETECÇÃO
ÍNDICE
1
PROBABILIDADE DE DETECÇÃO OU PROBABILIDADE DO DEFEITO
CHEGAR AO CLIENTE
muito alta
2
0–5%
6 – 15 %
alta
3
4
16 – 25 %
moderada
26 – 35 %
38
5
36 – 45 %
6
46 – 55 %
7
56 – 65 %
baixa
8
66 – 75 %
9
76 – 85 %
muito baixa
10
86 – 100 %
FONTE: MIGUEL, 2001.
Calcula-se o número de prioridade de risco (RPN – risk priority number) para cada falha
levantada. O método mais utilizado para se medir o risco associado a cada modo de falha é a
multiplicação da pontuação dada para as classificações da severidade, ocorrência e detecção. Com
isso, tem-se uma escala que vai de 1 a 1.000 pontos, sendo 1 (um) baixíssimo risco ao cliente e
1.000 um risco crítico MIGUEL (2001). Esse índice é calculado pelo produto dos três índices
anteriores por meio da fórmula a seguir.
RPN = O x S x D, sendo:
RPN = número de prioridade de risco;
O = possibilidade de ocorrência;
S = índice de severidade;
D = índice de detecção.
Após a priorização dos riscos, definem-se medidas para a redução ou eliminação dos
maiores riscos. Segundo orientação do manual FMEA da QS9000 (CHRYSLER et al., 1997),
deverão ser estabelecidas ações para pontuações acima de 125 ou quando a severidade for igual a
10.
Na próxima figura, podem-se visualizar as entradas, processamento e saídas da FMEA.
FIGURA 11 – ENTRADAS, PROCESSAMENTO E SAÍDAS DO MÉTODO FEMA
entradas
processamento
Saídas
- requisitos dos
- Modos de falhas
priorizados conforme o
clientes, dos produtos,
- Descrever modos de falhas,
efeitos, causas, meios de
prevenção e de detecção.
dos processos e do
- Classificar a severidade, a
controle de processos
ocorrência e a detecção dos
modos de falhas e suas causas.
- informações históricas
de falhas e
confiabilidade
FONTE: Elaborado pelos autores
risco ao cliente
- Meios para detectar e
prevenir os modos de
falha
- Priorizar e definir ações que
- Ações para minimizar os
minimizem ou eliminem os
riscos de falhas.
riscos de falhas
39
3 METODOLOGIA
Conforme Cervo e Bervian (2002), as pesquisas podem ser classificadas pela natureza,
forma de abordagem, caráter do objetivo e procedimentos técnicos. Quanto à natureza, é um
trabalho aplicado, isto é, tem os conhecimentos gerados aplicáveis em um problema prático. Quanto
à forma de abordagem, pode-se classificar o trabalho como qualitativo, pois as avaliações e
discussões são subjetivas e baseadas na interpretação dos fatos. No tocante ao objetivo, pode ser
classificado como exploratório, pois, pela exploração das interfaces entre os métodos da qualidade,
propõe-se a integração deles. Em relação aos procedimentos técnicos, é uma pesquisa bibliográfica.
Para o alcance do objetivo traçado, seguiram-se as seguintes etapas de desenvolvimento:
a) determinação da abrangência da abordagem integrativa. Aqui, tomou-se como linha de
contorno da proposta de integração as ferramentas da qualidade mais úteis no processo
de melhoria contínua da qualidade, ou seja, ferramentas direcionadas à coleta de dados,
análise do problema, análise de falhas, solução de problemas e incremento da
confiabilidade;
b) identificação do funcionamento de cada método. A etapa foi realizada para a identificação
das entradas, do tipo de processamento e das saídas de cada ferramenta;
c) identificação e análise da integração entre os métodos. A análise foi conduzida com base
na lógica de concatenação entre os requisitos de entrada de cada ferramenta e suas
saídas, de modo a obter um quadro ou figura capaz de evidenciar como as ferramentas
podem ser concatenadas mutuamente.
4 INTEGRAÇÃO ENTRE FERRAMENTAS
A figura 12 ilustra a integração entre as oito ferramentas destacadas. O processo integrado
se inicia (olhando a figura de cima para baixo) com o brainstorming, que tem como sua entrada
“problemas apresentados”, registrado na coluna “entradas externas” à direita do quadro. As entradas
externas foram criadas de forma a diferenciá-las das “entradas internas”, que podem ser
identificadas internamente no quadro. Por exemplo, “fatos, dados e ideias agrupados e organizados”
são entradas internas das ferramentas: diagrama de relações, diagrama de Ishikawa e método de
solução de problemas (conforme se pode verificar pelas setas).
Voltando ao brainstorming, seu processamento se dá na forma de “geração de ideias”, de
maneira que suas saídas (“ideias filtradas, registradas e compactadas”) se constituem
automaticamente em entradas para o diagrama de afinidades.
O diagrama de afinidades, por sua vez:
a) organiza os fatos, dados e ideias;
b) agrupa os fatos, dados e ideias;
c) cria rótulos de identificação.
Esse processamento do diagrama de afinidades tem como saídas “fatos, dados e ideias
agrupados e organizados”.
Seguindo a figura 12, vem o diagrama de relações, o qual tem como entradas a apresentação
dos problemas (entrada externa), as saídas do brainstorming e as saídas do diagrama de afinidades.
O diagrama de relações identifica as relações e dependências entre fatos, dados e ideias
(processamento) para gerar as saídas as “relações de dependência identificadas”.
Depois, vem o histograma, que tem como entrada externa o “histórico dos dados“. O
histograma identifica o comportamento da dispersão dos dados (processamento) para gerar as saída
“comportamento da dispersão dos dados identificados”.
O diagrama de Pareto, a seguir, tem como entrada o “histórico dos dados” (entrada externa).
O diagrama de Pareto registra e analisa os dados, bem como identifica as causas principais do
problema. Como saídas, ele gera as “causas principais do problema identificadas”.
40
O diagrama de Ishikawa (causa e efeito) tem como entradas: as saídas do brainstorming, as
saídas do diagrama de afinidades, as saídas do diagrama de relações, as saídas do histograma e as
saídas do diagrama de Pareto. O diagrama de Ishikawa estrutura e classifica as causas dos
problemas (processamento) para gerar como saídas as “causas dos problemas, classificadas
segundo famílias afins”.
Abaixo vem o FMEA, o qual tem como entrada externa as “informações históricas sobre
falhas e sobre confiabilidade” e “os requisitos dos clientes, dos produtos, dos processos e do
controle de processos”. Tem como entradas internas as saídas do histograma, as saídas dos
diagrama de Pareto e as saídas do diagrama de Ishikawa. O FMEA descreve modos de falhas,
efeitos, causas, meios de prevenção e de detecção; classifica a severidade, a ocorrência e a
detecção dos modos de falhas e suas causas; prioriza e define ações que minimizem ou eliminem os
riscos de falhas. O FMEA tem como saídas os “meios de detecção e prevenção de falhas”.
Em último lugar, vem o método de solução de problemas, que tem como entradas as saídas
de todas as ferramentas anteriores. O método de solução de problemas:
a) define o tipo de modelo de solução do problema que será adotado;
b) testa o modelo e interpreta a solução;
c) estrutura a solução.
Como saída do método de solução de problemas, tem-se um modelo de solução definido e,
finalmente, a solução estruturada para o problema. Note-se que a saída do método de solução de
problemas é a única saída (saída externa) de todas as ferramentas integradas.
FIGURA 12 – INTEGRAÇÃO ENTRE AS FERRAMENTAS
ENTRADAS
EXTERNAS
Problemas
apresentados
SAÍDA
EXTERNA
PROCESSAMENTO INTEGRADO
BRAINSTORMING
Idéias filtradas, registradas
e compactadas
DIAGRAMA DE
AFINIDADES
Fatos, dados e
idéias agrupados e
organizados
DIAGRAMA DE
RELAÇÕES
Problemas
apresentados
Relações de
dependência
identificadas
Histórico dos
dados
HISTOGRAMA
Comportamento da
dispersão dos dados
identificados
Histórico dos
dados
Modelo de
solução
definido e
solução
implementada
DIAGRAMA DE
PARETO
Causas principais do
problema identificadas
Requisitos dos
clientes, dos
produtos,
dos processos e
do
controle de
processos
Informações
históricas de
falhas e
confiabilidade
DIAGRAMA DE
ISHIKAWA
Causas classificadas
segundo famílias afins
FMEA
Meios de detecção e
prevenção de falhas
MÉTODO DE SOLUÇÃO
DE PROBLEMAS
41
FONTE: Elaborado pelos autores
5 CONCLUSÕES
As diferentes ferramentas voltadas ao planejamento e controle da qualidade, disponíveis aos
gestores, se, por um lado, se mostram eficazes na realização de objetivos, por outro lado, são
tratadas de forma individual. Sem a integração entre elas, o gerenciamento da qualidade tende a ser
um processo fragmentado, incompleto e pouco eficiente. Essas ferramentas, da forma individual
como foram propostas, necessitam de interfaces com outras ferramentas.
A abordagem de integração aqui proposta vem ao encontro dessa necessidade gerencial, na
medida em que identifica e explora as possibilidades de entrelaçamento entre as ferramentas
apontadas. Trata-se de uma abordagem integrativa de ampla aplicação, ou seja, que se ajusta tanto
em ambientes de manufatura quanto em ambientes de prestação de serviços.
Entre todas as ferramentas propostas, destaca-se a importância da análise FMEA e o método
de solução de problemas, pois são as ferramentas que apresentam o maior número de entradas
dentre todas as outras e são as únicas que interferem diretamente no processo. Dessa forma, são os
métodos mais impactantes na melhoria contínua, cerne do movimento da qualidade total. Por essa
interferência direta no processo, são “ferramentas-fim”, enquanto as demais ferramentas,
brainstorming, diagrama de afinidades, diagrama de relações, diagrama de Pareto, histograma e
diagrama de Ishikawa fornecem resultados parciais: informações que devem ser analisadas e
processadas e levadas adiante para se obter o fim preconizado pela melhoria contínua – uma
solução estruturada do problema.
O FMEA é a única ferramenta que atua efetivamente em falhas potenciais, além de analisar
o prejuízo que a falha pode causar, a possibilidade de ocorrência da falha e como essa falha pode
ser detectada antes que o produto chegue ao cliente. Por outro lado, o método de solução de
problemas desenvolve um modelo para testar uma alternativa de solução e escolher a que melhor se
adequou ao estudo e prever o comportamento do sistema. Dessa forma, ao se testar o modelo e
descobri-lo eficiente, indiretamente se soluciona o problema.
Quando a abordagem integrada estiver sendo executada com vistas a corrigir pequenos erros
ou falhas, isto é, atuando sobre o sistema produtivo (que se descontrolou), para que os processos
voltem aos padrões operacionais previamente definidos, o processamento integrado estará agindo
no que se pode denominar “melhoria de controle”. Ao aplicar-se a abordagem integrativa em
processos originalmente ruins (processos originalmente incapazes) com o objetivo de melhorar
esses processos em termos da redução da sua variabilidade, o enfoque da melhoria contínua é o de
“melhoria reativa”. De outra maneira, a abordagem integrativa pode ser utilizada no estudo de
problemas potenciais que concernem ao atendimento das expectativas dos clientes. Esse tipo de
melhoria será classificado como melhoria proativa.
REFERÊNCIAS
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de tubos PVC extrudados. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica) – Programa de PósGraduação, UNESP, Ilha Solteira, 2004.
CAMPAGNARO, C. A. Proposição de uma estrutura referencial para tratamento de nãoconformidades em componentes produtivos do setor automotivo. 1990. 92 p. Dissertação
(Mestrado em Engenharia de Produção e Sistemas) – Programa de Pós-Graduação, PUCPR,
Curitiba, 2007.
CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002.
42
CHRYSLER CORPORATION; FORD MOTOR COMPANY; GENERAL MOTORS CORPORATION.
Advanced Product Quality Planning (APQP) and Control Plan. IQA, 1997.
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Christiano Ottoni, 1996.
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Programa de Pós-Graduação, PUCPR, Curitiba, 2005.
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KELLER, C. W. QOS – a simple method for a big or small. Quality Progress, Chicago, v. 36, n. 9, p.
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educação. Seminário “Gestão da Qualidade na Educação: em busca da excelência”. Texto para
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44
45
OPERAÇÕES PROBLEMÁTICAS DE
FUSÕES E AQUISIÇÕES
PROBLEMS IN OPERATIONS OF
MERGERS AND ACQUISITIONS
PROBLEMAS EN OPERACIONES DE
FUSIONES Y ADQUISICIONES
ROBERTO MINADEO
Doutor em Engenharia de Produção,
Professor e pesquisador do Mestrado em Administração – UNIEURO
46
RESUMO
Os diversos estudos que tratam de fusões e aquisições (F&As) tendem a enfatizar os aspectos
positivos – ou sua necessidade enquanto parte de uma necessária consolidação de um setor da
economia. O presente artigo visa constituir um contraponto; assim, realiza uma categorização de
operações problemáticas, com o intuito de auxiliar o tomador de decisões a ter algo bem mais amplo
do que um simples check-list, ao verificar se de fato a F&A em foco está ajustada aos mais amplos
objetivos estratégicos de um negócio. Algumas operações foram comentadas, porém uma análise
ampla de cada operação descaracterizaria a finalidade do artigo, bem como as limitações de espaço.
Palavras-chave: fusões e aquisições, estratégia empresarial, gestão empresarial.
ABSTRACT
The various studies dealing with mergers and acquisitions (M&As) tend to emphasize the positive
side of the question – or the need of them as part of one necessary consolidation of certain sector of
the economy. This article is intended as a counterpoint, so place a categorization of operations, in
order to assist the decision maker to go beyond than a simple checklist, verifying if indeed the M&As
planned is adjusted to the broader strategic objectives of the long term of the business. Some M&As
were commented, bun one deep analysis of each one was not the articles purpose, and would
extrapole the space of the article.
Keywords: mergers and acquisitions, business strategy, management.
RESUMEN
Los distintos estúdios que se ocupan de las fusiones y adquisiciones tienden a enfatizar los aspectos
positivos – o su necesidad como parte de una necesaria consolidación de um determinado sector de
la economía. Este artículo está pensado como un contrapunto, para realizar una categorización de
las operaciones de cuestiones a fin de ayudar a la toma de decisiones en estas operaciones. El texto
represental algo mucho más grande que una simple lista de verificación, intentando verificar se La
fusión o adquisición está ajustada a los objetivos estratégicos más amplios y de longo plazo del
negocio. Algunas operaciones fueron comentadas, todavia, una ampla análisis de todas no constituía
la finalidad del artículo, ní habia espacio para que se llevara adelante.
Palabras claves: fusiones y adquiciones, estrategia de negócios, gestión.
47
1 INTRODUÇÃO
Os seguintes elementos já foram exaustivamente divulgados: a) o acirramento da
concorrência; b) o advento da Tecnologia da Informação e suas consequências; c) o maior nível
cultural médio dos funcionários; d) um maior conjunto de elementos padronizados entre
consumidores de todo o mundo – apesar de haver espaço para preferências locais; e) os inúmeros
efeitos do que se convencionou denominar globalização. Como consequência, diminui-se o número
de players, mediante consolidações, havendo necessidade de maior capacidade de escala para se
manter em inúmeros mercados. O presente artigo pretende apresentar um contraponto ao
amplamente conhecido tema das fusões e aquisições (F&As), mostrando operações problemáticas.
Após um breve referencial teórico focalizado em F&As, relacionam-se diversas categorias de
operações que apresentaram problemas. Algumas delas mereceram breves análises – porém não
haveria espaço para que todas passassem por um maior aprofundamento, enquanto, por outro lado,
esse não representa o objetivo do artigo, que pretende demonstrar a gestores dos mais diversos
tipos de stakeholders alguns problemas ocorridos, de modo a orientar possíveis operações, a fim de
evitar a repetição de alguns desses erros.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O crescimento do interesse do público por um novo produto, como os computadores
pessoais, significa um potencial de obtenção de margens de rentabilidade atrativas, ingressando
novos players no setor e acirrando a concorrência. Todavia, com o tempo, o crescimento passa a ser
menor, e, em inúmeros setores da economia, tem-se observado uma tendência de consolidações em
um número menor de players, mas capacitados aos fortes investimentos necessários para se
manterem competitivos. Normalmente, ocorrem operações de fusões e aquisições (F&As) como
instrumento dessa consolidação. Por exemplo, de 1957 a 1973, a norte-americana Emerson Electric
adquiriu 22 empresas (GRIFFIN, 1996).
Segundo Porter (1993), na Grã-Bretanha a rivalidade é tradicionalmente cavalheiresca, sendo
a fusão, ao invés da competição, a opção mais utilizada, o que perpetua a falta de dinamismo e
corrói ainda mais a posição de mercado dos produtores locais. Assim ocorreu com a indústria
automobilística, na fusão da Austin com a Morris, criando a British Motor Corp., em seguida fundida
com a Leyland, originando a British Leyland. O autor aduz que British Leyland, Imperial Chemical
Industries e Alfred Herbert também são exemplos de que a consolidação de uma indústria nacional
raramente é bem-sucedida. Afirma ainda que as fusões, aquisições e alianças que envolvem líderes
setoriais deveriam ser proibidas. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a outro setor em que a
indústria britânica fora líder, o de motocicletas, que veio a ruir ante a concorrência com os
fabricantes japoneses, apesar de inúmeras fusões realizadas.
A situação britânica parecia não diferir totalmente de outros países europeus, até alguns anos
atrás, ao menos em alguns setores. Assim, a Comissão Europeia multou a alemã E.ON e sua rival
francesa, GDF Suez, em € 553 milhões cada uma, por recusar a competir. O organismo regulador
afirmou que uma unidade da E.ON, a Ruhrgas, e a GDF Suez concordaram, em 1975, em não
vender o gás importado da Russia aos mercados domésticos atendidos pela outra, após fazerem um
gasoduto conjunto da Rússia à Europa Ocidental; a Gaz de France detinha monopólio, na França, o
qual expirou no ano 2000. A situação da Ruhrgas era mais complexa, entretanto, a partir de 1998
não mais teria direitos monopolísticos. Tanto a E.ON quanto a GDF Suez têm sido poderosas em
seus mercados domésticos. As pesadas multas enviam ao mercado um sinal forte de que a
comissão não tolerará qualquer forma de comportamento anticompetitivo. Os consumidores de dois
dos maiores mercados europeus pagam mais enquanto suas companhias lucram com a situação. O
acordo foi mantido mesmo após a liberalização do mercado do gás natural europeu, e apenas
abandonaram definivamente a prática em 2005. A E.ON adquiriu a Ruhrgas, renomeada E.ON
Ruhrgas, em 2003. A Gaz de France se fundiu com a Suez em 2008, surgindo a GDF Suez
(SALTMARSH, 2009).
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) fora criado em 1962, no Brasil,
contudo, segundo Câmara et al. (2009) foi praticamente recriado em 1994, pois a Lei 8.884/94
48
propiciou maior autonomia perante o governo. Essa medida deu-se por fatores como a abertura da
economia, a privatização, a desregulamentação e a estabilização monetária. As principais causas
que reclamam a atuação do CADE são aquelas que: a) desencorajam o ingresso de novos
concorrentes – o que pode levar à prática de preços abusivos; b) levam à redução do número de
concorrentes; c) podem produzir eficiência duvidosa.
A literatura econômico-financeira internacional, produzida nos EUA, assinala quatro ondas de
F&As, que desempenharam um papel crucial na concentração de capitais, reestruturação
operacional e consolidação de setores econômicos. Foram elas: The Great Merger Wave (18871904); The Merger Movement (1916-1929); The 1960s Conglomerate Merger Wave e The Wave of
the 1980s (SCHERER; ROSS, 1990). Apenas entre 1895 e 1904, ocorreram 157 transações
relevantes, excluídas as do setor ferroviário. Alfred Chandler – iniciador da área de pesquisa em
história empresarial de Harvard – conclui que as empresas que continuaram independentes o
fizeram ao alcançar importantes eficiências operacionais mediante esforços de verticalização.
Aproximadamente um terço das independentes faliu um ano após importantes consolidações no
setor (MORRIS, 2005).
Além dessas ondas, destacam-se movimentos consolidadores, pelos quais uma companhia
adquireiu várias outras de seu setor, ganhando escala. Assim, Camargos e Minadeo (2007) apontam
a Varig, que, mediante inúmeras aquisições chegou a deter cerca de 50% do mercado interno da
aviação e 100% dos voos internacionais com a bandeira brasileira.
Segundo Cartwright e Schoenberger (2006), há três motivos que trazem problemas em F&As:
a) as empresas estão realizando aquisições não motivadas por interesses de maximização; b) as
prescrições das pesquisas acadêmicas não estão atingindo a comunidade dos executivos; c) as
pesquisas até o momento estão incompletas em certo sentido.
No primeiro caso, mencionam uma pesquisa em que 26% das F&As internacionais feitas por
empresas norte-americanas foram guiadas por razões que beneficiavam mais os executivos do que
as companhias. Quanto ao segundo motivo, afirmam que as pesquisas surgem com frequencia na
mídia; porém cabe argumentar se o executivo – cada vez mais atormentado e exigido na atualidade
– possui condições de compreender pesquisas difíceis, mesmo para pesquisadores de tempo
integral, em função da linguagem hermética usada em alguns casos ou de modelagens matemáticas
de compreensão problemática. Em relação à terceira causa, apontam duas meta-análises, que
coincidem ao afirmarem que, no tocante aos resultados pós-aquisição, há falta de modelos que
auxiliem na compreensão dos resultados.
Uma meta-análise é uma técnica estatística que integra os resultados de dois ou mais
estudos sobre certa questão, mediante uma sistemática revisão de literatura. Segundo Halsall
(2008), é errônea a visão de que há vencedores e vencidos no processo de F&As – erro esse que
atrapalha uma análise serena das operações.
Assim, desde 2000, as maiores empresas de mídia demonstraram em seus balanços perdas
de ativos em cerca de US$ 200 bilhões, o que ultrapassa o valor de aquisições, investimentos
estratégicos e contratos de novos talentos. Isso parece encaixar-se no tipo de aquisição que
beneficia mais os executivos do que as empresas adquirentes. Uma análise mais ponderada atribui
grande parte dessas perdas ao advento de novas tecnologias atreladas ao fenômeno da Internet,
porém muitos bilhões foram perdidos em aquisições a preços acima do razoável ou em operações
sem sinergias, como Knee e Greenwald (2009 apud HURT III, 2009) apresentam nos quadros 2 e 7.
Em relação à repercussão das pesquisas na mídia, cabe apresentar duas operações
ocorridas em 1999, envolvendo empresas alemãs e britânicas: a compra hostil da Mannesmann pela
Vodafone e a venda de quase toda a Rover pela BMW, após a soma prejuízos nos cinco anos em
que a Rover esteve sob o controle da BMW. Se uma oferta for considerada hostil, por não atender
aos melhores interesses dos acionistas, pelos gestores da adquirida, a decisão irá diretamente aos
acionistas, e esses gestores perderão seus cargos, caso a operação for consumada. Depois de
inúmeras polêmicas com governantes e empresários – apelando-se a vários argumentos
preconceituosos –, a reação nacionalista alemã à oferta hostil da Vodafone foi desproporcional,
sendo sinal de maturidade que tenha sido consumada, após aceita pelos acionistas. Por outro lado,
a venda da Rover foi tratada na Inglaterra de modo mais hostil do que a compra amigável da RollsRoyce pela Volkswagen – desconsiderando-se os aspectos empresariais de uma decisão racional
por envolver uma empresa deficitária. Aliás, parte Rover foi adquirida por um grupo local de
49
investidores, com apoio do governo, contudo faliu, com alguns ativos adquiridos posteriormente por
firmas chinesas.
Ainda podem ser mencionadas F&As que auxiliam algumas companhias com recursos
públicos, todavia de duvidoso interesse social. Assim, F&As de bancos agravaram a crise financeira
ao transformar empresas que já eram grandes em gigantes, afirmou Nouriel Roubini, professor da
Universidade de New York, o qual previra a crise financeira dos empréstimos subprime, iniciada em
2008. Os maiores negócios foram: a) o JPMorgan Chase & Co. adquiriu o Bear Stearns, com a ajuda
do Federal Reserve; b) o Bank of America Corp. adquiriu a Merrill Lynch & Co.; c) o Wells Fargo &
Co. adquiriu o Wachovia; d) o PNC Financial Services Group adquiriu o National City Corp. Roubini
afirma que esses grandes bancos se tornaram grandes demais para falir, de modo que obrigaram o
governo a auxiliá-los, o que Roubini não considera a melhor alternativa. Os bancos do mundo inteiro
somaram US$ 1,29 trilhão em prejuízos com crédito vinculados à crise de imóveis residenciais desde
2007. Esse fato criou a primeira recessão simultânea em EUA, Europa e Japão desde a II Guerra e
obrigou o governo dos EUA a comprometer US$ 12,8 trilhões para estabilizar o sistema bancário e
revitalizar a economia – o que significa US$ 42.105 por cidadão do país (THOMASSON; KEENE,
2009).
Até caberia discutir se não seria mais produtivo emprestar recursos diretamente aos cidadãos
envolvidos na crise – isso poderia ser mais facilmente administrável e menos polêmico do que
envolver recursos dez vezes superiores aos bancos em uma problemática tentativa de salvar
instituições que cometeram uma gestão ao menos temerária. Ainda em relação à crise bancária,
John Reed, que foi um dos responsáveis pela fusão do Citicorp (atividades bancárias) com o
Travellers (seguros e corretagem), em 1998, originando o Citibank. Em abril de 2008, passou a
desculpar-se publicamente com a operação, vendo-se pai de um “frankenstein”, e pedindo maior
controle das autoridades, além de não ser mais favorável a que uma mesma companhia atue em
todos os setores da área financeira (I´M SORRY..., 2009).
Assim, existem F&As problemáticas – objeto principal deste artigo. Já existem inúmeras
críticas a esse respeito: John LaMattina aposentou-se da presidência de Pesquisa &
Desenvolvimento da Pfizer, em 2007, publicou uma obra afirmando que a consolidação do setor
farmacêutico provavelmente estava influindo sobre a invenção e o desenvolvimento de novos
medicamentos, por causa do fechamento de vários centros de pesquisa.
James Block teve papel crucial em dois medicamentos (o propranolol, primeiro
betabloqueador a combater a hipertensão, e a cimetidina, que atua contra a úlcera péptica),
recebendo o Nobel de Medicina em 1988. Aos 83 anos, Block desconfia das megafusões entre os
grandes laboratórios – como a compra da Wyeth pela Pfizer por US$ 68 bilhões em 2009, sugerindo
que a nova entidade ficaria paralisada dois anos e perderia muito de sua capacidade de inovação.
De fato, em novembro de 2009, a Pfizer anunciou o fechamento de seis de seus 20 centros de
pesquisa – cortando aproximadamente dois mil cientistas.
Outra situação problemática advinda de F&As: em 2009, com a queda das vendas de
veículos e a desaceleração econômica, o diversificado grupo indiano Tata, dos maiores do país,
apresentou prejuízos, em parte por ter adquirido a siderúrgica europeia Corus e as montadoras
britânicas Jaguar e Land Rover (JACK, 2009a; JACK, 2009b; LEAHY, 2009; PFIZER VAI..., 2009).
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa pode ser classificada como exploratória e analítica, com enfoque qualitativo, pois,
além de classificar diversos processos problemáticos de fusões e aquisições (F&As), analisou
diversos aspectos relacionados às estratégias e aos equívocos cometidos. Quanto ao método, tratase de uma análise, realizada com base em dados secundários, sem pretender esgotar os exemplos
de nenhuma categoria.
Ainda quanto ao método, a pesquisa também foi histórica – método que pressupõe as
instituições terem-se originado no passado, sendo necessário pesquisar suas raízes, visando
compreender sua natureza e função. Esse método consiste em investigar ocorrências, processos e
instituições do passado para verificar sua influência no presente (LAKATOS; MARCONI, 1991).
50
A pesquisa documental teve como principais fontes de informação: a) dissertações, artigos e
livros acadêmicos, de negócios e de históricos empresariais, no tocante ao tema de F&As e
empreendedorismo; b) imprensa especializada: Exame, O Estado de S. Paulo, Época Negócios,
IstoÉ Dinheiro e Aero Magazine. Para que as referências on-line não se repetissem, não foram
colocados em cada artigo a fonte e o dia de acesso, quando este foi no próprio dia de sua
publicação. As fontes on-line foram: BBC Online: <http://www.bbc.com>; Business Week Online:
<http://www.businessweek.com>; Portal Exame: <http://www.exame.com.br>; Portal Terra:
<http://www.terra.com.br>; O Estado de S. Paulo Online: <http://www.estadao.com.br>; Folha de
S.Paulo: <http://www.folha.com.br>; Valor Online: <http://www.valor.com.br>; Chicago Tribune
Online: <http://www.chicagotribune.com>; Los Angeles Times Online: <http://www.latimes.com>;
USA
Today
Online:
<http://www.usatoday.com>;
The
New
York
Times
Online:
<http://www.nytimes.com>.
A coleta de dados foi feita mediante um acompanhamento dessas fontes, visando encontrar
operações problemáticas de F&As. As categorias de divisão das F&As problemáticas foram de
criação do autor, sem pretender esgotar as possibilidades existentes, conforme tabela 1.
TABELA 1 – APRESENTAÇÃO DOS QUADROS COM OS CRITÉRIOS DE CATEGORIZAÇÃO
ADOTADOS.
QUADRO
CRITÉRIOS DE CATEGORIZAÇÃO
1
operações problemáticas por falta de integração
2
operações problemáticas por falta de sinergia
3
problemas em função de resultados fracos ou problemas da adquirida
4
problemas sobre diferença entre as culturas das organizações
5
operações que representaram injusta diminuição da concorrência
6
demora na reestruturação, na comunicação ou perda de motivação
7
falhas por: preço elevado, equipamentos obsoletos, timing inadequado ou
endividamento elevado
8
acordos confusos ou envolvendo interferências governamentais
9
problemas em função de elevado endividamento
Foi necessário estudar cuidadosamente cada operação visando enquadrá-la na categoria
julgada mais apropriada pelo autor. Isso foi possível em função de um certo trabalho de garimpagem
já ao buscar F&As problemáticas, objetivando desde o início o estabelecimento das causas dos
problemas, para sua posterior categorização, mediante uma análise individualizada. Observe-se que
cabem interpretações diversas na categorização de certa operação, ou seja, não há regras fixas ou
matemáticas nesse tema.
4 RESULTADOS E ANÁLISES
Note-se que podem parecer semelhantes falta de integração e falta de sinergia. Considerouse falta de sinergia quando dois negócios não possuem quaisquer pontos em contato. Já a falta de
51
integração existe quando, mesmo havendo possíveis sinergias, essas não foram estruturadas pela
equipe gestora.
QUADRO 1 – OPERAÇÕES PROBLEMÁTICAS DEVIDAS À FALTA DE INTEGRAÇÃO
1 A GM, liderada por Durant, adquiriu inúmeras montadoras e fábricas de autopeças, porém cada
administrador de divisão comprava seus materiais de forma independente – inclusive de concorrentes
da própria empresa. Quando Sloan e DuPont assumiram a empresa, no início dos anos 20, os
estoques somavam astronômicos US$ 200 milhões, em valores da época. Não fossem os recursos
imensos auferidos com os lucros da DuPont durante a I Guerra, não teria havido condições para a
sobrevivência da GM (LIVESAY, 1979).
2 À beira da falência, a Standard-Triumph, produtora de automóveis esportivos e de uso familiar, foi
adquirida em 1960 pela Leyland Motor Corp., maior produtora britânica de ônibus e caminhões e que
reestruturou a adquirida, conseguindo algum equilíbrio em seus resultados. Mas, com a maior
concorrência, em 1968, a Leyland-Triumph se fundiu à BMC – outra produtora problemática de
veículos. Percebeu-se logo, todavia, que ambas estavam com equipamentos obsoletos e sem
recursos para modernizações. Houve falhas na integração, com imediatas hostilidades entre as
equipes das empresas que estavam tentando se fundir. Em 1981, a produção foi encerrada; a Volvo
adquiriu os negócios de produção de ônibus e a holandesa DAF os de caminhões, mas ambas
operações foram encerradas ao início dos anos 90 (GRIFFIN, 1996).
3 Em 1968, a General Foods – produtora de alimentos – adquiriu a Burger Chef – cadeia de fast-food
com 700 restaurantes – por US$ 16 milhões. A operação foi uma resposta diante da proibição imposta
pela Federal Trade Commission a que a General Foods adquirisse empresas que vendessem a
supermercados. Somente em 1972, a Burger Chef teve prejuízos de US$ 83 milhões (AAKER, 1998).
4 Em 1991, a Matsushita adquiriu a MCA por US$ 5,6 bilhões. A adquirida detinha ativos como
Universal Pictures, um catálogo de filmes e músicas, os parques temáticos da Universal, editoras
(Grosset & Dunlap, Putnam´s e Perigee), 33% da United International Pictures, 49% da Cinema
Inernational, MCA TV e Home Video. Entretanto, quatro anos depois, a Matsushita vendeu 80% da
MCA à Seagram, realizando US$ 1,2 bilhão de prejuízos (GRIFFIN, 1996).
5 Entre 1988 e 1996, mediante uma agressiva política de aquisições, o faturamento da ABB atingiu
US$ 34 bilhões com US$ 1,2 bilhão de lucros e valor de mercado de US$ 40 bilhões. Em 1997, a
empresa começou a se afastar da indústria pesada e a diversificar; em 2001, suas ações caíram 70%
em relação ao pico do ano anterior. Em 2002, já havia perdido US$ 600 milhões em receitas fixas, e
as dívidas cresciam rapidamente (ROSENZWEIG, 2008).
6 A Pharmacia e a Upjohn se fundiram em 1995, porém nunca houve integração das atividades. A
Pharmacia buscava distribuição nos EUA, enquanto a Upjohn estava carecendo de novos produtos em
desenvolvimento. A fusão em nada resolveu esses pontos e não trouxe sinergias. Houve problemas
culturais: os suecos ficaram atordoados com a rigorosa abordagem de missão dos norte-americanos;
estes, por sua vez, estranharam os hábitos de férias dos europeus. No ano 2000, a Pharmacia &
Upjohn e a Monsanto se fundiram, mas o negócio foi desfeito por causa da falta de sinergias entre a
Monsanto e uma produtora de medicamentos. A Pharmacia & Upjohn veio a ser adquirida pela Pfizer
(KANTER; DRETLER, 1998; ROBERT, 1988; KOTABE; HELSEN, 2000; FOSTER; KAPLAN, 2002).
7 A fusão entre a AOL e a Time Warner, ocorrida em 2000, ainda não estava mostrando resultados
positivos sete anos depois. Os setores de alta tecnologia e de telecomunicações apresentam inúmeras
F&As mal-sucedidas por causa do elevado aparato regulatório e das constantes mudanças
tecnológicas, o que pode desnortear os tomadores de decisões (ROSENBUSH, 2007).
8 O grupo Pão de Açúcar fez 26 aquisições de 1996 a 2006; a estrutura inchou, e as receitas não
subiram de 2004 a 2006. Os lucros desse último ano foram os menores desde 1999. As despesas
operacionais do Pão de Açúcar foram de 20,9% em 2004, contra 19% dos rivais Carrefour e Wal-Mart.
Assim, em 2006, houve 100 demissões em cargos executivos, redução de níveis hierárquicos, e a
agência de publicidade interna reentrou em cena. As bandeiras Extra, Pão de Açúcar, CompreBem,
Sendas e Extra Eletro haviam-se tornado quase empresas independentes (MEYER, 2007).
9 Com o final das taxas de corretagens fixas nos EUA, em 1975, a Paine Webber ingressou no setor
de bancos de investimentos e ampliou sua presença geográfica. Diversas tentativas de fusões não
52
foram bem-sucedidas. A fusão com o banco de investimentos Blyth Eastman Dillon, em 1979, foi um
fiasco, pois coincidiu com uma explosão no volume de vendas de ações, emperrando os sistemas das
duas companhias, perdendo-se negócios e tingindo o balanço desse ano de vermelho (GRIMES,
2009).
10 Em 1984, a IBM adquiriu a Rolm Corp., que detinha 9.902 funcionários A aquisição foi um fiasco,
pois a tecnologia da Rolm a que a IBM visava era a de produtos para PBX. Ao integrar a Rolm, os
ativos foram minados, pois suas margens eram menores do que as praticadas pela IBM (PUGH, 1995;
CHRISTENSEN, 2001).
11 Em 2009, a Warner Bros. adquiriu a Midway Games, da Viacom, por US$ 33 milhões. A Viacom
comprara a Midway cinco anos antes, porém jamais lucrara em sua gestão, tendo perdido cerca de
US$ 700 milhões no negócio, sem integrá-la às suas demais atividades (FRITZ; PHAM, 2009).
12 A Alcatel e a Lucent se fundiram em 2006. Mas, após a fusão, em seis trimestres houve prejuízos
superiores a US$ 4,5 bilhões, e o valor da empresa caiu pela metade. A Lucent – parte da qual era
cindida do monopólio AT&T – era muito centralizada, e sua integração ao grupo francês foi complexa.
Dado que a Lucent possuía longos relacionamentos com poucos clientes, sua área de marketing era
fraca. Pelo contrário, a Alcatel operava como uma federação, dotando os líderes regionais de forte
autoridade, e seu marketing era forte. Foi criado um comitê de 14 pessoas, equilibradas entre Lucent e
da Alcatel. Todavia, após 11 meses, o grupo foi cortado pela metade, e um tempo precioso se
perdera. Os clientes foram aos concorrentes, e a Alcatel-Lucent começou a fazer grandes descontos,
minando seus lucros. O fato de a presidente, Patricia Russo, estar em Paris atrapalhou o
relacionamento com seus conhecidos clientes dos EUA (BOSSIDY; CHARAN, 2005; MATLACK;
SCHENKER, 2008).
13 A AT&T cindiu sua área de P&D, criando a Bell Labs, que se fundiu à Western Electric, base da
Lucent. Esta não se organizou, por exemplo; investiu para instalar o software de gestão da SAP,
entretanto não mudou seus processos de trabalho, de modo a se beneficiar do melhor fluxo de
informações. A Lucent fez aproximadamente 30 aquisições, crescendo 50% em sua força de trabalho
e chegando a 160 mil pessoas, o que gerou redundâncias, custos excessivos e menor visibilidade.
Além disso, as dívidas geradas pelas aquisições quase levaram a empresa à quebra (BOSSIDY;
CHARAN, 2005).
FONTE: compilado pelo autor.
Ao se analisar a retrospectiva da Lucent, com esse elevado volume de aquisições em pouco
tempo, uma fusão com outra grande organização não parece, ao menos à primeira vista, o mais
oportuno a se fazer. Ou seja, nada substituiria o trabalho interno de reestruturação, eliminação de
duplicidades e criação de valor com as sinergias obtidas mediante as aquisições, desde que essas
tivessem de fato sido norteadas por uma racional estratégica.
A General Foods apenas seguiu a moda de empresas produtoras de alimentos tentarem
verticalizar rumo à compra de cadeias de fast-food, e todas essas operações revelaram um fiasco.
QUADRO 2 – OPERAÇÕES PROBLEMÁTICAS DEVIDAS À FALTA DE SINERGIA
1 Nos anos 80, a agência de propaganda Saatchi & Saatchi adquiriu inúmeras empresas de
consultorias, relações públicas e de apoio, vindo a enfrentar sete anos de prejuízos e revendendo
várias dessas empresas com prejuízos (ZOOK; ALLEN, 2001; ROSENBUSH, 2007).
2 Nos anos 80, a cervejaria Anheuser-Busch adquiriu a Eagle Snacks, vendida na década seguinte à
Frito-Lay, após US$ 120 milhões em prejuízos, pois não houve sinergia entre cerveja e salgadinhos,
apesar de o consumo poder ser simultâneo (ZOOK; ALLEN, 2001; ROSENBUSH, 2007).
3 A Mattel ingressou em software, adquirindo a The Learning Co., da área tecnológica, por US$ 3,8
bilhões em 1999, revendida logo, após prejuízos que quase custaram a sobrevivência da empresa e a
53
saída de seu presidente, Jill Barad (ZOOK; ALLEN, 2001; ROSENBUSH, 2007).
4 As tentativas da Allegis em atender às necessidades do viajante, integrando United Airlines,
locadora Hertz e hotéis Westin foi um fiasco (GRANT, 1995).
5 Em junho de 2008, a Fender Musicals Instruments adquiriu a Groove Tubes, produtora de válvulas,
com quase 30 anos de existência e 35 funcionários. Contudo, a demanda por válvulas não era mais
suficiente, e anunciou-se a descontinuidade das operações da Groove, em novembro, apesar de ser o
melhor fabricante desse produto e ter sobrevivido sobre seus concorrentes (HSU, 2008).
6 Em 1983, a Quaker adquiriu a fabricante do Gatorade –praticamente o único produto dessa
categoria que apresentava rápido crescimento. Em 1993, a Quaker comprou a Snapple por US$ 1,7
bilhão. Quatro anos depois, a Snapple foi revendida com prejuízo de US$ 1 bilhão. Havia pouca
sinergia entre o Gatorade e a Snapple. Em função disso, em 2000, a Pepsi, interessada no Gatorade,
adquiriu toda a Quaker (GRIFFIN, 1996; DEIGHTON, 2002; ZOOK; ALLEN, 2001).
7 A Pan Am adquiriu a National Airlines, por US$ 374 milhões, pelo fato de apenas deter linhas aéreas
internacionais desde os EUA e não contar com ligações domésticas. Logo após a compra, em 1978,
veio a desregulamentação, ou seja, adquiriu-se caro algo que teria sido gratuito logo depois. Outro
problema: as empresas não tinham nenhuma sintonia (UBIRATAN, 2008a).
8 Em 1986, a GE adquiriu a Kidder Peabody, empresa de investimentos, porém a maior parte dos
ativos desta foi vendida à Paine Webber, em 1994 (MARTIN, 2009).
9 A esperada sinergia quando da compra da Capital Cities/ABC pela Disney, em 1996, não só não
ocorreu como também a rede adquirida caiu da primeira à terceira posição, e os lucros da Disney
foram ampliados pelos aumentos dos preços de seus parques (KNEE; GRENNWALD, 2009).
10 Ao longo de 12 anos, a Cendant, controlada pelo empresário Henry R. Silverman, adquiriu
empresas diversas, como as redes de hotéis Howard Johnson e Days Inn, Century 21 (de
intermediações imobiliárias, a locadora Avis, a central de reservas Galileo) e empresas de serviços
financeiros, incluindo preparação de impostos e seguros. A empresa chegou a 2002 com dívidas de
US$ 5,2 bilhões. A bolsa cotava suas ações a uma relação preço/lucro de apenas sete (BARRETT,
2002).
FONTE: compilado pelo autor.
Cabe observar que a falta de integração do quadro anterior se refere a empresas do mesmo
setor de atividade. O quadro 2 trata de aquisições de empresas de setores diversos ou
complementares, à espera de obtenção de ganhos em função de sinergia.
QUADRO 3 – PROBLEMAS EM FUNÇÃO DE RESULTADOS FRACOS OU PROBLEMAS DA
ADQUIRIDA
1 Em 2006, a AMD adquiriu a ATI Technologies Inc. por US$ 5,6 bilhões, lançando grande parte desse
valor como prejuízo, em função da performance abaixo do esperado da ATI. Além disso, a Advanced
Micro atrasou o lançamento de seu chip Opteron perdendo competitividade com a Intel e cortando
10% de seus trabalhadores, ou 1.800 pessoas (SAMUELS, 2008).
2 Em 2004, o grupo Saúde ABC adquiriu a carteira de 166 mil clientes da Interclínicas, plano de saúde
que estava sob intervenção da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e enfrentava
dificuldades – com dívidas de R$ 100 milhões. De acordo com a ANS, a Saúde ABC se comprometeu
a preservar aos associados da Interclínicas as condições contratuais de atendimento, preço e
carência. A Saúde ABC assumiu a operação do Hospital Evaldo Foz e dos 12 centros médicos da
Interclínicas. Fundada em 1995, a Saúde ABC detinha uma carteira de 175 mil clientes e faturamento
anual de R$ 178 milhões. Em 2004, a Avimed absorveu o grupo Saúde ABC. No início de 2009, com
216 mil vidas, foi a vez de a Avimed enfrentar problemas, pois 57% de seus planos eram
54
representados por pessoas físicas – grande parte deles herdados da antiga Interclínicas (KOIKE,
2009).
3 Em 2009, o Yahoo anunciou o fechamento do GeoCities, serviço gratuito que hospeda páginas
pessoais de consumidores, o qual fora adquirido por mais de US$ 4 bilhões dez anos antes (FIM...,
2009).
4 Em 2008, a japonesa Daiichi Sankyo adquiriu 64% da fabricante de genéricos indiana Ranbaxy, cuja
direção já se encontrava na terceira geração e estava em um momento de dificuldades com as
autoridades norte-americanas reguladoras do setor. Logo em seguida, a queda de 40% das
exportações da adquirida aos EUA e a queda do valor das ações fizeram a Daiichi publicar prejuízos
de US$ 3,7 bilhões por conta dessa aquisição (LAMONT; WHIPP, 2009).
5 Em 2008, formou-se a Santelisa Vale, pela fusão das usinas Santa Elisa, Vale do Rosário e outras
cinco. A compra da Vale do Rosário pela Santelisa representou R$ 1,3 bilhão em dívidas. Assim, ante
o clima econômico mundial, em pouco tempo, as dívidas da nova empresa chegaram a R$ 3 bilhões.
Nunca foram levados avante planos para buscar sinergias entre as diversas usinas (eram esperados
em R$ 150 milhões ao ano). No lugar disso, houve esforços dispersos, como planos de R$ 2 bilhões
para criar mais uma empresa de etanol e outra de biodiesel. No ano seguinte, a trading francesa Louis
Dreyfus Commodities adquiriu 83% das ações, ficando o restante com as famílias Biagi e Junqueira
Franco (JULIBONI, 2009; SCARAMUZZO, 2009).
FONTE: compilado pelo autor.
QUADRO 4 – PROBLEMAS CAUSADOS PELA DIFERENÇA ENTRE AS CULTURAS DAS
ORGANIZAÇÕES
1 Logo após a aquisição da Vasp pelo grupo Canhedo, foram feitas várias encomendas de aviões,
criaram-se 14 destinos internacionais – incluindo o Marrocos. Criou-se a Vasp Air System, com a
aquisição de empresas latino-americanas: LAB, da Ecuatoriana e TAN. A receita subiu de US$ 479
milhões em 1990 para US$ 1,5 bilhão em 1997. Mas, o caixa zerou, e as dívidas no exterior deixaram
de ser pagas, inclusive contratos de leasing, salários e taxas aeroportuárias. Em 2000, foram
devolvidos nove MD-11 e alguns 737. A frota reduziu-se a 30 unidades, todas antigas e com
manutenção à base de peças de aviões que tinham parado de voar. Em novembro de 2004, a maior
parte dos 737 foi proibida de voar, e as operações foram suspensas em janeiro de 2005 (UBIRATAN,
2008b).
2 A operação Daimler-Chrysler foi inicialmente alardeada como fusão entre iguais, porém, em menos
de dois anos, todos os principais executivos norte-americanos se retiraram. A Daimler gastou mais de
15 anos para lidar com o elevado custo de aquisições e alianças desastrosas – a maior parte delas do
período do antigo presidente, Jüergen Schrempp, que teria pilotado a compra da Chrysler por US$ 36
bilhões. O valor de mercado da DaimlerChrysler caiu de US$ 96,06 por ação, em 31/12/1998, para
US$ 48,05, em 31/12/2004, ou seja, a aquisição não apenas deixou de acrescentar valor, como
corroeu valor da adquirente. Enquanto a Daimler lidava com os problemas da Chrysler e da Mitsubishi,
a BMW superou a Mercedes em vendas mundiais, em 2005. Além disso, o diferencial de preço pago
por automóveis de luxo caiu 45% em 14 anos. Em maio de 2007, a Daimler encerrou a mal-sucedida
aquisição da Chrysler, feita nove anos antes. Pela total ausência de sinergia; foram injetados US$ 675
milhões na Chrysler como atrativo para a Cerberus Capital adquirir 80,1% de suas ações, levando
aproximadamente US$ 18 bilhões de dívidas com planos de pensão. O grupo alemão reteve 19,9% da
Chrysler, renomeou-se Daimler e teve prejuízos em 2008, por causa dessa participação. Lee Iacocca
afirmou que a compra da Chrysler pela Daimler não foi bem-sucedida porque não havia qualquer
sinergia e porque os alemães possuem uma forma de operar diversa da norte-americana. Após 37
anos na Toyota, na qual ocupava a maior posição nos EUA, James E. Press aceitou a Presidência da
Chrysler, fez cortes de salários, anunciou planos de encerrar a produção de quatro modelos e cortes
de produção de um milhão de unidades ao ano e fez uma aliança com a Nissan para fornecer pick-ups
em troca de pequenos modelos e um acordo com a chinesa Chery. Em abril de 2009, a Daimler
perdoou os empréstimos que a Chrysler detinha com ela e abriu mão de sua participação
remanescente (NORBERTO, 2004; BADRTALEI; BATES, 2007; EDMONSON, 2007; ROSENBUSH,
2007; TAYLOR, 2007; BENZINGER; ZIMMERMAN, 2008; DAIMLER..., 2009; SCHÄFFER, 2009a).
FONTE: compilado pelo autor.
55
A aquisição da Chrysler pela Daimler pode ser compreendida no quadro mais amplo da
busca de internacionalização da adquirente, do fortalecimento de sua presença nos EUA, do
aumento de seu portfólio de marcas e da participação mais significativa em um segmento do
mercado em que ela não se destacava. Badrtalei e Bates (2007) aduzem que o presidente da
Daimler temia pelo potencial de crescimento da Mercedes-Benz, em especial, tentado pelo
lançamento do Classe A – modelo, porém, que se viu dotado de tecnologias caras demais de modo
a atingir maior base de clientes. Diante desse quadro, uma aquisição pareceu uma solução mais
rápida de crescimento. Todavia, diante de todos os percalços ocorridos: a) a BMW superou a
Mercedes-Benz; b) a marca Míni (de veículos pequenos Premium da BMW) teve amplo sucesso
desde o início enquanto a Mercedes-Benz apresentou inúmeros problemas com a Smart; c) a
política de aquisições desviou a direção da empresa de sua principal tarefa – produzir bons veículos
para seu público-alvo e gerar rentabilidade, ou seja, uma compra de participação minoritária na
tradicional japonesa Mitsubishi era de alto risco desde o início. A compra da Chrysler não
apresentava sinergias; para executivos da indústria, deveria ter sido percebido o elevado risco dessa
montadora em função de sua forte concentração no mercado dos EUA; pelo fato de estar focalizada
em sport-utilities, de elevado consumo, pois o mundo já assistira a várias crises de aumentos
drásticos dos preços do petróleo.
Houve algumas operações recentes no setor automobilístico: Chrysler-Jeep (1987), RenaultNissan e Ford-Volvo (1999). Nesse campo também houve compras problemáticas: a) a da Rover
pela BMW, que significou seis anos de problemas à adquirente; b) a da Lancia pela Fiat – que pode
ser considerada uma falha após 34 anos; c) a da Jaguar pela Ford, pois após 14 anos não se
vislumbrava uma possibilidade de se recuperar o capital investido; d) a compra da Saab pela
General Motors – após 13 anos se mostrava de impossível recuperação financeira, tanto que em
2009 a GM anunciou publicamente estar à busca de algum comprador para essa companhia. As
compras da VW, Lamborghini, Bentley e Bugatti, ainda eram verdadeiros pontos de interrogação sob
o ponto de vista de geração de valor aos acionistas (BADRTALEI; BATES, 2007; BUNKLEY;
VLASIC, 2009).
Corroborando, em 2008, a Ford vendeu as marcas Jaguar e Land Rover à Tata Motors, que
produzia veículos na Índia, por US$ 2,3 bilhões. A Ford contribuiu com US$ 600 milhões ao fundo de
pensão das duas montadoras, além de ter tido US$ 10 bilhões em prejuízos desde que adquirira as
empresas. Até o momento, nenhum produto da Tata obteve sucesso fora do país. Em 2003, a
empresa falhou em vender seu modelo Indica, com a marca City Rover, na Europa. Depois disso, a
empresa adquiriu a unidade de caminhões da Daewoo. O grupo Tata detém 98 empresas em áreas
como produção de aço, chá, relógios de pulso, medicamentos, automóveis e equipamentos médicos
(OS RISCOS..., 2008; ROWLEY; LAKSHMAN, 2008).
A situação da Vasp é mais simples: um empresário de outro ramo, em uma privatização do
governo estadual, adquiriu a empresa, porém os poucos fatos já resumidos demonstram que a
gestão foi feita sem qualquer conhecimento do setor da aviação comercial. Esse tipo de
improvisação não apresenta mais espaço no mercado.
QUADRO
5
–
OPERAÇÕES QUE
CONCORRÊNCIA
REPRESENTARAM
INJUSTA
DIMINUIÇÃO
DA
1 Em 1991, o diário The News adquiriu o Dallas Times Herald e encerrou as operações deste, no dia
seguinte (MARTIN, 2008).
2 Em 1975, a GTE Sylvania adquiriu a fábrica e os equipamentos de um pequeno concorrente, a
Union Electric, e colocou os ativos em um navio, que foi afundado no Oceano Pacífico (GHEMAWAT;
NALEBUFF, 1985).
FONTE: compilado pelo autor.
O diário adquirido poderia estar em uma situação financeira problemática, entretanto haveria
a possibilidade de representar o ingresso de algum grupo com dezenas de jornais nos EUA no
56
mercado de Dallas. As autoridades de defesa da concorrência deveriam ter previsto essa
possibilidade, de modo a impedir uma compra para o simples encerramento das operações da
adquirida. Isso – guardadas as diferenças – poderia ser dito em relação à fábrica afundada pela
GTE. Ora, uma fábrica pode falir, como tantas, não sendo aceitável um grande player adquiri-la e
destruí-la.
QUADRO 6 – DEMORA NA REESTRUTURAÇÃO, NA COMUNICAÇÃO OU PERDA DE
MOTIVAÇÃO
1 Em 1994, a United inovou: o controle das ações foi passado a seus funcionários, passando a ser a
maior empresa do mundo controlada pelo pessoal, convertendo em concessões salariais US$ 4,9
bilhões em ações. A decisão foi um grande destaque por toda a mídia. O Conselho de Diretores
recebeu três membros representando os empregados. Contudo, houve uma grande perda do
entusiasmo, por causa da lentidão na estruturação da efetiva passagem de controle ao pessoal
(VALENTE, 1995).
2 Em 1996, a Paranapanema foi adquirida por um conjunto de fundos de pensão, liderados pela Previ;
em 12 anos, exigiu R$ 3 bilhões em novos aportes dos acionistas. As dívidas apresentam uma causa
simples: apenas em 2004 a empresa iniciou um processo de reestruturação (LIMA, 2008).
3 Em 2005-2006, o grupo de mídia britânico Mecom adquiriu três jornais e dez web sites alemães. No
início de 2009, essas empresas foram revendidas a um grupo alemão liderado por M. DuMont
Schauberg, pois as medidas de contenção de custos que haviam sido previstas não foram
estruturadas e as adquiridas sempre representaram prejuízos, apesar de a adquirente deter cerca de
300 veículos de mídia na Europa (PFANNER, 2009).
4 Das seis redes adquiridas pelo Carrefour, entre 1999 e 2000, houve o fechamento de
aproximadamente 80 lojas ao longo de sete anos. Assim, para evitar repetir problemas com a compra
do Atacadão, dois de seus antigos controladores, Farid Curi e Herberto Uli Schmeil, continuam indo à
empresa duas vezes por semana, reportando-se a diretores do Carrefour. Além disso, a sede da
empresa continua na sobreloja da unidade de Vila Maria, na capital paulista, e foi mantido o esforço
por controlar os custos, como, por exemplo, o corpo de executivos se resume a 34 gerentes-gerais,
um por loja. Após a compra da rede Mineirão pelo Carrefour, o número de vezes que essa rede
ofereceu a Cesta Básica pelo menor preço caiu de 35, em 1999, para 8 vezes, em 2000. O presidente
da rede, José Luis Duran, afirma que as aquisições realizadas no Brasil entre 1999 e 2000 trouxeram
repercussões negativas de 2001 a 2003. Essas compras foram feitas pela obsessão de continuar na
liderança. Entre 2004 e 2005, a rede tomou três decisões: a) fechar ou vender os supermercados
deficitários e com pouca visibilidade, chegando a cerca de cem fechamentos; b) atuar com a bandeira
Carrefour Bairro; c) retomar o programa de expansão – em 2005 foram abertas cinco lojas, e mais
sete no ano seguinte (OLIVEIRA; MACHADO, 2003; DANTAS; CALAIS; GRINBAUM, 2007; COSTA,
2007).
5 Em 1994, a United inovou: o controle das ações foi passado a seus funcionários, tornando-se a
maior empresa do mundo controlada pelo pessoal – converteram-se aproximadamente US$ 4,9
bilhões de ações em concessões salariais. O Conselho de Diretores recebeu três membros
representando os empregados. Entretanto, houve uma grande perda do entusiasmo, por causa da
lentidão da estruturação da efetiva passagem de controle ao pessoal. A decisão foi um grande
destaque por toda a mídia. Expressões como "A maior compra pelos empregados de toda a história" e
"Venha voar em nossos amigáveis céus" se tornaram manchetes (VALENTE, 1995).
6 Em 2006, a Adidas adquiriu a Reebok para concorrer com sua principal adversária, a Nike. Contudo,
o início de qualquer atividade de reestruturação levou um período inadmissível de tempo. Por
exemplo, no primeiro trimestre de 2009, a Reebok teve prejuízos de € 96 milhões – valor elevado,
mesmo se considerado o clima de recessão global. A Adidas admitiu que a Reebok, adquirida por US$
3 bilhões, estava longe de ser globalizada, pois estava focalizada nos EUA e Grã-Bretanha
(SCHÄFFER, 2009b).
7 A DreamWorks foi criada em 1994 e vendida à Viacom em 2006, porém o relacionamento foi sempre
tenso. Além disso, diversas de suas produções resultaram em retumbantes fracassos de bilheteria e
prejuízos. Em 2008, uma equipe liderada por Spielberg, um dos fundadores da DreamWorks, saiu
para fundar sua própria companhia, levando cerca de cem dos 150 funcionários e contando com US$
550 milhões do grupo indiano Reliance, que ficaria com 50% do capital da nova entidade. A
57
Paramount manteve direitos de codistribuir e(ou) cofinanciar de 15 a 20 filmes. Ao mesmo tempo, uma
equipe conjunta tentaria lidar com cerca de 40 filmes pendentes (ELLER, 2008; GIGANTE..., 2008;
PAE; ELLER, 2008).
8 A McKinsey comprou a ICG (da área de TI), em 1989, mas a maior parte dos 200 funcionários da
adquirida foi embora (SVEIBY, 1998).
FONTE: compilado pelo autor.
Parece que o consagrado cineasta Spielberg não se acostumou a uma vida de executivo ou
de subalterno em um grande grupo, perdendo a motivação criadora e tendo a necessidade de
retomar sua liberdade perdida, mediante maior controle de sua nova empresa. Um paralelismo
importante se observa em algumas aquisições de agências de propagandas ou de quaisquer outros
empreendimentos nos quais os principais ativos sejam as pessoas. Não há garantias de que a
“compra” se efetue, pois há poucos ativos tangíveis a serem transferidos.
QUADRO 7 – FALHAS POR: PREÇO ELEVADO, EQUIPAMENTOS OBSOLETOS OU TIMING
INADEQUADO
1 Em 2008, a Laep Investments Ltd., controladora da Parmalat Brasil, adquiriu por R$ 50 milhões da
Danone a marca Poços de Caldas e o licenciamento da marca Paulista no Brasil, Bolívia e Paraguai
pelo período de 15 anos. Além da marca Poços de Caldas, a transação engloba os ativos estratégicos
relacionados a essa marca, incluindo os equipamentos da linha de produção de requeijão. Em 2008,
um investidor que detinha 24,36% dos recibos de ações (BDRs) da Laep, controladora da Parmalat,
zerou sua participação. No ano, o BDR acumulou queda de 82%. A Laep, ao comentar seu
desempenho no segundo trimestre, admitiu que a administração errou ao dobrar a empresa de
tamanho em um momento em que o mercado estava adverso, por conta dos preços do leite, em
queda em função de superestoque da indústria; os bancos cortaram o crédito à Laep. Em 2008, quatro
meses depois de ter adquirido a Poços de Caldas, a Laep a revendeu a Laticínios Morrinhos,
controlada pela GP Investimentos, pelos mesmos R$ 50 milhões gastos em sua aquisição (RAGAZZI,
2008; ROCHA, 2008a, 2008b).
2 A Procter & Gamble ingressou no Brasil pela compra da Phebo, em 1988, por US$ 50,5 milhões.
Depois de oito anos e US$ 250 milhões investidos, os resultados ainda eram pífios. A aquisição foi
mal-sucedida, uma vez que a Phebo possuía um parque industrial obsoleto e a estrutura de
distribuição era fraca – apesar de sua marca ser conhecida. Em 1996, dos oito diretores, sete ainda
eram estrangeiros. Além disso, lançou produtos inadaptados ao mercado local, como a fralda Pampers
Fases, avançada e cara para o País (VASSALLO, 1996).
3 Em 2008, o Bank of America adquiriu o Merryl Lynch, que estava em problemática situação. Em
janeiro de 2009, a adquirente soube do tamanho dos problemas: US$ 15,3 bilhões de prejuízos
apenas no último trimestre, o que o obrigou a solicitar US$ 20 bilhões adicionais de auxílio do governo.
Em função disso, o presidente da Merryl Lynch, John Thain, solicitou demissão, por ter perdido a
confiança da adquirente (HAMILTON, 2009).
4 Em 2007, a eBay admitiu ter pago US$ 2,6 bilhões a mais pela Skype, em 2005. Assumiu US$ 1,4
bilhão em prejuízos e os criadores da Skype, Niklas Zenströom e Janos Friis, se retiraram
(ROSENBUSH, 2007).
5 Nos anos 60 e 70, a Chrysler buscou um processo de internacionalização mediante a aquisição de
empresas europeias ultrapassadas e obsoletas, fracassando nas tentativas de ingressar no Velho
Continente e perdendo preciosos recursos que poderiam ter sido empregados no fortalecimento em
seu tradicional mercado (DRUCKER, 1991). Whoriskey (2009) afirma que a Chrysler teve seus
problemas amplificados pelo fato de não ser internacionalizada. Badrtaley e Bates (2007) sustentam
que a Chrysler praticamente abandonou a Europa no final da década de 70.
6 Em 2005, o Frigorífico Marabá vendeu sua unidade em Promissão (SP) por US$ 8 milhões ao
investidor britânico Terry Johnson. A empresa se renomeou Frigoclass. Mas, com o problema da febre
aftosa na região, a unidade fechou depois de 18 meses. (BRASILPAR, 2005).
7 A produtora alemã de pneus Continental sofreu com a queda do mercado automobilístico, em
particular nos EUA, após adquirir a VDO da Siemens, em 2007, por € 11 bilhões, ficando com uma
58
grande dívida e tornando-se vulnerável a um takeover (GERMAN..., 2008).
8 Em 2009, o investidor Sam Zell admitiu ter sido muito otimista ao comprar o Chicago Tribune, dois
anos antes, em uma operação de US$ 8,2 bilhões. A empresa foi à concordata em 2008, por causa de
US$ 13 bilhões em dívidas. A adquirida controlava o Los Angeles Times, alguns canais de TV e outros
ativos. Zell admitiu não ter previsto a queda das receitas publicitárias e de circulação em função da
internet (ROSENTHAL, 2009; SAM..., 2009).
9) Em 2008, a Bain Capital e a THL Partners adquiriram a Clear Channel Communications, por US$
17,9 bilhões. Depois de dois anos de difíceis tratativas; fizeram um esforço de corte de custos,
excluindo 1.850 empregos, equivalentes a 9% de sua força de trabalho. No primeiro trimestre de 2009,
as receitas caíram 23%, para US$ 1,2 bilhão, enquanto as dívidas somavam US$ 21 bilhões – o triplo
do ano anterior (MERCED, 2009).
10 A GP Investimentos e outros fundos, como o Temasek, de Cingapura, e o Amber, dos EUA,
adquiriram a San Antonio da Pride International, em 2007 – maior perfuradora de poços de petróleo
em terra – algo pouco comum no mercado brasileiro. Ou seja, parte substancial do valor de compra foi
pago com um empréstimo tomado da própria companhia. Em 2008, a San Antonio faturou cerca de
US$ 1,3 bilhão. Com a vertiginosa queda dos preços do petróleo, os clientes da San Antonio pararam
de investir (ADACHI, 2009).
11 A compra da divisão de TV a cabo da AT&T, em 2001, pela Comcast por US$ 70 bilhões foi muito
cara, valendo os ativos no máximo US$ 50 bilhões. Isso destruiu qualquer possibilidade de êxito na
operação (KNEE; GRENNWALD, 2009).
12 Em 2002, o HSBC adquiriu o norte-americano Household International por US$ 14,7 bilhões, em
função de dois ativos principais: cartões de crédito e sua atuação no mercado imobiliário, o que veio
abaixo com a crise dos empréstimos subprime, completamente previsíveis (HSBC PUTS..., 2009).
13 Em 2009, a Porsche demitiu seu presidente, Wendelin Wiedeking, que recebeu € 50 milhões de
indenização, pelo fracasso em adquirir o controle da Volkswagen, tentativa que levou a empresa a um
custoso endividamento. Em seguida, a Volkswagen se comprometeu a adquirir 42% da Porsche,
avaliados em US$ 17,726 bilhões, e a iniciar os passos necessários à integração entre as duas
companhias (COMPRA DA PORSCHE..., 2009; PORSCHE..., 2009).
FONTE: compilado pelo autor.
Na compra do Chicago Tribune, ante a queda das receitas publicitárias e da circulação, por
causa do crescente uso da internet como meio de informação, os vendedores saíram-se muito bem,
e os resultados de um endividamento tão elevados eram previsíveis – inclusive em função da
elevada complexidade da operação, ao ser anunciada. Além disso, o investidor em questão não foi o
mais prejudicado, cabendo esse difícil papel aos credores que, depois, retomaram trabalhosamente
o controle, tentando obter algum valor de um conjunto de ativos que nunca fora unido.
QUADRO
8
–
ACORDOS
CONFUSOS
GOVERNAMENTAIS
OU
ENVOLVENDO
INTERFERÊNCIAS
1 Os ativos do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, se fundiram com os da Sendas, em uma empresa
igualitária, controlada pela primeira, em 2004. O Grupo Sendas processou o controlador três anos
depois, alegando que, em função de o grupo francês Casino passar a deter 50% do Pão de Açúcar,
haveria o direito a que suas ações fossem adquiridas – previsto no contrato. A CVM julgou que o
controle foi alterado, pois o Casino possui o direito de adquirir uma ação adicional por R$ 1 e passar a
ser seu controlador, portanto pagou um prêmio pelo controle às ações da família Diniz. Em função
desse julgamento, a CVM obrigou a compra das demais ordinárias pelo mesmo valor, o que
representou pequeno desembolso, em função de poucas em circulação no mercado. Com base nessa
decisão da CVM, a família Sendas ingressou na Justiça e perdeu em primeira instância (ADACHI,
2008).
2 Em 1982, a Bendix comprou a Martin Marietta, que revidou de modo espetacular, tentando comprar
a própria Bendix com apoio da United Technologies. A situação, além de confusa, apenas interessou
aos bancos, pois ambas as empresas se endividaram para a operação. Em 1983, a Bendix Corp. foi
59
adquirida pela Allied Corp., e a Martin Marietta permaneceu independente (AAKER, 1998).
3 Em 1984, a Texaco adquiriu a Getty Oil Co., com reservas de 1,9 bilhões de barris de óleo e de 2,8
trilhões de pés3 de gás, além de direitos em várias partes do mundo. A Pennzoil Co. moveu um
processo contra a Texaco, pois assinara um acordo para adquirir parte da Getty. Ao final de 1985, a
Texaco foi condenada a pagar US$ 11,1 bilhões à Pennzoil, chegando-se a um acordo no valor de
US$ 3 bilhões, o que levou a Texaco à concordata, da qual emergiu em 1988, porém ao custo de se
desfazer de ativos, no total de US$ 5 bilhões. A aquisição da Getty custou a própria aquisição da
Texaco pela Chevron, no ano 2000 (MINADEO, 2002; TEXACO, s.d.).
4 Em 1988, o First Deposit Insurance Corp. (FDIC) promoveu uma aquisição do First Republic, criado
no ano anoterior, por uma fusão, patrocinada pelo FDIC, entre o Republic Bank e o Interfirst. Os
prejuízos públicos imediatos foram de cerca de US$ 500 milhões. Depois, o North Caroline National
Bank of Charlotte absorveu os ativos bons do First Republic, mediante mais US$ 3 bilhões de perdas
ao FDIC (MAYER, 1997).
5 Com o apoio do Morgan Grenfell, em 1986, Ernest Saunders adquiriu mais de 50% da National
Distillers (detentora de marcas como Guinness, Johnnie Walker, Haig, White Horse, Booth e Gordon),
por aproximadamente £ 2,53 bilhões, com apoio de vários investidores. O próprio Morgan adquiriu £
180 milhões em ações, sendo seu capital de £ 170 milhões. Esse comportamento foi julgado tão
irresponsável que levou a medidas do Bank of England. No ano seguinte, alguns funcionários do
Morgan foram presos em função de problemas ligados a essa aquisição, e os antigos acionistas
receberam £ 85 milhões em compensações (CHERNOW, 1990).
6 Um exemplo apenas das inúmeras aquisições dos anos 80 nos EUA: em 1986, a Jefferson Smurfit e
o Morgan Stanley alocaram US$ 10 milhões para adquirir a Container Corp. of América, da Móbil, por
US$ 1,2 bilhão. O banco lançou US$ 700 milhões em junk bonds, e o restante foi emprestado. O
banco teve lucros imediatos de US$ 32,4 milhões (CHERNOW, 1990).
FONTE: compilado pelo autor.
No início do governo Thatcher, que assumiu em 1979, cabe contextualizar: o número de
acionistas na Grã-Bretanha triplicou para 9 milhões, e surgiram as primeiras aquisições hostis –
comuns nos EUA (CHERNOW, 1990). Quanto à aquisição da Container Corp., apesar de uma
possível pressa da Mobil em realizar a venda, os problemas diversos derivados desses títulos, a
rápida e exagerada remuneração por um trabalho relativamente modesto do banco e as inúmeras
outras situações que não foram concluídas a contento – incluindo prisões de famosos líderes dessas
operações – permitem classificá-los como problemáticos. Em outras palavras, não passam pelo teste
de responsabilidade social exigido pela atividade financeira – sem entrar em eventuais faltas de
transparência ou outras ilegalidades, como a ocorrência na situação da Guinness.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As operações de F&As representam importante papel na economia, porém não podem ser
buscadas a qualquer custo, como o adquirente do Chicago Tribune admitiu por ter incorrido em
elevado endividamento, o que comprometeu a possibilidade de se obter bons resultados mediante a
gestão do negócio, tendo havido a natural intervenção dos credores, por declaração da concordata.
O estudo permitiu apontar uma riqueza de situações – fruto do uso de dados secundários –,
enquanto, por outro lado, não tornou possível que se aprofundasse nas inúmeras situações
mencionadas, o que não era o objetivo do artigo, pois o tornaria muito extenso, dado o número de
operações categorizadas.
Outros estudos poderiam contemplar análises pormenorizadas de operações de F&As
problemáticas por meio da técnica de estudo de caso. Poderiam surgir estudos focalizados em
setores específicos ou, ainda, comparados em desempenhos intersetoriais.
60
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65
ESCOLHAS ESTRATÉGICAS OPERACIONAIS
DE UM HOTEL DA REGIÃO DAS MISSÕES
COMO FATOR DE EXCELÊNCIA NA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
CHOICES OPERATIONAL STRATEGIES
OF A HOTEL IN THE REGION OF THE
MISSIONS AS A FACTOR OF
EXCELLENCE IN SERVICE DELIVERY
PAULA MAINES DA SILVA
Turismóloga, especialista em Marketing pela ULBRA,
Mestranda em Administração (UNISINOS),
Coordenadora e docente dos Cursos Tecnológicos e Secretariado Executivo Trilíngue na ULBRA
66
RESUMO
A constante busca pela excelência na prestação de serviços é o desafio das organizações
modernas. O cliente exige cada vez mais agilidade e qualidade quando adquire um serviço, o que
demanda das organizações uma base operacional alinhada, para que o resultado seja o mais
positivo possível. O presente estudo analisou como ocorrem as escolhas estratégicas operacionais
de um hotel da região das Missões, como fator de excelência na prestação de serviço, de acordo o
modelo proposto por Voss, Roth e Chase (2008).
Palavras-chave: operações em serviço, excelência em serviço, turismo e hotelaria.
ABSTRACT
The constant search for excellence in service delivery is the challenge of modern organizations. The
client requires more agility and quality when they purchase a service, which requires organizations
operating a base line so that the result is as positive as possible. This study examined how strategic
choices occur in an operating hotel in the region of the missions as a factor of exllence in the
provision of service according to the model proposed by Voss, Roth and Chase (2008).
Keywords: operation in service, excellence in service, tourism and hospitality.
67
1 INTRODUÇÃO
A sociedade passou por grandes mudanças. Atualmente, vivemos numa era globalizada em
que os mercados se expandem constantemente; o uso da tecnologia deixou de ser supérfluo para se
tornar essencial ao desenvolvimento e sobrevivência das empresas; a concorrência se tornou muito
acirrada; o cliente passou a ter um novo papel nas relações de negócios, sendo o enfoque principal
das grandes organizações. Esse não é apenas um cenário do setor secundário; também o de
serviços reflete as consequências do desenvolvimento, como, por exemplo, a hotelaria.
A oferta hoteleira cresce desordenadamente. A cada dia um novo hotel é inaugurado,
fazendo com que a fatia de mercado dos já existentes diminua. E, para se diferenciar no mercado,
prestando um serviço de excelência, é necessário que as operações internas do hotel estejam
alinhadas. Com base nesse cenário é que o objeto deste estudo será desenvolvido, buscando
analisar como ocorrem as escolhas estratégicas operacionais de um hotel da região das Missões
(RS), como fator de excelência na prestação de serviço.
O trabalho está dividido em referencial teórico em que conceitos fundamentais sobre
relacionamento com o cliente, o cliente e operações estratégicas em serviço serão abordados.
Posteriormente, realiza-se um estudo de caso das escolhas estratégicas operacionais de um hotel e,
por fim, são apresentadas as principais conclusões a respeito do tema.
2 RELACIONAMENTO COM CLIENTE
Possuindo um papel de destaque nas relações empresariais, o cliente começou a exigir
produtos e serviços com qualidade e atendimento personalizado. Com isso, as empresas passaram
a se relacionar mais com os clientes, buscando conhecer melhor o comportamento de seu
consumidor. Solomon (2002, p. 24) define o comportamento do consumidor como o
[...] estudo dos processos envolvidos quando indivíduos ou grupos selecionam, compram, usam ou
dispõem de produtos, serviços, ideias ou experiências para satisfazer necessidades e desejos.
A falha das organizações é continuar trabalhando com atendimento em massa, o que
ocasiona um serviço com tratamento rotineiro, impessoal e sem variações. Atualmente, as pessoas
exigem um tratamento diferenciado, levando em consideração suas necessidades. Com a
personalização dos serviços, as empresas estão criando um valor exclusivo para os clientes. Pine II
e Gimore (1999, p. 83) comentam que uma atividade econômica oferece um valor exclusivo para o
cliente quando é:
• específica para clientes individuais – tornada real para esse exato cliente em um momento
determinado;
• particular em suas características – planejada para atender às necessidades do cliente (embora
outro cliente possa ter as mesmas necessidades, portanto adquirir a mesma coisa);
• singular em seu propósito de beneficiar o cliente – não tentando ser mais nem menos do que
isso e oferecendo apenas e somente o que cliente deseja.
As organizações não estão adicionando valor de serviço. E essa criação de valor é um
conjunto de processos dentro das organizações, o que deve ocorrer de forma sistêmica. Quanto a
isso, Greenhalgh (2002, p. 35) afirma que:
Tradicionalmente, os estudiosos se concentraram nos produtos e serviços que as organizações
oferecem quando avaliam a atratividade do mercado. Mas é mais inteligente enfocar os processos.
Suponha, por exemplo, que você precise de um quarto de hotel para uma viagem de negócios.
Objetivamente, você está alugando uma cama. Mas você não tira proveito da cama grande parte do
tempo porque está dormindo. O que cria valor são processos eficientes. Você quer ir até seu
apartamento o mais rápido possível: você não quer ficar na fila esperando para se registrar. O
mesmo acontece quando vai fechar a conta. E você quer que a comida que pediu no quarto chegue
quase que imediatamente, não meia hora depois, conforme a conveniência do hotel. Os processos
criam valor.
68
O atendimento prestado pelas companhias pode ser outro fator que faz com que os clientes
optem pela concorrência. Muitas pessoas já foram mal atendidas num restaurante ou num balcão de
companhia aérea, por exemplo. Quanto ao atendimento em serviços, Silva (2004, p. 123) aborda
que
[...] há empresas que investem muito em capacitar o seu pessoal, entretanto nunca atingem
resultados significativos, pois possuem um corpo de funcionários desmotivados, descontentes e
estressados.
Isso ocasiona a troca de estabelecimento ou de empresa, mesmo que tenha existido apenas
uma vez um mau atendimento. Os indivíduos recordam muito mais as más experiências do que um
serviço bem prestado
A retenção do cliente é uma forma de aumentar o lucro das organizações, pois o consumidor
tende a indicar novos usuários. Quando um é perdido, não apenas uma transação atual com esse
indivíduo é perdida, mas também todas as futuras transações, pois as pessoas fazem propaganda
boca a boca, sem se falar no custo de conquistar uma nova clientela, que custa cinco vezes mais do
que o custo de se manter um cliente antigo. Os antigos são mais lucrativos do que os novos, apesar
de o custo inicial de conquistá-los ser alto. Todavia, com o tempo o valor se dilui em cada transação;
os que continuam com a empresa gastam mais, pois adquirem outros serviços e, às vezes, estão
dispostos a pagar um preço maior por eles; o atendimento aos regulares é mais barato, pois já há
uma relação entre o prestador de serviço e o usuário, o que facilita os procedimentos administrativos
(CLUTTERBUCK; CLARK; ARMISTEAD, 1994, p. 143).
No turismo e como em outras atividades relacionadas a serviços, há que se buscar atender
às expectativas dos clientes. Com isso, se criam maior fidelidade e maior divulgação de pessoa para
pessoa, além de uma repetição de negócios.
A criação de relacionamento com os clientes ocorrerá quando foram estabelecidos diálogo e
feedback. Identificar e desfrutar do benefício da satisfação do cliente individual, ou detectar e
prevenir a insatisfação e a deserção individuais só se verificam quando a empresa abre um canal de
diálogo com as pessoas. Cada indivíduo tem uma percepção diferente sobre cada serviço, e essa
interação entre ambos proporciona um maior conhecimento acerca das necessidades e desejos.
Peppers e Rogers (1996, p. 62) comentam que, para manter um cliente duradouro, a empresa deve
apresentar “[...] um produto de qualidade, um serviço de alta qualidade e a capacidade de satisfazer
plenamente o cliente.”
Depois de estabelecido um relacionamento com os clientes, apresentando um serviço de
qualidade, o passo seguinte da empresa é fidelizá-lo. Uma das formas de fidelização ocorre por meio
de incentivos que Peppers e Rogers (1996, p. 101) denominam “lealização” com os clientes.
Companhias aéreas, por exemplo, recompensam seus clientes mais fiéis com prêmios de milhagem,
upgrades, ou seja, concedem lugares preferenciais para a primeira classe e classe executiva
(pagando-se a passagem de classe econômica), linhas telefônicas especiais para reservas, sala vip
e balcões especiais para check-in. Em hotelaria, são concedidas tarifas especiais e upgrades. O
processo de fidelização ocorre por 4 etapas: o senso cognitivo, a fidelidade afetiva, a fidelidade
conativa e a fidelidade ativa (OLIVER, 1997, apud OLIVER, 1999).
O senso cognitivo, em que a informação disponível ao consumidor sobre determinado
produto/serviço irá indicar se este é preferível em detrimento de outro. Entretanto, é uma situação
superficial, pois, caso se torne uma relação rotineira, o cliente não terá mais nenhuma satisfação.
A segunda etapa, a fidelidade afetiva, ocorre com base no acúmulo de momentos de
satisfação pelo uso do produto/serviço, tendo como apoio o afeto. O consumidor sente que suas
necessidades são supridas, gerando prazer. Contudo, ainda não está garantida a fidelidade do
cliente.
A fidelidade conativa, também denominada intenção comportamental, mostra que o
consumidor é influenciado por repetidos episódios de satisfação. Contudo, a fidelidade se refere à
intenção de compra, somente relacionada com a intenção.
69
E a quarta etapa, a fidelidade ativa, mostra que a intenção se torna ação. Assim, o
consumidor tem a intenção que, agregada à motivação, leva à fidelidade. Para o desenvolvimento da
lealdade é preciso verificar sete etapas, como mostra Griffin (1995, p. 34).
a) estágio 1: suspeitos – são todos os possíveis compradores do produto ou serviço; são [...]
“suspeitos” pois se acredita, ou “suspeita-se” que eles possam comprar, mas não se tem certeza;
b) estágio 2: possíveis compradores – são aqueles que precisam do produto, e têm habilidade em
comprá-lo, mas ainda não compraram;
c) estágio 3: possíveis compradores desqualificados – são aqueles consumidores que se sabe não
precisar ou não ter habilidade em comprar o produto ou serviço;
d) estágio 4: consumidor pela primeira vez – adquiriu o produto ou serviço pela primeira vez e
continua comprando dos concorrentes;
e) estágio 5: consumidor repetitivo – consumidor que adquiriu o produto ou serviço duas vezes ou
mais;
f) Estágio 6: cliente – consumidor que compra frequentemente, possuindo uma forte relação com a
empresa;
g) estágio 7: defensor – além de manter uma relação forte com a empresa e efetuar compras
frequentemente, encoraja outros a comprarem.
Alguns erros são cometidos quando da busca da fidelização dos clientes por parte das
empresas. Zenone (2004) explica que o excesso de abordagem por parte das empresas, por maladireta, telemarketing ativo ou comunicação via e-mail, ações promocionais sem nenhum diferencial,
desenvolvimento de ações isoladas sem levar em conta todos os envolvidos no processo –
extrapolando o limite da privacidade – são cuidados que as empresas devem tomar para não afastar
o consumidor.
2.1 CLIENTE
Todos os setores da economia trabalham voltados para o cliente, pois ele é o elemento vital
das organizações. O agricultor desempenha seu trabalho no campo para depois vender a algum
indivíduo; as indústrias fabricam produtos para depois vender a outras indústrias ou diretamente ao
consumidor; o setor de serviços tem sua base no trabalho ao cliente. Com isso, o freguês, o
consumidor ou o cliente são a existência de todas as operações.
As organizações trabalham com dois tipos de clientes: os internos e os externos. Cliente
interno é toda a pessoa que presta serviços para uma empresa, ou seja, todos os funcionários;
cliente externo sé a pessoa ou empresa que usufrui produtos ou serviços das companhias.
A relação dos fornecedores (produtores, comerciantes e prestadores de serviços) com os
clientes mudou muito ao longo do tempo. Na época feudal, os produtores mantinham contato direto
com seus clientes e monitoravam constantemente as necessidades e interesse dos compradores. Na
época da Revolução Industrial, os produtores começaram a se afastar cada vez mais dos clientes
para produzir os bens em grande escala e atender aos consumidores, sem se importar com a
qualidade e com as necessidades dos clientes. Foi uma época em que a procura pelos produtos era
maior que a oferta, e com isso o cliente passou a ser considerado, conforme Almeida (1995, p. 60):
“[...] um mal necessário, era visto como uma multidão, não tinha voz nem vez, era um consumidor
feroz e era desprovido de senso crítico.” Na atualidade, estamos na era do cliente, o qual passou a
ter um papel de destaque nas relações comerciais, sendo produzidos bens e serviços que atendam
diretamente a suas necessidades.
A decisão dos clientes em optar pela compra de um determinado bem ou serviço é apurada
mediante uma análise de valor, que é a relação qualidade-preço. E, para poder atender-lhes, as
empresas estão implementando planos ou programas de serviços a clientes. Oliveira (apud BLOCH;
HABABOU; XARDEL, 1994, p. 8) menciona 18 passos para a elaboração de um plano de serviços:
I - fixar um objetivo claro, destinado a melhorar tudo que diga respeito a serviço aos clientes;
II - sensibilizar os empregados para prestarem aos clientes um serviço de alta qualidade;
III - dar aos empregados a oportunidade de experimentarem eles próprios o serviço da empresa, na
qualidade de clientes;
IV - avaliar a competência e as atitudes de todos os que têm contato com os clientes;
V - fazer um diagnóstico do serviço prestado pela empresa;
70
VI - observar o serviço prestado pelos concorrentes e estabelecer comparações com o serviço da
companhia;
VII - estipular pequenos serviços adicionais ao cliente, que tenham valor para ele;
VIII - simplificar procedimentos, facilitando a vida de empregados e clientes;
IX - fixar padrões claros e rigorosos para o serviço aos clientes e não abrir mão deles;
X - determinar, com cada empregado, padrões de desempenho apropriados e objetivos
mensuráveis para seu desempenho;
XI - atribuir responsabilidade aos empregados quanto ao serviço a clientes e fazer pelos
empregados o que se espera que eles façam pelos clientes;
XII - investir constantemente em treinamentos e desenvolvimento do pessoal;
XIII - disponibilizar recursos de informática e novas tecnologias, a fim de aumentar a eficácia dos
empregados;
XIV - desenvolver, por parte de todos na organização, a atitude de ouvir ativamente;
XV - manter empregados e clientes permanentemente informados acerca do que ocorre na
empresa, bem como acerca do desempenho desta;
XVI - reconhecer e motivar os empregados que se destacam quanto à qualidade de serviços aos
clientes;
XVII - desenvolver um sentimento generalizado e compartido de adesão a valores comuns e de
pertencimento a uma cultura;
XVIII - inserir o serviço excelente aos clientes como um valor da empresa.
Um fator determinante para a plena satisfação do cliente é conciliar a prestação de um
serviço de qualidade com a oferta de um bom produto, pois a satisfação do cliente está intimamente
ligada à complexa percepção que ele tem do todo a seu redor, gerando consequências de todos os
tipos (Silva, 2004, p. 129).
3 OPERAÇÕES ESTRATÉGICAS EM SERVIÇOS
As empresas possuem o desafio de encantar permanentemente os clientes, pois dessa forma
eles retornam outras vezes, aumentando seus gastos e divulgam suas experiências bem-sucedidas
para outros pares. Para que isso ocorra, é necessário haver um alinhamento entre o marketing e a
parte de operações, pois, de acordo com Goldstein et al. (2002), o conceito de serviço é o
cruzamento inseparável de marketing e operações que existe na maioria das organizações de
serviço. Ainda em relação ao conceito de serviço, ele pode ser conceituado sob quatro tipos,
conforme Goldstein et al. (apud JOHNSTON; CLARK, 2002).
I - operação de serviço: a maneira de como o serviço é entregue;
II - experiência de serviço: a experiência do cliente direto com o serviço;
III - resultado do serviço: os benefícios e os resultados do serviço para o cliente;
IV - valor do serviço: os benefícios que o cliente percebe como inerente do serviço prestado versus
o valor do serviço.
Em relação à experiência de serviço Voss, Roth e Chase (2008) redesenharam um modelo
da conceitualização da estratégia de operações em serviço dividido em três áreas (figura 1).
FIGURA 1 – EXPERIÊNCIA CENTRADA EM SERVIÇOS
71
FONTE: Voss, Roth e Chase (2008).
As estratégias de operações englobam algumas escolhas, sendo a primeira stageware – que
pertence à estrutura física, incluindo layout de facilidades, tecnologia de processos e fluxos. O
segundo conjunto de escolhas envolve orgaware – sistemas de gestão de infraestrutura e políticas.
Uma das escolhas fundamentais de gestão é a forma de organizar e treinar as pessoas para a
experiência e criar um ambiente e cultura para cativar os clientes. O terceiro conjunto de opções se
refere a customerware – criação e gerenciamento do ponto de contato, ou seja, o local onde os
clientes interagem com a entrega do serviço. E o quarto conjunto de escolhas é linkware –
mecanismos de comunicação que filtram informações de toda a empresa para todos os níveis. Com
as escolhas haverá os resultados diretos do sistema de prestação do serviço, o qual compreende o
que o cliente percebeu da experiência total da interação com o serviço, ou seja, emoções e
respostas. E a interação das escolhas mais os resultados da prestação do serviço resultarão no
valor percebido pelo cliente, composto da fórmula valor percebido do cliente = f (pacote de serviços
+ fatores de experiência/preço).
4 METODOLOGIA DA PESQUISA
O método a ser utilizado será o estudo de caso do Hotel Maerkli, localizado em Santo
Ângelo, uma das mais importantes cidades da região das Missões. O estudo de caso,
segundo Yin (2001, p. 27), é a estratégia escolhida ao se examinarem acontecimentos
contemporâneos e visa responder a perguntas do tipo “como” e “por que” sobre um
conjunto de fatos sobre os quais o pesquisador tem pouco ou nenhum controle.
Será utilizada como instrumento de pesquisa a análise de entrevistas com o
proprietário do hotel, por ser uma das mais importantes fontes de informações para
um estudo de caso (Ibid., p. 112). E a forma empregada de entrevista será a entrevista
focal, que é espontânea e assume o caráter de uma conversa informal, seguida de um
conjunto de perguntas que se originaram do protocolo de estudo de caso.
5 ESTUDO DE CASO
A região das Missões está localizada no noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. É
composta de 46 municípios que contêm a história dos Sete Povos. É uma região rica em patrimônios
culturais que ainda hoje possibilitam a sensação de fazer parte do cenário que unia a antiga
província jesuítica do Paraguai, hoje distribuída pelas fronteiras do Mercosul. A Rota das Missões
com sua história, sua imagens sacras, seus museus e seus prédios que ecoam a narrativa dos
grandes feitos do passado e a Rota do Rio Uruguai banhada pelas águas do orgulhoso limite da
fronteira brasileira, abundante em festas, atividades de lazer e natureza, são destinos certos de uma
viagem pelo tempo, pela força da água do Rio Uruguai, pelo cheiro da natureza e pelo olhar dos
herdeiros da grande epopeia jesuítico-guarani (SETUR, 2009).
Santo Ângelo é considerada a “capital das Missões”. De acordo com dados da Secretaria de
Turismo do Estado do Rio Grande do Sul (SETUR), a cidade foi o último município dos Sete Povos
das Missões a ser fundado, em 1706, pelo jesuíta Diogo de Haze, belga de nascimento. Mesmo com
uma estrutura semelhante às demais reduções, o povo de Santo Ângelo prosperou muito
economicamente, tornando-se, na época, o maior produtor de erva-mate e o mais rico da região. A
derrocada do Sétimo Povo das Missões Orientais do Uruguai ocorre pelas mesmas causas das
outras seis reduções: o litígio formado com a demarcação estabelecida pelo Tratado de Madrid
(1750) e suas consequências políticas.
Seus primeiros habitantes, descendentes de paulistas e imigrantes alemães, aproveitaram as
pedras do antigo colégio e da igreja jesuítica para edificar suas casas e uma outra igreja no mesmo
lugar da antiga, mas sem afetar o traçado urbanístico missioneiro.
Na cidade encontra-se o Hotel Maerkli, fundado no ano de 1942 pelos suíços Eduardo e
Margareth Maerkli, que executaram a obra do primeiro prédio (hotel antigo). Eles foram os primeiros
fundadores e diretores da empresa, provenientes do povoado de Rapperswil, na Suíça, e vieram
72
casar no Brasil, na cidade de Porto Alegre. Após o casamento, por intermédio de pessoas
conhecidas, resolveram dar início a uma nova jornada na cidade de Santo Ângelo. Eduardo Maerkli
começou com uma serralheria; depois de alguns anos, por causa da revolução, decidiu mudar de
ramo e iniciou o projeto do hotel. Johann e Maria Margarith Gisler (sobrinha do casal), também
suíços, ele proveniente de Luzern e ela de Brig, sucederam os primeiros diretores em meados de
1957, mantendo a filosofia e tornando realidade as novas instalações do hotel.
O prédio atual foi construído no ano de 1970 em duas etapas: a primeira com recursos
próprios oriundos de reservas dos proprietários, resultando na construção de 32 apartamentos; a
segunda parte da obra, que destruiu uma parte do antigo hotel, deu início, então, às atividades no
prédio novo com recursos provenientes de financiamento.
Em 1990, o casal Eduardo (ele filho – 3ª geração) e Maria Zuleica Gisler assumiram a direção
da empresa, iniciando uma série de investimentos como a construção de um restaurante, piscina,
instalação de uma sala de jogos e de uma central telefônica informatizada. Transformaram assim o
estabelecimento no primeiro hotel a ter três estrelas em Santo Ângelo. Em 2002, por meio de um
financiamento foi possível fazer toda a remodelação dos apartamentos e a renovação da parte
elétrica e hidráulica, tornando-os mais modernos e confortáveis. Atualmente, o hotel conta com 62
apartamentos, divididos em duas categorias: standard superior e standard, todos equipados com arcondicionado, televisão e frigobar. Conta ainda com piscinas adulta e infantil, wireless, lavanderia e
duas salas de reuniões – uma com capacidade para 40 e outra para 100 pessoas.
Os clientes que se hospedam no Hotel Maerkli compreendem 70% de executivos de
empresas, 25% de profissionais liberais e 5% de turistas. Todos esperam agilidade no atendimento,
um apartamento com uma boa cama, um bom chuveiro e internet rápida. Para atender às
necessidades dos hóspedes, o hotel conta com uma equipe de 27 funcionários. A contratação de
novos profissionais é obtida por meio de uma empresa especializada em recrutamento e seleção,
sendo o treinamento realizado no próprio hotel pelos colegas e algumas vezes por profissionais
externos.
Os ambientes de interação com o cliente ocorrem na recepção e no salão do café da manhã,
principalmente com os recepcionistas e com o gerente de recepção, exigindo que os profissionais
sejam aptos a cativar o hóspede em cada interação. De acordo com o proprietário do hotel, Gisler
(2009), alguns funcionários sabem cativar os hóspedes, notadamente os mais antigos, que já sabem
o nome e as preferências dos visitantes. O desafio é tornar isso uma realidade para os outros, pois,
nesse caso de interação com o hóspede, é preciso tempo e experiência. Com isso, trabalha-se para
reduzir o turnover.
Os colaboradores possuem uma relação muito próxima com os clientes, especialmente os
habituais que são tratados pelo nome e interagem de maneira quase familiar com a equipe. Apesar
dessa proximidade, o hotel possui mecanismos de registros das informações dos hóspedes por
software de gerenciamento, caderno de anotações com sugestões e reclamações e uma pesquisa
de satisfação disponibilizada nos apartamentos.
E, visando competir no mercado atual, o Hotel Maerkli se associou a uma rede de hotéis, a
Versare, que conta com 27 estabelecimentos localizados no Rio Grande do Sul, Uruguai e Manaus.
Todas as ações são realizadas para proporcionar uma estrutura que vise atender melhor ao cliente
e, na medida do possível, buscar melhorias internas.
6 RESULTADO DA PESQUISA
Com base no referencial teórico de Voss, Roth e Chase, mais especificamente no modelo da
experiência centrada em serviços, comparado com a operação do hotel Maerkli, percebe-se que o
modelo é válido e traz um resultado significativo para a organização. Na fase do stageware, o Hotel
Maerkli investe permanentemente na melhoria de sua estrutura física, adequando seu equipamento
às necessidades do mercado. Em relação ao orgaware, o hotel procura contar com profissionais que
possam prestar o melhor serviço ao hóspede, buscando cativar este constantemente. O
customerware refere-se ao ponto de interação com o cliente, principalmente na recepção e no salão
do café da manhã, onde o cliente exige um atendimento ágil e qualificado. E o último ponto se refere
73
ao linkware em que o hotel utiliza softwares para armazenar as informações/necessidades dos
clientes e deixar isso disponível para a parte operacional.
Como o hotel visa trabalhar com todas as escolhas estratégicas, nota-se que o resultado é
positivo no sentido de que o hóspede acabe retornando ao hotel, pois, segundo o proprietário Gisler
(2009), 96% das pessoas jurídicas se hospedam mais do que duas vezes e 83% das pessoas físicas
retornam mais do que duas vezes, por ano.
7 CONCLUSÃO
Esta pesquisa teve como objetivo analisar como ocorrem as escolhas estratégicas
operacionais de um hotel da região das Missões, como fator de excelência na prestação de serviço.
Para isso, buscou-se identificar, por meio do modelo teórico sobre experiência centrada em serviços,
sua aplicabilidade numa organização hoteleira.
Uma das contribuições teóricas, portanto, surge dos resultados encontrados. Verifica-se que,
para satisfazer os clientes e torná-los fiéis, é preciso utilizar as escolhas estratégicas operacionais:
stageware, orgaware, customerware e linkware. Destaca-se que o Hotel Maerkli prioriza a escolha do
stageware, tendo em vista que, desde sua fundação, a prioridade foi a melhoria da estrutura física
para satisfazer o hóspede.
A análise sobre as estratégias operacionais não foi integralmente exaurida. Diversos outros
estudos podem ser desenvolvidos por pesquisas diretas em outros hotéis visando aprofundar como
ocorrem as escolhas estratégicas operacionais, assim como estudos em outros segmentos.
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74
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75
COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS E
COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS:
PROPOSIÇÃO DE UMA LÓGICA DE
ACONTECIMENTO SIMULTÂNEA E
CONCOMITANTE
INDIVIDUAL AND ORGANIZATIONAL
COMPETENCES: THE PROPOSITION
OF A SIMULTANEOUS AND
CONCOMITANT LOGIC OF HAPPENING
COMPETENCES INDIVIDUELLES ET
COMPETENCES ORGANISATIONNELLES:
LA PROPOSITION D'UNE LOGIQUE
DE L'ÉVENEMENT PARALLELES
ET SIMULTANEES
LUCIANO MUNCK
Doutor em Administração pela FEA/USP,
Coordenador do Mestrado em Administração da UEL
RAFAEL BORIM DE SOUZA
Mestre em Administração pelo PPA – UEM/UEL
76
RESUMO
Este artigo tem como objetivo principal propor uma lógica de acontecimento das competências dos
indivíduos e das competências das organizações por etapas simultâneas e concomitantes. Para
tanto foi realizada uma pesquisa qualitativa, exploratória e bibliográfica. Foram abordadas
discussões a respeito das origens e evolução das discussões sobre os estudos das competências.
Em sequência, houve a opção de privilegiar o tratamento das competências dos indivíduos e das
competências das organizações. Condicionados todos os fatores da discussão, chegou-se à
conclusão de que o indivíduo se dispõe a somar o entendimento de si mesmo, a compreensão do
trabalho que realiza, a convivência de seus pares e a utilização das ferramentas lhe concedidas em
distintas formas de expressão de suas competências, as quais moldam e configuram as
competências organizacionais.
Palavras-chave: competências, indivíduos, organizações.
ABSTRACT
This article intends to propose a logic of happening of the individual and organizational competences
in simultaneous and concomitant steps. It was realized a qualitative, exploratory and bibliographic
research. There were mentioned discussions about the origins and the evolution of the discussions
about the study of competences. After this there were introduced the individual and de organizational
competences. For all the discussions developed, it is argued that the man disposes himself in adding
the understanding of him, the comprehension of the work which realizes, the act of living together
with his pairs and the use of the tools offered to him in distinct forms of expression of his
competences, which are responsible for molding, configuring and expressing the organizational
competences.
Keywords: competences, people, organizations.
RÉSUMÉ
Cet article vise à proposer une logique de passe des compétences individuelles et
organisationnelles dans les étapes simultanée et concomitante. Il s'agissait d'une étude
qualitative exploratoire et la littérature. Il y avait fait état de discussions sur les origines et
l'évolution des discussions sur l'étude des compétences. Séquence avait la possibilité de
soutenir le traitement des compétences des gens et des compétences des organisations. Grâce à
l'ensemble des facteurs de la discussion est arrivée à la conclusion que l'individu est prêt à ajouter la
compréhension de soi, la compréhension du travail accompli, la coexistence de leurs pairs, et
l'utilisation des outils que vous avez fournis dans différentes formes d'expression de ses
pouvoirs, qui moule et la forme du sens de l'organisation.
Mots-clés: compétences, les humains, organizations.
77
1 INTRODUÇÃO
Os contextos organizacionais são analisados por uma série de metodologias que procuram
verificar, em suma, o grau de eficiência das ações dos indivíduos e como tais ações contribuem para
o alcance de melhores retornos financeiros. A relação entre indivíduo e organização, em princípio,
era tratada por uma ótica de subordinação, na qual a organização sobrepunha os anseios humanos.
Com o decorrer da história, de acordo com Zarifian (2003), começou-se a observar que os indivíduos
poderiam ser qualificados não somente como os braços que desenvolviam as atividades
operacionais das empresas, mas também, e principalmente, como os cérebros responsáveis por
processos estratégicos que conferiam as organizações um patamar diferenciado de competitividade.
Reconhecida a relevância do fator humano nas organizações, gradativamente observou-se o
interesse de se investigar uma metodologia imparcial de qualificar os indivíduos. Essa resposta, em
parte concedida por McClelland (1973), surgia com mais relevância na década de 70, período em
que as competências dos indivíduos começaram a ser pesquisadas com maior densidade, uma vez
que por meio delas se observava um caminho efetivo para retirar o funcionamento da sociedade das
mãos de uma elite minoritária e dominante. Ser competente é um status que depende de uma série
de fatores muitas das vezes totalmente alheios à vontade do indivíduo que se analisa (DREJER,
2002).
Um indivíduo é admitido como competente somente se seus históricos pessoais,
educacionais e profissionais se somarem e resultarem na expressão de atos coerentes para com a
problemática vivenciada em um momento especificamente crítico (BOYATZIS, 1982). Logo, para
uma organização a competência é fenômeno diretamente relacionado ao contexto sobre o qual suas
atividades operacionais são desenvolvidas. De acordo com Smith (2008), as organizações não
existem sem os indivíduos, assim as organizações apenas serão competentes se os indivíduos nela
inseridos também forem competentes.
Por meio dessa lógica relacional entre indivíduos e organizações, desenvolveu-se o presente
artigo com o objetivo principal de propor uma lógica de acontecimento das competências dos
indivíduos e das organizações por etapas simultâneas e concorrenciais.
2 METODOLOGIA
Foi realizada uma pesquisa qualitativa, exploratória e bibliográfica (MARTINS; THEÓPHILO,
2007). O quadro 1 relaciona quais os principais assuntos em análise neste artigo, o que se desejou
investigar em cada um deles e os principais autores que contribuíram em relação à análise.
QUADRO 1 – ESTRUTURA DE INVESTIGAÇÃO TEMÁTICA
E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA
TEMAS
Origens e evoluções das
discussões
As competências dos
indivíduos
O QUE INVESTIGAR?
Como se originaram as discussões sobre as
competências e como essas se
desenvolveram ao longo do tempo.
Por quais etapas ocorrem e se manifestam as
competências dos indivíduos.
As competências das
organizações
Por quais etapas ocorrem e se manifestam as
competências das organizações.
PRINCIPAIS AUTORES
Boyatzis (1982)
McClelland (1973)
White (1959)
Alvesson, Willmott (2002)
Focault (1972, 1982, 1988)
Heidegger (1996)
Drejer (2002)
Freiling, Gersch, Goeke
(2008)
Shackle (1972)
78
3 COMPETÊNCIAS: ORIGENS E EVOLUÇÃO DAS
DISCUSSÕES
Taylor (1911), no início de suas contribuições para a administração científica, já moldava
estudos que revelariam como um ser humano poderia desempenhar melhor uma função dentro dos
contextos industriais. Embora suas considerações não possam ser comparadas com as proposições
mais recentes a respeito dos estudos sobre competências, elas, por meio das noções bem
disseminadas sobre os tempos e movimentos, ensinaram os gestores dessa época a recrutarem,
desenvolverem, reterem e avaliarem as pessoas por métodos que verificavam, em essência, a
viabilidade dos processos e a eficácia organizacional.
Estudos diretamente relacionados às competências começaram a ser apresentados com
maior frequência na década de 50, em específico por meio das pesquisas de Flanagan (1954) e
White (1959). As ideias de Flanagan (1954) pouco se distanciavam das afirmações e dos objetivos
de Taylor (1911), já os estudos de White (1959) unidos aos propósitos de McClelland (1973)
começaram a evidenciar uma nova abordagem para o tratamento das competências nos ambientes
organizacionais. Os estudos de White (1959) residiram em algo estritamente científico, enquanto os
de McClelland (1973) adicionaram, além das contribuições científicas inegáveis, uma densa crítica
ao sistema imperante de valorização dos indivíduos nas organizações. Este, por seus relatos,
confirmou o que toda uma sociedade pensava, o fato de uma elite dominante não poder ditar as
competências necessárias para qualificarem os indivíduos como aptos ou inaptos quanto à
realização de seus exercícios profissionais.
Barrett e Depinet (1991), em um artigo equivocado e fora de qualquer parâmetro científico de
comparação, tentaram, mas não conseguiram desqualificar as críticas denunciadas por McClelland
(1973). As considerações de White (1959) e McClelland (1973) foram abordadas como referência por
muitos outros pesquisadores. Dentre eles, destacam-se os esforços de pesquisa de Boyatzis (1982),
o qual determinou empiricamente as características profissionais de gerentes que faziam deles
funcionários diferenciais, independente de suas posições de liderança. Essa sequência de estudos
acabou por conferir à competência uma conceituação pluralista, característica admirada por alguns
autores e contestada por outros. Zemke (1982), contemporâneo de Boyatzis (1982), gastou longo
tempo de pesquisa para alcançar uma conclusão óbvia já observada por outros estudiosos: não
existe um conceito validado sobre o que vem e o que não vem a ser uma competência.
Segundo Sandberg e Pinnington (2009), os estudos iniciais sobre as competências estavam
diretamente relacionados aos indivíduos e, por isso, se vinculavam às investigações sobre as
capacidades cognitivas destes em identificar a contribuição de sua historicidade para o
desenvolvimento de competências específicas. Os autores comentam que inicialmente as
competências eram propriedades de estudo exclusivas da Psicologia, fato comprovado por seus
primeiros e mais relevantes cientistas – Flanagan (1954), White (1959) e McClelland (1973).
Todavia, as contribuições envoltas aos estudos psicológicos começaram a se desenvolver e
alcançar áreas das ciências naturais – Medicina e Enfermagem –, das ciências exatas – Engenharia
–, das ciências sociais – Sociologia – e das ciências sociais aplicadas – Administração e Direito
(SANDBERG; PINNINGTON, 2009).
Zarifian (2003) comenta que essa evolução nos estudos sobre as competências se deu em
razão de inúmeras mudanças sociais e econômicas, as quais começaram a exigir que estudos de
determinados fenômenos passassem a ser orientados por diferentes ciências em um mesmo período
de tempo. O autor salienta que as principais transformações ocorrentes foram: a emergência da
individualidade (os sujeitos não são mais prisioneiros de espaços disciplinares), o nível de
interdependência e de espaço dessa emergência (o trabalho se torna um fenômeno
simultaneamente individualista e coletivista) e, por fim, a incerteza tornando-se a regra (a incerteza
se torna uma expressão de transformação nas próprias condições de produtividade).
Apesar de serem interessantes, foram por essas pesquisas multidisciplinares sobre as
competências que os discursos a respeito do assunto começaram a se proliferar no mundo dos
negócios e em todas as esferas da sociedade por uma confusão conceitual impossível de ser
controlada (TANGUY, 1997). A década de 90 sinalizou um período marcado pela expressão de
diferentes formas de pensamento em relação às competências, mas todas elas ainda alicerçadas em
79
seus primeiros estudos, como demonstra o artigo escrito pelo próprio McClelland (1998), por meio do
qual o conceito conferido não passa de uma exploração mais esmiuçada de suas primeiras análises.
Os primeiros anos que seguiram o fim dos anos 90 foram caracterizados por estudos que
procuraram vincular os estudos sobre as competências com diferentes teorias e posições filosóficas
(AUGIER; TEECE, 2008). Esses estudos permitiram que os conceitos concedidos ao fenômeno
“competências” se desenvolvessem de maneira muito reveladora. Em prol de oferecer ao leitor a
possibilidade de visualizar a evolução desses conceitos, apresenta-se o quadro 2, composto dos
conceitos de competências mais relevantes, conferidos por diferentes autores desde o início de
pesquisas relacionadas ao assunto. Conforme afirmam Dubois e Rothwell (2004), poder observar os
conceitos de competências concedidos ao longo do tempo permite a quem estuda uma observação
de um movimento histórico, acadêmico e prático que evidencia a complexidade do termo como um
quesito necessário de ser gerido com os indivíduos e em escalas organizacionais.
QUADRO 2 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE
COMPETÊNCIAS
AUTOR
Taylor
(1911)
Flanagan
(1954)
White
(1959)
McClelland
(1973)
Klemp
(1980)
Boyatzis
(1982)
McLagan
(1989)
Spencer;
Spencer
(1993)
Tanguy
(1997)
McClelland
(1998)
Drejer
(2002)
Zarifian
(2003)
Chen;
Naquim
(2006)
DEFINIÇÃO
A competência compreende a habilidade mecânica de os indivíduos realizarem suas
atividades em tempos cronometrados por meio de movimentos precisamente especificados
e desenhados.
A competência representa o potencial identificado e incentivado a se expressar mediante o
enfrentamento de problemas adversos, a fim de que os princípios psicológicos envolvidos
em tais traços pessoais sejam gradativamente aperfeiçoados.
A competência é uma necessidade humana expressa por uma busca incessante de
maestria e proficiência nos processos sociais vivenciados pelos indivíduos.
As competências compõem os determinantes sociais para o desenvolvimento dos
indivíduos. Ela corresponde ao elemento crucial do ser humano que lhe garante a
possibilidade de sobressair.
As competências são essencialmente funcionais, logo formam-se por características que
fundamentam o desempenho superior de uma pessoa, comprovado por resultados
efetivos.
A competência é uma característica oculta de um indivíduo, resultante em desempenho
eficaz e(ou) superior. A efetividade dela ocorrerá se as funções e responsabilidades dos
cargos, o ambiente organizacional e as competências individuais estiverem relacionados.
As competências representam o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes
fundamentais, para que resultados específicos sejam alcançados.
As competências simbolizam características estruturais que sustentam o desempenho
diferenciado de um indivíduo em situações particulares e de serviço. As competências são,
então, influenciadas por questões como motivações, traços, autoconceito, conhecimentos
e habilidades.
As competências compõem o conjunto de conhecimentos e experiências de um
assalariado, confirmados pelo respectivo nível de formação e pelo domínio das funções
exercidas por ele.
As competências compreendem habilidades e disposições que vão além das habilidades
cognitivas do ser humano, tais como autorreconhecimento, autocontrole e habilidades
sociais.
A competência é um fenômeno constituído de quatro elementos e suas respectivas
relações: tecnologias, pessoas, estrutura organizacional e cultura organizacional.
A competência é possuída e utilizada pelo indivíduo que trabalha, bem por isso se
manifesta sempre em relação a uma situação específica e exige a mobilização de uma
ampla gama de recursos organizacionais e individuais.
As competências se referenciam a características não aparentes, mas relacionadas ao
desenvolvimento do trabalho, que estimulem desempenhos expressivos em cargos
funcionais, situação em que o padrão de sucesso é fator inerente aos propósitos
estratégicos da organização.
FONTE: contribuições dos autores identificados no quadro 2.
80
Pelos conceitos apresentados no quadro 2, admoesta-se que as competências residem em
fenômenos simultaneamente individuais e coletivos e que estão a serviço de melhores desempenhos
organizacionais. Pela adoção contínua desse raciocínio, as competências têm sido admitidas como a
lógica necessária para se realizar uma efetiva gestão de recursos humanos, interessada em alinhar
discursos organizacionais e anseios individuais (DUBOIS; ROTHWELL, 2004). Essa relação entre
organização e indivíduo, nos estudos sobre as competências, ainda permanece em investigação por
muitos estudiosos, inclusive por aqueles que procuram desenvolver modelos de competências
capazes de serem utilizados em diferentes contextos organizacionais (SPENCER; SPENCER, 1993).
A estratificação das pesquisas relacionadas às competências entre aquelas vinculadas à
investigação dos indivíduos e às interessadas em analisar as organizações, embora bastante
presente no meio científico, nada mais representa do que duas lentes com foco na observação de
fenômenos complementares. Sem pessoas não há organização, e sem competências dos indivíduos
não existirão as competências das organizações, logo a relação de desenvolvimento e evolução
recíproca entre indivíduos e organizações é estabelecida por um ciclo ininterrupto de cessão e
aquisição, tanto por parte dos indivíduos quanto por parte das organizações (SMITH, 2008).
Em face dessa notória segmentação entre os estudos sobre as competências dos indivíduos
e as competências das organizações, apresentam-se na sequência seções que tratem desses
assuntos separadamente para depois uni-los por meio de uma proposição de uma lógica de
acontecimento simultânea e concomitante.
4 COMPETÊNCIAS DOS INDIVÍDUOS
Le Deist e Winterton (2005), bem como Sandberg e Pinnington (2009), concordam sobre uma
ausência de consenso sobre o que vem a ser as competências dos indivíduos, enquanto fenômenos
de pesquisa em organizações. Por essa realidade, os autores comungam sobre a possibilidade de
se distinguir três grandes abordagens conceituais que relacionam as competências dos indivíduos
aos contextos organizacionais: a competência como pré-requisito, evidenciada pelo nível
educacional do indivíduo e pelos treinamentos participados na organização, ambos consideráveis
para decidir se uma pessoa está apta para ocupar determinada posição funcional; a competência
como um resultado, um desempenho realizado dentro de um padrão de comportamento esperado; a
competência como uma capacidade exercitada com o intuito de alcançar e realizar trabalhos
específicos – abordagem classificada por Gherardi (2000) como a escola da realização prática.
Uma vez que um dos propósitos deste artigo é investigar como se dá o acontecimento das
competências dos indivíduos, optou-se por selecionar, principalmente, as contribuições inseridas nos
estudos pertencentes à terceira abordagem. Essa abordagem é subdividida em duas vertentes mais
relevantes, sendo elas as que possuem os estudos com base nas organizações e nos estudos
focalizados nas perspectivas relacionais. Os estudos com base nas organizações consideram as
competências como um corpo de conhecimento científico aplicado e como propriedades inerentes ao
corpo humano dos indivíduos (McCLELLAND, 1973). Os estudos focalizados nas perspectivas
relacionais entendem as competências como um fenômeno advindo de interações promovidas pelos
exercícios práticos realizados pelos indivíduos, logo assume uma visão de pesquisa que qualifica a
competência, simultaneamente, como algo individualista e coletivista (WENGER, 2000).
Os adeptos dos estudos das competências individuais relacionados às organizações fixam-se
na importância de se obter um corpo de conhecimento científico, o qual deve ser unido a um
conjunto de conhecimentos tácitos e outros atributos relevantes, tais como determinadas atitudes e
algumas características pessoais. Os defensores dos estudos das competências individuais
relacionados às perspectivas relacionais são irredutíveis quanto à imprescindibilidade de se
constituir a competência de um indivíduo pelo conhecimento em ação, pela compreensão do
trabalho e pela prática (SANDBERG; PINNINGTON, 2009). Mediante tais considerações, acredita-se
que os estudos vinculados às perspectivas relacionais sejam mais coerentes para com os objetivos
da pesquisa em desenvolvimento.
Wenger (2000) argumenta que as discussões proferidas em uma comunidade prática definem
as competências dos indivíduos por meio de processos relacionais que são constituídos pelos
seguintes elementos: uma compreensão coletiva do que vem a ser uma empresa articulada,
81
engajamento mútuo quanto às normas já estabelecidas para uma coerente interação entre os
participantes dos processos e um repertório coletivo sobre os recursos organizacionais comuns,
assim como linguagens, rotinas, redes, histórias e ferramentas. Embora os defensores dessa
perspectiva considerem a competência como consequência do acontecimento dos sistemas de
relacionamentos sociais, eles não a engessam como um fenômeno unicamente dependente das
organizações (BLACKLER, 1995).
Para essa vertente, em suma, as competências dos indivíduos estão inseridas em um
movimento cíclico, aberto e ininterrupto de negociações sociais, ou seja, para a concepção efetiva
de suas competências, os indivíduos precisam considerar seu desenvolvimento educacional, sua
evolução profissional e sua historicidade pessoal (McCRACKEN; WINTERTON, 2006). Embora essa
perspectiva seja mais inclusiva, ela ainda falha na explicação de como os aspectos práticos se
tornam integrados para a formação de uma competência individual específica que venha a contribuir
para melhores desempenhos. Em face dessa crítica, Sandberg e Pinnington (2009), ao usufruíremse de maneira muito coerente das premissas da ontologia existencial de Heidegger (1996),
propuseram que a competência de um indivíduo é resultante da maneira de ser do humano, do
relacionamento do humano com os demais e da compreensão da utilidade das ferramentas que o
circundam. Por meio desse entendimento, os autores admitem que o autoentendimento do indivíduo,
somado à compreensão de seu trabalho, à convivência com os pares e à utilização coerente das
ferramentas, unem-se e resultam em distintas formas de expressão das competências dos indivíduos
nas organizações.
Os autores que escrevem este artigo concordam com Sandberg e Pinnington (2009), mas
observam que existe uma lacuna científica entre as proposições de Heidegger (1996) e a lógica de
acontecimento das competências individuais defendidas Sandberg e Pinnington (2009). Em suma,
acredita-se que muitas outras partes devem compor o processo de análise científica, para se
verificar o acontecimento de uma competência individual. Em prol de buscar fundamentações
teóricas que viabilizem o debate em proposição, aborda-se em sequência a exploração da ontologia
existencial de Heidegger (1996), a lógica e a força do discurso defendida por Focault (1972, 1982,
1988) e o conceito de microemancipação introduzido por Alvesson e Willmott (2002).
4.1 ONTOLOGIA EXISTENCIAL DE HEIDEGGER
A ontologia existencial de Heidegger (1996) de acordo com Sandberg e Pinnington (2009)
oferece uma base para o desenvolvimento de uma concepção alternativa e mais integrativa do que
vem a ser a competência de um indivíduo. A utilização do termo integrativo não significa que a
perspectiva da ontologia existencial venha a representar uma meta-perspectiva que traga consigo
todas as demais, mas, ao invés disso, ela adota uma análise mais compreensiva e integrativa sobre
o que constitui a competência de um indivíduo no desempenho de suas funções organizacionais. De
fato, a estrutura da ontologia existencial abordada por Sandberg e Pinnington (2009) engloba muitos
dos componentes da perspectiva relacional prática, a qual considera que a competência do indivíduo
se desenvolve pelo desempenho dos processos de realização do trabalho.
A estrutura dessa ontologia existencial enfatiza os pares do indivíduo e as ferramentas
concedidas a ele como centrais para a constituição de uma competência individual. Por esse
raciocínio, a estrutura da ontologia existencial de Heidegger (1996) possibilita uma análise mais
completa, ao descrever a analisar como vários aspectos das práticas dos seres humanos nas
organizações, tais como o conhecimento, o conhecimento em ação, as pessoas e os artefatos
utilizados pelos indivíduos, são colocados em conjuntos diversos de compreensão e expostos por
distintas formas de expressão de uma competência individual (SANDBERG; PINNINGTON, 2009).
Três raciocínios analíticos compõem a estrutura da ontologia existencial: a maneira de ser do
humano, os outros e a maneira de ser do humano e as coisas e a maneira de ser do humano
(HEIDEGGER, 1996). Pelo estudo aprofundado dessas três partes integrantes da ontologia
existencial de Heidegger (1996), Sandberg e Pinnington (2009) afirmam que elas se identificam com
os componentes responsáveis por ativar o acontecimento de uma competência individual. Cada uma
dessas dimensões é explorada no quadro 3.
82
AS COISAS E A MANEIRA
DE SER DO HUMANO
OS OUTROS E A
MANEIRA DE SER DO
A MANEIRA DE
SER DO HUMANO
QUADRO 3 – DIMENSÕES QUE ESTRUTURAM A ONTOLOGIA
EXISTENCIAL DE HEIDEGGER (1996)
A maneira de ser do humano é algo que vai além da relação entre sujeito e objeto, por ressaltar que o
agir humano se manifesta como algo superior e anterior a essa distinção simplista entre subjetivo e
objetivo, uma vez que é pela maneira de ser do humano que ele é permitido a compreender-se como
um sujeito específico e os objetos como elementos dotados de respectivas e indissociáveis
particularidades. É o significado existencial das maneiras específicas de ser do humano que
possibilitam que ele se entenda como um profissional específico inserido em um contexto de
compreensão singular, dentro do qual ele realiza atividades selecionadas, utiliza objetos aceitos como
ferramentas auxiliares e toda essa lógica com um propósito racional a ser atingido.
A segunda dimensão se relaciona e analisa o acontecimento do humano “ser” e “estar” com os
outros. “Ser” e “estar” com os outros representam fenômenos de vivência constitutivos a todas as
maneiras de ser do humano, pois ele, enquanto indivíduo integrante de uma sociedade, somente
pode desenvolver-se ao observar e selecionar maneiras de ser dos outros humanos. Quando os
humanos agem, seus pares são abalados pela expressão de uma maneira de ser diferenciada,
mediante a validação dessa realidade. Começa-se uma procura por um consenso, ou seja, uma
posição de comportamento sobre determinadas maneiras de expressão que compõem o existir de um
humano. Esse consenso composto gera duas possíveis consequências: uma percepção positiva ou
uma percepção negativa, ambas alheias e independentes daquele que profere o ato em análise. É
por meio dos outros que a maneira de ser do humano seleciona o que é apropriado, o que é permitido
e o que não é.
As coisas desempenham fundamental representação para o desenvolvimento das maneiras de ser do
humano. As coisas compõem tudo o que está relacionado com as ferramentas que auxiliam o
humano a expressar sua maneira de ser. Essas ferramentas são quaisquer objetos naturais dos
cotidianos dos humanos e vinculados aos contextos de suas práticas profissionais. As características
mais básicas dessas ferramentas não são definidas, em princípio, por suas qualidades e
qualificações, mas por sua utilidade na maneira de ser de um indivíduo em específico. Uma
ferramenta é ainda definida por sua comparação e confrontação com as demais ferramentas com as
quais o ser humano convive. As ferramentas não são apenas definidas pelos níveis de suas utilidades
e pela referenciação com as demais que concorrem por um espaço de apreciação do indivíduo, mas
também pelo específico significado existencial que representam no ambiente em que o humano
precisa expressar suas maneiras de ser.
FONTE: contribuições de HEIDEGGER (1996).
A maneira de ser do humano constitui a dimensão principal por sugerir que as competências
dos indivíduos não representam algo já possuído por eles, mas sim um fenômeno que se
desenvolve, se expressa e se reconstrói. É o significado existencial de uma específica maneira de
ser do humano, no entanto, que distingue e integra os aspectos do exercício prático, tais como o que
o indivíduo compreende em relação a seu autoentendimento, ao reconhecimento de quais atividades
são essenciais para o desempenho cotidiano de suas funções, ao relacionamento com as pessoas e
a representatividade das ferramentas a ele oferecidas para o desenvolvimento de suas
competências em um contexto de trabalho específico. A segunda dimensão sugere que a
competência individual é construída socialmente, uma vez que o ser humano faz (existe) em tempo
simultâneo que é (expressa sua existência), situação somente possibilitada por uma coerência de
ações participada com seus pares de relação inseridos em um mesmo contexto analítico. Por fim, a
terceira dimensão sugere que as ferramentas e, especialmente, a utilidade delas, auxiliam o humano
a expressar sua maneira de ser e a desempenhar relacionamentos com seus pares (SANDBERG;
PINNINGTON, 2009).
Entre conhecer-se a si mesmo, valorizar e aprender com determinado grupo e ter a
capacidade de utilizar as ferramentas com elevada coerência, estabelece-se uma sequência de
processos e raciocínios que transformam a realidade que circunda o indivíduo em complexa e
cíclica, por essa razão Heidegger (1996), Sandberg e Pinnington (2009) afirmam categoricamente
que essas três dimensões são interligadas, simplesmente por acontecerem simultaneamente nas
rotinas de sociabilização do ser humano. Os próprios autores concordam sobre a complexidade do
acontecimento das competências dos indivíduos, as quais se desenvolvem por etapas gradativas de
acontecimento e expressão. Propõe-se que essas etapas vão além das três dimensões da ontologia
83
existencial de Heidegger (1996), bem por isso abordam-se nos próximos tópicos as contribuições de
Focault (1972, 1982, 1988) e de Alvesson e Willmott (2002). O que se pretende por esses tópicos é
complementar o estudo realizado por Sandberg e Pinnington (2009), que foi fundamentado na
ontologia existencial de Heidegger (1996).
4.2 LÓGICA DO DISCURSO DEFENDIDA POR FOCAULT
Fergus e Rowney (2005), ao procurarem integrar as perspectivas históricas e filosóficas das
pesquisas de Focault (1972), perceberam que este não ficou retido na missão de desenvolver uma
teoria definitiva, ou uma estrutura de referências permanente e inflexível (BURRELL, 1998). A
abordagem predominante dos estudos de Focault (1972) se interessa em utilizar a história para
diagnosticar as patologias contemporâneas por meio de acontecimentos passados. Por esse olhar
diferenciado, ele assumiu uma diferenciação de outras perspectivas teleológicas que tentaram
trabalhar por fundamentações históricas (BURRELL, 1998; FERGUS; ROWNEY, 2005). Essa
linhagem de Focault (1982) é conhecida como a ‘história do presente’, em que o presente é um
fenômeno contemporâneo a quem pesquisa e em constante transformação (FERGUS; ROWNEY,
2005).
Focault (1972) considera que o poder simboliza um algo inexistente, se considerado como
uma variável de mensuração de forças, contudo como fenômeno existente, se compreendido como
algo impregnado e inserido em cada relacionamento social. Em outras palavras, o poder está, ao
mesmo tempo, em todos os lugares e em lugar nenhum (BURRELL, 1998; FERGUS; ROWNEY,
2005). O poder não constitui algo que possa ser atribuído a alguém ou a alguma coisa, mas algo a
ser entendido em termos de relações, especificamente as relações entre forças de dominação e
resistência (FOCAULT, 1972, 1982). Uma importante origem de tais forças é o discurso, a utilização
da linguagem. Por meio da comunicação de um com o outro (os outros e a maneira de ser do
humano), o ser humano constrói valores pessoas e desenvolve seus próprios contextos. Esse
processo forma blocos fundamentais para a interpretação do mundo por parte do indivíduo
(FOCAULT, 1972; HEIDEGGER, 1996). Fergus e Rowney (2005), em relação à força do discurso,
admitem que os atores sociais podem sentir que eles possuem certa habilidade de independência e
uma influência relativa sobre o contexto de interpretação de seu mundo pessoal. Entretanto, o nível
dessa interdependência pode ser enganoso, em função do poder de serem deturpadas as estruturas
contextuais que os demais atores sociais também possuem.
Os atores, quando tentam recriar uma interpretação contextual da realidade observada por
eles, estão inconscientes quanto a uma construção atual do contexto e quanto às forças e valores
que estão por traz dessa construção (BURRELL, 1998). De acordo com a perspectiva de Focault
(1988), a recriação do mundo de um indivíduo é influenciada por forças desconhecidas que se
manifestam e influenciam os seres humanos por meio de discursos. Para Focault (1988), alguém
pode até imaginar ser capaz de interpretar seu próprio mundo por meio de processos individuais e
independentes, mas, em verdade, tal pensamento não passa de uma ilusão. O autor ressalta que
realmente se trata de um equívoco humano entender que um indivíduo, por si só, possui o poder de
interpretar todo o contexto de uma realidade sobre o qual se cria e se molda um discurso por meio
desse mesmo discurso (FOCAULT, 1972).
Um discurso consiste de declarações que interagem com outras declarações. Assim, quando
os sujeitos procuram recriar seus contextos ambientais, eles são afetados por dois tipos de
situações: o engajamento e a existência das interações históricas do discurso. O caráter desse
discurso histórico, em termos de uma estrutura epistemológica coerente, é fundamental para o
processo de reconstrução e construção da realidade do indivíduo. Dentro dessa lógica, considera-se
que uma declaração é uma função de identificação da existência que coerentemente se relaciona a
sinais e a bases sobre as quais os indivíduos podem decidir, por vias analíticas ou intuitivas, se ela é
ou não coerente (FOCAULT, 1972).
Em continuidade a esse raciocínio, o próprio Focault (1982), em suas assertivas a respeito do
poder do discurso, oferece algumas contribuições relacionadas à subjetividade. Esta é
compreendida como a constituição dos indivíduos via processos de formação da identidade e
identificação dela com os propósitos organizacionais. Autores como Newton (1998) desenvolveram
estudos para evidenciar insuficiências dos esclarecimentos de Focault (1988), quanto ao paradoxo
84
dialético entre poder e conhecimento. Para muitos, existe uma tendência de os indivíduos serem
inseridos em determinadas molduras sociais e sujeitarem-se como personagens passivas em uma
subjetivação discursiva do poder. Logo, emancipa-se como primordial as normas organizacionais, e
subestimam-se as regras sociais representantes de uma ideologia maior (FINCH-LEES; MABEY;
LIEFOOGHE, 2005). Newton (1998) em particular enfatiza os limites dos estudos de Focault (1972,
1982, 1988) pela incapacidade deles em demonstrar como os atores organizacionais agem dentro
de práticas discursivas. Nesse sentido, para complementar a ausência proposta por Newton (1998),
apresenta-se em sequência o conceito de microemancipação introduzido por Alvesson e Willmott
(2002).
4.3 CONCEITO DE MICROEMANCIPAÇÃO INTRODUZIDO
POR ALVESSON E WILLMOTT
Alvesson e Willmott (2002) argumentam que, embora o desenvolvimento da subjetividade por
vias discursivas possa ser uma metodologia de controle organizacional consistente, ela não deveria
ser concebida como um fenômeno que imponha constrangimentos totalizadores e desmedidos aos
sujeitos humanos. Para os autores, os seres humanos estão conscientes sobre seus limitados
espaços de atuação, uma vez que inconscientemente dependem do conhecimento direto de seus
pares, do conhecimento daqueles que melhor os auxiliarão no desenvolvimento de suas atividades,
do conhecimento da linguagem organizacional utilizada no ambiente de trabalho, da compreensão
dos valores éticos e morais que regem a organização, da construção de conhecimentos e
habilidades que sejam coerentes com as expectativas e metas organizacionais, da afiliação e
participação de grupos formais e informais, do respeito às posições hierárquicas, do estabelecimento
de regras transparentes e de uma definição particular do contexto sobre o qual vivencia suas
atividades profissionais (ALVESSON; WILLMOTT, 2002).
A observação desses nove níveis de dependência insere o indivíduo em um ciclo de
padronização de sua identidade – procedimento instigado e informado pela identidade do trabalho
(atividade organizacional interpretativa) que, por sua vez, é retrabalhada e induzida pelas
identidades pessoais (precárias narrativas pessoais), as quais são concebidas, responsáveis e
resistentes a essa padronização. Mediante tal lógica, simples atos de treinamento e desenvolvimento
possuem influência sobre a formação e direcionamento das identidades dos indivíduos (ALVESSON;
WILLMOTT, 2002).
Para Finch-Lees, Mabey e Liefooghe (2005), as considerações de Alvesson e Willmott (2002)
constituem interessantes argumentos a respeito da fluidez, instabilidade e reflexividade dos
processos de padronização da identidade, os quais promovem oportunidades de microemancipação
e resistência, assim como subordinação e opressão. De acordo com os mesmos autores, o termo
“emancipação” provém de processos pelos quais os indivíduos e os grupos de indivíduos adquirem
liberdade de condições sociais e ideológicas amparadas por repreensões, principalmente aquelas
que impedem o desenvolvimento e a articulação da consciência humana. Apesar de amplamente
criticados, Alvesson e Willmott (2002) introduziram a ideia de microemancipação como um meio de
se alcançar objetivos grandiosos. Esse termo prioriza dilemas, ambiguidades, contradições e
incertezas das ferramentas gerenciais, atividades organizacionais, formas e técnicas de gestão, ou
seja, questiona todas as manifestações visíveis das ideologias gerenciais. A microemancipação
alcança um escopo mais limitado e finito da reflexão crítica dentro de uma organização, composto de
obstáculos inerentes aos contextos de gestão, tais como tempo, espaço e sucesso (ALVESSON;
WILLMOTT, 2002; FINCH-LEES, MABEY, LIEFOOGHE, 2005).
O que se intentou por essas apreciações, antes de se dar sequência ao acontecimento das
competências de um indivíduo, foi demonstrar que o ser humano é um agente social complexo que
requer liberdade, mas que conscientemente assume que não pode usufruir dela plenamente. Por
meio das contribuições de Focault (1972), cabe ao indivíduo, pela subjetividade de seu agir e ser,
aceitar um discurso como lógico ou não. No entanto, existem mecanismos sociais que tentarão
promover a ideia de que tais discursos necessitam ser aceitos, tais como as ideologias
organizacionais. Esses processos interagem com a subjetividade do indivíduo, e essa integração é
condenada por alguns autores e vista como necessária por outros. Em verdade, a tentativa de
Alvesson e Willmott (2002) de propor uma padronização de identidade não teve como intuito
85
legitimar o ser humano como uma personagem sujeita a ordens inquestionáveis de uma
organização, porém propor mecanismos de relacionamentos que lhe propiciem compreender se o
discurso organizacional a que está submetido é coerente com seus padrões de identidade ou
divergente de seus valores essenciais. Exploradas as contribuições teóricas que compõem a lógica
de acontecimento das competências dos indivíduos a ser apresentada, passa-se para a discussão
dela.
4.4 ACONTECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS DOS
INDIVÍDUOS
Em face de toda essa análise é possível conceber a competência de um indivíduo como um
fenômeno tanto individual quanto coletivo; individual no sentido de que é o indivíduo que a possuirá
e a desenvolverá; coletiva em razão de essa competência ser dependente de fatores alheios aos
atos individuais e necessária de ser expressa mediante grupos. O estado de autoconhecimento do
ser humano é a primeira fase que permite a ele tentar ser competente em algo. O nível de seu
relacionamento com seus pares interfere consideravelmente sobre o desempenho de suas
competências. A noção sobre a utilidade dos recursos ofertados em prol da estruturação de
melhores competências finaliza a primeira etapa de acontecimento das competências de um
indivíduo, uma vez que ele, por uma sociabilização consciente, passa a conhecer a si mesmo, seus
pares e as ferramentas que lhe são úteis (HEIDEGGER, 1996; SANDBERG; PINNINGTON, 2009).
Participante desse grau de compreensão da realidade, o indivíduo ainda assim não possui
condições de interpretar o cenário no qual está inserido por uma via unilateral. Ele depende da
observação, articulação, aceitação e negação daquilo que lhe é apresentado. Começa assim a
segunda etapa de acontecimento das competências de um indivíduo. Finalizada a primeira fase, o
indivíduo precisa reconhecer nos discursos expostos uma lógica que demonstre coerência para com
aquilo que lhe é prometido e exigido. Essa lógica é subjetiva e imensurável, ou seja, é personificada
pelas ações e raciocínios de cada ser humano (FOCAULT, 1972, 1982, 1988).
Verificada a existência dessa lógica, cabe ao indivíduo aceitá-la ou negá-la. Essa fase de
aceitação e negação indica a terceira etapa de acontecimento das competências individuais. O
indivíduo, enquanto ser social pensante e influente sobre os acontecimentos organizacionais, possui
o poder, ainda que reduzido, de reconhecer uma lógica como existente, todavia como incoerente
para com seus valores e identidades. Não existirá assim uma subjetividade afim entre o indivíduo e o
discurso proposto. Caso seja constatada essa situação, observar-se-á que a competência do
indivíduo, para aquele contexto em observação, não acontecerá, pois ele optará pela investigação
de outro cenário sobre o qual sua identidade sofra uma padronização menos prejudicial às suas
crenças pessoais. No entanto, quando existe uma aceitação, passa-se para a próxima etapa de
acontecimento das competências do indivíduo (ALVESSON; WILLMOTT, 2002).
Quando o indivíduo e a lógica dos discursos se alinham por meio de mecanismos
institucionais, existe uma noção já tida como certa de que há uma necessidade implícita de cessão e
trocas. O indivíduo permite que sua identidade seja padronizada em prol de uma meta maior a ser
alcançada, bem por isso assume que está microemancipado. O indivíduo, assim, admite que tem
seu poder de manifestação reduzido a um determinado espaço de discussão, no qual certos limites
de valores e pré-requisitos processuais já foram estabelecidos. Quando esse espaço de atuação do
indivíduo é comungado com a organização, ele está firme sobre o significado existencial de sua
maneira de ser, ou seja, de como expressar seus atos perante um determinado grupo. Por essa
realidade, inconscientemente, o autoentendimento de sua maneira de ser e de expressar-se leva o
indivíduo a compreender melhor seu trabalho, a obter uma convivência mais saudável com seus
pares, a utilizar de maneira coerente os recursos a ele fornecidos, a fim de que toda essa lógica
conflua na manifestação de distintas competências individuais nos ambientes organizacionais. Dizse, então, que a competência de um indivíduo está apta a ser demonstrada, ou expressa, para o
meio (ALVESSON; WILLMOTT, 2002; FINCH-LEES; MABEY; LIEFOOGHE, 2005; HEIDEGGER,
1996; SANDBERG; PINNINGTON, 2009).
Apresentadas as etapas pelas quais as competências dos indivíduos acontecem e se
manifestam, passa-se para discussões que envolvam as competências das organizações.
86
5 COMPETÊNCIAS DAS ORGANIZAÇÕES
Quando se refere às competências das organizações, ou das competências organizacionais,
não se menciona a ideia de ter a organização como competente por si mesma, mas se concebe a
organização competente em determinados aspectos pela consequente competência de gerir suas
redes de relacionamento e desenvolver as competências inseridas nessas redes. Como afirma
Boyatzis (1982), as competências confluem do contexto das organizações. Cada empresa é
constituída por suas políticas internas, procedimentos-padrão e reflexos do ambiente organizacional
sobre as respectivas estruturas e sistemas de relacionamento organizacionais. A organização existe
em um contexto amparado por um ambiente que vai além de seus limites físicos, composto de
comunidades políticas, práticas industriais e ciclos econômicos. O ambiente interno, então,
institucionaliza as mensagens externas para os membros organizacionais, responsáveis por ações e
resultados a serem valorizados por rotinas inseridas no acontecimento diário das organizações
(SMITH, 2008).
As competências, como é defendido neste artigo, podem ser utilizadas para comporem as
qualificações dos indivíduos e das organizações. Woodruffe (1992) conceitua a competência como
um grupo de comportamentos-padrão promovidos por necessidades apresentadas e interessadas
em desempenhar ações condizentes e eficientes em relação às tarefas organizacionais propostas.
Essa valorização das competências, de acordo com Townley (1994), pode ser observada como uma
tentativa de as organizações descobrirem a fundamentação de práticas gerenciais por meio de uma
abordagem taxonômica validada por considerações behavioristas insinuantes de determinados
conhecimentos, habilidades, aptidões e situações como liderança, resolução de problemas, trabalho
sob pressão, tomada de decisões, criatividade, trabalho em equipe e empreendedorismo.
Quando relacionadas às organizações, a perspectiva das competências reconhece a
importância do tempo e da historicidade em questões que se referem às decisões econômicas, para
que haja uma continuidade no desempenhar de seus serviços. As competências explicam o porquê
de cada organização representar uma entidade equipada com seus respectivos recursos e uma
identidade específica, os quais são influenciados por fatores diversos como conhecimentos tácitos,
complexidade social, rotinas organizacionais e as próprias competências (DIERICKX; COOL, 1989).
Drejer (2002) complementa afirmando que as competências das organizações compõem o
ponto inicial de muitas atividades organizacionais complexas realizadas em grupos e times, mas não
individualmente. Com o intuito de investigar as etapas que culminam na expressão das
competências organizacionais, toma-se como parâmetro de análise as considerações de Dierickx e
Cool (1989), Foss (1993), Maggi (2006), Ng e Tseng (2008), Prahalad e Hamel (1990), Shackle
(1972) e Teece (2007), que, unidas à lógica de acontecimento das competências das organizações
proposta por Freiling, Gersch e Goeke (2008), confluirão na constituição de uma lógica proposta
pelos autores deste artigo.
5.1 ACONTECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS DAS
ORGANIZAÇÕES
Quando do interesse em realizar um estudo capaz de evidenciar uma lógica que expressasse
o acontecimento das competências das organizações, optou-se por investigar uma relação analítica
que destacasse a relevância do ser humano nos contextos organizacionais, para que essas
competências possam ser efetivamente instigadas e desenvolvidas. Orientados pelas considerações
de Lakatos (1970), os autores Freiling, Gersch e Goeke (2008), em relação às pesquisas sobre as
competências das organizações, chegaram a seis elementos principais que alicerçam o
acontecimento das competências das organizações (subjetividade, incerteza radical, individualismo
metodológico, agir humano, voluntarismo moderado e relevância do tempo). Esses elementos
centrais, pelas considerações de Lakatos (1970), devem auxiliar e promover o desenvolvimento de
avanços teóricos e empíricos e não limitá-los. Assim, tais elementos centrais não são finitos em si
mesmos, mas constituem partes essenciais para a observância do que precisa ser alterado ou até
mesmo excluído, a fim de que as proposições teóricas em construção alcancem seus objetivos
principais. O quadro 4 discrimina esses elementos com a respectiva explanação. Posteriormente à
87
apresentação do quadro, os temas de relevância são retomados para a explicação da lógica do
acontecimento das competências das organizações.
VOLUNTARISMO
MODERADO
AGIR
HUMANO
INDIVIDUALISMO
METODOLÓGICO
INCERTEZA
RADICAL
SUBJETIVIDADE
QUADRO 4 – ELEMENTOS QUE COMPÕEM O
ACONTECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS DAS
ORGANIZAÇÕES
Os agentes econômicos diferem em relação à informação que possuem, a seus anseios e às suas
competências. Os indivíduos realizam decisões por si mesmos, ou seja, guiados pelo ponto de vista
que a realidade oferece e que é capaz de assimilar. Logo, tais decisões são inteiramente
dependentes da capacidade interpretativa do humano. Propõe-se que cada indivíduo esteja
equipado com específicos conhecimentos, motivações, expectativas e habilidades. Esses itens
mencionados estão sujeitos a transformações drásticas ao longo do tempo (treinamento,
aprendizagem. etc.) que podem resultar na emergência de novas assimetrias entre ambiente,
organização e indivíduo. A subjetividade possui uma representação crucial para explicar essa
natureza idiossincrática da firma, uma vez que ela é participante necessária para a compreensão da
visão organizacional baseada nos recursos e nos processos de gestão orientados pelas
competências.
A subjetividade revela que os indivíduos possuem conhecimentos incompletos para realizarem
decisões e ações dentro das organizações. Este segundo elemento vai além ao considerar que a
história futura que acontecerá em consequência das decisões humanas não existe até que essas
decisões tomem a forma efetiva de expressão. Logo, o que não existe não é conhecido. As
competências organizacionais então se desenvolvem sobre um cenário de incerteza radical, assim
como os defendidos pelos adeptos e estudiosos das teorias baseadas em processos e mercados.
O individualismo metodológico significa que todas as decisões tomadas nas organizações podem
ser remetidas a indivíduos em específicos e suas respectivas contribuições em referência a um
determinado fenômeno em análise (aprendizagem organizacional, cultura organizacional, etc.).
Com o intuito de viabilizar o tratamento desses fenômenos organizacionais em maneiras coerentes,
mas sem se desvincular dos pontos de vista individuais, faz-se menção a um individualismo
metodológico moderado. Este demonstra que, ao menos metaforicamente, as instituições exercem
influência sobre o comportamento dos indivíduos. De maneira similar, as competências das
organizações podem ser explicadas pela análise intra e intercomportamental dos seres humanos.
Esse entendimento é selecionado como necessário pela compreensão de que a organização é um
agente econômico dependente das ações humanas. Em termos sociológicos, conceitos como
interacionismo metodológico podem enaltecer a riqueza do relacionamento entre organizações e
indivíduos.
Em face da observação dos demais elementos, observa-se que a noção de homem econômico
valorizado pelo modelo econômico tradicional não se ajusta ao tom das discussões. Faz-se
necessário compreender o indivíduo como um homem que age, como um participante ativo que
permanentemente busca novas oportunidades que permitam melhorias em sua sobrevivência. As
combinações de objetivos, meios e alternativas estão sujeitas à ação empreendedora e a
modificações, a fim de que toda essa lógica seja expressa em resultados favoráveis. Em particular,
duas características são indispensáveis para que o ser humano possa agir: precaução, uma vez
que se vive em um padrão de incerteza radical, e economia, o que implica necessidade de se
realizar escolhas racionais e limitadas que ajam em coerência com o cenário em análise.
Altamente relacionado com o agir humano e combinado com a incerteza radical, o voluntarismo
moderado exige que os agires, quando ocorrentes, devem ter algum impacto relevante sobre o
ambiente no qual exerce algum nível de influência, por atos que condições favoráveis surjam e
possam ser divididas por processos proativos e criativos de gestão. Não obstante, o poder de um
agente é restrito, ou seja, a fim de que seus argumentos sejam postos em práticas algumas
barreiras precisam ser ultrapassadas: sistema legal, padrões de mercado e movimentação dos
concorrentes. Esses obstáculos indicam que, apesar de um voluntarismo já ser moderado, dentro
desse caráter moderado nem todos os desejos são possíveis de serem alcançados.
RELEVÂNCIA
DO TEMPO
88
O tempo possui uma representatividade considerável nas pesquisas sobre competências, em
função da historicidade e da não-consumação de determinados eventos. A historicidade apresenta
possíveis irreversibilidades oriundas de algumas decisões que afetam o desenvolvimento das
organizações, interna e externamente. A trilha de acontecimento desses impactos possui um
impacto ambíguo. Por um lado, ela confina as opções de desenvolvimento individuais e
organizacionais, uma vez que nem todas as ações futuras podem ser preditas, ainda que
consideradas todas as decisões passadas e o desenvolvimento histórico das organizações. Por
outro lado, os efeitos dessa trilha histórica permitem que os agentes individuais e as organizações
acumulem conhecimentos para a realização dos mais diversos processos. Mediante esse raciocínio
concede-se ao tempo duas qualificações: seus fatos históricos e contemporâneos estão
intertemporalmente vinculados e bem por isso são autoenergizadores de si mesmos. As ações não
são cercadas somente por outras ações, mas pelas consequências e efeitos dessas ações, bem
por isso admite-se que a busca por resultados seja aberta, logo aplica-se o argumento da
irreversibilidade.
FONTE: DIERICKX & COOL (1989); FOSS (1993); FREILING;
GERSCH; GOEKE, 2008, MAGGI (2006); NG & TSENG
(2008); PRAHALAD & HAMEL (1990); SHACKLE (1972);
TEECE (2007).
Propõe-se que os elementos relacionados no quadro 4 coincidam com os componentes que
permitem o acontecimento das competências das organizações. Com o intuito de melhor explicar ao
leitor essa proposição, redige-se a seguir sobre a hierarquização das etapas que propiciam a
expressão dessas competências.
A organização, compreendida como um agente econômico, realiza seu agir por meio de uma
série de premissas, dentre as quais a que mais se destaca é a observação constante da
historicidade dos eventos direta e indiretamente relacionados ao contexto e ao cenário sobre o qual
realiza suas atividades operacionais. A relevância do tempo precisa acolher a historicidade por uma
ótica construtiva de acúmulo de acontecimentos e não por uma via que promova a estagnação do
desenvolvimento organizacional. Ao ter os fatos passados como parâmetro para a tomada de
decisões, procura-se não se repetir determinados erros e, principalmente, intenta-se não gerar
consequências irreversíveis (DIERICKX; COOL, 1989).
Apesar de a história fornecer informações imprescindíveis para a rotina de gestão de uma
organização, ela não possui o poder de demonstrar se os mesmos cenários passados se repetirão
contemporaneamente ou em tempos futuros. Assim, a segunda premissa sobre a qual o agir de uma
organização se fundamenta é a de que a única certeza que se possui sobre atos organizacionais é a
de que eles estão imersos em uma rede de relacionamentos impregnada por uma incerteza radical,
por meio da qual se entende o óbvio, ou seja, assume-se como verdade a ideia de que o que não
existe ainda não é conhecido (SHACKLE, 1972).
As bases do agir de uma organização são simultaneamente sólidas e fracas (MAGGI, 2006),
uma vez que se possui a noção de duas características principais para o acontecimento: a
relevância ponderada da historicidade da organização e a incerteza radical que impera no contexto
de estabelecimento de diferentes decisões. Essa complexidade aumenta quando se admite a
proposição de que a organização somente existe em decorrência das ações dos seres humanos e
de que eles possuem, independente de sua trajetória de vida e qualificações, sempre conhecimentos
incompletos para com o fenômeno organizacional que se analisa (FOCAULT, 1972; FREILING;
GERSCH; GOEKE, 2008).
Quando a organização passa a ter consciência da incompletude científica dos indivíduos que
nela exercem suas funções, ela deixa de relegá-los e passa a valorizá-los por compreender a
necessidade de se desvincular da personagem “homem econômico”, tão valorizada pelo sistema
imperante e aderir aos propósitos de um “homem social organizacional”, mais preocupado com as
crises econômicas, sociais e ambientais da modernidade. O homem econômico tem o propósito de
prever seu comportamento e observar as escolhas interativas por métodos individualistas,
imediatistas e puramente econômicos. Já o homem social organizacional constitui um ator
interessado em cumprir com as normas legais por meio de uma interdependência comunitária,
explicada não completamente pela fundamentação racional, mas principalmente pelo engajamento
em promover uma maior participação social (NG; TSENG, 2008).
89
Esse homem social organizacional busca incessantemente novas oportunidades que
concedam ao agir humano uma coerência para com os objetivos estabelecidos pelas organizações,
mas existe uma preocupação de orientar suas atitudes por duas preocupações principais: precaução
e economia (FREILING; GERSCH; GOEKE, 2008). Precaução por reconhecer a noção de
individualismo metodológico moderado, defendida por Foss (1993), que considera que na relação
entre indivíduo e organização existe um jogo de cessão e aquisição de valores, pelo qual se verifica
nitidamente que as organizações têm o poder de influenciar o comportamento dos seres humanos.
Economia por reconhecer que todos os agires humanos e organizacionais possuem custos e
participam de consequências nas diversas esferas da sociedade (PRAHALAD; HAMEL, 1990).
Essas conseqüências, quando positivas ou negativas, são promovidas e sofridas pelos seres
humanos dentro dos ambientes organizacionais. Bem por isso adere-se à ideia de Teece (2007), que
tem como necessária a divisão desses acontecimentos entre organizações, indivíduos e ambiente.
Vale a ressalva de que a expressão dessas consequências (o acontecimento das competências das
organizações) é dependente de um cenário restrito de discussão e ação. Essa restrição tem relação
direta com o agir das organizações e o desempenhar de suas competências; logo, sobre os
indivíduos também. Em suma, o comportamento dos indivíduos determina como será o
acontecimento e a expressão das competências organizacionais (FOSS, 1993; FREILING;
GERSCH; GOEKE, 2008; TEECE, 2007).
Resumidamente, o acontecimento das competências das organizações se efetiva em
decorrência do acontecimento das competências dos indivíduos, desde que nas etapas se priorizem
atenção a eventos que valorizem a acumulação de conhecimentos, a redução da incerteza radical, o
agir humano participativo aliado a um individualismo metodológico moderado e a um voluntarismo
moderado, a fim de que desses comportamentos a subjetividade dos conhecimentos individuais se
alinhem aos propósitos organizacionais e permitam a expressão das competências das
organizações (SMITH, 2008). Estabelecida a lógica de acontecimento das competências das
organizações, na sequência esboça-se uma análise que integra o raciocínio das competências
individuais e das competências organizacionais, a fim de se demonstrar que essa
complementaridade existe e se estabelece nos dois modelos de compreensão de expressão das
competências previamente apresentados.
6 UMA LÓGICA SIMULTÂNEA E CONCORRENCIAL PARA
O ACONTECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS
E ORGANIZACIONAIS
Parte-se do princípio de que as organizações dependem de dois sustentáculos para
expressarem suas competências: a historicidade deve importar no quesito de enriquecimento do
intelecto organizacional por meio do acúmulo de conhecimentos (DIERICKX; COOL, 1989) e o
contexto sobre o qual a organização desempenha suas atividades apenas possui a certeza de uma
incerteza radical, por meio da qual se sabe que tudo o que não existe não pode ser conhecido
(SCHACKLE, 1972). Em face desse cenário, o indivíduo começa a desenvolver a necessidade de
expressar suas competências, mas antes e de acordo com a historicidade dos eventos pessoais e
organizacionais e de uma incerteza radical, ele precisa conhecer e aprender sua maneira de ser,
relacionar-se com seus pares e conhecer a utilidade das ferramentas lhes concedidas para o
exercício de seu papel na organização (HEIDEGGER, 1996; SANDBERG; PINNINGTON, 2009).
Ciente de sua representatividade para si mesmo, para seus próximos e para os recursos
utilizados por ele, o indivíduo adquire a condição de agir, ou seja, de expressar-se enquanto
humano. Esse agir é subjetivo, porque depende do contexto organizacional sobre o qual a
organização se desenvolve e dos conhecimentos participados pelo sujeito em análise, bem como de
sua capacidade de assimilação (NG; TSENG, 2008). Por essa subjetividade cabe ao indivíduo
procurar e aceitar uma lógica entre o que organização propõe e o discurso que apresenta. Se aceita
essa lógica do discurso (FOCAULT, 1972, 1982, 1988), ele cede espaço para a manifestação de um
individualismo metodológico moderado, que, em poucas palavras, ressalta o poder de influência que
uma organização possui sobre o agir dos indivíduos (FOSS, 1993). Essa influência é forte, porém
limitada, uma vez que cabe ao indivíduo, mesmo que já aceita a lógica do discurso, decidir se ele
90
vinculará sua identidade a esse mesmo discurso apresentado pela organização (ALVESSON;
WILLMOTT, 2002). Caso ocorra essa vinculação, o indivíduo admite que em seu relacionamento
com a organização os resultados terão de ser divididos por espaços de ações restritos como sugere
a proposição do voluntarismo moderado (TEECE, 2007). Ao ter ciência do espaço limítrofe de
manifesto de seus interesses e habilidades, o ser humano, no contexto organizacional, entende,
conscientemente, seu estado de microemancipação (ALVESSON; WILLMOTT, 2002).
Condicionados todos esses fatores, o indivíduo se dispõe a somar o entendimento de si
mesmo, a compreensão do trabalho que realiza, a convivência de seus pares e a utilização das
ferramentas a ele concedidas em distintas formas de expressão de suas competências, as quais
moldam e configuram a expressão das competências organizacionais (FREILING; GERSCH;
GOEKE, 2008). A figura 1 ilustra as discussões desenvolvidas com o intuito de alcançar a lógica
explicada nesta seção.
FIGURA 1 – UMA LÓGICA SIMULTÂNEA E CONCOMITANTE
PARA O ACONTECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS
INDIVIDUAIS E ORGANIZACIONAIS
O ACONTECIMENTO DAS
COMPETÊNCIAS DAS
ORGANIZAÇÕES
FREILING; GERSCH; GOEKE (2008)
O ACONTECIMENTO DAS
COMPETÊNCIAS DOS INDIVÍDUOS
SANDBERG; PINNINGTON (2009)
Historicidade
( acúmulo de conhecimento)
DIERICKX; COOL (1989)
A maneira de ser do humano, os outros e
as coisas e a maneira de ser do humano
HEIDEGGER (1996)
Redução da Incerteza Radical
(o que não existe não é conhecido)
SHAKLE (1972)
Agir Humano / Subjetividade
(conhecimentos incompletos)
NG; TSENG (2008)
Lógica do discurso percebida pela
capacidade interpretativa do indivíduo
FOCAULT (1972)
Individualismo Metodológico Moderado
(influência entre organização indivíduo)
FOSS (1993)
Vinculação entre a lógica do discurso e a
identidade do indivíduo
ALVESSON; WILLMOTT (2002)
Voluntarismo Moderado
(espaço de ação restrito)
TEECE (2007)
A consciência do indivíduo sobre sua
micro-emancipação
ALVESON; WILLMOTT (2002)
Expressão
das
Competências
das
Organizações
Auto-entendimento
Compreensão
do Trabalho
Convivência
com os Pares
Utilização
coerente das
Ferramentas
Expressão
das
Competências
dos Indivíduos
FONTE: contribuições de ALVESSON e WILLMOTT (2002);
DIERICKX e COOL (1989); FOCAULT (1972);
FOSS (1993); FREILING, GERSCH e GOEKE,
2008; HEIDEGGER (1996); NG e TSENG (2008);
SANDBERG e PINNINGTON (2009); SHAKLE
(1972); TEECE (2007).
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo foi desenvolvido com o objetivo principal de propor uma lógica simultânea e
concomitante para as competências individuais e organizacionais. Para tanto adotou-se uma postura
metodológica orientada por uma pesquisa qualitativa, exploratória e bibliográfica. Em razão do
91
propósito estabelecido foram abordadas discussões a respeito do histórico e evolução dos estudos
sobre as competências e, também, sobre as competências dos indivíduos e as competências das
organizações, para que somente após este exercício de levantamento e confrontações teóricas se
pudesse ofertar um modelo que vislumbrasse a concomitância em investigação neste estudo. O
mesmo foi objeto de análise da última seção teórica deste artigo, a qual antecedeu as considerações
finais.
Quando se fala em uma lógica de acontecimento que seja simultânea e concomitante em
relação às competências dos indivíduos e as competências das organizações, assume-se que o
contexto de análise, em âmbitos teóricos e empíricos, é a organização. É possível perceber, pelo
quadro teórico desenvolvido, que as competências dos indivíduos estão sujeitas a pré-disposição de
acontecimento das competências organizacionais. A historicidade organizacional, ou como bem
define Smith (2008), a competência da experiência organizacional é fator condicionante de como o
ser humano pode expressar sua maneira de ser, de como ele pode relacionar-se com os seus pares
e de como ele está permitido a utilizar as ferramentas que lhe são apresentadas para o desempenho
de seu trabalho.
A organização, ou aqueles que se incumbem de gerenciá-la, assume esta identidade pouco
flexível com o intuito de reduzir a incerteza radical que impera nos sistemas sociais, nos cenários
econômicos e nas relações com os seus diversos stakeholders. Mediante tal situação existe o
reconhecimento de que os seres humanos são necessários, uma vez que por seus atos subjetivos a
organização participa de uma potencialidade de construir cenários futurísticos de gestão, os quais
podem permitir a previsão de uma série que patologias mercadológicas passíveis de serem
prevenidas.
Mesmo com o reconhecimento da relevância do ser humano junto ao contexto de gestão das
organizações, ainda prevalece uma ditadura discursiva, sobre a qual o indivíduo, por mais
capacitado que seja, possui uma racionalidade limitada e não usufrui de condições intelectuais de
assimilar, ou até mesmo combater, os discursos organizacionais unilaterais. Nota-se, claramente,
que a organização estabelece uma rotina de atos e uma linha de discurso pouco aberta a discussões
e transformações, bem por isso, a lógica apresentada por Alvesson e Willmott (2002) é válida ao
considerarem que quando o indivíduo cede sua identidade para a formulação, ou para a perpetuação
de um discurso organizacional, ele automaticamente consente que a influência exercida pela
organização em relação a ele é tamanha que restringe seu espaço de atuação e, por tal
circunstância, é incontestável a assunção que ele está microemancipado, ou seja, retido em uma
rotina de valores e ações que permitem a ele um agir moderado e mensurável dentro de
determinados limites de observação.
Por mais rica que seja esta discussão e por mais interessante que seja tal constatação, a de
que as competências individuais e as competências organizacionais ocorrem de maneira simultânea
e concomitante, resta a questão: as organizações seriam então espaços prisionais incumbidos de
limitar ainda mais a racionalidade dos indivíduos nela inseridos por intermédio da permissão do
desenvolvimento aprimorado e controlado de competências que não venham a prejudicar ou
ameaçar uma identidade organizacional maior, constituída de mitos e ritos já legitimados e não
passíveis de serem discutidos?
A resposta para tal indagação é uma provocação para estudos futuros. Faz-se necessário
ressaltar que tais discussões não se esgotam por este estudo, uma vez que este está aberto a
críticas e confrontações que possam vir a ser realizadas por pesquisadores que compreendam o
acontecimento do fenômeno aqui observado por uma diferente perspectiva científica. Para estudos
futuros propõe-se que o modelo de compreensão de acontecimento destas competências,
apresentado na figura 01, seja estendido por uma agenda de pesquisa que se interesse por verificar,
empiricamente, quais os processos ocorrentes nos contextos organizacionais que mais contribuem
para esta concomitância entre as competências dos indivíduos e as competências das organizações.
92
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95
DIMENSÃO ESTRATÉGICA DO
RECRUTAMENTO E SELEÇÃO
DE PESSOAL
THE STRATEGIC DIMENSION
OF THE RECRUITMENT AND
SELECTION OF PERSONNEL
LA DIMENSIÓN ESTRATÉGICA
DE LA CONTRATACIÓN Y
SELECCIÓN DE PERSONAL
MARIA LÚCIA SIMAS PAULINO
Mestranda em Administração (PUCPR),
Especialista em Treinamento de
Recursos Humanos pela FAE/CDE,
Especialista em Administração de
Recursos Humanos pela PUCPR,
Psicóloga,
Professora de pós-graduação na Sustentare Escola de Negócios (Joinville, SC),
Sócia-diretora da MCR Consultores Associados (Curitiba, PR)
96
RESUMO
O presente estudo se propôs a identificar se as políticas e práticas de recrutamento e seleção de
pessoal adotadas nas empresas correspondem a uma dimensão mais estratégica, ou ainda
conservam o caráter operacional advindo do modelo taylorista. O procedimento metodológico foi a
pesquisa do tipo descritiva, de caráter quantitativo e perspectiva transversal. A população foi
constituída por 258 empresas, integrantes da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRHPR) e participantes do Congresso Paranaense de Recursos Humanos (CONPARH) – 2009,
excluindo-se as estatais. Utilizou-se um questionário para a coleta de dados, enviado por e-mail a
toda população, obtendo-se um retorno de 7,75% do total enviado. Os resultados evidenciam uma
evolução nas políticas e práticas de R&S para uma dimensão estratégica, porém revelam que o
ponto crítico está na definição e uso de indicadores de mensuração e avaliação dos processos
seletivos.
Palavras-chave: recrutamento e seleção de pessoal,
administração de recursos humanos,
dimensão estratégica.
ABSTRACT
This study aimed to identify whether the policies and practices of recruitment and personnel selection
adopted in enterprises account for a more strategic dimension, or even retain the operational
character arising from the Taylorist model. The methodological research was a descriptive type, of
quantitative character and perspective cross. The study population consisted of 258 companies
associated with the Brazilian Association of Human Resources-Parana (ABRH-PR) and participants
of the Paranaense Congress Human Resources (CONPARH) – 2009, excluding the state enterprises.
We used a questionnaire to collect data, sent by email to the entire population, resulting in a return of
7.75% of the total sent. The results show an evolution in policy and practice of R & S for a strategic
dimension, but suggest that the critical point is the definition and use of indicators for measuring and
evaluating selection processes.
Keywords: recruitment and selection of personnel,
management of human resources, strategic
dimension.
RESUMEN
Este estudio tuvo como objetivo identificar si las políticas y las prácticas de reclutamiento y selección
de personal adoptadas en las empresas por cuenta de una dimensión más estratégica, o incluso
mantener el carácter operativo que surgen del modelo taylorista. Se utilizó una investigación
descriptiva, de carácter cuantitativo y transversal la perspectiva.La población de estudio estaba
constituido por 258 empresas entre los asociados a la Asociación Brasileña de Recursos Humanos –
Paraná (ABRH-PR) y las empresas participantes em el Congreso Paranaense de Recursos
Humanos (CONPARH) – 2009, con excepción de las empresas estatales. Se utilizó un cuestionario
para recoger datos, enviados por correo electrónico a toda la población, obteniendo información del
7,75% del total enviado. Los resultados muestran una evolución en la política y la práctica de R & S
para una dimensión estratégica, pero sugieren que el punto crítico es la definición y uso de
indicadores para medir y evaluar los procesos de selección.
Palabras claves: reclutamiento y selección de personal,
gestión de recursos humanos, dimensión
estratégica.
97
1 INTRODUÇÃO
Diante do contexto cada vez mais complexo e turbulento, há sobre as organizações uma
contínua exigência por competitividade, capacidade de adaptação, flexibilidade, criatividade e
inovação para enfrentar as mudanças e novas demandas de mercado. A sobrevivência vinculada ao
fornecimento de respostas diferenciadas e inovadoras fez emergir uma conscientização para “o valor
do capital humano como um diferencial competitivo” (ALMEIDA, 2008, p.16). A gestão desse capital
passou a ter uma dimensão estratégica para a organização, exigindo a pesquisa, o planejamento, o
desenvolvimento e a estruturação de políticas, práticas e ferramentas que possibilitem a atração, a
captação, a retenção, a valorização, a emergência de potenciais e o desenvolvimento contínuo de
pessoas que efetivamente venham agregar valor ao negócio e contribuir com os ideais
organizacionais.
A área de Administração de Recursos Humanos (ARH) que antes exercia um papel mais
reativo, responsabilizando-se pelo cumprimento daquilo que era determinado pela cúpula da
organização, tem sido demandada a assumir uma postura mais proativa, participando e influindo nas
decisões, assim como conduzindo projetos na área de gestão de pessoas que possam impactar
diretamente nos resultados organizacionais, ou seja, tem sido ela própria demandada a assumir uma
dimensão mais estratégica do que tática e operacional. Cada vez mais lhe é exigido um profundo
conhecimento do negócio e do mercado, bem como o alinhamento de suas políticas e práticas com
ideais organizacionais para promoção do desenvolvimento e sustentabilidade das organizações.
Embora haja o discurso e o imperativo para uma ARH estratégica, Fleury e Fleury (2008, p.
80) destacam que as empresas brasileiras, “[...] em sua grande maioria, ainda se defrontam com
modelos bem tradicionais de gestão de pessoas.”
Fernandes (2002, p. 4), corroborando os autores citados destaca: “[...] por mais que se
argumente em prol de uma ARH estratégica, não é frequente verificar na prática empresas cuja
gestão de pessoas seja efetivamente estratégica.” Citando Lacombe e Tonelli (2001), o autor afirma:
“Neste campo, o discurso tende a se distanciar da prática.”
Indissociado da própria concepção de RH, o recrutamento e a seleção de pessoal (R&S)
apresentam desempenho semelhante. Segundo Almeida (2008, p. 21), as organizações continuam a
manter suas formas tradicionais de captar e selecionar pessoas, ou ainda encontram-se em fase de
transição para uma abordagem mais moderna. Questões como falta de apoio da direção,
desconhecimento das novas tendências, falta de recursos, má condução dos processos, questões
culturais (supervalorização de outras áreas em detrimento das pessoas) e um foco mais direcionado
nos lucros evidenciam uma distância considerável entre a teoria e a prática, constituindo-se, em
última instância, em aspectos dificultadores para uma dimensão diferenciada (SILVA et al., 2006, p.
1).
O presente estudo, visando contribuir com a elucidação dessa questão, contou com o
seguinte objetivo: identificar se as políticas e práticas de recrutamento e seleção de pessoal
adotadas nas empresas correspondem a uma dimensão mais estratégica, ou ainda conservam o
caráter imediato e estritamente operacional advindo do modelo taylorista.
O trabalho justificou-se por três razões principais. Primeiramente, pela importância que o
R&S vem assumindo dentro de um contexto estratégico da organização, como aponta pesquisa
realizada pela consultoria Watson Wyatt Worldwide, do Canadá (BATES, 2001; BROWN, 2001 apud
OLIVEIRA; ALBUQUERQUE; MURITIBA, 2003, p.10), com 750 empresas norte-americanas e
europeias, correlacionando as práticas de RH com o sucesso financeiro em um estudo longitudinal
entre 1999 a 2001, que concluiu que as empresas que mais investiram em gestão de pessoas
tiveram seu valor de mercado aumentado, em média, 47% nos dois anos, e que os investimentos em
recrutamento e seleção e retenção de talentos podem aumentar o valor de mercado da empresa em
7,9%, enquanto outras práticas, como estruturação de programas de mudança cultural, avaliação de
desempenho 360º e treinamentos comportamentais, poderiam diminuir o valor de mercado da
empresa.
Em segundo lugar, destaca-se a pouca produção científica acerca do tema. Tonelli et al.
(2003) traça um perfil da produção acadêmica na área, com base na análise de todos os artigos
publicados em periódicos científicos e anais do Enanpad na década de 90, concluindo por um
aumento de 106% entre 1991 a 2000. Entretanto, a temática denominada Funções de RH
98
(constituída pelos subsistemas tradicionais de RH, incluindo recrutamento e seleção) apresentou a
menor representatividade em relação a outras temáticas (Comportamento Organizacional e Políticas
de Recursos Humanos), com 21%, e decresceu em relação ao total de estudos realizados em 1991.
Se, por um lado, deixa evidente uma preocupação mais focalizada em aspectos estratégicos e
comportamentais da gestão de pessoas; por outro, deixa de elucidar como as práticas e os
processos podem contribuir efetivamente com essa nova postura que se requer. Vale ressaltar,
ainda, que o subtema R&S apareceu em último lugar entre os conteúdos da categoria Funções de
RH.
Em terceiro lugar, o trabalho visa agregar valor para a ABRH-PR, considerando que se trata
de uma instituição sem fins lucrativos, que congrega profissionais da área de Recursos Humanos e
Gestores de Pessoas, e possui como objetivo a disseminação do conhecimento e a criação de
oportunidades de interação, influenciando no sistema de gestão e no desenvolvimento de pessoas e
organizações. Como tal, possui grande interesse em ser uma fonte de referência nos assuntos
relacionados à gestão e ao desenvolvimento de pessoas. A pesquisa, além do ineditismo, auxilia a
entidade no estudo e proposição de estratégias que venham a contribuir na atração, captação e
seleção de talentos.
2 REFERENCIAL TÉORICO
A seguir, contextualiza-se a administração de recursos humanos, apresentando sua evolução
histórica e finalizando com o que se entende por uma dimensão estratégica de recrutamento e
seleção de pessoal.
2.1 CONTEXTUALIZANDO A ADMINISTRAÇÃO DE
RECURSOS HUMANOS
Inicialmente proposta como uma extensão das demais funções administrativas da
organização, a administração de recursos humanos (ARH) surgiu com a ideia de otimizar o recurso
humano como qualquer outro recurso, assumindo um caráter meramente instrumental e prescritivo e
supondo previsibilidade e controle do comportamento humano.
Acompanhando o contexto histórico sobre o qual a organização se estrutura, a ARH, segundo
Fischer (2002, p. 19), “[...] é resultado do desenvolvimento empresarial e da evolução da teoria
organizacional nos Estados Unidos.” Iniciou-se com o surgimento dos departamentos pessoais para
[...] estabelecer um modelo pelo qual os gerentes pudessem discernir melhor entre a extensa e
diversificada massa de candidatos a emprego, que indivíduos poderiam tornar-se empregados
eficientes ao menor custo possível. (SPRINGER; SPRINGER, 1990 apud FISCHER, 2002, p.19).
Compatível com a administração científica, o modelo praticado começa a entrar em
descompasso com o surgimento do movimento das relações humanas que, promovendo
experiências que aproximaram a Administração da Psicologia, colocou em cheque os pressupostos
tayloristas e fez emergir uma nova fase na ARH, que Fischer (2002, p. 21) intitula “modelo de gestão
de pessoas como gestão do comportamento humano”.
Fortemente influenciada pelo behaviorismo e, em seguida, por autores como Maslow,
Herzberg, McGregor e Argyris, a ARH na década de 60, deixa de focalizar-se em aspectos contábeis
e econômicos e passa a intervir no comportamento humano, incorporando conceitos-chave como
motivação e liderança e valorizando as funções de avaliação do desempenho, treinamento e
desenvolvimento de pessoas. O trabalho humano passa a ser visto como o principal ativo de uma
organização, e, diferentemente dos demais recursos, as relações entre pessoas e empresas passam
a ser tratadas como essencialmente humanas, implicando consciência e vontade própria de dois
agentes e não só de um, como prescrevia o modelo anterior (FISCHER, 2002, p. 22).
Na década de 80, emergiu um novo modelo que vinculava a gestão de pessoas às
estratégias da organização. Iniciando-se com pesquisadores da Universidade de Michigan, a “[...]
visão desses autores era de que a gestão de recursos humanos deveria buscar o melhor encaixe
99
possível com as políticas empresariais e os fatores ambientais.” (STAEHLE, 1990 apud FISCHER,
2002, p. 24).
A motivação e a satisfação das pessoas, propostas pela escola comportamental, deixam de
ser vistas como garantia para o cumprimento das diretrizes estratégicas, apesar de sua influência.
Foi com a abordagem de Harvard que essa perspectiva se desenvolveu, propondo que as decisões
de ARH devem estar pautadas na conciliação dos interesses dos stakeholders com as pressões
ambientais e integrar a influência sobre os funcionários, os processos e sistemas de RH e a
organização do trabalho com as estratégias corporativas. A gestão de pessoas passou a ser vista
como um problema do negócio e um elemento de diferenciação (FISCHER, 2002, p. 24).
Michael Porter, em 1989, ao introduzir a noção de agregação de valor para o negócio e os
clientes, e Prahalad e Hammel, em 1990, ao proporem que o portfólio de recursos físicos,
financeiros, intangíveis, organizacionais e humanos consubstanciados em competências e
capacitações confere diferenciação e competitividade, ainda que diferentes em suas abordagens (o
primeiro, de fora da organização para dentro, enquanto os segundos, de dentro para fora), fazem
emergir o pressuposto de que o ser humano é fonte de vantagem competitiva, cabendo ao RH o
estímulo e o desenvolvimento de competências humanas que viabilizem as competências
organizacionais (FISCHER, 2002, p. 26).
Assim, a ARH passa a incorporar o conceito de competência à estratégia organizacional e a
diferenciar-se de uma abordagem tática e operacional, adquirindo um novo status na organização,
caracterizado pelos seguintes aspectos, segundo Fischer (2002), Almeida (2008) e Fleury e Fleury
(2008):
• participação ativa nas decisões e assessoria à cúpula da organização no que diz respeito
à gestão das pessoas e desenvolvimento organizacional;
• integração de todas as funções de RH, tendo como foco a missão, os objetivos e as
estratégias organizacionais;
• valorização das pessoas, baseada em suas entregas (atos, realizações e comportamentos
observáveis) e não em suas tarefas – “[...] a unidade de gestão é o indivíduo e não o
cargo.” (FLEURY, 2008, p. 80);
• descentralização de atividades e parceria com as outras áreas da organização (clientes
internos), obtendo a legitimidade como decorrência dessa interrelação;
• atuação como um órgão facilitador dos processos de comunicação na organização;
• políticas diferenciadas de desenvolvimento, valorização e remuneração do desempenho
com flexibilidade de negociação para com profissionais que mostram diferenciação na
performance e contribuem efetivamente com a consecução das estratégias
organizacionais;
• políticas e práticas para o fortalecimento da cultura organizacional e da identificação com
os valores, gerando maior engajamento e comprometimento dos colaboradores;
• foco em resultados medidos por meio de indicadores precisos de avaliação,
acompanhamento e controle de desempenho da área e suas funções;
• profissionais assumindo múltiplos papéis em quatro dimensões de atuação, incluindo as
estratégicas e as operacionais – administração das estratégias pertinentes à gestão de
pessoas (parceiro estratégico), das mudanças que devem ser iniciadas na organização
(agente de mudança), da infraestrutura (especialista administrativo) e da contribuição dos
colaboradores (defensor dos funcionários) (ULRICH, 2001);
• network qualificado e estratégico para influir em todas as instâncias de relacionamento da
organização (stakeholders), incluindo aquelas que possibilitem atualizações na legislação,
considerando-se uma ação mais globalizada.
2.2 DIMENSÃO ESTRATÉGICA DO RECRUTAMENTO E
SELEÇÃO DE PESSOAL (R&S)
Como uma função da ARH, o recrutamento tem por objetivo atrair e captar candidatos
potencialmente qualificados para ocupar os postos de trabalho disponíveis dentro da organização. A
100
seleção, por sua vez, visa à comparação, classificação e escolha daquele que possui as
competências necessárias e diferenciais para obter êxito no desempenho do posto vago
(CHIAVENATO, 1999, p. 92).
Adler (2003 apud ALMEIDA, 2008, p. 30) apresenta as seguintes etapas para o processo,
enfatizando a integração entre eles:
FIGURA 1 – FAES DO PROCESSO DE CAPTAÇÃO E
SELEÇÃO
4 Decisão
3 Avaliação
2 Triagem
1 Atração
FONTE: ADLER apud ALMEIDA, 2008, p. 30.
A fase 1 representa todas as ações utilizadas para atrair candidatos; a fase 2 possui todas as
ações voltadas para eliminação de candidatos; a fase 3 contém todas ações voltadas para a
avaliação de qualificações e competências dos candidatos; a fase 4 compõe-se pelas ações para
decidir entre os candidatos finais. O foco da captação e seleção deve centralizar-se nos períodos de
avaliação e decisão final. Esses serão tanto mais efetivos quanto mais estruturados forem os
procedimentos e instrumentos para minimizar o subjetivismo e proporcionar a visualização do
desempenho futuro do candidato (ADLER, 2003 apud ALMEIDA, 2008, p. 30).
Almeida (2008, p. 31) enfatiza que os melhores processos seletivos “[...] são os que utilizam
um modelo longitudinal, com avaliações periódicas ao longo do tempo”, destacando, como
exemplos, os programas de trainees e de estagiários. Propõe que o uso de indicadores, como
número de candidatos qualificados, tempo para preenchimento de vaga e satisfação do cliente
interno, é de fundamental importância para o aprimoramento do processo. Quanto à combinação de
técnicas de seleção, explica que (p. 33)
[...] cada processo seletivo tem sua própria característica em função da modalidade de contratação
e exigências. Seu planejamento deve ser feito juntamente com o cliente interno, prevendo-se ações
nos quatro estágios do processo.
Já para Marras (2005, p. 261-262), na dimensão tática e operacional, o processo seletivo tem
como principal objetivo colocar “a pessoa certa no lugar certo”. Numa dimensão estratégica, a
preocupação deixa de ser o nível micro para voltar-se ao macro da organização, preocupando-se em
colocar a pessoa certa para a empresa certa. Os limites de um cargo são extrapolados para os da
estrutura organizacional como um todo e para os componentes que a permeiam, incluindo sua
cultura. A qualificação e a experiência anterior do candidato deixam de ser preponderantes, e o
potencial que traz consigo, assim como suas competências individuais e diferenciais se tornam os
principais determinantes. Buscam-se profissionais sintonizados com o “momento” e com os objetivos
de longo prazo da organização. Agindo desse modo, a organização volta-se para o futuro, e o R&S
assume uma função de longo prazo.
Considerando os postulados de Almeida (2008) e Marras (2005), a dimensão estratégica do
R&S no presente estudo se constitui pelas seguintes políticas e práticas:
101
• planejamento prévio de pessoal de acordo com os objetivos, as estratégias e os projetos a
serem desenvolvidos pela organização;
• políticas agressivas de atração de profissionais, principalmente voltadas à imagem e
reputação da organização, com disponibilidade de informações para o mercado sobre o
que é trabalhar na empresa, cultura e políticas de ARH;
• realização de estudos e pesquisas do mercado de recursos humanos para identificação
das melhores fontes de captação de candidatos potenciais e passivos (aqueles que estão
empregados);
• captação contínua de profissionais, independente da existência de vagas;
• manutenção de um banco de talentos internos para servir de fonte de recrutamento,
oportunizar crescimento do pessoal interno e melhorar aproveitamento das competências
existentes;
• automatização das funções operacionais de R&S, com o uso de consultorias on-line e
softwares específicos para captação de candidatos, triagem, administração de currículos,
avaliação de qualificações e ajuste à cultura, realização de testes e entrevistas,
gerenciamento dos dados;
• adoção de programas de trainees e(ou) de estágio focalizando o desenvolvimento de
futuros líderes, gestores e especialistas;
• parceria com as áreas requisitantes de pessoal para o planejamento e a condução dos
processos seletivos;
• planejamento sistemático dos processos seletivos com a construção do perfil e a escolha
de estratégias e técnicas baseadas na cultura corporativa, no tipo de contratação, na
natureza da atividade que vai ser desenvolvida e, principalmente, nas competências
consideradas necessárias a uma performance desejável ou superior;
• metodologia de seleção determinada caso a caso, não sendo padronizada ou somente
adaptada, mas combinando diferentes técnicas, preferencialmente as que privilegiam a
observação do comportamento e da performance dos candidatos;
• critérios objetivos e claros de avaliação, classificação e escolha de candidatos, incluindo a
participação da equipe com a qual o possível finalista irá trabalhar;
• treinamento e preparo dos profissionais responsáveis pela condução dos processos,
incluindo os responsáveis diretos pela contratação;
• indicadores específicos para avaliação, acompanhamento e controle dos resultados dos
processos de R&S.
Assim entendida a dimensão estratégica do R&S, apresenta-se a seguir o procedimento
metodológico adotado no estudo.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Visando ao cumprimento dos objetivos propostos, o presente estudo utilizou a pesquisa do
tipo descritiva, de caráter quantitativo e perspectiva transversal.
A escolha do método descritivo deu-se em razão da finalidade de se traçar as características
acerca de uma determinada população e um determinado fenômeno. Gil (1995, p. 28) destaca que o
estudo descritivo tem como principal objetivo abranger aspectos gerais e amplos de um contexto
social, como a descrição das características de uma determinada população ou fenômeno ou o
estabelecimento de relações entre variáveis. Uma de suas principais características está na
utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados, como questionários, testes estandardizados,
entrevistas, observações e técnicas empregadas em outras modalidades de pesquisas.
Já a escolha do método quantitativo decorreu do fato de se querer apurar uma opinião, ou
mesmo uma atitude consciente efetuada pelas organizações em estudo, por meio de um instrumento
padronizado em que se sabe exatamente o que se quer perguntar para atingir o objetivo proposto.
Patton (1990 apud OLIVEIRA; ALBUQUERQUE; MURITIBA, 2003, p. 4) refere que a pesquisa de
102
natureza quantitativa assume ser possível medir os fenômenos em termos numéricos e busca fazer
avaliações de porções ou frações mais significativas da população em estudo.
Para Gil (1995, p. 91), população “[...] é um conjunto definido de elementos que possuem
determinadas características.” Considerando-se esse conceito, a população que este estudo
abrangeu trata-se de organizações com as quais a ABRH-PR mantém um contato mais estreito, no
caso as associadas à entidade (152) e as que participaram do Congresso Paranaense de Recursos
Humanos (CONPARH) – 2009 (106), excluindo-se as empresas estatais e totalizando uma
população composta de 258 empresas de diferentes segmentos. Optou-se por essa população pela
proximidade com a entidade e acessibilidade aos dados.
Para a coleta de dados foi utilizado um questionário composto de questões fechadas e de
múltipla escolha, abordando os seguintes aspectos: segmento, origem de capital, número de
funcionários, cargo do respondente, estrutura, atuação e funções da ARH; políticas e práticas de
R&S, incluindo base de dados utilizada na construção de perfil, tipos e fontes de recrutamento,
métodos de triagem e pré-qualificação de candidatos, métodos e técnicas de seleção e critérios de
escolha de candidatos, bem como indicadores e métodos de coleta de dados utilizados para
mensuração e avaliação de processos de R&S.
Os questionários foram enviados em julho de 2009 por e-mail, com uma mensagem de
solicitação de preenchimento para os responsáveis pela função de R&S das respectivas empresas e
solicitação de retorno em 20 dias. Decorrido o prazo, foi computado para os resultados o total de 20
respondentes, o que correspondeu a 7,75% do total enviado. Em se tratando de e-mail survey,
Graeml e Csillag (2008, p. 42) revelam que 7% foi o retorno obtido em pesquisas realizadas com
esse procedimento.
Já a apuração dos dados e análise de resultados privilegiou o cálculo das frequências de
respostas com a utilização do software SPSS (Statiscal Package for de Social Scienses).
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Objetivando mais clareza na apresentação e discussão dos resultados, dividiu-se a
apresentação em dois blocos, sendo o primeiro constituído pelas informações gerais dos
respondentes e a caracterização da área de RH. O segundo contemplou as políticas e práticas de
R&S.
4.1 INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE AS EMPRESAS E
CARACTERIZAÇÃO DO RH
Dos profissionais que responderam à pesquisa, 40% ocupam posição gerencial e 20% nível
de coordenação, 15% são analistas e 10%, diretores, podendo-se afirmar que são pessoas que
estão diretamente vinculadas à elaboração, à participação ativa ou transmissão das políticas e à
práticas da ARH.
Das organizações que responderam à pesquisa, 60% são de capital nacional, 35%,
multinacional e 5%, de capital misto. Quanto à atividade desenvolvida, 25% dos respondentes são
do segmento de serviços, 20% são do segmento Industrial, 10% são do segmento automotivo,
enquanto outros 45% pertencem a diferentes segmentos. O número total de funcionários, entre
contratados e terceiros, apresenta a seguinte distribuição:
TABELA 1 – NÚMERO TOTAL DE FUNCIONÁRIOS
Abaixo
de 120
120 –
590
590 –
FREQUÊNCIA
(#)
FREQUÊNCIA
(%)
1
5,0
6
30,0
4
20,0
103
1.060
1.060 –
1.530
1.530 –
2.000
Acima de
2.000
Total
2
10,0
4
20,0
3
15,0
20
100,0
FONTE: Dados da pesquisa.
Observa-se que a grande maioria das empresas respondentes (95%) possui mais que 120
funcionários, consideradas, portanto de médio e grande porte, segundo a classificação proposta pelo
SEBRAE (1998), que considera empresas de médio porte as que possuem entre 100 e 499
funcionários, enquanto as de grande porte as de 500 funcionários.
Em 85% das empresas respondentes, há uma estrutura formal de RH, ou seja, há uma área
com clareza na divisão de atividades e interligação entre elas, níveis de especialidade do trabalho
bem definidos, com formalidade na disposição da hierarquia e nas relações de subordinação
(STONER, 1985). Nesse sentido, a área ou função de RH ocupa o nível hierárquico correspondente
à Diretoria em 40% das empresas respondentes, sendo seguido pelo nível de Gerência em 35%,
Chefia de Divisão em 15% e 10% outros níveis.
Quanto à atuação do RH na empresa, 65% das respondentes referem que o RH participa e
assessora a organização na formação das estratégias e macrodiretrizes, responsabilizando-se por
agregar valor pela gestão do capital humano, o que faz sentido quando se associa esse dado ao que
o RH ocupa posição diretiva ou gerencial em 75% das empresas respondentes, conforme dados
apresentados. Isso sugere um relevante nível de influência da área na política organizacional.
Por outro lado, 60% dos respondentes apontam que o RH é tático e operacional, ou seja,
executa as atividades pertinentes a seus subsistemas, de acordo com as demandas específicas das
áreas ou unidades de negócio, enquanto somente 35% das respondentes apontam também que o
RH é parceiro de outras áreas da organização, ou seja, que utiliza o modelo de consultoria interna
viabilizando projetos acerca da gestão de pessoas, terceirizando as funções operacionais. Assim
sendo, mesmo influindo na estratégia e macrodiretrizes das empresas, o RH ainda é apontado pela
maior parte como tático e operacional (60%), e esse fato faz sentido ao se analisar a distribuição das
funções de RH desempenhadas pelas empresas.
104
O gráfico demonstra que as funções tradicionais da área de RH, como R&S, treinamento,
administração de pessoal, remuneração, benefícios, continuam a ser as mais desempenhadas em
detrimento das funções consideradas mais estratégicas como desenvolvimento organizacional,
relações com a comunidade, responsabilidade social e, principalmente, gestão da cultura
organizacional (ALMEIDA, 2008). Por outro lado, os programas de trainees e estagiários adotados
por 85% dos respondentes, até em detrimento de programas de suporte ao planejamento de carreira
adotados por 70% das empresas, evidenciam a tendência na formação de mão de obra qualificada e
compatível com a cultura, com os objetivos e as estratégias organizacionais. Para Fleury e Fleury
(2008, p. 79), os programas de trainnes são práticas das empresas mais avançadas que, além de
atrair novos talentos, “[...] acena com a possibilidade de renovação futura dos quadros e questiona
os procedimentos vigentes com os gestores mais antigos.”
Considerando-se que 100% das empresas respondentes desempenham a função de
recrutamento e seleção, obteve-se uma significativa representação das políticas e práticas
desenvolvidas.
4.2 POLÍTICAS E PRÁTICAS DE RECRUTAMENTO E
SELEÇÃO
Com relação às políticas de recrutamento e seleção, tem-se a representação a seguir,
considerando que as respondentes foram solicitadas a assinalar se cada uma delas correspondia, ou
não, ao que era praticado em sua empresa.
105
LEGENDA
V1: os processos de recrutamento e seleção de pessoal acontecem à medida que surgem vagas em
decorrência de substituições ou aumento de quadro (novos postos de trabalho).
V2: há programa de integração e adaptação do novo funcionário.
V3: há o uso de consultorias on-line e softwares específicos para captação de candidatos, triagem,
administração de currículos, avaliação de qualificações e ajuste à cultura, realização de testes e entrevistas,
bem como gerenciamento dos dados do processo.
V4: há parceria com as áreas requisitantes para o planejamento, a escolha dos métodos e a execução dos
processos seletivos.
V5: há planejamento prévio de pessoal de acordo com as estratégias, os objetivos e os projetos que a
empresa pretende desenvolver para um determinado período.
V6: o RH disponibiliza treinamento e preparo para os profissionais que participam da seleção de pessoal,
para a condução de entrevistas e observação de comportamento em dinâmicas de grupo e simulações.
V7: todos os candidatos recrutados recebem retorno sobre a respectiva participação.
V8: a metodologia utilizada nos processos de recrutamento e seleção de pessoal é padronizada, sendo
adaptada às vagas disponíveis.
V9: há realização de estudos e pesquisas do mercado de recursos humanos para identificação das melhores
fontes de captação de candidatos potenciais e passivos (os que estão empregados).
V10: a empresa disponibiliza informações para o mercado de recursos humanos, sobre o trabalho
desenvolvido, cultura e políticas de RH.
V11: há captação contínua de profissionais independente da existência de vagas.
V12: a metodologia utilizada nos processos de recrutamento e seleção de pessoal é determinada caso a
caso.
V13: as equipes com a qual os candidatos irão trabalhar participam do processo seletivo e da escolha do que
se mostra mais adequado.
V14: há manutenção de um banco de talentos internos como fonte de recrutamento, aproveitamento das
competências existentes e oportunidade de crescimento.
V15: há parceria com as áreas requisitantes somente para o levantamento do perfil das vagas disponíveis e
conclusão dos processos.
Os dados revelam que 95% das empresas respondentes referem que os processos seletivos
ocorrem à medida que surgem vagas, o que é política tradicional da função, assim como a
realização de programas de integração. Por outro lado, 80% referem que há um planejamento prévio
de pessoal de acordo com estratégias, objetivos e projetos que a empresa pretende desenvolver.
Considerando, ainda, que 55% das respondentes afirmaram que há captação contínua de
profissionais independente da existência de vagas, percebe-se que há uma tendência a uma visão
106
de mais longo prazo e não somente para atender a uma necessidade imediata, embora esta não
deixe de ser a preponderante.
A informatização da função apontada por 80% das respondentes é relevante para uma
prática mais estratégica, uma vez que
[...] possibilita atingir maior número de candidatos, aumentando as possibilidades de se encontrar
novos talentos, alcançar candidatos passivos e permite a padronização de informações curriculares
de interesse da empresa. (ALMEIDA, 2008, p. 38).
A parceria com as áreas requisitantes desde o planejamento dos processos seletivos até a
execução, adotada como uma política por 80% e não somente para o levantamento do perfil e
conclusão, apontada por 40% (porcentuais que evidenciam que algumas empresas adotam as duas
formas de relacionamento com as áreas), trata-se, segundo Almeida (2008, p. 26), de uma premissa
básica da moderna Administração, porque aumenta a probabilidade de atendimento de expectativas
dos gerentes contratantes, contribuindo com uma imagem positiva da área de RH e das funções
desta.
A disponibilidade de treinamento e preparo para os profissionais que participam do processo,
apontada por 75% das empresas é uma política que aumenta consideravelmente o êxito na
contratação (ALMEIDA, 2008, p. 32). O fato de as respondentes apontarem que 95% dos
profissionais que atuam no RH de suas empresas possuem graduação em Ciências Humanas e 75%
possuem pós-graduação em RH/Gestão de Pessoas também aumenta a garantia do êxito e
possibilita uma atuação mais estratégica do que operacional, já que esses profissionais almejam
aplicar os conhecimentos adquiridos em suas respectivas áreas de especificidade. Almeida (2008, p.
26) explica: “As organizações pautadas por uma política definida para talentos precisa contar com
seus melhores profissionais à frente da área de captação e seleção.”
Quanto à metodologia utilizada nos processos seletivos, o gráfico demonstra que 60% dos
respondentes referem que se trata de um processo padronizado e 50% referem que ela é
determinada caso a caso. Destaca-se, entretanto, que 10% (2) dos respondentes apontaram as duas
formas, o que evidencia uma incongruência, talvez relacionada à própria construção do questionário.
Por outro lado, apesar do apontamento do uso de metodologia padronizada, as empresas
evidenciam o uso de diversificada base de dados para construção do perfil assim como o uso de
diferentes técnicas de seleção, como mostram os gráficos 3 e 4.
Nota-se no gráfico 3 que o foco nas competências e evidências comportamentais, assim
como nos valores e cultura corporativa, mesmo tendo o conteúdo do cargo como fonte de referência,
aponta, segundo Almeida (2008, p. 23), para um novo paradigma com foco mais estratégico, porque
o tradicional indicava a escolha certa para o cargo certo, e este emergente indica a escolha da
pessoa que “[...] se identifica com a cultura da organização e que pode agregar valor a ela”, havendo
a valorização do comportamento e da atitude no trabalho.
107
Quanto aos tipos de recrutamento, percebe-se uma mudança, uma vez que o recrutamento
interno aparece como uma prática de 80% das empresas respondentes, quase na mesma proporção
do externo (85%), denotando que a captação voltada simplesmente para a admissão está se
voltando para a ascensão profissional, formação de equipes e aproveitamento dos talentos internos.
Todavia, há que se notar que somente 50% mantêm um banco de talentos internos.
Além disso, a realização de estudos e pesquisas do mercado de recursos humanos para
identificação das melhores fontes de captação de candidatos potenciais e passivos, apontados como
uma política por 55%, evidencia uma crescente preocupação em se conhecer melhor onde se
localizam os candidatos potenciais, como eles procuram trabalho, como fazem suas escolhas e que
tipo de proposta mais os atraem. Por outro lado, as indicações e os sites de busca foram as fontes
de recrutamento mais mencionadas pelas respondentes, com 90% e 80%, respectivamente. O uso
de consultoria para cargos diretivos e gerenciais foi informado como fonte por 70% dos
respondentes.
Outro fato que merece destaque nesse sentido é que 55% das respondentes afirmam que
disponibilizam informações para o mercado de recursos humanos, sobre o trabalho desenvolvido,
cultura e políticas de RH, o que permite aos profissionais uma escolha consciente sobre o local onde
desejam trabalhar, considerando que essa escolha se relaciona com a imagem que a empresa
passa e de sua reputação no mercado. Por outro lado, uma prática que pode comprometer a
imagem da empresa é o não-retorno aos candidatos sobre as respectivas participações e, nesse
sentido, 75% das respondentes afirmam ter tal política.
Quanto aos métodos e técnicas de seleção de pessoal, tem-se a representação a seguir.
Percebe-se que as empresas combinam várias técnicas e métodos de seleção, o que
potencializa a capacidade de prever o desempenho futuro dos candidatos, sendo a entrevista e os
testes de conhecimento mencionados por 90% e 85% dos respondentes, respectivamente. Chama a
atenção o fato de as dinâmicas de grupo serem citadas como técnica por 75% das respondentes, até
em detrimento do uso de testes psicológicos ou padronizados, que no modelo mais tradicional eram
os preferidos. As dinâmicas de grupos e entrevistas comportamentais possuem como foco o
comportamento e as competências, e não a vida pessoal e a trajetória profissional – foco da
entrevista tradicional e dos testes. Almeida (2008, p. 31) afirma que quanto maior o número de
técnicas que permitam a observação do comportamento do candidato maior a efetividade do
processo. Entretanto, nota-se que as simulações ainda não são muito difundidas, sendo isso
alegado por 25% das respondentes.
O fato de 50% das respondentes terem mencionado que as equipes participam dos
processos seletivos e da escolha do melhor candidato, já mostra um avanço em direção a uma
108
prática mais moderna e estratégica, pois aumenta a possibilidade de efetividade, responsabiliza e
delega a equipe, empoderando-a (ALMEIDA, 2008, p. 36).
O uso de critérios objetivos, claros, específicos e compartilhados para a escolha de finalistas
e do candidato a ser contratado, evidencia a modernidade do processo e a preocupação em diminuir
o subjetivismo, que sempre acompanhou a função de R&S. Nesse sentido, o critério considerado
mais importante para a escolha de candidatos em cargos operacionais, técnicos, gerenciais e
diretivos é o grau de conformidade à cultura e aos valores organizacionais. Além destes, para os
cargos operacionais condições satisfatórias de saúde e características pessoais, são critérios muito
importantes. Para os cargos técnicos, gerenciais e diretivos, a postura, os comportamentos e a
comunicação apresentados nas várias etapas do processo foram destacados como muito
importantes. A experiência e os resultados apresentados em empregos anteriores aparecem como
muito importantes somente para cargos gerenciais e diretivos. Critérios como escolaridade,
conhecimentos gerais e específicos foram preteridos por critérios comportamentais, o que mostra
uma evolução para um paradigma mais moderno e estratégico.
Por fim, Fernandes (2003, p. 3) destaca que “[...] uma atuação verdadeiramente estratégica
pressupõe definição de indicadores para monitoramento e controle, bem como avaliação de
resultados.” Nesse sentido, os indicadores a seguir foram mencionados.
Verifica-se a discrepância em relação a outras políticas e práticas estratégicas, uma vez que
os indicadores continuam sendo aqueles tradicionais, ou seja, taxa de turn over e tempo de
preenchimento de uma vaga, informados, respectivamente, por 80% e 65% dos respondentes, e
algumas empresas não citaram indicadores. Os métodos de coleta de dados para mensuração e
avaliação mais citados foram: levantamento de índices de movimentação de pessoal e pesquisas
documentais, respectivamente por 75% e 70% das respondentes. O levantamento de custos, índices
de produtividade das áreas requisitantes e investimentos efetuados para realização, foram
declarados por apenas 35%, 25% e 25% das empresas respondentes, respectivamente, o que
confirma a proposição de Fernandes (2003, p. 3): é um ponto crítico no que se refere a uma atuação
estratégica. Esclarece o autor:
109
[...] só se pode praticar gestão estratégica se há mecanismos de controle e indicadores que
permitam verificar o grau de implementação da estratégia. De nada adiantará planejar, se não
houver um sistema de controle para monitorar o nível de alcance dos objetivos planejados.
Portanto, reside nesse aspecto um ponto a ser desenvolvido na dimensão estratégica do
R&S.
5 CONCLUSÃO
Muito embora o estudo não permita generalizações para a população pesquisada ou mesmo
para afirmativas acerca do assunto, percebe-se uma evolução crescente nas políticas e práticas de
R&S para uma dimensão estratégica.
Aspectos como planejamento prévio de pessoal, de acordo com objetivos, estratégias e
objetivos organizacionais; parceria com as áreas requisitantes para o planejamento dos processos;
automatização das atividades mais burocráticas e operacionais; preparo e treino da equipe para a
participação nos processos; adoção de programas de trainees e estagiários; uso de diversificada
base de dados para construção do perfil; diferentes tipos de recrutamento; combinação de métodos
e técnicas de seleção; valorização do grau de conformidade a cultura corporativa, da postura e dos
comportamentos apresentados pelos candidatos em detrimento da escolaridade e do conhecimento,
evidenciam essa evolução.
Há que se considerar, entretanto, que as empresas respondentes participam da ABRH-PR,
que tem por política difundir as melhores políticas e práticas de RH, assim como se mantêm
atualizadas na medida em que enviam profissionais da área para um destacado e tradicional
congresso (CONPARH), o que pode contribuir para adoção de políticas e práticas mais estratégicas.
As empresas que não participam não deixam de acompanhar essa evolução, mas é uma variável
que merece evidência e futura investigação.
Por outro lado, aspectos como captação contínua de profissionais independente da existência
de vagas, manutenção de banco de talentos internos, metodologia determinada caso a caso e
participação das equipes nos processos seletivos são políticas de uma dimensão estratégica que
ainda não estão presentes nas práticas de RH em boa parte das empresas pesquisadas. Contudo, o
ponto mais crítico para uma atuação verdadeiramente estratégica do R&S está na mensuração e
avaliação da efetividade dos processos seletivos, em que somente a taxa de turn over e o tempo de
preenchimento de uma vaga se constituem indicadores na maior parte das empresas pesquisadas.
Esse aspecto, portanto, deve ser desenvolvido pelo RH, inclusive para maior credibilidade e
reconhecimento da área na contribuição efetiva com o negócio.
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111
SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE
NA CONSTRUÇÃO CIVIL:
UM ESTUDO COM BASE NA EXPERIÊNCIA
DO PBQP-H EM EMPRESAS CONSTRUTORAS
DA CIDADE DE LONDRINA
QUALITY MANAGEMENT SYSTEM
IN CIVIL CONSTRUCTION:
A STUDY FROM THE EXPERIENCE OF
PBQP-H IN CONSTRUCTIONS COMPANIES
OF THE CITY OF LONDRINA
SISTEMA DE GESTIÓN DE LA CALIDAD
EN LA CONSTRUCCIÓN:
UN ESTUDIO A PARTIR DE LA EXPERIENCIA
DE LO PBQP-H JUNTO DE LAS EMPRESAS DE
CONSTRUCCIÓN DE LA CIUDAD DE LONDRINA
ULYSSES AMARILDO JANUZZI
Mestre pela UEL,
Coordenador do Módulo de Gestão Industrial da INESUL
CRISTIANE VERCESI
Doutora pela UEL,
Chefe do Departamento de Psicologia Social e Institucional da UEL
112
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar os impactos advindos da execução do Programa
Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat (PBQP-H) nas empresas de construção civil,
depois de um período considerado suficiente para o amadurecimento do programa na empresa. A
pesquisa analisou oito empresas sediadas na cidade de Londrina, utilizando-se como método a
aplicação de um questionário em quatro empresas e o desenvolvimento de um estudo de casos
múltiplos em outras quatro. As constatações da pesquisa resultaram em três principais sugestões de
melhorias: 1) necessidade da formação de uma cultura da qualidade na empresa, previamente à sua
normalização; 2) adaptação de requisitos pontuais na norma onde se constataram dificuldades em
todas as empresas; 3) adoção de níveis evolutivos de certificação de acordo com o porte da
empresa.
Palavras-chave: qualidade, construção civil, institucionalização, ISO 9001, PBQP-H.
ABSTRACT
This study aims to analyze the impacts from the implementation of the Brazilian Program for Quality
and Productivity at Habitat (PBQP-H) in construction companies, after a period deemed sufficient for
the maturation of the program in the company. The study examined eight companies based in the city
of Londrina, using as a method of applying a questionnaire in four companies and the development of
a multiple case study in the other four. The research findings have resulted in three main suggestions
for improvements: 1) need for training a culture of quality in the company, prior to normalization; 2)
adaptation to specific requirements in the standard where they found difficulties in all companies; 3)
adoption of evolutionary levels of certification according to company size.
Keywords: quality, civil construction, institutionalization, ISO 9001, PBQP-H.
RESUMEN
Este trabajo tiene como objetivo analizar los impactos resultantes de la aplicación del Programa
Brasileño de Calidad y Productividad en Hábitat (PBQP-H) en las empresas de construcción,
después de un período se considera suficiente para la maduración del programa en la empresa. El
estudio examinó a ocho empresas con sede en la ciudad de Londrina, utilizando como método de
aplicación de un cuestionario en cuatro empresas y el desarrollo de un estudio de casos múltiples en
las otras cuatro. Los resultados de la investigación han dado lugar a tres principales sugerencias de
mejora: 3) necesidad de capacitación una cultura de calidad en la empresa, antes de la
normalización; 2) la adaptación a las necesidades específicas en el nivel donde se encuentran las
dificultades en todas las empresas; 3) la adopción de los niveles de la evolución de la certificación de
acuerdo al tamaño de la empresa.
Palabras claves: calidad, construcción, institucionalización, ISO 9001, PBQP-H.
113
1 INTRODUÇÃO
O setor da construção civil sempre ocupou uma posição importante no panorama econômico
brasileiro, representando uma participação de 5,1% do total do produto interno bruto (PIB), em 2008
(MDIC, 2009). Nesse ano, quando o Brasil apresentou crescimento do PIB de 5,8% no primeiro
trimestre, em relação a igual período de 2007, o setor da construção civil se destacou dentre os
setores produtivos que compõem o PIB, registrando um crescimento de 8,8% (IBGE, 2009). Com
relação à empregabilidade, em 2007 o setor foi responsável por 6,36% da população ocupada no
Brasil, correspondendo a aproximadamente 1,8 milhões de pessoas (CBIC, 2009) e 5,6% do valor
total da remuneração paga em todo o País (ABRAMAT, 2009).
Apesar da evidente importância para o setor econômico brasileiro, a construção civil é
caracterizada por muitos autores como tradicional, conservadora, nômade, de produtos únicos e não
seriados, longo ciclo de aquisição-uso-reaquisição e mão de obra de baixa capacitação
(MESEGUER, 1991), figurando-se, dessa forma, como grande geradora de empregos para uma mão
de obra de perfil de baixa qualificação técnica e educacional (AMBROZEVICZ, 2003a).
Por decorrência da instituição do Plano Real em 1994, mudanças estruturais impostas à
conjuntura econômica determinaram uma revisão profunda nesses conceitos. Com a queda dos
índices de inflação, o capital foi gradativamente redirecionado para atividades produtivas em busca
de taxas de retorno mais atraentes, e, por consequência, o próprio mercado consumidor acabou
impondo ao setor produtivo nacional exigências crescentes de padrões de qualidade que acabaram
por se tornar critério diferencial de grande peso diante de um cenário mais competitivo.
Por influencia desse cenário, a partir de meados da década de 90, vários esforços
começaram a ser empreendidos no setor por meio de programas em nível estadual, em busca de
maior produtividade e melhor qualidade. Uma pesquisa realizada pela McKinsey, em 1998 (Mello,
2006, p. 67), demonstrou que a construção civil ainda não havia conseguido se igualar ao nível da
qualidade, produtividade e competitividade de outros setores da economia brasileira, estando
bastante distante dos índices da construção civil norte-americana.
O Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Hábitat (PBQP-H), resultado de todos
esses esforços, representa, desde 2001, a ferramenta mais poderosa na busca por competências
diferenciais para atingir os objetivos almejados pelo setor. Entretanto, como o PBQP-H é um
programa relativamente novo, e – de acordo com ABNT (2009) – antes dele poucas construtoras
possuíam a ISO 9001, as pesquisas disponíveis até então analisaram apenas a situação de
empresas recém-certificadas ou certificadas há um período de, no máximo 18 meses. Desse modo,
essas pesquisas não puderam apresentar muitos resultados relativos a mudanças efetivas e
impactos causados pelo programa na rotina e na cultura das empresas, limitando-se à análise do
processo de implantação e certificação, além de avaliar expectativas futuras.
Dessa forma, este estudo estabelece como objetivo: analisar os impactos nas empresas de
construção civil da cidade de Londrina, decorridos pelo menos 30 meses da primeira certificação no
nível A do PBQP-H. Como não existem pesquisas disponíveis que determinem com precisão um
limite de tempo de amadurecimento, tanto da ISO 9001 como do PBQP-H, introduzido em uma
empresa construtora, o período de 30 meses de operação depois da certificação – como
estabelecido no objetivo – baseou-se em informações obtidas em entrevistas com engenheiros do
SENAI, envolvidos diretamente no programa desde 2001.
A fundamentação teórica e empírica empreendida neste trabalho resultou na formulação de
três hipóteses que serviram ao propósito de detalhar os objetivos e indicar caminhos ao investigador,
bem como na orientação da procura pela explicação do problema pesquisado e assinalar rumos à
investigação (RICHARDSON, 2008). Sendo assim, a pesquisa se iniciou da hipótese de que
empresas que investiram em pessoal, capacitando-o e diminuindo a rotatividade, conquistam
maiores benefícios decorrentes do PBQP-H, em relação às demais. As empresas que introduziram o
PBQP-H e função de motivos internos conquistam maiores benefícios decorrentes dele, em relação
àquelas que se guiaram por motivos externos. O modelo atual do PBQP-H é realmente eficaz para
todas as empresas construtoras, independente do tamanho delas.
Como o contexto organizacional sob o qual se desenvolve o presente estudo é
predominantemente caracterizado por instituições que seguem um modelo de gestão funcionalista,
elegeu-se a teoria institucional como o ambiente teórico ideal para o desenvolvimento da pesquisa.
114
Sendo assim, este artigo apresenta na sequência, uma síntese da fundamentação teórica
desenvolvida dentro deste estudo sobre os principais tópicos em que se sustenta esta pesquisa.
Dentro da teoria institucional, buscou-se, sobretudo, o processo de institucionalização elegendo-se o
modelo teórico de Tolbet e Zucker (1999) para servir de base da pesquisa. Dentro dos sistemas de
gestão da qualidade (SGQ), direcionou-se o foco para a ISO 9001 e, mais precisamente, para o
PBQP-H.
Na quarta seção, o artigo detalha os aspectos metodológicos para, posteriormente, serem
apresentados os resultados e a análise acerca dos dados da pesquisa empírica e, por fim,
apresentar as considerações finais do trabalho.
2 TEORIA INSTITUCIONAL E PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO
De 1880 até a metade do século XX, a teoria institucional desenvolveu suas primeiras
formulações. Nesse período, muitos pensadores anteciparam distinções e percepções mais tarde
redescobertas por analistas contemporâneos (SCOTT, 2001, p. 14).
Segundo R. Lourau (1975, p. 118):
O institucionalismo de Emile Durkheim (1858-1917), combatido à direita pelo marxismo e à
esquerda pela fenomenologia, marca, contudo, as grandes construções sociológicas do século XX.
A Sociologia moderna deu sua contribuição à teoria institucional por meio da dedicação de
muitos sociólogos ao estudo das organizações. De acordo com R. Lourau (1975, p. 93), a Sociologia
moderna “[...] nasceu na ilusão de uma institucionalização total e definitiva das ideias positivas, da
adequação tão perfeita quanto possível entre sociedade civil e as ideias dos sociólogos.”
Apesar da dedicação desses sociólogos, considera-se que foi o trabalho de Robert Merton
(1968) e seus discípulos, no fim da década de 40, que as colocou na condição de objetos distintos e
merecedores de estudos sociológicos próprios. Foi com base em seu trabalho, focalizado na
dinâmica da mudança social, que houve o reconhecimento de que as organizações são “[...] atores
sociais independentes” e que “[...] as estruturas existentes contribuem para o funcionamento de um
sistema social.” Nessa visão, “[...] os componentes estruturais de um sistema devem ser integrados
para que o sistema sobreviva.” (TOLBERT; ZUCKER, 1999, p. 197-198).
Uma abordagem de importância central para o presente trabalho é a que trata do processo
de institucionalização nas organizações. Dentro dessa abordagem, são importantes os trabalhos
identificados com a tradição filosófica da fenomenologia de Berger e Luckmann (1967) apud Tolbert
e Zucker (1999), que identificaram a institucionalização como um processo central na criação e
perpetuação de grupos sociais duradouros. Berger e Luckmann (1967) apud Tolbert e Zucker (1999,
p. 202) consideram como “[...] uma tipificação de ações tornadas habituais por tipos específicos de
atores” o resultado ou fase final de um processo de institucionalização. Essas “ações tornadas
habituais” referem-se a comportamentos que se desenvolvem empiricamente e foram adotados por
um ator ou grupo de atores, com a finalidade de resolver problemas recorrentes. Tais
comportamentos são tornados habituais à medida que são evocados com um mínimo esforço de
tomada de decisão por atores em resposta a estímulos particulares. Já a tipificação envolve o
desenvolvimento recíproco de definições compartilhadas que estão ligadas a esses comportamentos
tornados habituais.
Tais análises fenomenológicas institucionais sugerem, segundo Tolbert e Zucker (1999), três
processos sequenciais envolvidos na formação inicial das instituições e em seu desenvolvimento,
discriminados a seguir.
Habitualização: classificado como a etapa de pré-institucionalização, refere-se ao
desenvolvimento de comportamentos padronizados para a solução de problemas e a associação
desses comportamentos a estímulos particulares. Esses tipos de estrutura tendem a durar
geralmente o período de adaptação à cultura da organização.
Objetivação: etapa da “semi-institucionalização”, o movimento em direção a um status mais
permanente e disseminado. A organização passa a buscar a teorização e a experiência para avaliar
115
os riscos de adoção da nova estrutura. Nesse período, o ímpeto de difusão da estrutura ou sistema
adotado passa a adquirir uma base normativa.
Sedimentação: fase em que ocorre a institucionalização total, “[...] tanto pela propagação,
virtualmente completa, de suas estruturas por todo o grupo de atores teorizados como adotantes
adequados como pela perpetuação de estruturas por um período consideravelmente longo de
tempo.” (TOLBERT; ZUCKER, 1999, p. 209).
Segundo Zucker (1977) apud Tolbert e Zucker (1999), o aumento do grau de objetivação e
sedimentação de uma ação aumenta o grau de institucionalização (indicado pela conformidade dos
indivíduos ao comportamento de outros). Quando a institucionalização é alta, a transmissão da ação,
a manutenção dessa ação ao longo do tempo e sua resistência à mudança também são altas.
Para concluir, ressalta-se – segundo Tolbert e Zucker (1999) – a falta consenso em relação a
alguns conceitos da teoria institucional, que ainda estão se institucionalizando em meio aos estudos
organizacionais.
3 SISTEMAS DE GESTÃO DA QUALIDADE (SGQ)
A qualidade é definida por Juran e Gryna (1991) como adequação ao uso. Esse conceito, de
ampla aceitação, possui dois aspectos que se complementam. Primeiramente, qualidade consiste
nas características de um produto que atende as necessidades dos clientes, propiciando a
satisfação em relação ao produto. Outro sentido de qualidade é a ausência de defeitos. Surgem
assim dois enfoques para a qualidade, que são, respectivamente, a qualidade de projeto e a
qualidade de conformação. Dessa forma, a qualidade de projeto estabelece as características do
produto (físico ou serviço), e a qualidade de conformação busca a correta realização dessas
características. Portanto, de acordo com Paladini (2004), qualidade de projeto e qualidade de
conformação são dois conceitos que se complementam.
O sentido do termo “qualidade” é resultado da evolução do conceito desde a década de 50.
Feigenbaum (1994) afirma que as condições de competitividade induzem os gestores de negócios a
melhorar a qualidade de muitos produtos, ao mesmo tempo em que devem reduzir substancialmente
os custos para manter a qualidade. Para isso, o autor sugere a adoção do conceito de Total Quality
Control – TQC (Controle da Qualidade Total). Uma evolução do conceito de TQC ocorre com o
surgimento da Total Quality Management – TQM (Gestão da Qualidade Total), o que leva a um
conceito mais abrangente. J. M. Juran e F. M. Gryna (1991, p. 210) consideram a TQM como uma
“[...] extensão do planejamento dos negócios da empresa que inclui o planejamento estratégico da
qualidade.” Entretanto, todos os manuais, procedimentos e políticas da qualidade não são
suficientes para garantir que uma organização trabalhe com qualidade. De acordo com W. E.
Deming (1994), nem mesmo o trabalho duro, maiores esforços, equipamentos eletrônicos
computadores ou investimentos em máquinas podem assegurar a qualidade.
Pode-se concluir que, uma vez que dinheiro e credibilidade representam a força vital das
organizações, como afirma P. B. Crosby (2004), o ideal seria que os executivos distribuíssem seus
esforços igualmente entre finanças, relacionamentos e qualidade, em vez de concentrarem-se
basicamente nos aspectos financeiros dos negócios. Desse modo, observa-se que a qualidade exige
uma abordagem abrangente, pois é responsabilidade de todos, nas organizações, e exerce
influência sobre diversas áreas, desde a satisfação dos clientes até o impacto positivo (ou negativo)
na lucratividade da empresa. A maneira mais adotada pelas empresas para guiar a aplicação de um
sistema de gestão da qualidade (SGQ) é evidenciar externamente estas ações por meio da
certificação – segundo normas específicas – no caso da indústria da construção civil no Brasil, o
PBQP-H.
O modelo de certificação de SGQ mais difundido no mundo é a padronização baseada na
família de normas ISO 9000. Estas normas foram elaboradas pela International Organization for
Standardization (ISO), uma organização não-governamental com sede em Genebra, na Suíça,
composta de mais de 162 países (ISO, 2009), inclusive do Brasil, com o objetivo de promover o
desenvolvimento de normas internacionais. A família de normas ISO 9000 é conhecida como normas
genéricas de sistemas de gestão. Genérico, nesse caso sugere, segundo L. C. B. B. Mello (2006),
116
que a mesma norma pode ser aplicada a qualquer tipo de organização, grande ou pequena, seja
qual for seu produto ou serviço, em qualquer setor de atividade, e seja qual for seu meio de negócio.
De acordo com a ABNT (2009), a primeira versão da ISO 9000 surgiu em 1987, traduzida em
1990. As séries ISO 9000:1987 já passaram por três revisões desde então, gerando as versões ISO
9000:1994, ISO 9000:2000 e, atualmente, a série ISO 9000:2008. As versões 1987 e 1994 das
normas ISO 9000 eram excessivamente focalizadas nos processos e, por essa característica,
exigiam uma gama muito grande de documentos e registros para evidenciar a padronização e
conformidade dos processos e dos produtos como garantia da qualidade. Em função de tal
característica, muitos pesquisadores, acadêmicos e profissionais questionavam sobre os benefícios
que a certificação estaria gerando para as organizações, uma vez que existia uma grande distância
entre a gestão da qualidade e a mera normalização. Entre esses críticos, pesquisas de D.
Vloeberghs e J. Bellens (1996), Johan F. Devos, José L. Guerrero-Gusumano e Willen J. Selen
(1996) e Roberth Gustafsson et al. (2001) concluíam que o custo e o tempo de estruturação eram
dois elementos significantes para a avaliação do processo de instituição da ISO 9000. P. H. L.
Ambrozewicz (2003) salienta que a falta de um sistema bem estruturado e a falta de
comprometimento da direção e dos funcionários podem aumentar o tempo e o custo da certificação.
A versão 1994 permaneceu nas empresas até final de 2002, quando foram definitivamente
substituídas pela versão 2000. Depois disso, a família de normas ISO 9000 deixou de ser um
sistema de garantia da qualidade e passou a se caracterizar como um sistema de gestão da
qualidade (SGQ). Desde então, a nova versão procura suprir as lacunas tão criticadas, passando a
ser menos prescritiva e burocrática e mais flexível, com maior ênfase na melhoria e na gestão dos
processos com o foco na satisfação dos clientes. Justifica O. J. Branchini (2002, p. 71):
Agora as empresas devem demonstrar sua capacidade de atingir a satisfação do cliente, com a
aplicação da melhoria contínua de seus processos e da prevenção de não conformidades.
3.1 O PBQP-H
Os primeiros movimentos pela qualidade na construção civil no Brasil surgiram no início da
década de 90, decorrentes de um período de mudanças em um setor caracterizado por grande
competitividade. Embalado por essa atmosfera de grandes mudanças, o governo federal lançou o
Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), envolvendo todos os setores industriais.
No setor da construção civil, mereceram destaques nessa época, os trabalhos de F. A. Picchi (1993)
e de S. B. Melhado (1994), responsáveis pelas primeiras aplicações de conceitos gerais da
qualidade focalizando a construção civil e apresentando um sistema da qualidade baseado nas
normas ISO 9000:1987. Melhado (1994) aponta para a parceria criada em 1993 entre o Centro de
Tecnologia em Edificações (CTE) e o Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado de São
Paulo (Sinduscon-SP) como o marco para o grande impulso que o setor da construção civil recebeu
em direção aos programas setoriais da qualidade (PSQs). Esses PSQs são acordos firmados pelos
governos estaduais ou municipais, entidades de classe, associações nacionais e os agentes
financiadores, com a finalidade de regulamentar os requisitos de qualificação no setor.
Como resultado de todo esse movimento no setor da construção civil, o Ministério do
Planejamento e Orçamento, pela Portaria nº 134, de 18/12/1998, instituiu o Programa Brasileiro da
Qualidade e Produtividade no Hábitat (PBQP-H), um desdobramento do PBQP. De acordo com esse
ato, o PBQP-H tem por objetivo básico apoiar o esforço brasileiro de modernidade e promover a
qualidade e produtividade do setor da construção habitacional, com vistas a aumentar a
competitividade de bens e serviços por ele produzidos. Com esse intuito, o PBQP-H se propõe
oficialmente a organizar o setor da construção civil, melhorar a qualidade do hábitat e a
modernização produtiva, estruturar um novo ambiente tecnológico e de gestão para o setor da
construção civil e estimular o uso eficiente das diferentes fontes de financiamento, tais como FGTS,
poupança, etc. (MCIDADES, 2009).
É importante ressaltar que, apesar de se tratar de um programa de adesão voluntária desde
sua concepção, os agentes financiadores e o setor público utilizam o poder de compra e fomento
como fator de pressão para o desenvolvimento do programa. A estrutura do programa é baseada na
série de normas ISO 9000 e o PBQP-H vem sofrendo atualizações periódicas que acompanham as
117
revisões das normas ISO, de modo a manter a compatibilidade com elas, sendo seu formato atual
fundamentado nas normas ISO 9001:2000. Dentro desse formato, o programa adota a abordagem
de processo para o desenvolvimento, estruturação e melhoria da eficácia do SGQ da empresa
construtora.
Uma das características que difere o PBQP-H da ISO 9001 é o caráter evolutivo, ou seja,
existem quatro níveis de qualificação progressivos (D, C, B e A), nos quais a empresa construtora
pode ser certificada. Segundo M. H. Silveira, M. Lima e A. L. B. Almeida (2000), um sistema evolutivo
possui um efeito pedagógico no progresso do estabelecimento do sistema, que objetiva a melhoria
contínua. De acordo com o PBQP-H (MCIDADES, 2009b), o nível A da norma SiAC atende
integralmente às exigências da NBR ISO 9001:2000, podendo a empresa construtora solicitar
certificação simultânea à do PBQP-H, segundo este referencial normativo.
A operacionalização do PBQP-H se dá pela estruturação de uma série de projetos
objetivando solucionar problemas específicos na área de qualidade. Dentre eles vale ressaltar o
Sistema de Avaliação da Conformidade de Serviços e Obras (SiaC), considerado o principal projeto
do programa por ser responsável por suas diretrizes. Aprovado pela Portaria no18, de 15/3/2005, o
SiAC baseia-se nas normas ISO 9001:2000, substituindo o Sistema de Qualificação de Empresas de
Serviços e Obras (SiQ-Construtoras), fundamentado nas normas ISO 9001:1994.
O principal acordo do PBQP-H é com a Caixa Econômica Federal (CEF), que tem sido o
principal agente e parceiro ao que se refere à utilização do poder de compra. A CEF oferece
financiamentos específicos para as empresas de construção civil que aderiram ao PBQP-H e, dessa
forma, atua como indutora do processo. Além disso, como a grande operadora dos recursos do
Ministério das Cidades, tem tido grande responsabilidade na aplicação eficaz dos recursos. Já foram
realizados acordos setoriais em quase todos os Estados brasileiros, estabelecendo metas regionais
com o objetivo de estimular a evolução dos níveis e a adesão.
4 METODOLOGIA
4.1 CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA
O presente estudo contempla características de cunho predominantemente qualitativo e
exploratório.
É predominantemente qualitativo porque o principal método de pesquisa utilizado foi o estudo
de casos múltiplos dentro de um específico contexto: empresas de construção civil do tipo hábitat
certificadas com o PBQP-H. Optou-se pelo estudo de casos múltiplos porque, de acordo com R. K.
Yin (2008), o objetivo do estudo de caso é compreender e interpretar mais profundamente fatos e
fenômenos normalmente isolados.
É predominantemente exploratório porque, de acordo com Yin (2008), o problema de
pesquisa implica questões norteadoras que começam com “quais” (Quais são os impactos e quais
foram os efeitos deles?). Além disso, foram formuladas hipóteses com a finalidade de aprofundar os
estudos e foram levantados questionamentos e recomendações na conclusão, sugerindo futuras
pesquisas.
4.2 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
A presente pesquisa ocorreu entre os meses de outubro e dezembro de 2009. O marco zero
da pesquisa se deu por meio de uma entrevista com o engenheiro Júlio Cotrin, do SENAI de
Londrina. Cotrin é considerado um dos profissionais mais experientes sobre o PBQP-H, participando
ativamente como coordenador do programa desde 2001.
Foram feitas reuniões com profissionais de duas instituições com interesses ao objeto de
estudo: SEBRAE e Sinduscon-Norte/PR. Nesses contatos, o Sinduscon-Norte/PR manifestou a
necessidade de desenvolver uma pesquisa para atender a objetivos específicos da entidade,
focalizando o sistema de gestão das empresas construtoras de Londrina. Partindo dessa
necessidade, foi desenvolvido um instrumento de pesquisa semiestruturado com questões fechadas
e abertas que, além de atender prioritariamente aos objetivos do Sinduscon-Norte/PR, contribuiu
118
para este trabalho ao descrever o perfil básico das empresas e delimitar a amostra da próxima e
principal pesquisa.
No inicio de novembro de 2009, quando já se dispunha de boa parte do retorno desta
pesquisa, que o artigo passa a denominá-la de 1ª Etapa, foram iniciados os contatos com as
empresas que preenchiam os requisitos básicos para participarem da próxima fase da pesquisa, que
o artigo passa a denominar de 2ª Etapa. Esta fase compreende a aplicação de um instrumento de
coleta de dados com questões abertas e fechadas focalizando o objeto da pesquisa. As questões
desse instrumento seguiram um modelo já testado e aplicado em pesquisas anteriores dos seguintes
autores: M. Casadesús e G. Gimenez (2000), D. Vloeberghs e J. Bellens (1996); R. Jones, G. Arndt
e R. Kustin (1997) e, mais recentemente, M. D. Depexe e E. P. Paladini (2006). Foi adotada como
metodologia de resposta a escala Likert com pesos variando de 1 a 5, de acordo com o grau de
relevância de cada alternativa.
As referidas questões abordaram os seguintes aspectos dentro das empresas: (1) Quanto à
utilização e apoio de consultoria externa para a manutenção do SGQ; (2) Os motivos que levaram a
empresa a instituir o PBQP-H; (3) As dificuldades e obstáculos no desenvolvimento e manutenção
do PBQP-H; (4) Os custos adicionais advindos do SGQ, percebidos pela empresa; (5) As atividades
que a empresa considera que facilitariam o processo de aplicação do PBQP-H; (6) Os principais
benefícios observados pela empresa por decorrência do SGQ.
Com relação ao aspecto 2, os motivos que levaram a empresa a introduzir o PBQP-H foram
divididos em duas categorias: motivos internos, que se referem ao desejo de aumentar a
produtividade e a rentabilidade, melhorar o planejamento e métodos de execução de obra e
disseminar a cultura para a qualidade; motivos externos, que se referem à exigência de órgão
públicos e fomentadores (principalmente a CEF) e ao emprego da certificação como estratégia de
marketing.
Com relação ao aspecto 6, os benefícios observados pela empresa por decorrência do SGQ
foram divididos em duas categorias: benefícios internos, que são aspectos operacionais e
relacionados aos funcionários; benefícios externos, que são aspectos relacionados aos clientes e
aspectos financeiros/administrativos.
Para as empresas que concordaram em participar do estudo de casos múltiplos, todas as
coletas de dados do referido questionário se deram por meio de visitas à sede das empresas e a
suas obras onde as entrevistas eram gravadas e, posteriormente, transcritas para arquivos em
computador. Em todas essas empresas, foram entrevistados basicamente: o RD (representante da
Direção), pelo menos um engenheiro, pessoal do departamento de RH, um mestre de obras e, em
um das empresas, o almoxarife. Para as demais empresas, os questionários foram enviados por email e depois foram feitos diversos contados no sentido de orientar e de sanar dúvidas em seu
preenchimento. Em uma dessas empresas foi possível aplicar o questionário por entrevista com seu
RD.
A aplicação desse método permitiu que se criasse uma base quantitativa mensurável de
respostas, possibilitando assim a comparação estatística dos resultados da pesquisa em
contribuição ao levantamento qualitativo desenvolvido por entrevistas.
Com o propósito de se obter o máximo de confiabilidade dos resultados, foi acordado entre
os participantes e os autores preservar a identidade dos entrevistados e das empresas, para que se
sentissem mais à vontade em relatar fatos e expressar seus pareceres.
4.2.1 TRATAMENTO DOS DADOS
Os dados da pesquisa foram organizados e tabulados, utilizando-se como ferramenta a
planilha eletrônica Excel. O padrão observado dos resultados levou os autores a analisar as
respostas considerando o resultado geral e as respostas segmentadas em grandes e pequenas
empresas. A classificação das empresas, considerando seu porte foi baseada nos critérios do
SEBRAE (2009), que classifica o porte de acordo com a quantidade de pessoas ocupadas dentro
delas. De acordo com esse critério, no presente estudo fazem parte do grupo das pequenas
empresas, as consideradas microempresas e as de pequeno porte. Já as empresas consideradas de
médio ou grande porte fazem parte do grupo das grandes empresas neste estudo.
119
Para cada questão foram calculadas as médias das pontuações sobre: todas as opções de
resposta, de cada empresa; todas as empresas sobre cada opção de resposta; todas as grandes e
todas as pequenas empresas, sobre cada opção de resposta. Por fim, foi aferido o desvio-padrão
observado sobre cada levantamento.
4.3 CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA
De acordo com o Sinduscon-Norte/PR (2009), existem, oficialmente em Londrina,
aproximadamente 550 empresas ligadas à construção civil. Desse total, aproximadamente 275 são
construtoras de obras do tipo hábitat (escopo do PBQP-H) e estão ativas. Por meio da aplicação do
instrumento de coleta de dados da 1ª etapa da pesquisa, obteve-se um retorno de 75 questionários,
aproximadamente 27% do total dessa população.
Extraíram-se da amostra 11 empresas que atendiam aos requisitos para participarem da 2ª
etapa da pesquisa – certificadas no nível A do PBQP-H há pelo menos 30 meses. Todas essas
empresas foram contatadas e convidadas a responder ao questionário da 2ª etapa. O resultado
obtido com esses contatos foi o que consta a seguir.
TABELA 1 – RELAÇÃO DAS EMPRESAS
PARTICIPANTES DA PESQUISA
HISTÓRICO DO PROGRAMA
PORTE*
nível D
em
1º nível A
em
Situação
PARTICIPOU
DO ESTUDO
DE CASOS
A
grande porte
2003
1/2005
vigente
SIM
B
grande porte
2001
1/2003
vigente
SIM
C
grande porte
2004
12/2005
vigente
NÃO
D
grande porte
2005
11/2006
vigente
NÃO
E
grande porte
2003
7/2005
vigente
NÃO
F
pequeno porte
2005
6/2007
vigente
NÃO
G
pequeno porte
2005
5/2007
vigente
SIM
2001
12/2002
Não
renovado
desde 2006.
SIM
pequeno porte
H
(*) De acordo com os critérios do SEBRAE (2009).
FONTE: elaboração dos autores, 2009.
Observa-se na tabela 1 que quatro das oito empresas participaram do estudo de casos
múltiplos, sendo duas que se encaixam no grupo das pequenas empresas e duas no grupo das
grandes empresas, de acordo com o critério adotado para este estudo.
120
A empresa H, cuja certificação nível A não é renovada desde 2006, participou do primeiro
programa de aplicação do PBQP-H promovido pelo SENAI em 2001. De acordo com as declarações
feitas por Cotrin na referida entrevista, “[...] esta empresa foi uma das primeiras, senão a primeira a
se certificar nível A em Londrina.” Cotrin afirmou que, apesar de a empresa não renovar sua
certificação desde 2006, ela pode ser considerada “[...] um belo exemplo de empresa que assimilou
os princípios do Programa e que vem praticando muito das normas sem a necessidade da pressão
das auditorias.”
Mediante os dados coletados na presente pesquisa, conclui-se pelo seguinte perfil básico das
empresas construtoras do tipo hábitat da cidade de Londrina. De acordo com o critério do SEBRAE
(2009), 81,33% das empresas construtoras da região são micro ou de pequeno porte, 12% são
médio porte e 6,67% são de grande porte. As médias e grandes empresas atuam
predominantemente em obras privadas de incorporação de empreendimentos residenciais (na maior
parte) e comerciais. Nas micro e pequenas empresas predomina a atuação em obras privadas –
geralmente obras residenciais pequenas (casas) para terceiros – e, em menor grau, obras públicas.
O tempo médio de atuação das empresas da região é de 16 anos, sendo 15 anos as micro e
pequenas empresas e 19 anos as médias e grandes empresas.
Com relação a obras atualmente em execução, considerando-se apenas as do tipo hábitat
dentro da cidade de Londrina, variam desde 5 até 12 obras para as médias e grandes empresas e
em média duas obras para as pequenas empresas. Salienta-se que o tamanho médio de cada obra
em andamento das grandes empresas é de aproximadamente 10.000 m2. Já para as pequenas
empresas, o tamanho médio das obras é de 700 m2.
Nas grandes empresas a função do RD, ou seja, a função que responde pela manutenção do
PBQP-H na empresa está a cargo de um engenheiro, que cuida especificamente (ou principalmente)
desse ofício. Já nas pequenas empresas, o RD é o proprietário acumulando a função de engenheiro
responsável pelas obras, além gestor administrativo.
5 RESULTADOS E ANÁLISE
É importante relembrar que o presente trabalho se desenvolve sob as lentes dos três
processos sequenciais de institucionalização sugeridos por P. S. Tolbert e L. G. Zucker (1999), que
incluem as fases de habitualização, objetivação e sedimentação. Guiando-se por essa óptica,
estabelece-se que o fato de a empresa se certificar no nível A não significa que o processo de
institucionalização do PBQP-H está sedimentado na empresa. Com o objetivo de se adotar um
indicador que possibilite atingir o objetivo do trabalho, considera-se que as empresas que possuem o
PBQP-H bem-sucedido são as que, dentro do processo de institucionalização do PBQP-H na
empresa, atingiram um elevado grau de sedimentação dos requisitos da norma em sua estrutura. Em
síntese, são as empresas cujo PBQP-H já se encontra praticamente sedimentado na cultura da
empresa. Com esse intuito, elaborou-se um método de análise que permite demonstrar de forma
sistêmica o resultado da pesquisa e, ao mesmo tempo, analisar mais detalhadamente os principais
requisitos que formam a essência da norma, utilizando-se como indicador os três processos
sequenciais de institucionalização de P. S. Tolbert e L. G. Zucker (1999).
O presente método se propõe a contribuir para os objetivos deste estudo, trazendo respostas
aos seguintes questionamentos: a) quais itens da norma se sedimentam na estrutura e nos hábitos
das empresas, a ponto de não mais haver a necessidade da pressão de auditorias ou de uma norma
para serem praticados; b) quais itens da norma não se sedimentam e em que fase eles se
encontram; c) quais os fatores que levaram a empresa a essa fase; d) comparar essa situação entre
os grupos de pequenas e grandes empresas e entender as diferenças e igualdades. O método foi
aplicado de forma efetiva nas empresas A, B e H, por terem elas participado do estudo de casos
múltiplos, possibilitando levantar os dados de maneira mais aprofundada. O quadro a seguir
apresenta uma síntese do referido método.
121
ASPECTOS DA
NORMA
qualificação de
fornecedores
ANÁLISE
Empresa H: pratica informalmente sem a
necessidade dos registros. Os funcionários já
assimilaram a pratica.
Justificativa: a quantidade de fornecedores e o
volume de compras não justificam a formalização.
Empresas A e B: pratica plenamente.
Justificativa: o procedimento é útil, trouxe
melhorias e benefícios. Grande volume de
fornecedores e compras.
controle de
distribuição de
documentos
indicadores de
qualidade
controle de ação
corretiva/
preventiva
auditoria interna da
qualidade
materiais
controlados/ FVM
CONCLUSÃO/
STATUS
parcialmente sedimentado
prática: sedimentada
formalização: não habitualizada
sedimentado
Empresa H: ajudou na padronização e organização
geral, porém não usam registros de controle de
distribuição de cópias.
Justificativa: baixo fluxo de documentos e
registros. Seria uma burocracia desnecessária.
parcialmente sedimentado
prática: sedimentada
formalização não habitualizada
Empresas A e B: praticam à risca. Estão partindo
para a automatização dos registros e digitalização
de cópias.
Justificativa: necessário devido ao grande volume
diário.
sedimentado
Empresa H: utiliza controle de BDI por necessidade
e exigência de contrato, mantém controle informal
de desperdícios, não utiliza indicador de satisfação
do cliente.
Justificativa: o baixo volume de obras não justifica.
não habitualizado
Empresas A e B: usam formalmente diversos
indicadores.
Justificativa: Importantes para tomada de decisão.
sedimentado
Empresa H: nunca usou procedimento formal e
documentado, mas estão habituados a praticá-lo
informalmente.
Justificativa: nunca viu utilidade no uso formal.
parcialmente objetivado
prática: objetificada
formal: não habitualizada
Empresas A e B: não praticam formalmente.
Todavia, a prática informal de disposições já faz
parte da cultura.
Justificativa: dificuldades em praticá-lo
formalmente.
parcialmente sedimentado
prática: sedimentada
formalização: habitualizada
Empresa H: apenas para atender à norma.
Justificativa: não enxergam utilidade prática.
habitualizado
Empresas A e B: praticam plenamente. A empresa
B passou a adotar auditorias sem prévio aviso.
Justificativa: muito útil para corrigir e aprimorar o
SGQ.
sedimentado
Empresa H: pratica os princípios, mas eliminou
registros.
Justificativa: fluxo relativamente baixo, não
justificava o acumulo de papéis.
Empresas A e B: praticam plenamente, mas têm
dificuldade em justificar sua utilidade. Não
estenderam seu uso aos demais materiais não
controlados.
Justificativa: utilização por exigência da norma.
parcialmente sedimentado
prática: sedimentada
formal: não habitualizada
objetificado
122
serviços controlados/FVS
manutenção e
calibração de
ferramentas
Empresa H: o procedimento está sendo executado,
mas não documentado como pede a norma.
Justificativa: os registros de acompanhamento e
checagem nunca serviram para nada na prática –
só para a auditoria.
parcialmente sedimentado.
prática: sedimentada
formalização: não habitualizada
Empresas A e B: apesar de utilizarem, os
encarregados alegam muita perda de tempo. Há
consenso de sua importância, mas “poderia haver
melhor alternativa.”
Justificativa: fonte de informações para gerar
importantes dados estatísticos – uma forma de
manter o pessoal alerta.
objetificado
prática:
- empresa a: objetivada
- empresa B: sedimentada
formalização: objetivada
Empresa H: limita-se a fornecer uma trena por
obra.
Justificativa: praticou à risca por quatro anos sem
registrar uma única irregularidade. “Era só perda de
tempo e dinheiro.”
não habitualizado
Empresas A e B: procedimento é praticado à risca.
Justificativa: importante para a qualidade da obra.
sedimentado
FONTE: elaboração dos autores, 2009.
Os aspectos escolhidos para serem analisados no referido método, além de fazerem parte do
núcleo da Norma SiAC por sua relevância, foram justamente aqueles em que as empresas
analisadas evidenciaram por meio da presente pesquisa – maior dificuldade na sua sedimentação.
Com base nessa análise, foi possível estabelecer um ranking das 8 empresas pesquisadas com
relação ao grau de institucionalização dos referidos aspectos analisados, usando-se como indicador
o processo de institucionalização de P. S. Tolbert e L. G. Zucker (1999), conforme demonstrado no
gráfico a seguir.
GRÁFICO 1 – GRAU DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
NORMA SIAC DENTRO DAS EMPRESAS
PESQUISADAS
FONTE: elaboração dos autores, 2009.
Observa-se nesse gráfico que os resultados levantados na análise mostram que, das
empresas que participaram da pesquisa, todas as grandes, além da pequena empresa H, atingiram
grau relativamente alto de institucionalização da norma em sua estrutura. O gráfico 1 demonstra que
elas se encontram em uma situação “azul”, representando “tranquilidade” em relação à norma. As
empresas A e B alcançam respectivamente uma média de 80% e 90% de sedimentação,
encontrando-se em uma situação ainda mais “tranquila”. Os resultados da presente pesquisa
comprovam que boa parte dos requisitos da norma está sedimentada na cultura destas duas
empresas, sendo eles praticados de forma consciente sem a necessidade de fiscalização.
Pôde-se constatar, conforme apresenta o gráfico 1, que as empresas C, D e E se encontram
em um avançado período de amadurecimento do SGQ em suas estruturas. Evidenciou-se pela
pesquisa que tais empresas possuem uma cultura sensivelmente voltada para a qualidade, com
123
mais ênfase à empresa E que, segundo seu RD: “[...] existe na empresa uma cultura de valorização
de seus funcionários, devido a origem japonesa de seus proprietários.”
Já com relação às empresas F e G, a situação é de “alerta”, figurando-se com a cor amarela
no gráfico 1. Constatou-se pela pesquisa que, após 30 meses da certificação no nível A, a norma
ainda se encontra em uma fase entre a habitualização e a objetivação. Seus funcionários parecem
não estar dispostos a enxergar os benefícios ou a praticidade da norma, impondo barreiras em sua
aceitação, apesar de, por imposição, estarem praticando-a no dia a dia.
Apresentam-se seguir, de forma objetiva, os principais resultados da pesquisa sob a ótica das
três hipóteses levantadas e apresentadas no início deste estudo.
5.1 CAPACITAÇÃO E CULTURA PARA A QUALIDADE
Das quatro empresas que participaram do estudo de casos múltiplos, três atribuíram grande
parte do sucesso atual do PBQP-H à cultura voltada para a qualidade, que foi desenvolvida e
amadurecida na empresa ao longo do processo de introdução. Os entrevistados das pequenas
empresas G e F foram os únicos que não mencionaram esse fato. Constatou-se pela pesquisa que
ambas registram uma alta rotatividade dos funcionários de obra – justificada por elas pelo limitado
fluxo de obras. Ambas foram certificadas mais recentemente (há cerca de 30 meses) em relação às
demais. Constatou-se também que essas empresas não foram orientadas com relação à importância
de se criar uma cultura voltada para a qualidade, no sentido de despertar a consciência de seus
colaboradores sobre esses valores.
Como consequência dessa postura, percebe-se que não existe um clima de equipe ou de
melhoria contínua entre os funcionários de tais empresas. O relacionamento entre o pessoal dos
níveis técnico/gerencial e o operacional é formal e limitado, não havendo um clima de envolvimento
e contribuição mútua, o que foi constatado nas demais empresas. Essa constatação confirma a
explicação de M. F. Pereira e M. S. Cunha (2004) de que qualquer grupo com uma participação
estável e uma história de aprendizado compartilhado terá desenvolvido algum nível de cultura, mas
um grupo que possua um alto índice de rotatividade de seus membros e líderes poderá não ter
nenhuma suposição compartilhada.
Com relação à liderança, de acordo com P. Jaime Junior (2002), toda organização tem uma
cultura, seja ela formal ou informal, e a liderança é o processo que determina a formação e a
mudança da cultura, sendo esse um dos papéis mais importantes dos lideres nas organizações. O
que se percebeu nesta pesquisa é que, normalmente, o proprietário das pequenas empresas são os
próprios engenheiros – sendo essa a realidade das empresas G, F e H – que acumulam outras
funções gerenciais. Sabe-se que os engenheiros geralmente recebem em sua formação profissional
uma grande carga de disciplinas técnicas e muito pouca carga de disciplina gerencial, psicológica ou
sociológica. Dessa forma, pode-se deduzir que os líderes de tais empresas acabam tendo pouca
consciência da importância de uma liderança autêntica, transformando-se mais em autênticos
patrões (aquele que manda) e menos em líderes (aqueles que promovem mudanças). Esses patrões
acabam por gerar uma cultura voltada apenas para a busca por resultados técnicos imediatos e,
aliado à alta rotatividade, formam funcionários não comprometidos com a empresa.
Já nas grandes empresas pesquisadas, como na pequena empresa H, o clima percebido foi
outro. As declarações feitas pelo responsável pelo RH da empresa A sintetizam o sentimento
percebido pelos funcionários das referidas empresas. Segundo ele,
[...] a cultura é de investir no funcionário e mantê-lo na empresa [...] você nunca vê funcionários
discutindo um com o outro, sempre um funcionário tá colaborando um com outro, dessa forma o
clima na empresa é o melhor possível.
Enfatizou ainda que “[...] aqui é uma maravilha para trabalhar em todos os sentidos.”
O que chama a atenção é que a empresa H possui as mesmas características estruturais e
funcionais das demais pequenas empresas, além do mesmo fluxo de obras. Mesmo assim, os
fatores que levaram as demais grandes empresas a conquistarem esse clima favorável e
contribuíram para o maior sucesso na institucionalização do PBQP-H serviram também para levar a
empresa H a esse mesmo status.
124
Sendo assim, a presente análise confirma a hipótese levantada de que as empresas que
investiram em pessoal, capacitando-o e diminuindo a rotatividade alcançam maior sucesso com o
SGQ em relação às demais.
5.2 MOTIVOS INTERNOS E BENEFÍCIOS DA NORMA
Com o intuito de analisar a relação e influência dos motivos que levam as empresas a se
certificarem no PBQP-H e seu o grau de benefícios conquistados, empreendeu-se o cruzamento dos
resultados da questão da pesquisa que trata dos motivos que levaram as empresas a se certificarem
com outros importantes aspectos levantados na pesquisa, conforme mostra a tabela 2 a seguir,
dentro de uma dinâmica causa-efeito, na busca pelo entendimento de suas relações.
TABELA 2 – RELAÇÃO ENTRE MOTIVOS QUE LEVARAM A INSTITUIR O PBQP-H X CULTURA
X ROTATIVIDADE
MOTIVOS
EMPRESA
pequena
grande
internos
externos
JÁ POSSUÍAM
UMA
CULTURA DA
QUALIDADE
ANTES DO
PBQP-H
ALTO
INVESTIME
NTO EM
CAPACITA
ÇÃO E
CONSCIEN
TIZAÇÃO
PARA A
QUALIDAD
E
ÍNDICE DE
ROTATIVIDADE
A
4,3
2,0
Sim
Sim
Baixo
B
4,3
1,0
Sim
Sim
Baixo
C
4,3
2,7
N/D
Sim
Baixo
D
4,0
2,7
N/D
Sim
Baixo
E
4,3
2,3
Sim
Sim
Baixo
F
2,0
4,7
Não
Não
Alto
G
3,3
4,7
Não
Não
Alto
H
4,7
2,7
Sim
Sim
Baixo
FONTE: elaboração dos autores, 2009.
Constata-se na tabela que todas as grandes empresas entrevistadas consideraram
categoricamente que os motivos internos foram os que pesaram para sua decisão, enquanto as
pequenas empresas, com exceção da empresa H, fizeram o contrário.
Com relação às grandes empresas entrevistadas, mais a pequena empresa H, constatou-se
que, mesmo antes da decisão pela introdução do PBQP-H, elas já vinham desenvolvendo uma
cultura voltada para a qualidade mediante investimentos constantes em treinamento e capacitação
de seus funcionários (não foi possível confirmar com as empresas C e D se elas já investiam nesse
125
aspecto antes da execução do programa). Com o tempo, todas essas ações proporcionaram um alto
grau de institucionalização do SGQ nessas empresas.
Por outro lado, pequenas empresas, como a F e G, visivelmente ainda não criaram uma
cultura da qualidade em seus funcionários, mesmo após 30 meses da certificação. Por
consequência, o grau de institucionalização da norma nessas empresas é quase nulo, estando elas
apenas mantendo a certificação em função de o mercado estar aquecido e da necessidade de fontes
de financiamento das obras.
Ao comparar a postura dessas pequenas empresas pesquisadas com o padrão de adesão ao
PBQP-H, das empresas da região desde 2001, pode-se concluir que essa postura é seguramente o
motivo de o PBQP-H não ter-se consolidado entre as empresas. Constata-se por meio de dados
fornecidos pelo PBQP-H (MCidades, 2009) e confirmados pelo engenheiro Cotrin que, apesar do
programa estar sendo desenvolvido em Londrina pelo SENAI desde 2001, a quantidade de
empresas ativas no nível A não progrediu.
O gráfico 2 a seguir demonstra essa realidade ao comparar a evolução da quantidade de
empresas londrinenses que participaram do programa de aplicação do PBQP-H pelo SENAI, a
evolução do número de empresas que mantêm sua certificação nível A e a relação dessas variáveis
com os programas e ações institucionais no período de 2001 a 2009.
GRÁFICO 2 – COMPARAÇÃO: QUANTIDADE DE
EMPRESAS PARTICIPANTES DO PBQP-H
PELO SENAI X TOTAL DE EMPRESAS COM
CERTIFICAÇÃO NÍVEL “A” VÁLIDA
FONTE: elaboração dos autores, 2010.
Observa-se no gráfico que, em 2001, havia um grande interesse na modalidade de
financiamento da CEF identificada pela sigla PAR, que, na época, já estava atrelada à exigência do
PBQP-H, motivando um número significativo de empresas a aderir ao programa. Com o passar do
tempo, em 2004, a CEF ampliou as exigências das empresas para o acesso a esse financiamento,
levando as empresas a perderem o interesse pelo PAR. Isso fez com que quase todas essas
empresas na época não renovassem suas certificações, chegando a ponto de nenhuma empresa se
interessar pelo PBQP-H, em 2005, segundo Cotrin. Por consequência disso, na época, o SENAI
estruturou ações de divulgação do programa na região, surtindo em uma reação tímida até 2008. Só
a partir de 2008, com o anúncio do programa “Minha Casa Minha Vida’, as empresas voltaram a se
interessar, somando-se atualmente mais de 20 empresas participantes da aplicação do programa.
Dessa forma, caso as pequenas empresas F e G não venham a mudar sua postura em
relação ao PBQP-H e quebrar as resistências que já se formaram em sua cultura, elas irão apenas
gerar despesas para manter a certificação em dia e, quando acabar a motivação externa que as
impulsionaram para o programa (o que historicamente sempre acontece), restará a elas seguir o
126
caminho da maioria das outras: abandonar o SGQ, sem ter usufruído o mínimo de benefícios que ele
poderia ter proporcionado.
Diante de todas essas evidências, conclui-se que a grande maioria das empresas que,
introduziram o PBQP-H e deixaram de renová-lo ao longo do tempo, buscaram a certificação por
motivos externos, basicamente pela exigência da CEF, enquanto as empresas que até hoje mantêm
a certificação – basicamente as que participaram desta pesquisa – buscaram a certificação por
motivos predominantemente internos, sendo justamente as que alcançaram elevado índice de
institucionalização da norma em sua estrutura. Sendo assim, a presente análise confirma a hipótese
levantada de que as empresas que adotaram SGQ por motivos internos alcançam maior sucesso
com o PBQP-H em relação àquelas que se guiaram por motivos externos.
5.3 O PORTE DAS EMPRESAS E A NORMA
A presente pesquisa evidenciou que nas grandes empresas o grau de institucionalização da
norma, em geral, é elevado, principalmente, pelo elevado e constante fluxo de obras. A
administração delas se torna uma tarefa complexa, exigindo-se a necessidade de padronizar cada
vez mais as rotinas e procedimentos, tanto em obras como na área gerencial. A busca pela eficácia
e pela produtividade se torna quase obrigatória, e isso só se consegue por meio de informações
atualizadas e alto grau de padronização.
O processo de institucionalização do SGQ nessas empresas encontra-se sedimentado a
ponto de elas admitirem que, caso deixassem de renovar a certificação, provavelmente elas não
deixariam de praticar o SGQ da maneira que já vêm praticando. De acordo com o engenheiro da
empresa B,
Hoje se alguém propuser deixar tudo de lado e voltar como era antes, não tem como, não se admite
mais. Se você pensar hoje em qualidade, produtividade e satisfação do cliente, [...] é consequência
disso (SGQ). Qualidade, produtividade e satisfação do cliente, tudo isso reflete bem a cadeia e é
fruto de uma política de qualidade.
Um exemplo de como se dá a institucionalização da norma na empresa é a experiência
relatada pelo RD da empresa A. Segundo ele, há cerca de um ano a empresa adotou um
procedimento de desenvolvimento e revisão periódica de todos os procedimentos, registros e
documentos “[...] com as pessoas que realmente os usam.” Esta é a essência do SGQ: tornar o
processo prático, útil e benéfico para a empresa, ao mesmo tempo em que atende à norma. Ele
relatou que
[...] o que acontecia até então é que foi imposto um procedimento com os registros e documentos
pensando apenas em atender à norma e não na funcionalidade dela. Dessa forma acaba havendo
uma burocratização do processo, sem benefícios e sem funcionalidade.
O que se vê nessa prática é que a empresa já passou pelo processo de objetivação ou semiinstitucionalização e entrou no processo de sedimentação ou de institucionalização total da norma,
segundo o modelo de P. S. Tolbert e L. G. Zucker (1999). O próprio RD da empresa declarou: “O que
se quer é que as pessoas entendam a utilidade dos procedimentos e não apenas preencham papel
porque têm que preencher o papel.” Para ele, “[...] o programa tem que trazer benefícios, senão não
existe fundamento para isso. As pessoas têm que entender a utilidade e o benefício de se estar
fazendo daquela forma.”
Já para as pequenas empresas, a prática literal de muitos requisitos, da maneira como está
especificada na norma, parece não fazer sentido para a realidade delas. A estrutura organizacional
dessas empresas é, geralmente, de baixa complexidade, apenas o suficiente para atender a um
volume relativamente baixo de obras e, geralmente, de obras menores e menos complexas. Dessa
meneira, muitos desses requisitos acabam sendo praticados de forma coercitiva, não atingindo
legitimidade e não se sedimentando na estrutura da empresa. De acordo com a percepção do
próprio RD da empresa A,
[...] como em empresas menores a constância de obras é menor, a rotatividade aumenta e a
manutenção do sistema se torna mais penosa, necessitando de treinamentos constantes e dando a
127
impressão de se partir sempre do zero. Nesse ambiente, a melhoria contínua em obras é quase
uma ilusão.
Dentro dessa realidade, a empresa H mereceu especial atenção nessa fase, pelo fato de
estar trabalhando desde 2006 dentro de um SGQ com base na norma SiAC, sem a pressão de
sanções ou punições dos agentes externos (auditorias). Desse modo, ela conseguiu moldar seu
SGQ, adaptando-o para a realidade das pequenas empresas, atingindo um grau relativamente alto
de institucionalização de seus requisitos.
De posse de todas essas informações, pode-se concluir seguramente que o processo de
institucionalização dos requisitos da norma SiAC se dá de maneira bem distinta entre grandes e
pequenas empresas, rejeitando-se assim, a hipótese de que o modelo atual do PBQP-H é eficaz
para todas as empresas construtoras, independente do tamanho destas.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um aspecto positivo observado neste trabalho foi a grande receptividade dos entrevistados,
facilitando a construção do estudo. Essa atitude reflete o interesse e a preocupação de empresas em
promover melhorias no programa. Sendo assim, em retribuição à dedicada colaboração de todos os
participantes, apresenta-se, nesta última seção, uma síntese das principais recomendações e
sugestões de melhoria, tanto da estrutura da norma como do processo de aplicação.
As sugestões e recomendações a seguir, têm por objetivo: obter o máximo grau de
institucionalização da norma na estrutura das empresas; conquistar níveis mais elevados de
satisfação de seus integrantes; e reduzir o número de empresas que abandonam a certificação. As
sugestões estão discriminadas na sequência:
1) A formação de uma cultura da qualidade: recomendação de maior potencial para levar o programa a atingir
os referidos objetivos. Sugere-se que, previamente à adoção do PBQP-H, seja desenvolvido um programa
de capacitação de seus integrantes, com a finalidade de formar uma base de conscientização dos
funcionários, focalizando a qualidade, a liderança e o trabalho em equipe. Esses valores são essenciais na
formação de uma cultura sólida voltada para a qualidade e melhoria contínua. Todas as empresas
pesquisadas que demonstraram elevado grau de institucionalização da norma evidenciaram ter tido essa
base antes da aplicação do PBQP-H e, por meio dela, construíram uma sólida cultura organizacional
pautada na qualidade;
2) Adequação dos procedimentos de controle de materiais e serviços controlados: a aplicação destes
procedimentos da norma foram os que se mostraram mais problemáticos na presente pesquisa.
Recomenda-se neste caso um reestudo na estrutura desses dois procedimentos, com base nas
experiências e sugestões dos próprios usuários, cuja norma se encontre em elevado grau de
institucionalização. Pelo menos três empresas entrevistadas apresentaram sugestões de melhorias em
relação a esses itens. Em síntese, as sugestões foram: (1) sugestão aplicável a ambos os grupos de
empresas – criar um diário de obra em que se registraria o acompanhamento dos serviços, recebimento de
materiais e qualificação de fornecedores. Apenas quando houvesse uma não-conformidade é que se abriria
uma ficha para registrá-la e por esta tomar-se-iam as devidas providências e disposições; (2) sugestão de
Ficha de Verificação de Serviço (FVS), recomendada para incorporação de torres e conjuntos habitacionais
– adotar uma única ficha por unidade habitacional, fazendo-se o registro e acompanhamento de todos os
serviços que estariam sendo executados. Seriam desenvolvidas fichas para cada fase da obra, e o
encarregado faria o acompanhamento e disposições de não-conformidades.
3) Elaboração de níveis evolutivos de certificação diferenciados de acordo com o porte das empresas: A
presente experiência poderia contribuir, tanto para definir os critérios de diferenciação do porte, como para
estabelecer diferentes níveis de complexidade dos itens da norma para as empresas de menor porte.
Dessa forma as pequenas empresas teriam um nível de certificação A adaptável à realidade delas.
As constatações e conclusões do presente trabalho permitem que sejam feitas mais
sugestões que contribuam para a melhoria do PBQP-H, desde novos critérios de conformidade para
as consultorias até pormenores técnicos em requisitos específicos da norma. Entretanto, seriam
necessários mais tempo e recursos para um maior aprofundamento no tema. Fica assim evidenciada
a necessidade do desenvolvimento de mais pesquisas que venham contribuir para o aprimoramento
das propostas apresentadas e para a melhoria continua da qualidade na gestão de um setor de
128
relevante representatividade na economia nacional e ainda carente em pesquisas sobre o presente
tema. Ressalta-se a necessidade de se aplicar o método utilizado neste trabalho, em outras
localidades e com amostras de maior representatividade, no intuito de evoluir a ferramenta,
comparar os resultados, aprimorar as sugestões e propor novas ações.
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131
COMPARAÇÃO ENTRE
ESTRUTURA DE CAPITAL
E NÍVEL DE GOVERNANÇA
THAÍS CRISTINE RIPKA
Mestranda em Contabilidade (UFPR)
LUIZ FERNANDO BERBETZ MARTINS
Mestrando em Contabilidade (UFPR)
ANA PAULA MUSSI SZABO CHEROBIM
Doutora e professora do Mestrado em Contabilidade – UFPR
132
RESUMO
Com vistas a minorar os efeitos da falta de transparência, a BMF&Bovespa lançou níveis
diferenciados de governança corporativa e incentiva que empresas adentrem a maiores níveis.
Neste estudo, pressupoem-se que empresas com melhores práticas de transparência obtêm
recursos de terceiros mais facilmente e a taxas de juros menores, gerando maior endividamento.
Objetivo: investigar se o nível de endividamento das empresas participantes do nível Novo Mercado
é maior em comparação às demais empresas listadas em Bolsa. Metodologia: a amostra foi
composta de 314 empresas e destas 88 estão inseridas no Novo Mercado. A base de dados
econômico-financeiros foi constituída a partir do Economática, para o período de 2002 a 2009. Tevese como principal indicador de endividamento a estrutura de capital. As técnicas empregadas foram
análise gráfica por boxplot e comparação entre médias pelo teste t. Resultados: a análise gráfica não
demonstra aumento de endividamento a partir do indicador de endividamento utilizado, já que este
decresce de 24% (2002) para 17% (2009) para 1º quartil e de 70% para 49 para a mediana e quartil.
Conclusão: a análise do nível de endividamento como realizada nesta pesquisa, não permite afirmar
que as empresas com maior nível de governança apresentam maior nível de endividamento.
Palavras-chave: BMF&Bovespa, níveis de governança, endividamento.
ABSTRACT
In order to alleviate the effects of lack of transparency, BMF& Bovespa launched levels of corporate
governance and encourages companies to enter into the higher levels. In this study, it is assumed
that companies with best practices of transparency obtain third-party resources more easily and at
lower interest rates, generating more debt. Objective: To investigate whether the level of
indebtedness of the companies participating in the New Market level is higher compared to other
companies listed on the Stock Exchange. Methodology: The sample consisted of 314 companies and
88 of these are located in New Market. The basis of economic and financial data was obtained from
the Economática for the period 2002 to 2009. Had to be the main indicator of the debt capital
structure. The techniques were employed by boxplot graphical analysis and comparison between
means by t test Results: The graphical analysis shows no increase in debt from the debt indicator
used, as it decreases from 24% (2002) to 17% (2009) for the first quartile and 70% to 49 for the
median and quartile. Conclusion: The analysis of the level of indebtedness as performed in this
research did not show that firms with higher levels of governance have a higher level of
indebtedness.
Keywords: BMF & Bovespa, levels of governance, indebtedness.
133
1 INTRODUÇÃO
Com vistas a minorar os efeitos perversos da falta de transparência, a Bovespa lançou, em
2001, os níveis diferenciados de governança corporativa entre as empresas listadas e vem
fortalecendo os incentivos para que as empresas adentrem a mais elevados níveis de governança.
Os escândalos financeiros de empresas como Amro e Banco Behrings e a crise financeira mundial
que, entre outros destaques, mostrou a fragilidade da contabilização de operações financeiras,
corroboram o estudo do tema. Por outro lado, a questão da estrutura de capital é discussão antiga
na academia e nas empresas, porquanto não se tem ainda consenso quanto à existência ou não de
uma estrutura ótima de capital para as empresas. Ou seja, não se sabe qual o melhor nível de
endividamento para as empresas.
Este artigo apresenta as primeiras conclusões de uma pesquisa que se insere nesse contexto
e tem por objetivo investigar se o nível de endividamento das empresas participantes do nível de
governança no novo mercado é maior em comparação às demais empresas listadas em bolsa. O
pressuposto é que as empresas com melhores práticas de transparència conseguem obter recursos
de terceiros mais facilmente e a taxas de juros menores, o que as levaria a maior nível de
endividamento.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O embasamento conceitual necessário para a investigação científica do tema exige a
compreensão das teorias de estrutura de capital e endividamento e a conceituação de governança
corporativa.
2.1 ESTRUTURA DE CAPITAL
As decisões de financiamento estão relacionadas ao estudo da estrutura de capital das
empresas, o qual, segundo Cherobim (2008), está diretamente relacionado às fontes de
financiamento da empresa, que se dividem em dois grandes grupos: o capital próprio, representado
pelos recursos que os acionistas aplicaram na empresa, e o capital de terceiros, que é constituído
por diferentes formas de endividamento de longo prazo.
Damodaran (2002) explica a diferença fundamental entre dívida (capital de terceiros) e ação
(capital próprio): aquela confere ao portador direitos sobre um conjunto controlado de fluxos de caixa
(normalmente juros e pagamentos do principal), enquanto a segunda confere ao portador direitos
sobre quaisquer fluxos de caixa residuais depois de terem sido cumpridos todos os demais
compromissos.
Para Copeland, Weston e Shastri (2005), detentores de títulos de dívida (capital de terceiros)
são investidores que abrem mão de dinheiro no presente pela promessa de pagamentos futuros, que
englobam valor principal e juros. Já os investidores em patrimônio líquido (capital próprio), abrem
mão de seu capital pela expectativa de ganhos futuros, condicionados à geração de riqueza pela
empresa. Além desses, ainda existe um terceiro tipo de título, denominado híbrido, que possui
alguma característica de dívida (capital de terceiros) e alguma característica de ação (capital próprio)
– por exemplo, as ações preferenciais.
As discussões sobre a otimização ou não da estrutura de capital de uma empresa permeiam
por décadas a área de finanças. As teorias mais difundidas são: (1) teoria da irrelevância da
estrutura de capital, (2) teoria da estrutura ótima de capital e (3) teoria da hierarquia – pecking order.
A teoria da irrelevância da estrutura de capital foi primeiramente apresentada, em 1958, por Franco
Modigliani e Merton Miller (MM). Cherobim (2008) afirma que a maior importância dessa teoria está
no pioneirismo em utilizar o método científico para analisar a composição de capital das empresas,
até então estudada por meios descritivos.
Em contraposição aos trabalhos de MM, DeAngelo e Masulis (1980) demonstram que o
teorema da irrelevância apresentado é extremamente sensível à realidade e a pequenas
134
modificações nos parâmetros, como inclusão de custos de falência, de monitoramento ou alteração
nas premissas de tributação. Em seu modelo, DeAngelo e Masulis (1980) inferem que existe uma
estrutura ótima de capital para cada empresa em cenário de equilíbrio de mercado. A teoria
apresentada também é encontrada na literatura como teoria do trade off. Conforme explicam
Bradley, Jarrell e Kim (1984), a estrutura ótima de capital de uma empresa envolve a troca entre as
vantagens tributárias obtidas na tomada de crédito e os vários custos relacionados ao impulso, como
o de falência e de agência.
Segundo Damodaran (2002), se a decisão sobre financiamento envolve uma opção entre as
vantagens e os custos da dívida, os benefícios marginais serão compensados precisamente pelos
custos marginais somente em casos excepcionais. Na maioria das vezes, uma das variáveis será
maior do que a outra. Dessa maneira, existe uma estrutura ótima de capital na qual o valor da
empresa é maximizado.
Os precursores da terceira teoria, a da hierarquia, foram Myers e Majluf (1984) e Myers
(1984). Para eles, os executivos detêm mais informações sobre a empresa do que investidores
externos (assimetria informacional). Para os autores, as empresas não tomam decisões para atingir
a estrutura ótima de capital, a fim de maximizar o valor da empresa.
É mais interessante reaplicar os lucros da empresa nos novos projetos do que fazer novas
captações junto a acionistas. A divulgação é trabalhosa e tem custos, além de municiar a
concorrência com informações sobre produtos a serem lançados, sobre novas tecnologias e sobre
detalhes do planejamento. (CHEROBIM, 2008).
De acordo com Damodaran (2002), essa teoria reconhece que as empresas seguem uma
hierarquia de financiamento: lucros acumulados é a opção preferida para financiamento, seguida de
dívida, novas ações ordinárias e novas ações preferenciais. Os administradores dão valor à
flexibilidade e ao controle. Financiamentos externos reduzem a flexibilidade de uma empresa, e
novas ações e contratos de dívida fazem com que os controladores percam controle por conta de
eventual diminuição de sua participação no capital total e também por cláusulas contratuais,
respectivamente.
O arcabouço teórico da pesquisa que originou este artigo não pressupõe superioridade de
uma ou de outra teoria da estrutura de capital. Utiliza a estrutura de capital de cada uma das
empresas pesquisadas para estabelecer seu grau de endividamento, permitindo a relação com os
níveis de governança em que essas empresas estão listadas.
2.2 GOVERNANÇA CORPORATIVA
Governança corporativa para o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)
[...] são as práticas e os relacionamentos entre os Acionistas/Cotistas, Conselho de Administração,
Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da
empresa e facilitar o acesso ao capital.”
Além disso, a expressão é utilizada para abranger os
[...] assuntos relativos ao poder de controle e direção de uma empresa, bem como as diferentes
formas e esferas de seu exercício e os diversos interesses que, de alguma forma, estão ligados à
vida das sociedades comerciais. (IBGC, 2003).
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em sua cartilha de recomendações sobre
governança corporativa (2003: 1), a conceitua como
[...] o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao
proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o
acesso ao capital. A análise das práticas de Governança Corporativa aplicada ao mercado de
capitais envolve, principalmente: transparência, equidade de tratamento dos acionistas e prestação
de contas.
135
As empresas brasileiras de capital aberto estão sujeitas à classificação de suas práticas de
governança em níveis diferenciados estabelecidos pela então Bovespa, em 2001. As empresas com
melhores práticas de governança estão listadas no novo mercado, seguidas pelas empresas de nível
2, nível 1 e mercado geral, estas obedecendo apenas aos requisitos legais de transparência, para
manterem suas ações listadas em bolsa.
O novo mercado é um segmento do mercado acionário destinado à negociação de ações
emitidas por empresas que se comprometem, voluntariamente, com a adoção de práticas de
governança corporativa e disclosure adicionais em relação ao que é exigido pela legislação. A
premissa básica do novo mercado é de que a valorização e a liquidez das ações de um mercado são
influenciadas positivamente pelo grau de segurança que os direitos concedidos aos acionistas
oferecem e pela qualidade das informações prestadas pelas empresas (BM&FBOVESPA, 2004).
A BM&FBovespa estabelece que a principal inovação do novo mercado, em relação à
legislação, é a proibição da emissão de ações preferenciais. Todavia, essa não é a única.
Resumidamente, a companhia aberta participante do novo mercado tem como obrigações
adicionais:
a) realização de ofertas públicas de colocação de ações por meio de mecanismos que
favoreçam a dispersão do capital;
b) manutenção em circulação de uma parcela mínima de ações, representando 25% do
capital;
c) extensão a todos os acionistas das mesmas condições obtidas pelos controladores quando
da venda do controle da companhia – tag along;
d) estabelecimento de um mandato unificado de um ano para todo o Conselho de
Administração;
e) disponibilidade de balanço anual, seguindo as normas internacionais de contabilidade;
f) introdução de melhorias nas informações prestadas trimestralmente, entre as quais a
exigência de consolidação e de revisão especial;
g) obrigatoriedade da realização de uma oferta de compra de todas as ações em circulação
pelo valor econômico, nas hipóteses de fechamento do capital ou cancelamento do
registro de negociação no novo mercado;
h) cumprimento de regras de disclosure em negociações envolvendo ativos de emissão da
companhia por parte de acionistas controladores ou administradores da empresa.
As boas práticas de governança não se exaurem nas exigências da BMF&Bovespa. Padrões
internacionais e exigências específicas de grupos de acionistas podem levar a empresa a dar maior
visibilidade às suas decisões e resultados. Tendo em vista a dificuldade em mapear a diversidade
dessas práticas, a pesquisa que originou este artigo limitou-se a estabelecer como pressuposto que
as empresas listadas no novo mercado são as de melhores práticas de governança.
3 METODOLOGIA
A abordagem metodológica da pesquisa que originou este artigo é quantitativa, a análise é
descritiva e o corte é longitudinal. A população é formada por todas as empresas listadas na
BM&FBovespa e a amostra inicial foi composta de empresas listadas no sítio da BM&Bovespa,
totalizando 547. Dessas, inicialmente foram desconsideradas 165 empresas por não possuírem
informações no banco de dados do software de coleta utilizado e ainda outras 68 pertencentes ao
setor financeiro, dadas as especificidades do setor.
A amostra final é composta de 314 empresas, das quais 88 estão inseridas no novo mercado,
conforme figura 1. As demais, 226 empresas, ou estão classificadas como nível 1, 2, Balcão
Organizado, Bovespa Mais, BDR nível 3 ou não apresentam classificação conforme coleta de dados
realizada na BM&FBovespa.
136
FIGURA 1 – COMPOSIÇÃO DA AMOSTRA
Com relação aos dados econômico-financeiros, a base de dados foi constituída com
fundamento em Economática, software especializado em informações para o mercado de capitais. O
principal indicador de endividamento, utilizado na análise foi a estrutura de capital, calculada da
seguinte maneira: exigível de longo prazo/(exigível lp + patrimônio líquido). O banco de dados
Economática também apresenta esse indicador calculado com base no valor de mercado, mas pelas
discrepâncias verificadas e pela própria vulnerabilidade do preço da ação que determina este valor,
tal procedimento não foi utilizado.
O período de tempo da análise foi de 2002 a 2009, e as informações de 2002 a 2008 são
referentes a 31/12 do ano em questão, enquanto a informação de 2009 advém do ITR3.
A análise dos dados se deu pelo boxplot, gráfico que possibilita representar a distribuição de um
conjunto de dados com base em alguns de seus parâmetros descritivos: a mediana (q2), o quartil
inferior (q1), o quartil superior (q3) e intervalo interquartil (IQR = q3 - q1).
A análise primeiramente ocorreu comparando-se o gráfico boxplot de endividamento das
empresas pertencentes ao novo mercado com as não pertencentes ao novo mercado. Já para a
segunda medida de comparação, avaliou-se somente o segmento de construção das empresas
pertencentes ao novo mercado com o mesmo setor das empresas não pertencentes. Esse setor
específico foi selecionado pela elevada concentração de empresas no total da amostra e também
por possuir representatividade nos dois grupos pesquisados. Como comparação final, confrontou-se
o segmento de construção, que pode ser tomado como segmento tradicional, com os segmentos de
tecnologia de informação e telecomunicações, que, por sua vez, podem ser tidos como segmentos
contemporâneos.
Na primeira análise, foram excluídas duas empresas do total de 88 participantes do novo
mercado, pois elas apresentavam níveis de endividamento fora dos padrões da amostra (outliers) e
também foram desconsideradas 60 das 226 empresas não participantes do novo mercado, pelo
mesmo motivo. Já para a segunda análise, foram desconsideradas três empresas do total de 24
participantes do novo mercado e do setor de construção e outras 4 das 12 não participantes do novo
mercado desse mesmo setor. No caso do setor de TI e telecomunicações, das 21 empresas listadas,
6 participam do novo mercado e 15 estão fora dele. Os mesmos parâmetros de inclusão na amostra
foram considerados; expurgando-se os outliers, têm-se respectivamente, para as comparações
finais, 2 e 14 empresas.
A fim de ampliar a robustez da análise, aplicou-se estatística inferencial pelo software
estatístico SPSS, utilizando-se o teste paramétrico t de Student para amostras independentes, com o
objetivo de comparar a variação das médias entre os diferentes grupos, sendo adotado como
parâmetro p <0,05. Um dos grupos foi constituído pelas empresas participantes do novo mercado e
outro grupo pelas demais empresas. No caso desse teste, utilizaram-se dados de 2009 e optou-se
por manter as empresas cujo balanço se apresenta positivo, assegurando a normalidade da
137
amostra, a qual foi atestada pelo teste Kolmogorov-Smirnov. Totalizaram-se 85 as empresas
pertencentes do novo mercado (grupo 1) e 163 demais empresas (grupo 2).
4 ANÁLISE DOS DADOS
O nível de endividamento é considerado na forma do porcentual da estrutura de capital
composta de endividamento de longo prazo. A técnica do boxplot permitiu segmentar as empresas,
conforme o nível de endividamento em quatro grupos, das menos endividadas às mais endividadas.
O nível de endividamento das empresas participantes do novo mercado apresenta queda no período
de análise, a começar pelo 1º quartil (25% do total), que vai de 24% em 2002 para 17% em 2009. A
tendência permanece a mesma para as empresas que constituem a mediana e quartil superior (50%
do total). Nessas, o ínterim de endividamento apresentava-se nos níveis de 25% a 70% em 2002,
passando para, no máximo, 49% em 2009. No ano de 2008, mesmo com a interrupção da tendência
de queda verificada desde 2002, o endividamento é bem mais baixo, se comparado a 2002 (54%
versus 70%).
A análise das empresas participantes do novo mercado perante as que não participam é que,
enquanto aquelas apresentam tendência de queda, estas mantêm o nível de endividamento, já que
75% do total apresentam nível máximo de 56% em 2009 diante de 60% em 2002.
FIGURA 2 – NÍVEL DE ENDIVIDAMENTO PARTICIPANTES DO NOVO MERCADO
138
FIGURA 3 – NÍVEL DE ENDIVIDAMENTO NÃO PARTICIPANTES DO NOVO MERCADO
A verificação de queda no nível de endividamento das empresas participantes do novo
mercado não corrobora a ideia de essas empresas serem favorecidas com melhores taxas de juros,
o que levaria a opção por mais endividamento, haja vista maior nível de transparência. De outra
forma, não é possível afirmar que haja relação entre o grau de impulso de uma empresa com seu
nível de governança.
Para aproximadamente 25 empresas, representando pouco mais que 10% em 2009, que não
fazem parte do novo mercado, o indicador de estrutura de capital resulta negativo porque o total de
PL mais exigível de longo prazo é menor que o exigível de longo prazo, porque essas empresas vêm
tendo prejuízo em montante superior a seu capital social.
De acordo com classificação de segmento, proposta pela BMF&Bovespa, do total de 88
empresas pertencentes ao novo mercado, 27,3%, ou 24 empresas, são do setor de construção,
9,1% do setor de alimentos processados e 8,0% da área de saúde. Já para o grupo de 226
empresas que não participam do novo mercado, o segmento de energia elétrica tem 15,9% das
empresas, seguido por tecidos, vestuários e calçados com 11,1%, e o grupo de construção aparece
na sexta colocação com 5,3% ou 12 empresas.
Utilizou-se setor especifico para uma nova comparação, pois o mix de participação dos
segmentos existentes nas duas amostras é diferente, podendo distorcer a análise dos resultados, já
que cada segmento possui características específicas na captação de recursos. As figuras 4 e 5
mostram os resultados das análises boxplot do endividamento das empresas nos anos de 2007,
2008 e 2009.
139
FIGURA 4 – NÍVEL DE ENDIVIDAMENTO PARTICIPANTES DO NOVO MERCADO – SETOR
CONSTRUÇÃO
FIGURA 5 – NÍVEL DE ENDIVIDAMENTO NÃO PARTICIPANTE DO NOVO MERCADO – SETOR
CONSTRUÇÃO
Mesmo utilizando somente um setor específico para eliminar o possível viés do mix de
participação entre segmentos, não é conclusiva a análise de que as empresas de construção do
novo mercado são mais impulsionadas que as empresas não pertencentes a esse mercado por
causa do maior nível de governança.
140
Quando se analisam os anos de 2007 e 2008, no todo, as participantes do novo mercado
apresentam nível de endividamento mais elevado; porém, em 75% do todo, essas não apresentam
grande diferenciação diante de não participantes, chegando, inclusive, a apresentar menor
endividamento.
Na comparação entre segmentos, construção versus TI e telecomunicações, no caso das não
participantes do novo mercado, observa-se maior endividamento no conjunto das empresas que
constituem 75% do todo em níveis e 5 a 10 p.p.
Cabe destacar que, nos anos de 2007 e 2008, as empresas no quartil superior no setor de TI
e telecomunicações estavam com nível de endividamento bem acima do setor em comparação (setor
de construção), o que poderia ser reflexo da expansão dos segmentos. A comparação das
participantes do novo mercado para o setor de TI e telecomunicações ficou comprometida pela
reduzida quantidade de empresas.
FIGURA 6 – NÍVEL DE ENDIVIDAMENTO NÃO PARTICIPANTES DO NOVO MERCADO – SETOR
TECNOLOGICA DA INFORMAÇÃO E TELECOMUNICAÇÕES
No que tange ao resultado do teste t: para o grupo 1 (G1) obteve-se um total de 85 empresas
com porcentual médio ± desvio-padrão de 34,98 ± 2,35 pontos porcentuais quanto ao indicador de
endividamento utilizado neste estudo (exigível de longo prazo/exigível lp + patrimônio líquido). As
empresas do grupo 2 (G2) totalizaram um n de 163 empresas com média ± desvio-padrão de 40,48
± 2,00%. Apesar de uma maior média para as empresas do G2, não foi constatada diferença
estatística quando comparadas ao G1, sendo p = 0,077.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do nível de endividamento, da maneira como foi realizada nesta pesquisa, não
permite afirmar que as empresas com maior nível de governança apresentam maior nível de
endividamento. Mesmo considerando as especificidades setoriais, ao analisar o endividamento das
empresas listadas em um setor mais tradicional como o de construção, também não se pode concluir
que as empresas de construção do novo mercado são mais impulsionadas que as empresas não
pertencentes a esse mercado, em função do maior nível de governança.
No caso do setor de tecnologia de informação e telecomunicações, as empresas mais
contemporâneas e em fase de crescimento apresentam-se com maior nível de endividamento
141
perante o de construção. Contudo, pela limitação na quantidade de empresas não foi possível
comparar o nível de endividamento entre empresas participantes do novo mercado e as não
participantes.
Podem ser agregadas novas análises que considerem a capacidade de captação de recursos
próprios no período, cotejadas ao nível de taxas de juros praticados no mercado e no setor em
estudo.
REFERÊNCIAS
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and evidence. The Journal of Finance, v. 39, n. 3, p. 857-878, 1984. Disponível em:
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information that investors do not have. Journal of Financial Economics, Amsterdam: North Holland,
v. 13, jul. 1984.
142
143
PLANEJAMENTO A LONGO PRAZO:
PARADIGMAS DA COMPOSIÇÃO DOS
PLANOS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL
FERNANDO SIMAS
Arquiteto e urbanista
Mestrando em Organizações e Desenvolvimento, da FAE
[email protected]
NILSON CESAR FRAGA
Geógrafo,
Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR, Professor no Programa de Mestrado em
Organizações e Desenvolvimento, da FAE, e de Geografia, da UFPR
[email protected]
144
RESUMO
O presente trabalho é uma investigação sobre os planos e as teorias para o desenvolvimento local,
guiado pela real necessidade do processo de endogenização das características e da incorporação
das externalidades do mundo globalizado. Sugerindo a necessidade de formalização dos aspectos
metodológicos de uma dinâmica variável de demandas a incorporar aos planos de desenvolvimento
e as ações das políticas públicas, propõe uma reflexão sobre modelos prontos de fácil interpretação,
mas com resultados abaixo do projetado. Com uma breve análise do modelo de colonização da
imigração alemã na cidade de Blumenau, apresenta dados sobre o determinismo de modelos
prontos.
Palavras-chave: desenvolvimento regional e local, modelos endógenos, políticas públicas,
Blumenau, imigração alemã.
ABSTRACT
The present work is an investigation on the plans and theories for the local development, guided for
the real necessity to process the endogenous of the local features and the incorporation the
externalities of the globalized world. Suggesting the necessity of formalization the methodological
aspects of a variable dynamics that demands to incorporating the development plans and the action
of public policy, also propose a reflection to the ready models of easy interpretation but with results
under the projected. With soon analysis of the settling model of german immigration in the city of
Blumenau, presents given on the determinism of ready models.
Keywords: regional and local development, endogenous development models, public politics,
Blumenau, german immigration.
145
1 INTRODUÇÃO
Muito se discute sobre um desenvolvimento local sustentável, pois a importação de modelos
prontos, ou mal traduzidos, inviabilizam o processo de planejamento em longo prazo, já que não
aborda as questões mais determinantes de um desenvolvimento contínuo. Contudo, a criação do
processo de desenvolvimento em um plano totalmente local é de custo tecnológico e cientifico alto.
Para tanto, são necessários alguns questionamentos, entre os quais o melhor caminho a seguir;
compreender os problemas de planejamento de países semelhantes, suas soluções e efeitos (bons
ou ruins); um acompanhamento dos caminhos de pesquisa dos países desenvolvidos para conceber
um plano de desenvolvimento ou a busca incerta por um novo modelo que endogenize as
necessidades locais.
Os aspectos metodológicos da opção por modelos para o desenvolvimento representam uma
clara opção por sistemas lineares e de aplicação por uma dinâmica vertical. A metodologia
horizontal, em rede, dentro de um processo de localização, com uma grande complexidade de
processos e da dinâmica em determinados espaços, dificulta sua incorporação às formas tradicionais
de instituições, entre elas o Estado. Mas a auto-organização dentro de um processo endógeno pode
ser a forma constituinte ideal para um modelo aberto de desenvolvimento local sustentável, em que
importantes questões estão ainda em solidificação na agenda global, como a preservação do meio
ambiente e a redução do impacto na dinâmica climática do planeta. As teorias estáticas, no entanto,
sempre apresentaram formas atraentes e consistentes, por isso há necessidade de formalizar os
aspectos metodológicos de um planejamento endógeno, com mecanismos de autorreforço interno e
adaptação (e incorporação) das externalidades.1
O que incentiva essa investigação são as alternativas que os países em desenvolvimento
possuem de encontrar novos modelos de desenvolvimento regional e local, com soluções
inovadoras, que incorporem os atuais fenômenos econômicos, sociais e ambientais, constituindo-se,
assim, não só em um grande desafio, mas também em uma grande oportunidade para os países em
desenvolvimento.
O artigo em questão apresenta uma base teórica sobre modelos de desenvolvimento, seus
paradigmas e a determinação das fontes dos aspectos endógenos. Em seguida, introduz ao leitor as
ideias que justificam essa abordagem, principalmente as sugeridas por Myrdal, de abolir padrões de
colônia aos países em desenvolvimento. Ideia também compartilhada pelo físico Fritjof Capra (1982,
p. 217), quando cita Henderson: “Eles nos falam de atraentes iguarias e roupas, mas esquecem de
mencionar a perda de belos rios e lagos.” Alerta para os perigos do desenvolvimento sem limites e a
necessidade de incorporar novas expectativas e valores para a vida humana. E, por fim, apresenta o
modelo de ocupação da cidade de Blumenau, exemplificando os moldes de desenvolvimento
exógeno e endógeno, discutindo as características envolvidas nessa questão. Encerra verificando os
pontos de convergência nos conceitos de desenvolvimento endógeno.
2 PLANEJAMENTO E SEUS MODELOS
O planejamento requer um conhecimento profundo da realidade em que se está inserido para
prever os acontecimentos. Assim, para facilitar o processo de planejamento, limitar o campo de
investigação ao simples “processo econômico nuclear”, sempre foi uma alternativa para os modelos
de desenvolvimento. Furtam-se a questão ética da distribuição dos poderes, a questão ambiental do
consumo dos recursos naturais e a qualidade dos cidadãos à margem desse desenvolvimento.
A natureza é o corpo inorgânico do homem – isto é, a natureza, na medida em que ela própria não é
o corpo humano. “O homem vive na natureza” significa que a natureza é seu corpo, com o qual ele
deve permanecer em contínuo intercurso se não quiser morrer. (MARX, 1844, p. 58 apud CAPRA,
1982, 205)
1
Podem-se considerar como externalidades os efeitos positivos ou negativos gerados por um agente econômico, os quais
atingem os demais agentes, sem que estes tenham oportunidades de impedi-los ou a obrigação de pagá-los. É o impacto
de uma decisão sobre aqueles que não participam dessa decisão (COASE, 1937).
146
A mudança do mundo, a globalização e as alterações de fluxos de capitais levam as
economias a se voltarem de maneira exacerbada para o exterior e a não se prender à terra, uma vez
que as prende a realidade. Assim, torna-se cada vez mais necessário entender a realidade local e a
natureza que cerca as instituições, para criar modelos adaptados a essa realidade, considerando-se
sua frequência de alterações naturais e artificiais.
Modelos e teorias, marxistas e não marxistas – ainda estão profundamente enraizados no
paradigma cartesiano e, por conseguinte, são inadequados para descrever o sistema econômico
global de hoje, estreitamente interligado e em contínua mudança. (CAPRA, 1982, p. 204).
Deixar o encontro com a realidade, quando se propõem conceitos que devem ser convertidos
em projetos, em planejamento, em manuais e principalmente em leis, garante a frustração de quem
imaginou nessas ações uma oportunidade de solução para os problemas reais e a renovação de
valores desatualizados.
[...] o crescimento econômico e tecnológico é considerado essencial por virtualmente todos os
economistas e políticos, embora nesta altura dos acontecimentos já devesse estar bastante claro
que a expansão ilimitada num meio ambiente finito só pode levar ao desastre. (Ibid., 1982, p. 204).
A importação de modelos prontos dos países desenvolvidos parte do princípio de que, se as
ações planejadas foram bem-sucedidas nestes, serão igualmente eficientes para realidades
distintas. Assim, a falta de interpretação da realidade heterogênea que a sociedade constitui
desrespeita as individualidades e particularidades que compõem uma sociedade local. Portanto, o
que pode ser gratificante e adequado para determinada sociedade pode não se enquadrar nos
anseios de outras sociedade, que, sem aderência, perdem o sentido de ação para quem as
executará.
[...] está relacionada com as noções newtonianas de espaço e tempo absolutos e infinitos. É um
reflexo do pensamento linear, da crença errônea em que, se algo é bom para um individuo ou um
grupo, então, quanto mais desse algo houver melhor será [...] a abordagem competitiva e
autoafirmativa da atividade econômica é parte do legado do individualismo atomístico de John
Locke; na América, ela era vital para o pequeno grupo dos primeiros colonos e exploradores, mas
agora se tornou prejudicial, incapaz de lidar com a intricada teia de relações sociais e ecológicas
características das economias maduras. (Ibid., 1982, p. 205).
O crescimento é a meta de todos os povos e está enraizada nas instituições de maneira a
promover o crescimento.
Como a estrutura conceitual da economia é inadequada para explicar os custos sociais e ambientais
gerados por toda a atividade econômica, os economistas tendem a ignorar esses custos, rotulandoos de variáveis “externas” que não se ajustam a seus modelos teóricos. E como a maioria dos
economistas são empregados por grupos de interesse privados para preparar análises de
custo/lucro que são, na maior parte dos casos, fortemente inclinadas a favor dos programas de seus
empregadores, existem pouquíssimos dados sobre “externalidades”, mesmo aquelas que são
facilmente quantificáveis. (Ibid., 1982, p. 217).
Um interessante posicionamento sobre as externalidades e suas consequências no
planejamento, ou sua ausência nos modelos de desenvolvimento, é a falta da aderência percebida
nas teorias que moldam as características das variáveis compositivas de um modelo teórico.
A segunda maior causa de inflação são os custos sociais sempre crescentes engendrados pelo
crescimento não-diferenciado. Em suas tentativas de maximização de seus lucros, indivíduos,
companhias e instituições procuraram “externalizar” todos os custos sociais e ambientais; tentam
excluí-los de seus próprios balancetes e empurrá-los para diante, passando-os de uns para outros
dentro do sistema, para o meio ambiente e para as gerações futuras. Gradualmente, esses custos
acumulam-se e manifestam-se como custos de ações judiciais, controle do crime, coordenação
burocrática, regulamentação federal, proteção ao consumidor, assistência medica, etc. Nenhuma
dessas atividades acrescenta seja o que for à produção real; todas elas contribuem
significativamente para aumentar a inflação. (Ibid., 1982, p. 219).
147
Os custos de transação envolvidos nesse caso são considerados como “[...] distintas formas
de institucionalidade na medida em que os resultados das ações e decisões dependem de eventos
futuros que não podem ser de maneira probabilística.” (PONDÉ, 1994, p. 3).
Williamson (1993) desenvolveu uma teoria pela qual as instituições permitem organizar
decisões e condutas adaptativas e sequenciais, sendo os agentes econômicos tomadores de
decisões inseridos em uma rede de relações mútuas recorrentes. Williamson afirma ainda que os
custos de transação ex ante estão presentes com maior intensidade em situações em que é difícil
estabelecer as precondições para que a transação em foco seja efetuada de acordo com parâmetros
planejados. Essa situação é muito comum nas instituições públicas com novas demandas,
remanescendo a finalização de importantes ações anteriormente planejadas. Mesmo os órgãos
governamentais que controlam e avaliam as ações de planejamento acabam por criar externalidades
ao processo. Os custos ex post se referem à adaptação de relação a novas circunstâncias. Esses
custos podem assumir, segundo Williamson, quatro formas: custos de má adaptação, custos de
negociar e corrigir o desempenho das transações, custos para manter estruturas de gestão das
transações e custos com garantias para efetuar comprometimentos.
A internalização em estruturas hierárquicas requer a criação de incentivos alternativos – na
função de sancionar, punir ou premiar a conduta dos agentes – e mecanismos de controle para
coordenar a interação das distintas atividades envolvidas, em um ajuste ao ambiente em constante
transformação. Essa busca, por economizar os custos de transação, não pode representar um
repasse de custos entre os envolvidos, mas uma forma de minimizá-los. A redução a zero, proposta
por Coase, como forma de avaliação das instituições pode ser uma forma de análise, entretanto uma
forma de compreender essa necessidade de criar uma gestão dinâmica local que não aumente
custos para adaptações e interações ambientais.
Nesse contexto, surge a discussão dos vínculos entre lucros privados e custos públicos e a
real atribuição das instituições públicas. De acordo com Leo Kissler, professor de Sociologia Política
das universidades de Hagen e de Marburg, na Alemanha,
[...] quanto mais o setor industrial ostenta seu potencial destrutivo contra as pessoas e a natureza,
tanto mais o setor público se dedica ao desenvolvimento das ações sociais necessárias à reparação
dos danos.
A eficiência de uma companhia é medida em termos de lucros, mas, como esses lucros estão
sendo obtidos cada vez mais à custa do povo, temos que perguntar: “Eficientes para quem?”
Quando os economistas falam em eficiência, referem-se à eficiência em nível individual, da
companhia, social ou em nível do ecossistema? (CAPRA, 1982 p. 220).
A reavaliação da economia não é uma tarefa meramente intelectual, mas deverá envolver profundas
mudanças em nosso sistema de valores. A própria ideia de riqueza, que é central para a economia,
está inextricavelmente ligada às expectativas, valores e estilos de vida humanos. Definir riqueza
dentro de um contexto ecológico significará transcender suas atuais conotações de acumulação
material e conferir-lhe o sentido mais amplo de enriquecimento humano. (Ibid., 1982, p. 222).
Quando se pensa em um modelo, podem ser encontrados modelos incríveis, com propostas
revolucionárias, que rompem com um padrão da sociedade. Esse é um outro aspecto dos planos
que não precisam ser excepcionais, inovando e rompendo gratuitamente com um movimento
anterior. Os grandes movimentos das artes – a ruptura de um modelo eclético para uma linguagem
moderna – vieram atender a uma demanda de consumo que precisava garantir moradias para uma
grande população ascendente, transporte e tecnologia para uma demanda cada vez maior de
recursos. E até a arte deveria ser democratizada, representando o movimento (o fluxo dessa época).
Mas os modelos podem ser tradicionais e conservadores, caso não haja uma demanda para romper
com esse movimento. Essa demanda pode ser denominada crise.
Portanto, em alguns momentos precisamos romper com o movimento anterior, todavia, em
outros, precisamos agregar e construir a realidade com ações que estabilizem o movimento (os
fluxos). Nesse processo ações entrópicas, internas ao movimento, conduzem a uma força por seu
processo de repetição.
148
O alto valor espiritual atribuído ao trabalho entrópico nessas tradições provém de uma profunda
consciência ecológica. Executar um trabalho que tem de ser feito repetidamente ajuda-nos a
reconhecer os ciclos naturais de crescimento e declínio, de nascimento e morte, e a adquirir,
portanto, consciência da ordem dinâmica do universo. O trabalho ‘ordinário’, como o significado
radical da palavra indica, está em harmonia com a ordem que percebemos no meio ambiente. (Ibid.,
1982, p. 224).
A crise ambiental que vivemos deveria levar a uma ruptura do ciclo capitalistas, com novos
valores para construir modelos que se adequem a essa nova agenda do desenvolvimento. Não
podemos virar as costas para os problemas latentes que o planeta tem a resolver e assim, as
externalidades devem ser internalizadas nos nossos modelos de desenvolvimento. Isso trará
reflexos na administração pública, que estará em sintonia com os problemas mas também as
potencialidades do território em que se está inserido, produzindo integração entre solução e ação de
crescimento para o desenvolvimento sustentável. Para tanto, será discutido no próximo item o
processo de endogenização dos problemas locais nos modelos de desenvolvimento.
3 PLANEJAMENTO LOCAL: UM NOVO MODELO
POSSÍVEL?
Durante uma conferência na metade do século XX, no Cairo, Gunnar Myrdal, professor de
Economia da Universidade de Estocolmo e secretário-executivo da Comissão Econômica das
Nações Unidas, falava sobre o papel dos economistas jovens nos países subdesenvolvidos. Pediu
que se abandassem as teorias estruturalmente irrelevantes e inadequadas, mas que se tomassem
como base reflexões sobre elas, bem como os estudos sobre os problemas das realidades em que
vivemos e das necessidades locais. “Isto os conduziria bem além do campo superado da economia
liberal do Ocidente e do marxismo.” (MYRDAL, 1965, p. 156). Essa deve ser a estratégia para um
novo modelo de desenvolvimento, congregando os pontos fracos das nações em desenvolvimento,
criando uma terceira via entre os modelos prontos e os modelos naturalizados (uma estratégia de
vanguarda que permita uma nova política, uma agenda estratégica com a rede de participação da
política local) e formulando o plano para o desenvolvimento. Somente nesse contexto local poderá
ser formulada uma estratégia real, pois, segundo Myrdal (Ibid., p. 153),
[...] a literatura sobre desenvolvimento de países subdesenvolvidos é, até hoje, produzida em sua
quase totalidade nos países adiantados. Felizmente, como um todo, essa literatura carece de
perspectiva teórica, o que constitui uma vantagem enquanto a teoria econômica não se ajustar
melhor ao tratamento dessa questão.
Muitas dessas obras de economia não tomam como ponto de partida os interesses dos
países subdesenvolvidos, mas, consciente ou inconsciente, equacionam os problemas do ângulo
dos interesses políticos nacionais de um dos países adiantados ou de um grupo destes. Tal situação
se tornou muito pior sob o impacto da guerra fria, quando, muitas vezes, os problemas nacionais que
motivaram a analise se reduziram a meros interesses estratégicos no conflito mundial. Ainda nessa
visão, Myrdal observa que as mudanças se iniciaram no desenvolvimento de tecnologias e da
reflexão nas universidades nacionais dos países em desenvolvimento, com teorias econômicas e
sociais que atendam a essa demanda local. As nações em desenvolvimento se tornaram capazes de
exprimir seus desejos e preocupações. “Os problemas econômicos terão de ser, de modo
progressivo, estudados do ponto de vista dos seus interesses.” Esse é também o ponto de vista do
ideal de igualdade, que possui a base de seu conceito no Iluminismo e em uma justiça de igualdade
entre os povos e mais atualmente com a solidariedade intergeracional2. Myrdal ainda argumenta que
teoremas antigos e muito divulgados passem a ser úteis, quando ajustados a uma nova estrutura, e
que parte da humanidade pertencente a esses países “desperte” para essa possibilidade de
desenvolvimento, conduzindo a novas descobertas cientificas.
2
A solidariedade Intergeracional é ato individual ou coletivo com o fim único de preservar determinados recursos materiais
ou naturais para o uso e gozo das gerações futuras.
149
Os modelos criados e desenvolvidos localmente podem ser iniciados pelo Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) na execução do estudo da dimensão territorial, para obter
resultados e propostas para uma abordagem original do território como elemento estratégico para
subsidiar o planejamento governamental de longo prazo – estudo de dimensão territorial como um
levantamento de dados para guiar a ação pública e a resolução dos problemas estruturais de
desenvolvimento em determinados espaços.
4 MODELO DE OCUPAÇÃO DA IMIGRAÇÃO ALEMÃ EM
BLUMENAU
Hermann Bruno Otto Blumenau, alemão nascido em Hasselfelde, em 1819, complementando
seus estudos na cidade de Braunschweig, capital do Ducado de Brunswick, e finalizando sua
aprendizagem em farmácia na cidade de Erfurt, onde foi contratado como diretor de uma fábrica de
produtos químicos. Duas semanas antes de sua primeira viagem ao Brasil, Hermann Blumenau
conquistou o grau de doutor em Filosofia pela Universidade de Erlangen (SILVA, 1995, p. 16). Essa
foi a formação e a rica experiência em cidades desenvolvidas na Europa e depois buscou aplicá-las
nas terras à margem do Rio Itajaí-Açu.
A historiadora Maria Renaux Hering defende, em seu livro Colonização e indústria no vale do
Itajaí: o modelo catarinense de desenvolvimento, a ideia de que existe um “modelo”, enfatizando o
caráter schumpteriano do empresário catarinense, ao encontrar uma teoria do desenvolvimento
econômico com bases étnicas. Isso corresponde a explicar que Blumenau possui um modelo
adaptado do modelo trazido pelos colonizadores.
Já o cientista social Cristiano Lenzi (2000. p. 238), por sua vez, procura desmistificar essa
ideia de um modelo industrial catarinense endógeno:
Segundo Hering (1987) o desenvolvimento em Santa Catarina foi condicionado “[...] por fatores de
ordem interna, obedecendo a uma dinâmica própria”. No entanto, como ela mesma notará, esse
processo estaria associado à uma divisão do trabalho que ocorreu no Estado-nação como um todo.
Segundo ela, a expansão das fábricas passava a integrar a região no processo global da
industrialização do país. [...] para a abordagem de Hering a conclusão de que a industrialização
catarinense é parte não só do “modelo”, mas também o resultado de uma especialização que ocorre
em todo o território nacional, onde o que conta são as potencialidades de cada região para fazer
parte desse processo de desenvolvimento econômico nacional. Por esse fato, seria justo afirmar,
consoante a esse argumento, que toda região “periférica” que conseguisse alcançar um sucesso na
integração na nova economia industrial do país, seria ela um “modelo de desenvolvimento”,
bastando para o cientista social explicitar as potencialidades regionais que viabilizaram essa
integração.
A justificativa de Lenzi, para contrapor a historiadora está, embasada teoricamente em uma
literatura do desenvolvimento regional endógeno, que negligencia a relação do local ou da região
com o todo nacional. Mas é certo que o pesquisador se esqueceu das relações existentes em todo o
território nacional – regras comuns, políticas macroeconômicas e o sistema político administrativo. A
combinação do desenvolvimento regional endógeno com o comportamento do tipo cooperativista da
região/indivíduo em relação ao todo nacional é necessária para “[...] evitar que o bem-estar, para
algumas regiões, signifique o mal-estar para outras regiões.” (AMARAL FILHO, 2001, p. 282).
O economista Paul Singer (1968. p. 86) aborda o “modelo” trazido durante o processo de
colonização alemã – um “modelo” já esgotado na Alemanha e introduzido na Colônia Blumenau com
as mesmas premissas e formato do modelo europeu, deixando marcas estruturais em sua ocupação
territorial e no seu modo produtivo:
As razões que levaram milhões de alemães a emigrar foram basicamente, as mesmas que
induziram irlandeses, italianos e outros povos marginalizados (pelo menos transitoriamente) pelo
processo de industrialização, a adotar atitude idêntica. Qualquer grupo humano em crescimento,
cuja técnica de produção não se desenvolve, acaba esgotando os recursos naturais do território em
que vive. O aumento demográfico tem que, mais cedo ou mais tarde, esbarrar com a disponibilidade
limitada destes recursos, disponibilidade esta que só pode ser ampliada através do uso de técnicas
novas, o que geralmente implica uma mudança do modo de produção vigente. Desta maneira cada
modo de produção estabelece o seu próprio ótimo populacional e, quando o crescimento
150
demográfico ultrapassar este "ótimo", surge um excesso de população, para o qual se coloca o
dilema de encontrar novos recursos (via conquista, colonização, imigração, etc.) ou perecer.
Sob esse enfoque é perceptível que a economia acaba por refletir aquilo que a sociedade
cria, mesmo que inconscientemente. Muitas vezes o comportamento dos atores e dos detentores de
capital é nocivo à própria sustentabilidade deste. O conceito da otimalidade de Pareto propõe que a
utilidade ou bem-estar de qualquer pessoa não se aumenta sem reduzir a utilidade ou o bem estar
de alguma outra. Como em todo a sua obra, o desenvolvimento está ligado à liberdade, nesse caso
a liberdade de discussão pública e de decisões participativas sobre o crescimento demográfico e do
limite recursos naturais de cada território (SEN, 1999. p. 148).
A ascensão da manufatura ocorreu em Blumenau, quando, na Alemanha, artesãos
arruinados pela concorrência das grandes indústrias, em meio a um excedente populacional, vieram,
a partir de 1880, para as colônias, instalar suas atividades de indústria doméstica (ver tabela 1). Mas
a criação de indústrias ocorreu em outras partes do País, inicialmente voltadas para seus respectivos
mercados regionais.
TABELA 1 – FASES DE DESENVOLVIMENTO DA
ECONOMIA REGIONAL (THEIS, 1997)
PERÍODO
século XVII-1880
FASE DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL
da economia de subsistência à economia primário-exportadora
1880-1914
emergência e formação da indústria
1914-1945
ascensão da indústria tradicional
1945-1965
diversificação da indústria e ascensão dos gêneros dinâmicos
1965-1980
aceleração da acumulação de capital e consolidação da indústria
1980-1995
crise da economia regional no contexto da crise econômica brasileira e
gradual perda de importância da indústria tradicional
1995- ...
gradual ascensão de estruturas de acumulação flexível
Fonte; Theis (1997)
Dessa forma, o modelo de desenvolvimento adaptava-se às mudanças globais pela vinda de
mão de obra excedente, sempre em atraso ao que estava em voga e em instalação na Europa. O
que Myrdal observa quanto às políticas economia dos países desenvolvidos tem como base próprios
interesses deles, consciente ou inconscientemente, equacionando problemas do ângulo dos
interesses políticos nacionais.
É possível sugerir um viés endógeno para a época, que da experiência europeia com a falta
de recursos naturais, preservasse a vegetação das áreas mais sensíveis. Também sugerir um ajuste
as externalidades, como as inundações frequentes do Rio Itajaí-Açu, de um plano de ocupação
rural/urbana adequado a esse fenômeno natural. Os incentivos alternativos que poderiam punir ou
premiar a correta ocupação e o controle desse ambiente em constante adaptação seria uma opção
para internalizar situações ambientais catastróficas e reduzir os custos de transação, não
aumentando o custo das instituições colonizadoras. Essa alternativa poderia ser aplicada à realidade
atual.
Mas a discussão do fim do “modelo catarinense de desenvolvimento” transcorre mesmo ao
término dos recursos locais para manter o crescimento econômico – um problema europeu de 160
anos atrás. Mesmo filósofos como Dr. Blumenau e o naturalista Fritz Muller não conseguiram prever
nem criar medidas para evitar essa situação no futuro de sua colônia.
151
Como afirma Lenzi (2000), a ideia de endogenismo proposta pela Comissão Econômica para
a America Latina e Caribe (CEPAL) era a crença de que, superados os limites internos, o
desenvolvimento nacional dar-se-ia de maneira quase espontânea. Assim o subdesenvolvimento
não era resultado do sistema industrial capitalista, contudo resultado de sua ausência. Já por uma
visão exógena, o subdesenvolvimento é fruto da expansão do capitalismo, uma ação externa ao
Estado-nação, o que impede o desenvolvimento autônomo proposto pela CEPAL, estando os limites
para o crescimento no exterior. Blumenau foi muito privilegiada com sua fundação na segunda
metade do século XIX, período em que o País retomou o crescimento econômico e passou a ter um
papel mais ativo no apoio ao desenvolvimento (LEFF, 1982).
O que reforça a tese de que Blumenau foi também privilegiada por ações exógenas são as
pesquisas comparativas de Michael Ax-Wilhelm sobre o desenvolvimento econômico de São Pedro
de Alcântara e de Blumenau, cidades com imigração alemã. Conclui o autor: “A comparação das
experiências das colônias de São Pedro de Alcântara e de Blumenau cria dificuldades para a
aplicação da teoria schumpeteriana ao caso de Blumenau.” Sua analise demonstra que ambas
apresentavam condições étnicas, religiosas e com a qualificação profissional dos colonos
semelhantes, porém com desfechos distintos: desfavorável em relação a São Pedro de Alcântara
sob a óptica econômica e social.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nos dados considerados, pode-se concluir que o desenvolvimento não deve
apresentar um caráter somente endógeno, fechado para o aprendizado externo das demais
experiências e realidades globais. O desenvolvimento endógeno é o potencial intrínseco de
determinada área para o otimizar o crescimento e sua sustentabilidade advém da capacidade de
esse planejamento entender os ciclos de recursos naturais e sociais. Assim, faz-se necessário
compreender que existem limites de crescimento local, inerentes na região. Alem disso, há limites
globais que influenciam na tomada de decisões e na articulação das políticas públicas.
A história e o tempo para o desenvolvimento são de grande relevância para a definição do
processo endógeno, porque, na formação de uma cidade, os elementos exógenos devem ser
considerados como um aprendizado do qual o planejamento se apropria, iniciando seus processos
de diretrizes a uma população que já apresenta determinados conhecimentos e práticas.
Saliente-se o desejo comum de parte dos pesquisadores de endogenizar as fontes de
crescimento e o desenvolvimento econômico, como fica claro no trabalho da historiadora Maria Luiza
Hering Renaux para o “modelo catarinense de desenvolvimento”. Todavia, a metodologia nem
sempre deixa clara essas intenções de pesquisa, gerando grandes discussões sobre as fontes de
determinado desenvolvimento econômico, social ou ambiental.
Aplicando-se os conceitos de desenvolvimento local e regional à cidade de Blumenau, faz-se
necessário valorizar o processo de articulação de alianças estratégicas entre as várias esferas
públicas – a Associação de Municípios do Médio Vale do Itajaí (AMMVI), os institutos de pesquisa, a
universidade e instituições de ensino (FURB – Fundação Universitária Regional de Blumenau, FAE –
Centro Universitário Franciscano, UNIASSELVI – Centro Universitário Leonardo da Vinci), as
empresas, consórcios municipais, redes de colaboração internacionais, as associações
empresariais, os sindicatos de trabalhadores, entre muitas outras –, constituindo-se assim em uma
rede de informações que devem ser analisadas para encontrar os indicadores que serão convertidos
em políticas públicas. Assim, torna-se possível identificar as oportunidades de atuação,
internalizando as fragilidades econômicas, sociais e ambientais do desenvolvimento pregresso e não
polarizando como uma simples questão de desenvolvimento endógeno ou exógeno, mas uma
combinação entre ambos.
O estudo não se encerra por aqui. A pesquisa de diferentes formas para o desenvolvimento
local segue uma longa trajetória na busca de um modelo que se adapte às necessidades locais, em
152
um processo endógeno e exógeno. A compreensão de diversos estudos como, por exemplo, a teoria
do crescimento endógeno3 permanece em pauta para futuras discussões.
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154
155
ADAPTAÇÃO ESTRATÉGICA
EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO:
ESTUDO DA TRAJETÓRIA DO
SENAC DE SANTA CATARINA
THE STRATEGICAL ADAPTATION IN
INSTITUTION OF EDUCATION:
A STUDY OF THE TRAJECTORY OF
THE SENAC OF SANTA CATARINA
ALEXSANDRO HELEODORO SILVEIRA
Administrador e professor,
MBA em Gestão Empresarial pela FGV,
Mestrando em Administração (UNISUL)
GABRIELA GONÇALVES SILVEIRA FIATES
Engenheira mecânica e professora,
Mestre em Engenharia de Produção pela UFSC,
Doutora em Engenharia de Produção pela UFSC
ANDRÉ LUIZ DA SILVA LEITE
Economista e professor,
Mestre em Engenharia de Produção pela UFSC,
Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC
156
RESUMO
As instituições de ensino têm apoiado iniciativas empreendedoras que atendam às novas demandas
e exigências do mercado da educação. Sendo o setor da educação altamente regulamentado e as
mudanças correntes, exigindo-se dos gestores habilidade na capacidade de adaptabilidade. Nessa
perspectiva, o objetivo deste artigo é compreender a trajetória estratégica percorrida pelo Senac de
Santa Catarina desde 1998, analisando-se o processo, o contexto e o conteúdo das mudanças
ocorridas com base na percepção da coalizão dominante. Fundamentando-se em uma metodologia
qualitativa do tipo interpretativa, procurou-se analisar as mudanças ocorridas durante uma trajetória
cronológica, observando-se como as estratégias mudam no tempo. Isso permitiu a identificação de
eventos críticos e decisivos de 1998 até a atualidade, os quais foram agrupados em períodos
estratégicos.
Palavras-chave: mudança organizacional, instituição de ensino, estratégia.
ABSTRACT
The education institutions have supported enterprising initiatives that take care of to the new
demands and requirements of the market of the education. Being the sector of the education highly
regulated, and the current changes, demand of the managers ability in its capacity of adaptability. In
this perspective, the objective of this article is to understand the strategical trajectory covered by the
Senac of Santa Catarina since 1998, analyzing the process, the context and the content of the
occured changes from the perception of the dominant coalition. Basing itself on a qualitative
methodology of the interpretativa type, it was looked to analyze the occured changes during a
chronological trajectory, analyzing as the strategies move in the time. This allowed the identification
of critical and decisive events of 1998 until the present date, which had been grouped in strategical
periods.
Keywords: organizacional change, institution of education, strategy.
157
1 INTRODUÇÃO
Desde a segunda metade dos anos 90, o sistema de ensino no Brasil vem passando por um
período de crescimento sem precedentes, com base, sobretudo, na criação e expansão de uma rede
de instituições privadas. Essas transformações são, ainda, decorrentes do aumento do número de
concluintes do Ensino Médio, da exigência do mercado por mão de obra cada vez mais qualificada e
profissional e pelo impulso dado pelas políticas estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC),
principalmente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e o Plano Nacional
de Educação, de 2001, culminando no aumento do número de instituições de ensino no País
(www.inep.gov.br).
Essa pressão regulamentadora força os dirigentes a preverem os impactos das forças
externas e responderem a estes em um curto espaço de tempo. Observa-se assim, que, muitas
vezes, a sobrevivência da organização é parcialmente explicada pela habilidade de lidar com as
contingências ambientais, como afirmam Pfeffer e Salancik (1978). Assim como as organizações
empresariais, as instituições de ensino estão inseridas em um ambiente de mudanças no qual as
inovações são constantes e a competição são os elementos de maior destaque.
Nesse contexto, as instituições de ensino evoluem, adaptam-se, renovam-se e aperfeiçoamse de acordo com sua natureza, missão e suas circunstâncias concretas. As ideias adquirem vida e
sofrem o embate da confrontação, da crítica, do mundo envolvente em constante ebulição e da
busca de novas condições de equilíbrio. O próprio processo epistemológico e dialético desencadeia
e estimula a ânsia de ampliação de horizontes, gerando inconformidade com situações
ultrapassadas ou não adequadas para o momento presente (ALPERSTEDT; CUNHA, 2000).
Muito embora os últimos anos sejam marcados por uma importante produção intelectual, que
favoreceu o entendimento das organizações e a forma cada vez mais eficiente de alcançar os
objetivos a que elas se propõem, o campo de estudo sobre estratégias em instituições de ensino
ainda merece novas e profundas investigações. Posto isso, este artigo tem como objetivo analisar a
capacidade de adaptação estratégica do Senac de Santa Catarina, observando-se a trajetória
estratégica desde 1998 até a presente data. Dá-se ênfase nesta análise à influência do cenário, às
regulamentações e às exigências macroeconômicas do período no desempenho da instituição
depois da adaptação estratégica empreendida.
A contribuição do artigo é mostrar que mesmo em um cenário turbulento e regulamentado, o
Senac pode ser competitivo, a partir da adoção não apenas de uma postura adaptativa ao ambiente,
mas também com uma abordagem sobretudo voluntarista. Para que seja alcançado o objetivo, o
artigo está dividido em mais quatro seções, além desta introdutória. A seção seguinte discute, de
forma breve, o conceito de mudança organizacional e adaptação estratégica, bem como as
diferentes maneiras de se analisar esse conceito e, principalmente, seus determinantes. A terceira
seção apresenta os procedimentos metodológicos utilizados para o desenvolvimento desta pesquisa.
A seção posterior destaca a análise do caso em estudo, que considera a mudança (adaptação
estratégica), considerando-se o envolvimento de contexto (aqui caracterizado pelas variáveis
macroeconômicas), processo (percebido pela análise) e conteúdo (ações estratégicas
empreendidas) do Senac de Santa Catarina.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O ambiente externo nem sempre foi visualizado como um fator determinante de ações e
decisões. As organizações eram tratadas como sistemas fechados, em que a ênfase recaía,
exclusivamente, sobre o planejamento interno e sobre o aperfeiçoamento do processo produtivo,
segundo Morgan (1996). Com o passar do tempo, passou-se a considerar as organizações como
sistemas abertos, que interagiam com o ambiente, influenciando-o e sendo por ele influenciadas.
Sendo assim, as organizações e seu ambiente interagem, de tal maneira que exige das próprias
organizações ajustes que podem ser entendidos como adaptação organizacional. O ambiente pode
adaptar-se às mudanças provocadas pelas organizações. O ambiente engloba todos os fenômenos
externos que afetam a vida e o desenvolvimento das organizações (ANDREWS, 1991).
158
Para a compreensão desse processo de estratégia, Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000)
afirmam ter revisado perto de 2.000 publicações, que crescem a cada dia, o que comprova a
extensão dos estudos e pesquisas sobre o assunto. Mesmo com a vasta literatura, o tema não se
esgota no campo do aprendizado organizacional. A palavra-chave do aprendizado organizacional
pode ser "adaptação", pois, em princípio, é possível discutir tudo o que foi escrito a respeito de
administração. Esses autores afirmam, ainda, que aquilo que os biólogos escreveram a respeito da
adaptação das espécies (por exemplo, "equilíbrio interrompido") pode ter relevância para a
compreensão da estratégia como posição de mercado. Aquilo que os historiadores concluem a
respeito de períodos no desenvolvimento das sociedades (tais como "revolução") pode ajudar a
explicar diferentes etapas nos desenvolvimentos organizacionais.
O ajuste da organização a seu ambiente pode ser entendido como adaptação organizacional.
O processo pressupõe que tanto a organização quanto o ambiente se modificam, originando uma
relação mútua e dinâmica. Pettigrew (1985) propõe a utilização de novas metodologias que levem
em consideração aspectos contextuais e processuais da mudança. As mudanças organizacionais,
nesse sentido, quase sempre são tratadas como episódios isolados ou separados de seus
antecedentes históricos que os proporcionam forma, significado e substância, além de gerar a
transformação organizacional.
O que se percebe é que este estudo não é uma questão nova dentro da literatura sobre
organizações, sendo possível inclusive visualizar uma grande convergência entre alguns dos textos
mais antigos e outros atuais tratando desse assunto. O ritmo e a força surgem como a novidade com
que as alterações do ambiente vêm sendo impostas às organizações. Silva (1997) explica que
estamos vivendo uma mudança de época e não uma época de mudanças, em função da
profundidade das alterações na estrutura social, as quais vêm ocorrendo desde o final do século
passado.
Rondeau (1999) sugere que as organizações mudam porque a maneira de pensar a gestão
também sofre modificações com o tempo. Isso ocorre tanto pelo surgimento de novos modelos de
gestão e novas ferramentas quanto pela própria evolução das correntes de pensamento em
administração e gestão de empresas.
Para Souza Silva (2003), os gerentes da época do industrialismo são racionais, enquanto os
da época emergente são conceituais, contextuais e com grande sensibilidade humana, social,
cultural, ecológica e comunicativa. Sua reflexão rejeita a concepção da organização percebida como
“algo” objetivo e independente de nossa percepção. Nessa visão, a mudança é tratada como um
instrumento para mudar coisas, mas não para mudar pessoas. As pessoas costumam ser
pressionadas para adaptar-se às mudanças realizadas na dimensão dura das organizações, porém
suas concepções de mundo, da natureza, da organização, do futuro e dos fins não mudam.
Porras e Robertson (1992) ressaltam que a mudança planejada é resultante de intervenções
do desempenho organizacional e busca melhoria do desempenho do indivíduo, pela mudança de
seu comportamento no trabalho. Para os autores, a mudança no comportamento dos membros da
organização é a essência da mudança organizacional, e, além disso, qualquer mudança de sucesso
só consegue persistir no tempo, se, em resposta às mudanças nas características organizacionais,
os indivíduos alteram seu comportamento de maneira apropriada.
Com base nessas considerações, o conceito proposto por Lima (2003) para mudança
organizacional e que será considerado neste trabalho, é
[...] qualquer alteração, planejada ou não, nos componentes organizacionais - pessoas, trabalho,
estrutura formal, cultura – ou nas relações entre a organização e seu ambiente, que possam ter
consequências relevantes, de natureza positiva ou negativa, para eficiência, eficácia e/ou
sustentabilidade organizacional.
Ainda segundo Lima (2003), a tipologia de mudança organizacional mais amplamente
divulgada refere-se à mudança transformacional versus incremental. Surge, portanto, um forte
debate em torno da adaptação estratégica, e nesse contexto duas são as perspectivas que ajudam a
definir o processo de adaptação estratégica das organizações.
A visão determinista é a primeira delas, pois considera o ambiente como o grande determinante do
sucesso e da sobrevivência organizacional, excluindo a organização em sua escolha estratégica.
Nesse caso, a base da relação entre a empresa e o ambiente é a submissão das empresas a ele.
159
Segundo essa concepção, como o ambiente é preponderante sobre as organizações, as margens de
manobra estratégica das empresas devem basear-se no escaneamento das características do
ambiente e na luta pela sobrevivência adaptativa.
Dentro da abordagem determinista, a seleção natural considera que os fatores ambientais
selecionam determinadas características organizacionais que são mais compatíveis com as
condições do ambiente, segundo Hall (1990) e a escola isomórfica (teoria institucional).
Para DiMaggio e Powell (1991), o isomorfismo é um processo que constrange e força uma
unidade em uma população a assemelhar-se com as outras unidades que estão expostas às
mesmas condições ambientais. É necessário alertar que a escolha de DiMaggio e Powell (1991)
entre outros institucionalistas, pela homogeneidade nas formas organizacionais, não consiste no
corolário da não-existência de mudanças, conflitos e diversidade, entre outros fenômenos, dentro de
um campo organizacional. Implica escolha de análises sobre o que é homogêneo ao que é diverso.
Assume-se aqui, a postura de que um campo organizacional, em especial o analisado, prevê a
coexistência de harmonia, homogeneidade, conflito e heterogeneidade em meio a uma diversidade
de processos regulares e dinâmicos, os quais oferecem estabilidade e incerteza. De acordo com
DiMaggio e Powell (1983), as três formas de isomorfismo – coercitivo, normativo e mimético – são
consideradas como tipos ideais, e as distinções entre os três tipos são analíticas e não
necessariamente empíricas.
O isomorfismo coercitivo é, no mínimo, em primeira instância análogo às formulações do
modelo de dependência de recursos, no qual as organizações são vistas como constrangidas por
aquelas com as quais se tem dependência de recursos (Mizruchi, 1999). Essa constatação pode
corroborar a proposição de que o isomorfismo coercitivo é mais provável quando organizações
subsidiárias são compelidas a adotar práticas, avaliações de desempenho e planos orçamentários
que são compatíveis com as políticas da organização-mãe. O isomorfismo coercitivo também pode
ser mais sutil e menos explícito (DiMaggio e Powell, 1991).
As estruturas normativas estão relacionadas a valores e normas que determinam o meio
apropriado para se atingir fins justificados dentro de um campo organizacional. Essa lógica do
apropriado é desenhada com apoio em papéis socialmente construídos que norteiam as ações dos
atores que assumem esses papéis. À medida que há um compartilhamento dessas normas no
interior do campo, formas comuns de interpretação de ação vão desencadeando-se e legitimando
orientações previamente definidas que levam a um determinado grau de homogeneização,
denominado isomorfismo normativo (DiMaggio e Powell, 1991).
Para Machado-da-Silva, Fonseca e Fernandes (1999, p. 140), o isomorfismo mimético
consiste na
[...] adoção por parte de uma organização, de procedimentos e arranjos estruturais implementados
por outras organizações, a fim de reduzir a incerteza ocasionada por problemas tecnológicos,
objetivos conflitantes e exigências institucionais.
O mimetismo ocorre pela observação entre os iguais que estão diante de ambientes
institucionais semelhantes, provocando no campo organizacional certa ortodoxia nas ações. Já a
outra visão é a voluntarista, que atribui à organização e seus atores a capacidade de escolha e
criação de condições para a mudança (ACUÑA; FERNANDEZ, 1995). Ou seja, o sucesso da
organização estaria nas mãos de seus líderes. De acordo com tal viés, a relação da empresa com
seu ambiente é determinada pela escolha estratégica dos indivíduos que compõem a organização. E
esses indivíduos, mais comumente os líderes, podem decidir como querem que as empresas
funcionem, sobre as estratégias e mesmo sobre o resultado que desejam alcançar. Os processos e
valores individuais dos líderes e mesmo seu carisma e formação seriam preponderantes para o
futuro de sucesso ou de fracasso da organização. São representantes de tais teorias todas as
correntes derivadas do Strategic Choice (CHILD, 1972) ou do líder visionário (WESTLEY;
MINTZBERG, 1989).
Dentro da abordagem voluntarista, existe, por exemplo, a escolha estratégica que enfatiza as
pessoas como responsáveis pela tomada de decisão organizacional. Os líderes ou coalizões, não só
adaptam a estrutura e os processos organizacionais às demandas ambientais, mas também são
160
responsáveis por manipular o ambiente no sentido de fazer com que entre em conformidade com os
objetivos organizacionais (MILES; SNOW, 1978; MILES; CAMERON, 1982).
O processo de adaptação organizacional ocorre, portanto, quando as organizações
desenvolvem suas estratégias com base na análise do meio em que está inserida. Em se tratando
de estratégia, Mintzberg (1987) conceitua a maneira de pensar no futuro integrada ao processo
decisório da organização, além de ser um procedimento formalizado e articulador de resultados. O
conceito de estratégia traz a possibilidade de escolha de arranjos de estrutura organizacional,
funções, políticas, objetivos e metas. A estratégia não se encontra articulada com o prescricionismo
administrativo, mas com o arbítrio de meios, tendo em vista certos fins, por isso sua estreita relação
com o meio.
Nesse meio, o ambiente de turbulência econômica dos mercados parece inevitável no
cenário de globalização. O ambiente está associado ao desenvolvimento tecnológico acelerado e
cada vez mais integrado às mudanças de processos e legislação, assim como ao paulatino
crescimento da competição local e global serão decisivos no sucesso ou fracasso das instituições,
caso não se adaptem às mudanças, ou mesmo sejam promotoras de novas mudanças, conforme
preceitos do voluntarismo. Com esse enfoque, as instituições se veem mergulhadas em um
ambiente em que a competitividade é uma característica permanente e exige muita atenção. Como
afirma Stamer (1999), condições macroeconômicas turbulentas são sempre desfavoráveis, tanto no
plano geral como no tocante às atividades locais.
Ao tratar de competitividade, Michael Porter (1980) fez estudos nessas duas décadas e
analisou os mecanismos de competição das empresas, identificando posições que asseguravam
vantagens competitivas e relativizando a ideia weberiana e da administração clássica prescricionista,
que pugnava pela eficiência operacional como fator determinante do sucesso empresarial. No artigo
"A vantagem competitiva das nações", Porter (1993) afirma que
[...] em um mundo de crescente competição global, as nações tornam-se mais importantes. À
medida que a base da competição se voltou mais e mais para a criação e assimilação do
conhecimento, o papel da nação cresceu. A vantagem competitiva é criada e sustentada por meio
de um processo altamente localizado. Diferenças de valores, culturas, estruturas econômicas,
instituições e histórias entre as nações contribuem para o sucesso competitivo. Há diferenças
marcantes nos padrões de competitividade em cada país; nenhuma ação conseguirá ser
competitiva em todos ou mesmo na maioria dos setores industriais. Finalmente, as nações têm
sucesso em certos setores industriais porque seu ambiente interno é o mais avançado, dinâmico e
desafiador.
Em relação à perspectiva da estratégia empresarial, Fleury e Oliveira Junior (2001), afirmam
que
[...] os nexos entre competitividade e gestão do conhecimento têm sido objeto de atenção crescente.
A perspectiva hegemônica em administração estratégica tem-se debruçado sobre a análise do
ambiente em que a empresa está inserida e em como a empresa deve-se posicionar em relação às
forças desse ambiente competitivo, o que se pode chamar de abordagem de fora para dentro.
Nesse contexto competitivo, exigindo uma postura adaptativa determinada pelo ambiente ou
proativa, o posicionamento estratégico passa ser uma decisão fundamental de permanência da
instituição no mercado. De uma maneira processual, Ansoff, Declerck e Hayes (1981) conceituaram
o posicionamento como a identificação dos objetivos da empresa e a análise da adequação de seus
mercados e produtos, para que os objetivos sejam atingidos, determinando-se, em seguida, as
capacidades, a prospecção dos impulsos alternativos de crescimento e a avaliação do potencial
desses impulsos e gerando uma nova atitude estratégica. Porter (1986) conceitua o posicionamento
como a compatibilização dos pontos fortes e fracos da empresa com determinada estrutura setorial,
descobrindo-se posições no setor onde as forças competitivas sejam mais fracas, a fim de, em
seguida, adotar as estratégias genéricas para o lançamento do produto no mercado.
Para Parnell et al. (2000), o posicionamento estratégico é formulado para o gerenciamento de
incertezas sobre competidores, clientes e o ambiente. Mintzberg e Quinn (2001) utilizam a metáfora
do foguete para afirmar que a empresa analisa o dispositivo de lançamento (organização), os
projéteis (produtos e serviços), o alvo (mercados) e os rivais (concorrentes) para a adoção das
estratégias a serem seguidas com vistas à junção dos produtos aos mercados. Diante desses
161
conceitos, compreende-se que o posicionamento é análise e decisão. Para a definição das posições
a adotar, torna-se necessário analisar a indústria na qual a empresa está inserida, sob os mais
diversos aspectos: objetivos estabelecidos, mercados, lucratividade, portfólio de produtos ofertados,
concorrência, recursos e competências requeridos e tantos outros fatores que subsidiem a adequada
formulação das estratégias.
Avaliando o objetivo proposto e revisando a base teórica em torno dos conceitos da
adaptação organizacional, da mudança organizacional, da competitividade e do posicionamento
estratégico, procura-se, a seguir, demonstrar alguns dos resultados alcançados com a pesquisa
realizada no Senac de Santa Catarina.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A abordagem da pesquisa é a qualitativa, que se fundamenta no estudo que descreve e
analisa uma situação à luz de uma teoria. Trata-se de uma pesquisa ex-post-facto, ou seja, que se
realiza depois de terem ocorrido os fatos. A pesquisa tem por finalidade aprofundar a descrição de
determinada realidade, ao longo do tempo, com base nas mudanças no ambiente de negócios. Do
ponto de vista formal, o estudo é classificado como exploratório porque permite ao pesquisador
aumentar sua experiência em torno de determinado problema; é descritivo porque pretende
apresentar com exatidão fatos e fenômenos de determinada realidade. A pesquisa sob esse ângulo
pode ser entendida como uma técnica particular de estudo de caso.
Trata-se, também, de um estudo longitudinal por envolver análise relativa às mudanças que
ocorrem num período de tempo e que permitem examinar tendências (TRIVIÑOS, 1987).
A presente pesquisa objetiva estudar o processo de adaptação estratégica e consequente
desempenho competitivo por meio da análise contextualista proposta por Pettigrew (1985), que
considera essencial o estudo da mudança (adaptação estratégica), considerando o envolvimento
entre contexto (aqui caracterizado pelas variáveis macroeconômicas), processo (percebido pela
análise) e conteúdo (ações estratégicas empreendidas).
Para a coleta de dados foi realizada uma consulta como forma adequada de abordagem que
consistiu no estudo de documentos e sua interpretação. A investigação foi realizada mediante o uso
de documentação indireta, como a pesquisa bibliográfica, relatórios da empresa ou de informações
obtidas, via internet. Foram utilizadas ainda fontes primárias por meio de depoimentos de executivos
da empresa, coletados em entrevistas estruturadas. A amostra foi intencional, e o critério de seleção
foi a área de atuação dos gestores.
Como o presente trabalho não aborda atividades internas nem tampouco o comportamento
organizacional da empresa, a pesquisa limita-se às áreas que têm relação direta com seu objetivo,
ou seja, as áreas de planejamento. Assim, houve realização de entrevistas com o diretor do Senac
de Santa Catarina e o gerente financeiro da faculdade. Na análise de conteúdo, Bardin (2002)
considera como pilares a fase da descrição ou preparação do material, a inferência ou dedução e a
interpretação. Dessa forma, os principais pontos da pré-análise são a leitura flutuante (primeiras
leituras de contato com os textos), a escolha dos documentos (no caso os relatos transcritos), a
formulação das hipóteses e objetivos (relacionados com a disciplina), bem como a preparação do
material. Por isso, todas as entrevistas foram transcritas no preenchimento do quadro 1, e os textos
passaram por pequenas adaptações. Todavia, não se eliminou o caráter espontâneo das falas. Além
disso, a análise documental esteve presente para facilitar o manuseio das informações, já que, de
acordo com a autora, se constitui uma técnica que visa representar o conteúdo de um documento
diferente de seu formato original, agilizando consultas.
Já a última fase, do tratamento e inferência à interpretação, permite que os conteúdos
recolhidos se constituam em análises reflexivas, em observações individuais e gerais das
entrevistas. Para esta pesquisa utilizou-se um quadro comparativo, levando em conta a mudança
ocorrida, o contexto e o processo.
Durante a coleta dos dados primários, procurou-se atentar para informações que revelassem
as decisões estratégicas importantes. Em seguida, de posse dos dados secundários e com o
conhecimento da interpretação dos entrevistados, procurou-se, com apoio na análise global da
história do Senac, identificar os eventos realmente decisivos para a compreensão do processo de
162
adaptação estratégica da instituição. Para a identificação das decisões estratégicas relevantes, a
base foi a análise das entrevistas com os integrantes das coalizões dominantes da organização nos
diferentes períodos.
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DO CASO EM ESTUDO
4.1 DADOS HISTÓRICOS
Criado em 10 de janeiro de 1946, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) é
uma instituição de educação profissional aberta a toda sociedade. Sua missão é desenvolver
pessoas e organizações para o mundo do trabalho, com ações educacionais e disseminando
conhecimentos em comércio de bens e serviços. Cabe à Confederação Nacional do Comércio (CNC)
a administração, em cumprimento aos Decretos-lei 8.621 e 8.622, que deram origem à instituição.
Ao longo desse período de atividades, o Senac preparou mais de 40 milhões de pessoas
para o setor de comércio e serviços, contribuindo para a valorização do trabalhador por meio de
capacitação profissional em diversas áreas de formação. Por intermédio de diferentes modalidades
de ensino, a instituição se faz presente em mais de 1.850 municípios, capacitando para o mundo do
trabalho aproximadamente 1,7 milhões de brasileiros, a cada ano. Esses números tornam-se
completos, considerando as 500 unidades operativas por todo o território brasileiro, as 60 unidades
móveis (caminhões e barcas) e, principalmente, os 16.000 docentes.
4.2 SENAC EM SANTA CATARINA
O Senac de Santa Catarina é formado por uma rede composta de sete Faculdades de
Tecnologia, 12 Centros de Educação Profissional, dois Centros Especializados, três Postos
Avançados, quatro carretas, além da Administração Regional. Dispõe de uma estrutura física com
mais de 29 mil m² de área construída e um corpo funcional com mais de 1.400 colaboradores. Nos
municípios e localidades onde não há uma unidade do Senac, é possível oferecer cursos à
comunidade com a utilização do Senac Móvel, 4 carretas com salas equipadas para atender à
demanda de alunos nos cursos (www.sc.senac.br).
Ao longo de um pouco mais de 10 anos (período coberto por esta pesquisa), o Senac lutou
para se adaptar ao ambiente externo de várias formas, mas muito mais por iniciativa própria,
contrárias às perspectivas de mercado e do sistema de ensino. O quadro 1 apresenta, exatamente,
as mudanças ocorridas no período de 1998 até a atualidade.
QUADRO 1 – MUDANÇA, CONTEXTO E PROCESSO
CONTEÚDO
(MUDANÇAS)
1998
•
Ampliação do
escopo de atuação,
oferecendo cursos na
modalidade de ensino
técnico.
CONTEXTO
PROCESSO
ANÁLISE
•
O Senac faz uso
da LDB como forma
apoiadora no processo
de expansão
•
O Senac passa a
instalar sistema de custo
para gerir melhor a
receita própria e começa
o caminho do
crescimento no Estado.
Segundo o diretor regional, “A LDB,
quando para muitas
instituições pareceu ser
uma ameaça, nós do
Senac de Santa
Catarina enxergamos
como grande
oportunidade de
conquistar novos
(MOTIVO)
•
O cenário trazia
um caminho contrário à
ampliação do escopo.
•
A LDB surge
como uma grande
oportunidade.
•
O Sebrae mostrase em retração no
cenário.
•
A imagem era
negativa no cenário
163
nacional.
•
Dúvida em
relação ao governo FHC,
com seu plano
econômico.
•
O Senac já
estava pensando na
graduação.
mercados.
Tomamos a decisão de
caminharmos com
nossas próprias
pernas, gerando receita
operacional que
pudesse promover
nosso crescimento
sustentável. Foi o que
aconteceu.”
1998
•
Ofere-ce
cursos de pósgraduação lato sensu
em parceria com a
Fundação Getúlio
Vargas (FGV) .
•
Busca-se a
capacitação da gestão
Senac (investir nas
pessoas).
•
Qualifi-car os
diretores com os MBAs
da FGV.
•
A FGV como
estratégia de atração.
•
Para o
empresariado de
Chapecó, havia um
investimento muito alto
na capacitação (FGV)
fora da cidade. A ideia
foi lançar a parceria de
FGV e Senac em
Chapecó.
•
Redu-ção do
investimento dos
empresários no curso da
FGV.
•
Traz o
empresário para dentro
do Senac, conquistando
um público fundamental
na ampliação de seu
mercado.
•
A exigência do
mercado em cursos mais
rápidos e com foco na
profissionaliza-ção.
•
Há um
aprendizado importante
com a parceria do Senac
com a FGV.
•
Com o público
empresarial no Senac,
percebe-se a
possibilidade de entrar
com graduação.
•
Man-têm-se o
posiciona-mento e as
caracterís-ticas do Senac
com a profissionalização.
•
Ou-tras parcerias
surgiram naturalmente.
2003
•
Atua-ção na
modalidade de ensino
superior de graduação
tecnológica,
•
Ofere-ce curso
de pós-graduação lato
sensu em parceria com
a Pontifícia
Universidade Católica
(PUCPR).
2004
•
Ofere-ce curso
de pós-graduação lato
sensu a distância em
•
A modalidade a
distância passa a ser um
produto muito explorado
•
O Senac já
atuava com o EAD,
apenas em um outro
Tem o perfil de uma
decisão determinista e
voluntarista.
Segundo Rudney
Raulino,
“Queríamos ganhar
know-how com a
parceria da FGV e, no
futuro, nos preparamos
para entrar forte na
pós-graduação. Além
disso, é um público
seleto que tem o perfil
da instituição, pois vem
do mercado e traz o
mercado para dentro
do Senac. Para o
público do oeste, foi
uma grande vantagem
de custo e nos
aproximou ainda mais
do empresa-riado.”
Característi-cas de uma
decisão determinista.
Para Rudney Raulino:
“O mercado evolui e
exige novas posturas e
164
parceria com a Rede
Senac de Educação a
Distância.
e exigido pelo mercado,
em função do tempo e do
investimento.
formato.
•
Uso da Rede
Senac.
•
Se-nac Nacional:
centralização do
investimento.
Decisão voluntarista
2005
•
Criação dos
centros especializados:
Senac Tecnologia da
Informação, Centro
Senac de
Desenvolvimento
Social e Senac Bistrô
Johannastift;
•
Criação do
NESS em Blumenau –
Núcleo de Estudos e
Serviços Senac;
•
Introdução da
metodologia de
Excelência na Gestão –
MEG;
•
Criação do
Comitê Estadual para
Desenvolvimento do
Programa de
Qualidade;
•
Implantação do
5 Ss do Senac/SC;
•
Criação dos
Grupos de Estudos nas
Unidades operativas e
Administração
Regional;
•
Participação no
PCE – Prêmio
Catarinense da
Excelência.
formas de educar que
andem com a mesma
rapidez que a
tecnologia. Tivemos
que nos adaptar, mas,
mais do que isso,
precisamos superar o
que o mercado espera
de nós.”
•
Visão sistêmica
das áreas de gestão –
integração TI e gestão.
•
Blume-nau como
referência na gatronomia.
•
Preser-vação da
cultura gatronômica
alemã.
•
Regiões ricas em
cultura e com uma
geografia privilegiada.
•
Neces-sidade de
ingressar em serviços
exigidos pela legislação
vigente e pelo mercado.
•
Exigên-cia na
padronização,
profissionaliza-ção e na
qualidade dos serviços
prestados.
•
A faculdade de
Florianópolis obrigou a
um novo olhar para a
gestão e para a TI.
•
Pen-sar a TI
dentro das áreas de
gestão.
•
A área de TI
passa a ter um foco na
gestão e na integração
das áreas.
•
Trans-formar a
Unidade de Blumenau
em centro de
gastronomia.
•
De-senvolver
projetos sociais (explorar
as ações sociais como
promoção cultural e
econômica da região).
•
Inves-tir no
desenvolvi-mento
sustentável.
•
Esti-mular o
voluntariado na
instituição.
•
Responsabilidade
empresarial.
•
Profissionalização da ONG –
NESS – trabalho de
incorporação.
•
Parti-cipação
ativa no Movimento
Catarinense pela
Excelência (MCE).
•
O Prêmio
Catarinense da
Excelência é uma forma
Pontos relatados pelo
diretor da faculdade:
– Passamos a ver a
área de TI como
subsídio fundamental
na tomada de decisão.
A gestão foi vista de
maneira muito mais
integrada.
– A região de
Blumenau é rica em
gastronomia. Entrar
nesse segmento, era
retomar as tradições e
incentivar a cultura.
– As questões sociais
despertaram como
grandes oportunida-des
de ações que
aproximaram a
comunidade e o Senac.
– Empreen-dimentos
surgiram com a
criatividade e a visão
estratégica do Senac,
olhando a privilegiada
geografia da região.
– A participação do
MCE foi um grande
165
de medir e avaliar os
processos e os
resultados, além de
perceber o crescimento
das pessoas.
•
Ma-peamento
dos processos e das
competências.
•
Dar foco ao
direcionamen-to
institucional Visão
institucional
2006
•
Introdu-ção do
Programa de pósgraduação lato sensu,
desenvolvendo seus
próprios produtos.
•
Mape-amento e
padronização dos
processos de trabalhos
críticos.
•
Criação de
campanhas internas
visando à manutenção
do 5 Ss.
•
Partici-pação
do PCE.
•
Recebimento
do Prêmio Catarinense
da Excelência –
PRATA
2007 -
•
Passar a ter
independência e
desenvolver cursos de
pós-graduação próprios.
•
Conhe-cimento
adquirido com a FGV.
•
Exigên-cia de
padrões de qualidade
•
Padro-nização
do portfólio dos cursos
das modalidades
Formação Inicial e
Continuada e Ensino
Médio Técnico.
•
Abertu-ra das
primeiras turmas de
pós-graduação
presencial lato sensu.
•
Elabo-ração do
mapeamento dos
processos Senac/SC.
•
Cons-trução do
Balanced Scorecard
corporativo e
desdobramento das
unidades de negócios.
•
Aumen-ta
considerável-mente a
concorrência no mercado
da educação.
•
A participação no
MCE e a execução do
programa não foi algo
imposto, mas
amadurecido com todos
os profissionais.
•
O Café Mensal
Senac se revela um
ponto muito positivo de
integração e valorização,
não só do corpo
administrativo, mas
também da equipe
docente.
•
Cami-nho para a
gestão de portfólio de
produto.
•
Pen-sar a
instituição como um
conjunto de produtos –
foco específico em
produtos e caracterização.
•
Mudar o conceito
de sistema.
•
Valo-rização das
pessoas “pratas da casa”.
•
Ges-tão dos
indicadores estratégicos.
desafio.
– Tivemos que ter
coragem de participar
do movimento e muito
mais coragem em
colocarmos a
instituição para ser
avaliada.
– A participação do
Senac no movimento
foi muito mais como
estratagema para uma
autoavalia-ção do que
a busca por um prêmio.
– Mapear os processos
foi uma forma de
reforçar a organização
e definir claramente o
fluxo de atividades.
– Em termos ainda de
organização, o
programa 5 Ss tem o
caráter de manter o
ritmo do ambiente
saudável e equilibrado.
Mantém um perfil
voluntarista
Argumentos do diretor:
– Novamente o Senac
está olhando o
mercado e seu
comporta-mento. Em
face, toma novas
estratégias focalizadas
no portfólio de
produtos.
– Mantém uma visão
estratégia inovadora
voltada para a
qualidade do ensino e
formação das pessoas.
– Passa a gerenciar
suas decisões com o
166
uso de indicadores
estratégicos.
FONTE: Dados primários e secundários coletados na pesquisa.
As primeiras decisões, isso já em 1998, apresentam fortes características de uma “organização
empreendedora”. Em Mintzberg (1998), o modo empreendedor de formulação de estratégias se caracteriza
pela figura forte de um líder que administra a organização de uma forma autocrática, aliado a uma estrutura
organizacional simples, e seu poder e controle estão centralizados no líder/fundador. Para Child (1972), nesse
caso o staff é reduzido, chegando o líder a se confundir com a própria coalizão dominante. É o líder quem
avalia o campo organizacional e define as estratégias para a organização. Muito embora o líder estabeleça o
direcionamento da organização de forma centralizada, existe a consideração de determinados atores, tanto do
ambiente externo quanto do ambiente interno à organização.
A instituição buscou formas de negociar com o ambiente, a fim promover o crescimento num
ambiente que se mostrava contrário, caracterizando o modelo da dependência de recursos ou a
abordagem da limitação dos recursos. Esse fato é evidenciado durante o processo em que se
iniciavam seus cursos técnicos. Na segunda metade da década de 90, muitas instituições de ensino
viram a LDB como mecanismo dificultador e ameaçador. O Senac, por sua vez, percebeu ali o
momento de crescer e expandir sua atuação, até então limitada aos cursos rápidos.
Com a definição da nova política para a educação superior brasileira, marcada por acentuado
crescimento do número de vagas oferecido nesse nível de ensino, especialmente a partir de 1998 e
pela edição de duas leis: a 9.131/95, que institui o Programa Nacional de Avaliação da Educação
Superior, e a 9.394/96, que dita as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Essas leis traçam as
linhas fundamentais para a educação superior e abrem espaço para a edição de numerosas normas
regulamentadoras. São várias as inovações trazidas para a educação superior do Brasil nesse
cenário:
a) a criação de duas novas modalidades de instituição de ensino superior, conforme a
classificação do artigo 8º do Decreto 2.306/97, dentre as quais merecem destaque as
faculdades e faculdades integradas;
b) o artigo 46 da Lei 9.394/96 impõe a necessidade de recredenciamento periódico das
instituições de ensino superior, aumentando a fiscalização imposta à rede escolar (SOUZA
E SILVA, 1997). A esse sistema agrega-se a necessidade de renovação do
reconhecimento dos cursos superiores a cada cinco anos, e isso força as instituições a
manterem uma estrutura pesada em um ambiente de alta competitividade.
O processo de avaliação, tanto das instituições de ensino superior como dos cursos, tem
seus requisitos detalhadamente expressos na legislação e engloba:
a) a titulação e regime de trabalho do corpo docente, em especial para as universidades
onde o porcentual de mestres e doutores, bem com de professores em regime de tempo
integral, devem manter-se em 30%;
b) a organização didático-pedagógica, relacionada aos currículos dos cursos estruturados de
acordo com as diretrizes curriculares editadas pelo MEC;
c) a infraestrutura que abrange bibliotecas, laboratórios, salas especiais e salas de aula.
Essas pressões decorrentes da legislação, que fixa critérios mínimos que devem ser
respeitados, para que as instituições de ensino superior possam continuar a realizar suas atividades.
Alia-se a isso o aumento significativo da concorrência entre as universidades, centros universitários e
167
faculdades isoladas/integradas, o que afeta a forma como as instituições de ensino realizam suas
atividades. As organizações, ao se depararem com pressões institucionais de natureza coercitiva,
podem alterar seu posicionamento estratégico, com o objetivo de se adaptarem às exigências
trazidas pelo contexto externo. Nesse processo, as organizações foram obrigadas a repensar seu
posicionamento.
Em termos de sustentabilidade financeira, até 1998, toda receita era recurso compulsório que
segurava todas as despesas da entidade, limitando assim o crescimento desta. A partir daí, o Senac
passou a ter um foco na receita gerada com seus produtos, superando a receita compulsória e
dando ao Senac uma sustentabilidade operacional. Foi, sem dúvida, uma decisão que contrariava os
preceitos do Senac nacional e que mostrou ser uma postura visionária e empreendedora.
Compreende-se, então, que as ações desse ponto em diante seriam muito voltadas ao
voluntarismo. Mesmo assim, o que se observará em algumas passagens é que as limitações e
imposições de mercado fariam com que o Senac procurasse avaliar condições e recursos para se
adaptar e crescer nesse mercado. Uma característica profundamente determinista mostra que
ambas as visões são essenciais para uma descrição precisa da adaptação organizacional (ASTLEY;
VAN DE VEN, 1983).
Ao oferecer cursos de pós-graduação em parceria com a FGV, o Senac se aproxima ainda
mais do público empresarial, facilitando o acesso deste aos cursos de pós-graduação, adquirindo
know-how nesse segmento, no qual, tempo depois, entraria com marca própria. Além disso,
pensando no futuro em cursos tecnológicos, esse mesmo público seria fundamental para a
consolidação de cursos de graduação voltada à especialização e ao mercado de trabalho, como era
a proposta do curso de tecnologia. Tais ações demonstram a construção de estratégia dirigida à
competitividade.
Em 2003, além da parceria com a PUCPR para cursos de pós-graduação, o Senac iniciou
sua atuação na modalidade de ensino superior de graduação tecnológica, com objetivo de
profissionalizar e formar profissionais para o mercado de trabalho. Isso levaria o Senac ao título de
Faculdade de Tecnologia. Logo depois, iniciou os cursos a distância em parceria com a Rede Senac
de Educação a Distância. O Senac de Santa Catarina utiliza uma estrutura e aperfeiçoa sua
metodologia, dando a essa modalidade um caráter atrativo. Não é uma decisão inovadora, nem
tampouco pioneira. Trata-se de uma atitude de rápida adaptação e responsável.
Já em 2005 o número de funcionários tinha quintuplicado (gráfico 1) e a área física quase
triplicada (gráfico 2). Surgiram os centros especializados, como o Senac Tecnologia da Informação,
o Centro Senac de Desenvolvimento Social e o Senac Bistrô Johannastift. O Senac de Santa
Catarina passou a ver a área de TI como parte integrada às demais áreas de gestão. Com o Bistrô, o
Senac resgatou a cultura e a gastronomia alemã na região de Blumenau.
GRÁFICO 1 – NÚMERO DE COLABORADORES
FONTE: Dados secundários coletados na pesquisa.
168
GRÁFICO 2 – ÁREA FÍSICA
FONTE: Dados secundários coletados na pesquisa.
Nesse mesmo ano o Senac tomou uma decisão importante: passou a fazer parte do
Movimento Catarinense para Excelência, introduzindo a metodologia de excelência na gestão, o
MEG.
A característica mais importante do MEG á a de ser um modelo sistêmico (entendimento das
relações de interdependência entre os diversos componentes de uma organização, bem como entre
a organização e o ambiente externo); portanto, como benefício de buscar a estruturação e o
alinhamento dos componentes da gestão das organizações sob a ótica de um sistema. (FNQ, 20092010).
Tudo isso como foco em sua visão, cujo horizonte era até 2010 ser reconhecido como
referência em ações educacionais e disseminação do conhecimento. Daí, a faculdade passou a ter
uma meta que iria muito além de uma premiação. Ela é encarada como uma forma de autoavaliação
e de melhoria contínua. Vão inserindo-se no cotidiano da faculdade ferramentas e programas de
qualidade como os 5 Ss até o mapeamento do processo. Como forma de integração e disseminação
dos conceitos, a faculdade adotou o Café Senac, que se revela um ponto muito positivo de
integração e valorização de todos os profissionais da instituição.
A pós-graduação lato sensu, como produto próprio do Senac, foi instituída em 2006 e nesse
mesmo ano o Senac recebeu, pela participação no PCE (Prêmio Catarinense da Excelência) o
Troféu Prata, o que demonstrou que a faculdade caminha rumo a excelência na área de educação.
Nos anos seguintes a faculdade de Santa Catarina reforçou sua posição quanto á metodologia de
gestão, usando como avaliação de desempenho o BSC (Balanced Scorecard). Desse ponto em
diante, percebe-se a maturidade e os novos desafios semeados pela postura empreendedora nos
últimos anos.
Analisando todo o processo, observa-se que as estratégias da organização parecem ter sido
influenciadas em parte pelo movimento de mercado e pelas exigências da clientela e das
regulamentações. Esse movimento dinâmico de mercado despertou o empreendedorismo com o
objetivo de preencher os espaços deixados pelas concorrentes.
Outro salto do Senac de Santa Catarina, identificado no período de expansão
empreendedora, provocou um grande crescimento de infraestrutura, de pessoal e de abrangência.
Tal fato gerou impacto no fluxo de comunicação, nos processos internos e na definição dos papéis
organizacionais, entre outros fatores, além do efeito na situação financeira da instituição. Para isso,
a faculdade teve como apoio metodológico o MEG. Nesse sentido, Mintzberg (1998) chama a
atenção para o fato de que, depois das mudanças em larga escala, as organizações necessitam de
alguma estabilidade, a fim de ordenar o caos resultante.
No processo de adaptação estratégica do Senac, é possível identificar tanto a existência de
estratégias planejadas quanto de estratégias emergentes. Um exemplo disso foi a decisão de
expandir seu portfólio. As ações nesse sentido foram sendo feitas gradativamente, testando o
169
mercado. Com isso, poucas estratégias são puramente deliberadas. Da mesma forma, poucas são
totalmente emergentes. Todas as estratégias da vida real precisam misturar as duas de alguma
forma, exercendo o controle e ao mesmo tempo fomentando o aprendizado (MINTZBERG, 2000).
No que diz respeito à postura estratégica da faculdade, pode-se afirmar que a coleta de
dados foi, no todo, analista (MILES; SNOW, 1978). Organizações analistas adotam comportamentos
mistos, variando entre defensoras e prospectoras/exploradoras. Ao mesmo tempo em que atuam de
forma rotineira e eficiente, utilizam estrutura e processos formalizados. Essas organizações
acompanham seus competidores, adotando as ideias que lhes sejam mais promissoras. Com isso,
entre as várias tipologias que procuram classificar as organizações quanto a seu comportamento
estratégico, a de Miles e Snow (1978) parece ser a mais coerente para o caso do Senac de Santa
Catarina, pois fundamenta-se na perspectiva da escolha estratégica, considerando-se as
organizações em interação dinâmica com o ambiente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história do Senac de Santa Catarina apresenta características que permitiram o estudo de
fenômenos pouco discutidos na literatura sobre instituições de ensino. Fatos ocorridos pela decisão
da coalizão dominante chamaram a atenção dos pesquisadores. Mencionam-se o crescimento
acelerado nos últimos anos, a entrada com produtos até então fora de seu portfólio e a força do
acaso moldando as estratégias da organização.
De acordo com as análises teóricas dos períodos, torna-se possível fazer algumas considerações
sobre o processo de adaptação estratégica do Senac de Santa Catarina.
1 O processo de adaptação foi fortemente influenciado pela regulamentação, em especial,
pela LDB, depois de 1996.
2 O mercado, embora em expansão, havia deixado um espaço a ser preenchido por
instituições competentes, empreendedoras e disciplinadas.
3 Diante das considerações anteriores, pode-se afirmar que as teorias que não reconhecem o
governo e a comunidade como importantes forças do ambiente organizacional tem, pelo menos para
esse caso, pouco poder explicativo.
4 As características do processo de formulação de estratégias dependem muito do estilo
gerencial do líder ou coalizão.
5 O processo de adaptação estratégica da faculdade envolve tanto aspectos institucionais
como o governo e a comunidade quanto técnico-econômicos como clientes e colaboradores
internos, os quais se mesclam de uma forma extremamente complexa, confirmando as constatações
de Scott (1983) quando afirma que, muitas vezes, torna-se difícil distinguir esses dois aspectos do
ambiente.
Pettigrew (1985) considera que a adaptação organizacional envolve vários níveis não só da
organização, mas também do ambiente, sendo esta influenciada tanto por coalizões internas quanto
por coalizões externas, o que se tornou um forte argumento para esta pesquisa.
Os resultados, ainda, nos levam a refletir sobre algumas metodologias utilizadas em estudos
sobre adaptação estratégica. Em essência, conclui-se que foi o processo simultâneo de coleta e
análise dos dados que permitiu obter uma descrição do processo rica em pormenores. Assim, as
informações importantes, mas muitas vezes imprecisas, obtidas por meio do contato direto com os
informantes, são complementadas à medida que são confrontadas com os dados já coletados e com
as explicações teóricas em construção. Assim, acredita-se que para o entendimento global, integral
e holístico da mudança ou da adaptação organizacional, a metodologia adotada deve contemplar
técnicas qualitativas de análise que englobem o conteúdo, o contexto e o processo das mudanças.
A principal contribuição deste estudo refere-se justamente à metodologia utilizada. Pode-se
buscar o entendimento de uma determinada mudança pelo isolamento de uma variável. Logo, podese concluir que o estudo, o qual busca compreender o contexto, o conteúdo e o processo da
mudança, parece de fato ser o mais apropriado para se estudar a adaptação organizacional.
Ainda com relação à contribuição deste estudo, observa-se que a evolução do Senac de
Santa Catarina caminha para um posicionamento estratégico olhando produtos e serviços, o que
representa a gestão baseada no portfólio. Os esquemas interpretativos desse tipo de
170
posicionamento serão identificados com base nas crenças e valores compartilhados pelos dirigentes
do nível estratégico das organizações, o que gerará futuros estudos prescritivos.
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172
173
GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA
NOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS
DE PORTE MÉDIO DEPOIS DA LRF
THE FINANCIAL MANAGEMENT AND BUDGET
OF THE BRAZILIAN MEDIUM-SIZED
MUNICIPALITIES AFTER LRF
LA GESTIÓN FINANCIERA Y PRESUPUESTARIA DE
LOS MUNICIPIOS BRASILEROS DE
TAMAÑO MEDIO DESPUÉS DE LA LRF
WILLSON GERIGK
Mestre em Contabilidade,
Professor de Ciências Contábeis (UNICENTRO)
ADEMIR CLEMENTE
Pós-doutor pela Universidade de Londres,
Professor do Mestrado em Contabilidade (UFPR)
MARINÊS TAFFAREL
Mestre em Contabilidade,
Professora de Ciências Contábeis (UNICENTRO)
174
RESUMO
O objetivo deste artigo é verificar o comportamento da gestão pública municipal depois do advento
da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e nos períodos subsequentes à sua vigência. A amostra é
formada pelos municípios brasileiros que, no exercício de 1998, apresentavam população entre 100
mil e 1 milhão de habitantes. O período de análise compreende os exercícios de 1998, 2000, 2004 e
2008. A metodologia aplicada caracteriza a pesquisa como descritiva, bibliográfica e documental. A
abordagem do problema é quantitativa, com emprego da técnica estatística de diferenças de médias.
Conclui-se que a vigência da LRF impactou positivamente a gestão dos municípios brasileiros de
porte médio e que, nas gestões seguintes à sua vigência, houve maior controle sobre a execução
orçamentária municipal.
Palavras-chave: municípios brasileiros, gestão financeira municipal, Lei de Responsabilidade Fiscal.
ABSTRACT
This paper aims at investigating the behavior of municipal public administration since the advent of
the Fiscal Responsibility Law (LRF) and subsequent periods. The sample comprises the
municipalities that in fiscal year of 1998 had population between 100,000 and 1 million inhabitants.
The period of analysis covers the fiscal years of 1998, 2000, 2004 and 2008. The methodology is
characterized as descriptive, bibliographical and documental. The approach is quantitative,
employing the statistical technique of mean differences. We conclude that the LRF presented positive
impact on the management of medium-sized municipalities and that the administrations following the
LRF enactment presented better control over the municipal budget execution.
Keywords: brazilian municipalities, municipal financial management, Fiscal Responsibility Law.
RESUMEN
El objetivo de este trabajo es investigar el comportamiento de la administración pública municipal
desde el advenimiento de la Ley de Responsabilidad Fiscal (LRF) para los períodos subsiguientes de
validez. La muestra se compone de los municipios que en el año fiscal 1998 tenía una población
entre 100.000 y 1 millón de habitantes. El período de análisis abarca los años 1998, 2000, 2004 y
2008. La metodología se caracteriza por ser una investigación descriptiva literatura, y de los
documentos. El enfoque es un problema cuantitativo, empleando la técnica estadística de las
diferencias de medias. Llegamos a la conclusión de que la duración de la LRF ha impactado
positivamente la gestión de los municipios de tamaño medio y que la administración siguiente al de
su duración fue mayor control sobre la ejecución del presupuesto municipal.
Palabras claves: municipios brasileños, gestión financiera municipal, Ley de Responsabilidad Fiscal.
175
1 INTRODUÇÃO
A administração pública no Brasil, nos últimos anos, vem convivendo com profundas
mudanças de ordem financeira, estrutural e comportamental. Um dos principais fatores que contribui
para esse processo é a aprovação da Lei Complementar nº 101, de 4/5/2000, denominada Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), que foi instituída com o objetivo de disciplinar a administração
pública em todos os níveis de governo, buscando o controle, normalização e fiscalização dos
gestores públicos. Dentre os principais objetivos da LRF, destaca-se o combate aos déficits crônicos
da administração pública brasileira, por intermédio do aprimoramento do processo de planejamento,
de maior rigidez na execução dos orçamentos e do controle do endividamento.
Ao impor normas de planejamento e controle mais completas e rigorosas, a LRF contribui
para que a contabilidade pública amplie sua utilidade informacional e atue como sistema de apoio
fundamental ao processo decisório dos gestores públicos e de acompanhamento de resultados. Para
Jund (2008, p. 04), as exigências da LRF “[...] fizeram com que a Contabilidade Governamental
deixasse de ficar restrita [...] ao objetivo da prestação de contas.” A partir desse fato, o gestor público
passou a ter de estudar formas que permitam o controle efetivo do governo, com o objetivo de
buscar sempre a transparência das demonstrações contábeis e financeiras, a fim de que todos os
cidadãos possam compreender a ação dos governantes.
No Brasil, a Constituição Federal assegura aos municípios capacidade tributária plena, além
de garantir-lhes participações nas receitas tributárias dos Estados e da União. Os municípios de
menor porte apresentam maior dependência em relação às transferências constitucionais
provenientes dos Estados e da União, em decorrência de menor capacidade de geração de receitas
próprias. Os municípios de maior porte mostram capacidade de arrecadação mais expressiva e,
consequentemente, menor dependência financeira relativamente aos Estados e a União,
conjuntamente.
Entretanto, os municípios brasileiros de porte médio, apesar de contarem com maior
capacidade de arrecadação, demonstram pesadas e crescentes demandas por serviços públicos, o
que os obriga a aplicar quase a totalidade de seus recursos na manutenção de estruturas
operacionais básicas (pessoal e outras despesas correntes). Tais estruturas atingem elevada
complexidade, exigindo dos gestores municipais enorme capacidade administrativa, operacional e
financeira.
Os municípios brasileiros de porte médio, para fins desta pesquisa, são os que possuem
população entre 100 mil e 1 milhão de habitantes. A tabela 1 destaca características relevantes
desse segmento e permite a comparação com o total de municípios.
TABELA 1 – CARACTERÍSTICAS DOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS DE PORTE MÉDIO (BASE 2008)
CARACTERÍSTICAS
MUNICÍPIOS
PORTE
MÉDIO
5.563
239
184
63
orçamento per capita
1.381,09
1.313,97
transferências dos Estados em relação às receitas totais
23,36%
26,00 %
quantidade
população – em milhões de habitantes
176
transferências da União em relação às receitas totais
17,90%
11,62%
receitas tributárias em relação às receitas totais
17,45%
18,45%
gastos com pessoal em relação às receitas correntes
40,08%
40,45%
outras despesas de manutenção em relação às receitas correntes
40,64%
39,70%
investimentos em relação às despesas totais
12,69%
11,93%
FONTE: Os autores (2010).
Os municípios de porte médio representam aproximadamente 5% do número total, mas
congregam mais de um terço da população brasileira. Seu valor orçamentário per capita é pouco
inferior à média. São relativamente mais aquinhoados com transferências dos Estados, menos
beneficiados com transferências da União e apresentam capacidade tributária pouco superior à
média dos municípios. Os gastos com pessoal como proporção das receitas correntes se situam
levemente acima da média, enquanto apresentam pequena economia em relação a outras despesas
com manutenção. Para os municípios de porte médio, a participação dos investimentos nas
despesas totais se posiciona abaixo da média, o que revela capacidade relativamente reduzida de
ampliar e melhorar os serviços públicos.
Em consonância com as alterações observadas na economia global, a administração pública
de todas as esferas tem buscado abandonar o enfoque exclusivamente legalista e emprestar maior
importância aos resultados (OSBORNE; GAEBLER, 1995).
Apesar de a administração pública no Brasil ter concluído, no final de 2008, dois mandatos
municipais sob a vigência da LRF, ainda não são claras as mudanças proporcionadas pela lei, nem
mesmo se essas modificações realmente ocorreram. Então, diante da relevância das finanças
públicas e da importância econômica dos municípios brasileiros de porte médio, o presente artigo
busca responder ao seguinte questionamento: que impactos a LRF provocou sobre a gestão
financeira dos municípios brasileiros de porte médio?
O objetivo geral é identificar o comportamento da gestão pública municipal diante do advento
da LRF e nos períodos subsequentes à sua vigência, nos municípios brasileiros com população
entre 100 mil e 1 milhão de habitantes. O presente artigo é composto de cinco seções. Após a
introdução, aborda-se a fundamentação teórica. Em seguida, apresenta-se a metodologia utilizada.
Na outra seção, são apresentados e discutidos os resultados da pesquisa empírica. Por fim,
apresenta-se a conclusão.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Os fundamentos teóricos apresentados a seguir se referem à administração pública
municipal, à gestão financeira municipal e à LRF.
2.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL E
GESTÃO FINANCEIRA MUNICIPAL
Os objetivos dos entes públicos (Federal, estaduais e municipais) são atender às
necessidades da população, as quais são crescentes, mediante a administração dos recursos
públicos. Segundo Bobbio (1998 apud MATIAS-PEREIRA, 2008, p. 61), a administração pública
[...] designa o conjunto das atividades diretamente destinadas à execução das tarefas ou
incumbências consideradas de interesse público ou comum, numa coletividade ou numa
organização estatal.
177
Para Meirelles (2003, p. 63), o governo é responsável pela condução dos negócios públicos,
utilizando os poderes e órgãos que o integram para atingir os objetivos dele. O autor afirma,
também: “A Administração é o instrumental de que dispõem o Estado para pôr em prática suas
opções de Governo.” (Ibid., p. 64). Assim, o Estado, que tem a responsabilidade de atender às
demandas da sociedade, com serviços públicos de qualidade, os realiza por meio da administração
pública.
O município, como unidade político-administrativa, surgiu com a República Romana,
interessada em manter a dominação pacífica sobre as cidades conquistadas. Os vencidos ficavam
sujeitos, desde a anexação, às imposições do Senado, mas, em troca da fiel obediência às leis
romanas, a República concedia-lhes certas prerrogativas, que variavam de simples direitos privados
até ao privilégio político de eleger seus governantes e dirigir suas cidades (MEIRELLES, 2003, p. 3132).
Na opinião de Slomski (2003), os municípios, no Brasil, existem desde o período colonial e
tiveram na Constituição de 1988 seu ápice no que diz respeito à autonomia. Para Menezes (2002), o
município é reconhecido como a instituição que pode levar de forma mais eficiente e eficaz a
presença do poder público ao interior do País, além de poder desempenhar o papel de agente do
desenvolvimento econômico local.
Matias e Campello (2000) corroboram esse entendimento afirmando que é no município, a
menor unidade administrativa da Federação, onde se apresentam as condições mais adequadas
para que seja formado um quadro nacional democrático e onde são geradas as situações mais
favoráveis para intervenção. O poder público local está mais próximo dos problemas e é suscetível a
controle mais direto da sociedade. Para atender às demandas e aos anseios da população, as
administrações municipais prestam serviço público, direta ou indiretamente, respeitando suas
competências e seus limites territoriais.
A gestão pública envolve a interpretação de objetivos a fim de transformá-los em ação
organizacional por meio do planejamento, da organização, da direção e do controle, devendo ser
entendida como o conjunto de ideias, atitudes, normas e processos que determinam o modo de
distribuir e exercer a autoridade política, e de atender aos interesses públicos (MATIAS-PEREIRA,
2007, p. 5). A função da gestão pública é disponibilizar os serviços públicos necessários à
população, mediante a execução do orçamento público. Em relação aos municípios, a gestão está
associada às questões de interesse local e abrange aspectos orçamentários, financeiros e
patrimoniais.
As melhorias da gestão pública, em seus aspectos financeiros, econômicos, sociais e de
gestão dependem da correta e persistente gestão dos recursos financeiros, porque no ambiente
público municipal, como de resto em todo o setor público, tais melhorias estão ligadas às receitas e
às despesas, ou seja, revelam-se como relações basicamente financeiras.
2.2 LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (LRF)
Até 1929 a gestão econômica exigia orçamentos equilibrados, despesas nunca maiores do
que as receitas. O poder público possuía funções limitadas, e predominava o pensamento clássico
da economia política. Com a crise de 1929, que levou à depressão mundial, com falências em série
e desemprego generalizado, foi colocado em prática o modelo keynesiano, pensado para combater a
crise, que se baseava no déficit governamental. Os gastos deficitários estimularam a atividade
econômica, atenuando as frequentes crises da economia de mercado e garantiram investimentos em
infraestrutura, modelo que perdurou até a década de 80 (TOLEDO JR.; ROSSI, 2005, p. 7-8).
Na metade da década de 80, entrou em crise o modelo político do Estado Provedor do BemEstar Social (Welfare State), com base no modelo keynesiano. Tornaram-se evidentes as
insuficiências das concepções que enxergavam no Estado o provedor direto do bem-estar da
população, incluindo o emprego. Desencadeou-se um processo no sentido de repensar a
administração pública, tendo como referência as reais possibilidades orçamentárias, bem como suas
finalidades principais (MATIAS-PEREIRA, 2006, p. 95).
178
Na década de 80, o Brasil passou por uma transição de regime político, com o afastamento
dos militares. No encerramento do período militar, em 1984, a situação econômica e financeira do
País era gravíssima. O primeiro governo civil, após o período militar foi marcado por vários planos
econômicos visando controlar a inflação e fomentar o crescimento econômico, os quais não deram
resultados. O segundo governo civil também instituiu planos econômicos sem sucesso, não
conseguindo conter a inflação nem promover o crescimento econômico. Como agravante, houve o
impeachment do presidente. O vice-presidente assumiu em 1992, afirmando que o combate à
inflação deveria começar pelo controle do déficit público e de outras reformas necessárias, como a
administrativa. As medidas adotadas pelo Plano Real promoveram a estabilidade econômica no País
e a derrubada da inflação, o que garantiu a eleição de seu idealizador em 1994 (NASCIMENTO,
2006).
Nas duas gestões presidenciais subsequentes (1995 a 2002), foram promovidas várias
reformas visando ao fortalecimento da economia, das finanças públicas e da estrutura do Estado
brasileiro com o objetivo de adaptá-lo às novas realidades da economia mundial, tais como reforma
administrativa e previdenciária, desregulamentação de mercados, flexibilização das regras de
contratação de mão de obra, privatizações (NASCIMENTO, 2006). Foram criados e regulamentados
os programas de Estabilidade Fiscal (PEF), Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional
(PROER), Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal de Estados, Plano Diretor de Reforma do
Aparelho do Estado, medidas que objetivavam manter a estabilidade fiscal.
A tarefa de tornar o Estado menos caro e eficiente exige um maior controle dos gastos
públicos e uma maior transparência na aplicação dos recursos. O Brasil, como outros países, vem
desenvolvendo medidas para alcançar um Estado menor, mais ágil e inteligente. A proposta da
elaboração e aprovação da LRF surgiu nesse contexto (MATIAS-PEREIRA, 2006, p. 306).
Depois de maio de 2000, o plano de estabilização fiscal recebeu um reforço importante, com
a promulgação da Lei Complementar n° 101, a LRF, com o objetivo de intensificar o controle da
dívida pública, expandido as premissas do Plano Real a todas as esferas de governo. Com o
equilíbrio das contas públicas, Estados e municípios, assim como o governo federal, foram inseridos
em um programa de desenvolvimento autossustentável, o que implica restringir os gastos de acordo
com as receitas (NASCIMENTO, 2006, p. 31).
Segundo Nascimento e Debus (2002), a LRF traz uma nova noção de equilíbrio para as
contas públicas: o equilíbrio das contas primárias, traduzido no resultado primário equilibrado.
Significa, em outras palavras, que o equilíbrio a ser buscado é o equilíbrio autossustentável, ou seja,
o que prescinde de operações de crédito, portanto não implica aumento da dívida pública. Para os
autores, a dívida pública é o principal problema de ordem macroeconômica enfrentado pelo País nos
últimos tempos, em todos os níveis de governo, e o controle da dívida pública é um dos principais
motivos para a adoção de uma lei como a LRF.
A LRF, segundo Nascimento e Debus (2002), Toledo Jr. e Rossi (2005), além de Nascimento
(2006), incorpora alguns princípios e normas decorrentes de experiências internacionais aplicadas à
correção de problemas semelhantes. No quadro 1, são apresentadas as principais características
das experiências internacionais sobre ajuste fiscal.
QUADRO 1 – PRINCIPAIS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
SOBRE AJUSTE FISCAL
EXPERIÊNCIAS
INTERNACIONAIS
Fundo Monetário Internacional
– Fiscal Transparency
Comunidade Econômica
Europeia – Tratado de
Maastricht
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
1 Transparência dos atos que envolvam atividades fiscais passadas,
presentes e programadas ou futuras.
2 Reforça o planejamento.
3 Informações orçamentárias apresentadas periodicamente aumentando
a publicidade e a prestação de contas.
1 Critério para verificação da sustentabilidade financeira dos Estados
membros.
2 Comprometimento dos membros com metas fiscais e com déficits
fiscais excessivos.
179
Nova Zelândia – Fiscal
Responsibility Act
EUA – Budget Enforcement
Act
3 Metas orçamentárias e para o endividamento, monitoradas por uma
comissão.
1 O Executivo tem liberdade para orçar e gastar, porém exige-se forte
transparência sobre esses itens.
2 Redução das dívidas públicas a níveis prudentes.
3 Alcançar e manter níveis de patrimônio líquido para enfrentar possíveis
riscos fiscais.
4 Gerenciamento dos riscos fiscais existentes.
1 Aplicado apenas ao governo federal.
2 Congresso fixa metas de superávit, e os mecanismos de controle
seguem as regras do Budget Enforcement Act.
3 Sequestration: limitação de empenho para garantir limites e metas
orçamentárias.
4 Compensação orçamentária: atos que levem ao aumento das
despesas devem ser compensados com redução de outras despesas
ou aumento de receitas.
FONTE: Adaptação de Nascimento e Debus (2002); Toledo Jr. e Rossi (2005) e Nascimento (2006).
A gestão fiscal responsável é caracterizada pela fiel observância dos preceitos constitucionais
e legais, resultando na correta aplicação dos recursos pelas entidades públicas nos três níveis de
governo, nos três poderes e no Ministério Público. Em resumo, a LRF tem por objetivo prevenir os
déficits nas contas públicas, manter sob controle o nível de endividamento público, impedindo que os
gestores assumam obrigações e encargos sem a correspondente fonte de receita ou redução da
despesa, pois impõe a imediata correção dos desvios na conduta fiscal, com a finalidade de
assegurar o equilíbrio permanente das finanças públicas.
2.3 GESTÃO FINANCEIRA E LRF
A gestão pública envolve a interpretação de objetivos a fim de transformá-los em ações por
meio do planejamento, da organização, da direção e do controle. Compreende o conjunto de ideias,
atitudes, normas e processos que determinam a forma de distribuir e de exercer a autoridade política
e de se atenderem aos interesses públicos (MATIAS-PEREIRA, 2007).
Para Silva (2004, p. 179), a gestão pública está relacionada com “[...] os processos que visam
à obtenção, transformação, circulação, aplicação e consumo de bens com o fito de atingir a
finalidade proposta pela administração”.
A função da gestão pública é disponibilizar os serviços necessários à população, mediante a
execução orçamentária. Em relação aos municípios, a gestão está associada às questões de
interesse local e abrange aspectos orçamentários, financeiros e patrimoniais. Segundo D’Auria,
(1962, p. 63), as finanças públicas
[...], em sua vasta e ilimitada atuação, enfrentam e resolvem os problemas de natureza econômica
que se desencadeiam da função de governo, donde se conclui que a função financeira se enquadra
na ordem política e econômica do Estado.
Matias e Campello (2000, p. 40), afirmam que “[...] finanças públicas referem-se ao conjunto
de problemas relacionados ao processo de receitas-despesas governamentais e dos fluxos
monetários.”
Os entes públicos possuem a responsabilidade de viabilizar o funcionamento dos serviços
públicos essenciais demandados pela coletividade. Para atingir esse objetivo, necessitam de
recursos financeiros, que são obtidos por meio de várias fontes. O custeio das necessidades
públicas realiza-se por meio da transferência de parcelas dos recursos dos indivíduos e das
empresas para os governos, completando assim o círculo financeiro entre sociedade e Estado
(MATIAS-PEREIRA, 2006, p. 133-134). Essa relação é a principal preocupação das finanças
públicas. Segundo o mesmo autor, o objeto precípuo das finanças públicas é a atividade fiscal
desempenhada com o propósito de obter e aplicar recursos para o custeio dos serviços
disponibilizados aos cidadãos, sendo orientada segundo duas direções: a) política tributária, que se
180
materializa na captação de recursos, para atendimento das funções da administração pública; b)
política orçamentária, que se refere especificamente aos gastos, ou seja, aos atos e medidas
relacionados com a forma da aplicação dos recursos, levando em consideração a dimensão e a
natureza das atribuições do poder público, bem como a capacidade e a disposição para seu
financiamento pela população.
No âmbito municipal, a gestão financeira refere-se aos procedimentos empregados na
obtenção e administração dos recursos financeiros (receitas públicas), necessários para a realização
dos serviços públicos e dos programas de interesse local, que constam no orçamento municipal e
são executados ou desenvolvidos por intermédio das despesas públicas. Os municípios, para o
desempenho de suas atividades e realização de seus fins, precisam obter meios financeiros, pela
exploração de seu patrimônio, pelas contribuições representadas pelos tributos municipais e pela
participação nas receitas do governo estadual e da União. Essa atividade que os municípios
desenvolvem para atendimento das necessidades públicas é denominada, por Silva (2004) gestão e
administração financeira e consiste em obter, criar, gerir e despender os recursos financeiros
indispensáveis àquelas necessidades.
A gestão financeira preocupa-se com os recursos financeiros para o desenvolvimento das
atividades inerentes à administração pública municipal, tanto no que se refere às atividades-meio
como às atividades-fim, que devem ser geridas pelo ente local. Na figura 1, é apresentado o ciclo da
gestão financeira municipal.
FIGURA 1 – CICLO DA GESTÃO FINANCEIRA MUNICIPAL
FONTE: Os autores (2010).
A gestão financeira municipal é baseada na relação entre receitas e despesas: as receitas
são administradas com a finalidade de prover a realização dos serviços públicos municipais, que são
efetivados por meio das despesas. Nos pequenos municípios, as receitas que têm origem em seu
espaço geográfico, tributos municipais, são geralmente menos expressivas do que as participações
constitucionais nas receitas federais e estaduais.
Os munícipes contribuem diretamente para as receitas do município, por meio dos cobrados,
assim como com os demais contribuintes para as receitas da União e dos Estados. Tais tributos,
181
contribuições e serviços são, em parte, repassadas aos municípios na forma de transferências
(constitucionais ou voluntárias) ou, ainda, na forma de empréstimos.
3 METODOLOGIA
A metodologia aplicada caracteriza a pesquisa como descritiva quanto aos objetivos. Os
procedimentos foram realizados por meio de pesquisa bibliográfica e documental. A abordagem do
problema é quantitativa, com o emprego da técnica estatística de análise de diferenças de médias. O
universo da pesquisa compreende os municípios brasileiros com população entre 100 mil e 1 milhão
de habitantes. A amostra é constituída pelos municípios que se encontravam nessa faixa
populacional, no exercício de 1998, totalizando 168. Os dados relevantes são analisados para esses
municípios no final das três gestões, propiciando, dessa forma, a possibilidade de comparação.
Os dados utilizados foram coletados na base Finanças do Brasil (FINBRA), da Secretaria do
Tesouro Nacional (STN), que apresenta as contas públicas de Estados e municípios brasileiros. O
período de análise é mostrado na figura 2.
FIGURA 2 – ESTÁTICA COMPARATIVA ADOTADA NA PESQUISA
1998
Antes
da LRF
2004
1ª Gestão
Pós LRF
2008
2ª Gestão
Pós LRF
FONTE: Os autores (2010).
As variáveis empregadas referem-se aos indicadores de gestão apresentados no quadro 1,
por meio das quais se analisaram a liquidez, a situação financeira, o resultado orçamentário e o
comprometimento, além da aplicação das receitas correntes, possibilitando demonstrar o
desempenho dos municípios estudados.
182
QUADRO 2 – VARIÁVEIS DA PESQUISA
VARIÁVEIS DE
FÓRMULA
INDICAÇÃO
GESTÃO
Liquidez imediata
(LI)
LI =
Liquidez geral (LG)
LG =
Ativo Financeiro
Passivo Financeiro + Passivo Permanente
Recursos financeiros (disponibilidades +
créditos) em relação às obrigações
totais.
Índice de
investimento próprio
(IIP)
IIP =
Desp. Investimentos - Rec. de Capital
Receitas Correntes
Montante das receitas correntes
aplicadas em novos investimentos
públicos.
Índice de encargos
da dívida (IED)
IED =
Desp. Juros + Desp. Amortizações
Receitas Correntes
Montante das receitas correntes
empregadas nos encargos da dívida
pública.
Índice de poupança
própria (IPP)
IPP =
Superávit Corrente
Receitas Correntes
Porcentual de poupança das receitas
correntes, conseguido na execução
orçamentária.
Índice de superávit
do orçamento
corrente (ISOC)
ISOC =
Disponibilidades
Passivo Financeiro
Receitas Correntes - Despesas Correntes
Despesas Orçamentárias Totais
Disponibilidades em relação às
obrigações financeiras de curto prazo.
Porcentual das despesas
orçamentárias custeadas pelo
superávit do orçamento corrente.
FONTE: Adaptado de Matias e Campello (2000); Kohama (2000); Andrade (2007).
Para verificar se existem evidências de alteração no comportamento das médias das variáveis
de gestão nos municípios brasileiros de porte médio, diante do advento da LRF e nos dois períodos
administrativos subsequentes a sua vigência, formularam-se as seguintes hipóteses estatísticas:
Vigência da LRF
1ª Gestão pós LRF
2ª Gestão pós LRF
H0 : µ1998 = µ2000, a média do período de 1998 é igual à média observada em
2000.
H1 : µ1998 ≠ µ2000, a média do período de 1998 é diferente da média do período
de 2000.
H0 : µ2000 = µ2004, a média do período de 2000 é igual à média observada em
2004.
H1 : µ2000 ≠ µ2004, a média do período de 2000 é diferente da média observada
em 2004.
H0 : µ2004 = µ2008, a média do período de 2004 é igual à média observada em
2008.
H1 : µ2004 ≠ µ2008, a média do período de 2004 é diferente da média observada
em 2008.
Os testes de hipótese foram realizados com nível de significância de 5%.
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Nesta seção, os resultados são apresentados e analisados, assim como são efetuados os
testes das hipóteses da pesquisa.
183
4.1 ANÁLISE DOS EXERCÍCIOS DE 1998 E 2000
A primeira hipótese refere-se aos exercícios de 1998 e 2000, objetivando verificar se as
variáveis estudadas se modificaram significativamente com a vigência da LRF. Os resultados obtidos
constam da tabela 2.
TABELA 2 – TESTE DE DIFERENÇA DE MÉDIAS ENTRE OS
EXERCÍCIOS DE 1998 E 2000
VARIÁVEIS
DE
EXERCÍCIOS
GESTÃO
Liquidez imediata (LI)
ESTATÍS-
MÉDIAS
ESTATÍSTICA
SIG.
TICA
SIG.
GRUPOS
F
(0,05)
t
(0,05)
1998
0,2776
2000
0,5940
1998
0,1860
2000
0,2222
1998
0,0779
2000
0,0695
1998
0,0386
2000
0,0241
1998
0,0504
2000
0,1117
1998
0,0592
2000
0,1155
21,5808
4,9502
0,0000
0,0268
df
-3,6960
0,0003
334,00
-3,6960
0,0003
221,35
-1,2379
0,2166
334,00
-1,2379
0,2167
316,65
0,9290
0,3536
334,00
0,9290
0,3538
255,41
4,5093
0,0000
334,00
4,5093
0,0000
254,41
-3,8291
0,0002
334,00
-3,8291
0,0002
239,52
-5,0546
0,0000
334,00
-5,0546
0,0000
329,96
Liquidez geral (LG)
Índice de investimento
próprio (IIP)
Índice de encargos da dívida
(IED)
Índice de poupança própria
(IPP)
Índice de superávit do
orçamento corrente (ISOC)
9,4025
19,4576
3,9000
0,9298
0,0023
0,0000
0,0491
0,3356
FONTE: Os autores (2010).
Como se observa, a estatística F da variável índice de superávit do orçamento corrente é
igual a 0,9298 com significância de 0,3356. Assim, assume-se que a variável foi extraída de
populações com a mesma variância, mas, para as demais variáveis, rejeita-se tal suposição. Nesse
184
caso, deve ser analisada a segunda linha da estatística t, para testar a hipótese de igualdade das
médias das variáveis entre os exercícios estudados.
A variável indicativa de liquidez imediata apresenta estatística t igual a -3,6960 e significância
igual a 0,0003, demonstrando que existem diferenças significativas entre as médias dos exercícios
de 1998 e 2000. Os resultados das variáveis índice de encargos da divida, índice de poupança
própria e índice de superávit do orçamento corrente, de forma semelhante, revelam a existência de
diferenças entre as médias de 1998 e 2000.
Os resultados obtidos para as variáveis liquidez geral e índice de investimento próprio, com
estatística t igual -1,2379 e 0,9290, bem como significâncias iguais a 0,2167 e 0,3538,
respectivamente, implicam não rejeitar a hipótese nula de igualdade entre as médias dessas
variáveis para os municípios brasileiros de porte médio.
4.2 ANÁLISE DOS EXERCÍCIOS DE 2000 E 2004
A comparação entre os exercícios de 2000 e 2004 busca observar o comportamento da
gestão financeira dos municípios de porte médio no período imediato após a LRF. Os resultados são
mostrados na tabela 3.
TABELA 3 – TESTE DE DIFERENÇA DE MÉDIAS ENTRE OS
EXERCÍCIOS DE 2000 E 2004
VARIÁVEIS DE GESTÃO
EXERCÍCIOS
MÉDIAS
ESTATÍSTICA
GRUPOS
F
2000
0,5940
2004
2,4916
2000
0,2222
2004
0,4246
2000
0,0695
2004
0,0771
2000
0,0241
2004
0,0268
2000
0,1117
2004
0,1674
2000
0,1155
7,4652
SIG.
(0,05)
0,0066
ESTATÍSTICA
t
SIG.
df
(0,05)
-2,1110
0,0355
334,00
-2,1110
0,0362
169,61
-3,3074
0,0010
334,00
-3,3074
0,0011
220,21
-1,3790
0,1688
334,00
-1,3790
0,1689
322,51
-1,2923
0,1971
334,00
-1,2923
0,1971
333,06
-6,6073
0,0000
334,00
-6,6073
0,0000
300,21
-6,5119
0,0000
334,00
Liquidez imediata (LI)
7,4685
0,0066
Liquidez geral (LG)
Índice de investimento
próprio (IIP)
Índice de encargos da dívida
(IED)
Índice de poupança própria
(IPP)
Índice de superávit do
5,6539
0,4340
11,2339
5,9378
0,0180
0,5105
0,0009
0,0153
185
orçamento corrente (ISOC )
2004
0,1765
-6,5119
0,0000
313,58
FONTE: Os autores (2010).
Como se observa na tabela 3, a estatística F da variável índice de encargos da dívida igual a
0,4340 e significância de 0,5105, demonstra que a variável é extraída de populações com a mesma
variância, porém, para as demais variáveis rejeita-se tal suposição.
De acordo os resultados obtidos, as variáveis liquidez imediata, liquidez geral, índice de
poupança própria e índice de superávit do orçamento corrente apresentam valores da estatística t
superiores ao valor crítico. Dessa forma, aceita-se, para essa variáveis, que existem diferenças
significativas entres as médias dos exercícios de 2000 e 2004, nos municípios brasileiros com
população entre 100 mil e 1 milhão de habitantes. As variáveis índice de investimento próprio e
índice de encargos da divida com valores da estatística t de
-1,3790 e -1,2923, assim como
significância de 0,1688 e 0,1971, respectivamente, apresentam igualdade de médias entre os
exercícios de 2000 e 2004.
4.3 ANÁLISE DOS EXERCÍCIOS DE 2004 E 2008
A terceira comparação envolve os exercícios de 2004 e 2008, tendo por finalidade verificar o
comportamento das variáveis estudadas na segunda gestão após LRF. A tabela 4 apresenta os
resultados obtidos.
TABELA 4 – TESTE DE DIFERENÇA DE MÉDIAS ENTRE OS
EXERCÍCIOS DE 2004 E 2008
VARIÁVEIS DE GESTÃO
EXERCÍCIOS
MÉDIAS
GRUPOS
Liquidez imediata (LI)
2004
2,4916
2008
2,5740
2004
0,4246
2008
0,5933
2004
0,0771
2008
0,0716
2004
0,0268
2008
0,0291
ESTATÍSTICA
F
1,2745
1,8270
SIG.
(0,05)
0,2597
0,1774
ESTATÍSTICA
t
SIG.
df
(0,05)
-0,0864
0,9312
334,00
-0,0864
0,9312
210,14
-2,2623
0,0243
334,00
-2,2623
0,0243
325,91
1,0157
0,3105
334,00
1,0157
0,3105
326,48
-1,2051
0,2290
334,00
-1,2051
0,2290
332,86
Liquidez geral (LG)
Índice de investimento
próprio (IIP)
Índice de encargos da dívida
(IED)
5,7963
0,4564
0,0166
0,4998
186
2004
0,1674
2008
0,1893
Índice de superávit do
orçamento
2004
0,1765
Corrente (ISOC)
2008
0,2020
Índice de poupança própria
(IPP)
2,9108
4,1346
0,0889
0,0428
-2,9573
0,0033
334,00
-2,9573
0,0033
327,85
-2,8396
0,0048
334,00
-2,8396
0,0048
322,80
FONTE: Os autores (2010).
Como se observa na tabela 4, a estatística F das variáveis liquidez imediata, índice de
investimento próprio e índice de encargos da dívida apresenta significância maior que o nível
estabelecido, demonstrando que essas variáveis não apresentam diferenças significativas entre as
médias de 2004 e 2008.
Os resultados obtidos para os indicadores de liquidez geral, índice de poupança própria e
índice de superávit do orçamento corrente, revelam que as diferenças entre os exercícios de 2004 e
2008 são estatisticamente significativas.
4.4 RESUMO DOS RESULTADOS
O quadro 3 apresenta os resultados dos testes das hipóteses a respeito da influência da LRF
sobre o comportamento das variáveis de gestão dos municípios brasileiros de porte médio.
QUADRO 3 – RESUMO DOS TESTES DE HIPÓTESES
HIPÓTESES
VARIÁVEIS DE
GESTÃO
vigência LRF
(1998 e 2000)
1ª gestão pós LRF 2ª gestão pós LRF
(2000 e 2004)
(2004 e 2008)
Liquidez imediata
(LI)
H1 : µ1998 ≠ µ2000
H1 : µ2000 ≠ µ2004
H0 : µ2004 = µ2008
Liquidez geral
(LG)
H0 : µ1998 = µ2000
H1 : µ2000 ≠ µ2004
H1 : µ2004 ≠ µ2008
Índice de
investimento
próprio (IIP)
H0 : µ1998 = µ2000
H0 : µ2000 = µ2004
H0 : µ2004 = µ2008
Índice de
encargos da
dívida (IED)
H1 : µ1998 ≠ µ2000
H0 : µ2000 = µ2004
H0 : µ2004 = µ2008
Índice de
poupança própria
(IPP)
H1 : µ1998 ≠ µ2000
H1 : µ2000 ≠ µ2004
H1 : µ2004 ≠ µ2008
187
Índice de
superávit do
orçamento
H1 : µ1998 ≠ µ2000
H1 : µ2000 ≠ µ2004
H1 : µ2004 ≠ µ2008
Corrente (ISOC)
FONTE: Os autores (2010).
De acordo com o quadro 3, o índice de liquidez imediata, que representa o montante de
recursos disponíveis em relação às obrigações de curto prazo é estatisticamente diferente para os
exercícios anteriores à LRF (1998 e 2000), e o impacto ocorre ainda na primeira gestão. A liquidez
imediata, conforme as tabelas 2, 3 e 4, era 27%, em 1998; no exercício de 2000, seu valor se elevou
mais do que duas vezes e passou para 59%. No último exercício da primeira gestão depois da
vigência da LRF (2004), passou para aproximadamente 249%; no exercício de 2008, ficou em torno
de 257%. Torna-se perceptível que, mesmo se mostrando crescente em todo o período analisado, o
referido indicador é bem mais elevado após a LRF, quando comparado com as médias dos
exercícios anteriores à referida lei.
O índice de liquidez geral, que se refere ao montante de recursos financeiros em relação às
obrigações totais, embora seja crescente para todos os exercícios analisados, apresenta-se
estatisticamente diferente para os exercícios posteriores à LRF. O índice de investimento próprio,
relativo ao montante das receitas correntes aplicadas em novos investimentos públicos oscila entre
6% e 7%, em todo o período analisado. De acordo com os resultados obtidos, o referido indicador
não demonstra nenhum impacto da LRF.
Apesar de os resultados mostrarem que o índice de encargos da dívida diminuiu de 0,038,
em 1998, para 0,024, no ano de 2000, e essas médias serem estatisticamente significativas, nos
exercícios sob a vigência da LRF (2004 e 2008), o referido indicador, mesmo se mostrando
crescente, não apresenta modificações significativas do ponto de vista estatístico.
O Índice de poupança própria é crescente em todo o período analisado. Como se observa
nas tabelas 2, 3 e 4, em 1998, a média para essa variável era de aproximadamente 5%; em 2000,
seu montante se elevou para 11%; em 2004 atingiu em torno de 16%; em 2008, 18%. De acordo
com as análises, as referidas médias são estatisticamente diferentes entre si. Resultado semelhante
foi obtido para as médias do Índice de superávit do orçamento corrente, que objetiva analisar o
montante das despesas orçamentárias custeadas pelo superávit orçamentário, cujas médias se
mostram estatisticamente diferentes em todo o período analisado.
5 CONCLUSÃO
O presente artigo pretende contribuir para identificar os impactos da LRF sobre a gestão
financeira dos municípios brasileiros de porte médio, bem como para avaliar tais impactos. A
pesquisa teve por propósito verificar a existência de evidências estatísticas de alteração de
comportamento das variáveis representativas da gestão financeira municipal com o advento da LRF
e nas duas gestões subsequentes à vigência desta, nos municípios brasileiros com população entre
100 mil e um milhão de habitantes.
Os resultados da pesquisa revelam que a LRF influenciou o controle da execução
orçamentária dos municípios brasileiros de porte médio, propiciando a geração de superávits
correntes (IPP e ISOC) e trazendo alterações na liquidez imediata dos municípios pesquisados.
Ocorreram, ainda, mudanças nas despesas com encargos das dívidas contratadas, que diminuíram
de 1998 para 2000. Todavia, nesse período, a liquidez geral e o índice de investimento próprio não
foram impactados pela LRF.
Os indicadores, na primeira gestão pós LRF, apresentaram alterações quanto aos superávits
da execução orçamentária e provocaram mudanças na liquidez imediata e geral dos entes
municipais analisados de 2000 para 2004, demonstrando que um dos objetivos da LRF – o controle
188
da execução de receitas e despesas – ocorreu de forma efetiva nos municípios brasileiros de porte
médio.
Na segunda gestão pós-LRF, verifica-se que o controle sobre a execução orçamentária fazse presente, melhorando os indicadores de superávits e de liquidez. Nota-se que os dispêndios com
o endividamento público se apresentaram estáveis, mantendo os níveis estruturais registrados no
final da primeira gestão. Constatou-se que a LRF não provocou mudanças na capacidade de
investimento próprio dos municípios pesquisados.
Conclui-se que a LRF impactou de forma positiva a gestão nos municípios brasileiros de porte
médio, propiciando a geração de superávits orçamentários e financeiros. Nas duas gestões
seguintes à sua vigência, observa-se maior controle sobre a execução dos orçamentos públicos e,
consequentemente, sobre as contas públicas municipais – uma das premissas da referida lei.
Ressalte-se que os resultados obtidos estão limitados aos municípios brasileiros com
população entre cem mil e um milhão de habitantes e aos exercícios financeiros analisados. A
limitação está relacionada, também, às variáveis selecionadas, bem como à exatidão das
informações disponibilizadas pela base de dados FINBRA/STN.
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190
191
GESTÃO DO CONHECIMENTO E
CULTURA ORGANIZACIONAL:
ESTUDO DE CASO SOBRE A
NATURA COSMÉTICOS S.A.
ANTONIO ROBERTO DA COSTA
Mestrando em Administração
(Universidade Metodista de São Paulo)
192
RESUMO
Este artigo propõe-se a fazer uma reflexão sobre cultura organizacional, inteligência competitiva,
gestão da informação e do conhecimento, para a compreensão de alguns conceitos e a
aplicabilidade prática na empresa Natura Cosméticos S.A. Trata-se de um estudo que objetiva
mostrar como a inteligência competitiva, a cultura e a gestão do conhecimento e da informação e
que constitui um aprimoramento da informação que leva uma organização a perceber as mudanças
do ambiente externo e garantir sua permanência no mercado cada vez mais competitivo. E, para
isso, utiliza-se o método de estudo de caso, de natureza bibliográfica. Os resultados deste estudo
revelam as principais práticas adotadas pela Natura e como se destaca e se mantém no mercado
como uma das empresas mais admiradas do Brasil, num setor altamente competitivo. Concluímos
que a Natura, maior fabricante de cosméticos do País, apesar das crises mundiais, continua a
crescer e a dar lucro.
Palavras-chave: gestão do conhecimento, cultura organizacional e inteligência competitiva.
ABSTRACT
This article is due to provoke a reflection on Organization Culture, Competitive Intelligence,
Information and Knowledge Management, and intend to show how Natura Cosmeticos S.A. uses this
issues. This is a study which intends to show how Competitive Intelligence and Knowledge and
Culture Management work and that they are an innovation that leads an Organization to notice
external environmental changings and guarantee high levels of competitiveness, using Case Studies
and bibiographical search. The results of this search show the main practices used by Natura and
how the Company remains as one of the most admired in its so remarkable market specialities. We
got to a conclusion that Natura, great manufacturer of Cosmetics in Brazil, besides mondial crisis,
keeps on growing on profits .
Keywords: knowledge management, organizational culture, competitive intelligence.
193
1 INTRODUÇÃO
Este artigo foi desenvolvido como parte das atividades da disciplina de Inteligência
Competitiva, do Mestrado em Administração, da Universidade Metodista de São Paulo.
No mercado competitivo e globalizado, as empresas precisam desenvolver ou adquirir o
conhecimento e as habilidades necessárias, para que suas estratégias deem certo. De acordo com
seu presidente, em entrevista a uma revista de grande circulação no Brasil, a receita do sucesso
adquirido pela Natura, que é uma empresa líder do mercado de cosméticos, está relacionada, por
exemplo, com o bem-estar, responsabilidade social e utilização de matéria-prima biodegradável.
Criada há 40 anos, a Natura aposta no desenvolvimento de seus produtos e embalagens com o uso
de materiais que não agridem a natureza, além de investir em um programa de incentivo à pesquisa.
A empresa valoriza os recursos naturais e investe muito em inovação e tecnologia na substituição,
por exemplo, de matérias-primas sólidas para produtos biodegradáveis. Além disso, as embalagens
contam com uma tabela ambiental, em que o consumidor pode acompanhar quais materiais
biodegradáveis estão sendo utilizados no produto.
Segundo Porter (1991), a finalidade principal no processo de elaboração de estratégias e
inovação é a de relacionar a empresa ao ambiente, ou seja, aos aspectos sociais, culturais, políticos,
econômicos e ao setor em que a empresa compete. Ainda para Porter (1991), quando uma empresa
participa de um determinado mercado, a competição não se manifesta somente pelos concorrentes
de um setor. Isso depende das cinco forças competitivas: ameaças de entrada, poder de negociação
dos fornecedores, poder de negociação dos compradores, ameaça de produtos substitutos e
rivalidade entre concorrentes. As empresas vivem em um ambiente de mudanças rápidas, em que as
informações são muito abundantes e em que a gestão do conhecimento e a inteligência competitiva
são peças fundamentais para o crescimento dos negócios. A missão da Natura é a "Criação e
comercialização de produtos e serviços que contemplem e promovam o binômio bem-estar/estar
bem", pois bem-estar é a relação harmoniosa e agradável do indivíduo, consigo mesmo e com seu
corpo. Estar bem é a relação empática, bem-sucedida, prazerosa do indivíduo com o outro, com seu
mundo.
Pelos dados de uma revista de grande circulação no Brasil, a Natura, empresa do
setor de cosméticos, iniciou suas atividades em 1969 como uma modesta loja e de consultoria
personalizada de tratamento de beleza, com sete funcionários. Em 1980, já eram 200
funcionários e uma rede de duas mil consultoras, espalhadas pelo País, prestando serviço
personalizado de consultoria de beleza e revendendo seus produtos. Nessa década, cresceu
35 vezes. Chegou a 1990 com 1.800 funcionários e 50 mil consultoras. Entre os anos de 1993
a 1997, cresceu 5,5 vezes. Iniciou 1997 como a maior empresa brasileira de cosméticos, com
3.000 funcionários, 145 mil consultoras no Brasil e cerca de 10 mil na América Latina. Em
2009, já eram um pouco mais de 6.000 funcionários e cerca de 1.000.000 de consultoras. Esse
crescimento, rápido e significativo, com resultados bastante arrojados, reflete o desempenho
geral do negócio e uma cultura e conjunto de crenças e valores focalizados no ser humano e
sua relação consigo e com o mundo. Tal cultura, crenças e valores se fazem presentes nos
produtos desenvolvidos e fabricados, demonstrando um trabalho orientado pela relação da
empresa com o consumidor, com as consultoras, com os colaboradores, com os fornecedores
e parceiros, enfim, com a sociedade. Ainda os dados mostram que em 2008 o faturamento da
Natura chegou 4,9 bilhões de reais, com um crescimento de 14% em relação a 2007, e o lucro
líquido alcançou 542 milhões de reais. Quase 70% da receita vieram de produtos lançados nos
últimos dois anos – uma clara evidência de sua capacidade de inovação, apoiada, sobretudo,
no apelo sustentável. O desempenho da Natura ajuda a compor o cenário de um Brasil que
resiste à crise mundial, pois 94% de suas receitas vêm do mercado interno, e esses números
refletem de maneira direta a expansão do consumo no Brasil. Nos últimos quatro anos,
aproximadamente 23 milhões de brasileiros ingressaram na classe C. É gente que passou a
consumir mais, de maneira mais variada e que vê nas marcas um símbolo de elevação de
status. O mercado brasileiro de cosméticos atualmente ocupa a terceira posição de vendas no
mundo, atrás apenas do Japão e dos Estados Unidos. Todavia, é o que mais cresce entre os
dez maiores mercados e movimentou 28,7 bilhões de dólares em 2008, 27% mais em relação
ao ano anterior.
194
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 INTELIGÊNCIA COMPETITIVA
A inteligência competitiva pode ser conceituada como um processo de coleta, análise e
disseminação de informações dos ambientes interno e externo, das quais farão uso todos os níveis
da organização, interagindo estrategicamente no processo de tomada de decisões, de acordo com
suas necessidades (MILLER, 2002).
Conforme Teixeira (2000), existem alguns passos que devem ser seguidos: definir os temas
de interesse; mapear o ambiente competitivo; identificar as fontes de informação pertinentes; efetuar
uma pesquisa preparatória de material básico a respeito de cada tema, para estabelecer um
contexto de análise; definir a estratégia de coleta de informações; estruturar a atividade de pesquisa,
coleta e registro das informações; identificar especialistas para darem apoio técnico à análise; definir
os métodos de análise que serão empregados; criar as bases de dados de referência para cada
tema.
Teixeira (2000) afirma, ainda, que a aplicação do conceito de inteligência competitiva nas
organizações não é recente e que esse conceito já foi aplicado em muitas empresas. O fato é que,
se há troca comercial, então há fluxo de informação, e esse fluxo é a base dos processos de
inteligência competitiva. Isso é diferente de “espionagem”, uma vez que são respeitados os aspectos
éticos e legais da atividade.
Na opinião de Miller (2002), existem diferenças entre a gestão do conhecimento e a
inteligência competitiva. A princípio, ambas têm como objetivo proporcionar conhecimento e
informação para as pessoas certas no momento certo. Em muitos casos, a diferença pode ser pouco
mais do que de perspectiva e uma questão de como satisfazer da melhor maneira um objetivo ou
necessidade imediata da empresa. A missão dos profissionais da inteligência competitiva em uma
organização inclui a aquisição, análise, interpretação e encaminhamento de informações aos
executivos. Já a missão dos profissionais da gestão do conhecimento se concentra em identificar,
classificar, organizar e encaminhar conhecimentos úteis às áreas da organização, responsáveis pela
tomada de decisões, análise das necessidades do setor e solução dos problemas.
Mas, afinal, o que é inteligência competitiva? Para Miller (2002, p. 97),
[...] é qualquer informação ou conhecimento relativo ao mercado que mantenha nossa
empresa competitiva. Captamos informações sobre nossos concorrentes e sobre o que
acontece no mercado e tentamos usá-las em nosso benefício.
2.2 GESTÃO DO CONHECIMENTO
Schein (1992) considera a gestão do conhecimento como um conjunto de crenças
compartilhadas pelas pessoas da organização, orientando e influenciando as ações da coletividade
independentemente das circunstâncias de curto prazo.
Para Bukowitz e Williams (2002, p. 17), “[...] a gestão do conhecimento é o processo pelo
qual a organização gera riqueza, a partir do seu conhecimento ou capital intelectual.” De acordo,
ainda, com esses autores, a gestão do conhecimento se refere ao desenvolvimento de sistemas e
processos que visam à criação, identificação, integração, recuperação, compartilhamento e
utilização do conhecimento dentro da empresa. Ela volta-se para a criação e a organização de fluxos
de informação entre os vários níveis organizacionais, no sentido de gerar, incrementar, desenvolver
e partilhar o conhecimento dentro da organização, com o objetivo de aumentar o aprendizado
individual e grupal. Dessa forma, cria competências exclusivas que diferenciarão a organização no
mercado em que compete.
Pesquisa realizada pela Management Review (2000, p. 53), no final de 1998, com 1.626
entrevistados, constatou que 79% dos respondentes acreditavam que a gestão do conhecimento era
vital para o sucesso futuro de suas empresas.
195
De acordo com Nonaka e Takeuchi (1997), obtém-se a construção do conhecimento
organizacional mediante a relação sinérgica entre conhecimento tácito e conhecimento explícito,
quando novos conhecimentos são criados pela conversão do conhecimento tácito em explícito. O
conhecimento explícito pode ser facilmente processado por um computador, transmitido
eletronicamente ou armazenado em banco de dados. Em consequência de sua natureza subjetiva e
intuitiva, o conhecimento tácito não pode ser processado ou transmitido por qualquer método lógico.
Para que possa ser compartilhado, o conhecimento tácito precisa ser convertido em conhecimento
explícito. Ainda conforme Nonaka e Takeuchi (1997), a gestão do conhecimento impõe o conceito de
organizações que aprendem. Uma organização que aprende é aquela que desenvolve uma
capacidade de mudar e se adaptar continuamente.
2.3 CULTURA ORGANIZACIONAL
Por cultura organizacional, Schein (1992) esclarece que é o que diferencia as organizações
na forma como novos membros aprendem a maneira correta de perceber, pensar e sentir-se em
relação aos problemas que afetam a organização.
Fleury (1989, p.10), por sua vez, conceitua a cultura organizacional como
[...] um conjunto de valores, expressos em elementos simbólicos e em práticas
organizacionais, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a
identidade organizacional, tanto agem como elementos de comunicação e consenso,
como expressam e instrumentalizam relações de dominação.
Segundo Schein (1992), cultura organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que um
grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas da adaptação
externa e integração interna e que funcionou bem o suficiente para serem considerados válidos e
ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar, agir, em relação a esses
problemas.
Do ponto de vista de Schein (1992), se a organização vivenciou experiências comuns, pode
existir uma forte cultura organizacional que prevaleça sobre as várias subculturas das unidades. Ele
atribui, no entanto, a maior importância ao papel dos fundadores da organização no processo de
moldar seus padrões culturais. Os primeiros líderes, ao desenvolverem formas próprias de
equacionar os problemas da organização, acabam por imprimir sua visão de mundo aos demais e
também sua visão do papel que a organização deve desempenhar no mundo.
3 METODOLOGIA
Para Lakatos e Marconi (1992, p. 43),
[...] a pesquisa é um procedimento formal com método de pensamento reflexivo, que
requer tratamento científico e se constitui no caminho para conhecer a realidade ou para
descobrir verdades parciais.
Segundo Gil (1999), a pesquisa envolve habitualmente levantamento bibliográfico e
documental, entrevistas não padronizadas e estudos de caso. Tem como objetivo proporcionar visão
geral acerca de determinado fato.
O presente estudo é de caráter descritivo e bibliográfico. Inspirou-se na metodologia
de estudo de caso, por meio de visitas técnicas, que, de acordo com Yin (2001), é uma
estratégia de pesquisa que busca examinar um fenômeno contemporâneo dentro de seu
contexto, revelando-se apropriado para investigação de processos. Ao abordar os
procedimentos para a elaboração de um projeto de pesquisa, Yin (1989), considera projeto de
pesquisa como "[...] a sequência lógica que conecta os dados empíricos às questões iniciais de
estudo da pesquisa e, por fim, às suas conclusões.”
196
3.1 UMA HISTÓRIA DE RELAÇÕES, CRENÇAS E VALORES
A razão de ser da Natura é criar e comercializar produtos e serviços que promovam o bem
estar bem, em que “bem estar” é entendido como a relação harmoniosa e agradável do indivíduo
consigo mesmo, com seu corpo. E “estar bem” é entendido como a relação empática, bem-sucedida
e prazerosa do indivíduo com o outro e com o mundo. A mesma harmonia e prazer da relação do
indivíduo consigo mesmo e com o mundo norteia todas as relações internas e externas da empresa,
que são sustentadas pelos valores a seguir.
1 Humanismo, que cultiva as relações, valorizando-as. É o potencial humano, que respeita e
estimula a individualidade, enriquece a diversidade e busca contribuir para o aperfeiçoamento da
sociedade e da qualidade das relações em cada uma de suas ações.
2 Equilíbrio, que se inspira na harmonia e dinâmica da natureza, percebendo o homem
como parte à qual deve harmonizar-se e interagir.
3 Transparência, que se deixa conhecer, que vive seus processos abertamente, de maneira
franca, sem ambiguidades e discriminações, e que busca a qualidade, reconhecendo imperfeições,
compartilhando dúvidas e buscando respostas.
4 Criatividade para ousar e inovar, buscando relações inovadoras com alegria, determinação
e paixão. Tem como objetivo o aperfeiçoamento contínuo, com intuição, sensibilidade e
conhecimento.
Cultivar relações é harmonizar e interagir, compartilhar e ousar de maneira a inovar, se deixar
conhecer e buscar o aperfeiçoamento por meio do conhecimento. É a mais autêntica expressão e
prática da gestão do conhecimento, conforme Ikujiro Nonaka e Hirotaka Takeushi na obra pioneira
Criação do conhecimento na empresa (1997). Segundo esses autores, “[...] o conhecimento,
diferentemente da informação, refere-se a crenças e compromissos”. A Natura não somente
identificou tal perspectiva muito antes que Nonaka e Takeushi como também, desde então, segue
fortalecendo no dia a dia, práticas e valores corporativos que estimulam a gestão do conhecimento
de maneira espontânea e não dependente, necessariamente de ferramentas e tecnologias.
Ao longo de seus 40 anos de existência, a Natura tem sido reconhecida pelo alto grau de
inovação de seus produtos e pelo pioneirismo em iniciativas e conquistas que valorizam a prática de
relacionamentos. São iniciativas que vão desde o aprimoramento e valorização da venda por
relacionamentos. Ao contrário do até então conhecido sistema de venda direta, que se limitava a
revender produtos pelo sistema porta a porta, buscam a relação de confiança e proximidade entre o
revendedor e os clientes, até o compromisso com um modelo de negócio que promova o
desenvolvimento sustentável, por meio da relação do homem com a natureza, muito antes de
qualquer outra empresa do País.
3.2 GESTÃO DO CONHECIMENTO NA NATURA: O
BRASIL QUE CONHECE O BRASIL
Muito se comenta sobre a importância da gestão do conhecimento enquanto prática que
busca registrar, compartilhar e reter, na empresa, os “fazeres” e os “saberes” exclusivos que podem
conferir valor e diferencial competitivo ao negócio. Contudo, pouco se sabe acerca dos resultados
concretos de projetos de gestão do conhecimento realizados no Brasil. Entre os poucos conhecidos,
percebe-se grande dificuldade em identificar ou mensurar retornos, geralmente porque se limitaram à
introdução de tecnologias que nada mais são do que as ferramentas e que não se constituem na
gestão em si. Criou-se, assim, um falso entendimento sobre quais empresas reúnem condições para
fazer gestão do conhecimento, como se apenas as grandes corporações, que dispõem de recursos
significativos para investimentos em tecnologia, pudessem ou devessem inovar (REZENDE, 2001).
197
Ainda segundo Rezende (2001), mais do que simplesmente adotar nas empresas nacionais
soluções espelhadas em experiências de países de cultura e economia diversas da brasileira, é
premente uma reflexão crítica sobre o que o Brasil, em contrapartida, pode criar e, porque não,
oferecer ao mundo em termos de metodologias de gestão do conhecimento sintonizadas a uma
realidade em que pequenas e médias empresas são maioria que dispõe de escassos recursos para
investir em tecnologia voltada à gestão do conhecimento. Há ainda a grande quantidade de
microempresas e de pequenos negócios familiares, muitas vezes informais, que detêm significativo
grau de conhecimento transmitido entre gerações e que, até o momento, têm sido completamente
ignorados pelo business tecnológico da gestão do conhecimento.
Esquece-se de que gestão do conhecimento pode ser feita por todo e qualquer tipo de
empresa: das empresas da economia da informação às de serviços, indústrias e até as atuantes nos
segmentos agropecuários, esportivos, artesanais, culturais, de ensino, entre outros. Quanto mais
informal for a empresa e intangíveis forem os ativos envolvidos até se chegar a um serviço ou
produto final diferenciado, mais necessária e economicamente atrativa será a gestão do
conhecimento envolvido. O desafio da gestão do conhecimento no Brasil é o país, antes de tudo,
conhecer a si próprio.
A experiência de gestão do conhecimento na Natura oferece uma boa oportunidade de
reflexão, ao salientar a importância das relações intersubjetivas, ou seja, a interação entre as
pessoas em detrimento da mera introdução de tecnologias. Mostra que as tecnologias são, antes de
tudo, apenas meios e, ao contrário das pessoas, nada criam.
3.3 GESTÃO DA INFORMAÇÃO NA NATURA:
DO ACERVO AO ACESSO OU QUANDO É VIRTUOSO
SER VIRTUAL
Segundo Rezende (1997), o reconhecimento do valor e da importância estratégica da
informação para a gestão do negócio fez com que, em 1992, a Natura aplicasse o primeiro sistema
virtual de informações do País. O sistema é conhecido como a primeira biblioteca virtual que,
contrariando os tradicionais sistemas armazenadores de informação, prima pela busca ágil e
inteligente de dados e informações sintonizados com o contexto dos conceitos, crenças e valores da
empresa e com a busca constante de inovação. Nele, a agilidade é proporcionada por ferramentas
de tecnologias da informação e a inteligência é garantida pelos especialistas da área de informação
que as operam e interpretam conteúdos, com base numa sólida experiência em atividades de
brokerage – pioneira no Brasil – e em suas relações interpessoais, somadas às diferentes visões de
mundo e conhecimentos específicos. O diferencial do sistema virtual das informações da Natura é
permitir o acompanhamento do que de mais moderno e inovador está ocorrendo no mundo, nas
áreas de interesse do negócio, como cosméticos e cosmetologia, venda direta, dermatologia, moda,
processos de fabricação de cosméticos, embalagens, qualidade, proteção à biodiversidade e meio
ambiente, fitoterapia, psicologia, hábitos de consumo e acompanhamento de empresas
concorrentes.
Com a sua biblioteca virtual, a Natura quebrou o paradigma dos centros de documentação de
empresas, em que se acreditava. Uma coleção de livros e periódicos especializados, pequena ou
grande, poderia suprir as necessidades de informação para atualização tecnológica e
acompanhamento de mercado ao repetir, dentro da empresa, a estrutura de recursos e serviços de
uma “biblioteca tradicional”, mas, na realidade, na maioria das vezes, acabava transformando-se
numa “biblioteca de lazer” ou numa “biblioteca do grêmio” dos funcionários.
Já na época da introdução de seu sistema virtual de informações, em 1992, era perceptível
para a Natura que, num cenário de globalização de mercados e acirramento da concorrência,
ganhos de tempo e de competitividade não poderiam ter limites. Da mesma maneira, o acesso à
informação não poderia estar restrito e limitado à informação que pudesse ser armazenada numa
sala ou num acervo.
Mais importante do que ter a informação é saber onde encontrá-la de maneira rápida e eficaz.
“Guardar” não significa “dispor”, quando se necessita, e guardar informação, no sentido de manter
uma biblioteca ou arquivo dentro da empresa, tem um custo geralmente subestimado, quando se
pretende dispor de um sistema de informação custo-efetivo. O esforço de busca da informação deve
198
ser direcionado para um espectro mais amplo quanto à probabilidade de encontrar a informação
procurada e, ao mesmo tempo, deve implicar menor dispêndio de recursos e energia, de maneira a
possibilitar flexibilidade e agilidade de respostas diante das mudanças.
Seguindo esse raciocínio, a administração de acervos ou arquivos de documentos não deve
ser o foco de um sistema de informação, cujo objetivo é a inovação e a gestão do negócio. Por que
repetir, dentro da empresa, uma estrutura de acervos ou arquivos como os de uma biblioteca,
quando, na realidade, fosse possível equipar-se para acessar a informação e os conteúdos de
acervos e arquivos já existentes.
De acordo ainda com Rezende (1997), é com essa concepção de acesso à informação, em
detrimento de manter acervos de documentos, que a Natura iniciou uma política de incremento de
acesso e intercâmbio com organizações produtoras de informação e mantenedoras de acervos, em
nível nacional e internacional, principalmente por meio de bancos de dados on-line.
Concomitantemente, desenvolveu-se um sistema interno de bases de dados para disponibilizar, de
maneira ordenada e inteligente, a grande quantidade de informações capturadas externamente.
Surgiu, assim, a primeira biblioteca virtual do País. O acervo não é físico, mas composto do conjunto
de possibilidades de acesso à informação existente em qualquer lugar do mundo, por intermédio de
ferramentas de tecnologia informação aliadas ao conhecimento inerente às pessoas que as operam.
A “biblioteca” da Natura é virtual porque não cabe numa sala. Sua dimensão não é limitada por
paredes. Ela é o próprio mundo: o “mundo de informações” que passa ser possível acessar.
O foco de atuação da área de informações da Natura é a pesquisa e a prospecção de dados
e informações técnico-científicas e de mercado, bem como sua disseminação ágil dentro da empresa
e consequente disponibilidade para acesso por um sistema interno de bases de dados, bases de
armazenagem de informações e registro de conhecimento.
Além da pesquisa, da prospecção de informações e do desenvolvimento e manutenção de
bases de dados, de informações e de conhecimento, a área de informações da Natura possui um
acervo, único de que se tem notícia no mundo, com cerca de dez mil produtos cosméticos de
abrangência internacional, devidamente registrado e descrito em base de dados (REZENDE, 1997).
4 CONCLUSÕES
A Natura conseguiu se manter no mercado em função de sua capacidade de inovar. Essa
inovação atende a fortes exigências do mercado de cosméticos e corresponde ao desejo de
pioneirismo da empresa. A Natura sempre se preocupa com a sustentabilidade desde sua fundação,
lançando seus primeiros cosméticos com ativos naturais. A Natura procura disseminar o
relacionamento ideal do ser com o próprio corpo, e o cultivo de suas melhores qualidades diante do
mundo apresentou ao mercado valores básicos de seus produtos e serviços.
Na gestão, a Natura consegue conciliar informalidade, intuição, liberdade de propor a
agilidade, inovação com a previsão e controle necessário à sua operação. Agilidade e flexibilidade
na tomada de decisão são características que ajudaram no crescimento da Natura. Numa prática
nem sempre comum entre as empresas brasileiras, as ações da Natura são, de fato, reflexo do que
está estabelecido num trecho de sua missão:
Devemos investir na construção e cultivo de um amplo e diversificado conjunto de
relações éticas, transparente, calorosas, afetuosas e enriquecedoras para todas as
partes.
Sabe-se que muitas empresas brasileiras ainda se ressentem da falta de instrumentos
adequados e de profissionais habilitados para lidar com a informação, na tentativa de agregar-lhe
valor. Na Natura, por exemplo, a Gerência de Inteligência Competitiva, que está subordinada à
Diretoria de Comunicação e Marketing, foi criada em 2004, e muito tem contribuído para o sucesso
da empresa, antecipando-se às tendências e aos concorrentes e inovando em informações e
conhecimento.
199
Este estudo procurou apresentar uma reflexão sobre a possibilidade de adoção de um
modelo de inteligência competitiva e de gestão de conhecimento, para as empresas, usando como
estudo de caso, a empresa Natura Cosméticos S.A.
Finaliza-se, enfatizando que não se trata de um modelo pronto, porque, em projetos de
inteligência competitiva, há casos de sucesso e de insucesso. O maior crédito não fica por conta dos
modelos, das ferramentas ou das técnicas que são sugeridas, mas no potencial humano como uma
proposta unificada de valorização e busca constante de novos conhecimentos, porque todos os
desafios requerem motivação, esforço, humildade e, sobretudo, coragem. Embora o ambiente
organizacional brasileiro experimente mudanças significativas, ainda persistem elementos culturais
que dificultam a estruturação de técnicas mais atualizadas de gestão, como é o caso da gestão do
conhecimento.
O desafio que se impõe aos gestores é articular as novas teorias organizacionais com a
cultura organizacional existente e avançar no sentido de criar uma lógica de gestão que leve em
consideração nossas peculiaridades culturais. A gestão do conhecimento só será eficaz se ocorrer
uma ampla mudança nas normas e nos valores que orientam a gestão das pessoas na organização.
A grande virtude da inteligência competitiva é apresentar as tendências e apontar caminhos,
para que empresas e instituições possam se adiantar à concorrência e demais forças presentes no
ambiente. A inteligência competitiva deve detectar as necessidades de informação. Depois, a
empresa deve dispor de uma boa equipe de coleta e pesquisa dos dados. A análise também deve
dispor de um grupo de trabalho especializado e bastante focalizado. Por fim, a inteligência –
informação relevante submetida ao processo de análise – precisa chegar às pessoas certas. Para
isso, o processo de disseminação é essencial. Todas essas etapas precisam do suporte de boas
ferramentas computacionais e de interação entre os envolvidos.
A empresa é um espaço sociocultural. Essa perspectiva não pode ser esquecida pelos
gestores ao se definirem pela execução de um processo de gestão do conhecimento. Antes de
decidir por sua estruturação, é importante ter presente quais são as normas e os valores da
sociedade brasileira e como se expressam na gestão das empresas.
As empresas precisam de estratégias e recursos apropriados ao ambiente atual. O problema
é que a elaboração de uma estratégia de sucesso é uma busca infinita. As empresas precisam
visualizar o futuro, ter coragem para agir e tomar decisões, melhorar a produtividade de mão de obra
e aumentar a eficiência operacional, melhorar o retorno sobre o capital empregado, criar
oportunidade de crescimento, construir competência, ampliar as capacidades organizacionais e
focalizar-se no que faz de melhor e no que traz maior rentabilidade, além de criar metas ousadas. É,
preciso analisar o perfil da liderança, montar uma equipe, a mais perfeita possível, criar outras
marcas e vários produtos para ampliar o portfólio, acreditar, ter fé e ter visão possível de ser
realizada.
REFERÊNCIAS
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2002.
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São Paulo: Atlas, 1992.
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200
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geram a dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
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SCHEIN, E.H., Organizational culture and leadership. 2. ed. San Francisco: Jossey-Bass, 1992.
TEIXEIRA, Filho Jayme. Gerenciando conhecimento: como a empresa pode usar a memória
organizacional e a inteligência competitiva no desenvolvimento de negócios. Rio de Janeiro: Senac,
2000.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.
201
ANÁLISE DO ENDOMARKETING
DE UMA EMPRESA DE REVENDA
DE VEÍCULOS PELO DO
MÉTODO SERVQUAL
EDUARDO DOS SANTOS SIMÕES
Administrador formado pelo UNICURITIBA
GÍLLIAN FERNANDA GEREMIA
Administradora formada pelo UNICURITIBA
KEILLA SUZAN FARINACIO
Administradora formada pelo UNICURITIBA
ISABELLA ANDRECZEVSKI CHAVES
Professora de Administração no UNICURITIBA
Doutoranda PPGMNE-UFPR
Mestre EESC-USP
Engenheira Civil UFPR
202
RESUMO
Por meio de instrumentos de endomarketing, é possível melhorar a forma de comunicação na
empresa. Entre os benefícios oferecidos está o acesso a informações e a conhecimentos que
contribuem para a capacitação do colaborador no desempenho das atividades e, consequentemente,
o apoio à organização em atingir os objetivos. O presente trabalho analisa a aplicação das
ferramentas de endomarketing em uma revenda autorizada de veículos, localizada na cidade de
Curitiba. A empresa oferece serviços de manutenção, venda de peças e veículos novos e
seminovos. Este trabalho tem como objetivo servir como parâmetro para a empresa mensurar, por
meio do método estatístico SERVQUAL, o grau de satisfação e motivação de seus colaboradores.
Palavras-chave: administração, endomarketing, SERVQUAL.
ABSTRACT
Through the instruments of internal marketing can improve the way people communicate in the
organization. Among the benefits offered is access to information and knowledge that contribute to
the empowerment of the employee in the performance of activities and thus supporting the company
in achieving its goals. This study examines the application of internal marketing tools in an authorized
reseller of vehicles in the city of Curitiba. The company provides maintenance services, sale of new
vehicles and parts. This paper aims to serve as a baseline for the company to assess the degree of
satisfaction and motivation of its employees through the statistical method SERVQUAL.
Keywords: administration, internal marketing, SERVQUAL.
203
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho utiliza como base de análise uma concessionária de veículos localizada
na cidade de Curitiba. A empresa oferece serviços de manutenção, venda de peças e veículos novos
ou seminovos. Atua no mercado da capital paranaense e região metropolitana. Busca manter-se no
mercado pela diferenciação nos serviços.
As organizações são responsáveis em fornecer o suporte necessário a seus membros, em
torno de objetivos, valores, ações e comportamentos. Muitas vezes, as mudanças necessárias a
tornar a empresa mais competitiva esbarram em formas tradicionais e conservadoras de transmissão
de informações, o que impede o desenvolvimento de suas atividades.
O marketing tem entre suas funções lançar em produtos e serviços das empresas os valores
que compõem suas identidades corporativas. Cabe ao endomarketing o papel, igualmente relevante,
de garantir que o mesmo efeito seja sentido pelos mercados em relação a seus recursos humanos.
O instrumento poderoso da união e motivação entre as equipes e os colaboradores aparece nesse
cenário. O endomarketing trabalha em torno dos objetivos e proporciona o aproveitamento otimizado
dos recursos humanos, obtendo o máximo desempenho e aumentando o potencial da atuação
grupal.
O resgate da humanização empresa-consumidor atribuirá ainda mais responsabilidade aos
colaboradores pela fidelidade da imagem corporativa, delegando a função de permear o meio em
que atua com os valores e a cultura da organização da qual faz parte e amparando a consolidação
da sua imagem e participação nos mercados.
A rapidez da automação dos processos, fenômeno sentido, principalmente, na década de 90,
no segmento de serviços, projeta a diminuição gradual do número de contatos entre as empresas e
seus clientes. A carência desses momentos, uma vez que o acesso a produtos e serviços
considerados “de linha” pelas empresas se dará por meio de sistemas de custo mais baixo, assinala
para uma forte intenção de valorização da profissionalização, de forma a garantir o máximo da
aplicação dessas oportunidades. A quantidade será substituída pela qualidade, administrando aos
recursos humanos grande responsabilidade pelo atendimento das necessidades dos consumidores
por produtos e serviços não padronizados.
A cultura organizacional, comunicação e as ferramentas de endomarketing podem influenciar
na motivação do cliente interno, ou seja, a motivação que o funcionário sente em trabalhar na a
empresa. Os instrumentos de endomarketing são: normas, vídeos, jornais, correio eletrônico, intranet
e palestras internas. Suposto a isso surge o instrumento de pesquisa que este trabalho pretende
identificar: os instrumentos de endomarketing utilizados no processo de comunicação pela empresa
são satisfatórios para o atual processo de gestão? Este trabalho serviu como parâmetro na intenção
de mensurar o grau de satisfação e motivação de seus colaboradores por um método estatístico
denominado SERVQUAL.
2 METODOLOGIA
A estatística é uma poderosa ferramenta que está sendo cada vez mais aplicada nos campos
científicos. É utilizada para planejar experimentos; obter dados e organizá-los, resumi-los, interpretálos e desses extrair conclusões e previsões (TRIOLA, 2005). Com isso, estão surgindo inúmeras
técnicas e processos matemáticos mais rigorosos, além de variados softwares que facilitam em
muito o serviço dos que atuam na área (CASTRO, 1967). A demanda por informações tem feito com
que as empresas que trabalham com estatística venham a se modernizar para poder atender à
grande quantidade de clientes que recorrem a estas.
Os serviços oferecidos pelas empresas no setor automobilístico estão sendo amplamente
avaliados, principalmente a respeito da qualidade nos serviços prestados. Este estudo vem ao
encontro da necessidade de se estabelecer parâmetros que a empresa possa seguir. A
comunicação interna estará relacionada à motivação dos funcionários em desempenharem suas
tarefas. Isso inclui todas os colaboradores da empresa, da base ao topo da pirâmide organizacional.
204
2.1 MÉTODO SERVQUAL
O método SERVQUAL é uma técnica usada para medir a qualidade de serviços. Os primeiros
estudiosos desse método foram Parasuraman, Berry e Zeithaml (1985). Esses pesquisadores são
considerados os pioneiros no estabelecimento do marketing de serviços como uma área diferente do
marketing de produtos. Em 1990, apresentaram os conceitos da pesquisa SERVQUAL.
Os autores partiram da ideia de comparar o desempenho de uma empresa diante de um
ideal, como princípio de desenvolvimento do método. O modelo desenvolvido inclui outros atributos
que são considerados universais e denominados pelos autores dimensões da qualidade. As cinco
dimensões da qualidade dos serviços encontradas são: tangibilidade, confiabilidade, compreensão,
segurança e empatia.
Tangibilidade refere-se aos elementos físicos, tais como: murais, computadores, jornais
internos, palestrantes, funcionários, boa disposição física dos líderes.
Confiabilidade é a habilidade de se ter o que foi prometido, na data prevista, isto é, obter as
informações necessárias e atualizadas da empresa por meio dos canais de comunicação do
endomarketing.
Compreensão é a habilidade de entender os problemas de falta de informações da empresa
a seus funcionários. Um exemplo é um líder de setor conversar informalmente com o funcionário
para eliminar dúvidas ou passar alguma informação necessária e atualizada da empresa.
Segurança é percepção que o funcionário tem dos meios de comunicação que a empresa
oferece. Uma informação importante rapidamente é repassada a todos os funcionários por diversas
ferramentas de comunicação que a empresa possui. Esse evento transmite segurança ao
funcionário.
Empatia é a disposição que o líder ou funcionário tem e manifesta nos cuidados e atenção
individualizados prestados ao novo funcionário. Um exemplo pode ser o de um gerente que
apresenta o novo funcionário da empresa a todos os integrantes dela, passando todas as
informações da organização, seus objetivos, valores, visão, missão.
Outras dimensões podem ser agregadas conforme seja o objeto da avaliação.
Na execução de uma avaliação pelo método SERVQUAL consideram-se três instantes
distintos e devem ter uma seqüência.
1o Ao funcionário é perguntado, primeiramente, como ele imagina a empresa ideal, ou seja,
o desempenho ideal que desejaria receber e, então, quantifica-se isso por um escore (nota).
2o Depois, pergunta-se ao funcionário qual seria o desempenho mínimo da empresa
analisada que ele aceitaria e, da mesma forma, quantifica-se sua opinião em escores (nota).
3o Da mesma forma, questiona-se ao colaborador qual é o desempenho percebido da
empresa e quantifica-se a percepção do funcionário em escores (notas).
Com os escores obtidos, faz-se a comparação entre uma empresa ideal, cujo desempenho é
o desejável (a empresa real) e uma empresa que apresenta um desempenho mínimo aceitável.
De acordo com Parasuraman, Berry e Zeithaml, o método SERVQUAL baseia-se em um
questionário que pode consistir de, no mínimo, 22 itens (perguntas) ou mais. O questionário compõese de uma quantidade de itens que devem produzir informações sobre as cinco (ou mais) dimensões
da qualidade. Dessa forma, os itens devem estar distribuídos dentro das dimensões e abordar
assuntos relativos a elas.
As informações sobre aspectos próprios das dimensões da qualidade são obtidas por meio
dos escores de cada pergunta. O mesmo questionário é aplicado para quantificar os três níveis de
percepção: nível mínimo aceitável, nível máximo desejável e o nível percebido. Então, é construída
uma faixa de tolerância entre o desempenho mínimo e o desempenho ideal. Com isso, espera-se
que os valores obtidos estejam dentro da faixa de tolerância em todos os itens avaliados.
Com base nos resultados da pesquisa, os valores inferiores aos encontrados na faixa de
tolerância são interpretados como falhas que podem ser localizadas e corrigidas pela atuação
205
gerencial da direção da empresa. O método aponta as áreas fortes da empresa (valores superiores
aos da faixa de tolerância), que podem ser usadas como vantagens competitivas.
Brum (2007) sugeriu um questionário que visa analisar as ferramentas de endomarketing nas
organizações, que serviu de parâmetro para o desenvolvimento do questionário aplicado aos
funcionários da empresa estudada. O modelo de sistema de gestão utilizado pela empresa, que
atualmente possui 160 funcionários diretos, é o familiar. Trata-se de uma empresa de médio porte. A
figura 1 demonstra o organograma dessa empresa.
FIGURA 1 – ORGANOGRAMA DA EMPRESA
PRESIDÊNCIA
DIRETORIA
ADMINISTRAÇÃO
VEÍCULOS NOVOS
VEÍCULOS
SEMINOVOS
SERVIÇOS
PEÇAS
MARKETING
FONTE: Montado pelos autores
O presente trabalho analisou os meios de comunicação interna mediante pesquisa
(questionário) aos funcionários nos diversos setores da empresa. A análise dos resultados pode ser
utilizada, na aplicação de novas ferramentas de comunicação, bem como na reestruturação de
algumas já existentes. Pode, inclusive, sugerir o aperfeiçoamento de líderes, gerentes e
funcionários, assim como a melhoria na motivação dos colaboradores e no clima organizacional.
Primeiramente, depois de uma visita técnica foram identificadas as seguintes ferramentas de
comunicação interna utilizadas pela empresa:
•
•
•
•
intranet;
informativo anual;
edital de parede ou mural;
reuniões.
Todos os instrumentos mencionados foram identificados nos setores de administração,
peças, serviços, serviços gerais, veículos novos e seminovos, bem como de marketing.
O trabalho de pesquisa foi iniciado com um questionário elaborado dentro de normas
preestabelecidas para pesquisas tipo SERVQUAL. Esse questionário é constituído de 30 (trinta)
itens (questões). Assim, cada questão (item) é avaliada em três situações possíveis: nível mínimo
aceitável (NMA), nível percebido (NP) e nível máximo desejável (NMD). Os entrevistados que
participaram da pesquisa foram os funcionários de todos os setores da empresa. Inicialmente, foram
206
aplicados 10 questionários para identificar a compreensão dos funcionários com relação às questões
e ao método. Com base nos resultados estatísticos obtidos, dimensionou-se a amostra final de
tamanho 40.
2.2 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Após aplicação dos 40 questionários, os resultados foram compilados em uma planilha
eletrônica (EXCEL), obtendo-se assim as médias NMA, NMD e NP. A tabela 1 apresenta os escores
obtidos com o questionário elaborado de acordo com o método SERVQUAL, aplicado aos
colaboradores da empresa.
Para melhor compreensão dos resultados obtidos, foi utilizada uma escala de cores: os
valores em vermelho representam escores médios abaixo do NMA e os valores em verde significam
os escores médios situados entre o NMA e o NMD.
NMA
NMD
NP
1 A empresa mantém uma comunicação ágil e eficaz com seus
colaboradores.
5,8750
8,3750
3,8750
2 Os canais de comunicação interna têm aumentado o nível de
informação sobre a empresa aos funcionários.
5,6585
7,8049
3,0976
3 A empresa expõe claramente sua missão, visão, valores e
princípios.
5,9744
8,0256
2,5385
4 A empresa oferece as informações institucionais, como abertura de
novas lojas, conquista de novos mercados, prêmios recebidos pela
empresa, objetivos a serem cumpridos, regras e procedimentos.
5,9500
8,1250
3,7250
5 A empresa divulga informações corporativas sobre processos,
programas e projetos de RH por meio de canais de comunicação
interna.
5,1463
7,1220
3,0244
6 Os objetivos, metas e desafios são bem definidos no setor em que
você trabalha.
7,1750
8,6750
6,3000
7 O diretor-operacional da empresa tem acesso à opinião dos
funcionários sobre diversos assuntos, mesmo por canais internos.
6,2750
8,1250
3,8500
8 Os canais de comunicação interna mostram que a empresa
realmente se preocupa com o ser humano, segurança e bem-estar
dele.
7,2750
8,6000
2,4500
207
9 Você é atendido com presteza e cordialidade quando necessita de
informações de outros setores da empresa.
6,8000
8,4250
4,3250
10 Você se sente à vontade no setor em que trabalha e convive bem
com seus colegas.
7,2250
8,7500
6,8750
11 Você recebe frequentemente informativo da empresa.
4,4000
6,2750
2,5750
12. O funcionário sempre lê o informativo da empresa.
5,0000
6,7000
2,6500
13. Você sempre lê as informações divulgadas no edital de parede ou
mural da empresa.
5,7500
7,7250
5,6000
14 Você percebe a mudança dos cartazes ou informações contidas no
edital de parede da empresa.
4,3659
6,3659
3,8750
15 Você costuma acessar a intranet da empresa.
5,4103
7,2821
5,5897
16 Você tem encontrado no espaço de RH as informações de que
necessita e sempre recebe algum retorno sobre o que solicitou.
6,3500
8,4000
6,1750
17 No setor no qual você trabalha, realiza-se frequentemente reunião
de equipe.
5,7097
7,9032
4,4194
18 As informações repassadas na reunião de equipe são importantes.
7,0000
8,4000
4,6000
19 A quantidade de canais de comunicação interna que a empresa
oferece é suficiente para manter informados e atualizados os
funcionários.
6,2750
8,1000
4,0500
20 Você se lembra de campanhas de comunicação interna que a
empresa veiculou no último ano para contato com seus
colaboradores.
4,7750
6,8000
3,0500
21 As quantidades de campanhas internas realizadas pela empresa
são suficientes para divulgar benefícios, programas de incentivo,
conquistas, etc.
6,0250
7,9250
3,4750
22 As campanhas internas realizadas pela empresa para divulgar
benefícios, programas de incentivo, conquistas, etc., são atrativas.
6,1000
8,1250
3,1750
208
23 As campanhas internas realizadas pela empresa conseguem
motivá-lo(a), ou seja, consegue fazer com que você se interesse em
participar, produzir, se engajar, etc.
7,0000
8,6250
3,1750
24 Seu superior tem feito reuniões frequentemente com a equipe,
para repassar informações corporativas (da empresa).
6,1000
8,0250
3,5000
25 Seu superior é considerado um “agente de comunicação” da
empresa.
6,5000
8,1250
3,8500
26 Quando necessita de uma informação e não encontra em um dos
canais de comunicação interna da empresa, você procura seu
superior e pergunta a ele.
6,2195
8,2195
6,5854
27 Seu superior se preocupa em fazer com que os colaboradores
tenham acesso a todos os canais de comunicação interna da
empresa.
6,6000
8,2500
3,9750
28 A empresa prepara e instrumentaliza seus líderes para que
repassem informações a suas equipes.
6,9500
8,4750
4,7500
29 Seu superior conversa frequentemente com sua equipe, fora de
reuniões formais.
5,5250
7,6500
3,8250
30 Quando você possui uma informação nova ou sugestão importante
para a empresa, sente-se à vontade para propor a seu superior uma
reunião em equipe.
6,4250
8,2000
4,2000
FONTE: Autores (2009).
Analisando a tabela 1, observa-se a relação entre as colunas NMA, NMD e NP. Os valores
atribuídos aos dois primeiros níveis, NMA e NMD, são as notas (valores) que estimam os respectivos
limites mínimos e máximos em que o desempenho da comunicação interna da empresa deverá estar
inserido.
Os itens (questões) que obtiveram notas, no NP, abaixo do NMA, são os pontos em que a
empresa possui deficiências. Na tabela, esses se encontram em vermelho. Os outros itens, que
estão em verde, são os pontos que estão dentro do que o entrevistado espera; quanto mais perto do
valor máximo desejável for à nota do NP, será sinal de que a organização está atuando muito bem,
ou seja, são os pontos fortes dela.
Pode-se concluir que, de maneira geral, os colaboradores valorizam a comunicação interna.
As notas obtidas para NMD identificam sua importância. Todavia, NP na empresa está abaixo do
mínimo aceitável.
209
As últimas três linhas da tabela 2 contêm as médias calculadas para os valores (notas) de
cada um dos níveis de avaliação da empresa. A primeira linha apresenta a média dos valores (notas)
em vermelho, ou seja, os resultados considerados abaixo do NMA. Na segunda linha, tem-se a
média dos valores em verde, isto é, resultados considerados acima do NMA.
TABELA 2 – MÉDIA DOS VALORES TOTAIS (NOTAS)
MÉDIAS DOS VALORES TOTAIS (NOTAS)
Médias dos valores abaixo do (NMA)
Médias dos valores acima do (NMA)
Média NMA
Média NMD
Média NP
5,3270
6,0876
6,0612
7,9199
4,1052
FONTE: Autores (2009).
GRÁFICO 1 – MÉDIA GERAL
Média Geral
9,0
8,5
8,0
7,5
7,0
6,5
6,0
5,5
5,0
4,5
4,0
3,5
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
Médias dos
Médias dos
valor es em
valores em verde
Média NMA
Média NMD
Média NP
ver melho
FONTE: Autores (2009).
Analisando os resultados obtidos por meio da pesquisa, constata-se que 93,33% do NP ficou
abaixo do NMA, fato que é facilmente constatado no gráfico 1. Isso demonstra que a empresa tem
dificuldades em desenvolver uma comunicação interna eficaz com seus colaboradores.
Os únicos itens que apresentaram médias superiores ao NMA foram acesso à intranet
(questão 15), o que demonstra o interesse dos funcionários em manter-se atualizados. Outra
questão em destaque é a de número 26, que representa a flexibilidade da empresa em relação à
comunicação dos colaboradores com os superiores. Permanece o foco da gestão familiar, em que as
informações são centralizadas nos níveis superiores da organização.
Apesar da maioria dos funcionários acessar a intranet, a empresa não utiliza essa ferramenta
de forma eficiente. As informações oferecidas são desatualizadas. O colaborador não tem acesso a
programas de desenvolvimento intelectual, ou seja, treinamentos e informativos.
210
Tendo em vista que a organização não possui missão, visão e valores definidos, os
colaboradores acabam trabalhando individualmente, sem objetivos coletivos. Mesmo a empresa
tendo instrumentos de endomarketing, não é possível ter uma relação objetivos da empresacolaborador. Como base nisso, podem ser comparadas as questões 3 (visão, missão e valores da
empresa) e 6 (objetivos e metas por setor) do questionário, relatando a individualidade do setor e
não o objetivo comum da empresa.
Outro ponto relevante da pesquisa foi a questão 8, que trata da segurança, bem-estar e
preocupações que a empresa tem com o ser humano. Foi percebida uma diferença entre o NMA e o
NP de 4,8250 pontos, demonstrando uma insatisfação dos funcionários, relacionada ao lado humano
da organização.
GRÁFICO 2 – ESCORES GERAIS DA EMPRESA
Escores gerais da empresa
1
29
30 9,0
2
8,5
8,0
7,5
7,0
6,5
6,0
5,5
5,0
4,5
4,0
3,5
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
28
27
26
25
24
3
4
5
6
7
8
23
9
22
10
21
11
20
12
19
13
18
17
15
16
14
Nível mínimo
aceitável
Nível máximo
desejável
Nível percebido
FONTE: Autores (2009).
Pelo gráfico 2, nota-se nitidamente que o NMA está entre o NMD e o NP. O correto seria os
valores do NP ficarem entre os valores de NMA e NMD. Esse fato demonstra, de maneira geral, que
a empresa não possui comunicação interna eficiente.
3 CONCLUSÕES
A partir do método estatístico SERVQUAL foi possível avaliar de maneira satisfatória o nível
de percepção dos colaboradores em relação às ferramentas de endomarketing utilizadas pela
empresa.
Verificou-se que a maioria dos entrevistados, mesmo não tendo conhecimento a respeito do
tema proposto, avalia elementos como a comunicação interna com extrema importância para o
desempenho de suas atividades, além da obtenção de maiores informações a respeito da
organização onde trabalham. Esse fato ficou comprovado durante o preenchimento do questionário,
quando se constatou que os funcionários perceberam que as ferramentas de endomarketing
utilizadas pela empresa não eram satisfatórias.
211
Com relação aos instrumentos de endomarting utilizados pela empresa, pode-se concluir que
esses existem, porém não são utilizados de forma adequada. A intranet, por exemplo, é utilizada por
grande parte dos colaboradores, mas a empresa não utiliza essa ferramenta como um canal de
comunicação com os funcionários, mas como um meio de comunicação entre os funcionários.
A maioria dos colaboradores recorre a seus superiores, quando surge alguma dúvida. Isso
demonstra que os meios de comunicação não são suficientes ou eficientes para suprir as
informações necessárias aos funcionários. Como consequência, os gestores ficam sobrecarregados,
pois tornam-se a principal fonte de informações dentro da empresa. Ainda dentro desse contexto,
levando-se em consideração o objetivo geral do trabalho, é possível constatar que em função de
uma gestão empresarial familiar, as informações ficam centralizadas nos níveis mais altos da
hierarquia.
Finalmente, considerando todos os dados e informações levantadas por este trabalho e
analisando os referenciais teóricos pesquisados e apresentados, conclui-se que a ferramenta de
endomarketing está diretamente ligada à imagem corporativa. O endomarketing, além de melhorar a
comunicação entre os níveis hierárquicos e setoriais, reforça os valores que compõem a identidade
empresarial, contribuindo para esses sejam percebidos por todos.
REFERÊNCIAS
BRUM, Analisa de Medeiros. Endomarketing de A a Z. Porto Alegre: D. Luzzatto, 2007.
CASTRO, Lauro Sodré Viveiros de. Pontos de estatística. 14. ed. Rio de Janeiro: Científica. 1967.
PARASURAMAN, A., ZEITHAML, Valarie A. & BERRY, Leonard L. A conceptual model of service
quality and its implications for future research. Journal of Marketing , 49, 1985, p. 41-50.
TRIOLA, Mario F. Introdução à estatística. 9. ed. São Paulo: Editora LTC, 2005.
212
213
REFORMULAÇÃO NO
MODELO DE GESTÃO POR
COMPETÊNCIAS NA
VOLVO DO BRASIL
TATIANE LUZIA BORA
Administradora
DIEGO MAGANHOTTO CORAIOLA
Mestre em Administração pela UFPR
214
RESUMO
Nos últimos anos, temas relacionados à gestão por competências foram amplamente discutidos,
tanto no ambiente acadêmico quanto no empresarial, associado às diferentes instâncias de
compreensão: no nível da pessoa (à competência do indivíduo) e das organizações (às core
competences). Tendo em vista o cenário competitivo e a necessidade de gerenciar pessoas,
apresenta-se um estudo acerca da gestão de competências no intuito de contribuir para a reflexão e
a busca de soluções efetivas dessa problemática. Esta pesquisa foi realizada por meio de um estudo
de caso realizado na empresa Volvo do Brasil. As informações sobre a reformulação no modelo
foram obtidas mediante consulta nos documentos da empresa e entrevistas realizadas com
gerentes. A organização já possuía um modelo de gestão por competências, mas decidiu realizar a
reformulação na estrutura do modelo em função da perda de eficácia para a gestão das
competências organizacionais e como forma de adequar-se às últimas práticas desenvolvidas e
disseminadas no mercado.
Palavras-chave: gestão por competências, Volvo do Brasil, avaliação de desempenho,
remuneração.
ABSTRACT
In recent years, issues related to competency management have been widely discussed, both in
academia and in business, coupled with different levels of understanding: the level of the person (the
competence of the individual) and organizations (the core competences). Given the competitive
landscape and the need to manage people, a study about competence management is presented in
order to contribute to the discussion and development of effective solutions to this problem. This
research was conducted through a case study conducted at Volvo do Brasil. The information about
the changes in the model were gotten at corporation documents and interviews with managers. The
organization already had a competence based model but decided to reformulate it due to efficacy
losses at the management of organizational competences and as a way to freshen the model with
new practices shared at industry.
Keywords: competency management, Volvo do Brasil, performance evaluation, compensation.
215
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, a atuação de uma empresa no mercado é de extrema importância para o
sucesso frente à concorrência. A empresa deve estar atenta às demandas do mercado e oferecer o
de que os clientes necessitam. Para isso, a organização precisa ter a competência necessária para
oferecer produtos de qualidade, com menor preço e rapidez, entre outros requisitos.
Ao observar as constantes mudanças no cenário competitivo e, consequentemente, as
mudanças no ambiente interno das organizações, percebe-se a necessidade de uma participação
mais efetiva das pessoas no intuito de tornar a empresa mais ágil e responder melhor às
necessidades competitivas. As organizações estão cada vez mais conscientes de que seu sucesso
será determinado por seus diferenciais competitivos, que são produto das competências individuais
oferecidas pelos funcionários.
Dessa forma a gestão por competências tem se apresentado uma ferramenta útil no processo
de gerenciar as pessoas, pois une a necessidade de as organizações criarem um diferencial
competitivo, por meio das competências organizacionais, à medida que oferece benefícios para os
indivíduos que trabalham na organização, como um plano de remuneração adequado e plano de
carreira. Com o advento desse novo conceito, as áreas de recursos humanos das organizações
tiveram que repensar o modelo de gerenciar as pessoas. Os gestores de RH partiram para uma
gestão estratégica dos recursos humanos, pois são as pessoas com suas competências individuais
que proporcionam à organização um conhecimento coletivo capaz de gerar um diferencial
competitivo que será percebido pelos clientes.
Sendo assim, a reflexão sobre novas formas de gerenciamento de pessoas resultou no
desenvolvimento de modelo de gestão por competências, que rapidamente ascendeu ao posto de
principal modelo de gestão para os setores de recursos humanos ou gestão de pessoas nas
organizações, que em boa parte vêm reformulando seus sistemas com base na ideia de
competências. Apesar disso, ressalva-se que o modelo não se trata de concepção simples e
facilmente aplicável, mas, como qualquer outro tipo de mudança, envolve uma série de dimensões e
elementos complicadores, que precisam ser levados em consideração e envolvidos no modelo, para
que este seja bem-sucedido.
Ainda que a literatura especializada apresente diversos títulos explicando como essas
mudanças devem ser feitas e tragam recomendações quanto aos cuidados que devem ser tomados,
quando da introdução de um modelo de gestão por competências, as dimensões e potenciais
problemas que devem ser incorporados permanecem restritos à própria situação de aplicação ou à
organização em que se pretende adotar o modelo.
Nesse sentido, é fundamental o desenvolvimento de trabalhos de pesquisa que objetivem
apresentar casos sobre a introdução do modelo de gestão por competências, sejam eles tentativas
bem-sucedidas ou malsucedidas, como forma de gerar orientações e recomendações para subsidiar
futuros projetos de aplicação ou mesmo para a melhoria dos processos de gestão adotados pelas
empresas. No esteio dessa contribuição, o presente trabalho apresenta pesquisa desenvolvida na
empresa Volvo do Brasil, com o objetivo de verificar o processo de estabelecimento, revisão e
adequação do modelo de gestão por competências utilizado pela empresa.
Em 1999, a Volvo deu início à efetivação de um modelo de gestão por competências. Essa
tarefa foi conduzida pelo Departamento de Remuneração e seguiu a abordagem que estava em
voga na época. Quatro anos depois, em função de o modelo se tornar desajustado, a empresa
contratou uma consultoria externa para fazer um diagnóstico, e alguns problemas foram
encontrados. Com base nessa análise, foi proposta uma revisão do modelo, a fim de alinhá-lo às
estratégias da organização.
Na sequência deste artigo, são apresentados os conceitos de competência e gestão por
competências, o modelo de gestão e suas dimensões e a relação do modelo com as demais
atividades de gestão de pessoas existentes na organização. Após essas questões teóricas, são
descritos os procedimentos metodológicos empregados na realização do estudo de caso. A seção
seguinte compreende breve histórico do caso estudado e a narrativa dos processos de mudança,
problemas e soluções encontradas. Por fim, são apresentadas as conclusões e as referências
utilizadas.
216
2 QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA
Nas próximas seções serão apresentados os conceitos teóricos que fundamentaram esta
pesquisa sobre os temas relacionados à gestão por competências, como as competências
essenciais, gestão estratégica de pessoas, modelos de gestão de pessoas, práticas de remuneração
e avaliação de desempenho.
2.1 COMPETÊNCIAS ESSENCIAIS E GESTÃO ESTRATÉGICA
A competitividade entre as organizações é um fator muito importante a ser considerado. As
organizações devem produzir bens e serviços que atendam às necessidades dos consumidores e
lhes superem as expectativas. Devem criar bens e serviços que tenham um valor considerado para o
consumidor. Sendo assim, as organizações devem concentrar-se no que melhor elas fazem, no que
as diferencia das demais e naquilo que gera valor competitivo. Esse valor é a competência
organizacional ou essencial. Para Prahalad e Hamel (1990), competências essenciais nas
organizações (core competences) são aquelas que conferem vantagem competitiva, geram valor
distintivo percebido pelos clientes e são difíceis de serem imitadas pela concorrência.
Segundo Fernandes e Berton (2005), as organizações de sucesso apoiam-se em alguns
recursos especiais, qualificados como competências essenciais. Tais competências conferem a uma
organização vantagem competitiva sustentável, constituindo as “raízes da competitividade”.
Competência essencial é “[...] a aprendizagem coletiva na organização, especialmente relacionada a
como coordenar diversas habilidades de produção e integrar múltiplos streams de tecnologia.” Em
outras palavras, “[...] competências essenciais são o conjunto de habilidades e tecnologias que
habilitam uma companhia a proporcionar um benefício particular para os clientes.” É mais do que
uma habilidade ou tecnologia isoladamente, como explicam Fleury e Oliveira (2001 apud
PRAHALAD; HAMEL, 1994, p. 203).
Para reconhecer as competências essenciais de uma empresa, é necessário entender por
que uma empresa alcança melhores resultados, lucros e quais são as capacidades que as
diferenciam das outras para sustentar esses resultados. Como afirmam Fleury e Oliveira (2001),
competências ou capacidades de um indivíduo possuem um caráter dinâmico, pois precisam ser
alteradas com o objetivo de atender às mudanças no ambiente competitivo, em um processo
ininterrupto. A organização é quem possui as competências essenciais, porém quem oferece
subsídios para que essas competências sejam mantidas ou desenvolvidas e para que a organização
consiga alcançar todos os seus objetivos são as pessoas que estão inseridas nela. É por meio das
competências de cada indivíduo que a organização consegue manter o valor esperado pelo
consumidor. Nesse sentido, a gestão estratégica de pessoas se tornou um ponto muito importante
na área de gestão.
A necessidade de inovar na maneira de gerenciar pessoas surgiu basicamente na área de
recursos humanos. Percebeu-se a exigência de gerenciar o capital humano das organizações
estrategicamente, criando assim não só benefícios para a organização como também para os
próprios colaboradores. As áreas de RH das empresas tiveram que repensar e reorganizar seu
modelo de gestão. Segundo Teixeira et al. (2006, p. 13), “[...] é de extrema necessidade repensar a
gestão de pessoas, no sentido de mudá-la de uma gestão técnico-funcional para uma gestão
estratégica, na qual os empregados agregam valor às organizações e se constituem em um
importante diferencial competitivo.”
Com esse novo processo de gestão estratégica sendo desenvolvido nas organizações,
observou-se a necessidade de melhorar o processo de gerenciamento de pessoas, alocando as
pessoas adequadas nos lugares certos, com as capacidades necessárias para determinada função.
Nesse contexto, pode-se observar o surgimento e desenvolvimento de conceitos e modelos com
novas formas de gerenciar as competências humanas e organizacionais, resumidos na ideia de
gestão por competências.
217
2.2 COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS E ORGANIZACIONAIS
No fim da Idade Média, a expressão competência era associada essencialmente à linguagem
jurídica. Competência dizia respeito à faculdade atribuída a alguém ou a uma instituição para
apreciar e julgar certas questões. Os juristas declaravam que determinada corte ou indivíduo era
competente para um dado julgamento ou para realizar certo ato. Por extensão, o termo veio a
designar o reconhecimento social sobre a capacidade de alguém pronunciar-se acerca de
determinado assunto. Mais tarde, o conceito de competência passou a ser utilizado de forma mais
genérica, para qualificar o indivíduo capaz de realizar determinado trabalho (ISAMBERT-JAMATI,
1997).
É possível perceber a existência de dois pensamentos relacionados à competência: um,
representado por autores norte-americanos, entende a competência como um estoque de
qualificações (conhecimentos, habilidades e atitudes) que credencia a pessoa a exercer determinado
trabalho; outro, representado por autores franceses, associa a competência não a um conjunto de
qualificações do indivíduo, mas às realizações da pessoa em determinado contexto, ou seja, àquilo
que ela produz ou realiza no trabalho (DUTRA, 2004).
Assim, torna-se possível classificar competências como humanas (as relacionadas ao
indivíduo ou à equipe de trabalho) e organizacionais (as que dizem respeito à organização ou a uma
de suas unidades), ressaltando-se que o conjunto de competências profissionais, aliado aos
processos e outros recursos, é o que dá origem e sustentação à competência organizacional.
(CARBONE et al, 2006).
Na visão de Durand (1998 apud BRANDÃO; GUIMARÃES, 2009), o conceito de competência
abrange três dimensões fundamentais: conhecimento, habilidade e atitude. Engloba não somente
questões técnicas, mas também a cognição e as atitudes relacionadas ao trabalho. Com base
nesses componentes principais apresentados pelo autor, é possível compreender a ideia de
competência como o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes interdependentes e
necessárias à consecução de determinado propósito. Tais dimensões são interdependentes, pois a
exposição ou adoção de determinado comportamento exige do indivíduo a detenção de
conhecimentos e técnicas específicas. Da mesma forma, para utilizar uma habilidade, presume-se
que a pessoa tenha conhecimento a respeito de determinado processo. Durand (1998) acrescenta
que o desenvolvimento de competências ocorre por meio da aprendizagem individual e coletiva,
envolvendo simultaneamente as três dimensões do modelo, isto é, pela assimilação de
conhecimentos, integração de habilidades e adoção de atitudes relevantes para um contexto
organizacional específico ou para a obtenção de alto desempenho no trabalho.
Fleury e Fleury (2001, p. 21) destacam a ideia de que as competências agregam valor à
organização e ainda chamam a atenção para o fato de que essas competências trazem valor ainda
ao indivíduo também. Para eles, competência é “[...] um saber agir responsável e reconhecido, que
implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos; recursos, habilidades, que agreguem valor
econômico à organização e valor social ao indivíduo.”
Dutra (2001) associa a ideia de competência à entrega de tais capacidades à organização.
Afirma que o fato de o indivíduo obter um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes não
quer dizer necessariamente que a organização vai beneficiar-se dessas qualidades do indivíduo, se
este não entregar tais capacidades que possui em benefício das atividades da empresa. Por outro
lado, as competências organizacionais estão ligadas às competências que a empresa possui, como
tecnologia, habilidades, conhecimentos, diferenciais, entre outras. Essas competências podem ser
classificadas de acordo com sua natureza. Zarifian (2001) as classifica como competências sobre
processos, competências técnicas, competências sobre a organização, de serviço e sociais.
Para Hanashiro et al. (2007), competência organizacional é o resultado de uma combinação
estratégica de recursos, habilidades e processos organizacionais, os quais são orientados e
integrados para o atendimento de uma ou mais necessidades de clientes. O resultado dessa
combinação de recursos contribui de forma relevante para a geração de valor e para a formação de
vantagem competitiva sustentável. Prahalad e Hamel (1990) consideram a competência
organizacional como um conjunto de habilidades e tecnologias que geram vantagem competitiva
para a organização. São difíceis de ser copiadas e ainda contribuem para o valor percebido pelos
clientes.
218
As competências essenciais ou organizacionais devem ser bem gerenciadas para que
proporcionem melhores resultados. Para isso, é muito importante que a organização tenha um
processo de gestão por competências bem estruturado e um processo contínuo de avaliação de
desempenho das pessoas, para verificar se elas estão atingindo todas as metas e objetivos, pois são
as pessoas, com suas competências individuais, que oferecem para a organização o de que ela
precisa para manter suas competências essenciais, tornando-se assim mais competitiva e perene no
segmento de mercado em que atua.
2.3 ORIGENS DA GESTÃO POR COMPETÊNCIAS
A preocupação das organizações em contar com indivíduos preparados para o desempenho
eficiente de determinada função não é recente. Taylor (1970) já alertava a necessidade de as
empresas contarem com pessoas eficientes, ressaltando que a procura por competentes excedia à
oferta. Baseadas no princípio taylorista de seleção e treinamento do trabalhador, as empresas
procuravam aperfeiçoar em seus empregados as habilidades necessárias para o exercício de
atividades específicas, restringindo-se às questões técnicas relacionadas ao trabalho.
Posteriormente, em decorrência de pressões sociais e do aumento da complexidade das relações de
trabalho, as organizações passaram a considerar, no processo de desenvolvimento profissional de
seus empregados, não só questões técnicas, mas também os aspectos sociais e comportamentais
do trabalho.
A gestão por competências teve sua origem na necessidade de dar respostas aos desafios
que a nova ordem econômica mundial trouxe para as empresas no mundo todo. Segundo Fleury
(1999), três foram os fatores principais que forçaram essa mudança: a passagem de um mercado
regido pelo vendedor para um regido pelo comprador, a globalização dos mercados e da produção e
o advento da economia fundamentada no conhecimento. Esses fatores pressionaram a criação de
novas formas de gerir as organizações – de um modo em geral e em particular, uma nova forma de
gerir as pessoas. A área de recursos humanos adquiriu um papel estratégico que antes não lhe era
solicitado, passando a ser parceira importante da empresa no incremento dos negócios.
Nesse sentido, a gestão por competências tem sido enfatizada como modelo gerencial
alternativo aos instrumentos tradicionalmente utilizados pelas organizações. Para Brandão e Bahry
(2005), baseando-se no pressuposto de que o domínio de certos recursos é determinante do
desempenho superior de pessoas e organizações, esse modelo propõe-se fundamentalmente a
gerenciar o gap ou lacuna de competências, ou seja, a reduzir ao máximo a discrepância entre as
competências necessárias à consecução dos objetivos organizacionais e aquelas já disponíveis na
organização.
A redução ou eliminação de eventuais lacunas de competências está condicionada ao
mapeamento das competências necessárias à consecução da estratégia organizacional. Para
realizar esse mapeamento, a organização pode fazer uso de diversos métodos e técnicas de
pesquisa social, que auxiliam na realização de um diagnóstico, permitindo não apenas a
identificação da lacuna de competências, mas também o planejamento de ações de recrutamento,
seleção e desenvolvimento profissional. De acordo com Brandão e Guimarães (2001), a gestão por
competências propõe-se a orientar esforços para planejar, captar, desenvolver e avaliar, nos
diferentes níveis da organização (individual, grupal e organizacional), as competências necessárias à
consecução de objetivos.
2.4 AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO
Desde o momento em que é feita a introdução de um modelo de gestão por competências,
em que os resultados individuais (competências individuais) influenciam no desenvolvimento da
organização, na geração de valor de produtos para seus clientes (competências organizacionais), se
faz necessária a criação de métodos de avaliação para verificar se os colaboradores estão de fato
demonstrando todas as competências requeridas pela empresa.
Para Gramigna (2007), houve um tempo em que a tarefa de avaliar era realizada
sigilosamente. De responsabilidade exclusiva das chefias, a estratégia era completamente unilateral,
e o empregado não tinha acesso nem mesmo aos indicadores de desempenho constantes do
219
formulário. Além da forma autoritária como era aplicada a avaliação, algumas chefias incorriam em
injustiças por não serem bem preparadas para avaliar. A regularidade da aplicação dessas
avaliações era questionada, uma vez que era feita apenas uma vez no ano. Esse processo vem
sofrendo várias modificações, sempre sinalizando para a abertura e descentralização. Vários fatores,
como autoavaliação, percepção do empregado em relação à avaliação, metas, resultados e
competências, estão sendo discutidos nas avaliações de desempenho. A autora propõe um modelo
de avaliação em rede, também conhecido como avaliação 360º. A sistemática do modelo prevê o
recebimento de diversos feedbacks das pessoas que fazem parte da cadeia produtiva interna e
externa: clientes e fornecedores. De posse do resultado, o avaliado parte para a correção e o ajuste
em seu desempenho, de forma a atender às expectativas da organização.
Gillen (2000) chama atenção para a importância de distinguir os dois tipos de avaliação: a
formal, usualmente feita uma vez por ano, sendo conduzida como parte da política da organização; a
rotineira ou informal, levada a efeito mais frequentemente como um assunto da competência do
gerente e seu pessoal, pode ser feita por meio de pequenas observações e elogios no dia a dia.
Geralmente o processo de avaliação de desempenho está vinculado a um plano de remuneração
e(ou) plano de carreira. Dependendo do desempenho do indivíduo, ele pode ser promovido, ou
realocado em alguma outra faixa salarial, por isso é importante que a organização que tenha iniciado
um modelo de gestão por competências tenha um plano de cargos e salários bem definido.
2.5 CARGOS E SALÁRIOS
A remuneração de um indivíduo está ligada às competências que ele possui dentro da
organização, ou seja, ao conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que ele entrega de fato
para a manutenção das competências essenciais da organização. Para se definir as competências
exigidas por um cargo, deve-se elaborar um plano de cargos com as respectivas competências
exigidas e com um salário equivalente.
De acordo com Gil (2001), as organizações são concebidas como sistemas de papéis em que
cada indivíduo que ocupa uma posição na organização é solicitado a desempenhar um conjunto de
atividades e a manter determinados comportamentos. Assim, os gestores de pessoas procuram
selecionar seus empregados de tal forma que eles passem a exercer a respectiva função com a
maior eficácia possível.
Quando percebem alguma discrepância entre os papéis ideais e o desempenho real de cada
funcionário, as organizações promovem programas de capacitação, porém, quando verificam que as
pessoas capazes de desempenhar certos papéis são raras, oferecem maiores salários e outros
benefícios com o objetivo de mantê-las na organização. Por isso, é necessário definir com clareza os
papéis de cada indivíduo. Para Chiavenato (1994), a remuneração é a recompensa proporcionada
para as pessoas por um trabalho executado e possui várias funções tanto para a empresa como
para as pessoas. Para a empresa podem ser mencionadas as seguintes funções:
a) atrair e manter pessoas altamente qualificadas, as pessoas tendem a procurar empresas
onde as recompensas são mais elevadas, também serve para a retenção de talentos;
b) recompensar os serviços prestados como um meio de reconhecer o desempenho
passado;
c) motivar o desempenho futuro – as recompensas podem ser usadas como objetivos ou
metas para as pessoas;
d) assegurar equidade do ponto de vista interno e externo;
e) atender às normas legais.
Do ponto de vista das pessoas, as funções da remuneração podem ser:
a) a recompensa que proporciona um sentimento de segurança, pois o salário define o
padrão de vida da pessoa e de seus dependentes;
b) a recompensa que é uma fonte de reconhecimento, uma vez que ela eleva o indivíduo
que está trabalhando bem;
220
c) a recompensa que serve como um objetivo a ser atingido pela pessoa, já que um certo
nível de salário e as expectativas de promoção são ambições que as pessoas se
esforçam em concretizar.
Dutra (2002, p. 181) considera a remuneração como “[...] a contrapartida econômica e/ou
financeira de um trabalho realizado pela pessoa”. Muitos autores tratam a remuneração como um
fator de recompensa extrínseco, porém Dutra (2002) acredita ser um fator intrínseco, pois traduz em
muitas situações a importância relativa da pessoa para a empresa e seu status profissional para o
mercado. De acordo com esse autor, a remuneração pode ser dividida em duas categorias:
- remuneração direta: o total de dinheiro que a pessoa recebe em contrapartida ao trabalho
realizado; e
- remuneração indireta: o conjunto de benefícios que a pessoa recebe em contrapartida pelo
trabalho realizado.
Uma das novas estratégias de remuneração é a por competências. Esse tipo de
remuneração é constituído pelas competências que o indivíduo possui. O cargo que ocupa e o
tempo de serviço têm um papel secundário, e os salários, por consequência, são diretamente
vinculados a um processo de certificação, no qual o empregado precisa demonstrar sua
competência (avaliação de desempenho). Os aumentos de salários não estão vinculados à
promoção, como ocorre nos processos tradicionais (GIL, 2001).
Dutra (2002, p. 192-193) vem de encontro a esse pensamento de Gil, trazendo a abordagem
da remuneração como função de complexidade, e chama atenção aos seguintes passos:
a) estabelecer os principais eixos de carreira da empresa;
b) definir as competências a serem entregues em cada eixo de carreira;
c) estabelecer os degraus de complexidade de cada competência dentro do mesmo eixo de
carreira;
d) construir faixas salariais para cada nível de complexidade;
e) enquadrar as pessoas nos diferentes graus de complexidade.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente estudo utilizou a pesquisa qualitativo-descritiva, uma vez que as informações
utilizadas no desenvolvimento do estudo de caso foram quase exclusivamente de caráter qualitativo
em sua natureza, assim como os procedimentos de coleta e análise que serviram de subsídio para a
elaboração de narrativa compreendendo a descrição do processo de introdução e reformulação do
modelo de gestão por competências na Volvo do Brasil (CERVO; BERVIAN, 1996).
Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas, que envolvem a
preparação de roteiro dos assuntos a serem abordados com o entrevistado (MARCONI; LAKATOS,
2009). Dessa forma, o pesquisador pode, no momento da entrevista, incluir questões que sejam
necessárias para uma boa conversação sobre o objeto investigado. As entrevistas foram realizadas
com gestores da área de recursos humanos que foram os responsáveis pelo estabelecimento do
modelo de gestão por competências na organização. Foram realizadas três entrevistas para um
melhor entendimento do processo, e cada entrevista teve a duração de, aproximadamente, uma
hora. Neste trabalho, os dados primários foram coletados com os funcionários da organização,
tenham eles participado ativamente da introdução do modelo de gestão por competências ou tenham
tido seu trabalho influenciado pela mudança. Os dados secundários foram obtidos por meio da
consulta aos relatórios, apresentações e modelos de gestão por competências disponíveis na
organização.
Depois da obtenção dos dados e dos resultados, é necessário realizar a análise e a
interpretação dos dados, que, constituem o núcleo central da pesquisa (MARCONI; LAKATOS,
2009). Os dados foram analisados qualitativamente e encadeados de modo a permitir o
desenvolvimento de narrativa dos acontecimentos ressaltando-se os aspectos problemáticos e de
melhoria levantados na reformulação do modelo de competências.
221
4 GESTÃO POR COMPETÊNCIAS NA VOLVO DO BRASIL
Fundada em 1928, a Volvo é um dos maiores grupos industriais do mundo, com mais de 70
mil empregados e presente em mais de 100 países. É respeitada mundialmente e reconhecida por
seus valores essenciais: qualidade, segurança e respeito ao meio ambiente. Aprimoramento
contínuo, inovações tecnológicas e esforços constantes para reduzir o impacto ambiental de seus
produtos fazem da Volvo uma marca conhecida e destacada. Nos últimos anos, o Grupo Volvo
decidiu concentrar-se fortemente na produção e comercialização de produtos relacionados ao
transporte: caminhões, ônibus, equipamentos de construção, motores marítimos e industriais,
turbinas e propulsores para aeronaves comerciais e foguetes espaciais.
A unidade da Volvo, em Curitiba, é considerada uma “fábrica de soluções para transporte”.
De sua linha de montagem saem os mais modernos caminhões pesados, semipesados e as
melhores soluções para o transporte de passageiros. A empresa não apenas se mantém na
vanguarda em desenvolvimento de novas tecnologias, qualidade de produtos, processos e serviços,
como também na prática de conceitos inovadores de relações humanas, preservação ambiental e
segurança. Com uma área construída de 96 mil metros quadrados, a Volvo foi uma das primeiras
empresas a se instalar na Cidade Industrial de Curitiba, onde ocupa um terreno de 1,3 milhão de
metros quadrados. Foi a primeira montadora de veículos de transporte de carga e passageiros a ser
instalada no Paraná, ainda na década de 70, dando origem ao polo automotivo paranaense. Hoje a
fábrica tem aproximadamente 2.600 funcionários.
A Volvo do Brasil foi uma das organizações pioneiras no uso do conceito de competências
como parâmetro para decisões em remuneração, utilizando-o, desde 1999, para todo o contingente
de profissionais. Desde o início, o conceito de competências foi aplicado com o objetivo de oferecer
referências que subsidiassem as decisões de lideranças da empresa quanto à gestão de pessoas
nos diversos processos de recursos humanos, ou seja, os resultados esperados não se resumiam à
dimensão da remuneração, pretendendo-se subsidiar os gestores nas diversas decisões sobre
pessoas. No entanto, segundo entrevistas com os gestores de RH da Volvo, o trabalho de
concepção e estruturação do modelo em 1999 foi conduzido principalmente pela área de
remuneração e, dessa forma, foi visto pela organização como tendo no aspecto recompensas seu
principal propósito. O sistema adotado na ocasião seguiu abordagem em voga na época, ou seja,
entendia as competências como uma extensão do conceito de habilidades, só que orientado para o
público de nível superior. Alinhava-se a um modelo no qual se especificavam as
habilidades/competências exigidas para determinados cargos, caracterizados de forma ampla, e a
aquisição ou o aumento na proficiência delas é que condicionava a progressão na faixa salarial.
Com faixas salariais amplas, os pontos críticos do sistema passam a ser a legitimidade e a
consistência dos critérios para posicionamento dos profissionais na faixa salarial. Na ocasião,
adotou-se um modelo em que esse posicionamento era dado pela pontuação obtida pelo
profissional, num processo de avaliação que considerava competências genéricas e competências
específicas. O peso de cada competência nesses grupamentos poderia variar por posição, e,
conforme o nível obtido na avaliação, gerava-se certa pontuação. Essa pontuação era remetida a
degraus salariais, os quais definiam a remuneração a ser recebida pelo profissional. A figura 1
procura ilustrar essa dinâmica.
222
FIGURA 1 – DINÂMICA DE FUNCIONAMENTO DA SISTEMÁTICA POSICIONAMENTO SALARIAL
NA FAIXA AMPLA
FONTE: Documentação interna.
Nas entrevistas realizadas com os gestores, eles informaram que, em 2003, a Volvo
contratou uma consultoria externa para fazer um diagnóstico da prática remuneratória adotada pela
organização. A consultoria realizou esse estudo com profissionais de gestão de pessoas e,
sobretudo, gestores de outras áreas da empresa. Alguns problemas foram apontados, destacandose:
a) foco do sistema na remuneração, levando à não-aplicação do processo avaliativo quando
da ausência de verba para aplicar na progressão salarial. Perdia-se, com isso, a
oportunidade de se estabelecer um momento de diálogo entre gestor e profissional em
torno do desenvolvimento, além de gerar enorme expectativa e pressão em relação ao
momento e aos resultados das avaliações;
b) percepção de fragilidade dos critérios de alocação das pessoas nas faixas salariais,
decorrente, sobretudo, do excesso de subjetividade nos itens de avaliação e do
desalinhamento entre os critérios utilizados para a progressão salarial e a lógica de
carreira e desenvolvimento;
c) a complexidade do modelo levava à dificuldade de sinalizar as possibilidades de carreira,
de subsidiar decisões, de traduzir a atuação real de alguns profissionais e de passar uma
percepção do todo;
d) com o tempo, foi a uniformidade dos critérios aplicados na organização foi sendo perdida,
pelo fato de cada gestor atualizar as habilidades/competências a seu modo. Na ocasião
foi observada uma mesma competência possuindo diferentes sentidos;
e) aumento do número de cargos nos anos antecedentes ao diagnóstico, uma vez que as
descrições de competências/habilidades continuavam a se relacionar com eles. Esse
aumento era decorrente da necessidade de se diferenciarem as competências
específicas para cada cargo e, às vezes, dentro de um mesmo cargo que atuava em
diferentes áreas;
f) número excessivo de competências;
g) volatilidade das competências, especialmente as calcadas em conhecimentos;
223
h) pressão sobre a massa salarial, uma vez que a aquisição e a aplicação de novas
competências implicariam aumento remuneratório. Controlar essa progressão por meio
de dimensionamento de necessidades de competências não se demonstrava suficiente.
Segundo entrevista com o analista de recursos humanos, o processo de revisão do sistema
de gestão por competências, estruturado em 1999, contou com o apoio de consultoria externa e com
a mobilização dos gerentes da organização e da comissão de fábrica (representante dos
trabalhadores), sob a coordenação dos profissionais de gestão de pessoas. O grande envolvimento
da empresa possibilitou incorporar, no processo de revisão, toda a experiência obtida com a prática
anterior e, em função disso, direcionar as análises de modo a mitigar as dificuldades encontradas
naquele modelo e reforçar seus aspectos positivos. Ao final da revisão do modelo, este foi
amplamente divulgado para os profissionais no processo de estruturação meio de jornais
institucionais, site corporativo, mensagens espalhadas pela organização (murais e quadros). As
principais mudanças efetuadas nessa revisão estão listadas no quadro 1.
QUADRO 1 – COMPARATIVO DOS MODELOS DE GESTÃO POR COMPETÊNCIAS
MODELO INICIALMENTE ADOTADO (1999)
foco principal na remuneração
MODELO REVISADO (2003)
foco na integração de gestão de pessoas – entre seus
processos e com o negócio
aquisição de conhecimento interferindo em
remuneração
aquisição de conhecimento não interferindo na
remuneração – foco na contribuição
faixas salariais largas (broadbanding);
faixas salariais por níveis de complexidade
definição de necessidade organizacional
(quadro de demanda) por competência
definição de necessidade organizacional (quadro de
demanda) por eixo de carreira e nível de complexidade
visão pontual das áreas
visão integral da empresa e das oportunidades de
desenvolvimento
atualização do sistema complexa e demandante
simplificação no processo de atualização e gestão do
sistema
níveis de exigência diferentes para cada
competência em função do cargo
níveis de exigência nas competências alinhados
conforme os níveis de complexidade do trabalho
ausência de uniformidade nos critérios entre as
áreas
uniformização nos critérios entre as áreas
rigidez na gestão de pessoas
respeito às características e contribuições individuais
FONTE: Documentação interna da empresa.
As competências necessárias para cada tipo de tarefa, bem como sua complexidade, são
definidas por eixo de carreira que foram adotados pela Volvo: tecnologia de gestão, técnico,
operacional e mercadológico. O eixo de carreira de tecnologia de gestão compreende as posições
responsáveis por oferecer à organização tecnologias de gestão, como, por exemplo, analistas
administrativos, contábeis, assistente executivo, entre outras. No eixo de carreira técnica, são
compreendidas as posições que demandam aplicação de conhecimentos da área tecnológica
(engenheiros, técnicos, entre outras). No eixo operacional, são compreendidas as posições com
ação direta ou indireta sobre o produto (operador, montador, pintor, soldador, entre outras). E por
224
fim, no eixo mercadológico, são compreendidas as posições com atuação predominantemente
focalizadas para fora da organização (analista de comércio exterior, comprador, representante
comercial, entre outras). Na figura, 2 é possível observar a divisão por eixos de carreira.
FIGURA 2 – EIXOS DE CARREIRA DA EMPRESA VOLVO
FONTE: Documentação interna (com adaptações).
Para se fazer a estruturação de um modelo de gestão por competências, ou sua revisão, é de
extrema importância que a organização possua um sistema de descrição de cargos e salários, pois
este é referência para os processos de gestão de pessoas e para os empregados. Ele demonstra o
papel a ser desempenhado, requisitos, competências demandadas, entre outros aspectos. As
informações básicas são: título, código, missão, área de atuação, eixo de competências, requisitos.
Uma descrição de cargos e salários apresenta a escala de capacidades, competências do eixo e
capacidades do cargo.
A revisão do plano de cargos e salários da Volvo seguiu a lógica da complexidade, Nesse
modelo, a remuneração é definida com base nos eixos de carreira, mas conta com os níveis de
complexidade, ou seja, quanto mais complexa for a tarefa maior será a remuneração. Na figura 3,
todos os cargos pertencem ao mesmo eixo de carreira (operacional). Dessa forma, a única variante
na remuneração é a complexidade; em outras palavras, um montador I tem a remuneração igual ao
de um controlador de materiais I e operador I, da mesma maneira que um ajustador III é remunerado
igualmente a um pintor IV. Todavia, se os eixos forem diferentes (técnico, operacional,
mercadológico ou tecnologia de gestão), a remuneração será diferenciada para a mesma linha de
complexidade.
225
FIGURA 3 – ASSOCIAÇÃO ENTRE CARGOS E NÍVEIS DE COMPLEXIDADE DEFINIDOS PARA A
TRAJETÓRIA DE CARREIRA OPERACIONAL
níveis de
complexidade
materiais
montagem
cabines
motores
VI
montador
multifuncional II
eletricista
autos III
ajustador III
controlador
materiais VI
pintor IV
funileiro
IV
operador
VI
técnico de
usinagem
V
montador
multifuncional I
eletricista
autos II
ajustador II
controlador
materiais V
soldador
V
pintor V
funileiro
IV
operador
V
técnico de
usinagem
IV
montador volante
II
eletricista
autos I
ajustador I
controlador
materiais IV
soldador
funileiro
pintor IV
IV
IV
operador
IV
técnico de
usinagem
III
montador volante I
controlador
materiais III
operador III
soldador
pintor III
III
operador
III
II
montador II
controlador
materiais II
operador II
operador II
I
montador I
controlador
materiais I
operador I
operador I
pintor
FONTE: Documentação interna.
O foco deste modelo de gestão é o desenvolvimento de competências essenciais para o
negócio Volvo, que oferece benefício tanto para os empregados como para suas lideranças e,
consequentemente, para a organização. Para os empregados, esse modelo deve suprir as
informações necessárias sobre o papel a ser desempenhado na empresa, além dos requisitos e
competências relacionados ao cargo e posição ocupados. Ainda, apresenta os referenciais de todos
os cargos estruturados na carreira Volvo, para que o empregado possa planejar a carreira e decidir
as ações para seu desenvolvimento. Para as lideranças esse modelo de gestão de pessoas tem por
objetivo oferecer referências que subsidiem as decisões de gestão de pessoas nos diversos
processos de recursos humanos: recrutamento e seleção, treinamento, desenvolvimento, avaliação
de competências, de desempenho, desenvolvimento profissional e pessoal, sucessão, salário,
carreira, etc.
A fim de que esse modelo de gestão por competências funcione bem, se faz necessário
possuir um sistema de avaliação de desempenho adequado para se gerenciar o desenvolvimento de
competências que suportem os planos estratégicos, táticos e operacionais da organização. É de
responsabilidade da liderança conciliar a necessidade de competências da empresa e os anseios
pessoais e profissionais dos empregados. É de responsabilidade do empregado planejar seus
objetivos profissionais e pessoais, bem como conhecer o modelo de gestão estruturado na empresa,
para tomar as decisões que afetem a própria carreira, principalmente sobre o desenvolvimento
pessoal.
A avaliação formal é realizada uma vez por ano, porém as informais devem ser feitas no dia a
dia como forma de motivação ou tentativa de correção de algum aspecto negativo. Os resultados
dessa avaliação devem ser divulgados para os empregados, que devem estar alinhados às
competências necessárias, atual e futuramente (médio prazo), pois são a base para a gestão de
pessoas.
Na Volvo, a avaliação de desempenho que existe se denomina Personal Business Plan
(PBP). Tal avaliação é feita anual e individualmente. É realizada pela liderança com base em
indicadores de desempenho (Key Performance Indicators - KPIs), que são metas que o funcionário
deve atingir. Para a realização dessa avaliação de desempenho existe uma reunião inicial em que
são apresentadas ao funcionário as metas que ele deve atingir ao longo do ano. O funcionário tem a
liberdade de expor sua opinião sobre as metas e de falar sobre seus anseios e intenções de
crescimento ou mudanças dentro da organização. Ao final do ano é realizada outra reunião, para
verificar se as metas foram atingidas e para fazer um feedback das atividades desenvolvidas.
A avaliação de desempenho influencia diretamente na remuneração variável do funcionário.
Essa remuneração variável é proporcional ao resultado da avaliação de desempenho, ou seja, caso
o funcionário atinja 100% de suas metas verificadas na avaliação, receberá 100% do valor da PLR.
Se o funcionário atingir apenas 50% de suas metas, receberá apenas 50% do valor da PLR. O PBP,
226
além de ser uma ferramenta para avaliar o funcionário, possibilita a visão de desenvolvimento dentro
da organização.
Com base no que foi exposto, por meio de entrevistas e materiais internos da organização,
pode-se observar que a empresa inicialmente optou por um modelo de gestão por competências que
estava mais focalizado em remuneração. Depois disso, observou-se a necessidade de reformular
esse modelo, pelos diversos motivos mencionados.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema de gestão por competências vem despontando como alternativa real aos métodos
tradicionais de se estruturarem as ações de recursos humanos. É possível concluir que a elaboração
e a aplicação de um sistema de gestão por competências podem trazer vários benefícios à gestão
de pessoas, auxiliar no estabelecimento de critérios de avaliações, promoções e, principalmente,
contribuir para que a organização se torne mais competitiva e perene no segmento de mercado em
que atua. No entanto, há que se verificar continuamente a adequação do modelo aos objetivos e às
necessidades da empresa, monitorando o desempenho do modelo de competências adotado,
realizando as adequações necessárias e visando preservar os benefícios obtidos pela empresa com
a adoção desse modelo.
Inicialmente a Volvo estruturou um modelo de gestão por competências mais focalizado em
remuneração, talvez porque as pessoas responsáveis por esse trabalho eram da área. O modelo
trouxe benefícios por certo período, porém, com o passar dos anos e as mudanças ocorridas no
conceito de gestão por competências, desenvolveu-se na empresa sentimento quanto à necessidade
de reformulação dos critérios do modelo. A reformulação do modelo, em 2003, abrangeu diversas
mudanças nos critérios adotados em 1999, entre os quais é possível mencionar: maior foco na
integração de gestão de pessoas, mudanças na forma de aquisição de conhecimento, faixas
salariais incluindo o conceito de complexidade, uniformização dos critérios entre as áreas, entre
outros tópicos que melhoraram o modelo e trouxeram mais benefícios para a organização e seus
colaboradores.
Não foram realizadas novas mudanças no modelo depois das alterações efetuadas em 2003,
o que significa que o modelo desenvolvido tem servido de base para as decisões relacionadas à
gestão de pessoas da organização, há aproximadamente 7 anos. De acordo com a avaliação dos
gestores, por enquanto esse modelo está proporcionando à organização e aos funcionários os
resultados esperados, não demandando nenhum ajuste ou adaptação Essa é uma constatação
importante do trabalho. Mesmo depois de passados alguns anos desde a última modificação do
modelo, ele ainda é percebido como atual e atendendo adequadamente aos objetivos da
organização.
Considerando o consenso estabelecido quanto à velocidade das transformações e mudanças
do mundo contemporâneo, assim como a constante necessidade de adequação e adaptação das
organizações ao ambiente, a manutenção de determinado modelo de gestão, sem quaisquer
alterações, poderia soar como bizarrice incômoda. Nesse sentido, como sugestão para futuras
pesquisas, sugere-se a possibilidade de analisar em maior profundidade a manutenção desse
modelo e suas características, buscando evidenciar os processos e elementos responsáveis por sua
permanência na organização, além da identificação e da análise de outros modelos e práticas
administrativas vigentes e estabelecidas em outras empresas e setores organizacionais.
REFERÊNCIAS
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PERCEPÇÃO DE VANTAGEM COMPETITIVA
ORGANIZACIONAL POR MEIO DA ESTRATÉGIA DE
INTERNACIONALIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA
PERCEPTION OF ORGANIZATIONAL COMPETITIVE
ADVANTAGE THROUGH STRATEGY OF
UNIVERSITY INTERNATIONALIZATION
PERCEPCIÓN DE LA VENTAJA COMPETITIVA DE
LA ORGANIZACIÓN POR MEDIO DE LA
ESTRATEGIA DE INTERNACIONALIZACIÓN
UNIVERSITÁRIA
LARISSA CRISTINA DAL PIVA
Mestranda em Administração (UFPR)
CLEVERSON CUNHA
Professor de Pós-Graduação em Administração (UFPR)
230
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar se a estratégia de internacionalização universitária, através das
oportunidades de contato internacional articuladas pelo setor de relações internacionais, é percebida
como um diferencial competitivo da organização por seus alunos e professores. A metodologia
utilizada consiste em uma pesquisa qualitativa com método de estudo de caso e com técnica de
entrevistas em profundidade com alunos e professores de uma instituição privada de ensino superior
de Curitiba. Como resultado foi possível perceber que para a instituição melhor se inserir no mercado
educacional, é preciso oferecer ao seu público a oportunidade de intercâmbio acadêmico, o que
proporciona a troca de conhecimentos e de contatos profissionais além das fronteiras nacionais.
Assim, as ações do setor de relações internacionais passam a ser percebidas como fonte de
vantagem competitiva organizacional.
Palavras-chave: administração estratégica, percepção de vantagem competitiva organizacional,
internacionalização universitária.
ABSTRACT
The objective of this study is to analyze if the internationalization strategy of a private university,
through opportunities to connect internationally articulated by the sector of international relations, is
perceived as an organizational competitive advantage by its students and teachers. The methodology
consists of a qualitative research with method of case study and technical of in-depth interviews with
students and professors from a private institution of higher education located in Curitiba-ParanáBrazil. As a result, it was observed that to enter at the educational market, the institution need to give
to professors and students the opportunity for academic exchange, which allows the exchange of
knowledge and professional contacts across national borders. Thus, the activities of the international
relations department are perceived as a source of organizational competitive advantage.
Keywords: strategic management, competitive advantage perception, university internationalization.
RESUMEN
El objetivo de este estudio es analizar si la estrategia de internacionalización de una universidad, por
medio de las oportunidades articuladas por el sector de las relaciones internacionales, es percibida
como una ventaja competitiva de la organización por sus estudiantes y profesores. La metodología
consiste en un método de investigación cualitativa de estudio de caso y técnica de entrevistas en
profundidad con los estudiantes y profesores de una institución privada de educación superior
ubicada en Curitiba-Paraná-Brasil. Como resultado se observó que para entrar en el mercado
educativo la institución necesita dar a su público la oportunidad de intercambio académico, que
permite el intercambio de conocimientos y contactos profesionales a través de las fronteras
nacionales. Por lo tanto, las acciones del sector de las relaciones internacionales son percibidas
como ventaja competitiva de la organización.
Palabras claves: gestión estratégica, percepción de la ventaja competitiva, internacionalización de
la universidad.
231
1 INTRODUÇÃO
A internacionalização do ensino superior tem sido cada vez mais presente e necessária na
rotina das instituições. Em função da importância de alunos e professores terem uma visão
globalizada dos conteúdos e suas aplicações práticas, é imprescindível o apoio da instituição de
ensino em capacitá-los para tal desafio. Com vista nessa realidade, uma das formas para a
instituição melhor se inserir no mercado educacional é por meio de oportunidades de intercâmbio
acadêmico, de mobilidade de conhecimentos e de contatos profissionais e interinstitucionais, além
das fronteiras nacionais. Essas ações e serviços de cooperação acadêmica no espaço internacional
são gerenciados por setores próprios de Relações Internacionais das instituições de ensino. Esses
departamentos de Relações Internacionais necessitam de uma administração estratégica para
tornarem-se um diferencial competitivo das instituições de ensino no mundo globalizado. O
gerenciamento estratégico envolve a definição de estratégias com fundamento em uma análise das
oportunidades e ameaças do ambiente externo à organização até a análise de seus pontos fortes e
fracos como instituição e como departamento, para então definir uma estratégia de ação que traga
reconhecimento no mercado e vantagem competitiva para a organização.
Embasado nesses pressupostos, o problema de pesquisa do presente trabalho está
vinculado ao setor encarregado da internacionalização de uma instituição privada de ensino superior
de Curitiba. Apresenta-se assim a seguinte questão problema deste trabalho: as oportunidades de
contato internacional, articuladas pelo setor de Relações Internacionais, são percebidas como um
diferencial competitivo da instituição de ensino superior “X” de Curitiba? O objetivo do presente
trabalho é analisar se a estratégia de internacionalização de uma instituição de ensino superior
privada, mediante as oportunidades de contato internacional articuladas pelo setor de Relações
Internacionais, é percebida por seus alunos e professores como um diferencial competitivo da
organização. A metodologia utilizada neste trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa que,
quanto aos fins, pode ser classificada como descritiva e, quanto aos meios, como estudo de caso. A
pesquisa foi realizada por técnicas de entrevista focalizada com professores e alunos, bem como por
pesquisa documental a dados secundários, como documentos fornecidos pela instituição.
Este trabalho busca contribuir de forma empírica para o campo teórico de administração
estratégica, englobando internacionalização e vantagem competitiva dentro dos estudos
organizacionais, principalmente em relação ao campo relacionado a universidades.
2 GLOBALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO E
INTERNACIONALIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA
A globalização, segundo Ianni (2004), pode ser considerada a intensificação das relações
sociais em escala mundial, ligando localidades distantes de tal maneira que os acontecimentos
locais são modelados por eventos ocorrendo a milhares de quilômetros de distância e vice-versa.
Para corroborar essa ideia, Held e McGrew (2001) afirmam que a globalização denota a
aceleração e o aprofundamento do impacto dos fluxos e padrões inter-regionais de interação social.
Dessa forma, refere-se a uma mudança ou transformação na escala da organização social que liga
comunidades distantes e amplia o alcance das relações de poder nas grandes regiões e continentes
do mundo.
Sobre a data em que a globalização teria começado, vários autores a localizam no século
XVI, com o início das Grandes Navegações, da expansão capitalista e da modernidade ocidental.
Outros datam a origem em meados do século XX, quando as inovações tecnológicas e
comunicacionais passaram a articular os mercados em escala mundial, consolidando-se com o
desaparecimento da União da República Socialista Soviética (URSS) e o advento forte do
capitalismo. Com o deslocamento dos eixos de poder do mundo, as relações entre os países
modificaram-se e, em decorrência, também o papel das instituições de ensino superior dentro das
suas próprias nações e entre elas.
Nesse contexto, governos, empresas, instituições e pessoas passaram a ter no conhecimento
o grande diferencial para planejar o futuro. Assiste-se, assim, à emergência de um novo paradigma
econômico-produtivo no qual o fator mais importante não é a disponibilidade de capital, mão de obra,
232
matérias-primas ou energia, mas o uso intensivo do conhecimento. Bernhein (2006) afirma que uma
das características da sociedade contemporânea é o papel central do conhecimento em processos
produtivos, pois a denominação mais frequente que se costuma atribuir é “sociedade do
conhecimento”.
Corroborando essa ideia, de acordo com Gottifredi (2002), os analistas observam um
aumento na demanda pelo ensino superior no mundo inteiro, tendo em vista que a sociedade do
conhecimento exigirá, de maneira crescente, pessoas cada vez mais qualificadas. Como espaço
gerador de conhecimento, a universidade tem contribuído para as rápidas transformações
tecnológicas, para a evolução dos meios de comunicação e para a velocidade com que circulam as
informações, que têm aproximado os povos e têm feito com que as populações tenham acesso
muito rápido e direto ao que está ocorrendo nos lugares mais longínquos do globo, gerando um
acelerado processo de internacionalização (STALLIVERI, 2002).
Percebe-se uma mudança nos paradigmas, que segue na mesma direção da reformulação
trazida pela globalização e que caminha lado a lado com a evolução das sociedades. Com o
processo de massificação do ensino superior, já que há várias instituições privadas no mercado,
foram abertas as portas da universidade para análise de diversos setores da sociedade (TROW,
1970). Assim, estudantes, pais, governo, agências financiadoras de crédito educativo, agências de
fomento para pesquisa e o mercado passaram a ser “clientes”, agindo de forma ativa na escolha de
instituições de ensino para “comprar” educação, sendo avaliadores dos próximos rumos das
universidades. Essa nova situação pode ser ilustrada pela necessidade que os estudantes têm de
obter uma experiência acadêmica reconhecida, as exigências do mercado de trabalho por um
determinado perfil profissional, a questão das avaliações da qualidade do ensino, os quesitos para
garantir financiamento de projetos, bem como credenciamento dos programas e cursos. Dessa
forma, apesar da consequente diminuição da autonomia das instituições, uma vez que há vários
quesitos a serem preenchidos, como, por exemplo, atividades extensionistas, as atividades de
cooperação internacional acabam por garantir à escola uma boa imagem institucional e legitimidade
perante a sociedade, o governo e o mercado.
Sobre a internacionalização da educação superior, a Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2006) afirma que mais e mais estudantes optam por estudar
no exterior, inscrever-se em programas educacionais estrangeiros, ou simplesmente utilizar a
internet para fazer cursos em outros países. Esse crescimento é o resultado de várias forças, mas
não mutuamente exclusivas: o desejo de promover entendimento mútuo; a migração de
trabalhadores qualificados numa economia globalizada; o desejo das instituições de obter outras
fontes de financiamento; a necessidade de construir uma força de trabalho mais qualificada nos
países de origem, geralmente nas economias emergentes.
Com suporte nessa realidade, ao ingressar no século XXI, o desafio que a universidade deve
enfrentar é avançar aceleradamente pelo caminho do crescimento para assegurar coesão social e,
ao mesmo tempo, incorporar-se à nova economia baseada em conhecimentos – a sociedade da
informação e a cultura global. Atualmente, nenhuma universidade pode subtrair-se das relações
internacionais e dos intercâmbios acadêmicos com o estrangeiro. Conforme argumenta Stalliveri
(2002), diante do acelerado processo de internacionalização percebido principalmente nas duas
últimas décadas e mais efetivamente em nível científico tecnológico, as universidades passam a
buscar seu espaço diante desse novo panorama. Trata-se até de uma questão de sobrevivência, ou
seja, é necessário internacionalizar para poder competir em níveis de igualdade com as melhores
instituições de ensino superior nacionais e estrangeiras.
O processo de internacionalização das universidades pressupõe cooperação em todas as
suas formas: científica, tecnológica, acadêmica; e em seus diferentes níveis, tanto a cooperação
horizontal e vertical quanto bilateral, multilateral, etc., principalmente voltadas para o âmbito da
cooperação institucional (STALLIVERI, 2002). Entre as formas de internacionalização universitária,
podem ser mencionadas: presença de estrangeiros e estudantes convênios num determinado
campus; número e magnitude de concessões de pesquisa internacional, projetos de pesquisas
internacionais cooperativas; universidades com metas internacionais; sociedades internacionais
envolvendo assistência para universidades estrangeiras; cooperação internacional e colaboração
entre escolas, conselhos e faculdades numa determinada universidade, grau de imersão
internacional no currículo; aumento de contato com estudantes internacionais e membros de
233
faculdades; estabelecimento, via internet, de campi em outros países, ou oferecimento de contratos
de educação a distância; atração de estudantes internacionais, formando colaborações de pesquisa,
promovendo cursos de treinamento em outros país, bem como outras relações que a universidade
pode estabelecer no meio internacional.
Além das diversas formas de internacionalização mencionadas, Gornés (2001) afirma que a
cooperação acadêmica se vê como a capacidade que as instituições de educação superior podem
desenvolver para relacionar-se com outras instituições acadêmicas, governamentais e sociais,
mediante o intercâmbio de produtos acadêmicos (sejam de docência, investigação, extensão,
difusão ou serviços acadêmico-profissionais), com a finalidade de empatar necessidades com
possibilidades.
Com isso, para a universidade, a cooperação acadêmica internacional tem-se revelado de
grande importância, tanto no sentido de atualizar professores e alunos como de lhes proporcionar
condições de diálogo e trabalho, visando à exploração das fronteiras do conhecimento. Para
complementar, segundo Bernhein (2006), cabe aludir ao caráter internacional do conhecimento
contemporâneo, porque se os estados têm fronteiras, o conhecimento tem horizontes.
De acordo com Stalliveri (2002), oferecer a seus cidadãos a oportunidade de experiências
internacionais para que se tornem mais competitivos no mercado global faz parte do papel das
instituições que buscam o equilíbrio entre as expectativas regionais e nacionais, por um lado, e os
desafios internacionais, por outro. Esses desafios impelem a universidade a revisar e atualizar suas
estratégias, a fim de que seus estudantes e seus egressos passem a contar com as competências
essenciais, acadêmicas e profissionais, que lhes permitam interagir numa sociedade cada vez mais
multicultural e internacional, com rápidas mudanças em seu sistema (Ibid., 2002).
As universidades brasileiras, como exemplo, têm desenvolvido papel bastante importante no
que diz respeito ao intercâmbio acadêmico. No final dos anos 80 e início dos 90 (século XX),
surgiram setores como as assessorias internacionais para se conectar às constantes da
globalização. Assim, muitas universidades passaram a ter estrutura para cooperação direta, que até
então era privilégio de órgãos oficiais como o governo. Cabe ressaltar que essas ações e serviços
de mobilidade acadêmica internacional são organizados e gerenciados pelos departamentos de
Relações Internacionais das instituições de ensino. Com esse pressuposto, é necessário ter um
planejamento de ação para que sirva como estratégia empresarial e diferenciação para a instituição
no mercado educacional atual.
3 ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA E VANTAGEM
COMPETITIVA
No campo da ciência da Administração, a estratégia ganhou destaque pelo fato de que, com
a globalização e o mundo cada vez mais competitivo, as organizações devem superar os desafios
das ameaças e oportunidades externas, necessitando, assim, de um guia e orientação estratégica
para o rumo que deverá tomar. Ansoff (1990, p. 93) defende que a estratégia, por ele conceituada
como “[...] novas regras e diretrizes para a decisão, que orientam o processo de desenvolvimento de
uma organização.” Isso antes não era explícito e, por si só, não resulta em qualquer ação imediata
ou resultado para a empresa. Nesse sentido, por um lado, a estratégia clara pode gerar coordenação
e coerência nas atividades organizacionais; por outro, a estratégica implícita pode ser fonte de
vantagem competitiva.
A vantagem competitiva surge, de acordo com Porter (1999), de uma compreensão das
regras da concorrência, e a meta final é lidar com essas regras e, em termos ideais, modificá-las a
seu favor. Em qualquer organização, seja ela doméstica ou internacional, que ofereça um produto ou
serviço, as regras para análise da concorrência estão englobadas em cinco forças competitivas: a
entrada de novos concorrentes, a ameaça de substitutos, o poder de negociação dos compradores,
o poder de negociação dos fornecedores e a rivalidade entre os concorrentes existentes. Na busca
da vantagem competitiva, Porter (1999, p. 63) estratégia deve “[...] criar uma posição exclusiva e
valiosa, envolvendo um diferente conjunto de atividades.” Dessa forma, o autor não aborda o mérito
da estratégia ser explícita ou implícita, mas defende o posicionamento como fonte de estratégia
competitiva para enfrentar as cinco forças anteriormente mencionadas, sendo possível três
234
estratégias genéricas: liderança em custo, diferenciação e nicho/enfoque. A seguir são apresentadas
de forma esquemática e resumida as principais características de cada uma dessas estratégias
genéricas de Porter (1999).
3.1 LIDERANÇA NO CUSTO TOTAL
Consiste em atingir liderança no custo total por meio de um conjunto de políticas funcionais
voltadas para esse objetivo. Prevê a construção de instalações em escala eficiente, reduções de
custo pela experiência, controle rígido do custo e das despesas gerais, minimização de custos em
áreas como pesquisa e publicidade. Custo baixo em relação aos concorrentes torna-se o tema
central da estratégia, embora a qualidade, assistência e outras áreas não possam ser ignoradas.
Podem ser resultados: retornos acima da média, defesa contra a rivalidade dos concorrentes, defesa
contra compradores poderosos (só podem baixar preços ao nível do concorrente mais eficiente) e
fornecedores poderosos (maior flexibilidade para enfrentar aumentos de insumos), barreiras de
entrada (economia de escala, vantagem de custo) e posição favorável em relação aos produtos
substitutos de seus concorrentes.
Essa estratégia exige alta parcela de mercado, posições vantajosas (por exemplo, acesso
favorável a matérias-primas), projeto de produtos para simplificar fabricação, manutenção de uma
vasta linha de produtos relacionados para diluir custos, investimento pesado de capital em
equipamento atualizado e fixação agressiva de preço. Entre os riscos da aplicação dessa estratégia,
estão:
a) mudança tecnológica que anula o investimento ou o aprendizado anteriores;
b) aprendizado de baixo custo por novas empresas que entrem na indústria ou por
seguidores, por meio da imitação ou de sua capacidade de investir em instalações
modernas;
c) incapacidade de ver a mudança necessária no produto ou em seu marketing em
consequência da atenção colocada no custo;
d) inflação em custos que estreitam a capacidade de a firma manter o diferencial de preço
suficiente para compensar a imagem da marca do produto em relação ao preço dos
concorrentes ou outras formas de diferenciação.
3.2 DIFERENCIAÇÃO
Consiste em distinguir o produto ou serviço oferecido pela empresa, criando algo que seja
considerado único no âmbito de toda a indústria. Isso é possível por meio da aplicação de inovação
em projeto ou imagem da marca, tecnologia, peculiaridades, serviços sob encomenda, rede de
fornecedores, entre outras ações. Como resultado, pode-se observar: retornos acima da média em
uma indústria, isolamento contra a rivalidade competitiva em face da lealdade dos consumidores em
relação à marca e menor sensibilidade ao preço, aumento de margens (o que exclui necessidade de
posição de baixo custo), facilidade do poder dos compradores e fornecedores (faltam-lhes
alternativas comparáveis) e melhor posicionamento em relação aos produtos substitutos.
Essa estratégia implica trade-off com a posição de custo, pois as atividades necessárias são
caras, como pesquisa extensiva, projeto do produto, materiais de alta qualidade e apoio intenso ao
consumidor. Nem todos os clientes estarão dispostos ou terão condições de pagar altos preços.
Entre os riscos da aplicação dessa estratégia, estão:
a) diferencial de custos entre concorrentes de baixo custo, e a empresa diferenciada torna-se
muito grande para que a diferenciação consiga manter a lealdade à marca. Os
compradores podem sacrificar, assim, algumas das características, serviços ou imagem
da empresa diferenciada em troca de grandes economias de custos;
b) necessidade dos compradores em relação ao fator de diferenciação diminui. Isso pode
ocorrer à medida que a imitação reduz a diferenciação percebida, e essa é uma
ocorrência comum quando a indústria amadurece.
235
3.3 ENFOQUE
A estratégia consiste em focalizar determinado grupo comprador, um segmento da linha de
produtos ou mercado geográfico. As estratégias de baixo custo e diferenciação visam a toda
indústria, e a de enfoque visa atender muito bem ao alvo determinado. Cada política funcional é
desenvolvida levando isso em conta. Como resultado há retornos acima da média. Entretanto, essa
estratégia implica algumas limitações na parcela total de mercado que pode ser atingido, além de
trade-off entre rentabilidade e volume de vendas. Entre os riscos da aplicação dessa estratégia,
estão:
a) diferencial de custos, entre concorrentes que atuam em todo o mercado e as empresas
que adotaram enfoques particulares, se amplia de tal modo que elimina as vantagens de
custos de atender a um alvo estreito ou anula a diferenciação alcançada pelo enfoque;
b) diferenças nos produtos ou serviços pretendidos entre o alvo estratégico e o mercado
como um todo se reduzem;
c) concorrentes encontram submercados dentro do alvo estratégico e desfocalizam a
empresa que utiliza estratégia de enfoque.
Porter (1999) defende que o meio-termo, ou seja, mescla na escolha de uma estratégia pode
comprometer o resultado final da empresa de rentabilidade. Além disso, provavelmente sofre de uma
cultura indefinida e de um conjunto conflitante de arranjos organizacionais e sistemas de motivação.
Assim, torna-se possível que, ao estarem no “meio”, as empresas menores (concentradas em
enfoque ou diferenciação) e as maiores (liderança de custo) sejam as com maior rentabilidade e as
empresas de porte médio sejam as com menores lucros. Porter complementa que a estratégia e
eficiência operacional são essenciais para um desempenho excelente, o que é o objetivo principal de
toda e qualquer empresa. Entretanto, para uma organização ultrapassar seus concorrentes deverá
preservar uma característica única, que só possível mediante agregação de valor aos consumidores
e(ou) criação de valores a custos mais baixos.
Como instrumento de diagnóstico da busca de vantagem competitiva, Porter apresenta a
cadeia de valor (composta de atividades primária, como logística, operações, marketing e vendas,
bem como atividades de apoio, que são: infraestrutura, recursos humanos, tecnologia de informação
e aquisição), além de categorizar tipos de escopo competitivo, como de segmento, vertical,
geográfico e de indústria. Ainda nesse sentido, Porter propõe uma metodologia de análise da
concorrência, sinais do mercado e movimentos competitivos. A tomada de decisão sobre
posicionamento determina, além das atividades que a empresa exercerá, como essas atividades irão
relacionar-se entre si. De acordo com Porter, se a eficiência operacional visa atingir excelência nas
funções individuais, a estratégia visa combinar as atividades, diferenciando a empresa de suas rivais
e gerando um sucesso sustentável.
Por tratar-se de um mercado globalizado, de acordo com a cadeia de valor de Porter (1985),
no livro A vantagem competitiva das nações, o desenho de estratégias internacionais baseia-se na
combinação entre a vantagem comparativa dos países e a vantagem competitiva das empresas.
Esses dois fatores ajudam a responder a questões: onde a cadeia de valor deve ser quebrada por
meio das fronteiras e em qual atividade funcional uma empresa deve concentrar seus recursos. Na
cadeia da vantagem comparativa, o ambiente internacional difere do ambiente doméstico por causa
de:
a) fatores institucionais e culturais que estabelecem fortes barreiras à livre transferência das
vantagens competitivas das empresas entre países;
b) fatores de custo (salário, matéria-prima, imposição sobre o capital) que se diferenciam de
um país para outro.
De acordo com Porter (1985), em mercados altamente competitivos, a cadeia de valor é
definida em termos da contribuição de cada elo ao custo total e, logo, devem ser localizados os
fatores críticos de sucesso. Já em mercados menos competitivos, a cadeia de valor é definida em
termos da contribuição de cada elo ao valor de mercado. Assim, torna-se importante mapear os
236
atributos dos produtos mais desejados pelos consumidores, significando redirecionar ativos ou
continuar com as competências tradicionais.
A seguir, perceber-se-á como essas estratégias genéricas de Porter (1999) em busca
de vantagem competitiva podem ser aplicadas no contexto das instituições de ensino
superior e, principalmente, em relação à estratégia de internacionalização por intermédio
das atividades desenvolvidas pelo setor de Relações Internacionais.
4 VANTAGEM COMPETITIVA E ESTRATÉGIA DE
INTERNACIONALIZAÇÃO UNIVERSITÁRIA
As cinco forças e as três estratégias genéricas em busca vantagem competitiva abordadas por
Porter (1999) podem ser percebidas no contexto da internacionalização universitária mediante
estratégias utilizadas pelas instituições de ensino e atividades desenvolvidas por seus setores de
Relações Internacionais em busca de um diferencial competitivo para destacar-se no mercado local
e global. Pode-se relacionar o campo universitário com a indústria mencionada por Porter, e, assim,
cada universidade, principalmente as privadas, que vêm aumentando em função da massificação do
ensino superior (TROW, 1970), devem enfrentar concorrentes para sobreviver no mercado.
Dessa forma, ao enfrentar as cinco forças competitivas no campo universitário, conforme será
visto mais detalhadamente no capítulo 5 deste trabalho em análise ambiental do setor de Relações
Internacionais das instituições de ensino superior localizadas em Curitiba, a estratégia de
internacionalização universitária de aliar-se a instituições de ensino no exterior (STALLIVERI, 2002)
pode ser considerada uma diferenciação e fonte de vantagem competitiva. Nesse sentido, a
estratégia de internacionalização universitária, dentro das estratégias genéricas de Porter (1999),
pode ser encaixada tanto como uma estratégia de diferenciação quanto estratégia de enfoque,
porque há tanto o diferencial de convênio com o exterior, como pode ser focalizado o país com que
serão realizadas parcerias para ações internacionais. No diagnóstico da busca de vantagem
competitiva, a cadeia de valor de Porter auxilia para se categorizar tipos de escopo competitivo,
como o de segmento e o geográfico. Com isso, pode-se estabelecer o desenho da estratégia
internacional com base na combinação de vantagem comparativa dos países com vantagem
competitiva da própria universidade.
Uma distinção que se pode encontrar de forma mais amena é a questão dos fatores de custo
(PORTER, 1985), pois, no caso da internacionalização universitária por meio de convênios com
universidades no exterior, esses serão imperceptíveis em comparação com uma empresa que
pretende montar uma filial no estrangeiro. Ressalte-se ainda que os fatores institucionais e culturais
podem estabelecer tanto barreiras quanto pontes à livre transferência das vantagens competitivas
das universidades entre países.
Na sequencia deste trabalho, por uma metodologia qualitativa com estudo de caso de alunos
de uma instituição privada de ensino superior privada de Curitiba, essa relação entre as forças
competitivas e as três estratégias genéricas de Porter (1999) poderão ser observadas na prática do
campo universitário. Outra questão a ser analisada é a percepção de vantagem competitiva dessa
instituição em função de sua estratégia de internacionalização.
5 METODOLOGIA
A presente pesquisa consiste em uma abordagem qualitativa que, de acordo com Creswell
(2010), é um meio de explorar e entender o significado que os indivíduos ou grupo atribuem a um
problema social. Nesse sentido, é preciso fazer uma interpretação e análise dos significados dados
para compreensão de como a realidade é socialmente construída. Conforme Vergara (2007), a
pesquisa, quanto aos fins, pode ser classificada como descritiva e, quanto aos meios, como estudo
de caso. A pesquisa descritiva expõe características de determinado fenômeno sem o compromisso
de explicá-lo, mesmo servindo de base para tal. Já o estudo de caso tem caráter de profundidade e
detalhamento.
237
O objeto delimitado ou problema de pesquisa deste trabalho pode ser observado pelo
questionamento: as oportunidades de contato internacional, articuladas pelo setor de Relações
Internacionais, são percebidas como um diferencial competitivo da instituição de ensino superior “X”,
localizada em Curitiba? Para responder essa questão, foram seguidos os seguintes passos:
descrição do ambiente do setor de Relações Internacionais das instituições privadas de ensino
superior, localizadas em Curitiba; identificação de estratégias competitivas utilizadas pelo setor de
Relações Internacionais.
Na sequencia, são realizadas as entrevistas sobre se e como a estratégia de
internacionalização da instituição de ensino superior privada é percebida pelos alunos e professores
da organização. Dessa forma, foi possível alcançar o objetivo de analisar se a estratégia de
internacionalização de uma instituição de ensino superior privada, por meio das oportunidades de
contato internacional articuladas pelo setor de Relações Internacionais, é percebida como um
diferencial competitivo da organização por seus alunos e professores.
Segundo Yin (2006), estudo de caso investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um
contexto da vida real, em que múltiplas fontes de evidência são utilizadas. No presente trabalho, as
fontes de pesquisa foram entrevistas com os professores e alunos da instituição “X”, selecionados
conforme acessibilidade visando à continuidade da pesquisa. Foram entrevistados quatro
professores e oito alunos em profundidade. Mencionam-se ainda como fonte de pesquisa os dados
secundários: web site e documentos em geral disponibilizados pela instituição e seu setor de
Relações Internacionais. Estes dados podem ser somados a uma pesquisa documental ao buscar
material que não foi editado, como memorandos e avaliações (MARTINS; THEÓPHILO, 2009).
A análise dos dados, principalmente os primários obtidos por técnica de entrevista, é feita por
meio da análise de discurso. Esse tipo de análise pressupõe a significação de textos (verbais ou
escritos), inseridos em um contexto e em uma história, exibindo propriedades estruturais que são
implícitas, intertextuais, transtemporais e transituacionais.
Quanto à questão da confiabilidade e validade desta pesquisa, Gibbs (2007 apud Creswell,
2009) afirma que a confiabilidade qualitativa revela que a abordagem do pesquisador é consistente
entre diferentes pesquisadores e projetos, e a validade qualitativa significa que o pesquisador
verifica a precisão dos resultados empregando alguns procedimentos. Neste trabalho, os
procedimentos utilizados para garantir confiabilidade e validação qualitativa foram: verificação da
transcrição dos membros para determinar a precisão dos resultados qualitativos; triangulação com
diferentes fontes de informação e verificação de possíveis evidências; apresentação das
informações negativas ou discrepantes, as quais se opõem à vantagem competitiva ou a afetam
negativamente, aumentando a credibilidade do relato (CRESWELL, 2010).
Por fim, percebe-se que a metodologia aqui descrita e empregada foi adequada ao permitir o
alcance do objetivo geral deste trabalho: compreender como o público-alvo, composto de alunos e
professores, percebe as oportunidades de intercâmbio acadêmico e executivo oferecido pelo setor
de Relações Internacionais como um diferencial competitivo da instituição. Com isso, pôde-se chegar
a um resultado final sobre a percepção de vantagem competitiva mediante a estratégia de
internacionalização.
6 ANÁLISE AMBIENTAL DO SETOR DE RELAÇÕES
INTERNACIONAIS DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO
SUPERIOR LOCALIZADAS EM CURITIBA
Para análise ambiental do setor de Relações Internacionais das instituições de ensino de
Curitiba, são descritos a seguir seus concorrentes, assim como especificada a ocorrência das cinco
forças competitivas de Porter (1999).
6.1 CONCORRENTES
Os concorrentes das instituições privadas de ensino superior de Curitiba, ao levar-se em
conta o mundo globalizado e a atuação do setor de Relações Internacionais, não são só as
instituições de ensino locais, mas também as globais. Como ponto positivo, para atingir um convênio
238
em âmbito internacional, pode-se mencionar a união, tanto com empresas locais quanto parcerias de
cooperação, com instituições estrangeiras e agências de turismo locais.
Como pontos fracos, estão:
a) concorrentes locais que já possuem convênios internacionais para intercâmbio;
b) existência de agências locais especializadas em realizar intercâmbio;
c) cursos a distância que são de menor custo que os realizados no exterior.
Para acrescentar informação, no quadro 1 segue o número de instituições de ensino superior
de Curitiba. Essas instituições são concorrentes diretas do setor de Relações Internacionais porque
podem ter um departamento que cuide das questões internacionais e(ou) que ofereça os mesmos
produtos e tipos de serviços do setor de Relações Internacionais.
QUADRO 1 – INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR POR
ORGANIZAÇÃO ACADÊMICA
ORGANIZAÇÃO
ACADÊMICA
Centros Universitários
Faculdades
Faculdades de Tecnologia
Faculdades Integradas
Instituto ou Escola Superior
Universidades
TOTAL
NÚMERO DE INSTITUIÇÕES
3
24
13
3
7
5
55
FONTE: INEP/MEC, 2008.
Após análise dos concorrentes, segue de forma esquemática análise das cinco forças
competitivas de Porter (1999).
6.2 AMEAÇAS DE ENTRADA
Para enfrentar e colocar ameaças de entrada, pode-se destacar a diferenciação do produto
oferecido pelo setor de Relações Internacionais, como o atendimento customizado e o programa de
intercâmbio executivo. A customização dos programas de intercâmbio os torna únicos e de acordo
com o desejo do cliente, fazendo com que seja um diferencial no mercado competitivo de viagens
internacionais, tanto por instituições quanto por agências de turismo.
6.3 INTENSIDADE DA RIVALIDADE DOS CONCORRENTES
A rivalidade dos concorrentes é intensa quando os clientes não estão em busca de cursos no
exterior, porque os cursos que o setor de Relações Internacionais oferece são customizados, o que
demanda um valor a ser pago. Logo, esse valor torna a viagem mais cara do que somente um
pacote oferecido por uma agência de tujrismo ou de intercâmbio local. Dessa forma, é difícil
concorrer com cursos não tão atraentes ou então com destinos que sejam mais comuns nas
agências de turismo.
6.4 PRESSÃO DE PRODUTOS SUBSTITUTOS
Em relação à intensidade de concorrentes, os programas de intercâmbio realizados em
destinos mais acessíveis e comuns, como Estados Unidos, concorrem fortemente com viagens de
turismo a esse país, reduzindo o retorno potencial de clientes para o programa de intercâmbio. A
239
ameaça tornar-se-á maior quanto melhor for a alternativa preço-desempenho dos produtos
substitutos, ou seja, se o curso for muito caro e não for altamente interessante, os clientes preferirão
pagar por um pacote de turismo a viajar para conhecer o lugar em função do programa de
intercâmbio.
6.5 PODER DE BARGANHA COMPRADORES
Para barganhar com seus clientes, compradores dos produtos do setor de Relações
Internacionais, uma alternativa encontrada são os descontos oferecidos para grupos de
interessados/participantes de cursos no exterior, porque quanto maior o número de pessoas maior
será a economia de escala para as ações do setor de Relações Internacionais.
6.6 PODER DE BARGANHA FORNECEDORES
É relevante para que o setor de Relações Internacionais possa oferecer oportunidades de
intercâmbio acadêmico com menor valor para seus consumidores. Dentre os fornecedores
destacam-se tanto instituições no exterior quanto agências de turismo e assessoria para vistos. Em
relação às instituições estrangeiras, o poder de barganha das instituições privadas de ensino ainda é
baixo, pois para realizar um curso deve-se pagar um determinado valor para a instituição. Já em
relação às agências de turismo, o poder de barganha aumenta com a realização de cotação com
diferentes agências, bem como quando se realiza parceira com determinada agência que oferece
um valor de custo-benefício superior. As agências de intercâmbio geralmente se encarregam de
passagens aéreas, hospedagem e traslados para os intercâmbios executivos.
No próximo item, serão descritas e analisadas as estratégias do setor de Relações
Internacionais para desenvolver ações de âmbito internacional com o intuito de, na sequencia,
observar se e como o setor de Relações Internacionais é percebido pelo público da instituição “X”
como um diferencial competitivo no mercado local, nacional e global.
7 IDENTIFICAÇÃO DE ESTRATÉGIAS COMPETITIVAS
UTILIZADAS PELO SETOR DE RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
Como parte da estratégia de internacionalização buscando vantagem competitiva, as
principais atividades que foram e estão sendo efetuadas pelo setor de Relações Internacionais da
instituição privada de ensino superior “X” estão relacionadas às práticas de intercâmbio acadêmico e
executivo, pois, ao unir esforços com instituições estrangeiras, é possível oferecer formação e visão
internacional aos professores, alunos e membros de empresas parceiras da instituição. Além dessa
atividade principal, devem ser destacadas as atividades táticas e operacionais, como, por exemplo, a
elaboração de material institucional em línguas estrangeiras (inglês e espanhol), principalmente para
realizar contatos com organizações do exterior, e de material burocrático como minutas modelos de
acordos de cooperação para convênios com instituições estrangeiras.
Ainda outra forma de atuação operacional com vistas na estratégia de internacionalização é a
participação e realização de eventos de caráter internacional, seja levando professores e alunos ao
exterior, seja trazendo professores de renome para palestras na instituição. Essas atividades e seu
caráter estratégico, tático e operacional podem ser percebidas no quadro 2 a seguir.
240
QUADRO 2 – ATIVIDADES DO SETOR DE RELAÇÕES
INTERNACIONAIS E SEU CARÁTER
ESTRATÉGICO, TÁTICO E OPERACIONAL
NÍVEL
ATIVIDADES DO SETOR DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
estratégico
intercâmbio acadêmico e executivo
participação em redes universitárias e organizações internacionais
tático
estabelecimento de parcerias e convênios de cooperação internacional
participação em eventos de caráter internacional
operacional
material institucional em inglês e espanhol
divulgação vínculos que a instituição possui com o exterior
orientação sobre trâmites burocráticos e choque cultural
comissão e material de recepção de estrangeiros
Já analisando, de acordo com as três estratégicas genéricas de Porter (1999) na busca de
vantagem competitiva, infere-se que foi e é realizada a estratégia de enfoque. Essa identificação
surge tanto do contexto da análise ambiental do setor de Relações Internacionais da instituição de
ensino superior “X” quanto de suas atividades e público atingido. A estratégia de enfoque fica mais
perceptível ao se analisar que o setor de Relações Internacionais procura satisfazer as
necessidades de clientes especializados, como é o caso dos professores e alunos que realizam e
têm interesse em realizar intercâmbio por meio de produtos e serviços altamente diferenciados,
tendo uma demanda de mercado, apesar de baixa, constante e com determinação de preços altos.
Nesse sentido, a estratégia de internacionalização com enfoque no produto intercâmbio
acadêmico e executivo prevê, para ser competitiva, atingir o ideal de venda e diferenciar-se dos
concorrentes com um curso em um destino inovador para um público seleto que reconhece o valor
de uma experiência internacional e está disposto a pagar o preço justo, mesmo acima do valor
ofertado no mercado, por não ser tão sensível a preço dos produtos, mas mais sensível à qualidade
e diferenciação do curso/programa internacional que irá realizar.
Ainda sob o ponto de vista das teorias de Porter (1999), pode-se identificar, dentro da
estratégia genérica de enfoque, a diferenciação vinculada à estratégia de internacionalização, como,
por exemplo, no posicionamento de diferenciação, em função da customização e da flexibilidade dos
programas de intercâmbio internacionais. Dentre as facilidades e benefícios da flexibilidade e
customização, destacam-se a possibilidade de ingresso no curso no decorrer do ano, ou seja, o
aluno pode realizar seu intercâmbio em qualquer mês do ano; a flexibilidade na grade do curso, isto
é, o aluno escolhe as disciplinas que vai cursar durante intercâmbio; a flexibilidade financeira para
efetuar pagamento parcelado. Além disso, em relação à estratégia de internacionalização da
instituição privada de ensino superior “X”, pode-se mencionar o aproveitamento da carga horária
realizada no exterior nos cursos da instituição. Assim, tem-se o fato de que dois alunos, por mais que
tenham feito os mesmos cursos acadêmicos formais, poderão ter currículos diferenciados ao
adicionarem uma experiência customizada de aprendizagem no exterior.
Por fim, quando a estratégia de internacionalização da instituição de ensino superior “X”
estiver legitimada, tanto no ambiente local quanto nacional e internacional, ela então poderá partir
para um passo de maior planejamento financeiro, estabelecendo uma filial no exterior para obter
maior reconhecimento e competitividade no mercado.
8 PERCEPÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DO SETOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
COMO VANTAGEM COMPETITIVA
Pelas entrevistas realizadas com professores e alunos da instituição de ensino superior “X”
pôde-se realizar uma análise de discurso e perceber que todos pensam ser importante a realização
de intercâmbio internacional. Na fala de um dos alunos que já foi intercambista, percebe-se o valor
241
que ele dá ao produto intercâmbio. Infere-se que é uma percepção de vantagem competitiva, tanto
do setor de Relações Internacionais quanto da instituição de ensino superior “X”, por oferecer essa
oportunidade: “É uma experiência única, tanto no mundo acadêmico como no mundo dos negócios,
e faz com que o participante expanda sua visão de mundo e cultura, o que atualmente é algo muito
valioso.”
Esse mesmo discurso da importância do produto intercâmbio também fica perceptível na fala
de outro aluno, que ainda não foi intercambista: “É uma experiência para desenvolver várias
habilidades, tais como aperfeiçoar outro idioma, ter contato com outras culturas, fazer novas
amizades, conhecer outros países, expandir horizontes e aumentar rede de relacionamento.”
Quanto à oportunidade de realização de intercâmbio, por acreditarem ser de importância
pessoal e profissional, os professores e alunos expuseram em suas falas o desejo de participar,
tanto de intercâmbio acadêmico quanto executivo. Percebe-se assim que, independentemente da já
realização ou não de intercâmbio pelo setor de Relações Internacionais da instituição “X”, esse é um
produto de valor e pode ser considerado como fonte de vantagem competitiva da organização.
Entre os objetivos de intercâmbio, alguns alunos expõem seus interesses pessoais, como,
por exemplo, “[...] com objetivo de adquirir novas experiências e conhecimentos para meu papel de
empresário, com o objetivo de aplicar em meus negócios.” Já o professor acrescenta que: “Se a
posição profissional da pessoa não permite uma visão globalizada, acredito que o intercâmbio
acadêmico será importante para aprimorar os conhecimentos referentes a determinados assuntos,
conhecer uma nova cultura e observar melhores práticas acerca de determinado processo.”
Ao questionar os objetivos da realização de intercâmbio, pode-se inferir então que a uma
resposta para o mesmo ser considerado como um diferencial competitivo, tanto para o aluno e
professor no mercado profissional quanto para a instituição de ensino superior “X” em relação às
demais instituições de ensino de Curitiba que não oferecem esse produto. Essa última afirmação tem
uma justificativa clara quando os entrevistados são questionados quanto à escolha de realizar curso
na instituição privada de ensino superior “X”, pois nas respostas foram mencionados diferenciais e
posicionamento que a escola oferece, e, de acordo com alguns alunos, o fato de oferecer
intercâmbio internacional foi um fator que influenciou a escolha de estudar na instituição. Um aluno
acrescenta que o setor de Relações Internacionais “[...] com certeza é um argumento importante na
hora de escolher a instituição, mas deve estar bem claro no site, no folder e outras propagandas da
escola.”
Quanto ao conhecimento do setor de relações internacionais da instituição privada de
ensino superior “X”, alguns alunos o conhecem e deram sua opinião a respeito, como, por
exemplo: “Acredito que, apesar das dificuldades de conseguir um grupo grande para
intercâmbios, o núcleo deve continuar a promover as relações internacionais, a fim de
firmar-se como um diferencial da instituição privada de ensino superior “X” e conseguir
parcerias cada vez mais importantes.” Dessa forma, percebe-se que, em função da
importância dada e já reconhecida da realização de intercâmbio acadêmico e executivo
internacional, a divulgação do setor de Relações Internacionais pode ser considerado um
fator importante no momento de escolha de instituição para matricular-se em uma
graduação ou pós-graduação. Conclui-se assim que, ao divulgar a existência e as ações do
setor de Relações Internacionais, esse pode servir como uma vantagem competitiva para a
instituição privada de ensino superior “X” perante seu público de interesse e, principalmente,
os potenciais alunos da instituição.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para alcançar o objetivo do presente artigo, que se propõe analisar se a estratégia de
internacionalização de uma instituição privada de ensino superior é percebida como um diferencial
competitivo da organização por seus alunos e professores, foi utilizada a metodologia de pesquisa
qualitativa descritiva com estudo de caso.
Ao abordar o referencial teórico das cinco forças competitivas e das estratégias genéricas de
Porter (1999) em busca de vantagem competitiva no campo universitário e não na indústria, foi
242
possível perceber que, apesar das diferenças de setor, as forças competitivas existem e que podese escolher e aplicar uma estratégia genérica para diferenciação organizacional. Nesse sentido, a
estratégia de internacionalização universitária, dentro das estratégias genéricas de Porter (1999),
pode ser encaixada tanto como uma estratégia de diferenciação quanto estratégia de enfoque,
porque há tanto o diferencial de convênio com o exterior como pode ser focalizado o país com que
serão realizadas parcerias para ações internacionais.
Conclui-se assim que, com pressuposto no exposto ao longo deste trabalho, a estratégia de
internacionalização da instituição de ensino superior “X” de Curitiba, realizada por meio de atividades
de seu setor de Relações Internacionais, é percebida como uma fonte de vantagem competitiva
organizacional por seus alunos e professores.
Quanto às recomendações para as instituições privadas de ensino superior, sugere-se
continuar a explorar a estratégia competitiva porteriana de enfoque para o melhor reconhecimento
do setor de Relações Internacionais pelo público da organização. Seguindo essa estratégia
focalizada, o serviço de programas de intercâmbio internacional oferecido pela instituição deve ser
considerado por seus clientes como diferenciado no âmbito do mercado local. Como resultados,
esperam-se isolamento contra a rivalidade competitiva em função da lealdade dos consumidores em
relação à marca e menor sensibilidade ao preço e melhor posicionamento em relação aos
produtos/serviços substitutos.
Para finalizar, ressalta-se que a internacionalização de instituições universitárias é
considerada como um princípio para a melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa. Logo, criamse as condições necessárias para o desenvolvimento dos países. Sendo assim, a realização deste
trabalho, bem como a de outras pesquisas envolvendo a internacionalização das instituições de
ensino, pode ser considerada como mais uma contribuição para o desenvolvimento da educação
não só localmente, mas também na rede globalizada da educação, proporcionando aprimoramento
intelectual e desenvolvimento de novas tecnologias e qualidade de vida no mundo.
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245
NORMAS EDITORIAIS
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NORMAS EDITORIAIS
A Administração de Empresas em Revista, publicação oficial do Centro Universitário Curitiba
(UNICURITIBA), de circulação nacional e internacional, com periodicidade anual, destina-se à
veiculação de artigos científicos e resenhas, frutos das atividades de pesquisas, leituras e
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tanto de micro, pequena, média ou grande Empresa, em diálogo interdisciplinar.
Sua principal vocação é agregar valor científico ao debate sobre os temas relacionados à
Administração de Empresas, trazendo a contribuição de trabalhos vinculados a programas de
graduação e pós-graduação do Brasil e do exterior.
Visando à qualificação dos debates e tendo em vista o projeto de inserção da Revista no
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9) Os artigos (de ambas as seções) deverão ter suas introduções antecedidas por resumos
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Curitiba, 09 de dezembro de 2010.
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